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Novos Ensaios
Steffen Dix
Jerónimo Ptzarro
(organizadores)
Imprensa
de Ciências
Sociais
Imprensa de Ciências Sociais
www.ics. ul.pt/imprensa
imprensa@ics.ul.pt Os autores ........... .. 11
Introdução
A Arca de Pessoa 70 anos
- ........ .......... 17
Capítulo 2
As confissões vcrdadeirâs de um
Anna Klobwcka
Capítulo 3
Capítulo 4
Os espíritos que invoquei
- Fernando Pessoa e Ludwig Stauden-
maier: o poeta controlado e o cientista out of control 59
Capa: João Segurado Henry Tboraw
Composição e paginação..Ana Cristina Carvalho
Reoisão: Soares de Almeida
Capítulo 5
Impressão e acabamenro; Tipografia Guerra - Viseu
DEósito legal: 258 568/ 07 Cultura e imperialismo o império como "cadáver 75
2." edìção: Maio de 2OO7 Vincenzo Rwsso
-
Parte II Parte IV
História e biografia Literatu ra e poéticã
Capítulo 6
Capítulo 14
Fernando Pessoa em tempos obscuros algumas pequenas luzes
- .... 93 Mensagem revisitação à luz da interminável torrente do es-
Arnaldo Saraiaa -pólio pessoâno 203
Capítulo 7 Onésimo T. Almeida
Fernando Pessoa racionalista, livre-pensador e individualista: a
-
influência inglesa
Capítulo 15
109
Da Grécia antiga vê-se o mundo inteiro 21,7
José Barreto
Rita Patrício
Capítulo 8
Cosmópolis uma <<arca',
Capítulo 16
cheia de projectos............ 129
-
António Mega Interstícios o fragmento em Fernando Pessoâ ,............. 229
Ferreira
Carla Gago
-
Capítulo 9
Afectos, amizades, curiosidades o andaime 137
Capítulo 1Z
À4anuela Nogweira
- Algumas reflexóes sobre o ritmo na poesia versilibrista de Fernando
Pessoa: Alberto Caeiro . Álr".o de Campos............ .. 243
Capítulo 10 Pauly Ellen Bothe
A verdade sobre a Mensagem ............. 147
José Blanco Capítulo 18
Da dificílima arte de tradução esteta, poeta, teórico e tradutor de
-
Fernando Pessoa: homenagem a Georg Rudolf Lind........ 257
Parte III Werner Thielemann
Filosofia e esoterismo
Capítulo 11
Parte V
o poeta ..animated by philosophy" ou a adrni raçao perante a existên- Desassossego e hermenêutica
cia do universo 1,61
Steffen Dix Capítulo 19
A diarística em Fernando Pessoa e Henri-Frédêric Amiel uma es-
Capítulo 12
crita no silêncio - 285
A obra de Fernando Pessoa-uma galáxia de <esoterismosn? t73
Maria Teresa Fragata Correia
Ana Maria de Albwquerque Binet
Capítulo 13
Capítulo 20
Poesia e esoterismo
O barbeiro, a costureira, o moço de fretes e o 295
os dois caminhos de Fernando pessoa (ortónimo) t87
Lwigi Orlotti
- Richard Zenith
Capítulo 2l
Técnicas {igurativas e estratégias de persuasão no Liaro do Desas-
sossego 31,1,
Georges Güntert
Cap;ítulo 22
Estratégias diferentes na análise da obra de Fernando pessoa
Os autores
325
Victor J. Mendes
11
A Arca de Pessoa Os awtores
fundou o Centro de Estudos Pessoanos (CEP). Da sua vasra obra li- -presidente e presidente da Associação Alemã de Lusitanistas, DLV
terária destacam-se Orybew 3 (prep. do texto, inr. e cronol.) (1984), E organizador de Portugiesisclte Literatwr (1997) e, em cooperação
o Modernismo Brasileiro e o Modernismo Portwgwês (1986) e Fer- com Tobias Brandenberger, de Portugal wnd Spanien. Probleme
nando Pessoa, Poeta Tradwtor de Poetas (1996). Ocupa actual- (h)einer Beziebung. Portugal e Espanha: Encontros e Desencontros
-
rnente o cargo de presidente da Fundação Eugénio de Andrade. (2005). Como psicólogo, é co-autor de Captação. Trancetberapie
carla Gago estudou Lí'guas e Literaturas Modernas e Litera-
in Brasilien (Igg4). É -.-bro do conselho científico da revista
Lusorama e colaborador do semanário Die Zeit.
