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J 27 de abril a 10 de maio de 2016 * jornaldeletras.

pt MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO
TEMA * 5
Duas exposições
O emigrado astral resultante de carta enviada por Mário
de Sá-Carneiro. A nota é publicada a
26 de janeiro de 1912, e nela se indica

da modernidade
o projeto de levar à cena um repertó-
Duas fotografias de Mário de rio de peças estrangeiras e portugue-
Sá-Carneiro, de 1914, tira- sas, nomeadamente Amizade e obras
das provavelmente no Posto de Ponce de Leão.
Antropométrico do Governo
Civil de Lisboa e atualmente UMA OBRA LITERÁRIA
pertencente aos arquivos da MODERNA
Polícia Judiciária (ver página ao Logo em 1912 é o desejo de uma obra
lado), são a grande surpresa da literária moderna e projetada a nível
exposição com que a Biblioteca Ricardo Vasconcelos internacional que o leva a radicar-se
Nacional assinala o centenário em Paris, mais do que a frequência
da morte do escritor moder- do curso universitário que lhe serviu
nista. A mostra O Homem São O centenário do suicídio de Mário de pretexto para comprar o bilhete
Louco, patente até 31 de Agosto, de Sá-Carneiro, em Paris, a 26 de para o Sud-Express. E é na capital
é comissariada por Ricardo abril de 1916, é uma oportunidade francesa, ou a partir da vivência
Vasconcelos e Jerónimo Pizzarro. ideal para reafirmarmos a vitalidade nessa cidade, que desenvolve a sua
Reúne, ainda, vários manus- da sua linguagem ao longo de uma obra mais radicalmente sintonizada
critos e livros. Na ausência de curta carreira literária, desde os com os temas da modernidade es-
um registo criminal do poeta, a textos da juventude à obra publicada tética, e que por outro lado aprende
existência daquelas fotografias ou que planeou publicar. os métodos da retórica de blague ar-
configura mais um mistério Considerando o momento, tística e literária parisiense que trará
para os estudiosos. Poderá estar começamos por relembrar A um para a revista Orpheu. Deixaremos
relacionada com o regresso de Suicida, palavras escritas aos 21 de lado aqui a importante influência
Sá-Caneiro a Paris, nessse ano, anos e dedicadas ao seu amigo que o cubismo e o futurismo têm
ou com o interesse que sempre Tomás Cabreira Júnior após o suicí- na sua obra, nomeadamente em
demonstrou pela loucura, como dio deste último, e aproveitamos Manucure, para lembrar apenas dois
os comissário sugerem, entre ainda para publicar pela primeira outros momentos de total sintonia
muitas outras hipóteses, no vez em fac-símile uma cópia autó- de Mário de Sá-Carneiro com o es-
catálogo. grafa deste poema. pírito da sociedade moderna, tanto
Integrada no Festival A um Suicida mostra uma lin- no seu lado mais belo como na faceta
Realizar:poesia, de Paredes de guagem poética a meio caminho mais negra. Quanto ao primeiro,
Coura, a mostra Mil Anos Me entre o maior romantismo de al- recorde-se o seguinte “mimoso poe-
Separam de Amanhã, patente guns poemas juvenis (tantas vezes, ma”, como lhe chama Sá-Carneiro,
no Parque de Estacionamento contudo, matizados por um caráter enviado a Pessoa como post scriptum
Central até 22 de maio, re- ricamente satírico) e a maior ma- da carta de 31 de agosto de 1915:
vela, por seu turno, o bilhete turidade de tom e um mais seguro
de despedida de Sá-Carneiro controlo formal que se começam a A minh’Alma fugiu pela Torre Eiffel
para Fernando Pessoa, onde evidenciar mais claramente a partir [acima,
se lê: "Um grande, grande de vários poemas de Dispersão. O – A verdade é esta, não nos
adeus do seu pobre Mário de poema valoriza bastante cedo o ato [criemos mais ilusões –
Sá-Carneiro". A mostra inclui de escolher pôr fim à própria vida, Fugiu, mas foi apanhada pela
fotografias, manuscritos e livros, como fizera Cabreira Júnior, con- [antena da T. S. F.
pertencentes à coleção de Jorge siderando esta opção uma maior Que a transmitiu pelo infinito em
Meireles. conquista quando comparada com Pintura de Júlio Pomar [ondas hertzianas...
um viver "espojado" como aquele
alegadamente do sujeito do poema. (Em todo o caso que belo fim
Sá-Carneiro é o mais representativo O texto é ainda prenunciador da [para a minha Alma!...)
daquilo a que se chama o Modernismo obra futura pela apresentação pre- na mente coletiva portuguesa como a materialização dos nomes dos
português. Pessoa também, claro, coce de um contexto de dissolução representações do próprio autor. autores «nos jornaes». Recorde-se Sá-Carneiro associa-se neste
mas a sua é uma dimensão de tal e de perda, influenciado por algum Como se percebe, a estratégia de au- que Sá-Carneiro e Cabreira Júnior momento a dois símbolos maiores
modo maior que implica uma outra espírito da época. Um tom que tossatirizar-se chega cedo e evoluirá escrevem a quatro mãos a peça de da modernidade técnica que neste
complexidade. Pessoa está fora de aliás contrasta com os triunfos lite- para o desconcertante à medida que teatro Amizade, que viria a ser publi- momento acabavam de ser articu-
todas as escalas e de todas as desig- rários que o autor lograria em vida, a voz poética amadurece. cada em 1912 e que de facto cedo lados: a Torre Eiffel, emblema do
nações. mas que nem por isso se ausentou Por outro lado, acrescente-se lhes granjearia alguma atenção do potencial da arquitetura do ferro,
Já Almada Negreiros é mais alguma vez da sua escrita. que o poema apresenta o desejo público. Quanto ao desejo de verem e a transmissão de sinais T.S.F, que
especificamente futurista, embora Deste poema se disse já que não assumido do sucesso literário, a o seu nome na imprensa, diga-se permitia a comunicação global quase
não em exclusivo. Tal como os artistas apresenta qualquer vislumbre da “Glória”, como uma forma última que este objetivo era internacional instantânea. Note-se que fora ape-
plásticos, Santa Rita, Eduardo Viana obra futura. Mas, entre outras co- de redenção, que se atingiria com e que Sá-Carneiro apontou desde nas dois anos antes, em 1913, que a
e Amadeo, que vogam nas águas nexões temáticas, este escrito de ju- sempre para Paris. Torre Eiffel, esse objeto que durante


