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STORY
TELLING
DO JORNALISTA DA TV
Copyright © 2019 by Vinícius Dônola
Revisão
Sabine Mendes Moura
Ilustração
André Dedos
[2019]
Todos os direitos reservados.
2
DEDICATÓRIA
4. A Entrevista .46
9. Conclusão .148
INTRODUÇÃO
Assim que me sentei à mesa para escrever esta
introdução, fui ao Google para calcular quanto tempo
se passou desde que pus os pés pela primeira vez em
uma emissora de TV. Inicialmente, o resultado me pro-
vocou um choque: exatos 11.924 dias. Ou 391 meses.
Algo entre 32 e 33 anos – quase um terço de século.
6
telex se esparramavam pelo chão como uma cascata
de papel sem fim. Daí, a necessidade de alguém para
cortá-las no tamanho de uma folha A4.
7
definitiva como “Repórter B”. Codinome para inician-
te. Minha alegria durou pouco... Como eu não era for-
mado ainda, me transferiram para o departamento
de esportes, que cobria jogos de futebol, vôlei e bas-
quete. Não era, definitivamente, o que eu queria fazer.
Pedi demissão e me mudei de país.
8
Ao sair da Globo, no final de 2008, pensei que
espantaria de vez o fantasma do diploma. Engano.
No ano seguinte, um advogado da RecordTV exigiu a
apresentação do registro definitivo, sob pena de sus-
pender os efeitos do contrato que eu assinara com a
emissora. Por força e obra do acaso, estava em vigor
uma liminar do Supremo Tribunal Federal que permi-
tia a concessão de registros para jornalistas não for-
mados. Com base nessa medida provisória, obtive o
carimbo na carteira de trabalho, seguido de uma res-
salva: a liminar poderia cair a qualquer momento. Ou
seja, tornei a caminhar sobre o fio da navalha.
9
ficcionais. Trinta anos depois, Gay Talese, o escritor
americano, me apresentou os elementos literários in-
seridos na narrativa jornalística. O Novo Jornalismo.
Ambos exímios contadores de histórias, cada qual no
seu próprio universo.
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fizeram enxergar a dualidade que nos desafia. Ao con-
trário das outras formas de mídia, temos que dominar
duas ferramentas distintas que compõem uma matéria
para a televisão: a forma e o conteúdo.
11
minar as técnicas de locução e gravação na rua. Era
preciso ter fontes, apurar, sugerir pautas impactantes.
Era preciso ter sede de notícia. Só então, julgo ter feito
a transição do papel de ator da informação para o de
repórter de TV.
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Agora, durante um período sabático após minha
saída da RecordTV, revi meu conhecimento e criei um
método próprio para ensinar a arte do storytelling. Não
quero que você leve duas décadas para aprender a
contar histórias para a TV, garimpando conhecimento
disperso, sendo cobrado por coisas que não aprendeu,
enquanto se sente perdido com a falta de referências
na redação e tenta progredir na carreira sem um dire-
cionamento de sua chefia.
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1. O QUE É NOTÍCIA?
Não há nada mais desafiador para um jornalista
do que responder àquela que parece a mais óbvia das
perguntas: o que é notícia? Bom jornalista é o profis-
sional que, com curiosidade, sensibilidade e experiên-
cia, desenvolve um faro aguçado para identificar o veio
da notícia, como o garimpeiro que encontra uma pe-
pita de ouro em uma montanha de pedregulhos. Essa
é uma habilidade preciosa e nem sempre dominada
pela maioria das pessoas que compõem uma redação.
Tem gente que leva anos para separar o joio do trigo;
tem gente que irá se aposentar sem saber diferenciar
um fato comum de algo a ser noticiado. Creia, isso não
é exagero da minha parte.
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“ O homem
mordeu o
cachorro.”
Isso é notícia!
“ O cachorro
mordeu o
homem.”
Isso não!
16
Naturalmente, não podemos ser demasiada-
mente simplistas ao discorrermos sobre a vastidão do
conceito de “notícia”. Porém, o aforismo, cuja autoria é
deveras controversa, nos ajuda a começar a entender
o princípio básico da produção jornalística.
17
Chegando ao alojamento da Academia Médica
de Moscou, uma descoberta inesperada nos fez en-
xergar uma história ainda maior do que a inicialmente
proposta pela pauta. Entre os cinco alunos que entre-
vistamos, estava a goiana Patrícia Maria da Silva, filha
de um lavrador e de uma costureira, moradores da pe-
quena Itaguaru.
