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LITERATURA E SOCIEDADE EM AUGUSTO DOS ANJOS: UMA

REAVALIAÇÃO DO CÂNONE

Luís Cláudio Ferreira SILVA (G – UEM) i


Marciano Lopes e SILVA (Orientador - UEM) ii

1. INTRODUÇÃO

Sabe-se que a poesia de Augusto dos Anjos não se limita aos temas que são
geralmente apresentados pelos manuais de literatura e cursinhos universitários, ou seja,
a apresentação da angústia interior – tão apreciada pelos góticos – e dos ismos do início
do século. Sua obra vai além: reflete os problemas e as insatisfações sociais em face de
uma modernização cara à sociedade. É exatamente o que pretendemos com este
trabalho: discutir esse viés de crítica à modernidade e a razão pela qual tal variante do
poeta foi praticamente excluída pelo cânone em seus manuais e livros didáticos, de
modo a levar a reflexões e a possíveis reavaliações do mesmo. Para tanto, analisaremos
os compêndios didáticos Português, de João Domingues Maia, Português, de Faraco &
Moura, Literatura Brasileira das Origens até os Dias de Hoje, de José de Nicola,
Literatura Brasileira Através dos Textos, de Massaud Moisés, bem como o livro de
história da literatura brasileira mais utilizado no ensino universitário: História Concisa
da Literatura Brasileira, de Alfredo Bosi. O objetivo é verificarmos como esses textos
apresentam sua obra de modo a refletir sobre o cânone e suas intenções.

2. BREVE PASSEIO PELO RIO DE JANEIRO DE OS DOENTES

Augusto dos Anjos, classificado por muitos como um poeta pertencente ao Pré-
Modernismo, revolucionou na medida em que rompeu com a literatura “sorriso da
sociedade”, ou seja, com a estética do período Parnaso-Simbolista. Apesar do
estranhamento inicial, Anjos foi, e é, um poeta popular. Sua poesia é marcada por um
léxico esdrúxulo oriundo das ciências biológicas e temas que envolvem a pobreza da
existência e angústia do ser. Eis o que Alfredo Bosi, crítico literário, diz sobre a obra de
Augusto dos Anjos:

Esta popularidade deve-se ao caráter original, paradoxal, até mesmo


chocante, de sua linguagem, tecida de vocábulos esdrúxulos e animada
de uma virulência pessimista sem igual em nossas letras [...] Mas a
postura existencial do poeta lembra o inverso do cientismo: angústia
funda, letal, ante a fatalidade que arrasta toda carne para a
decomposição. (BOSI, 2006, p. 288, 289)

Abaixo um trecho do poema “Psicologia de um Vencido” que mostra toda essa


angústia, característica de sua poesia:

Profundissimamente hipocondríaco
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
(ANJOS, 2007, p. 15)

Ferreira Gullar completa as afirmações de Bosi:

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Sua condição de homem, concreta, história, determinada, informa
os poemas que escreveu, e não apenas como causa deles, em
última instância: é matéria deles. Com Augusto dos Anjos,
penetramos àquele terreno em que a poesia é um compromisso
total com a existência. (GULLAR, 1976, p. 24).

Sua versatilidade vocabular surge do aproveitamento de suas leituras nos


campos da química e da biologia. É o que se vê em trechos como “a miséria anatômica
da ruga”, “a bacteriologia inventariante”, “encontra um cancro assíduo na consciência”,
“a lógica medonha dos apodrecimentos musculares”, ou “efemérida orgânica dos
olhos”. Se hoje tais vocábulos podem ser impactantes e causar estranheza, imaginemos
o impacto que causou na época da literatura “sorriso da sociedade”, onde imperavam os
simbolistas e os parnasianos com seus poemas e textos cheios da “beleza” retórica e de
belas palavras, textos em que “as questões de forma superavam as de fundo”.
Porém, a poesia de Augusto dos Anjos não pode ser limitada à dimensão exótica
desse linguajar esdrúxulo. Ela vai adiante e trata, além das preocupações da alma, da
situação miserável da sociedade do início do século, contexto no qual viveu. Vejamos o
que diz Ferreira Gullar sobre o poeta:

A poesia de Augusto dos Anjos é fruto da descoberta dolorosa do


mundo real, do encontro com uma realidade que a literatura, a filosofia
e a religião já não podem ocultar. Nasce de seu gênio poético, do seu
temperamento especial, mas também de fatores sociais e culturais que a
determinaram (GULLAR, 1976, p. 30).

