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Introdução
Entre os objetivos dos nossos estudos, para estes dias, foi escolhido pela
coordenação, ao lado da consideração geral sobre a Esperança, o seu
relacionamento com os temas presentes na Constituição "Gaudium et Spes"do
Concílio Vaticano II, tal como foram relembrados na alocucão do Santo Padre João
Paulo II na primeira reunião do Congresso comemorativo do Trigésimo aniversário
daquela mesma Constituição. (cf.L'Osservatore Romano, ed.em português, 18
nov.1995).
Nesta alocução o Santo Padre reconhece a não pequena alteração do cenário
mundial, entre os anos decorridos da elaboração da GS até os dias de hoje. E
pergunta, se após estas mudanças que nem sempre foram para o melhor, algo
ainda permanece da perspectiva histórica adotada pela GS Responde da seguinte
maneira:
"A Igreja como comunhão é sacramento para a salvação do mundo. Por isso, os
poderes na Igreja foram conferidos por Cristo para a salvação do mundo. Neste
contexto afirmamos a grande importância e a grande atualidade da Constituição
pastoral "Gaudium et Spes". Ao mesmo tempo, porém, advertimos que os sinais do
nosso tempo são em parte diversos daqueles do tempo do Concílio, com angústias e
ansiedades maiores. Com efeito, aumentam hoje em toda a parte a fome, a
opressão, a injustiça e a guerra, as torturas e o terrorismo e outras formas de
violência de toda a espécie. Isto obriga a uma reflexão teológica nova e mais
profunda, que interprete tais sinais à luz do Evangelho"
E para não deixar de oferecer ao menos alguns elementos para esta nova e mais
profunda reflexão teológica, prossegue ainda o mesmo documento:
"Parece-nos que nas dificuldades atuais Deus quer ensinar-nos, de maneira mais
profunda, o valor, a importância e a centralidade da Cruz de Jesus Cristo. Por isso,
deve-se explicar, à luz do mistério pascal, a relação entre a história humana e a
história da salvação. Sem dúvida, a Teologia da Cruz não exclui de modo algum a
Teologia da Criação e da Encarnação, mas, como é óbvio, pressupõe-na. Quando
nós cristãos falamos da Cruz, não merecemos o apelativo de pessimistas, pois nos
baseamos no realismo da esperança cristã".
Compreendemos agora por que motivo o Santo Padre insiste em convidar toda a
Igreja a uma nova leitura da Constituição "Gaudium et Spes", justamente agora,
trinta anos depois, diante de um quadro de acontecimentos mundiais, pode-se-dizer,
cada vez mais pessimista.
É que a Igreja, continuadora da missão do próprio Jesus Cristo, Filho de Deus e
Salvador dos homens, não tendo em si mesma as respostas ou soluções para todos
os problemas dos homens, continua, no entanto, sendo capaz de apresentar com
verdade, pelos seus ensinamentos evangélicos, mas, ainda mais por sua vida, a
mesma mensagem de vida e de esperança que brota da Boa Nova do Evangelho.
Se os homens sempre estiveram necessitados desta mensagem de vida e de
esperança, talvez, nunca como nos dias de hoje se encontraram tão ameaçados de
desconhecerem ou mesmo, de esquecerem qual seja esta única vida verdadeira que
anseiam por viver, e qual também a verdadeira esperança, aquela única que poderá
liberta-los de tantas falsas esperanças, quer materiais quer espirituais, que através
de capciosas ideologias poderão levá-los à escravidão aos poderes deste mundo ou
ao desespero que ja é a morte.
Segundo as belas palavras do Santo Padre João Paulo II, nenhum outro documento
do Vaticano II e até mesmo de todo o magistério da Igreja até hoje, foi tão atento em
descobrir, analisar e iluminar com a luz de Deus, os problemas concretos do
homem, como a Constituição GS. E, por isso também, nehum outro foi tão capaz de
levar aos homens este realismo de uma esperança que se faz presente no meio das
situações e condições mais estremas da vida humana. Diz o Santo Padre na
alocução já mencionada (L'Oss.Rom.18.02.96).
Em vista deste insistente convite que nos faz o Santo Padre, pensamos que após a
constatação dos muitos males que afligem os homens de hoje, tentando-os com a
desesperança, pensamos ser oportuna uma reflexão nossa, para descobrirmos,
como pessoas e como membros de uma comunidade monástica, que para nós
também se torna urgente redescobrirmos os valores que são como o fundamento da
nossa esperança, a esperança da Igreja de todos os tempos. Só assim poderemos,
"estar sempre prontos a responder, com doçura e respeito, a todo aquele que
perguntar, a razão da vossa esperança"(1Pd 3,15).
