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Foucault, Michel (1971) Histoire de la sexualité I: la vonlonté de savoir.
culturais de acordo com valores e hierarquias sociais”, criando assimetrias. (p. 211-212)
O sistema de sexo-gênero é para ela, ora “uma construção sociocultural” ora “um
aparato semiótico”, desta forma “o fato de alguém ser representado ou se representar
como masculino ou feminino subentende a [questionável] totalidade daqueles atributos
sociais” (p. 212), sendo portanto a construção do gênero “tanto produto quanto processo
de sua representação” o que a leva a afirmar que “o gênero tem a função (que o define)
de constituir indivíduos concretos em homens e mulheres.” (p. 212-213) (grifo nosso)
Acerca dos efeitos do gênero nas relações sociais Lauretis (1987) afirma haver
uma “configuração variável de posicionalidades sexuais discursivas” ou seja, “os
homens e as mulheres não só se posicionam diferentemente nessas relações (sociais)
mas... as mulheres são diferentemente afetadas nos diferentes conjuntos.” (p. 215) Logo
as possibilidades de representação são determinadas pelas “posicionalidades sexual-
discursiva.” Porém “abre-se uma possibilidade de agenciamento e auto-determinação ao
nível subjetivo e até individual das práticas micro-políticas cotidianas” pois “a
representação social do gênero afeta sua construção subjetiva” e “a representação
subjetiva... sua auto-representação – afeta sua construção social.” A partir do que
Lauretis reescreve sua segunda proposição: “a construção do gênero é o produto e o
processo tanto da representação quanto da auto-representação”(p. 217)
Segue então para o que chama de “o sujeito do feminismo” sendo “diferente de
Mulher... a representação de uma essência... diferente de mulheres... sujeitos...
engendrados nas relações sociais”, portanto, “uma construção teórica uma forma de
conceitualizar, de entender, de explicar certos processos e não as mulheres”, o qual
concebe como estando “ao mesmo tempo dentro e fora da ideologia do gênero” (1987,
p. 217) ou seja, “dentro e fora da representação.” (p. 218)
Ao explicar o processo pelo qual uma pessoa aceita e absorve determinada
representação social como sua própria representação, bem como a forma através da qual
a representação é construída e depois aceita e absorvida, Lauretis (1987) recorre a
análise de Foucault, na qual constata que a “sexualidade... é de fato totalmente
construída na cultura de acordo com os objetivos políticos da classe dominante” ou seja,
há uma “tecnologia sexual” que elabora seus discursos à partir de quatro objetos
privilegiados, a saber: “a sexualização das crianças e do corpo feminino, o controle da
procriação, e a psiquiatrização do comportamento sexual anômalo como perversão.” (p.
220)
Apontando para a transformação dos valores produzidos pela tecnologia de
gênero, Lauretis (1987) argumenta que:
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A versão brasileira: Problemas de Gênero: feminismo e subversão da identidade, 2003.
constituiriam, deixando-lhe pois “um ponto de ação” não totalmente determinado nem
pela cultura, nem pelo discurso (Butler, 2003, p. 205-206).
Para Butler (2003) o sujeito por mais culturalmente enredado que se encontre
“negocia suas construções”, mesmo porque a suposição de um sujeito culturalmente
construído não inviabiliza a ação deste, pelo fato do sujeito culturalmente construído
estruturar seu discurso na oposição (p. 206). Recorre a Beauvoir “a gente não nasce
mulher, torna-se mulher” (p. 17) para ilustrar o “eu” que se torna seu gênero o que
segundo a autora, “é todavia um ponto de ação nunca plenamente identificável com seu
gênero”. (p. 206)
Butler (2003) aponta então para a impossibilidade de “postular a identidade de
uma vez por todas”, e diz que tal impossibilidade deve ser o novo ponto de partida da
teoria feminista, expressa na forma do et coetera que invariavelmente acompanha
qualquer tentativa de classificação do sujeito do feminismo, uma vez que o processo de
significação é ilimitável.
Para Butler (2003), “a questão da ação não deve ser respondida mediante recurso
a um „eu‟ que preexista à significação” pois, é pelo processo de significação que a
identidade se afirma: “as condições que possibilitam a afirmação do „eu‟ são providas
pela estrutura de significação, pelas normas que regulam a invocação legítima ou
ilegítima desse pronome, pelas práticas que estabelecem os termos de inteligibilidade
pelos quais ele pode circular”, e a linguagem nunca reflete inteiramente esse “eu”. (p.
