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Introdução
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MARIA FERNANDA PALMA: Direito Penal, Parte Geral, AAFDL; Lisboa, 1994.
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a. Direito Penal Internacional e Direito Internacional Penal
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Cfr., na doutrina comparada, M. CHERIF BASSIOUNI: Introduction au Droit Pénal International, Bruylant,
Bruxelles, 2002, pp. 18-19, que parte de uma diferente conceitualização relativamente ao Direito Penal
Internacional. Para este autor o Direito Penal Internacional abrange tanto «as questões penais e
processuais relativas ao direito internacional», como «as questões de direito e de processo
internacionais relativas ao direito penal interno».
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Para a identificação de um crime de Direito Internacional Penal convencional, BASSIOUNI elenca um
conjunto de critérios definidores, dos quais relevam para o caso em análise: (a) o reconhecimento explicito
de que a conduta proibida constitui um crime de direito internacional, um crime em virtude do direito
internacional ou um crime internacional; (b) o reconhecimento implícito do carácter penal da norma pela
imposição de um dever de adopção de regras mínimas quanto aos elementos constitutivos da infracção
penal – M. CHERIF BASSIOUNI: Introduction au Droit Pénal International, pp. 61-62. Quanto às Convenções
aplicáveis, v. pp. 143 ss.
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De perseguir criminalmente os infractores, de os julgar e, eventualmente, punir, caso venham a ser
considerados culpados, de os extraditar quando são procurados ou acusados noutros países, ou de
fornecer a necessária cooperação judiciária aos Estados requerentes – M. CHERIF BASSIOUNI: Introduction
au Droit Pénal International, pp. 59 e 169 ss.
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de aplicação indirecta”5. É essa, portanto, a característica que legitima a intervenção
penal em situações em que não há qualquer elemento de conexão, seja com o crime,
seja com o agente do crime6.
b. Delimitação do estudo
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A generalidade das convenções nesta matéria, assentam num sistema de «aplicação indirecta»,
fundado no pressuposto de que cada Estado-parte nessa convenção de Direito Internacional Penal
aplicará essas disposições através do seu Direito Penal interno e cooperará na perseguição dos
criminosos. Sobre este ponto, v. M. CHERIF BASSIOUNI: Introduction au Droit Pénal International, passim,
v.g., p. 59.
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MARIA FERNANDA PALMA: «Tribunal Penal Internacional e Constituição Penal», p. 10.
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E ao art.º 4/3 da Lei n.º 14/2013, de 12 de Agosto, relativamente ao crime conexo, em matéria de
branqueamento de capitais. Para o Direito ainda vigente veja-se o art.º 56 do CP/2014 – que são, no
essencial, as mesmas que constavam do art.º 53 do CP de 1886
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depois, como princípios subsidiários ou complementares, relativamente a crimes
cometidos no estrangeiro, os princípios da defesa dos interesses nacionais, da
universalidade, e da nacionalidade (art.º 5 do CP).
A generalidade dos sistemas legislativos penais dos nossos dias assume como
princípio basilar da aplicação da sua lei penal no espaço, o princípio da territorialidade.
É esta, como disse já, a posição do Direito Penal em vigor em Moçambique.
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JFD: I, 196-197.
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internacional, ou acordo no domínio da cooperação judiciária em contrário (alínea a)
do art.º 4 do CP).
Para uma melhor delimitação do sentido e do alcance desta norma, impõe-se
desde logo clarificar, (1) o que se entende por território moçambicano; e (2) o que se
considera praticar um facto em território moçambicano.
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Ou seja, as águas fluviais e lacustres nele integradas, e parte das que se interpõem entre ele e o
território contíguo (águas continentais ou epi-continentais); uma fracção das águas marítimas (águas
interiores e mar territorial), até aos 12 milhas da linha de costa (art.º 2.º/1 da Convenção de Montego
Bay, e art.º 4 da Lei n.º 4/96).
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Os Estados têm «a soberania completa e exclusiva do espaço atmosférico sobre o seu território» (art.º
1.º da Convenção de Paris de 1919 e Convenção de Chicago de 1944), i.e., até aos 48 Km de altitude,
limite da estratosfera.
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que só favorecerá necessidades, eventualmente imperiosas, de intervenção imediata
de autoridades policiais ou mesmo judiciárias. Quando tal suceda pode ocorrer um
“conflito positivo de competências”.
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Praticar um facto em território moçambicano é, agora, segundo o art.º 6 do CP,
ter actuado “total ou parcialmente, e sob qualquer forma de comparticipação”, ou,
“no caso de omissão, [dever] ter actuado”, ou ter sido produzido “o resultado típico”
em território moçambicano. Era já a solução que resultava do art.º 46 do Código de
Processo Penal ainda vigente, que nos aparece agora consagrada no novo Código
Penal.
O legislador penal moçambicano recorre à teoria da ubiquidade, segundo a
qual basta que um dos dois elementos essenciais do tipo objectivo (acção ou
resultado) se tenha verificado em território moçambicano para que a lei penal
moçambicana se possa aplicar, como emanação da soberania do Estado moçambicano
através do seu poder punitivo, alcançando-se um vasto âmbito de aplicação da lei
penal moçambicana.
