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DE CASTRO
AFRICA
Geohistória, Geopolítica e Relações Internacionais
Rio de Janeiro — RJ
COLEÇÃO GENERAL BENÍCIO Volume 189
CAPA
Murillo Machado
REVISÃO
Renaldo di Stasio
Alberto de Azevedo
Impresso no Brasil
APRESENTAÇÃO
África é uma brilhante síntese dos conhecimentos e das pesquisas realizadas pela
Professora Therezinha de Castro, a respeito do continente negro.
PREFÁCIO
Como se a bordo de um satélite, numa altura que possibilitasse uma visão total
do continente, conseguiu, melhor do que o faria um aerofotogrametrista, captar e
transmitir-nos uma imagem perfeita da África; registrando-lhe, em várias
dimensões, seus altos e baixos relevos, e as curvas de nível, “radiografando-a”
no tempo e no espaço, como que calidoscopicamente, dando ao leitor destas 212
páginas, que prendem como um romance, um conhecimento completo do que de
essencial se pode dizer no terreno das relações internacionais, da geohistória e da
geopolítica a respeito da “ilha mundial”.
Com particular emoção, li, reli, tornei a ler e continuo lendo esta obra única no
gênero, apreciando melhor e por diversos prismas o tema fascinante; e, em
consequência, também reformulando conceitos a respeito da África, que se não
pode conhecer sem amar enternecidamente; e que já visitei cinco vezes,
percorrendo-a de avião ou por terra, de Alexandria a Johanesburgo; de Lourenço
Marques, Beira, Limpopo, Nacala, Nampula a Luanda, Benguela, Lobito e Sá da
Bandeira; de Nairóbi, Salisbury, Dar-es-Salaam a Dakar e Bissau; da ilha de
Moçambique, no Índico, à do Sal, no Atlântico; do “National Park’’ do Quênia e
da Gorongosa a Tundavala e Moçâmedes; de Cabora-Bassa e do Limpopo a
Cambambe e ao Negage; de João Belo a Carmona; do Sahara ao Kalahari; do
Suez ao Marrocos, — a África — toda, pode dizer-se; ou melhor: todas as
Áfricas!
A honra imerecida de fazer este prefácio, a que porei logo um ponto final para
não mais retardar indelicadamente o encontro do leitor com a insigne Autora, foi
até agora o ponto culminante de uma vida exclusivamente dedicada à pesquisa
da Verdade.
PRÓLOGO
Não há dúvida, porém, que, sendo a Geografia um patamar para onde convergem
vários ramos científicos, vai receber desses diversos setores elementos que a
transformam aos poucos; restando-lhe, no entanto, a solidez ante o fato de que
não há estudo social que possa dispensar uma base geográfica. E, nesse contexto,
é a Geografia Política que vai tratar das relações entre grupos humanos
organizados no espaço ou território que eles ocupam. Assim, do mesmo modo
como nenhum Estado pode existir sem um território, nenhum território pode
transformar-se num Estado de fato, sem povo.
A Geografia Política, que pode ser considerada como termo último, senão
definitivo, da História Política — é, na realidade, a sua forma presente; donde
sua importância, que reflete, no espaço, a evolução do Estado, no tempo.
Considerando-se o Estado como uma criação de segurança coletiva, que existe
para a defesa, para a luta, a Geografia Política toma nova modalidade na
Geoestratégia, reivindicada por certos setores militares como sendo de sua esfera
exclusiva.
Therezinha de Castro
Os objetivos sociais que devem ser visados no estudo da África também revelam
a evolução do continente. A África ainda está no início, pode-se dizer, de sua
história cultural; a África apresenta, mais do que qualquer outra parte do mundo,
uma grande variedade de regimes políticos; se não são mais misteriosas, como
eram, as suas feições topográficas, ainda o são os seus recursos. Por fim, a
África acaba de entrar na história do mundo atual.
Mapa 1
Mapa 2
Mapa 3
1. POSIÇÃO E POSICIONAMENTO
Face à América, o Atlântico, pelo menos até a Idade Média, constituía a grande
barreira natural para a África, destruída com o intensificar-se das grandes
navegações oceânicas. O Atlântico-Sul só se transformou em via importante de
comunicação marítima no âmbito das Relações Internacionais com a descoberta
da rota do Cabo (1498). “O oceano foi sempre um só através da História, porém,
para os efetivos propósitos humanos, foram dois, o de leste e o de oeste, até ser
contornado o Cabo da Boa Esperança, há quatro séculos passados.” * Foi pois o
Indico que projetou geohistoricamente o Atlântico-Sul.
Com uma área de 30.272.514 km2, incluindo-se os 620.814 km2 das ilhas, a
África é, como a América do Sul, um continente compacto segundo a
classificação de Renner. Isto porque há equilíbrio entre as distâncias de seus
pontos extremos: norte-sul nos 8.000 km entre os cabos Branco e das Agulhas; e
leste-oeste nos 7.500 km que separam os cabos Verde e Guardafui. (Mapa 1)
Por sua posição geográfica, a África constitui a zona mais quente da Terra, visto
que 4/5 de seu território se envolvem nos trópicos; daí não apresentar a
variedade climática da América do Sul.
Mapa 4
Mapa 5
2. FISIOPOLÍTICA
O litoral da África se desenvolve ao longo de 27.638 km, dos quais a maior parte
corresponde ao Atlântico (10.840 km), seguido pelo Índico (8.584 km), restando
5.254 km para o Mediterrâneo e apenas 2.960 km para o mar Vermelho.
Foi, pois, a configuração fisiográfica o fator que contribuiu em larga escala para
que a África se transformasse num sério problema enfrentado pelos navegadores
portugueses da era moderna. “O problema da navegação dos portos da metrópole
para as costas ocidentais da África, ao sul do equador, demorou longos anos a se
resolver. No Atlântico-Sul, a viagem de cabotagem ao longo das costas africanas
encontrava as maiores dificuldades. Depois de vencer as calmas e as correntes
do golfo da Guiné, tarefa extenuante em que se perdiam alguns meses, os
navegantes deparavam com outro obstáculo não menos temeroso, a corrente de
Benguela. Esta, ainda que menos violenta que a do Golfo ou das Guianas,
constituía, associada à calma ou a ventos contrários, uma barreira tal que
retardou a colonização de Angola pelos portugueses até o último quartel do
século XVI, e a defendeu em seguida do assalto dos estrangeiros.” *
Esta chanfradura não encontra correspondência na África Oriental, visto ser bem
mais suave a reentrância que o Índico faz entre o equador e 10° de latitude sul.
Bem menor que o Sahara, seus 120.000 km2 se aproximam da área do nosso
território do Amapá (137.303 km2), dando ao Kalahari aspecto bem mais
homogêneo com seu solo todo coberto por areia vermelha.
Num ângulo mais particular, a África pode ser dividida em duas grandes regiões:
a África Baixa, ocupando o norte e o oeste, ou seja, a área que abrange o Sahara,
o Sudão, a Guiné, atingindo a bacia do Congo; e a África Alta, ocupando o leste
e sul, desde a Etiópia, a região dos lagos, até a África do Sul. Enquanto a África
Baixa se caracteriza por altitudes inferiores aos 500 metros, pontilhada por
esparsos sistemas montanhosos de escassas altitudes, a África Alta se apresenta
como zona planaltina que supera os 1.000 metros, na qual sobressaem maciços
montanhosos de consideráveis altitudes.
Embora o Tchad tenha ainda água doce, deve-se isso a sua condição de lago
jovem e de grande extensão. Via de regra, porém, essas bacias fechadas, que no
sul recebem o nome de pailas e no norte são conhecidas como chotts, carecendo
de emissários, são pouco profundas enquanto suas águas salgadas secam
temporariamente.
