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PORTUGUÊS

Marina Rocha

ATUAL E COMPLETO

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F
LéYa EDUCAÇAO
ÍNDICE
PARTE I ENCAÇÀIUTEBÍBIA
10/ ano
Poesia Trovadoresca
Contexto histórico....................................................................................................................................... 10
Cantigas de amigo....................................................................................................................................... 10
Cantigas de amor ........................................................................................................................................ 12
Cantigas de escárnio e maldizer................................................................................................................. 12
FICHA 1 Cantigas de amigo «Ai flores, ai flores de verde pino» .......................................................... 13
FICHA 2 Cantigas de amigo «Ai eu coitada. Como vivo em gram cuidado».......................................... 15
FICHAS Cantigas de amigo «-Digades. filha, mia filha velida»........................................................... 16
FICHA4 Cantigas de amor «Quefeu em maneira de proençal»........................................................... 18
FICHA 5 Cantigas de amor «Se eu podesse desamar»......................................................................... 20
FICHA 6 Cantigas de escárnio e maldizer «Ai dona fea, fostes-vos queixar»..................................... 22
FICHA 7 Cantigas de escárnio e maldizer «Quem a sesta quiser dormir»............................................ 24
Fernão Lopes, Crónica de D. João I
Contexto histórico....................................................................................................................................... 26
A prosa do cronista Fernão Lopes.............................................................................................................. 26
Capítulos 11,115 e 148 (resumos) ........................................................................................................... 27
FICHA 8 Capítulo 11 (excerto)............................................................................................................... 29
FICHA9 Capítulo 115 (excerto)............................................................................................................ 32
FICHA 10 Capítulo 148 (excerto)............................................................................................................ 35
Gil Vicente, Farsa de Inês Pereira
Contextualização........................................................................................................................................ 38
Natureza e estrutura da Farsa de Inès Pereira........................................................................................... 38
Caracterização e relações entre personagens........................................................................................... 39
Farsa de Inês Pereira -Resumo ................................................................................................................. 39
FICHA11 Farsa de inês Pereira-Verificação de leitura (obra integral)............................................... 41
FICHA 12 Farsa de Inês Pereira (excerto)............................................................................................... 42
FICHA 13 Farsa de inês Pereira (excerto)............................................................................................... 43
Gil Vicente, Auto da Feira
Natureza e estrutura do Auto da Feira........................................................................................................ 45
Caracterização das personagens e relação entre elas ............................................................................. 45
Dimensão religiosa e representação alegórica........................................................................................... 46
Representação do quotidiano...................................................................................................................... 46
Auto da Feira - Resumo............................................................................................................................... 46
FICHA 14 Auto da Feira - Verificação de leitura (obra integral)............................................................ 48
FICHA 15 Auto do Feira (excerto)............................................................................................................ 49
Luis de Camões, Fim as
Contextualização histórico-literária......................................................................................................... 52
A representação da amada ......................................................................................................................... 53
A representação da Natureza...................................................................................................................... 53
A experiência amorosa e a reflexão sobre o Amor..................................................................................... 53
A reflexão sobre a vida pessoal................................................................................................................... 53
O tema do desconcerto............................................................................................................................... 53
O tema da mudança....................................................................................................................................... 53
Redondilhase sonetos ............................................................................................................................... 53
FICHA 16 «Um mover cfolhos, brando e piadoso»................................................................................... 54
FICHA 17 «Alegres campos, verdes arvoredos»...................................................................................... 56
FICHAIS «Amor, coa esperança Já perdida»........................................................................................... 58
FICHA 19 «Doces lembranças da passada glória»................................................................................... 60
FICHA 20 «Os bons vi sempre passar».................................................................................................... 62
FICHA 21 «Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades».................................................................. 64
FICHA 22 «Aquela cativa»....................................................................................................................... 66
Luis de Camões, Os Lusíadas
Natureza e estrutura da obra....................................................................................................................... 68
Imaginário épico.......................................................................................................................................... 68
Reflexões do Poeta....................................................................................................................................... 68
Visão global.................................................................................................................................................. 69
Interdependência dos planos...................................................................................................................... 71
nmciÊsu?ANi

FICHA 23 Canto I - Proposição................................................................................................................. 72


FICHA 24 Canto I - Invocação.................................................................................................................. 74
FICHA 25 Canto I....................................................................................................................................... 76
FICHA 26 Canto V..................................................................................................................................... 78
FICHA 27 Canto VIII.................................................................................................................................. 80
FICHA 28 Canto IX.................................................................................................................................... 82
FICHA 29 Canto IX.................................................................................................................................... 84
FICHA 30 Canto IX.................................................................................................................................... 86
FICHA 31 Canto X..................................................................................................................................... 88
História Trágico-Marítima
«As terríveis aventuras de Jorge de Albuquerque Coelho» (1565)
Considerações introdutórias....................................................................................................................... 90
Capítulo V (resumo) .................................................................................................................................... 91
FICHA 32 Capitulo V (excerto)................................................................................................................. 93

11/ ano
Padre António Vieira, Sermão de Santo António.
Pregado na cidade de S. Luis do Maranhão, ano de 1654
Contextua lizaçào histórico-literária........................................................................................................... 96
Estrutura externa e interna no Sermôo....................................................................................................... 97
Tópicos de análise do Sermõo...................................................................................................................... 98
Capítulos I a VI (resumos) .......................................................................................................................... 99
FICHA 33 Exórdio - Verificação de leitura.............................................................................................. 101
FICHA 34 Exórdio (excerto)..................................................................................................................... 102
FICHA 35 Exposiçào/confirmdçào-Verificação de leitura................................................................... 104
FICHA 36 Exposiçào/confirmdçào (excerto)........................................................................................... 105
FICHA 37 Exposiçào/confirmdçào (excerto)........................................................................................... 106
FICHA 38 Exposiçào/confirmaçào (excerto)........................................................................................... 107
FICHA 39 Peroração (excerto).................................................................................................................. 109
Almeida Garrett, Frei Luis de Sousa
Contextua lizaçào histórico-literária........................................................................................................... 110
Estrutura ..................................................................................................................................................... 111
A dimensão patriótica e sua expressão simbólica .................................................................................... 112
O Sebastianismo: história e ficção.............................................................................................................. 112
A dimensão trágica....................................................................................................................................... 112
Linguagem, estilo e estrutura...................................................................................................................... 113
Recorte das personagens principais........................................................................................................... 115
FICHA 40 Frei Luís de Sousa- Verificação de leitura (obra integral).................................................... 116
FICHA 41 Frei Luís de Sousa- Verificação de leitura (obra integral).................................................... 117
FICHA 42 Frei Luís de Sousa (excerto)................................................................................................... 118
FICHA 43 Frei Luís de Sousa (excerto)................................................................................................... 119
FICHA 44 Frei Luís de Sousa (excerto)................................................................................................... 120
FICHA 45 Frei Luís de Sousa (excerto)................................................................................................... 121
Alexandre Herculano, Lendas e Narrativas: A Abóbada
Contextua lizaçào histórico-literária........................................................................................................... 122
Contexto de Lendas e Narrativas................................................................................................................ 122
Capítulos (resumo)....................................................................................................................................... 123
Imaginação histórica e sentimento nacional.............................................................................................. 124
Relações entre personagens....................................................................................................................... 125
Características do herói romântico............................................................................................................ 125
FICHA 46 A Abóbada - Verificação de leitura (texto integral).............................................................. 126
FICHA 47 A Abóboda (excerto)................................................................................................................ 128
FICHA 48 A Abóbada (excerto)................................................................................................................ 130
Almeida Garrett, Viagens na minha Terra
Resumo e estrutura geral da obra................................................................................................................ 132
Resumo da novela......................................................................................................................................... 132
Capítulos de leitura obrigatória (resumo).................................................................................................. 133
Deambulação geográfica e sentimento nacional........................................................................................ 134
A representação da Natureza...................................................................................................................... 134
Dimensão reflexiva e crítica....................................................................................................................... 135
Personagens românticas ............................................................................................................................ 135
NEMUII EXAME NACIINAL

Linguagem e estilo....................................................................................................................................... 135


FICHA 49 Viagens na minha Terra {excerto)........................................................................................... 136
FICHA 50 Viagens na minha Terra {excerto)........................................................................................... 138
FICHA 51 Viagens na minha Terra {excerto)........................................................................................... 140
FICHA 52 Viagens na minha Terra {excerto)........................................................................................... 141
Camilo Castelo Branco,. Amor de Perdição
Contextualização histórico-literária........................................................................................................... 142
Resumo da obra integral.............................................................................................................................. 142
Resumo dos capítulos de leitura obrigatória............................................................................................. 143
Sugestão biográfica (Simão e narrador) e construção do herói romântico.............................................. 144
A obra como crónica de mudança social...................................................................................................... 144
Relações entre person agens....................................................................................................................... 144
O amor-paixão.............................................................................................................................................. 144
Linguagem, estilo e estrutura...................................................................................................................... 144
FICHA 53Amor de Perdiçôo-Introdução-Verificação de leitura............................................................. 145
FICHA 54Amor de Perdiçdo {excerto).......................................................................................................... 146
FICHA 55Amor de Perdiçdo-Conclusão-Verificação de leitura.............................................................. 148
FICHA 56Amor de Perdiçdo {excerto).......................................................................................................... 149
Eça de Queirós, Os Maias
Contextualização histórico-literária........................................................................................................... 150
Visàoglobal da obra e estruturação: título e subtítulo............................................................................. 150
Pluralidade das açfies.................................................................................................................................. 151
Representações do sentimento e da paixão: diversificação da intriga amorosa.................................... 151
Características trágicas dos protagonistas da intriga principal ............................................................ 151
Complexidade do tempo............................................................................................................................. 151
Espaços e seu valor simbólico e emotivo..................................................................................................... 152
A representação de espaços sociais e a crítica de costumes:
«Episódios da Vida Romântica*...................................................................................................................... 154
Linguagem e estilo tipicamente queirosianos........................................................................................... 155
Estrutura interna eexterna........................................................................................................................ 155
FICHA57 Os Mofas-Verificação de leitura (obra integral).................................................................. 160
FICHA 58 Os Moras {excerto).................................................................................................................... 162
FICHA 59 Os Maias {excerto).................................................................................................................... 164
FICHA 60 Os Maias {excerto).................................................................................................................... 166
Eça de Queirós, A Ilustre Casa de Ramires
Contextualização histórico-literária........................................................................................................... 168
Estruturação da obra: ação principal e novela - pluralidade de ações..................................................... 168
Complexidade do tempo e complexidade do espaço e seu valor simbólico.............................................. 169
Caracterização das personagens e complexidade do protagonista ......................................................... 169
0 microcosmos da aldeia como representação de uma sociedade em mutação. .................................... 171
História e ficção: reescrita do passado e construção do presente. ......................................................... 171
Linguagem e estilo....................................................................................................................................... 172
Estrutura interna e externa ...................................................................................................................... 172
FICHA 61 A ilustre Casa de Ramires - Verificação de leitura (obra integral)......................................... 176
FICHA 62 A ifustre Casa de Ramires (excerto)........................................................................................ 177
FICHA 63 A ifustre Casa de Ramires (excerto)........................................................................................ 179
Antero de Quental, Sonetos Completos
Contextualização........................................................................................................................................ 180
A angústia existencial ............................................................................................................................... 180
Configurações do Ideal ............................................................................................................................... 180
Linguagem, estilo e estrutura...................................................................................................................... 180
FICHA64 «Luta*...................................................................................................................................... 181
FICHA 65 «Tormento do Ideal»............................................................................................................... 183
Cesário Verde, Cânticos do Realismo - O Livro de Cesário Verde
Contextualização........................................................................................................................................ 184
A representação da cidade e dos tipos sociais........................................................................................... 184
Deambulação e imaginação: o observador acidental ................................................................................ 184
Perceção sensorial e transfiguração poética do real................................................................................ 184
Imaginário épico.......................................................................................................................................... 184
Linguagem e estilo....................................................................................................................................... 184
FICHA66 «O sentimento dum ocidental: I - Ave-Marias»..................................................................... 185
pwtigiês i2? am

FICHA 67 «Num bairro moderno»............................................................................................................ 187


FICHA 68 «De tarde»................................................................................................................................ 189
FICHA 69 «Cristalizações»....................................................................................................................... 190

12.* ano
Fernando Pessoa - Poesia do ortónimo
Contextua lizaçào ......................................................................................................................................... 192
Contextua lizaçào histórico-literária........................................................................................................... 193
O fingimento artístico................................................................................................................................. 194
A dor de pensar ........................................................................................................................................... 194
Sonho e realidade......................................................................................................................................... 194
A nostalgia da infância................................................................................................................................. 194
Linguagem, estilo estrutura......................................................................................................................... 194
FICHA 70 «Autopsicografia»................................................................................................................... 195
FICHA 71 «Ela canta, pobre ceifeira»...................................................................................................... 197
FICHA 72 «Não sei se é sonho, se realidade».......................................................................................... 198
FICHA 73 «Ó sino da minha aldeia»......................................................................................................... 199

Bernardo Soares, Livro do Desassossego


Contextua lizaçào ......................................................................................................................................... 200
0 imaginário urbano..................................................................................................................................... 200
0 quotidiano................................................................................................................................................. 200
Deambulaçào e sonho - o observador acidental........................................................................................ 200
Perceção e transfiguração poética do real. ............................................................................................... 201
Linguagem, estilo e estrutura. ................................................................................................................... 201
FICHA 74 «Amo, pelas tardes demoradas de verão».............................................................................. 202
FICHA 75 «Quando outra virtude não haja em mim»............................................................................... 204
FICHA 76 «Tudoêabsurdo»..................................................................................................................... 206
FICHA 77 Verificação de leitura («Eu nunca fiz senão sonhar»).............................................................. 208
FICHA 78 Verificação de leitura («Releio passivamente, recebo o que sinto»)..................................... 209
FICHA 79 Verificação de leitura («0 único viajante com verdadeira alma que conheci era um garoto»).. 210
Fernando Pessoa - Poesia dos heterónimos
A questão heteronímica.............................................................................................................................. 211
0 fingimento artístico................................................................................................................................. 211
Reflexão existencial.................................................................................................................................... 212
0 imaginário épico....................................................................................................................................... 212
Epicurismo, carpe diem, estoicismo............................................................................................................ 213
Linguagem, estilo e estrutura. ................................................................................................................... 214
FICHA 80 AlbertoCaeiro-Opoetabucõlico*«Oguardadorderebanhos-lelX»............................. 215
FICHA 81 Ricardo Reis - 0 poeta clássico • «Ponho na altiva mente o fixo esforço»............................ 217
FICHA 82 Ricardo Reis - 0 poeta clássico • «Vem sentar-te comigo, Lídia, á beira do rio».................. 218
FICHA 83 Álvaro de Campos - O poeta da modernidade • «Aniversário»............................................... 220
FICHA 84 Álvaro de Campos - O poeta da modernidade • «Ode triunfal»............................................. 222
Fernando Pessoa, Mensagem
Estrutura e valores simbólicos.................................................................................................................... 224
0 Sebastianismo........................................................................................................................................... 226
0 imaginário épico....................................................................................................................................... 226
Exaltação patriótica.................................................................................................................................... 226
FICHA 85 Primeira Parte: «Brasão»........................................................................................................ 227
FICHA 86 Segunda Parte: «Mar Português»........................................................................................... 228
FICHA87 Terceira Parte:«O Encoberto»................................................................................................ 230
CONTOS
Manuel da Fonseca, «Sempre é uma companhia»
Contextua lizaçào ......................................................................................................................................... 232
Resumo do conto......................................................................................................................................... 232
Solidão e convivialidade ............................................................................................................................ 233
Caracterização das personagens: relação entre elas.................................................................................. 233
Caracterização do espaço: físico, psicológico e sociopolítico.................................................................... 233
Importância dos episódios e da peripécia final.......................................................................................... 233
FICHA 88 Manuel da Fonseca, «Sempre ê uma companhia» (excerto)................................................... 234
Maria ludite de Carvalho, «George»
Contextua lizaçào ....................................................................................................................................... 236
Resumo do conto......................................................................................................................................... 236
NEMUII EXAME NACIINAL

As três idades da vida.................................................................................................................................. 237


0 diálogo entre realidade, memória e imaginação..................................................................................... 237
Metamorfoses da figura feminina.............................................................................................................. 237
A complexidade da natureza humana......................................................................................................... 237
FICHA 89 Maria Judite de Carvalho, «George» (excerto)....................................................................... 238
Mário de Carvalho, «Famílias desavindas»
Contextualização........................................................................................................................................ 240
Resumo do conto.......................................................................................................................................... 240
História pessoal e história social: as duas famílias................................................................................... 241
Valor simbólico dos marcos históricos referidos....................................................................................... 241
A dimensão irónica do conto........................................................................................................................ 241
A importância da peripécia final................................................................................................................. 241
FICHA 90 Mário de Carvalho. «Famílias desavindas» (excerto)............................................................. 242
POETAS CONTEMPORÂNEOS
Miguel Torga, Jorge de Sena, Eugênio de Andrade, António Ramos Rosa, Alexandre OWeill,
Herberto Helder, Ruy Belo, Manuel Alegre, Luiza Neto Jorge, Vasco Graça Moura, Nuno Júdice,
Ana Luísa Amaral.......................................................................................................................................... 244
Representações do contemporâneo........................................................................................................... 248
Tradição literária.......................................................................................................................................... 248
Figurações do poeta ................................................................................................................................... 248
Arte poética.................................................................................................................................................. 248
Conceitos para o entendimento da escrita contemporânea: Existencialismo e Niilismo........................ 248
FICHA 91 Miguel Torga, «Profissão»...................................................................................................... 249
FICHA 92 Jorge de Sena, «Passagem cuidadosa».................................................................................. 251
FICHA 93 Eugênio de Andrade. «Não chegarás nunca a dizer»................................................................ 253
FICHA 94 Antônio Ramos Rosa, «Tenho a sensação de que este é o momento».................................... 254
FICHA 95 Alexandre OTIeill, «Autorretrato».......................................................................................... 255
FICHA 96 Herberto He Ider. «O sangue bombeado na loucura».............................................................. 256
FICHA 97 Ruy Belo, «Vária literatura»...................................................................................................... 257
FICHA 98 Manuel Alegre, «Portugal em Paris»........................................................................................ 259
FICHA99 Luiza Neto Jorge, «Recanto 9»................................................................................................ 261
FICHA 100 Vasco Graça Moura, «reverberações»..................................................................................... 263
FICHA 101 Nuno Júdice. «A inutilidade da gramática»............................................................................. 264
FICHA 102 Ana Luísa AmaraL «Malmequeres e polígonos»..................................................................... 266
José Saramago, O Ano da Morte de Ricardo Reis
Contextualização........................................................................................................................................ 268
Estrutura interna e externa.. ....................................................................................................................... 269
Representações do século XX...................................................................................................................... 277
O tempo histórico e os acontecimentos políticos...................................................................................... 277
Representações do Amor............................................................................................................................ 278
Intertextualidade........................................................................................................................................ 278
Linguagem e estilo....................................................................................................................................... 278
FICHA 103 0 Ano da Morte de Ricardo Reis - Verificação de leitura {obra integral)............................ 279
FICHA 104 O Ano da Morte de Ricardo Reis (excerto)............................................................................ 280
FICHA 105 O Ano da Morte de Ricardo Reis (excerto)............................................................................ 282
José Saramago, Memória/ do Convento
Estrutura interna e externa.. ....................................................................................................................... 284
Título e linhas de ação ............................................................................................................................... 288
Caracterização das personagens e relação entre elas . ............................................................................. 289
O tempo histórico eo tempo da narrativa................................................................................................... 291
Visão crítica.................................................................................................................................................. 292
Dimensão simbólica..................................................................................................................................... 293
Linguagem e estilo....................................................................................................................................... 293
FICHA 106 Memorial do Convento - Verificação de leitura (obra integral)............................................ 294
FICHA 107 Memorial do Convento (excerto)............................................................................................. 296
FICHA 108 MemorialdoConvento(excerto)............................................................................................. 298

Géneros textuais
Estrutura, características e marcas: Exposição sobre um tema, apreciação critica, texto/artigo de opinião,
relato de viagem, artigo de divulgação científica, discurso político, diário, memórias, sintese................... 301
nmciÊsu?ANi

Textos-modelo
Exposição sobre um tema............................................................................................................................ 303
Apreciação crítica......................................................................................................................................... 304
Texto/artigo de opinião............................................................................................................................... 305
Relato de viagem.......................................................................................................................................... 306
Artigo de divulgação científica................................................................................................................... 307
Discurso político.......................................................................................................................................... 308
Diário............................................................................................................................................................ 309
Memórias..................................................................................................................................................... 310
Síntese.......................................................................................................................................................... 311
FICHA 109 Leitura..................................................................................................................................... 312
FICHA 110 Leitura..................................................................................................................................... 314
FICHA 111 Leitura..................................................................................................................................... 316
FICHA 112 Escrita - Exposição sobre um tema ...................................................................................... 318
FICHA 113 Escrita-Apreciação critica.................................................................................................. 319
FICHA 114 Escrita-Texto/artigo de opinião.......................................................................................... 320
FICHA 115 Escrita - Síntese ................................................................................................................... 321

PffllE i GRAMÁTICA
Fonética e Fonologia....................................................................................................................................... 322
Processos fonológicos................................................................................................................................. 323
Etimologia ....................................................................................................................................................... 324
Palavras convergentes e divergentes ........................................................................................................ 324
Classes e subclasses de palavras................................................................................................................. 324
Morfologia e Lexicologia............................................................................................................................... 331
Flexão verbal................................................................................................................................................. 331
Processos de formação de palavras ........................................................................................................... 332
Relações semânticas entre palavras........................................................................................................... 334
Campo lexical e campo semântico.............................................................................................................. 334
Sintaxe.............................................................................................................................................................. 335
Coordenação................................................................................................................................................. 335
Subordinação............................................................................................................................................... 335
Funções sintáticas....................................................................................................................................... 337
Semântica........................................................................................................................................................ 340
Valor temporal, valor aspetual, valor modal............................................................................................... 340
Discurso, pragmática e linguística textual................................................................................................ 341
Coerência textual........................................................................................................................................ 341
Coesão textual.............................................................................................................................................. 341
Deixis............................................................................................................................................................ 342
Reprodução do discurso no discurso........................................................................................................... 343
Sequências textuais.................................................................................................................................... 344
Intertextualidade........................................................................................................................................ 345
FICHA 116 Processos fonológicos. Palavras convergentes e divergentes.............................................. 346
FICHA 117 Classes e subclasses de palavras........................................................................................... 347
FICHA 118 Flexão verbal........................................................................................................................... 349
FICHA 119 Processos de formação de palavras. Relações semânticas entre palavras.
Campo lexical e campo semântico.......................................................................................... 350
FICHA 120 Coordenação e subordinação................................................................................................ 351
FICHA 121 Funções sintáticas.................................................................................................................. 352
FICHA 122 Valor temporal, valor aspetual, valor modal......................................................................... 353
FICHA 123 Coerência e coesão textuais.................................................................................................. 354
FICHA 124 Deixis...................................................................................................................................... 356
FICHA 125 Reprodução do discurso no discurso.................................................................................... 357
FICHA 126 Sequências textuais.............................................................................................................. 358
FICHA 127 Intertextualidade................................................................................................................... 360

PARTE IV PROVAS HIDEU


Prova-mo delo 1........................................ 362 Prova-modelo 5.............................................. 384
Prova-modelo 2........................................ 368 Prova-modelo 6.............................................. 389
Prova-modelo 3........................................ 373 Prova-modelo 7.............................................. 395
Prova-modelo 4 ...................................... 379
Propostas de resolução........................................... 401
NEMUII EXAME NACIINAL

POESIA TROVADORESCA1

CONTEXTO HISTÓRICO

As cantigas trovadorescas galego-portuguesas:


• remontam à Idade Média, a um período de cerca de 150 anos {de finais do século XII a meados do século
XIV), num momento marcado pelo nascimento das nacionalidades ibéricas e pela Reconquista Cristã;
■ foram feitas em Galego-Português por um conjunto de trovadores e jograis provenientes dos reinos de
Leão e Galiza, de Portugal e de Castela;
■ foram recolhidas em três cancioneiros: o Cancioneiro da Ajuda, o Cancioneiro da Biblioteca Nacional e o
Cancioneiro da Biblioteca Vaticano;
■ pertencem a três géneros: cantiga de amor, cantiga de amigo e cantiga de escárnio e maldizer.

Sujeito poético
A «donzela» ou «jovem enamorada».

Temas
a) Variedade do sentimento amoroso:
■ saudosa e expectante pela ausência do amado;
• triste e saudosa pela partida do amado;
• feliz a dançar com as amigas em romarias, para seduzir os moços
ou porque são correspondidas;
• desconfiada e triste, por temer uma traição;
• temerosa da Mãe. por lhe mentir sobre a sua relação com o amado.
b) Confidência amorosa:
• diálogos com a Mãe, as irmãs, as amigas ou ainda a Natureza sobre
os seus sentimentos do momento relativamente ao amado pre­
sente ou ausente; monólogos de verbalização do sentimento amo­
roso, feliz ou frustrado.
c) Relação com a Natureza:
• a Natureza (campestre ou marítima / fauna e flora) está sempre de Afonso X e a sua corte,
acordo com o estado de espírito da jovem, tornando-se até um pro­ iluminura das Cantigas de Santa
longamento desse estado; Maria (pormenor), séc. XIII

• como confidente, a Natureza surge frequentemente personificada.

Ambientes (espaço, protagonistas e circunstâncias)


• a Natureza ao ar livre (campo, monte, fonte, rio, mar), lugares de romaria, a casa (ambiente doméstico);
• a donzela, as amigas, as irmãs, a mãe, o «amigo» (amado ou pretendente);
■vivências quotidianas relacionadas com a experiência do amor - a iniciação ao amor, encontro amoroso,
ausência do amado.

1TadDsos textDsda lírica travadoresca usados têm cama fonte a base de dadas Cantigas Medievais Galego-Portuguesas
(disponível em http://cantigas.fcsh.unl.ptJ.

10
ramxiÊs u? ani

TEORIA

Caracterização formal
* Do ponto de vista formal, as cantigas de amigo são constituídas
por estrofes {também designadas coplas ou cobras) breves, nas
quais predominam repetições, genericamente designadas para­
lelismo. Nas cantigas de amigo, encontram-se geralmente repeti­
ções:
- de versos inteiros, com função de refrão;
- de palavras ou expressões no início dos versos ou estrofes;
-a nível estrófico. com sequências de dísticos monórrimos,
seguidos de um refrão, e ligados dois a dois;
-a nível semântico, muito frequentemente com a utilização de
sinónimos.

Iluminura das Contigos de Santa Maria,


Há um tipo particular de composições muito característico na lírica sêc. XIII
galego-português a; a cantiga paralelística com refrão e leixa-pren.
Nestas cantigas, as estrofes são constituídas por dísticos que se repetem uma vez com variações míni­
mas. sendo o último verso de cada par de estrofes retomado no par de estrofes seguinte. Neste esquema,
as estrofes encadeiam-se alternadamente da seguinte forma:
a. b,a:b',b, c.b',c:c.d,c:d:etc

Exemplo:

Ondas do mar de Vigo, (a)


l.° dístico se vistes meu amigo? (b) —
01.° dístico emparelha com o 2.° dístico, com
e ai Deus, se verrá cedo? (r)
variações mínimas (assinaladas com *), mas
reproduzindo o sentido. Neste caso, a varia­
ção ocorre apenas nas palavras que rimam
Ondas do mar levado, (a') (Vigo / levado; amigo / amado)
2.° dístico se vistes meu amado? (b1)------
e ai Deus, se verrá cedo? (r)
0 segundo verso do l.° dístico repete-se
como primeiro verso do 3.° dístico e acresce
Se vistes meu amigo, (b) um verso novo.
3." dístico o por que eu sospiro? (c)
e ai Deus, se verrá cedo? (r)

2.® par
Se vistes meu amado, (b') ■*— 0 segundo verso do 2.° dístico repete-se
o por que heigram coidado? (c1) como primeiro do 4.° dístico.
4.° dístico
e ai Deus, se verrá cedo? (r)
Martim Codax

As estrofes estão assim ligadas por leíxa-pren, isto é, estão encadeadas alternadamente.

11
NEMUII EXAME NACIINAL

Sujeito poético
Trovador da corte (nobre ou o próprio rei), homem que canta a sua «senhor».

Temas
a) Coita de amor:
sofrimento amoroso, por motivos vários - a «senhor» não lhe cor­
responde, está ausente, causa-lhe mais desamor do que amor.
b) Amor cortês:
o objeto/alvo das Cantigas de Amor é sempre a mulher da Nobreza
ou da Corte, cujo estatuto social lhe confere um certo endeusa-
mento; para a cantar, o trovador segue as regras da «mesura» ou
do cortejar da dama, com linguagem formal e respeito evidentes.

Ambientes
Nobres, palacianos ou cortesãos.

Linguagem e estilo
• número variável de estrofes;
• número variável de rimas;
• por vezes têm refrão, mas nem sempre acontece;
• existe progressão de sentido; Iluminura d d Codex Manesse,
sêc. XIV
• linguagem mais próxima da Provençal (sul de França).

CANTIGAS DE ESCÁRNIO E MALDIZER

Sujeito poético
Trovador ou jogral (membro do povo que vai à corte para divertir os cortesãos); o ambiente de festa permite-
-Ihe usar da palavra para fazer as suas críticas.

Temas
a) Paródia do amor cortês:
• louvor à mulher amada (nobre, cortesã ou real), mas com ironia e sarcasmo, exaltando as suas faltas, os
seus defeitos e as suas características físicas ou de personalidade, que o autor quer denunciar;
• crítica ao tópico muito frequente do fingimento da morte de amor.
b) Crítica de costumes:
• toda a sociedade medieval é alvo de críticas: mulheres e homens do povo (de várias profissões ou até
mesmo outros jograis); nobres, religiosos e religiosas; o próprio rei, assim como todos aqueles que o
trovador entender criticar sarcasticamente pela denúncia de escândalos e perversidades.

Ambientes
Ambientes sociais diversos, por onde circulam as personagens criticadas pelo trovador ou pelo jogral.

Linguagem e estilo
Críticas por meio de sátiras e sarcasmos; recurso a calão; trocadilhos e seleção de vocábulos que surtem
efeitos cómicos.

Fontes:
Graça Videira Lopes e Manuel Pedra Ferreira et oL, Cantigas Medievais Galego-Portuguesas |base de dados online|. Lisboa,
Instituto de Estudos Medievais, FCSH/NOVA, 2011 (disponível em http://cantigas.fcsh.unl.pt; consultado a 19/06/17).
Elsa Gonçalves e Maria Ana Ramas (eds), A Lírica Galego-Portuguesa. Lisboa, Editorial Comunicação, 1983, pp. 69-70.
Maria do Rosário Ferreira, «Paralelismo», BÍMos - Enciclopédia Verbo das L íteraturas de Língua Portuguesa, vol. 3, Lisboa/
SàoPaulD, 1999, pp. 1398 1401.

12
Leia atentamente o texto e apresente as suas respostas de forma bem estruturada.

Ai flores, ai flores do verde pino

Ai flores, ai flores do verde pino1. — Vós preguntades polo vossamigo


Se sabedes novas do meu amigo? E cu bem vos digo que c san4’e vivo.
Ai Deus, e u c?2 É Ai Deus, c u é?

Ai flores, ai flores do verde ramo — Vós preguntades polo voss amado?


5 Se sabedes novas do meu amado? E cu bem vos digo que c vive sano.
Ai Deus, e u é? Ai Deus, c u c?

Se sabedes novas do meu amigo, — E cu bem vos digo que c sane vivo
Aqucl que mentiu do que pós conmigo3? 3 E será vosco ant o prazo saído5.
Ai Deus, e u é? Ai Deus, c u c?

U Se sabedes novas do meu amado, — E cu bem vos digo que é vive sano
Aqucl que mentiu do que mi há jurado? E será vosefo] anto prazo passado.
Ai Deus, e u é? Ai Deus, c u é?
D. Dinis

1 Pinheiro.
2 Está?
3 Da que me prometeu.
4De boa saúde.
5 Antes de o tempo combinado de ausência chegar ao seu fim.

1. Retire do texto evidências de que se trata de um diálo­


go. identificando os seus interlocutores.

Iluminura do Codex Monesse,


sécxrv

2. Mostre que os seus interlocutores dão vida a uma personificação e sirva-se de elementos
textuais para o justificar.

13
3. Explicite o assunto desta composição poética, referindo-se ao conteúdo do diálogo.

4. Caracterize psicologicamente as personagens intervenientes no referido diálogo.

5. Mostre como as temáticas típicas das Cantigas de Amigo se encontram neste texto.

6. Quanto à estrutura formal mostre a presença de várias formas de paralelismo na cantiga.

7. Indique se é V (Verdadeira) ou F (Falsa) cada uma das seguintes afirmações, corrigindo


a(s) falsa(s):

a) O refrão tem 5 sílabas métricas, dando forma a uma redondílha maior.


b) Os protagonistas desta composição têm uma relação bastante amigável.

8. Dada a linguagem medieval, encontramos no texto vários processos fonológicos. Complete


a seguinte frase com a informação omissa:

a) Em «preguntades». encontramos, pelo menos, uma e uma

14
PRÁTICA

Leia atentamente o texto e apresente as suas respostas


de forma bem estruturada.

/lí eu coitada, Conto rit>o em grum cuidado

Ai cu coitada. Como vivo cn grani1 cuidado2


Por meu amigo que hei alongado3;
muito me tarda
o meu amigo na Guarda.

5 Ai cu coitada, como vivo cm gram desejo


Iluminura do Codex Manesse
Meu amigo que tarda e nom vejo; (pormenor), séc. XIV
muito mc tarda
o meu amigo na Guarda. 1 Grande.
2 Preocupação.
Afonso X ou Sancho I 3 Ausente.

1. Identifique o assunto desta cantiga.

2. Indique os dois sentimentos explicitamente ditos pela jovem no primeiro verso de cada
estrofe,justificando a sua resposta com elementos textuais.

3. Retire do texto a palavra que melhor exemplifica a temática da «coita de amor».

4. Refira qual dos cinco sentidos causa à jovem maior dor. justificando a sua resposta.

5. Identifique o recurso expressivo, ao nível fónico, presente em «muito me tarda / o meu


amigo na Guarda» (versos 7-8) e refira o seu valor.

15
Leia atentamente o texto e apresente as suas respostas de forma bem estruturada.

- Dfca des, filha, mia filha relídj

— Digades, filha, mia filha velida1,


por que tardastes na fontana2 fria?
Os amores hei3.

— Diga d es, filha, mia filha louçana,


por que tardastes na tna fontana?
ç Os amores hei.

— Tardei, mia madre, na fontana fria,


cervos4 do monte a áugua volv[i]am5.
Os amores hei.

Tardei, mia madre, na fria fontana,


cervos do monte volv[i]am a áugua.
Os amores hei.
Iluminura da Codex Manesse.
sécXIV
— Mentir, mia filha, mentir por amigo,
nunca vi cervo que volvesse o no.
Os amores hei.
K !«Velida» e «louçana» remetem para a
Mentir, mia filha, mentir por amado. beleza jovial das moças das cantigas.
2 Fonte.
Nunca vi cervo que volvesso alto5; 3Irve.
Os amores hei. 4 Veadas selvagens.
5 Agitavam.
4 Monte.
Pedro Meogo

1. Divida em partes lógicas esta cantiga.

2. Apresente, com palavras suas, a história/narrativa desta composição poética. Justifique


a sua resposta com elementos textuais.

16
PRÁTICA

3. Prove que se trata de uma Cantiga de Amigo paralelística (incluindo íeíxa-pren).

4. Mostre que as sucessivas apóstrofes confirmam o diálogo. Justifique a sua resposta com
elementos textuais.

5. Considere os versos «fontana fria» e «fria fontana* (versos 2 e 5). Identifique o recurso
expressivo, ao nível fónico, e refira-se ao seu valor.

6. Indique o recurso expressivo, ao nível sintático, em «cervos do monte a áugua volv|i]am*


(verso 8) e refira o seu valor.

7. Mostre como as estrofes 5 e 6 revelam o saber empírico da Máe. que a faz apresentar um
argumento indiscutível.

8. Refira os recursos expressivos, ao nível fónico, que. ao longo do poema, estáo ao serviço
de:

a) movimento
b) lamento

c) alegria, entusiasmo e nervosismo

9. Transcreva todos os vocábulos que se referem à Natureza.


Leia atentamente o texto e apresente as suas respostas de forma bem estruturada.

Quer eu em maneira de proettçal

Quer’eu cm maneira de proençal1


fazer agora um cantar d amor
e qucrrei2 muit’i loar3 mia senhor4
a que prez5 nem tremosura nom tal6,
nem bondade; e mais vos direi en:
tanto a fez Deus comprida de bem7
que mais que todas las do mundo vai.

Trovadores, iluminura das Cantigas


Ca8 mia senhor quiso9 Deus fazer tal, de Santa Marra, séc. XIII
quando a tez, que a fez sabedor10
de todo bem e de mui gram valor, 1 «Provençal»; «da Provença» - zona da sul
e com tod’cst[o]u c mui comunal12 de França.
2 Querer ei.
ah u13 deve; cr dcu-lhi bom sem14
3 Louvar.
e des ils nom lhi fez pouco de bem 4 Senhora.
quando nom quis que lh’outra toss’igual. 5 Valor, mérito.
fiNào falta.
7 Cheia de qualidades.
Ca cm mia senhor nunca Deus pôs mal, B Porque.
3 Quis.
mais16 pôs i prez e bcldad’c loor17 10 Completa.
e talar mui bem c rnr melhor 11 Além disso.
que outra molher; des 1 é leal 12SoáaL
13 Quando.
muit*; c por esto nom sei hoj’eu quem 14 Bom senso.
possa compridamentc no seu bem 15 Além disso.
1KMas.
falar, ca nom há, tra’lo seu bem, al18. 17 Louvor.
1BPois, para além da seu bem. não há mais
D. Dinis nada.

1. Considere o título desta composição poética e explique por que razão percebemos ime­
diatamente que se trata de uma cantiga de amor.

2. Identifique o cenário a que diz respeito esta cantiga.


3. Identifique o sujeito e o objeto desta cantiga, recorrendo a citações textuais.

4. Transcreva sete excertos em que sujeito apresenta as virtudes de sua amada.

4.1 Retire da cantiga dois exemplos de comparação ao serviço da descrição da amada,


referindo os seus valores expressivos.

5. Assina lea opçãocorreta.Osversos«(...)e por esto nom sei hoj'eu quem/possa comprida­
mente no seu bem / falar, ca nom há, tra'lo seu bem, al.» (versos 19-21) podem ser vertidos
para português contemporâneo como:

a) «e por tudo isto eu sei bem de muitos outros que podem falar bem de suas amadas
como eu da minha.»
b) «quando a amei no passado, ninguém tinha uma amada como eu.»
0 *e por tudo isto (que acabo de dizer) não sei de que outra mulher possa falar um
homem, pois como a minha não há outra.»

6. Divida a cantiga de amor em partes lógicas, explicando a sua escolha e tendo em conta os
inícios de cada estrofe: *Quer’eu» / «Ca» / «Ca».

7. Selecione a(s) resposta(s) correta(s). Os vocábulos «loar» (verso 3) e «loor» (verso 16)
remetem para «louvor»:
a) rústico. c) ) velado.

bj irónico. d) cortês.

8. Nas palavras «riir», «mia», «mui» ocorreram até aos nossos dias, respetivamente, os
seguintes processos fonológicos:
a) I 1 sinérese. palatalização e aférese. c) . crase, palatalização e paragoge.

b) prótese, metátese e paragoge. d) sinérese. palatalização e paragoge.

19
Leia atentamente o texto e apresente as suas respostas de forma bem estruturada.

Se eu podesse desamar

Sc cu podcssc desamar ll Mais roga Deus que desampar


a quem me sempre desamou a quem massi desamparou,
c podcss’algum mal buscar ou que podesseu destorvar5
a quem me sempre mal buscou! a quem mc sempre destorvou.
5 Assi me vingaria eu, E logo dormiria cu,
se cu podcssc coita1 dar M se eu podcssc coita dar
a quem mc sempre coita deu. a quem mc sempre coita deu.

Mais sol nom2 poss’cu enganar Vcl6 que ousassen preguntar


meu coraçom que m enganou, a quem mc nunca preguntou,
1 per quanto mi tez desejar por que mc fez cm si cuidar,
a quem mc nunca desejou. K pois ela nunca cm mim cuidou;
E por esto3 non dórmio* cu, c por esto lazciro7 cu:
porque nom poss’cu coita dar porque nom posso coita dar
a quem mc sempre coita deu. a quem mc sempre coita deu.

Pero da Ponte

2 Nem mesma.
3 Isto.
4 Durma.
5 Prejudicar.
Ou.
7 Sofrimento; desgraça; insónia.

1. Explique a razão pela qual esta cantiga de


amor é um bom exemplo de expressão da I luminura do Codex Manesse {pormenor}, séc. XIV

«coita de amor».

2. Prove que a primeira estrofe é uma espécie de introdução e explicação prévia de toda a
cantiga.

20
PRÁTICA

3. Tendo em conta as estrofes 2,3 e 4. explicite os factos de que se queixa o sujeito em rela­
ção à amada e respetivos desejos de lhe fazer o mesmo.

4. Mostre como toda a cantiga está assente em desejos que náo sáo concretizáveis. Recorra
a. pelo menos, dois exemplos.

5. Considere o 5.° verso de cada estrofe. Transcreva-os e refira o papel de cada um na pro­
gressão de conteúdo desta cantiga de amor.

6. Apresente a caracterização psicológica da amada de quem fala este sujeito poético.

7. Apresente a estrutura formal da cantiga.

8. Identifique o esquema rimático e o tipo de rima da composição.

21
Leia atentamente o texto e apresente
as suas respostas de forma bem estruturada.

ylí dona fea, fostes-vos queixar

Ai dona fea, fostes-vos queixar


que vos nunca louvenfo] meu cantar;
mais ora1 quero fazer um cantar
em que vos loarci todavia;
Ç e vedes como vos quero loar:
dona fea, velha c sandia2’

Dona fea, sc Deus nu perdom,


pois avedes [ajtam gram coraçom3
que vos eu loe, cm esta razom
1 vos quero já loar todavia;
e vedes qual scra a loaçom4:
dona fea, velha c sandia!
Iluminura das Cantigas de Santa Maria
(pormenor), séc. XIII
Dona fea, nunca vos cu loci
cm meu trobar, pero muito trobci;
lí mais ora já um bom cantar tarei,
cm que vos loarci todavia; 1 Mas agora.
2 Louca.
e direi-vos como vos loarci: 3 Pois tendes táo grande desejo.
dona fea, velha c sandia! 4 0 louvor.

Joào Garcia de Guilhade

1. Considerando apenas título da composição, justifique a sua inclusão nas cantigas de


escárnio e maldizer.

2. Refira os motivos de queixa de «dona fea*.

22
PRÁTICA

3. Explicite os recursos expressivos presentes no refrão e refira o seu valor.

4. Identifique a ironia que o sujeito poético faz sobressair nos últimos quatro versos da ter­
ceira estrofe.

5. Mostre como se trata de um trovador já com muita experiência.

6. Faça o levantamento dos vocábulos da família de * lo ar», ao longo do poema.

7. Estabeleça o contraste entre esta cantiga e as cantigas de amor, no que diz respeito à
atitude da dama e ao papel do trovador.

8. Proceda à análise formal da cantiga.

23
Leia atentamente o texto e apresente as suas respostas de forma bem estruturada.

Quem a sesta quiser dormir

Quem a sesta quiser dormir, 15 E vedes que bem se guisou5


consclhá-lo-ei a razom: de fria cozinha tecr
tanto que jante1, pense d'ir o mtançom, ca non mandou
à cozinha do intançom2: des oganfi1 i togo acender;
5 e tal cozinha lhachará, e, se vinho gaar7 d alguém,
que tam fria casa nom há H ah lho esfriaram bem,
na hoste3, de quantas i som. se o trio quiser bever.

Pero da Ponte
Ainda vos en mais direi
eu, que um dia 1 dormi:
1 tan bòa sesta nom levei, 1 «Depois de jantar», sendo «jantar» o correspondente
des aquel dia ‘m que naci, ao atual «almoço».
2 Cavaleiro nobre.
como dormir em tal logar, 3 Nas redondezas; na comunidade.
u nunca Deus quis mosca dar, 4 Coisa.
5 De que maneira se preocupou.
ena mais fria rem4 que vi.
4EsteanD.
7 Receber.

1. Podemos considerar os primeiros quatro versos da primeira sétima como introdução de


toda a cantiga.
1.1 Faça a paráfrase dos versos em português europeu contemporâneo.

1.2 Identifique a açáo nomeada, a hora a que deve ser posta em prática e o local exato.

1.3 Identifique a crítica que o trovador tece e que dá imediatamente forma ao escárnio
e maledicência.

2. Considere o conteúdo da restante cantiga.

2.1 Identifique, por ordem de surgimento no texto, as restantes críticas.

24
2.2 Refira a principal característica desta casa aristocrata, de acordo com número de vezes
que é referida no texto. Justifique a sua resposta com elementos textuais.

3. Explicite a postura do jovem fidalgo em relação às características da sua casa. Justifique


a sua resposta com elementos textuais.

4. Esclareça a característica criticada na personalidade deste fidalgo.

5. Transcreva uma comparação, usada ao serviço da descrição da cozinha, e refira o seu


valor expressivo.

6. Identifique os três recursos expressivos presentes nos seguintes versos: «eu, que um dia
i dormi:/ tan bòa sesta nom levei, / des aquel dia 'm que naci» (versos 9-11).

7. Apresente a estrutura formal desta cantiga.

8. Identifique os processos fonológicos nos vocábulos que se listam a seguir:

a) «i»

b) «tan»

c) «naci*

d) «teer*
e) «gaar» 25
NEMUII EXAME NACIINAL

FERNÃO LOPES, CRÓNICA DE D. JOÃO I


(Primeira parte)

CONTEXTO HISTÓRICO

• A Crónica de D. Joao I (1.® parte) diz respeito a um período marcado por tensões políticas devido à crise
económico-social do século XIV.
• Com a morte d'el Rei D. Fernando, o Formoso, surge um problema de sucessão.
• E proclamada regente sua mulher. D. Leonor Teles, apoiada pelo manipulador e «astucioso fidalgo galego»
Conde de Andeiro (que pretende a anexação de Portugal a Castela).
• Álvaro Pais, antigo chanceler-mor dos reis D. Pedro e D. Fernando, toma a iniciativa de matar o conde
Andeiro e escolhe para essa tarefa D. João, Mestre de Avis {irmão do falecido D. Fernando e filho bas­
tardo do amor entre D. Pedro e D. Inês de Castro), que aceita a incumbência.
• Eis o esquema de Álvaro Pais: «à mesma hora em que o Mestre fosse matar o conde, a população seria
alarmada com a notícia de que no paço queriam matar o Mestre, e era urgente acudir-lhe. A multidão
acorreria ao paço e ninguém ousaria fazer mal ao Mestre». As coisas passaram-se exatamente como
Álvaro Pais previra» - o Mestre entrou no palácio real com homens armados, matou o conde e apareceu à
janela, mostrando que escapara à suposta cilada, o que levou a multidão a aclamá-lo em delírio «Regedor
e defensor do Reino».
• «Estes factos desencadeiam levantamentos populares em várias regiões. rei de Castela tenta sufocar
a revolução [com o Cerco de Lisboa], mas a peste dizima as forças invasoras e obriga-as a retirar.».
• Mestre de Avis é eleito Rei de Portugal nas Cortes de Coimbra de 1385. «A monarquia nascida da revo­
lução depressa reencontra o equilíbrio e restabelece, sob a égide de um poder real robustecido, a prima­
zia política da nobreza».1

• Cumprindo a missão que lhe tinha sido atribuída de registar a história dos reis de Portugal, Fernão Lopes
(século XV) criou um novo estilo e afirmou-se como um notável prosador:
- com o objetivo de relatar os factos históricos tal como eles teriam acontecido e de levar o leitor a «pre­
senciar a cena* (tendência visualista), a sua escrita é marcada por uma «minúcia descritiva» (abundam
pormenores) que se traduz num forte realismo;
- na Crónica de D. João I, que descreve, na primeira parte, os acontecimentos mais marcantes da crise de
1383-85, Fernáo Lopes atribui particular importância aos seguintes «quadros»;
> motins da «arraia-miúda» (povo de Lisboa);
> o cerco de Lisboa.2
• Na Crónico de D. João 1(1.® parte), testemunhamos a afirmação da consciência coletiva, ou seja, o papel do
povo, como herói coletivo, que age unido por um mesmo propósito, acudindo ao Mestre e resistindo durante
o Cerco.
• Na mesma crónica, verificamos a presença de atores individuais e coletivos: os primeiros são o Mestre de
Avis e Álvaro Pais; os segundos correspondem à «arraia miúda» (populares).

1 Jüsé Hermano Saraiva, «A Revolução de 1383-1385», Historio de Portugal -1245-1648, Lisboa, Publicações Alfa, 1983,
pp. 79-89 (adaptado).
2 Manuel Rodrigues Lapa, «Lições de Literatura Portuguesa - Época Medieval», Historio Critico do Literatura Portuguesa (Jdade
Média), Lisboa, Editorial Verbo, 1998, pp. 452-454 (adaptado).

26
ramxiÊs u? ani
TEORIA

Capítulo 11 • 0 pajem do palácio vai a cavalo gritar ao povo que estão a matar o «Mestre de Avis nos
«Do alvoroço Paços da Rainha*.
que foi na • Os populares da cidade, ao ouvirem tal notícia, alvoroçam-se e começam a servir-se
cidade cuidando das armas que têm à sua disposição para acudir o Mestre.
que matavom o •Álvaro Pais já vem pronto para o combate com uma «coifa* (parte da armadura que
Meestre, e como
protegia a cabeça) e um cavalo.
aló foi Alvoro
Paaez e muitas • Pais traz outros fidalgos armados que incitam a multidão a ajudar o Mestre, pois era
gentes com ele» filho de D. Pedro (com D. Inès de Castro).
• A multidão é tanta e tão ruidosa que circula pelas ruas principais e secundárias, ata­
lhos e por onde possa para chegar ao Paço, sempre com Álvaro Pais à cabeça, dizendo
que matam o Mestre sem ele ter culpa de nada.
• Circula pelo povo a ideia de que fora a própria regente, D. Leonor Teles (com a orienta­
ção do fidalgo galego com quem vivia, o Conde Andeiro), que mandara matar D. João.
• Populares chegam ao palácio e veem as portas fechadas: começam a gritar pelo Mestre
eadizerqueestàoprontosa arrombar as portas ou a incend i ar o Paço; já alguns popula­
res vêm com escadas para subir às janelas e outros rodeiam ameaçadoramente o Paço.
• Armas de que se serve o povo: «feixes de lenha* e «carqueija» para incendiar o muro.
• Vozes bradam repentinamente.de dentro do Paço, dizendo que o Mestre está vivo e que
D João Fernandes (Conde Andeiro) está morto.
• A multidão pede para ver o Mestre e confirmar; o Mestre mostra-se à janela, dizendo
que está vivoe bem.
• Povo deseja também a morte da regente «aleivosa*, mas Leonor Teles e os seus alia­
dos conseguem fugir do Paço.
• Mestre sai do palácio, acompanhado de Álvaro Pais e seus cavaleiros, e pede aos
populares que regressem a casa, pois já fizeram ali a sua parte.

Capítulo 115 • 0 cenário está instalado: el-rei de Castela decide cercar a cidade de Lisboa, que
«Per que guisa estava de antemão preparada; quando o Mestre sabe da intenção do rival castelhano,
estava a cidade ordena que:
corregida pera - os homens recolham a maior quantidade de alimentos possível;
se defender,
- os homens vào de «barcas e batéis* ao Ribatejo, de onde trazem mantimentos;
quamdo el rei
de Castela pôs - os lavradores e as suas famílias entrem na cidade cercada com todos os seus per­
cerco sobrela* tences. bem como todos os outros que se queiram juntar;
• Descrição da cidade cercada (e fortificada):
- muros robustos com suas «quadrilhas* (partes do muro protetor);
- 77 torres em redor, coberturas de madeira;
- «lanças e dardos*, «bestas de torno», «viratões» (arcos e setas de grande alcance)
e catapultas;
- pedras e bandeiras de S. Jorge (um dos padroeiros da cidade de Lisboa);
- torres guardadas por «senhores e capitães*, «fidalgos e cidadãos honrados*, «bes­
teiros e homens darmas»;

3 Os excertos dos capítulos 11,115 e 148 da crónica que citamos seguem a ediçáD: Fernão Lopes [apresentação crítica de Teresa
Amada), Crónica de D. João J, Lisboa, Editorial Comunicação. 1992.

27
NEMUII EXAME NACIINAL

- quando o sino das torres toca, os guardas deixam-nas a outros vigias e aprontam-
-se para combater os inimigos; os «mesteirais» (artesãos) saem de suas oficinas e
correm com as armas que têm à mão; os restantes populares juntam-se à defesa e
acorrem em multidões aos muros com trombetas e gritos de apoio, espadas e lan­
ças, sem temer o inimigo; os clérigos e os frades da Trindade (contrariando as Leis
da Santa Igreja) lutam com o que têm à mão;
- todas as portas da cidade estão protegidas e a dificultar a entrada de inimigos;
-muros novos e proteções são construídos com pedras que as mulheres recolhem
nos campos:
- todos, fidalgos e populares, mesteirais e demais, vivem em amigável comunhão na
defesa de um objetivo comum; defender a sua cidade e expulsar os castelhanos.

Capítulo 148 • cerco prolonga-se e começam a faltar os mantimentos - cresce nos sitiados a sen­
sação de «míngua», falta de alimento para poderem manter o corpo robusto.
• Das tribulações
que Lixboa • As privações começam a atingir também nobres e religiosos.
padecia per • trigo escasseia, os cercados começam a comer «pam de bagaço d'azeitona, e dos
míngua de queijos das malvas e raízes dervas» e tudo o que a Natureza dá. comestível ou não; há
mantimentos» ainda os que escavam a terra à procura de uns grãos de trigo.
• A comida falta dando origem a querelas e inimizades entre os sitiados, ainda que
diligentes e corajosos, sempre que repicam os sinos a anunciar ataques castelhanos;
ainda assim, alguns homens resignam-se e, cheios de fome e sofrimento, tentam con-
solar-se com inúteis palavras e lamentos.
• Todos se ajoelham na terra e pedem a Deus misericórdia ou então a própria morte.
• Mestre e o seu Conselho condoem-se, mas nada podem fazer, pois passam também
eles privação.
• Povo queixa-se de dois tipos de inimigos: os castelhanos, que os cercavam de fora,
e a escassez de alimentos, que os matava aos poucos dentro das muralhas.
• Reflexão final de Fernão Lopes; chama à atenção dos outros e futuros portugueses
que não participaram em tal sofrimento e flagelo para porem os olhos na confiança, na
devoção e no patriotismo (até à morte) destes cercados obedientes e tão sofredores.
• cerco acabará quando a peste começar a vitimar sitiados e sitiantes, regressando
os castelhanos à sua terra.

Jean Froissant, Iluminura do Cerco


de Lisboa de 1384,14011 SOO

29
Leia atentamente o excerto e responda às questões.

CAPITULO 11

Do alvoroço que foi na cidade cuidando que matavom o


Meestre, e como alófoi Alvoro Paaez e muitas gentes
com ele
Soarom as vozes do arroido1 pela cidade ouvindo
todos braadar que matavom o Meestre; e assi como
viuva que rei nom tnnha, e como se lhe este ficara em
logo de marido, se moverom todos com mào armada,
5 correndo a pressa pera u deziam que se esto fazia, por
lhe darem vida e escusar morte.
Alvoro Pacz nom quedava d’ir pera alá, braadando
Autor desconhecida. Retrato
a todos: de D. Joào L séc. XV
— Acorramos ao Meestre, amigos, acorramos ao
U Meestre que matam sem por que!
A gente começou de se juntar a ele, e era tanta que era estranha cousa de veer. Nom
cabiam pelas ruas prmcipaes, e atrevessavom logares escusos2, desejando cada íiu de scer
o primeiro; e preguntando uüs aos outros quem matava o Meestre, nom minguava3
quem responder que o matava o Conde Joam Fernandcz [Conde Andeiro], per man-
15 dado da Rainha.
E per voontade de Dcos todos feitos duíi coraçom com talcntc4 de o vingar, como
forom aas portas do Paaço que eram já çarradas5, ante que chegassem, com espantosas
palavras comcçarom de dizer:
— L’£ matom o Meestre? Que é do Meestre? Quem çarrou estas portas?
3 Ah eram ouvidos braados de desvairadas maneiras. Taes i havia que ccrtificavom que
o Meestre era morto, pois as portas estavom çarradas, dizendo que as britassem7 pera
entrar dentro, e vccriam que era do Meestre, ou que cousa era aquela.
Deles braadavom por lenha, c que veesse lume para poerem togo aos Paaços, e quei­
mar o treedor c a aleivosa8. Outros se aficavom pedindo cscaadas pera sobir acima,
5 pera veerern que era do Meestre; e cm todo isto era o arroido atam grande que se non
entendiam uüs com os outros, nem determinavam ncüa cousa. E nom somente era isto
aa porta dos Paaços, mas ainda arredor deles per u homees e molheres podiam estar. Uas
vnnham com feixes de lenha, outras tragiam carqueija* pera acender o fogo cuidando
queimar o muro dos Paaços com ela, dizendo muito doestos10 contra a Rainha. (...)
3 Entom os do Meestre veendo tam grande alvoroço como este, e que cada vez se
acendia mais, disscrom que fosse sua merece de se mostrar aaquclas gentes, doutra
guisa11 poderiam quebrar as portas, ou lhe pocr o togo, e entrando assi dentro per força
nom lhe poderiam depois tolher de fazer o que quisessem.
Ah se mostrou o Meestre a üa grande janela que vnnha sobre a rua onde estava Alvoro
S Paacz c a mais força de gente, e disse:

29
— Amigos, apacificae vos, cau cu vivo c sào som a Deos graças.
E tanta cra a torvaçam13 deles, e assi tunham já cm crença que o Meestre era morto,
que taes havia 1 que apcrfiavom que nom cra aquele; porem conhcccndo-o todos clara­
mente, houverom gram prazer quando o virom, c dcziam uüs contra os outros:
• — O que mal fez! pois que matou o treedor do Conde, que nom matou logo a aleivosa
com ele! Creedes cm Deos, ainda lhe há de viinr alguü mal per cia. Oolhac c veede que
maldade tam grande, mandarom-no chamar onde íajá de seu caminho, pera o matarem
aqui per traiçom. O aleivosa! Já nos matou uii senhor, c agora nos queria matar outro;
leixac-a, ca ainda há mal dacabar por estas cousas que faz.
E sem duvida se eles entrarom dentro, nom se escusara a Rainha de morte, c fora
maravilha quantos eram da sua parte c do Conde poderem escapar. O Meestre estava
aa janela, c todos oolhavom contra ele dizendo:
— O Senhor! Como vos quiscrom matar per trciçom, bccntou seja Deos que vos
guardou desse treedor! Vimdc-vos, dac ao demo esses Paaços, nom sejacs lá mais.
® E cm dizendo esto, muitos choravom com prazer de o veer vivo. Vccndo cl cstoncc
que ncüa duvida tiinha cm sua segurança, dccco afundo c cavalgou com os seus acom­
panhado de todolos outros que cra maravilha dc veer. Os quacs mui ledos15 arredor
dele, braadavom dizendo:
— Que nos mandacs fazer. Senhor? Que querees que façamos?
E cl respondia, aadur16 podendo sccr ouvido, que lho gradccia muito, mas que por
cstoncc nom havia deles mais mester.
Fernio Lopes, Cron/or dc D. João 1, Lisboa,
Editorial Comunicação, 1992, pp. 95-99

1 Ruído; algazarra. ’ Onde. 11 Maneira.


2 Pouco frequentadas. 7 Partissem; rebentassem. 12 Porque.
3 Faltava. 3 Mulher adúltera. 13 Perturbação.
4 Vontade. 3 Tipo de vegetação seca 14 Bendita.
5 Fechadas. {«carqueja>F 15 Alegres; felizes; contentes.
10 Insultos. 1£ Dificilmente.

1. Refira a importância do conteúdo das linhas 1 a 10 no desenvolvimento do respetivo capítulo.

1.1 Identifique a personagem a quem pertence a afirmação em discurso direto nessas


mesmas linhas e clarifique a sua função.

30
PRÁTICA

2. De acordo com conteúdo das linhas 11 a 22. explicite a reação imediata do Povo, mos­
trando como ele é uma personagem coletiva.

2.1 Transcreva excertos que contém seleção de verbos ou complexos verbais ao serviço
da ideia de movimentação e do visualismo.

3. Nas linhas 23 a 29 estão descritas personagens que integram os atores coletivos. Identi-
fique-as e refira-se ao que estão a fazer. Justifique a identificação com os termos usados
pelo cronista.

4. Entre as linhas 30 e 56. a história desenrola-se até ao seu desenlace.

4.1 Explique o conteúdo desse diálogo.

4.2 Explicite o estado de espírito dos populares.

4.3 Refira a ordem final do Mestre, esclarecendo o motivo por que a dá.

4.4 Indique o que aconteceu à rainha.

5. Identifique e comente o valor dos dois recursos expressivos presentes na sequência


«Soarom as vozes do arroido pela cidade ouvindo todos braadar que matavom o Meestre»
(linhas 1-2).

31
Crónica de D. João I, Fernâo Lopes
• AfirnuçSo da consciência coletiva

Leia atentamente o excerto e responda às questões.

CAPITULO 115

Per que guisa estava a cidade corregida1 pera se defender, quando el-Rei de Castela pôs
cerco sobr’ela

Onde sabee que como o Mecstrc c os da cidade souberom a viinda dcl-Ilci de Cas­
tela, e esperarom seu grande c poderoso cerco, logo foi ordenado de recolherem pera
a cidade os mais mantiimentos que haver podessem, assi de pam e carnes, come quaes
quer outras cousas. E iam-se muitos aas liziras2 cm barcas c batees, depois que Santarém
5 esteve por Castela, c dali tragiam muitos gaados mortos que salgavom cm tinas, e outras
cousas de que fezerom grande açalmamcnto3; (...)
Os muros todos da cidade nom haviam mingua de boom repairamento4; e cm setccn-
ta e sete torres que ela teem a redor de si, forom feitos fortes caramanchões5 de madeira,
os quaes eram bem fornecidos d escudos e lanças c dardos e beestas de torno, e doutras
I maneiras com grande avondança6 de muitos viratòcs7. (...)
E ordenou o Mecstrc com as gentes da cidade que tosse repartida a guarda dos muros
pelos fidalgos e cidadãos honrados; aos quaes derom certas quadrilhas8 c bccstciros c homeês
d armas pera ajuda de cada uü guardar bem a sua. Em cada quadrilha havia uü sino pera
repicar quando tal cousa vissem, c como cada uü ouvia o sino da sua quadrilha, logo todos
II rijamcntc corriam pera ela; por quanto aas vezes os que tiinham carrego9 das torres vn-
nham espaçar pela cidade, c leixavom-nas10 encomendadas a homeês de que muito ha-
vom11; outras vezes nom f ícavom cm elas senom as atalaias12; mas como davom aa campaan,
logos os muros eram chcos, c muita gente fora.
E nom soomente os que eram assnnados14 cm cada logar pera defensom15, mas ainda as
1 outras gentes da cidade, ouvindo repicar na Scc, c nas outras torres, avivavom-sc os cora­
ções deles; c os mestciraes16 dando folgança a seus ofícios, logo todos com armas cornam
rijamcntc pera u diziam que os Castelàos mostravom de vnnr. Ah virices os muros chcos
de gentes, com muitas trombetas c braados c apupos csgrcmmdo espadas c lanças e seme­
lhantes armas, mostrando fouteza contra seus êmigos. (...)
S Clérigos e frades, espccialmentc da Trindade, logo eram nos muros, com as melhores
que haver podiam. Cada uüs de noite vclavom suas torres; e os das quadrilhas roldavom
todo o muro e torres, düa quadrilha ataa outra; e outras sobrc-roldas andavom pelos
muros, üas indo c outras viindo.
E nom embargando todo isto, o Mecstrc que sobre todos tnnha especial cuidado da
1 guarda c governança da cidade, dando seu corpo a mui breve sono, requeria per muitas
vezes de noite os muros c torres com tochas acesas ante si, bem acompanhado de muitos

1 Preparada. 5Construções cobertas de verdura. 12 Sentinelas; vigias.


2 Lezírias, terrenos nas margens de 6Abundãncia. 13 Sino.
um rio. 7 5etas curtas, mas fortes e grossas. 14 Escolhidos.
3 Provisão (implicando que tudo B Partes das muralhas. 15 Defesa.
guardavam para eventual 9 T inham a seu cargo. 16 Artesãos.
necessidade futura).
10 Deixa vam-nas.
4 Reparação; conserto.
u Em quem muito confiavam.

32
que sempre consigo levava. Nom havia 1 ncuüs revees dos que haviam de velar, nem tal a
que csqueccesse cousa do que lhe fosse encomendado; mas todos muito prestes a fazer o
que lhe mandavom, de guisa que, a todo boom regimento que o Mcestrc ordenava, nom
5 minguava avondança de trigosos executores.
De trnnta c oito portas que há na cidade, as doze eram todo o dia abertas, enco­
mendadas a boòs homees d armas que tnnham cuidado de as guardar; pelas quacs neüa
pessoa, que muito conhecida nom fosse, havia d entrar nem sair, sem primeiro saber cm
certo por que razom ia ou viinha; c ah atrevessavom paos com tavoado17 pera dormir
0 os que tal cuidado tnnham, por de noite seerem deles acompanhadas, c neuü malicioso
scer atrevido de cometer neuü erro.
E dalgüas portas tnnham certas pessoas de noite as chaves, por razom dos batees que
taes horas iam c viinham d’aalem com tngo c outros mantnmcntos, segundo lcedes cm
seu logar; (...) Acerca da porta de Santa Catenna da parte do arreai per onde mais acos-
f, tumavom sair aa escaramuça, estava sempre üa casa prestes, com camas e ovos c estopas,
e lcnçòcs velhos pera romper; e celorgiam11, c triaga19, e outras necessárias cousas pera
pensamento20 dos feridos quando tornavom das escaramuças.
Na ribeira havia feitas duas grandes c fortes estacadas de grossos c valentes paos, que
o Mcestrc mandara fazer ante que el-Rci de Castela veesse, por defender o combato da
9 ribeira; e eram feitas des onde o mar mais longe espraia ataa terra junto com a cidade. E
fia foi caminho de Santos, a fundo da torre da atalaia contra aquela parte, onde entendeo
que cl-Rci poeria seu arreai; outra íczcrom no outro cabo da cidade junto com o muro
dos tornos da cal contra o mocstciro de Santa Clara (...)
Nom lcixavom os da cidade, por seerem assi cercados, de fazer a barvacãa21 d’arrcdor
9, do muro da parte do arreai, des a porta de Santa Catenna, ataa torre d'Alvoro Paaez,
que nom era ainda feita, que sccriam dous tiros de bcesta; e as moças sem neufi medo,
apanhando pedra pelas herdades, cantavom (...) c os Portugucescs fazendo tal obra,
tnnham as armas junto consigo, com que se defendiam dos êmigos, quando se traba-
lhavom de os embargar, que a22 nom fezessem.
a As outras cousas que pcrtcenciam ao regimento da cidade, todas eram postas em boa
c igual ordenança; i nom havia neuü que com outro levantasse arroido nem lhe cmpcc-
cessc per talentosos excessos, mas todos usavom d’amigavcl concordia, acompanhada
de proveito comuü.
O que fremosa cousa era de veer! Uü tam alto c poderoso senhor como el-Rei de
K Castela, com tanta multidom de gentes assi per mar come per terra, postas cm tam
grande e boa ordenança, tccr cercada tam nobre cidade! E ela assi guarnecida contra ele
de gentes e darmas com taes avisamentos23 por sua guarda c defensom! Em tanto que
diziam os que o virom, que tam fremoso cerco de cidade nom era cm memória cTho-
mees que fosse visto de mui longos anos atá aqucl tempo.
Femlo Lopes, op. ri/., pp. 170-176
17Tábuas. 21 Muro feitd entre a muralha e o seu ^Abarbacã para a qual as moças
13 Cirurgião. exterior (fosso) para proteção do apanhavam pedras.
13 Medicamentas da época. cerco. sPrecauçòes.
20 Tratamento.

33
1. Considere o excerto deste capítulo e resuma-o num texto, por palavras suas.

2. Mostre que, nos parágrafos 3. 4 e 5. existe o que se designa «afirmação da consciência


coletiva».

3. Caracterize psicologicamente o Mestre de Avis, tendo em conta a informação do 6.D pará­


grafo. Justifique a sua resposta com elementos textuais.

4. Mostre que há pormenor descritivo entre as linhas 36 e 47.

5. Retire exemplos de vocábulos que se referem a instrumentos bélicos de ataque e defesa.

6. Tendo em conta o que é apresentado no 19 parágrafo do texto, exponha a opinião do


cronista sobre este cerco de Lisboa.

34
ica de D. Jodo I, Fernâo Lopes
FICHA 10 * Atores (individuais e coletivos)
PRÁTICA

Leia atentamente o texto e responda às questões.

CAPITULO 148

Das tribulações que Lixboa padecia per mingua de mantiimentos.

Estando a cidade assi cercada na maneira que já ouvistes, gastavam-se os mantii-


mentos cada vez mais, por as muitas gentes que em ela havia, assi dos que sc colhcrom
dentro, do termo, dc homees aldeàos com molheres e filhos, come dos que veerom na
frota do Porto; c alguüs sc trcmctiam aas vezes cm batees e passavom dc noite escusa-
5 mente contra as partes dc Ribatejo, e mctcndo-sc em alguüs esteiros, ali carregavom
dc trngo quejá achavom prestes, per recados que ante mandavom, E partiam dc noite
remando mui rijamcntc, c algüas galees quando os sentiam viinr remando, isso meesmo
remavom a pressa sobre eles; c os batees por lhe fugir, e elas por os tomar, eram postos
em grande trabalho.
ll Os que esperavom por tal trngo andavom per a ribeira da parte dc Exobrcgas, aguar­
dando quando veesse, e os que velavom, sc vnam as galees remar contra lá, rcpicavom
logo por lhe acorrerem. Os da cidade como ouviam o repico, leixavam o sono, c toma-
vom as armas e saía muita gente, c defendiam-nos aas bccstas sc compria, tcrindo-se aas
vezes düa parte c doutra; (...)
15 Em esto gastou-se a cidade assi apertadamente, que as pubneas1 esmolas comcçarom
desfalecer, c neüa geeraçom dc pobres achava quem lhe dar pam; dc guisa2que a perda
comum vencendo dc todo a piedade, c veendo a gram mingua3 dos mantiimentos, esta-
belecerom deitar fora as gentes minguadas4 c nom pertccccntcs pera defensom; e esto
foi feito duas ou tres vezes, ataa lançarem tora as mancebas mundairas5 c Judeus c outras
3 semelhantes, dizendo que pois tacs pessoas nom eram pera pelejar6, que nom gastassem
os mantiimentos aos defensores; mas isto nom aproveitava cousa que muito prestasse.
Os Castelàos aa primeira prazia-lhe com eles, e davom-lhe dc comer c acolhimento;
depois veendo que esto era com fame, por gastar mais a cidade, fez cl-Rci tal ordenan­
ça7 que ncuü dc dentro tosse recebido em seu arreai*, mas que todos tossem lançados
5 fora; c os que sc ir nom quisessem, que os açoutassem c fezessem tornar pera a cidade; c
esto lhes era grave dc fazer, tornarem per torça pera tal logar, onde chorando nom espe­
ravom dc sccr recebidos; c tacs 1 havia que de seu grado sc saíam da cidade, c se iam pera
o arreai, querendo ante dc todo sccr cativos, que assi perecerem morrendo dc fame.
Como nom lançariam tora a gente minguada c sem proveito, que o Mecstrc mandou
3 saber em certo pela cidade que pam havia per todo em ela, assi cm covas come per outra
maneira, e acharom que era tam pouco que bem havia mester sobr elo conselho?
Na cidade nom havia trngo pera vender, e sc o havia, era mui pouco e tam caro que
as pobres gentes nom podiam chegar a ele; (...) c comcçarom dc comer pam dc bagaço
dazcitona, e dos queijos das malvas c raizes d ervas, c doutras desacostumadas’ cousas,

1Públicas. ‘Necessitadas, pobres, deficientes. 7 Ordem.


2 Maneira. 5 Prostitutas. BArraia; acampamento.
3 Falta. £ Lutar. 9 Impróprias para ingestão por seres
humanos.

35
S pouco amigas da natureza; e taes 1 havia que se mantiinham cm alfcloa. No logar u cos-
tumavom vender o trugo, andavom homeês c moços esgaravatando a terra; c se achavom
alguns grãos de trugo, metiam-nos na boca sem teendo outro mantimento; outros se
fartavom d ervas, c beviam tanta agua, que achavom mortos homeês e cachopos10jazer
inchados nas praças e em outros logares. (...)
1 Andavom os moços de tres c de quatro anos pedindo pam pela cidade por amor de Deos,
como lhes ensinavam suas madres, c muitos nom tnnham outra cousa que lhe dar senom
lagrimas que com eles choravom que era triste cousa de vcer; c se lhes davom tamanho pam
come üa noz, haviam-no por grande bem. Desfalecia o leite aaquelas que tnnham crianças
a seus peitos per mingua de mantnmcnto; c veendo lazerar11 seus filhos a que acorrer nom
H podiam, choravom ameúde12 sobr eles a morte ante que os a morte privasse da vida. (...)
Toda a cidade era dada a nojo13, chca de mczqumhas querelas14, sem neuü prazer que
i houvesse: uüs com gram mingua do que padeciam; outros havendo doo dos atribu­
lados; e isto nom sem razom, ca se é triste c mezquinho o coraçom cuidoso nas cousas
contraíras que lhe avnnr podem, veede que fariam aqueles que as contmuadamcntc
9 tam presentes tnnham? Pero com todo esto, quando repicavom, neuü nom mostrava
que era faminto, mas forte c rijo contra seus êmigos. Esforçavom-se uüs por consolar
os outros, por dar remédio a seu grande nojo, mas nom prestava conforto de palavras,
nem podia tal door sccr amansada com ncüas doces razões; c assi como c natural cousa
a mào ir ameúde onde sec a door, assi uüs homeês talando com outros, nom podiam cm
H al departir senom cm na mingua que cada uü padecia.
O quantas vezes cncomcndavom nas missas c prcegaçòcs que rogassem a Deos devo­
tamente por o estado da cidade! E ficados os geolhos15, beijando a terra, braadavom a
Deos que lhes acorresse, c suas prezes nom eram compridas! Uüs choravom antre si,
mal-dizendo seus dias, queixando-se por que tanto viviam (...) Assi que rogavom a
d morte que os levasse, dizendo que melhor lhe fora morrer, que lhe sccrcm cada dia
renovados desvairados padecimentos. (...)
Sabia porem isto o Meestre c os de seu Conselho, e eram-lhes doorosas douvir taes
novas; e veendo estes males a que acorrer nom podiam, çarravom suas orelhas do rumor
do poboo.
lí Como nom querces que maldissessem sa vida c desejassem morrer alguüs homeês c
molhcrcs, que tanta deferença há douvir estas cousas aaquelcs que as entom passarom,
como há da vida aa morte? Os padres c madres vnam estalar de fame os filhos que muito
amavom, rompiam as faces e peitos sobr eles, nom teendo com que lhe acorrer, senom
planto16 c cspargimcnto de lagrimas; e sobre todo isto, medo grande da cruel vingança que
entendiam que el-Rci de Castela deles havia de tomar; assi que eles padeciam duas grandes
guerras, üa dos êmigos que os cercados tnnham, c outra dos mantumentos que lhes min-
guavom, de guisa que eram postos cm cuidado de se defender da morte per duas guisas.
Pera que c dizer mais de taes falecimentos? Foi tamanho o gasto das cousas que mester
haviam que soou uü dia pela cidade que o Meestre mandava deitar fora todolos que nom
A tevessem pam que comer, c que soomente os que o tevessem ficassem cm ela; mas quem
poderia ouvir sem gemidos c sem choro tal ordenança de mandado aaqueles que o nom
tnnham? Porem sabendo que nom era assi, foi-lhe já quanto de conforto. Onde sabce que

3i
esta fame c falecimento que as gentes assi padeciam, nom era por sccr o cerco pcrlongado,
ca nom havia tanto tempo que Lixboa era cercada; mas era per aazo das muitas gentes
■ que se a ela colhcrom de todo o termo; c isso meesmo da trota do Porto quando vco, e os
mantnmcntos sccrcm muito poucos.
Ora esguardae como se tossees presente, üa tal cidade assi desconfortada e sem neüa certa
tcúza de seu livramento17, como vevinam em desvairados cuidados quem sofria ondas de
taes aflições? O geeraçom que depois vco, poboo bem aven tu irado, que nom soube parte de
K tantos males, nem foi qumhoeiro18 de taes padecimentos! CTs quaes a Deos por Sua mcrcec
prougue de cedo abreviar doutra guisa, como acerca ouvirees.

Fernão Lopes, op. àt., pp. 193-199

10 Garotos, jovens. uDiscussòes por causa de assuntos 17Libertaçào.


11 Sofrer por extrema fome. sem importância. iaParticipante.
12 Frequentemente. 15 Joelhos.
13 Luta. 1S Pranto, choro.

1. Explique de que forma este capítulo é uma consequência do capítulo 115.

2. Nos parágrafos 2, 3 e 4, Fernào Lopes dá protagonismo aos atores coletivos. Justifique


esta afirmação.

3. Nas linhas70-71, faz-se referência a «duasgrandes guerras*. Explique-as por palavras suas.

4. Tendo em conta o restante conteúdo do excerto deste capítulo, identifique a verdadeira


razáo de todo este «padecimento», transcrevendo uma sequência textual que o confirma.

5. Retire do penúltimo parágrafo um exemplo de interrogação retórica e explique o seu valor


expressivo.

37
NEMUII EXAME NACIINAL

GIL VICENTE, Farsa de Inês Pereira (obra integral)

Vida e obra
• Não são precisas as informações sobre a data e o local de nascimento e
morte, apenas se sabe que foi protegido pela rainha D. Leonor e escreveu
textos dramáticos, que fez representar na corte de D. Manuel e de D. João III.
Os seus estudiosos inserem a sua vida entre finais do século XV e inícios
do século XVI.
• Encenou a primeira peça em 1502 {Auto do Visitação ou Monólogo do
Vaqueiro), obra dedicada a homenagear o nascimento do príncipe D. João,
futuro D. João III.
• seu último auto data de 1536: Floresta de Enganos.
• Foi colaborador no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende {coletânea de
poesia).
• filho. Luís Vicente, reuniu todas as obras do pai e publicou-as na Compi/a-
çam de todalos obras de Gil Vicente, em 1562.
Gil Vicente
As categorias das suas obras e a sua escrita
• Moralidades: peças curtas em que as abstrações {vícios e virtudes) são concretizadas em personagens;
tais textos surtem efeitos religiosos de denúncia de costumes para sua correção («ridendo castigai
mores» - «a rir se castigam os costumes») - Auto da Barca do Inferno, publicado em 1517, é a sua mais
conhecida moralidade. Nesta tipologia, encontra-se também Auto da Feira, publicado em 1526.
• Farsas: género muito conhecido e apreciado pelo povo porque, sendo cómico, satiriza aspetos da vida
pessoal quotidiana das várias classes sociais; este tipo de texto dramático possui um número reduzido
de personagens - Auto da índia, publicado em 1509, e Farsa de Inês Pereira, publicado em 1523, são as
farsas vicentinas mais conhecidas.
• Gil Vicente segue, na sua escrita, o estilo (e a língua, o soíaguês) de um poeta palaciano castelhano de seu
nome Juan dei Encina. As obras são escritas em verso.

0 género farsa e a especificidade da Farsa de Inês Pereira


Seguindo os preceitos deste género, esta farsa retrata a vida quotidiana de uma jovem moça, em idade
de casar, que é arrogante e pretende um marido culto e nobre. Depois de defraudada nas suas expecta­
tivas para com o Escudeiro, seu primeiro marido, fica viúva, voltando a casar, desta vez. com Pero Mar­
ques. Deste quotidiano fazem igualmente parte a Mãe. a amiga alcoviteira Lianor e os criados de casa.

As características do texto dramático, visíveis nesta farsa:


* não existem divisões cénicas explícitas, embora seja possível detetar três momentos principais da
ação: Inês solteira, Inês casada, Inês viúva e novamente casada:
* existe um número variável de cenas, as quais mudam sempre que entram ou saem personagens.

0 discurso
inclui diálogo e monólogo (sobretudo, o de Inês), texto principal, que integra as falas das perso­
nagens. e várias didascálias (que dão informações sobre as personagens e seus movimentos, bem
como sobre o espaço).

39
ramxiÊs u? ani
TEORIA

• Inês Pereira: jovem altiva e arrogante, presunçosa e ignorante


• Mãe de Inês Pereira: experiente, boa conselheira A utodclnes Pereira.
• Lianor Vaz: amiga da família; alcoviteira/casamenteira
• Pero Marques: lavrador abastado, rico, honesto e escrupuloso
• Latão ♦ Vidal: Judeus casamenteiros, mentirosos e nada escrupi
• Escudeiro: Brás da Mata, fidalgo pobre, vive das aparências,
ambicioso e maldoso
• Moço de Escudeiro: Fernando.servo miserável, que ficará à sua -■Ml
f p?t0í! Bkxvtf JtpcffauJj k ruir tf tiiwi
sorte depois da morte de seu senhor wyprfatftlta Nxtoifjü cemcfh? ivícti cm#
■cm«? te ST^wr-Crj ww*bcq M .mk ® leo
tf^jaKrE.^t^asncvipC*? úiwti i bm
• Luzia: moça que vem à festa do primeiro casamento de Inês Mrra ->itrw k*,<íx íMulp^wMrik.
«tefià m ícgaincc», ■Jnctpcrtj J» luarnJr.
•Fernando: mancebo/jovem que vem à festa do primeiro casa­ Xjjm T^1f»êrjfwiqK^M4M,lHkws
(•<*• í*um*d«J lUiMi/s <mta WM
mento de Inês tt^WW ÍIÍVjJcHOtUfRbilRÍCB
Ab nCnucur.
• Ermitão: castelhano enamorado de Inês, com ela vai ter rela­
ções adúlteras ( Cntfik44 o* dUüur<n
dofotf at afj/taarj clh íirap.

Frontispício do Auto de inês Pereira

• Inês - Mãe: apesar de obedecer à Mãe. Inês protesta e reclama da sua condição de solteira inútil;
não segue os seus conselhos e recusa casar com Pero Marques, numa fase inicial. A Mãe assume
sempre uma atitude crítica, mas paciente, com ela.
• Inês - Escudeiro: movida pelo desejo cego de se casar com um membro da nobreza. Inês aceita o
Escudeiro como marido, o que lhe vai ser nefasto, devido à sua tirania e falta de escrúpulos. Esta
escolha errada vai ser solucionada com a morte de Brás da Mata.
• Inês - Pero Marques: recusado no início por ser inculto e brejeiro, Inês vai aceitar Pero como seu
marido e, a partir daí, vai conseguir ser feliz, enganando-o e pondo-o ao serviço dos seus prazeres.
Né seio, o bom Pero Marques vai concretizar todos os seus desejos.

FARSADEINÊSPERORA -RESUMO

«Feita por Gil Vicente, representada ao muito alto e mui poderoso rei D João III, no seu Convento deTomar:
Era do Senhor de 1523.»
0 argumento assenta no ditado popular «Mais quero asno que me carregue que cavalo que me derrube.»
Resumo
• Inês canta e reclama por estar a bordar, tarefa que a Mãe a incumbiu de fazer em casa, e mostra o seu descon­
tentamento pelo facto de ser solteira e estar fechada em casa.
• Regresso da Mãe. que bem sabe do queixume da filha, mas a acusa de ser preguiçosa.
• Lianor diz ao que vem nesta sua visita: trazer um pretendente a Inês. Pero Marques, uma vez que está na
hora de ela casar.
• Inês mostra-se muito arrogante e exigente, dizendo «não hei de casar / senam com homem avisado* {...).
«Primeiro eu hei de saber/se ê parvo se é sabido.»
• Sob a forma de carta. Pero Marques anuncia as suas intenções de casar com ela, antes que outro o faça.
• Inês aceita conhecê-lo e ele vem a sua casa.
• Pero descreve a sua condição favorável ao casamento: ê herdeiro morgado, tendo, por isso. casa, terre­
nos e gado.
• A Mãe e Lianor consideram-no um futuro bom marido.
• Inês recusa oficialmente o pedido de casamento «Homem, nam aporfieis / que nam quero nem me praz.»

1 GilbertD Moura, Teatro de Gil Vicente, Lisboa. Ulisseia, 1995, pp. 121-157.

39
NEMUII EXAME NACIINAL

• Regressa a Mãe e Inês repete: *Mãe, eu me não casarei /senão com homem discreto (...). E saiba tanger
viola». Inês informa que, no dia anterior, falou com uns Judeus casamenteiros que lhe farão uma visita.
• Chegam os dois Judeus Latão eVidal com uma proposta de pretendente-um escudeiro.
• Entra o Escudeiro com o seu Moço, Fernando. Apresenta-se como homem rico e futuro bom marido,
embora seja um fidalgo pobre e sem escrúpulos.
• A Mãe, desconfiada, aconselha Inês a não casar com o Escudeiro.
• Casamento de Inês com o Escudeiro Brás da Mota e festa de casamento.
• Depois de casados e sozinhos, o Escudeiro revela toda a sua maldade e tirania.
• Escudeiro vai para a guerra e recomenda ao Moço que coma os frutos da terra roubados nos campos e que
mantenha Inês fechada em casa.
• Inês, apercebendo-se de que a sua ambição desmedida se convertera em erro, assume corrigi-lo se tiver
oportunidade.
• Morte do Escudeiro quando fugia da batalha.
• Fingindo-se esposa triste com a morte de seu marido, Inês é visitada por Lianor. que a aconselha a casar
com Pero Marques.
• Regressa Pero Marques, a quem Lianor diz: «Não mais cerimónias agora: / abraçai Inês Pereira / por
mulher e por parceira.».
• Depois do casamento, Inês pede a Pero para sair, ao que este responde, bonacheirão e transparente, que
pode sair quando quiser com quem quiser.
• Nesse momento, passa um Ermitão a pedir esmola em castelhano, que Inês reconhece, pois cortejou-a
anos antes e apaixonou-se por ela. Marcam encontro na ermida onde ele vivia.
• Inês pede, cheia de compaixão, a Pero que vá com ela visitar o pobre Ermitão, tão sozinho e cheio de
privações.
• Durante o caminho, em que Pero já leva Inês às costas, já atravessou um ribeiro, Inês vê umas «talhas»
e pede que Pero as carregue, uma de cada lado, enquanto ela canta e ele só tem de responder «assi se
fazem as cousas»: «Marido cuco me levades / e mais duas lousas» e segue-se a resposta de Pero: «Pois
assi se fazem as cousas». Inês vai às costas de um marido feliz para ir ter com o seu amante Ermitão:
cumpriu-se o ditado popular que a Mãe. um dia, lhe dissera «Mata o cavalo de sela / e bom ê o asno que
me leva», que em português corrente se traduz em «Mais vale asno que me carregue que cavalo que me
derrube.»

Pieter Bruegel, O Banquete de Casa/nento, 1567-6B

40
1. Leia atentamente as seguintes afirmações e classifique-as como V (Verdadeira] ou
F (Falsa), corrigindo as falsas.

a) No início da obra, Inês encontra-se a bordar.

b) A Mãe chega, regressada do mercado.

c) i. ] Inês queixa-se de que todas as outras raparigas se divertem e ela nào.

<q A Màe diz a Inês que antes do Natal vem o Advento, para lhe mostrar que deve
saber esperar.

*) u Lianor conta que foi atacada por um velho pescador.

f) Lianor ê salva por um besteiro/arqueiro.

g) Pero Marques nào sabe como sentar-se à mesa para o almoço.

■») Inês mostra-se arrogante na recusa de Pero Marques, pois deseja casar com um
marido que «saiba tanger viola» e que seja «discreto».

i) Os casamenteiros sào pessoas dignas, honestas e preocupadas com a felicidade


de Inês.

n o Logo após o casamento, o Escudeiro revela a sua verdadeira personalidade:


ditador, sem amor e cruel.

k) I. Depois de presa em casa durante três meses, vigiada pelo Moço do Escudeiro,
Inês recebe uma carta, informando-a de que o seu marido morreu atacado por um
guerreiro mouro de Goa.

I) Lianor Vaz volta a propor Pero Marques como marido e, desta vez. Inês acelta-o.

ês vai às costas do marido, pedindo-lhe que carregue também ramos


de árvores caídos.

41
Leia atentamente as sequências textuais e responda às questões.

Sequência 1 Sequência 2

Escudeiro — Pero Marques —


Vós cantais, Incs Pereira? (...) Vossa Mãe foi-se? ora bem.
Juro ao corpo de Dcos Sós nos deixou ela assi
que esta seja a derradeira. quant cu qucro-mc ir daqui
5 Sc vos eu vejo cantar 5 nào diga algum demo alguém. (...)
eu vos farei assoviar (...) Se cu fora já casado
Já vos preguei as janelas, (...) doutra arte havia de ser (...)
estareis aqui encerrada Pois que dizeis vós, molhcr? (...)
nesta casa tam fechada I onde quiserdes ir
U como freira d’Oudivclas. (...) 1 vinde quando quiserdes vir
Vós nào haveis de mandar estai quando quiserdes estar.
em casa somente um pelo; Com que podeis vós folgar
se eu disser isto c novelo que eu nam deva consentir?
havei-lo de confirmar.
15 E mais quando cu vier
de fora haveis de tremer
c cousa que vós digais
nam vos há de valer mais
que aquilo que cu quiser.

Gil Vicente, /L Otaií Jc Gil Vicente (direçào científica de José Camões), vol. II,
Lisboa, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2001, pp. 559 e 594

1. Identifique e caracterize psicologicamente cada uma das duas personagens masculinas


presentes nas sequências.

2. Explique, por palavras suas, o papel dos dois casamenteiros na açâo.

3. Selecione quatro personagens que considere tipo (representativas de uma classe social
ou de um grupo típico da era vicentina) e justifique a sua resposta.

42
Farsa de Inês Pereira, G11 Vicente
* A dimensão satírica
PRÁTICA

Leia atentamente as sequências textuais e responda às questdes.

Sequência 1 Latão —
Pero — Deixa-me talar.
Cuido que lhe trago aqui
25 Lidai -
Já calo.
peras da minha pereira
Senhora hájá três dias.
hào d estar na derradeira. (...)
Latão —
5 Inês —
Falas-lhe tu ou cu falo?
(...) c as peras onde cstào?
1 Ora dize o que dizias
Pero —
que foste que fomos que ias
Nunca tal me aconteceu.
buscá-lo esgaravatá-lo.
Algum rapaz mas comeu
l* que as meti no capelo
e ficou aqui o novelo pacFe.
Sequência 3
e o pentem nam se perdeu.
Escudeiro —
Pois trazf-as de boa mente.
Olha cá Fernando eu vou
Inês —
ver a com que hei de casar
15 Fresco vinha o presente
visa-tc que hás de estar
com tolhinhas borntadas. sem barrete onde cu estou.
Moço —
Sequência 2 Como a rei corpo de mi
mui bem vai isso assi!
Latão —
Escudeiro —
Pera vossa mercê ver
E se cuspir pola ventura
o que nos encomendou.
põe-lhe o pé c faze mesura.
O que nos encomendou
Moço —
5 será se hoiver de ser.
Ainda eu isso nam vi.
Todo este mundo é fadiga
Escudeiro —
vós dissestes filha amiga
É E se me vires mintir
que vos buscássemos logo.
gabando-me de privado
Lidai -
está tu dissimulado
l* E logo pusemos fogo.
ou sai-te lá fora a rir
Latão —
Isto te aviso daqui
Cal-tc!
21 taze-o por amor de mi. (...)
Lidai -
Moço —
Nam queres que diga
Sapatos me daria ele [Sapateiro]
15 nam sou eu também do jogo?
se me vós désseis dinheiro.
Latão —
Escudeiro —
Nam fui eu também contigo
25 Eu o haverei agora
tu e cu nào somos cu?
c mais calças te prometo.
Tu judeu e cu judeu
Moço —
3 nam somos massa dum trigo?
Homem que nam tem nem preto
Lidai -
Si somos juro al Deu! casa muito na màora.

Gil Vicente, op. ãt., pp. 564-576

43
1. Identifique e caracterize as personagens presentes nestas três sequências e explique por
que razão são elas satíricas e que satirizam.

2. Nos excertos que a seguir se transcrevem, identifique os recursos expressivos selecio­


nados e o seu valor:
a) «Coitada assi eu hei d'estar / encerrada nesta casa / como panela sem asa / que sem­
pre está num lugar. / (...) / que pecado é o meu / ou que dor de coração?»

b) Màe - Toda tu estás aquela. / Choram-te os filhos por pão?


Inés - Prouvesse a Deos que já é rezão / de nam estar tam singela.
Màe - Olhade lá o mau pesar / como queres tu casar / com fama de preguiçosa?»

3. Esclareça de que forma é que o texto dramático no seu todo representa o quotidiano do
tempo de Gil Vicente.

4. Explique, por palavras suas, por que razão este texto dramático se inclui na categoria
farsa.

44
nktkiês 12? ani

TEORIA

GIL VICENTE, Auto da Feira (obra integral)

TÓPICOS DE ANÁLISE EM AUTO DA FEIRA

Esta moralidade apresenta-nos personagens alegóricas (concretizações de abstrações), por meio das
quais Gil Vicente consegue expor vícios, defeitos e maus costumes de classes sociais (neste caso, de
Naturaza e astrutura

uma cidade - Roma - centro institucional da espiritualidade cristã e da instituição Igreja). Com o uso
de cómico vai-se pondo em prática o objetivo de «ridendo costígot mores» («a rir se castigam os costu­
mes»). texto dramático não está dividido em partes específicas, no entanto percebemos três grandes
momentos: a sátira inicial do universo astrológico (com referências aos signos do Zodíaco e a conste­
lações); o desenvolvimento de todos os percursos cénicos das personagens que vão à feira do Diabo e
à do Serafim; o desenlace, com o destino final das personagens (com as mercadorias que compram ou
com a desistência e abandono da feira) e o louvor à Virgem Maria feito pelas «nove moças dos montes,
e três mancebos». 0 discurso é tipicamente vicentino, ou seja, em verso, com recurso ao Latim e à ironia.

• Mercúrio: mensageiro dos deuses, «senhor / de muitas sabedorias,/e das moedas reitor./e deus
das mercadorias»; é ele quem ordena que se faça uma «feira*.
• Tempo: personagem que nomeia a feira «feira chamada das Graças,/à honra da Virgem parida em
Belém»; é ele quem a abre e é também ele quem pede a Deus que lhe mande um Serafim.
* Serafim: Anjo da primeira hierarquia dos Anjos, aquela que está mais próxima de Deus, logo a mais
poderosa; possui seis asas - duas cobrem o rosto, duas cobrem os pés e duas servem para voar;
está sempre ligado ao louvor e à glorificação de Deus.
* Diabo: personagem alegórica que tenta vender mercadorias contrárias ao Bem e aos bons cos­
tumes; sempre conotado como símbolo do Inferno e responsável pelos anjos que se revoltaram
contra Deus.
• Roma: primeira compradora e cliente da feira, que passa junto da banca do Diabo eo renega por lhe ter
Caracteriziçio das parsonagen» a ralaçio antra alas

comprado anteriormente costumes maus; Roma acaba nas mãos do Serafim, ped indo-lhe paz. ciente de
que tem de mudar de vida.

Amâncio e Denis são «compadres» e vão à feira


* Amâncio Vaz
para tentar ver-se livres das respetivas mulhe­
* Denis Lourenço res. pensando trocá-las entre si.

* Branca Anes Branca e Marta são. respetivamente, as esposas


de Amâncio e Denis. primas e símbolo da ignorân-
* Marta Dias
_ cia do povo quanto aos dogmas d a fé cristã.

• Justina
•Leonarda
•Teodora
• Moneca
Estas personagens surgem no texto como
•Gira Ida
«nove moças dos montes, e trés mancebos,
•Juliana todos com cestos nas cabeças», trazendo mer­
• Tesaura cadorias para vender e o desejo de louvar a Vir­
• Merenciana gem Maria.
•Doroteia
• Gilberto
• Nabor
•Dionísio HendrickGoltzius.
Mercúrio, 1611

•Vicente Vicente e Mateus são dois homens que tentam as «moças», tentando obter pra­
• Mateus zeres carnais, mas acabam por abandonara feira sem os seus desejos satisfeitos.

45
NEMUII EXAME NACIINAL

.H Como se percebe pela caracterização das personagens. Mercúrio (e os representantes dos signos
* do Zodíaco), Tempo, Serafim, Diabo e Roma são personagens alegóricas, sendo as três últimas liga-
‘ãá-2 das ao Cristianismo (e à sua divisão Céu / Inferno). As restantes personagens representam tipos
o sociais, sobretudo populares, que têm comportamentos ora ignorantes e inocentes, ora interessei­
ra Jf ros. A moral vigente é a da boa conduta (bons costumes) que conduz ao Céu ou Paraíso, enfim, a
PE E Deus

n
o CL

'J. c Com Amâncio e Denis. Branca e Marta percebemos o quotidiano da vida de casados (diferença de
-2 personalidades e conflitos); com Vicente e Mateus testemunhamos a realidade dos homens sem
• □ escrúpulos que procuram prazeres carnais; com as «moças» e os «mancebos» percebemos o quoti-
* â- diano rural de quem vem vender à feira e. vendo que esta é dedicada a virtudes e a Nossa Senhora,
° opta por a louvar, cantando em coro o seu papel de Mãe de Deus.

«A obra seguinte é chamada Auto do Ferro. Foi representada ao mui excelente Príncipe El Reo Dom Joam,
o terceiro em Portugal deste nome, na sua nobre e sempre real cidade de Lisboa, às matinas do Natal, na
era do Senhor de MDXXVII.» 11527|

Entra Mercúrio e pede a máxima atenção para explicar aos presentes quem o mandou e o motivo da sua
descida à terra:
• Mercúrio faz algumas considerações prévias:
- todos os terrestres (crentes e não crentes) querem saber o que lhes reserva o futuro;
- presta-se a revelar como tudo funciona no mundo de onde vem, não sem antes mencionar um famoso
matemático e astrólogo da época, Francisco Melo;
> o céu é redondo; o sol é amarelo;
> os humanos são gerados, nascem, crescem e morrem - é esta a grande regra do senhor Tempo;
> do céu vêm o Sol, as chuvas e tudo se encaixa na vida dos terrestres.

Daqui se depreende a sátira que Gil Vicente faz
da Astrologia e seus signos do Zodíaco, bem como constelações.

• Mercúrio acrescenta uma crítica a «clérigos e frades /já não têm ao Céu respeito,/ mingua-lhes as santi­
dades / e cresce-lhes o proveito».

Entra o Tempo, que apresenta a feira:


- uma feira de virtudes instalada em tempo de Natal - «Feira das Graças, / à honra da Virgem parida em
Belém»;
- o que se vende; «todas virtudes que houverem mister (...) «a troco de cousas que hão de trazer»; «todos
remédios especialmente / contra fortunas e adversidades»; conselhos sábios e sensatos; amor; razão;
justiça: verdade; paz (porque os Cristão se comportam como danados e discutem/rivalizam. pecamino­
sos); «o temor de Deos / que é já perdido em todos estados»; «as chaves dos Céus»; acerto de contas para
com Deus;
- lá estará também o Anjo de Deus para ajudar o Tempo, que teme «maus compradores», influenciados
pela «feira do Demo», mesmo ali ao lado.

1A abra de referência para o estuda deste texto vkentino é Gd Vicente, As Obras de Gê! Vicente [ direçáa científica de Jasê Camões), vol. I,
Lisboa, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2001.

4G
nktkiês u? ani

TEORIA

Entra um Serafim, apregoando:


•Chama os destinatários que precisam de comprar na Feira das Graças: igrejas; mosteiro; pastores das
almas; papas corruptos; «príncipes dos altos; «donas e donzelas» todos convidados a imitar os santos
antigos, a «comprar» o temor de Deus e «as coisas mais belas».

Entra um Diabo com seu «bufarinheiro» e diálogo com o Tempo:


• 0 Tempo cumprimenta-o com educação e recebe gozo na resposta do Diabo, ao que o Tempo reza para ele
se afastar dali.
• 0 Diabo diz que é ele mesmo aquele que vende sempre mais nestas feiras: produtos de qualidade duvi­
dosa, mas disfarçados de bons: «artes d'enganar, /e cousas pera esquecer /o que deviam lembrar»; teci­
dos de ouro e prata; ruindade e maldade a quem ambiciona dinheiro; «perfumaduras» (feitiços); «virotes»
(setas curtas e impróprias para combates); «trago dAndaluzia / naipes com que os sacerdotes / arrene­
guem cada dia, / e joguem até os pelotes» (crítica aos vícios do jogo e às heresias de trocarem vestes
sacerdotais por dinheiro ou vice-versa).

Entra Roma:
• Queixa-se de que nações e pessoas más a perseguem e lhe armam ciladas, por isso vem à feira «comprar
paz. verdade efé».
• Diálogo com o Diabo: este desdenha e acusa todas as virtudes, mas ela recusa fazer-lhe compras porque
já lhe comprou mentiras e enganos no passado, e isso só lhe trouxe coisas más;
• Dirige-se à Feira das Graças: Serafim saúda-a por ser a primeira senhora e enceta-se o diálogo com os
conselhos do Serafim: tem de mudar de vida, não se revoltar contra Deus, se faz guerra a outros e a Deus,
guerra receberá de todos; aconselha-a a fazer um exame de consciência.

Entram dois lavradores - Amâncio Vaz e Denis Lourenço:


• Amâncio: quer ir à feira vender a mulher, que é agressiva; explica que casou com ela. esperando que ela
morresse das duas doenças que tinha - tísica e tuberculosa -. mas melhorou e agora derreia-o à pancada.
Ele acha que ela é «endemoinhada»; arranca-lhe os cabelos e dá-lhe murros na cara (mesmo na presença
de vizinhos).
• Denis: queixa-se da sua mulher porque ela é demasiado fraca, distraída, incompetente em tudo, especial­
mente nas limpezas da casa e nos cozinhados, cala-se (fazendo birra) e ele não sabe o que fazer; se vir um
gato ou outro bicho, não o afasta e continua pacífica e inocente.
• Denis afirma que queria uma mulher como a de Amâncio para o defender, caso ele fosse atacado, e Amân­
cio propõe uma troca da sua pela dele.

Entram as mulheres dos dois lavradores - «Branca Anes, a brava, e Marta Dias, a mansa», dialogando:
• Branca: o marido só come e dorme; quando vai para os campos, nada faz, come tudo o que lhe aparecer;
• Marta: mostra-se serena e não julga nenhum dos dois maridos em causa.

Entram «nove moças dos montes, e três man­


cebos. todos com cestos nas cabeças, cobertos,
cantando»; Gilberto (um dos moços) explica que
estas moças vêm aqui «folgar* e trazem nos ces­
tos as suas merendas.

Entretanto, chegam dois compradores - Vicente


e Mateus; segue-se o diálogo individual entre
cada um destes dois compradores e as moças à
vez - eles procuram satisfazer os seus prazeres
carnais e elas tudo lhes negam: mercadorias e
prazeres.

Ilya Repin, Segue-me. Satanós, 1895

47
1. Leia atentamente as seguintes afirmações e classifique-as como V (Verdadeira) ou
F (Falsa), corrigindo as falsas.

a) Marte é a figura mitológica escolhida para iniciar este texto porque é o deus da
Guerra e mensageiro.

b) O mensageiro segue, fazendo uso dos signos do Zodíaco para explicar o atual
modo de viver na Terra.

c) Oo mensageiro apresenta Júpiter e caracteriza o seu poder.

d) Júpiter opõe-se terminantemente aos projetos portugueses de navegação marítima.

e) O mensageiro diz ao que veio: ordenar que se faça um banquete de Natal, sendo
seu responsável o Tempo.

f) O Tempo abre a feira, que se chama *das Graças*, em honra das irmãs graciosas
de Lázaro de Betânia e amigas de Jesus: Marta e Maria.

g) O ajudante do Tempo é um dos servidores do Céu, um querubim.

h) As apóstrofes que o Tempo ouvimos proclamar servem para chamar compradores.

i) Na primeira fala do Diabo, percebemos as suas preocupações com a proximidade


do Tempo e seu ajudante.

j) Gil Vicente serve-se das personagens Tempo e Atenas como metáforas (concreti­
zação de abstrações) de membros da Natureza.

k) É através destas duas primas, néscias e saloias, mas honestas mulheres do povo,
que Gil Vicente critica a falta de fé em Portugal.

I) Os últimos clientes são doze e vêm em grupo («nove moças dos montes, e três
mancebos»), com objetivos diferentes.

mj Depois da última fala de Teodora, as nove moças terminam o texto cantando lou­
vores à Virgem Maria, razão que as levou a esta feira.

48
Auto da Feira, Gil Vicente
• Caracterização das personagens • A dimensão religiosa
> Relações entre personagens • A dimensão alegórica PRÁTICA

Leia atentamente a sequência textual e responda às questões.

Tempo —

Em nome daquele que rege nas praças


de Anvers c Mcdina as feiras que tem
comcça-sc a feira chamada das Graças,
5 à honra da virgem panda em Belém.
Quem quiser feirar
venha trocar queu nam hei de vender
todas virtudes que houverem mister,
nesta minha tenda as podem achar,
ll a troco de cousas que hào de trazer.

Todos remédios, especialmente


contra fortunas c odversidades
e aqui se vendem na tenda presente
conselhos maduros de sàs cahdades.
15 Aqui se acharào
a mercadoria damor e rezào,
justiça c verdade, a paz desejada Deus do Tempo, Cemitério Staglieno,
porque a cristandade é toda gastada Génova, Itália

só cm serviço da opcmào.

3 Aqui achareis o temor de Dcos,


que cjá perdido cm todos estados;
aqui achareis as chaves dos céus
muito bem guarnecidas cm cordòcs dourados.
E mais achareis
S soma de contas, todas de contar
quam poucos e poucos haveis de lograr
as feiras mundanas e mais contareis
as contas sem conto qu’cstào por contar.

E porque as virtudes senhor Dcos que digo,


S se foram perdendo de dias cm dias,
com a vontade que deste o messias
memona o teu anjo que ande comigo
senhor porque temo
ser esta feira de maus compradores,
J5 porque agora os mais sabedores
fazem as compras na feira do demo,
c os mesmos diabos sào seus corretores.

Gil Vicente, As Obras de Gil Ucrnte (direção científica de José Camões),


vol. I, Lisboa, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2001. pp. 163-164
1. Prove que todo este excerto assenta em alegorias várias, identificando-as e referindo o
seu valor expressivo.

2. Na sequência «a troco de cousas que hâo de trazer.» (verso 10), refira a que «cousas» se
refere o Tempo, justificando a sua resposta.

3. Identifique a crítica presente em «porque a Cristandade é toda gastada / só em serviço da


openiâo.» (versos 18-19).

4. Em «e mais contareis / as contas sem conto qu'estào por contar.» (versos 27-28), Gil
Vicente utiliza a polissemia para fazer um trocadilho. Explique-o por palavras suas.

5. Esclareça de que forma os versos 29 a 37 sáo um bom exemplo da dimensão religiosa


deste auto.

6. Transcreva de todo o excerto uma alegoria, uma metáfora e uma apóstrofe, referindo os
seus valores expressivos.

7. Considerando a obra integral, atente na personagem Roma.

7.1 Explicite o papel de Roma como personagem alegórica e explique o seu papel na
estrutura do auto.

50
PRÁTICA

7.2 Refira-se à relação que Roma tem com as personagens com quem dialoga.

8. Esclareça o que pretende o autor mostrar com as personagens Branca Anes e Marta Dias,
justificando a sua resposta.

9. Atente nas personagens «nove moças, e três mancebos».


9.1 Identifique uma metáfora e uma metonímia no excerto relativo ao diálogo inicial
entre o jovem Gilberto e o Serafim.

Gilberto - sois samica anjo de Deos. / Quando partistes dos céus / que ficava ele
fazendo?
Serafim - Ficava vendo o seu gado (...).
Gilberto - E a Virgem que fazia ela?
Serafim - A virgem olha as cordeiras / e as cordeiras a ela.

9.2 Caracterize a relaçáo entre as nove moças e os dois guardadores de bois. Mateus e
Vicente, referindo-se ao seu desfecho.

9.3 Explique o que fazem estas moças no final do texto dramático, bem como o signifi­
cado de tal atitude.

9.3.1 Comente o objetivo que Gil Vicente tem ao servir-se desta espécie de «perso­
nagem coletiva».

9.4 Explique por que razáo este texto dramático se inclui na categoria «auto*.

51
NEMUII EXAME NACIINAL

Luiz Vaz
LUÍS DE CAMÕES, RIMAS de Camões

Redondilhas e sonetos

Vida e obra
• 1524 ou 1525: supõe-se que Luís Vaz de Camões nasceu em Lisboa, filho de Simão Vaz de Camões e de
Ana de Sá; pertencia à pequena nobreza, como o atesta a carta de perdão datada de 1553. ao referir-se-
-Ihe como «cavaleiro fidalgo» da Casa Real.
• 1550: o poeta encontra-se em Lisboa: frequenta o paço e os salões da alta nobreza.
• 1550-1552: terá sido desterrado para Ceuta, onde vem a perder um dos olhos em combate com os Mou­
ros. Regressa depois a Lisboa, gastando a vida entre a corte e as ruas, numa vivência boémia e desre­
grada.
'1552: uma arruaça em que um arrieiro do rei foi ferido leva Camões à prisão do Tronco.
• 1553: supõe-se que terá viajado para a índia, ao serviço do rei. como forma de perdão.
• 1558: encontra-se em Moçambique, preso por dívidas. Aqui vive na miséria e trabalha na sua obra poética.
• 1570: regressa a Lisboa ajudado pelos amigos, que lhe pagam a viagem. Dos cerca de dezassete anos de
ausência nada há de preciso. Sabe-se que foi soldado e participou em expedições militares e que numa
viagem de Macau para a índia sofre um naufrágio no qual perde todos os seus bens materiais, conse­
guindo salvar-se a nado e salvar Os Lusíadas, na foz do rio Mecon.
• 1572: publica os Os Lusíadas e passa a receber uma tença real de 15 000 réis anuais.
«1580 (10 de junho): morre depois de anos de abandono e miséria. Mais tarde. D. Gonçalo Coutinho manda
gravar uma lápide na sua sepultura: «Aqui jaz Luís Vaz de Camões, Príncipe dos Poetas de seu tempo.
Viveu pobre e miseravelmente, e assi morreu.*1

Renascimento:
Movimento cultural iniciado entre os séculos XIV e XVI, em Itália. A essência deste movimento prende-se
com a recuperação de características culturais da Antiguidade Clássica (greco-latina), cujo objetivo é a
renovação das artes, das letras e do próprio pensamento e conhecimento do mundo. Em Portugal, o Renas­
cimento está diretamente associado ao período das Descobertas.

Classicismo:
□ Classicismo compreende-se como a vigência de uma estética da Antiguidade greco-latina, o que se
repercute na Literatura com os seus referentes (personagens, mitos, entre outros) e escrita segundo os
autores renascentistas italianos, de que Petrarca é um dos grandes exemplos.

Humanismo:
Infimamente relacionado com o Renascimento, o Humanismo tem que ver com a centralidade da figura
do Homem enquanto indivíduo. Desta forma, defende-se que cada homem deve possuir conhecimentos
abrangentes sobre as ciências, as humanidades e sobre si próprio, centro absoluto (físico, intelectual e
espiritual) da existência. Nesta conceção, o ser humano ganha um papel mais importante do que a própria
Divindade.

1 Poesia Lírica - Luís de Camões. seleção e introdução de Isabel Pascoa I. Lisboa, Ulisseia, pp. 7-10.

52
ramxiÊs u? ani

TEORIA

* Nas redondilhas. a amada é de qualquer classe social, privilegiando a de origem popular; geral­
mente, tanto o sujeito poético como a amada pertencem ao mesmo meio social; bela, encanta­
dora, com detalhes sobre indumentária, objetos, sentimentos; possibilidade de relacionamento
físico, entre outros.
• Nos sonetos: geralmente pertencente a uma classe social alta (nobreza / aristocracia / Coroa),
portanto, mulher palaciana; pele branca, olhos claros (azuis ou verdes), cabelos louros, indumen­
tária elegante; superior em relação ao sujeito poético, seu submisso; relacionamento platónico
(sem contacto físico).

Por um lado, a Natureza pode plasmar a beleza da amada (locus omenus); por outro, pode estar
dependente dos sentimentos do sujeito poético (íocus omenus ou focus horrendas).

•" « q Amor pode ser tomado como um sentimento alegre e frutífero (correspondência amorosa) ou
«S * < como origem de sofrimento, de contradições e de desespero. Por exemplo, devido ao tempo que
i 3 ■ o não volta atrás, o sujeito poético vive angustiado com as lembranças do Bem passado, que se tor-
naram num Mal presente.
< “ s

5 — Nos poemas líricos de Camões encontramos várias referências diretas ou indiretas à sucessão de
• « g acontecimentos da sua biografia. Por outras palavras, vemos espelhados nos textos as aventuras
« ! 5 e desventuras, os infortúnios, o azar e a dependência de um Destino implacável, que dão vida à
< história pessoal do poeta.

o£ Este tema surge da consciência do poeta em relação ao mundo injusto, corrupto e maquiavélico
que o rodeia e que nunca lhe é favorável. Por isso mesmo, os poemas que versam sobre este tema
revelam uma agudeza mental que tem como consequência a angústia, a desolação /frustração e o
n 2 sofrimento de Camões.

«Mudança» abrange o andamento da vida, a passagem do tempo e as suas repercussões na vida


e nos sentimentos do poeta. Por vezes, a mudança é perspetivada como positiva ou moldável às
várias fases da vivência humana; outras vezes ela é vista como a responsável pela sucessão de
desventuras.
T3

FORMAS

Redondilhas (Medida Velha)


* Poemas com número variável de estrofes; cantigas, endechas, esparsas, vilancetes, voltas/glosas
• Redondilha menor: 5 sílabas métricas
* Redondilha maior; 7 sílabas métricas
* Rima e esquema rimático variáveis

Sonetos (Medida Nova)


* Sonetos; duas quadras, dois tercetos
•Versos de lO(decassilábico) ou 12 (alexandrino) sílabas métricas
• Rima interpolada e emparelhada nas quadras
• Rima interpolada nos tercetos
• Esquema rimático; abba abba cde cde

53
filmas, Luís de Camões
• A representação da amada

Leia atentamente o seguinte texto e responda às questões.

mover d'olhos, brando e piadoso

Uni mover d olhos, brando c piadoso1,


sem ver dc que; um riso brando e honesto,
quási2 forçado; um doce c humilde gesto,
de qualquer alegria duvidoso;

S um despejo3 quieto c vergonhoso;


um repouso gravíssimo4 e modesto;
üa pura bondade, manifesto
indício5 da alma, limpo e gracioso;

um encolhido ousar5; üa brandura7; Rafael, ÀMUher Veiado, 1515


1 um medo sem ter culpa; um ar sereno;
um longo e obediente sofrimento; 1 Piedoso; caridosa.
2 Quase.
3 Naturalidade; desenvoltura;
esta foi a celeste fermosura8 comportamento.
da minha Circe9, c o mágico veneno * Formal.
5 Sinal.
que pôde transformar meu pensamento. •Atrevimento.
75erenidade.
Luís de Camões, Rj/mus, •Beleza.
Coimbra, Almedina, 2005, p. 161 3 Deusa que se apaixonou por Ulisses na
obra Odissero e o impediu de regressar
ã sua terra natal, ítaca, e ã sua mulher.
Penélope, mantendo- d cativo através das
suas feitiçarias.

1. Indique o assunto deste soneto.

2. Divida este soneto em partes lógicas e explique a sua opçào.

3. Retire das três primeiras estrofes os nomes que o sujeito poético enumera para especifi­
car cada traço da sua amada.
PRÁTICA

3.1 Caracterize genericamente, e por palavras suas, esta mulher.

3.2 Identifique patamar social em que Camões coloca esta mulher, justificando a sua
resposta com elementos textuais.

4. Explique a referência a Circe.

5. Esclareça o sentido do «mágico veneno» e comente os efeitos que ele teve no sujeito poé­
tico. Retire do poema a sequência que o comprova.

6. Prove que a estrutura formal (estrófica. métrica e rimática) deste poema o torna um soneto.

7. Identifique e refira o valor expressivo dos recursos presentes em:

a) «quási forçado; um doce e humilde gesto»

b) «um mover d'olhos (...) um despejo quieto (...) um repouso gravíssimo (...) um encolhi­
do ousar»

c) «brando e piadoso (...) brando e honesto (...) doce e humilde (...) quieto e vergonhoso
(...) gravíssimo e modesto»

55
FICHA 11

Leia atentamente o seguinte texto e responda às questões.

Afcjfres campos, verdes arvoredos

Alegres campos, verdes arvoredos,


claras e frescas águas de cristal,
que cm vós os debuxais1 ao natural,
discorrendo2 da altura dos rochedos;

S silvestres montes, ásperos penedos,


compostos em concerto desigual3,
sabei que, sem licença de meu mal,
já não podeis fazer meus olhos ledos4.
Alfred Sisley, Porsogem com Casos, 1873

E, pois me já não vedes como vistes5,


■ nào me alegrem verduras deleitosas®,
nem águas que correndo alegres vêm.
1 Retratais; reproduzis; pintais.
2 Correndo; caindo; sucedendo-se.
Semearei cm vós lembranças tristes,
3 Desordenados.
regando-vos com lágrimas saudosas, 4 Alegres; felizes.

e nascerão saudades de meu bem7. 5 Este versa mostra que o sujeito


poético já não se sente alegre como
se sentia na passada.
Luís de Camões, op. cit., p. 123 c Agradáveis.
7 Amada; amor.

1. Refira assunto deste soneto.

2. Divida poema em partes lógicas, tendo em conta o papel da conjunção coordenativa


copulativa que inicia o primeiro terceto, bem como a seleção de uma forma verbal no futu­
ro do indicativo a iniciar o segundo terceto.

3. Retire do texto todas as apóstrofes e refira o seu papel na composição poética.

Ei
PRÁTICA

4. Identifique a presença da Música na Natureza e explique o seu papel no poema.

5. «Alegres campos, verdes arvoredos» (verso 1) inclui uma aliteração. Identifique-a e


comente a sua expressividade.

6. Indique o recurso presente em «águas de cristal* (verso 2) e em todo o último terceto.


Explique a sua expressividade.

7. Comente a presença do locus amoenus, tendo em conta a primeira e a segunda estrofes.

8. Proceda à análise formal do poema.

57
Leia atentamente o seguinte texto e responda às questões.

.4rnor, cü 4 esperança já perdida

Amor, co a esperança já perdida,


teu soberano templo visitei;
por sinal do naufrágio que passei,
cm lugar dos vestidos, pus a vida1.

5 Que queres mais de mim, que destruída


me tens a glória toda que alcancei?
Nào cuides2 de forçar-me, que nào sei
tornar a entrar onde nào há saída.

Vês aqui alma, vida c esperança,


■ despojos3 doces de meu bem passado,
Emile Meunier, Cupido, 1892
enquanto quis aquela que eu adoro:

nelas podes tomar de mim vingança;


e se inda nào estás de mim vingado, 1 Esta estrafe recupera o ritual
típico dos navegadores que sofriam
contenta-te com as lágrimas que choro. naufrágios, no qual eles entregam as
suas roupas ao Tempo como forma
de agradecimento pela superação
desses tormentos.
Luís de Camões, np. dt., p. 158 2 Penses; queiras.
3 Restos.

1. Tendo em conta a apóstrofe inicial, explicite o assunto deste soneto.

2. Considerando ainda a mesma apóstrofe, divida o poema em partes lógicas.

3. Identifique os patamares em que estão a entidade *Amor* e o sujeito lírico do poema,


justificando a sua resposta com uma citação textual.

59
PRÁTICA

4. Esclareça o sentido dos versos 3 e 4 da primeira quadra.

5. Identifique os três recursos proeminentes nestes versos, explicando a sua expressividade.

6. Explique o sentido do verso «enquanto quis aquela que eu adoro» (verso 11), referindo-se
à expressividade dos tempos verbais utilizados.

7. Considerando o último terceto, explique como é que o sujeito poético caracteriza o Amor.
Justifique a sua resposta.

8. Caracterize o estado de espírito do sujeito poético, recorrendo a citações textuais que o


comprovam.

9. Analise a estrutura formal deste soneto.

59
Leia atentamente o seguinte texto e responda às questões.

Doces lembranças da passada glória

Doces lembranças da passada glória,


que me tirou Fortuna1 roubadora,
deixai-me repousar cm paz ff hora,
que comigo ganhais pouca vitória.

5 Impressa tenho nalma larga história


deste passado bem que nunca fora;
ou tora, e nào passara; mas já agora
cm mim nào pode haver mais que a memória.

Vivo cm lembranças, mouro2 d esquecido,


■ dc quem sempre devera ser lembrado,
sc lhe lembrara estado tào contente.
Caspar David Friedrich. Caminhante sobre
o Mar de Névoa, 1818
Oh! Quem tornar pudera3 a ser nascido!
Soubera-me lograr4 do bem passado,
1 Destino.
sc conhecer soubera5 o mal presente. 2 Morro.
3 Pudesse.
Luís de Camòes, op. át., p. 157 4Apraveitar; fruir; gozar.
5Soubesse.

1. Considerando o primeiro verso, refira-se ao assunto deste soneto. Justifique a sua res­
posta.

2. Divida o poema em partes lógicas, justificando a sua resposta.

3. Esclareça o sentido do conteúdo da segunda e terceira estrofes.


PRÁTICA

4. Identifique o recurso expressivo presente no primeiro verso do poema e justifique-o.

5. Refira-se à expressividade do verso «que me tirou Fortuna roubadora».

6. Identifique o recurso expressivo na sequência «(...) que nunca fora; / ou fora, e nâo
passara {...)> (versos 6-7).

7. Identifique o recurso expressivo presente no primeiro verso do primeiro terceto e


comente o seu valor.

8. Refira o valor de todas as formas verbais conjugadas no pretérito mais-que-perfei-


to simples do indicativo, presentes no último terceto.

9. Identifique o recurso expressivo, ao nível fonológico. presente nos dois últimos ver­
sos do soneto, esclarecendo o seu valor.

10. Proceda à análise formal do poema.

61
Rimas, Luís de Camões
FICHA 20 • O tema do desconcerto

Leia atentamente o seguinte texto e responda às questões.

Os bons vi sempre passar

Os bons vi sempre passar


no mundo graves tormentos;
e, para mais m'espantar,
os maus vi sempre nadar
5 cm mar de contentamentos.
Cuidando alcançar assim
o bem tào mal ordenado,
fui mau, mas fui castigado:
Assi que, só para mim
■ anda o mundo concertado.
William Turner, Castelo de Bamò urgh,
Nortfiumberland, c. 1837
Luís de Camões,
op. dt., p. 102

1. Esta composição poética desenvolve uma espécie de narrativa. Faça uma síntese dessa
narrativa, recorrendo a palavras suas.

2. Identifique duas aliterações presentes nos primeiros quatro versos do poema e esclareça
a relaçõo que estas estabelecem com conteúdo dos mesmos versos.

3. Identifique o recurso expressivo presente em*(...)vi semprenadar/em mar de contenta­


mentos* (versos 4-5) e explicite seu valor.
PRÁTICA

4. Indique a palavra que dá um caráter universal à conclusão deste poema, justificando a sua
resposta.

4.1 Transcreva as palavras que identificam os agentes desse universo de uma forma
maniqueísta (Bem ws. Mal).

5. Tendo em conta a sequência «fui mau, mas fui castigado»:

5.1 Esclareça o valor da conjunção «mas».

5.2 Comente o uso dos dois pontos.

6. Indique o campo lexical de «Mal» e de «Bem».

7. Analise a estrutura formal deste poema, confirmando a sua pertença à designada «Medi­
da Velha*.

63
Leia atentamente o seguinte texto e responda às questões.

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,


muda-se o ser, muda-se a confiança;
todo o mundo é composto de mudança,
tomando sempre novas qualidades.

5 Continuamente vemos novidades,


diferentes cm tudo da esperança;
do mal ficam as mágoas na lembrança,
e do bem (se algum houve), as saudades.

O tempo cobre o chào de verde manto,


■ quejá coberto foi de neve fria,
Edvard Munch. Dia Soaíhetro
e, em mim, converte1 cm choro o doce canto. em Ásgàrdstrand, 1890

E, afora este mudar-se cada dia,


outra mudança faz de mor espanto, 1 Transforma.
que não se muda já como soía2. 2 Costumava.

Luís de Camões, op. dt., p. 162

1. Divida o poema em partes lógicas, justificando a sua opção.

2. Identifique a anáfora nos dois primeiros versos e esclareça a sua expressividade.

3. A segunda quadra apresenta-nos um sujeito poético duvidoso/cético em relaçáo à felici­


dade. Comprove esta afirmação com citações textuais.

64
PRÁTICA

4. Explique de que forma é que o tempo confirma a ideia de mudança. Retire do texto sequên­
cias que provem a sua resposta.

4.1 Esclareça o principal efeito que esse mesmo tempo tem no sujeito poético. Justifi­
que a sua resposta com elementos textuais.

5. Retire uma antítese do poema e refira a sua expressividade.

6. Explique o valor da utilização do advérbio (de modo) no primeiro verso da segunda quadra.

7. Identifique o propósito que justifica a seleção da conjunção coordenativa copulativa <e»


no primeiro verso do segundo terceto. Justifique a sua resposta com elementos textuais.

8. Proceda à análise formal do poema.

65
filmas, Luís de Camões
• A representação da amada

Leia atentamente os poemas e responda às questões.

Poema 1

Aquela cativa Leda5 *mansidão7 *


que o siso4 acompanha;
A üa cativa1 com quem andava
bem parece estranha,
d’amores na índia, chamada Bárbora
mas bárbora nào.

Aquela cativa,
Presença serena
que me tem cativo2,
que a tormenta amansa;
porque nela vivo
nela enfim descansa
já não quer que viva.
toda a minha pena9.
5 Eu nunca vi rosa
Esta c a cativa
cm suaves molhos3,
que me tem cativo,
que para meus olhos
c, pois nela vivo,
fosse mais fermosa.
■ c força que viva.

Nem no campo flores,


Poema 2
1 nem no céu estrelas,
me parecem belas Leda serenidade deleitosa10
como os meus amores.
Leda serenidade deleitosa,
Rosto singular,
que representa cm terra um paraíso;
olhos sossegados,
entre rubis c perlas11 doce riso,
li pretos c cansados,
debaixo d’ouro c neve12, cor de rosa;
mas nào de matar.

Üa graça viva, presença moderada c graciosa13,


onde ensinando cstào despejo c siso14
que neles lhe mora,
que se pode por arte e por aviso15,
para ser senhora
como por natureza, ser fermosa15;
3 de quem c cativa.
Pretos os cabelos,
tala de quem a morte e a vida pende17,
onde o povo vão4
perde opinião ® rara, suave; enfim. Senhora, vossa;
repouso nela alegre e comedido14;
que os louros são belos.

estas as armas são com que me rende19


S Pretidào de Amor,
c me cativa Amor; mas nào que possa
tào doce a figura,
dcspojar-mc20 da glória de rendido.
que a neve lhe jura
que trocara5 a cor. Luís de Camões, op. ài., pp. 89-90 e 139

2Escrava; prisioneira. • Juízo; razàa. 1£ Conhecimento; inteligência.


2PresD par amor. s Sofrimento; escrita. 1£Bela; bonita.
3Ramos; bouquês. 1DAgradável; queda prazer. 17 Depende.
4Vulgar; sem sensibilidade. 11 Rubis e pérolas (pedras preciosas). 18 Regrado; contido.
5Tracava; trocaria. lzCabelDS louros e pele branca. 19Vence; cativa.
s Alegre; feliz. 13 Bela; bonita. 20Ver-me livre.
7Calma; tranquilidade. 14 Naturalidade e juízo.
PRÁTICA

1. Relativamente ao assunto, identifique o que há de comum entre estes dois poemas.

2. Divida o poema 1 em partes lógicas e justifique a sua opção.

3. Divida o poema 2 em partes lógicas e justifique a sua opção.

4. Caracterize detalhadamente, fazendo uso das suas palavras, a mulher cantada no poema 1.
Transcreva vocábulos que confirmem a sua resposta.

5. Caracterize detalhadamente, fazendo uso das suas palavras, a mulher cantada no poema 2.
Transcreva vocábulos que confirmem a sua resposta.

6. Estabeleça agora as diferenças físicas e psicológicas entre as duas mulheres, identifican­


do a petrarquista e aquela contrária aos preceitos de Petrarca.

7. Estabeleça as diferenças formais (estróficas. métricas, rimáticas) entre os dois textos e


enquadre-os no que se designa «Medida Velha» (lírica tradicional) e «Medida Nova» (lírica
renascentista).

8. Transcreva do poema 1 os seguintes recursos expressivos, referindo o seu valor:


a) aliteração---------------------------------- c) comparação
b) paradoxo d) metáfora

9. Transcreva do poema 2 os seguintes recursos expressivos, referindo o seu valor:


a) aliteração c) metáfora
b) paradoxo d) anástrofe

67
NEMUII EXAME NACIINAL

LUÍS DE CAMÕES, OS LUSÍADAS

NATUREZA E ESTRUTURA DA OBRA

• Os Lusíadas é uma epopeia que obedece à natureza e estrutura


típicas deste tipo de texto, que vem sendo popularizado desde
a Antiguidade Clássica por Homero (i/íada. Odisseia) e Virgílio
(Eneida).

• seu assunto é de interesse universal, dizendo respeito ao lou­


vor de povos e heróis que, de alguma maneira, mudaram o mundo
e o fizeram progredir.

• texto está dividido em cantos (espécie de capítulos), com um


número variável de estrofes (conjunto de versos). As estrofes
têm 8 versos decassilábicos, sendo a rima cruzada nos seis pri­
meiros e emparelhada nos dois últimos, com o esquema rimático
abababcc.

• Da estrutura interna fazem parte a Proposição (verbalização do


assunto que o poeta vai tratar), a Invocação (pedido de ajuda às
ninfas ou musas inspiradoras), a Dedicatória (indivíduo ou enti­
dade a quem o poeta dedica a sua epopeia) e a Narração (a via­ Fac-símile da portada da ediçáo
gem. a mitologia e a História de Portugal, começada «in media de 1572 de Os Lusíados

res», ou seja, a meio da viagem), a que se juntam as considera­


ções do poeta, fora do plano da narração.

TÓPICOS DE ANÁLISE N OS LUSÍADAS

Matéria épica (feitos históricos e viagem): Luís de Camões propõe-se narrar em verso a viagem
marítima dos portugueses desde Portugal até à India. Neste sentido, afirma que contará os feitos
gloriosos dos navegadores (Nobreza, Clero e Povo), os quais dizem respeito não só à navegação (com
suas provações) e à descoberta de novas terras ultramarinas, mas também à conquista de povos afri­
canos e asiáticos. 0 poeta acrescenta que os feitos históricos serão para sempre recordados como
o ainda maiores do que os dos heróis da Antiguidade Clássica: o grego Ulisses (Odisseia), o troiano
Eneias (Eneida) e Alexandre Magno (rei da Macedónia). Esta informação surge na «Proposição».
Sublimidade do canto: Para conseguir cantar e louvar os feitos gloriosos dos portugueses nesta
sua epopeia. Camões recorre às ninfas do Tejo, as Tágides: invocando-as. pede-lhes que lhe deem
inspiração e linguagem erudita, elevada, sublime, para conseguir igualar a sublimidade dos feitos
dos portugueses, que ele quer deixar famosos por todo o «Universo» (presente e futuro). Na ver­
dade. faz parte de uma epopeia o uso de vocabulário, frases e estâncias de estilo formal e de uma
eloquência superior. Esta informação encontra-se na «Invocação».
Mitificação do herói: 0 herói de Os Lusíadas é o povo português, simbolizado n3 figura de Vasco da
Gama. Narrando os seus feitos gloriosos e sublimes, mais meritórios do que todos os dos povos e
nações anteriores, Camões eleva os portugueses a um nível mítico, quase sobre-humano, ou seja,
acima dos poderes terrenos.

w Camões exprime as suas opiniões críticas sobre os factos que vai narrando. Assim, acompanhando
£ a viagem, as conquistas e as proezas gloriosas dos nossos navegadores, o poeta tece também
• £ comentários críticos à ambição desmedida e exagerada por dinheiro e fama, à falta de cultura e
*• ® apreço pelas Artes (especialmente a Poesia), ao poder corruptor do dinheiro e do ouro e aos com­
portamentos negativos dos portugueses.

69
nktkiês u? ani

TEORIA

VISÃO GLOBAL

CANTOS RESUMOS TEMPO

Proposição, Invocação e Dedicatória (estâncias 1 a 18)


Narração (estâncias 19 a 106):
• Plano da viagem: viagem marítima para a índia;
• Plano da mitologia: episódio mitológico-simbólico do Consílio dos
Deuses no Olimpo, em que Júpiter anuncia o destino dos portugueses;
• Plano da viagem: os portugueses navegam para Moçambique; rece­
ção pelos mouros e visita de Régulo; projeto traiçoeiro do mouro; a
armadilha do piloto mouro tem sucesso;
• Plano da mitologia: intervenção (ajuda) de Vénus;
• Plano da viagem: chegada a Mombaça;
• Plano das reflexões do poeta: reflexão sobre os perigos a que o ser
humano está sujeito.

Narração (estâncias 1 a 112):


• Plano da viagem: convite do rei de Mombaça; dois condenados portu­
gueses visitam a cidade e tracem a Vasco da Gama informações falsas:
• Plano da mitologia: intervenção de Baco, que engana os condenados
portugueses, e intervenção posterior de Vénus e suas Nereidas. que
afastam as naus portuguesas do porto;
Canto • Plano da viagem: fuga do piloto mouro e seus companheiros: Vasco
II da Gama agradece e pede ajuda à Divina Providência (Deus);
• Plano da mitologia: intervenção de Vénus, Júpiter e Mercúrio, pois
Vénus pede ajuda para os portugueses a Júpiter e este envia Mer­
cúrio. seu mensageiro, para indicar, em sonho, ao Capitão Vasco da
Gama, o caminho para uma terra amiga;
• Plano da viagem: partida de Mombaça; chegada a Melinde, onde
os portugueses são muito bem recebidos e acomodados: o Rei de
Melinde pede a Vasco da Gama que lhe conte a História de Portugal.

Invocação a Caliope (estâncias 1 e 2)


Narração (estâncias 3 a 143):
• Plano da História de Portugal: início da narração de Vasco da Gama
ao rei de Melinde (descrição da Europa); origens e História de Por­
tugal (l.3 dinastia - inclui o episódio bélico da Batalha de Ourique); ANALEPSE

• Plano da história de Portugal: D. Maria pede ao pai, D. Afonso IV. Séc.lla.C_


até ao séc. XIV
ajuda para o seu marido na luta contra os Mouros aquando da Batalha
do Salado - episódio lírico da Formosíssimo Maria;
• Plano da história de Portugal: D. Afonso IV é o grande herói do episó­
dio da Batalha do Salado;
• Plano da história de Portugal: episódio lírico da morte de Inês de
Castro.

E9
NEMUII EXAME NACIINAL

Narração (estâncias 1 a 104 - Vasco da Gama continua a sua narração


ao rei de Melinde):
ANALEPSE
•Plano da história de Portugal: história de Portugal (2? dinastia) -
D. João. Mestre de Avis. é aclamado rei; discurso de D. Nuno Álva­ SfcXV
Canto
(inclui também um
IV
res Pereira e preparação da Batalha de Aljubarrota; episódio da
momento de Prolepse.
Batalha de Aljubarrota; conquista de Ceuta; sonho profético de que é o do sonho
D. Manuel; D. Manuel escolhe Gama para comandante da armada por­ de D. Manuel)
tuguesa para a India; saída de Belém; episódio simbólico-profético
do Velho do Restelo.

Narração (estâncias 1 a 100 - Vasco da Gama continua a sua narração


ao rei de Melinde, desta vez sobre a viagem de Lisboa até Melinde):
• Plano da viagem: partida de Lisboa e viagem até ao Equador; relato ANALEPSE

dos episódios naturais do Fogo de Santelmo e da Tromba Marítima; SécXV(1498)

Canto relato da aventura de Fernão Veloso: relato da passagem pelo Cabo (inclui também
das Tormentas e consequente episódio simbólico-profético-mitoló- um momento de
V Prolepse, que é o
gico do Gigante Adamastor; continuação da viagem até ao Rio dos dos comentários
Bons Sinais; descrição da doença do escorbuto; viagem em direção a proféticos do
Melinde e glorificação dos portugueses por parte de Vasco da Gama; Adamastor)
• Plano das reflexões do poeta, com comentários sobre os que despre­
zam e não querem saber da Poesia.

