Sie sind auf Seite 1von 74

FALSA FOLHA

Contribuímos para a transição da sociedade


de crescimento industrial para a sociedade
que sustenta a vida. Para isso, ajudamos
pessoas e projetos a gerar sentido, navegar a
complexidade e transformar padrões através
de cursos e consultoria em desenvolvimento e
design regenerativo e autotransformação.
Assine a lista de email e fique mais próximo.
www.desenvolvimentoregenerativo.com/email
O CHAMADO PARA
A LIDERANÇA
REGENERATIVA

Editora Bambual – Versão 2.0

FELIPE A. S. TAVARES
2019
Copyright © 2019 Felipe Tavares

Para mais informações, por favor, acesse


https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0

COORDENAÇÃO EDITORIAL REVISÃO


Isabel Valle Vinícius Trindade

FOTOS CAPA ADAPTADA DA ORIGINAL DE


Peruzzo (páginas 8, 20, 36) Frederico Oliva
Juarez Neto (páginas 26,50)

T231c

Tavares, Felipe, 1990-


O chamado para liderança regenerativa / Felipe Tavares –
Rio de Janeiro: Bambual Editora, 2019.
72 p.

ISBN 978-85-94461-13-1

1. Liderança. 2. Cultura e instituições. I. Tavares, Felipe. II.


Título.
CDD 303.34
306

www.bambualeditora.com.br
conexao@bambualeditora.com.br
Este livro é um convite à transformação – um cho-

que consciente com o objetivo de inspirar mudanças rumo

a uma cultura de cocriação com a inteligência da vida.

Este é um compilado de pequenos textos. Nestas pa-

lavras eu honro o chamado de Gaia e celebro a liderança

regenerativa. Mas, ainda mais forte, eu celebro você e a sua

capacidade de transformar realidades.


AGRADECIMENTO

Agradeço à Juliana Diniz pela caminhada comparti-


lhada, pelos inúmeros aprendizados e pela revisão atenta
deste trabalho.
En un mundo de plástico y ruido,
quiero ser de barro y de silencio.

– Eduardo Galeano
QUEM ESCOLHEMOS SER?

A luta pelos direitos humanos e da Terra – a luta por um


mundo mais bonito – não é uma corrida de cem metros, é uma
maratona.
A principal tarefa que nos é dada agora é uma reflexão pro-
funda sobre como iremos servir, a partir da nossa essência, para
a construção do mundo mais bonito que nossos corações sabem
ser possível1.
O que eu posso fazer hoje que irá se somar com o trabalho
de amanhã e poderá contribuir significativamente para a regene-
ração planetária? Como transformar o meu esforço em um legado
de esperança e inspiração para o mundo?
O planeta nos convida a participar desta mudança. Nos res-
ta, então, descobrir qual papel iremos desempenhar para alcançar
a mudança que queremos.

1 O mundo mais bonito que nossos corações sabem ser possível é o título de
um belo e importante livro do autor Charles Eisenstein onde ele explora
a mudança de perspectiva do ”Mundo da Separação” para o “Mundo
do Interser”.

12
SOMOS FEITOS DE HISTÓRIAS

A todo momento ouvimos, fabricamos e contamos histó-


rias. Podemos não perceber, mas essas narrativas – reforçadas dia
a dia – são o pano de fundo de todas as nossas escolhas.
O primeiro passo para a transformação é ouvir essas histó-
rias com uma atenção especial.
Podemos, então, decidir se essas histórias nos servem ou
não. Podemos escolher recriar as narrativas que nos orientam.
Qual o nosso papel no mundo? O que é sucesso? O que é
importante?
Precisamos escolher as histórias que nos servem, abando-
nar as que não fazem sentido e recriar a narrativa do nosso futuro.

13
TEMOS A OBRIGAÇÃO DE JOGAR UM
JOGO DIFERENTE

Não acredito que temos escolha. Temos a obrigação de mu-


dar as regras, de jogar um jogo diferente, de ir além do absurdo
considerado como normal.
Nós precisamos de pessoas que refaçam o papel da huma-
nidade. Precisamos de pessoas que quebrem as regras, desafiem
o estabelecido e superem o convencional. E que nos mostre como.

14
SEJA INSUBSTITUÍVEL

Por décadas a nossa curiosidade foi abafada nas escolas. Fo-


mos treinados para a conformidade, fomos forçados a caber em
uma função pré-definida. Nos tornamos facilmente substituíveis.
Mas o mundo precisa de gente singular, de pessoas insubs-
tituíveis, de pessoas que tenham voz e que se importam com uma
causa maior do que a si mesmas.
Tornar-se curioso é um processo de cinco-dez-quinze anos
em que você começa a encontrar a sua voz e entende que a coisa
mais arriscada a se fazer é jogar o jogo da conformidade, é ser
substituível.
Encontrar o seu papel singular é uma tarefa em comunida-
de, é um ato generoso de doar-se e ser capaz de perceber-se nos
outros. É uma experimentação corajosa. É se permitir pertencer e
ousar contribuir.
É um processo que daqui a algum tempo você vai desejar
ter começado hoje.

15
MUDANÇA2

Queremos evoluir. Para tanto, o mais comum é a busca por


“fazer as coisas melhor”. A ideia é simples: para que eu me desen-
volva pessoal ou profissionalmente eu devo aprimorar o jeito que
faço as coisas. Esta é uma mudança dentro de fronteiras cotidia-
nas, é uma escolha dentro de um conjunto conhecido de opções.
Mas e se em vez de “fazer as coisas melhor” nós pudéssemos
“fazer melhores coisas”? Esta é uma mudança radical na forma de
encarar a evolução.
A busca por eficiência – o “fazer as coisas melhor” – se com-
pleta apenas quando nos perguntarmos: eficiência e efetividade
a serviço do quê? Quais opções não estão sendo consideradas e
por quê? Qual o propósito de aprimorar aquilo que poderia ser
transformado em algo melhor?
Esta é uma mudança de segunda ordem que requer a reava-
liação de premissas e crenças e também um despertar do coração
para que seja possível perceber novas possibilidades.
Mas, ainda mais profunda, é a terceira ordem de mudança.
Ela é capaz de nos fazer “ver as coisas diferente”. Esta é a busca pela
experiência de ver a nossa visão de mundo em vez de ver através da

2 Baseado nos níveis de aprendizado ou mudança de Gregory Bateson.

16
nossa visão de mundo. É o reconhecimento da lente através da qual
fazemos sentido do mundo e que nos permite abordar a questão
por um novo ângulo. É a possibilidade de habitarmos o diferente,
é o exercício da visão expandida.
A transformação do jeito que as coisas são feitas depende
da transformação do jeito que as coisas são entendidas. Então,
antes de corrermos para a mudança podemos desacelerar e nos
perguntar: Quais os meus condicionamentos? O que eu sou inca-
paz de ver? Quais outros entendimentos podem existir?

