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MORAL E RELIGIÃO EM FREUD

Por Ignacio Andereggen


Transcrição e tradução de Rhuan Matheus E. Honório

Conferência do Pbro. Dr. Ignacio Andereggen sobre a relação entre “Moral e Religião em
Freud”, realizada em 28 de agosto de 2009 no Multiespacio Cultural EL CAMINO (Mar
del Plata, Argentina) e organizada pela associação Fraternidad de Vida Nueva.

O padre inicia a conferência apresentando um de seus livros. Trata-se de Experiencia


espiritual: una introducción a la vida mística.

Pe. Andereggen:

Vocês poderiam se perguntar: Por que um autor de um livro sobre espiritualidade


[e que escreve acerca de Santo Tomás] estuda Freud? Creio que a resposta se encontra
facilmente se se observa o clima cultural que os rodeia. E se observa também na vida de
muita gente: Todos sabemos que, na argentina, é comum recorrer aos psicólogos para
resolver a todos os tipos de problemas, principalmente os problemas mais profundos. Mas
os problemas mais profundos são justamente os problemas espirituais. Por isso, não é
incoerente que alguém que trata acerca da espiritualidade se ocupe da figura de Freud,
porque Freud elabora uma doutrina que alcança diretamente o nível espiritual. Mas em que
sentido o veremos? Para dar uma resposta coerente, contundente e profunda aos problemas
que encaramos no mundo contemporâneo, é necessário resolver, do ponto de vista teórico,
os problemas encontrados nas filosofias e nos pensamentos dominantes na cultura
contemporânea. Todos sabemos que Freud, nesse sentido, é um autor principal.

É muito difícil que, no mundo contemporâneo, um homem não conheça Freud e,


ao menos genericamente, sua psicanálise. Também é muito difícil que, no nosso ambiente,
não encontremos pessoas que foram determinadas por este tipo de pensamento, inclusive
pessoas que foram submetidas a psicoterapias freudianas. Por outra parte, o influxo
cultural de Freud é muito amplo e não se reduz ao âmbito da Psicologia. Isto tem razões
intrínsecas: Freud não pretendia construir uma doutrina meramente psicológica, mas
propor uma completa “filosofia de vida”, isto é, queria dar uma explicação profunda [o
que é próprio da Filosofia] aos fenômenos humanos mais importantes, quer no nível
individual, quer no nível social. Freud queria explicar a origem da moral, a origem da
cultura, a origem da religião, a origem da Filosofia. Esta explicação não se reduz, portanto,
ao âmbito prático-terapêutico: É uma explicação teórica, que pretende ir aos fundamentos
da vida humana, isto é, ao que constitui a vida humana como tal.

Sigmund Freud viveu entre o século XIX e o século XX. De alguma maneira, Freud
é uma ponte entre as características culturais daquele e deste. No século XIX, Freud
assimilou especialmente o pensamento cientificista, principalmente a concepção
evolucionista de Darwin. Por outro lado, assimilou, desde o ponto de vista filosófico, o
ponto de chegada e de dissolução do idealismo alemão, que se encontra especialmente na
filosofia de Nietzsche. Freud está profundamente influenciado por Nietzsche. Por outra
parte, encontramos no pai da psicanálise o influxo de David Friedrich Strauss, que é um
autor de derivação hegeliana. Além disso, Freud foi aluno de um famoso filósofo que se
chamava Franz Brentano, padre dominicano que abandonou o sacerdócio e a vida
religiosa. Freud se impressionou profundamente com as explicações filosóficas de
Brentano. Portanto, nos encontramos diante de um autor que apresenta a confluência de
múltiplas formas de conhecimento, determinadas pelo clima cultural da época. Por outro
lado, Freud recebe diretamente o influxo da filosofia kantiana, que é anterior ao século
XIX. Para entender a doutrina freudiana, é fundamental conhecer a doutrina de Kant.

