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Arte cruel
Antonio Herci

Teriam os animais nervos para não sentirem? Músculos para não se moverem? Estômagos para
não terem fome? Sentimentos para não sentirem dor?
O ponto em comum entre cientistas, artistas, racistas, sexistas e fascistas é o fato de serem todos
humanos, mas também animais. Outro ponto em comum pode ser a perversão e a crueldade com
que, alguns deles, tratam a alteridade animal, humana e não humana.
Gostamos de pensar que a diferença é que os racistas, sexistas e fascistas são o que são: sua
própria existência execrável é a pressuposição de sua perversidade. Enquanto que os cientistas e
artistas não o são por definição: mas... podem ser por opção?
Mas porque fariam, e de fato alguns fazem, essa opção?
O deleite estético de alguns e a construção do conhecimento para outros, justificam que, ao
praticar e constranger à dor, os artistas e cientistas estejam acima dos seus pares perversos,
classificados sob uma aura autodenominada de “liberdade criativa”?
Os animais sempre serviram de inspiração para a criação artística, em praticamente toda a história
da arte, desde as pinturas rupestres. No entanto, nas últimas décadas, alguns artistas
apresentaram obras chocantes, não apenas pelo conteúdo e forma de suas instalações, mas por
um crescente e cada vez mais presunçoso desprezo pela integridade física e moral das vidas
animais. A fórmula parece ter dado certo, pois garante notoriedade instantânea, sem que seja
preciso, em alguns casos, técnica ou habilidade propriamente artística.
Um dos casos mais emblemáticos disso é o do “artista” Guillermo Vargas, conhecido como
Habacuc (1975), que passou do anonimato à celebridade mundial, com forte presença na mídia, a
partir de uma “instalação perecível”, sua “Experiência nº 1” (2007), um espetáculo de horror
produzido com um cachorro recolhido da rua e que foi amarrado a um dos cantos da Galeria
Códice, na Nicarágua e deixado para morrer de fome, diante do público, sem nenhum tratamento
de suas pulgas ou sarna. Na parede imediatamente à sua frente estava escrito, com ração para
cachorro, a frase de efeito “eres lo que lees”, dando um ar de arte conceitual à perversão do
artista (fig. 1). O realizador, orgulhosamente, garante em suas entrevistas que o cachorro morreu
mesmo, e se defende acusando os próprios visitantes, que nada fizeram para tirar o cachorro dali
ou o alimentar.
Malgrado a chuva de protestos que recebeu mundialmente, no ano seguinte foi designado como
representante de seu país na bienal de Honduras, para repetir a experiência. Havia ganhado sua
notoriedade e reconhecimento, ainda que o reconhecimento próprio aos carrascos e torturadores.
Outro criativo perverso, realiza uma exposição de “Peixes Dourados em Liquidificador” (2000),
apresentando peixinhos vivos nadando dentro dos eletrodomésticos. As placas “conceituais” da
exposição orientavam que os visitantes ligassem os aparelhos livremente, para vivenciar a
experiência estética de “misturar os peixes” (fig. 2).
Já o artista Jan Fabre (1958), preferia expor cachorros mortos e empalhados, pendurados por
ganchos para deleite dos visitantes do Museu Hermitage, na Rússia (2016, fig. 3). Em sua defesa,
dizia que não matava os animais, apenas recolhia corpos e os “transformava em arte”.
Alguns outros gostam de parecer mais bem humorados e descolados. Por exemplo Wim Delvoye
(1965), que tatua porcos, para expô-los e vende-los como “obras vivas” por algumas centenas de
milhares de dólares (2003-2010, fig. 4). Ora, deve pensar o criativo e cruel artist, porque não
marcar os porquinhos, à revelia de sua vontade ou sofrimento que não pactuaram: assim como
humanos pagam bem por suas tatuagens, pagam ainda melhor por porcos tatuados como
souvenires.