20
Produtos com a marca The Guardian:
23,5 milhões de pessoas/mês
A seguir:
21
2. COMO EXTRAIR
O MELHOR DE UMA
HISTÓRIA?
O PERSONAGEM
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cia. Internamente, essa prática é conhecida como
“mutirão” – um esforço conjunto para levar ao ar um
programa o mais rapidamente possível. Fui manda-
do para Campinas, no interior paulista, onde os índi-
ces de violência eram crescentes e assustadores. Eu
conhecia bem a região, onde vivi dos 6 aos 19 anos
de idade. – Por onde começar? – pensei, chegando à
cidade. Imediatamente, uma ideia me veio à cabeça.
Uma foto! Eu preciso apenas de uma foto.
24
Durante a construção do roteiro, deixei para o fi-
nal o caso da formanda que pautou a escolha da foto.
Ela se chamava Roseana Morais Garcia. No dia 10 de
setembro de 2001, seu marido, Antonio da Costa San-
tos, fora morto a tiros quando seguia de carro para
casa. Toninho do PT, como era conhecido, havia as-
sumido a prefeitura de Campinas apenas oito meses
antes do crime. Roseana era, então, a viúva do prefeito.
Ela nos concedeu uma entrevista comovente, com a
qual fechamos um dos blocos do programa.
25
A IMAGEM
26
De repente, é abordado por dois bandidos. Ele é mais
uma vítima da quadrilha.
27
Procurando observar os passos citados aci-
ma, desenvolvi meu estilo próprio de contar histórias
a partir de uma boa imagem. Ainda que dispusesse
de apenas uma cena para sustentar um VT inteiro. Eu
cito agora um exemplo que aconteceu comigo em ja-
neiro de 2013. O chefe de plantão no Réveillon, meu
amigo Jean Ribeiro, recebeu imagens de três câmeras
de segurança, que flagraram o atropelamento de uma
mulher de 67 anos na noite de Natal, em um bairro
da zona oeste do Rio de Janeiro. Ele teria a opção de
exibir as imagens em um telejornal local, mas preferiu
aguardar, dizendo:
28
a) O motorista
não se preocupa
em ver se há
uma vítima
debaixo do
carro.
b) Uma das
passageiras
estava
visivelmente
embriagada.
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c) Uma segunda
passageira tem
uma garrafa de
cerveja na mão
d) A mulher
tenta esconder
a garrafa,
jogando-a
debaixo de um
carro.
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e) O motorista, que havia
fugido, regressa ao local.
Novamente, ele não
socorre a vítima. Retira
objetos pessoais do veículo
e foge.
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Jean estava certo. O flagrante renderia uma re-
portagem especial, para o Jornal da Record, com a du-
ração de onze minutos e meio, somando o texto lido
pelos apresentadores e a matéria em si. Ainda locali-
zamos o motorista, que era garçom em um restauran-
te da zona norte do Rio. Sem saber que estava sendo
filmado por uma câmera escondida, mentiu sobre ter
prestado socorro à vítima. Obtivemos, também, acesso
ao inquérito e ao depoimento das testemunhas. Uma
das passageiras disse ter visto o atropelador beber an-
tes do acidente. Ele teria consumido quatro latinhas de
cerveja. O condutor responderia por homicídio doloso,
– já que assumiu o risco de provocar uma tragédia ao
fazer ingestão de bebida alcoólica.
32
Ou seja, dobramos a audiência do telejornal na
maior cidade do país, onde se concentram os anun-
ciantes fortes da emissora, e mais do que dobramos a
audiência na segunda capital mais importante para o
mercado publicitário.
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3. O NOVO TEXTO
PARA A TV
Neste capítulo do Manual de Storytelling do Jor-
nalista da TV, vamos, inicialmente, delimitar o conceito
de texto para a T V. Entendamos por texto ou off a
parte escrita de uma reportagem para os telejornais
diários (matéria ou capítulo de uma série especial) e
para os programas semanais, como o Fantástico e o
Globo Repórter, da Rede Globo, e o Domingo Espeta-
cular, da RecordTV. Incluímos também no conceito de
texto, a chamada passagem ou stand up, o trecho da
matéria em que o repórter “conversa” com a câmera.
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Antes, os textos eram longos, e as matérias, bem
mais curtas do que hoje. Reportagens para o Jornal
Nacional, por exemplo, duravam em média um minuto
e quarenta segundos, e pouco tempo sobrava para as
entrevistas. Quando muito, na edição final, iam para o
ar duas frases do entrevistado e/ou personagem. No
caso do Fantástico, raras eram as matérias com mais
de seis minutos de duração, salvo quadros de humor
e outras formas de entretenimento, feitas pela Central
Globo de Produção.
