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PAULO FREIRE: DA CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO E DAS

VIRTUDES DO EDUCADOR PARA UMA EDUCAÇAO


HUMANIZADORA

ECCO, Idanir1 – URI – RS

NOGARO, Arnaldo2 – URI – RS

Grupo de Trabalho: Formação de Professores e Profissionalização Docente


Agência Financiadora: PIIC/URI

Resumo

A temática para este estudo emerge a partir da constatação de que o discurso sobre o exercício
profissional está permeado pela “pedagogia das competências”, inclusive nos contextos da
educação. Este estudo, denominado Paulo Freire: Da Concepção de Educação e Das
Virtudes do Educador para uma Educação Humanizadora, deriva de uma investigação,
caracterizada como pesquisa qualitativa, bibliográfica de caráter explicativa e analítica tendo
como referencial teórico suporte bibliográfico de Paulo Freire, bem como demais publicações
relacionadas à temática. Considera que o ato de educar, no seu verdadeiro significado, é
humanizar, e que o trabalho do educador efetiva-se com e entre seres humanos. Apresenta
elementos em defesa da efetivação de uma educação que tenha como centralidade seres
humanos. O educar, e seus processos, são condições para a hominização do ser humano, pois
ao nascer, não passa de um projeto. A partir disso compreende que a prática educativa deva
ser guiada por princípios humanizadores, por virtudes. Nos contextos da docência, a
observância, a prática/vivência de virtudes, não apenas possibilita o êxito no/do trabalho do
docente/educador, mas legitima sua ação, isto é, torna-a verdadeira. A teoria freireana contém
elementos que apontam nessa perspectiva de educação. Apresenta descritivamente que a
coerência, a reflexão, a simplicidade, a amorosidade, a esperança, o diálogo, a humildade, a
tolerância, entre outras, são virtudes necessárias ao educador na perspectiva de uma educação
humanizadora. Para que os atos pedagógicos possam contribuir para a humanização dos
sujeitos envolvidos, exige-se do educador muito mais que o domínio de informações e dos
procedimentos para acessá-las e disseminá-las. Há que assumir que a essência do trabalho do
educador é educar seres humanos e não inculcar-lhes conhecimentos inertes e desprovidos de
sentido para a existência.

Palavras-chave: Paulo Freire. Educação. Virtudes. Educador. Educação Humanizadora.

1
Mestre em Educação pela Universidade de Passo Fundo. Professor do Departamento de Ciências Humanas da
URI – Erechim/RS. Membro do Grupo de Pesquisa Ética e Educação. E-mail: idanir@uri.com.br
2
Doutor em Educação pela UFRGS. Professor do Departamento de Ciências Humanas da URI – Erechim/RS e
do Programa de Pós-Graduação em Educação da URI – Frederico Westphalen/RS. Membro do Grupo de
Pesquisa Ética e Educação. E-mail: narnaldo@uri.com.br
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Introdução

A amplitude da obra freireana, bem como sua contribuição em diferentes contextos


culturais e em diferentes campos do conhecimento tem sido destaque em inúmeras
publicações efetivadas por estudiosos e interpretes de Paulo Freire, cognominado como um
dos maiores educadores do século XX. Portanto urge revisitá-lo pela sua “[...] valiosa
contribuição pedagógica, pois o ‘impacto’ de seu trabalho vai além da alfabetização e da
educação de adultos, iluminando a necessidade de desenvolver uma, ‘pedagogia ética’ e
‘utópica’, na perspectiva da superação de situações limitadoras” (ECCO, 2010, p. 79).
O interesse em abordar a referida temática surgiu, primeiramente, quando da
constatação de que o discurso sobre o exercício profissional está permeado pela “pedagogia
das competências”, tema este presente sempre que se discute o processo de formação de
profissionais, independente da área de atuação e que denota um sentido pragmático,
neotecnicista. Desse contexto, urge trazer para a discussão o tema das virtudes, pois conforme
Boff (2005, p. 13): “As virtudes constituem o mundo das excelências e dos valores”.
A partir do exposto acima, pergunta-se: para atuar como educador é o suficiente ser
habilidoso e competente no sentido nato dos termos? Que valores e/ou princípios devem
fundamentar e guiar a prática educacional pedagógica? Quais são as qualidades essenciais
necessárias ao educador no exercício da sua profissão?
O conjunto das indagações registradas acima remete à discussão relacionada às
virtudes. E neste particular reafirmamos com Boff (2005) que está crescendo a consciência de
que ciência, tecnologia, economia, finanças e mercado não são o suficiente para conferir ao
atual estágio da civilização e que para isso demandam-se as dimensões espiritual, ética e
estética a fim de compreender a magnitude e sentido do ser humano e suas iniciativas. E
investigar, analisar e conhecer virtudes concernentes à atuação dos educadores consiste em,
mais que defender, comprometer-se com o processo educacional humanizador, pois
entendemos que as virtudes são valores necessários para a construção de uma sociedade mais
humana. Frente a isso, deparamo-nos com a instigadora provocação: quais as possibilidades
de vivenciar uma educação humanizadora numa sociedade assinalada por situações
desumanizadoras? A possibilidade está em conceber e orientar as ações pedagógicas por
princípios e valores humanizadores.
Considerando os apontamentos registrados anteriormente, reafirmamos que “[...] cabe
também à educação a responsabilidade de abrir as portas da mente e do coração e de apontar
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horizontes de construção partilhada de sociedades humanas mais humanizadas. (BRANDÃO,


