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MANA 21(1): 213-230, 2015

RESENHAS

DOI http://dx.doi.org/10.1590/0104-93132015v21n1p213

BIRMAN, Patrícia; LEITE, Márcia Pereira; Inspiradas em alguns temas traba-


MACHADO, Carly & SÁ CARNEIRO, Sandra lhados por Foucault, o livro organizado
de. 2015. Dispositivos urbanos e trama por Patrícia Birman, Márcia Pereira
dos viventes: ordens e resistências. Rio de Leite, Carly Machado e Sandra de Sá
Janeiro: Editora FGV. 504pp. Carneiro tem como escopo problemati-
zar questões relativas ao urbano sem a
pretensão de resolvê-los. Inquietas com
Camila Pierobon os embaralhamentos das racionalidades
Doutoranda em Ciências Sociais – PPCIS/UERJ vigentes na vida social e os emaranhados
Bolsista CNPq de estratégias operados pelos sujeitos
nas cidades contemporâneas, as orga-
Que formas de vida social, política, nizadoras convidaram pesquisadores de
econômica emergem das cidades, em várias instituições a apresentarem suas
seus lugares mais precários? Quais reflexões no colóquio realizado em 2011
agenciamentos e mediações são pro- na UERJ ante o seguinte desafio: apre-
duzidos nas dobras entre legal e ilegal? sentar, através do trabalho etnográfico, os
Que dispositivos de ordens e resistências jogos de poderes operados no cotidiano
são operados pelos sujeitos no cotidiano? em suas diferentes escalas e transversa-
Como são produzidas as margens urba- lidades, os agenciamentos políticos, as
nas e que tipos de alteridades e fronteiras lógicas de mercado, os mediadores no
decorrem do contato entre os diferentes campo religioso e/ou das ONGs, os usos
agentes atuantes nesses espaços? De que de recursos midiáticos, as reivindicações
maneira subjetividades e moralidades em torno de direitos, os processos de
são construídas nos interstícios entre construções de identidades, de subjeti-
violências e lutas por justiça, ilegibili- vidades e territorialidades, as formas de
dades das leis e discricionaridades de manutenção e atualização de violências.
suas aplicações? Quais estratégias de Por isso a ideia de dispositivos urbanos
visibilidades e invisibilidades são criadas abre o livro, seguido de trama, que va-
pelos sujeitos nas situações e problemas loriza as interseções concretas exercidas
específicos? Nos 20 capítulos que com- pelos viventes.
põem o livro Dispositivos urbanos e trama Das discussões sugiram as quatro
dos viventes: ordens e resistências, estas partes do livro: “Das tramas e dos dispo-
questões são enfrentadas pelos autores sitivos urbanos”, abre a coletânea com
com densidade etnográfica e potência textos teóricos, mas com ancoragem
analítica. etnográfica, nos quais Michel Agier,
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Vera Telles e Michel Misse discutem torialidades, ora fixando fronteiras, ao


suas atuais preocupações de pesquisa. impedir a passagem de algumas pessoas
“Entre o legal e ilegal: práticas e discur- ou grupos, ora flexibilizando-as, quando
sos sobre o urbano” foca no governo das autoriza certos acessos e proteções via
populações pobres a partir das estratégias pagamento de tributos.
operadas pelos agentes nos interstícios Voltando os olhos para o Rio de Ja-
entre legalidade e ilegalidade. A terceira neiro, o policial aparece como aquele
parte, “Presos do lado de fora: periferias, que cumpre a ordem de expulsar quem
quilombos, favelas e ocupações”, discute contesta a ordem hegemônica da pro-
os processos de produções identitárias priedade privada. Seja em favelas, seja
e seus desdobramentos em questões em quilombos e ocupações, as questões
territoriais, étnicas e/ou raciais, entre- habitacionais dos espaços valorizados da
tecidas com construções de políticas, cidade são correntemente transformadas
fronteiras e alteridades. Na última parte, em problemas de polícia. Nos textos de
“Experiências de terror: revelação e ocul- Patrícia Birman e Jérôme Souty o policial
tamento”, a violência aparece como um é quem coloca o poder do Estado em
importante dispositivo do ordenamento ação, atuando como produtor de delin-
urbano, que envolve formas de medo e quência na cena das ocupações e como
silenciamentos, subjetividades e morali- agente no processo de criminalização dos
dades, agenciamentos e lutas por justiça, quilombos urbanos. A partir dos textos,
visibilidades/invisibilidades. podemos entender que política e Estado
Encorajada pela “Apresentação” de são operados através do exercício da força
Luis Antonio Machado da Silva, pro- policial, que estabelece formas de auto-
ponho tecer outras “costuras” entre os ridade, gestão e controle aos habitantes
textos. Enfatizo nesta resenha a presença desses espaços.