da Vanguarda europeia, futurista, ventude, nunca escolhido pelo autor Apresentamos aqui dois recor- muito tempo se mantivera sem uma
simultaneísta, cubista. Mas apenas para qualquer livro, estabelece ainda tes de imprensa do jornal francês utilidade óbvia, fora adaptada para
Sá-Carneiro exemplifica na perfeição o uma relação clara com um poema Comoedia que demonstram, aliás, que antena T.S.F., e que isto precisa-
modo radicalmente não ísmico de ser, que se situa no extremo oposto Sá-Carneiro não deixou esse objetivo mente motivou a imaginação dos
a capacidade de forjar uma linguagem da curta e bem sucedida carreira O centenário do por mãos alheias. O primeiro deles artistas e escritores da época, como
cintilante, com uma tonalidade forte literária de Sá-Carneiro. É possível suicídio de Sá- (fig. 1), cujo texto foi transcrito na já referimos noutro lugar. Também
de aventura e transgressão, ao mesmo ver, por exemplo, antecedentes primeira edição de Amizade, é uma Sá-Carneiro se associa a essa
tempo integrada numa linha de legibi- distantes de Aquele Outro, uma das Carneiro, é uma carta de Sá-Carneiro e Cabreira Júnior discussão artística, numa fórmula
lidade perfeita. últimas composições remetidas por oportunidade ideal publicada no jornal Comoedia de 6 de particularmente bela já que alcança
A Confissão de Lúcio será a sua obra Sá-Carneiro a Pessoa, no sentido em julho de 1910 (p. 3), em que se adverte o “ar”, onde “tudo existe”, como diz
maior como prosador, precisamente que as passagens “Espojado no ca- para reafirmarmos que a coincidência do título Amizade, em Manucure, suspendendo a noção
porque é aquela em que a clareza da minho, / Preguiçoso, entorpecido, / a vitalidade da sua peça que tinham acabado de escrever, da queda pessoal. Por outro lado
representação corresponde a uma Cheio de raiva, daninho...” prefigu- segundo os signatários, em setem- a nossa residência fixa na internet
audácia temática que traz a literatura ram a lista de epítetos auto-irónicos linguagem ao longo bro de 1909, com uma outra de Jules demonstra à saciedade cem anos
fantástica do século XIX a um novo e profundamente surpreendentes de de uma curta carreira Lemaître, era absolutamente casual. depois o quando é particularmente
patamar de densidade simbólica, Aquele Outro, tais como “o papa- Quanto à segunda notícia (fig. 2), moderna a noção de uma alma que
psíquica e sexual. É talvez aí que o -açorda” ou “O reimoso, o corrido,
literária, desde os tanto quanto sabemos até hoje nunca se entretece tão completamente com
processo de libertação da língua e da o desleal – / O balofo arrotando textos da juventude à resgatada para o público português, o fenómeno da comunicação global.
imaginação que é todo trabalho poéti- Império astral: / O mago sem con- é o anúncio, pelo editor do jornal, da Finalmente, lembremos ainda que
co de Sá-Carneiro é levado mais longe. dão — o Esfinge gorda...”, epítetos
obra publicada ou que criação em Lisboa da Sociedade de Sá-Carneiro assiste aos efeitos do
Até nós. Hoje.J tão fortes que foram permanecendo planeou publicar Amadores Dramáticos, seguramente
6 * TEMA MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO jornaldeletras.pt * 27 de abril a 10 de maio de 2016 J