2002, p. 22). E, neste particular, indubitavelmente, o legado freireano, o pensamento
pedagógico de Paulo Freire aponta para a educação humanizadora, pois como afirma Gadotti
(1997, p. 07): “Paulo nos encantou com sua ternura [...]. Suas palavras e ações foram palavras
e ações de luta por um mundo menos feio, menos malvado, menos desumano”.
Esta elaboração originou-se de uma investigação caracterizada como pesquisa
qualitativa, bibliográfica de caráter explicativa e analítica tendo como referencial teórico
suporte bibliográfico de Paulo Freire, bem como demais publicações relacionadas à temática.
E o texto fundamenta e expõe a concepção de educação expressa por Paulo Freire, na
perspectiva da humanização dos susjeitos envolvidos no processo educacional, bem como
identifica virtudes, à luz freireana, necessárias ao educador na perspectiva da educação
humanizadora.

A educação em Freire: humanizar o ser humano

O ser humano tende à educação. Educar-se é um imperativo ontológico, pois pertence


à sua própria natureza e concretiza a potencialidade e a possibilidade, que lhe é peculiar, do
“vir-a-ser” humano, uma vez que nasce inacabado, não pronto. O educar, e seus processos,
são condições para a hominização, pois ao nascer, não passa de um projeto.
É notório nos escritos freireanos que não existe apenas uma educação, mas educações,
isto é, “[...] formas diferentes de os seres humanos partirem do que são para o que querem
ser”. (ROMÃO, 2008, p. 150). E referente à educação formal, identifica-se, de maneira geral,
a “Educação Bancária” e a “Educação Libertadora” como as duas grandes formas
predominantes cada qual com sua politicidade.
Em revista aos escritos do Patrono da Educação Brasileira constata-se que a educação
é um ato de amor, de coragem que se fundamente e se nutre no diálogo, na discussão: “A
educação é um ato de amor, por isso um ato de coragem. Não pode temer o debate”.
(FREIRE, 1983b, p. 104). Educar é uma relação interativa entre pessoas, isto é, sujeito-sujeito
na perspectiva de “ler” e transformar realidades, isto é, relação sujeito-mundo.
A riqueza da concepção freireana de educação está contida na afirmação de que os
humanos educam-se em comunhão: “Ninguém educa ninguém, como tão pouco ninguém se
educa a si mesmo: os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo”.
(FREIRE, 1983a, p. 79).
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A dimensão política e a dimensão gnosiológica são características identificadoras da


concepção e proposição didático-pedagógico-educacional de Freire (1983a, p. 80): “[...]
enquanto a prática bancária [...] implica numa espécie de anestesia, inibindo o poder criador
dos educandos, a educação problematizadora, de caráter autenticamente reflexivo, implica
num constante desvelamento da realidade”.
A “leitura do mundo”, o desvelamento da realidade traduz a dimensão política e a
“leitura da palavra”, a leitura das elaborações humanas, dos conceitos... exprime a dimensão
gnosiológica da educação.
Analisando a dupla dimensão da educação (que não se opõem, mas se entrelaçam)
exposta no parágrafo anterior, afirma Romão (2008, p. 152), que:

A educação para Paulo Freire, é ainda práxis, isto é, uma profunda interação
necessária entre prática e teoria, nesta ordem. E em decorrência da relação entre a
dimensão política e a dimensão gnosiológica da relação pedagógica, a pratica
precede e se constitui como principio fundante da teoria. Esta, por sua vez,
dialeticamente, dá novo sentido à pratica [...].

