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OS QUADRINHOS COMO FERRAMENTA DE LETRAMENTO EM AULAS DE

PLNM: TRABALHANDO PADRÕES LINGUÍSTICO-INTERACIONAIS

Brízzida Anastácia Souza Lobo de Magalhães Caldeira


Alexandre do Amaral Ribeiro

Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro – Brasil

RESUMO

As Histórias em Quadrinhos (HQs) foram consideradas, no âmbito da Educação, como um material


superficial que gerava distração para os alunos, até 1990 (VERGUEIRO, 2009). No Brasil, a
inserção de novas linguagens e manifestações artísticas para os ensinos fundamental e médio,
propostas inicialmente pelas legislações de 1996, para aplicação em aulas de língua materna e
estrangeira, provocaram uma revolução no pensamento escolar, aumentando consideravelmente o
interesse docente em trabalhar com todas as possibilidades deste material. O uso de HQs ocorre no
ensino de diversas línguas estrangeiras, uma vez que as HQs podem ser consideradas como uma
vitrine social e linguística da cultura alvo a ser apreendida (VERGUEIRO, 2015), cabendo refletir
como a didática de ensino de língua pode apropriar-se das HQs para desenvolver competências
linguístico-interacionais, relevantes ao aluno. Inspirando-se no cenário exposto, este trabalho
propõe-se a apresentar resultados do uso de HQs no ensino de situações interacionais em aulas de
português como língua não materna (PLNM) para estrangeiros. O 'pedido de desculpas', por
exemplo, é relativo a uma das situações de interação mais desafiantes para aprendizes estrangeiros
que aprendem português em situação de imersão no país e seus padrões não são suficientemente
trabalhados nos principais livros didáticos da área. Para desenvolver este trabalho, algumas das
referências teóricas consultadas foram: HQ na educação (VERGUEIRO, 2004; 2009), o ensino
comunicativo de PLNM (ALMEIDA FILHO, 1989; 1993; 2011), os conceitos envolvidos na
interação social (GOFFMANN, 1967). Através da análise de diferentes pedidos de desculpas,
retirados de HQ da Turma da Mônica (Maurício de Sousa), é possível considerar que os resultados
iniciais apontam para uma confirmação de que as HQ podem ser utilizadas de forma eficaz como
apoio didático para o desenvolvimento das competências interacionais de alunos estrangeiros.

PALAVRAS-CHAVE: Histórias em Quadrinhos; Ensino de PLNM; Interação Social.

Introdução

Um dos grandes desafios enfrentados pelos professores de línguas estrangeiras consiste