Em Freud, encontramos uma elaboração [filosófica] de certos dados que têm um


ponto de apoio nas teorias da ciência próprias do século XIX, mas que não se reduzem
simplesmente ao âmbito da ciência positiva, nem da medicina, e sequer da Psicologia.
Freud pretende explicitamente construir uma doutrina que não é meramente psicológica,
mas que abarca o sentido da vida humana em sua última profundidade. A doutrina de Freud
é muito complexa, mas podemos abordá-la a partir de uma obra que apresenta diretamente
o tema que queremos tratar nessa reflexão: A relação entre a moral e a religião. A obra de
Freud mais importante, determinante e influente no tempo posterior se denomina Totem e
Tabu, de 1912, praticamente dez anos depois que Freud publicara sua primeira grande obra
teórica (A interpretação dos sonhos). Este livro de 1912 trata diretamente dos problemas
mais profundos da vida humana. Eis o nome completo da obra: Totem e Tabu: Alguns
pontos de concordância entre a vida mental dos selvagens e dos neuróticos. Os neuróticos
do mundo contemporâneo a Freud, isto é, os neuróticos sofisticados da cultura centro-
europeia [que tinha seu centro em Viena, onde vivia Freud] reproduziriam, de uma maneira
restringida, um passo da evolução geral da vida, desde a animalidade até a humanidade,
no mesmo sentido que havia explicado Darwin. Segundo Freud, observando um neurótico
atual, entenderíamos como, no aspecto anímico, se deu a passagem da evolução do animal
ao homem. Considerando a evolução, entenderíamos melhor o que significa ser neurótico
na atualidade.

Vejamos um texto tomado diretamente do prólogo de Totem e Tabu: «Os dois


temas principais que dão nome a este pequeno livro, o totem e o tabu, não estão tratados
de maneira igual. A análise do tabu se apresenta como um ensaio de solução acabado e
certo, que esgota o problema. A indagação sobre o totemismo, por sua vez, se limita a
declarar aquilo que a abordagem psicanalítica é capaz de aportar no momento, a fim de
esclarecer os problemas relativos ao totem. Essa diferença se deve ao fato de que
o tabu segue existindo entre nós. Ainda que expresso de uma forma negativa e dirigido a
conteúdos diferentes, não é outra coisa, por sua natureza psicológica, que o imperativo
categórico de Kant, que opera de uma maneira compulsiva e desautoriza qualquer
motivação consciente. O totemismo, por sua vez, é uma instituição religiosa e social alheia
ao nosso sentido atual, e que, na realidade, caducou há muito tempo e foi substituída por
novas formas.» O totem, para Freud, significa a religiosidade. Nessa obra, Freud pretende
demonstrar que a origem da religião tem seu princípio em uma espécie de horda primitiva
de homens que mataram seu pai para ficar com todas as mulheres dele. Quando os homens
primitivos fizeram isto, o celebraram realizando um banquete. A este banquete, Freud dá
o nome de “banquete totêmico”, porque a figura do pai é representada nesse banquete por
meio de um totem, uma espécie de estátua primitiva que significaria o pai, e especialmente
o órgão sexual deste pai. Isto seria, de acordo com Freud, a origem de toda a religiosidade
posterior. Para Freud [como veremos em seguida], toda a religiosidade tem por sentido
celebrar o pecado original destes irmãos primitivos. Este pecado original é constitutivo da
vida social destes irmãos, e também constitutivo da vida individual. E isso até chegar ao
cristianismo, no qual se celebra [ainda de acordo com Freud], de uma maneira consciente,
o pecado original em toda a sua extensão. O pecado original que, para ele, não é outra
coisa que não matar a Deus e se colocar no lugar de Deus. Para Freud, Cristo é aquele que
mata a Deus e se põe no lugar de Deus, e a eucaristia é a celebração do pecado original
representado em Cristo. Pecado original pelo qual a humanidade se constitui e pelo qual o
indivíduo cobra sua própria individualidade, por oposição ao pai.