Existe uma interrelação entre educação e conhecimento, isto é, ambos conjugam-se,


pois a prática educativa constitui-se numa situação de conhecimento: “[...] a educação, não
importando o grau em que se dá, é sempre uma certa teoria do conhecimento que se põe em
prática” (FREIRE, 1992, p. 95).
Educação, além de um processo gnosiológico, é, também, um ato político. A
politicidade da educação torna-se evidente na permanente reflexão referente ao “o que fazer”,
“para que fazer”, “quando” e “para quem fazer”. Em outros termos, compreender qual a
finalidade daquilo que se faz. Neste ponto, assevera Freire (1992, p. 97, grifos do autor):

Mas a gente ainda tem que perguntar em favor de que conhecer e, portanto, contra
que conhecer; em favor de quem conhecer e contra quem conhecer. Essas
perguntas que a gente se faz enquanto educadores, ao lado do conhecimento que é
sempre a educação, nos levam a confirmação de outra obviedade que é a da natureza
política da educação. Quer dizer, a educação enquanto ato de conhecimento é
também, por isso mesmo, um ato político.

É de fundamental importância destacar que no âmbito da educação escolar, Paulo


Freire, tira o foco dos conteúdos para centrar-se nos sujeitos que estão inseridos na ação
educativa. A sua preocupação, registrada, sobremaneira, em Pedagogia do Oprimido (1983a),
com o processo educacional, consistira sempre em partir dos níveis e das compreensões dos
educandos e não a partir das interpretações do educador, considerando qualquer realidade a
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ser conhecida. Apontou, também, com maestria, que um dos problemas constatado na
educação formal é a inexperiência do exercício democrático e a centralização no verbalismo,
nos programas. Portanto, para superar as limitações da Educação Bancária, como dominara,
desloca o foco dos programas, dos conteúdos inertes e centra-se nos seres humanos
envolvidos na ação educativa, nos processos de aprendizagens.
A defesa e a vivência de procedimentos interativos, no ato educativo, notória na teoria
freireana, é reafirmada por Arroyo (2001, p. 47):

Para Paulo Freire, educar sempre será uma relação de gente com gente, de adultos
com crianças. [...] Para Paulo Freire, o caráter renovador da educação está no caráter
intrinsecamente renovado de toda a relação humana, entre humanos. Formamo-nos
no diálogo, na interação com outros humanos, não nos formamos na relação com o
conhecimento. Este pode ser mediador dessa relação como pode também suplantar
essa relação.

Educamo-nos, obviamente, na relação, na interação, no convívio com outros seres


humanos. E é nesse processo que aprendemos a ser gente, porque convivemos com gente.
Educar para Freire (1983a) é “construir gente”, humanizar os humanos na luta em denunciar e
superar os elementos desumanizadores.
Indubitavelmente, pensar, refletir a respeito da educação, consiste em pensar, refletir o
ser humano. E nesta premissa está inserida a concepção de educar que, em síntese, é, também,
promover, nos sujeitos, a capacidade de interpretação dos diferentes contextos em que estão
inseridos, bem como, qualificá-los e “instrumentalizá-los” para a ação, nesses contextos,
objetivando superações, transformações.
O ato de educar não está para o treinamento e nem a ele se reduz. O ato de educar está
para a formação, para a promoção dos educandos, seu verdadeiro sentido e significado. Freire,
em seus escritos, denuncia a astúcia das propostas neoliberais em que associam o treinamento
à formação. Referindo-se, particularmente, à concepção de educação afirma:

É neste sentido, entre outros, que a pedagogia radical jamais pode fazer nenhuma
concessão às artimanhas do “pragmatismo” neoliberal que reduz a prática educativa
ao treinamento técnico-científico dos educandos. Ao treinamento e não à formação.
A necessária formação técnica técnico-científica dos educandos por que se bate a
pedagogia crítica não tem nada que ver com a estreiteza tecnicista e cientificista que
caracteriza o mero treinamento. É por isso que o educador progressista, capaz e
sério, não apenas deve ensinar muito bem sua disciplina, mas desafiar o educando a
pensar criticamente a realidade social, política e histórica em que é uma presença.
(FREIRE, 2000a, p. 43 - 44, grifos do autor).
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Nos escritos de Freire verifica-se que o referido educador, sempre foi muito insistente
para com o foco pedagógico no contexto educacional, isto é, para com as posturas docentes e
para com as relações humanas. Destaca Arroyo (2001, p. 49) que: “A postura [docente] mais
importante será reconhecer, que cada educando é gente”. E por sua vez, as relações humanas
devem ser pautadas pelo diálogo, pela sensibilidade e amorosidade.
Faz-se mister salientar que a concepção de educação em Freire está impregnada de
esperança, esta concebida como uma necessidade ontológica. A esperança, “É princípio
essencial e propulsor para a realização de qualquer conquista, pois fornece as forças
necessárias para que a luta seja enfrentada” (VASCONCELOS, 2006, p. 106).
O conceito de educação freireano está diretamente associado, interligado ao conceito
de ser humano. E, incontestavelmente, a educação é uma prática antropológica.
A teoria educacional freireana atesta que para pensar refletir a respeito da educação há
que se, concomitantemente pensar, refletir sobre o ser humano, pois nele reside o fundamento
do processo educativo.
O ser humano para Freire (1983a) é um ser inacabado e, consciente disso, aspira “Ser
Mais”. E por ser inconcluso, busca seu aprimoramento através da educação, pois “Educar é
substancialmente formar”. (FREIRE, 1996, p. 32).
A concepção de homem na perspectiva do devir, que está num constante processo de
constituir-se demanda uma educação que corresponda a essa expectativa, isto é, uma
Pedagogia da Esperança. E por ser a educação uma prática construtora do humano, no homem
e na mulher, educar para Freire é humanizar, assim como sintetizara, também, Hannah Arendt
(apud ALENCAR, 2002, p. 99): “O ato educativo resume-se em humanizar o ser humano”.

Educação humanizadora e virtudes docentes

Educação e humanização são termos indicotomizáveis, pois reafirmamos o ato


pedagógico como um ato de educar, e educar é fundamentalmente humanizar (SAVATER,
2005); e o trabalho do educador efetiva-se com e entre seres humanos, pois “O educador é
aquele que emerge junto com os seus educandos desse mundo vivido de forma impessoal.
Educar é tornar e tornar-se pessoa”. (GADOTTI, 1996, p. 50). Obviamente, ninguém nasce
educador; constitui-se na interrelação, na ação-reflexão, produção e compartilhamento de
saberes.
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O que identifica a educação humanizadora é o desenvolvimento da potencialidade


ontológica do homem e da mulher que consiste em vir-a-ser humano, isto é, “[...] fazer
emergir, não o mais fácil, não o instintivo, mas o melhor de si mesmo, não somente para a
vida plena, [...] mas para que a vida dos que já existem e dos que virão, seja melhor que a que
conhecemos” (BAZARRA, 2008, 89). Em suma, construir processos educacionais
humanizadores, significa acreditar, confiar no ser humano, haja vista constituir-se como um
ser de possibilidades.
Na defesa do educar na perspectiva da humanização dos sujeitos envolvidos no
processo educacional, pactuamos com a visão gransciana, que o objetivo da educação formal,
que o objetivo da escola enquanto instituição educacional, deva primar para que:

[...] seja dada à criança a possibilidade de formar-se, de tornar-se um homem, de


adquirir os critérios gerais que sirvam ao desenvolvimento do seu caráter. Uma
escola que não hipoteque o futuro da criança e constranja a sua vontade, sua
inteligência, sua consciência em formação a mover-se dentro de uma bitola. Uma
escola de liberdade e de livre iniciativa e não uma escola de servidão e
mecanicidade. (GRANSCI, apud BARBOSA, 2001, p. 23).

