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A EDUCAÇÃO INFANTIL ENTRE O ROSA E O AZUL: uma aqu... http://www.ichs.ufop.br/conifes/anais/EDU/edu0204.

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BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS INFANTIS: entre diferenças e


desigualdades

Flavia do Bonsucesso Teixeira[1]

Resumo: Este trabalho foi construído a partir de um fragmento da dissertação de mestrado,


resultado da pesquisa realizada no Programa de Pós Graduação da Universidade Federal de
Uberlândia, que teve como objetivo compreender a intermediação representada pela educação
infantil e suas implicações na formação das identidades de gênero de meninos e meninas.
Buscamos identificar a constituição de papéis masculinos e femininos e a conotação de valores
construídos em tornos dos mesmos em uma escola pública que anuncia uma proposta não sexista
de educação. A pesquisa, uma semiologia do cotidiano, teve como objeto de investigação as
brincadeiras infantis livres realizadas na escola, e muitas vezes intermediadas pelos brinquedos,
compreendidos como produtos culturais.
As situações observadas na pesquisa de campo favoreceram as análises sobre a construção
dos gêneros nos espaços das brincadeiras escolares. A brincadeira é por muitas vezes mediada
pelos brinquedos o que demonstra a pertinência de perceber as diferenças entre eles, o que dizem,
o que pretendem estabelecer como natural. Escolhemos para este trabalho, um dos pares de
opostos identificados durante a pesquisa: coragem/futilidade. E a partir dele discutiremos as
permanências, as transformações, os novos e velhos arranjos, a (re)negociação entre meninos e
meninas nas brincadeiras.

A escola na trincheira da (re)produção dos significados

A discussão do gênero vem sendo apropriada por diferentes autoras(es) na área da


educação que elegeram objetos distintos de investigação. Por melhor se relacionarem ao trabalho
proposto, escolhemos para interlocução os (as) autoras (es) que articulam de alguma maneira a
discussão das práticas escolares como marcadas pelo gênero e privilegiam as ações que implicam
na construção cotidiana de identidades de meninas e meninos.
Guacira Lopes Louro tornou-se uma referência importante, não somente pelos trabalhos
que vem produzindo articulando gênero e educação, como também os que orienta.Com o
referencial teórico explicitamente foucaultiano, denuncia a produção de gestos, movimentos e
sentidos no espaço escolar e suas incorporações por meninos e meninas. Apesar de reconhecer as
transformações nas formas da vigilância, a escola continua sendo, para esta autora, uma instância
privilegiada de produção de identidades de gênero e sexuais (Louro, 1998a, p.40).
Ao analisar a escola e a produção do feminino e masculino, a autora inicia pelos conselhos
que integram o livro francês Thesouro de Meninos, de Blanchard e traduzido no Brasil em 1902,
Louro aponta que apesar das modificações da sociedade e da diferença de contexto histórico, a
idéia central de “que o bom pai sabe que deverá formar de modos diferentes seu filho e sua
filha” (1995a, p.172) permanece atual, e a consolidação das diferenças que demarcarão o futuro
homem e a mulher encontra base sólida no processo de educação:

O bom pai sabe, então, que é preciso marcar essas diferenças, é preciso fazer com
que cada pessoa se fabrique como homem ou mulher de acordo com o que aquela
sociedade admite, aceita, valoriza. E preciso ensinar-lhes comportamentos,
atitudes, saberes e gestos de tal modo que ele e ela os aprendam também com o
coração, e de tal modo que, mais tarde, ele e ela continuem seu próprio processo
de formação como homem e como mulher (LOURO, 1995, p. 173)

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E mais uma vez, reconhece a escola como instância privilegiada de reprodução e produção
de novo/as homens e mulheres adequados/as às suas épocas e sociedades. Guacira apesar de
discutir mais amplamente a escola como uma instituição, fala da escola também enquanto espaço
físico e a distribuição do tempo e espaço escolar. Os saberes que integram o currículo também
determinam e legitimam identidades. Informam qual cultura, linguagem, estética serão
representados e valorizados.

As intensas e sofridas lutas empreendidas por grupos feministas, gays e lésbicas,


bem como por grupos negros e étnicos são a face visível dessas relações de poder.
Essas lutas, que expressam uma política de identidade, referem-se,
fundamentalmente, ao direito à representação (LOURO, 1998a, p.47).

O interior da escola torna-se então um importante cenário desta disputa, que se desdobra em
diversos fragmentos do currículo.
Vários outros trabalhos têm enfatizado as instâncias em que se produzem diferenças e
identidades culturais na escola e no currículo, Bujes compartilha com Louro de que as sociedades
atuais são caracterizadas pela “diferença”, atravessadas por divisões e por antagonismos sociais. E
num discurso também influenciado pela leitura de Foucault, apresenta a educação infantil como
um espaço de poder, um lugar onde as crianças se constituem como determinados tipos de sujeito,
onde elas constróem sua identidade. E o currículo se constitui na
explicitação de uma trajetória escolar que, partindo de uma série de
considerações prévias — o que se pretende, a quem se destina, o que ensinar :
como ensinar, de que forma, o que e como avaliar (BUJES, 1999, p.159).

