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TRANSITORIEDADE Novos bairros, a cidade

e seus donos
Claudio Manetti

Tudo está à venda

Para ler este texto recomenda-se um breve despir-se. expressão concreta das relações vitais em espaço;
2. a condição ética de quem capta, transporta e
Uma queda de véu, cujo escrúpulo e cuja hipocrisia consolida essas relações em matéria. Quer dizer:
recebam a cor das velhas idiossincrasias humanas, objeto inerte ligado ao contexto humano configura
cascas de polimento que vêm dourando o invólucro um desejo puro traduzido pela inteligência histórica.
embalagem de civilidade fictícia. Parece que hoje
somos mais apurados como raça e espírito, mas Entenda-se por “Cidade”, então, estas inter-
nunca em toda a história da humanidade, relações expressas no território.
especialmente nas nações aprisionadas pela rede
de dominantes, esteve-se tão à mercê da A história da cidade de São Paulo, assim como na
intolerância e da esquizofrenia do mercado de maioria das cidades brasileiras sob a cíclica do
valores e dos valores do mercado, instrumentos capital em profusão, demonstra uma inequívoca
nodais da trama ideológica que tece o mundo agora. força de sobreposição de conflitos e valores que
Moral, lógica, ética e estética são questões em sistematicamente vem regulando o destino do solo.
desalinho. O processo crescente de maturação da A meta resume-se na obtenção da máxima margem
economia brasileira, com especial atenção sobre de lucro em mínima margem de tempo.
as fortes oscilações recorrentes no estado de São
Paulo, pelo volume negocial e pela velocidade de Nada mais incisivo regula o território paulistano do
manobras, evidencia a exacerbação da dissociação que valores em alto giro. O mercado imobiliário vai
de parâmetros morais pregressos em patamares para onde quer. O poder público tenta correr atrás.
discrepantes, a julgar por ações, modelos, razões, A cidade incorpora essa máxima e traduz-se em lugar
formas de valoração e produtos em curso, em residual conformado pela divisão de tecidos em
avalanche ascendente rumo ao esgotamento de tensão. Nunca um fenômeno. Note-se uma
normas e à exaustão de reservas. confluência de intuitos privados via concentração de
interesses voltados para eixos urbanos potenciais.
Com a ruptura das relações culturais de resistência,
o domínio do vago e do imediato, somados ao Ao poder público coube a prerrogativa de enxertar
pressuposto do “superlucro”, abriu o precedente recursos financeiros para sustentar áreas sob
condicional irreparável do novo cotidiano. pressão. Essa condição cria um efeito “gangorra”
de polarizações orçamentárias em pontos estanques
O “Mercado” é o que regula o certo e o errado. O possível da cidade, sempre privilegiando as órbitas privadas
e a utopia. O realista do visionário. A Prática e a Poética. de grande fôlego.

O “Mercado Imobiliário” é a figura incerta que As recentes incursões públicas na tentativa de


incorpora a personagem mítica do espectro antecipar as ondas do mercado imobiliário visando
ambíguo entre a tendência e a viabilidade. No captar valores privados aos cofres institucionais, para
interposto, algumas das razões que apontam para equilibrar o ônus da urbanização ampla e aberta,
os rumos da recente produção arquitetônica, ganharam fôlego a partir das Operações Urbanas.
segundo padrões éticos e estéticos serventes aos
agentes mercadológicos atuantes. O resultado Sua menção e seus procedimentos constam,
mais gritante dessa vertente é a transformação inclusive, do novo Plano Diretor de São Paulo1. A
do significado da cidade, de lugar essencial para grande pendência dessas operações, entretanto,
um difuso balcão de negócios. reside na ausência de um desenho vinculado ao
dispositivo legal; ou seja, como garantir a
Marcando posição diante dos fatos aviltantes, qualidade dos espaços urbanos e dos elementos
entenda-se “Arquitetura” como a fusão de duas condicionantes da cidade, nos fragmentos de
lâminas bem afiadas: 1. a necessidade de reconversão em áreas sob a alça de mira do