A bacia do Nilo, com apenas 2.870.000 km2, tem como eixo central o Nilo
(6.690 km), que, em extensão, ultrapassa o nosso Amazonas (6.520 km).
Subindo em julho para o seu maior nível, cerca de 7 metros acima do normal,
suas águas fertilizam o solo numa faixa de 800 km de comprimento em 26.000
km2, que se transforma num verdadeiro oásis, que encerra a maior área
demográfica do continente. Aspecto bem diferente tem o Nilo acima da primeira
catarata, de Assuan, que, com outras cinco que lhe seguem o curso, limitou o seu
conhecimento até o século XIX ao trecho mediterrâneo.
Zona de “água e sol”, segundo terminologia de Jean Brunhes, podemos dizer que
o vale inferior do Nilo foi, do ponto de vista geohistórico, a célula-mater das
civilizações contemporâneas, onde primeiro se exerceu o estímulo suscitado pela
adversidade do meio ambiente, possibilitando o advento do homem neolítico.
A fisiografia costeira contribuiu, por sua vez, para repelir o colonizador, dando à
África o cognome de “túmulo do homem branco”. Isto porque, além das
violentas tempestades, a navegação foi sempre muito dificultada pela presença
de traiçoeiros recifes, manguezais, bancos de areia e correntes. Contribuiu,
assim, a fisiografia para que, sob o ponto de vista geohistórico, não se
organizassem agrupamentos geopolíticos e sim apenas estabelecimentos
costeiros semelhantes a castelos medievais, cujos calabouços albergavam negros
escravos em vez de prisioneiros de guerra. Em vez de se instalarem organismos
políticos no litoral africano, surgiram depósitos de trânsito que, mesmo assim,
por sua maior precariedade, contrastavam com as primitivas feitorias brasileiras.
Essa política árabe, seguida no século XIX pelos espanhóis, franceses e ingleses,
já era do conhecimento dos portugueses desde o século XVI. Assim nos diz
Jaime Cortesão: ** “Do arquipélago de Cabo Verde nasceu a Guiné; S. Tomé foi
o núcleo colonizador onde se espalharam as feitorias do golfo da Guiné, nos
atuais territórios da Nigéria, Camarões, *** Gabão e que fixou igualmente a
importância de Angola e chamou a atenção para as suas possibilidades, e da
pequena ilha de Moçambique irradiou também a ocupação para o continente”.
Assim sendo, “um litoral reunirá condições geopolíticas favoráveis para ser
aproveitada quando se ache a distâncias regulares de outra costa
economicamente tentadora; o grau de aproveitamento pode aumentar na razão
direta das ilhas e arquipélagos que o amparam e na razão inversa da abundância
dos bens que possui”. ****
Mapa 6
3. O DESPERTAR GEOPOLÍTICO
Por sua vez, isolada pelo marco fisiográfico dos Pireneus, da Europa
propriamente dita, teria a península Ibérica, para sobreviver, de girar na órbita da
África do Norte.
A França, além da América, abria também suas portas para o Mediterrâneo, e daí
para a África do Norte. Gozando de um suave equilíbrio fisiográfico, seus
soberanos puderam centralizar o poder no século XVI, o que já não aconteceria
com a Alemanha e Itália, que até 1370, portanto em pleno século XIX, se
mantiveram divididas dentro de suas fortes heranças feudais. Assim, só no
século XIX é que essas duas nações européias fixariam suas respectivas políticas
africanas.
Mapa 7
4. NÚCLEOS GEOHISTÓRICOS
AFRICANOS
Não nos podemos esquecer, no entanto, que, durante cerca de 1.500 anos
transcorridos desde a fundação das colônias fenícias no norte da África (século
VIII a.C.), dentre as quais teve especial destaque Cartago, até a conquista árabe
(século VII d.C.), a maior parte dos africanos estabelecida no norte pertencia à
civilização mediterrânea. Civilização que, como a dos próprios egípcios, não se
limitou apenas ao vale do Nilo.
O norte da África passava então a ser parte sólida do novo mundo de cultura
islâmica, que se estendeu até a península Ibérica. O cristianismo foi praticamente
eclipsado pelo islamismo, sobretudo entre os nômades do Maghreb. No Egito,
porém, tendo em vista as influências helenísticas-bizantinas, o cristianismo
copta * subsistiu como religião da minoria.
Quer por pressões políticas, quer por pressões econômicas, o islamismo foi se
infiltrando através do Sahara, atingindo em cheio as populações negras
subsaharianas, não apenas do Sudão, mas também as do ângulo saliente da
África Ocidental.
Nos bordos da floresta, ainda pouco conhecidas são as ruínas das cidades sao,
evocando misteriosa civilização que se desenvolveu no sudeste do lago Tchad e
que, segundo seus vizinhos, os kotokos, ** era constituída por homens gigantes,
de força prodigiosa, que os atemorizavam.
Afirma-se que foram os sao os construtores das muralhas de Kano, uma das sete
cidades dos haussás, situadas entre o lago Tchad e o rio Niger. (Mapa 7.)
Segundo a lenda, essas cidades haussás do Reino de Kanem foram fundadas por
um descendente da Rainha Daura e seus seis filhos.
No século XIX, Usmane Dan Fóbio, homem de ciência mas exaltado chefe peul
convertido ao islamismo, pregou a guerra santa contra as cidades haussás; os
peuls foram então se apoderando de Zaria, Katsena e, finalmente, de Kano.
Quando Heinrich Barth visitou Kano, em meados do século XIX, já encontrou os
haussás em pleno declínio, dominados pelos peuls, que forneciam cerca de 5 mil
escravos por ano aos negreiros que abasteciam a América.
Tidos como povos das selvas, os akans e iorubas tiveram seus núcleos
geohistóricos nos limites setentrionais dessas áreas impenetráveis. Bono e Banda
foram os primeiros Estados organizados pelos akans na zona fértil do norte da
selva na Costa do Ouro (atual República de Ghana), provavelmente por volta do
século XIII. Ao se expandirem, os akans evitaram a selva, circundando o vale do
Volta, onde então atravessaram as pradarias.
Ifé foi o núcleo geohistórico ou pelo menos o ponto de dispersão dos iorubas,
como também da dinastia histórica do Benin (atual nome do Dahomé). No
entanto Oyo foi o Estado Ioruba que manteve desde o século XVII a primazia
política, tendo seu centro no norte da selva.
O núcleo estatal ioruba era muito semelhante ao dos haussás. Rodeadas por
muralhas, muitas dessas cidades se mantiveram longe da curiosidade do
explorador europeu até o século XIX. As do Benin foram exceção, tanto assim
que um observador holandês compara uma delas com cidade de seu país. “A
cidade dá sensação de ser muito grande; quando se penetra nela, se caminha por
uma rua muito larga, não pavimentada, que parece ser sete ou oito vezes mais
larga que a Rua Warmoes de Amsterdan; que continua reta até o final e nunca se
encurva... Na porta, através da qual entrei a cavalo, vi um altíssimo baluarte, de
grossos muros de terra, com alicerces muito largos e profundos... Passada essa
porta, há um grande subúrbio; quando se está na rua antes mencionada, vemos
muitas ruas grandes ao lado desta, que também são retas. As casas nesta cidade
estão em boa ordem, próximas umas das outras e no mesmo nível, como as da
Holanda... Suas habitações são quadradas, com telhado que não se fecha ao
centro, por onde entra a chuva, o vento e a luz, e ali dentro descansam e comem,
mas têm outros compartimentos, como cozinhas e outras dependências. A corte
do rei é muito grande, estando dentro de muitas praças quadrangulares rodeadas
por galerias que estão sempre vigiadas. Penetrei tanto para o interior da corte
que, através de quatro grandes praças, sempre que olhava, via uma porta atrás da
outra, que conduzia a diferentes lugares. Cheguei tão longe como nenhum outro
holandês; cheguei até o estábulo, onde estavam os melhores cavalos. Parece que
o rei tem muitos soldados; também tem muitos cavaleiros que, quando vêm à
corte, montam os cavalos. São vistos muitos escravos na cidade, que levam água,
o ñame e o vinho de palma, que dizem ser para o rei; muitos levam erva para os
seus cavalos; tudo isso é para a corte.” ***
Ghana era então o título dado ao soberano desse Reino, que tinha em Kumbi a
sua capital. Destruída em 1240, Kumbi, que se localiza onde hoje se encontra
Kumbi Saleh, a 350 km ao norte de Bamako, devia ter cerca de 30.000
habitantes. Toda construída de pedras, numa extremidade de Kumbi se
encontrava a residência real, e na outra, a uma dezena de quilômetros, o
quarteirão dos comerciantes muçulmanos.