Documentos Carta de Sá-Carneiro a Tomás Cabreira Júnior (fig.1); anúncio da criação da Sociedade de Amadores Dramáticos (fig.2); e fac-símile do poema A um suicida transcrito na caixa


lado mais negro da modernidade Que ainda é oiro, embora - Morreram-me meninos nos delas, e até pelo próprio sujeito quan-
técnica, nomeadamente a Primeira [esverdinhado? [sentidos... do contemplou alguma experiência
Guerra Mundial, de que nunca chega A guerra é, para Sá-Carneiro, a de aceleração dessa modernidade
a ver o fim. E a realidade deste con- A guerra é, para Sá- (De que Revolta ou que país vários níveis, o momento que leva a por via do conflito que se iniciava?
flito acaba por ecoar na sua própria Carneiro, o momento [fadado?...) uma desestabilização das referên- Como os mortos da frente, caíram
linguagem poética, servindo episo- Pobre lisonja a gaze que me cias de centralidade e semiperiferia, por terra os sonhos duma vivência
dicamente de repositório referencial que leva a uma [encerra... ajudando-o a vincar um sentimen- moderna, porque a modernidade
e linguístico que ajuda a vincar ainda desestabilização das - Imaginária e pertinaz, desferra to de alienação em relação à Paris se automutilava e se ausentava de si
mais claramente o sentido de uma Que força mágica o meu pasmo desejada. E é-o paradigmaticamente mesma. E como com os seus feridos,
alienação do sujeito em relação à referências, ajudando-o [aguado?... neste poema também, onde se faz um parece ter sido numa gaze que se
anterior experiência cosmopolita de a vincar um sentimento uso evidentíssimo do vocabulário do encerraram os sonhos de resolução
Paris. É uma linguagem que além A escada é suspeita e é perigosa: dia associado ao conflito. Não é este absoluta de um estatuto semiperi-
disso vai ajudar a um certo sentido
de alienação em relação Alastra-se uma nódoa duvidosa Emigrado Astral aquele sujeito que férico por via da desejada existência
do paroxismo e da proximidade com à Paris desejada Pela alcatifa - os corrimãos ganha o mundo; de algum modo, um mais cosmopolita, bem como todos
a loucura que se desenvolve nos [partidos... refugiado – qual fantasma –, mesmo os sonhos de uma obra desenvolvida
poemas do último ano, como no já que se deslocalize apenas da sua Paris e de uma carreira literária totalmente
referido Aquele Outro. Trata-se do - Taparam com rodilhas e de uma modernidade sonhada? Não bem sucedida na cidade de Paris. Sá-
poema O Fantasma, já do início de Astral após que fantasiada guerra - [o meu norte, será esta “fantasiada guerra” aquela Carneiro é ele ainda o emigrado astral
1916: Quando este Oiro por fim cair - As formigas cobriram minha de facto desejada expressamente por da modernidade até mesmo nesse
O que farei na vida - o Emigrado [por terra, [Sorte, tantos antes de 1915, nas artes e fora inconseguimento. J