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capital imobiliário, mesmo que pautado pelas Urbana Faria Lima, num bairro originariamente
determinantes normativas formais, sem perder, formado por galpões permeados por vilas
contudo, a unidade urbana. Antecipar o foco das populares, sofreu, em menos de vinte anos,
tendências e projetar as variáveis das alterações, radical transformação.
“velho sobre o novo”, e nunca o “velho junto ao
novo”, poliu a “bola de cristal” dos ensaístas da O resultado é o produto da cidade sem alma. Manipulação
economia urbana desde então. Meios de produção mera derivada das intenções de quem não a quer como
em larga escala estão cada vez mais presentes nos unidade viva e com inteligência progressiva.
procedimentos legais da gestão pública. Um querer
institucional inexorável, febre de construção sobre Porção imobiliária em vez de bairro ou lugar de
o construído, teias legislativas alargadas e perfis maturação cultural, sua dinâmica resulta das forças
híbridos parcos de economia mista. de coligação privadas, obedecendo a parâmetros
negociais específicos ditados e avaliados em
Mas que cidade é esta que conforma a expressão sistemática independência das relações
básica dos valores éticos do mercado, e quem são institucionais. O antigo bairro que apoiava a cidade
os agentes que a fazem com tal intensidade? agora se defende dela. A gestão do público passou
a ser privada com anuência governamental.
Paisagem urbana e marketing
Um outro “Bairro Novo”
Aspectos preponderantes na rotina da cidade estão
sendo revistos. Sabe-se que o tempo de substituição Bairro é um núcleo urbano com personalidade própria
dos momentos urbanos está cada vez mais rápido. derivada do contexto histórico de conformação
Nega-se com mais velocidade os legados. sociocultural de um aglomerado maior.

As escalas também mudaram, trazendo a inserção Sua escala e suas inter-relações com a cidade
dos novos projetos de porte. Quanto à configuração dependem dos ciclos de decantação dos tecidos e
imobiliária, nota-se que a tendência é sobrepujar a das variações estruturais da comunidade. É
cidade existente negando a maturidade, tanto na fundamental reconhecê-los como transição entre
forma como na paisagem residual. Os elementos lugares de domínio e interfaces de conexão,
arquitetônicos gritam. Os novos prédios buscam atentando para os detalhes de seus habitantes e
roupagem rebuscada e compositiva. É a negação das trocas destes com as demais ondas de
da síntese como princípio da inteligência, já que, passagem. Não há como imaginá-los como cidadelas
nesse caso, cabe ao edifício essa virtual condição. fortificadas. No entanto, a voracidade do capital
São edificações independentes das pessoas que as pode consumir bairros sólidos, já que a história
fazem, embora incorporem solidamente sua imagem continua viva, mas vale pouco.
e semelhança: têm personalidade eclética e nenhum
compromisso ideológico; têm tamanho e querem O recente concurso de projetos promovido pela
falar como gente grande; têm embasamento, corpo Prefeitura do Município de São Paulo para os
e coroamento tão evidentes que poderiam ser vazios urbanos localizados no hiato entre a Água
montados sob várias combinações, desde que Branca e a Barra Funda, merece discussão. A
sempre muito óbvias; são multifuncionais e região tem peculiaridades. Trata-se de um
multimídia; têm vasto subsolo reafirmando a “cidade contexto urbano fundamentado por eixos paralelos
do carro”, ênfase do indivíduo sobre o coletivo; têm de velocidade, marcando a linearidade sulcada
revestimento caro e pouca provocação tecnológica. sobre a planície do Tietê retificado. O
De toda forma, um pacote para venda de consumo compartimento em questão, resultado das
fácil para ser usado por pouco tempo. Nas inter- transformações mais drásticas da cidade de São
relações entre empreendimentos, nenhum espaço Paulo desde o século XIX, perdeu força e sentido
público, nenhum vínculo de equilíbrio, nenhum lugar diante do declínio imobiliário e do esvaziamento
para o desenvolvimento intelectual, nenhum industrial. A perspectiva de reconversão para os
contexto para o exercício da diversidade social. trechos estudados é grande, a julgar pela
significativa infra-estrutura existente apoiada na
O caso mais flagrante dessa provocação é a Vila tese dos grandes planos públicos em gradual
Funchal. Localizada no perímetro da Operação implantação. Mesmo assim, verifica-se a baixa