O tabu é a proibição. Freud toma o tema do tabu dos estudos antropológicos da sua
época. Nesse livro, por exemplo, começa tratando acerca dos aborígenes australianos, etc.
Para Freud, todos os povos primitivos teriam características psíquicas similares que
perduram em estados posteriores da evolução humana. Os neuróticos atuais seriam aqueles
homens nos quais aparece, de uma maneira reduzida e restringida, aquilo que se deu na
evolução anterior da humanidade. Assim, o neurótico seria uma pessoa que não evoluiu
completamente e que, portanto, apresenta algum aspecto primitivo na sua personalidade.
Para Freud, a neurose não é alheia à vida normal. Pelo contrário, a vida normal está
constituída pela neurose, mas elaborada em um universo superior, segundo um fenômeno
denominado sublimação, que seria a base de todos os fenômenos sociais e culturais, e que
seria [radicalmente] a base da elaboração mental que constitui a razão. A razão, segundo
Freud, não é outra coisa senão o fruto de uma neurose elaborada, porque a neurose não é
considerada por ele como algo merecedor de um juízo moral negativo, mas como uma luta
de forças que constitui o humano enquanto tal.

Diz Freud que o tabu perdura até os nossos dias: isto significa que a moral dos
povos civilizados [que para Freud são os cristãos europeus de sua época], fruto de
proibições impostas no princípio da evolução da humanidade, perdura. Essas proibições
teriam um sentido aparentemente mais racional que a religiosidade, e constituiriam a base
da racionalidade. Tomando o vocabulário de uma época posterior do pensamento de Freud,
poderíamos dizer que o tabu corresponde à elaboração do ego, e o totem corresponde
ao id, que é o fundo de onde surgem todas as forças psíquicas. O tabu corresponde ao ego,
como dissemos, e o ego é uma espécie de desdobramento psíquico do id, que é a fonte de
todo o psiquismo, como que continuando a evolução da vida, que é considerada por Freud
de uma maneira única. Recordemos que não há pensamento metafísico em Freud, porque
Freud é kantiano, e Kant elimina a metafísica, ao menos como a consideramos segundo a
tradição, isto é, como ciência que alcança o imaterial, que alcança a substância, como dizia
Aristóteles. Para Freud, não há substância particular, não há entes que sejam constituídos
pelo ser no sentido profundo. Para Freud, todo o bem da vida e a própria vida não são outra
coisa que não uma elaboração da matéria. O totem, então, representa a vida que brota desde
baixo, e o tabu representa uma força que se manifesta como racionalidade, mas é contrária
à vida. Esta força, no entanto, brota da própria vida, o que implica dizer, portanto, que a
vida é contraditória. Com isso, Freud formula [e o encontramos na mesma obra, Totem e
Tabu] a lei fundamental da vida psíquica, que é a ambivalência, e isso quer dizer que um
fenômeno psíquico significa algo e ao mesmo tempo significa o oposto. O amor implica o
ódio, por exemplo. Para Freud, sendo assim, a concepção de tabu [que corresponde à
moralidade] nos povos civilizados não é outra coisa que o imperativo categórico de Kant,
isto é, que a moral deve ser entendida da mesma maneira que Kant a entendeu. A moral
na psicanálise é a moral kantiana. Mas Freud pretende superar a moral kantiana, porque a
considera unilateral e repressiva e considera que a verdadeira moral não guardaria a vida,
mas permitiria o “livre” jogo entre o fluir da vida e a força racional contrária. Este “livre”
jogo [que na realidade não é livre, pois Freud segue a Schopenhauer e não considera que
a vontade seja livre] é como uma imitação da liberdade, possibilitada pela oposição entre
a racionalidade e os instintos que surgem do fundo da vida material. É deste choque que a
psicanálise se ocupa e, mais ainda, trata de favorecê-lo, institucionalizá-lo e convertê-lo
[de maneira sofisticada e elaborada] no mais profundo que há na vida humana. Dito com
outras palavras: se trata de reelaborar a neurose não para que deixe de ser neurose, mas
para que seja uma neurose superior, compreendida, assimilada e favorecida. Freud realiza
este “projeto” com toda a sua doutrina, e é por isso que diz em algumas obras que é preciso
ser uma pessoa normal para ser “psicanalisada”. Uma pessoa enferma psiquicamente não
poderia ser “psicanalisada”, pois seria preciso ser uma pessoa com um certo equilíbrio e
um certo sentido da moralidade. Tudo isto implica dizer que a psicanálise não é
fundamentalmente um método terapêutico, mas uma espécie de sabedoria que substitui a
metafísica, que é a sabedoria no sentido tradicional, desde Aristóteles e Platão. A
psicanálise seria uma interpretação total da vida e da realidade, e por isso corresponde a
uma espécie de [falsa] espiritualidade, pois espiritualidade inclui não só a Teologia, mas
também [de certa maneira] a Filosofia. É certo que Freud não é religioso, mas somente um
estudioso [do seu próprio modo] da religião, e por isso, propriamente falando, não há
Teologia em Freud, mas somente uma filosofia.

