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Achei este daqui da Cristiane Sobral

Não vou mais lavar os pratos

Não vou mais lavar os pratos.

Nem vou limpar a poeira dos móveis.

Sinto muito. Comecei a ler. Abri outro dia um livro

e uma semana depois decidi.

Não levo mais o lixo para a lixeira. Nem arrumo

a bagunça das folhas que caem no quintal.

Sinto muito.

Depois de ler percebi

a estética dos pratos, a estética dos traços, a ética,

A estática.

Olho minhas mãos quando mudam a página

dos livros, mãos bem mais macias que antes

e sinto que posso começar a ser a todo instante.

Sinto.

Qualquer coisa.

Não vou mais lavar. Nem levar. Seus tapetes

para lavar a seco. Tenho os olhos rasos d’água.

Sinto muito. Agora que comecei a ler quero entender.

O porquê, por quê? e o porquê.

Existem coisas. Eu li, e li, e li. Eu até sorri.

E deixei o feijão queimar...

Olha que feijão sempre demora para ficar pronto.

Considere que os tempos são outros...


Ah,

esqueci de dizer. Não vou mais.

Resolvi ficar um tempo comigo.

Resolvi ler sobre o que se passa conosco.

Você nem me espere. Você nem me chame. Não vou.

De tudo o que jamais li, de tudo o que jamais entendi,

você foi o que passou

Passou do limite, passou da medida,

passou do alfabeto.

Desalfabetizou.

Não vou mais lavar as coisas

e encobrir a verdadeira sujeira.

Nem limpar a poeira

e espalhar o pó daqui para lá e de lá pra cá.

Desinfetarei minhas mãos e não tocarei suas partes móveis.

Não tocarei no álcool.

Depois de tantos anos alfabetizada, aprendi a ler.

Depois de tanto tempo juntos, aprendi a separar

meu tênis do seu sapato,

minha gaveta das suas gravatas,

meu perfume do seu cheiro.

Minha tela da sua moldura.

Sendo assim, não lavo mais nada, e olho a sujeira

no fundo do copo.

Sempre chega o momento

de sacudir,

de investir,

de traduzir.

Não lavo mais pratos.

Li a assinatura da minha lei áurea


escrita em negro maiúsculo,

em letras tamanho 18, espaço duplo.

Aboli.

Não lavo mais os pratos

Quero travessas de prata,

Cozinha de luxo,

e jóias de ouro. Legítimas.

Está decretada a lei áurea.

(Cadernos negros 23: poemas afro-brasileiros, 2000).

Negra mente

Nego, grato, que sou negro ingrato

Amo-me por negro ser à luz do dia

Grito nagô gravado na garganta

Gratificantemente negro sem agonia

X.X.X

Sem culpas, nem grutas, negrume ao sol

Nem grades, nem grotesco

Negros textos sejam lidos no arrebol

X.X.X

Negras, negros, sejamos qual os gregos

Agreguemo-nos, guerreiros, em massa

Castro Alves nos espera na praça

Negrifique-se e faça-se grande

Nasça nessa nossa cor, pois ela é raça.


(Cadernos negros 21, p. 22)

A PALAVRA NEGRO

a palavra negro

tem sua história e segredo

veias do São Francisco

prantos do Amazonas

e um mistério Atlântico

a palavra negro

tem grito de estrelas ao longe

sons sob as retinas

de tambores que embalam as meninas

dos olhos

a palavra negro

tem chaga tem chega!

tem ondas fortessuaves nas praias do apego

nas praias do aconchego

a palavra negro

que muitos não gostam

tem gosto de sol que nasce

a palavra negro

tem sua história e segredo

o sagrado desejo dos doces vôos da vida

o trágico entrelaçado

e a mágica da alegria

a palavra negro

tem sua história e segredo


é o bálsamo para o medo

em chagas aberto no corpo de nosso país

a palavra negro

sumo deste solo

nos neurônios da raiz.