17
O LIVRO QUE MUDOU A MINHA VIDA

Não me lembro de um momento tão transformador quanto


os dias que passei mergulhado nas páginas de um livro quando
adolescente. Resgatado de um canto, em edição de 1984, o que me
chamou a atenção primeiro foi a pintura da capa: um bosque com
uma trilha e uma borboleta. Era como um convite para tomar
esse caminho – um caminho de transformação como simbolizava
a borboleta.
O livro era o Walden do Thoreau. Mas até então eu não sabia
nada sobre Walden e nem sobre o Thoreau. O que me fez querer
ler esse livro foi a curiosidade pelas memórias de um autor que
escolheu em 1846 pela reclusão na floresta como caminho de au-
toconhecimento e expressão de amor pela vida.
No primeiro capítulo foi preciso me arrastar para chegar ao
final. Talvez essas 65 páginas de minúcias da partida em lingua-
gem densa seja o fardo necessário para alcançar a beleza do que
vem a seguir: a busca pelo belo e pelo essencial. A estratégia, pa-
rece, foi abdicar de tudo para que talvez fosse possível perceber o
que é que não se pode abdicar.
A grande transformação que vivi, página após página, foi
a de ganhar um novo olhar. O autor me mostrou a beleza e a

18
grandiosidade das menores coisas da natureza, e o quanto po-
demos aprender com elas, como quando descreve em detalhes
os padrões das bolhas de ar presas no lago congelado. Thoreau
possui um amor infantil pela vida e nos empresta o seu olhar es-
pecialmente atento. Ele descreve com detalhes aquilo que jamais
notaríamos.
Sem perceber a real importância deste momento, passei
pela primeira grande transformação da minha vida. Comecei a
realizar extensas caminhadas em ambientes naturais com o cora-
ção aberto. Passei a investigar os padrões que se formam na natu-
reza e me apaixonei pela ecologia. Nesse desenrolar, pela vontade
de viver a paisagem, me tornei montanhista.

19
DECLARAÇÃO DE PARTICIPAÇÃO

Eu pertenço a uma comunidade que inclui tudo que é vivo


ao meu redor.
Eu realizo o meu maior potencial quando sou capaz de con-
tribuir para o bem-estar desta comunidade.
A comunidade está bem quando todos os seus membros
podem contribuir da melhor maneira possível.
Eu participo ajudando outras pessoas a aprimorarem a sua
contribuição.
O meu bem-estar é fruto da qualidade das minhas relações
com a comunidade.
Eu pertenço.3

3 Traduzido e adaptado de David Braden, Living Systems Institute.


livingsystemsinst.org

20
Outro mundo não só é possível como já está a caminho.
Nos dias calmos posso ouvi-lo respirar.

– Arundhati Roy
UM MUNDO VIVO

Não só fazemos parte de uma teia viva como o planeta em


si é uma entidade viva. Essa percepção nos dá uma nova moti-
vação enquanto sociedade. Os nossos dons e talentos – cultura e
tecnologia, por exemplo – ganham um novo sentido.
Não mais temos que impor o nosso design no mundo atra-
vés da dominação, pois reconhecemos que existe uma inteligên-
cia viva. O mundo deixa de ser uma aleatoriedade errante e passa
a ser um organismo vivo e inteligente. O planeta passa a ter uma
essência e um sonho.
O nosso papel, então, é contribuir para a realização deste
sonho. Abdicamos do nosso ímpeto colonizador, aquele que co-
nhece para dominar, e reconhecemos Gaia. Ao reconhecer Gaia,
nos percebemos enquanto cocriadores da vida.
O nosso objetivo é participar de forma apropriada. Obser-
var, ouvir, sentir, pensar… para então contribuir. Contribuir com
Gaia, que é, fundamentalmente, contribuir com nós mesmos.

23
AYNI, A RECIPROCIDADE ANDINA

Ayni é a espinha dorsal da cultura andina. É o reconheci-


mento do mundo em sua integralidade e interdependência.
É um princípio cosmológico múltiplo que pode ser simpli-
ficado como “troca de energia” ou “reciprocidade”. É um reflexo
da realidade onde tudo e todos são um só.
Não existe separação para o povo andino. O que existe é Kau-
say Pacha, o mundo de energia viva ou o mundo de abundância.
Desta forma, a melhor maneira de vivermos é em harmonia
com o fluxo natural da vida. E o fluxo natural é o de dar e receber.
Ayni define um relacionamento. Dá nome ao sentimento de
comprometimento em devolver da melhor forma possível aquilo
que recebemos. É uma troca de energia entre os seres humanos, a
natureza e o universo.
Ayni é a busca por uma participação apropriada. É o equilí-
brio entre dar e receber. É oferecer aquilo que o outro precisa e ser
nutrido pela dádiva da vida.

24
ENTRE DOIS MUNDOS
Dois mundos coexistem. Um, aquele com o qual estamos
mais acostumados, é pautado pela dominação. Podemos chamá-
-lo de mundo da separação, pois este acredita que todos os seres
são separados e operam a partir do autointeresse. Desta forma, o
que existe é um ambiente ferrenho de competição.
O outro, embrionário mas latente, é um mundo pautado
pela integralidade e respeito à vida. Este reconhece que todos fa-
zemos parte de uma grande teia e que somos interdependentes.
Por isso, podemos chamá-lo de mundo do interser4. Nele, acre-
ditamos que só é possível existir porque todas as outras coisas
existem. Assim, temos um ambiente de cooperação rumo à coe-
volução dos sistemas vivos.
O agente de regeneração habita estes dois mundos.
Quando olhamos para as tristezas do mundo da separação
podemos ficar desesperançosos. É fácil sentir-se pequeno diante
de um mundo-monstro. Mas, mesmo assim, somos chamados a
trabalhar neste lugar.
O trabalho que a liderança regenerativa desempenha no
mundo da separação é o de resistência, reparo e cura. É a tentati-

4 Termo cunhado pelo monge budista, pacifista, escritor e poeta


vietnamita Thich Nhat Hanh.