Por sua vez, o geógrafo Al-Masudi, de Bagdad, viajando pela África Oriental,
conta que em 922 d.C. assistiu ao embarque de ouro que ia de Sofala para Oman
e dali seguia para a índia e China. Esse ouro era exportado por Moçambique,
mas provinha de um outro Estado de origem sudanesa localizado no sul da
Rhodésia. O rei todo-absoluto era “o filho do Grande Chefe, o deus da Terra e
do Céu”. Acredita-se que esse povo tenha sido o responsável pela construção do
grande Zimbabwe em data aproximada do século IX.
Num estudo conjunto desses Estados sudaneses podemos concluir que eles
manifestam um acervo de idéias políticas comuns; idéias que são pré-
muçulmanas e pré-cristãs, tendo em vista serem rigorosamente contrárias aos
princípios das duas religiões, que só posteriormente chegariam à África.
É bem viável ainda que o núcleo geohistórico dos Estados sudaneses tenha sido
o vale do Alto Nilo e que daí, em épocas ainda não determinadas, se expandiu
esse povo para dar origem às diversas unidades geopolíticas.
Todos os Estados sudaneses eram governados por um rei com caráter divino e
consequentemente dotado de poderes sobrenaturais. Como ser divino, o rei não
podia ter morte natural, e, assim sendo, quando lhe vinha a enfermidade ou
estava muito velho, apressava-se-lhe a morte por meio de asfixia ritual ou então
por um veneno. O cadáver real era então embalsamado, e nas cerimônias
fúnebres que se seguiam eram sacrificadas pessoas previamente escolhidas para
compor do outro lado da vida a corte do rei. Com a tribo ficavam as relíquias
desses reis, em geral constituídas por unhas ou cabelo.
Foi a linha de Estados militares africanos que mais serviu, de início, aos
europeus, fornecendo-lhes os escravos que trouxeram para a América. Por sua
grandiosidade, o tráfico de escravos para a América não pode ser comparado ao
bem mais modesto tráfico mediterrâneo, que forneceu, durante a Idade Média,
braços cativos para a Europa e países muçulmanos.
Foi também esta linha poderosa de Estados militares africanos que tentou
posteriormente bloquear a penetração dos exércitos europeus no continente.
Surgiram então os novos refúgios em plena selva, cujos chefes negros indicavam
a razão básica de seu êxito inicial no ditado — “a selva é mais forte que o
canhão do homem branco”.
Tal fato, porém, não se concretizou — a África seria conquistada pelo homem
branco europeu.
*** Citado por Roland Olivier e J. D. Fage — Breve História da África, págs.
116 e 117.
**** Citado por Roland Olivier e J. D. Fage — Ob. cit., págs. 46 o 47.
Por isso, a Associação Internacional do Congo (1880), que durara menos de uma
década, era transformada na Convenção da Bacia do Congo, regida por uma
Conferência internacional dos governos interessados naquela empresa. Caberia
mais ao “canário belga” domesticar o “elefante congolês”, já que na prática a
dita Convenção era mais um paliativo, visto que Leopoldo II desejava, na
realidade, criar para si um Estado na bacia do Congo. O Estado Livre do Congo
iria surgir em 1885: quatro anos depois, Leopoldo II, rei dos belgas, legava o
território à Bélgica, que só o aceitou quando se viu, é claro, protegida por uma
grande potência (1908). Assim, o Congo Belga só se instalou sob a proteção da
França, a eterna rival da Inglaterra, que em consequência viu ruir seu sonho de
união do Cabo ao Cairo.
Por outro lado, o meio natural e o elemento humano foram bem mais olvidados
na partilha da África do que na América. No continente africano cada colônia se
baseou na ocupação ou na reclamação reivindicatória de alguma zona costeira
por parte dos países colonizadores. Esses países, com exceção da Alemanha,
Itália e Bélgica, que só no século XIX passaram a se interessar mais ativamente
pela África, lutaram durante quatro séculos por territórios costeiros, que deram
impulso a seus domínios ultramarinos.
Quando da partilha, a Espanha, que desde o século XVI, com os reis Felipe e a
interiorização de Madrid, passou a ser nação mais interessada no continente
europeu do que na expansão ultramarina, muito pouco obteve na África. Seus
territórios, além de ilhas, se compuseram de pontos litorâneos na Guiné, Ceuta e
no Rio de Oro.
Levando-se em conta que cada núcleo colonial corresponde a uma zona litorânea
de estabelecimento econômico, o traçado político para o interior corresponde
mais ou menos a uma defrontação desta costa. Nessas condições, os interesses
econômicos se refletiram no traçado político, já que as terras do “hinterland”
passaram, salvo raras exceções, a formar ângulos retos com a costa na qual
principiaram; daí a forma compacta da maioria dos atuais países africanos.
Caberia assim aos portugueses orientar, além dos espanhóis, também aos
ingleses, franceses e holandeses. A expansão marítima desses povos europeus se
deve, sem dúvida, ao impulso inicial que lhes deram os navegadores
portugueses: serviram, por exemplo, à Espanha, João Dias de Solis, Fernão de
Magalhães e o próprio Colombo, que era um produto de Sagres; Solis serviu
também à França e à Inglaterra, que contaram ainda com João Fernandes
Lavrador (Inglaterra), Sebastião Moura e Diogo Couto (França).
Vemos, pois, que o colonialismo foi condenado não pelo sistema em si, do
relacionamento de brancos e não-brancos, mas, sobretudo, pelo predomínio da
Europa Ocidental com relação aos demais continentes.
Mas podemos ver que, ao tomar o vinho, embora o excesso não seja praticado, o
fato é que em muitos não acostumados pode a bebida subir muito rapidamente.
O vinho é, em geral, tomado pelos fracos, ou seja, o nacionalismo contagia
nações subdesenvolvidas. E se o nacionalismo, nessas nações economicamente
atrasadas, pode eliminar o colonialismo, fá-lo, em geral, para entregá-las a uma
forma de neocolonialismo, também conhecida como imperialismo.
O anticolonialisvio parece ter surgido na índia por volta de 1950 quando, ainda
inseguros em sua vida independente, fizeram os hindus o jogo de Moscou.
Sobretudo, o governo de Nehru, que sempre dirigiu campanhas contra os
brancos na África, “sem levar em consideração a situação dos inúmeros
habitantes asiáticos da África Orientai, região esta colonizada por asiáticos já
muito antes da chegada de Vasco da Gama à Índia”. ***
Em contrapartida, o pan-africanismo, que na África se associaria ao
anticolonialismo, teria origem na simples manifestação de solidariedade entre os
negros das Antilhas Inglesas e dos Estados Unidos.
Tão logo terminou a Primeira Guerra Mundial, o Dr. du Bois, negro nascido
livre em Massachusetts, nos Estados Unidos, veio a Paris, onde se realizou o 1°
Congresso Pan-Africano (1919). Sua estratégia se baseava numa ação pela não-
violência; e defesa do direito do negro perante delegados negros vindos das
colônias africanas francesas e inglesas.