Além de ampliar o foco, Augusto dos Anjos sai do tradicional soneto e parte
para poemas mais longos, fazendo uma literatura com caráter social, transbordante de
fatos cotidianos:

Pode-se dizer que na dialética interna do processo expressivo de


Augusto, os poemas longos assinalam os momentos em que a
necessidade expressiva conduz o poeta a superar as próprias limitações
e condicionamentos. [...] É precisamente nesses poemas que os
elementos da realidade cotidiana têm maior peso. (GULLAR, 1976, p.
44).

Augusto dos Anjos não se limitou à reflexão sobre a angústia existencial, pois
ela se entrelaça aos temas sociais, à angústia presente no cidadão face aos novos tempos
de modernização. E para pensarmos essa dimensão de sua poesia, cabe considerarmos
alguns aspectos da conjuntura social da época em que o autor viveu. Havia pouco, a
escravidão findara e os escravos libertos não foram necessariamente “recebidos” pela
sociedade como trabalhadores comuns, pois, para ocupar o lugar deles no incipiente
mercado de trabalho, desembarcaram levas de imigrantes nas terras brasileiras no final
do século XIX e início do século XX. Ora, não é necessário ser nenhum especialista em
sociologia ou economia para saber que a sociedade não pôde suportar tamanho
crescimento em pouco tempo. Não havia emprego para todos, a oferta era maior do que
a necessidade e os ex-escravos – substituídos pelos imigrantes devido à política do
branqueamento racial – foram jogados na miséria e na marginalidade:

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A oferta de mão-de-obra abundante excedia largamente a demanda do
mercado, aviltando os salários e operando com uma elevada taxa de
desemprego crônico. Carência de moradias e alojamentos, falta de
condições sanitárias, moléstias [...] desemprego, miséria: eis os frutos
mais acres desse crescimento fabuloso e que cabia à parte maior e mais
humilde da população provar. (SEVCENKO, 1985, p. 54)

Soma-se a isso o fato de a cidade do Rio de Janeiro, principalmente o seu centro,


passar por reformas para que o país pudesse aparentar uma modernidade inexistente,
assim ingressando pela porta de trás na Belle Époque com o intuito de atrair
respeitabilidade e capitais dos grandes centros europeus. Estamos no momento das
reformas do prefeito Pereira Passos: alargar as ruas, aumentar o cais, acabar com uma
imagem de cidade colonial e trazê-la para os tempos modernos. E uma das piores
imagens que se podia ter da cidade, na época, era a da “vagabundagem” a dividir o
espaço central e beira-mar com a pequena e incipiente burguesia que batia à porta da
modernidade:

Era preciso, pois, findar com a imagem de cidade insalubre e insegura,


com uma enorme população de gente rude plantada bem no seu âmago
[...] Somente oferecendo ao mundo uma imagem de plena credibilidade
era possível drenar para o Brasil uma parcela proporcional da fartura,
conforto e prosperidade em que já chafurdava o mundo civilizado.
(SEVCENKO, 1985, p. 29).

A modernização empreendida pelo prefeito Pereira Passos e pelo presidente


Campos Salles se limitou às aparências, deixando de lado a preocupação social com as
camadas populares desfavorecidas: além da construção de belos prédios, abertura de
novas avenidas e criação de praças, foram destruídos velhos casarões abandonados e
expulsos os “vadios”, que habitavam os velhos casarões do centro (onde se amontoavam
cidadãos desempregados ou subempregados), para as regiões periféricas da cidade
(incluem-se aí morros e pântanos, principalmente).