Narração (estâncias 1 a 99 - fim da narração de Vasco da Gama ao rei


de Melinde):
• Plano da viagem: despedida do rei de Melinde e continuação da via­
gem dos portugueses em direção à India;
• Plano da mitologia: intervenções de Baco no episódio mitológico do
Consílio dos Deuses marinhos;
• Plano da viagem: os navegadores portugueses ouvem Veloso a con­ ANALEPSE
Canto
tar o episódio lírico sobre «Os Doze de Inglaterra»; surge uma vio­ SécXV(1498)
VI
lenta tempestade e Vasco da Gama pede ajuda a Deus;
• Plano da mitologia: intervenção da deusa Vénus para ajudar os por­
tugueses;
•Plano da viagem: a armada portuguesa chega a Calecute e todos
fazem Ação de Graças a Deus;
• Plano das reflexões do poeta, com reflexões e comentários sobre o
valor da glória.

Narração (estâncias 1 a 87):


• Plano das reflexões do poeta, com elogio do espírito de cruzada dos
portugueses;
•Plano da viagem: entrada em Calecute; descrição da India e primei­
ros contactos com o Monçaide; o Monçaide visita a frota portu­
Canto ANALEPSE
guesa; Vasco da Gama desembarca e é recebido pelo Catual; visita
SétXV
VII ao Samorim; contactos vários entre portugueses e indianos; oCatual (maio de 1498)
visita e aprecia as bandeiras portuguesas;
• Plano das reflexões do poeta: invocação do poeta às ninfas do Tejo
e do Mondego:
•Plano das reflexões do poeta: o poeta lamenta os seus infortúnios
(falta de sorte e sofrimentos) e critica os opressores.

7D
nmciÊsu?ANi

TEORIA

Narração (estâncias 1 a 99):


• Plano da história de Portugal: Paulo da Gama explica ao Catual os
símbolos e figuras presentes nas bandeiras portuguesas;
Canto * Plano da mitologia: intervenção de Baco, estimulando os indianos a ANALEPSE
yiU detestar os portugueses;
Séc. XV(1498)
• Plano da viagem: os indianos revoltam-se contra Gama e este fala com o
Samorím; o Catual (homem corrupto) tenta aprisionar os portugueses;
• Plano das reflexões do poeta: considerações sobre o «vil metal», o
ouro.

Narração (estâncias 1 a 95):


• Plano da viagem: negociações entre Vasco da Gama e os indianos
para que os portugueses possam regressar a Portugal;
• Plano da mitologia: intervenção de Vénus e de Cupido, sendo que a
deusa prepara o descanso e recompensa dos portugueses;
• Plano da viagem: os portugueses regressam à Pátria e. pelo caminho.
Canto avistam uma ilha; ANALEPSE

IX • Plano da mitologia: episódio simbólico-mitológico da Ilha dos Amo­ Séc. XV


{agosto de 1498)
res e sua descrição - as ninfas mostram-se aos navegadores e estes
perseguem-nas (aventura do navegador Lionardo; relações amoro­
sas entre os portugueses e as ninfas: e relação amorosa entre Vasco
da Gama e Tétis); explicação do sentido alegórico (simbólico) da Ilha
dos Amores;
• Plano das reflexões do poeta: reflexões sobre o significado e o valor
da imortalidade.

Narração (estâncias 1 a 156):


• Plano da mitologia: ainda na Ilha dos Amores, todos participam num
banquete e Tétis faz profecias sobre o futuro dos portugueses no
Oriente; invocação a Calíope (estâncias 8 e 9).
ANALEPSE
Narração: Séc. XV (1490)
Canto . Plano da mitologia: continuação do discurso profético de Tétis; Tétis
(inclui também um
X mostra a Máquina do Mundo a Vasco da Gama e indica-lhe o tama­ momento de Prolepse,
nho do Império português no futuro; despedida deTétis e partida dos que é o das profecias
deTétis)
portugueses rumo a Portugal;
• Plano da viagem: chegada a Portugal;
• Plano das reflexões do poeta: lamentos do poeta; o poeta pede ao rei
D. Sebastião que concretize novas glórias.

INTERDEPENDÊNCIA DOS PLANOS

Canto 1 Canto II Canto III Canto IV Canto V Canto VI Canto VII Canto VIII Canto IX Canto X

Viagem Viagem Viagem Viagem Viagem Viagem Viagem Viagem

História de História de
Portugal Portugal

interven­ Interven­ Interven­ Interven­ Interven­


ção dos ção dos ção dos ção dos ção dos
deuses deuses deuses deuses deuses

Reflexões Reflexões Reflexões Reflexões Reflexões Reflexões

71
Leia atentamente as estâncias que se seguem e responda às questões.

Proposição

1
AS armas c os Barões assinalados1
Que da Ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados,
Passaram ainda alem da Taprobana2,
Em perigos c guerras esforçados
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo lLcino, que tanto sublimaram;

2
António Carneiro, Camões lendo «Os Lusíadas»
E também as memórias gloriosas 1925-29
Daqueles ILcis que foram dilatando3
A Fé, o Império, c as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando;

E aqueles que por obras vale rosas


Sc vào da lei da morte libertando,
Cantando espalharei por toda a parte,
Sc a tanto me ajudar o engenho4 e arte.
1 Nobres; cavaleiros; guerreiros ilust res
3 que se destacam.
2 Atual Sri Lanka.
Cessem5 do sábio Grego5 e do Troiano7 ^Expandindo; aumentando.
As navegações grandes que fizeram; ‘Genialidade; talento.
*«Nàa se f ale rnats; não se louvem mais».
Cale-se de Alcxandro* e de Trajano®
^Ulisses (Odisseia).
A fama das vitórias que tiveram; TEneias (Eneida).
‘Alexandre Magno, rei da Macedónia.
Que10 eu canto o peito ilustre Lusitano,
*Um dos imperadores romanas.
A quem Neptuno c Marte obedeceram. “Parque.
Cesse tudo o que a Musa antiga canta,
Que outro valor mais alto se alevanta.

Luís de Camões, Os Lusíadas (leitura, prefacio e notas


de Álvaro J. da Costa Pimpão), Lisboa, Instituto Camões, 2001, p. 1

1. Tendo em conta a afirmação «Cantando espalharei por toda a parte* (verso 7, estância 2),
explique o que Camões se propõe louvar/cantar. Justifique a sua resposta com elementos
textuais.

72
PRÁTICA

1.1 Prove que aquilo que se propõe louvar constitui matéria épica.

2. Esclareça o sentido do último verso da estância 2.

3. Considerando a afirmação «Oue eu canto o peito ilustre Lusitano» (verso 5, estância 3).
evidencie o sentido de toda a terceira estância. Justifique a sua resposta com elementos
textuais.

4. Comente o sentido do verso 6 da estância 3.

5. Explique de que modo é que estas três estâncias sâo um bom exemplo de epopeia, quanto
à forma.

6. Identifique e comente a expressividade do recurso presente em *As armas e os barões


assinalados» (verso 1, estância 1).

73
FICHA 24

Leia atentamente as estâncias que se seguem e responda às questdes.

Invocação

E vós, Tágides1 minhas, pois criado


Tendes em mi um novo engenho ardente2,
Sc sempre em verso humilde celebrado
Foi de mi vosso rio alegremente,
Dai-me agora um som alto c sublimado.
Um estilo grandíloco c corrente,
Por que de vossas águas Febo3 ordene
Que nào tenham enveja4 às de Hipocrcnc5.

5
Dai-me üa fúria* grande e sonorosa,
E nào de agreste avena ou frauta ruda7,
Mas de tuba canora c belicosa®,
Que o peito acende9 c a cor ao gesto muda10;
Dai-me igual canto aos feitos da famosa
Gente vossa, que a Marte tanto ajuda;
Que se espalhe c se cante no universo,
Columbano Bordalo Pinheiro.
Sc tào sublime preço cabe em verso. Camões ínvocandoas Tágides, 1894

Luís de £ Zamõcs. op. dí.„ p. 2

1 Ninfas da rio Tejo.


2TalentD renovada e animado.
3Apala, deus pagão da poesia,
•inveja.
5Fonte grega que tornava poetas
todas os que bebiam da sua água.
€Foga poética.
7Flauta rude; flauta do campo.
•instrumento sonoro que anuncia a
guerra; trombeta.
sQue dá vigor, anima.
10 Dá vitalidade e nova beleza ao ato de
escrever.

1. Considerando a estância 4. esclareça a relação que existe entre Camões e as Tágides, bem
como o pedido que ele lhes faz. Justifique a sua resposta com elementos textuais.

74
PRÁTICA

2. Explique o conteúdo da estância 5 a partir da forma verbal repetida «Dai-me». Justifique


a sua resposta, socorrendo-se de transcrições que o confirmem.

3. Comente os dois últimos versos da estância 5.

4. Comente a expressividade da adjetivaçâo relativa a «fúria», «tuba» e «preço» (estância 5).

5. Prove que estas duas estâncias mostram a sublimidade do canto camoniano.

6. Proceda à análise formal das estâncias.

75
FICHA 25

Leia atentamente as estâncias que se seguem e responda às questdes.

Canto I

105

O recado que trazem c de amigos,


Mas clebaxo o veneno vem coberto1,
Que os pensamentos eram de inimigos,
Segundo foi o engano descoberto.
O grandes e gravíssimos perigos,
O caminho de vida nunca certo,
Que, aonde a gente põe sua esperança,
Tenha a vida tào pouca segurança!

106 William Turner, 0 Ncnífrógío. 1005

No mar tanta tormenta e tanto dano2,


Tantas vezes a morte apercebida3!
Na terra tanta guerra, tanto engano.
Tanta necessidade avorrecida4!
1 Escondida.
Onde pode acolher-se um fraco humano.
2 Prejuízo; sofrimento.
Onde terá segura a curta vida, 3 Iminente; próxima.
Que não sc arme e se indigne o Céu sereno 4Ver gonhosa; desumana.

Contra um bicho da terra tào pequeno?

Luís de £ Zamòcs, dp. dí.„ p. 27

1. Considere a estância 105:

1.1 Sintetize o assunto desta estância, justificando a sua resposta com elementos textuais.

1.2 Esclareça o valor expressivo das exclamações sob a forma de interjeições.

1.2.1 Identifique o outro recurso expressivo conseguido por meio destas interjei­
ções. Refira-se ao seu valor.

76
PRÁTICA

1.3 Esclareça as críticas feitas pelo Poeta nos últimos quatro versos.

1.4 Identifique e explique o valor dos seguintes recursos expressivos:

a) anástrofe

b) dupla adjetivaçâo

2. Considere a estância 106:

2.1 Sintetize o assunto desta estância, justificando a sua resposta com elementos tex­
tuais.

2.2 Caracterize o «mar* e a «terra*, fazendo uso das suas próprias palavras.

2.3 Explique o sentido dos últimos quatro versos.

2.4 Transcreva as sequências textuais que incluem os seguintes recursos expressivos e


comente o seu respetivo valor:

a) aliteração

b) enumeração
c) anáfora
d) m et áfora

e) interrogação retórica

3. Explique o alvo principal destas reflexões de Camões.


Leia atentamente as estâncias que se seguem e responda às questdes.

Canto V

92 99

Quão <locc c o louvor c ajusta glória Ãs Musas agardeça o nosso Gama11

Dos próprios feitos1, quando sào soados1


2! O muito amor da pátria, que as obriga

Qualquer nobre trabalha em memória A dar aos seus, na lira12, nome e fama

Vença ou iguale os grandes já passados3. De toda a ilustre e bélica fadiga13;

As envejas da ilustre e alheia história4 Que ele, nem quem na estirpe14 seu se chama,

Fazem mil vezes feitos sublimados. Calíope15 não tem por tão amiga

Quem valorosas obras exercita, Nem as Filhas do Tejo16, que deixassem

Louvor alheio muito o esperta e incita5. As telas d ouro fino17 e que o cantassem.

(...)

97 100

Enfim, nào houve forte Capitão6 Porque o amor fraterno e puro gosto
Que nào fosse também douto c ciente7, De dar a todo o Lusitano feito

Da Lácia, Grega ou Bárbara nação8, Seu louvor, é somente o pros[s]upostoM

Senào da Portuguesa tão somente. Das Tágides gentis19, e seu respeito.

Sem vergonha o nào digo: que a razão Porem não deixe, enfim, de ter disposto20

De algum nào ser por versos excelente, Ninguém a grandes obras sempre o peito21:

E nào sc ver prezado9 10 11


o verso e rima, Que, por esta ou por outra qualquer via,
Porque quem não sabe arte, nào na estima1* Não perderá seu preço e sua valia22.

Luís de Camões, op. cít, pp. 236-238

1 Feitos individuais. I2lnstrumento que simboliza a poesia.


2 Quando famosas e elogiados por outras pessoas. l3Cansaço resultante do combate em guerras e conquistas.
30s seus antepassados nobres. I4Na mesma classe social.
4lnvejas da glória e méritos dos outros. 15Deusa paga considerada Musa da Epopeia.
5 Muita lhe dá ânimo e estimulo. I€ Tágides.
5 Tal coma a própria Vasca da Gama. 17O seu trabalho; a sua ocupação diária: tecer «fios de
7Sabedor; culto e consciente; racional. ouro», que o rio Tejo lhes dava.
*Grandes povos anteriores aos portugueses, cujos feitos I4Desejo; intenção.
foram também gloriosos e reconhecidos universalmente. IS Bondosas.
^Louvado; elogiado. ^PredispostD; preparado.
10 Mão lhe dá valor. 21A intenção; o objetivo; a vontade; o caraçàD.
11 Vasca da Gama. 22 Louvor; elogio; glorificação.

1. Considere a estância 92.

1.1 Refira os dois grandes defeitos do ser humano criticados nesta estância.

1.2 Caracterize, por palavras suas, «Qualquer nobre* (verso 3) do tempo de Camões.

70
PRÁTICA

1.3 Explique significado dos versos 5 e 6.

2. Atente agora na estância 97.


2.1 Explique o que critica Camões nesta estância. Recorra a exemplos textuais para jus­
tificar a sua resposta.

2.2 O poeta faz referência a outras nações. Identifique-as e justifique o seu papel nesta
parte da reflexão.

3. Releia a estância 99.


3.1 Indique o motivo pelo qual o poeta aconselha Vasco da Gama a agradecer «Às musas».

3.2 Identifique as referidas «Musas».

3.3 Esclareça, por palavras suas, o significado dos dois últimos versos.

4. Considere a estância 100.

4.1 Indique o propósito das Tágídes. segundo o poeta.

4.2 Evidencie a melhor maneira, segundo o poeta, de ter sempre «preço e sua valia».

4.3 Explicite a que se refere o poeta na sequência «por esta ou por outra qualquer via»
(verso 7).

7S
Leia atentamente as estâncias que se seguem e responda às questdes.

Canto VIII

96

Nas naus estar sc deixa1, vagaroso,


Até ver o que o tempo lhe descobre2;
Que nào sc fia3já do cobiçoso
Regedor, corrompido e pouco nobre.
Veja agora o juízo curioso
Quanto no rico, assi como no pobre,
Pode o vil interesse4 c sede5 ímiga
Do dinheiro, que a tudo nos obriga.

98

Este rende munidas fortalezas;


Faz tredoros6 c falsos os amigos;
Este a mais nobres faz fazer vilezas7,
E entrega Capitães aos inimigos;
Este corrompe virginais purezas®.
James Abbott McNeill Whistler, Azul e Dourado.
Sem temer de honra ou fama alguns perigos; Raia de Vaíporatso, 1866
Este deprava às vezes as ciências,
Os juízos cegando c as consciências9.
1 Vasca da Gama.
99
I Até receber mais informações.
Este interpreta mais que sutilmente 3 Não tem confiança.
Os textos; este faz e desfaz leis10; 4 Ambição maldosa; maquiavélica.
5 Desejo de enriquecimento e poder.
Este causa os perjúrios11 entre a gente s Traidores.
E mil vezes tiranos torna os Reis. 7 Maldades; más ações.
8 Estraga costumes; vaiares bons e honestos.
Ate os que só a Deus omnipotente
9 Influencia as conclusões relativas ao estudo
Sc dedicam12, mil vezes ouvireis das várias ciências e saberes.
10Corrompe os políticas e a política.
Que corrompe este encantador, c ilude;
II Maledicência.
Mas nào sem cor, contudo, de virtude13. 12 Clérigos.
13Dinheiro quee causador de Mal, mas tema
Luís de Camòes, op. rit., p. 365 aparência de Bem.

1. Considere a estância 96.

1.1 Identifique a pessoa a quem se refere Camões no primeiro verso.

1.2 Explique o alvo da crítica camoniana, tendo em conta o último dístico, esclarecendo
a razão por que é criticado.

80
PRÁTICA

1.3 Transcreva uma comparação e comente a sua expressividade.

1.4 Identifique recurso presente em «a tudo nos obriga» (verso 8), comentando a sua
expressividade.

2. Considere as estâncias 98 e 99.

2.1 Identifique o recurso expressivo em que assentam estas duas estâncias, conside­
rando a palavra «Este». que serve para o introduzir.

2.2 Esclareça, por palavras suas, os efeitos do dinheiro a que o Poeta se refere.

2.3 Considerando os últimos dois versos da estância 99, refira os estratagemas do


«dinheiro».

3. Analise formalmente as estâncias apresentadas.

31
Leia atentamente as estâncias que se seguem e responda às questdes.

Canto IX

52

De longe a Ilha1 viram, fresca c bela.


Que Vénus2 pelas ondas lha levava
(Bem como o vento leva branca vela)
Pera onde a forte armada3 sc enxergava4;
Que, por que5 nào passassem, sem que nela
Tomassem porto, como desejava,
Pera onde as naus navegam a movia
A Acidáha6, que tudo, enfim, podia.
53

Mas firme a fez e ímóbil7, como viu


Sandra Botticelli.
Que era dos Nautas8 vista e demandada9, 0 Nascimento de Vénus, 1485
Qual ficou Delos10, tanto que pariu11
Latona12 Febo e a Deusa à caça13 usada.
Pera lá logo a proa o mar abriu,
Onde a costa fazia ua enseada
Curva c quieta, cuja branca areia
Pintou de ruivas conchas Citcrcia14.

Luís de Camões, op. dt., p. 400

1 Ilha dos Amores. * Vénus. 11 Deu à luz.


2Deusa da beleza e do amor. 7lmóvel. 12 Latona: concubina de Júpiter, de
3 A armada portuguesa. •Navegadof es portugueses. quem teve dois filhos, Febo {Apoio)
4Via. a Procurada. e Diana.
5Para que; a fim de que. 10Ilha domar Egeu. 13 Dia na, deusa da caça e da castidade.
14Vènus.

1. Considere a estância 52.

1.1 Explique, fazendo uso das suas próprias palavras, o papel da deusa Vénus relativa­
mente aos navegadores portugueses.

1.2 Identifique a primeira perspetiva ou visão que os portugueses tiveram da Ilha dos
Amores, transcrevendo a sequência textual que o confirma.

82
PRÁTICA

1.3 Explicite o uso das sequências *forte armada» e «(...) por que náo passassem, sem
que nela / Tomassem porto (...)»(versos 5-6) na mitificação do herói coletivo - os navega­
dores lusitanos.

1.4 Selecione do texto a sequência que declara a omnipotência de Vénus.

1.5 Identifique e refira o valor expressivo do recurso, a nível fónico, presente em *De
longe a Ilha viram, fresca e bela, / Que Vénus pelas ondas lha levava» (versos 1 -2).

2. Considere a estância 53.

2.1 Explique o sentido dos versos *Mas firme a fez e imóbil, como viu / Que era dos Nau­
tas vista e demandada» (versos 1-2).

2.2 Explicite o valor da comparação presente em *Qual ficou Delos. tanto que pariu /
Latona Febo e a Deusa à caça usada.» (versos 3-4).

2.3 Explique de que forma o verso «Pera lá logo a proa o mar abriu» (verso 5) está ao
serviço da ideia de movimento.

2.4 Tendo em conta os últimos três versos, esclareça a presença do imaginário épico de
Camões e a mitificação do herói.

93
Os Lusíadas, Luís de Camões
FICHA 29

Leia atentamente as estâncias que se seguem e responda às questdes.

Canto IX

68

Começam dc enxergar1 subitamente,


Por entre verdes ramos, várias cores,
Cores de quem a vista julga c sente
Que nào eram das rosas ou das flores,
Mas da là tina c seda diferente,
Que mais incita a torça dos amores,
Dc que se vestem as humanas rosas,
Fazendo-se por arte mais fermosas.
69

I )á Vcloso2, espantado, um grande gnto:


— «Senhores, caça estranha (disse) é esta! José Malhaa. A Jítía dos Amores, s.d.

Sc inda dura o Gentio antigo rito3,


A Deusas é sagrada esta floresta.
Mais descobrimos do que humano espnto4
Desejou nunca, c bem se manifesta
Que sào grandes as cousas e excelentes
Que o mundo encobre aos homens imprudentes.
1 Ver.
70
2 Um das marinheiros portugueses.
Sigamos estas Deusas, e vejamos 3Ritual; costume dos pagáos.
4 Espírito.
Se fantásticas5 são, se verdadeiras.* 5Imaginárias; ilusórias.
Isto dito, veloces mais que gamos6, 6 Veadas.
7 Manhosas.
Sc lançam a correr pelas ribeiras.
B Rápidas.
Fugindo as Ninfas vão por entre os ramos, 9 Por tugueses. Liter alment e. «ga Igos» sào càes
Mas, mais industriosas7 que ligeiras®, magros, de pernas longas, muitos rápidas e
exímios na caça.
Pouco c pouco, sorrindo c gritos dando,
Sc deixam ir dos galgos9 alcançando.

Luís de Camões, op. dt., p. 404

1. Considere a estância 68.

1.1 Mostre que toda a estância é construída a partir do imaginário épico camoniano. Jus­
tifique a sua resposta, transcrevendo elementos textuais.

84
PRÁTICA

1.2 Explique, recorrendo às suas próprias palavras, o sentido do verso «Que mais incita
a força dos amores» (verso 6).

1.3 Identifique quatro recursos expressivos presentes em «De que se vestem as huma­
nas rosas» (verso 7). referindo-se aos seus valores.

2. Considere as estâncias 69 e 70.

2.1 Sintetize, por palavras suas, o conteúdo do discurso direto de Veloso.

2.2 Mostre como os versos «Mais descobrimos do que humano esprito / Desejou nunca,
e bem se manifesta / Que sào grandes as cousas e excelentes/ Que o mundo encobre
aos homens imprudentes.» (versos 5-8) estào ao serviço da mitificação do herói.

2.3 Explique, recorrendo às suas próprias palavras, o comportamento dos portugueses


e o das ninfas. Justifique a sua resposta com elementos textuais.

2.4 Prove que o recurso à comparação, ao gerúndio e à seleçào dos nomes «gamos» e
«galgos» remete para a ideia de movimento e velocidade.

2.5 Mostre que a estância 70 está ao serviço da mitificação do herói.

85
Leia atentamente as estâncias que se seguem e responda às questdes.

Canto IX

89

Que as Ninfas do Oceano, tào fcrmosas,


Tétis, c a Ilha angélica pintada,
Outra cousa nào é que as deleitosas
Honras que a vida fazem sublimada.
Aquelas prcmincncias gloriosas.
Os triunfos, a fronte coroada
De palma c louro, a glória c maravilha:
Estes sào os deleites desta Ilha.

93

E ponde na cobiça um freio duro,


E na ambição também, que indignamente
Tomais mil vezes, e no torpe e escuro
Vício da tirania infame e urgente;
Porque essas honras vãs, esse ouro puro.
Verdadeiro valor nào dào à gente.
Milhor é merecê-los sem os ter,
Que possuí-los sem os merecer.
Jahn William Waterhouse,
Luís de Camões, op. aí., pp. 409-410 Hyías e as Ninfas
(pormenor), 1896

1. Considere a estância 89.

1.1 Refira a que «Ilha* se refere o poeta.

1.2 Esclareça o significado dos três últimos versos. Justifique a sua resposta.

1.3 Explique o contraste entre o conteúdo desta reflexão de Camões e todas as outras
analisadas nas fichas anteriores.

86
PRÁTICA

1.4 Identifique o recurso expressivo maioritariamente presente nos últimos quatro ver­
sos, explicando como se relaciona com a respetiva reflexão de Camões.

2. Considere agora a estrofe 93.

2.1 Explicite o sentido dos quatro primeiros versos, recorrendo a elementos textuais
para o justificar.

2.2 Explique a hipérbole presente nesses mesmos versos.

2.3 Segundo o poeta, refira os frutos dessas «honras vâs» e desse «ouro puro».

2.4 Explique a metonímia conseguida através da sequência «ouro puro».

2.5 Explicite o papel desta estância, incluída na parte final da epopeia.

3. Prove que estas estâncias dâo corpo e forma a uma verdadeira epopeia.

87
Leia atentamente as estâncias que se seguem e responda às questdes.

Canto X

75 91

Despois que a corporal necessidade Neste centro, pousada® dos humanos,


Sc satisfez do mantimento nobre1, Que não somente, ousados9, se contentam
E na harmonia e doce suavidade De sofrerem da terra firme os danos10,
Viram os altos feitos que descobre, Mas inda o mar instábil11 expri mentam12,
Tétis, de graça ornada2 e gravidade, Verás as várias partes, que os insanos
Pera que com mais alta glória dobre3 Mares dividem, onde se apousentam13
As festas deste alegre c claro dia. Várias nações que mandam vários Reis,
Pera o felicc4 Gama assi dizia: Vários costumes seus e várias leis.

80

Ves aqui a grande máquina do Mundo5,


Etcrea c dementai®, que fabricada
Assi foi do Saber, alto e profundo,
Que c sem princípio c meta limitada7.
Quem cerca cm derredor este rotundo
Globo c sua supcrficia tào limada,
E Deus; mas o que é Deus, ninguém o entende,
Que a tanto o engenho humano nào se estende Luís de Camões,
(...) op. dt., pp. 458, 460 e 462

José de Almada Negreiras, flhados Amores, 1 Ml (incisàD, átrio do edifício da Faculdade de Letras de Lisboa}.
Representa Vasca da Gama, acompanhado da deusa Tétis, que lhe apresenta
a «Máquina do Munda», figurada na Cosmografia de Ptolomeu.

1 Depois do envolvimento físico entre 5 Globo terrestre visto de foca por Tétis ^Corajosas; va lentes.
ninfas e navegadores. e Vasco da Gama. ID Sofrimentos.
2Enfeitada. 6 Celeste e original. 11 Mar inconstante e imprevisível.
^Aumente. 7 É eterno. u Experimentam; vivenciam.
*Feliz. B Morada. 13 Estào;se encontrarrttêm morada.

8S
PRÁTICA

1. Considere a estância 75.

1.1 Situe esta estância na estrutura da obra.

1.2 Esclareça o sentido dos versos 6 e 7.

1.3 Refira a razão que explica o uso dos dois pontos no final do verso 8.

2. Atente na estância 80.

2.1 Explique o significado da presença desta «grande máquina do Mundo» no texto


épico Os Lusíadas.

2.2 Segundo Tétis, esclareça o papel de Deus nesta «máquina».

3. Releia a estância 91.

3.1 Explique, por palavras suas, o conteúdo dos quatro primeiros versos.

3.2 Mostre que os quatro últimos versos sâo prova de que esta obra de Camões tem por
base uma matéria épica.

09
NEMUII EXAME NACIINAL

HISTÓRIA TRÁGICO-MARÍTIMA
«As terríveis aventuras de Jorge de Albuquerque Coelho» (1565)
(Capítulo V)
Aventuras e desventuras dos Descobrimentos

• Aventuras: constituem todos os acontecimentos e feitos conseguidos pelos navegadores portugueses


durante as suas longas viagens marítimas no período dos Descobrimentos.

• Desventuras: dizem respeito, regra geral, às adversidades e aos obstáculos sofridos no mar. Neste caso,
referem-se a tempestades colossais, naufrágios e doenças contraídas pela escassez de alimentos ou falta
de higiene. Neste relato sobressai ainda a característica insensata de os barcos portugueses navegarem
com excesso de carga, característica essa que tornava os referidos barcos mais frágeis e suscetíveis de
naufragarem ou de serem vítimas de saques e roubos (pirataria).

• Herói: nestas aventuras e desventuras marítimas sobressai Jorge de Albuquerque Coelho, não apenas o capi­
tão, mas um homem exemplar, que está pronto a despojar-se de tudo em benefício dos seus tripulantes e do
bem comum. Dotado de valores nobres e altruístas, este homem conserva a calma, a consciência e a sabedoria
em momentos de muitas provações, estimulando-se a si próprio, assim como a sua tripulação. É ágil no pensar
e no fazer. Habituado ao mar, comporta-se como um herói de qualidades humanas esobre-humanas.

História Trágico-Marítima - narrativas da época das conquistas


(adaptação de António Sérgio)
Constituição da obra integral
• Capítulo I: Naufrágio de Sepúlveda (1552)
• Capítulo II: A catástrofe da nau Santiago (1585)
• Capítulo III: A tragédia dos baixos de Pêro dos Banhos (1555)
• Capítulo IV: triste sucesso da nau S. Paulo (1550)
• Capítulo V: As terríveis aventuras de Jorge de Albuquerque Coelho (1565)

Andries Van Eertvelt, Navios e/n Perigo, 1623

90
nktkiês u? ani

TEORIA
CAPÍTULO V JMO}:
-AS TERRÍVEIS AVENTURAS DE JORGE DE ALBUQUERQUE COELHO»

• -No tempo do rei D. João III. o Brasil foi dividido em capitanias, cada uma concedida a um donatário.» A capi­
tania de Pernambuco fica sob a guarida de um fidalgo português rico e honrado, Duarte Coelho.
• A rainha D. Catarina anuncia revoltas de indígenas no Brasil, sobretudo em Pernambuco.
• Duarte Coelho {o filho) é incumbido de restabelecer a ordem: desembarca em Pernambuco em 1560 (com
20 anos), tendo levado consigo o irmão. Jorge de Albuquerque Coelho, para o ajudar e servir, alguns padres
da Companhia de Jesus e mais populares.
•Guerras com os indígenas começam em 1560 e duram 5 anos: ferimentos de ambos os lados, ataques e
conquista portuguesa da vila brasileira de Olinda.
• Regresso a Portugal na nau Santo António - «na qual viagem se deram os casos que nesta narrativa se
contam.».
• Desembarcam a 16 de maio de 1565 e logo ventos contrários a atacam, atirando tripulantes ao mar.
fazendo-os regressar a terra.
•Amigos de Albuquerque Coelho tentam dissuadi-lo de embarcar de novo na nau Santo António, mas ele
recusa e embarca com determinação e fé - segunda partida de Olinda, a 29 de junho de 1565.
• Cinco dias depois: novos ventos e intempéries, que os obrigam a deitar carga ao mar. destroem o «guru­
pés» e cobrem de água o casco da nau.
•Passam 19 dias de «calmarias, acompanhadas de trovoadas». Tentam ir a terra para se guarnecerem
(Cabo Verde), mas a 29 de julho encontram-se com uma nau de corsários franceses.
• 29 de agosto: decidem alcançar os Açores.pois a sua condição era de fome e sede - Jorge de Albuquerque
Coelho pega nos seus poucos mantimentos (reservados a si e aos seus criados) e partilha-os com toda a
tripulação», atitude de um Capitão excecional e bom líder, de um verdadeiro herói.
• 3 de setembro: surge uma nau de corsários franceses que querem roubar a Santo António - por 3 dias
os portugueses resistem (apesar de poucos e pouco guarnecidos de armamento) até que se rendem, por
cansaço e falta de meios. Os dois capitães encontram-se e dialogam: o francês admira e elogia a coragem
de Jorge de Albuquerque Coelho pela resistência com táo escassos meios.
• 6 de setembro: chegam ao largo do Faial, Pico e Graciosa, onde os franceses planeiam deixar os portu­
gueses e roubar a nau, levando-a consigo para França, mas o vento é «rijo» e perigoso para essa empresa:
seguem adiante.
•Vendo que os franceses os levam para França, Jorge de Albuquerque Coelho arquiteta um plano para
matar os mais importantes corsários, ficar com as suas armas e apoderar-se da sua nau.
• Porém, a 12 de setembro o vento sopra, dando início a mais uma desventura e manifestação de heroici­
dade por parte do capitão - «em fúria, zunindo nas enxárcias, turbilhonando nuvens, rendilhando espumas
açoitando no escuro os vagalhões roncantes. Alija! Alija! Alija carga! (...) trataram de alijar os mastaréus
das gáveas, e todas as caixas que cada um trazia (...), um mar mais violento desmanchou o leme. (...)
Quase todos, entáo. se sentiram descoroçoar. Jorge de Albuquerque, vendo-os assim, começou a falar-
-Ihes para lhes dar ânimo (...). «Ajoelharam os outros, e pediram a Deus que os livrasse do perigo.».
• A nau francesa desaparece.
• Nova tempestade e renovadas desventuras.
• Durante a tempestade, sobressai o caráter honrado e leal de Jorge de Albuquerque Coelho e a religiosi­
dade e fé, não só de jesuítas, mas de capitão e marinheiros.
• Três dias depois de tamanha tempestade, os navegadores mostram rapidez e agilidade: «Dos pedaços da
ponte que ornar abatera, e de três remos de batel que escaparam do estrago, trataram logo de improvisar
o mastro e armaram nele uma velazinha.».
•Jorge de Albuquerque Coelho comporta-se de novo exemplarmente: havendo apenas «duas canadas de
vinho; uma pequena quantidade de cocos; alguns poucos punhados de farinha-de-pau; dúzia e meia, ao
todo, de tassalhos de carne e de peixe-cavalo» para 40 tripulantes a bordo do que restava da nau Santo
António (...), «Jorge de Albuquerque repartiu os mantimentos por suas mãos, reservando para si mesmo
um quinhão menor que o que dava aos outros. Todos se espantavam de como se sustentava de tão pouco
(...). Ao parecer, mais se doía das necessidades alheias que das próprias. Homem para comandar liberal­
mente, pela bondade e pela persuasão, e de todo o ponto admirável.».

91
NEMUII EXAME NACIINAL

• De novo Jorge de Albuquerque Coelho se desembaraça com os poucos materiais que tem para manter a
Santo António à superfície e a navegar.
■ 27 de setembro:os moribundos pedem desesperadamente a Jorge de Albuquerque Coelho para comerem
os cadáveres dos amigos, o que, chocado e triste, o capitão recusa terminantemente: só a ele, capitão, o
comeriam, se morresse primeiro.
• 29 de setembro: avistam uma nau que se recusa a ajudá-los e desaparece.
• 2 de outubro: veem «a Serra de Sintra! Lá estava, ao cimo das rochas, a própria casa da Senhora da Pena!», mas
não possuem meios para levar o barco a terra. Avistam-se outras naus e caravelas, mas nenhuma os ajuda.
• Enfim aproxima-se «uma barca pequenina», cujo capitão. Rodrigo Álvares de Atouguia, lhes presta auxí­
lio: manda dar-lhes «pão. águas e frutas», desembarcam alguns na «baía de Cascais» (...) fugindo a rochas
e penhascos» e desembarcam outros em Belém.
• No dia seguinte, surge o Infante D. Henrique, «que governava o Reino*, que «fez expedir uma galé que a |Santo
António] fosse trazendo rio acima. «Fundeou a nau. finalmente, diante da igreja de S. Paulo, onde numerosa
gente a foi visitar, espantando-se do destroço em que a viam posta.*.
■ Jorge de Albuquerque Coelho «desembarcou em Belém com alguns companheiros, e dirige-se em romaria a
Nossa Senhora da Luz.pelo caminho de Nossa Senhora da Ajuda.» - Ação de Graças.
• Chegam os seus «amigos e parentes* e oprimo, D.Jerónimo de Moura, não o reconhece, a não ser quando
Jorge se identifica, pois o seu físico tem marcas de um ano de aventuras e desventuras, martírios e tor­
mentos.

William Turner, O Naufrágio. 180S

92
FICHA 32 PRÁTICA

Leia atentamente o excerto que se segue e responda às questdes.

Então, a 12 de setembro, o vento acalmou, para logo depois rondar ao sudoeste.


Pouco tardou que soprasse cm fúria, zunindo nas enxárcias1, turbilhonando nuvens,
rendilhando espumas açoitando no escuro os vagalhões roncantcs.
Alija2! Alija! Alija carga! Alija! Alijaram tudo que na coberta havia, c debaixo da
5 ponte. Como enfunasse ainda mais o tempo, trataram de alijar os mastarcus das gáveas3,
c todas as caixas que cada um trazia. Para que não fosse isto pesado a alguém, foi a de
Jorge de Albuquerque Coelho a primeira de todas que sc lançaram ao mar, na qual ele
trazia os seus vestidos4 e outros objetos de importância.
E, parecendo que nào bastava isto, arrojaram5 para as águas a artilharia, com muitas
U caixas que continham açúcar, e numerosos tardos de algodào.
Um mar mais violento desmanchou o leme. (...)
Quase todos, então, sc sentiram dcscoroçoar6. Jorge de Albuquerque, vendo-os
assim, começou a talar-lhes para lhes dar ânimo, c ordenou a alguns que buscassem
meio com que sc pudesse enfim governar7 a nau. Ajoelharam os outros, e pediram a
15 Deus que os livrasse do perigo. (...)
Os Franceses que estavam na «Santo António», vendo a tormenta desencadeada, o
leme desmanchado, atravessada a nau, o rumor que fazia toda a gente, — chegavam-sc
aos nossos cm tom amigo (...)
As dez, escureceu por completo; parecia noite. O negro mar, cm redor, todo sc
3 cobria de espumas brancas; o estrondo era tanto — do mar c do vento —, que uns aos
outros se nào ouviam.
Nisto, levanta-se de lá uma vaga8 altíssima, toda negra por baixo, coroada de espu­
mas; c, dando na proa com um borbotão do vento, galga sobre ela, a submerge, e arrasa.
Estrondeando9 e partindo, leva o mastro do traquctc10 com a sua verga c enxárcia; leva a
5 cevadeira, o castelo de proa, as âncoras; estilhaça a ponte, o batel, o beque11, arrebatan­
do pessoas, mantimentos, pipas. Tudo sc quebra c lá vai no escuro. A nau, ate o mastro
grande, fica rasa12 e submersa, e mais de meia hora debaixo de água.
Os sobreviventes, que se arrastam pávidos13, confluem a um padre que sc acha a bordo
e atropela as rezas c as confissões. Um relâmpago risca, ilumina a treva: veem-se todos de
3 joelhos, com as mãos no ar, a pedir misericórdia c a clamar por Deus. (...)
Jorge de Albuquerque, apesar de tudo, consolava os tristes, afirmando-lhes a espe­
rança de sc saírem daquilo. (...) foi então o cúmulo14 do desespero. Deixaram-se cair
(...) com a certeza absoluta de que morreriam de fome. (...)
Chegados a 27 daquele mês [setembro] começou a necessidade de lançarem às ondas
I os primeiros companheiros que morreram de fome. Certos homens, nesse transe15, lcm-
braram-se de pedir a Jorge de Albuquerque a permissão de comerem aqueles cadáveres.

1 Cabos que seguram mastros. 6 Desencorajar, desanimar. u Parte mais avançada da proa.
2Deita focai ou Deita ao marí 7Controlar. 12 Cheia de água.
3 As velas maiores de uma nau. "Onda. 13 Assustadas; medrosos.
4 Roupas. "Fazendo estrondo; barulho. 14Ponto máximo.
"Atiraram. 1Q Vela maior do mastro da proa. 15 Estado de desespera total.

93
Ao ouvir este horrível requerimento16, arrasaram-sc-lhe17 os olhos de água. Não, não podia
ser; não o consentiria16 (...) Pouco depois, fclizmente, avistaram uma barca pequenina, que
N navegava para a Atouguia. (...) Logo lhes deram pão, água c frutas, que para si traziam.
O senhorio da barca19, tanto que acabou de lhes dar de comer, passou-lhes um cabo
de reboque com que afastaram a nau da rocha e a foram trazendo ao longo da costa ate
a baía de Cascais, aonde chegaram sol-posto20. (...)
No dia seguinte, o cardeal infante D. Henrique, que governava o ILcino, fez expedir21 uma
fi gale22 que a fosse trazendo pelo rio acima. Fundeou23 a nau, finalmente, diante da igreja de S.
Paulo, onde numerosa gente a foi visitar, espantando-se do destroço24 cm que a viam posta.
História Trógico-Maritima (âdaptaçáo de António Sérgio),
Lisboa, Livraria Sá da Costa, 1996, [Cap. V], pp. 175-214

16 Pedida. 19 Capitão. 22 Embarcação de vela e remas.


17 Encheram-se-lhe. 20Ao pôr dosai. 23 Atracou; estacionou.
LB Permitiria. 21 Enviar. 24 Estraga-, dano.

1. Transcreva das linhas 9 a 27 elementos textuais que justificam o título do capítulo: «As
terríveis aventuras de Jorge de Albuquerque Coelho*.

2. Caracterize psicologicamente Jorge de Albuquerque Coelho.

3. Indique de que forma os navegadores revelam ser homens de fé.

4. Explicite o momento de desespero total dos navegadores, que dá origem a um pedido horrífico.

5. Ref ira episódio que desencadeia o desfecho desta viagem.

94
NEMUII EXAME NACIINAL

PADRE ANTÓNIO VIEIRA, SERMÃO DE SANTO ANTÓNIO,


PREGADO NA CIDADE DE S. LUÍS DO MARANHÃO, ANO DE 1654
Capítulos I e V integrais; excertos dos restantes capítulos

Vida e obra
• 1608 (6 de fevereiro): nasce em Lisboa.
• Aos 7 anos, é levado para o Brasil e aos 15 anos entra no Colégio dos
Jesuítas.
• 1635: inicia a sua carreira de pregador.
• 1641: traz a Lisboa, ao rei D. João IV. a adesão da sua colónia a Portugal,
criando uma relação excelente com D. João IV. ao ponto de se tornar o
pregador oficial da Corte.
• Pelos seus escritos, foi perseguido e processado pela Inquisição, por ser
a favor de uma sociedade aberta a cristãos-novos e à burguesia mercantil.
• 1653: torna-se um dos superiores da Companhia de Jesus.
• 1681: regressa ao Brasil, a Baía, e passa a exercer funções de superior
da missão no Maranhão. Autor desconhecido,
Retroto de Padre António Vieira c 1700
• 1697 (18 de julho): morre na Baía (Brasil).

0 contexto literário de Vieira - o Barroco (séculos XVI-XVIII)


Nascido na Itália do final do século XVI. o período estético-literário designado «Barroco» seguiu-se.grosso
modo, ao Renascimento. Ainda que partilhando com o Renascimento o mesmo interesse de recuperação da
Antiguidade Clássica, o Barroco, pelo contrário, valorizava, na Arte, na Arquitetura, na Música e na Litera­
tura um estilo muito mais exuberante, por vezes extravagante, de grandes artifícios decorativos, assim
como de grandiosidade e esplendor a todos os níveis.
No caso específico da literatura barroca portuguesa, e nomeadamente no que diz respeito à poesia, esta
foi reunida em duas conhecidas antologias: Fénix1 Renascido e Postilhão2 de Apoio. Destacam-se escri­
tores como Soror Violante do Céu, D. Francisco Manuel de Melo. Francisco Rodrigues Lobo, entre outros.
Quanto à prosa barroca, o seu maior representante foi, sem dúvida, o Padre jesuíta António Vieira, que
escreveu variados sermões.
□ estilo literário barroco, em geral, e o de António Vieira, em particular, incluem:
• intenções de persuasão3 dos interlocutores/ouvintes (estes eram chamados a mudar de comportamento
e de vida);
■ recurso a estratégias retóricas4 5e argumentativas^. assentes numa linguagem artificiosa/engenhosa
(sempre com intenções de convencer/persuadir). como se verifica em:
-raciocínios lógicos; comparações e metáforas; alegorias (representações de abstrações); paradoxos,
antíteses; jogos de língua, trocadilhos, interrogações retóricas, exclamações; aliterações e assonân-
cias.
Tal como na literatura, quer vejamos quadros de pintores como Velázquez, Caravaggio. Rubens. Vermeer ou
Rembrandt, quer escutemos a música de Monteverdi, Domenico Scarlatti. Schutz, Johann Sebastian Bach,
Handel, Couperin ou dos portugueses João Rodrigues Esteves e Carlos Seixas, o sentimento de fruição e
apreciação do Barroco passa inevitavelmente pela grandiosidade, artifício, estilo rebuscado e esplendo­
roso da obra que estivermos a degustar.

1 Pássaro mitológico que renasce das suas próprias cinzas.


2Condutür de correspondência postal; mensageiro.
3Persuasào: capacidade de convencer ou influenciar; certeza adquirida por demonstração.
4Retórica: conjunto de regras relativas à eloquência ou arte de bem falar.
5Argumento: raciocínio destinado a provar ou refutar determinada tese (ideia, convicção, assunto); raciocínio do qual se tira uma
consequência ou conclusão.

96
nktkiês 12? ani

TEORIA

PARTES CAPÍTULOS IA VI ESTRUTURA ARGUMENTATIVA


Capítulo I • O orador expõe o seu plano/projeto oratório - a
«"Vós", diz Cristo Senhor nosso, falando TESE. Começa com o que se apelida «conceito
com os Pregadores, "sois o sal da terra" predicável» (expressão retirada das Sagradas
Introdução

o e chama-lhe sal da terra, porque quer que Escrituras e que indica o tema e assunto, a inten­
façam na terra o que faz o saL»6 ção e os objetivos do autor); para isso, recorrerá
-o a argumentos (louvores e repreensões).
X
LU • Referência a Santo António, modelo de pregação
seguido neste sermão de Vieira.
• 0 orador termina com uma invocação á Virgem
Maria.

Capítulo II • Exposição e Confirmação: argumentos a favor


Informação sobre a divisão do sermão (louvores) ou contra (repreensões/vícios/defei-
em partes tos) os peixes, os quais representam as pessoas
«Enfim, que havemos de pregar hoje aos por meio da alegoria.
peixes? Nunca pior auditório. Ao menos • Os peixes ouvem com atenção e permanecem
têm os peixes duas boas qualidades de calados; são «quietos» e «devotos»; vivem no seu
ouvintes: ouvem, e não falam.» elemento natural - o mar - e, estando longe dos
«Suposto isto, para que procedamos com homens, conservam as qualidades gerais.
clareza, dividirei, peixes, o vosso Sermão
em dois pontos: no primeiro louvar-vos-ei
as vossas atitudes, no segundo repreen-
der-vos-ei os vossos vícios.»
o Louvores aos peixes em geral • Santo Peixe de Tobias: o poder da cura e a com­
paração a Santo António.
«Começando pois pelos vossos louvores,
Desenvolvimento

• Rêmora: a língua de Santo António, sempre


irmãos peixes, (...). Vindo pois, irmãos, ãs
colada ã palavra de Deus.
*£ vossas virtudes (...)»
• Torpedo: a ação evangelizadora de Santo Antó­
jS Capítulo III nio. pois, tal como o santo, agita a mente e toca o
Louvores aos peixes em particular coração dos outros.
«Descendo ao particular {...). De alguns • Quatro-Olhos: a qualidade de viver preocupado
somente farei menção (...). Santo Peixe com as duas realidades da vida humana, ou seja,
uj de Tobias (...). Re mor a (...). Torpedo (...). preocupações como mundo físico e preocupação
Quatro-Olhos- como divino.

Capítulo IV
Repreensões aos peixes em geral • Os peixes são arrogantes, soberbos e falsos.
«Antes porém que vos vades, assim como
ouvistes os vossos louvores, ouvi tam­
bém agora as vossas repreensões.»
Capítulo V • Roncadores: arrogantes, presunçosos e soberbos.
Repreensões aos peixes em particular • Pegadores: corruptos, pegando-se aos podero­
«Descendo ao particular, direi agora, pei­ sos para usufruírem dos seus benefícios.
xes, o que tenho contra alguns de vós. (...). • Voadores: vaidosos e querem fazer mais do que
Roncadores (...). Pegadores (...). Voado­ podem/devem para obter honra e glória.
res (...) Polvo - • Polvo: traidor e falso.

Capítulo VI Vieira finaliza o discurso expositivo-argumenta-


Conclusão

Integral tivo: reaviva a memória dos ouvintes sobre virtu­


«Touvai. Peixes, a Deus, os grandes, e os des e repreensões com vista á última tentativa de
£ pequenos'», e repartidos em dois coros convencer o seu público e de o influenciar na ado­
* tão inumeráveis, louvai-0 todos unifor­ ção de um novo estilo de vida, de uma vida mais
memente.» voltada para o Céu e menos presa á terra.

* Todas os excertos retiradas da obra pertencem á seguinte edição: Padre António Vieira, Sermão de Santo António, Obra
Compíeta(dir. José Eduardo Franco e Pedro Calafate), tomo II, volume X, Lisboa, Circulo de Leitores. 2014, pp. 137-16S.

97
NEMUII EXAME NACIINAL

TÓPICOS DE ANÁUSE DO SERMÃO

Captar a atenção dos ouvintes e a sua


disponibilidade para ouvir, fazê-los
conscientes do que têm de bom, para o
preservar, e do que têm de mau. para o
corrigir ou emendarfdocere, de/ectore);
a persuasão afigura-se intenção pri­
»pufnbo]»ep sOApe qg

meira e última de um orador (movere).

Sa/rto António o Pregar oos Peixes,


Proveniente das Escadinhas do Jogo da
Pela, Lisboa, c. 1600

Recurso a figuras de autoridade ou testemunhos que não só dão credibilidade ao seu sermão, como
epepue^duiaxa

facilitam a sua aceitação perante os ouvintes: Santo António de Lisboa, Santo Ambrósio. os após­
tolos evangelistas, entre outros; e Evangelhos, designadamente o de S. Mateus, de onde retira o
«conceito predicável». assim como a epístola do apóstoloS.Tiago,as palavras de Jesus Cristo {Novo
Testamento) e ainda os profetas do Antigo Testamento. A Bíblia é o pilar de que o orador se socorre
insistentemente.
a
»A)$ensjed

Padre António Vieira seleciona exemplos do conhecimento do mundo que os ouvintes possuem -
esta é a base da estratégia de persuasão previamente preparada. Assim, conhecendo bem as cate­
gorias dos peixes e respetivos comportamentos,os ouvintes entenderão perfeitamente as críticas
e convencer-se-ão daquilo que o padre jesuíta pretende mostrar. No caso do peixe de Tobias, por
exemplo, e podendo o auditório o não conhecer, o orador não se refere apenas à sua fisionomia,
o jiu 8;u |

mas faz uma breve descrição do contexto em que o peixe surge na Bíblia. Desta forma, dá a conhe­
cer a Bíblia aos ouvintes (evangeliza) e faz com que estes corrijam os seus defeitos e pecados
(persuade e altera comportamentos —> movere).

A crítica social prende-se com a exposição dos vícios7 da sociedade do Maranhão, servindo-se dos
peixes, o que é conseguido com:
i)jo í« j» « jtp o s

• Discurso figurativo: por meio de artifícios linguísticos e da sua estratégia argumentativa. assente
no conceito predicável de natureza bíblica «Vos estis sol ferroe». Vieira constrói imagens, cená­
rios, personagens, virtudes e vícios que espelham a realidade e o contexto em que os seus inter­
locutores (peixes que simbolizam os homens) estão inseridos e tão bem conhecem.
• Recursos expressivos: alegoria, comparação, metáfora, anáfora, antítese, apóstrofe, enume­
ração, gradação. Destaca-se a alegoria, tal como tinha feito Santo António em relação à crítica
social daqueles que o perseguiam: Vieira recorre a um elemento da fauna marítima - os peixes
- para, por meio deles, pôr a nu os seus defeitos e virtudes, que facilmente se associam aos dos
seres humanos.
• Alegoria: por definição, a alegoria é a concretização de uma abstração. Assim, os peixes repre­
sentam e simbolizam as virtudes e as repreensões ou defeitos dos seres humanos.

7 Consultar a tabela com as partes e estrutura argumentativa do Sermão do Padre António Vieira (cf. p. 95).

91
nktkiês u? ani

TEORIA

• Apresentação do conceito predicável: «Vós sois o sal da terra».


• Explanação (descrição/caracterização) do conceito predicável: os Pregadores e
Capítulo I os ouvintes.
Introdução •Apresentação de Santo António como modelo de pregador: Santo António foi
(exórdio) ameaçado pelos que não o queriam ouvir, então pregou aos peixes e assim fará
também Padre António Vieira neste seu sermão.
• Invocação à Virgem Maria.

Informação sobre as virtudes do sal e sobre o plano do sermão:

• divisão das partes do sermão;


• informação sobre as virtudes do sal: serve para conservar ou manter o que é sau­
dável e impedir a sua corrupção - isto encontra a sua representação humana e abs­
Capítulo II
trata na conservação do Bem e no impedimento do Mal.
Desenvolvimento
(exposição/ Louvores aos peixes em geral:
confirmação)
• são bons ouvintes;
• são as criaturas que Deus primeiramente criou;
• são obedientes, acorrem devotamente ao chamamento divino e são pacatos;
• são prudentes e permanecem afastados, a boa distância, dos homens.

Louvores aos peixes em particular:

•Santo Peixe de Tobias: simboliza o poder


da cura e é comparado a Santo António,
que, pela sua bondade e amor a Deus e aos
homens, afasta os demónios, e pelo seu
«fel», que são as suas palavras, cura da
cegueira, ou seja, tira os seres humanos das
trevas da Vida e mostra-lhes a Luz de Deus
(por meio da evangelização);
• Rémora: é comparada à língua de Santo
Capitulo III António, que se entregou à evangelização
Desenvolvimento dos povos e nunca se afastou desse obje­
(exposição/ tivo;
confirmação) •Torpedo: é comparado a Santo António,
pois peixe e santo fazem tremer, o primeiro
pelas suas vibrações elétricas e o segundo
pelas suas palavras, que contagiam e estre­
mecem a vida e o coração dos ouvintes;
•Quatro-Olhos: simboliza as duas direções
do caminho de cada ser humano: vigia e Júlio Pomar.
atenta no caminho da vida e das preocu­ Santo Antônio o Pregar aos Petxes.
pações terrenas, mas simultaneamente 1984 85

atenta no Céu. fim primeiro e último para


que fomos criados.

Capítulo IV Repreensões aos peixes em geral:


Desenvolvimento
• «comem-se uns aos outros»;
(exposição/
confirmação) • são ignorantes, estão cegos e são arrogantes e vaidosos.

99
NEMUII EXAME NACIINAL

Repreensões aos peixes em particular:


• Roncadores: símbolo das pessoas que são insignificantes na vida, mas que falam e
apregoam arrogantemente o seu suposto valor;
• Pegadores: símbolo da dependência e parasitismo de quem tem pouco valor, mas
se «pega» àqueles que o têm para subir ou suceder na vida; a isto se chama também
oportunismo e falta de escrúpulos; Padre António Vieira afirma que se o Homem
Capitulo V se há de pegar a algo ou alguém é a Deus, como ele mesmo o faz todos os dias;
Desenvolvimento • Voadores: símbolo da ambição desmedida e da presunção de que se pode fazer
(exposição/ tudo o que se quer; no caso, o peixe nada e voa, por isso, e porque o faz com presun­
confirmação) ção, acarreta na sua vida não só os perigos da água, mas também os que vêm do ar;
• Polvo: considerado «o maior traidor do mar», o polvo, pelas suas características
de disfarce e pacatez, ilude a presa, tomando a cor das pedras ou da vegetação
do fundo do mar, surpreende a vítima e caça-a ele mesmo. Isto é símbolo de todos
quantos são hipócritas e dissimulados, o que os faz conseguir o que querem à
custa da hipocrisia. Padre António Vieira afirma que, em comparação com o polvo,
até Judas parece menos traidor.

Desfecho:
Capítulo VI
* Retoma dos argumentos apresentados;
Conclusão
(peroração) * Exortação (pedido insistente/conselho) aos ouvintes para fazerem contínua ação
de graças e louvores a Deus.

David Vinckboons.
Sermòo de Cristo no Logo de Genesaré, 1623

100
Sermão de Santo António, Padre António Vieira
■ Capítulo I - Introdução (exórdio): Verificação de leitura
PRÁTICA

1. Leia atentamente as seguintes afirmações e classifique-as como V (Verdadeira) ou


F (Falsa), corrigindo as falsas.

a) «Vos estis sal maris» é o conceito predicável deste Sermão.

b) 0 conceito predicável é retirado do Evangelho de 5. Lucas.

0 Uo conceito predicável integra um hipérbato.

d] *0 sal não salga» por vários motivos, de entre os quais os clérigos não pregam a
mensagem de Cristo ou os que ouvem optam por fazer o que é da sua própria von­
tade materialista.

e) i 3 «Quese há de fazer a este sal. e que se há de fazer a esta terra?» é uma sequência

que contém um paradoxo.

f) Se a culpa
recair sobre o pregador, este deve ser menosprezado e considerado «inú­
til».

El As primeiras duas figuras de autoridade e exemplaridade que surgem neste ser­


mão são a de Abraão e a de Santo Agostinho de Hipona.

h) A cidade onde pregava Santo António era Nápoles.

i) Z3 Vieira considera que nas solenidades em que se celebram os santos se deve falar

da sua biografia.

n o A igreja onde o Padre António Vieira prega este sermão é um local frequente das

suas pregações.

k) Padre António Vieira avalia a sua pregação ao longo dos anos através dos ouvintes,
pois neles se nota se seguem a doutrina pregada ou não.

I) 0 padre carmelita utiliza o final do Capítulo I para invocar a Virgem Maria.

101
Sermão de Santo António, Padre António Vieira
FICHA 34

Leia atentamente o excerto e responda às questões.

«Vós», diz Cristo Senhor nosso, talando com os Pregadores, «sois o sal da terra»: e
chama-lhes sal da terra porque quer que façam na terra o que taz o sal. O efeito do sal é
impedir a corrupção, mas quando a terra se vê tào corrupta como está a nossa, havendo
tantos nela, que tem oficio de sal, qual será, ou qual pode ser a causa desta corrupção?
Ç Ou é porque o sal nào salga, ou porque a terra se não deixa salgar. (...) Nào é tudo isto
verdade? Ainda mal! (...) Suposto pois que, ou o sal nào salgue ou a terra se nào deixe
salgar; que se há de fazer a este sal, c que se há de fazer a esta terra? (...) E à terra, que
se nào deixa salgar, que se lhe há de fazer? (...) temos sobre ele a resolução do nosso
grande Português Santo António, que hoje celebramos, c a mais galharda c gloriosa
I resolução que nenhum Santo tomou. Pregava Santo António em Itália na Cidade dc
Arimino, contra os Hereges, que nela eram muitos; c como erros dc entendimento são
dificultosos dc arrancar, nào só nào fazia fruto o Santo, mas chegou o Povo a se levan­
tar contra ele, e faltou pouco para que lhe nào tirassem a vida. (...) Deixa as praças,
vai-se às praias, deixa a terra, vai-se ao mar, c começa a dizer a altas vozes: «Já que me
y nào querem ouvir os homens, ouçam-me os peixes.» Oh maravilhas do Altíssimo! Oh
poderes do que criou o mar, e a terra! Começam a ferver as ondas, começam a concor­
rer os peixes, os grandes, os maiores, os pequenos, c postos todos por sua ordem com as
cabeças dc fora da água, António pregava, e eles ouviam. (...) Isto suposto, quero hoje à
imitação de Santo António voltar-me da terra ao mar, ejá que os homens se nào apro-
3 vcitam, pregar aos peixes. (...) Os demais podem deixar o Sermão, pois nào é para eles.

Pidre António Vieira, op. ri/., pp. 137-139

1. Explique, por palavras suas, a primeira frase, identificando o conceito predicável, os dire­
tos interlocutores de Cristo e o que está representado em «terra».

2. Explique o uso da conjunção coordenativa adversativa «mas» na linha de raciocínio de Vieira.

3. Nas linhas 5-6, apresentamos dois momentos de supressão de texto. Da leitura integral deste
capítulo, refira o seu conteúdo e explique a enumeração e a anáfora que lhe estáo subjacentes.

4. Explique a sequência textual «que hoje celebramos» (linha 9).

102
PRÁTICA

5. Na sequência «Pregava Santo António em Itália na Cidade de Arimino, contra os Hereges,


que nela eram muitos; e como erros de entendimento são dificultosos de arrancar, não só
não fazia fruto o Santo, mas chegou o Povo a se levantar contra ele, e faltou pouco para
que lhe não tirassem a vida.», explique o contexto em que Santo António pregou o sermão.

6. Identifique, nas seguintes sequências, o recurso expressivo, justificando o seu valor e


esclarecendo o seu papel no objetivo persuasivo de Vieira por meio do discurso figurati­
vo: «Oh maravilhas do Altíssimo! Oh poderes do que criou o mar. e a terra!»

7. Indique os recursos expressivos e os seus valores na sequência «Começam a ferver as


ondas, começam a concorrer os peixes, os grandes, os maiores, os pequenos, e postos
todos por sua ordem com as cabeças de fora da água, António pregava, e eles ouviam.»

8. Mostre o papel das frases «Isto suposto, quero hoje à imitação de Santo António voltar-me
da terra ao mar. e já que os homens se não aproveitam pregar aos peixes» no Exórdio e na
(ante)visão global do sermão.

9. Explique a ironia da última frase deste excerto.

10. Ap ós a leitura integral deste capítulo, explique, por palavras suas, a alegoria nos ser­
mões de Santo António e de Padre António Vieira.

103
1. Leia atentamente as seguintes afirmações e classifique-as como V (Verdadeira) ou
F (Falsa), corrigindo as falsas.

a) O Capítulo V é o último que integra a Exposição/Confirmação.

b) «Descendo ao particular». Vieira considera apenas dois peixes de todo o mar.

C] Alguns peixes repreendidos são o Peixe de Tobias, Sardinha. Cherne e Tubarão.

d) São Pedro é a figura bíblica que exemplifica o que habitualmente faz o Ouatro-Olhos.

e) ! Os Roncadores simbolizam todas as pessoas que falam em demasia e opinam


sobre tudo, quando não têm o direito de o fazer.

f) J Outros dos animais repreendidos são os Pegadores, ou seja, aqueles que se colam

aos dentes dos Tubarões.

g) Um grupo criticado é ainda o das raias, que têm barbatanas largas e podem voar,
como se lê em «não vos fez Deus para peixes? Pois porque vos meteis a ser aves?»

h) J Vieira afirma, por último: «Mas já que estamos nas covas do mar, antes que saia­

mos delas, temos lá o cavalo-marinho.»

i) 0 Polvo simboliza as qualidades de eloquência.

j) ! António Vieira termina este capítulo em forma de conselho, afirmando que o cami­
nho para a salvação é o desapego dos bens materiais.

k) .0 Capítulo V apresenta as repreensões em geral aos peixes.

104
PRÁTICA

Leia atentamente o seguinte excerto e responda às questões.

Haveis dc saber, irmãos peixes, que o sal, filho do mar como vós, tem duas proprie­
dades (...). Uma c louvar o bem, outra repreender o mal: louvar o bem para o conser­
var, c repreender o mal, para preservar dele. (...) Assim o diz o grande Doutor da Igreja
Sào Basílio (...). Começando pois pelos vossos louvores, irmãos peixes, bem vos pudera
5 eu dizer que entre todas as criaturas viventes, e sensitivas, vós fostes as primeiras, que
Deus criou. A vós criou primeiro que as aves do ar, a vós primeiro que aos animais da
terra, c a vós primeiro que ao mesmo homem. (...) Vindo pois, irmãos, às vossas virtu­
des, que sào as que só podem dar o verdadeiro louvor; a primeira, que se me oferece aos
olhos hoje, c aquela obediência, com que chamados acudistes todos pela honra de vosso
ll Criador c Senhor, e aquela ordem, quietação, c atenção, com que ouvistes a palavra de
Deus da boca de Seu servo António. (...) Os peixes pelo contrário lá se vivem nos seus
mares, e rios, lá se mergulham nos seus pegos, lá se escondem nas suas grutas, c nào há
nenhum tào grande, que se fie no homem, nem tão pequeno, que nào fuja dele. (...) E
entretanto, vós, peixes, longe dos homens, c tora dessas cortcsanias vivereis só convos-
15 co, sim, mas como peixe na água. (...) No tempo de Noe sucedeu o dilúvio, que cobriu,
c alagou o mundo; c de todos os animais, quais livraram melhor?
Padre António Vieira, op. dt., pp. 139-143

1. Identifique a virtude principalmente louvada nos peixes, de acordo com a informação das
linhas 4 a 7.

2. Identifique, nessas mesmas linhas, uma anáfora e uma enumeração.

3. Explique, por palavras suas, a seguinte frase *E entretanto vós, peixes, longe dos homens, e
fora dessas cortesanias vivereis só convosco, sim, mas como peixe na água*

4. Justifique a presença do episódio de Noé.

105
Leia atentamente o seguinte excerto e responda às questdes.

Passando dos da Escritura aos da História natural, quem haverá que nào louve, c
admire muito a virtude tào celebrada da Rétnora? (...) Quem haverá, digo, que nào
admire muito a virtude daquele pcixczmho tào pequeno no corpo, c tào grande na
força, e no poder, que nào sendo maior de um palmo, se se pega ao leme de uma Nau
da India, apesar das velas, c dos ventos, c do seu próprio peso, c grandeza, a prende,
e amarra mais, que as mesmas ancoras, sem se poder mover, nem ir por diante? Oh
se houvera uma Rémora na terra, que tivesse tanta torça como a do mar, que menos
perigos haveria na vida, e que menos naufrágios no mundo! Se alguma Rcmora houve
na terra, foi a língua de Santo António. (...) O Apóstolo Santiago naquela sua eloquen­
tíssima Epístola compara a língua ao leme da Nau, c ao freio do cavalo. (...) notei que
aqueles quatro olhos cstào lançados um pouco tora do lugar ordinário, e cada par
deles unidos como dois vidros de um relógio de areia, cm tal forma, que os da parte
superior olham dircitamentc para os de cima, e os da parte interior direitamente para
baixo. E a razão desta nova arquitetura é: porque estes pcixezmhos, que sempre andam
na superfície da água, nào só sào perseguidos dos outros peixes maiores do mar, senão
também de grande quantidade de aves marítimas, que vivem naquelas praias; e como
têm inimigos no mar, e inimigos no ar, dobrou-lhes a Natureza as sentinelas. (...) Oh
que bem informara estes quatro olhos uma Alma racional, c que bem empregada tora
neles, melhor que cm muitos homens!
Padre António Vieira, ep. □(., pp. 144-148

1. Explique a presença da Rémora como um dos peixes cujas virtudes particulares devem
ser imitadas.

2. Explique a presença do Ouatro-Olhos como outro dos peixes cujas virtudes devem ser
imitadas.

3. Selecione do excerto uma comparação e uma figura de autoridade que não apareceram
nos excertos analisados até aqui.
Leia atentamente o excerto e responda às questdes.

E começando aqui pela nossa costa: no mesmo dia em que cheguei a ela, ouvindo os
Roncadores, e vendo o seu tamanho, tanto me moveram o riso como a ira. E possível
que sendo vós uns peixinhos tào pequenos haveis de ser as roncas do mar? Se com uma
linha de coser, e um alfinete torcido, vos pode pescar um aleijado, porque haveis de
5 roncar tanto? Mas por isso mesmo roncais.(...) Os arrogantes, c soberbos tomam-se com
Deus; e quem se toma com Deus sempre fica debaixo. Assim que, amigos Roncadores,
o verdadeiro conselho é calar, e imitar a Santo António. Duas coisas há nos homens, que
os costumam fazer Roncadores, porque ambas incham: o saber e o poder. (...) Pegado­
res se chamam estes, de que agora falo, c com grande propriedade, porque sendo peque-
U nos, nào só se chegam a outros maiores, mas de tal sorte se lhes pegam aos costados, que
jamais os desferram. De alguns animais de menos torça, c indústria, se conta que vão
seguindo de longe aos Leões na caça, para se sustentarem do que a eles sobeja.
O mesmo fazem estes Pegadores, tào seguros ao perto, como aqueles ao longe; porque
o peixe grande nào pode dobrar a cabeça, nem voltar a boca sobre os que traz às costas, c
15 assim lhes sustenta o peso, e mais a tome. (...) Rodeia a Nau o Tubarão nas calmarias da
Linha com os seus Pegadores às costas, tào cerzidos com a pele, que mais parecem remen­
dos, ou manchas naturais, que os hóspedes, ou companheiros. (...) Porque cm morrendo
o Tubarão morrem também com ele os Pegadores. (...) Eis aqui, peixczmhos ignorantes, c
miseráveis, quào errado, e enganoso é este modo de vida, que escolhestes. (...) «Pcgucm-sc
3 outros aos grandes da terra, que cu só me quero pegar a Deus.» Assim o fez também Santo
António, e senão, olhai para o mesmo Santo, e vede como está pegado com Cristo, c Cris­
to com ele. (...) Mas já que estamos nas covas do mar, antes que saiamos delas, temos lá o
irmão Polvo, contra o qual tém suas queixas, e grandes, nào menos que Sào Basího c Santo
Ambrósio. O Polvo com aquele seu capelo na cabeça parece um monge, com aqueles seus
5 raios estendidos, parece uma Estrela, com aquele nào ter osso, nem espinha, parece a mesma
brandura, a mesma mansidão. E debaixo desta aparência tào modesta, ou desta hipocrisia
tào santa, testemunham constantemente os dois grandes Doutores da Igreja Latina, c Grega,
que o dito Polvo é o maior traidor do mar. Consiste esta traição do Polvo primciramcntc
em se vestir, ou pintar das mesmas cores de todas aquelas cores, a que está pegado.
1 (...)E daqui que sucede? Sucede que o outro peixe inocente da traiçào vai passando desa­
cautelado, e o salteador, que está de emboscada dentro do seu próprio engano, lança-lhe
os braços de repente, c fa-lo prisioneiro. Fizera mais Judas? Nào fizera mais; porque nem
tez tanto. Judas abraçou a Cristo, mas outros O prenderam: o Polvo é o que abraça, e mais
o que prende. Judas com os braços fez o sinal, e o Polvo dos próprios braços faz as cordas.
35 Judas é verdade que foi traidor, mas com lanternas diante: traçou a traiçào às escuras, mas
exccutou-a muito às claras. O Polvo, escurecendo-se a si, tira a vista aos outros, c a pri­
meira traiçào, c roubo, que faz, c à luz, para que nào distinga as cores. Vê, Peixe aleivoso,
e vil, qual é a tua maldade, pois Judas cm tua comparação já é menos traidor.
Padre António Vieira, op. ot., pp. 156-163

107
1. Transcreva as apóstrofes feitas aos três peixes repreendidos em particular, identifican-
do-as e explicando a sua expressividade.

2. Explique o que motivou «o riso e a ira* no Padre jesuíta mal viu os Roncadores.

3. Identifique a crítica social feita através dos Roncadores.

4. Explique, por palavras suas, o exemplo dado através do Tubarão, para evidenciar o com­
portamento tão estratégico quanto reprovável dos Pegadores.

5. Evidencie a crítica social feita através dos Pegadores.

6. Fazendo uso das suas palavras, caracterize física e psicologicamente o Polvo, de acordo
com o conteúdo das linhas 24 a 29.

7. Explique a estratégia do polvo para atacar e capturar as suas presas. Justifique a sua res­
posta. transcrevendo elementos textuais.

8. Explique a comparação e a gradação presentes na sequência: «Judas abraçou a Cristo,


mas outros 0 prenderam: o Polvo é o que abraça e mais o que prende*.

9. Esclareça a crítica social do Padre António Vieira feita através do Polvo.

109
Leia atentamente o excerto e responda às questões.

que vades consolados do Sermão, que não sei quando ouvireis outro, quero-vos aliviar

5 animais, que Lhe haviam de ser sacrificados; mas todos eles, ou animais terrestres, ou
aves, ficando os peixes totalmente excluídos dos sacrifícios. (...)
«Louvai, Peixes, a Deus, os grandes, e os pequenos», e repartidos cm dois coros tão
inumeráveis, louvai-O todos umformemente. Louvai a Deus, porque vos criou cm
tanto número. Louvai a Deus, que vos distinguiu cm tantas espécies; louvai a Deus, que
U vos vestiu de tanta variedade, e formosura; louvai a Deus, que vos habilitou de todos
os instrumentos necessários à vida; louvai a Deus, que vos deu um elemento tão largo,
c tào puro; louvai a Deus, que vindo a este Mundo viveu entre vós, e chamou para
Si aqueles que convosco c de vós viviam; louvai a Deus, que vos sustenta, (...) e assim
como no princípio vos deu sua bênção, vo-la dê também agora. Amen.
Padre António Vieira, cp. cit., pp. 156-163

1. Mostre de que forma a anáfora distribuída por todo o excerto dá vida à intenção persua­
siva e à ação de movere junto do público ouvinte.

2. Selecione duas graças concedidas por Deus e explique por que razão devem ser louvadas.

3. Mostre como o final deste excerto está de acordo com a estrutura externa e interna de
um sermão.

109
NEMUII EXAME NACIINAL

ALMEIDA GARRETT, FREI LUÍS DE SOUSA (obra integral)

Vida e obra
• 1799 (4 de fevereiro): nasce, no Porto. João Baptista da Silva Leitão de
Almeida Garrett.
• 1809: Garrett vai para a ilha Terceira, onde recebe uma educação clás­
sica do tio. Bispo de Angra do Heroísmo.
• 1816: matricula-se na Universidade de Coimbra.
■ 1821: em Coimbra, inicia a sua atividade literária.
• 1823-1824: vai para o exílio em Inglaterra, por ser opositor de D. Miguel e
a favor do futuro D. Pedro IV.
• 1825-1826: publica Camões e Dona Branca. Tendo regressado a Portu­
gal, envolve-se politicamente contra o Absolutismo miguelista e é preso.
• 1832: parte novamente para a Terceira, onde se alia a Mouzinho da Sil­
veira. Vai para Londres e Paris como diplomata.
• 1834: com a vitória de D. Pedro IV, instaura-se o Liberalismo e Garrett é Pedro Augusto Guglielmi,
nomeado Cônsul-geral em Bruxelas. Litografia de Aímeida Garrett,
c. 1837-52
• 1836: começa a organizar o Teatro Nacional.
• 1838-1841: publica Um Auto de Grf Vicente, Dono Filipa de Vilhena e Alfageme de Santarém.
• 1843: publica o primeiro tomo do Romanceiro e escreve o texto dramático Frei Luís de Sousa.
• 1844-1853: publica Frei Luís de Sousa; O Arco de SanCAna; Flores sem Fruto; Viagens na minha Terra;
Folhas Caídas.
• 1854 (9 de dezembro): morre em Lisboa.

Costuma colocar-se a publicação do poema «Camões», de Almeida Garrett, em 1825. como início deste
período estético-literário.
0 Romantismo incorpora momentos como a Revolução Francesa, o império de Napoleão Bonaparte, as
Invasões Francesas em Portugal e a guerra civil entre absolutistas (liderados por D. Miguel) e liberais
(liderados pelo irmão e futuro rei D. Pedro IV). Tal guerra levaria à Revolução Liberal. Sendo Garrett um
apoiante do Liberalismo, foi alvo de perseguições por parte dos absolutistas, tendo fugido para o exílio
(Inglaterra e França).
Características da literatura romântica, em geral, e da de Almeida Garrett, em particular:
* recuperação do gosto pela Idade Média, designadamente pelos romances medievais, preenchidos de
aventuras/desventuras de cavaleiros;
* exaltação da Pátria, cuja formação data do século XII (1143), e dos valores patrióticos;
* exagerado sentimentalismo, em geral, e sentimento amoroso (paixão intensa e desgosto intenso), em
particular, por oposição ao racionalismo da geração anterior (neoclássica);
* crença em realidades do fantástico: crença em agouros e sinais, símbolos de desgraça futura;
* egocentrismo: concentração exagerada do escritor no seu eu;
* excessivo e fervoroso religiosismo:
* idealismo: perceção da realidade de acordo com o que ela devia ser idealmente;
* natureza soturna, escura, revolta (como uma espécie de prolongamento do sentimentalismo e egocen­
trismo); espaços sempre sombrios, de tonalidade misteriosa;
* estilo de escrita baseado na subversão dos modelos clássicos, dando forma a textos mais próximos dos
leitores portugueses do século XIX. escritos em prosa (Frei Luís de Sousa), e não em verso.

1W
ramxiÊs u? ani

TEORIA

RA

ATOS CENAS RESUMO

Cenas Madalena e Telm o dão informações acerca d os acontecimentos do passado: o primeiro


I a IV casamento de Madalena: Maria e as primeiras manifestações da sua personalidade.

ATOI Frei Jorge Coutinho. irmão de Manuel de Sousa Coutinho, visita Madalena e infor-
(12 cenas) ma-a de que os governadores de Portugal (aliados de Filipe II de Castela) pretendem
Cenas
ficar instalados no palácio de Manuel de Sousa Coutinho: agravam-se os temores e
Va XII
os presságios de Madalena; Manuel incendeia o seu próprio palácio {num arrebata­
mento patriótico) e mudam-se todos para o palácio de D. João de Portugal.

Cenas Estando na sala dos retratos do palácio de D. João de Portugal. Maria recorda a
I a III noite do incêndio e revela grande interesse pelo retrato de D. João.

Manuel, Maria e Teimo par­


tem para Lisboa e deixam
Madalena sozinha (apenas
com Frei Jorge e alguns cria­
dos). Madalena demonstra e
Cenas
partilha com o seu cunhado
IV a VIII
ATOII todos os seus maus pres­
(15 cenas) sentimentos relativamente
ao dia em que se encontram
(sexta-feira), dia aziago e
conotado com tragédia.

Aumenta o pressentimento
de desgraça de Madalena;
Cenas
chega o Romeiro, que será
IXaXV
reconhecido por Frei Jorge
como D. João de Portugal.

Em conversa com o irmão.


Frei Jorge, Manuel respon­
sabiliza-se por toda aquela
situação e decide entrar para
Cena I o convento de S. Domingos.
Miguel ÃngelD Lupi, D. Joao de Portuga/, Cena
do peça <Freí Luís de Sousa» fato /I, cena 14J,
ATO III Almeida Garrett, 1863
(12 cenas)

0 Romeiro revela a sua identidade a Teimo e pede-lhe que dê ainda remédio a toda
Cenas
aquela situação; Madalena não aceita aquela realidade, mas resigna-se e decide
II a IX
professar como Manuel.

Cenas Desenlace da obra - Manuel e Madalena consagram-se à vida religiosa e Maria


X a XII m orre em cena.

111
NEMUII EXAME NACIINAL

A defesa da Pátria está presente não só nos valores escrupulosos de Manuel de Sousa
A dimensão
Coutinho. Frei Jorge, Maria e Teimo Pais, mas também na crença do regresso de D. Sebas­
patriótica tião, que assegurará a independência de Portugal.
e sua
Por outro lado, testemunhamos patriotismo na menção a Luís Vaz de Camões, antigo com­
expressão
panheiro de Teimo Pais e responsável pela escrita de Os Lusíadas, óbvia epopeia ao ser­
simbólica
viço da imortalização de Portugal, pelos seus feitos históricos gloriosos.

Sebastianismo refere-se a todas as menções, ideias e sentimentos relativos a D. Sebas­


tião. último rei de Portugal, antes da ocupação castelhana (que duraria 60 anos).
História: diz respeito ao que é factual e comprovado historicamente - a existência do pró­
prio rei, jovem: a sua ida para combate na Batalha de Alcácer O.uibir e respetivo desapa­
recimento para sempre.

Ficção: associada ao sentimentalismo e a crenças no fantástico, a ficção diz respeito a


todas as profecias, agouros, mitos e lendas que envolvem o regresso de D. Sebastião,
regresso esse muito desejado, mas hipotético e imaginário - montado no seu cavalo
O branco, regressado a Portugal numa manhã de nevoeiro.
Sebastianismo:
história Em Frei Luís de Sousa, encontramos o Sebastianismo:
* f'cÇa° • em Teimo Pais, primeiro criado de D. João de Portugal e crente no seu regresso;

• em Maria, filha de Madalena e de Manuel de Sousa Coutinho, influenciada por Teimo,


e ela mesma crente em agouros e símbolos, bem como devota seguidora dos valores
patrióticos de seu pai;

• na sala dos retratos do palácio de D. João de Portugal, que inclui o próprio, assim como
os de D. Sebastião e Camões;

• no próprio regresso efetivo de D. João de Portugal (Romeiro), sobrevivente da mesma


batalha de Alcácer O.uibir, onde desapareceu D. Sebastião.

A dimensão trágica vê-se pelo desenrolar dos acontecimentos: D. Madalena de Vilhena


casa com Manuel de Sousa Coutinho sem ter certeza absoluta de que o seu primeiro
marido, D. João de Portugal, realmente morreu, como D. Sebastião, na Batalha de Alcácer
O.uibir (1578). Do casamento nasce Maria.

Atragicidade vai-se desenrolando à medida que os atos se sucedem e é instalada pelo reco­
nhecimento (feito por Frei Jorge Coutinho) do Romeiro como D. João de Portugal. A partir
daqui a família será desmembrada, pois o segundo casamento é inválido e Maria tornada
uma filha bastarda. Tudo culmina na tomada de hábito (frade e freira) de Manuel e Madalena
e na morte física de Maria Junto ao altar-mor da Igreja de S. Paulo dos Domínicos de Almada.
No caso específico das personagens de Frei Luís de Sousa, suas crenças e relações, veri-
dimensao ficamos que a referida tragicidade se vai desenrolando por meio de:
trágica • papel trágico do destino: Madalena casou com Manuel de Sousa Coutinho sem ter cer­
teza absoluta da morte do seu primeiro marido, D. João de Portugal —► regresso de
D. João (Romeiro)—► anulação do casamento de Madalena e Manuel—► morte física de
Maria —► morte espiritual de Madalena e Manuel (tomando o hábito);
• falas e comportamento de Madalena, sempre aflita e cheia de medo de agouros/pressá-
gios (sexta-feira como dia aziago, azarento - o dia da Paixão de Cristo; a ida para a casa
do anterior marido e terror ao imaginar o seu regresso com vida);
* ironia trágica nas falas de Maria e de Manuel de Sousa Coutinho: sobre D. Sebastião,
sobre a vinda dos governadores castelhanos, aliados do conde de Sabugal. do conde de
Santa Cruz; sobre o exemplo que Manuel de Sousa Coutinho dá da condessa de Vimioso,
a qual se mostrou sempre serena, mesmo no momento da morte do marido;

112
nktkiês u? ani

TEORIA

•ida de Manuel de Sousa Coutinho com Maria até Lisboa, depois do rescaldo do fogo
posto à sua própria casa, para não alojar os traidores e os castelhanos: o facto de ser
numa sexta-feira é aliado aos presságios de Madalena quanto ao regresso de D. João (o
que acabará por acontecer);
(cont.)
• a proximidade do palácio de D. João de Portugal a uma igreja {a de S. Paulo dos Domí-
nicos de Almada), com todo o peso dos reposteiros e frieza dos altares (a adivinhar um
futuro frio e desprovido de felicidade);
• o regresso do Romeiro precisamente quando Manuel de Sousa Coutinho estava ausente.

a) Características do texto dramático:


ação (enredo); personagens (principais, secundárias e figurantes); tempo: espaço;
didascálias (indicações cénicas várias, colocadas entre parênteses); apartes (parte
das falas das personagens proferidas sem o interlocutor dar conta); atos (cada ato
corresponde a um cenário); cenas (muda a cena quando entram ou saem personagens);
falas de personagens (sempre em discurso direto, seja em formato de diálogo, seja em
monólogo).


Tempo da escrita e tempo da ação dramática:

Apesar de este texto dramático ter sido escrito por Almeida Garrett no século XIX,
Frei Luís de Sousa trata de momentos e acontecimentos da vida de personagens que
se encontram num tempo anterior - o século XVI, designadamente, na segunda metade
deste século, terminando o terceiro ato em 1599.


Sucessão cronológica do tempo, desde a partida de D. João de Portugal para Alcácer
Quibir até ao seu regresso como Romeiro:

Linguagem, • Tempo anterior a 1578: Madalena casa-se com D. João de Portugal;


estilo
e estrutura •4 de agosto de 1578: Batalha de Alcácer O.uibir, no seguimento da qual desaparecem
D. Sebastião e D. João de Portugal;

•1578-1585 (7 anos decorrem): D. Madalena investe em tentativas para encontrar


D. João de Portugal; «Madalena - durante sete anos, incrédula a tantas provas e teste­
munhos da sua morte, o fiz procurar por essas costas de Berberia» (Ato I. Cena II);

• 1585-1599 (14 anos decorrem e integram vários acontecimentos):

-1585; Madalena casa-se com Manuel de Sousa Coutinho: «Madalena - vivemos (...)
seguros, em paz e felizes... há catorze anos.» (Ato I. Cena II);

-1586: nasce Maria de Noronha: «Teimo - Então! Tem treze anos feitos, é quase uma
senhora, está uma senhora...» (Ato I. Cena II);

- 1598-1599: D. João de Portugal é libertado do cativeiro, onde viveu 20 anos, e faz a via­
gem de regresso a casa: «Romeiro - morei lá [em Jerusalém] vinte anos cumpridos. (...) Há
três dias que não durmo nem descanso, nem pousei esta cabeça nem pararam estes pés
dia nem noite, para chegar aqui hoje, para vos dar meu recado...» (Ato II, Cena XI);

- 1599: ano em que decorre a ação dramática. 21 anos depois do desaparecimento de


D. João de Portugal: «Madalena - a que se apega essa vossa credulidade de sete... e hoje
mais catorze... vinte e um anos?» (Ato I. Cena II).

113
NEMUII EXAME NACIINAL

b) O drama romântico versus a tragédia clássica

Drama romântico
• Escrito em prosa:
• Não segue a lei das três unidades da tragédia clássica;
• Exaltação e louvor dos valores de patriotismo de Manuel de Sousa Coutinho;
• Presença do mito do Sebastianismo (Maria e Teimo):
• Superstições, presságios (sobretudo, Madalena e Maria) e agouros do Povo:
•Cenários (de paisagens naturais ou dos interiores de uma casa) soturnos, sombrios,
assustadores, fechados e com pouca luz natural;
• Presença do Cristianismo como redenção e consolação;
• Morte de uma personagem em cena; Maria;
• Críticas às injustiças sociais de que são vítimas pessoas inocentes, tais como filhos ile­
gítimos (Maria).

Tragédia clássica
• Número reduzido de personagens:
• Personagens pertencentes a classes sociais elevadas;
• Espaço e tempo da ação reduzidos;
• Ação simples, afunilando-se rapidamente para o seu desenlace (desfecho/conclusão);
• Presença de um coro da tragédia clássica (responsável por trazer à luz a consciência das
personagens em cena), neste caso, trata-se de Teimo Pais e de Frei Jorge;
(cont.)
•Existência de partes que integram elementos constitutivos da tragédia clássica, tais
como;
- ananké ou destino: deixou desaparecer D. João de Portugal e deixou que o novo casal,
Madalena e Manuel de Sousa Coutinho, viesse viver para o seu palácio;
-hybris ou desafio: Madalena casou com Manuel de Sousa Coutinho sem ter absoluta
certeza da morte de D. João de Portugal;
- agón ou conflito: conjunto de dilemas e angústias interiores de Madalena e Teimo;
- anagnórisis ou reconhecimento: reconhecimento do Romeiro como D. João de Portugal;
-peripeteia ou peripécia: alteração do rumo dos acontecimentos como direta conse­
quência da introdução de um dado novo: D. João está vivo - o casamento de Madalena
com Manuel é ilegal;
-clímax ou tensão emocional máxima: a que subjaz ao Ato II, que vai aumentando gra­
dualmente até à identificação do Romeiro;
- páthos ou sofrimento: sofrimento de todas as personagens da ação dramática;
- katastrophé ou catástrofe/desenlace: morte de Maria e morte espiritual de Madalena
e de Manuel.
• Linguagem ao serviço do sentimentalismo e da emoção exagerados: frases suspensas
(inacabadas e com reticências); seleção de vocábulos relativos a desgraças antevistas
para o futuro (agouros, presságios, pressentimentos); frases exclamativas (ao serviço
de agouros ou patriotismo) e interjeições; adjetivação ao serviço da emoção; ordem de
palavras trocada (anástrofes, hipérbatos); apóstrofes; citações de Os Lusíadas (episó­
dio de Inês de Castro - trágico, portanto; Batalha de Aljubarrota, ambiente bélico e de
inimigos frente a frente, assemelhando-se a Manuel de Sousa Coutinho, que incendeia a
sua casa para não a entregar aos castelhanos).

114
nktkiês u? ani

TEORIA

Madalena de Vilhena: personagem dominada pelo remorso de ter amado Manuel Sousa
Coutínho ainda quando vivia com D. João de Portugal. O medo de se ter casado em segun­
das núpcias sem ter a total certeza da morte de D. João, na Batalha de Alcácer Quibir.
traz Madalena numa vivência assombrada, receosa, temerata e sempre com a perceção
e intuição de que algo de terrível está para acontecer, pelo que tudo para ela se reveste
do poder de presságios e maus agouros. Apesar de tudo isto, e da fraqueza de personali­
dade, Madalena é culta (encontramo-la a ler o episódio de Inès de Castro, de Os Lusíadas),
respeitadora de todos (incluindo de Teimo, a quem trata como um familiar), fiel à memó­
ria de D. João (tendo-o procurado e esperado durante sete anos), fiel a Manuel de Sousa
Coutínho. Esta mulher vive também atormentada porque percebe que a filha, Maria, tem
sintomas sibilinos, mas de doença, sendo fisicamente débil. Por outro lado, ainda que um
pouco ciumenta da relação entre Teimo e Maria. Madalena percebe que o velho escudeiro
a influencia na crença exacerbada do regresso de D. Sebastião, o que, por inerência, impli­
caria possivelmente o regresso de D. João de Portugal.

Manuel de Sousa Coutínho: nobre português. Cavaleiro de Malta. Manuel é um homem


inteligente, prudente e indiferente aos temores e presságios de Madalena. Não sente
qualquer tipo de ciúme do primeiro casamento de Madalena, ama-a. respeita-a e vemo-
-lo tranquilizá-la por diversas vezes. E um homem correto, honesto e um grande patriota,
acérrimo defensor de ideais cavaleirescos. honrosos e íntegros.

Maria de Noronha: adolescente de treze anos. Maria tem as características típicas da


sua idade: é curiosa, interessada, aberta a crenças (de que o Sebastianismo é bom exem­
plo), infantil (desejando presenciar uma batalha). Todavia, e porque é doente, apresenta-
-se sempre fisicamente debilitada ou fragilizada. Adora e admira o patriotismo do pai.
Recorte Manuel, e é muito preocupada com as injustiças sociais e com a ânsia que o povo mani­
das festa no retorno do seu jovem rei, D. Sebastião, sendo tais preocupações muito adultas
personagens para a sua idade, o que revela agudez de razão e de espírito. Morre em cena, no Ato III.
principais
(considerações Frei Jorge Coutínho: irmão de Manuel de Sousa Coutínho. Jorge revela-se uma personagem
genéricas mediadora, tentando apaziguar Manuel quando este se revolta contra os governadores
sobre invasores, assim como dando calma a Madalena e a Teimo. Surge em cena, em momentos
as restantes) de grande tensão, como a da referida revolta de Manuel ou a chegada do Romeiro. Uma
vez que é sacerdote, está em condições claras de ser confidente das restantes persona­
gens. Apesar de equilibrado. Frei Jorge pressente o desenlace trágico desta família.

Teimo Pais: é um fiel servidor dos seus amos: primeiro. D. João de Portugal e, depois. Manuel
de Sousa Coutínho. Esta personagem concentra em si todos os agouros e presságios que
derivam da crença, cega e pia. no regresso de D. Sebastião e de D. João de Portugal, mesmo
vinte e um anos depois da sua saída para Alcácer Quibir. Teimo nunca concordou com a ati­
tude de Madalena em casar-se pela segunda vez. sem antes ter certezas sobre D. João. Esta
personagem apresenta-se já idosa, o que pode ser interpretado como o elo de ligação entre
o passado (que Madalena quer esquecer, mas não consegue), o presente e o futuro (pois tam­
bém pressente o que está na iminência de se revelar uma verdade trágica).

D. João de Portugal (Romeiro): apesar de surgir no final do Ato II, D. João de Portugal é a
personagem que está sempre presente na obra, pela diversidade de vezes que é nomeado
e lembrado. Ele é o responsável pela alteração do rumo dos acontecimentos da ação trá­
gica. pois é do seu reconhecimento queresulta a impossibilidade da existência do segundo
casamento de Madalena e a ilegitimidade de Maria de Noronha. Revela-se íntegro, dado
que. quando percebe que da sua vida e saúde dependem a desgraça e a infelicidade desta
família, pede ainda a Teimo que lhes diga que afinal este romeiro não é o verdadeiro
D. João de Portugal, o que acaba por não acontecer.

0 Prior de Benfica e o Arcebispo de Lisboa: clérigos responsáveis pela tomada de hábito


de Manuel (irmão Luís de Sousa) e Madalena (Soror Madalena das Chagas).

Miranda e Doroteia: criados de Madalena e Manuel de Sousa Coutínho (Doroteia é a aia


de Maria).

115
Leia atentamente as afirmações e responda ao que lhe é pedido.

1. Ordene, segundo o seu surgimento na obra, as seguintes afirmações sobre a ação.


a) Manuel e Madalena tomam o hábito dominicano, enquanto o Prior de Benfica reza

e lhes entrega o escapulário.


bj Oo Prior vai buscar os escapulários ao altar-mor e consola os dois com palavras de

salvaçáo e glória alcançadas, mais tarde, no Céu.


c) n Madalena lê o episódio de Inês de Castro de Os Lusíadas.

d) O Romeiro pede a Teimo que vá dizer a todos que. afinal, não é D. João de Portugal,
para que a família Coutinho seja feliz.
e) n Teimo Pais faz um monólogo que revela uma crise existencial e total perdição.

pois sempre pressentiu o regresso de D. João, mas ama agora ainda mais Maria e
vê que a morte se aproxima.

f) Manuel, ciente da condição de filha bastarda, clama por ela «Oh minha filha, minha
filha! (Silêncio longo) Desgraçada filha, que ficas órfã!...».
a) Oo Romeiro responde a Frei Jorge apresentando-se como «- Ninguém!».

h) Jorge, Manuel e Maria vão a Lisboa, ao Sacramento, designadamente ao convento


onde Maria quer visitar a tia Joana, agora Soror Joana.
i) O Manuel de Sousa Coutinho ateia fogo à própria casa, para a náo deixar ser habita­

da pelos governadores aliados dos espanhóis.

j) ' Madalena faz as contas desde o desaparecimento e relembra-as a Teimo:


«Madalena - Pois dizei-me em consciência, dízei-mo de uma vez, claro e desenga­
nado: a que se apega esta vossa credulidade de sete... e hoje mais catorze... vinte
e um anos?»

k) O Ato I começa com a didascália que informa sobre o espaço e o tempo.

l) Didascália inicial com descrição da igreja de S. Paulo, com o altar-mor, o prior.


Manuel, o arcebispo. Frei Jorge e Madalena, enquanto toca solenemente o órgão.

m) No diálogo com Madalena e Frei Jorge, o Romeiro confirma que foi cativo da Bata­
lha de Alcácer Quibir e aponta para o seu retrato na parede do seu palácio, deixan­
do Madalena desesperada.

n) Num diálogo a sós com Teimo Pais. Maria cita o início da obra de Bernardim Ribei­
ro: «Menina e moça me levaram de casa de meu pai».

116
Frei Laís de Sousa, Almeida Garrett
* Verificação de leitura (obra integral)
PRÁTICA

1. Leia atentamente as seguintes afirmações e classifique-as como V (Verdadeira) ou


F (Falsa), corrigindo as falsas.

a) D. Madalena de Lencastre casou em terceiras núpcias com Manuel de Sousa Coutinho.

b) D. Madalena e o marido pertenciam à coroa portuguesa, vivendo na corte.

c) Teimo é um escudeiro fiel e amigo e tem uma adoração por Maria.

d) Maria é uma menina sibilina, pois tem uma sensibilidade para pressentimentos
sebastianistas.

Maria e a mãe, Madalena, acreditam, piamente e com alegria, que el-rei D. Sebas­
tião vai regressar vivo.

f) Madalena é uma personagem sempre temerosa e com medo de agouros e sinais de


infortúnios.

g) O Frei J orge é irmão de Manuel.

h) . Madale na e Teimo têm longas conversas dominadas pelo sentimentalismo aterra­


dor e amedrontado de Madalena e pelo sebastianismo de Teimo.

Manuel de Sousa Coutinho é um fidalgo honrado, patriota e destemido.

j> Manuel ateia fogo a sua casa para não a deixar a el-rei D. Sebastião.

k) D João de Portugal, agora Romeiro, sofre tanto ou mais do que Madalena. Manuel.

Maria e Teimo, pelo que deseja anular a sua vinda pela felicidade de todos.

I) Maria morre no final porque sofria de tuberculose, associada ao desgosto pela


alteração das circunstâncias da sua vida familiar.

m) A ordem religiosa na qual vão ingressar Manuel e Madalena é a dos Carmelitas.

117
Leia atentamente o seguinte excerto e responda às questões.

Atol

Címuttu antiga, ornada com todo o luxo e caprichosa elegância portuguesa dos princípios do século
X VII. Porcelanas, xaròes, sedas, flores, etc. Nofundo, duas grandes Janelas rasgadas, dando paru um

çào para o interior da casa, outra da esquerda para o exterior. É nofim da tarde.

Almeida Garrett, Frei Luís de Sousa (ed. Maria João Brilhante),


Lisboa, Editorial Comunicação, 1994, p. 78

1. Localize este cenário no espaço e no tempo da açâo deste texto dramático.

2. Esclareça, por palavrassuas.a simbologla das duas janelas.

3. Selecione sete vocábulos ao serviço da ideia de riqueza/luxo.

4. Tendo em conta as características românticas nesta obra, explique o impacto que a infor­
mação «É no fim da tarde.» tem no estado de espírito da primeira personagem que surge

emcena. Madalena.

5. Transcreva do texto sequências que evidenciam o ambiente de luz/claridade e paz desta


casa.

118
Leia atentamente o seguinte excerto e responda às questões.

Atol
Madalena — Então sempre c verdade que Luís de Moura c os outros governadores?...
Manuel — Luís de Moura é um vilão ruim, faz como quem c; o arcebispo ê... o que
os outros querem que ele seja. Mas o conde de Sabugal, o conde de Santa Cruz, que
deviam olhar por quem são, e que tomaram este encargo, odioso... e vil, de oprimir os
5 seus naturais em nome dum rei estrangeiro... Oh que gente, que fidalgos portugueses!
Hei de lhes dar uma lição, a eles, e a este escravo deste povo que os sofre, como não
levam tiranos há muito tempo nesta terra.
Maria — O meu nobre pai! Oh, o meu querido pai! Sim, sim, mostrai-lhes quem sois
e o que vale um português dos verdadeiros. (...)
U Madalena — Mas para onde iremos nós, de repente, a estas horas?
Manuel — Para a única parte para onde podemos ir: a casa nào ê minha... mas c tua.
Madalena.
Madalena — Qual?... a que foi...? a que pega com S. Paulo?... Jesus me valha!... (...)
M as c que tu nào sabes... Eu nào sou melindrosa nem de invenções: cm tudo o mais sou
15 mulher, e muito mulher, querido; nisso nào... mas tu nào sabes a violência, o constrangi­
mento de alma, o terror com que eu penso cm entrar naquela casa. Parece-me que c voltar
ao poder dele, que é tirar-me dos teus braços, que o vou encontrar ah... — oh perdoa,
perdoa-me, nào me sai esta ideia da cabeça... ~ que vou achar ah a sombra despeitosa de
D. João, que me está ameaçando com uma espada de dois gumes...que a atravessa no meio
3 de nós, entre mim c ti c a nossa filha, que nos vai separar para sempre... Que queres? (...)
Manuel — (íianquikimenté) Ilumino a minha casa para receber os muito poderosos c exce­
lentes senhores governadores destes reinos. Suas excelências podem vir quando quiserem.
Madalena — Meu Deus, meu Deus!... Ai, c o retrato de meu mando!... Salvem-me
aquele retrato! (...)
Manuel - Parti! Parti! As matérias inflamáveis que cu tinha disposto vào-sc ateando
com espantosa velocidade. Fugi! (...)
Todos — Fujamos! Fujamos!...
Almeida Garrett, op. dl., pp. 111-131

1. Explique, por palavras suas, os factos que provam o patriotismo de Manuel e Maria.

2. Caracterize psicologicamente as três personagens intervenientes, de acordo com este


excerto.

119
Frei Luís de Sousa, Almeida Garrett
FICH ■ A dimensão patriótica e a sua estrutura simbólica
■ A dimensão trágica

Leia atentamente o seguinte excerto e responda às questões.

Ato II

E tio palácio que fora de D. João de Portugal, em Almada: saião antigo, de


gosto melancólico e pesado, com grandes retratos de família, muitos de corpo intei­
ro, bispos, donas, cavaleiros, monges; estão em lugar mais conspícuo, no fundo, o d'el-rei
D. Sebastião, o de Camões e o de D. João de Portugal. Portas do lado direito para o exterior,
5 do esquerdo para o interior, cobertas de reposteiros com as armas dos condes de Vimioso. São as
antigas da casa de Bragança, uma aspa vermelha sobre campo de prata com cinco escudos do reino,
um no meio e os quatro nos quatro extremos da aspa; em cada braço e entre dois escudos uma cruz
floreteada, tudo do modo que trazem atualmente os duques de Cadaval; sobre o escudo, coroa de
conde. Nofundo, um reposteiro muito maior e com as mesmas armas cobre as portadas da tribuna,
ll que deita sobre a capela da Senhora da Piedade na Igreja de S. Paulo dos Domínicos de Almada.

Almeida Carrett, cp. àt., p. 132

1. Explique a razão da mudança do cenário anterior para este.

2. Evidencie o papel simbólico deste comportamento de Manuel de Sousa Coutinho na


dimensão patriótica da obra.

3. Identifique o proprietário deste palácio e comprove o seu papel na dimensão trágica da


obra.

4. Identifique as figuras que estáo pintadas nos três retratos *ao fundo» e explique de que
forma estáo ao serviço do sebastianismo, do patriotismo e da tragicidade da obra.

5. Explique, por palavras suas, o papel das portadas que dáo acesso à Igreja de S. Paulo do
Convento dos Domínicos de Almada na antevisão do desenlace trágico da obra.

120
Leia atentamente o seguinte excerto e responda às questdes.

Ato III
Parte baixa do palácio de D. João de Portugal, comunicando, pela porta à esquerda do espectador,
com a capela da Senhora da Piedade, na Igreja de S. Paulo dos Domínicos de Almada; é um casarão
vasto sem ornato algum. Arrumadas às paredes, em diversos pontos, escadas, tocheiras, cruzes, ciriais
e outras alfaias e guisamentos de igreja de uso conhecido. .4 um lado um esquife dos que usam as
4 confrarias; do outro, uma grande cruz negra de tábua com o letreiroJ.N.R.J. e toalha pendente, como
se usa nas cerimónias da Semana Santa. Mais para a cena uma banca velha com dois ou trés tam­
boretes; a um lado, uma tocheira baixa com tocha acesa e já bastante gasta; sobre a mesa um castiçal
de chumbo, de credencia, baixo e com vela acesa também, e um hábito completo de religioso domínico,
túnica, escapulário, rosário, cinto, etc. Nofundo, porta que dá para as oficinas e aposentos que ocupam
1 o resto dos baixos do palácio. — E alta noite.
Almeida Garrett, op. dt., p. 186

1. Mostre que todo o cenário e o tempo («alta noite») que preparam este momento da ação
são presságios de desgraça, típicos do drama romântico.

2. Explique a simbologia dos vocábulos nas sequências «escadas, tocheiras, cruzes, ciriais».
«cruz negra de tábua com o letreiro J.N.R.J.», «como se usa na Semana Santa», «castiçal
de chumbo» e «vela acesa».

3. Esclareça de que forma a relação entre os três cenários, onde decorre a ação, dá vida
a uma gradação que culmina num final típico da tragédia clássica - «clímax», «páthos».
«katastrophé».

121
NEMUII EXAME NACIINAL

ALEXANDRE HERCULANO, LENDAS E NARRATIVAS:


A ABÓBADA (texto integral)

Vida e obra
• 1810 (28de março): nasce em Lisboa oriundo de uma família da ciasse
média.
• 1820-1825: estuda no Colégio dos Oratorianos. mas não seguiu para
a universidade.
• 1830: faz o curso de Diplomática e frequenta os serões literários
da marquesa de Alorna, onde toma contacto com obras da literatura
romântica europeia.
• 1831: parte para o exílio em Inglaterra e França por ser apoiante do
Liberalismo.
• 1832: regressa a Portugal, membro do exército liberal, primeiro aos
Açores, depois ao Porto.
• 1833: é nomeado coadjunto do diretor da Biblioteca Pública por­
tuense. de onde vem a despedir-se em 1836.
'1836: nicia a sua vida pública ao serviço da cultura: é nomeado reda­
tor do jornal 0 Panorama, onde publica algumas das suas obras, como
A Abóboda e 0 Monge de Cister.
-1839 el-rei D. Fernando nomeia-o Diretor da Real Biblioteca da Ajuda
e das Necessidades, cargo que tem até morrer.
-1866: casa e muda-se para uma quinta, propriedade sua, em Vale de
Lobos (Santarém). Joàa Pedraso. Retrcrto
de Alexandre Herculano,
• 1877 (13 de setembro): morre nessa mesma quinta.
séc. XIX

CONTEXTO DE LENDAS E NARRATIVAS

Esta obra foi escrita por Alexandre Herculano e inclui uma coletânea de lendas (narrações sem absoluta
verdade histórica, mas verosímeis1) e narrativas (histórias igualmente verosímeis) sobre a Idade Média.

LINGUAGEM, ESTILO E ESTRUTURA


Linguagem e estilo:
• Vocabulário técnico da arquitetura e escultura.
• Vocabulário medieval.
• Enumerações, comparações, metáforas, personificações, alegorias.
Estrutura:
4 4*
INTRODUÇÃO DESENVOLVIMENTO CONCLUSÃO
Capítulo 1 Capítulos II, III, IV Capítulo V
L«0 Cego» II. «Mestre Ouguet» V. «0 Voto Fatal»
III. «0 Auto»
IV. «Um Rei Cavaleiro»

1 Aparentam ser verdade, podendo até ter acontecido historicamente.

122
ramxiÊs u? ani

TEORIA

* 6 de janeiro de 1401: día soalheiro de inverno.


* No adro do Mosteiro de Santa Maria Vitória ou Mosteiro da Batalha: o povo entra em multi­
dões para assistir à representação do auto sobre a adoração dos reis magos, enquanto os
frades dominicanos fazem as suas celebrações litúrgicas.
Capítulo I
* Diálogo entre Frei Lourenço de Lampreia (confessor de el-rei D. João I), Frei Joane e Mes­
«O Cego»
tre Afonso - o mestre ofendido e amargurado por D. João lhe ter retirado o cargo de Mes­
tre oficial do Mosteiro por estar cego, surdo e coxo.
•Construção do Mosteiro entregue a Mestre Ouguet (arquiteto irlandês), que altera a
planta da abóbada da Casa do Capitulo do Mosteiro, ignorando a planta de Mestre Afonso.

• D. João I desce até ao terreiro do Mosteiro.


• Mestre Ouguet cumprimenta el-rei D. João I.
• D. João I entra no Mosteiro e repara que as «arcarias» de Ouguet não são tão perfeitas
Capítulo II como as de Afonso Domingues.
«Mestre • Pela resposta do irlandês se percebe que se trata de um homem arrogante, considerando
Ouguet» Portugal um país de ignorantes.
• El-rei D. João I e o seu séquito dirigem-se para a Casa do Capítulo. Todos a consideram
mal acabada.
•Mestre Ouguet (protestante) condena os portugueses pela sua religião (Catolicismo),
pelos seus autos de inspiração católica.

• Representação do auto: seis primeiras personagens, três do Céu e três do Inferno - Fé,
Esperança e Caridade * Idolatria. Diabo e Soberba.
• Mestre Ouguet irrompe pela sala e começa aos gritos a dizer impropérios a todos, espe­
cialmente a Mestre Afonso e aos que estão do seu lado, acusando-os de feitiçarias e hipo-
Capítulo III crisia.
*0 Auto» • Percebendo que estava possuído pelo Diabo, Frei Lourenço pede a todos que rezem pela
alma que foi alvo do Diabo e faz o exorcismo necessário, em frente de todos, que viam
com «sobrenatural pavor».
•Depois disto, todos se dirigiram para a Casa do Capítulo, feita à maneira de Mestre
Ouguet, a qual «tinha desabado em terral».

Capítulo IV . Diálogo entre el-rei D. João I e Mestre Afonso Domingues: depois de recusar voltar ao
«Um Rei cargo de Mestre da construção do Mosteiro, a piedade, o zelo e a bondade de el-rei como-
Cavaleiro» vem o velho arquiteto e ele aceita o desafio, prometendo ter a obra pronta dali a quatro
meses.

• Quatro meses depois, 7 de maio da «era da Redenção 1401», na primavera.


• A tarefa está concluída: a abóbada acabada, com o trabalho dos populares portugueses
regressados de Guimarães: D. João I volta à Batalha, regressando de Santarém.
Capítulo V
• Mestre Afonso afirma que fez dois votos:o primeiro era não tirar os «simples» (andaimes)
«0 Voto
que seguravam as pedras da abóbada, a não ser na presença de D. João I, o segundo era
Fatal»
sentar-se debaixo da abóboda durante três dias, jejuando.
• A abóbada da Casa do Capítulo não caiu, mas o Mestre acabaria por morrer, não porque a
abóbada caísse, mas porque o seu corpo idoso e frágil não resistiu ao jejum de três dias.

2Paísrepleta de terrenas desertDse de meros pedregulhos sem va lar arquitetônico e cultural.

123
NEMUII EXAME NACIINAL

Contextua lização histórica


A Abóbada tem como pano de fundo a construção do Mosteiro da Batalha, cerca de 16 anos
depois da Batalha de Aljubarrota (início do século XV). Há, por isso, um conjunto de figuras
que existiram historicamente, que desempenharam um papel importantíssimo na História
de Portugal e que foram obreiras da construção deste Mosteiro, símbolo da vitória de Por­
tugal (encabeçada pelo rei D. João I. antigo Mestre de Avis, que ordenou a edificação do
Mosteiro) sobre os castelhanos, que queriam apoderar-se do reino lusitano, na sequência
da crise de 1383-1385.
Afirmação da verdade histórica
Alexandre Herculano (século XIX) afirma a veracidade do que conta, neste texto, porque
consultou, com grande cuidado, crónicas em que se retrata Ouguet (entre as quais a de Frei
Bernardo de Brito), arquivadas em Alcobaça. roubadas pelos castelhanos nos reinados dos
Filipes, mas recuperadas depois da Restauração (1640). Desta forma, os frades. Mestre
Afonso Domingues. os seus discípulos. Mestre Ouguet. os frades dominicanos. João das
Regras. Martim de Océm e o próprio rei D. João I são, de facto, personagens que existiram
historicamente. Claro que, como escritor. Alexandre Herculano construiu outras persona­
gens de ficção para dar corpo e pormenores narrativos à sua obra literária.
Imaginação histórica
A imaginação histórica começa, desde logo, pela inclusão das referidas personagens de fic­
ção, às quais se aliam as seguintes:
•relações e episódios de ficção, quer entre personagens reais, quer entre personagens
inventadas por Herculano;
• descrições de pormenores sobre cenários, por exemplo, o adro (parte exterior) do Mos­
teiro. onde se amontoavam pedras, colunas...;
Imaginação •representação exata do auto e crenças em feitiçarias e exorcismos típicos da Idade
histórica e Média.
sentimento Sentimento nacional
nacional •O conto integra-se no Romantismo que vai recuperar não só os tempos medievais, mas
também os seus nobres, clérigos e portugueses honrados em geral, muito devotos do seu
país, defendendo corajosamente valores patrióticos de liberdade política.
• Este sentimento nacional revela-se também em A Abóboda, pelas seguintes componentes:
- defesa da construção do Mosteiro da Batalha
(comemorativo de uma honrosa vitória portu­
guesa sobre os castelhanos);
- defesa da construção desse Mosteiro por um
Mestre português e não estrangeiro - Mes­
tre Afonso Domingues, já idoso, mas com o
mesmo domínio da inteligência e da técnica
arquitetónica, bem como de excelentes discí­
pulos igualmente de raça lusitana:
-presença assídua de el-rei D. João I e seus
conselheiros João das Regras e Martim de
Océm, que decidem devolver a planta do
Mosteiro a Mestre Afonso Domingues, des­
pedindo o irlandês, Mestre Ouguet;
-referência ao castelo de Guimarães, símbolo
por excelência da exaltação patriótica de
Portugal independente;
- celebração da fé católica, tipicamente portu­
guesa, com a Adoração dos Reis Magos.

James Murphy, Gravura do Mosteiro da BcrtaiTra, séc. XVIII

124
nktkiês u? ani

TEORIA

* Mestre Afonso Domingues - cavaleiro de D. João lr Mestre de Avis (capitão de todos), na


Batalha de Aljubarrota. fiel servidor de el-rei (sendo o sentimento de amizade recíproco).
•Qs Frades Lourenço Lampreia e Joane
são os superiores dominicanos a quem
foi doado o Mosteiro da Batalha por D.
João I. Mantêm excelentes relações com
el-rei e com Mestre Afonso Domingues.
• El-rei D. João I é um excelente, justo e
piedoso rei. nutrindo amizade sincera
e respeito: depois dos fracassos de
Mestre Ouguet. não hesita em pedir
desculpa a Mestre Afonso Domingues.
a quem entrega novamente a planta
do Mosteiro da Batalha; Entre D. João
e Mestre Ouguet existe apenas uma
relação de respeito profissional. Como
Relações
venerável rei de Portugal, ouve com
entre
atenção e zelo as opiniões e os conse­
personagens
lhos dos doutores da corte, João das
Regras e Martim de Océm. apesar de
dar primazia aos seus valores patrióti­
cos. Por outro lado, mantém muito boas
relações com o clero, de que os domini­
canos (seus confessores pessoais) são
um ótimo exemplo. Quanto aos portu­
gueses em geral, manifesta-se sempre
responsável, preocupado e protetor dos
seus interesses.

* Mestre Ouguet odeia Mestre Afonso Domingues. assim como despreza a arquitetura e os
arquitetos portugueses, por ele considerados inferiores e incompetentes; será afastado
por el-rei e pela corte, sendo a construção devolvida a Mestre Afonso, até ao dia da sua
morte.

* Mestre Afonso apresenta dois Jovens, que viriam a ser o terceiro e o quarto arquitetos do
Mosteiro - Martim Vasques c Fernào de Évora, figuras da sua total confiança.

0 herói romântico de A Abóboda é. sem dúvida, o Mestre Afonso Domingues. Esta perso­
nagem contém em si todos os valores patrióticos que desenham o inequívoco sentimento
nacional, o sentimentalismo intenso e uma vida dedicada ao seu país, por cuja independência
lutou na própria Batalha de Aljubarrota. em defesa de D. João I.
Características românticas:
•Português honrado e ciente da sua missão arquitetónica e histórica. Mestre Afonso
Característi­ Domingues permanece sempre no espaço da construção do Mosteiro;
cas do herói • Absoluto fiel ao seu rei, D. João I. Mestre de Avis. e à independência de Portugal (lutador
romântico na Batalha de Aljubarrota), não tem dúvidas sobre o seu papel ao serviço da Pátria;

• Não só é fiel cavaleiro de el-rei. como é seu amigo pessoal e de coração;


•Detentor de valores patrióticos e nacionalistas: é inflamado e destemido na defesa de
Portugal independente; é sentimental quer na vitória, quer no sentimento de traição e
injustiça; é zeloso e escrupuloso; é capaz de dar a sua vida pela verdade de uma causa.
Este patriotismo, levado ao extremo, culmina com a sua própria morte, devido à fragili­
dade do seu corpo idoso.

125
A Abóbada, Alexandre Herculano
• Verificação de leitura (texto integral)

1. Leia atentamente as seguintes afirmações e classifique-as como V (Verdadeira) ou


F (Falsa), corrigindo as falsas.

a) O dia referido no Capítulo I é o Dia de Reis.

b) O Mosteiro da Batalha tem também a designação de Mosteiro de Santa Maria


Imaculada.

c) n O convento foi doado por el-rei D. Pedro I aos frades jesuítas.

d) Junto de pedras e estátuas espalhadas. Frei Lourenço de Lampreia e Frei Joane


conversavam com o Mestre Ouguet, velho, cego, surdo e coxo.

e) Os frades respeitam muito o Mestre Afonso, existindo, portanto, uma excelente


relação entre eles.

f) . Mestre Afonso compara a sua obra à Divina Comédia, do napolitano Dante.

g) Mestre Ouguet é um arquiteto superior e excelente de nacionalidade inglesa.

h) Mestre Ouguet retomou a construção do Mosteiro, cumprindo fielmente a planta


feita pelo seu antecessor.

i) D. João I, vindo ao Mosteiro para assistir ao auto de adoração dos reis magos,
repara que as obras de Ouguet não estão tão bem «aprimoradas», como as de
Mestre Afonso.

O cenário do auto é o presépio de Belém.

Durante a representação do auto, vemos várias personagens alegóricas, as do


Berne as do Mal.

I) . Os três reis magos são as últimas personagens a entrar em cena.

m) J A ordem da sua entrada em palco é a ordem da sua intervenção em cena, ou seja,


Baltasar, Belchior, sem Gaspar, que não chega a intervir.

126
n) Depois de sair de cena, o Diabo apodera-se de Mestre Ouguet e este vocifera críti­
cas injustas a Mestre Afonso e seus amigos. Tudo acaba com o exorcismo feito por
Frei Lourenço. na presença apavorada de todos.

o) J Depois da cena de exorcismo, a abóbada desmorona-se, deixando ruínas por todos


os lados.

p) El- rei D. Joáo I reúne, ao outro dia, com personagens várias da sua corte e inclui
Mestre Afonso, pedindo-lhe perddo por o ter afastado da obra e conferindo-lhe
novamente o cargo de Mestre do Mosteiro da Batalha.

q) De entre essas personagens, destacam-se. além dos frades superiores. João das
Iscas e Martim de Océm. doutores e conselheiros do rei.

r) . Com honra e patriotismo. Mestre Afonso aceita e promete a completude da abóba­


da da casa capitular para dali a sete meses, munindo-se de arquitetos jovens, tais
como Martim Vasques e Fernào de Évora.

s) ( Mestre Afonso faz dois votos: retirar os «simples» da abóbada apenas na presença
de el-rei D. João I e sentar-se debaixo dela, jejuando durante três dias.

t) Passados esses dias, e tendo a abóbada ficado intacta e segura. Mestre Afonso
morre, uma vez que. por idade avançada, nâo aguentou o jejum.

u) D. Joáo I emocionou-se com a morte do amigo. Mandou esculpir uma pedra «retra­
tando um cadáver», debaixo da abóbada, em honra de Mestre Afonso.

v) I I Mestre Ouguet recebeu novamente o seu cargo, com a promessa de obedecer à


planta do Mosteiro feita por Mestre Afonso.

127
A Abóbada, Alexandre Herculano
FICHA 47

Leia atentamente o seguinte excerto e responda às questdes.

«O Cego»

Proferindo estas palavras, o velho nào pôde continuar: a voz tinha-lhe ficado presa na
garganta, e dos olhos embaciados caíam-lhe pelas taces encovadas duas lágrimas como
punhos. A Frei Lourenço também se arrasaram os olhos de água. (...) ~ Pois sabei, reveren­
do padre — prosseguiu o arquiteto, atalhando o ímpeto erudito do prior que este mosteiro
5 que se ergue diante de nós era a minha Divina Comédia, o cântico da minha alma: conce­
bi-o cu; viveu comigo largos anos, cm sonhos c cm vigília: cada coluna, cada maincl, cada
fresta, cada arco era uma página de canção imensa; mas canção que cumpria se escrevesse
cm mármore, porque só o mármore era digno dela. Os milhares de lavores que tracei em
meu desenho eram milhares de versos; c porque ceguei arrancaram-me das màos o livro, e
I nas páginas em branco mandaram escrever um estrangeiro! Loucos! Se os olhos corporais
estavam mortos, nào o estavam os do espírito. (...) E roubaram-me o filho da minha imagi­
nação, dando-me uma tença!... Com uma tença paga-se a glória e a imortalidade? Agrade­
ço-vos, senhor rei, a mercê!... Sois verdadeiramente generoso... (...) O cego tremia de todos
os membros: a veemência com que falara exaurira-lhe as forças: os joelhos vergaram-lhe, e
II asscntou-sc outra vez em cima do fuste. Os dois frades estavam em pé diante dele.
~ Estais muito perturbado pela paixão, mestre Afonso — disse Frei Lourenço (...).
Quanto a vós, pensaram os do conselho de el-rei que deviam propor-lhe vos desse repou­
so e honrado sustentamento para os cansados dias. Ninguém teve cm mente ofender o
mais sabedor c experto arquiteto de Portugal, cuja memória será eterna c nunca ofuscada.
1 — Obngado — atalhou o velho — aos conselheiros de cl-rci, pelos bons desejos que em
meu prol tem. Sào políticos, almas de lodo, que nào compreendem senão proveitos materiais.
Dào-me o repouso do corpo c assassinam-me a alma! Acerca de mestre Ouguct, nào serei eu
quem negue suas boas manhas c ciência de edificar: mas que ponha ele por obra suas traças, e
deixem-me a mim dar vulto às minhas. E demais: para entender o pensamento do Mosteiro
S de Santa Mana da Vitória, cumpre ser português; cumpre ter vivido com a revolução que
pós no trono o Mestre de Avis1; ter tumultuado com o povo defronte dos paços da adúltera1 2;
ter pelejado nos muros de Lisboa3; ter vencido em Aljubarrota. Nào c este edifício obra de
reis, ainda que por um rei me tosse encomendado seu desenho c edificação, mas nacional,
mas popular, mas da gente portuguesa, que disse: não serevricv seruos do estiungmo c provou seu
1 dito. Mestre Ouguct (...) trabalhou nas sés de Inglaterra, de França e de Alemanha (...) mas
a sua alma nào é aquecida à luz do amor da pátria; nem, que o tosse, é para ele pátria esta
terra portuguesa. Por engenho c màos de portugueses devia ser concebido c executado, ate
seu final remate, o monumento da glória dos nossos; c eis aí que ele chamou de longcs terras
oficiais estranhos, e os naturais lá foram mandados adornar dc primorosos lavores a igreja de
S Guimarães. (...) [N]ós deixaríamos sucessores que conservassem puras as tradições da arte.»
Alexandre Herculano, ep. pp. 153-155

1 Revolução de 1383-85.
2 A viúva de D. Fernando. Rainha D. LeortDr Teles, que estava da lada dos castelhanos.
^Referência ao Cerco de Lisboa, já estudado na Crónico de D. Todo J, de Fernão Lopes (programa de 10° ano).

129
PRÁTICA

1. Tendo em conta personagem de Mestre Afonso, mostre que ele evidencia característi­
cas do herói romântico.

2. Explique como este excerto contém marcas de sentimento nacional.

3. Tendo por base a leitura integral do texto, identifique todas as personagens presentes ou
mencionadas e explique a relação entre elas.

4. Selecione exemplos dos seguintes recursos expressivos, comentando o seu valor:

a) enumeração

b) metáfora

c) comparação

d) ironia

5. Explique a inserção deste capítulo na estrutura da obra A Abóbada.

129
Leia atentamente o seguinte excerto e responda às questdes.

«O Auto»

Junto dc uma das colunas da Igreja dc Santa Maria da Vitória1 estava alevantado um
estrado12 (...). Defronte do estrado e colocado ao pé do arco da Capela do Fundador3,
corna para um c outro lado da parede um devoto presépio (...). [Sjobre a tradicional
manjedoura, se via reclinado o Menino Jesus c, dc joelhos junto dele, a Virgem c S. José,
5 acompanhados dc vários anjos cm ato dc adoração. Diante da cabana c no mesmo nível,
corna um largo c grosseiro cadafalso4 dc muitas tábuas (...), por onde deviam subir as
personagens do auto. (...) Feitas as vénias a cl-rci, a Idolatria começou seu arrazoado
contra a Fé, queixando-se dc que ela a pretendia esbulhar5 *da antiga posse cm que estava
dc receber cultos dc todo o género humano, ao que a Fé acudia com dizer que, ab initio*,
I estava apontado o dia cm que o império dos ídolos devia acabar (...). Então o Diabo
vinha, lamentando-se dc que a Esperança começasse dc entrar nos corações dos homens
(...). Ainda que o Diabo fizesse dc truào7 da festa, nem por isso a sua contendora*, a Espe­
rança, dava descargo dc si’ (...), dizendo que ela obedecia ao Senhor dc tôdalas cousas, e
que este, vendo c considerando os grandes dcsvairos10 que pelo mundo iam (...), a man-
II dara para lhes apontar o direito caminho do Céu (...). A Soberba, que estava impando11,
ouvidas as razões da Esperança (...), começou dc bradar que esta dona era sandia12, por­
que entendera enganar os homens com vaidades dc incertos futuros c sustentá-los com
fumos13 (...). Nào sofreu, porém, o ânimo da Caridade tão descomposto razoar da sua
figadal14 inimiga, c lho atalhou com tomar a mão naquele ponto c notar que os filhos dc
1 Adào eram todos uns aos olhos do Todo-Poderoso; que a Soberba inventara as vãs distin­
ções entre os homens (...), o que provou claramente à sua contrária com bastos15 textos
das santas escrituras, dc que a Soberba ficou mui corrida, por nào ter contra tão grande
autoridade resposta cabal15. E acabado o dizer da Caridade, um anjo subiu ao cadafalso
para dar sua sentença (...). [P]cla mesma porta do cruzeiro, saíram os três reis magos (...).
S Adiante vinha Baltasar (...); logo após ele, vinha o rei Belchior, c a este seguia-se Gaspar.
(...) Subindo ao cadafalso disseram como uma estrela os guiara até Jerusalém c como desta
cidade, depois dc mui trabalhado c duvidoso caminho, tinham acertado em vir a Belém,
c, com grande folgança17, encontravam aí o presepe, para fazer seu ofertório, o que, cm
verdade, era cousa mui piedosa de ouvir. (...) Enfim, um homem, rompendo por entre a
1 multidão, sem touca na cabeça, cabelos desgrenhados, boca torcida c coberta dc escuma18,
olhos esgazeados, saltou para dentro da teia, que fazia um claro cm roda do tablado. (...)
— Quem fala aqui no meu nome? — rosnou David Ouguct, com voz comprimi­
da e sepulcral. — Malvados! (...) — Nào vedes essas fendas, profundas como o cami­
nho do Inferno? (...) Maldito velho, toge diante dc mim!... Maldito, maldito!... (...)

1A partir da qual se está a *Espécie de andaime, 8Adversária do debate, da 13 Ilusões.


construir o Mosteiro da conjunto de escadas que discussão. 14 Profunda.
Batalha. ajudavam as personagens 8Mostrava-se fragilizada. ^Longos.
2 Palco. a subir ao palco. 10 Desvarios, loucuras. 16 Razoável.
3Fundador da Ordem dos 5Privar; ficar sem. 11 Soluçando du 17 Satisfaçáoe glória.
Pregadores, também sDesde d início dos tempos. desdenhando. 18 Saliva.
conhecida como Ordem 7Bobo da corte; palhaço. 12 Louca.
düs Dominicanos.

130
I Feiticeiro!... (...) David Ouguet podia estar possesso, cm consequência de algum grave
pecado; pecado que, talvez, tivesse omitido na última confissão, que fizera nas vésperas
de Natal. (...) Frei Lourenço (...) disse:
— Ajoelhai, cristãos, e orai ao Padre Eterno19 por este nosso irmào, tomado de espí­
rito imundo20. (...) Recorrerei ao sétimo, ao mais terrível exorcismo. (...)
• — Diabo! — gritou mestre Ouguet; e caiu no chào como morto. (...) Soou esse medo­
nho estampido21 da banda do claustro; vamos examinar o que seja (...). |E], a esta luz
incerta c baça, encaminharam-se para a porta do Capítulo. (...) As portas haviam estoi­
rado nos seus grossíssimos gonzos, c muito cimento solto e pedras quebradas tinham
rolado pelo portal fora, entulhando-se quase um terço da altura (...), fragmentos de
í cantos lavrados, de laçarias, de cornijas, de voltas e relevos (...), montão de ruínas (...).
A abóbada do Capítulo, acabada havia vinte quatro horas, tinha desabado cm terra!
Alexandre Herculano, op. dt., pp. 165-175
13 Deus.
20 Espirita diabólico.
21 Estrondo; estouro.

1. Mostre que o auto representado no Mosteiro em construção é alegórico e está assente


na moral cristã.

2. Apresente, por palavras suas, os argumentos e contra-argumentos de cada uma das per­
sonagens em disputa.

3. 0 narrador opta por utilizar sequências em discurso indireto. Transcreva um exemplo e


explique o motivo por que o faz.

4. Explique o papel do final deste capítulo III na economia da narrativa.

5. Justifique a atribuição do título A Abóbada a esta narrativa de Herculano.

131
NEMUII EXAME NACIINAL

ALMEIDA GARRETT, VIAGENS NA MINHA TERRA


Capítulos I, V, VIII, X, XIII, XX, XLIV, XLIX

• Viagens na minha Terra é publicada, primeiro, em folhetins, na Revista Universal Lisbonense (1845-
1846), e, depois, editada em livro em 1846.
• A obra está dividida em dois vetores ou planos narrativos:

Primeiro vetor/plano - A viagem: o narrador relata as suas impressões das viagens. A convite de Passos
Manuel, Almeida Garrett faz uma viagem de Lisboa a Santarém. Assim, facilmente se compreende que
o narrador deste plano relacionado com a viagem seja o próprio Almeida Garrett. 0 que podemos reter
deste relato? Informações e comentários sobre a deambulação geográfica, que incluem várias figuras,
tempos, espaços e citações de escritores, filósofos e historiadores. Tal relato é subjetivo, divergente
(pelas suas deambulações intelectuais) e rico em opiniões e impressões do narrador.
Segundo vetor/plano - A novela: o narrador encaixa uma outra narrativa: esta é-lhe contada pelo seu
companheiro de viagem, quando chegam ao Vale de Santarém. A narrativa ganha forma em torno de um
drama amoroso, o qual integra cinco personagens.
Naturalmente, Garrett torna-se ouvinte desta história da «Menina dos Rouxinóis», mas, perante o leitor,
ele continua a ser o narrador, pois é a nós que a reconta.
Os dois planos da narrativa só se fundem no capítulo XLIII, quando Garrett encontra fisicamente as per­
sonagens da história que ouviu e se torna, também ele, personagem em diálogo com Frei Dinis.

RESUMO DA NOVELA

Carlos: cresce em Santarém com a sua prima Joaninha, sob a alçada da avó Francisca e do olhar atento
de Frei Dinis. Por motivos políticos, emigra para Inglaterra, acabando por relacionar-se mais seriamente
com uma rapariga inglesa, Georgina. Integrado nas tropas liberais, regressa a Santarém e reencontra
Joaninha, por quem se apaixona, envolvendo-se os dois amorosamente. Neste período. Carlos descobre o
segredo terrível de família - que Frei Dinis é o seu pai e que este matou o marido da sua mãe. Consciente
da sua história. Carlos afasta-se e abandona Joaninha, por ser incapaz de superar a verdade e transfor­
ma-se, mais tarde, num barão.
Frei Dinis: este frade visita frequentemente D. Francisca. de quem é amigo e com quem partilha um
segredo: Frei Dinis é o pai verdadeiro de Carlos, filho nascido de uma relação de pecado com uma mulher.
0 seu sofrimento é atroz pelo pecadograve que cometeu.Trata-se de uma personagem que sofre um con­
flito interior devido às tramas do destino (das tragédias gregas), ao peso de ter desgraçado uma família,
criando um filho bastardo (Carlos) que o trata com frieza, ao desgosto de Joaninha e à demência da velha
Francisca.
• No final desta narrativa amorosa, o leitor fica a saber o desfecho trágico de cada personagem:
- Carlos abandona a vida boémia com mulheres e torna-se barão, desaparecendo para sempre. Conside-
rando-se inteligente e capaz, vive sem escrúpulos a vida de um barão poderoso e arrogante;
- Joaninha, por desgosto amoroso, enlouquece e morre;
- Georgina morre espiritualmente, tornando-se abadessa de um convento;
- D. Francisca, a avó de Joaninha e de Carlos, demente e em estado de inércia total, fica a cargo de Frei
Dinis;
- Frei Dinis continua a expiar o seu pecado, permanecendo vivo, o que o faz testemunhar a desgraça das
restantes personagens, e o que o leva a carregar diariamente a sua própria cruz - uma vida desgraçada
e penitente.

132
nktkiês 12? ani

TEORIA

• 17 de julho de 1843: o narrador decide fazer uma viagem de Lisboa a Santarém: primeiro de «vapor»
(barco): Alhandra, Vila Franca de Xira. Pinhal da Azambuja:

«lira uma ideia vaga, mais desejo que tençào, que eu tinha há muito, de ir conhecer as
Capítulo I

ricas várzeas desse Ribatejo, e saudar em seu ako cume a mais histórica e monumental das
nossas vilas. Abalam-me as instâncias de um amigo, decidem-me as tonterias de um jornal,
que por mexeriquice quis encabeçar em desígnio político determinado a minha visita.»1

• 0 narrador assiste à contenda verbal entre dois tipos de profissionais: discutem entre si sobre
quem é mais valente e forte - os campinos do Ribatejo e os varinos de llhavo: os primeiros enfren­
tam toiros: os segundos enfrentam o mar.

• Chegada ao Pinhal da Azambuja (que desiludiu o narrador);


Capítulo V

• Reflexões criticas sobre a literatura oitocentista: receita para escrever um drama - imitação gros­
seira de Dumas e Victor Hugo, entre outros escritores europeus;
• 0 próximo meio de transporte: «a enfezada mulinha asneira, que - ai, triste! - tinha de ser o meu
transporte de a li até Santarém. Enfim, o que há de ser há de ser, e tem muita força.»;
• Partida para o Cartaxo.

• Continuação da viagem: do Cartaxo até Santarém (pela ponte da Asseca);


Capítulo VIII

• 0 narrador reflete sobre as lutas entre os irmãos D. Miguel (absolutista) e D. Pedro IV (defensor da
causa liberal): «Toda a guerra civil é triste.»;
• Consonância entre a natureza e o estado de espírito do narrador: primeiramente descrita como
focus omoenus, passando depois para locus horrendus («Eu moía, comigo só, estas amargas refle­
xões, e toda a beleza da charneca desapareceu diante de mim.*).

■ Chegada ao Vale de Santarém;


• A contemplação e digressões imaginativas sobre a janela com a menina que o narrador vê;
Capítulo X

■Joaninha (ar apaixonado, olhos «verdes como duas esmeraldas orientais, transparentes, brilhan­
tes, sem preço.») e os rouxinóis (Joaninha como «a menina dos rouxinóis»);
• Início da novela: «o que eu vou contar não é um romance (...); é uma história simples e singela, sin­
ceramente contada e sem pretensão. Acabemos aqui o capítulo em forma de prólogo, e a matéria
do meu conto para o seguinte.»

• 0 narrador afirma não gostar de frades nem de barões e reflete sobre as diferenças entre uns e
Capítulo XIII

outros: «- 0 frade era, até certo ponto, o Dom Quixote da sociedade velha. 0 barão é, em quase
todos os pontos, o Sancho Pança da sociedade nova. Menos na graça»;
• Reflexão sobre a história que vai contar, que inclui igualmente um frade: «E aqui tenho eu às costas
nada menos de quinze frades e quarto. Com este Frei Dinis. é um convento inteiro(...),não há senão
usar da receita que vem formulada no capítulo quinto desta obra.»

Novela: ação, espaço e personagens:


• o primeiro (re)encontro dos primos (dois anos depois): Joaninha e Carlos, que sobreviveu às lutas
CapítuloXX

liberais:
• o amor e a paixão entre os dois;
• as informações que Joaninha dá a Carlos sobre a avó de ambos, D. Francisca;
• o narrador: «- Mas certo que as amáveis leitoras querem saber com quem tratam, e exigem, pelo
menos, uma esquiça rápida e a largos traços do novo ator que lhes vou apresentar em cena. Têm
razão as amáveis leitoras».

1 Todas os excertos da obra apresentados seguem a seguinte edição: Almeida Garrett, Viagens na minha Terra, Lisboa, Editora
Ulisseia. 1991.

133
NEMUII EXAME NACIINAL

Capitulo XLIV Novela: Carlos escreve uma carta a Joaninha (Capítulos XLIV-XLV111):
• confissão da razão da sua saída de Portugal: por saber ser Frei Dínís seu pai:
* Carlos confessa ser um homem dividido, incapaz de amar uma única mulher.

Planos da viagem e da novela (fusão dos dois planos):


Capítulo XLIX

* Viagem: o narrador e os companheiros reencontrados saem de Santarém e pernoitam numa hospe­


daria; depois, regressam ao Terreiro do Paço, no vapor {final da viagem);
* Novela: o destino final de Carlos, Joaninha. Georgina, Frei Dinis e D. Francisca;
* Últimas considerações do narrador para com o leitor, confessando o seu horror para com os barões
e a sua adoração e valorização de Portugal.

TÓPICOS DE ANÁLISE EM AS VIAGENS NA MINHA


nacional

Trata-se da viagem que Almeida Garrett faz de Lisboa a Santarém, de 17 a 22 de julho de 1843.
□ objetivo central é visitar o seu amigo Passos Manuel.
Ao longo da viagem, passa por vários locais a partir dos quais deambula fisicamente, mas também
introspetivamente, por pensamentos, meditações, evocações (memórias), ou seja, a partir do movi­
a sentimento

mento geográfico, o autor/narrador movimenta-se interiormente, abrangendo assuntos de caráter


histórico, literário, político e religioso. Ao circular por entre estas duas cidades. Garrett dá a conhe­
cer esta região do país, palco, grosso modo, das lutas liberais da década anterior, entre 1828 e 1834.