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no que não pode ser desconsiderado na construção
de um roteiro: o pensar do telespectador.
COMO ASSIM?
37
convida a pessoa que assiste à sua reportagem a inte-
ragir com a narrativa, criando um enlace entre o roteiro
e as reações que gera. O novo texto para a TV deve
contemplar espaços para respiros e “sobe sons”, na-
turalmente, de modo criterioso. Exceder o uso dessas
duas ferramentas pode “arrastar” o andamento da ma-
téria, criando o que chamamos de “barriga”. A “barriga”
nada mais é do que um trecho da reportagem em que
o ritmo da narrativa parece excessivamente lento, “ar-
rastado”, o gerando desconforto e perda de atenção.
– o sotaque do entrevistado;
– a riqueza do regionalismo;
– a melodia da voz;
– as expressões corporais durante a fala;
– a autenticidade para contar a própria história.
38
trechos de sonoras. Repito, bons trechos. Não é raro
ver, na televisão, sonoras que pouco ou nada acres-
centam ao VT. Diria, absolutamente desnecessárias.
No capítulo seguinte, vamos nos debruçar mais sobre
as técnicas que desenvolvi para a entrevista. Por en-
quanto, quero apenas exemplificar como o texto para
a TV aposentou o “off quilométrico”, incorporando à
estrutura narrativa os “sobe sons”, respiros e mais tre-
chos de sonoras.
39
pressões e a melodia da fala de nossos personagens.
A audiência daquele Globo Repórter bateu 36 pontos
de IBOPE na Grande São Paulo – acima da média para
os padrões da época, que era de 32 a 35 pontos na
capital paulista.
40
atropelamento. Os editores de plantão no fim de se-
mana seguinte bancaram a proposta e assim levamos
a reportagem ao ar, sem nenhuma linha de off.
A PASSAGEM
41
preocupação com o momento de aparecer na TV.
1) EXCESSO DE USO
42
para cobrir determinado trecho de off. Pode ser, mas é
não só isso. Há outras ocasiões que justificam o uso da
passagem, como por exemplo:
43
equipe;
– está fechando um VT para domingo, dias de-
pois do acontecimento;
– é obrigado a gravar uma passagem perto da
emissora, escrita por um editor ou chefe.
MINHA DICA
– AQUI
– ESTE (OU NESTE)
– ESTA (OU NESTA)
Exemplo:
44
parte do mundo. (...)
Resumindo:
– AQUI
– ESTE (OU NESTE)
– ESTA (OU NESTA)
45
4. A ENTREVISTA
Assim como o conceito texto para a TV é muito
amplo, a palavra “entrevista” sugere uma infinidade de
situações. Daí, neste capítulo do Manual de Storytel-
ling do Jornalista da TV, minha intenção de delimitar o
entendimento de entrevista para os tópicos abaixo:
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Não quero, entretanto, dizer que este capítulo só
é profícuo para os empáticos de plantão. Muito pelo
contrário. Independentemente do seu temperamento,
você pode usar técnicas comprovadas – e descritas
abaixo –, que irão transformar sua experiência diante
de seus entrevistados. É provável que você passe a es-
cutar o seguinte comentário:
48
para os diferentes tipos de entrevista. Meus parceiros
de reportagem – cinegrafistas e auxiliares técnicos –
irão rapidamente identificar as técnicas aqui descritas,
pois me acompanharam em incontáveis momentos de
“sorte”...
O “ POVO-FALA”
49
recionar o microfone à sua boca. Repare – antes da
gravação em si, já fiz duas perguntas:
50
2) MANTENHA O MICROFONE LONGE DA SUA
BOCA EM DETERMINADAS PERGUNTAS
51
A entrevista, inclusive o “povo-fala”, por vezes,
assume os contornos de um bate-papo. Quebra-se a
rigidez da sequência “pergunta-e-resposta” e, de re-
pente, você se vê conversando com o entrevistado.
Bingo! Você atingiu o nirvana de uma sonora.
