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Capítulo 7 1. OS AFETOS PERMEIAM TODAS AS DIMENSÕES DA
EXISTÊNCIA
A DIMENSÃO AFETIVA Poderia ter iniciado este capítulo com o texto de qualquer outro escritor;
Emoções, sentimentos, estados de ânimo, paixões todos eles, quando refletem a condição humana, nos mostram o predomínio dos
afetos na vida de seus personagens. Este não é um mero recurso literário para
o cérebro, enervado. pôs-se a trabalhar; tive o pressentimen- envolver ao eventual leitor numa trama romanesca; não; os afetos são o signi-
to absurdo, imediato, de que aquela mulher estava ali por minha ficado profundo que percorre a trama de qualquer vida humana. Ao sublinhar
causa. Já ia dirigir-lhe a palavra, perguntando se procurava al- algumas palavras do parágrafo citado quis mostrar como o personagem (o pró-
guém, se precisava de auxílio para qualquer coisa, se podia prio Hamsun, pois este relato é estritamente biográfico) está submerso numa
acompanhá-Ia até à casa, embora estivesse tão mal vestido, pobre rede de emoções e sentimentos, todos eles apontados na direção da angústia e
de mim, para protegê-la nas ruas escuras. Tinha, porém, o vago do desespero. O personagem está passando por um período extremadamente
temor de que isso acabasse acarretando despesa: um copo de vi- crítico. Sem trabalho, numa cidade onde não conhece a ninguém que lhe possa
nho, uma corrida de carro - e náo dispunha mais de dinheiro al- oferecer uma mão, tenta sobreviver escrevendo alguns artigos para o jornal da
gum. Os bolsos desesperadamente vazios agravavam minha depres- cidade. Depois de algumas peripécias consegue que lhe publiquem um escrito;
são; nem sequer tinha coragem de observar mais atentamente a mas o dinheim lhe dura pouco; lhe alcança para saldar as dívidas do quarto que
desconhecida, ao passar junto dela. A fome voltara a atormentar- aluga e para algumas refeições que lhe acalmam a fome por um par de sema-
me; não comia desde a noite passada. nas. Logo tudo recomeça. Já penhorou até os botões do casaco e seu único
Não era mesmo o diabo? O diabo ardente, lépido, eterno, recurso é vagabundear pelas ruas, imaginando um golpe milagroso da sorte.
que não deixava minhas atribulações acabarem nunca? A passos Pouca coisa acontece, nada que o proteja do desamparo, da solidão e da impo-
largos e raivosos. com a gola do paletó rudemente levantada sobre tência.
a nuca, mãos metidas nos bolsos da calça, lá ia eu, amaldiçoando Não é uma situação insólita. É o achaque frequente de uma parcela
minha estrela funesta durante a caminhada. Não conhecera uma nada desprezível da população, tanto dos países ricos como das nações subde-
hora realmente despreocupada, durante sete, oito meses; náo inge- senvolvidas. Não se trata de simples pobreza, fonte de tantas aflições. No caso
rira sequer o alimento estritamente necessário durante uma curta de Hamsun sua realidade não se define pela precariedade material, como acon-
semana, antes que a miséria me dobrasse de novo os joelhos. E tece com a gente pobre. Ele é um homem de espírito cultivado, um homem de
para coroar tudo, continuava honesto nas profundezas de minha letras, que se debate entre a indigência e a glória imaginária -aquela que nos
miséria, honesto até a raiz dos cabelos. Deus me perdoe, mas como conced,e a criatividade sequer a título de promessa futura. Não é um homem
eu fora ridículo! Comecei a contar a mim mesmo como sentira re- comum, encurralado nas quatro paredes da pura necessidade: ele se apercebe
morso apenas por ter levado ao Monte de Socorro o cobertor de que sua bancarrota presente não é um destino insuperável nem muito menos
Hans Pauli. Tive um riso sarcástico para minha delicada probida- sua condição natural, que é o sentimento que impregna à maioria dos pobres.
de, cuspi no chão, de desprezo; faltavam-me palavras para zombar Vive sua indigência como uma peripécia temporal, superável nalguma curva do
de minha tolice. Ah, se fosse agora! Se nesse momento achasse na caminho. Essa consciência não torna seu momento menos aflitivo nem o exime
rua o cofrtnho de uma colegial, o único centavo de uma pobre viú- do desespero. Lhe permite, isso sim, uma certa margem de liberdade, que ora o
va, havia de apanhá-lo e o meteria no bolso, de caso pensado, e leva para a ironia e o desatino, ora para o olhar poético -olhar transfigurador de
dormiria tranquilo a noite inteira, como pedra. Não fora em vão qualquer contingência, ainda a mais miserável.
que experimentara sofrimentos indizíveis; a paciência chegava ao Não cabe dúvida que os afetos se exacerbam nas situações extraordiná-
fim, sentia-me disposto a tudo. rias, afortunadas ou infelizes. Mas erraríamos se pensássemos que tem menos
importância no movimento corriqueiro da vida cotidiana. Para nós a afetividade
é uma dimensão da existência; em conseqüência está presente em todas as
formas da vida anímica, seja de um modo envolvente e intenso como nas emo- dades nos estimulam e colocam uma nota de entusiasmo no espírito; é o que
ções, seja de uma maneira sutil como em certos estados de ânimo; e ainda em nos acontece nos jogos e no trabalho que corresponde à vocação. Certo, há
forma de vínculos e de apreensão intuitiva de si mesmo nos sentimentos e no tarefas que nos resultam desagradáveis, que fazemos obrigados pelas circuns-
sentir. tâncias e pela pura necessidade.
Os afetos, nome genérico que nos serve para designar os sentimentos O que fazemos nos afeta de diversos modos. Tanto nos afeta, que já os
mas que também se referem a qualquer modalidade específica da afetividade, antigos recomendavam enfronhar-se no trabalho, ou em certas distrações, como
estão presentes em todas as outras dimensões básicas da existência. uma maneira eficaz de aliviar-se de muitas aflições. É o que faz não pouca
Inscrevem-se no corpo como reações psicossomáticas e como atitudes gente, que prefere estar sempre ocupado para não preocupar-se com assuntos
corporais. Na emoção os eventos do mundo nos atingem até um nível que os angustiavam. Absorvidos por mil tarefas, nào deixam um momento para
citoplasmático, alterando boa parte das atividades fisiológicas. estarem consigo mesmo. Pode funcionar tanto de alívio e antídoto de ansieda-
Permeiam o relacionamento em forma de sentimentos, que nos vinculam des como pode igualmente subordinar-se ao estado de ânimo predominante no
de maneira positiva ou negativa com nosso próximo. Simpatia e antipatia, que sujeito; lembremos quanto nos custa usufruir as tarefas quando estamos num
são as duas polaridades elementares do sentir, são os modos mais comuns de período depressivo.
relacionarmos com os outros.
Impregnam todo o círculo motivacional (necessidades psicosociais, inte- 2. A DIMENSÃO AFETIVA COMO UMA FORMA PECULIAR DA
resses, motivos biológicos) tornando-se eles mesmos um fator motivacional de RELAÇÃO HOMEM-MUNDO
primeira importância. Ninguém ignora que emoções e sentimentos nos mobili- Já dizia em outra parte que o ser de um homem pode ser apreendido pelo
zam e impulsionam em todas as direções, para o bem e para o mal. conjunto de relações que ele mantém com os diversos objetos, entes naturais e
Estão presentes na esfera dos valores de maneira tal que as vezes resul- pessoas que constituem sua realidade pessoal. São esses relacionamentos e
ta difícil discemir o que pertence a uma esfera ou a outra. BONDADE, BELE- seu modo de constituir-se e de articular-se o que caracteriza a singularidade
ZA, VERDADE e JUSTIÇA, os quatro valores supremos, não apenas nos dessa pessoa. Dizia também que estes relacionamentos sáo dinâmicos, mutáveis,
servem de referências para julgar a qualidade e o bem intrínseco das coisas e contraditórios, isto é, são dialéticos.
dos atos humanos, também nos comovem, tocando nossa sensibilidade. O ser de uma pessoa não é uma misteriosa essência que escaparia sem-
Os afetos revelam nossa maneira predominante de estar-no-mundo nos pre a todas suas determinações particulares, permanecendo no limbo do
estados de ÂNIMO, que são os climas afetivos que nos impõem toda uma indecifrável.
visão peculiar do mundo segundo seja o ânimo dominante. Percebemos o mun- A questão que todo indivíduo consciencioso se formula, QUEM SOU
do de um modo cinza pesado e esvaziado na depressão ou de um modo leve, EU, e que leva geralmente à perplexidade e à confusão, pode ser respondida
cromático e convidativo no contentamento. tranquilamente pela determinação das relações que este indivíduo mantém com
Como também somos seres espaço-temporais, isto é, sempre situados e sua realidade e pela maneira como configura estes relacionamentos.
projetados nas três vertentes do tempo- os afetos qualificam o tempo e inven- Este é um ponto inicial, básico para entender nossa concepçâo do ho-
tam uma peculiar topologia do espaço. Estamos sempre perto das pessoas mem. Mas agora precisamos especificar três modalidades peculiares de rela-
amadas, não importa qual seja a distância efetiva que nos separa; nos elevamos ção homem-mundo, relações que nos perrnitemcompreender o movimento geral
para o al,to na alegria e nos afundamos na melancolia. E o tempo nào fica por da existência, por uma parte, e o fundamento e origem da afetividade, por
menos. E longo, imenso na infância; breve, quase efêmero, na velhice. Breve outra.
