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Actas do Congresso
Resumo:
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1º Congresso Internacional em Estudos da Criança “Infâncias Possíveis Mundos Reais”, 2-4 Fevereiro de 2007, Braga.
Actas do Congresso
catarinatomas@gmail.com
Introdução
A democracia evoca diferentes imagens e pressupostos. Para uns, é a imagem de um
grupo que é representante da maioria que tem capacidade de influenciar as decisões políticas
que são tomadas no âmbito do Estado (democracia representativa) e, para outros, a imagem
de uma assembleia ou um fórum onde todos têm o direito de participar em todo o processo de
decisão (democracia participativa). Ambas as imagens, como outras existentes, não são puras,
podendo apresentar cada uma delas variações no espaço-tempo e cruzar-se entre si. Existem
noções de democracia diferentes e rivais, todas elas girando em torno do modelo de cidadania
em análise. Parry e Moyser (1994) identificam duas concepções distintas de democracia: a
concepção participativa ou radical e a concepção realista. A primeira encoraja a população a
adoptar uma papel activo na processo de governação, procurando, desta forma, expandir a
participação cívica para além das formas tradicionais, como o voto e a assinatura de petições.
A segunda, defende uma noção de participação mais conservadora e limitada, que não vai
muito além do voto dos cidadãos em intervalos regulares.
Os direitos políticos favorecem a organização para reivindicar direitos sociais, criando-
se espaços sociais de lutas, o que leva a distinguir a cidadania passiva, outorgada pelo Estado,
da cidadania activa, que considera o cidadão como portador de direitos e deveres, mas
essencialmente criador de direitos para abrir novos espaços de participação política.
Assistimos actualmente a um período que se caracteriza por uma nova dinâmica,
nomeadamente pelo debate e constituição de experiências por todo o mundo de formas e
processos de democracia participativa, “protagonizada por comunidades e grupos sociais
subalternos em luta contra a exclusão social e a trivialização da cidadania, mobilizados pela
inspiração de contratos sociais mais inclusivos e de democracia de mais alta intensidade”
(Santos, 2003b:27). Torna-se cada vez mais urgente que estes grupos estejam envolvidos,
através de diálogos democráticos, de forma a poderem expressar as suas necessidades e
formular soluções para os seus problemas, ou seja, as políticas e as práticas precisam de
surgir “de baixo para cima”.
A democracia participativa ganhou relevo com o Fórum Social Mundial e defende o
diálogo e a chamada dos cidadãos a participar no exercício do poder como forma de promover
o desenvolvimento sustentável. Assenta na premissa de que os cidadãos devem participar
directamente nas decisões políticas e não apenas, como quer a democracia representativa, na
escolha e na competência exclusiva dos executivos municipais. O Orçamento Participativo ou
Orçamento Participado (que doravante designarei como OP) é um dos instrumentos da
democracia participativa e assume formas diferenciadas. É um processo de gestão partilhada
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Figura 1
Os Orçamentos Participativos na Europa
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Gráfico 1
OP na Europa em 2006
Figura 2
Distribuição dos OP em Portugal Continental
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Os próprios media veiculam uma cultura neoliberal que concebe as crianças como seres
consumistas, violentos, competitivos e individualistas.
b. A participação das crianças surge a partir das ONG’s, de projectos e experiências pontuais e
da produção teórica nas ciências sociais, nomeadamente da Pedagogia, da Educação e da
Sociologia da Infância. A defesa dos direitos de participação das crianças não emana do
Estado, deve-se a ONG’s e a movimentos sociais6. O discurso que tem predominado sobre os
direitos da criança é o das preocupações legalistas, muitas vezes em detrimento das
complexidades estruturais, das condições sócio-económicas e político-culturais. Tem havido
uma tentativa de monopolizar o discurso no sentido de estabelecer aquilo que se pretende que
seja a infância, numa espécie de ideal de infância e ideal de participação das crianças.
O debate sobre a participação infantil tem vindo a intensificar-se e é mais amplo do que
as experiências concretas de participação das crianças. São vários os factores que têm vindo a
propiciar uma maior atenção face à participação das crianças:
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defendem algum valor à mobilização das crianças. É a tese defendida pelo Banco Mundial e
algumas vezes pela UNICEF, apesar de terem uma concepção técnica da participação.
