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THEREZINHA

DE CASTRO

AFRICA
Geohistória, Geopolítica e Relações Internacionais

BIBLIOTECA DO EXÉRCITO EDITORA

Rio de Janeiro — RJ
COLEÇÃO GENERAL BENÍCIO Volume 189

CHEFE DA SEÇAO DE PUBLICAÇÕES Sebastião Castro

CAPA

Murillo Machado

REVISÃO

Renaldo di Stasio

Alberto de Azevedo

C355a Castro, Therezinha de

África: Geohistória, geopolítica e relações internacionais. Rio de Janeiro:


Biblioteca do Exército, 1981

p.: mapas desd.; 21 cm. (General Benício, v. 189, publ. 510)

1. África — História. 2. África — Geopolítica. 3. África — Relações


internacionais. I. Título. II. Série.
CDU 960

Direitos para esta Edição cedidos pela Livraria Freitas Bastos S. A.

Impresso no Brasil


APRESENTAÇÃO

África é uma brilhante síntese dos conhecimentos e das pesquisas realizadas pela
Professora Therezinha de Castro, a respeito do continente negro.

Com rara precisão, assinala o despertar geopolítico dos povos colonizadores


lançando-se em direção à África, como forma de complementarem suas bases
físicas e econômicas.

Percorrendo os núcleos geohistóricos africanos destaca, à evidência, a situação


encontrada pelos colonizadores quando de sua chegada às terras conquistadas.

Caracterizando a presença do europeu, descreve a ação dos colonizadores na


conquista e ampliação das novas colônias, os choques de interesses, a
formalização das fronteiras esboçados como recurso diplomático e a
descentralização da base política das metrópoles, em razão da descontinuidade
territorial.

De uma situação colonial, inicialmente definida, descreve toda uma evolução em


direção à emancipação dos povos africanos, através dos diversos processos de
descolonização, mostrando a atuação das lideranças negras, caracterizando as
influências interferentes como a ação do comunismo internacional, tentando
atraí-los para sua esfera de influência, o neocapitalismo nas relações
“assistentes-assistidos”, os despeitos entre os países colonizadores e as
distorções decorrentes da descolonização vertiginosa, do despreparo das elites, e
do artificialismo da unidade nacional de cada país e das “Uniões” então
estabelecidas.

Dedica um capítulo as presenças da África no Brasil e do Brasil na África,


ressaltando as influências culturais recíprocas.

De parabéns estão a Professora Therezinha de Castro, pela excelente obra que


produziu, e os Assinantes da Biblioteca do Exército, cuja sensibilidade, por
certo, saberá apreciar este livro que atende a um dos anseios do homem
moderno: o muito em poucas palavras.

Carlos de Souza Scheliga


PREFÁCIO

Sem adjetivos, em estilo enxuto e didático, sem enfeites literários ou efeitos de


palavras; de modo claro, objetivo e científico; timbrando sempre pela mais
rigorosa honestidade intelectual; atendo-se tão-somente aos fatos e a documentos
de real credibilidade — vem a Professora Therezinha de Castro, com mais este
trabalho, em que refulge de novo o seu imenso talento e a sua fecunda
inteligência, enriquecer sobremaneira o nosso patrimônio cultural.

Como se a bordo de um satélite, numa altura que possibilitasse uma visão total
do continente, conseguiu, melhor do que o faria um aerofotogrametrista, captar e
transmitir-nos uma imagem perfeita da África; registrando-lhe, em várias
dimensões, seus altos e baixos relevos, e as curvas de nível, “radiografando-a”
no tempo e no espaço, como que calidoscopicamente, dando ao leitor destas 212
páginas, que prendem como um romance, um conhecimento completo do que de
essencial se pode dizer no terreno das relações internacionais, da geohistória e da
geopolítica a respeito da “ilha mundial”.

Agradeço-lhe muito sensibilizado a prova de apreço que me deu ao permitir que


fosse saboreando, no próprio original manuscrito, os capítulos, que fluíam a jato
e de um jato, deste livro que constituirá iniludivelmente um marco nas letras
científicas da nossa época.

Com particular emoção, li, reli, tornei a ler e continuo lendo esta obra única no
gênero, apreciando melhor e por diversos prismas o tema fascinante; e, em
consequência, também reformulando conceitos a respeito da África, que se não
pode conhecer sem amar enternecidamente; e que já visitei cinco vezes,
percorrendo-a de avião ou por terra, de Alexandria a Johanesburgo; de Lourenço
Marques, Beira, Limpopo, Nacala, Nampula a Luanda, Benguela, Lobito e Sá da
Bandeira; de Nairóbi, Salisbury, Dar-es-Salaam a Dakar e Bissau; da ilha de
Moçambique, no Índico, à do Sal, no Atlântico; do “National Park’’ do Quênia e
da Gorongosa a Tundavala e Moçâmedes; de Cabora-Bassa e do Limpopo a
Cambambe e ao Negage; de João Belo a Carmona; do Sahara ao Kalahari; do
Suez ao Marrocos, — a África — toda, pode dizer-se; ou melhor: todas as
Áfricas!

A honra imerecida de fazer este prefácio, a que porei logo um ponto final para
não mais retardar indelicadamente o encontro do leitor com a insigne Autora, foi
até agora o ponto culminante de uma vida exclusivamente dedicada à pesquisa
da Verdade.

Mais uma vez, à Professora Therezinha de Castro os meus agradecimentos e as


mais calorosas felicitações.

Eurípides Cardoso de Menezes


PRÓLOGO

Tradicionalmente a Geografia esteve sempre afeita a duas divisões gerais: uma


“física” e outra “política”. Com o transcorrer do tempo, à medida que foram
surgindo outras versões especializadas, a Geografia evoluiu não somente no seu
conteúdo como também em suas denominações.

Em fins do século XIX, baseando-se na necessidade de agrupar um certo número


de fatos e fenômenos da vida dos grupos humanos, criava Jean Brunhes a
expressão Geografia Humana. Esta continuou a se subdividir ante a coordenação
dos diferentes fenômenos físicos e humanos demonstrada nos trabalhos de
Alexandre Humboldt e Karl Ritter e no destaque à parte regional a cargo de
Vidal de la Blache. No constante evoluir, enquanto os alemães, tendo à frente
Ratzel, chegavam à Antropogeografia, os franceses, com Vallaux, criavam a
Geografia Social.

Como toda classificação é falha, é natural que reinem algumas imprecisões de


termos variando segundo autores, visto haver grande riqueza de interpretações.

Não há dúvida, porém, que, sendo a Geografia um patamar para onde convergem
vários ramos científicos, vai receber desses diversos setores elementos que a
transformam aos poucos; restando-lhe, no entanto, a solidez ante o fato de que
não há estudo social que possa dispensar uma base geográfica. E, nesse contexto,
é a Geografia Política que vai tratar das relações entre grupos humanos
organizados no espaço ou território que eles ocupam. Assim, do mesmo modo
como nenhum Estado pode existir sem um território, nenhum território pode
transformar-se num Estado de fato, sem povo.

Se em se tratando de tribos nômades já se pode falar em Geografia Política, no


momento em que grupos se tornam sedentários e, sob controle de um governo,
criam unidades políticas, aquela Ciência já vai tomando feições mais precisas e
complexas.
O fato de haverem os limites e fronteiras tomado lugar de destaque no âmbito da
Geografia Política leva, no evoluir constante, às rivalidades em territórios
contestados, a zonas de influência, envolvendo episódios históricos do passado e
presente. No contexto se apresenta a Geohistória para introdução e explicação da
Geografia Política. É, pois, na Geohistória, que se vai encontrar a gênese da
formação territorial e constituição das fronteiras atuais.

As fronteiras criam, pois, no mapa geográfico uma unidade política


historicamente complexa, levando tudo isso a Geografia Política a um alto grau
de objetividade e desprendimento. É que não existem dois ambientes idênticos, e
muito menos dois Estados inteiramente semelhantes no mundo. E como na
extensão da esfera de atividades dos Estados surgem sempre os esforços para a
proteção das fronteiras contra possíveis agressões, o fato leva o estudioso a outro
ramo da Geografia Política — a Geografia Militar.

A Geografia Política, que pode ser considerada como termo último, senão
definitivo, da História Política — é, na realidade, a sua forma presente; donde
sua importância, que reflete, no espaço, a evolução do Estado, no tempo.
Considerando-se o Estado como uma criação de segurança coletiva, que existe
para a defesa, para a luta, a Geografia Política toma nova modalidade na
Geoestratégia, reivindicada por certos setores militares como sendo de sua esfera
exclusiva.

Sabendo-se que a Política se baseia essencialmente na História e que esta não


dispensa a Geografia, que lhe serve de quadro, condicionando seus princípios,
impõe-se então a Geopolítica. Tem esta por objetivo principal o aproveitamento
racional de todos os ramos da Geografia no planejamento das atividades do
Estado, visando a resultados imediatos ou remotos. Consequentemente, a
Geopolítica pode ser considerada como um estudo dos precedentes históricos em
função dos ambientes geográficos; os resultados deste estudo levam a conclusões
práticas aplicáveis ou não à atualidade.

Therezinha de Castro

“Geopolítica do Poder Mundial” — in A Defesa Nacional — Ano 67 — N.° 689


maio/junho-1980 — págs. 115-116.

INTRODUÇÃO

À primeira vista, a não ser para o viajante explorador ou para o etnógrafo, a


África oferece menos interesse imediato ao estudioso do que a Europa ou mesmo
a Ásia. É, pois, essencial salientar as particularidades de estrutura física que
explicam este “menor interesse” que apresenta o continente. É da estrutura e
posição que resultam as feições características. O ensinamento consistirá
exatamente em explicar por que a África ainda é um continente situado à
margem do mundo civilizado e os fatores que atuam no sentido de integrá-la no
mundo moderno.

A primeira observação deverá ser a situação astronômica da África em relação


ao equador. Em seguida, examinando o seu relevo e seu característico vale de
fratura, será salientada a alta proporção de desertos.

Deste estudo preliminar resultará o fator isolamento — como um “leit motiv” em


tudo que diz respeito à África. Daí decorrem: a originalidade das culturas
indígenas, o atraso em relação ao padrão de civilização ocidental, o estado de
sujeição político-econômica, as dificuldades de acesso comercial e as relações
sociais.

Os objetivos sociais que devem ser visados no estudo da África também revelam
a evolução do continente. A África ainda está no início, pode-se dizer, de sua
história cultural; a África apresenta, mais do que qualquer outra parte do mundo,
uma grande variedade de regimes políticos; se não são mais misteriosas, como
eram, as suas feições topográficas, ainda o são os seus recursos. Por fim, a
África acaba de entrar na história do mundo atual.

Carlos Delgado de Carvalho (Geografia dos Continentes — 1943) pág. 207



Mapa 1

Mapa 2

Mapa 3
1. POSIÇÃO E POSICIONAMENTO

África provém de Afrigah ou Afrikigah, termo aplicado, na Antiguidade, à


região onde está Túnis e esteve Cartago. Vencida Cartago pelos romanos, não só
a antiga colônia fenícia foi varrida do mapa, como seu próprio nome. Aí os
romanos instalaram uma província que denominaram África; o topônimo se
estendeu por toda a parte costeira do noroeste e passou finalmente a designar o
continente inteiro.

Embora sendo a mais individualizada parte do Velho Mundo, mesmo construído


o canal de Suez, a África pode ser considerada como uma gigantesca península
da Eurásia.

Europa, Ásia e África se soldam nas ribeiras do Mediterrâneo, mar interiorizado


que lhes é comum. A maioria dos geógrafos não chega a um acordo quanto aos
limites da Europa e Ásia, embora de modo geral se admitam como fronteira
geohistórica tradicional os montes Urais. É o que acontece também entre a
África e Ásia mesmo após a abertura do canal de Suez, já que muitos indicam o
Nilo como rio limítrofe.

No âmbito das Relações Internacionais a abertura do canal de Suez (1869), saída


artificial para o sudeste, não só acentuou um maior isolamento para a África
como transformou o valor dos acessos naturais do próprio Mediterrâneo. Assim,
Gibraltar, a porta ocidental, cresceu extraordinariamente em importância visto
que o Mediterrâneo se converteu num mar de trânsito; enquanto Dardanelos e
Bósforo, na sua porta oriental, passaram para um segundo plano.

Embora caracterizado como continente-ilha por se encontrar inteiramente


cercado por águas, o isolamento da África não condiz com o da América, por
exemplo, visto que 2/7 de seu litoral se aproximam bastante da Europa e Ásia
por serem, na escala mundial, bastante modestos os mares Vermelho e
Mediterrâneo.
Concluímos, pois, que por seu posicionamento face à Eurásia, a África é
realmente parte integrante do Velho Mundo, visto que tanto o Mediterrâneo
quanto o Índico foram, sob o ponto de vista geohistórico, mais zonas de enlace
do que propriamente barreiras.

A grande bacia mediterrânea foi sempre ponto de convergência dos países do


Velho Mundo. O Mediterrâneo foi uma verdadeira cunha da civilização
ocidental e cenário geopolítico das expansões históricas mais notáveis no
transcurso das mais variadas épocas.

Dentro desta unidade geográfica, historicamente individualizada, chegaram a se


formar núcleos geopolíticos mais ou menos duradouros se nos reportarmos às
expansões coloniais greco-fenícias, à luta cartaginesa-romana e chegarmos até a
expansão islâmica.

Em se tratando do quadro mais extenso formado pelo Índico, surge o agente


natural dos ventos monçônicos como traço de união entre a África Oriental e as
regiões meridionais da Ásia.

Face à América, o Atlântico, pelo menos até a Idade Média, constituía a grande
barreira natural para a África, destruída com o intensificar-se das grandes
navegações oceânicas. O Atlântico-Sul só se transformou em via importante de
comunicação marítima no âmbito das Relações Internacionais com a descoberta
da rota do Cabo (1498). “O oceano foi sempre um só através da História, porém,
para os efetivos propósitos humanos, foram dois, o de leste e o de oeste, até ser
contornado o Cabo da Boa Esperança, há quatro séculos passados.” * Foi pois o
Indico que projetou geohistoricamente o Atlântico-Sul.

Ao se iniciar a Era Moderna, os europeus, notadamente os portugueses, mais


interessados nos lucros que as especiarias das índias lhes traziam, tinham na
América e África simples pontos de apoio para aguadas, ou feitorias para o
comércio de retorno.

As dificuldades de penetração impostas pela fisiografia africana, associadas à


menor cobiça que despertava junto aos demais europeus, contrastavam então
com a rivalidade hispânica na América auxiliada pela mais fácil penetração
natural do continente. Tais fatores de ordem geopolítica explicam o fato de ter
sido a América, a despeito de seu maior afastamento da Europa, colonizada antes
da África pelos europeus.
No âmbito do vasto Império Português, formado ainda no século XVI, a África
Atlântica foi a que ficou mais unida ao Brasil, graças à navegação triangular com
Lisboa, dotando nosso território de grandes contingentes humanos — os negros
escravos. Já a África do Índico passava a ser circunavegada com a finalidade
precípua de se chegar ao Oriente ou às índias, onde Goa se transformara no
centro vital do comércio português. De Goa, pois, derivam os topônimos de
estabelecimentos portugueses na África Oriental como Algoa e Delagoa;
enquanto do comércio triangular derivam os topônimos — a maioria
desaparecidos — de Costa dos Camarões, Costa do Ouro, Costa da Pimenta e
Costa do Marfim.

No âmbito das Relações Internacionais o declínio da rota do Cabo se foi


acentuando cada vez mais, culminando com a abertura do canal de Suez.

Com uma área de 30.272.514 km2, incluindo-se os 620.814 km2 das ilhas, a
África é, como a América do Sul, um continente compacto segundo a
classificação de Renner. Isto porque há equilíbrio entre as distâncias de seus
pontos extremos: norte-sul nos 8.000 km entre os cabos Branco e das Agulhas; e
leste-oeste nos 7.500 km que separam os cabos Verde e Guardafui. (Mapa 1)

Cortada, como a América do Sul, pelo equador terrestre e trópico de


Capricórnio, a África não é, como o nosso, um continente tão
caracterizadamente do hemisfério sul. Cortado também pelo trópico de Câncer o
continente africano tem mais da metade de sua área no hemisfério norte. É que a
África, ao contrário da América do Sul, se estreita mais ao longo do equador
terrestre, afunilando-se ao longo do trópico de Capricórnio, para se alargar
consideravelmente ao longo do trópico de Câncer, que a nossa América do Sul
não chega a alcançar.

Terminando mais ou menos na altura dos 35° de latitude sul, no alinhamento de


Montevidéu, a África é o continente do hemisfério sul que mais se afasta da
Antártica (6.000 km) contra os 4.000 km da América do Sul, que mais se
aproxima.

Por sua posição geográfica, a África constitui a zona mais quente da Terra, visto
que 4/5 de seu território se envolvem nos trópicos; daí não apresentar a
variedade climática da América do Sul.

Passando as terras africanas pelos 37° de latitude norte e alcançando os 35° de


latitude sul, coloca-se o continente nas zonas climáticas equatorial, tropical e
subtropical. Pela posição em que se encontra com relação a essas coordenadas
apresenta analogias climáticas ao norte e ao sul do equador, numa quase
simetria, só diversificada em função das condições locais, como altitude,
orientação e natureza do solo. (Mapas 2 e 3)

A região equatorial se apresenta, grosso modo, com temperatura bem uniforme


dia/noite no curso do ano (25 a 26° C, em média). As chuvas são abundantes
durante todo o ano, caracterizado por uma única estação; em função da posição e
pluviosidade é este o habitat da espessa floresta equatorial.

Ao norte e ao sul desta zona equatorial se estendem as áreas tropicais,


começando por se delinear uma estação seca e outra chuvosa ao lado de
oscilações térmicas tanto diurnas quanto anuais. Apresentam-se, então,
paisagens da savana de bosque, savana propriamente dita, estepe e por fim o
deserto.

Ao terminar o limite norte dos desertos do Sahara e da Líbia, entra-se na zona


subtropical. Aí, a latitude e altitude, bem como a disposição das terras, ao lado
da proximidade do mar a influir diretamente no regime das chuvas, ventos e
temperaturas, favorecem a vegetação espontânea espinhenta, como também
possibilitam o cultivo da videira, da oliveira, da figueira, da laranjeira etc.
Quanto ao “mar de areia” formado pelo Sahara, não é de todo improdutivo,
sobretudo nos oásis com milhares de palmeiras, vegetação exuberante, o que
prova não ser a água tão rara como parece.

No extremo meridional da África, ao sul do deserto do Kalahari, a mesma


situação se repete. Assim, na região do cabo da Boa Esperança, a temperatura
média do mês mais fresco é de 12° e a do mês mais quente é de 20°, como
ocorre em Argel, Ceuta e Tanger no Mediterrâneo.

Sabendo-se que cinco oitavas partes de possibilidades da produção agrária se


concentram nas latitudes de temperaturas constantes, enquanto apenas duas
oitavas partes estão nas zonas temperadas, podemos bem avaliar a importância
da zona tropical africana, que representa 43% de todos os territórios tropicais.
Com relação à capacidade de produção dos trópicos, que é em média três vezes
maior por unidade de terreno, pode-se avaliar ainda mais a importância da zona
tropical africana, abrangendo cerca de 20.000.000 km contra 17.400.000
km ** do continente americano e apenas 9.000.000 km2 da Ásia.
Imaginando-se a África com a forma grosseira de um triângulo, tal como a
América do Sul, veremos que os dois continentes apresentam sua largura maior
ou base voltada para o norte. No entanto, a paisagem variada do continente sul-
americano contrasta com a uniformidade e monotonia africana.

A tardia colonização da África, comparada à do continente americano, não se


prendeu ao seu posicionamento e posição, mas sim a sua configuração maciça.
Escreveu Mackinder que nove-dez avos da superfície do Globo estão cobertos
pelos mares; dos restantes três-doze avos, a chamada “ilha mundial”, envolvendo
a Europa, a Ásia e a África, ocupa dois avos. Desta “ilha mundial” se destaca a
África localizada entre o “crescente interior marginal” ao norte e o “crescente
exterior insular” ao sul. “A função geopolítica da África, continente ligado ao
Heartland ou Ilha Mundial sul-asiática tem evoluído no decorrer da História,
adaptando-se às necessidades do momento e às condições criadas pelo progresso
humano. De fato, são principalmente os meios de comunicação e de transporte
que determinam a geopolítica africana”.2

Ao se iniciar o século XIX, Napoleão desembarcou no Egito; os conhecimentos


sobre o continente não iam então muito além dos 600 km de costa, mesmo assim
nos lugares favoráveis. Antes da invenção do automóvel e do avião, a
impenetrabilidade da África manteve-a praticamente desconhecida. Podemos,
assim, dizer que foi o primeiro voo sobre a África, realizado em 1912 por
Chalmen Mitchell, que marcou o conhecimento mais generalizado deste
continente.

* H. Canabarro Reichardt — Geopolítica e a Consciência Geográfica da Nação,


pág. 21.

** Delgado de Carvalho — África: Geografia Social, Econômica e Política, pág.


91.

Mapa 4

Mapa 5
2. FISIOPOLÍTICA

Do ponto de vista fisiográfico, tanto o contorno quanto a superfície do


continente africano carecem de grandes acidentes.

O litoral da África se desenvolve ao longo de 27.638 km, dos quais a maior parte
corresponde ao Atlântico (10.840 km), seguido pelo Índico (8.584 km), restando
5.254 km para o Mediterrâneo e apenas 2.960 km para o mar Vermelho.

Essa costa retilínea, pouco articulada, carece de grandes avanços em direção ao


mar; daí se destacarem apenas o saliente do Atlas ou Berbéria, na África
Ocidental, e a Cornucópia Africana, na parte oriental. Em função deste fator
fisiográfico, é frequente encontrarmos no litoral africano trechos de até 1.500 km
sem bons portos ou abrigos regulares para embarcações.

Foi, pois, a configuração fisiográfica o fator que contribuiu em larga escala para
que a África se transformasse num sério problema enfrentado pelos navegadores
portugueses da era moderna. “O problema da navegação dos portos da metrópole
para as costas ocidentais da África, ao sul do equador, demorou longos anos a se
resolver. No Atlântico-Sul, a viagem de cabotagem ao longo das costas africanas
encontrava as maiores dificuldades. Depois de vencer as calmas e as correntes
do golfo da Guiné, tarefa extenuante em que se perdiam alguns meses, os
navegantes deparavam com outro obstáculo não menos temeroso, a corrente de
Benguela. Esta, ainda que menos violenta que a do Golfo ou das Guianas,
constituía, associada à calma ou a ventos contrários, uma barreira tal que
retardou a colonização de Angola pelos portugueses até o último quartel do
século XVI, e a defendeu em seguida do assalto dos estrangeiros.” *

Em se tratando das reentrâncias no continente, destaca-se, pois, o chamado golfo


da Guiné, imensa chanfradura da costa atlântica em ângulo reto entre o equador
e 10° de latitude norte; sob este aspecto, não merece a classificação de golfo.

Esta chanfradura não encontra correspondência na África Oriental, visto ser bem
mais suave a reentrância que o Índico faz entre o equador e 10° de latitude sul.

Graças, porém, à chanfradura da Guiné, o continente africano vem sendo


dividido em duas grandes regiões: uma quadrangular, ao norte, e a outra
triangular, ao sul; regiões que apresentam, respectivamente, duas grandes
barreiras à penetração — o Sahara, ao norte, e o Kalahari, ao sul.

O Sahara, cortado pelo trópico de Câncer, ocupa grande parte da área


quadrangular africana. Nos seus 5.000 km de comprimento (cerca de 2.000 km
menos que os Andes), correspondendo à sua maior largura, ocupa o Sahara uma
área de 7.500.000 km2, pouco menor que a do Brasil (8.513.844 km2).

Numa sucessão interminável de dunas de areia se intercalam maciços


montanhosos entrecortados por vales e depressões; enquanto o Kalahari, ao sul,
de paisagem ainda mais movimentada, faz parte de um planalto cujas altitudes
alcançam os 1.000 metros em média.

Bem menor que o Sahara, seus 120.000 km2 se aproximam da área do nosso
território do Amapá (137.303 km2), dando ao Kalahari aspecto bem mais
homogêneo com seu solo todo coberto por areia vermelha.

Em geral, o relevo africano se caracteriza pela abundância de planaltos,


deixando entre eles e a costa uma estreita planície marginal. Constitui, pois, uma
das características principais da África a situação marginal dos planaltos e
cordilheiras, contribuindo para a ausência quase que absoluta das planícies
costeiras.

A altitude média do continente é de 660 metros, correspondendo ao dobro da


Europa; não havendo na África cordilheiras que se possam comparar às da
América, Ásia e da própria Europa.

Numa panorâmica geral do continente africano, podemos procurar em vão um


sistema orográfico tal como os Andes, as Rochosas, o Himalaia ou os Alpes. As
montanhas africanas emergem nos planaltos a muitos metros acima do nível do
mar; por sua configuração hipsométrica, o continente pode, grosseiramente, ser
comparado a um prato emborcado. (Mapas 4 e 5)

Num ângulo mais particular, a África pode ser dividida em duas grandes regiões:
a África Baixa, ocupando o norte e o oeste, ou seja, a área que abrange o Sahara,
o Sudão, a Guiné, atingindo a bacia do Congo; e a África Alta, ocupando o leste
e sul, desde a Etiópia, a região dos lagos, até a África do Sul. Enquanto a África
Baixa se caracteriza por altitudes inferiores aos 500 metros, pontilhada por
esparsos sistemas montanhosos de escassas altitudes, a África Alta se apresenta
como zona planaltina que supera os 1.000 metros, na qual sobressaem maciços
montanhosos de consideráveis altitudes.

Dentro deste contexto de África Alta e África Baixa, o mapa hipsométrico do


continente nos mostra ainda, no seu conjunto, um mosaico de bacias isoladas de
variadas altitudes.

Na África Alta estão os grandes lagos africanos alinhados ao largo de fossas


tectônicas que se estendem do mar Vermelho até Moçambique. Quase todos são
pouco largos e compridos — o Tanganica, o Niassa e o Rodolfo; difere, porém,
por sua forma e origem o lago Vitória, numa altitude de 1.134 metros, o maior
do continente, com 68.800 km2, com área superior à do nosso Estado da Paraíba
(56.556 km2), ocupando o fundo da bacia do Uganda. Essa bacia se encontra
isolada do oceano Índico e da depressão do Congo pela Cordilheira Oriental
Africana, onde se alinham os três picos mais altos do continente, os únicos
dotados de neves eternas na região — o Kilimanjaro (5.890 metros), o Quênia
(5.195 metros) e o Ruwenzori (5.119 metros).

Integrando também a África Alta, o sistema orográfico continua de norte para


sul nas imediações do litoral do Índico, formando o Drdkensberg, cuja altitude
máxima já é de apenas 3.660 metros e que se vai enlaçar com as cordilheiras da
região do Cabo.

Na África Baixa, em regiões de depressão circundadas por planaltos, são


encontradas autênticas bacias fechadas que lembram esses lagos tectônicos,
embora seja bem outra a sua origem. Esses lagos de depressão, formados por
rios sem escoamento, têm como principal representante africano o lago Tchad,
alimentado pelo Chari.

Embora o Tchad tenha ainda água doce, deve-se isso a sua condição de lago
jovem e de grande extensão. Via de regra, porém, essas bacias fechadas, que no
sul recebem o nome de pailas e no norte são conhecidas como chotts, carecendo
de emissários, são pouco profundas enquanto suas águas salgadas secam
temporariamente.

Em contrapartida, as demais bacias hidrográficas, tanto as que fluem para o


litoral do Atlântico como as que vão para o Índico, têm de abrir passagem
através de profundas gargantas, despencando em quedas de um escalão para o
outro do planalto. Assim, sendo o mais rico dos continentes em reservas
hidroelétricas, a África é chamada com propriedade de “o continente das
cataratas”. Essas bacias hidrográficas, mesmo na África Baixa, estão entre o
litoral e as escarpas de planaltos que circundam o continente.

Para o Índico fluem o Zambeze e o Limpopo, vertendo para o Atlântico o


Orange, no sul, e o Senegal, no norte. Entre esses últimos, também tributários do
Atlântico — o Congo e o Niger figuram entre os mais largos e caudalosos do
mundo; classificando-se também na mesma escala o Nilo, que se dirige para o
Mediterrâneo, através do Sahara.

A bacia do Nilo, com apenas 2.870.000 km2, tem como eixo central o Nilo
(6.690 km), que, em extensão, ultrapassa o nosso Amazonas (6.520 km).
Subindo em julho para o seu maior nível, cerca de 7 metros acima do normal,
suas águas fertilizam o solo numa faixa de 800 km de comprimento em 26.000
km2, que se transforma num verdadeiro oásis, que encerra a maior área
demográfica do continente. Aspecto bem diferente tem o Nilo acima da primeira
catarata, de Assuan, que, com outras cinco que lhe seguem o curso, limitou o seu
conhecimento até o século XIX ao trecho mediterrâneo.

Zona de “água e sol”, segundo terminologia de Jean Brunhes, podemos dizer que
o vale inferior do Nilo foi, do ponto de vista geohistórico, a célula-mater das
civilizações contemporâneas, onde primeiro se exerceu o estímulo suscitado pela
adversidade do meio ambiente, possibilitando o advento do homem neolítico.

A bacia do Congo (3.700.000 km2), metade da Amazônica, também como esta


se situa na linha do equador; contrasta com a bacia sul-americana, que é
nitidamente de planície, por ocupar em sua maior parte um altiplano com
altitudes médias de 450 metros. Nessas condições, enquanto o Amazonas é
navegável para transatlânticos até 1.500 km de sua foz, o Congo só pode ser
penetrado até 150 km do Atlântico. Como a bacia Amazônica, a do Congo,
domínio do calor e umidade, se encontra envolvida por espessa floresta
equatorial.

O Congo, sob o aspecto geohistórico, refletiu, em parte, o inverso do que


ocorreu na América do Sul com a bacia do Prata. Na bacia americana, os
portugueses ficaram com os cursos superiores dos formadores do Prata; tentaram
manter o enclave (Colônia do Sacramento) na foz, acabando por ser dela
alijados. Na África, perdendo a maior parte dos formadores do Congo, os
portugueses conseguiram manter-se na foz através do enclave de Cabinda.

O Niger oferece o aspecto curioso de nascer próximo ao litoral atlântico e se


destinar a desaparecer na região semi-árida que contorna o Sahara. Forma, então,
pronunciado meandro, muda de direção, procurando área mais chuvosa, para
desembocar no Atlântico, num caudal de 30.000 m3.

Rota natural da Humanidade, alguns rios, sob o ponto de vista geohistórico,


tendem a ser ocupados por uma mesma cultura, transformando-se, sob o ponto
de vista geopolítico, no eixo de um único Estado. Tal foi o caso do Nilo inferior
para o Egito. Quando o rio, porém, se converte na única via de penetração em
região vital para um ou mais povos como o Niger, que reflete na África o caso
do Prata na América do Sul, origina dentro do contexto geohistórico formações
geopolíticas caracterizadas como estados-faixa-fluvial, ficando a corrente natural
dividida entre vários países soberanos.

Concluímos, assim, que a fisiografia africana, numa combinação geral orografia-


hidrografia, contribuiu no sentido de impedir qualquer movimentação de
penetração para o interior. Quando, neste caso, uma exceção se apresenta, como
por exemplo a do rio Gâmbia, na África Atlântica, logo a regra geral se
confirma; este curso de água oferece rota fácil de penetração mas atinge uma
região semi-árida e arenosa.

Nessas condições, podemos afirmar que os rios africanos, de um modo geral, ao


contrário do que ocorre nas demais partes do mundo, inclusive na América
Atlântica, não desempenharam o seu papel natural geohistórico de vias de
comunicação e de portas de acesso ao continente.

Contribuindo a fisiografia para a invulnerabilidade da África, transformou-a num


continente autofechado, que durante muito tempo só se comunicou com o
exterior através da estreita linha costeira.

Essa característica fisiográfica de continente fechado levou o europeu a


colonizar a América em primeiro lugar e fazer da África, até o século XIX,
simples ponto lucrativo do ouro, do marfim, da pimenta e, em especial, dos
negros escravos.

Pela posição do Sahara, como cinturão protetor, a África Mediterrânea não


chegou a ser invadida pelos negros do sul do continente. Coube, também, ao
Sahara, embora a África esteja em frente da costa européia, fazer com que o
continente permanecesse por muito tempo desconhecido e inexplorado. Fato
inverso ocorria no Egito, unido pelo Nilo à Núbia e ao Sudão, que, além de ter
sua população mesclada com os negros, também manteve, desde a Antiguidade,
ativas relações com o Oriente Médio, via mar Vermelho; daí estar ainda hoje
unido a esta região asiática tanto do ponto de vista geohistórico como do ponto
de vista geopolítico.

A fisiografia costeira contribuiu, por sua vez, para repelir o colonizador, dando à
África o cognome de “túmulo do homem branco”. Isto porque, além das
violentas tempestades, a navegação foi sempre muito dificultada pela presença
de traiçoeiros recifes, manguezais, bancos de areia e correntes. Contribuiu,
assim, a fisiografia para que, sob o ponto de vista geohistórico, não se
organizassem agrupamentos geopolíticos e sim apenas estabelecimentos
costeiros semelhantes a castelos medievais, cujos calabouços albergavam negros
escravos em vez de prisioneiros de guerra. Em vez de se instalarem organismos
políticos no litoral africano, surgiram depósitos de trânsito que, mesmo assim,
por sua maior precariedade, contrastavam com as primitivas feitorias brasileiras.

Contrastando com tantos fatores fisiográficos negativos, as ilhas litorâneas


africanas, mais fáceis, por seu posicionamento, de serem defendidas e ocupadas,
serviram de trampolins para o estabelecimento posterior na zona costeira.

Nessas condições, Bolama, uma ilha costeira, constituiu o núcleo geohistórico da


Guiné-Bissau. Por sua vez, Goré, no arquipélago de Cabo Verde, foi o ponto de
partida que os franceses encontraram para controlar o Senegal. As mesmas
funções geohistóricas tiveram Pemba e Zanzibar do lado do Índico, como
também Annobón, S. Tomé, Príncipe, Fernando Pó e as Canárias na costa
atlântica.

Sabe-se que a hegemonia árabe no Índico se deveu em grande parte ao


posicionamento que mantiveram em Zanzibar; daí dizer o provérbio árabe que
quando se toca flauta naquela ilha toda a África, até os grandes lagos, dança.

Essa política árabe, seguida no século XIX pelos espanhóis, franceses e ingleses,
já era do conhecimento dos portugueses desde o século XVI. Assim nos diz
Jaime Cortesão: ** “Do arquipélago de Cabo Verde nasceu a Guiné; S. Tomé foi
o núcleo colonizador onde se espalharam as feitorias do golfo da Guiné, nos
atuais territórios da Nigéria, Camarões, *** Gabão e que fixou igualmente a
importância de Angola e chamou a atenção para as suas possibilidades, e da
pequena ilha de Moçambique irradiou também a ocupação para o continente”.

Assim sendo, “um litoral reunirá condições geopolíticas favoráveis para ser
aproveitada quando se ache a distâncias regulares de outra costa
economicamente tentadora; o grau de aproveitamento pode aumentar na razão
direta das ilhas e arquipélagos que o amparam e na razão inversa da abundância
dos bens que possui”. ****

A estas verdadeiras “pilastras dos deuses”, segundo epíteto de Friedrich List, se


superpôs a ilha de Madagascar; em vez de trampolim para a conquista do
continente, viveu sempre no seio vivificante do Índico, exercendo, no seu
isolacionismo, o mesmo papel geohistórico das montanhas no refúgio de culturas
e tradições.

Finalmente, a fisiografia africana, contribuindo para um estabelecimento


geohistórico ocasional costeiro durante vários séculos, trouxe como
consequência geopolítica a mudança de donos por várias vezes. Assim, os
colonizadores iniciais — portugueses, espanhóis e depois holandeses —, já no
século XIX haviam sido, em muitas áreas, substituídos pelos ingleses e
franceses. Antes mesmo que o “hinterland” africano fosse conhecido, já quase
todos os melhores trechos da costa haviam caído nas mãos dos ingleses e
franceses. A esses vieram, posteriormente, se juntar também, depois de na
política das nacionalidades na Europa terem seus Estados unificados, a
Alemanha, a Itália e a própria Bélgica.

Do ponto de vista geopolítico, o destino da África, durante muitos séculos, foi o


de viver atrás da barreira de suas costas. Sua História será assim essencialmente
terrestre; mas sua Geografia será desvendada por civilizações marítimas a partir
das grandes navegações. Por isso, o mar, os homens e as coisas do mar serão
representados como forças hostis para a maior parte dos africanos.

* Jaime Cortesão — Os Portugueses em África, pág. 224.

** Obra citada, pág. 12.


*** Os portugueses deram à parte da costa africana o nome de Camarões. No
entanto, o país que se estabeleceu na África Ocidental tomou o nome
aportuguesado de Camerum em homenagem ao explorador inglês da região,
Lovett Cameroon.

**** J. Vicens Vives — Tratado General de Geopolítica, pag. 116.



Mapa 6
3. O DESPERTAR GEOPOLÍTICO

Explica-se o fato de terem sido os portugueses, seguidos pelos espanhóis, os


primeiros povos que se aperceberam da importância que o posicionamento do
continente africano lhes oferecia.

Desde épocas remotas o estreito de Gibraltar se havia transformado num enclave


geohistórico entre a península Ibérica e o norte da África. Neste contexto,
sabemos que foram de procedência africana tanto os lígures quanto os próprios
iberos, sendo que estes últimos dariam seu próprio nome à península européia.

O laço de união se manteve graças ao posicionamento do Império Cartaginês em


ambas as margens do Mediterrâneo; ainda em ambas as margens desse mar
haviam de se estabelecer províncias romanas que continuaram a manter estreitas
relações quando da expansão dos vândalos.

No alvorecer da era moderna ficaram largamente ameaçados os laços


geohistóricos estabelecidos entre as penínsulas Ibérica e Itálica com o norte
africano ou Maghreb. É que entrava em crise o próspero comércio que, através
da Idade Média, unia o Oriente ou Índias com as cidades-repúblicas da Itália. A
tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos (1453) e o domínio político
desse povo na Tunísia e Argélia (Maghreb Oriental e Central) impediam grande
parte do norte da África de continuar em contato com o setentrião do
Mediterrâneo.

O domínio geopolítico turco da África do Norte, porém, não foi completo.


Escapou-lhe o Marrocos (Maghreb Ocidental), que continuou a manter contato
com a península Ibérica, até que se reatassem geohistoricamente as duas áreas ao
caírem sob o domínio árabe no século VII. Nessas condições, o Maghreb, bloco
alto de terras formando uma espécie de quadrilátero, com superfície avaliada em
930.000 km2 (área correspondente à do nosso Nordeste — 969.736 km2) desde
o golfo de Agadir, no oeste, até os golfos de Sidra e Gabés, no leste, desde o
Mediterrâneo, no norte, até o Sahara, no sul, se transformaria, do ponto de vista
geopolítico, na verdadeira “ilha do Ocidente”.

Por sua vez, isolada pelo marco fisiográfico dos Pireneus, da Europa
propriamente dita, teria a península Ibérica, para sobreviver, de girar na órbita da
África do Norte.

