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Marina Rocha
ATUAL E COMPLETO
Teste diagnóstico
com feedback online Imediato
F
LéYa EDUCAÇAO
ÍNDICE
PARTE I ENCAÇÀIUTEBÍBIA
10/ ano
Poesia Trovadoresca
Contexto histórico....................................................................................................................................... 10
Cantigas de amigo....................................................................................................................................... 10
Cantigas de amor ........................................................................................................................................ 12
Cantigas de escárnio e maldizer................................................................................................................. 12
FICHA 1 Cantigas de amigo «Ai flores, ai flores de verde pino» .......................................................... 13
FICHA 2 Cantigas de amigo «Ai eu coitada. Como vivo em gram cuidado».......................................... 15
FICHAS Cantigas de amigo «-Digades. filha, mia filha velida»........................................................... 16
FICHA4 Cantigas de amor «Quefeu em maneira de proençal»........................................................... 18
FICHA 5 Cantigas de amor «Se eu podesse desamar»......................................................................... 20
FICHA 6 Cantigas de escárnio e maldizer «Ai dona fea, fostes-vos queixar»..................................... 22
FICHA 7 Cantigas de escárnio e maldizer «Quem a sesta quiser dormir»............................................ 24
Fernão Lopes, Crónica de D. João I
Contexto histórico....................................................................................................................................... 26
A prosa do cronista Fernão Lopes.............................................................................................................. 26
Capítulos 11,115 e 148 (resumos) ........................................................................................................... 27
FICHA 8 Capítulo 11 (excerto)............................................................................................................... 29
FICHA9 Capítulo 115 (excerto)............................................................................................................ 32
FICHA 10 Capítulo 148 (excerto)............................................................................................................ 35
Gil Vicente, Farsa de Inês Pereira
Contextualização........................................................................................................................................ 38
Natureza e estrutura da Farsa de Inès Pereira........................................................................................... 38
Caracterização e relações entre personagens........................................................................................... 39
Farsa de Inês Pereira -Resumo ................................................................................................................. 39
FICHA11 Farsa de inês Pereira-Verificação de leitura (obra integral)............................................... 41
FICHA 12 Farsa de Inês Pereira (excerto)............................................................................................... 42
FICHA 13 Farsa de inês Pereira (excerto)............................................................................................... 43
Gil Vicente, Auto da Feira
Natureza e estrutura do Auto da Feira........................................................................................................ 45
Caracterização das personagens e relação entre elas ............................................................................. 45
Dimensão religiosa e representação alegórica........................................................................................... 46
Representação do quotidiano...................................................................................................................... 46
Auto da Feira - Resumo............................................................................................................................... 46
FICHA 14 Auto da Feira - Verificação de leitura (obra integral)............................................................ 48
FICHA 15 Auto do Feira (excerto)............................................................................................................ 49
Luis de Camões, Fim as
Contextualização histórico-literária......................................................................................................... 52
A representação da amada ......................................................................................................................... 53
A representação da Natureza...................................................................................................................... 53
A experiência amorosa e a reflexão sobre o Amor..................................................................................... 53
A reflexão sobre a vida pessoal................................................................................................................... 53
O tema do desconcerto............................................................................................................................... 53
O tema da mudança....................................................................................................................................... 53
Redondilhase sonetos ............................................................................................................................... 53
FICHA 16 «Um mover cfolhos, brando e piadoso»................................................................................... 54
FICHA 17 «Alegres campos, verdes arvoredos»...................................................................................... 56
FICHAIS «Amor, coa esperança Já perdida»........................................................................................... 58
FICHA 19 «Doces lembranças da passada glória»................................................................................... 60
FICHA 20 «Os bons vi sempre passar».................................................................................................... 62
FICHA 21 «Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades».................................................................. 64
FICHA 22 «Aquela cativa»....................................................................................................................... 66
Luis de Camões, Os Lusíadas
Natureza e estrutura da obra....................................................................................................................... 68
Imaginário épico.......................................................................................................................................... 68
Reflexões do Poeta....................................................................................................................................... 68
Visão global.................................................................................................................................................. 69
Interdependência dos planos...................................................................................................................... 71
nmciÊsu?ANi
11/ ano
Padre António Vieira, Sermão de Santo António.
Pregado na cidade de S. Luis do Maranhão, ano de 1654
Contextua lizaçào histórico-literária........................................................................................................... 96
Estrutura externa e interna no Sermôo....................................................................................................... 97
Tópicos de análise do Sermõo...................................................................................................................... 98
Capítulos I a VI (resumos) .......................................................................................................................... 99
FICHA 33 Exórdio - Verificação de leitura.............................................................................................. 101
FICHA 34 Exórdio (excerto)..................................................................................................................... 102
FICHA 35 Exposiçào/confirmdçào-Verificação de leitura................................................................... 104
FICHA 36 Exposiçào/confirmdçào (excerto)........................................................................................... 105
FICHA 37 Exposiçào/confirmdçào (excerto)........................................................................................... 106
FICHA 38 Exposiçào/confirmaçào (excerto)........................................................................................... 107
FICHA 39 Peroração (excerto).................................................................................................................. 109
Almeida Garrett, Frei Luis de Sousa
Contextua lizaçào histórico-literária........................................................................................................... 110
Estrutura ..................................................................................................................................................... 111
A dimensão patriótica e sua expressão simbólica .................................................................................... 112
O Sebastianismo: história e ficção.............................................................................................................. 112
A dimensão trágica....................................................................................................................................... 112
Linguagem, estilo e estrutura...................................................................................................................... 113
Recorte das personagens principais........................................................................................................... 115
FICHA 40 Frei Luís de Sousa- Verificação de leitura (obra integral).................................................... 116
FICHA 41 Frei Luís de Sousa- Verificação de leitura (obra integral).................................................... 117
FICHA 42 Frei Luís de Sousa (excerto)................................................................................................... 118
FICHA 43 Frei Luís de Sousa (excerto)................................................................................................... 119
FICHA 44 Frei Luís de Sousa (excerto)................................................................................................... 120
FICHA 45 Frei Luís de Sousa (excerto)................................................................................................... 121
Alexandre Herculano, Lendas e Narrativas: A Abóbada
Contextua lizaçào histórico-literária........................................................................................................... 122
Contexto de Lendas e Narrativas................................................................................................................ 122
Capítulos (resumo)....................................................................................................................................... 123
Imaginação histórica e sentimento nacional.............................................................................................. 124
Relações entre personagens....................................................................................................................... 125
Características do herói romântico............................................................................................................ 125
FICHA 46 A Abóbada - Verificação de leitura (texto integral).............................................................. 126
FICHA 47 A Abóboda (excerto)................................................................................................................ 128
FICHA 48 A Abóbada (excerto)................................................................................................................ 130
Almeida Garrett, Viagens na minha Terra
Resumo e estrutura geral da obra................................................................................................................ 132
Resumo da novela......................................................................................................................................... 132
Capítulos de leitura obrigatória (resumo).................................................................................................. 133
Deambulação geográfica e sentimento nacional........................................................................................ 134
A representação da Natureza...................................................................................................................... 134
Dimensão reflexiva e crítica....................................................................................................................... 135
Personagens românticas ............................................................................................................................ 135
NEMUII EXAME NACIINAL
12.* ano
Fernando Pessoa - Poesia do ortónimo
Contextua lizaçào ......................................................................................................................................... 192
Contextua lizaçào histórico-literária........................................................................................................... 193
O fingimento artístico................................................................................................................................. 194
A dor de pensar ........................................................................................................................................... 194
Sonho e realidade......................................................................................................................................... 194
A nostalgia da infância................................................................................................................................. 194
Linguagem, estilo estrutura......................................................................................................................... 194
FICHA 70 «Autopsicografia»................................................................................................................... 195
FICHA 71 «Ela canta, pobre ceifeira»...................................................................................................... 197
FICHA 72 «Não sei se é sonho, se realidade».......................................................................................... 198
FICHA 73 «Ó sino da minha aldeia»......................................................................................................... 199
Géneros textuais
Estrutura, características e marcas: Exposição sobre um tema, apreciação critica, texto/artigo de opinião,
relato de viagem, artigo de divulgação científica, discurso político, diário, memórias, sintese................... 301
nmciÊsu?ANi
Textos-modelo
Exposição sobre um tema............................................................................................................................ 303
Apreciação crítica......................................................................................................................................... 304
Texto/artigo de opinião............................................................................................................................... 305
Relato de viagem.......................................................................................................................................... 306
Artigo de divulgação científica................................................................................................................... 307
Discurso político.......................................................................................................................................... 308
Diário............................................................................................................................................................ 309
Memórias..................................................................................................................................................... 310
Síntese.......................................................................................................................................................... 311
FICHA 109 Leitura..................................................................................................................................... 312
FICHA 110 Leitura..................................................................................................................................... 314
FICHA 111 Leitura..................................................................................................................................... 316
FICHA 112 Escrita - Exposição sobre um tema ...................................................................................... 318
FICHA 113 Escrita-Apreciação critica.................................................................................................. 319
FICHA 114 Escrita-Texto/artigo de opinião.......................................................................................... 320
FICHA 115 Escrita - Síntese ................................................................................................................... 321
PffllE i GRAMÁTICA
Fonética e Fonologia....................................................................................................................................... 322
Processos fonológicos................................................................................................................................. 323
Etimologia ....................................................................................................................................................... 324
Palavras convergentes e divergentes ........................................................................................................ 324
Classes e subclasses de palavras................................................................................................................. 324
Morfologia e Lexicologia............................................................................................................................... 331
Flexão verbal................................................................................................................................................. 331
Processos de formação de palavras ........................................................................................................... 332
Relações semânticas entre palavras........................................................................................................... 334
Campo lexical e campo semântico.............................................................................................................. 334
Sintaxe.............................................................................................................................................................. 335
Coordenação................................................................................................................................................. 335
Subordinação............................................................................................................................................... 335
Funções sintáticas....................................................................................................................................... 337
Semântica........................................................................................................................................................ 340
Valor temporal, valor aspetual, valor modal............................................................................................... 340
Discurso, pragmática e linguística textual................................................................................................ 341
Coerência textual........................................................................................................................................ 341
Coesão textual.............................................................................................................................................. 341
Deixis............................................................................................................................................................ 342
Reprodução do discurso no discurso........................................................................................................... 343
Sequências textuais.................................................................................................................................... 344
Intertextualidade........................................................................................................................................ 345
FICHA 116 Processos fonológicos. Palavras convergentes e divergentes.............................................. 346
FICHA 117 Classes e subclasses de palavras........................................................................................... 347
FICHA 118 Flexão verbal........................................................................................................................... 349
FICHA 119 Processos de formação de palavras. Relações semânticas entre palavras.
Campo lexical e campo semântico.......................................................................................... 350
FICHA 120 Coordenação e subordinação................................................................................................ 351
FICHA 121 Funções sintáticas.................................................................................................................. 352
FICHA 122 Valor temporal, valor aspetual, valor modal......................................................................... 353
FICHA 123 Coerência e coesão textuais.................................................................................................. 354
FICHA 124 Deixis...................................................................................................................................... 356
FICHA 125 Reprodução do discurso no discurso.................................................................................... 357
FICHA 126 Sequências textuais.............................................................................................................. 358
FICHA 127 Intertextualidade................................................................................................................... 360
POESIA TROVADORESCA1
CONTEXTO HISTÓRICO
Sujeito poético
A «donzela» ou «jovem enamorada».
Temas
a) Variedade do sentimento amoroso:
■ saudosa e expectante pela ausência do amado;
• triste e saudosa pela partida do amado;
• feliz a dançar com as amigas em romarias, para seduzir os moços
ou porque são correspondidas;
• desconfiada e triste, por temer uma traição;
• temerosa da Mãe. por lhe mentir sobre a sua relação com o amado.
b) Confidência amorosa:
• diálogos com a Mãe, as irmãs, as amigas ou ainda a Natureza sobre
os seus sentimentos do momento relativamente ao amado pre
sente ou ausente; monólogos de verbalização do sentimento amo
roso, feliz ou frustrado.
c) Relação com a Natureza:
• a Natureza (campestre ou marítima / fauna e flora) está sempre de Afonso X e a sua corte,
acordo com o estado de espírito da jovem, tornando-se até um pro iluminura das Cantigas de Santa
longamento desse estado; Maria (pormenor), séc. XIII
1TadDsos textDsda lírica travadoresca usados têm cama fonte a base de dadas Cantigas Medievais Galego-Portuguesas
(disponível em http://cantigas.fcsh.unl.ptJ.
10
ramxiÊs u? ani
TEORIA
Caracterização formal
* Do ponto de vista formal, as cantigas de amigo são constituídas
por estrofes {também designadas coplas ou cobras) breves, nas
quais predominam repetições, genericamente designadas para
lelismo. Nas cantigas de amigo, encontram-se geralmente repeti
ções:
- de versos inteiros, com função de refrão;
- de palavras ou expressões no início dos versos ou estrofes;
-a nível estrófico. com sequências de dísticos monórrimos,
seguidos de um refrão, e ligados dois a dois;
-a nível semântico, muito frequentemente com a utilização de
sinónimos.
Exemplo:
2.® par
Se vistes meu amado, (b') ■*— 0 segundo verso do 2.° dístico repete-se
o por que heigram coidado? (c1) como primeiro do 4.° dístico.
4.° dístico
e ai Deus, se verrá cedo? (r)
Martim Codax
As estrofes estão assim ligadas por leíxa-pren, isto é, estão encadeadas alternadamente.
11
NEMUII EXAME NACIINAL
Sujeito poético
Trovador da corte (nobre ou o próprio rei), homem que canta a sua «senhor».
Temas
a) Coita de amor:
sofrimento amoroso, por motivos vários - a «senhor» não lhe cor
responde, está ausente, causa-lhe mais desamor do que amor.
b) Amor cortês:
o objeto/alvo das Cantigas de Amor é sempre a mulher da Nobreza
ou da Corte, cujo estatuto social lhe confere um certo endeusa-
mento; para a cantar, o trovador segue as regras da «mesura» ou
do cortejar da dama, com linguagem formal e respeito evidentes.
Ambientes
Nobres, palacianos ou cortesãos.
Linguagem e estilo
• número variável de estrofes;
• número variável de rimas;
• por vezes têm refrão, mas nem sempre acontece;
• existe progressão de sentido; Iluminura d d Codex Manesse,
sêc. XIV
• linguagem mais próxima da Provençal (sul de França).
Sujeito poético
Trovador ou jogral (membro do povo que vai à corte para divertir os cortesãos); o ambiente de festa permite-
-Ihe usar da palavra para fazer as suas críticas.
Temas
a) Paródia do amor cortês:
• louvor à mulher amada (nobre, cortesã ou real), mas com ironia e sarcasmo, exaltando as suas faltas, os
seus defeitos e as suas características físicas ou de personalidade, que o autor quer denunciar;
• crítica ao tópico muito frequente do fingimento da morte de amor.
b) Crítica de costumes:
• toda a sociedade medieval é alvo de críticas: mulheres e homens do povo (de várias profissões ou até
mesmo outros jograis); nobres, religiosos e religiosas; o próprio rei, assim como todos aqueles que o
trovador entender criticar sarcasticamente pela denúncia de escândalos e perversidades.
Ambientes
Ambientes sociais diversos, por onde circulam as personagens criticadas pelo trovador ou pelo jogral.
Linguagem e estilo
Críticas por meio de sátiras e sarcasmos; recurso a calão; trocadilhos e seleção de vocábulos que surtem
efeitos cómicos.
Fontes:
Graça Videira Lopes e Manuel Pedra Ferreira et oL, Cantigas Medievais Galego-Portuguesas |base de dados online|. Lisboa,
Instituto de Estudos Medievais, FCSH/NOVA, 2011 (disponível em http://cantigas.fcsh.unl.pt; consultado a 19/06/17).
Elsa Gonçalves e Maria Ana Ramas (eds), A Lírica Galego-Portuguesa. Lisboa, Editorial Comunicação, 1983, pp. 69-70.
Maria do Rosário Ferreira, «Paralelismo», BÍMos - Enciclopédia Verbo das L íteraturas de Língua Portuguesa, vol. 3, Lisboa/
SàoPaulD, 1999, pp. 1398 1401.
12
Leia atentamente o texto e apresente as suas respostas de forma bem estruturada.
Se sabedes novas do meu amigo, — E cu bem vos digo que c sane vivo
Aqucl que mentiu do que pós conmigo3? 3 E será vosco ant o prazo saído5.
Ai Deus, e u é? Ai Deus, c u c?
U Se sabedes novas do meu amado, — E cu bem vos digo que é vive sano
Aqucl que mentiu do que mi há jurado? E será vosefo] anto prazo passado.
Ai Deus, e u é? Ai Deus, c u é?
D. Dinis
1 Pinheiro.
2 Está?
3 Da que me prometeu.
4De boa saúde.
5 Antes de o tempo combinado de ausência chegar ao seu fim.
2. Mostre que os seus interlocutores dão vida a uma personificação e sirva-se de elementos
textuais para o justificar.
13
3. Explicite o assunto desta composição poética, referindo-se ao conteúdo do diálogo.
5. Mostre como as temáticas típicas das Cantigas de Amigo se encontram neste texto.
14
PRÁTICA
2. Indique os dois sentimentos explicitamente ditos pela jovem no primeiro verso de cada
estrofe,justificando a sua resposta com elementos textuais.
4. Refira qual dos cinco sentidos causa à jovem maior dor. justificando a sua resposta.
15
Leia atentamente o texto e apresente as suas respostas de forma bem estruturada.
16
PRÁTICA
4. Mostre que as sucessivas apóstrofes confirmam o diálogo. Justifique a sua resposta com
elementos textuais.
5. Considere os versos «fontana fria» e «fria fontana* (versos 2 e 5). Identifique o recurso
expressivo, ao nível fónico, e refira-se ao seu valor.
7. Mostre como as estrofes 5 e 6 revelam o saber empírico da Máe. que a faz apresentar um
argumento indiscutível.
8. Refira os recursos expressivos, ao nível fónico, que. ao longo do poema, estáo ao serviço
de:
a) movimento
b) lamento
1. Considere o título desta composição poética e explique por que razão percebemos ime
diatamente que se trata de uma cantiga de amor.
5. Assina lea opçãocorreta.Osversos«(...)e por esto nom sei hoj'eu quem/possa comprida
mente no seu bem / falar, ca nom há, tra'lo seu bem, al.» (versos 19-21) podem ser vertidos
para português contemporâneo como:
a) «e por tudo isto eu sei bem de muitos outros que podem falar bem de suas amadas
como eu da minha.»
b) «quando a amei no passado, ninguém tinha uma amada como eu.»
0 *e por tudo isto (que acabo de dizer) não sei de que outra mulher possa falar um
homem, pois como a minha não há outra.»
6. Divida a cantiga de amor em partes lógicas, explicando a sua escolha e tendo em conta os
inícios de cada estrofe: *Quer’eu» / «Ca» / «Ca».
7. Selecione a(s) resposta(s) correta(s). Os vocábulos «loar» (verso 3) e «loor» (verso 16)
remetem para «louvor»:
a) rústico. c) ) velado.
bj irónico. d) cortês.
8. Nas palavras «riir», «mia», «mui» ocorreram até aos nossos dias, respetivamente, os
seguintes processos fonológicos:
a) I 1 sinérese. palatalização e aférese. c) . crase, palatalização e paragoge.
19
Leia atentamente o texto e apresente as suas respostas de forma bem estruturada.
Se eu podesse desamar
Pero da Ponte
2 Nem mesma.
3 Isto.
4 Durma.
5 Prejudicar.
Ou.
7 Sofrimento; desgraça; insónia.
«coita de amor».
2. Prove que a primeira estrofe é uma espécie de introdução e explicação prévia de toda a
cantiga.
20
PRÁTICA
3. Tendo em conta as estrofes 2,3 e 4. explicite os factos de que se queixa o sujeito em rela
ção à amada e respetivos desejos de lhe fazer o mesmo.
4. Mostre como toda a cantiga está assente em desejos que náo sáo concretizáveis. Recorra
a. pelo menos, dois exemplos.
5. Considere o 5.° verso de cada estrofe. Transcreva-os e refira o papel de cada um na pro
gressão de conteúdo desta cantiga de amor.
21
Leia atentamente o texto e apresente
as suas respostas de forma bem estruturada.
22
PRÁTICA
4. Identifique a ironia que o sujeito poético faz sobressair nos últimos quatro versos da ter
ceira estrofe.
7. Estabeleça o contraste entre esta cantiga e as cantigas de amor, no que diz respeito à
atitude da dama e ao papel do trovador.
23
Leia atentamente o texto e apresente as suas respostas de forma bem estruturada.
Pero da Ponte
Ainda vos en mais direi
eu, que um dia 1 dormi:
1 tan bòa sesta nom levei, 1 «Depois de jantar», sendo «jantar» o correspondente
des aquel dia ‘m que naci, ao atual «almoço».
2 Cavaleiro nobre.
como dormir em tal logar, 3 Nas redondezas; na comunidade.
u nunca Deus quis mosca dar, 4 Coisa.
5 De que maneira se preocupou.
ena mais fria rem4 que vi.
4EsteanD.
7 Receber.
1.2 Identifique a açáo nomeada, a hora a que deve ser posta em prática e o local exato.
1.3 Identifique a crítica que o trovador tece e que dá imediatamente forma ao escárnio
e maledicência.
24
2.2 Refira a principal característica desta casa aristocrata, de acordo com número de vezes
que é referida no texto. Justifique a sua resposta com elementos textuais.
6. Identifique os três recursos expressivos presentes nos seguintes versos: «eu, que um dia
i dormi:/ tan bòa sesta nom levei, / des aquel dia 'm que naci» (versos 9-11).
a) «i»
b) «tan»
c) «naci*
d) «teer*
e) «gaar» 25
NEMUII EXAME NACIINAL
CONTEXTO HISTÓRICO
• A Crónica de D. Joao I (1.® parte) diz respeito a um período marcado por tensões políticas devido à crise
económico-social do século XIV.
• Com a morte d'el Rei D. Fernando, o Formoso, surge um problema de sucessão.
• E proclamada regente sua mulher. D. Leonor Teles, apoiada pelo manipulador e «astucioso fidalgo galego»
Conde de Andeiro (que pretende a anexação de Portugal a Castela).
• Álvaro Pais, antigo chanceler-mor dos reis D. Pedro e D. Fernando, toma a iniciativa de matar o conde
Andeiro e escolhe para essa tarefa D. João, Mestre de Avis {irmão do falecido D. Fernando e filho bas
tardo do amor entre D. Pedro e D. Inês de Castro), que aceita a incumbência.
• Eis o esquema de Álvaro Pais: «à mesma hora em que o Mestre fosse matar o conde, a população seria
alarmada com a notícia de que no paço queriam matar o Mestre, e era urgente acudir-lhe. A multidão
acorreria ao paço e ninguém ousaria fazer mal ao Mestre». As coisas passaram-se exatamente como
Álvaro Pais previra» - o Mestre entrou no palácio real com homens armados, matou o conde e apareceu à
janela, mostrando que escapara à suposta cilada, o que levou a multidão a aclamá-lo em delírio «Regedor
e defensor do Reino».
• «Estes factos desencadeiam levantamentos populares em várias regiões. rei de Castela tenta sufocar
a revolução [com o Cerco de Lisboa], mas a peste dizima as forças invasoras e obriga-as a retirar.».
• Mestre de Avis é eleito Rei de Portugal nas Cortes de Coimbra de 1385. «A monarquia nascida da revo
lução depressa reencontra o equilíbrio e restabelece, sob a égide de um poder real robustecido, a prima
zia política da nobreza».1
• Cumprindo a missão que lhe tinha sido atribuída de registar a história dos reis de Portugal, Fernão Lopes
(século XV) criou um novo estilo e afirmou-se como um notável prosador:
- com o objetivo de relatar os factos históricos tal como eles teriam acontecido e de levar o leitor a «pre
senciar a cena* (tendência visualista), a sua escrita é marcada por uma «minúcia descritiva» (abundam
pormenores) que se traduz num forte realismo;
- na Crónica de D. João I, que descreve, na primeira parte, os acontecimentos mais marcantes da crise de
1383-85, Fernáo Lopes atribui particular importância aos seguintes «quadros»;
> motins da «arraia-miúda» (povo de Lisboa);
> o cerco de Lisboa.2
• Na Crónico de D. João 1(1.® parte), testemunhamos a afirmação da consciência coletiva, ou seja, o papel do
povo, como herói coletivo, que age unido por um mesmo propósito, acudindo ao Mestre e resistindo durante
o Cerco.
• Na mesma crónica, verificamos a presença de atores individuais e coletivos: os primeiros são o Mestre de
Avis e Álvaro Pais; os segundos correspondem à «arraia miúda» (populares).
1 Jüsé Hermano Saraiva, «A Revolução de 1383-1385», Historio de Portugal -1245-1648, Lisboa, Publicações Alfa, 1983,
pp. 79-89 (adaptado).
2 Manuel Rodrigues Lapa, «Lições de Literatura Portuguesa - Época Medieval», Historio Critico do Literatura Portuguesa (Jdade
Média), Lisboa, Editorial Verbo, 1998, pp. 452-454 (adaptado).
26
ramxiÊs u? ani
TEORIA
Capítulo 11 • 0 pajem do palácio vai a cavalo gritar ao povo que estão a matar o «Mestre de Avis nos
«Do alvoroço Paços da Rainha*.
que foi na • Os populares da cidade, ao ouvirem tal notícia, alvoroçam-se e começam a servir-se
cidade cuidando das armas que têm à sua disposição para acudir o Mestre.
que matavom o •Álvaro Pais já vem pronto para o combate com uma «coifa* (parte da armadura que
Meestre, e como
protegia a cabeça) e um cavalo.
aló foi Alvoro
Paaez e muitas • Pais traz outros fidalgos armados que incitam a multidão a ajudar o Mestre, pois era
gentes com ele» filho de D. Pedro (com D. Inès de Castro).
• A multidão é tanta e tão ruidosa que circula pelas ruas principais e secundárias, ata
lhos e por onde possa para chegar ao Paço, sempre com Álvaro Pais à cabeça, dizendo
que matam o Mestre sem ele ter culpa de nada.
• Circula pelo povo a ideia de que fora a própria regente, D. Leonor Teles (com a orienta
ção do fidalgo galego com quem vivia, o Conde Andeiro), que mandara matar D. João.
• Populares chegam ao palácio e veem as portas fechadas: começam a gritar pelo Mestre
eadizerqueestàoprontosa arrombar as portas ou a incend i ar o Paço; já alguns popula
res vêm com escadas para subir às janelas e outros rodeiam ameaçadoramente o Paço.
• Armas de que se serve o povo: «feixes de lenha* e «carqueija» para incendiar o muro.
• Vozes bradam repentinamente.de dentro do Paço, dizendo que o Mestre está vivo e que
D João Fernandes (Conde Andeiro) está morto.
• A multidão pede para ver o Mestre e confirmar; o Mestre mostra-se à janela, dizendo
que está vivoe bem.
• Povo deseja também a morte da regente «aleivosa*, mas Leonor Teles e os seus alia
dos conseguem fugir do Paço.
• Mestre sai do palácio, acompanhado de Álvaro Pais e seus cavaleiros, e pede aos
populares que regressem a casa, pois já fizeram ali a sua parte.
Capítulo 115 • 0 cenário está instalado: el-rei de Castela decide cercar a cidade de Lisboa, que
«Per que guisa estava de antemão preparada; quando o Mestre sabe da intenção do rival castelhano,
estava a cidade ordena que:
corregida pera - os homens recolham a maior quantidade de alimentos possível;
se defender,
- os homens vào de «barcas e batéis* ao Ribatejo, de onde trazem mantimentos;
quamdo el rei
de Castela pôs - os lavradores e as suas famílias entrem na cidade cercada com todos os seus per
cerco sobrela* tences. bem como todos os outros que se queiram juntar;
• Descrição da cidade cercada (e fortificada):
- muros robustos com suas «quadrilhas* (partes do muro protetor);
- 77 torres em redor, coberturas de madeira;
- «lanças e dardos*, «bestas de torno», «viratões» (arcos e setas de grande alcance)
e catapultas;
- pedras e bandeiras de S. Jorge (um dos padroeiros da cidade de Lisboa);
- torres guardadas por «senhores e capitães*, «fidalgos e cidadãos honrados*, «bes
teiros e homens darmas»;
3 Os excertos dos capítulos 11,115 e 148 da crónica que citamos seguem a ediçáD: Fernão Lopes [apresentação crítica de Teresa
Amada), Crónica de D. João J, Lisboa, Editorial Comunicação. 1992.
27
NEMUII EXAME NACIINAL
- quando o sino das torres toca, os guardas deixam-nas a outros vigias e aprontam-
-se para combater os inimigos; os «mesteirais» (artesãos) saem de suas oficinas e
correm com as armas que têm à mão; os restantes populares juntam-se à defesa e
acorrem em multidões aos muros com trombetas e gritos de apoio, espadas e lan
ças, sem temer o inimigo; os clérigos e os frades da Trindade (contrariando as Leis
da Santa Igreja) lutam com o que têm à mão;
- todas as portas da cidade estão protegidas e a dificultar a entrada de inimigos;
-muros novos e proteções são construídos com pedras que as mulheres recolhem
nos campos:
- todos, fidalgos e populares, mesteirais e demais, vivem em amigável comunhão na
defesa de um objetivo comum; defender a sua cidade e expulsar os castelhanos.
Capítulo 148 • cerco prolonga-se e começam a faltar os mantimentos - cresce nos sitiados a sen
sação de «míngua», falta de alimento para poderem manter o corpo robusto.
• Das tribulações
que Lixboa • As privações começam a atingir também nobres e religiosos.
padecia per • trigo escasseia, os cercados começam a comer «pam de bagaço d'azeitona, e dos
míngua de queijos das malvas e raízes dervas» e tudo o que a Natureza dá. comestível ou não; há
mantimentos» ainda os que escavam a terra à procura de uns grãos de trigo.
• A comida falta dando origem a querelas e inimizades entre os sitiados, ainda que
diligentes e corajosos, sempre que repicam os sinos a anunciar ataques castelhanos;
ainda assim, alguns homens resignam-se e, cheios de fome e sofrimento, tentam con-
solar-se com inúteis palavras e lamentos.
• Todos se ajoelham na terra e pedem a Deus misericórdia ou então a própria morte.
• Mestre e o seu Conselho condoem-se, mas nada podem fazer, pois passam também
eles privação.
• Povo queixa-se de dois tipos de inimigos: os castelhanos, que os cercavam de fora,
e a escassez de alimentos, que os matava aos poucos dentro das muralhas.
• Reflexão final de Fernão Lopes; chama à atenção dos outros e futuros portugueses
que não participaram em tal sofrimento e flagelo para porem os olhos na confiança, na
devoção e no patriotismo (até à morte) destes cercados obedientes e tão sofredores.
• cerco acabará quando a peste começar a vitimar sitiados e sitiantes, regressando
os castelhanos à sua terra.
29
Leia atentamente o excerto e responda às questões.
CAPITULO 11
29
— Amigos, apacificae vos, cau cu vivo c sào som a Deos graças.
E tanta cra a torvaçam13 deles, e assi tunham já cm crença que o Meestre era morto,
que taes havia 1 que apcrfiavom que nom cra aquele; porem conhcccndo-o todos clara
mente, houverom gram prazer quando o virom, c dcziam uüs contra os outros:
• — O que mal fez! pois que matou o treedor do Conde, que nom matou logo a aleivosa
com ele! Creedes cm Deos, ainda lhe há de viinr alguü mal per cia. Oolhac c veede que
maldade tam grande, mandarom-no chamar onde íajá de seu caminho, pera o matarem
aqui per traiçom. O aleivosa! Já nos matou uii senhor, c agora nos queria matar outro;
leixac-a, ca ainda há mal dacabar por estas cousas que faz.
E sem duvida se eles entrarom dentro, nom se escusara a Rainha de morte, c fora
maravilha quantos eram da sua parte c do Conde poderem escapar. O Meestre estava
aa janela, c todos oolhavom contra ele dizendo:
— O Senhor! Como vos quiscrom matar per trciçom, bccntou seja Deos que vos
guardou desse treedor! Vimdc-vos, dac ao demo esses Paaços, nom sejacs lá mais.
® E cm dizendo esto, muitos choravom com prazer de o veer vivo. Vccndo cl cstoncc
que ncüa duvida tiinha cm sua segurança, dccco afundo c cavalgou com os seus acom
panhado de todolos outros que cra maravilha dc veer. Os quacs mui ledos15 arredor
dele, braadavom dizendo:
— Que nos mandacs fazer. Senhor? Que querees que façamos?
E cl respondia, aadur16 podendo sccr ouvido, que lho gradccia muito, mas que por
cstoncc nom havia deles mais mester.
Fernio Lopes, Cron/or dc D. João 1, Lisboa,
Editorial Comunicação, 1992, pp. 95-99
30
PRÁTICA
2. De acordo com conteúdo das linhas 11 a 22. explicite a reação imediata do Povo, mos
trando como ele é uma personagem coletiva.
2.1 Transcreva excertos que contém seleção de verbos ou complexos verbais ao serviço
da ideia de movimentação e do visualismo.
3. Nas linhas 23 a 29 estão descritas personagens que integram os atores coletivos. Identi-
fique-as e refira-se ao que estão a fazer. Justifique a identificação com os termos usados
pelo cronista.
4.3 Refira a ordem final do Mestre, esclarecendo o motivo por que a dá.
31
Crónica de D. João I, Fernâo Lopes
• AfirnuçSo da consciência coletiva
CAPITULO 115
Per que guisa estava a cidade corregida1 pera se defender, quando el-Rei de Castela pôs
cerco sobr’ela
Onde sabee que como o Mecstrc c os da cidade souberom a viinda dcl-Ilci de Cas
tela, e esperarom seu grande c poderoso cerco, logo foi ordenado de recolherem pera
a cidade os mais mantiimentos que haver podessem, assi de pam e carnes, come quaes
quer outras cousas. E iam-se muitos aas liziras2 cm barcas c batees, depois que Santarém
5 esteve por Castela, c dali tragiam muitos gaados mortos que salgavom cm tinas, e outras
cousas de que fezerom grande açalmamcnto3; (...)
Os muros todos da cidade nom haviam mingua de boom repairamento4; e cm setccn-
ta e sete torres que ela teem a redor de si, forom feitos fortes caramanchões5 de madeira,
os quaes eram bem fornecidos d escudos e lanças c dardos e beestas de torno, e doutras
I maneiras com grande avondança6 de muitos viratòcs7. (...)
E ordenou o Mecstrc com as gentes da cidade que tosse repartida a guarda dos muros
pelos fidalgos e cidadãos honrados; aos quaes derom certas quadrilhas8 c bccstciros c homeês
d armas pera ajuda de cada uü guardar bem a sua. Em cada quadrilha havia uü sino pera
repicar quando tal cousa vissem, c como cada uü ouvia o sino da sua quadrilha, logo todos
II rijamcntc corriam pera ela; por quanto aas vezes os que tiinham carrego9 das torres vn-
nham espaçar pela cidade, c leixavom-nas10 encomendadas a homeês de que muito ha-
vom11; outras vezes nom f ícavom cm elas senom as atalaias12; mas como davom aa campaan,
logos os muros eram chcos, c muita gente fora.
E nom soomente os que eram assnnados14 cm cada logar pera defensom15, mas ainda as
1 outras gentes da cidade, ouvindo repicar na Scc, c nas outras torres, avivavom-sc os cora
ções deles; c os mestciraes16 dando folgança a seus ofícios, logo todos com armas cornam
rijamcntc pera u diziam que os Castelàos mostravom de vnnr. Ah virices os muros chcos
de gentes, com muitas trombetas c braados c apupos csgrcmmdo espadas c lanças e seme
lhantes armas, mostrando fouteza contra seus êmigos. (...)
S Clérigos e frades, espccialmentc da Trindade, logo eram nos muros, com as melhores
que haver podiam. Cada uüs de noite vclavom suas torres; e os das quadrilhas roldavom
todo o muro e torres, düa quadrilha ataa outra; e outras sobrc-roldas andavom pelos
muros, üas indo c outras viindo.
E nom embargando todo isto, o Mecstrc que sobre todos tnnha especial cuidado da
1 guarda c governança da cidade, dando seu corpo a mui breve sono, requeria per muitas
vezes de noite os muros c torres com tochas acesas ante si, bem acompanhado de muitos
32
que sempre consigo levava. Nom havia 1 ncuüs revees dos que haviam de velar, nem tal a
que csqueccesse cousa do que lhe fosse encomendado; mas todos muito prestes a fazer o
que lhe mandavom, de guisa que, a todo boom regimento que o Mcestrc ordenava, nom
5 minguava avondança de trigosos executores.
De trnnta c oito portas que há na cidade, as doze eram todo o dia abertas, enco
mendadas a boòs homees d armas que tnnham cuidado de as guardar; pelas quacs neüa
pessoa, que muito conhecida nom fosse, havia d entrar nem sair, sem primeiro saber cm
certo por que razom ia ou viinha; c ah atrevessavom paos com tavoado17 pera dormir
0 os que tal cuidado tnnham, por de noite seerem deles acompanhadas, c neuü malicioso
scer atrevido de cometer neuü erro.
E dalgüas portas tnnham certas pessoas de noite as chaves, por razom dos batees que
taes horas iam c viinham d’aalem com tngo c outros mantnmcntos, segundo lcedes cm
seu logar; (...) Acerca da porta de Santa Catenna da parte do arreai per onde mais acos-
f, tumavom sair aa escaramuça, estava sempre üa casa prestes, com camas e ovos c estopas,
e lcnçòcs velhos pera romper; e celorgiam11, c triaga19, e outras necessárias cousas pera
pensamento20 dos feridos quando tornavom das escaramuças.
Na ribeira havia feitas duas grandes c fortes estacadas de grossos c valentes paos, que
o Mcestrc mandara fazer ante que el-Rci de Castela veesse, por defender o combato da
9 ribeira; e eram feitas des onde o mar mais longe espraia ataa terra junto com a cidade. E
fia foi caminho de Santos, a fundo da torre da atalaia contra aquela parte, onde entendeo
que cl-Rci poeria seu arreai; outra íczcrom no outro cabo da cidade junto com o muro
dos tornos da cal contra o mocstciro de Santa Clara (...)
Nom lcixavom os da cidade, por seerem assi cercados, de fazer a barvacãa21 d’arrcdor
9, do muro da parte do arreai, des a porta de Santa Catenna, ataa torre d'Alvoro Paaez,
que nom era ainda feita, que sccriam dous tiros de bcesta; e as moças sem neufi medo,
apanhando pedra pelas herdades, cantavom (...) c os Portugucescs fazendo tal obra,
tnnham as armas junto consigo, com que se defendiam dos êmigos, quando se traba-
lhavom de os embargar, que a22 nom fezessem.
a As outras cousas que pcrtcenciam ao regimento da cidade, todas eram postas em boa
c igual ordenança; i nom havia neuü que com outro levantasse arroido nem lhe cmpcc-
cessc per talentosos excessos, mas todos usavom d’amigavcl concordia, acompanhada
de proveito comuü.
O que fremosa cousa era de veer! Uü tam alto c poderoso senhor como el-Rei de
K Castela, com tanta multidom de gentes assi per mar come per terra, postas cm tam
grande e boa ordenança, tccr cercada tam nobre cidade! E ela assi guarnecida contra ele
de gentes e darmas com taes avisamentos23 por sua guarda c defensom! Em tanto que
diziam os que o virom, que tam fremoso cerco de cidade nom era cm memória cTho-
mees que fosse visto de mui longos anos atá aqucl tempo.
Femlo Lopes, op. ri/., pp. 170-176
17Tábuas. 21 Muro feitd entre a muralha e o seu ^Abarbacã para a qual as moças
13 Cirurgião. exterior (fosso) para proteção do apanhavam pedras.
13 Medicamentas da época. cerco. sPrecauçòes.
20 Tratamento.
33
1. Considere o excerto deste capítulo e resuma-o num texto, por palavras suas.
34
ica de D. Jodo I, Fernâo Lopes
FICHA 10 * Atores (individuais e coletivos)
PRÁTICA
CAPITULO 148
35
S pouco amigas da natureza; e taes 1 havia que se mantiinham cm alfcloa. No logar u cos-
tumavom vender o trugo, andavom homeês c moços esgaravatando a terra; c se achavom
alguns grãos de trugo, metiam-nos na boca sem teendo outro mantimento; outros se
fartavom d ervas, c beviam tanta agua, que achavom mortos homeês e cachopos10jazer
inchados nas praças e em outros logares. (...)
1 Andavom os moços de tres c de quatro anos pedindo pam pela cidade por amor de Deos,
como lhes ensinavam suas madres, c muitos nom tnnham outra cousa que lhe dar senom
lagrimas que com eles choravom que era triste cousa de vcer; c se lhes davom tamanho pam
come üa noz, haviam-no por grande bem. Desfalecia o leite aaquelas que tnnham crianças
a seus peitos per mingua de mantnmcnto; c veendo lazerar11 seus filhos a que acorrer nom
H podiam, choravom ameúde12 sobr eles a morte ante que os a morte privasse da vida. (...)
Toda a cidade era dada a nojo13, chca de mczqumhas querelas14, sem neuü prazer que
i houvesse: uüs com gram mingua do que padeciam; outros havendo doo dos atribu
lados; e isto nom sem razom, ca se é triste c mezquinho o coraçom cuidoso nas cousas
contraíras que lhe avnnr podem, veede que fariam aqueles que as contmuadamcntc
9 tam presentes tnnham? Pero com todo esto, quando repicavom, neuü nom mostrava
que era faminto, mas forte c rijo contra seus êmigos. Esforçavom-se uüs por consolar
os outros, por dar remédio a seu grande nojo, mas nom prestava conforto de palavras,
nem podia tal door sccr amansada com ncüas doces razões; c assi como c natural cousa
a mào ir ameúde onde sec a door, assi uüs homeês talando com outros, nom podiam cm
H al departir senom cm na mingua que cada uü padecia.
O quantas vezes cncomcndavom nas missas c prcegaçòcs que rogassem a Deos devo
tamente por o estado da cidade! E ficados os geolhos15, beijando a terra, braadavom a
Deos que lhes acorresse, c suas prezes nom eram compridas! Uüs choravom antre si,
mal-dizendo seus dias, queixando-se por que tanto viviam (...) Assi que rogavom a
d morte que os levasse, dizendo que melhor lhe fora morrer, que lhe sccrcm cada dia
renovados desvairados padecimentos. (...)
Sabia porem isto o Meestre c os de seu Conselho, e eram-lhes doorosas douvir taes
novas; e veendo estes males a que acorrer nom podiam, çarravom suas orelhas do rumor
do poboo.
lí Como nom querces que maldissessem sa vida c desejassem morrer alguüs homeês c
molhcrcs, que tanta deferença há douvir estas cousas aaquelcs que as entom passarom,
como há da vida aa morte? Os padres c madres vnam estalar de fame os filhos que muito
amavom, rompiam as faces e peitos sobr eles, nom teendo com que lhe acorrer, senom
planto16 c cspargimcnto de lagrimas; e sobre todo isto, medo grande da cruel vingança que
entendiam que el-Rci de Castela deles havia de tomar; assi que eles padeciam duas grandes
guerras, üa dos êmigos que os cercados tnnham, c outra dos mantumentos que lhes min-
guavom, de guisa que eram postos cm cuidado de se defender da morte per duas guisas.
Pera que c dizer mais de taes falecimentos? Foi tamanho o gasto das cousas que mester
haviam que soou uü dia pela cidade que o Meestre mandava deitar fora todolos que nom
A tevessem pam que comer, c que soomente os que o tevessem ficassem cm ela; mas quem
poderia ouvir sem gemidos c sem choro tal ordenança de mandado aaqueles que o nom
tnnham? Porem sabendo que nom era assi, foi-lhe já quanto de conforto. Onde sabce que
3i
esta fame c falecimento que as gentes assi padeciam, nom era por sccr o cerco pcrlongado,
ca nom havia tanto tempo que Lixboa era cercada; mas era per aazo das muitas gentes
■ que se a ela colhcrom de todo o termo; c isso meesmo da trota do Porto quando vco, e os
mantnmcntos sccrcm muito poucos.
Ora esguardae como se tossees presente, üa tal cidade assi desconfortada e sem neüa certa
tcúza de seu livramento17, como vevinam em desvairados cuidados quem sofria ondas de
taes aflições? O geeraçom que depois vco, poboo bem aven tu irado, que nom soube parte de
K tantos males, nem foi qumhoeiro18 de taes padecimentos! CTs quaes a Deos por Sua mcrcec
prougue de cedo abreviar doutra guisa, como acerca ouvirees.
3. Nas linhas70-71, faz-se referência a «duasgrandes guerras*. Explique-as por palavras suas.
37
NEMUII EXAME NACIINAL
Vida e obra
• Não são precisas as informações sobre a data e o local de nascimento e
morte, apenas se sabe que foi protegido pela rainha D. Leonor e escreveu
textos dramáticos, que fez representar na corte de D. Manuel e de D. João III.
Os seus estudiosos inserem a sua vida entre finais do século XV e inícios
do século XVI.
• Encenou a primeira peça em 1502 {Auto do Visitação ou Monólogo do
Vaqueiro), obra dedicada a homenagear o nascimento do príncipe D. João,
futuro D. João III.
• seu último auto data de 1536: Floresta de Enganos.
• Foi colaborador no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende {coletânea de
poesia).
• filho. Luís Vicente, reuniu todas as obras do pai e publicou-as na Compi/a-
çam de todalos obras de Gil Vicente, em 1562.
Gil Vicente
As categorias das suas obras e a sua escrita
• Moralidades: peças curtas em que as abstrações {vícios e virtudes) são concretizadas em personagens;
tais textos surtem efeitos religiosos de denúncia de costumes para sua correção («ridendo castigai
mores» - «a rir se castigam os costumes») - Auto da Barca do Inferno, publicado em 1517, é a sua mais
conhecida moralidade. Nesta tipologia, encontra-se também Auto da Feira, publicado em 1526.
• Farsas: género muito conhecido e apreciado pelo povo porque, sendo cómico, satiriza aspetos da vida
pessoal quotidiana das várias classes sociais; este tipo de texto dramático possui um número reduzido
de personagens - Auto da índia, publicado em 1509, e Farsa de Inês Pereira, publicado em 1523, são as
farsas vicentinas mais conhecidas.
• Gil Vicente segue, na sua escrita, o estilo (e a língua, o soíaguês) de um poeta palaciano castelhano de seu
nome Juan dei Encina. As obras são escritas em verso.
0 discurso
inclui diálogo e monólogo (sobretudo, o de Inês), texto principal, que integra as falas das perso
nagens. e várias didascálias (que dão informações sobre as personagens e seus movimentos, bem
como sobre o espaço).
39
ramxiÊs u? ani
TEORIA
• Inês - Mãe: apesar de obedecer à Mãe. Inês protesta e reclama da sua condição de solteira inútil;
não segue os seus conselhos e recusa casar com Pero Marques, numa fase inicial. A Mãe assume
sempre uma atitude crítica, mas paciente, com ela.
• Inês - Escudeiro: movida pelo desejo cego de se casar com um membro da nobreza. Inês aceita o
Escudeiro como marido, o que lhe vai ser nefasto, devido à sua tirania e falta de escrúpulos. Esta
escolha errada vai ser solucionada com a morte de Brás da Mata.
• Inês - Pero Marques: recusado no início por ser inculto e brejeiro, Inês vai aceitar Pero como seu
marido e, a partir daí, vai conseguir ser feliz, enganando-o e pondo-o ao serviço dos seus prazeres.
Né seio, o bom Pero Marques vai concretizar todos os seus desejos.
FARSADEINÊSPERORA -RESUMO
«Feita por Gil Vicente, representada ao muito alto e mui poderoso rei D João III, no seu Convento deTomar:
Era do Senhor de 1523.»
0 argumento assenta no ditado popular «Mais quero asno que me carregue que cavalo que me derrube.»
Resumo
• Inês canta e reclama por estar a bordar, tarefa que a Mãe a incumbiu de fazer em casa, e mostra o seu descon
tentamento pelo facto de ser solteira e estar fechada em casa.
• Regresso da Mãe. que bem sabe do queixume da filha, mas a acusa de ser preguiçosa.
• Lianor diz ao que vem nesta sua visita: trazer um pretendente a Inês. Pero Marques, uma vez que está na
hora de ela casar.
• Inês mostra-se muito arrogante e exigente, dizendo «não hei de casar / senam com homem avisado* {...).
«Primeiro eu hei de saber/se ê parvo se é sabido.»
• Sob a forma de carta. Pero Marques anuncia as suas intenções de casar com ela, antes que outro o faça.
• Inês aceita conhecê-lo e ele vem a sua casa.
• Pero descreve a sua condição favorável ao casamento: ê herdeiro morgado, tendo, por isso. casa, terre
nos e gado.
• A Mãe e Lianor consideram-no um futuro bom marido.
• Inês recusa oficialmente o pedido de casamento «Homem, nam aporfieis / que nam quero nem me praz.»
1 GilbertD Moura, Teatro de Gil Vicente, Lisboa. Ulisseia, 1995, pp. 121-157.
39
NEMUII EXAME NACIINAL
• Regressa a Mãe e Inês repete: *Mãe, eu me não casarei /senão com homem discreto (...). E saiba tanger
viola». Inês informa que, no dia anterior, falou com uns Judeus casamenteiros que lhe farão uma visita.
• Chegam os dois Judeus Latão eVidal com uma proposta de pretendente-um escudeiro.
• Entra o Escudeiro com o seu Moço, Fernando. Apresenta-se como homem rico e futuro bom marido,
embora seja um fidalgo pobre e sem escrúpulos.
• A Mãe, desconfiada, aconselha Inês a não casar com o Escudeiro.
• Casamento de Inês com o Escudeiro Brás da Mota e festa de casamento.
• Depois de casados e sozinhos, o Escudeiro revela toda a sua maldade e tirania.
• Escudeiro vai para a guerra e recomenda ao Moço que coma os frutos da terra roubados nos campos e que
mantenha Inês fechada em casa.
• Inês, apercebendo-se de que a sua ambição desmedida se convertera em erro, assume corrigi-lo se tiver
oportunidade.
• Morte do Escudeiro quando fugia da batalha.
• Fingindo-se esposa triste com a morte de seu marido, Inês é visitada por Lianor. que a aconselha a casar
com Pero Marques.
• Regressa Pero Marques, a quem Lianor diz: «Não mais cerimónias agora: / abraçai Inês Pereira / por
mulher e por parceira.».
• Depois do casamento, Inês pede a Pero para sair, ao que este responde, bonacheirão e transparente, que
pode sair quando quiser com quem quiser.
• Nesse momento, passa um Ermitão a pedir esmola em castelhano, que Inês reconhece, pois cortejou-a
anos antes e apaixonou-se por ela. Marcam encontro na ermida onde ele vivia.
• Inês pede, cheia de compaixão, a Pero que vá com ela visitar o pobre Ermitão, tão sozinho e cheio de
privações.
• Durante o caminho, em que Pero já leva Inês às costas, já atravessou um ribeiro, Inês vê umas «talhas»
e pede que Pero as carregue, uma de cada lado, enquanto ela canta e ele só tem de responder «assi se
fazem as cousas»: «Marido cuco me levades / e mais duas lousas» e segue-se a resposta de Pero: «Pois
assi se fazem as cousas». Inês vai às costas de um marido feliz para ir ter com o seu amante Ermitão:
cumpriu-se o ditado popular que a Mãe. um dia, lhe dissera «Mata o cavalo de sela / e bom ê o asno que
me leva», que em português corrente se traduz em «Mais vale asno que me carregue que cavalo que me
derrube.»
40
1. Leia atentamente as seguintes afirmações e classifique-as como V (Verdadeira] ou
F (Falsa), corrigindo as falsas.
<q A Màe diz a Inês que antes do Natal vem o Advento, para lhe mostrar que deve
saber esperar.
■») Inês mostra-se arrogante na recusa de Pero Marques, pois deseja casar com um
marido que «saiba tanger viola» e que seja «discreto».
k) I. Depois de presa em casa durante três meses, vigiada pelo Moço do Escudeiro,
Inês recebe uma carta, informando-a de que o seu marido morreu atacado por um
guerreiro mouro de Goa.
I) Lianor Vaz volta a propor Pero Marques como marido e, desta vez. Inês acelta-o.
41
Leia atentamente as sequências textuais e responda às questões.
Sequência 1 Sequência 2
Gil Vicente, /L Otaií Jc Gil Vicente (direçào científica de José Camões), vol. II,
Lisboa, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2001, pp. 559 e 594
3. Selecione quatro personagens que considere tipo (representativas de uma classe social
ou de um grupo típico da era vicentina) e justifique a sua resposta.
42
Farsa de Inês Pereira, G11 Vicente
* A dimensão satírica
PRÁTICA
Sequência 1 Latão —
Pero — Deixa-me talar.
Cuido que lhe trago aqui
25 Lidai -
Já calo.
peras da minha pereira
Senhora hájá três dias.
hào d estar na derradeira. (...)
Latão —
5 Inês —
Falas-lhe tu ou cu falo?
(...) c as peras onde cstào?
1 Ora dize o que dizias
Pero —
que foste que fomos que ias
Nunca tal me aconteceu.
buscá-lo esgaravatá-lo.
Algum rapaz mas comeu
l* que as meti no capelo
e ficou aqui o novelo pacFe.
Sequência 3
e o pentem nam se perdeu.
Escudeiro —
Pois trazf-as de boa mente.
Olha cá Fernando eu vou
Inês —
ver a com que hei de casar
15 Fresco vinha o presente
visa-tc que hás de estar
com tolhinhas borntadas. sem barrete onde cu estou.
Moço —
Sequência 2 Como a rei corpo de mi
mui bem vai isso assi!
Latão —
Escudeiro —
Pera vossa mercê ver
E se cuspir pola ventura
o que nos encomendou.
põe-lhe o pé c faze mesura.
O que nos encomendou
Moço —
5 será se hoiver de ser.
Ainda eu isso nam vi.
Todo este mundo é fadiga
Escudeiro —
vós dissestes filha amiga
É E se me vires mintir
que vos buscássemos logo.
gabando-me de privado
Lidai -
está tu dissimulado
l* E logo pusemos fogo.
ou sai-te lá fora a rir
Latão —
Isto te aviso daqui
Cal-tc!
21 taze-o por amor de mi. (...)
Lidai -
Moço —
Nam queres que diga
Sapatos me daria ele [Sapateiro]
15 nam sou eu também do jogo?
se me vós désseis dinheiro.
Latão —
Escudeiro —
Nam fui eu também contigo
25 Eu o haverei agora
tu e cu nào somos cu?
c mais calças te prometo.
Tu judeu e cu judeu
Moço —
3 nam somos massa dum trigo?
Homem que nam tem nem preto
Lidai -
Si somos juro al Deu! casa muito na màora.
43
1. Identifique e caracterize as personagens presentes nestas três sequências e explique por
que razão são elas satíricas e que satirizam.
3. Esclareça de que forma é que o texto dramático no seu todo representa o quotidiano do
tempo de Gil Vicente.
4. Explique, por palavras suas, por que razão este texto dramático se inclui na categoria
farsa.
44
nktkiês 12? ani
TEORIA
Esta moralidade apresenta-nos personagens alegóricas (concretizações de abstrações), por meio das
quais Gil Vicente consegue expor vícios, defeitos e maus costumes de classes sociais (neste caso, de
Naturaza e astrutura
uma cidade - Roma - centro institucional da espiritualidade cristã e da instituição Igreja). Com o uso
de cómico vai-se pondo em prática o objetivo de «ridendo costígot mores» («a rir se castigam os costu
mes»). texto dramático não está dividido em partes específicas, no entanto percebemos três grandes
momentos: a sátira inicial do universo astrológico (com referências aos signos do Zodíaco e a conste
lações); o desenvolvimento de todos os percursos cénicos das personagens que vão à feira do Diabo e
à do Serafim; o desenlace, com o destino final das personagens (com as mercadorias que compram ou
com a desistência e abandono da feira) e o louvor à Virgem Maria feito pelas «nove moças dos montes,
e três mancebos». 0 discurso é tipicamente vicentino, ou seja, em verso, com recurso ao Latim e à ironia.
• Mercúrio: mensageiro dos deuses, «senhor / de muitas sabedorias,/e das moedas reitor./e deus
das mercadorias»; é ele quem ordena que se faça uma «feira*.
• Tempo: personagem que nomeia a feira «feira chamada das Graças,/à honra da Virgem parida em
Belém»; é ele quem a abre e é também ele quem pede a Deus que lhe mande um Serafim.
* Serafim: Anjo da primeira hierarquia dos Anjos, aquela que está mais próxima de Deus, logo a mais
poderosa; possui seis asas - duas cobrem o rosto, duas cobrem os pés e duas servem para voar;
está sempre ligado ao louvor e à glorificação de Deus.
* Diabo: personagem alegórica que tenta vender mercadorias contrárias ao Bem e aos bons cos
tumes; sempre conotado como símbolo do Inferno e responsável pelos anjos que se revoltaram
contra Deus.
• Roma: primeira compradora e cliente da feira, que passa junto da banca do Diabo eo renega por lhe ter
Caracteriziçio das parsonagen» a ralaçio antra alas
comprado anteriormente costumes maus; Roma acaba nas mãos do Serafim, ped indo-lhe paz. ciente de
que tem de mudar de vida.
• Justina
•Leonarda
•Teodora
• Moneca
Estas personagens surgem no texto como
•Gira Ida
«nove moças dos montes, e trés mancebos,
•Juliana todos com cestos nas cabeças», trazendo mer
• Tesaura cadorias para vender e o desejo de louvar a Vir
• Merenciana gem Maria.
•Doroteia
• Gilberto
• Nabor
•Dionísio HendrickGoltzius.
Mercúrio, 1611
•Vicente Vicente e Mateus são dois homens que tentam as «moças», tentando obter pra
• Mateus zeres carnais, mas acabam por abandonara feira sem os seus desejos satisfeitos.
45
NEMUII EXAME NACIINAL
.H Como se percebe pela caracterização das personagens. Mercúrio (e os representantes dos signos
* do Zodíaco), Tempo, Serafim, Diabo e Roma são personagens alegóricas, sendo as três últimas liga-
‘ãá-2 das ao Cristianismo (e à sua divisão Céu / Inferno). As restantes personagens representam tipos
o sociais, sobretudo populares, que têm comportamentos ora ignorantes e inocentes, ora interessei
ra Jf ros. A moral vigente é a da boa conduta (bons costumes) que conduz ao Céu ou Paraíso, enfim, a
PE E Deus
n
o CL
'J. c Com Amâncio e Denis. Branca e Marta percebemos o quotidiano da vida de casados (diferença de
-2 personalidades e conflitos); com Vicente e Mateus testemunhamos a realidade dos homens sem
• □ escrúpulos que procuram prazeres carnais; com as «moças» e os «mancebos» percebemos o quoti-
* â- diano rural de quem vem vender à feira e. vendo que esta é dedicada a virtudes e a Nossa Senhora,
° opta por a louvar, cantando em coro o seu papel de Mãe de Deus.
«A obra seguinte é chamada Auto do Ferro. Foi representada ao mui excelente Príncipe El Reo Dom Joam,
o terceiro em Portugal deste nome, na sua nobre e sempre real cidade de Lisboa, às matinas do Natal, na
era do Senhor de MDXXVII.» 11527|
Entra Mercúrio e pede a máxima atenção para explicar aos presentes quem o mandou e o motivo da sua
descida à terra:
• Mercúrio faz algumas considerações prévias:
- todos os terrestres (crentes e não crentes) querem saber o que lhes reserva o futuro;
- presta-se a revelar como tudo funciona no mundo de onde vem, não sem antes mencionar um famoso
matemático e astrólogo da época, Francisco Melo;
> o céu é redondo; o sol é amarelo;
> os humanos são gerados, nascem, crescem e morrem - é esta a grande regra do senhor Tempo;
> do céu vêm o Sol, as chuvas e tudo se encaixa na vida dos terrestres.
♦
Daqui se depreende a sátira que Gil Vicente faz
da Astrologia e seus signos do Zodíaco, bem como constelações.
• Mercúrio acrescenta uma crítica a «clérigos e frades /já não têm ao Céu respeito,/ mingua-lhes as santi
dades / e cresce-lhes o proveito».
1A abra de referência para o estuda deste texto vkentino é Gd Vicente, As Obras de Gê! Vicente [ direçáa científica de Jasê Camões), vol. I,
Lisboa, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2001.
4G
nktkiês u? ani
TEORIA
Entra Roma:
• Queixa-se de que nações e pessoas más a perseguem e lhe armam ciladas, por isso vem à feira «comprar
paz. verdade efé».
• Diálogo com o Diabo: este desdenha e acusa todas as virtudes, mas ela recusa fazer-lhe compras porque
já lhe comprou mentiras e enganos no passado, e isso só lhe trouxe coisas más;
• Dirige-se à Feira das Graças: Serafim saúda-a por ser a primeira senhora e enceta-se o diálogo com os
conselhos do Serafim: tem de mudar de vida, não se revoltar contra Deus, se faz guerra a outros e a Deus,
guerra receberá de todos; aconselha-a a fazer um exame de consciência.
Entram as mulheres dos dois lavradores - «Branca Anes, a brava, e Marta Dias, a mansa», dialogando:
• Branca: o marido só come e dorme; quando vai para os campos, nada faz, come tudo o que lhe aparecer;
• Marta: mostra-se serena e não julga nenhum dos dois maridos em causa.
47
1. Leia atentamente as seguintes afirmações e classifique-as como V (Verdadeira) ou
F (Falsa), corrigindo as falsas.
a) Marte é a figura mitológica escolhida para iniciar este texto porque é o deus da
Guerra e mensageiro.
b) O mensageiro segue, fazendo uso dos signos do Zodíaco para explicar o atual
modo de viver na Terra.
e) O mensageiro diz ao que veio: ordenar que se faça um banquete de Natal, sendo
seu responsável o Tempo.
f) O Tempo abre a feira, que se chama *das Graças*, em honra das irmãs graciosas
de Lázaro de Betânia e amigas de Jesus: Marta e Maria.
j) Gil Vicente serve-se das personagens Tempo e Atenas como metáforas (concreti
zação de abstrações) de membros da Natureza.
k) É através destas duas primas, néscias e saloias, mas honestas mulheres do povo,
que Gil Vicente critica a falta de fé em Portugal.
I) Os últimos clientes são doze e vêm em grupo («nove moças dos montes, e três
mancebos»), com objetivos diferentes.
mj Depois da última fala de Teodora, as nove moças terminam o texto cantando lou
vores à Virgem Maria, razão que as levou a esta feira.
48
Auto da Feira, Gil Vicente
• Caracterização das personagens • A dimensão religiosa
> Relações entre personagens • A dimensão alegórica PRÁTICA
Tempo —
só cm serviço da opcmào.
2. Na sequência «a troco de cousas que hâo de trazer.» (verso 10), refira a que «cousas» se
refere o Tempo, justificando a sua resposta.
4. Em «e mais contareis / as contas sem conto qu'estào por contar.» (versos 27-28), Gil
Vicente utiliza a polissemia para fazer um trocadilho. Explique-o por palavras suas.
6. Transcreva de todo o excerto uma alegoria, uma metáfora e uma apóstrofe, referindo os
seus valores expressivos.
7.1 Explicite o papel de Roma como personagem alegórica e explique o seu papel na
estrutura do auto.
50
PRÁTICA
7.2 Refira-se à relação que Roma tem com as personagens com quem dialoga.
8. Esclareça o que pretende o autor mostrar com as personagens Branca Anes e Marta Dias,
justificando a sua resposta.
Gilberto - sois samica anjo de Deos. / Quando partistes dos céus / que ficava ele
fazendo?
Serafim - Ficava vendo o seu gado (...).
Gilberto - E a Virgem que fazia ela?
Serafim - A virgem olha as cordeiras / e as cordeiras a ela.
9.2 Caracterize a relaçáo entre as nove moças e os dois guardadores de bois. Mateus e
Vicente, referindo-se ao seu desfecho.
9.3 Explique o que fazem estas moças no final do texto dramático, bem como o signifi
cado de tal atitude.
9.3.1 Comente o objetivo que Gil Vicente tem ao servir-se desta espécie de «perso
nagem coletiva».
9.4 Explique por que razáo este texto dramático se inclui na categoria «auto*.
51
NEMUII EXAME NACIINAL
Luiz Vaz
LUÍS DE CAMÕES, RIMAS de Camões
Redondilhas e sonetos
Vida e obra
• 1524 ou 1525: supõe-se que Luís Vaz de Camões nasceu em Lisboa, filho de Simão Vaz de Camões e de
Ana de Sá; pertencia à pequena nobreza, como o atesta a carta de perdão datada de 1553. ao referir-se-
-Ihe como «cavaleiro fidalgo» da Casa Real.
• 1550: o poeta encontra-se em Lisboa: frequenta o paço e os salões da alta nobreza.
• 1550-1552: terá sido desterrado para Ceuta, onde vem a perder um dos olhos em combate com os Mou
ros. Regressa depois a Lisboa, gastando a vida entre a corte e as ruas, numa vivência boémia e desre
grada.
'1552: uma arruaça em que um arrieiro do rei foi ferido leva Camões à prisão do Tronco.
• 1553: supõe-se que terá viajado para a índia, ao serviço do rei. como forma de perdão.
• 1558: encontra-se em Moçambique, preso por dívidas. Aqui vive na miséria e trabalha na sua obra poética.
• 1570: regressa a Lisboa ajudado pelos amigos, que lhe pagam a viagem. Dos cerca de dezassete anos de
ausência nada há de preciso. Sabe-se que foi soldado e participou em expedições militares e que numa
viagem de Macau para a índia sofre um naufrágio no qual perde todos os seus bens materiais, conse
guindo salvar-se a nado e salvar Os Lusíadas, na foz do rio Mecon.
• 1572: publica os Os Lusíadas e passa a receber uma tença real de 15 000 réis anuais.
«1580 (10 de junho): morre depois de anos de abandono e miséria. Mais tarde. D. Gonçalo Coutinho manda
gravar uma lápide na sua sepultura: «Aqui jaz Luís Vaz de Camões, Príncipe dos Poetas de seu tempo.
Viveu pobre e miseravelmente, e assi morreu.*1
Renascimento:
Movimento cultural iniciado entre os séculos XIV e XVI, em Itália. A essência deste movimento prende-se
com a recuperação de características culturais da Antiguidade Clássica (greco-latina), cujo objetivo é a
renovação das artes, das letras e do próprio pensamento e conhecimento do mundo. Em Portugal, o Renas
cimento está diretamente associado ao período das Descobertas.
Classicismo:
□ Classicismo compreende-se como a vigência de uma estética da Antiguidade greco-latina, o que se
repercute na Literatura com os seus referentes (personagens, mitos, entre outros) e escrita segundo os
autores renascentistas italianos, de que Petrarca é um dos grandes exemplos.
Humanismo:
Infimamente relacionado com o Renascimento, o Humanismo tem que ver com a centralidade da figura
do Homem enquanto indivíduo. Desta forma, defende-se que cada homem deve possuir conhecimentos
abrangentes sobre as ciências, as humanidades e sobre si próprio, centro absoluto (físico, intelectual e
espiritual) da existência. Nesta conceção, o ser humano ganha um papel mais importante do que a própria
Divindade.
1 Poesia Lírica - Luís de Camões. seleção e introdução de Isabel Pascoa I. Lisboa, Ulisseia, pp. 7-10.
52
ramxiÊs u? ani
TEORIA
* Nas redondilhas. a amada é de qualquer classe social, privilegiando a de origem popular; geral
mente, tanto o sujeito poético como a amada pertencem ao mesmo meio social; bela, encanta
dora, com detalhes sobre indumentária, objetos, sentimentos; possibilidade de relacionamento
físico, entre outros.
• Nos sonetos: geralmente pertencente a uma classe social alta (nobreza / aristocracia / Coroa),
portanto, mulher palaciana; pele branca, olhos claros (azuis ou verdes), cabelos louros, indumen
tária elegante; superior em relação ao sujeito poético, seu submisso; relacionamento platónico
(sem contacto físico).
Por um lado, a Natureza pode plasmar a beleza da amada (locus omenus); por outro, pode estar
dependente dos sentimentos do sujeito poético (íocus omenus ou focus horrendas).
•" « q Amor pode ser tomado como um sentimento alegre e frutífero (correspondência amorosa) ou
«S * < como origem de sofrimento, de contradições e de desespero. Por exemplo, devido ao tempo que
i 3 ■ o não volta atrás, o sujeito poético vive angustiado com as lembranças do Bem passado, que se tor-
naram num Mal presente.
< “ s
5 — Nos poemas líricos de Camões encontramos várias referências diretas ou indiretas à sucessão de
• « g acontecimentos da sua biografia. Por outras palavras, vemos espelhados nos textos as aventuras
« ! 5 e desventuras, os infortúnios, o azar e a dependência de um Destino implacável, que dão vida à
< história pessoal do poeta.
o£ Este tema surge da consciência do poeta em relação ao mundo injusto, corrupto e maquiavélico
que o rodeia e que nunca lhe é favorável. Por isso mesmo, os poemas que versam sobre este tema
revelam uma agudeza mental que tem como consequência a angústia, a desolação /frustração e o
n 2 sofrimento de Camões.
FORMAS
53
filmas, Luís de Camões
• A representação da amada
3. Retire das três primeiras estrofes os nomes que o sujeito poético enumera para especifi
car cada traço da sua amada.
PRÁTICA
3.2 Identifique patamar social em que Camões coloca esta mulher, justificando a sua
resposta com elementos textuais.
5. Esclareça o sentido do «mágico veneno» e comente os efeitos que ele teve no sujeito poé
tico. Retire do poema a sequência que o comprova.
6. Prove que a estrutura formal (estrófica. métrica e rimática) deste poema o torna um soneto.
b) «um mover d'olhos (...) um despejo quieto (...) um repouso gravíssimo (...) um encolhi
do ousar»
c) «brando e piadoso (...) brando e honesto (...) doce e humilde (...) quieto e vergonhoso
(...) gravíssimo e modesto»
55
FICHA 11
Ei
PRÁTICA
57
Leia atentamente o seguinte texto e responda às questões.
59
PRÁTICA
6. Explique o sentido do verso «enquanto quis aquela que eu adoro» (verso 11), referindo-se
à expressividade dos tempos verbais utilizados.
7. Considerando o último terceto, explique como é que o sujeito poético caracteriza o Amor.
Justifique a sua resposta.
59
Leia atentamente o seguinte texto e responda às questões.
1. Considerando o primeiro verso, refira-se ao assunto deste soneto. Justifique a sua res
posta.
6. Identifique o recurso expressivo na sequência «(...) que nunca fora; / ou fora, e nâo
passara {...)> (versos 6-7).
9. Identifique o recurso expressivo, ao nível fonológico. presente nos dois últimos ver
sos do soneto, esclarecendo o seu valor.
61
Rimas, Luís de Camões
FICHA 20 • O tema do desconcerto
1. Esta composição poética desenvolve uma espécie de narrativa. Faça uma síntese dessa
narrativa, recorrendo a palavras suas.
2. Identifique duas aliterações presentes nos primeiros quatro versos do poema e esclareça
a relaçõo que estas estabelecem com conteúdo dos mesmos versos.
4. Indique a palavra que dá um caráter universal à conclusão deste poema, justificando a sua
resposta.
4.1 Transcreva as palavras que identificam os agentes desse universo de uma forma
maniqueísta (Bem ws. Mal).
7. Analise a estrutura formal deste poema, confirmando a sua pertença à designada «Medi
da Velha*.
63
Leia atentamente o seguinte texto e responda às questões.
64
PRÁTICA
4. Explique de que forma é que o tempo confirma a ideia de mudança. Retire do texto sequên
cias que provem a sua resposta.
4.1 Esclareça o principal efeito que esse mesmo tempo tem no sujeito poético. Justifi
que a sua resposta com elementos textuais.
6. Explique o valor da utilização do advérbio (de modo) no primeiro verso da segunda quadra.
65
filmas, Luís de Camões
• A representação da amada
Poema 1
Aquela cativa,
Presença serena
que me tem cativo2,
que a tormenta amansa;
porque nela vivo
nela enfim descansa
já não quer que viva.
toda a minha pena9.
5 Eu nunca vi rosa
Esta c a cativa
cm suaves molhos3,
que me tem cativo,
que para meus olhos
c, pois nela vivo,
fosse mais fermosa.
■ c força que viva.
4. Caracterize detalhadamente, fazendo uso das suas palavras, a mulher cantada no poema 1.
Transcreva vocábulos que confirmem a sua resposta.
5. Caracterize detalhadamente, fazendo uso das suas palavras, a mulher cantada no poema 2.
Transcreva vocábulos que confirmem a sua resposta.
67
NEMUII EXAME NACIINAL
Matéria épica (feitos históricos e viagem): Luís de Camões propõe-se narrar em verso a viagem
marítima dos portugueses desde Portugal até à India. Neste sentido, afirma que contará os feitos
gloriosos dos navegadores (Nobreza, Clero e Povo), os quais dizem respeito não só à navegação (com
suas provações) e à descoberta de novas terras ultramarinas, mas também à conquista de povos afri
canos e asiáticos. 0 poeta acrescenta que os feitos históricos serão para sempre recordados como
o ainda maiores do que os dos heróis da Antiguidade Clássica: o grego Ulisses (Odisseia), o troiano
Eneias (Eneida) e Alexandre Magno (rei da Macedónia). Esta informação surge na «Proposição».
Sublimidade do canto: Para conseguir cantar e louvar os feitos gloriosos dos portugueses nesta
sua epopeia. Camões recorre às ninfas do Tejo, as Tágides: invocando-as. pede-lhes que lhe deem
inspiração e linguagem erudita, elevada, sublime, para conseguir igualar a sublimidade dos feitos
dos portugueses, que ele quer deixar famosos por todo o «Universo» (presente e futuro). Na ver
dade. faz parte de uma epopeia o uso de vocabulário, frases e estâncias de estilo formal e de uma
eloquência superior. Esta informação encontra-se na «Invocação».
Mitificação do herói: 0 herói de Os Lusíadas é o povo português, simbolizado n3 figura de Vasco da
Gama. Narrando os seus feitos gloriosos e sublimes, mais meritórios do que todos os dos povos e
nações anteriores, Camões eleva os portugueses a um nível mítico, quase sobre-humano, ou seja,
acima dos poderes terrenos.
w Camões exprime as suas opiniões críticas sobre os factos que vai narrando. Assim, acompanhando
£ a viagem, as conquistas e as proezas gloriosas dos nossos navegadores, o poeta tece também
• £ comentários críticos à ambição desmedida e exagerada por dinheiro e fama, à falta de cultura e
*• ® apreço pelas Artes (especialmente a Poesia), ao poder corruptor do dinheiro e do ouro e aos com
portamentos negativos dos portugueses.
69
nktkiês u? ani
TEORIA
VISÃO GLOBAL
E9
NEMUII EXAME NACIINAL
Canto relato da aventura de Fernão Veloso: relato da passagem pelo Cabo (inclui também
das Tormentas e consequente episódio simbólico-profético-mitoló- um momento de
V Prolepse, que é o
gico do Gigante Adamastor; continuação da viagem até ao Rio dos dos comentários
Bons Sinais; descrição da doença do escorbuto; viagem em direção a proféticos do
Melinde e glorificação dos portugueses por parte de Vasco da Gama; Adamastor)
• Plano das reflexões do poeta, com comentários sobre os que despre
zam e não querem saber da Poesia.
7D
nmciÊsu?ANi
TEORIA
Canto 1 Canto II Canto III Canto IV Canto V Canto VI Canto VII Canto VIII Canto IX Canto X
História de História de
Portugal Portugal
71
Leia atentamente as estâncias que se seguem e responda às questões.
Proposição
1
AS armas c os Barões assinalados1
Que da Ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados,
Passaram ainda alem da Taprobana2,
Em perigos c guerras esforçados
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo lLcino, que tanto sublimaram;
2
António Carneiro, Camões lendo «Os Lusíadas»
E também as memórias gloriosas 1925-29
Daqueles ILcis que foram dilatando3
A Fé, o Império, c as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando;
1. Tendo em conta a afirmação «Cantando espalharei por toda a parte* (verso 7, estância 2),
explique o que Camões se propõe louvar/cantar. Justifique a sua resposta com elementos
textuais.
72
PRÁTICA
1.1 Prove que aquilo que se propõe louvar constitui matéria épica.
3. Considerando a afirmação «Oue eu canto o peito ilustre Lusitano» (verso 5, estância 3).
evidencie o sentido de toda a terceira estância. Justifique a sua resposta com elementos
textuais.
5. Explique de que modo é que estas três estâncias sâo um bom exemplo de epopeia, quanto
à forma.
73
FICHA 24
Invocação
5
Dai-me üa fúria* grande e sonorosa,
E nào de agreste avena ou frauta ruda7,
Mas de tuba canora c belicosa®,
Que o peito acende9 c a cor ao gesto muda10;
Dai-me igual canto aos feitos da famosa
Gente vossa, que a Marte tanto ajuda;
Que se espalhe c se cante no universo,
Columbano Bordalo Pinheiro.
Sc tào sublime preço cabe em verso. Camões ínvocandoas Tágides, 1894
1. Considerando a estância 4. esclareça a relação que existe entre Camões e as Tágides, bem
como o pedido que ele lhes faz. Justifique a sua resposta com elementos textuais.
74
PRÁTICA
75
FICHA 25
Canto I
105
1.1 Sintetize o assunto desta estância, justificando a sua resposta com elementos textuais.
1.2.1 Identifique o outro recurso expressivo conseguido por meio destas interjei
ções. Refira-se ao seu valor.
76
PRÁTICA
1.3 Esclareça as críticas feitas pelo Poeta nos últimos quatro versos.
a) anástrofe
b) dupla adjetivaçâo
2.1 Sintetize o assunto desta estância, justificando a sua resposta com elementos tex
tuais.
2.2 Caracterize o «mar* e a «terra*, fazendo uso das suas próprias palavras.
a) aliteração
b) enumeração
c) anáfora
d) m et áfora
e) interrogação retórica
Canto V
92 99
Qualquer nobre trabalha em memória A dar aos seus, na lira12, nome e fama
As envejas da ilustre e alheia história4 Que ele, nem quem na estirpe14 seu se chama,
Fazem mil vezes feitos sublimados. Calíope15 não tem por tão amiga
Louvor alheio muito o esperta e incita5. As telas d ouro fino17 e que o cantassem.
(...)
97 100
Enfim, nào houve forte Capitão6 Porque o amor fraterno e puro gosto
Que nào fosse também douto c ciente7, De dar a todo o Lusitano feito
Sem vergonha o nào digo: que a razão Porem não deixe, enfim, de ter disposto20
De algum nào ser por versos excelente, Ninguém a grandes obras sempre o peito21:
1.1 Refira os dois grandes defeitos do ser humano criticados nesta estância.
1.2 Caracterize, por palavras suas, «Qualquer nobre* (verso 3) do tempo de Camões.
70
PRÁTICA
2.2 O poeta faz referência a outras nações. Identifique-as e justifique o seu papel nesta
parte da reflexão.
3.3 Esclareça, por palavras suas, o significado dos dois últimos versos.
4.2 Evidencie a melhor maneira, segundo o poeta, de ter sempre «preço e sua valia».
4.3 Explicite a que se refere o poeta na sequência «por esta ou por outra qualquer via»
(verso 7).
7S
Leia atentamente as estâncias que se seguem e responda às questdes.
Canto VIII
96
98
1.2 Explique o alvo da crítica camoniana, tendo em conta o último dístico, esclarecendo
a razão por que é criticado.
80
PRÁTICA
1.4 Identifique recurso presente em «a tudo nos obriga» (verso 8), comentando a sua
expressividade.
2.1 Identifique o recurso expressivo em que assentam estas duas estâncias, conside
rando a palavra «Este». que serve para o introduzir.
2.2 Esclareça, por palavras suas, os efeitos do dinheiro a que o Poeta se refere.
31
Leia atentamente as estâncias que se seguem e responda às questdes.
Canto IX
52
1.1 Explique, fazendo uso das suas próprias palavras, o papel da deusa Vénus relativa
mente aos navegadores portugueses.
1.2 Identifique a primeira perspetiva ou visão que os portugueses tiveram da Ilha dos
Amores, transcrevendo a sequência textual que o confirma.
82
PRÁTICA
1.3 Explicite o uso das sequências *forte armada» e «(...) por que náo passassem, sem
que nela / Tomassem porto (...)»(versos 5-6) na mitificação do herói coletivo - os navega
dores lusitanos.
1.5 Identifique e refira o valor expressivo do recurso, a nível fónico, presente em *De
longe a Ilha viram, fresca e bela, / Que Vénus pelas ondas lha levava» (versos 1 -2).
2.1 Explique o sentido dos versos *Mas firme a fez e imóbil, como viu / Que era dos Nau
tas vista e demandada» (versos 1-2).
2.2 Explicite o valor da comparação presente em *Qual ficou Delos. tanto que pariu /
Latona Febo e a Deusa à caça usada.» (versos 3-4).
2.3 Explique de que forma o verso «Pera lá logo a proa o mar abriu» (verso 5) está ao
serviço da ideia de movimento.
2.4 Tendo em conta os últimos três versos, esclareça a presença do imaginário épico de
Camões e a mitificação do herói.
93
Os Lusíadas, Luís de Camões
FICHA 29
Canto IX
68
1.1 Mostre que toda a estância é construída a partir do imaginário épico camoniano. Jus
tifique a sua resposta, transcrevendo elementos textuais.
84
PRÁTICA
1.2 Explique, recorrendo às suas próprias palavras, o sentido do verso «Que mais incita
a força dos amores» (verso 6).
1.3 Identifique quatro recursos expressivos presentes em «De que se vestem as huma
nas rosas» (verso 7). referindo-se aos seus valores.
2.2 Mostre como os versos «Mais descobrimos do que humano esprito / Desejou nunca,
e bem se manifesta / Que sào grandes as cousas e excelentes/ Que o mundo encobre
aos homens imprudentes.» (versos 5-8) estào ao serviço da mitificação do herói.
2.4 Prove que o recurso à comparação, ao gerúndio e à seleçào dos nomes «gamos» e
«galgos» remete para a ideia de movimento e velocidade.
85
Leia atentamente as estâncias que se seguem e responda às questdes.
Canto IX
89
93
1.2 Esclareça o significado dos três últimos versos. Justifique a sua resposta.
1.3 Explique o contraste entre o conteúdo desta reflexão de Camões e todas as outras
analisadas nas fichas anteriores.
86
PRÁTICA
1.4 Identifique o recurso expressivo maioritariamente presente nos últimos quatro ver
sos, explicando como se relaciona com a respetiva reflexão de Camões.
2.1 Explicite o sentido dos quatro primeiros versos, recorrendo a elementos textuais
para o justificar.
2.3 Segundo o poeta, refira os frutos dessas «honras vâs» e desse «ouro puro».
3. Prove que estas estâncias dâo corpo e forma a uma verdadeira epopeia.
87
Leia atentamente as estâncias que se seguem e responda às questdes.
Canto X
75 91
80
José de Almada Negreiras, flhados Amores, 1 Ml (incisàD, átrio do edifício da Faculdade de Letras de Lisboa}.
Representa Vasca da Gama, acompanhado da deusa Tétis, que lhe apresenta
a «Máquina do Munda», figurada na Cosmografia de Ptolomeu.
1 Depois do envolvimento físico entre 5 Globo terrestre visto de foca por Tétis ^Corajosas; va lentes.
ninfas e navegadores. e Vasco da Gama. ID Sofrimentos.
2Enfeitada. 6 Celeste e original. 11 Mar inconstante e imprevisível.
^Aumente. 7 É eterno. u Experimentam; vivenciam.
*Feliz. B Morada. 13 Estào;se encontrarrttêm morada.
8S
PRÁTICA
1.3 Refira a razão que explica o uso dos dois pontos no final do verso 8.
3.1 Explique, por palavras suas, o conteúdo dos quatro primeiros versos.
3.2 Mostre que os quatro últimos versos sâo prova de que esta obra de Camões tem por
base uma matéria épica.
09
NEMUII EXAME NACIINAL
HISTÓRIA TRÁGICO-MARÍTIMA
«As terríveis aventuras de Jorge de Albuquerque Coelho» (1565)
(Capítulo V)
Aventuras e desventuras dos Descobrimentos
• Desventuras: dizem respeito, regra geral, às adversidades e aos obstáculos sofridos no mar. Neste caso,
referem-se a tempestades colossais, naufrágios e doenças contraídas pela escassez de alimentos ou falta
de higiene. Neste relato sobressai ainda a característica insensata de os barcos portugueses navegarem
com excesso de carga, característica essa que tornava os referidos barcos mais frágeis e suscetíveis de
naufragarem ou de serem vítimas de saques e roubos (pirataria).
• Herói: nestas aventuras e desventuras marítimas sobressai Jorge de Albuquerque Coelho, não apenas o capi
tão, mas um homem exemplar, que está pronto a despojar-se de tudo em benefício dos seus tripulantes e do
bem comum. Dotado de valores nobres e altruístas, este homem conserva a calma, a consciência e a sabedoria
em momentos de muitas provações, estimulando-se a si próprio, assim como a sua tripulação. É ágil no pensar
e no fazer. Habituado ao mar, comporta-se como um herói de qualidades humanas esobre-humanas.
90
nktkiês u? ani
TEORIA
CAPÍTULO V JMO}:
-AS TERRÍVEIS AVENTURAS DE JORGE DE ALBUQUERQUE COELHO»
• -No tempo do rei D. João III. o Brasil foi dividido em capitanias, cada uma concedida a um donatário.» A capi
tania de Pernambuco fica sob a guarida de um fidalgo português rico e honrado, Duarte Coelho.
• A rainha D. Catarina anuncia revoltas de indígenas no Brasil, sobretudo em Pernambuco.
• Duarte Coelho {o filho) é incumbido de restabelecer a ordem: desembarca em Pernambuco em 1560 (com
20 anos), tendo levado consigo o irmão. Jorge de Albuquerque Coelho, para o ajudar e servir, alguns padres
da Companhia de Jesus e mais populares.
•Guerras com os indígenas começam em 1560 e duram 5 anos: ferimentos de ambos os lados, ataques e
conquista portuguesa da vila brasileira de Olinda.
• Regresso a Portugal na nau Santo António - «na qual viagem se deram os casos que nesta narrativa se
contam.».
• Desembarcam a 16 de maio de 1565 e logo ventos contrários a atacam, atirando tripulantes ao mar.
fazendo-os regressar a terra.
•Amigos de Albuquerque Coelho tentam dissuadi-lo de embarcar de novo na nau Santo António, mas ele
recusa e embarca com determinação e fé - segunda partida de Olinda, a 29 de junho de 1565.
• Cinco dias depois: novos ventos e intempéries, que os obrigam a deitar carga ao mar. destroem o «guru
pés» e cobrem de água o casco da nau.
•Passam 19 dias de «calmarias, acompanhadas de trovoadas». Tentam ir a terra para se guarnecerem
(Cabo Verde), mas a 29 de julho encontram-se com uma nau de corsários franceses.
• 29 de agosto: decidem alcançar os Açores.pois a sua condição era de fome e sede - Jorge de Albuquerque
Coelho pega nos seus poucos mantimentos (reservados a si e aos seus criados) e partilha-os com toda a
tripulação», atitude de um Capitão excecional e bom líder, de um verdadeiro herói.
• 3 de setembro: surge uma nau de corsários franceses que querem roubar a Santo António - por 3 dias
os portugueses resistem (apesar de poucos e pouco guarnecidos de armamento) até que se rendem, por
cansaço e falta de meios. Os dois capitães encontram-se e dialogam: o francês admira e elogia a coragem
de Jorge de Albuquerque Coelho pela resistência com táo escassos meios.
• 6 de setembro: chegam ao largo do Faial, Pico e Graciosa, onde os franceses planeiam deixar os portu
gueses e roubar a nau, levando-a consigo para França, mas o vento é «rijo» e perigoso para essa empresa:
seguem adiante.
•Vendo que os franceses os levam para França, Jorge de Albuquerque Coelho arquiteta um plano para
matar os mais importantes corsários, ficar com as suas armas e apoderar-se da sua nau.
• Porém, a 12 de setembro o vento sopra, dando início a mais uma desventura e manifestação de heroici
dade por parte do capitão - «em fúria, zunindo nas enxárcias, turbilhonando nuvens, rendilhando espumas
açoitando no escuro os vagalhões roncantes. Alija! Alija! Alija carga! (...) trataram de alijar os mastaréus
das gáveas, e todas as caixas que cada um trazia (...), um mar mais violento desmanchou o leme. (...)
Quase todos, entáo. se sentiram descoroçoar. Jorge de Albuquerque, vendo-os assim, começou a falar-
-Ihes para lhes dar ânimo (...). «Ajoelharam os outros, e pediram a Deus que os livrasse do perigo.».