Argumentava du Bois com a lealdade dos 100.000 soldados negros que lutaram
ao lado dos aliados na Primeira Guerra Mundial; nenhuma deserção havia
ocorrido, a despeito dos alemães lhes terem feito promessa de liberdade e asilo
caso viessem lutar em suas fileiras. Nesse l.° Congresso de Paris foi também
destacada a ação dos numerosos negros que vieram da África Ocidental para
lutar lado a lado dos franceses contra os alemães.
Para Lenine a classe operária das colônias, em função de sua fraqueza, não
apenas numérica mas também ideológica e econômica, não poderia, pelo menos,
a médio prazo, exercer um papel de dirigente no movimento de libertação
nacional. Afirmava Lenine no II Congresso da Internacional Comunista: “Não
há a menor dúvida de que todo movimento nacional não pode ser senão
democrático-burguês, pois a grande massa da população dos países atrasados é
composta de camponeses. Seria uma utopia pensar que os partidos proletários,
admitindo que possam, em geral, fazer sua aparição nesses países, poderiam
levar adiante essa tática e uma política comunista sem estabelecer determinadas
relações com o movimento camponês, sem de fato o sustentar”. ****
Com o apoio das esquerdas ou não, o fato é que, procurando concretizar os seus
princípios, o III Congresso Pan-Africano, reunião em Londres (1923),
reconhecia, segundo o Dr. du Bois, que o movimento era mais uma idéia do que
um fato. Assim, objetivando maior dinamismo, a segunda sessão desse
Congresso se transladou para Lisboa, a fim de exigir do governo português a
suspensão dos trabalhos forçados em Angola, S. Tomé e Príncipe.
Esse Congresso teve como uma das finalidades entrosar líderes africanos de
língua inglesa e francesa. Daria também destaque a George Padmore, nascido
em Trinidad, estudante na Universidade de Howard, que ficou conhecido como o
teórico do pan-africanismo.
Suas idéias se encontram no livro que publicou em Londres (1955), sob o título
de “Panafricanism or Communism?”. Nesse livro, o pan-africanismo se define
como um movimento que se propõe a realizar o “governo dos africanos pelos
africanos e para os africanos, respeitando as minorias raciais e religiosas que
desejam viver na África com a maioria negra”.
Para Padmore o comunismo não era senão uma das formas de crença da
superioridade branca, e que, sendo uma dessas manifestações, o continente negro
não poderia, de modo algum, encontrar nesse regime forças para se organizar.
Dentro, pois, do conceito que Padmore faz do comunismo, seu livro nos dá uma
nova definição política do nacionalismo.
Por sua vez, órgãos dirigentes das Igrejas Protestantes se pronunciaram, tal como
a Santa Sé, contra o colonialismo. Para tal passou a funcionar desde 1946 a
“Comissão das Igrejas para os Assuntos Internacionais” reunindo os credos
protestantes em defesa do bem-estar dos povos dependentes e pelo
encaminhamento de sua independência.
Os motivos políticos não estavam assim ausentes no seio das duas correntes
cristãs; tratava-se de preservar os valores permanentes que haviam transladado
para a África. Nessas condições, desde a Assembléia de Upsala (1968), o
Conselho Ecumênico das Igrejas passou a apoiar oficialmente os movimentos
separatistas de independência no continente africano. Notando-se que o papa
Paulo VI quase provocou uma ruptura com um país católico — Portugal — ao
receber (3 de junho de 1970), em audiência especial, os líderes nacionalistas
Agostinho Neto, Amílcar Cabral e Marcelino Santos.
Mapa 8
Mapa 9
7. INDEPENDÊNCIA E
NACIONALISMO
A partir de 1958 uma série de reuniões iria pôr em contato vários líderes
políticos africanos — Acra (abril), Kotonú (julho), bem como as Conferências
Sindicais de Brazzaville e de Conacri (janeiro de 1959).
O nacionalismo, que no século XIX tornou livre a Grécia do jugo turco, separou
a Bélgica católica da Holanda protestante, fez da Alemanha e Itália países
unificados, teria reflexos na América, que se separou politicamente da Europa.
Vários desses países africanos estão longe de apresentar condições mínimas para
uma autonomia econômica. O Niger e o Tchad herdaram o deserto; o Mali, o
Senegal e o Alto Volta têm a savana; área muito exígua têm o Togo, o Benin, a
Guiné-Bissau, Djibuti, Lesoto, Suazilândia ou países formados em ilhas. Vemos,
por estes poucos exemplos, que no contexto geral a África independente depende
da ajuda econômica e assistência técnica do exterior.
Nessas condições, a África conheceria pouco mais de meio século de paz quando
da colonização européia. Com a independência e o despertar da África
renasceram os ódios tribais, dentre os quais a guerra de Biafra foi dos exemplos
mais sangrentos (1966-70). (Mapa 8).
mais rica, povoada pelos ibos católicos e grupos animistas, que por ser mais
escolarizada contribuía com maior número de elementos para os quadros do
funcionalismo, da polícia e das forças armadas. No oeste, outra província menos
rica, dominada pelos iorubas protestantes ou animistas, concorrentes sociais dos
ibos e que nutriam ódio pelos haussás; separando as duas províncias litorâneas,
do centro-oeste povoada por tribos diversas.
A questão de Biafra não foi o primeiro e também não será o último problema
secessionista africano. O tribalismo subsiste em muitos pontos do continente.
*** Hélio Felgas — Nigéria/Biafra (A Maior Guerra entre Africanos), pág. 13.
Mapa 10
Mapa 11
8. REVOLUÇÃO PSICOSSOCIAL
A Rússia, porém, não ficava sozinha, visto que pouco antes, a 5 de janeiro de
1959, se instalara em Havana o governo de Fidel Castro. Assim, logo após o
Pacto Cubano-Soviético, Fidel Castro lançava a idéia da realização do uma
Conferência do Terceiro Mundo em Havana. A partir daí seria sempre marcada a
presença cubana nos assuntos africanos.
Somos, tanto aqui como lá, países que vivem de costas uns para os outros,
separados por áreas geopolíticas neutras. Tanto na América quanto na África as
áreas menos desenvolvidas e consequentemente menos povoadas se encontram
em zonas de fronteiras. Assim, tanto a América Latina quanto a África visam ao
mundo exterior, visto que os países destes continentes estão geoeconomicamente
bloqueados pela falta de sistemas de transporte mais eficientes. O mar que uniu
as costas no passado continua a exercer papel preponderante no presente desses
continentes.
Geralmente, tendo que deixar o conforto de seu país, o técnico exige importantes
vantagens socioeconômicas que passam a distingui-lo do habitante local. Cai-se,
então, no precedente — colonizador subjugando o nativo.
Entraria o governo inglês pouco depois em cena para subvencionar outra viagem
de Mungo Park ao Niger (1805-6), como também a de Denham e Clapperton,
que exploraram o Bornu e a Haussalândia após atravessarem o Sahara, partindo
de Trípoli (1823-25). Daria, ainda, o governo inglês apoio às expedições dos
irmãos Lander ao baixo Niger (1830), bem como ao alemão Heinrich Barth,
meticuloso explorador do Sudão Central e Oriental (1850-55). (Mapa 12)
A conquista da África tinha sido empresa tão difícil para os europeus, que em
Portugal o topônimo do continente passou a ser sinônimo de façanha e proeza.
Assim, o fato de se dizer “fazer uma África” ou “pôr uma lança em África”
significa envolver-se numa empresa difícil.