Exemplos:
Daambulaçio geográfica

• o Terreiro do Paço a charneca


• o vapor Vila Nova a ponte da Asseca
• a Baixa de Lisboa o Vale de Santarém
• o pinhal da Azambuja o regresso a Lisboa
• «cavalga na triste mula do arrieiro» os «caminhos de ferro e de papel»
• Cartaxo

A Natureza é o primeiro estímulo exterior à deam­


bulação interior: pelos olhos de Garrett entram pai­
sagens urbanas e rurais, por exemplo, a planície, a
montanha, a charneca, pontes, o Vale de Santarém,
A r«pras»ntaçâo da Naturaza

flora e fauna, que ele mesmo perspetiva segundo


o estado de espírito em que se encontra nesse
momento.

Exemplos:
• a Natureza em locus amoenus ou lo cus horrendos,
dependendo do seu estado de espírito;
• a Natureza da novela a fazer lembrar cenários
bucólicos de Menina e Moça, de Bernardim Ribeiro.

Caspar David Friedrich,


Mu/ber à Janela. 1B22

134
nktkiês u? ani

TEORIA

As suas reflexões e críticas assumem a natureza social, psicológica, política, religiosa e espiritual,
motivada pelos locais por onde passa e pelas memórias que vêm à sua mente. Não ficam por aqui.
Depois de chegar ao Vale de Santarém e de ter ouvido o resumo da Histófia da Menina dos Rouxinóis,
contada pelo seu companheiro de viagem, Garrett opina, favorecendo ou criticando as personagens
dessa história. Mais tarde, dela também fará parte, pois encontrará Frei Dinis.

Exemplos:
•a sociedade; a política de pós-Restauração; o povo; os campinos do Ribatejo versus os varinos
de llhavo, espelho de membros do governo, pois que uns e outros lutam e argumentam a partir da
posse, da força e do poder que cada fação tem;
• a literatura oitocentista;
• as lutas liberais entre D. Pedro IV e o irmão D. Miguel:
•os «frades», «barões» (nobres) e «Imprensa liberal», caídos na decadência ou corrompidos pelo
materialismo (principalmente os «barões»);
• a decadência do país; o povo menosprezado pelos burgueses e pela classe média, que enriquece­
ram após o declínio do Liberalismo, com o Setembrismo e o Cabralismo, por exemplo;
• os monumentos em ruínas;
• os dois lados do ser humano: o Bom e o Mau; o «Adão» do Livro de Génesis e o atual «Adão social»
(Carlos).

Segundo os preceitos literários do Romantismo (amores infelizes, sentimentalismo exagerado,


marcas trágicas de um destino manipulador, finais envoltos em separação e morte física ou espiri­
tual), nesta novela (ou drama amoroso) surgem as conhecidas personagens românticas.

Destacam-se:
•o próprio narrador (Garrett): Garrett mostra-se um amante da sua pátria e defensor do que é
português (literatura, natureza, entre outros); ao tomar conhecimento da trama, opina subjetiva e
emotivamente; ao falar com Frei Dinis (na parte final da obra) tece comentários de natureza social e
política, sendo, portanto, personagem participante e interventiva, dotado de sentimento nacional;
• Carlos: sendo incapaz de guardar fidelidade a qualquer mulher, sofre, desiste do amor e, tornando-se
barão, vive ao sabor dos seus próprios interesses políticos e económicos; desencadeia um triân­
gulo amoroso (Georgina - Carlos - Joaninha) que terminará tragicamente com a morte espiritual
de Georgina. com o afastamento de Carlos em relação à família e com a morte física de Joaninha;
• Joaninha: sofre por causa de um amor impossível e acaba por morrer fisicamente (heroína român­
tica);
• Frei Dinis: sofre por causa de um facto que o destino o levou a cometer - relacionou-se com uma
mulher de quem teve um filho, Carlos; sobrevive a todos os desgostos, sendo a sua vida um verda­
deiro purgatório.

Coloquialidade e digressão: registo de língua oral de Garrett, enquanto faz a sua viagem; vocabu­
lário adequado à paisagem e aos seus pensamentos e sensações; o coloquialismo surge dos muito
frequentes diálogos do narrador com os seus leitores (tornando-se ambos personagens da viagem e
da novela). É nestes diálogos que Garrett passa de um tema para outro, como acontece nos diálogos
entre amigos.
Dimensão irónica: Garrett ironiza, sobretudo, acerca do materialismo dos barões, dos interesses
sujos de políticos corruptos, da corrupção e heresias dos frades, da falta de autenticidade dos
governantes, da falta de infraestruturas de transporte e comunicação e dos textos corruptos publi­
cados pela Imprensa Liberal (note-se que. apesar de o Liberalismo ter sido implantado anos antes,
Garrett é alvo de perseguições e críticas de corrupção em 1843. aquando desta viagem).
Recursos expressivos: comparação, enumeração, interrogação retórica, metáfora, metonímia, per­
sonificação, sinédoque.

135
Leia atentamente o seguinte excerto e responda às questdes.

Capítulo XLIX

Acabei de ler a carta de Carlos, entreguei-a a Frei Dims, em silencio. Ele tornou-me:
— Leu?
- Li.
~ Que mais quer saber? Sinto que lhe posso dizer tudo; nào o conheço, mas... (...)
5 — (...) Fui camarada de Carlos; nào o vejo há muitos anos e...
— (...) Nem o conhecia se o visse agora! Engordou, enriqueceu e é barão!...
— Barão!
~ E barào, e vai ser deputado qualquer dia.
~ Que transformação! Como se fez isso, santo Deus! E Joaninha, e Georgina?
I “ Joaninha enlouqueceu e morreu. Gcorgina é abadessa de um convento cm Ingla­
terra. (...)
“ E esta pobre senhora, a avó de Joaninha?
— Aí está como vê, morta de alma para tudo. Nào vê, nào ouve, nào fala e nào
conhece ninguém. Joaninha veio morrer aqui, nesta fatal casa do vale; eu estava ausen-
II te; expirou nos braços dela e de Gcorgina. Desde esse instante, a avó caiu naquele esta­
do. Está morta, c nào espero aqui senào a dissolução do corpo para o enterrar; se cu nào
for primeiro, c Deus queira que nào! (...)
[Narrador] ~ Mas Carlos?
[Frei Dinis] ~ Carlos é barào. Nào lho disse já?
1 [Narrador] — Mas por ser barào?... (...)
[Frei Dinis] — Pois barào é o sucedâneo dos...
[Narrador] — Dos frades... lLuim substituição! (...)
[Frei Dinis] — Tivemos culpa nós, c certo; mas os liberais nào tiveram menos.
[Narrador] — Errámos ambos. (...)
S Dito isto, o frade benzeu-se, pegou no seu breviário c pôs-sc a rezar. (...). Eu lcvantci-
-mc, contemplei-os ambos alguns segundos. (...). Sentia-me como na presença da morte
c aterrei-me. Fiz um esforço sobre mim; fui dclibcradamentc ao meu cavalo; montei,
piquei, desesperado, de esporas c nào parei senào no Cartaxo. (...) Parti para Lisboa, cheio
de agoiros, de enguiços c de tristes pressentimentos. (...). Eram boas cinco horas da tarde,
1 quando desembarcámos no Terreiro do Paço. Assim terminou a nossa viagem a Santarém
e assim termina este livro.
Tenho visto alguma coisa do mundo e apontado alguma coisa do que vi. De todas
quantas viagens, porem, fiz, as que mais me interessaram sempre foram as viagens na
minha terra. Sc assim o pensares, leitor benévolo — quem sabe? pode ser que eu tome
S outra vez o bordão de romeiro e vá peregrinando por esse Portugal tora, cm busca de
histórias para te contar. Nos caminhos de ferro dos barões é que cu juro nào andar.
Escusada c a jura, porém. Sc as estradas tossem de papel, fá-las-iam, nào digo que nào.
Mas de metal! Que tenha o Governo juízo; que as faça de pedra, que pode; c viajaremos
com muito prazer c com muita utilidade e proveito, na nossa boa terra.
Almeida Garrett, op. aí., pp. 241-243

136
PRÁTICA

1. Explicite o papel deste excerto na estrutura da obra.

1.1 Mostre de que modo o diálogo entre estas duas personagens prova a confluência
dos dois planos de Viagens na minha Terra.

2. Mostre como as personagens Carlos e Joaninha sáo claramente românticas.

3. Identifique um momento de deambulação geográfica.

4. De acordo com o excerto transcrito, caracterize o narrador como personagem romântica.

5. De acordo com o último parágrafo, esclareça a dimensão reflexiva e crítica desse narra­
dor, bem como o seu sentimento nacional.

6. Identifique o recurso expressivo presente em «morta de alma para tudo» (linha 13). refe­
rindo o seu valor.

137
Viagens na minha Terra, Almeida Garrett

- Estruturação da obra: viagem e novela • Linguagem e estilo

Leia atentamente o seguinte excerto e responda às questdes.

Capítulo X

O Vale de Santarém c uni destes lugares privilegiados pela natureza, sítios amenos
e deleitosos em que as plantas, o ar, a situaçào, tudo está numa harmonia suavíssima e
perfeita: nào há ali nada grandioso nem sublime, mas há uma como simetria de cores,
de sons, de disposição cm tudo quanto se vê c se sente, que nào parece senào que a paz,
5 a saúde, o sossego do espírito c o repouso do coraçào devem viver ah, reinar ali um rei­
nado de amor e benevolência. As paixões más, os pensamentos mesquinhos, os pesares
e as vilezas da vida nào podem senào tugir para longe. Imagina-se por aqui o Eden que
o primeiro homem habitou com a sua inocência e com a virgindade do seu coraçào.
A esquerda do vale, e abrigado do Norte pela montanha que ah se corta quase a
I pique, está um maciço de verdura do mais belo viço e variedade. A faia, o freixo, o
álamo entrelaçam os ramos amigos; a madressilva, a musqueta penduram de um a outro
suas grinaldas c festões; a congossa, os fetos, a malva-rosa do valado vestem c alcatifam
o chào. Para mais realçar a beleza do quadro, vê-se por entre um claro das árvores a
janela mais aberta de uma habitação antiga, mas nào delapidada (...)
II Interessou-mc aquela janela. (...)
Parei c pus-me a namorar a janela. Encantava-me, tinha-mc ah como num feitiço. (...)
Estava cu nestas meditações, começou um rouxinol a mais linda c desgarrada cantiga
que há muito tempo me lembra de ouvir. (...)
Um vulto feminino que viesse sentar-se àquele balcão — vestido de branco — oh!
3 branco por força... ~ a fronte descaída sobre a mão esquerda, o braço direito pendente,
os olhos alçados ao céu... (...) — Verdes como duas esmeraldas orientais, transparentes,
brilhantes, sem preço. (...)
~ Estào, esses [rouxinóis] lá cstào ainda como há dez anos — os mesmos ou outros —,
mas a menina dos rouxinóis toi-sc e nào voltou.
S — A menina dos rouxinóis! Que história é essa? Pois deveras tem uma história aquela janela?
~ E um romance todo inteiro, todo feito, como dizem os franceses, e conta-se cm
duas palavras.
~ Vamos a ele. A menina dos rouxinóis, menina com olhos verdes! Deve ser interes­
santíssimo. Vamos á história já. (...)
1 Ainda assim, belas e amáveis leitoras, entendamo-nos: o que cu vou contar nào é um
romance, nào tem aventuras enredadas, peripécias, situações c incidentes raros; é uma
história simples c singela, smccramentc contada c sem pretensão.
Almeida Garrett, ep. dt., pp. 77-79

1. Da leitura integral deste excerto, explicite seu papel na estruturação da obra.

1.1 Identifique elemento físico que torna claro esse papel.

139
PRÁTICA

2. Entre as linhas 1 e 14, o narrador refere-se à Natureza. Explique o modo como a caracte­
riza e o seu estado de espírito ao descrevê-la.

3. Mostre que o narrador é omnisciente de acordo com a sequência *mas a menina dos rou­
xinóis foi-se e não voltou.»

4. Explicite a relação entre o narrador e o leitor, indicando o momento em que ela se torna
evidente, bem como a especificidade desse leitor.

5. Identifique o(s) recurso(s) expressivos em cada uma das seguintes sequências, selecio­
nando a opção correta. A seguir, refira o valor de cada um deles,

5.1 *A faia, o freixo, o álamo entrelaçam os ramos amigos; a madressilva, a musqueta


penduram de um a outro suas grinaldas e festões: a congossa. os fetos, a malva-rosa
do valado vestem e alcatifam o chão.» (linhas 10-13)
a) enumeração e eufemismo c) enumeração e personificação

b) enumeração e comparação d) personificação e apóstrofe

5,2 «Para mais realçar a beleza do quadro» (linha 13)

a) metáfora c) apóstrofe

b) aliteração d) paradoxo

5.3 «Encantava-me, tinha-me ali como num feitiço.» (linha 16)

ajanástrofe cjsinestesia

b) paradoxo d) comparação

139
Viagens na minha Terra, Almeida Garrett

Leia atentamente o seguinte excerto e responda às questdes.

Capítulo XX

Sobre uma espécie de branco rústico de verdura, tapeçado de gramas c maccla brava,
Joaninha, meio recostada, meio deitada, dormia profundamente. A luz baça do crepús­
culo, coada ainda pelos ramos das árvores, iluminava tibiamentc as expressivas feições
da donzela; e as formas graciosas do seu corpo se desenhavam mole e voluptuosamente
5 no fundo vaporoso e vago das exalações da terra, com uma incerteza e indecisão de
contornos, que redobrava o encanto do quadro, e permitia à imaginação exaltada per­
correr toda a escala dc harmonia das graças femininas. (...)
O oficial... ~ Mas certo que as amáveis leitoras querem saber com quem tratam, e
exigem, pelo menos, uma csquiça rápida, e a largos traços do novo ator que lhes vou
I apresentar cm cena. (...)
O oficial era moço; talvez nào tinha trinta anos, posto que o trato das armas, o rigor
das estações, e o selo visível dos cuidados que trazia estampado no rosto acentuassem já,
mais fortemente, em feições de homem feito, as que ainda devia arredondar a juventude.
A sua estatura era mediana, o corpo delgado, mas o peito largo c forte, como precisa
II um coração dc homem para pulsar livre (...)
Os olhos, pardos c nào muito grandes (...)
A boca, pequena c desdenhosa, nào indicava contudo soberba, c muito menos vaidade (...)
O rosto, mais pálido que trigueiro, parecia comprido, pela barba preta c longa que
trazia ao uso do tempo. Também o cabelo era preto (...).
1 “Joaninha! — murmurou ele, apenas a viu à luz ainda bastante dc crepúsculo. (...)
— Carlos, Carlos! — balbuciou ela (...). Dize, fala-me. Tu estás vivo e são!? (...)
~ Pois tu sonhavas? Tu, Joana, tu sonhavas comigo?
~ Sonhava, como sonho sempre que durmo... E o mais do tempo que estou acorda­
da... sonhava com aquilo em que só penso... cm ti. (...)
S E caiu nos braços dela; e abraçaram-se num longo, longo abraço — com um longo,
interminável beijo... longo, longo, e interminável como um primeiro beijo dc amantes...
Almeida Garrett, ep. dt., pp. 123-125

1. Da leitura do excerto, caracterize as personagens Joaninha e Carlos.

2. Descreva o sentimento natural que Carlos e Joaninha nutrem um pelo outro, dando um
exemplo que o confirme.

140
Viagens na min ha Terra, Almeida Garrett
FICHA 52 * Estruturação da obra: novela
PRÁTICA

Leia atentamente o seguinte excerto e responda às questões.

Capítulo XXIV
Formou Deus o homem, c o pós num paraíso de delícias; tornou a formá-lo a socie­
dade, e o pós num interno de tolices. (O) homem, assim aleijado como nós o conhece­
mos, é o animal mais absurdo, o mais disparatado c incongruente que habita a terra. (...)
Destas duas tào opostas atuações constantes, que já per si sós o tornariam ridículo,
5 formou a sociedade, em sua vã sabedoria, um sistema quimérico, desarrazoado c impos­
sível, complicado de regras, a qual mais desvairada, encontrado de repugnâncias, a qual
mais oposta. E vazado este perfeito modelo de sua arte pretensiosa, meteu dentro dele
o homem, desfigurou-o, contorccu-o, tc-lo o tal ente absurdo c disparatado, doente,
fraco, raquítico; colocou-o no meio do Eden fantástico de sua cnaçào — verdadeiro
ll inferno de tolices (...).
E quando as memórias da primeira existência lhe fazem nascer o desejo de sair desta
outra, lhe influem alguma aspiração de voltar à natureza e a Deus, a sociedade, armada
de suas barras de ferro, vem sobre ele c o prende, c o esmaga, c o contorce de novo (...).
Ou há de morrer, ou ficar monstruoso e aleijão.
15 Poucos filhos do Adão social tinham tantas reminiscências da outra pátria mais anti­
ga, e tendiam tanto a aproximar-se do primitivo tipo que saíra das mãos do Eterno;
forcejavam tanto por sacudir de si o pesado aperto das constrições sociais, c regenerar-se
na santa liberdade da natureza, como era o nosso Carlos. (...)
Carlos estava quase como os mais homens... Ainda era bom e verdadeiro, no pri-
3 mciro impulso de sua natureza excecional; mas a reflexão dcscia-o à vulgaridade da
fraqueza, da hipocrisia, da mentira comum. Dos melhores era, mas era homem. (...)
Dúvida, incerteza, vaidade, mentira deslocavam e anulavam a bela organização
daquela alma. Assim chegou ao pé de Joaninha (...).
~ Querida inocente!
S E beijou-lhe a mão, que tinha apertada na sua; beijou-lha uma e muitas vezes, com
um sentimento de ternura misturada de não sei que vaga compaixão, vindo de lá de
dentro da alma com nào sei com que dor, meia dor, meia prazer, que entre ambos se
comunicou e a ambos humedeceu os olhos.
Almeida Garrett, djp. dt., pp. 139-143

1. Esclareça a relação existente entre o conteúdo das linhas 1 a 18 e o conteúdo das linhas
19 a 24.

2. Prove que todo o excerto explica, por antevisão, o desfecho da novela.

141
NEMUII EXAME NACIINAL

CAMILO CASTELO BRANCO, AMOR DE PERDIÇÃO


Introdução e Conclusão; Capítulos I, IV, X, XIX
CONTEXTUAL1ZAÇÀO

Vida e obra
• 1825 (16 de março): nasce Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco, em Lisboa.
• 1827: morre a sua mae.
-1835: morre o seu pai. o que o leva a mudar-se para Vila Real, para morar com uma tia.
• 1859: rapta Ana Plácido e os dois vivem uma relação tão intensa quanto possível, até serem presos
por adultério {Ana era casada com Pinheiro Alves): na prisão, escreve, em 15 dias. Amor de Perdição;
segue-se a absolvição e mudam-se os dois para S. Miguel de Ceide (Vila Nova de Famalicão).
• 1885: é tornado Visconde de Correia Botelho.
*1890 (Ide junho): estando Já cego, suicida-se em São Miguel de Ceide.

• Simão Botelho é filho de Domingos Botelho, cor­ * Simão é preso e condenado à morte, pena suavi­
regedor (juiz), e de Rita. zada pela intervenção do pai, que consegue que o
• Simão causa desgosto à sua família por se rela­ filho vá degredado para a India. durante 10 anos.
cionar apenas com pessoas sem escrúpulos e * Teresa sofre e perde a vontade de viver.
levar uma vida boémia. * Simão e Teresa veem-se uma última vez antes da
• Porque se apaixona por Teresa de Albuquerque, partida para a India, mas logo a seguir Teresa de
filha de Tadeu de Albuquerque, muda de compor­ Albuquerque morre.
tamento e passa a levar uma vida mais regrada. * Mariana vai para a India com Simão, ficando res­
• Os Botelho e os Albuquerque são inimigos, o que ponsável por ele e pelas cartas que ele trocara
dificulta a relação de amor entre Simão e Teresa, com Teresa.
que passam a odiar as suas famílias, namorando •Simão, sabendo da morte da amada, desiste de
às escondidas, embora as famílias desconfiem. viver; para seu descanso, relê as cartas de Teresa,
• Tadeu de Albuquerque decide prometer em casa­ mas as febres e os delírios de uma doença que já
mento a filha, Teresa, ao seu sobrinho Baltasar trazia intensificam-se.
Coutinho. Teresa recusa o casamento, enfren­ * Depois de morrer a bordo, o comandante decide
tando o pai; Tadeu, revoltado, promete deserdá- atirar, em cerimónia respeitosa e honrada, o
-la e enviá-la para um convento. cadáver ao mar; nesse momento. Mariana atira-
• Domingos Botelho, também desagradado com a -se também e morre junto do corpo de Simão.
paixão dos dois, envia Simão para Coimbra.
• Simão, desesperado de saudades de Teresa, vai a
Viseu visitá-la e fica em casa de João da Cruz, pai
de Mariana.
•Teresa vai para um convento em Viseu, aguar­
dando a sua entrada num convento do Porto.
• Simão, furioso por Teresa já se encontrar no con­
vento, tenta raptá-la, mas, num duelo inesperado
com Baltasar Coutinho, dá-lhe um tiro fatal.

Francis Danby,
Desgosto Amoroso, 1821

142
ramxiÊs u? mm
TEORIA

AMOR DE PERDIÇÃO- RESUMO DOS CAPÍTULOS DE LEITURA OBRIGATÓRIA

• Camilo, preso na Cadeia da Relação do Porto, encontra documentos que atestam a história
de um seu antepassado. Simão Botelho, desterrado para a índia a 17 de março de 1807;
Introdução • Camilo reflete sobre a desgraça e o infortúnio que recaíram sobre este jovem, na flor da
(integral) sua juventude, e conclui: Amou, perdeu-se e morreu ornando;
* Submetendo-se ao julgamento do leitor. Camilo (narrador, familiar do jovem desterrado e
morto) prepara-se para contar toda a história de um Amor de Perdição.

* Domingos Botelho; fidalgo de Vila Real de Trás-os-Montes, em 1779. juiz de fora em Cascais,
casa com D. Rita Preciosa (dama do paço real em Lisboa);
•Simão nasce em 1784 e a família muda-se para Vila Real; depois. Domingos consegue
Capítulo I
transferência para Lamego e, finalmente, mudam-se para Viseu;
• Adolescência de Simão. belo, mas irreverente e arruaceiro, por isso o pai o manda para
Coimbra.

• Diálogo entre Teresa e Tadeu de Albuquerque: Teresa recusa casar-se com Baltasar Cou-
tinho. seu primo de Castro Daire;
Capítulo IV • Teresa escreve a Simão e conta-lhe tudo; em Simão fervilham a «fúria e o ódio», muda-se
para Viseu secretamente e fica em casa de um ferrador. João da Cruz, e dali troca cartas
com Teresa.

• Através deumaamiga(Joaquina).Mariana consegue entrar no convento de Viseue entrega


uma carta de Simão a Teresa, que partirá para o Convento de Monchique. no Porto, acom­
panhada por Baltasar Coutinho;
• Mariana traz a notícia a Simão; Simão sai de casa de João da Cruz às escondidas para ir ao
Capítulo X encontro de Teresa, cruzando-se com Tadeu e Baltasar;
• Baltasar acusa Simão com injúrias e afrontas; Simão responde com um tiro, que vai direito
ao crânio de Baltasar, matando-o «aos pés de Teresa». Todos tentam prender Simão. mas
João da Cruz aparece com os seus amigos para ajudar Simão na fuga;
• Simão reage;«- Eu não fujo (...) - Estou preso. Aqui tem as minhas armas.»

• Narrador reflete sobre o amor, a verdade, o conteúdo de uma novela, de um romance;


• Simão esteve preso durante 19 meses; tinha agora 18 anos;
• Alteração da sua pena; partir para o desterro na India;
• Novas reflexões do narrador omnisciente e subjetivo sobre o amor, a injustiça e a vida;
Capítulo «Teresa e Simão trocam cartas; ela ilude-se com o regresso de Simão e a felicidade de
XIX ambos, mas Simão já não acredita que seja possível; Teresa responde: «Adeus até ao Céu.
Simão.»;
• Passaram-se mais 6 meses; Simão recebe ordem de partida para a índia;
• Simão parte, acompanhado de Mariana. e Teresa vê-o partir do Mosteiro de Monchique.
em Miragaia.

• Já no barco para a índia, todos estão atentos e preocupados com a doença de Simão;
• Simão ainda tem forças para reler a carta de Teresa, na qual ela se despede, revelando um
sentimentalismo tipicamente romântico e trágico;
• Simão delira pela última vez, ao recitar as palavras de esperança que trocara com Teresa
de Albuquerque sobre a sua casinha e a intentada felicidade de ambos;
Conclusão • Simão despede-se de Mariana e esta dele;
• 0 comandante, com a ajuda dos marujos, lança o cadáver de Simão ao mar;
• Mariana. com as cartas presas no avental, atira-se também, suicidando-se abraçada ao
cadáver de Simão;
• Os marinheiros recolhem toda a correspondência entre Simão Botelho e Teresa de Albu­
querque.

143
NEMUII EXAME NACIINAL

Sugestão • 0 narrador, Camilo Castelo Branco, afirma ser sobrinho do herói do seu Amor de Perdi­
biográfica ção. Simão Botelho, cuja história de amor infeliz leu enquanto estava preso na Cadeia da
(Si mão Relação, no Porto.
e narrador) • Pelas informações da vida e da morte do seu tio direito. Simão Botelho. Camilo propõe
e construção ao leitor contar esta história, mostrando Simão como um herói verdadeiramente român­
do herói tico que «Amou, perdeu-se e morreu amando».
romântico
• Pelo conhecimento da biografia de Camilo e de Simão. cedo os leitores se apercebem da
semelhança entre estes dois heróis românticos - apaixonados fervorosamente (Simão
- Teresa e Camilo - Ana Plácido), perseguidores da sua felicidade amorosa contra as
adversidades, sofredores das respetivas consequências, mas continuamente ao serviço
do verdadeiro Amor-Paixão.

A obra • Intervenções do narrador sobre a própria sociedade e também sobre os factos narrados;
como crónica • Crítica às injustiças e martírios de Simão, Teresa. Mariana;
de mudança
•Reflexão sobre a coragem de desobedecer às intenções duvidosas dos pais - Teresa
social
recusa casar com o pretendente que o pai quer, Baltasar Coutinho;
• Crítica ao seguimento da vida consagrada a Cristo (conventos) por via da força e da obri­
gação e não da livre vocação e intenção deliberada;
• Crítica à vida clerical das religiosas dos conventos, cortejadas por homens influentes e
corruptas, ao aceitar jovens castigadas por desobediência aos pais;
• Reflexão sobre a morte desnecessária de quatro pessoas por causa da obsessão doen­
tia de um pai que proíbe a filha de casar com o homem que ama;
•Reflexão sobre as condições deploráveis de navegação dos degredados para terras
ultramarinas, neste caso, a 1 ndia;
• Reflexão sobre o degredo de jovens (Simão tinha 18 anos), tão úteis à sociedade portu­
guesa, como ativos no desenvolvimento e progresso a todos os níveis.

Relações • Tadeu e Rita Preciosa: ele, obstinado com a justiça e ausente; ela. sempre descontente
entre com a vida fora da corte;
personagens •Tadeu e Teresa: pai tirano e manipulador, quer vê-la casada, por interesse, com um seu
primo, Baltasar Coutinho; envia-a para conventos, pois, se não casa com quem ele quer,
morrerá para o mundo;
• Tadeu e Baltasar: Tadeu respeita Baltasar e vê nele o marido perfeito para Teresa;
• Tadeu e Simão: ódio profundo por antigas contendas entre as famílias:
• Teresa e Baltasar: Teresa não o ama. recusando-se a casar; Baltasar é obstinado e quer a
todo o custo casar-se com a prima;
• Simão e João da Cruz: amizade sincera e recíproca;
• Simão e Mariana: ele, amizade sincera; ela, amor-paixão, não correspondido por Simão,
e que a levará à morte.

0 amor-paixão • A paixão romântica, ou seja, o sentimentalismo quase obsessivo, ou paixão como sofri-
mento/desgraça.
• Simão eTeresa: amor impossível por causa da família e do degredo de Simão para a índia,
que a ela leva à morte espiritual no convento e, posteriormente, à morte física, e a ele à
morte física.
• Mariana e Simão: amor impossível de Mariana por não ser correspondido, que culmina
com a morte física dos dois (morte de Simão por doença e suicídio de Mariana).

Linguagem, 0 Narrador
estilo • é omnisciente, subjetivo e opinativo.
e estrutura

m
Amor de Perdição, Camilo Castelo Branco
■ Verificação de leitura (introdução)
PRÁTICA

1. Leia atentamente as seguintes afirmações e classifique-as como V (Verdadeira) ou


F (Falsa), corrigindo as falsas.

a) O narrador estava preso na Cadeia de Monchique, no Porto, quando encontrou uns


documentos.

b) 0 narrador cita partes desses documentos.

0 narrador tira a limpo a história da prisão de Simão porque um dos documentos


que leu era uma notícia do jornal.

d) O narrador é neutro e imparcial.

□ Camilo tem a certeza de que os seus leitores sentirão pena e compaixão deste
rapaz de «dezoito anos».

f) 0 narrador compadece-se e revolta-se porque narrará infortúnios de uma história


sobre o amor entre irmãos.

g) O narrador intensifica a sua crítica pela reflexão sobre a passagem violenta de


Simão do amor maternal para um amor puro e cândido por uma Jovem da sua idade.

h) A frase que o narrador utiliza para resumir a história é «Apaixonou-se. sofreu e


morreu amando.»

i) O narrador submete a avaliação dos seus sentimentos perante a história lida nos
documentos tanto à sua família como aos demais críticos.

0 O O narrador termina a sua Introdução tecendo diretas críticas aos «feitos bárbaros»
que os homens da sociedade do seu tempo cometem para seu próprio benefício.

145
Amor de Perdíçfio, Camilo Castelo Branco
- Construção do herói romântico • Linguagem, estilo e estrutura
* Relações entre personagens

Leia atentamente o seguinte excerto e responda às questdes.

Capitulo X
— Dê um abraço cm seu pai, M ariana — disse-lhe Simào — c adeus... ate logo, ou ...
— Até ao Juízo Final... — atalhou ela.
— O Destino há de cumprir-se... Seja o que o Céu quiser. (...)
Era uma hora, c estava Simào defronte do convento, contemplando uma a uma as
5 janelas. (M)as cada vez que lhe acudia à mente a imagem odiosa de Baltasar Coutinho,
instintivamente as màos do académico se asseguravam da posse das pistolas. (...)
Às quatro horas c meia, ouviu Simào o tinido dc liteiras, dirigindo-se àquele ponto.
Mudou dc local, tomando por uma rua estreita, fronteira ao convento. (...)
Momentos depois, viu Simào chegar á portaria Tadcu de Albuquerque, encostado ao
I braço dc Baltasar Coutmho. (...)
— Nada de lamúrias, meu tio! — dizia ele. — Desgraça seria vê-la casada! Eu prometo-
-Ihe antes dc uni ano restituir-lha curada. (...)
— Teresa... — disse o velho.
— Aqui estou, senhor — respondeu a filha, sem o encarar.
II — Ainda é tempo — tornou Albuquerque. (...)
— Nào, meu pai. O meu destino é o convento. Esquccc-lo nem por morte. Serei filha
desobediente, mas mentirosa é que nunca. (...)
Este diálogo correu rapidamente, enquanto Tadcu dc Albuquerque cortejava a prio-
resa c outras religiosas. As quatro senhoras, seguidas dc Baltasar, tinham saído do átrio
1 do convento, e deram dc rosto cm Simào Botelho, encostado à esquina da rua fronteira.
Teresa viu-o... Adivinhou-o, primeiro dc todas, c exclamou:
— Simào!...
O filho do corregedor nào se moveu.
Baltasar, espavorido do encontro, fitando os olhos nele, duvidava ainda.
5 — E crível que este infame aqui viesse! — exclamou o dc Castro Dairc.
Simào deu alguns passos, c disse placidamente:
— Infame... eu! c porquê?
— Infame, c infame assassino! — replicou Baltasar. — Já fora da minha presença!
— E parvo este homem! — disse o académico. — Eu nào discuto com sua senhoria...
1 Minha senhora — disse ele a Teresa, com a voz comovida c o semblante alterado unica­
mente pelos afetos do coração —, sofra com resignação, da qual cu lhe estou dando um
exemplo. Leve a sua cruz, sem amaldiçoar a violência, c bem pode ser que a meio do
seu calvário a misericórdia divina lhe redobre as torças.
— Que diz este patife?! — exclamou Tadcu.
S — Vem aqui insultá-lo, meu tio! — respondeu Baltasar. — Tem a petulância dc se apre­
sentar a sua filha a confortá-la na sua malvadez! Isto é dc mais! Olhe que cu esmago-o
aqui, seu vilão.
— Vilão é o desgraçado que me ameaça, sem ousar avançar para mim um passo —
redarguiu o filho do corregedor.

UI
0 — Eu nào o tenho feito — exclamou, enfurecido, Ililtasar — por entender que me avilto, cas-
tigando-o, na presença de criados de meu tio, que tu podes supor meus defensores, canalha!
— Se assim é — tomou Simào sorrindo —, espero nunca me encontrar de rosto com
sua senhoria. Reputo-o tào covarde, tào sem dignidade, que o hei de mandar azorragar
pelo primeiro mariola das esquinas.
6

por-se entre os dois, Baltasar tinha o alto do crânio aberto por uma bala, que lhe entrara
na fronte. Vacilou um segundo, e caiu desamparado aos pes de Teresa. (...)
— Está perdido! — tornou João da Cruz.

— Qual? — perguntou o meirinho-geral.


— Sou eu — respondeu o filho do corregedor.
5 — Vossa senhoria! — disse o meirinho, espantado; e, aproximando-se, acrescentou a
meia-voz: — Venha, que cu dcixo-o fugir.
— Eu nào fujo — tornou Simào. — Estou preso. Aqui tem as minhas armas.
E entregou as armas.
Camilo Castelo Branco, /Imor de Perdição, I.isboa,
D. Quixote, 2006, pp. 128-134

1. Mostre como Simào é um típico herói romântico, atendendo ao seu comportamento e


valores.

2. Explique o tipo de relação existente entre Tadeu e Baltasar.

3. Considerando o diálogo entre Baltasar e Simão. justifique o comportamento de Baltasar.

4. Caracterize Simào. tendo em conta o que ele diz a Teresa.

5. Explique por que razão é que o meirinho-geral tenta ajudar Simào.

147
Amor de Perdição, Camilo Castelo Branco
- Verificação de leitura (conclusão)

Selecione a opção que permite obter uma afirmação correta.

1. 0 cenário é o do barco onde Simáo viajava para

a) Macau. c) India.

b} Angola. d) Brasil.

2. Na carta que o narrador transcreve. Teresa


a) . J informa que, quando Simáo ler a c) crê que Simáo já náo sente saudades
carta, ela já estará morta. dela.
b) O relembra as descrições que Simáo lhe d) - prepara-se para ver o último anoite­
fazia da sua «casinha» em Cascais. cer da sua vida.

3. No navio, há diversos diálogos entre

a) os soldados, Mariana e o cozinheiro. c) Simáo. o comandante e Mariana.

b) Simáo. Mariana e outros degredados. d) Simáo e os enfermeiros.

4. Ãs três horas da manhà. Simáo ardia em febre e

a) caiu sobre o selo de uma adúltera c|D morreu nos braços de um marujo.
degredada.

b) caiu sobre o seio de Mariana. d) caiu ao mar.

5. Simáo pede a Mariana que

a) guarde todas as suas cartas de amor. c) deite ao mar todas as cartas.

b) queime todas as cartas. d) reenvie as cartas ao Convento de


Monchíque.

6. Durante o delírio, Simáo


a) reconhece que errou ao amar Teresa. c) sonha com D. Rita Preciosa.

b) reconhece que Mariana é um ser divi­ d) arrepende-se de ter maltratado


no. Tadeu.

7. Os marinheiros conseguem

a) salvar Mariana da morte. c) recolheras cartas todas.

b) impedir que o comandante se suicide. d) - recolher o cadáver de Mariana.

8. 0 narrador informa que a última irmá, a predileta de Simáo, Rita, ainda vive em

a) Viseu. c) Lisboa.

b) Cascais. d) Vila Real.

HB
Leia atentamente o seguinte excerto e responda às questões.

Conclusão
Oh! Simào, de que céu tão lindo caímos? Ã hora que tc escrevo, estás tu para entrar
na nau dos degredados, e eu na sepultura.
Que importa morrer, se nào podemos jamais ter nesta vida a nossa esperança de há
três anos?! Poderias tu com desesperança c com a vida, Simào? Eu nào podia. Os íns-
5 tantes do dormir eram os escassos benefícios que Deus me concedia; a morte é mais que
uma necessidade; é uma misericórdia divina, uma bem-aventurança para mim.
E que fanas tu da vida sem a tua companheira de martírio? Onde irás tu aviventar o
coração que a desgraça tc esmagou, sem o esquecimento da imagem desta dócil mulher,
que seguiu cegamente a estrela da tua malfadada sorte?!
U Tu nunca hás de amar, nào, meu esposo? Tenas pejo de ti mesmo, se uma vez visses passar
rapidamente a minha sombra por diante dos teus olhos enxutos? Sofre, sofre ao coração da tua
amiga estas derradeiras perguntas, a que tu responderás, no alto-mar, quando esta carta leres.
Rompe a manhã. Vou ver a minha última aurora... A última dos meus dezoito anos!
Abençoado sejas, Simào! Deus tc proteja, c tc livre duma agonia longa. Todas as minhas
15 angústias Lhe ofereço em desconto das tuas culpas. Sc algumas impaciências a justiça divina
me condena, oferece tu a Deus, meu amigo, os teus padecimentos, para que eu seja perdoada.
Adeus! À luz da eternidade parece-me que já tc vejo, Simâol

Camilo Castelo Branco, op. aí., p. 216

1. Indique momento específico da ação a que diz respeito esta parte da carta. Transcreva
do texto uma sequência que o confirme.

2. Mostre que Teresa é uma típica heroína romântica. Transcreva do excerto sequências que
o confirmem.

3. Esclareça o papel central que as cartas desempenham em Amor de Perdiçôo.

4. Retire do excerto uma metáfora e refira-se à sua expressividade.

1U
NEMUII EXAME NACIINAL

EÇA DE QUEIRÓS, OS MAIAS (obra integral)


CONTEXTUAL1ZAÇÀO

Vida e obra
■ 1845 (25 de novembro): José Maria de Eça de • 1874-1878: vive em Inglaterra (continuando
Queiroz nasce na Póvoa de Varzim. a sua carreira diplomática) e produz inúmeras
• Fruto de uma relação entre pais que ainda não obras da sua carreira literária.
estavam casados. • 1878: publica 0 Primo Bosífro.
•Na adolescência, muda-se para a casa da avó •1885: casa com Emília de Castro, de quem tem
paterna (Casa de Verdemilho). em Aradas - Aveiro, 4 filhos.
de onde sai para estudar no Colégio da Lapa - Porto. • 1887: publica A Relíquia.
• 1861-1866: entra na Universidade de Coimbra, • 1888: é nomeado cônsul, desta vez. em Paris.
cursando Direito.
• 1888: publica Os Maias.
• 1866: muda-se para Lisboa, onde assume fun­
• 1900: publica A Ilustre Casa de Ramíres. última
ções de advogado e jornalista.
obra saída a público em vida do autor.
• 1870: publica 0 Mistério do Estrada de Sintra.
• 1900 (16 de agosto): morre em Paris, França.
-1873: é nomeado cônsul de Portugal em Havana
(Cuba).

CONTEXTUAL1ZAÇÀO HISTÓRICO-LITERÁRIA

• Portugal, segunda metade do século XIX: os mais jovens literatos e escritores insurgem-se contra o
Romantismo, cujo exagerado sentimentalismo e fervor poético eram criticados pela nova geração - a
Geração de 70.
• A Geração de 70 defende o Republicanismo e uma nova forma de fazer literatura - intenções naturalis­
tas. realistas, positivistas, herdeiras das tendências que faziam furor no estrangeiro, nomeadamente,
em França.
• Qs principais nomes e obras que identificam essas novas formas de pensamento/escrita: Proudhon
(socialista fervoroso). Comte e Zola (defensores do Positivismo, e ainda Flaubert (escritor realista).
• Qs membros da Geração de 70: Anterode Ojuental (1842-1890); Eça de O.ueirós (1845-1900); Ramalho Orti-
gão {1836-1915); Oliveira M artins (1845-1894); Guerra J u nq u eir o (1850-1923); Teófilo Braga {1843-1924).
• Qs membros da Geração de 70 acabaram por se autodenominar «Vencidos da Vida*, dado que nem sem­
pre a sociedade portuguesa os entendeu.

TÓPICOS DE ANÁLISE EM OS MAIAS

Visão global da obra e estruturação: título e subtítulo


0 título Os Maias remete para a história da família Maia, sendo que. enquanto a intriga principal nasce
e se desenvolve no seio desta família, será também recheada do que está preconizado no subtítulo -
• Episódios da Vida Romântica», isto é, um conjunto de acontecimentos em que o leitor assiste aos com­
portamentos e ações de cada uma das personagens que Eça de Queirós utiliza para apresentar e criticar
a sociedade portuguesa do século XIX (designadamente a lisboeta). O adjetivo «romântica* remete não
para um pendor amoroso de relações, mas para o contexto do Romantismo português já tardio, em que são
típicas as seguintes características: exagerado lirismo e sentimentalismo dos poetas; sociedade política
inculta que. após a Regeneração (1851), vive ociosa e a deixar o país estagnar; falta de escrúpulos e conse­
quentemente corrupção e compadrio; adultério; imitação muito forçada da moda e dos costumes de países
europeus industrializados, tais como Inglaterra e França; o papel secundário das mulheres; a brutalidade
do temperamento dos portugueses. Qs «Episódios da Vida Romântica* integram também o que generica­
mente se denomina a «Crónica de Costumes».

150
nktkiês u? ani

TEORIA

O romance
A ação de Os Maias integra duas componentes basilares: a intriga principal {os aconteci­
Pluralidade mentos em torno de Carlos da Maia e Maria Eduarda Maia) e a intriga secundária (acrónica
das ações de costumes com a crítica social a Portugal do século XIX). Os dois primeiros capítulos
do romance integram os antecedentes da intriga principal, pois retratam as gerações do
bisavô (Sebastião), do avô (Afonso) e do pai (Pedro) de Carlos da Maia.

Pedro da Maia, fragilizado por uma educação católica castradora, une-se perdídamente
a uma mulher, Maria Monforte. casando-se com ela e de quem tem dois filhos. Esta aban-
dona-o na primeira oportunidade. Sofrendo de rejeição e desespero. Pedro suicida-se.
Da paixão louca, cega e obcecada resulta a sua morte.
Carlos da Maia, depois de uma educação à inglesa, leva uma vida académica meritória,
Representações
com a sua parte de boémia e desprendimento em relação às mulheres. Depois de algu­
do sentimento
mas relações, cai nas malhas do Destino e apaixona-se pela própria irmã sem o saber.
eda paixão:
□ seu desenlace é bem diferente do de Pedro: depois da culpa e da vergonha (diante do
diversificação
avô), usufrui da sua fortuna e viaja pelo mundo, recomeçando a sua vida. Da paixão, do
da intriga
erotismo e da união (quase matrimonial) resultam a separação e o recomeço.
amorosa
João da Ega, revolucionário, ateu e irreverente, acaba por se apaixonar por uma mulher
casada, RaquelCohen.cujo marido.ao descobrir, acaba coma relação entre os amantes. João
da Ega desespera e sofre, refugia-se no álcool, mas. quando seria de esperar o pior, acompa­
nha Carlos numa viagem além-fronteiras e sobrevive, recomeçando também a sua vida. Da
paixão e do erotismo surgem o desgosto, a bebida e o recomeço

Afonso da Maia: desde a juventude, Afonso vê a sua vida marcada por obstáculos. Con­
trariando os ideais conservadores do pai (Sebastião), que o considerava jacobino e revo­
lucionário1, Afonso vê-se obrigado a sair para o exílio em Inglaterra. A mulher odeia o
protestantismo e o clima, convencendo-o a voltar a Portugal. Regressado, assiste, des­
gostoso e impotente, à tragédia amorosa que leva o filho ao suicídio. Apesar de passar
anos felizes durante a infância e o início da idade adulta do neto. Carlos. Afonso assiste
à vergonha e à repugnância de um impensável incesto entre o seu neto e a neta cuja exis­
tência viva desconhecia. Vemo-lo quase fantasmagórico a passar por Carlos, atraves­
sando o corredor, já lívido e prenunciando a morte, até ao jardim, onde morre, não tanto
Características em virtude da idade, mas por causa dos desgostos e tragédias que assolaram a sua vida.
trágicas dos
Carlos da Maia: quando tudo aparentava harmonia e equilíbrio, Carlos apaixona-se por
protagonistas
Maria Eduarda. ignorando tratar-se da sua própria irmã. Primeiro, as críticas de adul­
da intriga
tério pressagiam obstáculos. Segundo, o sítio dos seus amores - a Toca - acrescenta
principal
tragicidade a este amor. Terceiro, na primeira noite em que se encontram intimamente,
troveja e a Toca, com as velas acesas, cria um ambiente de «sacrário» que assusta Maria
Eduarda. Quarto, quando Carlos a leva ao Ramalhete, ela manifesta ter medo do avô de
Carlos. Quinto, Carlos encontra nela semelhanças com a sua máe. Maria Monforte (indí­
cio da verdade que desenhará esta tragédia incestuosa).
Maria Eduarda: apresenta-se ao leitor como uma mulher amadurecida pela dureza da
vida, desde que a mãe a levou para Paris, bebé. Vivendo com vários homens, respeitosos
ou não, apenas para a sustentar, anda ao sabor das suas vontades e tem uma filha para
cuidar. A sua vida é. portanto, uma mescla de adversidades e sacrifícios.

Tempo da história
1820-1875: antecedentes da intriga principal.
1875-1877: vida do protagonista. Carlos da Maia, em Lisboa.
Complexidade 1887: regresso de Carlos da Maia à cidade de Lisboa, depois de dez anos de viagem.
do tempo Tempo do discurso
• Analepses: recuos no tempo.
• Elipses: ausência de informação sobre determinado período.
• Resumos: de acontecimentos necessários à compreensão da ação.

Os Jacobinos foram os responsáveis pela Convenção Montanhesa, de 1792, que seseguiuá Revolução Francesa (1789), república
que perseguia os conservadores e absolutistas.

151
NEMUII EXAME NACIINAL

Espaço físico
Lisboa (Benfica - antepassados de Carlos da Maia):
• casa onde Afonso da Maia viveu com a mulher. Maria Eduarda Runa. e o filho Pedro da Maia;
• casa onde Pedro cometeu suicídio;
• casa conotada com um passado de dor e sofrimento - «desgostos domésticos».

Santa Olávia (Douro) - infância de Carlos:


• Afonso leva o neto, Carlos da Maia, para esta quinta no Douro após o suicídio de Pedro,
proporcionando uma infância saudável ao neto;
•Afonso tem aqui os seus fiéis criados, o precetor inglês, Brown, os seus serões são
passados com velhos amigos, o seu gato. Bonifácio, e está rodeado de um ambiente
rural, cheio de ar puro e paisagens saudáveis ao corpo e ao espírito de um verdadeiro e
honrado cavalheiro português;
• Carlos cresce feliz, corre, sobe às árvores e brinca, nunca desobedecendo aos rigores
de horários que o avô impunha;
• Apesar de aqui morrer o administrador. Vilaça (Pai), o avô e Carlos, seus sinceros ami­
gos, fazem-lhe uma capelinha à boa maneira aristocrata e acreditam que recompensa­
ram bem o administrador sempre fiel à família.

Coimbra (formatura de Carlos):


• Espaço do início da idade adulta de Carlos; na Universidade de Coimbra, licencia-se em
Medicina;
• Espaço ligado à vida académica, quer de estudante, quer de boémio;
•Local onde Carlos conhece aquele que seria o seu melhor amigo e companheiro nas
adversidades da vida - João da Ega;
Espaços eseu
valor simbólico
Lisboa 1875-1877 (Ramalhete, Hotel Central, Hipódromo, Teatro da Trindade, casa dos
e emotivo
Gouvarinho, Toca. Vila Balzac.casa da Rua de S. Francisco eSeteais/Sintra. aonde Carlos
e Cruges se deslocam, tentando Carlos encontrar Maria Eduarda) - Espaços que assu­
mem um mais evidente valor simbólico e emotivo:
0 Ramalhete:
«Sombrio casarão de paredes severas (...). a cascatazinha (...), a Vénus Citereia; uma
lenda segundo a qual eram sempre fatais aos Maias as paredes do Ramalhete; o pátio (...)
agora resplandecente, com um pavimento quadrilhado de mármores brancos e verme­
lhos. plantas decorativas. Em cima, na antecâmara (...). divãs cobertos de tapetes persas;
um amplo corredor, ornado com as peças ricas de Benfica. arcas góticas. Jarrões da índia,
e antigos quadros devotos.(0) bilhar; ao fundo do corredor ficava o escritório de Afonso.
(0) terraço comunicava por três portas envidraçadas com o escritório.» (Capítulo I)2
Quinta dos Olivais, ninho de amor - Toca - de Carlos e Maria Eduarda:
• «Carlos e Maria iam então refugiar-se, numa intimidade mais livre, no quiosque japonês
(...). Carlos ajoelhava numa almofada, trémulo, impaciente (...) - e ali ficava, abraçado
à sua cintura, balbuciando mil coisas pueris e ardentes, por entre longos beijos que os
deixavam frouxos, com os olhos cerrados, numa doçura de desmaio.» (Capítulo XIV)
• «E ao fundo era a casa, caiada de novo, com janelas de peitoril, persianas verdes, e a
portinha ao centro sobre três degraus, flanqueados por vasos de louça azul cheios de
cravos. (...) Correu logo à sala de jantar (...). Veio para o gabinete forrado de cretones,
que abria sobre o corredor (...). Começaram pelo segundo andar. (M)as os quartos em
cima (...) abriam sobre o rio e sobre os campos. (...) Mas depois o quarto que devia ser o
seu, quando Carlos lho foi mostrar, desagradou-lhe com o seu luxo estridente (...). Depois
impressionou-se ao reparar num painel ant igo (...) onde apenas se distinguia uma cabeça
degolada, lívida.gelada no seu sangue.dentro de um prato de cobre.» [a cabeça de S. João
Baptista, que, juntamente com outros objetos e suas cores, carrega conotações e indí­
cios de desgraça] (Capítulo XIII)

2Todosos excertos apresentados seguema ediçàD seguinte: Eça de Queirós, Os Maios, Porto, Livrosdü Brasil, 2014.

152
nktkiês u? ani

TEORIA

O incesto voluntário de Carlos na Toca e o regresso ao Ramalhete:


Carlos repete o ato voluntário, sob a suspeição horrorizada de Ega, que estava hospe­
dado no Ramalhete: «A cama estava feita e vazia. Carlos saíra. (...) E agora não duvidava.
Carlos fora findar a noite à Rua de S. Francisco!.- Estava lá, dormia lá! E só uma ideia
surgia através do seu horror - fugir, safar-se para Celorico, não ser testemunha daquela
incomparável infâmia!... (...) Ega ficou junto da porta (...) decidido a dizer a Carlos (...),
antes de partir para Celorico, que a sua infâmia estava matando o avô, e o forçava a ele.
seu melhor amigo, a fugir para a não testemunhar por mais tempo.*
«Nessa noite». Carlos regressa ao Ramalhete e de madrugada o avô. Afonso da Maia,
morre no jardim: «(A)poderava-se dele (...) o medo (...). Era medo do avô. medo do Ega.
medo do Vilaça (...). Tinha agora a certeza que efes sabiam tudo. (N)o patamar (...). avis­
tou uma claridade que se movia no fundo do quarto. A luz surgiu - e com ela o avô em
mangas de camisa, lívido, mudo, grande, espectral. Carlos não se moveu, sufocado; e os
dois olhos do velho, vermelhos, esgazeados, cheios de horror, caíram sobre ele, ficaram
sobre ele, varando-o até às profundidades da alma.»
«Aquele corpo que, mais velho que o século. (a)li morrera solitariamente, já o Sol ia alto,
naquela tosca mesa de pedra onde deixara pender a cabeça cansada.» (Capítulo XVII)

Lisboa - cerca de 10 anos depois da saída de Carlos Eduardo da Maia:

0 Ramalhete:
«Com que comoção Carlos avistou a fachada severa do Ramalhete, as janelinhas abriga­
das à beira do telhado, o grande ramo de girassóis fazendo painel no lugar do escudo de
Espaços e seu armas! (...) Ainda lá se conservavam os bancos feudais de carvalho lavrado (...). Em cima,
porém, a antecâmara entristecia, toda despida, sem um móvel (...). No amplo corredor,
valor simbólico
e emotivo sem tapete, os seus passos soaram como num claustro abandonado (...). Uma friagem
regelava. Ega levantara a gola do paletó.
(cont.)
No salão nobre os móveis de brocado (...) estavam embrulhados em lençóis de algodão
(...). (A) porta do bilhar (...), (a)í tinham sido recentemente acumulados (...) os móveis
ricos da Toca. (...) Como tudo passara! (...) (□) escritório de Afonso da Maia. (...) A porta
cedeu: e toda a emoção de repente findou, na grotesca, absurda surpresa de romperem
ambos a espirrar, desesperadamente, sufocados pelo cheiro acre de um pó vago que lhes
picava os olhos» (Capítulo XVIII)

Lisboa é o espaço central de Os Maios:


• A capital é o espaço onde verdadeiramente se desenrolarão a intriga principal (amor
incestuoso de Carlos e da irmã. Maria Eduarda Maia, envolvendo personagens como o
avô, Ega, Vilaça - o filho e novo administrador dos bens dos Maias, o sr. Guimarães) e a
crónica de costumes (com todos os seus episódios);
• Afonso e Carlos da Maia mudam-se para o Ramalhete, agora totalmente remodelado,
apesar de presságios antigos que afirmavam ser este casarão sempre «fatal» aos
Maias. Aqui, o avô, Afonso da Maia, será feliz, de novo com os fiéis criados, os amigos
nos serões do whist, o neto e Ega. bem como com o Reverendo Bonifácio;
• Ao fim de dois anos, tudo muda, quando Afonso descobre o incesto voluntário de Car­
los com a irmã e. alta noite, vem morrer num banco do seu próprio jardim, depois de
passar pelo neto, sabendo que Carlos havia estado de novo com Maria Eduarda;
• Depois da morte do avô, Afonso da Maia, e da longa viagem (que durara cerca de 10
anos para Carlos e, para Ega. ano e meio), Carlos e Ega voltam ao Ramalhete, empoei­
rado e com todos os móveis cobertos, como se o passado estivesse lá bem longe e ter­
minado com o avançar dos anos.

153
NEMUII EXAME NACIINAL

Ambientes em que se movem as personagens da crítica social, política, económica e


cultural
Jantar no Hotel Central:
• Discussão sobre o Realismo/Naturalismo versus Ultrarromantismo;
• Discussão sobre o estado das finanças em Portugal: opinião de Cohen sobre o destino
inevitável de bancarrota; resposta de Ega sobre a necessidade de «receita» «e uma
agitação revolucionária constante»; intervenção de Alencar e de Carlos, sempre equi­
librado e apaziguador.

Corridas de Cavalos (Hipódromo de Lisboa):


• Crítica à sociedade lisboeta, pois, na tentativa de imitar os ingleses, os lisboetas aca­
bam por viver este desporto de forma postiça, não sabendo bem como comportar-se e
envolvendo-se inclusivamente em desrespeitos, desentendimentos e impropérios.

Jantar em casa dos condes de Gouvarinho:


• Crítica à alta burguesia e aristocracia pela mediocridade resultante do seu pensamento
a propósito de temas como o ensino e a educação da mulher.
Sarau no Teatro da Trindade:
• Crítica à falta de cultura e provincianismo da suposta elite portuguesa da época (aris­
tocracia, figuras políticas e personalidades ligadas à cultura).

Episódios com os jornais lisboetas A Cometo do Diabo, de Palma Cavalão, e A Tarde, de Neves:
A •Crítica à imprensa da época, pela sua parcialidade e falta de rigor, bem como a sua
representação dependência política.
de espaços
• Maledicência sem escrúpulos e pública; Dâmaso escreve n'A Corneto sobre os amores
sociais
adúlteros de Carlos e Maria Eduarda; logo de seguida, ameaçado, desmente n’A Tarde,
e a crítica
explicando que escrevera a primeira carta quando estava altamente embriagado.
de costumes:
«Episódios Personagens (crónica de costumes):
da Vida
Romântica» •Joãoda Ega
Conde de Gouvarinho Críticas queirosianas:
Condessa de Gouvarinho
- literatura e crítica literárias;
Craft
- finanças portuguesas;
Cruges
- atraso intelectual de Portugal;
Dâmaso Cândido de Salcede
-educação entregue a incultos e ignorantes
Eusebiozinho Silveira
(de que Sousa Neto é o melhor represen­
Tomás de Alencar tante);
Jacob Cohen -decadência e corrupção de jornais e jorna­
Raquel Cohen listas;
Palma «Cavalão» - falta de gosto pelo que é genuinamente por­
tuguês, o que resulta na imitação ignorante
Neves
do que é francês ou inglês;
Sousa Neto
- falta de dinâmica e de empreendedorismo.
Steinbroken
Taveira, Marquês de Souselas.
abade Custódio, as irmãs Silveira

Espaço psicológico

Consciência das personagens; esta questão está intimamente ligada ao real descrito e
suas respetivas sensações.

154
nktkiês u? ani

TEORIA

• Uso expressivo de adjetivos com intenções irónicas ou de descrição subjetiva das perso­
nagens ou dos espaços: «Depois foi a ministra da Baviera, a baronesa de Craben, enorme,
empavorada. com uma face maciça de matrona romana, a pele cheia de manchas cor de
tomate, a estalar dentro de um vestido de gorgorão azul com riscas brancas: e atrás o
barão, pequenino, amável, aos pulinhos, com um grande chapéu de palha.* (Capítulo X)

• Uso expressivo de adjetivos que dão vida a sinestesias. personificações, metáforas:


«A música, desanimada também, tocava coisas plangentes da «Norma» (Capítulo X).

• Uso expressivo de diminutivos, frequentemente com pendor irónico: «Carlos cumpri­


mentou as duas irmãs do Taveira. magrinhas. loirinhas, ambas corretamente vestidas
de xadrezinho» (Capítulo X)

• Uso expressivo do advérbio, que produz efeitos irónicos, metafóricos e de caracteri­


zação de personagens e ambientes: «Carlos não entendia de finanças, mas parecia-lhe
que. desse modo, o país ia alegremente e lindamente para a bancarrota» (Capítulo VI)
Linguagem • Uso expressivo de vocábulos, expressões ou frases em língua francesa e em língua
e estilo inglesa: «Crest excessrvement grave!», «verve», «dog-cart». «whist».
tipicamente
queirosianos • Uso de registo de língua coloquial/familiar: «Era ainda o chapéu do Vilaça. - Que diabo
fizeram vocês ao chapéu do Vilaça? pobre homem andou p or aí aflito...» (Capítulo XVII)

• Uso expressivo de verbos relatores antes de discurso direto ou indireto: «rosnar»,


«berrar», «vociferar», «balbuciar», «murmurar», «acudir», «trovejar», «gritar», «Ega
gritou sofregamente pela “receita’»; «Ega. porém, incorrigível nesse dia, soltou outra
enormidade:»; «Ega rugiu.» (Capítulo VI)
* Reprodução do discurso no discurso: «À entrada para o hipódromo, abertura escalavrada
num muro de quintarola.o faetonte teve de parar atrás do dog-cart do homem gordo- que
não podia também avançar porque a porta estava tomada pela caleche de praça.onde um
dos sujeitos de flor ao peito berrava furiosamente com um polícia. O.ueria que se fosse
chamar o sr. Savedra! 0 sr. Savedra que era do Jockey Club tinha-lhe dito que ele podia
entrar sem pagar a carruagem! Ainda lho dissera na véspera, na botica do Azevedo! O.ue­
ria que se fosse chamar osr. Savedra! 0 polícia bracejava.enfiado. E o cavalheiro, tirando
as luvas, ia abrir a portinhola, esmurrar o homem - quando, trotando na sua grande horsa.
um municipal de punho alçado correu, gritou, injuriou o cavalheiro gordo.» (Capítulo X)

OS MAIAS, EÇA DE QUEIRÓS

ESTRUTURA
ESTRUTURA INTERNA
EXTERNA

* 0 Ramalhete (apresentação/caracterização);
* A juventude de Afonso da Maia;
Capítulo I
* 0 exílio de Afonso em Inglaterra com Maria Eduarda Runa e Pedro;
(intriga
* A ida para Itália (na tentativa de agradar Maria Eduarda Runa);
secundária)
* A educação fervorosamente católica e a juventude de Pedro da Maia;
* 0 casamento de Pedro com Maria Monforte (a «negreira»).

* Pedro da Maia e Maria Monforte viajam por Itália;


* 0 nascimento de Carlos da Maia;
* 0 nascimento de Maria Eduarda Maia;
Capítulo II
* A fuga de Maria Monforte com Tancredo (napolitano de quem se enamorara) para Itália,
(intriga
levando apenas a filha;
secundária)
* 0 regresso de Pedro a Benfica e o seu suicídio com um tiro de pistola;
* Afonso da Maia muda-se para a quinta de Santa Olávia com o neto. Carlos da Maia, e os
criados.

155
NEMUII EXAME NACIINAL

• Em Santa Olávia:
- a infância e a educação de Carlos da Maia segundo a vontade e a filosofia de vida do
avô Afonso: Teixeira - parece que era sistema inglês! Deixava-o correr, cair, trepar às
árvores, molhar-se, apanhar soalheiras, como um filho do caseiro. E depois o rigor com
as comidas; Afonso - «0 primeiro dever de um homem é viver. E para isso é necessário
ser são. e ser forte.»
- as brincadeiras com Eusebiozinho e com Teresinha: contrastes entre a educação de Car­
los e a de Eusebiozinho e Teresinha;
Capítulo III - o precetor inglês, sr. Brown;
(intriga - o velho administrador Vilaça;
principal)
- o bondoso Abade Custódio;
- a Viscondessa de Ru na;
• Vilaça dá a Afonso informações sobre Maria Monforte. 0 administrador comete um erro
de julgamento e julga morta a filha da Monforte, pelo que em Santa Olávia não se falaria
mais sobre este assunto;
• Vilaça morre e é sepultado no Cemitério dos Prazeres;
• Manuel Vilaça (filho), «agora administrador da casa traz a notícia de que Carlos fizera o seu
primeiro exame».

• Formatura de Carlos em Medicina, em Coimbra;


• Teresinha «fizera-se uma rapariguinha feia, amarela como uma cidra»;
• Eusebiozinho tornara-se «molengão e tristonho (...). ia casar na Régua»;
• João da Ega; «o maior ateu, o maior demagogo»;
• Primeira relação adúltera de Carlos com Hermengarda;
• Viagem de Carlos pela Europa até o outono de 1875, altura em que os Maias vêm habitar
o Ramalhete, cuidadosamente remodelado por Carlos;
Capitulo IV
• 0 consultório de Carlos em Lisboa («em pleno Rossio»);
(intriga • Entrada de novas personagens;
principal)
- o Baptista. criado de quarto de Carlos;
- o Taveira, vizinho do Ramalhete;
- o Marquês de Souselas. o Cruges, pianista tímido e incompreendido;
- «a mulher do Cohen». Raquel Cohen. por quem Ega se apaixona;
- Jacob Cohen. «Diretor do Banco Nacional»;
- D. Diogo. Sequeira e o conde de Steinbroken, companheiros de Afonso no whist;
- Craft, «negociante do Porto (...). filho de um cfergymon da igreja inglesa».

• Os serões no Ramalhete: com D. Diogo, Sequeira, Vilaça.Cruges, Steinbroken, Marquês de


Capítulo V
Souselas e sempre o Baptista;
(intriga • Informações dadas pelo Baptista sobre novas personagens: os condes de Gouvarinho;
principal)
• Ega apresenta os condes de Gouvarinho a Carlos, numa noite em S. Carlos.

• A «casa do Ega, a famosa Vila Balzac»;


• Episódio do Jantar no Hotel Central;
- Carlos vê, pela primeira vez, Maria Eduarda, no peristilo do Hotel Central;
- Ega apresenta Dâmaso Cândido de Salcede a Carlos;
Capítulo VI
- Dâmaso descreve brevemente a história dessa «esplêndida mulher» - ela e o marido, os
(intriga
Castro Gomes, vindos de Bordéus e Paris, local onde vive o tio de Dâmaso, sr. Guimarães;
principal)
- Ega apresenta Alencar a Carlos;
• Discussão acesa entre João da Ega e Tomás de Alencar sobre o Realismo/Naturalismo
versus Ultrarromantismo;
• Terminado o jantar. Alencar acompanha Carlos ao Ramalhete.

156
ramxiÊs u? ani
TEORIA

* Carlos, no terraço do Ramalhete, conversa com Dâmaso, «o filho do agiota», que folheava
o Figaro. partilhando já a intimidade do Maia, e por todo lado o seguia como «um rafeiro»,
pensando em tudo o que era «chique a valer» e que estava ao nível de Carlos;
• Um dia em que Carlos procura Dâmaso, encontra Steinbroken no Aterro e vê, pelasegunda
vez. Maria Eduarda;
Capítulo VII * Carlos volta para o Ramalhete, oferecendo a Steinbroken boleia na sua vitória e o jantar
(intriga com o avô Afonso;
principal) •A condessa de Gouvarinho leva o filho. Charlie. para ser consultado por Carlos, no seu
consultório;
* Primeiras aproximações adúlteras entre a condessa e Carlos, com marcação de futuros
encontros;
• Taveira conta a Carlos o que sabe sobre os Castro Gomes e sobre a relação próxima com
Dâmaso.

* Carlos procura Cruges na sua casa da Rua das Flores e os dois partem para Sintra;
- a refeição na Porcalhota;
- a estadia no Hotel Nunes;
- o encontro com Eusebiozinho, agora viúvo, e Palma Cavalão, que almoçavam com duas
Capítulo VIII raparigas espanholas. Concha e Lola;
(intriga - o passeio de Carlos e Cruges a Seteais;
principal) - encontro dos dois com o poeta Alencar, que lhes conta os seus desentendimentos com
Palma, diretor de «uma espécie de jornal»;
- Carlos procura a Castro Gomes, mas não a encontra;
- o jantar no Hotel Lawrence;
- o regresso ao Ramalhete.

• Dâmaso pede a Carlos que. enquanto médico, vá ver o estado de saúde da filha da Castro
Gomes. Rosa;
- Rosa e a sua inocência, sempre com a sua «boneca paramentada» de nome Cricri;
Capítulo IX - o quarto de Maria Eduarda. na casa da Rua de São Francisco;
(intriga - Dâmaso confia a Carlos o pormenor sobre a relação de proximidade entre a Castro
principal) Gomes (Maria Eduarda) e o seu tio Guimarães;
- Ega confessa a Carlos e a Craft que Jacob Cohen descobriu a sua relação adúltera com
Raquel e o expulsou de sua casa;
- Carlos vai tomar chá com a condessa de Gouvarinho e envolve-se com ela.

Capítulo X * Episódio das Corridas de Cavalos, no Hipódromo de Lisboa:


(intriga - Carlos espera Maria Eduarda. mas ela não aparece; no entanto, ela manda-lhe um bilhete,
principal) pedindo-lhe que vá ver uma doente.

•Carlos conhece Maria Eduarda; «Maria Eduarda. Carlos Eduardo... havia uma similitude
nos seus nomes. Quem sabe se não pressagiava a concordância dos seus destinos!»
Capítulo XI • «Então todos os dias, durante semanas, teve essa hora deliciosa, esplêndida, perfeita, a
(intriga 'visita à inglesa'»; Maria Eduarda estava hospedada num andar que pertencia à família de
principal) Cruges, na Rua de S. Francisco;
• Numa das visitas a Maria Eduarda, Dâmaso aparece também para a visitar, criando-se um
ambiente de algum desconforto.

157
NEMUII EXAME NACIINAL

• Episódio do jantar em casa dos condes de Gouvarinho:


- D. Maria da Cunha;
-Sousa Neto («Oficial superior de uma grande repartição do Estado (...). Da Instrução
Capítulo XII
Pública») desentende-se com Ega devido à grande diferença cultural.
(intriga
• Carlos e Maria Eduarda falam da O.uinta dos Olivais, propriedade de Craft e que ele quer
principal)
vender; Carlos prontifica-se a comprara casa, bem como toda a quinta para Maria Eduarda;
• Maria Eduarda revela o seu amor a Carlos e pretende contar-lhe algo que ele só ouvirá
muito tempo depois, já consumada a relação incestuosa.

• João da Ega conta a Carlos que Dâmaso. ciumento da relação dele com a Castro Gomes,
Capitulo XIII critica-os publicamente, sendo que Carlos o confronta e o ameaça em praça pública;
(intriga • A Toca (nome que Carlos dá à quinta que comprou a Craft e que será o local onde se con­
principal) sumará a relação amorosa com Maria Eduarda);
• Carlos termina o relacionamento com Teresa Gouvarinho.

• Afonso da Maia viaja para a sua O.uinta de Santa Olávia;


• Surge «em cena» o tio de Dâmaso, o sr. Guimarães (personagem desencadeadora, a seu
tempo, da verdadeira história de Maria Eduarda e do fim da relação com o seu irmão,
Carlos da Maia);
• A Toca; espaço de amor incestuoso entre Maria Eduarda Maia e Carlos Eduardo da Maia;
• Primeira noite em que os dois dormem Juntos;
Capítulo XIV
• Carlos e Craft encontram Eusebiozinho e este fala-lhes do novo jornal que Palma Cavalão
(intriga fundou: A Cometa do Diabo;
principal)
• Castro Gomes visita Carlos (que estava com Ega) e mostra-lhe um bilhete anónimo (que
se descobrirá ter sido escrito por Dâmaso) que lhe veio parar às mãos e o informa da rela­
ção que Carlos mantém com Maria Eduarda; então, revela-lhe que tem vivido com essa
senhora (Madame Mac Gren), não sendo seu marido, preparando-se agora para a deixar e
rumara Madrid;
• Carlos vai à Toca e Maria Eduarda conta-lhe a sua
história; Carlos pede-a em casamento;

• Ega aconselha Carlos a esperar a morte do avô


para se casar com Maria Eduarda;
• Carlos leva Ega à Toca e este conhece Maria
Eduarda;
• Carlos convida Cruges para vir jantar à Toca, apa­
recendo também o marquês de Souselas;
• Reaparece o sr. Guimarães, cumprimentando Car­
los na rua;
• Ega faz chegar a Carlos um exemplar d'A Cometa
Capítulo XV do Diabo com um artigo que versa satiricamente
sobre os amores de Carlos com Maria Eduarda;
(intriga
principal) • A pedido de Carlos. Ega leva Cruges consigo e os
dois vão ao encontro de Dâmaso, a quem vão anun­
ciar o debate físico com Carlos; amedrontado,
Dâmaso aceita remediar o ato. escrevendo nova
carta, onde anunciará que a primeira que escreveu
foi fruto de embriaguez; esta segunda carta será
publicada no jornal A Tarde (cujo diretor é Neves).

Renair,
Dança na Cidade, 1883

158
nktkiês u? ani

TEORIA

* O Sarau da Trindade:
- as declamações prolixas, mas inflamadas, de Rufino;
- Tomás de Alencar: declama os seus versos de uma poeticidade ultrarromântica;
- Cruges, maestro erudito e culto, faz a sua atuação, a qual não é, de todo, compreendida
pela sociedade;
-a baronesa de Alvim e Joaninha Vilar abandonam o sarau muito cedo por se cansarem
facilmente: «Mas uma noite toda de literatura, que estafa! E agora, para mais, ficara lá
um homenzinho a fazer música clássica... Pois olhe, devia ter-lhe dito que tocasse antes
o "Pirolito"»;

Capítulo XVI
- D. Maria da Cunha [sobre Cruges] - «E era composição dele, aquela coisa triste? [Ega
responde] - É de Beethoven, sr.a D. Maria da Cunha, a "Sonata Patética’ (...). E a mar­
(intriga quesa de Soutal. muito séria, muito bela, cheirando devagar um frasquinho de sais, disse
principal)
que era a "Sonata Pateta’.»;
- palestra «de um maganão gordo, de barba em bico e camélia na casaca que (...) lamen­
tava aos berros que nós. Portugueses (...), deixássemos esbanjar, ao vento do indiferen-
tismo. a sublime herança dos avósL.»;
- os Gouvarinho assistem ao sarau: o conde fica deleitado com Rufino;
-Sousa Neto. Darque. Teles da Gama e outras figuras do cenário político e cultural da
época;
- recitação poética de Tomás de Alencar;
* No final do sarau. Ega conversa a sós com o sr. Guimarães, conversa essa em que fará a
revelação que alterará o rumo da intriga principal: Carlos e Maria Eduarda são irmãos.

* Ega procura Vilaça para juntos abrirem o cofre entregue pelo sr. Guimarães;
* Depois de uma tentativa fracassada de Vilaça, Ega conta a Carlos toda a história que lhe
transmitiu o sr. Guimarães e os dois contam a Afonso da Maia;
* 0 jantar no Ramalhete, com Ega, Steinbroken, D. Diogo. Craft;
* Carlos vai a casa de Maria Eduarda. na Rua de S. Francisco, para lhe revelar tudo, mas
acaba por consumar o incesto voluntário;
* Na noite seguinte. Carlos repete o ato voluntário, sob a suspeição horrorizada de Ega, que
Capítulo XVII estava hospedado no Ramalhete;
(intriga * Afonso da Maia descobre que Carlos da Maia mantém a relação incestuosa com a irmã;
principal) * Morte de Afonso da Maia;
* Carlos, ao contrário de Pedro da Maia, resigna-se e decide viajar;
* Ega conta a Maria Eduarda toda a sucessão de novidades sobre a sua história e o seu
passado:
* Maria Eduarda parte para Paris com a filha. Rosa, e a governanta. Miss Sara, herdando a
sua parte da fortuna dos Maias;
* Ega partilha com ela o comboio, despedindo-se no Entroncamento, pois ele seguia para
Santa Olávia e ela para a capital francesa.

* Carlos e Ega viajam, como tinham combinado, por Londres, América do Norte, Japão; Ega
regressa «passado um ano e meio» e Carlos detém-se ainda por três anos;
* No seu regresso, Ega põe Carlos ao corrente das novidades sobre a sociedade lisboeta;
Capítulo XVIII
* 0 Ramalhete:
(intriga
- Carlos e Ega: reflexões finais sobre a vida;
principal)
- o sr. Guimarães: «|Carlos] - Naturalmente morreu.»
- Raquel Cohen: «E a Raquel, é verdade! (...) Que era feito da Raquel, esse lírio de Israel?
[Ega responde] - Para aí anda, estuporada...»

159
Os Malas, Eça de Queirós
• Verificação de leitura (obra integral)

1. Leia atentamente as seguintes afirmações e classifique-as como V (Verdadeira) ou


F (Falsa), corrigindo as falsas.

a) 0 subtítulo de Os Moías é Episódios do Vida Oitocentista.

b) A intriga secundária diz respeito à história de amor de Pedro da Mala com Raquel
Cohen.

0 A intriga principal está permeada de episódios alvo de crítica de costumes.

d) Depois do assassinato de Pedro, Afonso sai da sua casa em Benflca e vai para a
quinta de Santa Eulálía, no Douro, com todos os seus criados.

e) O No Douro, existem serões, nos quais encontramos o Abade Custódio e a Baronesa


de Runa.

f) O Carlos é educado à inglesa pelo seu precetor, sr. Brian.

g) Vilaça informa Afonso da Maia de que Maria Monforte e a filha estão mortas.

h) Durante a infância de Carlos, Vilaça morre e deixa o cargo de administrador dos


bens dos Maias a seu filho. Manuel Vilaça.

i) o Joõo da Ega é amigo e companheiro de Carlos, sendo um rapaz austero, calmo e


conservador.

j) No peristilo do Hotel Bragança, Carlos vê. pela primeira vez, Maria Eduarda.

k) Maria Eduarda, endeusada por Carlos, vem acompanhada da sua cadelinha irlandesa.

I) Carlos é visitado pela condessa de Gouvarinho, que traz o seu filho, Charlie. para
ser consultado.

m) No consultório, consuma-se a aproximação adúltera entre Carlos e a Gouvarinho.

n) Q Carlos e Cruges fazem uma viagem a Cascais.

1C0
o) I Nessa viagem, Carlos encontra de novo Maria Eduarda.

p) O O episódio da «Tourada no Campo Pequeno» insere-se na representação de espa­


ços sociais e crítica de costumes.

q) Desenha-se um indício trágico relativamente ao sentimento amoroso de Carlos, a


sua sorte no jogo prefiguradora do seu eventual azar no amor.

r) I. J Carlos e Maria Eduarda vão à Toca e surgem novos indícios trágicos, nomeada­
mente a representação da cabeça de 5. João Evangelista.

.) Oo episódio do Sarau da Trindade assume uma grande importância, dada a revela­


ção de informação inesperada e desencadeadora da tragicidade: Carlos Eduardo
e Maria Eduarda são irmãos.

t) Desfecho da intriga principal: Carlos. Maria Eduarda e Afonso da Maia, sabendo do


incesto, tomam as resoluções finais - os amantes separam-se e Afonso regressa a
Santa Olávia com Vilaça, para viver os últimos anos da sua velhice.

u) 0 Capítulo XVIII, sendo o último, mostra-nos como está a sociedade e Portugal


em 1887: Ega assume a função de narrador e por ele sabemos o que aconteceu a
personagens como Alencar. Dâmaso. Craft, Taveira, Steinbroken, Charlie, Euseblo-
zinho e Palma Cavalão.

v) Os espaços lisboetas são descritos como renovados e cheios de vigor.

w) Em conclusão, podemos perceber que Carlos e Ega, agora mais velhos, seguem a
sua vida e ainda demonstram algum entusiasmo, comprovado pela «corrida» atrás
do americano.

161
Os Malas, Eça de Queirós

Leia atentamente o seguinte excerto e selecione a opçào que permite obter uma afirmação
correta.

Capítulo XII - A Toca


Mas Mana Eduarda nào gostou desses amarelos excessivos. Depois impressionou-se,
ao reparar num painel antigo, defumado, ressaltando cm negro do fundo de todo aquele
oiro — onde apenas se distinguia uma cabeça degolada, lívida, gelada no seu sangue,
ç dentro de um prato de cobre. E para maior excentricidade, a um canto, de cima de uma
coluna de carvalho, uma enorme coruja empalhada fixava no leito de amor, com um ar
dc meditação sinistra, os seus dois olhos redondos c agoirentos... Maria Eduarda achava
impossível ter ali sonhos suaves. (...)
Sentaram-se ao pé da janela, num divà baixo c largo, cheio dc almofadas, cercado
1 por um biombo dc seda branca, que fazia entre aquele luxo do passado um fofo recanto
dc conforto moderno: c como ela se queixava um pouco de calor, Carlos abriu a janela.
Junto do peitoril crescia também um grande pé dc margaridas; adiante, num velho vaso
dc pedra, pousado sobre a relva, vcrmclhcjava a flor dc um cato; c dos ramos dc uma
nogueira caía uma fina frescura. (...) Depois [Carlos], brincando, colheu uma margari-
14 da, para a interrogar: *Elle mraime, uti peu, beauantp..Ela arrancou-lha das mãos.
~ Para que precisa perguntar às flores?
~ Porque ainda mo nào disse, claramente, absolutamente, como cu quero que mo
diga...
Abraçou-a pela cinta, sorriam um ao outro. (...)
3 Mana Eduarda deixou-se levar assim enlaçada pelo salào, depois através da sala dc
tapeçarias, onde Marte c Vénus se amavam entre os bosques. Os banhos eram ao lado,
com um pavimento dc azulejo, avivado por um velho tapete vermelho da Caramâma.
Ele, tendo-a sempre abraçada, pousou-lhe no pescoço um beijo longo c lento. Ela aban­
donou-se mais, os seus olhos cerraram-se, pesados e vencidos. Penetraram na alcova
S quente e cor de oiro (...) c um instante ficaram imóveis, sós enfim, desatado o abraço,
sem se tocarem, como suspensos e sufocados pela abundância da sua felicidade.

Eça de Queirós, <>p. dt., pp. 441-445

1. 0 primeiro parágrafo descreve

a) um espaço favorável aos amores entre c) todo o bricabraque de Craft. anterior


Carlos e Maria Eduarda. proprietário.
b) um espaço hostil a Maria Eduarda. d) o jardim dos Olivais.

2. No primeiro parágrafo, as cores escuras, a cabeça degolada de S. Joào Baptista, o sangue


gelado e a coruja sào símbolos

a) de maus presságios e de desgraça futura. c) de um ambiente religioso.


b) de um ambiente propício ao erotismo. d) de um ambiente cómico.

162
PRÁTICA

3. 0 primeiro parágrafo representa um cenário tipicamente

a) realista. c) romântico.
b) contemporâneo. d) petrarquista.

4. 0 ambiente descrito no segundo parágrafo tem. por comparação ao do primeiro, uma relação

a) de semelhança. c) de contraste.

b) de afinidade. d) de complementaridade.

5. 0 espaço do segundo parágrafo desperta em Maria Eduarda e Carlos


a) clausura. c) bem-estar.
b) medo. d) curiosidade.

6. Ainda no segundo parágrafo, podemos considerar símbolos de claridade e luz


a) as almofadas, a seda branca c) o divã e o biombo.
e as margaridas. dJ 0 ,uxo Q cat0 e Q bíombo
b) o divã e o vaso de pedra.

7. O diálogo entre Carlos e Maria Eduarda, a propósito das flores.


a) representa um amor desconfiado c) representa o amor superficial
por parte de Maria Eduarda. entre os dois.
b) representa um amor puro e juvenil d) mostra a relação pouco intensa
entre os dois. entre os dois.

8. Na «sala de tapeçarias», as figuras mitológicas representam

a) amores trágicos. c) desamores.

b) amores verdadeiros. d) adversidades.

9. Entre as linhas 22 e 25, temos um bom exemplo de


a) representações do sentimento c) crónica de costumes.
e da paixão da intriga amorosa.
d) representação das características
b) complexidade do tempo. trágicas dos dois protagonistas.

10. A sequência «com um ar de meditação sinistra, os seus dois olhos redondos e agoiren-
tos» (linhas 5-6) inclui uso expressivo

a) do advérbio. c) de ironia.

b) de verbos relatores de discurso. d) do adjetivo.

163
Os Maias, Eça de Queirós
• A representação de espaços sociais e a critica de costumes: «Episódios da Vida

Leia atentamente o seguinte excerto e responda às questdes.

Capítulo X
Pois é verdade, tenho esse fraco português, prefiro toiros. Cada raça possui o seu
sport próprio, c o nosso é o toiro (...). (E) que se nesta triste geração moderna ainda há
em Lisboa uns rapazes com certo músculo, a espinha direita e capazes de dar um bom
soco, deve-se isso ao toiro e à tourada de curiosos... (...)
No domingo seguinte, pelas duas horas, Carlos no seu factontc de oito molas, ao
lado de Craft (...) parou ao fim do Largo de Belém (...). Um dos criados desceu a com­
prar o bilhete (...).
Era um dia já quente, azul-ferrete, com um desses rutilantes sóis de festa que inflamam
as pedras da rua (...). (U)m ómbus esperava, desastrado, junto ao portal da igreja (...).
I Um garoto ia apregoando desconsoladamente programas das corridas que ninguém com­
prava. A mulher de água fresca, sem fregueses. (...) Quatro pesados municipais a cavalo
patrulhavam (...), o estalar alegre dos foguetes morna no ar quente (...). A entrada para
o hipódromo (...), um dos sujeitos de flor ao peito berrava funosamente com um polícia.
Queria que se fosse chamar o sr. Savedra! O sr. Savedra, que era do Jockey Club, tinha-lhe
II dito que ele podia entrar sem pagar a carruagem! (...) O polícia bracejava, enfiado. E o
cavalheiro, tirando as luvas, ia abrir a portinhola, esmurrar o homem — quando, trotando
na sua grande horsa, um municipal de punho alçado correu, gritou (...). Outro municipal
intrometeu-se brutalmente. Duas senhoras, agarrando os vestidos, tugiram para um por­
tal, espavoridas (...). (Ajdiantc (...), um realejo tocando a «Traviata».
9 O factonte entrou (...).
— Tudo isto está arranjado com decência — murmurou Craft. (...)
Para além dos dois lados da tribuna real (...), crguiam-sc as duas tribunas públicas
(...). A da esquerda, vazia (...). Na da direita, (...) havia uma fila de senhoras (...). (...)
No recinto cm declive, entre a tribuna e a pista, havia só homens (...), pareciam emba-
S raçados e quase arrependidos do seu chique. (...)
(E) agora uma massa tumultuosa de chapéus altos, de fatos claros, empurrando-se
contra as escadas da tribuna real (...). Os amigos do jóquei puxavam-no, queriam que
ele fizesse um protesto. Mas ele batia o pé, trémulo, lívido, gritando que nào se impor­
tava nada com protestos! Perdera a corrida por uma pouca-vergonha! (...) Porque o que
1 havia naquele hipódromo era compadricc e ladroeira! (...)
Alguns tomavam o partido do jóquei; já aos lados outras questões surgiam, desa­
bridas. (T)ratavam-se funosamente de «pulhas» (...). De repente o vozeirão do Vargas
dominou tudo, como um urro de toiro. Diante do jóquei, sem chapéu, com a face
a estoirar de sangue, gritava-lhe que era indigno de estar ah, entre gente decente.
S (E) imediatamente aquela massa de gente oscilou, embateu contra o tabuado da tribuna
real, remoinhou em tumulto, com vozes de «ordem» e «morra», chapéus pelo ar, baques
surdos de murros (...) c um sopro grosseiro de desordem reles passava sobre o hipódro­
mo, desmanchando a linha postiça de civilização e atitude forçada de decoro...
Eça de Queirós, op. cit., pp. 313-330

164
PRÁTICA

1. Da leitura de todo o excerto acima transcrito, refira as críticas de costumes à sociedade


do Portugal oitocentista.

1.1 Transcreva a frase que caracteriza resumidamente este episódio do Hipódromo.

2. É por meio de personagens como o Vargas que ganha forma a técnica queirosiana de
reprodução do discurso no discurso. Prove a verdade desta afirmação, transcrevendo a
respetiva sequência e explicando-a por palavras suas.

3. Selecione a opção correta para cada uma das sequências sobre recursos expressivos.
3.1 «De repente o vozeirão do Vargas dominou tudo, como um urro de toiro* (linhas 32-33).

a) Sinestesia. c) Anástrofe.

b) Comparação. d) Personificação.
3.2 «com a face a estoirar de sangue* (linhas 33-34).

a) Paradoxo. c)Eufemismo.

b) Hipérbole. d) Metáfora.

3.3 «- Tudo isto está arranjado com decência - murmurou Craft.* (linha 21).

a) Comparação. c) Ironia.

b) Hipérbato. d) Sarcasmo.
3.4 «(...) um sopro grosseiro de desordem reles passava sobre o hipódromo, desman­
chando a linha postiça de civilização* (linhas 37-38).

a) Aliteração. c) Anáfora.

b) Metáfora. d) S inestesia.

4. Explique como se destacam Afonso da Maia. Carlos e Craft em relação a estas Corridas de
Cavalos. Justifique a sua resposta, de acordo com a leitura integral de Os Motas.

165
Leia atentamente o seguinte excerto e responda às questdes.

Capítulo XVII
Defronte do Ramalhete os candeeiros ainda ardiam. Abriu de leve a porta. Pé ante
pé, subiu as escadas ensurdecidas pelo veludo cor de cereja. No patamar tateava, pro­
curava a vela, quando, através do reposteiro entreaberto, avistou uma claridade que
se movia no fundo do quarto. Nervoso, recuou, parou no recanto. O clarão chegava,
crescendo; passos lentos, pesados, pisavam surdamente o tapete; a luz surgiu — c com
ela o avó em mangas de camisa, lívido, mudo, grande, espectral. Carlos nào se moveu,
sufocado; c os dois olhos do velho, vermelhos, esgazeados, cheios de horror, caíram
sobre ele, ficaram sobre ele, varando-o até às profundidades da alma, lendo lá o seu
segredo. Depois, sem uma palavra, com a cabeça branca a tremer, Afonso atravessou o
patamar, onde a luz sobre o veludo espalhava um tom de sangue — e os seus passos per­
deram-se no interior da casa, lentos, abafados, cada vez mais sumidos, como se fossem
os derradeiros que devesse dar na vida!
Carlos entrou no quarto às escuras, tropeçou num sofá. E ah se deixou cair, com
a cabeça enterrada nos braços, sem pensar, sem sentir, vendo o velho lívido passar,
repassar diante dele como um longo fantasma, com a luz avermelhada na mão. Pouco a
pouco toi-o tomando um cansaço, uma inércia, uma infinita lassidão da vontade, onde
um desejo apenas transparecia, se alongava — o desejo de interminavelmente repousar
algures numa grande mudez e numa grande treva... (...)
Um rumor, o chilrear de um pássaro na janela, fez-lhe sentir o sol e o dia. Ergueu-se,
despiu-se muito devagar, numa imensa moleza. E mergulhou na cama, enterrou a cabe­
ça no travesseiro para recair na doçura daquela inércia, que era um antegosto da morte,
e nào sentir mais nas horas que lhe restavam nenhuma luz, nenhuma coisa da Terra.
O Sol ia alto, um barulho passou, o Baptista rompeu pelo quarto:
— O Sr. D. Carlos, ó meu menino! O avó achou-se mal no jardim, nào dá acordo!...
Carlos pulou do leito, enfiando um paletó que agarrara. (...)
— Ao fundo, ao pé da cascata, Sr. D. Carlos, na mesa de pedra!...
Afonso da Maia lá estava, nesse recanto do quintal, sob os ramos do cedro, sentado
no banco de cortiça, tombado por sobre a tosca mesa, com a tace caída entre os braços.
O chapéu desabado rolara para o chào; nas costas, com a gola erguida, conservava o seu
velho capote azul. Em volta, nas folhas das camélias, nas áleas arcadas, refulgia, cor de
ouro, o sol fino de inverno. Por entre as conchas da cascata, o fio de água punha o seu
choro lento. (...)
Outra vez lhe palpava o coraçào... Mas estava morto. Estava morto, já frio, aquele
corpo que, mais velho que o século, resistira tào formidavelmente, como um grande
roble, aos anos c aos vendavais. Ah morrera solitariamente, já o Sol ia alto, naquela tosca
mesa de pedra onde deixara pender a cabeça cansada. (...)
Carlos beijou a mão fria que pendia. E, devagar, com os beiços a tremer, levantou o
avó pelos ombros carinhosamente. Baptista correra a ajudar; Ega, embaraçado no seu
largo roupão, segurava os pés do velho. Através do jardim, do terraço cheio de sol, do
0 escritório onde a sua poltrona esperava diante do lume aceso, foram-no transportando
num silencio só quebrado pelos passos dos criados, que cornam a abrir as portas, acu­
diam quando Carlos, na sua perturbação, ou o Ega, fraquejavam sob o peso do grande
corpo. (...)
— E passado isso, vou viajar... Vou à América, vou ao Japão, vou fazer esta coisa estú-
6 pida e sempre eficaz que se chama «distrair»...
Eça de Queirós, op. cit., pp. 676-687

1. No início do excerto, vemos Carlos a entrar no Ramalhete «Pé ante pé», como que às
escondidas. Explique o local de onde ele vem e o motivo que o leva a entrar assim.

2. Esclareça o sentido da gradação presente em -«lívido, mudo, grande, espectral» (linha 6).

3. Prove que as linhas 9 a 15 e 33 a 36 sào um excelente exemplo das características trági­


cas do protagonista Afonso da Maia.

4. Entre as linhas 27 e 32, identifique um exemplo de personificação, referindo o seu valor


expressivo.

5. Explique a que «vendavais» se refere o narrador na sequência anterior.

6. Tendo em conta a leitura integral de Os Maios, caracterize o papel de Ega na vida familiar
de Carlos e. especificamente, neste momento da açào.

7. De acordo com o último parágrafo do excerto, explique, fazendo uso da leitura integral
do romance, a representação do sentimento e da paixào no protagonista Carlos da Maia.

167
NEMUII EXAME NACIINAL

EÇA DE QUEIRÓS, A ILUSTRE CASA DE RAMIRES (obra integral)


CONTEXTUAL1ZAÇÀO HISTÓRICO-LITERÁRIA

• A Ilustre Coso de Ramires é um romance de Eça Queirós, publicado em 1900, já depois da sua morte.

• A técnica narrativa revela uma escrita queirosiana mais madura graças, entre outros, ao hábil encaixe e
paralelismo dos dois planos ou ações narrativas - o romance completo e a novela incorporada. Assim, os
planos revelam um contraste entre os valores medievais (dos Ramires do século XIII), gloriosos, corajo­
sos e honrosos e o comportamento de Gonçalo Mendes Ramires, fidalgo fraco, cobarde e inconstante na
defesa dos valores da verdadeira fidalguia.
• Neste romance, e seguindo o contraste referido, vemos uma apresentação crítica da sociedade portu­
guesa de finais do século XIX. em que se nota um olhar mais abrangente e experiente sobre um Portugal
de contradições e a precisar de uma renovação moral, intelectual, política e cultural.

A Ilustre Casa de Ramires estrutura-se em duas narrativas - a ação principal e a novela.


A segunda surge encaixada e motivada pela primeira.

Ação principal
Tem como protagonista o recém-licenciado de Coimbra, Gonçalo Mendes Ramires, que
decide vir habitar a antiga propriedade da família Ramires (anterior à Monarquia Portu­
guesa), designada Quinta de Santa Ireneia. Passa a ser conhecido como «o Fidalgo da Torre»
por nessa propriedade existir uma velha Torre, símbolo de um passado português glorioso.
Decorrendo os anos 70 do século XIX, o leitor percorrerá todos os episódios, movimenta­
ções físicas e psicológicas de Gonçalo e daquelas personagens com quem ele se relaciona.
Na ação principal, compreendemos o enredo, as personagens, os espaços, os tempos e a
intervenção do narrador. Se a ação começa com o fim da formatura de Gonçalo Ramires,
depois do desenvolvimento, a mesma termina com a eleição de Gonçalo como deputado e
a sua aclamação em Lisboa, à qual se junta o sucesso da publicação da sua novela histórica,
Torre de D. Ramires.

Novela histórica

Estruturação Escrita pelo protagonista, Gonçalo Mendes Ramires,


da obra: e com o intuito de recuperar gloriosamente a histó­
ação principal ria milenar e os feitos da família de Ramires, à qual
enovela - pertence, a novela intitula-se Torre de D. Ramires. O
pluralidade enredo envolve Tructesindo Ramires e Lopo de Baião,
de ações cuja luta e vingança enche as páginas desta obra
tão aclamada nos Anais de Literatura e de História,
revista lisboeta de José Castanheiro, antigo compa­
nheiro de Gonçalo na Universidade de Coimbra.
Esta novela volta atrás no tempo e tem como contexto
temporal o século XIII - a passagem da Coroa Portu­
guesa de D. Sancho I (*o Povoador») para D. Afonso II
(«o Gordo»). A novela começa a partir de uma disputa
entre Lopo de Baião (adepto de D. Afonso II) e Truc­
tesindo Ramires (adepto da entrega da coroa não ao
filho, mas às filhas de D. Sancho I, irmãs de Afonso).
Mais tarde, associou-se outro motivo: a proibida
união matrimonial de Lopo com Violante Ramires,
de que resulta o assassinato de Lourenço Ramires
às mãos de Lopo de Baião, «o Bastardo». A novela Edvard Munch,
termina com a vingança conseguida de Tructesindo Andreos a Ler, 1882-83

Ramires, que captura e tortura até à morte Lopo de


Baião, entregando-o às sanguessugas.

169
nktkiês u? ani

TEORIA

A ação principal passa-se na segunda metade do século XIX. 0 espaço é a O.uinta de


Santa Ireneia (propriedade onde se encontra a Torre e ruínas do antigo castelo), bem
como propriedades e lugares vizinhos. Existem momentos pontuais em Lisboa, princi­
palmente depois da eleição de Gonçalo como deputado pelo Partido dos Históricos.
* Santa Ireneia: inicialmente. Gonçalo sente-se aprisionado neste local de província,
desejando espaços urbanos e poderosos; depois de conseguir a sua eleição, a quinta.
Vila Clara e Oliveira passam a ser alvo de melancolia, pois Gonçalo mostra preferir
estes espaços provincianos a Lisboa, pela sua pacatez e natural sossego.
* A Torre, centro de Santa Ireneia. é um lugar de liberdade física e interior de Gonçalo:
nela se refugia, nela medita e reflete sobre a sua vida e dela vê a aldeia e os arredores;
sente-se seguro e poderoso.
Complexidade
* Lisboa: tal como André Cavaleiro, também Gonçalo anseia por poder e permanência
do tempo e na capital, razão pela qual reata a amizade com Cavaleiro. E na capital que é lançada
complexidade e aclamada a sua novela, o que acrescenta fama e prestígio à sua pessoa; porém, após
do espaço
a eleição, Gonçalo questiona tudo o que desejava e arrepende-se da sua exagerada
e seu valor ambição, sentindo falta da sua província.
simbólico
* África: depois de conseguir dinheiro com hipotecas. Gonçalo escolhe África para reco­
meçar a dar forma à sua ambição, desta vez não só pelo poder, mas sobretudo pelo
enriquecimento rápido e fácil. Este espaço está associado, portanto, a um lugar de
oportunidade e traz ressonâncias das glórias do passado das Descobertas.

A ação da novela passa-se no século XIII, no tempo das contendas entre D. Afonso II e suas
irmãs, a propósito da sucessão ao seu pai, D. Sancho 1.0 espaço é sensivelmente o mesmo,
com itinerários de fuga para combate não frequentados habitualmente por Gonçalo Ramires.
A estes espaços. Gonçalo (e as personagens da novela) associa feitos heroicos, sendo,
portanto, símbolo de glória e força passadas aliadas ao patriotismo.
Além destes espaços físicos, há os sociais (jantares e serões na aldeia) e os psicológicos
(sobretudo, os sonhos noturnos de Gonçalo, assim como as suas reflexões).

Personagens da ação principal:


• Gonçalo Mendes Ramires. «Fidalgo da Torre»: mais recente herdeiro da família Rami­
res, jovem. inteligente, mas complexo na sua personalidade, movida por contradições,
insegurança, incertezas e medos; patriótico e dono de propriedades como a Quinta de
Santa Ireneia {onde está a Torre, «masmorra feudal» e refúgio das suas fraquezas),
O.uinta de Santa Maria de Craquede (onde repousam os seus antepassados em túmulos
da Idade Média):
• A irmã, Maria da Graça ou Gracinha: menina mimada, fidalga elegante, casada (sem amor
puro) com Barrolo, adúltera, insegura e recusa-se a ter filhos (por simples capricho).
• 0 cunhado de Gonçalo. José Barrolo, «o Bacoco»: fidalgo rico de Amarante, bondoso,
Caracterização honesto e transparente, mas ingénuo e facilmente manipulado, quer por Gracinha, quer
das personagens por Gonçalo, ignorando a aproximação adúltera de Gracinha a André Cavaleiro.
e complexidade
• 0 primo «Titó» (António Vilalobos): parente de Gonçalo Ramires, homem honesto e
do protagonista
frontal, sempre contra o compadrio e a corrupção.
• 0 amigo Videirinha: homem simples do povo, que Gonçalo vai promover a amanuense
da Administração de Vila Clara. Possui talentos musicais: toca violão, compõe letras e
músicas (quadras), informando e elogiando o passado de Gonçalo; acompanha Gonçalo.
Titó e Gouveia nas festas.
• 0 amigo idoso Padre Soeiro: fiel amigo e companheiro de noitadas e de vida de Gonçalo.
• 0 administrador João Gouveia: homem ao serviço do funcionalismo público e fiel aos
administradores; fiel amigo de Gonçalo e seu companheiro em festas e noitadas.
• André Cavaleiro: antigo colega, de Coimbra, de Gonçalo, tornado inimigo e. no final do
romance, aliado e apoiante de Gonçalo, no partido dos Históricos.

169
NEMUII EXAME NACIINAL

• José Castanheiro: antigo amigo e companheiro de Gonçalo, em Coimbra, e atual editor


da revista Anais de Literatura e de História, em Lisboa. É o responsável pela publica­
ção e difusão da novela de Gonçalo Mendes Ramires, que contribui para a divulgação e
louvor dos valores de uma família patriótica portuguesa anterior à coroa.
•Os primos Mendonça, de Amarante, tal como José Barrolo: destaca-se Maria Men­
donça. influente em Santa Ireneia e Vila Clara e sempre preocupada em casar Gonçalo
com alguém influente, no caso, com a viúva de Sanches Lucena. Ana Lucena.
• Sanches Lucena: conselheiro cuja morte repentina estimula Gonçalo a candidatar-se a
deputado por Vila Clara.
• As duas irmãs Lousadas: solteiras e dedicadas à vida íntima e pública dos outros, que
se apressam a criticar publicamente, julgando-se detentoras de todas as virtudes
morais. Toda a sociedade de Vila Clara teme o comprimento da sua língua maldosa. Por
este motivo, André Cavaleiro lhe enche a casa de flores, evitando calúnias, o que. efe­
tivamente. de nada vale.
• Os criados da Torre, O.uinta de Santa Ireneia: Rosa e Bento.
• Ernesto de Nacejas: «latagão», homem do povo, forte e robusto, temível e assustador
de todos, especialmente de Gonçalo Ramires. a quem desafia várias vezes. Ele des­
perta em Gonçalo aquilo que o fidalgo designa «falha», isto é, a falta de coragem dos
seus antepassados Ramires.
• Relho. José Casco. Pereira da Riosa: rendeiros da O.uinta de Santa Ireneia: Relho despe­
dido; Casco enganado por Gonçalo; e, finalmente, Riosa. atual rendeiro da quinta.
• Gago e Pintainho: cada um dono da sua taberna.
• Restantes membros do povo, da nobreza e da política locais.
Caracterização
das personagens Complexidade do protagonista:
e complexidade Gonçalo Mendes Ramires é considerado uma personagem redonda, com comportamen­
do protagonista tos inesperados e contraditórios, que ganha centralidade por simbolizar Portugal, um país
(cont.) que integra as características típicas deste protagonista:
• Inteligente e antigo académico da Universidade de Coimbra;
•Orgulhoso e respeitador da família Ramires, cuja coragem e feitos históricos muito
o estimulam; crente e dependente dos seus antepassados para o guiarem na sua vida:
note-se o sonho em que os avós medievais lhe aparecem e lhe dão força para combater
os seus medos;
•Sempre medroso e sem coragem para enfrentar quem o desafia, por exemplo, José
Casco e Ernesto de Nacejas, «o latagão de suíças louras»;
• Cobarde por não conseguir tomar uma posição sobre o adultério de Gracinha com o antigo
namorado, André Cavaleiro, advertindo-os diretamente ou contando ao bom Barrolo;
refugia-se na quinta de Santa Ireneia. primeiro enraivecido e envergonhado, depois calmo
e racional, chamando Gracinha e pedindo-lhe que se afaste de Cavaleiro;
• Inseguro, durante a escrita da sua novela, não tem a certeza de a conseguir acabar, falta-lhe
inspiração, o que o traz numa luta interior, até que a acaba e a publicação tem muito sucesso;
• Imaginativo a tal ponto que. exagerando na narração de episódios que lhe sucedem no
quotidiano, acaba por dizer várias mentiras, não tendo a coragem de as desmentir depois;
• Eternamente inconstante e insatisfeito com a sua vida e o seu contexto: note-se que, ini­
cialmente. o vemos a aspirar a uma vida mais influente, com mais dinheiro, mais poder polí­
tico e protagonismo, não só local, mas também na capital; no entanto, no final do romance,
precisamente na noite da vitória nas eleições, arrepende-se da sua busca de poder e elo­
gia a pacatez e a tranquilidade da vida rural, na sua quinta, junto daqueles de quem gosta;
• Na sua qualidade de personagem redonda. Gonçalo Mendes Ramires contrasta total­
mente com a genuinidade, o altruísmo, a caridade, a bondade e a nobreza de coração,
pois compadece-se dos pobres e fracos.

l70i
ramxiÊs u? ani

TEORIA
Personagens da novela:
• Tructesindo Ramires: velho patrono da fidalga família Ramires. anterior à coroa, que só
seria iniciada com D. Afonso Henriques; escrupuloso fidalgo, que vê na vingança contra
Lopo de Baião {que lhe assassinou o filho. Lourenço) uma obrigação para preservar a
honra dos Ramires, o que o leva a ser crudelíssimo no assassinato do «Bastardo» com
sanguessugas; Ramires é fiel adepto e protetor da Infanta D.Sancha (filha de D.Sancho I).

(cont.) • filho, Lourenço, e a filha. Violante (menina que Tructesindo não deixou casar-se com
Lopo de Baião).

• primo de Ramires, Garcia Viegas {«o Sabedor»).

• Os apoiantes de Ramires: a hoste (militares, cavalaria e infantaria) de D. Pedro de Castro,


que persegue, captura e assassina Lopo de Baião.
• Os inimigos de Ramires: os apoiantes da causa de el-rei D. Afonso II, designadamente,
Lopo de Baião («o Bastardo»),

Esta sociedade é espelho das relações de família, sociais e políticas, o que se estende a
todo Portugal:
• A decadência da nobreza:
-constante tentativa de manter propriedades e estatuto social, mas com cobranças
exageradas aos rendeiros;
- o recurso a hipotecas;
- o arrendamento das quintas: Gonçalo arrenda os terrenos da sua quinta ao Pereira da
Riosa, faltando à palavra que tinha dado a José Casco - movido pela ganância e o lucro
e mostrando falta de respeito para com o povo honesto;
- falta de escrúpulos e coragem para enfrentar inimigos: Gonçalo e o «latagão» desa­
fiador - cobardia contrária a um fidalgo;
- objetivo de ascender socialmente a qualquer custo: ora pela escrita da novela sobre os
0 microcosmos antepassados Ramires, ora pela subida ao cargo político de administrador de Vila Clara;
da aldeia como
• A nobreza riquíssima, mas sem cultura nem elegância: o exemplo de Barrolo e o seu palacete;
representação
de uma • A sociedade corrupta, que pretende apenas empoleirar-se em cargos políticos,
sociedade movendo influências em Lisboa;
em mutação • adultério: Gracinha e André Cavaleiro;
• Os casamentos por interesse: Maria Mendonça sugere a Gonçalo o casamento com a
viúva do antigo conselheiro Sanches Lucena, D. Ana Lucena;
• medo e a inconstância de Gonçalo Mendes Ramires por não saber o que quer da vida,
permanecer no sossego da Torre, ser político, estar em Portugal ou viajar para África
para ganhar dinheiro;
• 0 destino, que leva Gonçalo a detestar a vida política, depois de ser eleito; a sua ida
para África; a sova de chicote, a cavalo, a Ernesto de Nacejas;
• 0 plágio de Gonçalo ao «poemeto» do seu tio Duarte, «Castelo de Santa Ireneia», novo
exemplo de falta de honra e escrúpulos;
• A maledicência e mexeriquice representadas, entre outras, nas «irmãs Lousadas», cus-
cas e sabedoras de toda a vida íntima das pessoas da aldeia e de Vila Clara, sempre
descaradas na denúncia irónica das faltas e dos podres dos seus conterrâneos.

História • passado dos Ramires serve de estímulo à mudança de comportamentos do presente


e ficção: de Gonçalo, recuperando os valores e escrúpulos do amor à honra, à verdade e à pátria.
reescrita É como se se usasse o passado para dar forma a um novo presente. Em termos mais
do passado abrangentes, podemos afirmar que a sociedade representada na novela é detentora de
e construção valores familiares e patrióticos/nacionais que poderiam regenerar e revigorar a socie­
do presente dade do Portugal finissecular (de fins do século XIX);

171
NEMUII EXAME NACIINAL

•Uso de comparações, metáforas, personificações: «fechou o capítulo II, sobre que


labutara três dias - tão embrenhadamente que em torno o mundo como que se calara e
se fundira em penumbra.»;
• Uso expressivo dc hipérboles: «No relógio da Piedade sete horas batiam - quando ele se
atirou para a caleche, e fechou os estores perros, e se enterrou no fundo, bem sumido,
esmagado, com a sensação que o mundo tremera, e as mais fortes almas se abatiam, e a
sua Torre, velha como o Reino, rachava, mostrando dentro um montão ignorado de lixo.»;
• Uso expressivo de adjetivos com intenções irónicas ou de descrição subjetiva da perso­
nagem ou dos espaços: «0 Pintainho, velhote roliço de cabelo amarelo, não tardou com
o copo apetitoso e fundo onde boiava, na espumazinha do açúcar, uma rodela de limão.»;
Linguagem *Uso expressivo de diminutivos, frequentemente com pendor irónico: «Gonçalinho
e estilo parecia gloriosamente votado a restaurar em Portugal o Romance Histórico»;
• Uso expressivo do advérbio, que produzefeitos irónicos, metafóricos e de caracteriza­
ção de personagens e ambientes;
• Reprodução do discurso no discurso [o narrador reproduz o discurso de Gonçalo sobre
o que diriam os outros acerca da reconciliação repentina entre Ramires e Cavaleiro e a
aproximação adúltera entre Gracinha e Cavaleiro]:
«Que inoportunamente morrera o animal do Sanches lucena! (...) Mas agora! 0 quê!
Manter rigidamente as relações com o Cavaleiro dentro da Política (...) Como poderia?
(...) Mas também que toda a cidade largasse ao cochichar pelos cantos o nome de Gra­
cinha embrulhado ao nome de André, com o nome dele, Gonçalo, emaranhado através
como o fio favorável que os atara - era horrível.»

• Gonçalo Mendes Ramires, «o Fidalgo da Torre»;


•Gonçalo: num «domingo de junho» está a escrever a sua novela histórica Torre de
D. Ramires. a ser publicada «no primeiro número» da «revista quinzenal, de setenta pági­
nas e capa azul, os Anais de Literatura e de História», editada pelo seu antigo compa­
nheiro da Universidade de Coimbra, José Lúcio Castanheiro;
• Técnica de escrita da novela por Gonçalo: novela copiada de um poema de seu tio Duarte -
Capítulo 1
«Castelo de Santa Ireneia». que Gonçalo decorara na infância;
• Narrador da ação principal recupera os feitos gloriosos dos Ramires na História de Portu­
gal, sempre ao lado da coroa e nas grandes batalhas;
• Ódio de Gonçalo por André Cavaleiro, que abandonou a sua irmã. Gracinha, tendo provo­
cado um grande desgosto no passado;
• Referências constantes ao presente da vida de Gonçalo.

• Gonçalo, frágil, débil e inconstante, vê nos Anais a única maneira de ascender socialmente
e à política;
• Narrador da ação principal conta a vizinhança entre os Ramires e os Cavaleiro, a paixão
de André e Gracinha (de 16 anos), os amores prometidos, o abandono de André, primeiro
para Coimbra; depois da formatura, para Lisboa, Sintra. Bragança e agora de volta a Oli­
veira como governador do distrito, dois anos depois de Gracinha se ter casado com José
Barrolo, «o Bacoco», fidalgo rico de Amarante;
Capitulo II •Após a morte do pai de Gonçalo, Vicente Ramires, «o Fidalgo da Torre» estudou todas
as propriedades da família, sendo as mais conhecidas as quintas de Treixedo e de Santa
Ireneia, onde ele mesmo vive e onde se encontra a Torre;
• Os sonhos de Gonçalo com os inimigos e os antepassados Ramires;
• 0 início da ação da Novela - Ponto 1: D. Sancho 1 pedira a seu alferes-mor e cavaleiro. Truc-
tesindo Mendes Ramires. que protegesse a sua filha predileta. Sancha. irmã do futuro
D.Afonsoll.ComoasfilhaseosrestantesfilhosdiscordassemdodireitoàcoroaporAfonso(ll),
pediram ajuda a castelhanos. Porém, Tructesindo, fiel à sua promessa, protege as irmãs.

172
nktkiês u? ani

TEORIA

• Continuação da ação da Novela - Ponto 2: D. Afonso II envia Mendo Pais a casa de Tructe­
sindo. pedindo-lhe para dissuadir as irmãs desta luta por terras da coroa e convencendo-
Capítulo III
-as a tomar o partido do rei D. Afonso II; Tructesindo recusa;
• Reflexões de Gonçalo sobre a Torre.

• Gonçalo vai passar uns dias ao palacete dos Barrolo, em Oliveira, a propósito do aniver­
sário de Gracinha;
Capítulo IV • As excelentes relações entre Gonçalo, Barrolo e Gracinha;
• Gonçalo pensa no Capítulo II da sua novela, que irá opor fatalmente Lourenço Ramires a
Lopo de Baião.

• Gonçalo regressa a Santa Ireneia;


• Chegado à Torre, encontra uma carta do Castanheiro, pressionando-o a entregar a «nove-
lazinha».
• Ação da Novela - Ponto 3:
- Lourenço Mendes (filho de Tructesindo) corre a Montemor com seus cavaleiros para
salvar as filhas de D. Sancho I; pelo caminho, no vale de Canta-Pedra. é atacado por Lopo
de Baião, que não o deixa seguir viagem; o narrador da ação principal faz o resumo sobre
o ódio entre os de Baião e os Ramires, a propósito de um amor proibido entre uma don­
zela, Violante Ramires, e Lopo de Baião, filho bastardo;
- o encontro frente a frente;
-o duelo: Lourenço é ferido por um virotão (lança) na anca e depois por um calhau, no
braço, sendo apanhado pelos de Lopo e tornado cativo;
• Ressoam foguetes a lembrar a festa da Senhora das Candeias; Gonçalo vai dar um passeio
e regozija-se pelo seu talento; enquanto passeia, chega «à esquina do muro da quinta»,
onde lhe aparece José Casco, que o ameaça, apontando-lhe o cajado e pedindo-lhe que
fuja, senão o matará; Gonçalo. aterrado, foge, chama pelos criados, mas ninguém o acode;
•«0 Fidalgo» chega à entrada de casa e. já seguro e refeito do susto, reconta a história,
Capítulo V acrescentando pormenores falsos a seu favor; depois de refletir, decide procurar João
Gouveia para apresentar queixa contra José Casco;
•João Gouveia conta-lhe que morreu Sanches Lucena e que o Ramires deve reatar a ami­
zade com André Cavaleiro porque ele move influências e pode fazê-lo deputado por Vila
Clara;
• Reencontro entre Gonçalo Ramires e André Cavaleiro no edifício do Governo Civil: ami­
zade reatada, decisão da candidatura;
• Ação da Novela - Ponto 4 (continuação do capítulo II):
-Gonçalo reescreve a reação de Tructesindo, mais de acordo com a raça dos Ramires:
ignorando o destino do filho, preparava-se para ir ele mesmo a Montemor. quando per­
cebe a chegada das armas inimigas de Lopo de Baião e se prontifica para o combate
imediato;
•Episódio inesperado para Gonçalo; a mulher de José Casco pede misericórdia e perdão
para o marido, trazendo os filhos pequenos, estando um com febre; Gonçalo comove-se,
bondoso e caridoso, manda soltar o Casco, dá agasalhos à mulher e aos filhos e fica com
Manuel (o doente), que entregará quando estiver bem de saúde;
• Gonçalo recebe a carta das Lousadas - execráveis, sarcásticas, cáusticas - sobre o adul­
tério de André e Gracinha, facilitado pelo jogo político de Gonçalo Ramires;

173
NEMUII EXAME NACIINAL

• Ação da Novela - Ponto 5:


•Descrição dos movimentos de preparação para o combate por parte de cada uma das
forças inimigas, não Lourenço e Lopo. mas Tructesindo e Lopo, sendo que Lopo viera ao
Capítulo V «Castelo de Santa Ireneia»;
(cont.) •A escrita é interrompida pelo «Fado dos Ramires», cantado por Vídeirinha e acompa­
nhado por João Gouveia, que congratulam Gonçalo pela entrada na política; «Titó» não
concorda com a nomeação de deputado pelo Partido dos Históricos, pois nisso percebe
uma mudança de orientação de valores.

• Diálogo entre Gonçalo e André:


- a candidatura de Gonçalo e as oposições em Lisboa;
- o pedido de Castanheiro a André para estimular Gonçalo a apressar a novela;
- Gonçalo e André saem à rua para se mostrarem a todo o povo;
- combinam o jantar no palacete dos Barrolo;
Capítulo VI •Gonçalo regressa ao palacete e conta a sua candidatura a deputado por Vila Clara e o
reatar da amizade com André Cavaleiro, larga e ínocentemente apoiada por Barrolo (que
nunca soube dos amores entre a mulher. Gracinha, e André);
•0 jantar no palacete: Barrolo + Gracinha; Gonçalo ♦ André; João Gouveia; Padre Soeiro;
prima Maria Mendonça:
- o baile ao som de uma valsa composta e tocada pela prima Mendonça: o adultério anun­
ciado e a inocência do bondoso Barrolo, sob o olhar assustado de Gonçalo.

•José Casco vem pedir perdão a Gonçalo e eterna servidão para o que «o Fidalgo» precisar;
• Gonçalo reflete sobre o capítulo III da sua novela, que está «encalhado»;
• Gonçalo começa a sua conquista de popularidade pelas redondezas para ganhar votos;

Capítulo VII •A prima Maria Mendonça, no sentido de casar Gonçalo com a viúva de Sanches Lucena,
D. Ana. convída-o, por carta, a visitar os túmulos dos seus antepassados Ramires em
Santa Maria de Craquede;
•Encontro entre os três; Gonçalo inventa histórias e lendas dos Ramires para as duas
senhoras e não desgosta de Ana.

•Nova carta de Castanheiro a anunciar que, se não receber até outubro 3 capítulos da
novela, não a publicará;
• Ação da Novela - Ponto 6:
-o pedido de troca de Lopo de Baião a Tructesindo: o casamento de Lopo e a filha de
Ramires, Violante. em troca da restituição de Lourenço Ramires vivo;
-Tructesindo não aceita e «o Bastardo» desfere umgolpe de punhal na garganta do jovem
Lourenço Ramires. que morre imediatamente;
Capítulo VIII
-Tructesindo jura vingança, pedindo ao primo Garcia Viegas que cuide do cadáver
enquanto ele irá vingar a alma do filho;
• Gonçalo passa pelo Largo del-Rei (lugar onde está o palacete de Barrolo e Gracinha) e vai
ter com ela, de surpresa, ao mirante - quando chega, vê-a a namorar às escondidas com
André Cavaleiro e sente vergonha, como bom exemplar dos Ramires, pois foi ele que esti­
mulou esta reaproximação por causa dos interesses políticos. Apanha uma carruagem e
foge para sua casa.

• Gonçalo considera casar com D. Ana. mas cedo se arrepende, quando «Titó» o informa de
que ela «teve um amante», ou mais, e não podia deixar o amigo fazer tal disparate;
Capítulo IX • Ação da Novela: Ponto 7:
- o capítulo IV: Tructesindo e Garcia Viegas perseguem Lopo de Baião, mas anoitece e per­
noitam na rica propriedade de D. Pedro de Castro.

174
nktkiês u? ani

TEORIA

• Gonçalo reflete sobre a sua «falha». o medo, e sonha com os seus antepassados mortos,
que o encorajam a ser corajoso e forte como eles;
• Confronto entre Gonçalo e Ernesto de Nacejas. Toda a Oliveira sabe do sucedido e os jor­
nais do Porto (Gazeta do Porto) e de Lisboa (Sécu/o) comentam o episódio e louvam Gon­
çalo Ramires. que ganha popularidade e votos;
•As irmãs Lousadas enviam a Barrolo uma carta sobre os amores de Gracinha com Cava­
leiro; Gonçalo desvaloriza e tudo fica bem;
Capítulo X • Ação da Novela - Ponto 8:
-Tructesindo e Garcia Viegas pernoitam na propriedade de D. Pedro de Castro e aí pla­
neiam a emboscada ao Bastardo Lopo de Baião;
• Gonçalo recusa o piquenique com a prima Maria Mendonça e D. Ana Lucena;
• Ação da Novela - Ponto 9:
- 0 último capítulo; a emboscada a Lopo de Baião e a sua morte lenta, num charco cheio de
sanguessugas que lhe chupam o sangue até à morte, lenta, dolorosa e horrível, assistida
pelas hostes de Tructesindo e D. Pedro de Castro.

• Ação da Novela - Ponto 10:


•A Torre de D. Ramires é publicada nos Anais pelo Castanheiro e aclamada por todos,
incluindo o jomal A Tarde;
• Gonçalo termina a Torre de D. Ramires;
• «0 Fidalgo da Torre» visita os influentes eleitores, bem como todos os outros, e consegue
a eleição de deputado por Vila Clara;
•□ protagonista recusa o título de
«Marquês de Treixedo» atribuído pelo
rei. A recusa explica-se pelo facto de
os Ramires serem mais velhos do que
Capítulo XI a coroa portuguesa, logo superiores
ao próprio rei;
•Passando todo o mês de dezembro
até abril, chega o dia da mudança de
Gonçalo para Lisboa, de onde parte
com o Bento, meses mais tarde,
para África. Gonçalo vê este destino
como um novo recomeço, uma terra
de oportunidades para enriquecer,
mesmo que tenha de abandonar a
pátria. MauricedeVIaminck,
A Torre, s.d.

• Quatro anos depois, Gonçalo regressa de África a Lisboa e da capital à Torre.


•□ narrador faz uma analepse: o que se foi passando nesse microcosmos de aldeia, ao
longo desses quatro anos: a demissão de Cavaleiro e a sua ida para Constantinopla/Ásia
Menor (fim do romance com Gracinha); D. Ana Lucena comprou casa em Lisboa e Maria
Mendonça está por lá com ela; a Torre envelhecia. Vila Clara e Oliveira sempre na mesma;
as Lousadas sempre mexeriqueiras e maquiavélicas; as limpezas e os preparativos para o
Capítulo XII regresso de Gonçalo;
• regresso de Gonçalo; a estadia em Lisboa, no Hotel Bragança, com todos os seus aliados
e políticos, e a carta da prima Maria Mendonça a Gracinha, dando detalhes sobre as lides
lisboetas;
•Passeio e diálogo final entre os velhos amigos João Gouveia, «Titó» e Videirinha; João
Gouveia toma a palavra para descrever diretamente Gonçalo Mendes Ramires, acabando
por concluir que ele pode ser comparado a Portugal.

175
1. Leia atentamente as seguintes afirmações e classifique-as como V (Verdadeira) ou
F (Falsa), corrigindo as falsas.
a) J Em A Ilustre Coso de Ramires. Gonçalo representa a Casa dos Ramires.

b) O romance divide-se em 3 ações: a principal que envolve o protagonista; a segun­


da. que integra a novela; e a terceira, acerca do amor entre Gracinha e André.

Ü Os Ramires vieram para Portugal depois do reinado de el-rei D. Sancho I.

d) Gonçalo decide escrever a sua novela para ressuscitar a velha glória dos Ramires
e para se impor no país pelas Letras.

e) Com a sua candidatura a deputado, Gonçalo pretende ascender não só na política.


mas também na sociedade portuguesa.

f) A novela de Gonçalo é baseada no «poemeto* do seu tio Duarte.

g) Na novela, depois de pedir a mão de Violante Ramires a seu pai, em troca de Louren-
ço Ramires, agora tornado cativo, «o Bastardo» de Baião. perante a recusa do velho
Ramires. mata Lourenço, o que desencadeia uma guerra imediata entre os dois.

h) A novela termina com a vingança de Armelindo Ramires sobre Lopo de Baião, com
a morte deste no charco povoado de sanguessugas que lhe chupam o sangue até
à morte.

i) Depois de ser eleito deputado, Gonçalo vai para a Torre meditar sobre esta glória
vã de ser grande na política, o que o faz sentir confuso.

j) Enquanto Gonçalo viaja com o criado Bento para África, André Cavaleiro viaja para
Constantinopla/Ásia Menor.

Ic) João Gouveia manifesta, no último capítulo, o seu pensamento colonial: expandir o
poder de Portugal sobre os africanos, dominando-os brutalmente.

I) Cj Videirinha conseguira, depois de Gonçalo ter sido eleito, o lugar de «amanuense na


Administração do Concelho de Vila Clara».

175
A Ilustre Casa de Ramires, Eça de Queirós
FICHA G2 PRÁTICA

Leia os seguintes excertos e responda às questões.

Capítulo I
«— E você em três meses ressuscita uni mundo. Serio, Gonçalo Mendes!... E uni
dever, uni santo dever, sobretudo para os novos, colaborar nos /Imíiís. Portugal, menino,
morre por falta de sentimento nacional! Nós estamos imundamente morrendo do mal
de nào ser Portugueses! (...)
Assim, vocês! Por essa H ístóna de Portugal tora, vocês sào uma enfiada de Ramires
de toda a beleza. (...) E os outros Ramires, o de Silves, o de Aljubarrota, os de Arzila,
z
os da India! (...) E um fidalgo, o maior fidalgo de Portugal, que, para mostrar a heroi­
cidade da Pátria, abre simplesmente, sem sair do seu solar, os arquivos da sua Casa, velha
de mais de mil anos. E de rachar!... E você nào precisa fazer um grosso romance...» (...)
ll O Fidalgo da Torre recolheu para o Bragança, impressionado, ruminando a ideia
do Patriota. (...) Seu tio Duarte, irmão de sua mãe (uma senhora de Guimarães, [...])
(...), de 1845 a 1850, (...) publicara no Bardo, semanário de Guimarães, um poemeto
cm verso solto, o Castelo de Santa Iretieia. (...) Esse castelo era o seu, o paço antiquíssimo
de que restava a negra torre entre os limoeiros da horta. E o poemeto cantava, com
15 romântico garbo, um lance de altivez feudal cm que se sublimara Tructcsmdo Ramires,
alferes-mor de Sancho I, durante as contendas de Afonso II c das senhoras infantas. (...)
Na realidade só lhe restava transpor as fórmulas fluidas do Romantismo de 1846 para
a sua prosa tersa c máscula (como confessava o Castanheiro), de ótima cor arcaica (...)
E era um plágio? Nào! A quem, com mais seguro direito do que a ele, Ramires,
3 pertencia a memória dos Ramires históricos?

Capítulo XI
[Na noite da eleição de Gonçalo (corno deputado por Vila Clara), «o Fidalgo»
sobe à Torre]:
(...) Gonçalo, erguendo a gola do paletó na aragem mais fina, teve a dilatada sen­
sação de dominar toda a província, c de possuir sobre ela uma supremacia paternal, só
pela soberana altura c velhice da sua Torre, mais que a província c que o Reino. (...)
Era pois popular! Por todas essas aldeias, estendidas à sombra longa da Torre, o Fidalgo
5 da Torre era pois popular! E esta certeza nào o penetrava de alegria, nem de orgulho —
antes o enchia agora, naquela serenidade da noite, de confusão, de arrependimento! Ah!
se adivinhasse — se ele adivinhasse!... (...)
O dia de triunfo findava, breve como os luminares c os foguetes. — E Gonçalo, para­
do, rente do miradouro, considerava agora o valor desse triunfo por que tanto almejara,
ll por que tanto sabujara. Deputado! Deputado por Vila-Clara, como o Sanches Luccna.
E ante esse resultado, tào miúdo, tão trivial, — todo o seu estorço tào desesperado, tào
sem escrúpulos, lhe parecia ainda menos imoral que risível. Deputado! Para quê? (...).
Ah! que peca, desinteressante vida, cm comparação de outras cheias c soberbas vidas,
que tào magmficamente palpitavam sobre o tremeluzir dessas mesmas estrelas!
Eça de Queirós, .d Ilustre Casa dc Ramires,
Lisboa, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2014, pp. 48-50 e 52

177
1. Da leitura do conteúdo do primeiro excerto, explique a divisão da obra A Ilustre Casa de
Ram ires em duas ações.

1.1 Esclareça de que forma o narrador apresenta o processo de escrita de Gonçalo


Ramires.

1.2 Explique de que modo as duas ações revelam a complexidade do tempo e do espaço.

2. Esclareça de que forma é que o binómio História/Ficção se encontra na ação da novela


Torre de D. Ramires. Justifique a sua resposta, tendo em conta a leitura da obra integral.

3. A partir da leitura do conteúdo do segundo excerto, explique a complexidade que carac­


teriza o protagonista, Gonçalo Mendes Ramires.

4. Explique por que motivo a ascensão política de Gonçalo e os seus sentimentos depois de
vencedor são um exemplo de como este microcosmos representa a sociedade em mutação.

5. Retire do excerto um exemplo de reprodução do discurso no discurso.

6. Transcreva dos excertos uma hipérbole e comente a sua expressividade.

7. Refira o valor expressivo do advérbio *magniflcamente» (Capítulo XI. linha 14).

178
FICHA G3

Leia o seguinte excerto e responda às questões.

Capítulo XII
Quatro anos passaram ligeiros c leves sobre a velha Torre, como voos de ave. (...)
Com efeito a Torre, entre a alvoroçada alegria de todos, enfeitava a sua velhice —
J*
porque no domingo, depois dos seus quatro anos de África, Gonçalo regressava à Torre.
E Gracinha, estendida no canapé com o seu velho avental branco, sorrindo pensati-
5 vamente para a quinta silenciosa, para o céu todo corado sobre Valverde, recordava esses
quatro anos, desde a manhã cm que abraçara Gonçalo, sufocada c a tremer, no beliche
do Portugal... Quatro anos! Assim passados, e nada mudara no mundo, no seu curto
mundo de entre os Cunhais e a Torre, e a vida rolara, e tào sem história como rola um
rio lento numa solidão: — Gonçalo na África, na vaga África, mandando raras cartas,
■ mas alegres, c com um entusiasmo de fundador de Império; ela nos Cunhais, e o seu
Barrolo, num tào quieto e costumado viver, que eram quase de agitação os jantares em
que reuniam os Mendonças, os Marges, o coronel do 7, outros amigos, c à noite na sala
se abriam duas mesas de pano verde para o voltarctc c para o boston.
E neste manso correr de vida se desfizera mansamente, quase insensivelmente, a
15 sombria tormenta do seu coração. (...) A sucessão das coisas rolara, como o vento às
lufadas num campo, c ela rolara, levada com a inércia duma folha seca. (...)
— Peço desculpa da invasão, prima Graça. (...)
— Oh! gosto imenso, primo António. (...) E o sr. Gouveia, como tem passado? Nào
o vejo desde a Páscoa.
3 O administrador, que nào mudara nesses quatro anos, escuro, seco, como feito de
madeira, sempre esticado na sobrecasaca preta, apenas com o bigode mais amarelado do
cigarro, agradeceu à sr.’ D. Graça... E passara menos mal, desde a Páscoa. A nào ser a
desavergonhada da garganta...
Eça de Queirós, op. ãt., pp. 361, 362 e 365

1. Esclareça o estado da sociedade da aldeia, quatro anos depois da saída de Gonçalo.

2. Explique por que motivo se considera a aldeia um microcosmos representativo da socie­


dade portuguesa.

3. Explicite de que forma este excerto é uma prova da complexidade do tempo e da sua
influência no espaço.

175
NEMUII EXAME NACIINAL

ANTERO DE QUENTAL, SONETOS COMPLETOS


CONTEXTUAL1ZAÇÂO

Vida e obra
• 1842 (18 de abril): Antero Tarquínio de Quental nasce em Ponta Delgada.
• 1858-1866: cursa Direito em Coimbra, sendo revolucionário e «guia» intelectual de toda a Geração de 70.
• 1861: publica os primeiros sonetos: Sonetos de Antero.
• 1865: publica as Odes Modernas; inicia a Questão Coimbrã, que opõe os jovens da Geração de 70 aos
ultrarromânticos seguidores de António Feliciano de Castilho.
• 1866: muda-se para Lisboa; trabalha como tipógrafo.
• 1867: vai viver para Paris.
• 1868: funda o Cenáculo com figuras como Eça de O.ueirós.
• 1869: funda o jornal A República com Oliveira Martins.
• 1873: herda uma fortuna, que lhe dá certo desafogo económico.
• 1879 e 1881: muda-se para o Porto e, depois, para Vila do Conde, por razões de saúde.
• 1886: publica Sonetos Completos, obra prefaciada por Oliveira Martins.
• 1891 (maio a setembro): muda-se para casa da irmã, em Lisboa; um mês depois, regressa a Ponta Delgada
e, a 11 de setembro, suicida-se num banco de jardim.

TÓPICOS DE ANÁLISE EM SONETOS COMPLETOS

• 0 desejo de alcançar um Bem Maior, um mundo perfeito e a frustração de não conseguir;


• A luta interior entre Sentimento versus Pensamento;
• Complexidade interior; luta entre a extrema Imaginação {entusiasta e hiperbólica, que
o leva a ilusões e quimeras) e a Razão (a lógica crítica que o faz consciente);
A angústia • Por não haver equilíbrio entre estas dicotomias, o seu Ser é arrasado pelo pessimismo,
existencial pela impotência;
• A angúst ia transforma-se em estoicismo (opção por sofrer por não ter outra alternativa);
• Antero nunca consegue deixar de ser o poeta nem o filósofo.por isso é constantemente
crítico de tudo e de si mesmo e daqui se compreende a sua angústia existencial, o seu
viver desequilibrado.

• 0 Ideal é sempre algo Perfeito, Absoluto, Eterno, é o seu «Palácio da Ventura», o Inatin­
gível (daí a frustração/angústia existencial);
• As religiões não lhe chegam porque Deus, que conhece, não assume para Antero essa
Configurações
Perfeição, esse Absoluto, que é o não-sentir, o não-pensar, o Bem imaterial;
do Ideal
• Tipos e formas de Ideal: a Beleza, o Bem, uma entidade metafísica absoluta e superior
(ainda não encontrada), o Nada supremo, a Liberdade, o Nirvana, o Amor total e abso­
luto (sem dor nem materialismo), a Consciência, a Sabedoria, a Paz.

Seguindo os dois temas acima apresentados, não é de estranhar que encontremos nos
seus sonetos:
- a escolha do próprio soneto como composição clássica e espaço de apresentação dos
seus conceitos e conclusões, distribuídos entre as duas quadras e os dois tercetos;
Linguagem,
- vocabulário erudito e ao serviço da verbalização de ideias, conceitos, pensamentos e
estilo
essência do sentir;
e estrutura
-recursos expressivos, tais como apóstrofes (para presentificar entidades reais ou
ideais), metáforas (úteis a associações filosóficas e poéticas) e ainda personificações
(que ajudam à visão de entidades abstratas como potencialmente identificáveis com
seres humanos).

1S0
Leia atentamente o seguinte soneto e responda às questões.

Lutii

Dorme a noite encostada nas colinas.


Como um sonho de paz e esquecimento
Desponta a lua. Adormeceu o vento,
Adormeceram vales e campinas...

5 Mas a mim, cheia de atrações divinas,


Dá-me a noite rebate ao pensamento.
Sinto cm volta de mim, tropel1 nevoento.
Os Destinos e as Almas peregrinas!

ll Insondável problema!... Apavorado


Recua o pensamento!... E já prostrado
E estúpido à torça de fadiga,
James Abbott McNeill Whistler,
Noturno Azuí e Proto. Chelsea, 1871
Fito inconsciente as sombras visionárias.
Enquanto pelas praias solitárias
Ecoa, ó mar, a tua voz antiga.

Antero de Quental, Poesia (Completa 1842-1891,


Lisboa, 2001, D. Quixote, p. 307

1 Ruído intensa, confusão.

1. Divida o poema em partes lógicas, justificando a sua resposta.

2. Evidencie a grande diferença entre o sujeito poético e todos os outros seres humanos.

3. Transcreva sequências em que seja visível a dicotomia sentimento/pensamento.

191
4. Transcreva a sequência que prova que o sujeito do poema sofre com a consciência do mundo.

5. Selecione vocábulos e expressões ao serviço da sua dor interior.

6. Selecione vocábulos e expressões ao serviço do seu típico discurso conceptual.

7. Selecione um exemplo de personificação e refira o seu valor.

8. Selecione um exemplo de apóstrofe e refira o seu valor.

9. Analise a estrutura formal deste soneto.

10. Explique a seleção do título.justificando a sua resposta.

182
Sonetos Completos, Antero de Quental
■ Configurações do Ideal
PRÁTICA

Leia atentamente o seguinte soneto e responda às questões.

Tormento do Ideai

Conheci a Beleza que nào morre


E fiquei triste. Como quem da serra
M ais alta que haja, olhando aos pés a terra
E o mar, vê tudo, a maior nau ou torre,

5 Minguar, fundir-se sob a luz que jorre;


Assim cu vi o mundo c o que ele encerra
Perder a cor, bem como a nuvem que erra
Ao pôr do sol e sobre o mar discorre.

Pedindo à forma, em vão, a ideia pura,


l* Tropeço, em sombras, na matéria dura, WílILarn Tumer,
Por do Soí Escoriote, c. 1830-443
E encontro a imperfeição de quanto existe.

Recebi o batismo dos poetas,


E, assentado entre as formas incompletas.
Para sempre fiquei pálido c triste.

Antero de Quental, ojp. dt., p. 220

1. Explique, por palavras suas, as configurações que Antero faz do Ideal, socorrendo-se de
exemplos textuais.

2. Mostre o contraste de características entre Ideal/Real, socorrendo-se de exemplos textuais.

3. Explique o resultado deste binómio Ideal/Real no interior do sujeito poético, socorrendo-


-se de elementos textuais.