• A nau francesa desaparece.
• Nova tempestade e renovadas desventuras.
• Durante a tempestade, sobressai o caráter honrado e leal de Jorge de Albuquerque Coelho e a religiosi
dade e fé, não só de jesuítas, mas de capitão e marinheiros.
• Três dias depois de tamanha tempestade, os navegadores mostram rapidez e agilidade: «Dos pedaços da
ponte que ornar abatera, e de três remos de batel que escaparam do estrago, trataram logo de improvisar
o mastro e armaram nele uma velazinha.».
•Jorge de Albuquerque Coelho comporta-se de novo exemplarmente: havendo apenas «duas canadas de
vinho; uma pequena quantidade de cocos; alguns poucos punhados de farinha-de-pau; dúzia e meia, ao
todo, de tassalhos de carne e de peixe-cavalo» para 40 tripulantes a bordo do que restava da nau Santo
António (...), «Jorge de Albuquerque repartiu os mantimentos por suas mãos, reservando para si mesmo
um quinhão menor que o que dava aos outros. Todos se espantavam de como se sustentava de tão pouco
(...). Ao parecer, mais se doía das necessidades alheias que das próprias. Homem para comandar liberal
mente, pela bondade e pela persuasão, e de todo o ponto admirável.».
91
NEMUII EXAME NACIINAL
• De novo Jorge de Albuquerque Coelho se desembaraça com os poucos materiais que tem para manter a
Santo António à superfície e a navegar.
■ 27 de setembro:os moribundos pedem desesperadamente a Jorge de Albuquerque Coelho para comerem
os cadáveres dos amigos, o que, chocado e triste, o capitão recusa terminantemente: só a ele, capitão, o
comeriam, se morresse primeiro.
• 29 de setembro: avistam uma nau que se recusa a ajudá-los e desaparece.
• 2 de outubro: veem «a Serra de Sintra! Lá estava, ao cimo das rochas, a própria casa da Senhora da Pena!», mas
não possuem meios para levar o barco a terra. Avistam-se outras naus e caravelas, mas nenhuma os ajuda.
• Enfim aproxima-se «uma barca pequenina», cujo capitão. Rodrigo Álvares de Atouguia, lhes presta auxí
lio: manda dar-lhes «pão. águas e frutas», desembarcam alguns na «baía de Cascais» (...) fugindo a rochas
e penhascos» e desembarcam outros em Belém.
• No dia seguinte, surge o Infante D. Henrique, «que governava o Reino*, que «fez expedir uma galé que a |Santo
António] fosse trazendo rio acima. «Fundeou a nau. finalmente, diante da igreja de S. Paulo, onde numerosa
gente a foi visitar, espantando-se do destroço em que a viam posta.*.
■ Jorge de Albuquerque Coelho «desembarcou em Belém com alguns companheiros, e dirige-se em romaria a
Nossa Senhora da Luz.pelo caminho de Nossa Senhora da Ajuda.» - Ação de Graças.
• Chegam os seus «amigos e parentes* e oprimo, D.Jerónimo de Moura, não o reconhece, a não ser quando
Jorge se identifica, pois o seu físico tem marcas de um ano de aventuras e desventuras, martírios e tor
mentos.
92
FICHA 32 PRÁTICA
1 Cabos que seguram mastros. 6 Desencorajar, desanimar. u Parte mais avançada da proa.
2Deita focai ou Deita ao marí 7Controlar. 12 Cheia de água.
3 As velas maiores de uma nau. "Onda. 13 Assustadas; medrosos.
4 Roupas. "Fazendo estrondo; barulho. 14Ponto máximo.
"Atiraram. 1Q Vela maior do mastro da proa. 15 Estado de desespera total.
93
Ao ouvir este horrível requerimento16, arrasaram-sc-lhe17 os olhos de água. Não, não podia
ser; não o consentiria16 (...) Pouco depois, fclizmente, avistaram uma barca pequenina, que
N navegava para a Atouguia. (...) Logo lhes deram pão, água c frutas, que para si traziam.
O senhorio da barca19, tanto que acabou de lhes dar de comer, passou-lhes um cabo
de reboque com que afastaram a nau da rocha e a foram trazendo ao longo da costa ate
a baía de Cascais, aonde chegaram sol-posto20. (...)
No dia seguinte, o cardeal infante D. Henrique, que governava o ILcino, fez expedir21 uma
fi gale22 que a fosse trazendo pelo rio acima. Fundeou23 a nau, finalmente, diante da igreja de S.
Paulo, onde numerosa gente a foi visitar, espantando-se do destroço24 cm que a viam posta.
História Trógico-Maritima (âdaptaçáo de António Sérgio),
Lisboa, Livraria Sá da Costa, 1996, [Cap. V], pp. 175-214
1. Transcreva das linhas 9 a 27 elementos textuais que justificam o título do capítulo: «As
terríveis aventuras de Jorge de Albuquerque Coelho*.
4. Explicite o momento de desespero total dos navegadores, que dá origem a um pedido horrífico.
94
NEMUII EXAME NACIINAL
Vida e obra
• 1608 (6 de fevereiro): nasce em Lisboa.
• Aos 7 anos, é levado para o Brasil e aos 15 anos entra no Colégio dos
Jesuítas.
• 1635: inicia a sua carreira de pregador.
• 1641: traz a Lisboa, ao rei D. João IV. a adesão da sua colónia a Portugal,
criando uma relação excelente com D. João IV. ao ponto de se tornar o
pregador oficial da Corte.
• Pelos seus escritos, foi perseguido e processado pela Inquisição, por ser
a favor de uma sociedade aberta a cristãos-novos e à burguesia mercantil.
• 1653: torna-se um dos superiores da Companhia de Jesus.
• 1681: regressa ao Brasil, a Baía, e passa a exercer funções de superior
da missão no Maranhão. Autor desconhecido,
Retroto de Padre António Vieira c 1700
• 1697 (18 de julho): morre na Baía (Brasil).
96
nktkiês 12? ani
TEORIA
o e chama-lhe sal da terra, porque quer que Escrituras e que indica o tema e assunto, a inten
façam na terra o que faz o saL»6 ção e os objetivos do autor); para isso, recorrerá
-o a argumentos (louvores e repreensões).
X
LU • Referência a Santo António, modelo de pregação
seguido neste sermão de Vieira.
• 0 orador termina com uma invocação á Virgem
Maria.
Capítulo IV
Repreensões aos peixes em geral • Os peixes são arrogantes, soberbos e falsos.
«Antes porém que vos vades, assim como
ouvistes os vossos louvores, ouvi tam
bém agora as vossas repreensões.»
Capítulo V • Roncadores: arrogantes, presunçosos e soberbos.
Repreensões aos peixes em particular • Pegadores: corruptos, pegando-se aos podero
«Descendo ao particular, direi agora, pei sos para usufruírem dos seus benefícios.
xes, o que tenho contra alguns de vós. (...). • Voadores: vaidosos e querem fazer mais do que
Roncadores (...). Pegadores (...). Voado podem/devem para obter honra e glória.
res (...) Polvo - • Polvo: traidor e falso.
* Todas os excertos retiradas da obra pertencem á seguinte edição: Padre António Vieira, Sermão de Santo António, Obra
Compíeta(dir. José Eduardo Franco e Pedro Calafate), tomo II, volume X, Lisboa, Circulo de Leitores. 2014, pp. 137-16S.
97
NEMUII EXAME NACIINAL
Recurso a figuras de autoridade ou testemunhos que não só dão credibilidade ao seu sermão, como
epepue^duiaxa
facilitam a sua aceitação perante os ouvintes: Santo António de Lisboa, Santo Ambrósio. os após
tolos evangelistas, entre outros; e Evangelhos, designadamente o de S. Mateus, de onde retira o
«conceito predicável». assim como a epístola do apóstoloS.Tiago,as palavras de Jesus Cristo {Novo
Testamento) e ainda os profetas do Antigo Testamento. A Bíblia é o pilar de que o orador se socorre
insistentemente.
a
»A)$ensjed
Padre António Vieira seleciona exemplos do conhecimento do mundo que os ouvintes possuem -
esta é a base da estratégia de persuasão previamente preparada. Assim, conhecendo bem as cate
gorias dos peixes e respetivos comportamentos,os ouvintes entenderão perfeitamente as críticas
e convencer-se-ão daquilo que o padre jesuíta pretende mostrar. No caso do peixe de Tobias, por
exemplo, e podendo o auditório o não conhecer, o orador não se refere apenas à sua fisionomia,
o jiu 8;u |
mas faz uma breve descrição do contexto em que o peixe surge na Bíblia. Desta forma, dá a conhe
cer a Bíblia aos ouvintes (evangeliza) e faz com que estes corrijam os seus defeitos e pecados
(persuade e altera comportamentos —> movere).
A crítica social prende-se com a exposição dos vícios7 da sociedade do Maranhão, servindo-se dos
peixes, o que é conseguido com:
i)jo í« j» « jtp o s
• Discurso figurativo: por meio de artifícios linguísticos e da sua estratégia argumentativa. assente
no conceito predicável de natureza bíblica «Vos estis sol ferroe». Vieira constrói imagens, cená
rios, personagens, virtudes e vícios que espelham a realidade e o contexto em que os seus inter
locutores (peixes que simbolizam os homens) estão inseridos e tão bem conhecem.
• Recursos expressivos: alegoria, comparação, metáfora, anáfora, antítese, apóstrofe, enume
ração, gradação. Destaca-se a alegoria, tal como tinha feito Santo António em relação à crítica
social daqueles que o perseguiam: Vieira recorre a um elemento da fauna marítima - os peixes
- para, por meio deles, pôr a nu os seus defeitos e virtudes, que facilmente se associam aos dos
seres humanos.
• Alegoria: por definição, a alegoria é a concretização de uma abstração. Assim, os peixes repre
sentam e simbolizam as virtudes e as repreensões ou defeitos dos seres humanos.
7 Consultar a tabela com as partes e estrutura argumentativa do Sermão do Padre António Vieira (cf. p. 95).
91
nktkiês u? ani
TEORIA
99
NEMUII EXAME NACIINAL
Desfecho:
Capítulo VI
* Retoma dos argumentos apresentados;
Conclusão
(peroração) * Exortação (pedido insistente/conselho) aos ouvintes para fazerem contínua ação
de graças e louvores a Deus.
David Vinckboons.
Sermòo de Cristo no Logo de Genesaré, 1623
100
Sermão de Santo António, Padre António Vieira
■ Capítulo I - Introdução (exórdio): Verificação de leitura
PRÁTICA
d] *0 sal não salga» por vários motivos, de entre os quais os clérigos não pregam a
mensagem de Cristo ou os que ouvem optam por fazer o que é da sua própria von
tade materialista.
e) i 3 «Quese há de fazer a este sal. e que se há de fazer a esta terra?» é uma sequência
f) Se a culpa
recair sobre o pregador, este deve ser menosprezado e considerado «inú
til».
i) Z3 Vieira considera que nas solenidades em que se celebram os santos se deve falar
da sua biografia.
n o A igreja onde o Padre António Vieira prega este sermão é um local frequente das
suas pregações.
k) Padre António Vieira avalia a sua pregação ao longo dos anos através dos ouvintes,
pois neles se nota se seguem a doutrina pregada ou não.
101
Sermão de Santo António, Padre António Vieira
FICHA 34
«Vós», diz Cristo Senhor nosso, talando com os Pregadores, «sois o sal da terra»: e
chama-lhes sal da terra porque quer que façam na terra o que taz o sal. O efeito do sal é
impedir a corrupção, mas quando a terra se vê tào corrupta como está a nossa, havendo
tantos nela, que tem oficio de sal, qual será, ou qual pode ser a causa desta corrupção?
Ç Ou é porque o sal nào salga, ou porque a terra se não deixa salgar. (...) Nào é tudo isto
verdade? Ainda mal! (...) Suposto pois que, ou o sal nào salgue ou a terra se nào deixe
salgar; que se há de fazer a este sal, c que se há de fazer a esta terra? (...) E à terra, que
se nào deixa salgar, que se lhe há de fazer? (...) temos sobre ele a resolução do nosso
grande Português Santo António, que hoje celebramos, c a mais galharda c gloriosa
I resolução que nenhum Santo tomou. Pregava Santo António em Itália na Cidade dc
Arimino, contra os Hereges, que nela eram muitos; c como erros dc entendimento são
dificultosos dc arrancar, nào só nào fazia fruto o Santo, mas chegou o Povo a se levan
tar contra ele, e faltou pouco para que lhe nào tirassem a vida. (...) Deixa as praças,
vai-se às praias, deixa a terra, vai-se ao mar, c começa a dizer a altas vozes: «Já que me
y nào querem ouvir os homens, ouçam-me os peixes.» Oh maravilhas do Altíssimo! Oh
poderes do que criou o mar, e a terra! Começam a ferver as ondas, começam a concor
rer os peixes, os grandes, os maiores, os pequenos, c postos todos por sua ordem com as
cabeças dc fora da água, António pregava, e eles ouviam. (...) Isto suposto, quero hoje à
imitação de Santo António voltar-me da terra ao mar, ejá que os homens se nào apro-
3 vcitam, pregar aos peixes. (...) Os demais podem deixar o Sermão, pois nào é para eles.
1. Explique, por palavras suas, a primeira frase, identificando o conceito predicável, os dire
tos interlocutores de Cristo e o que está representado em «terra».
3. Nas linhas 5-6, apresentamos dois momentos de supressão de texto. Da leitura integral deste
capítulo, refira o seu conteúdo e explique a enumeração e a anáfora que lhe estáo subjacentes.
102
PRÁTICA
8. Mostre o papel das frases «Isto suposto, quero hoje à imitação de Santo António voltar-me
da terra ao mar. e já que os homens se não aproveitam pregar aos peixes» no Exórdio e na
(ante)visão global do sermão.
10. Ap ós a leitura integral deste capítulo, explique, por palavras suas, a alegoria nos ser
mões de Santo António e de Padre António Vieira.
103
1. Leia atentamente as seguintes afirmações e classifique-as como V (Verdadeira) ou
F (Falsa), corrigindo as falsas.
d) São Pedro é a figura bíblica que exemplifica o que habitualmente faz o Ouatro-Olhos.
f) J Outros dos animais repreendidos são os Pegadores, ou seja, aqueles que se colam
g) Um grupo criticado é ainda o das raias, que têm barbatanas largas e podem voar,
como se lê em «não vos fez Deus para peixes? Pois porque vos meteis a ser aves?»
h) J Vieira afirma, por último: «Mas já que estamos nas covas do mar, antes que saia
j) ! António Vieira termina este capítulo em forma de conselho, afirmando que o cami
nho para a salvação é o desapego dos bens materiais.
104
PRÁTICA
Haveis dc saber, irmãos peixes, que o sal, filho do mar como vós, tem duas proprie
dades (...). Uma c louvar o bem, outra repreender o mal: louvar o bem para o conser
var, c repreender o mal, para preservar dele. (...) Assim o diz o grande Doutor da Igreja
Sào Basílio (...). Começando pois pelos vossos louvores, irmãos peixes, bem vos pudera
5 eu dizer que entre todas as criaturas viventes, e sensitivas, vós fostes as primeiras, que
Deus criou. A vós criou primeiro que as aves do ar, a vós primeiro que aos animais da
terra, c a vós primeiro que ao mesmo homem. (...) Vindo pois, irmãos, às vossas virtu
des, que sào as que só podem dar o verdadeiro louvor; a primeira, que se me oferece aos
olhos hoje, c aquela obediência, com que chamados acudistes todos pela honra de vosso
ll Criador c Senhor, e aquela ordem, quietação, c atenção, com que ouvistes a palavra de
Deus da boca de Seu servo António. (...) Os peixes pelo contrário lá se vivem nos seus
mares, e rios, lá se mergulham nos seus pegos, lá se escondem nas suas grutas, c nào há
nenhum tào grande, que se fie no homem, nem tão pequeno, que nào fuja dele. (...) E
entretanto, vós, peixes, longe dos homens, c tora dessas cortcsanias vivereis só convos-
15 co, sim, mas como peixe na água. (...) No tempo de Noe sucedeu o dilúvio, que cobriu,
c alagou o mundo; c de todos os animais, quais livraram melhor?
Padre António Vieira, op. dt., pp. 139-143
1. Identifique a virtude principalmente louvada nos peixes, de acordo com a informação das
linhas 4 a 7.
3. Explique, por palavras suas, a seguinte frase *E entretanto vós, peixes, longe dos homens, e
fora dessas cortesanias vivereis só convosco, sim, mas como peixe na água*
105
Leia atentamente o seguinte excerto e responda às questdes.
Passando dos da Escritura aos da História natural, quem haverá que nào louve, c
admire muito a virtude tào celebrada da Rétnora? (...) Quem haverá, digo, que nào
admire muito a virtude daquele pcixczmho tào pequeno no corpo, c tào grande na
força, e no poder, que nào sendo maior de um palmo, se se pega ao leme de uma Nau
da India, apesar das velas, c dos ventos, c do seu próprio peso, c grandeza, a prende,
e amarra mais, que as mesmas ancoras, sem se poder mover, nem ir por diante? Oh
se houvera uma Rémora na terra, que tivesse tanta torça como a do mar, que menos
perigos haveria na vida, e que menos naufrágios no mundo! Se alguma Rcmora houve
na terra, foi a língua de Santo António. (...) O Apóstolo Santiago naquela sua eloquen
tíssima Epístola compara a língua ao leme da Nau, c ao freio do cavalo. (...) notei que
aqueles quatro olhos cstào lançados um pouco tora do lugar ordinário, e cada par
deles unidos como dois vidros de um relógio de areia, cm tal forma, que os da parte
superior olham dircitamentc para os de cima, e os da parte interior direitamente para
baixo. E a razão desta nova arquitetura é: porque estes pcixezmhos, que sempre andam
na superfície da água, nào só sào perseguidos dos outros peixes maiores do mar, senão
também de grande quantidade de aves marítimas, que vivem naquelas praias; e como
têm inimigos no mar, e inimigos no ar, dobrou-lhes a Natureza as sentinelas. (...) Oh
que bem informara estes quatro olhos uma Alma racional, c que bem empregada tora
neles, melhor que cm muitos homens!
Padre António Vieira, ep. □(., pp. 144-148
1. Explique a presença da Rémora como um dos peixes cujas virtudes particulares devem
ser imitadas.
2. Explique a presença do Ouatro-Olhos como outro dos peixes cujas virtudes devem ser
imitadas.
3. Selecione do excerto uma comparação e uma figura de autoridade que não apareceram
nos excertos analisados até aqui.
Leia atentamente o excerto e responda às questdes.
E começando aqui pela nossa costa: no mesmo dia em que cheguei a ela, ouvindo os
Roncadores, e vendo o seu tamanho, tanto me moveram o riso como a ira. E possível
que sendo vós uns peixinhos tào pequenos haveis de ser as roncas do mar? Se com uma
linha de coser, e um alfinete torcido, vos pode pescar um aleijado, porque haveis de
5 roncar tanto? Mas por isso mesmo roncais.(...) Os arrogantes, c soberbos tomam-se com
Deus; e quem se toma com Deus sempre fica debaixo. Assim que, amigos Roncadores,
o verdadeiro conselho é calar, e imitar a Santo António. Duas coisas há nos homens, que
os costumam fazer Roncadores, porque ambas incham: o saber e o poder. (...) Pegado
res se chamam estes, de que agora falo, c com grande propriedade, porque sendo peque-
U nos, nào só se chegam a outros maiores, mas de tal sorte se lhes pegam aos costados, que
jamais os desferram. De alguns animais de menos torça, c indústria, se conta que vão
seguindo de longe aos Leões na caça, para se sustentarem do que a eles sobeja.
O mesmo fazem estes Pegadores, tào seguros ao perto, como aqueles ao longe; porque
o peixe grande nào pode dobrar a cabeça, nem voltar a boca sobre os que traz às costas, c
15 assim lhes sustenta o peso, e mais a tome. (...) Rodeia a Nau o Tubarão nas calmarias da
Linha com os seus Pegadores às costas, tào cerzidos com a pele, que mais parecem remen
dos, ou manchas naturais, que os hóspedes, ou companheiros. (...) Porque cm morrendo
o Tubarão morrem também com ele os Pegadores. (...) Eis aqui, peixczmhos ignorantes, c
miseráveis, quào errado, e enganoso é este modo de vida, que escolhestes. (...) «Pcgucm-sc
3 outros aos grandes da terra, que cu só me quero pegar a Deus.» Assim o fez também Santo
António, e senão, olhai para o mesmo Santo, e vede como está pegado com Cristo, c Cris
to com ele. (...) Mas já que estamos nas covas do mar, antes que saiamos delas, temos lá o
irmão Polvo, contra o qual tém suas queixas, e grandes, nào menos que Sào Basího c Santo
Ambrósio. O Polvo com aquele seu capelo na cabeça parece um monge, com aqueles seus
5 raios estendidos, parece uma Estrela, com aquele nào ter osso, nem espinha, parece a mesma
brandura, a mesma mansidão. E debaixo desta aparência tào modesta, ou desta hipocrisia
tào santa, testemunham constantemente os dois grandes Doutores da Igreja Latina, c Grega,
que o dito Polvo é o maior traidor do mar. Consiste esta traição do Polvo primciramcntc
em se vestir, ou pintar das mesmas cores de todas aquelas cores, a que está pegado.
1 (...)E daqui que sucede? Sucede que o outro peixe inocente da traiçào vai passando desa
cautelado, e o salteador, que está de emboscada dentro do seu próprio engano, lança-lhe
os braços de repente, c fa-lo prisioneiro. Fizera mais Judas? Nào fizera mais; porque nem
tez tanto. Judas abraçou a Cristo, mas outros O prenderam: o Polvo é o que abraça, e mais
o que prende. Judas com os braços fez o sinal, e o Polvo dos próprios braços faz as cordas.
35 Judas é verdade que foi traidor, mas com lanternas diante: traçou a traiçào às escuras, mas
exccutou-a muito às claras. O Polvo, escurecendo-se a si, tira a vista aos outros, c a pri
meira traiçào, c roubo, que faz, c à luz, para que nào distinga as cores. Vê, Peixe aleivoso,
e vil, qual é a tua maldade, pois Judas cm tua comparação já é menos traidor.
Padre António Vieira, op. ot., pp. 156-163
107
1. Transcreva as apóstrofes feitas aos três peixes repreendidos em particular, identifican-
do-as e explicando a sua expressividade.
2. Explique o que motivou «o riso e a ira* no Padre jesuíta mal viu os Roncadores.
4. Explique, por palavras suas, o exemplo dado através do Tubarão, para evidenciar o com
portamento tão estratégico quanto reprovável dos Pegadores.
6. Fazendo uso das suas palavras, caracterize física e psicologicamente o Polvo, de acordo
com o conteúdo das linhas 24 a 29.
7. Explique a estratégia do polvo para atacar e capturar as suas presas. Justifique a sua res
posta. transcrevendo elementos textuais.
109
Leia atentamente o excerto e responda às questões.
que vades consolados do Sermão, que não sei quando ouvireis outro, quero-vos aliviar
5 animais, que Lhe haviam de ser sacrificados; mas todos eles, ou animais terrestres, ou
aves, ficando os peixes totalmente excluídos dos sacrifícios. (...)
«Louvai, Peixes, a Deus, os grandes, e os pequenos», e repartidos cm dois coros tão
inumeráveis, louvai-O todos umformemente. Louvai a Deus, porque vos criou cm
tanto número. Louvai a Deus, que vos distinguiu cm tantas espécies; louvai a Deus, que
U vos vestiu de tanta variedade, e formosura; louvai a Deus, que vos habilitou de todos
os instrumentos necessários à vida; louvai a Deus, que vos deu um elemento tão largo,
c tào puro; louvai a Deus, que vindo a este Mundo viveu entre vós, e chamou para
Si aqueles que convosco c de vós viviam; louvai a Deus, que vos sustenta, (...) e assim
como no princípio vos deu sua bênção, vo-la dê também agora. Amen.
Padre António Vieira, cp. cit., pp. 156-163
1. Mostre de que forma a anáfora distribuída por todo o excerto dá vida à intenção persua
siva e à ação de movere junto do público ouvinte.
2. Selecione duas graças concedidas por Deus e explique por que razão devem ser louvadas.
3. Mostre como o final deste excerto está de acordo com a estrutura externa e interna de
um sermão.
109
NEMUII EXAME NACIINAL
Vida e obra
• 1799 (4 de fevereiro): nasce, no Porto. João Baptista da Silva Leitão de
Almeida Garrett.
• 1809: Garrett vai para a ilha Terceira, onde recebe uma educação clás
sica do tio. Bispo de Angra do Heroísmo.
• 1816: matricula-se na Universidade de Coimbra.
■ 1821: em Coimbra, inicia a sua atividade literária.
• 1823-1824: vai para o exílio em Inglaterra, por ser opositor de D. Miguel e
a favor do futuro D. Pedro IV.
• 1825-1826: publica Camões e Dona Branca. Tendo regressado a Portu
gal, envolve-se politicamente contra o Absolutismo miguelista e é preso.
• 1832: parte novamente para a Terceira, onde se alia a Mouzinho da Sil
veira. Vai para Londres e Paris como diplomata.
• 1834: com a vitória de D. Pedro IV, instaura-se o Liberalismo e Garrett é Pedro Augusto Guglielmi,
nomeado Cônsul-geral em Bruxelas. Litografia de Aímeida Garrett,
c. 1837-52
• 1836: começa a organizar o Teatro Nacional.
• 1838-1841: publica Um Auto de Grf Vicente, Dono Filipa de Vilhena e Alfageme de Santarém.
• 1843: publica o primeiro tomo do Romanceiro e escreve o texto dramático Frei Luís de Sousa.
• 1844-1853: publica Frei Luís de Sousa; O Arco de SanCAna; Flores sem Fruto; Viagens na minha Terra;
Folhas Caídas.
• 1854 (9 de dezembro): morre em Lisboa.
Costuma colocar-se a publicação do poema «Camões», de Almeida Garrett, em 1825. como início deste
período estético-literário.
0 Romantismo incorpora momentos como a Revolução Francesa, o império de Napoleão Bonaparte, as
Invasões Francesas em Portugal e a guerra civil entre absolutistas (liderados por D. Miguel) e liberais
(liderados pelo irmão e futuro rei D. Pedro IV). Tal guerra levaria à Revolução Liberal. Sendo Garrett um
apoiante do Liberalismo, foi alvo de perseguições por parte dos absolutistas, tendo fugido para o exílio
(Inglaterra e França).
Características da literatura romântica, em geral, e da de Almeida Garrett, em particular:
* recuperação do gosto pela Idade Média, designadamente pelos romances medievais, preenchidos de
aventuras/desventuras de cavaleiros;
* exaltação da Pátria, cuja formação data do século XII (1143), e dos valores patrióticos;
* exagerado sentimentalismo, em geral, e sentimento amoroso (paixão intensa e desgosto intenso), em
particular, por oposição ao racionalismo da geração anterior (neoclássica);
* crença em realidades do fantástico: crença em agouros e sinais, símbolos de desgraça futura;
* egocentrismo: concentração exagerada do escritor no seu eu;
* excessivo e fervoroso religiosismo:
* idealismo: perceção da realidade de acordo com o que ela devia ser idealmente;
* natureza soturna, escura, revolta (como uma espécie de prolongamento do sentimentalismo e egocen
trismo); espaços sempre sombrios, de tonalidade misteriosa;
* estilo de escrita baseado na subversão dos modelos clássicos, dando forma a textos mais próximos dos
leitores portugueses do século XIX. escritos em prosa (Frei Luís de Sousa), e não em verso.
1W
ramxiÊs u? ani
TEORIA
RA
ATOI Frei Jorge Coutinho. irmão de Manuel de Sousa Coutinho, visita Madalena e infor-
(12 cenas) ma-a de que os governadores de Portugal (aliados de Filipe II de Castela) pretendem
Cenas
ficar instalados no palácio de Manuel de Sousa Coutinho: agravam-se os temores e
Va XII
os presságios de Madalena; Manuel incendeia o seu próprio palácio {num arrebata
mento patriótico) e mudam-se todos para o palácio de D. João de Portugal.
Cenas Estando na sala dos retratos do palácio de D. João de Portugal. Maria recorda a
I a III noite do incêndio e revela grande interesse pelo retrato de D. João.
Aumenta o pressentimento
de desgraça de Madalena;
Cenas
chega o Romeiro, que será
IXaXV
reconhecido por Frei Jorge
como D. João de Portugal.
0 Romeiro revela a sua identidade a Teimo e pede-lhe que dê ainda remédio a toda
Cenas
aquela situação; Madalena não aceita aquela realidade, mas resigna-se e decide
II a IX
professar como Manuel.
111
NEMUII EXAME NACIINAL
A defesa da Pátria está presente não só nos valores escrupulosos de Manuel de Sousa
A dimensão
Coutinho. Frei Jorge, Maria e Teimo Pais, mas também na crença do regresso de D. Sebas
patriótica tião, que assegurará a independência de Portugal.
e sua
Por outro lado, testemunhamos patriotismo na menção a Luís Vaz de Camões, antigo com
expressão
panheiro de Teimo Pais e responsável pela escrita de Os Lusíadas, óbvia epopeia ao ser
simbólica
viço da imortalização de Portugal, pelos seus feitos históricos gloriosos.
• na sala dos retratos do palácio de D. João de Portugal, que inclui o próprio, assim como
os de D. Sebastião e Camões;
Atragicidade vai-se desenrolando à medida que os atos se sucedem e é instalada pelo reco
nhecimento (feito por Frei Jorge Coutinho) do Romeiro como D. João de Portugal. A partir
daqui a família será desmembrada, pois o segundo casamento é inválido e Maria tornada
uma filha bastarda. Tudo culmina na tomada de hábito (frade e freira) de Manuel e Madalena
e na morte física de Maria Junto ao altar-mor da Igreja de S. Paulo dos Domínicos de Almada.
No caso específico das personagens de Frei Luís de Sousa, suas crenças e relações, veri-
dimensao ficamos que a referida tragicidade se vai desenrolando por meio de:
trágica • papel trágico do destino: Madalena casou com Manuel de Sousa Coutinho sem ter cer
teza absoluta da morte do seu primeiro marido, D. João de Portugal —► regresso de
D. João (Romeiro)—► anulação do casamento de Madalena e Manuel—► morte física de
Maria —► morte espiritual de Madalena e Manuel (tomando o hábito);
• falas e comportamento de Madalena, sempre aflita e cheia de medo de agouros/pressá-
gios (sexta-feira como dia aziago, azarento - o dia da Paixão de Cristo; a ida para a casa
do anterior marido e terror ao imaginar o seu regresso com vida);
* ironia trágica nas falas de Maria e de Manuel de Sousa Coutinho: sobre D. Sebastião,
sobre a vinda dos governadores castelhanos, aliados do conde de Sabugal. do conde de
Santa Cruz; sobre o exemplo que Manuel de Sousa Coutinho dá da condessa de Vimioso,
a qual se mostrou sempre serena, mesmo no momento da morte do marido;
112
nktkiês u? ani
TEORIA
•ida de Manuel de Sousa Coutinho com Maria até Lisboa, depois do rescaldo do fogo
posto à sua própria casa, para não alojar os traidores e os castelhanos: o facto de ser
numa sexta-feira é aliado aos presságios de Madalena quanto ao regresso de D. João (o
que acabará por acontecer);
(cont.)
• a proximidade do palácio de D. João de Portugal a uma igreja {a de S. Paulo dos Domí-
nicos de Almada), com todo o peso dos reposteiros e frieza dos altares (a adivinhar um
futuro frio e desprovido de felicidade);
• o regresso do Romeiro precisamente quando Manuel de Sousa Coutinho estava ausente.
4»
Tempo da escrita e tempo da ação dramática:
Apesar de este texto dramático ter sido escrito por Almeida Garrett no século XIX,
Frei Luís de Sousa trata de momentos e acontecimentos da vida de personagens que
se encontram num tempo anterior - o século XVI, designadamente, na segunda metade
deste século, terminando o terceiro ato em 1599.
4»
Sucessão cronológica do tempo, desde a partida de D. João de Portugal para Alcácer
Quibir até ao seu regresso como Romeiro:
-1585; Madalena casa-se com Manuel de Sousa Coutinho: «Madalena - vivemos (...)
seguros, em paz e felizes... há catorze anos.» (Ato I. Cena II);
-1586: nasce Maria de Noronha: «Teimo - Então! Tem treze anos feitos, é quase uma
senhora, está uma senhora...» (Ato I. Cena II);
- 1598-1599: D. João de Portugal é libertado do cativeiro, onde viveu 20 anos, e faz a via
gem de regresso a casa: «Romeiro - morei lá [em Jerusalém] vinte anos cumpridos. (...) Há
três dias que não durmo nem descanso, nem pousei esta cabeça nem pararam estes pés
dia nem noite, para chegar aqui hoje, para vos dar meu recado...» (Ato II, Cena XI);
113
NEMUII EXAME NACIINAL
Drama romântico
• Escrito em prosa:
• Não segue a lei das três unidades da tragédia clássica;
• Exaltação e louvor dos valores de patriotismo de Manuel de Sousa Coutinho;
• Presença do mito do Sebastianismo (Maria e Teimo):
• Superstições, presságios (sobretudo, Madalena e Maria) e agouros do Povo:
•Cenários (de paisagens naturais ou dos interiores de uma casa) soturnos, sombrios,
assustadores, fechados e com pouca luz natural;
• Presença do Cristianismo como redenção e consolação;
• Morte de uma personagem em cena; Maria;
• Críticas às injustiças sociais de que são vítimas pessoas inocentes, tais como filhos ile
gítimos (Maria).
Tragédia clássica
• Número reduzido de personagens:
• Personagens pertencentes a classes sociais elevadas;
• Espaço e tempo da ação reduzidos;
• Ação simples, afunilando-se rapidamente para o seu desenlace (desfecho/conclusão);
• Presença de um coro da tragédia clássica (responsável por trazer à luz a consciência das
personagens em cena), neste caso, trata-se de Teimo Pais e de Frei Jorge;
(cont.)
•Existência de partes que integram elementos constitutivos da tragédia clássica, tais
como;
- ananké ou destino: deixou desaparecer D. João de Portugal e deixou que o novo casal,
Madalena e Manuel de Sousa Coutinho, viesse viver para o seu palácio;
-hybris ou desafio: Madalena casou com Manuel de Sousa Coutinho sem ter absoluta
certeza da morte de D. João de Portugal;
- agón ou conflito: conjunto de dilemas e angústias interiores de Madalena e Teimo;
- anagnórisis ou reconhecimento: reconhecimento do Romeiro como D. João de Portugal;
-peripeteia ou peripécia: alteração do rumo dos acontecimentos como direta conse
quência da introdução de um dado novo: D. João está vivo - o casamento de Madalena
com Manuel é ilegal;
-clímax ou tensão emocional máxima: a que subjaz ao Ato II, que vai aumentando gra
dualmente até à identificação do Romeiro;
- páthos ou sofrimento: sofrimento de todas as personagens da ação dramática;
- katastrophé ou catástrofe/desenlace: morte de Maria e morte espiritual de Madalena
e de Manuel.
• Linguagem ao serviço do sentimentalismo e da emoção exagerados: frases suspensas
(inacabadas e com reticências); seleção de vocábulos relativos a desgraças antevistas
para o futuro (agouros, presságios, pressentimentos); frases exclamativas (ao serviço
de agouros ou patriotismo) e interjeições; adjetivação ao serviço da emoção; ordem de
palavras trocada (anástrofes, hipérbatos); apóstrofes; citações de Os Lusíadas (episó
dio de Inês de Castro - trágico, portanto; Batalha de Aljubarrota, ambiente bélico e de
inimigos frente a frente, assemelhando-se a Manuel de Sousa Coutinho, que incendeia a
sua casa para não a entregar aos castelhanos).
114
nktkiês u? ani
TEORIA
Madalena de Vilhena: personagem dominada pelo remorso de ter amado Manuel Sousa
Coutínho ainda quando vivia com D. João de Portugal. O medo de se ter casado em segun
das núpcias sem ter a total certeza da morte de D. João, na Batalha de Alcácer Quibir.
traz Madalena numa vivência assombrada, receosa, temerata e sempre com a perceção
e intuição de que algo de terrível está para acontecer, pelo que tudo para ela se reveste
do poder de presságios e maus agouros. Apesar de tudo isto, e da fraqueza de personali
dade, Madalena é culta (encontramo-la a ler o episódio de Inès de Castro, de Os Lusíadas),
respeitadora de todos (incluindo de Teimo, a quem trata como um familiar), fiel à memó
ria de D. João (tendo-o procurado e esperado durante sete anos), fiel a Manuel de Sousa
Coutínho. Esta mulher vive também atormentada porque percebe que a filha, Maria, tem
sintomas sibilinos, mas de doença, sendo fisicamente débil. Por outro lado, ainda que um
pouco ciumenta da relação entre Teimo e Maria. Madalena percebe que o velho escudeiro
a influencia na crença exacerbada do regresso de D. Sebastião, o que, por inerência, impli
caria possivelmente o regresso de D. João de Portugal.
Teimo Pais: é um fiel servidor dos seus amos: primeiro. D. João de Portugal e, depois. Manuel
de Sousa Coutínho. Esta personagem concentra em si todos os agouros e presságios que
derivam da crença, cega e pia. no regresso de D. Sebastião e de D. João de Portugal, mesmo
vinte e um anos depois da sua saída para Alcácer Quibir. Teimo nunca concordou com a ati
tude de Madalena em casar-se pela segunda vez. sem antes ter certezas sobre D. João. Esta
personagem apresenta-se já idosa, o que pode ser interpretado como o elo de ligação entre
o passado (que Madalena quer esquecer, mas não consegue), o presente e o futuro (pois tam
bém pressente o que está na iminência de se revelar uma verdade trágica).
D. João de Portugal (Romeiro): apesar de surgir no final do Ato II, D. João de Portugal é a
personagem que está sempre presente na obra, pela diversidade de vezes que é nomeado
e lembrado. Ele é o responsável pela alteração do rumo dos acontecimentos da ação trá
gica. pois é do seu reconhecimento queresulta a impossibilidade da existência do segundo
casamento de Madalena e a ilegitimidade de Maria de Noronha. Revela-se íntegro, dado
que. quando percebe que da sua vida e saúde dependem a desgraça e a infelicidade desta
família, pede ainda a Teimo que lhes diga que afinal este romeiro não é o verdadeiro
D. João de Portugal, o que acaba por não acontecer.
115
Leia atentamente as afirmações e responda ao que lhe é pedido.
d) O Romeiro pede a Teimo que vá dizer a todos que. afinal, não é D. João de Portugal,
para que a família Coutinho seja feliz.
e) n Teimo Pais faz um monólogo que revela uma crise existencial e total perdição.
pois sempre pressentiu o regresso de D. João, mas ama agora ainda mais Maria e
vê que a morte se aproxima.
f) Manuel, ciente da condição de filha bastarda, clama por ela «Oh minha filha, minha
filha! (Silêncio longo) Desgraçada filha, que ficas órfã!...».
a) Oo Romeiro responde a Frei Jorge apresentando-se como «- Ninguém!».
m) No diálogo com Madalena e Frei Jorge, o Romeiro confirma que foi cativo da Bata
lha de Alcácer Quibir e aponta para o seu retrato na parede do seu palácio, deixan
do Madalena desesperada.
n) Num diálogo a sós com Teimo Pais. Maria cita o início da obra de Bernardim Ribei
ro: «Menina e moça me levaram de casa de meu pai».
116
Frei Laís de Sousa, Almeida Garrett
* Verificação de leitura (obra integral)
PRÁTICA
d) Maria é uma menina sibilina, pois tem uma sensibilidade para pressentimentos
sebastianistas.
Maria e a mãe, Madalena, acreditam, piamente e com alegria, que el-rei D. Sebas
tião vai regressar vivo.
j> Manuel ateia fogo a sua casa para não a deixar a el-rei D. Sebastião.
k) D João de Portugal, agora Romeiro, sofre tanto ou mais do que Madalena. Manuel.
Maria e Teimo, pelo que deseja anular a sua vinda pela felicidade de todos.
117
Leia atentamente o seguinte excerto e responda às questões.
Atol
Címuttu antiga, ornada com todo o luxo e caprichosa elegância portuguesa dos princípios do século
X VII. Porcelanas, xaròes, sedas, flores, etc. Nofundo, duas grandes Janelas rasgadas, dando paru um
çào para o interior da casa, outra da esquerda para o exterior. É nofim da tarde.
4. Tendo em conta as características românticas nesta obra, explique o impacto que a infor
mação «É no fim da tarde.» tem no estado de espírito da primeira personagem que surge
emcena. Madalena.
118
Leia atentamente o seguinte excerto e responda às questões.
Atol
Madalena — Então sempre c verdade que Luís de Moura c os outros governadores?...
Manuel — Luís de Moura é um vilão ruim, faz como quem c; o arcebispo ê... o que
os outros querem que ele seja. Mas o conde de Sabugal, o conde de Santa Cruz, que
deviam olhar por quem são, e que tomaram este encargo, odioso... e vil, de oprimir os
5 seus naturais em nome dum rei estrangeiro... Oh que gente, que fidalgos portugueses!
Hei de lhes dar uma lição, a eles, e a este escravo deste povo que os sofre, como não
levam tiranos há muito tempo nesta terra.
Maria — O meu nobre pai! Oh, o meu querido pai! Sim, sim, mostrai-lhes quem sois
e o que vale um português dos verdadeiros. (...)
U Madalena — Mas para onde iremos nós, de repente, a estas horas?
Manuel — Para a única parte para onde podemos ir: a casa nào ê minha... mas c tua.
Madalena.
Madalena — Qual?... a que foi...? a que pega com S. Paulo?... Jesus me valha!... (...)
M as c que tu nào sabes... Eu nào sou melindrosa nem de invenções: cm tudo o mais sou
15 mulher, e muito mulher, querido; nisso nào... mas tu nào sabes a violência, o constrangi
mento de alma, o terror com que eu penso cm entrar naquela casa. Parece-me que c voltar
ao poder dele, que é tirar-me dos teus braços, que o vou encontrar ah... — oh perdoa,
perdoa-me, nào me sai esta ideia da cabeça... ~ que vou achar ah a sombra despeitosa de
D. João, que me está ameaçando com uma espada de dois gumes...que a atravessa no meio
3 de nós, entre mim c ti c a nossa filha, que nos vai separar para sempre... Que queres? (...)
Manuel — (íianquikimenté) Ilumino a minha casa para receber os muito poderosos c exce
lentes senhores governadores destes reinos. Suas excelências podem vir quando quiserem.
Madalena — Meu Deus, meu Deus!... Ai, c o retrato de meu mando!... Salvem-me
aquele retrato! (...)
Manuel - Parti! Parti! As matérias inflamáveis que cu tinha disposto vào-sc ateando
com espantosa velocidade. Fugi! (...)
Todos — Fujamos! Fujamos!...
Almeida Garrett, op. dl., pp. 111-131
1. Explique, por palavras suas, os factos que provam o patriotismo de Manuel e Maria.
119
Frei Luís de Sousa, Almeida Garrett
FICH ■ A dimensão patriótica e a sua estrutura simbólica
■ A dimensão trágica
Ato II
4. Identifique as figuras que estáo pintadas nos três retratos *ao fundo» e explique de que
forma estáo ao serviço do sebastianismo, do patriotismo e da tragicidade da obra.
5. Explique, por palavras suas, o papel das portadas que dáo acesso à Igreja de S. Paulo do
Convento dos Domínicos de Almada na antevisão do desenlace trágico da obra.
120
Leia atentamente o seguinte excerto e responda às questdes.
Ato III
Parte baixa do palácio de D. João de Portugal, comunicando, pela porta à esquerda do espectador,
com a capela da Senhora da Piedade, na Igreja de S. Paulo dos Domínicos de Almada; é um casarão
vasto sem ornato algum. Arrumadas às paredes, em diversos pontos, escadas, tocheiras, cruzes, ciriais
e outras alfaias e guisamentos de igreja de uso conhecido. .4 um lado um esquife dos que usam as
4 confrarias; do outro, uma grande cruz negra de tábua com o letreiroJ.N.R.J. e toalha pendente, como
se usa nas cerimónias da Semana Santa. Mais para a cena uma banca velha com dois ou trés tam
boretes; a um lado, uma tocheira baixa com tocha acesa e já bastante gasta; sobre a mesa um castiçal
de chumbo, de credencia, baixo e com vela acesa também, e um hábito completo de religioso domínico,
túnica, escapulário, rosário, cinto, etc. Nofundo, porta que dá para as oficinas e aposentos que ocupam
1 o resto dos baixos do palácio. — E alta noite.
Almeida Garrett, op. dt., p. 186
1. Mostre que todo o cenário e o tempo («alta noite») que preparam este momento da ação
são presságios de desgraça, típicos do drama romântico.
2. Explique a simbologia dos vocábulos nas sequências «escadas, tocheiras, cruzes, ciriais».
«cruz negra de tábua com o letreiro J.N.R.J.», «como se usa na Semana Santa», «castiçal
de chumbo» e «vela acesa».
3. Esclareça de que forma a relação entre os três cenários, onde decorre a ação, dá vida
a uma gradação que culmina num final típico da tragédia clássica - «clímax», «páthos».
«katastrophé».
121
NEMUII EXAME NACIINAL
Vida e obra
• 1810 (28de março): nasce em Lisboa oriundo de uma família da ciasse
média.
• 1820-1825: estuda no Colégio dos Oratorianos. mas não seguiu para
a universidade.
• 1830: faz o curso de Diplomática e frequenta os serões literários
da marquesa de Alorna, onde toma contacto com obras da literatura
romântica europeia.
• 1831: parte para o exílio em Inglaterra e França por ser apoiante do
Liberalismo.
• 1832: regressa a Portugal, membro do exército liberal, primeiro aos
Açores, depois ao Porto.
• 1833: é nomeado coadjunto do diretor da Biblioteca Pública por
tuense. de onde vem a despedir-se em 1836.
'1836: nicia a sua vida pública ao serviço da cultura: é nomeado reda
tor do jornal 0 Panorama, onde publica algumas das suas obras, como
A Abóboda e 0 Monge de Cister.
-1839 el-rei D. Fernando nomeia-o Diretor da Real Biblioteca da Ajuda
e das Necessidades, cargo que tem até morrer.
-1866: casa e muda-se para uma quinta, propriedade sua, em Vale de
Lobos (Santarém). Joàa Pedraso. Retrcrto
de Alexandre Herculano,
• 1877 (13 de setembro): morre nessa mesma quinta.
séc. XIX
Esta obra foi escrita por Alexandre Herculano e inclui uma coletânea de lendas (narrações sem absoluta
verdade histórica, mas verosímeis1) e narrativas (histórias igualmente verosímeis) sobre a Idade Média.
122
ramxiÊs u? ani
TEORIA
• Representação do auto: seis primeiras personagens, três do Céu e três do Inferno - Fé,
Esperança e Caridade * Idolatria. Diabo e Soberba.
• Mestre Ouguet irrompe pela sala e começa aos gritos a dizer impropérios a todos, espe
cialmente a Mestre Afonso e aos que estão do seu lado, acusando-os de feitiçarias e hipo-
Capítulo III crisia.
*0 Auto» • Percebendo que estava possuído pelo Diabo, Frei Lourenço pede a todos que rezem pela
alma que foi alvo do Diabo e faz o exorcismo necessário, em frente de todos, que viam
com «sobrenatural pavor».
•Depois disto, todos se dirigiram para a Casa do Capítulo, feita à maneira de Mestre
Ouguet, a qual «tinha desabado em terral».
Capítulo IV . Diálogo entre el-rei D. João I e Mestre Afonso Domingues: depois de recusar voltar ao
«Um Rei cargo de Mestre da construção do Mosteiro, a piedade, o zelo e a bondade de el-rei como-
Cavaleiro» vem o velho arquiteto e ele aceita o desafio, prometendo ter a obra pronta dali a quatro
meses.
123
NEMUII EXAME NACIINAL
124
nktkiês u? ani
TEORIA
* Mestre Ouguet odeia Mestre Afonso Domingues. assim como despreza a arquitetura e os
arquitetos portugueses, por ele considerados inferiores e incompetentes; será afastado
por el-rei e pela corte, sendo a construção devolvida a Mestre Afonso, até ao dia da sua
morte.
* Mestre Afonso apresenta dois Jovens, que viriam a ser o terceiro e o quarto arquitetos do
Mosteiro - Martim Vasques c Fernào de Évora, figuras da sua total confiança.
0 herói romântico de A Abóboda é. sem dúvida, o Mestre Afonso Domingues. Esta perso
nagem contém em si todos os valores patrióticos que desenham o inequívoco sentimento
nacional, o sentimentalismo intenso e uma vida dedicada ao seu país, por cuja independência
lutou na própria Batalha de Aljubarrota. em defesa de D. João I.
Características românticas:
•Português honrado e ciente da sua missão arquitetónica e histórica. Mestre Afonso
Característi Domingues permanece sempre no espaço da construção do Mosteiro;
cas do herói • Absoluto fiel ao seu rei, D. João I. Mestre de Avis. e à independência de Portugal (lutador
romântico na Batalha de Aljubarrota), não tem dúvidas sobre o seu papel ao serviço da Pátria;
125
A Abóbada, Alexandre Herculano
• Verificação de leitura (texto integral)
i) D. João I, vindo ao Mosteiro para assistir ao auto de adoração dos reis magos,
repara que as obras de Ouguet não estão tão bem «aprimoradas», como as de
Mestre Afonso.
126
n) Depois de sair de cena, o Diabo apodera-se de Mestre Ouguet e este vocifera críti
cas injustas a Mestre Afonso e seus amigos. Tudo acaba com o exorcismo feito por
Frei Lourenço. na presença apavorada de todos.
p) El- rei D. Joáo I reúne, ao outro dia, com personagens várias da sua corte e inclui
Mestre Afonso, pedindo-lhe perddo por o ter afastado da obra e conferindo-lhe
novamente o cargo de Mestre do Mosteiro da Batalha.
q) De entre essas personagens, destacam-se. além dos frades superiores. João das
Iscas e Martim de Océm. doutores e conselheiros do rei.
s) ( Mestre Afonso faz dois votos: retirar os «simples» da abóbada apenas na presença
de el-rei D. João I e sentar-se debaixo dela, jejuando durante três dias.
t) Passados esses dias, e tendo a abóbada ficado intacta e segura. Mestre Afonso
morre, uma vez que. por idade avançada, nâo aguentou o jejum.
u) D. Joáo I emocionou-se com a morte do amigo. Mandou esculpir uma pedra «retra
tando um cadáver», debaixo da abóbada, em honra de Mestre Afonso.
127
A Abóbada, Alexandre Herculano
FICHA 47
«O Cego»
Proferindo estas palavras, o velho nào pôde continuar: a voz tinha-lhe ficado presa na
garganta, e dos olhos embaciados caíam-lhe pelas taces encovadas duas lágrimas como
punhos. A Frei Lourenço também se arrasaram os olhos de água. (...) ~ Pois sabei, reveren
do padre — prosseguiu o arquiteto, atalhando o ímpeto erudito do prior que este mosteiro
5 que se ergue diante de nós era a minha Divina Comédia, o cântico da minha alma: conce
bi-o cu; viveu comigo largos anos, cm sonhos c cm vigília: cada coluna, cada maincl, cada
fresta, cada arco era uma página de canção imensa; mas canção que cumpria se escrevesse
cm mármore, porque só o mármore era digno dela. Os milhares de lavores que tracei em
meu desenho eram milhares de versos; c porque ceguei arrancaram-me das màos o livro, e
I nas páginas em branco mandaram escrever um estrangeiro! Loucos! Se os olhos corporais
estavam mortos, nào o estavam os do espírito. (...) E roubaram-me o filho da minha imagi
nação, dando-me uma tença!... Com uma tença paga-se a glória e a imortalidade? Agrade
ço-vos, senhor rei, a mercê!... Sois verdadeiramente generoso... (...) O cego tremia de todos
os membros: a veemência com que falara exaurira-lhe as forças: os joelhos vergaram-lhe, e
II asscntou-sc outra vez em cima do fuste. Os dois frades estavam em pé diante dele.
~ Estais muito perturbado pela paixão, mestre Afonso — disse Frei Lourenço (...).
Quanto a vós, pensaram os do conselho de el-rei que deviam propor-lhe vos desse repou
so e honrado sustentamento para os cansados dias. Ninguém teve cm mente ofender o
mais sabedor c experto arquiteto de Portugal, cuja memória será eterna c nunca ofuscada.
1 — Obngado — atalhou o velho — aos conselheiros de cl-rci, pelos bons desejos que em
meu prol tem. Sào políticos, almas de lodo, que nào compreendem senão proveitos materiais.
Dào-me o repouso do corpo c assassinam-me a alma! Acerca de mestre Ouguct, nào serei eu
quem negue suas boas manhas c ciência de edificar: mas que ponha ele por obra suas traças, e
deixem-me a mim dar vulto às minhas. E demais: para entender o pensamento do Mosteiro
S de Santa Mana da Vitória, cumpre ser português; cumpre ter vivido com a revolução que
pós no trono o Mestre de Avis1; ter tumultuado com o povo defronte dos paços da adúltera1 2;
ter pelejado nos muros de Lisboa3; ter vencido em Aljubarrota. Nào c este edifício obra de
reis, ainda que por um rei me tosse encomendado seu desenho c edificação, mas nacional,
mas popular, mas da gente portuguesa, que disse: não serevricv seruos do estiungmo c provou seu
1 dito. Mestre Ouguct (...) trabalhou nas sés de Inglaterra, de França e de Alemanha (...) mas
a sua alma nào é aquecida à luz do amor da pátria; nem, que o tosse, é para ele pátria esta
terra portuguesa. Por engenho c màos de portugueses devia ser concebido c executado, ate
seu final remate, o monumento da glória dos nossos; c eis aí que ele chamou de longcs terras
oficiais estranhos, e os naturais lá foram mandados adornar dc primorosos lavores a igreja de
S Guimarães. (...) [N]ós deixaríamos sucessores que conservassem puras as tradições da arte.»
Alexandre Herculano, ep. pp. 153-155
1 Revolução de 1383-85.
2 A viúva de D. Fernando. Rainha D. LeortDr Teles, que estava da lada dos castelhanos.
^Referência ao Cerco de Lisboa, já estudado na Crónico de D. Todo J, de Fernão Lopes (programa de 10° ano).
129
PRÁTICA
1. Tendo em conta personagem de Mestre Afonso, mostre que ele evidencia característi
cas do herói romântico.
3. Tendo por base a leitura integral do texto, identifique todas as personagens presentes ou
mencionadas e explique a relação entre elas.
a) enumeração
b) metáfora
c) comparação
d) ironia
129
Leia atentamente o seguinte excerto e responda às questdes.
«O Auto»
Junto dc uma das colunas da Igreja dc Santa Maria da Vitória1 estava alevantado um
estrado12 (...). Defronte do estrado e colocado ao pé do arco da Capela do Fundador3,
corna para um c outro lado da parede um devoto presépio (...). [Sjobre a tradicional
manjedoura, se via reclinado o Menino Jesus c, dc joelhos junto dele, a Virgem c S. José,
5 acompanhados dc vários anjos cm ato dc adoração. Diante da cabana c no mesmo nível,
corna um largo c grosseiro cadafalso4 dc muitas tábuas (...), por onde deviam subir as
personagens do auto. (...) Feitas as vénias a cl-rci, a Idolatria começou seu arrazoado
contra a Fé, queixando-se dc que ela a pretendia esbulhar5 *da antiga posse cm que estava
dc receber cultos dc todo o género humano, ao que a Fé acudia com dizer que, ab initio*,
I estava apontado o dia cm que o império dos ídolos devia acabar (...). Então o Diabo
vinha, lamentando-se dc que a Esperança começasse dc entrar nos corações dos homens
(...). Ainda que o Diabo fizesse dc truào7 da festa, nem por isso a sua contendora*, a Espe
rança, dava descargo dc si’ (...), dizendo que ela obedecia ao Senhor dc tôdalas cousas, e
que este, vendo c considerando os grandes dcsvairos10 que pelo mundo iam (...), a man-
II dara para lhes apontar o direito caminho do Céu (...). A Soberba, que estava impando11,
ouvidas as razões da Esperança (...), começou dc bradar que esta dona era sandia12, por
que entendera enganar os homens com vaidades dc incertos futuros c sustentá-los com
fumos13 (...). Nào sofreu, porém, o ânimo da Caridade tão descomposto razoar da sua
figadal14 inimiga, c lho atalhou com tomar a mão naquele ponto c notar que os filhos dc
1 Adào eram todos uns aos olhos do Todo-Poderoso; que a Soberba inventara as vãs distin
ções entre os homens (...), o que provou claramente à sua contrária com bastos15 textos
das santas escrituras, dc que a Soberba ficou mui corrida, por nào ter contra tão grande
autoridade resposta cabal15. E acabado o dizer da Caridade, um anjo subiu ao cadafalso
para dar sua sentença (...). [P]cla mesma porta do cruzeiro, saíram os três reis magos (...).
S Adiante vinha Baltasar (...); logo após ele, vinha o rei Belchior, c a este seguia-se Gaspar.
(...) Subindo ao cadafalso disseram como uma estrela os guiara até Jerusalém c como desta
cidade, depois dc mui trabalhado c duvidoso caminho, tinham acertado em vir a Belém,
c, com grande folgança17, encontravam aí o presepe, para fazer seu ofertório, o que, cm
verdade, era cousa mui piedosa de ouvir. (...) Enfim, um homem, rompendo por entre a
1 multidão, sem touca na cabeça, cabelos desgrenhados, boca torcida c coberta dc escuma18,
olhos esgazeados, saltou para dentro da teia, que fazia um claro cm roda do tablado. (...)
— Quem fala aqui no meu nome? — rosnou David Ouguct, com voz comprimi
da e sepulcral. — Malvados! (...) — Nào vedes essas fendas, profundas como o cami
nho do Inferno? (...) Maldito velho, toge diante dc mim!... Maldito, maldito!... (...)
130
I Feiticeiro!... (...) David Ouguet podia estar possesso, cm consequência de algum grave
pecado; pecado que, talvez, tivesse omitido na última confissão, que fizera nas vésperas
de Natal. (...) Frei Lourenço (...) disse:
— Ajoelhai, cristãos, e orai ao Padre Eterno19 por este nosso irmào, tomado de espí
rito imundo20. (...) Recorrerei ao sétimo, ao mais terrível exorcismo. (...)
• — Diabo! — gritou mestre Ouguet; e caiu no chào como morto. (...) Soou esse medo
nho estampido21 da banda do claustro; vamos examinar o que seja (...). |E], a esta luz
incerta c baça, encaminharam-se para a porta do Capítulo. (...) As portas haviam estoi
rado nos seus grossíssimos gonzos, c muito cimento solto e pedras quebradas tinham
rolado pelo portal fora, entulhando-se quase um terço da altura (...), fragmentos de
í cantos lavrados, de laçarias, de cornijas, de voltas e relevos (...), montão de ruínas (...).
A abóbada do Capítulo, acabada havia vinte quatro horas, tinha desabado cm terra!
Alexandre Herculano, op. dt., pp. 165-175
13 Deus.
20 Espirita diabólico.
21 Estrondo; estouro.
2. Apresente, por palavras suas, os argumentos e contra-argumentos de cada uma das per
sonagens em disputa.
131
NEMUII EXAME NACIINAL
• Viagens na minha Terra é publicada, primeiro, em folhetins, na Revista Universal Lisbonense (1845-
1846), e, depois, editada em livro em 1846.
• A obra está dividida em dois vetores ou planos narrativos:
Primeiro vetor/plano - A viagem: o narrador relata as suas impressões das viagens. A convite de Passos
Manuel, Almeida Garrett faz uma viagem de Lisboa a Santarém. Assim, facilmente se compreende que
o narrador deste plano relacionado com a viagem seja o próprio Almeida Garrett. 0 que podemos reter
deste relato? Informações e comentários sobre a deambulação geográfica, que incluem várias figuras,
tempos, espaços e citações de escritores, filósofos e historiadores. Tal relato é subjetivo, divergente
(pelas suas deambulações intelectuais) e rico em opiniões e impressões do narrador.
Segundo vetor/plano - A novela: o narrador encaixa uma outra narrativa: esta é-lhe contada pelo seu
companheiro de viagem, quando chegam ao Vale de Santarém. A narrativa ganha forma em torno de um
drama amoroso, o qual integra cinco personagens.
Naturalmente, Garrett torna-se ouvinte desta história da «Menina dos Rouxinóis», mas, perante o leitor,
ele continua a ser o narrador, pois é a nós que a reconta.
Os dois planos da narrativa só se fundem no capítulo XLIII, quando Garrett encontra fisicamente as per
sonagens da história que ouviu e se torna, também ele, personagem em diálogo com Frei Dinis.
RESUMO DA NOVELA
Carlos: cresce em Santarém com a sua prima Joaninha, sob a alçada da avó Francisca e do olhar atento
de Frei Dinis. Por motivos políticos, emigra para Inglaterra, acabando por relacionar-se mais seriamente
com uma rapariga inglesa, Georgina. Integrado nas tropas liberais, regressa a Santarém e reencontra
Joaninha, por quem se apaixona, envolvendo-se os dois amorosamente. Neste período. Carlos descobre o
segredo terrível de família - que Frei Dinis é o seu pai e que este matou o marido da sua mãe. Consciente
da sua história. Carlos afasta-se e abandona Joaninha, por ser incapaz de superar a verdade e transfor
ma-se, mais tarde, num barão.
Frei Dinis: este frade visita frequentemente D. Francisca. de quem é amigo e com quem partilha um
segredo: Frei Dinis é o pai verdadeiro de Carlos, filho nascido de uma relação de pecado com uma mulher.
0 seu sofrimento é atroz pelo pecadograve que cometeu.Trata-se de uma personagem que sofre um con
flito interior devido às tramas do destino (das tragédias gregas), ao peso de ter desgraçado uma família,
criando um filho bastardo (Carlos) que o trata com frieza, ao desgosto de Joaninha e à demência da velha
Francisca.
• No final desta narrativa amorosa, o leitor fica a saber o desfecho trágico de cada personagem:
- Carlos abandona a vida boémia com mulheres e torna-se barão, desaparecendo para sempre. Conside-
rando-se inteligente e capaz, vive sem escrúpulos a vida de um barão poderoso e arrogante;
- Joaninha, por desgosto amoroso, enlouquece e morre;
- Georgina morre espiritualmente, tornando-se abadessa de um convento;
- D. Francisca, a avó de Joaninha e de Carlos, demente e em estado de inércia total, fica a cargo de Frei
Dinis;
- Frei Dinis continua a expiar o seu pecado, permanecendo vivo, o que o faz testemunhar a desgraça das
restantes personagens, e o que o leva a carregar diariamente a sua própria cruz - uma vida desgraçada
e penitente.
132
nktkiês 12? ani
TEORIA
• 17 de julho de 1843: o narrador decide fazer uma viagem de Lisboa a Santarém: primeiro de «vapor»
(barco): Alhandra, Vila Franca de Xira. Pinhal da Azambuja:
«lira uma ideia vaga, mais desejo que tençào, que eu tinha há muito, de ir conhecer as
Capítulo I
ricas várzeas desse Ribatejo, e saudar em seu ako cume a mais histórica e monumental das
nossas vilas. Abalam-me as instâncias de um amigo, decidem-me as tonterias de um jornal,
que por mexeriquice quis encabeçar em desígnio político determinado a minha visita.»1
• 0 narrador assiste à contenda verbal entre dois tipos de profissionais: discutem entre si sobre
quem é mais valente e forte - os campinos do Ribatejo e os varinos de llhavo: os primeiros enfren
tam toiros: os segundos enfrentam o mar.
• Reflexões criticas sobre a literatura oitocentista: receita para escrever um drama - imitação gros
seira de Dumas e Victor Hugo, entre outros escritores europeus;
• 0 próximo meio de transporte: «a enfezada mulinha asneira, que - ai, triste! - tinha de ser o meu
transporte de a li até Santarém. Enfim, o que há de ser há de ser, e tem muita força.»;
• Partida para o Cartaxo.
• 0 narrador reflete sobre as lutas entre os irmãos D. Miguel (absolutista) e D. Pedro IV (defensor da
causa liberal): «Toda a guerra civil é triste.»;
• Consonância entre a natureza e o estado de espírito do narrador: primeiramente descrita como
focus omoenus, passando depois para locus horrendus («Eu moía, comigo só, estas amargas refle
xões, e toda a beleza da charneca desapareceu diante de mim.*).
■Joaninha (ar apaixonado, olhos «verdes como duas esmeraldas orientais, transparentes, brilhan
tes, sem preço.») e os rouxinóis (Joaninha como «a menina dos rouxinóis»);
• Início da novela: «o que eu vou contar não é um romance (...); é uma história simples e singela, sin
ceramente contada e sem pretensão. Acabemos aqui o capítulo em forma de prólogo, e a matéria
do meu conto para o seguinte.»
• 0 narrador afirma não gostar de frades nem de barões e reflete sobre as diferenças entre uns e
Capítulo XIII
outros: «- 0 frade era, até certo ponto, o Dom Quixote da sociedade velha. 0 barão é, em quase
todos os pontos, o Sancho Pança da sociedade nova. Menos na graça»;
• Reflexão sobre a história que vai contar, que inclui igualmente um frade: «E aqui tenho eu às costas
nada menos de quinze frades e quarto. Com este Frei Dinis. é um convento inteiro(...),não há senão
usar da receita que vem formulada no capítulo quinto desta obra.»
liberais:
• o amor e a paixão entre os dois;
• as informações que Joaninha dá a Carlos sobre a avó de ambos, D. Francisca;
• o narrador: «- Mas certo que as amáveis leitoras querem saber com quem tratam, e exigem, pelo
menos, uma esquiça rápida e a largos traços do novo ator que lhes vou apresentar em cena. Têm
razão as amáveis leitoras».
1 Todas os excertos da obra apresentados seguem a seguinte edição: Almeida Garrett, Viagens na minha Terra, Lisboa, Editora
Ulisseia. 1991.
133
NEMUII EXAME NACIINAL
Capitulo XLIV Novela: Carlos escreve uma carta a Joaninha (Capítulos XLIV-XLV111):
• confissão da razão da sua saída de Portugal: por saber ser Frei Dínís seu pai:
* Carlos confessa ser um homem dividido, incapaz de amar uma única mulher.
Trata-se da viagem que Almeida Garrett faz de Lisboa a Santarém, de 17 a 22 de julho de 1843.
□ objetivo central é visitar o seu amigo Passos Manuel.
Ao longo da viagem, passa por vários locais a partir dos quais deambula fisicamente, mas também
introspetivamente, por pensamentos, meditações, evocações (memórias), ou seja, a partir do movi
a sentimento
Exemplos:
Daambulaçio geográfica
Exemplos:
• a Natureza em locus amoenus ou lo cus horrendos,
dependendo do seu estado de espírito;
• a Natureza da novela a fazer lembrar cenários
bucólicos de Menina e Moça, de Bernardim Ribeiro.
134
nktkiês u? ani
TEORIA
As suas reflexões e críticas assumem a natureza social, psicológica, política, religiosa e espiritual,
motivada pelos locais por onde passa e pelas memórias que vêm à sua mente. Não ficam por aqui.
Depois de chegar ao Vale de Santarém e de ter ouvido o resumo da Histófia da Menina dos Rouxinóis,
contada pelo seu companheiro de viagem, Garrett opina, favorecendo ou criticando as personagens
dessa história. Mais tarde, dela também fará parte, pois encontrará Frei Dinis.
Exemplos:
•a sociedade; a política de pós-Restauração; o povo; os campinos do Ribatejo versus os varinos
de llhavo, espelho de membros do governo, pois que uns e outros lutam e argumentam a partir da
posse, da força e do poder que cada fação tem;
• a literatura oitocentista;
• as lutas liberais entre D. Pedro IV e o irmão D. Miguel:
•os «frades», «barões» (nobres) e «Imprensa liberal», caídos na decadência ou corrompidos pelo
materialismo (principalmente os «barões»);
• a decadência do país; o povo menosprezado pelos burgueses e pela classe média, que enriquece
ram após o declínio do Liberalismo, com o Setembrismo e o Cabralismo, por exemplo;
• os monumentos em ruínas;
• os dois lados do ser humano: o Bom e o Mau; o «Adão» do Livro de Génesis e o atual «Adão social»
(Carlos).
Destacam-se:
•o próprio narrador (Garrett): Garrett mostra-se um amante da sua pátria e defensor do que é
português (literatura, natureza, entre outros); ao tomar conhecimento da trama, opina subjetiva e
emotivamente; ao falar com Frei Dinis (na parte final da obra) tece comentários de natureza social e
política, sendo, portanto, personagem participante e interventiva, dotado de sentimento nacional;
• Carlos: sendo incapaz de guardar fidelidade a qualquer mulher, sofre, desiste do amor e, tornando-se
barão, vive ao sabor dos seus próprios interesses políticos e económicos; desencadeia um triân
gulo amoroso (Georgina - Carlos - Joaninha) que terminará tragicamente com a morte espiritual
de Georgina. com o afastamento de Carlos em relação à família e com a morte física de Joaninha;
• Joaninha: sofre por causa de um amor impossível e acaba por morrer fisicamente (heroína român
tica);
• Frei Dinis: sofre por causa de um facto que o destino o levou a cometer - relacionou-se com uma
mulher de quem teve um filho, Carlos; sobrevive a todos os desgostos, sendo a sua vida um verda
deiro purgatório.
Coloquialidade e digressão: registo de língua oral de Garrett, enquanto faz a sua viagem; vocabu
lário adequado à paisagem e aos seus pensamentos e sensações; o coloquialismo surge dos muito
frequentes diálogos do narrador com os seus leitores (tornando-se ambos personagens da viagem e
da novela). É nestes diálogos que Garrett passa de um tema para outro, como acontece nos diálogos
entre amigos.
Dimensão irónica: Garrett ironiza, sobretudo, acerca do materialismo dos barões, dos interesses
sujos de políticos corruptos, da corrupção e heresias dos frades, da falta de autenticidade dos
governantes, da falta de infraestruturas de transporte e comunicação e dos textos corruptos publi
cados pela Imprensa Liberal (note-se que. apesar de o Liberalismo ter sido implantado anos antes,
Garrett é alvo de perseguições e críticas de corrupção em 1843. aquando desta viagem).
Recursos expressivos: comparação, enumeração, interrogação retórica, metáfora, metonímia, per
sonificação, sinédoque.
135
Leia atentamente o seguinte excerto e responda às questdes.
Capítulo XLIX
Acabei de ler a carta de Carlos, entreguei-a a Frei Dims, em silencio. Ele tornou-me:
— Leu?
- Li.
~ Que mais quer saber? Sinto que lhe posso dizer tudo; nào o conheço, mas... (...)
5 — (...) Fui camarada de Carlos; nào o vejo há muitos anos e...
— (...) Nem o conhecia se o visse agora! Engordou, enriqueceu e é barão!...
— Barão!
~ E barào, e vai ser deputado qualquer dia.
~ Que transformação! Como se fez isso, santo Deus! E Joaninha, e Georgina?
I “ Joaninha enlouqueceu e morreu. Gcorgina é abadessa de um convento cm Ingla
terra. (...)
“ E esta pobre senhora, a avó de Joaninha?
— Aí está como vê, morta de alma para tudo. Nào vê, nào ouve, nào fala e nào
conhece ninguém. Joaninha veio morrer aqui, nesta fatal casa do vale; eu estava ausen-
II te; expirou nos braços dela e de Gcorgina. Desde esse instante, a avó caiu naquele esta
do. Está morta, c nào espero aqui senào a dissolução do corpo para o enterrar; se cu nào
for primeiro, c Deus queira que nào! (...)
[Narrador] ~ Mas Carlos?
[Frei Dinis] ~ Carlos é barào. Nào lho disse já?
1 [Narrador] — Mas por ser barào?... (...)
[Frei Dinis] — Pois barào é o sucedâneo dos...
[Narrador] — Dos frades... lLuim substituição! (...)
[Frei Dinis] — Tivemos culpa nós, c certo; mas os liberais nào tiveram menos.
[Narrador] — Errámos ambos. (...)
S Dito isto, o frade benzeu-se, pegou no seu breviário c pôs-sc a rezar. (...). Eu lcvantci-
-mc, contemplei-os ambos alguns segundos. (...). Sentia-me como na presença da morte
c aterrei-me. Fiz um esforço sobre mim; fui dclibcradamentc ao meu cavalo; montei,
piquei, desesperado, de esporas c nào parei senào no Cartaxo. (...) Parti para Lisboa, cheio
de agoiros, de enguiços c de tristes pressentimentos. (...). Eram boas cinco horas da tarde,
1 quando desembarcámos no Terreiro do Paço. Assim terminou a nossa viagem a Santarém
e assim termina este livro.
Tenho visto alguma coisa do mundo e apontado alguma coisa do que vi. De todas
quantas viagens, porem, fiz, as que mais me interessaram sempre foram as viagens na
minha terra. Sc assim o pensares, leitor benévolo — quem sabe? pode ser que eu tome
S outra vez o bordão de romeiro e vá peregrinando por esse Portugal tora, cm busca de
histórias para te contar. Nos caminhos de ferro dos barões é que cu juro nào andar.
Escusada c a jura, porém. Sc as estradas tossem de papel, fá-las-iam, nào digo que nào.
Mas de metal! Que tenha o Governo juízo; que as faça de pedra, que pode; c viajaremos
com muito prazer c com muita utilidade e proveito, na nossa boa terra.
Almeida Garrett, op. aí., pp. 241-243
136
PRÁTICA
1.1 Mostre de que modo o diálogo entre estas duas personagens prova a confluência
dos dois planos de Viagens na minha Terra.
5. De acordo com o último parágrafo, esclareça a dimensão reflexiva e crítica desse narra
dor, bem como o seu sentimento nacional.
6. Identifique o recurso expressivo presente em «morta de alma para tudo» (linha 13). refe
rindo o seu valor.
137
Viagens na minha Terra, Almeida Garrett
Capítulo X
O Vale de Santarém c uni destes lugares privilegiados pela natureza, sítios amenos
e deleitosos em que as plantas, o ar, a situaçào, tudo está numa harmonia suavíssima e
perfeita: nào há ali nada grandioso nem sublime, mas há uma como simetria de cores,
de sons, de disposição cm tudo quanto se vê c se sente, que nào parece senào que a paz,
5 a saúde, o sossego do espírito c o repouso do coraçào devem viver ah, reinar ali um rei
nado de amor e benevolência. As paixões más, os pensamentos mesquinhos, os pesares
e as vilezas da vida nào podem senào tugir para longe. Imagina-se por aqui o Eden que
o primeiro homem habitou com a sua inocência e com a virgindade do seu coraçào.
A esquerda do vale, e abrigado do Norte pela montanha que ah se corta quase a
I pique, está um maciço de verdura do mais belo viço e variedade. A faia, o freixo, o
álamo entrelaçam os ramos amigos; a madressilva, a musqueta penduram de um a outro
suas grinaldas c festões; a congossa, os fetos, a malva-rosa do valado vestem c alcatifam
o chào. Para mais realçar a beleza do quadro, vê-se por entre um claro das árvores a
janela mais aberta de uma habitação antiga, mas nào delapidada (...)
II Interessou-mc aquela janela. (...)
Parei c pus-me a namorar a janela. Encantava-me, tinha-mc ah como num feitiço. (...)
Estava cu nestas meditações, começou um rouxinol a mais linda c desgarrada cantiga
que há muito tempo me lembra de ouvir. (...)
Um vulto feminino que viesse sentar-se àquele balcão — vestido de branco — oh!
3 branco por força... ~ a fronte descaída sobre a mão esquerda, o braço direito pendente,
os olhos alçados ao céu... (...) — Verdes como duas esmeraldas orientais, transparentes,
brilhantes, sem preço. (...)
~ Estào, esses [rouxinóis] lá cstào ainda como há dez anos — os mesmos ou outros —,
mas a menina dos rouxinóis toi-sc e nào voltou.
S — A menina dos rouxinóis! Que história é essa? Pois deveras tem uma história aquela janela?
~ E um romance todo inteiro, todo feito, como dizem os franceses, e conta-se cm
duas palavras.
~ Vamos a ele. A menina dos rouxinóis, menina com olhos verdes! Deve ser interes
santíssimo. Vamos á história já. (...)
1 Ainda assim, belas e amáveis leitoras, entendamo-nos: o que cu vou contar nào é um
romance, nào tem aventuras enredadas, peripécias, situações c incidentes raros; é uma
história simples c singela, smccramentc contada c sem pretensão.
Almeida Garrett, ep. dt., pp. 77-79
139
PRÁTICA
2. Entre as linhas 1 e 14, o narrador refere-se à Natureza. Explique o modo como a caracte
riza e o seu estado de espírito ao descrevê-la.
3. Mostre que o narrador é omnisciente de acordo com a sequência *mas a menina dos rou
xinóis foi-se e não voltou.»
4. Explicite a relação entre o narrador e o leitor, indicando o momento em que ela se torna
evidente, bem como a especificidade desse leitor.
5. Identifique o(s) recurso(s) expressivos em cada uma das seguintes sequências, selecio
nando a opção correta. A seguir, refira o valor de cada um deles,
a) metáfora c) apóstrofe
b) aliteração d) paradoxo
ajanástrofe cjsinestesia
b) paradoxo d) comparação
139
Viagens na minha Terra, Almeida Garrett
Capítulo XX
Sobre uma espécie de branco rústico de verdura, tapeçado de gramas c maccla brava,
Joaninha, meio recostada, meio deitada, dormia profundamente. A luz baça do crepús
culo, coada ainda pelos ramos das árvores, iluminava tibiamentc as expressivas feições
da donzela; e as formas graciosas do seu corpo se desenhavam mole e voluptuosamente
5 no fundo vaporoso e vago das exalações da terra, com uma incerteza e indecisão de
contornos, que redobrava o encanto do quadro, e permitia à imaginação exaltada per
correr toda a escala dc harmonia das graças femininas. (...)
O oficial... ~ Mas certo que as amáveis leitoras querem saber com quem tratam, e
exigem, pelo menos, uma csquiça rápida, e a largos traços do novo ator que lhes vou
I apresentar cm cena. (...)
O oficial era moço; talvez nào tinha trinta anos, posto que o trato das armas, o rigor
das estações, e o selo visível dos cuidados que trazia estampado no rosto acentuassem já,
mais fortemente, em feições de homem feito, as que ainda devia arredondar a juventude.
A sua estatura era mediana, o corpo delgado, mas o peito largo c forte, como precisa
II um coração dc homem para pulsar livre (...)
Os olhos, pardos c nào muito grandes (...)
A boca, pequena c desdenhosa, nào indicava contudo soberba, c muito menos vaidade (...)
O rosto, mais pálido que trigueiro, parecia comprido, pela barba preta c longa que
trazia ao uso do tempo. Também o cabelo era preto (...).
1 “Joaninha! — murmurou ele, apenas a viu à luz ainda bastante dc crepúsculo. (...)
— Carlos, Carlos! — balbuciou ela (...). Dize, fala-me. Tu estás vivo e são!? (...)
~ Pois tu sonhavas? Tu, Joana, tu sonhavas comigo?
~ Sonhava, como sonho sempre que durmo... E o mais do tempo que estou acorda
da... sonhava com aquilo em que só penso... cm ti. (...)
S E caiu nos braços dela; e abraçaram-se num longo, longo abraço — com um longo,
interminável beijo... longo, longo, e interminável como um primeiro beijo dc amantes...
Almeida Garrett, ep. dt., pp. 123-125
2. Descreva o sentimento natural que Carlos e Joaninha nutrem um pelo outro, dando um
exemplo que o confirme.
140
Viagens na min ha Terra, Almeida Garrett
FICHA 52 * Estruturação da obra: novela
PRÁTICA
Capítulo XXIV
Formou Deus o homem, c o pós num paraíso de delícias; tornou a formá-lo a socie
dade, e o pós num interno de tolices. (O) homem, assim aleijado como nós o conhece
mos, é o animal mais absurdo, o mais disparatado c incongruente que habita a terra. (...)
Destas duas tào opostas atuações constantes, que já per si sós o tornariam ridículo,
5 formou a sociedade, em sua vã sabedoria, um sistema quimérico, desarrazoado c impos
sível, complicado de regras, a qual mais desvairada, encontrado de repugnâncias, a qual
mais oposta. E vazado este perfeito modelo de sua arte pretensiosa, meteu dentro dele
o homem, desfigurou-o, contorccu-o, tc-lo o tal ente absurdo c disparatado, doente,
fraco, raquítico; colocou-o no meio do Eden fantástico de sua cnaçào — verdadeiro
ll inferno de tolices (...).
E quando as memórias da primeira existência lhe fazem nascer o desejo de sair desta
outra, lhe influem alguma aspiração de voltar à natureza e a Deus, a sociedade, armada
de suas barras de ferro, vem sobre ele c o prende, c o esmaga, c o contorce de novo (...).
Ou há de morrer, ou ficar monstruoso e aleijão.
15 Poucos filhos do Adão social tinham tantas reminiscências da outra pátria mais anti
ga, e tendiam tanto a aproximar-se do primitivo tipo que saíra das mãos do Eterno;
forcejavam tanto por sacudir de si o pesado aperto das constrições sociais, c regenerar-se
na santa liberdade da natureza, como era o nosso Carlos. (...)
Carlos estava quase como os mais homens... Ainda era bom e verdadeiro, no pri-
3 mciro impulso de sua natureza excecional; mas a reflexão dcscia-o à vulgaridade da
fraqueza, da hipocrisia, da mentira comum. Dos melhores era, mas era homem. (...)
Dúvida, incerteza, vaidade, mentira deslocavam e anulavam a bela organização
daquela alma. Assim chegou ao pé de Joaninha (...).
~ Querida inocente!
S E beijou-lhe a mão, que tinha apertada na sua; beijou-lha uma e muitas vezes, com
um sentimento de ternura misturada de não sei que vaga compaixão, vindo de lá de
dentro da alma com nào sei com que dor, meia dor, meia prazer, que entre ambos se
comunicou e a ambos humedeceu os olhos.
Almeida Garrett, djp. dt., pp. 139-143
1. Esclareça a relação existente entre o conteúdo das linhas 1 a 18 e o conteúdo das linhas
19 a 24.
141
NEMUII EXAME NACIINAL
Vida e obra
• 1825 (16 de março): nasce Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco, em Lisboa.
• 1827: morre a sua mae.
-1835: morre o seu pai. o que o leva a mudar-se para Vila Real, para morar com uma tia.
• 1859: rapta Ana Plácido e os dois vivem uma relação tão intensa quanto possível, até serem presos
por adultério {Ana era casada com Pinheiro Alves): na prisão, escreve, em 15 dias. Amor de Perdição;
segue-se a absolvição e mudam-se os dois para S. Miguel de Ceide (Vila Nova de Famalicão).
• 1885: é tornado Visconde de Correia Botelho.
*1890 (Ide junho): estando Já cego, suicida-se em São Miguel de Ceide.
• Simão Botelho é filho de Domingos Botelho, cor * Simão é preso e condenado à morte, pena suavi
regedor (juiz), e de Rita. zada pela intervenção do pai, que consegue que o
• Simão causa desgosto à sua família por se rela filho vá degredado para a India. durante 10 anos.
cionar apenas com pessoas sem escrúpulos e * Teresa sofre e perde a vontade de viver.
levar uma vida boémia. * Simão e Teresa veem-se uma última vez antes da
• Porque se apaixona por Teresa de Albuquerque, partida para a India, mas logo a seguir Teresa de
filha de Tadeu de Albuquerque, muda de compor Albuquerque morre.
tamento e passa a levar uma vida mais regrada. * Mariana vai para a India com Simão, ficando res
• Os Botelho e os Albuquerque são inimigos, o que ponsável por ele e pelas cartas que ele trocara
dificulta a relação de amor entre Simão e Teresa, com Teresa.
que passam a odiar as suas famílias, namorando •Simão, sabendo da morte da amada, desiste de
às escondidas, embora as famílias desconfiem. viver; para seu descanso, relê as cartas de Teresa,
• Tadeu de Albuquerque decide prometer em casa mas as febres e os delírios de uma doença que já
mento a filha, Teresa, ao seu sobrinho Baltasar trazia intensificam-se.
Coutinho. Teresa recusa o casamento, enfren * Depois de morrer a bordo, o comandante decide
tando o pai; Tadeu, revoltado, promete deserdá- atirar, em cerimónia respeitosa e honrada, o
-la e enviá-la para um convento. cadáver ao mar; nesse momento. Mariana atira-
• Domingos Botelho, também desagradado com a -se também e morre junto do corpo de Simão.
paixão dos dois, envia Simão para Coimbra.
• Simão, desesperado de saudades de Teresa, vai a
Viseu visitá-la e fica em casa de João da Cruz, pai
de Mariana.
•Teresa vai para um convento em Viseu, aguar
dando a sua entrada num convento do Porto.
• Simão, furioso por Teresa já se encontrar no con
vento, tenta raptá-la, mas, num duelo inesperado
com Baltasar Coutinho, dá-lhe um tiro fatal.
Francis Danby,
Desgosto Amoroso, 1821
142
ramxiÊs u? mm
TEORIA
• Camilo, preso na Cadeia da Relação do Porto, encontra documentos que atestam a história
de um seu antepassado. Simão Botelho, desterrado para a índia a 17 de março de 1807;
Introdução • Camilo reflete sobre a desgraça e o infortúnio que recaíram sobre este jovem, na flor da
(integral) sua juventude, e conclui: Amou, perdeu-se e morreu ornando;
* Submetendo-se ao julgamento do leitor. Camilo (narrador, familiar do jovem desterrado e
morto) prepara-se para contar toda a história de um Amor de Perdição.
* Domingos Botelho; fidalgo de Vila Real de Trás-os-Montes, em 1779. juiz de fora em Cascais,
casa com D. Rita Preciosa (dama do paço real em Lisboa);
•Simão nasce em 1784 e a família muda-se para Vila Real; depois. Domingos consegue
Capítulo I
transferência para Lamego e, finalmente, mudam-se para Viseu;
• Adolescência de Simão. belo, mas irreverente e arruaceiro, por isso o pai o manda para
Coimbra.
• Diálogo entre Teresa e Tadeu de Albuquerque: Teresa recusa casar-se com Baltasar Cou-
tinho. seu primo de Castro Daire;
Capítulo IV • Teresa escreve a Simão e conta-lhe tudo; em Simão fervilham a «fúria e o ódio», muda-se
para Viseu secretamente e fica em casa de um ferrador. João da Cruz, e dali troca cartas
com Teresa.
• Já no barco para a índia, todos estão atentos e preocupados com a doença de Simão;
• Simão ainda tem forças para reler a carta de Teresa, na qual ela se despede, revelando um
sentimentalismo tipicamente romântico e trágico;
• Simão delira pela última vez, ao recitar as palavras de esperança que trocara com Teresa
de Albuquerque sobre a sua casinha e a intentada felicidade de ambos;
Conclusão • Simão despede-se de Mariana e esta dele;
• 0 comandante, com a ajuda dos marujos, lança o cadáver de Simão ao mar;
• Mariana. com as cartas presas no avental, atira-se também, suicidando-se abraçada ao
cadáver de Simão;
• Os marinheiros recolhem toda a correspondência entre Simão Botelho e Teresa de Albu
querque.
143
NEMUII EXAME NACIINAL
Sugestão • 0 narrador, Camilo Castelo Branco, afirma ser sobrinho do herói do seu Amor de Perdi
biográfica ção. Simão Botelho, cuja história de amor infeliz leu enquanto estava preso na Cadeia da
(Si mão Relação, no Porto.
e narrador) • Pelas informações da vida e da morte do seu tio direito. Simão Botelho. Camilo propõe
e construção ao leitor contar esta história, mostrando Simão como um herói verdadeiramente român
do herói tico que «Amou, perdeu-se e morreu amando».
romântico
• Pelo conhecimento da biografia de Camilo e de Simão. cedo os leitores se apercebem da
semelhança entre estes dois heróis românticos - apaixonados fervorosamente (Simão
- Teresa e Camilo - Ana Plácido), perseguidores da sua felicidade amorosa contra as
adversidades, sofredores das respetivas consequências, mas continuamente ao serviço
do verdadeiro Amor-Paixão.
A obra • Intervenções do narrador sobre a própria sociedade e também sobre os factos narrados;
como crónica • Crítica às injustiças e martírios de Simão, Teresa. Mariana;
de mudança
•Reflexão sobre a coragem de desobedecer às intenções duvidosas dos pais - Teresa
social
recusa casar com o pretendente que o pai quer, Baltasar Coutinho;
• Crítica ao seguimento da vida consagrada a Cristo (conventos) por via da força e da obri
gação e não da livre vocação e intenção deliberada;
• Crítica à vida clerical das religiosas dos conventos, cortejadas por homens influentes e
corruptas, ao aceitar jovens castigadas por desobediência aos pais;
• Reflexão sobre a morte desnecessária de quatro pessoas por causa da obsessão doen
tia de um pai que proíbe a filha de casar com o homem que ama;
•Reflexão sobre as condições deploráveis de navegação dos degredados para terras
ultramarinas, neste caso, a 1 ndia;
• Reflexão sobre o degredo de jovens (Simão tinha 18 anos), tão úteis à sociedade portu
guesa, como ativos no desenvolvimento e progresso a todos os níveis.