em desenvolver uma interação espontânea que parta dos aprendizes, seja com os outros
colegas seja com falantes nativos. Esse contato linguístico é de suma importância para o
desenvolvimento das suas habilidades linguísticas durante a aquisição da língua-alvo
pretendida (L2), pois é uma oportunidade que o falante tem de ouvir a sua produção e
compará-la com a de outras pessoas, percebendo novas formas de se dizer a mesma coisa
ou mesmo tomando consciência de algum uso inadequado da língua (DUFF & SURTEES,
2016).
Como já é constatado no ensino-aprendizagem de línguas como inglês, francês,
espanhol e alemão, o uso de histórias em quadrinhos (HQ) como ferramenta pedagógica nas
aulas de Português como Língua Não Materna (PLNM) pode ser um bom auxílio para
desenvolver não apenas a interação social - por meio do trabalho com diversas situações
interacionais existentes na língua portuguesa – mas também pode ajudar no
desenvolvimento da interação intercultural, uma vez que as HQ podem funcionar como
fontes históricas e de pesquisa sociológica: “charges, cartuns e tiras são dispositivos visuais
gráficos que veiculam e discutem aspectos da realidade social, apresentando-os de forma
crítica e com muito humor” (VERGUEIRO, 2009). Ou seja, os aprendizes estrangeiros
podem ter acesso a outros aspectos interacionais que vão além da língua e abarcam a cultura
subjetiva do Brasil: formas de comportamento entre pessoas de diferentes grupos sociais ou
etários, relações interacionais entre familiares e amigos, hábitos e costumes, entre outros.
Além disso, as HQ têm uma relação muito estreita com o trabalho docente que pode ser
desenvolvido visando ao desenvolvimento da interação social, visto que ambas são
baseadas pela representação da língua oral e pela fala espontânea (DUFF & SURTEES,
2016).
Partindo destes pressupostos, este artigo pretende apresentar possibilidades didáticas
utilizando-se das HQ para o ensino, em turmas de aprendizes de PLNM, de uma situação
interacional bastante necessária aos alunos, porém pouco explorada pelos livros didáticos:
pedir desculpas. Mostrando também alguns aspectos da cultura subjetiva que são relevantes
na realização deste enunciado dentro de variadas situações contextuais. Para tanto, serão
usadas como teorias de base os conceitos de Face (GOFFMAN, 1967), Cultura Objetiva e
Subjetiva (BENNETT, 1998), Cultura de Alto e Baixo Contexto (BENNETT, 1998),
Interação Intercultural e Social (SPENCER-OATEN & FRANKLIN; DUFF & SURTEES,
2016) e a Teoria dos Atos de Fala (AUSTIN, 1962) para compreender como essa
construção linguística é formada no português brasileiro e o porquê dessa forma de
estruturação.
Para a composição da proposta de trabalho com HQ e interações sociais será
apresentada brevemente a forma como as situações interacionais são trabalhadas em livros
didáticos de PLNM; em seguida será proposta uma possibilidade de desenvolvimento deste
conteúdo, à luz das teorias supracitadas, a partir da análise qualitativa e interpretativa das
falas das personagens, em um corpus de exemplos retirados de histórias em quadrinhos da
Turma da Mônica (Maurício de Souza), que retratam os tipos de interações sociais definidas
anteriormente em diferentes situações de contato entre participantes relacionados
hierarquicamente, socialmente e etariamente de formas diferentes. A seleção dos dados foi
realizada procurando exemplos que pudessem corresponder a situações linguísticas
possíveis aos alunos estrangeiros imersos no cotidiano brasileiro, mesmo que não sejam
realizadas necessariamente entre os mesmos agentes das HQ.

1. Por que usar os quadrinhos?

Dentre as quatro competências (ouvir, falar, ler e escrever) geralmente tomadas como
base para o ensino de línguas estrangeiras, pode-se considerar que a mais difícil de ser bem
desenvolvida é a que compete à habilidade de fala proficiente. Enquanto as outras podem
ser bem tratadas de forma individual pelo esforço do próprio aluno, a fala depende
inteiramente da interação comunicativa com outra pessoa.
Durante muitos anos, os quadrinhos foram marginalizados em relação ao ambiente
escolar, por serem considerados como fator de distração que poderia afastar os estudantes
da prática da leitura de outros gêneros textuais. No Brasil, este cenário mudou com a
inclusão das HQ na Lei de Diretrizes de Bases da Educação Nacional (LDB) de 1996, que
apontava a necessidade de inserção de novas linguagens e manifestações artísticas nos
ensinos fundamental e médio (VERGUEIRO, 2009). Esta mudança abriu as portas para um
trabalho que só viria a crescer entre os professores e escolas do país, especialmente após a
inserção das HQ nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de 2008, que mencionam
especificamente “a necessidade de o aluno ser competente na leitura de histórias em
quadrinhos e outras formas visuais” (VERGUEIRO, 2009 p.10) e no Programa Nacional
Biblioteca na Escola (PNBE), a partir de 2006, ano em que o governo distribuiu pela
primeira vez publicações em quadrinhos para as instituições públicas brasileiras. Este foi
um grande passo para uma nova visão docente em relação às HQ, especialmente porque um
dos objetivos do PNBE é “permitir aos estudantes o acesso à cultura e à informação e
estimular o hábito pela leitura” (VERGUEIRO, 2009 p.12), o que vai de encontro ao
pensamento consolidado por tanto tempo na comunidade escolar.
Atualmente, as HQ podem ser consideradas como ferramentas para uma perspectiva
lúdica do ensino, o que pode auxiliar na regulagem positiva do filtro afetivo do aluno,
especialmente os estrangeiros que buscam as aulas de PLNM, com relação a uma nova
língua e uma nova cultura, fazendo com eles se sintam mais motivados na aprendizagem.
Porém é imprescindível que o professor saiba regular a ludicidade das atividades de acordo
com o seu público para que a aula não se transforme em uma grande brincadeira sem
objetivos pedagógicos definidos.
A partir dessas definições, é possível começar a refletir sobre a utilidade desse material
no ensino de línguas estrangeiras (LE), uma vez que ele permite a realização de atividades
que abordam tanto a modalidade escrita da língua quanto a oralidade presente de forma
inevitável nas falas das personagens. Assim como as HQ permitem também um trabalho
que abarque alguns aspectos culturais (inclusive da cultura subjetiva, ou seja, cultura
relacionada aos hábitos e costumes mais profundos de uma sociedade) que aparecem
refletidos no cenário, nas vestimentas, no comportamento social e interacional que há entre
as personagens das histórias. Nos dias atuais, é de amplo conhecimento que o ensino de
uma nova língua deve ser feito por meio da união dos elementos linguísticos e estruturais
do idioma com os elementos culturais da sociedade em que ele é usado.