Expulsos de certas áreas da cidade [...] empurrados para as regiões


desvalorizadas: pântanos, morros, subúrbios distantes [...] discriminados
pela etnia, pelos trajes e pela cultura; ameaçados com os isolamentos
compulsórios das prisões, depósitos, colônias, hospícios, isolamentos
sanitários. (SEVCENKO, 1985, p. 66)

Ora, aqui não se quer criticar a atitude de se querer modernizar uma cidade.
Todos querem, ao menos assim acreditamos, que a sua cidade se transforme, se
tornando cada vez melhor e mais bela para que, assim, os outros possam ter uma boa
imagem da mesma,. Contudo, o que se critica é a atitude do governo quanto aos
marginalizados, na sua maioria negros e índios, que foram escorraçados das imediações
do centro, sendo jogados às periferias e morros, em condições sub-humanas pela falta
de alimentação e pela alta taxa de desemprego. Tal atitude foi a principal responsável
pelo surgimento das favelas, um gravíssimo problema nos dias de hoje na cidade do Rio
de Janeiro, como todos sabemos. É exatamente essa condição miserável do brasileiro
pobre que é retratada por Augusto dos Anjos na poesia “Os Doentes”. Podemos
interpretar o recorte abaixo (ANJOS, 2007, p. 67) como uma representação desse quadro
de miséria, ou seja, como uma representação da situação empedernida dos desalojados:

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Dormia em baixo, com a promíscua véstia
No embotamento crasso dos sentidos,
A comunhão dos homens reunidos
Pela camaradagem da moléstia.

Feriam-me o nervo óptico e a retina


Aponevroses e tendões de Aquiles,
Restos repugnantíssimos de bílis,
Vômitos impregnados de ptialina.

A situação em que se encontra essa população é deplorável, estando o pobre


diminuído, excluído, desterrado em seu próprio país, esmagado pela modernidade:

E sentia-se pior que um vagabundo


Microcéfalo vil que a espécie encerra
Desterrado na sua própria terra,
Diminuído na crônica do mundo!
.......................................................
Em vez da prisca tribo e indiana tropa
A gente deste século, espantada,
Vê somente a caveira abandonada
De uma raça esmagada pela Europa!
(ANJOS, 2007, p. 70-71)

E nos seus catarros e vômitos, esse brasileiro não enxerga nada mais do que a
própria consciência, a consciência de um renegado, de um excluído, e porque não, de
um soterrado pela avalanche da modernização que atingia majoritariamente a classe
mais pobre:

Falar somente uma linguagem rouca,


Um português cansado e incompreensível,
Vomitar o pulmão na noite horrível
Em que se deita sangue pela boca!

Expulsar, aos bocados, a existência


Numa bacia autômata de barro,
Alucinado, vendo em cada escarro
O retrato da própria consciência!
(ANJOS, 2007, p. 68)

Está claro e evidente, a partir da leitura desses trechos, que Augusto dos Anjos
não compartilha das idéias do positivismo, ou seja, não vê na modernidade nada de
positivo, pois ela, mesmo tendo o intuito de “civilizar”, acaba “cobrando” um alto preço
social com conseqüências irreversíveis.
Notemos também que ao verter seu olhar para o social, Augusto dos Anjos
mantém sua riqueza e peculiaridade vocabular como forma de expressar a angústia e a
moléstia de existir numa sociedade que – ironicamente – se queria tão moderna. Porém,
cabem as perguntas: como o poeta vem sendo tratado nos manuais, compêndios e livros
didáticos? Eles trazem um Augusto dos Anjos tanto voltado para o drama existencial
quanto social, ou apenas para o primeiro aspecto? E se o faz, qual a razão de fazê-lo?

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3. AVALIANDO OS LIVROS DIDÁTICOS

José de Nicola, em seu livro Literatura Brasileira das Origens aos Nossos Dias
faz um rápido comentário sobre Augusto dos Anjos, o qual não passa de três páginas,
incluindo os poemas. Boa parte do espaço dedicado ao poeta é reservado à sua
biografia, ficando apenas meia página para os comentários acerca de sua obra. E, nesse
inexpressível espaço, o autor apresenta o poeta como tendo um “mau gosto” e sua
poesia como sendo de uma “vulgaridade incrível”, além de classificar Anjos como um
cientificista. Quanto ao lado social, há apenas um breve comentário:

E o que mais aproximou o poeta da massa de leitores foi exatamente seu


pessimismo, sua angústia em face de problemas e distúrbios pessoais,
bem como das incertezas do novo século que despontava e trazia
consigo a idéia de uma guerra mundial (NICOLA, 1996, p. 183).