Relações • Tadeu e Rita Preciosa: ele, obstinado com a justiça e ausente; ela. sempre descontente
entre com a vida fora da corte;
personagens •Tadeu e Teresa: pai tirano e manipulador, quer vê-la casada, por interesse, com um seu
primo, Baltasar Coutinho; envia-a para conventos, pois, se não casa com quem ele quer,
morrerá para o mundo;
• Tadeu e Baltasar: Tadeu respeita Baltasar e vê nele o marido perfeito para Teresa;
• Tadeu e Simão: ódio profundo por antigas contendas entre as famílias:
• Teresa e Baltasar: Teresa não o ama. recusando-se a casar; Baltasar é obstinado e quer a
todo o custo casar-se com a prima;
• Simão e João da Cruz: amizade sincera e recíproca;
• Simão e Mariana: ele, amizade sincera; ela, amor-paixão, não correspondido por Simão,
e que a levará à morte.
0 amor-paixão • A paixão romântica, ou seja, o sentimentalismo quase obsessivo, ou paixão como sofri-
mento/desgraça.
• Simão eTeresa: amor impossível por causa da família e do degredo de Simão para a índia,
que a ela leva à morte espiritual no convento e, posteriormente, à morte física, e a ele à
morte física.
• Mariana e Simão: amor impossível de Mariana por não ser correspondido, que culmina
com a morte física dos dois (morte de Simão por doença e suicídio de Mariana).
Linguagem, 0 Narrador
estilo • é omnisciente, subjetivo e opinativo.
e estrutura
m
Amor de Perdição, Camilo Castelo Branco
■ Verificação de leitura (introdução)
PRÁTICA
□ Camilo tem a certeza de que os seus leitores sentirão pena e compaixão deste
rapaz de «dezoito anos».
i) O narrador submete a avaliação dos seus sentimentos perante a história lida nos
documentos tanto à sua família como aos demais críticos.
0 O O narrador termina a sua Introdução tecendo diretas críticas aos «feitos bárbaros»
que os homens da sociedade do seu tempo cometem para seu próprio benefício.
145
Amor de Perdíçfio, Camilo Castelo Branco
- Construção do herói romântico • Linguagem, estilo e estrutura
* Relações entre personagens
Capitulo X
— Dê um abraço cm seu pai, M ariana — disse-lhe Simào — c adeus... ate logo, ou ...
— Até ao Juízo Final... — atalhou ela.
— O Destino há de cumprir-se... Seja o que o Céu quiser. (...)
Era uma hora, c estava Simào defronte do convento, contemplando uma a uma as
5 janelas. (M)as cada vez que lhe acudia à mente a imagem odiosa de Baltasar Coutinho,
instintivamente as màos do académico se asseguravam da posse das pistolas. (...)
Às quatro horas c meia, ouviu Simào o tinido dc liteiras, dirigindo-se àquele ponto.
Mudou dc local, tomando por uma rua estreita, fronteira ao convento. (...)
Momentos depois, viu Simào chegar á portaria Tadcu de Albuquerque, encostado ao
I braço dc Baltasar Coutmho. (...)
— Nada de lamúrias, meu tio! — dizia ele. — Desgraça seria vê-la casada! Eu prometo-
-Ihe antes dc uni ano restituir-lha curada. (...)
— Teresa... — disse o velho.
— Aqui estou, senhor — respondeu a filha, sem o encarar.
II — Ainda é tempo — tornou Albuquerque. (...)
— Nào, meu pai. O meu destino é o convento. Esquccc-lo nem por morte. Serei filha
desobediente, mas mentirosa é que nunca. (...)
Este diálogo correu rapidamente, enquanto Tadcu dc Albuquerque cortejava a prio-
resa c outras religiosas. As quatro senhoras, seguidas dc Baltasar, tinham saído do átrio
1 do convento, e deram dc rosto cm Simào Botelho, encostado à esquina da rua fronteira.
Teresa viu-o... Adivinhou-o, primeiro dc todas, c exclamou:
— Simào!...
O filho do corregedor nào se moveu.
Baltasar, espavorido do encontro, fitando os olhos nele, duvidava ainda.
5 — E crível que este infame aqui viesse! — exclamou o dc Castro Dairc.
Simào deu alguns passos, c disse placidamente:
— Infame... eu! c porquê?
— Infame, c infame assassino! — replicou Baltasar. — Já fora da minha presença!
— E parvo este homem! — disse o académico. — Eu nào discuto com sua senhoria...
1 Minha senhora — disse ele a Teresa, com a voz comovida c o semblante alterado unica
mente pelos afetos do coração —, sofra com resignação, da qual cu lhe estou dando um
exemplo. Leve a sua cruz, sem amaldiçoar a violência, c bem pode ser que a meio do
seu calvário a misericórdia divina lhe redobre as torças.
— Que diz este patife?! — exclamou Tadcu.
S — Vem aqui insultá-lo, meu tio! — respondeu Baltasar. — Tem a petulância dc se apre
sentar a sua filha a confortá-la na sua malvadez! Isto é dc mais! Olhe que cu esmago-o
aqui, seu vilão.
— Vilão é o desgraçado que me ameaça, sem ousar avançar para mim um passo —
redarguiu o filho do corregedor.
UI
0 — Eu nào o tenho feito — exclamou, enfurecido, Ililtasar — por entender que me avilto, cas-
tigando-o, na presença de criados de meu tio, que tu podes supor meus defensores, canalha!
— Se assim é — tomou Simào sorrindo —, espero nunca me encontrar de rosto com
sua senhoria. Reputo-o tào covarde, tào sem dignidade, que o hei de mandar azorragar
pelo primeiro mariola das esquinas.
6
por-se entre os dois, Baltasar tinha o alto do crânio aberto por uma bala, que lhe entrara
na fronte. Vacilou um segundo, e caiu desamparado aos pes de Teresa. (...)
— Está perdido! — tornou João da Cruz.
147
Amor de Perdição, Camilo Castelo Branco
- Verificação de leitura (conclusão)
a) Macau. c) India.
b} Angola. d) Brasil.
a) caiu sobre o selo de uma adúltera c|D morreu nos braços de um marujo.
degredada.
7. Os marinheiros conseguem
8. 0 narrador informa que a última irmá, a predileta de Simáo, Rita, ainda vive em
a) Viseu. c) Lisboa.
HB
Leia atentamente o seguinte excerto e responda às questões.
Conclusão
Oh! Simào, de que céu tão lindo caímos? Ã hora que tc escrevo, estás tu para entrar
na nau dos degredados, e eu na sepultura.
Que importa morrer, se nào podemos jamais ter nesta vida a nossa esperança de há
três anos?! Poderias tu com desesperança c com a vida, Simào? Eu nào podia. Os íns-
5 tantes do dormir eram os escassos benefícios que Deus me concedia; a morte é mais que
uma necessidade; é uma misericórdia divina, uma bem-aventurança para mim.
E que fanas tu da vida sem a tua companheira de martírio? Onde irás tu aviventar o
coração que a desgraça tc esmagou, sem o esquecimento da imagem desta dócil mulher,
que seguiu cegamente a estrela da tua malfadada sorte?!
U Tu nunca hás de amar, nào, meu esposo? Tenas pejo de ti mesmo, se uma vez visses passar
rapidamente a minha sombra por diante dos teus olhos enxutos? Sofre, sofre ao coração da tua
amiga estas derradeiras perguntas, a que tu responderás, no alto-mar, quando esta carta leres.
Rompe a manhã. Vou ver a minha última aurora... A última dos meus dezoito anos!
Abençoado sejas, Simào! Deus tc proteja, c tc livre duma agonia longa. Todas as minhas
15 angústias Lhe ofereço em desconto das tuas culpas. Sc algumas impaciências a justiça divina
me condena, oferece tu a Deus, meu amigo, os teus padecimentos, para que eu seja perdoada.
Adeus! À luz da eternidade parece-me que já tc vejo, Simâol
1. Indique momento específico da ação a que diz respeito esta parte da carta. Transcreva
do texto uma sequência que o confirme.
2. Mostre que Teresa é uma típica heroína romântica. Transcreva do excerto sequências que
o confirmem.
1U
NEMUII EXAME NACIINAL
Vida e obra
■ 1845 (25 de novembro): José Maria de Eça de • 1874-1878: vive em Inglaterra (continuando
Queiroz nasce na Póvoa de Varzim. a sua carreira diplomática) e produz inúmeras
• Fruto de uma relação entre pais que ainda não obras da sua carreira literária.
estavam casados. • 1878: publica 0 Primo Bosífro.
•Na adolescência, muda-se para a casa da avó •1885: casa com Emília de Castro, de quem tem
paterna (Casa de Verdemilho). em Aradas - Aveiro, 4 filhos.
de onde sai para estudar no Colégio da Lapa - Porto. • 1887: publica A Relíquia.
• 1861-1866: entra na Universidade de Coimbra, • 1888: é nomeado cônsul, desta vez. em Paris.
cursando Direito.
• 1888: publica Os Maias.
• 1866: muda-se para Lisboa, onde assume fun
• 1900: publica A Ilustre Casa de Ramíres. última
ções de advogado e jornalista.
obra saída a público em vida do autor.
• 1870: publica 0 Mistério do Estrada de Sintra.
• 1900 (16 de agosto): morre em Paris, França.
-1873: é nomeado cônsul de Portugal em Havana
(Cuba).
CONTEXTUAL1ZAÇÀO HISTÓRICO-LITERÁRIA
• Portugal, segunda metade do século XIX: os mais jovens literatos e escritores insurgem-se contra o
Romantismo, cujo exagerado sentimentalismo e fervor poético eram criticados pela nova geração - a
Geração de 70.
• A Geração de 70 defende o Republicanismo e uma nova forma de fazer literatura - intenções naturalis
tas. realistas, positivistas, herdeiras das tendências que faziam furor no estrangeiro, nomeadamente,
em França.
• Qs principais nomes e obras que identificam essas novas formas de pensamento/escrita: Proudhon
(socialista fervoroso). Comte e Zola (defensores do Positivismo, e ainda Flaubert (escritor realista).
• Qs membros da Geração de 70: Anterode Ojuental (1842-1890); Eça de O.ueirós (1845-1900); Ramalho Orti-
gão {1836-1915); Oliveira M artins (1845-1894); Guerra J u nq u eir o (1850-1923); Teófilo Braga {1843-1924).
• Qs membros da Geração de 70 acabaram por se autodenominar «Vencidos da Vida*, dado que nem sem
pre a sociedade portuguesa os entendeu.
150
nktkiês u? ani
TEORIA
O romance
A ação de Os Maias integra duas componentes basilares: a intriga principal {os aconteci
Pluralidade mentos em torno de Carlos da Maia e Maria Eduarda Maia) e a intriga secundária (acrónica
das ações de costumes com a crítica social a Portugal do século XIX). Os dois primeiros capítulos
do romance integram os antecedentes da intriga principal, pois retratam as gerações do
bisavô (Sebastião), do avô (Afonso) e do pai (Pedro) de Carlos da Maia.
Pedro da Maia, fragilizado por uma educação católica castradora, une-se perdídamente
a uma mulher, Maria Monforte. casando-se com ela e de quem tem dois filhos. Esta aban-
dona-o na primeira oportunidade. Sofrendo de rejeição e desespero. Pedro suicida-se.
Da paixão louca, cega e obcecada resulta a sua morte.
Carlos da Maia, depois de uma educação à inglesa, leva uma vida académica meritória,
Representações
com a sua parte de boémia e desprendimento em relação às mulheres. Depois de algu
do sentimento
mas relações, cai nas malhas do Destino e apaixona-se pela própria irmã sem o saber.
eda paixão:
□ seu desenlace é bem diferente do de Pedro: depois da culpa e da vergonha (diante do
diversificação
avô), usufrui da sua fortuna e viaja pelo mundo, recomeçando a sua vida. Da paixão, do
da intriga
erotismo e da união (quase matrimonial) resultam a separação e o recomeço.
amorosa
João da Ega, revolucionário, ateu e irreverente, acaba por se apaixonar por uma mulher
casada, RaquelCohen.cujo marido.ao descobrir, acaba coma relação entre os amantes. João
da Ega desespera e sofre, refugia-se no álcool, mas. quando seria de esperar o pior, acompa
nha Carlos numa viagem além-fronteiras e sobrevive, recomeçando também a sua vida. Da
paixão e do erotismo surgem o desgosto, a bebida e o recomeço
Afonso da Maia: desde a juventude, Afonso vê a sua vida marcada por obstáculos. Con
trariando os ideais conservadores do pai (Sebastião), que o considerava jacobino e revo
lucionário1, Afonso vê-se obrigado a sair para o exílio em Inglaterra. A mulher odeia o
protestantismo e o clima, convencendo-o a voltar a Portugal. Regressado, assiste, des
gostoso e impotente, à tragédia amorosa que leva o filho ao suicídio. Apesar de passar
anos felizes durante a infância e o início da idade adulta do neto. Carlos. Afonso assiste
à vergonha e à repugnância de um impensável incesto entre o seu neto e a neta cuja exis
tência viva desconhecia. Vemo-lo quase fantasmagórico a passar por Carlos, atraves
sando o corredor, já lívido e prenunciando a morte, até ao jardim, onde morre, não tanto
Características em virtude da idade, mas por causa dos desgostos e tragédias que assolaram a sua vida.
trágicas dos
Carlos da Maia: quando tudo aparentava harmonia e equilíbrio, Carlos apaixona-se por
protagonistas
Maria Eduarda. ignorando tratar-se da sua própria irmã. Primeiro, as críticas de adul
da intriga
tério pressagiam obstáculos. Segundo, o sítio dos seus amores - a Toca - acrescenta
principal
tragicidade a este amor. Terceiro, na primeira noite em que se encontram intimamente,
troveja e a Toca, com as velas acesas, cria um ambiente de «sacrário» que assusta Maria
Eduarda. Quarto, quando Carlos a leva ao Ramalhete, ela manifesta ter medo do avô de
Carlos. Quinto, Carlos encontra nela semelhanças com a sua máe. Maria Monforte (indí
cio da verdade que desenhará esta tragédia incestuosa).
Maria Eduarda: apresenta-se ao leitor como uma mulher amadurecida pela dureza da
vida, desde que a mãe a levou para Paris, bebé. Vivendo com vários homens, respeitosos
ou não, apenas para a sustentar, anda ao sabor das suas vontades e tem uma filha para
cuidar. A sua vida é. portanto, uma mescla de adversidades e sacrifícios.
Tempo da história
1820-1875: antecedentes da intriga principal.
1875-1877: vida do protagonista. Carlos da Maia, em Lisboa.
Complexidade 1887: regresso de Carlos da Maia à cidade de Lisboa, depois de dez anos de viagem.
do tempo Tempo do discurso
• Analepses: recuos no tempo.
• Elipses: ausência de informação sobre determinado período.
• Resumos: de acontecimentos necessários à compreensão da ação.
Os Jacobinos foram os responsáveis pela Convenção Montanhesa, de 1792, que seseguiuá Revolução Francesa (1789), república
que perseguia os conservadores e absolutistas.
151
NEMUII EXAME NACIINAL
Espaço físico
Lisboa (Benfica - antepassados de Carlos da Maia):
• casa onde Afonso da Maia viveu com a mulher. Maria Eduarda Runa. e o filho Pedro da Maia;
• casa onde Pedro cometeu suicídio;
• casa conotada com um passado de dor e sofrimento - «desgostos domésticos».
2Todosos excertos apresentados seguema ediçàD seguinte: Eça de Queirós, Os Maios, Porto, Livrosdü Brasil, 2014.
152
nktkiês u? ani
TEORIA
0 Ramalhete:
«Com que comoção Carlos avistou a fachada severa do Ramalhete, as janelinhas abriga
das à beira do telhado, o grande ramo de girassóis fazendo painel no lugar do escudo de
Espaços e seu armas! (...) Ainda lá se conservavam os bancos feudais de carvalho lavrado (...). Em cima,
porém, a antecâmara entristecia, toda despida, sem um móvel (...). No amplo corredor,
valor simbólico
e emotivo sem tapete, os seus passos soaram como num claustro abandonado (...). Uma friagem
regelava. Ega levantara a gola do paletó.
(cont.)
No salão nobre os móveis de brocado (...) estavam embrulhados em lençóis de algodão
(...). (A) porta do bilhar (...), (a)í tinham sido recentemente acumulados (...) os móveis
ricos da Toca. (...) Como tudo passara! (...) (□) escritório de Afonso da Maia. (...) A porta
cedeu: e toda a emoção de repente findou, na grotesca, absurda surpresa de romperem
ambos a espirrar, desesperadamente, sufocados pelo cheiro acre de um pó vago que lhes
picava os olhos» (Capítulo XVIII)
153
NEMUII EXAME NACIINAL
Episódios com os jornais lisboetas A Cometo do Diabo, de Palma Cavalão, e A Tarde, de Neves:
A •Crítica à imprensa da época, pela sua parcialidade e falta de rigor, bem como a sua
representação dependência política.
de espaços
• Maledicência sem escrúpulos e pública; Dâmaso escreve n'A Corneto sobre os amores
sociais
adúlteros de Carlos e Maria Eduarda; logo de seguida, ameaçado, desmente n’A Tarde,
e a crítica
explicando que escrevera a primeira carta quando estava altamente embriagado.
de costumes:
«Episódios Personagens (crónica de costumes):
da Vida
Romântica» •Joãoda Ega
Conde de Gouvarinho Críticas queirosianas:
Condessa de Gouvarinho
- literatura e crítica literárias;
Craft
- finanças portuguesas;
Cruges
- atraso intelectual de Portugal;
Dâmaso Cândido de Salcede
-educação entregue a incultos e ignorantes
Eusebiozinho Silveira
(de que Sousa Neto é o melhor represen
Tomás de Alencar tante);
Jacob Cohen -decadência e corrupção de jornais e jorna
Raquel Cohen listas;
Palma «Cavalão» - falta de gosto pelo que é genuinamente por
tuguês, o que resulta na imitação ignorante
Neves
do que é francês ou inglês;
Sousa Neto
- falta de dinâmica e de empreendedorismo.
Steinbroken
Taveira, Marquês de Souselas.
abade Custódio, as irmãs Silveira
Espaço psicológico
Consciência das personagens; esta questão está intimamente ligada ao real descrito e
suas respetivas sensações.
154
nktkiês u? ani
TEORIA
• Uso expressivo de adjetivos com intenções irónicas ou de descrição subjetiva das perso
nagens ou dos espaços: «Depois foi a ministra da Baviera, a baronesa de Craben, enorme,
empavorada. com uma face maciça de matrona romana, a pele cheia de manchas cor de
tomate, a estalar dentro de um vestido de gorgorão azul com riscas brancas: e atrás o
barão, pequenino, amável, aos pulinhos, com um grande chapéu de palha.* (Capítulo X)
ESTRUTURA
ESTRUTURA INTERNA
EXTERNA
* 0 Ramalhete (apresentação/caracterização);
* A juventude de Afonso da Maia;
Capítulo I
* 0 exílio de Afonso em Inglaterra com Maria Eduarda Runa e Pedro;
(intriga
* A ida para Itália (na tentativa de agradar Maria Eduarda Runa);
secundária)
* A educação fervorosamente católica e a juventude de Pedro da Maia;
* 0 casamento de Pedro com Maria Monforte (a «negreira»).
155
NEMUII EXAME NACIINAL
• Em Santa Olávia:
- a infância e a educação de Carlos da Maia segundo a vontade e a filosofia de vida do
avô Afonso: Teixeira - parece que era sistema inglês! Deixava-o correr, cair, trepar às
árvores, molhar-se, apanhar soalheiras, como um filho do caseiro. E depois o rigor com
as comidas; Afonso - «0 primeiro dever de um homem é viver. E para isso é necessário
ser são. e ser forte.»
- as brincadeiras com Eusebiozinho e com Teresinha: contrastes entre a educação de Car
los e a de Eusebiozinho e Teresinha;
Capítulo III - o precetor inglês, sr. Brown;
(intriga - o velho administrador Vilaça;
principal)
- o bondoso Abade Custódio;
- a Viscondessa de Ru na;
• Vilaça dá a Afonso informações sobre Maria Monforte. 0 administrador comete um erro
de julgamento e julga morta a filha da Monforte, pelo que em Santa Olávia não se falaria
mais sobre este assunto;
• Vilaça morre e é sepultado no Cemitério dos Prazeres;
• Manuel Vilaça (filho), «agora administrador da casa traz a notícia de que Carlos fizera o seu
primeiro exame».
156
ramxiÊs u? ani
TEORIA
* Carlos, no terraço do Ramalhete, conversa com Dâmaso, «o filho do agiota», que folheava
o Figaro. partilhando já a intimidade do Maia, e por todo lado o seguia como «um rafeiro»,
pensando em tudo o que era «chique a valer» e que estava ao nível de Carlos;
• Um dia em que Carlos procura Dâmaso, encontra Steinbroken no Aterro e vê, pelasegunda
vez. Maria Eduarda;
Capítulo VII * Carlos volta para o Ramalhete, oferecendo a Steinbroken boleia na sua vitória e o jantar
(intriga com o avô Afonso;
principal) •A condessa de Gouvarinho leva o filho. Charlie. para ser consultado por Carlos, no seu
consultório;
* Primeiras aproximações adúlteras entre a condessa e Carlos, com marcação de futuros
encontros;
• Taveira conta a Carlos o que sabe sobre os Castro Gomes e sobre a relação próxima com
Dâmaso.
* Carlos procura Cruges na sua casa da Rua das Flores e os dois partem para Sintra;
- a refeição na Porcalhota;
- a estadia no Hotel Nunes;
- o encontro com Eusebiozinho, agora viúvo, e Palma Cavalão, que almoçavam com duas
Capítulo VIII raparigas espanholas. Concha e Lola;
(intriga - o passeio de Carlos e Cruges a Seteais;
principal) - encontro dos dois com o poeta Alencar, que lhes conta os seus desentendimentos com
Palma, diretor de «uma espécie de jornal»;
- Carlos procura a Castro Gomes, mas não a encontra;
- o jantar no Hotel Lawrence;
- o regresso ao Ramalhete.
• Dâmaso pede a Carlos que. enquanto médico, vá ver o estado de saúde da filha da Castro
Gomes. Rosa;
- Rosa e a sua inocência, sempre com a sua «boneca paramentada» de nome Cricri;
Capítulo IX - o quarto de Maria Eduarda. na casa da Rua de São Francisco;
(intriga - Dâmaso confia a Carlos o pormenor sobre a relação de proximidade entre a Castro
principal) Gomes (Maria Eduarda) e o seu tio Guimarães;
- Ega confessa a Carlos e a Craft que Jacob Cohen descobriu a sua relação adúltera com
Raquel e o expulsou de sua casa;
- Carlos vai tomar chá com a condessa de Gouvarinho e envolve-se com ela.
•Carlos conhece Maria Eduarda; «Maria Eduarda. Carlos Eduardo... havia uma similitude
nos seus nomes. Quem sabe se não pressagiava a concordância dos seus destinos!»
Capítulo XI • «Então todos os dias, durante semanas, teve essa hora deliciosa, esplêndida, perfeita, a
(intriga 'visita à inglesa'»; Maria Eduarda estava hospedada num andar que pertencia à família de
principal) Cruges, na Rua de S. Francisco;
• Numa das visitas a Maria Eduarda, Dâmaso aparece também para a visitar, criando-se um
ambiente de algum desconforto.
157
NEMUII EXAME NACIINAL
• João da Ega conta a Carlos que Dâmaso. ciumento da relação dele com a Castro Gomes,
Capitulo XIII critica-os publicamente, sendo que Carlos o confronta e o ameaça em praça pública;
(intriga • A Toca (nome que Carlos dá à quinta que comprou a Craft e que será o local onde se con
principal) sumará a relação amorosa com Maria Eduarda);
• Carlos termina o relacionamento com Teresa Gouvarinho.
Renair,
Dança na Cidade, 1883
158
nktkiês u? ani
TEORIA
* O Sarau da Trindade:
- as declamações prolixas, mas inflamadas, de Rufino;
- Tomás de Alencar: declama os seus versos de uma poeticidade ultrarromântica;
- Cruges, maestro erudito e culto, faz a sua atuação, a qual não é, de todo, compreendida
pela sociedade;
-a baronesa de Alvim e Joaninha Vilar abandonam o sarau muito cedo por se cansarem
facilmente: «Mas uma noite toda de literatura, que estafa! E agora, para mais, ficara lá
um homenzinho a fazer música clássica... Pois olhe, devia ter-lhe dito que tocasse antes
o "Pirolito"»;
Capítulo XVI
- D. Maria da Cunha [sobre Cruges] - «E era composição dele, aquela coisa triste? [Ega
responde] - É de Beethoven, sr.a D. Maria da Cunha, a "Sonata Patética’ (...). E a mar
(intriga quesa de Soutal. muito séria, muito bela, cheirando devagar um frasquinho de sais, disse
principal)
que era a "Sonata Pateta’.»;
- palestra «de um maganão gordo, de barba em bico e camélia na casaca que (...) lamen
tava aos berros que nós. Portugueses (...), deixássemos esbanjar, ao vento do indiferen-
tismo. a sublime herança dos avósL.»;
- os Gouvarinho assistem ao sarau: o conde fica deleitado com Rufino;
-Sousa Neto. Darque. Teles da Gama e outras figuras do cenário político e cultural da
época;
- recitação poética de Tomás de Alencar;
* No final do sarau. Ega conversa a sós com o sr. Guimarães, conversa essa em que fará a
revelação que alterará o rumo da intriga principal: Carlos e Maria Eduarda são irmãos.
* Ega procura Vilaça para juntos abrirem o cofre entregue pelo sr. Guimarães;
* Depois de uma tentativa fracassada de Vilaça, Ega conta a Carlos toda a história que lhe
transmitiu o sr. Guimarães e os dois contam a Afonso da Maia;
* 0 jantar no Ramalhete, com Ega, Steinbroken, D. Diogo. Craft;
* Carlos vai a casa de Maria Eduarda. na Rua de S. Francisco, para lhe revelar tudo, mas
acaba por consumar o incesto voluntário;
* Na noite seguinte. Carlos repete o ato voluntário, sob a suspeição horrorizada de Ega, que
Capítulo XVII estava hospedado no Ramalhete;
(intriga * Afonso da Maia descobre que Carlos da Maia mantém a relação incestuosa com a irmã;
principal) * Morte de Afonso da Maia;
* Carlos, ao contrário de Pedro da Maia, resigna-se e decide viajar;
* Ega conta a Maria Eduarda toda a sucessão de novidades sobre a sua história e o seu
passado:
* Maria Eduarda parte para Paris com a filha. Rosa, e a governanta. Miss Sara, herdando a
sua parte da fortuna dos Maias;
* Ega partilha com ela o comboio, despedindo-se no Entroncamento, pois ele seguia para
Santa Olávia e ela para a capital francesa.
* Carlos e Ega viajam, como tinham combinado, por Londres, América do Norte, Japão; Ega
regressa «passado um ano e meio» e Carlos detém-se ainda por três anos;
* No seu regresso, Ega põe Carlos ao corrente das novidades sobre a sociedade lisboeta;
Capítulo XVIII
* 0 Ramalhete:
(intriga
- Carlos e Ega: reflexões finais sobre a vida;
principal)
- o sr. Guimarães: «|Carlos] - Naturalmente morreu.»
- Raquel Cohen: «E a Raquel, é verdade! (...) Que era feito da Raquel, esse lírio de Israel?
[Ega responde] - Para aí anda, estuporada...»
159
Os Malas, Eça de Queirós
• Verificação de leitura (obra integral)
b) A intriga secundária diz respeito à história de amor de Pedro da Mala com Raquel
Cohen.
d) Depois do assassinato de Pedro, Afonso sai da sua casa em Benflca e vai para a
quinta de Santa Eulálía, no Douro, com todos os seus criados.
g) Vilaça informa Afonso da Maia de que Maria Monforte e a filha estão mortas.
j) No peristilo do Hotel Bragança, Carlos vê. pela primeira vez, Maria Eduarda.
k) Maria Eduarda, endeusada por Carlos, vem acompanhada da sua cadelinha irlandesa.
I) Carlos é visitado pela condessa de Gouvarinho, que traz o seu filho, Charlie. para
ser consultado.
1C0
o) I Nessa viagem, Carlos encontra de novo Maria Eduarda.
r) I. J Carlos e Maria Eduarda vão à Toca e surgem novos indícios trágicos, nomeada
mente a representação da cabeça de 5. João Evangelista.
w) Em conclusão, podemos perceber que Carlos e Ega, agora mais velhos, seguem a
sua vida e ainda demonstram algum entusiasmo, comprovado pela «corrida» atrás
do americano.
161
Os Malas, Eça de Queirós
Leia atentamente o seguinte excerto e selecione a opçào que permite obter uma afirmação
correta.
162
PRÁTICA
a) realista. c) romântico.
b) contemporâneo. d) petrarquista.
4. 0 ambiente descrito no segundo parágrafo tem. por comparação ao do primeiro, uma relação
a) de semelhança. c) de contraste.
b) de afinidade. d) de complementaridade.
10. A sequência «com um ar de meditação sinistra, os seus dois olhos redondos e agoiren-
tos» (linhas 5-6) inclui uso expressivo
a) do advérbio. c) de ironia.
163
Os Maias, Eça de Queirós
• A representação de espaços sociais e a critica de costumes: «Episódios da Vida
Capítulo X
Pois é verdade, tenho esse fraco português, prefiro toiros. Cada raça possui o seu
sport próprio, c o nosso é o toiro (...). (E) que se nesta triste geração moderna ainda há
em Lisboa uns rapazes com certo músculo, a espinha direita e capazes de dar um bom
soco, deve-se isso ao toiro e à tourada de curiosos... (...)
No domingo seguinte, pelas duas horas, Carlos no seu factontc de oito molas, ao
lado de Craft (...) parou ao fim do Largo de Belém (...). Um dos criados desceu a com
prar o bilhete (...).
Era um dia já quente, azul-ferrete, com um desses rutilantes sóis de festa que inflamam
as pedras da rua (...). (U)m ómbus esperava, desastrado, junto ao portal da igreja (...).
I Um garoto ia apregoando desconsoladamente programas das corridas que ninguém com
prava. A mulher de água fresca, sem fregueses. (...) Quatro pesados municipais a cavalo
patrulhavam (...), o estalar alegre dos foguetes morna no ar quente (...). A entrada para
o hipódromo (...), um dos sujeitos de flor ao peito berrava funosamente com um polícia.
Queria que se fosse chamar o sr. Savedra! O sr. Savedra, que era do Jockey Club, tinha-lhe
II dito que ele podia entrar sem pagar a carruagem! (...) O polícia bracejava, enfiado. E o
cavalheiro, tirando as luvas, ia abrir a portinhola, esmurrar o homem — quando, trotando
na sua grande horsa, um municipal de punho alçado correu, gritou (...). Outro municipal
intrometeu-se brutalmente. Duas senhoras, agarrando os vestidos, tugiram para um por
tal, espavoridas (...). (Ajdiantc (...), um realejo tocando a «Traviata».
9 O factonte entrou (...).
— Tudo isto está arranjado com decência — murmurou Craft. (...)
Para além dos dois lados da tribuna real (...), crguiam-sc as duas tribunas públicas
(...). A da esquerda, vazia (...). Na da direita, (...) havia uma fila de senhoras (...). (...)
No recinto cm declive, entre a tribuna e a pista, havia só homens (...), pareciam emba-
S raçados e quase arrependidos do seu chique. (...)
(E) agora uma massa tumultuosa de chapéus altos, de fatos claros, empurrando-se
contra as escadas da tribuna real (...). Os amigos do jóquei puxavam-no, queriam que
ele fizesse um protesto. Mas ele batia o pé, trémulo, lívido, gritando que nào se impor
tava nada com protestos! Perdera a corrida por uma pouca-vergonha! (...) Porque o que
1 havia naquele hipódromo era compadricc e ladroeira! (...)
Alguns tomavam o partido do jóquei; já aos lados outras questões surgiam, desa
bridas. (T)ratavam-se funosamente de «pulhas» (...). De repente o vozeirão do Vargas
dominou tudo, como um urro de toiro. Diante do jóquei, sem chapéu, com a face
a estoirar de sangue, gritava-lhe que era indigno de estar ah, entre gente decente.
S (E) imediatamente aquela massa de gente oscilou, embateu contra o tabuado da tribuna
real, remoinhou em tumulto, com vozes de «ordem» e «morra», chapéus pelo ar, baques
surdos de murros (...) c um sopro grosseiro de desordem reles passava sobre o hipódro
mo, desmanchando a linha postiça de civilização e atitude forçada de decoro...
Eça de Queirós, op. cit., pp. 313-330
164
PRÁTICA
2. É por meio de personagens como o Vargas que ganha forma a técnica queirosiana de
reprodução do discurso no discurso. Prove a verdade desta afirmação, transcrevendo a
respetiva sequência e explicando-a por palavras suas.
3. Selecione a opção correta para cada uma das sequências sobre recursos expressivos.
3.1 «De repente o vozeirão do Vargas dominou tudo, como um urro de toiro* (linhas 32-33).
a) Sinestesia. c) Anástrofe.
b) Comparação. d) Personificação.
3.2 «com a face a estoirar de sangue* (linhas 33-34).
a) Paradoxo. c)Eufemismo.
b) Hipérbole. d) Metáfora.
3.3 «- Tudo isto está arranjado com decência - murmurou Craft.* (linha 21).
a) Comparação. c) Ironia.
b) Hipérbato. d) Sarcasmo.
3.4 «(...) um sopro grosseiro de desordem reles passava sobre o hipódromo, desman
chando a linha postiça de civilização* (linhas 37-38).
a) Aliteração. c) Anáfora.
b) Metáfora. d) S inestesia.
4. Explique como se destacam Afonso da Maia. Carlos e Craft em relação a estas Corridas de
Cavalos. Justifique a sua resposta, de acordo com a leitura integral de Os Motas.
165
Leia atentamente o seguinte excerto e responda às questdes.
Capítulo XVII
Defronte do Ramalhete os candeeiros ainda ardiam. Abriu de leve a porta. Pé ante
pé, subiu as escadas ensurdecidas pelo veludo cor de cereja. No patamar tateava, pro
curava a vela, quando, através do reposteiro entreaberto, avistou uma claridade que
se movia no fundo do quarto. Nervoso, recuou, parou no recanto. O clarão chegava,
crescendo; passos lentos, pesados, pisavam surdamente o tapete; a luz surgiu — c com
ela o avó em mangas de camisa, lívido, mudo, grande, espectral. Carlos nào se moveu,
sufocado; c os dois olhos do velho, vermelhos, esgazeados, cheios de horror, caíram
sobre ele, ficaram sobre ele, varando-o até às profundidades da alma, lendo lá o seu
segredo. Depois, sem uma palavra, com a cabeça branca a tremer, Afonso atravessou o
patamar, onde a luz sobre o veludo espalhava um tom de sangue — e os seus passos per
deram-se no interior da casa, lentos, abafados, cada vez mais sumidos, como se fossem
os derradeiros que devesse dar na vida!
Carlos entrou no quarto às escuras, tropeçou num sofá. E ah se deixou cair, com
a cabeça enterrada nos braços, sem pensar, sem sentir, vendo o velho lívido passar,
repassar diante dele como um longo fantasma, com a luz avermelhada na mão. Pouco a
pouco toi-o tomando um cansaço, uma inércia, uma infinita lassidão da vontade, onde
um desejo apenas transparecia, se alongava — o desejo de interminavelmente repousar
algures numa grande mudez e numa grande treva... (...)
Um rumor, o chilrear de um pássaro na janela, fez-lhe sentir o sol e o dia. Ergueu-se,
despiu-se muito devagar, numa imensa moleza. E mergulhou na cama, enterrou a cabe
ça no travesseiro para recair na doçura daquela inércia, que era um antegosto da morte,
e nào sentir mais nas horas que lhe restavam nenhuma luz, nenhuma coisa da Terra.
O Sol ia alto, um barulho passou, o Baptista rompeu pelo quarto:
— O Sr. D. Carlos, ó meu menino! O avó achou-se mal no jardim, nào dá acordo!...
Carlos pulou do leito, enfiando um paletó que agarrara. (...)
— Ao fundo, ao pé da cascata, Sr. D. Carlos, na mesa de pedra!...
Afonso da Maia lá estava, nesse recanto do quintal, sob os ramos do cedro, sentado
no banco de cortiça, tombado por sobre a tosca mesa, com a tace caída entre os braços.
O chapéu desabado rolara para o chào; nas costas, com a gola erguida, conservava o seu
velho capote azul. Em volta, nas folhas das camélias, nas áleas arcadas, refulgia, cor de
ouro, o sol fino de inverno. Por entre as conchas da cascata, o fio de água punha o seu
choro lento. (...)
Outra vez lhe palpava o coraçào... Mas estava morto. Estava morto, já frio, aquele
corpo que, mais velho que o século, resistira tào formidavelmente, como um grande
roble, aos anos c aos vendavais. Ah morrera solitariamente, já o Sol ia alto, naquela tosca
mesa de pedra onde deixara pender a cabeça cansada. (...)
Carlos beijou a mão fria que pendia. E, devagar, com os beiços a tremer, levantou o
avó pelos ombros carinhosamente. Baptista correra a ajudar; Ega, embaraçado no seu
largo roupão, segurava os pés do velho. Através do jardim, do terraço cheio de sol, do
0 escritório onde a sua poltrona esperava diante do lume aceso, foram-no transportando
num silencio só quebrado pelos passos dos criados, que cornam a abrir as portas, acu
diam quando Carlos, na sua perturbação, ou o Ega, fraquejavam sob o peso do grande
corpo. (...)
— E passado isso, vou viajar... Vou à América, vou ao Japão, vou fazer esta coisa estú-
6 pida e sempre eficaz que se chama «distrair»...
Eça de Queirós, op. cit., pp. 676-687
1. No início do excerto, vemos Carlos a entrar no Ramalhete «Pé ante pé», como que às
escondidas. Explique o local de onde ele vem e o motivo que o leva a entrar assim.
2. Esclareça o sentido da gradação presente em -«lívido, mudo, grande, espectral» (linha 6).
6. Tendo em conta a leitura integral de Os Maios, caracterize o papel de Ega na vida familiar
de Carlos e. especificamente, neste momento da açào.
7. De acordo com o último parágrafo do excerto, explique, fazendo uso da leitura integral
do romance, a representação do sentimento e da paixào no protagonista Carlos da Maia.
167
NEMUII EXAME NACIINAL
• A Ilustre Coso de Ramires é um romance de Eça Queirós, publicado em 1900, já depois da sua morte.
• A técnica narrativa revela uma escrita queirosiana mais madura graças, entre outros, ao hábil encaixe e
paralelismo dos dois planos ou ações narrativas - o romance completo e a novela incorporada. Assim, os
planos revelam um contraste entre os valores medievais (dos Ramires do século XIII), gloriosos, corajo
sos e honrosos e o comportamento de Gonçalo Mendes Ramires, fidalgo fraco, cobarde e inconstante na
defesa dos valores da verdadeira fidalguia.
• Neste romance, e seguindo o contraste referido, vemos uma apresentação crítica da sociedade portu
guesa de finais do século XIX. em que se nota um olhar mais abrangente e experiente sobre um Portugal
de contradições e a precisar de uma renovação moral, intelectual, política e cultural.
Ação principal
Tem como protagonista o recém-licenciado de Coimbra, Gonçalo Mendes Ramires, que
decide vir habitar a antiga propriedade da família Ramires (anterior à Monarquia Portu
guesa), designada Quinta de Santa Ireneia. Passa a ser conhecido como «o Fidalgo da Torre»
por nessa propriedade existir uma velha Torre, símbolo de um passado português glorioso.
Decorrendo os anos 70 do século XIX, o leitor percorrerá todos os episódios, movimenta
ções físicas e psicológicas de Gonçalo e daquelas personagens com quem ele se relaciona.
Na ação principal, compreendemos o enredo, as personagens, os espaços, os tempos e a
intervenção do narrador. Se a ação começa com o fim da formatura de Gonçalo Ramires,
depois do desenvolvimento, a mesma termina com a eleição de Gonçalo como deputado e
a sua aclamação em Lisboa, à qual se junta o sucesso da publicação da sua novela histórica,
Torre de D. Ramires.
Novela histórica
169
nktkiês u? ani
TEORIA
A ação da novela passa-se no século XIII, no tempo das contendas entre D. Afonso II e suas
irmãs, a propósito da sucessão ao seu pai, D. Sancho 1.0 espaço é sensivelmente o mesmo,
com itinerários de fuga para combate não frequentados habitualmente por Gonçalo Ramires.
A estes espaços. Gonçalo (e as personagens da novela) associa feitos heroicos, sendo,
portanto, símbolo de glória e força passadas aliadas ao patriotismo.
Além destes espaços físicos, há os sociais (jantares e serões na aldeia) e os psicológicos
(sobretudo, os sonhos noturnos de Gonçalo, assim como as suas reflexões).
169
NEMUII EXAME NACIINAL
l70i
ramxiÊs u? ani
TEORIA
Personagens da novela:
• Tructesindo Ramires: velho patrono da fidalga família Ramires. anterior à coroa, que só
seria iniciada com D. Afonso Henriques; escrupuloso fidalgo, que vê na vingança contra
Lopo de Baião {que lhe assassinou o filho. Lourenço) uma obrigação para preservar a
honra dos Ramires, o que o leva a ser crudelíssimo no assassinato do «Bastardo» com
sanguessugas; Ramires é fiel adepto e protetor da Infanta D.Sancha (filha de D.Sancho I).
(cont.) • filho, Lourenço, e a filha. Violante (menina que Tructesindo não deixou casar-se com
Lopo de Baião).
Esta sociedade é espelho das relações de família, sociais e políticas, o que se estende a
todo Portugal:
• A decadência da nobreza:
-constante tentativa de manter propriedades e estatuto social, mas com cobranças
exageradas aos rendeiros;
- o recurso a hipotecas;
- o arrendamento das quintas: Gonçalo arrenda os terrenos da sua quinta ao Pereira da
Riosa, faltando à palavra que tinha dado a José Casco - movido pela ganância e o lucro
e mostrando falta de respeito para com o povo honesto;
- falta de escrúpulos e coragem para enfrentar inimigos: Gonçalo e o «latagão» desa
fiador - cobardia contrária a um fidalgo;
- objetivo de ascender socialmente a qualquer custo: ora pela escrita da novela sobre os
0 microcosmos antepassados Ramires, ora pela subida ao cargo político de administrador de Vila Clara;
da aldeia como
• A nobreza riquíssima, mas sem cultura nem elegância: o exemplo de Barrolo e o seu palacete;
representação
de uma • A sociedade corrupta, que pretende apenas empoleirar-se em cargos políticos,
sociedade movendo influências em Lisboa;
em mutação • adultério: Gracinha e André Cavaleiro;
• Os casamentos por interesse: Maria Mendonça sugere a Gonçalo o casamento com a
viúva do antigo conselheiro Sanches Lucena, D. Ana Lucena;
• medo e a inconstância de Gonçalo Mendes Ramires por não saber o que quer da vida,
permanecer no sossego da Torre, ser político, estar em Portugal ou viajar para África
para ganhar dinheiro;
• 0 destino, que leva Gonçalo a detestar a vida política, depois de ser eleito; a sua ida
para África; a sova de chicote, a cavalo, a Ernesto de Nacejas;
• 0 plágio de Gonçalo ao «poemeto» do seu tio Duarte, «Castelo de Santa Ireneia», novo
exemplo de falta de honra e escrúpulos;
• A maledicência e mexeriquice representadas, entre outras, nas «irmãs Lousadas», cus-
cas e sabedoras de toda a vida íntima das pessoas da aldeia e de Vila Clara, sempre
descaradas na denúncia irónica das faltas e dos podres dos seus conterrâneos.
171
NEMUII EXAME NACIINAL
• Gonçalo, frágil, débil e inconstante, vê nos Anais a única maneira de ascender socialmente
e à política;
• Narrador da ação principal conta a vizinhança entre os Ramires e os Cavaleiro, a paixão
de André e Gracinha (de 16 anos), os amores prometidos, o abandono de André, primeiro
para Coimbra; depois da formatura, para Lisboa, Sintra. Bragança e agora de volta a Oli
veira como governador do distrito, dois anos depois de Gracinha se ter casado com José
Barrolo, «o Bacoco», fidalgo rico de Amarante;
Capitulo II •Após a morte do pai de Gonçalo, Vicente Ramires, «o Fidalgo da Torre» estudou todas
as propriedades da família, sendo as mais conhecidas as quintas de Treixedo e de Santa
Ireneia, onde ele mesmo vive e onde se encontra a Torre;
• Os sonhos de Gonçalo com os inimigos e os antepassados Ramires;
• 0 início da ação da Novela - Ponto 1: D. Sancho 1 pedira a seu alferes-mor e cavaleiro. Truc-
tesindo Mendes Ramires. que protegesse a sua filha predileta. Sancha. irmã do futuro
D.Afonsoll.ComoasfilhaseosrestantesfilhosdiscordassemdodireitoàcoroaporAfonso(ll),
pediram ajuda a castelhanos. Porém, Tructesindo, fiel à sua promessa, protege as irmãs.
172
nktkiês u? ani
TEORIA
• Continuação da ação da Novela - Ponto 2: D. Afonso II envia Mendo Pais a casa de Tructe
sindo. pedindo-lhe para dissuadir as irmãs desta luta por terras da coroa e convencendo-
Capítulo III
-as a tomar o partido do rei D. Afonso II; Tructesindo recusa;
• Reflexões de Gonçalo sobre a Torre.
• Gonçalo vai passar uns dias ao palacete dos Barrolo, em Oliveira, a propósito do aniver
sário de Gracinha;
Capítulo IV • As excelentes relações entre Gonçalo, Barrolo e Gracinha;
• Gonçalo pensa no Capítulo II da sua novela, que irá opor fatalmente Lourenço Ramires a
Lopo de Baião.
173
NEMUII EXAME NACIINAL
•José Casco vem pedir perdão a Gonçalo e eterna servidão para o que «o Fidalgo» precisar;
• Gonçalo reflete sobre o capítulo III da sua novela, que está «encalhado»;
• Gonçalo começa a sua conquista de popularidade pelas redondezas para ganhar votos;
Capítulo VII •A prima Maria Mendonça, no sentido de casar Gonçalo com a viúva de Sanches Lucena,
D. Ana. convída-o, por carta, a visitar os túmulos dos seus antepassados Ramires em
Santa Maria de Craquede;
•Encontro entre os três; Gonçalo inventa histórias e lendas dos Ramires para as duas
senhoras e não desgosta de Ana.
•Nova carta de Castanheiro a anunciar que, se não receber até outubro 3 capítulos da
novela, não a publicará;
• Ação da Novela - Ponto 6:
-o pedido de troca de Lopo de Baião a Tructesindo: o casamento de Lopo e a filha de
Ramires, Violante. em troca da restituição de Lourenço Ramires vivo;
-Tructesindo não aceita e «o Bastardo» desfere umgolpe de punhal na garganta do jovem
Lourenço Ramires. que morre imediatamente;
Capítulo VIII
-Tructesindo jura vingança, pedindo ao primo Garcia Viegas que cuide do cadáver
enquanto ele irá vingar a alma do filho;
• Gonçalo passa pelo Largo del-Rei (lugar onde está o palacete de Barrolo e Gracinha) e vai
ter com ela, de surpresa, ao mirante - quando chega, vê-a a namorar às escondidas com
André Cavaleiro e sente vergonha, como bom exemplar dos Ramires, pois foi ele que esti
mulou esta reaproximação por causa dos interesses políticos. Apanha uma carruagem e
foge para sua casa.
• Gonçalo considera casar com D. Ana. mas cedo se arrepende, quando «Titó» o informa de
que ela «teve um amante», ou mais, e não podia deixar o amigo fazer tal disparate;
Capítulo IX • Ação da Novela: Ponto 7:
- o capítulo IV: Tructesindo e Garcia Viegas perseguem Lopo de Baião, mas anoitece e per
noitam na rica propriedade de D. Pedro de Castro.
174
nktkiês u? ani
TEORIA
• Gonçalo reflete sobre a sua «falha». o medo, e sonha com os seus antepassados mortos,
que o encorajam a ser corajoso e forte como eles;
• Confronto entre Gonçalo e Ernesto de Nacejas. Toda a Oliveira sabe do sucedido e os jor
nais do Porto (Gazeta do Porto) e de Lisboa (Sécu/o) comentam o episódio e louvam Gon
çalo Ramires. que ganha popularidade e votos;
•As irmãs Lousadas enviam a Barrolo uma carta sobre os amores de Gracinha com Cava
leiro; Gonçalo desvaloriza e tudo fica bem;
Capítulo X • Ação da Novela - Ponto 8:
-Tructesindo e Garcia Viegas pernoitam na propriedade de D. Pedro de Castro e aí pla
neiam a emboscada ao Bastardo Lopo de Baião;
• Gonçalo recusa o piquenique com a prima Maria Mendonça e D. Ana Lucena;
• Ação da Novela - Ponto 9:
- 0 último capítulo; a emboscada a Lopo de Baião e a sua morte lenta, num charco cheio de
sanguessugas que lhe chupam o sangue até à morte, lenta, dolorosa e horrível, assistida
pelas hostes de Tructesindo e D. Pedro de Castro.
175
1. Leia atentamente as seguintes afirmações e classifique-as como V (Verdadeira) ou
F (Falsa), corrigindo as falsas.
a) J Em A Ilustre Coso de Ramires. Gonçalo representa a Casa dos Ramires.
d) Gonçalo decide escrever a sua novela para ressuscitar a velha glória dos Ramires
e para se impor no país pelas Letras.
g) Na novela, depois de pedir a mão de Violante Ramires a seu pai, em troca de Louren-
ço Ramires, agora tornado cativo, «o Bastardo» de Baião. perante a recusa do velho
Ramires. mata Lourenço, o que desencadeia uma guerra imediata entre os dois.
h) A novela termina com a vingança de Armelindo Ramires sobre Lopo de Baião, com
a morte deste no charco povoado de sanguessugas que lhe chupam o sangue até
à morte.
i) Depois de ser eleito deputado, Gonçalo vai para a Torre meditar sobre esta glória
vã de ser grande na política, o que o faz sentir confuso.
j) Enquanto Gonçalo viaja com o criado Bento para África, André Cavaleiro viaja para
Constantinopla/Ásia Menor.
Ic) João Gouveia manifesta, no último capítulo, o seu pensamento colonial: expandir o
poder de Portugal sobre os africanos, dominando-os brutalmente.
175
A Ilustre Casa de Ramires, Eça de Queirós
FICHA G2 PRÁTICA
Capítulo I
«— E você em três meses ressuscita uni mundo. Serio, Gonçalo Mendes!... E uni
dever, uni santo dever, sobretudo para os novos, colaborar nos /Imíiís. Portugal, menino,
morre por falta de sentimento nacional! Nós estamos imundamente morrendo do mal
de nào ser Portugueses! (...)
Assim, vocês! Por essa H ístóna de Portugal tora, vocês sào uma enfiada de Ramires
de toda a beleza. (...) E os outros Ramires, o de Silves, o de Aljubarrota, os de Arzila,
z
os da India! (...) E um fidalgo, o maior fidalgo de Portugal, que, para mostrar a heroi
cidade da Pátria, abre simplesmente, sem sair do seu solar, os arquivos da sua Casa, velha
de mais de mil anos. E de rachar!... E você nào precisa fazer um grosso romance...» (...)
ll O Fidalgo da Torre recolheu para o Bragança, impressionado, ruminando a ideia
do Patriota. (...) Seu tio Duarte, irmão de sua mãe (uma senhora de Guimarães, [...])
(...), de 1845 a 1850, (...) publicara no Bardo, semanário de Guimarães, um poemeto
cm verso solto, o Castelo de Santa Iretieia. (...) Esse castelo era o seu, o paço antiquíssimo
de que restava a negra torre entre os limoeiros da horta. E o poemeto cantava, com
15 romântico garbo, um lance de altivez feudal cm que se sublimara Tructcsmdo Ramires,
alferes-mor de Sancho I, durante as contendas de Afonso II c das senhoras infantas. (...)
Na realidade só lhe restava transpor as fórmulas fluidas do Romantismo de 1846 para
a sua prosa tersa c máscula (como confessava o Castanheiro), de ótima cor arcaica (...)
E era um plágio? Nào! A quem, com mais seguro direito do que a ele, Ramires,
3 pertencia a memória dos Ramires históricos?
Capítulo XI
[Na noite da eleição de Gonçalo (corno deputado por Vila Clara), «o Fidalgo»
sobe à Torre]:
(...) Gonçalo, erguendo a gola do paletó na aragem mais fina, teve a dilatada sen
sação de dominar toda a província, c de possuir sobre ela uma supremacia paternal, só
pela soberana altura c velhice da sua Torre, mais que a província c que o Reino. (...)
Era pois popular! Por todas essas aldeias, estendidas à sombra longa da Torre, o Fidalgo
5 da Torre era pois popular! E esta certeza nào o penetrava de alegria, nem de orgulho —
antes o enchia agora, naquela serenidade da noite, de confusão, de arrependimento! Ah!
se adivinhasse — se ele adivinhasse!... (...)
O dia de triunfo findava, breve como os luminares c os foguetes. — E Gonçalo, para
do, rente do miradouro, considerava agora o valor desse triunfo por que tanto almejara,
ll por que tanto sabujara. Deputado! Deputado por Vila-Clara, como o Sanches Luccna.
E ante esse resultado, tào miúdo, tão trivial, — todo o seu estorço tào desesperado, tào
sem escrúpulos, lhe parecia ainda menos imoral que risível. Deputado! Para quê? (...).
Ah! que peca, desinteressante vida, cm comparação de outras cheias c soberbas vidas,
que tào magmficamente palpitavam sobre o tremeluzir dessas mesmas estrelas!
Eça de Queirós, .d Ilustre Casa dc Ramires,
Lisboa, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2014, pp. 48-50 e 52
177
1. Da leitura do conteúdo do primeiro excerto, explique a divisão da obra A Ilustre Casa de
Ram ires em duas ações.
1.2 Explique de que modo as duas ações revelam a complexidade do tempo e do espaço.
4. Explique por que motivo a ascensão política de Gonçalo e os seus sentimentos depois de
vencedor são um exemplo de como este microcosmos representa a sociedade em mutação.
178
FICHA G3
Capítulo XII
Quatro anos passaram ligeiros c leves sobre a velha Torre, como voos de ave. (...)
Com efeito a Torre, entre a alvoroçada alegria de todos, enfeitava a sua velhice —
J*
porque no domingo, depois dos seus quatro anos de África, Gonçalo regressava à Torre.
E Gracinha, estendida no canapé com o seu velho avental branco, sorrindo pensati-
5 vamente para a quinta silenciosa, para o céu todo corado sobre Valverde, recordava esses
quatro anos, desde a manhã cm que abraçara Gonçalo, sufocada c a tremer, no beliche
do Portugal... Quatro anos! Assim passados, e nada mudara no mundo, no seu curto
mundo de entre os Cunhais e a Torre, e a vida rolara, e tào sem história como rola um
rio lento numa solidão: — Gonçalo na África, na vaga África, mandando raras cartas,
■ mas alegres, c com um entusiasmo de fundador de Império; ela nos Cunhais, e o seu
Barrolo, num tào quieto e costumado viver, que eram quase de agitação os jantares em
que reuniam os Mendonças, os Marges, o coronel do 7, outros amigos, c à noite na sala
se abriam duas mesas de pano verde para o voltarctc c para o boston.
E neste manso correr de vida se desfizera mansamente, quase insensivelmente, a
15 sombria tormenta do seu coração. (...) A sucessão das coisas rolara, como o vento às
lufadas num campo, c ela rolara, levada com a inércia duma folha seca. (...)
— Peço desculpa da invasão, prima Graça. (...)
— Oh! gosto imenso, primo António. (...) E o sr. Gouveia, como tem passado? Nào
o vejo desde a Páscoa.
3 O administrador, que nào mudara nesses quatro anos, escuro, seco, como feito de
madeira, sempre esticado na sobrecasaca preta, apenas com o bigode mais amarelado do
cigarro, agradeceu à sr.’ D. Graça... E passara menos mal, desde a Páscoa. A nào ser a
desavergonhada da garganta...
Eça de Queirós, op. ãt., pp. 361, 362 e 365
3. Explicite de que forma este excerto é uma prova da complexidade do tempo e da sua
influência no espaço.
175
NEMUII EXAME NACIINAL
Vida e obra
• 1842 (18 de abril): Antero Tarquínio de Quental nasce em Ponta Delgada.
• 1858-1866: cursa Direito em Coimbra, sendo revolucionário e «guia» intelectual de toda a Geração de 70.
• 1861: publica os primeiros sonetos: Sonetos de Antero.
• 1865: publica as Odes Modernas; inicia a Questão Coimbrã, que opõe os jovens da Geração de 70 aos
ultrarromânticos seguidores de António Feliciano de Castilho.
• 1866: muda-se para Lisboa; trabalha como tipógrafo.
• 1867: vai viver para Paris.
• 1868: funda o Cenáculo com figuras como Eça de O.ueirós.
• 1869: funda o jornal A República com Oliveira Martins.
• 1873: herda uma fortuna, que lhe dá certo desafogo económico.
• 1879 e 1881: muda-se para o Porto e, depois, para Vila do Conde, por razões de saúde.
• 1886: publica Sonetos Completos, obra prefaciada por Oliveira Martins.
• 1891 (maio a setembro): muda-se para casa da irmã, em Lisboa; um mês depois, regressa a Ponta Delgada
e, a 11 de setembro, suicida-se num banco de jardim.
• 0 Ideal é sempre algo Perfeito, Absoluto, Eterno, é o seu «Palácio da Ventura», o Inatin
gível (daí a frustração/angústia existencial);
• As religiões não lhe chegam porque Deus, que conhece, não assume para Antero essa
Configurações
Perfeição, esse Absoluto, que é o não-sentir, o não-pensar, o Bem imaterial;
do Ideal
• Tipos e formas de Ideal: a Beleza, o Bem, uma entidade metafísica absoluta e superior
(ainda não encontrada), o Nada supremo, a Liberdade, o Nirvana, o Amor total e abso
luto (sem dor nem materialismo), a Consciência, a Sabedoria, a Paz.
Seguindo os dois temas acima apresentados, não é de estranhar que encontremos nos
seus sonetos:
- a escolha do próprio soneto como composição clássica e espaço de apresentação dos
seus conceitos e conclusões, distribuídos entre as duas quadras e os dois tercetos;
Linguagem,
- vocabulário erudito e ao serviço da verbalização de ideias, conceitos, pensamentos e
estilo
essência do sentir;
e estrutura
-recursos expressivos, tais como apóstrofes (para presentificar entidades reais ou
ideais), metáforas (úteis a associações filosóficas e poéticas) e ainda personificações
(que ajudam à visão de entidades abstratas como potencialmente identificáveis com
seres humanos).
1S0
Leia atentamente o seguinte soneto e responda às questões.
Lutii
2. Evidencie a grande diferença entre o sujeito poético e todos os outros seres humanos.
191
4. Transcreva a sequência que prova que o sujeito do poema sofre com a consciência do mundo.
182
Sonetos Completos, Antero de Quental
■ Configurações do Ideal
PRÁTICA
Tormento do Ideai
1. Explique, por palavras suas, as configurações que Antero faz do Ideal, socorrendo-se de
exemplos textuais.
193
NEMUII EXAME NACIINAL
Vida e obra
• 1855 (25 de fevereiro): nasce José Joaquim Cesário Verde, em Lisboa.
• 1873: matricula-se num curso de Letras, que não termina. Conhece Silva
Pinto e publica poemas em jornais, enquanto trabalha com o pai.
• 1877: começam os sintomas de tuberculose, doença da qual haviam morrido
dois irmãos.
«1886 (19 de julho): morre, em Lisboa, aos 31 anos.
• 1887: Silva Pinto organiza 0 Livro de Cesário Verde, que é publicado em 1901. Columbano Bordalo Pinheiro,
Retrato de Cesário Verde. 1887
à medida que vai caminhando de sua casa até à loja onde trabalha com o seu pai, Cesá
Deambulação rio Verde vai registando no seu olhar tudo quanto vê (lugares, pessoas, sensações). Por
e imaginação: vezes, passa da realidade que vê àquilo que ela lhe lembra e, então, vamos para o plano
o observador da imaginação. Prova desse plano imaginativo é o conjunto de verbos que o transportam
acidental do visível para o imaginário, como, por exemplo: «embrenho-me», «sigo», «E eu recompu
nha, por anatomia. / Um novo corpo orgânico», «E evoco, então, as crónicas medievais».
É pelos seus cinco sentidos que o poeta regista em verso tudo quanto absorve, enquanto
Perceção
caminha. Juntando às sensações um toque de imaginação poética e de pintor. Cesário
sensorial
transforma mentalmente vegetais e frutos (entre outros) em partes do corpo humano.
etransfiguração
«Subitamente - que visão de artista! - / Se eu transformasse os simples vegetais (...)/
poética do real
Num ser humano que se mova e exista».
184
Leia atentamente o seguinte poema e responda às questdes.
105
Vazam-se os arsenais c as oficinas20;
Kcluz, viscoso, o no, apressam-se as obreiras;
S E num cardume negro, hercúleas21, galhofeiras,
Correndo com firmeza, assomam as varinas22.
Coluna A Coluna B
186
0 Livro de
FICHA 67
Como c saudável ter o seu conchego, As azeitonas, que nos dào o azeite,
E a sua vida fácil! Eu descia, Negras e unidas, entre verdes folhos,
Sem muita pressa, para o meu emprego. Sào tranças dum cabelo, que se ajeite;
Aonde agora quase sempre chego E os nabos — ossos nus, da cor do leite,
5 Com as tonturas d'um a apoplexia. S E os cachos d’uvas — os rosários de olhos.
187
1. Mostre como este é outro dos poemas em que testemunhamos a deambulação e a imagi
nação deste observador acidental socorrendo-se de transcrições textuais.
wa
Leia atentamente o seguinte poema e responda às questdes.
De tarde
1, Mostre como neste poema o sujeito poético nos revela a sua perceção sensorial e trans
figuração do real.
2. Explique de que modo é que este poema contrasta com a representação da cidade e dos
tipos sociais que o sujeito poético normalmente observa, enquanto vai deambulando.
3. Selecione:
199
Leia atentamente o seguinte poema e responda às questões.
Cristalizações
Faz trio. Mas, depois d uns dias de aguaceiros, Bom tempo. E os rapagões, morosos, duros, baços,
Vibra unia imensa claridade crua. Cuja coluna nunca se endireita,
De cócoras, cm linha os calcctciros, Partem penedos. Voam-lhe estilhaços.
Com lentidão, terrosos ou grosseiros, Pesam cnormcmcntc os grossos maços,
í Calçam de lado a lado a longa rua. 3 Com que outros batem a calçada feita.
190
TEORIA
PRÁTICA
NEMUII EXAME NACIINAL
Vida e obra
• 1888 (13 de junho): nasce Fernando António
Nogueira Pessoa, em Lisboa. Filho de pais aristo
cratas, sendo o pai lisboeta (funcionário público
do Ministério da Justiça) e a mãe açoriana (Ilha
Terceira).
■ Infância e adolescência: o pai morre de tubercu
lose, quando Pessoa tinha 5 anos; o irmão Jorge
falece bebé no ano seguinte.
• 1895: a mãe volta a casar, agora com um coman
dante.
• 1896: Pessoa e a mãe embarcam para Durban
(África do Sul), onde ele completa os estudos
numa escola irlandesa de freiras, não em quatro,
mas em apenas dois anos;
• 1899-1902: completa os estudos secundários num
liceu de Durban; é distinguido como um dos melho
res alunos e escreve os seus primeiros poemas em
inglês com 13 anos; nesse período de tempo vê
falecer a irmã.
• 1901: Pessoa regressa para férias com a família a
Portugal e vai-se isolando cada vez mais dos seus
meios-irmãos, da sua mãe e do seu padrasto.
• 1905: regressa definitivamente a Portugal, desta
vez sozinho, para viver com uma avó e duas tias.
• 1906: ingressa no Curso Superior de Letras, mas
não o termina.
• 1906: contacta com escritores e intelectuais e
estuda a obra de Cesário Verde e Padre António Júlio Pomar, Fernando Pessoa 19BB
Vieira.
• 1908: aluga um quarto por conta própria e trabalha como tradutor de correspondência comercial, profis
são que mantém toda a vida; inicia a sua vida pública e frequenta tertúlias literárias no café A Brasileira,
no Chiado (Lisboa).
• 1920: passa a frequentar outro café, Martinho da Arcada, na Praça do Comércio, onde participa em novas
tertúlias.
• 1915: Pes _>oa participa na revista literária Orpheu, representante do Modernismo em Portugal e objeto
de muita polémica. Nesta revista, que só teve 2 números. Pessoa publica poemas ortónimos e poemas de
Álvaro de Campos; no número 2 de Orpheu. Pessoa assume a direção da revista, em parceria com Mário
de Sá-Carneiro.
• 1924: Pessoa junta-se ao artista Ruy Vaz e ambos publicam uma nova revista, Atheno, onde saem poemas
escritos pelo ortónimo e dos seus heterónimos, Alberto Caeiro. Ricardo Reis e Álvaro de Campos.
• Pessoa dedicou toda a sua vida à escrita.o que aparece resumido em Livro do Desassossego, dosemi-he-
terónimo Bernardo Soares - «a minha pátria é a língua portuguesa*.
• 1935 (30 de novembro): morre Fernando Pessoa, vítima de doença hepática; é sepultado no Cemitério
dos Prazeres.
*1988: no centenário do seu nascimento, o corpo de Fernando Pessoa foi trasladado para o Mosteiro dos
Jerónimos, numa homenagem póstuma meritória.
192
nktkiês u? ani
TEORIA
CONTEXTUALIZAÇÀO HISTÓRICO-LITERÁRIA
193
PIEMUII EXAME NACIINAL
C
0 ortónimo escreve de acordo com o seguinte processo: sente (sentimento, coração), pensa sobre o
c a
que sentiu (pensamento, razão, «fingimento» - que não é mentira, mas intelectualização e transfor
mação mental do que sentiu) e, só no final, escreve. Portanto, o que está escrito não é o resultado de
uma sensação pura, mas de uma Já transformada pelo pensamento.
o
Esta «dor de pensar» nada mais é do que o sofrimento que o poeta adulto sente por ter uso da razão
o “ e da consciência. Ora, tal consciência dá-lhe a visão do que é negativo e aflitivo/sofrível na vida
< Q- humana. Por isso mesmo, deseja não pensar e manter a inconsciência de uma criança, de uma pessoa
■o inculta, de um não-poeta. de um gato, entre outros.
-S Estes dois mundos são sempre apresentados ao leitor (porque sentidos assim pelo poeta) em con-
■c traste/oposição. 0 «sonho» é. regra geral, conotado com Ideal, Liberdade, Perfeição, Plenitude. A
■ realidade é o factual, o inevitável, o quotidiano físico em que vive o poeta e que lhe causa frustração,
0 sofrimento e desequilíbrio.
• • A infância é um período de vida recheado de momentos felizes, plenos e maravilhosos. Porém, sendo
— c trazida por um som, uma visão ou sensação, a referida infância vem intensificar o contraste entre um
tí £ passado longínquo e um presente (idade adulta), tão próximo do poeta quanto fonte de problemas. Por
c conseguinte, ao recordar esse passado infantil, o poeta evoca espaços, pessoas e vivências que hoje,
■* para sua tristeza e imensa saudade, são apenas memórias, não factos.
A escrita de Pessoa ortónimo integra os temas acima apresentados, recorrendo frequentemente a for
mas da lírica tradicional (quadras e quintilhas em redondilha menor e maior), a um vocabulário e constru
ção sintática simples c a um conjunto de recursos expressivos típicos do seu estilo:
- Antítese: «Sinto mais longe o passado./Sinto a saudade mais perto» («Ó sino da minha aldeia»);
- Antítese: «Dizem que finjo ou minto / Tudo que escrevo. Não. / Eu simplesmente sinto / Com a
imaginação. / Não uso o coração.» («Isto»);
-Antítese, apóstrofe: «0 que em mim sente'stá pensando. (...)/Ah. poder ser tu, sendo eu!/Ter a
tua alegre inconsciência, / E a consciência disso! Ó céu!» («Ela canta, pobre ceifeira»);
- Metáfora: «Se p'ra minha alma volvo um quase-olhar / Não me vejo onde estou.» («Ascensão»);
- Anáfora: * Nem realidade para além dos bastidores / Nem realidade real em quem vê» («Ah, viver
em cenário e ficção!»)
- Metáfora: «Chegou onde hoje habito/A casa que hoje sou.» («Entre o sono e o sonho»);
- Personificação: «Ao longe, ao luar. / No rio uma vela. / Serena a passar. / Que é que me revela? //
Não sei, mas meu ser /Tornou-se-me estranho, / E eu sonho sem ver /Os sonhos que tenho.// O.ue
angústia me enlaça?» («Ao longe, ao luar»);
- Anáfora, antítese: «Não sei se é sonho, se realidade, / Se
uma mistura de sonho e vida »(«Não sei se é sonho, se rea
lidade»);
- Enumeração e metáfora: «Antigamente falava / De fadas,
elfos e gnomos: / Hoje fala só da escrava/ Indecisão que
nós somos.» («A lenda dourada e linda»);
- Enumeração,gradação,antítese:»Aciência,aciéncia,aciên-
cia.../Ah.comotudoénuloevào!/Apobrezadainteligência/
Ante a riqueza da emoção!» («A ciência, a ciência, a ciên
cia»)
- Interrogação retórica: «E eu era feliz?» («Pobre velha
música!*).2
2Todas as citações acima seguem a ediçàD: Fernando Pessaa, PoesiodoEu António Dacosta. Sonfio de Fernando
(ed.de Ricardo Zenith), Lisboa. Assírio & Alvim.2014. Pessoa debaixo de uma Latada
numa Tarde de Veròo, 19B2-83
194
Poesia do ortónlmo, Fernando Pessoa
• O fingimento artístico
PRÁTICA
.4 u tops i cograjt a
O poeta c um fingidor.
Finge tào completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
195
4. Indique de quantas«dores» trata, afinal, este poema, justificando a sua resposta.
5. Explique por que motivo encontramos, neste poema, a dicotomia coração/razâo. tendo
em conta a última estrofe.
5.1 De acordo com a mesma estrofe, indique quem dá essa «corda* ao «combolo»/«co-
raçâo».
7. Indique o recurso expressivo presente nos versos «Não as duas que ele teve, / Mas só a
que eles não têm*, referindo-se ao seu valor.
196
Leia o poema que se segue e responda às questdes.
5 Ondula como um canto de ave Ah, poder ser tu, sendo eu!
No ar limpo como um limiar, Ter a tua alegre inconsciência,
E há curvas no enredo suave E a consciência disso! O céu!
Do som que ela tem a cantar. 3 O campo! ó canção! A ciência
1. Caracterize a «ceifeira* e a Natureza que a rodeia, justificando a sua resposta com ele
mentos textuais.
5. Explique, por palavras suas, e de acordo com este poema, o conceito pessoano de «dor de
pensar*.
197
Leia atentamente o poema e responda às questões.
19&
Leia atentamente o poema e responda às questões.
1. Explicite de que forma a música tem aqui um papel diferente do que é exposto no poema
sobre a ceifeira.
4. Explique, socorrendo-se das suas próprias palavras, as reações que esse «sino» cria no
sujeito poético.
199
NEMUII EXAME NACIINAL
Bernardo Soares olha para a realidade lisboeta e para as pessoas, sonhando a partir dela ou
imaginando o seu passado povoado de entidades e referentes típicos da cidade.
Todas as pessoas e coisas que vê, todas as reflexões que faz e pedaços de visões que imagina
5 existem porque Soares contacta com elas no dia a dia da sociedade lisboeta dos princípios do
5 século XX.
1 Todas as citações seguem a edição Bernardo Soares, Livro do Desassossego [ed. de Ricardo Zénith), Lisboa, Assírio ã Alvim, 2015.
ZOO
TEORIA
poética do real
transfiguração
Percaçào » Tal como Cesário Verde fazia [por exemplo, em «Num bairro moderno»], assim também Ber
nardo Soares olha para as pessoas e objetos e transforma-os com o seu olhar em pedaços de
outras entidades. Assim, o visível decompõe-se em entidades imaginadas pelo autor.
Dada a natureza fragmentária da obra, pois os excertos vão tratando de assuntos vários, resul
tado das reflexões e transfigurações da realidade feitas por Bernardo Soares, podemos verifi
car os seguintes recursos expressivos:
- Paradoxo, comparação, metáfora: «Vivo uma era anterior àquela em que vivo: gozo de sen-
tir-me coevo de Cesário Verde (...). Por ali arrasto, até haver noite, uma sensação de vida
parecida com a dessas ruas. (...) Não há diferença entre mim e as ruas para o lado da Alfân
dega, salvo elas serem ruas e eu ser alma (...).»(Fragmento «Amo, pelas tardes demoradas
de verão»);
- Metáfora, anáfora, gradação: «Toda a vida é um sono. Ninguém sabe o que faz. ninguém sabe
o que quer, ninguém sabe o que sabe »(Fragmento «Quando outra virtude não haja em mim»):
- Hipérbole: «Eu nunca fiz senão sonhar. Tem sido esse, e esse apenas, o sentido daminha vida.»
(Fragmento «Eu nunca vi senão sonhar.»):
- Hipérbole: «Tudo é absurdo. (...) Vivi a vida inteira.» (Fragmento «Tudo é absurdo.»):
- Antítese, uso expressivo do advérbio: «Um lê para saber, inutilmente. Outro goza para viver,
inutilmente.» (Fragmento «Tudo é absurdo.»):
201
Leia atentamente o seguinte fragmento e responda às questões.
Amo, pelas tardes demoradas dc verão, o sossego da cidade baixa, e sobretudo aquele
sossego que o contraste acentua na parte que o dia mergulha cm mais bulício. A Rua
do Arsenal, a Rua da Alfândega, o prolongamento das ruas tristes que se alastram para
leste desde que a da Alfandega cessa, toda a linha separada dos cais quedos — tudo isso
5 me conforta dc tristeza, se me insiro, por essas tardes, na solidão do seu conjunto. Vivo
uma era anterior àquela cm que vivo; gozo dc scntir-mc coevo dc Cesário Verde, c
tenho cm mim, nào outros versos como os dele, mas a substância igual à dos versos
que foram dele. Por ah arrasto, ate haver noite, uma sensação de vida parecida com a
dessas ruas. Dc dia elas são cheias dc um bulício que nào quer dizer nada; dc noite sào
I cheias dc uma falta dc bulício que nào quer dizer nada. Eu dc dia sou nulo, c dc noite
sou cu. Nào há diferença entre mim c as ruas para o lado da Alfandega, salvo elas serem
ruas e cu ser alma, o que pode ser que nada valha ante o que é a essência das coisas. Há
um destino igual, porque c abstrato, para os homens c para as coisas — uma designação
ígualmcntc indiferente na álgebra do mistério.
II Mas há mais alguma coisa... Nessas horas lentas c vazias, sobe-me da alma à mente
uma tristeza dc todo o ser, a amargura dc tudo ser ao mesmo tempo uma sensação minha
e uma coisa externa, que nào está cm meu poder alterar. Ah, quantas vezes os meus pró
prios sonhos se mc erguem cm coisas, nào para me substituírem a realidade, mas para se
me confessarem seus pares cm cu os nào querer, cm mc surgirem de fora, como o elétrico
3 que dá a volta na curva extrema da rua, ou a voz do apregoador noturno, dc nào sei que
coisa, que se destaca, toada árabe, como um repuxo súbito, da monotonia do entardecer!
Passam casais futuros, passam os pares das costureiras, passam rapazes com pressa dc pra
zer, fumam no seu passeio de sempre os reformados dc tudo, a uma ou outra porta reparam
cm pouco os vadios parados que sào donos das lojas. Lentos, fortes c fracos, os recrutas
S sonambuhzam cm molhos ora muito ruidosos ora mais que ruidosos. Gente normal surge
dc vez cm quando. Os automóveis ah a esta hora nào sào muito frequentes; esses sào musi
cais. No meu coração há uma paz dc angústia, c o meu sossego é feito dc resignação.
Passa tudo isso, c nada dc tudo isso me diz nada, tudo é alheio ao meu destino,
alheio, até, ao destino próprio — inconsciência, círculos dc superfície quando o acaso
1 deita pedras, ecos dc vozes incógnitas — a salada coletiva da vida.
202
PRÁTICA
3. Esclareça de que modo a hipálage presente em «ruas tristes» está ao serviço da caracte
rização do estado de espírito de Bernardo Soares.
5. Explique o sentido da frase «Eu de dia sou nulo, e de noite sou eu.» (linhas 10-11).
6. Explique, por palavras suas, a relação que Bernardo Soares estabelece entre si e «as ruas
para o lado da Alfândega» (linha 11).
8. Entre as linhas 22 e 27. podemos ver em Bernardo Soares a sua faceta de observador aci
dental. Justifique esta afirmação.
9. Esclareça a crítica que o sujeito da enunciação faz a partir da menção aos «recrutas»
(linhas 24-25), justificando a sua resposta com elementos textuais.
10. Prove que o último parágrafo justifica a natureza fragmentária de Bernardo Soares e da
sua obra.
203
Leia atentamente o seguinte fragmento e responda às questdes.
Quando outra virtude nào haja em num, há pelo menos a da perpetua novidade da
sensação liberta.
Descendo hoje a ILua Nova do Almada, reparei de repente nas costas do homem que
a descia adiante de mim. Eram as costas vulgares de um homem qualquer, o casaco de
5 um lato modesto num dorso de transeunte ocasional. Levava uma pasta velha debaixo
do braço esquerdo, e punha no chão, no ritmo de andando, um guarda-chuva enrolado,
que trazia pela curva na mão direita.
Senti de repente uma coisa parecida com ternura por esse homem. Senti nele a ter
nura que se sente pela comum vulgaridade humana, pelo banal quotidiano do chefe de
I família que vai para o trabalho, pelo lar humilde c alegre dele, pelas pequenas alegrias
c tristezas de que forçosamente se compõe a sua vida, pela inocência de viver sem ana
lisar, pela naturalidade animal daquelas costas vestidas.
Desvio os olhos das costas do meu adiantado e, passando-os a todos mais, quantos vão
andando nesta rua, a todos abarco nitidamente na mesma ternura absurda e fria que me
15 veio dos ombros do inconsciente a quem sigo. Tudo isto c o mesmo que ele; todas estas
raparigas que falam para o atelier, estes empregados jovens que nem para o escritório, estas
criadas de seios que regressam das compras pesadas, estes moços dos primeiros fretes —
tudo isto é uma mesma inconsciência diversificada por caras c corpos que se distinguem,
como fantoches movidos pelas cordas que vão dar aos mesmos dedos da mão de quem é
1 invisível. Passam com todas as atitudes com que se define a consciência, c nào têm cons
ciência de nada, porque nào têm consciência de ter consciência. Uns inteligentes, outros
estúpidos, são todos igualmente estúpidos. Uns velhos, outros jovens, são da mesma idade.
Uns homens, outros mulheres, são do mesmo sexo que nào existe.
Volvi os olhos para as costas do homem, janela por onde vi estes pensamentos.
5 A sensação era exatamente idêntica àquela que nos assalta perante alguém que dorme.
Tudo o que dorme ê criança de novo. Talvez porque no sono nào se possa fazer mal, e
se não dá conta da vida, o maior criminoso, o mais fechado egoísta, é sagrado, por uma
magia natural, enquanto dorme. Entre matar quem dorme e matar uma criança nào
conheço diferença que se sinta.
1 Ora as costas deste homem dormem. Todo ele, que caminha adiante de mim com
passada igual à minha, dorme. Vai inconsciente. Vive inconsciente. Dorme, porque
todos dormimos. Toda a vida ê um sono. Ninguém sabe o que faz, ninguém sabe o que
quer, ninguém sabe o que sabe. Dormimos a vida, eternas crianças do Destino. Por isso
sinto, se penso com esta sensação, uma ternura informe e imensa por toda a humamda-
S de infantil, por toda a vida social dormente, por todos, por tudo.
E um humanitansmo direto, sem conclusões nem propósitos, o que me assalta neste
momento. Sofro uma ternura como se um deus visse. Vejo-os a todos através de uma
compaixão de único consciente, os pobres diabos homens, o pobre diabo humanidade.
O que está tudo isto a fazer aqui?
* Todos os movimentos c intenções da vida, desde a simples vida dos pulmões ate à
construção de cidades c a frontciraçào de impérios, considero-os como uma sonolência,
coisas como sonhos ou repousos, passadas involuntariamente no intervalo entre uma
realidade c outra realidade, entre um dia e outro dia do Absoluto. E, como alguém
abstratamente materno, debruço-me de noite sobre os filhos maus como sobre os bons,
(, comuns no sono cm que sào meus. Enterneço-me com uma largueza de coisa infinita.
6. Após a sequência «Toda a vida é um sono» (linha 32). Bernardo Soares justifica-o. Expli
que. por palavras suas, essa justificação, e comente a crítica social nela implícita.
205
Leia atentamente o seguinte excerto do fragmento e responda às questões.
Tudo é absurdo. Este empenha a vida cm ganhar dinheiro que guarda, c nem tem
filhos a quem o deixe nem esperança que um céu lhe reserve uma transcendência desse
dinheiro. Aquele empenha o esforço cm ganhar fama, para depois de morto, c não crê
naquela sobrevivência que lhe dê o conhecimento da fama. Esse outro gasta-se na pro
cura de coisas de que realmente nào gosta. (...)
Um lê para saber, inutilmente. Outro goza para viver, inutilmente. (...)
Vou num carro elétrico, e estou reparando lentamente, conforme é meu costume,
cm todos os pormenores das pessoas que vào adiante de mim. Para mim os pormenores
sào coisas, vozes, frases. Neste vestido da rapariga que vai em minha frente decompo
nho o vestido em o estofo de que se compõe, o trabalho com que o fizeram — pois que
o vejo vestido e nào estofo — e o bordado leve que orla a parte que contorna o pescoço
scpara-se-mc cm retrós da seda, com que se o bordou, c o trabalho que houve de o
bordar. E imediatamente, como num livro primário de economia política, desdobram-
-se diante de mim as fábricas c os trabalhos — a fábrica onde se fez o tecido; a fábrica
onde se fez o retrós, de um tom mais escuro, com que se orla de coismhas retorcidas o
seu lugar junto ao pescoço; c vejo as secções das fábricas, as máquinas, os operários, as
costureiras, meus olhos virados para dentro penetram nos escritórios, vejo os gerentes
procurar estar sossegados, sigo, nos livros, a contabilidade de tudo; mas nào é só isto:
vejo, para além, as vidas domésticas dos que vivem a sua vida social nessas fabricas e
nesses escritórios... Toda a vida social jaz a meus olhos só porque tenho diante de mim,
abaixo de um pescoço moreno, que de outro lado tem nào sei que cara, um orlar irre
gular regular verde-escuro sobre um verde-claro de vestido.
Para além disto pressinto os amores, as sccrccias, a alma, de todos quantos traba
lharam para que esta mulher que está diante de mim no elétrico use, cm torno do seu
pescoço mortal, a banalidade sinuosa de um retrós de seda verde-escura fazendo inuti
lidades pela orla de uma fazenda verde menos escura.
Entonteço. Os bancos de elétrico, de um entretecido de palha forte c pequena,
levam-me a regiões distantes, multiplicam-se-me cm indústrias, operários, casas de
operários, vidas, realidades, tudo.
Saio do carro exausto e sonâmbulo. Vivi a vida inteira.
2. Comente a opinião do sujeito da enunciação sobre «Este* (linha 1), «Aquele* (linha 3) e
«Esse outro* (linha 4),justificando a sua resposta.
3. Transcreva uma sequência textual que confirma Bernardo Soares como observador aci
dental, enquanto deambula.
4. Identifique a personagem a partir da qual Bernardo Soares vai dar continuidade à sua
observação e reflexão, justificando a sua resposta com elementos textuais.
7. Prove, socorrendo-se das suas próprias palavras, que a primeira frase do texto, «Tudo é absur
do.», assume o papel de introdução, e a última. «Vivi a vida inteira.», é a respetiva conclusão.
8. Esclareça o sentido da frase «Para mim os pormenores são coisas, vozes, frases.» (linhas
a-9).
10. Caracterize a posição de Soares relativamente à sociedade e ao mundo, bem como essa
sociedade e esse mundo, a partir da sequência «Toda a vida social jaz a meus olhos» (linha 20).
207
1. Leia atentamente as seguintes afirmações e classifique-as como V (Verdadeira) ou
F (Falsa), corrigindo as falsas.
a) J Bernardo Soares nada mais fez na vida do que sonhar e preocupar-se com a sua
«vida interior».
<q «Pertenci sempre ao que não está onde estou e ao que nunca pude ser» integra
uma hipálage.
f>o Aquilo que ele «alinha na imaginação» é um conjunto de «figuras» e «amigos» ape
g) A sequência «Tenho um mundo de amigos dentro de mim. com vidas próprias, reais,
definidas e imperfeitas.» é uma referência velada (indireta) à heteronímia.
i) A nostalgia da infância é mais dolorosa do que a nostalgia daquilo que nunca acon
teceu na realidade.
j) u Bernardo Soares também tem memórias do que foi real na sua infância, tais como
«quadros» e «oleogravuras».
a) Neste fragmento. Bernardo Soares traz à memória uns versos de Alberto Caeiro.
c) i. J Alberto Caeiro vê o mundo a partir da sua cidade e. por isso, a cidade é mais bela
do que a aldeia.
d) O A frase que mais se adensa na sua memória é «Sou do tamanho do que sinto!».
pações metafísicas.
h) L Depois da sua leitura, Bernardo Soares vai ao quintal e grita frases de uma «selva
jaria ignorada».
i) A sequência «E a frase fica-me sendo a alma inteira» inclui uma comparação e uma
metáfora.
i) o A mesma frase de Alberto Caeiro «caia» (pinta com cal) de paz o luar ao amanhecer.
D D Este fragmento prova que a obra tem uma natureza fragmentada, mas obedece a
209
1. Leia atentamente as seguintes afirmações e classifique-as como V (Verdadeira] ou
F (Falsa), corrigindo as falsas.
e) Os países sobre os quais tinha muita informação eram Portugal, Itália, índia e Aus
trália.
f) o A Bernardo Soares, este «garoto» parecia-lhe «uma das pessoas mais felizes» que
conhecia.
g) Cerca de dez anos passaram desde que Bernardo Soares o viu pela última vez.
h) l_ Assola-o agora, náo a sensação de pena por náo saber «o que é feito dele», mas
uma suposição de que deveria ter pena.
i) Este fragmento surte efeitos de crítica social, simbolizada no garoto agora adulto.
j) A sequência «É até capaz de ter viajado com o corpo, ele que táo bem viajava com
a alma.» implica que as viagens desta figura da memória de Bernardo Soares eram
imaginárias.
M Bernardo Soares considera que as viagens feitas pela imaginação eram as piores.
210
ramxiÊs u? ani
TEORIA
A QUESTÃO DA HETERONÍMIA
Pessoa tem consciência de que, dentro de si, existem outros «eus» que sentem e pensam de maneira dife
rente. Mas não só sentem e pensam, como também escrevem de maneira diferente da do ortónimo. Para
explicar tudo isto. Fernando Pessoa decide escrever uma carta a um seu amigo, Adolfo Casais Monteiro
(janeiro de 1935), na qual descreve a origem, o aspeto físico, a personalidade e a maneira de escrever de
cada um dos seus três heterónimos (poetas): Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos.
Todos eles são fruto da imaginação de Pessoa; no entanto, por serem tão diferentes, em termos literários, o
poeta optou por «imaginá-los» como se fossem reais, daí que tenham «existências» específicas e individuais.