Compreende-se que o critério estabelecido pela lei penal para a determinação
do lugar da prática do facto, baseado no objecto do máximo alcance da soberania
punitiva do Estado, seja diverso do que se estabelece para o momento da prática do
facto (cfr. art.º 2 do CP), orientado pelo princípio da legalidade. Diferentemente do
que vimos suceder com a determinação do tempus delicti, em que o legislador optou
pelo critério da conduta em desfavor do do resultado (art.º 2 do CP), aqui ele cumulou
os dois critérios no sentido daquilo que doutrinalmente corre como solução mista ou
plurilateral. Esta decisão é teleológica e funcionalmente fundada, como já vimos. Dada
a circunstância de diversos países poderem assumir nesta matéria critérios diferentes
(uns, o critério da conduta; outros, o do resultado), daí derivarem insuportáveis
lacunas de punibilidade que uma política criminal minimamente concertada não
poderia admitir. Para tanto bastando que o país onde a conduta teve lugar seguisse o
critério do resultado típico, enquanto o outro país onde o resultado se verificou
aceitasse o critério da conduta.
Mas a lei moçambicana não poderá ser aplicada apesar de se ter produzido um
resultado típico em território moçambicano, quando, por força do critério de aplicação
no tempo, o facto não seja punível por não estar previsto em lei anterior à realização
da acção em território estrangeiro.
Os critérios dos art.ºs 3 e 2 do CP, derivados directamente do art.º 60/1 da
CRM, aplicam-se, assim, independentemente do princípio da ubiquidade que apenas
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pretende estabelecer a validade espacial da lei penal moçambicana. Exemplo da
situação referida é, pois, o de uma sucessão de leis no tempo em que o resultado seja
produzido em território moçambicano num momento em que passou a vigorar uma lei
que vem punir o facto, quando no momento em que o facto foi praticado, no
estrangeiro, não era punido em Moçambique.
Nesse caso, o art.º 6 do CP determina, ainda assim, a aplicabilidade ao facto da
lei penal moçambicana, embora nos termos do art.º 3/1 do CP e do art.º 60/1 da CRM,
o facto não possa ser punido. A aplicabilidade da lei penal moçambicana nos termos
dos art.ºs 4 e 6 do CP não dispensa a observância de todos os princípios a que a
mesma se subordina (aplicação no tempo, proibição da analogia, etc.).
Deve entender-se, igualmente, que o art.º 6 se basta com a tentativa (art.ºs 17
e 18 do CP), para determinar a aplicação da lei penal moçambicana? Há aqui que
distinguir dois tipos hipóteses distintos.
Vejamos um exemplo: A…, cidadão estrangeiro, envia de um país estrangeiro,
uma carta armadilhada destinada a explodir em Moçambique, e a matar um cidadão
aqui residente, que é todavia desactivada, ainda pelas autoridades do Estado
estrangeiro. Para todos os efeitos, à luz da lei moçambicana – na falta de previsão
expressa – o facto nem sequer chegou, efectivamente, a praticar-se.
Imagine-se agora, uma variante desta hipótese: A…, cidadão estrangeiro, envia
de um país estrangeiro, uma carta armadilhada destinada a explodir em Moçambique,
e a matar um cidadão aqui residente, que é todavia aqui desactivada, pelas
autoridades moçambicanas. A partir do momento em que a carta entre em território
nacional, pode dizer-se que há uma parcela do iter criminis (fases do crime) que
decorre em território nacional, o que funda, desde logo, a competência da lei
moçambicana no critério geral da territorialidade (alínea a) do art.º 4 do CP).
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Desde logo o do chamado crime continuado (art.º 44/1 do CP)12, em que uma
pluralidade real de factos, que podem ser cometidos em países diferentes, é juridica-
mente considerada uma unidade normativa. Deve considerar-se bastante que um dos
factos se encontra abrangido pelo princípio da territorialidade.
Igualmente abrangidos se encontram os casos de comparticipação (art.ºs 23 e
ss do CP) – que tenha lugar em Moçambique sob qualquer forma de participação e
portanto também sob a da mera cumplicidade – num facto praticado no estrangeiro;
bem como a hipótese inversa de o facto se verificar em Moçambique, mas a
comparticipação ter lugar no estrangeiro. A qualquer destas hipóteses é aplicável a lei
penal moçambicana em nome do princípio da territorialidade. Como igualmente
coberto se encontra o caso da omissão, relativamente à qual vale como lugar do delito
aquele em que deveria ter tido lugar a acção esperada ou em que teve lugar o
resultado típico.
Mais discutivel pode ser a situação dos chamados crimes itinerantes ou de
trânsito; factos que, pelo seu modo específico de éxecução, se põem em contacto com
diversas ordens jurídicas nacionais (v.g., um pacote contendo droga, enviado por navio
na Colômbia, descarregado em Moçambique, de onde parte de avião para o seu
destino, a Àfrica do Sul. Parece-me que a solução político-criminalmente mais
adequada é a de considerar que em qualquer uma das ordens jurídicas conectadas se
torna aplicável o princípio da territorialidade.