A partir de então, Nicola apresenta dois poemas de Augusto dos Anjos, “Versos
Íntimos” e “O Morcego”, pertencentes, pode-se assim dizer, à vertente mais existencial
do poeta, deixando assim de ilustrar a poesia de caráter mais social. Onde está a
ilustração desse Augusto que vê as incertezas do novo século? Quando se faz um
comentário, nada mais justo do que também realizar a confirmação do mesmo por meio
de exemplos. O autor comenta, contudo não analisa e muito menos discute esses
“distúrbios pessoais” que despontavam no novo século. Fica na intenção, mas o pouco
espaço na obra não justifica a falta.
No livro Português, de Faraco & Moura, o espaço dedicado a Augusto dos
Anjos é ainda menor que na obra analisada anteriormente, apenas uma página é
dedicada ao autor, sendo dividida entre um comentário sobre a sua vida (maior do que
aquele dedicado a sua obra), os livros publicados, a apresentação de um poema e um
pequeno parágrafo sobre suas características, que, de tão curto, podemos transcrevê-lo
na íntegra:

Se a prosa do Pré-Modernismo preocupou-se com a realidade histórica


imediata, no terreno da poesia o estilo parnasiano continuava
desfrutando de grande prestígio junto ao público. O único poeta
importante a romper com essas características foi Augusto dos Anjos,
cuja obra apresenta um caráter único em nossa literatura (FARACO,
MOURA, 2002, p. 294).

Ora, quais são essas características de caráter único na literatura brasileira? O


que o fez romper com o estilo parnasiano? Qual o viés seguido por Augusto? Fica-se no
vago, no não dito após a leitura de tal trecho, o que não contribui para um entendimento
substancial de sua obra. E pouco vale, após esse vazio, a apresentação do poema
“Psicologia de um Vencido”, pois serve apenas para ilustrar a peculiaridade de seu
vocabulário.
O livro seguinte, Português de João Domingues Maia, também não dedica mais
que uma página ao poeta, sendo o espaço dividido entre uma breve biografia, um trecho
sobre suas características, e, ao fim, um dos poemas do poeta do “escarro”. No que
concerne às características, o livro apresenta um Augusto mais ou menos como o
primeiro compêndio apresenta: um poeta caracterizado pela crueza dos temas, ou seja, a

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morte, a doença, os necrotérios, hospícios e cadáveres, com uma linguagem exótica e
com vocabulário científico. Para finalizar, o autor faz um comentário, ao contrário do
anterior, sobre o seu rompimento com o período parnaso-simbolista ao tratar dos temas
citados, os quais vão contra aqueles comuns à dita literatura “sorriso da sociedade”.

À visão do mundo harmonioso das elites da época, da literatura “sorriso


da sociedade”, Augusto dos Anjos contrapôs um outro, de
decomposição, angústia e sofrimento, em que se percebe a inquietação
filosófica do poeta sobre o enigma do Universo e da própria vida.
(MAIA, 2001, p. 300)

Outra vez temos apenas um breve comentário e um olhar que contempla apenas
um dos perfis do poeta, sem dizer que esse perfil é sempre o mesmo: o do poeta niilista
e exótico, cujo vocabulário científico é visto como esquisitice, ou seja, como algo
excêntrico.
Passando agora aos manuais de literatura, temos em mãos, de Alfredo Bosi, a
História Concisa da Literatura. O crítico dedica pouco mais de quatro laudas ao poeta
do “escarro”. Bosi preocupa-se em mostrar, como a maioria dos críticos, o lado
pessimista da existência, e se empenha em ilustrar, através de poemas, sua virulência
vocabular, além de ocupar boa parte do espaço dedicado a Augusto fazendo um estudo
sobre suas rimas, versos e paradoxos.