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Nuno Ramos, um dos mais importantes artistas contemporâneos brasileiros, expôs na 29ª Bienal a
sua “Bandeira Branca” (2010, fig. 5), instalação que contava com o encarceramento e exibição de
urubus, não apenas contrariando leis e bom senso, mas o respeito a animais tão importantes no
ciclo biológico do planeta. Quando militantes da VEDDAS (ver nas referências) invadiram e
pixaram a obra, e quando o artista foi publicamente cobrado por entidades, ONGs e pessoas
menos perversas que ele, refugiou-se no principal chororô que parece ser comum a essa espécie
de humanos particularmente cruéis: “estão mutilando a compreensão de minha obra”.
Até mesmo Cildo Meireles (1948), nosso tão amado inventor do “Quem Matou Herzog” (1975),
reavivado como eco no “Quem Mandou Matar Marielle?” (1918), com toda a boa intenção de
denunciar as barbáries da ditadura militar, não praticou muita empatia e compaixão pelo
sofrimento, ao queimar galinhas vivas, encharcadas de gasolina e construir o seu “Totem –
Monumento ao Preso Político” (1970, fig. 6).
Animais são imolados ainda vivos, para manter o “frescor vital” de suas peles, para servir ao
requintado e artístico mercado da moda (ver referências). Outros são decepados para a
modelagem de sapatos requintados para que as madames possam se calçar de patas de cavalos,
mas com grifes e saltos altos adornados, como nos designes de “sapatos mortos” de Iris
Schieferstein (1966, fig. 7).
E, claro, não poderíamos esquecer também de nosso recém falecido artista Nelson Leirner (1932-
2020) e o seu “O Porco” (1966, fig. 8), exibido não apenas empalhado, mas também
magistralmente enjaulado em post mortem, como a dizer que eternamente terá a vida atrofiada,
na exuberante Pinacoteca de São Paulo.
Será que é realmente muito importante e relevante para a arte queimar aves vivas, bater peixes
em liquidificador, matar cachorros de fome, expor animais empalhados, pendurados ou
engaiolados, esfolar animais vivos para a mórbida beleza da moda dos casacos?
Isso tudo é importante para a arte ou para travestir de arte uma recorrência de perversidade que
encanta alguns modernos e contemporâneos — entre eles alguns dos mais medíocres? Nas
galerias, bienais ou em suas salas de estar?
Talvez, assim como devemos nos reinventar para fazer frente à violência, ignorância e virulência
do fascismo, da misoginia e do racismo que parece acessos em nossa hiper moderna
modernidade, também precisemos na mesma medida de uma estética que considere o próprio e o
outro corpo — humanos e não humanos — como de uma mesma carne do mundo e que, diante
de tantos retratos cotidianos de crueldade, possa nos prover de quadros de compaixão.
SERVIÇO
ARTE CRUEL – NESTA QUINTA, DIA 27 DE AGOSTO, 20h. Mesa de conversa e aula aberta,
aprofundando os temas deste artigo, com o professor ANTONIO HERCI e as participações dos
Professores ARTUR MATUCK, ANTONIO RODRIGUES e SANDRO CAJÉ. Atividade realizada pelo
Diversitas/USP, parte das atividades do curso de ALTERCIÊNCIA. https://meet.google.com/rty-
yrby-okp

Imolação de animais vivos para indústria de modas. In: Terráqueos (2005), documentário narrado
por Joaquin Phoenix (1974), Escrito, Produzido e Dirigido por Shaun Monson, Nation Earth
Organization. Animais imolados vivos para retirada de pele no Canadá.
https://www.youtube.com/watch?v=TpkqiYonbd4&has_verified=1

AS OBRAS

FIGURA 1 - Exposición nº 1 (2007). Guillermo Vargas Habacuc (1975). Cachorro capturado e


amarrado em exposição diante de texto escrito com ração “És o que vês”. Galeria Códice,
Nicarágua. https://www.ekac.org/rato.p2.lisbon.pdf

FIGURA 2 - Goldfish in blenders (2000). Marco Evaristti (1963). Peixes dourados vivos em
liquidificador. https://www.cbsnews.com/pictures/odd-truth-may-15-31/4/

FIGURA 4 - Art Farm, live tatooed pigs (2003-2010). Wim Delvoye (1965). Porcos tatuados.
https://www.bol.uol.com.br/fotos/2015/03/20/artista-belga-cria-polemica-com-porcos-
tatuados.htm?mode=list&foto=2

FIGURA 5 - Bandeira Branca (2010). Nuno Ramos (1960). Obra pixada durante a 29ª Bienal de São
Paulo por Manifestantes da VEDDAS – Vegetarianismo Ético, Defesa dos Direitos Animais e
Sociedade. Urubus mantidos vivos em cativeiro durante exposição com caixas acústicas
reproduzindo músicas brasileiras ("Bandeira branca", "Carcará" e "Acalanto).
https://istoe.com.br/104764_ENTRE+A+ARTE+E+O+CATIVEIRO/
https://veddas.org.br/resposta-de-george-guimaraes-ao-texto-de-nuno-ramos/

FIGURA 6 - Tiradentes – Totem – Monumento ao Preso Político (1970). Cildo Meireles (1948).
estaca sobre um quadrilátero marcado por um pano branco, com termômetro clínico no topo e
galinhas vivas amarradas sobre as quais se ateou fogo. Parque Municipal de Belo Horizonte.
https://criticadeartebh.com/2016/11/09/tiradentes-totem-monumento-ao-preso-politico-1970/

FIGURA 7 - Bones&weapon (2013). Iris Schieferstein (1966). Material: horse hooves and hide,
bones and gun barrel. Museu de sapatos de Leipzig. http://g1.globo.com/planeta-
bizarro/noticia/2013/03/par-de-sapatos-feito-com-revolveres-e-cascos-de-cavalo-e-atracao-de-
museu.html

FIGURA 3 - Knight of Despair / Warrior of Beauty (2016). Jan Fabre (1958). Cachorros empalhados
e pendurados por ganchos. https://www.holidogtimes.com/this-artist-is-showing-the-remains-
of-dogs-hung-by-butcher-hooks-in-one-of-the-worlds-top-museums/
FIGURA 8 - O porco (1966). Nelson Leirner (1932-2020). Porco empalhado. Pinacoteca de São
Paulo. https://jornal.usp.br/cultura/pinacoteca-traz-a-vanguarda-dos-anos-1960/

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