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“Constitui crime continuado as várias condutas do mesmo agente que violem a mesma norma ou
normas diferentes que tutelem o mesmo bem jurídico ou bens jurídicos de idêntica natureza que, pelas
condições de tempo, lugar e maneira de execução, as subsequentes se possam considerar como mera
continuação das anteriores” (art.º 44/1 do CP).
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Trata-se da protecção que deverá ser concedida a bens jurídicos
moçambicanos, independentemente da nacionalidade do agente; do local da prática
do facto; e do que a seu respeito disponha a lei do lugar (excepto nos casos de
extradição). Compreende-se esta extensão já que, na generalidade, as leis dos
restantes países se ocupam preponderantemente da tutela dos bens jurídicos
próprios.
Neste quadro, a lei penal moçambicana é também aplicável aos crimes
cometidos em país estrangeiro, contra a segurança interior ou exterior do Estado,
violação do segredo de Estado, falsificação de moeda, notas de banco e títulos do
Estado, passagem de moeda falsa, branqueamento de capitais, corrupção e crimes
conexos, independentemente da nacionalidade do autor (art.º 5/1 e 2 do CP).
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mundial, o que Jescheck fundamenta na "solidariedade do mundo cultural frente ao
crime”, e na "luta contra a criminalidade internacional perigosa”13.
O elenco dos crimes aqui considerados pelo legislador, que se reconduzem a
este princípio da universalidade são alguns crimes, especialmente susceptíveis de não
vinculação espacial: contra a vida, contra a liberdade e a autodeterminação sexual
(escravidão, tráfico de pessoas, rapto, prostituição, abuso sexual e pornografia de
menores), tráfico de produtos de espécies de fauna e flora proibidos, danos contra o
meio ambiente e poluição.
Curiosamente, o legislador deixa de fora todo o elenco dos crimes contra a
humanidade previsto no Código Penal (art.º 190 e ss do CP). De iure condendo, salvo
melhor opinião, haveria que alargar esta previsão de competência pelo menos a uma
selecção de crimes contra a humanidade, resultante de convenções entre os Estados
na comunidade internacional, conferindo assim um maior grau de implicação da
ofensa à comunidade internacional como um todo, por certos crimes (v.g., genocídio,
ou crimes de guerra contra civis), e da maior facilidade de subtracção dos agentes ao
poder punitivo de várias ordens jurídicas internacionais em determinadas infracções.
Em todo o caso, questão que inevitavelmente se coloca é saber até onde a validade
espacial das leis internas pode e deve ir sem que o princípio da cooperação entre as
ordens jurídicas inerente se adultere, potenciando a conflitualidade entre os Estados.
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Em qualquer dos casos, dos n.ºs 1 e 2 do art.º 5 do CP, que abrange a tutela dos
princípios da defesa dos interesses nacionais e da universalidade da aplicação da lei
penal moçambicana, submete-se a aplicação da lei penal moçambicana a uma de duas
condições: que o infractor não tenha sido julgado no país onde delinquiu (non bis in
idem); ou se houver subtraído ao cumprimento total ou parcial da condenação
proferida nesse país (art.º 5/1 in fine CP).
Diferem, depois, as condições de aplicação. Enquanto os nacionais, podem ser
julgados à revelia (v. art.º 5/1 do CP); já os estrangeiros têm que ser encontrados em
Moçambique (voluntariamente ou extraditados, quando seja possível obter a sua
entrega, v. art.º 5/2 do CP). É, neste caso, uma mera condição de punibilidade.
13
HANS-HEINRICH JESCHECK/THOMAS WEIGEND: Tratado de Derecho Penal. Parte General, Editorial Comares,
Granada, 2002, p. 182.
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2.3. O princípio da nacionalidade
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moçambicana pressupõe um mínimo de respeito pelas expectativas dos agentes
envolvidos e pelo sentido de desvalor (de ilícito) das suas condutas no estrangeiro,
bem como pela igualdade entre aqueles agentes e os estrangeiros que a lei penal
moçambicana não possa abranger. Assim, os agentes terão de ser puníveis pela
legislação do lugar em que os factos foram praticados. Por outro lado, os agentes terão
de ser encontrados em território moçambicano, não podendo, por isso, ser
extraditados. Deve estar-se perante uma situação em que só o Estado moçambicano
possa punir aqueles agentes, por razões materiais e jurídico-constitucionais. O Estado
moçambicano não só terá possibilidades materiais de os punir (presença em território
moçambicano) como também, por força dos seus princípios constitucionais (art.º 67/4
da CRM), estará colocado numa posição em que só ele pode punir.
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3. Restrições à aplicação da lei penal moçambicana
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cumprimento parcial da pena, no país estrangeiro, tal facto não deverá impedir o
julgamento, em Moçambique, pela prática dos mesmos crimes com vista ao
cumprimento da pena (total ou parcialmente) em Moçambique, por força do princípio
non bis in idem.