Portugal, como faixa de território marítimo encurralado por poderosos Estados


da península Ibérica, necessitava do mar; daí haver feito tudo para se transformar
no cais de embarque e desembarque natural para as novas terras desconhecidas.
Foi, portanto, tendo por base a contraofensiva, que os portugueses tomaram
Ceuta para defesa avançada "do Algarve e daí passaram à expansão pela África
Atlântica.

O Maghreb Ocidental seria o trampolim para a conquista da África; consequente


“pivot” para a descoberta do caminho marítimo das índias. Criando-se a nova
rota do Cabo, já que a passagem por Constantinopla continuaria fechada, o
Maghreb Ocidental foi a plataforma que desviou o eixo geohistórico,
geoeconômico e geopolítico do Mediterrâneo para o Atlântico.

Além de ponto-chave para a defesa avançada do Algarve, Ceuta, conquistada


pelos portugueses em 1415, teve seu valor marcado como núcleo inicial de
irradiação para a conquista do Atlântico-Sul. “A conquista e ocupação desta
cidade, testa duma estrada comercial para a região do ouro, chave do Estreito,
comporta do comércio do Levante com o Ocidente, sentinela e guarda avançada
contra as incursões dos corsários muçulmanos às costas portuguesas, foi,
segundo cremos, uma espécie de prólogo ao vasto plano de expansão, medida
prévia de segurança e primeira etapa necessária no longo caminho a
empreender”. * O fato é que o Infante D. Henrique, nomeado em 1416
governador de Ceuta, dá início (1421) às tentativas anuais de descobrimento ao
longo da costa africana, após o reconhecimento de outro ponto de apoio — o
arquipélago da Madeira (1418).

Nessas condições, Ceuta, geopoliticamente, deve ser considerada como a porta


de três mundos — o mediterrâneo, o atlântico e o africano. Concluindo-se ainda
que: “à luz da geopolítica o lance tem qualquer coisa de genial. Castela
concentrava então todos os seus esforços sobre a conquista da Andaluzia, da
qual Granada seria o último reduto”. E de súbito vê o pequeno povo (português),
sua vizinha pelo Ocidente (Castela), “ultrapassar as costas peninsulares e criar
uma testa-de-ponte em Marrocos. Daí por diante, Castela espiará com ciúmes os
movimentos sempre suspeitos e secretos dos portugueses”. **

Sabemos, assim, que Castela, desenvolvendo sua ação geopolítica continental,


mostrava, de início, significativas tendências de chegar ao Atlântico por
infiltração em Portugal; o desastre de Aljubarrota (1385) desviou Castela,
provisoriamente, para o Mediterrâneo, que atingia através de Gibraltar (1462).

Com a conquista de Gibraltar, os dias de Granada estavam contados; porém, a


conquista de Granada e, no mesmo ano de 1492 a chegada dos espanhóis à
América, não desviariam a Espanha do roteiro africano. Continuaria neste páreo,
pois as conquistas de Trípoli e Nápoles, quase que face a face, no século XVI,
bem como a geopolítica da “rota das ilhas”, com a posse da Sicília e de Malta,
concederam à Espanha, já detentora das Baleares, o estabelecimento definitivo
do sistema de defesa do Mediterrâneo Ocidental e com ele do Maghreb,
verdadeiro anteparo para a expansão turca que se iniciara com a tomada de
Constantinopla.

Rivais nos mares, os portugueses e espanhóis teriam os holandeses na mesma


categoria. Os holandeses são os habitantes da Nederlândia ou Terras Baixas, que
começam na altura da Flandres. Faixa de terra aluvial, espécie de transição entre
o mar e o continente europeu, tal como um navio ancorado, a Holanda tem mais
de 24% do seu território abaixo do nível do mar. Esta terra foi conquistada
palmo a palmo; no século XVI iniciava-se o trabalho de drenagem dos lagos, a
canalização dos rios, enquanto as cidades que aí surgiram se transformavam em
centros do Báltico, centro de um rico tráfico que acabou por atingir as costas da
Inglaterra, França e, finalmente, Portugal e Espanha.

Antuérpia, porto holandês, começava aos poucos a polarizar as atenções de


comerciantes portugueses e espanhóis, que o transformaram em autêntico
entreposto de produtos americanos, africanos e orientais exportados por Lisboa e
Cadiz.

Em 1580, já a situação começava a se inverter; Portugal, procurando viver


exclusivamente dos lucros que o vasto império colonial lhe trazia, afastava-se
paulatinamente das empresas comerciais propriamente ditas, entregando-as aos
holandeses. Aos comerciantes de Antuérpia competia então enviar seus navios a
Lisboa, no ir e vir do comércio com as índias.

Nesse mesmo ano de 1580, quando se uniam as monarquias Ibéricas, a Espanha


abandonava suas diretrizes oceânicas para se ater à continental européia.
Herdeiro de vasto império, que envolvia os próprios Países Baixos, Felipe II
herdava a grande tarefa de defender não só a política espanhola no ocidente da
Europa como também da religião católica em todos os seus territórios. Caberia
aos Países Baixos, o vértice da política do Ocidente na época, se rebelar contra a
imposição do credo católico e, como represália, verem os holandeses suspenso o
seu comércio com a península Ibérica.

Para a manutenção da luta contra os ibéricos, os holandeses fundaram a


Companhia das Índias Ocidentais (1602) e passaram a ocupar pontos
estratégicos, criando, em consequência, o seu império colonial no século XVII.
Na África apenas um ponto-chave; para dominarem a rota das Índias, fundavam
em 1652 a cidade do Cabo.

A redescoberta da América no século XV, abrindo as rotas oceânicas, e a


transformação geopolítica do continente europeu no século XVI ocasionariam,
no âmbito das Relações Internacionais, a rivalidade no comércio e a expansão
colonial.

A França, além da América, abria também suas portas para o Mediterrâneo, e daí
para a África do Norte. Gozando de um suave equilíbrio fisiográfico, seus
soberanos puderam centralizar o poder no século XVI, o que já não aconteceria
com a Alemanha e Itália, que até 1370, portanto em pleno século XIX, se
mantiveram divididas dentro de suas fortes heranças feudais. Assim, só no
século XIX é que essas duas nações européias fixariam suas respectivas políticas
africanas.

Já as Ilhas Britânicas, localizadas na margem do ecúmeno europeu, viam seu


posicionamento mudar na era dos descobrimentos. A política continental de
Felipe II, envolvendo a Inglaterra, projetaria seu cenário histórico na América;
tendo sido a primeira nação a perder suas treze colônias em fins do século
XVIIÍ, voltava-se com maior interesse para a África.

Nessas condições, “a superação sistemática dos espaços oceânicos não partiu do


noroeste da Europa e sim do sudoeste, da região de transição mediterrâneo-
atlântica. Suas condições prévias foram a valorização da experiência náutica dos
povos mediterrâneos e a necessidade econômica de satisfazer a demanda de
produtos monçônicos... O oceano Atlântico se converteu num mare
internum”. ***
No transcurso de cinquenta anos, no século XIX, a África foi, na realidade,
descoberta, explorada em diferentes pontos, e preparada para a colonização. A
abertura do canal de Suez (1869) trouxe nova dimensão geopolítica ao
continente, abrindo as comportas desta feita para a rivalidade franco-britânica.
Daí se sucedem os conflitos entre a ocupação leste-oeste de Portugal, que não
conseguiu ver unidos os seus territórios de Angola e Moçambique, mas em
contrapartida, também presenciou o esboroar-se do sonho inglês de unir suas
terras desde o Cabo ao Cairo.

Ante o despertar geopolítico da África, era convocada a Conferência de Berlim


(15 de novembro de 1884-26 de fevereiro de 1885). Neste importante encontro
ficou determinado que não haveria reconhecimento da posse sem a ocupação
efetiva do território pelo país que reclamasse os direitos de soberania. Este
princípio motivou a corrida geral para a África, sua consequente partilha e
efetiva colonização.

As colônias portuguesas e espanholas subsistiram; as da Espanha bem mais


modestas que as de Portugal. A França e a Inglaterra se atribuíram as maiores
partes do continente. A Bélgica se estabeleceu no coração congolês, enquanto a
Alemanha e a Itália ocupavam posições esparsas. (Mapa 6)

São esses, pois, os elementos geohistóricos e fundamentos geopolíticos básicos


da partilha e colonização do continente africano. Núcleos geohistóricos europeus
mesclados numa estrutura geopolítica do continente africano iniciada no
Mediterrâneo e apoiada na rota do Cabo.

* Jaime Cortesão — A Expansão dos Portugueses no Período Henriquino, pág.


63.

** Jaime Cortesão — A Política de Sigilo nos Descobrimentos, pág. 19.

*** Hugo Hassinger — Fundamentos Geográficos de la Historia, pág. 296.


Mapa 7
4. NÚCLEOS GEOHISTÓRICOS
AFRICANOS

A África foi o último continente colonizado pelo mundo exterior europeu.


Quando, porém, os europeus lá chegaram, era o seguinte o quadro geohistórico;
a terça parte do norte do continente pertencia à civilização muçulmana, enquanto
em dois terços do sul grande número de africanos estava organizado em Estados-
Comunidades.

Não nos podemos esquecer, no entanto, que, durante cerca de 1.500 anos
transcorridos desde a fundação das colônias fenícias no norte da África (século
VIII a.C.), dentre as quais teve especial destaque Cartago, até a conquista árabe
(século VII d.C.), a maior parte dos africanos estabelecida no norte pertencia à
civilização mediterrânea. Civilização que, como a dos próprios egípcios, não se
limitou apenas ao vale do Nilo.

A ocupação da África do Norte pelos romanos é considerada por alguns


estudiosos como mero incidente histórico; mas, em contrapartida, além de
manter essa faixa africana na esfera da civilização mediterrânea, veio a facilitar a
propagação do cristianismo. Santo Agostinho, por exemplo, era um berbere líbio
educado em Cartago.

O poderio romano começará a decair nos séculos IV e V. Como consequência,


foi favorecida a invasão dos grupos berberes nômades, e o norte da África, que
estava sob administração política organizada, se esfacelou; situação que se
tornou ainda mais crítica com a chegada dos vândalos provenientes da Espanha
(século IV). É este o fim do primeiro período da época mediterrânea no norte da
África, que se estenderá até 639 d.C., quando entram no Egito os primeiros
convertidos ao islamismo.

O norte da África passava então a ser parte sólida do novo mundo de cultura
islâmica, que se estendeu até a península Ibérica. O cristianismo foi praticamente
eclipsado pelo islamismo, sobretudo entre os nômades do Maghreb. No Egito,
porém, tendo em vista as influências helenísticas-bizantinas, o cristianismo
copta * subsistiu como religião da minoria.

Quer por pressões políticas, quer por pressões econômicas, o islamismo foi se
infiltrando através do Sahara, atingindo em cheio as populações negras
subsaharianas, não apenas do Sudão, mas também as do ângulo saliente da
África Ocidental.

Na África, no momento em que o camelo era introduzido no Egito,


revolucionava-se a situação do Sahara Central e Ocidental. Povoavam-se alguns
oásis que floresceram como pontos de passagem nas rotas das caravanas, à
semelhança das feiras de gado do interior do Brasil.

As caravanas, que comerciavam o sal, penas e plumas de avestruz e outros


produtos do deserto, criaram os oásis, mas jamais conseguiram, mesmo quando
algumas tribos se tomaram sedentárias, unificar-se. Os vastos espaços
despovoados e os isolados grupos sociais fizeram, pois, do Sahara uma região de
dispersão. Fato explicado: eram tão escassos e uniformes os recursos que não
havia base geohistórica para o estabelecimento da reciprocidade.

Na zona equatorial africana, a mesma situação: nenhum grande Estado de longa


duração se implantaria. Os nativos da selva, isolados de seus vizinhos pela mata
cerrada, sobreviveram dentro de verdadeiro mosaico étnico com suas línguas ou
dialetos próprios e seus costumes peculiares.

Nos bordos da floresta, ainda pouco conhecidas são as ruínas das cidades sao,
evocando misteriosa civilização que se desenvolveu no sudeste do lago Tchad e
que, segundo seus vizinhos, os kotokos, ** era constituída por homens gigantes,
de força prodigiosa, que os atemorizavam.

Afirma-se que foram os sao os construtores das muralhas de Kano, uma das sete
cidades dos haussás, situadas entre o lago Tchad e o rio Niger. (Mapa 7.)
Segundo a lenda, essas cidades haussás do Reino de Kanem foram fundadas por
um descendente da Rainha Daura e seus seis filhos.

Os haussás praticavam a agricultura, o artesanato do cobre e do ferro,


trabalhando tecidos coloridos de lã. Antes da invasão dos songhói os haussás se
haviam convertido ao islamismo e viviam em guerras entre si, pois, à
semelhança dos nômades do deserto, jamais formaram um Estado, vivendo,
como os gregos antigos, em Cidades-Estado.

Os peuls conservaram sua originalidade na região das savanas; habitavam desde


o Futa-Foro no Senegal até o Futa-Djalon na Guiné, estendendo-se até Adamaua
no Camerum. Seus traços físicos, bem diferentes dos demais povos negros da
região, trouxeram-lhes origens bem fantasiosas, dando-lhes ascendência judaica,
hindu ou persa.

Passada a sua fase de nomadismo no Futa-Foro, os peuls se instalaram em


Massina, ao norte do Niger (século XV), até constituírem o primeiro de seus sete
Estados, no Futa-Djalon.

No século XIX, Usmane Dan Fóbio, homem de ciência mas exaltado chefe peul
convertido ao islamismo, pregou a guerra santa contra as cidades haussás; os
peuls foram então se apoderando de Zaria, Katsena e, finalmente, de Kano.
Quando Heinrich Barth visitou Kano, em meados do século XIX, já encontrou os
haussás em pleno declínio, dominados pelos peuls, que forneciam cerca de 5 mil
escravos por ano aos negreiros que abasteciam a América.

Tidos como povos das selvas, os akans e iorubas tiveram seus núcleos
geohistóricos nos limites setentrionais dessas áreas impenetráveis. Bono e Banda
foram os primeiros Estados organizados pelos akans na zona fértil do norte da
selva na Costa do Ouro (atual República de Ghana), provavelmente por volta do
século XIII. Ao se expandirem, os akans evitaram a selva, circundando o vale do
Volta, onde então atravessaram as pradarias.

Ifé foi o núcleo geohistórico ou pelo menos o ponto de dispersão dos iorubas,
como também da dinastia histórica do Benin (atual nome do Dahomé). No
entanto Oyo foi o Estado Ioruba que manteve desde o século XVII a primazia
política, tendo seu centro no norte da selva.

O cavalo era o símbolo do ritual de poder para os governantes do Benin, e a


capital deste Estado estava bem afastada da floresta, onde a cavalaria não podia
ser útil. Esse fato sugere, pois, que os chamados fundadores dos Estados da
Selva procediam originariamente da savana.

Esses povos mantinham um caráter notadamente urbano, muito embora a sua


economia se baseasse na agricultura. Assim, a população vivia numa espécie de
colônia compacta em torno das casas do rei e seus funcionários; durante o dia
saíam de suas casas para o trabalho no campo. Como autêntica representação
geohistórica das unidades básicas de parentesco, essas colônias variavam desde
os mais simples povoados às grandes cidades; algumas das grandes cidades, as
mais importantes, possuíam até mesmo bairros separados, onde viviam
estrangeiros, notadamente comerciantes.

O núcleo estatal ioruba era muito semelhante ao dos haussás. Rodeadas por
muralhas, muitas dessas cidades se mantiveram longe da curiosidade do
explorador europeu até o século XIX. As do Benin foram exceção, tanto assim
que um observador holandês compara uma delas com cidade de seu país. “A
cidade dá sensação de ser muito grande; quando se penetra nela, se caminha por
uma rua muito larga, não pavimentada, que parece ser sete ou oito vezes mais
larga que a Rua Warmoes de Amsterdan; que continua reta até o final e nunca se
encurva... Na porta, através da qual entrei a cavalo, vi um altíssimo baluarte, de
grossos muros de terra, com alicerces muito largos e profundos... Passada essa
porta, há um grande subúrbio; quando se está na rua antes mencionada, vemos
muitas ruas grandes ao lado desta, que também são retas. As casas nesta cidade
estão em boa ordem, próximas umas das outras e no mesmo nível, como as da
Holanda... Suas habitações são quadradas, com telhado que não se fecha ao
centro, por onde entra a chuva, o vento e a luz, e ali dentro descansam e comem,
mas têm outros compartimentos, como cozinhas e outras dependências. A corte
do rei é muito grande, estando dentro de muitas praças quadrangulares rodeadas
por galerias que estão sempre vigiadas. Penetrei tanto para o interior da corte
que, através de quatro grandes praças, sempre que olhava, via uma porta atrás da
outra, que conduzia a diferentes lugares. Cheguei tão longe como nenhum outro
holandês; cheguei até o estábulo, onde estavam os melhores cavalos. Parece que
o rei tem muitos soldados; também tem muitos cavaleiros que, quando vêm à
corte, montam os cavalos. São vistos muitos escravos na cidade, que levam água,
o ñame e o vinho de palma, que dizem ser para o rei; muitos levam erva para os
seus cavalos; tudo isso é para a corte.” ***

Entre os desertos ao norte e ao sul e a selva propriamente dita, as grandes


extensões das savanas formam a maior parte da África negra, que até o século
XVIII era desconhecida dos europeus; estes ainda se limitavam praticamente a
circunavegar o continente, para atingir o Oriente. Sendo mais pródiga a natureza
da savana, que durante a estação seca pode ser atravessada facilmente em todas
as direções, se desenvolveram na área Estados indígenas de considerável força
militar e política. No entanto, sendo difícil manter um Estado militar com
fronteiras estáveis — e poucas foram as fronteiras delimitadas dentro da zona
das savanas —, sabe-se que geopoliticamente as unidades aglutinadas tiveram
que se subdividir.

Foram justamente esses Estados militares que transformaram a escravidão numa


enfermidade endêmica na África negra. Vemos assim que as guerras e algaras
para obtenção de escravos já existiam antes da chegada dos europeus, pois já se
haviam criado na África as zonas de refúgio nos pântanos, vales fechados ou
mesmo desertos. Exemplificam-se assim os casos: dos boshimanos impelidos
para o Kalahari; dos hotentotes lançados para as zonas secas do sudoeste; dos
sudaneses que, para autodefesa, estabeleceram uma política de solidariedade
raramente vista na floresta.

Mas a civilização original sudanesa, que se estabeleceu entre a floresta


equatorial e o Sahara, não teria subsistido não fosse a mais preciosa de suas
riquezas — o ouro. O chamado centro de civilização sudanesa se estendia
através de toda a África Subsahariana, desde o mar Vermelho até a foz do
Senegal, desde as fontes do Nilo até a Rhodésia. A menção mais antiga a
respeito de um grupo pertencente a essa civilização é sobre o Reino de Ghana,
que os portugueses chamavam, pela sua riqueza, de Costa do Ouro; a região é
também qualificada em textos árabes como o país desse metal precioso. Assim,
embora o Sudão tenha sido o principal fornecedor de ouro ao mundo
mediterrâneo antes da redescoberta da América, acredita-se que o produto vinha
das fontes do Senegal.

Ghana era então o título dado ao soberano desse Reino, que tinha em Kumbi a
sua capital. Destruída em 1240, Kumbi, que se localiza onde hoje se encontra
Kumbi Saleh, a 350 km ao norte de Bamako, devia ter cerca de 30.000
habitantes. Toda construída de pedras, numa extremidade de Kumbi se
encontrava a residência real, e na outra, a uma dezena de quilômetros, o
quarteirão dos comerciantes muçulmanos.

Já o Reino do Mali, com capital em Mali, tinha dois grandes centros em


Tumbuctu e Djené, que se destacavam não somente por causa do comércio, mas
sobretudo pela elite letrada, protegida pelo rei, que importava livros do Maghreb.

Sabe-se que foi intenso o comércio transahariano entre o Mali e o Mediterrâneo.


E, convertida, a população desse Reino ao islamismo, o soberano Gongo Mussa,
que reinou de 1307 a 1332, fez uma peregrinação a Meca quando, pelo fausto
ostentado, impressionou vivamente os habitantes do Cairo.
O Reino do Mali desapareceu com as incursões dos tuaregues, vindos do norte, e
dos songhóis, provenientes do norte do atual Benin. No Reino do Songhói, os
soberanos também se converteram ao islamismo. Sua cidade de Gao foi outro
centro comercial e intelectual importante, sobretudo quando Mamadu Turê,
fundador da dinastia dos Askia, estabeleceu o seu exército regular. Pela
demonstração de sua força, no momento em que realizou uma peregrinação a
Meca, obteve o título de kedive do Sudão. No entanto, não conseguiu vencer os
mercenários espanhóis enviados pelo sultão do Marrocos, que se apoderou de
Gao no século XVI.

Os Reinos de Ghana, Mali e Songhói são os mais conhecidos, muito embora


existam menções a outros Estados da Selva, sobretudo o de Kanem.

Um escritor árabe do século X, Al-Muhallabi, fala de Zaghawa, que governava


Kanem, como sendo um dos mais importantes entre os reis da região. Suas terras
se localizavam a uma distância de dez dias do Reino de Nuba, ao norte do Alto
Egito. Descreve a cidade de Kano com casas de gesso, inclusive a fortaleza do
rei. Esse rei era respeitado e adorado, imaginando o povo que ele não se
alimentava. “A comida era introduzida secretamente em sua casa e se, por acaso,
um de seus súditos passasse pelos camelos que a levava, teria que ser morto
imediatamente. Tem absoluto poder sobre seus vassalos e recolhe o que deseja
em suas possessões. Seus rebanhos se compõem de cabras, camelos e cavalos.
Em suas terras se cultivam principalmente o milho, o feijão e o trigo. A maioria
do povo é baixa e se cobre com peles. Passam o tempo cultivando e cuidando de
seu rebanho, sendo sua religião o culto de seus reis, porque creem que eles lhes
dão a vida e a morte, a saúde e as doenças.” ****

Por sua vez, o geógrafo Al-Masudi, de Bagdad, viajando pela África Oriental,
conta que em 922 d.C. assistiu ao embarque de ouro que ia de Sofala para Oman
e dali seguia para a índia e China. Esse ouro era exportado por Moçambique,
mas provinha de um outro Estado de origem sudanesa localizado no sul da
Rhodésia. O rei todo-absoluto era “o filho do Grande Chefe, o deus da Terra e
do Céu”. Acredita-se que esse povo tenha sido o responsável pela construção do
grande Zimbabwe em data aproximada do século IX.

Essas monumentais ruínas se encontram a cerca de 30 km de Fort Victoria. Toda


construída em granito, a aldeia de Zimbabwe, cujo nome parece derivar de
“dzimba woye”, que significa casas veneradas, não parece ter sido apenas uma
fortaleza, mas sim um misto de centro religioso e comercial por se encontrar na
rota das minas de ouro do Matabeland e o Índico.

No século XVI, já os portugueses mencionam essas ruínas, cujo povo, parece,


uma vez esgotada a região de onde se extraía o ouro como também o cobre, o sal
e talvez até o algodão, migrou para a região do Zambeze, onde fundou o Reino
dos Monomatapas.

Os arqueólogos belgas encontraram nas margens do alto Lualaba vastos


cemitérios datando aproximadamente dos séculos VIII e IX d.C. Os estudos
mostram que um outro Estado sudanês aí estabelecido já explorava o cobre das
minas do Katanga (atual província zairense do Shaba), dada a grande quantidade
de joias confeccionadas com este metal encontradas ao lado de pequenos
lingotes em forma de “h”, ao que parece usados como moeda.

Num estudo conjunto desses Estados sudaneses podemos concluir que eles
manifestam um acervo de idéias políticas comuns; idéias que são pré-
muçulmanas e pré-cristãs, tendo em vista serem rigorosamente contrárias aos
princípios das duas religiões, que só posteriormente chegariam à África.

É bem viável ainda que o núcleo geohistórico dos Estados sudaneses tenha sido
o vale do Alto Nilo e que daí, em épocas ainda não determinadas, se expandiu
esse povo para dar origem às diversas unidades geopolíticas.

A característica básica da civilização sudanesa foi a incorporação desses povos a


Estados com instituições tão semelhantes que levaram os estudiosos a lhes
darem uma origem comum.

Todos os Estados sudaneses eram governados por um rei com caráter divino e
consequentemente dotado de poderes sobrenaturais. Como ser divino, o rei não
podia ter morte natural, e, assim sendo, quando lhe vinha a enfermidade ou
estava muito velho, apressava-se-lhe a morte por meio de asfixia ritual ou então
por um veneno. O cadáver real era então embalsamado, e nas cerimônias
fúnebres que se seguiam eram sacrificadas pessoas previamente escolhidas para
compor do outro lado da vida a corte do rei. Com a tribo ficavam as relíquias
desses reis, em geral constituídas por unhas ou cabelo.

Todos os grandes rituais desses povos sudaneses só podiam ser realizados na


fase da lua nova; mantinham todos o fogo sagrado cuidadosamente vigiado, por
ser ele o símbolo da vida e autoridade real. Em torno dessa autoridade real vivia
um grupo de funcionários que era maior ou menor, dependendo da prosperidade
local.

Conclui-se, ainda, que esses Estados tiveram, de um modo geral, um


crescimento parasitário com base econômica nos grupos agrícolas, muito embora
alguns se tenham dedicado também à mineração e ao comércio. Podemos pois
dizer que a África negra, antes do período industrial, possuía uma civilização
urbana artesanal e comerciante análoga, em seus fundamentos, às cidades
medievais européias.

Antes da chegada dos europeus, os diferentes grupos negros mantinham rotas de


comércio unindo cidades e povoados. Procuravam, porém, os mercadores
ambulantes evitar os terrenos difíceis, como terras pantanosas, de montanhas ou
de florestas. O comércio a longa distância se apresentava, em geral, na razão
direta do posicionamento de um grande Estado.

Via de regra, as comunidades negras eram autossuficientes, produzindo para as


suas necessidades básicas. Assim, o comércio de longa distância se constituía em
geral de objetos de luxo, que só as classes mais ricas podiam comprar. Ou então,
esses carregamentos vindos de longas distâncias consistiam em tributos de um
Estado vassalo ao outro, geralmente ouro ou nozes de cola, que se passaram para
o comércio internacional com a chegada dos europeus.

Foi a linha de Estados militares africanos que mais serviu, de início, aos
europeus, fornecendo-lhes os escravos que trouxeram para a América. Por sua
grandiosidade, o tráfico de escravos para a América não pode ser comparado ao
bem mais modesto tráfico mediterrâneo, que forneceu, durante a Idade Média,
braços cativos para a Europa e países muçulmanos.

As cifras de negros vindos para a América são imprecisas, muito embora


venham sendo avaliadas entre 15 e 20 milhões de pessoas. Segundo Jacques
Maquet, ***** tal perda demográfica não poderia deixar de produzir graves
consequências sobre aquelas sociedades cuja população não era, nem tão
numerosa, nem tão densa.

Tal sangria ocasionaria, em contrapartida, uma queda econômica equivalente à


demográfica, visto que “a situação alteraria profundamente as culturas desses
grupos africanos, que, sobretudo na costa, procuravam os escravos para os
negreiros europeus”. Abandonadas suas atividades econômicas, pacíficas, as
guerras vão se multiplicar na África, tomando, mesmo, características
sanguinárias. Lutava-se, então, por tudo, afirma Jacques Maquet, “não apenas
para se fazerem cativos mas também para defenderem sua liberdade e sobretudo
sua própria vida”. A organização social se desfez, pois “a distância entre os
governantes e seus súditos inferiores, que podiam ser eventualmente vendidos,
começou por diminuir”. Não se respeitava mais, já no auge do comércio
negreiro, quem era rei ou súdito; todos podiam ser apresados. Assim, o “respeito
à vida diminuiu, enquanto as execuções e os sacrifícios cruéis se multiplicaram”.

Foi também esta linha poderosa de Estados militares africanos que tentou
posteriormente bloquear a penetração dos exércitos europeus no continente.
Surgiram então os novos refúgios em plena selva, cujos chefes negros indicavam
a razão básica de seu êxito inicial no ditado — “a selva é mais forte que o
canhão do homem branco”.

Tal fato, porém, não se concretizou — a África seria conquistada pelo homem
branco europeu.

* A Igreja Copta se havia desligado da ortodoxa melquita mantida pelos


bizantinos (451), por condenar o ponto de vista monofisista sobre a natureza de
Cristo. Passara então a religião copta a ser parte integrante da vida popular
egípcia; o próprio termo “copto” era sinônimo de “egípcio”.

** Observe-se que, entre nós, o termo “cotoeo” significa pequeno.

*** Citado por Roland Olivier e J. D. Fage — Breve História da África, págs.
116 e 117.

**** Citado por Roland Olivier e J. D. Fage — Ob. cit., págs. 46 o 47.

***** Les Civilizations Noires (Histoire, Techniques, Arts e Sociétés), páginas


239 e seguintes.
5. A PRESENÇA DO EUROPEU

Conquistada inicialmente no litoral, os principais pontos-chave ficaram nas mãos


dos portugueses, espanhóis e posteriormente dos holandeses. Mas, antes mesmo
que o interior africano viesse a ser conquistado, os melhores trechos litorâneos já
haviam passado para o controle da França e da Inglaterra. No século XIX,
finalmente, no momento em que seria feita a partilha, embora com atraso de
vários séculos, a Alemanha, a Itália e a Bélgica conseguiam também suas fatias
territoriais.

Com a invasão árabe no norte da África, o continente, além de se incluir


parcialmente na civilização islâmica, também não perdeu contato com a Europa
cristã. Seria, porém, nos séculos XV e XVI que a África haveria de receber um
novo surto europeu mediterrâneo através da Espanha e Portugal.

Inicialmente, não eram os escravos as peças mais procuradas na África, pelo


menos até o século XVII. É fato que a África não produzia os artigos de que a
Europa pré-industrial necessitava — sedas, perfumes, açúcar e especiarias. Por
outro lado, os africanos, contrastando com os asiáticos, também não estavam em
condições de produzir tais produtos para exportação. Assim, enquanto a África
Oriental se mantinha, neste período inicial, como simples ponto de escala e
apoio nas viagens para as índias, a África Ocidental oferecia em pequena escala
a pimenta, o ouro e, sobretudo, o marfim. Por isso, a costa do golfo da Guiné foi
até o século XVII o principal foco econômico de interesse europeu. (Mapa 7.)

A partir do século XVII, a África Ocidental entrava no regular comércio


triangular com a Europa e a América, fornecendo escravos para a colonização
americana. Recebiam os sobas ou régulos, fornecedores de escravos para os
negreiros, além de quinquilharias, também as recém-inventadas armas de fogo,
que iriam interferir no equilíbrio do poder em muitas regiões africanas.

Esse comércio escravagista atingiria o auge no século XVIII, quando os


holandeses, os franceses e os ingleses entraram no mercado competitivo do
açúcar, estabelecendo suas colônias na América, as quais passaram, ao lado do
Brasil, a exigir sempre maior número de mão-de-obra escrava.

Os holandeses, substituindo os portugueses na Costa do Ouro, foram


praticamente os pioneiros deste tráfico intenso. Tal monopólio holandês, porém,
iria provocar a hostilidade inglesa e francesa.

A Inglaterra, no decurso do século XVIII, iniciou a fase de seu poderio


marítimo, mantendo contra a França, por mais de 125 anos, uma série de
guerras, que principiaram ameaçando a hegemonia francesa na Europa e
terminaram com a formação de um vasto império colonial britânico. Foi, sem
dúvida, em função da política européia do século XVIII, que, virtualmente, todo
o continente americano situado acima do rio Grande del Norte deve o fato de ser
inglês pela língua, costumes e leis.

Foi nesse mesmo século XVIII que, em função da rivalidade franco-britânica, se


fez presente no Mediterrâneo uma esquadra inglesa, de suma importância na
proteção do comércio marítimo e para sorte de toda a Europa Meridional.

Selava-se, também, ao se iniciar o século XIX, a mudança de atitude com


relação à África, quando, no Congresso de Viena (1815), conseguia a Inglaterra,
dos holandeses, o estratégico posicionamento na Colônia do Cabo. A partir daí,
no decorrer de mais ou menos meio século, as associações científicas e
exploradores das mais diversas nacionalidades começam a vasculhar o interior
do continente africano, preparando-o para a colonização.

Concluímos, pois, que, no momento em que as nações vencedoras de Napoleão


se reuniam em Viena, para nova partilha política da Europa, a América se
separava dos países ibéricos e a África passava a ser encarada mais
conscientemente. Até então, só o litoral africano estava sob controle europeu,
através de algumas feitorias, notadamente portuguesas e espanholas.

A descoberta do interior africano se caracterizou, em especial, pela busca das


nascentes dos grandes rios; buscas essas que se iniciaram pelas expedições
terrestres, com base de partida em algum ponto da costa que oferecesse mais
fácil acesso ao interior. Foi o caso da descoberta do alto Niger, realizada quando
se conseguiu atravessar o Sahara. Seguiram-se as mesmas aventuras em busca
das nascentes do Nilo e do Zambeze, sendo que a cena final do drama da
exploração do “hinterland” africano teve como palco o Congo, em fins do século
XIX. Desvendaram, pois, as grandes explorações africanas a unidade de cada
sistema fluvial, seguindo-se rio abaixo até a foz. Em fins do século XIX, o
sistema hidrográfico africano já era conhecido, advindo então a necessidade de
se explorar o continente.

Aguçara-se o desejo dos Estados marítimos europeus em estender suas


possessões coloniais; desejo baseado numa reação provocada pela necessidade
de obter matérias-primas para a Europa, que se industrializava. Mas essas
matérias-primas, que uma vez industrializadas iriam abastecer os novos
mercados da América independente, tinham que ser obtidas com segurança em
regiões de situações políticas instáveis ou pouco simpáticas ao branco europeu.
Nessas condições, foi necessária a partilha política da África para que se
resolvesse não só aquele problema econômico, mas também o político, visto que
já eram muitos os conflitos de ocupação entre os próprios europeus. Assim, “o
ano de 1870 pode servir de data-fronteira para distinguir a África ainda não
aberta do continente convertido em cenário das mais agudas rivalidades entre
nações européias”. *

Eis a razão da Conferência de Berlim (1884-85), cuja tônica foi o princípio de


que não haveria o reconhecimento da posse sem a efetiva ocupação do território.
Deixava de prevalecer o direito histórico, findava-se o antigo sistema do Pacto
Colonial. O despertar da África seria, pois, missão européia como havia sido o
da América; despertar que teria origem numa larga campanha contra a
escravatura e o desejo de se fazer alguma coisa para pagar aquele mal feito à
África. Por isso, foram os missionários os primeiros a seguir para a África. O
problema se tornaria, no entanto, de caráter geopolítico, já que, com o
movimento das nacionalidades, nações perderam territórios que se tornaram
nações na Europa. Foi o caso da independência da Bélgica, desligada da
Holanda; foi o caso também das unificações da Alemanha e da Itália, que em
blocos sólidos, definidos, mostraram que o espaço vital só poderia ser obtido, a
partir de então, fora do continente europeu.

À semelhança do que ocorrera na América, a conquista político-territorial da


África iria provocar uma série de conflitos. Entre a França e a Itália, no norte da
África, quando se tratou da integração dos oásis saharianos. Por ocasião da
abertura do canal de Suez (1869), tinha início a rivalidade franco-britânica pela
posse da nova chave entre a Europa, Índia e Extremo-Oriente; o incidente de
Fachoda (1898) quase provocou uma guerra entre a França e a Inglaterra, que
não se realizou, proporcionando, porém, a hegemonia britânica no vale do Nilo.
Nova área de fricção franco-britânica se formaria no lago Tchad; este fato
subtrairia da França a posse hegemônica sobre a África Ocidental, visto que
territórios estratégicos desta área, a começar pela Nigéria, Togo e Camerum,
cairiam o primeiro nas mãos dos ingleses, ficando os dois últimos com os
alemães.

A África Oriental foi completamente partilhada entre ingleses, franceses e


alemães. Os italianos, a despeito de conservarem a Eritréia e parte da costa
somali do Indico, em derrota fragorosa sofrida ante os nativos em Adua, não
conseguiram anexar a Abissínia (atual Etiópia).

Na zona em que a África vai sofrendo maior estreitamento, onde os alemães


ocupavam na parte ocidental o chamado Sudoeste (atual Namíbia), enfrentaram-
se os estabelecimentos portugueses, caracterizadamente litorâneos, de Angola e
Moçambique com o vértice sul, também marítimo, da Colônia do Cabo, que a
Inglaterra obtivera da Holanda, no Congresso de Viena (1815), em troca da
Bélgica.

Desenvolvendo ativa política imperialista, os ingleses fizeram guerra aos boers


(descendentes de holandeses da cidade do Cabo), conseguindo, após vários anos
de luta (1867-1902), colocar as Repúblicas do Transvaal e Orange como suas
vassalas.

Continuando a marcha para o norte, via interior, chegava Cecil Rhodes à


Rhodésia. Chocam-se aí os interesses luso-britânicos. Do lado do Atlântico,
Portugal dominava as embocaduras do Zaire (Congo), do Cuanza e do Cunene;
no setor do Índico se posicionava na foz do Limpopo, no delta do Zambeze e no
curso do Rovuma; e desejava por isso unir, pelo “hinterland”, seus territórios de
Angola e Moçambique. Por sua vez, a Inglaterra, já ocupando a Rhodésia,
pretendia pôr em prática a união ferroviária Cabo-Cairo visto já terem sido
também localizadas as nascentes do Nilo.

Nenhuma das conexões leste-oeste ou norte-sul se concretizou. Pois se a


Inglaterra ameaçava com ultimatum (janeiro de 1890) a Portugal, nesse núcleo
equatorial africano já se havia instalado desde 1885 o Estado Livre do Congo,
com o rei dos belgas como soberano. “O despertar colonial de Portugal no
momento do ‘rush’ africano é um dos episódios mais dramáticos de sua história.
Sai o país justamente de longas lutas internas para tomar, na exploração da
África Central, um lugar de primacial importância. O país tinha realmente o
direito de esperar que as outras potências o ajudassem nesse esforço de
reconstrução... mas topou com as ambições de Leopoldo II e os planos de Cecil
Rhodes.” **

Concluímos, pois, que o desenvolvimento do comércio ultramarino implicou na


formação das marinhas mercantes; para controle e manutenção dos entrepostos e
empórios comerciais houve um aumento das marinhas de guerra; e, finalmente,
com a chegada do colonizador europeu à América e África, o domínio do mar se
evidenciou como parte integrante do poderio marítimo. Os portugueses,
pioneiros dessa fase de comércio ultramarino, foram, tanto quanto os árabes, que
já encontraram em terras africanas, considerados como invasores. No entanto o
segredo do êxito dos portugueses vai se basear no fato de terem tido nos árabes
os seus primeiros rivais; rivais que eram mais comerciantes do que guerreiros,
enquanto os portugueses, herdeiros das tradições da marinha mediterrânea,
associavam o comércio à guerra.

Outro fator do sucesso português residia na unidade política que norteara o


Reino de Portugal, contrastando com o divisionismo árabe que, além disso,
nenhuma assistência recebia de seus diversos países esfacelados pelos turcos
muçulmanos.