A um suicida Amor! Quem tem vinte ânos


Ha de por força amar.
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Sá-Carneiro publicou A um Suicida juntamente
com Quadras para a Desconhecida em
25Na idade dos enganos Alma Nova, de 14 de Abril de 1912, datando-
Quem se não ha de enganar? Ai! mas um dia tu, o grande corajoso, os inequivocamente de “30 Set. e 1 Out. 911
– A um suicida – Tambem desfaleceste. – Lisboa.” Mas esses dois poemas têm sido
Emquanto tu vencerias 55Não te espojaste, não. Tu eras mais difundidos sobretudo a partir da sua transcrição
á memória de Tomás Cabreira Junior Na luta heroica da vida brioso: por António Quadros na revista Acto 1, de 1
E, sereno, esperarias Tu, morreste. Out. de 1951 (p. 12), texto em que se indica que as
*** 30Aquela segunda vida cópias manuscritas estavam na posse de António
Dos bem-fadados da Glória, Foste vencido? Não sei. Ferro. Nessa ocasião, a datação apresentada
Tu crias em ti mesmo e eras corajoso, Dos eternos vencedores Morrer não é ser vencido, por Quadros é «3 set. e 1 out. 1911 – Lisboa», no
Tu tinhas ideaes e tinhas confiança. Que revivem na memória – Nem é tão pouco vencer. final do conjunto, levando a pensar-se que os
Oh! quantas vezes eu, desesp’rançoso, Sem triunfos, sem amores, poemas foram dados como concluídos não em
Não invejei a tua esp’rança! 35Eu teria adormecido 60Eu por mim, continuei dois dias consecutivos, mas separados por quase
Espojado no caminho, Espojado, adormecido, um mês. António Quadros repete esta datação
5 Dizia para mim: – Aquêle ha de vencer, Preguiçoso, entorpecido, A existir sem viver. na sua edição da poesia de Sá-Carneiro (Obra
Aquêle ha de colar a bôca sequiosa Cheio de raiva, daninho... Poética Completa 1903-1916, pp. 167-170),
Nuns lábios côr de rosa Foi triste, muito triste, amigo, a tua sorte – volume aliás bastante completo, e a mesma tem
Que eu nunca beijarei, que me farão morrer... * Mais triste do que a minha e mal-aventu- sido repetida. O fac-símile evidencia que há
** rada um furo à direita do algarismo «3», mas de facto
A nossa amante era a Glória 65... Mas tu inda alcançaste alguma coisa: reconhece-se parte de número eliminado por esse
10 Que para ti – era a victória, Recordo com saudade as horas que passava a morte, furo, aparentemente um “0”. Optamos por editar
E para mim – asas partidas. 40Quando ia a tua casa e tu, muito animado, E ha tantos como eu que não alcançam o poema mantendo a ortografia original, exceto
Tinhas esp’ranças, ambições... Me lias um trabalho ha pouco terminado, nada... quando indicado nas notas de fim.
As minhas pobres ilusões, Na sàlazinha verde em que tão bem se
Essas estavam já perdidas... estava. 30 set. e 1 out. 1911 – Lisboa. Ded.á memória de Tomás Cabreira Junior. ] com
ponto final.
15 Imersa no azul dos campos sideraes Diziamos ali sinceramente O manuscrito de A um Suicida aqui apresentado 2 idiaes ] no original.
Sorria para ti a grande encantadora, As nossas ambições, os nossos ideaes: é uma cópia autógrafa do poema presente no 13 minhas ] a folha está furada sobre a letra «m».
A grande caprichosa, a grande amante loura 45Um livro impresso, um drama em scena, arquivo da Fundação António Quadros [05/0127] 18 idiaes ] no original.
Em quem tinhamos posto os nossos ideaes. o nome nos jornaes... até hoje nunca reproduzido em fac-símile. A 33 Que ] a folha está furada após a letra «Q».
Diziamos tudo isto, amigo, seriamente... transcrição ocupa três fólios numerados em duas 44 idiaes ] no original.
Robusto caminheiro e forte lutador, Ao pé de ti, voltava-me a coragem: folhas de papel pautadas de 32,5 cm x 11 cm, 50 socumbir!... ] no original.
20Havias de chegar ao fim da longa estrada Queria a Glória... Ia partir! manuscritas a tinta preta. Esta cópia autógrafa 64 malaventurada ] no original.
De corpo avigorado e de alma avigorada Ia lançar-me na voragem! permite corrigir a datação deste poema que Data30 set. e 1 out. 1911 – Lisboa. ] a folha está
Pelo triunfo e pelo amor. 50Ia vencer ou sucumbir!... quase sempre é indicada erroneamente. De facto, furada sobre o número «0».

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