Pressuposto da resposta a tal questão é o próprio âmbito constitucional do
princípio non bis in idem. Gomes Canotilho e Vital Moreira referem, todavia, apenas o
âmbito literal da proibição constitucional, distinguindo o duplo julgamento da dupla
penalização e concluindo que, embora só primeiro seja vedado expressamente pela
Constituição, o segundo é abrangido pelas finalidades da proibição constitucional14.
Ora, essas penalidades não podem ser totalmente esclarecidas pelo sentido histórico
do princípio (dimensão da defesa contra o Estado e de obrigação do Estado à definição
no caso julgado material), mas terão de ser compreendidas na conexão desta proibição
constitucional com a ideia de Estado de Direito (princípio de limitação do poder do
Estado pelo seu Direito – objectividade e confiança) e com o princípio da necessidade
da intervenção penal.
Abrangerá o art.º 59/3 da CRM o julgamento anterior no estrangeiro pelo
mesmo crime ou apenas o julgamento por tribunais moçambicanos? A resposta a tal
questão, no puro plano da constitucionalidade, impõe o reconhecimento de que o
princípio non bis in idem é a expressão penal da garantia de que a perseguição criminal
mediante o processo penal não é instrumento de arbitrariedade do poder punitivo,
utilizável renovadamente e sem limites, mas é antes um modo controlável e garantido
de aplicação do Direito Penal. Assim, tanto a repetição do julgamento pelo mesmo
crime, de que se foi absolvido ou condenado a certa pena, como a repetição da
punição de agente já condenado e punido constituem claras negações do valor geral
do processo penal e do direito do arguido a que o Estado se vincule ao desfecho do
processo penal que desencadeou.
À necessidade de densificação semântica do preceito constitucional de referem
Gomes Canotilho e Vital Moreira concebendo-a a partir dos conceitos jurídico-
processuais e jurídico-materiais desenvolvidos pela doutrina do direito e do processo
penais. Todavia, o conceito de “mesmo crime” tem de se referir a uma unidade factual
14
J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA: Constituição da Republica Portuguesa. Anotada, Volume I, 4.ª
Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2007.
16
pré-normativa. Não é a artificial diversificação de factos pela lei e a analítica
configuração de bens jurídicos que há-de, legitimamente, definir “mesmo crime”. O
problema da semântica constitucional resolve o conteúdo jurídico material da unidade
de facto e do concurso de crimes e não o inverso. Esta lógica fundamentadora não
restringe a aplicação do princípio aos julgamentos realizados por tribunais
moçambicanos. Por outro lado, o poder punitivo do Estado moçambicano terá que se
justificar pela estrita necessidade de intervir (julgar e punir), nos termos do art.º 56/2
da CRM. De um modo geral, a necessidade de intervenção do poder punitivo, quando
uma pessoa foi julgada e absolvida no estrangeiro ou já aí cumpriu a pena, não existe.
Apenas quando a intervenção penal se justifica pela protecção de interesses
nacionais é legítima a renovada intervenção punitiva do Estado Moçambicano. O
princípio non bis in idem surge, deste modo, como uma emanação de duas ideias
fundamentais: a vinculação do poder punitivo do Estado de Direito pelo desfecho do
processo penal e o próprio princípio da necessidade da intervenção penal. Este
horizonte valorativo do princípio non bis in idem assegura-lhe universalidade mas
pressupõe, igualmente, uma harmonização dos direitos que não existe na comunidade
internacional. Ora, o sentido da expressão “julgado […] pela prática do mesmo crime”,
no art.º 59/3 da CRM, é conferido essencialmente pelos conceitos de processo penal e
de julgamento na ordem jurídica moçambicana, de modo que um julgamento sem
quaisquer garantias de independência e imparcialidade do tribunal não pode em rigor
impor a aplicação do princípio non bis in idem.
A questão de que se partiu sobre se a condenação e cumprimento parcial da
sentença estrangeira não obstam a novo julgamento pelos factos em Moçambique
tem, assim, duas respostas possíveis. Uma resposta moderada, segundo a qual os
efeitos (negativos) das sentenças estrangeiras previstos no art.º 5/6 do CP são a
máxima expressão possível e exigível pela Constituição. Tal resposta limita o seu
âmbito internacional a julgamentos absolutórios ou em que houve cumprimento da
condenação. Uma outra resposta, mais radical, considerado o art.º 5/6 do CP,
incompatível com o art.º 59/3 da CRM, na medida em que em caso de subtracção ao
cumprimento da pena se viesse renovar, em Moçambique, o julgamento pelo mesmo
crime. A inconstitucionalidade dessa parte do art.º 5/6 do CP que prevê um segundo
julgamento, seria sempre evitada, todavia, pela interpretação do preceito no sentido
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de que o novo julgamento (pelo qual nunca seria aplicável lei penal menos favorável à
que fundamentou a condenação) se limitaria a rever e confirmar a sentença
estrangeira à luz da lei penal mais favorável, nos termos preconizados pelo Código de
Processo Penal.