52
53
A pergunta parece mesmo estúpida, mas, naque-
le momento da entrevista, foi necessária para disparar
o gatilho de uma resposta muito boa:
54
3) USE O “ SÉRIO?”, O “ COMO ASSIM?” E AS DE-
MAIS REAÇÕES DE SURPRESA
55
Nos dois tópicos abaixo, o uso das reações de
surpresa é igualmente poderoso. Voltemos à entrevis-
ta:
O telespectador pensaria:
56
57
A SONORA COM ENTREVISTADO/PERSONAGEM
58
da exposição gerada por uma pergunta indesejada:
Em vez de:
Você terá:
59
Com isso, você:
– o começo da resposta;
– o fim da resposta.
60
quele determinado trecho, pois fica claro que a fala do
repórter foi cortada pela edição.
61
Daí, a importância da terceira dica a seguir.
62
leva tempo. Porém, há uma maneira de acelerar esse
processo – frequentar a ilha de edição. Eis um péssi-
mo hábito de muitos colegas:
63
do as perguntas básicas que irá fazer, salvo quando se
trata, evidentemente:
3) AQUEÇA A ENTREVISTA
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Isso sinaliza que aquela gravação – para alguns,
um profundo martírio – está perto de acabar. Tem um
efeito poderoso. Normalmente, os trechos que irão
para o ar são seguidos do meu clássico...
65
Pior do que se esquecer eventualmente da pró-
xima pergunta é não ouvir o conteúdo da entrevista.
Então, repórter...
66
5. ROTEIRO E A
FÓRMULA DA AUDIÊNCIA
Nos últimos quatro capítulos, você viu técnicas
que desenvolvi para melhor captação e emprego dos
elementos básicos de uma reportagem (off, passagem,
sonora, “sobe som” e respiro). Agora, nesta segunda
metade do manual, vamos ver como dispor desses
elementos no roteiro de uma matéria, de modo a pren-
der a atenção de seu público e obter uma melhor per-
formance de audiência com o seu VT.
68
mento de uma mulher, filmado por diferentes câmeras
de segurança. Os registros do acidente continham de-
talhes riquíssimos, a partir dos quais iniciamos uma
profunda investigação. Na construção do roteiro, des-
crevi o pari passu da apuração dos fatos, me valendo
das técnicas que apresentarei abaixo.
69
Jornal da Record – 06/03/2013
(audiência em pontos do IBOPE/RJ)
70
O roteiro pode instigar o telespectador a assistir à re-
portagem do começo ao fim ou, se mal elaborado, pro-
vocar uma debandada imediata do canal. Ainda que o
repórter tenha trazido da rua um material completo,
com entrevistas relevadoras e belíssimas imagens, um
erro na construção do roteiro pode condenar o VT ao
fracasso.
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O mesmo vale para uma reportagem de televi-
são. Se o roteiro não for escrito de forma criteriosa,
respeitando algumas técnicas que listarei a seguir, o
material trazido da rua poderá ser jogado no lixo. Eu,
obviamente, não serei deselegante a ponto de citar
casos em que matérias minhas foram roteirizadas de
forma desastrosa por algum editor, transformando um
bom material gravado pela equipe em uma construção
final desprovida de bom gosto. Por causa disso, a par-
tir de um determinado momento da minha carreira, eu
entendi que deveria construir meus próprios roteiros,
assumindo também a edição das minhas reportagens.
Não quero, com isso, desmerecer o trabalho de meus
colegas editores. Pelo contrário. Eles foram meus pro-
fessores de storytelling na TV. Achei, no entanto, que
eu seria um profissional mais completo se desenvol-
vesse minhas próprias técnicas de construção da es-
trutura narrativa. Aos poucos, meu coração foi se divi-
dindo. Já não sei se gosto mais da reportagem ou da
edição...
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contro casual entre duas pessoas, com começo, meio
e fim. Precisa, de imediato, demonstrar suas intenções,
mas é ciente de que não pode ir “com muita sede ao
pote”. O telespectador, por sua vez, se entrega ao jogo,
levemente ressabiado. Pode se encantar com as inten-
ções sugeridas pela reportagem e, repentinamente, se
retirar da “mesa de jantar”. Há que se ter sensibilidade
para aguçar seu interesse. Pouco ao pouco, a maté-
ria avança com as preliminares da informação, e o te-
lespectador se vê paralisado pelo desenrolar daquela
trama. A todo momento, ele se sente seguro de que as
intenções inicialmente demonstradas são, de fato, ver-
dadeiras. Já quase ao fim do encontro, a reportagem
chega ao clímax, satisfazendo ou surpreendendo seu
telespectador. Simples, como um encontro casual.
73
pórteres não costumam sugerir os textos para a ca-
beça de suas próprias reportagens. São raros aqueles
que o fazem.