na alegria; arrastado e comprido, na melancolia. E quem não sabe as feições do Estas três modalidades constituem o círculo da interação homem-mun-
tempo na espera e na saudade? do. Não podemos dizer que uma seja primeira, numa seqüência raramente cau-
E ainda temos mais: sal; por esta razão falamos do círculo da interação (Lersch fala de círculo da
Os afetos entram nas vias da práxis: outorgando um matiz especial a vivência, enfatizando assim o lado psicológico destes fenômenos). Temos que
tudo o que fazemos. Rara vez nos é indiferente o que fazemos. Algumas ativi- dizer que estas modalidades se influem mutuamente, estabelecendo certas pautas
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de um valor peculiar numa obra de arte, obra que nos abre as portas a uma
esfera ideal de existência ou a um mundo que nos instiga ou nos encanta (na
a) A relação senso-perceptiva e cognitiva poesia, na música, na literatura) ou nos admira por sua beleza formal (arquitetura,
A primeira relação que o homem mantem com o mundo se processa escultura) ou por seu caráter expressivo e revelador (pintura, dança).
através e pelos órgãs sensoriais. O homem capta e percebe os diversos objetos O gozo moral emana do sentimento do dever cumprido e da consciência
que estão em seu contorno e simultaneamente se apercebe a si mesmo pelas de um comportamento correto; expres-sa-se como satisfaçáo e alegria (gaudium,
informações que lhe proporciona seu corpo -pelos receptores que lhe forne- palavra latina da qual deriva gozo) por ter agido com honestidade e justiça,amiúde
cem a sensação de equilíbrio e movimento, temperatura e dor, além das infor- contra o próprio interese material ou social do sujeito.
mações cenestésicas (originadas nas vísceras).
A função precípua da senso-percepção é proporcionamos informações, b) A relação afetiva como reveladora do impacto do mundo na esfera
oriundas do ambiente e da esfera corporal. Neste sentido podemos afirmar que subjetíva
o conhecimento tem uma origem primeiramente sensorial. De fato, Piaget de- Pela senso-percepção captamos informações, que nos proporáonam da-
monstrou que há todo um desenvolvimento dos processos cognitivos, sendo o dos importantes para nossa interação; rara vez estes dados nos deixam indife-
conhecimento racional uma etapa que alcança seu apogeu só ao final da ado- rentes. Pelo contrário, estas informações nos afetam, em maior ou menor grau,
lescência (depois dos 11 anos). O conhecimento sensorial é direto, concreto, na esfera subjetiva. No mínimo o que percebo me parece agradável ou desa-
imediatamente apreensível, altamente condicionante da conduta. Em contraste, gradável, positivo ou negativo, valioso ou sem importância, pertinente ou imper-
o conhecimento racional é inferencial, indutivo-dedutivo, hipotético, abstrato, tinente.
apreensível por via indireta (tipo raciocinio), pouco condicionador do comporta- Os eventos do mundo -e meu corpo pode ser entendido também como
mento. um evento e como objeto mundano- me tocam com seu apelo inevitável, obri-
Oriundo da senso-percepção existe um fenômeno que mexe com todos gando-me a reconhecê-Ios em seu eventual sígnificado. Tocam-me os eventos,
nós: o prazer e o desprazer, o agradável e o desagradável, que nos casos extre- as situações, as coisas, os seres que povoam o espaço de minha realidade.
mos pode adquirir as feições da dor e do aversivo. O PRAZER é uma sensa- Representam todos eles APELOS, EXIGÊNCIAS, INDICAÇÕES, POSSI-
ção basicamente orgânica, produzido por uma espécie de harmonia entre o BILIDADES, OBSTÁCULOS, MEIOS E FINS. Como poderia permanecer
estímulo ideal e o receptor correspondente. Há sabores e cheiros que nos agra- indiferente a suas instigações?
dam, levando-nos a um estado de imenso deleite; há outros que nos provocam A afetividade é o nome que damos a esta capaddade que temos de
asco e desagrado, embora isto seja altamente condicionado e pessoal (lembre- afetar-nos subjetivamente com o que nos acontece. Digo subjetivamente: que-
mos o personagem de Joyce, cujo grande prazer consistia em experimentar o ro dizer em nossa condição de sujeito e agente de nossa experiência. Os afetos
cheiro que emanava de suas fezes quando ficava sentado no vaso do banheiro, correspondem a formas específicas, a modos característicos de relação sujeito
e mais de uma pessoa me confessou que compartilhava os agrados do persona- objeto.
gem joyciano). O prazer é algo eminentemente físíco, tanto como a dor. No Importa enfatizar sem mais demora, que somos afetados não apenas no
plano psíquico é experimentado pelo sujeito como agradável ou desagradável. momento da ocorrência dos atos e situações; os eventos nos afetam de uma
Carícias e toques nos produzem prazer; palavras de estímulo, elogios, nos agra- maneira perdurável, num grau que não podemos prever nem calcular. Há even-
dam (diz-se que massageiam nosso ego). tos que tem uma perdurabilídade breve e efêmera, embora possam ser vividos
Se o prazer é algo estimulante, que se manifesta como uma sensação com grande intensidade no instante da ocorrência. Há outros que adquirem
agradável (que agrada, que entra em graça conosco), pertencente à esfera uma ressonância subjetiva que não imaginariamos na ocasião originária.
física, então que nome dar aos agrados próprios de outras esferas? Eu quallfico Lembro-me do momento em que escutei uma melodia de Claude Debussy,
de gozos os agrados puramente mentais, estéticos e morais. Os gozos mentais Clair de Lune. Talvez a tenha ouvido anteriormente, mas aquela noite, depois
decorrem de fruições do ego (ser elogiado, exercer poder sobre os outros, da meia-noíta, ela me introduz pela primeira vez a uma esfera do ser que ainda
perceber que somos estimados etc.) Os gozos estéticos são o reconhecimento não conhecia. Seria vã pretensão tentar descrever o que essa melodia provo-

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cou em mim. Só sei que naquela ocasião fiquei transportado, completamente c) A relação práxica ou transformadora da realidade por via da ativida-
desligado do meio festivo e agitado no qual me encontrava -e do qual por uma de,
feliz iniciativa minha consegui isolar-me. Apenas vivi o efeito dessa música; se Do conhecer e do sentir aquilo que me provoca -que pode ser algo de
me houvessem perguntado porque motivo me impactava daquele modo não meu contorno ou de minha própria realidade interna- passo ao terceiro momen-
teria sabido responder. Pertencia ao âmbito do inefável. Só anos depois conse- to, que é o da ação, de reaçáo e modificação daquilo que me solicita. Esta é a
gui compreender de onde emana o apelo dessa música que seu autor de manei- relação práxica ou transformadora da realidade por via da atividade.
ra tão pictórica assimilou ao leve clarão do luar: ela me revelou um sentimento Estou concentrado, escutando música, uma cantata bachiana. Estou numa
que talvez até então desconhecia (tinha então 17 anos) e que depois tenho esfera ideal da existência; abstraido de meu em torno, numa espécie de comu-
sabido cultivar: a nostalgia. Agora sei que alguns episódios passados adquirem nhão com aquelas vozes que glorificam o caminho da bemaventurança. De
em mim um feição de álbum comemorativo, onde as situações e as pessoas repente, este momento de comunhão é interrompido pelo apelo do telefone.
ainda ceníficam uma realidade tangível, evanescente e mágica. Alguém está querendo falar comigo. Vacilo por um instante, será que atendo ou
Foi essa música debussiana a que revelou e mim essa vertente nostálgira simplesmente desligo para assim continuar num estado de tranqüila beatitude?
-quero dizer, essa identidade quase doída e impossível com minha própria histó- Não é precisamente agradável sair deste estado por uma estridência desse
ria. tipo. Mas em seguída entendo que se uma pessoa está me procurando é porque
Cito este episódio, nada extraordinário em sua urdime factual; poderia tem alguma razão para isso. Levanto o aparelho e atendo.
ser tomado como uma simples experiência estética -se vamos a entender o Vemos neste simples ato as três modalidades de relacionamento descri-
estético como aquilo que entrando pelos sentidos nos leva às regiões reveladoras tas acima. Nem sempre os apelos são oriundos da realidade externa; podem
do ser. Foi tão forte que resgatou aquele momento de sua efémera circunstân- sé-lo igualmente da esfera interna. Pensamentos, lembranças, fantasias, sen-
cia. Não podia suspeitar naquela oportunidade que ficaria em mim como o sações -tudo isso que costumamos denominar como realidade psíquica íntima-
protótipo das experiências afetivas reveladoras. nos estão continuamente solicitando. certamente esta realidade íntima sempre
Como veremos nos capítulos seguintes, o que nos acontece, nos afeta de tem uma referência externa, mundana. É o que desde Hussert se conhece
diversas maneiras. Quatro maneiras são muito características: como a intencionalidade do psíquico. Uma lembrança é a reprodução de algo
De um modo intenso e psicosomático, embora geralmente passageiro, que nos aconteceu, não importa quão infiel seja essa reprodução, mas o que
nas emoções. aconteceu é um evento do mundo. Um pensamento é uma hipótese ou uma
De uma forma prolongada e vinculatória, constituida em verdadeiros inferência mais ou menos racional sobre certos eventos, consíderados nas suas
padrões vivenciais e, em conseqüência, em predisposições anímicas -nos senti- possíveis relações ("se uma uma pessoa me chama é porque tem um motivo
mentos. suficiente para tomar essa iniciativa", é uma hipótese lógica). Escutando a
De uma maneira impregnante do campo psicológico, formando climas cantata posso imaginar-me glorificando um espisódio da vida de Cristo em com-
afetivos complexos e persistentes, nos estados de ânimo. panhia de uma confraria de irmãos na fé (como diz Rilke: "Senhor, quisera ser
E nas paíxões, determinados objetos (e objetivos) polarizam nosso inte- muitos peregrinos para ir a teu lado em longa procissão" ). Essas imagens
resse, orientando toda a energia na direção do objeto da paixão. também são possíveis eventos do mundo.