25
va de impedir que um mal maior seja feito. É uma dura luta para
frear a destruição.
A realidade do mundo da separação, no entanto, não inva-
lida os avanços do mundo do interser. Coexistindo com todas as
mazelas, há grandes líderes e iniciativas que são a materialização
de um mundo melhor.
Viver entre dois mundos é aceitar a incerteza, a ambiguida-
de e a contradição da caminhada. É realizar o “trabalho de bom-
beiro” do ativista e ao mesmo tempo desempenhar o “trabalho de
visionário” que constrói novos caminhos.
Trabalhar no mundo do interser é fazer o impensável. É
operar a partir dos nossos corações e cultivar uma mente ampla
e amorosa o suficiente para cuidar e nutrir iniciativas transfor-
madoras.
Te convido, humildemente, a assumir o seu lugar. Nem lá
nem cá, entre dois mundos, abrindo trilhas desconhecidas, mos-
trando o caminho para um mundo mais bonito ao mesmo tempo
em que cura e repara os danos já causados.

26
Sólo le pido a Dios
que el dolor no me sea indiferente
que la reseca muerte no me encuentre
vacío y solo sin haber hecho lo suficiente.

– León Gieco
VAMOS CONSEGUIR?

Seremos capazes de superar os desafios de nosso tempo e cons-


truir um mundo viável? Não é tarde demais? Difícil demais?
Esta é uma indagação comum dos agentes de transformação.
Quando dirigida a mim, eu respondo: não importa.
Não me interessa calcular as chances da humanidade sair da ar-
madilha que criou para si. Não me interessa nem mesmo sustentar a
civilização como está.
Mas me interessa contribuir a partir da minha melhor visão. Isso
porque sei que o futuro se faz a partir de sucessivos presentes. E viver
hoje da forma como acreditamos que devemos viver, desafiando tudo
o que há de ruim a nossa volta, é por si só uma vitória maravilhosa.
A salvação da humanidade, essa tarefa colossal, não cabe a nós.
Isso é um equívoco. Não é este o nosso objetivo.
O nosso objetivo é criar ilhas de sanidade em um mar de intole-
rância, egoísmo e ganância.
Você pode, com a influência que possui, criar espaços potentes
para trabalhar e vivenciar aquilo que você acredita ser a melhor ex-
pressão da humanidade. Você pode viver o futuro hoje.

29
FREAR É O PRIMEIRO PASSO

A sustentabilidade busca melhorias relativas. A pergunta é:


como posso reduzir o meu impacto ambiental? A resposta cos-
tuma vir acompanhada de números. É possível reduzir 10% do
consumo de energia, 25% do consumo de água, 20% de resíduos...
A atenção está voltada para diminuir o ritmo com que de-
gradamos o planeta. Mas isso não impede o fim trágico. Se esta-
mos em um carro que se move sentido a um abismo, reduzir a
sua velocidade não nos salvará de um triste fim. Mas, ao perceber
a tragédia, reduzir a velocidade é o primeiro passo para que se
possa fazer a curva com segurança.
A sustentabilidade nos ajuda a frear. Agora precisamos de
um farol que nos ajude a fazer a curva no sentido certo rumo a
um futuro viável.

30
SEJA A RESISTÊNCIA

Ser a resistência é se recusar a aceitar ou consentir com ide-


ologias, práticas e hábitos perigosos. É se lembrar de defender o
óbvio e não normalizar o absurdo.
Ser a resistência é se opor à ideia de que o planeta e todas as
espécies servem às vontades dos seres humanos.
É desafiar o uso utilitarista da natureza e reconhecer o direi-
to de todos os seres à vida.
É rejeitar o consumismo e a ideia absurda de crescimento
industrial infinito. É se opor ao vício de poder, ao assalto à demo-
cracia e à afronta aos direitos das minorias.
Ser a resistência é se opor à objetificação da mulher, ao ra-
cismo e à exploração de pessoas. É lutar por uma sociedade de
direitos humanos básicos e universais.
É rechaçar duramente o lucro com as guerras, com as do-
enças, com a fome e com os desastres. É ir contra o oportunismo
amoral da indústria armamentista, farmacêutica e de alimentos.
É se recusar a alimentar o jogo da ignorância, intolerância
e violência. É não aceitar discursos de ódio e ataques ao direito
de existir.
Ser a resistência é, antes de mais nada, defender os direitos
humanos e os direitos da Terra. É se posicionar e não fugir de
conversas difíceis. É se ver no outro e estar lá para o que é certo.
Resista.

31
O GRITO

Em silêncio é possível ouvir o grito da Terra.


A atenção e o cuidado, grandes expressões do feminino,
não surgem da percepção externa – nem mesmo do cair da flores-
ta. Eles surgem de um lugar pouco frequentado: as profundezas
do ser humano.
O desabrochar da sensibilidade humana é o desabrochar da
Terra. O interesse humano por humanidade e a busca de coerên-
cia ecológica, do cuidado com a casa comum, surge a partir do
autointeresse de Gaia. Este é o seu despertar dentro de nós.
Acorde e veja: você é os olhos da Terra.

32
DIREÇÃO

Existe um padrão: pessoas sentem o chamado para contri-


buir com um mundo melhor, mas ficam paralisadas pela magni-
tude da tarefa.
Um dos motivos para isso é a imagem do herói que vai sal-
var o planeta. Acreditamos que a nossa ação deve ser grandiosa e
impactar a vida de milhares de pessoas. Mas logo percebemos que
não é bem assim que as coisas funcionam e ficamos paralisados.
O mundo é resultado de uma teia complexa de relaciona-
mentos e não há um único agente capaz de mudá-lo sozinho. Mas
uma coisa podemos mudar: a nossa contribuição na teia da vida.
Aprendi que o nosso objetivo não deve ser o de mudar o
mundo. Aprendi que devemos buscar contribuir de forma cons-
ciente para que o mundo siga na direção da nossa melhor visão.
Em outras palavras, não interessa para onde o mundo es-
teja caminhando. O que interessa é para qual direção eu estou
contribuindo para que ele vá.

33
O ESPECTADOR, O PARTICIPANTE E O
SALTO MORTAL

O espectador é aquela pessoa que assiste ao mundo desen-


rolar na sua frente. Ela sobe no barco, mas nunca assume o leme.
Ela está à mercê do sistema. Está à deriva.
Já o participante jamais se deixa levar. Esta pessoa possui
uma direção clara e fará os ajustes necessários para seguir no sen-
tido da sua visão. Ela participa ativamente na criação do mundo.
Passar de espectador para participante exige um salto. É
como subir no trampolim de dez metros e ficar paralisado pelo
medo – o medo de que algo possa dar errado, o medo de ferir a
própria existência.
E então ter a coragem de reconhecer que esse medo não
possui lastro e que o perigo é o próprio medo – o medo que blo-
queia a ação.
E então o salto. E outro. E outro. Para nos tornarmos par-
ticipantes precisamos nos acostumar a saltar no vazio, encarar o
medo e fazer as pazes com a incerteza.