Totem e Tabu foi rapidamente traduzido ao hebraico. Freud era judeu e recebeu
uma educação religiosa de seu pai, mas também recebeu todo o influxo positivista e
iluminista do século XIX. Diz o prólogo à edição hebraica: «Nenhum dos leitores deste
livro poderá colocar-se com facilidade na situação afetiva do autor, que não compreende
a língua sagrada e está completamente alheio à religião paterna – e a qualquer outra religião
–; que não pode simpatizar com ideais nacionalistas, mas nunca desmentiu o
pertencimento ao seu povo, pois sente que sua peculiaridade é de judeu e não deseja mudá-
la [isto é, Freud se proclama judeu apesar de negar esta e qualquer outra religião]. Se lhe
perguntassem: “Mas o que ainda há de judeu em ti se renunciaste a todas essas relações de
comunidade com teus com compatriotas?”, ele responderia: “Muita coisa ainda,
provavelmente o principal” [Esta é uma resposta misteriosa. O que é o principal de ser
judeu? Para ele não é a religião, pois ele já a abandonou e tornou-se ateu]. Mas, no
momento, ele não poderia formular essa característica essencial com palavras claras. Mais
tarde, certamente haverá uma ocasião em que ela será acessível à compreensão científica.
Assim, para tal autor, constitui uma experiência particularíssima que seu livro seja
traduzido para a língua hebraica e colocado nas mãos de leitores para os quais esse idioma
histórico é uma língua viva. Um livro que, além disso, trata da origem da religião e da
moralidade, mas que não conhece nenhum ponto de vista judaico, não faz nenhuma
restrição a favor do judaísmo. Mas o autor espera coincidir com seus leitores na convicção
de que a ciência sem preconceitos não pode permanecer estranha ao espírito do novo
judaísmo». Que é este novo judaísmo? Para Freud, há uma religião judaica que deve ser
abandonada. Em relação à religião judaica tradicional, Freud afirma que o cristianismo é
superior [de acordo com o critério que diremos em seguida]. Ao final de sua produção, em
1939, publicou um livro chamado Moisés e a religião monoteísta, no qual há a mesma
doutrina dita acima. Que é o próprio do povo judeu para Freud? O próprio do povo judeu
seria sentir culpa por ter matado a Deus. E o próprio do povo cristão, segundo Freud, é não
sentir culpa por ter matado a Deus, pelo contrário, sentir-se orgulhoso de ter matado a
Deus e de ter se colocado no lugar Dele. Isto é o que Cristo fez, de acordo com Freud. Lê-
se ao final de Totem e Tabu: «Não pode haver dúvida de que, no mito cristão, o pecado
original foi um pecado cometido contra o Deus-Pai. Se, entretanto, Cristo redimiu a
humanidade do peso do pecado original pelo sacrifício da própria vida, somos levados a
concluir que o pecado foi um homicídio. A lei de talião, que se acha tão profundamente
enraizada nos sentimentos humanos, estabelece que um homicídio só pode ser expiado
pelo sacrifício de outra vida: o auto-sacrifício aponta para a culpa sanguínea. E se este
sacrifício de uma vida ocasionou uma expiação para com o Deus-Pai, o crime a ser expiado
só pode ter sido o homicídio do pai». Aqui, encontramos um ponto de apoio fundamental
para entender o essencial da doutrina freudiana: Cristo seria o super-homem, e representa
o mais evoluído da humanidade, isto é, aquele super-homem de Nietzsche. Em que se
constitui o super-homem? O super-homem se constitui pela autoafirmação, isto é, por
aquilo que cristianamente chamaríamos soberba. Para Nietzsche, que inspira secretamente
a Freud, o homem é homem quando se autoafirma, e se autoafirma às custas dos demais:
isto é a essência da [nova] moral, segundo Nietzsche. Isto é a inversão do cristianismo: se
o cristianismo diz “felizes os que choram, os pobres, os que têm fome e sede de justiça”,
Nietzsche diz que isto é a moral dos escravos, não a moral dos homens livres, dos nobres,
dos guerreiros, dos que se impõem. Freud assimilou a doutrina nietzschiana e fez dela o
centro de sua própria doutrina acerca da evolução psíquica: a evolução psíquica seria
autoafirmar-se, separando-se daquele que lhe tira a liberdade, que é o pai. O complexo de
Édipo é o ódio do pai que acontece simultaneamente ao amor a este mesmo pai. Cristo,
para Freud, é o homem que superou o complexo de Édipo por excelência, separando-se do
Pai por excelência, que é Deus. Por isso, no método psicanalítico, a referência ao pai em
uma pessoa individual é, no fundo, uma referência a Deus, e separar-se do pai é separar-
se de Deus, ao mesmo tempo em que o ama.