Três objetos provocam em nós esta espécie de fascínio mágico e O homem é um complexo de relações mundanas, constituidas num per-
envolvente. Na paixão amorosa, o eros e a figura erotizada; na paixão pela curso temporal, mutáveis e nunca completamente fechadas, pois inclusive o
causa um ideal indiscutível de realização absoluta - que é o caso da paixão passado pode ser resignificado (este é um dos objetivos da psicoterapia, diga-
religiosa e política, onde a conduta do sujeito adquire amiúde as feições do se de passagem, resignificar um passado geralmente cristalizado por apenas
fanatismo. Uma terceira paixão não é menos freqüente: a paixão pelos jogos de um tipo de avaliação; ao reexaminar sua biografia o sujeito pode apreciá-lo
azar, que leva tanta gente a essa estranha obsesão pelos golpes da sorte. desde uma outra perspectiva).
Mas antes de adiantar outms aspectos do nosso trabalho vejamos a ter- De modo, pois, que a afetividade é uma dimensão fundamental da exis-
ceira modalidade relacional. tência. Falo de dimensão no mesmo sentido que dizemos que o espaço está
constituido de três dimensões, sem as quais o espaço seria apenas uma abstrarção a) A ressonância subjetiva
vazia. Entendo a afetividade como o modo de afetar-se e de implicar-se o A afetividade se caracteriza pelo grau de ressonância subjetiva que nela
homem em sua relação com o mundo. Nesta relação o sujeito reage, se mostra imprimem os eventos experimentados pela pessoa. Esta ressonância é certa-
susceptível a determinados estímulos, objetos e situações, chegando a impreg- mente variável. Pode mostrar-se de imediato ou ter uma forma retardada; pode
nar seu campo vivencial com determinados significados que orientam sua ser breve ou prolongada, intensa ou leve.
sensibilidade, configurando-a de uma certa maneira. Somos afetados náo ape- Para ser mais claro direi que os eventos tem um efeito ~l!Qkt:iYºSJmável,
nas de um modo passageiro senão também de maneira persistente e duradoura, dependendo do grau em9u~_ IlºS afetam. A ressonância se refere precisamep-
pois os afetos são um aspecto disso que chamamos experiência pessoal -a qual te a~~se-grâ.uem--qii~nos tocam e nos mobilizam. Cabe perguntar-se de que
tende a organizar-se em termos de padrões mais ou menos constantes. depende esta ress~nância. Eu diria que pelo menos de três elementos:
Em primeiro lugar, do significado atribuidopelosujeito ao evento-estímu- J
3. CARACTERÍSTICAS E FATORES INERENTES À DIMENSÃO 10. Em seguida, depende da ~~pria sensibilidãcle do sUjeltó. Por último emana
AFETIVA de alguma cm:élcterlstica p~Ópria do evento~~stfIIlulo. (Força, novidade, valor ,
Infância e juventude: tudo me parecia tão emociante nessa época. Tão social, alguma qualidade intrínseca, etc.)
intenso e dramático, tão cheio de luz e de sombras. Os eventos mais corriquei- Coloco em primeiro lugar o significado atribuído pelo sujeito. E de novo
ros adquiriam uma feição especial. Um olhar com segundas intenções, uma surge a pergunta: de que depende a atribuição de significado? Eu diria que
observação pouco amável, uma insinuação dúbia, o contato com uma nova depende das atitudes prévias do indivíduo com respeito ao evento que está
pessoa -sempre havia algo que me provocava levando-me a um clima de cons- protagonizando.
tante excitação e efervescência. Eu diria que vivia num mundo mágico: tudo O caso que melhor ilustra a importância da atitude prévia {')vemos quan-
me parecia animado por uma espécie de energia que colocava nas coisas e nas do julgamos uma pessoa influidos por uma qualificação de antipatia ou simpatia
situações um fascínio e uma mensagem por vezes de encanto, por vezes de prévias. Basta que tenhamos alguns antecedentes da pessoa que a coloque
corrosão secreta. Essa visão da realidade começou a atenuar-se a medida que num dos dois lados para que o encontro com ela já esteja marcado por uma
fui entrando na maturidade. Fui-me tornando mais distante, menos sensível ao tendência ao rechaço ou à abertura cordial. No caso do idolo é ainda mais
explendor das coisas e ao dramatismo das vidas humanas. Hoje vejo os dramas patente este fenômeno. O ídolo de massa provoca um verdadeiro delírio em
da gente com uma naturalidade que nem sempre me agrada. suas fãs, deixando uma impressão comovedora e única em suas admiradoras.
Hoje as instigações do mundo me tocam bem menos. Outro tanto acontece com as chamadas figuras aureoladas (sob a auréola de
Este depoimento embora pessoal não tem nada de excepcional. dinheiro, da fama ou do carisma espiritual). Os seguidores de um gurú sentem-
Corresponde à maneira de sentir o mundo da maioria das pessoas. Inclusive se transportados ao sétimo céu quando tem o privilégio de beijar os pés e de
minha evolução nesta dimensão segue um percurso apontado acima. À medida tocar as vestes destes personagens. Alguns destes seguidores afirmam que
que vamos avançando na escala etária vai diminuindo o impacto das situações- Ihes bastou um simples olhar desta figura divinizada para que eles se sentissem
estímulos e na pele de nossa sensibilidade. tocados por uma graça infinita, que os acompanha para sempre.
Por hora quero referir-me a quatro fatores ou elementos qualifjcatiyps De propósito coloquei uma atitude emocional-que me parece ser a mais
que estáo presentes na dinâmica das diversas instâncias afetivas: Estes fatores frequente em boa parte da população. As outras três atitudes prévias são me-
caracterizam qualitativamente, permitindo-nos entender sua importãncia no nos comuns: a abertura tranquila, o ceticismo objetivo (e atento) e a curiosidade
movimento da existência. São: inleligente. A abertura tranquila para o acontecer é um produto da maturidade
- A ressonância subjetiva e da sagesse -um produto raro e tardio. O ceticismo e a curiosidade
- O caráter cromático e dramático que outorgam às situações. inteligente(não puramente impresionista) supõem um certo desenvolvimento
- O transfundo ou feição mágica que suscita nos cenários da experiên- intelectual. O ceticismo atento é uma exigência de toda prálica científica: exa-
minar os fenômenos com um espírito crítico e livre de preconceitos teóricos.
É óbvio que o significado atribuido não deriva apenas fatores emocionais
e intelectuais. O fator necessidade joga também um papel importante. Quando Aprendemos a cultivar determinados sentimentos e a banir outros como
chegamos a uma cidade estrangeira, sem conhecer a ninguém nesse lugar, má erva. Ciúmes, inveja, rancor, autopiedade, arrogância, pertence a horda das
nossa necessidade de contato interpessoal se torna imperiosa. Ficamos assim plantas daninhas. São atitudes-sentimentos, que nos dispõem de uma certa ma-
muito contentes e agradecidos quando uma pessoa desta região nos concede a ncira com respeito a pessoas e coisas. Simpatia, boa vontade, autoconfiança,
oportunidade de um trato amistoso. Quanto maior são as carências mais valor uma boa dose de inteligência social (uma mistura de várias habilidades; saber
concedemos às oportunidades de satisfazê-Ias. Nunca me esquecerei a reação agradar, bom senso, adequação às circunstâncias, saber realçar seu próprio
de Jean VALJEAN (o personagem de "Os Miseráveis"), quando é preso pela valor com aparente modéstia) estas são algumas das disposições estimuladas
polícia após ter roubado dois preciosos candelabros ao bispo. O bondoso prela- pelo que se convenciona em chamar como boa educação.
do em vez de acusá-Io pelo roubo o absolve dizendo que não via falta nenhuma - A ressonância afetiva tem ainda uma outra fonte: emana de alguma
no ex-presidiário por andar carregando dois candelabros que ele lhe havia pre- característica própria do evento ou objeto. Há personagens que nos impactam,
senteado. Após este gesto tão nobre de reconhecimento e de apoio humano, influindo em nós de um modo indelével, pelas qualidades e valores que eles
Jean Valjean muda completamente sua visão do mundo e se toma um homem cncarnam. Quem não teve algum mestre que se tornou um espírito tutelar para
íntegro, disposto a construir sua vida de acordo com os mais altos valores. E nós em razão de seu saber, compreensão ou dedicação estimulante? Qual foi o
este não é um exemplo puramente literário. Acontece. (a) namorado (a) que nos deixou sua presença mais duradoura, cuja lembraça
- A ressonância depende disso que chamamos sensibilidade, palavra alimentamos por anos e anos? Aquela(e) pela qual nos apaixonamos? Não
que designa a capacidade geral de sentir. Esta parece ser uma capacidade necessariamente. Foi aquele(a) que soube tocar-nos para alguma qualidade de
tanto inata quanto adquirida. De fato, verificamos que as pessoas mostram sua pessoa (beleza, bondade, inteligência, decisão, honestidade, otimismo, res-
uma sensibilidade muito diferenciada, indo da extrema receptividade até uma ponsabilidade, lealdade) Pode inclusive ter-nos impressionado por alguma qua-
notória insensibilidade. Há indi víduos que mostram esta qualidade de seu espí- lidade negativa (egoísmo, narcisismo, infantilismo, mendacidade, duplicidade,
rito desde a mais tenra idade, e outros que se apresentam como durões, muito mesquinharia). Nos afeta tanto o bem como o mal.