34
LIDERANÇA REGENERATIVA

Para alcançarmos um futuro próspero, mais do que fazer as


coisas diferente, é necessário redefinir a presença humana na Terra.
A regeneração é uma proposta de harmonização das ativi-
dades humanas com a inteligência dos sistemas vivos. Porém, a
curva de aprendizagem dessa mudança é longa.
Precisamos de pessoas que nos mostrem caminhos para um
futuro viável e que nos ajudem a embarcar em uma jornada de
transformação. Precisamos de pessoas que assumam a responsa-
bilidade de liderar a partir de um propósito coletivo e cuja moti-
vação seja sanar as dores de Gaia.
A essas pessoas nós podemos dar o nome de líderes rege-
nerativos.
Uma liderança regenerativa se expressa de diferentes ma-
neiras a depender de seu arquétipo pessoal. Ela pode emergir
como a guerreira comprometida em conter a destruição ecosso-
cial, a curadora sensível capaz de curar as dores da Terra ou a
professora motivada em transformar a percepção da realidade.
Todas, no entanto, possuem uma orientação comum: reparar os
danos causados pela atividade humana e devolver uma visão de
futuro próspero à humanidade.

35
A jornada da liderança regenerativa começa nas profun-
dezas do lugar mais temeroso que podemos acessar. Ela começa
dentro de nós mesmos. Guiados pela premissa de que não é pos-
sível realizar a transformação que queremos para o mundo sem
antes realizarmos a transformação interior de como pensamos
e de quem somos capazes de ser, a liderança regenerativa cruza
limiares obscuros e caminha no fio da navalha da consciência
humana.
A transformação pessoal inspira a transformação coletiva. E
tudo o que nós queremos é estar com pessoas que nos inspiram a
ser a melhor versão de nós mesmos.
O mundo precisa de lideranças regenerativas e te convida
a realizar o seu maior potencial: o de servir às necessidades da
Terra e inspirar outras pessoas a fazer o mesmo.
Você é importante demais para não ser você mesma.

36
Al fin y al cabo, somos lo que hacemos
para cambiar lo que somos.

– Eduardo Galeano
APRENDER A DESAPRENDER

Para que aprendizados profundos ocorram – aqueles que


mudam vidas e organizações – é necessário aprender a desa-
prender.
Nós aprendemos sobre como o mundo funciona, sobre
quais sonhos são válidos e sobre como devemos nos comportar.
Isso nos dá uma estrutura que sustenta as nossas opiniões.
Precisamos abalar essa estrutura.
É preciso cultivar a desaprendizagem, dissolver a rigidez
e abrir espaço para novas percepções. Desaprender talvez seja o
maior aprendizado – superar o velho e inadequado para alinhar-
-se com um futuro viável.
Ao desaprender damos as boas vindas à reinvenção. Pode-
mos fazer isso nos dando conta de que enxergamos o mundo atra-
vés de concepções ultrapassadas. Assim, podemos suspender es-
sas premissas, reavaliá-las e escolher a direção que nos faz sentido.
Soma-se a isso outro elemento importante: a urgência.
Os tempos são urgentes, vamos desacelerar. Este é o conselho
contraintuitivo do autor Bayo Akomolafe. O mundo clama por
transformações urgentes. Vamos então nos aquietar. A pressa por
respostas tece o problema junto à solução. Não tenhamos pressa.

39
Desacelerar abre espaço para o desaprender. Desaprender
abre espaço para melhores perguntas que, por sua vez, geram res-
postas condizentes com os desafios de nosso tempo.
Partindo do ensinamento de Bayo, podemos dizer: o conhe-
cimento é a maior riqueza da humanidade, vamos desaprender.

40
DISTÚRBIO GENERATIVO

Somos avessos a perturbações. Procuramos sempre que


possível um caminho seguro e conhecido sem grandes mudanças.
Acontece que a principal força evolutiva em sistemas vivos
são os distúrbios.
Segundo a Teoria da Cognição de Santiago, sistemas vivos
respondem a distúrbios com mudanças estruturais, isto é, mu-
danças na estrutura física, cerebral, celular… e o faz de forma a
”escolher” a quais distúrbios responder e como responder.
Uma floresta sem distúrbios está fadada ao declínio. Em um
ecossistema, o único equilíbrio que existe é o equilíbrio dinâmico
que incorpora as mudanças como eventos capazes de promover
a evolução.
Assim, para alinhar a nossa mentalidade com a inteligência
da vida podemos começar fazendo as pazes com os distúrbios –
com os eventos de caos e destruição – e entendê-los como uma
força natural necessária ao equilíbrio dinâmico.
Aquele evento que não estávamos esperando, o desapare-
cimento de algo que nos dava a sensação de segurança ou mu-
danças repentinas e totais podem ser eventos capazes de gerar
mudanças evolutivas.

41
Talvez não seja possível escolher se queremos ou não res-
ponder a um evento, mas sempre será possível escolher como res-
ponder. Qual aprendizado é possível incorporar a partir disso?
Como este evento pode me levar a novos rumos?
O Brasil vive hoje5 um grande e profundo distúrbio estrutu-
ral, uma afronta inimaginável aos rumos de um país pautado no
respeito, inteligência e integralidade.
Um desrespeito à sua própria história.
Estamos escolhendo responder de que forma?
Desejo que este momento faça florescer em nós a vontade e
a consistência necessária para trabalharmos as nossas habilidades
enquanto agentes de mudança.
Desejo que comecemos a construir ou ampliar o nosso lega-
do orientados pela nossa visão mais energizante. Agora.

5 Escrito em janeiro de 2019.

42
A NOVA ZONA DE SEGURANÇA

Conformidade e regras estabelecidas costumava ser a nossa


zona de segurança e, ao mesmo tempo, a nossa zona de conforto.
É confortável a sensação de segurança e de certeza, mas es-
tar confortavelmente dormente ao ocupar um papel substituível
não é mais seguro.
Apesar da nossa zona de conforto ser a mesma, a nossa
zona de segurança mudou.6
Vivemos num mundo em que a conformidade não é recom-
pensada. A sociedade hoje, na economia da conexão, valoriza as
pessoas corajosas, capazes de fazer um trabalho autêntico.
A zona de segurança, então, está na capacidade de surpre-
ender. Está na capacidade de fazer um trabalho significativo e em
criar conexão.
É preciso sair da zona de conforto para entrar na nova zona
de segurança. Você pode fazer diferente e pode fazer melhor do
que sempre fizeram.
Você é capaz, com o seu coração e com toda a sua coragem,
de fazer algo surpreendentemente significativo que irá mudar o
jeito como as coisas são feitas.