O método hermenêutico de Freud, para aquele que conhece as sagradas escrituras,


é muito estranho: interpreta o novo testamento segundo o antigo testamento, e o antigo
testamento segundo a lei de talião. Isto é, inverte a ordem autêntica da revelação, porque
o antigo testamento foi revelado por Deus justamente como superação da falta de justiça
da lei de talião, e o novo testamento é a lei da graça, é a lei do amor, que supera o antigo
testamento. Para Freud, a vida de Cristo deve ser interpretada ao contrário, pela lei de
talião. Para entender o que fez Cristo quando morreu na cruz, deveríamos, segundo Freud,
aplicar a lei de talião, o que implicaria dizer que Cristo se satisfez pela morte [assassinato]
do Pai, e só poderia fazê-lo suicidando-se, e Cristo se fez Deus e ideal da humanidade
quando se suicidou, porque, a partir disso, Cristo teria se reconciliado com Deus.

Evidentemente, tudo isso é uma completa distorção do pensamento e da revelação


cristã e, mais ainda, é uma distorção diabólica, pois apresenta todas as características do
espírito diabólico: é o espírito da mentira. Cada afirmação das sagradas escrituras está
deturpada e colocada em uma ordem lógica pervertida. Deduzir que a morte foi suicídio é
uma perversão; deduzir que a morte de Cristo foi um roubo do lugar de Deus é uma
perversão, etc. Constituir o “assassinato do Pai” como centro da doutrina cristã é a
perversão fundamental. Para Freud, todo o cristianismo, que é o ponto superior da
evolução da humanidade, é a reproposição consciente do assassinato do Pai. Por isso,
prossegue Freud: «Na doutrina cristã, assim, a humanidade estava reconhecendo da
maneira mais indisfarçada o ato primeiro culpado, uma vez que encontraram a mais plena
expiação para ele no sacrifício desse filho único». Isto é, a doutrina cristã seria a confissão
orgulhosa e consciente do pecado original, e o cristianismo seria a atualização do pecado
original [que seria a sanha que constituiria a humanidade] ao longo do tempo. Esse pecado
original se daria de uma maneira primitiva [a horda primitiva proposta por Freud] e se dá
de uma maneira elaborada na civilização contemporânea: isto seria o núcleo da civilização
contemporânea.