O Santo Padre João Paulo II, ao se referir a alguns problemas atuais que afligem a
pessoa humana bem como a sociedade, mencionava em primeiro lugar a crise de
sentido ou significado da vida humana.
O homem não pode deixar de sentir-se envolvido na necessária busca de respostas
para várias perguntas fundamentais que brotam naturalmente de sua própria razão:
qual a nossa origem?, qual a finalidade da vida?, como explicar a presença do mal,
do sofrimento e a inevitabilidade da morte? (cf.Alocução n.5 e GS 4, 10, 21, 41). E
afirma com clareza a gravidade e intensidade deste problema ao manifestar a sua
constância e universalidade: "em todos os tempo e lugares esses interrogativos
interpelam o coração humano e impelem-no a buscar uma resposta plena e
definitiva"
Hoje em dia, sem dúvida alguma, há milhões de homens que são tentados a perder
a própria razão e esperança de viver por estarem privados das condições materiais
mínimas de existência, pela fome, pela indigência imposta pelo condições injustas
da vida social, pela falta de trabalho, de recursos indipensáveis da educação, da
assistência médica e social etc.
Mas, diante deste quadro, infelizmente hoje tão frequente, tanto em nações pobres
como ricas, não se poderá deixar de reconhecer que ainda mais gravemente pesa
sobre a pessoa humana, necessitada não apenas dos bens materiais, o fato de não
estar conseguindo encontrar, frequentemente, as razões e o significado da própria
existência.
Será esta concepção sobre nós mesmos e sobre o lugar que ocupamos na vida que
nos poderá ajudar a dar-lhe sentido, não obstante as tragédias pelas quais devamos
passar. Essa concepcão antropológica exige pois que estejamos convictos de que,
além de nossas dimensões físicas e psicológicas, possuimos uma dimensão
espiritual ou noética, especificamente humana ( espiritual, não no sentido religioso,
mas no de vida mental ou intelectual que supõe um princípio de ação transcendente
à materialidade do ser). O homem, na sua integralidade, compreende as três
dimensões, mas é a dimensão propriamente humana que permitirá à pessoa
transcender a si mesma e fazer dos significados e valores uma parte fundamental da
sua existência.Neste sentido, cada pessoa é um ser único, vivendo através de
infinitos momentos únicos e insubstituíveis, cada um deles oferecendo um
significado em potencial (isto é, aberto também para o futuro). Se reconhecermos
este potencial e formos capazes de corresponder a eles, nossa vida terá um sentido
e a conduziremos de forma responsável.
Para V.Frankl, unicamente quando nos elevamos à dimensão do espírito (mente)
tornamo-nos um ser completo. A dimensão humana é a dimensão da liberdade: não
a liberdade proveniente das condições, quer sejam elas biológicas, psicológicas ou
sociológicas; nem a liberdade de alguma coisa, mas liberdade para alguma coisa, a
liberdade de tomar uma atitude concernente às condições. E somente nos
tornaremos seres humanos completos quando atingimos esta dimensão de
liberdade. Somos prisioneiros da dimensão do corpo; somos conduzidos pela
dimensão psiquico-afetiva, mas na dimensão do espírito somos livres. Nós não
apenas existimos, mas podemos exercer influência sobre a nossa existência.
Podemos não só decidir sobre que espécie de pessoas somos, mas que espécie de
pessoa poderemos vir a ser. Dentro da dimensão noética somos nós que fazemos a
escolha.
Antes de se refletir sobre o próprio sentido da vida, parece ser oportuno enunciar
três princípios que podem ser postos à prova e que são fundamentais para o
esclarecimento do sentido.
1. Sob quaisquer condições a vida tem um sentido.
2. Temos o "anseio por um sentido"e tornamo-nos felizes somente quando sentimos
que estamos realizando este sentido.
3. Temos a liberdade, dentro de certas limitações óbvias, de realizar o sentido de
nossas vidas.
A procura de sentido para o homem é uma força primária na sua vida e não uma
"racionalização secundária" de tendências instintivas. Este sentido é único e
específico nisto que deve e pode ser realizado por ele somente; somente então
encontrará ele um significado que irá satisfazer a sua própria vontade de sentido.
Para alguns autores, sentidos e valores nada mais são do que "mecanismos de
defesa, reações formativas e sublimações". Mas, de modo nenhum alguem estaria
disposto a morrer por causa do seu "mecanismo de defesa" ou por suas "reactions
formations". O homem, no entanto, é capaz de viver e até mesmo de morrer por
causa de seus ideais e valores !
Uma pesquisa de opinião pública foi efetuada, há alguns anos, na França. O
resultado mostrou que 89% das pessoas consultadas admitiram que o homem
necessita de "algo" pelo qual possa viver. Aproximadamene 61% admitiram que
havia algo ou alguém, em suas vidas, por quem estariam dispostos a dar a vida.