6 Inspirado no livro A ilusão de Ícaro de Seth Godin.

43
Algo mais generoso, mais humano, mais atento e mais
profundo.
Com intenção e coragem podemos transformar o nosso tra-
balho em legados inspiradores – em contribuições significativas
que são essenciais para a vitalidade do nosso local de interação.
Nessa jornada precisamos de duas coisas: de uma menta-
lidade de aprendizagem por toda a vida e de uma comunidade
de apoio.
Juntos podemos nos tornar indispensáveis e insubstituíveis.
Uma boa avaliação que podemos fazer é nos perguntar: se
eu me retirar agora quem verdadeiramente sentirá a minha falta?

44
LUGAR DE CONTROLE

Existem pessoas capazes de gerar grandes mudanças no


contexto em que estão inseridas. Uma das suas principais habili-
dades é a capacidade de assumir a responsabilidade pelos acon-
tecimentos em sua vida. Chamamos essa característica de autor-
responsabilidade ou lugar interno de controle.7
A característica oposta, o lugar externo de controle, atri-
bui a fatores externos o maior peso da responsabilidade sobre os
acontecimentos. Assim, uma pessoa operando dessa maneira, de
forma reativa, encontra sempre uma explicação externa para o
seu fracasso. Ou seja, “eles” estão causando o que “eu” estou ex-
perienciando.
Existem, sim, fatores externos que influenciam a nossa vida
e os nossos projetos. Porém, atribuir a “culpa” de um fenômeno
para algo que está fora da nossa esfera de influência é um grande
restritor enquanto trazer para si a responsabilidade de mudança
é um catalisador para a evolução.
“Diante desse acontecimento, o que eu posso transformar
para alcançar os meus objetivos?”, perguntaria o agente de trans-
formação orientado pela autorresponsabilidade.

7 Conceito trabalhado pelo grupo Regenesis e pela autora Carol Sanford.

45
Estar ciente de que somos responsáveis pelas nossas expe-
riências nos permite escolher como iremos reagir com o que está
acontecendo à nossa volta.
Pode parecer contraintuitivo, mas podemos reconhecer no
outro a nossa própria limitação. Ao apresentarmos uma ideia a
alguém, por exemplo, é comum que ela não entenda exatamen-
te o que queremos dizer. Pode mesmo existir uma limitação no
outro, mas ela também reflete a nossa própria incapacidade de
comunicar de forma clara e eficiente.
Assim, quando nos pegarmos culpando os outros, remoen-
do o fato de que eles nos fizeram sentir mal, devemos nos lembrar
que estamos operando através do lugar externo de controle. Tra-
zendo para nós a responsabilidade, podemos ter escolhas criati-
vas e autênticas sobre como reagir em determinada situação.

46
SEU PROJETO É A SUA REVELAÇÃO

O seu projeto não é apenas um projeto. Não é a soma das


plantas baixas das suas edificações e nem o conjunto de suas di-
retrizes internas. Não é a sua cadeia de produção e nem o serviço
que você presta.
A sua empresa ou organização não é apenas isso: uma em-
presa ou uma organização. Ela é a expressão última do seu ser.
É o reflexo das suas percepções básicas sobre o mundo, das suas
ideologias invisíveis e do seu sistema de crenças. Ela é a sua assi-
natura energética, a sua declaração de visão e o seu voto de con-
fiança. É a sua maior contribuição para o futuro que você ajuda a
construir hoje. O seu projeto é muito mais do que um projeto. É o
seu veículo de liderança, o seu instrumento para a transformação
e o seu sonho revelado. É a história que você conta e é o que diz
para o mundo sobre as histórias que você acredita. O seu projeto
é a sua revelação, é a sua história, as marcas da sua evolução e a
trilha da sua caminhada.
A todo momento precisamos escolher. Hoje você pode es-
colher contar uma nova história. Pode reinventar o seu projeto e
transformar o seu futuro. Pode alinhar a sua ação com aquilo que
você acredita que há de melhor em você. Pode começar a constru-
ção de algo que amanhã irá te orgulhar.

47
CRISE DE PERCEPÇÃO

As crises ecológica, social e econômica não são crises distin-


tas e separadas, mas diferentes expressões de uma só: a crise de
percepção.
Vivemos um paradoxo: nos orgulhamos da racionalidade
humana e dos feitos tecnológicos, mas é esse mesmo pensamento
a causa dos nossos maiores problemas. Esta é a tese central do
físico Fritjof Capra e de outros pensadores.
A mentalidade dominante da sociedade possui origem no
encantamento com a máquina. Esta foi uma grande novidade e
motivo de fascínio: “um instrumento grandioso, fruto da racionali-
dade humana que irá solucionar muitos problemas e aliviar o sofrimen-
to das pessoas”. Hoje, essa abordagem ainda sustenta manchetes
como “Esta gigantesca máquina que remove CO2 do ar poderá trans-
formar a luta contra a mudança climática”.
Essa mentalidade, o pensamento cartesiano-reducionista,
possui o seu lugar. Somos gratos aos avanços tecnológicos, mesmo
que atrapalhados, que esta abordagem proporcionou. Mas estamos
sentindo profundamente as suas consequências não intencionais.
Isso acontece porque a mentalidade reducionista é útil para
abordar determinados tipos de problemas, como os de engenha-

48
ria, mas completamente inadequada para outros, como os proble-
mas complexos da vida.
Nos apaixonamos tanto pelas máquinas e acreditamos tão
cegamente na ciência reducionista que em todo lugar que olha-
mos só conseguimos ver máquinas. Pessoas, organizações, co-
munidades e ecossistemas são vistos como tipos particulares de
sistemas mecânicos.
O lado mais perverso dessa história é o assassinato da
agência e intencionalidade de um mundo que é vivo. O pensa-
mento cartesiano fundamentou uma sociedade que acredita que
o mundo é um baú de recursos a serviço do “desenvolvimento”
econômico. Um rio intocado ou uma floresta milenar são recursos
não aproveitados. Essa crença orienta o desenvolvimentismo que
é cego por só saber ou só querer olhar para fragmentos tortos da
realidade, como o PIB.
O nosso tempo pede a superação do modelo mental redu-
cionista. É necessário entender a sua limitação e mergulhar pro-
fundamente em um novo tipo de percepção e conhecimento in-
formados pelos sistemas vivos.
Olhando para as máquinas e para os detalhes deixamos es-
capar a vida e o todo. Agora, precisamos redescobrir o todo e a
linguagem da vida.