O gradativo enriquecimento da burguesia portuguesa e seus consequente


desinteresse pelo comércio; ao lado da implantação do poder administrativo
espanhol na cidade de Madrid, e subsequente interesse pela política mais
européia que ultramarina, indicam-se como fatos determinantes da perda da
hegemonia marítima dos ibéricos. De tudo, porém, uma grande premissa nos
mostra que o “poderio marítimo” não se poderia ater unicamente ao emprego de
forças navais no setor estritamente militar, mas também no desenvolvimento da
navegação comercial.

Concluímos ainda que, tendo em vista a ocupação dispersa e vagamente definida


de territórios costeiros africanos, ao largo de cerca de 21.000 km2, tal como
ocorre hoje, guardadas as devidas proporções, com a Antártica, a partilha
política teve que se realizar, e para tal se reuniu o Congresso de Berlim.

A fase de exploração científica terminou, e logo trataram as nações de sua


exploração utilitária. A partilha se tornou urgente, sobretudo quando ficou
patenteado o valor aos recursos africanos no setor mineral (ouro, diamante,
cobre, carvão, manganês, cromo); recursos bem mais cobiçados que se vieram
juntar ao azeite de palma, ao café, ao algodão, à borracha e ao cacau, estes dois
últimos já produtos transplantados da América.

Assim, tanto no setor mineral quanto no agrícola, tornavam-se necessárias as


inversões que se faziam nessa época incorporadas à vida diária do mundo. No
âmbito, pois, das Relações Internacionais, a única solução para a África era a da
partilha política que a transformaria numa autêntica “colcha de retalhos”. (Mapa
6)

Mas esse mesmo mundo europeu procuraria reduzir ao máximo as fricções


provocadas no âmbito das Relações Internacionais quando da conquista da
África. Observou então o europeu que a segurança do branco dependia em
grande parte de sua união contra o negro. Nessa conjuntura psicossocial
podemos observar que só por duas vezes os reajustes territoriais provocaram
guerras; a primeira foi a dos boers (entre ingleses e descendentes de holandeses
na África), e a outra a Primeira Guerra Mundial, que apresentou entre as várias
causas a questão marroquina entre franceses e alemães.

O Congo (atual Zaire), onde foram localizadas grandes riquezas minerais,


embora tenha sido a última das bacias africanas a ser explorada, constituiu um
caso à parte no âmbito das Relações Internacionais. De início, tentaram as
nações interessadas internacionalizar a área, como algumas vêm na atualidade
planejando para a Antártica. Organizou-se, então, a Associação Internacional do
Congo, com capitais particulares de cidadãos que tinham já há muito tempo
interesses comerciais na África. Aos poucos, porém, os objetivos imediatos da
Associação foram sendo abandonados, tendo então o poder político de intervir
para pôr um fim na exploração não regulamentada; esta vinha sendo feita por
particulares, mas que, apesar de particulares, eram, antes de mais nada, oriundos
de nações européias interessadas.

Por isso, a Associação Internacional do Congo (1880), que durara menos de uma
década, era transformada na Convenção da Bacia do Congo, regida por uma
Conferência internacional dos governos interessados naquela empresa. Caberia
mais ao “canário belga” domesticar o “elefante congolês”, já que na prática a
dita Convenção era mais um paliativo, visto que Leopoldo II desejava, na
realidade, criar para si um Estado na bacia do Congo. O Estado Livre do Congo
iria surgir em 1885: quatro anos depois, Leopoldo II, rei dos belgas, legava o
território à Bélgica, que só o aceitou quando se viu, é claro, protegida por uma
grande potência (1908). Assim, o Congo Belga só se instalou sob a proteção da
França, a eterna rival da Inglaterra, que em consequência viu ruir seu sonho de
união do Cabo ao Cairo.

Sabemos que, dos 137 deputados do Parlamento de Bruxelas, 54 votaram contra


a aceitação do legado real, enquanto 83 se mostraram favoráveis. Esses 83,
curiosamente, votaram, mas só após declararem que “a Bélgica poderia um dia
vir a vender o Congo, mas, neste caso, daria direito de preferência à
França”. ***

Falhou, pois, a tentativa de internacionalização do Congo, como falhará, por


certo, a da Antártica, se pela força prevalecer a vontade dos internacionalistas
contra a dos territorialistas.

Com traçado de fronteiras bem mais intrincado que o da América, o mapa


político da África refletiu, no fim do século XIX e início do nosso, o resultado
de um jogo diplomático disputado por várias potências coloniais.

Não eram apenas duas as potências coloniais que a linha de Tordesilhas


contentou no século XV. Mas, à semelhança dos que acordaram a linha de
Tordesilhas, os diplomatas europeus da década de 1880 também não tinham
conhecimentos fundamentais da África. Daí haver surgido também uma África
Política, tal como a América, cortada por fronteiras esboçadas; ou seja,
consentida pelos diplomatas sem antes ter havido o conhecimento dos geógrafos.
Só no século XIX é que a África se vai transformar num verdadeiro laboratório
geográfico para os europeus.

Por outro lado, o meio natural e o elemento humano foram bem mais olvidados
na partilha da África do que na América. No continente africano cada colônia se
baseou na ocupação ou na reclamação reivindicatória de alguma zona costeira
por parte dos países colonizadores. Esses países, com exceção da Alemanha,
Itália e Bélgica, que só no século XIX passaram a se interessar mais ativamente
pela África, lutaram durante quatro séculos por territórios costeiros, que deram
impulso a seus domínios ultramarinos.

Quando da partilha, a Espanha, que desde o século XVI, com os reis Felipe e a
interiorização de Madrid, passou a ser nação mais interessada no continente
europeu do que na expansão ultramarina, muito pouco obteve na África. Seus
territórios, além de ilhas, se compuseram de pontos litorâneos na Guiné, Ceuta e
no Rio de Oro.
Levando-se em conta que cada núcleo colonial corresponde a uma zona litorânea
de estabelecimento econômico, o traçado político para o interior corresponde
mais ou menos a uma defrontação desta costa. Nessas condições, os interesses
econômicos se refletiram no traçado político, já que as terras do “hinterland”
passaram, salvo raras exceções, a formar ângulos retos com a costa na qual
principiaram; daí a forma compacta da maioria dos atuais países africanos.

Como corolário, por interesses defensivos, a partilha política da Antártica, por


defrontação, refletirá, em época e terrenos diferentes, o caso africano.

À semelhança do que ocorre na atualidade com a Antártica, onde apenas sete


países emitiram decretos de anexação de territórios, antes da partilha da África
apenas sete países haviam apresentado reclamações sobre territórios em zonas
costeiras, e foram justamente esses os herdeiros consagrados.

Concluímos, ainda, que, no processo de ocupação da África anterior à partilha,


os primeiros estabelecimentos são devidos aos portugueses no setor litorâneo
compreendido entre o estreito de Gibraltar e golfo da Guiné. No entanto, não
foram os portugueses os maiores herdeiros quando da partilha política, e nem
muito menos conservaram essa área privilegiada.

Na chanfradura do continente africano, a reminiscência de um ativo comércio


português costeiro se perpetuou em topônimos como: Costa da Pimenta, Costa
do Marfim, Costa do Ouro e Costa dos Escravos. Foram esses os contatos
pioneiros; em fins do século XV, com a descoberta da rota do Cabo e o caminho
marítimo para as Índias, toda a costa atlântica havia sido vasculhada.

Na ocasião, os portugueses encontraram no Indico as mesmas dificuldades do


Atlântico. Dificuldades de navegação, que foram, no entanto, contornadas por
experimentados pilotos árabes, como, por exemplo, Ibne-Majdik, que guiou
Vasco da Gama. Na ocasião, além de pontos de escala na costa de Moçambique,
os interesses reais de Portugal se objetivaram nas costas da Índia, onde Goa, Diú
e Damão constituíram os pontos-chave. Assim, já no século XVI, os portugueses
substituíram os árabes não só no domínio do Índico como no de todo o comércio
oriental. “Contrariamente ao reconhecimento das costas e ilhas africanas ou
brasileiras, onde os avanços foram geograficamente seguidos, pelo menos na sua
linha geral, a exploração do Índico fez-se em vários sentidos, e sem rigorosa
sequência cronológica, a partir dos pontos nevrálgicos da ação política e
econômica ou necessariamente militar.” ****

A primazia da navegação portuguesa foi favorecida pela situação geográfica de


Portugal. Anfiteatro descendo para o Atlântico, sem recursos vitais para sua
população, procuraram os portugueses no mar, desde cedo, a sua subsistência.
Encontraria Portugal na própria península Ibérica o seu rival inicial nos mares: a
Espanha, com possibilidades de expansão análogas às de Portugal, em função de
seus portos atlânticos na Galícia e o trecho também atlântico da Andaluzia.

A maior expansão portuguesa, muito embora disseminada, se realizou na África


e Ásia (o Oriente ou Índias) com o objetivo de se achar uma passagem do
Atlântico para o Índico e atingir a região das especiarias. Contrasta, pois, com a
maior expansão espanhola no Ocidente (América) com vistas a encontrar uma
passagem do Atlântico para o Pacífico e atingir a mesma região das especiarias.

Assim, no âmbito das Relações Internacionais, o mundo daquela chamada época


moderna se dividia em duas áreas de influência. Um Ocidente bem mais
espanhol, cabendo a Portugal apenas a nesga de terra atlântica brasileira
delimitada dentro dos 2.800.000 km2 do Tratado de Tordesilhas. Um Oriente
bem mais português, cabendo na área atlântico-africana, pelo Acordo
Diplomático (1479-1480), à Espanha apenas uma área contígua ao trampolim
formado pelo arquipélago das Canárias.

A partir do século XVI, o avolumar-se constante das transações comerciais


aumentou as produções européias através de artigos importados da África e Ásia.
O desejo expansionista extrapolou a península Ibérica, tal como extrapolara
Gênova e Veneza em fins da Idade Média. O “affaire” dos navegantes genoveses
e venezianos, que tantas informações e experiências transmitiram aos
portugueses, se repetiria através dos próprios portugueses.

Caberia assim aos portugueses orientar, além dos espanhóis, também aos
ingleses, franceses e holandeses. A expansão marítima desses povos europeus se
deve, sem dúvida, ao impulso inicial que lhes deram os navegadores
portugueses: serviram, por exemplo, à Espanha, João Dias de Solis, Fernão de
Magalhães e o próprio Colombo, que era um produto de Sagres; Solis serviu
também à França e à Inglaterra, que contaram ainda com João Fernandes
Lavrador (Inglaterra), Sebastião Moura e Diogo Couto (França).

Desde os primórdios da História o processo expansionista se realizava


preferentemente dentro do reduto continental. Só com as grandes navegações
surge a nova dimensão quando Portugal, seguido pela Europa Atlântica se
expande em direção à América, África e Ásia.

Os impérios coloniais, criados a partir do século XVI, impondo a anexação de


terras distantes, levaram a então chamada metrópole, em função da
descontinuidade territorial que ela teria para governar, a uma descentralização de
sua base política.

* Richard Pattee — Portugal na África Contemporânea, pág. 2.

** Pierre Renouvin, Edmond Préclin e Georges Hardy — l'Époque


Contemporain: La Paix Armée et la Grande Guerre, pdg. 325.

*** Marcel Niedergang — Tempête sur Congo, pág. 39.

**** Damião Peres — História dos Descobrimentos Portugueses, págs. 165-166.


6. COLONIALISMO E PAN-
AFRICANISMO

O chamado colonialismo moderno, produto dos impérios coloniais, constitui


uma fase de processo geohistórico de consequências geopolíticas no âmbito das
Relações Internacionais.

No caso específico da África, libertando povos de estrutura primitiva, como a da


maioria africana, os europeus envolveram-nos no campo da chamada civilização
científica. Os africanos se viram integrados no estilo de vida moderno e assim os
problemas de ordem econômica, social e política passaram a ser mais gerais. “Na
África, entre os povos de raça negra, não havia nenhuma civilização política
organizada. Desse modo, os colonialismos luso-espanhol e anglo-franco-
holandês se processaram nas Américas por transferências de nacionais como
colonos, apenas para ocupar as áreas descobertas, com o seu sistema de vida
européia, suas religiões, escravizando o nativo como raça inferior e mais tarde
transferindo outras raças escravizadas, de cor, da África para o novo
Continente.” *

Nessas condições, com o decorrer do tempo, o termo colonialismo passou a ter


sentido pejorativo, e é assim que aparece definido na edição de 1929 do
Dicionário Larousse: “Colonialismo — nome pelo qual os socialistas designam e
condenam a expansão colonial que consideram como forma de imperialismo
decorrente do mecanismo capitalista”.

Vemos, pois, que o colonialismo foi condenado não pelo sistema em si, do
relacionamento de brancos e não-brancos, mas, sobretudo, pelo predomínio da
Europa Ocidental com relação aos demais continentes.

Da dissidência entre colonialistas e não-colonialistas se aproveitam os


colonizados, muitas vezes transformados em meros instrumentos, para se
integrarem numa espécie de patriotismo vingador, classificado como
nacionalismo. O nacionalismo passa, então, a não ser mais um fenômeno
nacional e sim emocional. “Por outras palavras, o nacionalismo é como vinho
novo. Tomado com moderação, ele pode não somente alegrar o coração de um
homem, mas dar-lhe saúde e força para executar grandes tarefas. Tomado em
excesso, torna-o incapaz e faz dele presa fácil a desígnios de outrem.” **

Mas podemos ver que, ao tomar o vinho, embora o excesso não seja praticado, o
fato é que em muitos não acostumados pode a bebida subir muito rapidamente.
O vinho é, em geral, tomado pelos fracos, ou seja, o nacionalismo contagia
nações subdesenvolvidas. E se o nacionalismo, nessas nações economicamente
atrasadas, pode eliminar o colonialismo, fá-lo, em geral, para entregá-las a uma
forma de neocolonialismo, também conhecida como imperialismo.

O neocolonialismo generalizou-se, visto que, na prática, a tese neutralista,


pretendida pela Conferência de Bandung (abril de 1955), não funcionou. A
terceira proposição, para, fugindo às diretrizes de Washington ou Moscou,
escapar aos dois blocos antagônicos, não deu certo.

O neutralismo não funciona desde as guerras napoleônicas e falhou nos dois


conflitos bélicos, sintomaticamente chamados de mundiais. Quando a Rússia
procura defender a tese neutralista, fá-lo hipocritamente; isto porque a chamada
União Soviética não se institui numa base de união livremente consentida, quer
de povos politicamente nela integrados, quer de nações satelitizadas. O
imperialismo russo se fez sentir quando se esboçou o neutralismo húngaro,
tcheco ou posnânio (Alemanha Oriental). No entanto, quando lhe interessa, a
Rússia defende a tese neutralista para enfraquecer alianças militares no Ocidente
ou aniquilar estruturas já combalidas da África.

Quando a designação de colônia tinha sentido positivo, cabia ao colono cuidar


da terra recém-ocupada. Aos poucos passaria o termo colônia a ser associado à
exploração dos negros pelos brancos. As realizações e os valores transplantados
pelos brancos europeus passaram propositalmente a ser ignorados.

O anticolonialisvio parece ter surgido na índia por volta de 1950 quando, ainda
inseguros em sua vida independente, fizeram os hindus o jogo de Moscou.
Sobretudo, o governo de Nehru, que sempre dirigiu campanhas contra os
brancos na África, “sem levar em consideração a situação dos inúmeros
habitantes asiáticos da África Orientai, região esta colonizada por asiáticos já
muito antes da chegada de Vasco da Gama à Índia”. ***
Em contrapartida, o pan-africanismo, que na África se associaria ao
anticolonialismo, teria origem na simples manifestação de solidariedade entre os
negros das Antilhas Inglesas e dos Estados Unidos.

Considera-se, pois, Henry-Sylvester William, advogado negro de Trinidad, como


o precursor desse movimento negro, que depois se dirigiu para a África.
Havendo sido conselheiro dos chefes bantús na África meridional, Henry-
Sylvester William, de nome bem anglo-saxão, tomou a iniciativa de convocar,
em 1900, uma Conferência para Londres, destinada a protestar contra a
ocupação de “terras costumeiras” pelos europeus. Nesta reunião," o Dr. W. E. B.
du Bois, empregou, pela primeira vez, o termo pan-africanismo.

O movimento negro realizou, entre as duas guerras mundiais, mais quatro


congressos — Paris (1919), Nova York (1927), estes precedidos de dois em
Londres (1921 e 1923).

Tão logo terminou a Primeira Guerra Mundial, o Dr. du Bois, negro nascido
livre em Massachusetts, nos Estados Unidos, veio a Paris, onde se realizou o 1°
Congresso Pan-Africano (1919). Sua estratégia se baseava numa ação pela não-
violência; e defesa do direito do negro perante delegados negros vindos das
colônias africanas francesas e inglesas.

Argumentava du Bois com a lealdade dos 100.000 soldados negros que lutaram
ao lado dos aliados na Primeira Guerra Mundial; nenhuma deserção havia
ocorrido, a despeito dos alemães lhes terem feito promessa de liberdade e asilo
caso viessem lutar em suas fileiras. Nesse l.° Congresso de Paris foi também
destacada a ação dos numerosos negros que vieram da África Ocidental para
lutar lado a lado dos franceses contra os alemães.

No 2.° Congresso, realizado em Londres, no ano de 1921, surgem, dentro do


pan-africanismo, as primeiras divergências. Nele, os líderes do NAACP
(“National Association of Advancement of Coloured People”) se mantiveram
dentro do princípio de que a defesa dos direitos civis dos negros estadunidenses
era muito mais importante e urgente que a defesa de uma remota e hipotética
unidade africana. A segunda sessão desse Congresso já se reuniu em Bruxelas,
onde o governo belga ficou atento e apreensivo ante a infiltração comunista no
conclave.

Até então a teoria de Marx e Engels pouco se preocupara com a questão


colonial. Lenine era favorável à chamada “causa dos povos oprimidos” cuja
defesa, dizia ele, poderá contribuir para abalar o capitalismo pela destruição de
suas próprias bases — o imperialismo. No entanto, foram os marxistas
ocidentais que, no I Congresso da Internacional Comunista, lançaram a idéia de
que a libertação das colônias só era concebível se fosse concomitante com a da
classe operária das metrópoles.

Sabemos que, no período de entreguerras, os efetivos da Internacional


Comunista permaneciam fracos, sobretudo na África; nesse continente, dos
5.000 registrados eram brancos franceses da Argélia e Marrocos ao lado de
operários também brancos da África do Sul; cifra numérica que reflete bem a
pequena força política que tinham os partidos comunistas nas colônias africanas.

Era essa a situação quando o II Congresso da Internacional Comunista passa


para o primeiro plano, no processo revolucionário mundial, a luta emancipadora
dos povos coloniais, sem subordiná-la, como determinou o I Congresso, à vitória
do proletariado da metrópole.

De um modo ou de outro, o fato é que os quatro primeiros Congressos da


Internacional Comunista (1919-1923) assumiram papel dirigente na ação e
organização de movimentos anticolonialistas. Já a estratégia a seguir ficaria
implícita em dois projetos não só com pontos de vista mas também com
conclusões divergentes. O primeiro projeto é de Lenine e o segundo do
comunista indiano M. N. Roy.

Para Lenine a classe operária das colônias, em função de sua fraqueza, não
apenas numérica mas também ideológica e econômica, não poderia, pelo menos,
a médio prazo, exercer um papel de dirigente no movimento de libertação
nacional. Afirmava Lenine no II Congresso da Internacional Comunista: “Não
há a menor dúvida de que todo movimento nacional não pode ser senão
democrático-burguês, pois a grande massa da população dos países atrasados é
composta de camponeses. Seria uma utopia pensar que os partidos proletários,
admitindo que possam, em geral, fazer sua aparição nesses países, poderiam
levar adiante essa tática e uma política comunista sem estabelecer determinadas
relações com o movimento camponês, sem de fato o sustentar”. ****

Já Roy considera como ponto-chave que a própria vanguarda comunista tome


desde o início a direção no movimento anticolonialista. Embora reconheça que o
proletariado quase que inexiste nas colônias, considera que o elemento local
pode muito bem ser aproveitado visto que em “todos os países, onde se
manifesta o espírito revolucionário, este se exprime na classe média
culta”. *****

No III Congresso da Internacional Comunista, os projetos de Lenine e Roy


foram revistos com a finalidade de lhes atenuar as divergências. A intervenção
de Lenine nesse Congresso evidencia claramente que não apenas a opinião de
Roy mas também a de outros representantes de povos coloniais o levaram a
alterar consideravelmente alguns de seus pontos de vista.

Já então declarava Lenine: “Nós, os comunistas, devemos sustentar os


movimentos burgueses de libertação nas colônias somente quando esses
movimentos forem realmente revolucionários e quando seus representantes não
se opuserem a que eduquemos e organizemos, no espírito revolucionário, os
componentes e as grandes massas de explorados. Nos países onde essas
condições não estiverem reunidas, os comunistas deverão lutar contra a
burguesia reformista”. ******

Afirmava, em seguida, que se devia substituir o termo democrático-burguês por


nacional-revolucionário.

No IV Congresso da Internacional Comunista, o último do qual Lenine participa,


já ele concorda que “a questão agrária é de importância primordial na luta pela
emancipação do despotismo metropolitano... Uma revolução agrária, cujo
objetivo seria a expropriação da grande propriedade feudal, é a única capaz de
levantar as massas camponesas e de conseguir uma influência decisiva na luta
contra o imperialismo”.

Outro ponto acertado no IV Congresso da Internacional Comunista foi o de que


a aliança com os considerados movimentos nacionais-revolucionários se
efetuasse, sem, no entanto, jamais se fundirem com eles; devendo-se “combater
energicamente as tentativas feitas pelos movimentos de libertação de se
apresentarem sob etiqueta comunista se não forem na realidade comunistas ou
revolucionários”. ******* Notamos que, pela imposição, se encaixa mal o
qualificativo nacional-revolucionário proposto por Lenine.

Concluímos, pois, que, dentro das diretrizes acordadas nos Congressos da


Internacional Comunista, a classe operária africana, em sua maioria analfabeta,
embora tenha dado logo provas de sua combatividade, não pôde, no entanto,
assumir o papel de dirigente no movimento.

Em contrapartida, puderam os partidos comunistas estabelecer-se na África,


sendo seus dirigentes, via de regra, intelectuais, estudantes ou líderes preparados
em universidades européias ou dos Estados Unidos, como também os que
participaram da West-African Students Union, estabelecida em Londres em
1920, desejosos de substituir o elemento colonial no poder.

Ao lado de Houphouet-Boigny, Ben Bella, Kasavubu, Azikiwe, Sekú Turé,


podem ser citados vários outros. Exemplifica, porém, o desejo do poder o
“slogan” de Nkrumah — “Buscai inicialmente o reino político e tudo o mais lhe
será acrescentado”. Mais significativo, ainda, é esse trecho do discurso de
Kenneth Kaunda (Zambia shall be free): “Do mesmo modo que o inglês governa
a Inglaterra, o francês governa a França, o japonês governa o Japão, o hindu
governa a Índia, os africanos podem governar a África”.

Enquanto Nkrumah não enumerou o que seria acrescentado, Kaunda também


não especificou se os africanos são apenas os negros, visto que ele, apesar de
ligado por seus ancestrais à Niassalândia, foi ser presidente da Zâmbia.

Com o apoio das esquerdas ou não, o fato é que, procurando concretizar os seus
princípios, o III Congresso Pan-Africano, reunião em Londres (1923),
reconhecia, segundo o Dr. du Bois, que o movimento era mais uma idéia do que
um fato. Assim, objetivando maior dinamismo, a segunda sessão desse
Congresso se transladou para Lisboa, a fim de exigir do governo português a
suspensão dos trabalhos forçados em Angola, S. Tomé e Príncipe.

Já no IV Congresso Pan-Africano a doutrina começa a tomar força. Foram então


para Nova York (1927) 208 delegados, para proclamar o direito dos negros à
terra da África, a seus recursos; o direito à justiça adaptada às condições locais,
com juízes africanos; o ensino primário gratuito e o desenvolvimento do ensino
técnico. A fonte dessas diretrizes vem confirmada no finalizar da proclamação,
onde foi feita a moção pró-desarmamento.

A despeito da moção, os acontecimentos culminaram com a Segunda Guerra


Mundial, relegando a um plano secundário os assuntos africanos. Assim, o
“International African Service Bureau”, antecessor da “Panafrican Federation”,
que reclamava a independência africana dentro da unidade continental, ficaria
esquecido. Muito embora continuasse a difundir suas idéias através do
“Panafrica”, jornal que tinha Jomo Kennyata (depois conhecido como o “pai do
Quênia”) como um dos membros do Conselho Executivo.

As dificuldades advindas da guerra levaram os ingleses a publicar a “Carta do


Atlântico e a África Ocidental Britânica” (1943); a despeito da publicação,
Nnandi Azikiwe, que depois se tornou Primeiro-Ministro da Nigéria,
propugnava pelo fim imediato do sistema colonial britânico, que tachava como
antidemocrático.

Não querendo presidir ao desmembramento do Império Britânico, Winston


Churchill afirmava em Yalta (4 de fevereiro de 1945): “Em nenhum caso
tolerarei que os dedos de 40 ou 50 nações venham esgravatar as vísceras do
Império. Não cederei uma só migalha do patrimônio da Grã-Bretanha”.
Churchill não cederia, mas, para que tal fato se desse, seria substituído por
Attlee.

O maior vigor para o movimento anticolonialista seria a tônica do V Congresso


Pan-Africano, realizado em Manchester logo após o término da Segunda Guerra
Mundial (1945). Adota-se então uma “Declaração aos Povos Colonizados”
redigida pelo Dr. Kwame Nkrumah, nascido na Costa do Ouro, estudante e
depois professor de História na Universidade da Pennsylvania, e que termina
assim: “Nós proclamamos o direito, para todos os povos colonizados, de
assumirem seu próprio destino... A longa noite está morta... Povos colonizados e
povos oprimidos de todo o mundo, uni-vos!”

Esse Congresso teve como uma das finalidades entrosar líderes africanos de
língua inglesa e francesa. Daria também destaque a George Padmore, nascido
em Trinidad, estudante na Universidade de Howard, que ficou conhecido como o
teórico do pan-africanismo.

Suas idéias se encontram no livro que publicou em Londres (1955), sob o título
de “Panafricanism or Communism?”. Nesse livro, o pan-africanismo se define
como um movimento que se propõe a realizar o “governo dos africanos pelos
africanos e para os africanos, respeitando as minorias raciais e religiosas que
desejam viver na África com a maioria negra”.

Para Padmore o comunismo não era senão uma das formas de crença da
superioridade branca, e que, sendo uma dessas manifestações, o continente negro
não poderia, de modo algum, encontrar nesse regime forças para se organizar.
Dentro, pois, do conceito que Padmore faz do comunismo, seu livro nos dá uma
nova definição política do nacionalismo.

No contexto geral do colonialismo, além do pan-africanismo, atuou outra


corrente diferente no continente africano, embora com o mesmo objetivo — o
pan-islamismo.

Nesta área o emir Chekib Arslan incentivou, no período de entreguerras, a


unidade árabe e a fraternidade da raça. Vivendo em Genebra, conseguiu, através
de seus discursos e trabalhos escritos, influir na formação política dos futuros
chefes nacionalistas árabes do Maghreb. Situação renascida em 1931, quando o
grande mufti de Jerusalém, El Hadj Amin, reuniu um Congresso Mundial do
Islam, com o objetivo de estudar os meios de favorecer a difusão da cultura
muçulmana e a defesa do Islam contra o colonialismo.

Principalmente por esta razão precípua os muçulmanos do Oriente Médio e norte


da África adotaram a causa dos Aliados na Segunda Guerra Mundial, esperando
com isto a sua liberalização política. Para tal, ainda em 1945, antes mesmo da
criação da ONU e da própria OUA, representantes credenciados de sete países
(Arábia Saudita, Iêmen, Iraque, Jordânia, Líbano, Síria e Egito) se reuniram no
Cairo para assinar o documento que criava o Pacto da Liga dos Estados Árabes.
Só posteriormente é que aderiram os outros quatro países africanos: a Líbia
(1953), o Sudão (1956), o Marrocos e a Tunísia (1958). Assim, a Liga atuou
moral e materialmente na independência da Argélia.

Embora a Liga Árabe tenha nascido no Cairo, o movimento nacionalista egípcio,


iniciado em 1905 em oposição ao regime inglês, não se solidarizava com o pan-
arabismo. Mundo árabe, cujo despertar nacional surgira pouco antes (1868) entre
os libaneses convertidos ao catolicismo, liderados por Ibraim-el-Yazidji, contra a
dominação turco-muçulmana.

Há também que destacar a ação das Igrejas Cristãs no processo de


descolonização da África.

Procurando incentivar o nacionalismo africano, sucessivos Papas se esforçaram


pela criação de um clero autóctone e bispos locais. Contribuíram, assim, para
que o laço hierárquico com as autoridades eclesiásticas metropolitanas fosse
rompido, estabelecendo-se uma ligação direta entre as Igrejas Africanas e o
Vaticano. Esse proceder, iniciado durante o Pontificado de Benedito XV (1919),
não foi mais abandonado pelos Papas seguintes.

Por sua vez, órgãos dirigentes das Igrejas Protestantes se pronunciaram, tal como
a Santa Sé, contra o colonialismo. Para tal passou a funcionar desde 1946 a
“Comissão das Igrejas para os Assuntos Internacionais” reunindo os credos
protestantes em defesa do bem-estar dos povos dependentes e pelo
encaminhamento de sua independência.

Os motivos políticos não estavam assim ausentes no seio das duas correntes
cristãs; tratava-se de preservar os valores permanentes que haviam transladado
para a África. Nessas condições, desde a Assembléia de Upsala (1968), o
Conselho Ecumênico das Igrejas passou a apoiar oficialmente os movimentos
separatistas de independência no continente africano. Notando-se que o papa
Paulo VI quase provocou uma ruptura com um país católico — Portugal — ao
receber (3 de junho de 1970), em audiência especial, os líderes nacionalistas
Agostinho Neto, Amílcar Cabral e Marcelino Santos.

Analisando friamente o nacionalismo acusador, a realidade nos mostra que, seja


qual for o país, sob o ponto de vista econômico, social ou religioso, sempre se
apresentou melhor no momento da saída do colonizador do que antes da
ocupação européia. O argumento de que o colonizador espoliou os recursos
africanos também não é convincente; esses recursos foram explorados,
explorados e só com os colonizadores adquiriram, em função das necessidades
da metrópole, o seu valor econômico.

Nessas condições, também carece de consistência o que diz Julius Nyerere,


presidente da Tanzânia: “Num mundo onde eu sou rico porque você é pobre, e
eu sou pobre porque você é rico, a transferência de riqueza dos ricos para os
pobres é uma questão de direito”. Ora, a Tanzânia não é pobre só porque os
países ocidentais são ricos. A Tanzânia foi sempre pobre e estaria em situação
bem pior se não tivesse passado pelo estágio da colonização, e se, independente
dentro do unipartidarismo, não tivesse optado pelo socialismo inglês. Uma
simples comparação com o Quênia, seu vizinho, próspero capitalista, poderá
refletir a desvantagem que o governo tanzaniano vem trazendo para o país,
mantendo-se hostil à empresa privada.

“O problema inicial de Nyerere consistiu em converter ao socialismo a


população rural. O fato de nacionalizar bancos, companhias de seguros e certas
indústrias estava longe de ser suficiente. O objetivo era, pois, o de mobilizar os
elementos rurais para constituir então o tipo de aldeia ujamar, na qual a terra é
propriedade comum, a população é comunidade no trabalho, no auxílio mútuo,
na partilha dos frutos dessa cultura em cooperação. Para isto foi necessário
convencer os grupos, que viviam isolados, das vantagens de uma vida coletiva,
em grupos voluntariamente escolhidos e formados em ujamás ou
famílias.” ********

O movimento só foi voluntário durante os dez primeiros anos (1963-73).


Voluntário ou forçado, esse coletivismo nada mais fez do que contribuir para
declinar a produção “per capita” do país. Segundo a FAO, esse declínio foi em
cerca de 10% na década 1965-75. Mesmo com a redistribuição de terras para 7
milhões de camponeses em fazendas coletivas, a política agrária não surtiu o
efeito desejado. O coletivismo obrigatório foi repudiado por algumas tribos,
sobretudo na área de Bakoba, no sopé do Kilimandjaro. Mas, quando esses
elementos tentaram voltar para as suas aldeias, encontraram-nas incendiadas
pelo próprio governo.

Conclui-se, pois, que a riqueza nacional é fruto da capacidade do povo aliada a


uma política eficaz de seu governo.

O imperialismo colonial se manifestou, no âmbito das Relações Internacionais,


no período que se estende de 1870 a 1914, tendo em vista vários princípios
englobados como forma de nacionalismo europeu.

— Dentro do princípio econômico o colonialismo europeu visava a assegurar


para o país mercados para a produção industrial e fornecedores de matérias-
primas. Este princípio foi bem caracterizado pelo francês Jules Ferry ao afirmar
que: “a política colonial é filha da política industrial”.

— Levando-se em conta os princípios correlatos da estratégia e do poder, o


nacionalismo colonial europeu visava a dominar as principais rotas marítimas.
Entrava-se na segunda fase da era oceânica com a Europa Ocidental procurando
assegurar vantagens na nova partilha do mundo. Para tal vigorava o princípio de
se assegurarem pontos de apoio para a frota de guerra e de escala para a marinha
mercante.

— O princípio nacionalista do prestígio levou os países europeus à expansão


colonial em função da chamada “lei natural”, segundo a qual quem não cresce
deve resignar-se à decadência; ligando-se, pois, a este princípio, o da
demografia. Nota-se, então, a preocupação de Rosebery, que em seu discurso no
Royal Colonial Institute (1º de março de 1893) procurava demonstrar que, não
sendo o Império Britânico suficientemente vasto, deviam os ingleses entrar na
partilha do mundo. Era este o mesmo princípio de Mussolini quando procurou
dirigir a imigração italiana para territórios coloniais.

— Finalmente, o argumento moral dentro do princípio religioso cristão de


ampliar a área de civilização ocidental, colaborando assim com o nacional-
colonialismo.

Por extensão foi, pois, o movimento colonialista europeu que, indiretamente,


contribuiu para que a África tivesse acesso a outro tipo específico de
nacionalismo. Ocupando uma África tribalista tão diversificada religiosa e
linguisticamente, os colonizadores europeus, traçando suas fronteiras artificiais,
destruíram, em muitos lugares, o poder dos chefes de tribo.

Em seguida, os melhores horizontes quer econômicos quer culturais, oferecidos


por estes mesmos colonizadores europeus, atraíram muitos africanos, que,
egressos de suas tribos, se transformaram nos “desarraigados”; estes integrando
sindicatos operários, movimentos estudantis ou estudando em universidades no
exterior, se transformaram nos líderes que buscaram, via de regra, uma
independência em territórios onde a nação ainda não se havia implantado.
Assim, na África em geral “os fundamentos da comunidade nacional foram
estabelecidos depois da entrada em ação dos seus realizadores, que invocaram a
idéia nacional”. *********

* A. Mendes Viana — “O Mundo Afro-Asiático — Sua Significação para o


Brasil”, in Revista Brasileira de Política Internacional, Ano II, N.° 8, dezembro
de 1959, pág. 6.

** Sir Ashley Clarke — “Commonwealth ou Colonialismo”, in Revista


Brasileira de Política Internacional, Ano I, N.° 4, dezembro de 1958, pág. 31.

*** Ralph von Gersdorff — “A África: Colonialismo e Assistência Econômica”,


in Revista Brasileira de Política Internacional, Ano IV, N.° 13, março de 1961,
pág. 93.
**** Trecho do Projeto de Lenine, que se encontra em suas Oeuvres, tomo 31,
págs. 145-152.

***** Trecho do Projeto de M. N. Roy, encontrado no livro Le Marxisme et


l’Asie (1853-1964), págs. 212-215.

****** Oeuvres, tomo 42, pág. 201.

******* Oeuvres, tomo 42, pág. 205.

******** Delgado de Carvalho — “Tanzânia: República Unida”, in Atlas de


Relações Internacionais, N.° 35, pág. 3.

********* Duroselle e Renouvin — Introdução à História das Relações


Internacionais, pág. 219.

Mapa 8

Mapa 9
7. INDEPENDÊNCIA E
NACIONALISMO

Após o V Congresso Pan-Africanista, num impulso confessado de união,


Nkrumah cria um Comitê Regional de Delegados, o “West African National
Secretariat” (1946). Estabelece a ligação da Federação Pan-Africana com a
NCNC (“National Council of Nigéria and Cameroons”), que era a primeira
formação política organizada, dirigida por Azikiwe; cria em seguida a UGCC
(“United Gold Coast Convention”).

As primeiras conferências pan-africanas propriamente ditas se realizam na


África Ocidental. O pan-africanismo se regionaliza; característica que já define o
chamado VI Congresso Pan-Africano, reunido de 4 a 6 de dezembro de 1953 em
Kumasi, cidade da então colônia inglesa Costa do Ouro. Sob forma de simples
conferência os convites foram dirigidos a líderes locais e não a partidos.

A partir de 1958 uma série de reuniões iria pôr em contato vários líderes
políticos africanos — Acra (abril), Kotonú (julho), bem como as Conferências
Sindicais de Brazzaville e de Conacri (janeiro de 1959).

A criação de um Congresso Nacional Oeste Africano, que se propunha a ser o


primeiro passo para promover a unidade da África Ocidental através dessas
conferências periódicas, iria falhar. Falharia o ideal de Nkrumah, “o Bolívar
Africano”, do mesmo modo como falhara a unidade da América Espanhola.
Nkrumah jamais conseguiu ser o único líder dos Estados Negros; muitos eram os
líderes, e a república, como forma de governo mais condizente com a realidade e
a época política, atraía a ambição de todos.

Em janeiro de 1959, a publicação mensal intitulada “Drum”, editada em


Johanesburgo pelos negros e para os negros, estampava um mapa da África
Ocidental ao lado de outro dos Estados Unidos: uma legenda afirmava — se lá
os treze Estados decidiram se unir, por que não podemos nós fazer o mesmo
aqui? Predominava, então, no espírito de alguns líderes africanos a idéia de que,
à semelhança dos Estados Unidos da América, que, limitados pelo Atlântico e
pelo Mississipi, empreenderam depois a marcha para o oeste, os Estados Unidos
da África, então circunscritos ao golfo da Guiné, na franja meridional da zona
sudanesa, bem poderiam empreender uma lenta marcha para o norte.

Uniões efêmeras chegaram a se formar. Já independente, sob o nome de Ghana,


a antiga Costa do Ouro (de língua inglesa) se uniu à Guiné (de língua francesa)
em 1958. Pensavam Nkrumah e Sekú Turé que aí estava o núcleo geohistórico
dos Estados Unidos da África: formara-se, na realidade, um “segundo Canadá”
na África, que pouco depois iria desfazer-se.

Falharam também: o RDA (“Rassemblement Democratique Africain”), entre


Sekú Turé, da Guiné, e Modibo Keita, do Mali (1956); a Federação do Mali, que
seria formada pela união do Senegal, Dahomé (atual Benin), Sudão e Alto Volta
(1959); a União dos Estados Africanos, unindo a Guiné, o Mali, a Libéria e a
Mauritânia (1959); bem como a União Sahel-Benin, reunindo o Togo, Costa do
Marfim, Dahomé, Alto Volta e Niger (1960). União que não chegou a se realizar
com o projeto de Bartolomeu Boganda, morto acidentalmente em 1959, para que
se constituíssem os Estados Unidos da África Latina. União que não chegou a se
realizar com o projeto de Houphouet-Boigny para que se constituíssem os
Estados Unidos da África Central.