2. Interação social e suas implicações teóricas

Parte do processo de aquisição de uma nova língua está centrada no desenvolvimento


das competências linguístico-pragmáticas do aprendiz, isto é, para que um indivíduo possa
fazer parte de uma nova sociedade linguística ele precisa adquirir e dominar em certa
medida as habilidades necessárias para a realização plena de uma interação comunicativa
com os membros deste grupo social. Estas habilidades envolvem um conhecimento que vai
além das estruturas linguísticas do idioma pretendido, elas abarcam também as formas de
uso destas estruturas de forma adequada a cada situação vivida pelo falante.
Como parte da formação de um aprendiz de PLNM, é interessante que o professor possa
trabalhar em sala de aula as diferenças que existem nas interações entre: pessoas
hierarquicamente diferentes (seja dentro da família, na faculdade, no ambiente de trabalho,
na casa de um anfitrião), pessoas com faixas etárias diferentes (que usam consequentemente
expressões linguísticas mais antigas ou muito novas), pessoas com diferentes relações
sociais (amigos, colegas de faculdade, profissionais em locais de atendimento diversos).
Para que esse trabalho seja desenvolvido com qualidade, alguns dos seguintes conceitos
teóricos podem ser de grande contribuição para os estudos docentes.
2.1 Cultura objetiva e cultura subjetiva

Bennett (1998) mostra que a cultura de um povo pode ser classificada em dois
aspectos: a cultura objetiva e a cultura subjetiva. A cultura objetiva se refere às instituições
mais visíveis em uma sociedade, e geralmente ela é abordada em cursos de línguas
estrangeiras e em livros didáticos como a representação da cultura de um país, ela se refere
à: arte, literatura, música, dança, peças de teatro, sistemas econômico e político. Apesar de
serem temas de importância no estudo sobre uma nova língua e sua sociedade, esse
conhecimento não oferece nenhum auxílio no momento da comunicação interacional em si,
pois ela não gera necessariamente competência linguístico-comunicativa (MEYER, 2016).
Esta competência pode ser desenvolvida por meio do estudo da cultura subjetiva de
um povo, pois ela abarca os aspectos menos evidentes do comportamento de uma
sociedade, servindo como uma orientação para a adequação do aprendiz na comunidade
linguística em que ele deseja ser inserido. Ela se refere às características psicológicas que
definem um grupo de pessoas: suas crenças, valores, formas de interagir em diferentes
esferas sociais, moralidade. Essa camada mais profunda da cultura é mais difícil de ser
percebida até por falantes nativos, portanto pode ser um obstáculo para o aprendiz de PLE e
deve ser bem trabalhada em sala de aula, evitando que os alunos façam uma interpretação
equivocada dos hábitos dos brasileiros e tenham algum choque cultural.
2.2 Cultura de alto e baixo contexto