«Eu vejo diante de mim, no espaço incolor mas real do sonho, as caras, os gestos de Caeiro, Ricardo Reis
e Álvaro de Campos. Construí-lhes as idades e as vidas. Ricardo Reis nasceu em 1887 (...), no Porto, é
médico e está presentemente no Brasil. Alberto Caeiro nasceu em 1889 e morreu em 1915; nasceu em
Lisboa, mas viveu quase toda a sua vida no campo. Não teve profissão nem educação quase alguma. Álvaro
de Campos nasceu em Tavira, no dia 15 de outubro de 1890 {...). Este, como sabe, é engenheiro naval {...),
mas agora está aqui em Lisboa em inatividade. Caeiro era de estatura média, e embora realmente frágil
(morreu tuberculoso), não parecia tão frágil como era. Ricardo Reis é um pouco, mas muito pouco, mais
baixo, mais forte, mas seco. ÁIvb ro de Campos é alto (...), magro e um pouco tendente a curvar-se. Cara
rapada todos - o Caeiro louro sem cor, olhos azuis; Reis de um vago moreno mate; Campos entre branco e
moreno, tipo vagamente de judeu português (...), monóculo.»
A POESIA HETERONÍMICA
Casta Pinheiro,
Fernando Pessoa - Heterónimos,
1978
211
NEMUII EXAME NttlINAL
212
nktkiês u? ani
TEORIA
Epicurismo:
• Filosofia ensinada pelo ateniense Epicuro de Samos, no século IV a.C.. e continuada pelos seus discípulos,
designados epicuristas
Princípios fundamentais:
-para alcançar a felicidade plena e absoluta, é necessário vencer os nossos medos e desejos intensos de
maneira a conseguir estabilidade e equilíbrio interiores;
-tudo aquilo que a vida nos oferecer como prazer deve ser observado com cautela, para que daí não adve
nham sofrimentos e perturbação do corpo, do espírito, da alma;
-o essencial é manter um corpo saudável e livre das contingências dos desejos, num espírito esclarecido,
tranquilo e sereno;
-em conclusão. Epicuro procurava conseguir, na prática da vida de cada ser humano, a felicidade plena por
meio do controlo dos exageros corporais e espirituais, dos medos relativamente ao Destino e aos deuses,
e por meio do alcance diário da serenidade.
Carpe díem:
-Expressão oriunda do Latim, que, à letra, significa «Aproveita o momento», «Goza o dia», extensível ao
conselho de aproveitar e degustar totalmente o tempo presente, correspondendo a um apelo à vivência
plena do agora, do imediato, pois ninguém sabe o que acontecerá num momento seguinte, num futuro
próximo ou distante.
Estoicismo:
Princípios fundamentais;
-é necessário desenvolver no ser humano uma lógica e racionalidade tais que o impeçam de sucumbir a
sentimentos destrutivos, negando-os e vencendo-os;
-só uma pessoa pensadora e esclarecida consegue perceber a lógica e as regras do mundo para as cumprir
e assegurar a ética e o bem-estar pessoal e interpessoal;
-relações humanas: evitar sentimentos de raiva, inveja, vingança, ciúme e exploração ou escravização do
outro, mesmo que para isso tenha de sofrer humilhações e rebaixamentos;
-o prazer e a satisfação de desejos físicos são inimigos do homem sábio, por isso devem ser combatidos;
-a virtude e o Bem são os únicos caminhos que levam o ser humano à felicidade plena.
213
NEMUII EXAME NACIINAL
Alberto Caeiro
Formas poéticas (estrofe, verso, rima)
-«Não me importo comas rimas. Raras vezes/Há árvores iguais, uma ao lado da outra.»
Primado das sensações
-«Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la /E comer um fruto é saber-lhe o sentido.»;
-«Eu não tenho filosofia, tenho sentidos».
Seleçào de vocábulos ao serviço do bucolismo
-«rebanhos», «pastor», «vento», «sol», «Natureza», «pôr do sol», «planície», «borboletas», «flores»,
«cordeirinho», «nuvem», «erva», «atalhos», «girassol», «estrada», «chuva», «árvore», «mãos», «pés»,
«nariz», «boca», «olhar»...;
-formas verbais no pretérito imperfeito do indicativo ou no gerúndio, as quais contribuem para o
reforço da ideia de movimentação pelo campo.
Enumeração, gradação, polissíndeto, personificação, metáfora
- «Sou um guardador de rebanhos. / 0 rebanho é os meus pensamentos / E os meus pensamentos
são todos sensações.»;
- «Penso com os olhos e com os ouvidos / E com as mãos e os pés / E com o nariz e a boca.»
Ricardo Reis
Seleçào de vocábulos eruditos associados à Antiguidade Clássica
- «óbolo», «Ãtropos», «perene». «Fado», «grégio».
Linguagem, astilo e estrutura
Álvaro de Campos
2U
Leia atentamente o seguinte poema e responda às questões.
O guardador de rebanhos
1
Eu nunca guardei rebanhos.
Mas c como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor.
Conhece o vento c o sol
5 E anda pela mào das Estações
A seguir e a olhar.
Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.
Mas cu fico triste como um pôr do sol
U Para a nossa imaginação,
Quando esfria no fundo da planície
E se sente a noite entrada
Como uma borboleta pela janela. (...) Camille Pissarra, Pastor debaixo de Aguaceiro, 1889
215
1. Considere a parte I.
216
Leia atentamente o seguinte poema e responda às questões.
1. Identifique assunto deste poema, justificando a sua resposta por melo da transcrição
de duas palavras.
a) anástrofe
b) aliteração
217
Leia atentamente o seguinte poema e responda às questões.
zie
PRÁTICA
2. Prove como este poema revela influências do carpe díem e do estoicismo, recorrendo a
citações textuais.
5. Mostre como Reis encena a sua própria mortalidade, socorrendo-se de elementos textuais.
219
Leia atentamente o seguinte poema e responda às questões.
.dnfverjáno
Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na louça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, trutas, o resto na sombra debaixo do alçado —,
As tias velhas, os primos diferentes, c tudo era por minha causa,
No tempo cm que festejavam o dia dos meus anos... (...)
5. Evidencie o papel que a consciência tem no sujeito poético e na sua vivência do presente.
6. Esclareça o sentido dos versos «Quando vim a ter esperanças, já nào sabia ter esperanças. /
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.» (versos 9-10).
221
Álvaro de Campos - O poeta da modernidade
FICHA 84
Ode triunfal
À dolorosa luz das grandes lâmpadas elétricas da fábrica
Tenho febre e escrevo.
Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto,
Para a beleza disto totalmentc desconhecida dos antigos.
222
PRÁTICA
1, Transcreva vocábulos que provam ser Álvaro de Campos o poeta da modernidade, justificando
a sua resposta.
2. Selecione sequências que constituem exemplos de matéria épica, justificando a sua resposta.
223
NEMUII EXAME NACIINAL
(diz respeito ao passado medieval português, ou à sua herál • Brasão: simboliza o passado que não se
dica - história da sua nobreza e coroa) pode mudar e que deu a Portugal qualida
I. Os Campos des guerreiras, políticas e morais;
Primeiro - O dos Castelos • Campo: simboliza a vida terrena, na qual
Segundo - 0 das Quinas há espaço para a criação humana;
II. Os Castelos • Castelo: símbolo de proteção e segurança;
Primeiro - Ulisses •Quinas: símbolo da espiritualidade dos
Segundo - Vrríato portugueses;
Terceiro - 0 Conde D. Henrique
• Coroa: remete para o poder do herói;
Quarto - D. Tareja
Quinto - D. Afonso Henriques •Timbre: significa eleição ou escolha de
Sexto - D. Dínis um povo, neste caso, o português;
Sétimo (I) - D. João, o Primeiro • Grifo: simboliza a conjugação de dois
Sétimo (II) - D. Filipa de Lencastre espaços: a Terra e o Céu, ou seja, o ser
humano cria e tem também uma missão
III. AsQuin u
sobrenatural para além da vida terrena.
Primeira - D. Duarte. Rei de Portugal
Segunda - D. Fernando. Infante de Portugal
Terceira - D. Pedro. Regente de Portugal
Quarta - D. João. Infante de Portugal
Quinta - D. Sebastião. Rei de Portugal
IV. A Coroa
NuriÁlvares Pereira
V. O Timbre
A Cabeça do Grifo - 0 Infante D. Henrique
Uma Asa do Grifo - D. João, o Segundo
A Outra Asa do Grifo - Afonso de Albuquerque
(diz respeito ao período dos Descobrimentos e tem relação • Padrão: é a marca da evangelização, sinal
com o presente de Pessoa, pois ele deseja que o agora de de que as terras descobertas pelos por
Portugal seja como o seu passado) tugueses eram por eles tornadas tam
I. O Infante bém cristãs;
22fl
nktkiês u? ani
TEORIA
(diz respeito ao futuro de Portugal sendo que nesta parte * Noite: simboliza tudo o que é desconhe
se referem profecias sobre a nossa pátria) cido, tudo o que é apático (está parado,
imóvel) ou ainda tudo aquilo que está em
I. Os Símbolos germinação (ou seja, a preparar-se para
Primeiro - D. Sebastião florescer/crescer quando o dia chegar);
III. Os Tempos
■
Primeiro - Norte
Segundo - Tormenta
Terceiro - Calma
Quarto - Antemanhã
Quinto - Nevoeiro
MENSAGEM
Frontispício de Mensagem,
de Fernanda Pessoa, 1934
225
NEMUII EXAME NACIINAL
•Este mito revela poder, ânimo e esperança de que os portugueses dos séculos
seguintes pudessem imitar a valentia, a luta e o patriotismo do rei jovem, fazendo
de Portugal uma nação novamente grandiosa.
226
Mensagem, Fernando Pessoa
FICHA 85 -l i i' ‘ r [ '1.
PRÁTICA
D. Afonso Henriques
a) da estrutura da obra
c) da exaltação patriótica
a) apóstrofe
b) metáfora
227
Leia atentamente o seguinte poema e responda às questões.
O Infante
1. Esclareça o valor da gradação no primeiro verso e mostre como ele resume toda a glória
passada dos Descobrimentos.
229
PRÁTICA
4. Indique a quem se refere Pessoa em «Quem» (estrofe 3. v. 1) e esclareça o motivo por que
ofaz.
9. Demonstre que este poema está ao serviço da dimensão simbólica do herói, assim como
da natureza épico-lírica da obra.
FICHA 87
O Quinto Império
230
PRÁTICA
3. Explique a presença do Sebastianismo, bem como a sua relação com a dimensão simbólica
do herói e a exaltação da pátria.
4. Esclareça o sentido do verso «Ser descontente é ser homem.», justificando a sua resposta.
5. Prove que os dois últimos versos aliam uma interrogação retórica a uma metáfora, refe-
rindo-se aos seus valores.
231
NEMUII EXAME NACIINAL
CONTOS (CONTEMPORÂNEOS)
Manuel da Fonseca, «Sempre é uma companhia»
CONTEXTUAL1ZAÇÂO
Vida e obra
•1911 (15 d« outubro): nasce Manuel Lopes da Fonseca,
em Santiago do Cacem (Alentejo).
• Na adolescência, muda-se para Lisboa, onde conclui os
estudos - Colégio Vasco da Gama, Liceu Camões, Escola
Lusitânia e Escola de Belas Artes.
• Nesta fase, escreve os seus primeiros textos, cujo cená
rio é o Alentejo; anos depois, esse cenário passa a ser
preterido em favor do de Lisboa.
• escritor é considerado um dos maiores exemplos do
Neorrealismo português - cujas obras estão sempre
intimamente ligadas à denúncia e à crítica sociopolítica
plasmada nas injustiças e durezas sociais.
• 1942: publica A Ideia Nova (coletânea de contos).
• 1953: publica 0 Fogo e os Crnzos (de onde é retirado o
conto «Sempre é uma companhia»), considerado o seu
mais representativo trabalho.
• 1958: publica o romance Seoro de Vento.
• 1958: publica Poemas Completos.
• 1993 (11 de março): morre em Lisboa.
• conto tem lugar na aldeia alentejana da Alçaria: um casal é proprietário de uma venda.
• António Barrasquinho. o Batola. passa o dia arrastando-se da cama para a venda e da venda para a cama,
embebedando-se frequentemente. A mulher é determinada e lutadora e percebe-se «que é ela quem ali
põe e dispõe», contra a vontade de Batola, que «quase lhe não chega ao ombro, atarracado, as pernas
arqueadas».
• A sonolência de Batola acompanha asolidãoda aldeia e da planície que a rodeia. Os restantes habitantes,
ceifeiros, trabalham todo o dia e regressam à noite, diretamente para suas casas, exaustos, sem passar
na venda.
• Numa dessas longas horas de solidão, Batola lembra-se do mendigo, «o velho Rata». Este homem percorre
quilómetros (por Ourique. Castro. Messejana, Beja) a pedir e regressa a contar novidades ao dono da venda.
Atacado pelo reumatismo, o velho Rata fica circunscrito ao seu «casebre» e. passado um tempo, suicida-
-se, atirando-se «para dentro do pego da ribeira da Alçaria*.
• Certo dia, estando Batola à sua porta, que dá para a estrada de Ourique em direção ao sul. chega um
carro com dois homens: trata-se de um vendedor e do seu funcionário, que trazem uma «caixa do modelo
pequeno* - uma «telefonia» (rádio) para vender.
• Batola tudo faz para ficar com o rádio, embora a sua mulher não aprove a sua decisão. A partir da expe
riência por um mês desta telefonia, a vida de Alçaria muda completamente: do rádio saem notícias de
todo o mundo português e estrangeiro, assim como música e as suas belas melodias, que encantam a
aldeia, passando a venda do Batola a ser o ponto de encontro daquela localidade.
• A sonoridade da telefonia traz muitos benefícios: quebra o «silêncio» e a «solidão dos campos», aproxima
a população, ajuda-a a divertir-se (e não apenas a trabalhar), acabando mesmo por pacificar o casamento
de Batola e da mulher.
232
ramxiÊs u? ani
TEORIA
• A planície alentejana como símbolo não só de silêncio e pacatez, mas como um «deserto»
em que as pessoas fazem a sua vida de camponeses - «ceifeiros» - maquinalmente,
trabalhando desde manhã até à noite, não tendo vida social. convívio dá-se. porven
Solidão e tura. dentro de casa. A solidão está espelhada no protagonista António Barrasquinho. o
convivialidade Batola, e no mendigo «velho Rata», que acaba por se suicidar.
• Com a chegada de uma telefonia, tudo muda: as pessoas passam ajuntar-se na venda de
Batola para ouvir as notícias do mundo e as belas melodias que motivam festas e bailes.
convívio passa a ser evidente, aproximando as pessoas e ligando-as ao resto do mundo.
■ 0 espaço físico é a planície alentejana que rodeia a aldeia da Alçaria e acaba por ser
propício ao espaço psicológico, pois é a partir do espaço desértico que as personagens
Caracterização pensam e se transportam psicologicamente para outros lugares.
do espaço:
físico, • 0 espaço sociopolítico é o de uma aldeia cuja sociedade, feita de ceifeiros, não convi
psicológico e via, não dialogava, nem se divertia por estar geograficamente muito distante de gran
sociopolítico des cidades e mergulhada num quotidiano maquinalmente dividido entre campo e casa.
A telefonia aproxima metaforicamente os camponeses do resto do mundo, numa época
histórica marcada pela ditadura do Estado Novo.
• No conto, sucedem-sc episódios que vão ajudando a avançar a ação e servem para carac
terizar personagens e espaços, como, por exemplo: a descrição da rotina na venda, a vida e
Importância morte do mendigo «velho Rata», os homens que trazem a telefonia e a mudança social que
dos episódios se opera na aldeia da Alçaria, que acaba quando Batola desliga o aparelho no fim do mês.
e da peripécia
final ■ A peripécia final corresponde ao momento em que Batola desliga a telefonia, pensando
que a mulher seria sempre contra ela, porém esta pede-lhe que fiquem com a telefonia
porque esta «sempre é uma companhia».
233
Leia atentamente o excerto apresentado e responda às questões.
.4 mudança
E o Batola, por mais que nào queira, tem dc olhar todos os dias o mesmo: aí umas
quinze casinhas desgarradas c nuas; algumas só mostram o telhado escuro, dc sumidas
que cstào no fundo dos córregos1. Depois disso, para qualquer parte que volte os olhos,
estende-se a solidào dos campos. E o silencio. Um silencio que caiu, estiraçado por
1 vales c cabeços, c que dorme profundamente. Oh, que despropósito dc plainos sem fim,
todos de roda da aldeia, e desertos!
Carregado de tristeza, o entardecer demora anos. A noite vem dc longe, cansa
da, tomba tào vagarosamente que o mundo parece que vai ficar para sempre naquela
magoada penumbra.
I Lá vem figurinhas dobradas pelos atalhos, direito às casas tresmalhadas da aldeia.
Nenhuma virá até à venda talar um bocado, desviar a atcnçào daquele poente dolorido.
Sào ceifeiros, exaustos da fama, que recolhem. Breve, a aldeia ficará adormecida, afun
dada nas trevas. E António Barrasqumho, o Batola, nào tem ninguém para conversar,
nào tem nada que fazer. Está preso c apagado no silêncio que o cerca. (...) Um suspiro
II estrangulado sai-lhe das entranhas e engrossa até se alongar, como um uivo de animal
solitário. (...)
Um sopro dc vida paira agora sobre a aldeia. (...)
Acontece até que, certa noite, se arma uma festa na venda do Batola. Até as velhas
dançaram ao som da telefonia. Nos intervalos, os homens bebiam um copo, junto ao
3 balcào, os pares namoravam-se, pelos cantos. Por fim, mudou-se dc posto para ouvir as
notícias do mundo. Todos se quedaram, atentos.
1 Caminho apertado entre montes; Manuel da Fonseca, «Sempre c uma companhia»,
riacho. O Foço e as Cinzas, Lisboa, Caminho, 2011, pp. 152-158
3. Identifique a relaçào deste homem com as «figurinhas» que passam, justificando a sua
resposta.
234
4. Explique de que forma é que as «figurinhas» são um exemplo perfeito do contexto paisa
gístico e sociopolítico em que se inserem.
5. «Um sopro de vida paira agora sobre a aldeia» (linha 17) marca uma viragem dos aconteci
mentos. Justifique esta afirmação, explicando o episódio que a motivou.
6. Tendo em conta o último parágrafo do excerto, caracterize o impacto direto desse episó
dio nas gentes da Alçaria.
b) «Um silêncio que caiu, estiraçado por vales e cabeços, e que dorme profundamente.»
(linhas 4-5)
d) «Um suspiro estrangulado sai-lhe das entranhas e engrossa até se alongar, como um
uivo de animal solitário.» (linhas 14-16)
235
NEMUII EXAME NACIINAL
Vida e obra
• 1921 (18 d« setembro): nasce, em Lisboa, Maria Judite
de Carvalho.
• Conclui o curso de Filologia Germânica, na Faculdade de
Letras da Universidade de Lisboa.
-1949: casa com o professor universitário Urbano Tavares
Rodrigues; muda-se para França e depois para a Bélgica.
• 1959: regressa a Portugal e publica a obra aclamada
Tonto Gente, Moriono.
• 1961: recebe o prémio literário Camilo Castelo Branco
com a antologia de contos As Palavras Poupadas.
• 1968: torna-se redatora do jornal Diário de Lisboa.a que
se seguiram outros, onde publicou contos e crónicas,
entre os quais 0 Século, Repúblico.
• 1992 (10 de junho): recebe o título de Grande-Oficial da
Ordem do Infante D. Henrique.
• 1998: morre em Lisboa.
• Esta história desenrola-se em torno de uma mesma personagem feminina. George, desdobrada na menina,
mulher e velha, o que representa as três idades da sua vida.
• George saiu de casa com cerca de 18 anos, rumo a Amesterdão, à procura da sua liberdade e fugindo da
sua realidade e da incompreensão dos pais. 0 seu talento era desenhar.
• Agora tem 45 anos e tornou-se numa mulher de sucesso, reconhecida pintora, viajada, mulher de muitos
amores («casou-se, divorciou-se. partiu, chegou, voltou a partir e a chegar»), cabelos sempre pintados de
cor diferente {metamorfose), «malas ricas», «dinheiro no banco* e a sua casa holandesa.
• É com o regresso à sua terra natal, depois de cerca de 20 anos de ausência, que surge a convivência ima
ginária entre a George adulta, a Gi adolescente e a Georgina. «velha».
• George - Gi: reencontro à saída da estação, quando George vem para vender a casa de família (falecidos Já os
pais) - diálogo imaginado que mostra ao leitora menina de outrora, indecisa entre ficar na terra esair de casa;
referência a um namorado antigo. C ar los. e ao enxoval que a mãe lhe andava a fazer para ser uma mulher igual
a tantas outras, votada à lida da casa. Gi termina este diálogo e «sorri o seu lindo sorriso branco de 18 anos.
Depois ambas dão um beijo rápido, breve, no ar, não se tocam, nem tal seria possível, começam a mover-se ao
mesmo tempo, devagar (...). Vão ficando longe, mais longe. E nenhuma delas olha para trás.» Este diálogo ima
ginado, repleto de memórias, está sempre rodeado de um «ar queimado», que George continuamente sente.
• Regressada ao comboio para voltar a Amesterdão. George relembra memórias e afasta-se desse pas
sado, à medida que o veículo se afasta fisicamente da estação: «Agora está à janela a ver o comboio fugir
de dantes, perder para todo o sempre árvores e casas da sua juventude*.
• No comboio, fecha os olhos e pensa; quando os abre, vê sentada à sua frente «uma mulher velha», Geor
gina. 70 anos e segura de que a vida passa rapidamente, aconselhando George a não ser dramática, pois
viverá feliz na sua casa até morrer. Claro que Georgina é outra das figuras desdobradas de George, ela
mesma, mas na terceira idade. Esta confirma o retrato dela mesma enquanto «rapariguinha», conservado
na mala a vida inteira. «Porque... o tal crime de que lhe falei, o único sem perdão, a velhice. Um dia vai
acordar na sua casa mobilada...»
• Georgina fecha os olhos novamente e. quando os reabre, a «mulher velha* desaparecera. 0 seu último pen
samento? Confiada na pertença do ainda tempo presente. «Georgina suspira, tranquilizada. Amanhã estará
em Amesterdão na bela casa mobilada, durante quanto tempo?, vai morar com o último dos seus amores.»
235
nktkiês u? ani
TEORIA
Velhice—► Georgina: o que considera «um crime» - «o único sem perdão», pois o espelho
será implacável e dir-lhe-á a verdade: está fisicamente enrugada, decrépita e vive até à
morte na sua «casa mobilada».
• Realidade: George com 45 anos a fazer a viagem de comboio até à sua terra natal em
Portugal: George no regresso a Amesterdão.
• Memória: lembranças do passado, da sua antiga vida, da família (através do reencontro
0 diálogo e diálogo imaginados com Gi); outras lembranças que vão desaparecendo, à medida que
entre o comboio se afasta da estação onde entrou. Lembranças no futuro, prevendo-se velha
realidade, (Georgina) e refletindo sobre o que terá acontecido dos 45 até aos cerca de 70 anos.
memória e
• Imaginação: apesar de fisicamente não conversar com Gi nem com Georgina, da sua
imaginação
imaginação resulta a verdade de uma realidade - a vida nas suas três grandes idades:
Juventude, idade adulta e velhice. É a partir desta relação Imaginação e Realidade que
Maria Judite de Carvalho consegue caracterizar cada uma dessas fases da vida, total
mente reais e irreversíveis.
• Tudo começa com uma crescente insatisfação com a vida pacata, vivida numa família
com poucos recursos e ausência de cultura/de conhecimento do mundo. Daí surge a
sensação de incompreensão e a luta pela autonomia e pela liberdade.
• 0 escape/a evasão pelo desenho, durante a juventude com os pais, como único meio de
libertação.
• Durante a idade adulta. George tenta livrar-se de tudo o que a prenda a algum lugar, o
A
que se nota no facto de gostar de vender os seus livros, estando sempre pronta a sair
complexidade
para qualquer outro mundo, sem amarras.
da natureza
humana • Nesta fase, a complexidade manifesta-se também pelo constante mudar de sítio, de
aspeto físico, de namorados, pelo casamento, divórcio e recomeço de outras (e novas)
formas de viver.
Já não sabe, nào quer saber, quando saiu da vila e partiu á descoberta da cidade gran
de, onde, dizia-se lá em casa, as mulheres se perdem. Mais tarde partiu por além terra, por
além mar. Fez loiros os cabelos, de todos os loiros, um dia ruivos por cansaço de si, mais
tarde castanhos, loiros de novo, esverdeados, nunca escuros, quase pretos, como dantes eram.
5 Teve muitos amores, grandes e nào tanto, definitivos c passageiros, simples amores, casou-se,
divorciou-se, partiu, chegou, voltou a partir c a chegar, quantas vezes? Agora está — estava —,
até quando?, cm Amsterdão.
Depois de ter deixado a vila, viveu sempre em quartos alugados mais ou menos modestos,
depois cm casas mobiladas mais ou menos agradáveis. As últimas foram mesmo francamente
■ confortáveis. IIves numa casa mobilada sem nada de teu? Mas deve ser um horror, como podes?
teria dito a màc, se soubesse. Nào o soube, porém. As cartas que lhe escrevia nunca tinham
sido minuciosas, de resto detestava escrever cartas e só muito raramente o fazia. Depois o pai
morreu e a màc logo a seguir.
Uma casa mobilada, sempre pensou, é a certeza de uma porta aberta de par em par, de
mãos livres, de rua nova à espera dos seus pés. As pessoas ficam tào estupidamente presas a
um móvel, a um tapete já gasto de tantos passos, aos bibelots acumulados ao longo das vidas
e cheios de recordações, de vozes, de olhares, de mãos, de gente, enfim. Pega-se numajarra
e ali está algo de quem um dia apareceu com rosas. Tem alguns livros, mas poucos, como
os amigos que julga sinceros, sé-lo-ào? Aos outros livros, dá-os, vende-os a peso, que leve se
3 sente depois!
— Parece-me que às vezes fazes isso, enfim, toda essa descrtificaçào, com estorço, com
sofrimento — disse-lhe um dia o seu amor de então.
— Talvez — respondeu —, talvez. Mas pretiro nào pensar no caso.
Queria estar sempre pronta para partir sem que os objetos a envolvessem, a segurassem,
S a obrigassem a dcmorar-sc mais um dia que fosse. Disponível, pensava. Senhora de si. Para
partir, para chegar. Mesmo para estar onde estava.
1. Esclareça de que forma a errância, presente nas primeiras duas frases do excerto, marca
a diferença entre George e a família. Justifique a sua resposta.
239
PRÁTICA
2.1 Evidencie a forma como o leitor testemunha as metamorfoses desta figura feminina.
6. Da sua leitura integral do conto, explique de que forma Maria Judite de Carvalho consegue
estabelecer a relação entre as três idades da vida, espelhadas em George.
Z39
NEMUII EXAME NACIINAL
Vida eobra
* 1944 (25 de setembro): nasce Mário Costa Martins de Carvalho. em Lis
boa. oriundo de uma família alentejana.
■ Antes dos 5 anos já sabe ler. ensinado peia mãe. Conclui os estudos
secundários no Liceu Camões e no Liceu Gil e cursa Direito na Faculdade
dc Direito de Lisboa.
■ Após a licenciatura, quando fazia □ serviço militar, Mário de Carvalho é
preso pela PIDE (pela sua militância nD PCP) e sujeito a tortura de pri
vação de sono, seguida do cumprimenta de prisão em Caxias e Peniche.
* 1973: sai da prisão e, clandestinamente, vai para Paris e depois para a
Suécia, de onde só há dc regressar após o 25 de Abril de 1974. Depois
de algum tempo afasta-se da atividade política e exerce advocacia em
favor dos mais desfavorecidos.
* 1981: publica Contos do Sétimo Esfera.
* autor é docente na Escola Superior de Teatro e Cinema, assim como na Escola Superior de Comunicação
Social. Desde então até ao presente, publica textos de natureza variada.
* Prémios literários:
-1986: prémio D. Dinis;
-1994: grande Prémio de Romance e Novela, atribuído pelas APE/DGLB;
-1996 e 2009: prémio Fernando Namora;
- 2009: prémio Vergílio Ferreira;
-2015: prémio PEN, atribuído pelo Clube Português de Ensaio.
• Esta é a história de duas «famílias desavindas»; uma galega, de membros semaforeiros (semáforos movi
dos a pedal), e a outra de médicos oriunda de Coimbra, vivendo as duas famílias no Porto.
• A história desta família de semaforeiros tem início com o galego Ramon (Primeira Grande Guerra), tendo
sido substituído pelo filho Ximenez (Segunda Grande Guerra), que por sua vez veio a ser substituído pelo
seu filho Asdrúbal (pouco depois da Revolução de Abril, em 1974).
• encontro entre as famílias de semaforeiros e médicos teve lugar logo na primeira geração, quando o
Dr. João Pedro Bekett pôs em causa o trabalho de Ramon: «'A mim, ninguém me diz quando devo atra
vessar uma rua. Sou um cidadão livre e desimpedido." Ramon entristeceu. Não gostava que interferissem
com o seu trabalho e. daí por diante, passou a dificultar a passagem ao doutor. Era caso para inimizade.
E eis duas famílias desavindas.».
• Deste episódio entre Ramon e o Dr. Bekett nasce uma rivalidade entre os respetivos descendentes:
- João Bekett (filho) / Ximenez (filho): «Herdou o ódio ao semáforo e passava grande parte do tempo à
janela, a encandear Ximenez com um espelho colorido.»
-«jovem» Paulo (neto) / Asdrúbal (neto): «0 médico passava e rosnava "Sus. galego' E Asdrúbal, sem
parar de dar ao pedal: 'Xó, magarefe!'»
- Paulo (neto) / Paco (bisneto): «'Arrenego de ti, galego!’ Isto foi assim com Asdrúbal e. mais recente
mente. com Paco. (OJuando aconteceu o acidente: Ao proceder a um roubo por esticão um jovem que
vinha de mota teve uns instantes de desequilíbrio, raspou por Paco e deixou-o estendido no asfalto.»
• A partir do acidente: Paulo ajuda Paco e. enquanto este não regressa do hospital, substitui-o no semá
foro: «Enganar-se-ia quem dissesse que o semáforo ficou abandonado. Uma figura de bata branca está
todos os dias naquela rua (...), pedalando, até à exaustão. É o Dr. Paulo cheio de remorsos, que quer peni
tenciar-se, ser útil, enquanto Paco não regressa.»
240
nmciÊsu?ANi
TEORIA
• A família Bekett e a família de Ramon: a sucessão de pais, filhos, netos e bisneto; cada
História personagem com as suas características psicológicas. Os galegos são competentes e
pessoale dedicados, amam a sua profissão.são imigrantes no Porto. Os Bekett são médicos, abas
história tados. ociosos e maldosos.
social: as duas • A família Bekett e a família de Ramon: movendo-se pela História Universal - Primeira
famílias Grande Guerra—► Segunda Grande Guerra—► 25 de Abril de 1974—► «um dia destes»,
ou seja, tempo presente.
• «No dobrar do século XIX, Gerard Letelessier, jovem engenheiro francês» - tempo de
avanços na indústria e na tecnologia, mesmo que ridículos (e conseguidos graças à cor
rupção). como este semáforo.
• Primeira Grande Guerra e Segunda Grande Guerra: as duas guerras sucessivas cronolo
gicamente. impedindo o desenvolvimento, dado que. simbolicamente, o semáforo per
manece. E na Primeira Grande Guerra que se atribui o cargo de semaforeiro a Ramon
- tal como a guerra inicia os confrontos bélicos, neste século, assim também Ramon é o
Valor começo da história das desavenças. A Segunda Grande Guerra dá continuidade à Histó
simbólico ria Universal, bem como a partir dela se dá continuidade às famílias e suas desavenças.
dos marcos
históricos • 25 de Abril de 1974: a Revolução dos Cravos que põe fim ao fascismo português e em
referidos nada afeta os semaforeiros. Este período histórico contrasta com as duas famílias por
que elas permanecem «desavindas». Apesar disso, é em tempo de democracia (anos
mais tarde) que se dará a peripécia final e o início da amizade.
• Tempo presente «um dia destes», o início da amizade, num tempo de liberdade, tempo
em que, tal como o Dr. Paulo, a Sociedade e a História têm ainda motivos para viver
«remorso» e «penitência», sendo que há uma urgência de ser «útil» aos outros. A ami
zade e o perdão entre as duas famílias simbolizam a fraternidade e a união necessárias
ao mundo e à sociedade atuais.
• «um autarca do Porto» subornado com vinho de Bordéus para trazer um projeto ridículo
à cidade (já recusado por Paris e Lisboa).
241
Leia atentamente o excerto apresentado e responda às questões.
O semaforeiro
242
PRÁTICA
5. Identifique a relação entre as duas Grandes Guerras e estas duas famílias, justificando a
sua resposta.
6. Estabeleça a relação entre a história pessoal e social destas duas «famílias desavindas*.
7. Da sua leitura integral deste conto, refira-se à peripécia final e ao seu impacto no desfe
cho da narrativa.
243
NEMUII EXAME NACIINAL
POETAS CONTEMPORÂNEOS
• 1907 (12 de agosto): nasce Adolfo Correia da Rocha (que adota «Miguel Torga»
como seu pseudónimo) em São Martinho de Anta - Sabrosa, Vila Real, oriundo de
uma família transmontana humilde.
* 1918: vai para o seminário de Lamego, onde estuda Letras e os textos bíblicos.
Aos 13 anos, emigra para o Brasil (Minas Gerais), onde trabalhará numa fazenda
de café cujo proprietário é seu familiar.
• 1925: regressa a Portugal como um aluno distinto.
• 1928-1933: conclui o curso de Medicina na Faculdade de Medicina da Univer
sidade de Coimbra e publica o livro de poemas Ansiedade. Após a licenciatura,
exerce em Trás-os-Montes e em Leiria.
• 1929: participa na revista Presença, da qual se afasta um ano depois.
• 1989: recebe o Prémio Camões.
• 1993: publica os seus últimos textos.
• 1995 (17 de janeiro): morre em Coimbra.
EUGÊNIO DE ANDRADE
244
nktkiês u? ani
TEORIA
245
NEMUII EXAME NACIINAL
RU Y BELO
245
nktkiês u? ani
TEORIA
1949 (29 de abril): nasce Nuno Manuel Gonçalves Júd ice Glória, em Portimão.
Licencia-se em Filologia Românica na Faculdade de Letras da Universidade de
Lisboa e recehe o Grau de Doutor na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da
Universidade Nova de Lisboa.
1972: publica A Noção de Poema.
1992-1997: exerce funções de professor do Ensino Secundário.
•Desempenha funções de direção de revistas e instituições culturais, bem como
desenvolve a sua obra literária, que inclui coletâneas de poesia, estudos críticos,
textos sobre Teoria da Literatura.
• Atualmente: professor Associado da FCSH - Universidade Nova de Lisboa.
• 2013: recebe o título de Grande-Oficial da Ordem Militar de Santiago da Espada.
247
NEMUII EXAME NACIINAL
• A sociedade do início do século XX; a sociedade das duas Grandes Guerras; a socie
dade do Fascismo e do Pós-Fascismo; a sociedade finissecular;
Representações
* Estrutura formal: irregularidade estrófica e métrica; linguagem ao serviço das sensa
da ções; polissemia; trocadilhos; experiências linguísticas surrealistas;
contemporâneo
•Futurismo e contemporaneidade; indústria, cinema, literatura, escrita; representa
ções do quotidiano do século XX.
Palavra oriunda do Latim, «nihil» significa «nada». As suas ideias refletem-se nas
ciências e nas artes em geral. A principal ideia assenta no ceticismo radical (dúvida
absoluta) em relação a interpretações da realidade provenientes da ciência e da reli
gião, com os seus valores e as suas convicções.
Niilismo Num sentido positivo, este questionamento de tudo posiciona o ser humano num nível
de discussão e procura da verdade a partir de um ponto zero. Num sentido negativo, o
niilismo destrói e aniquila toda a espécie de verdades e visões científicas, filosóficas,
artísticas e éticas, ou seja, num mundo onde Deus está morto ou não existe, tudo é
questionado e o ser humano, teoricamente, tem «permissão» para fazer tudo o que
quer, como quer e quando quer.
249
FICHA 91 Miguel Torga
PRÁTICA
Profissão
Amo
i) O duro oficio de criar beleza,
Edgar Degas, Paisagem do Ceu, s.d.
Sina igual à do ramo
Que desprende de si o gosto do seu fruto.
E lapido no torno da tristeza
As lágrimas cm bruto
1Ç Que recolho dos olhos
Com secreta
Ironia.
Transfiguro o meu pranto, e sou poeta:
Começa a noite cm mim quando amanhece o dia.
249
3. Esclareça o sentido dos versos:
b) «Amo / 0 duro ofício de criar beleza. / Sina igual à do ramo / Que desprende de si o
gosto do seu fruto.» (versos 9-12).
250
Leia atentamente o seguinte poema e responda às questdes.
Passagem cuidadosa
1. Caracterize o sujeito poético deste poema, justificando a sua resposta com elementos
textuais.
2. Explique de que forma este sujeito poético, no seu interior, sente várias figurações de si
mesmo.
251
3. Transcreva duas sequências que confirmam a presença de preocupações metafísicas por
parte do sujeito poético.
5. Identifique o recurso presente em «Mas nõo de mim, / que alheio vivo a vida que em mim
fala» (versos 8-9), comentando o seu valor.
252
FICHA 93 Eugênio de Andrade
PRÁTICA
2. Transcreva verso que instaura um pendorde crítica social e explique o seu valor expressivo.
4. Esclareça o sentido da sequência «a terra fique limpa», mostrando a sua pertença à tra
dição literária.
253
Leia atentamente o seguinte poema1 e responda às questões.
2. Caracterize conceito que o sujeito poético tem de «poema», justificando a sua resposta
com elementos textuais.
3. Explique a relação entre o título e o conteúdo do poema, evidenciando o seu caráter con
temporâneo.
254
FICHA 95 Alexandre CTNelll
PRÁTICA
Autorretrato
1 Ergue.
2 Lado; soslaio.
3 Capricho.
4 Que se move por si mesma.
2. Identifique os dois tipos de amor presentes no poema, justificando a sua resposta com
elementos textuais.
255
Leia atentamente o seguinte poema e responda às questões.
2. Explicite o modo como o sujeito poético caracteriza o corpo, no seu todo e nas suas partes.
Z56
FICHA 97 Ruy Belo
PRÁTICA
láírra literatura
1. Caracterize o estado de espírito do sujeito poético neste *Dia de festa», justificando a sua
resposta com elementos textuais.
257
3. Atendendo ao conteúdo dos versos 5 a 8, explique a perspetiva do sujeito poético relati
vamente à dicotomia vida/morte.
4. Comprove que os versos «chorar o mínimo cadáver que passar / e nâo desperdiçar os
dedos pelas coisas» espelham a filosofia estoica.
6. Identifique e comente os dois recursos expressivos presentes em cada uma das seguin
tes sequências:
7. Esclareçaosentidodotítulo.
25B
FICHA 98 Manuel Alegre
PRÁTICA
Portugal em Paris
Solitário
por entre a gente eu vi o meu país.
Era uni perfil
de sal
5 e Abril.
Era uni puro país azul e proletário.
Anónimo passava. E era Portugal
que passava por entre a gente c solitário
nas ruas de Paris.
25S
2. Explique de que forma o conteúdo do poema revela tratamento de um tema tão caro à tra
dição literária.
3. Caracterizeo sujeito poético, tendo em conta o que vê, justificando a sua resposta.
4. Prove que o sujeito poético apresenta a pátria em fragmentos, o que é acompanhado pela
forma estrófica e métrica.
b) metonímia
c) comparação
d) gradação
FICHA 99 Lulza Neto Jorge
PRÁTICA
Recanto 91
Lulza Neto Jorge, Poesia, 1 Este poema faz parte de uma antologia
Lisboa. Assírio & Alvim, 2001, p. 189 intitulada Dezanove Recantos, em que a
autora segue a estrutura de uma epopeia:
Proposição, Invocação, Dedicatória.
Narração. «Recanto 9» pertence à Narração.
2. Caracterize especificamente cada um desses espaços, justificando a sua resposta com ele
mentos textuais.
261
3. Refira o lugar em que «poeta» se posiciona nessa dicotomia.
2i2
Leia atentamente o seguinte poema e responda às questdes.
reverberações
263
FICHA 101 Nuno Júdice
.4 inutilidade da gramática
2. Tendo em conta o conteúdo da segunda frase (versos 6-12). explique a arte poética de Nuno
Júdice.
2í4
PRÁTICA
265
Ana Luísa Amaral
Malmequeres e polígonos
A mesma tolha.
De um lado, analisar,
do outro — eu.
E o que vacila
entre os dois lados
(que nào é o que escreve, nào querendo,
nem o que malquerendo, move mào)
■ — eu também. Outro eu.
(e um outro em Purgatório:
nem inferno, nem céu) Noronha da Costa. Sem Títuío, 1967
Zió
PRÁTICA
3. Mostre como o conteúdo dos versos 2 a 12 surte o efeito de explicação detalhada desse
«eu» fragmentado.
5. Evidencie a presença do metafísico neste texto poético como tema da tradição literária.
267
NEMUII EXAME NACIINAL
C0NTEXTUAL1ZAÇÀ0
Vida eobra
1922 (16 de novembro): nasce, na Golegã, José de Sousa Sara mago, oriundo de uma família de agricultores.
1924: muda-se com a família para Lisboa. Problemas económicos impedem o autor de frequentar estudos
liceais. Mais tarde, formou-se numa Escola Técnica, iniciando a vida de trabalho como serralheiro mecânico.
1947: publica o primeiro romance Terra do Pecado.
Durante anos, exerce funções de funcionário público, tradutor e crítico e escreve livros de poesia, crónicas
e contos, sendo o romance o género literário que o distingue.
1970-1986: divorciado, vive com Isabel da Nóbrega.
1975: exerce funções de diretor do jornal Diário de Notícia
1980: publica Levantado do Chão.
1982: publica Memorial do Convento.
1984: publica 0 Ano da Morte de Ricardo Reis.
1986: publica A Jangada de Pedra.
1988: casa com a jornalista espanhola Maria dei Pilar dei
Rio Sánchez, sua companheira até ao fim da vida.
1991: publica 0 Evangelho segundo Jesus Cristo.
1995: publica Ensaio sobre a Cegueira.
2000: publica A Caverna.
2009: publica Caim.
2010 (18 de junho): morre em Tias. Lanzarote - Espanha.
2014: publica-se, postumamente, Alabardas, alabardas.
espingardas, espingardas.
Prémios literários:
-1982-1984: Prémio PEN Clube Português e Prémio
D. Dinis da Fundação Casa de Mateus;
-1991: Grande Prémio de Novela da APE;
-1995: Prémio Camões;
-1998: Prémio Nobel da Literatura.
2í3
nktkiês u? ani
TEORIA
• 0 taxista leva Ricardo Reis ao Hotel Bragança para se hospedar, ficando instalado no
quarto n.° 202. com vista sobre o Tejo.
• Apresentação de Ricardo Reis: 48 anos, natural do Porto, solteiro, médico, última residên
cia - Rio de Janeiro. Enverga uma gabardina e um chapéu.
• Sala de jantar do Hotel, com desfile de várias personagens, destacando-se um pai e uma
filha: «um homem de meia-idade, alto, formal» e «a rapariga de uns vinte anos, (...) magra»,
com a mão esquerda paralisada.
Capítulo II ’ Ricardo Reis sai cedo do hotel para ir ao cemitério dos Prazeres visitar a campa de Fer
nando Pessoa.
ITINERÁRIO 1:
ITINERÁRIO 2:
269
NEMUII EXAME NACIINAL
Capítulo IV • Notícias elogiosas dos governadores de Portugal e de Oliveira Salazar, nos jornais.
• Descrição de Lídia: cerca de trinta anos, é uma mulher feita, morena. Tem um ar triste.
• Atração física de Reis por Lídia.
ITINERÁRIO 5:
270
ramxiÊs u? ani
TEORIA
Capítulo V * Regresso ao Hotel Bragança do Dr. Sampaio (notário) com sua filha Marcenda; os dois
ficam hospedados nos quartos 204 e 20S.
• Depois de Reis ter sabido pelo gerente Salvador que pai e filha iam ver a peça «Tá Mar»,
de Alfredo Cortez, ao teatro D. Maria. Reis decide ir também.
• Entretanto. Reis já passou 3 noites com Lídia no seu quarto.
ITINERÁRIO 6:
Capítulo VI * Salvador informa Reis de que os Sampaio almoçaram na Baixa, mas Marcenda regressará
sozinha depois do almoço.
• Reis e Marcenda conversam na sala de estar:
• Jantar no Hotel Central com os Sampaio, sendo a política o tema de discussão.
ITINERÁRIO?:
271
NEMUII EXAME NACIINAL
Capítulo VIII • Reis é intimado a comparecer na Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE).
Rua do Alecrim —► Esquina da igreja -*> Cinema Chiado Terrasse —► Teatro de S. Luís, Rei de
França
• As revelações de Lídia:
- criada de hotel;
- mal sabe ler e escrever;
- tem um meio-irmão, Daniel Martins -23 anos, ambos filhos da mesma mãe que é Oficial
da Marinha de Guerra e não confia nem gosta deste Governo de António Oliveira Salazar;
- soube por Daniel das torturas, interrogatórios e castigos da PVDE (futura PIDE), todos
desumanos e secretos.
- o Dr. Sampaio ignora-o, desconfiado, enquanto conversa com os espanhóis, Don Alonso e
Don Lorenzo;
ITINERÁRIO 9:
272
ramxiÊs u? ani
TEORIA
Capítulo X ■ Reis diz a Lídia que se vai mudar para a casa nova.
• 0 médico escreve a segunda carta a Marcenda. dando a sua nova morada.
ITINERÁRIO 10:
• Reis vai ao Chiado recrutar «moços de fretes» para transportar as malas do Hotel Bragança
até sua casa no Alto de Santa Catarina:
Hotel—►Chiado «pela calçada»—► Estátua de Camões—► Alto de Santa Catarina
• Durante o percurso: passaram 23 elétricos «carregados» de alemães «excursionistas» com
destino à Torre de Belém, ao Mosteiro dos Jerónimos, a Algés, Dafundo. Cruz Quebrada -
crítica à presença alemã (membros da Frente Alemã do Trabalho), descontraída e superior,
pela capital portuguesa.
ITINERÁRIO 11:
Calhariz—► Praça Camões—► Igreja dos Mártires—► Baixa (restaurante Chave de Ouro)—►
Alto de Santa Catarina (regresso a sua casa de táxi)
• Lídia visita Reis na sua nova casa e informa-o de que Marcenda chega a Lisboa no dia seguinte.
• Marcenda visita Reis, acabando os dois por se beijar e por trocar declarações mútuas.
• Marcenda confidencia que o pai quer que ela vá a Fátima (estando, porventura, a prepará-la
para deixarem de ir a Lisboa porque os seus amores adúlteros acabaram).
ITINERÁRIO 12:
Alcântara—► Pampulha—► Conde Barão—► Rossio—► Praça Luís de Camões (consultório)
• Sentado num banco do Alto de Santa Catarina, Reis concentra-se no JORNAL (contexto histórico).
• Ricardo Reis regressa a casa e vê «um sobrescrito na passadeira, de um levíssimo tom de
violeta», remetido de Coimbra - Marcenda faz votos de manter a amizade com Ricardo e
promete visita ao seu consultório.
ITINERÁRIO 13:
Ricardo Reis sai para jantar e apanha um elétrico e segue o seu itinerário.
Rua Alexandre Herculano—► Praça do Brasil—► Rua das Amoreiras —► Rua de Silva Carvalho
—► Bairro de Campo de Ourique—► Rua de Ferreira Borges—► Rua de Domingos Sequeira—►
Rua de Saraiva de Carvalho «na direção do cemitério»
273
NEMUII EXAME NACIINAL
• 0 diálogo Pessoa-Reis continua dentro de casa depois de terem avistado Victor da PVDE.
• Reis toma café e vai buscar os jornais para ler as notícias a Pessoa (que já não sabe ler).
• Reis propõe Marcenda em casamento, mas esta recusa, por considerar que não seriam felizes.
Capítulo XIV * Carta de Marcenda a Reis para se despedir e pedindo-lhe que não voltasse a escrever-lhe,
pondo fim ao relacionamento.
•Reis volta a The God of the Labyrinth: o tabuleiro de xadrez mostra um homem morto:
Addis-Abeba - Ricardo Reis (prolepse, pois Reis «desaparece» no final do romance, cujo
título o prenuncia).
• Diálogo entre Reis e Lídia sobre o papel dela na vida dele.
ITINERÁRIO 14:
• Ricardo Reis vai a Fátima na tentativa de encontrar Marcenda, o que acaba por não acontecer.
Capítulo XV * Regressado de Fátima, Reis não saiu de casa «por três dias».
• Reis recebe a carta do colega agora convalescido, que o informa de que regressará ao con
sultório.
• Reis reflete sobre o passar do tempo, sobre os verdadeiros motivos do seu regresso a Portu
gal, sobre a possibilidade de voltar para o Brasil, sobre Fernando Pessoa, Marcenda e Lídia.
• 0 regresso de Lídia e conversa com ela sobre as notícias do jornal 0 Século.
274
nktkiês u? ani
TEORIA
ITINERÁRIO 15:
• Reis decide ir assistir à simulação de um ataque aéreo-químico e rompe pela multidão que
se prepara para assistir, aviões já no céu.
• Ricardo Reis e Lídia conversam sobre este exercício e sobre a fuga do preso Manuel Guedes.
Capítulo XVI * Reflexão sobre Os Lusíadas e Mensagem: Fernando Pessoa não dedica, em parte alguma,
um poema a Camões e tem remorsos.
- reações de cada um dos dois: Lídia calma, serena, contrariamente a Reis, agitado, ener
vado, alheado.
2? 5
NEMUII EXAME NACIINAL
Capítulo XVII • Realização do filme de Lopes Ribeiro acerca do enredo do livro Conspiração.
• Reis vai pela Calçada da Estrela até ao Cemitério dos Prazeres para falar com Fernando
Pessoa.
• Lídia chora e tem uma crise existencial (a sua condição eterna de criada na relação com o
médico Ricardo Reis).
• 0 comício na Praça de Touros do Campo Pequeno, a que Ricardo Reis vai assistir.
Capítulo XIX • Lídia visita Ricardo para lhe segredar pormenores da conspiração em desenvolvimento
planeada pela Marinha, da qual faz parte o irmão Daniel:
ITINERÁRIO 17:
Reis sai para almoçar e do jardim do Alto de Santa Catarina olha para os barcos no Tejo. 0
balão nazi sobrevoa Lisboa, o Hindemburgo com a cruz suástica.
Chiado—► Rua Nova do Almada—*■ Terreiro do Paço—». Àporta do Hotel Bragança—► Rua
do Alecrim —► Seguiu o caminho das Estátuas, Eça de O.ueirós, o Chiado, d'Artagnan, o pobre
Adamastor—► Alto de Santa Catarina (casa)
• Revolta dos marinheiros e bombardeamento dos barcos, que termina com a morte de 23
marinheiros, sendo um deles o irmão de Lídia.
276
nmciÊsu?ANi
TEORIA
277
NEMUII EXAME NACIINAL
Linguagem *Tom oralizante (registo de língua popular) c pontuação expressiva (frases longas,
e estilo separadas por vírgulas e pontualmente por pontos finais, parágrafos igualmente lon
gos, discurso direto antecedido por vírgula e encetado com letra maiuscula);
• Presença de recursos expressivos, tais como antíteses, comparações, enumerações,
ironias e metáforas:
* Reprodução do discurso no discurso acontece sobretudo:
-no discurso politicamente correto de políticos e analistas, recuperado pelo narra
dor omnisciente dos jornais portugueses e estrangeiros;
- no discurso do narrador, que parafraseia discursos de outras personagens e de polí
ticos;
- no discurso de emissoras de rádio (RCP);
-no discurso de anúncios publicitários (Bovril é disso exemplo) ou de placas que
anunciam lojas e casas de interesse público.
278
PRÁTICA
e) i 1 Reis terá uma relação carnal com Lídia e uma relaçào platónica com Marcenda.
apenas permeada de beijos.
g) D Ao longo dos itinerários geográficos, há vários encontros entre Ricardo Reis, Fer
nando Pessoa e Álvaro de Campos.
i) 1 0 pai de Marcenda. Dr. Santana, recomenda a Reis que leia o livro Conspiração, de
apoio à ideologia salazarista.
27S
Leia atentamente o seguinte excerto e responda às questdes.
O bodo
Ricardo Reis subiu a rampa da Calçada dos Caetanos, dali podia apreciar o ajunta
mento quase à vol d oiscau1, voando baixo o pássaro, mais de mil, o polícia calculara
bem, terra riquíssima cm pobres, queira Deus que nunca se extinga a caridade para que
nào venha a acabar-sc a pobreza, esta gente de xale e lenço, de surrobccos2 remendados,
5 de cotins com fundilhos doutro pano, de alpargatas, tantos descalços, e sendo as cores
tào diversas, todas juntas fazem uma nódoa parda, negra, de lodo malcheiroso, como
a vasa do Cais do Sodrc. Ah cstào, e estarão, à espera de que chegue a sua vez, horas e
horas de pé, alguns desde a madrugada, as màcs segurando ao colo os filhos pequenos,
dando de mamar aos da sazão, os pais conversando uns com os outros cm conversas de
i homens, os velhos, calados c sombrios, mal seguros nas pernas, babam-se, dia de bodo c
o único cm que se lhes nào deseja a morte, por causa do prejuízo que seria. E há febres
por aí, tosses, umas garrafmhas de aguardente que ajudam a passar o tempo e espaire
cem do frio. Sc volta a chover, apanham-na toda, daqui ninguém arreda.
Ricardo Reis atravessou o Bairro Alto, descendo pela Rua do Norte chegou ao
15 Camões, era como se estivesse dentro de um labirinto que o conduzisse sempre ao
mesmo lugar, a este bronze afidalgado e espadachim, espécie de D’Artagnan premiado
com uma coroa de louros (...), mas este aqui, se por estar morto nào pode voltar a ahs-
tar-sc, seria bom que soubesse que dele se servem, à vez ou cm contusão, os principais,
cardeais incluídos, assim lhes aproveite a conveniência. Sào horas de almoçar, o tempo
1 foi-se passando nestas caminhadas e descobertas, parece este homem que nào tem mais
que fazer, dorme, come, passeia, faz um verso por outro, com grande esforço, penando
sobre o pé c a medida, nada que se possa comparar ao contínuo duelo do mosqueteiro
D'Artagnan, só Os Lusíadas comportam para cima de oito mil versos, e no entanto este
também é poeta, nào que do título se gabe, como se pode verificar no registo do hotel,
B mas um dia nào será como médico que pensarão nele, nem cm Álvaro como engenhei
ro naval, nem em Fernando como correspondente de línguas estrangeiras (...).
1 Rapidamente; sem entrar em detalhes. José Sara mago. O .4 «o da Morte de Ricardo Reis,
2 Panos grosseiros e pobres. Lisboa. Caminho, 2013, pp. 91-93
280
PRÁTICA
1.4 Comente o valor dos recursos expressivos presentes em «uma nódoa parda, negra,
de lodo malcheiroso».
211
Leia atentamente o seguinte excerto e responda às questdes.
Curiosidades
2. Fazendo uso do seu conhecimento da obra integral, caracterize Lídia, do ponto de vista
físico e psicológico, servindo-se das suas próprias palavras.
4. Selecione um exemplo que inclua cada um dos seguintes recursos, referindo-se ao seu
valor
a) tom oralizante
c) antítese
283
NEMUII EXAME NACIINAL
Capítulo I • Diálogo entre El-rei D. Joào V, Frei António de S. José e o bispo D. Nuno da Cunha: o
frade franciscano faz saber ao Rei que ele só terá descendentes se erigir um convento
franciscano em Mafra, pois assim Deus irá recompensar a sua sucessão e o seu reinado;
• Descrição de pormenores da relação entre o rei e a rainha. D. Maria Ana.
• Baltasar Mateus, o Sete-Sóis, vem de Évora (onde pedia esmola) para Lisboa, cidade
Capítulo IV
onde conhece Joào Eivas, dois antigos soldados que agora vivem uma vida miserável e
sem reconhecimento por parte da Coroa.
Capítulo V • Baltasar e Blimunda conhecem-se num auto de fé, no qual a mãe de Blimunda (Sebas-
tiana Maria de Jesus) é condenada a açoites públicos e ao degredo em Angola;
• 0 Padre Bartolomeu Lourenço abençoa e «casa» Baltasar com Blimunda. o que marca
o início desta relação de verdadeiro amor.
Capítulo VI • Baltasar encontra-se com Padre Bartolomeu. no Terreiro do Paço, e este explica-lhe
os seus anteriores projetos de voo;
• Em seguida, os dois vão a S. Sebastião da Pedreira ver a passarola (a sua «máquina»)
que o Padre anda a planear.
Capítulo VII Nascimento e batizado da infanta D. Mana Barbara, primeira descendente de D. Joao V;
Morte de Frei António de S. José, o qual havia pedido a construção do convento fran
ciscano a D. Joào V.
294
nktkiês u? ani
TEORIA
Capítulo IX • Baltasar e Blimunda mudam-se para a quinta do duque de Aveiro: esta quinta situa-se
em S. Sebastião da Pedreira e é lá que o Padre Bartolomeu tem a sua passarola e a vai
aperfeiçoando:
• Descrição de uma tourada (evento sanguinário visto e apreciado por todos os popula
res, mesmo que o cenário de morte e horror animalesco seja uma constante).
Capítulo X • Regresso de Baltasar (com Blimunda) a Mafra. sua terra natal, ficando os dois a viver
na casa paterna com os pais. Joào Francisco e Marta Maria, a irmã Inês Antónia e seu
marido, Álvaro Diogo, bem como com o filho de ambos, Gabriel;
• Na ausência do rei. o seu irmão, o infante D. Francisco, dialoga com a rainha, afirmando
que a ama (e sabe que por ela é também amado) e que desejava a morte do irmão para
ser proclamado Rei de Portugal.
Capítulo XI • Padre Bartolomeu viaja para Mafra, pois aí possui terrenos (no Alto da Vela), para
onde transportará a passarola e a acabará; durante a viagem, vê a multidão de popu
lares que para lá também se deslocam, pois foram recrutados para trabalhar na cons
trução do Convento de Mafra;
Capítulo XII • Baltasar e Blimunda vão a Lisboa (S. Sebastião da Pedreira) e veem, pela primeira vez,
a passarola;
• Descrição do dia da inauguração das obras, em que el-rei deita a primeira pedra.
• Primeira referência ao apelido do padre, «de Gusmão», a ele atribuído por um padre
mais velho, quando esteve no Brasil;
• Referência crítica à «tourada de improviso», num dia tão sagrad o como o do Corpo de Deus;
• Referência a um pormenor sobre o dom de Blimunda; este é o único dia em que esta
rapariga não «vê» o interior de nada, nem de ninguém.
NEMUII EXAME NACIINAL
ESTRUTURA
ESTRUTURA INTERNA
EXTERNA
Capítulo XIV Padre Bartolomeu Gusmão regressa a Lisboa para vir habitar *as varandas do Ter
reiro do Paço»;
Descrição de uma lição de música que Domenico Scarlatti dá à infanta D. Maria Bár
bara no Palácio;
Padre Bartolomeu e Domenico Scarlatti discutem a obra do Convento de Mafra; daqui
se percebe que D. João V a quer igualar à Basílica de S. Pedro (Vaticano);
Padre Bartolomeu leva o seu amigo italiano à quinta para ver a passarola;
Padre Bartolomeu prepara um Sermão, o do Corpo de Deus.
Capítulo XV Scarlatti manda levar um cravo para a quinta do duque de Aveiro e aí toca para Barto
lomeu, Baltasar e Blimunda, enquanto estes trabalham na passarola;
Blimunda recolhe muitas vontades (pois muitas pessoas morrem, em Lisboa, por
causa da peste);
Narração do milagre de Madre Teresa da Anunciação (a quem Cristo deu enormes
quantidades de açúcar para esta fazer os doces conventuais);
Blimunda adoece, mas logo recupera;
Fim da construção da passarola;
A partir deste momento, e porque começa a ouvir rumores de que o Santo Ofício anda
de olho nele. Padre Bartolomeu irá mostrar-se sempre muito ansioso, nervoso, um
pouco estranho e muito menos seguro da sua vida.
Capítulo XVI Narração do naufrágio do infante D. Miguel, outro dos irmãos de D. João V, muito bon
doso e injustiçado pela morte, pois também na barca ia D. Francisco (pérfido e inve
joso) e salvou-se;
El-rei D. João V é obrigado a restituir ao duque de Aveiro a quinta de S. Sebastião da
Pedreira, razão pela qual Bartolomeu terá de retirar de lá a sua obra secreta;
Padre Bartolomeu teme cada vez mais a Inquisição;
Primeiro voo da passarola por Lisboa e Mafra;
Em Mafra, no Monte Junto, cai a passarola com os seus três tripulantes (Bartolomeu,
Baltasar e Blimunda);
Padre Bartolomeu desaparece misteriosamente e para sempre;
Baltasar e Blimunda regressam a Mafra.
Capítulo XVII □s familiares e todos os habitantes mafrenses pensam que o Espírito Santo voou
sobre a obra do Convento desconhecendo que se tratava da passarola;
Baltasar é mandado para a obra do Convento, onde transportará carros de mão, res
ponsáveis pelo transporte de terra e pedras;
Descrição muito detalhada dos trabalhos do Convento de Mafra;
Domenico Scarlatti vai visitar a obra e fica alojado no palácio do Visconde de Mafra.
295
nktkiês u? ani
TEORIA
Capítulo XX • Baltasar vai com Blimunda ver a passarola. escondida no Monte Junto;
•Ao regressarem a Mafra, veem as fogueiras, simbolicamente sempre presentes, a
fazer lembrar o constante medo da Inquisição;
• Descrição de Mafra como um espaço de prostituição suja e chocante (que lembra a
descrição bíblica, no Antigo Testamento, das cidades de Sodoma e Gomorra, as quais
Deus puniu severamente);
• Morte do pai de Baltasar. João Francisco.
Capítulo XXIII • Viagem das estátuas que irão rechear o convento (estátuas de mártires e santos da
Igreja Católica);
• Baltasar regressa, mais uma vez, ao Monte Junto para consertar a passarola. mas
escorrega e a passarola começa a voar.
• Blimunda encontra Baltasar, após nove anos de procura, pendurado na fogueira inqui
sitória l e recolhe «a sua vontade».
287
NEMUII EXAME NACIINAL
Linhas de ação
• Construção do Convento de Mafra: o decorrer da construção do convento ocupa
grande parte da ação de Memorial do Convento e tem que ver com a narração de qua
tro grandes factos: a escolha do local por parte del-reí D. João V (Mafra), o lançamento
da primeira pedra (em 1717, com direito a visita real e a procissão solene e pomposa),
a construção propriamente dita do monumento (da qual sobressai o recrutamento
forçado, em duas fases, de trabalhadores do povo, bem como os seus sofrimentos, o
trabalho árduo e até a morte de alguns) e. por último, a sagração da Basílica, a 22 de
outubro de 1730.
• Construção da passarola: esta narrativa é considerada como outra linha de ação, por
ser paralela a narrativa que diz respeitoà construção do convento; a passarola é dese
nhada e arquitetada pelo Padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão (depois de seguidos
conselhos holandeses sobre o seu «combustível», ou seja, âmbar e éter); em seguida,
com a ajuda de Baltasar e Blimunda, a «máquina de voar» vai sendo construída secre
tamente na quinta do duque de Aveiro, em São Sebastião da Pedreira; quando aca
bada, seguiu-se o éter («vontades dos vivos» que a vidente recolhia na hora em que
eles morriam) e o primeiro voo da passarola, que vai sobrevoar Lisboa e Mafra. vindo a
cair no Monte Junto; nesse momento, o Padre Bartolomeu desaparece e virá a morrer,
anos mais tarde, em Toledo (Espanha).
• Retrato da relação amorosa (livre do Sacramento cristão do Matrimónio) entre Bal
tasar Mateus e Blimunda de Jesus: esta é também considerada uma outra linha de
ação e trata de uma relação amorosa «livre», dado que. depois de os dois se conhece
rem no auto de fé (que condenou a mãe de Blimunda a açoites públicos e ao degredo
em Angola), estes passaram a viver juntos, sem outra bênção sacerdotal que não a
do Padre Bartolomeu; a narração desta relação inclui referências às relações ínti
mas que resultam do amor entre ambos e que nada têm de pecaminoso, uma vez que
os dois se amam verdadeiramente, sem necessitarem de ato matrimonial oficial de
espécie alguma; depois de ter ido visitar a passarola ao Monte Junto (onde passou a
estar escondida), Baltasar desaparece misteriosamente, sendo que Blimunda virá a
encontrá-lo, ao fim de nove anos de sofrida procura, a arder numa fogueira resultante
de mais um tenebroso e irracional auto de fé.
1 Todas as citações desta obra seguem a seguinte edição: JoséSaramago, Memoricrido Convento, Lisboa, Caminho, 2013.
ZIB
nktkiês u? ani
TEORIA
- De Blimunda se diz que tem os olhos de cor «indefinida»,pois mudam consoante ela
está em jejum ou depois de ter comido. Em jejum, Blimunda é capaz de ver para além
do que os outros veem, ou seja, vê o interior das pessoas, dos objetos e da terra. Ape
sar de sermuito discreta, mostra-se inabalável noseu amor a Baltasar efiel ao amigo
Padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão; é inteligente e muito valente, o que se nota,
entre outros casos, no momento em que pernoita nas ruínas junto de um convento
289
NEMUII EXAME NACIINAL
Caracterização franciscano (quando procurava sozinha o seu homem, Baltasar), e, perante a tenta
das persona tiva de violação por parte de um frade devasso, espeta-lhe o espigão nas costas,
gens e relação matando-o, roubando-lhe as sandálias de boa qualidade e fugindo sozinha, a meio
entre elas da noite erma, para continuar a sua demanda.
(cont.) - Quanto a Baltasar. é também um homem do povo, que nasceu em Mafra e perdeu na
guerra a sua mão esquerda (substituída por um gancho); é muito trabalhador.sempre
atento a oportunidades de trabalho (como acontecerá com as suas tarefas na cons
trução do Convento); o facto de ser amado por Blimunda renova o seu espírito, que
dará mostras de grande coragem (pois é ele que guardará a passarola de Bartolomeu
Lourenço e talvez por ela será condenado à morte, na fogueira, pelo Santo Ofício).
250
nmciÊsu?ANi
TEORIA
O tempo O tempo em MemorrcJ do Convento pode ser perspetivado segundo duas vertentes:
histórico o tempo histórico (pertencente ã História de Portugal) e o tempo da narrativa, que é
e o tempo aquele que, dividido em dias, meses e anos, remete para a sucessão de acontecimentos
da narrativa na narrativa.
Tempo histórico
Alguns exemplos:
-a informação de que o arquiteto alemão Frederico Ludovice foi o encarregado da
obra, durante algum tempo:
- a vinda de materiais do Brasil (ouro) e de outros países da Europa (nomeadamente,
obras de arte e decoração);
- o pedido do rei em adiantar as obras, e consequente inauguração, em 1730, da Basí
lica;
-o recrutamento forçado de milhares de populares para apressar a construção do
Convento de Mafra:
-a vinda de, pelo menos, uma pedra gigante da localidade de Pero Pinheiro para Mafra:
- o casamento, por conveniência, entre Maria Bárbara (de Portugal) e D. Fernando (de
Espanha) e entre D. José (futuro D. José I. rei de Portugal) e D. Mariana Vitória (de
Espanha).
Tempo da narrativa
• 17 de novembro de 1717 marca o início das obras em Mafra, com a colocação e bên
ção da primeira pedra: «dezassete de novembro deste ano da graça de mil setecentos
e dezassete, aí se multiplicaram as pompas e as cerimónias no terreiro, logo ãs sete
da manha»;
* 1727 é o ano implicado na sequência frásica «dezasseis anos passaram desde que
a vimos pela primeira vez», a Blimunda, que surge, pela primeira vez. aos olhos do
tfl
leitores, no auto de íé que condena sua mãe, Sehastiana Maria de Jesus, a açoite
Lfl
291
NEMUII EXAME NACIINAL
0 tempo
• 1739 é a última data implicada na obra, por meio da frase que inicia o último capítulo de
histórico Memorial do Convento - «Durante nove anos, Blimunda procurou Baltasar», momento
eo tempo que se segue ao desaparecimento misterioso deste homem, após ter voado na passa-
da narrativa rola uma última vez, a partir do sítio onde ela caíra anteriormente, o Monte Junto.
(□ont.) Eis outros exemplos referidos na narrativa:
- «assim foi o inverno passado, assim a primavera, algumas vezes veio o padre a Lisboa»;
- «já vào onze anos passados, por isso pergunta, benévolo. Verei voar a máquina um dia»;
• Informação sobre o ano de 1624 - «Tanto mais que o convento de Mafra o anda a
querer a ordem de S. Francisco desde mil seiscentos e vinte e quatro, ainda estava
rei de Portugal um Filipe Espanhol»;
•Referência ao que, no futuro, vai acontecer a D. João V, isto é, terá muitos filhos
bastardos (frutos de relações sexuais com outras mulheres, criadas e freiras, que
não a rainha) - «por isso se diverte tanto com as freiras {...), que quando acabar a
sua história se hão de contar por dezenas os Filhos assim arranjados»;
• Informação sobre a vinda do cinema - «para vir o cinema ainda faltam duzentos
anos, quando houver passarolas a motor, muito custa o tempo a passar»;
- Repare-se como, sobre o que se passou durante esses nove anos, o narrador não diz
rigorosamente nada, a não ser que Blimunda andou por muitas terras portuguesas
e até espanholas.
A verdade é que se foi o rei que ordenou a construção do convento, não foi obviamente
Visão crítica
ele quem o construiu, mas sim o povo; muitos milhares de trabalhadores foram recruta
dos à força e muitos morreram, sem que a História de Portugal se lembre deles, daí que
esta obra seja especificamente o «memorial» destas pessoas populares e incógnitas,
ligadas à construção do Convento de Mafra.
252
nktkiês u? ani
TEORIA
Visão critica Em paralelo, o romance Memorial do Convento inclui ainda aspetos deste século XVIII
e que apresenta criticamente, fazendo sobressair:
(cont.)
- o poder absolutista de um rei e sua coroa, alheios aos interesses do povo e vivendo
faustosamente:
- a crítica ao mau investimento do ouro do Brasil, que deixou o reino de Portugal sem
rendimentos (com o sucessor D. José 1, filho de D. João V);
- o domínio, cego e perverso, do Santo Ofício (Inquisição) nos seus autos de fé. onde
Blimunda encontra a mãe. condenada a açoites e a 8 anos de degredo por ter visões
demoníacas, e Baltasar Sete-Sóis. a ser queimado na fogueira;
- a perseguição da Inquisição ã Ciência, veja-se o caso da construção da passarola
arquitetada pelo Padre Bartolomeu Gusmão, julgada como obra demoníaca.
Por outro lado, quase todos os membros do clero aqui presentes simbolizam a devassi
dão moral e o aproveitamento do fervor religioso do povo ao ponto de estabelecerem
e assegurarem a atuação da Inquisição, que condena e assassina milhares de inocentes,
sempre suspeitos de heresia ou feitiçaria, quando, simplesmente, seriam «incómodos»
à Igreja Católica.
Todavia, há um outro grande símbolo no romance, o dos números 3 e 7:
- três são os elementos (em jeito de triângulo perfeito, como o da Santíssima Trindade)
que compõem o centro da construção da passarola - o Padre Bartolomeu Lourenço
de Gusmão, Baltasar Mateus e Blimunda de Jesus;
- sete é o número incluído nas alcunhas de Sete-Sóis e Sete-Luas, como que a pressa
giar um futuro trágico, que vai acontecer, de facto, com a morte de Baltasar e a viuvez
de Blimunda.
A propósito destas alcunhas, a referência a «Sóis» explica-se porque Baltasar vê «às
claras» (como refere Bartolomeu) e a «Luas», pois Blimunda vê «às escuras»
293
1. Leia atentamente as seguintes afirmações e classifique-as como V (Verdadeira) ou
F (Falsa), corrigindo as falsas.
a) Neste romance. Saramago elege como herói nacional el-rei D. João V, o Magnânimo.
c) 1 ! D. João V quer que o seu convento seja igual à basílica de São Marcos de Veneza
(Itália).
j) O Blimunda tem o dom de ver «o interior das coisas», dom que perde apenas no dia do
«Corpus Christí» («Corpo de Deus»),
lc) Baltasar nunca recebeu a tença prometida por serviços militares à pátria, o que
prova a presença da crítica social e religiosa.
294
m) 0 Padre Lourenço de Gusmão aprendeu as artes da alquimia, assim como obteve
informações sobre o éter na Holanda.
q) A passarola voa pela primeira vez entre Lisboa e Mafra, mas o Padre desaparece
inesperada e misteriosamente.
295
rirui m Memorial do ConventoJosé Saramago
• Caracterização das personagens e relação entre elas
* Visão cntica
Penitências
23 í
PRÁTICA
3. Mostre a dimensão simbólica desta procissão como meio através do qual narrador con
segue dar forma à crítica religiosa que plasma todo o Memorial do Convento.
4. Evidencie de que forma a última frase do texto resume a visão crítica do narrador relati
vamente à fé cristã.
297
Leia atentamente o seguinte excerto e responda às questdes.
2SB
PRÁTICA
259
nktkiês u? ani
TEORIA
Relato de viagem Título/subtítulo: sugestivo e apela Registo de língua formal mas acessível ao
Texto que versa sempre sobre tivo. público-alvo;
temas relacionados com via- Introdução: apresentação do per Informação significativa;
gens ou percursos que o autor curso, da viagem, da experiência,... Encadeamento lógico dos tópicos tratados;
Desenvolvimento: exposição do local Variedade de temas;
ou dos locais da viagem e sua descri
Discurso pessoal (prevalência da l.a pessoa);
ção e relatos da experiência pessoal.
Dimensões narrativa e descritiva;
Conclusão: fecho do relato da viagem.
Multimodalidade (diversidade de estilos de
escrita e de recursos)
Artigo de divulgação científica Título/subtítulo (ou antetítulo): Registo de língua formal mas acessível
Texto que versa sobre um objetivo e apelativo. Informação seletiva;
assunto das varias áreas do Introdução: breve apresentação do Linguagem técnica e cientifica;
Saber/da Ciência. O seu obje tema/conteúdo a divulgar.
Caráter expositivo;
tivo é dar a conhecer ao público Desenvolvimento: exploração do tema.
conclusões retiradas de proje Hierarquização das ideias;
Conclusão: apresentação da conclu
tos de investigação. são do tema/conteúdo exposto. Explicitação das fontes;
Rigor e objetividade.
3.a pessoa.
301
NEMUII EXAME MCIINAL
302
nktkiês u? ani
TEORIA
Exposição do tema pouco conhecido, mas pode fazer a diferença na nossa vida e na declarativa
303
NEMUII EXAME NACIINAL
APRECIAÇÃO CRÍTICA
Título sugestivo Nãí> é unia questão de gosto: os festivais em Portugal são os melho
e apelativa.
res da Europa
304
nmciÊsu?ANi
TEORIA
TEXTO/ART1GO DE OPINIÃO
Titulo sugestivo
e apelativo.
Olhar para eucaliptos
305
NEMUII EXAME NACIINAL
RELATO DE VIAGEM
305
nmciÊsu?ANi
TEORIA
Titulo objetivo
sobre o tema ód ,4 nova ridu Ju cortiça
artigo.
António l.uís Campos, «A nova vida da cortiça», março <lc 2009, Núíioiidl Ccc^Fiip/irc
{disponível cm https://nationalgcographic.sapcj.pt/cicncia/grandc5-rcportagcns/
110<j-cortica-mar2009; consultado a 28/07/2017; texto adaptado).
307
PIEMUII EXAME NACIINAL
DISCURSO POLÍTICO
Título
Informações sobre o Mensagem de.4 no Nopo do Presidente da República, Marcelo Rebelo de
orador e o contexto. Sousa Palácio de Belém, 1 de janeiro de 2017
Introdução
Muito Boa Noite.
Cumprimento de
Há quase dez meses, ao tomar posse, recordei a nossa vocação de
protocolo: sauda
ção aos ouvintes e sempre, que é a de sermos mais do que dez milhões que vivem num
motiva da discursa. retângulo na ponta ocidental da Europa.
Somos e temos de ser uma plataforma entre culturas, civiliza
ções e continentes, espalhados pelo mundo, capazes de criar diálo
go, fazer a paz. aproximar gentes. Para isso, defendi mais e melhor
educação, maior coesão, ou seja, menores desigualdades, capacidade
de nos unirmos no essencial. (...)
O ano de 2016 chegou ao fim. Será que conseguimos dar pas
sos em frente no caminho pretendido? (D)emos passos para corrigir
injustiças e criámos um clima menos tenso, menos dividido, menos
negativo cá dentro e uma imagem mais confiável lá fora, afastando
o espectro de crise política iminente, do fracasso financeiro, da ins
tabilidade social que, para muitos, era inevitável. Tudo isto foi ohra
nossa - de todos os Portugueses. No entanto, ficou muito ainda por
Desenvolvimento
fazer.
Argumentação
O crescimento da nossa economia foi tardio e insuficiente.
a fundamentar
a tese exposta
Alguns domínios sociais sofreram com os cortes financeiros. A dívi
(argumentos, da pública permanece muito elevada. (...). Mas. tudo visto e soma
cont ra-argument os do, o balanço foi positivo. (...) Quando queremos, nos unimos no Enunciação
e provas). na 1 .■ pessoa
fundamental e trabalhamos com competência, com método e com
do plural
metas claras — somos os melhores dos melhores.
Começa hoje um novo ano. Neste tempo que se abre, temos de
Caráter persuasivo
reafirmar os nossos princípios e saber o que é preciso fazer primei
ro. Os nossos princípios: acreditamos nas pessoas, no respeito da sua Verti os
declarativos,
dignidade, das suas diferenças, dos seus direitos pessoais, políticos
de opin ião e crença
e sociais; (...) acreditamos no dever de construir a solidariedade e
a paz e de lutar contra o terrorismo, na Europa onde nascemos, (...)
nos novos mundos onde estivemos e estamos e queremos unir cada Enumeração
309
nktkiês u? ani
TEORIA
DIÁRIO
donde saiu - a
metro, de novo a tomar.
cama.
Gabriel (disponível cm http://diarioditcTariosalunos.blqgspot.pt/,
consultado a 28/07/2017)
309
PIEMUII EXAME NACIINAL
MEMÓRIAS
Introdução
O escritor Francisco
Francisco José Viegas
José Viegas informa [sobre uma das suas idas ao Correntes d’Escritas - Póvoa de
sobre que memórias Varzim]
vai escrever.
Das duas últimas edições trago recordações literárias importan Verbo e expressão
tes, alinhadas entre as memórias dessa semana da Póvoa. Entre elas que remetem para
a ação de recordar/
estào: 4 garrafas de Jameson, novo, e uma de Hushmills, malte; um lembrar; presente
saco de gelo usado para ilustrar a presciência do Jameson, e subtraí do indicativo
do com codícia aos frigoríficos do bar do hotel, já fora de horas; o
frio que os fumadores apanham no hotel, junto da piscina, à noite;
17 anedotas literárias ou académicas contadas por Onésimo Teo-
tónio de Almeida; 4 trocas de nomes de convidados, da responsa
bilidade de José Carlos Vasconcelos; o bigode de Leonardo Padura
Desenvolvimento
(nào me refiro à barba); uma gracinha dita por Luís Fernando
Pormenores
sobre t ud o: outros Veríssimo durante uma das cinco vezes (no total) em que experi
escritores, o con mentou falar; duas meninas que aguardavam, nervosas, a chegada
vivia entre eles, de Mia Couto, e que o trocaram por José Eduardo Agualusa; uma
os «tiques» as
peça de lingerie encontrada num corredor do sexto piso, perto do
manias de cada um,
a alimentação-, os quarto onde Daniel Mordzinsky tira as suas melhores fotografias;
pormenores bons 3 anedotas de cariz eminentemente sexual contadas por Onésimo
e maus sobre as
Teotónio de Almeida; 16 pacotes de Chesterfield esgotados por
comunicações de
escritores e edi
Carlos da Veiga Ferreira; uma edição da Playboy brasileira à venda
tores, bem como no quiosque do hotel; o esparregado, as batatas salteadas, a salada Língua corrente e
detalhes sobre epi de feijão e os ovos verdes do bujjet do hotel; os chapéus de Manuel subjetiva
sódios mais íntimos.
Rui; o ar de tédio do colombiano Santiago Gamboa ao pensar que
está de regresso a Mumbai; 5 anedotas de motivo principalmente
religioso contadas por Onésimo Teotónio de Almeida; a inveja
por uma das camisolas de gola alta de Almeida Faria; a inveja por
José Manuel Fajardo, em geral e por um motivo em particular;
a descoordenação motora e vocal de Isabel Coutinho durante os
pequenos-almoços; o bigode (entretanto desaparecido) de Antonio
Sarabia; o bigode (nunca desaparecido) de João Rodrigues; duas
meninas que aguardavam, nervosas, a chegada de José Eduardo
Enunciação na 1?
Agualusa, e que o trocaram por Mia Couto; (...) uma aparição de
pessoa e forma
Conclusão Enrique Vila Matas; duas sestas que dormi na varanda do hotel verbal de tempos do
Resumo e opinião enquanto os meus colegas discutiam, empenhada e entusiastica passado
pessoal: «Gostei de
mente, o devir da literatura, a importância da l íngua Portuguesa,
tudo», a que mostra
que o escritor recu
o silêncio das esferas, e a vida estrepitosa dos escritores, creio que
perou todas esses do Uruguai, mas nào me lembro. Gostei de tudo.
pormenores politi
camente corretos
e incorretos, olhan
(disponível cm http: //bibliotccanodchabcl.com/CLg/francisco-josc-viegas/;
do-os ã distância
consultado a 28/07/2017)
como importantes e
até divertidos.
310
nmciÊsu?ANi
TEORIA
SÍNTESE
TEXTO ORIGINAL
SÍNTESE
Frase declarativa
Termos genéricos
Paulo Rolão foi visitar a serra da Arrábid^ e sua área limítrofe.
• '/3 do tamanho. A missão da visita revelou-se custosa por causa das dificuldades Conectores
• Discurso na da caminhada, descendente ou ascendente, por entre a vegetação
Pronomes
3? pessoa. selvagem e o piso pedregoso. Porém, tudo isto nào o impediu de
reparar no que o rodeava: flora, fauna e microclima. Hiperónimos
3.1 pessoa
311
Leia o texto.
Era este o género literário que a poética oferecia aos letrados do Renascimento para
exaltar feitos excecionais, à semelhança da Ilíada c da Odisseia de Homero, ou da Eneida
de Virgílio. E constituía justamente a maior ambição do poeta clássico: rivalizar com
os Antigos no género mais elevado. Na leitura d’Qs Lusíadas, importa ter presente a
5 codificação do género na forma que assume neste momento. Assim, o poema heroico
deve abrir com uma exposição sintética da matéria que vai desenvolver, a proposição;
invocará as divindades para receber inspiração; a narrativa nào se iniciará no princípio
da ação, mas in media res, a meio, de modo a despertar imediatamente o interesse do lei-
tor. E justamente o que observamos n’Os Lusíadas. Além disso, a obra épica adotará um
I estilo grandiloquente, um nível de linguagem solene; embora, para evitara monotonia,
intercale trechos de tom diferente.
Regressando ao estilo épico: nào é apenas a matéria e a linguagem que lhe conferem
grandiosidade, estabelece-se também o uso da mitologia c de referências frequentes á his
tória antiga, de modo a obter-se um discurso culto, que impressione pela erudição, pela
B soma de conhecimentos que demonstra a competência do autor. Em todo o caso, nào é o
conjunto dos modelos clássicos ou da precetística*1 2que norteia Camões. Os Lusíadas estão
particularmentc dependentes da Eneida, obra com a qual o género assume uma inflexão
especial: na epopeia virgiliana nào importa tanto exaltar as proezas de um herói indi
vidual, independentemente das finalidades desse heroísmo e do seu valor moral, como
9 compreender o sentido e a grandeza da ação humana; mostrar os heróis na sua dedicaçao a
uma causa nobre que ultrapassa o indivíduo para se tornar nacional, ou até de âmbito mais
vasto. Deste modo, as figuras individuais perdem relevo e avulta a necessidade de definir
formas de comportamento exemplares. A epopeia adquire uma nova «feição pedagógica».
2. A sequência «a maior ambição do poeta clássico: rivalizar com os Antigos» (linhas 3-4)
remete para o objetivo de
312
3. A palavra «justamente* (linha 9) é utilizada discursivamente com o objetivo de retoma para
d) apresentação de consequências.
5. Segundo a autora, a imitação do «conjunto dos modelos clássicos» (linha 16) revelou-se
para Luís de Camões
a) secundária. c) obrigatória.
b) J vantajosa. d) í J imprescindível.
7. De acordo com o texto, n’Os Lusíadas, «compreender o sentido e a grandeza da ação huma
na» (linha 20) é
8. Indique a subclasse da palavra destacada na sequência «o poema heroico deve abrir com
uma exposição sintética da matéria que vai desenvolver, a proposição» (linhas 5-6).
9. Refira o tipo de coesão conseguido com a sequência «Deste modo» (linha 22).
10. Classifique a oração «obra com a qual o género assume uma inflexão especial» (linhas 17-18).
313
Leia o texto [Almeida Garrett escreve aos membros do Conservatório Real].
Senhores: (...)
As figuras, os grupos, as situações da nossa história — (...) que para aqui tanto vale —
parecem mais talhados para se moldarem c vazarem na solenidade severa e quase esta
tuária da tragédia antiga, do que para se pintarem nos quadros do drama novo — ou para
5 se entrelaçarem nos arabescos do moderno romance. Inês de Castro, por exemplo, com
ser o mais belo, é também o mais simples assunto que ainda trataram poetas. E por isso
todos ficaram atrás de Camões, porque todos, menos ele, o quiseram enfeitar, julgando
dar-lhe mais interesse. Na história de Frei Luís de Sousa (...) nessa história, digo, há toda
a simplicidade de uma fábula trágica antiga. (...)
■ A catástrofe é um duplo e tremendo suicídio; mas nào se obra pelo punhal ou pelo
veneno; foram duas mortalhas que caíram sobre dois cadáveres vivos: — jazem em paz
no mosteiro, o sino dobra por eles; morreram para o mundo, mas vào esperar ao pé da
Cruz que Deus os chame quando for a sua hora. (...) O que escrevi em prosa, pudera
escrevê-lo em verso: — e o nosso verso solto está provado que é dócil c ingénuo bastante
15 para dar todos os efeitos de arte sem quebrar na natureza. Mas sempre havia de apare
cer mais artificio do que a índole especial do assunto podia sofrer. E di-lo-ei, porque é
verdade — repugnava-me também pór na boca de Frei Luís de Sousa outro ritmo que
nào fosse o da elegante prosa portuguesa que ele, mais do que ninguém, deduziu com
tanta harmonia e suavidade.
1 Bem sei que assim ficará mais clara a impossibilidade de imitar o grande modelo;
mas antes isso do que fazer falar por versos meus o mais perfeito prosador da língua.
Contento-me para a minha obra com o título modesto de drama; só peço que a nào
julguem pelas leis que regem, ou devem reger, essa composição de forma e índole nova;
porque a minha, se na forma desmerece da categoria, pela índole [pelo conteúdo, pelo
B cnredo/pcla trama] há de ficar pertencendo sempre ao antigo género trágico.
Com uma açào que se passa entre pai, màc e filha, um frade, um escudeiro velho, c um
peregrino que apenas entra cm duas ou três cenas — tudo gente honesta c temente a Deus
— sem um mau para contraste, sem um tirano que se mate ou mate alguém, pelo menos
no último ato, como eram as tragédias dantes — sem uma dança macabra de assassínios, de
1 adultérios e incestos, tripudiada ao som das blasfémias e das maldições, como hoje se quer
fazer o drama —, cu quis ver se era possível excitar fortemente o terror e a piedade ao cadá
ver das nossas plateias, gastas e caquéticas pelo uso contínuo de estimulantes violentos.
Almeida Garrett, «Ao Conservatório Real», in Frei LmÍs de Snusa (apresentação crítica,
fixação de texto e sugestões para análise literária de Maria Joào Brilhante),
3.’ ed., Lisboa, Editorial Comunicação, 1994, pp. 57-71
1. A sequência «que para aqui tanto vale» (linha 1) pode ser parafraseada, de acordo com o
contexto, por
a) O «que tem grande valor». c) U «que nào tem grande valor».
314
2. Na sequência *E por isso todos ficaram atrás de Camões, porque todos, menos ele. o qui
seram enfeitar» (linhas 5-6), as palavras destacadas são. respetivamente, pronomes
a) indefinido e possessivo. c) ' pessoal e indefinido.
b) O possessivo e indefinido. d) LJ indefinido e pessoal.
3. A sequência «e o nosso verso solto está provado que é dócil e ingénuo» (linha 14) integra
b) «drama*. d) i j «índole».