Uma moldura que delimita a inserção das crianças em sistemas de significação e


conseqüentemente capaz de imprimir valores sexistas.
Meyer (1998), contribuindo para o debate no campo da Educação, entende o currículo
como sendo um dos elementos centrais em torno do qual giram as discussões acerca da escola e de
seu significado social. Corroborando Tomaz Tadeu da Silva (1995),onde este define currículo
como sendo o núcleo que corporifica o conjunto de todas experiências cognitivas e afetivas
proporcionadas às/os estudantes no decorrer do processo de educação escolar; a autora identifica
o currículo como sendo um espaço conflituoso e ativo de produção cultural; localizado no “exato
ponto de interseção entre poder e representação” (Meyer, 1998, p.376).
Ainda dentro do currículo, outras dimensões vem sendo investigadas, com o objetivo de
denunciar as práticas sexistas que se apresentam de formas diferenciadas, como linguagem, o
corpo, os brinquedos e o material didático.
Entendendo ser a linguagem uma fonte privilegiada de transmissão e fortalecimento de
valores, autores(as) como Tornaria (1993), Duque-Arrozola (1993) e Moreno (1999) reconhecem
a importância da denúncia das práticas sexistas incorporadas na linguagem, questionando a
neutralidade da utilização do masculino como norma para se referir a toda a humanidade.
Considerando a educação como um amplo processo de socialização que, historicamente, teve e
tem como característica central ser diferenciado para homens e mulheres, Duque-Arrazola localiza
nessas experiências da linguagem vividas por homens e mulheres, um processo de aprendizagem
onde “vamos aprendendo também, como já dizia, uma língua com a qual falamos de nós (homens
e mulheres), nos pensamos e nos representamos” (Duque-Arrazola, 1993, pp.40-43) capaz de
consolidar o modelo androcêntrico como universal, o masculino como norma, o homem como
referência. Tornaria partilha desta preocupação, “(...)De nada adianta o esforço para lembrar a
algumas mulheres ou suas ações se nossa linguagem em sala de aula e nos livros didáticos
permanecem vinculando a história e o acontecer do homem no lugar do acontecer humano”
(1993, p.69).
Jane Felipe e Maria Izabel Bujes apresentam, ainda na perspectiva foucaultiana, um outro

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recorte para se adentrar na escola: os brinquedos. Considerando que estes, como artefatos
culturais, estão diretamente relacionados aos novos modos de ser e estar no mundo nos
emprestaram as ferramentas para a pesquisa realizada. “Quais as identidades sociais que os
brinquedos legitimam? De que forma eles são produzidos, veiculados e consumidos? Quais as
concepções de gênero que produzem/reforçam?” (Felipe, 1999, p.169). Enfantizando a sua
destinação quanto ao gênero, apontam uma clara distinção entre brinquedos de meninos e
meninas, uma diferença que pode ser percebida não apenas na disposição em que são colocados
nas prateleiras das lojas, a própria embalagem, que já direciona a que público se destina e também
a distribuição espacial destes brinquedos. É comum que brinquedos como jogos educativos, que
despertam o raciocínio e a competição estejam dispostos “no lado dos meninos”. O lado “rosa” é,
na maioria das vezes, uma réplica do mundo doméstico.
A aparente inocência do brinquedo contribui para (re)produção de identidades sociais,
ensinando as crianças sobre os modos de ser homem ou mulher, e seguem construindo um discurso
que determina um comportamento, uma forma de ser, naturalizando assim, atributos já instituídos,
e “quase” universais na determinação do feminino, masculino, homem e mulher. A maioria destes
elementos refletem o androcentrismo a que estamos submetidos e são “quase” despercebidos em
razão de que nos parece “familiar” e “natural” e por isso passamos a considerá-los como universal
e eterno, isto é, eles não surpreendem, nem deixam espaço para a possibilidade de transformação.
Esta “quase” indiferença no tratamento da desigualdade de gênero e opressão sexual, que
parecem organizar o campo sexual, facilita a assimilação destes como fatores imutáveis da
natureza, artefatos da história.

Coragem: resgatando o código dos meninos


Nas brincadeiras e brinquedos observados, um lugar é destinado aos meninos, o trabalho e
o mundo público. Estes espaços adquirem a dimensão do “naturalmente estabelecido”
constituindo-se em categoria central de identidade de masculinidade adulta. Encontramos nas
brincadeiras dos meninos, os atributos que necessitarão para o “mundo do trabalho”. E, pensando
que essa inserção não é desvinculada de um contexto mais amplo, ao dizermos de trabalho numa
sociedade capitalista, alguns atributos nos saltam aos olhos: perseverança, liderança, competição...
coragem.