A reconciliação com o pai seria muito mais radical, porque, de maneira simultânea,
este sacrifício produziria a total renúncia à mulher, que seria a causa da sublevação contra
o pai. Para Freud, os homens primitivos tiveram uma motivação inferior para assassinar o
pai, e esta motivação foi ficar com as mulheres do pai. Esta motivação seria inferior
porque, para Freud, a mulher representa um estado inferior da evolução. Em que Freud
estava pensando? Freud estava pensando nos sacerdotes católicos, que não se casam. Freud
disse diversas vezes que tinha bom motivos para não se casar. Cristo é identificado com o
sacerdócio, porque o sacerdote representa Cristo. Cristo teria matado o Pai, roubando o
seu lugar, sem necessidade das mulheres. E Freud o diz de uma maneira meramente
“racional”, não por um motivo inferior, como é o desejo sexual. Nesse ponto, a fatalidade
psicológica da ambivalência reclama seus direitos. Vimos que a lei fundamental da vida
humana, para Freud, é a ambivalência, que representa esta contradição fundamental. No
ato mesmo de oferecer ao Pai a maior expiação possível, o Filho também alcança a meta
de seus desejos contra o próprio Pai. Ele mesmo se tornaria Deus no lugar do Pai. Isto é,
Cristo teria se colocado no lugar de Deus. Para Freud, a religião do Filho subjuga a religião
do Pai. Vimos no princípio deste livro que Freud chamava a religião judaica de religião
paterna: a religião do Pai seria a religião judaica, e a religião do Filho seria o cristianismo.
Isto é, a religião judaica tradicional seria uma religião inferior ao cristianismo, porque é
uma religião na qual se sente culpa por se ter matado a Deus. Os cristãos teriam matado a
Deus e não teriam sentido culpa por isso, porque o cristianismo, em sua essência, seria a
religião do homem que se faz Deus. Para Freud, o cristianismo não teria um sentido
sobrenatural e não teria um sentido de culto divino, reconhecendo a Deus como criador de
todas as coisas, senão que teria um sentido de aperfeiçoar a dignidade de homem, que é o
que se vê, por excelência [segundo Freud] em Cristo. O cristianismo, portanto, teria
substituído o judaísmo, e o antigo banquete totêmico teria sido reanimado como
comunhão. Agora, os irmãos consumiriam a carne e o sangue do Filho. Já não haveria Pai.
Os irmãos se santificariam pelo consumo e se identificariam com o Pai. Segundo Freud, a
celebração da missa seria a atualização do assassinato do Pai e do banquete que, pelo
assassinato do pai, a horda de homens primitivos celebrou. A visão de Freud identificava
o banquete totêmico com o sacrifício animal, com o sacrifício divino e com a Eucaristia
cristã. Para Freud, todas as religiões fariam a mesmo. As religiões teriam uma ordem
evolutiva: primeiro, faziam um banquete totêmico; depois, sacrificavam animais; depois,
matavam homens; e depois, celebrariam a eucaristia. De acordo com Freud, tudo isso é a
mesma coisa e há uma identidade em todas as formas de religiosidade. Em todas essas
cerimônias solenes há o efeito continuado daquele crime. Isto é, para Freud, a religião tem
um sentido escondido, um sentido que poderíamos denominar místico [místico no sentido
de “oculto”, “escondido”, diabólico, não místico no sentido da autêntica mística cristã]: a
religiosidade se transforma em uma espécie de religião diabólica, que é a religião do
homicídio, do ódio, que é o que está escondido como mais profundo e constitutivo da vida
psíquica, porque a evolução, da animalidade à plena humanidade, se constitui justamente
por esta força negativa que se opõe à vida e surge, ao mesmo tempo, da própria vida. Esta
força negativa teria formas cada vez mais sofisticadas, que teriam seu ponto culminante
na racionalidade que se expressa nas distintas formas da vida cultural. Por isso, se por uma
parte a moral [entendida no sentido kantiano] é aquilo que está mais imediatamente
presente nas civilizações e que as constitui, por outro lado, por trás da moral, há uma força
misteriosa [demoníaca], que é o que dá força a moral. A força da moral dependeria da
força da “religião”, que se expressaria como negação, como homicídio, como pecado,
como soberba, como orgulho. O pecado seria motivo de orgulho, não de culpa.