6. Ao afirmar «eu quis ver se era possível excitar fortemente o terror e a piedade ao cadáver
das nossas plateias» (linhas 31-32), Garrett pretende dizer que
8. Identifique a função sintática desempenhada pela oração «que caíram sobre dois cadáve
res vivos» (linha 11).
9. Classifique a oração destacada em «só peço que a nào julguem pelas leis» (linhas 22-23).
10. Indique o referente do pronome destacado em «mas antes isso» (linha 21).
315
Leia o texto [sobre o tema Caeiro].
Há dois Caciros, o poeta c o pensador, sendo o primeiro que cm teoria se desdobra
no segundo. Os motivos fundamentais do poeta consistem na variedade inumerável da
Natureza, nos estados de semiconsciência de panteísmo sensual, na aceitação calma do
mundo como ele c. Os seus olhos azuis, infantis, se dermos fc ao testemunho de Cam-
5 pos, demoravam-se extasiados cm cada coisa, admirando o que a tornava diferente das
outras e diferente dela própria noutro momento. Caeiro vive de impressões, sobretudo
visuais, c goza cm cada impressão o seu conteúdo original. Caeiro não admite a reali
dade dos números c não quer saber de passado nem de futuro, pois recordar c atraiçoar
a Natureza e o futuro c o campo das conjeturas das miragens. Ora, Caeiro é um poeta
1 do real objetivo. De pastor tem o dcambulismo, o andar constantemente e sem destino,
absorvido pelo espetáculo da inexaurível1 variedade das coisas. «Anda a seguir*, passiva
mente, com o espírito concentrado numa atividade suprema: olhar. Os seus pensamentos
não passam de sensações. Vive feliz como os nos c as plantas, gostosamente integrado nas
leis do Universo. Caeiro limita-sc a existir, tendo nos lábios o sorriso. Caeiro surge, pois,
15 como lírico espontâneo, instintivo, inculto (não foi alem da instrução primária, informa
Campos), impessoal c forte como a voz da Terra, de candura, lhaneza2, 3placidez ideais.
O certo, porém, c que c autor de poemas c começa aqui o paradoxo da sua poesia. Às
palavras procura transmitir Caeiro a inocência, a nudez da sua visão. Daí, algumas vezes,
a simplicidade quase infantil do estilo.
1. A sequência «se dermos fé* (linha 4) pode ser parafraseada, de acordo com o contexto, por
a) O «se pusermos em causa». c) LJ «se considerarmos sagrado».
b) «antigo». d) «primeiro».
316
4. Segundo o texto, o «futuro* é perspetivado por Caeiro como
a) «mágico». c) —'«paradisíaco».
b) «ilusório». d) O «bíblico».
7. Na sequência «Às palavras procura transmitir Caeiro a inocência» (linhas 17-18), as expres
sões destacadas desempenham, respetivamente. as funções sintáticas de
a) O complemento indireto e complemento direto.
9. Indique as classes e subclasses de palavras dos elementos destacados na frase: «De pas
tor tem o deambulismo. o andar constantemente e sem destino, absorvido pelo espetácu
lo da inexaurível variedade das coisas.» (linhas 10-11).
317
sobre um tema
Redija uma exposição (entre 200 e 300 palavras) sobre a Revolução do 25 de Abril de 1974.
DICAS
• Faça um esboço/plano que inclua a informação mais importante de
que se lembrar sobre o tema.
• Organize essa informação numa sequência que irá seguir, quando
estiver a escrever.
• Pense e escreva dados pormenorizados sobre o tema, que desen
volverá no Desenvolvimento.
• Se precisar, faça uma pesquisa sobre o tema e retire a informação
que lhe interessa.
• Pense em conectores discursivos e escreva-os no esboço.
• Apresente fundamentação e referências bibliográficas.
• Não dê erros científicos ao apresentar informação.
Comece pela
Introdução (descrição
breve e apresentação
do tema}.
Use linguagem
corrente e clara.
--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- Use a 3? pessoa.
No Desenvolvimento
inclua: apresentação
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- e descrição do tema;
exemplos ilustrativos;
fundamentação
teóric a.
Use mecanismos
de coesão
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- (conectores f rásicos
e interf rásicos,
referenciais e tempos
verbais correlativos).
3ie
Escrita - Apreciação crítica
PRÁTICA
Escolha um filme do seu agrado e redija uma apreciação crítica (entre 200 e 300 palavras).
DICAS
• Faça um esboço/plano que inclua a informação mais importante de
que se lembrar sobre o filme.
• Organize essa informação numa sequência que irá seguir, quando
estivera escrever.
• Pense e escreva dados pormenorizados sobre enredo, personagens,
local onde viu o filme, com quem o viu. que explorará no Desenvol
vimento.
• Se precisar, faça uma pesquisa sobre o filme e retire a informação
que lhe interessa.
• Pense em conectores discursivos e escreva-os no esboço.
• Use recursos expressivos.
• Não use calão, nem teça comentários ofensivos.
Recorra a um Título
objetivo/sugestivo do
tema.
Comece pela
Introdução
(apresentação
do filme/
contextualização e
esclarecimento quanto
à sua posição pessoal
sobre ele).
Use linguagem
corrente e clara e
recursos expressivos.
___________________________________________________________________________________ Use a LV3.1 pessoa.
No Desenvolvimento
inclua: descrição
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- detalhada do en redor
das personagens,
do local onde o viu,
da(s) pessoa(s) que o
acompanhou/aram.
Não revele o final.
Use mecanismos
de coesão
(conectores frásicos
e interf rásicos.
ref erenciais e tempos
--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- verbais correlativos).
319
opinião
No século XXI, os jovens têm ao seu dispor variados géneros musicais. Redija um artigo de
opinião sobre esses géneros e o seu papel na vida das pessoas da sua geração.
DICAS
• Faça um esboço/plano que inclua a informação mais importante de
que se lembrar sobre o tema atual (que o inclui a si próprio, como
jovem).
• Organize essa informação numa sequência que irá seguir, quando
estiver a escrever.
• Pense e escreva dados pormenorizados sobre o tema, que explora
rá no desenvolvimento do texto (argumentos e exemplos ilustrati
vos da sua opinião pessoal).
• Se precisar, faça uma pesquisa sobre os géneros musicais e selecio
ne a informação que lhe interessa.
• Não use calão, nem teça comentários ofensivos.
Comece pela
Introdução
{informação genérica/
contextualizaçào
e esclarecimento
quanto à sua opinião).
N Desenvolvimento
inclua: argumentos e
exemplos ilustrativos
da sua opinião.
Use mecanismos
de coesão
(conectores f rásicos
e interf rásicos,
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- referenciais e tem pos
verbais correlativos).
Não se esqueça
de usar linguagem
corrente, com recursos
expressivos.
320
Leia o texto e redija a sua síntese.
DICAS
• Faça um esboço/plano que inclua a informação mais importante.
• N3o se esqueça de reduzir para ’/3 do tamanho.
• Use termos genéricos (hiperónimos) e pronomes.
• Evite informação acessória, parentética e pormenorizada e o uso de
adjetivos.
• Recorra a linguagem objetiva e clara.
• Use a 3.a pessoa.
• Recorra a mecanismos de coesão (conectores: tempos verbais; anáfora...).
• Náo dê a sua opinião nem use frases interrogativas e exclamativas.
Texto original:
Síntese:
3Z1
F ' J L ■
. J J' 1 '
1 ■
L *
i ’ '*] 1
|fe>
II w B “■F , Ti L^? ■’ rfr ■ /' r|
nmciÊsu?ANi
TEORIA
FONÉTICA E FONOLOGIA
PROCESSOS FONOLÓGICOS
spiritu-> espírito
Prótese (início da palavra) stare> estar
Inserção
spasmu> espasmo
de novo som
ou segmento umeru- > ombro
Epêntese (meio da palavra)
articulado creo > creio
acumen>gume
Aférese (inicio da palavra)
episcopu- > bispo
Redução vocálica (enfraquecimento de uma vogal em mar > marinho / mala > malinha /
posição ãtona) bolo > bolinho
323
NEMUII EXAME NACIINAL
ETIMOLOGIA
Z X
CLASSES ABERTAS
Classe de palavras que é constituída por um número potencialmente ilimitado de palavras e à qual
a evolução da língua acrescenta constantemente novos membros. É praticamente impossível enume
rar todos os membros de uma classe aberta de palavras num dado momento da evolução da língua.
CLASSES FECHADAS
Classe de palavras que é constituída por um número limitado de palavras e à qual a evolução
da língua só muito raramente acrescenta novos membros. É normalmente fácil enumerar todos os
membros de uma classe fechada de palavras.
324
nktkiês u? ani
TEORIA
predicativo Os trabalhadores
(seleciona um recrutados ã força
constituinte com consideravam esta
a função sintática atitude um ultrajeaos
de predicativo seus direitos.
do complemento
direto, como:
considerar, achar,
nomear, eleger,
designar)
Todas as definições das Classes de Palavras constantes desta Adenda sào citadas do Dicionário Terminológico.
325
NEMUII EXAME MCIINAL
O irmão de D. João V
COPULATIVO parecia um homem
Verbo que seleciona um constituinte que desempenha a justo, mas afina lera
função sintática de predicativo do sujeito. ganancioso e permanecia
Alguns exemplos: ser, estar, parecer, permanecer, ficar, no palácio para
continuar, tornar-se. convencer a rainha a trair
o marido.
da passiva
(na construção passiva, o constituinte
AUXILIAR
que, na forma ativa, desempenha uma
VERBO Ao contrário do função de complemento é deslocado O poema «Ó sino da
(cont) verbo principal, para uma posição pré-verbal, o minha aldeia» foi escrito
1 J o verbo auxiliar peloortõnimo num
que pressupde a formação de um
nào é o núcleo complexo verbal {auxiliar ♦ verbo contexto de nostalgia da
semântico da principal no particípio passado) e infância.
oração, nem o ainda a deslocação do sujeito para uma
responsável posição pós-verbal sob a forma de
pela seleção de complemento agente da passiva)
constituintes.
Surge associado
dos tempos compostos Alberto Caeiro tem
ao principal ou a
(o tempo composto é construído com deambulado pelos
umcopulativo.
um verbo auxiliar e o verbo principal no campos, sentindo a
particípio passado) Natureza sem pensar nela.
ADVÉRBIO/LOCUÇÃO
ADVERBIAL
«Palavra invariável em
género e número. A de negação
classe dos advérbios Inés Pereira não era uma
(ndo)
inclui elementos com rapariga escrupulosa.
características bastante
heterogéneas do ponto
de vista morfológico,
sintático e semântico.
Não obstante, qualquer
advérbio (á exceção do
advérbio de negação
não) pode, geralmente, quanto ao valor
ser substituído por um semântico
outro advérbio formado
com o sufixo -mente.
Na maior parte dos
casos, os advérbios
desempenham a função
sintática de modificador,
- Estás contente agora
complemento oblíquo ou
de afirmação com Pero Marques, Inês?
predicativo do sujeito.
Alguns advérbios (sim, cfaro, efetrvamente,...) - Sim, Mãe, claro, ele faz-
podem, ainda, modificar -me todas as vontades.
grupos preposicionais,
grupos adjetivais ou
grupos nominais».
ramxiÊs u? ani
TEORIA
SUBCLASSES
327
NEMUII EXAME MCIINAL
INTERJE1ÇÃO/LOCUÇÃOINTERJETIVA
«Palavra invariável que não estabelece relaçòes sintáticas com outras
palavras e tem uma função exclusivamente emotiva. O valor de cada inter
jeição depende do contexto de enunciação e corresponde a uma atitude do Fascinado pela máquina, Álvaro de
falante ou enunciador.» Campos cantava-a em seus versos com
Algumas interjeiçóes/locuções interjetivas com valor de espanto/admira- Oh!< ou «Ba!» eufóricos.
çào, dor. alegria, força/coragem, desilusão:
Ah?, ohL bravo!, otóf. eiol, credo!, vafho-me Deus! caramba!, aqui tfel-ret!
alto!...
possessivo
(meufsj/mmhafs), teu/sj/ A minha obra literária preferida destes
tuafsj. seufsj/suafs), nossofsj/ três anos é Sonetos, de Antero de
nossafs), vossofsj/vossafs), QuentaL
seuísysuafsj)
323
nktkiês u? ani
TEORIA
indefinido
• variável: oigumfns). algumafs),
nenhumfns), nenhumo(s),
tantofsj, tantafs), todo(s), Ninguém podia fazer nada para travar a
todafs), pouco(s), pouca(s), censura literária da PI DE.
multo(s), muitafs). outrofs), Há estudantes que leem tudo, outros
outra(s), outrem, qualquer, leem pouco, outros não leem nada.
quaisquer
• invariáveL alguém, ninguém,
nada, tudo, outrem
possessivo
0 meu objetivo é aprender a matéria
(meufs), minhafs), teu(s), tuafs).
e ter sucesso no exame, mas o teu é
seu(s), suafs), nossofs), nossafs), superares apenas medianamente este
vosso(s), vossafsj - sem nome à
desafio.
direita, ou seja, substituindo-o)
329
NEMUII EXAME NACIINAL
PREPOSIÇÃO/LOCUÇÃO PREPOSITIVA
Durante a permanência na Ilha dos
«Palavra invariável que pode ter como complemento quer orações, quer Amores, Vasco da Gama viu a «máquina
grupos nominais, quer advérbios, obrigando qualquer pronome contido
do mundo».
num grupo nominal que ocorra como seu comp lemento a apresentar caso
oblíquo.»
Sem intermediários, o próprio Vasco da
Algumas preposições/locuções prepositivas:
Gama interpelou o Gigante Adamastor
a. ante. até. apôs, com, de. contra, sob, sem, para, durante, mediante, por cima de gritos de espanto e medo
desde, perante, trás, abaixo de, acima de. afém de. de acordo com, para
dos seus marinheiros.
com, em frente de, através de. graças a...
copulativa
(e, nem, nem... nem, nào Todos leem poesia e nós lemos prosa.
só... mas também, nõo Nào só lemos poesia, mas também
só... como também.... prosa.
tanto... como)
adversativa
Antero de Quental tudo tentou, mas nào
coordenativa (mas, porém, todavia, evitou o suicídio.
contudo2, no entanto,
Antero de Quental tudo tentou, no
ainda assim, de outra
entanto não evitou o suic ídio.
sorte, ao passo que)
CONJUNÇÃO/ conclusiva
Os alunos leem as obras do programa,
LOCUÇÃO CONJUNCIONAL (logo, portanto, por por conseguinte têm um bom domínio
conseguinte, por
«Palavra invariável que do universo literário de cada uma delas.
consequência, pelo que)
introduz orações e
constituintes coordenados Bartolomeu estava certamente
e orações subordinadas explicativa
desnorteado, pois deixou-se levar pelo
completivas e adverbiais.» (pois)
medo da Inquisição.
subordínativa causal
Álvaro de Campos gostava do poder da
(porque, visto que, como,
máquina porque lhe trazia uma certa
que, uma vez que, dado completude.
que, pois,...)
2 Porém, tüdavia, contudopodemsurgír também como advérbios conectivos, em contexto de informação dada isoladamente
{virgulada, por exemplo) na frase, ou seja, que nào em divisào/classif icação de orações.
330
ramniÊs h? am
TEORIA
FUNÇÕES EXEMPLOS
Complemento do nome
A roupa francesa era imitada pelos oitocentistas contemporâneos de Carlos
(função sintática desempenhada da Maia, (realizado como grupo adjetival/adjetivo)
por um constituinte selecionado
A injustiça de terem de abandonar o seu país adensa o ativismo de alguns
pelo nome, completando-lbe/
escritores exilados, (realizado como oração substantiva completiva}
restringindo-lhe o sentido)
Modificador do nome
(função sintática de um constituinte não necessário para o sentido do nome, mas que lhe atribui variadas
características específicas)
• Restritivo As belas ninfas seduziam os navegadores portugueses,
(restringe imediatamente (realizado como adjetivo)
o sentido do referente e ê Maria Eduarda trazia um vestido de grande roda e cheio de folhos,
imprescindível á sua compreensão (realizado como grupo preposicional)
total; não tem fronteiras de As senhoras que iam às Corridas de Cavalos aborreciam-se constantemente,
pontuação) (realizado como oração subordinada adjetiva relativa restritiva
• Apositivo
(não restringe imediatamente Bárbara, que era uma escrava, ê uma das mulheres cantadas por Camões na
o sentido do referente, não é sua lírica
imprescindível ã sua compreensão, (realizado como oração subordinada adjetiva relativa explicativa)
portanto tem fronteiras D. João V, o Magnânimo, sempre fez justiça ao seu cognome,
de pontuação que o separa (realizado como grupo nominal)
fisicamente do nome)
Complemento do advérbio
Depois da tempestade, veio a bonança, (realizado como grupo preposicional)
(função sintática desempenhada por
Independentemente da sua pertença a aristocracia, Gonçalo Ramires
um constituinte selecionado pelo
fraquejava, (realizado como grupo preposicional)
advérbio, completando-lhe o sentido)
339
NEMUII EXAME NACIINAL
332
nitkiês u? ani
TEORIA
(«ntí
PROCESSO FORMAÇÃO EXEMPLOS
PROCESSO EXEMPLOS
metro (metropolitano)
Truncação
Zé (José)
Leitor:
Extensão semântica a) 0 leitor de Os Lusíodas deve dominar as características típicas de uma epopeia.
b) 0 leitor de DVD é um instrumento contemporâneo.
333
NEMUII EXAME NACIINAL
TIPO EXEMPLOS
Antonímia
Manuel de Sousa Coutinho mostrava-se sempre destemido e feliz, ao passo que
(relação de oposição
Madalena de Vilhena se revelava constantemente amedrontada e infeliz.
entre palavras)
Podemos imaginar que, nas antigas colónias portuguesas, muitos eram os tipos de
Hiperonímia e hiponímia cereal cultivados, por exemplo, milho, trigo, aveia, centeio
(relação de hierarquia
entre palavras; um
hiperõnimo engloba os
seus hipõnimos)
Eis que no palácio de D. João de Portugal o público/leitor pode ver: paredes grossas e
escuras, salas pouco iluminadas, uma «câmara corredores decorados com tapeçarias,
assim como janelas, portas para o exterior e para a capela da Senhora da Piedade.
Holonímia e meronímía
(relação que existe entre
um todo e as suas partes;
o holónimo diz respeito
PALÁCIO
a esse todo e os merõni-
mos a essas partes) (holónimo)
EXEMPLOS
Campo lexical
Do campo lexical de convento, fazem parte palavras como
(conjunto de itens lexicais que estão semanti
religiosos, capela, orar, hábitos, escapulário, sacramentos,
camente ligados por se referirem a uma enti-
claustros, retiro, silêncio, entre outras.
dade/conceito/realidade comum)
Campo semântico
Do campo semântico de cabeça, fazem parte palavras/expressôes
(conjunto de significados que uma palavra pode
como cabeça de lista, cabeça de cartaz (com seus significados
ter, conforme o contexto e as restantes pala
contextuais).
vras com as quais é utilizada)
334
ramxiÊs u? ani
TEORIA
SINTAXE
CLASSIFICAÇÃO EXEMPLOS
Copulativas3
(e, nem, nem... nem4, também, não só... Não só aprecio Cambes épico, mas também Camões lírico.
mas também, não só... como também)
Disjuntivas Ou se memoriza cada uma das partes do enredo de um romance ou
(ou, ou... ou. quer... quer, seja... seja) verdadeira mente nada se sabe sobre ele.
Adversativas
A escrita de Ruy Beto é desafiadora, no entanto alguns poemas revelam-
(mas, contudo, no entanto, todavia, não
-se textos relativamente mais acessíveis.
obstante, ainda assim, de outra sorte)
Conclusivas Os poetas de expressão portuguesa têm uma escrita muito interventiva,
(logo, portanto, por isso, por por conseguinte ajudam-nos a perceber intensamente a História de
consequência, por conseguinte, peto que) Portugal.
Explicativas Certamente, Pessoa conhecia bem os clássicos, pois deles se serviu nos
(pois) poemas de Ricardo Reis.
3 Recuperamos nestas tabelas da coordenação e da subordinação, e por questões metodológicas, algumas das conjunções,
locuções, pronomes, advérbios úteis a classificação de orações. Lembramos que, no caso de asreferidas orações assumirem
a forma de orações não finitas (verbos no infinitivo) ou gerundivas (verbos no gerúndio), as conjunções, locuções, pronomes e
advérbios podem nào estar lexicalmente (fisicamente) presentes.
4 Quanto ã locução coordenativa nem... nem, esta é alvo de considerações científicas diferentes e controversas, uma vez que
alguns linguistas a consideram copulativa, enquanto outros a consideram disjuntiva. Colocamo-la, neste livro, na secção das
copulat ivas porque, por meiodelas.se está a adicionar duas afirmações da mesma polar idade, só que, desta vez, negativa.
Demarcamo-nos de controvérsias científico-metodológicas, pois compreendemos ambas as perspetivações.
335
NEMUII EXAME NACIINAL
SUBSTANTIVAS (contj
CLASSIFICAÇÃO EXEMPLOS
Completivas
são, regra geral, selecionadas por:
Os poetas dizem para os Leitores lerem os poemas com os cinco
a) verbos declarativos
sentidos, (desempenhando a função sintática de complemento direto)
Relativas restritivas
Os alunos que leram o texto dramático integral estão preparados para
(restringem imediatamente o sentido as questões de exame.
do antecedente nominal e são O manual cujo título me é desconhecido parece-me organizado.
imprescindíveis á sua compreensão total;
O local onde realizaremos o exame é ainda uma incógnita.
não têm fronteiras de pontuação)
Relativas explicativas
(não restringem imediatamente o Jorge de Sena, que era um intelectual, tentou ser oficial da Marinha.
sentido do antecedente nominal não
O Hotel Bragança, onde inclusivamente já estive, é antigo.
são imprescindíveis á sua compreensão,
portanto têm fronteiras de pontuação O teatro, o qual estava em degradação evidente, não tinha espaço
suficiente para os elementos cénicos.
que as separam fisicamente da oração
subordina nte)
Temporais
Resolverei os exames dos anos anteriores, logo que chegar a casa.
(quando, enquanto, apenas. moJ, como,
sempre que, ã medida que, antes que, Tendo aberto oficialmente a feira. Mercúrio deu a voz ao Tempo e ao
depois que, até que, todas as vezes que, Serafim.
iogo que, bem como estruturas com Ao visitar a casa do «infançom», d trovador escandalizou-se.
gerúndio composto; preposição «ao» ♦ George regressou a Amesterdào. terminada a venda da casa
infinitivo; particípio passado)
33 6
ramxiÊs u? ani
TEORIA
condicional
Salvo se uma revolução maior houvesse,
(se, a nâo ser que, safvo o destino previsivel de Daniel, o irmão
se, caso, exceto se, desde
de Lídia, era o assassinato.
que, contanto que,...}
comparativa
(como, conforme, Assim como o narrador vai viajando de
segundo, assim como... Lisboa até Santarém, assim também vai
assim tombem, bem relatando as suas viagens.
como, mais... do que,...)
MORFOLOGIA E LEXICOLOGIA
Amei-bebi-parti
Pretérito perfeito simples
Amámos - bebemos - partimos
331
NEMUII EXAME NACIINAL
FUNÇÕES EXEMPLOS
Vocativo
O leitor de Eça de Queirós facilmente imagina quer pelo hipódromo de Lisboa,
(funçào sintática que é desempenhada
envolto em agitação violenta, se ouviriam frases do tipo Meus senhores,
por um constituinte que dá forma a
sejamos cavalheiros!» da parte dos organizadores.
um chamamento ou invocação)
Modificador
(função sintática desempenhada
por um constituinte que não ê Infelizmente. o público oitocentista aborreceu-se com a erudição de Cruges.
necessário para o sentido do grupo (realizado como advérbio)
frásico nem á frase que o contêm. Para sua grande felicidade, os alunos obtiveram boas notas de exame,
Existe para fornecer informações
(realizado como grupo preposicional)
semânticas extra, e com vários
valores, sendo que a frase ou o Embora saibam a matéria, os alunos devem revê-la antes do exame, (realizado
como oração subordinada adverbial concessiva)
grupo frásico não precisa dele
obrigatoriamente. Trata-se de um
elemento acessório)
Complemento direto
Cesário Verde contemplava os calceteiros (realizado como grupo nominal)
(função sintática desempenhada
por um constituinte selecionado As narrativas têm enredos, (realizado como grupo nominal/nome)
pelo verbo, completando-lhe o Os poetas de expressão portuguesa sentem que a sua terra natal é
sentido; fornece informações explorada, (realizado como oração subordinada substantiva completiva)
acercado sujeito)
Complemento indireto
(função sintática desempenhada D. Joào Vofereceu dinheiro aos mafrenses.
(realizado como grupo preposicional)
por um constituinte selecionado
pelo verbo, completando-lhe o Saramago escreveu Memorial do Convento. A Academia sueca concedeu-lhe
sentido; fornece informações sobre o Prémio Nobel da Literatura, (realizado como pronome)
algo ou alguém a quem se dirige ou Por vezes, a História Universal não dá importância a quem tem mérito,
destina determinada característica (realizado como oração subordinada substantiva relativa sem antecedente)
pressuposta pelo verbo)
Complemento agente da passiva Segundo o Sermòo, Tobias foi aconselhado pelo anjo,
(função sintática desempenhada (realizado como grupo preposicional)
por um constituinte que surge em O público do Sarau da Trindade era constituído por quem menos sabia
construções passivas e iniciada pela apreciar música clássica.
preposição por) (realizado como oração subordinada substantiva relativa sem antecedente)
33 a
ramxiÊs u? ani
TEORIA
ADVERBIAIS (com.)
CLASSIFICAÇÃO EXEMPLOS
Finais Carlos da Maia fez a sua viagem para que obtivesse a sua paz
(que, para, para que. a fim de que) Teresa Albuquerque escreveu a Simào para se despedir dele
Causais
{porque, pois, como, porquanto, visto que, Salvador desconfiava de Ricardo Reis, visto que este era desconhecido
ja que, uma vez que, dado que, tanto mais e misterioso.
que e estruturas com gerúndio simples; Sofrendo de amor. Vasco Graça Moura refugiava-se na Música.
participio passado)
Condicionais
Se bem que algumas questões gramaticais sejam densas, entendê-las
{se, salvo se, exceto se, a ndo ser que, é uma porta para o conhecimento explicito da nossa língua materna.
contanto que, desde que, a menos que, A ser descoberto pela PIDE. o irmão de Lídia morrerá.
se bem que, caso e estruturas com
Lendo calmamente o conto «Famílias desavindas», percebemos a
preposição «a» + infinitivo; gerúndio
simples) rivalidade entre os galegos e os médicos portugueses.
Comparativas
{como, segundo, conforme, mais... do que, Maria Eduarda Maia viveu anos da sua vida de adulta conforme o havia
assimcomo... assim também, tal... qual, vivido Maria Monforte.
bem como)
Consecutivas
Gonçalo Mendes Ramires era tão bondoso que ajudava os mais
(de tal modo que, tanto... que, tal/tdo... desfavorecidos.
que)
Concessivas
Embora Afonso o tivesse educado â inglesa, Carlos fraquejou.
{embora, conquanto, ainda que, apesar de
Apesar de gostar da fidalga, l.opo de Baião era inimigo mortal do pai
que, pos to que, se bem que, por mais que,
dela, Tructesindo Ramires.
mesmo que)
FUNÇÕES EXEMPLOS
337
NEMUII EXAME NACIINAL
SEMÂNTICA
VALOR TE MPORAL: diz respeito às informações que depreendemos do tempo exato que envolve
e descreve a situação que a frase nos mostra. A localização temporal pode ser feita de várias formas.
Modos e tempos verbais (com respetivas conjunções} - que remetem para um passado, um presente ou um futuro:
Ex: Enquanto a empregada limpa a sala, eu estudo no quarto.
Advérbios e locuções adverbiais de tempo (agora, anteontem, ontem, amanhã, no dia seguinte, naqueie tempo}:
Ex: Anteontem fui ás compras, ontem usei roupa nova, hoje sinto-me feliz.
Expressões temporais (que podem assumir a forma de orações subordinadas adverbiais temporais):
Ex: Diria Carlos da Maia: «Ó anos que já lá vão. como eu fui feliz naqueles dois anos no Ramalhete!»
Posterioridade Quando eu estiver no último minuto da minha vida, já terei passado por muitas experiências.
VALOR ASPETUAL: diz respeito às informações que depreendemos sobre a duraçào (a iniciar/
em desenvolvimento/a finalizar) da situação que a frase nos mostra. Deduzimos, através do aspe
to, a organização interna do tempo transmitido pela informação lexical e gramatical da frase.
O contexto gramatical permite-nos construir novos valores aspetuais. recorrendo a tempos verbais,
verbos auxiliares aspetuais, complexos verbais, estruturas de quantificação e advérbios/locuçòes adverbiais
que acrescentam informação sobre essa passagem do tempo:
e) aspeto iterativo (situação que se repete mas que não Estamos a habituar-nos aos contrastes climáticos da
ocorre com a frequência suficiente para ser um hábito) Irlanda, chuva e sol no inverno e no verão.
Modalidade deõntica (valor de obrigação ou permissão) Neste museu, se pretender, pode tirar fotografias.
Modalidade epistémica (valor de certeza ou probabili Já percebemos que provavelmente a mãe da Joana é
dade) inquestionavelmente mãe-galinha.
340
nmciÊsu?ANi
TEORIA
DEFINIÇÃO
Relevância
Hectares e hectares de solo português têm
Através da manutenção fiel de uma
ardido avista de todos os espectadores de tão
ideia de base, sempre recuperada e horrível cenário.
reconhecida pelo interlocutor.
Não contradição
Coerência A Maria e o Manuel decidiram ir estudar. Eles
Através da compatibilidade da
lógico-conceptual sabem bem que sem estudo não hã boas notas.
informação introduzida, da pessoa e
(dependente do dos tempos verbais.
cumprimento
de três regras) O problema maior diz respeito à origem e
Não-redundância punição dos responsáveis pela hecatombe que
Através da introdução de novas atinge pessoas de todas as áreas envolvidas e
ideias e informações que ajudam a classes sociais. É que. em se tratando de fogo
compreender o sentido da ideia de posto, há que apostar na prevenção, no controlo
base. por meio da Guarda Florestal e no combate
imediato.
COESÃO TEXTUAL
Continuidade do sentido entre elementos da estrutura da superfície textual, permitindo inter
ligar sequencialmente os segmentos/constituintes da frase, o que é assegurado por um conjunto
de mecanismos linguísticos.
341
NEMUII EXAME NACIINAL
DEFINIÇÃO
Coesão frásica
Através de mecanismos que permitem a ligação de
elementos dentro da frase simples/oração, como Lídia era uma jovem do povo,
concordância de género e número; os complementos
pedidos pelo verbo, ordenação de palavras na frase.
Coesão referencial
Através de mecanismos que permitam a identificação dos referentes pelos interlocutores:
Coesão temporal
Quando Ricardo Reis desembarcou
Através de mecanismos que permitam a ordenação
em Lisboa, já Fernando Pessoa
cronológica, como a ordenação correlativa dos tempos tinha morrido (tempo passado ♦
verbais e expressões adverbiais ou preposicionais com
tempo anterior a esse passado)
valor temporaL
DEIXIS
Conjunto de elementos linguísticos (deíticos) que na gramática permite identificar o contexto
comunicativo que está dependente da situação em que ocorre a enunciação. Na verdade, é uma
estratégia de coesão referencial e temporal.
342
TEORIA
DEFINIÇÃO
343
NEMUII EXAME NACIINAL
SEQUÊNCIAS TEXTUAIS
Partes textuais que surgem num texto, literário ou nâo-literário. com um objetivo e um papel
específicos.
Narrativa • Verbos de movimento «Nào eram ainda bem saídos da barra quando se
0 narrador apresenta • Tempos do modo indicativo, acalmou o vento com que partiram; logo depois se lhes
as várias categorias da especialmente o pretérito tomou contrário, os levou de través e os atirou para um
narrativa {personagens, perfeito baixo, onde permaneceram por quatro marés e se viram
açào. tempo e espaço). em risco de se perderem (...). A 29 de julho, deram
• Expressões de tempo
Adquirem predominância vista de uma nau e de uma zabra de franceses. (...) No
• Expressões de lugar dia 29 de agosto (...} o plano, agora, era demandar o
as informações sobre o
que está a acontecer ou o • Ritmo rápido no avançar da arquipélago dos Açores, para ver se numa das ilhas se
que se está a preparar. sequência consertava a nau.» (Historio Trágico-Marítima)
Descritiva • Conectores temporais «Depois, o sol desanda para trás da casa. Começa a
Predomina uma espécie • Informações temporais acercar-se a tardinha. Batola, que acaba de dormir
de pausada açào, para a sesta, já pode vir sentar-se. cá fora, no banco que
• Verbos no presente, pretérito
o narrador fornecer corre ao longo da parede. A seus pés. passa o velho
perfeito e imperfeito do
detalhes sobre as caminho que vem de Ourique e continua para sul.
indicativo
categorias da narrativa. Por cima, cruzam os fios de eletricidade que vão
• Uso de adjetivaçào para Valmurado. uma tomada de corrente cai dos
• Ritmo lento propício a fios e entra, junto das telhas, para dentro da venda.»
uma leitura demorada em («Sempre é uma companhia», Manuel da Fonseca)
informações sobre o tempo, o
espaço, as personagens,...
Argumentai iva • Definição do tema em «Com os Voadores tenho também uma palavra, e não
Integra um texto discussão (neste caso, o pequena a queixa. Dizei-me, Voadores, não vos fez
argumentativo (regra peixe e o que ele alegoriza) Deus para peixes? Pois porque vos meteis a ser aves?
geral) e visa convencer/ • Interrogações retóricas 0 mar fê-lo Deus para vós, e o ar para elas. Contentai-
persuadir o leitor em -vos com o mar, e com nadar, e não queirais voar, pois
• Frases que exprimem
relação a algo. sois peixes. (...)
admiração ou incompreensão,
Grande ambição é que sendo o mar tão imenso lhe
fazendo pensar os leitores/
não basta a um peixe tão pequeno todo o mar, e
ouvintes
queira outro elemento mais largo. Mas vede, peixes, o
• Frases de raciocínio lógico - castigo da ambição. 0 Voador fê-lo Deus peixe, e ele
argumentos quis ser ave, e permite o mesmo Deus que tenha os
• Exemplificação perigos de ave, e mais os de pe ixe.
• Uso de sabedoria empírica - (Sermõo de Santo António, Padre António Vieira)
ditados populares
344
ramxiÊs u? an
TEORIA
INTERTEXTUALIDADE
Trata-se da relação entre textos, designadamente, entre um hipertexto (texto com caracterís
ticas específicas - por exemplo, o narrativo, o poético, o argumentativo,...) e os seus hipotextos
(textos que partilham dessas características, mas as atualizam de forma individual, mantendo as
características do hipertexto).
Existem vários modos de identificar um texto ou partes dele ou ainda vários textos dentro
do texto principal que estamos a ler. Esses vários modos de identificar outros textos chamam-se
modalidades, que a seguir se apresentam com mais detalhe.
Cena I
MADALE NA {repetindo maquínolmen te e devagar o que
acaba de Ier)
«Naquele engano d'alma ledo e cego,
Citação
• Entre aspas ou em itálico/ Que a fortuna não deixa durar muito.
Uso direto de palavras devidamente identificado Com paz e alegria de alma... um engano, um engano de
que pertencem a outros poucos instantes que seja...»
• Surge no corpo do texto
autores. (Frei Lufc de Sousa. Almeida Garrett)
Madalena tem um livro no regaço. Os Lusíadas, e cita no
seu próprio discurso uma parte do episódio de Inês de
Castro.
345
Fonética e fonologia Etimologia
FICHA 116 • Processos fonológicos • Palavras convergentes e divergentes
rideo (rir)
ria
rivu- (rio)
deserdado
desertu-
deserto
ferru-
ferro
ferreu-
toar
intonare trovejar
entoar (música)
juízo (Tribunal)
judiciu-
juízo (opinião)
jugM-
junto
junctu-
ornatus(verbo)
ornado
ornatu- (adjetivo)
ruptu- (adjetivo)
queda ou destruição
ruína- (nome)
strideo (verbo)
ruído ou som estridente
stridor(nome)
Classes e subclasses de palavras
FICHA 117 PRÁTICA
1. Identifique a classe e a subclasse das palavras destacadas nas frases que se seguem.
1.1 A segunda cena da Farsa de Inês Pereira inclui diálogo entre Inês e a Mâe.
1.2 Baltasar e Blimunda conheceram-se no auto de fé. depois foram abençoados como
marido e mulher pelo Padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão.
1.3 Os construtores de Mafra trabalharam muito para que a Basílica fosse inaugurada
na data prevista por D. Joâo V.
1.5 A prima Maria Mendonça - «Não mostra a igreja a D. Ana Lucena porquê?»
1.6 A quinta onde Bartolomeu, Baltasar e Blimunda construíam a passarola foi restituí
da ao seu dono, o Duque de Aveiro.
1.7 Enquanto Mariana estabelecia a comunicação por carta, Slmâo e Teresa sofriam
cada vez mais com a desesperança.
1.8 Nem sonhos nem realidades impediram Bernardo Soares de se sentir insatisfeito e
incompleto.
1.9 Quando foram recrutados à força para trabalhar na construção do convento, os tra
balhadores náo protestaram muito nem se revoltaram coletivamente.
1.10 Inês Pereira tanto procurou o seu homem que o encontrou no segundo casamento.
1.11 Se houvesse alguém honesto no governo ditatorial, os oponentes nunca seriam exilados.
1.12 Ao regressar a Portugal. Ricardo Reis perguntou ao taxista se ele o podia aconselhar
relativamente a um bom hotel.
1.14 Assim que se sentava para escrever, Ricardo Reis sabia que náo avançaria muito.
347
1.15 Algumas personagens de Amor de Perdição sào consideradas de forma dupla: per
sonagens da História (reais) e personagens da ficção (inventadas).
1.16 Durante a construção da muralha de Lisboa, uma tempestade de vento destruiu par
tes da obra já erguidas.
1.19 0 recital da Infanta Maria Bárbara mostrou uma menina sem talento para a música.
1.21 Cânticos do Realismo é uma obra que prova o talento poético de Cesário Verde.
1.24 0 Polvo (alegoria da traição) quer saber da sua vida e não da nossa.
1.26 Mafra foi o local escolhido porque aí havia mais espaço do que em Lisboa.
1.27 Qualquer amante sofre, quando vê o seu amor afastar-se. As «donzelas* da lírica
trovadoresca náo sào exceçào.
1.28 O.uando surgiu aquela tempestade tào forte, todos pensavam que morreriam.
1.30 0 capitào Jorge de Albuquerque Coelho nào só era um excelente líder, mas também
era bondoso.
348
Morfologia e lexlcologla
• Flexão verbal
PRÁTICA
c) Durante a açào do Santo Ofício, nem aqueles que tivessem denunciado bruxas e judeus
estavam seguros de que a fogueira nunca os iria afetar.
d) Jorge Albuquerque Coelho: «Aqueles que encontrarem o líder dos piratas franceses
terão merecida recompensa!»
f) Blimunda procurara Baltasar, durante nove anos, até que finalmente o encontrou.
g) D. João V para Domenico Scarlatti: «Se tocardes mais uma música, oferecer-vos-ei
com gosto umas boas iguarias para o jantar, meu Caro Scarlatti!»
j) Nem depois da viagem infrutífera a Fátima, Ricardo Reis foi capaz de desistir de Marcenda.
2. a) tivéssemos
Classifique inaugurado
as formas k) encetando
verbais presentes na listagem seguinte.
b) felicitastes l) ames
c) teríamos visto m) tenham vendido
d) serviriam n) tendo amado
e) celebrardes o) distribuir
f) dance mos p) amarmos
g) exec ut ára mos q) ca nta vam_____________________
h) celebrarei r) tinhas visto
i) convidaríeis s) temos lido
j) convidássemos
349
Morfologia e lexlcologla
FICHA 119 • Processos de formação de palavras • Campo lexical e campo semântico
• Relações semânticas entre palavras
a) A dança sempre fez parte de romarias g) Quem quisesse poderia ver Fernando
populares medievais. Pessoa na Brasileira a tomar o seu
café com a sua sandwich.
b) Sociocultural g) Mesa-de-cabeceira
c) Vaivém h) Girassol
d) Guarda-noturno i) Otorrinolaringologista
e) Passatempo j) Bíoética
d) Incompletude/plenitude
e) Destreza / agilidade
4. Ref ira a que campo (lexical ou semântico) pertence cada conjunto de palavras.
350
I
c) Luís Vaz de Camões invocou as Tágides para que conseguisse escrever em verso os
feitos heroicos dos portugueses
e) Camões acreditava que elevaria o valor dos portugueses com a sua epopeia
i) Si mão não desistiria de Teresa Albuquerque, ainda que recebesse dinheiro por isso.
j) Bernardo Soares escrevia os seus fragmentos à medida que sentia/pensava. por con
seguinte nào lhes atribuía títulos
k) Tétis mostrou a «máquina do mundo» a Vasco da Gama, por isso ele lhe ficou agrade
eido.
I) Os dois velhos do Alto de Santa Catarina tanto insistiram que conseguiram ler o jornal
de Ricardo Reis.
m) Camilo Castelo Branco afirmou que ficaria eternamente com Ana Plácido
n) Mal acabe a leitura deste poema de Ana Luísa Amaral, farei um intervalo.
351
Sintaxe
FICHA 121 • Funções sintáticas
c) Alberto Caeiro voltava das viagens pela Natureza com energia renovada.
d) Pessoa ortónimo foi absorvido pela ceifeira, mulher do povo que cantava inocente
mente. enquanto trabalhava.
j) Os contos que nós lemos foram «Sempre é uma companhia» e «Famílias desavindas».
n) Os trovadores das Cantigas de Escárnio e Maldizer afirmavam que os ricos eram sovinas.
352
Semântica
FICHA 122 • Valor temporal, valor aspetual e valor modal
PRÁTICA
b) Os bombeiros estão a combater os incêndios com muita coragem, força e amor aos
outros.
2. Identifique o valor aspetual presente em cada enunciado e os elementos frásicos que con
tribuem para esse valor.
b) Os bombeiros estõo a combater os incêndios com muita coragem, força e amor aos
outros.
3. Refira o tipo de modalidade presente em cada enunciado e o recurso utilizado para expri
mir o respetivo valor modal.
a) Eu confesso que tive medo.
353
Discurso, pragmática e linguística textual
FICHA 123
Coerência textual
Antes, porém, que vos vades, assim como ouvistes os vossos louvores, ouvi também
agora as vossas repreensões. Servir-vos-ào de confusão, já que não seja de emenda. A pri
meira cousa que me desedifica, peixes, de vós, é que vos comeis uns aos outros. Cirande
escândalo c este, mas a circunstância o faz ainda maior. Não só vos comeis uns aos outros,
scnào que os grandes comem os pequenos. Se fora pelo contrário, era menos mal, se os
pequenos comeram os grandes, bastara um grande para muitos pequenos; mas como os
grandes comem os pequenos, nào bastam cem pequenos, nem mil, para um só grande. (...)
Olhai, peixes, lá do mar para a terra. Nào, nào: nào é isso o que vos digo. Vós virais
os olhos para os matos c para o scrtào? Para câ, para cá; para a cidade é que haveis de
olhar. (...)
Pois tudo aquilo é andarem buscando os homens como hào de comer, e como se hào
de comer. Morreu algum deles, vereis logo tantos sobre o miserável a despedaçá-lo c
come-lo. Comem-no os herdeiros, comem-no os testamenteiros, comem-no os lega
tários, comem-no os acredores; comem-no os oficiais dos órfãos, c os dos defuntos e
ausentes; come-o o medico, que o curou ou ajudou a morrer; come-o o sangrador que
lhe tirou o sangue; come-o a mesma mulher, que de má vontade lhe dá para mortalha o
lençol mais velho da casa; comc-o o que lhe abre a cova, o que lhe tange os sinos, e os
que, cantando, o levam a enterrar; enfim, ainda o pobre defunto o nào comeu a terra,
ejá o tem comido toda a terra.
Sitwup de Santo António. Padre António Vieira
2. Nas seguintes sequências, identifique o tipo de coerência que NÃO foi respeitado.
a) Era meia-noite em ponto, faltavam cinco minutos. À luz de um candeeiro apagado, sen
tado num banco de pau de pedra, o velho lia um jornal sem letras.
b) Condutor - Sabe-me dizer o caminho mais curto entre este miradouro da Foz e a Sé
do Porto?
Transeunte - Claro que sim, senhor. Eu até moro lá bem perto. Olhe, imagine que
conheci o meu marido, que era agulheiro na Estação de Sâo Bento, já lá vâo uns ani-
tos, e eu fazia limpezas na Rua do Loureiro. Um dia de muito trânsito, como hoje.
354
encontrámo-nos por acaso junto da estátua do Vimara Peres e foi amor à primeira
vista. Que a Sé é lindíssima, senhor. Pena ter sido pilhada por esses franceses, duran
te as invasões.
Coesão textual
A jovem descia a avenida com o corpo, tuas a) a mente esvoaçava por um mundo
que nada tinha que ver com a cidade b). Nesse tinindo c) ela era feliz d): vivia num
palácio encantado, habitação celeste, onde nascera e) c por onde vem circulando f)
desde a infância ate este mês de junho, mês g) dedicado ao exame nacional. Chegou
o momento por que tanto esperara. Queria ser pintora, numa boa faculdade de belas
artes. Para isso tanto se esmerou, ao longo do secundário, e cspccialmcnte neste últi
mo ano. Todo ele h) correu bem: as aulas foram esclarecedoras e agradáveis c as notas
dos testes excederam as suas expectativas. Porém i), faltavam uns dias para a prova c
o medo de falhar aliava-se á angústia do desconhecido. Mana tcmia-o j), no entanto
esse seu outro mundo ajudava-a. Nas horas livres, degustava os seus livros de Pintura.
Amava, k) Preteria o Impressionismo I) para relaxar c o Surrealismo m) para ativar
mecanismos cerebrais como a memória, o raciocínio matemático e a interpretação por
descodificação. Era cm paisagens do primeiro que a menina colocava o seu palácio e
cm ambientes do segundo que vivia aventuras esquisitas c fantásticas. Era isto. De nada
mais precisava para se sentir plena e equilibrada. Maria é um bom exemplo do que
um aluno cm ano de exame deve fazer: conheccndo-sc a si melhor do que ninguém,
é importante procurar o seu equilíbrio naquilo que mais gosta de fazer, seja real, seja
imaginário, n) seja tísico ou mental, o) para conseguir obter resultados brilhantes.
Como dizia Fernando Pessoa cm Afensíiçew: «É a Hora! p)».
355
Discurso, pragmática e linguística textual
FICHA 124
1. Classifique o tipo de deixis presente nas expressões destacadas das frases seguintes.
d) Bernardo Soares passava muito tempo consigo mesmo, antes de escrever e enquanto
escrevia.
e) El-rei D. Dinis já tinha escrito Cantigas de Amigo antes de muitos trovadores da sua
corte.
f) Quando terminar o 12 ° ano, terei lido obras de cerca de mil anos de Literatura Portu
guesa.
355
Discurso, pragmática e linguística textual
FICHA 125 • Reprodução do discurso no discurso
PRÁTICA
1. Nas sequências que se listam abaixo, identifique aquelas que contêm reprodução do dis
curso no discurso.
a) À entrada para o hipódromo (...) onde um dos sujeitos berrava furiosamente com um
polícia. Queria que se fosse chamar o sr. Savedra! O sr. Savedra. que era do Jockey
Club, tinha-lhe dito que ele podia entrar sem pagar a carruagem! Ainda lho dissera na
véspera, na botica do Azevedo.
b) Por uma dessas alongadas ruas do Porto, que sobe que sobe e não se acaba, há de
encontrar-se um cruzamento alto, de esquinas de azulejo, janelas de guilhotina, telha
dos de ardósia em escama.
(«Famílias desavindas», Mário de Carvalho)
d) 0 dia 6 de janeiro do Ano da Redenção 1401 tinha amanhecido puro e sem nuvens. Os
campos, cobertos aqui de relva, acolá de searas, que cresciam a olhos vistos com o
calor benéfico do sol, verdejavam ao longe, ricos de futuro para o pegueiro e para o
lavrador.
e) Uma sombra passa na fronte alheada e imprecisa de Ricardo Reis, que é isto, donde
veio a intromissão, o jornal apenas me informa que Addis-Abeba está em chamas, que
os salteadores estão pilhando, violando, degolando, enquanto as tropas de Badoglio
se aproximam, o Diário de Notícias não fala de mulheres postas contra os muros caí
dos nem de crianças trespassadas de lanças, em Addis-Abeba não consta que estives
sem jogadores de xadrez jogando o jogo de xadrez.
357
FICHA 126
COLUNAA COLUNA B
359
listamos no ano da graça de 1100, e o Castelo de Tomar está cercado
pelos mouros há seis dias. De repente, rasgando a escuridão da noite,
sob a luz das estrelas e das labaredas dos archotes, surge, no cimo da
Mata dos Sete Montes, uma hoste muçulmana formada por milhares
de guerreiros árabes chefiados por lacub Al-Mansur (Almansor), rei
de Marrocos. listas forças mouriscas têm vindo a conquistar e saquear
castelos e povoações, desde o Algarve até ao Ribatejo, e prometem
tomar agora o principal bastião dos templários portugueses.
Reza a história que esta terá sido uma contenda muito desequili
brada, pois dentro das muralhas do castelo estariam apenas cerca de
duas centenas de defensores da Ordem do Templo, comandados por
um velho guerreiro, Gualdim Pais, de 72 anos. Porém, estes eram
homens afoitos, com uma coragem e determinação férreas, que per
tenciam à instituição mais promissora e prestigiada da cristandade,
cujo lema era «Jamais virar as costas a qualquer inimigo da fé crista*.
(Superintcressante. dezembro 2016)
35S
Discurso, pragmática e linguística textual
FICHA 127 • Intertextualidade
COLUNAA COLUNA B
Provado está que Deus ama muito as suas criaturas. Depois de,
por espaço de tantos quilómetros e tempo de tantos dias, as ter
experimentado em paciência e constância, mandando-lhes insupor
táveis frios e chuvas diluviais, consoante foi miudamente explicado,
1 quis premiar a resignação e a fe. E como a Deus nada é impossível,
hastou-lhe fazer subir a pressão atmosférica, pouco a pouco se levan
taram as nuvens, apareceu o sol.
(Afcmoriu/ Jd GnflVfflíP, José Saramago)
PROVA-MODELO - PROVA 1
GRUPO I
Apresente as suas respostas de forma bem estruturada.
A
Leia o poema.
III
/IIÚK
1. De acordo com a primeira estrofe, mostre como o sujeito poético escolhe um contexto lipoma
propício à leitura da poesia de Cesário Verde.
2. Comprove, com elementos textuais, que o sujeito poético, sendo um apreciador da Natu- lipoma
reza, compreende o sentimento de Cesário Verde.
4. Identifique, a partir deste poema, uma característica comum à poesia de Alberto Caeiro Bpoma
ede Cesário Verde.
362
ramKtôu?Aiii
PROVA-MODELO - PROVAI
B
Leia o excerto do poema O sentimento dum Ocidental, I - Ave Marias, de Cesário Verde.
[...]
5. Evidencie de que forma este poema confirma que o sujeito poético é umobservador acidental. IfjfClK
6. Justifique o recurso à comparação para caracterizar as personagens que o poeta vê. JEpoiiis
363
PI EMBAII EXAME NACUMÀL
C lfpiKK
Escreva uma breve exposição, na qual apresente a visão que Alberto Caeiro e Ricardo Reis
têm sobre este tema em alguns dos seus poemas.
PROVA-MODELO - PROVAI
GRUPO II
Leia o texto. Se necessário, consulte as notas.
O que faz uma mulher com uma máscara de vaca na cabeça, a posar para uma loto
junto ao simbólico Portão cia índia, cm Deli? A obrigar a sua sociedade a refletir. Sobre
o quê? Sobre o facto de haver um interesse c ímpeto maiores quanto à proteção das
vacas no seu país do que para a defesa c celeridade de justiça nos casos das agressões
5 feitas às mulheres, cujos direitos mais básicos, incluindo a sua integridade física c emo
cional, continuam a ser violados diariamente.
A ideia partiu do fotógrafo indiano Sujatro Ghosh, que perante a discussão acesa
quanto à criminal ização das agressões feitas ás vacas no seu país — animais considerados
sagrados por aqueles seguidores da religião hindu — começou a questionar-se sobre o
lí que levaria a que os direitos das mulheres gerassem tal entusiasmo. «Pcrturba-mc que
no meu país as vacas sejam consideradas mais importantes do que as mulheres. Quando
uma mulher é violada demora muito mais tempo a obter justiça do que uma vaca.»
Para percebermos um bocadinho melhor o que leva o jovem fotógrafo a fazer esta
comparação, podemos olhar para alguns dados referentes à índia. Hoje cm dia, uma
lí agressão deliberada feita a uma vaca — sem que esse mesmo ato resulte do processo nor
mal da morte do animal para consumo — pode levar a uma pena de quase dez anos de
prisão. Uma lei amplamentc aplaudida pelos extremistas hindus, que mesmo assim cstào
atualmente a tentar fazer chegar ao parlamento a discussão da pena de morte para estes
crimes. Ou seja, há um movimento claro, ativo c com cariz de urgência para que se dê
?í condições de segurança e que seja feita justiça às vacas sagradas. Ao mesmo tempo, há
todo um cenário de violência perpetuado sobre o sexo feminino que — embora gere
hoje mais discussão pública c política — continua a ser socialmente aceite. Com ajustiça
a falhar redondamente no que lhe compete.
Sc olharmos para os dados oficiais de 2015, por exemplo, chegamos a quase 35 mil
S casos de abuso sexual que foram reportados às autoridades indianas, sendo que ajustiça
apenas atuou cm menos de 20% destes casos. Casos esses que devem ter uma dimensão
tremendamente maior, uma vez que estes são apenas aqueles que chegam às autorida
des. Há uns meses, um estudo sobre a realidade criminal de Deli mostrava que apenas
um cm cada 13 casos de abuso sexual chegava às autoridades. Em comparação, um em
Ji cada três roubos de telemóveis, por exemplo, era reportado à polícia. Por razões cul
turais, sociais, familiares c religiosas, uma larga percentagem das mulheres e meninas
vítimas deste tipo de violência continua a nào denunciar o crime. O estigma fala mais
alto. E ajustiça — tal como a mentalidade discriminatória instituída naquele país — nào
acompanha a necessidade urgente de mudança.
X Tudo isto deu que pensar a Sujatro Ghosh, que decidiu então usar a sua arte e o
poder do humor para fazer um protesto, que tinha como ponto de partida fotografar
mulheres, de diferentes esferas sociais, com máscaras dc vaca cm vários pontos da sua
365
PI EMBAII EXAME NACUMÀL
1 abjetos: repugnantes.
3. No terceiro parágrafo são fornecidos argumentos que comprovam que na índia há Bzdiie
(A) equidade de condições de segurança e de justiça entre as vacas e as mulheres.
(B) mecanismos de proteção legal para as mulheres vítimas de violência, assim como para
as vacas.
(C) pena de morte para crimes de violência contra as mulheres e contra as vacas.
PROVA-MODELO - PROVAI
4. O articulador do discurso que introduz quinto parágrafo. «Tudo isto», refere-se 8 pontos
(A) aos exemplos fornecidos no parágrafo anterior.
5. As formas verbais presentes em «A ideia partiu do fotógrafo indiano Sujatro Ghosh* apomos
(linha 7) e em «Porque as mulheres são vulneráveis em todos os lugares» (linhas 39-40)
têm, respetivamente, um valor aspetual
(A) perfetivo e genérico.
6. Indique a função sintática desempenhada pela expressão «para um segundo patamar» apomos
(linha 51).
A amizade é essencial à felicidade humana. Quem tem amigos verdadeiros nunca está
só, pois estes sào sempre heis e presentes.
Num texto de opimào bem estruturado, com um mínimo de duzentas e um máxi
mo de trezentas c cinquenta palavras, defenda um ponto de vista pessoal sobre o papel
dos amigos verdadeiros na vida humana.
No seu texto:
- explicite, de forma clara e pertinente, o seu ponto de vista, fundamentando-o com
dois argumentos, cada um deles ilustrado com um exemplo significativo:
- utilize um discurso valorativo (juízo de valor explícito ou implícito).
36 7
PI EMBAII EXAME MACUUL
PROVA-MODELO - PROVA 2
GRUPO I
Apresente as suas respostas de forma bem estruturada.
A
Leia o poema.
Nevoeiro
É a Hora!
lu/cíc, Fratres3. 4
1. Refira de que modo se manifesta neste poema a natureza épico-lírica de Mensagem, justi- lÉpaws
ficando a sua resposta com elementos textuais.
2. Esclareça a forma como o verso «Que é Portugal a entristecer» é confirmado por em con- lípame
junto de antíteses que lhe seguem.
3. Evidencie o sentido dos dois últimos versos do poema, considerando a metáfora e o uso lEponue
inesperado de maiuscula.
4. Justifique de que modo a repetição dos pronomes «Ninguém» (versos 7 e 8) está ao serviço Bpotm
da caracterização global de Portugal.
3i a
ramKtôu?Aiii
PROVA-MODELO - PROVA 2
B
Leia o excerto do capítulo V do «Sermão de Santo António aos Peixes», de Padre António
Vieira.
Masjá que estamos nas covas do mar, antes que saiamos delas, temos lá o irmão Polvo,
contra o qual tem suas queixas, c grandes, nào menos que Sào Basílio, c Santo Ambró-
sio. O Polvo com aquele seu capelo1 na cabeça parece um Monge, com aqueles seus raios
estendidos, parece uma Estrela, com aquele nào ter osso, nem espinha, parece a mesma
5 brandura, a mesma mansidão. E debaixo desta aparência tào modesta, ou desta hipocri
sia tão santa, testemunham constantementc os dois grandes Doutores da Igreja Latina,
c Grega, que o dito Polvo é o maior traidor do mar. Consiste esta traiçào do Polvo
primeiramentc em se vestir, ou pintar das mesmas cores de todas aquelas cores, a que
está pegado. As cores, que no Camaleão sào gala, no Polvo sào malícia; [...] Vê, Peixe
Ki aleivoso2 c vil, qual c a tua maldade, pois Judas em tua comparação já c menos traidor.
[ 1
Vejo, Peixes, que pelo conhecimento, que tendes das terras, cm que batem os vossos
mares, me estais respondendo, e convindo, que também nelas há falsidades, enganos,
fingimentos, embustes, ciladas, c muito maiores c mais perniciosas3 traições.
Padre António Vieira, «Sermão de Santo António», in O&ru completa (dir. José Eduardo Eranco
e Pedro Calafate), Tomo II, Volume X, Lisboa, Círculo de Leitores, p. 163.
5. Explique de que forma o Polvo é a alegoria da sociedade do tempo de Padre António Vieira, lí paios
socorrendo-se de transcrições que comprovem a sua resposta.
6. Explicite o valor da antítese presente em «hipocrisia tão santa» (linhas 5-6). lipomas
C
7. 0 heterónimo pessoano Álvaro de Campos é considerado o poeta da Modernidade. lipomas
Escreva uma breve exposição na qual inclua duas características que estão ao serviço
dessa Modernidade.
A sua exposição deve incluir:
• uma introdução ao tema:
• um desenvolvimento no qual explicite as referidas características, fundamentando-as
com. pelo menos, um exemplo significativo;
• uma conclusão adequada ao desenvolvimento do tema.
369
PI EMBAII EXAME NACUMÀL
PROVA-MODELO - PROVA 2
GRUPO II
Leia o texto.
Há um ano vivíamos o primeiro dia do resto das nossas vidas como campcòes euro
peus de futebol. O momento inesquecível c o feito memorável continuarão a fazer os
portugueses felizes por muitos mais anos.
Iniciou-se por essa altura uma nova era motivacional na sociedade portuguesa, muito
5 aproveitada pelas classes políticas dominantes que muito capitalizaram nessa onda de
aspiração que banhou Portugal de norte a sul.
E nesse clima de êxtase nacional que surge, pouco tempo depois, a notícia sobre as
viagens dc políticos, pagas pelos patrocinadores da seleção nacional, para assistirem a
jogos dc Portugal no campeonato europeu de futebol cm França.
D Num país com tantas leis que não são cumpridas, muitas vezes por falta dc fiscalização
e consequente pcnalizaçào, c fácil descurar leis que (quase) nunca são aplicadas. Especial
mente as que são feitas já com uma cláusula dc salvaguarda que propositadamentc dá azo
a interpretações subjetivas, tal como os usos c costumes que sejam socialmcntc aceites...
E como é do conhecimento geral, cm Portugal existem muitos usos e costumes que
lí sào socialmcntc aceites, mas que nào estão inteiramente dc acordo com a lei. A famosa
«cunha» ilustra bem a real dimensão da cultura dc «favor» c dc «vantagem» dc que agora
tanto se fala.
Desta forma, os usos c costumes socialmcntc aceites pelos políticos, da esquerda à
direita, que aceitaram os convites desinteressados dc um grande patrocinador privado, sào
N partilhados por deputados, membros do governo, presidentes dc câmara c pela maioria
dos eleitores cm Portugal.
Na altura, a reduzida pressão social aliada ao tacto dc quase todos os partidos políticos
terem telhados dc vidro ajudaram o governo a brilhar com a estrondosa ideia dc elabo
rar um código dc conduta para referencia futura. Pois se fosse aplicado rctroativamcntc,
S os membros do governo envolvidos teriam eticamente que ser demitidos logo nesse
verão.
A partir dessa altura, as boas notícias nào pareciam parar dc chegar a Portugal. E o
sentimento que nada dc mal podia acontecer a Portugal, ao governo c aos portugueses
cm geral alastrou a todos os campcòes nacionais.
ü Mas afinal parece que os usos c costumes já nào são o que eram. Vem agora o minis
tério público, um ano após a polemica, com interpretação legal diferente do socialmcntc
aceite, para choque dc muitos políticos. E logo no dia dc aniversário dos campcòes euro
peus dc futebol.
E quase socialmcntc inaceitável... mas pode ajudar a renovar o sentido dc ética da
S sociedade portuguesa.
Paulo Barradas, E.rprcssn,
(texto adaptado, consultado em 11/07/2017).
370
ramKtôu?Aiii
PROVA-MODELO - PROVA 2
4. As formas verbais presentes em «Num país com tantas leis que não são cumpridas, [...], é Opomos
fácildescurar leis que (quase) nunca são aplicadas» (linhas 10-1 l)conferem ao enunciado
um valor aspetual
(A) perfetivo e iterativo.
5. A expressão «[...] em Portugal existem muitos usos e costumes que são soclalmente acei- Opomos
tes, mas não estão inteíramente de acordo com a lei* (linhas 14-15) é um exemplo de
(A) modalidade deôntica. com valor de permissão.
6. Identifique a função sintática da oração sublinhada em «Mas afinal parece que os usos e Opomos
costumes já não são o que eram* (linha 30).
7. Classifique a oração «que (quase nunca são aplicadas)» (linha 11). Opomos
371
PI EMBAII EXAME NACUMÀL
PROVA-MODELO - PROVA 2
GRUPO III
Os jovens cm idade escolar tem como sua grande responsabilidade estudar c, conse
quentemente, ter sucesso na escola. Porém, o descanso, e cspccialmentc o sono, c muito
importante para o bom desempenho na escola. Dormir c fundamental para recuperar c
preparar testes e exames.
No seu texto:
- explicite, de forma clara e pertinente, seu ponto de vista, fundamentando-o com
dois argumentos, cada um deles ilustrado com um exemplo significativo;
- utilize um discurso valorativo (juízo de valor explícito ou implícito).
372
ramKtôu?Aiii
A
Leia o poema.
Os jogadores de xadrez
373
PI EMBAII EXAME NACUMÀL
PROVA-MODELO - PROVA 3
/IIÚK
2. Evidencie, com recurso a elementos textuais, de que forma o uso da conjunção coordena- íípon»
tiva adversativa «Mas*, no verso 21. está ao serviço do contraste de sentimentos entre os
dois jogadores de xadrez e as «mulheres» e «crianças».
3. Explique a relação existente entre os momentos de reflexão dos dois jogadores de xadrez líponre
e aquilo que decidem fazer de seguida, considerando o uso das formas verbais «refletir»
(verso 27) e «volviam» (verso 35).
4. Interprete o sentido da última estrofe à luz da filosofia de vida de Ricardo Reis. Bpoma
374
ramKtôu?Aiii
PROVA-MODELO - PROVA 3
B
Leia o texto.
5. Explicite, com base na leitura deste episódio de Os Maias, dois aspetos da crítica de cos lipomas
tumes feita por Eça de Queirós.
6. Explique a reprodução do discurso no discurso presente na sequência *gritava-lhe que era lipomas
indigno de estar ali, entre gente decente!» (linhas 2-3).
C
7. Fernando Pessoa ortónimo revela, na sua poesia, a sua vivência na dicotomia sonho/reali- lipomas
dade.
Escreva uma breve exposição na qual distinga cada um dos termos desta dicotomia.
375
PI EMBAII EXAME NACUMÀL
PROVA-MODELO - PROVA 3
GRUPO II
Leia o texto.
Para mim, que sempre tive com Deus uma relação complicada, que tanto me zango
com Ele, que às vezes sou tào injusto (ou talvez não, pode ser que cm algumas ocasiões
a razão esteja do meu lado) que me apetece, quando me interrogam acerca da nossa
Este livro, a tradução da Bíblia por Frederico Lourcnço, é um dos mais importantes
publicados em Portugal nos últimos muitos anos. Repito: um dos mais importantes
D nossa Terra no que à literatura diz respeito, quer como difusor dela, quer como diretor
de revistas literárias, quer como crítico, quer como editor. Podemos discordar dele: não
pode ser-nos indiferente e, coisa muito rara, é mtclectualmcntc honesto. Com a publi
cação desta Bíblia assina indelevelmente o seu nome no panorama literário português.
E agora, se me permitem, vou falar um pouco da obra cm apreço.
15 Eu sou um colecionador c leitor de Bíblias. Devo ter duas dezenas nas línguas cm
que consigo ler, julgo ter estudado um número razoável de versões do texto sagrado c
de comentários a ele, c enche-me de orgulho dizer que não conheço outro trabalho da
grandeza deste e da sua altíssima qualidade. Devemos a Frederico Lourcnço um texto
excecional, de seriedade c talento imensos. Estou muito à vontade para falar disto por-
M que nào conheço o autor, nunca o encontrei, nunca falei com ele, vi, por junto, uma
fotografia sua no jornal. Nào h os seus romances, nào sabia sequer que os tinha escrito,
h dois volumes seus de estudos sobre autores gregos que me pareceram senos e muito
bons, apreciei pnncipalmcntc o que escreveu sobre Eurípcdcs, um dos meus diletos
K e a minha amiga Sara Belo Luís otcrcccu-mc o primeiro c depois o segundo tomo da
sua tradução da Bíblia.
Frederico Lourcnço consegue dar-nos a beleza única deste monumento único com
uma surpreendente fidelidade c uma capacidade criativa cm tudo invulgar. Nào cncon-
H trci nenhum livro comparável a este, cm primeiro lugar no que à escrita diz respeito,
transmitindo-nos tanto quanto posso avaliar a sua beleza c qualidade ímpares c acom-
panhando-as de uma coleção de notas de espantosa elegância, erudição c humildade
376
ramKtôu?Aiii
PROVA-MODELO - PROVA 3
que honram ainda mais o seu Autor. A orgulhosa modéstia de Frederico Lourenço,
o respeito absoluto e a compreensão orgânica do material fazem desta Obra qualquer
J coisa de único no panorama intelectual português c do homem que a conseguiu uma
1. Nunca tinha, que me lembre, falado assim de um Livro c de um
figura de cumeeira*
Escritor. [...] Eu acho que Frederico Lourenço foi tocado pela Graça e invcjo-o por
isso, c tenho ciúmes por isso só de imaginar que Deus o pretere a mim, mesmo achando
que tem boas razòes para tal. Esta Bíblia possui todas as características para perdurar c
U creio que o autor deste livro português poderá dizer, como Bocage
Isto é meu, isto nào morre que, aqui para nós, é o que costumo pensar do que escrevo.
Percebi também que Frederico Lourenço é filho de M. S. Lourenço, que tào pouco
conheci mas de quem h alguma coisa. Estava a lembrar-me de uma obra chamada
O guardador de automóveis, encontrada na adolescência, de que ainda sei alguns versos
de cor, por exemplo «aceito Deus uno e trino mas nào aceito Deus cabeleireiro de
senhoras» ou de um outro que me impressionou muito c continua a impressionar-me:
«Porque estais tristes: nào me reconheceis?» Peço perdào se cito mal mas é assim que
os recordo. Sobretudo este último, que me tem acompanhado ao longo dos anos por
razões que nào sei ou, antes, creio que sei mas nào vou mencioná-las. O importante
Mi é esta Bíblia, um grande livro que decerto perdurará muitos, muitos anos na reduzida
prateleira da Grande Arte da nossa Literatura, pelo seu rigor, pela sua beleza, pela sua
absoluta c luminosa fidelidade. Como português agradeço-lhe do coração.
Como escritor agradeço-lhe do fundo da alma. A Arte nào é um desporto de com
petição, a Casa do Pai tem muitas moradas. E sempre achei que a grandeza dos outros
S aumentava o meu tamanho: muito obrigado por me ter dado alguns centímetros a mais.
Agora vejo mais longe. E, além disso, ajudou-me a sentir orgulho no meu trabalho. Isto
é meu, isto nào morre. Bocage, tradutor do meu querido Ovídio, deve estar cheio de
peneiras do Frederico Lourenço.
António Lobo Antunes, fâsão,
(texto adaptado, consultado em 22/06/2017).
1 Cumeeira: cume. tapo.
1. No primeiro parágrafo, António Lobo Antunes refere que a sua relação com Deus ip:r.:í
(A) sempre foi complexa, mas a tradução de Frederico Lourenço veio torná-la simples.
(B) sempre foi complexa, mas Frederico Lourenço deu-lhe a conhecer um outro olhar
sobre a figura de Cristo.
(C) sempre foi de puro cumprimento, sem diálogo, mas a tradução de Frederico Lourenço
levou-o a estar mais perto de Deus-Pai e Deus-Filho.
(D) sempre foi de puro cumprimento, mas a tradução de Frederico Lourenço levou-o a uma
relação mais simples com Deus-Pai e Deus-Filho.
377
PI EMBAII EXAME NACUMÀL
PROVA-MODELO - PROVA 3
2. Entre as linhas 15 e 26. o escritor considera que Frederico Lourenço fez uma tradução : ZÜ1IK
(B) leu uma dezena de livros sagrados, em duas línguas, e estudou um número reduzido de
críticas, todas com maior qualidade.
(C) leu mais de uma dúzia de textos sagrados, em português, e estudou um número razoá
vel de críticas, todas com maior qualidade.
(D) leu mais do que dez livros sagrados, em português, e estudou um número inesgotável
de críticas, todas com menor qualidade.
3. Entre as linhas 27 e 41, Lobo Antunes exalta as seguintes qualidades do tradutor: : ZÜ1IK
378
ramKtôu?Aiii
A
Leia o poema.
1 Estio: veràa.
Cnncfâ
1. Explicite de que forma as estações do ano. referidas no poema, simbolizam as fases da iíponras
vida do ser humano.
2. Esclareça o sentido dos versos 2,3 e 6 *[...] reservemos / Um pensamento [...] /[...] para o upxws
que fica do que passa», enquadrando-o na filosofia epicurista.
3. Explique o sentido dos versos 3 e 4 *[...] nõo para a futura / primavera, que é de outrem», lí pomas
3TS
PI EMBAII EXAME NACUMÀL
B
Leia o texto.
4. Demonstre que Pedro da Maia é uma personagem de sentimentalismo exagerado e trágico. lÉiaiiK
5. Refira o valor simbólico do espaço físico apresentado entre as linhas 1 e 2, comentando a lfjaiiK
6. Compare o sujeito poético enamorado do texto A com este Pedro da Maia do texto B. Ezdiik
C
7. Em Os Maias. Pedro da Maia e Carlos da Maia, pai e filho, têm perspetivas e atitudes total lf züiik
mente diferentes relativamente ao sentimento amoroso.
Escreva uma breve exposição sobre a perspetivaçâo do amor por parte de Pedro e de Car
los no referido romance queirosiano.
390
ramKtôu?Aiii
PROVA-MODELO - PROVA 4
GRUPO II
Leia o texto.
Histórias e desabafos sobre o iPhone
Um gesto, chamaram-lhe pindi. Afastamos os dedos e as coisas ficam maiores, apro
ximamos c lá vào elas para o seu sítio. Um movimento, o discreto balanço dos gráficos
no ecrã do iPhone que faz com que pareça que estamos mesmo a interagir com objetos
físicos. O teclado virtual era odiado c gozado por quase todos. A máquina fotográfica
5 de 2 MG nào gravava vídeo. Nào tinha 3 G, o que já era claramente uma desvantagem
técnica cm 2007. Com todas as suas fraquezas, tornou-se o telefone mais famoso no dia
em que Stcvc Jobs o apresentou ao mundo.
O descarado escolheu um dia de janeiro cm que decorria a CES, a maior feira de
eletrónica de consumo do mundo. Todos os jornalistas que interessavam nesta área
li estavam cm Las Vcgas a ver as novidades. Todos nào, Jobs escolheu bem uns poucos e
convenceu-os, um a um, a irem ver uma coisa nova, supostamente sem lhes dizer sequer
o que era. Ainda hoje os que nào aceitaram sc arrependem c sào de certa forma gozados
pelos que correram o risco. Só alguns anos depois teriam a certeza de ter de facto assis
tido a um momento histórico. Vale a pena ver essa apresentação, Jobs no seu melhor.
15 Quando estava a editar a reportagem dos dez anos para a SIC, e chegou o momento
em que é revelado o nome, a Vanda Paixào, que estava a trabalhar comigo, disse — «Até
arrepia». E dez anos depois ate arrepia.
Stcvc Jobs vai num crescendo, criando expectativa, falando do tempo que levou, da
importância que vai ter, começa por dar a entender que vai mostrar três coisas novas,
3 um telefone, um iPod (leitor de música) c um navegador revolucionário para a Internet.
Ao longo do discurso, leva facilmente a pequena multidào a concluir por si própria que
está a talar de um único aparelho.
O que Jobs c a sua equipa fizeram foi repensar o interface, a forma como nos relacio
namos com a máquina. Criaram uma relação tátil com objetos virtuais que tem vindo
S a aperfeiçoar. Os íPhones e ate os computadores de hoje reagem à intensidade do nosso
toque c respondem com toques c vibrações na nossa pele. Na tal apresentação c notória
a forma como fala das funções de leitor, diz que é como sc tocássemos na música que
vamos ouvir. Perceberam a importância que a navegação na Internet iria ter. Só há
muito pouco tempo os brouwn de outros telefones começaram a aproximar-se do que
1 o iPhone trazia. Navegar lado a lado com um iPhone e outro qualquer aparelho fazia a
outra marca parecer uma anedota. Claro que hoje já nào é assim.
O golpe de génio seguinte seria a abertura da loja aos programadores. E de que
maneira. Qualquer tipo capaz de programar umas coisas que fizesse um programa
interessante poderia, quando muito, ganhar 30% do preço de venda. Um pouco como
X acontece com os livros, mas com os livros é pior ainda. A Apple inverteu a coisa e
passou a dar 70% aos criadores. Além disso, facilitou o processo c criou ferramentas
que ajudavam. Foi só ao fim de um ano que os programadores puderam cntào vender
331
PI EMBAII EXAME NACUMÀL
os seus pequenos programas aos utilizadores de iPhone. Isto provocou uma cxplosào
de funcionalidades e de escolhas. Começaram nas 500 aplicações, depois lembro-me
U do dia cm que só de meteorologia já existiam 400 aplicações diferentes. A certa altura
houve uma guerra com a Apple c o Android a competir no número de apps disponíveis
no seu sistema. Hoje já terào ultrapassado os 2 milhões c 200 mil. E o Windows Mobile
nào descola cm boa parte porque os programadores nào investem no sistema.
Os designers da Apple acertaram cm tanta coisa que obrigaram todo o mercado a
15 seguir. A verdade c que todos, todos os telefones que hoje usamos sào um ecrã tátil
num corpo o mais fino possível. Sc olharem para as fotografias dos telefones daquele
tempo, verão uma maravilhosa profusão de cores e de designs, redondos, cm meia-lua,
quadrados, com teclas grandes ou teclas pequenas, com teclados partidos ao meio, cm
concha, em lablet, metade de cada lado. Hoje caímos numa triste monotonia, porque os
50 designers dcjobs tinham razão e ninguém inventou coisa melhor. A riqueza dos apare
lhos de hoje está nos programas que correm, cada um usa o que precisa e o que gosta,
dos milhões disponíveis, a preços ridículos, quando nào gratuitos.
Só um ano depois chegaria a Portugal, com a versão 3 G. Dez jornalistas portugueses
tiveram que assinar um contrato que quase parecia um pacto para terem a possibilidade
55 de conhecer a máquina como deve ser durante dez dias, antes do lançamento. As notí
cias aqui cm Portugal sobre as novas versões sào feitas como se estivéssemos a lutar con
tra a marca, a tentar mesmo assim x fazer um trabalho decente sem os instrumentos que
têm até os bloggers cm Espanha. E um direito deles claro, mas vamos fazendo porque a
mesma marca que tomou esta dccisào soube tornar-se quase obrigatória nas notícias.
líO Uma escolha que confesso que me custa a entender.
Lourenço Medeiros, lõsáo,
(texto adaptado, consultado em 05/07/2017).
1. Quando o autor refere que «Afastamos os dedos e as coisas ficam maiores [...] faz Ezdiik
com que pareça que estamos mesmo a interagir com objetos físicos» (linhas 1-4),
a intenção é
(A) mostrar as principais funcionalidades dinâmicas do pinch.
(B) criticar todas as funcionalidades do pinch.
(C) elogiar algumas das funcionalidades do pinch.
(D) explicar todas as vantagens e desvantagens do pinch.
312
ramKtôu?Aiii
PROVA-MODELO - PROVA 4
4. As expressões «[...] a Vanda Paixão [...] disse - *até arrepia’* (linhas 16-17) e «Os iPhones 0|wmK
e até os computadores de hoje reagem à intensidade do nosso toque e respondem com
toques e vibrações na nossa pele» (linhas 25-26) introduzem, respetivamente.
(A) uma sequência textual dialogai e explicativa.
(B) uma sequência textual argumentativa e descritiva.
(C) uma sequência textual narrativa e descritiva.
(D) uma sequência textual explicativa e descritiva.
5. A sequência «Só um ano depois chegaria a Portugal» (linha 53) inclui, respetivamente, g^
exemplos de
(A) dêixis temporal e espacial.
(B) dêixis pessoal e espacial.
(C) dêixis espacial e temporal.
(D) dêixis temporal e pessoal.
6. Classifique a oração sublinhada em «Uma escolha que confesso que me custa a entender» 0p]mK
(linha 60).
GRUPO III
Num texto de opinião bem estruturado, com um mínimo de duzentas e um máximo de tre
zentas e cinquenta palavras, defenda uma perspetiva pessoal sobre a ideia apresentada.
No seu texto:
- explicite, de forma clara e pertinente, o seu ponto de vista, fundamentando-o com
dois argumentos, cada um deles ilustrado com um exemplo significativo:
- utilize um discurso valorativo (juízo de valor explícito ou implícito).
393
PI EMBAII EXAME NACUMÀL
A
Leia o poema.
D. Tareja*
1
As nações todas sào mistérios.
Cada uma é todo o mundo a sós.
O màe dc reis c avó de impérios.
Vela2 por nós!
Fernando Pessoa,
Lisboa, Assírio & Alvim, 2014, p. 22.
/IIÚK
Eipníü
314
ramKtôu?Aiii
PROVA-MODELO - PROVA 5
93
E ponde na cobiça um freio1 duro,
E na ambição também, que indignamente
Tomais mil vezes, e no torpe2 e escuro
Vício da tirania infame3 e urgente;
Porque essas honras vãs; esse ouro puro.
Verdadeiro valor nào dão à gente.
Miihor c merecê-los sem os ter.
Que possuí-los sem os merecer.
5. Refira as críticas que Camões tece aos Portugueses neste momento de reflexão.
6. Identifique o recurso expressivo presente no primeiro verso desta estância com a devida lípomn
justificação.
7. No capítulo V do «Sermão de Santo António aos Peixes», Padre António Vieira repreende ifipomos
em particular os «pegadores».
Escreva uma breve exposição sobre esta categoria de peixes.
385
PI EMBAII EXAME NACUMÀL
PROVA-MODELO - PROVA 5
GRUPO II
Leia o texto.
395
ramKtôu?Aiii
PROVA-MODELO - PROVA 5
2. As duas últimas frases do segundo parágrafo (linhas 8-10) mantêm entre si uma relação de a pomas
(A) diferença.
W contraste.
(C) semelhança.
(D) simultaneidade.
4. Na frase «A análise de mais de mil artefactos encontrados durante novas escavações em apomos
Madjedbebe [...] estabelece que a chegada dos humanos à Austrália terá acontecido há 65
mil anos» (linhas 1-3) verifica-se a ocorrência de uma relação temporal com valor de
(A) simultaneidade.
(B) posterioridade.
(C) anterioridade.
(D) contemporaneidade.
5. Os antecedentes dos pronomes relativos sublinhados «em que podem ter servido de pon- a pontos
tas de lança» (linha 19) e «que liderou as escavações* (linha 20) são. respetivamente.
(A) «evidências* e «Chris Clarkson».
«setas de pedra* e «arqueólogo da Universidade de Queensland*.
«machados de pedra* e «arqueólogo».
(D) «ferramentas de moagem* e «a tecnologia*.
6. Identifique os tipos de dêixis presentes em «onde já tinham sido encontrados vestígios a pontos
importantes da mais antiga ocupação humana no continente» (linhas 6-7).
7. Indique o valor da oração subordinada adjetiva relativa «que podem ter servido de pontas apomos
de lança» (linha 19).
387
PI EMBAII EXAME NACUMÀL
PROVA-MODELO - PROVA 5
Partindo da citação acima apresentada, e num texto de opinião bem estruturado, com um
mínimo de duzentas e um máximo de trezentas e cinquenta palavras, exponha a sua visão
sobre a importância de conhecermos a História de Portugal para a vivência esclarecida e
plena da nossa vida contemporânea.
No seu texto:
- explicite, de forma clara e pertinente, o seu ponto de vista, fundamentando-o com
dois períodos históricos exemplificativos;
- utilize um discurso valorativo (juízo de valor explícito ou implícito).
3i a
ramKtôu?Aiii
PROVA-MODELO - PROVA 6
GRUPO I
Apresente as suas respostas de forma bem estruturada.
A
Leia o poema.
.4 Largada
1. Explique de que modo os versos 1 e 2 recriam contexto dos Descobrimentos portugueses. l£pontos
2. Caracterize o estado de alma de quem se encontrava no «cais» desta «Largada», com base lípms
nos versos 5 a 12.
3. Explicite o que desencadeou o enchimento das velas, de acordo com o conteúdo da tercei- l£ponoas
ra estrofe.
4. Caracterize o estado de alma de «cada homem» que embarcava nessa hora, tendo em conta a potros
o conteúdo da última estrofe.
399
PI EMBAII EXAME NACUMÀL
PROVA-MODELO - PROVA 6
Leia o texto.
O velho cerrara os olhos, como sc desfalecesse, estendendo a mào para sc apoiar. Ega
correu para ele:
— Nào sc aflija, sr. Afonso da Maia!
— Que queres cntào que faça? Onde está ele? Lá metido, com essa mulher... Escusas
5 de dizer, cu sei, mandei espreitar... desci a isso, mas quis acabar essa angústia.,, e esteve
lá ontem ate de manhã, está lá a dormir neste instante... e foi para este horror que Deus
me deixou viver ate agora!...
Teve um grande gesto de revolta e de dor. De novo os seus passos, mais pesados, mais
lentos, se sumiram no corredor. [...]
D Defronte do Ramalhete os candeeiros ainda ardiam. Abriu de leve a porta. Pé ante pé,
subiu as escadas ensurdecidas pelo veludo cor de cereja. No patamar tateava, procurava
a vela, quando, através do reposteiro entreaberto, avistou uma claridade que sc movia no
fundo do quarto. Nervoso, recuou, parou no recanto. O clarão chegava, crescendo; passos
lentos, pesados, pisavam surdamente o tapete; a luz surgiu — c com ela o avó cm mangas
15 de camisa, lívido, mudo, grande, espectral. Carlos nào sc moveu, sufocado; e os dois olhos
do velho, vermelhos, esgazeados, cheios de horror, caíram sobre ele, ficaram sobre ele,
varando-o até às profundidades da alma, lendo lá o seu segredo. Depois, sem uma palavra,
com a cabeça branca a tremer, Afonso atravessou o patamar, onde a luz sobre o veludo
espalhava um tom de sangue — c os seus passos perderam-se no interior da casa, lentos,
N abafados, cada vez mais sumidos, como sc fossem os derradeiros que devesse dar na vida!
[ 1
Outra vez lhe palpava o coração... Mas estava morto. Estava morto,já frio, aquele
corpo que, mais velho que o século, resistira tào formidavelmente, como um grande
roble, aos anos e aos vendavais. Ah morrera solitariamente,já o Sol ia alto, naquela tosca
mesa de pedra onde deixara pender a cabeça cansada.
Eça de Queirós, Os Afaías, Lisboa,
Livros do Brasil, 2014, p. 666.
390
ramKtôu?Aiii
Escreva uma breve exposição sobre tal temática, referindo duas características que a con
sigam espelhar.
391
PI EMBAII EXAME NACUMÀL
PROVA-MODELO - PROVA 6
GRUPO II
Leia o texto.
Estudos dizem que viajar pode ser o segredo para uma vida mais longa
Quem tenta prová-lo é June Scott, uma apaixonada por viagens com 86 anos. Quando
lhe perguntam onde vive, a resposta, em tom dc brincadeira, é simples — «esta manha ou
cm viagem?».
June já visitou os sete continentes e 87 países e promete nào parar. A sua casa fica cm
5 Illmois, nos Estados Unidos, c é para lá que vai quando regressa dc viagem. As suas últi
mas paragens foram a Palestina e Israel, depois dc uma passagem por Cuba. Em dezem
bro, teve uma experiência a que chamou única: dormiu numa tenda no maior deserto
dc areia do mundo — o RubL alKhali, que abrange áreas da Arábia Saudita, dc Omã, dos
Emirados Árabes Unidos c do Icmen — muitas vezes considerado um dos lugares menos
M explorados do planeta. E, no verão passado, sobrevoou a Costa dos Esqueletos, na Namí
bia, num pequeníssimo avião.
Mas June nào c só uma avó com um passaporte recheado — c uma das participantes
dc um estudo sobre Swper/ljçmjç, da Universidade Northwcstcrn, cm Illmois. Swper/lpní’
é um termo que se aplica ao «bom envelhecimento», isto é, à maneira dc envelhecer sem
lí perder capacidades mentais ou de memória. Os Super/lgim (termo aplicado pelo neu
rologista Marscl Mcsulam) são idosos cuja memória e atenção não estão simplesmente
acima da media para a idade, mas equivalem a pessoas quatro ou cinco décadas mais novas.
À medida que a maioria dos seres humanos envelhece, os seus cérebros vão enco
lhendo, o que leva a uma perda das capacidades intelectuais c cognitivas. Pelo contrário,
N os Swpcr/lçefs como June perdem menos volume de cérebro.
June Scott dir-lhe-á que as viagens a mantém viva e efetivamente mais nova.
Durante o verão, June c a família nào alugavam, como muitos outros, uma casa na
praia para as crianças poderem brincar. Ela, o mando c os filhos percorriam os parques
S nacionais norte-americanos. Quando eram novos, June ficou cm casa a tomar conta
deles. Só aos 40 se tornou professora. Mas nunca deixou dc viajar. Durante a suajá longa
vida, June Scott conviveu com gorilas cm Ruanda, e seguiu a sua árvore genealógica até
à antiga Checoslováquia.
Claro que nem todos os Snper/I^ers são apaixonados por viagens. No entanto, o estudo
H sugere que «os Swper/ljjers tendem a ser socialmente ativos, mesmo quando fazem volun
tariado com os sem-abrigo, participam cm grupos da igreja, jogam cartas, leem histórias
às crianças pequenas. E alguns, como June Scott, sào viajantes ávidos», conclui Enuly
Rogalski. Aliás, as conversas fazem com que os cérebros funcionem.
Segundo esta apaixonada por viagens, as suas aventuras «abrem-lhe a visão c a forma
S de pensar».