A coragem física não será somente útil em si mesma. mas servir, um dia, de base à
coragem moral e espiritual. Um menino medroso de corpo não resistirá às
incitações de um camarada pervertido ao passo que um menino corajoso não
hesitará em resistir-lhes. Quantos adultos não têm coragem alguma para afirmar
suas opiniões pela única razão de não possuírem coragem física (VIOLLET Apud
FELIPE, 2000, p. 122).

Identificamos a atualidade das prescrições de Pauchet, Roquette e Viollet[2],


principalmente quando referem à demonstração de coragem, sua intensa incorporação nos habitus
masculino quando observamos o desenlace das situações de conflitos envolvendo os meninos e as
meninas. Meninos e meninas agem de forma distinta. Competição, ousadia, resignação e
passividade são elementos que se apresentam desigualmente distribuídos.
A primeira situação observada envolveu um menino e duas meninas. O menino deitado
inicialmente sobre um banco, invadiu o espaço do outro banco, ocupado por uma menina e sua
boneca. A menina dirigiu seu olhar para uma colega de brincadeira, sentada num terceiro banco,
como se pedindo auxílio. As duas sem qualquer esboço de outra reação se retiraram do espaço
levando com elas as bonecas. O menino, vitorioso, passou a ocupar os dois bancos.
A segunda situação envolveu três meninos. Um deles, envolvido numa brincadeira de
faz-de-conta em que servia café e biscoitos, foi ameaçado por outros dois, que demonstravam

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intenção de tomar-lhe a caixa de peças de dominó. O menino reagiu enfaticamente, defendeu sua
caixa debruçando-se sobre ela, armou um soco e, com os pés, mostrou disposição de
enfrentamento. Diante da reação, o confronto terminou rapidamente e o ameaçado continuou com
a brincadeira.
Na terceira situação observada, o menino que, através do conflito relatado anteriormente,
teria adquirido o direito de usar dois bancos, então foi ameaçado por uma menina que manifestou a
intenção de ocupar um dos bancos. O menino permaneceu deitado sobre um dos bancos e com os
pés defendeu o outro, que entendia ser também seu território. A menina não desistiu, inicialmente,
permaneceu sentada no que restou do banco com sua boneca, mas, tendo ficado muito encolhida,
logo se deu por vencida.
Nestas situações conflituosas, os corpos e expressões de meninos e meninas dizem
também de diferenças. Enquanto o menino armou um soco fechando a mão e erguendo o braço, a
menina buscou auxílio com o olhar, como se necessitasse proteção ou autorização para reagir.
No olhar da menina pedindo auxílio encontramos, talvez, um desejo aguardando
autorização para agir, para “se transformar num menino” e responder ao insulto. Auxílio ou
autorização para responder, as duas alternativas nos conduzem para um mesmo lugar, à lógica da
violência simbólica.

Para que a dominação simbólica funcione é preciso que os dominados tenham


incorporado as estruturas segundo as quais os dominantes os percebem, que a
submissão não seja um ato da consciência, suscetível de ser compreendido dentro
de uma lógica das limitações ou dentro da lógica do consentimento, alternativa
“cartesiana” que só existe quando a gente se situa dentro da lógica da
consciência (BOURDIEU, 1996, pp. 26-27).

Em vários outros episódios, os meninos arrancavam das mãos das meninas os brinquedos
que desejavam, mesmo que os abandonassem logo a seguir. Virilidade e agressividade como
expressão de defesa da honra masculina são, para Bourdieu (1999) atributos inscritos no habitus
masculino e sua naturalização talvez justifique a não intervenção da professora, uma vez que se
constituem em pequenos incidentes, aparentemente sem relevância. Pollack (1999) discute a
construção social de atributos masculinos, ressaltando a coragem como elemento central na
imposição de uma forma hegemonicamente reconhecida de ser homem. Este autor constrói o que
denomina código dos meninos que seriam regras de condutas, jamais escritas, mas inscritas e
impostas à construção de uma masculinidade ocidental. Poderíamos, então, dizer de um habitus
masculino marcado pela coragem.
Outro espaço educativo e lúdico bastante frutífero para nossa observação das relações de
gênero na escola foi o parque situado no pátio. Entre os escorregadores, o labirinto, os cavalos de
madeira, muitas brincadeiras aconteceram. Crianças de outras faixas etárias se misturaram em
inúmeros movimentos significativos.