Por sua vez, os alemães, embora ainda às voltas com a unificação de seu país,
além da colaboração com os ingleses, como fez Barth, foram os pioneiros nas
missões no interior da África Oriental. Membros da Comunidade da Igreja
Missionária, Krapf e Rebmann foram os primeiros europeus a verem os cumes
nevados do Kilimanjaro e dos montes Quênia (1847-49) Foram também
proveitosas as explorações do Sahara realizadas por Gerhard Rohlfs mais tarde
continuadas por Gustav Nachtigal (1869-73) que, partindo de Trípoli, atravessou
o deserto e cortou o continente para o oriente do lago Tchad até o Nilo. Deve ser
ainda mencionado Hermann Wissmann, explorador alemão, que, além das várias
viagens empreendidas até a bacia do Congo, governou a África Oriental Alemã.
Mas foi sem dúvida o explorador francês Fernand Foureau (1898-1900) quem
mais se notabilizou pelos trabalhos científicos sobre o Sahara. Além de explorar
parte do grande deserto entre o sul da Argélia e o Tasili, Foureau acompanhou o
Comandante Lamy em expedição que, partindo de Túnis, passou por Uargla,
atingiu o lago Tchad, chegando a Bangui na bacia do Congo.
Mapa 13
Mapa 14
Mapa 15
Mapa 16
Mapa 17
Mapa 18
Mapa 19
Mapa 20
Mapa 21
Mapa 22
Mapa 23
Mapa 24
Mapa 25
10. REVOLUÇÃO POLÍTICA
Que destino seria dado então aos demais territórios africanos pertencentes à
Itália e à Alemanha, vencidas na Segunda Guerra Mundial?
A África Ocidental Alemã foi absorvida pela França, com maior poder neste
lado do continente. A Inglaterra seria recompensada com a África Oriental
Alemã, que a impedira de unir o Cabo ao Cairo. Por sua vez, o Sudoeste
Africano passara a ser administrado como sua “herança” pela União Sul-
Africana.
O comunismo na África não pode assim ser avaliado pelo número pequeno de
países que se tornaram pseudo-comunistas ou ostensivamente anticapitalistas
mas sim pela perda do posicionamento único do modelo político-econômico do
ocidente europeu naquele continente.
Houve, na prática, uma repulsa na atração exercida pelos valores ocidentais nos
recém-formados países africanos, induzida pelo nacionalismo exacerbado e mal
dirigido. Vemos, assim, que décadas após a vitória do movimento da
descolonização, gerador da independência, os líderes dos novos países, embora
ainda necessitados dos valores ocidentais, procuram rejeitá-los; para isso, a
ideologia comunista, em sua forma antiocidental muito contribuiu.
Mas a Comunidade, na prática, não chegou a durar mais do que dois anos, visto
que em 1960 a revolução política era marcada com a independência de 14
Estados de língua francesa.
Assim, a República de Djibuti, com apenas 21.783 km2, menor que o nosso
Estado de Sergipe (22.027 km2), se transformou, por sua privilegiada posição,
no estreito de Bab-el-Mandeb, na entrada do mar Vermelho, no alvo certo da
cobiça de dois países esquerdistas — a Etiópia e a Somália.
Alinha-se também como pequeno e instável país, incluído durante 140 anos no
domínio francês, a República de Comores (Mapa 16) independente desde 1975,
nada mais é do que um arquipélago localizado entre Madagascar e o continente
africano, sem unidade étnica, coabitado por negros, árabes e malaios.
*
Os belgas conseguiram, além do Congo (atual Zaire), numa vantajosa área de
2.345.409 km2 (pouco menor que os territórios unidos de nossos Estados do
Pará e Amazonas), também o pequeno e montanhoso Ruanda-Burundi, subtraído
da ex-colônia alemã — África Oriental, sob tutela da ONU.
Mas a ABAKO, dirigida por Joseph Kasavubu, não era o único porta-voz do
Congo, que, em 1960, já possuía cerca de cem partidos políticos ávidos por
tomar o poder. Além da ABAKO, tornara-se também importante na
reivindicação da independência o MNC (Movimento Nacional Congolês),
presidido por Patrice Lumumba, unitarista ferrenho, que se opunha ao
separatismo-federalista da CONAKAT (Confederação das Associações
Katanguesas), chefiada por Moisés Tchombe. Desejava a CONAKAT que o
Congo se transformasse numa Confederação dentro da qual Katanga seria um
Estado Autônomo, respeitando o direito dos brancos.
Foi então que, apelando para a ajuda russa, Lumumba seria destituído por
Kasavubu, que se aliou logo a Mobuto.
*
Se a Bélgica, localizada no rico território congolês, o abandonou, ocupando
ralamente povoados e pouco extensos territórios africanos, bem menos sofreria a
Espanha em perdê-los.
Em outubro de 1968 surgia a Guiné Equatorial com a junção do rio Muni e ilha
de Fernando Pó (depois chamada Macias Nguema). Além de substituir pelo seu
nome o do descobridor, Francisco Macias Nguema foi mais um governante
original na África pós-colonial, deposto em 1979.
A Inglaterra, que, juntamente com a França, foi das mais beneficiadas na África,
passava, na fase colonialista, a reger o Sudão em condomínio com o Egito. Com
mandato da Liga das Nações obteve parte do Togo (atualmente incluído na
República de Ghana), parte do Camerum e toda a África Oriental Alemã,
excetuando-se o Ruanda-Burundi, entregue à Bélgica.
Nota-se que a política colonialista inglesa, diferente das demais, tinha como
preocupação primordial os laços econômicos; a administração, encarada como
fator secundário, podia ficar nas mãos dos autóctones. Por isso, quando a “vaga
de independências” começou a contagiar a África, a Inglaterra, procurando
sempre manter os laços econômicos, começou a “soltar”, uma a uma, as suas
colônias. Como tal política não agradava ao Partido Conservador, foi este
substituído pelo Gabinete Trabalhista, que liquidou o Império Britânico.
Não fugindo à regra do que ocorre nos Estados africanos, governados por líderes
negros, o nacionalismo, no sentido exato da palavra, também inexiste na
Rhodésia. Assim, quando a Rhodésia, governada pela minoria branca de Ian
Smith, se encaminhou para a segunda independência para se transformar na
República de Zimbabwe, várias organizações nacionalistas, considerando-se
herdeiras, possivelmente disputarão o poder.
O único partido negro local, considerado como tal, era o CNA (Conselho
Nacional Africano), chefiado por Abel Murozeva, um bispo metodista tido por
muitos como um ingênuo e inexperiente.
Divergindo do CNA, atuavam outros quatro partidos como: o ZAPU (União dos
Povos Africanos do Zimbabwe), fundado por Joshua N’Komo, que tem o apoio
dos matabeles, representando 1/5 da nação; o ZANU (União Nacional Africana
do Zimbabwe), movimento que já de início se caracterizava pela dissidência
interna entre suas alas política e militar, com a fraca liderança do Reverendo
Nadabaningi Shitole, representando os machonas; e a FRELIZI (Frente de
Libertação do Zimbabwe) , dirigida por James Chikerema.
Para completar o quadro, surgia ainda Robert Mugabe, que, embora no exterior,
pois residia em Moçambique, disputava com Shitole a liderança do ZANU.
Ainda que muito pouco se saiba sobre os líderes guerrilheiros rhodesianos e suas
respectivas lealdades, Mugabe se dizia porta-voz político do ZIPA (Exército
Popular do Zimbabwe).
Mas se Angola se vem prestando a apoiar a SWAPO, também não está livre de
se transformar num “Vietnam Africano”. A UNITA e a FNLA não conseguiram
implantar seu governo em Angola, mas isso não quer dizer que tenham
abandonado a luta. Sua pretensão é estabelecer um outro país no sul do rio
Cuanza, no paralelo de 11°, que liga Novo Redondo, no litoral, a Teixeira de
Souza, no interior. (Mapa 25)
Estima-se que, em menos de 25 anos, a África terá que acomodar mais de 535
milhões de pessoas, cifra só maior que a da América Latina, avaliada em 440
milhões.