49
Pessoas, organizações, comunidades e ecossistemas são
sistemas vivos complexos e assim devem ser tratados. O todo é
mais do que a soma de suas partes. É a expressão emergente de
fenômenos que se dá no relacionamento e que não se encontram
nas partes.
É necessário apaixonar-se pela vida. Reconhecer a beleza e
a inteligência dos sistemas naturais porque neles estão a expres-
são de bilhões de anos de evolução. Aí está a resposta para per-
guntas que ainda nem sequer sabemos fazer.
Reconhecer o valor intrínseco de todas as formas de vida
e ter a humildade de nos colocarmos como participantes de um
sistema inteligente e não como os seres inteligentes do sistema,
como diz o botânico e agricultor Ernst Göstch, é um passo funda-
mental para superarmos a crise de percepção – a crise última da
humanidade.

50
Eu vivo na Terra, no presente, e não sei o que sou.
Eu sei que não sou uma categoria. Eu não sou uma
coisa – um substantivo. Eu pareço ser um verbo,
um processo evolucionário – uma função integral
do universo.

― Buckminster Fuller
HÁ DUAS FORMAS DE SE TRABALHAR

A primeira é gerenciando a entropia, ou seja, tentando con-


trolar a desordem das coisas. Para tanto, a atenção é voltada para
os problemas e gargalos. Onde houver um ponto em deteriora-
ção, faça-se um remendo.
A segunda forma de se trabalhar é cultivando a sintropia.
Sintropia é o oposto de entropia. Ou seja, é a capacidade de orga-
nização, complexificação e evolução de um sistema. É o princípio
universal dos sistemas vivos que possibilita o desenvolvimento e
a evolução.
Trabalhar para a sintropia é dançar com o plano do vir a
ser. Assim, podemos nos perguntar: qual potencial está presente
que se realizado permitirá o sistema evoluir a ordens maiores de
organização? Este problema é resultado de qual potencial não
realizado?
Focar na resolução de problemas é como andar para frente
só que olhando para trás. Focar no potencial é utilizar os proble-
mas como ponto de alavancagem para um futuro melhor.

53
MEIOS E MOTIVAÇÃO

O principal objetivo de atividades estruturadas é a mudan-


ça de ordem. Precisamos transformar algo simples em algo mais
complexo e ordenado. Ao cozinhar transformamos alimentos
não preparados em uma refeição. Ao tecer fazemos de fios tra-
mas complexas e úteis. Atividades cognitivas seguem a mesma
lógica: conferimos sentido aos símbolos e transformamos per-
cepções em aprendizados. Estas atividades são estruturadas.
Elas possuem uma intenção clara e são organizadas para que
uma mudança ocorra.
Mas geralmente lidamos com os nossos projetos, como em-
preender ou se formar, com pouca clareza e orientação. E isso é
meio caminho andado para resultados abaixo de nossa expectativa.
Tomando como referência o trabalho sistêmico de Ben-
nett8, percebemos que as atividades estruturadas são resultado
do relacionamento entre quatro fontes. Estas fontes precisam ser
compreendidas e harmonizadas para que a atividade tenha uma
maior chance de alcançar a mudança de ordem que deseja. Esta
dinâmica foi organizada como uma ferramenta de avaliação e de-
senho de projetos: a tétrade.

8 systematics.org

54
Toda atividade emerge a partir de um fundamento. É crucial
que a equipe compartilhe esta mesma base. Podemos nos pergun-
tar: qual potencial serve ou serviu como fonte de motivação inicial
para o engajamento nesta atividade? Temos as mesmas motivações
e enxergamos os mesmos potenciais? A falta de um fundamento
sólido é motivo para a dissolução de muitas equipes e projetos.
Depois é necessário definir objetivos condizentes com a vi-
são destacada no ponto anterior. Este par fundamento-objetivo
forma o eixo da motivação. Para que haja uma boa motivação é
necessário uma correta tensão deste eixo. Assim, podemos pensá-
-lo como um elástico. Frouxo demais, com objetivos fracos e não
aspiracionais, há uma baixa na motivação. Tensionado demais,
com objetivos impossíveis, o eixo se rompe. O desafio é alcançar
a tensão correta: um destino inspirador o suficiente para manter
as pessoas animadas e palpável o bastante para que se continue
caminhando diante os desafios. Outro ponto crucial é o instru-
mento. Quais recursos, habilidades, práticas e conhecimento serão
necessários para realizar a transformação desejada? Quais instru-
mentos são capazes de manter a integridade do fundamento e al-
cançar os objetivos? Quem e o que será necessário nesta jornada?
Quem e o que devemos deixar para trás?
Por fim, o quarto ponto da tétrade é o da direção. Junto com
o instrumento forma o eixo dos meios ou o eixo operacional. A di-

55
reção talvez seja o ponto mais incompreendido e negligenciado.
Fato curioso por este talvez ser o ponto mais importante. Esta é
a estrela-guia que irá orientar e reorientar a atividade em relação
aos seus ideais e objetivos. É também a referência de qualidade e
de aderência a princípios éticos. É o que garantirá que o projeto
alcance os seus objetivos sem que haja desvios no caminho.
Além dos dois eixos principais, motivação e meios, podemos
inferir outras conexões importantes. Olhando para a conexão fun-
damento-direção olhamos para a governança. Ao tratar da relação
objetivo-instrumento tratamos da integridade da atividade. Fun-
damento-instrumento nos diz sobre habilidades. Objetivo-direção
diz sobre entendimento e direção-instrumento sobre a operação.
Estas relações secundárias são leituras avançadas da tétrade.
Assim, temos que este quadro conceitual dinâmico e sis-
têmico serve como uma poderosa ferramenta de avaliação e de-
senho de projetos. Podemos olhar para uma atividade passada
e identificar qual ponto foi mais negligenciado e assim obter li-
ções valiosas. Podemos utilizar a tétrade na mesa de projetos e
garantir que todas as fontes sejam exploradas e validadas com a
equipe. Com isso aumentamos não só o entendimento geral como
também as chances de termos um projeto capaz de realizar a mu-
dança de ordem que necessitamos.