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Foto 1: O tanque de areia do pátio da escola[3]

Este espaço fora muito mais recortado por grupos específicos de crianças e
diferentemente explorado por cada um. Durante um período importante do tempo, o tanque de
areia, onde ficam os brinquedos, foi tomado quase exclusivamente pelos meninos, que pulavam,
empurravam, jogavam areia, choravam e riam. Muitos risos e agitação marcavam este cenário.
Um grupo de meninos, formado por doze integrantes, subia no escorregador pelo lado
oposto, cobrindo-o de areia e provocando muitos incidentes. Desafiavam o perigo. Todas as
crianças brigavam por espaço na areia, para serem os primeiros, para ocupar o lugar dos outros.
Daí, várias desavenças marcadas por empurrões, chutes, um e outro tapa, que apenas eram levados
ao conhecimento da professora quando as vítimas se machucavam. Observamos uma situação em
que o atrito terminou com um dos meninos jogando areia nos olhos de outro. A intervenção da
professora foi suficiente para reorganizar o direito de cada um ao espaço, mas, como se pode
perceber, são episódios escolares vasta e exaustivamente conhecidos, quase na cultura ocidental
inteira, como episódios de meninos machos. Aqui retornamos ao estudo de Pollack:

Os garotos aprendem o Código dos Meninos nos tanques de areia, parquinhos,


salas de aula, acampamentos, igrejas e reuniões. São ensinados pelos colegas,
treinadores, professores e, praticamente, por todos. No estudo ‘Ouvindo a voz dos
meninos’, até mesmo os mais jovens declararam que se sentiam como se “não
pudessem ser frouxos”, não devessem mostrar seus sentimentos”, que deveriam
‘agir como verdadeiros durões’, “não ser demasiadamente gentis”, “manter a
compostura’, “apenas rir e fazer de conta que não era nada quando alguém o
socasse”. Esses garotos não estavam se referindo a sugestões sutis sobre como
“poderiam” comportar-se. Ao contrário, estavam evocando regras rígidas que
tinham absorvido sobre como “precisavam” comportar-se; regras que, em sua
maioria, pareciam feitas para verdadeiramente acabar com o medo (POLLACK,
1999, p.48).
Quase todas as meninas pareciam acompanhar as brincadeiras nos escorregadores, nos
cavalinhos de madeiras à distância, sem contar que não brincavam no labirinto, espaço
predominantemente ocupado pelos meninos, com estratégias agitadas e diferenciadas para a subida
e descida no brinquedo. O trabalho de Altmann (1999) nos auxilia entender a utilização e
planejamento diferenciados dos espaços, representados na nossa pesquisa pelo uso hegemônico do
labirinto pelos meninos. Ao identificar na diferença de ocupação dos pátios a maior tolerância para
com a transgressão dos meninos, a autora desnaturaliza a idéia de um temperamento agitado como
atributo masculino, deslocando-o para o campo do permitido e então, estimulado.
No entanto, outros elementos tornam-se igualmente importantes, assim são os brinquedos

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de montar do tipo lego encontrados na loja (foto 2), supostamente semelhantes porém com
temáticas distintas.

Foto 2

Destinado ao público feminino, o nome fantasia e elementos


como casamento e mundo o doméstico, imediatamente nos chamam a
atenção, reafirmando um destino e consolidando a expectativa de papel, o
casamento é apresentado como principal aspiração feminina. A carruagem
puxada por um cavalo branco remete aos contos de fadas, bem como o
castelo que permeia o imaginário de princesa integrante do mundo
feminino.
Estes elementos são essenciais e contribuem para permanência
de um legado à mulher fortalecendo a nossa discussão sobre a
recorrência da temática casamento nos brinquedos, que discutiremos
abaixo, mas outros indícios merecem ser apontados neste momento. Ao
observamos os tamanhos das peças e a pouca possibilidade de arranjos
quando comparados aos dos meninos, com peças muito menores e de
formatos diferentes, que permitem uma construção tridimensional mais elaborada, podemos nos
remeter à pesquisa realizada por Moreno (1999) em que demonstra a expectativa internalizada nas
estudantes de magistério
quanto ao sucesso dos meninos nas atividades relacionadas à
matemática e geometria em detrimento das meninas. Retomamos o
trabalho de Altmann (1999) e pinçamos o episódio em que as
meninas parecem ter dificuldades de planejamento de estratégias
para subir em uma pedra, podemos inferir que a construção destas
habilidades extrapolam o equipamento biológico. A exploração do
ambiente parece ser distribuída segundo os gêneros e os brinquedos e
brincadeiras contribuem para delimitar quais as habilidades podem (e
devem) ser construídas.