São notórios, hodiernamente, os grandes avanços nas diferentes áreas do


conhecimento, na vasta produção e saberes científicos, de saberes pedagógicos, que se
apresentam como possibilidades para que todos os humanos possam viver e conviver bem,
isto é, humanamente. No entanto, paradoxalmente, observa-se que o ser humano ao invés de
humanizar-se, desumaniza-se. Diante disso, afirmamos com Alencar (2001, p. 99): “A
educação parece perder a batalha contra as forças do interesse material, mesquinho, imediato
e consumista”.
O ser humano “vem ao mundo” com a potencialidade do humano. Esta dimensão
ontológica concretiza-se mediante processos interativos, isto é, relações com outros seres
humanos. E para viver com dignidade humana, há que criar, estabelecer relações
constituidoras do humano, no homem e na mulher. Para o referido escopo, a educação formal,
as relações pedagógicas, contribuem de forma significativa.
A pedagogia freireana fundamenta-se na relação intersubjetiva dos sujeitos
participantes do processo educacional e guia-se por um pensamento democrático libertador.
Considerando o exposto acima, sempre que nos preocuparmos com educação, faz-
se necessário indagar a respeito do ser humano, de modo especial, em relação à concepção
defendida, assumida, pois se constitui como “elemento” balizador do fazer educativo.
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A concepção de ser humano que o educador assume (consciente ou não)


fundamenta e norteia sua ação. Ao assumir o ser humano como ser de transformação, o fazer
educativo docente prima pela mudança, organiza e promove situações para que os diferentes
sujeitos educandos possam expandir sua condição ontológica de “Ser-Mais”. O oposto
consiste em compreender o ser humano como “coisa”, um ser estático. Neste particular, pela
prática educativa limitam-se possibilidades dos educandos (“Ser-Menos”) desencadeando
processos de desumanização.
O objetivo fundante do ato de educar é a humanização dos sujeitos participantes do
processo educativo. No entanto, é possível reconhecer o seu oposto nos contextos
educacionais: “[...] mesmo que nós não percebamos, nossa práxis, como educadores, é para a
libertação do homem, sua humanização ou para a domesticação do homem, sua dominação”,
como afirmara Paulo Freire em entrevista a Carlos Alberto Torres (2003, p. 29).
A humanização e desumanização, portanto, são possibilidades reais nos que-fazeres
educativos.
Os elementos que limitam o Ser-Mais dos diferentes sujeitos escolares são passíveis
de superação, por que “[...] a desumanização, mesmo que um fato concreto na história, não é,
porém, destino dado” (FREIRE, 1983a, p. 30).
O vir-a-ser humano firma e confirma, não somente a esperança, mas a possibilidade
concreta, real em transcender o aqui e o agora. Transcender limitações faz parte da ontologia
humana.
O sentido da educação, portanto, está em colocar o ser humano na centralidade dos
processos, das intenções e ações; e os outros elementos constituem-se em recursos auxiliares
na e para a concretização do processo educacional que objetiva a formação integral e plena
dos diferentes sujeitos. Outrossim, reiteramos com Gadotti (2000, p. 42): “Para cumprir sua
tarefa humanizadora a escola precisa mostrar a seus alunos que existem outras culturas além
da sua”.
Freire sempre deixou evidente em seus escritos a exigência de virtudes como
necessárias à prática educativa humanizadora/transformadora. Sua grande ênfase está
confirmada em Pedagogia da Autonomia (1996), em que elenca explicativamente saberes
necessários à prática educativa.
Nos contextos da docência, a observância, a prática/vivência de virtudes, não
apenas possibilita o êxito no/do trabalho do professor, mas legitima sua ação, isto é, torna-a
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verdadeira. Deveras: “Quanto mais tolerantes, quanto mais transparentes, quanto mais
críticos, quanto mais curiosos e humildes, tanto mais assumem autenticamente a prática
docente” (FREIRE, 1992, p. 81).
Em revista a obras de Freire, constata-se que a coerência, a reflexão, a
simplicidade, a amorosidade, o diálogo, a convicção, a esperança, entre outras são virtudes
necessárias ao educador na perspectiva de uma educação humanizadora; assim como, a
solidariedade, a comunhão, a ética... são defesas enfáticas na pedagogia proposta por Paulo
Freire ao referir-se à formação humana, à educação, pois educamo-nos um com o outro, em
comum.
Na mesma linha de pensamento Madeira (2011, p. 10) destaca que: “Uma pessoa não
pode ser humana sozinha; do mesmo modo uma pessoa não pode ser competente sozinha”.
Formamo-nos coletivamente, em grupo na condição de ora sermos educadores e ora sermos
educandos, “[...] pois para existirmos como humanos, necessitamos interagir, constantemente,
com outros seres humanos”. (ECCO, 2011, p. 91).
Os processos interativos demandam uma prática dialógica, pois a virtude do diálogo
consiste na “[...] possibilidade de que disponho de, abrindo-me ao pensar dos outros, não
fenecer no isolamento” (FREIRE, 1992, p.120). No entanto, o educador precisa reconhecer,
estar convicto de sua tarefa:

[...] devemos forjar em nós próprios, da dignidade e da importância da nossa tarefa.