392
ramKtôu?Aiii
1. Os dois primeiros parágrafos apresentam Jane Scott, uma aficionada em viagens, que Bpuns
vivia
(A) em Inglaterra.
(B) nos Estado Unidos da América.
(C) em França.
(D) na Palestina.
3. Entre as linhas 23 e 28. o autor fornece-nos as duas seguintes informações sobre Jane Bpuns
Scott:
(A) fazia viagens de Natureza em família e visitou locais onde viveram os seus antepas
sados.
(B) fazia turismo selvagem com o marido e viajou até parques nacionais em Ruanda.
(C) caminhava com os filhos e marido na antiga Checoslováquia e conheceu os locais onde
os seus antepassados viveram.
(D) parou de viajar enquanto os filhos eram novos e mais tarde, quando eles cresceram,
viajou até ao Ruanda com o marido.
393
PI EMBAII EXAME NACUMÀL
PROVA-MODELO - PROVA 6
6. Identifique a funçáo sintática do elemento sublinhado na frase «E alguns, como June Bprtm
Scott, sáo viajantes ávidos», concluí Emily Rogalski.» (linhas 32-33).
7. Classifique a oração «já que os cérebros se enriquecem com novidades e desafios» (linhas
36-37).
GRUPO III
Partindo da citaçáo acima transcrita, e num texto de opiniáo bem estruturado, com um
mínimo de duzentas e um máximo de trezentas e cinquenta palavras, defenda uma perspeti
va pessoal sobre o facto de na vida humana estarmos constantemente a aprender e a ama
durecer com experiências que vamos vivendo ao longo dos tempos.
No seu texto:
- explicite, de forma clara e pertinente, o seu ponto de vista, fundamentando-o com
dois argumentos, cada um deles ilustrado com um exemplo significativo;
- utilize um discurso valorativo (juízo de valor explícito ou implícito).
394
ramKtôu?Aiii
PROVA-MODELO - PROVA 7
GRUPO I
Leia o poema.
Padrão
O esforço é grande c o homem c pequeno.
Eu, Diogo Cão1, navegador, deixei
Este padrão ao pé do areal moreno
E para diante naveguei.
1 Drogo Còo: navegador português do século XV, que explorou a Zaire [atual República Democrática do Congo, África Central).
2 Púdrõo: coluna de pedra colocada pelos navegadores/descobridores dos Descobrimentos para assinalar a presença
e o domínio político-religioso português.
3 Quinas: referem-se ao cinco escudos representados na bandeira portuguesa. Simbolizam as cinco chagas de Cristo.
1. Evidencie de que forma a primeira quadra fornece informações contextuais que preparam lfipomE
as reflexões das restantes estrofes.
3. Esclareça o{s) sentido(s) da terceira estrofe à luz dos valores simbólicos da obra Mensagem, lí pontos
395
PI EMBAII EXAME NACUMÀL
PROVA-MODELO - PROVA 7
Leia o texto.
CENA IX
Manuel de Sousa, Madalena, Teimo, Miranda e outros criados, entrando apressadamente
Teimo — Senhor, desembarcaram agora grande comitiva dc hdalgos, escudeiros c solda
dos, que vem dc Lisboa c sobem a encosta para a vila. O arcebispo nào é decerto,
que já está há muito no convento; diz-se por aí...
5 Manuel — Que sào os governadores? (TeimoJaz um sinal afirmativo) Quiseram-me enga
nar, e apressam-se a vir hoje... parece que adivinharam... Mas nào me colhe
ram desapercebido. (C/iumu à porta da esquerda) Jorge, Maria! ( Io/ííj para a cena)
Madalena, já,já, sem mais demora.
CENA X
Manuel de Sousa, Madalena, Teimo, Miranda e outros criados;Jorge e Maria, entrando
D Manuel — Jorge, acompanha estas damas. Teimo, ide, ide com elas. (Para os outros criados)
Partiu já tudo, as arcas, os meus cavalos, armas e tudo o mais?
Miranda — Quase tudo foi já; o pouco que falta está pronto e sairá num instante... pela
porta de trás, se quereis.
Manuel — Bom; que saia. (/I um sinal de Miranda saem dois criados) Madalena, Maria: nào
15 vos quero ver aqui mais. Já, ide; serei convosco cm pouco tempo.
CENA XI
Manuel de Sousa, Miranda e os outros criados
Manuel — Meu pai morreu desastrosamente caindo sobre a sua própria espada. Quem
sabe se eu morrerei nas chamas ateadas por minhas mãos? Seja. Mas fique-se
aprendendo cm Portugal como um homem dc honra c coração, por mais pode-
N rosa que seja a tirania, sempre lhe pode resistir, cm perdendo o amor a coisas tào
vis c precárias como sào esses haveres que duas faíscas destroem num momen
to... como c esta vida miserável que um sopro pode apagar cm menos tempo
ainda! (/IftWm/j duas tochas das màos dos criados, corre à porta da esquerda, atira com
uma para dentro; e vé-se atear logo unui labareda imensa. lui ao fundo, atira a outra
S tocha; e sucede o mesmo. Ouve-se alarido de fora)
Almeida Garrett, Frei Luís dc Sousa (Ato I), Prefacio de Annabela Rita, Porto,
Edições Caixotini, 2004, pp. 102-104.
4. De acordo com este excerto, evidencie a relação existente entre Manuel de Sousa Couti-
nho e as restantes personagens.
396
ramKtôu?Aiii
PROVA-MODELO - PROVA 7
5. Mostre que a última fala de Manuel de Sousa Coutinho está ao serviço da exaltação lipomas
patriótica.
6. Prove, com elementos textuais, que a linguagem usada por Manuel está ao serviço das apomos
suas emoções.
7. No «Sermáo de Santo António aos Peixes*. Padre António Vieira louva em particular o lípomos
peixe *quatro-olhos*.
Escreva uma breve exposiçõo sobre esta categoria de peixe.
397
PI EMBAII EXAME NACUMÀL
PROVA-MODELO - PROVA 7
GRUPO II
Leia o texto.
393
ramKtôu?Aiii
PROVA-MODELO - PROVA 7
AP:™
5. O antecedente do pronome relativo sublinhado em <[...] que esta semana recebe a Shark
Week» (linha 5) refere-se a
(A) «Michael Phelps*.
(B) «O norte-americano».
«tubarões adversários».
(D) «o Discovery Channel».
apziíjii
6. Indique o valor da oração subordinada adjetiva relativa presente em «que esta semana
recebe a Shark Week» (linha 5).
399
PI EMBAII EXAME NACUMÀL
PROVA-MODELO - PROVA 7
«Pelo sonho c que vamos» é uni verso de um dos poemas de Sebastião da Gama.
No seu texto:
- explicite, de forma clara e pertinente, o seu ponto de vista, fundamentando-o com
dois argumentos, cada um deles ilustrado com um exemplo significativo;
- utilize um discurso valorativo (juízo de valor explícito ou implícito).
400
NITOCtâ 12? AM
PROPOSTAS DE RESOLUÇÃO
RICHA 3 (p. 16)
Educação literária • 1O.° Ano
L A primeira parte corresponde às duas primeiras estrofes e
FICHA l(p. 13) inclui as perguntas feitas pela Mãe; a segunda parte integra
as estrofes 3 e 4. pois nelas estão inseridas as respostas da
L Trata-se de um diálogo, uma vez que existe discurso direto,
filha; a terceira parte diz respeito às duas últimas estrofes,
quando a donzela diz -Ai flores, ai flores do verde pino. / Se
em que sobressai a resposta da Mãe. experiente e arguta,
sabedes novas do meu amigo?» (versos 1-2), desejando obter
que diz à jovem que nunca «cervo» foi causa de tal demora
uma resposta. Por Dutro lado, testemunhamos tal resposta no
na fonte.
discurso direto das «flores»: «- Vós preguntades polo voss'
amigD / E eu bem vos digo que é san'e vívd.» (versos 13-14) L Uma filha jovem foi à fonte com o objetivo de se encontrar
2. Estamos perante uma personificação das «flores». vistD que com o seu amigo e demorou-se mais do que d costume. Che
gando a casa, a Mãe pergunta o motivo da demora e a jovem
a elas são atribuídas propriedades humanas, tais como a fala/
interlocução, como se verifica em «- Vós preguntades polo afirma que um animal selvagem («cervo») agitou as águas e
eh teve de esperar que ele se fosse embora. A Mãe. por sua
voss amigo/E eu bem vos digo (...)»(versos 13-14).
vez, reconhece a mentira e verbaliza-o claramente.
1 0 tema desta composição poética prende-se com a angús
3. 0 1? e o 2? dísticos têm o mesmo sentido, apenas mudan
tia de uma jovem enamorada que quer saber onde está o
seu amado. Quanto ao assunto, trata-se de uma jovem com
do as palavras que rimam; no 3? dístico, o 1/ verso retoma
saudades e dúvidas acerca dos sentimentos e do regresso o Za verso do 1? dístico (com acréscimo de apóstrofe feita
do seu amado. Dirige-se a elementos da Natureza, no caso a «mia madre»; o 4/ dístico retoma {em sentido) o 2.° verso
«flores do verde pino», tentando saber do seu paradeiro. do l.° dístico; o pensamento lógico da cantiga progride sem
Neste sentido, as flores pronta mente a informam de que ele pre no 2.a verso de cada estrofe ímpar: «por que tardastes
se ausentou, mas está prestes a regressar e irá faze- lo antes na fontana fria?» {verso 2); «cervos dü monte a áugua volvfi]
dü prazo combinado. am» {verso 8); «nunca vi cervo que volvesse o rio» (versD 14);
d texto tem um número par de estrofes.
4. A jovem/amiga está muito insegira. saudosa e cética relativa
mente ao regresso do seu amado. A sua expectância revela-se na 4. As apóstrofes confirmam d diálogo, e o binómio pergunta/
constante repetição do refrão. As «flores do verde pino», na sua resposta não deixa margem para dúvidas: «filha, mia filha
qualidade de confidentes, revelam-se cabnas, apaziguadoras, velida»; «filha, mia filha louçana»; «mia madre»;«mia filha».
fornecendo informação que tomara a menina mais confiante. 5. 0 recurso expressivo é a aliteração do som consonântico
5. Neste poema encontram-se temáticas que confirmam a sua «f» em «fria fontana» / «fontana fria», cujo valor expressivo
pertença ao género Cantigas de Amigo: a presença da Nature pode prender-se com a frescura do lugar onde os amantes se
za amiga e confidente da jovem enamorada, que se sente sau encontravam, propício à aproximação dos corpos, ou ainda
dosa e enganada pelo seu amado; o amor com seus encontros com movimentações da água da fonte.
e desencontros; o sujeito poético é típico também: uma jovem; K. Em «Cervos do monte a áugua volv[i|am» vemos uma anás-
a ruralidade/o cenário campestre; a saudade, que pressupõe trofe ao serviço da desorganização dü mover das águas, re
ausência; a presença de um refrão que dá forma a um tom mu fletida na intensidade dos amores vividos.
sical inequívoco. I Nas estrofes 5 e 6 percebemos claramente a sabedoria em
fi. Vejamos as razões que dão vida às várias formas de parale pírica da Mãe. sendo que a utilização do advérbio «nunca»
lismo. que inclui o íetxo-pren: Primeira, os l.B e 2.D dísticos na sequência «nunca vi cervo que volvesse d rio» (verso 14)
reproduzem d mesmo sentido, com palavras rimantes apresenta u m arg umento impossível de ser contrariado pela
diferentes («amigo/comigD», «amado/jurado». Segunda, no 3.° jovem: a Mãe experiente provavelmente já passou pelo mes
dístico, o 1/ verso retoma o ZD verso do 1? dístico («Se sabe mo na juventude e agora conhece bem «os a mores» da f i lha.
des novas do meu amigo») - íetxo-pren, portanto. Terceira, o I. a) Movimento - aliterações do som «v» («cervos dü monte
4.* dístico retoma o Z" verso do 2.° dístico («se sabedes novas a áugua volv[i|am» - verso 8) e «s» {«nunca vi cervo que vol
do meu amado»)i Quarta, cada 2.3 verso das estrofes ímpares vesse o rio» - verso 14}_ b) Lamento - aliteração do som «m»
faz progredir a linha de pensamento subjacente a esta cantiga, («Mentir, mia filha, mentir por amado» - verso 16). que revela
como se vê reproduzido a seguir: (l)«se sabedes novas do meu uma certa tristeza da Mãe por perceber que a filha lhe está a
amigD»; (3) «Aquele que mentiu do que pôs conmigD»; {5) «E mentir, c) Alegria, entusiasmo e nervosismo - assonância do
eu bem vos digo que é san'e vivo»; (7) «será vdsco antb prazo som vocálico «i», como em «(...) filha, mia filha velida» (verso
saído». Qjuinta. a composição poética tem um número par de D/ «Tardei, mia madre, na fontana fria,» {verso 7) / «cervos
estrofes/coblas {no caso. 8).
do monte a áugua volvfijam »(verso 8) - alegria, entusiasmo
I a) F - redondilha menor; b) V. e algum nervosismo da menina ou «nunca vi cervo que vol
U metátese («pre» - «per»); síncope («tades - taes > tais). vesse o rio» (versD 14) - nervosismo da Mãe por estar a con
frontar a filha coma mentira.
FICHA 2 (p. 15) 1 Os vocábulos são: «fontana»; «cervos»; «monte»; «áugua»;
1. 0 assunto é o sofrimento de amor por uma jovem apaixonada «rio»; «alto».
devido à ausência do seu amado.
2. Os dois sentimentos são «cuidado» (preocupação, ânsia cons ACHA 4 (p. 18)
tantes) e «desejo» (desejo carnal, revelando erotismo). 1. Pelo título, percebemos que o autor vai imitar «a maneira
J. A palavra que melhor exemplifica a «coita de amor» é «coita proençal», isto é. como os seus contemporâneos de Proven-
da». ou até «cuidado» (versos 1 e 5). ça (sul de França) vai louvar uma mulher, servindo-se dos
4.0 sentido é o da visão, pois o sofri mento de amor agudiza-se mesmos modelos de conteúdos e estilo {vocabulário e sinta
porque não o vê («e nom vejo» - versD 6). xe eruditos, como, por exemplo, «a que prez nem fremDsura
5. Aliteração do som «m». que instaura sentimentos de lamentD e nom fal» (verso 4). «comprida de bem» (verso 6) e «comuna I»
queixume, associados ao sofrimento provocado pela ausência (verso 11).
do amado. L 0 cenário é o da corte ou. pelo menos, palaciano.
401
PIEMUII EUHE NACIINAL
1 0 sujeito está subentendido na forma verbal em *e querrei fere desejos que são. ao que tudo indica pela atitude da se
muit'i loar mia senhor*, citação que identifica o objeto: a mu nhora, inconcretizáveis: «Se eu podesse desamar / a quem me
lher a mada/a sua dama. sempre desamou* (versos 1 -2) - o tempo não volta atrás, daí a
4. «fremosura», «bondade», «comprida de bem», «sabedor de impossibilidade de tornar este desejo reat «podess algum mal
todo o bem», «gram valor» «falar mui bem», «rir melhor», buscar/a quem me sempre mal buscou* (versos 3-4) - como d
«leal», por outras palavras, só louvores e exaltação de suas pode fazer ele. se ainda a ama e deseja?
qualidades de beleza física, nobres e altruístas. 5. Primeiro, «Assi me vingaria eu» - resultado do seu sofrimentD;
41 Os exemplos de comparação são os seguintes: «(-.) mais segundo. «E por esto non dórmio eu» - conclusão retirada da
que todas las do mundo vai» (verso 7). que o faz acreditar «coita», isto é, a insónia constante; terceiro. «E logo dormiria
que todas as mulheres do mundo valem muito menos do que eu» - ideia à qual será dada continuidade posteriormente, res
a sua «senhor» e ainda «(-.) e riir melhor / que outra molher» tabelecendo nele um sono reparador; quarto, «e por este lazei-
(versos 17-18). sequência em que as qualidades naturais da ro eu» - explicação final do seu queixume e do seu desespero
amada sobressaem, fazendo-a superior a todas as outras. sofrido.
(. Do ponto de vista psicológico, esta amada revela-se indiferen
í. As três partes lógicas em que se pode dividir esta cantiga de te e inconscientemente cruel (ao saber do seu apaixonado e ao
amor correspondem a cada uma das três sétimas. Assim, na não lhe corresponder em nada), portanto causadora de distúr
primeira estrofe, o autor diz o que quer fazer - «um cantar bios e confusão no sujeito poético desta cantiga.
d'amor, / e querrei muit'i loar mia senhor» (versos 2-3), «le I Este poema tem 28 versos, distribuídos em quatro sétimas,
vantando □ véu» sobre algumas das suas qual idades que jus por sua vez divididas em quintilhas a que se acrescenta o dísti
tificam o seu objetivo poético; na segunda estrofe «Ca» (por co com o papel de refrão.
que - verso 8), o sujeito poético começa a listar os motivos 1.0 esquema rimático desenha-se em obabcob. correspondendo
que exaltam a superioridade da amada; na terceira estrofe a a rima cruzada e interpolada.
nova seleção de «Ca» (verso 15) dá continuidade aos novos
du renovados motivos que o levam a cantar sua «senhor», por FICHA 6 (p. 22)
tantas e tantas qualidades que a colocam quase num pedes L Considerando apenas o título, percebemos de imediato pela
tal em relação às demais. apóstrofe à senhora («dona fea») que d trovador vai exaltar
Z a) e d) correspondem às respostas corretas, visto que o amor não as suas qualidades, mas eventualmente os seus defeitos
cortês (da corte e com toda a «mesura») confirma o cenário e ou características deveras criticáveis.
o estilo escolhidos pelo trovador (homem/amador) - a corte, L «dona fea» sempre se queixou de não ter sido louvada/cantada
característica típica da «maneira proençal». nas composições deste trovador.
I. c) contém os fenómenos que descrevem corretamente os 3. Os dois recursos expressivos usados em «dona fea, velha e
processos f Dnológicos nas três palavras citadas: «ri ir» - cra sandia!» são: apóstrofe e dupla adjetivação, sendo que todos
se. pois duas vogais contíguas dão lugar a apenas uma: «rir»; eles presentificam e realçam as características negativas
«mia» - palatalização, pois o ditongo vai dar lugar {por moti desta mulher.
vos articulatórios) à criação de «nh»; «minha»; «mui» - para-
4. Nd seu raciocínio lógico de responder agora mesmo às críticas
gDge, porque se trata de acréscimo de fonema/grafema no
final da palavra:«muito». de falta de louvor feitas pela senhora, o sujeito diz que a vai
finalmente louvar - o sarcasmo advém do factD de lhe atri
buir não as qualidades que ela esperava, mas, pelo contrário,
FICHA 5 (p. 20)
a verdade dos seus traços físicos e psicológicos comicamente
L Esta cantiga retrata a «coita de amor», uma vez que se trata negativos.
do sofrimento amoroso de alguém que quis, amou e desejou 5. A confirmação encontra-se na sequência «em meu trobar, pero
uma mulher, mas esta sempre o desprezou, renegou e lhe fez
muito trobei;» (verso 14).
muito mal.
í. 0 vocábulo «loar» (e outros da sua família) é utilizado nove ve
L A primeira estrofe surte efeitos de introdução e explicação
zes: «louv'en[o]» (verso 2); «loarei* (verso 4); «loar» (verso 5);
prévia, dado que nela □ sujeito formula o seu desejo inicial
«loe» (verso 9); «loar» (verso 10); «loaçom* (verso 11); «loei»
(conseguir deixar de a amar), a partir do qual apresenta os (verso 13); «loarei» (verso 16); «loarei» (verso 17).
motivos, sobretudo o de devolver à amada todo o mal que ela
lhe tem feito e continua a fazer. Estas ideias confirmam-se 1 Nas cantigas de amor, o trovador louva a dama, que se mostra
nD refrão. Neste sentido, as restantes estrofes da cantiga altiva e se encontra numa espécie de patamar superior. Por
são espaço no qual o sujeito elenca detalhadamente o que isso mesmo ele lhe revela os seus sentimentos amorosos com
queria fazer para mudar o seu atual estado de espírito de toda a «mesura». Pelo contrario, nesta cantiga depreende-se
«coita de amor» pura e quase inacabável. Percebe-se, no fi que a senhora se queixou de falta de louvor por parte do tro
nal. que a vingança ajudá-lo-ia a libertar-se desta «senhor*. vador. Ora, para satisfazer os desejos da senhora queixosa, d
mesmo trovador louva-a à sua maneira: enfatiza todos os de
1 Na segunda estrofe, o sujeito poético afirma que sozinho não
feitos que nela encontra.
pode (des)enganar o seu coração, que o ludibriou ao apaixo-
nar-se pela amada, o que lhe retirou sono e lhe deu desnorte I. Trata-se de uma cantiga de refrão, constituída por 3 estrofes
total. Mais: perentoriamente diz que sozinho não pode deixar ou glosas com 5 versos (quintilhas). Os versos são predomi
de desejar a amada, que, veja-se a ironia, nunca o desejou. Na nantemente decassilábicos - «Ai/ do/na/ fe/a/, fos/tes/vos/
terceira estrofe, o sujeito pede a Deus que a «desampar», ou quei/xar/»; e o refrão é um monóstico octossilábico - «do/na/
seja, não lhe dê apoio, assim como ela não o apoiou, pedindo fe/a/ ve/lha e/ san/di/a». 0 esquema rimático é oaobaò. cor
também que a perturbe, tal como ela mesma o perturbou e in respondendo a rima emparelhada e rima cruzada.
comodou. Conclui, depois disto, que assim dormiria bem. Na
FICHA 7 (p. 24)
quarta estrofe, existe um lamentD inequívoco e uma desespe
rada intenção de lhe perguntar, olhos nos olhos, por que razão LI «Quem quiser dormir a sesta, vou chamá-lo à razão, depois
esta mulher lhe roubou o coração e o fez amá-la, se nunca hou do almoço decida-se por ir à cozinha do «jovem nobre».
ve correspondência da parte dela. L!A ação é a de dormir a sesta; a hora é a seguir ao almoço-, o
4. Seguem dois exemplos que provam que o sujeito poético pro local exato é a cozinha do jovem nobre.
402
NITOCtâ 12? AM
1.3 Crítica: se o local escolhido é a cozinha, as pessoas deviam LI «A gente começou de se juntar a ele e era tanta que era estra
usá-la para comer e lavar a loiça, mas o sujeito poético acon nha cousa de ver> (linha 11).
selha a ir «tanto que jante», para não ter fome. Neste caso, 1 Conseguimos verificar a presença desses vários membros düs
o que se critica é a falta (ou mesmo ausência) de comida e atores coletivos. Assim, surge «deles», que se refere aos que
cozinhados na casa deste fidalgo supostamente rico, a julgar pediam lume para queimar o Paço; «outros*, que indui aqueles
pela classe social a que pertence. que pediam escadas para trepar à janela do Paço; «homees e
2J. As restantes críticas deste trovador são: primeira, a cozi molheres*. que se colocavam ao redor do Paço, tentando en
nha é fria, portanto a lareira não foi acesa, nem para aquecer trar; «uus» traziam lenha e «outras tragiam carqueija», ou seja,
o espaço, nem para cozinhar; segunda, confirmando a sua arbustos secos para queimar o Paço.
própria experiência nessa casa, o trovador afirma que não só 41 0 conteúdo prende-se com a apresentação do Mestre na ja
não se acendeu o fogão, mas também só haveria vinho se al nela do palácio, para confirmar que era ele mesmo e estava
guém o oferecesse a este aristocrata, o que dá vida à critica vívd, seguido do seu diálogo com a multidão, que lhe perguntou
explícita da miséria escondida em que vivem os dessa classe que mais podia fazer pelo seu senhor, ao que D. João responde
social terceira, ainda que houvesse vinho e eles o pudessem que, por então, nada mais havia a fazer, pedindo-lhes que re
beber, este estaria sempre frio, como seria de esperar. gressassem a suas casas.
2JA principal característica é o frio, como se pode constatar 42 Os populares estavam agitados pelo acorrer tumultuoso
pelas seguintes sequências textuais: «{.--) fria casa (...)» pelas ruas da cidade e pelo cerco ao Paço-, revoltados com
(verso 6). «ena mais fria rem que vi» (verso 14). «(...) fria d que planeavam fazer ao seu Mestre; atónitos ao reconhe
cozinha (...)* (verso 16), «ali lho esfriaram bem, / se o frio cerem D. João à janela; determinados a defendê-lo até onde
quiser bever» (versos 20-21). ele quisesse e, por fim, tranquilos, regressando a seus lares.
3.0 jovem fidalgo não se envergonha, nem parece importar-se 43 A ordem final do Mestre é a de que a multidão regresse a sua
- «E vedes que bem se guisou / de fria cozi nha teer / o infan- casa, fazendo-o porque d seu plano estava cumprido e o povo
çom {...)» (versos 15-17). nãD era agora «necessário» para o defender ou intimidar a rai
4 A característica criticada é o costume deste fidalgo em não nha e castelhanos, até que deles D. João precisasse.
convidar n inguém para visitar a sua casa ou nela conviver, em 44 A rainha D. Leonor Teles fugiu com os seus aliados portugue
festas, por exemplo. ses e castelhanos.
5. A comparação «que tam fria casa nom há / na hoste, de quan 5. Duas aliterações na mesma sequência: «Soaram as vozes do
tas i som» (versos 6-7) assume um grau superlativo, o que arroido pela cidade ouvindo todos bradar que matavom o
aumenta a diferença entre esta casa frigidíssima e todas as Meestre»: primeiro a do som «s», cuja expressividade é a su
outras que lhe são vizinhas ou da mesma classe sociaL gestão de uma movimentação contínua de pessoas; segundo, a
4 Recursos expressivos: ironia - «bõa sesta», quando foi o con aliteração do som «m». representando d momentD de lamento
trário; hipérbole - «des aquel dia 'm que naci», exagero para grave por ver o seu líder perseguido de morte.
enfatizar o frio e o desconforto de tal cozinha; sátira - com
todo d verso, o trovador dá a conhecer ao público a miséria es RICHA 9 (p. 32)
condida dos fidalgos portugueses.
L Este capítulo retrata outro momentD importante da crise de
Z Esta cantiga tem 3 estrofes com sete versos cada. Cada ver
1383-85, revelando os preparativos da cidade face ao iminen
so tem 13 sílabas métricas (longos versos para alongar a crí- te cerco castelhano.
tica/sátira); a rima é cruzada e emparelhada.
L Liderado pelo Mestre, todo o povo fazia o que lhe fora incumbi
5 a) «i» - prótese, pelo acréscimo de «a» - «aí», que decorrerá do e trabalhava para o mesmo objetivo e bem comum, ou seja,
até aos nossos dias, b) «tan» - nasalização, pela transforma a defesa de Lisboa e, consequentemente, do Reino. Acrescen
ção do «n» em til - «nã»; par^gDge, pelo acréscimo de «o» no ta-se que até «clérigos e frades» deixavam a vida contemplati
final da palavra - «não», que decorrerá até aD português con va e os sacramentos para pelejar. Por istD, podemos dizer que
temporâneo. c) «naci* - epêntese. por acrésci mo de fonema/ todos são «um só* em defesa/combate ante o inimigo caste
grafema «s* no interior da palavra, que resulta em «nasci», lhano.
no português contemporâneo, d) «teer» - crase, pela trans
3.0 parágrafo revela todas as qualidades do Mestre de Avis como
formação de duas vogais repetidas numa só - «ter», no por
líder do seu povo-, organizado, determinado, dando sempre o
tuguês dos nossos dias, e) «gaar» - palatalização, com «nh»,
exemplo, pois, com tochas e aliados, fazia ele mesmo rondas
incluindo o palato na articulação da forma verbal, transfor
noturnas e era o primeiro a preocupar-se com todos os seus
mando o verbo em «ganhar» no português contemporâneo.
homens, o seu «bom regimento*. Por outras palavras, sacrifi-
ca-se, dormindo pouco, sempre vigilante e ao lado dos seus,
FICHA 8 (p. 29) conservando sempre a sua assertividade. comando e lideran
1. Nas linhas 1 a 10, percebe-se que o Povo se vai juntando tu ça, prontamente obedecidas pelos seus«trigosos executores».
multuosamente, prontificando-se a defender o seu Mestre de 4 Fernão Lopes faz referência aos restantes detalhes da prepa
Avis, o qual todos julgavam que ia ser assassinado pelo Conde ração e disposição do cerco: ao todo, menciona 38 portas, das
Andeiro no Paço da Rainha. E a partir deste dado informativo quais 12 estão abertas todo o dia; refere os batéis carregados
que se desenvolve todü o capítulo. de mantimentos trazidos do Ribatejü; a porta de «Santa Ca-
LI A afirmação pertence a Álvaro Pais, adjuvante do Mestre. Álvaro terina» dava acesso a uma casa pronta para acolher doentes,
Pais chama todo o Povo, rom d objetivo de reoiir o máximo de de Dnde se encontrava roupa de cama lavada, um cirurgião e me
fensores do Mestre, intimidando a Regente e os seus aliados cas dicamentos da época.
telhanos, pela movimentação tumultuosa e cm multidão. 5. Os vocábulos são: os «muros» construídos com suas «quadri
2. Ao ouvira notícia da suposta morte do seu Mestre, começa-se a lhas* (partes da muralha); as «setenta e sete torres que ela tem
desenhar uma figura coletiva - o Pdvo/ds populares, que dialo a redor de si»; «caramanchões de madeira» (proteções supe
gam entre si e se interrogam. Imediatamente, todos vão numa riores. assemetiando-se a telhados); disposição de material
espécie de uníssono ao Paço - «todos feitos duu coraçDm com de combate «lanças darmas e bacinetes», «armaduras», «trõos
talente de o vingar» (linha 16). Podemos dizer que estão, por acompanhados de pedras», «fornecidos descudos e lanças e
tanto. conscientes do que se passa e tomam a mesma atitude. dardos e bestas de torno», «grande avondança de viratões».
403
PIEMUII EUHE NACIIUL
í. A opinião de Fernão Lopes é inequívoca e clara: maravilhamen- L Os dois casamenteiros funcionam como um só, sendo a per
to pela beleza de toda a organização e disposição do cerco, sonalidade de um espelhada na do outro. São rapidíssimos
consoante as necessidades individuais e coletivas. Tais factos na procura de bons negócios, mentirosos e sem escrúpulos.
permitem-lhe louvar os portugueses, exaltando as suas quali Por vezes, representam episódios de cómico de linguagem e
dades de antecipação/antevisão do futuro cerco castelhano e personagem Por outro lado, sãD estes dois casamenteiros
de gestão de pessoas e tarefas, sempre plasmadas de altruís que vão trazer o primeiro marido de Inês, d Escudeiro enga
mo e patriotismo firmes. nador. e que afirmam conhecer Inês de romarias (que ela fre
quentava, supostamente, às escondidas da Mãe). Mais: por
RICHA 10 (p. 35) causa dü Escudeiro que eles trazem é que Inês vai aprender
a lição de vida, percebendo que lhe convém muito mais Pero
L No capítulo 115, explica-se a preparação e disposição do
Marques.
cerco com a guarnição de mantimentos e armamento, as
3. As quatro personagens tipo são: primeiro. Inês - moça jovem,
sim como os confrontos propriamente ditos. Neste capítulo
quer casar para ascender socialmente e folgar; menina arro
149, encontramos as consequências do tempo e da dureza
gante e apressada em conseguir o seu intento; segundo, Lianor
de tal cerco, ou seja, a escassez de alimentos para manter
- mulher do povo, alcoviteira e casamenteira; terceiro, Brás da
os defensores, seguida das providências que d Mestre teve
Mata - fidalgD falido e sem escrúpulos, que quer casar por di
de tomar para sobrevivência dos seus e vitória sobre os cas
nheiro; quarto. Pero Marques - lavrador rico, mas sem cultura,
telhanos.
possuidor de um coração meigD e virtudes de quem é honestD
L 0 ator coletivo é, naturalmente, d Povd sitiado, que, no seu e honrado.
todo, surge caracterizado como alguém que vive em condi
ções extremas de sobrevivência, sobretudo no respeitante FICHA 13 (p. 43)
à fome. Para isso, Fernão Lopes seleciona atores individuais
nD sentido de exemplificar as misérias e os comportamentos L A sequência 1 inclui Inês e Pero Marques no seu primeiro en
indiscutivelmente desesperados do todo. Eis alguns elemen contro. A sátira diz respeito à falta de etiqueta e mesmo igno
tos textuais que o provam: «pobres gentes nom podiam che rância dos membros do povo na pessoa de Pero Marques. Por
gar a ele» [pão); alguns comiam «pam de bagaço cfazeitDna» outro lado, tal sátira atinge também Inês, arrogante e irónica,
e «queijos das malvas», «raízes d'ervas», ou seja, «desacostu que maltrata/goza Pero, sem ele sequer dar conta disso. A se
madas cousas» (como animaisjt «homeês e moços esgravatan quência 2 inclui os dois judeus casamenteiros. Latão e Vidal.
do a terra»; «outros se fartavom dervas»; «mortos homeês e 0 excerto representa com clareza a sua personalidade de
cachopos» iam-se espalhando pela cidade; «moços de tres e sorganizada e CDmicamente conflituosa, pois nenhum deles
quatro anos pedindo pam pela cidade por amor de Deos»; as sobrevive sem o outro. Neste caso, a sátira estende-se àquilo
mães lactantes, não tendo leite para os bebés, choravam a sua que eles vêm fazer: trocar um marido por dinheiro. A sequên
morte antecipada. cia 3 representa d quadro criticável de um fidalgD falido (sem
dinheiro sequer para vestir e calçar o seu criado) que prepara
1 As «duas grandes guerras» referidas nas linhas 70-71 podem
uma espécie de teatro mentiroso, para o qual precisa da ajuda
explicar-se da seguinte forma: a primeira corresponde ao
do seu pajem, cujos apartes servem o propósito de criticar d
conflito bélico contra o inimigo castelhano; a segunda corres amo sem dinheiro, presunçoso e mentiroso.
ponde à lu ta individual física e emocional contra um fator evi
2 a) Interrogação retórica e comparação («como panela sem
dentemente destruidor - a escassez de comida e água bebíveL
geradoras de fome e sede extremas. asa»), cuja expressividade é a de intensificar a ideia que
Inês tem sobre a sua clausura em casa, que se repercute na
4. Eis uma sequência textual que serve de resposta a esta ques
ausência de divertimento, b) Ironia, pois Inês não tem razão
tão: «nom era por seer o cerco perlongado (...)t mas era per para se queixar, visto que não tem filhos e ainda é muito
aazo das muitas gentes que se a ela acolherom de todo o ter jovem. Por outro lado, o seu grande «pesar» (sofrimento) é
mo {...), e os mantiimentos seerem poucos.». ironizado pela Mãe, pois tão melhor será o futuro casamen
5. Interrogação retórica: «Pera que é dizer mais de taes faleci to. quanto mais Inês for talentosa nas tarefas femininas que
mentos?», reforçando a incapacidade/impotência humana de deve praticar nesta fase da sua vida.
evitar estas desgraças. 3. Este texto dramático representa o quotidiano da época vt-
centina, pelas razões a seguir apresentadas. Primeira, as
FICHA 11 (p. 41) Mães boas conselheiras, educadoras e protetoras das filhas
L a) V; b) F - «da missa»; c) V; d) F - «antes da Páscoa, vêm ds em idade de casar. Segunda, as filhas em idade de casar que
Ramos»; e) F - um religioso-, f) V; g) F - para conversar com procuram marido de classe social superior, para daí reti
Inês e a Mãe; h) V; l) F - casamenteiros sem escrúpulos, sem rar proveitos vários, deixando-se ficar cegas pela ambição
fé. desonestos e interesseiros, pensando apenas em fazer um desmesurada. Terceira, a revelação do quotidiano dessas
bom negócio aD trocar um marido por dinheiro; j) V; k) F - Inês raparigas solteiras, que inclui tarefas domésticas e pouca li
esteve três meses fechada em casa e. ao fim desse tempo, re berdade ao serviço da educação para boas esposas e compa
nheiras dos futuros maridos. Quarta, a denúncia dos falsos
cebeu um sobrescrito, anunciando a morte do marido às mãos
de um pastor de Arzilac l) V; mj F - o que Pero carrega é Inês e clérigos e consagrados, cujo hábito esconde frustrações ou
«lousas para por as talhas nelas». intenções nada conformes à Fé e Igreja que apregoam. Quin
ta, o quotidiano dos casamenteiros negociantes, mentirosos
e em sempiterna demanda de bons negócios e ainda melho
RICHA12 (p. 42)
res lucros. Sexta, uma época de casamentos arranjados/
L Na sequência 1. Brás da Mata mostra-se autoritário e ditador combinados, não por amor, mas por questões económicas ou
para com Inês (só a sua vontade prevalece e Inês obedecer- sociais. Sétima, as mulheres do povo sem escrúpulos e cujo
lhe-á), não lhe permitindo qualquer liberdade, nem lhe dando objetivo de vida é casar outras. Oitava, romarias e festas de
carinho e amor, como prometera. Na sequência Z Pero Mar casamento por onde circulam e se divertem jovens mance
ques é escrupuloso, preocupado com a vontade de Inês e es bos e moças solteiras, todos à procura de bom casamento.
tima a sua honra, mal percebe que estão os dois sozinhos na Nona e última razão, a pureza e a natureza bondosa de cora
sala; depois de casados, continua liberal e sempre pronto a ção por parte de membros do povo, honestos, escrupulosos
conceder a Inês todos os seus pedidos. e fiéis (como Pero Marques).
404
NITOCtâ 12? AM
4 Este texto pertence à categoria «farsa» por tratar de assun Z1 Roma é alegoria do centro institucional e espiritual da Fé Cris
tos não centralmente religiosos, mas de representação da tã - é a «cabeça» do «corpo místico» (linguagem bíblica) de Je
vida quotidiana da sociedade do tempo vicentino, recheada sus. que são os fiéis. Eh chega, cantando versos sobre guerras
de peripécias cujo desenlace assume formas de lição ou al com países avessos à sua fé e que a querem dominar. Porém,
teração de acontecimentos iniciais. vem à feira à procura de paz. Conhece bem as artimanhas do
Demo e reconhece as suas más ações passadas por causa dele,
FICHA 14(p.48) assim como a necessidade de se redimir. Vemos nela o Papa
do. entidades cardinalícias e demais chefes da Igreja Católica
1. a) F - Mercúrio (mensageiro dos deuses); b) V; c) V; d) F -
Apostólica Romana. D problema é que todas essas entidades
Júpiter é adjuvante; e) F - «feira aqui / pera todos em geral»;
se têm deixado embrenhar em vidas mundanas, pecaminosas,
fJ F - «a feira chamada das Graças. / à honra da virgem pa rida
interesseiras e levianas, quando, pelo contrário, deviam ser
em Belém»; g) F - um serafim; h) V; i) F - o Diabo gaba-se de
exemplo a seguir. Com esta personagem, primeira compra
que vende muito e não obriga ninguém, mas os seus clientes
dora, Gil Vicente consegue imediatamente impor a dimensão
são sempre fiéis às suas mercadorias;]) F - Tempo e Roma
religiosa que vai submeter a critica, colocando-a a nu e come
são alegorias; k) V; l) V; m) V.
çando pelos superiores. A partir dela, seguem-se personagens
do povo, os fiéis.
FICHA 15 (p. 49)
72 Em relação ao Diabo, os dois já se conhecem do passado e já
1. Qjuer as personagens mencionadas (Tempo, Anjo, Diabo), quer «fizeram negócios», os quais levaram a atitudes pecaminosas
as mercadorias que estes vendem são literalmente entidades e corruptas da compradora Todavia, desta vez Roma aparece
abstratas/não palpáveis, que aqui se encontram concretiza determinada a mudar de vida, quando afirma «Eu venho à fei
das fisicamente em pessoas e bens. Exemplos: o Tempo repre ra direita / comprar paz, verdade e fé», explicando ao infernal
senta o eterno, como Deus, o Criador, seguro do seu objetivo servo que só lhe comprou no passado mercadorias que a pre
(salvar as almas); d Anjo e o Diabo correspondem, respetiva judicaram. Deste modo, decide ir à feira das Graças, encon
mente, ao adjuvante e ao oponente do Tempo; d Anjo auxilia-o trando o Serafim Este vende-lhe a paz que ela procura e de
na difícil tarefa de restabelecer um espírito são e puro nas al que precisa, mas «a troco de santa vida». Eh acolhe e acata os
mas corruptas; 0 Diabo é o seu direto rival, d tentador, d en conselhos do servo de Deus e ouve ainda Mercúrio. Quanto ao
ganador que ludibria os seus clientes (essas almas corruptas). mensageiro, este pede ao Tempo que dê a Roma «um cofre com
Quanto às mercadorias, temos «conselhos maduros», «rezão», bons conselhos*, um espelho que pertenceu à «Virgem Maria»
«justiça e verdade», «paz*, ou seja, valores pessoais e espiri para que ela se emende. Em conclusão, Roma rejeita o Diabo
tuais que parecem faltar aos representantes e fiéis de Cristo. e é submissa ao Tempo, a Serafim e a Mercúrio, acatando os
Existe ainda o «temor de Deus», as «chaves do Céu* para a seus conselhos e recebendo as graças para sua redenção.
salvação. Sem exceção, Gil Vicente serve-se de alegorias que LI Com estas duas primas, Gil Vicente pretende mostrar a pe
tomam visíveis a sociedade do seu tempo viciada e contrária à quenez de pensamento e a ignorância do povo, uma vez que
Fé cristã e à Virtude. as duas procuram objetos vendáveis e logo percebem, estu
2. As «cousas» a que se refere d Tempo são os maus comporta pefactas. que nada disso encontrarão. Contudo, é delas que o
mentos. a corrupção, enfim, o pecado, que os compradores de Diabo foge porque, sendo pobres, são honestas (na sua rudeza)
vem deixar para receber outras «cousas» do Bem. Fala-se de e tementes a Deus. Sendo néscias e simples, desconhecem as
uma espécie de arrependimento ou reconciliação com o Divino grandes doutrinas e pensamentos eruditos da Igreja, mas sa
para renovado começo de vida. bem empiricamente que o mundo perdeu a fé e a virtude. Atra
3. A «Cristandade» refere-se não só aos fiéis de Cristo, mas aos vés de Branca, Gil Vicente afirma «todos somos negligentes /
seus mais diretos representantes em particular (membros do foi ar que deu polas gentes / foi ar que deu polo mundo / de que
ClerD e da Igreja), que perderam a virtude e se embrenham em as almas são doentes.»
vícios e futilidades (discussões mesquinhas que a nenhum lu U Metáfora: «sois samica anjo de Deus», exalta a qualidade mis
gar levam, a não ser ao inferno). sionária de Serafim; Metonímia: «Ficava vendo d seu gado» e
4 Esta estratégia assenta em vários significados do verbo «con ainda «A virgem olha as cordeiras / e as cordeiras a ela», sendo
tar» e do nome «contas» (com valor de dinheiro). 0 que o es «gado» e «cordeiras» animais tomados em vez de homens e
critor faz é usar ambos (naturais num contexto de feiras) para mulheres - membros humanos do «rebanho» de Deus, os quais,
se referir a todas as maldades e pecados não revelados pelos mesmo deixando de Lhe ser fiéis, não deixam de ser humanos.
compradores. Poderiamos, desta feita, verter a sequência para 92 Mateus e Vicente vêm à procura de prazeres carnais com as
«Contareis / direis os pecados sem fim que estão por dizer.». nove moças, mas elas rejeitam-nos e afastam-nos. Tal rejeição
5. A doutrina cristã está presente em todo o auto. Nestas linhas, é conseguida, por vezes, por meio de cómico de linguagem,
é evidente o pedido de ajuda a Deus para reconciliar com Ele mas surte o propósito de os afastar.
os «que se foram perdendo». A seleção de vocábulos ajuda a U Estas moças cantam louvores à Virgem Maria. A atitude aqui
confirmá-lo, como se vê em «senhor Deus», «messias*, «anjo», presente demonstra a fé pura e simples que o povo tem na Vir
«demo» e «diabos*. gem Maria, sem conhecimento profundo dos dogjnas e concei
4 Alegoria - «Aqui achareis o temor de Deos* (verso 20) - como
tos doutrinários da Igreja.
mercadoria vendável e para suprimir a cegueira espiritual dos LU Gil Vicente mostra que, ao contrário dos chefes romanos da
compradores. Metáfora - «(...) as chaves dos céus / muito Igreja e clérigos sabedores (alegorizados em Roma), que se
bem guarnecidas em cordões dourados» (versos 22-23), que tornaram corruptos e levianos, a fé virginal e virtuosa desta
enforma a associação literalmente inesperada entre chaves personagem coletiva {jovens rapazes e raparigas) devia ser
físicas e as «espirituais», necessárias à entrada no Céu. Estas imitada.
chaves dizem-se «guarnecidas em cordões dourados», facto LI Como «auto», este texto procura exporá sociedade vicentina
literalmente inconcretizáveL Gil Vicente usa até «guarneci nD que diz respeitD aos seus valores humanos e morais, que
das» para exaltar a qualidade e o poder destes meios salvrfi- deviam estar refletidos nos seus comportamentos e escolhas
cos para entrada no Reino de Deus. Apóstrofe - «Qjuem quiser de vida. Segundo os princípios da fé cristã, o autDr vai tecen
feirar / venha trocar* (versos 6-7), consubstanciação do apelo do críticas aos levianos e fazendo louvores aos sensatos fiéis.
/chamamento do Tempo aos dientes tão necessitados das Com recurso a alegorias, presentifica figuras da religião, bem
mercadorias que ele possui. como as suas respetivas condutas, para as tornar visuais e es-
405
PIEMUII EUHE NACIINAL
darecedoras aos olhos do público/leitor. 0 desfecho, em coro, 1 Tendo em conta a primeira e a segunda estrofes, testemu
assume-se («Deo gratias») e reitera a importância/a necessi nhamos focus omoencrs porque toda a Natureza é agradável
dade de plasmar a vida de todos e de cada um da fé em Deus, - «alegres campos» e «águas de cristal»; no caso da segunda
Uno e Trino. estrofe, vemos o contrário «ásperos penedos», «concertD
desigual*. Posto istD, podemos afirmar que a Natureza é
RICHA 16 (p.54) companheira, testemunha dos amores e desamores senti-
L 0 assunto é a descrição da mulher amada, exaltando as suas qua
dos/vividos pelo sujeito poético. E nela que este amador
lidades e referindo d poder que ela tem sobre o sujeito poético. deposita as suas alegrias e também as suas frustrações e
desencantos.
1 Este sonetD pode dividir-se em duas partes lógicas: a primei
ra inclui as três primeiras estrofes, pois o sujeito descreve a 1 Trata-se de um soneto, pois é constituído por duas quadras
amada, tanto física como psicologicamente; a segunda parte e dois tercetos, apresentando versos decassilábicos «a/le/
inicia-se quando o demonstrativo «esta» especifica o poder gr es/ cam/pos/ ver/des/ ar/vo/r^/dos». 0 esquema rimáti
imenso que a mulher exerce sobre ele, que a canta. co é obbo / obba /cde / cde, correspondendo nas quadras a
rima interpolada (l.° e 4." versos) e rima emparelhada (2.° e
I Referentes possíveis: «um mover»; «um riso»; «umgesto»; «um
despejo»; «um repouso»;« a bondade»; «um ousar»;« a brandu 3.‘ versos); nos tercetos, a rima é sempre interpolada.
ra»; «um medo»; «um ar sereno»; «um sofrimento».
II Esta mulher possui um olhar caridoso e suave, um sorriso
FICHA 18 (p. 58)
franco e comedido, uma postura humilde. Revela a sua pureza L A apóstrofe inicial «Amor» torna esta figura mais presente
e espiritualidade plena de graça, um comedimento elegante e diante do sujeito poético, que com ele enceta uma espécie
de elevado requinte. de diálogo. 0 sujeito dirige-se a este «Amor», queixando-se
12 0 patamar da aristocracia ou talvez realeza: «repouso gravís dos infortúnios vividos por sua causa.
simo», «celeste formosura», como num pedestal. L Com essa apóstrofe está instaurado um cenário de confis
4. Circe foi uma deusa que se enamorou de Ulisses e usou de ma são do sujeito poético. Assim, todo o poema é uma parte só:
gia para d cativar, depois de este naufragar na sua ilha quando aquela que elenca queixumes, sofrimentos e interrogações
tentava regressar a Itaca. Assim, também esta senhora cati plenas de dor
vou. como que magicamente, o sujeitD poético. 10 «Amor» está como que num pedestal, na sua realeza, no seu
5. Refere-se ao enamoramento e encantamento, ao Amor que se templo («teu soberano templo visitei»), ao passo que o su
sobrepôs à razão e levou d coração a tornar-se seu submisso, jeito poético se mostra seu submisso desafortunado («Que
como se lê em: «{...) mágico veneno / que pode transformar quereis mais de mim, que destruída / me tens a glória toda
meu pensamento.» (versos 13-14). que alcancei?» - versos 5-6).
1 Trata-se de um soneto, pois tem 2 quadras e 2 tercetos. Todos 4. Nds versos 3 e 4 da primeira quadra, o sujeito afirma, por
os versos são decassilábicos. Nas quadras, a rima é interpola meio de metáforas, a forma impulsiva com que se deixou
da e emparelhada; nos tercetos é cruzada. 0 esquema rimático submeter ao amor por uma mulher. Por outras palavras,
confirma-o: obba obba cde cde. «naufragou», desnorteou-se e afundou-se em sofrimento. 0
1 a) Aliteração do «s». que remete para o movimento contínuo do problema agudiza-se porque ele não foi cauteloso e, ao invés
olhar e dos gestos da amada, b) Anáfora de «um», ao serviço de entregar a esse amor apenas uma pa rte de si {«vestidos»),
da repetição para intensificação dos gestos e qualidades da entregou-se todo («pus a vida»). Logo, se todo ele é «naufrá
mulher cantada, c) Dupla adjetivação. como meio de exaltação gio», mais difícil se torna voltar à superfície da Razão, à Vida.
constante e incontroversa da mulher. 5. A metáfora do «naufrágio», como uma antecâmara da morte;
a metonímia em «vestidos» (roupa), parte apenas do seu ser
ACHA 17 (p.56) e não o seu ser total; a anástrofe em «teu soberano templo
L 0 sujeitD poético di rige-se aos elementos da Natureza, agora visitei», que enfatiza o poder real do Amor e confirma a con
impotentes para o retirar do sofrimento amoroso. dição de servo deste amador.
1 0 poema pode dividir-se em três partes lógicas. A primeira í. 0 verso é uma prova de que o sujeito poético, no presente,
inclui as duas quadras, pois o sujeito poético invoca a Natu ainda ama a sua mulher cantada («adoro»). Tal facto contras
reza e lhe confidencia que já nada o alegra. A segunda parte ta com o pretérito perfeitD do indicativo «quis», que remete
inicia-se com a referida conjunção coordenativa copulativa para essa vontade, esse Amor que existiu (porventura, da
«e», que surte efeitos de acréscimo de informação e consubs parte da mulher amada), mas já desapareceu. [Jepreende-se,
tancia um pedido feito pelo sujeito-, ele já não é d mesmo, por logicamente, que ele ainda a ama. mas não é correspondido.
conseguinte pede para não mais ser alegrado. A tercei ra parte I 0 sujeito poético dá-nos a ver um «Amor» vingativo e mani
lógica inclui o último terceto com uma espécie de promessa: pulador. sempre senhor e soberano deste homem, como se
nD futuro, o sujeito poético semeará as suas memórias tristes, comprova em «(...) tomar de mim vingança; / e se inda não
regá-las-á e o seu fruto será a saudade infinda. estás de mim vingado*.
1 Seguem as apóstrofes: «alegres campos, verdes arvoredos» I. 0 sujeito encontra-se consciente de que foi por ter amado
«águas de cristal silvestres montes / ásperos penedos». To que sofre («em lugar dos vestidos, pus a vida.»). A partir
das elas presentificam os respetivos referentes, ou seja, os deste ponto assente, vemo-lo desesperado («Que queres
elementos da Natureza, confidentes deste sujeito amador. mais de mim (...) ?»), com vontade de não se voltar a apaixo
4. A Música é referida com a expressão «compostos em con nar («não sei / tornar a entrar onde não há saída»), vencido
certo desigual», sendo a desigualdade já um augúrio e comu (só com «despojos») e sofredor, constantemente chorando,
nhão com o atual estado de alma do sujeitD amador. («com as lágrimas que choro»).
5. A aliteração dü som «v» encontra-se ao serviço da movimen 1 Trata-se de um soneto, pois é constituído por duas quadras
tação, do curso natural da flora que rodeia este sujeito. e dois tercetos, apresentando versos decassilábicos «a/
1A metáfora em «águas de cristal» exalta a bela cor natural e o mor/co a/ es/pe/ran/ça/ já/ per/di/da». 0 esquema rimático
brilho da água pura. No último terceto, o sujeito poético ser- é obbo / obba /cde /cde. correspondendo nas quadras a rima
ve-se de vocábulos provenientes da agricultura para os as interpolada (l.D e 4? versos) e rima emparelhada (2? e 3.c ver
sociar à «sementeira» emocional que promete levar a cabo. sos); nos tercetos, a rima é sempre interpolada.
406
NITOCtâ 12? AM
FICHA 19 (p. 60) sempre infortúnios, d sujeito poético decidiu ser também ele
mau. Porém, não foi exemplo da sua inicial constatação, uma
L O assunto do poema é a consciência do sujeito poético sobre vez que pagou caro pela sua maldade e obteve apenas um re
o passado feliz («passada glória») e o presente só feito de torno mau. Conclui ele, portanto, que a (injustiça do mundo só
memórias («Doces lembranças»). Desta forma, se pudesse funciona com e para ele.
voltar atrás no tempo, d sujeito afirma que viveria a felicida
L A primeira aliteração é a do som «t», que cria um ambiente
de com muito mats intensidade.
poético de violência e bruteza com que o sujeito poético
2. Podemos dividir este poema em 5 partes lógicas: A primeira aprendeu a sua lição de vida. A segunda aliteração, a do som
corresponde ao 1? dístico, que nos dá a conhecer o «cenário» «m», acompanha o tDm de lamento desta narração e sua res
do passado «roubado* pela «Fortuna*. A segunda parte cor petiva conclusão.
responde ao 2." dístico dessa mesma quadra, pots se reves
L Testemunhamos uma metáfora, a qual assenta no contexto
te de um pedido desesperado por «repousar em paz üTiora»,
de ágjja/mar como elemento agradável e prazeroso oferecido
como que para descansar dos infortúnios. A terceira parte
aos «maus» que nele nadam felizes.
diz respeito à segunda quadra, porque esta descreve o senti
mento de que o passado é isso mesmo - ido, desaparecido 4. A palavra é «mundo», pois assim inclui todo o ser humano sem
e dele só resta «memória». A quarta parte inclui o l.° terceto, exceção.
espaço Dnde o sujeitD poético não só descreve o seu atual vi 4.1 As palavras são «bons» e «maus».
ver «esquecido* pelos outros (ou pela amada), mas também 5l1 A conjunção «mas» cria um contraste entre o que acontece
critica esse «DutrD» (ou «outra») que o devia ter sempre na aos «maus* e o que aconteceu ao poeta: os outros foram feli
memória, dando-lhe valor, por ele ter sido motivo de «estado zes. fazendo o mal, porém o poeta foi «castigado*
tão contente». A quinta parte corresponde ao 2/ terceto, no
52 Ds dois pontos preparam a explicação/condusão do poema:
qual, após a exclamação (retórica), o sujeito poético deseja
apenas para o poeta é que o mundo é justo no castigo de mal
nascer de novo, consciente do mal. por isso sabendo evitá-lo
dades feitas.
e apenas «lograr de bem» (viver somente a parte boa da vida).
L Campo lexical de «Mal»: inveja, traição, roubo, maledicência,
1 Nestas duas estrofes percebemos que a história pessoal do
corrupção. Campo lexical de «Bem*: caridade, altruísmo, en-
sujeito está muito presente nD seu interior («Impressa tenho
treajuda, simpatia, honestidade.
n alma larga história» - verso 5). Ora, tal história foi rechea
da de acontecimentos positivos, os quais agora nada mais 7. Trata-se de uma décima com versos de 7 sílabas métricas (re-
dondilha maior), sendo o esquema rimátko aboobcddcd, dían-
são do que memórias que transformam o sujeito em alguém
frustrado/desolado. do forma a rima interpolada e emparelhada, apesar de cruzada
nos versos 8 e 10.
4. 0 recurso é uma apóstrofe das «doces lembranças», no sen
tido de as invocar e de as tornar suas diretas interlocutoras
FICHA 21 (p. 64)
ou ouvintes.
L Este poema pode dividir-se em três partes lógicas. A primei
5. 0 versD «que me tirou Fortuna mubadora» (verso 2) serve a
ra corresponde à 1? estrofe, a responsável por introduzir e
intenção de identificar □ responsável pela perda da felicida
clarificar o assunto do poema: a mudança. A segunda parte
de passada: a «Fortuna*.
integra as e 3? estrofes, nas quais o sujeito poético espe-
6. Estamos perante uma antítese: «nunca fora» / «fora* (com cif ica/exemplif ica os contextos vários dessa mudança na sua
o sentido de «existir»), cujo valor expressivo é o de mostrar história pessoat «novidades», «esperança», «mal», «mágoa»,
que o sujeito está a refletir sobre «o bem passado», mas de «lembrança», «bem», «saudades», «choro», «canto», «tempo»,
modo desnorteado, sem saber exatamente por que razão a «verde manto», «neve fria». A terceira corresponde ao último
sua história de vida tem sido esta. Este desnorte está visível terceto, o qual acrescenta a consciência de um novD conceito
na proximidade frásica de ideias opostas. de «mudança»: «não se muda já como soía».
7. Trata-se de um paradoxo, por não ser apenas colocação con L A anáfora tem a sua base nas formas verbais «mudam-se* e
tígua de ideias opostas (antítese), mas ser literal e fisica «muda-se», o que, indubitavelmente, adensa a mudança contí
mente uma contradição: se vive, então não pode estar mortD. nua de tudo na vida
A sua expressividade é a de mostrar que parte de si é Vida
L «e do bem (se algum houve), as saudades». 0 discurso
- recordações - e a outra parte é Morte - uma não-vida por
parentético funciona como um aparte e prova que o sujeito
não ser lembrado por outrem (a amada?), não sendo feliz.
considera a possibilidade de no mundo ou na história pessoal
S. As formas verbais «pudera*, «soubera-me», «soubera» con de cada ser humano existir, de facto, «bem» (felicidade pura).
substanciam um desejo de renascimento físico para poder
4. 0 tempo é especial prova de mudança pelo simples facto de
viver apenas a felicidade. No entanto, tal é impossível e não
nele se desenrolarem indelevelmente as diferentes estações
passa de u m desejo sob o escopo da irreal idade. Daí que esse
do ano, aqui representadas em «(...) o chão de verde mantD»
pretérito mais-que-perfeitD simples do indicativo tenha um
valor de pretérito imperfeito do conjuntivo («pudesse» / (verso 9 - primavera/verão) / «que já coberto foi de neve fria»
(versD 10 - invemo)i
«soubesse») e condicional («saber-me-ia»).
9. Aliteração do som consonàntico «s», servindo a ideia de um 4.1 0 tempo transforma o estado de espírito do sujeito poético,
pois «converte em choro o doce canto.». Este mesmo tempo
novo nascer para a vida humana, que aconteceria paulatina
mente em andamento contínuo rumo à felicidade. parece privar o sujeito de um bem eterno.
II. Trata -se de um soneto, pois é constituído por duas quadras 5. A antítese «e. em mim, converte em choro o doce cantD»
e dois tercetos, apresentando versos decassilábicos: «do/ permite depreender esse passar transformador do tempo no
ces/ lem/bran/ças/ da/ pa/ssa/da/ gló/ria». 0 esquema ri- sujeito dü soneto.
mático é obba / abbo /cde / cde, correspondendo nas qua í. 0 advérbio «CDntinuamente» verbaliza o conceito de mudança
dras a rima interpolada (1 ■ e 4.° versos) e a rima emparelhada contínua, não só pela sua formação deverbal (do verbo «con
(2.d e 3.° versos); nos tercetos, a rima é sempre interpolada. tinuar»), mas também pela presença audível do som «m», que
acompanha e toma esse tempo alongado e elástico.
FICHA 20 (p. 62) 7. A conjunção «e* serve o propósito de acrescentar um novD tipo
1. Tendo visto constantemente pessoas más a terem sucesso na de mudança com «mor espanto»: a própria mudança já não
vida e bons frutos, ao contrário de pessoas boas que sofriam acontece como costumava («que não se muda já como soía*).
407
PIEMIAII EXAME NACIIUL
L Trata-se de um soneto, pois é constituído por duas quadras 1 a) Aliteração do «z» e do «s» em «que se pode por arte e por
e dois tercetos, apresentando versos decassilábicos «mu/ aviso. / como por natureza, ser fermosa». que comungam da
dam/se ds/ tem/pos/ mu/dam/-se as/ von/ta/des» 0 esque serenidade e paz da mulher amada, b) Paradoxo em «mas não
ma rimáticD é obba/ abba /cde/cde, correspondendo nas qua que possa / despojar-me da glória de rendido», pois que o su
dras a rima interpolada (1.* e 4.* versos) e a rima emparelhada jeito poético se acha glorioso, feliz e vencedor, sendo simúlta-
(2.D e 3? versos); nos tercetos, a rima é sempre interpolada. neamente vencido («rendido»), c) Metáfora em «entre rubis e
perlas doce riso», sendo que, não havendo literaknente «rubis»
ACHA 22 (p. 66) e «perlas» nas bochechas ou boca da Senhora, o seu riso a elas
é associado por ter o mesmo brilho, graciosidade e elegância/
L Os dois poemas tratam da mulher amada, que o sujeito poético requinte, d) Ànástrofe - «estas as armas são com que me rende
descreve e exalta.
/ e me cativa Amor», cuja troca da Drdem natural das palavras
L Podemos dividi-lo em 3 partes lógicas: a primeira parte inclui nos versos transmite a desorganização sentimental e o des
os 4 primeiros versos, que introduzem a mulher amada como norte de quem está completamente enamorado.
centro do poema. A segunda parte inicia-se no verso 5 e termi
na nD verso 36, correspondendo à caracterização física e psi FICHA 23 (p. 72)
cológica de Bárbora. A terceira parte corresponde aos quatro
últimos versos, os quais surgem em jeitD de conclusão, inicia L Camões propõe-se louvar d que ele próprio afirma nos se
da pelo demonstrativo «Esta», recuperando, assim, o conteú guintes versos: «As armas e os barões assinalados» (versD
do epicentrico do poema - Bárbora. 1, estância 1). «E também as memórias gloriosas / Daqueles
Reis que foram dilatando» (versos 1 -2, estância 2) e «E aque
1 Podemos dividi-lo em 2 partes lógicas: a primeira inclui as 2
les que por obras valerosas / Se vão da lei da morte libertan
primeiras quadras e o 1." terceto, nos quais o sujeitD amador
do* (versos 5-6, estância 2). Dito de Dutra forma, o poeta vai
apresenta e descreve detalhadamente a mulher amada. A se
louvar com palavras os nobres que lutaram pela descoberta
gunda parte é constituída pelo último terceto, cujo demons
e conquista de novas terras e novos povos; os reis portugue
trativo «estas» resume os efeitos da mulher descrita pelo
ses sob cujo comando o fizeram e todos aqueles que se foram
sujeito poético.
imortalizando pelos seus feitos históricos que para sempre
4. Bárbora é uma mulher escrava, linda aos olhos do sujeito ama
serão lembrados.
dor. 0 seu rosto é único, os ülhos são pretos, tal como a pele e
LI Aquilo que Camões se propõe louvar constitui matéria épica
os cabelos; é inteligente, calma e motivo de paz e felicidade
porque os Descobrimentos e conquistas ultramarinas são de
para o sujeito poético. Vocábulos que o confirmam: «fermosa».
interesse universal, dizendo respeitD nãD só aos portugueses
«rosto singular», «olhos sossegados, / pretos e cansados*.
e à sua História, mas também à História Universal
«Pretos os cabelos», «PretidãD de Amor», «tão doce a figura»,
L No último verso da estância 2, o poeta põe a condição de que
«leda mansidão», «siso» e «serena».
só cantará as glórias históricas dos portugueses se possuir
5. Esta mulher emana felicidade, suavidade, tem um sorriso pre
talento e sabedoria artística e poética para o fazer. Com esta
cioso, pele branca, cabelo louro, as bochechas rosadas; é tam
condição assume-se igual mente dúvida e incerteza, que fun
bém inteligente, belíssima, motivo de felicidade e paz para o
cionam como uma espécie de hu mildade em relação ao assu n-
sujeito poético. Confirmação: «Leda serenidade*, «entre rubis
to tão elevado da sua epopeia.
e perlas doce riso*. «cTouro e neve», «graciosa», «sis», «fermo
3. Considerando a afirmação «Que eu canto o peito ilustre Lu
sa». «repouso (...) alegre e comedido».
sitano» (verso 5, estância 3), Camões mostra-se seguríssimo
í. Do ponto de vista psicológico, as duas mulheres são serenas,
de que os feitos de grande glória e mérito universal dos por
inteligentes e fonte de amor e paz para o sujeito poético. Bár
tugueses são maiores do que todos os feitos cantados em
bora é contrária aos preceitos renascentistas de Petrarca.
epopeias até ao Renascimento, tais como os de Ulisses, de
pois é de cor preta, pele, olhos e cabelos pretos também. Por
Eneias. do rei Alexandre Magno ou do imperador Trajano.
Dutro lado. Bárbora é «cativa», isto é, escrava. De outra sorte,
a amada do segundo texto enquadra-se totalmente na mulher 4.0 verso 6 da estância 3 indica que os deuses Neptuno e Marte
cantada pelo Renascimento/Petrarquismo. pois é bela, de pele «obedeceram» aos portugueses, o que significa que os nossas
branca e cabelos louros. Pertencerá ainda a uma classe social navegadores foram mais poderosos do que aquilo que estes
superior, por exemplo, à aristocracia du até mesmo à Coroa, deuses pagãos simbolizam: o mar (Neptuno) e a guerra (Marte).
dado que o sujeito a trata por «Senhora» e não «cativa». 5. E stas três estâncias são um bom exemplo de epopeia porque
7. 0 poema 1 (classificado como trova du endecha) tem 5 estrofes obedecem à forma típica deste tipo de texto: versando sobre
de 8 versos, portanto 5 oitavas; a rima é sempre interpolada e a matéria épica, estas estâncias possuem oito versos decas
emparetiada; os versos de 5 sílabas métricas estão, por isso, silábicos cada e estão escritas em linguagem erudita e estilo
em redondilha menor, típicos da lírica tradicional du «Medida eloquente. A rima é cruzada nos sets primeiros versos e em
parelhada nos dois últimos.
Velha». 0 poema 2 (denominado soneto) obedece às caracterís
ticas formais do Petrarquismo («Medida Nova»)-, possui 2 qua í. 0 recurso é a metonímia, porque Camões toma no verso «as
dras e 2 tercetos com rima interpolada e emparelha nas quadras armas e os barões» em vez da classe social que representam
e interpolada nos tercetos. 0 esquema rimáticD é abbo / abba - os guerreiros nobres. Fá-lo para exaltar nãD a referida clas
/ cde / cde. Cada verso é decassilábico (10 sílabas métricas). se. mas sim o trabalho glorioso que fizeram ao longo desta
I a) Aliteração do som «s». aD serviço de um movimento suavís viagem marítima até à índia.
simo («rosto singular. / ülhos sossegados*), b) Paradoxo em
FICHA 24 (p. 74)
«porque nela vivo / já não quer que viva», que nos dá a ideia
do desnorte e contradições típicas de quem está verdadeira L Camões mostra ter uma boa relação com as Tágides porque
mente apaixonado. A vida com Bárbora é causa de «morte», sempre louvou, na sua poesia, o riD em que elas habitam (Tejo),
pois o sujeito poético não pensa nem sente outra coisa qual como se verifica em «5e sempre em verso humilde celebrado
quer. c) A comparação «me parecem belas / como ds meus / Foi de mi vosso rio alegremente* (versos 3-4). E m seguida, d
amores», fazendo sobressair a formosura de Bárbora. d) Me poeta pede-lhes que o presenteiem com inspiração e poesia
táfora: «Pretidão de Amor», que ressalta a cor da sua pele, erudita e elevada, dotada de grande eloquência, como pode
olhos e cabelos como metáfora da própria cor do Amor, que mos ler em «Dai-me agora um som alto e sublimado, / Um esti
intensifica o sentimento do sujeito poético. lo grandíloquo e corrente» (versos 5-6).
408
NITOCtâ 12? AM
2 A estancia 5 concentra-se, essencialmente, na especificidade de várias origens, c) Anáfora: «onde» / «onde», a qual repete,
dos pedidos de Camões às Tágides, uma vez que ele lhes pede intensificando, a demanda por um lugar (físico ou não) onde o
um furor poético e um poder elevado, maior do que o de um ser humano pode estar a salvo de perigos diversos, d) Metáfo
instrumento de guerra. capaz de tomar o seu texto verdadei ra: «bicho da terra tão pequeno», referindo-se ao ser humano,
ramente épico, como podemos observar em *üa fúria grande e cuja pequenez é proporcionalmente inversa à maldade, e) Esta
sonorosa / (...) de tuba canora e belicosa» {versos 1 e 3). Por interrogação retórica engloba toda a segunda estância e está
outro lado, ao repetir a forma verbal «Dai-me», implora às nin ao serviço da indagação pessoal de Camões, mas também de
fas que o seu «canto» (louvor) seja tão grande e elevado como nós, seus leitores, sobre a procura do Bem, do que é Benfazejo
a natureza dos próprios feitos gloriosos cantados («igual e seus contextos espaciais (físicos ou psicológicos), onde pos
cantD aos feitos da famosa / Gente vossa»). samos estar em segurança e em paz.
1 Apesar do seu pedido às ninfas e da intenção de «espalhar» 3. 0 alvo é d ser humano, no que se refere aos seus defeitos e
esta glória pelo «Universo», o poeta revela a humildade típica vícios.
de um autor épico, ao duvidar «Se tão sublime preço cabe em
verso.», isto é. se assunto tão poderoso e meritório se pode ACHA 26 (p. 78)
colocar na escrita poética. LI Os defeitos são a procura ambiciosa de boa fama e glória fei
4. A adjetivação nas sequências da estância 5 segue a seguinte ta/reconhecida pelos outros e a sempiterna inveja de quem foi
ordem: «fúria grande e sonorosa*, «tuba canora e belicosa* e e é ilustre.
sublime preço». Os adjetivos selecionados estão ao serviço L2 «Qualquer nobre» luta para deixar memória dos seus feitos,
da caracterização do fulgor e poder poético e da exaltação dos os quais pretende tornar iguais ou superiores aos dos seus
feitos dos portugueses. antepassados.
5. Estas duas estâncias provam a sublimidade do canto não só 11 Nos versos 5 e 6. o Poeta afirma com veemência que muitos
porque Camões a pede às Tâgides, mas também porque for dos «feitos sublimados», ou seja, honras e vitórias conquista
mula esse pedido com palavras, frases e estilo tipicamente das não são fruto de patriotismo, mas antes são motivados
eruditos e eloquentes. pela inveja das glórias conseguidas pelos outros.
fi. As duas estâncias correspondem a oitavas, apresentando ver 21 Camões critica a ignorância artística e cultural dos
sos decassilábicos «E/ vós/ Tá/gi/des/ mi/nhas/ pois/ cri/a/ portugueses, como se constata em «Senão da Portuguesa
do». 0 esquema rimático é abababcc, correspondendo os seis tão somente (...) Porque quem não sabe arte, não na estima.»
primeiros versos a rima cruzada (abobab) e os dois últimos (versos 4-8).
versos a rima emparelhada (cc).
22 As outras nações, designadamente a «Lácia, Grega ou Bárba
ra», servem o intentD de exemplificar outros povos antepas
FICHA 25 (p. 76)
sados que davam valor à cultura e à arte, contrastando com
Li A estância 105 trata de falsos amigos («amigos (...) veneno Portugal e os portugueses, inscientes e ignorantes.
vem coberto» - versos 1-2) e consequente ausência de con 31D motivo tem a ver com o facto de Vasco da Gama dever agra
fiança nos contextos de perigos em que a vida nos coloca decer a inspiração que as Musas deram ao Poeta para que este
(«gravíssimos perigos (...) pouca segurança» - versos 5-8). imortalizasse, com o seu poema épico, os feitos dos Portugue
L2 Em «0*e «Õ», o poeta inicia o momento exato da sua reflexão e ses, cujo interesse é de natureza universal.
crítica, preparando o conteúdo do que vem escrito a seguir. 32 As Musas são Calíope e as Tágides.
LHO recurso é a anáfora, que reitera o tDm de emoção prévio 31 Os dois últimos versos mostram que as Musas inspiradores
à crítica. da escrita épica de Camões ignoraram os feitos materiais dos
L3 Nos últimos quatro versos. Camões torna-se consciente de portugueses e imortalizaram-nos com esta obra da Literatura
que a vida é incerta e fonte de perigos inesperados, mas ine Universal que exalta muito mais do que o físico, mas d todo
vitáveis. Por outro lado, traz à superfície dos seus leitores a exemplar de uma nação de navegadores (Os Lusíadas).
insensatez de o ser humano colocar todas as suas expectati 4.1 único propósito é o de louvar com amor e orgulho os feitos
vas nos outros, para depois se aperceber que foi defraudado. heroicos dos portugueses.
L4 a) Anástrof e - «Mas debaxo o veneno vem coberto» (verso 2), 4.2 A melhor maneira é a de estar sempre pranto a executargran-
como se a troca da ordem das palavras acompanhasse a troca des e nobres obras, isto é, conquistas du feitos meritórios.
do que é mostrado (a mentira em vez da verdade) e suscitas 4.3 Refere-se à literatura imortalizadora de Povos.
se nos portugueses admiração/revolta b) Dupla adjetivação
- «Grandes e gravíssimos perigos» (verso 5), com o intuito de
ACHA 27 (p. 80)
realçar o nível de perigo. Pelo uso do grau superlativo absolu
to sintético, podemos considerar também a evidência de uma UA pessoa é Vasco da Gama, capitão da frota portuguesa até
gradação. à índia.
21 Esta estância concentra-se nos perigos e sofrimentos huma L2 0 alvo da critica camoniana é o «dinheiro», pois ele «a tudo
nos tanto no mar como na terra, preconizada na interrogação nos obriga». Por outras palavras, o dinheiro submete a nossa
retórica sobre qual dos elementos/lugares será o mais segjuro. vida a maus comportamentos.
12 0 «mar» traz tempestades, desventuras, estragos e a imi L3 Comparação: «Quanto no rico, assi como no pobre» (verso 6),
nência da morte. A «terra» compõe-se de guerras, privações, cuja expressividade é a de incluir toda a gente como potencial
doenças, falsidade e hipocrisia. submissa ao dinheiro, que corrompe.
23 Os últimos quatro versos incluem a indagação do Poeta sobre L4 Hipérbole: «a tudo nos obriga», pois a seleção deste pronome
em qual dos dois elementos estará o Homem mais seguro e a indefinido, integrando todos os seres humanos, exagera o po
salvo da merecida indignação divina. der ditatorial do dinheiro.
2Á a) Aliteração do som «t» ao longo da primeira quadra, a qual UQ recurso é a enumeração dos efeitos do dinheiro, que surge
reitera a violência da «tormenta» e dos desepganos da vida, referido por meio do pronome demonstrativo «Este*.
b) A enumeração encontra-se na mesma quadra, pois nela são 22 Os efeitos do dinheiro, segundo o Poeta, são os seguintes:
listados os cenários encontrados no «mar* e na «terra». Quan motiva rendições forçadas de povos poderosos; dá origem a
do enumerados, reduzem a vida humana a sofrimento vindo traições e a comportamentos desviantes; torna os espíritos
409
PIEMUII EUHE NACIINAL
mais puros em maquiavélicos; corrompe as verdades científi vista com mais detalhe - a baía é «curva e quieta», a «areia» é
cas e cega os que nele sustentam as suas vidas. E o dinheiro «branca» e está pintalgada por Vénus omnipotente com «rui
que move a Política e a Literatura, transformando bons reis em vas conchas*. E esta a prova de características imaginadas
«tiranos» e até profanam os religiosos e consagrados. pelo poeta para enriquecer a sua epopeia. A mitificação do
13 Os seus estratagemas resumem-se à ilusão, mostrando-se herói está implicada na apresentação de tão deleitosa/pra-
encantador e apresentando-se sempre dotadü de «virtude». zenteira e divina ilha, especialmente preparada pela deusa do
I As estâncias, quanto ao número de versos que apresentam, Amor com ninfas amorosas no sentido de as unir aos humanos
correspondem a oitavas, com versos decassilábicos «Nas/ portugueses que fizeram descobertas e conquistas sobre-hu
naus/ es/tar/ se/ dei/xa/ va/ga/ro/so». 0 esquema rimáticD é manas. A união dos reais portugueses com as divinas entida
obababcc. correspondendo os seis primeiros versos a rima cru des torna os nossos navegadores divinizados e míticos.
zada (obabob) e os dois últimos a rima emparelhada (cc).
FICHA 29 (p. 84)
FICHA 28 (p. 82) 11 Toda a estância é construída a partir do imaginário épico ca
II Sempre adjuvante dos portugueses. Vénus faz mover a Ilha moniano, pois os detalhes da ilha e das suas ninfas são ricos
dos Amores, aproximando-a da frota portuguesa, ao pontD de e variados: «verdes ramos, várias cores» (verso 2 - descrição
a referida Ilha ser avistada pelos nautas. Assim, continua dili da morfologia da ilha).«(...) lã fina e seda diferente / (...) De
gente no sentido de se certificar que os navegadores passam e que se vestem as humanas rosas (...)/ fermosas» (versos 5-8
tomarão porto neste local de futuras delícias amorosas. - caracterização detalh ada das roupas, da beleza e da frescu
ra típicas das flores que as ninfas vão mostrando aos navega
12 A primeira perspetiva ou visão que os portugueses tiveram da
Ilha dos Amores foi de natureza global uma vez que a avista dores).
ram «De longe». Daqui decorre que o que primeiramente viram 12 0 verso «Que mais incita a força dos amores» remete para d
foi a sua frescura (talvez pelas cores e a brisa que sentiam vir facto de as roupas, as cores e a beleza das ninfas serem fa
dela} e beleza {«fresca e bela»). voráveis (afrodisíacas) e estimulantes às relações íntimas que
estas terão com os navegadores portugueses.
13 Por um lado. aD adjetivar a frota como «forte», Camões está
daramente a exaltar o poder dos portugueses, cuja inteligên 13 Metáfora (associação de duas ideias não diretamente asso
cia, poder bélico e poder náutico já se haviam manifestado ciáveis - «humanas» /«rosas») e o paradoxo {juízo sem aparen
quer no mar quer em terras africanas e indianas. Tal exaltação te lógica - «humanas»/ «rosas»), que atribuem humanidade às
eleva os navegadores a um patamar de heroicidade incontes- rosas ou essência floral às ninfas; a anástrofe em «humanas
táveL Por outro lado, com a sequência «(...) por que não pas rosas», a qual evidencia d desenho do corpo («humanas») per
sassem, sem que nela / Tomassem porto (...)», o poeta mostra fumado, bem como as suas vestes belas de perfume floral a
que, por tais feitos gloriosos, a armada seria recompensada personificação das «rosas» através do ato de se vestirem
com bens e encontros amorosos com as deusas na Ilha que 21 Por meio do discurso de Veloso, percebemos, primeiramente,
Vénus lhes preparara. Ora, sendo estas de natureza divina (mi a incredulidade e o espanto dos portugueses perante a visãD
tologia pagã), então está conseguida uma divinização/mitifi- das «Deusas» inesperadas na «floresta» que têm agora diante
cação dos portugueses - heróis reais, de carne e osso, presen de si Em seguida, testemunhamos a ordem do mesmo Velo-
teados com entidades sobrenaturais. so para que «sigamos estas Deusas», isto é. para que corram
UA sequência é «A Acidália, que tudo, enfim, podia.» (verso 9). atrás delas e as tomem como suas mulheres.
150 recurso fónico presente é a aliteração do som consonânti- 12 Através destes versos, Camões consegue elevar os navega
co «v», que está ao serviço da movimentação quer da Ilha dos dores lusitanos a categorias superiores e até sobrenaturais,
Amores (que se aproximava da frota), quer da frota portugue uma vez que a eles são mostradas «{...) grandes as cousas e ex
sa (que se aproximava da Ilha). celentes» (verso 7), porque, contrariamente aos «homens im
11 Contrariamente à ideia de movimento presente na estân prudentes». se depreende que os lusitanos são prudentes, du
cia anterior, estes dois versos, com a presença da conjunção seja, justos e merecedores de recompensa por feitos ilustres
coordenativa adversativa «Mas», criam um contexto de imo alcançados. Tal recompensa assume a forma desta Ilha dos
bilidade, isto é. Vénus fez parar a Ilha em frente dos olhos dos Amores e tudo o que nela está contido {amores com as ninfas e
portugueses. Assim, certificou-se de que eles ali atracariam a visão de Gama da «máquina do mundo», por exemplo).
as suas naus. 13 Tanto os portugueses como as ninfas estão enamorados.
12 A comparação presente em «Qual ficou Delos. tanto que pa Assim, sendo o sentimento recíproco, vemos os navegadores
riu / Latona Febo e a Deusa à caça usada.» confirma a ideia de «veloces (...) / a correr pelas ribeiras» (versos 3-4) e as ninfas
imobilidade (paragem/ausência de movimento) da Ilha dos a fazer o mesmo «(...) por entre os ramos» (verso 5). enquantD
Amores, do mesmo modo que a ilha de Delos, quando Latona se deixam {«industriosas») apanhar pelos lusitanos, com quem
deu à luz Febo e Diana (deusa da caça)i vão consumar relações amorosas.
UO verso «Pera lá logD a proa o mar abriu» está ao serviço da 14 D recurso à comparação em «veloces mais que gamos» (vea
ideia de movimento, por um lado, porque a sequência «Pera dos) mostra a velocidade dos portugueses como maior do que
lá» está associada a uma orientação das naus em direção à a dos veados, animais naturalmente rápidos; o gerúndio, em
Ilha; em «Pera _lá logo», testemunhamos o valor expressivo de verbos como «Fugindo», «sorrindo», «dando», «alcançando»
liquidez/movimento conseguido pelo recurso à aliteração do cria uma sequência temporal elástica, ou seja, prolongada a
som «k. Note-se ainda que, por meio de anástrofe, este modi partir das atitudes e gestos de navegadores e ninfas; a seleção
ficador {«Pera lá logo») está imediatamente nD início do verso, dos nomes «gamos» e «galgos» confirma toda a ideia de movi
ganhando centralidade. Por DutrD lado. aD lermos «a proa o mento e velocidade, pois também os «gamos» (cães de pernas
mar abriu» conseguimos visualizar, metaforicamente, a parte longas e típicos da caça à lebre ou à raposa) são velocíssimos.
dianteira das referidas naus a «abrir» o mar (rasgar as ondas/ 15 A estância 70 está ao serviço da mitificação do herói na
deslizar por elas), que as separava do seu portD amoroso. medida em que é nela que os portugueses são divinizados
14 Nos últimos três versos, percebemos claramente a presença pela consubstanciação das relações amorosas com as «Deu
do imaginário épico de Camões pela descrição e caracteriza sas». Ora. estes heróis humanos que têm como recompensa
ção da I lha do geral para o particular. Vemos. portantD, a «cos a união e procriação com divindades mitológicas, como que
ta», que desenhava uma «enseada» (baía pequena), adiante passam também eles a ser metade humanos, metade divinos.
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FICHA 38 (p. 107) socia I do tempo do Padre Antón io Vieira, tais como membros
da coroa, aristocratas, religiosos ou populares emgeraL
Excerto 1
L Apóstrofes: «amigos Roncadores» (linha 6), «peixezinhos igno ACHA 39 (p. 109)
rantes e miseráveis* (Pegadores) (linhas 18-19), «peixe alei
1. A anáfora «Louvai a Deus* surte efeitos persuasivos porque
voso e vil» (Polvo) (linhas 37-38). Cada uma destas apóstro
fes torna mais presentes os peixes, fazendo as suas críticas repete incessante e veementemente a necessidade de dar
inequívocas. A relativa aos «Roncadores» pode surtir efeitos graças a Deus por tantos bens concedidos gratuitamente a
irónicos, pois nada tem que ver com o Padre António Vieira, pe ixes/homens. C laro que. pela repetição do consel ho. se faz
que pretende intentar o seu contrário. entranhar no espírito dos ouvintes a necessidade de corri
2. «0 riso e a ira» do Padre Vieira provieram do facto de, ouvindo gir atitudes/cDmportamentos, movidos pela razão lógica do
discurso de Vieira e pelas emoções despertadas (movere).
e vendo o quanto gritavam, perceber que se tratava de pei
xes pequenos, facilmente pescáveis por um «aleijado», o que L A primeira graça prende-se com a sequência «louvai a Deus,
prova a sua fragilidade. Portanto, a arrogância dos seus gritos que vos habilitou de todos os instrumentos necessários à
contrastava comicamente com a sua fisionomia minúscula. vida», isto é, a graça de ter à disposição de cada um todos os
3. A crítica social atinge «os arrogantes e soberbos»: todos os meios, ferramentas, espaços e contextos para sobreviver e
membros da sociedade que, sendo pouco poderosos ou frá viver. A segunda graça tem que ver com a ideia expressa em
geis, se revoltam contra Deus constantemente. E Vieira acres «louvai a Deus, que vos sustenta», por outras palavras. Deus
centa que tal atitude leva esses seres humanos a prejudica que vos ampara e protege na adversidade (comungando natu
rem-se, pois o poder da Providência é sempre maior. ralmente também da felicidade).
4. Quanto à exemplaridade do Tubarão, eis o cenário: sendo este 1 A estrutura externa e interna de um sermão deve terminar com
um predador temível, os Pegadores colam-se às suas costas, referência a Deus (ao Deus bíblico). não só por meio de ideias (no
parecendo «remendos ou manchas naturais» e alimentam-se caso, variantes de «Deo gratias», como «Louvai a Deus»), mas
das sobras de peixes pequenos que este peixe grande come. A também com recurso a vocabulário bíblico, como em «Amen».
consequência primeira é a alimentação sem esforço, mas o re
sultado final pode ser mau, se morrer o Tubarão, os Pegadores
FICHA 40 (p. 116)
morrerão com ele. 1. A ordem sequencial correta é: k)t c); j); i)t n); h); m)-r g)t f); e); d);
5. Com os Pegadores, Padre António Vieira pretende atiqgir todos W
os seres humanos que se tomam parasitas, seguidores, apenas
por interesse, de outros seres humanos com poder, dinheiro, FICHA41 (p. 117)
influência, para citar apenas alguns casos. Correndo bem a vida 1. a) F - D. Madalena de Vilhena casou em segundas núpcias
aos «grandes*, os parasitas saem beneficiados; pelo contrário, com Manuel de Sousa Coutinho. b) F - D. Madalena e o ma
correndo mal a uns, os outros sofrerão do mesmo mal rido pertenciam à nobreza portuguesa, vivendo na casa de
fi. De acordo com as linhas 24 a 29, vemos que o Polvo parece Manuel de Sousa Coutinho.; c) V; d) V; e) F - Maria e Teimo
um peixe bondoso e angélico: a sua cabeça dá-lhe um ar de Pais acreditam, piamente e com alegria, que el-rei D. Sebas
monge com seu capuz, os seus tentáculos abertos asseme tião vai regressar vivo.; f) V: g) V; h) V; i) V; j) F- Manuel ateia
lham-no a uma estrela, com uma fisionomia invertebrada e f Dgo a sua casa para não a deixar aos governadores portu
exclusivamente feita de partes moles, aparentando ser pa gueses aliados dos espanhóis.; k) V; l) V; m) F - A ordem na
cífico e f rágiL Porém, e como dizem os santos latino e gregD, qual vão ingressar Manuel e Madalena é a dos Dominicanos
tudo no Polvo é aparência, ilusão e hipocrisia porque é falso. (S. Domingos)
7. A estratégia de ataque do PoIvd é tomar a cor do elemento
dü fundo do mar de que se aproximou, confundindo-se com FICHA 42 (p. 118)
ele; em seguida, predador paciente, deixa aproximar-se um L Trata-se de uma sala da casa onde vivem Manuel de Sousa
peixe incauto e prende-D com os seus tentáculos, cegando- Coutinho, Madalena de Vilhena, Maria, TelmD e os criados, em
-o com o líquido escuro que liberta. A vitória dü Polvo sobre Almada, na tarde dé 28 de julho de 1599.
a sua presa é calma, pensada estrategicamente e rápida na
L As duas janelas trazem luz natural à casa, pois são «grandes» e
captura. Assim se pode ler em «Consiste esta tra ição do Pol
dão vista para um eirado «que olha sobre o Tejo e donde se vê
vo primeiramente em se vestir, ou pintar das mesmas cores
Lisboa toda». Por outras palavras, são os elementos através
de todas aquelas cores, a que está pegado. (...) E daqui que
dos quais o exterior comunica com o interior e vice-versa.
sucede? Sucede que o outro peixe inocente da traição vai
passando desacautelado, e o salteador, que está de embos 1 Por exemplo: «luxo», «caprichosa elegância», «porcelanas»,
cada dentro do seu próprio engano, lança-lhe os braços de «xarões», «sedas», «rico pano de veludo verde franjado de pra
repente, e fá-lo prisioneiro. (...) 0 Polvo, escurecendo-se a ta», «livros», «obras de tapeçaria», «vaso da China», «tambore
si, tira a vista aos outros.» tes rasos», «contadores».