A Interação Intercultural (BENNETT, 1998) está baseada na interação realizada


entre falantes de diferentes culturas, em que a troca é feita a partir das semelhanças, que
podem aumentar a identificação com o outro, e das diferenças, que podem dificultar a
comunicação. Estes dois aspectos podem ser equilibrados na construção discursiva quando
o professor compreende que existem relações diferentes entre determinadas culturas e o
contexto discursivo: são as chamadas culturas de alto e de baixo contexto (BENNETT,
1998), que consequentemente possuem premissas discursivas e interpretativas diferentes e
que poderiam gerar interferências na interação. Nas palavras de Meyer, é possível concluir
que:
são consideradas de baixo contexto as línguas em que, numa situação de
comunicação, a maior parte da mensagem é transmitida através do próprio
código, da expressão verbal; já nas línguas de alto contexto a mensagem é
transmitida não apenas pelo verbal, mas também, e talvez principalmente, pelo
que o circunda: o gestual, as expressões faciais, a postura corporal, as sugestões
implícitas, as referências à conversas anteriores, etc. (2016, p.5)
Como outros países de cultura latina, o Brasil pode ser considerado como possuidor
de uma cultura de alto contexto, podendo-se considerar que as estruturas linguísticas da
língua portuguesa estão diretamente relacionadas com esse fato. Uma das propostas deste
artigo será mostrar, na análise dos exemplos, como um pedido de desculpas pode ser
estruturado sem apresentar obrigatoriamente uma construção verbal óbvia, sendo
dependente também da compreensão que ambos os interlocutores terão do contexto em que
a interação se encontra inserida. Entender esse tipo de formação discursiva não é evidente
para aprendizes oriundos de países com culturas de baixo contexto, pois eles ficarão mais
presos ao que está presente no aspecto verbal do que no entorno que constrói os fatores não
verbais da interação, e isto pode ser uma barreira definitiva na comunicação.

2.3 Face positiva e negativa

Este é um conceito inteiramente ligado às interações sociais e interculturais, ele


surgiu no campo da sociologia e foi apresentado por Goffman (1967). Ele define o conceito
de face como uma autoimagem criada pelo falante pautada nos atributos sociais aprovados.
Ela é construída com o tempo e com base nas reações das pessoas à conduta e à postura
assumida por ela nas suas interações com os outros, ou seja, a face resulta da interação
social e ela recebe uma manutenção do indivíduo (por meio de valores como o orgulho, a
honra e a dignidade), para que o equilíbrio social não seja posto em risco e nem a sua
própria face.
Existem dois aspectos da face com as quais cada sujeito deve se preocupar no
momento da interação: a face positiva diz respeito ao valor social positivo que uma pessoa
efetivamente exige para si, ela é uma imagem projetada na sociedade, por meio das
características exibidas pelo sujeito, para que ele seja aceito no grupo; a face negativa lida
com a imposição e está ligada às necessidades pessoais e à liberdade do indivíduo. É ela
que pode ser atingida ou ameaçada quando uma pessoa faz um pedido, dá uma sugestão ou
faz algo ruim e precisa pedir desculpas para amenizar essa ameaça.
Goffman (1967) definiu três fatores que devem ser levados em conta nas interações
com a face do outro:
a) Poder entre os interlocutores: relação social ou hierárquica estabelecida entre os
falantes;
b) Distância entre os interlocutores: relação de formalidade ou informalidade de
acordo com a distância social existente entre os falantes;
c) Risco de interação: risco que uma pessoa corre, quando interage com alguém, de
ferir a face do outro (para que isso não ocorra, existem estratégias de fala que
visam minimizar os riscos da interação).
Estes fatores podem variar de acordo com a cultura dos interlocutores, por isso é
importante que eles sejam pensados em relação a alunos de qualquer língua estrangeira,
visando sempre à melhoria das interações interculturais.