pouco permeáveis aos estímulos do meio. Contudo, a sensibilidade é educável, Alguns eventos tem uma força destruidora e corrosiva: destroem os es-
induzível e direcionável. quemas e os referenciais que nos servem de orientação. Quando implicam em
Um dos objetivos da educação é socializar a sensibilidade infantil para fracassos e malogros rompem com projetos, planos e espectativas. É o que nos
torná-Ia compatível com as exigências da vida coletiva e com as obrigações acontece com as perdas. Perdas de emprego, de seres queridos, de realizações
que impõe o trabalho. A hipersensibilidade, dominante na etapa infantil, precisa importantes. Rompem muitas vezes nossa própria autoestima, levando-nos à
ser domesticada e atenuada. A criança é demasiada permeável aos estímulos depressão e ao desvalor.
ambientais. Vive submerso em seu meio, num imediatismo que por um lado a Há eventos corrosivos, que minam crenças e desmoronam valores, quan-
leva a uma encantadora espontaneidade e, por outra, a uma emotividade a flor do não simplesmente nos prejudicam no interesse material. A perda de um
de pele. Precisa aprender a tomar distância desse meio; precisa aprender a ideal político como aconteceu recentemente com a queda dos regimes socialis-
observar e a raciocinar. Aos sete anos em frente se defronta com tarefas que tas-leva a muita gente ao desmoronamento de crenças que haviam servido de
lhe exigem uma atitude mais objetiva e responsável. Aprender a ler é um exer- sustento espiritual durante décadas. Sem as crenças que orientavam sua visão
cício extraordinário de esforço dirigido e de responsabilidade-social e intelectu- da sociedade o sujeito fica desnorteado, profundamente decepcionado com uma
al, além de implicar a entrada solene no simbolismo complexo da cultura. Já causa que até então tinha considerado justa e verdadeira.
não se move mais no imediato nem no puramente concreto: a partir deste está- Demais está dizer que as experiências construtivas nos afirmam e nos
gio começa a familiarizar-se com os conceitos, esses esquemas descarnados ratificam, tanto nos objetivos que perseguimos como na confiança que nos ani-
das coisas e das realidades tangíveis. ma, embora muitas delas nos ensinam a mudar de rumo e de táticas. Sentimos
ConceItos, tarefas, regras sociais de todo tipo: tudo isto leva a criança a que elas nos aprimoram, náo importa se implica sofrimento, conflitos rupturas.
regular sua sensibilidade original, direcionando-a conforme os valores e os
modelos de seu círculo de interação.
(aos eventos e sítuações) para ele propostas seriam apenas possíveis ou impossíveis. Não seriam desejá-
Pela afetividade a vida adquire um caráter cromático e dramático. Al- veis ou indesejáveis, frustrantes ou gratificantes. Para alguns homens demasi-
guém dizia que homem sensível vê a vida como um drama e que o indivíduo ado objetivos e racionais, que atuam para conseguir determinados fins sem
inteligente a considera uma comédia -ou como uma farsa com jogos bastante importar-se nos meios empregados, o emocional é pura tolice ou um fator
previsíveis. Certamente pode ser tudo isso, ora um, ora outro. Tudo depende de perturbador. Para tais homens de cabeça fria a vida carece de dramatismo: as
nossa visão das coisas. De qualquer maneira nas três atitudes predominantes contradições e problemas são solucionáveis ou não, além disso mais nada. O
estão sempre presentes o fluxo dos afetos, não importa o sentido que tomem. drama surge na existência quando entram em conflito desejos e vivências con-
No drama o movimento da existência adquire uma feição peculiar; nela o sujei- trapostos, quando nos envolvemos com valores encarnados em nós. Pela
to está envolvido numa trama que conflitua, tende a dominá-Io e coloca a prova afetividade as coisas e as relações adquirem qualidades sensíveis ... e ideiais,
todos seus recursos, levando-o a um desenlace rara vez em concordância com destacando-se do fundo indiferenciado que as sustenta.
seus desejos e propostas. No drama se torna patente que ninguém está com A policromia não é um atributo meramente sensível; é a entrada do sen-
todas as cartas do naipe; nos mostra que a adversidade não é um simples erro sível ao plano dos afetos. Como num quadro, a vida se desenha por linhas que
de cálculo nem uma má jogada do destino: ela é inerente à aventura humana, demarcam, por cores que acentuam traços, por matizes que contrastam e esfu-
qualquer que seja sua proposta. mam diferenças. Passamos por estados de ânimo que tomam nossa vida gris,
Dramática é toda ação ou proposta que coloca em evidência a de tons obscuros e sombrios, onde tudo parece deslizar-se para a noite. Os
indeterminação, o acaso e o imponderável, apesar de toda a decisão do ator, identificamos como melancolia e depressão. Esses períodos são geralmente
ator que está comprometido em seu ser com a proposta que norteia sua ação. sintomáticos, indicadores de uma quebra interna; ou ~stados passageiros, onde
Quem vê a vida como uma comédia, ou uma farsa, se importa bem menos com não passa nada, o nada. Contudo, ainda nestes períodos, aprendemos a orien-
aquilo que motiva sua ação, mantendo com sua proposta um compromisso mais tar-nos na escala do cinza; aprendemos a distinguir o cinza-claro, quase trans-
formal e convencional, menos interno e subjetivo. O comediante sabe que sem- parente e frio, do cinza-obscuro-quente e úmido como as faces do jaguar. É
pre é possível dar um jeito para que as coisas se tornem favoráveis ou para que uma ingenuidade pensar que o depressivo é um habitante da pura obscuridade;
dissimulem sua adversidade. O comediante está ciente de que desempenha um mora nas sombras e na penumbra, onde a luz apenas insinua sua presença,
papel e cumpre esse papel com espírito lúdico. O homem dramático sabe que como u~a estranha ameaça; homem subterrâneo, aí cultiva suas orquídeas
seu papel o define em suas possibilidades, mas sabe também que seu ser sem- negras. E claro, estes períodos são variáveis, únicos -salvo em indivíduos que
pre está em jogo, independente de qualquer papel. sofrem do morbus crepuscularis. Com maior freqüência vivemos dias lumino-
Sáo atitudes fundamentais diferentes. Há pessoas que vivem mais pelo sos, cheios de contrastes, com cores que nem sequer saberíamos nomear. Eu
lado do drama; outros tendem mais para a comédia. Há os mais sérios e os diria que cada matiz de um sentimento, que cada tom emocional, introduz uma
mais brincalhões. Contudo, é bom saber enxergar os dois aspectos da trama coloraçãO específica no campo vivencial. Nem sequer os apáticos são tão ce-
humana. Por vezes nos reinos de nossos dramas; por vezes a comédia nos gos assim perante este esplendor de luz.
resulta terrível e amarga (um absurdo, como nas farsas-dramas de lonesco, ou Se as coisas não nos afetarem no miolo de nosso ser, de um modo intrín-
nas "comédias maravilhosas" dos ídolos populares, tipo Elvys ou Marylin, que seco, seríamos seres insensíveis; o drama e a beleza da vida desapareceriam.
terminam em suicídio, ou na vida de qualquer palhaço, disfarçado ou não).
Por não saber tomar uma adequada distância dos eventos,muita gente c) Pelos afetos, e em particular pela emoção, determinados climas e
sofre num grau desgastante e estéril. Gostariam de ter uma visão mais leve, cenários adquirem uma feição mágíca
mais prática e racional. Alguns tentam robotizar-se, sobretudo em atividades e Na infância e na idade juvenil vivemos o encanto do mundo. Não impor-
relações onde arriscam perder. Outros são levados por seus objetivos e obriga- ta quão dura e pouco favorável nos seja a fortuna nestes anos, de todas as
ções práticas a um incrível processo de mecanização, que os aliena de sua maneiras emana da substância das coisas um certo eflúvio que nos toca, nos
realidade íntima. De fato, um robô programado para realizar determinadas ope- assombra e nos convoca para não sei que possibilidades.
rações se moveria no puro nível da razão, careceria de afetos: as operações Ora, falo de uma situação, um ato, um clima mágico. O que queremos

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dizer quando qualificamos um fenômeno como mágico? A meu entender o dadeiro para a paixão. Noutros casos, o estímulo externo nos induz um estado
mágico se relaciona com três fenômenos bem notórios: mental que nos permite acompanhar o significado do estímulo. Assim acontece
- Com a sensação de encantamento e deslumbre que determinadas situ- com a música, com uma representação teatral, com a dança, com os ritos
ações nos provocam. É o encanto do mundo, tão forte na criança, no poeta, no religiosos e com outras expressões.
artista. Este é o efeito das emoções oriundas da atração e do fascínio. Diríamos
- Com a crença na existência de poderes esotéricos que regem certas que se assemelham ao que experimentamos nos sonhos gostosos. Mas há tam-
esferas, poderes que se impõem ao sujeito, podem dominá-Io inclusive, mas que bém um outro efeito de emoções oriundas do medo e do estranho. Neste caso
são propiciáveis graças ao uso justamente de fórmulas ou ritos propiciatórios. o encanto é substituido pela face terrível do ollÍrico - o pesadêlo. Aquí o domi-
Esta função cabe justamente ao feiticeiro ou mago, e ainda ao sacerdote(magia nante é o sentimento que ameaça, de estarmos sujeitos a um perigo iminente do
e religião se relacionam a ponto de muitas vezes tomar-se indiscerníveis. Pen- qual tentamos escapar ou pelo menos exorcizar, mas que não conseguimos
semos nos cultos africanos no Brasil). superar nessas circunstâncias. A ansiedade e a angústia refletem esta situa-
- Com o sentimento íntimo que a realidade toda, inclui do o setor físico ção.
inanimado e as coisas, possuem uma espécie de alma ou de vida. Um ato Este é o lado negativo da magia - o malefício ou feitiço, que prejudica a
mágico é projetar esta sensaçáo subjetiva nas coisas inanimadas. Piaget cha- quem o sofre. A conseqüência extrema de uma visão enfeitiçada das coisas
mava de animismo este traço da criança, mas lembremos que o animismo é (muito comum ainda entre as pessoas simples) a encontramos na loucura, essa
muito comum nos chamados povos primitivos. magia do absurdo e do desatino.