S. A comparação advém da colocação em paralelo do que fez 4. A frase «E no fim da tarde.» revela um ambiente calmo, melan
Judas e do que faz o Polvo, como sendo da mesma natureza: cólico. características que aumentam em Madalena d seu sen
traição. A gradação surge do facto de Judas só ter abraçado timentalismo exagerado. Os seus «ais», os seus medos, a re
Jesus como sinal de identificação para os guardas do Templo flexão sobre o passado infindo (não terminado por não saber
o prenderem, ao contrário do PoIvd, que não só se disfarça, se o primeiro marido morreu realmente), o presente sempre
como vai mais além e prende a sua vítima em dois passos que em alvoroço e d futuro que ela vê envolto em sinais negativos,
se processam gradualmente e antecedem o proveito de co presságios e agouros são sinais que anteveem desgraça (ver
mer a presa. características do Romantismo, p. 108).
1. Através do Polvo. Vieira traz à memória visual e mental dos 5. Por exemplo: «duas grandes janelas rasgadas», por onde entra
seus ouvintes todos aqueles que aparentam ser boas pes a luz do dia, o calor do sol, a frescura do Tejo; «um vaso da Chi
soas, altruístas, humanitárias, cândidas e pacíficas, mas são na, de colo alto, com flores», pressupondo-se que as flores são
precisamente o seu contrário, contrário esse maquiavélico, naturais, portantD, perfumando a casa e alegrando a; as por
que está escondido debaixo de «uma hipocrisia santa». Ds tas de acesso fácil a outros ambientes {interior e exterior) por
diretamente invetivados podem pertencer a qualquer classe Dnde se prolonga a calma e o conforto do espaço.
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FICHA 43 (p. 119) é feita de madeira negra. tempo cronológico confirma tudo
isto, pois é «alta noite», sendo a noite já quase madrugada e me-
L 0 patriotismo de Manuel toma-se evidente quando ele mani
taforizada como um prenúncio de morte («mortalhas» é o vocá
festa estar consciente de que os governadores portugueses bulo usado para o hábito e insígnias que os novos consagrados
não defendem a liberdade do país Por conseguinte, tal patrio
vão usar, como se fossem, efetivamente, morrer).
tismo é confirmado na sua atitude determinada: atear fogo
à própria casa para não alojar tais traidores Manuel prefere L Todüs estes vocábulos instauram uma proximidade entre a
tomada de hábitD de Manuel e Madalena e a Paixão de Cris
destruir os seus bens a deixá-los nas mãos destes maus de
fensores de um Portugal livre. A sua filha, Maria, reitera os to. Dito de outra forma, havendo cruzes e velas, já o espaço é
mórbido, mas a menção da crucifixão de Jesus, com o letreiro,
escrúpulos patrióticos do pai e apoia-o, com carinho de filha e
consciência plena de serem eles portugueses genuínos. que perpassa toda a Semana Santa do calendário litúrgico,
reafirma essa proximidade: assim como Jesus sofreu açoites,
2. Do ponto de vista psicológico, Manuel é um honrado fidalgo
tortura e morte injustamente, sem nada de mal ter feito, assim
português, destemido e corajoso; Madalena é d exemplo máxi também os membros desta família nada de mal fizeram e es
mo de uma mulher em constante agonia e medo por se ter ca
tão a ser «açoitados», «torturados», «mortos» pela vida. Não
sado pe la segunda vez. sem nunca ter a certeza efetiva de que houve duelos, não houve traições, não houve crimes, tudo se
o primeiro marido morrera; Maria é uma verdadeira patriota,
passou devotamente e consoante os preceitos do Catolicismo
escrupulosa e ávida defensora do seu muitD amado progenitor
e dos valores honrosos da nobreza. No entantD, o desenlace é
e do seu muito amado país.
trágico e romântico.
FICHA 44 (p. 120) 3. Há, sem dúvida, uma gradação desde o cenário do Ato I até aD
do Ato III. no sentido de um aumento de escuridão física e es
L A razão que esteve na origem da mudança da casa de Manuel
pacial (com presença de objetos e contextos que pressagiam
de Sousa Coutinho para esta tem a ver com o facto de o fidal
maus eventos futuros) e revelação que leva ao desenlace. Se
go Manuel ter incendiado a sua propriedade para a não deixar o primeiro cenário mostra a paz e claridade em que vivia esta
ser ocupada pelos governadores portugueses {Luís de Moura.
família, d segundo passa a desenrolar-se no palácio sombrio
d conde de Sabugal, o conde de Santa Cruz, o arcebispo) e re
e fechado de D. JoãD, local aonde ele vem ter no final do
presentantes da coroa espanhola
Ato II, havendo «clímax» e «páthos», isto é. auge do sofri
L Este comportamento de Manuel de Sousa Coutinho, que o le mento já pressentido por Madalena e Teimo, ao ponto da
vou a destruir a própria casa, prova o seu amor à pátria, Portu tomada de decisões trágicas. A «Icotastropbé» surge, nD Ato
gal, e a sua luta pela independência. Por outro lado, dá mostras III. com a morte espiritual de Manuel e Madalena e a morte
de que se trata de um f idalgD honrado, destemido e corajoso física de Maria. 0 cenário, uma vez mais, acompanha este de
na defesa da sua nação e seus compatriotas. senlace, pois estamos na igreja onde tudo acontecerá.
10 proprietário é D. João de Portugal, desaparecido na Batalha
de Alcácer Quibir, em 1578. 0 facto de D. João ter sido o pri FICHA 46 (p. 126)
meiro marido de Madalena, cuja morte nunca foi confirmada, 1 a) V; b) F - 0 Mosteiro da Batalha tem também a designação
presentifica-o neste tempo atual da ação, que adensa d sofri de Mosteiro de Santa Maria da Vitória.: c) F - 0 conventD
mento de Madalena e inicia o desfecho. DitD de Dutra forma, foi doado por el-rei D. João I aos frades dominicanos d) F
aparecendo como Romeiro, vai desencadear-se o desfecho - Junto de pedras e estátuas espalhadas. Frei Lourenço de
trágico da obra: o casamento de Madalena e Manuel é invali Lampreia e Frei Joane conversavam com o Mestre Afonso
dado e Maria torna-se filha bastarda. Domingues. velho, cego, surdo e coxo.; e) V; f) F - Mestre
4. Os três retratos «aD fundo» representam D. Sebastião, Luís de Afonso compara a sua obra à Divino Comédia, do florentinD
Camões e D. João de PortugaL 0 retratD de D. Sebastião é cla (de Florença) Dantes g) F - Mestre Ouguet é um arquiteto
ramente um elemento sebastianista, pois nele estão represen *mediano* de nacionalidade irlandesa: h) F - Mestre Du-
tadas as esperanças de um Portugal presente e futuro, livre, guet retomou a construção do Mosteiro, ignorando □ planta
governado por um jovem rei, que há de regressar da Batalha de feita pelo seu antecessor^ i) V; j) V; k) V; I) V; m) V; n) V; o) V;
Alcácer Quibir. 0 retrato de Camões contribui para o mesmo p)Vq)F - De entre essas personagens, destacam-se, além
efeito, pois a sua epopeia é dedicada a este rei. Camões é sím dos frades superiores. João das Regras e Martim de Océm,
bolo de patriotismo, não só porque escreveu Os Lusíadas, para doutores e conselheiros do rei; r) F - Com honra e patriotis
glorificar a pátria e a grandeza dos seus membros, mas por ele mo, Mestre Afonso aceita e promete a completude da abó
mesmo, Camões, ter sido cavaleiro e defensor das conquistas bada da casa capitular para dali a quatro meses, munindo-se
portuguesas, durante o exílio. 0 retrato de D. João de Portugal de arquitetos jovens, tais como Martim Vasques e Fernão de
é um indício de um final trágico, pois é o seu regresso que vai Évora.; s) V; t) V; u) V; v) V.
destruir a família de Madalena, Manuel, Maria (e Teimo).
5. As portadas que dão acesso à Igreja de S. Paulo dos Domíni-
FICHA 47 (p. 128)
cos de Almada são um indício da proximidade do fim trágico L Mestre Afonso é um homem inflamado pelo seu amor à pátria,
da obra. E por elas que hão de passar Manuel e Madalena não só porque combateu com o Mestre de Avis, mas porque
para entrarem como noviços na ordem religiosa dos Domí- empenha toda a sua alma e espíritD neste monumento de glo
nicos e é por elas também que Maria correrá em demanda rificação de um Portugal vitorioso. Por outro lado, defende
pelos pais até ao local onde vai morrer. No lugar ao qual dão sempre o que é português e deixa transparecer todo um senti
acesso tais portadas, vai consumar-se a tragédia que atinge mentalismo exagerado e hiperbólico, próprio de um cavaleiro
todas as personagens. honrado. Assim se percebe o cair das lágrimas (que contagia
Frei Lourenço), o discurso poético retratando a sua obra arqui
FICHA 45 (p. 121) tetada, o facto de estar de pé e ficar exaurido (sem forças) e
L 0 drama romântico implica, regra geral ambientes sombrios a indignação por lhe ter sido retirado o cargo em favor de um
e austeros: portas cobertas de reposteiros pesados, objetos estrangeiro.
medievais. A presença da religiosidade exagerada também se L Aliado aD patriotismo típico do Romantismo, temos, neste
mostra ao serviço deste cenário romântico (do Romantismo). excerto, provas do sentimento nacional, ou seja, de um olhar
Veja-se que os objetos de consagração estão dispostos num para a própria vida e alma como parte de uma coletividade a
espaço sem decoração, sem luz natural e a cruz de Jesus Cristo defender honrosamente, que é a nação portuguesa. Eis um ex-
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certo que o mostra «Não é este edifício obra de reis, ainda que lhe rouba «os corações dos homens», que não lhe obedecem
por um rei me fosse encomendado seu desenho e edificação, já, ao que a Esperança acode, afirmando que vem a mando de
mas nacional mas popular, mas da gente portuguesa, que dis; Deus iluminar esses corações para endireitar o seu caminho, o
se: nõo seremos servos do estrangeiro e provou seu dito.». E caminho que os levará ao Céu. A Soberba, a propósito do que
clara a referência aD caráter nacional deste mosteiro e de todo ouve da Esperança, acusa os mandatários de Deus de «enga
o processo da sua edificação, que deve ser obrado por mãos nar os homens com vaidades de incertos futuros», sendo que
portuguesas para glorificação de Portugal e seus pelejadores. a Caridade se socorre das Sagradas Escrituras para enaltecer
3. Mestre Afonso Domingyes, Frei Loirenço de Lampreia, el-rei D. Deus e seus santos como orientadores dos seres humanos, a
João l D. Leonor Teles, Mestre David Ouguet e todos os po quem consideram de maneira igual.
pulares e «oficiais», construtores/obreiros portugueses, que 1 Por exemplo: «a Idolatria começou seu arrazoado contra a Fé,
foram mandados para Guimarães. Mestre Afonso respeita e queixando-se de que ela a pretendia esbulhar da antiga posse
é respeitado pelo frade superior dominicano, tendo uma rela em que estava de receber cultos de todo o género humano, ao
ção de amizade; o mesmo se passa entre o Mestre e todos os que a Fé acudia com dizer que, ob ínrtio, estava apontado d dia
populares portugueses que estavam sob a sua égide na cons em que o império dos ídolos devia acabar». Por meio do discur
trução do mosteiro; D. João I surge aqui como alvo de críticas so indireto, Herculano consegue resumir as falas das persona
inflamadas e irónicas por parte de Afonso, mas serão reata
gens. Tal resumo entende-se porque cada uma das falas das
dos os laços de amizade e companheirismo que remontam à personagens não é central na estrutura da narrativa.
luta conjunta em Aljubarrotac D. Leonor Teles {aliada dos cas
4. E a queda da abóbada, finalizada por Mestre Ouguet, que vai
telhanos) é odiada peto Mestre Afonso, aD ponto de este se
lhe referir como «a adúltera» (pela sua relação com o Conde desencadear todo o conteúdo dos dois capítulos segqintes até
ao final. Porque se provou que a planta alterada pelo irlandês
Andeiro); Mestre Ouguet é d eterno odiado por Afonso (sendo
o sentimento recíproco), por não ser português e ter rejeitado não foi alternativa viável é que D. João I vai reunir com os con
a planta desenhada peto arquiteto português. selheiros e com Mestre Afonso, reatando a amizade para com
d velho Mestre e renomeandoo Mestre oficial. Daqui sucede
4. a) Enumeração - «cada coluna, cada mainel, cada fresta, cada
que Mestre Afonso e os seus obreiros portugueses sigam a
arco era uma página de canção imensa»: exaltação da obra no
planta original, a abóbada não mais caia e, por fim. o desfecho
seu todo e cada parte em específico, desenhada e construída
da narrativa: a morte de Mestre Afonso, cujo voto de jejum por
com amor à pátria e ao futuro mosteiro, que celebra a glória de
três dias foi fatal ao seu corpo idoso e já frágil
um Portugal invencível, b) Metáfora: «cada coluna, cada mai
nel, cada fresta, cada arco era uma página de canção imensa» 5. A atribuição do título A Abóboda a esta narrativa tem a ver
ou ainda «Os milhares de lavores que tracei em meu desenho com o facto de se tratar da construção de um dos mais impor
eram milhares de versos», sendo que qualquer uma destas tantes espaços do futuro Mosteiro da Batalha, monumento
citações apresenta o desenho/o mosteiro como «página de de louvor aos portugueses vitoriosos frente aos castelhanos.
canção imensa» ou cada trabalho («lavores») como versos, A isto, Alexandre Herculano junta a caracterização de perso
o que está ao serviço da dimensão literária e musical trans nagens e espaços historicamente comprovados/imaginados,
formando esta obra física numa peça de arte a vários níveis: donde sobressai a recuperação das glórias portuguesas do
escultura, literatura e música. Com tais metáforas, o mosteiro passado, bem como a apresentação de valores típicos do Ro
é colocado como que num pedestal e é digno de ser reconheci mantismo. isto é, o seu herói e respetivas características, lin
do como superior e glorioso, c) Comparação: «caíam-lhe pelas guagem e estilo que d comprovam, assim como ideias patrióti
faces encovadas duas lágrimas como punhos» - associando as cas em defesa da gloriosa nação que é Portugal
lágrimas a punhos, podemos considerar a polissemia do vocá
bulo «punhos*. Assim, temos lágrimas como «punhaladas» ou ACHA 49 (p. 136)
socos que a vida deu à alma de Mestre Afonso Domingues; ou 1. Este excerto dá por terminados os dois planos da obra: o da
como «punhais», facas que «cortam», dilaceram, mutilam d seu viagem (com o regresso dü narrador e companheiros a Lisboa)
coração, d] Ironia: «Agradeço-vos, senhor rei. a mercêL. Sois e d da novela (com as informações sobre o destino final das
verdadeiramente generoso...» mostra o desagrado profundo, personagens Carlos. Joaninha, Georgina e a avó D. Francisca).
o desespero e a mágoa que Mestre Domingues tem para com
Li 0 diálogo faz-se entre o narrador (protagonista da viagem) e
D. Jüão I porque este o afastou do cargD de arquiteto do Mos
Frei Dinis {uma das personagens da novela). LpgD, juntam-se,
teiro da Batalha, entregando-D a um estrangeiro.
confluindo, viagem e novela.
5. Este capítuto, sendo o primeiro dos cinco, faz a apresentação
2. Carlos e Joaninha são claramente personagens românticas
de quatro componentes: o «cenáriD»/contexto histórico, d es
paço (Batalha) e o desenho da ação em torno da construção peto desenrolar e peto desfecho da sua relação amornsa: além
dü Mosteiro da Batalha. 0 leitor fica a saber da obra, do local, do parentesco próximo (à partida impeditivo), Carlos tem um
dü momento da História e da ação narrativa de que estamos compromisso com Georgina, mas ama Joaninha (inocente, ho
a tratar. A quarta componente é a das personagens, fazendo nesta, frágil e simples como uma verdadeira heroína român
antever as relações entre elas. tica). Está instalado, portanto, um triângulo amoroso. Porque
Carlos se deixa levar pela razão e contexto social, abandona
FICHA 48 (p. 130) Joaninha, que morre de desgosto, volta para Georgina. que o
recusa e se toma abadessa. Assim, Carlos abandona tudo,
1. Este autD é alegórico na medida em que as primeiras sete per
enriquece, dedica-se à política, vivendo corrompido por ela e
sonagens são concretizações de abstrações: Idolatria, Diabo,
Soberba, Fé, Esperança, Caridade e o anjo da sentença. Pre pela sociedade.
cisamente por meio delas é que o auto dá vida aos princípios 1 Por exemplo: «fui deliberadamente ao meu cavalo; montei, pi
da moral cristã: umas são personagens que levam a alma ao quei, desesperado, de esporas e não parei senão no Cartaxo.
inferno, as outras as que levam a alma ao Céu. Trata-se da (...) Parti para Lisboa» {linhas 27-28).
representação da Epifania do Senhor, solenidade litúrgica do 4 Trata-se de um narrador que fala na primeira pessoa, é subje
Cristianismo. tivo nas descrições e nas críticas que tece à política, à socie
2. A Idolatria queixa-se de a Fé lhe roubar o culto por parte dos dade e à religião; é participante na ação (vemo-lo em diálogo
seres humanos, ao que esta responde que está fadado por informal/cDtoquial com uma das personagens da novela. Frei
Deus o fim dos ídolos. 0 Diabo lamenta-se de que a Esperança Dinis) e dirige-se diretamente aD leitor.
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PIEMUII EUHE NACIINAL
5. Nd último parágrafo, o narrador faz uma reflexão, tecendo crí L 0 sentimento natural que une este par amoroso é o amor ge
ticas abertas sobre as más decisões e orientações do governo nuíno, avivado pela paixão de um reencontro inesperado, após
{entregue, em 1843, ao ditador Costa Cabral - Cabralismo), a dois anos de ausência. 0 seu mais óbvio exemplo é o «com um
quem tece abertas críticas (irónicas e sarcásticas) ao investi longo, interminável beijo... lorçgo, longo, e interminável como
mento caríssimo nos caminhos de ferro, em vez de pedra para um primeiro beijo de amantes...»(linhas 25-26).
estimular os meios de comunicação no nosso país. Note-se
que «metal» pode ser referência literal ao ferro, mas também FICHA 52 (p. 141)
referência metafórica aD dinheiro. Assim, este narrador ro 1 Nas linhas 1 a 18. o narrador embrenha-se na reflexão e crítica
mântico dá vida ao sentimento nacional, designadamente, o sobre as péssimas influências que a sociedade (convivência
da preocupação com aquilo de que Portugal verdadeiramente social) tem na personalidade do ser humano, originalmente
necessita. E que, depois do triunfo do Liberalismo, com a Carta criado bom, honestD, escrupuloso e equilibrado no uso, entre
Constitucional outorgada por D. PedrD IV, em 1926, os gover outros, do binómio razão/coração. Com estas críticas, o narra
nos sucediam-se a custo de lutas e ditaduras, o que afetava dor prepara aquilo que vai fazer, do ponto de vista narratológi-
negativamente a economia e gerava o sentimento de medo e co, imediatamente a seguir (linhas 19 a 24): provar como Car
frustração por parte de todos os portugueses compatriotas los é, infelizmente, um exemplo dessas influências corrosivas
deste narrador. e cáusticas da sociedade do seu tempo.
í. Metáfora: D. Francisca, não estando fisicamente morta, tinha L Pela caraterização de Carlos, podemos antever todo o desfe
aspeto e postura de cadáver. cho da novela: ele é o centro do triângulo amoroso Georgina -
Carlos - Joaninha; pela sua falta de escrúpulos e «vulgaridade
FICHA 50 (p. 138)
da fraqueza, da hipocrisia, da mentira comum.» (linhas 20-21],
L Este excertD é a primeira ponte de ligação entre o plano da via abandonou Joaninha, d que a levou a morrer de desgosto, voltou
gem e o plano da novela. Se ele começa com o que o narrador para Georgina. que o recusou por saber da traição, e isolou-se
vê na sua deambulação geográfica, termina com a clarificação da sociedade, seguindo a sua falta de valores. A avó enlouque
da «história» que vai contar. ceu. perdeu vitalidade e Frei Dinis resignou-se à misericórdia
110 elemento físico que clarifica este elo de ligação é a «janela» de Deus. Carlos enriqueceu. Como soubemos da boca de Frei
que o narrador vê e lhe traz á memória a história que vai contar. Dinis, no último capítulo, é barão e será, porventura, deputado.
1 Entre as linhas 1 e 14, o narrador descreve a natureza que o A sua atitude para com as duas mulheres e a incursão na vida
Vale de Santarém lhe oferece por meio dos sentidos. A pai política são as provas finais de que Carlos se deixou corrom
sagem é descrita como locus omoenus, ou seja, «numa har per por essa sociedade descrita no início deste excerto.
monia suavíssima e perfeita» (linhas 2-3). que tanto serve
para caracterizar o vale como o interior do narrador, que a FICHA 53 (p. 145)
contempla e por ela é encantado. 1 a) F - 0 narrador estava preso na Cadeia da Relação, no PortD,
10 narrador revela, em prolepse, ao seu companheiro de viagem, quando encontrou uns documentos^ b) V; c) F - 0 narrador tira
o final desta menina à janela (sabemos que se trata da sua a limpo a história da prisão de Simão porque um dos documen
morte por desgosto amoroso). Por consequência, podemos tos que leu era uma notícia atestando que estivera de facto
verificar que ele é narrador omnisciente e manuseia a informa preso; d) 0 narrador é opinativo e parcial; e) V. f) F - 0 narra
ção de tempo e ação do modo que quer, pois é sabedor de tudo. dor compadece-se e revolta-se porque narrará infortúnios de
4. D momentD em que a relação narrador e leitor se torna eviden uma história sobre o amor entre um homem e uma mulher, g)
te encontra-se entre as linhas 30 e 32, ou seja, todo o último V; h) F - A frase que o narrador utiliza para resumir a histó
parágrafo do excerto. Neste caso, o narrador dirige-se às «be ria é «Amou, perdeu-se e morreu amando.*; i) F - 0 narrador
las e amadas leitoras» (linha 30). portanto, pressupõe que uma submete a avaliação dos seus sentimentos perante a história
história de amor interesse sobremaneira a este tipo de público lida nos documentos tanto aos seus leitores como aos demais
- as mulheres. críticos.; J) V.
51 c) Enumeração: prova a harmonia e beleza de toda a paisagem FICHA 54 (p. 146)
do Vale de Santarém, fazendo sobressair estes tipos de plan
tas. Note-se que existe também um exemplo de personifica L Simão é um típico herói romântico por vários motivos: primei
ção pois «vestir» e «alcatifar» são características humanas, ro, porque, motivado pela raiva de saber da injustiça relativa à
aplicadas às plantas. ida de Teresa para a clausura no Porto, nãü hesita e vai, instin
Sl2 a) Metáfora: não se tratando literalmente de um quadro, mas tivamente e sozinho, ao seu encontro; segundo, porque trans
de uma paisagem (o Vale de Santarém), a utilização metafórica borda amor puro e paz, quando se vê em frente da sua amada;
de «quadro» intensifica a ideia de harmonia e arte ao natural terceiro, porque aceita e se resigpa à «cruz» e ao «calvário»,
que o narrador aprecia. aconselhando Teresa a fazer o mesmo; quarto, porque, após
ter mostrado respeito para cdhi Baltasar, não vacila e reage
51 d) Comparação: evidencia o poder da janela sobre o narrador,
impetuosamente às ofensas ditas por ele, matando o.
ao ponto de ele o comparar a um ato do sobrenatural - «feiti
ço». L Não se trata apenas de uma relação familiar, uma vez que Bal
tasar é sobrinho de Tadeu. Baltasar via neste casamento um
FICHA 51 (p. 140) meio de enriquecimento e ascensão social sendo que Tadeu
o queria tanto ou mais porque via a filha fazer-lhe a vontade,
L Joaninha exala beleza e fragilidade (tipicamente românticas)
afastando-se da família rival, os Botelho. Baltasar tDrna-se
por todo o seu corpo e linguagem corporal como se pode ler
por isso sempre carinhoso com Tadeu, nunca o deixando só.
em «expressivas feições da donzela; e as formas graciosas
do seu corpo» (linhas 3-4). Sabemos que tem os olhos verdes. 3. Baltasar é um homem claramente sem escrúpulos, que nãD se
Quanto à personalidade, saliente-se a sua inocência de meni coibiu de, desde d primeiro momentD, insultar Simão. Era co
na apaixonada, como o narrador primeiramente a viu. Relati barde (e Simão reconheceu-o) porque o injuriava, sabendo que
vamente a Carlos, cerca de quinze anos mais velho, cabelos tinha um séquito de apoiantes que o protegeriam.
pretos e olhos escuros, é um jovem na força e vigor da idade, 4. Simão mostra todo d seu amor a Teresa e plena resignação ao
ainda que com mostras das lutas em que participou, honesto «calvário» e à «misericórdia de Deus», ou seja, está calmo pe
e bondoso. rante a adversidade.
416
NITOCtâ 12? AM
5.0 meirinho-geral tenta ajudar Simão porque o reconhece como FICHA 58 (p. 162)
o filho do corregedor e sabe do seu caráter escrupuloso, bem
Lb)X4Lc};Ach5ícX&>);7.b).LbH>klL4
como da sua educação aristocrata.
RICHA 59 (p. 164)
FICHA 55 (p. 148)
1. As críticas vão, regra geral, ao encontro da falta de estímulo in
L 4 L a]t 3c); 4 b 5. c}, L b>. I d)
terior do público para ver algo que não lhe está culturalmente
enraizado, do compadrio e corrupção, da deselegância e inca
FICHA 56 (p. 149)
pacidade de imitação das corridas inglesas por total ignorân
1.0 momento é o dü embarque de SimãD no barco que o leva para cia. Primeiro, a presença de personagens figurantes e de um
o degredo na índia, que Teresa supõe. «A hora que te escrevo, cenário que anuncia o fracasso da festa e certD grau de ridícu
estás tu para entrar na nau dos degredados, e eu na sepultura.» lo. Note-se ainda d uso do advérbio «desconsoladamente» e
(linhas 1-2). da forma verbal «morria» a caracterizar foguetes, supostos
2. Teresa é uma típica heroína romântica é uma menina bela, frágil elementos de alegria. Segundo, o compadrio espelhado no
e inocente que sofre o desgostD desmedido e fatal de viver um senhor de «flor ao peito», a quem o sr. Savedra prometera
amor impossível que acabará com a morte física dos dois aman entrar no hipódromo sem pagar a carruagem. Tercei ro. o com
tes. A linguagem que utiliza nesta carta está ao serviço desse portamento grosseiro e bruto dos homens. Quarto, as tribu
sentimentalismo, dessa vivência da desgraça, como se verifica nas. que nas corridas inglesas estão cheias de assistência e
em «Que importa morrer, se não podemos jamais ter nesta vida de representantes de altos cargos, neste hipódromo portu
a nossa esperança de há três anos?! Poderias tu com desespe guês estão «vazias» ou apenas com algumas «senhoras», já
rança e com a vida, Simão?» {linhas 3-4) ou ainda «Adeus! A luz que os homens brigam, mais animalescos do que os cavalos.
da eternidade parece-me que já te vejo. Simão!» (linha 17). LI «e um sopro grosseiro de desordem reles passava sobre o hi
3. As cartas desempenham um papel central a cinco níveis. A pódromo, desmanchando a linha postiça de civilização e atitu
saber: proibidos os amores entre Teresa e Simão, é através de forçada de decoro...»(linhas 37-38).
delas que os amados comunicam e extravasam os seus sen L E. de facto, por meiD destas três personagens que percebe
timentos de amor-paixão. Com elas, manifestam-se as ver mos a representação do seu discurso direto em formatD de
dadeiras personalidades de Simão e Teresa, pois nelas não há discurso indireto livre, ou seja, o narrador usa verbos relato
filtros sociais, portanto o leitor percebe que se trata de herói/ res (ou verbos introdutores de relato do discurso), mas utiliza
heroína românticos. Pelas cartas, os dois trocam informações também as próprias palavras dos interlocutores/das persona
sobre as decisões das respetivas famílias e intenções para gens. Segue a negrito d verbo relator, sendo o restante voca
com cada um dos dois. Nestes textos, o leitor tem acesso dire bulário citado diretamente do discurso da respetiva persona
to [e literariamente original) aos discursos diretos das perso gem. «Diante do jóquei, sem chapéu, com a face a estoirar de
nagens, que nunca conheceríamos porque são muitas mais as sangue, gritava-lhe que era indigno de estar ali. entre gente
vezes em que eles estão separados do que juntos. Finalmente, decente».
é por meio da entrega destas cartas que gan ha relevo a perso Ub]tUd),Uc>,l4b]L
nagem Mariana, que sofre, mas tem oportunidade de ajudar o 4. Afonso da Maia, Carlos e Craft destacam-se, clara e inequi
seu amado. Simão. vocamente, das restantes personagens e do cenário destas
4. A metáfora é: «a morte é uma misericórdia divina» (linhas 5-6) Corridas de Cavalos. No caso de Afonso, como bom português,
- literalmente esta frase seria impossível porque se trata de aprecia o que os portugueses sabem fazer genuína e natural
dois referentes não palpáveis, logD um não pode ser o outro, a mente - touradas - sem pretensões, nem imitações mal con-
não ser numa sequência figurativa como esta. Contudo, a sua seguidas de outras nações Carlos, tal como o avô. conhece
proferição/verbalização adensa/aumenta a desgraça, à qual bem a cultura inglesa e cedo percebe o baixo nível a que está
Teresa se resigna prestes a assistir. Craft é a personagem que melhor sabe jul
gar a (incapacidade de) imitação, por ser inglês, óbvio conhe
FICHA 57 (p. 160) cedor das qualidades de Inglaterra e Portugal sabendo das
limitações do nosso país relativamente àquilo que não sabe
1. a) F - 0 subtítulo de Os Moras é Episódios da Vida Românti
fazer - Corridas de Cavalos.
co.; b) F - A intriga secundária diz respeitD à história de amor
de Pedro da Maia com Maria Monforte c) V; d) F - Depois do RICHA 60 (p. 166)
suicídio de Pedro, Afonso sai da sua casa em Benfica e vai
para a quinta de Santa Olávia. no Douro, com todos os seus 1. Carlos regressava ao Ramalhete, depois de ter estado com a
criados^ e) F - No Douro, existem serões, nos quais encontra irmã, sabendo ele já do incesto. A sua atitude de receio, de se-
mos o Abade Custódio e a Viscondessa de Runa.; f) F - Carlos cretismD, explica-se por que ele temia encontrar o avô, que sabia
é educado à inglesa pelo seu precetor. Sr. Browrr g) F - Vilaça também do incestD e viveria d horror de ter testemunhado
este incesto voluntário.
informa Afonso da Maia de que Maria Monforte segue vivendo
com homens que a sustentam e a filha estará, provavelmen L A gradação assenta no aumento de sofrimento de Afonso, que,
te. morta.: h) V; i) F - João da Ega é amigo e companheiro de pouco a pouco, vai desaparecendo fisicamente até se trans
Carlos, rapaz revolucionário e indomável.; j) V; k) F - Maria formar em espectro, espírito, fantasma. A visão de Carlos do
Eduarda, endeusada por Carlos, vem acompanhada da sua ca- avô como «espectral* parece não só assustar Carlos, como
delinha escocesa; I) V; m) V; n) F - Carlos e Cruges fazem uma persçgui-lo eternamente pelo seu erro.
viagem a Sintra; o) F - Nessa viagem, Carlos não encontra Ma 1 Nas linhas 9 a 15, o «tom de sangue», os passos «sumidos» e
ria Eduarda.; p) V; q) V; r) F - Carlos e Maria Eduarda vão à Toca «derradeiros* pressagiam a morte de Afonso. As linhas 33 a 36
e surgem novos indícios trágicos, nomeadamente a represen contêm um resumo da atitude de força e resistência do prota
tação da cabeça de S. Joâo Baptista.; s) V; t) F - Carlos e Ma gonista Afonso da Maia, ao longo da sua vida, sofrida por des
ria Eduarda, sabendo do incesto, tomam as resoluções finais venturas, contrariedades e desgostos. Por isso mesmo, a sua
- separam-se. Afonso da Maia morre de velhice e de desgosto cabeça cai «cansada», não resistindo a mais este infortúnio.
no quintal do Ramalhete, u) V; v) F - Os espaços lisboetas são 4. A personificação em «o fio de água punha d seu choro lentD»
descritos comD envoltos em inércia e velhice, decadentes e (linhas 31-32) mostra como os elementos da Natureza acom
desprezados ; w) V. panham a injustiça e d lamentD da morte de Afonso da Maia,
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PIEMUII EUHE NACIINAL
lamentD esse complementado por um Sol que abrilhanta o «in espaço da novela, apesar de partir do mesmo pontD - a Torre e
verno* da vida do protagonista - a sua morte. o velho Castelo de Santa Ireneia (agora em ruínas), estende-se,
5. «Vendavais» refere-se a todas as contrariedades e adversi na referida novela, por caminhos vizinhos, que Gonçalo não fre
dades que Afonso da Maia vem suportando ao longo da sua quenta habitualmente.
vida. Primeiro, o que sofreu com o pai, cujos ideais políticos L Na novela Torre de D. Ramires, a história é recuperada pelas
eram absolutistas e que o considerava um Jacobino. Segundo, personagens histórica e genealogicamente comprovadas.
o suportar da personalidade de sua mulher, conservadora e A ficção ganha forma pelos pormenores ora inventados por
sentimentalista, que o fez regressar de Inglaterra a PortugaL Duarte, ora inventados por Gonçalo, sobre como teriam decor
Terceiro, todo d desgostD com que Afonso acompanhou a vida rido os confrontos entre as hostes de Tructesindo e as de Lopo
e o suicídio do filho, Pedro. Quarto, d derradeiro desgosto ati de Baião, sobre a linguagem por eles usada e os motivos que
nente a uma relação incestuosa de Carlos com a irmã, sabendo os levaram a agir desta ou daquela forma, para citar apenas
Carlos da verdade. alguns exemplos. Trata-se, portanto, de um passado ancorado,
í. Depois de aparecer na vida de Carlos, na Universidade de mas reconstituído.
Coimbra, Ega passou a ser amigo pessoal de Carlos e do avô, 3. Gonçalo Mendes Ramires é uma personagem de grande densi
Afonso. Nessa condição é que é ele o primeiro a saber do in dade e complexidade. VemD-lo, muitas vezes, orgulhoso de si e
cesto Carlos^laria Eduarda, assim como é ele também parti animado, para o vermos medroso outras vezes ou ainda frus
cipante da vida pública do amigo. Neste adeus ao avô, a pre trado. Depois de ter passado anos a tentar entrar na política
sença amiga e cuidadora de Ega confirma d seu papel fraterno e subir socialmente. Gonçalo consegue-o e é eleito deputado
para com Carlos e Afonso. por Vila Clara. Na precisa noite da sua eleição, e refletindo do
I Ao contrário do pai, que se suicidara por um desgosto de amor, alto da sua Torre, o protagonista mostra-se frustrado e triste,
Carlos vai tendo as suas primeiras experiências, ao longo da pois, pensando muito bem sobre a política nacional apercebe-
vida académica. Apaixona-se pela Condessa de Gouvarinho. -se de que ele estaria muito melhor a governar a sua quinta e
com quem mantém uma relação adúltera. Ve Maria Eduarda a província, a partir não só da sua genealogia, mas, porventura,
e apaixona-se, imediatamente, perdidamente. Abandona a das Letras.
Gouvarinho e começa outro relacionamento. A sua paixão por 4. A ascensão política de Gonçalo começa na universidade, como
Maria Eduarda revela a loucura do desejo e erotismo, mas tam apoiante do partido dos regeneradores. Agora, lutando a todo
bém o sentimento de puro amor para a vida. Inesperada, a no o custo por conseguir ser deputado, desiste desse apoio e
tícia do incesto leva Carlos a fraquejar duas noites, pois sabia alia-se ao Partido dos Históricos, conservadores e não libe
já que Maria Eduarda era sua irmã, mas não resistiu ao desejo. rais. ao lado de Cavaleiro, de quem era inimigo. Note-se, por
Culminada a ignomínia, se se tratasse de Pedro, só o suicídio conseguinte, a variabilidade de militâncias, de acordo com jo
seria a solução. E Carlos ainda pensa nele. No entanto, cedo se gos de interessei Por Dutro lado, a sua reação, depois da elei
afasta dessa ideia ultrarromântica e envereda por outro cami ção, mostra essa mudança de atitude para com a política, pois
nho. Resigna-se e vai viajar, com a intenção de se «distrair» e o que antes era para ele sonho e objetivo cego revela-se agora
voltar renovado à sua vida normal. 0 seu regresso a Lisboa, é inútil e entediante. Isto é confirmado até porque Gonçalo, sen
um retorno à normalidade e, afinal, a um recomeço. do Ramires, sempre foi um líder, quando a nobreza ocupava um
lugar de destaque na sociedade; tal facto dava-lhe, per se, uma
FICHA 61 (p. 176) soberania sobre a província, como ele próprio sente, nessa
1 a) V; b) F - 0 romance divide-se em 2 ações: a principal que noite, na Torre.
envolve o protagonista, e a encaixada, que integra a novela, 5. Por exemplo: «Ah! que peca, desinteressante vida, em compa
c) F - Os Ramires vieram para Portugal antes da formação do ração de outras cheias e soberbas vidas, que tão magnífica
Condado Portucalense (sócuId X).; d) V; ej V; f) V; g) V; h) F - A mente palpitavam sobre o tremeluzir dessas mesmas estre
novela termina com a vingança de Tructesindo Ramires sobre las!» {linhas 13-14 - Cap. XI) - d narrador recupera as palavras
Lopo de Baião, com a morte deste nD charco povoado de san eventualmente proferidas pelo protagonista, mas sem marcas
guessugas que lhe chupam o sangue até ã mortes i) V; j) V; k) de discurso direto.
V-OV í. Hipérbole: «E você em três meses ressuscita um mundo» (linha
1, Cap. I). Sendo um exagero. Castanheiro consegue inflamar d
FICHA 62 (p. 177) lado escritor de Gonçalo, pois, em três meses, com uma novela
L A Jíustre Coso de Romrres divide-se em duas grandes ações: histórica, atualiza Portugal sobre a valentia dos seus antepas
a principal e a da novela. A principal envolve Gonçalo Mendes sados gloriosos.
Ramires. a sua vida, os seus objetivos e a sociedade em que 1 0 valor expressivo do advérbio «magnificamente» prende-se
se move. A ação da novela surge motivada por Castanheiro com d facto de este ser utilizado para criar, na avaliação de
(seu amigo), que lhe promete a respetiva publicação na sua Gonçalo. um grande contraste entre a vida entediante de um
revista lisboeta. Castanheiro relembra Gonçalo da história político e aquelas vidas de pessoas artísticas, eruditas, luta
de fidalguia dos seus antepassados, o que o estimula e o faz doras por uma determinada causa, muito mais «magníficas* e
pensar. Ora, é das suas reflexões que ele se lembra de um seu dignas de louvor.
tio Duarte ter escrito um «poemeto», que agora ele, Gonçalo,
pode imitar, vertendo-o em prosa. FICHA 63 (p. 179)
LI 0 narrador dá a ver a arte de escrever porque a escrita da no L A sociedade da aldeia, tal como a portuguesa em geral resu
vela por Gonçalo se torna um processo que envolve pesquisas, me-se a esta sequência apresentada pelo olhar de Gracinha:
seleção cuidadosa de linguagem, além da sempiterna pressão «Assim passados, e nada mudara no mundo, no seu curto
dos editores e das interrupções do quotidiano. mundo de entre os Cunhais e a Torre, e a vida rolara, e tão sem
L2 Tempo e espaço tomam-se complexos, na medida em que se história como rola um rio lento numa solidão» (linhas 7-9). Ds
trata de um enredo {em formato de romance histórico) dentro amigos de Gonçalo envelheciam, sempre os mesmos, sem efu
de um presente que relata a vida do protagonista da ação prin sões nem novidades e até a Torre envelhecia com os tempos.
cipal, Gonçalo Mendes Ramires. Por outras palavras, Gonçalo 1 Neste ambiente da aldeia, há figuras da nobreza (os Rami
vive no século XIX na sua Quinta de Santa Irene ia, ladeada pe res. destacando-se d «Titó», os Barrolo, os Mendonça, entre
las aldeias, vilas e cidade (Oliveira) circundantes. Tructesindo outros) e da política (João Gouveia e agora o Videirinha, por
Ramires vive no século XIII, no tempo de el-rei D. Afonso IL 0 exemplo) que se reúnem em jantares e serões (como no jantar
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no palacete de Barrolo e Gracinha). Ora, essas personagens e L Se o Ideal surge com as características apontadas na resposta
esses serões continuam a passar lentamente com o tempo, anterior, o Real opõe-se totalmente e integra «o mundo» sem
tranquilos, num costumado modo de vida inerte. «cor», com «sombras» e «matéria dura», «imperfeição», «for
1 0 tempo torna-se complexo, não só pelo contraste entre o da mas incompletas». Dito de outro modo, a realidade visível, e
ação principal (século XIX) e d da novela (século XIII], mas pelo contemplada pelo sujeito poético, é nada menos do que o con
que se vê manifestado nestes excertos. 0 elemento tempo junto dos pormenores também incompletos do mundo físico,
ral central é a ausência de Gonçalo, durante quatro anos, em tátil concreto, mundo esse que se afigura imperfeito e longe
África, que surtiu efeitos contrários em Gracinha, bem como de ser belo como a «Beleza», que é eterna.
nas personagens que ficaram, e, pelo contrário, em Gonçalo. 1 Este binómio não é um par de sinónimos. E sim um par de
Se para Gonçalo. com uma vida nova, até então desconhecida, opostos, por isso vemos o interior do sujeito poético como o
«Quatro anos passaram ligeiros e leves sobre a velha Torre, local onde Ideal e Real se enfrentam, uma espécie de «cam
como voos de ave», para Gracinha tudo fez parecer que «a vida po de batalha», o que leva o eu poético a angustiar-se, a re
rolara, e tão sem história como rola um rio lento numa soli signar-se estoicamente, quase a adoecer e a entristecer-se
dão». ou seja, nada de novo e entusiasmante aconteceu, ape para sempre. Eis um exemplo que o prova: «E, assentado
nas se vive um envelhecer manso. Estamos, portanto, perante entre as formas incompletas / Para sempre fiquei pálido e
um mesmo número de anos decorridos, mas sentidos psicoló
triste.»
gica e emotivamente de maneira diferente.
4 Literalmente, receber um batismo é tornar-se membro de um
FICHA 64 (p. 181) grupo que partilha de uma mesma crença ou cosmovtsão. Ora,
ser poeta significa ver mais além, ver mais do que os Dutros e
1. Podemos dividir este poema em três partes lógicas. A primei sofrer com isso, uma vez que se adensa o sentimento de impo
ra inclui a primeira quadra, pois tudo à volta do sujeito lírico
tência na busca de um Ideal de um mundo belo e perfeito, onde
está adormecido e a descansar pela noite dentro. A segunda não há problemas nem misérias.
parte, movida pela conjunção adversativa «Mas», instaura uma
5. A comparação é feita entre o testemunho da «Beleza» (aqui
oposição (segunda e terceira estrofes): o sujeito poético não
configurada como um exemplo de Ideal) do mundo e a visão
faz o mesmo que os Dutros. antes está desperto para d mundo
dele mesmo a partir «da serra / Mais alta que haja». Por esta
e para as suas «visões», que o agoniam e desesperam. A ter
ceira parte integra o último terceto, pois, assumindo-se uma razão, percebemos que o sujeito poético consegue vislumbrar
espécie de conclusão, o sujeito resigna-se estoicamente, já e avaliar o mundo a partir de cima, do alto, como um Ser Supe
«inconsciente» de tanta «fadiga». rior, qual poeta.
2.0 sujeito poético é um espírito sensível a tudo, por isso sente ACHA 66 (p. 185)
as misérias, desgraças e males do mundo, ao passo que o co
mum mortal segue d rumo dü passar do tempo, pois que, se é 1. Cesário Verde vai-nos apresentando a cidade, quer por meio
noite, dorme, não pensa nem sofre. de espaços, quer por meiD de personagens que trazem ao
leitor tipos sociais descritos e criticados. Assim, quanto
3. «Sinto em volta de mim (sentimento]» (v. 7) / «Recua o pensa
mento?» (v. 10). à cidade: «Nas nossas ruas», «o Tejo», «0 céu parece baixo
e de neblina», «0 gás extravasado enjoa-me, perturba», «E
4 «Mas a mim, cheia de atrações divinas, / Dá-me a noite rebate
os edifícios, com as chaminés», «os carros de aluguer». «As
ao pensamento / Sinto em volta de mim (...) / Os Destinos e as
edificações somente emadeiradas», «um couraçado inglês»,
Almas peregrinas!».
um «trem de praça». Quanto aos tipos sociais {criticados):
5. Por exemplo: «noite», «tropel nevoentD». «Insondável proble «os mestres carpinteiros», «os calafates», «dois dentistas»,
ma!», «Apavorado», «prostrado», «fadiga». «FitD inconscien «Um trôpegD arlequim», «os lojistas», «as obreiras», «as va
te». rinas», enfim, todo um conjunto de pessoas/populares que
fi. Por exemplo: «sonho», «paz», «esquecimento*, «atrações divi trabalham, muitas vezes, em condições duras, vivendo vidas
nas». «Destinos», «Almas», «sombras visionárias». pobres.
I Por exemplo: «Dorme a noite encostada nas colinas» ou ainda L Exemplo de deambulação (o caminhar do poeta pelas ruase ou
«Adormeceu o ventD», «Recua o pensamento?...». tros espaços da cidade): «Embrenho-me, a cismar, por boquei
S. Por exemplo: «Ecoa, ú mar. a tua voz antiga.», a relembrar o nor rões. por becos, / Du erro pelos cais a que se atracam botes.».
mal barulho calmo do mar, que acompanha o sono da noite e da 0 sujeito poético torna-se u m observador acidental casual do
natureza e agudiza o contraste entre tudo isso e a consciência que vai vendo e testemunhando. Por outro lado, as realidades
desperta do eu lírico. lembram-lhe memórias ou fazem-no imaginar quadros, como
1 Sendo um sonetD, o poema apresenta-se em duas quadras e se verifica em «Ocorrem-me em revista exposições, países: /
dois tercetos. 0 esquema rimáítico é obba abba ccd eed. o Madrid, Paris, Berlim, S. PetersburgD, o mundo!» ou «E evoco,
que faz com que a rima seja emparelhada e interpolada nas então, as crónicas navais:» ou ainda «E o fim da tarde inspira-
quadras e emparelhada e interpolada no conjunto dos dois ■me; e incomoda!»
tercetos. Os versos são. regra geral, decassilábicos. 4 «E evoco, então, as crónicas navais: / Mouros, baixéis, heróis,
14 0 título faz prever, na mente do leitor, um combate. Todo o tudo ressuscitado! / Luta Camões nD Sul salvando um livro,
poema o confirma, pois vai descrevendo esse combate entre a nado! / Singram soberbas naus que eu não verei jamais!».
adormecimento e consciência, entre sentimento e pensamen A partir da observação da realidade dos trabalhadores lis
to. entre a paz circundante e a tormenta interior. boetas, junto ao cais e ao Tejo, Cesário lembra-se de outros
como estes que povoaram a cidade, os barcos e d ultramar nos
FICHA 65 (p. 183) Descobrimentos. Ciam que «crónicas navais» remetem para
1. Neste soneto, o Ideal assume-se «Beleza que não morre», isto os relatos sobre as viagens dos portugueses por mar e, em es
é. tudo o que há de belo no mundo, mas sem as contingências pecífico, a epopeia de Luís de Camões. Os Lusíbdos. E curioso
e pormenores materiais. 0 Ideal é configurado também como que Cesário lembre também personagens dessa época, tais
«forma» e «ideia pura*. Por outras palavras. Ideal é tudo quan como «Mouros, baixéis, heróis* e «naus», que d poeta antevê,
to surge de encantador e intocável, visto não a partir de deta com algum pessimismo, como perdidos para sempre «que eu
lhes físicos, mas da «luz que jorre». Estamos, por conseguinte, não verei jamais?».
no plano do Inteligível (não do Sensível). 4a)3;b)l;c)2;d)5;e)4.
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3. A música tem um papel importantíssimo porque está associa vibrantemente, estando próximo do sujeito poético, que passa,
da à felicidade de uma trabalhadora do campo, bem como à como podemos verificar em «E é tão lento o teu soar / (...) / Por
Natureza circundante por Dnde o som melodioso desse cantar mais que me tanjas perto / Quando passo, sempre errante.»
«Ondula como um canto de ave». 3. A infância é vista como longínqua («Soas-me na alma distante»)
4. A relação entre «consciência» e «ciência» é de sinonímia. uma e, porventura, tempo de uma vivência muito feliz, dado que. ao
vez que cada uma delas remete para d uso do pensamento e da recordá-la. o sujeito poético sente a saudade mais próxima e
razão, considerados dolorosos para o poeta. penetrante («Sinto mais longe o passado. / Sinto a saudade
mais perto.»). 0 presente afigura-se, por consequência, tempo
5. Segundo este poema, percebemos que a «dor de pensar» em
Fernando Pessoa ortónimo tem a ver com o facto de o sujei menos feliz e mais doloroso para o sujeito poético - veja-se o
to poético não conseguir afastar o seu pensamento das suas que a saudade da infância (espelhada no som do sino) faz cres
sensações diárias. Assim, sempre que os seus cinco sentidos cer no seu interior: «Dolente», «Tão como triste da vida».
lhe oferecem o que lhe devia trazer felicidade (como acontece 4. As reações prendem-se com uma saudade imensa, aliada à tris
com esta «ceifeira»), imediatamente intervém o pensamento teza e â sensação de um passado feliz perdido para sempre.
que o leva a ser consciente e a sofrer. 5. «Dolente na tarde calma» - o adjetivo «dolente» (triste, ma
goado) está a caracterizar não um ser humano, mas o sino.
FICHA 72 (p. 198) Com este recurso o sujeitD poético consegue transformar o
1. Podemos dividir este poema em três grandes partes. Na pri DbjetD em pessoa e atribuir-lhe sentimentos que ele mesmo
meira (estrofe 1), o sujeito poético apresenta d seu sonho, tem ao ouvi-lo.
plasmado nessa «terra de suavidade»; na segunda (estrofe 2), 4 Depois de caracterizado o sino e o que ele representa, a última
dá continuidade à apresentação/descrição dessa terra sonha estrofe surge como o culminar desse caminho de gradação - já
da e reflete sobre a felicidade do ser humano; na terceira (es nãD se trata apenas de sentir forte vibração e tristeza, trata-
trofes 3-4)l continua o espaço de reflexão poética; e nos dois -se de algo mais poderoso: saudade.
últimos versos dá vida a uma constatação conclusiva sobre
7. Os últimos versos trazem um cruzamento de vocábulos e ideias
tudo d que foi objeto de reflexão.
que ajuda a compreender d distanciamento entre passado
2. Com base nas estrofes 1 e 2 a «terra de suavidade» é, porven e presente e que prova também que d sofrimento do sujeito
tura. uma «mistura de sonho e vida», é esquecida pelo ser hu poético é tal que ele verte nos versos uma certa confusão, re-
mano. por ser longínqua («ilha extrema do sul se olvida»). Por sultados da evidente dor nostálgica.
outro lado, sendo um lugar calmo e sereno, há apenas «palma
res inexistentes», «áleas longínquas», que são sonhados e não FICHA 74 (p. 202)
podem existir na realidade.
1. As reflexões de Bernardo Soares a partir daquilo que vai ob
3. 0 «sonho» é espaço fisicamente longínquo, mas de felicidade, servando. enquantD caminha pelas ruas de Lisboa.
por ausência de pensamento. Encontra-se espelhado «nessa
2. «A Rua do Arsenal, a Alfândega» (linhas 2-3), «cais quedos» {li
ilha extrema do sul». E também sinónimo de jovialidade e amor
nha 4), que vão surgindo à medida que o sujeito passa.
(«a vida é jovem e d amor sorri»), desde que sempre sentido
apenas, não intelectualizado. A «realidade» é aquela que sur 3. A hipálage serve para caracterizar o seu estado de espírito ple
ge a partir do momento em que d pensamento intervém, como no de tristeza, colocando d adjetivo «tristes» a qualificar não o
se pode ler em «Mas já sonhada se desvirtua, / Só de pensá-la seu interior, mas as «ruas». E quase como se as ruas e Bernar
cansou pensar». Assim, fazendo uso do pensamento, o sujeito do Soares fossem fragmentos de uma mesma entidade.
poético vê essa «terra» transformada em realidade, conotada 4. Soares afirma que há uma relação de semelhança entre si e
com maldade e frio («Sente-se o frio de haver luar / 0 mal não Cesário Verde relativamente â «substância» do que escreve.
cessa, não dura d bem»). Ora, isto quer dizer «conteúdo», «matéria», «assuntD» da es
4 Essa «terra de suavidade» diz respeito, porventura, a uma uto crita de cada um dos dois, «substância» essa que nasce a partir
pia, à felicidade e perfeição suprema de vida. PortantD, deixa da observação do real {«gozo de sentir-me coevo de Cesário
de ser apenas um lugar físico, transformando-se num estado Verde, e. tenho em mim, não outros versos como os dele, mas
de alma constantemente perfeito e feliz. A seleção do nome a substância igual à dos versos que foram dele.», I in has 6-8).
«crentes» confirma esta ideia porque traz ao poema todo o ser 5. Esta frase revela como Bernardo Soares se considera alheio a
humano que acredita e que sonha, afinal, com uma realidade tudo e inconsciente, durante o dia, isto é, «nulo». Tal contrasta
melhor. com o despertar da sua consciência quando chega o entar-
5. A última estrofe assume-se como uma reflexão final ou conclu decer/anoitecer - «de noite sou eu». Este «eu» implica a sua
são, visto que o poeta acaba por compreender que essa terra totalidade, que inclui os cinco sentidos e o pensamento.
sonhada, apesar de conter vida e amor, não é panaceia (remé fi. Tal como acontece com «as ruas para o lado da Alfândega»
dio universal de todos os males) porque é em cada ser humano (linha 11), também Soares é invadido pela mesma tristeza
que tudo existe, o ideal e o real e sotumidade (característica de ser sombrio). Até d desti
4 «E em nós que é tudo.» é uma afirmação de que o sujeitD poéti no de ambos é igual, ou seja, um fim «abstrato» envolto em
co se serve para explicar que o ser humano contém metafori «mistério». A única diferença é o facto de Soares «ser alma»
camente tudo dentro de si, ou seja, tanto possui a capacidade e «elas serem ruas».
de sonhar, a constante luta por viver feliz e pleno, como tam I EnquantD circula pela cidade. Soares passa da realidade ao
bém a capacidade de reconhecer as verdadíes/os factos que sonho, sendo que «ds [meus] próprios sonhos» não substituem
dão vida e forma á realidade, ao quotidiano. essa realidade, antes se tomam externos ao sujeitD e confi
guram o real de modo imaginário, sempre servindo-se de ele
FICHA 73 (p. 199) mentos urbanos/citadinos, como é o caso do «elétrico», «a vdz
L A música vem não do canto de alguém, mas das badaladas do do apregDador noturno», «a toada árabe» (som/sonoridade) e
sino de uma igreja de aldeia. Essa sonoridade não é prova de «um repuxo súbito» (de água numa fonte da cidade).
inconsciência, mas antes meio através do qual se vão aproxi I. 0 observador acidental é aquele que circula pela cidade e vai
mando do sujeito poético as lembranças da sua infância. registando fotograficamente (pouco a pouco e com rigor) o
2.0 «sino» é-nos dado a ver como triste e contínuo, espalhando- cenário (como um todo ou apenas as suas partes específicas).
-se pela «tarde calma». As suas badaladas são lentas e retinem IstD é o que acontece nestas linhas, donde sobressaem «casais
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futuros», «costureiras», «rapazes», «reformados», «donos das humano com a mesma característica - a inutilidade da sua
lajas», «recrutas», «gente normal», «automóveis». existência física.
9. Como quaisquer outros humanos, os «recrutas» são alvo da 3. Por exemplo. «Vou num carro elétrico, e estou reparando
observação de Soares. Todavia, neste caso, o sujeito vai mais lentamente, conforme é meu costume, em todos os
além porque não os descreve só. caracteriza-os como «Lentos, pormenores das pessoas que vão adiante de mim. Para mim os
fortes e fracos», juntos como em «molhos mais que ruidosos» pormenores são coisas, vozes, frases.» (linhas 7-9).
que «sonambulizam*. E desta forma verbal que surge a criti 4. Desta vez, a pessoa é uma «rapariga que vai em minha frente».
ca, pois se são recrutas (soldados e jovens) deviam estar no 5. E a partir da «rapariga» e do seu «vestido» que Bernardo Soa
ativo a lutar pela Pátria du a fazer qualquer outra coisa útil à res começa a imaginar tudo o que esteve (ou que ele imagina
sociedade. Porém, sonolentos veem languidamente o tempo que esteve) por detrás da criação desse vestido que ela usa.
a passar. Daqui se depreende a critica à sociedade jovem que Assim, surgem «secções das fábricas, as máquinas, os operá
nada faz pelo avançar de Portugal. rios, as costureiras, meus olhos virados para dentro penetram
11 0 último parágrafo oferece ao leitor a descrição de «tudo nos escritórios, vejo os gerentes procurar estar sossegados,
isso», ou seja, do que Soares vem observando até então, não sigo, nos livros, a contabilidade de tudo; mas não é só isto: vejo,
como um todo homogéneo, mas como um conjunto de frag para além, as vidas domésticas dos que vivem a sua vida social
mentos vários («pedras, ecos de vozes incógnitas») que não se nessas fábricas e nesses escritórios...»(linhas 16-20).
fundem, mas se mantêm individualizados numa «salada coleti í. Bernardo Soares está tonto e cansado não só porque obser
va da vida». Ora, tal como esses pedaços vêm à sua presença, vou a realidade, mas também porque a partir dela imaginou/
assim também emergem na sua escrita e na sua vida, transfor- sonhou uma outra («levam-me a regiões distantes»), originan
mandD-a numa coletânea de todüs eles. do a dicotomia realidade/sonho.
I A primeira frase do texto cria uma espécie de mote, um tema
FICHA 75 (p. 204) que se verbaliza numa constatação «Tudo é absurdo.» Assim,
1. Neste fragmento, Bernardo Soares parte da observação do Bernardo Soares prepara o leitor para um texto reflexivo, ju-
real para as sensações que este lhe traz. Seguindo-se refle dicativo e abstrato. Pelo meio, as frases sucedem-se e com
xões sobre os transeuntes e. depois, sobre a consciência/in- elas a explicação e concretização desse «Tudo» e da sua ilo-
consciência da humanidade. gicidade. Ao desabafar, de novo com uma constatação, «Vivi a
L A primeira frase do fragmento é uma constatação de Soares vida inteira.». Soares faz uma síntese do que é «a vida inteira»
acerca de si mesmo, afirmando que a sua «virtude», ou quali (a sua e a dos transeuntes que observa) e da sua sensação em
dade inegável, é a liberdade de sentir e falar ou escrever sobre relação a esse «Tudo» e a essa «vida»: está tonto, «exausto»,
d que sente, sendo a sensação sempre nova. «sonâmbulo» e com o sentido de plenitude total revelada nD
1 Por exemplo: «Descendo hoje a Rua do Almada, reparei de adjetivo «inteira».
repente nas costas do homem que a descia adiante de mim.» I. A frase é uma evidência de que este observador acidental
(linhas 3-4). não só observa, mas dá sentido e corporeidade (existência
física) ao observado, por vezes, transfigurando-o, transfor
4. Por exemplo: «banal quotidiano do chefe de família que vai
para o trabalho, pelo ar humilde e alegre dele, pelas pequenas mando os «pormenores* que vê em fragmentos independen
alegrias e tristezas de que forçosamente se compõe a sua tes e imaginários.
vida, pela inocência de viver sem analisar.» (linhas 9-12). J. Por exemplo: «secções das fábricas», «máquinas», «operá
5. «tudo isto é uma mesma inconsciência diversificada por caras rios», «costureiras».«escritórios», «gerentes* e todos aqueles
que «vivem a sua vida social nessas fábricas e nesses escritó
e corpos que se distinguem, como fantoches movidos pelas
cordas que vão dar aos mesmos dedos da mão de quem é in rios...» (linhas 16-20).
visível.» - Soares transforma o que acabou de ver e descrever ML Bernardo Soares vê a vida e a sociedade como um todo, o que
(seres humanos por quem passa) naquilo que ele ve em profun só é possível se ele estiver num patamar superior, mais sabe
didade. dor, portanto. 0 uso da forma verbal «jaz» implica que vida e
sociedade estejam debaixo dos seus olhos, mas votadas a uma
í. A justificação surge nas frases imediatamente a seguir, nas
horizontalidade negativa, a uma quietude, inércia e apatia,
quais Soares afirma não haver ningyém na sociedade que
pois está metaforicamente deitada, quase morta.
saiba «o que faz», «o que quer», «o que sabe». Dito de outra
forma, trata-se de uma aberta caracterização da sociedade FICHA 77 (p. 208)
como desnorteada, sem objetivos definidos e sem consciência
do seu lugar na própria vida e no mundo. Tudo isto culmina na 1 a) V; b) F - 0 seu único objetivo era ser «sonhador»/*caixei
sequência «vida social dormente». ro-viajante*. c) F - As suas maiores dores sâo sonhadas.;
d) F - «Pertenci sempre ao que não está onde estou e aD
7. Bernardo Soares divide a existência em três realidades: a
que nunca pude ser.» integra um paradoxo.; e) F - Bernardo
primeira é a visível inconscientemente, «uma realidade»; a
Soares amava as suas «paisagens interiores» e a suas «pai
segunda é a intermédia, «intervalo»; e a terceira é a «outra
sagens sonhadas».; f) V: g) V; h) F - Dentro de si, há todo um
realidade», do Absoluto/Eternidade/Plenitude.
Portugal, preenchido de «aldeias», «vilas», «cidade», o seu
I. Bernardo Soares caracteriza-se como uma mãe que, pela noite «quarto».; i) F - A nostalgia da infância é menos dolorosa do
(quando está desperto e consciente), vê os seus filhos e se en
que a nostalgia daquilo que nunca aconteceu na realidade.;
ternece, olhando a sua inconsciência, o seu nada-saber. j) V;k> F - Nd dia em que escreve este fragmento é - domin
go».; I) F - Bernardo Soares escreve para obedecer impre
FICHA 76 (p. 206) terivelmente à «alma», mas gostava de se exprimir não pela
L O assunto deste fragmento corresponde às reflexões que palavra, mas pela Música.
Bernardo Soares faz sobre a sociedade e a vida, a partir do
que ele vai observando ao longo da sua deambulação pela FICHA 78 (p. 209)
cidade. 1 a) V; b) F - Bernardo Soares recorda-os porque os relê «pas-
L Soares distipgue estes três referentes: «Este» (linha 1). sivamente*. c) F - Alberto Caeiro vê o mundo a partir da sua
«Aquele» (linha 3) e «Esse outro» (linha 4). individualizando-os. «aldeia »e, por isso, a «aldeia* é mais bela do que a «cidade».;
por um lado. e. por Dutro, tornando-os membros de um todo d) F - A frase que mais se adensa na sua memória é «Sou dü
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«Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as / Nd colo, e que o soas. «tudo era por minha causa» (veja-se a seleção do prono
seu perfume suavize o momento». me indefinido «tudo» como ponto alto dessa gradação).
7. 0 rio simboliza a passagem do tempo de vida de qualquer ser
humano, ou seja, tem o seu curso e não retrocede, não se repe FICHA 84 (p. 222)
te nunca. Desta certeza é que resultam o carpe diem e o estoi L Por exemplo: «lâmpadas elétricas», «rodas», «engrenagens»,
cismo. 0 mar é o culminar dessa passagem em direção ao seu «maquinismos», «ruídos modernos», «máquinas», «ferro»,
fim {«Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado»). «motor», «automóvel último-modelo», «óleos, calo
4 Consiste na apresentação de todos os sentimentos exagerados res. carvões», «coisas todas modernas», «tramways» e
típicos do ser humano, os quais o sujeito poético aconselha Lí «metropolitanos*. Note-se que todas estas palavras remetem
dia a abandonar. Ora. abandonados tais sentimentos, a vivência para o que era novo, moderno, atual e recente no tempo de
da humanidade será forçosamente muito mais tranquila. escrita deste poema (1914).
1 Não sendü total mente platónico, o amor não deve ser vivido 2. A definição de «matéria épica» prende-se com assuntos ele
com prazeres carnais exagerados; pelo contrário, deve ser vados ou eruditos e de natureza e importância universais. Ao
tornado numa comunhão de gestos e atitudes de tranquili louvar todos os avanços da Indústria, da Ciência e da Tecno
dade e paz. logia. o sujeito poético está a suplantar o que é novo e atinge
Hl 0 verso tem uma referência óbvia á Antiguidade C lássica que com suas vantagens e desvantagens todo o mundo. Vejamos
inspira a poesia de Reis - «pagãos». Por outro lado, «inocentes exemplos em «Ode triunfal»: «Para a beleza disto totalmente
da decadência» remete para os seres humanos que ignoram o desconhecida dos antigos!» (v. 4. do qual sobressai o louvor
momento, mas sabem da sua condição mortal, isto é, sabem do moderno), «grandes lâmpadas elétricas da fábrica» (v. 1.
que vão morrer. sendo a eletricidade e a fábrica símbolos de progresso para
todo o mundo do novo século XX), «cantq, e cantD d presente, e
FICHA 83 (p. 220) também d passado e o futuro» (v. 17), «0 coisas todas moder
L 0 binómio passado/presente torna-se daro pela leitura dos nas, / 0 minhas contemporâneas, forma atual e próxima / Dd
versos «No tempo em que festejavam o dia dos meus anos» e sistema imediato do Universo?» (w. 30 a 32. donde concluímos
«0 que fui - ai, meu Deus!. d que só hoje sei que fui...». Deste que existe a universalidade típica de uma epopeia) e, f inalmen-
modo, percebemos que d sujeito separa conscientemente os te, «Nova Revelação Metálica e dinâmica de Deus» (v. 33).
dois tempos e isso reflete-se na seleção do pretérito imper 3. «Ode triunfal» dá-nos a ver todo d arrebatamento do sujeitD
feito do indicativo {«festejavam») por oposição ao advérbio de poético, espelhado nos sentimentos e cosmovisões que sur
valor temporal («hoje»). gem à superfície textual. 0s versos «Forte espasmo retido
2. 0 passado é-nos apresentado com detalhes sobre espaços dos maquinismos em fúria!» (v. 6), «E arde-me a cabeça de vos
preenchidos de pessoas, objetos e sentimentos de alegria, querer cantar com um excesso / De expressão de tüdas as mi
como podemos verificar em «casa antiga», «alegria de todos», nhas sensações, / Com um excesso contemporâneo de vós, ó
«serões de meia-província», «A mesa posta com mais lugares, maquinas!» {w. 12 a 14), «Desta flora estupenda, negra, arti
com melhores desenhos na louça, com mais copos, / 0 apara ficial e insaciável! / Amo-vos a todos, a tudo, como uma fera!»
dor com muitas coisas - doces, frutas, d restD na sombra de (w. 25-26) e «Ah não ser eu toda a gente e toda a parte» (v. 41).
baixo do alçado - / As tias velhas, os primos diferentes*. Tudo Revelam uns campos que, maravilhado com os avanços civílr-
isto descreve um passado feliz. zacionats, o sujeito louva excessívamente, quer em particular,
1 Nesse passado, o sujeitD poético era feliz. Por um lado, não tinha quer em geral. A própria pontuação (sobretudo o ponto de ex
consciência da realidade crua {«Eu tinha a grande saúde de não clamação) reforça esse arrebatamento.
perceber coisa nenhuma»), nãD sendo expectante (num sentido 4. Na poesia de Álvaro de Campos, o eu lírico sente tão hiper-
racional ou de uso da razão) - «E de não ter as esperanças que bolicamente toda a modernidade ao ponto de a sentir como
os outros tinham por mim». Por outro lado, sentia-se sempre parte do seu corpo, o que o faz ter dor de cabeça, febre e um
acarinhado e amado por todos aqueles que povoavam a sua sentimento de insaciedíade constante. «Tenho febre e escrevo.
vida («0 que fui de amarem-me e eu ser menino»). Em suma, a / Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto» (w.
sua felicidade provinha da inocência e do amor dos seus. 2-3), «Em fúria fora e dentro de mim, / Por todos os meus
4. «Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo? / Desejo nervos dissecados fora. / Por todas as papilas fora de tudo
físico da alma de se encontrar ali outra vez, / Por uma viagem com que eu sinto?» {w. 7-9), «E arde-me a cabeça de vos querer
metafísica e carnal». cantar com um excesso» {v. 12), «Ah, poder exprimir-me todo
5. A consciência está diretamente relacionada com a idade adulta, como um motor se exprime! / Ser completo como uma máqui
o tempo presente, d «hoje». Significa, por isso mesmo, a sepa na!» (w. 19-20) e «Poder ao menos penetrar-me fisicamente
ração definitiva da inocência de criança. A mesma consciência de tudo isto, / Rasgar-me todo, abrir-me completamente» (w.
22-23). Em síntese, em Álvaro de Campos, o sujeito lírico não
leva o sujeitD poético, adulto, a ser um sofredor: o sofrimento
provém da saudade (daqueles que já morreram), da solidão só se deixa repassar por toda a máquina, como também deseja
atual e do testemunho de todo um mundo que lhe é nocivo. CDntinuamente ser como ela.
í. Os versos confirmam o contraste entre d sujeito do passado e 5. A apóstrofe em «0 rodas, ó engrenagens» {v. 5) plasma d
d sujeitD do presente. 0 conceito de «ter esperanças» pode ser poema do seu caráter arrebatado e épico. A apóstrofe em «ó
entendido como «ter expectativas», «esperar o melhor da vida», coisas grandes, banais, úteis e inúteis» (v. 29) está ao serviço
«ter ilusões». Ora, Campos não as tinha em criança porque era da mistura de todas as vantagens e desvantagens da moderni
inocente e vivia simplesmente feliz. Pelo contrário, a idade adul dade e da industrialização.
ta trouxe-lhe a consciência da vida e do mundo e isto só o deses (. 0s casos de «Hilla! hilla! hilla-hõ» (v. 36) e «Z-z-z-z-z-z-z-z-z-
pera, ou seja, só lhe retira «esperanças» boas para um presente -z-z-z!» (v. 40) são exemplos de onomatopéias que lembram
e um futuro que lhe deem sentido, plenitude e felicidade. movimentos e sons de «maquinismos».
7. «Nd tempo em que festejavam d dia düs meus anos» (presenti- I 0 título contém duas palavras que resumem todo o poema: tra-
f içando esse passado feliz). ta-se de louvor e exaltação («Ode») de tudo o que é Moderno e
1 Gradação construída primeiramente pela enumeração de triunfante sobre o passado {«triunfal»). «Triunfal» pode ainda
«muitas coisas», depois pela listagem de pessoas da família, remeter para a vitória da máquina sobre o sujeito poético, que
culminando num resumo que inclui todas essas coisas e pes a sente excessívamente.
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FICHA 85 (p. 227) teceu. Os descobridores foram «de ilha em continente» / «até
aD fim do mundo»/ «E viu-se a terra inteira, de repente/ 5urgir,
L a) Este poema integra a Primeira Parte de Mensagem, deno
redonda, do azul profundo». Conseguimos visualizar tudo isto,
minada «Brasão». Nela, Pessoa socorre-se da apresentação
pois, sendo a terra redonda, foi-se revelando aos portugueses
de Portugal desde os seus primórdios {lendários e históricos),
graças aD seu esforço de concretizar esse sonho, e revela-se,
portanto, a menção de D. Afonso Henriques é óbvia por se tra
pouco a pouco, de verso em verso, também ao leitor.
tar do primeiro rei do nosso país.
bj Ao referir-se ao período da formação e independência de 4.0 sujeito poético está a referir-se a «Deus», â Divina Providên
Portugal, d sujeito poético está a desenhar a natureza épica do cia, ao Criador, e fá-lo por testemunho da fé que é indissociá
poema. q ue versará sobre um povo cuja existência afetará todo vel dos Descobrimentos portugueses e. portanto, do próprio
o mundo. 0 lirismo sobressai da verbalização de sentimentos, Infante, ele mesmo divinaL
neste caso, do pedido de força e inspiração para sempre. 5. Conduem o conteúdo do poema e chamam à atenção para o
c) No seguimento da resposta anterior, lendo a referência ao futuro. Por outras palavras, acabada a empresa de descobrir
primeiro rei de Portugal e o pedido de ajuda que lhe é feito e evangelizar d mundo, criou-se um «Império», que foi desa
(para que o Portugal do século XX imite a força e as glórias parecendo paulatinamente. Ad afirmar que «falta cumprir-se
Jd Conquistador), o sujeito poético dá um exemplo claro da Portugal*. Pessoa aponta já para um futuro igualmente glorio
exaltação da nossa Pátria, como aquela capaz de grandes so, não só física e geograficamente, mas de uma outra forma,
conquistas ainda hoje. porventura, espiritual, intelectual científica. Através do verbo
d) 0 herói de Mensagem é simbolicamente Portugal, que sem «faltar», consegue-se ainda consubstanciar uma espécie de
pre foi grande desde a Idade Média (sua formação e indepen apelü aos seus contemporâneos para que tornem Portugal su
dência), passando pelos Descobrimentos e até á Modernida blime outra vez.
de. Neste sentido, a exaltação patriótica surge à superfície ( Metáfora, que torna mais visual o caminho gradual pelo mar
Jd texto de duas maneiras: primeiro, pela invocação de quem fora, como se o Infante, ele mesmo, fosse avançando por cima
a formou, «Pai», e, segundo, pelo pedido de força para o Por da espuma das ondas até ao Infinito.
tugal contemporâneo. Dito de outra forma, se Afonso Henri
Z Enumeração (com dois elementos), mas também como uma
ques é considíerado «Pai» (a quem devemos a independência),
metáfora, pois «cumprir» aponta para uma regra, uma lei, uma
recorrendo a ele, d eu lírico está a lembrar a grandeza da nossa
missão e não, literaknente, para «Mar» ou «Portugal». Por
pátria, personalizada na figura do seu primeiro rei. Ora, como
meio de uma interpretação metafórica, facilmente chegamos
que rezando ao Pai pela pátria do século XX, então pressupõe-
à ideia de que a missão descobridora e evangelizadora chegou
-se que esta é também exaltada, pois é capaz de continuar as
ao seu termo com o final das Descobertas.
conquistas, mesmo sendo de diferentes naturezas.
1. A apóstrofe em «Senhor» confirma a presença do divino cris
2. Os «Novos infiéis» podem ser, tal como os de outrora, inimi
tão no poema, pois com ele se começou («Deus quer»). Portan
gos de Portugal que o tentem subjugar, tirando-lhe a indepen
to, se tudo começou com a vontade de Deus, ele é chamado
dência, ou. porventura, membros de religiões diferentes, alvo
de eventual evangelização. Porém, considerando a dimensão também no final do poema, a quem o sujeito lírico faz uma es
pécie de queixa e apelo para que «Deus» volte a querer.
simbólica de Mensagem, «infiéis» podem ser apenas símbolo
de «concorrentes» intelectuais e industriais {por exemplo) e a 5. Neste poema, a figura tomada simbolicamente como herói é o
«espada» nada mais do que o intelecto por meio do qual pode Infante D. Henrique, resultante da conquista da independên
mos ser grandiosos como no passado. cia, da glória ultramarina Exaltando-se o Infante, exalta-se o
3. a) A apóstrofe em «Pai» inicia d poema e presentifica imedia
herói coletivo - Portugal - e a própria Pátria. A partir deste
tamente uma figura e um tempo de glória patriótica. ponto é evidente d assunto épico (Descobertas á escala mun
b) Na sequência «Hoje a vigília é nossa», «vigília» é um concei dial, encetadas pelos portugueses), aliado a um lirismo como
to tomado metaforicamente, pois se estamos a vigiar alguma verbalização de sentimentos do poeta, ele mesmo contador da
coisa (como os guerreiros/sentinelas medievais), trata-se do História, mas orante a Deus para que d Futura seja igualmente
Conhecimento, da Inteligência e do Futuro da Pátria. Em últi imperial e grande.
ma instância, a «vigília» pode ser a hta/o cuidado em manter
ACHA 87 (p. 230)
mos os nossas territórios ultramarinos, dado que as guerras
coloniais tiveram lugar ao longo do século XX. L 0 sujeito poético refere-se a todos aqueles que se encontram
inertes e passivos, sem sonhos nem objetivos, mergulhados
FICHA 86 (p. 228) em vidas fúteis, esperando o passar dos anos até à sua pró
1. Existe gradação na medida em que há uma sequência que vai pria morte. Isto é confirmado pela seleção de vocábulos, como
de um objetivo até à sua concretização. Assim «Deus quer» «Triste», «sonho», «lar», «asa», «rubra a brasa», «lareira». Pas
remete para uma intenção divina de por talentos portugueses sa-se da simples referência ao comentário crítico, pois que
em prática; «o homem sonha» leva-nos a pensar nos desco esse ser que assim vive é por ele considerado «Triste* por não
bridores que o Infante D. Henrique escolheu e organizou para viver a vida com sentido de futuro e progresso - «Vive porque
a empresa de descobrir um percurso até á índia por mar; «a a vida dura. / Nada na alma lhe diz / Mais que a lição da raiz - /
obra nasce» é o culminar dessa gradação, pois, de facto, os Ter por vida a sepultura.»
portugueses conseguiram descobrir caminhos marítimos para 2. Os «quatro» impérios sãü exemplo da passagem do tempo,
Oriente e depois para Ocidente. E is a glória do passado. não na vida de um ser humano, mas na vida da própria
2. «Sagrou-te» inclui um pronome que presentifica d próprio Humanidade. Foram grandes, sim, os povos e a cultura da
Infante D. Henrique. A utilização de um verbo de natureza Antiguidade Clássica e da Europa com os seus descobrido
bíblica (a sagração/bênção) vai ao encontro não só da fé por res. evangelizadores cristãos e pensadores. Todavia, são
tuguesa expandida pelo ultramar, mas também da exaltação agora parte do passado, como que «mortos». Daí que. relem
dos feitos portugueses como sagrados, diríamos até divinos brados esses «quatro», fica a ideia da necessidade de um
ou sobrenaturais. «quintD». Desenha-se, assim, a intenção de avançar para um
3. A conjuição coordenativa «E» prepara o leitor para um acrés futuro igualmente imperial e glorioso.
cimo de informação. A «obra» está feita: caminhos, lugares e 3.0 Sebastianismo está presente adois níveis: primeiro, na refe
povos descobertos, conquistados e evangelizados. Então, na rência óbvia aoreique lhe deunome, D.Sebastião; segundo, na
segunda estrofe, informa-se especificamente cditio tudo acon quilo que ele simboliza de exemplar e imitável. Deste segundo
425
PIEMUII EUHE NACIINAL
nível, resulta a simbologia do herói e a exaltação da Pátria. Se espelho da sociedade, dado que representam o povo ignoran
D. Sebastião foi corajoso e intemerato na luta contra os ini te e trabalhador, que obedece sem nada questionar («dobra
migos em Alcácer Quibir (1578), ele simboliza um povo de das», submissas). Não convivendo, nem tendo comunicação
portugueses tão corajosos e heroicos quanto ele. Vimos já com o resto de Portugal e do Mundo, acabam por viver vidas
outros exemplos, D. Afonso Henriques e d Infante D. Hen solitárias, infelizes e metaforicamente pequeninas.
rique. D. Sebastião segue-se-lhes cronologicamente. Ora. 5. Esta passagem marca uma viragem dos acontecimentos, re
acreditando no regresso de el-rei D. Sebastião, estamos a metendo para o tempo e o espaço físico e psicológico que
acreditar na independência do nosso país (que foi perdida sucede a um episódio inesperado: Batola compra a dois ven
porque ele morreu) e na nossa coragem e talento para dar dedores ambulantes uma «telefonia» (rádio), a partir da qual
continuidade à glória, ^gDra com outras obreiros, por exem toda a aldeia será transformada: ficarão a par do que se passa
plo, cientistas, pensadores, intelectuais. no mundo e divertir-se-ão ao som da música.
4. Confirma todo o sentido do poema, pois o descontentamen í. Com a telefonia aumenta d convívio entre as pessoas, apro-
to remete para uma necessidade interior de ir mais além, so ximando as umas das outras e do resto do mundo. Se consi
nhar, tentando concretizar esse sonho. «Ser descontente» é derarmos a especificidade deste parágrafo, percebemos que
inato ao ser humano racional, uma vez que a razão estimula os idosos se divertem, os jovens se enamoram e cortejam, a
a açãü e o sentido da vida. Por consequência, d referido des venda tem movimento, as conversas aproximam e divertem e,
contentamento assume-se característica intrínseca à huma aquando do noticiário, a telefonia congrega todos em sua vol
nidade e não apenas um sentimento pontual e passageiro, ta, informando-Ds.
daí a utilização do verbo «ser» e não do verbo «estar».
I a) personificação, porque a nudez se aplica aos humanos, sen
5. A interrogação retórica é um meio de colocar os leitores a do aqui uma forma de caracterizar as casas e as pessoas que
pensar em quem sucederá aos antepassados gloriosos em nelas vivem b) personificação e metáfora do «silêncio», vistD
geral e a um rei jovem que deu a própria vida na luta pelo que este referente abstrato não pode tomar atitudes concre
reino que governava. A metáfora confirma-o porque «viver tas e o mesmo «silêncio» não se espreguiça («estiraçado»)
a verdade» (e não viver literalmente a vida ou um seu mo nem «dorme», como ds seres vivos. A expressividade é a de in
mento qualquer] leva â ideia de dar continuidade a sonhos, tensificar a relação entre a paisagem e as gentes que a pince
objetivos grandiosos de um país com excelentes exemplos lam c) metáfora e personificação (pois o já referido «silêncio»
de figuras históricas que já o fizeram. Foi essa «verdade» por não pode ser triste), hipálage («tristeza» está a caracterizar
que morreu d jovem Sebastião. o «silêncio», mas é característica de quem o sente, ou seja, d
L 0 «Quinto Império» é aquele que se seguirá aos citados «qua Batola e todos os restantes habitantes) e uma hipérbole, que
tro» e, sendo colocado na Terceira Parte da obra, clarifica a exagera d «entardecer». Estes recursos expressivos estão aD
ideia de ser um Império ainda «encoberto» pelo não-saber serviço da sensação de solidão e passagem do tempo, d) para
como se desenhará o futuro. Posto isto, se já nada mais há a doxo em tomo do «suspiro» (se foi «estrangulado» não pode
descobrir geograficamente, esse «ImpériD» não será físico, soltar-se), que revela uma atitude desesperada de Batola; a
antes intelectual, espiritual, científico, de uma natureza di gradação inerente ao soltar desse «suspiro», que primeiro sai
ferente, portanto. Por consequência, se os outros impérios e depois se alonga até se assemelhar a um «uivo de animal»; e
foram grandiosos e tiveram também o cunho dos portugue a comparação entre o suspirar e o som de um animal perdido
ses, são os mesmos portugueses, agora contemporâneos de na vasta planície. Estes recursos espelham o sofrimento ani
Fernando Pessoa, os chamados a tomar Portugal superior e malesco de um homem e de um Povo presos à sua ruralidade e
supremo, porventura, por meio da sua inteligência, espiritua ignorância submissa.
lidade e demais qualidades intelectuais e artísticas.
7. 0 poema é constituído por cinco estrofes, todas elas com 5 FICHA 89 (p. 238)
versos (quintilhas), que por sua vez são redondilhas maiores. L George sentia, desde a juventude, uma necessidade de se co
du seja, apresentam 7 sílabas métricas. nhecer a si mesma e de viver por meiD de viagens (errância),
de uma vida preenchida de novidade e de liberdade. Por isso
FICHA 88 (p. 234) mesmo saiu de casa, deixando a família e a quietude do lar,
1. Batola é um homem entediado e aborrecido por não ter nada para emigrar e concretizar os seus objetivos. Pelo contrário, a
para fazer nem sequer paisagens diferentes para contemplar. família não entendia nada do que se passava dentro da mente
Assim, esse tédio vai dando lugar a uma solidão imensa e a um e do espírito de George. ao pontD de todos pensarem no mun
sofrimento gritante semelhante ao de quem está preso, como do como repleto de lugares «onde (. ..) as mulheres se perdem»
se verifica em «E d Batola, por mais que não queira, tem de (linha 2K
olhar todos os dias o mesmo» (linha 1); «Está preso e apagado 21 As metamorfoses desta figura feminina manifestam-se nas
nD silêncio que d cerca. (...) Um suspiro estrarçgulado sai-lhe mudanças da cor de cabelo, na alternância entre «amores» (na
das entranhas» (linhas 14-15). morados, marido, outros namorados) e de espaços por onde
L Batola é um espelho da Natureza que o rodeia, pois um e outro vai circulando e vivendo. Repare-se que todas estas mudanças
estão remetidos à solidão inevitável e a um silêncio avassala mostram uma mulher sempre diferente, sempre transforma
dor, como se pode ver em «a solidão dos campos. E o silêncio.» da, sempre nova Assim, George assemelha-se a uma lagarta
(linha 4). original que se vai tornando borboleta de várias cores a voar
1 Batola vê-as passar de longe e sente tristeza e pena por não livremente pelos espaços que quer.
conviver mais com elas, pois assim a vida de todos seria mais 2.2 A concentração do tempo e do espaço desta narrativa é clara
suportável e feliz, além de com estas pessoas poder fazer porque as respetivas informações surgem resumidas, fazendo
mais negócio na sua venda. Contudo, a tristeza e a solidão so avançar a ação rapidamente. Isto acontece no primeiro pará
brepõem-se ao interesse económico. grafo, que. sozinho, descreve toda a vida adulta de George,
4. Estas «figurinhas» correspondem aos camponeses que re desde que esta saiu de casa até ao momento presente (cerca
gressam maquinalmente da sua ceifa, para onde hão de voltar de 20 anos).
e donde hão de regressar no dia seguinte e para sempre. Elas 2.3 As interrogações retóricas surtem o efeito de acompanhar a
são uma parte deste cenário que Batola vê, daí a seleção do natureza complexa e as metamorfoses desta personalidade
vocábulo «figurinhas» (como que parte de um quadro). Por ou feminina, CDntinuamente inconstante, insatisfeita e com von
tro lado, estes camponeses (referidos com o diminutivo) são o tade de mudar.
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NITOCtâ 12? AM
JJNd terceiro parágrafo do texto. George adulta (realidade Z A peripécia final é o acidente que leva Paco ao hospital, ferido
atual) lembra a mãe (memória] e imagina a possível opinião durante um roubo ocasionaL 0 seu impacto é imediato: o rival
desta relativamente aos sítios onde a filha foi morando (ima Dr. Paulo, deixa o consultório e vai pedalar para o semáforo,
ginação). substituindo Paco até que ele regresse, ultrapassando, desta
12 0 discurso direto está ao serviço do diálogo anteriormente forma, a desavença existente entre estas duas famílias.
referido, uma vez que é por meiD dele que percebemos a su
posta opinião dessa personagem do passado da protagonista.
FICHA 91 (p. 249)
4 Segundo George, uma casa e seus objetos («bibelots». «uma 1. Este poema trata da caracterização que o sujeito poético faz
jarra» «livros») - realidade - trazem inevitavelmente recorda da sua escrita, o que inclui explicações e apresentação de opi
ções de quem os ofereceu do motivo por que estão ali, enfim, nião.