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Identidades estas forjadas nas brincadeiras, visto que as muitas manifestações de força
física, embates, confrontos dos meninos marcaram a pesquisa e tornaram possível identificar
um habitus. Deparamo-nos com a força deste habitus confirmada a partir da aceitação
unânime das professoras com relação aos comportamentos de transgressão dos meninos. Tais
“desvios” se manifestaram desde o arrancar dos brinquedos das mãos das meninas, passando
pelo não atendimento ao chamado para arrumar as salas até a aparente indisciplina nos
momentos das atividades e o uso do tanque de areia conforme discutimos anteriormente.
Percebemos que a violação às normas é tratada de forma diferente quando se refere aos
meninos ou as meninas – baseado na crença de “um temperamento inato”[4] diferente entre
os sexos.
As brincadeiras dos meninos consolidam características como competição, iniciativa,
coragem, força. Atributos necessários ao desempenho no mundo público, e especialmente ao
mundo do trabalho numa sociedade capitalista.
Em um dado momento da pesquisa, uma das professoras chamou nossa atenção para um
“menino diferente”. Entre quatro meninas, o menino corria no pátio sem perceber que era
observado. Mas assim que percebeu a filmadora parou à sua frente e iniciou uma série de
movimentos, enquanto o restante do grupo foi alertado para a existência da câmera. O menino, nas
pontas dos pés, simulou passos de balet clássico. Delicado nos movimentos e expressões faciais,
não hesitou em demonstrar força na disputa com uma menina pelo melhor espaço na frente da
máquina. Foi identificado como o protagonista de uma história relatada pela professora sobre um
menino que se vestia com saias na brinquedoteca, para brincar de casinha. O relato trazia um tom
de estranhamento e algo de acusatório. Seria a questão da sexualidade pré-estabelecida
problemática também para os agentes escolares ? O detalhe da sua vestimenta chamou bastante a
atenção, a sunga de banho na cor rosa. Haveria no ar medo da homossexualidade, vigilância sobre
os meninos diferentes?
Em outro ponto do espaço, mais afastado do centro do pátio, entre latões vazios e uma
cerca de madeira, encontramos uma menina em meio a um grupo de meninos. Vestida de short
demonstrava habilidades semelhantes às dos meninos com quem brincava. Agrupados em um
bloco pareciam brincar de polícia e ladrão. O cárcere era constituído por um espaço delimitado por
cerca e se alternavam na fiscalização do prisioneiro. A menina participou de todas as etapas da
brincadeira, sem aparente diferenciação. Durante a fuga do prisioneiro, que aconteceu no
momento em que a menina fiscalizava, todos empenharam-se em recuperá-lo, sem resultado
positivo, mas também não responsabilizando a menina pelo episódio. A brincadeira terminou aí
com a dispersão do grupo. A harmonia deste grupo despertou nosso interesse, essa menina em
meio aos meninos era a mesma que iniciara o ano fantasiada de Batman.
As duas crianças estavam supostamente “fora de seus lugares”, o menino de rosa e a
menina de short, no entanto apenas o menino foi apontado pela professora. Haveria maior
flexibilidade para as mulheres nas fronteiras do gênero?
Em mais duas ocasiões estivemos sala de aula do primeiro período, ambas resultantes da
ausência das professoras regentes, que foram substituídas pela coordenadora da pré-escola. Na
primeira acompanhamos as atividades de modelagem com massa plástica. Cobras, pirulitos,
carrinhos incompletos, bonecos desajeitados, bolinhas de variados tamanhos e cores ocupavam
espaço nas mesinhas. Das crianças, muitos dedinhos agitados expressavam preocupação em
modelar, em dar formas e nomes para os objetos. Alguns alunos realizavam as atividades solitários,
outros partilhavam a mesma invenção e alguns poucos compartilhavam o mesmo material com
intenções diferentes.
Após a atividade realizada com massa de modelar, todas as crianças foram convidadas a
organizar o material e limpar as mesas. Todos guardaram os materiais utilizados nos locais
adequados e, embora o chamado para a limpeza tivesse sido para todos, uma menina se adiantou a
um menino e, empurrando sua mão, disse sem titubear: faço melhor do que você. O menino olhou
aliviado e afastou-se da tarefa, que a pequena realizou, de fato, com destreza.
A corporificação desses atributos pode ser verificada se relacionarmos com o

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desprendimento e a confiança demonstrada pelas meninas quando o assunto é tarefa doméstica.


Ao dizer: “faço melhor do que você”, a menina observada dizia da internalização de um papel e
sua natural competência para o desempenho. Um “lembrete” novamente evocado ao convite da
professora para a organização da sala. Um chamado que encontrou resposta em apenas uma
parcela dos ouvintes, ou seja para àquelas em que este lugar/função deveria fazer sentido.
Depois dessa atividade, a professora anunciou a atividade de contar estórias. Para isso
orientou as crianças para sentarem formando um grande círculo. Escolhida a história da Cinderela,
houve necessidade de pedir concentração, mas desde o início a história foi entrecortada por pausas
para chamar a atenção. Um menino desatento tentava alcançar com os pés o colega sentado mais à
esquerda, outro incomodava a menina do lado cutucando-lhe as costas, enquanto outros, sempre
os meninos, se metiam nas brincadeiras de socos nos braços, empurrões, deslocamentos, arrastos
no chão, que pareciam tornar inviável a atividade. Episódio aparentemente relacionado com a
questão disciplinar, no entanto, novamente recorremos ao estudo de Altmann (1999) e
encontramos subsídios para pensar num comportamento de transgressão que extrapola os limites
da sala de aula. O exercício da transgressão é consentido, a irreverência e inquietação dos
meninos, são inscrições de um habitus masculino, o exercício de um código de masculinidade que
precisa ser apreendido em sutis detalhes.
Envolvidos(as) num enredo meninos e meninas brincam, brigam e dividem espaços, no
entanto, um lugar é território apenas das meninas, ali menino não entra.