Porém, a protecção mais absoluta do non bis in idem em situações em que não
haveria qualquer acordo internacional sobre a eficácia das sentenças estrangeiras não
é exigível pela Constituição, desde que o novo julgamento preconizado esteja contido
nos seus resultados pelo chamado princípio do desconto, isto é, desde que a pena já
cumprida seja efectivamente descontada na nova condenação (art.º 129 do CP). Deste
modo, o princípio non bis in idem atinge em absoluto um efeito impeditivo de dupla
punição, mas não um efeito impeditivo de repetição do julgamento realizado em país
estrangeiro.
O art.º 5/6 e 7 do CP, estabelece ainda um sistema de conversão da pena
aplicável naquela pena que lhe corresponder no sistema moçambicano ou que a lei
moçambicana previr para o facto. Tal sistema refere-se não só à aplicação do Direito
Penal estrangeiro em sentença proferida por tribunais moçambicanos como também à
revisão e à confirmação de sentença penal estrangeira pelos tribunais moçambicanos.
A conversão é não só decorrência de um princípio de praticabilidade como
também emanação dos princípios da necessidade da pena e non bis in idem. Do
primeiro princípio decorre que só a pena correspondente é necessária. Através do
segundo princípio perpassa a ideia de que a pena aplicável nunca poderá, pela
conversão, vir a impor uma espécie de segunda punição (ou qualquer punição mais
gravosa) do agente que se subtrai total ou parcialmente à execução da pena. É à luz
destes princípios que a conversão em concreto se deverá realizar.
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em território nacional não tiver sido julgado no país da prática do facto (alíneas a e c)
do n.º 3 do art.º 5 do CP), ou se houver subtraído ao cumprimento total ou parcial da
condenação (art.º 5/6 do CP). Consiste tal restrição na exigência de naqueles casos ser
aplicada a lei do país em que o facto tiver sido praticado sempre que aquela for
concretamente mais favorável ao agente (art.º 5/7 do CP).
A razão de ser de tal restrição à aplicação da lei moçambicana é a conjugação
da subsidiariedade do exercício do poder punitivo do Estado moçambicano nesses
casos com os princípios da culpa, da igualdade, da necessidade da pena e da segurança
jurídica (art.ºs 3, 35, 56/2 e 60/1 da CRM). Na verdade, nessas situações o Estado
moçambicano pune porque outro Estado não pôde punir, mas não deixa de conceber a
punição de acordo com os seus princípios constitucionais. A punição, em termos mais
graves, pelo Direito moçambicano não garantiria uma adequação da consciência da
ilicitude do agente ao desvalor da acção e à gravidade do ilícito para ele previsível.
Salvo melhor entendimento, é pelo menos discutível se a ratio do princípio da
aplicação da lei estrangeira mais favorável não abrange a prática de crimes
considerados contra os interesses nacionais, cometidos em país estrangeiro (contra a
segurança interior ou exterior do Estado, violação do segredo de Estado, falsificação de
moeda, notas de banco e títulos do Estado, passagem de moeda falsa, branqueamento
de capitais, corrupção e crimes conexos (cfr. art.º 5/1 e 2 do CP).
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em Moçambique, caso seja pedida a sua extradição, poderá ser extraditado para ser
julgado no lugar da prática do crime. Mas pode suceder, que a sua extradição não
possa ser concedida, seja pela inexistência de um acordo de extradição entre esse
stado e o Estado moçambicano, seja pela proibição de extraditar em função da
gravidade das consequências jurídica impostas pelo país requerente (cfr. art.º 67/3 da
CRM). Moçambique não tem competência para julgar; nem pode extraditar!
O mesmo sucede com a falta de consagração na nossa lei de um princípio
(complementar) da administração supletiva da justiça penal. Com efeito, pode suceder
– e não custa acreditar que suceda com frequência – que um cidadão estrangeiro,
tendo praticado um crime, normalmente grave, no estrangeiro, venha buscar refúgio
em Moçambique, onde, por um lado, não pode ser julgado, dada a ausência de uma
conexão relevante com a lei moçambicana, e de onde, por outro lado, não possa ser
extraditado, igualmente, pela inexistência de um acordo de extradição entre esse
Estado e o Estado moçambicano, seja pela proibição de extraditar em função da
gravidade das consequências jurídica impostas pelo país requerente (cfr. art.º 67/3 da
CRM). Também aqui, Moçambique não tem competência para julgar; nem pode
extraditar! Esta lacuna, conjugada com o aumento exponencial da mobilidade das
pessoas nos últimos anos, faz Moçambique correr o risco de se transformar numa
espécie de abrigo para criminosos estrangeiros.
15
Afastando-se da actual previsão nesta matéria: “Não são computadas para efeitos de reincidência as
condenações proferidas por tribunais estrangeiros” (art.º 38/5 do CP/14).
20
agente tenha sofrido, pelo mesmo ou pelos mesmos factos, fora de Moçambique (art.º
129 do CP).
Esta ideia ainda deixou alguns resquícios no novo Código Penal, que mantém a
mesma solução dos Códigos anteriores16: “Se o agente, havendo sido condenado no
lugar do crime, se tiver subtraído ao cumprimento de toda a pena ou de parte dela,
forma-se novo processo perante os tribunais moçambicanos que, se julgarem provado
o crime, aplicam a pena correspondente prevista na legislação moçambicana,
descontando-se o tempo de pena efectivamente cumprido” (art.º 5/6 do CP). Ou seja,
apenas releva, neste caso, a pena já sofrida, o que levanta algumas dúvidas de
constitucionalidade, como já se viu acima, face ao princípio do non bis in idem (art.º
59/3 da CRM).