de um ator que incorpora diferentes dis- Adriana Fernandes aponta em seu
positivos presentes nas cidades contem- trabalho um regime de tensão no interior
porâneas e que, a meu ver, está no centro das ocupações de moradia quando se
das discussões que tratam das gestões associa polícia e tráfico de drogas às pos-
urbanas: o policial. sibilidades de violências e usurpações.
Polícia, importante agente das tramas Contudo, a autora capturou uma situação
urbanas que tangencia a vida ordinária de conflitos e negociações envolvendo
daqueles que habitam as margens ur- religiões, identidades, racializações, polí-
banas. Com o cruzamento dos textos, ticas públicas em uma ocupação popular
o policial aparece como uma figura e o Museu da Polícia Militar. Neste esta-
capilar, quase impossível de se escapar, riam “presas” estátuas de Orixás e alguns
que coloca em funcionamento diversos moradores mobilizaram estratégias para
dispositivos presentes nas cidades con- trazê-las ao imóvel, que seria transforma-
temporâneas. Como um dos agentes na do em um espaço da cultura negra.
produção de fronteiras e territorialidades, No trabalho de Vera Telles e de Daniel
o policial surge no texto de Michel Agier Hirata, o policial opera fronteiras e terri-
como aquele que evacua e destrói campos torialidades quando regula os territórios
de refugiados ao incorporar a violência dos mercados populares. É ele quem
como força política do Estado. Seja nos controla oficialmente os trabalhadores
campos da cidade grega de Patras, de ambulantes, fiscaliza suas autorizações
Calais no norte da França ou de Dadaab para a venda de mercadorias, vistoria
no Quênia, esse personagem gere terri- o local das negociações e, no limite,
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pode decidir se o vendedor está (ou não) questões quando o poeta Deley de Acari,
dentro da legalidade. Como os trabalhos um dos “intelectuais das margens” que
demonstram, o policial atua por meio do a autora analisa, toma para si a tarefa de
poder discricionário, próprio de suas ati- transmitir pedagogicamente a ideia de
vidades, que se soma à ilegibilidade das que os moradores de favelas têm o direi-
leis, suas brechas e alterações. Imbricado to de denunciar as agressões arbitrárias
com mafiosos, traficantes de drogas e realizadas pela polícia.
milicianos, o policial está no centro das A discussão de Myrian Sepúlveda
relações de força e dos jogos de acordos dos Santos se dá em torno da espetacu-
e negociações que envolvem chantagens, larização das implosões de presídios e
compras de proteção e formas de extor- da invisibilização das violências em seu
sões que flexionam a aplicação das leis. interior. O policial aparece em seu texto
O policial também é um ator dos ora como ouvidoria da Polícia Militar,
dispositivos de violência e terror nas ora como aquele que pratica torturas e
cidades contemporâneas. A partir do mortes no interior desses espaços. São
adiamento de uma audiência judicial, eles, junto com agentes penitenciários,
que integra o julgamento de policiais moradores dos arredores das prisões e
que cometeram assassinatos, Adriana familiares de presos que percebem, em
Vianna analisa os processos de constru- seu cotidiano, as ambivalências de um
ção de subjetividades na dolorosa espera sistema que se caracteriza pela violência,
dos familiares da vítima por uma nova a tortura e o terror.