- O clima mágíco como sentimento de encanto - A magia como crença em poderes extraordínários e esotéricos.
Dizemos que algo ou alguém nos encanta quando sua presença nos des- A forma mais comum de entender a magia se relaciona com a crença nu
lumbra e nos emociona. O que nos encanta exerce uma espécie de fascínio que existência de poderes extraordinários, de tipo esotérico, que regem certas esfe-
nos atrai para seu centro, deixando-nos à sua merce e sob seu domínio. É como ras mas que o sujeito pode propiciar para seu próprio benefício. Trata-se de
se momentaneamente renunciássemos a um posicionamento egóico para en- propiciar a vontade de determinada(s) entidade(s) ou espíritos, que podem ope-
tregar-nos à situação que nos convoca com seu chamado irresistível. Este en- rar na linha do bem ou do mal. Costuma-se atribuir este tipo de crenças a po-
canto nos pode acontecer nas mais diversas situações. Quem não ficou já des- vos prirnltivos, povos que ainda não alcançaram uma etapa evolutiva suficienle
lumbrado com um por de solou com um céu estrelado? Quem náo se entregou para terem a idéia de um Deus universal. Isto é verdade só em parte. A magiu
à música esquecendo-se de si e de suas circunstâncias? é certamente característica de religiões animistas, fetichistas; mas está presen-
Contudo, a experiência mais conhecida de encanto a temos quando nos te igualmente em todas as religiões, incluidas as mais evoluídas. Não s6 islo:
apaixonamos. Bem sabemos o que nos acontece. Quando entramos neste es- estes tipos de crenças continuam subsistindo em nossa era técnica, não apenas
tado a banalidade cotidiana se transforma; perde seu caráter mecânico e sua nas camadas pobres senão também nos setores das classes domi'nantes. Nüu
naturalidade convencional; passa a revestir-se de um cromatismo excitante, apenas entre gente sem preparo educacional e acadêmico senão também enlre
que às vezes chega a beira da ansiedade difusa. O notável é como vemos a inlelectuais. Eu diria, aliás, que a separação entre religião e magia não é fáci Ide
pessoa que nos suscita a paixão: ela possui um toque e uma radiação que nos estabelecer. Só nas grandes religiões universais (cristianismo, budismo,
convida, levando-nos para uma esfera na qual os gestos e atos mais corriquei- islamismo, judaismo) podemos diferenciar os elementos mágicos, de tipo popu-
ros adquirem um outro significado -um significado esotérico, gratificante, ritual. lar, que elas acobertam em seu seio. Esta crença em poderes esotéricos, sobre-
No que nos encanta há uma aura que nos ilumina e nos excita, provocan- naturais- ou não, que é possível propiciar com ritos apropriados, não é tão dife-
do-nos uma agradável efervescência. Demais está dizer que o encanto não rente da idéia exposta acima. Também no encantamento o sujeito se sente sob
precisa estar no objeto; e geralmente não está, ou pelo menos não está inteira- a ínfluêncía de um poder magnétíco que tende a domíná-Io, levando-o a um
mente: está mais bem em nosso próprio imaginário (nisso que costumamos estado de consciência especial, consentida e por vezes simplesmente procura-
chamar com uma palavra mais comum, a fantasia). Isto é especialmente ver- da. Ainda mais: é possível conseguir o encantamento de uma pessoajustamen-
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te apelando a estas entidades, usando as fórmulas que o feiticeiro, bruxo ou
xaman conhecem. Contudo, a diferença salta aos olhos. O sentimento de en-
canto surge de uma maneira espontânea, implicando uma forma de comunhâo d) Toda modalidade afetiva implica, de maneíra sutil ou marcante, uma
com o objeto que o suscita; o rito mágico implica no exercício de um poder para forma de valorização.
assim obter certos objetivos da mesma ordem. Quando analisamos uma emoção um sentimento que já experimenta-
- A magia como o sentímento íntimo de que o mundo possui uma espécíe mos, tentando ver neles que valores implicam, não demoramos em perceber de
de alma ou de vida que está presente inclusive nas coisas inanimadas que se trata. "Esse cara me inspira raiva e desprezo ao mesmo tempo - me diz
Talvez este seja o aspecto mais tocante da experiência mágica; é sentir um professor, referindo-se ao dono da Escola onde ele trabalha. O sacana é
na fisionomia das coisas, tanto como na natureza, a circulação de uma vida que dono de uma Escola supostamente sem fins lucrativos, mas o miserável só está
de alguma maneira se liga à nossa. Na natureza vegetal essa sensação que ela preocupado em encher-se os bolsos. Não o censuro de querer enriquecer; o
nos transmite como um formigueiro exuberante, com sua tranquila grandeza. é que me indigna são seus procedimentos. Paga os piores salários do mercado;
fácil de perceber. Nos resulta menos apreeensível o movimento da natureza para dar um reajuste é preciso ameaçá-Io de greve e ainda assim sempre tenta
inorgânica, embora ela esteja num perpétuo circular por nosso corpo e sempre roubar centavos. Não lhe interessa no mais mínimo o ensino mas esta é a
fluindo no ambiente. O frescor da brisa, o deslizamento das nuvens, a umidade segunda Escola que pirateia. Nunca aceitou a existência de carreira acadêmi-
da terra -tudo nos sugere a energia que também está presente neste âmbito. ca (que permite melhorar a situação do professor), simplesmente aí teria que
Não precisamos de muita imagInação para sentir em toda a natureza o fervilhar pagar um pouco mais. Assim que percebe que um professor se destaca o colo-
de uma energia universal (até conscíente e dívina, como já pensaram alguns ca na rua, pois sabe que um líder dentro do boteco lhe daria dores de cabeça ..."
metafísícos panvítalístas). E assim continua avaliando a conduta desse mecenas do ensino.
O homem tecnológico se alienou da natureza, da sua e daquela que cons- O que há no fundo e na superfície de sua indignação ? Um juizo de valor.
titui o universo físico. DERZU UZALÁ, o personagem de Kurasawa, como Compreendemos sua motivação: se sente lesado e injustiçado, explorado em
bom primitivo que era, sentia o palpitar desta vida vigorosa que está presente sua dignidade profissional.
na floresia; e não só isso; sentia que os animais que povoavam os bosques de Quis ilustrar este postulado da afetividade com uma emoção bastante
sua terra eram de sua mesma família; eram seres semelhantes ao homem corriqueira, que todos nós sentimos por muito budistas que pretendamos ser
embora falassem outra língua e tivessem uma outra aparência. ' (lembre-se de que Buda afirmava que havia três fontes de sofrimento, que
A criança e o homem primitivo estão em comunhão com a natureza' precisavam ser superadas para vivermos em paz; as outras duas eram o desejo
ainda não foram completamente domesticados pelas complexidades deformante~ e a ignorância). De fato, é difícil não indignar-se contra a injustiça, sobretudo
da cultura. Para o primitivo as entidades espirituais ainda resídem nos manan- quando a sofremos em carne própria. Poderia ter tomado um outro exemplo.
ciais, num canto da floresta, no pico da montanha, no crepitar do fogo. Certa- Não estaria demais num sentimento que nos enaltece:
mente não é pertinente assimilar primitivo com a alma Infantil. Tem esta e "Minhas admirações agora são menos entusiastas que nos anos moços -
outras atitudes em comum; nada mais. me explica este mesmo professor. Com o decorrer dos anos o ímpeto diminui,
No poeta sua visão das coisas também se abre para o animismo. "O verdade? Mas ainda sou capaz de experimentar admiração por certo tipo de
rochedo não se tomará um tu verdadeiro no momento em que lhe falo?", se pessoas. Não sou daqueles que afirmam que de cada 10 sujeitos 5 são trouxas,
perguntava NOVALIS. O poeta está num diálogo permanente com o mundo; 4 são espertalhões e o décimo flutua entre os dois tipos. Não. Há gente sacana,
inclusive a rocha e o mineral são seus interlocutores. O poeta rara vez se mas também há seres dignos de respeito e admiração. As pessoas inteligentes
entende com seus coetâneos, mas sabe interpretar as infinitas vozes que o me provocam este sentimento. Inteligentes, criativos, autênticos e contestatários.
interpelam em todas as esferas. Náo bastam que tenham um lindo Q.I. Já conheci muito idiota com o belo Q.I.
Eu me atreveria a afirmar que nestes três seres previlegiados (e na ca- Só usavam a inteligência para fazer piadas em reuniões de salão ou para im-
tegoria de poeta incluiria a todos os artistas) se mantém a bela correspondência pressionar com um fraseado intelectualóide. Tenho um amigo que preenche
harmônica entre o micro e o macrocosmo (correspondência já postulada porto essas quatro características. E ainda o cara é despretencioso, modesto. Vive
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com modéstia, não gosta de impressionar a ninguém, já foi expulso de uma 111fluiu (pelo que sabemos de acordo com declarações da irmã do artista) o juizo
Universidade onde era mestre por opor-se às maquinações dos testas-de-fer- tios pais, que costumavam realçar seus traços pouco favoráveis. O adolescente
ro. Esse é um gra?de camarada. Admirei muito ao Sartre, o maior intelectual Michael verífícou cedo que náo bastava ser famoso para que lhe fosse perdoada
de nosso tempo. E minha opinláo, você pode ter a sua. Admiro minha mulher Nuaaparência; verificou que os valores dominantes pertenciam à raça dominan-
Tem vi~udes perante as quais me inclino: é bonita; meiga até a delicadeza; \c.