16
Cfr. art.º 56/8 do CP/14.
21
II. A extradição
17
TPB: I, 503-505.
22
Por outro lado, agora no âmbito regional, os países da SADC, concluíram entre
si acordos de prevenção e combate à criminalidade no quadro dos esforços tendentes
à criação de uma atmosfera própria para o desenvolvimento da zona, nomeadamente:
o Protocolo sobre o Combate ao Tráfico Ilícito de Drogas na Região da SADC, ratificado
por Moçambique pela Resolução n° 23/98 de 2 de Junho, pelo Conselho de Ministros;
o Acordo de Cooperação e Assistência Mútua no Campo de Combate ao Crime da
SADC, ratificado por Moçambique pela Resolução n° 31/99 de 1 de Novembro, pelo
Conselho de Ministros; o Protocolo sobre Controlo de Armas de Fogo, Munições e
Outro Material Conexo, assinado em Agosto de 2001 no Malawi.
Á parte disso, Moçambique tem celebrado acordos bilaterais, nomeadamente:
o Acordo de Cooperação Judiciária em Matéria Civil, de Família, Penal e do Direito de
Trabalho com a República Democrática Alemã, concluído em Berlim no dia 28 de
Agosto de 1981 e ratificado por Moçambique pela Resolução n° 9/82 de 7 de Julho, da
Assembleia da República; o Acordo de Extradição com a República do Zimbabwe,
celebrado em Harare a 27 de Setembro de 1981 e ratificado por Moçambique pela
Resolução n° 1/84 de 7 de Março, da Assembleia da República; o Acordo de
Cooperação Judiciária em Matéria de Direito Civil, de Família e Penal com a República
de Cuba, assinado na Cidade de Maputo, no dia 26 de Abril de 1988 e ratificado por
Moçambique pela Resolução n° 3/89 de 23 de Março da Assembleia da República; o
Acordo de Cooperação Judiciária com as Repúblicas de Angola, Cabo Verde, Guiné-
Bissau e São Tomé e Príncipe, assinado em Bissau aos 10 de Dezembro de 1987 e
ratificado por Moçambique pela Resolução nº 4/89 de 23 de Março, da Assembleia da
República; o Acordo de Cooperação Jurídica e Judiciária com a República Portuguesa
assinado em Lisboa no dia 12 de Abril de 1990 e ratificado por Moçambique pela
Resolução n° 10/91 de 20 de Março, da Assembleia da República. (…)
1. O regime da extradição
23
ou extraditados para outro Estado (art.º 67/4 da Constituição). Tal não acontece com
os estrangeiros.
A extradição é – como já ficou dito – a transferência de um indivíduo que se
encontra sobre a soberania de um Estado para outro Estado, por solicitação deste, por
aí se encontrar arguido, acusado, ou condenado pela prática de um crime, sendo
entregue às autoridades desse Estado. Diferentemente, a expulsão é uma ordem de
saída que um Estado toma em relação a estrangeiros que se encontram no seu
território, por nele terem entrado irregularmente ou por outros motivos. Não
depende, portanto, de nenhuma solicitação de outro Estado, nem se traduz na entrega
às autoridades de um terceiro Estado, implicando o simples abandono do território
nacional, para país à escolha do expulso. A extradição ocorre por motivos de ordem
externa (de natureza penal); a expulsão, por razões de ordem interna (não
necessariamente de natureza penal).
Cuidarei, neste ponto, apenas do regime da extradição, começando pelo seu
regime constitucional, previsto no art.º 67 da Constituição, que estabelece um
conjunto de requisitos particularmente exigentes: (1) só pode ser decidida por um
tribunal; (2) estando vedada quando tenha motivos políticos (art.º 67/2 da CRM); (3)
quando o crime de que o extraditando seja acusado seja passível de aplicação de
prisão perpétua ou de pena de morte (art.º 67/3 da CRM, 1.ª parte); ou quando haja
fundadas suspeitas de que o arguido possa vir a ser alvo de tortura, ou tratamentos
desumanos, degradantes ou cruéis (art.º 67/3 da CRM, 2.ª parte).
Depois, a densificação desta matéria consta hoje da Lei n.º 17/2011, de 10 de
Agosto – Lei da Extradição (LE), que rege os casos e termos da efectivação da
extradição. Estabelece as normas que regulam a transmissão de mandatos de captura
internacionais para pessoas procuradas pela prática de crimes cometidos.
2. Natureza da extradição
24
1) A fase administrativa é destinada à apreciação do pedido de extradição, pelo
Governo, para o efeito de decidir se ele pode ter seguimento ou se deve ser
liminarmente indeferido por razões de ordem política ou de oportunidade ou
conveniência (art.º 22/2 da LE).