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resposta dos empreendedores, revelando que “o ideal de um Bairro Novo, para morar em São
existem outras implicações ainda obscuras para Paulo no século XXI”, surpreendentemente será o
a efetiva atração de negócios. Compreende-se, modelo de uma cidade européia do século XIX.
de antemão, que a forte ruptura dos meios de Nesse sentido, algumas questões deflagram a
deslocamento entre as unidades urbanas próximas análise crítica após o encerramento desse ciclo.
espera a complementação de modos secundários
de transporte, uma nova coerência habitacional Desde os instrumentos para a formação de um
e um cauteloso ajuste entre o que pode ser local pacto de urbanidade naquele trecho ao conteúdo
do que já é metropolitano. Com a aprovação da da paisagem pretendida, tudo sugere ao
O p e r a ç ã o U r b a n a Á g u a B r a n c a 2, p o u c o s atendimento de premissas excludentes. O poder
empreendimentos vieram atraídos pelo mecanismo público cria o fato, mas não formaliza a “agência”
de indução. Os precursores, em modelo de para o seu desenvolvimento. Institutos franceses
otimização máxima, utilizaram-se dos coeficientes praticam empreendimentos habitacionais
extrapoláveis previstos pela nova lei, lançando o associados há longa data. Sua longevidade e
delineamento da nova paisagem intencionada pelo eficiência provêm do rigor estrutural dos
mercado. Embora tenha ficado aquém das programas de aplicação, nos quais a propriedade
expectativas em termos negociais, até o presente da terra, os parâmetros para composição de
momento, diferente da euforia na Faria Lima, a parcerias e os fundamentos para a ordenação dos
simples existência da lei foi o bastante para projetos imobiliários e arquitetônicos são
disparar a “sobrevalorização” dos imóveis na região, prerrogativas institucionais. Sem o perfil claro de
inflacionando o potencial na partida. O que se viu um agente promotor não se reconhecem diretrizes
foi o manejo da “mais-valia” independente da de implementação de produtos, formatos jurídicos
produção, deflagrada pela perspectiva futura, e, tampouco, padrões mercadológicos associados.
legalmente amparada. De imóveis de valor
sentimental a terrenos com pendências jurídicas, Na experiência paulistana, perguntas básicas ainda
tudo se tornou oferta. O recorte fundiário não foram respondidas, como a real configuração
destacado para a promoção do concurso vem a da demanda-alvo; um cronograma tático de
reboque dessa tendência. operação assumido pelos sócios investidores; a
origem e o gerenciamento dos recursos
A pertinência do Concurso parece, em primeira orçamentários no tempo; o objeto dos acordos com
instância, estar ligada a interesses distintos que os demais cotistas, entre tantas. Com os
se acotovelam pela publicidade em jogo sem incorporadores cépticos e silenciosos, a viabilidade
arriscar investimentos mais expressivos. O poder financeira das propostas premiadas adquiriu um
público lança possibilidades de desenvolvimento tom quase acadêmico. Com tal teor de manipulação
conjunto, desta feita adquirindo a feição de aguarda-se o pronunciamento dos grupos de
investidor em prévia articulação, já que parte do interesse com um pouco mais de responsabilidade,
patrimônio imobiliário envolvido lhe pertence. uma vez que a tese se baseia no assentamento de
Proprietários privados na defensiva aguardam uma população adicional da ordem de 70 mil
formas viáveis de negociação e atrativos. habitantes, sem conexões com o sistema de
Arquitetos de plantão anseiam pela oportunidade transporte de alta capacidade e sem projetos
de experimentar conceitos de cartilha. Por outro estruturais de suporte metropolitano oficialmente
lado, o ritmo de transformação na região segue assumidos. Enquanto isso, do lado dos entusiastas,
cautelosamente. As tendências não são claras, o ideário primário representado em composição
embora seja evidente a corrida dos grandes tipológica do bloco/quadra com pátio, marcando a
equipamentos institucionais e a sobreposição das calha viária da cidade espanhola e das pequenas
ações de vulto co-localizadas. Aspectos como a praças barrocas, em arranjos interligados a um eixo
dimensão dos compartimentos de espera, direcional francês, apresenta-se como alternativa
pendências jurídicas das propriedades, a larga oficial. Relacionando os padrões enunciados no
frente de estoque do vetor sul metropolitano e a concurso, independentemente da pertinência, ao
sucessão de valores agregados poderão, por apetite dos donos da cidade modelados na Vila
enquanto, retardar os investimentos na região. Mas Funchal, parece haver uma evidente dissociação
se estes vierem, qual deverá ser o desenho entre produto laureado e desejo imobiliário, negando
originado? A julgar pelo resultado do Concurso3, as tendências de ocasião. À medida que prefeitura