4. Explique o primeiro verso do segundo terceto «Recebi o batismo dos poetas».

5. Esclareça a expressividade da comparação existente na primeira quadra.

193
NEMUII EXAME NACIINAL

CESÃRIO VERDE, Cânticos do Realismo


- O Livro de Cesário Verde
CONTEXTUAL1ZAÇÀO

Vida e obra
• 1855 (25 de fevereiro): nasce José Joaquim Cesário Verde, em Lisboa.
• 1873: matricula-se num curso de Letras, que não termina. Conhece Silva
Pinto e publica poemas em jornais, enquanto trabalha com o pai.
• 1877: começam os sintomas de tuberculose, doença da qual haviam morrido
dois irmãos.
«1886 (19 de julho): morre, em Lisboa, aos 31 anos.
• 1887: Silva Pinto organiza 0 Livro de Cesário Verde, que é publicado em 1901. Columbano Bordalo Pinheiro,
Retrato de Cesário Verde. 1887

TÓPICOS DE ANÁLISE EM CÂNTICOS DO REALISMO-O UVRO DE CESÁRIO VERDE

Cesário apresenta maioritariamente lugares da cidade de LISBOA, por onde passa a


A caminho do trabalho. Nesses lugares, dá-nos a ver os membros do povo que trabalham na
representação urbe, em condições físicas muito duras e até desumanas. Destacam-se populares, tais
da cidade como calceteiros. varinas, mestres carpinteiros, a vendedora de hortaliça, entre outros.
e dos tipos No entanto, escreve também poemas em que o centro é o campo e a burguesia que nele
sociais deambula/passeia, como acontece, por exemplo, em textos poéticos como «De tarde»
ou «De verão».

à medida que vai caminhando de sua casa até à loja onde trabalha com o seu pai, Cesá­
Deambulação rio Verde vai registando no seu olhar tudo quanto vê (lugares, pessoas, sensações). Por
e imaginação: vezes, passa da realidade que vê àquilo que ela lhe lembra e, então, vamos para o plano
o observador da imaginação. Prova desse plano imaginativo é o conjunto de verbos que o transportam
acidental do visível para o imaginário, como, por exemplo: «embrenho-me», «sigo», «E eu recompu­
nha, por anatomia. / Um novo corpo orgânico», «E evoco, então, as crónicas medievais».

É pelos seus cinco sentidos que o poeta regista em verso tudo quanto absorve, enquanto
Perceção
caminha. Juntando às sensações um toque de imaginação poética e de pintor. Cesário
sensorial
transforma mentalmente vegetais e frutos (entre outros) em partes do corpo humano.
etransfiguração
«Subitamente - que visão de artista! - / Se eu transformasse os simples vegetais (...)/
poética do real
Num ser humano que se mova e exista».

Estrutura de «O sentimento dum ocidente!»:


Trata-se de um poema longo, dividido em quatro partes: «Ave-Marias», «Noite fechada»,
«Ao gás» e «Horas mortas». Segundo as marcas do género épico, nele Cesário Verde
faz brotar críticas e louvores às qualidades e potencial lusitanos (muito associados ao
Imaginário
período dos Descobrimentos e de Camões), isto é, escolhe um tema de interesse uni­
épico
versal (glórias conseguidas com as Descobertas), cantado com linguagem erudita. Cons­
ciente das injustiças sociais que testemunha ao circular por Lisboa, especialmente as
que opõem os muito ricos aos muito pobres, Cesário Verde apela a um futuro glorioso
construído no presente século XIX e respetivo futuro.

• Seleção frequente de rima cruzada e interpolada ao serviço do cruzamento de planos


visíveis e transfigurados pelo poeta-pintor;
Linguagem " Estrofes: quadras, quintilhas:
e estilo • Métrica: versos decassilábicos e alexandrinos;
• Comparações, metáforas, enumerações, hipérboles, sinestesias. usos expressivos do
adjetivo e do advérbio.

184
Leia atentamente o seguinte poema e responda às questdes.

O sentimento dum ocidental: I — Ave-Martas

Nas nossas ruas, ao anoitecer.


Há tal sot umidade1, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício2, o Tejo, a maresia3
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.

5 O céu parece baixo e de neblina,


O gás extravasado enjoa-me, perturba;
E os edifícios, com as chaminés, e a turba4
Toldam-sc duma cor monótona c londrina.

Carlos Botelho, Trechos de Lisboa s.d.


Batem os carros de aluguer5, ao fundo,
li Levando à v ia-férrca os que se vão. Felizes!
Ocorrem-me cm revista exposições, países:
Madrid, Paris, Berlim, S. Pctcrsburgo, o mundo!

Semelham-se a gaiolas, com viveiros,


As edificações somente emadeiradas:
15 Como morcegos, ao cair das badaladas.
Saltam de viga cm viga os mestres carpinteiros.
1 Característica do que é sombrio,
triste, medonho.
Voltam os calafates5, aos magotes, 2 Murmúrio; agitação.
De jaquetão ao ombro, enfarruscados7, secos; ■Cheiro a mar, sobretudo, quando a
maré está baixa.
Embrenho-me, a cismar, por boqueirões, por becos, 4 Multidão, povo.
3 Ou erro* pelos cais a que se atracam botes. 5 Táxis.
Operários que vedam estruturas com
materiais próprias para a madeira ou
E evoco’, então, as crónicas navais: as barcos.
7 Sujos de fuligem ou outro pó negro.
Mouros, baixéis10, heróis, tudo ressuscitado! ■Caminho.
Luta Camões no Sul, salvando um livro11, a nado! ■Recordo.
10 Navio pequeno.
Singram12 soberbas naus que eu não verei jamais!
11 Os Lusíodos.
12 Navegam à vela; têm êxito.
5 E o fim da tarde inspira-me; e incomoda! 13 Navio de guerra.
14 Pequeno barco de comunicação
De um couraçado13 inglês vogam os escaleres14; entre um navio e o cais.
E em terra num tinir15 de louças c talheres 15 Som estridente de objetos de barro
ou porcelana.
Flamejam, ao jantar, alguns hotéis da moda. 14 Elétrico.
17 Discursam; conversam.
lfBobo; palhaço.
Num trem de praça15 arengam17 dois dentistas;
11 Metáfora: os ocídsos. ou
1 Um trôpego arlequim1® braceja numas andas; eventualmente os criados de casa,
descansam nas varandas. Querubins
Os querubins do lar19 flutuam nas varandas; são os anjos que se encontram mais
Às portas, em cabelo, enfadam-se os lojistas! próximos de Deus.

105
Vazam-se os arsenais c as oficinas20;
Kcluz, viscoso, o no, apressam-se as obreiras;
S E num cardume negro, hercúleas21, galhofeiras,
Correndo com firmeza, assomam as varinas22.

Vem sacudindo as ancas opulentas! 20Edifícios du armazéns que se


Seus troncos varonis recordam-me pilastras23; dedicam ao fabrico de materiais ou
reparação de navios; depósitos.
E algumas, à cabeça, embalam nas canastras24 21 Gigantes; robustas.
22Mulheres oriundas da região de
• Os filhos que depois naufragam nas tormentas.
Aveiro que tratam do peixe trazido
por pescadores.
Descalças! Nas descargas de carvão, ^Pilares, colunas.
Desde man hã ã noite, a bordo das fragatas25; 24Espécie de cesto para transporte de
peixe.
E apinham-se num bairro aonde miam gatas, 25 Barca pequena usada no Tejo para
E o peixe podre gera os focos de infeção! carga e descarga de navios.

Cesário Verde, «O sentimento dum ocidental*. Cárrírrar do Realismo —


O Lí*w de Cesárw Verde (introd. I lelena Buescu), Lisboa, INCM, 2015, pp. 122-123

1. Mostre que este poema é um excelente exemplo da representação da cidade e de tipos


sociais. Socorra-se de exemplos textuais.

2. Selecione exemplos de deambulação e imaginação próprias deste observador acidental.

3. Identifique o momento em que o sujeito poético presentifica a memória épica, referindo-


-se às respetivas viagens e personagens.

4. Faça corresponder as sequências da coluna A aos respetivos recursos expressivos da


coluna B.

Coluna A Coluna B

a) «as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia» 1. comparação

b) «0 céu parece baixo e de neblina» 2. uso expressivo do adjetivo

c) «hercúleas, galhofeiras, / Correndo com firmeza,


3. enumeração
assomam as varinas»

d) «E o peixe podre gera os focos de infeção!» 4. metáfora

e) «Os filhos que depois naufragam nas tormentas.» 5. hipérbole

186
0 Livro de
FICHA 67

Leia atentamente o seguinte poema e responda às questdes.

Num bairro moderno

Como c saudável ter o seu conchego, As azeitonas, que nos dào o azeite,
E a sua vida fácil! Eu descia, Negras e unidas, entre verdes folhos,
Sem muita pressa, para o meu emprego. Sào tranças dum cabelo, que se ajeite;
Aonde agora quase sempre chego E os nabos — ossos nus, da cor do leite,
5 Com as tonturas d'um a apoplexia. S E os cachos d’uvas — os rosários de olhos.

E rota, pequenina, azafamada, Há colos, ombros, bocas, um semblante


Notei de costas uma rapariga. Nas posições de certos frutos. E entre
Que no xadrez marmóreo d'uma escada, As hortaliças, túmido, fragrante,
Como um retalho de horta aglomerada, Como dalguém que tudo aquilo jante,
iD Pousara, ajoelhando, a sua giga. • Surge um melão, que me lembrou um ventre.

E eu, apesar do sol, cxaminci-a: E, como um feto, enfim, que se dilate,


Pôs-se de pé; ressoam-lhe os tamancos; Vi nos legumes carnes tentadoras.
E abrc-sc-lhe o algodào azul da meia, Sangue na ginja vívida, escarlate,
Sc ela se curva, esgucdclhada, feia, Bons corações pulsando no tomate
15 E pendurando os seus bracmhos brancos. 15 E dedos hirtos, rubros, nas cenouras.

Subitamente — que visão de artista! — E enquanto sigo para o lado oposto,


Sc cu transformasse os simples vegetais, E ao longe rodam umas carruagens,
A luz do sol, o intenso colorista. A pobre afasta-se, ao calor de agosto,
Num ser humano que se mova c exista Descolorida nas maçãs do rosto,
M Cheio de belas proporções carnais?! 51 E sem quadris na saia de ramagens.

Boiam aromas, fumos de cozinha; E, como as grossas pernas dum gigante,


Com o cabaz ás costas, c vergando, Sem tronco, mas atléticas, inteiras,
Sobem padeiros, claros de farinha; Carregam sobre a pobre caminhante,
E às portas, uma ou outra campainha Sobre a verdura rústica, abundante,
S Toca, frenética, de vez cm quando. 55 Duas frugais abóboras carneiras.

Ccsário Verde, op. cít., pp. 100-103


E cu recompunha, por anatomia.
Um novo corpo orgânico, aos bocados.
Achava os tons e as formas. Descobria
Uma cabeça numa melancia,
30 E nuns repolhos seios injetados.

187
1. Mostre como este é outro dos poemas em que testemunhamos a deambulação e a imagi­
nação deste observador acidental socorrendo-se de transcrições textuais.

2. Identifique a personagem em quem o sujeito poético se concentra. Justifique a sua res­


posta com elementos textuais.

3. Explique o conceito de transfiguração poética do real, justificando a sua resposta com


exemplos textuais.

4. Identifique e esclareça o valor do recurso expressivo presente nas seguintes sequências:

a) «Boiam aromas, fumos de cozinha*.

b) «As azeitonas (...) [s]ão tranças d'um cabelo».

5. Esclareça ouso do advérbio «subitamente» (v. 16).

wa
Leia atentamente o seguinte poema e responda às questdes.

De tarde

Naquele pic-nie cie burguesas,


Houve uma cousa simplesmente bela,
E que, sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.

5 Foi quando tu, descendo do burrico,


Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grào-dc-bico
Um ramalhete rubro de papoulas.

Pouco depois, cm cima d’uns penhascos,


10 Nós acampámos, mda o sol se via;
E houve talhadas de melão, damascos,
E pào de ló molhado cm malvasia.

Mas, todo púrpuro a sair da renda.


Dos teus dois seios como duas rolas, ClaudeMonet,
Estudo oo Ar Livre, Mulher olhando
15 Era o supremo encanto da merenda para o Esquerda, 1886
O ramalhete rubro das papoulas!

Cesário Verde, <?p. ãt., p. 130

1, Mostre como neste poema o sujeito poético nos revela a sua perceção sensorial e trans­
figuração do real.

2. Explique de que modo é que este poema contrasta com a representação da cidade e dos
tipos sociais que o sujeito poético normalmente observa, enquanto vai deambulando.

3. Selecione:

a) um exemplo de comparação e refira o seu valor.

b) um exemplo de uso expressivo do advérbio.

4. Analise formalmente o poema, considerando a estrofe, a métrica e a rima.

199
Leia atentamente o seguinte poema e responda às questões.

Cristalizações

Faz trio. Mas, depois d uns dias de aguaceiros, Bom tempo. E os rapagões, morosos, duros, baços,
Vibra unia imensa claridade crua. Cuja coluna nunca se endireita,
De cócoras, cm linha os calcctciros, Partem penedos. Voam-lhe estilhaços.
Com lentidão, terrosos ou grosseiros, Pesam cnormcmcntc os grossos maços,
í Calçam de lado a lado a longa rua. 3 Com que outros batem a calçada feita.

Como as elevações secaram do relento,


E o descoberto sol abafa c cria! H omens de carga’ Assim as bestas vão curvadas!
A frialdade exige o movimento; Que vida tào custosa! Que diabo!
E as poças d’água, como um chào vidrcnto, E os cavadores descansam as enxadas,
1 Refletem a molhada casaria. E cospem nas calosas mãos gretadas,
Em pé c perna, dando aos nns que a marcha agita. ® Para que nào lhes escorregue o cabo.

Disseminadas, gritam as peixeiras; Povo! No pano cru rasgado das camisas


Luzem, aquecem na manhà bonita, Uma bandeira penso que transluz!
Uns barracões de gente pobrezita, Com ela sofres, bebes, agonizas:
É E uns qumtalórios velhos, com parreiras. Listrões de vinho lançam-lhe divisas,
(...) E os suspensórios traçam-lhe uma cruz!

Cesário Verde, t>p. cÍL, p. 113-116

1. Identifique e caracterize os tipos sociais representados neste poema.

2. Identifique os recursos expressivos e o seu respetivo valor presentes nas seguintes


sequências:

a) *E os rapagões, morosos, duros, baços*.

b) *Vibra uma imensa claridade crua*.

c) *E as poças d'água, como um chão vidrento*.

3. Analise formalmente o poema.

190
TEORIA

PRÁTICA
NEMUII EXAME NACIINAL

FERNANDO PESSOA-POESIA DO ORTÓNIMO


CONTEXTUAL1ZAÇÂO

Vida e obra
• 1888 (13 de junho): nasce Fernando António
Nogueira Pessoa, em Lisboa. Filho de pais aristo­
cratas, sendo o pai lisboeta (funcionário público
do Ministério da Justiça) e a mãe açoriana (Ilha
Terceira).
■ Infância e adolescência: o pai morre de tubercu­
lose, quando Pessoa tinha 5 anos; o irmão Jorge
falece bebé no ano seguinte.
• 1895: a mãe volta a casar, agora com um coman­
dante.
• 1896: Pessoa e a mãe embarcam para Durban
(África do Sul), onde ele completa os estudos
numa escola irlandesa de freiras, não em quatro,
mas em apenas dois anos;
• 1899-1902: completa os estudos secundários num
liceu de Durban; é distinguido como um dos melho­
res alunos e escreve os seus primeiros poemas em
inglês com 13 anos; nesse período de tempo vê
falecer a irmã.
• 1901: Pessoa regressa para férias com a família a
Portugal e vai-se isolando cada vez mais dos seus
meios-irmãos, da sua mãe e do seu padrasto.
• 1905: regressa definitivamente a Portugal, desta
vez sozinho, para viver com uma avó e duas tias.
• 1906: ingressa no Curso Superior de Letras, mas
não o termina.
• 1906: contacta com escritores e intelectuais e
estuda a obra de Cesário Verde e Padre António Júlio Pomar, Fernando Pessoa 19BB
Vieira.
• 1908: aluga um quarto por conta própria e trabalha como tradutor de correspondência comercial, profis­
são que mantém toda a vida; inicia a sua vida pública e frequenta tertúlias literárias no café A Brasileira,
no Chiado (Lisboa).
• 1920: passa a frequentar outro café, Martinho da Arcada, na Praça do Comércio, onde participa em novas
tertúlias.
• 1915: Pes _>oa participa na revista literária Orpheu, representante do Modernismo em Portugal e objeto
de muita polémica. Nesta revista, que só teve 2 números. Pessoa publica poemas ortónimos e poemas de
Álvaro de Campos; no número 2 de Orpheu. Pessoa assume a direção da revista, em parceria com Mário
de Sá-Carneiro.
• 1924: Pessoa junta-se ao artista Ruy Vaz e ambos publicam uma nova revista, Atheno, onde saem poemas
escritos pelo ortónimo e dos seus heterónimos, Alberto Caeiro. Ricardo Reis e Álvaro de Campos.
• Pessoa dedicou toda a sua vida à escrita.o que aparece resumido em Livro do Desassossego, dosemi-he-
terónimo Bernardo Soares - «a minha pátria é a língua portuguesa*.
• 1935 (30 de novembro): morre Fernando Pessoa, vítima de doença hepática; é sepultado no Cemitério
dos Prazeres.
*1988: no centenário do seu nascimento, o corpo de Fernando Pessoa foi trasladado para o Mosteiro dos
Jerónimos, numa homenagem póstuma meritória.

192
nktkiês u? ani

TEORIA

CONTEXTUALIZAÇÀO HISTÓRICO-LITERÁRIA

A partir da década de 80 do século XIX e até


ao final da Primeira Guerra Mundial, surge,
em Portugal, o movimento estético-literário
designado Primeiro Modernismo.

No seguimento de pressupostos de artistas


plásticos (pintores, escultores) e literatos
da França do início do século XX, o Primeiro
Modernismo rompe com as escolas estéticas
tradicionais anteriores {Romantismo, Ultrar-
romantismo), defendendo a experimentação
de novos materiais plásticos, de sensações
físicas e intelectuais libertadoras e ainda de
ideias artísticas livres, criativas e originais.
Autores como Almada-Negreiros, Mário
de Sá-Carneiro e Fernando Pessoa, entre
outros, uniram-se nesta intenção de dar vida
à Vanguarda e aos -rsmos que a ela vinham
associados, como o Expressionismo, o Futu­
rismo eo Cubismo.

O Manifesto Antr-Dantas, texto doutriná­


rio de José de Almada-Negreiros, marcou
definitivamente essa rutura entre a geração
romântica e finissecular portuguesa e a nova
geração de artistas, a Geração de Orpheu
(Orpheu, nome da revista onde esses novos
autores publicavam os seus textos).

Santa-Rita Pintor, Cabeça, c. 1912

Eis algumas das novas tendências que encontramos na escrita pessoana:

* Fragmentação do Eu / Ser fragmentado;


* Moderna cosmovisão motivada pelo poder da máquina (Futurismo);
* Consciência e esperança no Devir/Futuro;
* Poder criador e autêntico da Palavra e da Literatura;
* Recusa da regularidade estrófica e métrica, associada a uma nova arte poética;
•Atração pelo mistério, pelo oculto, pelo esotérico1, pelo exótico e pelos excessos loucos de qualquer
natureza.

1 Secreta. ocultD, misteriosa, estranho.

193
PIEMUII EXAME NACIINAL

C
0 ortónimo escreve de acordo com o seguinte processo: sente (sentimento, coração), pensa sobre o
c a
que sentiu (pensamento, razão, «fingimento» - que não é mentira, mas intelectualização e transfor­
mação mental do que sentiu) e, só no final, escreve. Portanto, o que está escrito não é o resultado de
uma sensação pura, mas de uma Já transformada pelo pensamento.
o

Esta «dor de pensar» nada mais é do que o sofrimento que o poeta adulto sente por ter uso da razão
o “ e da consciência. Ora, tal consciência dá-lhe a visão do que é negativo e aflitivo/sofrível na vida
< Q- humana. Por isso mesmo, deseja não pensar e manter a inconsciência de uma criança, de uma pessoa
■o inculta, de um não-poeta. de um gato, entre outros.

-S Estes dois mundos são sempre apresentados ao leitor (porque sentidos assim pelo poeta) em con-
■c traste/oposição. 0 «sonho» é. regra geral, conotado com Ideal, Liberdade, Perfeição, Plenitude. A
■ realidade é o factual, o inevitável, o quotidiano físico em que vive o poeta e que lhe causa frustração,
0 sofrimento e desequilíbrio.

• • A infância é um período de vida recheado de momentos felizes, plenos e maravilhosos. Porém, sendo
— c trazida por um som, uma visão ou sensação, a referida infância vem intensificar o contraste entre um
tí £ passado longínquo e um presente (idade adulta), tão próximo do poeta quanto fonte de problemas. Por
c conseguinte, ao recordar esse passado infantil, o poeta evoca espaços, pessoas e vivências que hoje,
■* para sua tristeza e imensa saudade, são apenas memórias, não factos.

A escrita de Pessoa ortónimo integra os temas acima apresentados, recorrendo frequentemente a for­
mas da lírica tradicional (quadras e quintilhas em redondilha menor e maior), a um vocabulário e constru­
ção sintática simples c a um conjunto de recursos expressivos típicos do seu estilo:
- Antítese: «Sinto mais longe o passado./Sinto a saudade mais perto» («Ó sino da minha aldeia»);
- Antítese: «Dizem que finjo ou minto / Tudo que escrevo. Não. / Eu simplesmente sinto / Com a
imaginação. / Não uso o coração.» («Isto»);
-Antítese, apóstrofe: «0 que em mim sente'stá pensando. (...)/Ah. poder ser tu, sendo eu!/Ter a
tua alegre inconsciência, / E a consciência disso! Ó céu!» («Ela canta, pobre ceifeira»);
- Metáfora: «Se p'ra minha alma volvo um quase-olhar / Não me vejo onde estou.» («Ascensão»);
- Anáfora: * Nem realidade para além dos bastidores / Nem realidade real em quem vê» («Ah, viver
em cenário e ficção!»)
- Metáfora: «Chegou onde hoje habito/A casa que hoje sou.» («Entre o sono e o sonho»);
- Personificação: «Ao longe, ao luar. / No rio uma vela. / Serena a passar. / Que é que me revela? //
Não sei, mas meu ser /Tornou-se-me estranho, / E eu sonho sem ver /Os sonhos que tenho.// O.ue
angústia me enlaça?» («Ao longe, ao luar»);
- Anáfora, antítese: «Não sei se é sonho, se realidade, / Se
uma mistura de sonho e vida »(«Não sei se é sonho, se rea­
lidade»);
- Enumeração e metáfora: «Antigamente falava / De fadas,
elfos e gnomos: / Hoje fala só da escrava/ Indecisão que
nós somos.» («A lenda dourada e linda»);
- Enumeração,gradação,antítese:»Aciência,aciéncia,aciên-
cia.../Ah.comotudoénuloevào!/Apobrezadainteligência/
Ante a riqueza da emoção!» («A ciência, a ciência, a ciên­
cia»)
- Interrogação retórica: «E eu era feliz?» («Pobre velha
música!*).2

2Todas as citações acima seguem a ediçàD: Fernando Pessaa, PoesiodoEu António Dacosta. Sonfio de Fernando
(ed.de Ricardo Zenith), Lisboa. Assírio & Alvim.2014. Pessoa debaixo de uma Latada
numa Tarde de Veròo, 19B2-83

194
Poesia do ortónlmo, Fernando Pessoa
• O fingimento artístico
PRÁTICA

Leia o poema que se segue e responda às questdes.

.4 u tops i cograjt a

O poeta c um fingidor.
Finge tào completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

5 E os que leem o que escreve,


Na dor lida sentem hem,
Nào as duas que ele teve,
Mas só a que eles nào têm.

E assim nas calhas de roda


U Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama o coraçào.

Fernando Pessoa, Obra Hssenáal


(ed. de Kichard Zenith), I.isboa,
Assírio & Alvim, 2014, p. 241
Marc Chaga II, 0 Poeta, 1911

1. Divida o poema em partes lógicas, justificando a sua escolha.

2. Esclareça □ sentido do primeiro verso *0 poeta é um fingidor.».

3. Explique como são descritos os leitores.

195
4. Indique de quantas«dores» trata, afinal, este poema, justificando a sua resposta.

5. Explique por que motivo encontramos, neste poema, a dicotomia coração/razâo. tendo
em conta a última estrofe.

5.1 De acordo com a mesma estrofe, indique quem dá essa «corda* ao «combolo»/«co-
raçâo».

6. Transcreva dois exemplos de metáfora, referindo-se ao seu valor.

7. Indique o recurso expressivo presente nos versos «Não as duas que ele teve, / Mas só a
que eles não têm*, referindo-se ao seu valor.

8. Evidencie a adequação do título ao conteúdo do poema.

196
Leia o poema que se segue e responda às questdes.

Ela canta, pobre ceifeira, Ah, canta, canta sem razào!


Julgando-se feliz talvez; O que em mim sente ’stá pensando.
Canta, c ceifa, c a sua voz, cheia 15 Derrama no meu coração
De alegre e anónima viuvez. A tua incerta voz ondeando!

5 Ondula como um canto de ave Ah, poder ser tu, sendo eu!
No ar limpo como um limiar, Ter a tua alegre inconsciência,
E há curvas no enredo suave E a consciência disso! O céu!
Do som que ela tem a cantar. 3 O campo! ó canção! A ciência

Ouvi-la alegra c entristece, Pesa tanto e a vida é tão breve!


U Na sua voz há o campo e a lida, Entrai por mim dentro! Tornai
E canta como se tivesse Minha alma a vossa sombra leve!
Mais razões p’ra cantar que a vida. Depois, levando-me, passai!

Fernando Pessoa, op.ái., p. 171

1. Caracterize a «ceifeira* e a Natureza que a rodeia, justificando a sua resposta com ele­
mentos textuais.

2. Explicite quais os sentimentos e as reflexões do sujeito poético em relaçõo à ceifeira.


Justifique a sua resposta.

3. Esclareça o poder da música neste texto poético, justificando a sua resposta.

4. Evidencie a relaçõo entre «consciência* e «ciência*.

5. Explique, por palavras suas, e de acordo com este poema, o conceito pessoano de «dor de
pensar*.

197
Leia atentamente o poema e responda às questões.

Não sei sc é sonho, sc realidade, Mas já sonhada sc desvirtua,


Sc uma mistura de sonho c vida. Só de pensá-la cansou pensar,
Aquela terra de suavidade É Sob os palmares, à luz da lua,
Que na ilha extrema do sul sc olvida. Sente-se o frio de haver luar.
5 E a que ansiamos. Ah, ah Ah, nesta terra também, também
A vida é jovem c o amor sorri. O mal nào cessa, nào dura o bem.

Talvez palmares inexistentes, Nào c com ilhas do fim do mundo,


Âlcas longínquas sem poder ser, 3 Nem com palmares de sonho ou nào,
Sombra ou sossego deem aos crentes Que cura a alma seu mal profundo.
■ De que essa terra sc pode ter. Que o bem nos entra no coração.
Felizes, nós? Ah, talvez, talvez, E cm nós que c tudo. E ah, ah.
Naquela terra, daquela vez. Que a vida é jovem e o amor sorri.

I:em.indo Pessoa, op.íit., p. 268

1. Divida o poema em partes lógicas e justifique a sua escolha.

2. Com base nas duas primeiras estrofes, caracterize a «terra de suavidade».

3. Estabeleça o papel do pensamento na construção do contraste entre o «sonho» e a «realida­


de», justificando a sua resposta com elementos textuais.

4. Identifique a simbologia dessa «terra de suavidade», relacionando-a com os «crentes*.

5. Explique, por palavras suas, o sentido da última estrofe.

6. Esclareça o sentido da frase «É em nós que é tudo.*.

19&
Leia atentamente o poema e responda às questões.

O sino da minha aldeia, Por mais que me tanjas perto,


Dolente na tarde calma, ll Quando passo, sempre errante,
Cada tua badalada Es para mim como um sonho.
Soa dentro da minha alma. Soas-me na alma distante.

5 E c tào lento o teu soar, A cada pancada tua,


Tào como triste da vida. Vibrante no céu aberto,
Que já a primeira pancada 15 Sinto mais longe o passado,
Tem o som de repetida. Sinto a saudade mais perto.

Fernando Pessoa, op.dt., p. 42

1. Explicite de que forma a música tem aqui um papel diferente do que é exposto no poema
sobre a ceifeira.

2. Indique as características do *sino*. justificando a sua resposta com elementos textuais.

3. Apresente o contraste entre a infância (passado) e a idade adulta (presente).

4. Explique, socorrendo-se das suas próprias palavras, as reações que esse «sino» cria no
sujeito poético.

5. Transcreva da primeira estrofe uma personificação, referindo o seu valor.

6. Mostre como a última estrofe se desenrola a partir de uma gradação.

7, Esclareça o sentido dos dois últimos versos do poema.

199
NEMUII EXAME NACIINAL

BERNARDO SOARES, LIVRO DO DESASSOSSEGO


CONTEXTUAL1ZAÇÀO

Bernardo Soares olhado por Ríchard Zenith1:


• primeiro nome deste «semi-heterónimo» era «Vicente
Guedes», mas foi alterado para «Bernardo Soares» em
1929, «ajudante de guarda-livros», que vive num 4.°
andar da Rua dos Retroseiros, 17 - Lisboa.
• Bernardo Soares é um «semi-heterónimo»: éum desmem­
bramento, um derivado do próprio Fernando Pessoa.
• Livro do Desassossego é um conjunto de «fragmentos»
unidos por uma mesma investigação, reflexão e caracte­
rização da sensação, do pensamento, da consciência e
inconsciência, da realidade e do sonho, enfim, de toda a
humanidade, existência absoluta do ser humano.
• Bernardo Soares apresenta o ser humano no seu todo e nas
suas partes: ser físico (criança, adulto, velho, morto), ser
intelectual (pensador e sonhador), ser espiritual (alma), e
todo o livro ê o conjunto dessas partes ou fragmentos.
• livro assenta na tese: «pode um homem, psicológica
e espiritualmente, viver de um modo completamente
autossuficiente, sem precisar de mais ninguém?». Esse
homem deve «depender unicamente da sua imaginação
e da sua arte literária para entreter os dias na estala­
gem ou no interlúdio que é a nossa vida na Terra.» - vida
física, vida sonhada e vida absoluta.
• título inclui a ideia de «desassossego», pois é essa a
natureza deste «semi-heterónimo»: sempre insatisfeito
com a realidade física e social e querendo bastar-se a
Júlio Pomar, Fernando Pessoa,
si mesmo, afastando-se do convívio com os outros e Desenha para a Estação de Metro Alta dos Moinhos,
vivendo apenas com figuras e cenários fruto da sua Lisboa, 1983-84
imaginação e não da realidade. Tudo isto lhe causa, por­
tanto, perturbação e sofrimento.

TÓPICOS DE ANÁLISE NO UVRO DO DESASSOSSEGO

Bernardo Soares olha para a realidade lisboeta e para as pessoas, sonhando a partir dela ou
imaginando o seu passado povoado de entidades e referentes típicos da cidade.

Todas as pessoas e coisas que vê, todas as reflexões que faz e pedaços de visões que imagina
5 existem porque Soares contacta com elas no dia a dia da sociedade lisboeta dos princípios do
5 século XX.

Soares circula, a pé ou de transportes públicos, pela cidade de Lisboa e embrenha-se a sonhar


a partir do que observa acidentalmente, pontualmente, especificamente, ou seja, por acaso e à
medida que se desloca.

1 Todas as citações seguem a edição Bernardo Soares, Livro do Desassossego [ed. de Ricardo Zénith), Lisboa, Assírio ã Alvim, 2015.

ZOO
TEORIA

poética do real
transfiguração
Percaçào » Tal como Cesário Verde fazia [por exemplo, em «Num bairro moderno»], assim também Ber­
nardo Soares olha para as pessoas e objetos e transforma-os com o seu olhar em pedaços de
outras entidades. Assim, o visível decompõe-se em entidades imaginadas pelo autor.

Dada a natureza fragmentária da obra, pois os excertos vão tratando de assuntos vários, resul­
tado das reflexões e transfigurações da realidade feitas por Bernardo Soares, podemos verifi­
car os seguintes recursos expressivos:

- Paradoxo, comparação, metáfora: «Vivo uma era anterior àquela em que vivo: gozo de sen-
tir-me coevo de Cesário Verde (...). Por ali arrasto, até haver noite, uma sensação de vida
parecida com a dessas ruas. (...) Não há diferença entre mim e as ruas para o lado da Alfân­
dega, salvo elas serem ruas e eu ser alma (...).»(Fragmento «Amo, pelas tardes demoradas
de verão»);

- Metáfora, anáfora, gradação: «Toda a vida é um sono. Ninguém sabe o que faz. ninguém sabe
o que quer, ninguém sabe o que sabe »(Fragmento «Quando outra virtude não haja em mim»):

- Hipérbole: «Eu nunca fiz senão sonhar. Tem sido esse, e esse apenas, o sentido daminha vida.»
(Fragmento «Eu nunca vi senão sonhar.»):

-Fragmentação conseguida por meio de comparação, enumeração, metáfora: «e alinho na


minha imaginação, confortavelmente, como quem no inverno se aquece a uma lareira, figu­
ras que habitam, e são constantes e vivas, na minha vida interior. Tenho um mundo de amigos
dentro de mim. com vidas próprias, reais, definidas e imperfeitas. (Fragmento «Eu nunca vi
senão sonhar.*):
Linguagem, estilo e estrutura

- Hipérbole: «Tudo é absurdo. (...) Vivi a vida inteira.» (Fragmento «Tudo é absurdo.»):

- Antítese, uso expressivo do advérbio: «Um lê para saber, inutilmente. Outro goza para viver,
inutilmente.» (Fragmento «Tudo é absurdo.»):

- Quotidiano, deambulação e sonho - observador acidental, perceção e transfiguração do real,


fragmentação conseguidos através de enumeração, metáfora e pormenor descritivo, visua-
lismo: «Para mim os pormenores são coisas, vozes, frases. Neste vestido da rapariga que
vai em minha frente decomponho o vestido em o estofo de que se compõe, o trabalho com
que o fizeram (...) e o bordado leve que orla a parte que contorna o pescoço separa-se-me
em retrós de seda, com que se o bordou, e o trabalho que houve de o bordar.» (Fragmento
«Tudo é absurdo.»):

-Quotidiano, imaginário urbano,


perceção e transfiguração do
real introspeção e consequente
exaustão e desequilíbrio inte­
rior conseguidos através de
enumeração, gradação, hipér­
bole: -Entonteço.Os bancos de
elétrico, de um entretecido de
palha forte e pequena, levam-
-me a regiões distantes, mul­
tiplicam-se-me em indústrias.
operários, casas de operários,
vidas, realidades, tudo. Saio do
carro exausto e sonâmbulo.»
(Fragmento «Tudo é absurdo.»).

201
Leia atentamente o seguinte fragmento e responda às questões.

Amo, pelas tardes demoradas dc verão, o sossego da cidade baixa, e sobretudo aquele
sossego que o contraste acentua na parte que o dia mergulha cm mais bulício. A Rua
do Arsenal, a Rua da Alfândega, o prolongamento das ruas tristes que se alastram para
leste desde que a da Alfandega cessa, toda a linha separada dos cais quedos — tudo isso
5 me conforta dc tristeza, se me insiro, por essas tardes, na solidão do seu conjunto. Vivo
uma era anterior àquela cm que vivo; gozo dc scntir-mc coevo dc Cesário Verde, c
tenho cm mim, nào outros versos como os dele, mas a substância igual à dos versos
que foram dele. Por ah arrasto, ate haver noite, uma sensação de vida parecida com a
dessas ruas. Dc dia elas são cheias dc um bulício que nào quer dizer nada; dc noite sào
I cheias dc uma falta dc bulício que nào quer dizer nada. Eu dc dia sou nulo, c dc noite
sou cu. Nào há diferença entre mim c as ruas para o lado da Alfandega, salvo elas serem
ruas e cu ser alma, o que pode ser que nada valha ante o que é a essência das coisas. Há
um destino igual, porque c abstrato, para os homens c para as coisas — uma designação
ígualmcntc indiferente na álgebra do mistério.
II Mas há mais alguma coisa... Nessas horas lentas c vazias, sobe-me da alma à mente
uma tristeza dc todo o ser, a amargura dc tudo ser ao mesmo tempo uma sensação minha
e uma coisa externa, que nào está cm meu poder alterar. Ah, quantas vezes os meus pró­
prios sonhos se mc erguem cm coisas, nào para me substituírem a realidade, mas para se
me confessarem seus pares cm cu os nào querer, cm mc surgirem de fora, como o elétrico
3 que dá a volta na curva extrema da rua, ou a voz do apregoador noturno, dc nào sei que
coisa, que se destaca, toada árabe, como um repuxo súbito, da monotonia do entardecer!
Passam casais futuros, passam os pares das costureiras, passam rapazes com pressa dc pra­
zer, fumam no seu passeio de sempre os reformados dc tudo, a uma ou outra porta reparam
cm pouco os vadios parados que sào donos das lojas. Lentos, fortes c fracos, os recrutas
S sonambuhzam cm molhos ora muito ruidosos ora mais que ruidosos. Gente normal surge
dc vez cm quando. Os automóveis ah a esta hora nào sào muito frequentes; esses sào musi­
cais. No meu coração há uma paz dc angústia, c o meu sossego é feito dc resignação.
Passa tudo isso, c nada dc tudo isso me diz nada, tudo é alheio ao meu destino,
alheio, até, ao destino próprio — inconsciência, círculos dc superfície quando o acaso
1 deita pedras, ecos dc vozes incógnitas — a salada coletiva da vida.

Bernardo Soares, op.cit., pp. 41-42

1. Identifique o assunto deste fragmento, justificando a sua resposta.

2. Retire do fragmento um exemplo que evidencie a deambulação do sujeito.

202
PRÁTICA

3. Esclareça de que modo a hipálage presente em «ruas tristes» está ao serviço da caracte­
rização do estado de espírito de Bernardo Soares.

4. Evidencie a relação que Bernardo Soares estabelece entre si e Cesário Verde,justificando


a sua resposta com elementos textuais.

5. Explique o sentido da frase «Eu de dia sou nulo, e de noite sou eu.» (linhas 10-11).

6. Explique, por palavras suas, a relação que Bernardo Soares estabelece entre si e «as ruas
para o lado da Alfândega» (linha 11).

7. Prove que, entre as linhas 17 e 21, testemunhamos um exemplo de imaginário urbano,


construído a partir da dicotomia realidade/sonho.

8. Entre as linhas 22 e 27. podemos ver em Bernardo Soares a sua faceta de observador aci­
dental. Justifique esta afirmação.

9. Esclareça a crítica que o sujeito da enunciação faz a partir da menção aos «recrutas»
(linhas 24-25), justificando a sua resposta com elementos textuais.

10. Prove que o último parágrafo justifica a natureza fragmentária de Bernardo Soares e da
sua obra.

203
Leia atentamente o seguinte fragmento e responda às questdes.

Quando outra virtude nào haja em num, há pelo menos a da perpetua novidade da
sensação liberta.
Descendo hoje a ILua Nova do Almada, reparei de repente nas costas do homem que
a descia adiante de mim. Eram as costas vulgares de um homem qualquer, o casaco de
5 um lato modesto num dorso de transeunte ocasional. Levava uma pasta velha debaixo
do braço esquerdo, e punha no chão, no ritmo de andando, um guarda-chuva enrolado,
que trazia pela curva na mão direita.
Senti de repente uma coisa parecida com ternura por esse homem. Senti nele a ter­
nura que se sente pela comum vulgaridade humana, pelo banal quotidiano do chefe de
I família que vai para o trabalho, pelo lar humilde c alegre dele, pelas pequenas alegrias
c tristezas de que forçosamente se compõe a sua vida, pela inocência de viver sem ana­
lisar, pela naturalidade animal daquelas costas vestidas.
Desvio os olhos das costas do meu adiantado e, passando-os a todos mais, quantos vão
andando nesta rua, a todos abarco nitidamente na mesma ternura absurda e fria que me
15 veio dos ombros do inconsciente a quem sigo. Tudo isto c o mesmo que ele; todas estas
raparigas que falam para o atelier, estes empregados jovens que nem para o escritório, estas
criadas de seios que regressam das compras pesadas, estes moços dos primeiros fretes —
tudo isto é uma mesma inconsciência diversificada por caras c corpos que se distinguem,
como fantoches movidos pelas cordas que vão dar aos mesmos dedos da mão de quem é
1 invisível. Passam com todas as atitudes com que se define a consciência, c nào têm cons­
ciência de nada, porque nào têm consciência de ter consciência. Uns inteligentes, outros
estúpidos, são todos igualmente estúpidos. Uns velhos, outros jovens, são da mesma idade.
Uns homens, outros mulheres, são do mesmo sexo que nào existe.
Volvi os olhos para as costas do homem, janela por onde vi estes pensamentos.
5 A sensação era exatamente idêntica àquela que nos assalta perante alguém que dorme.
Tudo o que dorme ê criança de novo. Talvez porque no sono nào se possa fazer mal, e
se não dá conta da vida, o maior criminoso, o mais fechado egoísta, é sagrado, por uma
magia natural, enquanto dorme. Entre matar quem dorme e matar uma criança nào
conheço diferença que se sinta.
1 Ora as costas deste homem dormem. Todo ele, que caminha adiante de mim com
passada igual à minha, dorme. Vai inconsciente. Vive inconsciente. Dorme, porque
todos dormimos. Toda a vida ê um sono. Ninguém sabe o que faz, ninguém sabe o que
quer, ninguém sabe o que sabe. Dormimos a vida, eternas crianças do Destino. Por isso
sinto, se penso com esta sensação, uma ternura informe e imensa por toda a humamda-
S de infantil, por toda a vida social dormente, por todos, por tudo.
E um humanitansmo direto, sem conclusões nem propósitos, o que me assalta neste
momento. Sofro uma ternura como se um deus visse. Vejo-os a todos através de uma
compaixão de único consciente, os pobres diabos homens, o pobre diabo humanidade.
O que está tudo isto a fazer aqui?
* Todos os movimentos c intenções da vida, desde a simples vida dos pulmões ate à
construção de cidades c a frontciraçào de impérios, considero-os como uma sonolência,
coisas como sonhos ou repousos, passadas involuntariamente no intervalo entre uma
realidade c outra realidade, entre um dia e outro dia do Absoluto. E, como alguém
abstratamente materno, debruço-me de noite sobre os filhos maus como sobre os bons,
(, comuns no sono cm que sào meus. Enterneço-me com uma largueza de coisa infinita.

Bernardo Soares, op.cit., pp. 91-93

1. Esclareça assunto deste fragmento.

2. Explique o sentido da primeira frase do fragmento.

3. Transcreva um exemplo textual que confirme a deambulação do sujeito da enunciação e a


sua atitude de observador acidental.

4. Identifique um exemplo textual de imaginário urbano.

5. Identifique no fragmento uma sequência que integre a perceção e transfiguração do real.

6. Após a sequência «Toda a vida é um sono» (linha 32). Bernardo Soares justifica-o. Expli­
que. por palavras suas, essa justificação, e comente a crítica social nela implícita.

7. Refira em quantas realidades é que Bernardo Soares divide a existência, justificando a


sua resposta.

8. Explicite o conteúdo das duas últimas frases do fragmento.

205
Leia atentamente o seguinte excerto do fragmento e responda às questões.

Tudo é absurdo. Este empenha a vida cm ganhar dinheiro que guarda, c nem tem
filhos a quem o deixe nem esperança que um céu lhe reserve uma transcendência desse
dinheiro. Aquele empenha o esforço cm ganhar fama, para depois de morto, c não crê
naquela sobrevivência que lhe dê o conhecimento da fama. Esse outro gasta-se na pro­
cura de coisas de que realmente nào gosta. (...)
Um lê para saber, inutilmente. Outro goza para viver, inutilmente. (...)
Vou num carro elétrico, e estou reparando lentamente, conforme é meu costume,
cm todos os pormenores das pessoas que vào adiante de mim. Para mim os pormenores
sào coisas, vozes, frases. Neste vestido da rapariga que vai em minha frente decompo­
nho o vestido em o estofo de que se compõe, o trabalho com que o fizeram — pois que
o vejo vestido e nào estofo — e o bordado leve que orla a parte que contorna o pescoço
scpara-se-mc cm retrós da seda, com que se o bordou, c o trabalho que houve de o
bordar. E imediatamente, como num livro primário de economia política, desdobram-
-se diante de mim as fábricas c os trabalhos — a fábrica onde se fez o tecido; a fábrica
onde se fez o retrós, de um tom mais escuro, com que se orla de coismhas retorcidas o
seu lugar junto ao pescoço; c vejo as secções das fábricas, as máquinas, os operários, as
costureiras, meus olhos virados para dentro penetram nos escritórios, vejo os gerentes
procurar estar sossegados, sigo, nos livros, a contabilidade de tudo; mas nào é só isto:
vejo, para além, as vidas domésticas dos que vivem a sua vida social nessas fabricas e
nesses escritórios... Toda a vida social jaz a meus olhos só porque tenho diante de mim,
abaixo de um pescoço moreno, que de outro lado tem nào sei que cara, um orlar irre­
gular regular verde-escuro sobre um verde-claro de vestido.
Para além disto pressinto os amores, as sccrccias, a alma, de todos quantos traba­
lharam para que esta mulher que está diante de mim no elétrico use, cm torno do seu
pescoço mortal, a banalidade sinuosa de um retrós de seda verde-escura fazendo inuti­
lidades pela orla de uma fazenda verde menos escura.
Entonteço. Os bancos de elétrico, de um entretecido de palha forte c pequena,
levam-me a regiões distantes, multiplicam-se-me cm indústrias, operários, casas de
operários, vidas, realidades, tudo.
Saio do carro exausto e sonâmbulo. Vivi a vida inteira.

Bernardo Soares, op.cit.. pp. 253-254

1. Identifique assunto deste fragmento.


PRÁTICA

2. Comente a opinião do sujeito da enunciação sobre «Este* (linha 1), «Aquele* (linha 3) e
«Esse outro* (linha 4),justificando a sua resposta.

3. Transcreva uma sequência textual que confirma Bernardo Soares como observador aci­
dental, enquanto deambula.

4. Identifique a personagem a partir da qual Bernardo Soares vai dar continuidade à sua
observação e reflexão, justificando a sua resposta com elementos textuais.

5. Mostre como o conteúdo das linhas 9 a 22 dá vida ao imaginário urbano.

6. Explicite o conteúdo dos dois últimos parágrafos, comentando a dicotomia realidade/


sonho.

7. Prove, socorrendo-se das suas próprias palavras, que a primeira frase do texto, «Tudo é absur­
do.», assume o papel de introdução, e a última. «Vivi a vida inteira.», é a respetiva conclusão.

8. Esclareça o sentido da frase «Para mim os pormenores são coisas, vozes, frases.» (linhas
a-9).

9. Selecione os vocábulos que estão ao serviço da modernidade neste fragmento.

10. Caracterize a posição de Soares relativamente à sociedade e ao mundo, bem como essa
sociedade e esse mundo, a partir da sequência «Toda a vida social jaz a meus olhos» (linha 20).

207
1. Leia atentamente as seguintes afirmações e classifique-as como V (Verdadeira) ou
F (Falsa), corrigindo as falsas.

a) J Bernardo Soares nada mais fez na vida do que sonhar e preocupar-se com a sua
«vida interior».

b) O seu único objetivo era ser operador fabril, na secção naval.

As suas maiores dores são as vividas e não as sonhadas.

<q «Pertenci sempre ao que não está onde estou e ao que nunca pude ser» integra
uma hipálage.

e) Bernardo Soares detestava as suas «paisagens interiores» e as suas «paisagens


sonhadas».

f>o Aquilo que ele «alinha na imaginação» é um conjunto de «figuras» e «amigos» ape­

nas sonhados por ele.

g) A sequência «Tenho um mundo de amigos dentro de mim. com vidas próprias, reais,
definidas e imperfeitas.» é uma referência velada (indireta) à heteronímia.

h) Dentro de si, há todo um Portugal, preenchido de «aldeias», «vilas», «países»,


«arquipélagos».

i) A nostalgia da infância é mais dolorosa do que a nostalgia daquilo que nunca acon­
teceu na realidade.

j) u Bernardo Soares também tem memórias do que foi real na sua infância, tais como

«quadros» e «oleogravuras».

k) O No dia em que escreve este fragmento é sábado.

I) Bernardo Soares escreve para obedecer impreterivelmente à «alma», mas gostava


de se exprimir não pela palavra, mas pela escultura.
Livro do Desassossego, Bernardo Soares
FICHA 78 * Verificação de leitura - Fragmento «Releio passivamente.
PRÁTICA

1. Leia atentamente as seguintes afirmações e classifique-as como V (Verdadeira) ou


F (Falsa), corrigindo as falsas.

a) Neste fragmento. Bernardo Soares traz à memória uns versos de Alberto Caeiro.

b) Bernardo Soares recorda-os porque os vê escritos numa vitrine.

c) i. J Alberto Caeiro vê o mundo a partir da sua cidade e. por isso, a cidade é mais bela
do que a aldeia.

d) O A frase que mais se adensa na sua memória é «Sou do tamanho do que sinto!».

e) O As «emoções profundas» sõo em Alberto Caeiro o reflexo do «Sol».

f) Bernardo Soares refere-se ao «luar», caracterizando-o como uma excelente


influência para si.

g) A simplicidade do pensamento de Alberto Caeiro «limpa» Soares das suas preocu­

pações metafísicas.

h) L Depois da sua leitura, Bernardo Soares vai ao quintal e grita frases de uma «selva­
jaria ignorada».

i) A sequência «E a frase fica-me sendo a alma inteira» inclui uma comparação e uma

metáfora.

i) o A mesma frase de Alberto Caeiro «caia» (pinta com cal) de paz o luar ao amanhecer.

k) 1 Este fragmento inclui exemplos de deambulação pela memória e pelo sonho.

D D Este fragmento prova que a obra tem uma natureza fragmentada, mas obedece a

uma mesma tendência para reflexões sobre a realidade.

209
1. Leia atentamente as seguintes afirmações e classifique-as como V (Verdadeira] ou
F (Falsa), corrigindo as falsas.

a) A figura central deste fragmento é um «garoto de escritório».

b) Bernardo Soares considerava-o um verdadeiro viajante.

c) 0 «rapazito» colecionava folhetos políticos.

d) 0 mesmo rapaz possuía mapas com gravuras de guerras e lutas navais.

e) Os países sobre os quais tinha muita informação eram Portugal, Itália, índia e Aus­

trália.

f) o A Bernardo Soares, este «garoto» parecia-lhe «uma das pessoas mais felizes» que

conhecia.

g) Cerca de dez anos passaram desde que Bernardo Soares o viu pela última vez.

h) l_ Assola-o agora, náo a sensação de pena por náo saber «o que é feito dele», mas
uma suposição de que deveria ter pena.

i) Este fragmento surte efeitos de crítica social, simbolizada no garoto agora adulto.

j) A sequência «É até capaz de ter viajado com o corpo, ele que táo bem viajava com

a alma.» implica que as viagens desta figura da memória de Bernardo Soares eram
imaginárias.

M Bernardo Soares considera que as viagens feitas pela imaginação eram as piores.

D D A sequência «diferença hedionda entre a inteligência das crianças e a estupidez

dos adultos» inclui um eufemismo.

210
ramxiÊs u? ani
TEORIA

FERNANDO PESSOA - POESIA DOS HETERÓNIMOS

A QUESTÃO DA HETERONÍMIA

Pessoa tem consciência de que, dentro de si, existem outros «eus» que sentem e pensam de maneira dife­
rente. Mas não só sentem e pensam, como também escrevem de maneira diferente da do ortónimo. Para
explicar tudo isto. Fernando Pessoa decide escrever uma carta a um seu amigo, Adolfo Casais Monteiro
(janeiro de 1935), na qual descreve a origem, o aspeto físico, a personalidade e a maneira de escrever de
cada um dos seus três heterónimos (poetas): Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos.
Todos eles são fruto da imaginação de Pessoa; no entanto, por serem tão diferentes, em termos literários, o
poeta optou por «imaginá-los» como se fossem reais, daí que tenham «existências» específicas e individuais.
«Eu vejo diante de mim, no espaço incolor mas real do sonho, as caras, os gestos de Caeiro, Ricardo Reis
e Álvaro de Campos. Construí-lhes as idades e as vidas. Ricardo Reis nasceu em 1887 (...), no Porto, é
médico e está presentemente no Brasil. Alberto Caeiro nasceu em 1889 e morreu em 1915; nasceu em
Lisboa, mas viveu quase toda a sua vida no campo. Não teve profissão nem educação quase alguma. Álvaro
de Campos nasceu em Tavira, no dia 15 de outubro de 1890 {...). Este, como sabe, é engenheiro naval {...),
mas agora está aqui em Lisboa em inatividade. Caeiro era de estatura média, e embora realmente frágil
(morreu tuberculoso), não parecia tão frágil como era. Ricardo Reis é um pouco, mas muito pouco, mais
baixo, mais forte, mas seco. ÁIvb ro de Campos é alto (...), magro e um pouco tendente a curvar-se. Cara
rapada todos - o Caeiro louro sem cor, olhos azuis; Reis de um vago moreno mate; Campos entre branco e
moreno, tipo vagamente de judeu português (...), monóculo.»

Carta de Fernanda Pessoa a Adolfa Casais Monteiro. 13 dejaneiro de 1935. Lisboa.

A POESIA HETERONÍMICA

• Não gosta de estar no meio das pessoas; Exemplo:


Alberto Caeiro, «0 guardador
• Aprecia a solitude e o silêncio dos ambientes rurais;
o poeta de rebanhos»
•Aprecia a Natureza e a profissão diretamente
«bucólico»
ligada a ela - pastor/guardador de rebanhos.

•Apóstrofe a uma amada, Lídia {como os autores Exemplos:


clássicos, Petrarca, Camões); «Segue o teu destino».
Ricardo Reis,
• Referências a entidades da Mitologia Greco-latina «Ponho na altiva
o poeta «clássico» mente o fixo esforço»
(Adónis. Minos, Átropos. «barqueiro sombrio»);
• Arte poética clássica.

•Futurismo (louvor dos resultados do progresso Exemplos:


Álvaro de científico e tecnológico - as máquinas, automó­ «Ode triunfal». «Ode
Campos. □ poeta veis, entre outros). marítima», «Passagem
da modernidade das horas»

Casta Pinheiro,
Fernando Pessoa - Heterónimos,
1978

211
NEMUII EXAME NttlINAL

* Caminho, deambulação pela Natureza: sente apenas o


que lhe é dado sentir por meio dos cinco sentidos, nada Exemplos:
Alberto Caeiro: mais; «0 guardador de
o primado das
* Ausência total de pensamentos; rebanhos» e «Poemas
sensações
* Ausência de filosofia; - Inconjuntos -18»
* Sensações vividas como se fossem as primeiras.
Raf laxào axiattncial

* Epicurismo / carpe diem; Exemplos:


* Estoicismo. «Vem sentar-te
Ricardo Reis:
comigo. Lídia»,
a consciência
«Não tenhas nada nas
e a encenação
mãos». «Nada fica de
da mortalidade
nada». «Mestre, são
plácidas»

* Sujeito entediado com a vida; Exemplos:


Álvaro de Campos:
* Sofrimento pela consciência do que o rodeia sobre­ «Passagem
sujeito, consciência
tudo em se tratando de pessoas; das horas»,
e tempo; nostalgia
«Aniversário»,
da infância * Saudades da infância, que surge distante, portanto
«Trapo»
inalcançáveis e distantes as boas memórias.
0 imaginário épico

Álvaro de Campos: • Louvor aos progressos da ciência, como fundamen­


•matéria épica: tais na mudança do Passado para o Futuro; Exemplos:
a exaltação do • Escrita desenfreada e permeada de exageros moti­ «Ode triunfal*.
Moderno vados pelas sensações novas e vibrantes de um «Ode marítima»
•o arrebatamento mundo novo, com novas máquinas, navios, automó­
do canto veis, engrenagens.

Almada-Negreiros, Retrato de Fernando Pessoa, 1959

212
nktkiês u? ani

TEORIA

CONCEITOS IMPORTANTES DA FILOSOFIA DA ANTIGUIDADE CLÁSSICA


(• na poMia da Ricardo Reis qua estes conceitos ganham vida, modelando genericamente a sua escrita)

Epicurismo:

• Filosofia ensinada pelo ateniense Epicuro de Samos, no século IV a.C.. e continuada pelos seus discípulos,
designados epicuristas

Princípios fundamentais:

-para alcançar a felicidade plena e absoluta, é necessário vencer os nossos medos e desejos intensos de
maneira a conseguir estabilidade e equilíbrio interiores;

-tudo aquilo que a vida nos oferecer como prazer deve ser observado com cautela, para que daí não adve­
nham sofrimentos e perturbação do corpo, do espírito, da alma;

-o essencial é manter um corpo saudável e livre das contingências dos desejos, num espírito esclarecido,
tranquilo e sereno;

-em conclusão. Epicuro procurava conseguir, na prática da vida de cada ser humano, a felicidade plena por
meio do controlo dos exageros corporais e espirituais, dos medos relativamente ao Destino e aos deuses,
e por meio do alcance diário da serenidade.

Carpe díem:
-Expressão oriunda do Latim, que, à letra, significa «Aproveita o momento», «Goza o dia», extensível ao
conselho de aproveitar e degustar totalmente o tempo presente, correspondendo a um apelo à vivência
plena do agora, do imediato, pois ninguém sabe o que acontecerá num momento seguinte, num futuro
próximo ou distante.

Estoicismo:

* Filosofia ensinada pelo ateniense Zenão de Cítio. no século III a. C.

Princípios fundamentais;

-é necessário desenvolver no ser humano uma lógica e racionalidade tais que o impeçam de sucumbir a
sentimentos destrutivos, negando-os e vencendo-os;

-só uma pessoa pensadora e esclarecida consegue perceber a lógica e as regras do mundo para as cumprir
e assegurar a ética e o bem-estar pessoal e interpessoal;

-relações humanas: evitar sentimentos de raiva, inveja, vingança, ciúme e exploração ou escravização do
outro, mesmo que para isso tenha de sofrer humilhações e rebaixamentos;

-o prazer e a satisfação de desejos físicos são inimigos do homem sábio, por isso devem ser combatidos;

-a virtude e o Bem são os únicos caminhos que levam o ser humano à felicidade plena.

213
NEMUII EXAME NACIINAL

Alberto Caeiro
Formas poéticas (estrofe, verso, rima)
-«Não me importo comas rimas. Raras vezes/Há árvores iguais, uma ao lado da outra.»
Primado das sensações
-«Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la /E comer um fruto é saber-lhe o sentido.»;
-«Eu não tenho filosofia, tenho sentidos».
Seleçào de vocábulos ao serviço do bucolismo
-«rebanhos», «pastor», «vento», «sol», «Natureza», «pôr do sol», «planície», «borboletas», «flores»,
«cordeirinho», «nuvem», «erva», «atalhos», «girassol», «estrada», «chuva», «árvore», «mãos», «pés»,
«nariz», «boca», «olhar»...;
-formas verbais no pretérito imperfeito do indicativo ou no gerúndio, as quais contribuem para o
reforço da ideia de movimentação pelo campo.
Enumeração, gradação, polissíndeto, personificação, metáfora
- «Sou um guardador de rebanhos. / 0 rebanho é os meus pensamentos / E os meus pensamentos
são todos sensações.»;
- «Penso com os olhos e com os ouvidos / E com as mãos e os pés / E com o nariz e a boca.»

Ricardo Reis
Seleçào de vocábulos eruditos associados à Antiguidade Clássica
- «óbolo», «Ãtropos», «perene». «Fado», «grégio».
Linguagem, astilo e estrutura

Anástrofe, apóstrofe, gradação


-«Qualquer pequena cousa de onde pode/Brotar uma ordem nova em minha vida./Lídia, me
aterra.»;
- «Neera. passeemos juntos (...) / Lembremo-nos. Neera»;
- «trocar beijos, abraços e carícias».
Epicurismo
-«Amemo-nos tranquilamente (...) mais vale estarmos sentados ao pé um do outro»;
-«Abdica/E sê rei de ti próprio».
Estoicismo
-«Cada um cumpre o destino que lhe cumpre (...)/O Fado nos dispõe, e ali ficamos.»;
-«E deseja o destino que deseja».
Carpe diem
-«Colhe /o dia, porque és ele.»;
-«A vida /passa e não fica, nada deixa e nunca regressa» (consciência e encenação da mortalidade).

Álvaro de Campos

Seleçào de vocábulos ao serviço do arrebatamento do canto


- «Forte espasmo», «maquinismos em fúria», «grandes ruídos modernos», «Ó minhas contempo­
râneas*
Apóstrofes, onomatopéias, gradação, anáfora
- «Mas. oh! minha Ode Triunfal,»;
- «Galgar com tudo por cima de tudo! Hup-lá! / Hup-lá. hup-lá, hup-lá-hô, hup-lá!»;
- «Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia»;
- «Caiu pelas escadas / Caiu das mãos /Caiu».
Irregularidade estrófica, métrica e rimática (ao serviço do arrebatamento do canto e da exaltação do
Moderno).

2U
Leia atentamente o seguinte poema e responda às questões.

O guardador de rebanhos

1
Eu nunca guardei rebanhos.
Mas c como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor.
Conhece o vento c o sol
5 E anda pela mào das Estações
A seguir e a olhar.
Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.
Mas cu fico triste como um pôr do sol
U Para a nossa imaginação,
Quando esfria no fundo da planície
E se sente a noite entrada
Como uma borboleta pela janela. (...) Camille Pissarra, Pastor debaixo de Aguaceiro, 1889

Pensar incomoda como andar à chuva


15 Quando o vento cresce e parece que chove mais (...)

Nào tenho ambições nem desejos.


Ser poeta nào c uma ambição minha.
E a minha maneira de estar sozinho.
IX
Sou um guardador de rebanhos
O rebanho é os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos c com os ouvidos
5 E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca.

Pensar uma flor c vê-la e cheirá-la


E comer um fruto é saber-lhe o sentido.

Por isso quando num dia de calor


U Me sinto triste de gozá-la tanto,
E mc deito ao comprido na erva,
E fecho os olhos quentes,
Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,
Sei a verdade c sou feliz.
Alberto Caeiro, Poesia (ed. Fernando Cabral Martins & Richard Zenith),
Lisboa, Assírio &: Alvim, 2014, pp. 21-22 e 42

215
1. Considere a parte I.

1.1 Esclareça a identificação de Caeiro como poeta «bucólico*, transcrevendo elemen­


tos textuais que o comprovem.

1.2 Comprove o primado das sensações:

a) retirando da primeira estrofe as referências aos cinco sentidos.

b) esclarecendo a dicotomia sensação/pensamento.

1.3 Selecione três exemplos de comparação e identifique o seu valor.

1.4 Caracterize psicologicamente este heterónimo, justificando a sua resposta.

1.5 Transcreva um exemplo de personificação, referindo-se ao seu valor.

2. Considere a parte IX.

2.1 Explique a gradação presente nos versos 1 a 3.

2.2 Identifique o recurso presente nos versos 4 a 6 e refira a sua importância.

2.3 Retire do texto uma sequência ao serviço da confirmação da primazia da sensação


relativamente ao pensamento.

2.4 Esclareça o conceito de «verdade», justificando a sua resposta.

216
Leia atentamente o seguinte poema e responda às questões.

Ponho na altiva mente o fixo estorço


Da altura, c à sorte deixo,
E as suas leis, o verso;
Que, quando é alto e régio o pensamento,
5 Súbdita a frase o busca
E o scravo ritmo o serve.

Ricardo Reis, Amsm (ed. Manuela Parreira da


Silva), Lisboa, Assírio & Alvim, 2007, p. 23

George S«irat.OHon>e/n do Rio, 1884-1885

1. Identifique assunto deste poema, justificando a sua resposta por melo da transcrição
de duas palavras.

2. Apresente a forma como os três primeiros versos confirmam a caracterização de Ricardo


Reis como poeta «clássico».

3. Explicite a relação entre «pensamento» e «frase»/«ritmo».

4. Selecione os seguintes recursos expressivos, explicando o seu valor:

a) anástrofe

b) aliteração

c) seleção de vocábulos eruditos

217
Leia atentamente o seguinte poema e responda às questões.

Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do no.


Sossegadamente fitemos o seu curso c aprendamos
Que a vida passa, c nào estamos de màos enlaçadas.
(Enlacemos as màos.)

5 Depois pensemos, crianças adultas, que a vida


Passa c nào fica, nada deixa c nunca regressa.
Vai para um mar muito longe, para o pé do Fado,
Mais longe que os deuses.

Desenlacemos as màos, porque nào vale a pena cansarmo-nos.


■ Quer gozemos, quer nào gozemos, passamos como o no.
Mais vale saber passar silcnciosamcnte
E sem desassossegos grandes.

Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,


Nem invejas que dào movimento de mais aos olhos,
B Nem cuidados, porque se os tivesse o no sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.

Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,


Sc quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
N Ouvindo correr o no e vendo-o.

Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as


No colo, c que o seu perfume suavize o momento —
Este momento em que sossegadamente nào cremos cm nada,
Pagàos inocentes da decadência.

5 Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois,


Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as màos, nem nos beijamos
Nem tomos mais do que crianças.

E se antes do que cu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,


1 Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim — à beira-no,
Pagà triste com flores no regaço.
Ricardo Reis, op. dt., pp. 49-50

zie
PRÁTICA

1. Esclareça assunto do poema, justificando a sua resposta.

2. Prove como este poema revela influências do carpe díem e do estoicismo, recorrendo a
citações textuais.

3. Explique a utilização frequente de formas verbais conjugadas no presente do conjuntivo.

4. Retire do texto sequências que evidenciam a presença de elementos da mitologia greco-latina.

5. Mostre como Reis encena a sua própria mortalidade, socorrendo-se de elementos textuais.

6. Identifique o papel da Natureza, provando-o com elementos textuais.

7. Explique a simbologia do «rio» e a do «mar».

8. Explique a expressividade da enumeração presente nos versos 13 a 15.

9. Apresente o conceito de Amor que transparece dos versos 17 a 20.

10. Esclareça o sentido do verso «Pagõos inocentes da decadência.*

219
Leia atentamente o seguinte poema e responda às questões.

.dnfverjáno

No tempo cm que festejavam o dia dos meus anos.


Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, ate eu fazer anos era uma tradição há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

No tempo cm que festejavam o dia dos meus anos.


Eu tinha a grande saúde de nào perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de nào ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já nào sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

Sim, o que fui de suposto a mim mesmo,


O que fui de coração c parentesco,
O que fui de scròes de meia-província,
O que fui de amarem-me e cu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distancia’...
(Nem o eco...)
O tempo cm que festejavam o dia dos meus anos! (...)

O que eu sou hoje é terem vendido a casa,


E terem morrido todos,
E estar eu sobrevivente a mim-mcsmo como um fósforo trio...

No tempo cm que festejavam o dia dos meus anos...


Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ah outra vez.
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de cu para mim... (...)

Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na louça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, trutas, o resto na sombra debaixo do alçado —,
As tias velhas, os primos diferentes, c tudo era por minha causa,
No tempo cm que festejavam o dia dos meus anos... (...)

Álvaro de Campos, Roesia (ed. Teresa Rita Lopes), Lisboa,


Assírio & Alvim, 2013, pp. 403-404
PRÁTICA

1. Prove que estamos perante o binómio passado/presente. servindo-se de elementos textuais.

2. Caracterize o passado, transcrevendo referências a espaços, objetos e pessoas.

3. Caracterize psicologicamente o sujeito poético enquanto sujeito desse passado. Justifi­


que a sua resposta com elementos textuais.

4. Transcreva a sequência textual que comprova a nostalgia da infância e o desejo de retor­


no a ela.

5. Evidencie o papel que a consciência tem no sujeito poético e na sua vivência do presente.

6. Esclareça o sentido dos versos «Quando vim a ter esperanças, já nào sabia ter esperanças. /
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.» (versos 9-10).

7. Identifique a anáfora em que todo o poema está assente.

8. Identifique o recurso presente nos versos 29 e 30 e refira a sua expressividade.

221
Álvaro de Campos - O poeta da modernidade
FICHA 84

Leia atentamente o seguinte poema e responda às questões.

Ode triunfal
À dolorosa luz das grandes lâmpadas elétricas da fábrica
Tenho febre e escrevo.
Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto,
Para a beleza disto totalmentc desconhecida dos antigos.

5 O rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno!


Forte espasmo retido dos maquimsmos em fúria!
Em fúria fora e dentro de mim,
Por todos os meus nervos dissecados tora,
Por todas as papilas tora de tudo com que eu sinto!
1 Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos.
De vos ouvir demasiadamente de perto,
E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso
De expressão de todas as minhas sensações,
Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas!

K Em febre c olhando os motores como a uma Natureza tropical —


Grandes trópicos humanos de ferro e fogo c força —
Canto, e canto o presente, e também o passado e o futuro.
Porque o presente é todo o passado e todo o futuro (...)

Ah, poder exprimir-me todo como um motor se exprime!


3 Ser completo como uma máquina!
Poder ir na vida triunfante como um automóvel último-modelo!
Poder ao menos penetrar-me fisicamente de tudo isto,
Rasgar-me todo, abrir-mc completamente, tornar-me passento
A todos os perfumes de óleos e calores e carvões
S Desta flora estupenda, negra, artificial e insaciável! (...)

Amo-vos a todos, a tudo, como uma fera.


Amo-vos carnivoramente,
Pervertidamente e enroscando a minha vista
Em vós, ó coisas grandes, banais, úteis, inúteis,
1 O coisas todas modernas,
O minhas contemporâneas, forma atual e próxima
Do sistema imediato do Universo!
Nova Revelação metálica c dinâmica de Deus! (...)

tramways, funiculares, metropolitanos.

222
PRÁTICA

í Roçai-vos por num ate ao espasmo!


Hilla! hilla! hilla-hô! (...)

Galgar com tudo por cima de tudo! Hup-lá!

Hup lá. hup-lá, hup-lá-hô, hup-lá!


Hc-há! He-hô! H-o-o-o-o-o!
• Z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z!
Ah nào ser cu toda a gente c toda a parte!

Álvaro de Campos, op. di., pp. 81-82, 85-86, 90

1, Transcreva vocábulos que provam ser Álvaro de Campos o poeta da modernidade, justificando
a sua resposta.

2. Selecione sequências que constituem exemplos de matéria épica, justificando a sua resposta.

3. Prove que «Ode triunfal» é um excelente exemplo do arrebatamento do canto tipicamen­


te exagerado deste heterónimo.

4. Evidencie a relação existente entre Álvaro de Campos e a máquina, socorrendo-se de ele­


mentos textuais.

5. Transcreva dois exemplos de apóstrofes, comentando a sua expressividade.

6. Transcreva dois exemplos de onomatopéias, comentando a sua expressividade.

7. Explique a relaçáo entre o título e o conteúdo do poema.

223
NEMUII EXAME NACIINAL

FERNANDO PESSOA, MENSAGEM

PRIMEIRA PARTE: Brasão Brasão

(diz respeito ao passado medieval português, ou à sua herál­ • Brasão: simboliza o passado que não se
dica - história da sua nobreza e coroa) pode mudar e que deu a Portugal qualida­
I. Os Campos des guerreiras, políticas e morais;
Primeiro - O dos Castelos • Campo: simboliza a vida terrena, na qual
Segundo - 0 das Quinas há espaço para a criação humana;
II. Os Castelos • Castelo: símbolo de proteção e segurança;
Primeiro - Ulisses •Quinas: símbolo da espiritualidade dos
Segundo - Vrríato portugueses;
Terceiro - 0 Conde D. Henrique
• Coroa: remete para o poder do herói;
Quarto - D. Tareja
Quinto - D. Afonso Henriques •Timbre: significa eleição ou escolha de
Sexto - D. Dínis um povo, neste caso, o português;
Sétimo (I) - D. João, o Primeiro • Grifo: simboliza a conjugação de dois
Sétimo (II) - D. Filipa de Lencastre espaços: a Terra e o Céu, ou seja, o ser
humano cria e tem também uma missão
III. AsQuin u
sobrenatural para além da vida terrena.
Primeira - D. Duarte. Rei de Portugal
Segunda - D. Fernando. Infante de Portugal
Terceira - D. Pedro. Regente de Portugal
Quarta - D. João. Infante de Portugal
Quinta - D. Sebastião. Rei de Portugal

IV. A Coroa
NuriÁlvares Pereira

V. O Timbre
A Cabeça do Grifo - 0 Infante D. Henrique
Uma Asa do Grifo - D. João, o Segundo
A Outra Asa do Grifo - Afonso de Albuquerque

SEGUNDA PARTE: Mar Português Mar Português

(diz respeito ao período dos Descobrimentos e tem relação • Padrão: é a marca da evangelização, sinal
com o presente de Pessoa, pois ele deseja que o agora de de que as terras descobertas pelos por­
Portugal seja como o seu passado) tugueses eram por eles tornadas tam­
I. O Infante bém cristãs;

II. Horizonte • Mostrengo: simboliza todos os perigos,


III. Padrão medos, angústias e sofrimentos dos por­
tugueses no mar;
IV. 0 Mostrengo
V. Epitáfio de Bartolomeu Dias • Nau: símbolo de aventura por mar e do
pioneirismo português (o facto de os
VI. Os Colombos
portugueses terem sido os primeiros a
VII. Ocidente tentar descobrir novos mundos, não por
VIII. Femão de Magalhães terra, mas por mar);
IX. Ascensão de Vasco da Gama • Ilha: é o lugar de recompensa, onde tudo é
X. Mar Português perfeito e espiritual.
XI. A Última Nau
XII. Prece

22fl
nktkiês u? ani

TEORIA

TERCEIRA PARTE: O Encoberto O Encoberto

(diz respeito ao futuro de Portugal sendo que nesta parte * Noite: simboliza tudo o que é desconhe­
se referem profecias sobre a nossa pátria) cido, tudo o que é apático (está parado,
imóvel) ou ainda tudo aquilo que está em
I. Os Símbolos germinação (ou seja, a preparar-se para
Primeiro - D. Sebastião florescer/crescer quando o dia chegar);

Segundo - 0 Quinto Império •Manhã: simboliza o início de uma nova


vida, bem como a glória, a luz e a própria
Terceiro - 0 Desejado vida;
Quarto - As Ilhas Afortunadas • Nevoeiro: ésempre fonte de ambiguidade,
Quinto - 0 Encoberto pois é símbolo da incerteza e da tristeza,
e no entanto significa ainda esperança no
II. Os Avisos futuro/no regresso de D. Sebastião.
Primeiro - 0 Bandarra

Segundo - António Vieira

Terceiro - «Screvo meu livro à beira-mãgoa»

III. Os Tempos


Primeiro - Norte

Segundo - Tormenta

Terceiro - Calma

Quarto - Antemanhã
Quinto - Nevoeiro
MENSAGEM

Frontispício de Mensagem,
de Fernanda Pessoa, 1934

225
NEMUII EXAME NACIINAL

•Crença no regresso de el-rei D. Sebastião, desaparecido na batalha de Alcácer


O.uibir em 1578. À sua morte seguiu-se a perda da independência para os Caste­
lhanos (Filipes), só retomada em 1640 (60 anos depois). 0 seu regresso aconte­
ceria numa manhã de nevoeiro, de onde surgiria el-rei, já vitorioso, no seu cavalo
0 Sebastianismo branco.

•Este mito revela poder, ânimo e esperança de que os portugueses dos séculos
seguintes pudessem imitar a valentia, a luta e o patriotismo do rei jovem, fazendo
de Portugal uma nação novamente grandiosa.

•Natureza épico-lírica da obra: Mensagem exalta Portugal conquistador, desco­


bridor e lutador, qualidades que o levaram a feitos gloriosos à escala universal,
designadamente nas Descobertas, motivo de epopeia camoniana (Os Lusíadas).
O lirismo acompanha estes feitos porque Pessoa os comenta, verbalizando ideias
e sentimentos críticos: os portugueses podem continuar a ser grandes obreiros
de Glória, não já de descoberta geográfica, mas de «descobertas» intelectuais,
científicas e espirituais, formando um novo império. «O O.uinto Império».

• Estrutura: obra dividida em 3 partes. Primeira - os primórdios da nação, desde a


O imaginário épico
Antiguidade até ao final da Idade Média. Segunda - o tempo magnífico dos Des­
cobrimentos. Terceira - O Presente (contemporâneo de Fernando Pessoa) e o
Futuro de um Portugal envolto em inércia, marasmo, apatia e indiferença.
•O herói coletivo de Mensagem é, simbolicamente, Portugal, o povo português,
que, movido pelo sebastianismo, pode ser novamente grandioso e superior. Este
heroísmo está espelhado em figuras históricas, que Pessoa refere e caracteriza,
lembra e exalta, para despertar o português do século XX dessa dormência, sono­
lência e apatia.

• A exaltação patriótica de Mensagem surge, antes de mais, pela recuperação que


Pessoa faz de toda a História de Portugal desde os mitos iniciais, que envolvem
Luso e Ulisses, passando pela Idade Média (formação e consolidação do reino
lusitano), pelo período histórico e seus correspondentes heróis - Os Descobri­
mentos -, glória universal que exalta Portugal, chegando ao Portugal do século XX,
a quem Pessoa tenta reavivar e estimular.
Por outro lado, e num nível de interpre­
tação simbólica da Pátria, Fernando
Pessoa dedica-se, em Mensagem, a
dar uma visão esotérica, misteriosa e
Exaltação oculta dos factos e das personagens,
patriótica oferecendo aos seus contemporâneos
exemplos que os motivem a atingir um
novo «império», o «O.uinto Império», não
geográfico, mas de inteligência posta ao
serviço do avanço da humanidade, desta
feita com o cunho português. Trata-se
de uma espécie de novos reis «D. Sebas­
tião» e «descobridores» simbólicos e
atuantes ao nível do intelectual e espi­
ritual. Estes dois níveis, por si mesmos,
exaltadores da Pátria Portuguesa.

Joào Cutileiro.D. Sebastido, Lagos. 1973

226
Mensagem, Fernando Pessoa
FICHA 85 -l i i' ‘ r [ '1.
PRÁTICA

Leia atentamente o seguinte poema e responda às questões.

D. Afonso Henriques

Pai, toste cavaleiro.


Hoje a vigília é nossa.
Dá-nos o exemplo inteiro
E a tua inteira força!

5 Dá, contra a hora cm que, errada.


Novos infiéis vençam,
A bcnçào como espada,
A espada como bcnçào!
F ernando Pessoa, AfcMstrtvm, Lisboa,
Costa Pinheiro. D. Afonso
Assírio & Alvim, 2014, p. 23 Henriques. 1965-66

1. Mostre que este poema está ao serviço:

a) da estrutura da obra

b) da sua natureza épico-lírica

c) da exaltação patriótica

d) da dimensão simbólica do herói

2. Identifique os «Novos infiéis».

3. Selecione os seguintes recursos e comente a sua expressividade:

a) apóstrofe

b) metáfora

227
Leia atentamente o seguinte poema e responda às questões.

O Infante

Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.


Deus quis que a terra fosse toda uma.
Que o mar unisse, já nào separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,

5 Ea orla branca foi de ilha cm continente,


Clareou, correndo, ate ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.

Quem te sagrou criou-te português. José Malhoa, 0 Sonho do infante


(pormenor), 1905
■ Do mar c nós cm ti nos deu sinal.
Cumpriu-sc o Mar, c o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal’

Fernando Pessoa, op. «/., p.23

1. Esclareça o valor da gradação no primeiro verso e mostre como ele resume toda a glória
passada dos Descobrimentos.

2. Identifique o referente a quem se dirige a forma verbal «Sagrou-te* e explique o uso de


vocábulo bíblico.

3. Tendo em conta a conjunção coordenativa copulativa «E», explique o sentido de toda a


segunda estrofe.

229
PRÁTICA

4. Indique a quem se refere Pessoa em «Quem» (estrofe 3. v. 1) e esclareça o motivo por que
ofaz.

5. Explicite o valor dos dois últimos versos, justificando a sua resposta.

6. Identifique o recurso presente em «e foste desvendando a espuma», referindo o seu valor.

7. Identifique o recurso presente em «Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez», referindo o


seu valor.

8. Esclareça o valor da apóstrofe presente no último verso do poema.

9. Demonstre que este poema está ao serviço da dimensão simbólica do herói, assim como
da natureza épico-lírica da obra.
FICHA 87

Leia atentamente o seguinte poema e responda às questões.

O Quinto Império

Triste dc quem vive em casa,


Contente com o seu lar.
Sem que um sonho, no erguer de asa,
Faça ate mais rubra a brasa
1 Da lareira a abandonar!

Triste dc quem c feliz!


Vive porque a vida dura.
Nada na alma lhe diz
Mais que a liçào da raiz —
I Ter por vida a sepultura.

Eras sobre eras se somem


No tempo que em eras vem. Costa Pinheiro, D. Sebastião, 1966
Ser descontente é ser homem.
Que as torças cegas se domem
II Pela visão que a alma tem!

E assim, passados os quatro


Tempos do ser que sonhou,
A terra será teatro
Do dia claro, que no atro
3 Da erma noite começou.

Grécia, ILoma, Cristandade,


Europa — os quatro se vào
Para onde vai toda idade.
Quem vem viver a verdade
S Que morreu D. Sebastião?

Fernando Pessoa, op. cit., pp. 72-73

1. Esclareça o sentido das duas primeiras estrofes.

230
PRÁTICA

2. Explique a referência aos «quatro» impérios, justificando a sua resposta.

3. Explique a presença do Sebastianismo, bem como a sua relação com a dimensão simbólica
do herói e a exaltação da pátria.

4. Esclareça o sentido do verso «Ser descontente é ser homem.», justificando a sua resposta.

5. Prove que os dois últimos versos aliam uma interrogação retórica a uma metáfora, refe-
rindo-se aos seus valores.

6. Defina «Quinto Império» e justifique a inclusão deste conceito na Terceira Parte de


Mensagem.

7. Caracterize o poema quanto à forma estrófica e métrica.

231
NEMUII EXAME NACIINAL

CONTOS (CONTEMPORÂNEOS)
Manuel da Fonseca, «Sempre é uma companhia»
CONTEXTUAL1ZAÇÂO

Vida e obra
•1911 (15 d« outubro): nasce Manuel Lopes da Fonseca,
em Santiago do Cacem (Alentejo).
• Na adolescência, muda-se para Lisboa, onde conclui os
estudos - Colégio Vasco da Gama, Liceu Camões, Escola
Lusitânia e Escola de Belas Artes.
• Nesta fase, escreve os seus primeiros textos, cujo cená­
rio é o Alentejo; anos depois, esse cenário passa a ser
preterido em favor do de Lisboa.
• escritor é considerado um dos maiores exemplos do
Neorrealismo português - cujas obras estão sempre
intimamente ligadas à denúncia e à crítica sociopolítica
plasmada nas injustiças e durezas sociais.
• 1942: publica A Ideia Nova (coletânea de contos).
• 1953: publica 0 Fogo e os Crnzos (de onde é retirado o
conto «Sempre é uma companhia»), considerado o seu
mais representativo trabalho.
• 1958: publica o romance Seoro de Vento.
• 1958: publica Poemas Completos.
• 1993 (11 de março): morre em Lisboa.

• conto tem lugar na aldeia alentejana da Alçaria: um casal é proprietário de uma venda.
• António Barrasquinho. o Batola. passa o dia arrastando-se da cama para a venda e da venda para a cama,
embebedando-se frequentemente. A mulher é determinada e lutadora e percebe-se «que é ela quem ali
põe e dispõe», contra a vontade de Batola, que «quase lhe não chega ao ombro, atarracado, as pernas
arqueadas».
• A sonolência de Batola acompanha asolidãoda aldeia e da planície que a rodeia. Os restantes habitantes,
ceifeiros, trabalham todo o dia e regressam à noite, diretamente para suas casas, exaustos, sem passar
na venda.
• Numa dessas longas horas de solidão, Batola lembra-se do mendigo, «o velho Rata». Este homem percorre
quilómetros (por Ourique. Castro. Messejana, Beja) a pedir e regressa a contar novidades ao dono da venda.
Atacado pelo reumatismo, o velho Rata fica circunscrito ao seu «casebre» e. passado um tempo, suicida-
-se, atirando-se «para dentro do pego da ribeira da Alçaria*.
• Certo dia, estando Batola à sua porta, que dá para a estrada de Ourique em direção ao sul. chega um
carro com dois homens: trata-se de um vendedor e do seu funcionário, que trazem uma «caixa do modelo
pequeno* - uma «telefonia» (rádio) para vender.
• Batola tudo faz para ficar com o rádio, embora a sua mulher não aprove a sua decisão. A partir da expe­
riência por um mês desta telefonia, a vida de Alçaria muda completamente: do rádio saem notícias de
todo o mundo português e estrangeiro, assim como música e as suas belas melodias, que encantam a
aldeia, passando a venda do Batola a ser o ponto de encontro daquela localidade.
• A sonoridade da telefonia traz muitos benefícios: quebra o «silêncio» e a «solidão dos campos», aproxima
a população, ajuda-a a divertir-se (e não apenas a trabalhar), acabando mesmo por pacificar o casamento
de Batola e da mulher.

232
ramxiÊs u? ani

TEORIA

• A planície alentejana como símbolo não só de silêncio e pacatez, mas como um «deserto»
em que as pessoas fazem a sua vida de camponeses - «ceifeiros» - maquinalmente,
trabalhando desde manhã até à noite, não tendo vida social. convívio dá-se. porven­
Solidão e tura. dentro de casa. A solidão está espelhada no protagonista António Barrasquinho. o
convivialidade Batola, e no mendigo «velho Rata», que acaba por se suicidar.

• Com a chegada de uma telefonia, tudo muda: as pessoas passam ajuntar-se na venda de
Batola para ouvir as notícias do mundo e as belas melodias que motivam festas e bailes.
convívio passa a ser evidente, aproximando as pessoas e ligando-as ao resto do mundo.

• Batola e a mulher: ele. bêbedo, sempre sonolento, preguiçoso e revoltado, refugia-se


na bebida, mas também é ele que exige ficarem com o rádio à experiência: ela. forte,
determinada e autoritária. No final, ela acaba por pedir-lhe para comprarem a telefonia.

• Batola, a mulher e os clientes: Batola só atende clientes quando a mulher se recusa; é


a mulher quem trata da contabilidade e de todo o negócio; os clientes só aparecem ini­
Caracterização cialmente nas «manhãzinhas», mas. depois de instalada a telefonia, passam a juntar-se
das também à noite.
personagens:
relação entre • Batola e mendigo «velho Rata»: há convivência, e uma certa afinidade, entre os dois por­
elas que tanto um como o outro gostam de viajar e saber o que se passa fora da sua aldeia de
Alçaria - o mendigo, andando a pedir por terras alentejanas mais distantes (por Ourique e
Beja, por exemplo) traz novidades sobre muitas coisas e conta-as ao Batola. Com a morte
do mendigo, morre o contacto com o mundo, que só regressa com a instalação da telef onia.

• Os vendedores ambulantes: são o meio através do qual se estabelece a comunicação


entre Alçaria e o mundo.

■ 0 espaço físico é a planície alentejana que rodeia a aldeia da Alçaria e acaba por ser
propício ao espaço psicológico, pois é a partir do espaço desértico que as personagens
Caracterização pensam e se transportam psicologicamente para outros lugares.
do espaço:
físico, • 0 espaço sociopolítico é o de uma aldeia cuja sociedade, feita de ceifeiros, não convi­
psicológico e via, não dialogava, nem se divertia por estar geograficamente muito distante de gran­
sociopolítico des cidades e mergulhada num quotidiano maquinalmente dividido entre campo e casa.
A telefonia aproxima metaforicamente os camponeses do resto do mundo, numa época
histórica marcada pela ditadura do Estado Novo.

• No conto, sucedem-sc episódios que vão ajudando a avançar a ação e servem para carac­
terizar personagens e espaços, como, por exemplo: a descrição da rotina na venda, a vida e
Importância morte do mendigo «velho Rata», os homens que trazem a telefonia e a mudança social que
dos episódios se opera na aldeia da Alçaria, que acaba quando Batola desliga o aparelho no fim do mês.
e da peripécia
final ■ A peripécia final corresponde ao momento em que Batola desliga a telefonia, pensando
que a mulher seria sempre contra ela, porém esta pede-lhe que fiquem com a telefonia
porque esta «sempre é uma companhia».

Dõrdio Gomes. Paisagem Aíentejana, 1937

233
Leia atentamente o excerto apresentado e responda às questões.

.4 mudança

E o Batola, por mais que nào queira, tem dc olhar todos os dias o mesmo: aí umas
quinze casinhas desgarradas c nuas; algumas só mostram o telhado escuro, dc sumidas
que cstào no fundo dos córregos1. Depois disso, para qualquer parte que volte os olhos,
estende-se a solidào dos campos. E o silencio. Um silencio que caiu, estiraçado por
1 vales c cabeços, c que dorme profundamente. Oh, que despropósito dc plainos sem fim,
todos de roda da aldeia, e desertos!
Carregado de tristeza, o entardecer demora anos. A noite vem dc longe, cansa­
da, tomba tào vagarosamente que o mundo parece que vai ficar para sempre naquela
magoada penumbra.
I Lá vem figurinhas dobradas pelos atalhos, direito às casas tresmalhadas da aldeia.
Nenhuma virá até à venda talar um bocado, desviar a atcnçào daquele poente dolorido.
Sào ceifeiros, exaustos da fama, que recolhem. Breve, a aldeia ficará adormecida, afun­
dada nas trevas. E António Barrasqumho, o Batola, nào tem ninguém para conversar,
nào tem nada que fazer. Está preso c apagado no silêncio que o cerca. (...) Um suspiro
II estrangulado sai-lhe das entranhas e engrossa até se alongar, como um uivo de animal
solitário. (...)
Um sopro dc vida paira agora sobre a aldeia. (...)
Acontece até que, certa noite, se arma uma festa na venda do Batola. Até as velhas
dançaram ao som da telefonia. Nos intervalos, os homens bebiam um copo, junto ao
3 balcào, os pares namoravam-se, pelos cantos. Por fim, mudou-se dc posto para ouvir as
notícias do mundo. Todos se quedaram, atentos.
1 Caminho apertado entre montes; Manuel da Fonseca, «Sempre c uma companhia»,
riacho. O Foço e as Cinzas, Lisboa, Caminho, 2011, pp. 152-158

1. De acordo com este excerto, caracterize psicologicamente Batola, justificando a sua


resposta com elementos textuais.

2. Demonstre de que forma Batola é um espelho da Natureza que o rodeia.

3. Identifique a relaçào deste homem com as «figurinhas» que passam, justificando a sua
resposta.

234
4. Explique de que forma é que as «figurinhas» são um exemplo perfeito do contexto paisa­
gístico e sociopolítico em que se inserem.

5. «Um sopro de vida paira agora sobre a aldeia» (linha 17) marca uma viragem dos aconteci­
mentos. Justifique esta afirmação, explicando o episódio que a motivou.

6. Tendo em conta o último parágrafo do excerto, caracterize o impacto direto desse episó­
dio nas gentes da Alçaria.

7. Identifique os recursos presentes nas seguintes sequências, referindo a sua expressivi­


dade (note que há sequências com mais do que um recurso):

a) «aí umas quinze casinhas desgarradas e nuas» (linhas 1 -2)

b) «Um silêncio que caiu, estiraçado por vales e cabeços, e que dorme profundamente.»
(linhas 4-5)

c) «Carregado de tristeza, o entardecer demora anos.» (linha 7)

d) «Um suspiro estrangulado sai-lhe das entranhas e engrossa até se alongar, como um
uivo de animal solitário.» (linhas 14-16)

235
NEMUII EXAME NACIINAL

Maria Judite de Carvalho, «George»


CONTEXTUAL1ZAÇÀO

Vida e obra
• 1921 (18 d« setembro): nasce, em Lisboa, Maria Judite
de Carvalho.
• Conclui o curso de Filologia Germânica, na Faculdade de
Letras da Universidade de Lisboa.
-1949: casa com o professor universitário Urbano Tavares
Rodrigues; muda-se para França e depois para a Bélgica.
• 1959: regressa a Portugal e publica a obra aclamada
Tonto Gente, Moriono.
• 1961: recebe o prémio literário Camilo Castelo Branco
com a antologia de contos As Palavras Poupadas.
• 1968: torna-se redatora do jornal Diário de Lisboa.a que
se seguiram outros, onde publicou contos e crónicas,
entre os quais 0 Século, Repúblico.
• 1992 (10 de junho): recebe o título de Grande-Oficial da
Ordem do Infante D. Henrique.
• 1998: morre em Lisboa.

• Esta história desenrola-se em torno de uma mesma personagem feminina. George, desdobrada na menina,
mulher e velha, o que representa as três idades da sua vida.
• George saiu de casa com cerca de 18 anos, rumo a Amesterdão, à procura da sua liberdade e fugindo da
sua realidade e da incompreensão dos pais. 0 seu talento era desenhar.
• Agora tem 45 anos e tornou-se numa mulher de sucesso, reconhecida pintora, viajada, mulher de muitos
amores («casou-se, divorciou-se. partiu, chegou, voltou a partir e a chegar»), cabelos sempre pintados de
cor diferente {metamorfose), «malas ricas», «dinheiro no banco* e a sua casa holandesa.
• É com o regresso à sua terra natal, depois de cerca de 20 anos de ausência, que surge a convivência ima­
ginária entre a George adulta, a Gi adolescente e a Georgina. «velha».
• George - Gi: reencontro à saída da estação, quando George vem para vender a casa de família (falecidos Já os
pais) - diálogo imaginado que mostra ao leitora menina de outrora, indecisa entre ficar na terra esair de casa;
referência a um namorado antigo. C ar los. e ao enxoval que a mãe lhe andava a fazer para ser uma mulher igual
a tantas outras, votada à lida da casa. Gi termina este diálogo e «sorri o seu lindo sorriso branco de 18 anos.
Depois ambas dão um beijo rápido, breve, no ar, não se tocam, nem tal seria possível, começam a mover-se ao
mesmo tempo, devagar (...). Vão ficando longe, mais longe. E nenhuma delas olha para trás.» Este diálogo ima­
ginado, repleto de memórias, está sempre rodeado de um «ar queimado», que George continuamente sente.
• Regressada ao comboio para voltar a Amesterdão. George relembra memórias e afasta-se desse pas­
sado, à medida que o veículo se afasta fisicamente da estação: «Agora está à janela a ver o comboio fugir
de dantes, perder para todo o sempre árvores e casas da sua juventude*.
• No comboio, fecha os olhos e pensa; quando os abre, vê sentada à sua frente «uma mulher velha», Geor­
gina. 70 anos e segura de que a vida passa rapidamente, aconselhando George a não ser dramática, pois
viverá feliz na sua casa até morrer. Claro que Georgina é outra das figuras desdobradas de George, ela
mesma, mas na terceira idade. Esta confirma o retrato dela mesma enquanto «rapariguinha», conservado
na mala a vida inteira. «Porque... o tal crime de que lhe falei, o único sem perdão, a velhice. Um dia vai
acordar na sua casa mobilada...»
• Georgina fecha os olhos novamente e. quando os reabre, a «mulher velha* desaparecera. 0 seu último pen­
samento? Confiada na pertença do ainda tempo presente. «Georgina suspira, tranquilizada. Amanhã estará
em Amesterdão na bela casa mobilada, durante quanto tempo?, vai morar com o último dos seus amores.»

235
nktkiês u? ani

TEORIA

• Infância - adolescência - juventude —►


Gi: a obediência aos país: o conflito de
gerações - pais incultos e ligados à terra
natal versus filha ambiciosa que quer uma
vida melhor e liberdade, por isso emigra,
deixando tudo para trás.
• Idade adulta —► George: o tempo atual,
As três idades
de realização pessoal, profissional e amo­
da vida
rosa (George conseguiu ter sucesso como
pintora, o que lhe deu bons rendimentos/
dinheiro e liberdade para ir vivendo os
EdvardMundi, MWber, 1906-07
seus amores).

Velhice—► Georgina: o que considera «um crime» - «o único sem perdão», pois o espelho
será implacável e dir-lhe-á a verdade: está fisicamente enrugada, decrépita e vive até à
morte na sua «casa mobilada».

• Realidade: George com 45 anos a fazer a viagem de comboio até à sua terra natal em
Portugal: George no regresso a Amesterdão.
• Memória: lembranças do passado, da sua antiga vida, da família (através do reencontro
0 diálogo e diálogo imaginados com Gi); outras lembranças que vão desaparecendo, à medida que
entre o comboio se afasta da estação onde entrou. Lembranças no futuro, prevendo-se velha
realidade, (Georgina) e refletindo sobre o que terá acontecido dos 45 até aos cerca de 70 anos.
memória e
• Imaginação: apesar de fisicamente não conversar com Gi nem com Georgina, da sua
imaginação
imaginação resulta a verdade de uma realidade - a vida nas suas três grandes idades:
Juventude, idade adulta e velhice. É a partir desta relação Imaginação e Realidade que
Maria Judite de Carvalho consegue caracterizar cada uma dessas fases da vida, total­
mente reais e irreversíveis.

As transformações físicas de George, que refletem diferentes estados psicológicos e


existenciais, acompanham as várias fases e facetas da sua vida adulta: «Mais tarde par­
Metamorfoses tiu por além terra, por além mar. Fez loiros os cabelos, de todos os loiros, um dia ruivos
da figura por cansaço de si, mais tarde castanhos, loiros de novo, esverdeados, nunca escuros,
feminina quase pretos, como dantes eram. Teve muitos amores,grandes e não tanto, definitivos e
passageiros, simples amores, casou-se, divorciou-se, partiu, chegou, voltou a partir e a
chegar, quantas vezes?»

• Tudo começa com uma crescente insatisfação com a vida pacata, vivida numa família
com poucos recursos e ausência de cultura/de conhecimento do mundo. Daí surge a
sensação de incompreensão e a luta pela autonomia e pela liberdade.

• 0 escape/a evasão pelo desenho, durante a juventude com os pais, como único meio de
libertação.
• Durante a idade adulta. George tenta livrar-se de tudo o que a prenda a algum lugar, o
A
que se nota no facto de gostar de vender os seus livros, estando sempre pronta a sair
complexidade
para qualquer outro mundo, sem amarras.
da natureza
humana • Nesta fase, a complexidade manifesta-se também pelo constante mudar de sítio, de
aspeto físico, de namorados, pelo casamento, divórcio e recomeço de outras (e novas)
formas de viver.

• Na velhice, esta complexidade fica demonstrada pelo inevitável reconhecimento da


decrepitude física (o espelho não engana), da vida agora sem grandes objetivos e do
regresso a uma «casa mobilada» (símbolo de estabilidade), esperando, resignada-
mente.a morte.
Leia atentamente o excerto apresentado e responda às questões.

Pronta para partir, para chegar

Já não sabe, nào quer saber, quando saiu da vila e partiu á descoberta da cidade gran­
de, onde, dizia-se lá em casa, as mulheres se perdem. Mais tarde partiu por além terra, por
além mar. Fez loiros os cabelos, de todos os loiros, um dia ruivos por cansaço de si, mais
tarde castanhos, loiros de novo, esverdeados, nunca escuros, quase pretos, como dantes eram.
5 Teve muitos amores, grandes e nào tanto, definitivos c passageiros, simples amores, casou-se,
divorciou-se, partiu, chegou, voltou a partir c a chegar, quantas vezes? Agora está — estava —,
até quando?, cm Amsterdão.
Depois de ter deixado a vila, viveu sempre em quartos alugados mais ou menos modestos,
depois cm casas mobiladas mais ou menos agradáveis. As últimas foram mesmo francamente
■ confortáveis. IIves numa casa mobilada sem nada de teu? Mas deve ser um horror, como podes?
teria dito a màc, se soubesse. Nào o soube, porém. As cartas que lhe escrevia nunca tinham
sido minuciosas, de resto detestava escrever cartas e só muito raramente o fazia. Depois o pai
morreu e a màc logo a seguir.
Uma casa mobilada, sempre pensou, é a certeza de uma porta aberta de par em par, de
mãos livres, de rua nova à espera dos seus pés. As pessoas ficam tào estupidamente presas a
um móvel, a um tapete já gasto de tantos passos, aos bibelots acumulados ao longo das vidas
e cheios de recordações, de vozes, de olhares, de mãos, de gente, enfim. Pega-se numajarra
e ali está algo de quem um dia apareceu com rosas. Tem alguns livros, mas poucos, como
os amigos que julga sinceros, sé-lo-ào? Aos outros livros, dá-os, vende-os a peso, que leve se
3 sente depois!
— Parece-me que às vezes fazes isso, enfim, toda essa descrtificaçào, com estorço, com
sofrimento — disse-lhe um dia o seu amor de então.
— Talvez — respondeu —, talvez. Mas pretiro nào pensar no caso.
Queria estar sempre pronta para partir sem que os objetos a envolvessem, a segurassem,
S a obrigassem a dcmorar-sc mais um dia que fosse. Disponível, pensava. Senhora de si. Para
partir, para chegar. Mesmo para estar onde estava.

1. Esclareça de que forma a errância, presente nas primeiras duas frases do excerto, marca
a diferença entre George e a família. Justifique a sua resposta.

239
PRÁTICA

2. Considere todo o primeiro parágrafo.

2.1 Evidencie a forma como o leitor testemunha as metamorfoses desta figura feminina.

2.2 Explique como se processa a concentração do tempo e do espaço desta narrativa.

2.3 Refira o valor expressivo das interrogações retóricas.

3. Atente nas linhas 10 e 11.

3.1 Comente o diálogo entre realidade, memória e imaginação.

3.2 Indique o valor expressivo do discurso direto.

4. Demonstre de que forma o terceiro parágrafo revela a dicotomia realidade/memória. jus­


tificando a sua resposta.

5. Atendendo à informação do quarto parágrafo, explique de que modo se manifesta a com­


plexidade da natureza humana.

6. Da sua leitura integral do conto, explique de que forma Maria Judite de Carvalho consegue
estabelecer a relação entre as três idades da vida, espelhadas em George.

Z39
NEMUII EXAME NACIINAL

Mário de Carvalho, «Famílias desavindas»


CONTEXTUAL1ZAÇÀO

Vida eobra
* 1944 (25 de setembro): nasce Mário Costa Martins de Carvalho. em Lis­
boa. oriundo de uma família alentejana.
■ Antes dos 5 anos já sabe ler. ensinado peia mãe. Conclui os estudos
secundários no Liceu Camões e no Liceu Gil e cursa Direito na Faculdade
dc Direito de Lisboa.
■ Após a licenciatura, quando fazia □ serviço militar, Mário de Carvalho é
preso pela PIDE (pela sua militância nD PCP) e sujeito a tortura de pri­
vação de sono, seguida do cumprimenta de prisão em Caxias e Peniche.
* 1973: sai da prisão e, clandestinamente, vai para Paris e depois para a
Suécia, de onde só há dc regressar após o 25 de Abril de 1974. Depois
de algum tempo afasta-se da atividade política e exerce advocacia em
favor dos mais desfavorecidos.
* 1981: publica Contos do Sétimo Esfera.
* autor é docente na Escola Superior de Teatro e Cinema, assim como na Escola Superior de Comunicação
Social. Desde então até ao presente, publica textos de natureza variada.
* Prémios literários:
-1986: prémio D. Dinis;
-1994: grande Prémio de Romance e Novela, atribuído pelas APE/DGLB;
-1996 e 2009: prémio Fernando Namora;
- 2009: prémio Vergílio Ferreira;
-2015: prémio PEN, atribuído pelo Clube Português de Ensaio.

• Esta é a história de duas «famílias desavindas»; uma galega, de membros semaforeiros (semáforos movi­
dos a pedal), e a outra de médicos oriunda de Coimbra, vivendo as duas famílias no Porto.
• A história desta família de semaforeiros tem início com o galego Ramon (Primeira Grande Guerra), tendo
sido substituído pelo filho Ximenez (Segunda Grande Guerra), que por sua vez veio a ser substituído pelo
seu filho Asdrúbal (pouco depois da Revolução de Abril, em 1974).
• encontro entre as famílias de semaforeiros e médicos teve lugar logo na primeira geração, quando o
Dr. João Pedro Bekett pôs em causa o trabalho de Ramon: «'A mim, ninguém me diz quando devo atra­
vessar uma rua. Sou um cidadão livre e desimpedido." Ramon entristeceu. Não gostava que interferissem
com o seu trabalho e. daí por diante, passou a dificultar a passagem ao doutor. Era caso para inimizade.
E eis duas famílias desavindas.».

• Deste episódio entre Ramon e o Dr. Bekett nasce uma rivalidade entre os respetivos descendentes:
- João Bekett (filho) / Ximenez (filho): «Herdou o ódio ao semáforo e passava grande parte do tempo à
janela, a encandear Ximenez com um espelho colorido.»
-«jovem» Paulo (neto) / Asdrúbal (neto): «0 médico passava e rosnava "Sus. galego' E Asdrúbal, sem
parar de dar ao pedal: 'Xó, magarefe!'»
- Paulo (neto) / Paco (bisneto): «'Arrenego de ti, galego!’ Isto foi assim com Asdrúbal e. mais recente­
mente. com Paco. (OJuando aconteceu o acidente: Ao proceder a um roubo por esticão um jovem que
vinha de mota teve uns instantes de desequilíbrio, raspou por Paco e deixou-o estendido no asfalto.»
• A partir do acidente: Paulo ajuda Paco e. enquanto este não regressa do hospital, substitui-o no semá­
foro: «Enganar-se-ia quem dissesse que o semáforo ficou abandonado. Uma figura de bata branca está
todos os dias naquela rua (...), pedalando, até à exaustão. É o Dr. Paulo cheio de remorsos, que quer peni­
tenciar-se, ser útil, enquanto Paco não regressa.»

240
nmciÊsu?ANi

TEORIA

TÓPICOS DE ANÁLISE EM «FAMÍLIAS DESAVINDAS»

• A família Bekett e a família de Ramon: a sucessão de pais, filhos, netos e bisneto; cada
História personagem com as suas características psicológicas. Os galegos são competentes e
pessoale dedicados, amam a sua profissão.são imigrantes no Porto. Os Bekett são médicos, abas­
história tados. ociosos e maldosos.
social: as duas • A família Bekett e a família de Ramon: movendo-se pela História Universal - Primeira
famílias Grande Guerra—► Segunda Grande Guerra—► 25 de Abril de 1974—► «um dia destes»,
ou seja, tempo presente.

• «No dobrar do século XIX, Gerard Letelessier, jovem engenheiro francês» - tempo de
avanços na indústria e na tecnologia, mesmo que ridículos (e conseguidos graças à cor­
rupção). como este semáforo.
• Primeira Grande Guerra e Segunda Grande Guerra: as duas guerras sucessivas cronolo­
gicamente. impedindo o desenvolvimento, dado que. simbolicamente, o semáforo per­
manece. E na Primeira Grande Guerra que se atribui o cargo de semaforeiro a Ramon
- tal como a guerra inicia os confrontos bélicos, neste século, assim também Ramon é o
Valor começo da história das desavenças. A Segunda Grande Guerra dá continuidade à Histó­
simbólico ria Universal, bem como a partir dela se dá continuidade às famílias e suas desavenças.
dos marcos
históricos • 25 de Abril de 1974: a Revolução dos Cravos que põe fim ao fascismo português e em
referidos nada afeta os semaforeiros. Este período histórico contrasta com as duas famílias por­
que elas permanecem «desavindas». Apesar disso, é em tempo de democracia (anos
mais tarde) que se dará a peripécia final e o início da amizade.
• Tempo presente «um dia destes», o início da amizade, num tempo de liberdade, tempo
em que, tal como o Dr. Paulo, a Sociedade e a História têm ainda motivos para viver
«remorso» e «penitência», sendo que há uma urgência de ser «útil» aos outros. A ami­
zade e o perdão entre as duas famílias simbolizam a fraternidade e a união necessárias
ao mundo e à sociedade atuais.

• «um autarca do Porto» subornado com vinho de Bordéus para trazer um projeto ridículo
à cidade (já recusado por Paris e Lisboa).

• concurso cómico que procurava «concorrentes [que] soubessem andar de bicicleta»,


acabando por contratar «um galego chamado Ramon, que era familiar do proprietário
dum bom restaurante e nunca tinha pedalado na vida.» (favoritismo e compadrio).
A dimensão • Os médicos ignorantes (mas com fama vinda de gerações anteriores), arrogantes e
irónica do maliciosos: o pai Bekett andava pelas ruas, tentando chamar clientes, inventando-lhes
conto supostas doenças; o filho, Dr. João, que orientava sempre os doentes para um colega
porque sabia que o seu diagnóstico era errado; o neto. Dr. Paulo, que desenrolava teo­
rias decoradas e memorizadas, mas nada sabia de prática médica.
• A herança de desencontros e incidentes do passado, que leva a inimizades e a ódios
ilógicos, situação que afeta não só estas famílias, mas sociedades e nações à escala
global.

Incidente final é o desencadeador da alteração desta eterna desavença entre as duas


famílias. Assim, depois de ter sido deixado ferido no chão, por um assaltante, Paco é
A importância
levado para o hospital e substituído pelo agora amigo, Dr. Paulo. Se um incidente inicial
da peripécia
deu origem a uma inimizade de várias gerações entre semaforeiros galegos e médicos
final
portugueses, assim também outro incidente final originou a reconciliação e amizade
entre estas duas famílias não mais «desavindas».

241
Leia atentamente o excerto apresentado e responda às questões.

O semaforeiro

O sistema é simples c, pode dizcr-


-sc com propriedade, luminoso. Um
homem pedala numa bicicleta erguida
a dez centímetros do chào por supor­
tes de ferro. A corrente faz girar um
ímà1 dentro de uma bobina. A ener­
gia gerada vai acender as luzes de um
semáforo, comutadas2 pelo ciclista.
Durante a Primeira Grande Guerra
foi introduzida uma melhoria. Uma
inspeção da Câmara concluiu que a
roda da frente era destituída de utili­
dade. Foi retirada.
Houve muitos candidatos ao cargo
li de semaforeiro, embora um equívo­
co tivesse levado à exigência de que Nadir Afonso, Clérigos, 1941
os concorrentes soubessem andar de
bicicleta. A realidade corrigiu o dis­
late3 porque acabou por ser escolhido um galego chamado Ramon, que era familiar
do proprietário dum bom restaurante c nunca tinha pedalado na vida. Mas Ramon era
esforçado, cheio de boa vontade. A escolha foi acertada.
Durante anos o bom do Ramon pedalou e comutou. Por alturas da segunda Grande
Guerra foi substituído pelo seu filho Ximenez, pouco depois da revolução de Abril pelo
neto Asdrúbal, e, um dia destes, pelo bisneto Paco. (...) Mas não é pelo ordenado que
S aquela família dá ao pedal.
E pelo amor á profissão. Altas horas da madrugada, avô, neto c bisneto foram vistos
de ferramenta cm riste a afeiçoar pormenores. Fizeram questão de preservar a roda de
trás c opuseram-se quase com selvajaria a um jovem engenheiro que considerou a roda
dispensável, sugerindo que o carreto bastasse. (...)
1 Era caso para inimizade. E eis duas famílias desavindas. Fchzmcnte, nunca coincidi­
ram descendentes casadoiros. Piora sempre os resultados.
Mário de Carvalho, «Famílias desavindas».
Contos FãçafiMndos, I.isboa, Caminho, 2000, pp. 7S^T7
1íman.
2 Trocar.
3Disparate; asneira.

242
PRÁTICA

1. Identifique o episódio referido no primeiro parágrafo e esclareça a sua importância no


desenvolvimento da ação.

2. Explique o valor expressivo da gradação presente nas linhas 2-8.

3. Evidencie a ironia presente no segundo parágrafo do texto.

4. Prove que as linhas 22-24 estão ao serviço da concentração do tempo e da unidade de


ação desta narrativa.

5. Identifique a relação entre as duas Grandes Guerras e estas duas famílias, justificando a
sua resposta.

6. Estabeleça a relação entre a história pessoal e social destas duas «famílias desavindas*.

7. Da sua leitura integral deste conto, refira-se à peripécia final e ao seu impacto no desfe­
cho da narrativa.

243
NEMUII EXAME NACIINAL

POETAS CONTEMPORÂNEOS

• 1907 (12 de agosto): nasce Adolfo Correia da Rocha (que adota «Miguel Torga»
como seu pseudónimo) em São Martinho de Anta - Sabrosa, Vila Real, oriundo de
uma família transmontana humilde.
* 1918: vai para o seminário de Lamego, onde estuda Letras e os textos bíblicos.
Aos 13 anos, emigra para o Brasil (Minas Gerais), onde trabalhará numa fazenda
de café cujo proprietário é seu familiar.
• 1925: regressa a Portugal como um aluno distinto.
• 1928-1933: conclui o curso de Medicina na Faculdade de Medicina da Univer­
sidade de Coimbra e publica o livro de poemas Ansiedade. Após a licenciatura,
exerce em Trás-os-Montes e em Leiria.
• 1929: participa na revista Presença, da qual se afasta um ano depois.
• 1989: recebe o Prémio Camões.
• 1993: publica os seus últimos textos.
• 1995 (17 de janeiro): morre em Coimbra.

• 1919 (2 de novembro): nasce, em Lisboa. Jorge Cândido Alves Rodrigues Telles


Grilo Raposo de Abreu de Sena, oriundo de uma família burguesa e aristocrata.
• Conclui os estudos primários e os secundários no Colégio Vasco da Gama e no
Liceu Camões.
• 1944: conclui o curso de Engenharia Civil, na Faculdade de Engenharia da Univer­
sidade do Porto.
•1947-1959: trabalha na Câmara Municipal de Lisboa e na Junta Autónoma de
Estradas.
• Ao longo da Ditadura Fascista, publica várias obras, mantendo-se insatisfeito com
a pequenez de Portugal.
• 1959-1965: exilado no Brasil, defende a sua tese de doutoramento sobre Camões.
• 1965: vai para a Universidade de Wisconsin (EUA), onde ensina Literatura Portu­
guesa.
• 1970-1978: é professor na Universidade de Santa Bárbara (Califórnia, EUA).
• 1978 (4 de junho): morre em Santa Bárbara, Califórnia, EUA.
• 1978: recebe, a título póstumo, a distinção da Grã-Cruz da Ordem Militar de Santiago
da Espada de Portugal.

EUGÊNIO DE ANDRADE

• 1923 (19 de janeiro): nasce José Fontinhas. em Póvoa de Atalaia - Fundão.


• 1993: depois da separação dos pais muda-se para Lisboa, onde frequenta o Liceu
Passos Manuel e a Escola Técnica Machado de Castro.
• 1943: muda-se para Coimbra, onde convive com Miguel Torga.
• 1948-93: publica As Mãos e os Frutos; Mor de Setembro; À Sombra da Memória.
■2001: recebe o Prémio Camões.
-2005 (13 de junho): morre no Porto.

244
nktkiês u? ani

TEORIA

* 1924 (17 da outubro): nasce António Vítor Ramos Rosa, em Faro.


* Faz os primeiros estudos em Faro, não acabando o secundário devido a problemas
de saúde.
* 1958: publica «Os dias, sem matéria», no jornal A voz de Loulé, o «0 Grito Claro», e
funda a revista Cadernos do Nfeío-Día, extinta, em 1960, pela PIDE.
* 1980: recebe o Prémio PEN Clube Português de Poesia.
* 1988: recebe o Prémio Fernando Pessoa.
* 1992 (10 de junho): recebe o título de Grande-Of icial da Ordem Militar de Santiago
da Espada e o Prémio Municipal Eça de Queirós da Câmara Municipal de Lisboa.
* 1997 (9 de junho): recebe a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique.
* 2005: recebe o Grande Prémio Sophia de Mello Breyner Andresen.
* 2013 (23 de setembro): morre em Lisboa.

* 1924 (19 de dezembro): nasce, em Lisboa, Alexandre Manuel Vahia de Castro


OTIeill de Bulhões.
* 1943: publica os seus primeiros poemas no jornal Flor do Tâmega (Amarante).
* 1948: funda o Grupo Surrealista de Lisboa.
* 1951: publica obras marcadamente surrealistas, com inovações ao nível da teoria
e da escrita.
* 1957: começa a publicar regularmente em jornais, tais como Jornal de Letras.
* 1958: publica No Reino da Dinamarca.
* 1960: publica poemas, antologias e traduções.
* 1982: recebe o Prémio da Associação de Críticos Literários.
* 1983: publica Poesias Completas.
>1986 (21 d« agosto): morre em Lisboa.
* 1990: recebe o título de Grande-Oficial da Ordem Militar de Santiago da Espada.

* 1930 (23 de novembro): nasce o escritor Herberto Helder de Oliveira, no Funchal


- Madeira.
* Cursa Letras na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Trabalha como
jornalista, tradutor e locutor de rádio em Lisboa.
> 1964: inicia a sua escrita influenciada pelo Surrealismo.
* 197L é redator da revista Notícia, em Luanda.
* 1983: recebe o Prémio PEN Clube Português de Poesia.
* 1988: recebe o Prémio de crítica da Associação Portuguesa de Críticos Literários.
* 1994: recebe o Prémio Pessoa, que recusa.
* 2015 (23 da março): morre em Cascais.
* 2015: dois meses após a sua morte, surge a edição póstuma de Poemas Canhotos.

245
NEMUII EXAME NACIINAL

RU Y BELO

• 1933 (27 de fevereiro): nasce, em Rio Maior, Ruy de Moura Belo.


• 1951-1956: cursa Direito na Universidade de Coimbra e na Universidade de Lis­
boa.
• 1956: muda-se para Roma, onde estuda na Universidade S. Tomás de Aquino e
obtém o Grau de Doutor em Direito Canónico.
■ 196L torna-se investigador da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa,
como bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian. Foi redator e crítico em várias
revistas.
• 1978 (8 de agosto): morre em Queluz.
■198L a sua obra poética é reunida e a sua escrita considerada pioneira da poesia
contemporânea.
• 1991: recebe o título póstumo de Grande-Oficial da Ordem Militar de Santiago da
Espada.

■ 1936 (12 de maio): nasce Manuel Alegre de Melo Duarte, em Ãgueda.


-1956: cursa Direito na Universidade de Coimbra, onde começa a sua atividade polí­
tica contra o regime fascista.
• 1961: cumpre serviço militar, sendo enviado para os Açores (S. Miguel) e, depois,
para Angola, onde a PIDE o prende {em 1963).
-1964: sai para o exílio, em Paris. Durante o exílio, associa-se a Humberto Delgado,
continuando a opor-se ao regime fascista. Parte para 10 anos de exílio em Argel.
• 1967: o livro O Conto e os Armas é apreendido pela censura, mas os manuscri­
tos conservados chegam ao público e são usados para letras de canções de Zeca
Afonso, Adriano Correia de Oliveira e Manuel Freire, entre outros.
• 1957-1968: militante do Partido Comunista Português.
• 1968: associa-se a outros militantes do futuro Partido Socialista.
• 1975: deputado da Assembleia Constituinte e autor do texto do preâmbulo da
futura Constituição de 1976. Dedica-se ã política durante cerca de 34 anos, repre­
sentando o PS.
• 2016: recebe a Grã-Cruz da Ordem Militar de Santiago da Espada e recebe ainda o
prémio de Consagração de Carreira da Sociedade Portuguesa de Autores.
- 2017: recebe o Prémio Camões.

-1939 (10 de maio): nasce Luiza Neto Jorge, em Lisboa.


• Matricula-se na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, que abandona
para se mudar para Paris.
• 1962-1970: vive em Paris.
•1960-1980: publica livros de poesia, tais como Dezanove Recantos: Epopeia
Sumária, Os Sítios Sitiados e A Lume, entre outros.
• 1987: recebe o Grande Prémio de Tradução Literária.
• 1989 (23 de fevereiro): morre em Lisboa.
• 2008: publicação de Corpo Insurreto e Outros Poemas.

245
nktkiês u? ani

TEORIA

VASCO GRAÇA MOURA

* 1942 (3 de janeiro): nasce Vasco Navarro de Graça Moura, no Porto.


* Licencia-se em Direito na Universidade de Lisboa.
* 1966-1983: exerce funções de advocacia.
* 1978: é nomeado diretor da RTP2, cargo a que se acrescentam muitos outros de
direção de variadas instituições culturais.
* Anos 80: dedica-se à sua carreira literária.
* 1995: recebe o Prémio Pessoa.
* 2007: recebe o Prémio Vergílio Ferreira.
* 2010: recebe o Prémio Europa David Mourão-Ferreira.
* 2014{27 de abril): morre em Lisboa.

1949 (29 de abril): nasce Nuno Manuel Gonçalves Júd ice Glória, em Portimão.
Licencia-se em Filologia Românica na Faculdade de Letras da Universidade de
Lisboa e recehe o Grau de Doutor na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da
Universidade Nova de Lisboa.
1972: publica A Noção de Poema.
1992-1997: exerce funções de professor do Ensino Secundário.
•Desempenha funções de direção de revistas e instituições culturais, bem como
desenvolve a sua obra literária, que inclui coletâneas de poesia, estudos críticos,
textos sobre Teoria da Literatura.
• Atualmente: professor Associado da FCSH - Universidade Nova de Lisboa.
• 2013: recebe o título de Grande-Oficial da Ordem Militar de Santiago da Espada.

ANA LUÍSA AMARAL

• 1956 (5 de abril): nasce Ana Luísa Amaral, em Lisboa.


• 1994: publica Epopeias.
• 1998: publica Ás Vezes o Pororso.
• 2002: publica Imogias.
• 2005: publica A Génese do Amor.
• 2007: recebe o Prémio Literário Casino da Póvoa - Correntes dEscritas.
• 2010: publica Inversos, Poesia de I990-2010.
• 2012: recebe o Prémio Rómulo de Carvalho/António Gedeão.
• 2014: termina as suas funções como Professora Associada na Faculdade de Letras
da Universidade do Porto.
• 2015: recebe a Medalha de Ouro de Mérito da Câmara Municipal de Matosinhos.
• 2016: recebe a Medalha de Mérito - Grau de Ouro da Câmara Municipal do Porto.

247
NEMUII EXAME NACIINAL

• A sociedade do início do século XX; a sociedade das duas Grandes Guerras; a socie­
dade do Fascismo e do Pós-Fascismo; a sociedade finissecular;
Representações
* Estrutura formal: irregularidade estrófica e métrica; linguagem ao serviço das sensa­
da ções; polissemia; trocadilhos; experiências linguísticas surrealistas;
contemporâneo
•Futurismo e contemporaneidade; indústria, cinema, literatura, escrita; representa­
ções do quotidiano do século XX.

• Abordagem de temas; o amor (espiritual e físico); a nostalgia da infância; a natureza;


Tradição a complexidade da natureza humana; o estoicismo; físico e metafísico ou transcen­
literária dente (vida/além-vida); o quotidiano; a crítica sociopolítica;

• Estrutura formal (estrófica. métrica).

• 0 poeta fragmentado/despersonalizado; o sofredor; o ser pensante; a consciência/


Figurações
inconsciência; a razão/o pensamento; o ser versus o não-ser; paradoxos e imagens;
do poeta
existencialismo; niilismo.

• A dureza inerente ao ato de escrever;

• 0 poema como parte do próprio corpo humano;


Arte poética • 0 poema como espelho da Natureza, das sensações;
• 0 poema como fruto da confluência rnterortes e mtercrêncios {escrita, música, pin­
tura, escultura, medicina, anatomia, tecnologia).

Os filósofos existencialistas defendem a centralidade do ser humano, único capaz de


dar sentido à sua vida, sem a existência de Deus. 0 centro é, portanto, o indivíduo e a
sua interpretação da própria existência, em luta pela liberdade e pela individualidade.
Existencialismo Perguntas frequentes dos existencialistas: O.uem somos? 0 que estamos a fazer na
vida? Para onde vamos? O.ue força nos move para vivermos? - questões que lhes dão
uma visão da existência e do mundo como votados ao abandono e às escolhas do indiví­
duo, boas ou más, com as suas respetivas consequências.

Palavra oriunda do Latim, «nihil» significa «nada». As suas ideias refletem-se nas
ciências e nas artes em geral. A principal ideia assenta no ceticismo radical (dúvida
absoluta) em relação a interpretações da realidade provenientes da ciência e da reli­
gião, com os seus valores e as suas convicções.

Niilismo Num sentido positivo, este questionamento de tudo posiciona o ser humano num nível
de discussão e procura da verdade a partir de um ponto zero. Num sentido negativo, o
niilismo destrói e aniquila toda a espécie de verdades e visões científicas, filosóficas,
artísticas e éticas, ou seja, num mundo onde Deus está morto ou não existe, tudo é
questionado e o ser humano, teoricamente, tem «permissão» para fazer tudo o que
quer, como quer e quando quer.

249
FICHA 91 Miguel Torga
PRÁTICA

Leia atentamente o seguinte poema e responda às questdes.

Profissão

Brilha o poema como novo astro


No céu da eternidade...
Tenacidade
Humana’
Tanto fiz
E desfiz,
Que ninguém diz
Que já foi minha a luz que dele emana.

Amo
i) O duro oficio de criar beleza,
Edgar Degas, Paisagem do Ceu, s.d.
Sina igual à do ramo
Que desprende de si o gosto do seu fruto.
E lapido no torno da tristeza
As lágrimas cm bruto
1Ç Que recolho dos olhos
Com secreta
Ironia.
Transfiguro o meu pranto, e sou poeta:
Começa a noite cm mim quando amanhece o dia.

Miguel Torga, .■‘hrlp/iyjir Poética,


Lisboa, D. Quixote, 1999, p. 211

1. Refira o assunto do poema,justificando a sua resposta.

2. Divida o poema em partes lógicas, justificando a sua escolha.

249
3. Esclareça o sentido dos versos:

a) «Tenacidade / humana!* (versos 3-4).

b) «Amo / 0 duro ofício de criar beleza. / Sina igual à do ramo / Que desprende de si o
gosto do seu fruto.» (versos 9-12).

4. Caracterize a arte poética de Miguel Torga.

5. Explique, por palavras suas, o primeiro verso do poema.

6. Classifique o poema quanto à sua forma estrófica e métrica.

250
Leia atentamente o seguinte poema e responda às questdes.

Passagem cuidadosa

No ténue perpassar dc nuvens cuidadosas


como flores que abriram no silêncio dc outras,
a mim próprio escuto, e os olhos com que vejo
sào minha voz falando o tempo dc passarem
5 mais outras nuvens, qual a vida ao sopro,
ao invisível sopro ou chama ou só altura
mteriormente aberta ao espaço que a rodeia.

A mim próprio escuto, cu sei. Mas nào de mim,


que alheio vivo a vida que cm mim fala.
U Como as nuvens que passam cada vez sào outras,
a quanto escuto ignoro ou esqueço ou nem contemplo,
abertos olhos, meu destino alem
dc mim, de tudo, eu próprio sou porque
já fui c nào serei, ou serei sempre mais
15 dc meu destino a essência que lhe dou
na extrema contingência dc tornar a ser.

As nuvens passam cuidadosamcnte.


Escuto-as ou me escuto? Vejo-as ou me vejo?
Um cicio brando, um murmurar, um fluido
3 c tênue perpassar dc pétalas molhadas,
como flores que abriram no silencio dc outras.
Jorge de Sena, Oóras de Jorge dc Sena — Jahn Constable, Nuvens
Antologia Poética, Porto, Asa, 2001, pp. 91-92 (pormenDr), c. 1821-22

1. Caracterize o sujeito poético deste poema, justificando a sua resposta com elementos
textuais.

2. Explique de que forma este sujeito poético, no seu interior, sente várias figurações de si
mesmo.

251
3. Transcreva duas sequências que confirmam a presença de preocupações metafísicas por
parte do sujeito poético.

4. Comente a expressividade da referência a «nuvens», «flores» e «sopro».

5. Identifique o recurso presente em «Mas nõo de mim, / que alheio vivo a vida que em mim
fala» (versos 8-9), comentando o seu valor.

6. Selecione da última estrofe um exemplo de sinestesia e comente o seu valor.

7. Justifique o uso da pontuaçõo neste poema.

8. Explicite a relaçõo existente entre o título e o conteúdo do poema.

252
FICHA 93 Eugênio de Andrade
PRÁTICA

Leia atentamente o seguinte poema1 e responda às questões.

Nào chegarás nunca a dizer


como brilham lentas as maçàs
os gatos se demoram nos joelhos
sem liberdade crescem as crianças

5 Esta noite iremos pela tarde


até às dunas
vai chover talvez a terra fique limpa
escreverei como as crianças brilham

Franz Marc, Gatos, 1909-1910


Eugênio de Andrade, Límíor dos Pássaros,
Lisboa, Assírio & Alvim, 2014, p. 35 1Esta é apenas uma das partes do
longo poema, nascido a partir de
várias estrofes sem título específico.

1. Explique, por palavras suas, a referência a «maçàs» e a «gatos».

2. Transcreva verso que instaura um pendorde crítica social e explique o seu valor expressivo.

3. Identifique o papel da praia no sujeito poético, justificando a sua resposta.

4. Esclareça o sentido da sequência «a terra fique limpa», mostrando a sua pertença à tra­
dição literária.

5. Atendendo a este poema, refira-se à arte poética de Eugênio de Andrade.

6. Esclareça a relação entre as «maçãs» e as «crianças».

253
Leia atentamente o seguinte poema1 e responda às questões.

Tenho a sensação de que este é o momento


embora saiba que nunca é o momento
e talvez este seja o momento porque nunca é o momento
Nào quero provar a existência do improvável
5 o improvável existe
na concentração dos seus contrários
e nào importa que o poema seja um movimento de cinza
uma vez que a sua sombra é uma cabeleira de togo ténue
e com ele se caminha de olhos vendados para a lucidez da água
I O poema c tào fluente como um navio dc mercúrio
e as imagens surgem de uma espontânea boca
com a violência ardente que envolve a nudez amada
na sua tuga ágil c preciosamentc demorada
Cada linha será uma linha dc primavera branca
II e nela vibrará o seio que tào docementc é acariciado
como uma flor do vento como uma flor do sangue ou uma flor de macia pedra
Pode o poema nào ter rosto c ser apenas um torso dc água
a sua ondulação será a lenta plenitude
do que nào poderia ser c terá sido num improvável nascimento
António Ramos Rosa, Deambulações Obliquas, Lisboa, C^uetzal, 2001, p. 65

1Esta é apenas parte do livro intitulada Deambulações Obfíquas.


cujas estrofes nãasão tituladas individualmente.

1. Demonstre que este poema reflete preocupações existencialistas.

2. Caracterize conceito que o sujeito poético tem de «poema», justificando a sua resposta
com elementos textuais.

3. Explique a relação entre o título e o conteúdo do poema, evidenciando o seu caráter con­
temporâneo.

254
FICHA 95 Alexandre CTNelll
PRÁTICA

Leia atentamente o seguinte poema e responda às questdes.

Autorretrato

O’Ncill (Alexandre), moreno português,


cabelo asa de corvo; da angústia da cara,
nanguete que sobrepuja1 de traves2
a tenda desdenhosa c nào cicatrizada.
5 Sc a visagcni de tal sujeito é o que ves
(omita-se o olho triste e a testa iluminada)
o retrato moral também tem os seus quês
(ík/MÍ, «mu pequena frase censurada..
No amor? No amor crê (ou nào tosse ele O’Ncill!)
U e tem a veleidade3 de o saber tazer
(pois amor nào há ícito) das maneiras mil
que sào a semovente4 estátua do prazer.

M as sofre de ternura, bebe de mais e ri-se


do que neste soneto sobre si mesmo disse...
Alexandre ONcill, * Poemas com Endereço», Amadea de SDUza-Cardoso,
Poesias Compktds, Lisboa, Assírio & Alvim, 2012, p. 171 Tristezas, Cabeça, c. 1913-15

1 Ergue.
2 Lado; soslaio.
3 Capricho.
4 Que se move por si mesma.

1. Considerando os primeiros quatro versos do poema, identifique os recursos expressivos que


caracterizam física e psicologicamente o poeta.

2. Identifique os dois tipos de amor presentes no poema, justificando a sua resposta com
elementos textuais.

3. Mostre de que forma este poema confirma a escrita contemporânea.

255
Leia atentamente o seguinte poema e responda às questões.

O sangue bombeado na loucura. accrbamcnte pontuado a togo, A frase


Do medo a fala,
ao modo de escrevê-lo. Entra » (...)
pelo papel dentro, Queima Uma traqueia de onde irrompesse um som
S tudo — os dias que se atrevem — árduo árduo
no mundo: as massas de ouro: c agudo,
o âmago. E a boca respirando sc tornasse
Enterra-se de noite um diamante: c a terra 5 numa bolha,
move-se, Coração fechado O rosto como uma víscera,
1 fundo, (á)iiio se me furasse um tubo Que brilhasse varada pelo sangue: alta
vocalmente] c ríspida: e brilhasse ainda
ate às amígdalas, quando o dia transparente transpusesse:
Sopro pulmonar tornado paixào 1 porta
de música a porta:
labial idade tudo. As mãos: a cabeça
lí inocência, entre as mãos: a voz
Áspero ligeiro ardido, Um lento entre fôlego c escrita, Nas cavernas
desenvolvimento: o que se escreve do mundo

I lerberto I lelder, Ou o Poema Contínuo,

Porto. Lisboa, Assírio & Alvim, 2004, pp. 414-415

1. Comente a relação poema-corpo, justificando a sua resposta com elementos textuais.

2. Explicite o modo como o sujeito poético caracteriza o corpo, no seu todo e nas suas partes.

2.1 Selecione um exemplo de metáfora que o confirme.

3. Comprove a representação do contemporâneo, quanto ao conteúdo e à forma deste poema.

Z56
FICHA 97 Ruy Belo
PRÁTICA

Leia atentamente o seguinte poema e responda às questdes.

láírra literatura

Dia dc festa, existir simplesmente


ter confiança cm tudo, ó mundo minha mãe,
lareira prometida nunca alumiada
c tantos gestos empilhados e tijolos
5 E sobre tudo o resto o vào bocejo c nào valer a pena

Ser erva entre o milho c verde vítima do vento


ceifar-nos rente algum olhar de esquecimento
A morte ainda é uma forma eficaz de adormecer
c a virtude c o caminho para quem
U nào tem outro remédio nesta vida
Mulher como melhor morrer nascer cantar
Edouard Vuillard,
Itália onde tombar como em qualquer lugar Amigos Reunidos õ Mesa, 1909
chorar o mínimo cadáver que passar
c nào desperdiçar os dedos pelas coisas
15 Fazer de um jardim quanta vida se quer
ser o maior dos responsáveis por
~ eis algumas vantagens da propriedade horizontal

Ruy Belo, Amh Bilingue, Lisboa,

Assírio & Alvim, 2016, p. 49

1. Caracterize o estado de espírito do sujeito poético neste *Dia de festa», justificando a sua
resposta com elementos textuais.

2. Tendo em conta os três primeiros versos da primeira estrofe, explique a presença de um


tema tâo caro à tradição literária.

257
3. Atendendo ao conteúdo dos versos 5 a 8, explique a perspetiva do sujeito poético relati­
vamente à dicotomia vida/morte.

4. Comprove que os versos «chorar o mínimo cadáver que passar / e nâo desperdiçar os
dedos pelas coisas» espelham a filosofia estoica.

5. Mostre como a forma deste poema revela uma escrita contemporânea.

6. Identifique e comente os dois recursos expressivos presentes em cada uma das seguin­
tes sequências:

a) <Ser erva entre o milho e verde vítima do vento» (verso 6)

b) «Mulher como melhor morrer nascer cantar» (verso 11)

7. Esclareçaosentidodotítulo.

25B
FICHA 98 Manuel Alegre
PRÁTICA

Leia atentamente o seguinte poema e responda às questdes.

Portugal em Paris

Solitário
por entre a gente eu vi o meu país.
Era uni perfil
de sal
5 e Abril.
Era uni puro país azul e proletário.
Anónimo passava. E era Portugal
que passava por entre a gente c solitário
nas ruas de Paris.

ll Vi minha pátria derramada


na Gare de Austerhtz. Eram cestos
c cestos pelo chào. Pedaços
do meu país.
Restos. Gustave Loiseau,
Ruo do A/deia, c. 1910-11
15 Braços.
Minha pátria sem nada
sem nada
despejada nas ruas de Paris.
E o trigo?
3 E o mar?
Foi a terra que nào te quis
ou alguém que roubou as flores de Abril?
Solitário por entre a gente caminhei contigo
os olhos longe como o trigo c o mar.
25 Éramos cem duzentos mil?
E caminhávamos. Braços c mãos para alugar
meu Portugal nas ruas de Paris.

Manuel Alegre. O Canín e as /Irmos,

Lisboa, D. Quixote, 2017, pp. 73-74

1. Esclareça assunto do poema.

25S
2. Explique de que forma o conteúdo do poema revela tratamento de um tema tão caro à tra­
dição literária.

3. Caracterizeo sujeito poético, tendo em conta o que vê, justificando a sua resposta.

4. Prove que o sujeito poético apresenta a pátria em fragmentos, o que é acompanhado pela
forma estrófica e métrica.

5. Refira-se à expressividade das interrogações retóricas.

6. Retire do poema os seguintes recursos expressivos, referindo-se ao seu valor:


a) metáfora

b) metonímia

c) comparação

d) gradação
FICHA 99 Lulza Neto Jorge
PRÁTICA

Leia atentamente o seguinte poema e responda às questdes.