tura Comparaáa nas lJniversidades Nova de Lisboa, Humboldt e
Livre (FU) de Berlim. Foi leitora de Língua e Cultura Portuguesas - Jerónimo Pizarro (Bogotá, 1977), doutor em Linguística
nas Universidades de Rostock e de Lerpzrg e está actualmente a Portuguesa pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa,
concluir a sua dissertação de doutoramento sobre os faustos de investigador do Centro de Linguística da mesma Universidade,
Fernando Pessoa e de Paul Valéry. Tem vários artigos publicados membro da Equipa Pessoa, editor e co-editor, respectivamente,
sobre temas de estudos porrugueses em revistas, enciclopédias de dos dois volumes da edição crítica das obras cle Fernando Pessoa:
autores e volumes alemães e brasileiror. É colaboradora da revista vol. vtt, Escritos sobre Génio e Lowcwra; e vol. vut, Obras de Jean
Iberoamericana. Sewl de Mélwret. Interesses: edição de textos modernos, literaturas
portuguesa e latino-americana contemporâneas.
Eduardo Lourenço licenciou-se em ciências Histórico-Filo-
sóficas pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. João Dionísio, professor auxiliar na Faculdade de Letras da
A partir de 1954 leccionou em universidades estrangeiras nas Universidade de Lisboa. Desde 1988 é membro do Grupo de
cidades de Hamburgo, Heidelberga, Montpelliea São Salvador da Trabalho para o Estudo do Espólio e Edição da Obra Completa
Baía, Grenoble e Nice. A sua enorme produção ensaística abrange de Fernando Pessoa, coordenado por Ivo Castro. E o represen-
diversas âreas, da literatura e da arte aos aconrecimentos políticos tante português na direcção de The European Society for Textual
contemporâneos, tornando-se assim um fenómeno singular na Scholarship. Das suas publicações de índole pessoana destacam-se
cultura portuguesa. Dentro dos seus vastos estudos sobre Pessoa especialmente Poemas Ingleses I/ll e Poemas 1915-1920.
destacam-se particularment e Pessoa Reaisitado (1973) e Fernando,
José Barreto, historiador, membro do Instituto de Ciências
Rei da Nossa Baaiera (1986).
Sociais da Universidade de Lisboa desde IgS3.Investigador auxiliar
Georges Güntert, nascido em l93B em Lenzburg (Suíça), do ICS-UL desde 1992. Desenvolveu inicialmente pesquisas na
estudou Filologia Românicâ em Zurrque, Pavia, Paris, Madrid ârea da história das relações laborais e do sindicalismo em Por-
e Lisboa. De 1973 a 2oo3 foi titular da câtedra de Literatu- tugal. Na últim a décaàa a sua investigação tem-se centrado sobre
ras Italiana e lbero-Românica da Universidade de Zurtque. Foi as relações entre o E,stado Novo e a Igreja Católica. É autor de
presidente da Associação de Hispanistas Suíços e fez parre Religião e Sociedade (2002).
do comité directivo dos lusitanistas de língua alemã. É -.--
José Blanco, licenciado em Direito pela Universidade de Lis-
bro da comissão de redacção das revistas Esperienze Lettera- boa, foi administrador da Fundação Calouste Gulbenkian, da
rie, Paratesto e Anwario de Estwdios Cervantinos. No âmbito da qual se jubilou em 20A4. Vem realizando desde 1,983 trabalhos
literatura portuguesa publicou Das fremde Ich. Fernando Pessoa de investigação e divulgação da obra de Fernando Pessoa. Entre
(1971), trad. para português com o título Fernando Pessoa. o Eu Es-
as suas obras pessoanas, além de numerosos artigos em jornais
tranho (1982), e numerosos estudos sobre autores do século xx.
e revistas, salientam-se, em volume, Fernando Pessoa. Esboço de
Henry Thorau, ocupâ a câtedra Carolina Michaelis de Vas- (Jma Bibliografìa (1983), Pessoa en personne. Lettres et docwments
concelos na Universidade de Trier, Alemanh a, e é director do (1986) e quatro volumes da edição das obras de Fernando Pessoa
Portugalzentrum da mesma universidade; de 1997 a 2oo3 foi vice- em francês (1988-1989).