Nem a Senegâmbia, com a união da Gâmbia ao Senegal, se realizou, como


também não se tornou realidade a Grande Somália, já na Cornucópia Africana.

Vários foram os obstáculos à realização desses projetos de união africana. Um


deles foi a rápida proliferação dos jovens líderes nacionalistas; outro se
manifestou através dos particularismos tribais, dentro de uma real
heterogeneidaãe étnica; em função, também, da existência dos numerosos
“chefes costumeiros” e religiosos se opondo aos ocidentalizados líderes
políticos, constituindo um forte elemento de “balcanização” da África. Outros
fatores ainda se podem assinalar: na diferença econômica de Estados pobres e
ricos; na existência das minorias brancas; ao lado do forte obstáculo lingüístico
autóctone — são mais de 600 os dialetos negro-africanos.

União só simbolicamente através da “negritude”, palavra lançada ao domínio


público entre os anos de 1933-35 por Leopoldo Sedar Senghor e Aimé Césaire,
quando bem acesa se encontrava a chama do “arianismo” na Europa.
De início a “negritude” se propunha ao seguinte princípio: assim como a
independência é uma recusa à assimilação política, a negritude é uma recusa de
assimilação cultural.

Embora a assimilação cultural tivesse endereço certo — dirigindo-se


exclusivamente ao branco colonizador, na prática essa recusa de assimilação
cultural funciona bem mais eficientemente na própria África de existência tribal.

Concluímos, assim, que a semente do nacionalismo não foi suficientemente forte


para unir a negritude. E a independência, criando vários países na África,
constituiu um mero expediente da História no âmbito das Relações
Internacionais. É fato que os nacionalistas se tenham levantado em vários pontos
da África; mas é válido também perguntar se já tinham existência as respectivas
nações. Nas outras partes do mundo “as nações precederam aos nacionalistas,
que surgiram para defender a sua causa, enquanto na África os nacionalistas
fizeram o seu vigoroso aparecimento antes que as nações fossem mais do que
uma frase da imaginação oratória”. *

O nacionalismo, que no século XIX tornou livre a Grécia do jugo turco, separou
a Bélgica católica da Holanda protestante, fez da Alemanha e Itália países
unificados, teria reflexos na América, que se separou politicamente da Europa.

A autodeterminação defendida por Wilson na Conferência de Versalhes, ao se


iniciar o século XX, iria gerar uma nova onda de nacionalismos europeus,
muitos dos quais fundamentados na geohistória. Assim, a Polônia ressurgia de
novo no mapa europeu; esfacelava-se o Império Otomano e se originavam os
Estados Balcânicos. Esses mesmos reflexos de autodeterminação se estendem
para a África e Ásia, onde recebem o influxo das tendências de Moscou, que,
com seu comunismo, pretendia transformar a Humanidade.

A independência dos países africanos depois da Segunda Guerra Mundial tem


suas raízes presas ao término da Primeira Guerra Mundial. Ao terminar a
Primeira Guerra Mundial foi viável a marcha da África para o anticolonialismo
por duas razões principais. A primeira porque desapareciam gradativamente do
cenário das Relações Internacionais, como grandes potências, nações
colonialistas européias — notadamente a França e a Inglaterra; cediam lugar
paulatinamente à Rússia e aos Estados Unidos, potências que não necessitavam
do espaço vital, mas que, sendo anticolonialistas, não deixariam de ser
imperialistas por questões geopolíticas e geoestratégicas.
O segundo fator que veio precipitar os movimentos de independência na África
foi a proliferação de Congressos, Conferências e Reuniões no âmbito das
Relações Internacionais, que ao lado da Liga das Nações, e depois da própria
ONU, favoreceram os povos que até então haviam permanecido mudos na defesa
de seu direito nacional de independência. A ONU se transformou na tribuna do
anticolonialismo militante não só pela ação dos Estados Unidos e da Rússia
como também pelo apoio tácito de países latino-americanos, desejosos de fazer
suas reivindicações. **

Não nos cabe aqui examinar as vantagens ou desvantagens do nacionalismo sem


nacionalidades que se implantou na África. O nacionalismo, sobretudo nos
países negros, se transformou, em grande parte, num ódio, não ao elemento
colonizador propriamente dito, mas sim ao branco. Racismo da África Negra que
ecoa no apartheísmo da África do Sul e Rhodésia.

Se a América, no passado, como a África, no presente, se sentiram e sentem-se


espoliadas pelas realizações econômicas que julgam e julgaram pouco
expressivas das metrópoles européias, pelo menos foi através do elemento
colonizador que ambas entraram como povos civilizados para o contexto das
Relações Internacionais.

Uma vez independente, a América se manteve dependente da tecnologia


estrangeira. Na América procurou manter-se a civilização mais adiantada do
colonizador. O Brasil não se envergonha, muito pelo contrário, conservando o
nome pelo qual os portugueses o batizaram, sem rebuscar as origens indígenas
de Pindorama; a Venezuela mantém o nome da Capitania espanhola e a
Colômbia homenageia o redescobridor do continente. O que já não vem
acontecendo na África, que procura, em alguns países, esconder sua origem
civilizadora, traçando topônimos — Ghana em vez de Costa do Ouro, Kinshasa
em vez de Leopoldville, Maputo em vez de Lourenço Marques, Huambo em vez
de Nova Lisboa, N’Djamena em vez de Fort Lamy, Macias Nguema em vez de
Fernando Pó: muito embora Porto Novo, capital do Benin e Lagos, capital da
Nigéria, lembrem a passagem por lá de navegadores portugueses, enquanto a
Libéria homenageia o Presidente Monroe em seu centro administrativo de
Monróvia.

Dentro do colonialismo viveu a África na garantia da paz e da ordem jurídica,


livre das fratricidas lutas tribais que eclodiram em vários pontos tão logo a
independência os livrou da mão férrea do colonizador.
Independentes, passaram a refletir apenas a divisão colonial histórica, isolando
grupos étnicos idênticos e englobando tribos das mais heterogêneas. A chamada
idade heróica da colonização, que caracterizara o século XIX, iria ser
substituída, no século XX, pela fase crítica da independência, sem o período
intermediário que forjou o nacionalismo na América.

Vários desses países africanos estão longe de apresentar condições mínimas para
uma autonomia econômica. O Niger e o Tchad herdaram o deserto; o Mali, o
Senegal e o Alto Volta têm a savana; área muito exígua têm o Togo, o Benin, a
Guiné-Bissau, Djibuti, Lesoto, Suazilândia ou países formados em ilhas. Vemos,
por estes poucos exemplos, que no contexto geral a África independente depende
da ajuda econômica e assistência técnica do exterior.

Os, territórios que começaram, depois da Segunda Guerra Mundial, a se tornar


independentes dentro do sistema tribal não formaram nações no sentido exato da
palavra; daí se haverem transformado, simplesmente, em foco geopolítico dos
antagonismos, num espaço geohistórico colonial onde se travam batalhas entre
grupos. Concluímos, assim, que do pan-africanismo lançado por du Bois,
defendendo o integracionismo, a África se passou para um nacionalismo que
nasceu para viver dividido.

O “slogan” “a África para os Africanos”, lançado por Martin Delany, não se


inspira na Doutrina de Monroe — “a América para os Americanos”. A América
se constituiu, dentro de seu nacionalismo, no continente dos americanos não
apenas nativos, mas de todos aqueles que a ajudaram a se civilizar — os brancos
europeus, os negros africanos e mais recentemente os asiáticos também. Vemos,
pois, que a América, ao contrário da África, se tornou independente, firmando-se
em suas raízes sem abandonar o tronco europeu que lhe transmitiu a civilização.

Naturalmente, o país surge num núcleo geohistórico. O espaço geográfico é


ocupado por um ou mais grupos que adquirem, gradativamente, os traços
constitutivos do que deverá ser a nação. Esse processo é constituído pela
assimilação grupal, pelas interpenetrações linguísticas, pelas osmoses culturais.

A fixação ou expansão natural desse núcleo geohistórico é que dará origem ao


país propriamente dito. Advêm então as questões de fronteiras para que se
estabeleçam no campo das Relações Internacionais os limites físicos do conjunto
nacional.
Na América, os processos geohistórico e geopolítico se sucederam normalmente;
as nações se constituíram para que os países se implantassem. Na África,
passaram a coabitar num mesmo território comunidades históricas com culturas
próprias, línguas e dialetos particulares; nesse contexto, o país surgiria antes que
se formasse a nação. Assim sendo, que soberania de país pode então ser posta
em prática desde o momento em que ainda não se formou a nação?

Dentro de um contrassenso geopolítico, um consenso geohistórico passaria a


constituir a tônica do continente africano; já que ao chamado despotismo do
colonizador europeu antecedeu o despotismo do chefe tribal, para sucedê-los nos
tempos atuais o despotismo do político de maior força no local.

Nessas condições, a África conheceria pouco mais de meio século de paz quando
da colonização européia. Com a independência e o despertar da África
renasceram os ódios tribais, dentre os quais a guerra de Biafra foi dos exemplos
mais sangrentos (1966-70). (Mapa 8).

A Nigéria tornou-se independente (1960) com várias nações: uns 8 milhões de


ibos ao lado de 5 milhões de não-ibos, divididos nas tribos dos efiks, ibibios,
kamberas, baribas, ekois, chambas, kanembus, kanuri, tiv, edo, nupe, ijav etc.,
contando ainda entre os grupos dos iorubas, no oeste, e haussás e fulanis, no
norte. Em resumo, coabitam no país 250 grupos étnicos e cerca de 100 tribos
menores.

Em vez do governo inglês dividir a Nigéria em vários países, transformou-a, a l.°


de outubro de 1960, numa república federal formada por 12 estados, englobando,
na realidade, 4 províncias secessionistas.

O norte, a província habitada por maioria de haussás e fulanis islamizados e


pouco instruídos, fornecendo somente 1 % do funcionalismo do país. O leste,
província

mais rica, povoada pelos ibos católicos e grupos animistas, que por ser mais
escolarizada contribuía com maior número de elementos para os quadros do
funcionalismo, da polícia e das forças armadas. No oeste, outra província menos
rica, dominada pelos iorubas protestantes ou animistas, concorrentes sociais dos
ibos e que nutriam ódio pelos haussás; separando as duas províncias litorâneas,
do centro-oeste povoada por tribos diversas.

A República da Nigéria, presidida por um ibo, o Dr. Azikiwe, caracterizou-se


logo pelas dissidências tribais. Assim, “a luta pelo poder tribalizou-se cada vez
mais e o fator étnico tornou-se predominante como elemento desintegrador”. ***

Assim, em maio de 1967, a província do leste resolvia transformar-se na


República Independente de Biafra, consumando a desintegração da Nigéria.
Recebendo o apoio russo, o inglês e o da OUA, o governo de Lagos enfrentou a
rebelião. Grande número de ibos morreu nessa guerra; e ainda hoje eles diferem
dos nigerianos como nós brasileiros, dos ingleses ou russos. A despeito do
domínio militar dos haussás e iorubas, os ibos serão sempre os ibos, sendo
mesmo difícil apontar os verdadeiros nigerianos.

A questão de Biafra não foi o primeiro e também não será o último problema
secessionista africano. O tribalismo subsiste em muitos pontos do continente.

No Zaire, por exemplo, a guerra do Katanga (atual Shaba) fez milhares de


mortos no conflito surgido entre os balubas e os luluas. (Mapa 9) O Zaire é ainda
hoje considerado, como o Império Otomano no passado, “o homem doente da
África”. Assim, a “muito jovem e frívola história do nacionalismo
congolês **** nada mais é do que as subidas e descidas de líderes congoleses
divididos entre o desejo apaixonado de adotar um estilo político moderno e
eficaz, e a certeza profunda de que não é possível um rompimento brutal com as
tradições e o meio”. *****

A independência que foi levando a África para uma suposta democracia,


livrando-a do despotismo colonizador, nada mais era, para muitos, que o curso
da História. Curso de uma história que já transcorrera na América, sobretudo na
parte de colonização espanhola, e que em nome do liberalismo da época fugia do
absolutismo colonizador para cair no caudilhismo nacional.

O caudilhismo africano não tem sido suficientemente forte para impedir as


“Katangas” e as “Biafras” em potencial. A África se transformou num autêntico
“barril de pólvora”, pois sabemos que “os ewes estão longe de se sentirem
togoleses, tal como os bamilekas não são camerunenses ou os bangalas e os laris,
congoleses”. ******

As disparidades tribais não conduzem os novos países africanos a um autêntico


sentimento nacionalista durável e muito menos a um governo estável. Provas
disso se encontram não apenas na África Negra, de natureza tribal, como
também na África Islâmica, mais coesa etnicamente, mas que nem por isso vem
mantendo a estabilidade política.

Foi, certamente, concordando com o “curso da História” que John Kennedy,


então presidente dos Estados Unidos, declarava ao chefe nacionalista argelino
Ben Bella: “Creio que a Argélia teve a oportunidade de provar que todos aqueles
que quiseram impedir o curso da História estavam errados”. O fato é que o
próprio “curso da História” seria, de fato, mudado, já que Ben Bella surpreendeu
seu amigo Kennedy ao visitar Fidel Castro.

A Argélia independente almejara a democracia, mas seu partido único, a Frente


de Libertação Nacional (FLN), daria a vitória a Ben Bella, o proclamador da
República Popular, cujo curso histórico veio a ser interrompido com o golpe do
Coronel Bumediene (1965).

O curso da História seria interrompido no Zaire e no Togo, com os assassinatos,


respectivos, de seus líderes libertadores, Patrice Lumumba e Silvanus Olympio.
Seria interrompido também para Nkrumah, que, de africanista, passara a
neutralista ativo; como governante do primeiro país negro a se tornar
independente na África (1957), a República de Ghana (antiga Costa do Ouro), o
já falecido Nkrumah, obtendo grande apoio das esquerdas inglesa e
estadunidense, e que passara a se orientar em direção ao regime russo, foi
deposto em 1966. Assim como aconteceu a Nkrumah, os golpes de estado se
sucedem, como: o de Kadhafy contra o velho rei Idris, na Líbia; além dos
movimentos que puseram fim à monarquia egípcia, à etiópica e a implantaram
na República Centro-Africana com Bokassa. Por outro lado, os que não caíram
ou não foram assassinados sobreviveram ou sobrevivem no poder como
autênticos “deuses vivos”: Kennyata (Quênia), Nyerere (Tanzânia), Senghor
(Senegal), Kaunda (Zâmbia), Banda (Malawi), etc.

Que nações elegeram, pois, grosso modo, os mandatários africanos de países


independentes? Não foram nações e sim nativos de diferentes tribos, que,
englobados num mesmo país, tinham que eleger de qualquer modo o seu novo
governante.

As mais grotescas situações foram e são ainda observadas quando nativos, em


sua maioria analfabetos, são levados às urnas, tendo que distinguir os candidatos
por meio de cores ou símbolos visuais. Os que não fogem apavorados,
acreditando numa cilada, são obrigados a colocar cruzes em cédulas eleitorais
que exibem elefantes, árvores, crocodilos, etc. Para desviar eleitores, surgem os
boatos mais disparatados. Se o crocodilo dá azar para uma tribo, não há quem a
faça eleger aquele candidato ali representado, que iria beneficiar o grupo. O fato
de colocar cruzes ao lado do desenho de uma mão representativa de outro
candidato levou seus opositores a inventar que aquilo era indício de que o eleitor
queria ter a sua mão cortada; com isso o candidato não foi eleito. “Parece-nos
que devemos sustentar o princípio da autodeterminação dos povos, como uma
afirmação de liberdade e democracia, mas devemos também nos recordar de que
não se trata de reconhecer o fato consumado e que não se pode invocar a
autodeterminação para a ditadura de qualquer espécie, pois não se
autodeterminam os povos que não têm direito de manifestar sua vontade livre
através das urnas.” *******

Direito de voto discutível em países há muito independentes quanto mais na


própria ainda imatura África.

Assim não é de estranhar que o despotismo local venha mascavando


democracias, como por exemplo a de Idi Amin em Uganda, que acabou deposto
em 1979. Democracias que inexistem em países ainda não formados, onde não
há nações e sim conglomerados de tribos. Assim, no dizer de Adriano
Moreira: ******** “os novos Estados são apenas projetos nacionais sustentados
por elites muito restritas”.

Se a palavra “colonialismo” havia adquirido significado pejorativo, o


nacionalismo confirmou-se como utopia. Uma colônia na antiguidade constituía
um território para onde imigrava um determinado povo; criava-se aí então um
Estado distinto sem conservar com o país de origem a mínima comunidade, a
não ser por laços sentimentais. Só a partir do século XVI é que as colônias
passaram a se constituir em territórios, via de regra longínquos, unidos à
metrópole por laços jurídicos e econômicos. São justamente as colônias de
exploração, no dizer de Leroy Beaulieu (“De la Colonisation” — 1874),
associadas ao sentimento da dominação, que mais tarde Jules Harmand
(“Domination et Colonisation” — 1910) veio acrescentar para confirmar o duplo
caráter econômico e político. A partir de então, a colonização viria a se
confundir com o imperialismo, já pressupondo um povo forte que submete outro
mais fraco. O imperialismo vem de império, que tem origem na palavra latina
“imperator”, significando general: o império, que gerou o imperialismo, tem por
base o fator militar, sendo biologicamente um fator de expansão que conduz a
uma simbiose Imposta.
Passando-se assim a ignorar as realizações dos europeus, na África o termo
colônia era definido como a fase da “exploração dos negros pelos brancos” ou “o
domínio dos brancos em detrimento dos negros”. E, seguindo o “curso da
História”, as sucessivas ondas de independência se consumaram, sendo
comentadas com satisfação pelo “Pravda” com “slogans” como este: “O sol da
liberdade está se levantando”. Já o “New York Times” via o “curso da História”
por ângulo diverso, como “a criação do pequeno ‘Kominform’ afro-asiático”.

As ações comuns em torno de questões de interesses comuns fizeram nascer a


realidade do afro-asianismo; cuja consistência teve suas raízes na cooperação
afro-asiática, que passou a existir na própria ONU, que albergou, a partir de
1952, o grupo afro-asiático.

Daí sugeriu-se a Conferência de Bandung, reunida entre 18 e 24 de abril de


1955. Para essa Conferência, cinco governos (Birmânia, Ceilão, índia, Indonésia
e Paquistão), todos na Ásia, convidavam vinte e quatro países, dos quais apenas
seis africanos (Egito, Etiópia, Costa do Ouro, Libéria, Líbia e Sudão).

A Conferência, dominada pela Indonésia, índia, China e também pelo Egito,


formando os “Quatro Grandes”, foi, na realidade, em opiniões e objetivos, bem
heterogênea. Nessa Conferência, os quinze países independentes e os quatorze
ainda dependentes criaram um clima tão particular que se esqueceram, no âmbito
das Relações Internacionais, de, pelo menos, definir teoricamente o afro-
asianismo; escusaram-se também de analisar o imperialismo para compará-lo
com o colonialismo e caracterizar o neocolonialismo. Assim, a idéia-força da
Conferência, no sentido do não-alinhamento, seria falsa. Em contrapartida, o
propalado não-alinhamento procurou gerar uma terceira força entre as dissensões
leste-oeste, para dar origem à expressão ainda hoje bastante usada de Terceiro
Mundo.

Presente a China Comunista, mas ausente a Rússia, de Bandung, não se poderia


deixar de realizar um outro encontro para a entrada oficial dos soviéticos no
mundo afro-asiático.

* Rupert Emerson — “Interesses Americanos na África”, in Revista Brasileira


de Política Internacional, Ano II, N.° 6, Junho de 1959, pág. 57.
** O caso das Falklands ou Malvinas, em poder da Inglaterra e pleiteadas pela
Argentina; o caso de Belize, em poder das ingleses, que a Guatemala sempre
quis anexar; e o enclave colonialista das três Guianas na América do Sul.

*** Hélio Felgas — Nigéria/Biafra (A Maior Guerra entre Africanos), pág. 13.

**** Leia-se zairense, pois o Congo Belga tomou o nome de Zaire.

***** Marcel Niedergang — Ob. cit., pág. 54.

****** Hélio Felgas — Ob. cit., pág. 28

******* Danilo da Cunha e Mello — “A Arma Psicológica”, in Noções Básicas


sobre a Guerra Revolucionária, pág. 126.

******** Citado por Rogério de Lima — A Outra Verdade — interpretação de


um Gráfico de Temperatura Africana, pág. 97.

Mapa 10

Mapa 11
8. REVOLUÇÃO PSICOSSOCIAL

Através de Nasser, um dos '‘Quatro Grandes” de Bandung, foi convocada a


primeira Conferência de Solidariedade dos Povos da África e da Ásia. Essa
Conferência reuniu no Cairo (26 de dezembro de 1957 a 19 de janeiro de 1958)
os 500 delegados da Ásia e da África, criando-se a OSPAA (Organização de
Solidariedade dos Povos da África e da Ásia). Este organismo se desdobrou em
Comitês de Apoio funcionando em países comunistas (Iugoslávia, Alemanha
Oriental, Romênia e Bulgária) e Comitês Nacionais destinados à autêntica
revolução política através da luta de massa e guerrilhas contra os regimes
coloniais.

Julgadas perigosas essas tendências unitárias bem dirigidas por Moscou, as


nações européias começam a se desvencilhar de suas colônias. A partir de 1960
se acentuava a chamada “enxurrada de soberanias”.

É, por outro lado, coincidentemente no ano de 1960 que degenera em polêmica


pública o conflito ideológico entre a China e a Rússia.

A Rússia, porém, não ficava sozinha, visto que pouco antes, a 5 de janeiro de
1959, se instalara em Havana o governo de Fidel Castro. Assim, logo após o
Pacto Cubano-Soviético, Fidel Castro lançava a idéia da realização do uma
Conferência do Terceiro Mundo em Havana. A partir daí seria sempre marcada a
presença cubana nos assuntos africanos.

Em 1961 já se nota a presença de um representante cubano numa sessão que o


Comitê Executivo da OSPAA realiza em Bandung. Quando da Conferência da
OSPAA, realizada em Moshi, na Tanganica, em fevereiro de 1963, Fidel Castro,
através de seu representante, renova o convite para que se reúnam em Havana os
povos oprimidos dos “três A” (América, África e Ásia). No sentido de promover
a junção revolucionária dos três continentes, proclama solenemente na
Declaração de Santiago (26 de julho de 1964) o direito do povo de Cuba de
ajudar, através dos meios de que dispõe, a luta revolucionária dos povos do
mundo.

Concluímos, pois, que, a despeito do conflito sino-soviético, a noção do não-


alinhamento esboçada em Bandung evoluiu para a temática claramente
antiimperialista. Assim, enquanto a China Comunista, representada por Chu-En-
Lai, percorria cerca de 4.000 km de territórios afro-asiáticos para divulgar a tese
sobre as condições necessárias para que a ajuda estrangeira a um país do
Terceiro Mundo não fosse ilusória e não ameaçasse a soberania nacional, a
OSPAA expulsava de seu convívio a FNLA (Frente Nacional de Libertação de
Angola), acusando seu chefe, Holden Roberto, de tendência pró-ocidental, de
compromisso com forças imperialistas.

Enquanto o Ocidente observa que a subversão comunista vem sendo alimentada


pela miséria e desequilíbrios econômicos, tanto dentro da linha russa quanto da
chinesa, os riscos de um neocolonialismo econômico ideológico será o mais
evidente sucesso do imperialismo clássico. (Mapas 10 e 11)

Dentro do chamado Bloco A-A-A (América-África- Ásia), a África é, por sua


situação imatura, o “pivot” central entre continentes de doutrinas antagônicas —
a Eurásia Comunista e a Euro-América Democrática. E no jogo de influências,
dentro das Relações Internacionais, convém destacar que a OUA (Organização
da Unidade Africana), nascida em 1963, é bem menos coesa que a OEA
(Organização dos Estados Americanos).

Somos, tanto aqui como lá, países que vivem de costas uns para os outros,
separados por áreas geopolíticas neutras. Tanto na América quanto na África as
áreas menos desenvolvidas e consequentemente menos povoadas se encontram
em zonas de fronteiras. Assim, tanto a América Latina quanto a África visam ao
mundo exterior, visto que os países destes continentes estão geoeconomicamente
bloqueados pela falta de sistemas de transporte mais eficientes. O mar que uniu
as costas no passado continua a exercer papel preponderante no presente desses
continentes.

Se no quadro das Relações Internacionais a África ficou mais afastada não só do


teatro das hostilidades como do campo das disputas e agitações políticas que
redundaram no primeiro conflito mundial, tal fato não ocorreu durante a
Segunda Grande Guerra.

A queda da França e o movimento da França Livre transformaram Brazzaville,


na então África Equatorial Francesa, num verdadeiro centro de propaganda dos
“maquis”. Coincidentemente, a Conferência de Brazzaville (fevereiro de 1944),
presidida por Plever, marcava o início da descolonização e consequente
formação da Comunidade Francesa.

Nessa Segunda Grande Guerra, o saliente africano, comandado por Dakar,


passou a ter projeção especial na zona de estrangulamento do Atlântico-Sul, na
linha com a cidade brasileira de Natal. Coincidentemente, nessa região
explodiria o foco do redentorismo negro tendo em Ghana, por sua função central
nessa área africana, o núcleo mais ativo.

Na escala do espaço vital, tanto europeu quanto extra-europeu, os Institutos


Coloniais de Hitler foram ativos, sobretudo em Bremen e Hamburgo. Num de
seus planos estratégicos, tendo em vista a coligação germano-italiana, o eixo
Roma — Berlim se prolongava pela Líbia e alcançava, pelo interior, o
Camerum, no Atlântico.

Mas a “ilha mundial” de Mackinder não vê correspondência entre sua posição


estratégica importante e seu posicionamento no quadro econômico mundial. No
contexto das Relações Internacionais, a África é um continente subdesenvolvido,
excetuando-se a República da África do Sul com seu produto nacional bruto
avaliado em 530 dólares por habitante. Situação irrisória, se comparada, por
exemplo, a Portugal (340 dólares), considerado país subdesenvolvido no mundo
europeu desenvolvido.

Tendo os signatários da Carta das Nações Unidas declarado estarem resolvidos a


“favorecer o progresso econômico e social de todos os povos”, essa ajuda tem,
como a própria ONU, fundamentos mais políticos do que humanitários.

Primeiro porque a ajuda econômica é, em geral, praticada pelas ex-metrópoles


em benefício de suas ex-colônias. Em segundo lugar, pela ajuda interessada; o
que protege o faz, de um modo geral, aos que lhe estão militarmente aliados.

Ilustrando o primeiro caso, podemos destacar O Tratado de Roma (25 de março


de 1957), que instituiu a Comunidade Econômica Européia, dispondo em seu
artigo 131 da associação dos países de Ultramar com a Comunidade dentro da
finalidade precípua de “favorecer os interesses dos habitantes desses países e sua
prosperidade, de modo a conduzi-los ao desenvolvimento econômico, social e
cultural de que necessitam”.
Para o segundo caso é taxativo o “National Security Act” de 1951, concebido
nos Estados Unidos para ajudar economicamente os países seus aliados, mas
através de alianças militares; o que se pode caracterizar como o “defense
support”.

Nessas condições, o interesse econômico que leva, em geral, os países


desenvolvidos a ajudar os subdesenvolvidos passou a ser criticado como forma
velada de intervenção dos assistentes na vida dos assistidos.

O país ajudado transforma-se num cliente do país que o ajuda — uma


vassalagem na época contemporânea. E, dentro deste contexto, nasceria o
chamado neocolonialismo, caracterizado pela interferência econômica, política e
militar dos privilegiados em detrimento dos que são ajudados.

Outro exemplo de neocolonialismo costuma-se citar como um dos vários casos


africanos, o da França, que em 1964 suspendeu a ajuda financeira prestada à
Tunísia por ter o seu governo nacionalizado as terras pertencentes aos franceses-
residentes.

Na conjuntura do neocolonialismo se insere ainda o pessoal da assistência


técnica. Via de regra, especialistas de um país que se dirigem a outro país, para
aí viver e promover o seu desenvolvimento, a que contingências se deverão
submeter?

Geralmente, tendo que deixar o conforto de seu país, o técnico exige importantes
vantagens socioeconômicas que passam a distingui-lo do habitante local. Cai-se,
então, no precedente — colonizador subjugando o nativo.

Estudando a questão, Luchaire conclui que “o assistente técnico ocidental se


torna muito caro; o especialista soviético é menos caro; já o chinês, muito pelo
contrário, tem por obrigação viver tal como os nacionais do país onde se
encontra”. *

Foram, pois, dentro do neocolonialismo, os colonizadores que primeiro


coordenaram seus esforços no sentido de ajudar os países que foram outrora suas
possessões. Nessas condições, surgiria a Comissão de Cooperação Técnica da
África (CCTA), especialmente dirigida para o continente ao sul do Sahara.
Funcionou de 1950 até 1965, transformando-se, aos poucos, num autêntico
clube, reunindo antigos colonizadores e países africanos independentes. A esse
clube veio juntar-se a FAMA (Fundação para a Assistência Mútua da África)
quando, finalmente, em 1965 o Organismo passou a ser, na realidade, um ramo
da OUA (Organização da Unidade Africana) já com a designação de Comissão
Científica e Técnica de Pesquisa.

À semelhança da OEA a OUA é mais atuante no que se relaciona a seus


objetivos políticos; objetivos que se sobrepõem aos próprios desejos de facilitar
o desenvolvimento social e econômico do continente.

Pela Carta Constitutiva assinada em Adis-Abeba (25 de maio de 1963), a OUA


se transformou num organismo notadamente burocrático. Além das Comissões
para desenvolvimento técnico, científico, econômico, cultural e social, a OUA
criou um Instituto de Desenvolvimento, instalado em Dakar, e o Banco Africano
de Desenvolvimento, com sede em Abdijan, nas respectivas capitais do Senegal
e Costa do Marfim.

Do ponto de vista das Relações Internacionais, o mundo atual se divide em


países comunistas e não-comunistas, como também em países desenvolvidos e
subdesenvolvidos. E no quadro da ajuda econômica, os países desenvolvidos, ao
contrário das antigos metrópoles, se arriscam a um lucro incerto, tendo em vista
a instabilidade reinante dentro dos países subdesenvolvidos. Essa situação é bem
mais notória na África tribal, de independência ainda em pendência.

Em contrapartida, a criação de mercados como o MCE (Mercado Comum


Europeu) veio beneficiar em larga escala os países subdesenvolvidos africanos.
De ex-colônias sob regime de monopólio passam, embora ainda produtores de
matérias-primas, a gozar de tarifas alfandegárias preferenciais; contando como
certos os mercados consumidores dos países industrializados formados por suas
ex-metrópoles. O aspecto positivo dessa coexistência pacífica não anula, no
entanto, os desníveis que sempre existiram e que continuarão a existir entre os
países.

* François Luchaire — UAide aux Pays Sous-Développés, pag. 40.



Mapa 12
9. EVOLUÇÃO POLÍTICA

O colonialismo na África tem suas raízes numa Europa pré-industrial,


necessitando de artigos de luxo como: drogas, perfumes, sedas e especiarias. Ao
contrário dos asiáticos, os africanos não estavam materialmente organizados para
produzir tais espécies para a exportação. Por esta razão, o continente seria
transformado num centro fornecedor de mão-de-obra escrava, tendo seus
contatos com os europeus se mantido essencialmente costeiros.

Em meados do século XIX, o comércio negreiro através do Atlântico já era


juridicamente considerado ilegal. Mas não foi a ação repressiva levada a cabo
pela Inglaterra que pôs fim ao comércio escravagista. Este continuou até que
alguns países, entre os quais o Brasil, abolissem o seu próprio tráfico;
continuando ainda até a vitória do norte antiescravagista sobre o sul escravagista
nos Estados Unidos (1865) e, finalmente, até que as abolições da escravidão
começassem a se processar a partir de 1880.

A sangria humana terminaria para a África no momento em que esse continente


iniciava o seu processo de evolução política. Aos protestantes, que durante os
três primeiros séculos de sua existência haviam, através de suas Igrejas
Reformadas, cuidado apenas do problema de sua própria sobrevivência,
devemos, no século XIX, o início da evolução política na África.

Os missionários protestantes sucederiam, pois, aos missionários católicos da


época das grandes navegações e colonização da América.

Nos primeiros anos do século XIX foram fundadas várias sociedades


missionárias, que passaram a agir na África. A primazia é dada à Sociedade
Missionária Anglicana (1799), com ação na África Ocidental e Oriental.
Seguiram-se-lhe: a Sociedade Missionária Metodista (África Ocidental), a
Missão das Universidades, também anglicana (África Central e Oriental), a
Sociedade de Berlim (África Setentrional, passando-se só bem mais tarde para a
parte oriental) e a Missão das Igrejas Presbiterianas Escocesas (África
Setentrional, Ocidental e Oriental).

A colonização africana não teria, como na maior parte da América, um cunho


cultural nitidamente católico. Ao norte africano já islamizado viriam juntar-se as
comunidades fetichistas que se integraram ou não no cristianismo reformista e
também católico.

As missões católicas se organizaram para a África depois das igrejas reformadas.


Organizaram-se em movimentos fracionários da Igreja Católica, sendo os que se
destinavam à África mais vigorosos em França.

O mais importante movimento evangelizador católico foi o da Congregação do


Espírito Santo, reestruturada em 1848; suas atividades se estenderam por toda a
África Ocidental, no Gabão, no baixo Congo e em alguns pontos da costa
oriental. Vinte anos depois, surgia a Sociedade de N. S.a da África (1868),
fundada pelo Cardeal Lavigerie, mais conhecida como dos Irmãos Brancos. De
seu núcleo inicial na Argélia, os Irmãos Brancos foram expandindo suas missões
para o interior da África Ocidental e para ambos os lados da zona lacustre, desde
Uganda até a Rhodésia.

A essas duas Ordens e suas correspondentes femininas foram se unindo, aos


poucos, a Sociedade do Verbo Divino, a Mill Hill de S. José e também as antigas
Ordens dos Beneditinos, dos Franciscanos, dos Dominicanos e dos Jesuítas, que
se haviam distinguido na América.

A exploração por parte dos missionários europeus era, na realidade, um


movimento humanitário que procurava reparar o mal causado pelo comércio
escravagista à África. Mas, levando-se em conta as dificuldades, sobretudo
financeiras, o movimento missionário necessitou de setenta a oitenta anos para
poder alcançar um âmbito geográfico considerável.

Conclui-se, pois, que, no 'processo de exploração do continente africano, foram


duas as diretrizes seguidas: na zona costeira, os gradativos contatos comerciais
com o europeu imunizaram, em grande parte, as populações autóctones do
ocidentalismo, deixando-as preparadas para o embate de suas consequências; no
interior, a ação, além de retardada, foi lenta e paternalista, mostrando que o
contato inicial com os missionários não preparou as populações autóctones para
o impacto causado pelo colonizador.

Na Inglaterra, a Sociedade Africana, com finalidade humanitária mas também


científica, financia a primeira viagem de Mungo Park (1795-97) ao alto Niger,
que constatou então ser para o oriente a direção deste rio.

Entraria o governo inglês pouco depois em cena para subvencionar outra viagem
de Mungo Park ao Niger (1805-6), como também a de Denham e Clapperton,
que exploraram o Bornu e a Haussalândia após atravessarem o Sahara, partindo
de Trípoli (1823-25). Daria, ainda, o governo inglês apoio às expedições dos
irmãos Lander ao baixo Niger (1830), bem como ao alemão Heinrich Barth,
meticuloso explorador do Sudão Central e Oriental (1850-55). (Mapa 12)

Coube ao explorador escocês Hugh Clapperton desvendar grande parte do


território sudanês, morrendo em 1827 perto de Sokoto. O inglês Samuel Baker
explorou a África Central, descobrindo o lago Albert (1864); entusiasmado com
a África, seu irmão tomou o título de Baker-Pashá, entrou para o Exército turco e
terminou como generalíssimo no Egito

Também de nacionalidade inglesa, Verney Lovett Cameroon explorou a África


de Zanzibar até o Congo (1873-75); deu o seu nome Cameroon * a um maciço
próximo da costa ocidental, que depois se estendeu a toda a colônia, que foi
alemã e depois inglesa.

A essa vaga de exploração científica, iniciada pela Sociedade Africana


transformada na poderosa Real Sociedade de Geografia de Londres para se
estender à Antártica, se devem as expedições: de Burton e Speke ao lago
Tanganica (1857-58); de Speke e Grant ao lago Vitória e Sudão (1862-64); bem
como a primeira exploração de David Livingstone (1858-64), visto que seus
últimos anos de viagem transcorreram por sua própria conta (1867-73).

Missionário inglês, Livingstone, após se estabelecer na cidade do Cabo, partiu


para o norte, atingiu o lago Ngami, desceu o Zambeze, atingiu Quelimane e daí
atravessou o continente do Índico ao Atlântico, chegando a Luanda. Na segunda
viagem, reconheceu o Niassa e, quando procurava as nascentes do Nilo, morreu
de disenteria (1873), sendo seu corpo trasladado para a Inglaterra. Suas viagens
são narradas em “Missionary Travels and Researches”.

Henry Morton Stanley, pseudônimo do jornalista John Rowland, iniciou sua


carreira de explorador incumbido por um jornal estadunidense de entrevistar
Livingstone. Ao se encontrar com o compatriota na África Central, escreveu: “O
Dr Livingstone, suponho, foi o achado do século, (in “How I Found
Livingstone”).

A viagem seguinte de Stanley, descrita em “Throug the Dark Continent”, na qual


foi de Zanzibar até a foz do Congo, repetiu a façanha de Cameroon. Essa viagem
de Stanley marca o ponto no qual a exploração da África começa a se ligar à
política expansionista. Os conflitos surgem e se multiplicam; no sul chocam-se
os interesses ingleses e portugueses, no norte os ingleses e franceses.

A conquista da África tinha sido empresa tão difícil para os europeus, que em
Portugal o topônimo do continente passou a ser sinônimo de façanha e proeza.
Assim, o fato de se dizer “fazer uma África” ou “pôr uma lança em África”
significa envolver-se numa empresa difícil.

De “pombe”, depois transformado numa cerveja fabricada com milho em


Moçambique, mas que entre algumas tribos angolanas indicava o sertão,
surgiram os pombeiros, que eram tanto na África quanto no Brasil os agentes ou
emissários que percorriam os sertões para negociar com os indígenas. Se os
pombeiros conquistaram a África para Portugal, os bandeirantes triplicaram o
território brasileiro.

Até o século XVIII foram numerosos os pombeiros que, com finalidades


comerciais, realizaram expedições militares ou diplomáticas na África. De
pombeiros passaram, no século XIX, a exploradores, palavra mais usada pelos
expedicionários contemporâneos.

Antônio Cândido Poderoso Gamito, oficial do Exército português, que


conseguiu “fazer a África” em várias viagens, atravessando-a da parte oriental
(Moçambique) para Luanda no ocidente (1832-35), narra suas atividades no
livro “Muata Cazembe”, publicado em Lisboa no ano de 1854.