Essas ilhas (964 km2), de maioria negra, foram utilizadas inicialmente para a
plantação intensiva da cana-de-açúcar, mas, quando a produção brasileira se
tomou suficiente aos interesses comerciais de Portugal, foram praticamente
abandonadas. Tanto assim que, no século XVIII, estiveram durante algum tempo
nas mãos dos holandeses.
Por sua vez, o neutralismo constituía a ponta-de-lança, visto que todos aqueles
que se alinhavam no chamado “Terceiro Mundo” tenderam mais, na prática, para
o bloco comunista. Vemos, assim, que Ben Bella só adotou a cômoda posição de
neutralista para obter o apoio guerrilheiro na defesa de sua tomada do poder na
Argélia. Foi também o neutralismo ferrenho do Partido Neo-Destour que levou
os Estados Unidos a abandonarem importantes bases que possuíam no Marrocos.
A Segunda Guerra Mundial seria, porém, causada pela Alemanha e Itália, duas
nações européias dentro da auto-realização racista, na era imperialista das
superpotências industriais. Era isso a realidade da suprema religião nacionalista.
Nessa luta entre a liberdade e o totalitarismo, os africanos se fizeram representar.
Viram então cair a Bélgica, a França ser esmagada em poucas semanas,
enquanto a Inglaterra se mantinha sitiada. Os povos dependentes viram, então,
que as forças dominantes da política mundial não estavam mais na Europa
Ocidental e sim com dois países que se opunham ao sistema colonial — os
Estados Unidos e a Rússia.
****** Esse líder angolano faleceu em setembro de 1979; sendo substituído por
José Eduardo dos Santos.
******* Não se sabe como e por que desapareceu a FLING (Frente de Luta pela
Independência da Guiné).
Trata-se de uma ação dirigida, pois, não havendo maturidade política, será
sempre irreal o que disse Bossa Malwai, Ministro da Informação do Sudão
(1977): “É muito perigosa a sempre crescente importância das superpotências na
África”; se elas permitissem, “resolveríamos sozinhos os nossos problemas”.
A República do Alto Volta, também instável desde 1966, do mesmo modo que a
República do Tchad, mostra a indecisão política que reina nesses países. O
Tchad, por exemplo, onde membros das Forças Armadas mataram a tiros, em
1975, o Presidente François Ngarta, ora fecha suas bases aos franceses, ora
assegura o uso de aeroportos à Força Aérea de seus ex-colonizadores.
Dentro deste e outros contextos a África passou a ser um dos grandes alvos da
diplomacia francesa, haja vista a viagem feita ao continente por Louis
Guiringaud, Ministro das Relações Exteriores da França (1977).
Deseja a França entrar no jogo das superpotências e para tal interveio no Zaire
quando da invasão da província de Shaba (1978); e garantiu com tropas, no ano
anterior, a independência da República de Djibuti.
E a quem se deve essa expansão russa, senão à própria ação do Congresso dos
Estados Unidos? Isto porque várias restrições aprovadas pelo Congresso
impedem que os Estados Unidos prestem assistência imediata a nações
estrangeiras. Entre as principais que se destinaram à África se encontra a
Restrição-Seção 25 (Lei de Assistência à Segurança Internacional de 1977). Esta
proibia, durante o ano fiscal de 1978, operações de natureza militar ou
paramilitar no Zaire, a menos que o presidente declarasse que tal assistência
seria do interesse da segurança nacional e submetesse ao Congresso uma
descrição e certificado.
Ora, se a invasão da província de Shaba (1978) fosse esperar por tudo isso que a
chamada “democracia” exige do governo estadunidense, o Zaire, bastião do
Ocidente, estaria mutilado. A vitória teria sido das tropas invasoras dirigidas
pelos cubanos-soviéticos, não fosse a pronta ação franco-belga.
Assim age a China, que, quando perde influência num ponto, procura adquiri-la
noutro, mesmo que para isso tenha que se pôr ao lado de potências ocidentais,
como agiu no próprio caso de Angola ao lado dos pró-ocidentais. Mantém a
China programas de ajuda a 23 nações africanas. Agem assim os chineses dentro
da linha geopolítica moderna — pouco lhes interessa saber se os russos têm ou
não um plano central para dominar a África, porque têm a convicção de que eles
estão determinados a se movimentar para onde quer que os Estados Unidos e
seus aliados deixem um vácuo aparente.
Três vezes e meia maior do que o Brasil, o continente africano encerra enormes
riquezas em recursos naturais. E foi por isso que Sir Neil Cameroon, do Estado-
Maior da Defesa da Inglaterra, afirmou em reunião da OTAN (1977) que “no
futuro, a Organização se pode ver obrigada a entrar em guerras periféricas para
garantir sua parte nos recursos mundiais”.
Importante minério usado na fabricação do aço, é do Zaire de que saem 4/5 das
importações estadunidenses de cobalto. (Mapa 9) Os maiores produtores de
cobalto, responsáveis pela metade de toda a produção mundial, são, por ordem
— o Zaire, a Rússia, a Zâmbia e Cuba. Bastará, portanto, uma guinada para a
esquerda dos dois produtores africanos para que o mundo comunista se torne o
dominador potencial do mercado de cobalto. Embora se diga que o Ocidente
poderia reagir partindo em busca das fontes alternativas de suprimento, será bem
longo o período necessário para que a mina ou a usina de processamento dos
minérios atinja o seu ritmo normal.
Assim, a posição ocupada pela República da África do Sul, Zimbabwe, Zaire e
Zâmbia, como grandes produtores de treze minérios de suma importância
(diamante, ouro, vanádio, metais do grupo platina, cromita, cobalto, manganês,
chumbo, urânio, amianto, níquel, zinco e cobre), confere ao setor meridional do
continente africano destacado papel geoestratégico no quadro das Relações
Internacionais.
Só a Tanzânia recebia em março de 1976 cerca de 700 russos, que, sob pretexto
de prestigiar a semana do filme russo nesse país, se dirigiram para dois
acampamentos instalados a leste do lago Niassa. Pelo acordo dos “Cruzados”
coube à Tanzânia treinar os guerrilheiros, pois já se mostrara eficiente na ação
quando auxiliou os combatentes da FRELIMO na independência de
Moçambique.
Nesse conflito, alimentado por blocos ou grupos que se digladiam no âmbito das
Relações Internacionais, os países negros pobres mantêm uma “guerra tépida”
com os países brancos ricos. E, nessa “guerra tépida”, foi a guerrilha que, na
realidade, atingiu mais profundamente a Rhodésia. E, dentro do contexto, os
chamados “Governos da Linha de Frente” formados contra a Rhodésia contaram
com o beneplácito da OUA e o apoio comunista.
Situação que durou até 18 de abril de 1980, quando após 90 anos de dominação
inglesa, 15 anos de rebelião constitucional à Coroa e 7 anos de guerrilhas, surgia
a República de Zimbabwe.
No primeiro caso o foco está em Bu Craa, onde se encontra uma grande mina de
fosfato, da qual, antes de estourar o conflito, se retiravam diariamente 25.000
toneladas de minério com 80% de pureza, através de duas gigantescas dragas.
(Mapa 19) O minério é encontrado quase à flor da terra, em profundidades que
variam dos 5 aos 18 metros. De Bu Craa era o minério transportado pela maior
esteira rolante do mundo, 100 km através do deserto, até o porto de Aiun. Assim,
o separatismo insuflado aí se conduz dentro dos mesmos objetivos que os do
Zaire na província mineira de Shaba: anular um país retirando-lhe a região
economicamente vital.
Com a instalação da OTRAG, o Zaire passou a contar com uma autêntica base
da OTAN, pois a essa Organização pertence a Alemanha Ocidental; e a OTAN,
por sua vez, com um autêntico ponto nevrálgico nessa conturbada zona africana.