1,2 13
A Arca de Pessoa Os awtores
Kenneth Krabbenhoft, professor de Literatura Espanhola e Doutorado em Filosofia pela Brown LJniversity, é professor ca-
Portuguesa em New York University, é autor de El Precio de la tedrático na mesma Universidade, no Departamento de Estudos
Cortesia: Quevedo y Gracian (1994), de l{eo estoicismo y Genero Portugueses e Brasileiros, de que foi director durante doze anos.
Popular (2001) e de duas edições da obra do cabalista Abraham Lecciona também uma cadeira sobre Mundividência e Valores no
Cohen de Herrera (1.987-2002). Tem artigos publicados sobre José Wayland Collegium for Liberal Learning, um centro de estudos in-
Saramago, Clarice Lispector e Sophia de Mello, além de traduçóes terdisciplinares na Brown. Tem publicado inúmeros livros e artigos
de Eduardo Lourenço, São João da Cruz e Pablo Neruda. Pesquisa nas áreas de história intelectual e cultural portuguesa e açoriana,
a influência de teorias biológicas e psicológicas do século xIX na de estudos luso-americanos e de filosofia. Entre os seus estudos
teoria poética de Fernando Pessoa. pessoanos destaca -se Mensagem LJma Ti:ntatiaa de Reinteryreta-
-
çao (1987). Na Primavera- de 2006 leccionou um seminário sobre
Luigi Orlotti nasceu em Milão (Itália) em 1979. Cursou Filoso-
Fernando Pessoa. Também é colaborador frequente do Jornal de
fia na Università Cattolica del Sacro Cuore de Milão e actualmente
Letras.
estâ a fazer o doutoramento em Estética e Teoria das Artes na Uni-
versità degli Studi de Palermo, onde desenvolve um projecto sobre Pauly Ellen Bothe, de pai alemão e mãe irlandesa, nasceu em
a estética de Fernando Pessoa. É ,rto. de Il tea,tro degti eteronimi. Edmonton, Alberta, Canadâ, e mora no México desde a infância.
Il neopaganesimo estetico di Fernando Pesscta (2006) e redactor da Fez a licenciatura em Letras Espanholas na Universidade de Gua-
3.o edição da Enciclopedia Filosófica (no prelo). najuato (7. 5. Eliot y Gilberto Owen: Un Estudio Comparado) e
Manuela Nogueira, escritora, frequentou cursos no IADE de
o mestrado em Literatura Comparada na Universidade de Lisboa
(Poesía y Mwsicalidad en las Poéticas Modernistas de Fernando
Cerâmica (mestre Calado), Pintura e Desenho (mestre Lima de
Pessoa y T S. Eliot: la .,Oda Marítima"). Actualmente realiza um
Freitas) e História de Arte (Prof. Doutor António Quadros). Tem
projecto de investigação sobre o poeta mexicano José Gorostiza
uma vasta obra publicada: Quer para adultos, quer para jovens.
para obter o doutoramento em Letras na Universidade Nacional
Fez traduções nomeadamente de alguns dos textos ingleses de
Autónoma de México. Para além disto, trabalha como professora
Fernando Pessoa coligidos por António de Pina Coelho no livro
na Escola Nacional de Pintura, Escultura e Gravado La Esmeralda
Textos Filosóficos. Procedeu à organização e fixação de texto, com
na Cidade do México.
a colaboraçáo da Prof.o Doutora Maria da Conceição Azevedo, do
livro Cartas de Amor de Ofélia a Fernando Pessoa, ? é autora das Richard Zenith, norte-americano residente em Lisboa desde
obras O Melhor do Mwndo Sao as Crianças e Fernando Pesso 7987, é escritor, tradutor, investigador e crítico. Organizou vârras
Imagens de [Jma Vida. edições de Fernando Pessoa, entre as quais o Liaro do Desassossego;
A Educação do Estóico O Único Manwscrito do Barão de Teìne;
Maria Teresa da Fonse ca Fragata Correia é licenciada em Lín- -
e Escrítos Autobiográficos, Autom,íticos e de Reflexão Pessoal. As suas
guas e Literaturas Modernas (Inglês/Alemão) e mestre em E,studos
muitas traduções para inglês incluem Fernando Pessoa &. Co.