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e instituições dão legitimidade ao fato, algo parece


dissolver antes dos acordos. Em clara dicotomia,
a aproximação entre ambos padece do “pacto de
Cerdá” 4 , que só poderá brotar da confiança
recíproca quando, enfim, forem definidos
corretamente os papéis e as intenções entre os
agentes públicos e a iniciativa privada. Quem sabe,
sob a maré de tranqüilidade, se possam aprimorar
atributos, redefinir propriedades e garantir que o
desenho da cidade não seja tratado como pano de
fundo ou ensaio de última hora, mas num cuidadoso
procedimento coletivo reflexo das intenções
realmente públicas, revertendo metas de
desempenho pré-formatados. As razões do
desenho, por certo, serão outras. Diante de tudo,
vaga em incessante incômodo a tese de como será
possível estabelecer em largo tecido a configuração
de contextos de bairros que atraiam
verdadeiramente os interesses mercadológicos e
permitam deflagrar processos urbanos mais
inovadores de qualidade, produção e gestão. A
urgência pela revisão dos argumentos em voga
decorre da acentuada perda de controle dos que
continuam proliferando o imediatismo como prática
irrefutável sobre as alternâncias consideradas
demais lentas. Nesse sentido, dentre tantas
evidências, aguarda-se a definição do novo papel
das instituições públicas quanto à postura
promocional de projetos estruturais e seus
domínios, desejo do que a sociedade poderá
apreender sobre os destinos da cidade que vem
fazendo. Um “Bairro Novo” em nova visão de cidade
calcada na nova versão de valores a serem
decifrados. Sobre a realidade dos fatos, fica o
retrato da reação dos arquitetos, dos investidores,
dos incorporadores e administradores públicos, e
da forma como tratamos nossa condição humana
diante da insipiência dos atos e das necessidades
históricas, pois, como já se disse, tudo está à
venda... menos o tempo.

Claudio Manetti é arquiteto, consultor e professor da


Escola da Cidade e da Faculdade de Arquitetura da
Universidade Anhembi-Morumbi.

Ilustração: Jonathas Magalhães

1.
Plano Diretor Estratégico, Lei municipal no 13.430/02.
2.
Lei municipal no 11.774/95.
3.
Concurso nacional para um projeto urbano – bairro novo; 1° lugar: PR.1051: Euclides Oliveira, Carolina de Carvalho e Dante Furlan.
4.
Idelfonso Cerdá, engenheiro militar espanhol, responsável pela elaboração e aplicação do Plano Urbanístico de Barcelona, em 1859.

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