2.4 Teoria dos Atos de Fala

Entrando no âmbito da pragmática, esta teoria é de grande valor para a aula de PLNM,
uma vez que ela leva em consideração a razão de um falante produzir uma enunciação de
acordo com os seus objetivos, ou seja, ela supera o âmbito estrutural das expressões
linguísticas e volta a sua atenção para o melhor e mais adequado uso que o aprendiz pode
fazer delas.
Austin (1962) desenvolve sua linha de pensamento pautando-se na noção de que os
enunciados proferidos pelas pessoas fazem mais do que apenas nomear e informar, pois, ao
serem usados, eles refletem uma ação e uma reação dos falantes, baseadas nos seus
propósitos discursivos. Ele compreende, portanto, que as pessoas realizam ações quando
falam, e estas ações podem ser realizadas por meio de três dimensões básicas que ocorrem
simultaneamente em um ato de fala:
a) Atos locucionários: enunciação de uma sentença com sentido e referências
determinados;
b) Atos ilocucionários: realização de um ato ao dizer algo;
c) Atos perlocucionários: produção de certos efeitos sobre os sentimentos,
pensamentos ou ações dos ouvintes.
Adiante, as teorias aqui apresentadas serão aplicadas em uma breve análise e em
propostas de trabalho pedagógico que objetivam o desenvolvimento da interação social e da
construção discursiva, fazendo uso de HQ como material de apoio em aulas de PLNM.
3. Situações interacionais em aulas de PLNM

Nas aulas de PLNM, os professores buscam apoio em diversos materiais didáticos


disponíveis no mercado editorial. Geralmente, os livros são os preferidos, por terem um
conteúdo organizado e condensado que pode ser escolhido de acordo com a proposta
didática ou de acordo com os objetivos dos alunos. Colocar todo o conteúdo de uma língua
em um material didático não é uma tarefa fácil e muitas vezes o professor precisa criar
atividades que possam complementar o livro durante o curso, por essa razão é comum que
sejam realizadas buscas online de outros materiais de apoio, como vídeos, fotos e mesmo
HQ.
Por essa razão, crê-se que este trabalho está propondo uma sugestão útil para o
ensino de PLNM, visto que nem sempre há atividades interacionais sobre atos de fala como
pedidos de desculpas ou a realização de convites, por exemplo, nos livros. Para apoiar esta
afirmativa, foi realizada uma pequena busca em livros didáticos de PLNM, que apresentam
propostas metodológicas diferentes, a fim de elencar como esses dois temas de interação
aparecem, e se aparecem, nas unidades didáticas. Esta busca não tem como objetivo
depreciar nenhum material publicado, pois cada um tem a sua proposta e não é possível de
fato incluir todos os pontos linguísticos existentes no português em um livro; o objetivo é
apresentar um levantamento que apoie a justificativa de realização deste trabalho,
mostrando que ele realmente pode ser usado como sugestão para proposições didáticas
interacionais de construção discursiva.
A tabela 1 ilustra as informações encontradas em cinco livros didáticos, usados em
cursos ministrados no Brasil, ou seja, em contexto de imersão linguística e cultural:
Livro
Proposta metodológica Pedido de desculpas Realizar um convite
didático
“Dar condições ao aluno estrangeiro Aparece em uma das HQ
Aparece estruturalmente em
de dominar as estruturas motivacionais no início de
Livro 1 exemplos com o verbo IR em
fundamentais da Língua Portuguesa, uma unidade, mas não é
vários tempos.
nas modalidades escrita e oral.” desenvolvido.
Aparece como explicação
Atender alunos com proficiência
cultural sobre hábitos brasileiros
intermediária e avançada por meio de
Livro 2 ----------------- e aborda as expressões que não
textos e atividades culturais, sem
representam um convite real:
base gramatical.
“passa lá em casa”
Atender alunos iniciantes e Aparece em exemplos de
Aparece em exemplos de
intermediários por meio do expressões com vários níveis
expressões mais informais e em
Livro 3 desenvolvimento das quatro de formalidade e em
atividades situacionais de
habilidades linguísticas e buscando a atividades situacionais de
interação
comunicação interação.
Aparece em estruturas com o
verbo IR, com exemplos em
Aparece como parte de uma
Atender alunos do A1 ao B1 por diálogos e atividades
fala em um diálogo, mas não
Livro 4 meio de um método comunicativo- interacionais (Vol.1); expressões
é desenvolvido em nenhum
estrutural que não representam um convite
volume.
real (Vol.2) e é desenvolvido em
outras estruturas (Vol.3).
Foco central na comunicação, mas Aparece como parte de uma Aparece em atividades relativas
Livro 5 busca atender à Gramática fala em um diálogo, mas não a algum ponto gramatical e em
Normativa. é desenvolvido. atividades interacionais.
Tabela 1: Situações interacionais em livros didáticos de PLNM