Como se coloca o método psicanalítico frente a esta explicação? Há diversos


modos de entender a esta relação que não captam adequadamente sua profunda unidade.
Por exemplo: classicamente, encontramos a doutrina de Roland Dalbiez em O método
psicanalítico e a doutrina freudiana, que consiste em dizer que o método psicanalítico tem
sua eficácia e deve ser separado da doutrina mentirosa de Freud [separação de método e
doutrina]. Maritain disse algo semelhante em suas conferências na Argentina. Estes
propunham que os delírios e os disparates da doutrina filosófica fossem deixados de lado
e que o método fosse assumido. Esta visão não tem fundamento nas obras de Freud. Para
Freud, há uma unidade profunda entre o método e a doutrina psicanalítica, não somente
no sentido individual, mas no sentido universal. Isto é, como se diz no próprio Totem e
Tabu: «O que se passa ao nível universal na evolução da humanidade se passa a nível
particular no indivíduo». O método psicanalítico seria uma forma pela qual o indivíduo
lograria o estado superior da evolução da humanidade, isto é, é um método que, através
das imagens que representam a força vital [nos sonhos, etc.] e através de um método
racional [associação livre, etc.], pretende reproduzir, da maneira mais elaborada possível,
o “estado superior” da cultura da humanidade, que é a “sabedoria” [que poderíamos
denominar como filosófica] pelo qual o homem se sente, se pensa, se considera e se
autoconstitui como centro da realidade. O método psicanalítico, que consiste em coisas
como a elaboração de uma rebelião contra o pai ao mesmo tempo em que se o ama, é uma
espécie de disposição para alcançar o que se realiza perfeitamente no Cristo inventado por
Freud, que não é outra coisa senão o super-homem de Nietzsche. Em outras palavras: é
uma espécie de disposição para captar o sentido profundo da “eucaristia”, que não seria
outra coisa que não a celebração do pecado original, isto é, a assimilação consciente do
pecado original, deixando de lado o sentimento de culpa. Mais precisamente ainda, Freud
quer substituir a Confissão pela psicanálise e os sacerdotes pelos psicanalistas. Assim
como a Confissão prepara para a Eucaristia, a psicanálise prepara o homicídio de Deus e
a autocelebração orgulhosa do homem: é quase um falso sacramento. Um falso sacramento
que quer introduzir uma “mística” diabólica em vez da verdadeira mística, que é a
Eucarística, contemplação de Cristo. Esta mística diabólica produz, ao mesmo tempo, a
rebelião contra Deus, a autoafirmação do homem e a autodissolução do homem, pois a
rebelião contra Deus não é outra coisa senão a autodestruição. Dito teologicamente: a
psicanálise prepara a mente para o influxo diabólico, para a desintegração da personalidade
e para a assimilação dessa personalidade por uma força destrutiva que não é outra coisa
senão a força diabólica.

Áudio original: https://gloria.tv/post/2rFZALMYFtDB6rQuA9BDFhwG9

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