Futilidade: a construção social de um significado feminino


Duas meninas que se encontravam desde o início no tanque de areia, brincavam no
mesmo espaço dos meninos, sendo uma pertencente à turma do primeiro período (entre 3 e 4 anos
de idade) e a outra à turma do segundo período ( entre 4 e 5 anos), pareciam não querer se
envolver na brincadeira do escorregador nem nos incidentes, mantendo-se à distância. Será que
reconheciam o espaço como segregado? Em dado momento, a menina da turma do segundo
período retirou-se do tanque de areia e abriu uma mochila rosa, que trouxera para o pátio.
Batom, sombra e outros cosméticos foram retirados da mochila surgindo, então, a figura e
o ritual propriamente feminino, a maquiadora e a produção da beleza corporal. Uma fila logo se
formou, as meninas, ordenadamente, aguardaram o momento em que seriam transformadas em
fadinhas. Este foi um dos raros momentos em que observamos as meninas em grupos maiores do
que as duplas e trios. A maquiadora incansável foi atendendo, segura de suas habilidades - cujo
treinamento inicia precocemente através da imitação do modelo feminino da família e incentivada
por brinquedos disponíveis no mercado como estojos de maquiagem, bolsas de maquiagem para
viagem e uma variedade de Kits para beleza - até que alguns desafios apareceram.
Chegou a vez de uma menina negra, minoria considerável no universo da escola. Então, a
relutante maquiadora indagou: Quer ser a bruxa? A personagem inexistente surgiu para dar
clareza à diferença anterior pré estabelecida fora da escola, que remete à fértil aliança
fundamental que há na fixação do gênero e da etnia. Em seguida, um menino se apresentou para a
brincadeira da maquiagem e foi interditado com uma pergunta em tom repreensivo: Você quer ser
fadinha? Diante do enfático sim, que não envergou diante do tom de estranhamento e censura,
restou à dedicada maquiadora a alternativa de delegar a um grupo de meninos, que brincavam
próximos, a tarefa da repressão. Bastou a censura do grupo e o menino cabisbaixo recuou, saiu e
escolheu outra brincadeira. Novamente, o episódio passou despercebido aos olhos da professora: a
menina negra quer ser a fada é lhe imposto a bruxa, menino que quer brincar de fada e não pode, a
professora sem razões para intervir, todos envolvidos na teia da dominação:

Os atos de conhecimento e de reconhecimento práticos da fronteira mágica entre


os dominantes e os dominados, que a magia do poder simbólico desencadeia, e
pelos quais os dominados contribuem, muitas vezes à sua revelia, ou até contra sua

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vontade, para sua própria dominação, aceitando tacitamente os limites impostos,


assumem muitas vezes a forma de emoções corporais — vergonha, humilhação,
timidez, ansiedade, culpa — ou de paixões e de sentimentos — amor, admiração,
respeito —; emoções que se mostram ainda mais dolorosas, por vezes, por se
traírem em manifestações visíveis, como o enrubescer, o gaguejar, o
desajeitamento, o tremor, a cólera ou a raiva onipotente, e outras tantas maneiras
de se submeter, mesmo de má vontade ou até contra a vontade, ao juízo dominante
(BOURDIEU, 1999, p.51).

Durante a pesquisa identificamos as diferenças nas brincadeiras envolvendo os carrinhos


e ao afirmarmos que meninas e meninos brincam com carrinhos, no entanto, revelamos que
percorrem estradas distintas.

Nos carrinhos destinados a meninos e


meninas percebemos que, a menina é atraída pela
suposta beleza, envolvida num anúncio que conota
futilidade, delicadeza, romantismo (foto5). No
carrinho da menina as flores apresentadas na forma de
adesivos para enfeitar o carro, reafirmam uma entrada
fantasiosa e improvável no mundo público,
porta-malas com diversas maletas e um chaveiro com
a chave em tamanho desproporcional, são os atrativos.
Um brinquedo similar é oferecido ao menino.
As inovações tecnológicas representando atributos
destinados a um público masculino sugerem ação,
velocidade, som, movimento, luz. Enquanto no carrinho
dos meninos, a roda de magnésio no formato de estrela de
cinco pontas, os vidros com película protetora e
acabamento na cor do veículo, a maçaneta cromada são os
adereços para aqueles que devem entender de carros e
para os quais o carro é mais do que um meio de transporte,
é símbolo de poder.
Semelhante preocupação com a aparência
encontramos nas meninas observadas, que mesmo de uniformes, não dispensavam o batom, as
fitas, os adornos, os tamancos e as sandalinhas que traziam as marcas das sensuais apresentadoras
de programas de auditório.
Ser e estar bonita, a reprodução do espaço da academia leva até o universo infantil da
menina os novos rituais de beleza. O salão de beleza aproxima desde cedo as meninas de uma
parafernália capaz de falsear um único padrão aceitável de belo. Precocemente, a esteira, a
bicicleta ergométrica e outros aparelhos para ginástica informam sobre um modelo de beleza a ser
(per)seguido.