Considerando-se os propósitos metodológicos voltados para diferentes objetivos, é


possível observar que o pedido de desculpas não é uma situação interacional tão
desenvolvida quanto à realização de convites nos materiais selecionados, apesar de ser um
tema de grande necessidade para os aprendizes, especialmente quando estão em situação de
imersão na língua e cultura pretendidas.
Vale esclarecer que o pedido de desculpas será o recorte escolhido para o
desenvolvimento do próximo tópico deste trabalho, em detrimento da realização de
convites, pois, apesar de ambos serem atos de fala com grande relevância para o ensino de
PLNM, este é abordado de forma muito mais abrangente nos materiais do que aquele, como
a busca nos livros didáticos pode comprovar.
Partindo para a próxima parte deste trabalho, os seguintes tópicos desenvolverão
melhor uma análise qualitativa e interpretativa de situações em que há um pedido de
desculpas e forma como a fala das personagens é construída, de acordo com as suas
intenções.

3.1 Ato de fala: pedir desculpas

Ao realizar um pedido de desculpas, essa ação linguística é construída com base em


algumas estratégias que podem ajudar a atingir com sucesso o objetivo de obter o perdão do
outro. Gomes (2010) apresenta um forte arcabouço teórico sobre estas estratégias, que serão
apresentadas de forma resumida neste trabalho em razão da natureza deste ser mais simples
do que a de uma dissertação. A autora desenvolve a teoria de Chen (2001), que explica a
ocorrência dos Atos de Ameaça à Própria Face (AAPF) quando um falante coloca em risco
sua face em uma interação e sente a necessidade de recuperá-la por meio de algumas
estratégias discursivas, ou seja, um pedido de desculpas seria classificado como um AAPF.
As estratégias de reparação elencadas por Gomes (2010) que podem ser usadas na
construção de pedidos de desculpas podem ser classificadas em:
a) Justificativa: explicação que visa à sensibilização e compreensão do ouvinte;
b) Contradição: o falante divide a sua culpa com outras pessoas ou com
circunstâncias externas;
c) Hedge: suavização do peso do AAPF, mostrando incerteza no pedido de
desculpas;
d) Confiança: o falante se coloca como capaz ou forte, marcando o fato de que a
falha surgiu do seu excesso de qualidades;
e) Repetição: mostra o quanto o ouvinte está arrependido e precisa do perdão;
f) Exageros: uso de hipérboles e superlativos, marcando a intensidade do pedido;
g) Apelo sentimental: uso de expressões de cunho emotivo, para sensibilizar o
ouvinte em relação ao caráter do falante;
h) Autodepreciação: o falante admite uma deficiência cultural ou de personalidade
para tentar de eximir da culpa pela falha cometida.
As estratégias e teorias apresentadas até aqui podem ser observadas nos exemplos
expostos a seguir, todos retirados de revistas de histórias em quadrinhos da Turma da
Mônica. Entende-se que elas são de grande valia para que o professor entenda a razão de
cada tipo de construção linguística realizada nas situações abaixo, ajudando-o a trabalhar
com os alunos em sala o entendimento de como fazer um pedido de desculpas de forma
adequada, levando em conta fatores interacionais, como: quem é o ouvinte, grau de
proximidade entre eles, situação em que se encontra (formal ou informal), nível da falha
cometida, entre outros. Isso irá ajudar o aprendiz a entender o porquê da existência de
estruturas diferentes para realizar um ato de fala, dando-lhe a habilidade de escolher o que
lhe parece mais adequado para cada situação interacional.
Ao trabalhar com HQ em sala de aula, é interessante que o professor apresente a
história completa e trabalhe com a compreensão leitora antes de desenvolver um aspecto
interacional específico, para que os alunos entendam qual é o contexto em que a fala de
cada personagem foi construída. Por questões de espaço físico, este trabalho apresentará o
contexto de cada exemplo junto com os quadrinhos em que aparecem especificamente as
situações interacionais que serão desenvolvidas, mas todas as histórias integrais podem ser
localizadas por meio das indicações bibliográficas localizadas ao final deste texto.
A primeira situação acontece no exemplo 1 (Fig.1), em que um mal-entendido entre
dois grandes amigos, Cascão e Cebolinha (personagem que tem dislalia, ou seja, troca o R
pelo L quando fala), causa uma pequena discussão e Cascão pede desculpas, construindo
seu discurso por meio do uso do verbo imperativo e fazendo uso de um ato de fala injuntivo
(NEVES, 2000), admitindo que errou e que entendeu mal quando Cebolinha disse que outro
menino é o seu maior amigo (referindo-se à altura e não ao grau de amizade). A expressão
facial e a cabeça baixa do Cascão são elementos que podem ser aproveitados na
compreensão da leitura, pois expressam a sua sinceridade ao pedir desculpas, além disso,
Cascão faz uso da autodepreciação (CHEN, 2001) como estratégia para tentar recuperar a
sua face diante do amigo, mostrando que ele entendeu mal a diferença entre os termos:
“maior amigo” e “melhor amigo”. Essa situação é bastante plausível entre os aprendizes e
seus colegas, especialmente porque o engano teve relação com a compreensão linguística da
fala do Cebolinha, gerando a falha na comunicação.