Literários Comparados com a dissertação Fawst Paul Valéry, -
Fernando Pessoa e Gertrwde Steìn Um Triângulo na Modernidade, Selected Poems (1998), Qüefoi premiada pelo PEN Club dos EUA
-
apresenta da na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Uni-
e The Book of Disqwiet (2002).
versidade Nova de Lisboa. Prepara neste momento o seu trabalho Rita Patrício é assistenre da Universidade do Minho. Mestre
de doutoramento sobre Fernando Pessoa e Maurice Maeterlinck em Teoria da Literatura e Literatura Portuguesa com a disserta-
O a Voz sob a orientação das Prof." Doutoras Yvette
Silêncio e - ção Conbecimento de Poesia: a Crítica Literríria segundo Vitorino
Centeno e Ana Maria Binet. É ,rr.rrora no Serviço de E,ducação Nemésio, desenvolve actualmente o projecto de doutorâmenro
e Bolsas da Fundação Calouste Gulbenkian. A Teorização Estética de Fernando Pessoa.
Onésimo Teotónio Almeida, natural de São Miguel, Açores Steffen Dix estudou Ciências Comparadas das Religiões e Filo-
(1946), vive desde 1,972 em Providence, Rhode Island (EUA). sofia em Tubinga, Berlim e Lisboa. Doutorou-se na Universidade
t4 15
A Arca cJe Pessoa
I6 t7
A Arca de Pessoa Introdução
de vista da circulação livre das informações e dos conhecimenros. que falta, mas também a assumir uma postura crític a perante a
Mas esta nova liberdade editorial é tarnbém um desafio pela simples tradição editorial e a náo acertar publicações tendenciosas ou pouco
razão de que Fernando Pessoa não deixou para a posterioridade transparentes (por exemplo, aquelas que não informam da cota dos
uma ou várias ,,obrasrr, mas sim milhares de fragmentos, planos, documentos ou das decisões editoriais).
esboços ou projectos. E fâril,, por exemplo, atendendo ao interesse pessoano pelo
Para ilustrar brevemente o desafio e também o perigo possível esoterismo, apresentar o poeta como um indivíduo absolutamente
da liberdade editorial podíamos cham a atenção para um autor embrenhado nas ciências ocultas. Da mesma forma, é mais ou me-
alemão com quem Fernando Pessoa^rteve algumas semelhanças nos simples juntar textos cap^zes de demonstrarem um nacionalismo
marcantes. Em 1901 saiu na Alemanha um livro com o título Der feroz em Pessoa, enquanto há, provavelmente, muito poucos poetas
Wille zwr Macbt (A Vontade de Poder) que foi declarado como a portugueses que sejam mais cosmopolitas do que este ..sebastianis-
obra principal do filósofo Friedrich Nietzsche. Este livro é uma ta racional". São precisamente os célebres contrastes ou as aparen-
compilação de aforismos (ou trechos) e dele saíram até hoje inú- tes contradições em Pessoa que oferecem múltiplas possibilidades
meras edições, as quais variaram ao longo do tempo enrre 483 e a vários grupos para usarem a obra dele em benefício das próprias
1,067 aforismos. O impacto social e cultural deste livro foi desde opções políticas, religiosas, éticas ou estéticas. Em Pessoa, cada um
o princípio enorme, tornando-se, infelizmente, em vários aspectos, pode encontrar curiosamenre a sua própria verdade. Mas isso não
referência p^ra a propaganda do fascismo alemão. Curiosamente, justifica qualquer tipo de apropriação. Pessoa foi sempre um
demorou bastante tempo até se perceber que o filósofo Nietzsche grandioso áugure do múltiplo e nunca acreditou numa só verdade
nunca escreveu durante a sua vida uma obra deste género, embora que estivesse separada da humanidade ou das necessidades huma-
existam no seu espólio vários fragmentos, planos, esboços ou pro- nas. Neste senrido, Pessoa reve sempre uma ideia perspectivada
jectos para um tal livro. A organização e rranscrição (manipulação da verdade, e é exactamente aqui que reside a sua extraordi nârra
e até falsificação) dos textos foram feitas sob a orientação da irmã modernidade. Ao contrário de outras situações civilizacionais, hoje
do filósofo Elisabeth Fôrster-Nietzsche, que nunca escondeu as em dia já não podemos drzer que exista só uma maneira de encarar
suas tendências anti-semiras, e que, para além disso, foi uma grande o estado das coisas ou a realidade. Fernando Pessoa acolhe uma
admiradora de Adolf Hitler. Pelo menos a partir da história deste imensa pluralidade das normas ou das mundividências e no seu
livro, muitos leitores não familiarizados com as profunde zas da horizonte jâ não há "um deus,, que, direcra ou indirectamenre,
filologia descobriram, sob uma grande desilusão, que muitas edi- negue a existência de <outros deusesr.