56
PROJETOS QUE SE TORNAM LEGADOS

Se o seu objetivo é criar um projeto capaz de gerar um im-


pacto positivo, não comece pelo projeto em si, comece pelo lugar
que ele ocupa.
A sustentabilidade de um sistema vivo está ligada dire-
tamente a sua integração benéfica com o sistema maior de que
faz parte. Assim, no início de um projeto regenerativo, a nossa
atenção está toda voltada para o lugar que ele ocupa. A primeira
tarefa que temos é uma investigação que nos oriente no entendi-
mento deste lugar.
Quais as suas características únicas? Como são os relaciona-
mentos? Qual a vontade desse lugar? Qual a sua essência, o seu
espírito?
Nessa investigação dois conceitos são fundamentais: ani-
nhamento e interdependência. Estar aninhado significa que exis-
te um padrão de organização de sistemas dentro de sistemas e
um interesse mútuo entre esses diferentes níveis baseado nas
energias que são trocadas através deles.
Se a saúde de um nível se deteriora, a saúde dos demais ní-
veis são afetadas. Perceba como a deterioração dos rins, por exem-
plo, reflete no corpo todo. Se nós quisermos criar projetos que são

57
regenerativos teremos que entender os sistemas em que eles estão
aninhados, pois são estes sistemas que iremos regenerar.
Desta perspectiva, o potencial que emerge do lugar advém
do relacionamento entre o que torna este lugar único e o valor
que esta singularidade pode levar para o sistema maior em que
ele está aninhado.
Assim, a busca primordial do desenvolvimento regenera-
tivo é criar projetos que assumam um papel capaz de contribuir
para a realização do potencial do lugar que o projeto ocupa.
Desta forma, somos capazes de criar projetos que se tornam
indispensáveis para a comunidade de vida local. Projetos que se
tornam legados e fonte de inspiração.

58
A PONTE

Existe um vão. De um lado há uma terra fértil para ideias


inovadoras. Esta é a casa de pensadores extraordinários. A maior
preocupação destas pessoas é captar a inteligência da vida.
Estes mestres perceberam que os maiores problemas do
mundo possuem origem no pensamento em si. Por isso dedicam
suas vidas a entenderem as falhas da visão de mundo dominante
para que seja possível fundamentar um novo pensamento. Esta
é a construção de uma nova ciência para orientar a sociedade: a
visão de mundo dos sistemas vivos.
Do outro lado deste vão há uma paisagem árida e rochosa
que pede por intervenção direta. Este lado abriga os fazedores.
São idealistas que acreditam que um mundo mais bonito é possí-
vel e que, para realizá-lo, é preciso construí-lo ativamente, parte
por parte, agora. Para tanto, dedicam as suas vidas para edificar
paisagens sociais harmônicas: realizam projetos transformadores,
fazem conexões e viabilizam a transformação. Com suor e lágri-
mas, tornam uma visão inovadora realidade.
Acontece que entre a teoria e a prática existe um obstáculo
natural, este vão, que surge a partir da natureza distinta entre
estas duas atividades: o pensar e o agir. Mas, sabemos que teoria

59
e prática são complementares indissociáveis. Assim, um nunca
estará completo sem a presença do outro. Precisamos, então, de
uma ponte que os conecte.
Esta ponte precisa estar ancorada no solo fértil das ideias e
no solo rochoso da prática. Ela deve ser robusta, generosa e testa-
da. Deve existir uma via de mão dupla onde as ideias fluam para
a ação e a ação esteja fundamentada em uma boa teoria.
É aqui que o desenvolvimento regenerativo se mostra indis-
pensável e fascinante. Este é um método de concepção e execução
de projetos capaz de internalizar as teorias mais avançadas do
pensamento ecológico e transformá-las em princípios e quadros
conceituais capazes de orientar a prática. É a ponte que conecta o
pensar e o fazer.
O praticante familiarizado com esta metodologia é capaz
de enxergar e captar os princípios básicos de organização da vida.
É capaz, também, de transformar estes princípios em diretrizes
que vão materializar esta visão inovadora no projeto em que se
está trabalhando.
Além de pensar de forma holística é necessário trabalhar de
forma holística. Para tanto, precisamos de um método coerente,
honesto e robusto. E esta é a contribuição única do desenvolvi-
mento regenerativo.

60
SIGNIFICADOS

Desenvolvimento é o processo contínuo e consciente de


”retirar o manto” para revelar a natureza essencial das coisas.
Resgatamos o significado implícito do francês antigo desve-
loper que significa desembrulhar, desempacotar, retirar o envólu-
cro ou revelar o significado de algo.
Nesse sentido, para desenvolver é necessário visualizar o
potencial que existe em uma entidade ou atividade e então re-
alizá-lo em sua maior expressão. O desenvolvimento constrói a
capacidade de uma entidade – em relação à sua vontade, ser e
função – de viver integralmente a sua essência.
A regeneração dá nova vida ou energia a algo que teve a
sua vitalidade física ou sentido deteriorados.
Assim, o desenvolvimento regenerativo trabalha o poten-
cial de uma atividade de forma a criar maior vitalidade e uma
nova perspectiva para a vida que, por sua vez, faz emergir um
campo de energia vitalizadora em que o aprimoramento dos sis-
temas vivos possa acontecer.

61
REGENERAÇÃO

Primeiro precisamos reconhecer que a vida se organiza em


sistemas aninhados, ou seja, sistemas dentro de sistemas.
Depois é necessário compreender que cada organismo vivo
possui um potencial que surge a partir de suas características úni-
cas, de sua essência.
Este potencial, quando trabalhado e revelado, nos informa
um papel regenerativo a ser desempenhado.
Este papel reflete uma atividade que permitirá com que o
projeto realize uma contribuição única para a saúde e vitalidade
do sistema maior em que ele está inserido.
Nesta dança opera o princípio da reciprocidade. Eu contri-
buo para a saúde do sistema em que estou inserido assim como
este contribui diretamente para a minha saúde e prosperidade.
Assim, uma iniciativa é regenerativa na medida em que ela
desempenha um papel capaz de contribuir para a vitalidade do
sistema em que está inserida.
Agora pergunte a si mesmo: qual a contribuição que faço
para o sistema a que pertenço?