Fig.1 – Cascão pede desculpas a Cebolinha


Fonte: Cebolinha, nº47, p.67

Enquanto no primeiro exemplo aparece um pedido de desculpas linguisticamente


direto, o exemplo 2 (Fig.2) mostra uma construção discursiva que tem como o seu propósito
ilocucionário obter o perdão subentendido nas palavras da Magali, após sua confissão. Ao
usar o verbo de elocução confessar, ela assume a responsabilidade pelas suas ações e se
mostra arrependida ao permitir que seus amigos tomem a atitude que eles acharem mais
adequada, por meio do verbo poder (NEVES, 2000). Por ser uma personagem
extremamente comilona, ela não resiste e come o lanche de seus dois amigos, antes de
servi-los, quando está trabalhando no restaurante de sua tia Nena como garçonete, e para
esconder o fato ela inventa a existência de um inseto no salão e causa uma enorme
confusão. Ela se mostra totalmente arrependida e é possível ver sua condição de sinceridade
nos gestos não verbais: choro, expressão facial, gesto com as mãos. O pedido de desculpas
fica subentendido no contexto da situação, e isso é interessante de se apresentar em sala,
pois esse tipo de construção faz parte da cultura de alto contexto do Brasil e pode ser outra
forma de se estruturar um pedido de desculpas. Ao confessar sua falta, Magali tenta reparar
a sua face diante dos amigos e da sua tia assumindo a responsabilidade pelo erro e usando a
estratégia de contradição para se justificar, dizendo que a sua fome exagerada é mais forte
do que a própria vontade e que ela merece sofrer as consequências pelo que fez, assumindo
que não conseguiu reparar a sua face e dizendo que os amigos podem ficar bravos e falar
mal dela, repudiando seu próprio erro (GOFFMAN, 1967).

Fig.2 – Magali pede desculpas a seus amigos


Fonte: Magali nº107, p.14

Os exemplos 3 (Fig.3) e 4 (Fig.4) fazem parte da mesma historinha, mas apresentam