[...] Obviamente, reconhecer a importância de nossa tarefa não significa pensar que
ela é a mais importante entre todas. Significa reconhecer que ela é fundamental.
Algo mais: indispensável à vida social (FREIRE, 2000b, p. 48).

Concomitantemente à convicção, defendida a cima, a virtude da humildade deve


marcar a ação docente pois “[...] a humildade exige coragem, confiança em nós mesmos,
respeito a nós mesmos e aos outros. A humildade nos ajuda a reconhecer esta coisa óbvio:
ninguém sabe tudo; ninguém ignora tudo. Todos sabemos algo; todos ignoramos algo”
(FREIRE, 2000b, p. 55).
A tolerância é fundamental para a concretização de um trabalho sério, pois a escola,
espaço multicultural, deve constituir-se num espaço intercultural: “A tolerância é a virtude
que nos ensina a conviver com o diferente. A aprender com o diferente, a respeitar o
diferente" (FREIRE, 2000b, p. 59), pois tornamo-nos humano com o outro.
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Tornar-se humano é uma das condições do ser humano, ideia enfatizada, também, por
Aranha (1992, p. 29): “O homem não nasce homem, pois precisa da educação para se
humanizar”. Urge ao educador assumir essa premissa, pois suas ações sempre estarão na
perspectiva de transformar o homem em humano. E para que não se aliene deste dever ético,
são oportunas as palavras de Zagury (2006, p. 47): “Acreditar no potencial do ser humano, na
real capacidade de vencer e superar seus problemas e deficiências [...]”.
A coerência no fazer docente permite-lhe que não dicotomise teoria e prática, que
assuma uma postura em que não revele contradição entre o falado e o escrito, como afirma
Freire (1996, p. 83): “Diminui a distância entre o discurso e a prática é o que se denomina de
coerência”. E dessa assertiva decorre a imprescindível reflexão crítica considerando as ações
didáticas pedagógicas: “A reflexão crítica sobre a prática se torna uma exigência da relação
Teoria/Pratica sem a qual a teoria pode ir virando blablablá e a prática, ativismo”. (FREIRE,
1996, p. 24).
Outra virtude destacada pelo Patrono da Educação Brasileira como fundamental ao
docente é a simplicidade. A arrogância é o seu oposto. O docente arrogante não se constitui
em educador, considerando que em essência educar consiste no reconhecimento e promoção
do outro (Ser-Mais). Paulo sempre foi um combatente da arrogância, mais precisamente do
intelectual arrogante:

Nem arrogância é sinal de competência e nem a competência é sinal é causa da


arrogância. Não nego a competência, por outro lado, de certos arrogantes, mas
lamento neles a ausência de simplicidade, que não diminuindo em nada, os faria
gente melhor. Gente mais gente (FREIRE, 1996, p. 165).

A amorosidade e a esperança devem ser legitimadas no exercício da docência, na


perspectiva da educação humanizadora. No contexto educacional, portanto, o amor é
fundamental para que os sujeitos participantes possam aprender, pois envolve respeito,
compreensão, interrelações, retribuições: “Não há educação sem amor. [...] Não há educação
imposta, como não há amor imposto. Quem não ama não compreende o próximo. Não
respeita.” (FREIRE, 1996, p. 29). Da mesma forma, ensinar e aprender pressupõe o otimismo
esperançoso: “A esperança de que professor e alunos juntos podemos aprender, ensinar,
inquietar-nos e produzir [...]” (FREIRE, 1996, p. 80), pois educar é crer na capacidade e no
desejo de aprender, questões inatas aos humanos.
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Considerando a educação escolar, mais precisamente a ação docente, o compromisso