2) A fase judicial é da exclusiva competência dos tribunais judiciais e destina-se
a decidir, com audiência do interessado, sobre a concessão da extradição, não sendo
admitida prova alguma sobre factos imputados ao extraditando (art.º 22/3 da LE, cfr.
art.º 67/1 da CRM).
A extradição só pode ser decidida por um tribunal. Significa que, só pode ser
concedida na sequência de uma decisão judicial (art.º 67/1 da CRM), e não antes, ou
durante esta fase.
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4. Casos em que não é permitida a extradição
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Não poderá, em quarto lugar, ser autorizada a extradição, quando ao crime, ou
crimes que fundamentam o pedido, corresponda na lei do Estado requerente a pena
de morte ou prisão perpétua (art.º 67/3 da CRM e art.º 4/1, d) da LE).
A proibição da extradição em caso de haver possibilidade de aplicação da pena
de morte está ligada a protecção absoluta reconhecida pela Constituição ao direito a
vida (art.º 40 da CRM).
A fórmula “por crimes a que corresponda na lei do Estado requisitante pena de
morte ou prisão perpétua” (art.º 67/3 da CRM) sugere o acolhimento do critério de
punibilidade em abstracto, ou seja, a proibição de extradição funciona sempre que a
pena de morte seja abstractamente aplicável, segundo a lei do Estado requisitante.
É de rejeitar que este critério da punibilidade em abstracto, aqui consagrado,
possa ser relativizado por exemplo, pelo facto de o pedido de extradição ser
acompanhado de comutação da pena de morte ou de prisão perpétua, por um acto
irrevogável e vinculativo do Estado que formula o pedido, para os tribunais ou outras
entidades competentes para a execução da pena. Não basta, por isso, que o Estado
requisitante ofereça garantias de que tal tipo de pena não virá a ser aplicada, em
concreto, para que a extradição possa ser concedida.
Não poderá também, em quinto lugar, ser autorizada a extradição, quando haja
fundadas suspeitas de que o arguido possa vir a ser alvo de tortura, ou tratamentos
desumanos, degradantes ou cruéis (art.º 67/3 da CRM, 2.ª parte, e art.º 4/1, f) da LE).
Nem o constituinte nem o legislador ordinário distinguem a tortura do
tratamento cruel (degradante, ou desumano), em sintonia com a Convenção contra a
Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes (v. art.ºs
1.º e 16.º). Aí torturar ou tratar de forma cruel consiste em provocar,
intencionalmente, “uma dor ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais”, com uma
determinada finalidade.
Densificando um pouco mais, e recorrendo agora ao Código Penal, de acordo
com o n.º 3 do art.º 194, “Considera-se tortura, tratamento cruel, degradante ou
desumano, o acto que consista em espancamentos, electrochoques, simulacros de
execução ou substâncias alucinatórias ou em infligir sofrimento físico ou psicológico
agudo, cansaço físico ou psicológico grave ou no emprego de produtos químicos,
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drogas ou outros meios, naturais ou artificiais, com intenção de perturbar a
capacidade de determinação ou a livre manifestação de vontade da vítima”.
---
Naturalmente, a lei não esta impedida de estabelecer mais limites materiais à
extradição, além dos constitucionalmente estabelecidos. Nesse sentido, o legislador
acrescenta aos limites constitucionais que acabamos de ver, duas outras situações em
que não é permitida a extradição de território moçambicano: (6) quando haja fundado
receio para crer que o pedido de extradição foi apresentado com o fim de perseguir ou
punir uma pessoa em razão da sua raça, religião, nacionalidade, origem étnica, sexo ou
estatuto, ou que a situação dessa pessoa pode ser prejudicada por alguma dessas
razões (art.º 4/1, e) da LE); e (7) quando se trate de um crime militar (art.º 4/1, g), cfr.
art.º 67/2 da CRM).
Artigo 5.º
Condições para concessão da extradição
1. São condições para concessão da extradição:
a) ter sido o crime cometido no território do Estado requerente ou serem aplicáveis ao
extraditando as leis penais desse Estado;
b) existir sentença final condenatória de privação da liberdade, ou estar a prisão do
extraditando autorizada pelo Juiz ou autoridade competente do Estado requerente.
2. No caso de crimes cometidos em território de outro Estado, que não o de
requerente, pode ser concedida a extradição quando a lei moçambicana atribuir competência
à sua jurisdição em igualdade de circunstâncias ou quando o Estado requerente comprovar
que aquele Estado não reclama o agente da infracção.
Artigo 6.º
Regras especiais de extradição
1. O Estado requerente não pode deter, julgar, nem sujeitar a qualquer outra restrição
de liberdade a pessoa extraditada no seu território, e nem por qualquer facto distinto do que
motivou a extradição e lhe seja anterior ou contemporâneo.
2. Cessa a proibição constante do número anterior, quando os elementos constitutivos
da infracção forem alterados no Estado requerente contra a pessoa a ser extraditada.
Artigo 7.º
Reexpedição
1. O Estado requerente não pode reextraditar para terceiro Estado a pessoa que o
Estado requerido lhe entregue no seguimento do pedido de extradição.