O poeta do “Eu” é um poeta eloqüente. O dramático das suas tensões,


que às vezes tende para trágico do inelutável, encontra forma ideal em
quartetos de decassílabos fortemente cadenciados, em que são copiosos
os versos sáficos, de manifesta sonoridade, as rimas ricas e as palavras
raras e esdrúxulas. (BOSI, 2006, p. 290)

Entremeados dos comentários estão trechos de dez poemas do autor, que


expressam o já dito: seu lamento diante da tenuidade da vida, a podridão da alma, e o
forte pessimismo. O crítico compara Augusto dos Anjos a Baudelaire, no sentido de
“cantar a miséria da carne em putrefação”. Porém, diferencia-o da seguinte forma:

Para o poeta do Eu, as forças da matéria, que pulsam em todos os seres


e em particular no homem, conduzem ao Mal e ao Nada, através de uma
destruição implacável; ele é o espectador em agonia desse processo
degenerescente cujo símbolo é o verme (Ibidem, p. 289).

O crítico ainda ilustra a concepção do autor sobre amor e prazer, bem como suas
conseqüências e queixas. Ao fim, além de fazer uma relação dos versos de Augusto dos
Anjos com o pedantismo dos adolescentes, traz um pequeno comentário no que
concerne aos termos presentes na sua poesia que definem seu asco e horror à existência:

Ao poeta do cosmos em dissolução, ao artista do mundo podre, fazia-se


mister uma simbiose de termos que definissem toda a estrutura da vida
(vocabulário físico, químico, biológico) e termos que exprimissem o
asco e o horror ante essa mesma existência imersa do Mal (Ibidem, p.
291).

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Claro está que o estudo de Bosi vai muito além dos outros compêndios
estudados, quer por ser direcionado a um estudo mais acadêmico, quer por estar mais
apto a tais aprofundamentos. Porém, mesmo aprofundando-se mais em relação aos
outros teóricos, em nenhum momento encontramos no texto do crítico uma simples
menção à representação dos problemas sociais brasileiros e à problematização da
modernidade na poesia de Augusto, além de que os textos escolhidos não saem do
tradicional recorte que se faz na obra do poeta. Logo, o estudo feito pelo crítico não
contempla todas as vertentes de Augusto dos Anjos, mesmo, como já dito, fazendo
“mergulhos” em mares tão pouco navegados por outros.
Em A Literatura Brasileira através dos textos, Massaud Moisés, como o próprio
nome do livro já diz, apresenta a arte literária brasileira por meio dos próprios textos
sem realizar comentários ou estudos críticos. Nele encontramos dez, mas a seleção
tampouco privilegia um novo olhar sobre sua obra.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Três livros didáticos e dois compêndios de literatura. Mesmo com objetivos


diferentes, os cinco manuais escolhidos são muito parecidos no que se refere à imagem
do poeta e sua poesia. Meia dezena de livros analisados e encontramos um mesmo olhar
e abordagem que em muito pouco diferem. Mostram um mesmo Augusto,
“incompreendido”, pouco explorado. Onde está aquele Augusto (como afirma Gullar)
que trata de elementos da realidade cotidiana, aquele Augusto que, mantendo sua força
vocabular, vê o “escarro” como fruto de uma sociedade perversa e não como fruto de
um homem perverso em sua própria essência? Em nenhum dos livros analisados se
encontra qualquer comentário ou exposição desta faceta social e política da sua poesia.
Faz-se necessário esclarecer que não se quer, aqui, em hipótese alguma,
desmerecer esse viés da poesia de Augusto dos Anjos apresentado nos livros, tampouco
defender uma mudança radical no modo de olhá-la que leve à rejeição dessa vertente
consagrada do poeta. O que propomos é que se tire o “cabresto” do cânone, ou seja, que
se amplie a visão crítica sobre a sua poesia, cujo significado encontra-se aprisionado
pelas grades de um certo modo de interpretá-la que, coincidentemente ou não, despreza
todo potencial crítico da mesma com respeito à ideologia do progresso e à
modernização capitalista. Defendemos que as obras didáticas procurem apresentar um
maior leque das cores que o poeta deixa sobre a tela, que também voltem seu olhar para
os rabiscos perto da moldura, pois esses também podem ter valor e, quiçá, podem ser
tão mais belos que os outros – e acusadores ao mesmo tempo.
E quais seriam estes traços na “beira da moldura”? Ora, os mesmos apresentados
através do poema “Os Doentes”, o qual, como já foi visto, ilustra brilhantemente uma
parte da história, com o poeta focando a angústia dos excluídos em uma sociedade
execrável. Logo, propomos a seguinte reflexão: por que a vertente social de Augusto
dos Anjos não é bem apresentada e, em alguns casos, nem sequer é apresentada nos
livros e manuais? Seria, para o cânone, um viés inferior do poeta ou um conjunto de
temas e questões considerados “tabus”? Uma possível resposta é a que temos abaixo,
apresentada por Flávio Kothe (2004, p. 43) em sua revisão do cânone literário brasileiro:

Um autor ser canônico não significa que toda a sua obra esteja
enquadrada no cânone. Pelo contrário, a seleção é sempre mínima.
Resta a alguns críticos, a partir disso, a esperança de reformar o cânone,

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mantendo os mesmos autores e modificando apenas alguns títulos seus
[...] Este último (o cânone) não é bonzinho e nem reconhece o mérito
pelo mérito: seleciona o que serve a seus propósitos políticos, sob a
aparência de eles serem apenas artísticos. (KOTHE, 2004, p. 43).

Poder-se-ia pensar, e porque não fazê-lo, a razão pela qual o cânone literário
brasileiro não consagra tal poema na apresentação do poeta. Sabe-se que a população
pouco sabe a respeito desses achincalhamentos, mortes, desrespeitos, etc. Pois é
possível considerarmos que não seria interessante, para o governo, que os jovens
tenham em sua mãos uma obra com grande valor artístico que lhe seja crítica, que
acuse, que mostre os erros, que denuncie todas as atitudes desumanas decorrentes do
modelo de progresso adotado pelos governos brasileiros, vedando assim a visão dos
inferiorizados, impedindo que os mesmos possam se tornar mais conscientes e fortes
contra o poder, o qual, mesmo trocando as peças, mantém o mesmo jogo desde o
período de Augusto até os dias de hoje.
Muitos autores ficaram fora do cânone provavelmente por não atender aos
requisitos impostos pela sociedade dominante, como é o caso de Luís Gama, poeta
negro e revolucionário que foi totalmente esquecido pelo cânone, sendo preterido, por
exemplo, em face de um Castro Alves que, apesar de também ser descendente de
negros, nunca se assumiu como tal em sua poesia, ou de um Cruz e Souza que, apesar
de negro, é rotulado como poeta branco, privilegiando-se, nos manuais, poemas que o
colocam nessa posição – e que não afrontam os valores cristãos da sociedade brasileira.
Conforme a visão crítica de Flávio Kothe, a sociedade dominante manipula o cânone de
maneira que ele sirva para si como instrumento de dominação da massa, excluindo
algumas obras de forte valor social e colocando outras, que, apesar de belas,
mantenham-na na ignorância e, desse modo, a tornem passiva e anestesiada. Sobre tais
questões é que se deve refletir profundamente para que, como professores, não sejamos
“inocentes úteis”, ou seja, instrumentos de reprodução acrítica de valores impostos pelo
cânone e que, geralmente, servem para manter preconceitos e ideologias que mantêm o
statu quo social.

5. REFERÊNCIAS

ANJOS, Augusto. Eu e Outras Poesias. São Paulo: Martin Claret, 2007.

BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix, 2006.

FARACO, Carlos Emílio & MOURA, Francisco Marto. Português. São Paulo, Ática,
2002.

GULLAR, Ferreira. Augusto dos Anjos, Toda a Poesia. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1976.

KOTHE, Flávio R. O Cânone Republicano II. Brasília: Universidade de Brasília, 2004.

MAIA, João Domingues. Português. São Paulo: Ática, 2001.

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MOISÉS, Massaud. A Literatura Brasileira Através dos Textos. São Paulo, Cultrix,
1971.

NICOLA, José de. A Literatura Brasileira das Origens aos Nossos Dias. São Paulo:
Scipione, 1996.

SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão. Tensões sociais e criação cultural na


Primeira República. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1985.
i
Contato: luismaringa@hotmail.com
ii
Contato: etlopes@hotmail.com

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