do educador é para com a qualidade da aprendizagem, pois ser professor é, como afirma
Gadotti (2003), saber organizar situações de aprendizagens. O desafio/compromisso da
educação escolar consiste em “[...] preparar o aluno (e por meio dele a sociedade) para crescer
intelectual, reflexiva e tecnicamente para poder enfrentar o mundo como ele se nos apresenta
hoje [...]” (ZAGURY, 2006, p. 46 e 47). E, sem sombra de dúvidas, para concretizar o
referido desafio é mister que o docente mantenha uma relação de amorosidade para com seus
alunos e para com sua prática pedagógica, virtude defendida por Freire (1996, p. 159): “[...]
preciso estar aberto ao gosto de querer bem aos educandos e à própria prática educativa de
que participo.”
A esperança, necessidade ontológica, constitui-se num imperativo existencial. À vista
disso, é o elemento propulsor para a realização, para a efetiva concretização do que é
almejado. Assim afirma Freire (1996, p. 80-81): “A esperança é uma espécie de ímpeto
natural possível e necessário [...] é um condimento indispensável à experiência histórica”.
Para que os atos pedagógicos possam contribuir para a humanização dos sujeitos
envolvidos no processo educacional exige-se do educador muito mais que o domínio de
informações e os procedimentos para acessá-las e disseminá-las. Fundamentalmente, tem que
assumir a irrefutável condição de que a essência do trabalho do educador são seres humanos.
Disso decorre que precisa entender de gente, conceber e efetivar ações pedagógicas orientadas
por virtudes e princípios humanistas. E encontramos em Paulo Freire um alento vigoroso para
o referido desafio, uma vez que sempre chamou a atenção advertidamente para que
assumíssemos, em todos os espaços e momentos, atitudes vigilantes contra todas as intenções,
iniciativas e práticas de desumanização.

Considerações finais

Os escritos de Paulo Freire admitem uma infinidade de leituras e distintas


interpretações e perspectivas de análises, haja vista, também, a expressividade de obras
publicadas tendo como foco de análise o pensamento freireano.
As obras, que passam para a posteridade e que se constituem em fonte de
conhecimento, são as que foram bem escritas e que responderam às angústias do seu tempo
histórico numa perspectiva de futuro. A leitura e releitura das obras de Paulo Freire
justificam-se, primeiramente, por ser, o referido pensador, um clássico na literatura
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educacional e, ademais, o conteúdo de suas obras é surpreendentemente atual. Neste


particular, Gadotti (1997, p. 05) afirma:

Pela causa que Paulo defendeu, devemos continuar estudando a sua obra, não para
venerá-lo como a um totem ou a um santo, nem para ser seguido como um guru, mas
para ser lido como um dos maiores educadores críticos deste século [século XX].

Os escritos freireanos continuam motivando muitos estudos nos vários campos do


saber, devido aos desdobramentos que potencializam.

Observa-se, sem muito esforço nos uma espécie de desencanto presente em diferentes
contextos e espaços da sociedade. E para fazer frente à aflição, ao desalento, ao mal-estar
hodierno que macula, também, a educação, reafirmamos com Gadotti (2003, p. 61):

Nossas vidas precisam ser guiadas por novos valores: simplicidade, austeridade,
quietude, paz, saber escutar, saber viver junto, compartir, descobrir e fazer juntos.
Precisamos escolher entre um mundo mais responsável frente à cultura dominante
que é uma cultura de guerra, do ruído, de competitividade sem solidariedade [...].

Na perspectiva de uma sociedade “menos feia”, mais humana, encontramos na


literatura freireana possibilidades de superação do humanismo desprezado/negado em
diferentes contextos, de modo especial no contexto da educação formal. Concordamos como
Rossato (2007, p. 216) que: “[...] quando a educação se desumaniza, deixa de ser um processo
de construção do homem, para voltar-se contra o próprio homem e tornar-se uma negação do
próprio processo de educação”.

Entendemos que o momento atual é profícuo ao educador, no sentido de problematizar


suas ações e concepções, isto é, assumir uma postura vigilante afim de que sua prática
pedagógica contribua para a humanização: “A educação somente é verdadeira quando parte
do homem e contribui para o desenvolvimento do seu ser, constituindo-se em um elemento
complementar inerente a sua condição humana”. (ROSSATO, 2002, p. 121). Disso decorre
que os responsáveis pela educação institucionalizada precisam entender de gente, conceber e
efetivar ações pedagógicas orientadas por virtudes e princípios humanistas.
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REFERÊNCIAS

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tempos de desencanto. 2. ed. . Petrópolis, RJ: Vozes, 2001, p. 97-117.

ARANHA, M. L. de A. Temas de filosofia. São Paulo: Moderna, 1992.

ARROYO, M. Currículo e a pedagogia de Paulo Freire. In. RIO GRANDE DO SUL.


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