audiência. O sofrimento de familiares, Carly Machado discute a polícia por
advindo da morte de um filho, se soma meio do sofrimento daquele que produz
à figura fantasmagórica do policial que violência. Inseridos em uma cartografia
cometeu o assassinato e está livre, às moral e em uma complexa política das
possíveis violações que podem ocorrer emoções que classifica quem pode sofrer,
sobre aqueles que demandam por justiça o policial é correntemente colocado do
e o “tempo de espera”, marcado por dor, lado dos “sem sentimentos”. No entan-
desânimo, cansaço e pelas adversidades to, quando Machado analisa a Tropa de
que impedem a reparação. Louvor do Ministério do Batalhão de
A questão da violência trabalhada por Operações Especiais da Polícia Militar
Juliana Farias está na aplicação dos “au- (banda gospel do Bope), o sofrimento
tos-de-resistência” que oficializam a mor- aparece como construtor de moralidades
te de moradores de favelas e periferias. e masculinidades, e sofrer significa su-
Essas mortes provocadas por policiais portar a morte para obter salvação, perdão
são contrapostas pelos familiares atra- e esperança. Como agente nos processos
vés dos exames de laudos cadavéricos, de construção de moralidades e mascu-
que muitas vezes apontam o contrário linidades, o policial surge nos textos de
do que foi registrado como causa mortis. Michel Misse e César Teixeira a partir
Neste complicado jogo de veridificação, das relações sociais que se desenrolam no
Farias nos apresenta como familiares de contexto de “violência urbana”. Impor-
vítimas constroem estratégias de visibili- tante ator na produção da sujeição crimi-
zação dessas mortes, que variam entre a nal e presente nos discursos oficiais que
exposição pública e o trabalho artesanal separam quem está na “vida do crime” e
de reunir provas da inocência da vítima quem tem uma “vida normal”, o policial
e de sua execução. Em alguma medida, o está inserido nas práticas de produção de
trabalho de Amanda Dias resvala nestas subjetividades que se entrelaçam às ações
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religiosas e de ONGs, que mantêm como de favelas produz como efeito a gestão da
pano de fundo o espectro do bandido. vida local e a administração dos conflitos.
Outros dispositivos entram nas cenas No argumento da autora, o policiamento
urbanas através da figura do policial. de permanência tem modificado as dinâ-
O texto de Rafael Soares Gonçalves micas de violências, a lógica da guerra,
destaca como esse personagem está no as formas de segregação e as escalas de
centro da gestão de territórios associados cidadania.
à especulação imobiliária. A instalação O repertório gramatical operado por
de Unidades de Polícias Pacificadoras moradores de condomínios fechados na
(UPPs) em algumas favelas do Rio de zona oeste do Rio de Janeiro aciona a
Janeiro é analisada pelo autor como parte figura do policial na construção de gra-
de uma rede estratégica de valorização de dações de moralidades, cidadanias e hu-
territórios de favelas e seu entorno, envol- manidades. Jussara Freire analisa como
vida nas dinâmicas dos mega eventos e membros das camadas médias urbanas
no interior das lógicas de turismo. Como consideram legítimas a intervenção poli-
explorado por Bianca Freire-Medeiros, cial em favelas e a permanência da polícia
essa nova lógica de turismo incorpora nesses espaços associados ao crime e à
formas de “turismo em favelas”, exerci- criminalidade. No entanto, o policial não
das naquelas que estão sob intervenção é bem vindo nos condomínios fechados,
da Polícia Militar. Comparando favelas cuja presença contaminaria moralmente
no Brasil e townships na África do Sul, aquele espaço dos “contribuintes” con-
a autora analisa as relações de poder no siderados por si mesmos “cidadãos de
campo do turismo associadas à lógica primeira categoria”.
do empreendedorismo local como pos- Os textos de Véronique Boyer e José
sibilidade de os moradores de favela se Maurício Arruti são aqueles em que a
tornarem responsáveis por seu próprio figura do policial não está presente. No
negócio. entanto, podemos tecer outras “costuras”
No interior da lógica do mercado neo- através dos processos de produção de
liberal, cada indivíduo deveria tornar-se territorialidades. Boyer está preocupada
empreendedor e criador de seu próprio com os regimes de diferenciação e os re-
capital. Como nos mostra Lia de Mattos gistros de identificação dos quilombos na
Rocha, os “projetos sociais” direcionados Amazônia. Para a autora, o estado aciona
a jovens moradores de favelas, realizados categorias jurídicas que pressupõem a
por ONGs, muitas delas em áreas que identidade diferenciada dessas pessoas e,
estão sob a guarda dos policiais das UPPs, assim, cria novas fronteiras entre grupos,
atuam conjuntamente na repressão e na territórios e identificações. Arruti discute
disciplinarização de corpos e moralida- os dispositivos territoriais e populacionais
des. Dentre as ações policiais está o con- relacionados aos quilombos urbanos,
trole do espaço público, que acompanha analisando seu repertório discursivo.