74
Vejamos algumas:
75
convencido a assistir à sua matéria. Ele precisa ser,
imediatamente, seduzido pela reportagem e, para isso,
você tem pouquíssimo tempo.
76
77
A imagem, de uma câmera de segurança ima-
ginária, mostra dois carros trafegando na direção de
uma mesma esquina. Ao volante do carro vermelho, há
um famoso ator de cinema, John Lineker. Dirigindo o
outro veículo, está um homem completamente alcoo-
lizado, que não respeitará o sinal “PARE”, pintado no
asfalto. A batida será violenta.
78
3) USE A “ TÉCNICA DA PRIMEIRA ESCALADA”
79
Exemplo:
(fim da escalada)
80
(OFF COM IMAGENS BANGU I – CADEADOS, POR-
TÕES, CÂMERAS E GRUPAMENTO DE INTERVEN-
ÇÕES TÁTICAS)
(...)
(OFF)
JAMAIS UMA EQUIPE DE TELEVISÃO FOI AUTORI-
ZADA A ENTRAR NAQUELE LUGAR.
AGORA, PELA PRIMEIRA VEZ, VOCÊ VAI VER
COMO FUNCIONA A PENITENCIÁRIA...
O SUPER ESQUEMA DE SEGURANÇA...
O INTERIOR DAS CELAS...
E A AÇÃO DA TROPA QUE É CHAMADA PARA CON-
TER MOTINS E REBELIÕES.
(fim da mini-escalada)
81
É uma outra maneira de convidar o telespectador
a assistir ao VT. A ele, foi oferecida uma parte saboro-
sa do cardápio da reportagem. Uma espécie de tira-
-gosto da matéria, com os tais quinze minutos de du-
ração. Naturalmente, eu só usei esse recurso porque
dispunha de imagens inéditas e bem captadas. Não é
sempre que se pode aplicar essa técnica. Os efeitos,
porém, foram comprovados na prática. No fim deste
capítulo, eu conto o resultado da audiência.
82
da penitenciária – imagem que jamais havia sido vista
na televisão brasileira. O telespectador impaciente po-
deria se cansar da espera, se não fosse realimentado
pelo interesse em assistir às cenas inéditas.
O que fiz?
(...)
(OFF)
SERIA NOSSA ÚLTIMA BARREIRA, ANTES DE CHE-
GAR AO CORAÇÃO DO COMPLEXO.
(RESPIRO)
(OFF)
MAIS ALGUNS METROS E TAMBÉM, À NOSSA DI-
REITA, APARECE A MURALHA DE CONCRETO QUE
VIMOS DO ALTO.
83
(RESPIRO)
(OFF)
ATRÁS DELA, FICA A PRISÃO QUE FOI MANTIDA
AFASTADA DAS CÂMERAS POR LONGOS VINTE E
CINCO ANOS.
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Fiz apenas o seguinte comentário:
(PASSAGEM)
85
LOGO ALI ATRÁS, UMA MESINHA TAMBÉM DE
CONCRETO, UMA DIVISÓRIA E, ALI, O CHUVEIRO
COM O CHAMADO “BOI” PARA AS NECESSIDADES.
(FIM DA PASSAGEM)
6) O GRAND FINALE
86
Bassan. Fico esperando curioso pelo fim de seus VTs.
Ambos encerram a matéria com alguma frase muito
criativa. O off final é quase sempre um resumo da re-
portagem apresentada, coberto por uma imagem de
forte poder simbólico.
(OFF)
O RESULTADO DA AUDIÊNCIA
87
durante aquela quarta-feira – um dia tradicionalmente
ruim para a emissora, que brigava contra o futebol exi-
bido pela Globo e também contra uma novela do SBT.
88
Em março de 2014, pela série de cinco reporta-
gens intitulada Encarcerados, recebemos o Prêmio
Tim Lopes de Jornalismo. Em muito nos honra a vitória
contra trabalhos inscritos em diversos estados e dife-
rentes formas de mídia. Tim era um exímio storyteller.
89
6. DICAS DE LOCUÇÃO
Assim como o roteiro, a locução é uma das fer-
ramentas mais importantes para a arte de contar his-
tórias na TV. Ninguém suporta um ritmo enfadonho de
locução por muito tempo. Seja de um apresentador do
estúdio, seja de um repórter na rua. O telespectador
talvez não seja capaz de identificar as regras usadas
por um profissional de TV no decorrer de uma deter-
minada gravação. Porém, sente o bem-estar de uma
narração pontuada pela precisão técnica, bem como
o desconforto provocado por um texto mal narrado, o
que resulta, também, em oscilações de audiência. Fato
comprovado por casos reais, como o citado a seguir.