responsavel em tudo o que se compromete, otimista embora realista. E ainda Sem outra formação mental que a que lhe proporciona uma sociedade
tem uma outra virtude: é uma mulher de sensibilidade (entre outras coisas toca tlc consumo, carregando uma não aceitação de si desde a infância, o pobre
~ian?). Que s.erla de nós, os mortais, se não existissem estes seres que nos Michael só encontrou uma saída: renegar primeiro de sua condição negróide
mspIram admIração? A terra seria muito árida. Eles são a encamação viva do para logo ir mudando com ajuda de sucessivas cirurgias faciais e com descorantes
espírito" . químicos da pele. Conseguiu ser belo e branco, porém, será que se reconhece
Tudo que esse homem admira são atributos de uma conduta; se expres- na sua nova identidade? Muito duvidoso. Uma espécie de mutante andróide,
sam em atitudes. São qualidades pessoais -e toda qualidade pessoal implica um nem negro nem branco, à margem dos dois mundos. No começo tinha uma
determinado valor. Qualidades negativas ou positivas. Detesta a mesquinhez, o identidade negativa (sentida assim por ele devido aos valores que captou em
dinheirismo, a desconsideração sistemática daquele patráo. Admira os valores seu médio); adquiriu outra; para o único que deve servir-lhe é para contemplar-
que encama seu amigo e sua mulher. se perante um espelho que lhe devolva a imagem de Narciso-desconhecida,
O valor é o fator inerente a estimativa que fazemos quando preferimos fascinante e inatingível.
ou escolhemos, ou simplesmente quando julgamos o bem possível de certas Basta examinar de perto o motivo que leva a muita gente a experimentar
realidades -objetos, seres, condutas. determinados sentmentos para que verifiquemos que é o simples reflexo ou
Os valores não existem per se, como atributos ou propriedades inerentes decorrência de um valor que o sujeito assumiu como verdadeiro -no caso do
às coisas. Sem dúvida que as coisas possuem determinadas qualidades e atri- .Jackson, a beleza dos brancos. Por esta razão amiúde é suficiente questionar
butos mas estas propriedades não são um valor. Uma árvore tem a proprieda- um valor para que em seguida desapareça o sentimento a ele associado. Por
de, como qualquer vegetal, de transformar mediante a fotossíntese o anídrido isso não podemos aceitar como verdadeiro e genuino um sentimento porque um
carbônico em oxigénio; ou tem a propriedade de dar frutos. Nós consideramos indivíduo o experimenta: é verdade que ele o sofre dessa maneira mais isso não
estas duas qualidades da árvore como um bem. Nós dizemos que o fruto da () valida como respeitável per se. Lembremos a alegria provocada pelo massa-
árvore X é melhor que o da árvore Y, por seu cheiro, seu sabor ou por uma cre do inimigo, em tempos de guerra.
outra característica. Nós colocamos o valor. Para uma exposição mais ampla deste tema leia-se o capítulo sobre a dimen-
Quando experimentamos um determinado sentimento temos que per- são axiológica neste mesmo livro. Sobre outros aspectos da afetividade, leia-
guntar-nos que valores implicam este sentimento. Amiúde um jovem constata se o capítulo sobre a práxis, onde tratamos a questão da vivência.
que a nat~reza não foi nada generasa com (ele) ela, oferecendo-lhe um corpo 4 - As Quatro Modalidades Afetivas
desavantajado, ora pela cor, ora pelos traços. Dificilmente esta constatação o Mencionamos nas páginas anterior as quatro modalidades afetivas fun-
deixará tranquilo. E possível que experimente os mais variados sentimentos damentais. Por ora me limito a um breve comentário de cada uma delas, apre-
desde a autopiedade leve e irônica - "Puxa, parece que meus pais me gerar~ sentando um critério classificatório dos sentimentos e dos estados de ânimo.
na pior hora de suas vidas" -até a autoagressáo depressiva- se não consigo De início quero sublinhar que cada modalidade afetiva revela uma forma pecu-
mudar esta maldita aparência prefiro morrer, não tenho nada que preste (salvo liar de relação homem-mundo. Aliás, não apenas os afetos revelam uma forma
os dentes, mas dentes em cara de macaco triste de que serve? me dizia um peculiar de estabelecer esta relação, mas todas as funções psíquicas (pensar,
camarada). imaginar, lembrar, etc.). Caracterizar uma determinada modalidade afetiva é
Um caso oportuno de citar o encontramos no drama de Michael indicar esta forma peculiar. É preciso observar que antes de chegar a formula-
JACKSON. Ele se descobriu com um tipo físico que náo correspondia ao pa- ção de uma definição que estabeleça a essência de um fenômeno, o método
drão de beleza predominante no mundo anglo-saxão. Nessa descoberta muito fenomenológico exige uma descrição prévia do fenômeno em pauta; desta des-
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provável que suscite simpatia de sua parte. Talvez algum traço de seu compor-
tamento lhe provoque atração física. Este será um bom começo. Depois de um
O que é o mais característico de uma emoção? Todos estariam de acor- tempo, se o relacionamento prospera, deve surgir a estimação: você outorga
do de que a raiva e o medo são duas emoções típicas. Alguém agregaria a um valor especial a essa pessoa. Faz uma estimativa positiva dele. Posterior-
alegria. Vejamos o que acontece conosco quando reagimos com raiva. Certa- mente, no suposto que ambos continuem construindo o relacionamento, surge a
mente não reagimos com raiva à toa. São determinadas situações a que nos afeição: um sentimento de especial afeto por seu parceiro. Você se sente ligado
provocam essa forma de agir. A mais comum é que raiva seja a resposta a uma a essa pessoa. Está pertinho do amor. É muito provável que você acredite de
agressão sofrida ou a alguma forma de humilhação e de desrespeito. Fulano boa fé que o ama. Não é um simples auto-engano, sobretudo se é uma ligação
nos agride verbalmente e nossa primeira reação é ficar ofuscado por um impul- forte, tipo paixão (essa mistura de compulsão e desejo erótico). Contudo ape-
so de contra-agressão. Todos conhecem a expressão física da raiva. E todos nas no quarto estágio você alcançará o amor. Então o outro (seu parceiro, seus
sabemos o que nos acontece no plano vivencial. Ficamos como fora de si, pais, talvez um amigo, os filhos) se tornará um bem supremo, um bem
dominados, envolvidos pela situação-estímulo, de maneira tal que só atinamos insubstituível. Entendeu? Você sabe que este estágio não é fácil de ser alcan-
em repelir ao ofensor, ficando outras opções possíveis como fora de questão. çado; muitos nunca o conheceram em sua versão sexual. Apenas sentiram o
(Pedir explicações, tentar entender por que motivo o fulano agiu essa maneira, amor dos pais e dos filhos - quando o sentiram.
apelar para seu bom senso, etc.). Por um tempo breve a atenção é absorvida e O que é um ~entimento? É uma forma_<le vínculo que o sujeito experi-
estimulada pelo evento, pela situação. Com esta rápida pincelada de uma rea- menta por um objeto ou pessoa. É ~m vínculo de caráter positivo, quand~ apro-
ção de ira podemos agora definir a essência do emocional. xima e constrói; é de caráter negativo, quando distancia e destrói - como no
Emocionar-se é ficar apanhado por uma situação-estímulo (externa ou caso do ódio, da aversão, do desprezo. Por ser um laço, o sentimento amarra e
interna), envolvido e dominado de tal maneira que não se cogitam outras rea- segura; nos liga levando-nos até a submissão, mas também nos proporciona
ções possíveis. Expressa-se como/uma reação psicossoITlátic<l~\istoé,ªfeta ª9_ referenciais de segurança, elementos de apoio - a menos que sejam sentimen-
slljeito tanto no aspecto fisiológico quanto psíquico. A situação desencadeadora tos negativos, que assim oferece um apoio duvidoso. O sentimento também nos
da reação pode ser externa, dando-se no espaço público, ou interna - provocada compromete, como todo laço. É uma forma de engajamento. Por serem meros
por uma lembrança, uma fantasia. Na emoção a relação homelll-rnundo é de vínculos, ficam como disposições afetivas. O sentimento de culpa, que é uma
contato imediato, envolvente, de notória ressonância 11º campo do sujeit(): Isto maneira de relacionar-se como outra pessoa, se expressa como uma disposi-
vale para todas as emoções. São reações: simples momento perante um estí- ção para sentir-se em falta, sensível à voz da própria consciência que reclama
mulo provocativo. r punição pela falta cometida.
Destinguimos três proto-emoções:\ Existem em nós os mais variados sentimentos, mas só em determinados
O medo (e seus derivados: o pânico e o pavor). momentos eles se manifestam. Você experimenta afeição por um amigo resi-
A raiva (e seus derivados: a cólera, a indignação, a fúria) dente num outro país; por vezes se lembra dele comentando alguma anedota
A alegria (e seu derivado: o entusiasmo) que enaltece seu caráter; mas um dia qualquer, recebe uma carta: experimenta
Existem também as emoções associadas: associadas. a sentimentos., es- um choque, se emociona até as lágrimas - seu amigo morreu de um modo
tados de ânimo e paixões. Vejamos o que entendemos por sentimentos. lamentável. As
. O amor e o ódio são dois sentimentos antitéticos que ocupam um vasto emoções se associam a sentimentos quando uma situação vem a mexer com
espaço no plano social, constituindo o primeiro um dos sonhos mais caros dos eles. Alguém mexe com seu sentimento de dignidade pessoal e se irrita em
anelos humanos; o segundo não fica por menos, originando as mais diversas seguida. Um estrangeiro fala mal de sua pátria e você se indigna.
formas de destrutividade e de perversidade que afligem a boa parte dos mor- Antes de prosseguir acho pertinente propor uma classificação dos senti-
tais. mentos.