as configurações dos mercados, funcio- Em seu trabalho, Arruti nos apresenta
nando como elemento moralizante no como certos agenciamentos discursivos
processo de classificação dos jovens que produzem uma diversidade de sentidos
são “recuperáveis” e os “não recuperá- que não podem ser dissociados de suas
veis”. A pesquisa de Márcia Pereira Leite bases históricas e sociais.
nos fala sobre a implantação dos postos Certamente o caminho escolhido para
de policiamento permanente das UPPs e o cruzamento dos textos não é o único
como essa nova forma de policiamento possível. Ficam guardadas para os futuros
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leitores novas “costuras” entre os traba- lógica, que pode ser apreciada a partir
lhos que enriquecerão os debates sobre de três eixos.
os dispositivos urbanos vigentes nas cida- Em um primeiro eixo, o livro apresen-
des contemporâneas. Antes de finalizar, ta os modos pelos quais o colecionismo
gostaria de destacar a relevância ética do século XVII imbrica-se com as rotas
e política dos textos, que fazem circular comerciais e de dominação colonial. Os
visões minoritárias sobre as cidades e objetos colecionáveis confundem-se com
sobre as violências presentes nas formas os itens de comércio, e as pessoas que
de governar as populações pobres. os trocam, com os agentes coloniais. Os
casos analisados do percurso da bacia de
prata e dos chapéus de Castor, trocados
DOI http://dx.doi.org/10.1590/0104-93132015v21n1p217 entre Nassau e representantes do Congo,
FRANÇOZO, Mariana de Campos. 2014. De apresentam as dinâmicas coloniais que
Olinda a Holanda: o gabinete de curiosi- punham em contato áreas tão distantes
dades de Nassau. Campinas, SP: Editora da quanto Holanda, África, Peru e Pernam-
Unicamp. 287 pp. buco e que fortaleciam o comércio de
açúcar e de escravos. Ainda sobre a bacia
de prata, a investigação da sua origem re-
Rita de Cássia M. Santos monta ao Peru. Segundo a autora, a bacia
Doutoranda do PPGAS/MN/UFRJ deve ter seguido para a África por meio
de comerciantes, lá utilizada para compra
A problematização da coleção de Maurí- de escravos e posteriormente presenteada
cio de Nassau, formada durante seus anos a Nassau. As coleções, como demonstra
de administração da possessão holandesa a autora, não são fixas e perenes, ao
no Nordeste do Brasil (1637-1644), é o contrário, o seu valor reside justamente
pano de fundo no qual Mariana Françozo no movimento. As trocas, as permutas, as
tece seu primoroso livro. Busca a autora inclusões eram frequentes e justificavam
reestabelecer as diferentes temporali- a sua importância.
dades da coleção em seus processos de Ainda nessa direção, Françozo analisa
formação, circulação e dispersão, apos- um conjunto de instigantes questões pos-
tando que o desenrolar dessa imbricada tas a partir da aplicação do conceito de
rede a guiará às conexões atlânticas que, dádiva às práticas colecionistas do século
no limite, identificam o colecionismo XVII. Elaborado por Marcel Mauss, o
do século XVII aos jogos políticos do conceito de dádiva buscava compreender
circuito colonial. Ao abordar o processo as implicações do sistema de trocas na
de formação e circulação da coleção de conformação das relações pessoais, dito
Nassau, Françozo permite entrever ainda de outro modo, como a troca de objetos
a dinâmica de produção de saberes sobre converte-se em laços pessoais. Aqui,
o Brasil nos Países Baixos da época Mo- Françozo o utiliza para compreender os
derna, observada e analisada a partir das sentidos e os significados das múltiplas
práticas sociais. doações que envolvem a formação da co-
Desdobramento de sua tese de douto- leção e sua posterior dispersão no contex-
ramento em antropologia pela Unicamp, to europeu e americano, entre europeus e
sob supervisão do ilustre professor John populações autóctones. Como resultado,
Monteiro, este trabalho combina uma percebemos os diferentes caminhos pelos
aguçada pesquisa histórica com uma quais Nassau, a partir de sua coleção,
criativa linha de investigação antropo- constrói um nome de prestígio, o bem

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