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Foto 7
O salão de beleza minuciosamente reproduzido, familiariza e
institui uma necessidade. Um mundo eminentemente cor-de-rosa
desenhado para uma boneca magra, esguia e branca de olhos azuis –
semelhantes às fadas e princesas nas numerosas histórias infantis - que
constituem para as meninas o modelo a ser atingido.
A preocupação exacerbada com a aparência das meninas,
identificada na pesquisa e todo um conjunto de brinquedos que
despertam a necessidade de “ser e parecer” bonita. Uma beleza
atrelada a padrões socialmente aceitos como válidos. Um belo que
exclui as negras e nos faz retornar ao episódio da bruxa. A bruxa é o
contraponto do modelo hegemônico de beleza, assim como a menina
negra identificada na pesquisa.
As bonecas destinadas a essas brincadeiras – e que
diferem das bonecas-bebês – são bonecas-mulheres que determinam, padronizam uma única forma
de beleza, esguias, brancas, loiras. Modelos de beleza em que se exclui as negras, gordas, baixas e,
portanto, consideradas feias e reafirmam a necessidade de agradar ao outro, de despertar o desejo
do outro, deslocam a mulher para um conhecido lugar: a constituição da mulher como objeto de
troca. A beleza adquire assim status de definidora de feminilidade.
A dominação masculina, componente da violência simbólica, mantém assim, seus
alicerces solidamente edificados sobre o terreno das trocas simbólicas onde a mulher permanece
atada à condição de objeto.

A dominação masculina, que constitui as mulheres como objetos simbólicos, cujo


ser (esse) é um ser-percebido (percipi), tem por efeito colocá-las em permanente
estado de insegurança corporal, ou melhor, de dependência simbólica: elas
existem primeiro pelo, e para, o olhar dos outros, ou seja, enquanto objetos
receptivos, atraentes, disponíveis.
(...)Incessantemente sob o olhar dos outros, elas se vêem obrigadas a experimentar
constantemente a distância entre o corpo real a que estão presas, e o corpo ideal,
do qual procuram infatigavelmente se aproximar. Tendo necessidade do olhar do
outro para se constituírem, elas estão continuamente orientadas em sua prática
pela avaliação antecipada do apreço que sua aparência corporal e sua maneira
de portar o corpo e exibi-lo poderão receber (BOURDIEU, 1999, pp. 81-82).

Beleza e casamento, como são tecidos os

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fios que compõem essa trama? A atualidade desta


relação pode ser identificada no quadro exibido
por um programa de televisão de audiência
significativa intitulado: Essa é prá casar [5] . Ao
serem avaliadas as concorrentes, numa exibição
de corpos semi nús e divulgado o resultado final,
percebemos que o padrão de beleza descrito acima
é adotado, sendo este o critério para a vencedora ser considerada apta para casar. Uma vez que o
prêmio não é um noivo, por que então um título tão sugestivo?
Bourdieu considera
que o casamento
permanece nos projetos das famílias burguesas “as famílias burguesas não deixaram de investir
em estratégias de reprodução sobretudo matrimoniais, visando a conservar ou aumentar seu
capital simbólico” (Bourdieu, 1999, p. 115) e assim, parece responder a questão proposta
(...)é na lógica da economia das trocas simbólicas, e mais precisamente, na
construção social das relações de parentesco e do casamento que atribui às
mulheres, universalmente, seu estatuto social de objetos de troca definidos
conforme os interesses masculinos (isto é, primordialmente como filhas ou irmãs)
e destinadas a contribuir assim para a reprodução do capital simbólico dos
homens, que reside a explicação do primado universalmente atribuído à
masculinidade nas taxonomias culturais (BOURDIEU, 1995, pp. 168-169).

Ao elegermos a escola adotamos como referência os estudos que demonstram o potencial


da escola como instância social dotada de instrumentos de produção/reprodução dos valores
sexistas, instrumentos que operam através de categorias simbólicas que são fincadas nas
subjetividades pessoais, onde, enfim, se situam as diferenças identitárias mais profundas, tal como
argumenta Guacira Louro:

Não pretendo atribuir à escola nem o poder nem a responsabilidade de explicar as


identidades sociais, muito menos de determiná-las de forma definitiva. É preciso
reconhecer, contudo, que suas proposições, suas imposições e proibições fazem
sentido, têm “efeitos de verdade”, constituem parte significativa das histórias
pessoais (LOURO, 1999, p. 21).