Caberá à OTRAG criar uma área de operações para, como diz o acordo,
favorecer o “lançamento de foguetes portadores de engenhos à atmosfera e ao
espaço; e a todas as atividades de qualquer domínio que a estas se liguem direta
ou indiretamente”. Além do gozo integral do território cedido, o espaço aéreo do
mesmo está interditado, só sendo permitidos voos de aeronaves autorizadas pela
empresa alemã.
Este “heartland” da África, a que se junta por sua importância a Nigéria, com o
separatismo de Biafra passou-se para o âmbito das Relações Internacionais
quando a França e Portugal apoiaram os rebeldes do Coronel Odumego Ojukú de
um lado, ficando a Rússia e a Inglaterra com o poder central do outro (1967). A
despeito do término da guerra de Biafra, a instabilidade política passou, a partir
de 1970, a ser fator quase que permanente. Em 1974, o General Yakubu Gouon,
pertencente a uma pequena tribo cristã, foi deposto pelo haussá General Murtala
Rufai Mohamed. Por sua vez, as tensões étnicas, reavivadas pelo desejo de
dividir ainda mais a federação de 12 para 19 Estados, levaram o Coronel Dimka
a assassinar Rufai. O movimento rebelde se alastrou, sendo, porém, sufocado
pelas tropas legalistas, que entregaram o poder ao General Olesugun Obasanjo
(1976).
A Nigéria, caracterizadamente contrária ao movimento apartheísta da África do
Sul e defensora dos movimentos nacionalistas, foi sempre o principal
competidor do Zaire na hegemonia da África Negra. O ponto crítico entre os
dois rivais foi justamente a guerra pela emancipação de Angola, na qual a
Nigéria apoiou a facção de Agostinho Neto, colocando-se ao lado da Rússia. A
razão para tal foi a entrada da República da África do Sul ao lado das outras
facções angolanas, sobretudo a de Holden Roberto, nitidamente pró-ocidental. O
ódio que o governo nigeriano nutre pelo apartheísmo se justifica nessa frase
comumente ouvida no país — “no momento em que uma única formiga sul-
africana cruzar a fronteira, todo o quadro muda de figura”.
Tendo apoiado a facção angolana perdedora, o Zaire, com seu diminuto litoral
atlântico, perdeu a amizade de Angola, sua vizinha e dona da mais ampla costa.
Pelo contrário, a Nigéria passou a contar com a simpatia de Angola, valioso
Estado, o terceiro em potencial na África Negra. Dentro deste contexto alguns
diplomatas nigerianos chegam a aventar a idéia de um “Eixo Atlântico-Sul”
formado por um triângulo ligando a Nigéria, Angola e o Brasil. “Na verdade
somos uma nação que deve pensar intercontinentalmente; e o Atlântico-Sul nos
conduz à África, a que tudo nos liga, desde as similitudes da geografia (climas,
solos, vegetação), até as forças étnicas, as precedências históricas e os interesses
econômicos. O Atlântico-Sul nos une a quase toda a África Ocidental e nos
sugere uma política de esplanadas, *** intercontinental, que melhore não
somente nossas condições de proteção e segurança, mas nossas alianças
econômicas e de amizade. Somos, assim, pela nossa própria extensão e posição
no Atlântico-Sul, uma nação intercontinental e um protagonista das Relações
Internacionais com o mundo africano.” ****
Outro ponto onde é fato não o separatismo, mas sim o fenômeno desintegrador
africano, é o dos três países do leste, que ganharam a independência da
Inglaterra na década de 1960. Quando os três se tornaram independentes, havia
entre eles uma forte estrutura de unidade institucional e administrativa. Isto se
via na moeda comum, no sistema fiscal integrado, num mercado comum de fato,
nas empresas de capital misto, numa burocracia comum, etc.
Os três países do leste faziam do inglês, ao lado do suahili, a sua língua franca.
O constante cruzar de fronteiras deu similaridade de composições étnicas
indígenas aos três países. Até mesmo os três partidos: a UNAT (União Nacional
Africana de Tanganica), a UNAQ (União Nacional Africana do Quênia) e o
CPU (Congresso do Povo de Uganda) cooperaram na luta contra o colonialismo.
O ideal da Grande Somália poderia ser posto em prática pela Etiópia, mas a isso
se oporia o pan-arabismo; e assim o problema da Cornucópia Africana passou a
se caracterizar por suas fronteiras indefinidas e arbitrariamente delimitadas.
A partir daí, a situação começou a se inverter. Hoje, a Etiópia conta com pleno
apoio da Rússia e armas dos Estados Unidos; preparando-se para lutar contra a
Somália, que tem armas da Rússia, contando ainda com o apoio do Sudão, da
Arábia Saudita e simpatia dos Estados Unidos, desejosos de ver abalado o
governo marxista etíope do Coronel Mengistu Hailé Mariam.
O pomo da discórdia no terreno das Relações Internacionais é o deserto de
Ogaden, onde predominam os somalis, mas que se encontra em poder da Etiópia.
A Somália quer reaver o território que a antiga Abissínia (hoje Etiópia)
conquistou com o auxílio dos portugueses no século XV.
Por outro lado, a aproximação de Israel com o Egito tem conotações com a
África Negra. Em outubro de 1973, todos os países da África Negra, com
exceção do Lesoto e do Malawi, romperam relações com Israel. Reatando com o
Egito, o mais importante país muçulmano, quer por sua posição quer por sua
população, Israel dará um grande passo em direção à África Negra, quase toda
convertida ao credo de Maomé.
Notamos que a ação russa na África se tem valido mais das circunstâncias
oportunas. Assim, por exemplo, em Angola a oportunidade surgiu em forma de
apoio a uma luta de libertação nacional, durante a qual os Estados Unidos
também podiam manter a sua ajuda. Mas, enquanto os russos não dependem da
“democracia” para seus atos externos, sobretudo em se tratando de um bom
posicionamento para o país no âmbito das Relações Internacionais, o mesmo não
ocorre com os Estados Unidas. O Congresso tem voz ativa e faz o líder do
Ocidente ceder a vez ao líder do Oriente.
Nota-se, assim, que a Rússia vem tomando partido em disputas africanas para
conseguir, em seu benefício, alterar o equilíbrio do poder. Sempre que pode, a
Rússia ocupa na África o vácuo deixado pelas potências coloniais, sobretudo se
esse vácuo concorre para que se ponha em prática a Doutrina do Almirante
Gorshkov, contribuindo para “a ruptura das linhas de comunicação oceânicas
vitais à sobrevivência econômica e à capacidade militar do Ocidente”.
Observamos assim que: “a política soviética só é misteriosa para aqueles que
persistem em olhá-la de fora e de maneira fragmentária e se recusam a se servir
da chave que os próprios comunistas fornecem a quem quiser utilizá-
la.” *******
* Observe-se que o partido não é pela sigla local e sim geral, mostrando o ideal
do “Napoleão Africano”, deposto pelo próprio Dacko em 1979.
**** José Honório Rodrigues — Brasil e África — Outro Horizonte, pág. 345.
***** Fernando Sylvan — Comunismo e Conceito de Nação em África (Ensaio
de Psicologia Social), págs. 75 e 77.