Frankl repetiu esta pesquisa em sua clínica em Viena, e o resultado foi praticamente
o mesmo, com uma diferença de apenas 2%. Em outras palavras, a vontade por um
sentido, na maioria das pessoas, é um fato e não apenas suposição.
Esta percepção é baseada no conhecimento intuitivo de que a vida tem sentido, por
mais obscuro que em certas ocasiões isto possa parecer. Cada um de nós é
motivado por aquilo que Frankl chama "o anseio por um sentido". Ainda que esteja
reprimido dentro de certos limites, somos livres para descobrir o significado de nossa
própria existência. A fé no sentido, o anseio de sentido do homem e sua liberdade
para encontrá-lo, são os princípios fundamentais da logoterapia. A maioria das
pessoas não precisa ser persuadida de que o sentido existe e de que anseiam por
ele. Somente é necessário torná-las conscientes do que, nas profundezas de seu
inconsciente, sabem ser verdade.
A logoterapia abre as portas, mas cabe a nós escolher a porta pela qual desejamos
passar em nossa busca. O ignorado e reprimido anseio por um sentido pode ser a
causa da sensação de vazio, mas longe de constituir-se no sintoma de uma doença,
é antes de tudo, uma prova de sua humanidade: unicamente o ser humano busca
sentido, duvida e se sente frustrado quando não pode encontrá-lo. Resignar-se ao
vazio e à frustração apenas irá agravar esses estados.
A logoterapia vê o sentido em dois níveis.
Primeiro, como sentido último da existência, uma ordem universal onde cada um de
nós tem um lugar. Esta ordem pode ser percebida tanto do ponto de vista religioso
como secular, dependendo de nossa visão do mundo. A busca de sentido suscita a
pergunta: "Que lugar ocupo na totalidade da existência? " Mas a busca de sentido é
também a busca da própria identidade, de um propósito, um destino, uma missão e,
por isso mesmo, propõe as seguintes perguntas complementares: "Quem sou eu?
"Quais os meus objetivos?" "Para onde estou indo? ""O que devo fazer? "
A existência do sentido último é algo que não se pode provar, exceto na experiência
de vida que não se repete. Uma pessoa pode viver como se existisssem o sentido, a
ordem, o propósito, o destino e a missão, ou pode viver como se tudo fosse
arbitrário e ver quais as alternativas mais satisfatórias. Mas o sentido da existência
tampouco se pode demonstrar em virtude de um esforço constante em alcançá-lo e
retê-lo, o que seria tão impossível como alcançar e reter o horizonte. A prova reside
na satisfação que acompanha a busca.
Este sentido de vida é tamém chamado supra-sentido.
Qualquer tentativa para se infundir uma força interior, em alguem que perde a
esperança, deverá anteriormente conseguir que ele aceite algum futuro objetivo.
Apropriada é a sentença de Nietzsche que dizia: "Aquele que possui um "porque"
pelo qual viver, poderá suportar qualquer "como" deve viver".
Que conselho se poderia dar a um homem desesperado que, a toda tentativa de
encorajamento responde simplesmente: "eu nada mais tenho para esperar algo da
vida" ?
O que se torna necessário é uma fundamental mudança em nossa atitude em
relação à vida. Deveremos aprender, primeiramente nós mesmos, para que
possamos ensinar aos desesperados que "realmente não importa tanto o que nós
esperemos da vida, mas sim, o que a vida mesma espera de nós" ! Devemos parar
de nos perguntar continuamente: "qual o significado da vida?" - e em lugar disto
começarmos realmente a pensar que "somos pessoas a quem a vida interroga
contínua e incessantemente" [cf. com muita semelhança diz também Abraham
J.Heschel: "A Bíblia é uma resposta à pergunta: "o que Deus espera do homem?
Mas, para o homem moderno, esta pergunta foi anulada por uma outra: "O que o
homem exige de Deus"? O homem continua a se perguntar: "o que poderei
conseguir da minha vida? Mas, o que escapa à sua atenção é a pergunta
fundamental, no entanto, tão esquecida: O que a vida conseguirá de mim?
Absorvidos na luta pela emancipação do indivíduo, concentramos nossa atenção na
idéia dos direitos humanos, mas nos esquecemos de considerar a importância das
obrigações do homem". The insecurity of freedom,Schocken Books, New York 1972,
p.4; cf.Who is Man? Stanford University Press, Stadford, 1965, p.70. 109-110,etc.].
Sentido e Valor
"Se os homens nem sempre podem conseguir que a história tenha sentido, sempre
podem atuar de tal forma que suas próprias vida o tenham" (Albert Camus).