Note-se que só quatro anos depois da publicação deste livro Livingstone


realizava a sua façanha. Anterior é também a viagem de Antônio Francisco da
Silva Porto, que, após visitar o Brasil e Cabo Verde, resolveu explorar a África.
Estabelecido em Luanda, foi várias vezes ao sertão, atingindo as cabeceiras do
rio Sena, depois denominado Zambeze. Além de prestar auxílio, deu valiosas
informações a Livingstone, que depois passaria a se vangloriar de ter sido o
primeiro branco a penetrar nas entranhas do alto Zambeze. Chamando os
portugueses de mulatos, num racismo que, como missionário, procurava sufocar,
foi desmentido em sua pretensa primazia pelo próprio Silva Porto quando
publicou os seus “Diários”.

Também exploradores portugueses, Hermenegildo Capelo e Roberto Ivens


(1867-70-74), realizaram a travessia da África. Escreveram ambos duas obras
narrando suas expedições — “De Angola à Contra-Costa” e “De Benguela às
Terras de Jaca”.

Alexandre Alberto Serpa Pinto também atravessou a África de costa a costa, em


sua parte meridional, como seus demais compatriotas, entre os anos de 1878-79,
o que narra em ‘Como Atravessei a África”.

Do grupo português, caberia ainda a Antônio Maia Cardoso comandar, em 1889,


a expedição ao Niassa; percorreu a zona dos mamarrais, na costa oriental, que,
revoltando-se contra a autoridade portuguesa de Moçambique, foram submetidos
por Mousinho de Albuquerque (1896).

Acentuando-se a necessidade de unir Angola a Moçambique pelo interior, numa


linha leste-oeste, Índico-Atlântico, mas prevendo a atitude hostil dos ingleses
instalados no Cabo, Portugal procurou apoio da Alemanha; conseguiram, assim,
os dois países assinar o Tratado de Dezembro de 1886, pelo qual os alemães
reconheceram as aspirações portuguesas

Vários mapas publicados em Lisboa delimitaram a África Portuguesa, indo de


Angola à Zambézia, contrariando os interesses ingleses, que sonhavam com a
ligação norte-sul, ou seja, do Cabo ao Cairo. Finalmente, surgiria o famoso mapa
cor-de-rosa, apresentado por Barros Gomes à Câmara, estendendo o domínio
português de costa a costa.

Surgem então violentos protestos quando se defrontam os interesses portugueses


com os da “British South África Company”, chefiada por Cecil Rhodes; é que a
Companhia havia obtido, também da Alemanha, uma carta de proteção,
atribuindo-lhe direitos soberanos nesse hinterland (15 de outubro de 1889). A
questão tornar-se-ia governamental quando Londres, em janeiro de 1890, envia
um ultimatum a Lisboa para que retirasse suas tropas da rota do Chiré, que, por
sinal, era o melhor acesso ao planalto. Deste modo, pelo Tratado de Agosto de
1890, jamais ratificado pelo Parlamento português, o planalto do Chiré e parte
do Zambeze (entre as quedas de Vitória e Zumbo) tornavam-se território inglês.
Portugal só obtinha o direito de estabelecer ferrovias e telégrafos nesse espaço
terrestre que separaria, definitivamente, Angola e Moçambique.
No norte da África, o até então mantido equilíbrio do poder entre cristãos e
muçulmanos começou, em fins do século XVIII, a pender de modo decisivo para
os europeus. Pendência explicada quer pelo estancamento do mundo islâmico,
quer pelo crescente poder material da Europa, representada, em especial, pela
França e Inglaterra.

Na fase intensa da exploração da África até 1870, os franceses na realidade só


haviam contribuído decisivamente no conhecimento da parte norte e ocidental.
De grande alcance, no período que antecedeu a 1870, só a viagem de René
Caillié (1827-28), através do Sahara, de Tânger até Boké.

Por sua vez, os alemães, embora ainda às voltas com a unificação de seu país,
além da colaboração com os ingleses, como fez Barth, foram os pioneiros nas
missões no interior da África Oriental. Membros da Comunidade da Igreja
Missionária, Krapf e Rebmann foram os primeiros europeus a verem os cumes
nevados do Kilimanjaro e dos montes Quênia (1847-49) Foram também
proveitosas as explorações do Sahara realizadas por Gerhard Rohlfs mais tarde
continuadas por Gustav Nachtigal (1869-73) que, partindo de Trípoli, atravessou
o deserto e cortou o continente para o oriente do lago Tchad até o Nilo. Deve ser
ainda mencionado Hermann Wissmann, explorador alemão, que, além das várias
viagens empreendidas até a bacia do Congo, governou a África Oriental Alemã.

Mas foi sem dúvida o explorador francês Fernand Foureau (1898-1900) quem
mais se notabilizou pelos trabalhos científicos sobre o Sahara. Além de explorar
parte do grande deserto entre o sul da Argélia e o Tasili, Foureau acompanhou o
Comandante Lamy em expedição que, partindo de Túnis, passou por Uargla,
atingiu o lago Tchad, chegando a Bangui na bacia do Congo.

Já então a França procurava obter, na África Ocidental, uma compensação pela


perda de seu antigo império, desmantelado no século XVIII nas guerras contra
os ingleses. Observando que o Senegal era de grande importância geopolítica por
ser a única via rentável de acesso ao comércio do Sudão, os franceses
empreenderam a conquista sistemática desse território. Tal conquista, realizada
por Louis Faideherbe (1854), transformou-se no trampolim para o próximo
assalto ao Sudão Ocidental. Teve então papel de destaque Pierre Savorgnan de
Brazza, nascido em Roma, mas posto ao serviço da França como explorador;
caiu assim sob domínio francês a área congolesa que hoje constitui a República
Popular do Congo e que mantém a homenagem a Brazza em sua capital
Brazzaville.
Comparando-se aos franceses, o avanço inglês na África Ocidental foi bem
menor que no setor austral, onde competiram com os portugueses.

Na África Ocidental o núcleo inglês teve como ponto de irradiação Freetown


hoje capital da Serra Leoa, estendendo-se, posteriormente, para Gâmbia, fazendo
frente ao Senegal, e em seguida para a Costa do Ouro (atual República de
Ghana) e Nigéria, no golfo da Guiné.

Esparsos como os ingleses, foram também os estabelecimentos alemães do Togo


e Camerum (1885); ficavam os alemães também vizinhos dos ingleses no
Sudoeste Africano e no lado do Índico no território chamado de África Oriental.
(Mapa 6)

No norte da África, também até o século XIX, as atividades se haviam limitado


aos franceses na Argélia. Graças ao General Bourmont, a Argélia saía do
domínio turco que durara de 1518 até 1830.

Os tunisianos haviam recebido com satisfação a queda da Argélia sob domínio


francês, visto terem sofrido vários ataques dos argelinos durante a ocupação
turca. Mas, em 1847, vencendo a resistência de Abdel-Kader a expansão
francesa se irradia da Tunísia ao Marrocos. Na parte norte-ocidental, a região
teve que ser partilhada com os espanhóis, que aí criaram o Rio de Oro. Na parte
norte-oriental contaram sempre com os mais vivos protestos dos italianos, que
em 1911 arrebataram a Tripolitânia (atual República Popular Árabe da Líbia) do
já agonizante império turco.

Durante quase um século os objetivos franceses centrados no Tchad convergiam


no sentido geopolítico triplo de unir, sob hegemonia da França, o Mediterrâneo-
Atlântico-Índico. O Egito seria, pois, a união-chave deste enfoque geopolítico.
Mas ali, desde 1850, os ingleses haviam conseguido manter sua influência após
construírem uma ferrovia unindo Alexandria-Cairo-Suez. Pouco depois (1854),
os franceses por uma concessão feita a Ferdinand Lesseps, conseguiam também
partilhar da zona de influência egípcia com a abertura do canal de Suez,
terminado em 1869.

Estrategicamente, uma ocupação francesa do alto Nilo poderia constituir um


golpe de morte para os ingleses no Egito. Foi com este intuito, pois, que Jean
Baptiste Marchand (1896-98) iria ter a glória de atravessar a África em sua
maior largura, desde o Sudão Francês até a região de Fachoda, no Nilo Branco.
Aí Marchand teve que enfrentar o inglês Lord Kitchener, criando-se um
incidente que quase gerou conflito armado. Recebendo ordens de seu governo
para se retirar da região, Marchand o fez atravessando a Abissínia (atual
Etiópia).

Na Cornucópia Africana os franceses e ingleses dividiam com os italianos a


Somália. Com a Itália estava também a Eritréia, deixando estrangulada no
interior uma Abissínia independente; isto porque falhara a tentativa italiana de
conquistá-la em 1896. A tentativa de se apossar do Sudão-Khartum
transformado num condomínio anglo-egípcio, falhara para os franceses,
deixando-os praticamente isolados na Somália-Djibuti.

Assim, a criação da África Oriental Inglesa (Uganda e Quênia) teria como


contra-resposta o estabelecimento francês na ilha de Madagascar (1896). E o
anteparo seria a África Oriental Alemã, também constituída em 1890 (atual
República Unida da Tanzânia e as Repúblicas de Ruanda e do Burundi).

Bem instalados na África Austral (Colônia do Cabo) desde 1815, os ingleses


alimentavam o sonho de Cecil Rhodes, da União Cabo-Cairo. No entanto, os
colonos boers, descendentes de holandeses que, para fugir do domínio inglês,
haviam fundado as Repúblicas do Transvaal e do Orange, estavam bloqueando o
avanço para o norte. A descoberta, no local, de minas de ouro e diamantes
provocou um conflito entre ingleses e boers, que culminou com a guerra do
Transvaal (1889-1902). Vencidos os boers, a Inglaterra reuniu todos esses
territórios, formando um Estado Federal autônomo, que passou a chamar-se
União Sul-Africana (1909).

A Inglaterra conseguira, em 1890, afastar as pretensões portuguesas de união


Atlântico-Índico (Angola-Moçambique), mas Cecil Rhodes, que, ao morrer,
diria: “tanto para fazer e tão pouco feito”, não veria seu sonho realizado. A
África Oriental Alemã e o Estado do Congo, episódio à parte no capítulo da
evolução política africana, impediriam a união Cabo-Cairo.

Na fase da evolução política da África, quando o continente ficou todo repartido


entre potências européias, a França e a Inglaterra, assistidas de perto pela
Alemanha, personificaram o imperialismo moderno. As duas nações passaram a
ter então 63% do território africano sob seu domínio, abrigando 58% dos
africanos. Cerca de 10% menos que a África Francesa, a África Inglesa cobria
quase 8 milhões de km2, pouco menos que o território brasileiro.
A Itália não ficaria satisfeita com o que Mussolini, mais tarde, chamou de
“império de desertos”. Representaria também um capítulo à parte no episódio
africano, pois, em 1935, sem prévia declaração de guerra, atacava a Abissínia,
obrigando no ano seguinte, após guerra sangrenta, seu imperador Hailé Selassié
a abandonar Adis-Abeba, instalando-se em Londres. O expansionismo do eixo
Roma-Berlim na África e Europa iria desencadear a Segunda Guerra Mundial.

Quando, em 1939, começou a Segunda Guerra Mundial, não havia um único


país verdadeiramente independente na África. Teoricamente, a Libéria, desde
1847 Independente, tinha seu existir político bastante precário e dependente dos
Estados Unidos. Do mesmo modo pode ser encarada a independência do Egito
desde 1922 e a autonomia da União Sul-Africana (1909) sob a égide da
Inglaterra.

A evolução política da África, levada a efeito pelos europeus, transformara o


continente em territórios, protetorados, dependências e mandatos da Liga das
Nações. Geopoliticamente a África passara a girar na órbita da Europa.

Coincidentemente, crescera a tensão mundial à medida que diminuíam as regiões


disponíveis na África; enquanto crescia também a importância da África no seio
das Relações Internacionais.

* Entende-se a palavra aportuguesada para Camerum (em função da pronúncia),


mas, daí a traduzi-la por Camarões, como tem ocorrido, é disparate. Aliás, se
fosse correta a denominação “República dos Camarões”, esse país de dupla
língua oficial inglesa e francesa seria “Republic of Shrimps” ou “République de
Crevettes”.

Mapa 13

Mapa 14

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Mapa 25
10. REVOLUÇÃO POLÍTICA

A revolução política da África tem início durante a Segunda Guerra Mundial,


quando, em 1941, a Abissínia recuperava a independência. Transformava-se no
Reino da Etiópia no momento em que, em 1952, se unia à Eritréia como uma
unidade autônoma federada.

Que destino seria dado então aos demais territórios africanos pertencentes à
Itália e à Alemanha, vencidas na Segunda Guerra Mundial?

A África Ocidental Alemã foi absorvida pela França, com maior poder neste
lado do continente. A Inglaterra seria recompensada com a África Oriental
Alemã, que a impedira de unir o Cabo ao Cairo. Por sua vez, o Sudoeste
Africano passara a ser administrado como sua “herança” pela União Sul-
Africana.

A Somália Italiana não poria a França e Inglaterra lado a lado no Indico. O


território sob tutela da ONU continuou a ser administrado pela própria Itália até
1960 quando se transformou na República Democrática da Somália.

No quadro geopolítico africano restava ainda a Tripolitânia, que até então


funcionara como uma espécie de Estado-Tampão entre os dois grandes
poderosos da África — a França e a Inglaterra. E foi justamente a decisão da
ONU em transformar a Tripolitânia no Reino da Líbia (1951) que marcou o
início da revolução política no continente africano.

Não se pode pois atribuir uma influência decisiva do comunismo no


esfacelamento dos impérios coloniais africanos depois da Segunda Guerra
Mundial. Mas, por outro lado, é inegável que foi fator de aceleramento a
necessidade que tiveram as potências coloniais da Europa Ocidental de competir
com a infiltração comunista; isto porque, fundada em 1919, a Internacional
Comunista se transformou paulatinamente numa força política ideológica,
entrando para o âmbito das Relações Internacionais. Por outro lado, o papel da
Rússia na Segunda Guerra Mundial fora bem diverso do que tivera no primeiro
conflito. Em 1917, a Rússia se retirou do teatro de operações praticamente
derrotada; em 1945, ela era vencedora ao lado dos Estados Unidos e também da
França e Inglaterra.

A longo prazo, o verdadeiro papel do comunismo fora o de se transformar numa


barreira negativa contra a difusão dos modelos de desenvolvimento e valores
ocidentais nos novos países que iam surgir na África.

O comunismo na África não pode assim ser avaliado pelo número pequeno de
países que se tornaram pseudo-comunistas ou ostensivamente anticapitalistas
mas sim pela perda do posicionamento único do modelo político-econômico do
ocidente europeu naquele continente.

Houve, na prática, uma repulsa na atração exercida pelos valores ocidentais nos
recém-formados países africanos, induzida pelo nacionalismo exacerbado e mal
dirigido. Vemos, assim, que décadas após a vitória do movimento da
descolonização, gerador da independência, os líderes dos novos países, embora
ainda necessitados dos valores ocidentais, procuram rejeitá-los; para isso, a
ideologia comunista, em sua forma antiocidental muito contribuiu.

Assim concluímos que, do ponto de vista geopolítico, além do bloco leste-oeste


(ocidente-oriente), a África se vê envolvida por outra dissidência, tanto ou até
mais complicada, que é a norte-sul, representada pelos ex-colonizadores e ex-
colonizados.

A revolução política africana transformou o continente num conglomerado de


países fracos e heterogêneos, que ainda buscam resolver equações nacionais ou
regionais, continuando, porém, ligados pelo “cordão umbilical” aos centros
metropolitanos do norte, na proposição moderna do neocolonialismo.

Administrativamente a maior parte dos territórios ocupados pela França na


África se classificavam como colônias. Assim, a AOF (África Ocidental
Francesa) reunia: o Senegal, a Mauritânia, a Guiné, a Costa do Marfim, o Alto
Volta, o Dahomé (atual Benin), o Sudão (atual Mali) e o Niger. Incluíam-se na
AEF (África Equatorial Francesa): o Gabão, o Médio Congo (atual Congo), o
Ubangui-Chari (depois República Centro-Africana transformada em Império em
1977) e o Tchad.

Já Madagascar (depois República Malgaxe e hoje República Democrática de


Madagascar) passou, até a sua independência, pela categoria de protetorado,
como o Marrocos e a Tunísia, e em 1946 transformava-se em colônia.

Em separado, a Argélia foi dependência metropolitana da França; enquanto na


classe de territórios ultramarinos ou departamentos ultramarinos ficavam a
Somália-Djibuti, as ilhas Comores e Reunião.

Finalmente, caberia ainda à França, como mandato da Liga das Nações,


compartilhando com a Inglaterra, a administração das ex-colônias alemãs — o
Camerum (4/5 de sua parte oriental) e o Togo (hoje república independente) .

A ocupação alemã da França, durante a Segunda Guerra Mundial, dividiria o


povo em duas facções — os “de-gaullistas” e os “vichilistas”. Para obter a
adesão do Ultramar francês, De Gaulle prometeu modificações políticas e maior
autonomia para as colônias. Em Brazzaville (1942), De Gaulle falava, embora
vagamente, numa França Ultramarina com representações na Câmara dos
Deputados de Paris.

Em 1945, a Constituição da 4.a República procurava facilitar o ingresso de


políticos africanos na vida da metrópole, reconhecendo a cidadania francesa aos
ultramarinos; estabelecendo a União Francesa, reconhecia tacitamente o direito
da autodeterminação.

Rejeitada em 1946 essa Constituição, a associação foi substituída pela


assimilação. O termo “colônia” foi substituído por “província ultramarina”; a
AOF e a AEF passam a ter assembleias, enquanto era criada, em Paris a
Assembléia da União Francesa, na qual passam a atuar líderes africanos, como
Modibo Keita (do Sudão Francês) e Leopold Senghor (do Senegal).

Tal situação durou uma década, quando foi promulgada a “Lei-Quadro”,


transferindo, de um momento para outro, os poderes políticos e a administração
para os africanos, conduzindo rápida e arbitrariamente a África Francesa para a
Revolução Política (1957).
Menos de três anos depois começavam a ser concedidas independências, que,
salvo raras exceções, criavam países cujos governos passavam a ser exercidos
por líderes inexperientes; países com base em caracterizada heterogeneidade
étnica, minados por divergências tribais e convulsionados por políticos refletindo
ideais do Ocidente ou Oriente. Grande número de líderes impostos eram
sindicalistas da “União Geral dos Trabalhadores da África Negra” (UGTAN),
organismo dominado pelos comunistas.

Já no Congresso de Bamako (1957) a UGTAN, a CATC (Confederação Africana


dos Trabalhadores Crentes) e o Conselho Federal da Juventude (CFJ), órgão de
estudantes da África Negra, se pronunciaram não pela independência mas pela
“libertação dos povos oprimidos da África”. Mas, neste Congresso, iria
prevalecer o bom-senso de Houphouet-Boigny em prol da Comunidade Franco-
Africana.

Em seguida o General De Gaulle visitava a África Francesa, para explicar às


populações locais o “referendum” de 1958, que instituía a Comunidade
Francesa, laço de união entre a ex-metrópole e suas ex-colônias. O fato de votar
“sim” equivalia a aceitar a Comunidade; pelo “não” desfazia-se a Comunidade,
sendo suspenso o auxílio francês em todos os setores, desde o econômico ao
cultural.

Na realidade, nenhum território, excetuando-se a Costa do Marfim, liderada por


Houphouet-Boigny, se encontrava em condições de dispensar o apoio francês.
Mesmo assim, houve muita campanha em favor do “não”, sobretudo a liderada
por Sekú Turé, na Guiné, e a de Mamude Harbi, na Somália-Djibuti, de
tendência esquerdista.

Mas a Comunidade, na prática, não chegou a durar mais do que dois anos, visto
que em 1960 a revolução política era marcada com a independência de 14
Estados de língua francesa.

Dessa Comunidade não havia participado a Argélia, considerada como


dependência metropolitana, e portanto sem o direito da autodeterminação.
Assim, na Argélia, do terrorismo iniciado em 1954, com o apoio dos comunistas
reunidos na FLN (Frente de Libertação Nacional), passou-se à guerra
propriamente dita. A FLN era chefiada por Ferhat Abbas; mas, decidido a evitar
a independência através da qual De Gaulle pretendia repatriar os franceses da
Argélia, um grupo antagônico decidia-se a criar a OAS (Organização do
Exército * Secreto). Os generais franceses na Argélia — Maurice Challe, André
Zeller, Edmond Jouhaud e Raoul Salan —, derrotados oficialmente em suas
pretensões de manter aquela dependência metropolitana, entraram para a
clandestinidade da OAS, alimentando ações terroristas através da “terra
queimada”, destruindo e incendiando escolas, hospitais e edifícios públicos. O
êxodo de franceses atingia então a 6.000 pessoas por dia: quando, a 3 de julho de
1962, a França entregava a Ben Bella o governo de uma Argélia que governara
por 132 anos, já 1/4 da população francesa se havia refugiado e milhares de
mortos podiam ser contados dos dois lados.

Já a Somália-Djibuti, enclave estratégico francês na Cornucópia Africana, nada


mais era do que um pequeno enclave na Somália. Território valorizado apenas
pelo porto de Djibuti, que servia à Etiópia, engloba os afars, simpáticos aos
etíopes, e os issas, menos numerosos, simpáticos aos somalis. A falta de unidade
étnica, como também de opiniões, levou a França a manter o enclave até 1977,
quando, concedendo a independência, nada mais fez do que se livrar daquele
ponto de atrito. Por outro lado, garantindo a República de Djibuti, no momento
em que a Rússia agia na Etiópia e Somália, procurou a França neutralizar a
Cornucópia Africana. Sob influência francesa ou garantia do governo de Paris,
Djibuti é uma ponta-de-lança no mar Vermelho. (Mapa 15)

Assim, a República de Djibuti, com apenas 21.783 km2, menor que o nosso
Estado de Sergipe (22.027 km2), se transformou, por sua privilegiada posição,
no estreito de Bab-el-Mandeb, na entrada do mar Vermelho, no alvo certo da
cobiça de dois países esquerdistas — a Etiópia e a Somália.

Alinha-se também como pequeno e instável país, incluído durante 140 anos no
domínio francês, a República de Comores (Mapa 16) independente desde 1975,
nada mais é do que um arquipélago localizado entre Madagascar e o continente
africano, sem unidade étnica, coabitado por negros, árabes e malaios.

De todo o vasto império francês-africano resta apenas a ilha de Reunião, no


Indico, a cerca de 700 km de Madagascar. Neste departamento francês do
Ultramar vivem negros, hindus, chineses e cerca de 20% de descendentes de
franceses.

*
Os belgas conseguiram, além do Congo (atual Zaire), numa vantajosa área de
2.345.409 km2 (pouco menor que os territórios unidos de nossos Estados do
Pará e Amazonas), também o pequeno e montanhoso Ruanda-Burundi, subtraído
da ex-colônia alemã — África Oriental, sob tutela da ONU.

Por ocasião da efervescência dos movimentos nacionalistas na África, o rei dos


belgas, Balduino, em visita a Leopoldville (atual Kinshasa), tocou na formação
de uma Comunidade Belgo-Congolesa (1955).

No ano seguinte, a palavra emancipação era empregada pelo Professor van


Bielsen, da Universidade de Antuérpia, num estudo intitulado “Plano de Trinta
Anos para a Emancipação Política do Congo”. Tal plano tornou-se do
conhecimento público quando saiu no jornal congolês “Conscience Africaine”.
Foi este o ponto de apoio para que a ABAKO (Associação dos Bakongos), de
fundo étnico-político, lançasse um manifesto agressivo contra o Plano Bielsen,
exigindo para o Congo plenos direitos e liberdade política imediatos (1958).

Mas a ABAKO, dirigida por Joseph Kasavubu, não era o único porta-voz do
Congo, que, em 1960, já possuía cerca de cem partidos políticos ávidos por
tomar o poder. Além da ABAKO, tornara-se também importante na
reivindicação da independência o MNC (Movimento Nacional Congolês),
presidido por Patrice Lumumba, unitarista ferrenho, que se opunha ao
separatismo-federalista da CONAKAT (Confederação das Associações
Katanguesas), chefiada por Moisés Tchombe. Desejava a CONAKAT que o
Congo se transformasse numa Confederação dentro da qual Katanga seria um
Estado Autônomo, respeitando o direito dos brancos.

A 30 de junho de 1960, em meio ao xenofobismo, desordem dos partidos, da


incompetência dos líderes e anseios tribais divergentes, a Bélgica se livrara dos
problemas dando independência ao Congo. Vê-se, pois, que em 18 meses apenas
o Congo obtivera uma independência planejada meticulosamente para o prazo de
30 anos por Bielsen. O poder era repartido entre Kasavubu, feito presidente, e
Lumumba, transformado em primeiro-ministro.

O separatismo não se fizera esperar com a independência de Katanga (1960) sob


o comando de Tchombe, acusado pela África revolucionária de se ter posto ao
serviço do “capitalismo branco”. Muito embora tenha sido imediata a
intervenção da ONU, o conflito se estendeu a outras províncias e deixou marcas
profundas no novo país.

Foi então que, apelando para a ajuda russa, Lumumba seria destituído por
Kasavubu, que se aliou logo a Mobuto.

Quando, em 1961, Lumumba foi assassinado, o Congo ainda se mantinha


dividido em zonas rivais de influência. Situação só controlada, embora
ficticiamente, depois de 1965, quando Mobuto impõe sua ditadura.

Em 1971, o Congo transformava-se na República do Zaire. Dentro da severa


campanha de africanização, Leopoldville passava a se denominar Kinshasa, ** e
o próprio presidente, repudiando o nome de Joseph, passou a se assinar Mobuto
Sese Seko.

A despeito do centralismo, do zairismo e do partido único — MPR (Movimento


Popular Revolucionário), o país teve que enfrentar em 1977 o movimento
separatista do distrito industrial de Shaba, onde se localizam valiosas minas de
cobre.

Ante o exemplo congolês, o governo belga resolveu agir mais prudentemente em


se tratando do Ruanda-Burundi. (Mapa 17.) Nesse território, os tatsis (18% da
população), embora em minoria, escravizavam os hutus, que eram maioria. Por
isso, ao concederem independência ao território (1962), os belgas o dividiram
entre os hutus, que optaram pela república, ficando com o Ruanda (26.338 km2),
enquanto os tutsis adotaram no Burundi (27.834 km2) a monarquia. Em 1966, o
Coronel Michel Mleombero depõe o Rei Muambutsa, proclamando a república.

Hoje, Ruanda e Burundi são duas repúblicas independentes, que, pelo


posicionamento, se mantêm inteiramente dependentes. Sem conseguir ainda
manter relações de amizade em função do arraigado tribalismo, os dois países
falam oficialmente o francês, contando com maioria católica. Sem saída para o
mar, não tiveram outra alternativa para sobreviver que a de se associarem ao
Zaire na Comunidade Econômica dos Estados dos Grandes Lagos, órgão que
lhes garantiu facilidades com o Mercado Comum Europeu.

*
Se a Bélgica, localizada no rico território congolês, o abandonou, ocupando
ralamente povoados e pouco extensos territórios africanos, bem menos sofreria a
Espanha em perdê-los.

Sem contar com Ceuta e Mellila, simples cidades mediterrâneas, o Sahara


Espanhol, com seus 272.986 km2, nada mais foi para a Espanha, embora com
suas minas de fosfato à flor da terra, que um areal debruçado sobre o Atlântico.
O Ifni, cedido pelo Marrocos à Espanha, era outro areal de 1.500 km2. Maior
importância era dada à Guiné Espanhola (28.150 km2), que incluía o rio Muni e
a ilha de Fernando Pó.

Assim, quando, em 1956, o Marrocos se tornou independente, o governo


espanhol tratou logo de devolver o seu território marroquino (Ifni) e trecho
mediterrâneo. (Mapa 18)

Em outubro de 1968 surgia a Guiné Equatorial com a junção do rio Muni e ilha
de Fernando Pó (depois chamada Macias Nguema). Além de substituir pelo seu
nome o do descobridor, Francisco Macias Nguema foi mais um governante
original na África pós-colonial, deposto em 1979.

Imprensada entre o Gabão e o Camerum, a República da Guiné Equatorial vira


fugir cerca de 400.000 habitantes do governo “esquerdista católico” de Macias
Nguema, que mudou o nome da capital de seu país de Santa Isabel para Malabo.
Afirmando que “a Guiné é muito pobre e as balas muito caras”, resolvera impor
o seu poder se autoproclamando “Presidente Vitalício, Grande Mestre da
Ciência, da Cultura, da Educação e General das Forças Armadas”. Tudo indicava
que iria seguir o exemplo de Jean Bedel Bokassa, que se fizera coroar imperador
(dezembro de 1977) na então República Centro-Africana, tendo como súditos
85% de analfabetos, também deposto em 1979.

Os países artificiais que vão surgindo na África ou criam líderes originais ou


zonas de atrito. Assim, o afastamento da Espanha do chamado Sahara Espanhol
criou um foco de fricção entre o Marrocos e a Argélia (Mapa 19).

A Frente Polisário, uma das entidades mais misteriosas do continente, é a sigla


de Frente Popular de Libertação de Saguia-el-Hamra e Rio de Oro; justamente as
duas regiões que compunham o Sahara Espanhol — a primeira pertencente ao
Marrocos e a segunda à Mauritânia. Essa Frente Polisário, que os argelinos
chamam de “movimento de libertação”, é classificada pelos marroquinos como
bando de salteadores armados pelos comunistas na Argélia.

O Sahara Espanhol vem sendo disputado porque, além de rico em fosfato, se


apresenta como região-chave; esta, uma vez nas mãos dos argelinos, isolaria o
Marrocos, propiciando à Argélia dominar todo o Maghreb, atingindo em seguida
o Mali, o Tchad, o Niger e a Mauritânia.

Estudando os fatos que marcam a retirada da Espanha da África, notamos duas


atitudes — a rapidez em se desfazer das colônias e a cega obediência à ONU no
tocante ao colonialismo. Esse empenho em sacrificar o Ultramar africano se
ligou ao desejo da retomada de Gibraltar pelo governo espanhol. A despeito da
ONU haver aprovado a 19 de dezembro de 1968 um projeto de resolução
solicitando que a Inglaterra abandonasse Gibraltar até outubro de 1969, tal fato
até hoje não aconteceu.

A Inglaterra, que, juntamente com a França, foi das mais beneficiadas na África,
passava, na fase colonialista, a reger o Sudão em condomínio com o Egito. Com
mandato da Liga das Nações obteve parte do Togo (atualmente incluído na
República de Ghana), parte do Camerum e toda a África Oriental Alemã,
excetuando-se o Ruanda-Burundi, entregue à Bélgica.

Teoricamente independente desde 1910, a União Sul-Africana se mantinha na


Comunidade Inglesa, em cuja esfera de influência vivia também o Egito, país
soberano desde 1922. No seio da Comunidade se encontrava ainda a Rhodésia
do Sul, autônoma desde 1923. Já a Rhodésia do Norte (atual Zâmbia) continuava
ligada ao governo de Londres na categoria de protetorado, como também a
Gâmbia, a Betchuanalândia (atual Botswana), a Basutolândia (atual Lesoto), a
Suazilândia, Uganda, parte da Somália, a Niassalândia (atual Malawi) e
Zanzibar, uma ilha que se uniu posteriormente a Tanganica para formar a
Tanzânia. (Mapa 6)

Na categoria original de parte colônia e parte protetorado viveram, até a


independência, na órbita inglesa a Serra Leoa, a Costa do Ouro (atual Ghana), a
Nigéria e Quênia, como também as ilhas de Santa Helena, Maurício e
Seychelles. A originalidade estava no fato de que os territórios continentais
tinham seu litoral dentro do estatuto colonial para maior segurança no sistema
das trocas comerciais, enquanto o interior era mantido sob protetorado.

Foram justamente os territórios administrados pelos ingleses os primeiros a


entrar no processo de revolução política. Assim, do Movimento Juvenil, criado
em 1938, sairiam vários líderes nigerianos que se uniram aos pertencentes ao
Partido Nacional Democrático, fundado em 1932.

Nota-se que a política colonialista inglesa, diferente das demais, tinha como
preocupação primordial os laços econômicos; a administração, encarada como
fator secundário, podia ficar nas mãos dos autóctones. Por isso, quando a “vaga
de independências” começou a contagiar a África, a Inglaterra, procurando
sempre manter os laços econômicos, começou a “soltar”, uma a uma, as suas
colônias. Como tal política não agradava ao Partido Conservador, foi este
substituído pelo Gabinete Trabalhista, que liquidou o Império Britânico.

O Sudão, independente em 1956, foi seguido por Ghana (1957), e assim


sucessivamente. Notando-se que a Inglaterra não concedeu independência a seus
territórios de uma só vez; assim, tendo iniciado o processo de revolução política
antes da França e da Bélgica, praticamente só o terminou vinte anos depois.

Ao contrário do que sucedeu com o Congo Belga, que se tornou independente


sem ter líderes com instrução universitária, a maioria dos chefes de territórios
ingleses havia frequentado cursos superiores no exterior. A maioria dos
estudantes africanos era oriunda da África Ocidental, mostrando a atração que
exerceu no setor oriental a Universidade de Makerere, em Uganda, uma das mais
antigas da África Negra. No entanto, a própria Uganda não fugiria à série de
governos “originais” instalados na África, caindo, em 1971, nas mãos do inculto
e extravagante Idi Amin Dadá, deposto em 1979.

Embora os ingleses tenham procurado, na medida do possível, preparar os


autóctones para a vida independente, não conseguiram, como os demais países
colonizadores, extirpar o tribalismo de suas possessões. Assim, nenhum dos
líderes que se encontram hoje no poder, e mesmo os que atuaram no momento
da independência, embora diplomados em universidades européias,
estadunidenses ou russas, representa um governo majoritário. Isto porque, do
ponto de vista geohistórico, existem na África vários países que não são nações.
Podemos, entre vários casos, citar o exemplo de Uganda, saída da própria África
Inglesa.

Ao iniciar sua vida independente, o governo do bakaba do Reino de Buganda,


Edward Mutesa, homem culto que ostentava o pomposo “Sir”, não sobreviveu
ao golpe de Obote; e este, por sua vez, não escapou à força de Idi Amin Dadá,
que iniciou sua vida pública massacrando nativos das tribos lango e acholi, fiéis
ao seu antecessor. As atitudes quixotescas de Dadá levaram a própria Inglaterra
a romper, em 1977, os vínculos que ainda possuía com Uganda dentro da
Comunidade. A deposição de Idi Amin não livrou de pronto o país da
instabilidade; até 1980 já três governos se sucederam em Kampala.

E, no entanto, dentro de sua “política clarividente”, a Inglaterra concedeu


independência a Uganda em 1962, recusando-se a fazer o mesmo com a
Rhodésia do Sul, preocupada com os direitos humanos; direitos humanos que, na
antiga Rhodésia, não se ligavam ao fato, comum na África Negra, de tribos
negras que se massacravam para se manter no poder, mas só se relacionavam
com o princípio democrático do “governo pela maioria”. Terão sido governo de
maioria o de Idi Amin Dadá, o de Bokassa e o de Macias Nguema, para não citar
tantos outros? A minoria tribal não contava e sim a minoria branca visada na
Rhodésia, dirigida por Ian Smith, que declarou, em 1965, unilateralmente, a
independência do país; independência confirmada por plebiscito em 1969
quando a Rhodésia renunciou também sua fidelidade à Coroa Inglesa.

Não fugindo à regra do que ocorre nos Estados africanos, governados por líderes
negros, o nacionalismo, no sentido exato da palavra, também inexiste na
Rhodésia. Assim, quando a Rhodésia, governada pela minoria branca de Ian
Smith, se encaminhou para a segunda independência para se transformar na
República de Zimbabwe, várias organizações nacionalistas, considerando-se
herdeiras, possivelmente disputarão o poder.

O único partido negro local, considerado como tal, era o CNA (Conselho
Nacional Africano), chefiado por Abel Murozeva, um bispo metodista tido por
muitos como um ingênuo e inexperiente.

Divergindo do CNA, atuavam outros quatro partidos como: o ZAPU (União dos
Povos Africanos do Zimbabwe), fundado por Joshua N’Komo, que tem o apoio
dos matabeles, representando 1/5 da nação; o ZANU (União Nacional Africana
do Zimbabwe), movimento que já de início se caracterizava pela dissidência
interna entre suas alas política e militar, com a fraca liderança do Reverendo
Nadabaningi Shitole, representando os machonas; e a FRELIZI (Frente de
Libertação do Zimbabwe) , dirigida por James Chikerema.

Nota-se, assim, que o ZANU e o ZAPU, os movimentos mais simpáticos à OUA


(Organização da União Africana), resultaram não só de dissidências políticas
mas, sobretudo, de ódios tribais entre matabeles e machonas.

Para completar o quadro, surgia ainda Robert Mugabe, que, embora no exterior,
pois residia em Moçambique, disputava com Shitole a liderança do ZANU.
Ainda que muito pouco se saiba sobre os líderes guerrilheiros rhodesianos e suas
respectivas lealdades, Mugabe se dizia porta-voz político do ZIPA (Exército
Popular do Zimbabwe).

Com a independência (18 de abril de 1980), a República de Zimbabwe passava a


ser governada por Mugabe, enfrentando dificuldades — quer pelas divergências
entre grupos políticos internos, quer pela evasão de técnicos com o êxodo dos
brancos, quer pelo afastamento da África do Sul de cuja economia depende. A
fragilidade do Zimbabwe passou a preocupar os ocidentais, pois embora Mugabe
tenha procurado se manter alijado da influência de Moscou, a instabilidade do
país pode vir a favorecer o posicionamento russo nessa área estratégica.

Conclui-se, assim, que, mesmo tendo-se mantido dentro da Comunidade


Britânica, aceitando como laço simbólico a Coroa da Inglaterra, não tem havido,
dentro dos Estados Africanos, sem a chamada minoria branca, a estabilidade
política esperada. Dentro do tribalismo vivem os Estados Negros, quer sejam
ingleses, franceses, belgas, espanhóis e mesmo portugueses; e, assim sendo, são
governados por líderes que representam uma minoria, ou, se mais do que isso,
jamais atingem a maioria.

A Guerra de Biafra, na Nigéria, dentro do tribalismo, representou o germe do


secessionismo. E, neste caso particular, a própria unanimidade não prevaleceu
dentro da Comunidade Britânica; se a Inglaterra e alguns Estados Negros
reconheceram o governo nigeriano de Lagos, a Tanzânia, a Costa do Marfim, o
Gabão e a Zâmbia se mantiveram ao lado da República de Biafra.

O tribalismo da Nigéria foi defendido pela própria Inglaterra, que, criticando o


apartheísmo e o governo de minoria branca, tanto na União Sul-Africana quanto
na Rhodésia, levou esses dois territórios a se afastarem em 1961 e 1969,
respectivamente, da Comunidade Britânica.

Minúsculos países, sem coexistência socioeconômica, frutos da colonização


inglesa, iriam também surgir como meros expedientes da geohistória. Um desses
é o arquipélago de Maurício (1.865 km2) no Índico, a 800 km a leste de
Madagascar, independente desde 1972; além da precariedade econômica baseada
na monocultura da cana-de-açúcar. Mauritius, nome oficial do país, governado
como o Canadá por um Primeiro-Ministro, não foge das rivalidades grupais.
Embora a língua oficial seja o inglês, a mais usada é um dialeto com base no
francês; fala-se também muito o árabe e o chinês, mostrando que Mauritius,
menor que o nosso Distrito Federal, é um país que subsiste sem a nação.