******* James Burham — The Struggle for the World, pág. 133.
12. A ÁFRICA NO BRASIL E O
BRASIL NA ÁFRICA
Nessa época, já o Brasil surgira como nação numa argamassa mais branco-negra
do que branco-indígena ou amarela, concluindo Sílvio Romero que: “temos a
África em nossas cozinhas, a América em nossas selvas e a Europa em nossos
salões”. *
É muito difícil precisar de que ponto ou pontos do território africano nos vieram
os colonizadores negros do Brasil. Assim, talvez, o que mais parece aproximar-
se da verdade seja o Visconde de Porto Seguro, ao afirmar que “a importação
dos colonos pretos para o Brasil, feita pelos traficantes, teve lugar de todas as
nações, não só do litoral da África que decorre desde o Cabo Verde para o sul, e
ainda do Cabo da Boa Esperança nos territórios e costas de Moçambique, como
também não menos de outras dos sertões que com eles estavam em guerra, e às
quais faziam muitos prisioneiros sem os matarem”. **
Refere-se, pois, o nosso historiador às algaras, que não escolhiam tribos nem
lugar, aprisionando o maior número possível de negros para entregá-los aos
negreiros. A verdade, porém, é que pela maior proximidade entre as costas, deve
ter vindo para o Brasil um número bem maior de grupos apreendidos na África
Ocidental, aqui genericamente designados — minas.
Silvanus Olympio, que fez a independência do Togo, não escondia a sua origem
brasileira. Um dos principais líderes da luta pela independência da Nigéria, o
jornalista Herbert McCalley, é casado com Silvina de Souza, uma brasileira.
Essas e outras interessantes revelações nos são trazidas pelo historiador
nigeriano Anthony B. Laotan em seu livro “The Torch Beaners or Old Brazilian
Colony in Lagos”.
Antônio Olinto, que em 1964 escreveu uma série de artigos para “O Globo”, sob
o título geral de “Missão na África”, e que, impressionado com o que viu e ouviu
sobre a presença do Brasil no Continente Negro, escreveu um romance,
desvendou a figura de Cândido da Rocha. Esse cristão brasileiro que se foi
estabelecer na Nigéria, habituado ao trato com os europeus, deixou uma herança
calculada, só em propriedades, no valor de um milhão de libras.
Notando esse célebre Senhor da Rocha que, durante a estiagem, a água dos
poços nigerianos se tornava salobra ou se esgotava, valeu-se da tecnologia
artesiana que aprendera no Brasil. Enriqueceu como vendedor de água e sua
residência, o Ilojo ou Casa d’Água, muito semelhante ao nosso Palácio Itamaraty
do Rio, foi tombada, como monumento histórico, pelo governo nigeriano. Aliás,
no “Brazilian Quarter” de Lagos, a arquitetura colonial brasileira é largamente
lembrada nos típicos sobrados que no Rio estão desaparecendo.
Sabe-se que o Xaxá de Souza, como ficou conhecido, morreu em maio de 1840 e
foi, por suas atividades, bem como a de seu companheiro Martins, menos
famoso, que o tráfico africano, embora ilegal, continuou ainda por muito tempo
dessa costa para o Brasil.
Não se unem nesse sincretismo religioso apenas África e Brasil, pois se nota nos
candomblés de caboclos ********* que existe “uma ponte de ligação entre as
religiões africanas e as concepções religiosas que, com base na literatura
indianista, se atribuem ao indígena brasileiro”. **********
Quer nas comidas hoje ditas baianas (caruru, vatapá, mungunzá, abará, amalá,
acarajé, ************ etc.), quer no modo suave da pronúncia do idioma
português no Brasil, moldada pelas mães-pretas que ensinavam o filho branco a
falar, não ficaram entre nós, felizmente, nem as reminiscências tribais, nem o
racismo, nem o apartheismo.
O negro se abrasileirou em todos os sentidos, pois seu contato não foi apenas
com o branco português, mas também com o índio autóctone; muito embora o
cafuso, mistura do negro com o índio, seja o tipo menos comum no Brasil. Mas,
“fusão das culturas negras e índias, entre si, e de ambas com a portuguesa é, com
efeito, fenômeno histórico observável desde os primeiros tempos de colonização.
Havia índios que, sem terem estado em contato com os brancos, conheciam
hábitos da civilização trazidos por negros fugidos para a
selva”. ************** Assim se explica, entre outras coisas, também o fato do
mamão ter sido levado para Angola não com o termo português mas com o bem
tupi — papaia.
Aqui, o negro, sem romper os laços africanos, passou a se sentir, em toda sua
plenitude, um brasileiro — um nacional do país Brasil. Fato que não é só de
hoje, mas também do passado, quando, em pleno século XVII, o negro Henrique
Dias, herói brasileiro, combateu o invasor branco holandês. Daí o orgulho com
que dizia a quadrinha:
Quer pela vinda de negros colonizadores para o Brasil, quer pela volta desses
elementos ou de seus descendentes para a África, o fato é que o Império
Português se conformou com essa realidade. Assim, enquanto a África Oriental
constituía na administração ultramarina uma dependência do Estado da índia, a
costa atlântica do continente africano estava unida ao Estado do Brasil. Essa
união se traduzia não só pela função de fornecedora de braços ao Brasil, como
também pela maior proximidade e facilidade de comunicação de litoral para
litoral.
A África Ocidental esteve, assim, muito mais ligada ao Estado do Brasil do que
o próprio Estado do Grão-Pará e Maranhão, que apesar de território contíguo,
pela existência das correntes desfavoráveis na costa leste-oeste, se subordinava
diretamente a Lisboa.
Se no passado a África veio ao Brasil, no presente é esse Brasil, que ela em parte
ajudou a fazer, que vai à África.
Tínhamos, então, que enfrentar uma frente e uma retaguarda. A frente era o
próprio continente americano que se engajava na OPA (Operação Pan-
Americana), dentro de nossa diretriz geopolítica puntiforme; enquanto a África,
em nossa geopolítica difundente, continuaria ainda por algum tempo na
retaguarda.
Era, então, bem tímida a nossa política africana, tendo em vista, antes de tudo, o
nosso compromisso sentimental com Portugal. Assim, na ONU, ora votávamos
com as potências colonialistas, ora nos abstínhamos, procurando encobrir o
alinhamento colonial. Assim, em 1960, através de nosso Embaixador Ciro de
Freitas Vale, o Brasil apoiava a Declaração relacionada com a concessão de
independência aos países e povos colonizados; muito embora, por instrução do
Itamaraty, não pudéssemos dar a nossa aprovação à Resolução n.° 1.542, através
da qual a ONU procurava obrigar Portugal a transmitir informações sobre suas
províncias ultramarinas.
Podemos, assim, dizer que a terceira e atual fase de nossa política africana
começou em 1972 durante o governo do Presidente Emílio Garrastazu Médici.
Nesse ano vários países da África Ocidental foram visitados pelo Chanceler
Mário Gibson Barbosa; seguia-se-lhe uma missão comercial aos mesmos países
— Costa do Marfim, Senegal, Ghana, Togo, Benin, Zaire, Gabão, Camerum e
Nigéria.
O Brasil foi, assim, até a África em busca de novos mercados semelhantes aos
nossos. Mercados que nos foram abertos nessa “nossa fronteira além-Atlântico”,
como definiu o Presidente Ernesto Geisel. Assim, em 1972 era de 150 milhões
de dólares o volume de nossos negócios com a África; no ano seguinte atingiu a
cifra de 350 milhões de dólares, chegando, em 1974, a 1 bilhão e 114 milhões de
dólares.
Se coube ao europeu levar a América para o quadro das áreas ditas civilizadas,
trouxe para ajudá-lo grandes levas de africanos, provenientes também de um
continente ligado ao Atlântico. Assim, se a África perdeu, no passado, uma boa
parte de seus habitantes, que ajudaram com o seu trabalho e seu sangue a criar o
Brasil, os brasileiros estão hoje cooperando para reerguer a África. A presença
negra na formação étnica e cultural de nosso país é dos fatores que mais
fortemente impulsionam a abertura do Brasil para a África e da África para o
Brasil.
Santuário, simbolizando o Great Trek (1838) com sua muralha de carroças, suas
figuras gigantescas dos líderes boers e, no interior, a imponente galeria dos
heróis.
Nota: Great Trek — A grande emigração dos boers de Cape Colony, em 1836,
da qual resultou a fundação da República da África do Sul.
Volume 189