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processo e os resultados, inclusive os que se relacionam como os efeitos nas polícias públicas
no quotidiano das crianças. Finalmente, tem de se considerar a dimensão pedagógica.
Os movimentos sociais de crianças, os movimentos de defesa dos direitos da crianças
(Tomás, 2006), as ONG e outros grupos organizados em redor dos direitos da criança e da
participação infantil podem ser identificados como actores sociais que “representam” os
interesses da criança, mas não devem ser considerados os únicos e a sua representação deve
ser interpretada criticamente. A promoção de espaços de decisão e partilha de poder permite
pensar “novas” metodologias e estratégias no trabalho com as crianças conducentes ao seu
envolvimento em decisões que afectam os seus quotidianos.
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3. Reflexões emergentes
A democracia participativa fundamenta-se numa política de inclusão, tanto no processo
como nos efeitos da participação.
O índice de democratização de uma sociedade não deve ser medido em função do
número de pessoas que vota mas dos espaços de participação existentes na sociedade e de
quem neles participa.
A participação cidadã forma parte de um conjunto de direitos que, no seu conjunto, nos
permitem falar de cidadania inclusiva e de uma cidadania participada (Pais, 2005). No entanto,
e porque os instrumentos da democracia participativa adoptam uma diversidade de usos e uma
multiplicidade de formas na sua apropriação, o OP é uma nomeação da realidade mas não
significa a realidade em si mesma. Há uma ausência de estabilidade conceptual. Além disso,
quando nos referimos à participação das crianças, há que considerar, outros modelos para
além dos modelos adultos de participação ou seja um referencial adultocêntrico.
O OP acaba por se alargar a outras áreas para além das questões orçamentais uma
vez que a forma como os cidadãos optam pela redistribuição dos impostos relaciona-se com
outros domínios, como a política, a formas e níveis de envolvimento político e a confiança
institucional.
A participação das crianças é um processo fundamental porque se reconhece o direito
à criança de tomar decisões na sua comunidade e entender o processo como dialógico, onde
se produz uma escuta activa, reflexão, reformulação, pensar, discutir, negociação,
divertimento…
Mas pensar na participação das crianças significa não transpor modelos adultos. Já
disseste Significa que serão necessárias dinâmicas e técnicas que partam dos mundos sociais
e culturais das crianças; metodologias específicas; criação de materiais educativos para formar
e dinamizar adultos e crianças; atenção aos espaços e modos de participação, ritmos,
linguagens, etc.
Ser cidadão significa estar presente, reivindicar protagonismo nos processos sociais e
políticos da comunidade. Cidadão é aquele que assume esse estatuto em todas as esferas da
vida social, ou seja, no bairro onde reside, na empresa ou estabelecimento onde trabalha e na
escola (Le Gal, 2005). A aquisição de comportamentos cívicos é uma questão que não é nem
inata nem de doutrinação, mas algo que se constrói no exercício dos direitos e dos deveres de
cidadania: aprende-se a democracia praticando-a. Não pode existir cidadania participativa sem
socialização democrática.
A aprendizagem da cidadania, mais do que uma interiorização de princípios teóricos,
supõe a formação de uma experiência em que intervêm as relações familiares, os grupos de
pares, o âmbito público da escola, os meios de comunicação, as investigações científicas, etc.
Pensar numa perspectiva de cidadania para a infância implicará sempre um esforço para
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4. Bibliografia
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para a construção do Novo Império. Revista Crítica das Ciências Sociais, 77:101:130.
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Democracia. Os caminhos da democracia participativa. Porto: Edições Afrontamento, 377-468.
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em Boaventura de Sousa Santos (org.), Reconhecer para Libertar. Os caminhos do
cosmopolitismo multicultural. Porto: Edições Afrontamento, 331-353.