No mesmo caso se encontra a República das Seychelles, arquipélago com 92


ilhas (376 km2), independente desde 1977. Habitada por maioria francesa e
negra, tem no inglês a língua oficial e no criolo o dialeto local, integrando a
comunidade anglicana a despeito de serem 90% de seus habitantes católicos
romanos.

Disparatado começo de revolução política... de países que tão cedo não se


poderão definir como tais no âmbito das Relações Internacionais, mas que já têm
voz ativa na ONU. Sem que haja um limite mínimo de território ou de
população, quem alcançar sua independência pode aspirar a seu lugar na ONU
em perfeita igualdade de decisão com o Brasil, por exemplo, que é o 7.° país do
mundo em população e com seus 8.513.844 km2, o 4.° entre os mais extensos.

E, se algum dia, ao processo imaturo de revolução política, se sobrepuser o


processo de um renascimento tribal, a ONU se poderá africanizar por completo.
Não há continente que, à semelhança da África, se apresente tão próximo de se
subdividir ainda mais politicamente. O imaturo processo geohistórico fez da
África um continente geopoliticamente imaturo. Imaturo sob a égide da própria
ONU, que, a despeito da FAO (Agricultura e Alimentação), da OMS (Saúde), da
OCDE (Cooperação Econômica) e da CAD (Comissão de Auxílio ao
Desenvolvimento), vem lutando em vão contra o subdesenvolvimento. De uma
ONU que procura impor-se mas que vem sendo desprestigiada dentro da própria
África tribalista e imatura, mesmo no seio dos países considerados como mais
desenvolvidos.

Um fato político de imaturidade se caracteriza na própria República da África do


Sul através dos batustans ou "homelands”, agrupamentos africanos dentro de seu
próprio espaço político; “quistos” oficialmente formados dentro de um país.
Assim, dentro do programa de desenvolvimento separado, instituído pelo
governo sul-africano em 1948, poderão ser criados nove “homelands”, entidades
independentes para abrigar suas tribos originais ou aparentadas. Os “homelands”
ocuparão 13% da República da África do Sul, ficando 87% em poder dos
brancos.

Sem o beneplácito da ONU nasceu o Transkei, habitado pelos shosas.


Incorporados em 1910 pela Inglaterra à União Sul-Africana, assim
permaneceram, no dizer de Moshesh, chefe dos basutos, ao escrever à Rainha
Vitória (1868) “como apenas pulgas do vosso cobertor”. Independente em 1976,
o Transkei, à semelhança dos enclaves do Lesoto, Botswana e Ngwane (ex-
Suazilândia), estes três já reconhecidos pela ONU, vive à sombra da República
da África do Sul que, à semelhança do continente, se vem transformando numa
minicolcha de retalhos. (Mapa 20)

No ano seguinte à criação do Transkei, ou seja, em 1978, surgia o


Bofuthatswana, outro autêntico “arquipélago geopolítico”, abrigando os tswanas,
os zulus e os sothos. Por ser território semi-árido não tem, como o Transkei,
ótimas possibilidades agrícolas, mas a recompensa se encontra nas 37 minas que
têm uma produção total equivalente a 60% da do Ocidente.

A outorga dessa independência pela República da África do Sul só é concedida


quando solicitada; até o momento os sete chefes dos demais “homelands”, que
poderiam ser formados, se recusaram a requerer, pois não querem perder a sua
“nacionalidade sul-africana”.

Na realidade, esses microestados negros surgiram de reservas indígenas. A vida


da República de Botswana, o maior desses enclaves (565.000 km2), maior que o
nosso Estado da Bahia (561.026 km2), cuja capital é Gaberones, gira, na
realidade, em torno do eixo ferroviário Johanesburgo — Bulawayo; isto porque
vasta área de seu território é ocupada pelo Kalahari, cujo nome significa
“‘campo de sede”.

O Ngwane, na fronteira de Moçambique, tem em Mbanane a capital e centro


urbano mais importante; suas riquezas minerais, o ferro, o amianto e o carvão,
fizeram com que se estendessem até aí os 223 km da ferrovia que escoa esses
produtos para Goba, em Moçambique.
Já o Lesoto, com capital em Maseru, ligada com Durban, é um enclave
praticamente isolado, cuja abundante mão-de-obra se vê obrigada, por
necessidade econômica, a migrar para a República da África do Sul, onde, por
jornada, trabalha nas minas do Rand.

A Segunda Guerra Mundial desencadeou a revolução política na África, e


Portugal, embora se tivesse mantido neutro no conflito, não escaparia do golpe
final a seu império ultramarino. Fora o primeiro a fincar o pé na África e o
último a sair dela.

O Ultramar português se vinha mantendo porque Antônio de Oliveira Salazar


governava o país com energia, impondo-lhe disciplina. Afastado em 1968 por
doença, seria substituído por Marcelo Caetano, que procurou tomar o pulso da
nação nas eleições de 26 de outubro de 1969.

Ao lado da União Nacional, partido do governo, concorreram ao pleito os


candidatos oposicionistas, divididos em dois partidos principais. A CEUD
(Comissão Eleitoral de Unidade Democrática), encabeçada por Mário Soares,
opositor extremado de Salazar, que deixara o exílio na ilha de S. Tomé, liberado
por Marcelo Caetano. No seu programa esse partido não se definiu claramente
com relação ao Ultramar, já que pregava uma autodeterminação mas sem o
abandono imediato pelo governo português. O segundo partido, a CDE
(Comissão Democrática Eleitoral), abrigando elementos da esquerda e católicos
“progressistas” em torno de Francisco Moura, era concorde em que Portugal
desse independência imediata às províncias ultramarinas.

Assim, um dos princípios da campanha eleitoral se ligou ao delicado problema


das províncias ultramarinas, causando mal-estar nos diferentes setores que
apoiavam o governo cujo lema era — “a Pátria não se discute; defende-se”.

Vencedora das eleições, a União Nacional continuaria a manter as províncias


ultramarinas.

Salazar fora o “reconstrutor do império”. Promulgando em 1933 a Ata Colonial,


transformava Portugal numa nação unitária, embora geograficamente dispersa.
As então colônias, produzindo matérias-primas, proporcionavam mercados para
a indústria portuguesa e ofereciam espaço vital ao país. Espaço vital que foi
gradativamente arrebatando a imigração portuguesa que vinha para o Brasil,
conforme o quadro que se segue.

Ano Ultramar Brasil

1900 21.325 14.493

1910 39.515 31.280

1920 64.783 33.651

1930 23.196 11.384

1940 13.226 12.260

1950 21.892 14.143

1960 32.318 12.451

1970 80.452 3.512

Fonte: Boletim da Junta de Emigração — Ministério do Interior — Lisboa

No passado, Portugal se desdobrara para poder manter o Brasil; e não foram


menores as dificuldades que havia enfrentado na África.

Na América, a diretriz geopolítica portuguesa fora a de procurar instalar-se na


embocadura das duas grandes bacias — do Prata e Amazônica. Na África, os
portugueses defenderiam logo a foz do Zambeze e do Limpopo; mas se
defrontariam com os alemães no Rovuma — isto na parte oriental. No setor
ocidental, o Congo se transformaria numa espécie de “Prata Africano”, mas em
escala bem maior, já que os portugueses enfrentariam nessa área os belgas e os
franceses.
Com o decorrer do tempo, maiores seriam as dificuldades visto que Portugal,
muito menor do que Angola e Moçambique, teria que agir nessas regiões de um
continente que entrava em revolução política.

Em 1950 viviam em Angola 275.000 brancos (reforçados com a imigração que


duplicara nos dez últimos anos), ao lado de 4.800.000 negros; neste mesmo ano,
Moçambique contava com 150.000 brancos e 7.000.000 de nativos. Na Guiné
Portuguesa já a proporção dava a cifra de 500.000 aborígines e 2.000 brancos.

Nessas condições, em 1951 Portugal transformava suas colônias em províncias


ultramarinas; admitido na ONU (1954), conseguia o governo português o
reconhecimento jurídico internacional de nação dividida em províncias distantes,
porém integradas.

A “vaga de independências”, ocorrida na África e que em 1960 se acentuaria,


envolveria as províncias ultramarinas portuguesas, levando Portugal a manter
uma guerra custosa que se estendeu através de 14 anos. O centro da resistência
estava instalado em Argel, no bairro residencial de Hydra, onde o Coronel
Bumediene pusera à disposição da CONCP (Conferência das Organizações
Nacionalistas das Colônias Portuguesas) uma confortável mansão. O presidente
da Conferência reconhecida e apoiada pela OUA era Antônio Agostinho Neto,
que se tornaria o primeiro governante de Angola após a independência.

Além do MPLA (Movimento Popular da Libertação de Angola), dirigido por


Agostinho Neto, a CONCP reconhecia a FRELIMO (Frente de Libertação de
Moçambique) e o PAIGCV (Partido Africano de Independência da Guiné e
Cabo Verde). (Mapas 21, 22 e 23.)

O PAIGCV contava com o apoio, desde 1960, não só da República da Guiné


(ex-Guiné Francesa) como também do mundo comunista e da própria Cuba.
Assim, seus guerrilheiros, como conta um dos chefes — Pascoal Alves —,
foram treinados no exterior. “O Partido começou a enviar alguns de nós a
Conacri, e eu fui um deles. Frequentei a Universidade Operária em 1961 e
1962.” Outra citação é a de Ibrahima Lamara: “ O Partido enviou-me à
Tchecoslováquia... fiquei seis meses em Praga. Em seguida, após esta formação,
o Partido enviou-me a Kindia (República da Guiné) para receber o treinamento
militar”. ***

Enquanto os enfermeiros do PAIGCV faziam cursos na Rússia e a literatura


subversiva era impressa em Moscou, o capitão cubano Pedro Rodrigues Peralta,
preso em novembro de 1969 pelos portugueses, reconhecia ter sido enviado à
Guiné para auxiliar os guerrilheiros.

Portugal enfrentou rebeliões sucessivas em suas três províncias ultramarinas,


onde o pluralismo partidário mostrou que o processo de emancipação não fugia à
regra na conjuntura continental.

A FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique) teve a direção de Eduardo


Mondlane até 3 de fevereiro de 1969, quando uma bomba o matou. Ainda em
sua gestão, via-se que dentro da FRELIMO havia facções rivais acusando
Mondlane de levar uma vida de luxo num chalé em Dar-es-Salaan em vez de
estar lutando na selva ao lado de seus guerrilheiros. Desaparecido esse líder, a
FRELIMO passava a ser dirigida por um triunvirato no qual Uria Simango,
antigo vice-presidente no tempo de Mondlane, passava a ter apenas o posto de
coordenador. Os outros dois eram Marcelino Santos, poeta associado ao Partido
Comunista Francês, e Samora Machel, comandante das guerrilhas que agiam no
interior.

Ainda em princípios de novembro de 1969 rompia-se o equilíbrio no seio da


FRELIMO, com a expulsão de Simango, por ter publicado um libelo de 13
páginas, acusando seus companheiros de cúpula do Partido de criminosos,
despóticos e especialmente tribalistas. Divulgava ainda o documento que a cisão
na FRELIMO já era um fato, pois com a política guerrilheira de executarem
sumariamente civis e soldados em Moçambique, as deserções se efetuavam em
massa; tais desertores, em aberta rebelião contra a FRELIMO, tornaram-se
adeptos de um novo governo civil instalado em Cabo Delgado.

Para confundir ainda mais esse quadro revolucionário, havia um movimento de


colonos portugueses em Moçambique dirigido por Jorge Jardim, favorável a uma
independência sob a tutela de um governo branco. Esse grupo mascarava sua
posição, pois o que desejava, na realidade, era uma integração com a Rhodésia e
República da África do Sul de brancos apartheístas.

Atuava ainda em Moçambique o COREMO (Comando Revolucionário de


Moçambique), dirigido por Paulo Gumane.

Mas a queda do regime salazarista (1974) desencadearia o movimento de


independência na África Portuguesa, do mesmo modo que o liberalismo, nascido
no Porto em 1820, afastaria o Brasil do Portugal dito liberal.

O encontro entre Mário Soares, à frente do novo regime implantado em Portugal,


e Samora Machel, em Lusaka (7 de setembro de 1974), acertou a independência
de Moçambique para 25 de junho de 1975. Dois anos depois da independência,
já como partido único da República Popular de Moçambique, a FRELIMO se
transformava no POCM (Partido Operário-Camponês de Moçambique).

No novo país, mantendo o português como língua oficial, passavam a conviver


sete grupos étnicos diferentes: tsonga e changonês no sul; sena e manica no
centro; nianja no noroeste; macua no norte; e makondo no nordeste.

Procurando fugir das origens portuguesas mudava o nome da capital —


Lourenço Marques — para Can-Phumo; a queda da popularidade da China, por
ter auxiliado os movimentos que se opunham ao atual partido predominante em
Angola, levaram a antiga capital de Moçambique a tomar outro nome —
Maputo, este bem africano.

A despeito da adoção do regime marxista-leninista, Moçambique não deve aos


russos os mesmos favores que Angola em sua guerra de libertação. Daí, em
parte, o tempero e o fervor “nacionalista” moçambicano, implantando na ex-
província ultramarina portuguesa um comunismo “made in África” ou talvez até
um afro-comunismo.

Notam-se assim as diretrizes que levaram os países africanos a se livrarem do


colonizador europeu traduzindo-se na caracterizada repulsa à ingerência
estrangeira em seus negócios. Assim afirma Senghor: “Como africano e com
conhecimento, direto ou indireto, dos diversos países da África Negra, creio que
dificilmente poderá vingar em qualquer deles uma réplica do socialismo
soviético, mesmo que seja rotulado de marxismo-leninismo”. ****

A despeito de Machel haver inspirado o “Grupo de Primeira Linha”, unindo seu


país à Zâmbia, Tanzânia, Botswana e Angola contra o regime apartheísta da
Rhodésia, o governo moçambicano depende do outro governo apartheísta.
Precisa da República da África do Sul para vender a energia elétrica gerada pelo
audacioso projeto de seu ex-colonizador português, de Cabora-Bassa, que
constitui a maior receita do país; e necessita dos depósitos feitos diretamente ao
Tesouro de Maputo (ex-Lourenço Marques) de 60% dos salários de 150.000
moçambicanos trabalhadores nas minas sul-africanas, que, se despedidos por
Pretória, fariam Moçambique perder sua segunda maior fonte de divisas.

Em Angola, à semelhança do que ocorria em Moçambique, atuavam dividindo


suas forças: o MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), ligado à
linha cubano-soviética sob orientação de Agostinho Neto e Mário Pinto de
Andrade; a UPA (União dos Povos de Angola), pró-ocidental, chefiada por
Holden Roberto; e a UNITA (União Nacional de Independência Total de
Angola), simpática à China e dirigida por Jonas Savimbi.

O problema de Angola se tornou mais difícil que o de Moçambique pelo


confronto de força dos três grupos a refletirem duas tendências no âmbito das
Relações Internacionais: o MPLA, auxiliado pela Rússia, a FNLA (Frente
Nacional de Libertação de Angola) ***** e a UNITA, apoiados nos Estados
Unidos, China, Zaire, Zâmbia e África do Sul.

Graças à mediação de Jomo Kennyata, presidente do Quênia, foi possível um


acordo entre os três líderes para a formação de um governo provisório português
de transição até o momento da independência, cuja data foi fixada para 11 de
novembro de 1975 pelo Acordo de Alvor.

O Acordo de Alvor, porém, não trouxe a tranquilidade; os três líderes


continuaram a luta, fazendo com que o governo português se retirasse
discretamente na véspera da independência sem passar o poder a ninguém.

Assim, no dia 11 de novembro de 1975, nascia uma Angola dividida: com


Agostinho Neto dominando Luanda, enquanto Jonas Savimbi e Holden Roberto
se uniam em Nova Lisboa, que passava a se chamar Huambo.

A guerra de Angola assumiria proporções internacionais, embora no âmbito


regional africano; sobretudo, ostensivamente até novembro de 1976, quando o
MPLA se consolidou no poder, tendo em vista o apoio que os aliados ocidentais
(exclui-se no caso a China) retiraram da FNLA e UNITA.

O governo de Agostinho Neto, ****** não dispondo de recursos para


impulsionar a imensa tarefa de reconstrução nacional, consolidou suas posições
com o apoio ostensivo da Rússia e de Cuba em todos os setores. A situação de
Angola é, pois, mais dependente que a de Moçambique.

O tribalismo de Angola é representado pelos muitos grupos bantús (bakongo,


kimbundo, ovimbundo e chakuê) que, reunidos, perfazem 78% dos negros no
país. O fato é, pois, original na África, já que se constitui de um mesmo povo
que poderia formar uma só nação, mas que não a forma porque se subdivide em
grupos.

Assim, Jonas Savimbi (UNITA) apoiado pelos ovibundos (40% da população de


Angola) mantém ainda as guerrilhas; muito embora não controlando áreas
contíguas, a distância entre as mesmas impede a implantação de seu poder. É
Savimbi, pois, ao que parece, quem ainda mantém a resistência contra o governo
do MPLA: sabendo-se bastante fraco o movimento de Francisco Xavier Lubota
do grupo rebelde da FLEC (Frente de Libertação do Enclave de Cabinda); e
praticamente inexistente a ação de Holden Roberto, apoiado pela tribo Kongo,
pelo menos desde 1976, quando Angola e o Zaire (onde se apoiava a UPA)
fizeram um acordo de desestimulo às guerrilhas.

País sem nação e com um nacionalismo dividido, a República Popular de


Angola, com língua oficial portuguesa, sobrevive graças ao Tratado Moscou-
Luanda (1976), cujo preâmbulo chega a ser uma quase declaração de guerra em
vez da simples afirmação de amizade entre os dois países signatários. Afirma
ainda o artigo 5.° que: “As partes contratantes continuarão no futuro a travar
uma luta infatigável contra as forças do imperialismo para a liquidação final do
colonialismo e neocolonialismo, do racismo e apartheísmo. Continuarão
trabalhando para a plena implementação da Declaração das Nações Unidas, que
concede independência aos países e povos coloniais”.

Nesse artigo se viu o papel ativamente militante de Angola na invasão de Shaba,


província zairense separatista, desde a Guerra de Katanga. Nota-se, sobretudo, o
papel que Angola poderá ter na Namíbia, o antigo Sudoeste Africano, que desde
1966 procura separar-se da República da África do Sul.

A Namíbia se limita com Angola e Zâmbia, em cujos cerrados do sul e sudoeste,


respectivamente, se concentram as bases operacionais dos guerrilheiros da
SWAPO, que em inglês significa Organização do Povo da África do Sudoeste.
Esses guerrilheiros, constituídos em sua maioria pela tribo ovambo, procuram
representar, sem poderes para tal, as 11 tribos que formam a atual população
negra da Namíbia. (Mapa 24)

Mas se Angola se vem prestando a apoiar a SWAPO, também não está livre de
se transformar num “Vietnam Africano”. A UNITA e a FNLA não conseguiram
implantar seu governo em Angola, mas isso não quer dizer que tenham
abandonado a luta. Sua pretensão é estabelecer um outro país no sul do rio
Cuanza, no paralelo de 11°, que liga Novo Redondo, no litoral, a Teixeira de
Souza, no interior. (Mapa 25)

O separatismo se sobrepõe ao nacionalismo em Angola como na própria Guiné-


Bissau, que já se considerava, desde 1973, embora unilateralmente, como nação
livre. O reconhecimento do novo regime de Luís Cabral só se deu após a queda
do Salazarismo, pelo Acordo de Argel, em 26 de agosto de 1974.

Na Guiné Portuguesa havia atuado o PAIGCV (Partido Africano de


Independência da Guiné e Cabo Verde), orientado, desde 1956, por Amílcar
Cabral, assassinado cm Conacri em 1973. O PAIGCV, a despeito de ter sido e
ser partido único, ******* conta com a má-vontade dos fulás, cujos chefes, ao
lado de seus parentes nigerianos, viram na independência da Guiné-Bissau um
real atentado a seu poderio.

O pequenino território da Guiné-Bissau (36.125 km2), menor que o nosso


Estado do Espírito Santo (39.557 km2) conta com cerca de 40 tribos, dentre as
quais predominam os balantas, os peuls e os mandingas. País essencialmente
agrícola é mais um dentre os inúmeros pobres instalados na África.

Em março de 1980 os 5 países de língua portuguesa da África — Angola,


Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau e S. Tomé-Príncipe assinaram um
acordo de cooperação econômica. Nesse encontro, o anfitrião, Samora Machel,
antes sempre refratário ao tema da língua comum, mudou de tática. Governando
Moçambique, onde apenas 2% da população é alfabetizada e só 5% se es-pressa
em português, passou a buscar na “expressão portuguesa” a unidade do país.

No entanto, esses países africanos não admitiram a criação de uma comunidade


lusíada, por verem nela os germes do neocolonialismo. Mas, é fato que,
enquanto a indefinição de Portugal ante a nova situação política africana se
mantém, o Brasil ganha terreno.

Esses países marcaram novo encontro, desta feita cm Guiné-Bissau, para o


primeiro semestre de 1981, onde estudariam uma nova aproximação nos setores
cultural e esportivo. Essa nação era governada por Luís Cabral, o primeiro entre
os cinco governantes a atravessar o Atlântico para visitar o Brasil em abril de
1980.
*

Reconhecendo a debilidade da África e de seus vários Estados considerados


pobres, a ONU limita para com o órgão suas obrigações financeiras, sem, no
entanto, limitar-lhes o poder decisório. Como, além dos “Cinco Grandes” com
direito de veto, todos contam igualmente com um voto, depreende-se que uns
pagam para que outros resolvam.

A África “é o continente com menor desenvolvimento econômico; aquele que


menos população tem e mais atrasado está; aquele que ascendeu à maioridade
depois de todos, tendo sido admitido na ONU em último lugar; finalmente,
aquele que, pela rapidez de sua evolução, não conheceu a adolescência que lhe
teria proporcionado um pouco de indispensável experiência política”. ********

Estima-se que, em menos de 25 anos, a África terá que acomodar mais de 535
milhões de pessoas, cifra só maior que a da América Latina, avaliada em 440
milhões.

Na atualidade, grande número de africanos leva uma vida marginalizada, se


dissermos, por exemplo, que 30% sofrem de desnutrição ou subnutrição e que as
tribos turkana do Quênia sobrevivem ainda à base de frutos silvestres. Quem se
acostumou a uma dieta diária média de 3.300 calorias não pode conceber que
ainda vivam milhões de pessoas no Alto Volta ou na Somália, para não
generalizar mais, com 1.800 calorias/dia, índice bem inferior ao da considerada
necessidade mínima.

Para as numerosas tribos que vivem ainda afastadas da civilização, a assistência


à saúde é coisa desconhecida.

No quadro mundial, é na África que se encontra a maioria dos países mais


pobres, com populações tribalistas e analfabetas. Procurando se desacoplar do
colonizador europeu, a África entrou em processo de quarentena. Assim, na
região do Sahel, ao sul do Sahara, o mau uso da terra vem provocando séria
erosão do solo, levando até lá o deserto. E, no entanto, essa região já constituiu
uma das mais ricas do mundo; hoje, somente com barragens o Sahel poderá
voltar a produzir para alimentar o seu próprio povo. O deserto não avança para o
sul, mas a partir do sul.
A região do Sahel, envolvendo seis países africanos: Senegal, Mauritânia, Mali,
Alto Volta, Niger e Tchad, necessita de medidas urgentes para que se estabeleça
um “cinturão verde”. Depende, porém, da ajuda internacional para a canalização
das águas das bacias sahelianas, dentre as quais — a do Tchad, a do Niger, a do
Senegal e a do Volta. Esse apoio técnico-financeiro ainda não se concretizou,
pois depende de injunções políticas e interesses econômicos.

Embora observadores de boa-fé, mesmo animados de um preconceito malévolo,


como por exemplo Jean de la Guérivière (“Le Monde” — 8 de agosto de 1972),
tenham reconhecido que era inexistente a discriminação racial nas áreas
colonizadas por Portugal, “vingam-se descrevendo a pobreza das zonas rurais
quase exclusivamente povoadas por africanos, as insuficiências da escolarização,
a fraca proporção dos autóctones a que é dada a possibilidade de se elevarem a
quaisquer funções, públicas ou privadas importantes”. ********* Ora, se as
críticas são justificadas, para a África, também o serão para países de outros
continentes; reconhecendo-se ainda a existência, no campo, de zonas
subdesenvolvidas em países considerados desenvolvidos.

Imaginavam, por certo, os “nacionalistas africanos de boa-fé” que a ruptura com


a metrópole, o simples tocar da “varinha mágica” que expulsou o europeu, poria
fim ao subdesenvolvimento dentro da orientação segura dos dirigentes ou
ditadores autóctones.

No contexto africano, as populações do campo estão fugindo para as cidades;


Cairo e Lagos, cidades super-populosas, recebem milhares de pessoas vindas do
interior em busca de melhores horizontes. Nesses centros urbanos, essas pessoas
passam a viver marginalizadas, talvez ainda em situação até bem pior do que
levavam no interior. O êxodo tem sido tão intenso que, em apenas uma década, a
que se seguiu ao início da revolução política, a população de várias cidades
africanas quadruplicou.

“Parasitismo familiar, analfabetismo, tendência para a facilidade e para a


fraseologia, fetichismo do título, irresponsabilidade e inconsciência no trabalho,
favoritismo, nepotismo.” Foi isso o que disse, para classificar certos males
endêmicos da África, Tombalbaye. O mesmo líder africano, que governou a
República do Tchad até 14 de abril de 1975, quando foi morto a tiros pelos
opositores que se diziam “cansados das injustiças sociais cometidas pela política
separatista” de seu governo.
Dentro, pois, do contexto geopolítico e geoestratégico, a frágil África, além de se
transformar na mais nova arena para a política das superpotências, poderá, a
curto prazo, ser o foco de levantes e convulsões violentas. Convulsões que
poderão envolver também dois arquipélagos de considerável importância
estratégica — os Açores e as ilhas Canárias, que a OUA pretende solicitar ao
Comitê da Descolonização das Nações Unidas sejam incluídos na categoria de
colônias ao lado da ilha de Reunião.

Depois da “Revolução dos Cravos” (25 de abril de 1974), além de Angola e


Moçambique, Guiné-Bissau, também S. Tomé e Príncipe se tornaram
independentes.

Essas ilhas (964 km2), de maioria negra, foram utilizadas inicialmente para a
plantação intensiva da cana-de-açúcar, mas, quando a produção brasileira se
tomou suficiente aos interesses comerciais de Portugal, foram praticamente
abandonadas. Tanto assim que, no século XVIII, estiveram durante algum tempo
nas mãos dos holandeses.

Essas ilhas também não desempenharam papel de destaque no momento em que


as colônias continentais africanas se revoltavam contra Portugal; e, no entanto,
desde 1960 se havia criado o Comitê de Libertação de S. Tomé e Príncipe,
fundado por João Guadalupe Viegas de Cellas e Antônio Pires dos Santos. Por
sua organização precária e sem meios para se envolver nas lutas libertadoras, o
CLSTP se manteve na condição de quase espectador. Assim, através de gestões
diplomáticas, o Comitê se transformou em Movimento — MLSTP —,
conseguindo, já então sob a liderança de Manuel Pinto da Costa, a
independência, fato consumado a 12 de julho de 1975.

Quanto aos Açores, a 1.800 km a oeste de Lisboa, em latitude inteiramente


européia, conta, por seu excelente posicionamento no Atlântico-Norte, com
importante base dos Estados Unidos, no âmbito da OTAN.

Esse arquipélago português goza de autonomia mais ou menos nos moldes da


Catalunha espanhola, contando com o movimento separatista dirigido pela FLA
(Frente de Libertação dos Açores), chefiado por José de Almeida.

Curiosamente, a FLA é diferente dos demais movimentos separatistas das ex-


colônias portuguesas, pois se situa na extrema direita. Tem, por isso, no PC
português, que na época do Salazarismo serviu de intermediário entre Moscou e
os líderes negros separatistas, o seu mais ferrenho inimigo.

Por outro lado, o movimento separatista açoriano tem no ditador Kadhafy, da


Líbia, um grande aliado que comparou o caso dos Açores ao das Canárias. Para
Kadhafy “o arquipélago dos Açores, não sendo geograficamente território
português, tem o direito de lutar por sua autodeterminação e a OUA deve ajudar
o seu movimento de libertação”.

Embora não tão ostensivamente, sabe-se que subsistem grupos esquerdistas


procurando, se não encampar, pelo menos se infiltrar no movimento separatista
açoriano. Justificamos o fato remontando às origens da FLA, nascida do MAPA
(Movimento pela Audodeterminação do Povo Açoriano), que funcionou a partir
de 1974 por apenas um ano. Fechado esse movimento, surgiu a FRIA (Frente
Revolucionária para a Independência dos Açores), com tendências esquerdistas,
levando então José de Almeida, deputado com longos anos de experiência, a se
desligar do partido. Aliou-se então ao MIA (Movimento de Independência dos
Açores), antiga agremiação estudantil, que, tomando feição de partido político,
se transformou na FLA.

Pelo valor estratégico dos Açores e necessidade de manter a posição, os países


da OTAN, notadamente os Estados Unidos, Inglaterra e Alemanha, veem com
certa simpatia a FLA.

Em se tratando das Canárias, tanto os Estados Unidos quanto a Rússia já


declararam oficialmente considerá-las como parte integrante da Espanha. Mas,
por outro lado, o silêncio de alguns países europeus pode ser interpretado como
forma de induzir a Espanha a entrar para a OTAN. Assim, em grande parte, o
problema das Canárias levou a UCD (União do Centro Democrático), o partido
que se encontra no governo espanhol, a apresentar ao Congresso a proposição
para a entrada da Espanha na OTAN.

Nas Canárias, o líder separatista Antônio Cubillo dirige o MPAIAC (Movimento


para a Autodeterminação e Independência do Arquipélago Canário). Este
movimento é apoiado pela OUA, que apresenta como tese geopolítica
fundamental o fato de ser o arquipélago das Canárias atravessado por um
“paralelo africano” e se encontrar mais próximo das costas africanas do que da
européia.

Como nos Açores, a população das Canárias é essencialmente européia, sendo


que o grupo guanche, em nome do qual Cubillo se propõe a lutar, se extinguiu
praticamente desde o século XVI.

Colocando-se contra a independência, o governo espanhol se apoia em tese


geohistórica, pois, tanto étnica quanto culturalmente, o arquipélago é parte
integrante da Espanha. Aponta, ainda, o governo espanhol, como fato mais
sugestivo, as eleições de 15 de junho de 1978, quando o PCU (Partido Canário
Unido), que agrupa os separatistas, só conseguiu 6% dos votos em Las Palmas e
percentagem ainda mais insignificante em Tenerife.

Concluímos, pois, que o nacionalismo e o apartheísmo foram as duas grandes


brechas produzidas no continente africano para facilitar a entrada do
comunismo.

Por sua vez, o neutralismo constituía a ponta-de-lança, visto que todos aqueles
que se alinhavam no chamado “Terceiro Mundo” tenderam mais, na prática, para
o bloco comunista. Vemos, assim, que Ben Bella só adotou a cômoda posição de
neutralista para obter o apoio guerrilheiro na defesa de sua tomada do poder na
Argélia. Foi também o neutralismo ferrenho do Partido Neo-Destour que levou
os Estados Unidos a abandonarem importantes bases que possuíam no Marrocos.

Com a Primeira Guerra Mundial, a Europa perdeu praticamente sua posição de


comando no mundo; a Inglaterra e a França iriam, aos poucos, sendo substituídas
no cenário das Relações Internacionais pela Rússia e Estados Unidos.

O comunismo passou a ser imposto pela Rússia em vastas áreas, enquanto a


democracia dos Estados Unidos se via, paradoxalmente, no papel de contra-
revolucionária.

A Segunda Guerra Mundial seria, porém, causada pela Alemanha e Itália, duas
nações européias dentro da auto-realização racista, na era imperialista das
superpotências industriais. Era isso a realidade da suprema religião nacionalista.
Nessa luta entre a liberdade e o totalitarismo, os africanos se fizeram representar.
Viram então cair a Bélgica, a França ser esmagada em poucas semanas,
enquanto a Inglaterra se mantinha sitiada. Os povos dependentes viram, então,
que as forças dominantes da política mundial não estavam mais na Europa
Ocidental e sim com dois países que se opunham ao sistema colonial — os
Estados Unidos e a Rússia.

Na justaposição de todos esses princípios dogmáticos, a África se levantou no


pós-guerra num processo de revolução política. E essa revolução política em
territórios coloniais africanos iria fazer-se em nome de um nacionalismo
exacerbado, com “slogans” democráticos, contra o imperialismo, e sob a
proteção da bandeira comunista. Essa revolução política daria margem a que a
África ficasse na mira das duas superpotências industrializadas, ditas
imperialistas, já que as numerosas alavancas de que se serviram os novos países
africanos nem ao menos serviram para os levar à destribalização.

* Armée em francês — donde a letra “A”.

** Dentro ainda da mesma campanha, Stanleyville passava a se chamar


Kisangani, Coquillatville (Mbandaka), Coster-mansville (Bukavu), Albertville
(Kalemi), Elisabethville (Lu-bumbashi), Luluaburg (Kananga).

*** Basil Davidson — Révolution en Afrique: Libération de la Guinêe


Portuguaise, pág. 40.

**** Henri-Pierre Arphang Senghor — O Atlântico Sul e a África, pág. 15.

***** A outra sigla adotada pela UPA de Holden Roberto.

****** Esse líder angolano faleceu em setembro de 1979; sendo substituído por
José Eduardo dos Santos.

******* Não se sabe como e por que desapareceu a FLING (Frente de Luta pela
Independência da Guiné).

******** Hélio Felgas — “África — A Evolução Política de 1956 a 1970”, in


Cadernos Militares, N.° 20, pág. 64.

********* Jacques Soustelle — Carta Aberta às Vítimas da Descolonização,


pág. 76.
11. RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Vertiginosamente descolonizada entrou a África na chamada fase da “guerra


tépida”. Em junho de 1978, os antigos colonizadores europeus (França,
Inglaterra e Bélgica), ao lado dos Estados Unidos e Alemanha Ocidental, se
reuniram em Paris para acertar sobre a formação de um exército exclusivamente
africano capaz de repelir as forças russo-cubanas que se instalaram no
continente.

As nações pró-Ocidente, com destaque a Costa do Marfim, o Marrocos, o Togo,


o Gabão e o Senegal, parecem ser os candidatos mais favoráveis. (Mapas 10 e
11) O contingente de tropas marroquinas, que foi substituir a Legião Estrangeira
francesa, que fizera frente aos invasores de Shaba (ex-Katanga) em 1978, parece
ter sido o primeiro ensaio dessa política.

Trata-se de uma ação dirigida, pois, não havendo maturidade política, será
sempre irreal o que disse Bossa Malwai, Ministro da Informação do Sudão
(1977): “É muito perigosa a sempre crescente importância das superpotências na
África”; se elas permitissem, “resolveríamos sozinhos os nossos problemas”.

Poderão mesmo os africanos resolver sozinhos os seus problemas? Como agirão


contra o separatismo? Como terminarão com o tribalismo? E os riscos da
instabilidade?

Regimes imprevisíveis se instalam em várias repúblicas africanas. Se o


historiador clássico, Plínio, vivesse, veria quão certo estava ao escrever que “da
África sempre surge algo novo”. Dentro do sistema de regimes imprevisíveis
africanos caracterizam-se os golpes de estado e bárbaros assassinatos; levando-
se em conta que quase nenhuma mudança de governo ocorreu por processo
eleitoral, tem-se ainda neste contexto o fato muito comum de ideologias que
mudam da noite para o dia no que se pode chamar de jogo das influências na
África. (Mapas 10 e 11)
Assim, quando a França, em 1958, começou a conceder independência à sua
África Ocidental e Equatorial, os Estados soberanos que aí surgiam perceberam
claramente que não poderiam sobreviver sozinhos, e que para tal necessitavam
da ajuda francesa ou de outros países.

Com exceção da Argélia e mais recentemente da República de Djibuti, as ex-


colônias francesas não têm produzido convulsões no âmbito das Relações
Internacionais; mas nem por isso se poderá dizer que não tenha havido certos
casos grotescos ou que vivam fora da instabilidade ou que mesmo para ela se
encaminhem.

Bem paradoxal foi o caso do Dahomé, transformado, em 1975, na República


Popular do Benin, tendo como filosofia o marxismo-leninismo. Segundo seu
presidente, Mathieu Kerekú, que assumiu o poder (1972) após o quinto golpe de
estado que se verificara desde a independência (1960), o topônimo foi
substituído para renegar o imposto pelo colonizador e lembrar uma “autêntica e
brilhante civilização africana”. Embora repudiando o branco europeu, a nova
bandeira do Benin passou a ostentar a estrela vermelha de cinco pontas, o
símbolo do comunismo russo, não menos branco que o francês.

Depois do golpe de Kerekú, verificamos que a metade dos doze antigos


territórios da AOF e AEF estava submetida a uma ditadura militar que em nada
difere da ditadura civil de Sekú Turé na República da Guiné.

Bem caótica é a situação de países africanos, oriundos da colonização francesa,


que ficaram sem saída para o mar. Dentre eles a República Centro-Africana, que,
a partir de dezembro de 1976, passou a ostentar o primeiro imperador da África
moderna, num continente de repúblicas, onde nem mesmo foram respeitadas as
antigas monarquias do Egito e Etiópia. O novo imperador africano, Jean Bedel
Bokassa, chegava ao poder em 1966, após golpe incruento contra David Dacko.
Em 1972, Bokassa, que se dizia admirador de Napoleão Bonaparte, se tornou
presidente vitalício, acumulando aos poucos outras funções — marechal-de-
campo, comandante das Forças Armadas, secretário-geral do único partido — o
MESAN (Movimento para a Evolução Social da África Negra); * passando a
dirigir também os Ministérios da Justiça, Defesa, Interior, Serviços Públicos e
Previdência Social. Conservando as principais funções no país, foi fácil
transformar-se num imperador, do Império Centro-Africano, onde a taxa de
analfabetismo é superior a 80%.
O caso do Mali é de um país que vive na deriva. Após a independência, houve,
com Modibo Keita, a tentativa do estabelecimento de uma sociedade socialista.
A insatisfação causou a derrubada de Keita (1968) e o estabelecimento de um
regime de várias arestas; e com a abolição da coletivização das fazendas, foi
solicitada a ajuda francesa, sendo porém conservados os laços com a China e a
Rússia. No Mali, de um Comitê Militar de Libertação saem os governantes do
país, que nem por isso escapam de ser depostos. O partido único UDMP (União
Democrática do Povo Malinês) não foge à característica africana, como também
a da disputa territorial, que, no caso do Mali, se relaciona com o Alto Volta.

A República do Alto Volta, também instável desde 1966, do mesmo modo que a
República do Tchad, mostra a indecisão política que reina nesses países. O
Tchad, por exemplo, onde membros das Forças Armadas mataram a tiros, em
1975, o Presidente François Ngarta, ora fecha suas bases aos franceses, ora
assegura o uso de aeroportos à Força Aérea de seus ex-colonizadores.