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2. Cessa a proibição constante do número anterior quando:
a) nos termos estabelecidos para o pedido de extradição, for solicitada e prestada a
correspondente autorização, ouvido previamente o extraditado;
b) o extraditado, tendo a possibilidade de abandonar o território do Estado
requerente, não o faz dentro de 45 dias ou, tendo abandonado, aí voluntariamente regressar.
Artigo 8.º
Concurso de pedidos
1. Havendo concurso de pedidos de extradição sobre a mesma pessoa e pelos mesmos
factos, tem preferência o pedido do Estado em cujo território a infracção foi cometida
(territorialidade).
2. Tratando-se de pedidos que respeitem a factos diferentes, têm preferência:
a) no caso de infracção de gravidade diferente, o pedido relativo a infracção mais
grave segundo a lei moçambicana;
b) no caso da infracção de gravidade idêntica, o que em primeiro lugar houver
solicitado a entrega do extraditando;
c) tratando-se de pedidos simultâneos (de gravidade idêntica), o do Estado de origem
do extraditando ou, na sua falta, o do Estado domiciliar;
d) nos demais casos, o do Estado que, de acordo com as circunstâncias concretas,
designadamente a data do pedido, a nacionalidade ou residência do extraditando, a existência
de um tratado ou possibilidade de reexpedição entre as partes requerentes, se entender que
deva ser preferido aos outros.
Artigo 9.º
Extradição diferida
1. A entrega da pessoa reclamada pode ser diferida para um outro momento quando:
a) existir, em tribunais nacionais, processo criminal em recurso;
b) estiver a cumprir pena privativa de liberdade, por infracções diversas das que
fundamentaram o pedido.
2. Nos casos do número anterior, a entrega só ocorre quando o processo ou o
cumprimento da pena terminarem.
3. Constitui, igualmente causa de adiamento da entrega, a verificação, por meio de
perícia médica, de enfermidade que ponha em perigo a vida do extraditando.
Artigo 10.º
Entrega temporária
1. Nas situações descritas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo anterior, a pessoa
reclamada pode ser entregue temporariamente ao Estado requerente, havendo compromissos
de que terminados esses actos, a pessoa reclamada seja restituída sem quaisquer condições
para a prática de determinados actos processuais, desde que:
a) se demonstre que os mesmos não poderiam ser adiados sem grave prejuízo;
b) a entrega não prejudique o andamento do processo pendente em Moçambique.
2. Se a pessoa entregue temporariamente estiver a cumprir pena, a execução desta
fica suspensa, desde a data em que essa pessoa foi entregue ao representante do Estado
requerente até à data da sua restituição às autoridades nacionais.
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3. É, todavia, descontada na pena a detenção que não venha a ser computada no
processo estrangeiro.
4. No caso de ter sido diferida a extradição nos termos do artigo anterior, a
autorização para a entrega temporária é tramitada como incidente do pedido de extradição,
exclusivamente com vista à apreciação, pelo Tribunal Supremo, dos critérios enunciados no n.º
1 do presente artigo.
5. O Tribunal Supremo ouve o tribunal à ordem do qual a pessoa se encontra e o sector
do Governo que superintende a área da justiça.
Artigo 11.º
Detenção provisória
1. Em caso de urgência, e como acto prévio de um pedido formal de extradição, pode o
Estado requerente solicitar a detenção provisória da pessoa a extraditar.
2. A decisão sobre a detenção e a sua manutenção é tomada em conformidade com a
lei nacional.
3. O pedido de detenção provisória deve indicar:
a) a existência do mandado de detenção ou decisão condenatória contra a pessoa
reclamada;
b) um resumo dos factos constitutivos da infracção, o momento e o lugar da sua
prática;
c) os preceitos legais aplicáveis;
d) os dados disponíveis acerca da identidade, nacionalidade e localização da pessoa
reclamada.
4. A detenção provisória cessa se o pedido de extradição não for recebido no prazo de
18 dias a contar da detenção, podendo, prolongar-se até 40 dias se razões atendíveis,
invocadas pelo Estado requerente, o justificarem.
5. A detenção pode ser substituída por outras medidas de coacção, nos termos
previstos no Código de Processo Penal.
6. O disposto no n.º 4 não prejudica nova detenção e a extradição, se o pedido for
ulteriormente recebido.
7. O pedido de detenção provisória só pode ser atendido quando não se suscitarem
dúvidas, sobre a competência da autoridade requerente e contiver os elementos referidos no
n.º 3 do presente artigo.
Artigo 12.º
Detenção não directamente solicitada
É lícito às autoridades de polícia criminal efectuar a detenção de indivíduos que,
segundo informações oficiais, designadamente da INTERPOL, sejam procurados por
autoridades competentes estrangeiras para efeito de procedimento ou de cumprimento de
pena por factos que notoriamente justifiquem a extradição.
Artigo 13.º
Medidas de coacção não detentivas
Na pendência do processo e até ao trânsito em julgado da decisão final, é
correspondentemente aplicável o disposto no n.º 6 do artigo 11.
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Artigo 14.º
Comunicação da decisão
A parte requerida deve informar à parte requerente da decisão sobre o pedido de
extradição indicando, em caso de recusa, os motivos dessa recusa.
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