ções podem ser, para além de interpretações, também manipulações. Estas diversas ópticas exigem continuamenre novas formas de
Passavam mais de oitenta anos depois da morte de Nietzsche quan- interpretação, explicação ou exegese. Assim, os escritos deste autor
do dois italianos, Giorgio Colli e Mazztno Montenari, comecaram deixaram, jâ hâ algum rempo, de ser um assunto de estudo me-
a libertar, p^rtir de uma edição crítrca, o filósofo do seu estigma ramente literário. tata-se de um fenómeno relativamenre recenre
^
de profeta do nacional-socialismo. que cada vez mais pessoas ligadas a ourras âreas científicas se
Com este excurso não pretendemos avisar para- chegada de edi- sentem atraídas pela obra pessoana. Especialistas e estudiosos nas
^
tores tendenciosos do género de Elisabeth Fôrster-Nietzsche, mas âreas das ciências polític"r,ì, filosofia, àa psicolo gia, dasociologia,
sim sublinhar a importância de encarar com seriedade a publicação da antropologia ou aré da psiquiatria enconrram hoje em Pessoa
dos inéditos que Fernando Pessoa deixou guardados na sua arca. raciocínios que parecem extraordinariamente contemporâneos.
Ao contrário de outros escritores, Pessoa é um autor que depois
de setenta anos, e talvez ainda por outros setenta, continuarâ a
ser notícia por causa dos seus inéditos, jâ que estes se conram
por milhares. Este facto obriga a explorar as áreas atê. agora náo com a intenção de sublinhar especialmente a actualidade e a
divulgadas ou menos privilegiadas do seu espólio para publicar o diversidade de Pessoa, estiveram presentes de 15 a 17 de Setem-
18 1,9
A Arca de Pessoa Introdwçao
bro de 2005 na Universidade alemã de Leipzig vários estudiosos, História e biografia, (6) Arnaldo Saraiva informa sobre a épo-
escritores, editores e tradutores que se debruçaram sobre a obra ca em que Pessoa se matriculou no Curso Superior de Letras na
do poeta desde diferentes perspectivas. O livro aqui apresentado Universidade de Lisboa. Trata-se de um período decisivo, .,se não
é principalmente o resultado deste encontro, que suscitou debates para a afirmação da personalidade excepcional de Pessoa, que desde
vivos, às vezes polémicos, mas sempre atraentes e muito frequenta- a primeira infância sempre de algum modo se fora evidenciando,
dos. O aparecimento simultâneo de novas contribuições e pergun- pelo menos para a modelação ou definição completa da sua es-
tas demonstrou mais uma vez o interesse crescente em Fernando pecífica genialidade". (7) José Barreto debruça-se sobre a faceta
Pessoa, assim como a necessidade de continuar a reforçar o campo , racionalista, livre-pensadora, individualista e liberal de Fernando
dos estudos pessoanos. Pessoa, analisando a influência na sua formação intelectual de auto-
res racionalistas, positivistas e evolucionistas em particular dos
anglo-saxónicos. (8) António Mega Ferreira, -que publicou recen-
)i ,i )i
2O 21
A Arca de Pessoa Introdução
como mito à la Georges Sorel, actuahzando alguns pormenores sustentando que o editor deve trab alhar com o que ficou das obras
de cará.cter histórico e biobibliogrâfico, comenrando as publica- projectadas, e não tentar imaginar o que poderiam ter sido ideal-
ções mais recenter ("r interminável torrente do espóliou) que o mente, rasurando o carâcter fragmentârio da produção pessoana.