Todos sabemos que o amor e o ódio não surgem como uma simples
reação. Vejamos como se chega ao amor. O caráter afável de uma pessoa é
É lamentável verificar que as classificações propostas pelos psicólogos
sejam de escassa validade, confundindo geralmente emoções, sentimentos e
estados de humor. O critério que ofereço em seguida é bastante simples, per- 11 - Os sentimentos dirigidos ao prQximo
feitamente sustentável pela observação dos fenômenos, relacionados com dis- Podemos orientar nosso relacionamento interpessoal seguindo duas di-
posições que saltam à vista. reções opostas. Uma seguindo a orientação da simpatia e ,da valorização. A
Proponho quatro grandes categorias segundo seja a esfera afetada. Den- outra, seguindo uma linhade antipatia e de desvalor. É claro que estas orienta-
tro de cada esfera distingo a direção predominante existente num grupo de ções surgem da própriá dínâmica da interrelação, embora certos elementos da
afetos. Assim na categoria dos sentimentos egóicos distingo duas direções: personalidade possam predispor numa direção mais que para outra.
uma que confirma e realça o ego, outra que o desconfirma e o diminui.
As pessoas ingênuas podem perguntar-se sobre a validade de uma clas- 1) Sentimentos na direção da simpatia:
sificação dos sentimentos, instâncias tidas como intangíveis e fora do alcance a) A sintonia (ou empatia);
da lógica. De fato, na experiência comum das pessoas, sentimentos e lógica b) A estimação;
rara vez se acasalam. Entretanto, os sentimentos obedecem a uma certa movi- c) A afeição;
mentação e se configuram segundo uma lógica peculiar. Não é uma lógica d) O amor;
formal, abstrata, é a lógica do vivido e) A compaixão.

I
I - Os sentimentos egóicos", 2) Os sentimentos direcionados para a valorização do outro:
O sujeito experimenta uma série variada de sentimentos referidos a sua a) A confiança;
própria pessoa, ou melhor, referidos a seu mundo, pessoal íntimo. Em cada um b) A consideração e o respeito;
de nós existe uma espécie de tribunal supremo que se encarrega de avaliar, c) A admiração;
examinar, e julgar nossos atos e condutas. A esta instância a denominamos de d) A gratidão.
ego-ideal, ela pertence à esfera dos valores e se constitui pela intemalização
progressiva das normas sociais e da representação de si. Distinguimos aqui 3) Os sentimentos direcionados pela antipatia:
cLllêlsséries de sentimentos. Podemos relacionar-nos com nós mesmos de um a) A assintonia (falta de simpatia);
modo aprobatório e sintônico, surgindo assim os sentimentos ego-sintônicos, b) A rejeição: não se aceita o outro;
que implicam certa exaltação do eu e se orientam para a satisfação do eu. c) A aversão: além de não aceitar, se condena e exclui;
Podemos relacionar-nos com nós mesmos de um modo desaprobatório e d) O ódio: tenta-se destruir o outro;
desvalorizante, originando-se desta maneira os sentimentos ego-distônico, que e) O ressentimento.
supõem uma orientação auto depreciativa.
1) Sentimentos ego-sintônicos: 4) Os sentimentos orientados pela desvalorização do outro:
a) O sentimentodoptúpriovalor.aauto-estima,auto-aceitação,aautoconfiança a) A desconfiança;
b) O amor próprio, a qignidade e o orgulho. b) o desprezo;
c) O s~ntimento de poder. d) A vaidade e a arrogância. c) A inveja;
d) A decepção
2) Sentimentos ego-distônicos:
a) O sentimentode desvalor: a rejeiçãode si e o sentimento de inferioridade. 5) Os sentimentos ambivalentes:
b) O sentimento de frustração. a) Os ciúmes;
c) A culpa. b) A mágoa
d) O arrependimento.
111 - Os sentimentos da esfera dos valores culturais tos ego-assintônicos (veja-se nossa classificação nas páginas interio-
a) Os sentimentos estéticos; res) é um indício certo de uma problemática psicológica. As formas
b) O sentimentos religioso: a devoção e o sentimento sagrado; páticas direcionadas pela antipatia apontam no mesmo sentido.
c) Os sentimentos morais:
1 ) O sentimento de solidariedade b) A hipertrofia de sentimentos ego-sintônicos traduz uma falha na or-
2) O sentimento de dever e de responsabilidade ganização do caráter - isto é, na maneira construída de ser-no-mun-
3) Os sentimentos normativos (de lealdade, de justiça, etc.). do, falha que pode levar ao sujeito as piores formas de mistificação e
IV - Os sentimentos da temporalidade inautenticidade. A hipertrofia do sentimento de poder deriva em
a) A espera e a esperança; prepotência e arbitrariedade - como acontece com todos os ditado-
b) A desesperação; res. O exagero da auto-estima adquire todas as feições do narcisismo
c) A preocupação com o futuro; e da auto-complacência. O acentuado amor-próprio ou é uma forma
d) A nostalgia (e a saudade). de egocentrismo ou traduz uma fragilidade muito grande do
auto-conceito.
Por ora, não comentarei nenhum destes sentimentos; num livro de
próxima publicação faço uma ampla exposição de cada um. Contudo, ao exa- c) A existência de sentimentos contrapostos referidos a um mesmo ob-
minar nossa classificação e repensando a definição de sentimento aqui propos- jeto é também uma fonte de conflitos. E o que chamamos de
ta, talvez lhe provoque algumas dúvidas. Por exemplo: onde o vínculo no senti- ambivalência afetiva. É especialmente sintomático o amor-ódio em
mento da solidão? É um vínculo que você estabelece consigo mesmo ao perce- relação aos pais: em torno dele se articula a neurose - e Eugênio
ber "que não conta com ninguém para fazer sua caminhada". Relaciona-se BLEULER, o criador do conceito da esquizofrenia, pensava que a
com o outro por sua ausência; parece que ninguém se está importando comigo ambivalência era uma das características centrais do esquizo. Há
- fala para si, com uma vaga tristeza anuviando seus olhos. Outra dúvida: os duas espécies páticas que revelam igualmente esta contraposição: a
sentimentos dirigidos ao próximo seguem uma escala crescente? Apenas os mágoa e os ciúmes. Ambos são altamente perturbadores, embora um
três primeiros grupos. Embora a compaixão seja uma variação da estima. certo grau de ciúmes seja muitas vezes bastante compreensível.

4.2. Sentimentos Sintomáticos e Processo Psicoterapêutico d) Não só a existência de sentimentos negativos é sintomática; o é tam-
Em seu trabalho clínico, o psicólogo tem que lidar, principalmente, com bém a ausência dos afetos positivos, em particular aqueles que se
climas e vínculos afetivos de seu cliente. Sabe que nesse plano está inscrita a referem a nosso próximo. As pessoas esquizóides ou muito egoístas
trama mais significativa de sua existência; desde essa perspectiva o sujeito rara vez experimentam solidariedade ativa pelos outros.
codifica e enxerga a realidade. Por esta razão dedicaremos agora um par de
considerações sobre a patologia dos afetos. Não preciso enfatizar que o processo terapêutico se centraliza em gran-
Nossa questão é a seguinte: Quando podemos considerar um sentimento de medida no plano afetivo. Não estamos desconhecendo a importância dos
como sintomático, ou como um elemento perturbador do equilíbrio psíquico? aspectos cognitivos, sobretudo como uma forma de obter um maior equilíbrio
a) A persistência de sentimentos negativos é um indicador bastante dig- entre ambos processos, além de que a autocompreensão passa também pela
no de consideração. São sentimentos negativos todos aqueles que cognição. Digamos que a cognição é predominantemente intelectual, atenta a
desvalorizam o autoconceito do sujeito, por um lado, e aqueles que uma certa disciplina lógica, enquanto que a compreensão tem uma maior
refletem uma visão puramente pessimista das relações sociais e abrangência pois considera todos os aspectos da personalidade. Compreender
interpessoais, por outro. Este tipo de afeto se apresenta de um modo os próprios sentimentos e motivações, aspirações e desejos, requer todo um
característico na maioria dos quadros psicopatológicos, sendo bem trabalho do sujeito que está para além do simples conhecimento.
notório no círculo das neuroses. A vivência prolongada de sentimen-
4.3. Os estados de ânimo, ou de humor (ou de espírito, como são tam- vida. Antes, até o sabor dos alimentos levavam a marca do insípido; em seu
bém conhecidos). novo estágio todos seus sentidos se nutrem com o sabor da vida.