circunstâncias um pouco diferentes. O contexto se passa em uma tentativa de encontro entre
Rolo e sua namorada Claudinha, porém as coisas dão errado, pois o seu carro quebra no
meio da estrada e ela não acredita em suas explicações, achando que ele estava tentando
alguma coisa abusada no meio de uma estrada escura, e vai embora sozinha (exemplo 3).
Quando ele consegue chamar o reboque, vai atrás dela e prova que estava falando a
verdade, então ela sente que a sua face está em risco por ter feito uma falsa acusação e pede
desculpas, usando o verbo desculpar no presente do indicativo (NEVES, 2000). Ao usar
esse modo em detrimento ao imperativo, ela marca seu discurso com uma suavização do
pedido de desculpas, mostrando uma atitude humilde no ato ilocucionário de sua fala, além
disso, ela usa uma frase interrogativa e não afirmativa, mostrando sua intenção ao dar o
poder de o interlocutor aceitar ou não seu pedido. Ela usa uma interjeição para marcar a
intensidade de sua fala e admite ter duvidado do Rolo, expressando um repúdio à sua falha
(GOFFMAN, 1967), mas ele também tenta reparar a face dela por meio da autodepreciação,
explicando que deveria ter dito que o carro estava ruim desde o começo e assumindo a
culpa pelo encontro ruim. Essa construção discursiva do Rolo pode ser considerada comum
entre casais, pois um tenta reparar a face do outro por carinho.

Fig.3 – Claudinha pede desculpas a Rolo


Fonte: Almanaque Turma da Tina, nº4, p.34

Já no exemplo 4 (Fig.4), Rolo chega duas horas atrasado no novo encontro e tenta se
justificar (CHEN, 2001), usando a estratégia de contradição, dizendo que o carro quebrou
novamente. Sua expressão facial marca sua condição de sinceridade na explicação, mas
desta vez ele não consegue reparar a sua face e sua namorada acha que é apenas uma
desculpa esfarrapada. Essa situação é interessante para uma aula, pois os alunos poderiam
tentar criar, em uma atividade oral, outras estratégias discursivas para ajudar o Rolo a
convencê-la de que se atrasou por uma circunstância externa verdadeira e obter o seu
perdão.

Fig.4 - Rolo pede desculpas a Claudinha


Fonte: Almanaque Turma da Tina, nº4, p.35

4. Conclusão

O que pode ser observado a partir do exposto até o momento é que a prática didática das
situações interacionais é uma parte integrante de um projeto metodológico que visa à
comunicação dos aprendizes. Para que esse trabalho possa ser bem desenvolvido, o
professor pode fazer uso de diversos materiais didáticos e usar as HQ como recurso auxiliar
para as suas aulas, sabendo que este material não deve ser usado apenas com o público
infanto-juvenil. Apesar do grande preconceito que ronda o uso pedagógico de HQ, cursos
de línguas do mundo todo já fazem uso delas, não apenas como fontes linguísticas, mas
também como uma espécie de vitrine cultural, onde é possível perceber alguns aspectos da
cultura subjetiva, que são pouco evidentes para um estrangeiro que quer aprender a língua
e, consequentemente, a cultura do Brasil.
O estudo das teorias apresentadas serve como esclarecimento para que o professor
consiga entender a razão das diferentes formações estruturais e, assim, consiga levar para a
sala de aula explicações teoricamente bem embasadas, embora adaptadas para uma aula de
língua estrangeira. Pensar sobre o ensino das estruturas em conjunto com as teorias voltadas
para o interacionismo e para a cultura, é um elemento diferencial do ensino do português
como língua materna, onde os alunos já têm algum conhecimento inerte sobre os hábitos da
cultura subjetiva brasileira, aspecto que os alunos estrangeiros precisam de orientação, para
que possam desenvolver suas habilidades linguísticas e se integrar melhor à sociedade
brasileira por meio de uma comunicação bem realizada.

Referências bibliográficas

ALMEIDA FILHO, J.C.P.; LOMBELLO, L.C. (Org.) O ensino de português para estrangeiros:
pressupostos para o planejamento de cursos e elaboração de materiais. Campinas, SP: Pontes, 1989.
ALMEIDA FILHO, J.C.P. Dimensões comunicativas do ensino de línguas. Campinas, SP: Pontes,
1993.
ALMEIDA FILHO, J.C.P.. Fundamentos de Abordagem e formação no ensino de PLE e outras
línguas. Campinas, SP: Pontes, 2011.
BENNETT, M. Basic concepts of intercultural communication – selected readings. Yarmouth,
EUA: Intercultural Press, 1998.
DUFF, P.; SURTEES, V. Social interaction and second language learning. University of British
Columbia, CA. 2016.
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