fizeram revisitar o texto e a sua interpretação. (1sf Rita pairício Q\ Joáo Dionísio reflecte sobre o modo como o direito de autor
salienta uma frase atribuída a António Mora, oDa Grécia antiga ajuda a compreender a edição dos textos pessoanos; depois de lem-
vê-se o mundo inteirou, e toma-a como ponro de partid a para a se- brar que "a defesa da genuinidade e integridade das obras caídas
guinte questão: segundo Pessoa, como se pode avahar o qu. é novo no domínio público compete ao Estado", discute esses dois con-
em arte? (16) Carla Gago estuda a produção pessoana como uma . ceitos-chave, genuinidade e integridade, no caso da publicação dos
escrita que flutua enrre um ideal estético ligado a uma totalidade escritos pessoanos, a maioria dos quais.ficou inédita em 1935.
orgânica, no sentido de uma concepção idealista, e a pulsão do con-
tingente, que é mais forte; também a estuda como uma escrita de Não há dúvidas de que estes artigos apenas abrangem algumas
interstícios. (17) Pauly Ellen Bothe reflecte sobre o ritmo na poesia facetas de Pessoa; todavia, eles provam mais uma vez a vivacidade
de Fernando Pessoa, procurando elucidar a maneira como io."r.t da sua obra.
executados alguns poemas e demonstrar que para o poeta dos he- ;! )i )i
terónimos a métrica foi essencial, mesmo quando optava pelo verso
livre (Caeiro e Campos). (18) Werner Thielemann hò*enageia
Georg Rudolf Lind, enquanto pioneiro nos estudos pessoânor, .,r1", O encontro pessoano na Universidade de Leipzig e este livro
não teriam sido possíveis sem a colaboração e a ajuda de várias pes-
traduções tiveram um papel inicial na divulgação da obra pessoana
soas. Gostaríamos de agradecer especialmente a Adelaide Galhano,
nos países de língua alemã.
Christine Hundt, Eberhard Gârtner e Manuel Villaverde Cabral.
e bermenêutica. (19) Maria Teresa Fragata Cor- Também foram decisivos os generosos apoios da Fundação Calous-
.Desassossego
reia compara- a diarística em Fernando Pessoa e em Henri Frédéric te Gulbenkian, do Instituto Carnões, da Fundação p^ra Ciência e
Amiel _- o diário de Amiel é uma das fontes mais imprescindíveis ^
a Tecnologia e do Deutsche Forschungsgemeinschaft (DFG): QU€
para reler o Liaro do Desassossego e aproxima âs suas escritas permitiram subsidiar a viagem de alguns participantes a Leipzig e
introspectivas. (20) Rich ard Zeníth,-num ensaio significativamente a publicação deste volume.
intitulado "o barbeiro, a costureira, o moço de fretes e o gato>>,
demonstra que Pessoa, embora orgulhoso das suas faculãades
intelectuais, nutria um grande afecto pelos homens vulgares, que
pouco ou nada entendiam da poesia e muito menos de Kant ou Esperamos que estes ensaios possam contribuir para aumentâr o
de Hegel, e tenta explicar o porquê. (2r) Georges Güntert ana- interesse, a leitura e o estudo dessa figura fascinante que se chamou
lisa algumas <esrrarégias de persuasão, no Liaro do Desassossego Fernando Pessoa, e não só...
e observa, por exemplo, como a importância do plano figurativo
compensa a falta de acontecimentos dignos de serem narrados nos SrrrrsN Drx e JEnoNmo PrzanRo
múltiplos trechos. (22) Yrctor Mendes propõe um modelo singular Outono de 2006
para interpretar Pessoa a partir de uma carta ficcional, a de Maria
José ao serralheiro António, procurando investigar até que ponro
esse modelo analítico contradiz a tradição hermenêutica.
22 23