Recanto 91

Do lado dc cá nem só havia o sangue


c do lado dc lá nem só a atmosfera
nem só por baixo sol c, flutuando, o écran
panorâmico]
mas a pclc entre espelhos imagens sobrepostas
dc uma transfusão
progressiva
como no filme em que deus se investia
sobre outra divindade dc demónios longínquos.

Claude Manet. Vista do Mar


i) Tào à flor da pele estavam as rugas do saber ao PordaSoí. 1B62-18 &4
tào ao nosso alcance as ruas mágicas tanto os poros
facilitavam a inundação da alma
que alguém,
vindo do sonho,
15 purificou, refulgindo, os ares.

Tanto os poros facilitam


a queda no alçapão
que um poeta se identifica com um seio
para desvendar o leite.

Lulza Neto Jorge, Poesia, 1 Este poema faz parte de uma antologia
Lisboa. Assírio & Alvim, 2001, p. 189 intitulada Dezanove Recantos, em que a
autora segue a estrutura de uma epopeia:
Proposição, Invocação, Dedicatória.
Narração. «Recanto 9» pertence à Narração.

1. Evidencie a presença da dicotomia físico/metafísico. servindo-se de elementos textuais.

2. Caracterize especificamente cada um desses espaços, justificando a sua resposta com ele­
mentos textuais.

261
3. Refira o lugar em que «poeta» se posiciona nessa dicotomia.

4. Explique o valor expressivo das palavras «seio» e «leite».

5. Mostre que o conteúdo dos versos 3 a 8 evidencia representações do contemporâneo e a


fragmentação do sujeito.

6. Identifique os recursos expressivos presentes em «Do lado de cá nem só havia o sangue / e


do lado de lá nem só a atmosfera» (versos 1-2) e «a inundação da alma» (verso 11).

7. Comente a polissemia do título.

8. Classifique o poema quanto à sua forma estrófica e métrica.

2i2
Leia atentamente o seguinte poema e responda às questdes.

reverberações

sempre achei que a vida uma ressonância


das palavras tinha I cm que transformei
a incerta medida tudo, desde a infância,
de eu viver a min ha
quando experimentei,
5 c cm contrapartida, perto ou à distância,
como se adivinha, para o que escutei.
a letra corrida,
que fiz, encaminha
Vasco Graça Moura, Poesia Rcuttida,
vol. 1, I.isboa, Quetzal, 2012, p. 523

1. Explique a relação entre «a vida das palavras» e a do poeta.

2. Esclareça binómio «letra corrida»/*ressonância» como representação da arte poética do


autor.

3. Mostre que as aliterações e as assonâncias estão ao serviço da música e da alegria interior


do sujeito poético.

4. Prove que a forma deste poema é típica da contemporaneidade.

5. Evidencie o sentido do título.

263
FICHA 101 Nuno Júdice

Leia atentamente o seguinte poema e responda às questões.

.4 inutilidade da gramática

Tocando o fruto da gramática como sc


caísse de maduro, fazia com que a casca
de verbos se descolasse da polpa c via
cair o sumo do pronome sobre o sujeito
5 da frase que, para ele, tinha o corpo
da amada. Seguira aquele modelo segundo
o qual no princípio era o verbo; mas
o sujeito sobrepunha-se ao verbo, c via
o seu rosto, que a luz da manhã
d en ch ia de cor, sorrir-lhe, como se
aquela sequência de palavras tivesse
outra vida para alem da página. Mas
a árvore secara; c quando foi à procura
da raiz no campo estéril da sua memória,
15 nenhum pronome tinha corpo, c o verbo
que o animara reduzia-se a uma forma
inativa nos seus dedos manchados dc tinta.
Claude Manet.
Praia e Faíêsias em Pourvilie,
Efeitos da Mantia, 1882
Nuno Júdice, O Fruto da Gramática,
I.isboa, D. Quixote, 2014, p. 26

1. Esclareça o sentido da primeira frase do poema (versos 1-6).

2. Tendo em conta o conteúdo da segunda frase (versos 6-12). explique a arte poética de Nuno
Júdice.

2í4
PRÁTICA

3. Explique o papel da sequência «Mas / a árvore secara* (versos 12-13) na conclusão do


poema.

4. Selecione dois exemplos de metáfora e um exemplo de comparação, referindo a sua


expressividade.

5. Esclareça o sentido do título.

6. Classifique o poema quanto à sua forma estrófica e métrica.

265
Ana Luísa Amaral

Leia atentamente o seguinte poema e responda às questões.

Malmequeres e polígonos

A mesma tolha.
De um lado, analisar,
do outro — eu.

Mas o lado primeiro


5 também eu. Outro eu.

E o que vacila
entre os dois lados
(que nào é o que escreve, nào querendo,
nem o que malquerendo, move mào)
■ — eu também. Outro eu.

Eu, terceiro e secante


com os outros dois lados.
Malmequer. Mequermal.

No fim das pétalas,


15 é sempre a mesma tolha
com dois lados

(e um outro em Purgatório:
nem inferno, nem céu) Noronha da Costa. Sem Títuío, 1967

Ana I.uísa Amaral. hnmsos, poesia í990-20 IO,


Lisboa, D. Quixote. 2010, p. 101

1. Comprove a figuração do sujeito poético como um ser fragmentado espelhado na escrita.

2. Comente a polissemia do referente «folha» (verso 1).

Zió
PRÁTICA

3. Mostre como o conteúdo dos versos 2 a 12 surte o efeito de explicação detalhada desse
«eu» fragmentado.

4. Comente o uso inesperado e expressivo do referente «Malmequer» (verso 13) e relacio-


ne-o com o conteúdo do poema.

5. Evidencie a presença do metafísico neste texto poético como tema da tradição literária.

5.1 Explique o uso de maiúscula no vocábulo «Purgatório» (verso 17).

6. Esclareça o sentido do título.

7. Classifique o poema quanto à sua forma estrófica e métrica.

267
NEMUII EXAME NACIINAL

JOSÉ SARAMAGO, O ANO DA MORTE DE RICARDO REIS

C0NTEXTUAL1ZAÇÀ0

Vida eobra
1922 (16 de novembro): nasce, na Golegã, José de Sousa Sara mago, oriundo de uma família de agricultores.
1924: muda-se com a família para Lisboa. Problemas económicos impedem o autor de frequentar estudos
liceais. Mais tarde, formou-se numa Escola Técnica, iniciando a vida de trabalho como serralheiro mecânico.
1947: publica o primeiro romance Terra do Pecado.
Durante anos, exerce funções de funcionário público, tradutor e crítico e escreve livros de poesia, crónicas
e contos, sendo o romance o género literário que o distingue.
1970-1986: divorciado, vive com Isabel da Nóbrega.
1975: exerce funções de diretor do jornal Diário de Notícia
1980: publica Levantado do Chão.
1982: publica Memorial do Convento.
1984: publica 0 Ano da Morte de Ricardo Reis.
1986: publica A Jangada de Pedra.
1988: casa com a jornalista espanhola Maria dei Pilar dei
Rio Sánchez, sua companheira até ao fim da vida.
1991: publica 0 Evangelho segundo Jesus Cristo.
1995: publica Ensaio sobre a Cegueira.
2000: publica A Caverna.
2009: publica Caim.
2010 (18 de junho): morre em Tias. Lanzarote - Espanha.
2014: publica-se, postumamente, Alabardas, alabardas.
espingardas, espingardas.
Prémios literários:
-1982-1984: Prémio PEN Clube Português e Prémio
D. Dinis da Fundação Casa de Mateus;
-1991: Grande Prémio de Novela da APE;
-1995: Prémio Camões;
-1998: Prémio Nobel da Literatura.

• 0 Ano da Morte de Ricardo Reis é um romance dividido em


19 capítulos, não numerados graficamente.
• Desde o final do ano de 1935eao longo doanode 1936,temos
como protagonista Ricardo Reis.
• Em 0 Ano da Morte de Ricardo Reis, há duas partes narrato-
lógicas a ter em conta: os encontros/diálogos com Fernando
Pessoa e a deambulaçào/itinerários que Reis faz por Lisboa1
(maioritariamente) e Fátima (uma única vez). Nos dois casos,
encontramos ocasiões para reflexões sobre a cidade (espaço),
a História (tempo histórico), a Política (fascismos europeus e
revoluções), a Literatura, as personagens, a intertextualidade
e a crítica (por meio do narrador omnisciente).
Eduardo Por t uga L Rtio do Bico de Duarte Beto, Lisboa, AML, 1936

1 Estão devidamente identificados na estrutura interna e externa da obra.

2í3
nktkiês u? ani

TEORIA

Capítulo I • «Highland Brigado» atraca no cais do Alcântara, Lisboa, a 29 de dezembro de 1935.


• Regresso de Ricardo Reis, vindo do Rio de Janeiro (Brasil). 16 anos depois da sua partida.
Primeiras impressões: «cidade silenciosa», «cidade sombria», burocracia exagerada.

• 0 taxista leva Ricardo Reis ao Hotel Bragança para se hospedar, ficando instalado no
quarto n.° 202. com vista sobre o Tejo.

• Apresentação de Ricardo Reis: 48 anos, natural do Porto, solteiro, médico, última residên­
cia - Rio de Janeiro. Enverga uma gabardina e um chapéu.

• Sala de jantar do Hotel, com desfile de várias personagens, destacando-se um pai e uma
filha: «um homem de meia-idade, alto, formal» e «a rapariga de uns vinte anos, (...) magra»,
com a mão esquerda paralisada.

Capítulo II ’ Ricardo Reis sai cedo do hotel para ir ao cemitério dos Prazeres visitar a campa de Fer­
nando Pessoa.

ITINERÁRIO 1:

Terreiro do Paço—► Rua do Crucifixo


—► Rua Garrett —► Chiado —► Plinto
da estátua de Camões —► Bairro Alto
•Jornais: o que escrevem sobre a
morte e funeral de Fernando Pessoa.

ITINERÁRIO 2:

• Calçada do Combro - onde Ricardo


Reis lê a «oração fúnebre de Fer­
nando Pessoa».
• Reis apanha o elétrico para ir ao
cemitério, dirige-se à administra­
ção, pedindo para ver a campa de
Fernando Pessoa.

• Almoço no Rossio (cemitério —►


Calçada da Estrela—► Baixa —► Rua
Augusta —► Rossio —► restaurante
Irmãos Unidos, hoje no lugar do
antigo Hospital de Todos os Santos)
• Depois do almoço: Reis sai pela porta da Rua dos Correeiros —► Praça da Figueira —►
Rua dos Douradores —► Rua da Conceição
• Regresso ao hotel:
Ao jantar:

- Ricardo desce mais cedo «para ver a rapariga da mão paralisada»;


- a história do pai e da filha contada pelo gerente Salvador: Dr. Sampaio (notário); Mar-
cenda (mãe já morreu); «o braço todo está paralisado»; vêm a Lisboa «todos os meses
três dias».

269
NEMUII EXAME NACIINAL

Capítulo III ITINERÁRIO 3:

Rua do Alecrim—► Praça de Camões—► Rua da Misericórdia —► Largo de S. Roque—► Bairro


Alto —► Travessa da Água da Flor —► Convento de S. Pedro de Alcântara —► Praça do Rio
de Janeiro, Príncipe Real —► Rua do Século —► Rampa da Calçada dos Caetanos —► Rua do
Norte —► Praça de Camões
• «Gente pobre», «uma multidão negra» avança pela rua e pergunta a um polícia o motivo da
multidão, ao que ele responde «É o Bodo do Século», no qual os pobres recebem «10 escu­
dos», «agasalhos», «brinquedos», «livros de leitura».
• Reis almoça, vai a duas livrarias, hesita na porta do Tivoli, não vê o filme, vai a um café, lê
os jornais da tarde, regressa ao Hotel Bragança.
• E a última noite do ano: 31 de dezembro de 1935 - réveillon.
• Reis decide ir passar o ano entre o Teatro Nacional e a estação do Rossio para ver a meia-
-noite no relógio da estação central do Rossio.
• Reis sai às 23:00 pela Rua do Alecrim, desce o Chiado e a Rua do Carmo.
• São 00:00 de 1936 - festa.
• Reis regressa ao Hotel Bragança.

l.° ENCONTRO: FERNANDO PESSOA E RICARDO REIS


• Regresso ao hotel «pouco passava da meia-noite e meia hora» e está Fernando Pessoa à sua
espera no quarto:
- «é Fernando Pessoa quem primeiro fala»: tem 9 meses de permissão para circular entre
os humanos;
- diálogo Pessoa - Reis sobre a morte do primeiro e os motivos do regresso a Portugal do
segundo;
- despedem-se com promessas de futuros encontros.

Capítulo IV • Notícias elogiosas dos governadores de Portugal e de Oliveira Salazar, nos jornais.
• Descrição de Lídia: cerca de trinta anos, é uma mulher feita, morena. Tem um ar triste.
• Atração física de Reis por Lídia.

ITINERÁRIO 4 - 2.* ENCONTRO FERNANDO PESSOA E RICARDO REIS


• Reis, ao descer a Rua dos Sapateiros, vê Fernando Pessoa, que está parado à esquina da Rua
de Santa Justa a olhá-lo, como quem espera.
• Seguem em direção ao Terreiro do Paço.
• Seguem pela Rua dos Sapateiros—► Rua da Conceição, «virando à esquerda para a Augusta»,
em frente—► Café Martinho (debaixo da arcada)
• Diálogo Pessoa e Reis sobre a morte.
• Crítica sarcástica à miséria dos pobres e à hipocrisia dos governantes, que veem os popula­
res como «bichos» e simulam caridade como no «Bodo do Século».
• Questão do Labirinto: «o homem, claro está, é o labirinto de si mesmo».

ITINERÁRIO 5:

• Reis vai ao Politeama ver «Cruzadas» —► Rua de Eugênio dos Santos


• Regresso ao Hotel Bragança:
- a cama está feita com «lençol e colcha de lado a lado e duas almofadas»: Lídia volta pela
noite e dorme com Ricardo Reis.

270
ramxiÊs u? ani

TEORIA

Capítulo V * Regresso ao Hotel Bragança do Dr. Sampaio (notário) com sua filha Marcenda; os dois
ficam hospedados nos quartos 204 e 20S.
• Depois de Reis ter sabido pelo gerente Salvador que pai e filha iam ver a peça «Tá Mar»,
de Alfredo Cortez, ao teatro D. Maria. Reis decide ir também.
• Entretanto. Reis já passou 3 noites com Lídia no seu quarto.

ITINERÁRIO 6:

• Reis desce o Chiado.


• Vai ao Teatro Nacional comprar o bilhete para a peça de Cortez.
• À saída do Teatro: depois de se cumprimentarem. Reis recusa partilhar o táxi com o Dr. Sam­
paio e Marcenda por «decoro».
• Reis caminha até ao Terreiro do Paço para ver o Tejo pela noite, rio que lhe faz lembrar o seu
Douro.
• Encontra-se com um polícia (PVDE) duvidoso das razões de um homem circular sozinho
perto dos barcos.
• Reis segue pela Rua do Arsenal até ao Hotel Bragança.

3.° ENCONTRO: FERNANDO PESSOA E RICARDO REIS


• Diálogo Pessoa e Reis:
- sobre a diferença entre a Lídia das odes e a Lídia criada do hotel (Pessoa sente-se dece­
cionado pela falta de gosto de Reis);
- sobre a diferença entre o Reis das odes sublimes e este que aqui está na cama, de botija,
à espera de prazeres carnais com a criada;
• Lídia aparece e dorme novamente com Ricardo Reis.

Capítulo VI * Salvador informa Reis de que os Sampaio almoçaram na Baixa, mas Marcenda regressará
sozinha depois do almoço.
• Reis e Marcenda conversam na sala de estar:
• Jantar no Hotel Central com os Sampaio, sendo a política o tema de discussão.

Capítulo VII •Ricardo Reis decide comprar o livro recomendado


pelo nacionalista convicto, Dr. Sampaio, Conspiração.
• Contexto do resto da Europa.
• Reis e Lídia voltam a passar noites juntos.

4." ENCONTRO: FERNANDO PESSOA


E RI CARDO REIS
• Os dois encontram-se num café de bairro, onde abordam
os acontecimentos políticos em Portugal e Espanha.
• 0 carnaval (domingo gordo) - contraste abissal entre
o do Brasil e o do corso na Avenida da Liberdade.

ITINERÁRIO?:

Chiado —► Calçada do Sacramento —► Escadinhas do


Edvard Munch,
Duque—► Travessa da Queimada
Retrato de Muíher, 1B98-99
(Ricardo Reis persegue, correndo apressadamente,
essa «figura vestida de preto»)

271
NEMUII EXAME NACIINAL

Capítulo VIII • Reis é intimado a comparecer na Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE).

ITINERÁRIO 8 (apenas imaginado):

Rua do Alecrim —► Esquina da igreja -*> Cinema Chiado Terrasse —► Teatro de S. Luís, Rei de
França

• As revelações de Lídia:
- criada de hotel;
- mal sabe ler e escrever;
- tem um meio-irmão, Daniel Martins -23 anos, ambos filhos da mesma mãe que é Oficial
da Marinha de Guerra e não confia nem gosta deste Governo de António Oliveira Salazar;
- soube por Daniel das torturas, interrogatórios e castigos da PVDE (futura PIDE), todos
desumanos e secretos.

• Reis desce para a sala de jantar:

- o Dr. Sampaio ignora-o, desconfiado, enquanto conversa com os espanhóis, Don Alonso e
Don Lorenzo;

- Reis lê o jornal, esperando Marcenda;


- Reis diz a Sampaio que comprou e leu o livro recomendado, Conspiração, e dá-lhe uma
opinião politicamente correta e favorável ao regime ditatorial - o que confunde Sampaio.
• Marcenda deixa um bilhete a Ricardo Reis pela porta, marcando encontro, no dia seguinte,
no Alto de Santa Catarina.

ITINERÁRIO 9:

Rua do Carmo—► Brasileira, no Chiado —► Estátua de Camões —► Alto de Santa Catarina —►


Monumento ao Adamastor

5.a ENCONTRO: FERNANDO PESSOA


E RICARDO REIS

(No Alto de Santa Catarina antes de che­


gar Marcenda)

• Conversa entre os dois sobre Marcenda.

•Encontro com Marcenda: preocupada


com Ricardo Reis, esta pede-lhe que ele
lhe escreva sobre o resultado da intima­
ção pela PVDE.

Jules Pascin, Hermine, 1919

272
ramxiÊs u? ani

TEORIA

Capítulo IX ■ Ricardo Reis vai à PVDE. onde é interrogado.


• Ricardo Reis regressa ao hotel e escreve a prometida carta a Marcenda.
• Lídia volta à noite ao quarto de Reis e. depois de uma conversa sobre Ricardo Reis querer
ir viver para uma casa, onde Lídia o visitará, segue-se uma longa noite de amor.
• Nos dias que se seguem. Ricardo Reis empenha-se em encontrar uma casa, procurando
anúncios nos jornais e deambulando pelas ruas, acabando por arrendar uma casa no Alto
de Santa Catarina.

Capítulo X ■ Reis diz a Lídia que se vai mudar para a casa nova.
• 0 médico escreve a segunda carta a Marcenda. dando a sua nova morada.

ITINERÁRIO 10:
• Reis vai ao Chiado recrutar «moços de fretes» para transportar as malas do Hotel Bragança
até sua casa no Alto de Santa Catarina:
Hotel—►Chiado «pela calçada»—► Estátua de Camões—► Alto de Santa Catarina
• Durante o percurso: passaram 23 elétricos «carregados» de alemães «excursionistas» com
destino à Torre de Belém, ao Mosteiro dos Jerónimos, a Algés, Dafundo. Cruz Quebrada -
crítica à presença alemã (membros da Frente Alemã do Trabalho), descontraída e superior,
pela capital portuguesa.

6.° ENCONTRO: FERNANDO PESSOA E RICARDO REIS


• Conversa sobre a solidão e respetivos estados de alma de tristeza.

Capítulo XI • Primeira manhã em casa e no Alto de Santa Catarina.

ITINERÁRIO 11:
Calhariz—► Praça Camões—► Igreja dos Mártires—► Baixa (restaurante Chave de Ouro)—►
Alto de Santa Catarina (regresso a sua casa de táxi)
• Lídia visita Reis na sua nova casa e informa-o de que Marcenda chega a Lisboa no dia seguinte.
• Marcenda visita Reis, acabando os dois por se beijar e por trocar declarações mútuas.
• Marcenda confidencia que o pai quer que ela vá a Fátima (estando, porventura, a prepará-la
para deixarem de ir a Lisboa porque os seus amores adúlteros acabaram).

Capítulo XII • Reis e Lídia envolvem-se fisicamente.


• Reis escreve nova carta a Marcenda.
• Ricardo Reis vai à procura de emprego, indo substituir um médico especialista em cardiolo­
gia e pneumologia.

ITINERÁRIO 12:
Alcântara—► Pampulha—► Conde Barão—► Rossio—► Praça Luís de Camões (consultório)
• Sentado num banco do Alto de Santa Catarina, Reis concentra-se no JORNAL (contexto histórico).
• Ricardo Reis regressa a casa e vê «um sobrescrito na passadeira, de um levíssimo tom de
violeta», remetido de Coimbra - Marcenda faz votos de manter a amizade com Ricardo e
promete visita ao seu consultório.

ITINERÁRIO 13:
Ricardo Reis sai para jantar e apanha um elétrico e segue o seu itinerário.
Rua Alexandre Herculano—► Praça do Brasil—► Rua das Amoreiras —► Rua de Silva Carvalho
—► Bairro de Campo de Ourique—► Rua de Ferreira Borges—► Rua de Domingos Sequeira—►
Rua de Saraiva de Carvalho «na direção do cemitério»

273
NEMUII EXAME NACIINAL

Capítulo XIII 7." ENCONTRO: FERNANDO PESSOA E RICARDO REIS


•Fernando Pessoa aparece e fica a conversar com Ricardo Reis «no banco mais próximo do
Adamastor» sobre a vida e a morte.

• 0 diálogo Pessoa-Reis continua dentro de casa depois de terem avistado Victor da PVDE.

• Reis toma café e vai buscar os jornais para ler as notícias a Pessoa (que já não sabe ler).

• Reis rejeita Lídia, o que a deixa triste e infeliz.

• Reis propõe Marcenda em casamento, mas esta recusa, por considerar que não seriam felizes.

Capítulo XIV * Carta de Marcenda a Reis para se despedir e pedindo-lhe que não voltasse a escrever-lhe,
pondo fim ao relacionamento.

• Reflexão sobre o nome de Marcenda.

• Reis lê o JORNAL («periódico»}.

•Reis volta a The God of the Labyrinth: o tabuleiro de xadrez mostra um homem morto:
Addis-Abeba - Ricardo Reis (prolepse, pois Reis «desaparece» no final do romance, cujo
título o prenuncia).
• Diálogo entre Reis e Lídia sobre o papel dela na vida dele.

ITINERÁRIO 14:

• Ricardo Reis vai a Fátima na tentativa de encontrar Marcenda, o que acaba por não acontecer.

Capítulo XV * Regressado de Fátima, Reis não saiu de casa «por três dias».
• Reis recebe a carta do colega agora convalescido, que o informa de que regressará ao con­
sultório.

■Na sua última consulta, Ricardo Reis recebe 6 doentes.

• Reis reflete sobre o passar do tempo, sobre os verdadeiros motivos do seu regresso a Portu­
gal, sobre a possibilidade de voltar para o Brasil, sobre Fernando Pessoa, Marcenda e Lídia.
• 0 regresso de Lídia e conversa com ela sobre as notícias do jornal 0 Século.

274
nktkiês u? ani

TEORIA

Capítulo XV 8 ° ENCONTRO FERNANDO PESSOA E RICARDO REIS

(cont.) • Diálogo entre Pessoa e Reis sobre os seus amores e destino.

ITINERÁRIO 15:

Elevador de Santa Justa —► Calçada do Carmo abaixo —► Rua do Primeiro de Dezembro —►


Rossio—► Hotel Avenida Palace (chegada do «ministrodo Interiore pessoas da sua família»)

• Reis decide ir assistir à simulação de um ataque aéreo-químico e rompe pela multidão que
se prepara para assistir, aviões já no céu.

• Ricardo Reis e Lídia conversam sobre este exercício e sobre a fuga do preso Manuel Guedes.

Capítulo XVI * Reflexão sobre Os Lusíadas e Mensagem: Fernando Pessoa não dedica, em parte alguma,
um poema a Camões e tem remorsos.

• Reis escreve uma ode a Marcenda.

• Lídia informa Ricardo Reis de que está grávida:

- reações de cada um dos dois: Lídia calma, serena, contrariamente a Reis, agitado, ener­
vado, alheado.

9." ENCONTRO: FERNANDO PESSOA E RICARDO REIS

• Diálogo sobre política e a gravidez de Lídia.

Pablo Picasso, Guerntca 1937

2? 5
NEMUII EXAME NACIINAL

Capítulo XVII • Realização do filme de Lopes Ribeiro acerca do enredo do livro Conspiração.

• Reis lê os jornais, com Espanha em destaque:

ITINERÁRIO 16 - IO.0 ENCONTRO: FERNANDO PESSOA E RICARDO REIS

• Reis vai pela Calçada da Estrela até ao Cemitério dos Prazeres para falar com Fernando
Pessoa.

• Diálogo Reis-Pessoa sobre o golpe militar de Espanha.

Capítulo XVIII • Massacre na Praça de Touros de Badajoz.

• Lídia chora e tem uma crise existencial (a sua condição eterna de criada na relação com o
médico Ricardo Reis).
• 0 comício na Praça de Touros do Campo Pequeno, a que Ricardo Reis vai assistir.

• Reflexões de Reis sobre o contexto que tem lido e visto.


• Reis copia o seu poema e envia-o à posta-restante para Coimbra.

Capítulo XIX • Lídia visita Ricardo para lhe segredar pormenores da conspiração em desenvolvimento
planeada pela Marinha, da qual faz parte o irmão Daniel:

- Desenvolvimento do plano desde Angra do Heroísmo.

ITINERÁRIO 17:

Reis sai para almoçar e do jardim do Alto de Santa Catarina olha para os barcos no Tejo. 0
balão nazi sobrevoa Lisboa, o Hindemburgo com a cruz suástica.

Chiado—► Rua Nova do Almada—*■ Terreiro do Paço—». Àporta do Hotel Bragança—► Rua
do Alecrim —► Seguiu o caminho das Estátuas, Eça de O.ueirós, o Chiado, d'Artagnan, o pobre
Adamastor—► Alto de Santa Catarina (casa)

• Revolta dos marinheiros e bombardeamento dos barcos, que termina com a morte de 23
marinheiros, sendo um deles o irmão de Lídia.

11.° ENCONTRO: FERNANDO PESSOA E RICARDO REIS


• Fernando Pessoa vai a casa de
Ricardo Reis para se despedir,
mas este decide acompanhá-
-lo na morte.

Costa Pinheiro, 0 Poeta


Fernando Pessoa - Eie Mesmo, 1979

276
nmciÊsu?ANi

TEORIA

TÓPICOS DE ANÁLISE EM O ANO DA MORTE DE RICARDO REIS

Representações A cidade e os seus itinerários e deambulações


do século XX • A cidade que se assume ser o espaço central neste romance é Lisboa, aonde Ricardo
Reis chega vindo de barco do Brasil.
• Por Lisboa, Ricardo Reis deambula geograficamente (nos seus itinerários) e litera­
riamente (imitando Cesário Verde, conversando com Fernando Pessoa, morando ao
lado da estátua do Adamastor, trabalhando na clínica ao lado da estátua de Camões
- representação de Os Lusíadas e do próprio Camões).
• Nela exerce a sua profissão (médico, que vai substituir um colega pneumologista
doente, numa clínica junto da estátua de Camões).
• Nela tem a sua morada (Hotel Bragança e, depois, apartamento no Alto de Santa
Catarina).
• Nela se encontra com Fernando Pessoa.
• Nela testemunha acontecimentos históricos e políticos relativos ao último mês de
1935 e a todo o ano de 1936 (em plena Ditadura Salazarista e em pleno poder da
PVDE).
• Nela (em conjunto com uma viagem infrutífera a Fátima) vive o seu triângulo amoroso:
Lídia-Ricardo-Marcenda.
Em suma, é a partir do protagonista e da sua vida em Lisboa que percebemos como era
Portugal no final de 1935 e, sobretudo, em 1936.

0 tempo • A Europa: Ditaduras militares - Fascismo em Espanha. Itália, Alemanha e Portugal.


histórico e os * Portugal: o Estado Novo - Ditadura Fascista, encabeçada por António de Oliveira
acontecimentos Salazar, que manipulava o Presidente da República. Oscar Carmona:
políticos - a PVDE (a PIDE): os interrogatórios e as perseguições a Ricardo Reis (Victor. seu
máximo e ridículo expoente):
- os comícios nacionais-socialistas: o caso da Praça de Touros do Campo Pequeno;
- os Bodos («Bodo do Século»}: distribuição de comida e bens aos pobres para mos­
trar um salazarismo preocupado com todos;
- os lisboetas sempre desconfiados de opositores ao regime (Hotel Bragança);

Paula Rega, So/azar a Vomitar a Pátria 1960

277
NEMUII EXAME NACIINAL

TÓPICOS DE ANÁUSE EM 0 ANO DA MORTE DE R/CAJIDO REIS

0 tempo - o alojamento de apoiantes de outras ditaduras fascistas em hotéis lisboetas;


histórico e os - a criaçào e desenvolvimento da Mocidade Portuguesa;
acontecimen­ - a presença de«turistas» alemães. circulando de elétrico pelas ruas de Lisboa;
tos políticos
- os bombardeamentos que aniquilaram o ataque militar aos barcos estacionados no
(cont.) Tejo (onde morre o irmão de Lídia);
- as técnicas manipuladoras da opinião pública - jornais com discursos de louvores a
Oliveira Salazar, que o endeusavam e glorificavam a todos os níveis;
- a representação do «Teatro de Guerra», ensinando políticos e populares a reagir ou
a protegerem-se em caso de ataque inimigo;
-a celebração da «Festa da Raça», o 10 de Junho - ao serviço do Nacionalismo e do
Fascismo;
- o louvor e a exaltação da Literatura ao serviço d o Fascismo; o caso do livro Conspíroçoo,
recomentado por Sampaio (pai de Marcenda) a Ricardo Reis, que este efetivamente lê.

Representações □ amor, neste romance de José *


do Amor Saramago. assume, fundamen- v

amoroso entre Lídia, Ricardo f ■-_ |


Reis e Marcenda. Se por Lídia,

mentos carnais, ainda que a |

cia, por Marcenda sente amor •, (• W


matrimonial, que acaba por não #

Edvard Munch, Dois Seres Humanos, 1933-35

Intertextuali- José Saramago —► leitor de si mesmo


dade
José Saramago —► leitor de Luís de Camões

José Saramago —► leitor de Cesário Verde

José Saramago —► leitor de Fernando Pessoa

Linguagem *Tom oralizante (registo de língua popular) c pontuação expressiva (frases longas,
e estilo separadas por vírgulas e pontualmente por pontos finais, parágrafos igualmente lon­
gos, discurso direto antecedido por vírgula e encetado com letra maiuscula);
• Presença de recursos expressivos, tais como antíteses, comparações, enumerações,
ironias e metáforas:
* Reprodução do discurso no discurso acontece sobretudo:
-no discurso politicamente correto de políticos e analistas, recuperado pelo narra­
dor omnisciente dos jornais portugueses e estrangeiros;
- no discurso do narrador, que parafraseia discursos de outras personagens e de polí­
ticos;
- no discurso de emissoras de rádio (RCP);
-no discurso de anúncios publicitários (Bovril é disso exemplo) ou de placas que
anunciam lojas e casas de interesse público.

278
PRÁTICA

1. Leia atentamente as seguintes afirmações e classifique-as como V (Verdadeira) ou


F (Falsa), corrigindo as falsas.

a) Em O Ano da Morte de Ricardo Reis. Saramago reflete minuciosamente sobre a


vida de Ricardo Reis desde o seu nascimento até à sua morte.

b) O tempo da história abrange o fim do ano de 1935 e o ano de 1936.

4 O A cidade de Lisboa é o local, por excelência, das deambulações geográficas de


Ricardo Reis.

d) Reis vem regressado do Brasil e hospeda-se no Hotel Central.

e) i 1 Reis terá uma relação carnal com Lídia e uma relaçào platónica com Marcenda.
apenas permeada de beijos.

f) Reis acede às notícias do mundo exclusivamente através do RCP - Rádio Clube


Português.

g) D Ao longo dos itinerários geográficos, há vários encontros entre Ricardo Reis, Fer­
nando Pessoa e Álvaro de Campos.

h) A viagem do protagonista a Fátima é um exemplo de descriçào da pequenez e suji­


dade dos políticos e de crítica irónica ao exacerbado sentimento do sobrenatural.

i) 1 0 pai de Marcenda. Dr. Santana, recomenda a Reis que leia o livro Conspiração, de
apoio à ideologia salazarista.

j) J O Alto de Santa Beatriz da Silva é o local a partir do qual Saramago consubstancia


a intertextualidade Camões-Pessoa-Garrett.

k) 0 livro de Herbert Quain, The God of the Labyrinth, mostra um «tabuleiro de


xadrez» que antevê o final da vida de Ricardo Reis.

27S
Leia atentamente o seguinte excerto e responda às questdes.

O bodo

Ricardo Reis subiu a rampa da Calçada dos Caetanos, dali podia apreciar o ajunta­
mento quase à vol d oiscau1, voando baixo o pássaro, mais de mil, o polícia calculara
bem, terra riquíssima cm pobres, queira Deus que nunca se extinga a caridade para que
nào venha a acabar-sc a pobreza, esta gente de xale e lenço, de surrobccos2 remendados,
5 de cotins com fundilhos doutro pano, de alpargatas, tantos descalços, e sendo as cores
tào diversas, todas juntas fazem uma nódoa parda, negra, de lodo malcheiroso, como
a vasa do Cais do Sodrc. Ah cstào, e estarão, à espera de que chegue a sua vez, horas e
horas de pé, alguns desde a madrugada, as màcs segurando ao colo os filhos pequenos,
dando de mamar aos da sazão, os pais conversando uns com os outros cm conversas de
i homens, os velhos, calados c sombrios, mal seguros nas pernas, babam-se, dia de bodo c
o único cm que se lhes nào deseja a morte, por causa do prejuízo que seria. E há febres
por aí, tosses, umas garrafmhas de aguardente que ajudam a passar o tempo e espaire­
cem do frio. Sc volta a chover, apanham-na toda, daqui ninguém arreda.
Ricardo Reis atravessou o Bairro Alto, descendo pela Rua do Norte chegou ao
15 Camões, era como se estivesse dentro de um labirinto que o conduzisse sempre ao
mesmo lugar, a este bronze afidalgado e espadachim, espécie de D’Artagnan premiado
com uma coroa de louros (...), mas este aqui, se por estar morto nào pode voltar a ahs-
tar-sc, seria bom que soubesse que dele se servem, à vez ou cm contusão, os principais,
cardeais incluídos, assim lhes aproveite a conveniência. Sào horas de almoçar, o tempo
1 foi-se passando nestas caminhadas e descobertas, parece este homem que nào tem mais
que fazer, dorme, come, passeia, faz um verso por outro, com grande esforço, penando
sobre o pé c a medida, nada que se possa comparar ao contínuo duelo do mosqueteiro
D'Artagnan, só Os Lusíadas comportam para cima de oito mil versos, e no entanto este
também é poeta, nào que do título se gabe, como se pode verificar no registo do hotel,
B mas um dia nào será como médico que pensarão nele, nem cm Álvaro como engenhei­
ro naval, nem em Fernando como correspondente de línguas estrangeiras (...).

1 Rapidamente; sem entrar em detalhes. José Sara mago. O .4 «o da Morte de Ricardo Reis,
2 Panos grosseiros e pobres. Lisboa. Caminho, 2013, pp. 91-93

1. Considere conteúdo do primeiro parágrafo do texto.

1.1 Comprove a existência de deambulação geográfica.

1.2 Comente a intertextualidade José Saramago / Cesário Verde.

280
PRÁTICA

1.3 Demonstre que se trata de um acontecimento político de grande impacto na sociedade.

1.4 Comente o valor dos recursos expressivos presentes em «uma nódoa parda, negra,
de lodo malcheiroso».

1.5 Identifique um exemplo de ironia, referindo a sua expressividade.

2. Atente no conteúdo das linhas 7 a 13.

2.1 Identifique e caracterize as personagens referidas.

2.2 Transcreva uma sequência que inclua a reprodução do discurso no discurso.

3. Considere o último parágrafo.


3.1 Esclareça o valor da comparação entre DArtagnan, Camões e Reis.

3.2 Comente a intertextualidade José Saramago / Fernando Pessoa.

3.3 Evidencie as semelhanças e diferenças entre Ricardo Reis, protagonista deste


romance, e Ricardo Reis, o heterónimo pessoano.

3.4 Refira os elementos característicos da arte poética de Ricardo Reis mencionados


neste parágrafo.

211
Leia atentamente o seguinte excerto e responda às questdes.

Curiosidades

c juízo, Ontem veio cá


uma, agora está lá outra, diz a vizi­
nha do terceiro andar, Nào dei fé
dessa que esteve ontem, mas vi che­
gar a de hoje, vem lazer a limpeza da
casa, diz a vizinha do primeiro. Mas
olhe que nào tem nada ar de mulher
a dias. Lá nisso tem razào, parecia
mais uma criada dc gente fina (...),
A dc ontem era uma rapariga nova,
por sinal com um bonito chapéu,
destes que agora se usam, por acaso
nem se demorou muito, a vizinha o
que c que acha, Francamente, vizi­ Jules Pascín, Muiber a Lavarse, s.d.
nha, nào lhe sei dizer, mudou-se taz
amanhã oito dias c já lá entraram duas mulheres (...).
Foi um dia dc grandes trabalhos para Lídia. Trouxera uma bata, que vestira, atou e
cobriu os cabelos com um lenço, e, arregaçando as mangas, lançou-se à lida com ale­
gria, esquivando-se a brincadeiras dc màos que Ricardo Reis, à passagem, sentia dever
usar com ela (...) O seu trabalho terminou, tudo está limpo (...), é neste momento que
Lídia se enche de uma grande tristeza, dc uma desolação, nào é por se sentir cansada,
mas por compreender, mesmo nào o podendo exprimir por palavras, que o seu papel
terminou (...), Ai nào me toque, estou toda suada, vou-mc já embora. Nem pensar,
ainda c cedo, bebes uma chávena dc café, trago aqui uns pastéis dc nata, mas antes
vais tomar um banho para ficares fresca, Ora, que jeito tem, tomar banho na sua casa,
se já se viu, Nào se viu, mas vai-se ver, faze o que te digo. (...) No andar dc baixo,
alcandorada cm dois bancos altos dc cozinha, sobrepostos, com risco dc queda e ombro
dcsnocado, a vizinha tenta decifrar o significado dos ruídos confusos, como um novelo
dc sons, que atravessam o teto, tem a cara vermelha dc curiosidade c excitação, os olhos
brilh antes dc vício reprimido, assim vivem c morrem estas mulheres, querem vocês ver
que o doutor c a fulana, ou quem sabe se afinal nào será só o trabalho honrado de virar
e bater colchões, embora a uma legítima suspicácia nào pareça. (...)
Dc manhã se começa o dia, á segunda-feira a semana. Matinal, escreveu Ricardo
Reis a Marcenda uma extensa carta, trabalhosamente pensada, que carta escreveríamos
a uma mulher a quem beijámos nào lhe tendo antes falado dc amor, pedir-lhe desculpa
será ofcndé-la, tanto mais que recebeu e retribuiu com ardor, assim se diz, o beijo, c se
ao beijá-la nào lhe jurámos, Amo-tc, por que lho iríamos inventar agora, com risco dc
nào nos acreditar.
José Sarimago, ap. ái, pp. 347-355
PRÁTICA

1. Esclareça a presença do triângulo amoroso, justificando a sua resposta com elementos


textuais.

2. Fazendo uso do seu conhecimento da obra integral, caracterize Lídia, do ponto de vista
físico e psicológico, servindo-se das suas próprias palavras.

3, Identifique e caracterize os alvos da crítica social deste excerto.

4. Selecione um exemplo que inclua cada um dos seguintes recursos, referindo-se ao seu
valor

a) tom oralizante

b) reprodução do discurso no discurso

c) antítese

283
NEMUII EXAME NACIINAL

JOSÉ SARAMAGO, MEMORIAL DO CONVENTO

Capítulo I • Diálogo entre El-rei D. Joào V, Frei António de S. José e o bispo D. Nuno da Cunha: o
frade franciscano faz saber ao Rei que ele só terá descendentes se erigir um convento
franciscano em Mafra, pois assim Deus irá recompensar a sua sucessão e o seu reinado;
• Descrição de pormenores da relação entre o rei e a rainha. D. Maria Ana.

Capítulo II • Reflexão do narrador sobre a frequência de milagres em Portugal;


• Confirmação da primeira gravidez da rainha, D. Maria Ana.

Capítulo III • Descrição da folia e exageros do Entrudo (Carnaval);


• Descrição detalhada da «procissão da penitência», que marca o início da Quaresma e
dos sacrifícios corporais do povo devoto;
• Referência ao tempo da Páscoa/à «Quinta-feira da Ascensão».

• Baltasar Mateus, o Sete-Sóis, vem de Évora (onde pedia esmola) para Lisboa, cidade
Capítulo IV
onde conhece Joào Eivas, dois antigos soldados que agora vivem uma vida miserável e
sem reconhecimento por parte da Coroa.

Capítulo V • Baltasar e Blimunda conhecem-se num auto de fé, no qual a mãe de Blimunda (Sebas-
tiana Maria de Jesus) é condenada a açoites públicos e ao degredo em Angola;
• 0 Padre Bartolomeu Lourenço abençoa e «casa» Baltasar com Blimunda. o que marca
o início desta relação de verdadeiro amor.

Capítulo VI • Baltasar encontra-se com Padre Bartolomeu. no Terreiro do Paço, e este explica-lhe
os seus anteriores projetos de voo;
• Em seguida, os dois vão a S. Sebastião da Pedreira ver a passarola (a sua «máquina»)
que o Padre anda a planear.

Capítulo VII Nascimento e batizado da infanta D. Mana Barbara, primeira descendente de D. Joao V;
Morte de Frei António de S. José, o qual havia pedido a construção do convento fran­
ciscano a D. Joào V.

Capítulo VIII •Blimunda vai com Baltasar. pelos cam­


pos. para lhe dar provas do seu dom (vê
o interior de pessoas, de objetos e da
Terra, quando está em jejum) e este acre­
dita definitivamente;
• Nascimento do segundo filho de D. João V,
o infante D. Pedro;
• El-rei vai a Mafra decidir o local exato da
construção do Convento {o Alto da Vela);
•Baltasar sente-se frustrado, pois conti­
nua sem receber a tença (ou mesada) que
havia solicitado à Coroa por prestação
de serviços honrosos na guerra contra os
espanhóis.
Vincent van Gogh. Écloga
Casal de Namorados, 1888

294
nktkiês u? ani

TEORIA

Capítulo IX • Baltasar e Blimunda mudam-se para a quinta do duque de Aveiro: esta quinta situa-se
em S. Sebastião da Pedreira e é lá que o Padre Bartolomeu tem a sua passarola e a vai
aperfeiçoando:

• Crítica do narrador à vida devassa das freiras de Santa Mónica;

• Descrição de uma tourada (evento sanguinário visto e apreciado por todos os popula­
res, mesmo que o cenário de morte e horror animalesco seja uma constante).

Capítulo X • Regresso de Baltasar (com Blimunda) a Mafra. sua terra natal, ficando os dois a viver
na casa paterna com os pais. Joào Francisco e Marta Maria, a irmã Inês Antónia e seu
marido, Álvaro Diogo, bem como com o filho de ambos, Gabriel;

• Morte do segundo descendente do rei, o infante D. Pedro;

• Terceira gravidez da rainha D. Maria Ana;

• Doença e recuperação do rei D. Joào V;

• Na ausência do rei. o seu irmão, o infante D. Francisco, dialoga com a rainha, afirmando
que a ama (e sabe que por ela é também amado) e que desejava a morte do irmão para
ser proclamado Rei de Portugal.

Capítulo XI • Padre Bartolomeu viaja para Mafra, pois aí possui terrenos (no Alto da Vela), para
onde transportará a passarola e a acabará; durante a viagem, vê a multidão de popu­
lares que para lá também se deslocam, pois foram recrutados para trabalhar na cons­
trução do Convento de Mafra;

• Bartolomeu explica a Baltasar e Blimunda a origem e a natureza do éter, concluindo


que esta forma de energia é afinal o conjunto das «vontades humanas», que podem
ser recolhidas no momento em que o ser humano está prestes a morrer; são elas o
«combustível» necessário para o voo da passarola.

Capítulo XII • Baltasar e Blimunda vão a Lisboa (S. Sebastião da Pedreira) e veem, pela primeira vez,
a passarola;

• Álvaro Diogo (cunhado de Baltasar) vai trabalhar na construção do Convento;

• Referência à «pedra de Pero Pinheiro», a qual é gigantesca e terá de ser transportada


dessa localidade (Pero Pinheiro) para Mafra;

• Descrição da Igreja do Palácio (onde mora o Visconde de Mafra);

• Descrição do dia da inauguração das obras, em que el-rei deita a primeira pedra.

Capítulo XIII • Baltasar, Blimunda e o Padre Bartolomeu trabalham na passarola;

• Primeira referência ao apelido do padre, «de Gusmão», a ele atribuído por um padre
mais velho, quando esteve no Brasil;

•Preparativos e realização da procissão do Corpo de Deus; destaque para o desfilar


das cruzes e bandeiras, das imagens de Santos e dos clérigos;

• Referência crítica à «tourada de improviso», num dia tão sagrad o como o do Corpo de Deus;

• Referência a um pormenor sobre o dom de Blimunda; este é o único dia em que esta
rapariga não «vê» o interior de nada, nem de ninguém.
NEMUII EXAME NACIINAL

ESTRUTURA
ESTRUTURA INTERNA
EXTERNA

Capítulo XIV Padre Bartolomeu Gusmão regressa a Lisboa para vir habitar *as varandas do Ter­
reiro do Paço»;
Descrição de uma lição de música que Domenico Scarlatti dá à infanta D. Maria Bár­
bara no Palácio;
Padre Bartolomeu e Domenico Scarlatti discutem a obra do Convento de Mafra; daqui
se percebe que D. João V a quer igualar à Basílica de S. Pedro (Vaticano);
Padre Bartolomeu leva o seu amigo italiano à quinta para ver a passarola;
Padre Bartolomeu prepara um Sermão, o do Corpo de Deus.

Capítulo XV Scarlatti manda levar um cravo para a quinta do duque de Aveiro e aí toca para Barto­
lomeu, Baltasar e Blimunda, enquanto estes trabalham na passarola;
Blimunda recolhe muitas vontades (pois muitas pessoas morrem, em Lisboa, por
causa da peste);
Narração do milagre de Madre Teresa da Anunciação (a quem Cristo deu enormes
quantidades de açúcar para esta fazer os doces conventuais);
Blimunda adoece, mas logo recupera;
Fim da construção da passarola;
A partir deste momento, e porque começa a ouvir rumores de que o Santo Ofício anda
de olho nele. Padre Bartolomeu irá mostrar-se sempre muito ansioso, nervoso, um
pouco estranho e muito menos seguro da sua vida.

Capítulo XVI Narração do naufrágio do infante D. Miguel, outro dos irmãos de D. João V, muito bon­
doso e injustiçado pela morte, pois também na barca ia D. Francisco (pérfido e inve­
joso) e salvou-se;
El-rei D. João V é obrigado a restituir ao duque de Aveiro a quinta de S. Sebastião da
Pedreira, razão pela qual Bartolomeu terá de retirar de lá a sua obra secreta;
Padre Bartolomeu teme cada vez mais a Inquisição;
Primeiro voo da passarola por Lisboa e Mafra;
Em Mafra, no Monte Junto, cai a passarola com os seus três tripulantes (Bartolomeu,
Baltasar e Blimunda);
Padre Bartolomeu desaparece misteriosamente e para sempre;
Baltasar e Blimunda regressam a Mafra.

Capítulo XVII □s familiares e todos os habitantes mafrenses pensam que o Espírito Santo voou
sobre a obra do Convento desconhecendo que se tratava da passarola;
Baltasar é mandado para a obra do Convento, onde transportará carros de mão, res­
ponsáveis pelo transporte de terra e pedras;
Descrição muito detalhada dos trabalhos do Convento de Mafra;
Domenico Scarlatti vai visitar a obra e fica alojado no palácio do Visconde de Mafra.

Capítulo XVIII Baltasar toma conhecimento da morte do Padre Bartolomeu de Gusmão;


Numa taberna, Baltasar bebe com os colegas da obra, sendo que. neste contexto,
surgem vários narradores, tais como Francisco Marques, José Pequeno, Joaquim da
Rocha. Manuel Milho, João Anes, Juliào Mau-Tempo e o próprio Baltasar Mateus;
É neste diálogo que Baltasar Mateus lhes conta publicamente que já voou e se apro­
ximou de Deus.

295
nktkiês u? ani

TEORIA

* Baltasar Mateus é promovido a condutor de juntas de bois;


* Referência à grande pedra que será trazida de Pero Pinheiro;
* 0 narrador faz uma listagem (com os respetivos nomes) de muitos populares (sobre
quem não reza a História de Portugal) que participaram no transporte da pedra e na
construção do Convento de Mafra;
* Descrição detalhada da pedra e seu transporte doloroso (durante o qual morre um dos
colegas de Baltasar, Francisco Marques):
* Narração, por parte de Manuel Milho, de uma história sobre um ermitáo e uma rainha
à procura, cada um, da sua verdadeira humanidade.

Capítulo XX • Baltasar vai com Blimunda ver a passarola. escondida no Monte Junto;
•Ao regressarem a Mafra, veem as fogueiras, simbolicamente sempre presentes, a
fazer lembrar o constante medo da Inquisição;
• Descrição de Mafra como um espaço de prostituição suja e chocante (que lembra a
descrição bíblica, no Antigo Testamento, das cidades de Sodoma e Gomorra, as quais
Deus puniu severamente);
• Morte do pai de Baltasar. João Francisco.

* Descrição de um momento na vida de D. João Ve seus filhos. D. José e D. Maria Bárbara;


* D João V (megalómano e magnânimo) quer que a Igreja do Convento imite a Basílica de
S. Pedro (Vaticano) e promete albergar, no Convento de Mafra. trezentos frades (e não
apenas os oitenta iniciais); sobre isto fala com o arquiteto João Frederico Ludovice;
* Com medo de morrer. D. João V manda que a sagração (inauguração e bênção) do Con­
vento seja feita no seu quadragésimo primeiro aniversário, em 22 de outubro de 1730;
•Para que tal aconteça, aumenta enormemente o recrutamento de trabalhadores do
povo, voluntários ou forçados.

•A família real portuguesa desloca-se, com pompa e circunstância, para Montemor


para que haja uma «troca» com Espanha: a infanta D. Maria Bárbara vai ser dada em
casamento a D. Fernando (espanhol) e de Espanha virá a futura mulher do infante
D. José (que se tornará El-rei D. José I). D. Mariana Vitória;
•Tal como tantos outros pedintes, o agora pedinte João Eivas acompanha a comitiva
real para ver se lucra alguma coisa com isso (oferecida ou roubada); aí encontra Julião
Mau-Tempo e os dois falam sobre o amigo comum Baltasar Mateus, o Sete-Sóis.

Capítulo XXIII • Viagem das estátuas que irão rechear o convento (estátuas de mártires e santos da
Igreja Católica);
• Baltasar regressa, mais uma vez, ao Monte Junto para consertar a passarola. mas
escorrega e a passarola começa a voar.

• Baltasar nào regressou mais e Blimunda decide ir ao Monte Junto procurá-lo;


• Blimunda sobe ao cimo do Monte, encontra um frade que lhe oferece guarida; durante
a noite, o clérigo tenta violá-la. ao que ela estrategicamente reage, cravando-lhe nas
costas o espigão que retirou da sacola de Baltasar, assassinando-o;
• Descrição do dia da sagração do Convento de Mafra (ainda que incompleta), em 22 de
outubro de 1730;
• Na noite anterior, Blimunda abandona Mafra e vai à procura do seu Baltasar.

• Blimunda encontra Baltasar, após nove anos de procura, pendurado na fogueira inqui­
sitória l e recolhe «a sua vontade».

287
NEMUII EXAME NACIINAL

Título e linhas Título1


de ação É do senso comum que a palavra «memorial» significa um texto escrito cujos factos,
eventos e acontecimentos do passado nele retratados foram contados para que ficas­
sem na memória de quem os ler.
Quanto a «convento», refere-se ao Convento de Mafra que o rei D. João Vmandou cons­
truir como promessa, pois queria muito um filho. Assim aconteceu, o rei prometeu e
Deus concedeu-lhe a graça da descendência, dando-lhe imediatamente o seu primeiro
filho, uma menina, a infanta D. Maria Bárbara (que viria a ser oferecida a D. Fernando de
Espanha), sendo que outros se lhe seguiriam, ao longo dos anos.
Porque este rei era muito ambicioso e queria «pompa e circunstância», além de muita
grandeza, em tudo quanto acontecesse no seu reinado, prometeu à Ordem dos Francis-
canos albergar trezentos frades dentro desse mesmo convento, o qual teria uma igreja
com dimensões a fazer lembrar a Basílica de S. Pedro (Vaticano - Roma).
O.uando o rei percebeu que envelhecia, tendo já tido uma doença que lhe avivara o medo
de morrer, decidiu apressar a sagração (inauguração e bênção) do Convento, para que
esta acontecesse ainda no seu reinado e fosse presidida por si. A data escolhida foi 22
de outubro de 1730, o domingo do seu 41.° aniversário.

Linhas de ação
• Construção do Convento de Mafra: o decorrer da construção do convento ocupa
grande parte da ação de Memorial do Convento e tem que ver com a narração de qua­
tro grandes factos: a escolha do local por parte del-reí D. João V (Mafra), o lançamento
da primeira pedra (em 1717, com direito a visita real e a procissão solene e pomposa),
a construção propriamente dita do monumento (da qual sobressai o recrutamento
forçado, em duas fases, de trabalhadores do povo, bem como os seus sofrimentos, o
trabalho árduo e até a morte de alguns) e. por último, a sagração da Basílica, a 22 de
outubro de 1730.
• Construção da passarola: esta narrativa é considerada como outra linha de ação, por
ser paralela a narrativa que diz respeitoà construção do convento; a passarola é dese­
nhada e arquitetada pelo Padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão (depois de seguidos
conselhos holandeses sobre o seu «combustível», ou seja, âmbar e éter); em seguida,
com a ajuda de Baltasar e Blimunda, a «máquina de voar» vai sendo construída secre­
tamente na quinta do duque de Aveiro, em São Sebastião da Pedreira; quando aca­
bada, seguiu-se o éter («vontades dos vivos» que a vidente recolhia na hora em que
eles morriam) e o primeiro voo da passarola, que vai sobrevoar Lisboa e Mafra. vindo a
cair no Monte Junto; nesse momento, o Padre Bartolomeu desaparece e virá a morrer,
anos mais tarde, em Toledo (Espanha).
• Retrato da relação amorosa (livre do Sacramento cristão do Matrimónio) entre Bal­
tasar Mateus e Blimunda de Jesus: esta é também considerada uma outra linha de
ação e trata de uma relação amorosa «livre», dado que. depois de os dois se conhece­
rem no auto de fé (que condenou a mãe de Blimunda a açoites públicos e ao degredo
em Angola), estes passaram a viver juntos, sem outra bênção sacerdotal que não a
do Padre Bartolomeu; a narração desta relação inclui referências às relações ínti­
mas que resultam do amor entre ambos e que nada têm de pecaminoso, uma vez que
os dois se amam verdadeiramente, sem necessitarem de ato matrimonial oficial de
espécie alguma; depois de ter ido visitar a passarola ao Monte Junto (onde passou a
estar escondida), Baltasar desaparece misteriosamente, sendo que Blimunda virá a
encontrá-lo, ao fim de nove anos de sofrida procura, a arder numa fogueira resultante
de mais um tenebroso e irracional auto de fé.

1 Todas as citações desta obra seguem a seguinte edição: JoséSaramago, Memoricrido Convento, Lisboa, Caminho, 2013.

ZIB
nktkiês u? ani

TEORIA

«Outras narrativas de personagens (cujo papel é menor): vão surgindo ao longo da


obra (João Eivas. Francisco Marques, José Pequeno, Joaquim da Rocha, Manuel Milho.
João Anes, Julião Mau-Tempo e Baltasar Mateus).Tais narrativas (de menor importân­
cia) dizem, regra geral, respeito a apresentações, em 1 .a pessoa, destas personagens
do povo (ou antigos soldados, tal como Baltasar Mateus e João Eivas), seguidas de
histórias da tradição oral do povo, contadas, à noite, nas tabernas improvisadas no
Alto da Vela (local mafrense da construção do convento).

Caracterização Podemos organizar o leque de personagens de Memorial do Convento em quatro gran­


das persona­ des grupos:
gens e relação a) As personagens da História de Portugal:
entre elas
- El-rei D. João V. sua esposa, a rainha D. Maria Ana Josefa (austríaca), os filhos,
D. Maria Bárbara. D. Pedro e D. José, e. finalmente. D. Francisco, irmão do rei.
- El-rei D. João V (rei absolutista) é descrito, quer direta quer indiretamente, como
um homem arrogante, sem moral (dorme com todas as criadas e freiras, consoante
lhe apetece), vaidoso, megalómano (quer tudo feito com «pompa e circunstância»)
e egocêntrico (quer que tudo no seu reino gire em seu torno, daí que tenha man­
dado aceleraras obras do Convento para que a inauguraçào/sagraçào da Basílica
acontecesse ainda no seu tempo, o que. de facto, veio a acontecer). Apesar de tudo,
acaba por ser um bom pai. emocionando-se (ainda que veladamente) no momento
em que entrega, na fronteira, a sua primeira filha, D. Maria Bárbara, à Coroa espa­
nhola (para futuro casamento com D. Fernando de Espanha).
- A rainha D. Maria Ana Josefa é apresentada aos leitores como uma mulher submissa
ã vontade do rei, respeitando-o e obedecendo-lhe. e rejeitando o seu cunhado,
a quem ama. o infante D. Francisco. Natural da Áustria, sente-se só e isolada em
Portugal por estar longe do seu círculo de amigos, envereda por uma vida muito
devota, mas revoltada, frequentando igrejas e confrarias, onde vai buscar alento
para a sua vida monótona.
- Os filhos dos reis ocupam, em Memorial do Convento, um papel secundário, por
serem ainda crianças ou adolescentes. E importante referir que D. Maria Bárbara
ganha algum destaque por ser aprimeira e sobre ela Saramago faz alguns comentá­
rios, tais como, é «gorducha» e «bexigosa», pouco sabe de música (descrevendo-se
até uma lição de música dada pelo italiano Domenico Scarlatti. mas que poucos
efeitos consegue perante a falta de jeito da infanta). Refere-se ainda o autor ao
nascimento e morte do segundo filho de El-rei, o infante D. Pedro, sendo que este
nome será dado a um outro que nascerá posteriormente.
- 0 infante D. Francisco, como já referimos, anseia pela morte do irmão, el-rei
D. João V, para lhe suceder no trono e casar com sua cunhada. D. Maria Ana Josefa.
Mostra-se um homem mau. calculista e invejoso.
b) As personagens da ficção: Blimunda e Baltasar:
Estas duas personagens são claramente oriundas da ficção, sendo que surgem na
obra dentro de uma narrativa encaixada, paralela ã principal, a qual envolve a cons­
trução do Convento de Mafra. Os dois são considerados heróis trágicos, pois sobre
os dois, enquanto casal e enquanto indivíduos, recaem eventos que motivam o seu
sofrimento, mas dào também mostras da sua coragem. Vejamo-los em particular.

- De Blimunda se diz que tem os olhos de cor «indefinida»,pois mudam consoante ela
está em jejum ou depois de ter comido. Em jejum, Blimunda é capaz de ver para além
do que os outros veem, ou seja, vê o interior das pessoas, dos objetos e da terra. Ape­
sar de sermuito discreta, mostra-se inabalável noseu amor a Baltasar efiel ao amigo
Padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão; é inteligente e muito valente, o que se nota,
entre outros casos, no momento em que pernoita nas ruínas junto de um convento

289
NEMUII EXAME NACIINAL

Caracterização franciscano (quando procurava sozinha o seu homem, Baltasar), e, perante a tenta­
das persona­ tiva de violação por parte de um frade devasso, espeta-lhe o espigão nas costas,
gens e relação matando-o, roubando-lhe as sandálias de boa qualidade e fugindo sozinha, a meio
entre elas da noite erma, para continuar a sua demanda.
(cont.) - Quanto a Baltasar. é também um homem do povo, que nasceu em Mafra e perdeu na
guerra a sua mão esquerda (substituída por um gancho); é muito trabalhador.sempre
atento a oportunidades de trabalho (como acontecerá com as suas tarefas na cons­
trução do Convento); o facto de ser amado por Blimunda renova o seu espírito, que
dará mostras de grande coragem (pois é ele que guardará a passarola de Bartolomeu
Lourenço e talvez por ela será condenado à morte, na fogueira, pelo Santo Ofício).

c) As personagens que pertencem simultaneamente aos dois tipos anteriores, o Padre


Bartolomeu Lourenço de Gusmão e o músico italiano, Domenico Scarlatti:
Destas duas personagens se diz que são participantes nos dois grupos anteriores,
pois existiram historicamente, mas Saramago fá-las viver ou dialogar com as perso­
nagens fictícias.

-0 Padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão é um honrado pregador da corte de


D. João V, faz sermões talentosos e virtuosos, mas tem grandes dúvidas sobre o
que é a religião, dado que presencia os comportamentos devassos dos seus cole­
gas e considera a Inquisição uma instituição ilógica e injusta, o que o conduzirá à
loucura e morte em Toledo.

- Por ser um sonhador e um científico, este homem planeou/arquitetou e construiu


(com a ajuda de Baltasar e Blimunda) a passarola que se movimentava com âmbar e
éter, espécie de «combustíveis» de que o Santo Ofício duvidava.

-Domenico Scarlatti é um ilustre músico italiano que dá lições de cravo ã infanta


D. Maria Bárbara, bem como concertos públicos e privados (como acontece com a
visita à quinta de São Sebastião da Pedreira, em que tocou para Bartolomeu, Balta­
sar e Blimunda. enquanto estes trabalhavam na construção secreta da passarola).

d) 0 herói coletivo (povo):

Este grupo de personagens, que resulta numa personagem


coletiva, é transversal a todo o romance e é sobre ele que
recai a atenção de José Saramago: foram os populares
incógnitos, sobre quem nunca rezou a História de Portu­
gal, que realmente construíram o Convento de Mafra. e
não propriamente el-rei D. João V.

- Os populares são incultos, rudes, humildes e muito sacri­


ficados. vivendo na miséria, mas revelam-se muito respei­
tadores e obedientes à Coroa e às tarefas que dela lhes
chega. Do povo sobressai um homem. Manuel Milho, que
dialoga com outros populares também nomeados por
Saramago. Este homem representa, na sua individuali­
dade. as características da sua classe em geral: é uma
pessoa corajosa, trabalhadora, consciente das diferenças
sociais entre os populares e Coroa/Nobreza/Clero; gosta
de contar histórias, grande marca da personalidade dos
membros do povo.

J. G. Fajardo, Padre Bartolomeu


de Gusmão, 1960

250
nmciÊsu?ANi

TEORIA

TÓPfCOS DE ANÁLISE EM MEMORIAL DO CONVENTO

O tempo O tempo em MemorrcJ do Convento pode ser perspetivado segundo duas vertentes:
histórico o tempo histórico (pertencente ã História de Portugal) e o tempo da narrativa, que é
e o tempo aquele que, dividido em dias, meses e anos, remete para a sucessão de acontecimentos
da narrativa na narrativa.

Tempo histórico

Já sabemos que o tempo histórico corresponde a alguns anos do reinado de D. João V.


designadamente no que se refere à sua promessa de erigir um convento de francisca-
nos «em troca» de um descendente - século XVIII.
Assim, a primeira pedra da obra foi colocada no dia 17 de novembro de 1717 (o que. de
facto, aconteceu historicamente), sendo a Basílica do Convento de Mafra inaugurada
ainda em vida d'El-rei, a 22 de outubro de 1730, depois de aceleradas as obras e recru­
tados à força milhares de membros do povo.

No sentido de confirmar este período histórico, Saramago oferece ao leitor um con­


junto de descrições de pormenores sobre personagens, espaços e outros eventos que
os registos históricos também confirmam. A estes pormenores compete dar *cor local»,
ou seja, desenhar/descrever o ambiente em que personagens e história se desenvolvem.

Alguns exemplos:
-a informação de que o arquiteto alemão Frederico Ludovice foi o encarregado da
obra, durante algum tempo:
- a vinda de materiais do Brasil (ouro) e de outros países da Europa (nomeadamente,
obras de arte e decoração);
- o pedido do rei em adiantar as obras, e consequente inauguração, em 1730, da Basí­
lica;
-o recrutamento forçado de milhares de populares para apressar a construção do
Convento de Mafra:
-a vinda de, pelo menos, uma pedra gigante da localidade de Pero Pinheiro para Mafra:
- o casamento, por conveniência, entre Maria Bárbara (de Portugal) e D. Fernando (de
Espanha) e entre D. José (futuro D. José I. rei de Portugal) e D. Mariana Vitória (de
Espanha).

Tempo da narrativa

Quanto ao tempo desta narrativa, existem, no romance, algumas informações explíci­


tas e outras indiretas sobre vários momentos da sua cronologia (ou sucessão tempo­
ral). que se resumem a 28 anos. Consideremo-los agora.

* 1711 é a primeira referência temporal, quando se lê a propósito de el-rei D. João V


«um homem que ainda nào fez vinte e dois anos» (D. João V nasceu em 1689);

• 17 de novembro de 1717 marca o início das obras em Mafra, com a colocação e bên­
ção da primeira pedra: «dezassete de novembro deste ano da graça de mil setecentos
e dezassete, aí se multiplicaram as pompas e as cerimónias no terreiro, logo ãs sete
da manha»;

• 8 de junho de 1719 é a data referida para a realização da procissão do Corpo de Deus;

* 1727 é o ano implicado na sequência frásica «dezasseis anos passaram desde que
a vimos pela primeira vez», a Blimunda, que surge, pela primeira vez. aos olhos do
tfl

leitores, no auto de íé que condena sua mãe, Sehastiana Maria de Jesus, a açoite
Lfl

públicos e degredo para Angola.


•22 de outubro de 1730. data indicada por D. João V para a sagração da Basílica,
momento da celebração dos seus 41 anos de idade;

291
NEMUII EXAME NACIINAL

0 tempo
• 1739 é a última data implicada na obra, por meio da frase que inicia o último capítulo de
histórico Memorial do Convento - «Durante nove anos, Blimunda procurou Baltasar», momento
eo tempo que se segue ao desaparecimento misterioso deste homem, após ter voado na passa-
da narrativa rola uma última vez, a partir do sítio onde ela caíra anteriormente, o Monte Junto.
(□ont.) Eis outros exemplos referidos na narrativa:

- «Ao outro dia, depois d 'El -rei partir para a corte»;

- «assim foi o inverno passado, assim a primavera, algumas vezes veio o padre a Lisboa»;

- «Aí está junho»;

- «já vào onze anos passados, por isso pergunta, benévolo. Verei voar a máquina um dia»;

- «Agosto acabou, Setembro vai em meio».


É neste tipo de tempo que o narrador, omnisciente e sempre sabedor, manipula as
informações que quer dar aos leitores, referindo-se a tempos anteriores à construção
do convento, ou posteriores a ela. Essa técnica de referência temporal é conseguida
através de analepses prolepses elipses e resumos, que vào fazendo variar o ritmo do
discurso e da narração. Sobre eles nos debruçaremos a seguir.

a) Analepses (recuos no tempo):

• Informação sobre o ano de 1624 - «Tanto mais que o convento de Mafra o anda a
querer a ordem de S. Francisco desde mil seiscentos e vinte e quatro, ainda estava
rei de Portugal um Filipe Espanhol»;

b) Prolepses (avanços no tempo):

•Referência ao que, no futuro, vai acontecer a D. João V, isto é, terá muitos filhos
bastardos (frutos de relações sexuais com outras mulheres, criadas e freiras, que
não a rainha) - «por isso se diverte tanto com as freiras {...), que quando acabar a
sua história se hão de contar por dezenas os Filhos assim arranjados»;

• Informação antecipada sobre o futuro e novecentista 25 de Abril - «ai o destino


das flores, um dia as meterão nos canos das espingardas»;

• Informação sobre a vinda do cinema - «para vir o cinema ainda faltam duzentos
anos, quando houver passarolas a motor, muito custa o tempo a passar»;

c) Elipses (omissão/não referência de pormenores que aconteceram durante algum


tempo) e resumos ■por meio de poucas palavras ou frases, o narrador dá uma ideia
geral sobre o conjunto de vários momentos temporais):

- A grande elipse em Memorial do Convento é a que diz respeito à falta de informa­


ção sobre os pormenores do desaparecimento de Baltasar Mateus, pois, a seguir
a esse desaparecimento, na noite anterior à sagração da Basílica, o narrador só a
ele se referirá no início do último capítulo: «Durante nove anos, Blimunda procurou
Baltasar {...). Milhares de léguas andou»;

- Repare-se como, sobre o que se passou durante esses nove anos, o narrador não diz
rigorosamente nada, a não ser que Blimunda andou por muitas terras portuguesas
e até espanholas.

A verdade é que se foi o rei que ordenou a construção do convento, não foi obviamente
Visão crítica
ele quem o construiu, mas sim o povo; muitos milhares de trabalhadores foram recruta­
dos à força e muitos morreram, sem que a História de Portugal se lembre deles, daí que
esta obra seja especificamente o «memorial» destas pessoas populares e incógnitas,
ligadas à construção do Convento de Mafra.

252
nktkiês u? ani

TEORIA

TÓPICOS DE ANÁLISE EM O MEMORIAL DO CONVENTO

Visão critica Em paralelo, o romance Memorial do Convento inclui ainda aspetos deste século XVIII
e que apresenta criticamente, fazendo sobressair:
(cont.)
- o poder absolutista de um rei e sua coroa, alheios aos interesses do povo e vivendo
faustosamente:

- a crítica ao mau investimento do ouro do Brasil, que deixou o reino de Portugal sem
rendimentos (com o sucessor D. José 1, filho de D. João V);

- a devassidão e perversão, bem como as intrigas e jogos de poder entre a realeza, a


nobreza e o clero:
- as contradições espirituais do clero: as procissões faustosas (ricas), mas com pouca
fé:

- o domínio, cego e perverso, do Santo Ofício (Inquisição) nos seus autos de fé. onde
Blimunda encontra a mãe. condenada a açoites e a 8 anos de degredo por ter visões
demoníacas, e Baltasar Sete-Sóis. a ser queimado na fogueira;
- a perseguição da Inquisição ã Ciência, veja-se o caso da construção da passarola
arquitetada pelo Padre Bartolomeu Gusmão, julgada como obra demoníaca.

Dimensão Memorial do Convento assume-se um romance dotado de grandes simbologias. desde


simbólica logo, pelo centro da construção do Convento de Mafra. símbolo por excelência da
megalomania de D. João V e. ao mesmo tempo, da injustiça e escravidão que recai
sobre os seus verdadeiros construtores, os membros do povo.

Por outro lado, quase todos os membros do clero aqui presentes simbolizam a devassi­
dão moral e o aproveitamento do fervor religioso do povo ao ponto de estabelecerem
e assegurarem a atuação da Inquisição, que condena e assassina milhares de inocentes,
sempre suspeitos de heresia ou feitiçaria, quando, simplesmente, seriam «incómodos»
à Igreja Católica.
Todavia, há um outro grande símbolo no romance, o dos números 3 e 7:
- três são os elementos (em jeito de triângulo perfeito, como o da Santíssima Trindade)
que compõem o centro da construção da passarola - o Padre Bartolomeu Lourenço
de Gusmão, Baltasar Mateus e Blimunda de Jesus;
- sete é o número incluído nas alcunhas de Sete-Sóis e Sete-Luas, como que a pressa­
giar um futuro trágico, que vai acontecer, de facto, com a morte de Baltasar e a viuvez
de Blimunda.
A propósito destas alcunhas, a referência a «Sóis» explica-se porque Baltasar vê «às
claras» (como refere Bartolomeu) e a «Luas», pois Blimunda vê «às escuras»

Finalmente, as duas crenças populares aresentes na obra são igualmente simbólicas.


0 Maravilhoso Pagão (sobrenatural) existe paralelamente ao Maravilhoso Cristão
- manifestações da religião católica (presenças dos clérigos e de procissões, entre
outros momentos de bênçãos) e poderes de Blimunda.

Linguagem * Registo de língua popular;


e estilo * Pontuação expressiva: frases longas, separadas por vírgulas e pontualmente por
pontos finais, parágrafos igualmente longos, discurso direto antecedido por vírgula
e encetado com letra maiuscula;

* Recursos expressivos: tais como anáforas, comparações, enumerações, ironias e


metáforas;

* Reprodução do discurso no discurso: sobretudo, discurso da voz do povo e também


da voz dos poderosos, dados ao leitor dentro do discurso do narrador omnisciente.

293
1. Leia atentamente as seguintes afirmações e classifique-as como V (Verdadeira) ou
F (Falsa), corrigindo as falsas.

a) Neste romance. Saramago elege como herói nacional el-rei D. João V, o Magnânimo.

b) I O Convento de Mafra nasce a partir de uma promessa do rei aos carmelitas e em


troca de descendentes.

c) 1 ! D. João V quer que o seu convento seja igual à basílica de São Marcos de Veneza
(Itália).

d) O Todo o romance assenta em metáforas e onomatopéias que servem para criticar a


sociedade seiscentista.

e) O A crítica religiosa espelha-se. entre outros exemplos, na descrição da «procissão


da penitência» (Quaresma) e na dramatização do Natal.

f) O Scarlatti é o coadjuvante das personagens envolvidas na construção da passarola


- Padre Benjamim Lourenço de Gusmão, Baltasar e Blimunda.

I) 0 local escolhido para a construção do palácio é o Alto do Leme.

h) As personagens históricas da coroa portuguesa são D. João V. a rainha D. Ana Josefa.


os filhos Maria Bárbara. Pedro e José e o irmão do rei, o infante D. Francisco.

i) A relação de amor entre Baltasar e Blimunda contrasta com as dos casamentos


reais, pois a primeira é livre, pura e verdadeira, e as outras são politicamente
engendradas e infelizes.

j) O Blimunda tem o dom de ver «o interior das coisas», dom que perde apenas no dia do
«Corpus Christí» («Corpo de Deus»),

lc) Baltasar nunca recebeu a tença prometida por serviços militares à pátria, o que
prova a presença da crítica social e religiosa.

I) Muitos dos trabalhadores da construção do convento foram recrutados à força


para acelerar a tão desejada inauguração.

294
m) 0 Padre Lourenço de Gusmão aprendeu as artes da alquimia, assim como obteve
informações sobre o éter na Holanda.

n) O Padre Lourenço de Gusmão acaba por ser perseguido pela Inquisição.

0) 0 transporte da *pedra de Pero Pinheiro* simboliza o trabalho escravo, desumano


e as injustiças da construção deste convento.

P) Esta pedra de xisto era gigantesca e muito difícil de transportar.

q) A passarola voa pela primeira vez entre Lisboa e Mafra, mas o Padre desaparece
inesperada e misteriosamente.

r) Os mafrenses pensam que a passarola é o Arcanjo São Miguel a sobrevoar o espa­


ço da construção.

s) ,1 A sagração do convento dá-se a 22 de outubro de 1730.

t) Tendo desaparecido Baltasar. Blimunda procura-o durante sete anos e encontra-o


na forca, condenado pelo Santo Ofício.

u) A passarola simboliza a Inteligência, o Sonho e a Liberdade doserhumano.contra-


riando a cegueira católica e científica estimulada pelo Santo Ofício.

295
rirui m Memorial do ConventoJosé Saramago
• Caracterização das personagens e relação entre elas
* Visão cntica

Leia atentamente o seguinte excerto e responda às questdes.

Penitências

Vai sair a procissão dc penitencia1. Castigamos a carne pelo jejum, maceremo-la*


2
agora pelo açoite. Comendo pouco purificam-se os humores, sofrendo alguma coisa
escovam-se as costuras da alma. Os penitentes, homens todos, vão à cabeça da procis­
são, logo atrás dos frades que transportam os pendões3 com as representações da Virgem
5 e do Crucificado. Seguinte a eles, aparece o bispo debaixo do pálio4 rico, c depois as
imagens nos andores, o regimento interminável dc padres, confrarias e irmandades,
todos a pensarem na salvação da alma, alguns convencidos dc que a não perderam,
outros duvidosos enquanto se não acharem no lugar das sentenças, porventura um deles
pensando secretamente que o mundo está louco desde que nasceu. Passa a procissão
i entre filas dc povo, e quando passa rojam-se pelo chão homens e mulheres, arranham a
cara uns, arrcpclam-sc outros, dão-se bofetões todos, c o bispo vai fazendo sinaizmhos
da cruz para este lado c para aquele, enquanto um acólito5 *balouça o incensório5. Lisboa
cheira mal, cheira a podridão, o incenso dá um sentido à fetidez7, o mal é dos corpos.
que a alma, essa, c perfumada. (...)
15 Assim maltratadas as carnes, alimentadas
dc magro, parece que se haveriam dc reco­
lher as insatisfações até à libertação pascal
e que as solicitações da natureza poderiam
esperar que se limpassem as sombras do
1 rosto da Santa Madre Igreja, agora que se
aproximam Paixão c Morte. (...)
E Quinta-Feira dc Ascensão, sobe para
as abóbadas o canto dos pássaros, subirão ou
não as preces ao céu, se cies as não ajudam
S não haverá esperança, talvez se nos calásse­
mos todos.
José Saramago, Alemorial do Convento,
Lisboa, Caminho, 2013, pp. 36-43

* Arrependimento por ação má.


2 Amolecer.
^Bandeira com distintivo religioso.
^Distintiva da mais elevada entidade religiosa que consiste Roque Gameiro,
numa faixa branca adornada com cruzes pretas au Ruo de Sdo Miguei,
vermelhas, usada à volta do pescoço e com duas partes Alfama. Lisbaa, 1914
pendentes, para o peito e para as costas.
5 Aquele que ajuda à missa e nos atas religiosos.
* Recipiente para queimar incenso.
7Fedor.

23 í
PRÁTICA

1. Considere as três primeiras frases do excerto.

1.1 Explique a ironia, justificando a sua resposta com elementos textuais.

1.2 Mostre que há reprodução do discurso no discurso.

1.3 Identifique e esclareça o valor expressivo da metáfora.

2. Identifique e caracterize as personagens que participam na procissão.

2.1 Esclareça a relação entre elas.

3. Mostre a dimensão simbólica desta procissão como meio através do qual narrador con­
segue dar forma à crítica religiosa que plasma todo o Memorial do Convento.

4. Evidencie de que forma a última frase do texto resume a visão crítica do narrador relati­
vamente à fé cristã.

297
Leia atentamente o seguinte excerto e responda às questdes.

Xju da índia ami rodas

Estava Baltasar há pouco tempo nesta sua


nova vida, quando houve notícia de que era
preciso ir a Pero Pinheiro buscar uma pedra
muito grande que lá estava, destinada à
5 varanda que ficará sobre o pórtico da igreja,
tào excessiva a tal pedra que foram calcu­
ladas cm duzentas as juntas de bois neces­
sárias para trazê-la, e muitos os homens
que tinham de ir também para as ajudas.
i Em Pero Pinheiro se construíra o carro que
haveria dc carregar o calhau, espécie de nau
da índia com rodas, isto dizia quem já o
tin ha visto cm acabamentos e ígualmen-
tc pusera os olhos, alguma vez, na nau da
15 comparação. Exagero será, decerto, melhor
é julgarmos pelos nossos próprios olhos, José MalhDa, 0 Emigrante, 1918

com todos estes homens que sc estào levan­


tando noite ainda c vão partir para Pero Pinheiro, eles c os quatrocentos bois, e mais de
vinte carros que levam os petrechos para a condução (...).
Era uma laje1 retangular enorme, uma brutidào de mármore rugoso (...).
Vinha puxada a braço, em grande alando dc quem fazia a força c dc quem a mandava
fazer, um homem distraiu-sc, deixou ficar um pé debaixo da roda, ouviu-se um berro,
um grito dc dor msuportada, a viagem começa mal. Baltasar estava perto com os seus
bois, viu o sangue esguichar (...), o homem já lá vai, gritando sempre, levam-no num
esquife2para Morelena onde há uma enfermaria (...).
Vai ser uma grande jornada.
José Saramago, op. dt., pp. 328-341

1 Pedra para cobrir pavimentos.


2Caixàa funerário.

1. Esclareça de que forma este excerto concretiza o título Memorial do Convento.

2SB
PRÁTICA

2. Explique a dimensão simbólica desta «pedra de Pero Pinheiro».

3. Caracterize as personagens e as relações entre elas.

4. Mostre como o acidente com o homem dá vida à denúncia crítica de 5aramago.

5. Identifique e refira o valor do recurso expressivo presente em «o carro que haveria de


carregar o calhau, espécie de nau da índia com rodas» (linhas 10-12).

6. Identifique os recursos presentes nas seguintes sequências, referindo o seu valor:


a) «eles e os quatrocentos bois, e mais de vinte carros que levam os petrechos para a
condução» (linhas 18-19)

b) «uma brutidáo de mármore rugoso» (linha 20)

259
nktkiês u? ani

TEORIA

GÉNERO ESTRUTURA CARACTERÍSTICAS E MARCAS

Exposição sobre um tema Título: sugestivo e orientador do Registo de língua formal/corrente;


Texto que visa a apresentação tema. Mecanismos de coesão (articulação entre
de informação detalhada e fun­ Introdução: breve descrição e apre­ frases, parágrafos e referentes, deíticos e
damentada sobre um deter­ sentação do tema, bem como refe­ conectores);
minado tema, apresentando rência á organização do conteúdo Vocabulário especializado e adequado;
muitas explicações e exemplos segundo uma estrutura especifica.
3.a pessoa;
demonstrativos. Desenvolvimento: caracterização
Frases declarativas;
pormenorizada do tema em exposi­
ção, acompanhada de exemplos que Apresentação de referências bibliográficas
demonstram a verdade do exposto. e citações adequadas;
Conclusão: reflexão final sumária e Uso do presente do indicativo;
apelativa. Verbos como ser, pertencer, ter....

Apreciação crítica Título: sugestivo, apelativo e cativa- Registo de língua corrente;


Texto em que o autor verbaliza dor da atenção do leitor. Linguagem subjetiva, mas clara, para que o
a sua opinião pessoal sobre Introdução: apresentação do tema leitor perceba a apreciação pessoal
um qualquer tema atual ou um ou objeto e respetivo juízo de valor. Recursos expressivos (ironia, hipérbole,
objeto (um livro, um filme, um Desenvolvimento: descrição do tema/ comparação, metáfora....).
acontecimento, um CD/DVD), objeto; apresentação de dados obje­ Frases declarativas, exclamativas e interro­
tipicamente de natureza cultu­ tivos e subjetivos, manipulados pelo gativas;
ral com o objetivo de o analisar autor. Apreciação do tema ou objeto,
e avaliar, orientando, assim, o Linguagem valorativa e apreciativa (adjeti-
tendo por base os aspetos positivos e
leitor nas suas escolhas. vação)
negativos que apresenta.
l.a/3.a pessoa.
Conclusão: retoma final do tema e
reiteração da opinião pessoal.

Texto/Artigo de opinião Título: sugestivo, apelativo e cativa- Registo de língua corrente;


Texto em que o autor ex­ dor da atenção do leitor. Linguagem subjetiva, mas clara, para que o
pressa a sua opinião pessoal/ Introdução: apresentação do tema e leitor perceba a opinião pessoal
ponto de vista sobre um tema juízo de valor sobre o mesmo. Recursos expressivos (comparação, enume­
da atualidade, que pode ser de Desenvolvimento: descrição do tema; ração, metáfora....);
qualquer natureza e se sustenta apresentação de dados objetivos e
Frases declarativas e interrogativas;
de argumentos. Regra geral é subjetivos. Demonstração do ponto
atual e Interessante ao leitor. Expressões de apreciação ou juízo de valor
de vista por meio de argumentos e/ou
(«em meu entender»; «na minha opinião»;
exemplos ilustrativos.
«penso que»,...}
Conclusão: retoma final do tema e
l.a/3.a pessoa.
reiteração da opinião pessoal.

Relato de viagem Título/subtítulo: sugestivo e apela­ Registo de língua formal mas acessível ao
Texto que versa sempre sobre tivo. público-alvo;
temas relacionados com via- Introdução: apresentação do per­ Informação significativa;
gens ou percursos que o autor curso, da viagem, da experiência,... Encadeamento lógico dos tópicos tratados;
Desenvolvimento: exposição do local Variedade de temas;
ou dos locais da viagem e sua descri­
Discurso pessoal (prevalência da l.a pessoa);
ção e relatos da experiência pessoal.
Dimensões narrativa e descritiva;
Conclusão: fecho do relato da viagem.
Multimodalidade (diversidade de estilos de
escrita e de recursos)

Artigo de divulgação científica Título/subtítulo (ou antetítulo): Registo de língua formal mas acessível
Texto que versa sobre um objetivo e apelativo. Informação seletiva;
assunto das varias áreas do Introdução: breve apresentação do Linguagem técnica e cientifica;
Saber/da Ciência. O seu obje­ tema/conteúdo a divulgar.
Caráter expositivo;
tivo é dar a conhecer ao público Desenvolvimento: exploração do tema.
conclusões retiradas de proje­ Hierarquização das ideias;
Conclusão: apresentação da conclu­
tos de investigação. são do tema/conteúdo exposto. Explicitação das fontes;
Rigor e objetividade.
3.a pessoa.

301
NEMUII EXAME MCIINAL

GÉNERO ESTRUTURA CARACTERÍSTICAS E MARCAS

Discurso político Título/subtítulo (opcional): objetivo. • Caráter persuasivo (o importante é conven­


Texto de natureza retórica, para Introdução: apresentação da tese cer o público da tese);
persuadir o leitor relativamente que se vai defender. • Informação seletiva;
a ideologia apresentada (reli­ Desenvolvimento: exposição enca­ • Capacidade clara de expor e argumentar:
giosa, política, social...) e para
deada de argumentos ou contra- -argumentos, contra-argumentos e provas
o levar a refletir sobre ela. Pode -argumentos para fundamentar e coerentes, com sentido e válidos
assumir a forma literária, como sustentar a tese defendida.
acontece com os Sermões do - Valores éticos e sociais
Conclusão: resumo da tese defendida
Padre António Vieira - sermões -eloquência: a arte de bem falar e a clareza
e intensificação da sua importância.
escritos para serem proclama­ levarão o público a seguir a tese e a aceitá-la;
dos em voz alta para os fiéis da • Recursos expressivos (anáfora, interrogação
missa ou celebração religiosa. retórica, enumeração, comparação^.);
• Frases declarativas e exclamativas;
• Conectores discursivos;
• Verbos declarativos, de causa-efeito, de opi­
nião e de crença;
• l.a pessoa (singular, para discurso pessoal,
ou plural, para discurso de um partido ou
fação política).

Diário Data/local: delimitação temporal e • Registo informal e vocabulário simples;


Texto intimista e subjetivo, de local. • Ligação dos temas tratados ao quotidiano
caráter autobiográfico, em que Título/lntrodução (opcionais): apre­ (real ou imaginário) dos leitores;
o autor expressa sentimentos sentação do tema. • Narratividade: marcas semelhantes ás de
relativamente aos assuntos que Desenvolvimento: relato de expe­ quem está a contar uma história que viveu;
vai registando dia a dia. riências. pensamentos,... • Ordenação cronológica dos acontecimentos
Conclusão (opcional): resumo do narrados;
relato apresentado. • Discurso pessoal (uso da l.a pessoa) e con­
fidencial

Memórias Título/subtítulo (opcionais): suges­ • Narratividade: marcas semelhantes às de


Textos, de caráter autobio­ tivo. quem está a contar uma história que viveu;
gráfico, que relatam aconteci­ Introdução (opcional): apresentação • Informação seletiva (só aquela que o autor
mentos passados, que o autor do tema. quer apresentar/recordar);
pretende relembrar e dar a Desenvolvimento: relato dos aconte­ • Discurso pessoal (l.a pessoa) e retrospetivo
conhecerão leitor. cimentos passados, incluindo, deta­ (remetendo para o referido passado e ao que
lhes sobre episódios mais íntimos, _ lhe sucedera então);
Conclusão (opcional): resumo valo- • Prevalência de muitas formas de expressão
rativo dafs) memória(s) lembrada(s). de tempo (tempos verbais do passado e pre­
sente, advérbios e locuções com valor tem­
poral conectores);
• Verbos e expressões que remetem para a
ação de lembrar.

Síntese Deve conter um terço do tamanho do • Linguagem objetiva e clara;


Contração de um texto, reduzin- texto original. • Frases organizadas com conectores discur­
do-o aos seus elementos essen­ sivos;
ciais. • Ausência de informação acessória/desne-
cessária (adjetivos, modificadores, informa­
ção entre parênteses);
• Hiperónimo5, holónimos, pronomes e termos
genéricos (para substituir enumerações lon­
gas};
• Frases declarativas;
• Frases em discurso indireto;
• 3.a pessoa.

302
nktkiês u? ani

TEORIA

EXPOSIÇÃO SOBRE UM TEMA

Titulo sugestivo. Resiliência, para que serve?


Introdução Segundo o dicionário da Língua Portuguesa, resiliência (em sen­ Conectores
Descrição breve do tido figurado) significa «capacidade de defesa e recuperação perante
conteúdo.
fatores ou condições adversos». Ou seja, a capacidade de uma pessoa Linguagem corrente
e exemplos
lidar eficazmente com os problemas, superar obstáculos e resistir à
percetíveis pelo
pressão de situações adversas, transformando as experiências nega­ leitor; vocabulário
tivas em aprendizagens e oportunidades de mudança e crescimento temático
pessoal. Quando se depara com uma situação difícil, ê uma pes­
Verbo ser; presente
soa que lida bem com as vicissitudes e reage de forma positiva às do indicativo;
dificuldades e adversidades ou, pelo contrário, tem pensamentos 3 * pessoa
negativos e comportamentos de negação ou evitação face a essas
circunstâncias? Há pessoas que conseguem superar estes aconteci­
mentos com mais facilidade do que outras. O seu segredo está em
serem resilientes.
Desenvolvimento A palavra «resiliência* tem sonoridade estranha e significado Frase

Exposição do tema pouco conhecido, mas pode fazer a diferença na nossa vida e na declarativa

apresentada e forma como enfrentamos situações difíceis. No seu significado


demonstração da
original, o termo, que foi emprestado da física, refere-se à pro­
sua validade, atra­
vés da aplicação do
priedade que certos materiais têm de voltar à sua forma original
termo científico a seja qual for o impacto ou tensão que sofram. Como um elástico Caráter
demonstrativa
situações do nosso que, à medida que é esticado, se deforma até um certo limite, sem
quotidiana.
rebentar, retornando à forma inicial quando deixamos de o esticar.
Atualmente, ê frequentemente utilizado para descrever a forma
como as pessoas respondem às frustrações e aos problemas que
ocorrem na sua vida, e como recuperam desses embates de modo
a saírem mais fortalecidas perante as adversidades.
(...) O nosso dia a dia está repleto de desafios e obstáculos que Caráter
precisamos de ultrapassar para seguirmos em frente com a estabi­ demonstrativa

lidade emocional adequada - o que faz da resiliência uma com­


petência fundamental para o sucesso nas organizações e na nossa
vida.
(...)
Conclusão «Nós devemos dar todos os passos que pudermos no sentido de
Reflexão final nos tornarmos mais resilientes. Se algo de negativo lhe acontecer
sumária: citação de tente encontrar-lhe o sentido, mas lembre-se de que nào podemos
um autor experiente
ter a pretensão de querer que as coisas mudem se fizermos sempre
no assunto em
exposição. o mesmo», conclui Miguel Pereira Leite.

Carla Mateus, «Itcsiliencia, para que serve?*, in Ncitrews Afdpazrnc


{disponível cm https://www.notidasniajçazinc.pt/2017/rcsilicncia-para-que-scTvc/ ;
consultado a 27/10/17)

303
NEMUII EXAME NACIINAL

APRECIAÇÃO CRÍTICA

Título sugestivo Nãí> é unia questão de gosto: os festivais em Portugal são os melho­
e apelativa.
res da Europa

Introdução Os festivais em Portugal sào os melhores da Europa. Atentem


Tema e juízo de nos dois principais fatores que os definem, isto é, o cartaz e o
valor. preço dos bilhetes, e será muito difícil provar o contrário.
Por mais voltas que se dê (...) é de ciência certa que os fes­
tivais portugueses estào entre os melhores da Europa. Faça-se o
Comparação
cotejo dos cartazes, compare-se o preço dos bilhetes e o resultado
é claro como a água. Há poucos eventos capazes de se baterem Linguagem
com aqueles que acontecem por cá. E assim acontece por duas valorativa
e apreciativa
simples razoes: as marcas patrocinam e a comunicação social ofe­
rece um espaço sem igual. E esse o ciclo virtuoso dos festivais de
música que alegram o verão português. E tanto assim é que não
ligamos patavina aos festivais que acontecem lá por fora, em Espa­
nha, França, no Reino Unido, na Alemanha ou Escandinávia; ou
mesmo na emergente Europa do I.este, onde já se batem com os
melhores. Antes pelo contrário. São os estrangeiros quem cobiça
Desenvolvimento
os festivais portugueses.
Descrição do tema
e demonstraçào
Podemos começar por aí. No NOS Alive, diz a produtora
da opinião do autor. Everything Is New, há mais de vinte mil turistas oriundos da Grà-
-Bretanha, França, Espanha e de mais um ror de países. (...) Aqui
veem-se os melhores artistas a um preço que faz com que as ferias
fiquem quase de borla. (...)
Vamos a contas? Um bilhete para a edição deste ano de Glas-
tonbury custava 238 libras esterlinas, cerca de 270 euros. (...); para
o Roskilde, na Dinamarca, C268. Para o NOS Alive, em Lis­ Interrogação
boa, eram Cl29. Alguém se admira que a lotação esteja esgotada? retórica

Alguém se espanta com o contingente forasteiro? Bem. depende Mecanismos


da lotação. Mas. já que se fala nisso, vamos à questão da segurança. de coesão; l.,/3."
Por sorte, competência ou pelas duas razoes em simultâneo, nunca pessoa

um acidente grave sucedeu num festival português. (...)


E se este ciclo virtuoso parece imparável, não vale, porém,
Conclusão esquecer os perigos que espreitam. (...) Por isso o fator chave dos
Reiteração de festivais deste ano e dos próximos é não tanto a sua rentabilidade,
opinião pessoal que por ora parece assegurada, mas a segurança que cada produção
fundamentada.
for capaz de oferecer aos artistas e, sobretudo, aos espectadores.
Façam o favor de bater três vezes na madeira.
.Miguel Cadete, <I)uas ou tres coisas sobre o NOS Alive
e a cxcdcncia dos festivais cm Portugal*, Hlilz. 7 de julho de 2017
(disponível cm www.blitz.sapo.pt. consultado a 07/07/2017)

304
nmciÊsu?ANi

TEORIA

TEXTO/ART1GO DE OPINIÃO

Titulo sugestivo
e apelativo.
Olhar para eucaliptos

A experiência do sublime nào é, evidentemente, prerrogati­


Introdução va das religiões: podemos sentir um profundo deslumbramento,
Tema e ponto de espanto ou veneração por paisagens, pelo espaço, por árvores ou
vista pessoal.
por estrelas, sem ter necessariamente uma relação com uma divin­
dade. seja ela qual for. Linguagem
Essa experiência de assombro pela natureza faz-nos sentir mais subjetiva
e valorativa
pequenos, mais humildes (...). Pode parecer estranho, mas olhar
para paisagens torna-nos melhores pessoas, mais bondosas e altruís­ Adjetivaçào
tas. Um artigo da revista New Scientist diz que pessoas que acaba­
ram de ver um vídeo sobre natureza, que provoque um sentimen­
to de maravilhamento (em vez de outro tipo de emoções, também
positivas, como alegria, otimismo, esperança, etc.), «as torna mais
éticas, mais generosas e próximas dos outros*. O mesmo artigo
refere ainda que depois de contemplar grandes árvores (na expe­
riência em questão, eucaliptos), ficamos mais propensos a ajudar o
próximo (...).
Desenvolvimento Este fenómeno, estudado pelo psicólogo e investigador Dacher
Demonstração da Keltner, é justificado pelo facto de, ao nos sentirmos esmagados
opinião pessoal pelo que vemos, haver um desvanecimento do ego e uma conse­
por meio de dados
quente sensação de que somos parte de um todo vasto e sublime.
informativos
e exemplos (-)
ilustrativos. Porque vivo no campo, perguntam-me muitas vezes se a rura­
lidade nào é uma inspiração. (...) Costumo brincar e dizer que
olhar para vacas nào me torna melhor escritor. E que não escrevo 1 .* pessoa

debaixo de um sobreiro, mas a olhar para um ecrà. E que a lei­ Expressões


tura é uma fonte de inspiração mais segura do que um campo de de apreciação
milho. Contudo, sei que há paisagens cuja grandiosidade nos altera e de juízos de valor

e se entranha no corpo passando a fazer parte de nós, como unhas


ou cabelos, e que a beleza nos eleva.
Creio também nào ser preciso que o objeto da nossa contem­
Comparação
plação seja grandioso como uma cadeia montanhosa ou um ocaso.
Um grilo ou uma folha de outono poderá igualmente impressio­ Frases
nar-nos. Porém, continuo sem saber se há ligação entre uma pai­ dedarativas
sagem e a qualidade da literatura.
Sei que Gertrude Stein gostava de intervalar a escrita com a
Conclusão
contemplação de pedras e de vacas. Ealta fazer um estudo sobre
Reiteração da isto, mas enquanto esperamos por ele, podemos sentar-nos a olhar
opinião pessoal
{fundamentada}.
para um grande eucalipto ou para umas vacas, nào pela eventual
inspiração, mas porque, tudo indica, nos faz melhores pessoas.

Afonso Cruz, «Olhar para cucaliptos>, in Nolíciiis Mdgiizrnr, 20 de setembro de 2017


(acedido cm https://www. noticiasmagazinc.pt/2017/olhar-para -cucai iptos/;
consultado a 16/11/2017)

305
NEMUII EXAME NACIINAL

RELATO DE VIAGEM

Título e subtítulo Vinte e quatro horas em Copenhaga — e debaixo de chuva


Informações sobre
o relato de viagens Consegue ser incansável, a chuva em Copenhaga. Nada que
que se segue e um
breve comentário
impeça um passeio atraente, para quem tem um dia ou dois
subjetivo. para gastar na capital dinamarquesa.

Se por acaso aquilo que se diz sobre os casamentos — que


Introdução molhado significa abençoado — também for verdade para as via­
Informações sübre gens, então esperava-nos uni bendito passeio. Pela mesma lógica,
as condições da
o último seria o mais feliz: sob uma persistente chuva miudinha,
visita
fomos de um castelo do século XVII a uma comuna livre dentro Discurso pessoal-
(a Copenhaga). l.1 pessoa
da cidade — onde comercializam substâncias ilícitas como quem
vende malas falsificadas — e, mais tarde, a um mercado de comida
do mundo.
O dia começou com confirmação de que a breve visita ao Tivo-
Dimensão narrativa
Desenvolvimento
li — um parque de diversões cosmopolita perto do centro da cida­
Inicio do relato do
de — seria impossível. Ao nosso lado, um grupo de estudantes em
que aconteceu na
viagem: descrição
visita da escola preparava-se para entrar, indiferente às condições
da atitude das pes­ meteorológicas. Nào é surpreendente, tendo em conta que mais de
soas relativamente metade das pessoas em Copenhaga anda na rua sem guarda-chuva
à chuva; pormeno­
— no limite, com o capuz.
res sübre as visitas,
a passagem dos
Do Tivoli ao Castelo de Rosenborg estende-se pouco mais de
dias; referência a quilómetro e meio — distância de 20 minutos a passo normal.
lugares e respetivas Vale a pena a caminhada até lâ: nenhuma fotografia, nem conversa
experiências; intro­
nos prepara para a quantidade de bicicletas estacionadas ao longo
dução de vocabu­
lário dinamarquês,
da longa avenida Norre Voldgade, onde está localizada a saída
com resp etiva da estaçào Norreport, a mais movimentada do país. Não fosse a
tradução. chuva, talvez se tivesse tentado contar quantas eram. (...)
Apesar de já passar das 13 h. o restaurante onde almoçámos,
Aamanns 1921, ainda estava cheio — de locais cosmopolitas, nào
de turistas. Os pratos sào servidos na forma do típico stiiorrebrod
Dimensão descritiva
dinamarquês — com ingredientes em cima de pão escuro (rugbrod)
de moagem caseira. O arenque marinado entre seis a 12 meses
com limão (105 coroas) é uma boa opçào.
O jantar foi no Copenhagen Street Food — uma espécie de
lisboeta Mercado da Ribeira com comida do mundo, em Paper
Conclusão Island.
Positiva, apesar Da manhã ao final da noite nào parou de chover — e sim, foi
da chuva, com
incentivo indireto a
um dia em cheio.
futuras viagens
a esta cidade.

Catarina Lamelas Moura, «Vinte c quatro horas cm Copenhaga — c debaixo de chuva*


l*úblia>. 15 de outubro de 2017 (disponível em https://www.publieo.pt;
consultado a 15/10/2017)

305
nmciÊsu?ANi

TEORIA

ARTIGO DE DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA

Titulo objetivo
sobre o tema ód ,4 nova ridu Ju cortiça
artigo.

Introdução Não é ouro, nem é negro, mas o sobreiro é um dos tesouros


Breve apresentação nacionais. Símbolo da liderança do país, é a peça basilar de uma
do conteúdo a atividade elogiada pela sua sustentabilidade. A joia da coroa é a
divulgar.
casca, a cortiça, que merece agora o interesse da ciência. (...)
Sob o céu carregado de inverno, num insuspeito edifício envi­
draçado de Cantanhede, começam a ser desvendados os mais pro­
fundos segredos da espécie. Nas instalações do Biocant, um centro
de inovação em biotecnologia, está a ser desenvolvido o projeto
Vocabulário
de sequenciaçào do genoma do sobreiro (Quercus saber). Contan­ cientifico
do com cientistas de renome, o patamar inicial é a sequenciaçào
de 1ÍH) milhões de bases. O projeto iniciou-se com a recolha de 3.* pessoa

material vegetal (folhas) num imponente exemplar do Instituto


Superior de Agronomia, passando depois para o Instituto Nacional
de Engenharia, 'Tecnologia e Inovação (INETI) onde, após rápida
congelação em azoto líquido, se extraiu DNA. Este foi então colo­
Desenvolvimento
cado em placas contendo 1,6 milhões de poços, capazes de gerar
Divulgação dos por­
400 mil sequências de uma só vez num sequenciador de DNA. Na Vocabulário
menores científicos prática, cada «poço* é um microscópico tubo de ensaio, dentro do cientifico
sobre a cortiça e o qual acontecem as reações químicas.
respetivo trabalho
Curiosamente, apesar de no processo ser empregue tecnologia
laboratorial.
de ponta, o sistema de deteção baseia-se no princípio que permite
Fornecimento
de dados sobre o aos pirilampos emitir luz, a quimioluminescência, utilizando uma
estado de evolução enzima idêntica à destes insetos.
Explicitação
do projeto de apli­ Conceição Egas, uma das responsáveis do Biocant. fita concen­
cação prática da das fontes
cortiça.
trada um dos muitos monitores do laboratório. «Este é um proces­
so que se baseia numa forte componente informática, incluindo o Vocabulário

desenvolvimento de sofíuwe específico para análise de dados, só técnico

possível em equipa», diz.


O objetivo global do projeto é um melhor conhecimento da
espécie, antevendo-se desde já aplicações práticas, que passarão por
a tornar mais resistente na natureza, pela identificação de poten­
ciais ameaças e pela melhoria quantitativa e qualitativa da cortiça
produzida. (...)
Conclusão
Tem sido feito um esforço considerável para a adesão a práticas
0 trabalho de inves­
tigação permite
florestais responsáveis, como comprovam os 150 mil hectares que
fornecer dados para poderão ser certificados pelo Conselho de Gestão Florestal (Forest
o futuro próximo. Stewardship Council) até 2010.

António l.uís Campos, «A nova vida da cortiça», março <lc 2009, Núíioiidl Ccc^Fiip/irc
{disponível cm https://nationalgcographic.sapcj.pt/cicncia/grandc5-rcportagcns/
110<j-cortica-mar2009; consultado a 28/07/2017; texto adaptado).

307
PIEMUII EXAME NACIINAL

DISCURSO POLÍTICO

Título
Informações sobre o Mensagem de.4 no Nopo do Presidente da República, Marcelo Rebelo de
orador e o contexto. Sousa Palácio de Belém, 1 de janeiro de 2017
Introdução
Muito Boa Noite.
Cumprimento de
Há quase dez meses, ao tomar posse, recordei a nossa vocação de
protocolo: sauda­
ção aos ouvintes e sempre, que é a de sermos mais do que dez milhões que vivem num
motiva da discursa. retângulo na ponta ocidental da Europa.
Somos e temos de ser uma plataforma entre culturas, civiliza­
ções e continentes, espalhados pelo mundo, capazes de criar diálo­
go, fazer a paz. aproximar gentes. Para isso, defendi mais e melhor
educação, maior coesão, ou seja, menores desigualdades, capacidade
de nos unirmos no essencial. (...)
O ano de 2016 chegou ao fim. Será que conseguimos dar pas­
sos em frente no caminho pretendido? (D)emos passos para corrigir
injustiças e criámos um clima menos tenso, menos dividido, menos
negativo cá dentro e uma imagem mais confiável lá fora, afastando
o espectro de crise política iminente, do fracasso financeiro, da ins­
tabilidade social que, para muitos, era inevitável. Tudo isto foi ohra
nossa - de todos os Portugueses. No entanto, ficou muito ainda por
Desenvolvimento
fazer.
Argumentação
O crescimento da nossa economia foi tardio e insuficiente.
a fundamentar
a tese exposta
Alguns domínios sociais sofreram com os cortes financeiros. A dívi­
(argumentos, da pública permanece muito elevada. (...). Mas. tudo visto e soma­
cont ra-argument os do, o balanço foi positivo. (...) Quando queremos, nos unimos no Enunciação
e provas). na 1 .■ pessoa
fundamental e trabalhamos com competência, com método e com
do plural
metas claras — somos os melhores dos melhores.
Começa hoje um novo ano. Neste tempo que se abre, temos de
Caráter persuasivo
reafirmar os nossos princípios e saber o que é preciso fazer primei­
ro. Os nossos princípios: acreditamos nas pessoas, no respeito da sua Verti os
declarativos,
dignidade, das suas diferenças, dos seus direitos pessoais, políticos
de opin ião e crença
e sociais; (...) acreditamos no dever de construir a solidariedade e
a paz e de lutar contra o terrorismo, na Europa onde nascemos, (...)
nos novos mundos onde estivemos e estamos e queremos unir cada Enumeração

vez mais. A luz destes princípios, o caminho para 2017 é muito


simples: nào perder o que de bom houve em 2016 e corrigir o que
falhou. (...)
(D)esejo do fundo do coração as maiores venturas a todos os
Conclusão
Portugueses, onde quer que vivam, (...) e também àqueles que, dos
Finalização do dis­ quatro cantos do mundo, chegaram e chegam à nossa terra. Com
curso, reforçando
a tese defendida,
esperança. Com confiança. Com Paz. Acreditando sempre em nós
e despedida. próprios. Acreditando sempre em Portugal!
Um bom 2017.
In Presidência da República Portuguesa
(disponível cm http://www.prcs>dcncia.pt/?idc=22&idi=l20518;
consultado a 16/11/2017)

309
nktkiês u? ani

TEORIA

DIÁRIO

Identificação Nu cama, na escola


da dataelDcaL
16 de janeiro
Comentário inicial
breve do q ue foi Manha desastrosa
esse dia.

Introdução Numa daquelas manhas de inverno, de segunda-feira, onde a


Língua corrente
Apresentação preguiça é a primeira a acordar e a rotina semanal fora o pesadelo
e subjetiva
da tema. da noite, decido eu voltar costas à ronha e trocar as voltas.
De manhã, empanturrei-me de tigela com dioeapie e leite. Ordenação
De seguida, dirijo-me à casa de banho e nào tomo a previsível cronológica
ação que esperam vocês ser a de lavar a cara, de novo.
[Sujando a água de tanto chapinar a cara inchada e renielenta
em que me mostro no espelho da frente.]
Desenvolvimento Arrumo a mala de livros e trapilhos. Pego nos meus pês sem
Relato de um con­ que eles me conduzam e levo-os até ao Sr. Roubado, o habitual, e
junto de peripécias
da dia 16 de janeira,
apanho o metro até à escola.
em que o autor teve Agora, colocando os pés ao lugar e todos os outros membros,
to ntade de subver­ que adormecidos permaneciam nos lugares de jeito, quebro o
ter t udo/fazer tudo
silêncio estúpido e irritante das gentes robotizadas. pelo «entra e
ao contrário.
sai* do metro, pondo q.b. de voz na língua e um pouco de alegria,
cantarolando como alguns pedintes que aqui e ali preenchem a
vida «metrana* quando este mais mendigo não poderia estar.
As pessoas, trocando as voltas que seria de esperar, dão o silên­
cio aos tremores ruidosos da máquina «ferril* e libertam um coro
de cantos dispersando-se cada uma delas nos locais seus de costu­
Conclusão me, de rotina. Enunciação na 1*
Quase em formato Eu, à escola chego. Troco mais uma vez as voltas e. para à rotina pessoa e ligação ao
poético, Gabriel
retoma a sitio
não falhar, volto as costas à escola e á cama me torno na rota do quotidiano

donde saiu - a
metro, de novo a tomar.
cama.
Gabriel (disponível cm http://diarioditcTariosalunos.blqgspot.pt/,
consultado a 28/07/2017)

309
PIEMUII EXAME NACIINAL

MEMÓRIAS

Introdução
O escritor Francisco
Francisco José Viegas
José Viegas informa [sobre uma das suas idas ao Correntes d’Escritas - Póvoa de
sobre que memórias Varzim]
vai escrever.
Das duas últimas edições trago recordações literárias importan­ Verbo e expressão
tes, alinhadas entre as memórias dessa semana da Póvoa. Entre elas que remetem para
a ação de recordar/
estào: 4 garrafas de Jameson, novo, e uma de Hushmills, malte; um lembrar; presente
saco de gelo usado para ilustrar a presciência do Jameson, e subtraí­ do indicativo
do com codícia aos frigoríficos do bar do hotel, já fora de horas; o
frio que os fumadores apanham no hotel, junto da piscina, à noite;
17 anedotas literárias ou académicas contadas por Onésimo Teo-
tónio de Almeida; 4 trocas de nomes de convidados, da responsa­
bilidade de José Carlos Vasconcelos; o bigode de Leonardo Padura
Desenvolvimento
(nào me refiro à barba); uma gracinha dita por Luís Fernando
Pormenores
sobre t ud o: outros Veríssimo durante uma das cinco vezes (no total) em que experi­
escritores, o con­ mentou falar; duas meninas que aguardavam, nervosas, a chegada
vivia entre eles, de Mia Couto, e que o trocaram por José Eduardo Agualusa; uma
os «tiques» as
peça de lingerie encontrada num corredor do sexto piso, perto do
manias de cada um,
a alimentação-, os quarto onde Daniel Mordzinsky tira as suas melhores fotografias;
pormenores bons 3 anedotas de cariz eminentemente sexual contadas por Onésimo
e maus sobre as
Teotónio de Almeida; 16 pacotes de Chesterfield esgotados por
comunicações de
escritores e edi­
Carlos da Veiga Ferreira; uma edição da Playboy brasileira à venda
tores, bem como no quiosque do hotel; o esparregado, as batatas salteadas, a salada Língua corrente e
detalhes sobre epi­ de feijão e os ovos verdes do bujjet do hotel; os chapéus de Manuel subjetiva
sódios mais íntimos.
Rui; o ar de tédio do colombiano Santiago Gamboa ao pensar que
está de regresso a Mumbai; 5 anedotas de motivo principalmente
religioso contadas por Onésimo Teotónio de Almeida; a inveja
por uma das camisolas de gola alta de Almeida Faria; a inveja por
José Manuel Fajardo, em geral e por um motivo em particular;
a descoordenação motora e vocal de Isabel Coutinho durante os
pequenos-almoços; o bigode (entretanto desaparecido) de Antonio
Sarabia; o bigode (nunca desaparecido) de João Rodrigues; duas
meninas que aguardavam, nervosas, a chegada de José Eduardo
Enunciação na 1?
Agualusa, e que o trocaram por Mia Couto; (...) uma aparição de
pessoa e forma
Conclusão Enrique Vila Matas; duas sestas que dormi na varanda do hotel verbal de tempos do
Resumo e opinião enquanto os meus colegas discutiam, empenhada e entusiastica­ passado
pessoal: «Gostei de
mente, o devir da literatura, a importância da l íngua Portuguesa,
tudo», a que mostra
que o escritor recu­
o silêncio das esferas, e a vida estrepitosa dos escritores, creio que
perou todas esses do Uruguai, mas nào me lembro. Gostei de tudo.
pormenores politi­
camente corretos
e incorretos, olhan­
(disponível cm http: //bibliotccanodchabcl.com/CLg/francisco-josc-viegas/;
do-os ã distância
consultado a 28/07/2017)
como importantes e
até divertidos.

310
nmciÊsu?ANi

TEORIA

SÍNTESE

TEXTO ORIGINAL

Aí> encontro Ju ArnítíJu desconhecida

Memória com milhões de anos para contar, a serra da Arrábida


e o território adjacente são reservatórios de conhecimento, patri­
mónio e histórias por contar. Nada indicava que a missào fosse
tào penosa. Mas foram muitas as descidas íngremes, as pedras que Enumerações
e adjetivaçào
faziam resvalar os pés, as subidas que pareciam obstáculos incon-
a evitar na síntese
tornáveis e a força de braços obrigava a agarrar os ramos das árvores
para evitar graves desequilíbrios. A respiração ofegante nào evita­
Pormenores
va, contudo, que atentasse em pormenores marcantes das veredas:
substituídos na
a densa vegetação, uma orquídea aqui ou ali, uma fenda de rocha síntese por termos
nua que estreitava o caminho e quase escondia o Sol. Por haixo genéricos
de uma pedra, espreitou um caracol endémico. No ar. o vulto da e hiperónimos

segunda maior borboleta diurna da Europa marcou igualmente


presença.
Paulo Rolão, «Ao encontro da Arrábida desconhecida*
Naiiomil (consultado a 26/07/2017)

SÍNTESE
Frase declarativa

Termos genéricos
Paulo Rolão foi visitar a serra da Arrábid^ e sua área limítrofe.
• '/3 do tamanho. A missão da visita revelou-se custosa por causa das dificuldades Conectores
• Discurso na da caminhada, descendente ou ascendente, por entre a vegetação
Pronomes
3? pessoa. selvagem e o piso pedregoso. Porém, tudo isto nào o impediu de
reparar no que o rodeava: flora, fauna e microclima. Hiperónimos

3.1 pessoa

311
Leia o texto.
Era este o género literário que a poética oferecia aos letrados do Renascimento para
exaltar feitos excecionais, à semelhança da Ilíada c da Odisseia de Homero, ou da Eneida
de Virgílio. E constituía justamente a maior ambição do poeta clássico: rivalizar com
os Antigos no género mais elevado. Na leitura d’Qs Lusíadas, importa ter presente a
5 codificação do género na forma que assume neste momento. Assim, o poema heroico
deve abrir com uma exposição sintética da matéria que vai desenvolver, a proposição;
invocará as divindades para receber inspiração; a narrativa nào se iniciará no princípio
da ação, mas in media res, a meio, de modo a despertar imediatamente o interesse do lei-
tor. E justamente o que observamos n’Os Lusíadas. Além disso, a obra épica adotará um
I estilo grandiloquente, um nível de linguagem solene; embora, para evitara monotonia,
intercale trechos de tom diferente.
Regressando ao estilo épico: nào é apenas a matéria e a linguagem que lhe conferem
grandiosidade, estabelece-se também o uso da mitologia c de referências frequentes á his­
tória antiga, de modo a obter-se um discurso culto, que impressione pela erudição, pela
B soma de conhecimentos que demonstra a competência do autor. Em todo o caso, nào é o
conjunto dos modelos clássicos ou da precetística*1 2que norteia Camões. Os Lusíadas estão
particularmentc dependentes da Eneida, obra com a qual o género assume uma inflexão
especial: na epopeia virgiliana nào importa tanto exaltar as proezas de um herói indi­
vidual, independentemente das finalidades desse heroísmo e do seu valor moral, como
9 compreender o sentido e a grandeza da ação humana; mostrar os heróis na sua dedicaçao a
uma causa nobre que ultrapassa o indivíduo para se tornar nacional, ou até de âmbito mais
vasto. Deste modo, as figuras individuais perdem relevo e avulta a necessidade de definir
formas de comportamento exemplares. A epopeia adquire uma nova «feição pedagógica».

1 Conjunto de conceitos e regras de Maria Vitalina Leal de .Matos,


Camões para escrever uma epopeia. Tópicos pira a Iscitura de «Os laistadas*,
Lisboa, Editorial Verbo, 2004

1. Este texto versa, no seu todo, sobre

a) ' as fontes, a estrutura, o estilo e o caráter didático de Os Lusíadas.

b) as fontes, a estrutura externa, a linguagem e o caráter didático de Os Lusíadas.


c) O as fontes, as epopeias, a estrutura externa e o estilo de Os Lusíadas.

d) O as fontes, os episódios, o estilo e o caráter didático de Os Lusíadas.

2. A sequência «a maior ambição do poeta clássico: rivalizar com os Antigos» (linhas 3-4)
remete para o objetivo de

a) imitar os poetas da Antiguidade.

b) igualar e até superar os poetas egípcios.

c) igualar e até superar os poetas da Antiguidade.


d) O imitar os poetas românticos.

312
3. A palavra «justamente* (linha 9) é utilizada discursivamente com o objetivo de retoma para

a) confirmação e especificação da informação apresentada anteriormente.

b) confirmação e contraste com a informação apresentada anteriormente.


c) negação da informação apresentada anteriormente.

d) apresentação de consequências.

4. As orações «para receber inspiração* (linha 7) e «de modo a despertar imediatamente o


interesse do leitor» (linhas 8-9) integram uma ideia de
a) concessão. c) U conclusão.
b) O causalidade. d) U finalidade.

5. Segundo a autora, a imitação do «conjunto dos modelos clássicos» (linha 16) revelou-se
para Luís de Camões

a) secundária. c) obrigatória.
b) J vantajosa. d) í J imprescindível.

6. Os adjetivos «elevado» (linha 4) e «grandiloquente» (linha 10) estabelecem entre si uma


relação de
a) híperonímia. C) sinonímia.

b) meronímia. d) ' J antonímia.

7. De acordo com o texto, n’Os Lusíadas, «compreender o sentido e a grandeza da ação huma­
na» (linha 20) é

a) mais importante do que exaltar as virtudes de um herói individual.

b) irrelevante na exaltação das virtudes de um herói individual.


c) menos importante do que exaltar as virtudes de um herói individual.

d) tão importante como exaltar as virtudes de um herói individual.

8. Indique a subclasse da palavra destacada na sequência «o poema heroico deve abrir com
uma exposição sintética da matéria que vai desenvolver, a proposição» (linhas 5-6).

9. Refira o tipo de coesão conseguido com a sequência «Deste modo» (linha 22).

10. Classifique a oração «obra com a qual o género assume uma inflexão especial» (linhas 17-18).

313
Leia o texto [Almeida Garrett escreve aos membros do Conservatório Real].

Senhores: (...)
As figuras, os grupos, as situações da nossa história — (...) que para aqui tanto vale —
parecem mais talhados para se moldarem c vazarem na solenidade severa e quase esta­
tuária da tragédia antiga, do que para se pintarem nos quadros do drama novo — ou para
5 se entrelaçarem nos arabescos do moderno romance. Inês de Castro, por exemplo, com
ser o mais belo, é também o mais simples assunto que ainda trataram poetas. E por isso
todos ficaram atrás de Camões, porque todos, menos ele, o quiseram enfeitar, julgando
dar-lhe mais interesse. Na história de Frei Luís de Sousa (...) nessa história, digo, há toda
a simplicidade de uma fábula trágica antiga. (...)
■ A catástrofe é um duplo e tremendo suicídio; mas nào se obra pelo punhal ou pelo
veneno; foram duas mortalhas que caíram sobre dois cadáveres vivos: — jazem em paz
no mosteiro, o sino dobra por eles; morreram para o mundo, mas vào esperar ao pé da
Cruz que Deus os chame quando for a sua hora. (...) O que escrevi em prosa, pudera
escrevê-lo em verso: — e o nosso verso solto está provado que é dócil c ingénuo bastante
15 para dar todos os efeitos de arte sem quebrar na natureza. Mas sempre havia de apare­
cer mais artificio do que a índole especial do assunto podia sofrer. E di-lo-ei, porque é
verdade — repugnava-me também pór na boca de Frei Luís de Sousa outro ritmo que
nào fosse o da elegante prosa portuguesa que ele, mais do que ninguém, deduziu com
tanta harmonia e suavidade.
1 Bem sei que assim ficará mais clara a impossibilidade de imitar o grande modelo;
mas antes isso do que fazer falar por versos meus o mais perfeito prosador da língua.
Contento-me para a minha obra com o título modesto de drama; só peço que a nào
julguem pelas leis que regem, ou devem reger, essa composição de forma e índole nova;
porque a minha, se na forma desmerece da categoria, pela índole [pelo conteúdo, pelo
B cnredo/pcla trama] há de ficar pertencendo sempre ao antigo género trágico.
Com uma açào que se passa entre pai, màc e filha, um frade, um escudeiro velho, c um
peregrino que apenas entra cm duas ou três cenas — tudo gente honesta c temente a Deus
— sem um mau para contraste, sem um tirano que se mate ou mate alguém, pelo menos
no último ato, como eram as tragédias dantes — sem uma dança macabra de assassínios, de
1 adultérios e incestos, tripudiada ao som das blasfémias e das maldições, como hoje se quer
fazer o drama —, cu quis ver se era possível excitar fortemente o terror e a piedade ao cadá­
ver das nossas plateias, gastas e caquéticas pelo uso contínuo de estimulantes violentos.
Almeida Garrett, «Ao Conservatório Real», in Frei LmÍs de Snusa (apresentação crítica,
fixação de texto e sugestões para análise literária de Maria Joào Brilhante),
3.’ ed., Lisboa, Editorial Comunicação, 1994, pp. 57-71

1. A sequência «que para aqui tanto vale» (linha 1) pode ser parafraseada, de acordo com o
contexto, por
a) O «que tem grande valor». c) U «que nào tem grande valor».

b) «que tem valor equivalente». d) O «que tem escasso valor».

314
2. Na sequência *E por isso todos ficaram atrás de Camões, porque todos, menos ele. o qui­
seram enfeitar» (linhas 5-6), as palavras destacadas são. respetivamente, pronomes
a) indefinido e possessivo. c) ' pessoal e indefinido.
b) O possessivo e indefinido. d) LJ indefinido e pessoal.

3. A sequência «e o nosso verso solto está provado que é dócil e ingénuo» (linha 14) integra

a) uma aliteração. c) uma personificação.


b) J uma sinestesia. d) L J uma comparação.

4. A forma verbal *mate» (linha 28) encontra-se no


a) pretérito perfeito do conjuntivo. c) presente do indicativo.

b) I presente do conjuntivo. d) I I condicional.

5. O pronome <a» (linha 22) tem por antecedente


a) I. J «a minha obra». c) «essa composição».

b) «drama*. d) i j «índole».

6. Ao afirmar «eu quis ver se era possível excitar fortemente o terror e a piedade ao cadáver
das nossas plateias» (linhas 31-32), Garrett pretende dizer que

a) procurou criar sentimentos negativos no público português, sempre pessimista.

b) tentou criar reações otimistas no público português, sempre ávido de sentimentos.


c) procurou criar sentimentos de medo no público português, que considera inerte.

d) tentou provocar reações no público português, que considera inerte ou adormecido.

7. Neste documento em análise, Almeida Garrett procura


a) ped ir apenas autorização ao Conservatório Real para escrever o seu texto.
b) explicar ao Conservatório Real as escolhas ideológicas e literárias do seu texto.

c) oferecer ao Conservatório Real um exemplar do seu texto.

d) contrariar o Conservatório Real pelas críticas que teceram a Garrett.

8. Identifique a função sintática desempenhada pela oração «que caíram sobre dois cadáve­
res vivos» (linha 11).

9. Classifique a oração destacada em «só peço que a nào julguem pelas leis» (linhas 22-23).

10. Indique o referente do pronome destacado em «mas antes isso» (linha 21).

315
Leia o texto [sobre o tema Caeiro].
Há dois Caciros, o poeta c o pensador, sendo o primeiro que cm teoria se desdobra
no segundo. Os motivos fundamentais do poeta consistem na variedade inumerável da
Natureza, nos estados de semiconsciência de panteísmo sensual, na aceitação calma do
mundo como ele c. Os seus olhos azuis, infantis, se dermos fc ao testemunho de Cam-
5 pos, demoravam-se extasiados cm cada coisa, admirando o que a tornava diferente das
outras e diferente dela própria noutro momento. Caeiro vive de impressões, sobretudo
visuais, c goza cm cada impressão o seu conteúdo original. Caeiro não admite a reali­
dade dos números c não quer saber de passado nem de futuro, pois recordar c atraiçoar
a Natureza e o futuro c o campo das conjeturas das miragens. Ora, Caeiro é um poeta
1 do real objetivo. De pastor tem o dcambulismo, o andar constantemente e sem destino,
absorvido pelo espetáculo da inexaurível1 variedade das coisas. «Anda a seguir*, passiva­
mente, com o espírito concentrado numa atividade suprema: olhar. Os seus pensamentos
não passam de sensações. Vive feliz como os nos c as plantas, gostosamente integrado nas
leis do Universo. Caeiro limita-sc a existir, tendo nos lábios o sorriso. Caeiro surge, pois,
15 como lírico espontâneo, instintivo, inculto (não foi alem da instrução primária, informa
Campos), impessoal c forte como a voz da Terra, de candura, lhaneza2, 3placidez ideais.
O certo, porém, c que c autor de poemas c começa aqui o paradoxo da sua poesia. Às
palavras procura transmitir Caeiro a inocência, a nudez da sua visão. Daí, algumas vezes,
a simplicidade quase infantil do estilo.

--------------------------------------------------- Jacinto do Prado Coelho,


1 Inexaurível: inesgotável. Diversidade e Unidade em Fernando Pessoa, Lisboa,
2Lhaneza:simplicidade. Editorial Verbo, 1985 (texto com supressões)

1. A sequência «se dermos fé* (linha 4) pode ser parafraseada, de acordo com o contexto, por
a) O «se pusermos em causa». c) LJ «se considerarmos sagrado».

b) I 1 «se tivermos em consideração». d) 1 J «se contrariarmos».

2. Entre as linhas 4 e 6, o autor apresenta a ideia de que

a) Caeiro contemplava a Natureza, analisando-se a si próprio, tanto de forma extrín­


seca quanto intrínseca.

b) Caeiro contemplava a Natureza, analisando contrastivamente os seus elementos,


tanto de forma extrínseca quanto intrínseca.

c) I Caeiro contemplava a Natureza, avaliando contrastivamente semelhanças consigo.


d) O Caeiro contemplava a Natureza, analisando contrastivamente a flora.

3. 0 adjetivo «original» (linha 7) é utilizado contextualmente com o sentido de


a) ' «criativo». c) L J «artístico».

b) «antigo». d) «primeiro».

316
4. Segundo o texto, o «futuro* é perspetivado por Caeiro como
a) «mágico». c) —'«paradisíaco».

b) «ilusório». d) O «bíblico».

5. A sequência «o andar constantemente e sem destino» (linha 10) serve o propósito de

a) explicar o conceito de «deambulismo».


bj dar um exemplo de «deambulismo».

c) Z) contrariar o conceito de «deambulismo».

d) explicar o conceito de «pastor».

6. A felicidade de Caeiro é comparada à

a) da fauna. c) _J do meio aquático e da flora.

b) J do meio aquático. d) !. J da fauna e da flora.

7. Na sequência «Às palavras procura transmitir Caeiro a inocência» (linhas 17-18), as expres­
sões destacadas desempenham, respetivamente. as funções sintáticas de
a) O complemento indireto e complemento direto.

bj O complemento direto e predicativo do complemento direto.

c) complemento direto e complemento indireto.

d) complemento oblíquo e complemento direto.

8. Identifique a funçáo sintática de «o sorriso» (linha 14).

9. Indique as classes e subclasses de palavras dos elementos destacados na frase: «De pas­
tor tem o deambulismo. o andar constantemente e sem destino, absorvido pelo espetácu­
lo da inexaurível variedade das coisas.» (linhas 10-11).

10. Identifique o referente de «seu» (linha 7).

317
sobre um tema

Redija uma exposição (entre 200 e 300 palavras) sobre a Revolução do 25 de Abril de 1974.

DICAS
• Faça um esboço/plano que inclua a informação mais importante de
que se lembrar sobre o tema.
• Organize essa informação numa sequência que irá seguir, quando
estiver a escrever.
• Pense e escreva dados pormenorizados sobre o tema, que desen­
volverá no Desenvolvimento.
• Se precisar, faça uma pesquisa sobre o tema e retire a informação
que lhe interessa.
• Pense em conectores discursivos e escreva-os no esboço.
• Apresente fundamentação e referências bibliográficas.
• Não dê erros científicos ao apresentar informação.

___________________________________________________________________________________ Recorra a um Titulo


objetivo/sugestivo do
tema.

Comece pela
Introdução (descrição
breve e apresentação
do tema}.

Use linguagem
corrente e clara.
--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- Use a 3? pessoa.

No Desenvolvimento
inclua: apresentação
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- e descrição do tema;
exemplos ilustrativos;
fundamentação
teóric a.

Use mecanismos
de coesão
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- (conectores f rásicos
e interf rásicos,
referenciais e tempos
verbais correlativos).

Deve dedicar a parte


Final do texto à
Conclusão (retomado
tema e reflexão final).

3ie
Escrita - Apreciação crítica
PRÁTICA

Escolha um filme do seu agrado e redija uma apreciação crítica (entre 200 e 300 palavras).

DICAS
• Faça um esboço/plano que inclua a informação mais importante de
que se lembrar sobre o filme.
• Organize essa informação numa sequência que irá seguir, quando
estivera escrever.
• Pense e escreva dados pormenorizados sobre enredo, personagens,
local onde viu o filme, com quem o viu. que explorará no Desenvol­
vimento.
• Se precisar, faça uma pesquisa sobre o filme e retire a informação
que lhe interessa.
• Pense em conectores discursivos e escreva-os no esboço.
• Use recursos expressivos.
• Não use calão, nem teça comentários ofensivos.

Recorra a um Título
objetivo/sugestivo do
tema.

Comece pela
Introdução
(apresentação
do filme/
contextualização e
esclarecimento quanto
à sua posição pessoal
sobre ele).

Use linguagem
corrente e clara e
recursos expressivos.
___________________________________________________________________________________ Use a LV3.1 pessoa.

No Desenvolvimento
inclua: descrição
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- detalhada do en redor
das personagens,
do local onde o viu,
da(s) pessoa(s) que o
acompanhou/aram.
Não revele o final.

Use mecanismos
de coesão
(conectores frásicos
e interf rásicos.
ref erenciais e tempos
--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- verbais correlativos).

Deve dedicar a parte


final do texto à
Conclusão (retoma do
tema e reiteração da
apreciação pessoal}.

319
opinião

No século XXI, os jovens têm ao seu dispor variados géneros musicais. Redija um artigo de
opinião sobre esses géneros e o seu papel na vida das pessoas da sua geração.

DICAS
• Faça um esboço/plano que inclua a informação mais importante de
que se lembrar sobre o tema atual (que o inclui a si próprio, como
jovem).
• Organize essa informação numa sequência que irá seguir, quando
estiver a escrever.
• Pense e escreva dados pormenorizados sobre o tema, que explora­
rá no desenvolvimento do texto (argumentos e exemplos ilustrati­
vos da sua opinião pessoal).
• Se precisar, faça uma pesquisa sobre os géneros musicais e selecio­
ne a informação que lhe interessa.
• Não use calão, nem teça comentários ofensivos.

___________________________________________________________________________________ Recorra a um Titulo


objetivo/sugestivo
do tema.

Comece pela
Introdução
{informação genérica/
contextualizaçào
e esclarecimento
quanto à sua opinião).

-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- Use a L*/!.* pessoa.

N Desenvolvimento
inclua: argumentos e
exemplos ilustrativos
da sua opinião.

Use mecanismos
de coesão
(conectores f rásicos
e interf rásicos,
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- referenciais e tem pos
verbais correlativos).

Não se esqueça
de usar linguagem
corrente, com recursos
expressivos.

Deve dedicar a parte


Final do texto ã
Conclusão (retoma
--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- e reiteração da opinião
pessoal).

320
Leia o texto e redija a sua síntese.

DICAS
• Faça um esboço/plano que inclua a informação mais importante.
• N3o se esqueça de reduzir para ’/3 do tamanho.
• Use termos genéricos (hiperónimos) e pronomes.
• Evite informação acessória, parentética e pormenorizada e o uso de
adjetivos.
• Recorra a linguagem objetiva e clara.
• Use a 3.a pessoa.
• Recorra a mecanismos de coesão (conectores: tempos verbais; anáfora...).
• Náo dê a sua opinião nem use frases interrogativas e exclamativas.

Texto original:

Os Maias c uni romance cronologicamente datado, ao nível do tempo diegético.


Abre com uma frase que fornece ao leitor uma informação, estamos no outono de
1875, c fecha com um episódio também claramcntc datado, cm Janeiro de 1887.
Nem a uma dezena de páginas do início do romance, um longo flashback de quase
cem páginas, obriga o leitor a remontar aos anos 20, à época cm que o avó Afonso
era um feroz jacobino e seu pai, Caetano da Maia, um português à moda antiga, fiel
ao seu messias, o infante D. Miguel. Assim, se bem que sendo privilegiado aqui c
além um episódio cm particular, o leitor acompanha a traços largos a vida da família
Maia c, consequentemente, de Portugal, pelo menos de um certo Portugal, desde a
época da repressão absolutista c da emigração liberal até 1887, data cm que Carlos
interrompe o seu exílio voluntário para revisitar Lisboa, passando pelo primeiro
período regenerador, correspondente à paixão c ao casamento de Pedro c muito
cspccialmente pelo período de dois anos (1875-1877) que compreende a açào central
do romance, a vida de Carlos no Ramalhete c a sua relação com Maria Eduarda.
Isabel Pires de Lima, .4> Afásoiras do Desengano, Lisboa, Caminho, 2002

Síntese:

3Z1
F ' J L ■
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1 ■
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nmciÊsu?ANi
TEORIA

FONÉTICA E FONOLOGIA
PROCESSOS FONOLÓGICOS

PROCESSO DESIGNAÇÃO EXEMPLOS

spiritu-> espírito
Prótese (início da palavra) stare> estar
Inserção
spasmu> espasmo
de novo som
ou segmento umeru- > ombro
Epêntese (meio da palavra)
articulado creo > creio

Paragoge (fim da palavra) ante > antes

acumen>gume
Aférese (inicio da palavra)
episcopu- > bispo

Queda legenda- > lenda


de som Síncope (meio da palavra) malu->mau
ou segmento mediu- > meio
articulado
mare- > mar
Apócope (fim da palavra) legale- > legal
debere>dever

Metátese semper* sempre


(um segmento muda de posição na palavra) feria > feira

Assimilação (um segmento fonético identifica-se com multo > muito


um segmento vizinho, aproximando-se dele e adquirindo nostru > nosso
os mesmos traços articulatõrios) ípsu- > isso

Dissimilação (um segmento fonético perde traços liliu- > lírio


semelhantes ao de um segmento seu vizinho) anima-> alma

Sonorização (uma consoante surda toma-se sonora, ou lacu- > lago


seja, com vibração das cordas vocais) aquila-> águia
(PaTaCa >BoDeGa) totu->todo

Vocalização nocte- > noite


Alteração/
transformação (transformação de consoante em vogal) doctore-» doutor
de segmentos
clave- > chave
fia mma- > chama
Palatalização
pluvia-> chuva
(evolução de um segmento para outro palatal)
ciconia- >cegonha
venio > venho

Redução vocálica (enfraquecimento de uma vogal em mar > marinho / mala > malinha /
posição ãtona) bolo > bolinho

Crase (duas vogais fundem-se numa pede->pee > pé


50) legere>lee'>ler
Contração Sinéresefuma sequência de duas lege-> ee>lei
vogais em hiato transforma-se num ego > eo > eu
ditongo) rege- > ee > rei

323
NEMUII EXAME NACIINAL

ETIMOLOGIA

PALAVRAS DEFINIÇÃO EXEMPLOS

Palavras que provêm de um só étimo latino,


mas que se transformaram em duas ou mais
Divergentes no Português atual regra geral, uma delas Z X
mais formal (via erudita) e a outra mais infor­
mal (via popular).