91
com fonoaudiólogos antes de ser promovido para o
cargo o repórter, sua locução soava insossa, monó-
tona. Faltava brilho na sua voz. No ar, seu off parecia
ser lido com tédio ou má vontade – o que não espe-
lhava, definitivamente, seu estado emocional. Ele es-
tava radiante de alegria na nova função. Atendendo ao
pedido do chefe, chamei o colega para uma conversa
reservada. Eu precisava fazer com que ele próprio en-
xergasse o que estava acontecendo com sua narração.
De repente, ele soltou a seguinte frase:
92
dio com que narrava seus textos.
93
vida. Não há experiência que lhe permita prescindir da
companhia de um bom profissional.
94
PEDRO CARREGAVA UM COLCHÃO DE CASAL
COM DOIS PALMOS DE ESPESSURA.
95
PEDRO SILVA, FUNCIONÁRIO DE UMA LOJA DE
COLCHÕES, FAZIA UMA ENTREGA PARA UM
CLIENTE VIZINHO.
96
PEDRO CARREGAVA UM COLCHÃO DE CASAL
COM DOIS PALMOS DE ESPESSURA.
97
É muito comum ver, na TV, erros grosseiros de
colocação da ênfase. Seguramente, quando isso acon-
tece, o repórter e o apresentador não estão focados
no conteúdo do texto. Exemplo a partir do off usado
acima:
ou
98
3) SAIBA USAR AS DIFERENTES FERRAMENTAS
DE ÊNFASE
a) o tom agudo;
b) o tom grave;
c) a pausa antes da palavra;
d) a leitura da palavra, pausadamente.
a) O tom agudo
Imagine a frase:
99
O número de refugiados deve ser destacado do
restante da frase. É algo absurdo encontrar 120 refu-
giados no interior de uma embarcação. Uma calami-
dade.
b) O tom grave
100
O tom grave, como o próprio nome sugere, refor-
ça a gravidade do fato.
101
Em vez de usar o tom agudo, o tom grave ou a
pausa antes da palavra-chave, você pode reduzir o rit-
mo da leitura no trecho da frase que pretende enfati-
zar.
102
mii-laaa-greee. (tom agudo e leitura da palavra, pau-
sadamente)
103
Portanto, não se assuste. O tempo é o melhor dos
mestres. Você, agora, está adapto a acelerar o tempo.
104
ra escolar. Sempre nas últimas palavras antes do ponto
final, o leitor “derruba” o ritmo da narração, concluindo
a frase em tom grave, entediante.
Exemplo:
105
b) Curva melódica ascendente
Exemplo:
Nove horas e quarenta minutos em Bras íli a!!
Seja bem-vindo ao programa MPB SHOW!!
106
“leitura manchetada”, com dizemos no meio. Pegue-
mos o exemplo de escalada citado no capítulo 5:
107
Eles usavam a curva melódica ascendente.
108
ral, melhor. Porém, a naturalidade deve ser autêntica.
Forçar naturalidade depõe contra a credibilidade do
próprio repórter.
109
7. ARTE E SONORIZAÇÃO
Não foi à toa que eu decidi tratar da sonoriza-
ção no capítulo 7 do Manual de Storytelling do Jorna-
lista da TV, antes de entramos no capítulo final sobre
edição para a TV. A chamada “sono” costuma ser tra-
tada como um segmento da pós-produção a serviço
do jornalismo, e o termo “pós” carrega em si um tre-
mendo equívoco. O sonoplasta, produtor musical ou
editor responsável por “trilhar” uma reportagem deve
participar do processo de construção do VT desde o
comecinho. Não é bem o que acontece. Ele acaba se
envolvendo com a matéria depois que todo o roteiro já
foi montado na ilha, e é cobrado por algo que não foi
minimamente “brifado”.
111
conta de uma semelhante existente entre a Arte e a
“sono”: a perda de tempo com o chamado retrabalho
– os inúmeros pedidos de alteração das artes e ilustra-
ções, bem como das trilhas sonoras usadas em uma
reportagem. O retrabalho também gera gasto, pois de-
manda mais esforço para a execução de uma mesma
tarefa, além de provocar atritos entre os colegas de
trabalho. Editores de texto reclamam que os designers
não executam o que foi pedido, enquanto designers
se queixam de editores que não sabem detalhar suas
próprias ideias; editores pedem a troca de trilhas usa-
das pelo sonoplasta que, irritado com as mudanças
exigidas e pressionado pela falta de tempo, se abor-
rece por não ter participado da concepção do VT. Em
suma: em casa que falta comunicação, todo mundo
briga e ninguém tem razão.