Cuti

(Batuque de Tocaia)

Mamãe grande

todas

as águas do mundo são

Dela. fluem

refluem nos ritmos

Dela. tudo que vem.

que revém. todas

as águas

do mundo são

Dela.

fluem refluem

nos ritmos Dela.

tudo que

vem. que revém.

todas as águas

do mundo

são Dela. fluem

refluem

nos ritmos Dela. tudo

que vem.
que revém.

(ALEIXO, Ricardo. Pesado demais para a ventania: Antologia poética. São Paulo: Todavia, 2018)

Na noite calunga do Bairro Cabula

Morri quantas vezes

na noite mais longa?

Na noite imóvel, a

mais longa e espessa,

morri quantas vezes

na noite calunga?

A noite não passa

e eu dentro dela

morrendo de novo

sem nome e de novo

morrendo a cada

outro rombo aberto

na musculatura

do que um dia eu fui.

Morri quantas vezes

na noite mais rubra?

Na noite calunga,

tão espessa e longa,


morri quantas vezes

na noite terrível?

A noite mais morte

e eu dentro dela

morrendo de novo

sem voz e outra vez

morria a cada

outra bala alojada

no fundo mais fundo

do que eu ainda sou

(a cada silêncio

de pedra e de cal

que despeja o branco

de sua indiferença

por cima da sombra

do que eu já não sou

nem serei nunca mais).

Morri quantas vezes

na noite calunga?

Na noite trevosa,
noite que não finda,

a noite oceano, pleno

vão de sangue,

morri quantas vezes

na noite terrível,

na noite calunga

do bairro Cabula?

Morri tantas vezes

mas nunca me matam

de uma vez por todas.

Meu sangue é semente

que o vento enraíza

no ventre da terra

e eu nasço de novo

e de novo e meu nome

é aquele que não morre

sem fazer da noite

não mais a silente

parceira da morte

mas a mãe que pare

filhos cor da noite


e zela por eles,

tal qual uma pantera

que mostra, na chispa

do olhar e no gume

das presas, o quanto

será capaz de fazer

se a mão da maldade

ao menos pensar

em perturbar o sono

da sua ninhada.

Morri tantas vezes

mas sempre renasço

ainda mais forte

corajoso e belo

- só o que sei é ser.

Sou muitos, me espalho

pelo mundo afora

e pelo tempo adentro

de mim e sou tantos

que um dia eu faço

a vida viver.
(ALEIXO, Ricardo. Pesado demais para a ventania: Antologia poética. São Paulo: Todavia, 2018)

ALEIXO, Ricardo. Trívio. Belo Horizonte: Scriptum, 2002

QUEBRANTO

às vezes sou o policial

que me suspeito

me peço documentos

e mesmo de posse deles

me prendo

e me dou porrada
às vezes sou o zelador

não me deixando entrar

em mim mesmo

a não ser

pela porta de serviço

às vezes sou o meu próprio delito

o corpo de jurados

a punição que vem com o veredito

às vezes sou o amor

que me viro o rosto

o quebranto

o encosto

a solidão primitiva

que me envolvo com o vazio

às vezes as migalhas do que

sonhei e não comi

outras o bem-te-vi

com olhos vidrados

trinando tristezas

um dia fui abolição que me

lancei de supetão no espanto

depois um imperador deposto

a república de conchavos no coração

e em seguida

uma constituição que me promulgo

a cada instante
também a violência dum impulso

que me ponho do avesso

com acessos de cal e gesso

chego a ser

às vezes faço questão

de não me ver

e entupido com a visão deles

me sinto a miséria

concebida como um

eterno começo

fecho-me o cerco

sendo o gesto que me nego

a pinga que me bebo

e me embebedo

o dedo que me aponto

e denuncio

o ponto em que me entrego.

às vezes!...

Cuti

Ferro

Primeiro o ferro marca

a violência nas costas

Depois o ferro alisa

a vergonha nos cabelos

Na verdade o que se precisa


é jogar o ferro fora

e quebrar todos os elos

dessa corrente

de desesperos.