Dessa forma, percebemos que as brincadeiras observadas edificam um processo contínuo


de distinção e fixação das categorias pré estabelecidas de gênero, sem que as ações pedagógicas
não sexistas tenham eficácia para interferir com a mesma força simbólica. Os agrupamentos de
meninas e meninos se dão em torno dessas categorias e permanecem óbvios como são antes, na
família, e deverão ser, depois, nos níveis seguintes da educação escolar. Isto significa dizer que
interesses diferentes vão se consolidando, apontando para destinos desiguais.
Diante dessas observações ficam questões muito importantes. Pode a escola, as
professoras, enfrentar a educação sexista a contrapelo da educação familiar? Ou, questionando de
outra forma: haveria educação não sexista sem as famílias participarem dessa proposta junto com a
escola?
Talvez fosse este o momento de falarmos em reprodução, em permanência e apontarmos
os elementos que corroboram tais afirmações. Reafirmar que a escola colabora para consagrar os
tradicionais papéis femininos e masculinos — o que seria provavelmente parte da verdade, mas
não toda a verdade. Vamos dizer de permanência e ruptura, um movimento cotidiano onde os
contrários existem dentro da prática social e no caso, coexistem nessa Escola.
As mesmas professoras que revolucionam com propostas de integração, peças de teatro,

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espaços para brincadeiras conjuntas reproduzem papéis, reforçam desigualdades repetem


condutas discriminatórias, mesmo estando envolvidas por uma proposta não sexista. No entanto,
mostram-se cientes das dificuldades, reafirmando a nossa crença de que a modificação das
relações de gênero não estão atreladas a um processo apenas de tomada de consciência, mas
intrinsecamente relacionada a composição social desigual dos habitus sexuais.
Um processo de educação sexuada que tem a família como primeiro e mais significativo
elemento de construção e consolidação das desigualdades de gênero. Na pesquisa, percebemos que
este é o espaço menos aberto às mudanças, o que pode ser identificado nos conflitos relatados
pelas professoras. Mas, ainda assim, identificamos rupturas. Um pequeno grupo de pais e mães que
demonstraram adesão à proposta da Escola por considerá-la pertinente ao contexto social,
enquanto outros(as) vestem os filhos e as filhas de sunga rosa, fantasia do Batman. No entanto, a
pouca participação da família no cotidiano da escola, as ausências às reuniões percebidas através
do desconhecimento declarado da existência da proposta de educação não-sexista, nos sugere dois
caminhos. Pode justificar a pequena adesão e sugere a necessidade de estreitar os laços entre a
Escola e a família ou de um outro lado, um silêncio que conota desacordo com a proposta.
Nessas esferas, Escola e família, as crianças circulam, confrontam informações,
apreendem o mundo, constróem significados. São as crianças que inovam e parecem demonstrar
maior flexibilidade. Consideramos importantes os momentos da pesquisa quando elas e eles
aceitam o menino vestir de mulher e brincar de casinha sem transformar esta escolha em piadas e
deboches. Ou quando grupos de meninos e meninas transgridem ao habitual e rearranjam as
brincadeiras para que a menina Batman brinque de polícia/ ladrão. Estas crianças resignificam os
modelos tradicionais de família, tais como casamento, desvelo com os filhos, tarefas domésticas e
devolvem em casa seus questionamentos, desestruturando a ordem das coisas. Mas estas mesmas
crianças nas brincadeiras de casinha reproduzem os lugares e papéis convencionais de mulheres
submissas e mães zelosas e homens agressivos e pais ausentes. Nesse movimento reconhecemos a
eficácia da Escola na construção de novas identidades de gênero.
Percebemos a assertividade da implantação da proposta de educação não-sexista quando
observamos que à medida em que as crianças permanecem nesta Escola reelaboram disposições
anteriores sobre as formas de ser meninos e meninas, a nossa observação pode ser referendada
também nas falas das professoras.
A afirmação da coordenadora sintetiza nosso trabalho: “Não é tranqüilo impor papéis
dentro desta Escola”, percebemos as professoras atentas, as desigualdades não se justificam mais
como advindas da natureza. A experiência da Escola mostra a possibilidade de mudanças a partir
dos estudos de gênero. Parece pouco, mas para uma Instituição que no início deste século não
oferecia espaço para as mulheres e que há menos de 50 anos separava menino e menina, estamos
caminhando...

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[1] Mestre em Educação, Docente do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Uberlândia e do
Curso de Terapia Ocupacional da Universidade de Uberaba.
[2] Cf. LOURO, Guacira Lopes (1995a). Educação e gênero: a escola e a produção do feminino e masculino.
[3] As fotos deste trabalho integram a dissertação e foram produzidas por Gilson Goulart Carrijo.
[4] Aqui percebemos a atualidade do estudo de Margareth Mead.
[5] Programa apresentado por Luciano Huck aos sábados na rede Globo de Televisão.

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