Z X

Palavras que provêm do Latim, a partir de dois Sanus sào (saudável)


ou mais étimos, e se transformam no Portu­
Convergentes Sanctus —> sào (como em Sào Pedro)
guês atual numa palavra só com vários signi­
ficados. Sunt —> sào (Eles sào alunos - forma verbal)

CLASSES E SUBCLASSES DE PALAVRAS


«Conjunto das palavras que, por partilharem características morfológicas, sintáticas e/ou
semânticas, podem ser agrupadas numa mesma categoria.»
(Dicionário Terminológico)

CLASSES ABERTAS
Classe de palavras que é constituída por um número potencialmente ilimitado de palavras e à qual
a evolução da língua acrescenta constantemente novos membros. É praticamente impossível enume­
rar todos os membros de uma classe aberta de palavras num dado momento da evolução da língua.

CLASSES FECHADAS
Classe de palavras que é constituída por um número limitado de palavras e à qual a evolução
da língua só muito raramente acrescenta novos membros. É normalmente fácil enumerar todos os
membros de uma classe fechada de palavras.

324
nktkiês u? ani

TEORIA

Vasco da Gama, o Catual


NOME1
Paulo da Gama e os
«Palavra que permite Próprio navegadores portugueses
variação em gênero, são personagens de Os
em número e, em Lusíodas.
alguns casos, em
grau aumentativo e
Os armários da biblioteca,
diminutivo. O nome ê o têm as prateleiras cheias
núcleo do grupo nominal, Comum de livros, lápis, canetas
podendo coocorrer e tantas mais coisas
com determinantes
divertidas.
ou quantificadores,
que o antecedem. À
Em cada paragem por
semelhança do que
temas ultramarinas, os
acontece com os
navegadores tiravam
verbos, alguns nomes Comum coletivo
partido da flora. da fauna
podem selecionar
eda multidão que os
complementos.»
acolhia.

Depois de ter a sua


intransitivo missão cumprida debaixo
{não seleciona complementos) da abóbada. Mestre
Domingues expirou.

direto Os alunos leram us obras


(seleciona um literárias.
constituinte com
a função sintática
de complemento
direto)

indireto O Rei falou ao povo.


(seleciona um Ricardo Reis veio do
constituinte com Brasil.
a função sintática
VERBO PRINCIPAL de complemento
«Palavra que flexiona Constitui o núcleo indireto ou
em tempo, modo, pessoa semântico complemento
e número e que constitui de uma oração e ê oblíquo)
o elemento principal do o responsável pela transitivo
grupo verbal». seleção dos seus (seleciona direto e indireto Afonso da Maia ofereceu
complementos e constituintes (seleciona ao neto uma educação
do sujeito. com a função de constituintes exemplar.
complemento) com as funções
sintáticas de
Os portugueses traziam
complemento especiarias da índia.
direto e indireto
ou oblíquo)

predicativo Os trabalhadores
(seleciona um recrutados ã força
constituinte com consideravam esta
a função sintática atitude um ultrajeaos
de predicativo seus direitos.
do complemento
direto, como:
considerar, achar,
nomear, eleger,
designar)

Todas as definições das Classes de Palavras constantes desta Adenda sào citadas do Dicionário Terminológico.

325
NEMUII EXAME MCIINAL

O irmão de D. João V
COPULATIVO parecia um homem
Verbo que seleciona um constituinte que desempenha a justo, mas afina lera
função sintática de predicativo do sujeito. ganancioso e permanecia
Alguns exemplos: ser, estar, parecer, permanecer, ficar, no palácio para
continuar, tornar-se. convencer a rainha a trair
o marido.

da passiva
(na construção passiva, o constituinte
AUXILIAR
que, na forma ativa, desempenha uma
VERBO Ao contrário do função de complemento é deslocado O poema «Ó sino da
(cont) verbo principal, para uma posição pré-verbal, o minha aldeia» foi escrito
1 J o verbo auxiliar peloortõnimo num
que pressupde a formação de um
nào é o núcleo complexo verbal {auxiliar ♦ verbo contexto de nostalgia da
semântico da principal no particípio passado) e infância.
oração, nem o ainda a deslocação do sujeito para uma
responsável posição pós-verbal sob a forma de
pela seleção de complemento agente da passiva)
constituintes.
Surge associado
dos tempos compostos Alberto Caeiro tem
ao principal ou a
(o tempo composto é construído com deambulado pelos
umcopulativo.
um verbo auxiliar e o verbo principal no campos, sentindo a
particípio passado) Natureza sem pensar nela.

ADVÉRBIO/LOCUÇÃO
ADVERBIAL
«Palavra invariável em
género e número. A de negação
classe dos advérbios Inés Pereira não era uma
(ndo)
inclui elementos com rapariga escrupulosa.
características bastante
heterogéneas do ponto
de vista morfológico,
sintático e semântico.
Não obstante, qualquer
advérbio (á exceção do
advérbio de negação
não) pode, geralmente, quanto ao valor
ser substituído por um semântico
outro advérbio formado
com o sufixo -mente.
Na maior parte dos
casos, os advérbios
desempenham a função
sintática de modificador,
- Estás contente agora
complemento oblíquo ou
de afirmação com Pero Marques, Inês?
predicativo do sujeito.
Alguns advérbios (sim, cfaro, efetrvamente,...) - Sim, Mãe, claro, ele faz-
podem, ainda, modificar -me todas as vontades.
grupos preposicionais,
grupos adjetivais ou
grupos nominais».
ramxiÊs u? ani
TEORIA

SUBCLASSES

Pela leitura dos poemas


deHerberto Helder
dequantidade/grau
percebemos que se trata
(demasiado, demais, muito, pouco, de uma expressão de
mais, menos, bastante,...}
sentimentos bastante
angustiada.

Ontem o poder político


de tempo
sofria de parcialidade e
(ontem, hoje, amanbâ, nunca,
corrupção. O mesmo se
antigamente, outroro,...)
passa hoje.

de lugar George sabia que o seu


(aqui, ali, longe, abaixo,...) passado morreria ali.

Ricardo Reis sabia que,


de modo
durante o interrogatório,
quanto ao valor (depressa, devagar, bem, assim,...)
devia ouvir em silêncio
semântico
(cant.) Camões também se
de inclusão mostrava apreensivo
(mesmo, atê, ínciusivamente, com o futuro de Portugal.
também,...) O fascismo julgava quem
entendesse, até Padres.

de exclusão Scarlatti era apenas um


(exceto, só, apenas,...) músico.

ADVÉRBIO/LOCUÇÃO Talvez o exame seja mais


de dúvida
ADVERBIAL fácil do que ouvimos
(talvez, acaso, porventura,...) sempre dizer.
(contj

Eis o exame finaL- tempo


de designação agora de pôr em prática
(eis) o que aprendemos nas
aulas.

Alberto Caeiro era um


conectivo
poeta «natural-. Este
(prímeiramente, especificamente, poeta, contudo, tem
finafmente, depois, nomeadamente,
um estilo próprio e
contudo.porém,...) previamente engendrado.

Quando foi a última vez


que o Mestre Afonso
Domingues visitou a
construção do mosteiro?
interrogativo
Onde jazia «O menino de
quanto a função (quando, onde, como)
sua mãe»?
Como se explica o
comportamento de
Mestre Ouguet?

A quinta onde Gonçalo


Mendes Ramires vivia era
relativo a de Santa Ireneia.
(onde, como) Tadeude Albuquerque
queixou-se da maneira
como a filha o tratou.

327
NEMUII EXAME MCIINAL

O magnânimo convento resultou de uma


promessa de D. João V aos frades.
ADJETIVO qualificativo
O Convento de Malta foi erguido graças
«Palavra quer tipicamente, permite variação em gênero,
ao trabalho árduo de muitos populares.
em número e em grau.
0 adjetivo ê o núcleo do grupo adjetival e pode ser A primeira telefonia trazida para Alçaria
precedido por advérbios de quantidade e grau e mudou a vida dessa localidade alentejana.
selecionar grupos preposicionais e oraçòes como seus numeral
No último capitulo de Os Maios, Carlos e
complementos.»
Ega mostram-se animados ao correrem
atrás do americano.

INTERJE1ÇÃO/LOCUÇÃOINTERJETIVA
«Palavra invariável que não estabelece relaçòes sintáticas com outras
palavras e tem uma função exclusivamente emotiva. O valor de cada inter­
jeição depende do contexto de enunciação e corresponde a uma atitude do Fascinado pela máquina, Álvaro de
falante ou enunciador.» Campos cantava-a em seus versos com
Algumas interjeiçóes/locuções interjetivas com valor de espanto/admira- Oh!< ou «Ba!» eufóricos.
çào, dor. alegria, força/coragem, desilusão:
Ah?, ohL bravo!, otóf. eiol, credo!, vafho-me Deus! caramba!, aqui tfel-ret!
alto!...

definido A personagem de que menos gostei foi


(o, a, os, as) a do Dr. Sampaio (pai de Marcenda).
artigo
indefinido O campo era um sitio de predileção
(um, uma, uns. umas) para Caeiro.

indefinido Certos poemas de Ricardo Reis


mostram-nos a sua arte poética, outros
(certo(s), certafsj. outrofs).
poemas evidenciam a sua relação com o
outrafsj) curso da vida.

interrogativo Qual peixe do sermão do Padre António


(que. qual, quais) Vieira preferes?
DETERMINANTE
«Palavra que geralmente precede o
relativo As palavras de Sara mago, cujo pendor
nome, contribuindo para a construção
(cujo(s), cujofsj) irónico é evidente, são sempre críticas.
do seu valor referencial.»

Aquele capítulo do Memorial do


demonstrativo
Convento sobre a tourada é muito
festefs). esta(s), essefs), violento.
essafs), aquelefs), aquelafs),
A outra parte igualmente violenta é a
o/a(sj mesmo/a(s)./o/ajfs)
da morte de trabalhadores por causa da
taf(aisj)
grande pedra.

possessivo
(meufsj/mmhafs), teu/sj/ A minha obra literária preferida destes
tuafsj. seufsj/suafs), nossofsj/ três anos é Sonetos, de Antero de
nossafs), vossofsj/vossafs), QuentaL
seuísysuafsj)

323
nktkiês u? ani

TEORIA

Ela tem estudado a matéria com afinco,


(função de sujeito)
Sete-Sóis tem um gancho. Usa-o
sempre, (função de complemento direto)
pessoal
Bartolomeu mostrou-lhe o projeto da
(eu, tu, ele. nós, vós, eles, me.
passarola. (função de complemento
te, se, nos, vos. Ihe(s), ofa), os,
indireto)
as, mrm, comigo, ti. contigo, si,
consigo, connosco, convosco,...) Os meus amigos falaram comigo sobre
a representação da peça, (função de
complemento oblíquo)
Bartolomeu - «Este casal foi
abençoado em matrimônio por mim.»
(função de agente da passiva)

demonstrativo Quero muito ter boa nota no exame e


(este(s), estafs), essefs), todos os meus amigos sabem isso.
essofs), isso, aquefefs). Esta edição de Amorde Perdição é a
PRONOME aqueíafs), aquilo,...) minha, mas aquela ê a da minha irmã.
«Palavra que, em alguns casos, permite
Esta é a passarola que o padre
variação em gênero e número, noutros
pretendia fazer voar.
em pessoa, gênero e numero e noutros
relativo Quem estuda tem mais oportunidades
permite variação em caso. Ao contrário
do que acontece com o determinante, o (ofs) qual(ais), a(s), quoifais), de obter boas notas.
pronome não pode preceder um nome quem, que) 0 «velho de aspeito venerando», o
(a menos que sejam separados por uma qual simboliza a voz de quem temia os
pausa).» perigos e sofrimento das Descobertas,
fez um discurso comovente em Belém.

indefinido
• variável: oigumfns). algumafs),
nenhumfns), nenhumo(s),
tantofsj, tantafs), todo(s), Ninguém podia fazer nada para travar a
todafs), pouco(s), pouca(s), censura literária da PI DE.
multo(s), muitafs). outrofs), Há estudantes que leem tudo, outros
outra(s), outrem, qualquer, leem pouco, outros não leem nada.
quaisquer
• invariáveL alguém, ninguém,
nada, tudo, outrem
possessivo
0 meu objetivo é aprender a matéria
(meufs), minhafs), teu(s), tuafs).
e ter sucesso no exame, mas o teu é
seu(s), suafs), nossofs), nossafs), superares apenas medianamente este
vosso(s), vossafsj - sem nome à
desafio.
direita, ou seja, substituindo-o)

QUANTIFfCADOR cardinal Há duas obras do programa que devem


«Palavra ou locução que contribui ser analisadas de um ponto de vista
(um. dois, três, cem,
para a construção do valor referencial comparativo: Livro do Desassossego e
mil,...) 0 Ano da Morte de Ricardo Reis.
de um nome com que se combina e
cujo significado expressa informação fracionário Há alunos que não leem metade das
relacionada com número, quantidade numeral (metade, um quinto,...) estâncias camonianas antes do exame.
ou parte do seu referente,
independentemente da sua definitude.
Os quantificadores podem ser ainda usados multiplicativo Num ano de exame final, os alunos
para expressar informação de natureza (o dobro, o devem estudar o dobro ou o triplo do
quantitativa sobre expressões que não quádruplo,...) que normalmente estudam.
denotam entidades, mas sim situações.»

329
NEMUII EXAME NACIINAL

PREPOSIÇÃO/LOCUÇÃO PREPOSITIVA
Durante a permanência na Ilha dos
«Palavra invariável que pode ter como complemento quer orações, quer Amores, Vasco da Gama viu a «máquina
grupos nominais, quer advérbios, obrigando qualquer pronome contido
do mundo».
num grupo nominal que ocorra como seu comp lemento a apresentar caso
oblíquo.»
Sem intermediários, o próprio Vasco da
Algumas preposições/locuções prepositivas:
Gama interpelou o Gigante Adamastor
a. ante. até. apôs, com, de. contra, sob, sem, para, durante, mediante, por cima de gritos de espanto e medo
desde, perante, trás, abaixo de, acima de. afém de. de acordo com, para
dos seus marinheiros.
com, em frente de, através de. graças a...

copulativa
(e, nem, nem... nem, nào Todos leem poesia e nós lemos prosa.
só... mas também, nõo Nào só lemos poesia, mas também
só... como também.... prosa.
tanto... como)

disjuntiva As rimas escritas por Camões ora


(ou, ou... ou, quer... quer, respiravam frustração ora cantavam a
ora... ora) beleza de um iocus amoenus.

adversativa
Antero de Quental tudo tentou, mas nào
coordenativa (mas, porém, todavia, evitou o suicídio.
contudo2, no entanto,
Antero de Quental tudo tentou, no
ainda assim, de outra
entanto não evitou o suic ídio.
sorte, ao passo que)

CONJUNÇÃO/ conclusiva
Os alunos leem as obras do programa,
LOCUÇÃO CONJUNCIONAL (logo, portanto, por por conseguinte têm um bom domínio
conseguinte, por
«Palavra invariável que do universo literário de cada uma delas.
consequência, pelo que)
introduz orações e
constituintes coordenados Bartolomeu estava certamente
e orações subordinadas explicativa
desnorteado, pois deixou-se levar pelo
completivas e adverbiais.» (pois)
medo da Inquisição.

temporal Enquanto escrevia poemas


(quando, enquanto, ortonímicos, Pessoa já nào sabia bem
apenas, maf, como, logo quantas almas tinha.
que, depois que, antes Antes que perdesse a oportunidade,
que, todas as vezes que, Dárnaso Cândido de Salcede tornou-se
assim que,...) intimo de Carlos da Maia.

subordínativa causal
Álvaro de Campos gostava do poder da
(porque, visto que, como,
máquina porque lhe trazia uma certa
que, uma vez que, dado completude.
que, pois,...)

final Camões exortava os portugueses a fim


(que, para que, para, de que estes não se deixassem levar
a fim de que) pela aparente eternidade do sucesso.

2 Porém, tüdavia, contudopodemsurgír também como advérbios conectivos, em contexto de informação dada isoladamente
{virgulada, por exemplo) na frase, ou seja, que nào em divisào/classif icação de orações.

330
ramniÊs h? am
TEORIA

AO NÍVEL DO GRUPO VERBAL (cont.)

FUNÇÕES EXEMPLOS

Predicativo do complemento direto


(função sintática desempenhada por
um constituinte que é selecionado D. João V designou aquele dia a data da sagração.
por um verbo transitivo-predicativo; (realizado como grupo nominal}
regra geral, atribui características ao
Gonçalo Ramires considerava as conversas com o Administrador cansativas
complemento direto. Alguns verbos
(realizado como grupo adjetival/adjetivo)
transitivo-predicativos: declarar,
achar, designar, considerar, eleger,
nomear)

Modificador Dãmaso Cândido de Salcede passeava pelo hipódromo pomposamente,


(realizado como advérbio)
(constituinte não necessário para o
sentido do verbo mas que confere Qs fascistas assassinaram os marinheiros por causa de desconfiarem de
ao grupo verbal características conspiração, (realizado como oração subordinada adverbial causal)
variadas e especificas, como D. João V reinou como quis (realizado como oração subordinada substantiva
opiniões do falante) relativa sem antecedente}

AO NÍVEL DO GRUPO NOMINAL

Complemento do nome
A roupa francesa era imitada pelos oitocentistas contemporâneos de Carlos
(função sintática desempenhada da Maia, (realizado como grupo adjetival/adjetivo)
por um constituinte selecionado
A injustiça de terem de abandonar o seu país adensa o ativismo de alguns
pelo nome, completando-lbe/
escritores exilados, (realizado como oração substantiva completiva}
restringindo-lhe o sentido)

Modificador do nome
(função sintática de um constituinte não necessário para o sentido do nome, mas que lhe atribui variadas
características específicas)
• Restritivo As belas ninfas seduziam os navegadores portugueses,
(restringe imediatamente (realizado como adjetivo)
o sentido do referente e ê Maria Eduarda trazia um vestido de grande roda e cheio de folhos,
imprescindível á sua compreensão (realizado como grupo preposicional)
total; não tem fronteiras de As senhoras que iam às Corridas de Cavalos aborreciam-se constantemente,
pontuação) (realizado como oração subordinada adjetiva relativa restritiva

• Apositivo
(não restringe imediatamente Bárbara, que era uma escrava, ê uma das mulheres cantadas por Camões na
o sentido do referente, não é sua lírica
imprescindível ã sua compreensão, (realizado como oração subordinada adjetiva relativa explicativa)
portanto tem fronteiras D. João V, o Magnânimo, sempre fez justiça ao seu cognome,
de pontuação que o separa (realizado como grupo nominal)
fisicamente do nome)

AO NÍVEL DO GRUPO ADJETIVAL

Complemento do adjetivo Vasco da Gama mostrou-se orgulhoso dos seus navegadores,


(função sintática desempenhada por (realizado como grupo preposicional nào-oracional)
um constituinte selecionado pelo Oscarro5 de mão da obra mafrenseeram difíceis de manusear
adjetivo, completando-lhe o sentido) (realizado como grupo preposicional oracional)

AO NÍVEL DO GRUPO ADVERBIAL

Complemento do advérbio
Depois da tempestade, veio a bonança, (realizado como grupo preposicional)
(função sintática desempenhada por
Independentemente da sua pertença a aristocracia, Gonçalo Ramires
um constituinte selecionado pelo
fraquejava, (realizado como grupo preposicional)
advérbio, completando-lhe o sentido)

339
NEMUII EXAME NACIINAL

MODO TEMPO EXEMPLOS

Ame - beba - parta


Presente
Amemos - bebamos - partamos

Tenha amado - tenha bebido - tenha partido


Pretérito perfeito composto Tenhamos amado - tenhamos bebido - tenhamos
partido

Amasse - bebesse - partisse


Pretérito imperfeito
Amássemos - bebêssemos - partíssemos
CONJUNTIVO
Tivesse amado - tivesse bebido - tivesse partido
Pretérito ma is-que-perfeito Tivéssemos amado - tivéssemos bebido - tivéssemos
partido

Futuro simples Amar - beber - partir


(igual ao infinitivo pessoal) Amarmos - bebermos - partirmos

Tiver amacio - tiver bebido - tiver partido


Futuro composto
Tivermos amado - tivermos bebido - tivermos partido

Amaria - beberia - partiria


Presente simples
Amaríamos - beberíamos - partiríamos
CONDICIONAL
Teria amado - teria bebido - teria partido
Pretérito composto
Teríamos amado - teríamos bebido - teríamos partido

Ama! - Bebe! - Parte!


Amemos! - Bebamos! - Partamos!
IMPERATIVO
Amai!-Bebei!-Parti!
Amem! - Bebam! - Partam!

Impessoal (não tem pessoa


Amar-beber-partir
gramatical)

Pessoal (igual ao futuro simples do Amar-beber-partir


INFINITIVO
conjuntivo) Amarmos - bebermos - partirmos

Ter amado - ter bebido - ter partido


Composto
Termos amado - termos bebido - termos partido

Simples Amando - bebendo - partindo


GERÚNDIO
Composto Tendo amado - tendo bebido - tendo partido
PARTICÍPIO
Amado - bebido - partido
(PASSADO)

PROCESSO FORMAÇÃO EXEMPLOS

A uma palavra inicial (de base)


Por prefixação |in] capaz
acrescenta-se um afixo a sua esquerda.

A uma palavra inicial (de base)


Por suf ixação calma |mente]
acrescenta-se um afixo á sua direita.

332
nitkiês u? ani

TEORIA

(«ntí
PROCESSO FORMAÇÃO EXEMPLOS

A uma palavra inicial {de base)


Por prefixação
acrescenta-se um afixo ã sua [des| favorável |mente| > desfavoravelmente
e suf ixaçâo
esquerda e outro à sua direita.

Acréscimo simultâneo de afixos á [a| manh |ecer]


Por parassíntese esquerda e ã direita, sendo que a [a| padrinh |ar]
palavra não existe sem os dois. [a| joelh |ar|

As palavras veem a sua classe


Caeiro ficava muitas vezes suspenso a olhar |verbo]
Imprópria transformada consoante o contexto
para os campos e caminhos.
ou conversão sintático-semântico em que são
O olhar |nome| de Caeiro «é nítido como um girassol».
usadas.

comprar > compra


A partir de uma forma verbal f ormam-
Derivação -se nomes, sendo que a vogal temática resgatar >resgate
nâo-afixal e o{s) morfema(s) de flexão são avisar > aviso
substituídos pelas vogais -o. -e, -o.
trocar > troco

Radical + radicaL psic|o| + logia > psicologia


Morfológica
Radical + palavra. luso + descendente > lusodescendente

Composto de duas palavras em que o


surdo/a(5)-mudci/a(5)
valor semântico, o género e o número
via láctea
afetam as duas palavras.
Composto de duas palavras formado
pela 3.a pessoa do singular do abre-latas
Morfossintátíca
presente do indicativo de uma forma guarda-chuva
verbal e um nome.

Composto de duas palavras em que a


palavra da esquerda é modificada pela homem-rã
da direita.

PROCESSO EXEMPLOS

Acrónimo FIA (Federação Internacional de Automobilismo)

metro (metropolitano)
Truncação
Zé (José)

Sigla PT (Portugal Telecom)

Leitor:
Extensão semântica a) 0 leitor de Os Lusíodas deve dominar as características típicas de uma epopeia.
b) 0 leitor de DVD é um instrumento contemporâneo.

diciopédia (dicionário + enciclopédia)


Amálgama
cibemauta (cibernética + astronauta)

Empréstimo software / dossier (com adaptação ortográfica e de acentuação, «dossiê»)

Onomatopeia/palavra «Rrrrrd» (imitando, por exemplo, o som de uma engrenagem)


onomatopaica «tonitroar» (com estatuto de forma verbal que descreve o som de trovões, por exemplo)

333
NEMUII EXAME NACIINAL

TIPO EXEMPLOS

Os Vilaça trabalhavam de geração em geração nas propriedades da família Maia.


Sinonímia Os Vilaça labutavam de geração em geração na família Maia.
(relação de semelhança (Nestes exemplos, as palavras são sinônimas também porque têm o mesmo valor
entre palavras) temporal pretérito imperfeito, e aspetual ou seja, a duração ou o tempo interno que as
formas verbais representam)

Antonímia
Manuel de Sousa Coutinho mostrava-se sempre destemido e feliz, ao passo que
(relação de oposição
Madalena de Vilhena se revelava constantemente amedrontada e infeliz.
entre palavras)

Podemos imaginar que, nas antigas colónias portuguesas, muitos eram os tipos de
Hiperonímia e hiponímia cereal cultivados, por exemplo, milho, trigo, aveia, centeio

(relação de hierarquia
entre palavras; um
hiperõnimo engloba os
seus hipõnimos)

Eis que no palácio de D. João de Portugal o público/leitor pode ver: paredes grossas e
escuras, salas pouco iluminadas, uma «câmara corredores decorados com tapeçarias,
assim como janelas, portas para o exterior e para a capela da Senhora da Piedade.
Holonímia e meronímía
(relação que existe entre
um todo e as suas partes;
o holónimo diz respeito
PALÁCIO
a esse todo e os merõni-
mos a essas partes) (holónimo)

EXEMPLOS

Campo lexical
Do campo lexical de convento, fazem parte palavras como
(conjunto de itens lexicais que estão semanti­
religiosos, capela, orar, hábitos, escapulário, sacramentos,
camente ligados por se referirem a uma enti-
claustros, retiro, silêncio, entre outras.
dade/conceito/realidade comum)

Campo semântico
Do campo semântico de cabeça, fazem parte palavras/expressôes
(conjunto de significados que uma palavra pode
como cabeça de lista, cabeça de cartaz (com seus significados
ter, conforme o contexto e as restantes pala­
contextuais).
vras com as quais é utilizada)

334
ramxiÊs u? ani
TEORIA

SINTAXE

CLASSIFICAÇÃO EXEMPLOS

Copulativas3
(e, nem, nem... nem4, também, não só... Não só aprecio Cambes épico, mas também Camões lírico.
mas também, não só... como também)
Disjuntivas Ou se memoriza cada uma das partes do enredo de um romance ou
(ou, ou... ou. quer... quer, seja... seja) verdadeira mente nada se sabe sobre ele.

Adversativas
A escrita de Ruy Beto é desafiadora, no entanto alguns poemas revelam-
(mas, contudo, no entanto, todavia, não
-se textos relativamente mais acessíveis.
obstante, ainda assim, de outra sorte)
Conclusivas Os poetas de expressão portuguesa têm uma escrita muito interventiva,
(logo, portanto, por isso, por por conseguinte ajudam-nos a perceber intensamente a História de
consequência, por conseguinte, peto que) Portugal.

Explicativas Certamente, Pessoa conhecia bem os clássicos, pois deles se serviu nos
(pois) poemas de Ricardo Reis.

Quem lê a poesia de Nuno Júdice percebe a sua relação com a escrita,


(desempenhando a função sintática de sujeito)
Ca mães louvava quem tinha mérito
(desempenhando a função sintática de complemento direto)
Os alunos precisam de quem os oriente para o exame.
(desempenhando a função sintática de complemento obliquo)
Cada escritor escreve como lhe apraz
Relativas sem antecedente
(desempenhando a função sintática de modificador)
(constituídas, regra geral, pelas palavras
As ninfas seduziram os navegadores onde lhes aprouve
quem, quanto, onde, como)
(desempenhando a função sintática de modificador)
As ninfas seduziram os navegadores como lhes aprouve, (desempenhando
a função sintática de modificador)
Os bons resultados escolares sào obtidos por quem estuda,
(desempenhando a função sintática de complemento agente da passiva)
0 irmão de D. João V não era quem a corte imaginava
(desempenhando a função sintática de predicativo do sujeito)

3 Recuperamos nestas tabelas da coordenação e da subordinação, e por questões metodológicas, algumas das conjunções,
locuções, pronomes, advérbios úteis a classificação de orações. Lembramos que, no caso de asreferidas orações assumirem
a forma de orações não finitas (verbos no infinitivo) ou gerundivas (verbos no gerúndio), as conjunções, locuções, pronomes e
advérbios podem nào estar lexicalmente (fisicamente) presentes.
4 Quanto ã locução coordenativa nem... nem, esta é alvo de considerações científicas diferentes e controversas, uma vez que
alguns linguistas a consideram copulativa, enquanto outros a consideram disjuntiva. Colocamo-la, neste livro, na secção das
copulat ivas porque, por meiodelas.se está a adicionar duas afirmações da mesma polar idade, só que, desta vez, negativa.
Demarcamo-nos de controvérsias científico-metodológicas, pois compreendemos ambas as perspetivações.

335
NEMUII EXAME NACIINAL

SUBSTANTIVAS (contj

CLASSIFICAÇÃO EXEMPLOS

Completivas
são, regra geral, selecionadas por:
Os poetas dizem para os Leitores lerem os poemas com os cinco
a) verbos declarativos
sentidos, (desempenhando a função sintática de complemento direto)

Saramago sentiu que a sua obra enalteceria o trabalho do Povo,


b) verbos de sensação
(desempenhando a função sintática de complemento direto)

Os alunos desejam que o exame seja acessível.


c) verbos de vontade
(desempenhando a função sintática de complemento direto)

Camões perguntou ao rei se receberia a sua tença,


d) verbos interrogativos
(desempenhando a função sintática de complemento direto)

Pessoa insistia em que o -Quinto Império» passasse da intenção á


realidade, (desempenhando a função sintática de complemento oblíquo)
e) outros verbos (que regem preposição) Padre Bartolomeu Gusmão esqueceu-se de que o Santo Ofício operava
veladamente. (desempenhando a função sintática de complemento
oblíquo)

A ideia de que os poemas de Eugênio de Andrade são dificílimos está


f) nome comum + (de) que
errada, (desempenhando a função sintática de complemento do nome)

Miguel Torga estava consciente de que nunca sentiria alegria


g) expressão: verbo estar/ser + adjetivo +
plena longe da sua terra, (desempenhando a função sintática de
(de) que
complemento do adjetivo)

Estas orações podem ser, genericamente, introduzidas pelas seguintes palavras:


• que/o qual/no qual (pronomes e locuções pronominais relativos,com seus derivados no feminino e plural)
• cujo (determinante relativo)
• onde, como (advérbios com valor de lugar e modo)

Relativas restritivas
Os alunos que leram o texto dramático integral estão preparados para
(restringem imediatamente o sentido as questões de exame.
do antecedente nominal e são O manual cujo título me é desconhecido parece-me organizado.
imprescindíveis á sua compreensão total;
O local onde realizaremos o exame é ainda uma incógnita.
não têm fronteiras de pontuação)

Relativas explicativas
(não restringem imediatamente o Jorge de Sena, que era um intelectual, tentou ser oficial da Marinha.
sentido do antecedente nominal não
O Hotel Bragança, onde inclusivamente já estive, é antigo.
são imprescindíveis á sua compreensão,
portanto têm fronteiras de pontuação O teatro, o qual estava em degradação evidente, não tinha espaço
suficiente para os elementos cénicos.
que as separam fisicamente da oração
subordina nte)

Temporais
Resolverei os exames dos anos anteriores, logo que chegar a casa.
(quando, enquanto, apenas. moJ, como,
sempre que, ã medida que, antes que, Tendo aberto oficialmente a feira. Mercúrio deu a voz ao Tempo e ao
depois que, até que, todas as vezes que, Serafim.
iogo que, bem como estruturas com Ao visitar a casa do «infançom», d trovador escandalizou-se.
gerúndio composto; preposição «ao» ♦ George regressou a Amesterdào. terminada a venda da casa
infinitivo; particípio passado)

33 6
ramxiÊs u? ani
TEORIA

condicional
Salvo se uma revolução maior houvesse,
(se, a nâo ser que, safvo o destino previsivel de Daniel, o irmão
se, caso, exceto se, desde
de Lídia, era o assassinato.
que, contanto que,...}

comparativa
(como, conforme, Assim como o narrador vai viajando de
segundo, assim como... Lisboa até Santarém, assim também vai
assim tombem, bem relatando as suas viagens.
como, mais... do que,...)

A Terceira Parte de Mensagem é de


consecutiva
CONJUNÇÃO/ tal modo significativa que nos deixa
(que, {de tal modo) que.
subordinativa a pensar a nós, leitores do século XXI,
LOCUÇÃO CONJUNCIONAL (tanto) que,...)
{cont.) sobre este nosso Portugall
(cont.)
concessiva
(embora, se bem que, Ainda q ue o não admitamos, o nosso
conquanto, mesmo se,
pais continua envolto em corrupção.
posto que. ainda que, por
mais que,...)

André Cavaleiro queria que Gracinha


fosse inteiramente sua.
completiva
Ceíário Verde perguntou ã vendedeira
(que, se, para)
se ela queria ajuda.
El-rei D. João I pediu para vigiarem as
muralhas.

MORFOLOGIA E LEXICOLOGIA

MODO TEMPO EXEMPLOS

Amo - bebo - parto


Presente
Amamos - bebemos - partimos

Amei-bebi-parti
Pretérito perfeito simples
Amámos - bebemos - partimos

Tenho amado - tenho bebido - tenho partido


Pretérito perfeito composto
Temos amado - temos bebido - temos partido

Amava - bebia - partia


Pretérito imperfeito
Amávamos - bebíamos-partíamos
INDICATIVO
Amara - beberas - partiras
Pretérito mais-que-perfeíto simples
Amáramos - bebêramos - partíramos

Tinha amado - tinha bebido - tinha partido


Pretérito mais-que-perfeito composto
Tinhamos amado - tínhamos bebido - tínhamos partido

Amarei - beberei - partirei


Futuro simples
Amaremos - beberemos - partiremos

Terei amado - terei bebido - terei partido


Futuro composto
Teremos amado - teremos bebido - teremos partido

331
NEMUII EXAME NACIINAL

AO ttfVEL DA FRASE (cont.)

FUNÇÕES EXEMPLOS

Vocativo
O leitor de Eça de Queirós facilmente imagina quer pelo hipódromo de Lisboa,
(funçào sintática que é desempenhada
envolto em agitação violenta, se ouviriam frases do tipo Meus senhores,
por um constituinte que dá forma a
sejamos cavalheiros!» da parte dos organizadores.
um chamamento ou invocação)

Modificador
(função sintática desempenhada
por um constituinte que não ê Infelizmente. o público oitocentista aborreceu-se com a erudição de Cruges.
necessário para o sentido do grupo (realizado como advérbio)
frásico nem á frase que o contêm. Para sua grande felicidade, os alunos obtiveram boas notas de exame,
Existe para fornecer informações
(realizado como grupo preposicional)
semânticas extra, e com vários
valores, sendo que a frase ou o Embora saibam a matéria, os alunos devem revê-la antes do exame, (realizado
como oração subordinada adverbial concessiva)
grupo frásico não precisa dele
obrigatoriamente. Trata-se de um
elemento acessório)

AO itfVEL DO GRUPO VERBAL

Complemento direto
Cesário Verde contemplava os calceteiros (realizado como grupo nominal)
(função sintática desempenhada
por um constituinte selecionado As narrativas têm enredos, (realizado como grupo nominal/nome)
pelo verbo, completando-lhe o Os poetas de expressão portuguesa sentem que a sua terra natal é
sentido; fornece informações explorada, (realizado como oração subordinada substantiva completiva)
acercado sujeito)

Complemento indireto
(função sintática desempenhada D. Joào Vofereceu dinheiro aos mafrenses.
(realizado como grupo preposicional)
por um constituinte selecionado
pelo verbo, completando-lhe o Saramago escreveu Memorial do Convento. A Academia sueca concedeu-lhe
sentido; fornece informações sobre o Prémio Nobel da Literatura, (realizado como pronome)
algo ou alguém a quem se dirige ou Por vezes, a História Universal não dá importância a quem tem mérito,
destina determinada característica (realizado como oração subordinada substantiva relativa sem antecedente)
pressuposta pelo verbo)

Complemento oblíquo Camões foi ao palácio para receber a tença prometida,


(realizado como grupo preposicional)
(função sintática de um constituinte
selecionado pelo verbo, Eusebiozinho foi colocado preciosamente ali.
completando-lhe o sentido; fornece (realizado como advérbio)
informações sobre espaços, modos, Simão Botelho precisava de quem o apoiasse.
circunstâncias, entre outros) (realizado como oração subordinada substantiva relativa sem antecedente)

Complemento agente da passiva Segundo o Sermòo, Tobias foi aconselhado pelo anjo,
(função sintática desempenhada (realizado como grupo preposicional)
por um constituinte que surge em O público do Sarau da Trindade era constituído por quem menos sabia
construções passivas e iniciada pela apreciar música clássica.
preposição por) (realizado como oração subordinada substantiva relativa sem antecedente)

Predicativo do sujeito D. Joâo de Portugal é o Romeiro


(função sintática desempenhada (realizado como nome/grupo nominal)
por constituintes que se encontram Marcenda parecia infeliz.
precedidos de um verbo copulativo; (realizado como adjetivo/grupo adjetival)
regra geral, atribui características
No Sarau da Trindade, Cruges estava sem ânimo,
ao sujeito. Alguns verbos
(realizado como grupo preposicional)
copulativos: ser, estar, parecer,
permanecer, ficar, continuar, andar, Carlos e Ega permaneciam ali.
tornar-se, revelar-se.) (realizado como advérbio)

33 a
ramxiÊs u? ani
TEORIA

ADVERBIAIS (com.)

CLASSIFICAÇÃO EXEMPLOS

Finais Carlos da Maia fez a sua viagem para que obtivesse a sua paz
(que, para, para que. a fim de que) Teresa Albuquerque escreveu a Simào para se despedir dele

Causais
{porque, pois, como, porquanto, visto que, Salvador desconfiava de Ricardo Reis, visto que este era desconhecido
ja que, uma vez que, dado que, tanto mais e misterioso.
que e estruturas com gerúndio simples; Sofrendo de amor. Vasco Graça Moura refugiava-se na Música.
participio passado)

Condicionais
Se bem que algumas questões gramaticais sejam densas, entendê-las
{se, salvo se, exceto se, a ndo ser que, é uma porta para o conhecimento explicito da nossa língua materna.
contanto que, desde que, a menos que, A ser descoberto pela PIDE. o irmão de Lídia morrerá.
se bem que, caso e estruturas com
Lendo calmamente o conto «Famílias desavindas», percebemos a
preposição «a» + infinitivo; gerúndio
simples) rivalidade entre os galegos e os médicos portugueses.

Comparativas
{como, segundo, conforme, mais... do que, Maria Eduarda Maia viveu anos da sua vida de adulta conforme o havia
assimcomo... assim também, tal... qual, vivido Maria Monforte.
bem como)

Consecutivas
Gonçalo Mendes Ramires era tão bondoso que ajudava os mais
(de tal modo que, tanto... que, tal/tdo... desfavorecidos.
que)

Concessivas
Embora Afonso o tivesse educado â inglesa, Carlos fraquejou.
{embora, conquanto, ainda que, apesar de
Apesar de gostar da fidalga, l.opo de Baião era inimigo mortal do pai
que, pos to que, se bem que, por mais que,
dela, Tructesindo Ramires.
mesmo que)

FUNÇÕES EXEMPLOS

Os poetas escrevem de maneira interventiva.


(sujeito simples realizado por meio de grupo nominal)
Mário de Carvalho e Maria Judite de Carvalho têm antologias de contos
publicadas, (sujeito composto realizado por meio de grupos nominais em
relação de adição)
Sujeito
(constituinte acerca do qual se faz Terminei hoje a minha leitura de Farsa de fnês Pereira, (sujeito subentendido)
uma predicação)
Dizem que os exames são relativamente mais fáceis do que os testes, (sujeito
indeterminado)

Quem resolver exercícios de gramática tem mais hipóteses de sucesso,


(sujeito realizado como oração subordinada substantiva relativa sem
antecedente)

Padre Bartolomeu de Gusmão desapareceu.


(realizado apenas por meio do verbo)
Predicado
Cesãrio Verde deu uma ajuda à rapariga da «giga»
(constituinte que dá vida a uma (realizado por meio do verbo e dos complementos por ele selecionados)
predicação; aquilo que se diz sobre
o sujeito) Padre António Vieira sentiu que devia imitar fieimente o estilo de Santo António
(realizado por meio do verbo, dos seus complementos e modificadores, que
podem ser orações)

337
NEMUII EXAME NACIINAL

SEMÂNTICA

VALOR TE MPORAL: diz respeito às informações que depreendemos do tempo exato que envolve
e descreve a situação que a frase nos mostra. A localização temporal pode ser feita de várias formas.

Modos e tempos verbais (com respetivas conjunções} - que remetem para um passado, um presente ou um futuro:
Ex: Enquanto a empregada limpa a sala, eu estudo no quarto.

Advérbios e locuções adverbiais de tempo (agora, anteontem, ontem, amanhã, no dia seguinte, naqueie tempo}:
Ex: Anteontem fui ás compras, ontem usei roupa nova, hoje sinto-me feliz.

Expressões temporais (que podem assumir a forma de orações subordinadas adverbiais temporais):
Ex: Diria Carlos da Maia: «Ó anos que já lá vão. como eu fui feliz naqueles dois anos no Ramalhete!»

Relação cronológica estabelecida entre o momento de enunciação e um ponto de referência:

Anterioridade Eu tinha tomado duche, quando a Mãe me chamou para jantar.

Simultaneidade Vou estudar, enquanto espero por ti.

Posterioridade Quando eu estiver no último minuto da minha vida, já terei passado por muitas experiências.

VALOR ASPETUAL: diz respeito às informações que depreendemos sobre a duraçào (a iniciar/
em desenvolvimento/a finalizar) da situação que a frase nos mostra. Deduzimos, através do aspe­
to, a organização interna do tempo transmitido pela informação lexical e gramatical da frase.

O contexto gramatical permite-nos construir novos valores aspetuais. recorrendo a tempos verbais,
verbos auxiliares aspetuais, complexos verbais, estruturas de quantificação e advérbios/locuçòes adverbiais
que acrescentam informação sobre essa passagem do tempo:

a) aspeto perfetivo (situação acabada) Já lio romance.

b) aspeto ímperfetivo (situação inacabada) O bebé dormia calmamente há uns minutos.

c) aspeto genérico (situação universalmente reconhecida) O Sol é o centro do Sistema Solar.

d) aspeto habitual (situação que se repete segundo um


Aquele casal vai à missa dominica. regularmente.
determinado padrão)

e) aspeto iterativo (situação que se repete mas que não Estamos a habituar-nos aos contrastes climáticos da
ocorre com a frequência suficiente para ser um hábito) Irlanda, chuva e sol no inverno e no verão.

VALOR MODAL: diz respeito à atitude/posição do falante perante o seu enunciado.

Modalidade apreciativa (valor de opinião ou apreciação) Felizmente, o calor voltou.

Modalidade deõntica (valor de obrigação ou permissão) Neste museu, se pretender, pode tirar fotografias.

Modalidade epistémica (valor de certeza ou probabili­ Já percebemos que provavelmente a mãe da Joana é
dade) inquestionavelmente mãe-galinha.

340
nmciÊsu?ANi

TEORIA

DISCURSO, PRAGMÁTICA E LINGUÍSTICA TEXTUAL


COERÊNCIA TEXTUAL
Esta noç3o diz respeito à compreensão do texto como um todo preenchido de um sentido lógi­
co. O texto funciona com um todo global, cujo sentido se desenvolve segundo a continuidade de um
tema, do seu sentido e da sua compreensão pelo interlocutor.

DEFINIÇÃO

Relevância
Hectares e hectares de solo português têm
Através da manutenção fiel de uma
ardido avista de todos os espectadores de tão
ideia de base, sempre recuperada e horrível cenário.
reconhecida pelo interlocutor.

Não contradição
Coerência A Maria e o Manuel decidiram ir estudar. Eles
Através da compatibilidade da
lógico-conceptual sabem bem que sem estudo não hã boas notas.
informação introduzida, da pessoa e
(dependente do dos tempos verbais.
cumprimento
de três regras) O problema maior diz respeito à origem e
Não-redundância punição dos responsáveis pela hecatombe que
Através da introdução de novas atinge pessoas de todas as áreas envolvidas e
ideias e informações que ajudam a classes sociais. É que. em se tratando de fogo
compreender o sentido da ideia de posto, há que apostar na prevenção, no controlo
base. por meio da Guarda Florestal e no combate
imediato.

Em suma, uma vez mais estamos perante um


problema a que os nossos parceiros europeus
Adequação do texto, sua ideia de base, e mundiais não estão alheios, dai a ajuda que
seu registo de língua, suas informações nos têm dispensado. O Presidente da República
Coerência temporais e espaciais em consonância e o Governo representam todo e cada um dos
pragmático-funcional com o contexto de comunicação em portugueses, sendo que as suas diligências darão
que estão envolvidos o locutor e o frutos certamente. A nossa dor maior é ver o
interlocutor. sofrimento espelhado nos rostos de quem vê
casas, animais, uma vida de trabalho em cinzas,
por causa deste flagelo flamejante e destruidor.

COESÃO TEXTUAL
Continuidade do sentido entre elementos da estrutura da superfície textual, permitindo inter­
ligar sequencialmente os segmentos/constituintes da frase, o que é assegurado por um conjunto
de mecanismos linguísticos.

Por reiteração O carro estacionou à porta. Mas o


Através da utilização de repetição de palavras ou ideias. carro não está ali bem!

Coesão lexical Por substituição


Gosto de flores, sobretudo
Através da utilização de mecanismos como sinonímia de hortênsias, (hiperonímia e
e antonímia. hiperonímia e hiponímia, holonímia e hiponímia)
meronímia.

341
NEMUII EXAME NACIINAL

DEFINIÇÃO

Coesão frásica
Através de mecanismos que permitem a ligação de
elementos dentro da frase simples/oração, como Lídia era uma jovem do povo,
concordância de género e número; os complementos
pedidos pelo verbo, ordenação de palavras na frase.

Coesão interfrásica Podemos ler a poesia de Alexandre


Através de mecanismos que permitem a interligação 0'Neill por prazer, mas não
de frases, como a coordenação e subordinação, o conseguimos ficar indiferentes às
parágrafo e a pontuação. criticas que ela incluL

Coesão referencial
Através de mecanismos que permitam a identificação dos referentes pelos interlocutores:

* anáfora Fernando Pessoa escreveu textos


Coesão gramatical {primeiramente surge o referente, só depois o de vários géneros, mas ele preferia
pronome a designá-lo) poesia.

* catáfora Elesabia da perseguição da PIDE,


(primeiramente surge o pronome, só depois o por isso Manuel Alegre foi para o
referente/nome a designá-lo) exílio.

• elipse □ editor perguntou ao escritor


{omissão de informação propositada) se queria uma capa dura, mas o
escritor não quis |uma capa dura].

Coesão temporal
Quando Ricardo Reis desembarcou
Através de mecanismos que permitam a ordenação
em Lisboa, já Fernando Pessoa
cronológica, como a ordenação correlativa dos tempos tinha morrido (tempo passado ♦
verbais e expressões adverbiais ou preposicionais com
tempo anterior a esse passado)
valor temporaL

DEIXIS
Conjunto de elementos linguísticos (deíticos) que na gramática permite identificar o contexto
comunicativo que está dependente da situação em que ocorre a enunciação. Na verdade, é uma
estratégia de coesão referencial e temporal.

Conseguida através da utilização de:


Pessoal
a) pronomes pessoais de L' e Z" pessoas (eu, me, mim, comigo; nós,
(relacionada nos, connosco; tu, te, tL contigo; vós. vos. si. convosco) Tiago, então está
com a interação combinadc: vamos os três
b) determinantes e pronomes possessivos de L* e Z" pessoas
entre eu/tu da jantar e connosco vem o
(meu/nosso,teu/vosso)
situação da nosso amigo Pedro.
c) flexão verbal - morfemas de 1." e 2/ pessoas
enunciação)
d) vocativo

342
TEORIA

DEFINIÇÃO

Conseguida através da utilização d&


a) advérbios e locuções adverbiais com valor locativo (aqui, alL Todos os livros desta
Espacial acolá, além, neste lugar, na praça, prateleira passam para
(relacionada com b) determinantes e pronomes demonstrativos (este, esse, aquele,...) o movei que está acolá
o espaço em que c) algumas preposições e locuções prepositivas (para trás, ao lado ao lado da secção de
o eu fala) de,...) desporto. Por favor,
venham comigo.
d) alguns verbos de movimento e localização (vir, trazer, chegar,
partir,...}

Conseguida através da utilização de: Todos sabíamos de


antemão que, no dia
a) advérbios e locuções adverbiais com valor temporal (ontem, hoje,
Temporal anterior, a Maria tinha
amanhã, no dia anterior....)
(relacionada com estado a estudar toda a
b) flexão verbal - morfemas de tempos verbais (tinha comprado
o momento em tarde para o exame, por
- tempo passado anteriora outro tempo passado; estudarei -
que o eu fala) isso não viria ã festa.
tempo futuro,...) Virá da próxima vez Não
c) alguns adjetivos e nomes faltarão oportunidades.

REPRODUÇÃO DO DISCURSO NO DISCURSO


DISCURSO: Trata-se de um uso de linguagem entre um locutor/emissor e um ou vários inter-
locutores/recetores. 0 meio que se usa é a palavra/o texto e deve ser compreendido segundo
a situação comunicativa em que se desenvolve: contexto situacional, que envolve as pessoas, o
espaço e o tempo em que se encontram.

Pertence normalmente a uma


personagem e está bem delineado:
• antecedido de um travessão
• com verbos introdutores de «- Quero imitar o estilo de vestir e de calçar de Carlos
Discurso direto
discurso da Maia» - diz Dãmaso Cândido de Salcede.
• entre aspas ou em itálico
• com o registo de língua que o
locutor lhe quiser dar.

0 narrador drOs Matos mostrou ao leitor os cavalheiros


Uma personagem ou o narrador
que frequentavam o Hipódromo de Lisboa e se
reproduz fielmente o discurso
envolviam em pancadaria, discussões, acusações,
de alguém, fazendo as devidas
Discurso indireto palavrões, vindos da boca de membros da policia, de
transformações de tempos verbais,
Jockeys e do amigo do sr. Savedra, que dizia que tinha
pronomes pessoais, expressões de
de se chamar o referido senhor, pois que este lhe havia
tempo e de lugar.
dito que não pagaria a entrada da sua carruagem.

0 Visconde de Darque, com o seu ar plácido de


gentíeman loiro que começa a engordar, veio apertar
Neste caso, o narrador incorpora no a mão a Carlos eCraft.E mal eles falaram dos seus
seu próprio discurso (de recontar cavalos (...). Então, que diabo, os rapazes tinham
algo) as palavras ditas diretamente querido!.. Mas ele, realmente, não podia apresentar
Discurso indireto um cavalo decente, com as suas cores, senão daí a
pela personagem, mas sem qualquer
livre
identificação, por exemplo, aspas, quatro anos. De resto não apurava cavalos para aquela
verbos introdutores de relato de melancolia de Belém, não imaginassem os amigos que
discurso ou outras referências. ele era tão patriota: o seu fim era ir a Espanha, bater os
cavalos deCaldillo.
(Eça de Queirós, Os Matos)

343
NEMUII EXAME NACIINAL

SEQUÊNCIAS TEXTUAIS
Partes textuais que surgem num texto, literário ou nâo-literário. com um objetivo e um papel
específicos.

Narrativa • Verbos de movimento «Nào eram ainda bem saídos da barra quando se
0 narrador apresenta • Tempos do modo indicativo, acalmou o vento com que partiram; logo depois se lhes
as várias categorias da especialmente o pretérito tomou contrário, os levou de través e os atirou para um
narrativa {personagens, perfeito baixo, onde permaneceram por quatro marés e se viram
açào. tempo e espaço). em risco de se perderem (...). A 29 de julho, deram
• Expressões de tempo
Adquirem predominância vista de uma nau e de uma zabra de franceses. (...) No
• Expressões de lugar dia 29 de agosto (...} o plano, agora, era demandar o
as informações sobre o
que está a acontecer ou o • Ritmo rápido no avançar da arquipélago dos Açores, para ver se numa das ilhas se
que se está a preparar. sequência consertava a nau.» (Historio Trágico-Marítima)

Descritiva • Conectores temporais «Depois, o sol desanda para trás da casa. Começa a
Predomina uma espécie • Informações temporais acercar-se a tardinha. Batola, que acaba de dormir
de pausada açào, para a sesta, já pode vir sentar-se. cá fora, no banco que
• Verbos no presente, pretérito
o narrador fornecer corre ao longo da parede. A seus pés. passa o velho
perfeito e imperfeito do
detalhes sobre as caminho que vem de Ourique e continua para sul.
indicativo
categorias da narrativa. Por cima, cruzam os fios de eletricidade que vão
• Uso de adjetivaçào para Valmurado. uma tomada de corrente cai dos
• Ritmo lento propício a fios e entra, junto das telhas, para dentro da venda.»
uma leitura demorada em («Sempre é uma companhia», Manuel da Fonseca)
informações sobre o tempo, o
espaço, as personagens,...

Argumentai iva • Definição do tema em «Com os Voadores tenho também uma palavra, e não
Integra um texto discussão (neste caso, o pequena a queixa. Dizei-me, Voadores, não vos fez
argumentativo (regra peixe e o que ele alegoriza) Deus para peixes? Pois porque vos meteis a ser aves?
geral) e visa convencer/ • Interrogações retóricas 0 mar fê-lo Deus para vós, e o ar para elas. Contentai-
persuadir o leitor em -vos com o mar, e com nadar, e não queirais voar, pois
• Frases que exprimem
relação a algo. sois peixes. (...)
admiração ou incompreensão,
Grande ambição é que sendo o mar tão imenso lhe
fazendo pensar os leitores/
não basta a um peixe tão pequeno todo o mar, e
ouvintes
queira outro elemento mais largo. Mas vede, peixes, o
• Frases de raciocínio lógico - castigo da ambição. 0 Voador fê-lo Deus peixe, e ele
argumentos quis ser ave, e permite o mesmo Deus que tenha os
• Exemplificação perigos de ave, e mais os de pe ixe.
• Uso de sabedoria empírica - (Sermõo de Santo António, Padre António Vieira)
ditados populares

Explicativa • Uso de frases objetivas e «0 sistema é simples e, pode dlzer-se com


Serve para explicar/ curtas propriedade, luminoso. Um homem pedala numa
caracterizar/inf orma r • Descrição detalhada de algo bicicleta erguida a dez centímetros do chão por
sobre algo concreto no seu todo e nas suas partes suportes de ferro. A corrente faz girar um imà dentro
ou abstrato. de uma bobina. A energia gerada vai acender as luzes
de um semáforo, comutadas pelo ciclista.» («Famílias
desavindas», Mário de Carvalho)

Dialogai • Uso de travessão «- António - murmura ela, adiantando-se até ao meio


Diálogo entre, • Uso de discurso direto da venda. - Eu queria pedir-te uma coisa...
pelo menos, dois Suspenso, o homem aguarda. Então, ela desabafa, (...)
• Uso de verbos introdutores
interlocutores, que - Olha... Se tu quisesses, a gente ficava com o
de relato de discurso
discutem ou concluem aparelho. Sempre é uma companhia neste deserto.»
• Uso de verbos no presente do («Sempre é uma companhia», Manuel da Fonseca)
sobre determinado
indicativo
assunto.
• Alternância entre locutor
e interlocutor

344
ramxiÊs u? an

TEORIA

INTERTEXTUALIDADE
Trata-se da relação entre textos, designadamente, entre um hipertexto (texto com caracterís­
ticas específicas - por exemplo, o narrativo, o poético, o argumentativo,...) e os seus hipotextos
(textos que partilham dessas características, mas as atualizam de forma individual, mantendo as
características do hipertexto).
Existem vários modos de identificar um texto ou partes dele ou ainda vários textos dentro
do texto principal que estamos a ler. Esses vários modos de identificar outros textos chamam-se
modalidades, que a seguir se apresentam com mais detalhe.

Cena I
MADALE NA {repetindo maquínolmen te e devagar o que
acaba de Ier)
«Naquele engano d'alma ledo e cego,
Citação
• Entre aspas ou em itálico/ Que a fortuna não deixa durar muito.
Uso direto de palavras devidamente identificado Com paz e alegria de alma... um engano, um engano de
que pertencem a outros poucos instantes que seja...»
• Surge no corpo do texto
autores. (Frei Lufc de Sousa. Almeida Garrett)
Madalena tem um livro no regaço. Os Lusíadas, e cita no
seu próprio discurso uma parte do episódio de Inês de
Castro.

«Enfim este fogo-de-santelmo vai deixando pelas ruas


• Nesta sequência textual, o
Alusão da cidade sinais de ter passado, um homem leva consigo
narrador usa o seu próprio a luz, ê o cometa Halley com seu rasto sideral»
Breve referência, direta vocabulário, mas servindo-
ou indireta, a algo ou (O Ano da Morte de Ricardo Reis, José Saramago)
-se de conceitos e uma ou
alguém que o leitor pode outra palavra típicos do As alusòes sào feitas a* Os Lusíadas (com «fogo-de-
identificar. -santelmo») e ao cometa {pela dádiva do seu nome,
autor a quem alude.
«Halley»)

«Mas os deuses de Ricardo Reis sào outros, silenciosas


entidades que nos olham indiferentes, para quem o mal
Paráfrase
e o bem sào menos que palavras, por as nào dizerem
Adaptação de palavras eles nunca, e como as diriam, se mesmo entre o bem e
de outro autor pelo • Uso de sinônimos,
o mal nào sabem distinguir, indo como nós vamos no rio
narrador atual, servindo- hiperõnimos/hipónimos,
das coisas, só deles distintos porque lhes chamamos
-se das mesmas ideias ou palavras parónimas
deuses e às vezes acreditamos. Estas lições nos foram
de alguns vocábulos, sem • Seleção de um ou outro dadas para que nào nos afadiguemos a jurar novas e
fazer colagem ou plágio. vocábulo identificador do melhores intenções para o ano que vem.»
É dizer o mesmo, mas autor parafraseado (O Ano da Morte de Ricardo Reis, José Saramago)
usando um discurso
Saramago resume, por palavras suas, versos do próprio
originaL
Ricardo Reis, sobretudo, relativamente à sua filosofia
epicuristae estoica.

«E assi os corpos celestes/ vos trazem tào compassados, /


que todos quantos nascestes, / se nascestes e crescestes.
/ primeiro fostes gerados./ E que fazem os poderes /
dos sinos resplandecentes? / Fazem que todalas gentes
Paródia • Uso de personagens tipicas
/ ou sào homens ou mulheres, / ou crianças inocentes. / E
Recurso textual que desse outro autor ou texto
porque Saturno a nenhum / influi vida contina, / a morte
se serve de uma • Alterações dos seus de cada um / é aquela de que se fina / e nào tfoutro mal
ideia/conceito para comportamentos para nenhum.» (Auto da Feira, Gil Vicente)
o ridicularizar. provocar riso
Neste texto, o próprio Gil Vicente, cristão, ridiculariza
os signos do zodíaco e a sabedoria astrológica ao referir
verdades óbvias sobre o ser humano: nasce, pertence a
um sexo, é criança, cresce e há de morrer.

345
Fonética e fonologia Etimologia
FICHA 116 • Processos fonológicos • Palavras convergentes e divergentes

1. Identifique os processos fonológicos nas seguintes palavras:

a) humile-> humilde i) junio>junho

b) I una->lua j) legumen > legume

c) clericu->clérigo k) linea- > linha

d) aqua > água l) rege- > ree > rei

e) carnalis>carnal m) octo> oito


f) hodíe>hoje n) colore >coor> cor

g) c la ma re > cha mar o) copo > copinho

h) iste > esse

2. Considere as seguintes sequências de palavras e indique se sâo convergentes ou divergentes.

ÉTIMO LATINO EVOLUÇÃO PALAVRA CONVERGENTE


OU DIVERGENTE?
curso (académico)
cursu-
curso(água)

rideo (rir)
ria
rivu- (rio)

deserdado
desertu-
deserto

ferru-
ferro
ferreu-

toar

intonare trovejar

entoar (música)

juízo (Tribunal)
judiciu-
juízo (opinião)

jugM-
junto
junctu-

ornatus(verbo)
ornado
ornatu- (adjetivo)

ruptu- (adjetivo)
queda ou destruição
ruína- (nome)

strideo (verbo)
ruído ou som estridente
stridor(nome)
Classes e subclasses de palavras
FICHA 117 PRÁTICA

1. Identifique a classe e a subclasse das palavras destacadas nas frases que se seguem.

1.1 A segunda cena da Farsa de Inês Pereira inclui diálogo entre Inês e a Mâe.

1.2 Baltasar e Blimunda conheceram-se no auto de fé. depois foram abençoados como
marido e mulher pelo Padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão.

1.3 Os construtores de Mafra trabalharam muito para que a Basílica fosse inaugurada
na data prevista por D. Joâo V.

1.4 Todas as classes sociais estavam sujeitas à perseguição fascista, inclusivamente,


os próprios padres.

1.5 A prima Maria Mendonça - «Não mostra a igreja a D. Ana Lucena porquê?»

1.6 A quinta onde Bartolomeu, Baltasar e Blimunda construíam a passarola foi restituí­
da ao seu dono, o Duque de Aveiro.

1.7 Enquanto Mariana estabelecia a comunicação por carta, Slmâo e Teresa sofriam
cada vez mais com a desesperança.

1.8 Nem sonhos nem realidades impediram Bernardo Soares de se sentir insatisfeito e
incompleto.

1.9 Quando foram recrutados à força para trabalhar na construção do convento, os tra­
balhadores náo protestaram muito nem se revoltaram coletivamente.

1.10 Inês Pereira tanto procurou o seu homem que o encontrou no segundo casamento.

1.11 Se houvesse alguém honesto no governo ditatorial, os oponentes nunca seriam exilados.

1.12 Ao regressar a Portugal. Ricardo Reis perguntou ao taxista se ele o podia aconselhar
relativamente a um bom hotel.

1.13 «Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno!» (Álvaro de Campos, «Ode triunfal»).

1.14 Assim que se sentava para escrever, Ricardo Reis sabia que náo avançaria muito.

347
1.15 Algumas personagens de Amor de Perdição sào consideradas de forma dupla: per­
sonagens da História (reais) e personagens da ficção (inventadas).

1.16 Durante a construção da muralha de Lisboa, uma tempestade de vento destruiu par­
tes da obra já erguidas.

1.17 Depois de ter reencontrado Pero Marques. Inês foi feliz.

1.18 Saramago escrevia bastante

1.19 0 recital da Infanta Maria Bárbara mostrou uma menina sem talento para a música.

1.20 Mestre Ouguet é um dos oponentes a Mestre Afonso.

1.21 Cânticos do Realismo é uma obra que prova o talento poético de Cesário Verde.

1.22 As naus portuguesas mencionadas na História Trágico-Marítima pareciam frágeis,


mas resistiram muito bem às adversidades marítimas.

1.23 Os fascistas alemães desprezavam a nossa Pátria.

1.24 0 Polvo (alegoria da traição) quer saber da sua vida e não da nossa.

1.25 Os pais de George eram pobres, mas viviam com dignidade

1.26 Mafra foi o local escolhido porque aí havia mais espaço do que em Lisboa.

1.27 Qualquer amante sofre, quando vê o seu amor afastar-se. As «donzelas* da lírica
trovadoresca náo sào exceçào.

1.28 O.uando surgiu aquela tempestade tào forte, todos pensavam que morreriam.

1.29 Certas personagens que vemos em cena sào de importância menor.

1.30 0 capitào Jorge de Albuquerque Coelho nào só era um excelente líder, mas também
era bondoso.

348
Morfologia e lexlcologla
• Flexão verbal
PRÁTICA

1. Classifique as formas verbais destacadas nas frases que se seguem.


a) Os frades tinham encontrado na promessa de D. Joâo V um motivo de grande alegria.

b) D. João V só queria que os trabalhadores do convento acelerassem as obras para que


a inauguração decorresse no dia do seu quadragésimo primeiro aniversário.

c) Durante a açào do Santo Ofício, nem aqueles que tivessem denunciado bruxas e judeus
estavam seguros de que a fogueira nunca os iria afetar.

d) Jorge Albuquerque Coelho: «Aqueles que encontrarem o líder dos piratas franceses
terão merecida recompensa!»

e) Cesário Verde pensava: «Ainda há hipóteses de ascensão social para os calceteiros!»

f) Blimunda procurara Baltasar, durante nove anos, até que finalmente o encontrou.

g) D. João V para Domenico Scarlatti: «Se tocardes mais uma música, oferecer-vos-ei
com gosto umas boas iguarias para o jantar, meu Caro Scarlatti!»

h) Blimunda para a «nuvem» de Baltasar: «Vem!».

i) Ainda o «Bodo do Século» ia a meio e já os representantes do ministério fascista


tinham reafirmado a repugnância que sentiam pelo povo, náo se importando com o
bem-estar dos portugueses famintos e miseráveis.

j) Nem depois da viagem infrutífera a Fátima, Ricardo Reis foi capaz de desistir de Marcenda.

2. a) tivéssemos
Classifique inaugurado
as formas k) encetando
verbais presentes na listagem seguinte.
b) felicitastes l) ames
c) teríamos visto m) tenham vendido
d) serviriam n) tendo amado
e) celebrardes o) distribuir
f) dance mos p) amarmos
g) exec ut ára mos q) ca nta vam_____________________
h) celebrarei r) tinhas visto
i) convidaríeis s) temos lido
j) convidássemos

349
Morfologia e lexlcologla
FICHA 119 • Processos de formação de palavras • Campo lexical e campo semântico
• Relações semânticas entre palavras

1. Identifique processo de formação regular e irregular presente nas palavras destacadas.

a) A dança sempre fez parte de romarias g) Quem quisesse poderia ver Fernando
populares medievais. Pessoa na Brasileira a tomar o seu
café com a sua sandwich.

b) Quando saboreava o seu jantar. D.


João V apreciava música ambiente. h) Se os trabalhadores forçados a par­
ticipar na construção do convento se
reunissem em sindicatos, uma desig­
c) A mulher de Batola mostrou total
nação possível seria MRLT (Movimen­
desinteresse pela telefonia.
to Revolucionário de Libertação dos
Trabalhadores).
d) Simào Botelho amou incondicional
mente
i) Obter uma nega no exame é a situação
que todos os alunos devem evitar.
e) Com a candidatura, Gonçalo Ramires
começou a emagrecer.
j) A cibernética pode ajudar o aluno do
século XX a ter sucesso escolar.
f) FENPROF procura, regra geral, aquilo
queé melhorparaa Educação.

2. Classifique cada palavra quanto ao seu processo de formação por composição.


a) Autocaravana f) Omnívoro

b) Sociocultural g) Mesa-de-cabeceira
c) Vaivém h) Girassol

d) Guarda-noturno i) Otorrinolaringologista
e) Passatempo j) Bíoética

3, Identifique as relações semânticas que se estabelecem entre os seguintes grupos de palavras.


a) Convento: claustros, basílica, colunas, portas, salas, tetos.

b) Textos: poemas, contos, romances, textos dramáticos.

c) Livro: lombada, páginas, capa

d) Incompletude/plenitude
e) Destreza / agilidade

4. Ref ira a que campo (lexical ou semântico) pertence cada conjunto de palavras.

a) Praia: mar. areia, algas, búzios, chapéu-de-sol

b) Cabeça: cabeça de cartaz, cabeça de lista

c) Exame: manuais, fichas, exercícios, nota

350
I

FICHA 120 • Coordenação


PRÁTICA
• Subordinação

1. Classifique as orações destacadas nas frases que se seguem.


a) Ricardo Reis nem ficou com Marcenda. nem assumiu o filho.

b) Ricardo Reis foi o grande heterónimo do Classicismo e do Epicurismo, todavia reco­


nhece Caeiro como seu verdadeiro mestre.

c) Luís Vaz de Camões invocou as Tágides para que conseguisse escrever em verso os
feitos heroicos dos portugueses

d) Todas as vezes que a viagem marítima parecia bem sofria um contratempo.

e) Camões acreditava que elevaria o valor dos portugueses com a sua epopeia

f) Quem lê Pessoa ortónimo percebe a sua grande multiplicidade de sentimentos.

g) Os textos heteronímicos, cujos autores sào quatro, mostram influências diferentes.

h) As personagens que pertencem ao panteão greco-latino sào diferentes.

i) Si mão não desistiria de Teresa Albuquerque, ainda que recebesse dinheiro por isso.

j) Bernardo Soares escrevia os seus fragmentos à medida que sentia/pensava. por con­
seguinte nào lhes atribuía títulos

k) Tétis mostrou a «máquina do mundo» a Vasco da Gama, por isso ele lhe ficou agrade
eido.

I) Os dois velhos do Alto de Santa Catarina tanto insistiram que conseguiram ler o jornal
de Ricardo Reis.

m) Camilo Castelo Branco afirmou que ficaria eternamente com Ana Plácido

n) Mal acabe a leitura deste poema de Ana Luísa Amaral, farei um intervalo.

o) O estudo é essencial aos alunos para que consigam notas brilhantes.

351
Sintaxe
FICHA 121 • Funções sintáticas

1. Identifique as funções sintáticas dos constituintes destacados.

a) Os habitantes de Alçaria e Batola ficaram entusiasmados com a telefonia.

b) No início da Farsa de Inês Pereira, a jovem revela a sua angústia

c) Alberto Caeiro voltava das viagens pela Natureza com energia renovada.

d) Pessoa ortónimo foi absorvido pela ceifeira, mulher do povo que cantava inocente­
mente. enquanto trabalhava.

e) Álvaro de Campos nomeou a máquina sua musa

f) A escrita de Manuel Alegre assumiu-se arma de luta pela liberdade.

g) Vasco da Gama náo foi o mesmo depois da viagem marítima.

h) As ninfas de vestidos transparentes recompensaram bem os navegadores.

i) Blimunda ficou responsável por recolher vontades

j) Os contos que nós lemos foram «Sempre é uma companhia» e «Famílias desavindas».

k) As especiarias e a caxemira provêm da índia

l) Manuel Alegre voltou a Portugal depois do exílio injusto.

m} Alexandre 0'Neill, poeta multifacetado. experimentou técnicas surrealistas de escrever.

n) Os trovadores das Cantigas de Escárnio e Maldizer afirmavam que os ricos eram sovinas.

o) Quem lé Mário de Carvalho encontra hilariantes sequências irónicas.

p) Padre António Vieira oferecia bons conselhos a quem lhos pedisse.

352
Semântica
FICHA 122 • Valor temporal, valor aspetual e valor modal
PRÁTICA

1. Indique a relaçõo de ordem cronológica que se estabelece entre os pontos de referência


e as situações descritas.

a) Felizmente, a chuva virá acalmar pouco a pouca as pessoas.

b) Os bombeiros estão a combater os incêndios com muita coragem, força e amor aos
outros.

c) Anteontem, havia fumo por toda a zona norte de Portugal.

2. Identifique o valor aspetual presente em cada enunciado e os elementos frásicos que con­
tribuem para esse valor.

a) Anteontem, havia fumo por toda a zona norte de Portugal.

b) Os bombeiros estõo a combater os incêndios com muita coragem, força e amor aos
outros.

c) Infelizmente. o fogo atinge habitualmente as zonas mais verdes do país.

d) A chegada da chuva trouxe alguma calma.

3. Refira o tipo de modalidade presente em cada enunciado e o recurso utilizado para expri­
mir o respetivo valor modal.
a) Eu confesso que tive medo.

b) Os bombeiros devem intervir imediatamente!

c) Felizmente, a chuva tem vindo a acalmar pouco a pouco as pessoas.

d) É possível que tenhamos um outono quente, lembrando o verõo.

353
Discurso, pragmática e linguística textual
FICHA 123

Coerência textual

1. Leia o texto seguinte e identifique os tipos de coerência corretamente utilizados.

Antes, porém, que vos vades, assim como ouvistes os vossos louvores, ouvi também
agora as vossas repreensões. Servir-vos-ào de confusão, já que não seja de emenda. A pri­
meira cousa que me desedifica, peixes, de vós, é que vos comeis uns aos outros. Cirande
escândalo c este, mas a circunstância o faz ainda maior. Não só vos comeis uns aos outros,
scnào que os grandes comem os pequenos. Se fora pelo contrário, era menos mal, se os
pequenos comeram os grandes, bastara um grande para muitos pequenos; mas como os
grandes comem os pequenos, nào bastam cem pequenos, nem mil, para um só grande. (...)
Olhai, peixes, lá do mar para a terra. Nào, nào: nào é isso o que vos digo. Vós virais
os olhos para os matos c para o scrtào? Para câ, para cá; para a cidade é que haveis de
olhar. (...)
Pois tudo aquilo é andarem buscando os homens como hào de comer, e como se hào
de comer. Morreu algum deles, vereis logo tantos sobre o miserável a despedaçá-lo c
come-lo. Comem-no os herdeiros, comem-no os testamenteiros, comem-no os lega­
tários, comem-no os acredores; comem-no os oficiais dos órfãos, c os dos defuntos e
ausentes; come-o o medico, que o curou ou ajudou a morrer; come-o o sangrador que
lhe tirou o sangue; come-o a mesma mulher, que de má vontade lhe dá para mortalha o
lençol mais velho da casa; comc-o o que lhe abre a cova, o que lhe tange os sinos, e os
que, cantando, o levam a enterrar; enfim, ainda o pobre defunto o nào comeu a terra,
ejá o tem comido toda a terra.
Sitwup de Santo António. Padre António Vieira

2. Nas seguintes sequências, identifique o tipo de coerência que NÃO foi respeitado.
a) Era meia-noite em ponto, faltavam cinco minutos. À luz de um candeeiro apagado, sen­
tado num banco de pau de pedra, o velho lia um jornal sem letras.

b) Condutor - Sabe-me dizer o caminho mais curto entre este miradouro da Foz e a Sé
do Porto?
Transeunte - Claro que sim, senhor. Eu até moro lá bem perto. Olhe, imagine que
conheci o meu marido, que era agulheiro na Estação de Sâo Bento, já lá vâo uns ani-
tos, e eu fazia limpezas na Rua do Loureiro. Um dia de muito trânsito, como hoje.

354
encontrámo-nos por acaso junto da estátua do Vimara Peres e foi amor à primeira
vista. Que a Sé é lindíssima, senhor. Pena ter sido pilhada por esses franceses, duran­
te as invasões.

c) Jornalista (pivô de um canal de televisão aberto): E passamos agora à notícia mais


estúpida deste jornal: um gajo de umqualquergangue dos subúrbios de Lisboa decidiu
assaltar os adolescentes que saíam na paragem da Carris mais perto de uma escola
e pilhava-lhes a lancheira, onde sabia que havia comida. Interrogado e apanhado pela
polícia, a sua reação foi ridícula e parva. A repórter conta-nos tudo a partir da estação
de autocarros.

Coesão textual

1. Leia o texto e identifique os tipos de coesão nas sequências destacadas.

A jovem descia a avenida com o corpo, tuas a) a mente esvoaçava por um mundo
que nada tinha que ver com a cidade b). Nesse tinindo c) ela era feliz d): vivia num
palácio encantado, habitação celeste, onde nascera e) c por onde vem circulando f)
desde a infância ate este mês de junho, mês g) dedicado ao exame nacional. Chegou
o momento por que tanto esperara. Queria ser pintora, numa boa faculdade de belas
artes. Para isso tanto se esmerou, ao longo do secundário, e cspccialmcnte neste últi­
mo ano. Todo ele h) correu bem: as aulas foram esclarecedoras e agradáveis c as notas
dos testes excederam as suas expectativas. Porém i), faltavam uns dias para a prova c
o medo de falhar aliava-se á angústia do desconhecido. Mana tcmia-o j), no entanto
esse seu outro mundo ajudava-a. Nas horas livres, degustava os seus livros de Pintura.
Amava, k) Preteria o Impressionismo I) para relaxar c o Surrealismo m) para ativar
mecanismos cerebrais como a memória, o raciocínio matemático e a interpretação por
descodificação. Era cm paisagens do primeiro que a menina colocava o seu palácio e
cm ambientes do segundo que vivia aventuras esquisitas c fantásticas. Era isto. De nada
mais precisava para se sentir plena e equilibrada. Maria é um bom exemplo do que
um aluno cm ano de exame deve fazer: conheccndo-sc a si melhor do que ninguém,
é importante procurar o seu equilíbrio naquilo que mais gosta de fazer, seja real, seja
imaginário, n) seja tísico ou mental, o) para conseguir obter resultados brilhantes.
Como dizia Fernando Pessoa cm Afensíiçew: «É a Hora! p)».

355
Discurso, pragmática e linguística textual
FICHA 124

1. Classifique o tipo de deixis presente nas expressões destacadas das frases seguintes.

a) Queremos viver em liberdade para sermos melhores no presente e no futuro.

b) No Hotel Bragança, Ricardo Reis sentia falta de privacidade.

c) Onde vais logo à tarde com os teus amigos?

d) Bernardo Soares passava muito tempo consigo mesmo, antes de escrever e enquanto
escrevia.

e) El-rei D. Dinis já tinha escrito Cantigas de Amigo antes de muitos trovadores da sua
corte.

f) Quando terminar o 12 ° ano, terei lido obras de cerca de mil anos de Literatura Portu­
guesa.

g) Gil Vicente colocou nestas peças críticas à sociedade do seu tempo.

h) Álvaro de Campos queixava-se das saudades do seu passado.

i) Tento lembrar-me, todos os dias, de fazer exercícios de gramática para os acertar no


exame final.

j) Estudar na véspera do exame é um erro, pelo que se recomenda um estudo diário e em


casa

355
Discurso, pragmática e linguística textual
FICHA 125 • Reprodução do discurso no discurso
PRÁTICA

1. Nas sequências que se listam abaixo, identifique aquelas que contêm reprodução do dis­
curso no discurso.
a) À entrada para o hipódromo (...) onde um dos sujeitos berrava furiosamente com um
polícia. Queria que se fosse chamar o sr. Savedra! O sr. Savedra. que era do Jockey
Club, tinha-lhe dito que ele podia entrar sem pagar a carruagem! Ainda lho dissera na
véspera, na botica do Azevedo.

(Os Maias. Eça de Queirós)

b) Por uma dessas alongadas ruas do Porto, que sobe que sobe e não se acaba, há de
encontrar-se um cruzamento alto, de esquinas de azulejo, janelas de guilhotina, telha­
dos de ardósia em escama.
(«Famílias desavindas», Mário de Carvalho)

c) Do patamar responde-lhe um criado:


«Responde se te convém, despacha, não converses.
Eu não dou mais.»

(«Num bairro moderno», Cesário Verde)

d) 0 dia 6 de janeiro do Ano da Redenção 1401 tinha amanhecido puro e sem nuvens. Os
campos, cobertos aqui de relva, acolá de searas, que cresciam a olhos vistos com o
calor benéfico do sol, verdejavam ao longe, ricos de futuro para o pegueiro e para o
lavrador.

(A Abóbada. Alexandre Herculano)

e) Uma sombra passa na fronte alheada e imprecisa de Ricardo Reis, que é isto, donde
veio a intromissão, o jornal apenas me informa que Addis-Abeba está em chamas, que
os salteadores estão pilhando, violando, degolando, enquanto as tropas de Badoglio
se aproximam, o Diário de Notícias não fala de mulheres postas contra os muros caí­
dos nem de crianças trespassadas de lanças, em Addis-Abeba não consta que estives­
sem jogadores de xadrez jogando o jogo de xadrez.

(O Ano da Morte de Ricardo Reis. José Saramago)

357
FICHA 126

1. Para cada um dos excertos apresentados na Coluna A, identifique tipo de sequência


textual na Coluna B.

COLUNAA COLUNA B

Ergueu-se o degredado, olhou em redor de si e fitou com espasmo


Mariana, que levantava a cabeça ao menor movimento dela.
- Que tem, senhor Simào? - disse ela, erguendo-se.
- Estava aqui. Mariana?... Nào se vai deitar?!
- Nào vou; o comandante deu-me licença de ficar aqui.
- Mas há de assim passar a noite?’ Rogo-lhe que vá, porque nào é
1 necessário o seu sacrifício.
- Se o nào incomodo, deixe-me aqui estar, senhor Simào.
- Esteja, minha amiga, esteja... Poderei subir ao convés?
- Quer ir ao convés, senhor Botelho - disse o comandante,
lançando-se do beliche.
- Queria, senhor comandante.
- Iremos juntos.
(ylmor de Perdição, Camilo Castelo Branco)
Eormou Deus o homem, e o pôs num paraíso de delícias; tornou
a formá-lo a sociedade, e o pôs num inferno de tolices. (O) homem,
assim aleijado como nos o conhecemos, é o animal mais absurdo,
o mais disparatado e incongruente que habita a terra. (...) Destas
duas tào opostas atuações constantes, que já per si sós o tornariam
ridículo, formou a sociedade, em sua vã sabedoria, um sistema qui­
mérico, desarrazoado e impossível, complicado de regras, a qual
mais desvairada, encontrado de repugnâncias, a qual mais oposta. E
vazado este perfeito modelo de sua arte pretensiosa, meteu dentro
dele o homem, desfigurou-o, contorceu-o, fê-lo o tal ente absurdo
e disparatado, doente, fraco, raquítico. (...)
Poucos filhos do Adào social tinham tantas reminiscências da outra
pátria mais antiga, e tendiam tanto a aproximar-se do primitivo tipo
que saíra das mãos do Eterno; forcejavam tanto por sacudir de si o
pesado aperto das constrições sociais, e regenerar-se na santa liberdade
da natureza, como era o nosso Carlos. (...) Carlos estava quase como
os mais homens... Ainda era bom e verdadeiro, no primeiro impulso
de sua natureza excecional; mas a reflexão descia-o à vulgaridade da
fraqueza, da hipocrisia, da mentira comum. Dos melhores era, mas era
homem. (D)úvida, incerteza, vaidade, mentira deslocavam e anulavam
a bela organização daquela alma. Assim chegou ao pé de Joaninha (...).
(P7dÇCTf5 minha Terra, Almeida Garrett)
A epopeia lusa dos monges
Os cavaleiros do Templo viveram sob um manto de mistério e
magia, originando inúmeros mitos e lendas que ainda hoje nos fas-
3 cinam. Percorremos o país e revelamos-lhe alguns segredos da pri­
meira ordem militar da história, fundamental para a formação de
Portugal e para a Reconquista cristà, tanto na Terra Santa como na
Península Ibérica.

359
listamos no ano da graça de 1100, e o Castelo de Tomar está cercado
pelos mouros há seis dias. De repente, rasgando a escuridão da noite,
sob a luz das estrelas e das labaredas dos archotes, surge, no cimo da
Mata dos Sete Montes, uma hoste muçulmana formada por milhares
de guerreiros árabes chefiados por lacub Al-Mansur (Almansor), rei
de Marrocos. listas forças mouriscas têm vindo a conquistar e saquear
castelos e povoações, desde o Algarve até ao Ribatejo, e prometem
tomar agora o principal bastião dos templários portugueses.
Reza a história que esta terá sido uma contenda muito desequili­
brada, pois dentro das muralhas do castelo estariam apenas cerca de
duas centenas de defensores da Ordem do Templo, comandados por
um velho guerreiro, Gualdim Pais, de 72 anos. Porém, estes eram
homens afoitos, com uma coragem e determinação férreas, que per­
tenciam à instituição mais promissora e prestigiada da cristandade,
cujo lema era «Jamais virar as costas a qualquer inimigo da fé crista*.
(Superintcressante. dezembro 2016)

O céu parece baixo e de neblina,


O gás extravasado enjoa-me, perturba;
E os edifícios, com as chaminés, e a turba
Toldam-se d uma cor monótona e londrina.

Batem os carros de aluguer, ao fundo,


l evando à via-férrea os que se vào. Felizes!
4 Ocorrem-me em revista exposições, países:
Madrid, Paris, Berlim, S. Petersburgo, o mundo!

Semelham-se a gaiolas, com viveiros.


As edificações somente emadeiradas:
Como morcegos, ao cair das badaladas,
Saltam de viga em viga os mestres carpinteiros.
(<O sentimento dum ocidental», Cesário Verde)

A doença de Alzheimer é a forma mais comum de demência,


estimando-se que em Portugal existam cerca de 160.000 pessoas afeta­
das por este grave problema de saúde. Caracteriza-se por um declínio
progressivo das funções cognitivas levando a alterações no comporta­
mento, na personalidade e na capacidade funcional. Estes indivíduos,
à medida que a doença avança, tomam-se cada vez mais dependentes
5 de terceiros. A doença de Alzheimer progride, de um modo geral,
por fases, afetando cada indivíduo de fornia diferente e aparecendo
geralmente a partir dos 65 anos de idade, embora possa aparecer mais
precocemente. A duração da doença é geralmente de sete a dez anos,
mas pode ser mais ou menos longa, dependendo dos casos.
(Pedro Graça, Hsm, 25/07/2017)

35S
Discurso, pragmática e linguística textual
FICHA 127 • Intertextualidade

1. Para cada um dos excertos apresentados na Coluna A. identifique o tipo de sequência


textual na Coluna B. justificando a sua resposta.

COLUNAA COLUNA B

Provado está que Deus ama muito as suas criaturas. Depois de,
por espaço de tantos quilómetros e tempo de tantos dias, as ter
experimentado em paciência e constância, mandando-lhes insupor­
táveis frios e chuvas diluviais, consoante foi miudamente explicado,
1 quis premiar a resignação e a fe. E como a Deus nada é impossível,
hastou-lhe fazer subir a pressão atmosférica, pouco a pouco se levan­
taram as nuvens, apareceu o sol.
(Afcmoriu/ Jd GnflVfflíP, José Saramago)

Sào onze os supliciados. A queima já vai adiantada, os rostos mal


se distinguem. Naquele extremo arde um homem a quem falta a
mào esquerda.
(Àfcmorráf GnflVfflíP, José Saramago)

Disse-o Mussolini do alto da varanda do palácio. Anuncio ao


3 povo italiano e ao mundo que acabou a guerra.
(0,4nc> da Aforte de Ricardo Reis, José Saramago)

[excerto que o narrador relembra livremente de um artigo de jor­


nal, escrito por Pacheco]
Que se deve dar à instrução primária elementar o que lhe pertence
e mais nada, sem pruridos de sabedoria excessiva, a qual, por apa­
recer antes de tempo para nada serve, e também muito pior do que
4 a treva do analfabetismo num coração puro é a instrução materia­
lista e pagã asfixiadora das melhores intenções, posto o que. reforça
Pacheco e conclui, Salazar é o maior educador do nosso século, se
não é atrevimento e temeridade afirmá-lo já. quando do século só
vai vencido um terço.
(0da Morte dc Ricardo Reis, José Saramago)
PI EMBAII EXAME NACUMÀL

PROVA-MODELO - PROVA 1
GRUPO I
Apresente as suas respostas de forma bem estruturada.

A
Leia o poema.

III

Ao entardecer, debruçado pela janela,


E sabendo de soslaio que há campos cm frente,
Leio até me arderem os olhos
O livro de Cesário Verde.

5 Que pena que tenho dele’ Ele era um camponês


Que andava preso em liberdade pela cidade.
Mas o modo como olhava para as casas,
E o modo como reparava nas ruas,
E a maneira como dava pelas coisas,
z
D E o de quem olha para as árvores,
E de quem desce os olhos pela estrada por onde vai andando
E anda a reparar nas flores que há pelos campos...

Por isso ele tinha aquela grande tristeza


Que ele nunca disse bem que tinha,
lí Mas andava na cidade como quem anda no campo
E triste por esmagar flores em livros
E pôr plantas cm jarros...
Alberto Caeiro, «O Guardador de Rebanhos», in Pnesia dc Alberto Caeiro
(ed. bemando C3abral Martins & Richard Zenith), 3? ed., I.isboa, Assírio & Alvim, 2014, p. 26.

/IIÚK

1. De acordo com a primeira estrofe, mostre como o sujeito poético escolhe um contexto lipoma
propício à leitura da poesia de Cesário Verde.

2. Comprove, com elementos textuais, que o sujeito poético, sendo um apreciador da Natu- lipoma
reza, compreende o sentimento de Cesário Verde.

3. Explique a expressividade dos dois últimos versos do poema. l£ imics

4. Identifique, a partir deste poema, uma característica comum à poesia de Alberto Caeiro Bpoma
ede Cesário Verde.

362
ramKtôu?Aiii

PROVA-MODELO - PROVAI

B
Leia o excerto do poema O sentimento dum Ocidental, I - Ave Marias, de Cesário Verde.

O sentimento dum Ocidental

Nas nossas ruas, ao anoitecer,


Há tal soturmdade1, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício12, o Tejo, a maresia
Despertam um desejo absurdo de sofrer.

5 O céu parece baixo c de neblina,


O gás extravasado enjoa-nos, perturba;
E os edifícios, com as chaminés, e a turba3
Toldam-sc d' uma cor monótona e londrina.

[...]

Semelham-se a gaiolas, com viveiros,


lí: As edificações somente emadeiradas:
Como morcegos, ao cair das badaladas,
Saltam de viga cm viga os mestres carpinteiros.

Voltam os calafates4, aos magotes,


De jaquetão ao ombro, enfarruscados, secos;
15 Embrenho-me, a cismar, por boqueirões, por becos,
Ou erro pelos cais a que se atracam botes.

Cesário Verde, Cânticos do Realismo —


O Lwro de Cesário Verde, I.isboa. INCM, 2015, p. 122.

1Sotumidade: qualidade de ser triste ou sombrio.


2 Buíício: rumar; murmúrio; agitação.
3 Turbo: multidão.
4 Calafate: operário.

5. Evidencie de que forma este poema confirma que o sujeito poético é umobservador acidental. IfjfClK

6. Justifique o recurso à comparação para caracterizar as personagens que o poeta vê. JEpoiiis

363
PI EMBAII EXAME NACUMÀL

PROVA MODELO - PROVA 1

C lfpiKK

7. Os temas de reflexão existencial são característicos da poesia de cada um dos heteróni-


mos pessoanos.

Escreva uma breve exposição, na qual apresente a visão que Alberto Caeiro e Ricardo Reis
têm sobre este tema em alguns dos seus poemas.

A sua exposição deve incluir:


• uma introdução ao tema;
• um desenvolvimento no qual explicite, para cada um dos heterónimos em análise, uma
marca que permita distingui-los, fundamentando as características apresentadas
com, pelo menos, um exemplo significativo:
• uma conclusão adequada ao desenvolvimento do tema.
ramKtôu?Aiii

PROVA-MODELO - PROVAI

GRUPO II
Leia o texto. Se necessário, consulte as notas.

índia: mais justiça para as vacas do que para as mulheres

O que faz uma mulher com uma máscara de vaca na cabeça, a posar para uma loto
junto ao simbólico Portão cia índia, cm Deli? A obrigar a sua sociedade a refletir. Sobre
o quê? Sobre o facto de haver um interesse c ímpeto maiores quanto à proteção das
vacas no seu país do que para a defesa c celeridade de justiça nos casos das agressões
5 feitas às mulheres, cujos direitos mais básicos, incluindo a sua integridade física c emo­
cional, continuam a ser violados diariamente.
A ideia partiu do fotógrafo indiano Sujatro Ghosh, que perante a discussão acesa
quanto à criminal ização das agressões feitas ás vacas no seu país — animais considerados
sagrados por aqueles seguidores da religião hindu — começou a questionar-se sobre o
lí que levaria a que os direitos das mulheres gerassem tal entusiasmo. «Pcrturba-mc que
no meu país as vacas sejam consideradas mais importantes do que as mulheres. Quando
uma mulher é violada demora muito mais tempo a obter justiça do que uma vaca.»
Para percebermos um bocadinho melhor o que leva o jovem fotógrafo a fazer esta
comparação, podemos olhar para alguns dados referentes à índia. Hoje cm dia, uma
lí agressão deliberada feita a uma vaca — sem que esse mesmo ato resulte do processo nor­
mal da morte do animal para consumo — pode levar a uma pena de quase dez anos de
prisão. Uma lei amplamentc aplaudida pelos extremistas hindus, que mesmo assim cstào
atualmente a tentar fazer chegar ao parlamento a discussão da pena de morte para estes
crimes. Ou seja, há um movimento claro, ativo c com cariz de urgência para que se dê
?í condições de segurança e que seja feita justiça às vacas sagradas. Ao mesmo tempo, há
todo um cenário de violência perpetuado sobre o sexo feminino que — embora gere
hoje mais discussão pública c política — continua a ser socialmente aceite. Com ajustiça
a falhar redondamente no que lhe compete.
Sc olharmos para os dados oficiais de 2015, por exemplo, chegamos a quase 35 mil
S casos de abuso sexual que foram reportados às autoridades indianas, sendo que ajustiça
apenas atuou cm menos de 20% destes casos. Casos esses que devem ter uma dimensão
tremendamente maior, uma vez que estes são apenas aqueles que chegam às autorida­
des. Há uns meses, um estudo sobre a realidade criminal de Deli mostrava que apenas
um cm cada 13 casos de abuso sexual chegava às autoridades. Em comparação, um em
Ji cada três roubos de telemóveis, por exemplo, era reportado à polícia. Por razões cul­
turais, sociais, familiares c religiosas, uma larga percentagem das mulheres e meninas
vítimas deste tipo de violência continua a nào denunciar o crime. O estigma fala mais
alto. E ajustiça — tal como a mentalidade discriminatória instituída naquele país — nào
acompanha a necessidade urgente de mudança.
X Tudo isto deu que pensar a Sujatro Ghosh, que decidiu então usar a sua arte e o
poder do humor para fazer um protesto, que tinha como ponto de partida fotografar
mulheres, de diferentes esferas sociais, com máscaras dc vaca cm vários pontos da sua

365
PI EMBAII EXAME NACUMÀL

PROVA MODELO - PROVA 1

cidade, desde zonas turísticas a edifícios governamentais, transportes públicos ou até


mesmo dentro das suas próprias casas. Porque nào só na rua? «Porque as mulheres sào
U vulneráveis cm todos os lugares», explica o fotógrafo.
Num país onde os números referentes a questões tào graves quanto o assédio e o
abuso sexual, os casamentos forçados, os casamento infantil, a violência doméstica ou
o tráfico humano ganham proporções verdadeiramente abjetas1, é real mente chocante
que uma vaca — por mais sagrada que possa ser considerada por determinada religião e
lí por mais respeito que mereça enquanto animal — tenha mais atenção do que as mulhe­
res no que toca a agentes de autoridade, líderes religiosos e decisores políticos.
E, contudo, importante perceber que o que está em causa nesta série de fotografias nào é
uma redução de proteção aos animais no país, neste caso as vacas. Trata-se sim de pedir mais
coerência no que toca àjustiça e ás suas prioridades naquela sociedade, com os seus desafios
50 concretos (e que sào tantos). No caso da índia, uma sociedade que ainda relega as mulheres
para um segundo patamar enquanto cidadãs e, até mesmo, enquanto seres humanos, pnvan-
do-as dos seus direitos mais básicos. Entre eles, a justiça, a liberdade c a dignidade.

Paula Cosme Pinto, Evprrsso (texto adaptado, consultado em 12/07/2017).* 1 2 3

1 abjetos: repugnantes.

1. 0 conteúdo do primeiro parágrafo ê revelador BpMLDS

(A) da corrupção que envolve a justiça no tratamento de crimes contra as vacas.

(B) da igualdade de tratamento da justiça quanto a crimes contra as vacas e contra as


mulheres.

(C) da desigualdade de tratamento da justiça quanto a crimes contra as vacas e contra as


mulheres.

(D) da celeridade que envolve a justiça no tratamento de crimes contras as crianças.

2. Entre as linhas 7 e 12. a autora. Paula Cosme Pinto. : züiice

(A) esclarece o tipo de trabalho realizado pelo fotógrafo.

(B) critica a atuação profissional do fotógrafo.

(C) relata o facto económico que originou a iniciativa do fotógrafo.

(D) explica o facto político que originou a iniciativa do fotógrafo.

3. No terceiro parágrafo são fornecidos argumentos que comprovam que na índia há Bzdiie
(A) equidade de condições de segurança e de justiça entre as vacas e as mulheres.

(B) mecanismos de proteção legal para as mulheres vítimas de violência, assim como para
as vacas.

(C) pena de morte para crimes de violência contra as mulheres e contra as vacas.

(D) iniquidade de condições de segurança e de justiça entre as vacas e as mulheres.


ramKtôu?Aiii

PROVA-MODELO - PROVAI

4. O articulador do discurso que introduz quinto parágrafo. «Tudo isto», refere-se 8 pontos
(A) aos exemplos fornecidos no parágrafo anterior.

ao conteúdo referido na frase anterior.

(C) aos estigmas que reprimem os indianos.

(D) a discussões políticas sobre agressões.

5. As formas verbais presentes em «A ideia partiu do fotógrafo indiano Sujatro Ghosh* apomos
(linha 7) e em «Porque as mulheres são vulneráveis em todos os lugares» (linhas 39-40)
têm, respetivamente, um valor aspetual
(A) perfetivo e genérico.

(B) perfetivo e iterativo.

(C) imperfetivo e genérico.

(D) imperfetivo e iterativo.

6. Indique a função sintática desempenhada pela expressão «para um segundo patamar» apomos
(linha 51).

7. Identifique o antecedente do pronome presente na expressão «Entre eles* (linha 52).

GRUPO III fipomos

A amizade é essencial à felicidade humana. Quem tem amigos verdadeiros nunca está
só, pois estes sào sempre heis e presentes.
Num texto de opimào bem estruturado, com um mínimo de duzentas e um máxi­
mo de trezentas c cinquenta palavras, defenda um ponto de vista pessoal sobre o papel
dos amigos verdadeiros na vida humana.

No seu texto:
- explicite, de forma clara e pertinente, o seu ponto de vista, fundamentando-o com
dois argumentos, cada um deles ilustrado com um exemplo significativo:
- utilize um discurso valorativo (juízo de valor explícito ou implícito).

36 7
PI EMBAII EXAME MACUUL

PROVA-MODELO - PROVA 2
GRUPO I
Apresente as suas respostas de forma bem estruturada.

A
Leia o poema.

Nevoeiro

Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,


Define com perfil e ser
Este fulgor1 baço da terra
Que c Portugal a entristecer —
5 Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-fátuo2* encerra.
1

Ninguém sabe que coisa quer.


Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
10 (Que ânsia distante perto chora?)
Tudo c incerto c derradeiro.
Tudo c disperso, nada é inteiro.
O Portugal, hoje és nevoeiro...

É a Hora!
lu/cíc, Fratres3. 4

Fernando Pessoa, .Mensagem, Lisboa,


Assírio & Alvim, 2014, p. 91.

1 Fulgor: brilho intenso; clarão.


2 Fogo-fótuo: labareda ténue e fugidia produzida pela combustão espontânea de metano e de outros gases
inflamáveis, que irrompe nos pântanos e nos lugares onde se matérias animais e<n decomposição.
3 Valete. Fratres: expressão latina que em português se traduz como «Adeus, irmãos».
LziIúK

1. Refira de que modo se manifesta neste poema a natureza épico-lírica de Mensagem, justi- lÉpaws
ficando a sua resposta com elementos textuais.

2. Esclareça a forma como o verso «Que é Portugal a entristecer» é confirmado por em con- lípame
junto de antíteses que lhe seguem.

3. Evidencie o sentido dos dois últimos versos do poema, considerando a metáfora e o uso lEponue
inesperado de maiuscula.

4. Justifique de que modo a repetição dos pronomes «Ninguém» (versos 7 e 8) está ao serviço Bpotm
da caracterização global de Portugal.

3i a
ramKtôu?Aiii

PROVA-MODELO - PROVA 2

B
Leia o excerto do capítulo V do «Sermão de Santo António aos Peixes», de Padre António
Vieira.

Masjá que estamos nas covas do mar, antes que saiamos delas, temos lá o irmão Polvo,
contra o qual tem suas queixas, c grandes, nào menos que Sào Basílio, c Santo Ambró-
sio. O Polvo com aquele seu capelo1 na cabeça parece um Monge, com aqueles seus raios
estendidos, parece uma Estrela, com aquele nào ter osso, nem espinha, parece a mesma
5 brandura, a mesma mansidão. E debaixo desta aparência tào modesta, ou desta hipocri­
sia tão santa, testemunham constantementc os dois grandes Doutores da Igreja Latina,
c Grega, que o dito Polvo é o maior traidor do mar. Consiste esta traiçào do Polvo
primeiramentc em se vestir, ou pintar das mesmas cores de todas aquelas cores, a que
está pegado. As cores, que no Camaleão sào gala, no Polvo sào malícia; [...] Vê, Peixe
Ki aleivoso2 c vil, qual c a tua maldade, pois Judas em tua comparação já c menos traidor.
[ 1
Vejo, Peixes, que pelo conhecimento, que tendes das terras, cm que batem os vossos
mares, me estais respondendo, e convindo, que também nelas há falsidades, enganos,
fingimentos, embustes, ciladas, c muito maiores c mais perniciosas3 traições.

Padre António Vieira, «Sermão de Santo António», in O&ru completa (dir. José Eduardo Eranco
e Pedro Calafate), Tomo II, Volume X, Lisboa, Círculo de Leitores, p. 163.

1 Copejo: capuz do habito de frades.


2 Aleivoso: traidor.
3 Perniciosas: perigosas.

5. Explique de que forma o Polvo é a alegoria da sociedade do tempo de Padre António Vieira, lí paios
socorrendo-se de transcrições que comprovem a sua resposta.

6. Explicite o valor da antítese presente em «hipocrisia tão santa» (linhas 5-6). lipomas

C
7. 0 heterónimo pessoano Álvaro de Campos é considerado o poeta da Modernidade. lipomas

Escreva uma breve exposição na qual inclua duas características que estão ao serviço
dessa Modernidade.
A sua exposição deve incluir:
• uma introdução ao tema:
• um desenvolvimento no qual explicite as referidas características, fundamentando-as
com. pelo menos, um exemplo significativo;
• uma conclusão adequada ao desenvolvimento do tema.

369
PI EMBAII EXAME NACUMÀL

PROVA-MODELO - PROVA 2

GRUPO II
Leia o texto.

Os «sos e costumes já não são o que eram...

Há um ano vivíamos o primeiro dia do resto das nossas vidas como campcòes euro­
peus de futebol. O momento inesquecível c o feito memorável continuarão a fazer os
portugueses felizes por muitos mais anos.
Iniciou-se por essa altura uma nova era motivacional na sociedade portuguesa, muito
5 aproveitada pelas classes políticas dominantes que muito capitalizaram nessa onda de
aspiração que banhou Portugal de norte a sul.
E nesse clima de êxtase nacional que surge, pouco tempo depois, a notícia sobre as
viagens dc políticos, pagas pelos patrocinadores da seleção nacional, para assistirem a
jogos dc Portugal no campeonato europeu de futebol cm França.
D Num país com tantas leis que não são cumpridas, muitas vezes por falta dc fiscalização
e consequente pcnalizaçào, c fácil descurar leis que (quase) nunca são aplicadas. Especial­
mente as que são feitas já com uma cláusula dc salvaguarda que propositadamentc dá azo
a interpretações subjetivas, tal como os usos c costumes que sejam socialmcntc aceites...
E como é do conhecimento geral, cm Portugal existem muitos usos e costumes que
lí sào socialmcntc aceites, mas que nào estão inteiramente dc acordo com a lei. A famosa
«cunha» ilustra bem a real dimensão da cultura dc «favor» c dc «vantagem» dc que agora
tanto se fala.
Desta forma, os usos c costumes socialmcntc aceites pelos políticos, da esquerda à
direita, que aceitaram os convites desinteressados dc um grande patrocinador privado, sào
N partilhados por deputados, membros do governo, presidentes dc câmara c pela maioria
dos eleitores cm Portugal.
Na altura, a reduzida pressão social aliada ao tacto dc quase todos os partidos políticos
terem telhados dc vidro ajudaram o governo a brilhar com a estrondosa ideia dc elabo­
rar um código dc conduta para referencia futura. Pois se fosse aplicado rctroativamcntc,
S os membros do governo envolvidos teriam eticamente que ser demitidos logo nesse
verão.
A partir dessa altura, as boas notícias nào pareciam parar dc chegar a Portugal. E o
sentimento que nada dc mal podia acontecer a Portugal, ao governo c aos portugueses
cm geral alastrou a todos os campcòes nacionais.
ü Mas afinal parece que os usos c costumes já nào são o que eram. Vem agora o minis­
tério público, um ano após a polemica, com interpretação legal diferente do socialmcntc
aceite, para choque dc muitos políticos. E logo no dia dc aniversário dos campcòes euro­
peus dc futebol.
E quase socialmcntc inaceitável... mas pode ajudar a renovar o sentido dc ética da
S sociedade portuguesa.
Paulo Barradas, E.rprcssn,
(texto adaptado, consultado em 11/07/2017).

370
ramKtôu?Aiii

PROVA-MODELO - PROVA 2

1. Os dois primeiros parágrafos cumprem uma função flpocms


(A) exemplificação.
(B) contextualização.
(CJs istematização.
(D) explanação.

2. Entre as linhas 10-13. o autor refere-se às leis que Opomos


(A) são promulgadas com cláusulas que protegem casos específicos.
(B) são cumpridas, mas que não são alvo de fiscalização.
(C) são promulgadas com cláusulas que apontam para uma fiscalização específica.
(D) são cumpridas, mas que não obtêm aceitação social.

3. O quinto parágrafo tem por base Opjmos


(A) uma constatação científica.
(B) uma evidência empírica.
(C) um resultado estatístico.
(D) uma verdade universal.

4. As formas verbais presentes em «Num país com tantas leis que não são cumpridas, [...], é Opomos
fácildescurar leis que (quase) nunca são aplicadas» (linhas 10-1 l)conferem ao enunciado
um valor aspetual
(A) perfetivo e iterativo.

(B) iterativo e imperfetivo.

(C) imperfetivo e genérico.

(D) genérico e habitual.

5. A expressão «[...] em Portugal existem muitos usos e costumes que são soclalmente acei- Opomos
tes, mas não estão inteíramente de acordo com a lei* (linhas 14-15) é um exemplo de
(A) modalidade deôntica. com valor de permissão.

(B) modalidade epistémica. com valor de probalibidade.

(C) modalidade epistémica. com valor de certeza.

(D) modalidade deôntica, com valor de obrigação.

6. Identifique a função sintática da oração sublinhada em «Mas afinal parece que os usos e Opomos
costumes já não são o que eram* (linha 30).

7. Classifique a oração «que (quase nunca são aplicadas)» (linha 11). Opomos

371
PI EMBAII EXAME NACUMÀL

PROVA-MODELO - PROVA 2

GRUPO III
Os jovens cm idade escolar tem como sua grande responsabilidade estudar c, conse­
quentemente, ter sucesso na escola. Porém, o descanso, e cspccialmentc o sono, c muito
importante para o bom desempenho na escola. Dormir c fundamental para recuperar c
preparar testes e exames.

Num texto de opimào bem estruturado, com um mínimo de duzentas e um máxi­


mo de trezentas c cinquenta palavras, defenda um ponto de vista pessoal sobre o con­
teúdo da citação acima apresentada.

No seu texto:
- explicite, de forma clara e pertinente, seu ponto de vista, fundamentando-o com
dois argumentos, cada um deles ilustrado com um exemplo significativo;
- utilize um discurso valorativo (juízo de valor explícito ou implícito).

372
ramKtôu?Aiii

PROVA MODELO - PROVA 3


GRUPO I
Apresente as suas respostas de forma bem estruturada.

A
Leia o poema.

Os jogadores de xadrez

Ouvi contar que outrora, quando a Pérsia1


Tinha nào sei qual guerra.
Quando a invasão ardia na Cidade
E as mulheres gritavam,
5 Dois jogadores de xadrez jogavam
O seu jogo contínuo.

A sombra de ampla árvore fitavam


O tabuleiro antigo,
E, ao lado de cada um, esperando os seus
2.
li Momentos mais folgados1
Quando havia movido a pedra, c agora
Esperava o adversário,
Um púcaro3 com vinho refrescava
Sobriamente a sua sede.

15 Ardiam casas, saqueadas4 eram


As arcas e as paredes,
Violadas, as mulheres eram postas
Contra os muros caídos,
Traspassadas de lanças, as crianças
2® Eram sangue nas ruas...
M as onde estavam, perto da cidade,
E longe do seu ruído.
Os jogadores de xadrez jogavam
O jogo de xadrez.

1 Pérsia: atua I Irào; local de onde é originária uma civilização


da Antiguidade considerada muito fecunda, fértil e poderosa.
2 Folgados: relaxadas.
3 Pucoro: recipiente para líquidos; caneca.
4 Saqueados: roubadas.

373
PI EMBAII EXAME NACUMÀL

PROVA-MODELO - PROVA 3

S Incla que nas mensagens do ermo5 vento


Lhes viessem os gritos,
E, ao refletir, soubessem desde a alma
Que por certo as mulheres
E as tenras filhas violadas eram
ü Nessa distancia próxima,

Inda que, no momento que o pensavam,


Uma sombra ligeira
Lhes passasse na fronte alheada e vaga,
Breve seus olhos calmos
S Volviam6 sua atenta confiança
Ao tabuleiro velho. [...]

Ah’ Sob as sombras que sem qu’rcr nos amam,


Com um púcaro de vinho
Ao lado, e atentos só à inútil faina7
0 Do jogo do xadrez,
Mesmo que o jogo seja apenas sonho
E nào haja parceiro.
Imitemos os persas desta história,
E, enquanto lá por fora,
15 Ou perto ou longe, a guerra c a pátria e a vida
Chamam por nós, deixemos
Que em vão nos chamem, cada um de nós
Sob as sombras amigas
Sonhando, ele os parceiros, c o xadrez
50 A sua indiferença.

/IIÚK

1. Apresente o contexto do poema, a partir da informação da primeira estrofe. lfjaiiK

2. Evidencie, com recurso a elementos textuais, de que forma o uso da conjunção coordena- íípon»
tiva adversativa «Mas*, no verso 21. está ao serviço do contraste de sentimentos entre os
dois jogadores de xadrez e as «mulheres» e «crianças».
3. Explique a relação existente entre os momentos de reflexão dos dois jogadores de xadrez líponre
e aquilo que decidem fazer de seguida, considerando o uso das formas verbais «refletir»
(verso 27) e «volviam» (verso 35).

4. Interprete o sentido da última estrofe à luz da filosofia de vida de Ricardo Reis. Bpoma

374
ramKtôu?Aiii

PROVA-MODELO - PROVA 3

B
Leia o texto.

Dc repente o vozeirão do Vargas dominou tudo, como um urro de toiro. Diante


do jóquei, sem chapéu, com a face a estoirar dc sangue, gritava-lhe que era indigno dc
estar ali, entre gente decente! [...] — O outro, agarrado pelos amigos, esticando o pes­
coço magro como para lhe morder, atirou-lhe um nome sujo. Então o Vargas, com um
5 encontrão para os lados, abriu espaço, repuxou as mangas, berrou:
— Repita lá isso! Repita lá isso!
E imediatamente aquela massa dc gente oscilou, embateu contra o tabuado da tri­
buna real, remoinhou cm tumulto, com vozes dc «ordem» e «morra», chapéus pelo ar,
baques surdos dc murros.
ll Por entre o alando vibravam, furiosamente, os apitos da polícia; senhoras, com as
saias apanhadas, fugiam através da pista, procurando espavoridamente as carruagens —
c um sopro grosseiro dc desordem reles passava pelo hipódromo, desmanchando a linha
postiça dc civilização c a atitude forçada dc decoro...
O marques, num grupo a que se juntara Chfiord, Craft e Tavcira, continuava a
15 vociferar:
— Então, estão convencidos? Que lhes tenho cu sempre dito? Isto é um país que só
suporta hortas c arraiais... Corridas, como muitas outras coisas civilizadas lá dc tora,
necessitam primeiro gente educada. No fundo, todos nós somos fadistas! Do que gosta­
mos é dc vinhaça, c viola, c bordoada, c viva lá seu compadre! Aí está o que é!

Eça de Queirós, Or Àfoús, Lisboa, Livros do Brasil, 2002, pp. 324-325.

5. Explicite, com base na leitura deste episódio de Os Maias, dois aspetos da crítica de cos­ lipomas
tumes feita por Eça de Queirós.

6. Explique a reprodução do discurso no discurso presente na sequência *gritava-lhe que era lipomas
indigno de estar ali, entre gente decente!» (linhas 2-3).

C
7. Fernando Pessoa ortónimo revela, na sua poesia, a sua vivência na dicotomia sonho/reali- lipomas
dade.

Escreva uma breve exposição na qual distinga cada um dos termos desta dicotomia.

A sua exposição deve incluir:


• uma introdução ao tema:
• um desenvolvimento no qual explicite as características essenciais de cada uma, bem
como a relação que o ortónimo estabelece com cada uma delas:
• uma conclusão adequada ao desenvolvimento do tema.

375
PI EMBAII EXAME NACUMÀL

PROVA-MODELO - PROVA 3

GRUPO II
Leia o texto.

z4 Bíblia de Frederico Lourcnço

Para mim, que sempre tive com Deus uma relação complicada, que tanto me zango
com Ele, que às vezes sou tào injusto (ou talvez não, pode ser que cm algumas ocasiões
a razão esteja do meu lado) que me apetece, quando me interrogam acerca da nossa

Este livro, a tradução da Bíblia por Frederico Lourcnço, é um dos mais importantes
publicados em Portugal nos últimos muitos anos. Repito: um dos mais importantes

D nossa Terra no que à literatura diz respeito, quer como difusor dela, quer como diretor
de revistas literárias, quer como crítico, quer como editor. Podemos discordar dele: não
pode ser-nos indiferente e, coisa muito rara, é mtclectualmcntc honesto. Com a publi­
cação desta Bíblia assina indelevelmente o seu nome no panorama literário português.
E agora, se me permitem, vou falar um pouco da obra cm apreço.
15 Eu sou um colecionador c leitor de Bíblias. Devo ter duas dezenas nas línguas cm
que consigo ler, julgo ter estudado um número razoável de versões do texto sagrado c
de comentários a ele, c enche-me de orgulho dizer que não conheço outro trabalho da
grandeza deste e da sua altíssima qualidade. Devemos a Frederico Lourcnço um texto
excecional, de seriedade c talento imensos. Estou muito à vontade para falar disto por-
M que nào conheço o autor, nunca o encontrei, nunca falei com ele, vi, por junto, uma
fotografia sua no jornal. Nào h os seus romances, nào sabia sequer que os tinha escrito,
h dois volumes seus de estudos sobre autores gregos que me pareceram senos e muito
bons, apreciei pnncipalmcntc o que escreveu sobre Eurípcdcs, um dos meus diletos

(convém ter imensos diletos para nào ter nenhum)

K e a minha amiga Sara Belo Luís otcrcccu-mc o primeiro c depois o segundo tomo da
sua tradução da Bíblia.

A qualidade deste feito é excecional.

Frederico Lourcnço consegue dar-nos a beleza única deste monumento único com
uma surpreendente fidelidade c uma capacidade criativa cm tudo invulgar. Nào cncon-
H trci nenhum livro comparável a este, cm primeiro lugar no que à escrita diz respeito,
transmitindo-nos tanto quanto posso avaliar a sua beleza c qualidade ímpares c acom-
panhando-as de uma coleção de notas de espantosa elegância, erudição c humildade

376
ramKtôu?Aiii

PROVA-MODELO - PROVA 3

que honram ainda mais o seu Autor. A orgulhosa modéstia de Frederico Lourenço,
o respeito absoluto e a compreensão orgânica do material fazem desta Obra qualquer
J coisa de único no panorama intelectual português c do homem que a conseguiu uma
1. Nunca tinha, que me lembre, falado assim de um Livro c de um
figura de cumeeira*
Escritor. [...] Eu acho que Frederico Lourenço foi tocado pela Graça e invcjo-o por
isso, c tenho ciúmes por isso só de imaginar que Deus o pretere a mim, mesmo achando
que tem boas razòes para tal. Esta Bíblia possui todas as características para perdurar c
U creio que o autor deste livro português poderá dizer, como Bocage

Isto é meu, isto nào morre que, aqui para nós, é o que costumo pensar do que escrevo.

Percebi também que Frederico Lourenço é filho de M. S. Lourenço, que tào pouco
conheci mas de quem h alguma coisa. Estava a lembrar-me de uma obra chamada
O guardador de automóveis, encontrada na adolescência, de que ainda sei alguns versos
de cor, por exemplo «aceito Deus uno e trino mas nào aceito Deus cabeleireiro de
senhoras» ou de um outro que me impressionou muito c continua a impressionar-me:
«Porque estais tristes: nào me reconheceis?» Peço perdào se cito mal mas é assim que
os recordo. Sobretudo este último, que me tem acompanhado ao longo dos anos por
razões que nào sei ou, antes, creio que sei mas nào vou mencioná-las. O importante
Mi é esta Bíblia, um grande livro que decerto perdurará muitos, muitos anos na reduzida
prateleira da Grande Arte da nossa Literatura, pelo seu rigor, pela sua beleza, pela sua
absoluta c luminosa fidelidade. Como português agradeço-lhe do coração.
Como escritor agradeço-lhe do fundo da alma. A Arte nào é um desporto de com­
petição, a Casa do Pai tem muitas moradas. E sempre achei que a grandeza dos outros
S aumentava o meu tamanho: muito obrigado por me ter dado alguns centímetros a mais.
Agora vejo mais longe. E, além disso, ajudou-me a sentir orgulho no meu trabalho. Isto
é meu, isto nào morre. Bocage, tradutor do meu querido Ovídio, deve estar cheio de
peneiras do Frederico Lourenço.
António Lobo Antunes, fâsão,
(texto adaptado, consultado em 22/06/2017).
1 Cumeeira: cume. tapo.

1. No primeiro parágrafo, António Lobo Antunes refere que a sua relação com Deus ip:r.:í

(A) sempre foi complexa, mas a tradução de Frederico Lourenço veio torná-la simples.
(B) sempre foi complexa, mas Frederico Lourenço deu-lhe a conhecer um outro olhar
sobre a figura de Cristo.

(C) sempre foi de puro cumprimento, sem diálogo, mas a tradução de Frederico Lourenço
levou-o a estar mais perto de Deus-Pai e Deus-Filho.

(D) sempre foi de puro cumprimento, mas a tradução de Frederico Lourenço levou-o a uma
relação mais simples com Deus-Pai e Deus-Filho.

377
PI EMBAII EXAME NACUMÀL

PROVA-MODELO - PROVA 3

2. Entre as linhas 15 e 26. o escritor considera que Frederico Lourenço fez uma tradução : ZÜ1IK

«excecional» da Bíblia porque


(A) leu vinte textos sagrados, em várias línguas, e estudou um número razoável de críti­
cas, todas com menor qualidade.

(B) leu uma dezena de livros sagrados, em duas línguas, e estudou um número reduzido de
críticas, todas com maior qualidade.

(C) leu mais de uma dúzia de textos sagrados, em português, e estudou um número razoá­
vel de críticas, todas com maior qualidade.
(D) leu mais do que dez livros sagrados, em português, e estudou um número inesgotável
de críticas, todas com menor qualidade.

3. Entre as linhas 27 e 41, Lobo Antunes exalta as seguintes qualidades do tradutor: : ZÜ1IK

(A) compreensão do texto grego, capacidade tecnológica, modéstia e graciosidade.


(B) fé, habilidade estética, modéstia e graciosidade.
(C) fé, criatividade, imodéstia. conhecimento linguístico e inspiração divina.
(D) habilidade estética, humildade e inspiração divina.

4. Oreferente dosdeíticos pessoais sublinhadosem*[...|nuncapencontrei. nunca falei com : ZÜ1IK

ele [...]»(linha 20) é


(A) «Frederico Lourenço» (linha 18). (C) «o autor» (linha 20).
(B) «texto sagrado» (linha 16). (D) «a ele» (linha 17).

5. No contexto em que surge, e através das expressões sublinhadas, a frase «E agora, se me


permitem, vou falar um pouco da obra em apreço» (linha 14) contribui para a coesáo

(A) interfrásica. (B) têmpora l. (C) frásica. (D) referencial. : ZÜ1ICE

6. Classifique a oraçáo «que me pareceram sérios e muito bons» (linhas 22-23).

7. Identifique a funçáo sintática do pronome pessoal sublinhado em «Frederico Lourenço


consegue dar-nos a beleza única deste monumento único [...]»(linha 28).

GRUPO III ÍÍZDIIK

Em várias das suas intervenções públicas, o Papa Francisco refere-se à «globalização


da indiferença».

Num texto de opiniáo bemestruturado, com um mínimo de duzentas e um máximo de trezen­


tas e cinquenta palavras, defenda uma perspetiva pessoal sobre a problemática apresentada.
No seu texto:
- explicite, de forma clara e pertinente, o seu ponto de vista, fundamentando-o com
dois argumentos, cada um deles ilustrado com um exemplo significativo;
- utilize um discurso valorativo (juízo de valor explícito ou implícito).

378
ramKtôu?Aiii

PROVA MODELO - PROVA 4


GRUPO I
Apresente as suas respostas de forma bem estruturada.

A
Leia o poema.

Quando, Lídia, vier o nosso outono


Com o inverno que há nele, reservemos
Uni pensamento, nào para a futura
primavera, que c de outrem,
5 Nem para o estio1, de quem somos mortos,
Senào para o que fica do que se passa —
O amarelo atual que as folhas vivem
E as torna diferentes.

Ricardo Reis, «Quando, Lídia, vier o nosso outono»,


in Ricardo Reis — Poesia, 2? ed., Lisboa, Assírio & Alvim, 2007, p. 179.* 1 2 3

1 Estio: veràa.

Cnncfâ
1. Explicite de que forma as estações do ano. referidas no poema, simbolizam as fases da iíponras
vida do ser humano.

2. Esclareça o sentido dos versos 2,3 e 6 *[...] reservemos / Um pensamento [...] /[...] para o upxws
que fica do que passa», enquadrando-o na filosofia epicurista.

3. Explique o sentido dos versos 3 e 4 *[...] nõo para a futura / primavera, que é de outrem», lí pomas

3TS
PI EMBAII EXAME NACUMÀL

PRO VA-MO DELO - PROVA 4

B
Leia o texto.

Pela casa no entanto tinhani-se acendido as luzes. Já inquieto, subiu ao quarto do


filho; estava tudo escuro, tào húmido e trio como se a chuva caísse dentro. Um arrepio
confrangeu o velho, c quando chamou, a voz de Pedro veio do negro da janela; estava lá,
com a vidraça aberta, sentado fora na varanda, voltado para a noite brava, para o sombrio
5 rumor das ramagens, recebendo na face o vento, a água, toda a invernia agreste.
— Pois estás aqui, filho! — exclamou Afonso. — Os criados hào de querer arranjar o
quarto, desce um momento... Estás todo molhado, Pedro. [...]
Ele seguiu maqumalmcnte o pai à livraria, mordendo o charuto apagado que desde
essa tarde conservava na mào. Sentou-se longe da luz, ao canto do sofá, ali ficou mudo c
D entorpecido. [...]
— Estou real mente cansado, meu pai, vou-me deitar. Boa noite... Amanha falaremos
mais. [...]
A madrugada clareava, Afonso ia adormecendo — quando de repente um tiro atroou
a casa. Precipitou-se do leito, despido e gritando: um criado acudia também com uma
15 lanterna. Do quarto de Pedro, ainda entreaberto, vinha um cheiro de pólvora; e aos pés da
cama, caído de bruços, numa poça de sangue que se ensopava no tapete, Afonso encon­
trou seu filho morto, apertando uma pistola na mào.

Eça de Queirós, Os Afaros, Lisboa, Livros do Brasil, 2014, p. 746.

4. Demonstre que Pedro da Maia é uma personagem de sentimentalismo exagerado e trágico. lÉiaiiK

5. Refira o valor simbólico do espaço físico apresentado entre as linhas 1 e 2, comentando a lfjaiiK

expressividade do uso da comparação.

6. Compare o sujeito poético enamorado do texto A com este Pedro da Maia do texto B. Ezdiik

C
7. Em Os Maias. Pedro da Maia e Carlos da Maia, pai e filho, têm perspetivas e atitudes total­ lf züiik
mente diferentes relativamente ao sentimento amoroso.

Escreva uma breve exposição sobre a perspetivaçâo do amor por parte de Pedro e de Car­
los no referido romance queirosiano.

A sua exposição deve incluir:


• uma introdução ao tema:
• um desenvolvimento no qual refira o contexto da relação amorosa de Pedro com Maria
Monforte e de Carlos com Maria Eduarda. as atitudes de cada um deles e ainda o des­
fecho de cada uma dessas relações:
• uma conclusão adequada ao desenvolvimento do tema.

390
ramKtôu?Aiii

PROVA-MODELO - PROVA 4

GRUPO II

Leia o texto.
Histórias e desabafos sobre o iPhone
Um gesto, chamaram-lhe pindi. Afastamos os dedos e as coisas ficam maiores, apro­
ximamos c lá vào elas para o seu sítio. Um movimento, o discreto balanço dos gráficos
no ecrã do iPhone que faz com que pareça que estamos mesmo a interagir com objetos
físicos. O teclado virtual era odiado c gozado por quase todos. A máquina fotográfica
5 de 2 MG nào gravava vídeo. Nào tinha 3 G, o que já era claramente uma desvantagem
técnica cm 2007. Com todas as suas fraquezas, tornou-se o telefone mais famoso no dia
em que Stcvc Jobs o apresentou ao mundo.
O descarado escolheu um dia de janeiro cm que decorria a CES, a maior feira de
eletrónica de consumo do mundo. Todos os jornalistas que interessavam nesta área
li estavam cm Las Vcgas a ver as novidades. Todos nào, Jobs escolheu bem uns poucos e
convenceu-os, um a um, a irem ver uma coisa nova, supostamente sem lhes dizer sequer
o que era. Ainda hoje os que nào aceitaram sc arrependem c sào de certa forma gozados
pelos que correram o risco. Só alguns anos depois teriam a certeza de ter de facto assis­
tido a um momento histórico. Vale a pena ver essa apresentação, Jobs no seu melhor.
15 Quando estava a editar a reportagem dos dez anos para a SIC, e chegou o momento
em que é revelado o nome, a Vanda Paixào, que estava a trabalhar comigo, disse — «Até
arrepia». E dez anos depois ate arrepia.
Stcvc Jobs vai num crescendo, criando expectativa, falando do tempo que levou, da
importância que vai ter, começa por dar a entender que vai mostrar três coisas novas,
3 um telefone, um iPod (leitor de música) c um navegador revolucionário para a Internet.
Ao longo do discurso, leva facilmente a pequena multidào a concluir por si própria que
está a talar de um único aparelho.
O que Jobs c a sua equipa fizeram foi repensar o interface, a forma como nos relacio­
namos com a máquina. Criaram uma relação tátil com objetos virtuais que tem vindo
S a aperfeiçoar. Os íPhones e ate os computadores de hoje reagem à intensidade do nosso
toque c respondem com toques c vibrações na nossa pele. Na tal apresentação c notória
a forma como fala das funções de leitor, diz que é como sc tocássemos na música que
vamos ouvir. Perceberam a importância que a navegação na Internet iria ter. Só há
muito pouco tempo os brouwn de outros telefones começaram a aproximar-se do que
1 o iPhone trazia. Navegar lado a lado com um iPhone e outro qualquer aparelho fazia a
outra marca parecer uma anedota. Claro que hoje já nào é assim.
O golpe de génio seguinte seria a abertura da loja aos programadores. E de que
maneira. Qualquer tipo capaz de programar umas coisas que fizesse um programa
interessante poderia, quando muito, ganhar 30% do preço de venda. Um pouco como
X acontece com os livros, mas com os livros é pior ainda. A Apple inverteu a coisa e
passou a dar 70% aos criadores. Além disso, facilitou o processo c criou ferramentas
que ajudavam. Foi só ao fim de um ano que os programadores puderam cntào vender

331
PI EMBAII EXAME NACUMÀL

PRO VA-MO DELO - PROVA 4

os seus pequenos programas aos utilizadores de iPhone. Isto provocou uma cxplosào
de funcionalidades e de escolhas. Começaram nas 500 aplicações, depois lembro-me
U do dia cm que só de meteorologia já existiam 400 aplicações diferentes. A certa altura
houve uma guerra com a Apple c o Android a competir no número de apps disponíveis
no seu sistema. Hoje já terào ultrapassado os 2 milhões c 200 mil. E o Windows Mobile
nào descola cm boa parte porque os programadores nào investem no sistema.
Os designers da Apple acertaram cm tanta coisa que obrigaram todo o mercado a
15 seguir. A verdade c que todos, todos os telefones que hoje usamos sào um ecrã tátil
num corpo o mais fino possível. Sc olharem para as fotografias dos telefones daquele
tempo, verão uma maravilhosa profusão de cores e de designs, redondos, cm meia-lua,
quadrados, com teclas grandes ou teclas pequenas, com teclados partidos ao meio, cm
concha, em lablet, metade de cada lado. Hoje caímos numa triste monotonia, porque os
50 designers dcjobs tinham razão e ninguém inventou coisa melhor. A riqueza dos apare­
lhos de hoje está nos programas que correm, cada um usa o que precisa e o que gosta,
dos milhões disponíveis, a preços ridículos, quando nào gratuitos.
Só um ano depois chegaria a Portugal, com a versão 3 G. Dez jornalistas portugueses
tiveram que assinar um contrato que quase parecia um pacto para terem a possibilidade
55 de conhecer a máquina como deve ser durante dez dias, antes do lançamento. As notí­
cias aqui cm Portugal sobre as novas versões sào feitas como se estivéssemos a lutar con­
tra a marca, a tentar mesmo assim x fazer um trabalho decente sem os instrumentos que
têm até os bloggers cm Espanha. E um direito deles claro, mas vamos fazendo porque a
mesma marca que tomou esta dccisào soube tornar-se quase obrigatória nas notícias.
líO Uma escolha que confesso que me custa a entender.
Lourenço Medeiros, lõsáo,
(texto adaptado, consultado em 05/07/2017).

1. Quando o autor refere que «Afastamos os dedos e as coisas ficam maiores [...] faz Ezdiik
com que pareça que estamos mesmo a interagir com objetos físicos» (linhas 1-4),
a intenção é
(A) mostrar as principais funcionalidades dinâmicas do pinch.
(B) criticar todas as funcionalidades do pinch.
(C) elogiar algumas das funcionalidades do pinch.
(D) explicar todas as vantagens e desvantagens do pinch.

2. Entre as linhas 8 e 17. Lourenço Medeiros Hüiik

(A) refere o momento de agradecimento público de Steve Jobs.


(B) caracteriza de forma original o novo iPhone de Steve Jobs.
(C) descreve a estratégia de apresentação do iPhone por Steve Jobs.
(D) comenta a relação profissional entre Steve Jobs e os jornalistas.

312
ramKtôu?Aiii

PROVA-MODELO - PROVA 4

3. Entre as linhas 23 e 31,o autor salienta apocms


(A) as limitações técnicas do iPhone de Steve Jobs.
(B) as incompatibilidades de sistema do iPhone de Steve Jobs.
(C) as características estéticas do iPhone de Steve Jobs.
(D) as funcionalidades técnicas inovadoras do iPhone de Steve Jobs.

4. As expressões «[...] a Vanda Paixão [...] disse - *até arrepia’* (linhas 16-17) e «Os iPhones 0|wmK
e até os computadores de hoje reagem à intensidade do nosso toque e respondem com
toques e vibrações na nossa pele» (linhas 25-26) introduzem, respetivamente.
(A) uma sequência textual dialogai e explicativa.
(B) uma sequência textual argumentativa e descritiva.
(C) uma sequência textual narrativa e descritiva.
(D) uma sequência textual explicativa e descritiva.

5. A sequência «Só um ano depois chegaria a Portugal» (linha 53) inclui, respetivamente, g^
exemplos de
(A) dêixis temporal e espacial.
(B) dêixis pessoal e espacial.
(C) dêixis espacial e temporal.
(D) dêixis temporal e pessoal.

6. Classifique a oração sublinhada em «Uma escolha que confesso que me custa a entender» 0p]mK
(linha 60).

7. Identifique as funções sintáticas dos elementos sublinhados em «Dez jornalistas portu-


gueses tiveram que assinar um contrato que quase parecia um pacto» (linhas 53-54).

GRUPO III

Na sociedade contemporânea, o tempo livre das crianças c quase exclusivamente


dedicado às novas tecnologias, afastando-as do hábito milenar de brincar ao ar livre.

Num texto de opinião bem estruturado, com um mínimo de duzentas e um máximo de tre­
zentas e cinquenta palavras, defenda uma perspetiva pessoal sobre a ideia apresentada.

No seu texto:
- explicite, de forma clara e pertinente, o seu ponto de vista, fundamentando-o com
dois argumentos, cada um deles ilustrado com um exemplo significativo:
- utilize um discurso valorativo (juízo de valor explícito ou implícito).

393
PI EMBAII EXAME NACUMÀL

PROVA MODELO - PROVA 5


GRUPO I
Apresente as suas respostas de forma bem estruturada.

A
Leia o poema.

D. Tareja*
1
As nações todas sào mistérios.
Cada uma é todo o mundo a sós.
O màe dc reis c avó de impérios.
Vela2 por nós!

5 Teu seio augusto amamentou


Com bruta c natural certeza
O que, imprevisto, Deus fadou.
Por ele reza!

I)ê tua prece outro destino


D A quem fadou3 4o instinto teu!
O homem que foi o teu menino
Envelheceu.

Mas todo vivo c eterno infante


Onde estás c nào há o dia.
15 No antigo seio, vigilante,
De novo o cria!

Fernando Pessoa,
Lisboa, Assírio & Alvim, 2014, p. 22.

1 Tare/o: D. Teresa, mãe de D. Afonso Henriques.


2 Veia: reza; ara; cuida; protege.
3 Fadou: predestinou.

/IIÚK

1. Explique a inserção deste poema na globalidade obra Mensagem de Fernando Pessoa.


2. Justifique o pedido que é feito nos versos 3 e 4.
lÉiaiiK
3. Esclareça o sentido dos versos 11 e 12. com base no discurso lírico de Mensagem.
lí :diik
4. Caracterize o estado de alma do sujeito poético na última estrofe.

Eipníü

314
ramKtôu?Aiii

PROVA-MODELO - PROVA 5

Leia a estância seguinte do canto IX de Os Lusíadas.

93
E ponde na cobiça um freio1 duro,
E na ambição também, que indignamente
Tomais mil vezes, e no torpe2 e escuro
Vício da tirania infame3 e urgente;
Porque essas honras vãs; esse ouro puro.
Verdadeiro valor nào dão à gente.
Miihor c merecê-los sem os ter.
Que possuí-los sem os merecer.

Luís de Camòes, Os Zujsm^is (prefacio de Costa Pimpào), 4? ed.,


Lisboa, MNE, Instituto Camões, 2000, p. 410.* 5 6 7

1 Freio: peça metálica presa ãs rédeas de


um cavalo para d controlar/conduzir.
2 Torpe: desonesta.
3 f/ifame: vil; imoral.

5. Refira as críticas que Camões tece aos Portugueses neste momento de reflexão.

6. Identifique o recurso expressivo presente no primeiro verso desta estância com a devida lípomn
justificação.

7. No capítulo V do «Sermão de Santo António aos Peixes», Padre António Vieira repreende ifipomos
em particular os «pegadores».
Escreva uma breve exposição sobre esta categoria de peixes.

A sua exposição deve incluir


• uma introdução ao tema:
• um desenvolvimento em que explicite as críticas feitas por Padre António Vieira a
este tipo de peixes, bem como a sua simbologia;
• uma conclusão adequada ao desenvolvimento do tema.

385
PI EMBAII EXAME NACUMÀL

PROVA-MODELO - PROVA 5

GRUPO II

Leia o texto.

Há uma nova história da chegada dos humanos á Austrália


A análise dc mais dc 11 mil artefactos encontrados durante novas escavações cm
Madjcdbcbc, um abrigo dc pedra no Norte da Austrália, estabelece que a chegada dos
humanos à Austrália terá acontecido há 65 mil anos. Afinal, pode ter sido 18 mil anos
antes do que se pensava.

5 Uma equipa de arqueólogos escavou as camadas mais profundas dc um abrigo situado


no Norte da Austrália, onde já tinham sido encontrados vestígios importantes da mais
antiga ocupaçào humana no continente, c encontrou novas provas que reescrevem a
história dos aborígenes. Segundo o artigo publicado na revista Nature, a chegada dos
humanos à Austrália aconteceu há 65 mil anos. As anteriores estimativas sugeriam que
D este evento tinha acontecido mais tarde: algo entre há 47 e 60 mil anos.
Os trabalhos dc escavações na camada mais funda do abrigo dc rocha decorreram cm
2015 e resultaram na recolha dc mais dc 11 mil artefactos dc pedra que se encontravam
no sítio dc Madjcdbcbc. Desta vez, foram encontradas ferramentas dc pedra que desven­
dam alguns detalhes do modo dc vida destes primeiros humanos a chegar à Austrália,
lí A equipa descobriu machados dc pedra, ferramentas usadas para moagem de sementes
antigas c setas dc pedra dclicadamcntc esculpidas, entre outros achados.
«O sítio contem a tecnologia dc machados dc pedra mais antiga do mundo, as fer­
ramentas dc moagem dc sementes mais antigas conhecidas na Austrália c evidencias dc
setas de pedra finamente esculpidas, que podem ter servido dc pontas de lança», refere
N Chris Clarkson, arqueólogo da Universidade dc Quccnsland que liderou as escavações
e principal autor do artigo, num comunicado da Corporação Aborígene Gundjcihmi
sobre o estudo.
Para a rigorosa datação, os arqueólogos avaliaram cuidadosamcntc a posição dos arte­
factos, garantindo que correspondem ás idades dos sedimentos que os envolviam. Dc
S acordo com um comunicado da Nature sobre o artigo, o trabalho dc datação confirmou
a integridade cstratigráfica (relacionada com as camadas dc rochas c sedimentos) do local,
«comprovando um padrão dc aumento da idade com profundidade c fornecendo idades
que são mais precisas do que antes». A parte mais profunda da escavação terá cerca de
65 mil anos, concluiu a equipa dc especialistas, antecipando o tempo da primeira ocupa-
H çào na regiào que estava estabelecido ate agora.
«Os resultados estabelecem uma nova idade mínima para a dispersão dc humanos
modernos fora dc África c cm todo o Sul da Asia. Além disso, as descobertas indicam que
os humanos modernos chegaram ao continente antes da extinção da megafauna austra­
liana, um evento cm que a participação dos humanos tem sido questionada», refere ainda
S o comunicado.
Andréa Cunha Freitas, AÍMiíd (texto adaptado, consultado em 20/07/2017).