A ARTE
– mapas;
– simulações e reconstituições;
– gráficos;
– tabelas;
– cenários;
112
– ilustrações dos cenários;
– vinhetas;
– legendas (letterings);
– destaques sobre alguma imagem ou documento.
113
putador, mais rápido será o render. Artes em 3D (três
dimensões) podem levar horas para serem “renderiza-
das”, e não há como acelerar esse processo. Quem dita
o tempo é a própria máquina.
114
so emperrar por conta do fantasma do retrabalho.
Com a intenção de tornar ainda mais claros os
prejuízos causados pelo ruído, o ilustrador André De-
dos, que assina as artes deste manual, e eu resolve-
mos criar uma situação fictícia, divertida, porém co-
mum no dia a dia das redações de TV.
Vamos à cena:
(OFF)
115
MAIS TARDE, O HOMEM SERIA RECONHECIDO PE-
LOS VENDEDORES DA PRÓPRIA RELOJOARIA.
(OFF)
116
A primeira versão do desenho não agradou, pois
o assaltante usava uma touca estilo ninja. Com boa
vontade, o ilustrador refez a arte.
117
De novo, a arte não foi aprovada. O assaltante
não portava um revólver, mas sim, uma faca pequena.
O designer bufou pela primeira vez.
118
Pela terceira vez, a pobreza de informações ge-
rou retrabalho. O assaltante era gordo e canhoto – de-
talhes que iriam ser decisivos para o reconhecimento
do suspeito na delegacia. Já irritado e bufando segui-
das vezes, o ilustrador refez seu trabalho.
119
De todos os elementos presentes na arte final,
só um constava no primeiro desenho: a corrente de
ouro. Todos os outros, que eram importantes para a
compreensão da dinâmica do assalto, não foram cita-
dos na primeira conversa entre o ilustrador e o editor
apressado.
120
4) FAÇA UMA VISITINHA AO PESSOAL DA ARTE
121
a arte inteira.
A “ SONO”
122
ou editor responsável por “trilhar” uma reportagem
não participa da concepção de um VT. Seria impen-
sável que um sonoplasta, por exemplo, deixasse sua
estação de trabalho para acompanhar as reuniões de
pauta. Se ele, portanto, não vai à redação, que a reda-
ção vá até ele!
123
Atenção:
124
“excessivamente carregado”.
125
sérios. Artistas como Roberto Carlos e Djavan, por
exemplo, já são conhecidos por não autorizar o uso de
suas composições. Canções dos Beatles também tem
o uso expressamente proibido.
126
O fato de demonstrar curiosidade musical te fará
ganhar pontos com a equipe da “sono”.
127
8. NA ILHA DE EDIÇÃO
Pra chegar até aqui, o oitavo e último capítulo do
Manual de Storytelling do Jornalista da TV, percorre-
mos cada metro quadrado da redação de uma emisso-
ra de TV. Da salinha da apuração, por onde chegam as
ocorrências policiais e os vídeos dos internautas, até
os segmentos da pós-produção (Arte e “sono”), viaja-
mos pela linha de montagem que transforma fatos em
notícias. Propositadamente, deixei para falar de edição
nas últimas páginas deste e-book. Entendo que, ao en-
trar na ilha, os editores já devam ter em mãos todas as
peças necessárias para montar o quebra-cabeça da
estrutura narrativa, quais sejam:
129
matérias ao mesmo tempo. Mal têm tempo de assistir
às imagens captadas pelo repórter cinematográfico.
Sobretudo para aqueles que trabalham com o chama-
do “factual”, editando VTs para os telejornais diários, a
corrida contra o relógio é cruel, e o processo de mon-
tagem das matérias vai do estresse ao caos. Nessas
horas, apela-se para a máxima em TV:
130
pato.” Com a estrutura do departamento de Jornalismo
cada vez mais enxuta, produtores, editores e equipes
de reportagem têm se visto obrigados a fazer “mais
com menos”. Mais conteúdo com menos recursos e,
portanto, maior nível de cobrança e estresse. Daí, a
importância de se evitar o retrabalho e outros even-
tuais entraves à produção, usando de uma palavrinha
mágica nem sempre aplicada à nossa rotina: planeja-
mento.