Na República Popular do Congo, o assassinato do Presidente Marien Nguabi e a


subida ao poder do Coronel Joaquim Yombi Opango indicam que a instabilidade
não é privilégio apenas dos países interiorizados. As ajudas russa e chinesa, ao
lado da influência econômica e cultural francesa, confirmam o dirigismo que o
presidente (antes chamado Albert Bernard Bongo) procura desmentir, lançando a
“gabonização” de seus país. Convertido ao islamismo (1973), passou a se
chamar Ornar Bongo, afirmando na ocasião que renunciava ao “liberalismo
econômico”, optando por um “progressismo democrático”; pelo menos em jogo
e combinação de palavras a nova África tem sido bastante fértil, adicionando-se
a tudo isso a instabilidade política.

A propósito, ainda, vem o caso de Philibert Tsiranana, o “Pai da Independência


Malgaxe”, que, endeusado até 1972, destituído pelo General Gabriel
Ramanantsoa, teve que se retirar, na obscuridade, para sua aldeia natal de
Anauidrano. A instabilidade dentro do mosaico étnico também vigora, pois
Tsiranana era um tsimihety, representando o proletariado negro; já Ramanantsoa
representa os rnerinas, tribo malaio-polinésia, remanescente de uma aristocracia
acobreada que comanda o Exército.

Já o Camerum, governado, desde 1960, por Amahdu Ahijo, e a Costa do


Marfim, por Félix Houphouet-Boigny, desenvolvendo-se na estabilidade, vem
contrastando com os seus vizinhos. A “revolução verde”, implantada pelo
governo do Camerum (1973), destinada a barrar o êxodo rural, associada ao
desenvolvimento de sua base essencialmente agrícola, tem tido como seguro
complemento a eficaz política do desenvolvimento dos transportes. Já a Costa do
Marfim, o país mais rico dentre os que se formaram da dissolução da AOF, vive
da diversificação agrícola e encorajamento da iniciativa privada competitiva, que
cria clima favorável aos investimentos estrangeiros.

Quanto ao Senegal, para onde sempre convergiu grande parte da atividade


comercial e administrativa da França, vinha, pelo menos até bem pouco tempo,
demonstrando estabilidade. Dirigido desde sua independência por Leopold
Senghor, procurou esse líder, em 1976, em respeito aos 86% das confrarias
muçulmanas, realizar uma “abertura democrática”. Assim, uma emenda
constitucional permitiu a coexistência legal de três partidos no país. A União
Progressista Senegalesa (UPS), liderada pelo próprio Senghor, defende o que ele
chama de “socialismo com face humana”. Situado à direita da UPS, o Partido
Democrático Senegalês (PDS), liderado por Abdullah Wade, se diz “democrata
liberal”; e, finalmente, o PAI (Partido Africano Independente), liderado pelo
marxista-leninista Mahmud Dio, que esteve exilado durante dez anos (1966-76).

Por ocasião da “abertura democrática” tentou também ingresso na vida política


do país o RDN (Reagrupa-mento Democrático Nacional), dirigido pelo ex-
Primeiro- Ministro Mamadú Diá, constituído pelos chamados comunistas-
socialistas da linha dura. Não conseguindo sua brecha nessa “abertura
democrática”, tem procurado o RDN criar os maiores problemas para o governo
senegalês de Senghor. Além de fomentar greves, vem editando ultimamente uma
revista mensal, “And Soppi”, que no dialeto senegalês uolof significa — “unir-se
para mudar”. Inteiramente contestatória, no que se vê pelo próprio nome
escolhido, essa revista vem lutando para que o Senegal renegue a influência
ocidental, começando pelo abandono do francês, que é o idioma oficial do país.

Dentro deste e outros contextos a África passou a ser um dos grandes alvos da
diplomacia francesa, haja vista a viagem feita ao continente por Louis
Guiringaud, Ministro das Relações Exteriores da França (1977).

Deseja a França entrar no jogo das superpotências e para tal interveio no Zaire
quando da invasão da província de Shaba (1978); e garantiu com tropas, no ano
anterior, a independência da República de Djibuti.

No conjunto, sob o ponto de vista geopolítico, o maior interesse francês se


prende aos dois extremos do continente africano — no norte, de equilíbrio
político precário, ameaçado por expedições militares tanto na região oriental
como na ocidental do Sahara; e, no sul, já que faz parte de uma Europa
Ocidental dependente do petróleo, que passa pela rota do Cabo.

Esse último fator explica, em parte, as atitudes francesas de rompimento do


bloqueio econômico contra a Rhodésia bem como as simpatias pelo governo
branco, a cujo Exército fornece armas e combustível. Dentro do fornecimento de
apoio logístico ao regime do “apartheid”, além das 95 firmas francesas que
operam na República da África do Sul, se destaca a venda de centrais nucleares
ao governo de Pretória.

Em 1977, a assistência dos Estados Unidos na África foi de 362 milhões de


dólares, dos quais 1/5 para gastos de natureza militar. A ajuda russa para fins
civis é a metade da estadunidense; embora a ajuda militar venha crescendo
consideravelmente nos últimos anos, sobretudo a partir de 1974, quando se
desfez o império africano português. Só na Tanzânia foi instalado pelos russos
um sistema de defesa aérea no valor de 30 milhões de dólares, que a OTRAG
(“Orbital Transport und Raketen Aktiengesellschaft Germany”) procurou
contrabalançar, visto que poderá, em pleno coração do Zaire, se transformar
numa base da OTAN.

Após se tornar o “guardião paternal” dos movimentos nacionalistas, a empresa


aérea Aeroflot passou a ligar nada menos que vinte capitais africanas a Moscou.
E, tendo em vista a intervenção militar cubano-soviética no continente africano,
os Estados Unidos, em reunião da OTAN (1978), afirmavam, através de Carter,
que: “A Aliança Atlântica não deve limitar suas atividades à Europa, porque nos
últimos anos o poder soviético se expandiu para além da área do Atlântico-
Norte”.

E a quem se deve essa expansão russa, senão à própria ação do Congresso dos
Estados Unidos? Isto porque várias restrições aprovadas pelo Congresso
impedem que os Estados Unidos prestem assistência imediata a nações
estrangeiras. Entre as principais que se destinaram à África se encontra a
Restrição-Seção 25 (Lei de Assistência à Segurança Internacional de 1977). Esta
proibia, durante o ano fiscal de 1978, operações de natureza militar ou
paramilitar no Zaire, a menos que o presidente declarasse que tal assistência
seria do interesse da segurança nacional e submetesse ao Congresso uma
descrição e certificado.
Ora, se a invasão da província de Shaba (1978) fosse esperar por tudo isso que a
chamada “democracia” exige do governo estadunidense, o Zaire, bastião do
Ocidente, estaria mutilado. A vitória teria sido das tropas invasoras dirigidas
pelos cubanos-soviéticos, não fosse a pronta ação franco-belga.

A Angola de Holden Roberto foi derrotada pela Angola de Agostinho Neto


sustentada pelos cubano-soviéticos porque a “democracia” nos Estados Unidos
assim o exigiu. Pelo menos é o que se pressupõe através da Restrição-Seção 404
(Lei de Assistência à Segurança Internacional e Controle de Exportação de
Armas de 1975), proibindo a assistência de qualquer natureza para promover
operações militares ou paramilitares em Angola.

No território angolano, como em várias partes da África, a “democracia”


estadunidense impede a ação de seu governo mesmo diante de um “diagnóstico
de urgência”. Nessas condições os Estados Unidos perdem por não se poderem
valer da tradicional tendência dos antagonistas de buscarem apoio externo dentro
do clássico princípio de que o inimigo do meu inimigo é meu amigo e de que
vale a pena a vitória, mesmo que se necessite de ajuda para conquistá-la.

Assim age a China, que, quando perde influência num ponto, procura adquiri-la
noutro, mesmo que para isso tenha que se pôr ao lado de potências ocidentais,
como agiu no próprio caso de Angola ao lado dos pró-ocidentais. Mantém a
China programas de ajuda a 23 nações africanas. Agem assim os chineses dentro
da linha geopolítica moderna — pouco lhes interessa saber se os russos têm ou
não um plano central para dominar a África, porque têm a convicção de que eles
estão determinados a se movimentar para onde quer que os Estados Unidos e
seus aliados deixem um vácuo aparente.

Lenine afirmava — “quem conquistar a África dominará a Europa”. Diante


disso, valerá a pena investir tanto nessa África, o continente de tantos riscos?

Três vezes e meia maior do que o Brasil, o continente africano encerra enormes
riquezas em recursos naturais. E foi por isso que Sir Neil Cameroon, do Estado-
Maior da Defesa da Inglaterra, afirmou em reunião da OTAN (1977) que “no
futuro, a Organização se pode ver obrigada a entrar em guerras periféricas para
garantir sua parte nos recursos mundiais”.

O fato de se dizer que a Rússia e seus satélites são auto-suficientes em minério


vem sendo contestado. Para sua indústria de alumínio, em expansão, vêm os
russos importando substanciais quantidades de bauxita da Guiné e da Guiné-
Bissau. As importações de metais não-ferrosos estão nos planos dos russos, visto
que a produção na Rússia vem crescendo apenas à metade da taxa anual que
alcançava uma década atrás. No mesmo caso estão os satélites russos, que, com
exceção da Polônia e da Romênia, são dotados de raras matérias preciosas.

No entanto, o mundo comunista, carente de divisas, procura oferecer em troca de


tanta riqueza africana, além de maquinaria, outros produtos industriais. Como os
países africanos se encontram, à semelhança de Cuba, na faixa de simples
exportadores de matérias-primas, podem aceitar as mercadorias russas como
substitutas indispensáveis ou então como concorrentes dos suprimentos
ocidentais, a despeito de serem estes últimos de qualidade bem superior.

O comércio é tão interessante que mesmo quando o produto adquirido na África


não for de todo necessário para a Rússia e seus aliados, será comprado para
revenda. Tal fato se deu quando do bloqueio econômico imposto pela ONU à
Rhodésia, que foi respeitado pelos Estados Unidos, mas desrespeitado pela
Rússia e países da Cortina de Ferro. Assim, os países comunistas compravam
cromo na antiga Rhodésia e o revendiam aos Estados Unidos; essa situação
durou até que a Emenda Byrd viesse a permitir a importação do cromo
rhodesiano diretamente pelos Estados Unidos.

Revendendo ou estocando, os países comunistas, valendo-se da instabilidade


política que reina na África, poderão dificultar a vida do Ocidente. Vejamos,
pois, o exemplo do próprio cromo, cujo maior produtor é a República da África
do Sul, seguida pela Rússia e depois pela Rhodésia, atual Zimbabwe. Dentro do
contexto apresentado, notamos que os dois países africanos ricos em cromo têm
ainda futuro incerto.

Importante minério usado na fabricação do aço, é do Zaire de que saem 4/5 das
importações estadunidenses de cobalto. (Mapa 9) Os maiores produtores de
cobalto, responsáveis pela metade de toda a produção mundial, são, por ordem
— o Zaire, a Rússia, a Zâmbia e Cuba. Bastará, portanto, uma guinada para a
esquerda dos dois produtores africanos para que o mundo comunista se torne o
dominador potencial do mercado de cobalto. Embora se diga que o Ocidente
poderia reagir partindo em busca das fontes alternativas de suprimento, será bem
longo o período necessário para que a mina ou a usina de processamento dos
minérios atinja o seu ritmo normal.
Assim, a posição ocupada pela República da África do Sul, Zimbabwe, Zaire e
Zâmbia, como grandes produtores de treze minérios de suma importância
(diamante, ouro, vanádio, metais do grupo platina, cromita, cobalto, manganês,
chumbo, urânio, amianto, níquel, zinco e cobre), confere ao setor meridional do
continente africano destacado papel geoestratégico no quadro das Relações
Internacionais.

Nesse âmbito regional “os cruzados modernos do Continente Negro” ou então


formadores de uma versão contemporânea da Santa Aliança — Julius Nyerere
(Tanzânia), Samora Machel (Moçambique), Keneth Kaunda (Zâmbia) e Seretz
Khama (Botswana) — se aproximaram para uma luta sem trégua contra o
governo de minoria branca instalado por Ian Smith na antiga Rhodésia. Numa
Rhodésia, cujo número de brancos era avaliado em 250 mil pessoas, enfrenta 6
milhões de negros numa área de 390.580 km2, pouco maior que a do nosso
Estado do Maranhão (332.174 km2).

Só a Tanzânia recebia em março de 1976 cerca de 700 russos, que, sob pretexto
de prestigiar a semana do filme russo nesse país, se dirigiram para dois
acampamentos instalados a leste do lago Niassa. Pelo acordo dos “Cruzados”
coube à Tanzânia treinar os guerrilheiros, pois já se mostrara eficiente na ação
quando auxiliou os combatentes da FRELIMO na independência de
Moçambique.

Integrando o grupo dos “Cruzados”, Moçambique, além do dispositivo armado


em suas bases aéreas do Pung-We e Tete, se incumbia da formação e
manutenção dos “santuários” em suas fronteiras, de onde partiam os ataques à
Rhodésia.

Já a Zâmbia se mantinha no grupo para uma eventual terceira frente, pois à


debilidade dos meios militares de que dispunha se associava o obstáculo natural
do rio Zambeze. Encontrava-se, pois, nessa “Cruzada” contra a Rhodésia em
situação semelhante à de Botswana, que, dentro de sua fragilidade, só podia
mesmo era oferecer a sua solidariedade. “A verdade é que a posição da Zâmbia
não é nada fácil, dada a sua situação geográfica de autêntica porta da Rhodésia e
da África do Sul”. **

Assim, a pressão contra a Rhodésia se exerceu ao longo dos 1.400 km da


fronteira com Moçambique, numa tática simples mas que trouxe o resultado do
desgaste. Sem poder realizar um combate frontal, os guerrilheiros procuram
desorganizar e desmoralizar o país de minoria branca entre eles engastado.
Guerrilhas que só tinham trégua, praticamente, quando no curto inverno austral a
vegetação baixa não permitia a ofensiva.

Proscrita pelas nações do Ocidente, desde que se tornou independente


unilateralmente dentro do apartheísmo, a Rhodésia, a despeito do bloqueio
econômico, não só sobreviveu como, na realidade, viveu muito bem. É que tanto
seus vizinhos “inimigos” quanto seus “opositores” ocidentais tornaram os
circuitos misteriosos da economia rhodesiana muito mais bem protegidos que
muitos segredos militares. A tal ponto chega essa política que George Tracy,
promotor das transações externas da Rhodésia, fez a seguinte blague: “Enquanto
os políticos discutem no salão os comerciantes assinam contratos na cozinha”.

No mundo ocidental, a França figurava como o principal fornecedor da


Rhodésia, embora sendo um dos países que apoiaram as sanções econômicas
impostas pela ONU; afirmavam, assim, os rhodesianos que não chegariam a
aguentar dois meses os ataques guerrilheiros não fosse o equipamento militar
fornecido pela França.

Apesar da vigência do bloqueio, a estação de Victoria Falls, no noroeste da


Rhodésia, se transformava no entroncamento ferroviário distribuidor de produtos
que demandavam a Zâmbia, sua “inimiga”, que desde 1973 lhe fechara
oficialmente a fronteira. O trem que partia de Victoria Falls, após percorrer cerca
de 3 km, chegava a um viaduto construído numa garganta de 100 metros, no
Zambeze; aí a locomotiva rhodesiana era substituída por outra zambiana e o trem
seguia o seu destino normalmente. Assim, através da Rhodésia, a Zâmbia
comerciava e comercia com a República da África do Sul, exportando, através
desse país seu “inimigo”, o cobre para Durban e Cidade do Cabo. E, nesse ir e
voltar, circulam também os produtos rhodesianos muitas vezes rebatizados com
o “made in Zaire”.

Nesse conflito, alimentado por blocos ou grupos que se digladiam no âmbito das
Relações Internacionais, os países negros pobres mantêm uma “guerra tépida”
com os países brancos ricos. E, nessa “guerra tépida”, foi a guerrilha que, na
realidade, atingiu mais profundamente a Rhodésia. E, dentro do contexto, os
chamados “Governos da Linha de Frente” formados contra a Rhodésia contaram
com o beneplácito da OUA e o apoio comunista.

Para a Rússia, o fato inicial consiste em acertar as coisas através dos


guerrilheiros, para depois então recompensar a quem melhor lhe convier, visto
que, quando nascesse a planejada República do Zimbabwe, estaria constituído
mais um foco de divergência tribal na África. Receando que Zimbabwe nascesse
das cinzas guerrilheiras, dominada pelo comunismo, os governos da Inglaterra e
dos Estados Unidos tentavam, em vão, há vários anos, uma solução pacífica.
Enquanto isso não acontecia, a Rhodésia se mantinha como mais uma das várias
zonas de fricção no quadro conturbado do continente africano.

As matas rhodesianas proporcionavam esconderijos para as guerrilhas, o tipo


mais dispendioso de luta que existe. A Rhodésia toda se transformou numa área
de operações; os brancos até os 37 anos passam a metade do ano em serviço
militar, já que a única resposta efetiva da Rhodésia tem sido a contraofensiva
também guerrilheira.

Situação que durou até 18 de abril de 1980, quando após 90 anos de dominação
inglesa, 15 anos de rebelião constitucional à Coroa e 7 anos de guerrilhas, surgia
a República de Zimbabwe.

No outro extremo do continente, desde que o geólogo Flamand assinalou a


presença da hulha nas imediações de Kenadja, o primeiro mineral descoberto no
Sahara, o deserto africano passou a ser denominado por expressões pomposas —
“Novo Alaska”, “Novo Ruhr” e “Eldorado”.

As principais jazidas, que começaram a ser exploradas depois da Segunda


Guerra Mundial, mostraram que o grande deserto não era um espaço vazio, mas
que, para explorá-lo, teria o homem que lutar contra a distância e a aridez. O
homem venceu quando o petróleo passou a ser explorado em Hassi-Messaud, na
Argélia, em 1958; e quando mais de 25 milhões de francos foram investidos em
três outras jazidas localizadas nas imediações e na fronteira com a Líbia, que é
hoje um dos maiores produtores de petróleo do mundo. Em 1954, foram
descobertas as reservas de gás natural, bem como jazidas de cobre, manganês,
ferro, carvão, potássio, chumbo, zinco, antimônio e mercúrio.

Nessas condições, o grande deserto, mantido geopoliticamente na esfera de


vários países africanos, transformou-se numa zona estratégica, onde a segurança
da exploração e circulação devem ser absolutas.

Nessa área, a principal zona de fricção se encontra no Sahara Espanhol,


abandonado pela Espanha e ocupado militarmente pelo Marrocos, que o dividiu
com a Mauritânia, desde 1976. Assim, Saguia-el-Hamra, ao norte, e Rio de Oro,
ao sul, emprestaram a sua primeira sílaba para que se formasse a sigla Frente
Polisário (Frente Pró-Libertação Saguia-el-Kamra e Rio de Oro), que se
considera como o prolongamento natural dos movimentos de resistência ao
colonizador. No caso, os “colonizadores” são o Marrocos e a Mauritânia; assim,
o sul do Marrocos e o oeste da Mauritânia são hoje zonas de total insegurança.

Pretende aí a Frente Polisário criar a República Árabe Saauri Democrática,


reconhecida pela OUA; e, indiretamente, pela própria ONU, que desde 1974 não
reconhece os direitos marroquinos e mauritanos, mas sim o de autonomia do
povo saauri. Eis aí, pois, uma quase réplica do que se passa na Namíbia, sendo
mais uma área do continente que se vem prestando à ação das guerrilhas.

A Frente Polisário, formada por população nômade vinda do Sahara Ocidental e


refugiada em território argelino, mostra que o conflito entre o Marrocos e a
Argélia é notório. Envolve ainda no âmbito regional a Mauritânia, como também
a Líbia e Angola, que fornecem os guerrilheiros. No âmbito das Relações
Internacionais, o fato de serem esses guerrilheiros armados com material russo
levou a França a se colocar ao lado do Marrocos. Mesmo porque o ataque a
Zuerat, cidade mineira da Mauritânia, próxima da fronteira argelina (1977),
mostrou que, se De Gaulle procurou situar-se estrategicamente num “Terceiro
Mundo”, entre o Ocidente e o Oriente, o mesmo não pôde fazer Giscard
d’Estaing. A questão envolve, ainda, a própria OTAN, pois esse litoral do antigo
Sahara Espanhol, ao lado do arquipélago das Canárias, tem importância
estratégica notória, visto cobrir a saída do Mediterrâneo para o Atlântico.

Na atualidade, o grande fator da unidade política do Marrocos se prende à


questão do Sahara Espanhol, que, desde 1975, após a chamada “Marcha Verde”,
os marroquinos conseguiram do governo de Madrid. Em nome da chamada
“unidade árabe” o Marrocos e a Argélia não deviam manter essa luta; mas, por
outro lado, os marroquinos não pretendem abrir mão de toda essa riqueza em
potencial.

O problema desta região é tanto econômico quanto estratégico.

No primeiro caso o foco está em Bu Craa, onde se encontra uma grande mina de
fosfato, da qual, antes de estourar o conflito, se retiravam diariamente 25.000
toneladas de minério com 80% de pureza, através de duas gigantescas dragas.
(Mapa 19) O minério é encontrado quase à flor da terra, em profundidades que
variam dos 5 aos 18 metros. De Bu Craa era o minério transportado pela maior
esteira rolante do mundo, 100 km através do deserto, até o porto de Aiun. Assim,
o separatismo insuflado aí se conduz dentro dos mesmos objetivos que os do
Zaire na província mineira de Shaba: anular um país retirando-lhe a região
economicamente vital.

Como o Zaire, o Marrocos vive cercado de regimes simpáticos à esquerda,


sobretudo a Argélia e a Líbia, visto que a Tunísia vem pesando pouco na balança
do Maghreb.

Obtida a separação de Saguia-el-Hamra, conseguir-se-á anular economicamente


o Marrocos, tendo então os argelinos facilmente o governo de Rabat nas mãos.
Nessa disputa, pois, a Argélia demonstra o objetivo de implantar a sua
hegemonia no Maghreb, o que não seria nada mau para a Rússia, pois tanto Aiun
como Dakhla (antiga Vila Cisneros) seriam excelentes bases para integrar o
conjunto que a Marinha russa já tem na África.

Assim, ao lado do interesse francês pela região, se desenvolve o russo, já que


vários geólogos de países orientais comunistas vêm pesquisando o petróleo
desde a Mauritânia até a República Popular do Congo e da Etiópia até
Moçambique. E, no centro das duas linhas — ocidental e oriental — situa-se a
instável República Centro-Africana, onde a chave de tudo está no urânio, de
grande interesse para os franceses. Não foge também às pesquisas o próprio
Atlântico, ao longo da costa da República da Guiné, onde se encontra, graças à
boa vontade do governo de Conacri, um grupo de oceanólogos e geólogos da
Ucrânia.

No coração da África, o Zaire, por sua riqueza mineral e posicionamento, é


também de grande importância no âmbito das Relações Internacionais. É o maior
produtor de diamantes industriais; suas minas de cobre garantem 2/3 dos lucros
das exportações; em seu solo são ainda encontradas minas de cobalto, ouro,
cassiterita, manganês, estanho e zinco. É o 3.° maior país da África com os seus
2.345.409 km2, tendo pouco menos que os nossos Estados do Pará e Amazonas
reunidos. Mas não é por sua área e riqueza somente que o Zaire se demonstra
importante. Sua importância principal reside na posição geográfica; o que levou
Mao-Tsé-Tung a dizer que quem controlasse essa região poderia manipular toda
a África. O Zaire tem, no oeste, acesso ao Atlântico em funcional corredor; no
norte, sua fronteira com o Sudão parte numa linha reta em direção ao mar
Vermelho. Daí a importância geopolítica como também geoestratégica do Zaire
para os russos, ante a possibilidade de um “cinturão de ferro” formado por
Estados comunistas desde o Atlântico até o mar Vermelho, numa diagonal que
vá de Angola até a Etiópia.

Daí a importância para o mundo ocidental do acordo assinado em 1975 por


Mobuto Sese Seko com a OTRAG (“Orbital Transport und Raketen
Aktiengesellschaft Germany”), que se traduz como Sociedade de Transporte
Orbital e de Foguetes; através desse acordo, são concedidas largas prerrogativas
em 10% da área total do Zaire à Alemanha Ocidental.

Com a instalação da OTRAG, o Zaire passou a contar com uma autêntica base
da OTAN, pois a essa Organização pertence a Alemanha Ocidental; e a OTAN,
por sua vez, com um autêntico ponto nevrálgico nessa conturbada zona africana.

Caberá à OTRAG criar uma área de operações para, como diz o acordo,
favorecer o “lançamento de foguetes portadores de engenhos à atmosfera e ao
espaço; e a todas as atividades de qualquer domínio que a estas se liguem direta
ou indiretamente”. Além do gozo integral do território cedido, o espaço aéreo do
mesmo está interditado, só sendo permitidos voos de aeronaves autorizadas pela
empresa alemã.

Assim, quer no conjunto africano, quer no âmbito das Relações Internacionais, a


OTRAG não deixa de ser um ponto de equilíbrio, equacionando-se com as bases
russas na Tanzânia; pondo, por outro lado, sob sua mira não só a Tanzânia mas
também a Zâmbia, Angola e a Rhodésia.

Este “heartland” da África, a que se junta por sua importância a Nigéria, com o
separatismo de Biafra passou-se para o âmbito das Relações Internacionais
quando a França e Portugal apoiaram os rebeldes do Coronel Odumego Ojukú de
um lado, ficando a Rússia e a Inglaterra com o poder central do outro (1967). A
despeito do término da guerra de Biafra, a instabilidade política passou, a partir
de 1970, a ser fator quase que permanente. Em 1974, o General Yakubu Gouon,
pertencente a uma pequena tribo cristã, foi deposto pelo haussá General Murtala
Rufai Mohamed. Por sua vez, as tensões étnicas, reavivadas pelo desejo de
dividir ainda mais a federação de 12 para 19 Estados, levaram o Coronel Dimka
a assassinar Rufai. O movimento rebelde se alastrou, sendo, porém, sufocado
pelas tropas legalistas, que entregaram o poder ao General Olesugun Obasanjo
(1976).
A Nigéria, caracterizadamente contrária ao movimento apartheísta da África do
Sul e defensora dos movimentos nacionalistas, foi sempre o principal
competidor do Zaire na hegemonia da África Negra. O ponto crítico entre os
dois rivais foi justamente a guerra pela emancipação de Angola, na qual a
Nigéria apoiou a facção de Agostinho Neto, colocando-se ao lado da Rússia. A
razão para tal foi a entrada da República da África do Sul ao lado das outras
facções angolanas, sobretudo a de Holden Roberto, nitidamente pró-ocidental. O
ódio que o governo nigeriano nutre pelo apartheísmo se justifica nessa frase
comumente ouvida no país — “no momento em que uma única formiga sul-
africana cruzar a fronteira, todo o quadro muda de figura”.

Tendo apoiado a facção angolana perdedora, o Zaire, com seu diminuto litoral
atlântico, perdeu a amizade de Angola, sua vizinha e dona da mais ampla costa.
Pelo contrário, a Nigéria passou a contar com a simpatia de Angola, valioso
Estado, o terceiro em potencial na África Negra. Dentro deste contexto alguns
diplomatas nigerianos chegam a aventar a idéia de um “Eixo Atlântico-Sul”
formado por um triângulo ligando a Nigéria, Angola e o Brasil. “Na verdade
somos uma nação que deve pensar intercontinentalmente; e o Atlântico-Sul nos
conduz à África, a que tudo nos liga, desde as similitudes da geografia (climas,
solos, vegetação), até as forças étnicas, as precedências históricas e os interesses
econômicos. O Atlântico-Sul nos une a quase toda a África Ocidental e nos
sugere uma política de esplanadas, *** intercontinental, que melhore não
somente nossas condições de proteção e segurança, mas nossas alianças
econômicas e de amizade. Somos, assim, pela nossa própria extensão e posição
no Atlântico-Sul, uma nação intercontinental e um protagonista das Relações
Internacionais com o mundo africano.” ****

A Nigéria (923.768 km2), com sua área equivalente à do Nordeste brasileiro


(969.763 km2), que é o gigante da costa ocidental da África; e Angola
(1.246.700 km2), com área semelhante à do nosso Estado do Pará (1.229.983
km2), se constituem sob vários pontos de vista em “Brasis da África Negra”. De
Angola o passado nos aproxima, e a língua no presente nos une. Já a Nigéria
repete em escala menor o fenômeno brasileiro na América do Sul; com sua
população de quase 80 milhões de habitantes, mostra que, ao sul do Sahara, um
em cada quatro africanos é nigeriano.

Além do estanho e carvão, as abundantes reservas de petróleo da Nigéria — 20


bilhões de barris de preço alto e de baixo teor de enxofre — levaram-na a
participar da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo); assim, a
Nigéria e o Gabão são os dois únicos países negros a participar do grupo.

Como no Brasil, as principais cidades angolanas estão no litoral, voltadas para o


Atlântico; e, como no Brasil, o café constituiu sempre o principal produto, com
45% do total exportável. Além do petróleo, a riqueza mineral angolana se
destaca pelos diamantes e minério de ferro de primeira qualidade; além dos
depósitos de cobre, manganês, fosfato e sal, foram descobertos em 1975
depósitos de urânio na fronteira com a Namíbia.

Angola se encontra entre dois focos separatistas — o de Shaba, no Zaire, ao


norte; e ao sul o da Namíbia, na República da África do Sul.

O antigo Sudoeste Africano, de colônia alemã, passou, depois da Primeira


Guerra Mundial, sob forma de Mandato da Liga das Nações, a ser administrado
pelos sul-africanos. Criada a ONU, a Carta de 1945 instituiu a Tutela através da
qual todos os antigos territórios sob mandato deviam ser, gradativamente,
conduzidos à independência. A 31 de agosto de 1976 esgotou-se o prazo dado
pela ONU para que a República da África do Sul se retire da Namíbia.

Nesse território, ainda não abandonado pela República da África do Sul,


coabitam 11 tribos, dentre as quais a mais numerosa é a dos ovambos. Com seu
território árido, mas de subsolo rico (urânio, cobre, zinco e lítio), já em
exploração por empresas multinacionais, é a Namíbia o foco principal das
divergências entre a África Negra, de um lado, e a República da África do Sul
apartheísta, do outro.

Aí, como no Shara Espanhol, a geopolítica é tão importante quanto os recursos


naturais; se a rota marítima do cabo da Boa Esperança, coberta pelo litoral da
Namíbia, passagem necessária de aproximadamente 70% dos materiais
estratégicos necessários aos países da OTAN, vier a ser bloqueada, o mundo
poderá ver-se verticalmente cortado ao meio, mesmo que o canal de Suez não
seja fechado. Só este fato reflete a importância geopolítica e geoestratégica que
tem a Namíbia para a África do Sul, e esta para as nações em confronto no
continente africano.

Na República da África do Sul vivem cerca de 18 milhões de negros ao lado de 4


milhões de brancos. Cada pessoa recebe, no país, uma classificação pela raça: os
brancos são de origem européia; os bantús ou africanos são negros de qualquer
tribo; os asiáticos, estimados em um milhão de pessoas, são representados pelos
indianos e paquistaneses; e os mestiços, que se calculam em cerca de 3 milhões
de pessoas.

Neste verdadeiro mosaico étnico do apartheísmo, instalado num continente onde


o tribalismo predomina, o divisionismo branco é um fato. Assim como só os
brancos podem votar, a oposição ao governo é feita pelos 40% de brancos de
origem inglesa aos 60% de afrikaners, que ocupam o poder.

A separação entre os afrikaners e os de origem inglesa reflete o secessionismo


canadense representado pelos anglo-franceses. Tal como ocorre no Canadá, na
República da África do Sul o afrikaner, língua derivada do holandês, é oficial e
obrigatoriamente ensinado nas escolas ao lado do inglês; a programação da
televisão é igualmente dividida; os jornais, os anúncios, os rótulos de remédios e
até o catálogo de telefone são escritos nas duas línguas.

Ao lado do apartheísmo, com relação aos demais grupos, o divisionismo entre


brancos de origem inglesa e os afrikaners é um fato, a começar pelas escolas.
Enquanto politicamente, diante da posição inflexível dos afrikaners com relação
ao apartheísmo, os de origem inglesa procuram defender numa liberalização do
regime o fim da segregação racial.

Os afrikaners, que se orgulham de estar na África há mais de 300 anos, se


consideram tão africanos como se consideram brasileiros os negros que vivem
no Brasil. Consideram-se realmente como uma tribo ou nação africana branca,
cristã calvinista, e seu idioma, o afrikaner, é a única língua branca criada fora da
Europa.

Militam na República da África do Sul três partidos políticos — o Nacional, que


é governo; o Unido, centrista, unindo conservadores e liberais; e o Progressista
Reformado, que procura formar uma frente ampla para vencer o Nacional, que é
praticamente imbatível.

Como a discriminação racial não se pode conciliar com a unidade nacional, a


República da África do Sul é dominada por minoria branca mas não escapa ao
separatismo, já que é “slogan” da oposição de origem inglesa: “Somos parte do
sistema, quer gostemos ou não”.

Outro ponto onde é fato não o separatismo, mas sim o fenômeno desintegrador
africano, é o dos três países do leste, que ganharam a independência da
Inglaterra na década de 1960. Quando os três se tornaram independentes, havia
entre eles uma forte estrutura de unidade institucional e administrativa. Isto se
via na moeda comum, no sistema fiscal integrado, num mercado comum de fato,
nas empresas de capital misto, numa burocracia comum, etc.

Os três países do leste faziam do inglês, ao lado do suahili, a sua língua franca.
O constante cruzar de fronteiras deu similaridade de composições étnicas
indígenas aos três países. Até mesmo os três partidos: a UNAT (União Nacional
Africana de Tanganica), a UNAQ (União Nacional Africana do Quênia) e o
CPU (Congresso do Povo de Uganda) cooperaram na luta contra o colonialismo.

No próprio momento da independência desses três países nascia,


coincidentemente, a OUA. Mas, no seio desses três países — Tanganica, Quênia
e Uganda —, faltou o elo; faltou uma “verdadeira Prússia” no leste africano.
Faltou o elo mesmo no momento em que os três países se reuniram em Nairobi
(1963), para se comprometerem a formar a Federação do Leste Africano. Nem
mesmo o Tratado de Cooperação do Leste Africano (1967) conseguiu conter a
desintegração dos três. Desintegração que se deve em grande parte às pressões;
pressões formadas no âmbito das Relações Internacionais, no qual funcionaram
grupos de interesses e decisões desordenadas, levando os três países do leste
africano a divergências de política e de práticas.

Assim, o Quênia, onde, na época da independência, predominava uma estrutura


econômica fortemente baseada nos moldes capitalistas, se manteve dentro de
modelos da Europa Ocidental. A Tanganica, que se uniu à ilha de Zanzibar para
formar a Tanzânia, avançou gradualmente para um sistema comunal. No
momento em que Obote aproximava Uganda dos ideais da Tanzânia foi
derrubado por Idi Amin Dadá (1971), cujos excessos mostraram que para ele a
ideologia tinha pouco peso.

Assim o leste se desintegrou: a própria Universidade do Leste Africano se


dividiu em três: a moeda comum foi substituída por sistemas monetários
nacionais, sendo criados três bancos centrais separados.

“Os Estados Africanos não estão a conferir-se no valor da consciência nacional e


da própria unidade nacional. A própria Carta da Organização da Unidade
Africana, formulada em Adis-Abeba, em maio de 1963, ê um documento mais
defensivo do que proponente... Mas a Carta da OUA não explicita o que
significa para os africanos que a formularam a expressão da unidade africana. Se
é apenas um dar de mãos para fronteirar o continente, é insignificado.” *****
O leste desintegrado, sobretudo Quênia e Uganda, se encontra às portas de um
“novo barril de pólvora” — região da Cornucópia Africana.

A Grande Somália é uma região que fica no nordeste da África, assim


denominada por ser habitada pelos somalis. Trata-se de uma zona geográfica
formada por um triângulo irregular cujo vértice é ocupado pelo cabo Guardafui.
Esta região triangular tem o nome de Cornucópia Africana. (Mapa 15)

A Segunda Guerra Mundial impediu a Itália, dominando a Etiópia e parte da


Somália, de realizar a integração desse núcleo geohistórico da Cornucópia
Africana. Depois do conflito passavam a coexistir aí: a República da Somália,
nascida da união dos territórios italiano e inglês (1960); a Etiópia unida à
Eritréia como Estado Federado, obtendo por isso uma saída para o mar
Vermelho; e a Somália Francesa, que em junho de 1977 se transformava na
República de Djibuti.

O ideal da Grande Somália poderia ser posto em prática pela Etiópia, mas a isso
se oporia o pan-arabismo; e assim o problema da Cornucópia Africana passou a
se caracterizar por suas fronteiras indefinidas e arbitrariamente delimitadas.

A República de Djibuti, o último território a se tornar independente nessa região,


nasceria envolvida e envolvendo seus vizinhos na trama das Relações
Internacionais. Trama que tem seu interesse máximo no ponto exato em que o
mar Vermelho se encontra com o oceano Índico — o estreito de Bab-el-Mandeb.

Estrategicamente, é este o ponto de domínio da rota do petróleo que do Oriente


Médio demanda pelo Índico a Europa Ocidental ou o Japão. E é neste ponto que
se encontra o Estado fraco formado pela República de Djibuti, por isso mesmo
visado, de um lado, pela Etiópia e, do outro, pela Somália. E visado por uma
Somália que até bem pouco tempo constituía importante base russa, pois seu
governante, Mohamed Siad Barre, chegou ao poder (1969) através de um golpe
de inspiração marxista. Visado também por uma Etiópia, antiga aliada dos
Estados Unidos, pelo menos até 1974, quando caiu o império de Hailé Selassié.

A partir daí, a situação começou a se inverter. Hoje, a Etiópia conta com pleno
apoio da Rússia e armas dos Estados Unidos; preparando-se para lutar contra a
Somália, que tem armas da Rússia, contando ainda com o apoio do Sudão, da
Arábia Saudita e simpatia dos Estados Unidos, desejosos de ver abalado o
governo marxista etíope do Coronel Mengistu Hailé Mariam.
O pomo da discórdia no terreno das Relações Internacionais é o deserto de
Ogaden, onde predominam os somalis, mas que se encontra em poder da Etiópia.
A Somália quer reaver o território que a antiga Abissínia (hoje Etiópia)
conquistou com o auxílio dos portugueses no século XV.

Além de enfrentar o separatismo de Ogaden, a Etiópia também se vê às voltas


com a FPLE (Frente Popular de Libertação da Eritréia), de tendência marxista. A
FPLE, que iniciou o movimento contra um regime então apoiado pelos Estados
Unidos, enfrenta hoje a oposição dos russos desejosos de manter unido à sua
aliada Etiópia o território eritreu, banhado pelo mar Vermelho.

Nesse ambiente belicoso entre contendores que trocam de parceiros, longe de


constituir um Estado-Tampão, a República de Djibuti passou a girar dentro da
instabilidade que reflete a posição contrária das duas tribos que nela coabitam.
De um lado, a República da Somália conta com o apoio dos afars de Djibuti; do
outro, a Etiópia, tendo a simpatia dos issas, também de Djibuti.

Vemos, assim, que na Cornucópia Africana os problemas geohistóricos,


geopolíticos e geoestratégicos se confundem ao sabor das Relações
Internacionais. A França, em Djibuti; a Rússia, na Etiópia; e os Estados Unidos,
na Somália, têm interesses diretos; ao grupo se vem juntar a China, que vê na
dissidência da Somália oportunidade para fazer valer sua oposição a Moscou.