207) Valendo-se do modelo hegeliano de auto-conhecimento, Butler (2003) reconhece
uma “adequação potencial entre o „eu‟ que confronta seu mundo, inclusive sua
linguagem, como objeto, e o „eu‟que descobre a si próprio como objeto nesse mundo”
(p. 207)
A seguir convida-nos a refletir sobre a gama de possibilidades que muitas vezes
não são nem imaginadas pelo fato de nosso pensamento estruturar-se a partir da
oposição entre um “eu” e seu “Outro”, ocultando assim o “aparato discursivo pelo qual
o próprio binário é instituído”. (2003, p.208) As regras que governam a identidade
inteligível, parcialmente estruturadas “em conformidade com matrizes de hierarquia do
gênero e da heterossexualidade compulsória, operam por repetição”, porém não
determinam o sujeito que geram, pois “a significação não é um ato fundador, mas antes
um processo regulado de repetição”. A significação se dá através da compulsão à
repetição, situando a ação na possibilidade de uma “variação dessa repetição” sendo
somente “no interior das práticas de significação repetitiva que se torna possível a
subversão da identidade.” (p. 209) (grifos da autora) ou seja, “... repetir e por meio de
uma proliferação radical do gênero afastar as normas do gênero que facultam a própria
repetição.” (p. 213)3
Encara o gênero como um ato aberto a cisões, à auto-crítica, a paródia de si
mesmo e a demonstrações exageradas do „natural‟ às quais escapam seu status
fantasístico, sua condição de “performatividade”. Portanto, se “as superfícies corporais
são impostas como o natural, podem tornar-se o lugar de uma performance dissonante e
desnaturalizada, que revela o status performativo do próprio natural.” (Butler, 2003, p.
210-211) (grifos da autora)
Retoma então, uma problemática fundamental ao livro que é se as categorias de
identidade restringem e/ou limitam a priori “as próprias possibilidades culturais que o
feminismo deveria abrir”, uma vez que não pretendemos renegar nossa inserção
cultural, até porque, “construção não se opõe a ação; a construção é o cenário necessário
da ação, os próprios termos em que a ação se articula e se torna culturalmente
inteligível”, e reconceituar a identidade como produzida/gerada, “abre possibilidades de
„ação‟ que são insidiosamente excluídas pelas posturas que tomam as categorias de
identidade como fundantes e fixas... uma identidade ser efeito significa que ela não é
nem inevitavelmente determinada nem totalmente artificial e arbitrária.” (Butler, 2003,
p. 211)
A investigação teórica de Butler (2003) “procurou situar o político nas próprias
práticas significantes que criam, regulam e desregulam a identidade”, buscou
desnaturalizar a idéia de um “feminismo, a espera da inscrição-como-corte do
significante masculino para poder entrar na linguagem e na cultura”, questionou e
problematizou o sexo, o gênero, as identidades, bem como as teorias da ciência,
buscando “redescrever as possibilidades que já existem, mas que existem dentro de
domínios culturais apontados como culturalmente ininteligíveis e impossíveis.” (p. 212-
213) (grifo da autora)
Se acreditarmos numa essência naturalizada do feminino e outra do masculino,
estaremos reafirmando a idéia de uma fixidez binária entre duas categorias antônimas,
que pleonasticamente falando se opõem e se excluem mutuamente, com a conseqüência
da produção de um juízo de valores acerca de uma e outra categoria, o que
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q.v. repetição subversiva, p. 9.
invariavelmente acarretaria em um processo de hierarquização baseada na valorização
ou não dos atributos conferidos a uma e outra categoria.
Falar em hierarquia, recorda-nos o patriarcado, uma teoria considerada
ultrapassada por muitas/os teóricas/os, a qual, na reflexão de Lerner (1999), “em sua
definição mais ampla, é a manifestação e a institucionalização do domínio masculino
sobre as mulheres e os filhos da família e... sobre as mulheres da sociedade em geral”
(p. 178), porém, assim, parece inviabilizar o uso da teoria pois fixa o caráter de
dominação nas mulheres, universalizando-as.
Enfim, a partir destas reflexões não se propõe postular uma identidade da
prostituta, tampouco estudar a prostituição partindo de constructos limitantes pois, “as
possibilidades históricas materializadas por meio dos vários estilos corporais nada mais
são do que ficções culturais punitivamente reguladas.” (Butler, 2003, p. 199)