1) CONCEITO DE NOTÍCIA
131
promíscua entre seus patrões e servidores de uma de-
terminada repartição pública.
...interesse público...
e não apenas de interesse DO público.
132
2) COMO EXTRAIR O MELHOR DE UMA HISTÓRIA
133
solução, era possível identificar as notas de R$ 100,00.
(OFF)
MUITO DINHEIRO...
(OFF)
134
O QUE ESTE FLAGRANTE TEM A VER COM AS
OBRAS SUPERFATURADAS DA RODOVIÁRIA?
(OFF)
VEJA:
UM...
DOIS...
135
TRÊS.
(RESPIRO)
(RESPIRO)
E MAIS DOIS!
(RESPIRO)
(RESPIRO)
136
SETENTA MIL REAIS DE PROPINA.
(RESPIRO)
3) TEXTO PARA A T V
– P........-que-oooo-pariiiiiu!
137
Aplicando essa técnica, permitiram que o teles-
pectador experimentasse as sensações evocadas pela
imagem.
– AQUI
– ESTE (OU NESTE)
– ESTA (OU NESTA)
(PASSAGEM)
138
AQUI, NO GABINETE DO SECRETÁRIO, O EMPRE-
SÁRIO PAGOU A PROPINA.
4) ENTREVISTA
139
gravação, o delegado soltou a seguinte frase:
140
ta da TV, o telespectador pode se encantar com as
intenções sugeridas pela reportagem e, repentina-
mente, se retirar da “ mesa de jantar ”.
(OFF)
A PROVA DO CRIME!
141
6) NARRAÇÃO
(OFF)
142
Enquanto o repórter gravava os últimos depoi-
mentos para o VT, o pessoal do videografismo já pre-
parava duas artes pedidas com bastante antecedên-
cia pelo editor. Em uma primeira ilustração, ele queria
localizar o gabinete do secretário dentro do prédio
da prefeitura. Era importante mostrar a proximidade
da sala com o gabinete do prefeito, também suspeito
de envolvimento no esquema. Veja o off guia gravado
pelo repórter:
(OFF)
143
PEITO DE TER RECEBIDO PROPINA DA CONSTRU-
TORA.
(OFF)
144
À medida que os ilustradores preparam essas
duas artes, o responsável pela “sono” já separa trilhas
que possam se encaixar na “pegada” do VT. Tomado
de trabalho como de costume, ele não pôde ir à re-
união de pauta. O repórter e o editor foram então à
sonoplastia e deram o briefing para o colega sono-
plasta.
145
Eu iria para a periferia sem creche e mostraria
o drama das mães trabalhadoras que não tem com
quem deixar seus filhos. A PARTE mostra, na prática,
os danos causados pelo assalto ao que é de TODOS.
(OFF)
(RESPIRO)
146
(SOBE SOM FINAL – DELEGADO TRANCA O
CADEADO DA CELA)
(FADE OUT)
(FIM)
147
9. CONCLUSÃO
Contar histórias é uma arte milenar baseada na
palavra. A TV, pois, reinventou o storytelling. Ingleses
atribuem ao escocês John Logie Baird a invenção da
primeira máquina do mundo capaz de transmitir ima-
gens de um lugar para outro. Foi em 1925. Os america-
nos citam Philo Farnsworth como o pai do aparelho de
TV. O nome de um russo, Vladimir Zworykin, também
aparece como o pioneiro da “tele” (do grego, distante)-
-“visão” (do latim, visione). A despeito da controvérsia
histórica, a transmissão de imagens à distância virou
de cabeça para baixo a maneira como o ser humano
passou a transmitir conhecimento por meio das histó-
rias. A fotografia já havia antecipado o poder espanto-
so da imagem. De fato, uma única imagem vale mais
que mil palavras. Que dirá trinta ou mais imagens em
um único segundo...
149
brasileiros tinham acesso a água boa para o consu-
mo – 13,4 % a menos do que aqueles que têm TV em
casa.
150
período de profunda turbulência, diminuindo quadros
e cortando salários de seus contratados, não podemos
perder de vista nosso papel como vigilantes das ações
do estado, bem como de contadores de histórias ins-
piradoras e, quase sempre, anônimas. Cabe a nós dar
visibilidade a um Brasil desconhecido e merecedor de
aplausos. É nosso dever farejar boas personagens que
nos emocionem e que nos motivem a construir um
país menos desigual.
151
AGRADECIMENTOS
/viniciusrosadadonola
@viniciusdonola
/viniciusdonolaTV
/viniciusdonola
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