Analisando-se a questão, vemos que, se a Somália conseguir o deserto de


Ogaden, poderá cortar o elo ferroviário, vital, entre Adis-Abeba e Djibuti; se por
outro lado, a Eritréia consegue separar-se, toda a costa etíope se converterá num
lago árabe. Nessas condições, a Etiópia estaria praticamente anulada como
entidade política.

Em si, o problema da Eritréia tem conotações geopolíticas e geohistóricas. Sob o


ponto de vista geopolítico, todo o litoral etíope é eritreu; se a Etiópia o perder,
ficará economicamente estrangulada. Sob o ponto de vista geohistórico, a
Eritréia está praticamente dividida, em proporções iguais entre muçulmanos e
cristãos. São justamente os muçulmanos que se opõem ao governo central etíope
cristão ou que sempre foi marcadamente cristão, até o governo de Hailé Selassié
cair. Neste caso, vemos que os separatistas eritreus contam com o pleno apoio
dos países árabes, notadamente do Sudão e da Arábia Saudita.

Por outro lado, no âmbito das Relações Internacionais, o domínio do mar


Vermelho pelos árabes e seus aliados árabes africanos representaria um sério
perigo à segurança de Israel.

Note-se que, na África, desde a Gâmbia e o Senegal, no Atlântico, até Quênia e


Tanzânia, no Índico, todo o norte de influência árabe entra em contato com a
África Negra, onde o islamismo vem tendo grande aceitação; ****** sobretudo
porque a religião dos árabes vem sendo pregada por missionários financiados
pelo forte petrodólar. Assim o número de muçulmanos ao sul do Sahara se pode
estimar em cerca de 70 milhões de pessoas.

Ampliando-se a questão, todos os países litorâneos do Índico seriam atingidos


se, por uma intervenção árabe, o mar Vermelho viesse a ser fechado; porque os
navios que passam por Suez, indo ou voltando da Europa, não têm outra rota
disponível. Isso explica, em grande parte, a simpatia de Israel pela integridade da
Etiópia, cuja presença na Eritréia impede que o mar Vermelho se tome árabe.

Por outro lado, a aproximação de Israel com o Egito tem conotações com a
África Negra. Em outubro de 1973, todos os países da África Negra, com
exceção do Lesoto e do Malawi, romperam relações com Israel. Reatando com o
Egito, o mais importante país muçulmano, quer por sua posição quer por sua
população, Israel dará um grande passo em direção à África Negra, quase toda
convertida ao credo de Maomé.

A pretendida aliança de Israel com a África Negra visa sobretudo ao Quênia, à


Libéria, ao Senegal, à Costa do Marfim e ao Zaire, além de relações cordiais
com a República da África do Sul mantidas no mesmo diapasão pela maioria dos
países acima citados. Só assim Israel poderá escapar do estrangulamento político
em que se encontra.

Concluímos, então, que, em meio a tantos separatismos, zonas de fricção,


acordos e desacordos, a África constitui um continente que ainda não se fez.

A força do mar pode ser avaliada desde o momento em que se iniciam as


grandes navegações até quando, no século XIX, começa a colonização
propriamente dita da África. Concluímos, assim, que, no século XX, as rotas
marítimas têm levado a Rússia e os Estados Unidos ao estabelecimento das bases
de apoio. Dentro dessa política, a África assumiu papel de destaque no novo
mapa político do mundo, dada a relativa proximidade entre os oceanos Índico e
Atlântico-Sul, que banham sua costa oriental e ocidental, respectivamente.
Até 1965, a maior parte do petróleo transportado para a Europa transitava pelo
canal de Suez, enquanto a considerada rota menor se concentrava no Cabo, ao
sul da África. Nessa ocasião, o bloco oriental tinha sua presença marcada não só
na península Arábica (Mascate, Oman e Aden) como também na Cornucópia
Africana (Djibuti e Etiópia). Na rota do Cabo, Angola e Moçambique eram
pontos de apoio dos ocidentais, do mesmo modo que a Guiné Portuguesa na
África Ocidental. A Rússia estava praticamente ausente do litoral africano.

Em 1967, a situação começa a mudar. O fechamento de Suez, entre 1967 e 1975,


ao lado da paulatina inviabilidade do canal para os superpetroleiros, coopera
para ressaltar a importância da rota do Cabo. Há mudança também no âmbito das
Relações Internacionais, com o Ocidente perdendo suas posições não só na
península Arábica como na África Portuguesa, que se tornava independente
depois de 1974. Aumentavam, em contrapartida, as bases russas na Somália e
África Portuguesa, cumprindo função logística mas com implicações militares.
A Rússia colhia, assim, os frutos de pouco mais de uma década durante a qual
jamais cessou de apoiar ou ajudar de alguma forma os movimentos de libertação
na África.

A Rússia continua aguardando a época de melhor colheita, que será decidida na


República da África do Sul, onde se definirá, afinal, o destino da metade do
continente e o controle dos dois oceanos. O Ocidente terá que ver, então, que a
República da África do Sul não se enquadra como problema colonial. Trata-se
de um problema africano; a cidade do Cabo tem a mesma idade que Nova York
e os brancos antecederam em muitas regiões da África do Sul aos negros
oriundos do norte. Assim, enquanto o Ocidente recua, a Rússia avança.

Conclui-se, ainda, que a flutuação das tensões entre os Estados Unidos e a


Rússia vem se concentrando na África. Isto porque, após o período da revolução
política que transformou a África num conglomerado de países independentes,
mas de extrema fluidez, as relações Estados Unidos — Rússia se mantêm
sujeitas a essa “ilha mundial” na qual os dois grandes se confrontam.

Notamos que a ação russa na África se tem valido mais das circunstâncias
oportunas. Assim, por exemplo, em Angola a oportunidade surgiu em forma de
apoio a uma luta de libertação nacional, durante a qual os Estados Unidos
também podiam manter a sua ajuda. Mas, enquanto os russos não dependem da
“democracia” para seus atos externos, sobretudo em se tratando de um bom
posicionamento para o país no âmbito das Relações Internacionais, o mesmo não
ocorre com os Estados Unidas. O Congresso tem voz ativa e faz o líder do
Ocidente ceder a vez ao líder do Oriente.

No caso de Angola, por exemplo, os Estados Unidos recuaram, e só


posteriormente procuraram chegar a um acordo no sentido de induzir o novo
país, já na esfera russa, a não participar de ofensivas contra seus vizinhos.
Brecados os Estados Unidos mais uma vez pelo Congresso, teria o Ocidente
perdido o Zaire, não fosse a pronta intervenção da França.

Nota-se, assim, que a Rússia vem tomando partido em disputas africanas para
conseguir, em seu benefício, alterar o equilíbrio do poder. Sempre que pode, a
Rússia ocupa na África o vácuo deixado pelas potências coloniais, sobretudo se
esse vácuo concorre para que se ponha em prática a Doutrina do Almirante
Gorshkov, contribuindo para “a ruptura das linhas de comunicação oceânicas
vitais à sobrevivência econômica e à capacidade militar do Ocidente”.
Observamos assim que: “a política soviética só é misteriosa para aqueles que
persistem em olhá-la de fora e de maneira fragmentária e se recusam a se servir
da chave que os próprios comunistas fornecem a quem quiser utilizá-
la.” *******

No século XIX, a África foi, no âmbito das Relações Internacionais, o palco da


disputa e rivalidade de sete potências; hoje, se envolve no conflito entre o
Oriente e o Ocidente. E é nesse momento que o Brasil passa a ter uma relevância
externa que até então não se percebia. Transforma-se o Brasil em potência
emergente num quadro mundial geopolítico em que a característica primordial é
a preocupação com os espaços, fixando-se o pensamento estratégico na análise e
reflexão sobre o uso da força nas Relações Internacionais.

* Observe-se que o partido não é pela sigla local e sim geral, mostrando o ideal
do “Napoleão Africano”, deposto pelo próprio Dacko em 1979.

** Hélio Felgas — Os Movimentos Subversivos Africanos, pág. 17.

*** Termo traduzido do espanhol — “glacis defensivo”.

**** José Honório Rodrigues — Brasil e África — Outro Horizonte, pág. 345.
***** Fernando Sylvan — Comunismo e Conceito de Nação em África (Ensaio
de Psicologia Social), págs. 75 e 77.

****** É interessante observar que tanto os árabes quanto os negros adotam a


poligamia.

******* James Burham — The Struggle for the World, pág. 133.
12. A ÁFRICA NO BRASIL E O
BRASIL NA ÁFRICA

O Brasil ainda não completara meio século de ocupação portuguesa e já o tráfico


de africanos se havia iniciado para cá. No início do século XIX, quando a África
ainda não havia sido explorada pelo europeu, o Brasil, em sua constituição
demográfica, já era mais negro do que branco. Segundo cálculos de Balbi, citado
por Nina Rodrigues em “Os Africanos no Brasil”, em 1818 conviviam aqui cerca
de 1.043.000 brancos ao lado de 2.215.000 negros, em sua maioria escravos.

Nessa época, já o Brasil surgira como nação numa argamassa mais branco-negra
do que branco-indígena ou amarela, concluindo Sílvio Romero que: “temos a
África em nossas cozinhas, a América em nossas selvas e a Europa em nossos
salões”. *

É muito difícil precisar de que ponto ou pontos do território africano nos vieram
os colonizadores negros do Brasil. Assim, talvez, o que mais parece aproximar-
se da verdade seja o Visconde de Porto Seguro, ao afirmar que “a importação
dos colonos pretos para o Brasil, feita pelos traficantes, teve lugar de todas as
nações, não só do litoral da África que decorre desde o Cabo Verde para o sul, e
ainda do Cabo da Boa Esperança nos territórios e costas de Moçambique, como
também não menos de outras dos sertões que com eles estavam em guerra, e às
quais faziam muitos prisioneiros sem os matarem”. **

Refere-se, pois, o nosso historiador às algaras, que não escolhiam tribos nem
lugar, aprisionando o maior número possível de negros para entregá-los aos
negreiros. A verdade, porém, é que pela maior proximidade entre as costas, deve
ter vindo para o Brasil um número bem maior de grupos apreendidos na África
Ocidental, aqui genericamente designados — minas.

Além de contribuir em larga escala para a formação étnico-cultural brasileira,


muitos desses negros e seus descendentes retornaram à África Ocidental.
Essa imigração ocorreu durante o século XIX, sobretudo por ocasião das
medidas parciais abolicionistas; “centenas se aproveitaram delas para regressar à
mãe-pátria, onde se entregaram ao comércio, seja como intermediários, seja
como importadores. Fazem proveitosa concorrência aos negociantes europeus e,
por suas alianças de família com indígenas, adquirem um predomínio numérico
cada vez maior sobre todos os estrangeiros; — o nome da cidade da Bahia, a
seus olhos a mais importante, serve-lhes para designar de um modo geral todos
os países fora da África”. ***

Enquanto o historiador brasileiro se refere à África que veio colonizar o Brasil, o


geógrafo francês descreve o Brasil africano que voltou às suas origens para
colonizar a África. Devendo levar-se em conta que a colonização negra ou
mestiça brasileira na África se fez sem a intervenção de um Estado colonialista;
ela foi sobretudo voluntária, bem mais voluntária e natural do que a colonização
negro-estadunidense na Libéria.

Os afro-brasileiros levaram para a África nomes de família bem luso-brasileiros,


formando comunidades, hoje ditas brasileiras, em boa parte da África Ocidental,
sobretudo na Nigéria, no Benin, no Togo e em Ghana.

Silvanus Olympio, que fez a independência do Togo, não escondia a sua origem
brasileira. Um dos principais líderes da luta pela independência da Nigéria, o
jornalista Herbert McCalley, é casado com Silvina de Souza, uma brasileira.
Essas e outras interessantes revelações nos são trazidas pelo historiador
nigeriano Anthony B. Laotan em seu livro “The Torch Beaners or Old Brazilian
Colony in Lagos”.

Calculando-se que vivam só em Lagos cerca de 15.000 descendentes de


brasileiros e mais 10.000 no restante da Nigéria, o traço afro-brasileiro ainda se
mantém lá, a despeito da “britanização” do Silva para Silver e dos Augusto se
terem transformado em Agusto.

Na Nigéria, brasileiro é sinônimo de católico, e, neste setor religioso, tanto as


missões protestantes quanto a influência islâmica iriam contribuir para a
despersonalização dos “brazilians”; estes abandonariam também a própria língua
portuguesa, considerada idioma católico e que, tanto para o protestante como
para o maometano, cheirava a heresia.

Com a ação das missões protestantes na Nigéria, muitos descendentes dos


“brazilians” que viviam na Yorubalândia repudiaram o catolicismo; o mesmo
não ocorrendo inexplicavelmente com os ibos, que, preferindo o catolicismo, se
mantiveram unidos as comunidades brasileiras.

Ainda no setor religioso há uma curiosa ocorrência de sincretismo em Lagos,


onde se situa uma “Brazilian Mosque”; a essa mesquita pertence a família
Sulaiman Olaiya Salvador, de origem brasileira, e que pelo sobrenome final
mostra sua procedência baiana. Esse “Brazilian Mosque” é a sobrevivência dos
haussás, que quando para cá vieram já se haviam convertido ao islamismo,
afirmando Nina Rodrigues ter visto vários deles embarcarem de volta para a
África.

Há nigerianos de origem brasileira que mantém vivo o sobrenome luso, como a


família Vera Cruz, os Santos Martins, como também os nossos hábitos. Já a
família Assunção adotou o nome nigeriano Alakijá, contando com membros
influentes na política do país; curiosamente outros membros dessa família
Alakijá regressaram à Bahia, mantendo esse sobrenome. Assim, Sir Adetokumbô
Ademolá, cujo pai, o velho Alakê (rei de Abeokuta), embora se tornando
Presidente da Corte Suprema da Nigéria, tem orgulho de se dizer “brazilian”,
pois sua mãe, uma Assunção-Alakijá, era natural da Bahia.

Em Pernambuco há descendentes de nigerianos-brasileiros que retornaram de


Abeokuta, constituindo a família Pereira Chaves. Além dos casos citados, há o
de Hipólito Reis, que veio para o Brasil em 1930 e nunca mais voltou para a
Nigéria, ocorrendo o mesmo com o célebre Pai Agudá, falecido no Rio de
Janeiro em 1961.

Na Nigéria, os brasileiros, ou “brazilians”, adquiriram logo prestígio, pois eram


naquela época dotados de cultura superior à das tribos locais. Muitos levavam do
Brasil a experiência de suas profissões, sabiam ler e escrever, tornando-se até os
intermediários entre os colonizadores ingleses e os autóctones.

Antônio Olinto, que em 1964 escreveu uma série de artigos para “O Globo”, sob
o título geral de “Missão na África”, e que, impressionado com o que viu e ouviu
sobre a presença do Brasil no Continente Negro, escreveu um romance,
desvendou a figura de Cândido da Rocha. Esse cristão brasileiro que se foi
estabelecer na Nigéria, habituado ao trato com os europeus, deixou uma herança
calculada, só em propriedades, no valor de um milhão de libras.
Notando esse célebre Senhor da Rocha que, durante a estiagem, a água dos
poços nigerianos se tornava salobra ou se esgotava, valeu-se da tecnologia
artesiana que aprendera no Brasil. Enriqueceu como vendedor de água e sua
residência, o Ilojo ou Casa d’Água, muito semelhante ao nosso Palácio Itamaraty
do Rio, foi tombada, como monumento histórico, pelo governo nigeriano. Aliás,
no “Brazilian Quarter” de Lagos, a arquitetura colonial brasileira é largamente
lembrada nos típicos sobrados que no Rio estão desaparecendo.

Entre os vários brasileiros que fizeram fortuna na Nigéria, Lázaro Borges da


Silva construiu a catedral de Lagos, onde a festa do Natal, uma espécie de
carnaval, lembra muito as nossas tradições ioruba-baianas.

Em Porto Novo, nome bem português da capital do Benin, os festejos folclóricos


do bumba-meu-boi e o boi-surubim lembram suas origens luso-brasileiras. As
quadrinhas cantadas pelos ranchos folclóricos num português muito deturpado,
afirma Ismael Prado, **** se referem à Dona Romana; trata-se da última
brasileira nata da comunidade agudá, cuja filha se havia casado com o
oba ***** (rei) de Lagos, acentuando o cantar que “Dona Romana era
republicana e pernambucana”.

Não menos interessante é o confronto cultural Brasil-África, em se tratando do


culto ao Senhor do Bonfim, celebrado, anualmente, em fevereiro, tanto em
Salvador como em Porto Novo. Aqui, a lavagem do adro da Igreja do Bonfim é
reminiscência fetichista; até o traje branco, o turbante e o pano-da-costa nos
levam à África. Lá, o Te Deum, bem católico, leva à Catedral vários
“brésiliens”, também todos vestidos de branco; mas os homens com suas fitas
em verde e amarelo e as mulheres com o pano-da-costa em desenho estampado
verde e amarelo, nos trazem até o Brasil.

Ainda ao Benin se ligaram as vidas de Félix de Souza, estabelecido em Ajudá, e


Domingos Martins, em Kotonú. Esses mulatos brasileiros imigrados para a
África em princípios do século XIX, para obterem pleno apoio no seu comércio
escravagista, destronaram o Rei Adandosan, colocando seu irmão Gozo no
poder.

Agradecido, o novo rei “conferiu a ambos a honra de serem chamados seus


irmãos, concedeu-lhes privilégios de comércio especiais, criou para Souza o
título de — Primeiro dos Brancos — e fê-lo Xaxá de Ajudá. Souza era um
mulato natural do Rio de Janeiro. Não se sabe o ano em que chegou à África,
mas, de começos humildes, cedo se tornou o mais opulento e conhecido dos
traficantes de escravos, e quase monopolizou o seu fornecimento para Cuba e
para o Brasil. Em Ajudá, próximo ao sítio do abandonado forte português,
edificou uma imensa casa que montou com todo o luxo que o dinheiro pode dar.
As mulheres mais vistosas eram adquiridas para o seu harém... Tinha orgulho em
ser um africano entre os africanos e um homem culto entre os europeus”. ******

Sabe-se que o Xaxá de Souza, como ficou conhecido, morreu em maio de 1840 e
foi, por suas atividades, bem como a de seu companheiro Martins, menos
famoso, que o tráfico africano, embora ilegal, continuou ainda por muito tempo
dessa costa para o Brasil.

Como reminiscência desse contrabando, existe ainda, em S. Luís do Maranhão, a


“Casa das Minas”, com as suas leis, seus deuses e suas tradições bastante
abrasileiradas, por só passarem oralmente de geração a geração há mais de um
século.

Nota-se, aí, o sincretismo desde a varanda do casarão, onde, à esquerda de quem


entra, estão as estampas de dez santos da Igreja Católica, além da representação
da crucificação de Cristo e do simbolismo fé-esperança- caridade. Refletem
ainda o sincretismo as festas maiores realizadas na Casa das Minas cultuando
Santa Bárbara, S. Sebastião, S. João e os meninos Cosme-Damião. No quintal, o
“gume”, onde predominam várias espécies vegetais e árvores: “naquele chão
foram ocultos objetos trazidos da África semelhantes aos que se acham no
peji, ******* no chão do triângulo simbólico”. ********

No Brasil as concepções religiosas africanas se nacionalizaram, pois a fé que os


negros trouxeram era só de práticas, sem doutrina escrita. E se hoje resta entre
nós a religião dos nagôs através das chamadas macumbas ou candomblés, é,
sobretudo, por ter sido a que mais se aproximou do catolicismo; aproximação
que nada mais foi do que simples manobra para sua própria proteção, mas que,
mesmo assim, acabou se nacionalizando brasileira.

Não se unem nesse sincretismo religioso apenas África e Brasil, pois se nota nos
candomblés de caboclos ********* que existe “uma ponte de ligação entre as
religiões africanas e as concepções religiosas que, com base na literatura
indianista, se atribuem ao indígena brasileiro”. **********

Assim, não foi difícil a união das crenças africano-européias no Brasil,


estabelecendo similares entre Ogum e S. Jorge, Iançã e Santa Bárbara, Oxosse e
S. Sebastião, Oxalá e o Senhor do Bonfim, Nanã e Santana, Ori-Bejê e Cosme-
Damião, etc. Assistiram, por outro lado, à “absorção da sua deusa Iemanjá,
senhora dos rios e lagos na África, pela sereia européia, a mulher fatal que atrai
os amantes para os perigos do mar, e à liquidação do duplo caráter de Exu,
mensageiro entre os deuses e os homens de virtudes ao mesmo tempo maléficas
e benéficas, que passou a êmulo do diabo cristão”. ***********

Enquanto o traje dos negros se nacionalizou, dando ao Brasil a típica baiana, o


negro acrescentou ao nosso campo folclórico, sob vários matizes, o que era seu
ao que eram as cavalhadas, cheganças e terno-dos-reis portugueses. Da união
samba-de-roda, vindo da África, com o terno-dos-reis, trazido de Portugal,
nasceram as Escolas de Samba, tornando famoso o carnaval do Rio de Janeiro. A
capoeira, o batuque, os maracatus, os afoxés tiveram na presença do negro o seu
ponto de partida. Assim como o bumba-meu-boi não pode prescindir do negro
como personagem, são negros os personagens centrais das congadas e
moçambique cujos nomes não negam a procedência africana.

Quer nas comidas hoje ditas baianas (caruru, vatapá, mungunzá, abará, amalá,
acarajé, ************ etc.), quer no modo suave da pronúncia do idioma
português no Brasil, moldada pelas mães-pretas que ensinavam o filho branco a
falar, não ficaram entre nós, felizmente, nem as reminiscências tribais, nem o
racismo, nem o apartheismo.

“Temos que a influência africana no português popular do Brasil foi mais


profunda que a do tupi, embora menos extensa. Explico-me. O negro escravo
terá atingido mais facilmente e mais intensamente a fonética e a morfologia da
língua do que o índio, que por sua vez nos legou um vocabulário muito mais
considerável e numeroso. Eu diria que a influência tupi foi mais horizontal, ao
passo que a africana foi mais vertical.” *************

Simplesmente a África veio ao Brasil para se abrasileirar. O azeite de dendê (o


dendém de Angola) temperou nossa comida; as palavras molambo, moleque,
caçula, quiabo e as próprias cacimbas com a mesma origem do cachimbo, o
pequeno forno de fumar que tem a mesma forma dos poços africanos,
enriqueceram a língua portuguesa no Brasil.

O negro se abrasileirou em todos os sentidos, pois seu contato não foi apenas
com o branco português, mas também com o índio autóctone; muito embora o
cafuso, mistura do negro com o índio, seja o tipo menos comum no Brasil. Mas,
“fusão das culturas negras e índias, entre si, e de ambas com a portuguesa é, com
efeito, fenômeno histórico observável desde os primeiros tempos de colonização.
Havia índios que, sem terem estado em contato com os brancos, conheciam
hábitos da civilização trazidos por negros fugidos para a
selva”. ************** Assim se explica, entre outras coisas, também o fato do
mamão ter sido levado para Angola não com o termo português mas com o bem
tupi — papaia.

A África que aqui veio ficou. Tivemos aqui um processo de assimilação e


miscigenação de tal ordem que hoje se torna difícil para o antropólogo atribuir
ao negro brasileiro a sua origem nesta ou naquela tribo africana. Ele é
simplesmente um brasileiro.

Aqui, o negro, sem romper os laços africanos, passou a se sentir, em toda sua
plenitude, um brasileiro — um nacional do país Brasil. Fato que não é só de
hoje, mas também do passado, quando, em pleno século XVII, o negro Henrique
Dias, herói brasileiro, combateu o invasor branco holandês. Daí o orgulho com
que dizia a quadrinha:

“Quem quer que releia a História

Verá como se formou

A nação que só tem glória

No africano que importou.” ***************

Quer pela vinda de negros colonizadores para o Brasil, quer pela volta desses
elementos ou de seus descendentes para a África, o fato é que o Império
Português se conformou com essa realidade. Assim, enquanto a África Oriental
constituía na administração ultramarina uma dependência do Estado da índia, a
costa atlântica do continente africano estava unida ao Estado do Brasil. Essa
união se traduzia não só pela função de fornecedora de braços ao Brasil, como
também pela maior proximidade e facilidade de comunicação de litoral para
litoral.
A África Ocidental esteve, assim, muito mais ligada ao Estado do Brasil do que
o próprio Estado do Grão-Pará e Maranhão, que apesar de território contíguo,
pela existência das correntes desfavoráveis na costa leste-oeste, se subordinava
diretamente a Lisboa.

Se no passado a África veio ao Brasil, no presente é esse Brasil, que ela em parte
ajudou a fazer, que vai à África.

Terminada a Segunda Guerra Mundial, ressaltava-se a importância do Atlântico-


Sul pelo papel que representara no conflito. O estratégico norte da África servira
de trampolim para a invasão da Itália, e nesta conjuntura se evidenciara ainda
mais o valor da rota Natal — Dakar (Brasil — África) na ligação direta aliada. E
nesse Atlântico, começava o Brasil a ser encarado mais em termos marítimos
globais do que terrestres.

Em nossa faixa marítima concentram-se 80% da população brasileira, aí se


envolvendo, consequentemente, as áreas economicamente mais desenvolvidas;
assim, o ecúmeno estatal brasileiro, voltado para o Atlântico, contrasta com o
“hinterland” que envolve nossas áreas geopolíticas neutras.

O extenso litoral brasileiro, avançando consideravelmente para o Atlântico, no


“entorce continental”, que leva a ser o mesmo o meridiano de Lima, no
Ocidente, e Washington, no Oriente, nos lança, tanto sob o ponto de vista
geohistórico como geopolítico, em direção ao defrontante continente africano.
Essa aproximação pode ser ainda melhor caracterizada observando-se que o
Recife se encontra a quase 4.000 km a leste de Buenos Aires e a pouco menos de
3.000 km da África Ocidental. Assim, a distância da zona de estrangulamento do
Atlântico entre o Brasil e o Senegal é bem menor que a de nosso litoral do
ângulo saliente nordestino até a fronteira brasileiro-peruana.

Terminada a Segunda Guerra Mundial, enquanto se desmoronava o colonialismo


clássico na África, iniciava o Brasil a sua caminhada para a fase
desenvolvimentista. Os fatores geopolítico e geohistórico colocavam frente a
frente o Brasil e a África. Na mensagem que apresentava ao Congresso
Nacional, a 15 de março de 1959, afirmava o Presidente Juscelino Kubitschek de
Oliveira: “A crescente importância que vêm assumindo, no campo internacional,
os países da África e da Ásia, em luta pela independência e pela melhoria do
nível de vida, é fato dos mais significativos do século.”

Tínhamos, então, que enfrentar uma frente e uma retaguarda. A frente era o
próprio continente americano que se engajava na OPA (Operação Pan-
Americana), dentro de nossa diretriz geopolítica puntiforme; enquanto a África,
em nossa geopolítica difundente, continuaria ainda por algum tempo na
retaguarda.

Era, então, bem tímida a nossa política africana, tendo em vista, antes de tudo, o
nosso compromisso sentimental com Portugal. Assim, na ONU, ora votávamos
com as potências colonialistas, ora nos abstínhamos, procurando encobrir o
alinhamento colonial. Assim, em 1960, através de nosso Embaixador Ciro de
Freitas Vale, o Brasil apoiava a Declaração relacionada com a concessão de
independência aos países e povos colonizados; muito embora, por instrução do
Itamaraty, não pudéssemos dar a nossa aprovação à Resolução n.° 1.542, através
da qual a ONU procurava obrigar Portugal a transmitir informações sobre suas
províncias ultramarinas.

Em 1961, quando quase toda a África se tornava independente, entrávamos na


segunda fase desta ainda tímida política africana. Segunda fase que se iniciava
quando o Presidente Jânio Quadros mandava constituir-se um grupo de trabalho,
tendo em vista a preparação de representações diplomáticas nos novos países
africanos; ordenava, ainda, que nossas diretrizes no continente africano fossem
reexaminadas, sobretudo dentro dos aspectos político, econômico e cultural.

Observamos que, então, as nossas diretrizes ainda oscilavam com vistas às


Relações Internacionais; constituíam reflexos muitas vezes passionais
momentâneos. Assim, enquanto nos abstínhamos de votar em favor das
propostas afro-asiáticas sobre Angola, na XV Assembléia, em abril de 1961,
Afonso Arinos de Mello Franco, na mesma ONU, exortava Portugal a que
tomasse a iniciativa “no movimento de dar liberdade a Angola”, para
transformá-la num país independente tão amigo de Portugal como o é do Brasil”.

Concluímos, pois, que: “a política externa de um país inscreve-se tanto na linha


tradicional de sua vida histórica, quanto na evolução da situação política
internacional. Trata-se, pois, de um esforço permanente de equilíbrio para
manter a nação longe dos distúrbios internacionais (e das contaminações
ideológicas nocivas), para garantir-lhe um desenvolvimento tranquilo e
progressivo no interior. A política externa é atitude de vigilância, de previdência
e de bom-senso, pois a menor decisão leviana nesta matéria pode comprometer
profunda ou irremediavelmente a existência de uma nação”. ****************

Assim, quando o Brasil se tornava um dos primeiros países a reconhecer o


governo marxista de Agostinho Neto em Angola (1975), tendo meses antes
vetado na Assembléia-Geral da ONU o reconhecimento da independência da
Guiné—Bissau, não se contradizia, mostrava antes de tudo que procurava traçar
uma política de previdência e bom-senso. Com Angola, o fato estava consumado
— extinguira-se o império ultramarino português.

A nossa política africana se enquadra, pois, nos condicionamentos políticos


criados pelo momento histórico num jogo com os diferentes centros de poder.
Daí o imediato reconhecimento da independência do Zimbabwe (antiga
Rhodésia) em abril de 1980, sendo o Brasil a única nação sul-americana
convidada para assistir ao evento.

A mesma atitude de vigilância e bom-senso tem norteado o Itamaraty no “caso


Namíbia”, sobretudo levando-se em conta a posição estratégica desse território
no Atlântico-Sul.

Embora o nosso governo apoie a independência da Namíbia, não se afastou dos


meios pacíficos. Nessas condições, não pretendeu manter entendimentos com a
SWAPO, pois só reconhecia como única entidade representativa do povo da
Namíbia a Comissão criada pela ONU para tal mister. Materializando nossa
posição, recebemos em 1976 a Comissão Permanente da ONU para a Namíbia,
contribuindo, na ocasião, com 15 mil dólares para o Instituto da Namíbia.

Ante a evolução dos fatos, em setembro de 1980, no entanto, em seu discurso de


abertura da 35.a Assembléia-Geral da ONU, o Ministro Saraiva Guerreiro
reafirmando o apoio do Brasil à libertação da Namíbia passava a acatar a
participação da SWAPO nas negociações da futura independência.

Podemos, assim, dizer que a terceira e atual fase de nossa política africana
começou em 1972 durante o governo do Presidente Emílio Garrastazu Médici.
Nesse ano vários países da África Ocidental foram visitados pelo Chanceler
Mário Gibson Barbosa; seguia-se-lhe uma missão comercial aos mesmos países
— Costa do Marfim, Senegal, Ghana, Togo, Benin, Zaire, Gabão, Camerum e
Nigéria.

Observa-se que, na seleção dos países, predominou o critério com base na


geohistória. Repartindo conosco a zona de estrangulamento do Atlântico, esses
países tiveram, no passado, os maiores contatos com o Brasil, quer pelo
fornecimento de colonos negros, quer pelo recebimento de seus descendentes. O
fluxo e refluxo cultural do passado nos levou aos objetivos econômicos do
presente. O Senegal e o Benin, com produções de fumo e amendoim a serem
estudadas; Ghana, Camerum e Togo com um mercado de cacau para se ordenar;
a Costa do Marfim, nosso grande sócio africano no processo disciplinar dos
mercados de café; o “Ruhr Africano”, instalado no Zaire, de grandes reservas
minerais nobres; e finalmente a Nigéria, o mais rico e populoso desses países
africanos com suas promissoras reservas de petróleo.

O Brasil foi, assim, até a África em busca de novos mercados semelhantes aos
nossos. Mercados que nos foram abertos nessa “nossa fronteira além-Atlântico”,
como definiu o Presidente Ernesto Geisel. Assim, em 1972 era de 150 milhões
de dólares o volume de nossos negócios com a África; no ano seguinte atingiu a
cifra de 350 milhões de dólares, chegando, em 1974, a 1 bilhão e 114 milhões de
dólares.

Nesse ano de 1974, já livre do compromisso sentimental com Portugal,


implementava-se a nossa ofensiva diplomática na África. Tendo em vista a nossa
posição ideológica e a ideologia contrária que dava posição a alguns países
africanos, o Chanceler Antônio Azeredo da Silveira traçou logo nossos rumos.
Manteria o Brasil seu compromisso de fidelidade ao Ocidente, mas, na busca de
novos mercados, embora reconhecendo alguns países africanos, isso não queria
dizer que se alinhava a suas posições ideológicas.

A implementação do “ciclo africano” continuou em julho de 1980 com a viagem


do Chanceler Saraiva Guerreiro a 5 países da chamada área socialista —
Tanzânia, Moçambique, Zimbabwe, Zâmbia e Angola, onde abrimos caminho
seguro para um comércio privilegiado sob a tutela do Estado.

Assumindo o Departamento da África, Ásia e Oceania do Itamaraty, o nosso


diplomata Ítalo Zappa conseguiu nos envolver de tal forma na esfera econômica
africana que nos lançou logo num estágio cultural mais elevado ao que nos
propúnhamos em princípio. Passamos a oferecer também nossa tecnologia
intermediária, bem mais ao sabor dos africanos, por não se apresentar tão
complexa quanto a européia.

Ampliada a nossa rede de representações diplomáticas na África, sobretudo nos


territórios de língua portuguesa, passaram elas a prestar todo o apoio a
empresários brasileiros. Essa política levou cerca de 300 empresas brasileiras a
se filiarem à Câmara de Comércio Afro-Brasileira. Empresas que operam na
África em condições de igualdade com concorrentes européias, japonesas ou
estadunidenses; havendo até as que operam com “status” privilegiado. Operam
desde os serviços mais especializados, como a construção da rodovia
Transmauritânia pela Mendes Júnior; a instalação de serviços de
telecomunicação, como a SOBRATEL-PROTEC; até as exportações de produtos
diversos e na posição de conselheira para assuntos de pecuária e abastecimento
de carne, como no caso da Cotia; projeto de agroindústria de suco de caju em
Moçambique pela nossa Montreal e Internacional de Engenharia, passando pelo
serviço de assessoria, como a PROMON no setor das telecomunicações, e a
Hidroservice, no sistema de computação; e chegando ao mais alto esquema para
a venda de produtos industriais sofisticados em grande volume e diversidade,
como no caso da Interbrás.

Em meados de 1977 a VARIG inaugurava uma linha de voos semanais para


Lagos, mostrando que a presença dos brasileiros na África compensava.
Iniciativa que se liga a uma ofensiva econômica do Brasil na África, onde os
nossos maiores sócios, além da Nigéria, são o Gabão e Angola. O comércio com
a Nigéria é o mais elevado e também o mais diversificado; o do Gabão é mais
específico dentro dos 95% de petróleo que lá adquirimos; já Angola, ao contrário
do Gabão, nos compra mais do que importamos.

Em 1976, já possuíamos o comércio global com 46 países africanos. A Argélia,


nesse ano, por exemplo, foi o maior comprador de produtos brasileiros da área
do Maghreb, enquanto a Líbia, rica em petróleo, foi o principal abastecedor. A
despeito de nossa condenação ao apartheísmo, a República da África do Sul foi o
país que comprou maior variedade de produtos brasileiros.

Cresceram nossos contatos com Moçambique — de 4 milhões de dólares, em


1975, para 40 milhões de dólares, em 1977; enquanto a Guiné-Bissau entrava
para nossa esfera cultural enviando estudantes para nossas universidades
nordestinas, recebendo professores brasileiros e acabando por abandonar o
dialeto local que adotara como língua oficial e se manter como o Brasil na área
do idioma português.

O Brasil se encontra bem posicionado em termos geográficos, étnicos e


culturais, tendo muito para exercer papel importante nesse novo mundo africano.
Do mesmo modo que o mundo mediterrâneo na antiguidade, o mundo atlântico
possui certa unidade histórica, geográfica e cultural a que se superpõem as
diferenças locais ou regionais. No âmbito das Relações Internacionais nossa
presença na África constitui, na realidade desse continente conturbado, uma
importante peça para a estratégia do mundo livre.

Se coube ao europeu levar a América para o quadro das áreas ditas civilizadas,
trouxe para ajudá-lo grandes levas de africanos, provenientes também de um
continente ligado ao Atlântico. Assim, se a África perdeu, no passado, uma boa
parte de seus habitantes, que ajudaram com o seu trabalho e seu sangue a criar o
Brasil, os brasileiros estão hoje cooperando para reerguer a África. A presença
negra na formação étnica e cultural de nosso país é dos fatores que mais
fortemente impulsionam a abertura do Brasil para a África e da África para o
Brasil.

* Obra citada, pág. 99.

** Francisco Adolfo Varnhagen — História Geral do Brasil, pág. 221. Tomo I.

*** E. Réclus — Nouvelle Géographie Universelle — L’Afrique Occidentalle,


pág. 470.

**** Artigos publicados no “Jornal do Brasil”, em 1977, sob os títulos —


“África e o Folclore Brasileiro” e “Brasileiros em África”.

***** O termo oba é interjeição popular no Brasil e significa — que ótimo!

****** A. B. Ellis — “History of Dahomi”, in Ewe Speaking Peoples, pág. 307;


o assunto é também detalhadamente tratado por Ciado Ribeiro de Lessa.

******* Altar do culto fetichista.

******** Nunes Pereira —- A Casa das Minas — Contribuição ao Estudo das


Sobrevivências Daomeianas no Brasil, pág. 38.

********* Caboclo é o produto mestiço do cruzamento do branco com o índio.

********** Edison Carneiro — “A Nacionalização do Negro”, in Aspectos da


Formação e Evolução do Brasil, pág. 168.

*********** Edison Carneiro — Ob. cit., pág. 168.

************ O mesmo acarajé baiano feito na Nigéria tem o nome de acará.


Isto porque ajé é verbo comer em dialeto africano. Ficou acarajé no Brasil por
causa do pregão das negras vendeiras — acará ajé!!! .. .coma acará!!!

************* Gladstone Chaves de Melo — A Lingua do Brasil, pág. 74.

************** Afonso Arinos de Mello Franco — Desenvolvimento da


Civilização Material no Brasil, pág. 18.

*************** Manuel Querino — Costumes Africanos no Brasil, pág. 161.

**************** Fausto Bradesco — O Reatamento Econômico com a União


Soviética, pág. 5.

Monumento aos Voortrekker (Pioneiros Boers) em Pretória África do Sul

Santuário, simbolizando o Great Trek (1838) com sua muralha de carroças, suas
figuras gigantescas dos líderes boers e, no interior, a imponente galeria dos
heróis.

Nota: Great Trek — A grande emigração dos boers de Cape Colony, em 1836,
da qual resultou a fundação da República da África do Sul.

BIBLIOTECA DO EXÉRCITO EDITORA Publicação 510

Coleção General Benício


Coleção General Benício

Volume 189

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