CUTI. Ferro. In: SANTOS, Luiz Carlos dos (Org.). Antologia da poesia negra brasileira: o negro
em versos. São Paulo: Moderna, 2005. p. 87. (Lendo e Relendo – Poesia).

https://www.youtube.com/watch?v=E087HGB7EU8

Negão Negra (part. Flávio Renegado)

Elza Soares

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Nunca foi fácil

E nunca será

Para o povo preto

Do preconceito se libertar

Sempre foi luta

Sempre foi porrada

Contra o racismo estrutural

Barra pesada

Negão, negão, negão, negão

Negão, negão, negão, negão

(Negra, negra, negra, negra, negra)

Negão, negão, negão, negão

Negão, negão, negão, negão


(Negra, negra, negra, negra, negra)

Fala pro homem cordial e a sua falha engrenagem

Meu corpo é livre, com amor, cor e coragem

Pra cada um que cai, choramos rios e mares

Mas nunca calarão as nossas vozes milenares

Sem gênero ou preceito, humanos em nova fase

Wakanda é o meu mundo, Palmares setor a base

Quem topa esse rolê, dá asas a liberdades

No feat filho do rei e a deusa Elza Soares

Todos os dias, me levanto

Olho no espelho, sempre me encanto

Com o meu cabelo e a cor da pele dos ancestrais

Todas as noites, no quarto escuro

Peço a Deus e aos orixás

Que a escravidão não volte nunca, nunca, nunca mais

Negão, negão, negão, negão

Negão, negão, negão, negão

(Negra, negra, negra, negra, negra)

Negão, negão, negão, negão

Negão, negão, negão, negão

(Negra, negra, negra, negra, negra)

Negão, negão, negão, negão

Negão, negão, negão, negão

(Negra, negra, negra, negra, negra)


Negão (negra)

Negão (negra)

Negão (negra)

Negão (negra)

Negão (negra, negra, negra)

(Aham) é, vai

(Negra, negra, negra, negra, negra, negra, negra, negra)

Negão, negão, negão, negão

Negão, negão, negão, negão

https://www.youtube.com/watch?v=BLttXUp8xyQ

Não Tá Mais de Graça

Elza Soares

A perna treme

Parece vídeo game

É uma poça de sangue no chão

E o nego geme

Eu me pergunto: Onde essa porra vai parar?

Revolução, só Che Guevara de sofá

A carne mais barata do mercado não tá mais de graça

O que não valia nada agora vale uma tonelada

A carne mais barata do mercado não tá mais de graça

Não tem bala perdida, tem seu nome, é bala autografada

Prepara o coração que eu vou escurecer

E pode dar piripaque

Do Big ao Tupac

Marielle Franco, Rosa Parks


Destrava a corrente, sai fora da foice

Mogobe Bernard Ramose

Essa aqui Neymar não dança na hora de meter gol

Mas os pretos avançam, Wakanda forever yo!

https://www.youtube.com/watch?v=yktrUMoc1Xw

A Carne

Elza Soares

A carne mais barata do mercado é a carne negra

A carne mais barata do mercado é a carne negra

A carne mais barata do mercado é a carne negra

A carne mais barata do mercado é a carne negra

A carne mais barata do mercado é a carne negra

Que vai de graça pro presídio

E para debaixo do plástico

Que vai de graça pro subemprego

E pros hospitais psiquiátricos

A carne mais barata do mercado é a carne negra

A carne mais barata do mercado é a carne negra

A carne mais barata do mercado é a carne negra

A carne mais barata do mercado é a carne negra

A carne mais barata do mercado é a carne negra

Que fez e faz história

Segurando esse país no braço

O cabra aqui não se sente revoltado

Porque o revólver já está engatilhado


E o vingador é lento

Mas muito bem intencionado

E esse país

Vai deixando todo mundo preto

E o cabelo esticado

Mas mesmo assim

Ainda guardo o direito

De algum antepassado da cor

Brigar sutilmente por respeito

Brigar bravamente por respeito

Brigar por justiça e por respeito

De algum antepassado da cor

Brigar, brigar, brigar

A carne mais barata do mercado é a carne negra

A carne mais barata do mercado é a carne negra

A carne mais barata do mercado é a carne negra

A carne mais barata do mercado é a carne negra

A carne mais barata do mercado é a carne negra

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