395
ramKtôu?Aiii

PROVA-MODELO - PROVA 5

1. Nas Linhas 5 a 10, a autora aporem


(A) revela estudos de História da Arte que motivam a atualização da informação sobre a
fisionomia dos autóctones australianos.
(B) critica a recente descoberta que motiva uma atualização da História dos autóctones
australianos.
(C) explica o recente estudo arqueológico sobre as origens dos autóctones australianos.
(D) confirma a recente descoberta arqueológica que motiva uma atualização da História
dos autóctones australianos.

2. As duas últimas frases do segundo parágrafo (linhas 8-10) mantêm entre si uma relação de a pomas
(A) diferença.
W contraste.
(C) semelhança.
(D) simultaneidade.

3. O quarto parágrafo apresenta uma citação que aporem


(A) contraria as informações fornecidas no parágrafo anterior.
(B) critica as informações fornecidas no parágrafo anterior.
(C) refuta as informações fornecidas no parágrafo anterior.
(D) confirma as informações fornecidas no parágrafo anterior.

4. Na frase «A análise de mais de mil artefactos encontrados durante novas escavações em apomos
Madjedbebe [...] estabelece que a chegada dos humanos à Austrália terá acontecido há 65
mil anos» (linhas 1-3) verifica-se a ocorrência de uma relação temporal com valor de
(A) simultaneidade.
(B) posterioridade.
(C) anterioridade.
(D) contemporaneidade.

5. Os antecedentes dos pronomes relativos sublinhados «em que podem ter servido de pon- a pontos
tas de lança» (linha 19) e «que liderou as escavações* (linha 20) são. respetivamente.
(A) «evidências* e «Chris Clarkson».
«setas de pedra* e «arqueólogo da Universidade de Queensland*.
«machados de pedra* e «arqueólogo».
(D) «ferramentas de moagem* e «a tecnologia*.

6. Identifique os tipos de dêixis presentes em «onde já tinham sido encontrados vestígios a pontos
importantes da mais antiga ocupação humana no continente» (linhas 6-7).

7. Indique o valor da oração subordinada adjetiva relativa «que podem ter servido de pontas apomos
de lança» (linha 19).

387
PI EMBAII EXAME NACUMÀL

PROVA-MODELO - PROVA 5

GRUPO III Ezdiik

«As grandes navegações do século XV, do ponto dcvista científico c tecnológico,


implicaram uni enorme passo cm frente. Foi preciso desenvolver a matemática, a astro­
nomia, a ciência náutica, modificar a forma e a vela dos navios, saber orientar-se noutro
hemisfério, com novas constelações de estrelas. (...) Quantas pessoas leram os nossos
livros de viagens, que contribuíram para mudar a forma de olhar o mundo? E quantas
saberiam que existimos como país desde 1143, com as mesmas fronteiras desde 1297?»
Teolinda Gersào, A Cidade de Ulisses, 1? ed.,
Porto, Porto Editora, 2011, p. 51.

Partindo da citação acima apresentada, e num texto de opinião bem estruturado, com um
mínimo de duzentas e um máximo de trezentas e cinquenta palavras, exponha a sua visão
sobre a importância de conhecermos a História de Portugal para a vivência esclarecida e
plena da nossa vida contemporânea.

No seu texto:
- explicite, de forma clara e pertinente, o seu ponto de vista, fundamentando-o com
dois períodos históricos exemplificativos;
- utilize um discurso valorativo (juízo de valor explícito ou implícito).

3i a
ramKtôu?Aiii

PROVA-MODELO - PROVA 6
GRUPO I
Apresente as suas respostas de forma bem estruturada.

A
Leia o poema.

.4 Largada

Foram então as ânsias c os pinhais


Transformados cm frágeis caravelas
Que partiam guiadas por sinais
Duma agulha inquieta como elas...

Foram então abraçados repetidos


A Pátria-Mãe-Viúva que ficava
Na areia fria aos gritos e aos gemidos
Pela morte dos filhos que beijava.

Foram então as velas enfunadas


mID Por um sopro viril de reacçào
Às palavras cansadas
Que se ouviram no cais dessa ilusão.

Foram então as horas no convés


Do grande sonho que mandava ser
Cada homem tào firme nos seus pés
Que a nau tremesse sem ninguém tremer.

1 Enfunadas: ctveias de vento.

1. Explique de que modo os versos 1 e 2 recriam contexto dos Descobrimentos portugueses. l£pontos

2. Caracterize o estado de alma de quem se encontrava no «cais» desta «Largada», com base lípms
nos versos 5 a 12.

3. Explicite o que desencadeou o enchimento das velas, de acordo com o conteúdo da tercei- l£ponoas
ra estrofe.

4. Caracterize o estado de alma de «cada homem» que embarcava nessa hora, tendo em conta a potros
o conteúdo da última estrofe.

399
PI EMBAII EXAME NACUMÀL

PROVA-MODELO - PROVA 6

Leia o texto.

O velho cerrara os olhos, como sc desfalecesse, estendendo a mào para sc apoiar. Ega
correu para ele:
— Nào sc aflija, sr. Afonso da Maia!
— Que queres cntào que faça? Onde está ele? Lá metido, com essa mulher... Escusas
5 de dizer, cu sei, mandei espreitar... desci a isso, mas quis acabar essa angústia.,, e esteve
lá ontem ate de manhã, está lá a dormir neste instante... e foi para este horror que Deus
me deixou viver ate agora!...
Teve um grande gesto de revolta e de dor. De novo os seus passos, mais pesados, mais
lentos, se sumiram no corredor. [...]
D Defronte do Ramalhete os candeeiros ainda ardiam. Abriu de leve a porta. Pé ante pé,
subiu as escadas ensurdecidas pelo veludo cor de cereja. No patamar tateava, procurava
a vela, quando, através do reposteiro entreaberto, avistou uma claridade que sc movia no
fundo do quarto. Nervoso, recuou, parou no recanto. O clarão chegava, crescendo; passos
lentos, pesados, pisavam surdamente o tapete; a luz surgiu — c com ela o avó cm mangas
15 de camisa, lívido, mudo, grande, espectral. Carlos nào sc moveu, sufocado; e os dois olhos
do velho, vermelhos, esgazeados, cheios de horror, caíram sobre ele, ficaram sobre ele,
varando-o até às profundidades da alma, lendo lá o seu segredo. Depois, sem uma palavra,
com a cabeça branca a tremer, Afonso atravessou o patamar, onde a luz sobre o veludo
espalhava um tom de sangue — c os seus passos perderam-se no interior da casa, lentos,
N abafados, cada vez mais sumidos, como sc fossem os derradeiros que devesse dar na vida!
[ 1
Outra vez lhe palpava o coração... Mas estava morto. Estava morto,já frio, aquele
corpo que, mais velho que o século, resistira tào formidavelmente, como um grande
roble, aos anos e aos vendavais. Ah morrera solitariamente,já o Sol ia alto, naquela tosca
mesa de pedra onde deixara pender a cabeça cansada.
Eça de Queirós, Os Afaías, Lisboa,
Livros do Brasil, 2014, p. 666.

5. Selecione no excerto três recursos linguísticos ao serviço da caracterização trágica do lípomie


protagonista Afonso da Maia.
6. Comprove, com recurso a expressões textuais, que o encontro entre Afonso e Carlos da lípana
Maia decorre num cenário repleto de indícios trágicos.

390
ramKtôu?Aiii

PROVA MODELO - PROVA 6

7. Na poesia de Fernando Pessoa ortónimo encontramos a temática da nostalgia da infância, uspwms

Escreva uma breve exposição sobre tal temática, referindo duas características que a con­
sigam espelhar.

A sua exposição deve incluir:


• uma introdução ao tema:
• um desenvolvimento no qual explicite as referidas características, fundamentando-as
com. pelo menos, um exemplo significativo;
• uma conclusão adequada ao desenvolvimento do tema.

391
PI EMBAII EXAME NACUMÀL

PROVA-MODELO - PROVA 6

GRUPO II

Leia o texto.

Estudos dizem que viajar pode ser o segredo para uma vida mais longa
Quem tenta prová-lo é June Scott, uma apaixonada por viagens com 86 anos. Quando
lhe perguntam onde vive, a resposta, em tom dc brincadeira, é simples — «esta manha ou
cm viagem?».
June já visitou os sete continentes e 87 países e promete nào parar. A sua casa fica cm
5 Illmois, nos Estados Unidos, c é para lá que vai quando regressa dc viagem. As suas últi­
mas paragens foram a Palestina e Israel, depois dc uma passagem por Cuba. Em dezem­
bro, teve uma experiência a que chamou única: dormiu numa tenda no maior deserto
dc areia do mundo — o RubL alKhali, que abrange áreas da Arábia Saudita, dc Omã, dos
Emirados Árabes Unidos c do Icmen — muitas vezes considerado um dos lugares menos
M explorados do planeta. E, no verão passado, sobrevoou a Costa dos Esqueletos, na Namí­
bia, num pequeníssimo avião.
Mas June nào c só uma avó com um passaporte recheado — c uma das participantes
dc um estudo sobre Swper/ljçmjç, da Universidade Northwcstcrn, cm Illmois. Swper/lpní’
é um termo que se aplica ao «bom envelhecimento», isto é, à maneira dc envelhecer sem
lí perder capacidades mentais ou de memória. Os Super/lgim (termo aplicado pelo neu­
rologista Marscl Mcsulam) são idosos cuja memória e atenção não estão simplesmente
acima da media para a idade, mas equivalem a pessoas quatro ou cinco décadas mais novas.
À medida que a maioria dos seres humanos envelhece, os seus cérebros vão enco­
lhendo, o que leva a uma perda das capacidades intelectuais c cognitivas. Pelo contrário,
N os Swpcr/lçefs como June perdem menos volume de cérebro.

Mas afinal o que têm as viagens a ver cotn o caso?

June Scott dir-lhe-á que as viagens a mantém viva e efetivamente mais nova.
Durante o verão, June c a família nào alugavam, como muitos outros, uma casa na
praia para as crianças poderem brincar. Ela, o mando c os filhos percorriam os parques
S nacionais norte-americanos. Quando eram novos, June ficou cm casa a tomar conta
deles. Só aos 40 se tornou professora. Mas nunca deixou dc viajar. Durante a suajá longa
vida, June Scott conviveu com gorilas cm Ruanda, e seguiu a sua árvore genealógica até
à antiga Checoslováquia.
Claro que nem todos os Snper/I^ers são apaixonados por viagens. No entanto, o estudo
H sugere que «os Swper/ljjers tendem a ser socialmente ativos, mesmo quando fazem volun­
tariado com os sem-abrigo, participam cm grupos da igreja, jogam cartas, leem histórias
às crianças pequenas. E alguns, como June Scott, sào viajantes ávidos», conclui Enuly
Rogalski. Aliás, as conversas fazem com que os cérebros funcionem.
Segundo esta apaixonada por viagens, as suas aventuras «abrem-lhe a visão c a forma
S de pensar».

392
ramKtôu?Aiii

PROVA MODELO - PROVA 6

Os pesquisadores acabam por concordar, já que os cérebros se enriquecem com novi­


dades e desafios. «Anteriormente pensava-se que nascíamos com uma certa quantidade
de neurônios e que esse número ia diminuindo», diz Rogalski. «Agora, estamos a chegar
à conclusão de que talvez não seja bem assim».
tf June assume ser uma felizarda por ter os meios c a energia suficientes para alimentar
a sua vontade de viajar e a constante procura de novas aventuras. «Quando não tenho
bilhetes de viagem na gaveta, sinto que estou a caminhar para a morte». Apesar de todas
as adversidades e dificuldades que vai encontrando pelo caminho, quando chega a um
lugar sente que os esforços compensam. «Eu acredito nas viagens. E acho que mais c mais
pessoas deveriam faze-las, para que possamos todos ser embaixadores do mundo em que
vivemos», afirma.
www.voltaomundo.pt
(texto adaptado, consultado em 7 de janeiro de 2019).

1. Os dois primeiros parágrafos apresentam Jane Scott, uma aficionada em viagens, que Bpuns
vivia
(A) em Inglaterra.
(B) nos Estado Unidos da América.
(C) em França.
(D) na Palestina.

2. A frase interrogativa presente na linha 21 Bpnm


(A) questiona o conceito de SuperAging.
W introduz a conclusão sobre a relação entre viagem e envelhecimento.
introduz a explicação da relação entre viagem e envelhecimento.
(D) introduz a crítica subjetiva sobre a relação entre viagem e envelhecimento.

3. Entre as linhas 23 e 28. o autor fornece-nos as duas seguintes informações sobre Jane Bpuns
Scott:
(A) fazia viagens de Natureza em família e visitou locais onde viveram os seus antepas­
sados.
(B) fazia turismo selvagem com o marido e viajou até parques nacionais em Ruanda.
(C) caminhava com os filhos e marido na antiga Checoslováquia e conheceu os locais onde
os seus antepassados viveram.
(D) parou de viajar enquanto os filhos eram novos e mais tarde, quando eles cresceram,
viajou até ao Ruanda com o marido.

4. 0 uso de parênteses nas linhas 15-16 serve para apresentar Bpnm


(A) uma definição. (C) um contraste.
(B) uma confirmação. (D) uma enumeração.

393
PI EMBAII EXAME NACUMÀL

PROVA-MODELO - PROVA 6

5. No último parágrafo, a reprodução do discurso direto BpfllUH

(A) mostra-nos as dificuldades vividas por Jane Scott.


(B) permite-nos perceber o sarcasmo de Jane Scott.
(C) permite-nos perceber os sentimentos e as opiniões de Jane Scott.
(D) revela-nos os projetos futuros de Jane Scott.

6. Identifique a funçáo sintática do elemento sublinhado na frase «E alguns, como June Bprtm
Scott, sáo viajantes ávidos», concluí Emily Rogalski.» (linhas 32-33).

7. Classifique a oração «já que os cérebros se enriquecem com novidades e desafios» (linhas
36-37).

GRUPO III

«Quanto mais vivemos, c vamos acumulando diferentes experiências, assim mais


aprendemos, c isto é tào lógico c sabido que é escusado relembrar, mas agora já está.»
Rodrigo Cuedes de Carvalho, O Pianista dc Hotel, 6? ed., Lisboa,
Publicações D. Quixote, 2017, p. 176.

Partindo da citaçáo acima transcrita, e num texto de opiniáo bem estruturado, com um
mínimo de duzentas e um máximo de trezentas e cinquenta palavras, defenda uma perspeti­
va pessoal sobre o facto de na vida humana estarmos constantemente a aprender e a ama­
durecer com experiências que vamos vivendo ao longo dos tempos.

No seu texto:
- explicite, de forma clara e pertinente, o seu ponto de vista, fundamentando-o com
dois argumentos, cada um deles ilustrado com um exemplo significativo;
- utilize um discurso valorativo (juízo de valor explícito ou implícito).

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PROVA-MODELO - PROVA 7
GRUPO I

Apresente as suas respostas de forma bem estruturada.

Leia o poema.

Padrão
O esforço é grande c o homem c pequeno.
Eu, Diogo Cão1, navegador, deixei
Este padrão ao pé do areal moreno
E para diante naveguei.

5 A alma é divina c a obra é imperfeita.


Este padrão2 sinala ao vento c aos céus
Que, da obra ousada, c minha a parte feita:
O por-fazer é só com Deus.

E ao imenso e possível oceano


Ui Ensinam estas Quinas3, que aqui vés,
Que o mar confim será grego ou romano:
O mar sem fim c português.

E a Cruz ao alto diz que o que me há na alma


E faz a febre em mim de navegar
15 Só encontrará de Deus na eterna calma
O porto sempre por achar.
Pemando Pessoa, «Padrào», in Afensaçem, I.isboa,
Assírio & Alvim, 2014, p. 51.

1 Drogo Còo: navegador português do século XV, que explorou a Zaire [atual República Democrática do Congo, África Central).
2 Púdrõo: coluna de pedra colocada pelos navegadores/descobridores dos Descobrimentos para assinalar a presença
e o domínio político-religioso português.
3 Quinas: referem-se ao cinco escudos representados na bandeira portuguesa. Simbolizam as cinco chagas de Cristo.

1. Evidencie de que forma a primeira quadra fornece informações contextuais que preparam lfipomE
as reflexões das restantes estrofes.

2. Com base nos versos 5 e 8. caracterize o humano e o divino. lípont»

3. Esclareça o{s) sentido(s) da terceira estrofe à luz dos valores simbólicos da obra Mensagem, lí pontos

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PI EMBAII EXAME NACUMÀL

PROVA-MODELO - PROVA 7

Leia o texto.

CENA IX
Manuel de Sousa, Madalena, Teimo, Miranda e outros criados, entrando apressadamente
Teimo — Senhor, desembarcaram agora grande comitiva dc hdalgos, escudeiros c solda­
dos, que vem dc Lisboa c sobem a encosta para a vila. O arcebispo nào é decerto,
que já está há muito no convento; diz-se por aí...
5 Manuel — Que sào os governadores? (TeimoJaz um sinal afirmativo) Quiseram-me enga­
nar, e apressam-se a vir hoje... parece que adivinharam... Mas nào me colhe­
ram desapercebido. (C/iumu à porta da esquerda) Jorge, Maria! ( Io/ííj para a cena)
Madalena, já,já, sem mais demora.

CENA X
Manuel de Sousa, Madalena, Teimo, Miranda e outros criados;Jorge e Maria, entrando
D Manuel — Jorge, acompanha estas damas. Teimo, ide, ide com elas. (Para os outros criados)
Partiu já tudo, as arcas, os meus cavalos, armas e tudo o mais?
Miranda — Quase tudo foi já; o pouco que falta está pronto e sairá num instante... pela
porta de trás, se quereis.
Manuel — Bom; que saia. (/I um sinal de Miranda saem dois criados) Madalena, Maria: nào
15 vos quero ver aqui mais. Já, ide; serei convosco cm pouco tempo.

CENA XI
Manuel de Sousa, Miranda e os outros criados
Manuel — Meu pai morreu desastrosamente caindo sobre a sua própria espada. Quem
sabe se eu morrerei nas chamas ateadas por minhas mãos? Seja. Mas fique-se
aprendendo cm Portugal como um homem dc honra c coração, por mais pode-
N rosa que seja a tirania, sempre lhe pode resistir, cm perdendo o amor a coisas tào
vis c precárias como sào esses haveres que duas faíscas destroem num momen­
to... como c esta vida miserável que um sopro pode apagar cm menos tempo
ainda! (/IftWm/j duas tochas das màos dos criados, corre à porta da esquerda, atira com
uma para dentro; e vé-se atear logo unui labareda imensa. lui ao fundo, atira a outra
S tocha; e sucede o mesmo. Ouve-se alarido de fora)
Almeida Garrett, Frei Luís dc Sousa (Ato I), Prefacio de Annabela Rita, Porto,
Edições Caixotini, 2004, pp. 102-104.

4. De acordo com este excerto, evidencie a relação existente entre Manuel de Sousa Couti-
nho e as restantes personagens.

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PROVA-MODELO - PROVA 7

5. Mostre que a última fala de Manuel de Sousa Coutinho está ao serviço da exaltação lipomas
patriótica.
6. Prove, com elementos textuais, que a linguagem usada por Manuel está ao serviço das apomos
suas emoções.

7. No «Sermáo de Santo António aos Peixes*. Padre António Vieira louva em particular o lípomos
peixe *quatro-olhos*.
Escreva uma breve exposiçõo sobre esta categoria de peixe.

A sua exposição deve incluir


• uma introdução ao tema;
• um desenvolvimento no qual explicite as críticas feitas por Padre António vieira e a(s)
simbologia(s) deste peixe;
• uma conclusão adequada ao desenvolvimento do tema.

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PI EMBAII EXAME NACUMÀL

PROVA-MODELO - PROVA 7

GRUPO II

Leia o texto.

Michael Phelps compete com um tubarão


São um dos mais rápidos c eficientes predadores dos mares, os tubaròcs. Sào 23
medalhas olímpicas c 39 recordes mundiais que fazem dele o campeão da água, Michael
Phelps. O norte-americano, que já bateu todos os recordes frente a outros humanos, viu
nos tubarões adversários à altura c nadou 100 metros contra um tubarào branco para o
5 Discovery Channel, que esta semana recebe a Shark Week.
Entre 23 c 30 de julho em Portugal, o tema tubarões volta a ocupar a grelha do canal
como faz desde o final dos anos 1980 nos EUA. Na edição deste ano sào 18 programas
inéditos que todas as noites, depois das 21 h, vão encher o ccrà de tubarões.
Parajá, recuemos a 1975. Foi há mais de 40 anos que o blockbusler de Steven Spielberg
D deixou o mundo com medo de O tofwrào ~ influenciando a opimào pública quanto ao
seu perigo. «Os tubaròcs sào a espécie com menos ataques mortíferos cm termos esta­
tísticos. Os insetos, as aranhas e outros animais provocam mais fatalidades anualmente
do que os tubaròcs», esclareceu o biólogo João Correia na sexta-feira, na apresentação
da Shark Week num veleiro no no Tejo. Para tentar acabar com mitos c alertar para a
15 necessidade de conservação da espécie, dizimada pela pesca descontrolada e pela degra­
dação dos seus habitats, o Discovery Channel criou uma semana de programação espe­
cial com os tubarões como protagonistas.
Foi no Vcrào de 1988 que aconteceu a primeira Shark Week, uma semana com pro­
gramação especial que micialmente tinha um caráter mais informativo e que com os
N anos se foi aproximando do tom do entretenimento. Este ano, c pela primeira vez, a
Shark Week passa cm simultâneo cm 72 países no Discovery Channel. Dos 18 conteú­
dos inéditos da programação, dois contam com a participação do atleta olímpico, Escola
de Tubarões c Phelps vs Tubarào.
O arranque faz-se este domingo com Escola de Tubarões ~ quando Michael Phelps,
S antes de enfrentar um tubarào, faz um curso intensivo com os especialistas Doc Crubcr
e Tristan Cuttridgc. Phelps vai aprender a nadar cm segurança entre estas criaturas,
inclusive quando um tubarão-martelo passa a escassos centímetros da sua cara. No pró­
ximo domingo, a maior atração: o duelo entre as duas máquinas da natureza, o tubarào
branco e o rapaz de Baltimore, Michael Phelps.
ü Para além destes documentários, o canal acompanhará por exemplo uma viagem até
uma praia na costa da Califórnia onde um tubarão branco tem atacado a cada dois anos
desde 2008 (O .4í<i</ue do Tubarào Branco, dia 24), tentando identificar o animal através
de tecnologia satélite.
Marisa Ferreira, Público (texto adaptado, consultado em 23/07/2019).

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PROVA-MODELO - PROVA 7

AP:™

1. De acordo com o primeiro parágrafo, a decisão de Michael Phelps foi motivada


(A) pelo puro prazer desportivo.
(B) pela superação de um desafio para além do humano.
(C) pela superação de um recorde pessoal contra um animal.
(D) pela intenção de igualar um recorde de um surfista.
apTjiii

2. A opinião do biólogo João Correia


(A) desmistifica a ideia trazida pelo filme de Spielberg.
(B) desmistifica a caça ao tubarão.
(C) acompanha a ideia do filme de Spielberg.
{D) exemplifica a ideia do filme de Spielberg.
apzFjii

3. Os dados estatísticos provam que os ataques mortíferos


(A) dos tubarões são menos frequentes do que os dos insetos.
(B) dos insetos são menos frequentes do que os dos tubarões.
(C) dos outros animais são tão frequentes como os dos tubarões.
(D) das aranhas são mais frequentes do que os dos outros animais.
apziíjii

4. As duas primeiras frases do texto estabelecem uma relação de


(A) contraste
(B) ênfase.
(C) paralelismo.
(D) antonímia.
apzFjii

5. O antecedente do pronome relativo sublinhado em <[...] que esta semana recebe a Shark
Week» (linha 5) refere-se a
(A) «Michael Phelps*.
(B) «O norte-americano».
«tubarões adversários».
(D) «o Discovery Channel».
apziíjii

6. Indique o valor da oração subordinada adjetiva relativa presente em «que esta semana
recebe a Shark Week» (linha 5).

7. Classifique a oração subordinada presente em «o tema tubarões volta a ocupar a grelha


do canal como faz desde o final dos anos 1980 nos EUA» (linhas 6-7).

399
PI EMBAII EXAME NACUMÀL

PROVA-MODELO - PROVA 7

GRUPO III Upanift

«Pelo sonho c que vamos» é uni verso de um dos poemas de Sebastião da Gama.

Num texto de opinião bem estruturado, com um mínimo de duzentas e um máximo de


trezentas e cinquenta palavras, defenda uma perspetiva pessoal sobre a ideia apresentada
neste verso.

No seu texto:
- explicite, de forma clara e pertinente, o seu ponto de vista, fundamentando-o com
dois argumentos, cada um deles ilustrado com um exemplo significativo;
- utilize um discurso valorativo (juízo de valor explícito ou implícito).

400
NITOCtâ 12? AM

PROPOSTAS DE RESOLUÇÃO
RICHA 3 (p. 16)
Educação literária • 1O.° Ano
L A primeira parte corresponde às duas primeiras estrofes e
FICHA l(p. 13) inclui as perguntas feitas pela Mãe; a segunda parte integra
as estrofes 3 e 4. pois nelas estão inseridas as respostas da
L Trata-se de um diálogo, uma vez que existe discurso direto,
filha; a terceira parte diz respeito às duas últimas estrofes,
quando a donzela diz -Ai flores, ai flores do verde pino. / Se
em que sobressai a resposta da Mãe. experiente e arguta,
sabedes novas do meu amigo?» (versos 1-2), desejando obter
que diz à jovem que nunca «cervo» foi causa de tal demora
uma resposta. Por Dutro lado, testemunhamos tal resposta no
na fonte.
discurso direto das «flores»: «- Vós preguntades polo voss'
amigD / E eu bem vos digo que é san'e vívd.» (versos 13-14) L Uma filha jovem foi à fonte com o objetivo de se encontrar

2. Estamos perante uma personificação das «flores». vistD que com o seu amigo e demorou-se mais do que d costume. Che­
gando a casa, a Mãe pergunta o motivo da demora e a jovem
a elas são atribuídas propriedades humanas, tais como a fala/
interlocução, como se verifica em «- Vós preguntades polo afirma que um animal selvagem («cervo») agitou as águas e
eh teve de esperar que ele se fosse embora. A Mãe. por sua
voss amigo/E eu bem vos digo (...)»(versos 13-14).
vez, reconhece a mentira e verbaliza-o claramente.
1 0 tema desta composição poética prende-se com a angús­
3. 0 1? e o 2? dísticos têm o mesmo sentido, apenas mudan­
tia de uma jovem enamorada que quer saber onde está o
seu amado. Quanto ao assunto, trata-se de uma jovem com
do as palavras que rimam; no 3? dístico, o 1/ verso retoma
saudades e dúvidas acerca dos sentimentos e do regresso o Za verso do 1? dístico (com acréscimo de apóstrofe feita
do seu amado. Dirige-se a elementos da Natureza, no caso a «mia madre»; o 4/ dístico retoma {em sentido) o 2.° verso
«flores do verde pino», tentando saber do seu paradeiro. do l.° dístico; o pensamento lógico da cantiga progride sem­
Neste sentido, as flores pronta mente a informam de que ele pre no 2.a verso de cada estrofe ímpar: «por que tardastes
se ausentou, mas está prestes a regressar e irá faze- lo antes na fontana fria?» {verso 2); «cervos dü monte a áugua volvfi]
dü prazo combinado. am» {verso 8); «nunca vi cervo que volvesse o rio» (versD 14);
d texto tem um número par de estrofes.
4. A jovem/amiga está muito insegira. saudosa e cética relativa­
mente ao regresso do seu amado. A sua expectância revela-se na 4. As apóstrofes confirmam d diálogo, e o binómio pergunta/
constante repetição do refrão. As «flores do verde pino», na sua resposta não deixa margem para dúvidas: «filha, mia filha
qualidade de confidentes, revelam-se cabnas, apaziguadoras, velida»; «filha, mia filha louçana»; «mia madre»;«mia filha».
fornecendo informação que tomara a menina mais confiante. 5. 0 recurso expressivo é a aliteração do som consonântico
5. Neste poema encontram-se temáticas que confirmam a sua «f» em «fria fontana» / «fontana fria», cujo valor expressivo
pertença ao género Cantigas de Amigo: a presença da Nature­ pode prender-se com a frescura do lugar onde os amantes se
za amiga e confidente da jovem enamorada, que se sente sau­ encontravam, propício à aproximação dos corpos, ou ainda
dosa e enganada pelo seu amado; o amor com seus encontros com movimentações da água da fonte.
e desencontros; o sujeito poético é típico também: uma jovem; K. Em «Cervos do monte a áugua volv[i|am» vemos uma anás-
a ruralidade/o cenário campestre; a saudade, que pressupõe trofe ao serviço da desorganização dü mover das águas, re­
ausência; a presença de um refrão que dá forma a um tom mu­ fletida na intensidade dos amores vividos.
sical inequívoco. I Nas estrofes 5 e 6 percebemos claramente a sabedoria em­
fi. Vejamos as razões que dão vida às várias formas de parale­ pírica da Mãe. sendo que a utilização do advérbio «nunca»
lismo. que inclui o íetxo-pren: Primeira, os l.B e 2.D dísticos na sequência «nunca vi cervo que volvesse d rio» (verso 14)
reproduzem d mesmo sentido, com palavras rimantes apresenta u m arg umento impossível de ser contrariado pela
diferentes («amigo/comigD», «amado/jurado». Segunda, no 3.° jovem: a Mãe experiente provavelmente já passou pelo mes­
dístico, o 1/ verso retoma o ZD verso do 1? dístico («Se sabe­ mo na juventude e agora conhece bem «os a mores» da f i lha.
des novas do meu amigo») - íetxo-pren, portanto. Terceira, o I. a) Movimento - aliterações do som «v» («cervos dü monte
4.* dístico retoma o Z" verso do 2.° dístico («se sabedes novas a áugua volv[i|am» - verso 8) e «s» {«nunca vi cervo que vol­
do meu amado»)i Quarta, cada 2.3 verso das estrofes ímpares vesse o rio» - verso 14}_ b) Lamento - aliteração do som «m»
faz progredir a linha de pensamento subjacente a esta cantiga, («Mentir, mia filha, mentir por amado» - verso 16). que revela
como se vê reproduzido a seguir: (l)«se sabedes novas do meu uma certa tristeza da Mãe por perceber que a filha lhe está a
amigD»; (3) «Aquele que mentiu do que pôs conmigD»; {5) «E mentir, c) Alegria, entusiasmo e nervosismo - assonância do
eu bem vos digo que é san'e vivo»; (7) «será vdsco antb prazo som vocálico «i», como em «(...) filha, mia filha velida» (verso
saído». Qjuinta. a composição poética tem um número par de D/ «Tardei, mia madre, na fontana fria,» {verso 7) / «cervos
estrofes/coblas {no caso. 8).
do monte a áugua volvfijam »(verso 8) - alegria, entusiasmo
I a) F - redondilha menor; b) V. e algum nervosismo da menina ou «nunca vi cervo que vol­
U metátese («pre» - «per»); síncope («tades - taes > tais). vesse o rio» (versD 14) - nervosismo da Mãe por estar a con­
frontar a filha coma mentira.
FICHA 2 (p. 15) 1 Os vocábulos são: «fontana»; «cervos»; «monte»; «áugua»;
1. 0 assunto é o sofrimento de amor por uma jovem apaixonada «rio»; «alto».
devido à ausência do seu amado.
2. Os dois sentimentos são «cuidado» (preocupação, ânsia cons­ ACHA 4 (p. 18)
tantes) e «desejo» (desejo carnal, revelando erotismo). 1. Pelo título, percebemos que o autor vai imitar «a maneira
J. A palavra que melhor exemplifica a «coita de amor» é «coita­ proençal», isto é. como os seus contemporâneos de Proven-
da». ou até «cuidado» (versos 1 e 5). ça (sul de França) vai louvar uma mulher, servindo-se dos
4.0 sentido é o da visão, pois o sofri mento de amor agudiza-se mesmos modelos de conteúdos e estilo {vocabulário e sinta­
porque não o vê («e nom vejo» - versD 6). xe eruditos, como, por exemplo, «a que prez nem fremDsura
5. Aliteração do som «m». que instaura sentimentos de lamentD e nom fal» (verso 4). «comprida de bem» (verso 6) e «comuna I»
queixume, associados ao sofrimento provocado pela ausência (verso 11).
do amado. L 0 cenário é o da corte ou. pelo menos, palaciano.

401
PIEMUII EUHE NACIINAL

1 0 sujeito está subentendido na forma verbal em *e querrei fere desejos que são. ao que tudo indica pela atitude da se­
muit'i loar mia senhor*, citação que identifica o objeto: a mu­ nhora, inconcretizáveis: «Se eu podesse desamar / a quem me
lher a mada/a sua dama. sempre desamou* (versos 1 -2) - o tempo não volta atrás, daí a
4. «fremosura», «bondade», «comprida de bem», «sabedor de impossibilidade de tornar este desejo reat «podess algum mal
todo o bem», «gram valor» «falar mui bem», «rir melhor», buscar/a quem me sempre mal buscou* (versos 3-4) - como d
«leal», por outras palavras, só louvores e exaltação de suas pode fazer ele. se ainda a ama e deseja?
qualidades de beleza física, nobres e altruístas. 5. Primeiro, «Assi me vingaria eu» - resultado do seu sofrimentD;
41 Os exemplos de comparação são os seguintes: «(-.) mais segundo. «E por esto non dórmio eu» - conclusão retirada da
que todas las do mundo vai» (verso 7). que o faz acreditar «coita», isto é, a insónia constante; terceiro. «E logo dormiria
que todas as mulheres do mundo valem muito menos do que eu» - ideia à qual será dada continuidade posteriormente, res­
a sua «senhor» e ainda «(-.) e riir melhor / que outra molher» tabelecendo nele um sono reparador; quarto, «e por este lazei-
(versos 17-18). sequência em que as qualidades naturais da ro eu» - explicação final do seu queixume e do seu desespero
amada sobressaem, fazendo-a superior a todas as outras. sofrido.
(. Do ponto de vista psicológico, esta amada revela-se indiferen­
í. As três partes lógicas em que se pode dividir esta cantiga de te e inconscientemente cruel (ao saber do seu apaixonado e ao
amor correspondem a cada uma das três sétimas. Assim, na não lhe corresponder em nada), portanto causadora de distúr­
primeira estrofe, o autor diz o que quer fazer - «um cantar bios e confusão no sujeito poético desta cantiga.
d'amor, / e querrei muit'i loar mia senhor» (versos 2-3), «le­ I Este poema tem 28 versos, distribuídos em quatro sétimas,
vantando □ véu» sobre algumas das suas qual idades que jus­ por sua vez divididas em quintilhas a que se acrescenta o dísti­
tificam o seu objetivo poético; na segunda estrofe «Ca» (por­ co com o papel de refrão.
que - verso 8), o sujeito poético começa a listar os motivos 1.0 esquema rimático desenha-se em obabcob. correspondendo
que exaltam a superioridade da amada; na terceira estrofe a a rima cruzada e interpolada.
nova seleção de «Ca» (verso 15) dá continuidade aos novos
du renovados motivos que o levam a cantar sua «senhor», por FICHA 6 (p. 22)
tantas e tantas qualidades que a colocam quase num pedes­ L Considerando apenas o título, percebemos de imediato pela
tal em relação às demais. apóstrofe à senhora («dona fea») que d trovador vai exaltar
Z a) e d) correspondem às respostas corretas, visto que o amor não as suas qualidades, mas eventualmente os seus defeitos
cortês (da corte e com toda a «mesura») confirma o cenário e ou características deveras criticáveis.
o estilo escolhidos pelo trovador (homem/amador) - a corte, L «dona fea» sempre se queixou de não ter sido louvada/cantada
característica típica da «maneira proençal». nas composições deste trovador.
I. c) contém os fenómenos que descrevem corretamente os 3. Os dois recursos expressivos usados em «dona fea, velha e
processos f Dnológicos nas três palavras citadas: «ri ir» - cra­ sandia!» são: apóstrofe e dupla adjetivação, sendo que todos
se. pois duas vogais contíguas dão lugar a apenas uma: «rir»; eles presentificam e realçam as características negativas
«mia» - palatalização, pois o ditongo vai dar lugar {por moti­ desta mulher.
vos articulatórios) à criação de «nh»; «minha»; «mui» - para-
4. Nd seu raciocínio lógico de responder agora mesmo às críticas
gDge, porque se trata de acréscimo de fonema/grafema no
final da palavra:«muito». de falta de louvor feitas pela senhora, o sujeito diz que a vai
finalmente louvar - o sarcasmo advém do factD de lhe atri­
buir não as qualidades que ela esperava, mas, pelo contrário,
FICHA 5 (p. 20)
a verdade dos seus traços físicos e psicológicos comicamente
L Esta cantiga retrata a «coita de amor», uma vez que se trata negativos.
do sofrimento amoroso de alguém que quis, amou e desejou 5. A confirmação encontra-se na sequência «em meu trobar, pero
uma mulher, mas esta sempre o desprezou, renegou e lhe fez
muito trobei;» (verso 14).
muito mal.
í. 0 vocábulo «loar» (e outros da sua família) é utilizado nove ve­
L A primeira estrofe surte efeitos de introdução e explicação
zes: «louv'en[o]» (verso 2); «loarei* (verso 4); «loar» (verso 5);
prévia, dado que nela □ sujeito formula o seu desejo inicial
«loe» (verso 9); «loar» (verso 10); «loaçom* (verso 11); «loei»
(conseguir deixar de a amar), a partir do qual apresenta os (verso 13); «loarei» (verso 16); «loarei» (verso 17).
motivos, sobretudo o de devolver à amada todo o mal que ela
lhe tem feito e continua a fazer. Estas ideias confirmam-se 1 Nas cantigas de amor, o trovador louva a dama, que se mostra
nD refrão. Neste sentido, as restantes estrofes da cantiga altiva e se encontra numa espécie de patamar superior. Por
são espaço no qual o sujeito elenca detalhadamente o que isso mesmo ele lhe revela os seus sentimentos amorosos com
queria fazer para mudar o seu atual estado de espírito de toda a «mesura». Pelo contrario, nesta cantiga depreende-se
«coita de amor» pura e quase inacabável. Percebe-se, no fi­ que a senhora se queixou de falta de louvor por parte do tro­
nal. que a vingança ajudá-lo-ia a libertar-se desta «senhor*. vador. Ora, para satisfazer os desejos da senhora queixosa, d
mesmo trovador louva-a à sua maneira: enfatiza todos os de­
1 Na segunda estrofe, o sujeito poético afirma que sozinho não
feitos que nela encontra.
pode (des)enganar o seu coração, que o ludibriou ao apaixo-
nar-se pela amada, o que lhe retirou sono e lhe deu desnorte I. Trata-se de uma cantiga de refrão, constituída por 3 estrofes
total. Mais: perentoriamente diz que sozinho não pode deixar ou glosas com 5 versos (quintilhas). Os versos são predomi­
de desejar a amada, que, veja-se a ironia, nunca o desejou. Na nantemente decassilábicos - «Ai/ do/na/ fe/a/, fos/tes/vos/
terceira estrofe, o sujeito pede a Deus que a «desampar», ou quei/xar/»; e o refrão é um monóstico octossilábico - «do/na/
seja, não lhe dê apoio, assim como ela não o apoiou, pedindo fe/a/ ve/lha e/ san/di/a». 0 esquema rimático é oaobaò. cor­
também que a perturbe, tal como ela mesma o perturbou e in­ respondendo a rima emparelhada e rima cruzada.
comodou. Conclui, depois disto, que assim dormiria bem. Na
FICHA 7 (p. 24)
quarta estrofe, existe um lamentD inequívoco e uma desespe­
rada intenção de lhe perguntar, olhos nos olhos, por que razão LI «Quem quiser dormir a sesta, vou chamá-lo à razão, depois
esta mulher lhe roubou o coração e o fez amá-la, se nunca hou­ do almoço decida-se por ir à cozinha do «jovem nobre».
ve correspondência da parte dela. L!A ação é a de dormir a sesta; a hora é a seguir ao almoço-, o
4. Seguem dois exemplos que provam que o sujeito poético pro­ local exato é a cozinha do jovem nobre.

402
NITOCtâ 12? AM

1.3 Crítica: se o local escolhido é a cozinha, as pessoas deviam LI «A gente começou de se juntar a ele e era tanta que era estra­
usá-la para comer e lavar a loiça, mas o sujeito poético acon­ nha cousa de ver> (linha 11).
selha a ir «tanto que jante», para não ter fome. Neste caso, 1 Conseguimos verificar a presença desses vários membros düs
o que se critica é a falta (ou mesmo ausência) de comida e atores coletivos. Assim, surge «deles», que se refere aos que
cozinhados na casa deste fidalgo supostamente rico, a julgar pediam lume para queimar o Paço; «outros*, que indui aqueles
pela classe social a que pertence. que pediam escadas para trepar à janela do Paço; «homees e
2J. As restantes críticas deste trovador são: primeira, a cozi­ molheres*. que se colocavam ao redor do Paço, tentando en­
nha é fria, portanto a lareira não foi acesa, nem para aquecer trar; «uus» traziam lenha e «outras tragiam carqueija», ou seja,
o espaço, nem para cozinhar; segunda, confirmando a sua arbustos secos para queimar o Paço.
própria experiência nessa casa, o trovador afirma que não só 41 0 conteúdo prende-se com a apresentação do Mestre na ja­
não se acendeu o fogão, mas também só haveria vinho se al­ nela do palácio, para confirmar que era ele mesmo e estava
guém o oferecesse a este aristocrata, o que dá vida à critica vívd, seguido do seu diálogo com a multidão, que lhe perguntou
explícita da miséria escondida em que vivem os dessa classe que mais podia fazer pelo seu senhor, ao que D. João responde
social terceira, ainda que houvesse vinho e eles o pudessem que, por então, nada mais havia a fazer, pedindo-lhes que re­
beber, este estaria sempre frio, como seria de esperar. gressassem a suas casas.
2JA principal característica é o frio, como se pode constatar 42 Os populares estavam agitados pelo acorrer tumultuoso
pelas seguintes sequências textuais: «{.--) fria casa (...)» pelas ruas da cidade e pelo cerco ao Paço-, revoltados com
(verso 6). «ena mais fria rem que vi» (verso 14). «(...) fria d que planeavam fazer ao seu Mestre; atónitos ao reconhe­
cozinha (...)* (verso 16), «ali lho esfriaram bem, / se o frio cerem D. João à janela; determinados a defendê-lo até onde
quiser bever» (versos 20-21). ele quisesse e, por fim, tranquilos, regressando a seus lares.
3.0 jovem fidalgo não se envergonha, nem parece importar-se 43 A ordem final do Mestre é a de que a multidão regresse a sua
- «E vedes que bem se guisou / de fria cozi nha teer / o infan- casa, fazendo-o porque d seu plano estava cumprido e o povo
çom {...)» (versos 15-17). nãD era agora «necessário» para o defender ou intimidar a rai­
4 A característica criticada é o costume deste fidalgo em não nha e castelhanos, até que deles D. João precisasse.
convidar n inguém para visitar a sua casa ou nela conviver, em 44 A rainha D. Leonor Teles fugiu com os seus aliados portugue­
festas, por exemplo. ses e castelhanos.
5. A comparação «que tam fria casa nom há / na hoste, de quan­ 5. Duas aliterações na mesma sequência: «Soaram as vozes do
tas i som» (versos 6-7) assume um grau superlativo, o que arroido pela cidade ouvindo todos bradar que matavom o
aumenta a diferença entre esta casa frigidíssima e todas as Meestre»: primeiro a do som «s», cuja expressividade é a su­
outras que lhe são vizinhas ou da mesma classe sociaL gestão de uma movimentação contínua de pessoas; segundo, a
4 Recursos expressivos: ironia - «bõa sesta», quando foi o con­ aliteração do som «m». representando d momentD de lamento
trário; hipérbole - «des aquel dia 'm que naci», exagero para grave por ver o seu líder perseguido de morte.
enfatizar o frio e o desconforto de tal cozinha; sátira - com
todo d verso, o trovador dá a conhecer ao público a miséria es­ RICHA 9 (p. 32)
condida dos fidalgos portugueses.
L Este capítulo retrata outro momentD importante da crise de
Z Esta cantiga tem 3 estrofes com sete versos cada. Cada ver­
1383-85, revelando os preparativos da cidade face ao iminen­
so tem 13 sílabas métricas (longos versos para alongar a crí- te cerco castelhano.
tica/sátira); a rima é cruzada e emparelhada.
L Liderado pelo Mestre, todo o povo fazia o que lhe fora incumbi­
5 a) «i» - prótese, pelo acréscimo de «a» - «aí», que decorrerá do e trabalhava para o mesmo objetivo e bem comum, ou seja,
até aos nossos dias, b) «tan» - nasalização, pela transforma­ a defesa de Lisboa e, consequentemente, do Reino. Acrescen­
ção do «n» em til - «nã»; par^gDge, pelo acréscimo de «o» no ta-se que até «clérigos e frades» deixavam a vida contemplati­
final da palavra - «não», que decorrerá até aD português con­ va e os sacramentos para pelejar. Por istD, podemos dizer que
temporâneo. c) «naci* - epêntese. por acrésci mo de fonema/ todos são «um só* em defesa/combate ante o inimigo caste­
grafema «s* no interior da palavra, que resulta em «nasci», lhano.
no português contemporâneo, d) «teer» - crase, pela trans­
3.0 parágrafo revela todas as qualidades do Mestre de Avis como
formação de duas vogais repetidas numa só - «ter», no por­
líder do seu povo-, organizado, determinado, dando sempre o
tuguês dos nossos dias, e) «gaar» - palatalização, com «nh»,
exemplo, pois, com tochas e aliados, fazia ele mesmo rondas
incluindo o palato na articulação da forma verbal, transfor­
noturnas e era o primeiro a preocupar-se com todos os seus
mando o verbo em «ganhar» no português contemporâneo.
homens, o seu «bom regimento*. Por outras palavras, sacrifi-
ca-se, dormindo pouco, sempre vigilante e ao lado dos seus,
FICHA 8 (p. 29) conservando sempre a sua assertividade. comando e lideran­
1. Nas linhas 1 a 10, percebe-se que o Povo se vai juntando tu­ ça, prontamente obedecidas pelos seus«trigosos executores».
multuosamente, prontificando-se a defender o seu Mestre de 4 Fernão Lopes faz referência aos restantes detalhes da prepa­
Avis, o qual todos julgavam que ia ser assassinado pelo Conde ração e disposição do cerco: ao todo, menciona 38 portas, das
Andeiro no Paço da Rainha. E a partir deste dado informativo quais 12 estão abertas todo o dia; refere os batéis carregados
que se desenvolve todü o capítulo. de mantimentos trazidos do Ribatejü; a porta de «Santa Ca-
LI A afirmação pertence a Álvaro Pais, adjuvante do Mestre. Álvaro terina» dava acesso a uma casa pronta para acolher doentes,
Pais chama todo o Povo, rom d objetivo de reoiir o máximo de de­ Dnde se encontrava roupa de cama lavada, um cirurgião e me­
fensores do Mestre, intimidando a Regente e os seus aliados cas­ dicamentos da época.
telhanos, pela movimentação tumultuosa e cm multidão. 5. Os vocábulos são: os «muros» construídos com suas «quadri­
2. Ao ouvira notícia da suposta morte do seu Mestre, começa-se a lhas* (partes da muralha); as «setenta e sete torres que ela tem
desenhar uma figura coletiva - o Pdvo/ds populares, que dialo­ a redor de si»; «caramanchões de madeira» (proteções supe­
gam entre si e se interrogam. Imediatamente, todos vão numa riores. assemetiando-se a telhados); disposição de material
espécie de uníssono ao Paço - «todos feitos duu coraçDm com de combate «lanças darmas e bacinetes», «armaduras», «trõos
talente de o vingar» (linha 16). Podemos dizer que estão, por­ acompanhados de pedras», «fornecidos descudos e lanças e
tanto. conscientes do que se passa e tomam a mesma atitude. dardos e bestas de torno», «grande avondança de viratões».

403
PIEMUII EUHE NACIIUL

í. A opinião de Fernão Lopes é inequívoca e clara: maravilhamen- L Os dois casamenteiros funcionam como um só, sendo a per­
to pela beleza de toda a organização e disposição do cerco, sonalidade de um espelhada na do outro. São rapidíssimos
consoante as necessidades individuais e coletivas. Tais factos na procura de bons negócios, mentirosos e sem escrúpulos.
permitem-lhe louvar os portugueses, exaltando as suas quali­ Por vezes, representam episódios de cómico de linguagem e
dades de antecipação/antevisão do futuro cerco castelhano e personagem Por outro lado, sãD estes dois casamenteiros
de gestão de pessoas e tarefas, sempre plasmadas de altruís­ que vão trazer o primeiro marido de Inês, d Escudeiro enga­
mo e patriotismo firmes. nador. e que afirmam conhecer Inês de romarias (que ela fre­
quentava, supostamente, às escondidas da Mãe). Mais: por
RICHA 10 (p. 35) causa dü Escudeiro que eles trazem é que Inês vai aprender
a lição de vida, percebendo que lhe convém muito mais Pero
L No capítulo 115, explica-se a preparação e disposição do
Marques.
cerco com a guarnição de mantimentos e armamento, as­
3. As quatro personagens tipo são: primeiro. Inês - moça jovem,
sim como os confrontos propriamente ditos. Neste capítulo
quer casar para ascender socialmente e folgar; menina arro­
149, encontramos as consequências do tempo e da dureza
gante e apressada em conseguir o seu intento; segundo, Lianor
de tal cerco, ou seja, a escassez de alimentos para manter
- mulher do povo, alcoviteira e casamenteira; terceiro, Brás da
os defensores, seguida das providências que d Mestre teve
Mata - fidalgD falido e sem escrúpulos, que quer casar por di­
de tomar para sobrevivência dos seus e vitória sobre os cas­
nheiro; quarto. Pero Marques - lavrador rico, mas sem cultura,
telhanos.
possuidor de um coração meigD e virtudes de quem é honestD
L 0 ator coletivo é, naturalmente, d Povd sitiado, que, no seu e honrado.
todo, surge caracterizado como alguém que vive em condi­
ções extremas de sobrevivência, sobretudo no respeitante FICHA 13 (p. 43)
à fome. Para isso, Fernão Lopes seleciona atores individuais
nD sentido de exemplificar as misérias e os comportamentos L A sequência 1 inclui Inês e Pero Marques no seu primeiro en­
indiscutivelmente desesperados do todo. Eis alguns elemen­ contro. A sátira diz respeito à falta de etiqueta e mesmo igno­
tos textuais que o provam: «pobres gentes nom podiam che­ rância dos membros do povo na pessoa de Pero Marques. Por
gar a ele» [pão); alguns comiam «pam de bagaço cfazeitDna» outro lado, tal sátira atinge também Inês, arrogante e irónica,
e «queijos das malvas», «raízes d'ervas», ou seja, «desacostu­ que maltrata/goza Pero, sem ele sequer dar conta disso. A se­
madas cousas» (como animaisjt «homeês e moços esgravatan­ quência 2 inclui os dois judeus casamenteiros. Latão e Vidal.
do a terra»; «outros se fartavom dervas»; «mortos homeês e 0 excerto representa com clareza a sua personalidade de­
cachopos» iam-se espalhando pela cidade; «moços de tres e sorganizada e CDmicamente conflituosa, pois nenhum deles
quatro anos pedindo pam pela cidade por amor de Deos»; as sobrevive sem o outro. Neste caso, a sátira estende-se àquilo
mães lactantes, não tendo leite para os bebés, choravam a sua que eles vêm fazer: trocar um marido por dinheiro. A sequên­
morte antecipada. cia 3 representa d quadro criticável de um fidalgD falido (sem
dinheiro sequer para vestir e calçar o seu criado) que prepara
1 As «duas grandes guerras» referidas nas linhas 70-71 podem
uma espécie de teatro mentiroso, para o qual precisa da ajuda
explicar-se da seguinte forma: a primeira corresponde ao
do seu pajem, cujos apartes servem o propósito de criticar d
conflito bélico contra o inimigo castelhano; a segunda corres­ amo sem dinheiro, presunçoso e mentiroso.
ponde à lu ta individual física e emocional contra um fator evi­
2 a) Interrogação retórica e comparação («como panela sem
dentemente destruidor - a escassez de comida e água bebíveL
geradoras de fome e sede extremas. asa»), cuja expressividade é a de intensificar a ideia que
Inês tem sobre a sua clausura em casa, que se repercute na
4. Eis uma sequência textual que serve de resposta a esta ques­
ausência de divertimento, b) Ironia, pois Inês não tem razão
tão: «nom era por seer o cerco perlongado (...)t mas era per para se queixar, visto que não tem filhos e ainda é muito
aazo das muitas gentes que se a ela acolherom de todo o ter­ jovem. Por outro lado, o seu grande «pesar» (sofrimento) é
mo {...), e os mantiimentos seerem poucos.». ironizado pela Mãe, pois tão melhor será o futuro casamen­
5. Interrogação retórica: «Pera que é dizer mais de taes faleci­ to. quanto mais Inês for talentosa nas tarefas femininas que
mentos?», reforçando a incapacidade/impotência humana de deve praticar nesta fase da sua vida.
evitar estas desgraças. 3. Este texto dramático representa o quotidiano da época vt-
centina, pelas razões a seguir apresentadas. Primeira, as
FICHA 11 (p. 41) Mães boas conselheiras, educadoras e protetoras das filhas
L a) V; b) F - «da missa»; c) V; d) F - «antes da Páscoa, vêm ds em idade de casar. Segunda, as filhas em idade de casar que
Ramos»; e) F - um religioso-, f) V; g) F - para conversar com procuram marido de classe social superior, para daí reti­
Inês e a Mãe; h) V; l) F - casamenteiros sem escrúpulos, sem rar proveitos vários, deixando-se ficar cegas pela ambição
fé. desonestos e interesseiros, pensando apenas em fazer um desmesurada. Terceira, a revelação do quotidiano dessas
bom negócio aD trocar um marido por dinheiro; j) V; k) F - Inês raparigas solteiras, que inclui tarefas domésticas e pouca li­
esteve três meses fechada em casa e. ao fim desse tempo, re­ berdade ao serviço da educação para boas esposas e compa­
nheiras dos futuros maridos. Quarta, a denúncia dos falsos
cebeu um sobrescrito, anunciando a morte do marido às mãos
de um pastor de Arzilac l) V; mj F - o que Pero carrega é Inês e clérigos e consagrados, cujo hábito esconde frustrações ou
«lousas para por as talhas nelas». intenções nada conformes à Fé e Igreja que apregoam. Quin­
ta, o quotidiano dos casamenteiros negociantes, mentirosos
e em sempiterna demanda de bons negócios e ainda melho­
RICHA12 (p. 42)
res lucros. Sexta, uma época de casamentos arranjados/
L Na sequência 1. Brás da Mata mostra-se autoritário e ditador combinados, não por amor, mas por questões económicas ou
para com Inês (só a sua vontade prevalece e Inês obedecer- sociais. Sétima, as mulheres do povo sem escrúpulos e cujo
lhe-á), não lhe permitindo qualquer liberdade, nem lhe dando objetivo de vida é casar outras. Oitava, romarias e festas de
carinho e amor, como prometera. Na sequência Z Pero Mar­ casamento por onde circulam e se divertem jovens mance­
ques é escrupuloso, preocupado com a vontade de Inês e es­ bos e moças solteiras, todos à procura de bom casamento.
tima a sua honra, mal percebe que estão os dois sozinhos na Nona e última razão, a pureza e a natureza bondosa de cora­
sala; depois de casados, continua liberal e sempre pronto a ção por parte de membros do povo, honestos, escrupulosos
conceder a Inês todos os seus pedidos. e fiéis (como Pero Marques).

404
NITOCtâ 12? AM

4 Este texto pertence à categoria «farsa» por tratar de assun­ Z1 Roma é alegoria do centro institucional e espiritual da Fé Cris­
tos não centralmente religiosos, mas de representação da tã - é a «cabeça» do «corpo místico» (linguagem bíblica) de Je­
vida quotidiana da sociedade do tempo vicentino, recheada sus. que são os fiéis. Eh chega, cantando versos sobre guerras
de peripécias cujo desenlace assume formas de lição ou al­ com países avessos à sua fé e que a querem dominar. Porém,
teração de acontecimentos iniciais. vem à feira à procura de paz. Conhece bem as artimanhas do
Demo e reconhece as suas más ações passadas por causa dele,
FICHA 14(p.48) assim como a necessidade de se redimir. Vemos nela o Papa­
do. entidades cardinalícias e demais chefes da Igreja Católica
1. a) F - Mercúrio (mensageiro dos deuses); b) V; c) V; d) F -
Apostólica Romana. D problema é que todas essas entidades
Júpiter é adjuvante; e) F - «feira aqui / pera todos em geral»;
se têm deixado embrenhar em vidas mundanas, pecaminosas,
fJ F - «a feira chamada das Graças. / à honra da virgem pa rida
interesseiras e levianas, quando, pelo contrário, deviam ser
em Belém»; g) F - um serafim; h) V; i) F - o Diabo gaba-se de
exemplo a seguir. Com esta personagem, primeira compra­
que vende muito e não obriga ninguém, mas os seus clientes
dora, Gil Vicente consegue imediatamente impor a dimensão
são sempre fiéis às suas mercadorias;]) F - Tempo e Roma
religiosa que vai submeter a critica, colocando-a a nu e come­
são alegorias; k) V; l) V; m) V.
çando pelos superiores. A partir dela, seguem-se personagens
do povo, os fiéis.
FICHA 15 (p. 49)
72 Em relação ao Diabo, os dois já se conhecem do passado e já
1. Qjuer as personagens mencionadas (Tempo, Anjo, Diabo), quer «fizeram negócios», os quais levaram a atitudes pecaminosas
as mercadorias que estes vendem são literalmente entidades e corruptas da compradora Todavia, desta vez Roma aparece
abstratas/não palpáveis, que aqui se encontram concretiza­ determinada a mudar de vida, quando afirma «Eu venho à fei­
das fisicamente em pessoas e bens. Exemplos: o Tempo repre­ ra direita / comprar paz, verdade e fé», explicando ao infernal
senta o eterno, como Deus, o Criador, seguro do seu objetivo servo que só lhe comprou no passado mercadorias que a pre­
(salvar as almas); d Anjo e o Diabo correspondem, respetiva­ judicaram. Deste modo, decide ir à feira das Graças, encon­
mente, ao adjuvante e ao oponente do Tempo; d Anjo auxilia-o trando o Serafim Este vende-lhe a paz que ela procura e de
na difícil tarefa de restabelecer um espírito são e puro nas al­ que precisa, mas «a troco de santa vida». Eh acolhe e acata os
mas corruptas; 0 Diabo é o seu direto rival, d tentador, d en­ conselhos do servo de Deus e ouve ainda Mercúrio. Quanto ao
ganador que ludibria os seus clientes (essas almas corruptas). mensageiro, este pede ao Tempo que dê a Roma «um cofre com
Quanto às mercadorias, temos «conselhos maduros», «rezão», bons conselhos*, um espelho que pertenceu à «Virgem Maria»
«justiça e verdade», «paz*, ou seja, valores pessoais e espiri­ para que ela se emende. Em conclusão, Roma rejeita o Diabo
tuais que parecem faltar aos representantes e fiéis de Cristo. e é submissa ao Tempo, a Serafim e a Mercúrio, acatando os
Existe ainda o «temor de Deus», as «chaves do Céu* para a seus conselhos e recebendo as graças para sua redenção.
salvação. Sem exceção, Gil Vicente serve-se de alegorias que LI Com estas duas primas, Gil Vicente pretende mostrar a pe­
tomam visíveis a sociedade do seu tempo viciada e contrária à quenez de pensamento e a ignorância do povo, uma vez que
Fé cristã e à Virtude. as duas procuram objetos vendáveis e logo percebem, estu­
2. As «cousas» a que se refere d Tempo são os maus comporta­ pefactas. que nada disso encontrarão. Contudo, é delas que o
mentos. a corrupção, enfim, o pecado, que os compradores de­ Diabo foge porque, sendo pobres, são honestas (na sua rudeza)
vem deixar para receber outras «cousas» do Bem. Fala-se de e tementes a Deus. Sendo néscias e simples, desconhecem as
uma espécie de arrependimento ou reconciliação com o Divino grandes doutrinas e pensamentos eruditos da Igreja, mas sa­
para renovado começo de vida. bem empiricamente que o mundo perdeu a fé e a virtude. Atra­
3. A «Cristandade» refere-se não só aos fiéis de Cristo, mas aos vés de Branca, Gil Vicente afirma «todos somos negligentes /
seus mais diretos representantes em particular (membros do foi ar que deu polas gentes / foi ar que deu polo mundo / de que
ClerD e da Igreja), que perderam a virtude e se embrenham em as almas são doentes.»
vícios e futilidades (discussões mesquinhas que a nenhum lu­ U Metáfora: «sois samica anjo de Deus», exalta a qualidade mis­
gar levam, a não ser ao inferno). sionária de Serafim; Metonímia: «Ficava vendo d seu gado» e
4 Esta estratégia assenta em vários significados do verbo «con­ ainda «A virgem olha as cordeiras / e as cordeiras a ela», sendo
tar» e do nome «contas» (com valor de dinheiro). 0 que o es­ «gado» e «cordeiras» animais tomados em vez de homens e
critor faz é usar ambos (naturais num contexto de feiras) para mulheres - membros humanos do «rebanho» de Deus, os quais,
se referir a todas as maldades e pecados não revelados pelos mesmo deixando de Lhe ser fiéis, não deixam de ser humanos.
compradores. Poderiamos, desta feita, verter a sequência para 92 Mateus e Vicente vêm à procura de prazeres carnais com as
«Contareis / direis os pecados sem fim que estão por dizer.». nove moças, mas elas rejeitam-nos e afastam-nos. Tal rejeição
5. A doutrina cristã está presente em todo o auto. Nestas linhas, é conseguida, por vezes, por meio de cómico de linguagem,
é evidente o pedido de ajuda a Deus para reconciliar com Ele mas surte o propósito de os afastar.
os «que se foram perdendo». A seleção de vocábulos ajuda a U Estas moças cantam louvores à Virgem Maria. A atitude aqui
confirmá-lo, como se vê em «senhor Deus», «messias*, «anjo», presente demonstra a fé pura e simples que o povo tem na Vir­
«demo» e «diabos*. gem Maria, sem conhecimento profundo dos dogjnas e concei­
4 Alegoria - «Aqui achareis o temor de Deos* (verso 20) - como
tos doutrinários da Igreja.
mercadoria vendável e para suprimir a cegueira espiritual dos LU Gil Vicente mostra que, ao contrário dos chefes romanos da
compradores. Metáfora - «(...) as chaves dos céus / muito Igreja e clérigos sabedores (alegorizados em Roma), que se
bem guarnecidas em cordões dourados» (versos 22-23), que tornaram corruptos e levianos, a fé virginal e virtuosa desta
enforma a associação literalmente inesperada entre chaves personagem coletiva {jovens rapazes e raparigas) devia ser
físicas e as «espirituais», necessárias à entrada no Céu. Estas imitada.
chaves dizem-se «guarnecidas em cordões dourados», facto LI Como «auto», este texto procura exporá sociedade vicentina
literalmente inconcretizáveL Gil Vicente usa até «guarneci­ nD que diz respeitD aos seus valores humanos e morais, que
das» para exaltar a qualidade e o poder destes meios salvrfi- deviam estar refletidos nos seus comportamentos e escolhas
cos para entrada no Reino de Deus. Apóstrofe - «Qjuem quiser de vida. Segundo os princípios da fé cristã, o autDr vai tecen­
feirar / venha trocar* (versos 6-7), consubstanciação do apelo do críticas aos levianos e fazendo louvores aos sensatos fiéis.
/chamamento do Tempo aos dientes tão necessitados das Com recurso a alegorias, presentifica figuras da religião, bem
mercadorias que ele possui. como as suas respetivas condutas, para as tornar visuais e es-

405
PIEMUII EUHE NACIINAL

darecedoras aos olhos do público/leitor. 0 desfecho, em coro, 1 Tendo em conta a primeira e a segunda estrofes, testemu­
assume-se («Deo gratias») e reitera a importância/a necessi­ nhamos focus omoencrs porque toda a Natureza é agradável
dade de plasmar a vida de todos e de cada um da fé em Deus, - «alegres campos» e «águas de cristal»; no caso da segunda
Uno e Trino. estrofe, vemos o contrário «ásperos penedos», «concertD
desigual*. Posto istD, podemos afirmar que a Natureza é
RICHA 16 (p.54) companheira, testemunha dos amores e desamores senti-
L 0 assunto é a descrição da mulher amada, exaltando as suas qua­
dos/vividos pelo sujeito poético. E nela que este amador
lidades e referindo d poder que ela tem sobre o sujeito poético. deposita as suas alegrias e também as suas frustrações e
desencantos.
1 Este sonetD pode dividir-se em duas partes lógicas: a primei­
ra inclui as três primeiras estrofes, pois o sujeito descreve a 1 Trata-se de um soneto, pois é constituído por duas quadras
amada, tanto física como psicologicamente; a segunda parte e dois tercetos, apresentando versos decassilábicos «a/le/
inicia-se quando o demonstrativo «esta» especifica o poder gr es/ cam/pos/ ver/des/ ar/vo/r^/dos». 0 esquema rimáti­
imenso que a mulher exerce sobre ele, que a canta. co é obbo / obba /cde / cde, correspondendo nas quadras a
rima interpolada (l.° e 4." versos) e rima emparelhada (2.° e
I Referentes possíveis: «um mover»; «um riso»; «umgesto»; «um
despejo»; «um repouso»;« a bondade»; «um ousar»;« a brandu­ 3.‘ versos); nos tercetos, a rima é sempre interpolada.
ra»; «um medo»; «um ar sereno»; «um sofrimento».
II Esta mulher possui um olhar caridoso e suave, um sorriso
FICHA 18 (p. 58)
franco e comedido, uma postura humilde. Revela a sua pureza L A apóstrofe inicial «Amor» torna esta figura mais presente
e espiritualidade plena de graça, um comedimento elegante e diante do sujeito poético, que com ele enceta uma espécie
de elevado requinte. de diálogo. 0 sujeito dirige-se a este «Amor», queixando-se
12 0 patamar da aristocracia ou talvez realeza: «repouso gravís­ dos infortúnios vividos por sua causa.
simo», «celeste formosura», como num pedestal. L Com essa apóstrofe está instaurado um cenário de confis­
4. Circe foi uma deusa que se enamorou de Ulisses e usou de ma­ são do sujeito poético. Assim, todo o poema é uma parte só:
gia para d cativar, depois de este naufragar na sua ilha quando aquela que elenca queixumes, sofrimentos e interrogações
tentava regressar a Itaca. Assim, também esta senhora cati­ plenas de dor
vou. como que magicamente, o sujeitD poético. 10 «Amor» está como que num pedestal, na sua realeza, no seu
5. Refere-se ao enamoramento e encantamento, ao Amor que se templo («teu soberano templo visitei»), ao passo que o su­
sobrepôs à razão e levou d coração a tornar-se seu submisso, jeito poético se mostra seu submisso desafortunado («Que
como se lê em: «{...) mágico veneno / que pode transformar quereis mais de mim, que destruída / me tens a glória toda
meu pensamento.» (versos 13-14). que alcancei?» - versos 5-6).
1 Trata-se de um soneto, pois tem 2 quadras e 2 tercetos. Todos 4. Nds versos 3 e 4 da primeira quadra, o sujeito afirma, por
os versos são decassilábicos. Nas quadras, a rima é interpola­ meio de metáforas, a forma impulsiva com que se deixou
da e emparelhada; nos tercetos é cruzada. 0 esquema rimático submeter ao amor por uma mulher. Por outras palavras,
confirma-o: obba obba cde cde. «naufragou», desnorteou-se e afundou-se em sofrimento. 0
1 a) Aliteração do «s». que remete para o movimento contínuo do problema agudiza-se porque ele não foi cauteloso e, ao invés
olhar e dos gestos da amada, b) Anáfora de «um», ao serviço de entregar a esse amor apenas uma pa rte de si {«vestidos»),
da repetição para intensificação dos gestos e qualidades da entregou-se todo («pus a vida»). Logo, se todo ele é «naufrá­
mulher cantada, c) Dupla adjetivação. como meio de exaltação gio», mais difícil se torna voltar à superfície da Razão, à Vida.
constante e incontroversa da mulher. 5. A metáfora do «naufrágio», como uma antecâmara da morte;
a metonímia em «vestidos» (roupa), parte apenas do seu ser
ACHA 17 (p.56) e não o seu ser total; a anástrofe em «teu soberano templo
L 0 sujeitD poético di rige-se aos elementos da Natureza, agora visitei», que enfatiza o poder real do Amor e confirma a con­
impotentes para o retirar do sofrimento amoroso. dição de servo deste amador.
1 0 poema pode dividir-se em três partes lógicas. A primeira í. 0 verso é uma prova de que o sujeito poético, no presente,
inclui as duas quadras, pois o sujeito poético invoca a Natu­ ainda ama a sua mulher cantada («adoro»). Tal facto contras­
reza e lhe confidencia que já nada o alegra. A segunda parte ta com o pretérito perfeitD do indicativo «quis», que remete
inicia-se com a referida conjunção coordenativa copulativa para essa vontade, esse Amor que existiu (porventura, da
«e», que surte efeitos de acréscimo de informação e consubs­ parte da mulher amada), mas já desapareceu. [Jepreende-se,
tancia um pedido feito pelo sujeito-, ele já não é d mesmo, por logicamente, que ele ainda a ama. mas não é correspondido.
conseguinte pede para não mais ser alegrado. A tercei ra parte I 0 sujeito poético dá-nos a ver um «Amor» vingativo e mani­
lógica inclui o último terceto com uma espécie de promessa: pulador. sempre senhor e soberano deste homem, como se
nD futuro, o sujeito poético semeará as suas memórias tristes, comprova em «(...) tomar de mim vingança; / e se inda não
regá-las-á e o seu fruto será a saudade infinda. estás de mim vingado*.
1 Seguem as apóstrofes: «alegres campos, verdes arvoredos» I. 0 sujeito encontra-se consciente de que foi por ter amado
«águas de cristal silvestres montes / ásperos penedos». To­ que sofre («em lugar dos vestidos, pus a vida.»). A partir
das elas presentificam os respetivos referentes, ou seja, os deste ponto assente, vemo-lo desesperado («Que queres
elementos da Natureza, confidentes deste sujeito amador. mais de mim (...) ?»), com vontade de não se voltar a apaixo­
4. A Música é referida com a expressão «compostos em con­ nar («não sei / tornar a entrar onde não há saída»), vencido
certo desigual», sendo a desigualdade já um augúrio e comu­ (só com «despojos») e sofredor, constantemente chorando,
nhão com o atual estado de alma do sujeitD amador. («com as lágrimas que choro»).
5. A aliteração dü som «v» encontra-se ao serviço da movimen­ 1 Trata-se de um soneto, pois é constituído por duas quadras
tação, do curso natural da flora que rodeia este sujeito. e dois tercetos, apresentando versos decassilábicos «a/
1A metáfora em «águas de cristal» exalta a bela cor natural e o mor/co a/ es/pe/ran/ça/ já/ per/di/da». 0 esquema rimático
brilho da água pura. No último terceto, o sujeito poético ser- é obbo / obba /cde /cde. correspondendo nas quadras a rima
ve-se de vocábulos provenientes da agricultura para os as­ interpolada (l.D e 4? versos) e rima emparelhada (2? e 3.c ver­
sociar à «sementeira» emocional que promete levar a cabo. sos); nos tercetos, a rima é sempre interpolada.

406
NITOCtâ 12? AM

FICHA 19 (p. 60) sempre infortúnios, d sujeito poético decidiu ser também ele
mau. Porém, não foi exemplo da sua inicial constatação, uma
L O assunto do poema é a consciência do sujeito poético sobre vez que pagou caro pela sua maldade e obteve apenas um re­
o passado feliz («passada glória») e o presente só feito de torno mau. Conclui ele, portanto, que a (injustiça do mundo só
memórias («Doces lembranças»). Desta forma, se pudesse funciona com e para ele.
voltar atrás no tempo, d sujeito afirma que viveria a felicida­
L A primeira aliteração é a do som «t», que cria um ambiente
de com muito mats intensidade.
poético de violência e bruteza com que o sujeito poético
2. Podemos dividir este poema em 5 partes lógicas: A primeira aprendeu a sua lição de vida. A segunda aliteração, a do som
corresponde ao 1? dístico, que nos dá a conhecer o «cenário» «m», acompanha o tDm de lamento desta narração e sua res­
do passado «roubado* pela «Fortuna*. A segunda parte cor­ petiva conclusão.
responde ao 2." dístico dessa mesma quadra, pots se reves­
L Testemunhamos uma metáfora, a qual assenta no contexto
te de um pedido desesperado por «repousar em paz üTiora»,
de ágjja/mar como elemento agradável e prazeroso oferecido
como que para descansar dos infortúnios. A terceira parte
aos «maus» que nele nadam felizes.
diz respeito à segunda quadra, porque esta descreve o senti­
mento de que o passado é isso mesmo - ido, desaparecido 4. A palavra é «mundo», pois assim inclui todo o ser humano sem
e dele só resta «memória». A quarta parte inclui o l.° terceto, exceção.
espaço Dnde o sujeitD poético não só descreve o seu atual vi­ 4.1 As palavras são «bons» e «maus».
ver «esquecido* pelos outros (ou pela amada), mas também 5l1 A conjunção «mas» cria um contraste entre o que acontece
critica esse «DutrD» (ou «outra») que o devia ter sempre na aos «maus* e o que aconteceu ao poeta: os outros foram feli­
memória, dando-lhe valor, por ele ter sido motivo de «estado zes. fazendo o mal, porém o poeta foi «castigado*
tão contente». A quinta parte corresponde ao 2/ terceto, no
52 Ds dois pontos preparam a explicação/condusão do poema:
qual, após a exclamação (retórica), o sujeito poético deseja
apenas para o poeta é que o mundo é justo no castigo de mal­
nascer de novo, consciente do mal. por isso sabendo evitá-lo
dades feitas.
e apenas «lograr de bem» (viver somente a parte boa da vida).
L Campo lexical de «Mal»: inveja, traição, roubo, maledicência,
1 Nestas duas estrofes percebemos que a história pessoal do
corrupção. Campo lexical de «Bem*: caridade, altruísmo, en-
sujeito está muito presente nD seu interior («Impressa tenho
treajuda, simpatia, honestidade.
n alma larga história» - verso 5). Ora, tal história foi rechea­
da de acontecimentos positivos, os quais agora nada mais 7. Trata-se de uma décima com versos de 7 sílabas métricas (re-
dondilha maior), sendo o esquema rimátko aboobcddcd, dían-
são do que memórias que transformam o sujeito em alguém
frustrado/desolado. do forma a rima interpolada e emparelhada, apesar de cruzada
nos versos 8 e 10.
4. 0 recurso é uma apóstrofe das «doces lembranças», no sen­
tido de as invocar e de as tornar suas diretas interlocutoras
FICHA 21 (p. 64)
ou ouvintes.
L Este poema pode dividir-se em três partes lógicas. A primei­
5. 0 versD «que me tirou Fortuna mubadora» (verso 2) serve a
ra corresponde à 1? estrofe, a responsável por introduzir e
intenção de identificar □ responsável pela perda da felicida­
clarificar o assunto do poema: a mudança. A segunda parte
de passada: a «Fortuna*.
integra as e 3? estrofes, nas quais o sujeito poético espe-
6. Estamos perante uma antítese: «nunca fora» / «fora* (com cif ica/exemplif ica os contextos vários dessa mudança na sua
o sentido de «existir»), cujo valor expressivo é o de mostrar história pessoat «novidades», «esperança», «mal», «mágoa»,
que o sujeito está a refletir sobre «o bem passado», mas de «lembrança», «bem», «saudades», «choro», «canto», «tempo»,
modo desnorteado, sem saber exatamente por que razão a «verde manto», «neve fria». A terceira corresponde ao último
sua história de vida tem sido esta. Este desnorte está visível terceto, o qual acrescenta a consciência de um novD conceito
na proximidade frásica de ideias opostas. de «mudança»: «não se muda já como soía».
7. Trata-se de um paradoxo, por não ser apenas colocação con­ L A anáfora tem a sua base nas formas verbais «mudam-se* e
tígua de ideias opostas (antítese), mas ser literal e fisica­ «muda-se», o que, indubitavelmente, adensa a mudança contí­
mente uma contradição: se vive, então não pode estar mortD. nua de tudo na vida
A sua expressividade é a de mostrar que parte de si é Vida
L «e do bem (se algum houve), as saudades». 0 discurso
- recordações - e a outra parte é Morte - uma não-vida por
parentético funciona como um aparte e prova que o sujeito
não ser lembrado por outrem (a amada?), não sendo feliz.
considera a possibilidade de no mundo ou na história pessoal
S. As formas verbais «pudera*, «soubera-me», «soubera» con­ de cada ser humano existir, de facto, «bem» (felicidade pura).
substanciam um desejo de renascimento físico para poder
4. 0 tempo é especial prova de mudança pelo simples facto de
viver apenas a felicidade. No entanto, tal é impossível e não
nele se desenrolarem indelevelmente as diferentes estações
passa de u m desejo sob o escopo da irreal idade. Daí que esse
do ano, aqui representadas em «(...) o chão de verde mantD»
pretérito mais-que-perfeitD simples do indicativo tenha um
valor de pretérito imperfeito do conjuntivo («pudesse» / (verso 9 - primavera/verão) / «que já coberto foi de neve fria»
(versD 10 - invemo)i
«soubesse») e condicional («saber-me-ia»).
9. Aliteração do som consonàntico «s», servindo a ideia de um 4.1 0 tempo transforma o estado de espírito do sujeito poético,
pois «converte em choro o doce canto.». Este mesmo tempo
novo nascer para a vida humana, que aconteceria paulatina­
mente em andamento contínuo rumo à felicidade. parece privar o sujeito de um bem eterno.

II. Trata -se de um soneto, pois é constituído por duas quadras 5. A antítese «e. em mim, converte em choro o doce cantD»
e dois tercetos, apresentando versos decassilábicos: «do/ permite depreender esse passar transformador do tempo no
ces/ lem/bran/ças/ da/ pa/ssa/da/ gló/ria». 0 esquema ri- sujeito dü soneto.
mático é obba / abbo /cde / cde, correspondendo nas qua­ í. 0 advérbio «CDntinuamente» verbaliza o conceito de mudança
dras a rima interpolada (1 ■ e 4.° versos) e a rima emparelhada contínua, não só pela sua formação deverbal (do verbo «con­
(2.d e 3.° versos); nos tercetos, a rima é sempre interpolada. tinuar»), mas também pela presença audível do som «m», que
acompanha e toma esse tempo alongado e elástico.
FICHA 20 (p. 62) 7. A conjunção «e* serve o propósito de acrescentar um novD tipo
1. Tendo visto constantemente pessoas más a terem sucesso na de mudança com «mor espanto»: a própria mudança já não
vida e bons frutos, ao contrário de pessoas boas que sofriam acontece como costumava («que não se muda já como soía*).

407
PIEMIAII EXAME NACIIUL

L Trata-se de um soneto, pois é constituído por duas quadras 1 a) Aliteração do «z» e do «s» em «que se pode por arte e por
e dois tercetos, apresentando versos decassilábicos «mu/ aviso. / como por natureza, ser fermosa». que comungam da
dam/se ds/ tem/pos/ mu/dam/-se as/ von/ta/des» 0 esque­ serenidade e paz da mulher amada, b) Paradoxo em «mas não
ma rimáticD é obba/ abba /cde/cde, correspondendo nas qua­ que possa / despojar-me da glória de rendido», pois que o su­
dras a rima interpolada (1.* e 4.* versos) e a rima emparelhada jeito poético se acha glorioso, feliz e vencedor, sendo simúlta-
(2.D e 3? versos); nos tercetos, a rima é sempre interpolada. neamente vencido («rendido»), c) Metáfora em «entre rubis e
perlas doce riso», sendo que, não havendo literaknente «rubis»
ACHA 22 (p. 66) e «perlas» nas bochechas ou boca da Senhora, o seu riso a elas
é associado por ter o mesmo brilho, graciosidade e elegância/
L Os dois poemas tratam da mulher amada, que o sujeito poético requinte, d) Ànástrofe - «estas as armas são com que me rende
descreve e exalta.
/ e me cativa Amor», cuja troca da Drdem natural das palavras
L Podemos dividi-lo em 3 partes lógicas: a primeira parte inclui nos versos transmite a desorganização sentimental e o des­
os 4 primeiros versos, que introduzem a mulher amada como norte de quem está completamente enamorado.
centro do poema. A segunda parte inicia-se no verso 5 e termi­
na nD verso 36, correspondendo à caracterização física e psi­ FICHA 23 (p. 72)
cológica de Bárbora. A terceira parte corresponde aos quatro
últimos versos, os quais surgem em jeitD de conclusão, inicia­ L Camões propõe-se louvar d que ele próprio afirma nos se­
da pelo demonstrativo «Esta», recuperando, assim, o conteú­ guintes versos: «As armas e os barões assinalados» (versD
do epicentrico do poema - Bárbora. 1, estância 1). «E também as memórias gloriosas / Daqueles
Reis que foram dilatando» (versos 1 -2, estância 2) e «E aque­
1 Podemos dividi-lo em 2 partes lógicas: a primeira inclui as 2
les que por obras valerosas / Se vão da lei da morte libertan­
primeiras quadras e o 1." terceto, nos quais o sujeitD amador
do* (versos 5-6, estância 2). Dito de Dutra forma, o poeta vai
apresenta e descreve detalhadamente a mulher amada. A se­
louvar com palavras os nobres que lutaram pela descoberta
gunda parte é constituída pelo último terceto, cujo demons­
e conquista de novas terras e novos povos; os reis portugue­
trativo «estas» resume os efeitos da mulher descrita pelo
ses sob cujo comando o fizeram e todos aqueles que se foram
sujeito poético.
imortalizando pelos seus feitos históricos que para sempre
4. Bárbora é uma mulher escrava, linda aos olhos do sujeito ama­
serão lembrados.
dor. 0 seu rosto é único, os ülhos são pretos, tal como a pele e
LI Aquilo que Camões se propõe louvar constitui matéria épica
os cabelos; é inteligente, calma e motivo de paz e felicidade
porque os Descobrimentos e conquistas ultramarinas são de
para o sujeito poético. Vocábulos que o confirmam: «fermosa».
interesse universal, dizendo respeitD nãD só aos portugueses
«rosto singular», «olhos sossegados, / pretos e cansados*.
e à sua História, mas também à História Universal
«Pretos os cabelos», «PretidãD de Amor», «tão doce a figura»,
L No último verso da estância 2, o poeta põe a condição de que
«leda mansidão», «siso» e «serena».
só cantará as glórias históricas dos portugueses se possuir
5. Esta mulher emana felicidade, suavidade, tem um sorriso pre­
talento e sabedoria artística e poética para o fazer. Com esta
cioso, pele branca, cabelo louro, as bochechas rosadas; é tam­
condição assume-se igual mente dúvida e incerteza, que fun­
bém inteligente, belíssima, motivo de felicidade e paz para o
cionam como uma espécie de hu mildade em relação ao assu n-
sujeito poético. Confirmação: «Leda serenidade*, «entre rubis
to tão elevado da sua epopeia.
e perlas doce riso*. «cTouro e neve», «graciosa», «sis», «fermo­
3. Considerando a afirmação «Que eu canto o peito ilustre Lu­
sa». «repouso (...) alegre e comedido».
sitano» (verso 5, estância 3), Camões mostra-se seguríssimo
í. Do ponto de vista psicológico, as duas mulheres são serenas,
de que os feitos de grande glória e mérito universal dos por­
inteligentes e fonte de amor e paz para o sujeito poético. Bár­
tugueses são maiores do que todos os feitos cantados em
bora é contrária aos preceitos renascentistas de Petrarca.
epopeias até ao Renascimento, tais como os de Ulisses, de
pois é de cor preta, pele, olhos e cabelos pretos também. Por
Eneias. do rei Alexandre Magno ou do imperador Trajano.
Dutro lado. Bárbora é «cativa», isto é, escrava. De outra sorte,
a amada do segundo texto enquadra-se totalmente na mulher 4.0 verso 6 da estância 3 indica que os deuses Neptuno e Marte
cantada pelo Renascimento/Petrarquismo. pois é bela, de pele «obedeceram» aos portugueses, o que significa que os nossas
branca e cabelos louros. Pertencerá ainda a uma classe social navegadores foram mais poderosos do que aquilo que estes
superior, por exemplo, à aristocracia du até mesmo à Coroa, deuses pagãos simbolizam: o mar (Neptuno) e a guerra (Marte).
dado que o sujeito a trata por «Senhora» e não «cativa». 5. E stas três estâncias são um bom exemplo de epopeia porque
7. 0 poema 1 (classificado como trova du endecha) tem 5 estrofes obedecem à forma típica deste tipo de texto: versando sobre
de 8 versos, portanto 5 oitavas; a rima é sempre interpolada e a matéria épica, estas estâncias possuem oito versos decas­
emparetiada; os versos de 5 sílabas métricas estão, por isso, silábicos cada e estão escritas em linguagem erudita e estilo
em redondilha menor, típicos da lírica tradicional du «Medida eloquente. A rima é cruzada nos sets primeiros versos e em­
parelhada nos dois últimos.
Velha». 0 poema 2 (denominado soneto) obedece às caracterís­
ticas formais do Petrarquismo («Medida Nova»)-, possui 2 qua­ í. 0 recurso é a metonímia, porque Camões toma no verso «as
dras e 2 tercetos com rima interpolada e emparelha nas quadras armas e os barões» em vez da classe social que representam
e interpolada nos tercetos. 0 esquema rimáticD é abbo / abba - os guerreiros nobres. Fá-lo para exaltar nãD a referida clas­
/ cde / cde. Cada verso é decassilábico (10 sílabas métricas). se. mas sim o trabalho glorioso que fizeram ao longo desta
I a) Aliteração do som «s». aD serviço de um movimento suavís­ viagem marítima até à índia.
simo («rosto singular. / ülhos sossegados*), b) Paradoxo em
FICHA 24 (p. 74)
«porque nela vivo / já não quer que viva», que nos dá a ideia
do desnorte e contradições típicas de quem está verdadeira­ L Camões mostra ter uma boa relação com as Tágides porque
mente apaixonado. A vida com Bárbora é causa de «morte», sempre louvou, na sua poesia, o riD em que elas habitam (Tejo),
pois o sujeito poético não pensa nem sente outra coisa qual­ como se verifica em «5e sempre em verso humilde celebrado
quer. c) A comparação «me parecem belas / como ds meus / Foi de mi vosso rio alegremente* (versos 3-4). E m seguida, d
amores», fazendo sobressair a formosura de Bárbora. d) Me­ poeta pede-lhes que o presenteiem com inspiração e poesia
táfora: «Pretidão de Amor», que ressalta a cor da sua pele, erudita e elevada, dotada de grande eloquência, como pode­
olhos e cabelos como metáfora da própria cor do Amor, que mos ler em «Dai-me agora um som alto e sublimado, / Um esti­
intensifica o sentimento do sujeito poético. lo grandíloquo e corrente» (versos 5-6).

408
NITOCtâ 12? AM

2 A estancia 5 concentra-se, essencialmente, na especificidade de várias origens, c) Anáfora: «onde» / «onde», a qual repete,
dos pedidos de Camões às Tágides, uma vez que ele lhes pede intensificando, a demanda por um lugar (físico ou não) onde o
um furor poético e um poder elevado, maior do que o de um ser humano pode estar a salvo de perigos diversos, d) Metáfo­
instrumento de guerra. capaz de tomar o seu texto verdadei­ ra: «bicho da terra tão pequeno», referindo-se ao ser humano,
ramente épico, como podemos observar em *üa fúria grande e cuja pequenez é proporcionalmente inversa à maldade, e) Esta
sonorosa / (...) de tuba canora e belicosa» {versos 1 e 3). Por interrogação retórica engloba toda a segunda estância e está
outro lado, ao repetir a forma verbal «Dai-me», implora às nin­ ao serviço da indagação pessoal de Camões, mas também de
fas que o seu «canto» (louvor) seja tão grande e elevado como nós, seus leitores, sobre a procura do Bem, do que é Benfazejo
a natureza dos próprios feitos gloriosos cantados («igual e seus contextos espaciais (físicos ou psicológicos), onde pos­
cantD aos feitos da famosa / Gente vossa»). samos estar em segurança e em paz.
1 Apesar do seu pedido às ninfas e da intenção de «espalhar» 3. 0 alvo é d ser humano, no que se refere aos seus defeitos e
esta glória pelo «Universo», o poeta revela a humildade típica vícios.
de um autor épico, ao duvidar «Se tão sublime preço cabe em
verso.», isto é. se assunto tão poderoso e meritório se pode ACHA 26 (p. 78)
colocar na escrita poética. LI Os defeitos são a procura ambiciosa de boa fama e glória fei­
4. A adjetivação nas sequências da estância 5 segue a seguinte ta/reconhecida pelos outros e a sempiterna inveja de quem foi
ordem: «fúria grande e sonorosa*, «tuba canora e belicosa* e e é ilustre.
sublime preço». Os adjetivos selecionados estão ao serviço L2 «Qualquer nobre» luta para deixar memória dos seus feitos,
da caracterização do fulgor e poder poético e da exaltação dos os quais pretende tornar iguais ou superiores aos dos seus
feitos dos portugueses. antepassados.
5. Estas duas estâncias provam a sublimidade do canto não só 11 Nos versos 5 e 6. o Poeta afirma com veemência que muitos
porque Camões a pede às Tâgides, mas também porque for­ dos «feitos sublimados», ou seja, honras e vitórias conquista­
mula esse pedido com palavras, frases e estilo tipicamente das não são fruto de patriotismo, mas antes são motivados
eruditos e eloquentes. pela inveja das glórias conseguidas pelos outros.
fi. As duas estâncias correspondem a oitavas, apresentando ver­ 21 Camões critica a ignorância artística e cultural dos
sos decassilábicos «E/ vós/ Tá/gi/des/ mi/nhas/ pois/ cri/a/ portugueses, como se constata em «Senão da Portuguesa
do». 0 esquema rimático é abababcc, correspondendo os seis tão somente (...) Porque quem não sabe arte, não na estima.»
primeiros versos a rima cruzada (abobab) e os dois últimos (versos 4-8).
versos a rima emparelhada (cc).
22 As outras nações, designadamente a «Lácia, Grega ou Bárba­
ra», servem o intentD de exemplificar outros povos antepas­
FICHA 25 (p. 76)
sados que davam valor à cultura e à arte, contrastando com
Li A estância 105 trata de falsos amigos («amigos (...) veneno Portugal e os portugueses, inscientes e ignorantes.
vem coberto» - versos 1-2) e consequente ausência de con­ 31D motivo tem a ver com o facto de Vasco da Gama dever agra­
fiança nos contextos de perigos em que a vida nos coloca decer a inspiração que as Musas deram ao Poeta para que este
(«gravíssimos perigos (...) pouca segurança» - versos 5-8). imortalizasse, com o seu poema épico, os feitos dos Portugue­
L2 Em «0*e «Õ», o poeta inicia o momento exato da sua reflexão e ses, cujo interesse é de natureza universal.
crítica, preparando o conteúdo do que vem escrito a seguir. 32 As Musas são Calíope e as Tágides.
LHO recurso é a anáfora, que reitera o tDm de emoção prévio 31 Os dois últimos versos mostram que as Musas inspiradores
à crítica. da escrita épica de Camões ignoraram os feitos materiais dos
L3 Nos últimos quatro versos. Camões torna-se consciente de portugueses e imortalizaram-nos com esta obra da Literatura
que a vida é incerta e fonte de perigos inesperados, mas ine­ Universal que exalta muito mais do que o físico, mas d todo
vitáveis. Por outro lado, traz à superfície dos seus leitores a exemplar de uma nação de navegadores (Os Lusíadas).
insensatez de o ser humano colocar todas as suas expectati­ 4.1 único propósito é o de louvar com amor e orgulho os feitos
vas nos outros, para depois se aperceber que foi defraudado. heroicos dos portugueses.
L4 a) Anástrof e - «Mas debaxo o veneno vem coberto» (verso 2), 4.2 A melhor maneira é a de estar sempre pranto a executargran-
como se a troca da ordem das palavras acompanhasse a troca des e nobres obras, isto é, conquistas du feitos meritórios.
do que é mostrado (a mentira em vez da verdade) e suscitas­ 4.3 Refere-se à literatura imortalizadora de Povos.
se nos portugueses admiração/revolta b) Dupla adjetivação
- «Grandes e gravíssimos perigos» (verso 5), com o intuito de
ACHA 27 (p. 80)
realçar o nível de perigo. Pelo uso do grau superlativo absolu­
to sintético, podemos considerar também a evidência de uma UA pessoa é Vasco da Gama, capitão da frota portuguesa até
gradação. à índia.
21 Esta estância concentra-se nos perigos e sofrimentos huma­ L2 0 alvo da critica camoniana é o «dinheiro», pois ele «a tudo
nos tanto no mar como na terra, preconizada na interrogação nos obriga». Por outras palavras, o dinheiro submete a nossa
retórica sobre qual dos elementos/lugares será o mais segjuro. vida a maus comportamentos.
12 0 «mar» traz tempestades, desventuras, estragos e a imi­ L3 Comparação: «Quanto no rico, assi como no pobre» (verso 6),
nência da morte. A «terra» compõe-se de guerras, privações, cuja expressividade é a de incluir toda a gente como potencial
doenças, falsidade e hipocrisia. submissa ao dinheiro, que corrompe.
23 Os últimos quatro versos incluem a indagação do Poeta sobre L4 Hipérbole: «a tudo nos obriga», pois a seleção deste pronome
em qual dos dois elementos estará o Homem mais seguro e a indefinido, integrando todos os seres humanos, exagera o po­
salvo da merecida indignação divina. der ditatorial do dinheiro.
2Á a) Aliteração do som «t» ao longo da primeira quadra, a qual UQ recurso é a enumeração dos efeitos do dinheiro, que surge
reitera a violência da «tormenta» e dos desepganos da vida, referido por meio do pronome demonstrativo «Este*.
b) A enumeração encontra-se na mesma quadra, pois nela são 22 Os efeitos do dinheiro, segundo o Poeta, são os seguintes:
listados os cenários encontrados no «mar* e na «terra». Quan­ motiva rendições forçadas de povos poderosos; dá origem a
do enumerados, reduzem a vida humana a sofrimento vindo traições e a comportamentos desviantes; torna os espíritos

409
PIEMUII EUHE NACIINAL

mais puros em maquiavélicos; corrompe as verdades científi­ vista com mais detalhe - a baía é «curva e quieta», a «areia» é
cas e cega os que nele sustentam as suas vidas. E o dinheiro «branca» e está pintalgada por Vénus omnipotente com «rui­
que move a Política e a Literatura, transformando bons reis em vas conchas*. E esta a prova de características imaginadas
«tiranos» e até profanam os religiosos e consagrados. pelo poeta para enriquecer a sua epopeia. A mitificação do
13 Os seus estratagemas resumem-se à ilusão, mostrando-se herói está implicada na apresentação de tão deleitosa/pra-
encantador e apresentando-se sempre dotadü de «virtude». zenteira e divina ilha, especialmente preparada pela deusa do
I As estâncias, quanto ao número de versos que apresentam, Amor com ninfas amorosas no sentido de as unir aos humanos
correspondem a oitavas, com versos decassilábicos «Nas/ portugueses que fizeram descobertas e conquistas sobre-hu­
naus/ es/tar/ se/ dei/xa/ va/ga/ro/so». 0 esquema rimáticD é manas. A união dos reais portugueses com as divinas entida­
obababcc. correspondendo os seis primeiros versos a rima cru­ des torna os nossos navegadores divinizados e míticos.
zada (obabob) e os dois últimos a rima emparelhada (cc).
FICHA 29 (p. 84)
FICHA 28 (p. 82) 11 Toda a estância é construída a partir do imaginário épico ca­
II Sempre adjuvante dos portugueses. Vénus faz mover a Ilha moniano, pois os detalhes da ilha e das suas ninfas são ricos
dos Amores, aproximando-a da frota portuguesa, ao pontD de e variados: «verdes ramos, várias cores» (verso 2 - descrição
a referida Ilha ser avistada pelos nautas. Assim, continua dili­ da morfologia da ilha).«(...) lã fina e seda diferente / (...) De
gente no sentido de se certificar que os navegadores passam e que se vestem as humanas rosas (...)/ fermosas» (versos 5-8
tomarão porto neste local de futuras delícias amorosas. - caracterização detalh ada das roupas, da beleza e da frescu­
ra típicas das flores que as ninfas vão mostrando aos navega­
12 A primeira perspetiva ou visão que os portugueses tiveram da
Ilha dos Amores foi de natureza global uma vez que a avista­ dores).
ram «De longe». Daqui decorre que o que primeiramente viram 12 0 verso «Que mais incita a força dos amores» remete para d
foi a sua frescura (talvez pelas cores e a brisa que sentiam vir facto de as roupas, as cores e a beleza das ninfas serem fa­
dela} e beleza {«fresca e bela»). voráveis (afrodisíacas) e estimulantes às relações íntimas que
estas terão com os navegadores portugueses.
13 Por um lado. aD adjetivar a frota como «forte», Camões está
daramente a exaltar o poder dos portugueses, cuja inteligên­ 13 Metáfora (associação de duas ideias não diretamente asso­
cia, poder bélico e poder náutico já se haviam manifestado ciáveis - «humanas» /«rosas») e o paradoxo {juízo sem aparen­
quer no mar quer em terras africanas e indianas. Tal exaltação te lógica - «humanas»/ «rosas»), que atribuem humanidade às
eleva os navegadores a um patamar de heroicidade incontes- rosas ou essência floral às ninfas; a anástrofe em «humanas
táveL Por outro lado, com a sequência «(...) por que não pas­ rosas», a qual evidencia d desenho do corpo («humanas») per­
sassem, sem que nela / Tomassem porto (...)», o poeta mostra fumado, bem como as suas vestes belas de perfume floral a
que, por tais feitos gloriosos, a armada seria recompensada personificação das «rosas» através do ato de se vestirem
com bens e encontros amorosos com as deusas na Ilha que 21 Por meio do discurso de Veloso, percebemos, primeiramente,
Vénus lhes preparara. Ora, sendo estas de natureza divina (mi­ a incredulidade e o espanto dos portugueses perante a visãD
tologia pagã), então está conseguida uma divinização/mitifi- das «Deusas» inesperadas na «floresta» que têm agora diante
cação dos portugueses - heróis reais, de carne e osso, presen­ de si Em seguida, testemunhamos a ordem do mesmo Velo-
teados com entidades sobrenaturais. so para que «sigamos estas Deusas», isto é. para que corram
UA sequência é «A Acidália, que tudo, enfim, podia.» (verso 9). atrás delas e as tomem como suas mulheres.
150 recurso fónico presente é a aliteração do som consonânti- 12 Através destes versos, Camões consegue elevar os navega­
co «v», que está ao serviço da movimentação quer da Ilha dos dores lusitanos a categorias superiores e até sobrenaturais,
Amores (que se aproximava da frota), quer da frota portugue­ uma vez que a eles são mostradas «{...) grandes as cousas e ex­
sa (que se aproximava da Ilha). celentes» (verso 7), porque, contrariamente aos «homens im­
11 Contrariamente à ideia de movimento presente na estân­ prudentes». se depreende que os lusitanos são prudentes, du
cia anterior, estes dois versos, com a presença da conjunção seja, justos e merecedores de recompensa por feitos ilustres
coordenativa adversativa «Mas», criam um contexto de imo­ alcançados. Tal recompensa assume a forma desta Ilha dos
bilidade, isto é. Vénus fez parar a Ilha em frente dos olhos dos Amores e tudo o que nela está contido {amores com as ninfas e
portugueses. Assim, certificou-se de que eles ali atracariam a visão de Gama da «máquina do mundo», por exemplo).
as suas naus. 13 Tanto os portugueses como as ninfas estão enamorados.
12 A comparação presente em «Qual ficou Delos. tanto que pa­ Assim, sendo o sentimento recíproco, vemos os navegadores
riu / Latona Febo e a Deusa à caça usada.» confirma a ideia de «veloces (...) / a correr pelas ribeiras» (versos 3-4) e as ninfas
imobilidade (paragem/ausência de movimento) da Ilha dos a fazer o mesmo «(...) por entre os ramos» (verso 5). enquantD
Amores, do mesmo modo que a ilha de Delos, quando Latona se deixam {«industriosas») apanhar pelos lusitanos, com quem
deu à luz Febo e Diana (deusa da caça)i vão consumar relações amorosas.
UO verso «Pera lá logD a proa o mar abriu» está ao serviço da 14 D recurso à comparação em «veloces mais que gamos» (vea­
ideia de movimento, por um lado, porque a sequência «Pera dos) mostra a velocidade dos portugueses como maior do que
lá» está associada a uma orientação das naus em direção à a dos veados, animais naturalmente rápidos; o gerúndio, em
Ilha; em «Pera _lá logo», testemunhamos o valor expressivo de verbos como «Fugindo», «sorrindo», «dando», «alcançando»
liquidez/movimento conseguido pelo recurso à aliteração do cria uma sequência temporal elástica, ou seja, prolongada a
som «k. Note-se ainda que, por meio de anástrofe, este modi­ partir das atitudes e gestos de navegadores e ninfas; a seleção
ficador {«Pera lá logo») está imediatamente nD início do verso, dos nomes «gamos» e «galgos» confirma toda a ideia de movi­
ganhando centralidade. Por DutrD lado. aD lermos «a proa o mento e velocidade, pois também os «gamos» (cães de pernas
mar abriu» conseguimos visualizar, metaforicamente, a parte longas e típicos da caça à lebre ou à raposa) são velocíssimos.
dianteira das referidas naus a «abrir» o mar (rasgar as ondas/ 15 A estância 70 está ao serviço da mitificação do herói na
deslizar por elas), que as separava do seu portD amoroso. medida em que é nela que os portugueses são divinizados
14 Nos últimos três versos, percebemos claramente a presença pela consubstanciação das relações amorosas com as «Deu­
do imaginário épico de Camões pela descrição e caracteriza­ sas». Ora. estes heróis humanos que têm como recompensa
ção da I lha do geral para o particular. Vemos. portantD, a «cos­ a união e procriação com divindades mitológicas, como que
ta», que desenhava uma «enseada» (baía pequena), adiante passam também eles a ser metade humanos, metade divinos.

410
NITOCtâ 12? AM

FICHA 30 (p. 86) navegadores descobriram e conquistaram terras desse mun­


do, mas porque ao seu capitão é dada uma visão superior e
Li O poeta refere-se à Ilha dos Amores. sobrenatural do planeta terra e dos seus povos.
L2 Nos últimos três versos, o poeta informa sobre d que re­ 22 Segundü Tétis. Deus é o obreiro/D autor desta «máquina»,
presenta esta Ilha, isto é. as recompensas celestiais que são divindade «Que é sem princípio e meta limitada», mas os hu­
oferecidas aos valentes navegadores portugueses. Para isso, manos não d conseguem compreender porque Deus está para
Camões faz uso de uma enumeração que integra «triunfos», além do seu entendimento/da sua explicação racional.
«palma e louro», «glória e maravilha» e resume todas estas re­
U Nos quatro primeiros versos. Tétis informa Gama de que no
compensas, servindo-se do nome «deleites».
mundo vivem os humanos corajosos e que se aventuram por
L3 Nas estâncias das fichas imediatamente anteriores, o Poeta «terra firme» e «mar instábil». Ora, esta é uma referência aos
critica negativamente os portugueses, expondo os seus defei­ próprios navegadores portugueses do tempo das Descobertas,
tos e o que os motiva. Pelo contrario, nesta reflexão, o escritor designadamente da viagem marítima até à India.
refere-se aos «deleites» ou recompensas prazerosas ofereci­
32 Apresentados esses humanos, Tétis continua a falar sobre o
das aos portugueses pelos feitos heroicos e sobre-humanos
muido. desta vez referindo-se a «várias nações», «vários Reis»,
de toda a viagem.
«vários costumes», «várias leis». Assim sendo, está descrita
UO recurso é a enumeração e serve para elencar as recompen­ toda a matéria épica que originou a epopeia Os Lusíadas, ou
sas que os portugueses merecem seja, um povo - o português - aventurou-se por terra e mar e foi,
2J. Nos quatro primeiros versos, o poeta aconselha os portugue­ de forma pioneira, descobrir outros povos e modos de vida, con­
ses a controlar a sua «cobiça» e «ambição» («E ponde na cobi­ tribuindo para o conhecimento do planeta terra. Ads portugue­
ça um freio duro, / E na ambição também»). ses seguiram-se outras nações, dando continuidade ao período
22 A hipérbole «(...) que indignamente / Tomais mil vezes {...)» da História Universal conhecido como Descobrimentos.
(versos 2-3) exalta e toma incontomavelmente visível a fre­
quência com que os portugueses sãD movidos pela «ambição». RICHA32(p. 93)
2J As «honras vã» e a «aura puro» não acrescentam nenhuma L «Um mar mais violento desmanchou o leme»; «o estrondo era
mats-valia psicológica, intelectual e humana ao Homem tanto, - do mar e do ventD - que uns aos outros nãD se ou­
MA metonímia em «ouro puro» explica-se porque se está a to­ viam»; «levanta-se de lá uma vaga altíssima»; «A nau, até o
mar o dinheiro não por si como todo, mas por uma das maté­ mastro grande, fica rasa e submersa, e mais de meia hora de­
rias-primas de que é feito (podendo, todavia, ser cunhado com baixo de água».
prata du bronze, por exemplo). 2. Jorge de Albuquerque Coelho é um excelente e zeloso capi­
25 Após usufruírem dos «deleites» com as Ninfas na Ilha dos tão, sempre pronto a acalmar os seus navegadores e a dar
Amores, estas reflexões pretendem «chamar os navegado­ o exemplo. «Para que nãD fosse isto pesado a alguém foi a
res lusitanos à Razão», uma vez que a viagem tem de con­ de Jorge de Albuquerque Coelho a primeira de todas que se
tinuar e, desta feita, de regresso a Lisboa. Camões está, largaram ao mar» ou ainda «Jorge de Albuquerque, vendo-os
portanto, a relembrar os portugueses dos vícios a evitar e assim, começou a falar-lhes para lhes dar ânimo».
dos escrúpulos a manter a partir desse momento de pausa L Na adversidade absoluta, vemos os navegadores recorrerem
na referida viagem. ao padre que com eles ia ou invocando Deus diretamente
3. Nestas e em outras estâncias vemos a matéria épica, ou com pedidos de misericórdia.
seja, os feitos históricos e a viagem de um Povo, cuja nave­ 4. Morrendo desesperadamente de fome, os navegadores pe­
gação surtiu efeitos de interesse e a Icance universais - des­ dem ao capitão que os deixasse comer os cadáveres dos
coberta do caminho marítimo para a India. Nelas percebe­ companheiros.
mos a sublimidade do canto em verso, quer pela sua seleção
5. 0 episódio é o surgimento da «barca pequenina», que os pre­
de vocábulos, quer por todos os recursos expressivos aos
senteia com alimentos e os reboca até á baía de Cascais e
níveis morfossintático, fonológico e semântico. Testemu­
depois até Belém.
nhamos ainda as características métricas e rimáticas de um
texto épico. Por outro lado, percebemos a existência de um
herói coletivo, o Povo Português, a quem se dirigem todas
as Reflexões do Poeta. Em conclusão, elencados estes ele­
Educação literária • 11.° Ano
mentos, vemos consubstanciar-se uma grandiosa epopeia,
FICHA 33 (p. 101)
ao nível dos autores em quem Camões se inspirou. Homero
e Virgílio. 1 a) F - «Vos estis sal terrae>; b) F - 0 conceito predicável é re­
tirado dc Evangelho de S. Mateus.; c) F - 0 conceito predicável
FICHA 31 (p. 88) integra uma metáfora; d) V; e) F - E uma sequência que contém
uma interrogação retórica., f) V, g) F - As primeiras duas figu­
LI Esta estância surge no Canto X, ainda na Ilha dos Amores, de­
ras de autoridade e exemplaridade que surgem neste sermão
pois das relações amorosas entre as ninfas e os navegadores são a de Cristo e a de Santo António de Lisboa/Pádua h) F-A
portugueses e antes do regresso a Lisboa. cidade onde pregava SantD António era Arimino.; i) F - Vieira
L2 Nos versos «Pera que com mais alta glória dobre / As festas considera que se deve - pregar como eles do que pregar de­
deste alegre e claro dia», percebe-se que Tétis decide acres­ les»; j) V. k) V; l) F - 0 padre Jesuíta utiliza o final do Capítulo I
centar mais uma recompensa aos portugueses, na pessoa do para invocar a Virgem Maria.
seu capitão Vasco da Gama, depois de já se terem deleitado
com a satisfação das necessidades do corpo. Essa recompen­ FICHA 34 (p. 102)
sa é a visão privilegiada do Mundo e seu funcionamento. 1. A primeira frase do excerto esclarece o conceitD predicável,
L3 Os dois pontos no final do verso B servem para introduzir o □u seja, a citação bíblka/o conceito a partir do qual se vai de­
discurso direto de Tétis a propósito da «grande máquina do senrolar todo o Sermão. Os seus diretos interlocutores são os
Mundo*. «pregadores», ou seja, os clérigos responsáveis pela missão
LIA presença desta «grande máquina do Mundo», que é afinal o de evangelizar. A «terra» é o público que ouve os sermões/as
«Globo» terrestre e o seu funcionamento físico e sobrenatu­ pregações - os fiéis que têm comportamentos contrários à fé
ral prova a universalidade de Os Lusíadas, não só porque os cristã, bem como os que a não professam.

411
PIEMUII EUHE NACIINAL

L A conjunção «mas» tem valor de contraste/adversidade. Por FICHA 35 (p. 104)


outras palavras. Vieira sabe que Cristo deixou d «sal» (prega­
1 a) V; b) F - «Descendo ao particular», Vieira considera qua­
dores) para atuar na «terra» (homens), no entanto, não estão
tro peixes.; c) F - Alguns dos seus nomes são Roncadores,
a ser conseguidos resultados de evangelização. Por isso mes­
Pegadores, Voadores e Polvo.; d) F - São Pedro é figura
mo, ele retoma o concerto predicável e tenta analisar, de segui­
bíblica que exemplifica o que fazem os Roncadores.; e) V;
da, d estado atual de insucesso.
f) F - Outros dos animais repreendidos são os Pegadores,
3. As supressões de texto dizem respeito a uma enumeração de
ou seja, aqueles que se pegam aos costados dos Tubarões ;
várias possibilidades de resposta que Vieira apresenta, no
g) F - Um grupo criticado é ainda o dos Voadores que têm
sentido de levar os ouvintes a pensarem sobre o motivo da
barbatanas largas e podem voar, como se lê em «não vos fez
inexistência de sucesso na aplicação do conceito predicáveL
Deus para peixes? Pois porque vds meteis a ser aves?».; h)
Assim, pode ler-se no excerto omisso: «Ou é porque d sal não
F - Vieira afirma, por último: «Mas já que estamos nas covas
salga, e os Pregadores não pregam a verdadeira doutrina; ou
do mar, antes que saiamos delas, temos lá o irmão Polvo »;
porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes, sendo ver­
i) F - 0 Polvo simboliza os defeitos de traição e maquiave-
dadeira a doutrina, que lhes dão. a não querem receber; ou é
lismo. quando se trata de assegurar o seu próprio bem.; j) V;
porque o sal não salga, e os Pregadores dizem uma coisa, e
fazem outra; ou porque a terra se não deixa salgar, e os ou­ k) F - capítulo V apresenta as repreensões em particular
aos peixes.
vintes querem antes imitar o que eles fazem, que fazer o que
dizem; ou é porque o sal não salga, e os Pregadores se pre­
FICHA 36 (p. 105)
gam a si, e não a Cristo; ou porque a terra se não deixa salgar,
e os ouvintes em vez de servir a Cristo servem a seus ape­ Excerto 1:
tites.» Ao longo desta enumeração de hipóteses, iniciadas L A virtude é a de terem os peixes sido escolhidos por Deus
por repetição anafórica. podemos concluir que Vieira tenta para serem criados em primeiro lugar, mesmo antes das aves
perceber se os culpados são os pregadores ou os ouvintes. e do próprio homem.
4. Esta sequência confirma o contextD em que o Sermão é prega­ 2. A enumeração é a que dá vida às outras criaturas que foram
do - 13 de junho de 1654. dia em que se celebra a solenidade criadas após os peixes (aves e homem); a anáfora serve de
de SantD António de Lisboa, Doutor da Igreja. instrumento a essa enumeração, pois repete-se a sequência
5. Santo António pregava em Itália a cristãos, a hereges e a «a vós primeiro», «a vós primeiro».
todo o tipo de pessoas de vários credos. Por se tratar do 3. Terminando com o provérbio popular «como peixe na água»
período medievo, sendo a liberdade de expressão e a aber­ tomado literalmente. Vieira seleciona uma frase que mostra
tura a outras religiões pouco (ou mesmo nada) permitida e como é virtuosa a escolha de os peixes viverem longe dos
aceitável, o santo viu-se obrigado a fugir de perseguidores. homens para assim não se deixarem corromper por ou como
Todavia, não desistindo dos seus objetivos evangelizadores, eles.
decidiu utilizar essa alegoria peixes/homens e construir o
4. 0 dilúvio, cuja figura central é Noé, coordenador de todos
seu sermão a partir dela.
os seres vi vos, é um episódio citado para provar como Deus
fi. Trata-se de duas apóstrofes que presentificam Deus e a Sua estima tanto os peixes. Por outras palavras: aos outros ani­
omnipotência e dão vida à estratégia de crítica social e per­ mais, inclusivamente os humanos, fez escolher um macho
suasão dos pregadores, por meio do discurso figurativo. e uma fêmea apenas, retirou-os do seu elemento e trouxe-
7. Estamos perante uma enumeração do que acontece depois -os para a Arca, castigando os restantes. Aos peixes, seres
de Santo António começar a chamar em altas vozes o seu da água, não só não os privou do seu elemento, como ainda
público. Tal enumeração transforma-se em gradação (com lhes deu mais água para circularem, crescerem e se multi­
recurso a anáfora - «Começam»), uma vez que tudü começa plicarem.
com a agitação do mar, que antecede a afluência dos ouvin­
tes gradualmente e por categorias, até que «todos» estão FICHA 37 (p. 106)
organizadamente a ouvir Santo António.
L A Rémora é um peixe que se pega ao leme du a outra parte de
L Estas duas frases evidenciam o propósito que Padre António
uma nau que sabe que a protege. Ela é fiel seguidora dessa
Vieira deixa muito claro sobre a estrutura externa e interna
nau e inclusivamente pode servi-la se necessário, em caso de
e d caráter expositivo-argumentativo e grandiloquente {com
tempestade. Por analogia. Vieira diz que a língua de Santo
vista à persuasão) dü seu sermão. Obviamente, estas frases
António (note-se que as cordas vocais deste Santo Doutor
são expectáveis num texto desta natureza, situando-se na
da Igreja, associadas ao aparelho fonador, estão expostas
Introdução/Exórdio para organização retórica e preparação
e intactas na Igreja de Santo António, na cidade italiana de
dos ouvintes.
Pádua) sempre foi «rémora» de CristD e da Palavra de Deus.
8. Ma última frase dü excerto. Vieira decide dar um conselho
Note-se que a língua é d veículo usado por Santo António
àqueles que nãü precisam de ser evangelizados - o de igno­
para os seus sermões e as suas pregações.
rarem este sermão por não ser «para eles». A ironia vem da
L Um par dos seus olhos está voltado para cima, vigiando os pre­
utilização desta frase, visando o seu contrário, pois qualquer
ser humano (designadamente o cristão) precisa de renovar dadores. aves à superfície da água Em cima se encontra Deus,
a fé e os comportamentos, por meio da reflexão acerca dos que esse par de olhos contempla e de quem aprende. Outro par
ensinamentos bíblicos e da oração contínua. de olhos está voltado para baixo, vigiando os perigos do seu
elemento, a água Se o primeiro par remete para as coisas do
II. Por definição, a alegoria é a concretização de uma abstra­
ção. Mestes sermões, processa-se dü seguinte modo: toman­ AltD, a Espiritualidade Cristã, o segundo remete para o «ter­
reno», a vida do mundo, que se pretende espaço de vida real,
do os pecadDs/vícios e as virtudes do ser humano (portanto,
referentes não palpáveis, abstratos), os pregadores dãü-lhe mas não mundana
uma forma concreta e visível. Essa forma é a de peixes (re­ 3. A comparação encontra-se em «e cada par deles unidos como
ferentes palpáveis e reais), usados não só pela categoria a dois vidros de um relógio de areia», e a figura de autoridade é
que pertencem (Torpedo, Rémora, Polvo, para citar apenas o Apóstolo SãD Tiago (grafado «Santiago»), filho de Zebedeu
alguns), mas, principalmente, pelas suas características que acompanhou sempre de muitD perto Jesus Cristo e que,
comportamentais, enquanto peixes, as quais espelham na pela sua determinação, perseverança e força era apelidado
perfeição as abstrações humanas. «filho do Trovão».

412
NITOCtâ 12? AM

FICHA 38 (p. 107) socia I do tempo do Padre Antón io Vieira, tais como membros
da coroa, aristocratas, religiosos ou populares emgeraL
Excerto 1
L Apóstrofes: «amigos Roncadores» (linha 6), «peixezinhos igno­ ACHA 39 (p. 109)
rantes e miseráveis* (Pegadores) (linhas 18-19), «peixe alei­
1. A anáfora «Louvai a Deus* surte efeitos persuasivos porque
voso e vil» (Polvo) (linhas 37-38). Cada uma destas apóstro­
fes torna mais presentes os peixes, fazendo as suas críticas repete incessante e veementemente a necessidade de dar
inequívocas. A relativa aos «Roncadores» pode surtir efeitos graças a Deus por tantos bens concedidos gratuitamente a
irónicos, pois nada tem que ver com o Padre António Vieira, pe ixes/homens. C laro que. pela repetição do consel ho. se faz
que pretende intentar o seu contrário. entranhar no espírito dos ouvintes a necessidade de corri­
2. «0 riso e a ira» do Padre Vieira provieram do facto de, ouvindo gir atitudes/cDmportamentos, movidos pela razão lógica do
discurso de Vieira e pelas emoções despertadas (movere).
e vendo o quanto gritavam, perceber que se tratava de pei­
xes pequenos, facilmente pescáveis por um «aleijado», o que L A primeira graça prende-se com a sequência «louvai a Deus,
prova a sua fragilidade. Portanto, a arrogância dos seus gritos que vos habilitou de todos os instrumentos necessários à
contrastava comicamente com a sua fisionomia minúscula. vida», isto é, a graça de ter à disposição de cada um todos os
3. A crítica social atinge «os arrogantes e soberbos»: todos os meios, ferramentas, espaços e contextos para sobreviver e
membros da sociedade que, sendo pouco poderosos ou frá­ viver. A segunda graça tem que ver com a ideia expressa em
geis, se revoltam contra Deus constantemente. E Vieira acres­ «louvai a Deus, que vos sustenta», por outras palavras. Deus
centa que tal atitude leva esses seres humanos a prejudica­ que vos ampara e protege na adversidade (comungando natu­
rem-se, pois o poder da Providência é sempre maior. ralmente também da felicidade).

4. Quanto à exemplaridade do Tubarão, eis o cenário: sendo este 1 A estrutura externa e interna de um sermão deve terminar com
um predador temível, os Pegadores colam-se às suas costas, referência a Deus (ao Deus bíblico). não só por meio de ideias (no
parecendo «remendos ou manchas naturais» e alimentam-se caso, variantes de «Deo gratias», como «Louvai a Deus»), mas
das sobras de peixes pequenos que este peixe grande come. A também com recurso a vocabulário bíblico, como em «Amen».
consequência primeira é a alimentação sem esforço, mas o re­
sultado final pode ser mau, se morrer o Tubarão, os Pegadores
FICHA 40 (p. 116)
morrerão com ele. 1. A ordem sequencial correta é: k)t c); j); i)t n); h); m)-r g)t f); e); d);
5. Com os Pegadores, Padre António Vieira pretende atiqgir todos W
os seres humanos que se tomam parasitas, seguidores, apenas
por interesse, de outros seres humanos com poder, dinheiro, FICHA41 (p. 117)
influência, para citar apenas alguns casos. Correndo bem a vida 1. a) F - D. Madalena de Vilhena casou em segundas núpcias
aos «grandes*, os parasitas saem beneficiados; pelo contrário, com Manuel de Sousa Coutinho. b) F - D. Madalena e o ma­
correndo mal a uns, os outros sofrerão do mesmo mal rido pertenciam à nobreza portuguesa, vivendo na casa de
fi. De acordo com as linhas 24 a 29, vemos que o Polvo parece Manuel de Sousa Coutinho.; c) V; d) V; e) F - Maria e Teimo
um peixe bondoso e angélico: a sua cabeça dá-lhe um ar de Pais acreditam, piamente e com alegria, que el-rei D. Sebas­
monge com seu capuz, os seus tentáculos abertos asseme­ tião vai regressar vivo.; f) V: g) V; h) V; i) V; j) F- Manuel ateia
lham-no a uma estrela, com uma fisionomia invertebrada e f Dgo a sua casa para não a deixar aos governadores portu­
exclusivamente feita de partes moles, aparentando ser pa­ gueses aliados dos espanhóis.; k) V; l) V; m) F - A ordem na
cífico e f rágiL Porém, e como dizem os santos latino e gregD, qual vão ingressar Manuel e Madalena é a dos Dominicanos
tudo no Polvo é aparência, ilusão e hipocrisia porque é falso. (S. Domingos)
7. A estratégia de ataque do PoIvd é tomar a cor do elemento
dü fundo do mar de que se aproximou, confundindo-se com FICHA 42 (p. 118)
ele; em seguida, predador paciente, deixa aproximar-se um L Trata-se de uma sala da casa onde vivem Manuel de Sousa
peixe incauto e prende-D com os seus tentáculos, cegando- Coutinho, Madalena de Vilhena, Maria, TelmD e os criados, em
-o com o líquido escuro que liberta. A vitória dü Polvo sobre Almada, na tarde dé 28 de julho de 1599.
a sua presa é calma, pensada estrategicamente e rápida na
L As duas janelas trazem luz natural à casa, pois são «grandes» e
captura. Assim se pode ler em «Consiste esta tra ição do Pol­
dão vista para um eirado «que olha sobre o Tejo e donde se vê
vo primeiramente em se vestir, ou pintar das mesmas cores
Lisboa toda». Por outras palavras, são os elementos através
de todas aquelas cores, a que está pegado. (...) E daqui que
dos quais o exterior comunica com o interior e vice-versa.
sucede? Sucede que o outro peixe inocente da traição vai
passando desacautelado, e o salteador, que está de embos­ 1 Por exemplo: «luxo», «caprichosa elegância», «porcelanas»,
cada dentro do seu próprio engano, lança-lhe os braços de «xarões», «sedas», «rico pano de veludo verde franjado de pra­
repente, e fá-lo prisioneiro. (...) 0 Polvo, escurecendo-se a ta», «livros», «obras de tapeçaria», «vaso da China», «tambore­
si, tira a vista aos outros.» tes rasos», «contadores».
S. A comparação advém da colocação em paralelo do que fez 4. A frase «E no fim da tarde.» revela um ambiente calmo, melan­
Judas e do que faz o Polvo, como sendo da mesma natureza: cólico. características que aumentam em Madalena d seu sen­
traição. A gradação surge do facto de Judas só ter abraçado timentalismo exagerado. Os seus «ais», os seus medos, a re­
Jesus como sinal de identificação para os guardas do Templo flexão sobre o passado infindo (não terminado por não saber
o prenderem, ao contrário do PoIvd, que não só se disfarça, se o primeiro marido morreu realmente), o presente sempre
como vai mais além e prende a sua vítima em dois passos que em alvoroço e d futuro que ela vê envolto em sinais negativos,
se processam gradualmente e antecedem o proveito de co­ presságios e agouros são sinais que anteveem desgraça (ver
mer a presa. características do Romantismo, p. 108).
1. Através do Polvo. Vieira traz à memória visual e mental dos 5. Por exemplo: «duas grandes janelas rasgadas», por onde entra
seus ouvintes todos aqueles que aparentam ser boas pes­ a luz do dia, o calor do sol, a frescura do Tejo; «um vaso da Chi­
soas, altruístas, humanitárias, cândidas e pacíficas, mas são na, de colo alto, com flores», pressupondo-se que as flores são
precisamente o seu contrário, contrário esse maquiavélico, naturais, portantD, perfumando a casa e alegrando a; as por­
que está escondido debaixo de «uma hipocrisia santa». Ds tas de acesso fácil a outros ambientes {interior e exterior) por
diretamente invetivados podem pertencer a qualquer classe Dnde se prolonga a calma e o conforto do espaço.

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PIEMUII EUHE NACIINAL

FICHA 43 (p. 119) é feita de madeira negra. tempo cronológico confirma tudo
isto, pois é «alta noite», sendo a noite já quase madrugada e me-
L 0 patriotismo de Manuel toma-se evidente quando ele mani­
taforizada como um prenúncio de morte («mortalhas» é o vocá­
festa estar consciente de que os governadores portugueses bulo usado para o hábito e insígnias que os novos consagrados
não defendem a liberdade do país Por conseguinte, tal patrio­
vão usar, como se fossem, efetivamente, morrer).
tismo é confirmado na sua atitude determinada: atear fogo
à própria casa para não alojar tais traidores Manuel prefere L Todüs estes vocábulos instauram uma proximidade entre a
tomada de hábitD de Manuel e Madalena e a Paixão de Cris­
destruir os seus bens a deixá-los nas mãos destes maus de­
fensores de um Portugal livre. A sua filha, Maria, reitera os to. Dito de outra forma, havendo cruzes e velas, já o espaço é
mórbido, mas a menção da crucifixão de Jesus, com o letreiro,
escrúpulos patrióticos do pai e apoia-o, com carinho de filha e
consciência plena de serem eles portugueses genuínos. que perpassa toda a Semana Santa do calendário litúrgico,
reafirma essa proximidade: assim como Jesus sofreu açoites,
2. Do ponto de vista psicológico, Manuel é um honrado fidalgo
tortura e morte injustamente, sem nada de mal ter feito, assim
português, destemido e corajoso; Madalena é d exemplo máxi­ também os membros desta família nada de mal fizeram e es­
mo de uma mulher em constante agonia e medo por se ter ca­
tão a ser «açoitados», «torturados», «mortos» pela vida. Não
sado pe la segunda vez. sem nunca ter a certeza efetiva de que houve duelos, não houve traições, não houve crimes, tudo se
o primeiro marido morrera; Maria é uma verdadeira patriota,
passou devotamente e consoante os preceitos do Catolicismo
escrupulosa e ávida defensora do seu muitD amado progenitor
e dos valores honrosos da nobreza. No entantD, o desenlace é
e do seu muito amado país.
trágico e romântico.
FICHA 44 (p. 120) 3. Há, sem dúvida, uma gradação desde o cenário do Ato I até aD
do Ato III. no sentido de um aumento de escuridão física e es­
L A razão que esteve na origem da mudança da casa de Manuel
pacial (com presença de objetos e contextos que pressagiam
de Sousa Coutinho para esta tem a ver com o facto de o fidal­
maus eventos futuros) e revelação que leva ao desenlace. Se
go Manuel ter incendiado a sua propriedade para a não deixar o primeiro cenário mostra a paz e claridade em que vivia esta
ser ocupada pelos governadores portugueses {Luís de Moura.
família, d segundo passa a desenrolar-se no palácio sombrio
d conde de Sabugal, o conde de Santa Cruz, o arcebispo) e re­
e fechado de D. JoãD, local aonde ele vem ter no final do
presentantes da coroa espanhola
Ato II, havendo «clímax» e «páthos», isto é. auge do sofri­
L Este comportamento de Manuel de Sousa Coutinho, que o le­ mento já pressentido por Madalena e Teimo, ao ponto da
vou a destruir a própria casa, prova o seu amor à pátria, Portu­ tomada de decisões trágicas. A «Icotastropbé» surge, nD Ato
gal, e a sua luta pela independência. Por outro lado, dá mostras III. com a morte espiritual de Manuel e Madalena e a morte
de que se trata de um f idalgD honrado, destemido e corajoso física de Maria. 0 cenário, uma vez mais, acompanha este de­
na defesa da sua nação e seus compatriotas. senlace, pois estamos na igreja onde tudo acontecerá.
10 proprietário é D. João de Portugal, desaparecido na Batalha
de Alcácer Quibir, em 1578. 0 facto de D. João ter sido o pri­ FICHA 46 (p. 126)
meiro marido de Madalena, cuja morte nunca foi confirmada, 1 a) V; b) F - 0 Mosteiro da Batalha tem também a designação
presentifica-o neste tempo atual da ação, que adensa d sofri­ de Mosteiro de Santa Maria da Vitória.: c) F - 0 conventD
mento de Madalena e inicia o desfecho. DitD de Dutra forma, foi doado por el-rei D. João I aos frades dominicanos d) F
aparecendo como Romeiro, vai desencadear-se o desfecho - Junto de pedras e estátuas espalhadas. Frei Lourenço de
trágico da obra: o casamento de Madalena e Manuel é invali­ Lampreia e Frei Joane conversavam com o Mestre Afonso
dado e Maria torna-se filha bastarda. Domingues. velho, cego, surdo e coxo.; e) V; f) F - Mestre
4. Os três retratos «aD fundo» representam D. Sebastião, Luís de Afonso compara a sua obra à Divino Comédia, do florentinD
Camões e D. João de PortugaL 0 retratD de D. Sebastião é cla­ (de Florença) Dantes g) F - Mestre Ouguet é um arquiteto
ramente um elemento sebastianista, pois nele estão represen­ *mediano* de nacionalidade irlandesa: h) F - Mestre Du-
tadas as esperanças de um Portugal presente e futuro, livre, guet retomou a construção do Mosteiro, ignorando □ planta
governado por um jovem rei, que há de regressar da Batalha de feita pelo seu antecessor^ i) V; j) V; k) V; I) V; m) V; n) V; o) V;
Alcácer Quibir. 0 retrato de Camões contribui para o mesmo p)Vq)F - De entre essas personagens, destacam-se, além
efeito, pois a sua epopeia é dedicada a este rei. Camões é sím­ dos frades superiores. João das Regras e Martim de Océm,
bolo de patriotismo, não só porque escreveu Os Lusíadas, para doutores e conselheiros do rei; r) F - Com honra e patriotis­
glorificar a pátria e a grandeza dos seus membros, mas por ele mo, Mestre Afonso aceita e promete a completude da abó­
mesmo, Camões, ter sido cavaleiro e defensor das conquistas bada da casa capitular para dali a quatro meses, munindo-se
portuguesas, durante o exílio. 0 retrato de D. João de Portugal de arquitetos jovens, tais como Martim Vasques e Fernão de
é um indício de um final trágico, pois é o seu regresso que vai Évora.; s) V; t) V; u) V; v) V.
destruir a família de Madalena, Manuel, Maria (e Teimo).
5. As portadas que dão acesso à Igreja de S. Paulo dos Domíni-
FICHA 47 (p. 128)
cos de Almada são um indício da proximidade do fim trágico L Mestre Afonso é um homem inflamado pelo seu amor à pátria,
da obra. E por elas que hão de passar Manuel e Madalena não só porque combateu com o Mestre de Avis, mas porque
para entrarem como noviços na ordem religiosa dos Domí- empenha toda a sua alma e espíritD neste monumento de glo­
nicos e é por elas também que Maria correrá em demanda rificação de um Portugal vitorioso. Por outro lado, defende
pelos pais até ao local onde vai morrer. No lugar ao qual dão sempre o que é português e deixa transparecer todo um senti­
acesso tais portadas, vai consumar-se a tragédia que atinge mentalismo exagerado e hiperbólico, próprio de um cavaleiro
todas as personagens. honrado. Assim se percebe o cair das lágrimas (que contagia
Frei Lourenço), o discurso poético retratando a sua obra arqui­
FICHA 45 (p. 121) tetada, o facto de estar de pé e ficar exaurido (sem forças) e
L 0 drama romântico implica, regra geral ambientes sombrios a indignação por lhe ter sido retirado o cargo em favor de um
e austeros: portas cobertas de reposteiros pesados, objetos estrangeiro.
medievais. A presença da religiosidade exagerada também se L Aliado aD patriotismo típico do Romantismo, temos, neste
mostra ao serviço deste cenário romântico (do Romantismo). excerto, provas do sentimento nacional, ou seja, de um olhar
Veja-se que os objetos de consagração estão dispostos num para a própria vida e alma como parte de uma coletividade a
espaço sem decoração, sem luz natural e a cruz de Jesus Cristo defender honrosamente, que é a nação portuguesa. Eis um ex-

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NITOCtâ 12? AM

certo que o mostra «Não é este edifício obra de reis, ainda que lhe rouba «os corações dos homens», que não lhe obedecem
por um rei me fosse encomendado seu desenho e edificação, já, ao que a Esperança acode, afirmando que vem a mando de
mas nacional mas popular, mas da gente portuguesa, que dis; Deus iluminar esses corações para endireitar o seu caminho, o
se: nõo seremos servos do estrangeiro e provou seu dito.». E caminho que os levará ao Céu. A Soberba, a propósito do que
clara a referência aD caráter nacional deste mosteiro e de todo ouve da Esperança, acusa os mandatários de Deus de «enga­
o processo da sua edificação, que deve ser obrado por mãos nar os homens com vaidades de incertos futuros», sendo que
portuguesas para glorificação de Portugal e seus pelejadores. a Caridade se socorre das Sagradas Escrituras para enaltecer
3. Mestre Afonso Domingyes, Frei Loirenço de Lampreia, el-rei D. Deus e seus santos como orientadores dos seres humanos, a
João l D. Leonor Teles, Mestre David Ouguet e todos os po­ quem consideram de maneira igual.
pulares e «oficiais», construtores/obreiros portugueses, que 1 Por exemplo: «a Idolatria começou seu arrazoado contra a Fé,
foram mandados para Guimarães. Mestre Afonso respeita e queixando-se de que ela a pretendia esbulhar da antiga posse
é respeitado pelo frade superior dominicano, tendo uma rela­ em que estava de receber cultos de todo o género humano, ao
ção de amizade; o mesmo se passa entre o Mestre e todos os que a Fé acudia com dizer que, ob ínrtio, estava apontado d dia
populares portugueses que estavam sob a sua égide na cons­ em que o império dos ídolos devia acabar». Por meio do discur­
trução do mosteiro; D. João I surge aqui como alvo de críticas so indireto, Herculano consegue resumir as falas das persona­
inflamadas e irónicas por parte de Afonso, mas serão reata­
gens. Tal resumo entende-se porque cada uma das falas das
dos os laços de amizade e companheirismo que remontam à personagens não é central na estrutura da narrativa.
luta conjunta em Aljubarrotac D. Leonor Teles {aliada dos cas­
4. E a queda da abóbada, finalizada por Mestre Ouguet, que vai
telhanos) é odiada peto Mestre Afonso, aD ponto de este se
lhe referir como «a adúltera» (pela sua relação com o Conde desencadear todo o conteúdo dos dois capítulos segqintes até
ao final. Porque se provou que a planta alterada pelo irlandês
Andeiro); Mestre Ouguet é d eterno odiado por Afonso (sendo
o sentimento recíproco), por não ser português e ter rejeitado não foi alternativa viável é que D. João I vai reunir com os con­
a planta desenhada peto arquiteto português. selheiros e com Mestre Afonso, reatando a amizade para com
d velho Mestre e renomeandoo Mestre oficial. Daqui sucede
4. a) Enumeração - «cada coluna, cada mainel, cada fresta, cada
que Mestre Afonso e os seus obreiros portugueses sigam a
arco era uma página de canção imensa»: exaltação da obra no
planta original, a abóbada não mais caia e, por fim. o desfecho
seu todo e cada parte em específico, desenhada e construída
da narrativa: a morte de Mestre Afonso, cujo voto de jejum por
com amor à pátria e ao futuro mosteiro, que celebra a glória de
três dias foi fatal ao seu corpo idoso e já frágil
um Portugal invencível, b) Metáfora: «cada coluna, cada mai­
nel, cada fresta, cada arco era uma página de canção imensa» 5. A atribuição do título A Abóboda a esta narrativa tem a ver
ou ainda «Os milhares de lavores que tracei em meu desenho com o facto de se tratar da construção de um dos mais impor­
eram milhares de versos», sendo que qualquer uma destas tantes espaços do futuro Mosteiro da Batalha, monumento
citações apresenta o desenho/o mosteiro como «página de de louvor aos portugueses vitoriosos frente aos castelhanos.
canção imensa» ou cada trabalho («lavores») como versos, A isto, Alexandre Herculano junta a caracterização de perso­
o que está ao serviço da dimensão literária e musical trans­ nagens e espaços historicamente comprovados/imaginados,
formando esta obra física numa peça de arte a vários níveis: donde sobressai a recuperação das glórias portuguesas do
escultura, literatura e música. Com tais metáforas, o mosteiro passado, bem como a apresentação de valores típicos do Ro­
é colocado como que num pedestal e é digno de ser reconheci­ mantismo. isto é, o seu herói e respetivas características, lin­
do como superior e glorioso, c) Comparação: «caíam-lhe pelas guagem e estilo que d comprovam, assim como ideias patrióti­
faces encovadas duas lágrimas como punhos» - associando as cas em defesa da gloriosa nação que é Portugal
lágrimas a punhos, podemos considerar a polissemia do vocá­
bulo «punhos*. Assim, temos lágrimas como «punhaladas» ou ACHA 49 (p. 136)
socos que a vida deu à alma de Mestre Afonso Domingues; ou 1. Este excerto dá por terminados os dois planos da obra: o da
como «punhais», facas que «cortam», dilaceram, mutilam d seu viagem (com o regresso dü narrador e companheiros a Lisboa)
coração, d] Ironia: «Agradeço-vos, senhor rei. a mercêL. Sois e d da novela (com as informações sobre o destino final das
verdadeiramente generoso...» mostra o desagrado profundo, personagens Carlos. Joaninha, Georgina e a avó D. Francisca).
o desespero e a mágoa que Mestre Domingues tem para com
Li 0 diálogo faz-se entre o narrador (protagonista da viagem) e
D. Jüão I porque este o afastou do cargD de arquiteto do Mos­
Frei Dinis {uma das personagens da novela). LpgD, juntam-se,
teiro da Batalha, entregando-D a um estrangeiro.
confluindo, viagem e novela.
5. Este capítuto, sendo o primeiro dos cinco, faz a apresentação
2. Carlos e Joaninha são claramente personagens românticas
de quatro componentes: o «cenáriD»/contexto histórico, d es­
paço (Batalha) e o desenho da ação em torno da construção peto desenrolar e peto desfecho da sua relação amornsa: além
dü Mosteiro da Batalha. 0 leitor fica a saber da obra, do local, do parentesco próximo (à partida impeditivo), Carlos tem um
dü momento da História e da ação narrativa de que estamos compromisso com Georgina, mas ama Joaninha (inocente, ho­
a tratar. A quarta componente é a das personagens, fazendo nesta, frágil e simples como uma verdadeira heroína român­
antever as relações entre elas. tica). Está instalado, portanto, um triângulo amoroso. Porque
Carlos se deixa levar pela razão e contexto social, abandona
FICHA 48 (p. 130) Joaninha, que morre de desgosto, volta para Georgina. que o
recusa e se toma abadessa. Assim, Carlos abandona tudo,
1. Este autD é alegórico na medida em que as primeiras sete per­
enriquece, dedica-se à política, vivendo corrompido por ela e
sonagens são concretizações de abstrações: Idolatria, Diabo,
Soberba, Fé, Esperança, Caridade e o anjo da sentença. Pre­ pela sociedade.
cisamente por meio delas é que o auto dá vida aos princípios 1 Por exemplo: «fui deliberadamente ao meu cavalo; montei, pi­
da moral cristã: umas são personagens que levam a alma ao quei, desesperado, de esporas e não parei senão no Cartaxo.
inferno, as outras as que levam a alma ao Céu. Trata-se da (...) Parti para Lisboa» {linhas 27-28).
representação da Epifania do Senhor, solenidade litúrgica do 4 Trata-se de um narrador que fala na primeira pessoa, é subje­
Cristianismo. tivo nas descrições e nas críticas que tece à política, à socie­
2. A Idolatria queixa-se de a Fé lhe roubar o culto por parte dos dade e à religião; é participante na ação (vemo-lo em diálogo
seres humanos, ao que esta responde que está fadado por informal/cDtoquial com uma das personagens da novela. Frei
Deus o fim dos ídolos. 0 Diabo lamenta-se de que a Esperança Dinis) e dirige-se diretamente aD leitor.