62
O CAMINHO DAS ORGANIZAÇÕES
REGENERATIVAS

O primeiro passo de uma Organização Regenerativa é as-


sumir a responsabilidade pela mudança. Isso significa ir além da
conformidade, ou seja, deixar de estar satisfeito por apenas cum-
prir as obrigações legais. Isso não é suficiente.
A Organização Regenerativa está a serviço de algo maior
do que si mesma. Assim, ela sai da conformidade e entra na au-
torresponsabilidade, pois entende que deve desempenhar um pa-
pel ativo na regeneração local. Ela acredita, profundamente, que
possui a obrigação de contribuir por um mundo mais íntegro.
Essa é a sua maior preocupação.
Mas para que isso seja possível é necessário um segundo
passo: sair do autocentramento em direção à participação apro-
priada. O autocentramento é responsável pela cegueira corporati-
va, é o que blinda a organização para a dura realidade do mundo
além de suas portas.
Uma organização que incorporou este princípio não mais
define os seus objetivos olhando apenas para os indicadores in-
ternos. Agora, a organização entende que faz parte de uma teia
viva. E o mais importante é participar de forma apropriada li-

63
derando o caminho da regeneração para os demais agentes que
estão ao seu alcance.
A busca pela participação apropriada nos leva ao terceiro
passo. Só é possível trabalhar em uma teia viva com responsabili-
dade e consciência quando caminhamos da fragmentação em dire-
ção à integralidade. A fragmentação é sintoma de uma mentalida-
de ultrapassada – a visão de mundo reducionista-cartesiana. Esta
não é suficiente para lidar com as questões complexas da vida.
A integralidade faz as pazes com a complexidade. E operar
a partir deste princípio faz com que estejamos atentos aos efeitos
sistêmicos de nossa atividade – passo crucial para nos tornarmos
catalisadores da saúde planetária.
Outra mudança necessária nesta jornada é ir da reparação
para a coevolução. Nos acostumamos a resolver problemas, mas
o foco na resolução de problemas nos prende ao velho enquanto
o foco no potencial nos leva a novos patamares de possibilidades
e motivação.
Para participarmos de forma apropriada em um contexto
vivo e complexo precisamos buscar uma compreensão integral do
sistema socioecológico do qual fazemos parte. Só assim é possível
nos engajar em um processo de coevolução, ou seja, trabalhar por
um desenvolvimento que promova a evolução das pessoas e da

64
ecologia local juntos, sem concessões. Interiorizar a coevolução é
reconhecer que nós somos a natureza e que a nossa evolução de-
pende da evolução dos sistemas naturais e vice-versa.
Por fim, a regeneração sistêmica só é possível quando
aprendemos a trabalhar em cooperação. É preciso abandonar o
hábito do não-envolvimento que possui origem no paradigma da
dominação e competição e incorporar a cooperação como uma
abordagem essencial à coevolução.
Organizações Regenerativas são catalisadoras de redes de
cooperação para a regeneração local. São organizações que ins-
piram outras organizações e pessoas a trabalharem por um pro-
pósito comum maior do que elas todas: um mundo viável, belo
e justo.
Em síntese:
• Da conformidade para a autorresponsabilidade;
• Do autocentramento para a participação apropriada;
• Da fragmentação para a integralidade;
• Da reparação para a coevolução;
• Do não-envolvimento à cooperação.

65
FLUXO

Ideias funcionam melhor quando fluem livremente.


Considere presentear alguém com este livro.

66
INSPIRARAM ESTE TRABALHO

Sem ordem particular e de diferentes formas e intensida-


de: Eduardo Galeano, Buckminster Fuller, Daniel C. Wahl, Fritjof
Capra, Regenesis Group, Carol Sanford, Charles Eisenstein, Seth
Godin, Stephen Sterling, Gregory Bateson, Bill Mollison, James
Lovelock, John Hardman, Otto Scharmer, Papa Francisco, Hum-
berto Maturana, Francisco Varela, John Tillman Lyle, Yi-Fu Tuan,
Ernst Göstch, David Orr, Joanna Macy, Geoff Lawton, Henry Da-
vid Thoreau, León Gieco, Margaret Wheatley e outros que me es-
capam por hora.

68
SUMÁRIO

11 Quem escolhemos ser?

12 Somos feitos de histórias

13 Temos a obrigação de jogar um jogo diferente

14 Seja insubstituível

15 Mudança

17 O livro que mudou a minha vida

19 Declaração de participação

22 Um mundo vivo

23 Ayni, a reciprocidade andina

24 Entre dois mundos

28 Vamos conseguir?

29 Frear é o primeiro passo

30 Seja a resistência

31 O grito

32 Direção

33 O espectador, o participante e o salto mortal

34 Liderança regenerativa

38 Aprender a desaprender

40 Distúrbio generativo

42 A nova zona de segurança


44 Lugar de controle

46 Seu projeto é a sua revelação

47 Crise de percepção

52 Há duas formas de se trabalhar

53 Meios e motivação

56 Projetos que se tornam legados

58 A ponte

60 Significados

61 Regeneração

62 O caminho das organizações regenerativas

65 Fluxo

67 Inspiraram este trabalho


Gostou desse livro? Conta pra gente!
conexao@bambualeditora.com.br
www.bambualeditora.com.br
Este livro foi impresso na Primavera de 2019
pela gráfica PSI7. Foram utilizadas as fontes Gothan
TT c16 e22 e Palatino c12 e22.

Agradecemos a todas as pessoas que partici-


param da pré-venda deste livro, o que possibilitou
o pontapé inicial de sua produção.
Por quê?
Porque nos importamos. E isso é suficiente para dedicarmos as nossas
vidas para a construção de um mundo mais bonito.
Nos importamos com a qualidade das relações humanas e ecológicas.
Nos importamos com o fato de que nós, seres humanos, ameaçamos a
existência de todas as formas de vida na Terra, inclusive a nossa.
Nos importamos porque enxergamos um futuro brilhante e, talvez, este
seja o único futuro viável: um em que aprendemos a viver orientados
pela inteligência da vida.
Neste futuro assumimos a responsabilidade e as limitações de viver em
uma casa comum, bem como de desfrutarmos da beleza e abundância de
viver neste planeta.
A realização desta visão demanda total autorresponsabilidade e
engajamento. E você é indispensável para a construção deste mundo
mais bonito.
Precisamos assumir o nosso papel de líderes regenerativos por um
motivo simples: se não nós, quem?
Assumir um papel, a partir da nossa essência, capaz de contribuir para
uma causa maior do que a nós mesmos é um tremendo passo para a
realização pessoal e planetária.
Contribuir para a emergência de um mundo mais bonito que funcione
para toda a humanidade é o grande trabalho de nosso tempo.
Para tanto, não estamos sozinhos. Existe uma comunidade global
comprometida em sanar as dores de Gaia. Esta comunidade precisa
de você.
O melhor momento para assumir o seu papel regenerativo é agora.
Espero que este livro sirva de inspiração para a sua caminhada.
Felipe Tavares

ISBN 978-85-94461-13-1

Das könnte Ihnen auch gefallen