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Notas finais
[1] Quero agradecer a todos os que me ajudaram a realizar o trabalho de campo, nomeadamente ao Centro de Estudos
Sociais da Universidade de Coimbra, em especial ao Prof. Doutor Boaventura de Sousa Santos pela abertura de porta
orientação e estimulo no desenvolvimento deste trabalho. Á Marisa Matias a simpatia, profissionalismo e solidariedade
institucional. À Ana Matos e ao Daniel Neves a oportunidade de os acompanhar a Sevilha e a disponibilização dos
contactos no OP de Sevilha. Um agradecimento especial à Ana Matos pela amizade e por toda a ajuda prestada.
Gostaria também de agradecer ao Prof. Doutor Manuel Sarmento, do Instituto de Estudos da Criança da Universidade
do Minho/LIBEC pelo apoio financeiro e incentivo à realização deste estudo exploratório. E um agradecimento à Prof.
Doutora Altina Ramos pela leitura crítica do texto. Um especial agradecimento a todos os membros, dirigentes,
políticos, delegados e participantes, em especial as crianças, do OP Sevilha e LABORAFORO, que permitiram,
gentilmente, que assistisse às actividades e realizasse a observação e as entrevistas. O trabalho de campo realizou-se
de 7 a 11 de Maio de 2007.
[2] Do ponto de vista metodológico, a investigação participativa procura métodos e técnicas que permitam conhecer
transformando. A investigação participativa é um paradigma emergente das ciências sociais críticas, um movimento
político e um processo múltiplo de investigação, educação e acção. Nasceu do campo educativo no âmbito de
movimentos populares e da educação de adultos: Participatory Rural Appraisal (PRA) e investigação – acção
participativa (PAR – Participatory Action Research), que originalmente eram utilizadas com adultos e estendeu-se a
outros campos.
[3] A título de exemplo, em Belo Horizonte (Brasil) o município utiliza o Orçamento Participativo Digital, votação
electrónica onde qualquer cidadão pode optar e votar através da Internet. A Prefeitura do Município de São Paulo, em
2004, desenvolveu o Orçamento Participativo Criança. Um sistema diferenciado de participação nas escolas públicas
municipais para discutir investimentos nas escolas e nos bairros. Na África do Sul, as mulheres promovem o Women's
Budget Initiative (WBI) que conduz à desagregação do orçamento para ser implementado em grupos de interesse,
como o grupo das crianças, a população rural, os cidadãos portadores de deficiência e os pobres. Em Vila El Salvador,
no Peru, a administração decidiu a dirigir suas discussões ao planeamento a longo prazo até 2010.
[4] Em Porto Alegre (Brasil), o OP traduz-se num processo onde a população decide, de forma directa, a aplicação dos
recursos em obras e serviços que serão executados pela administração municipal. É um processo em que os cidadãos
fazem uma intervenção permanente nas decisões do município. Os cidadãos têm um voto vinculativo quanto à
distribuição das verbas do orçamento. Está fundamentado em processos de assembleias cidadãs por zona de moradia
e por temas de interesse. A cidade está dividida em 16 regiões de forma a "agilizar a participação". Para saber mais
sobre o assunto cf. Santos (2002; 2003a).
[5] Para saber mais sobre o assunto cf. http://www.childfriendlycities.org (último acesso em 17.12.2004).
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[8] A título de exemplo o município de São Paulo levou a cabo a formação dos adultos que constituíam grupos motores.
A formação de 70 horas realizou-se de acordo com a concepção e metodologia freiniana, da formação em acção:
leitura do mundo; tematização e problematização (Pedagogia da pergunta), acção de intervenção e avaliação dialógica
e processual.
[9] Em 2000, “o OC era composto por 16 Programas 6 e 130 Projectos e Atividades, distribuídos por 7 Ministérios e
Fundo Nacional da Criança e do Adolescente (gerido pelo Conselho Nacional de Defesa dos Direitos da Criança e do
Adolescente – Conanda). Alguns Programas aparecem em mais de um Ministério. São os casos, por exemplo, do
Programa de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes – presente nos Ministérios da
Justiça, da Previdência e Assistência Social e do Esporte e Turismo – e de Reinserção Social do Adolescente em
Conflito com a Lei – presente nos Ministérios da Justiça e do Esporte e Turismo e no Fundo Nacional da Criança e do
Adolescente.” (Vianna, 2003: 20). Os boletins periódicos têm sido o principal instrumento de divulgação das
informações do Orçamento Criança. No âmbito do OC federal, esse instrumento tem sido o Boletim Orçamento &
Política da Criança e do Adolescente, editado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos – INESC.