Jd passado aprisionador - memória. 2. Podemos dividir este texto em duas partes lógicas, correspon
5. Atendendo ao conteúdo do quarto parágrafo, percebemos a dentes às duas estrofes. A primeira trata do poema como o
relação que George tem com a casa e os objetos, dado que ela resultado de um trabalho árduo do sujeito poético. A segunda
vende todos os livros, por exemplo, para conseguir ter a sen ganha forma com a caracterização que o sujeito poético faz da
sação de que está livre e «disponível» para sair rumo a outro relação entre si e o poema, dando explicações.
lugar e a outra vida, confirmando a si mesma a noção de que é 3 a) Os versos resumem a firmeza, a resistência do homem que
«Senhora de sL», dona da sua própria vontade. Eis uma prova escreve face às adversidades da escrita.
da complexidade da natureza humana, composta simultanea b) Os versos mostram não só o amor que é inerente à escrita
mente por sentimento e razão. poética, mas também definem «poesia» como «beleza». Por
fi. Maria Judite de Carvalho consegue estabelecer essa relação outro lado, e assemelhando-se ao ramo que se desprende do
fruto, Torga deixa libertar o poema da sua mente/mão.
entre as três idades da vida através do desdobramento de
George: primeiro, surge a idade adulta - George, com 45 anos, 4. A arte poética de Torga resume-se na transformação da beleza
regressa à sua terra natal para vender a casa de f amília e fazer (e «lágrimas») que há no seu interior (e é desconhecida pelos
desaparecer metaforicamente o seu passado-, segundo, a ju Dutros) em versos que. com esforço e dedicação, se despren
ventude - Gi, de 18 anos, com um «sorriso branco», com quem dem e ganham autonomia.
mantém um diálogo imaginado; terceiro, a velhice - Georgina, 5. No primeiro verso do poema, o sujeito poético apresenta o re
mulher de cerca de 70 anos, com quem eh mantém também sultado final do seu trabalho - o poema - de uma forma celes
um diálogo imaginado no comboio de regresso a Amsterdão. tial cosmicamente luminosa - porventura, um novo sol -, que
agora ele pode apreciar, dado que já dele se separou.
FICHA 90 (p. 242) L As formas estrófica e métrica revelam a contemporaneidade
1. 0 episódio referido é a instalação deste semáforo manual, da escrita poética: as estrofes têm numera variável de versos,
no PortD, movido a pedal, com um ciclista. E por causa deste d verso alterna entre curto e longo, não rimado. Dessa suces
semáforo e de Ramon que, um dia, o médico vizinho, Dr. Jüão são breve de versos surge um ritmo e uma cadência rápidos e
Pedro Bekett, se vai recusar a obedecer-lhe e, assim, desen certeiros. Esta liberdade física da escrita acompanha d extra
cadear a «inimizade» geracional destas duas famílias, a galega vasar natural da[s) mensagem(ns) poétka(s).
e a portuguesa.
FICHA 92 (p. 251)
2. A gradação acompanha efetivamente o processo de funciona
mento do referido semáforo: primeiro, o pedalar; segundo, o L Este sujeito poético é dominado pelas multifacetadas realida
acionar de um «imã» (dentro de uma «bobina»); terceiro, a ge des que vê, fora e dentro de si, as quais o tornam um ser frag
ração de energia elétrica, que vai acender as luzes do referido mentado. Leiam-se os versos justificativos: «Mas não de mim,
semáforo. / que alheio vivo a vida que em mim fala.» e «eu próprio sou
1 0 narrador informa que foi um «equívoco» que esteve na ori
porque / já fui e não serei*.
gem de uma regra do concurso de recrutamento do semafo- L Estes «eus» que o sujeito sente e pressente são espelho de
reiro. de que para esta bicicleta seria obrigatório saber obvia vários fragmentos figurados de si. Os fragjnentos surgem
mente «andar de bicicleta». Mas tal sendo um «equívoco* (o porque o sujeito poético sente que a vida se divide em duas
que não o era por ter toda a lógica ser um ciclista a pedalar), realidades: a física e a essência, como podemos ler em «meu
foi logo corrigido pela seleção de Ramon, «que nunca tinha destino além» ou «de meu destino a essência que lhe dou / na
pedalado na vida», mas foi recrutado por interesse económi extrema contingência [as restrições inerentes ao facto de ser
co e compadrio (por ser «familiar do proprietário dum bom corpo/matéria| de tornar a ser.»
restaurante», onde, porventura, membros da Câmara iriam 1 Por exemplo: «invisível sopro ou chama ou só altura» [Deus?
repastar-se gratuitamente). Entidade superior e criadoraj, «meu destino além / de mim»,
4. 0 narrador resume todo o tempo que passa desde o primeiro «essência*/«contingência*.
semaÍDreiro até ao atual Paco. Através da concentração do 4. «nuvens» remete para a passagem do tempo, da vida terrena;
tempo, consegue d que se pretende num conto: brevidade e «flores» está aD serviço de cada momento que o sujeito renas
unidade de ação. ce; e «sopra» leva d leitor ao metafísico, que dá vida ao físico.
5. Tal como as duas Grandes Guerras se sucederam, opondo países 5. Paradoxo, remetendo para a fragjnentação e desmembramen
e políticas ao longo de anos, assim também estas duas famílias to consciente do sujeito poético.
se vão opor na inimizade entre os seus respetivos membros. fi. Exemplo: «Um cicio brando, um murmurar, um fluido / e té
fi. A história pessoal avança com os membros das gerações fami nue perpassar de pétalas molhadas», em que confluem os
liares em conflito-. Dr. JoãD Pedro / Ramon, Dr. João / Ximenez, sentido da audição {«cicio* / «murmurar»), do tatD («fluido»,
Dr. Paulo (jovem) / Asdrúbal e Dr. Paulo {adulto / idoso) / Paco. «molhadas») e da visão («pétalas molhadas». Em todos estes
A história social desta família é representada pela manuten casos o sujeito mostra-se em comunhão com a Natureza,
ção das profissões e estatutos sociais de cada rival ou seja, comparando-se a ela ou dela se servindo para se (rejconhecer.
os Bekett são sempre médicos, logD, de uma classe social su Z A pontuação acompanha o ritmo do extravasar de sentimentos
perior; osgalegDs são sempre semafor eirós {sem outra profis de forma sensitiva e natural, du seja, as vírgulas são pequenas
são), por isso mesmo membros de uma classe social inferior. pausas que não cortam o discurso, antes dão fôlego ao poeta
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PIEMUII EUHE NACIINAL
para prossegqir a verbalização das suas sensações e verda FICHA 95 (p. 255)
des. Por vezes, quando até a vírgula está ausente, os versos
L A metáfora, em «cabelo asa de corvo» mostra a orientação do
correm em cascata e deixam transbordar o conteúdo que se
corte escadeado do cabelo e a sua cor negra. A personificação
estende de verso em verso. 5ó as interrogações retóricas são
em «da angústia da cara» identifica, desde logo, ONeill como
pausas maiores para motivar reflexões e dúvidas.
alguém que sofre por ter um olhar consciente sobre a realida
L 0 título «Passagem cuidadosa» refere-se ao movimento das de. 0 uso do diminutivo «nariguete» denota que ele mesmo d
«nuvens», ao qual o sujeito se compara, mas chama a atenção considera feiD e disforme. A adjetivação referente à «ferida»
para a necessidade da reflexão sobre a vida, além-vida, que como «desdenhosa e não cicatrizada» revela esse pormenor
deve ser «cuidadosa», isto é, deve implicar pensamento e teimoso, que, eventualmente, o incomodará.
questionação. L Os dois tipos de amor são o total/sentimental no qual ele
«crê», e o sensorial/carnal, o qual «tem a veleidade [capricho]
FICHA 93 (p. 253) de o saber fazer (...) das maneiras mil», considerando-o «se
L Tanto «maçãs» como «gatos» remetem para a visão que o su movente estátua do prazer».
jeito poético tem destes elementos da Natureza - seres natu 1 Este poema confirma a escrita contemporânea, desde logo,
ralmente luminosos, simples e felizes. pela construção inesperada de um soneto: os seus catorze
L 0 verso «sem liberdade crescem as crianças», que remete, por versos sãD distribuídos por uma mesma estrofe, sendo o últi
ventura, para a crítica política (ausência de liberdade e demo mo dístico destacado fisicamente, concluindo o tema.
cracia) e ainda para as contingências e restrições da vida de
um ser humano desde a infância.
FICHA 96 (p. 256)
1 A praia é local de deambulação e inspiração do sujeito poéti L 0 poema está espetiado no próprio corpo e, tal como ele, apre
co - «dunas», sendo o local referido neste poema. Caminhando senta-se em partes dilaceradas por sofrimentos, dores, san
gue, «cavernas do mundo». Tudo isto se resume no interlúdio
pela «noite» ou pela «tarde», já o bulício do dia se transformou
(intervalo) «entre fôlego e escrita».
em pacatez (sossego), propício à sensação, ao pensamento e
à escrita. L 0 sujeito poético deixa-nos ver um corpo nD seu todo, mas
através das suas partes: «coração», «amígdalas», «sopro pul
4. A sequência «a terra fique limpa» surte dois efeitos: a «terra
monar». «labiaSdade», «traqueia», «rosto», «boca», «víscera»,
limpa» é aquela sem opressão, repressão ou ditadura, e tam
«sangue», «fôlego».
bém a que dá vida à tradicional associação água e limpeza,
21 Exemplo: «0 sangue bombeado na loucura. / Do medo / ao
neste caso, física ou metafórica.
modo de escrevê-lo», que mostra a complexidade e a dor
5. Eugênio de Andrade parece escrever com as sensações que a inerentes à saída da escrita de dentro do poeta para o papel.
Natureza lhe proporciona, pois, começando o poema com refe
3. A CDntemporaneidade está presente quer no conteúdo, quer
rências a «maçãs» e «gatos», assim o vai terminar com a noite
na forma. Assim, o conteúdo revela um ciam sentimento do
na praia («dunas»), que cria condições para escrever. Por outro excesso (a lembrar Álvaro de Campos), do cantD arrebata
lado, podemos associar a sua escrita à pureza das «crianças», do pelos conhecimentos de anatomia humana, sobretudo
referidas duas vezes. usados na sua faceta sanguínea e mais profunda («vísce
í. Tanto as «maçãs» como as «crianças* «brilham», ou seja, a Na ras») e na sua visão da poesia como parte visceral, que lhe é
tureza e a I nfância têm uma luz natural própria e muito querida arrancada a «fogo». Por Dutro lado, a forma confirma-o, daí
ao poeta. a irregularidade estrófica e métrica (o texto tem uma única
estrofe, com número variável de versos e sílabas, sem rima).
FICHA 94 (p. 254) Não esqueçamos que este poema é retirado de uma antologia
L As preocupações existencialistas (relativas à existência hu intitulada Ou o Poema Contínuo», isto é. vida e poema são
mana) sãD evidentes nos primeiros seis versos, uma vez que indissociáveis.
o sujeito poético sabe que «o momento», ou seja, o tempo
FICHA 97 (p. 257)
atual não existe verdadeiramente. E, caso exista, não é pa
cífico e linear, antes uma confluência de improbabilidades e L Neste «dia de festa», o sujeito poético encontra-se a refletir
oposições («o improvável existe / na concentração dos seus sobre o sentido da vida e da passagem do tempo. Tal reflexão
contrários*). leva-o a sentir um misto de tristeza com resignação e alguma
esperança na vivência por meiD apenas de sensações, como
L Para Ramos Rosa, o poema é uma ação espontânea, uma re
se lê em «Dia de festa, existir simplesmente». «E sobre tudo
presentação do referente real (mas já somente em pedaços -
o restD o vão bocejo e não valer a pena», «Fazer de um jardim
«cinza», «sombra»), um encaminhar para a luz, mesmo estando quanta vida se quer», «eis algumas vantagens».
d poeta e os leitores «de olhos vendados» ou simplesmente
L Nestes três versos, encontramos d tema da nostalgia da infân
um movimentar de água («torso de água») que acompanha a
cia, de facto tão caro à tradição literária. Podemos CDmprDvá-
existência.
- la pe la apóstrofe do «munda» como «minha mãe» (porventura
1 «Deambulações oblíquas» é um título que remete para incur já não presente neste mundo), à qual se segue um conjunto de
sões pelo pensamento, ou seja, reflexões - isto é o que acon referências a um passado que lhe vem à memória - «ter con
tece, de facto, relativamente ao «improvável» da existência e fiança em tudo» (retrato de uma criança inocente e insciente),
ao «poema». A palavra «oblíquas» está ao serviço da ideia de «lareira prometida nunca alumiada» (reminiscências de um lar
reflexões fragmentadas, não lineares e que cruzam opostos de família já passado), «e tantos gestos empilhados e tijolos»
du «improváveis». Tal facto é revelador da contemporaneida- (resumo de vida, terminada em «tijolos», a simbolizar cadáve
de da escrita, quer por as referidas «deambulações oblíquas» res em que todos nos tornaremos).
lembrarem a transgressão de regras típicas do 5urrealismo. 3. Percebemos a consciência do sujeito poético relativamente
quer por trazerem à memória o Intersecionismo de Fernando ao facto de a morte ser inevitável e de nos fazer naturalmente
Pessoa, evidente espelho do cruzamento e interpenetração de «vítima» ao «ceifar-nos», ou seja, colher-nos. daí d «não valer a
realidade/sonho, pensamento/im^ginação, visível/invisível pena», pois que é menos doloroso vê-la como uma «forma efi
tão óbvios neste poema de António Ramos Rosa. caz de adormecer».
42G
NITOCtâ 12? AM
4 Qs versos espelham indubitavelmente a filosofia estoica de í a) Metáfora: «Era um puro país azul e proletário», pois a cor e a
Ruy Belo. Assim, «chorar o mínimo cadáver que passar» reme profissão dos portqgyeses. não podendo ser lidos literalmente,
te para uma ideia de resignação e nãD exagero de sentimenta remetem para características intrínsecas a Portugal: d mar e o
lismo-, «e não desperdiçar os dedos pelas coisas» conduz-nos povo trabaliador. Podemos ainda selecionar «Vi minha pátria
a um sentimento de abdicação ou opção por não fazer aquilo derramada / na Gare de Austerlitz.», sequência que está ao ser
que «desperdiça» a existência humana, enfim a vida viço da caracterização düs emigrantes como objetD despejado,
5. Os poetas contemporâneos são. regra geral avessos à obriga vertido desumanamente, b) Metonímia: «Pedaços / do meu
toriedade da métrica regular, experimentando, pelo contrário, país. / Restos. / Braços.», fragjnentos através dos quais Manuel
escritas movidas pelo encadeamento de ideias ou seu natural Alegre se refere a Portugal no seu todo, c) Comparação; «os
olhos longe como o trigD e o mar» está ao serviço da identifi
extravasar. Este poema não é exceção, uma vez que verifica
cação de «olhos»e «trigo»/*mar» como plenos de saudade por
mos uma única e longa estrofe, sem rima típica, nem esquema
que deixados para trás, distantes no espaço e no tempo, d) Gra
rimático regrado. A ausência de pontuação (vírgula ou ponto)
dação: «Éramos cem duzentos mil?» que acompanha a grande
entre os versos facilita esse encadeamento de ideias, que es
quantidade de portugueses forçados a sair da sua pátria.
correm de verso em verso, como a vida de momento em mo
mento. FICHA 99 (p. 251)
fi. a) a aliteração do som «v» remete para o movimento do passar
L A dicotomia físico/metafísico surge á superfície do textD por
da vida, sem nunca voltar atrás; a metáfora em «ser erva» im
meio de referentes como «ladü de cá» (vida) e «lado de lá»
plica a existência humana de forma natural e em conformidade
(além-vida) ou «sangue» [que pulsa no carpo humano) e «at
com a vegetação, em síntese, ser e existir pelos sentidos e não
mosfera» (universo envolvente) ou ainda «por baixo d sol» {o
pela razão ou pensamentoJ>) a aliteração do som «m» confere
superior, mas visível a partir da corporeidade) e «pele» (parte
ao verso uma espécie de lamento ou queixume pela passagem
do corpo). As palavras «deus», «divindade», «demónios» pro
da vida sem o controlo da vontade humana; a enumeração
vam o metafísico.
sem pontuação em «morrer nascer cantar» agudiza essa ideia
L 0 físico percebe-se pela referência a «sangue» como sofre
de deixar correr a vida nas suas várias fases e simplesmente
dor. alvD de fragjnentação, «transfusão progressiva» (ou seja,
«cantar» a mesma vida, que pode ser por melodia ou por pa
sempre a ser transformado e a envelhecer). Temos ainda as
lavras.
«rugas do saber» (conhecimento do mundo), que implicam o
I 0 título «Vária literatura» refere-se à escrita de tudo quantD o envelhecimento e inerente cansaço humano, e, por fim, «inun
poeta entende neste poema, na sua vertente expressiva e va dação da alma» como exemplo da perdição humana, do naufrá
riada, preenchida de reflexões diversas. gio metafórico da essência e espiritualidade do ser humano.
4 0 «poeta» posiciona-se nD mundo sensível pela «pele» e petos
FICHA 98 (p. 259)
«poros», veículos da sensação e do sentimento, e é a partir de
1. 0 poema desenvolve-se a partir das reflexões do poeta, en les que o poeta cai «no alçapão» da consciência, por sua vez
quanto deambula pelas ruas da cidade de Paris. lugar de descoberta («desvendar») da essência do ser e do
2. 0 tema tão caro à tradição literária que Manuel Alegre esco existir.
lhe é o da critica sociopolítica relativamente ao contexto his 4 «Seio» e «leite» remetem para uma descrição do poeta como
tórico que o rodeia Trata-se, neste caso, da denúncia de uma pessoa que conhece a origem e alimenta o mundo com a sua
pátria que sofre as consequências do fascismo da ditadura consciência e poesia, tal como uma mãe alimenta o seu filho
salazarista por meio do leite materno.
1 0 sujeito poético vê-se a si mesmo «Solitário», bem como 5. Qs versos 3 a 9 manifestam a presença do contemporâneo
outros emigrantes portugueses espalhados por Paris à através dos vocábulos «écran», «transfusão» (sanguínea) e
procura de um novo rumo na vida. Por estar consciente dessa «filme», típicos dos séculos XX e XXI. A fragmentação toma-
emigração forçada (por dificuldades económicas, por medo ou se evidente em «imagens sobrepostas» e «sonho».
por exílio), verificamos que o interior deste sujeito está plas í. A antítese em «Do lado de cá nem só havia o sangue / e do lado
mado de mágoa, de saudade, de revolta e questionamento. de lá nem só a atmosfera» evidencia o contraste entre vida e
40 sujeito poético apresenta a pátria em fragmentos, tomados além-vida (físico/metafísico). A metáfora em «a inundação da
metonimicamente. ou seja, pelas pessoas e objetos que têm alma» revela o mergulhar da essência humana numa consciên
a característica de serem portugueses: «cestos», «pedaços», cia dolorosa sobre a vida.
«restos», «braços* «país azul e proletário» remetem para os I Além de percebermos que «Recanto 9» nasce da adaptação do
emigrantes (membros da classe trabalhadora - povo), quanti vocabulário da epopeia a este poema, tomando-o uma nova
ficados em estimativa «cem duzentos mil?». A forma estrófi- versão de um «canto» (conjunto de estâncias/estrofes), «re
ca e métrica acompanha estas personagens porque o próprio canto» significa também um espaço recôndito, relativamente
poema se desenvolve a partir de versos curtos, fugazes, deter pequeno e propício á reflexão e ao mistério. Ora. tal espaço
minados e caminhantes para um mesmo fim. Repare-se inclu adequa-se ao conteúdo do poema, todo ele reflexão existen
sivamente como «Restos» e «Braços» compõem uma só frase cialista em profundidade e à superfície textual.
cada, dado que uma palavra e outra resumem esse empilhar ao L 0 poema é constituído por três estrofes com um número dis
acaso de pessoas e seus pertences. tinto de versos: a primeira com 9 versos (nona); a segunda com
5. As interrogações retóricas «E o trigo?». «E o mar?» presenti- 7 versos (sétima); e a terceira com 4 versos (quadra). QuantD à
ficam aquilo que esses portugueses deixam para trás, que é métrica, os versos apresentam um número irregjular de sílabas
tão rico e tão português - a «terra» tomada literalmente como métricas, tão ao gosto dos poetas contemporâneos.
meio de sustento económico, du seja, campos cultivados de
ACHA 100 (p. 263)
cereais ou «mar» onde pescadores podiam refazer as suas vi
das, o que não acontece nesse momento histórico. Quanto a L Uma e outra são. segundo o sujeito poético, iguais, por isso a
«Foi a terra que não te quis/ ou alguém que roubou as flores de vida entrecruza-se com a palavra e vice-versa e. juntas, se vão
Abril?», instaura a ideia da liberdade (revolução do 25 de Abril desenvolvendo e crescendo.
de 1974), porventura, já conquistada, mas ainda embrionária e L A «letra corrida» aponta para o exercício de escrever, usando as
pouco poderosa. palavras. Assim sendo, aD escrever, o poeta transforma tudo o
429
PtEMIAI I EXAME NACIIUL
que vê em música e ressonâncias dos sons propagados que ele í. 0 poema constitui-se de uma estrofe, revelando uma dimen
ouviu desde a infância. Obviamente que tal música vai dar con são narrativa da poesia de Júdice, a que acresce versos com 12
tornos e formas às referidas palavras. Assim, som e música são sílabas métricas (dodecassílabos).
causa e efeito de palavra e poesia. Esta é a sua arte poética.
1 A aliteração do som «i» («vida», «tinha», «medida», «minha», FICHA 102 (p. 266)
corrida», «encaminha») instaura em todo d poema uma L 0 sujeito poético surge como u m «eu» dividido em três, o que
musicalidade alegre e viva, típicados sons agudos. A aliteração se torna evidente a partir do ato de escrever - «A mesma fo
do som «s» («ressonância», «infância», «distância») confere a lha» / «(_) Eu. terceiro e secante / com os outros dois lados».
esses sentimentos gradual continuidade e prolongamento. As 2. 0 referente «folha» pode ser tomado como «foi ha de papel»
assonâncias dos ditongos «et» e «ia» confirmam a presença de (onde se imortaliza a escrita) du folha de uma flor - no caso
sonoridade musical e acrescentam cor. ritmo e vivacidade. «Malmequeres». Tanto num caso como no outro, estamos em
4. A forma deste poema é típica da CDntemporaneídade na me presença de dois «lados» de um todo.
dida em que, desde logD, percebemos que começa com letra 3. «De um lado, analisa r, / do outro - eu» corporiza duas pa rtes
minúscula e se escreve numa única frase. Depois, parecendo deste ser triplo: o que faz a análise (sujeito poético) e o que
um soneto (2 quadras e dois tercetos), d esquema rimático e a é analisado («- eu»). Temos, portanto, o primeiro a refletir
rima são abafa abafa cdc dcd - rima cruzada. sobre o segundo. Por outro lado, existe ainda «o que vacila
5. «reverberações» são literalmente propagações de som / entre os dois lados* - «eu também. Outro eu.» - «terceiro
audível, mesmo quando a sua fonte direta terminou. 0 facto de e secante», uma espécie de interlúdio/intervalo/passagem/
estar aqui a ser usado na sua forma plural aponta para a plu- mediador.
ralidade/diversidade desses sons. Posto isto, está resumido 4. 0 referente «Malmequer» é uma palavra composta por três
todo o conteúdo do poema - texto (re)nascido dos sons que o monossílabos independentes, que correspondem precisa
poeta ouviu desde a infância. mente aos três «eus» de que trata o poema. Desta forma,
o sujeito poético tem liberdade para trocar essas sílabas
FICHA 101 (p. 264) da sua ordem natural, como que acompanhando a confusão
L Na primeira frase, versa-se sobre a relação entre «poema e inerente aos «eus». «Mequermal» pode remeter, porventura,
fruto maduro». Assim se explica que o «fruto da gramática» para esse interior dividido que dá ao sujeito poético sofri
mento ou, pelo menos, angústia.
é considerado como o poema. A sua «casca» era o verbo, sem
ela ve a «polpa», isto é, o frutD essencial. Depois vem o «sumo 5. 0 metafísico está presente na seleção de vocábulos, tais
do pronome» - uma espécie de tempero doce do poema - e como «Purgatório», «inferno», «céu*, tripartição da tradição
«cai sobre o sujeito da frase», sendo d «sujeito» não neces literária ao serviço da ideia de direção / orientação da vida
sariamente a função sintática, mas □ próprio sujeito poético, de cada ser humano.
e sendo «a frase» «o corpo da amada». Estamos perante um 5.1 «Purgatório» é uma palavra escrita com letra maiúscula por
poe ma de amar. ser talvez o lugar (físico ou espiritual/metafísico) em que o
2. A segunda frase apresenta a forma como o poeta foi fazendo
sujeito poético se encontra neste momento.
poesia: começou por seguir o cânone (regras estróficas e mé í. 0 título «Malmequeres e Polígonos» resume todo o con
tricas, resultado da lógica/razão da tradição literária), o que le teúdo do poema: é a partir do referente «malmequer» (e
mos parafraseado na referência à primeira frase bíblica (Livro dos dois lados das suas «pétalas») que o sujeito poético
do Génesis). Porém, o «sujeito», isto é, o próprio sujeito poéti se vai revelando a si mesmo como tripartido. «Polígonos»
co «sobrepunha-se» às regras, uma vez que sentia com os cin remete para a perspetivação matemática/racional (e o de
co sentidos, que lhe causavam sensações - mais importantes senho ou configuração) desses três lados finais - dir-se-
do que a «gramática» canón ica («rosto», «luz da manhã», «cor», -ia, por consequência, que o sujeito poético se assemelha
«vida»). Então, percebeu que o poema não era fruto da escrita a uma figura geométrica de três lados, quando ele próprio
regrada, mas sim um ser independente e autónomo com a sua
se embrenha a «analisar»-se. 0 número plural de cada um
vida criada a partir dos sentidos. dos referentes pode antever ainda novos lados e novas
perspetivações ou simplesmente uma síntese de todos
1 Esta sequência, oportunamente encetada pela conjunção
eles.
coordenativa adversativa («Mas»), apresenta um momento
I 0 poema constitui-se de 6 estrofes com um número de ver
posterior e oposto-, «quando foi à procura / da raiz», ou seja,
sos variável havendo alguma simetria apenas nas duas pri
da fonte de inspiração para o poema que tinha escrito, só
meiras estrofes e nas duas últimas - um terceto e um dís
encontrou o «campo estéril da sua memória» - a ausência de
tico. Já as duas estrofes interiores são uma quintilha e um
lembrança das suas sensações. Por conseguinte, esquecidas
terceto. Os versos são também muito irregulares quanto à
essas sensações, as duas únicas coisas que discernia eram
estrutura métrica.
«verbo» e «pronome», desprovidos agora de sentimento, e
também os «seus dedos manchados de tinta». Em síntese, FICHA 103 (p. 279)
aquele poema (como outros) tem, de facto, vida própria e in
dependente dosujeitD. 1 a) F - Em 0 Ano da Morte de Ricardo Reis, Sara mago refle
te minuciosamente sobre a vida de Ricardo Reis no último
4. A metáfora em «caísse de maduro» está ao serviço da associa
ano da sua vida.; b) V; c) V; d) F - Reis vem regressado do
ção entre fruto e poema. A metáfora em «o sumo do pronome»
Brasil e hospeda-se no Hotel Bragança, e) V. f) F - Reis
confirma essa dicotomia que vai ser desenvolvida ao longo do acede às notícias do mundo através dos jornais portugue
texto. A comparação «Tocando o fruto da gramática como se ses e estrangeiros e do RCP- Rádio Clube Português.; g)
/ caísse de maduro» intensifica inequivocamente a dicotomia F - Ao longo dos itinerários geográficos, há vários encon
referida. tros entre Ricardo Reis e Fernando Pessoa.; h) F - A via
5.0 título «A inutilidade da gramática» é um mote para o que vai gem do protagonista a Fátima é um exemplo de descrição
ser explicado e concluído no poema: se as palavras e frases fo da pequenez e sujidade dos membros do povo português
rem tomadas apenas à luz do seu papel ou da sua função gra e de crítica irónica ao exacerbado sentimento do sobrena
matical, tomar-se-ão infrutíferas, pois estarão desprovidas tural.; i) F - 0 pai de Marcenda, Dr. Sampaio, recomenda
de sentidos e sensações. a Reis que leia o livro Conspiração de apoio à ideologia
430
NITOCtâ 12? AM
salazarista.;]) F - 0 Alto de Santa Catarina é □ local a par □u rista e estoicista, tranquilo e sabe bem d que quer da vida,
tir do qual Saramago consubstancia a intertextualidade sendo o amor quase platónico com a sua Lídia uma constante
Camoes-Pessoa.; k) V. nos seus versos.
UA menção à arte poética dü heterónimo é conseguida atra
FICHA 104 (p. 280) vés da sequência «com grande esforço, penando sobre o pé e
LI Existe deambulação geográfica uma vez que Ricardo Reis vai a medida», que remete para o poema «Ponho na altiva mente
a circular pelas ruas de Lisboa, designadamente, pela «Calça / o f íxd esforço». Assim «pé e a medida» remetem para essa
da dos Caetanos», tendência clássica de Reis escrever com regularidade estró-
L2 A intertextualidade entre José Saramago / Cesário Verde fica e métrica, fazendo uso de linguagem erudita, imitando
verifica-se quer pelo deambulismD, quer pela descrição/ca- odes horacianas.
racterização do espaço da cidade e das pessoas que Reis vai
RICHA105 (p. 282)
vendo, tudo registado com um olhar crítico (cf. «Num bairro
moderno»). Tal facto pode comprovar-se pelas sequências L 0 triângulo amoroso envolve Ricardo Reis, Lídia e Marcen-
«mais de mil (...) pobres», «esta gente de xale e lenço, de da. Ricardo Reis tem com Lídia u ma relação carnal, à mistura
surrobecos remendados, de cotins (...), de alpargatas, tan com ternura. Quanto a Marcenda. houve beijos e abraços,
tos descalços». nada mais, pois a jovem afastou-se de vez para Coimbra,
LI 0 acontecimento é, de factD, político porque a ditadura or tendo recusado d pedido de casamento feito por Reis
ganiza «bodos» (sessões públicas de distribuição de roupa, («chega-se infantilmente para ela, pela primeira vez estão
calçado, livros, brinquedos, entre outros) com um impacto ambos nus. depois de tanto tempo, a primavera sempre aca
social muito grande, pois o povo acorria em massa, o que não bou por chegar, tardou mas talvez aproveite.» e «que carta
era de espantar visto que grande parte da população vivia escreveriamos a uma mulher a quem beijámos»).
miseravelmente. Com este gesto hipócrita de aclamada ca 2. Lídia é uma mulher do povo, mas não ignorante: é bonita,
ridade, o regime político ganhava adeptos e simpatizantes. asseada e faz da limpeza a sua profissão por amor; é livre e
L4A sequência «uma nódoa parda, negra, de lodo malcheiro por isso se envolve com Ricardo Reis, a quem ama verdadei
so» contém uma metáfora e uma enumeração, que acaba por ramente; a sua simplicidade não significa ignorância porque
dar forma a uma gradação. Assim, a metáfora está assente eh vê e opina sobre os avanços da ditadura e, movida pelo
em «nódoa», que caracteriza esta multidão esfarrapada e irmão antifascista, conta factos a Reis com a sua própria in
paupérrima. A enumeração resulta obviamente da descrição terpretação. Sofre porque sabe que o doutor Reis não a teria
dessa nódoa, criando uma gradação, pois o que era uma «nó como mulher (por eh ser do povo) e sofrerá pelo desgosto da
doa» de cor «parda» passou a ser «negra» e. mais do que isso, morte do irmão. Se realmente teve o filho, não sabemos, mas
d seu desaparecimento pode significar a sua emancipação.
«de lodo malcheiroso» (clímax da gradação e nova metáfora).
L5 Por exemplo: «queira Deus que nunca se extinga a caridade 1 Os alvos da crítica social deste excerto são as vizinhas do
l.° e 3.° andares. A sua qualidade de mulheres que vivem so
para que não venha a acabar-se a pobreza» (ao fazer este pedi
do, o narrador quer dizer exatamente o seu contrário). zinhas torna-as curiosas, maledicentes e. no seu «diálogo»,
há sempre «juízo» de valor. Ora, com um novo inquilino há
21 0 narrador refere membros do povo, individualizados, tais
apenas oito dias e já visitado por duas mulheres, está ins
como homens e mulheres andrajosos {vestidos com farrapos
taurado tema de conversa suficiente. 0 exemplo máximo da
e roupas velhas), mães com filhos ao colo, pais que se entre
coscuvilhice é criado pela vizinha do l.° andar, que se coloca
têm à conversa uns com os outros e idosos doentes expostos
perigosa mente em cima de dois bancos sobrepostos para
desumanamente a esta dita «caridade», que mais não é do que
escutar os «ruídos» da ca ma onde Reis e Lídia se encontram.
exibicionismo e hipocrisia.
4 a) «querem vocês ver que o doutor e a fulana» (linhas 30-
22E m «dia de bodo é o único em que se lhes não deseja a morte,
31]-b) «querem vocês ver que o doutor e a fulana, ou quem
por causa do prejuízo que seria.», o narrador está a reproduzir
sabe se afinal não será só o trabalho honrado de virar e bater
livremente (sem marcas de reprodução de discurso direto) as
colchões, embora a uma legítima suspicácia não pareça.» (li
palavras das famílias que têm os seus idosos para cuidar, que
nhas 30-32) - pensamentos e frases pertencentes à vizinha
são um fardo, á exceção deste dia em que isso significa mais
de baixo, que o narrador incorpora no seu próprio discurso.
presentes caridosos para receber.
c) *NãD se viu, mas vai-se ver» (linha 26), que Dpõe d «decü-
JJ Tanto D'Artagnan como Camões (cuja estátua Reis está a ver) ro» de uma criada a tomar ban ho na casa do seu patrão, o que
foram grandes exemplos de guerreiros ao serviço dü seu rei, agora vai acontecer com Lídia e Ricardo Reis.
sendo a sua luta de valor e intensidade incalculáveis, ao passo
que Ricardo Reis «dorme, come, passeia, faz um verso por ou RICHA 106 (p. 294)
tro, com grande esforço». 0 terceiro é, portanto, muito menos
1 a) F - Neste romance, Saramago elege como herói nacional
trabalhador do que os dois anteriores.
o povo português, trabalhador e desconhecido da História
12 A intertextualidade entre José Saramago e Fernando Pessoa UniversaL; b) F - 0 Convento de Mafra nasceu a partir de uma
surge à superfície textual pela referência específica ao ortó- promessa do rei aos frandscanos c) F - D. João V quer que o
nimo e seus heterónimos. Em formato de prolepse, o narrador seu convento seja igual à Basílica de São Pedro (Vaticano).;
afirma a razão da fama de Pessoa ortónimo, Ricardo Reis e Ál d) F - Todo o romance assenta em ironias e sarcasmos que
varo de Campos, a serem para sempre rememorados pela sua servem para criticar a sociedade seiscentista.; e) F - A crítica
escrita e não pelas profissões que cada um teve. religiosa espelha-se, entre outros exemplos, na descrição da
U Ricardo Reis, protagonista deste romance, é um homem «procissão da penitência» (Quaresma) e na prodssâo do «Cor
inerte, que nãD sabe onde está na sua vida, nem d que fazer po de Deus-, f) F - Scarhtti é o coadjuvante das personagens
(tem dúvidas existencialistas), pouco escreve, envolve-se em envolvidas na construção da passaroh - Padre Bartolomeu
prazeres carnais livres com uma Lídia, que não é a sua amada Lourenço de Gusmão, Baltasar e Blimunda^ g) F - 0 local es
platónica, e deambula, tentando encontrar-se na Lisboa em colhido para a construção do paládo é o Alto da Vela.; h) V;
que agora vive. As únicas semelhanças entre ele e o heteróni- i)V;j)V;k)F - Baltasar nunca recebeu a tença prometida por
mo têm que ver com d nome, a profissão e o facto de ambos serviços militares à pátria, o que prova a presença da crítica
escreverem. As diferenças são abissais, pois Ricardo Reis, o política e social, I) V: m) V; n) V; o) V; p) F - Esta pedra de már
heterónimo pessoano. é um homem equilibrado, racional epi- more era gigantesca e muitD difícil de transportar; q) V; r) F - Os
431
PIEMIAII EXAME NACIIUL
mafrenses pensam que a passarela é o Espírito Santo □ sobre nos até, em que esteve envolvida a construção do CDnventD.
voar o espaço da construção.; s) V; t) F - Tendo desaparecido Ela é uma espécie de ponto máximo do esforço e da injustiça
Baltasar, Blimunda procura-o dirante nove anos e encontra-o inerentes à incumbência atribuída a trabalhadores escraviza
num auto de fé (a ser queimado), condenado pelo Santo Ofício. dos e forçados a pôr em prática um capricho de D. João V.
u)V. 3. As personagens humanas aqui mencionadas incluem Baltasar.
«muitos homens que tinham de ir também para as ajudas» e d
FICHA 107 (p. 296) homem do acidente. A relação entre humanos é de tDtal traba
LIA ironia surge a partir da frase -Comendo pouco purificam-se lho de equipa e entreajuda, como se fossem um só, porque so
os humores, sofrendo alguma coisa escovam-se as costuras mente a força conjugada de todos pode arrastar semelhante
da alma.», que se apoia no jejum e abstinência, típicos sacri «brutid ão de mármore».
fícios da Quaresma. Cada um destes sacrifícios é descrito de 4.0 incidente com este homem, cujo pé foi atingido pela pedra a
forma irónica, pois Saram^go crê no preciso oposto da afirma deslizar, assume-se, por metonímia, como denúncia de todos
ção que profere. 0 uso do imperativo «maceremo-la» é irónico os outros acidentes que a construção de edifícios e monumen
por ser um convite que objetiva, na verdade, d seu contrário. tos portugueses e mundiais causou e que são desconhecidos
12 A reprodução do discurso no discurso dá-se na frase «Cas do mundo.
tigámos a carne pelo jejum, maceremo-la agora peta açoite.», 5. Trata-se de uma comparação entre o carro que vai transpor
eventualmente proferida por um dos clérigos que orientam o tar a pedra e uma nau das Descobertas; com esta associação
povo (e petas próprios membros do povo) durante d período
Saramago consegue atribuir tanta grandeza à construção do
quaresmaL Esta frase é inserida nD discurso dü narrador. convento, como a grandeza sempre dada à descoberta de
L3 A metáfora presente em «as costuras da alma», literalmente mundos ultramarinos.
impossível dada a natureza espiritual da alma e o concreto de í. a) enumeração: que confirma o momento de preparação para
«costuras», cria uma imagem simbólica do que é a penitência - a deslocação da pedra e também a sua natureza colossal (à
correção da alma, por sacrifício do corpo. medida de um rei que quer uma nova versão da Basílica de 5.
1 Na procissão vão os que cumprem promessas: «penitentes», Pedro - Vaticano); b) metáfora {«brutidão» é abstração nãD
os clérigos, «frades», «bispo», «padres», seguindo-se «confra concretizável em tipo de pedra): está ao serviço da descrição
rias e irmandades» e «um acólito balouça d incensório». A es da pedra como colossal e objeto de trabalho bruto.
tes se juntam os que observam a passagem da procissão: «ho
mens e mulheres». Da referida procissão fazem parte também
as imagens «da Virgem e do Crucificado» e as dos «andores». Leitura e Escrita
21 Os «penitentes» cumprem as suas promessas e começam
a procissão-, o bispo abençoa (com o sinal da cruz) todos por FICHA 109 (p. 312)
quem passa; acólitos provavelmente seguram d pálio, além do 1. (Al 2. (Q, 1 (Al <. (D); 5. (A), t (Q 7. (A).
incensório-, os restantes consagrados e membros das «confra
I. «que» - pronome relativo.
rias» e «irmandades» seguem cada um na sua ardem. Quanto
ao povo que assiste, vemos a desordem total e a falta de fé 5. Coesão interfrásica (frases ligadas por uma relação de conti
nuidade).
porque, apesar de se ajoelharem diante da custódia que leva o
Santíssimo Sacramento, «arranham a cara uns. arrepelam-se ML Oração subordinada adjetiva relativa restritiva.
outros, dão-se bofetões todos».
1 Descrita a pompa e circunstância desta procissão, que sim
FICHA 110 (p. 314)
boliza o sacrifício quaresmal como antecedente e necessário LÍQLPJtLÍQttBlSílAJzfctDJtKH).
à vivência pascal, esta procissão representa o início dos mo I. Modificador restritivo do nome.
mentos essenciais do calendário litúrgico - a Paixão, Morte
S. Oração subordinada substantiva completiva.
e Ressurreição de Jesus Cristo. Ora, d narrador escolhe este
exemplo máximo da liturgia cristã para o descrever e a ele se ML «a impossibilidade de imitar o grande modelo».
referir criticamente/ironicamente. Daí que ele seja o meio para
toda a dimensão crítica religiosa de Memorroí do Convento.
FICHA 111 (p. 316)
4. Referindo-se já à Quinta-Feira da Ascensão do Senhor, após a L(B);2-(B)tl(D);4.(B);l(A);í(C);7.(A).
Ressurreição/Páscoa, o narrador reflete sobre o facto de os I. Complemento direto.
«pássaros» serem uma boa ajuda para levar as «preces» ao 5 «deambulismo» - nome comum; «sem» - preposição (simples);
céu», tomando o céu como um lugar apenas físico na atmos «peta» - preposição «por» contraída com determinante arti
fera. Depois, afirma «talvez se nos calássemos todos», o que go definido, masculino, singjular *-o»; «inexaurível» - adjetivo
remete para um juízo de valor sobre a ilogicidade da crença e a qualificativo.
necessidade de a calar.
ML «impressão».
FICHA 108 (p. 298)
L 0 título Memorio/ do Convento é. antes de mais, uma compila Gramática
ção de trabalhos e trabalhadores dü povo envolvidos na cons
trução do convento, os quais a História persiste em esquecer, FICHA 111 a 115 (pp. 318-321)
lembrando apenas quem o mandou construir, qual foi o arquite
to. quem o habitou, como se o trabalho da construção fosse me- Várias respostas são possíveis, desde que respeitadas as regras
nosprezável Por isso mesmo, o excerto mostra, em pormenor. de construção de cada texto.
Baltasar e todos os trabalhadores recrutados para transportar,
porventura, a maior pedra deste edifício colossal - isto, sim, é FICHA 116 (p. 346)
um «memorial» dos que tomaram pedras uma obra magnânima. L a) epentese; b) síncope; c) sonorização; d) sonorização; e)
2. Esta «pedra de Pero Pinheiro», quer pela sua grandeza e peso, apócope; f) palatalização, g) palatalização; h) assimilação; i)
quer pela dificuldade (e perigo) em ser transportada, é um sím palatalização; j) apócope; k) palatalização; I) sinérese; m) vo
bolo clarividente de todos os trabalhos esforçados, desuma calização; n) crase; o) redução vocálica.
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4 Uma das características comuns à poesia de Alberto Caeiro sobre a profundidade da vida humana, facilmente percebemos
e de Cesário Verde é a deambulação, prefigurando, assim, o que se trata de uma experiência nem sempre explicada à luz, da
mesmo modo de sentir, ainda que sobre realidades distintas. razãD, mas constantemente cheia de surpresas, de rumos que
5.0 excerto comprova que o sujeitD poético é um observador aci nãD pensávamos seguir ou circunstâncias que nos põem à prova.
dental pois descreve-nos a cidade e as pessoas que vê enquan Perante isto, qualquer pessoa sente medo; no entanto, o facto de
to deambula pelas ruas. A cidade é especificada nas partes por sabermos que os nossos companheiros desta viagem estão ao
onde Cesárío circula as «ruas» próximas do rio Tejo «o Tejo, a nosso lado dá-nos alguma segurança e estabilidade emocional.
maresia», «os edifícios, com as chaminés, e a turba» (v. 7), «edi Em suma, não sendo cada um de nós uma ilha perdida, é inegável
ficações somente emadeiradas» (v. 10) (prédios em constru que, neste mar que se chama vida, os amigos são o sol e a brisa
ção), «boqueirões», «becos» e «cais» (w. 15-16). Quanto aos que embalam a nossa existência humana e a tornam mais feliz.
tipos sociais, podemos reconhecer os membros do Povo (ope
rários). designadamente «os mestres carpinteiros» e os «cala PROVA-MODELO 2(p. 368)
fates» (w. 12-13), ambos em atarefado horário de trabalho. GIINia
6. Relativamente às personagens que d poeta vê, a compara 1. «0 poema «Nevoeiro» confirma, por um lado, a natureza épi
ção revela a forma maquinalmente obediente e concentrada ca da obra porque trata de um país - Portugal - cujo poder
como os carpinteiros trabalham - «Como morcegos, ao cair descobridor do passado afetou o mundo, sendo, portanto, de
das badaladas, / Saltam de viga em viga os mestres carpin interesse universal Esta ideia é confirmada pela seleção de
teiros.» (vv. 11-12). vocábulos relativos à História de Portugal, tais como «rei»,
7. AlbertD Caeiro e Ricardo Reis têm diferentes visões sobre a «lei», «paz», «guerra», «Portugal». Por outro lado, o lirismo
ex istência hu ma na e sobre o mundo. Caeiro defende o prima é demonstrado pela caracterização desse país, envolto em
do das sensações, isto é, permite-se sentir espontaneamen «nevoeiro», o que leva o poeta a contemplá-lo com tristeza,
te tudo aquilo que os seus sentidos captarem da Natureza e num tom de lamento - «Este fulgor baço da terra / Que é Por
da realidade envolvente, sem pensar nem no passado nem no tugal a entristecer» (vv. 3-4).
futuro, apenas no presente. Reis, por sua vez, dedica tempo L 0 verso «Que é Portugal a entristecer» é explicitado através
ao racionaltsmo e à perspetivação da vida e do seu curso, de de um conjunto de antíteses, que evidenciam a falta de rumo
fendendo o carpe drem («aproveitar o dia») típico da vivência e a decadência do país. As antíteses presentes em «nem
tranquila (estoica) da vida, mas com a consciência plena da paz nem guerra» (v. 1). «Nem o que é mal nem o que é bem»
sua brevidade e efemeridade. Para este heterónimo. a vida (v. 9), «ânsia distante perto chora»(v. 10) e «tudü é disperso,
é uma viagem em direção à morte, para a qual ele se prepara nada é inteiro» (v. 12) estão ao serviço dessa contradição e
com aceitação e sem angústia. da falta de visão para o futuro, acompanhados pela presen
Concluindo, AlbertD Caeiro prefere não fazer interpretações ça do «Nevoeiro». Reconhecidas essas incertezas e esses
da realidade; Ricardo Reis opta por usufruir de todos os mo senti mentos antitéticos. Pessoa evidencia as contradições
mentos desta vida breve serenamente, sempre consciente internas de um povo que já foi grande e que agora está inerte
do seu fim. e inseguro. Em síntese, considerando «Portugal» como uma
pessoa, o poema apresenta-no-lo com os seus sentimentos
Gian ii
envolvidos em contradição e incerteza.
L(Q;1{D)-.L(D);4(A);5.(A).
L Os dois últimos versos funcionam como uma síntese do
6. Complemento oblíquo.
poema e também como um ponto de partida para o futuro.
7. 0 antecedente é «direitos mais básicos». A metáfora em «hoje és nevoeiro» (v. 13) congrega em si tüda
GIUPO III a caracterização feita até aqui do nosso país e não deixa dú
vidas: Portugal está num marasmo, ou seja, parado e sem
D ser humano naturalmente precisa de cultivar as vá rias dimen objetivos definidos. 0 referido ponto de partida é consegui
sões da sua vida para se sentir pleno. Tais dimensões são funda
do a partir da afirmação «E a Hora!», cuja maiúscula prova a
mentalmente divisíveis em dois níveis - as do foro físico e as do certeza que Pessoa tem de ser este d preciso e precioso mo
foro emocional.
mento em que Portugal volte a ser poderoso e se encaminhe
Assim, todos precisamos de ter saúde física e condições de vida
para a concretização de novos e futuros feitos grandiosos.
materiais que assegurem a nossa estabilidade. Não obstante,
há muito mais para além disso. Podemos considerar que o nos 4. A repetição do pronome «Ninguém» está ao serviço da crise de
identidade e da intensificação da ideia de marasmo e apatia
so lado emocional é. porventura, tão importante como o físico
e é nele que incluímos aqueles que amamos, designadamente que, segundo o poeta, tão bem caracterizam o estado de Por
tugal e dos portugueses do seu tempo, o início do século XX
os amigos. Sentir-se amado pelos amigos oferece a cada um de
nós a sensação de segurança de que. em qualquer ocasião, boa 5. Sendo considerado «o maior traidor do mar» (1.7), o Polvo re
ou má, podemos contar com eles. ComD? E is dois exemplos con presenta não só a traição, como também outros defeitos a
textuais que d comprovam. ela associados, tais como a mentira, a falsidade, o engano e
Por um lado, os amigos são aqueles com quem partilhamos ce d jogo de interesses, características estas evidenciadas em
lebrações mais pessoais e íntimas, celebrações mais sociais, expressões como «parece um monge» (1.3), «parece uma Es
e ainda com quem partilhamos simplesmente um café, u m lanche, trela» [I. 4), «parece a mesma brandura, a mesma mansidão»
um refresco numa esplanada, num café, num centro comercial ou (II. 4-5), «As cores (...) no Polvo são malícia» (I. 9) e «Peixe
em casa. Quem pode negar que a vida e as suas ocasiões felizes aleivoso e vil qual é a tua maldade» (l 10). Estes traços criti
ganham mais sabor e significado quando partilhadas com aque cáveis são a legorias (representações) dos mesmos traços da
les que nos querem bem? Quem não telefona ao seu amigD para sociedade contemporânea de Padre António Vieira, como se
contar uma notícia boa? Quem não prefere sorrir acompanhado? verifica em «Vejo, Peixes, que peto conhecimento, que tendes
Por outro lado, e sendo verdade tudo o que ficou dito anterior das terras, em que batem ds vossos mares, me estais respon
mente, são também os amigos aqueles que não nos abandonam dendo, e convindo, que também nelas há falsidades, enganos,
nos momentos maus, os de tristeza, de perda e aflição. Os ami fingimentos, embustes, ciladas, e muito maiores e mais per
gos fiéis são os que nos oferecem um sorriso, palavras de con niciosas traições.» (II. 12-14). Note-se que António Vieira
forto, enfim, a sua presença silenciosa, mas significativa, por lutou incansavelmente pela causa da independência e auto
vezes quase impercetível ao olhar alheio, mas cheia de luz, e u ma nomia dos índios, e pela denúncia e correção dos defeitos e
paz imensa que nos enche o coração e a alma. Se refletirmos comportamentos reprováveis da sociedade que o rodeava.
435
PIEMUII EUHE NACIINAL
L A antítese «hipocrisia tão santa» (L 6) exprime uma contra ampla*. Esta calma transmitida pelos jogadores contrasta com
dição. visto que «hipocrisia» é um conceito conotado com o ambiente na cidade, onde as «casas» são roubadas, as «mu
maldade, portanto, nada tem que ver com a santidade, sen lheres» são «violadas» e as «crianças» são esfaqueadas («tras
do precisamente o seu opostD. Ora. Vieira serve-se desta passadas de lanças») e deixadas exangues «nas ruas». Assim,
associação para espelhar nela a confluência - no Polvo e na a conjunção adversativa «Mas» introduz uma espécie de dico
sociedade - de duas atitudes contrárias: o parecer (Bem) e o tomia, pois estando «perto» da cidade em tumulto, estes dois
ser {Mal). Em síntese, esta expressão resume d conteúdo de jogadores conservam a sua passividade, serenidade e calma.
todo este excerto do Sermão. 3. As duas formas verbais descrevem claramente a diferença
7. Podemos considerar que a presença da Modernidade na poe entre aquilo que os jogadores pensa m por instantes e aqu i I o
sia de Álvaro de Campos se materializa através de duas carac que decidem fazer em seguida, ou seja, eles sabem que as
terísticas fundamentais: a primeira é o louvor pela máquina suas «mulheres» e as suas «tenras filhas* podem estar a ser
(tão inovadora nD início do século XX) e a segunda é o designa saqueadas, violadas e assassinadas, todavia optam por re
do arrebatamento do canto, ou seja, a vontade de sentir tudo gressar («volviam») calmamente ao seu tabuleiro para jogar
d que o rodeia de forma total, frenética e quase carnívora. o seu jogo de xadrez. Além disso, conseguem conservar a
Assim, Campos propõe temáticas como a exaltação dos sua «atenta confiança» naquilo que escolhem fazer: ignorar
automóveis, da máquina a vapor ou dos motores {«engrena o tu rbi Ihão e continuar a jogar.
gens»), típicas da industrialização novecentista, utilizando 4. Na última estrofe. Ricardo Reis formula uma espécie de ape
apóstrofes, interjeições e onomatopéias («0 máquinas». lo para que «Imitemos os persas desta história». Ao fazê-lo,
«Hup-lá». «Rrrr»), recursos cuja expressividade toma bem dá exemplos concretos: cada um continue «sonhando*, mes
visível a sua paixão pela Modernidade. mo que os problemas da «guerra», da «pátria» e da «vida»
Em suma, quer do ponto de vista do conteúdo quer do da for nos tentem retirar a paz interior. Estamos, portanto, perante
ma linguística e textual estamos em condições de testemu características próprias da sua filosofia de vida, do carpe
nhar a presença do atual e do moderno na poesia de Campos diem, da filosofia epicurista (aproveitar o que se faz no mo
desse início do século XX. mento presente, que é breve e passageiro) e estoicista {su
portar as adversidades com calma e. se for caso disso, como
CIIH II
acontece com estes dois jogadores de xadrez, tirar o prazer
L{B);L(A)-.L(Bk4.(Dk5,(C).
possível da situação). No entanto, a situação apresentada é
L Predicativo do sujeito.
de extrema dificuldade, pelo que deverá ser quase impossí
7. Oração subordinada adjetiva relativa restritiva. vel manter a filosofia de vida apresentada.
CIINIII 5. Dois aspetos da crítica de costumes feita por Eça de Queirós
neste episódio das Corridas de Cavalos, são. por exemplo:
Muitas vezes os pais, os professores e os demais responsáveis
educativos pressionam os filhos/educandos para dedicarem • a falta de civismo e escrúpulos na convivência social, pois,
mais horas do dia ao estudo, sempre com receio de que estes num ambiente de festa, os intervenientes perdem a com
tenham resultados negativos nos testes/exames ou nos finais postura e entram em disputas, passando das palavras aos
de períodos letivos. 0 problema é que parecem esquecer dois atos, usando de violência - «chapéus pelo ar, baques surdos
argumentos que contrariam esta mentalidade. de murros» (IL 8-9);
Em primeiro lugar, a quantidade de horas de estudo não signifi • a incapacidade de imitar e adaptar com elegância aspetos
ca qualidade de estudo. Por outras palavras, estar muito tempo culturais de um país estrangeiro e civilizado, como a Ingla
a ler ou a memorizar pode não surtir d efeito desejado porque, terra. no que diz respeito à organização e à realização de
estando o aluno cansado ou desconcentrado, não consegue re Corridas de Cavalos - istD revelando-se não só na «massa
solver exercícios ou aprender. de gente» que «oscilou» com a violência, mas também na
Em segundo lugar, os ritmos de sono dos estudantes variam e o intervenção final do «marquês», que admite que «Do que
facto de alguns precisarem de dormir mais horas poderá não ser gostamos é de vinhaça. e viola, e bordoada» (IL 18-19).
sinónimo de preguiça e de irresponsabilidade. Todos devíamos L Enquanto d narrador se encontra a apresentar e descrever os
saber que d sono passa por várias fases: a inicial; a profunda e vários momentos do desentendimento entre os apostadores
aquela em que d cérebro se está a preparar para despertar e re e d Vargas (o que faz em formato de discurso indireto), deci
gressar às tarefas do quotidiano. Ora. interromper estas fases de incorporar no seu discurso palavras literalmente ditas por
fisiológicas do sono pode prejudicar gravemente a capacidade esta última personagem, nomeadamente o grupo nominal
de concentração, assim como a motivação. «gente decente». Assim, consegue, sem marcas de discurso
A pressão aumenta na fase da preparação para os exames fi direto, apropriar-se da linguagem da personagem em questão.
nais; porém, um aluno responsável ajustar-se-á ao ritmo do seu 7. A voz que ouvimos clamar na poesia do ortónimo está inde
próprio organismo, optando por distribuir o tempo de descanso
levelmente colocada entre esses dois mundos - o do sonho
e o tempo de estudo de forma equilibrada.
e oda realidade.
Consideremos cada um em particular. 0 sonho é conotado
PROVA-MODELO 3(p. 373)
como o lugar do ideal, da liberdade, da felicidade plena, onde
GMNI há uma espécie de Bem supremo. Podemos lê-lo como uma
1 Tendo em conta d contexto referido na primeira estrofe, perce «i lha extrema do sul» (no poema «Não sei se é sonho, se reali
bemos que. num outro tempo {«outrora»). houve uma «guerra» dade»), onde «a vida é jovem e o amor sorri» - sendo a vida e a
que incluiu uma «invasão» a uma «Cidade», onde os invasores, juventude associadas a uma frescura e a um vigor plenos. Por
porventura, atearam um fogo que «ardia». Messe momento, outro lado, a realidade é associada a um outro lugar - «nesta
havia «mulheres» que «gritavam». Enquanto isto, «dois joga terra* - Dnde «0 mal não cessa, não dura o bem», isto é. um
dores» jogavam «xadrez» de modo «contínuo», sem parar. lugar (físico ou imaginário) agreste e contrário ao sonho.
L A conjunção coordenativa adversativa «Mas» confirma o con Em conclusão, quando afirmamos que a voz poética está
traste entre a calma e a apatia destes dois jogadores de xadrez entre estes dois mundos é porque. nãD se sabendo bem os
e a violência do ambiente circundante, motivado pela goerra e contornos individuais de sonho e realidade (sendo «uma mis
respetiva invasão. Os dois jogadores, enquanto esperam a tura de sonho e vida»), a verdade é que pensar sobre esta
jogada do «adversário», refrescam a sua «sede» com um «pú dicotomia «desvirtua* d sonho e cansa («Mas já sonhada se
caro com vinho», estando relaxados à sombra de uma «árvore desvirtua, / Só de pensá-la cansou pensar»).
435
NITOCtâ 12? AM
macia do egoísmo e do fechamento de cada indivíduo aos ou pelo desgosto de ter sido traído e abandonado pela sua mulher,
tros. 0 problema agudiza-se porque se expande ao planeta em i 0 espaço físico descrito está envoltD em escuridão, humida
que habitamos. 0 Papa Francisco tem mundividência suficien de e frigidez pelo facto de a porta da varanda estar aberta
te para o afirmar com propriedade em qualquer evento públi e deixar o quarto sujeito à intempérie. Estas características
co. no Vaticano como em qualquer parte do mundo. Porque o assumem-se como simbólicas porque também correspon
faz? Creio que não apenas para denunciar simplesmente um dem à caracterização do espaço psicológico, deixando an
problema gravíssimo, mas para encorajar os povos, sobretudo tever qualquer coisa de trágico que está para acontecer (o
dos países ditos «desenvolvidos», a solucionar o dito proble subsequente suicídio de Pedro).
ma. alterando comportamentos e padrões de vida. Estará esta L 0 sujeito poético enamorado do poema de Ricardo Reis en
af irmaçãD circunscrita à fé e às religiões cristãs? Talvez não, de contra-se calmo, ciente da efemeridade da vida e do seu amor
todo. Pelo contrário, atinge todos os credos porque todos eles a Lídia, a quem aconselha a reservar «um pensamento (...) /
professam o Bem humano, superior e divino. Senão para □ que fica do que se passa», isto é. a memória do
Atentemos em dois exemplos que ilustram esta «globalização essencial desse amor vivido. Pelo contrário, em Pedro da Maia
da indiferença» e em que urgem alterações de mentalidades e nada há de sereno na vivência do sentimento amoroso e muito
de comportamentos: os sem-abrigo em grandes cidades desen menos existe vontade de dialogar (no caso, cdhi d pai, Afonso
volvidas e d trabalho infantil na Asia. De visita a Lisboa, como da Maia). Pedro da Maia é um enamorado sofredor, desespe
a Paris ou Nova Iorque, a Roma ou a Frankfurt, cidades onde rado e que comete suicídio em nome de uma paixão doentia.
impera a riqueza, o urbanismo e a ciência, basta baixarmos os 0 que no primeiro é tranquilidade e razão, no segundo é de
olhos ao nível do chão - lá estãD sentados homens e mulheres, sequilíbrio e emoção fatal.
cujo olhar denuncia a perda do sentido de vida. 0 que faz o ci 7. Pedro da Maia e Carlos da Maia têm perspetivações do amor
dadão da globalização diante desta realidade? Olha, não vê, e totalmente diferentes, tal como se verificou quer pelas ati
segue adiante. A indiferença prevalece. tudes relativamente à mulher amada quer pelo desfecho da
Por outro lado, todos usamos (ao menos uma vez) peças de ves respetiva relação.
tuário ou calçado comprado em multinacionais que rivalizam Pedro era um enamorado inexperiente, que se apaixonou ce
quanto a preços baixíssimos. Se olharmos para as etiquetas, ve gamente por uma mulher sentimentalmente mais madura e
remos o famoso «Made in». normalmente acrescido de «China», manipuladora. Entregou-se a ela. tornando-se dependente.
«índia», «Taiwan», «Bangladesh». Olhamos e vemos, sim, mas Dessa dependência surge a incapacidade de lidar com uma
compramos porque é barato. Barato porque, provavelmente, traição, com d adultério cometido por Maria de Monforte
foi fabricado com auxílio de mão de obra infantil e mal paga ou com o napolitano Tancredo. Daqui resulta o seu fechamento
escravizada. Mesmo assim, compramos. Cada cêntimo pago na gradual e o consequente suicídio.
caixa aumenta a nossa indiferença, escandalosa, porque global. PeId contrário, o filho, Carlos, f dí tendo as suas experiências amo
E esta a indiferença que tem vindo a ganhar terreno no mundo rosas na primeira juventude, na formatura e depois os seus flírts
inteiro e que ati nge, hoje, u ma escala globa I. Só com a verdadei (com a Condessa de Gouvarinho. por exemplo), o que lhe trouxe
ra tomada de consciência destes nossos comportamentos será mais maturidade. É verdade que tal maturidade, conjugada com
possível combater e reduzir estes mesmos comportamentos e, uma educação de caráter cavalheiresco e racionaL não o impediu
assim, inverter esta globalização da indiferença. de cometer incesto voluntário com Maria Eduarda (que amou in
tensamente). A grande diferença relativamente ao pai revela-se
PR0VA-M0DEL0 4(p.379) no seu modo de enfrentar d problema: Carlos releva, perdoa-
GBUPtl -se, faz uma grande e demorada viagem e recomeça a sua vida.
L 0 sujeito poético serve-se das estações do ano para se refe 0 desfecho de cada uma destas personagens evidencia, de for
rir às quatro fases da vida, que não se sucedem exatamente ma inequívoca, d sentimentalismo fatal de Pedro da Maia que
pela mesma ordem das estações do ano indicadas no poema: contrasta com o racionalismo pragmático de Carlos da Maia.
o Dutono remete para o envelhecimento; o inverno para a fri
cimii
gidez da morte; a primavera para o (re)nascimento, e o «es
1 {A); 1 (C), 3. (D); 4. (A); 5. (A).
tio» para a idade adulta, a fase madura da vida do ser humano.
fi. Oração subordinada substantiva completiva.
2. Nestes versos, Ricardo Reis aconselha a amada, Lídia, a con
7. Sujeito (simples), complemento diretD e predicativo do su
siderar e a aproveitar o momento que é efêmero {breve e
passageiro). Assim, enquanto o momento presente não de jeito.
saparece, é passível de ser aproveitado e vivido plenamente. eimii
Estamos, portanto, em presença do conceito dü corpe díem, As crianças da atualidade são □ espelho do que a economia,
que sugere que aproveitemos o dia porque ele é curto e bre a ciência, a tecnologia e as tendências culturais lhes oferecem.
ve, e da filosofia de Epicuro, que aconselha a aproveitar com Por isso mesmo, não é de admirar que, com o avanço da tecno
prazer e mansidão os momentos passageiros da vida. logia de ponta, os hábitos diários de (con)vivência se vão mol
3. Nestes versos, o sujeito poético associa inesperadamente a es dando ao contexto.
tação do ano «primavera» a outras pessoas que não ele próprio E verdade, por um lado, que d manuseamento de instrumentos
e Lídia. Os versos traduzem que «a futura primavera» nãD lhes tecnológicos - brinquedos para bebés, crianças de colo e crian
pertence, apenas o presente, «o estiD», que é a fase da vida em ças em idade escolar - estimula o desenvolvimento intelectual,
que se encontram, importa. Desta forma, evidencia a efemeri- cognitivo e até sensorial. Não é motivo de espanto, nem sinal de
dade da vida e reforça a ideia subjacente à filosofia epicurista riqueza familiar, ver uma criança com um tobíet, um telemóvel, um
4. Podemos elencar três atitudes de Pedro da Maia apresen iPhone du uma PS4. Com estes aparelhos, as crianças embrenham-
tadas neste excerto, que evidenciam o seu sentimentalismo se em jogos de entretenimento, de estratégia, de aprendizagem
437
PIEMUII EUHE NACIINAL
de línguas estrangeiras, entre outros temas. Quando a utilização que comanda os movimentos de um cavalo, controlando d
destes aparelhos tecnológicos se toma excessiva, surgem efei seu comportamento, também o ser humano (simbolizado nos
tos colaterais prejudiciais à saúde física e psicológica dos utiliza navegadores portugueses) deve usar a razão e d bom senso
dores, tais corno: o isolamento; o individualismo; o sedentarismo; para controlar os impulsos desmesurados dos seus interes
entre outros. E neste sentido que as crianças de hoje optam me ses e das suas ambições.
nos pelas brincadeiras ao ar livre {nos parques, nas ruas, na praia) 7, No capítulo V do seu sermão. Padre António Vieira refere-se a
do que pelas brincadeiras virtuais e tecnológicas esta categoria de peixes denominada «pegadores» para os re
Se as crianças não brincam ao ar livre, não pulam, não caem no preender particularmente pelas suas características literais,
chão, não correm, não se sujam, não experimentam o mundo, po típicas do próprio peixe, e alegóricas, materializando as ca
dem desenvolver sérios problemas de saúde como, por exemplo, racterísticas humanas. ComD o próprio nome indica, este pei
atrofiamento muscular e obesidade. xe pequeno «pega-se» aos peixes grandes, escolhendo a zona
Por outro lado, só as brincadeiras aD ar livre combatem o iso do seu dorso, para, assim, se alimentar do que sobra da sua
lamento inerente à prática de jogos e promovem o desenvolvi refeição, sem correr o risco de ser comido por eles, pois es
mento de competências comunicativas e sociais, que resultará tes nãD se podem dobrar. Desta forma. Vieira critica a mesma
em bem-estar psicológico e emocional. atitude nos humanos, designadamente aqueles que, sendo pe
Torna-se. assim, urgente proporcionar às crianças de hoje um quenos em importância e valores (pobres, fracos, medrosos),
maior equilíbrio na utilização das tecnologias para que assim se juntam CDrruptamente aos grandes (ricos e poderosos)
possam também usufruir dos benefícios das atividades lúdicas para se sustentarem à sua custa e sem trabalho meritório.
mais tradicionais e em comunhão com a Natureza.
CNN II
PROVA-MODELO 5 (p. 384) L(D)tL(B);l(D);4.(C);5l{B).
GIINII í. Dêixis temporal e espacial.
1. D poema insere-se na «Primeira Parte - Brasão» na globa 7. Valor explicativo.
lidade da obra Mensagem, porque o conteúdo de que trata
GNN III
incide sobre D. Teresa, mãe de D. Afonso Henriques, primeiro
rei de Portugal, contribuindo, desta forma, para a presentar a E relativamente consensual a ideia de que, se conhecemos d
História de Portugal, desde a sua fundação, ainda como Con passado histórico do nosso país, muito melhor perceberemos d
dado Portucalense. contexto de vida presente.
Assim como u m ser humano adulto é frutD de todas as experiên -
L Nos versos 3 e 4, d sujeito poético pede a D. Teresa («Tareja»)
cias e contextos da sua história pessoal também um país expli
que reze por nós e nos proteja, partindo do pressuposto de que
ca a sua contemporaneidade por meio de episódios e situações
o pronome pessoal «nós» se refere aos portugueses contem
que fazem parte de anos, sécu los e milénios passados. Portugal
porâneos de Fernando Pessoa. Por outro lado, o pedido é feito
não é exceção. Seguem-se dois períodos que exemplificam cla
a esta mulher, considerada «mãe de reis e avó de impérios»,
ramente este ponto de vista.
uma vez que ela foi a mãe do primeiro rei de Portugal e. portan
Primeiro, um dos que Teolinda Gersão refere na citação - o dos
to, «avó», ou seja, antepassada dos reis que se lhe seguiram,
Descobrimentos. Todos deveriamos saber que a diáspora ultra
nomeadamente os responsáveis pelas Descobertas (período
do império português ultramarino). Ao fazer este pedido à nos marina dos séculos XV e XVI não aconteceu por acaso, ou seja,
o povo português dispunha de condições geográficas, náuticas,
sa antepassada, o sujeito poético pede ajuda para dar vida a um
astronómicas, políticas e sociais muito favoráveis. Com mais
novo Portugal imperial a que desigjiará de «Quinto Império».
de setecentos quilómetros de costa a oeste e a sul, e ladeados
1 Os versos 11 e 12 referem-se, em primeira instancia, ao fac
a este e norte por uma nação irmã, mas eterna rival (Espanha),
to de D. Afonso Henriques ter envelhecido e perdido toda a Portugal convinha arriscar a expansão por mar. a navegação.
a determinação e coragem da sua juventude. Naturalmente Foi d que aconteceu. Desta forma, quer a coroa (D. Afonso V,
que a referência ao rei simboliza a nação que ele fundou - D. João II, D. Manuel I) quer figuras importantes como o Infan
Portugal. Assim, tal como o rei se deixou ultrapassar e ven te D. Henrique tinham conhecimentos políticos e técnicos que
cer pelos anos, também Portugal «envelheceu», metafori davam a Portugal grandes vantagens a todos os níveis. Posto
camente. Por outras palavras, os Portugueses perderam a isto, é necessário aD cidadão português dos séculos XX e XXI
coragem e o esplendor que os caracterizavam na época dos perceber este contexto para entender, por exemplo, a presença
Descobrimentos; hoje. Portugal é «nevoeiro», necessitado portuguesa nos vários continentes.
de renovado vigor intelectual ou espiritual Em segundo lugar, e não menos importante, d acontecimento
4. 0 sujeito poético mostra, na última estrofe, que, apesar do histórico que celebramos há 45 anos - o 2S de Abril de 1974.
que referiu anteriormente sobre o envelhecimento (simbóli De facto, há ainda muitos portugueses vivos e de boa saúde que
co) da nação portuguesa, a verdade é que «todo vivo é eterno experienciaram esse momento em Lisboa, a partir do Quartel do
infante», ou seja, tudo o que tem vida dentro de si tem jo Carmo ou do Terreiro do Paço ou ainda dos restantes pontos dü
vialidade (conotação associada a um «infante») e potencial país continental ou insular. Todavia, os jovens precisam de perce
para recriar o passado num futuro ainda melhor («De novo ber o anterior contexto salazarista e marcelista de conservadoris
o cria?»). Assim, podemos caracterizar este sujeito poético mo (político, religioso e cultural) para entender a necessidade de
como um ser dotado de uma esperança que se pode revelar liberdade e até a génese dos partidos políticos atualmente com
poderosa para a reconstrução de um novo Portugal, de uma assento parlamentar. Além disso, precisam desse conhecimento
nação novamente esplendorosa. para compreender a arte, a música e a literatura portuguesa.
5. Neste momento de reflexão. Camões exorta os navegadores Em suma, estes dois casos são exempl ificativos de como o pas
portugueses a controlarem os seus desejos enraizados na sado ajuda a perceber □ presente e da importância desses co
«cobiça», na ambição desmedida e na indigna luta pelo exer nhecimentos para a formação cultural do indivíduo.
cício de poder sobre os outros. 0 poeta acrescenta ainda que
as «honras» (fama heroica) são «vãs* (vazias de valor e sen PROVA-MODELO 6 (p. 389)
tido) e o «ouro puro» em nada beneficia o espírito e a virtude GHN I
moral de cada ser humano. L Os primeiros dois versos referem dois momentos iniciais e ba
L No verso «E ponde na cobiça um freio duro», Camões recorre silares dos Descobrimentos portugueses: d primeiro está rela
à metáfora para explicar que, tal como um freio é o objeto cionado com o uso da madeira düs «pinhais* portugueses para
439
NITOCtâ 12? AM
construir as «caravelas», meios de transporte por excelência lado, o desejo de ser um adulto feliz como uma criança. Por
da diáspora ultramarina; d seguido prende-se com o desejo e a exemplo, no poema «0 sino da minha aldeia», o som e as ba
vontade interiores não só dos nossos navegadores, mas de todo daladas transportam o sujeito poético para um lugar da sua
o povo português de então, as «ânsias» referidas no poema infância Dnde foi feliz - essa recordação fá-lo sentir-se feliz
L Estas duas estrofes são responsáveis por apresentar as e com dolorosa saudade simultaneamente. Já no poema «Ela
personagens e o contexto da «Largada», isto é, da partida canta, pobre ceifeira», o sujeitD poético confessa «Ah! Poder
das caravelas em Belém: populares em geral, mães e espo ser tu, sendo eu! / Ter a tua alegre inconsciência, / E a cons
sas («Pátria-Mãe-Viúva») movidos pelo receio da perda dos ciência disso!», ou seja, deseja simplesmente sentir, sem ra
seus entes queridos que partiam nas caravelas, nesse cais cionalizar, como fazia quando era uma criança inocente.
onde até a «areia» parecia mais «fria», e onde se Duviam «ge
midos» e «palavras cansadas» de quem se afligia perante o
eim ii
desconhecido e o perigo que a ele se associa. Há. no entan L{B);t(C);X(Ak4.(A);5.(CK
to, que notar o «sopro viril de reação», isto é. essa força dos L Sujeito simples.
homens (navegadores e religiosos, porventura) que os não 7. Oração subordinada adverbial causaL
deixava desistir, por isso reagiam.
GIIP4II
3.0 que desencadeou o enchimento das velas foi o «sopro viril
Todo aquele que pensa que adquiriu todo o saber que existe e
de reação / As palavras cansadas / Que se ouviram no cais
já nada mais pode aprender com a vida engana-se a si próprio.
dessa ilusão». Com objetividade, o que impulsionou a parti
A única certeza que temos na vida é não haver certezas. Proba
da das naus e a iniciativa dos Descobrimentos foi a grande
bilidades, sim. Estimativas e planos pessoais, também. Porém,
vontade de superação e de mudança que os portugueses
nunca estamos preparados para o futuro, que é naturalmente
sentiam relativamente ao passado, «Às palavras cansadas».
inesperado e precisa de ser incorporado de alguma maneira na
Apesar de todos os sacrifícios que os homens e as mulheres nossa vida. E como lidamos com esse futuro que se vai atua
teriam de enfrentar, uns no mar e outros em terra, a força lizando a cada segundo, minuto, a cada dia? De acordo com o
impulsionadora dos Descobrimentos era soberana. acumular das nossas experiências. Eis a razão que explica o fac
4. Apesar do que está mencionado nas estrofes anteriores, to de estarmos sempre a aprender. Consideremos um exemplo
«cada homem» mostra-se «firme nos seus pés», ou seja, de bastante próximo daqueles que estão em idade escolar.
terminado em seguir viagem, mesmo perante as adversida Qualquer jovem maior de idade pretende tirar a carta de condu
des imaginadas. Mais ainda: cada um desses homens sente-se ção de carrD e eventualmente de mota. Todos sabemos que para
impelido pelo «grande sonho» de descobrir o mundo por mar. d conseguir é necessário fazer e ter sucesso em dois exames:
5. Os três recursos linguísticos que estão aD serviço da carac d exame de código (teórico, sobre regras e sinais de trânsito)
terização trágica de Afonso da Maia são os seguintes: e o exame de condução {prático, conduzindo o respetivo veícu
•uso expressivo do adjetivo na sequência «lívido, mudo, lo). Ora, quando o jovem se prepara para o exame de código, irá
grande, espectral» (L 15) que promove a ideia de aumento forçosamente usar a sua experiência de estudo e resolução de
não só da estatura real de Afonso, mas também a medida testes que adquiriu durante o período escolar, o qual está ine
da sua profunda dor e vergonha causadas pelo incesto vo vitavelmente preenchido de momentos de avaliações formais.
luntário de Carlos; Meste âmbito, esse/essa jovem já se conhece minimamente e
sabe qual é o seu próprio ritmo de estudo e o melhor método
•a comparação em «mais velho que o século» (l 22) que
acrescenta ca racterísticas de velhice a um homem não mui para compreender e memorizar conteúdos, preparando o su
cesso na obtenção do resultado final.
to velho, mas que os desgostos, os sofrimentos e a solidão
Outro exemplo categoricamente diferente - o da vida de adulto
envelheceram precocemente;
em sociedade. Qualquer ser humano adultD tem de enfrentar as
• o uso expressivo do advérbio «solitariamente» (I. 23) que
adversidades da vida e, não raro, os desafios da convivência so
intensifica a solidão e o abandono em que Carlos deixou cial - estou a referir-me a persona lidades e feitios das pessoas
cair o avô, aquando da sua perdição com Maria Eduarda. que perpassam a nossa vida. Todos temos as nossas peculia
t Afonso da Maia sabia que o neto, Carlos da Maia, mantinha ridades, defeitos, enfim, as nossas idiossincrasias. Sendo isto
uma relação íntima com Maria Eduarda, mesmo sabendo que verdade, como reagir, como lidar com tudo isto? Cada caso é
era sua irmã. Afonso da Maia estava, por isso, assaltado por específico, mas o adulto já acumula experiência social designa
uma dor imensa («Teve um grande gesto de revolta e de dor», damente porque já foi criança e conviveu com os seus pares no
1.8). Caminhava lenta e pesadamente, como se aquela dor lhe i nfa ntário. com os seus colegas n a[s) escola(s) do ensino básico
pesasse os passos («passos lentos, pesados, pisavam surda e secundário, eventualmente na faculdade. Estes contextos es
mente o tapete», IL 13-14). Sentia-se desfeito por dentro e colares revestem-se dos seus pequenos mundos, que mais não
isso era notório na sua aparência («o avô em mangas de cami são dü que sociedades/comunidades (se assim lhes podemos
sa, lívido, mudo, grande, espectral», ll 14-15). Carlos, quando chamar) em que a pessoa cresce, vive, aprende e amadurece.
surpreendido por este avô profundamente ferido, apresen- Tal facto permitir-lhe-á acumular experiência para continuar a
ta-se petrificado e sente-se invadido por aquela dor que lhe viver em sociedade na idade adulta e na velhice - por exemplo,
atravessa a alma. A caracterização quer do espaço quer de nos locais de traba lho. na família que for construindo, nos loca is
Afonso da Maia no seu regresso deste encontro dá-nos os úl de diversão e de culto, para citar apenas alguns contextos.
timos indícios da tragicidade iminente («Afonso atravessou o Em conclusão, diz d povo que o saber não ocupa lugar (saber
patamar, onde a luz sobre o veludo espalhava um tom de san livresco e saber empírico) e a sabedoria popular costuma ser
gue - e os seus passos [. ..| lentos, abafados, e cada vez mais ajuizada e verdadeira.
sumidos, como se fossem os derradeiros que devesse dar na
PROVA-MODELO 7 (p. 395)
vida». IL 18-20). Foram mesmo os últimos passos de Afonso
da Maia. Morreu fracassado e com um profundo desgosto. Gimia
7. A infância é a fase da vida humana que Pessoa ortónimD consi L Ma primeira estrofe, o sujeito poético fornece ao leitor o
dera mais interessante porque é aí que d ser humano encontra contexto de base do poema na medida em que coloca Diogo
a felicidade plena. Todavia, já na idade adulta, o poeta contem Cão a informar que ele próprio («Eu, Diogo Cão. navegador»)
pla-a com muita nostalgia e saudade. Esse sentimento pode chegou a uma praia («areal moreno», ou seja, num país dou
ser entendido de duas formas: por um lado, a recordação de rado pelo 5ol, como o são os africanos), onde deixou a marca
momentos agradáveis dessa fase da vida suscita no sujeito portyguesa («padrão») e depois continuou a sua viagem - «E
poético uma intensa vontade de voltar a ser criança; por outro para diante naveguei».
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L De acordo com estes dois versos torna-se claro que d que é do mortal e finito («como é esta vida miserável que um sopro
humano é inacabado {«a obra é imperfeita») e está sempre pode apagar em menos tempo ainda!»); e ainda o recurso a
aberto à novidade e ao aperfeiçoamento; o divino - a alma - vocábulos de forte conotação emocional (pejorativa ou va-
depende da força ancorada em Deus du dasgraças que o pró lorativa). tais como «desastrDsamente», «honra», «CDraçãD»,
prio Deus quiser conceder ao humano. Daí que esta espécie «tirania», «coisas tão vis e precárias» e «vida miserável»).
de narrador que é DiDgo Cão afirme que aquilo que falta fa I Partindo da descrição da sua anatomia, no capítulo III, Padre An
zer (por exemplo, as terras que falta descobrir e explorar, à tónio Vieira louva o «peixe quatro-olhos» essencialmente por
luz da interpretação das Descobertas) não está nas mãos do que, nadando à superfície do mar e por estar sujeito aos perigos
ser humano, mas nas da Providência Divina, como se lê em do mar e do ar/céu, este peixe é uma espécie de sentinela dos
«da obra ousada, é minha a parte feita». Em suma, o humano dois elementos. Tem ainda a capacidade de se proteger dos po
tem de fazer obra física, mas, em última instância, a concre tenciais inimigos, terrestres du marítimos, pelo factD de poder
tização da obra está dependente do divino, olhar simultaneamente para cima e para baixo. A descrição físi
1 Partindo de símbolos concretos, tais como as quinas e o mar. ca do «peixe quatro-olhos» serve de mote para a criação da ale
Pessoa veicula, através deste poema, a ideia fundamental da goria e da crítica social os seres humanos devem estar atentos,
obra Mensagem. Se as quinas simbolizam não só a bandeira à semeliança do «peixe quatro-olhos», às duas dimensões da
portuguesa (por sua vez símbolo do domínio político e ter vida humana - o que está acima (d divino) e o que está abaixo (o
ritorial de Portugal no Ultramar), mas também a hegemonia terrestre), como é possível ler-se na segqinte passagem textual:
portuguesa na primeira fase dos Descobrimentos, então es «Esta é a pregação que me fez aquele peixezinho. ensinando-me
tamos perante uma interpretação evidente de que Portugal que, se tenho fé e uso da razão, só devo olhar direitamente para
conseguiu feitos históricos notáveis ao longo do período das cima, e só direitamente para baixo: para cima, considerando que
Descobertas. Nd entanto, o conteúdo desta estrofe vai mais há Céu. e para baixo, lembrando-me que há Inferno.»
além do que ficou dito, pois podemos ler nas quinas as cinco cim ii
chagas de Jesus Cristo crucificado que, tendo sido suporta
L(B);Z.(A);1{A);4.{C);5.(D).
das, 0 levaram à glória da Ressurreição, tal como o que acon
teceu com os Portugueses que, sofridas as desventuras da í. Valor explicativo.
expansão marítima, conseguiram criar um império materiali L Oração subordinada adverbial comparativa.
zado no «mar». Sobre o «mar» lemos que o «sem fim é portu CNN III
guês», isto é, não só o físico, mas o «mar da vida», d «mar da
Aquilo que distingue o ser humano dos outros animais é, antes de
inteligência», isto é, aquele que simboliza tudo quanto está mais, o uso da razão. E dela decorre a capacidade de sonharmos.
por descobrir - esse, lê-se no poema - «é português», por
0 sonho de cada um de nós assume várias formas e visa vários ob
outras palavras, está ao alcance de Portugal. Eis, portanto,
jetivos e conquistas pessoais. Consideremos dois exemplos ilus
umas das interpretações mais poderosas de Mensogem.
trativos do poder que o ato de sonhar tem sobre a vida humana.
4. Manuel de Sousa Coutinho recebe informações de Teimo e Primeiro, tomemos o caso do ser humano na sua globalidade.
Miranda e lidera tudo quanto se está a passar em sua casa, Pessoa escreveu que «Deus quer, o Homem sonha, a obra nas
orientando todas as personagens. Assim, podemos verificar ce» e isso viu-se na História Universal ao longo dos milénios.
que é através de Teimo que Manuel sabe do desembarque Se remontarmos, de acordo com a teoria de Darwin, à evolução
dos governadores («desembarcaram agora grande comitiva humana, percebemos que o ser humano não foi evoluindo so
de fidalgos, escudeiros e soldados»). Em seguida, e tomada a mente na sua anatomia de espécie, mas também na invenção e
decisão de partir de sua própria casa, Manuel chama o irmão nomanuseamento de recursos que tinha à sua disposição. Ao
(Frei Jorge), a filha {Maria) e a esposa (Madalena), dando ins homo habifís associamos o trabalho da pedra, ao homo erectus
truções precisas a cada um. Quanto ao criado Miranda, Ma o do fogo, a todos os subsequentes, comportamentos básicos
nuel dialoga com ele no sentido do embarque dos seus bens. da vivência na Natureza e em sociedade (a rupestre, a nômada,
5. A última fala de Manuel de Sousa Coutinho revela que este a recoletora, por exemplo). E, milénios decorridos, os primeiros
homem é um exemplo excelente dos valores da nobreza por «amigos da sabedoria» - os filósofos - refletiram sobre o meiD
tuguesa e. por inerência, de Portugal, valores que Almeida circundante e deram a génese para as várias ciências. Isto evi
Garrett torna claros em Frei Luís Sousa. Podemos encontrar dencia que o ser humano sentiu esse «sonho (...) por dentro»,
evidências destes valores em quatro momentos diferentes: o como lemos na citação de Miguel Torga, e partiu à descoberta e
primeiro é a referência à tradição familiar de mortes trágicas, à exploração. Eis como nasceu a «obra» de que fala Pessoa, isto
mas honradas, em batalha («Meu pai morreu desastrDsamen- é, o progresso, um avançar da vida humana até aos dias de hoje.
te caindo sobre a sua própria espada»)-, o segundo é a menção Segundo, vejamos o Homem como indivíduo. Todos, e cada um
direta aos valores de um verdadeiro fidalgo português «como de nós. estamos em posição de afirmar, sem margem para dúvi
um homem de honra e coração») que constantemente luta e das. que vivemos a nossa vida de acordo com um sonho íntimo
resiste à «tirania»; o terceiro é o desapego relativamente aos - o de assegqrar a nossa sobrevivência, mas tendo em conta d
bens materiais («esses haveres que duas faíscas destroem que almejamos de felicidade para nós mesmos. Seja qual for
num momento»), isto é, a perceção de que o verdadeiro valor tal felicidade. Assim, todos queremos sentir-nos realizados
da vida não é material, mas espiritual e CDmportamental o na profissão/carreira, na vida familiar, enfim, na vida tomada
quarto é a decisão de atear fogo à sua própria casa para nela como um todo. Assim se justifica que haja estudantes que pro
não habitarem os traidores de Portugal, que se associaram curam terminar a escolaridade obrigatória para seguir uma vida
aos castelhanos, após o desaparecimento do seu rei jovem e profissional ou que haja também aqueles que optam pela vida
promissor, D. Sebastião. Assim, através desta intervenção de universitária rumo à investigação científica ou pedagógica. As
Manuel, testemunhamos os valores honrados de um aristo sim se justifica que haja profissionais a consubstanciar as suas
crata português que luta pelo seu país justo e livre. competências e talentos, cientistas a fazer a sua ciência, artis
fi. Dada a natureza emotiva desta intervenção de Manuel de tas a expressar a sua arte, artífices a esculpir as suas peças.
Sousa Coutinho. a sua linguagem está revestida de caracte Porquê e para quê? Creio que porque dentro de cada um de nós
rísticas próprias do domínio da emoção. Desta forma, des- existe esse sonho, que é nada menos do que essa força invisível,
tacam-se três: as frases interrogativas perante a visão da esse querer intensamente conquistar o seu espaço na própria
sua própria morte honrosa {«Quem sabe se eu morrerei nas vida e no mundo, nem que seja o seu.
chamas ateadas por minhas mãos?»); as frases exclamativas Em jeito de conclusão, podemos relembrar d poeta Sebastião
que exaltam o valor essencial da vida humana em detrimento da Gama - «Pelo sonho é que vamos».
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