Dois estados de ânimo figuram entre os temas preferidos dos psicólogos O mundo cinza da depressão foi substituído pelo azul de um céu mais
clínicos e psicoterapêutas em geral: a-ª:~J?Eessãoe aansi~ºllJje. Não é nada de claro e convidativo. Sente-se mais autoconfiante; com um pouco de garra e de
surpreendente este interesse em razão que-estas -dua;~i vências perturbam a inteligência as coisas vão melhorar; pode contar consigo e com alguns amigos;
boa parte da população - de todas as idades, não importa qual seja a classe pode contar inclusive com a boa sorte, que antes se mostrou tão pouco amisto-
social. Por estarem muito bem estudadas são muito conhecidas suas manifes- sa com você.
tações características; inclusive o leigo sabe identificar quando está passando Agora você está contente da vida.
por um período de baixo astral - como se costuma dizer na gíria do vizinho - e Colocamos o contentamento em contraste com a depressão apenas para
quando anda com os nervos crispados, à beira de um ataque. facilitar sua caracterização; é óbvio que pode manifestar-se desde outro plano
O que é bem menos conhecido é que existem pelo menos quatorze esta- - a serenidade, a ansiedade, a tristeza. O interessante é que é um estado per-
.dos de humor, claramente discemíveis segundo uma escala de menor a maior tencente a um eixo anímico peculiar, eixo concebido em termos de uma escala
complexidade das manifestações. Tampouco os psicólogos nos oferecem uma progressiva, de menor a maior acentuação dos traços vivenciais. Qualificamos
caracterização segura e sustentável do que seja um estado de humor. Neste nosso enfoque como uma concepção biaxial dos estados de humor (observe o
capítulo seria pertinente que oferecêssemos uma descrição fenomenológica gráfico seguinte), composto de dois eixos, cada um dividido de maneira contra-
atenta pelo menos de um estado, mostrando desta maneira como se enxerga o posta:
mundo nesse estado particular. Para não repetir as inúmeras descrições da - o eixo do abatimento versus exaltação de si.
depressão leve ou desânimo que outros autores já têm feito talvez seja conve- - o eixo da tensão versus tranqüilidade anímicá
niente referirmos a um clima anímico menos comentado: o contentamento. Entretanto, ainda não explicamos em que consistia um estado de ânimo.
Por muito sério e tristonho que você seja já tem passado por períodos de É um estado, não uma mera reação - como nas emoções. Um estado no qual
contentamento por algumas horas, talvez por alguns dias. Os tristonhos não são se encontra o sujeito por um período variável, no qual predomina um clima
refratários à uma certa alegria de viver. Para começar, digamos que todos os vivencial dominante que impregna todo o campo psicológico e o mundo da
estados de humor são variáveis, durando desde alguns momentos até longos pessoa. Apresenta-se na forma de um encontrar-se, de estar-aí no mundo numa
períodos (meses e anos). Você pode ter certa disposição depressiva e passar disposição anímica característica.
boa parte de sua vida nesta inclinação, apenas com leves momentos de leveza Os estados de ânimo incluem vários sentimentos que coexistem de ma-
e abertura para os convites do mundo fora. Nesses períodos bons, parece tudo neira desigual, sendo uns mais acentuados que outros; mesmo assim não de-
mais fácil e as barreiras que antes o assustavam ou detinham sua passagem vem ser entendidos como apenas um complexo afetivo que se impõe no sujeito
agora lhe parecem menores ou transponíveis com um rápido pulo. Se na de- como um modo predominante de enxergar a realidade. É algo mais: impregna
pressão sentia seu corpo pesado, uma carga a mais para arrastar numa vida todo o campo psicológico da pessoa, manifestando-se em todas as dimensões
vagarosa e sem rumo, agora neste novo estado tem a nítida sensação que seu da existência - no corpo, nos relacionamentos interpessoais, nas motivações,
corpo recuperou toda sua energia, que se impulsiona sozinha sem maior esfor- nos valores, etc.
ço; seus movimentos são mais rápidos e inclusive o ritmo do mundo todo lhe Basta reparar nos traços que indicamos para o contentamento. Para
parece mais acelerado. Mexe-se com leveza e com a sensação do rumo certo. apreciar melhor a passagem para esse estado acho pertinente apelar para um
Antes a gente lhe causava a impressão que o esquivavam, julgando-o um pás- depoimento:
saro chato; é provável que você mesmo os julgasse do mesmo modo, gente tola "Alguns meses depois recuperei minha liberdade - me informa Ircnc,
e sufocante. Em seu novo estado tem uma outra percepção das pessoas. Des- uma psicóloga de 34 anos, desquitada faz 2 anos, uma filha - comecei a recu-
cobre com facilidade que as pessoas são bem dispostas, basta "mostrar-Ihes perar a alegria de viver. Durante os últimos cinco anos tinha vivido na angústia,
um mínimo de simpatia e boa vontade. Agora está .sentindo esse elã em prol de na frustração, no sufoco. Meu marido era um homem violento, que queria,
seus semelhantes. Esse elã vital se estende a quase todos os aspectos de sua como ele mesmo confessava, ser uma grande bola de fogo, para arrasar uma
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boa parte da cidade. Voltar a ser eu mesma, poder decidir por mim mesma, sair acabou o período de cio; um psicólogo nos ensina que toda paixão se toma
do círculo do medo, foi como iniciar um novo contrato com a vida. Nos dois convivência criativa; e Neruda nos diria que nem todas as rosas florescem
primeiros meses ainda batia a ameaça na minha porta, mas depois tudo come- apenas na primavera.
çou a clarear. Senti que a fé na vida não era uma ilusão; senti que algumas Existem outras paixões. Duas são muito conhecidas: a paixão pela causa
promessas pairavam no ar, que o ar mesmo entrava em meu corpo e estimula- (religiosa, política ou ideológica), e a paixão pelo jogo. Todas elas têm um cará-
va meu espírito. Quando voltei à firma onde tinha trabalhado por três anos ter absorvente e compulsivo; polarizam toda a atenção da pessoa, tensionando-
antes do casamento, o reencontro com alguns companheiros me animou ainda a numa espécie de exaltação entre fruitiva e angustiante,
mais; eles estavam realmente contentes com meu regresso. Aconteceu algo Por esta vez terminarei este capítulo com uma idéia corriqueira: sem um
mais: senti que perdoava meu marido. Sim senhor, o perdoava de peito aberto. pouco de paixão a banalidade da vida comum esmaga seus inegáveis encantos.
Ele era violento porque a vida tinha sido cruel com ele; ele não era ruim, apenas Notas e livros
não podia esquecer suas dores. De longe, agora podia apreciar os aspectos 1) Pode parecer uma ladainha exagerada afirmar que os psicólogos des-
generosos de sua alma. Mesmo assim tive a coragem de resistir à tentação de cuidaram demais o estudo dos afetos a ponto de não saberem discemirc o m
pedir seu regresso. Agora confiava que teria outras oportunidades para um rigor o que seja uma emoção, um sentimento, um estado de ânimo; mas basta
amor mais tranqüilo. É muito bom poder estar bem consigo mesma, sentir que consultar os três ou quatro dicionários de psicologia para verificar nossa obser-
o riso brota espontaneamente, não da boca, mas dessa fonte que alimenta a vação. Nem sequer o livro de Amélia O. Rorty, "Explaining Emotions"
vida". (University 01' Califórnia Press, 1.980), que versa sobre os mais diversos tópi-
E onde ficam as paixões? Não quero ser inteiramente descortês com o cos em mais de 500 páginas, nos oferece um esclarecimento sobre estes con-
leitor deixando de ladO um assunto que sempre nos provoca a expectativa de ceitos,
uma aventura entre excitante e desafiadora. Comecemos com uma pergunta: Oatley & Jenkins, depois de constatar que muitos objetos não pode ser
você já se apaixonou alguma vez? Não falo de uma paixão erótica apenas; definidos e de concordar com outros autores de que neste caso estão as emo-
refiro-me também às outras, menos aceitas, mais arriscadas, menos comuns, ções, terminam por concluir que "as emoções ligam o que é importante pam
mas igualmente fortes, intensas, impetuosas, obnubiladas, como todas as pai- nós com o mundo das pessoas, coisas e acontecimentos"(pág. 122). E dizer,
xões. sublinham um aspecto dos sentimentos e até um certo ponto valem pam as
Os velhos psicólogos nos ensinam que a paixão combina a intensidade emoções, mas deixam de fora os estados de humor que propriamentc nuo li-
perturbadora, avassaladora, das emoções com duração e compromisso dos sen- gam, pois estabelecem climas afetivos que impregnam todo o mundo do sujeito.
timentos. É isso mesmo. Entre nós, a paixão amorosa goza da auréola dos bens Richard S. Lazarus reconhece a distinção entre as modalidades comen-
mais desejáveis. É um dos maiores mitos do Ocidente. Por ela muitos sacrifi- tadas por nós sem chegar a uma conceitualização clara de nenhuma delus.
cam suas vidas e já houve um rei que renunciou ao trono para assombro de Chega a dizer-nos que "é mais exato restringir a palavra sentimento pum 11
seus súditos. Esta paixão é uma mistura de atração erótica incontrolável e a consciência de sensações corporais e reservar a palavra emoção para as ocu-
promessa de algo mais. O que? Talvez o encontro da felicidade, esse substituto siões em que haja havido uma avaliação do dano ou benefício". Como se vê,
infantil do paraiso perdido. nada esclarecedor e sustentável. Este senhor usou mais de 1.500 refcr8nciuH
Depois que passa a paixão talvez se transite em direção ao amor; talvez bibliográficas e uns 20 anos de pesquisas para resultados tão pouco alcntudo-
~urja o desencanto e a decepção; isso depende de como se construa a relação. res. Um Ribot, cem anos atrás, nos ensinava muito mais.
E possível que nem sequer cheque até o amor, que pare num degrau anterior, 2) Theodule Ribot: Psychologie des Sentiments (Paris, 1.896, 1.908)
na simples e tranqüila afeição. É o que acontece com muita gente que entra no 3) RichardS. Lazarus: Emotion & Adaptation (Oxford University Prcss, 1.9t) I)
casamento compelida pelo desejo passional. Passada a doce e inquietante tor- 4) Keith Oatley & Jennifer M. Jenkins: Understanding EmoliollH
menta, quiçá um tanto esgotados por tanta agitação emocional, os parceiros (Blackwell Publishers, Cambridge, Massachussets, USA, 1.996)
terminam por levar uma vida mais de acordo com as exigências de uma prática 5) Emitio Romero: As Formas da Sensibilidade - Psicologill c
cotidiana. Não é que tenha acabado a atração mútua. Um biólogo diria que Psicopatologia dos afetos (de próxima publicação)

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