http://www.inesc.org.br/publicacoes/boletins/boletim-orcamento-politica-de-crianca-e-adolescente
[10] O Projecto @ventura é destinado às crianças e jovens, entre os 6 e os 24 anos, residentes no concelho de São
Brás de Alportel, provenientes de contextos familiares e sociais mais vulneráveis e que revelam maiores dificuldades
de integração, onde se incluem também os descendentes de imigrantes. O Projecto envolve a Câmara Municipal e as
Escolas do Concelho (1º, º2 e 3º ciclos e Secundário) e tem como promotor a Associação In Loco e é desenvolvido
com apoio do Programa Escolhas.
[11] Em Junho de 2007 depois de 2 meses de reuniões 115 crianças apresentaram propostas ao Executivo Camarário
relativamente ao que gostariam que se fizesse em S. Brás de Alportel. Numa primeira sessão com as turmas foi feita
uma introdução sobre às temáticas da democracia em Portugal, uma explicação do que é o orçamento municipal
(comparando com o orçamento familiar) e uma apresentação do orçamento participativo. Feita esta contextualização,
as crianças exprimiram individualmente “desejos” para a sua rua, para a sua escola e para São Brás de Alportel. Cada
turma elegeu um delegado e uma delegada como representantes. O conjunto das propostas apresentadas foi depois
devolvido a cada uma das turmas para uma reflexão conjunta e para esclarecimento de dúvidas, tais como
investimento de responsabilidade privada (um restaurante) e de responsabilidade pública (uma escola). As propostas
obtidas foram bastante diversificadas: actividades de ocupação de tempos livres para jovens em tempo de férias
(nomeadamente, a construção de infra-estruturas desportivas e de lazer), a criação de infra-estruturas para deficientes
nos edifícios públicos, a requalificação de espaços públicos (jardins, edifícios, passeios e estradas, etc), entre outras
tantas propostas interessantes, etc.
[12] Desde 1996 que a administração municipal implementou uma política de participação cívica através de uma
Assembleia de Unidade Cantonal, um fórum independente e informal composto por 16 membros. Apenas em 1998, as
crianças e jovens foram envolvidos nos comités locais, grupos e comissões de trabalho. O processo: 1. Consulta
urbana (1999-2000); Plano de Acção (2000) e 3. O Programa de Acções Prioritárias (2001-2002). Um dos principais
impactos foi a possibilidade das crianças apresentarem as suas ideias e negociaram os seus direitos. Sobre o processo
cf. Guerra (2002); Vianna (2003); Cabannes (2005).
[13] O Orçamento Participativo Mirim (OPM) iniciou em 1997. O processo: 1. Consciência (1997-1998), 2. Preparação
de ferramentas de ensino e implementação do projecto (1998-2000), 3. Transição e desenvolvimento de uma nova
cultura política (2001-2003). As crianças conseguiram implementar alguns dos projectos como colocação de luz num
túnel pedestre, o que melhorou a sua segurança, por exemplo. Sobre o processo cf. Vianna (2003); Cabannes (2005).
[14] A Consulta Urbana iniciou em 1998 com discussões internas dentro do governo local de forma a alargar as
temáticas que eram tratadas no OP com incidência na integração das crianças e jovens no processo. O Programa Dia
Feliz, em 1999,um dia em que o trabalho é específico com crianças e adolescentes com o orçamento participativo.
Acontece anualmente em Setembro nas escolas, como crianças entre o 6 e os 15 anos, onde é discutido o OP e são
eleitos os representantes das crianças que formam o Conselho de Participação Infanto-Juvenil na Gestão da Cidade.
Sobre o processo cf. Vianna (2003); Cabannes (2005).
[15] O processo de consulta urbana com crianças iniciou-se em 1998 com objectivos de as crianças, jovens e mulheres
ponderem participar no planeamento urbano, nomeadamente na erradicação da pobreza. cf. Cabannes (2005).
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