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PIEMUII EUHE NACIINAL

5. Nd último parágrafo, o narrador faz uma reflexão, tecendo crí­ L 0 sentimento natural que une este par amoroso é o amor ge­
ticas abertas sobre as más decisões e orientações do governo nuíno, avivado pela paixão de um reencontro inesperado, após
{entregue, em 1843, ao ditador Costa Cabral - Cabralismo), a dois anos de ausência. 0 seu mais óbvio exemplo é o «com um
quem tece abertas críticas (irónicas e sarcásticas) ao investi­ longo, interminável beijo... lorçgo, longo, e interminável como
mento caríssimo nos caminhos de ferro, em vez de pedra para um primeiro beijo de amantes...»(linhas 25-26).
estimular os meios de comunicação no nosso país. Note-se
que «metal» pode ser referência literal ao ferro, mas também FICHA 52 (p. 141)
referência metafórica aD dinheiro. Assim, este narrador ro­ 1 Nas linhas 1 a 18. o narrador embrenha-se na reflexão e crítica
mântico dá vida ao sentimento nacional, designadamente, o sobre as péssimas influências que a sociedade (convivência
da preocupação com aquilo de que Portugal verdadeiramente social) tem na personalidade do ser humano, originalmente
necessita. E que, depois do triunfo do Liberalismo, com a Carta criado bom, honestD, escrupuloso e equilibrado no uso, entre
Constitucional outorgada por D. PedrD IV, em 1926, os gover­ outros, do binómio razão/coração. Com estas críticas, o narra­
nos sucediam-se a custo de lutas e ditaduras, o que afetava dor prepara aquilo que vai fazer, do ponto de vista narratológi-
negativamente a economia e gerava o sentimento de medo e co, imediatamente a seguir (linhas 19 a 24): provar como Car­
frustração por parte de todos os portugueses compatriotas los é, infelizmente, um exemplo dessas influências corrosivas
deste narrador. e cáusticas da sociedade do seu tempo.
í. Metáfora: D. Francisca, não estando fisicamente morta, tinha L Pela caraterização de Carlos, podemos antever todo o desfe­
aspeto e postura de cadáver. cho da novela: ele é o centro do triângulo amoroso Georgina -
Carlos - Joaninha; pela sua falta de escrúpulos e «vulgaridade
FICHA 50 (p. 138)
da fraqueza, da hipocrisia, da mentira comum.» (linhas 20-21],
L Este excertD é a primeira ponte de ligação entre o plano da via­ abandonou Joaninha, d que a levou a morrer de desgosto, voltou
gem e o plano da novela. Se ele começa com o que o narrador para Georgina. que o recusou por saber da traição, e isolou-se
vê na sua deambulação geográfica, termina com a clarificação da sociedade, seguindo a sua falta de valores. A avó enlouque­
da «história» que vai contar. ceu. perdeu vitalidade e Frei Dinis resignou-se à misericórdia
110 elemento físico que clarifica este elo de ligação é a «janela» de Deus. Carlos enriqueceu. Como soubemos da boca de Frei
que o narrador vê e lhe traz á memória a história que vai contar. Dinis, no último capítulo, é barão e será, porventura, deputado.
1 Entre as linhas 1 e 14, o narrador descreve a natureza que o A sua atitude para com as duas mulheres e a incursão na vida
Vale de Santarém lhe oferece por meio dos sentidos. A pai­ política são as provas finais de que Carlos se deixou corrom­
sagem é descrita como locus omoenus, ou seja, «numa har­ per por essa sociedade descrita no início deste excerto.
monia suavíssima e perfeita» (linhas 2-3). que tanto serve
para caracterizar o vale como o interior do narrador, que a FICHA 53 (p. 145)
contempla e por ela é encantado. 1 a) F - 0 narrador estava preso na Cadeia da Relação, no PortD,
10 narrador revela, em prolepse, ao seu companheiro de viagem, quando encontrou uns documentos^ b) V; c) F - 0 narrador tira
o final desta menina à janela (sabemos que se trata da sua a limpo a história da prisão de Simão porque um dos documen­
morte por desgosto amoroso). Por consequência, podemos tos que leu era uma notícia atestando que estivera de facto
verificar que ele é narrador omnisciente e manuseia a informa­ preso; d) 0 narrador é opinativo e parcial; e) V. f) F - 0 narra­
ção de tempo e ação do modo que quer, pois é sabedor de tudo. dor compadece-se e revolta-se porque narrará infortúnios de
4. D momentD em que a relação narrador e leitor se torna eviden­ uma história sobre o amor entre um homem e uma mulher, g)
te encontra-se entre as linhas 30 e 32, ou seja, todo o último V; h) F - A frase que o narrador utiliza para resumir a histó­
parágrafo do excerto. Neste caso, o narrador dirige-se às «be­ ria é «Amou, perdeu-se e morreu amando.*; i) F - 0 narrador
las e amadas leitoras» (linha 30). portanto, pressupõe que uma submete a avaliação dos seus sentimentos perante a história
história de amor interesse sobremaneira a este tipo de público lida nos documentos tanto aos seus leitores como aos demais
- as mulheres. críticos.; J) V.
51 c) Enumeração: prova a harmonia e beleza de toda a paisagem FICHA 54 (p. 146)
do Vale de Santarém, fazendo sobressair estes tipos de plan­
tas. Note-se que existe também um exemplo de personifica­ L Simão é um típico herói romântico por vários motivos: primei­
ção pois «vestir» e «alcatifar» são características humanas, ro, porque, motivado pela raiva de saber da injustiça relativa à
aplicadas às plantas. ida de Teresa para a clausura no Porto, nãü hesita e vai, instin­
Sl2 a) Metáfora: não se tratando literalmente de um quadro, mas tivamente e sozinho, ao seu encontro; segundo, porque trans­
de uma paisagem (o Vale de Santarém), a utilização metafórica borda amor puro e paz, quando se vê em frente da sua amada;
de «quadro» intensifica a ideia de harmonia e arte ao natural terceiro, porque aceita e se resigpa à «cruz» e ao «calvário»,
que o narrador aprecia. aconselhando Teresa a fazer o mesmo; quarto, porque, após
ter mostrado respeito para cdhi Baltasar, não vacila e reage
51 d) Comparação: evidencia o poder da janela sobre o narrador,
impetuosamente às ofensas ditas por ele, matando o.
ao ponto de ele o comparar a um ato do sobrenatural - «feiti­
ço». L Não se trata apenas de uma relação familiar, uma vez que Bal­
tasar é sobrinho de Tadeu. Baltasar via neste casamento um
FICHA 51 (p. 140) meio de enriquecimento e ascensão social sendo que Tadeu
o queria tanto ou mais porque via a filha fazer-lhe a vontade,
L Joaninha exala beleza e fragilidade (tipicamente românticas)
afastando-se da família rival, os Botelho. Baltasar tDrna-se
por todo o seu corpo e linguagem corporal como se pode ler
por isso sempre carinhoso com Tadeu, nunca o deixando só.
em «expressivas feições da donzela; e as formas graciosas
do seu corpo» (linhas 3-4). Sabemos que tem os olhos verdes. 3. Baltasar é um homem claramente sem escrúpulos, que nãD se
Quanto à personalidade, saliente-se a sua inocência de meni­ coibiu de, desde d primeiro momentD, insultar Simão. Era co­
na apaixonada, como o narrador primeiramente a viu. Relati­ barde (e Simão reconheceu-o) porque o injuriava, sabendo que
vamente a Carlos, cerca de quinze anos mais velho, cabelos tinha um séquito de apoiantes que o protegeriam.
pretos e olhos escuros, é um jovem na força e vigor da idade, 4. Simão mostra todo d seu amor a Teresa e plena resignação ao
ainda que com mostras das lutas em que participou, honesto «calvário» e à «misericórdia de Deus», ou seja, está calmo pe­
e bondoso. rante a adversidade.

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NITOCtâ 12? AM

5.0 meirinho-geral tenta ajudar Simão porque o reconhece como FICHA 58 (p. 162)
o filho do corregedor e sabe do seu caráter escrupuloso, bem
Lb)X4Lc};Ach5ícX&>);7.b).LbH>klL4
como da sua educação aristocrata.
RICHA 59 (p. 164)
FICHA 55 (p. 148)
1. As críticas vão, regra geral, ao encontro da falta de estímulo in­
L 4 L a]t 3c); 4 b 5. c}, L b>. I d)
terior do público para ver algo que não lhe está culturalmente
enraizado, do compadrio e corrupção, da deselegância e inca­
FICHA 56 (p. 149)
pacidade de imitação das corridas inglesas por total ignorân­
1.0 momento é o dü embarque de SimãD no barco que o leva para cia. Primeiro, a presença de personagens figurantes e de um
o degredo na índia, que Teresa supõe. «A hora que te escrevo, cenário que anuncia o fracasso da festa e certD grau de ridícu­
estás tu para entrar na nau dos degredados, e eu na sepultura.» lo. Note-se ainda d uso do advérbio «desconsoladamente» e
(linhas 1-2). da forma verbal «morria» a caracterizar foguetes, supostos
2. Teresa é uma típica heroína romântica é uma menina bela, frágil elementos de alegria. Segundo, o compadrio espelhado no
e inocente que sofre o desgostD desmedido e fatal de viver um senhor de «flor ao peito», a quem o sr. Savedra prometera
amor impossível que acabará com a morte física dos dois aman­ entrar no hipódromo sem pagar a carruagem. Tercei ro. o com­
tes. A linguagem que utiliza nesta carta está ao serviço desse portamento grosseiro e bruto dos homens. Quarto, as tribu­
sentimentalismo, dessa vivência da desgraça, como se verifica nas. que nas corridas inglesas estão cheias de assistência e
em «Que importa morrer, se não podemos jamais ter nesta vida de representantes de altos cargos, neste hipódromo portu­
a nossa esperança de há três anos?! Poderias tu com desespe­ guês estão «vazias» ou apenas com algumas «senhoras», já
rança e com a vida, Simão?» {linhas 3-4) ou ainda «Adeus! A luz que os homens brigam, mais animalescos do que os cavalos.
da eternidade parece-me que já te vejo. Simão!» (linha 17). LI «e um sopro grosseiro de desordem reles passava sobre o hi­
3. As cartas desempenham um papel central a cinco níveis. A pódromo, desmanchando a linha postiça de civilização e atitu­
saber: proibidos os amores entre Teresa e Simão, é através de forçada de decoro...»(linhas 37-38).
delas que os amados comunicam e extravasam os seus sen­ L E. de facto, por meiD destas três personagens que percebe­
timentos de amor-paixão. Com elas, manifestam-se as ver­ mos a representação do seu discurso direto em formatD de
dadeiras personalidades de Simão e Teresa, pois nelas não há discurso indireto livre, ou seja, o narrador usa verbos relato­
filtros sociais, portanto o leitor percebe que se trata de herói/ res (ou verbos introdutores de relato do discurso), mas utiliza
heroína românticos. Pelas cartas, os dois trocam informações também as próprias palavras dos interlocutores/das persona­
sobre as decisões das respetivas famílias e intenções para gens. Segue a negrito d verbo relator, sendo o restante voca­
com cada um dos dois. Nestes textos, o leitor tem acesso dire­ bulário citado diretamente do discurso da respetiva persona­
to [e literariamente original) aos discursos diretos das perso­ gem. «Diante do jóquei, sem chapéu, com a face a estoirar de
nagens, que nunca conheceríamos porque são muitas mais as sangue, gritava-lhe que era indigno de estar ali. entre gente
vezes em que eles estão separados do que juntos. Finalmente, decente».
é por meio da entrega destas cartas que gan ha relevo a perso­ Ub]tUd),Uc>,l4b]L
nagem Mariana, que sofre, mas tem oportunidade de ajudar o 4. Afonso da Maia, Carlos e Craft destacam-se, clara e inequi­
seu amado. Simão. vocamente, das restantes personagens e do cenário destas
4. A metáfora é: «a morte é uma misericórdia divina» (linhas 5-6) Corridas de Cavalos. No caso de Afonso, como bom português,
- literalmente esta frase seria impossível porque se trata de aprecia o que os portugueses sabem fazer genuína e natural­
dois referentes não palpáveis, logD um não pode ser o outro, a mente - touradas - sem pretensões, nem imitações mal con-
não ser numa sequência figurativa como esta. Contudo, a sua seguidas de outras nações Carlos, tal como o avô. conhece
proferição/verbalização adensa/aumenta a desgraça, à qual bem a cultura inglesa e cedo percebe o baixo nível a que está
Teresa se resigna prestes a assistir. Craft é a personagem que melhor sabe jul­
gar a (incapacidade de) imitação, por ser inglês, óbvio conhe­
FICHA 57 (p. 160) cedor das qualidades de Inglaterra e Portugal sabendo das
limitações do nosso país relativamente àquilo que não sabe
1. a) F - 0 subtítulo de Os Moras é Episódios da Vida Românti­
fazer - Corridas de Cavalos.
co.; b) F - A intriga secundária diz respeitD à história de amor
de Pedro da Maia com Maria Monforte c) V; d) F - Depois do RICHA 60 (p. 166)
suicídio de Pedro, Afonso sai da sua casa em Benfica e vai
para a quinta de Santa Olávia. no Douro, com todos os seus 1. Carlos regressava ao Ramalhete, depois de ter estado com a
criados^ e) F - No Douro, existem serões, nos quais encontra­ irmã, sabendo ele já do incesto. A sua atitude de receio, de se-
mos o Abade Custódio e a Viscondessa de Runa.; f) F - Carlos cretismD, explica-se por que ele temia encontrar o avô, que sabia
é educado à inglesa pelo seu precetor. Sr. Browrr g) F - Vilaça também do incestD e viveria d horror de ter testemunhado
este incesto voluntário.
informa Afonso da Maia de que Maria Monforte segue vivendo
com homens que a sustentam e a filha estará, provavelmen­ L A gradação assenta no aumento de sofrimento de Afonso, que,
te. morta.: h) V; i) F - João da Ega é amigo e companheiro de pouco a pouco, vai desaparecendo fisicamente até se trans­
Carlos, rapaz revolucionário e indomável.; j) V; k) F - Maria formar em espectro, espírito, fantasma. A visão de Carlos do
Eduarda, endeusada por Carlos, vem acompanhada da sua ca- avô como «espectral* parece não só assustar Carlos, como
delinha escocesa; I) V; m) V; n) F - Carlos e Cruges fazem uma persçgui-lo eternamente pelo seu erro.
viagem a Sintra; o) F - Nessa viagem, Carlos não encontra Ma­ 1 Nas linhas 9 a 15, o «tom de sangue», os passos «sumidos» e
ria Eduarda.; p) V; q) V; r) F - Carlos e Maria Eduarda vão à Toca «derradeiros* pressagiam a morte de Afonso. As linhas 33 a 36
e surgem novos indícios trágicos, nomeadamente a represen­ contêm um resumo da atitude de força e resistência do prota­
tação da cabeça de S. Joâo Baptista.; s) V; t) F - Carlos e Ma­ gonista Afonso da Maia, ao longo da sua vida, sofrida por des­
ria Eduarda, sabendo do incesto, tomam as resoluções finais venturas, contrariedades e desgostos. Por isso mesmo, a sua
- separam-se. Afonso da Maia morre de velhice e de desgosto cabeça cai «cansada», não resistindo a mais este infortúnio.
no quintal do Ramalhete, u) V; v) F - Os espaços lisboetas são 4. A personificação em «o fio de água punha d seu choro lentD»
descritos comD envoltos em inércia e velhice, decadentes e (linhas 31-32) mostra como os elementos da Natureza acom­
desprezados ; w) V. panham a injustiça e d lamentD da morte de Afonso da Maia,

417
PIEMUII EUHE NACIINAL

lamentD esse complementado por um Sol que abrilhanta o «in­ espaço da novela, apesar de partir do mesmo pontD - a Torre e
verno* da vida do protagonista - a sua morte. o velho Castelo de Santa Ireneia (agora em ruínas), estende-se,
5. «Vendavais» refere-se a todas as contrariedades e adversi­ na referida novela, por caminhos vizinhos, que Gonçalo não fre­
dades que Afonso da Maia vem suportando ao longo da sua quenta habitualmente.
vida. Primeiro, o que sofreu com o pai, cujos ideais políticos L Na novela Torre de D. Ramires, a história é recuperada pelas
eram absolutistas e que o considerava um Jacobino. Segundo, personagens histórica e genealogicamente comprovadas.
o suportar da personalidade de sua mulher, conservadora e A ficção ganha forma pelos pormenores ora inventados por
sentimentalista, que o fez regressar de Inglaterra a PortugaL Duarte, ora inventados por Gonçalo, sobre como teriam decor­
Terceiro, todo d desgostD com que Afonso acompanhou a vida rido os confrontos entre as hostes de Tructesindo e as de Lopo
e o suicídio do filho, Pedro. Quarto, d derradeiro desgosto ati­ de Baião, sobre a linguagem por eles usada e os motivos que
nente a uma relação incestuosa de Carlos com a irmã, sabendo os levaram a agir desta ou daquela forma, para citar apenas
Carlos da verdade. alguns exemplos. Trata-se, portanto, de um passado ancorado,
í. Depois de aparecer na vida de Carlos, na Universidade de mas reconstituído.
Coimbra, Ega passou a ser amigo pessoal de Carlos e do avô, 3. Gonçalo Mendes Ramires é uma personagem de grande densi­
Afonso. Nessa condição é que é ele o primeiro a saber do in­ dade e complexidade. VemD-lo, muitas vezes, orgulhoso de si e
cesto Carlos^laria Eduarda, assim como é ele também parti­ animado, para o vermos medroso outras vezes ou ainda frus­
cipante da vida pública do amigo. Neste adeus ao avô, a pre­ trado. Depois de ter passado anos a tentar entrar na política
sença amiga e cuidadora de Ega confirma d seu papel fraterno e subir socialmente. Gonçalo consegue-o e é eleito deputado
para com Carlos e Afonso. por Vila Clara. Na precisa noite da sua eleição, e refletindo do
I Ao contrário do pai, que se suicidara por um desgosto de amor, alto da sua Torre, o protagonista mostra-se frustrado e triste,
Carlos vai tendo as suas primeiras experiências, ao longo da pois, pensando muito bem sobre a política nacional apercebe-
vida académica. Apaixona-se pela Condessa de Gouvarinho. -se de que ele estaria muito melhor a governar a sua quinta e
com quem mantém uma relação adúltera. Ve Maria Eduarda a província, a partir não só da sua genealogia, mas, porventura,
e apaixona-se, imediatamente, perdidamente. Abandona a das Letras.
Gouvarinho e começa outro relacionamento. A sua paixão por 4. A ascensão política de Gonçalo começa na universidade, como
Maria Eduarda revela a loucura do desejo e erotismo, mas tam­ apoiante do partido dos regeneradores. Agora, lutando a todo
bém o sentimento de puro amor para a vida. Inesperada, a no­ o custo por conseguir ser deputado, desiste desse apoio e
tícia do incesto leva Carlos a fraquejar duas noites, pois sabia alia-se ao Partido dos Históricos, conservadores e não libe­
já que Maria Eduarda era sua irmã, mas não resistiu ao desejo. rais. ao lado de Cavaleiro, de quem era inimigo. Note-se, por
Culminada a ignomínia, se se tratasse de Pedro, só o suicídio conseguinte, a variabilidade de militâncias, de acordo com jo­
seria a solução. E Carlos ainda pensa nele. No entanto, cedo se gos de interessei Por Dutro lado, a sua reação, depois da elei­
afasta dessa ideia ultrarromântica e envereda por outro cami­ ção, mostra essa mudança de atitude para com a política, pois
nho. Resigna-se e vai viajar, com a intenção de se «distrair» e o que antes era para ele sonho e objetivo cego revela-se agora
voltar renovado à sua vida normal. 0 seu regresso a Lisboa, é inútil e entediante. Isto é confirmado até porque Gonçalo, sen­
um retorno à normalidade e, afinal, a um recomeço. do Ramires, sempre foi um líder, quando a nobreza ocupava um
lugar de destaque na sociedade; tal facto dava-lhe, per se, uma
FICHA 61 (p. 176) soberania sobre a província, como ele próprio sente, nessa
1 a) V; b) F - 0 romance divide-se em 2 ações: a principal que noite, na Torre.
envolve o protagonista, e a encaixada, que integra a novela, 5. Por exemplo: «Ah! que peca, desinteressante vida, em compa­
c) F - Os Ramires vieram para Portugal antes da formação do ração de outras cheias e soberbas vidas, que tão magnífica­
Condado Portucalense (sócuId X).; d) V; ej V; f) V; g) V; h) F - A mente palpitavam sobre o tremeluzir dessas mesmas estre­
novela termina com a vingança de Tructesindo Ramires sobre las!» {linhas 13-14 - Cap. XI) - d narrador recupera as palavras
Lopo de Baião, com a morte deste nD charco povoado de san­ eventualmente proferidas pelo protagonista, mas sem marcas
guessugas que lhe chupam o sangue até ã mortes i) V; j) V; k) de discurso direto.
V-OV í. Hipérbole: «E você em três meses ressuscita um mundo» (linha
1, Cap. I). Sendo um exagero. Castanheiro consegue inflamar d
FICHA 62 (p. 177) lado escritor de Gonçalo, pois, em três meses, com uma novela
L A Jíustre Coso de Romrres divide-se em duas grandes ações: histórica, atualiza Portugal sobre a valentia dos seus antepas­
a principal e a da novela. A principal envolve Gonçalo Mendes sados gloriosos.
Ramires. a sua vida, os seus objetivos e a sociedade em que 1 0 valor expressivo do advérbio «magnificamente» prende-se
se move. A ação da novela surge motivada por Castanheiro com d facto de este ser utilizado para criar, na avaliação de
(seu amigo), que lhe promete a respetiva publicação na sua Gonçalo. um grande contraste entre a vida entediante de um
revista lisboeta. Castanheiro relembra Gonçalo da história político e aquelas vidas de pessoas artísticas, eruditas, luta­
de fidalguia dos seus antepassados, o que o estimula e o faz doras por uma determinada causa, muito mais «magníficas* e
pensar. Ora, é das suas reflexões que ele se lembra de um seu dignas de louvor.
tio Duarte ter escrito um «poemeto», que agora ele, Gonçalo,
pode imitar, vertendo-o em prosa. FICHA 63 (p. 179)
LI 0 narrador dá a ver a arte de escrever porque a escrita da no­ L A sociedade da aldeia, tal como a portuguesa em geral resu­
vela por Gonçalo se torna um processo que envolve pesquisas, me-se a esta sequência apresentada pelo olhar de Gracinha:
seleção cuidadosa de linguagem, além da sempiterna pressão «Assim passados, e nada mudara no mundo, no seu curto
dos editores e das interrupções do quotidiano. mundo de entre os Cunhais e a Torre, e a vida rolara, e tão sem
L2 Tempo e espaço tomam-se complexos, na medida em que se história como rola um rio lento numa solidão» (linhas 7-9). Ds
trata de um enredo {em formato de romance histórico) dentro amigos de Gonçalo envelheciam, sempre os mesmos, sem efu­
de um presente que relata a vida do protagonista da ação prin­ sões nem novidades e até a Torre envelhecia com os tempos.
cipal, Gonçalo Mendes Ramires. Por outras palavras, Gonçalo 1 Neste ambiente da aldeia, há figuras da nobreza (os Rami­
vive no século XIX na sua Quinta de Santa Irene ia, ladeada pe­ res. destacando-se d «Titó», os Barrolo, os Mendonça, entre
las aldeias, vilas e cidade (Oliveira) circundantes. Tructesindo outros) e da política (João Gouveia e agora o Videirinha, por
Ramires vive no século XIII, no tempo de el-rei D. Afonso IL 0 exemplo) que se reúnem em jantares e serões (como no jantar

418
NITOCtâ 12? AM

no palacete de Barrolo e Gracinha). Ora, essas personagens e L Se o Ideal surge com as características apontadas na resposta
esses serões continuam a passar lentamente com o tempo, anterior, o Real opõe-se totalmente e integra «o mundo» sem
tranquilos, num costumado modo de vida inerte. «cor», com «sombras» e «matéria dura», «imperfeição», «for­
1 0 tempo torna-se complexo, não só pelo contraste entre o da mas incompletas». Dito de outro modo, a realidade visível, e
ação principal (século XIX) e d da novela (século XIII], mas pelo contemplada pelo sujeito poético, é nada menos do que o con­
que se vê manifestado nestes excertos. 0 elemento tempo­ junto dos pormenores também incompletos do mundo físico,
ral central é a ausência de Gonçalo, durante quatro anos, em tátil concreto, mundo esse que se afigura imperfeito e longe
África, que surtiu efeitos contrários em Gracinha, bem como de ser belo como a «Beleza», que é eterna.
nas personagens que ficaram, e, pelo contrário, em Gonçalo. 1 Este binómio não é um par de sinónimos. E sim um par de
Se para Gonçalo. com uma vida nova, até então desconhecida, opostos, por isso vemos o interior do sujeito poético como o
«Quatro anos passaram ligeiros e leves sobre a velha Torre, local onde Ideal e Real se enfrentam, uma espécie de «cam­
como voos de ave», para Gracinha tudo fez parecer que «a vida po de batalha», o que leva o eu poético a angustiar-se, a re­
rolara, e tão sem história como rola um rio lento numa soli­ signar-se estoicamente, quase a adoecer e a entristecer-se
dão». ou seja, nada de novo e entusiasmante aconteceu, ape­ para sempre. Eis um exemplo que o prova: «E, assentado
nas se vive um envelhecer manso. Estamos, portanto, perante entre as formas incompletas / Para sempre fiquei pálido e
um mesmo número de anos decorridos, mas sentidos psicoló­
triste.»
gica e emotivamente de maneira diferente.
4 Literalmente, receber um batismo é tornar-se membro de um
FICHA 64 (p. 181) grupo que partilha de uma mesma crença ou cosmovtsão. Ora,
ser poeta significa ver mais além, ver mais do que os Dutros e
1. Podemos dividir este poema em três partes lógicas. A primei­ sofrer com isso, uma vez que se adensa o sentimento de impo­
ra inclui a primeira quadra, pois tudo à volta do sujeito lírico
tência na busca de um Ideal de um mundo belo e perfeito, onde
está adormecido e a descansar pela noite dentro. A segunda não há problemas nem misérias.
parte, movida pela conjunção adversativa «Mas», instaura uma
5. A comparação é feita entre o testemunho da «Beleza» (aqui
oposição (segunda e terceira estrofes): o sujeito poético não
configurada como um exemplo de Ideal) do mundo e a visão
faz o mesmo que os Dutros. antes está desperto para d mundo
dele mesmo a partir «da serra / Mais alta que haja». Por esta
e para as suas «visões», que o agoniam e desesperam. A ter­
ceira parte integra o último terceto, pois, assumindo-se uma razão, percebemos que o sujeito poético consegue vislumbrar
espécie de conclusão, o sujeito resigna-se estoicamente, já e avaliar o mundo a partir de cima, do alto, como um Ser Supe­
«inconsciente» de tanta «fadiga». rior, qual poeta.

2.0 sujeito poético é um espírito sensível a tudo, por isso sente ACHA 66 (p. 185)
as misérias, desgraças e males do mundo, ao passo que o co­
mum mortal segue d rumo dü passar do tempo, pois que, se é 1. Cesário Verde vai-nos apresentando a cidade, quer por meio
noite, dorme, não pensa nem sofre. de espaços, quer por meiD de personagens que trazem ao
leitor tipos sociais descritos e criticados. Assim, quanto
3. «Sinto em volta de mim (sentimento]» (v. 7) / «Recua o pensa­
mento?» (v. 10). à cidade: «Nas nossas ruas», «o Tejo», «0 céu parece baixo
e de neblina», «0 gás extravasado enjoa-me, perturba», «E
4 «Mas a mim, cheia de atrações divinas, / Dá-me a noite rebate
os edifícios, com as chaminés», «os carros de aluguer». «As
ao pensamento / Sinto em volta de mim (...) / Os Destinos e as
edificações somente emadeiradas», «um couraçado inglês»,
Almas peregrinas!».
um «trem de praça». Quanto aos tipos sociais {criticados):
5. Por exemplo: «noite», «tropel nevoentD». «Insondável proble­ «os mestres carpinteiros», «os calafates», «dois dentistas»,
ma!», «Apavorado», «prostrado», «fadiga». «FitD inconscien­ «Um trôpegD arlequim», «os lojistas», «as obreiras», «as va­
te». rinas», enfim, todo um conjunto de pessoas/populares que
fi. Por exemplo: «sonho», «paz», «esquecimento*, «atrações divi­ trabalham, muitas vezes, em condições duras, vivendo vidas
nas». «Destinos», «Almas», «sombras visionárias». pobres.
I Por exemplo: «Dorme a noite encostada nas colinas» ou ainda L Exemplo de deambulação (o caminhar do poeta pelas ruase ou­
«Adormeceu o ventD», «Recua o pensamento?...». tros espaços da cidade): «Embrenho-me, a cismar, por boquei­
S. Por exemplo: «Ecoa, ú mar. a tua voz antiga.», a relembrar o nor­ rões. por becos, / Du erro pelos cais a que se atracam botes.».
mal barulho calmo do mar, que acompanha o sono da noite e da 0 sujeito poético torna-se u m observador acidental casual do
natureza e agudiza o contraste entre tudo isso e a consciência que vai vendo e testemunhando. Por outro lado, as realidades
desperta do eu lírico. lembram-lhe memórias ou fazem-no imaginar quadros, como
1 Sendo um sonetD, o poema apresenta-se em duas quadras e se verifica em «Ocorrem-me em revista exposições, países: /
dois tercetos. 0 esquema rimáítico é obba abba ccd eed. o Madrid, Paris, Berlim, S. PetersburgD, o mundo!» ou «E evoco,
que faz com que a rima seja emparelhada e interpolada nas então, as crónicas navais:» ou ainda «E o fim da tarde inspira-
quadras e emparelhada e interpolada no conjunto dos dois ■me; e incomoda!»
tercetos. Os versos são. regra geral, decassilábicos. 4 «E evoco, então, as crónicas navais: / Mouros, baixéis, heróis,
14 0 título faz prever, na mente do leitor, um combate. Todo o tudo ressuscitado! / Luta Camões nD Sul salvando um livro,
poema o confirma, pois vai descrevendo esse combate entre a nado! / Singram soberbas naus que eu não verei jamais!».
adormecimento e consciência, entre sentimento e pensamen­ A partir da observação da realidade dos trabalhadores lis­
to. entre a paz circundante e a tormenta interior. boetas, junto ao cais e ao Tejo, Cesário lembra-se de outros
como estes que povoaram a cidade, os barcos e d ultramar nos
FICHA 65 (p. 183) Descobrimentos. Ciam que «crónicas navais» remetem para
1. Neste soneto, o Ideal assume-se «Beleza que não morre», isto os relatos sobre as viagens dos portugueses por mar e, em es­
é. tudo o que há de belo no mundo, mas sem as contingências pecífico, a epopeia de Luís de Camões. Os Lusíbdos. E curioso
e pormenores materiais. 0 Ideal é configurado também como que Cesário lembre também personagens dessa época, tais
«forma» e «ideia pura*. Por outras palavras. Ideal é tudo quan­ como «Mouros, baixéis, heróis* e «naus», que d poeta antevê,
to surge de encantador e intocável, visto não a partir de deta­ com algum pessimismo, como perdidos para sempre «que eu
lhes físicos, mas da «luz que jorre». Estamos, por conseguinte, não verei jamais?».
no plano do Inteligível (não do Sensível). 4a)3;b)l;c)2;d)5;e)4.

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PIEMUII EUHE NACIINAL

FICHA 67 (p. 187) 3. 0 poema, longo, à semelhança de outros poemas de 0 Livro


de Cesdrío Verde, estende-se em quintilhas, cujo esquema
L 0 sujeito poético caminha pela cidade, como se pode ler em
«Eu descia, / Sem muita pressa, para o meu emprego». rimático oboab dá vida a rima emparelhada (3.a e 4? versos),
interpolada (2.° e 5." versos).
1 Trata-se de uma menina vendedora de rua, como se pode ler
em «Notei de costas uma rapariga, (...) / Pousara, ajoelhando,
a sua giga.» e «E eu, apesar do sol examinei-a». Educação literária • 12.° Ano
1A transfiguração poética do real dá-se quando o sujeito poético
olha para realidades materiais e as transforma noutras, com o FICHA 70 (p. 195)
seu olhar, que se assemelha a um pincel a pintar um quadro. Os
L Este poema pode dividir-se em três partes lógicas, que corres­
exemplos do poema são disso prova: «E eu, apesar do sol exa­
minei-a». Ao examinar esta «rapariga» do povo, ele repara nos pondem a cada uma das três estrofes. A primeira diz respeitD
à apresentação e caracterização do «poeta». A segunda diz
produtos que ela traz no seu cesto e transforma-os em partes
do corpo humano, como podemos verificar nos versos 26-45. respeito aos leitores, também com a respetiva caracterização.
A terceira é uma espécie de conclusão ou uma síntese de todo
4. a) Sinestesia: trata-se de misturar, confluindo, dois dos cinco
o conteúdo do texto.
sentidos: os «aromas» remetem para d olfato, «boiam* reme­
L 0 primeiro verso «0 poeta é um fingidor* apresenta o tema do
te para a visão de algo a flutuar na água, b) Metáfora: põe em
prática a transfiguração do real em algo imaginado. poema, pois «fingidor» remete para aquele que intelectualiza
os seus sentimentos, isto é. que os submete ao pensamento,
5 0 advérbio «subitamente» cria uma ideia de algD que aconte­
antes de ds escrever.
ceu repentinamente, isto é, o «eu» poético olha a realidade e
3. Os leitores, tomados como personagem coletiva, são aqueles
vê-a transfigurada, pintando-a em novo quadro.
que não vão sentir «as dores* do poeta, mas apenas aquela
FICHA 68 (p. 189) que não é sua, mas alheia (do poeta, portanto).
4. Este poema trata de três «dores*: aquela que o poeta primei­
1. Como qualquer pintor, o sujeito poético descreve um cenário,
ramente sentiu, uma segunda já intelectualizada/fingida e
com paisagem e características de um «píc-nic de burguesas».
uma terceira que se prende com a que os leitores leem («dor
E a partir deste contexto que o poeta realça a mulher com
lida»), du seja, uma dor que não é sua.
quem ele partilhou essa merenda. Assim, e com a ajuda de uma
conjunção coordenativa adversativa, fá-lo, transfigurando um 5. A dicotomia coração/razão está presente na medida em que o
aspeto do reaL «Mas. todo purpuro a sair da renda, / Dos teus coração do poeta é o responsável pelo seu sentir, pelos seus
dois seios como duas rolas. / Era o supremo encanto da me­ sentimentos dolorosos, mas a razão leva a que reflita sobre d
renda / 0 ramalhete rubro das papoulas!» - nada interessando que sentiu (com a ajuda do pensamento ou intelecto): Dos dois
tudo d resto, sobressai «todo purpuro» como um elemento podemos considerar, a partir da última parte, que é o coração
palpável que dá o mais superior encanto ao «píc-nic». que atua primeiro e vai «entreter» a razão.
L Este poema contrasta totalmente com os representativos da 51 Quem dá «corda* ao «comboio»/coração é claramente o sen­
cidade e seus tipos sociais, uma vez que retrata um cenário timento imediato, neste caso, o sentimento da «dor».
campestre, com personagens burguesas a degustar um mo­ L 0 primeiro exemplo é «0 poeta é um fipgidor*. pois o poeta,
mento de lazer, comungando daquilo que a natureza tem para na sua função de criador, finge o mundo e todas as suas coi­
lhes oferecer. Não existe, portanto, a cidade sombria, ao en­ sas e emoções. Estamos perante o denominado «fingimento
tardecer. recheada de multidões de trabalhadores populares e artístico». 0 segundo exemplo encontra-se nos versos «Esse
pobres, envoltos em sujidade e mau cheiro. comboio de corda que se chama coração*. 0 nome do órgão
1 a) «teus dois seios como duas rolas», cujü valor expressivo é humano é «coração», e não «comboio de corda», mas d coração
o de enfatizar a pureza e a brancura düs seios desta jovem, adquire as características de um comboio de corda, trabalha
b) «Houve uma cousa simplesmente bela» - a utilização de como um comboio movido a corda. Um e outro exemplo con­
«simplesmente» acompanha a inocência e pureza da jovem, bem firmam a presença constante de coração, pensamento e razãD.
como d ambiente campestre, igualmente simples e natural. 1 0 recurso que sobressai é a antítese pela colocação contígua
4. Trata-se de um poema compostD por quatro quadras. Cada de uma dor possuída e de uma dor não possuída.
verso é decassilábico. sendo a rima cruzada em todas as qua­ I. Podemos dividir este título em três partes, «auto», «psico»,
dras, com o seguinte esquema rimático: obab cdcd efef ghgb. «grafia», e assim percebemos a sua tDtal adequação ao con­
teúdo. «Auto» remete para d próprio poeta, que sente; «psico»
FICHA 69 (p. 190) apresenta a sua mente/o seu intelecto, necessários ao «fin­
1. Os tipos socia is continuam a ser os membros do povo em con­ gimento artístico»; «grafia» aponta para a escrita de uma dor
texto de trabalho na cidade. Desta vez, trata-se de «calcetei- não natural, mas já intelectualizada.
ros», «peixeiras», «gente pobrezita», «rapagões», «homens
de carga», «cavadores», todos eles resumidos como «Povo*.
FICHA 71 (p. 197)
Para testemunhar a sua caracterização, basta ler ds seguin­ L A «ceifeira» é «feliz», encontrando-se a fazer duas coisas que
tes adjetivos: «terrosos ou grosseiros», «disseminadas*, o confirmam - vai trabalhando e simultaneamente cantando
«velhos», «morosos, duros, baços», «grossos», «gretadas» e uma bela melodia. Toda a Natureza em seu redor acompanha
«calosas». o seu estado de espírito, pois vemos o seu cantar «como um
2 a) Enumeração: está aD serviço da caracterização destes jo­ canto de ave», assim como um «ar limpo*, porventura estan­
vens, que sofrem a trabalhar, porventura, mais do que a sua do sol e calor.
humanidade permite, b) Sinestesia: «vibrar» remete para L Ao vê-la e ouvi-la, o sujeito poético fica feliz e triste ao mesmo
audição ou tato, mas «claridade» remete para visão. Assim tempo («Ouvi-la alegra e entristece»), além de apreciar a sua
misturados estes sentidos, o espaço apresenta-se-nos como melodia («E há curvas no enredo suave / Do som que ela tem
total e abrangente, além de captador dos sentidos do próprio a cantar.»). Por Dutro lado, embrenha-se em reflexões sobre
leitor, c) Comparação-, realça o caráter «vidrentD» (logD, peri­ a sua «inconsciência», ou seja, o seu cantar e d trabalhar sem
goso) do chão, que, eventualmente, pode provocar ferimen­ pensar, como que estando a fazê-lü mecanicamente. Esta na­
tos aos trabalhadores curvados e envolvidos nas suas tare­ tural felicidade desperta no eu lírico o contraste consigo mes­
fas árduas. mo, pois, como ele pensa, sofre.

420
NITOCtâ 12? AM

3. A música tem um papel importantíssimo porque está associa­ vibrantemente, estando próximo do sujeito poético, que passa,
da à felicidade de uma trabalhadora do campo, bem como à como podemos verificar em «E é tão lento o teu soar / (...) / Por
Natureza circundante por Dnde o som melodioso desse cantar mais que me tanjas perto / Quando passo, sempre errante.»
«Ondula como um canto de ave». 3. A infância é vista como longínqua («Soas-me na alma distante»)
4. A relação entre «consciência» e «ciência» é de sinonímia. uma e, porventura, tempo de uma vivência muito feliz, dado que. ao
vez que cada uma delas remete para d uso do pensamento e da recordá-la. o sujeito poético sente a saudade mais próxima e
razão, considerados dolorosos para o poeta. penetrante («Sinto mais longe o passado. / Sinto a saudade
mais perto.»). 0 presente afigura-se, por consequência, tempo
5. Segundo este poema, percebemos que a «dor de pensar» em
Fernando Pessoa ortónimo tem a ver com o facto de o sujei­ menos feliz e mais doloroso para o sujeito poético - veja-se o
to poético não conseguir afastar o seu pensamento das suas que a saudade da infância (espelhada no som do sino) faz cres­
sensações diárias. Assim, sempre que os seus cinco sentidos cer no seu interior: «Dolente», «Tão como triste da vida».
lhe oferecem o que lhe devia trazer felicidade (como acontece 4. As reações prendem-se com uma saudade imensa, aliada à tris­
com esta «ceifeira»), imediatamente intervém o pensamento teza e â sensação de um passado feliz perdido para sempre.
que o leva a ser consciente e a sofrer. 5. «Dolente na tarde calma» - o adjetivo «dolente» (triste, ma­
goado) está a caracterizar não um ser humano, mas o sino.
FICHA 72 (p. 198) Com este recurso o sujeitD poético consegue transformar o
1. Podemos dividir este poema em três grandes partes. Na pri­ DbjetD em pessoa e atribuir-lhe sentimentos que ele mesmo
meira (estrofe 1), o sujeito poético apresenta d seu sonho, tem ao ouvi-lo.
plasmado nessa «terra de suavidade»; na segunda (estrofe 2), 4 Depois de caracterizado o sino e o que ele representa, a última
dá continuidade à apresentação/descrição dessa terra sonha­ estrofe surge como o culminar desse caminho de gradação - já
da e reflete sobre a felicidade do ser humano; na terceira (es­ nãD se trata apenas de sentir forte vibração e tristeza, trata-
trofes 3-4)l continua o espaço de reflexão poética; e nos dois -se de algo mais poderoso: saudade.
últimos versos dá vida a uma constatação conclusiva sobre
7. Os últimos versos trazem um cruzamento de vocábulos e ideias
tudo d que foi objeto de reflexão.
que ajuda a compreender d distanciamento entre passado
2. Com base nas estrofes 1 e 2 a «terra de suavidade» é, porven­ e presente e que prova também que d sofrimento do sujeito
tura. uma «mistura de sonho e vida», é esquecida pelo ser hu­ poético é tal que ele verte nos versos uma certa confusão, re-
mano. por ser longínqua («ilha extrema do sul se olvida»). Por sultados da evidente dor nostálgica.
outro lado, sendo um lugar calmo e sereno, há apenas «palma­
res inexistentes», «áleas longínquas», que são sonhados e não FICHA 74 (p. 202)
podem existir na realidade.
1. As reflexões de Bernardo Soares a partir daquilo que vai ob­
3. 0 «sonho» é espaço fisicamente longínquo, mas de felicidade, servando. enquantD caminha pelas ruas de Lisboa.
por ausência de pensamento. Encontra-se espelhado «nessa
2. «A Rua do Arsenal, a Alfândega» (linhas 2-3), «cais quedos» {li­
ilha extrema do sul». E também sinónimo de jovialidade e amor
nha 4), que vão surgindo à medida que o sujeito passa.
(«a vida é jovem e d amor sorri»), desde que sempre sentido
apenas, não intelectualizado. A «realidade» é aquela que sur­ 3. A hipálage serve para caracterizar o seu estado de espírito ple­
ge a partir do momento em que d pensamento intervém, como no de tristeza, colocando d adjetivo «tristes» a qualificar não o
se pode ler em «Mas já sonhada se desvirtua, / Só de pensá-la seu interior, mas as «ruas». E quase como se as ruas e Bernar­
cansou pensar». Assim, fazendo uso do pensamento, o sujeito do Soares fossem fragmentos de uma mesma entidade.
poético vê essa «terra» transformada em realidade, conotada 4. Soares afirma que há uma relação de semelhança entre si e
com maldade e frio («Sente-se o frio de haver luar / 0 mal não Cesário Verde relativamente â «substância» do que escreve.
cessa, não dura d bem»). Ora, isto quer dizer «conteúdo», «matéria», «assuntD» da es­
4 Essa «terra de suavidade» diz respeito, porventura, a uma uto­ crita de cada um dos dois, «substância» essa que nasce a partir
pia, à felicidade e perfeição suprema de vida. PortantD, deixa da observação do real {«gozo de sentir-me coevo de Cesário
de ser apenas um lugar físico, transformando-se num estado Verde, e. tenho em mim, não outros versos como os dele, mas
de alma constantemente perfeito e feliz. A seleção do nome a substância igual à dos versos que foram dele.», I in has 6-8).
«crentes» confirma esta ideia porque traz ao poema todo o ser 5. Esta frase revela como Bernardo Soares se considera alheio a
humano que acredita e que sonha, afinal, com uma realidade tudo e inconsciente, durante o dia, isto é, «nulo». Tal contrasta
melhor. com o despertar da sua consciência quando chega o entar-
5. A última estrofe assume-se como uma reflexão final ou conclu­ decer/anoitecer - «de noite sou eu». Este «eu» implica a sua
são, visto que o poeta acaba por compreender que essa terra totalidade, que inclui os cinco sentidos e o pensamento.
sonhada, apesar de conter vida e amor, não é panaceia (remé­ fi. Tal como acontece com «as ruas para o lado da Alfândega»
dio universal de todos os males) porque é em cada ser humano (linha 11), também Soares é invadido pela mesma tristeza
que tudo existe, o ideal e o real e sotumidade (característica de ser sombrio). Até d desti­
4 «E em nós que é tudo.» é uma afirmação de que o sujeitD poéti­ no de ambos é igual, ou seja, um fim «abstrato» envolto em
co se serve para explicar que o ser humano contém metafori­ «mistério». A única diferença é o facto de Soares «ser alma»
camente tudo dentro de si, ou seja, tanto possui a capacidade e «elas serem ruas».
de sonhar, a constante luta por viver feliz e pleno, como tam­ I EnquantD circula pela cidade. Soares passa da realidade ao
bém a capacidade de reconhecer as verdadíes/os factos que sonho, sendo que «ds [meus] próprios sonhos» não substituem
dão vida e forma á realidade, ao quotidiano. essa realidade, antes se tomam externos ao sujeitD e confi­
guram o real de modo imaginário, sempre servindo-se de ele­
FICHA 73 (p. 199) mentos urbanos/citadinos, como é o caso do «elétrico», «a vdz
L A música vem não do canto de alguém, mas das badaladas do do apregDador noturno», «a toada árabe» (som/sonoridade) e
sino de uma igreja de aldeia. Essa sonoridade não é prova de «um repuxo súbito» (de água numa fonte da cidade).
inconsciência, mas antes meio através do qual se vão aproxi­ I. 0 observador acidental é aquele que circula pela cidade e vai
mando do sujeito poético as lembranças da sua infância. registando fotograficamente (pouco a pouco e com rigor) o
2.0 «sino» é-nos dado a ver como triste e contínuo, espalhando- cenário (como um todo ou apenas as suas partes específicas).
-se pela «tarde calma». As suas badaladas são lentas e retinem IstD é o que acontece nestas linhas, donde sobressaem «casais

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futuros», «costureiras», «rapazes», «reformados», «donos das humano com a mesma característica - a inutilidade da sua
lajas», «recrutas», «gente normal», «automóveis». existência física.
9. Como quaisquer outros humanos, os «recrutas» são alvo da 3. Por exemplo. «Vou num carro elétrico, e estou reparando
observação de Soares. Todavia, neste caso, o sujeito vai mais lentamente, conforme é meu costume, em todos os
além porque não os descreve só. caracteriza-os como «Lentos, pormenores das pessoas que vão adiante de mim. Para mim os
fortes e fracos», juntos como em «molhos mais que ruidosos» pormenores são coisas, vozes, frases.» (linhas 7-9).
que «sonambulizam*. E desta forma verbal que surge a criti­ 4. Desta vez, a pessoa é uma «rapariga que vai em minha frente».
ca, pois se são recrutas (soldados e jovens) deviam estar no 5. E a partir da «rapariga» e do seu «vestido» que Bernardo Soa­
ativo a lutar pela Pátria du a fazer qualquer outra coisa útil à res começa a imaginar tudo o que esteve (ou que ele imagina
sociedade. Porém, sonolentos veem languidamente o tempo que esteve) por detrás da criação desse vestido que ela usa.
a passar. Daqui se depreende a critica à sociedade jovem que Assim, surgem «secções das fábricas, as máquinas, os operá­
nada faz pelo avançar de Portugal. rios, as costureiras, meus olhos virados para dentro penetram
11 0 último parágrafo oferece ao leitor a descrição de «tudo nos escritórios, vejo os gerentes procurar estar sossegados,
isso», ou seja, do que Soares vem observando até então, não sigo, nos livros, a contabilidade de tudo; mas não é só isto: vejo,
como um todo homogéneo, mas como um conjunto de frag­ para além, as vidas domésticas dos que vivem a sua vida social
mentos vários («pedras, ecos de vozes incógnitas») que não se nessas fábricas e nesses escritórios...»(linhas 16-20).
fundem, mas se mantêm individualizados numa «salada coleti­ í. Bernardo Soares está tonto e cansado não só porque obser­
va da vida». Ora, tal como esses pedaços vêm à sua presença, vou a realidade, mas também porque a partir dela imaginou/
assim também emergem na sua escrita e na sua vida, transfor- sonhou uma outra («levam-me a regiões distantes»), originan­
mandD-a numa coletânea de todüs eles. do a dicotomia realidade/sonho.
I A primeira frase do texto cria uma espécie de mote, um tema
FICHA 75 (p. 204) que se verbaliza numa constatação «Tudo é absurdo.» Assim,
1. Neste fragmento, Bernardo Soares parte da observação do Bernardo Soares prepara o leitor para um texto reflexivo, ju-
real para as sensações que este lhe traz. Seguindo-se refle­ dicativo e abstrato. Pelo meio, as frases sucedem-se e com
xões sobre os transeuntes e. depois, sobre a consciência/in- elas a explicação e concretização desse «Tudo» e da sua ilo-
consciência da humanidade. gicidade. Ao desabafar, de novo com uma constatação, «Vivi a
L A primeira frase do fragmento é uma constatação de Soares vida inteira.». Soares faz uma síntese do que é «a vida inteira»
acerca de si mesmo, afirmando que a sua «virtude», ou quali­ (a sua e a dos transeuntes que observa) e da sua sensação em
dade inegável, é a liberdade de sentir e falar ou escrever sobre relação a esse «Tudo» e a essa «vida»: está tonto, «exausto»,
d que sente, sendo a sensação sempre nova. «sonâmbulo» e com o sentido de plenitude total revelada nD
1 Por exemplo: «Descendo hoje a Rua do Almada, reparei de adjetivo «inteira».
repente nas costas do homem que a descia adiante de mim.» I. A frase é uma evidência de que este observador acidental
(linhas 3-4). não só observa, mas dá sentido e corporeidade (existência
física) ao observado, por vezes, transfigurando-o, transfor­
4. Por exemplo: «banal quotidiano do chefe de família que vai
para o trabalho, pelo ar humilde e alegre dele, pelas pequenas mando os «pormenores* que vê em fragmentos independen­
alegrias e tristezas de que forçosamente se compõe a sua tes e imaginários.
vida, pela inocência de viver sem analisar.» (linhas 9-12). J. Por exemplo: «secções das fábricas», «máquinas», «operá­
5. «tudo isto é uma mesma inconsciência diversificada por caras rios», «costureiras».«escritórios», «gerentes* e todos aqueles
que «vivem a sua vida social nessas fábricas e nesses escritó­
e corpos que se distinguem, como fantoches movidos pelas
cordas que vão dar aos mesmos dedos da mão de quem é in­ rios...» (linhas 16-20).
visível.» - Soares transforma o que acabou de ver e descrever ML Bernardo Soares vê a vida e a sociedade como um todo, o que
(seres humanos por quem passa) naquilo que ele ve em profun­ só é possível se ele estiver num patamar superior, mais sabe­
didade. dor, portanto. 0 uso da forma verbal «jaz» implica que vida e
sociedade estejam debaixo dos seus olhos, mas votadas a uma
í. A justificação surge nas frases imediatamente a seguir, nas
horizontalidade negativa, a uma quietude, inércia e apatia,
quais Soares afirma não haver ningyém na sociedade que
pois está metaforicamente deitada, quase morta.
saiba «o que faz», «o que quer», «o que sabe». Dito de outra
forma, trata-se de uma aberta caracterização da sociedade FICHA 77 (p. 208)
como desnorteada, sem objetivos definidos e sem consciência
do seu lugar na própria vida e no mundo. Tudo isto culmina na 1 a) V; b) F - 0 seu único objetivo era ser «sonhador»/*caixei­
sequência «vida social dormente». ro-viajante*. c) F - As suas maiores dores sâo sonhadas.;
d) F - «Pertenci sempre ao que não está onde estou e aD
7. Bernardo Soares divide a existência em três realidades: a
que nunca pude ser.» integra um paradoxo.; e) F - Bernardo
primeira é a visível inconscientemente, «uma realidade»; a
Soares amava as suas «paisagens interiores» e a suas «pai­
segunda é a intermédia, «intervalo»; e a terceira é a «outra
sagens sonhadas».; f) V: g) V; h) F - Dentro de si, há todo um
realidade», do Absoluto/Eternidade/Plenitude.
Portugal, preenchido de «aldeias», «vilas», «cidade», o seu
I. Bernardo Soares caracteriza-se como uma mãe que, pela noite «quarto».; i) F - A nostalgia da infância é menos dolorosa do
(quando está desperto e consciente), vê os seus filhos e se en­
que a nostalgia daquilo que nunca aconteceu na realidade.;
ternece, olhando a sua inconsciência, o seu nada-saber. j) V;k> F - Nd dia em que escreve este fragmento é - domin­
go».; I) F - Bernardo Soares escreve para obedecer impre­
FICHA 76 (p. 206) terivelmente à «alma», mas gostava de se exprimir não pela
L O assunto deste fragmento corresponde às reflexões que palavra, mas pela Música.
Bernardo Soares faz sobre a sociedade e a vida, a partir do
que ele vai observando ao longo da sua deambulação pela FICHA 78 (p. 209)
cidade. 1 a) V; b) F - Bernardo Soares recorda-os porque os relê «pas-
L Soares distipgue estes três referentes: «Este» (linha 1). sivamente*. c) F - Alberto Caeiro vê o mundo a partir da sua
«Aquele» (linha 3) e «Esse outro» (linha 4). individualizando-os. «aldeia »e, por isso, a «aldeia* é mais bela do que a «cidade».;
por um lado. e. por Dutro, tornando-os membros de um todo d) F - A frase que mais se adensa na sua memória é «Sou dü

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NITOCtâ 12? AM

tamanho do que vejo!*; e) F - As «emoções profundas» são FICHA 81 (p. 217)


em Alberto Caeiro o reflexo das * estrelas*.; f) F - Bernardo
L Assunto: a arte de escrever poesia, segKido Ricardo Reis, como
Soares refere-se ao «luar», caracterizando-o como uma in­
fluência negativa para si g) V; h) F - Depois da sua leitura, se prova pela centralidade das palavras «mente» e «verso».
Bernardo Soares vai à «janela* e apetece-lhe gritar frases L Ricardo Reis é considerado poeta «clássico» pela forma e con­
de uma «selvajaria ignorada».; i) F - A sequência «E a frase teúdo do que escreve. Neste poema, sobressai a forma: Reis
fica-me sendo a alma inteira» inclui uma hipérbole e uma me­ começa por fazer uso da «mente» (ideias, inspiração), associa-
ta fora _ J) F - A mesma frase de Caeiro «caia» [pinta com cal] -a ao «esforço» (trabalho paulatino e árduo) e confia na sorte
de paz o luar ao entardecer.; k) V; I) V. (Destino greco-latino) para tornar perfeito d resultado final
(texto poético completo). Assim nascem os seus poemas.
FICHA 79 (p. 210) 3. 0 «pensamento». eruditD e inspirado, comanda a obediente
1. a) V; b) V; c) F - 0 «rapazitD» colecionava «folhetos de «frase» e o prestável «ritmo». Dito de outra forma, a construção
propaganda de cidades, países e companhias de transpor­ frásica e a métrica seguir-se-ão naturalmente, quando o pen­
tes»^ d) F - 0 mesmo rapaz possuía mapas com «ilustrações samento é de elevada qualidade poética
de paisagens, gravuras de costumes exóticos, retratos de 4 a) «Ponho na altiva mente o fixo esforço» prova a constru­
barcos e navios».; e) V; f) V; g) V; h) V; i) V; j) V; k) F - Bernardo ção da frase pensada para realçar a «mente» ou inspiração,
Soares considera que as viagens feitas pela imaginação eram por isso o complemento oblíquo «na altiva mente» passa
as melhores.; I) F — A sequência «diferença hedionda entre a para o princípio do verso, antecedendo d complemento di­
inteligência das crianças e a estupidez dos adultos» inclui uma reto («o fixo esforço»). A colocação dos adjetivos «altiva»
antítese. e «fixo» a preceder os respetivos nomes confirma a mes­
ma intenção de ênfase, b) A aliteração do som «f» pre­
FICHA 80 (p. 215) sente na sequência «fixo esforço» dá uma ideia de força e
LI Trata-se do poeta «bucólico» porque procura ambientes cam­ determinação através das quais nasce um poema de Reis,
pestres, onde a Natureza impera e não há outros seres huma­ c) A seleção de vocábulos eruditos prova esse «esforço» do
nos, como se pode ler em «Toda a paz da Natureza sem gente / sujeito poético em escolher palavras adequadas às ideias ele-
Vem sentar-se a meu lado» (w. 7-8) e «Ser poeta não é uma am­ vadas/superiores/suHimes: «altiva*, «altura», «leis», «régio».
bição minha / E a minha maneira de estar sozinho.» (w. 17-18).
L2 a) «Conhece o vento e o sol» (visão), «a olhar» (visão), «quan­
FICHA 82 (p. 218)
do esfria no fundo da planície» (tato), «como andar à chuva» 1. Este poema trata da apresentação de toda a filosofia de vida
(tato), «paz da Natureza sem gente» (audição), b) 0 primado do sujeito poético, que a pretende ensinar à sua amada, Lídia,
das sensações prende-se com a captação do real apenas atra­ d que se comprova não só pela definição do conceito de vida,
vés daquilo que o sujeito poético sente, sem a influência do mas pelo constante aconselhamento da jovem
pensamento, como os versos «Minha alma é como um pastor, L As influências do carpe díem vêm à superfície do texto em
/ Conhece d vento e o sol / (...) Pensar incomoda como andar à sequências como «Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.
chuva {_)» comprovam. / Sossegadamente fitemos d seu curso e aprendamos / Que a
L3 Por exemplo: «Eu nunca guardei rebanhos. / Mas é como se vida passa* ou «Amemo-nos tranquilamente»; tais sequências
os guardasse», que instaura, desde o início, o seu bucolismo-, denotam um desejo de aproveitar o que a vida tem para
«Minha alma é como um pastor», que vem confirmar os versos oferecer. QuantD às influências do estoicismo, vemo-las na
imediatamente anteriores; «Pensar incomoda como andar à intenção de viver a mesma vida, abdicando de sentimentos fo­
chuva», a qual remete para d incómodo, o desconf orto do pen­ gosos («amores», «ódios», «paixões», «invejas», «cuidados»),
samento que o leva a recusá-lo. evitáveis e cansativos: «Desenlacemos as mãos, porque não
L4 Alberto Caeiro é um homem pacífico, calmo, apreciador da vale a pena cansarmo-nos.» ou «Amemo-nos tranquilamente,
Natureza, sensível e nada ambicioso, como se verifica pela se­ pensando que podíamos. / Se quiséssemos, trocar beijos e
leção de vocábulos tais como «paz». «Natureza», «ventD», «pôr abraços e carícias, / Mas que mais vale estarmos sentados ao
do sol» e pela afirmação «Não tenho ambições nem desejos». pé um do outro».
L5 A personificação presente em «Toda a paz da Natureza sem 3 As formas verbais nD presente do conjuntivo («fitemos»,
gente / Vem sentar-se a meu lado» dá vida humana e vontade «aprendamos», «pensemos», «desenlacemos», «Amemonos»,
ao conceito de «paz», que naturalmente envolve o eu lírico. «Colhamos») servem para mostrar como Reis não só acredita
2J. Esta gradação, assente em metáforas, ganha vida pela passa­ na sua visão do mundo, mas oferece os seus conselhos sábios
gem de conceito para conceito até uma espécie de conclusão. à mulher amada.
Assim, primeiramente, o eu lírico introduz a noção de «guar­ 4. Eis os elementos da mitologia greco-latina: «Fado», «deuses»,
dador de rebanhos»/pastor, depois avança para a explicação «Pagãos», «óbolo» (moeda para oferecer ao «barqueiro»),
de «rebanhos» como «pensamentos* e, finalmente, condui «barqueiro sombrio» (o transportador greco-latino dos mor­
que esses «pensamentos* «são todos sensações». A partir tos para a sua morada eterna).
deste recurso expressivo. Caeim consegue resumir toda a sua 5.0 eu lírico apresenta, diante dos olhos de Lídia e do leitor, o ce­
poesia e arte poética. nário da sua própria morte, quando escreve: «Ao menos, se for
U Esta enumeração ganha forma pela sucessão de partes do sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois, / Sem que a minha
corpo pelas quais o poeta sente/pensa: «olhos», «ouvidos», lembrança te arda ou te fira ou te mova» e ainda «levares o
«mãos», «pés», «nariz», «boca». Desta maneira, dá continui­ óbolo aD barqueiro sombrio». Por outras palavras, sabendo que
dade às explicações dos versos imediatamente precedentes, vai morrer, descreve já o que vai acontecer: ele (tal como Lídia)
não deixando margem para dúvida sobre o primado das sensa­ vai ser transportado por um homem no seu barco («barqueiro»),
ções sobre d pensamento. a quem dará dinheiro pela tarefa («óbolo») e deixará em Lídia
2J «Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la / E comer um fruto é (sua amada) apenas uma «lembrança» suave e não dolorosa.
saber-lhe o sentido.» Este é o cenário antevisto e desejado pelo poeta «clássico».
UO conceitD de «verdade» entende-se como a vivência da Na­ L A Natureza tem o papel de tranquilizar e suavizar todos os mo­
tureza simplesmente através do que as sensações trazem ao mentos da vida, que passa indelevelmente, destes dois aman­
sujeito poético, o que o leva à felicidade plena. tes: «à beira do rio. / Sossegadamente fitemos o seu curso»,

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«Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as / Nd colo, e que o soas. «tudo era por minha causa» (veja-se a seleção do prono­
seu perfume suavize o momento». me indefinido «tudo» como ponto alto dessa gradação).
7. 0 rio simboliza a passagem do tempo de vida de qualquer ser
humano, ou seja, tem o seu curso e não retrocede, não se repe­ FICHA 84 (p. 222)
te nunca. Desta certeza é que resultam o carpe diem e o estoi­ L Por exemplo: «lâmpadas elétricas», «rodas», «engrenagens»,
cismo. 0 mar é o culminar dessa passagem em direção ao seu «maquinismos», «ruídos modernos», «máquinas», «ferro»,
fim {«Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado»). «motor», «automóvel último-modelo», «óleos, calo­
4 Consiste na apresentação de todos os sentimentos exagerados res. carvões», «coisas todas modernas», «tramways» e
típicos do ser humano, os quais o sujeito poético aconselha Lí­ «metropolitanos*. Note-se que todas estas palavras remetem
dia a abandonar. Ora. abandonados tais sentimentos, a vivência para o que era novo, moderno, atual e recente no tempo de
da humanidade será forçosamente muito mais tranquila. escrita deste poema (1914).
1 Não sendü total mente platónico, o amor não deve ser vivido 2. A definição de «matéria épica» prende-se com assuntos ele­
com prazeres carnais exagerados; pelo contrário, deve ser vados ou eruditos e de natureza e importância universais. Ao
tornado numa comunhão de gestos e atitudes de tranquili­ louvar todos os avanços da Indústria, da Ciência e da Tecno­
dade e paz. logia. o sujeito poético está a suplantar o que é novo e atinge
Hl 0 verso tem uma referência óbvia á Antiguidade C lássica que com suas vantagens e desvantagens todo o mundo. Vejamos
inspira a poesia de Reis - «pagãos». Por outro lado, «inocentes exemplos em «Ode triunfal»: «Para a beleza disto totalmente
da decadência» remete para os seres humanos que ignoram o desconhecida dos antigos!» (v. 4. do qual sobressai o louvor
momento, mas sabem da sua condição mortal, isto é, sabem do moderno), «grandes lâmpadas elétricas da fábrica» (v. 1.
que vão morrer. sendo a eletricidade e a fábrica símbolos de progresso para
todo o mundo do novo século XX), «cantq, e cantD d presente, e
FICHA 83 (p. 220) também d passado e o futuro» (v. 17), «0 coisas todas moder­
L 0 binómio passado/presente torna-se daro pela leitura dos nas, / 0 minhas contemporâneas, forma atual e próxima / Dd
versos «No tempo em que festejavam o dia dos meus anos» e sistema imediato do Universo?» (w. 30 a 32. donde concluímos
«0 que fui - ai, meu Deus!. d que só hoje sei que fui...». Deste que existe a universalidade típica de uma epopeia) e, f inalmen-
modo, percebemos que d sujeito separa conscientemente os te, «Nova Revelação Metálica e dinâmica de Deus» (v. 33).
dois tempos e isso reflete-se na seleção do pretérito imper­ 3. «Ode triunfal» dá-nos a ver todo d arrebatamento do sujeitD
feito do indicativo {«festejavam») por oposição ao advérbio de poético, espelhado nos sentimentos e cosmovisões que sur­
valor temporal («hoje»). gem à superfície textual. 0s versos «Forte espasmo retido
2. 0 passado é-nos apresentado com detalhes sobre espaços dos maquinismos em fúria!» (v. 6), «E arde-me a cabeça de vos
preenchidos de pessoas, objetos e sentimentos de alegria, querer cantar com um excesso / De expressão de tüdas as mi­
como podemos verificar em «casa antiga», «alegria de todos», nhas sensações, / Com um excesso contemporâneo de vós, ó
«serões de meia-província», «A mesa posta com mais lugares, maquinas!» {w. 12 a 14), «Desta flora estupenda, negra, arti­
com melhores desenhos na louça, com mais copos, / 0 apara­ ficial e insaciável! / Amo-vos a todos, a tudo, como uma fera!»
dor com muitas coisas - doces, frutas, d restD na sombra de­ (w. 25-26) e «Ah não ser eu toda a gente e toda a parte» (v. 41).
baixo do alçado - / As tias velhas, os primos diferentes*. Tudo Revelam uns campos que, maravilhado com os avanços civílr-
isto descreve um passado feliz. zacionats, o sujeito louva excessívamente, quer em particular,
1 Nesse passado, o sujeitD poético era feliz. Por um lado, não tinha quer em geral. A própria pontuação (sobretudo o ponto de ex­
consciência da realidade crua {«Eu tinha a grande saúde de não clamação) reforça esse arrebatamento.
perceber coisa nenhuma»), nãD sendo expectante (num sentido 4. Na poesia de Álvaro de Campos, o eu lírico sente tão hiper-
racional ou de uso da razão) - «E de não ter as esperanças que bolicamente toda a modernidade ao ponto de a sentir como
os outros tinham por mim». Por outro lado, sentia-se sempre parte do seu corpo, o que o faz ter dor de cabeça, febre e um
acarinhado e amado por todos aqueles que povoavam a sua sentimento de insaciedíade constante. «Tenho febre e escrevo.
vida («0 que fui de amarem-me e eu ser menino»). Em suma, a / Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto» (w.
sua felicidade provinha da inocência e do amor dos seus. 2-3), «Em fúria fora e dentro de mim, / Por todos os meus
4. «Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo? / Desejo nervos dissecados fora. / Por todas as papilas fora de tudo
físico da alma de se encontrar ali outra vez, / Por uma viagem com que eu sinto?» {w. 7-9), «E arde-me a cabeça de vos querer
metafísica e carnal». cantar com um excesso» {v. 12), «Ah, poder exprimir-me todo
5. A consciência está diretamente relacionada com a idade adulta, como um motor se exprime! / Ser completo como uma máqui­
o tempo presente, d «hoje». Significa, por isso mesmo, a sepa­ na!» (w. 19-20) e «Poder ao menos penetrar-me fisicamente
ração definitiva da inocência de criança. A mesma consciência de tudo isto, / Rasgar-me todo, abrir-me completamente» (w.
22-23). Em síntese, em Álvaro de Campos, o sujeito lírico não
leva o sujeitD poético, adulto, a ser um sofredor: o sofrimento
provém da saudade (daqueles que já morreram), da solidão só se deixa repassar por toda a máquina, como também deseja
atual e do testemunho de todo um mundo que lhe é nocivo. CDntinuamente ser como ela.
í. Os versos confirmam o contraste entre d sujeito do passado e 5. A apóstrofe em «0 rodas, ó engrenagens» {v. 5) plasma d
d sujeitD do presente. 0 conceito de «ter esperanças» pode ser poema do seu caráter arrebatado e épico. A apóstrofe em «ó
entendido como «ter expectativas», «esperar o melhor da vida», coisas grandes, banais, úteis e inúteis» (v. 29) está ao serviço
«ter ilusões». Ora, Campos não as tinha em criança porque era da mistura de todas as vantagens e desvantagens da moderni­
inocente e vivia simplesmente feliz. Pelo contrário, a idade adul­ dade e da industrialização.
ta trouxe-lhe a consciência da vida e do mundo e isto só o deses­ (. 0s casos de «Hilla! hilla! hilla-hõ» (v. 36) e «Z-z-z-z-z-z-z-z-z-
pera, ou seja, só lhe retira «esperanças» boas para um presente -z-z-z!» (v. 40) são exemplos de onomatopéias que lembram
e um futuro que lhe deem sentido, plenitude e felicidade. movimentos e sons de «maquinismos».
7. «Nd tempo em que festejavam d dia düs meus anos» (presenti- I 0 título contém duas palavras que resumem todo o poema: tra-
f içando esse passado feliz). ta-se de louvor e exaltação («Ode») de tudo o que é Moderno e
1 Gradação construída primeiramente pela enumeração de triunfante sobre o passado {«triunfal»). «Triunfal» pode ainda
«muitas coisas», depois pela listagem de pessoas da família, remeter para a vitória da máquina sobre o sujeito poético, que
culminando num resumo que inclui todas essas coisas e pes­ a sente excessívamente.

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NITOCtâ 12? AM

FICHA 85 (p. 227) teceu. Os descobridores foram «de ilha em continente» / «até
aD fim do mundo»/ «E viu-se a terra inteira, de repente/ 5urgir,
L a) Este poema integra a Primeira Parte de Mensagem, deno­
redonda, do azul profundo». Conseguimos visualizar tudo isto,
minada «Brasão». Nela, Pessoa socorre-se da apresentação
pois, sendo a terra redonda, foi-se revelando aos portugueses
de Portugal desde os seus primórdios {lendários e históricos),
graças aD seu esforço de concretizar esse sonho, e revela-se,
portanto, a menção de D. Afonso Henriques é óbvia por se tra­
pouco a pouco, de verso em verso, também ao leitor.
tar do primeiro rei do nosso país.
bj Ao referir-se ao período da formação e independência de 4.0 sujeito poético está a referir-se a «Deus», â Divina Providên­
Portugal, d sujeito poético está a desenhar a natureza épica do cia, ao Criador, e fá-lo por testemunho da fé que é indissociá­
poema. q ue versará sobre um povo cuja existência afetará todo vel dos Descobrimentos portugueses e. portanto, do próprio
o mundo. 0 lirismo sobressai da verbalização de sentimentos, Infante, ele mesmo divinaL
neste caso, do pedido de força e inspiração para sempre. 5. Conduem o conteúdo do poema e chamam à atenção para o
c) No seguimento da resposta anterior, lendo a referência ao futuro. Por outras palavras, acabada a empresa de descobrir
primeiro rei de Portugal e o pedido de ajuda que lhe é feito e evangelizar d mundo, criou-se um «Império», que foi desa­
(para que o Portugal do século XX imite a força e as glórias parecendo paulatinamente. Ad afirmar que «falta cumprir-se
Jd Conquistador), o sujeito poético dá um exemplo claro da Portugal*. Pessoa aponta já para um futuro igualmente glorio­
exaltação da nossa Pátria, como aquela capaz de grandes so, não só física e geograficamente, mas de uma outra forma,
conquistas ainda hoje. porventura, espiritual, intelectual científica. Através do verbo
d) 0 herói de Mensagem é simbolicamente Portugal, que sem­ «faltar», consegue-se ainda consubstanciar uma espécie de
pre foi grande desde a Idade Média (sua formação e indepen­ apelü aos seus contemporâneos para que tornem Portugal su­
dência), passando pelos Descobrimentos e até á Modernida­ blime outra vez.
de. Neste sentido, a exaltação patriótica surge à superfície ( Metáfora, que torna mais visual o caminho gradual pelo mar
Jd texto de duas maneiras: primeiro, pela invocação de quem fora, como se o Infante, ele mesmo, fosse avançando por cima
a formou, «Pai», e, segundo, pelo pedido de força para o Por­ da espuma das ondas até ao Infinito.
tugal contemporâneo. Dito de outra forma, se Afonso Henri­
Z Enumeração (com dois elementos), mas também como uma
ques é considíerado «Pai» (a quem devemos a independência),
metáfora, pois «cumprir» aponta para uma regra, uma lei, uma
recorrendo a ele, d eu lírico está a lembrar a grandeza da nossa
missão e não, literaknente, para «Mar» ou «Portugal». Por
pátria, personalizada na figura do seu primeiro rei. Ora, como
meio de uma interpretação metafórica, facilmente chegamos
que rezando ao Pai pela pátria do século XX, então pressupõe-
à ideia de que a missão descobridora e evangelizadora chegou
-se que esta é também exaltada, pois é capaz de continuar as
ao seu termo com o final das Descobertas.
conquistas, mesmo sendo de diferentes naturezas.
1. A apóstrofe em «Senhor» confirma a presença do divino cris­
2. Os «Novos infiéis» podem ser, tal como os de outrora, inimi­
tão no poema, pois com ele se começou («Deus quer»). Portan­
gos de Portugal que o tentem subjugar, tirando-lhe a indepen­
to, se tudo começou com a vontade de Deus, ele é chamado
dência, ou. porventura, membros de religiões diferentes, alvo
de eventual evangelização. Porém, considerando a dimensão também no final do poema, a quem o sujeito lírico faz uma es­
pécie de queixa e apelo para que «Deus» volte a querer.
simbólica de Mensagem, «infiéis» podem ser apenas símbolo
de «concorrentes» intelectuais e industriais {por exemplo) e a 5. Neste poema, a figura tomada simbolicamente como herói é o
«espada» nada mais do que o intelecto por meio do qual pode­ Infante D. Henrique, resultante da conquista da independên­
mos ser grandiosos como no passado. cia, da glória ultramarina Exaltando-se o Infante, exalta-se o
3. a) A apóstrofe em «Pai» inicia d poema e presentifica imedia­
herói coletivo - Portugal - e a própria Pátria. A partir deste
tamente uma figura e um tempo de glória patriótica. ponto é evidente d assunto épico (Descobertas á escala mun­
b) Na sequência «Hoje a vigília é nossa», «vigília» é um concei­ dial, encetadas pelos portugueses), aliado a um lirismo como
to tomado metaforicamente, pois se estamos a vigiar alguma verbalização de sentimentos do poeta, ele mesmo contador da
coisa (como os guerreiros/sentinelas medievais), trata-se do História, mas orante a Deus para que d Futura seja igualmente
Conhecimento, da Inteligência e do Futuro da Pátria. Em últi­ imperial e grande.
ma instância, a «vigília» pode ser a hta/o cuidado em manter­
ACHA 87 (p. 230)
mos os nossas territórios ultramarinos, dado que as guerras
coloniais tiveram lugar ao longo do século XX. L 0 sujeito poético refere-se a todos aqueles que se encontram
inertes e passivos, sem sonhos nem objetivos, mergulhados
FICHA 86 (p. 228) em vidas fúteis, esperando o passar dos anos até à sua pró­
1. Existe gradação na medida em que há uma sequência que vai pria morte. Isto é confirmado pela seleção de vocábulos, como
de um objetivo até à sua concretização. Assim «Deus quer» «Triste», «sonho», «lar», «asa», «rubra a brasa», «lareira». Pas­
remete para uma intenção divina de por talentos portugueses sa-se da simples referência ao comentário crítico, pois que
em prática; «o homem sonha» leva-nos a pensar nos desco­ esse ser que assim vive é por ele considerado «Triste* por não
bridores que o Infante D. Henrique escolheu e organizou para viver a vida com sentido de futuro e progresso - «Vive porque
a empresa de descobrir um percurso até á índia por mar; «a a vida dura. / Nada na alma lhe diz / Mais que a lição da raiz - /
obra nasce» é o culminar dessa gradação, pois, de facto, os Ter por vida a sepultura.»
portugueses conseguiram descobrir caminhos marítimos para 2. Os «quatro» impérios sãü exemplo da passagem do tempo,
Oriente e depois para Ocidente. E is a glória do passado. não na vida de um ser humano, mas na vida da própria
2. «Sagrou-te» inclui um pronome que presentifica d próprio Humanidade. Foram grandes, sim, os povos e a cultura da
Infante D. Henrique. A utilização de um verbo de natureza Antiguidade Clássica e da Europa com os seus descobrido­
bíblica (a sagração/bênção) vai ao encontro não só da fé por­ res. evangelizadores cristãos e pensadores. Todavia, são
tuguesa expandida pelo ultramar, mas também da exaltação agora parte do passado, como que «mortos». Daí que. relem­
dos feitos portugueses como sagrados, diríamos até divinos brados esses «quatro», fica a ideia da necessidade de um
ou sobrenaturais. «quintD». Desenha-se, assim, a intenção de avançar para um
3. A conjuição coordenativa «E» prepara o leitor para um acrés­ futuro igualmente imperial e glorioso.
cimo de informação. A «obra» está feita: caminhos, lugares e 3.0 Sebastianismo está presente adois níveis: primeiro, na refe­
povos descobertos, conquistados e evangelizados. Então, na rência óbvia aoreique lhe deunome, D.Sebastião; segundo, na­
segunda estrofe, informa-se especificamente cditio tudo acon­ quilo que ele simboliza de exemplar e imitável. Deste segundo

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nível, resulta a simbologia do herói e a exaltação da Pátria. Se espelho da sociedade, dado que representam o povo ignoran­
D. Sebastião foi corajoso e intemerato na luta contra os ini­ te e trabalhador, que obedece sem nada questionar («dobra­
migos em Alcácer Quibir (1578), ele simboliza um povo de das», submissas). Não convivendo, nem tendo comunicação
portugueses tão corajosos e heroicos quanto ele. Vimos já com o resto de Portugal e do Mundo, acabam por viver vidas
outros exemplos, D. Afonso Henriques e d Infante D. Hen­ solitárias, infelizes e metaforicamente pequeninas.
rique. D. Sebastião segue-se-lhes cronologicamente. Ora. 5. Esta passagem marca uma viragem dos acontecimentos, re­
acreditando no regresso de el-rei D. Sebastião, estamos a metendo para o tempo e o espaço físico e psicológico que
acreditar na independência do nosso país (que foi perdida sucede a um episódio inesperado: Batola compra a dois ven­
porque ele morreu) e na nossa coragem e talento para dar dedores ambulantes uma «telefonia» (rádio), a partir da qual
continuidade à glória, ^gDra com outras obreiros, por exem­ toda a aldeia será transformada: ficarão a par do que se passa
plo, cientistas, pensadores, intelectuais. no mundo e divertir-se-ão ao som da música.
4. Confirma todo o sentido do poema, pois o descontentamen­ í. Com a telefonia aumenta d convívio entre as pessoas, apro-
to remete para uma necessidade interior de ir mais além, so­ ximando as umas das outras e do resto do mundo. Se consi­
nhar, tentando concretizar esse sonho. «Ser descontente» é derarmos a especificidade deste parágrafo, percebemos que
inato ao ser humano racional, uma vez que a razão estimula os idosos se divertem, os jovens se enamoram e cortejam, a
a açãü e o sentido da vida. Por consequência, d referido des­ venda tem movimento, as conversas aproximam e divertem e,
contentamento assume-se característica intrínseca à huma­ aquando do noticiário, a telefonia congrega todos em sua vol­
nidade e não apenas um sentimento pontual e passageiro, ta, informando-Ds.
daí a utilização do verbo «ser» e não do verbo «estar».
I a) personificação, porque a nudez se aplica aos humanos, sen­
5. A interrogação retórica é um meio de colocar os leitores a do aqui uma forma de caracterizar as casas e as pessoas que
pensar em quem sucederá aos antepassados gloriosos em nelas vivem b) personificação e metáfora do «silêncio», vistD
geral e a um rei jovem que deu a própria vida na luta pelo que este referente abstrato não pode tomar atitudes concre­
reino que governava. A metáfora confirma-o porque «viver tas e o mesmo «silêncio» não se espreguiça («estiraçado»)
a verdade» (e não viver literalmente a vida ou um seu mo­ nem «dorme», como ds seres vivos. A expressividade é a de in­
mento qualquer] leva â ideia de dar continuidade a sonhos, tensificar a relação entre a paisagem e as gentes que a pince­
objetivos grandiosos de um país com excelentes exemplos lam c) metáfora e personificação (pois o já referido «silêncio»
de figuras históricas que já o fizeram. Foi essa «verdade» por não pode ser triste), hipálage («tristeza» está a caracterizar
que morreu d jovem Sebastião. o «silêncio», mas é característica de quem o sente, ou seja, d
L 0 «Quinto Império» é aquele que se seguirá aos citados «qua­ Batola e todos os restantes habitantes) e uma hipérbole, que
tro» e, sendo colocado na Terceira Parte da obra, clarifica a exagera d «entardecer». Estes recursos expressivos estão aD
ideia de ser um Império ainda «encoberto» pelo não-saber serviço da sensação de solidão e passagem do tempo, d) para­
como se desenhará o futuro. Posto isto, se já nada mais há a doxo em tomo do «suspiro» (se foi «estrangulado» não pode
descobrir geograficamente, esse «ImpériD» não será físico, soltar-se), que revela uma atitude desesperada de Batola; a
antes intelectual, espiritual, científico, de uma natureza di­ gradação inerente ao soltar desse «suspiro», que primeiro sai
ferente, portanto. Por consequência, se os outros impérios e depois se alonga até se assemelhar a um «uivo de animal»; e
foram grandiosos e tiveram também o cunho dos portugue­ a comparação entre o suspirar e o som de um animal perdido
ses, são os mesmos portugueses, agora contemporâneos de na vasta planície. Estes recursos espelham o sofrimento ani­
Fernando Pessoa, os chamados a tomar Portugal superior e malesco de um homem e de um Povo presos à sua ruralidade e
supremo, porventura, por meio da sua inteligência, espiritua­ ignorância submissa.
lidade e demais qualidades intelectuais e artísticas.
7. 0 poema é constituído por cinco estrofes, todas elas com 5 FICHA 89 (p. 238)
versos (quintilhas), que por sua vez são redondilhas maiores. L George sentia, desde a juventude, uma necessidade de se co­
du seja, apresentam 7 sílabas métricas. nhecer a si mesma e de viver por meiD de viagens (errância),
de uma vida preenchida de novidade e de liberdade. Por isso
FICHA 88 (p. 234) mesmo saiu de casa, deixando a família e a quietude do lar,
1. Batola é um homem entediado e aborrecido por não ter nada para emigrar e concretizar os seus objetivos. Pelo contrário, a
para fazer nem sequer paisagens diferentes para contemplar. família não entendia nada do que se passava dentro da mente
Assim, esse tédio vai dando lugar a uma solidão imensa e a um e do espírito de George. ao pontD de todos pensarem no mun­
sofrimento gritante semelhante ao de quem está preso, como do como repleto de lugares «onde (. ..) as mulheres se perdem»
se verifica em «E d Batola, por mais que não queira, tem de (linha 2K
olhar todos os dias o mesmo» (linha 1); «Está preso e apagado 21 As metamorfoses desta figura feminina manifestam-se nas
nD silêncio que d cerca. (...) Um suspiro estrarçgulado sai-lhe mudanças da cor de cabelo, na alternância entre «amores» (na­
das entranhas» (linhas 14-15). morados, marido, outros namorados) e de espaços por onde
L Batola é um espelho da Natureza que o rodeia, pois um e outro vai circulando e vivendo. Repare-se que todas estas mudanças
estão remetidos à solidão inevitável e a um silêncio avassala­ mostram uma mulher sempre diferente, sempre transforma­
dor, como se pode ver em «a solidão dos campos. E o silêncio.» da, sempre nova Assim, George assemelha-se a uma lagarta
(linha 4). original que se vai tornando borboleta de várias cores a voar
1 Batola vê-as passar de longe e sente tristeza e pena por não livremente pelos espaços que quer.
conviver mais com elas, pois assim a vida de todos seria mais 2.2 A concentração do tempo e do espaço desta narrativa é clara
suportável e feliz, além de com estas pessoas poder fazer porque as respetivas informações surgem resumidas, fazendo
mais negócio na sua venda. Contudo, a tristeza e a solidão so­ avançar a ação rapidamente. Isto acontece no primeiro pará­
brepõem-se ao interesse económico. grafo, que. sozinho, descreve toda a vida adulta de George,
4. Estas «figurinhas» correspondem aos camponeses que re­ desde que esta saiu de casa até ao momento presente (cerca
gressam maquinalmente da sua ceifa, para onde hão de voltar de 20 anos).
e donde hão de regressar no dia seguinte e para sempre. Elas 2.3 As interrogações retóricas surtem o efeito de acompanhar a
são uma parte deste cenário que Batola vê, daí a seleção do natureza complexa e as metamorfoses desta personalidade
vocábulo «figurinhas» (como que parte de um quadro). Por ou­ feminina, CDntinuamente inconstante, insatisfeita e com von­
tro lado, estes camponeses (referidos com o diminutivo) são o tade de mudar.

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JJNd terceiro parágrafo do texto. George adulta (realidade Z A peripécia final é o acidente que leva Paco ao hospital, ferido
atual) lembra a mãe (memória] e imagina a possível opinião durante um roubo ocasionaL 0 seu impacto é imediato: o rival
desta relativamente aos sítios onde a filha foi morando (ima­ Dr. Paulo, deixa o consultório e vai pedalar para o semáforo,
ginação). substituindo Paco até que ele regresse, ultrapassando, desta
12 0 discurso direto está ao serviço do diálogo anteriormente forma, a desavença existente entre estas duas famílias.
referido, uma vez que é por meiD dele que percebemos a su­
posta opinião dessa personagem do passado da protagonista.
FICHA 91 (p. 249)
4 Segundo George, uma casa e seus objetos («bibelots». «uma 1. Este poema trata da caracterização que o sujeito poético faz
jarra» «livros») - realidade - trazem inevitavelmente recorda­ da sua escrita, o que inclui explicações e apresentação de opi­
ções de quem os ofereceu do motivo por que estão ali, enfim, nião.
Jd passado aprisionador - memória. 2. Podemos dividir este texto em duas partes lógicas, correspon­
5. Atendendo ao conteúdo do quarto parágrafo, percebemos a dentes às duas estrofes. A primeira trata do poema como o
relação que George tem com a casa e os objetos, dado que ela resultado de um trabalho árduo do sujeito poético. A segunda
vende todos os livros, por exemplo, para conseguir ter a sen­ ganha forma com a caracterização que o sujeito poético faz da
sação de que está livre e «disponível» para sair rumo a outro relação entre si e o poema, dando explicações.
lugar e a outra vida, confirmando a si mesma a noção de que é 3 a) Os versos resumem a firmeza, a resistência do homem que
«Senhora de sL», dona da sua própria vontade. Eis uma prova escreve face às adversidades da escrita.
da complexidade da natureza humana, composta simultanea­ b) Os versos mostram não só o amor que é inerente à escrita
mente por sentimento e razão. poética, mas também definem «poesia» como «beleza». Por
fi. Maria Judite de Carvalho consegue estabelecer essa relação outro lado, e assemelhando-se ao ramo que se desprende do
fruto, Torga deixa libertar o poema da sua mente/mão.
entre as três idades da vida através do desdobramento de
George: primeiro, surge a idade adulta - George, com 45 anos, 4. A arte poética de Torga resume-se na transformação da beleza
regressa à sua terra natal para vender a casa de f amília e fazer (e «lágrimas») que há no seu interior (e é desconhecida pelos
desaparecer metaforicamente o seu passado-, segundo, a ju­ Dutros) em versos que. com esforço e dedicação, se despren­
ventude - Gi, de 18 anos, com um «sorriso branco», com quem dem e ganham autonomia.
mantém um diálogo imaginado; terceiro, a velhice - Georgina, 5. No primeiro verso do poema, o sujeito poético apresenta o re­
mulher de cerca de 70 anos, com quem eh mantém também sultado final do seu trabalho - o poema - de uma forma celes­
um diálogo imaginado no comboio de regresso a Amsterdão. tial cosmicamente luminosa - porventura, um novo sol -, que
agora ele pode apreciar, dado que já dele se separou.
FICHA 90 (p. 242) L As formas estrófica e métrica revelam a contemporaneidade
1. 0 episódio referido é a instalação deste semáforo manual, da escrita poética: as estrofes têm numera variável de versos,
no PortD, movido a pedal, com um ciclista. E por causa deste d verso alterna entre curto e longo, não rimado. Dessa suces­
semáforo e de Ramon que, um dia, o médico vizinho, Dr. Jüão são breve de versos surge um ritmo e uma cadência rápidos e
Pedro Bekett, se vai recusar a obedecer-lhe e, assim, desen­ certeiros. Esta liberdade física da escrita acompanha d extra­
cadear a «inimizade» geracional destas duas famílias, a galega vasar natural da[s) mensagem(ns) poétka(s).
e a portuguesa.
FICHA 92 (p. 251)
2. A gradação acompanha efetivamente o processo de funciona­
mento do referido semáforo: primeiro, o pedalar; segundo, o L Este sujeito poético é dominado pelas multifacetadas realida­
acionar de um «imã» (dentro de uma «bobina»); terceiro, a ge­ des que vê, fora e dentro de si, as quais o tornam um ser frag­
ração de energia elétrica, que vai acender as luzes do referido mentado. Leiam-se os versos justificativos: «Mas não de mim,
semáforo. / que alheio vivo a vida que em mim fala.» e «eu próprio sou
1 0 narrador informa que foi um «equívoco» que esteve na ori­
porque / já fui e não serei*.
gem de uma regra do concurso de recrutamento do semafo- L Estes «eus» que o sujeito sente e pressente são espelho de
reiro. de que para esta bicicleta seria obrigatório saber obvia­ vários fragmentos figurados de si. Os fragjnentos surgem
mente «andar de bicicleta». Mas tal sendo um «equívoco* (o porque o sujeito poético sente que a vida se divide em duas
que não o era por ter toda a lógica ser um ciclista a pedalar), realidades: a física e a essência, como podemos ler em «meu
foi logo corrigido pela seleção de Ramon, «que nunca tinha destino além» ou «de meu destino a essência que lhe dou / na
pedalado na vida», mas foi recrutado por interesse económi­ extrema contingência [as restrições inerentes ao facto de ser
co e compadrio (por ser «familiar do proprietário dum bom corpo/matéria| de tornar a ser.»
restaurante», onde, porventura, membros da Câmara iriam 1 Por exemplo: «invisível sopro ou chama ou só altura» [Deus?
repastar-se gratuitamente). Entidade superior e criadoraj, «meu destino além / de mim»,
4. 0 narrador resume todo o tempo que passa desde o primeiro «essência*/«contingência*.
semaÍDreiro até ao atual Paco. Através da concentração do 4. «nuvens» remete para a passagem do tempo, da vida terrena;
tempo, consegue d que se pretende num conto: brevidade e «flores» está aD serviço de cada momento que o sujeito renas­
unidade de ação. ce; e «sopra» leva d leitor ao metafísico, que dá vida ao físico.
5. Tal como as duas Grandes Guerras se sucederam, opondo países 5. Paradoxo, remetendo para a fragjnentação e desmembramen­
e políticas ao longo de anos, assim também estas duas famílias to consciente do sujeito poético.
se vão opor na inimizade entre os seus respetivos membros. fi. Exemplo: «Um cicio brando, um murmurar, um fluido / e té­
fi. A história pessoal avança com os membros das gerações fami­ nue perpassar de pétalas molhadas», em que confluem os
liares em conflito-. Dr. JoãD Pedro / Ramon, Dr. João / Ximenez, sentido da audição {«cicio* / «murmurar»), do tatD («fluido»,
Dr. Paulo (jovem) / Asdrúbal e Dr. Paulo {adulto / idoso) / Paco. «molhadas») e da visão («pétalas molhadas». Em todos estes
A história social desta família é representada pela manuten­ casos o sujeito mostra-se em comunhão com a Natureza,
ção das profissões e estatutos sociais de cada rival ou seja, comparando-se a ela ou dela se servindo para se (rejconhecer.
os Bekett são sempre médicos, logD, de uma classe social su­ Z A pontuação acompanha o ritmo do extravasar de sentimentos
perior; osgalegDs são sempre semafor eirós {sem outra profis­ de forma sensitiva e natural, du seja, as vírgulas são pequenas
são), por isso mesmo membros de uma classe social inferior. pausas que não cortam o discurso, antes dão fôlego ao poeta

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para prossegqir a verbalização das suas sensações e verda­ FICHA 95 (p. 255)
des. Por vezes, quando até a vírgula está ausente, os versos
L A metáfora, em «cabelo asa de corvo» mostra a orientação do
correm em cascata e deixam transbordar o conteúdo que se
corte escadeado do cabelo e a sua cor negra. A personificação
estende de verso em verso. 5ó as interrogações retóricas são
em «da angústia da cara» identifica, desde logo, ONeill como
pausas maiores para motivar reflexões e dúvidas.
alguém que sofre por ter um olhar consciente sobre a realida­
L 0 título «Passagem cuidadosa» refere-se ao movimento das de. 0 uso do diminutivo «nariguete» denota que ele mesmo d
«nuvens», ao qual o sujeito se compara, mas chama a atenção considera feiD e disforme. A adjetivação referente à «ferida»
para a necessidade da reflexão sobre a vida, além-vida, que como «desdenhosa e não cicatrizada» revela esse pormenor
deve ser «cuidadosa», isto é, deve implicar pensamento e teimoso, que, eventualmente, o incomodará.
questionação. L Os dois tipos de amor são o total/sentimental no qual ele
«crê», e o sensorial/carnal, o qual «tem a veleidade [capricho]
FICHA 93 (p. 253) de o saber fazer (...) das maneiras mil», considerando-o «se­
L Tanto «maçãs» como «gatos» remetem para a visão que o su­ movente estátua do prazer».
jeito poético tem destes elementos da Natureza - seres natu­ 1 Este poema confirma a escrita contemporânea, desde logo,
ralmente luminosos, simples e felizes. pela construção inesperada de um soneto: os seus catorze
L 0 verso «sem liberdade crescem as crianças», que remete, por­ versos sãD distribuídos por uma mesma estrofe, sendo o últi­
ventura, para a crítica política (ausência de liberdade e demo­ mo dístico destacado fisicamente, concluindo o tema.
cracia) e ainda para as contingências e restrições da vida de
um ser humano desde a infância.
FICHA 96 (p. 256)
1 A praia é local de deambulação e inspiração do sujeito poéti­ L 0 poema está espetiado no próprio corpo e, tal como ele, apre­
co - «dunas», sendo o local referido neste poema. Caminhando senta-se em partes dilaceradas por sofrimentos, dores, san­
gue, «cavernas do mundo». Tudo isto se resume no interlúdio
pela «noite» ou pela «tarde», já o bulício do dia se transformou
(intervalo) «entre fôlego e escrita».
em pacatez (sossego), propício à sensação, ao pensamento e
à escrita. L 0 sujeito poético deixa-nos ver um corpo nD seu todo, mas
através das suas partes: «coração», «amígdalas», «sopro pul­
4. A sequência «a terra fique limpa» surte dois efeitos: a «terra
monar». «labiaSdade», «traqueia», «rosto», «boca», «víscera»,
limpa» é aquela sem opressão, repressão ou ditadura, e tam­
«sangue», «fôlego».
bém a que dá vida à tradicional associação água e limpeza,
21 Exemplo: «0 sangue bombeado na loucura. / Do medo / ao
neste caso, física ou metafórica.
modo de escrevê-lo», que mostra a complexidade e a dor
5. Eugênio de Andrade parece escrever com as sensações que a inerentes à saída da escrita de dentro do poeta para o papel.
Natureza lhe proporciona, pois, começando o poema com refe­
3. A CDntemporaneidade está presente quer no conteúdo, quer
rências a «maçãs» e «gatos», assim o vai terminar com a noite
na forma. Assim, o conteúdo revela um ciam sentimento do
na praia («dunas»), que cria condições para escrever. Por outro excesso (a lembrar Álvaro de Campos), do cantD arrebata­
lado, podemos associar a sua escrita à pureza das «crianças», do pelos conhecimentos de anatomia humana, sobretudo
referidas duas vezes. usados na sua faceta sanguínea e mais profunda («vísce­
í. Tanto as «maçãs» como as «crianças* «brilham», ou seja, a Na­ ras») e na sua visão da poesia como parte visceral, que lhe é
tureza e a I nfância têm uma luz natural própria e muito querida arrancada a «fogo». Por Dutro lado, a forma confirma-o, daí
ao poeta. a irregularidade estrófica e métrica (o texto tem uma única
estrofe, com número variável de versos e sílabas, sem rima).
FICHA 94 (p. 254) Não esqueçamos que este poema é retirado de uma antologia
L As preocupações existencialistas (relativas à existência hu­ intitulada Ou o Poema Contínuo», isto é. vida e poema são
mana) sãD evidentes nos primeiros seis versos, uma vez que indissociáveis.
o sujeito poético sabe que «o momento», ou seja, o tempo
FICHA 97 (p. 257)
atual não existe verdadeiramente. E, caso exista, não é pa­
cífico e linear, antes uma confluência de improbabilidades e L Neste «dia de festa», o sujeito poético encontra-se a refletir
oposições («o improvável existe / na concentração dos seus sobre o sentido da vida e da passagem do tempo. Tal reflexão
contrários*). leva-o a sentir um misto de tristeza com resignação e alguma
esperança na vivência por meiD apenas de sensações, como
L Para Ramos Rosa, o poema é uma ação espontânea, uma re­
se lê em «Dia de festa, existir simplesmente». «E sobre tudo
presentação do referente real (mas já somente em pedaços -
o restD o vão bocejo e não valer a pena», «Fazer de um jardim
«cinza», «sombra»), um encaminhar para a luz, mesmo estando quanta vida se quer», «eis algumas vantagens».
d poeta e os leitores «de olhos vendados» ou simplesmente
L Nestes três versos, encontramos d tema da nostalgia da infân­
um movimentar de água («torso de água») que acompanha a
cia, de facto tão caro à tradição literária. Podemos CDmprDvá-
existência.
- la pe la apóstrofe do «munda» como «minha mãe» (porventura
1 «Deambulações oblíquas» é um título que remete para incur­ já não presente neste mundo), à qual se segue um conjunto de
sões pelo pensamento, ou seja, reflexões - isto é o que acon­ referências a um passado que lhe vem à memória - «ter con­
tece, de facto, relativamente ao «improvável» da existência e fiança em tudo» (retrato de uma criança inocente e insciente),
ao «poema». A palavra «oblíquas» está ao serviço da ideia de «lareira prometida nunca alumiada» (reminiscências de um lar
reflexões fragmentadas, não lineares e que cruzam opostos de família já passado), «e tantos gestos empilhados e tijolos»
du «improváveis». Tal facto é revelador da contemporaneida- (resumo de vida, terminada em «tijolos», a simbolizar cadáve­
de da escrita, quer por as referidas «deambulações oblíquas» res em que todos nos tornaremos).
lembrarem a transgressão de regras típicas do 5urrealismo. 3. Percebemos a consciência do sujeito poético relativamente
quer por trazerem à memória o Intersecionismo de Fernando ao facto de a morte ser inevitável e de nos fazer naturalmente
Pessoa, evidente espelho do cruzamento e interpenetração de «vítima» ao «ceifar-nos», ou seja, colher-nos. daí d «não valer a
realidade/sonho, pensamento/im^ginação, visível/invisível pena», pois que é menos doloroso vê-la como uma «forma efi­
tão óbvios neste poema de António Ramos Rosa. caz de adormecer».

42G
NITOCtâ 12? AM

4 Qs versos espelham indubitavelmente a filosofia estoica de í a) Metáfora: «Era um puro país azul e proletário», pois a cor e a
Ruy Belo. Assim, «chorar o mínimo cadáver que passar» reme­ profissão dos portqgyeses. não podendo ser lidos literalmente,
te para uma ideia de resignação e nãD exagero de sentimenta­ remetem para características intrínsecas a Portugal: d mar e o
lismo-, «e não desperdiçar os dedos pelas coisas» conduz-nos povo trabaliador. Podemos ainda selecionar «Vi minha pátria
a um sentimento de abdicação ou opção por não fazer aquilo derramada / na Gare de Austerlitz.», sequência que está ao ser­
que «desperdiça» a existência humana, enfim a vida viço da caracterização düs emigrantes como objetD despejado,
5. Os poetas contemporâneos são. regra geral avessos à obriga­ vertido desumanamente, b) Metonímia: «Pedaços / do meu
toriedade da métrica regular, experimentando, pelo contrário, país. / Restos. / Braços.», fragjnentos através dos quais Manuel
escritas movidas pelo encadeamento de ideias ou seu natural Alegre se refere a Portugal no seu todo, c) Comparação; «os
olhos longe como o trigD e o mar» está ao serviço da identifi­
extravasar. Este poema não é exceção, uma vez que verifica­
cação de «olhos»e «trigo»/*mar» como plenos de saudade por­
mos uma única e longa estrofe, sem rima típica, nem esquema
que deixados para trás, distantes no espaço e no tempo, d) Gra­
rimático regrado. A ausência de pontuação (vírgula ou ponto)
dação: «Éramos cem duzentos mil?» que acompanha a grande
entre os versos facilita esse encadeamento de ideias, que es­
quantidade de portugueses forçados a sair da sua pátria.
correm de verso em verso, como a vida de momento em mo­
mento. FICHA 99 (p. 251)
fi. a) a aliteração do som «v» remete para o movimento do passar
L A dicotomia físico/metafísico surge á superfície do textD por
da vida, sem nunca voltar atrás; a metáfora em «ser erva» im­
meio de referentes como «ladü de cá» (vida) e «lado de lá»
plica a existência humana de forma natural e em conformidade
(além-vida) ou «sangue» [que pulsa no carpo humano) e «at­
com a vegetação, em síntese, ser e existir pelos sentidos e não
mosfera» (universo envolvente) ou ainda «por baixo d sol» {o
pela razão ou pensamentoJ>) a aliteração do som «m» confere
superior, mas visível a partir da corporeidade) e «pele» (parte
ao verso uma espécie de lamento ou queixume pela passagem
do corpo). As palavras «deus», «divindade», «demónios» pro­
da vida sem o controlo da vontade humana; a enumeração
vam o metafísico.
sem pontuação em «morrer nascer cantar» agudiza essa ideia
L 0 físico percebe-se pela referência a «sangue» como sofre­
de deixar correr a vida nas suas várias fases e simplesmente
dor. alvD de fragjnentação, «transfusão progressiva» (ou seja,
«cantar» a mesma vida, que pode ser por melodia ou por pa­
sempre a ser transformado e a envelhecer). Temos ainda as
lavras.
«rugas do saber» (conhecimento do mundo), que implicam o
I 0 título «Vária literatura» refere-se à escrita de tudo quantD o envelhecimento e inerente cansaço humano, e, por fim, «inun­
poeta entende neste poema, na sua vertente expressiva e va­ dação da alma» como exemplo da perdição humana, do naufrá­
riada, preenchida de reflexões diversas. gio metafórico da essência e espiritualidade do ser humano.
4 0 «poeta» posiciona-se nD mundo sensível pela «pele» e petos
FICHA 98 (p. 259)
«poros», veículos da sensação e do sentimento, e é a partir de­
1. 0 poema desenvolve-se a partir das reflexões do poeta, en­ les que o poeta cai «no alçapão» da consciência, por sua vez
quanto deambula pelas ruas da cidade de Paris. lugar de descoberta («desvendar») da essência do ser e do
2. 0 tema tão caro à tradição literária que Manuel Alegre esco­ existir.
lhe é o da critica sociopolítica relativamente ao contexto his­ 4 «Seio» e «leite» remetem para uma descrição do poeta como
tórico que o rodeia Trata-se, neste caso, da denúncia de uma pessoa que conhece a origem e alimenta o mundo com a sua
pátria que sofre as consequências do fascismo da ditadura consciência e poesia, tal como uma mãe alimenta o seu filho
salazarista por meio do leite materno.
1 0 sujeito poético vê-se a si mesmo «Solitário», bem como 5. Qs versos 3 a 9 manifestam a presença do contemporâneo
outros emigrantes portugueses espalhados por Paris à através dos vocábulos «écran», «transfusão» (sanguínea) e
procura de um novo rumo na vida. Por estar consciente dessa «filme», típicos dos séculos XX e XXI. A fragmentação toma-
emigração forçada (por dificuldades económicas, por medo ou se evidente em «imagens sobrepostas» e «sonho».
por exílio), verificamos que o interior deste sujeito está plas­ í. A antítese em «Do lado de cá nem só havia o sangue / e do lado
mado de mágoa, de saudade, de revolta e questionamento. de lá nem só a atmosfera» evidencia o contraste entre vida e
40 sujeito poético apresenta a pátria em fragmentos, tomados além-vida (físico/metafísico). A metáfora em «a inundação da
metonimicamente. ou seja, pelas pessoas e objetos que têm alma» revela o mergulhar da essência humana numa consciên­
a característica de serem portugueses: «cestos», «pedaços», cia dolorosa sobre a vida.
«restos», «braços* «país azul e proletário» remetem para os I Além de percebermos que «Recanto 9» nasce da adaptação do
emigrantes (membros da classe trabalhadora - povo), quanti­ vocabulário da epopeia a este poema, tomando-o uma nova
ficados em estimativa «cem duzentos mil?». A forma estrófi- versão de um «canto» (conjunto de estâncias/estrofes), «re­
ca e métrica acompanha estas personagens porque o próprio canto» significa também um espaço recôndito, relativamente
poema se desenvolve a partir de versos curtos, fugazes, deter­ pequeno e propício á reflexão e ao mistério. Ora. tal espaço
minados e caminhantes para um mesmo fim. Repare-se inclu­ adequa-se ao conteúdo do poema, todo ele reflexão existen­
sivamente como «Restos» e «Braços» compõem uma só frase cialista em profundidade e à superfície textual.
cada, dado que uma palavra e outra resumem esse empilhar ao L 0 poema é constituído por três estrofes com um número dis­
acaso de pessoas e seus pertences. tinto de versos: a primeira com 9 versos (nona); a segunda com
5. As interrogações retóricas «E o trigo?». «E o mar?» presenti- 7 versos (sétima); e a terceira com 4 versos (quadra). QuantD à
ficam aquilo que esses portugueses deixam para trás, que é métrica, os versos apresentam um número irregjular de sílabas
tão rico e tão português - a «terra» tomada literalmente como métricas, tão ao gosto dos poetas contemporâneos.
meio de sustento económico, du seja, campos cultivados de
ACHA 100 (p. 263)
cereais ou «mar» onde pescadores podiam refazer as suas vi­
das, o que não acontece nesse momento histórico. Quanto a L Uma e outra são. segundo o sujeito poético, iguais, por isso a
«Foi a terra que não te quis/ ou alguém que roubou as flores de vida entrecruza-se com a palavra e vice-versa e. juntas, se vão
Abril?», instaura a ideia da liberdade (revolução do 25 de Abril desenvolvendo e crescendo.
de 1974), porventura, já conquistada, mas ainda embrionária e L A «letra corrida» aponta para o exercício de escrever, usando as
pouco poderosa. palavras. Assim sendo, aD escrever, o poeta transforma tudo o

429
PtEMIAI I EXAME NACIIUL

que vê em música e ressonâncias dos sons propagados que ele í. 0 poema constitui-se de uma estrofe, revelando uma dimen­
ouviu desde a infância. Obviamente que tal música vai dar con­ são narrativa da poesia de Júdice, a que acresce versos com 12
tornos e formas às referidas palavras. Assim, som e música são sílabas métricas (dodecassílabos).
causa e efeito de palavra e poesia. Esta é a sua arte poética.
1 A aliteração do som «i» («vida», «tinha», «medida», «minha», FICHA 102 (p. 266)
corrida», «encaminha») instaura em todo d poema uma L 0 sujeito poético surge como u m «eu» dividido em três, o que
musicalidade alegre e viva, típicados sons agudos. A aliteração se torna evidente a partir do ato de escrever - «A mesma fo­
do som «s» («ressonância», «infância», «distância») confere a lha» / «(_) Eu. terceiro e secante / com os outros dois lados».
esses sentimentos gradual continuidade e prolongamento. As 2. 0 referente «folha» pode ser tomado como «foi ha de papel»
assonâncias dos ditongos «et» e «ia» confirmam a presença de (onde se imortaliza a escrita) du folha de uma flor - no caso
sonoridade musical e acrescentam cor. ritmo e vivacidade. «Malmequeres». Tanto num caso como no outro, estamos em
4. A forma deste poema é típica da CDntemporaneídade na me­ presença de dois «lados» de um todo.
dida em que, desde logD, percebemos que começa com letra 3. «De um lado, analisa r, / do outro - eu» corporiza duas pa rtes
minúscula e se escreve numa única frase. Depois, parecendo deste ser triplo: o que faz a análise (sujeito poético) e o que
um soneto (2 quadras e dois tercetos), d esquema rimático e a é analisado («- eu»). Temos, portanto, o primeiro a refletir
rima são abafa abafa cdc dcd - rima cruzada. sobre o segundo. Por outro lado, existe ainda «o que vacila
5. «reverberações» são literalmente propagações de som / entre os dois lados* - «eu também. Outro eu.» - «terceiro
audível, mesmo quando a sua fonte direta terminou. 0 facto de e secante», uma espécie de interlúdio/intervalo/passagem/
estar aqui a ser usado na sua forma plural aponta para a plu- mediador.
ralidade/diversidade desses sons. Posto isto, está resumido 4. 0 referente «Malmequer» é uma palavra composta por três
todo o conteúdo do poema - texto (re)nascido dos sons que o monossílabos independentes, que correspondem precisa­
poeta ouviu desde a infância. mente aos três «eus» de que trata o poema. Desta forma,
o sujeito poético tem liberdade para trocar essas sílabas
FICHA 101 (p. 264) da sua ordem natural, como que acompanhando a confusão
L Na primeira frase, versa-se sobre a relação entre «poema e inerente aos «eus». «Mequermal» pode remeter, porventura,
fruto maduro». Assim se explica que o «fruto da gramática» para esse interior dividido que dá ao sujeito poético sofri­
mento ou, pelo menos, angústia.
é considerado como o poema. A sua «casca» era o verbo, sem
ela ve a «polpa», isto é, o frutD essencial. Depois vem o «sumo 5. 0 metafísico está presente na seleção de vocábulos, tais
do pronome» - uma espécie de tempero doce do poema - e como «Purgatório», «inferno», «céu*, tripartição da tradição
«cai sobre o sujeito da frase», sendo d «sujeito» não neces­ literária ao serviço da ideia de direção / orientação da vida
sariamente a função sintática, mas □ próprio sujeito poético, de cada ser humano.
e sendo «a frase» «o corpo da amada». Estamos perante um 5.1 «Purgatório» é uma palavra escrita com letra maiúscula por
poe ma de amar. ser talvez o lugar (físico ou espiritual/metafísico) em que o
2. A segunda frase apresenta a forma como o poeta foi fazendo
sujeito poético se encontra neste momento.
poesia: começou por seguir o cânone (regras estróficas e mé­ í. 0 título «Malmequeres e Polígonos» resume todo o con­
tricas, resultado da lógica/razão da tradição literária), o que le­ teúdo do poema: é a partir do referente «malmequer» (e
mos parafraseado na referência à primeira frase bíblica (Livro dos dois lados das suas «pétalas») que o sujeito poético
do Génesis). Porém, o «sujeito», isto é, o próprio sujeito poéti­ se vai revelando a si mesmo como tripartido. «Polígonos»
co «sobrepunha-se» às regras, uma vez que sentia com os cin­ remete para a perspetivação matemática/racional (e o de­
co sentidos, que lhe causavam sensações - mais importantes senho ou configuração) desses três lados finais - dir-se-
do que a «gramática» canón ica («rosto», «luz da manhã», «cor», -ia, por consequência, que o sujeito poético se assemelha
«vida»). Então, percebeu que o poema não era fruto da escrita a uma figura geométrica de três lados, quando ele próprio
regrada, mas sim um ser independente e autónomo com a sua
se embrenha a «analisar»-se. 0 número plural de cada um
vida criada a partir dos sentidos. dos referentes pode antever ainda novos lados e novas
perspetivações ou simplesmente uma síntese de todos
1 Esta sequência, oportunamente encetada pela conjunção
eles.
coordenativa adversativa («Mas»), apresenta um momento
I 0 poema constitui-se de 6 estrofes com um número de ver­
posterior e oposto-, «quando foi à procura / da raiz», ou seja,
sos variável havendo alguma simetria apenas nas duas pri­
da fonte de inspiração para o poema que tinha escrito, só
meiras estrofes e nas duas últimas - um terceto e um dís­
encontrou o «campo estéril da sua memória» - a ausência de
tico. Já as duas estrofes interiores são uma quintilha e um
lembrança das suas sensações. Por conseguinte, esquecidas
terceto. Os versos são também muito irregulares quanto à
essas sensações, as duas únicas coisas que discernia eram
estrutura métrica.
«verbo» e «pronome», desprovidos agora de sentimento, e
também os «seus dedos manchados de tinta». Em síntese, FICHA 103 (p. 279)
aquele poema (como outros) tem, de facto, vida própria e in­
dependente dosujeitD. 1 a) F - Em 0 Ano da Morte de Ricardo Reis, Sara mago refle­
te minuciosamente sobre a vida de Ricardo Reis no último
4. A metáfora em «caísse de maduro» está ao serviço da associa­
ano da sua vida.; b) V; c) V; d) F - Reis vem regressado do
ção entre fruto e poema. A metáfora em «o sumo do pronome»
Brasil e hospeda-se no Hotel Bragança, e) V. f) F - Reis
confirma essa dicotomia que vai ser desenvolvida ao longo do acede às notícias do mundo através dos jornais portugue­
texto. A comparação «Tocando o fruto da gramática como se ses e estrangeiros e do RCP- Rádio Clube Português.; g)
/ caísse de maduro» intensifica inequivocamente a dicotomia F - Ao longo dos itinerários geográficos, há vários encon­
referida. tros entre Ricardo Reis e Fernando Pessoa.; h) F - A via­
5.0 título «A inutilidade da gramática» é um mote para o que vai gem do protagonista a Fátima é um exemplo de descrição
ser explicado e concluído no poema: se as palavras e frases fo­ da pequenez e sujidade dos membros do povo português
rem tomadas apenas à luz do seu papel ou da sua função gra­ e de crítica irónica ao exacerbado sentimento do sobrena­
matical, tomar-se-ão infrutíferas, pois estarão desprovidas tural.; i) F - 0 pai de Marcenda, Dr. Sampaio, recomenda
de sentidos e sensações. a Reis que leia o livro Conspiração de apoio à ideologia

430
NITOCtâ 12? AM

salazarista.;]) F - 0 Alto de Santa Catarina é □ local a par­ □u rista e estoicista, tranquilo e sabe bem d que quer da vida,
tir do qual Saramago consubstancia a intertextualidade sendo o amor quase platónico com a sua Lídia uma constante
Camoes-Pessoa.; k) V. nos seus versos.
UA menção à arte poética dü heterónimo é conseguida atra­
FICHA 104 (p. 280) vés da sequência «com grande esforço, penando sobre o pé e
LI Existe deambulação geográfica uma vez que Ricardo Reis vai a medida», que remete para o poema «Ponho na altiva mente
a circular pelas ruas de Lisboa, designadamente, pela «Calça­ / o f íxd esforço». Assim «pé e a medida» remetem para essa
da dos Caetanos», tendência clássica de Reis escrever com regularidade estró-
L2 A intertextualidade entre José Saramago / Cesário Verde fica e métrica, fazendo uso de linguagem erudita, imitando
verifica-se quer pelo deambulismD, quer pela descrição/ca- odes horacianas.
racterização do espaço da cidade e das pessoas que Reis vai
RICHA105 (p. 282)
vendo, tudo registado com um olhar crítico (cf. «Num bairro
moderno»). Tal facto pode comprovar-se pelas sequências L 0 triângulo amoroso envolve Ricardo Reis, Lídia e Marcen-
«mais de mil (...) pobres», «esta gente de xale e lenço, de da. Ricardo Reis tem com Lídia u ma relação carnal, à mistura
surrobecos remendados, de cotins (...), de alpargatas, tan­ com ternura. Quanto a Marcenda. houve beijos e abraços,
tos descalços». nada mais, pois a jovem afastou-se de vez para Coimbra,
LI 0 acontecimento é, de factD, político porque a ditadura or­ tendo recusado d pedido de casamento feito por Reis
ganiza «bodos» (sessões públicas de distribuição de roupa, («chega-se infantilmente para ela, pela primeira vez estão
calçado, livros, brinquedos, entre outros) com um impacto ambos nus. depois de tanto tempo, a primavera sempre aca­
social muito grande, pois o povo acorria em massa, o que não bou por chegar, tardou mas talvez aproveite.» e «que carta
era de espantar visto que grande parte da população vivia escreveriamos a uma mulher a quem beijámos»).
miseravelmente. Com este gesto hipócrita de aclamada ca­ 2. Lídia é uma mulher do povo, mas não ignorante: é bonita,
ridade, o regime político ganhava adeptos e simpatizantes. asseada e faz da limpeza a sua profissão por amor; é livre e
L4A sequência «uma nódoa parda, negra, de lodo malcheiro­ por isso se envolve com Ricardo Reis, a quem ama verdadei­
so» contém uma metáfora e uma enumeração, que acaba por ramente; a sua simplicidade não significa ignorância porque
dar forma a uma gradação. Assim, a metáfora está assente eh vê e opina sobre os avanços da ditadura e, movida pelo
em «nódoa», que caracteriza esta multidão esfarrapada e irmão antifascista, conta factos a Reis com a sua própria in­
paupérrima. A enumeração resulta obviamente da descrição terpretação. Sofre porque sabe que o doutor Reis não a teria
dessa nódoa, criando uma gradação, pois o que era uma «nó­ como mulher (por eh ser do povo) e sofrerá pelo desgosto da
doa» de cor «parda» passou a ser «negra» e. mais do que isso, morte do irmão. Se realmente teve o filho, não sabemos, mas
d seu desaparecimento pode significar a sua emancipação.
«de lodo malcheiroso» (clímax da gradação e nova metáfora).
L5 Por exemplo: «queira Deus que nunca se extinga a caridade 1 Os alvos da crítica social deste excerto são as vizinhas do
l.° e 3.° andares. A sua qualidade de mulheres que vivem so­
para que não venha a acabar-se a pobreza» (ao fazer este pedi­
do, o narrador quer dizer exatamente o seu contrário). zinhas torna-as curiosas, maledicentes e. no seu «diálogo»,
há sempre «juízo» de valor. Ora, com um novo inquilino há
21 0 narrador refere membros do povo, individualizados, tais
apenas oito dias e já visitado por duas mulheres, está ins­
como homens e mulheres andrajosos {vestidos com farrapos
taurado tema de conversa suficiente. 0 exemplo máximo da
e roupas velhas), mães com filhos ao colo, pais que se entre­
coscuvilhice é criado pela vizinha do l.° andar, que se coloca
têm à conversa uns com os outros e idosos doentes expostos
perigosa mente em cima de dois bancos sobrepostos para
desumanamente a esta dita «caridade», que mais não é do que
escutar os «ruídos» da ca ma onde Reis e Lídia se encontram.
exibicionismo e hipocrisia.
4 a) «querem vocês ver que o doutor e a fulana» (linhas 30-
22E m «dia de bodo é o único em que se lhes não deseja a morte,
31]-b) «querem vocês ver que o doutor e a fulana, ou quem
por causa do prejuízo que seria.», o narrador está a reproduzir
sabe se afinal não será só o trabalho honrado de virar e bater
livremente (sem marcas de reprodução de discurso direto) as
colchões, embora a uma legítima suspicácia não pareça.» (li­
palavras das famílias que têm os seus idosos para cuidar, que
nhas 30-32) - pensamentos e frases pertencentes à vizinha
são um fardo, á exceção deste dia em que isso significa mais
de baixo, que o narrador incorpora no seu próprio discurso.
presentes caridosos para receber.
c) *NãD se viu, mas vai-se ver» (linha 26), que Dpõe d «decü-
JJ Tanto D'Artagnan como Camões (cuja estátua Reis está a ver) ro» de uma criada a tomar ban ho na casa do seu patrão, o que
foram grandes exemplos de guerreiros ao serviço dü seu rei, agora vai acontecer com Lídia e Ricardo Reis.
sendo a sua luta de valor e intensidade incalculáveis, ao passo
que Ricardo Reis «dorme, come, passeia, faz um verso por ou­ RICHA 106 (p. 294)
tro, com grande esforço». 0 terceiro é, portanto, muito menos
1 a) F - Neste romance, Saramago elege como herói nacional
trabalhador do que os dois anteriores.
o povo português, trabalhador e desconhecido da História
12 A intertextualidade entre José Saramago e Fernando Pessoa UniversaL; b) F - 0 Convento de Mafra nasceu a partir de uma
surge à superfície textual pela referência específica ao ortó- promessa do rei aos frandscanos c) F - D. João V quer que o
nimo e seus heterónimos. Em formato de prolepse, o narrador seu convento seja igual à Basílica de São Pedro (Vaticano).;
afirma a razão da fama de Pessoa ortónimo, Ricardo Reis e Ál­ d) F - Todo o romance assenta em ironias e sarcasmos que
varo de Campos, a serem para sempre rememorados pela sua servem para criticar a sociedade seiscentista.; e) F - A crítica
escrita e não pelas profissões que cada um teve. religiosa espelha-se, entre outros exemplos, na descrição da
U Ricardo Reis, protagonista deste romance, é um homem «procissão da penitência» (Quaresma) e na prodssâo do «Cor­
inerte, que nãD sabe onde está na sua vida, nem d que fazer po de Deus-, f) F - Scarhtti é o coadjuvante das personagens
(tem dúvidas existencialistas), pouco escreve, envolve-se em envolvidas na construção da passaroh - Padre Bartolomeu
prazeres carnais livres com uma Lídia, que não é a sua amada Lourenço de Gusmão, Baltasar e Blimunda^ g) F - 0 local es­
platónica, e deambula, tentando encontrar-se na Lisboa em colhido para a construção do paládo é o Alto da Vela.; h) V;
que agora vive. As únicas semelhanças entre ele e o heteróni- i)V;j)V;k)F - Baltasar nunca recebeu a tença prometida por
mo têm que ver com d nome, a profissão e o facto de ambos serviços militares à pátria, o que prova a presença da crítica
escreverem. As diferenças são abissais, pois Ricardo Reis, o política e social, I) V: m) V; n) V; o) V; p) F - Esta pedra de már­
heterónimo pessoano. é um homem equilibrado, racional epi- more era gigantesca e muitD difícil de transportar; q) V; r) F - Os

431
PIEMIAII EXAME NACIIUL

mafrenses pensam que a passarela é o Espírito Santo □ sobre­ nos até, em que esteve envolvida a construção do CDnventD.
voar o espaço da construção.; s) V; t) F - Tendo desaparecido Ela é uma espécie de ponto máximo do esforço e da injustiça
Baltasar, Blimunda procura-o dirante nove anos e encontra-o inerentes à incumbência atribuída a trabalhadores escraviza­
num auto de fé (a ser queimado), condenado pelo Santo Ofício. dos e forçados a pôr em prática um capricho de D. João V.
u)V. 3. As personagens humanas aqui mencionadas incluem Baltasar.
«muitos homens que tinham de ir também para as ajudas» e d
FICHA 107 (p. 296) homem do acidente. A relação entre humanos é de tDtal traba­
LIA ironia surge a partir da frase -Comendo pouco purificam-se lho de equipa e entreajuda, como se fossem um só, porque so­
os humores, sofrendo alguma coisa escovam-se as costuras mente a força conjugada de todos pode arrastar semelhante
da alma.», que se apoia no jejum e abstinência, típicos sacri­ «brutid ão de mármore».
fícios da Quaresma. Cada um destes sacrifícios é descrito de 4.0 incidente com este homem, cujo pé foi atingido pela pedra a
forma irónica, pois Saram^go crê no preciso oposto da afirma­ deslizar, assume-se, por metonímia, como denúncia de todos
ção que profere. 0 uso do imperativo «maceremo-la» é irónico os outros acidentes que a construção de edifícios e monumen­
por ser um convite que objetiva, na verdade, d seu contrário. tos portugueses e mundiais causou e que são desconhecidos
12 A reprodução do discurso no discurso dá-se na frase «Cas­ do mundo.
tigámos a carne pelo jejum, maceremo-la agora peta açoite.», 5. Trata-se de uma comparação entre o carro que vai transpor­
eventualmente proferida por um dos clérigos que orientam o tar a pedra e uma nau das Descobertas; com esta associação
povo (e petas próprios membros do povo) durante d período
Saramago consegue atribuir tanta grandeza à construção do
quaresmaL Esta frase é inserida nD discurso dü narrador. convento, como a grandeza sempre dada à descoberta de
L3 A metáfora presente em «as costuras da alma», literalmente mundos ultramarinos.
impossível dada a natureza espiritual da alma e o concreto de í. a) enumeração: que confirma o momento de preparação para
«costuras», cria uma imagem simbólica do que é a penitência - a deslocação da pedra e também a sua natureza colossal (à
correção da alma, por sacrifício do corpo. medida de um rei que quer uma nova versão da Basílica de 5.
1 Na procissão vão os que cumprem promessas: «penitentes», Pedro - Vaticano); b) metáfora {«brutidão» é abstração nãD
os clérigos, «frades», «bispo», «padres», seguindo-se «confra­ concretizável em tipo de pedra): está ao serviço da descrição
rias e irmandades» e «um acólito balouça d incensório». A es­ da pedra como colossal e objeto de trabalho bruto.
tes se juntam os que observam a passagem da procissão: «ho­
mens e mulheres». Da referida procissão fazem parte também
as imagens «da Virgem e do Crucificado» e as dos «andores». Leitura e Escrita
21 Os «penitentes» cumprem as suas promessas e começam
a procissão-, o bispo abençoa (com o sinal da cruz) todos por FICHA 109 (p. 312)
quem passa; acólitos provavelmente seguram d pálio, além do 1. (Al 2. (Q, 1 (Al <. (D); 5. (A), t (Q 7. (A).
incensório-, os restantes consagrados e membros das «confra­
I. «que» - pronome relativo.
rias» e «irmandades» seguem cada um na sua ardem. Quanto
ao povo que assiste, vemos a desordem total e a falta de fé 5. Coesão interfrásica (frases ligadas por uma relação de conti­
nuidade).
porque, apesar de se ajoelharem diante da custódia que leva o
Santíssimo Sacramento, «arranham a cara uns. arrepelam-se ML Oração subordinada adjetiva relativa restritiva.
outros, dão-se bofetões todos».
1 Descrita a pompa e circunstância desta procissão, que sim­
FICHA 110 (p. 314)
boliza o sacrifício quaresmal como antecedente e necessário LÍQLPJtLÍQttBlSílAJzfctDJtKH).
à vivência pascal, esta procissão representa o início dos mo­ I. Modificador restritivo do nome.
mentos essenciais do calendário litúrgico - a Paixão, Morte
S. Oração subordinada substantiva completiva.
e Ressurreição de Jesus Cristo. Ora, d narrador escolhe este
exemplo máximo da liturgia cristã para o descrever e a ele se ML «a impossibilidade de imitar o grande modelo».
referir criticamente/ironicamente. Daí que ele seja o meio para
toda a dimensão crítica religiosa de Memorroí do Convento.
FICHA 111 (p. 316)
4. Referindo-se já à Quinta-Feira da Ascensão do Senhor, após a L(B);2-(B)tl(D);4.(B);l(A);í(C);7.(A).
Ressurreição/Páscoa, o narrador reflete sobre o facto de os I. Complemento direto.
«pássaros» serem uma boa ajuda para levar as «preces» ao 5 «deambulismo» - nome comum; «sem» - preposição (simples);
céu», tomando o céu como um lugar apenas físico na atmos­ «peta» - preposição «por» contraída com determinante arti­
fera. Depois, afirma «talvez se nos calássemos todos», o que go definido, masculino, singjular *-o»; «inexaurível» - adjetivo
remete para um juízo de valor sobre a ilogicidade da crença e a qualificativo.
necessidade de a calar.
ML «impressão».
FICHA 108 (p. 298)
L 0 título Memorio/ do Convento é. antes de mais, uma compila­ Gramática
ção de trabalhos e trabalhadores dü povo envolvidos na cons­
trução do convento, os quais a História persiste em esquecer, FICHA 111 a 115 (pp. 318-321)
lembrando apenas quem o mandou construir, qual foi o arquite­
to. quem o habitou, como se o trabalho da construção fosse me- Várias respostas são possíveis, desde que respeitadas as regras
nosprezável Por isso mesmo, o excerto mostra, em pormenor. de construção de cada texto.
Baltasar e todos os trabalhadores recrutados para transportar,
porventura, a maior pedra deste edifício colossal - isto, sim, é FICHA 116 (p. 346)
um «memorial» dos que tomaram pedras uma obra magnânima. L a) epentese; b) síncope; c) sonorização; d) sonorização; e)
2. Esta «pedra de Pero Pinheiro», quer pela sua grandeza e peso, apócope; f) palatalização, g) palatalização; h) assimilação; i)
quer pela dificuldade (e perigo) em ser transportada, é um sím­ palatalização; j) apócope; k) palatalização; I) sinérese; m) vo­
bolo clarividente de todos os trabalhos esforçados, desuma­ calização; n) crase; o) redução vocálica.

432
NITOCtâ 12? AM

2. a) palavras divergentes; b) palavras convergentes; c) palavras FICHA 118 (p. 349)


divergentes; d) palavras convergentes; e) palavras divergen­
L a) «tinham encontrado* - pretérito mais-que-perfeito com­
tes; f) palavras divergentes; g) palavras convergentes; h) posto do indicativo [3? pessoa do plural}, b) «queria» - pre­
palavras convergentes; i) palavras convergentes; j) palavras
térito imperfeito do indicativo {3? pessoa do singular); «ace­
convergentes. lerassem» - pretérito imperfeito do conjuntivo (3.a pessoa
do pkraljt «decorresse» - pretérito imperfeito do conjoitivo
FICHA117(p. 347) (3.a pessoa do singular), c) «tivessem denunciado» - pretérito
mais-que-perfeito do conjuntivo (3? pessoa do plural); «esta­
LI «segunda» - quantif kador numeral.
vam» - pretérito imperfeito do indicativo (3.a pessoa do plural);
12 «no» - preposição «em» contraída com determinante artigo «iria» - condicional (3.a pessoa do singular), d) «encontrarem»
definido, masculino, singular («o»); «depois» - advérbio conec- - futurD do conjuntivo [3? pessoa do pliral)t «terão» - futuro
tivu. simples do indkativo f3.a pessoa do pliral}. e) «há» - presente
L3 «Mafra» - nome próprio; «muito» - advérbio de quantidade/ do indicativo (3.a pessoa do singular}, f) «procirara* - pretérito
grau. mais-que-perfeito simples do indicativo {3? pessoa do singu­
L4 «inclusivamente» - advérbio de inclusão. lar). g) «tocardes* - futuro do conjuntivo (2.a pessoa do plural},
«oferecer-vos-ei* - futuro simples do indicativo (l.a pessoa
15 «igreja» - nome comum; «porquê» - adverbio interrogativo.
do singular), h) «Vem!» - imperativo (2.a pessoa do singular),
Lí «onde» - advérbio relativo. i) «reafirmado» -particípio passado (forma não finita} «impor­
L7 «Enquanto» - conjunção subordinativa temporat «com» - tando» - gerúndio (forma não finita), jj «desistir» - infinitivo im­
preposição simples); «desesperança» - nome comum pessoal.

LI «Nem... nem» - locução conjiMicional coordenativa copulativa.


2. a) pretérito mais-que-perfeito CDmpostD do conjuntivo (l.a
pessoa do plural), b) pretérito perfeito simples do indicativo
15 «nem» - conjuiçào coordenativa copulativa. (2.a pessoa do plural), c) condicional composto (l.a pessoa do
LM «seu» - determinante possessivo; «que» - conjunção subor- plural), d) condicional simples {3.a pessoa do plural), e) futuro
dinativa consecutiva. (simples) do conjuntivo (2? pessoa do plural)/infinitivo pes­
UI «se» - conjunção subordinativa condicional. soal. f) presente do conjuntivo (l.a pessoa dü plural), g) preté­
rito mais-que-perfeito {simples) do indicativo (l.a pessoa do
LIE «perguntou» - forma do verbo principal transitivo diretD e in­
plural), h) futuro (simples) do indicativo (l.a pessoa do singu­
direto «perguntar», pretérito perfeito do indicativo (3.a pessoa
lar). i) condicional simples (2a pessoa do plural}, j) pretérito
do singular} «se» - conjunção subordinativa completiva.
imperfeito do conjuntivo (1? pessoa do plural), k) gerúndio.
L13«Õ* - interjeições {eventualmentede invocação/chamamento). I) presente do conjuntivo (2a pessoa do singular), m) preté­
LM «Assim que» - locução conjuncional subordinativa temporal; rito perfeito composto do conjuntivo (3.a pessoa do plural).
«se» - pronome pessoal atDno; «que» - conjunção subordknati- n) gerúndio (composto), o) infinitivo impessoal/pessoal (l.a
va completiva. du 3.apessoa do singularj/futuro do conjuntivo {l.a du 3?pes­
soa do singy lar} p) infinitivo pessoal/futuro do conjuntivo (1 .a
L15 «dupla» - adjetivo numeral.
pessoa do plural), q) pretérito imperfeito do indicativo (3.a
Uí «construção» - nome ramum; «destruiu» - forma do verbo pessoa do plural), r) pretérito mais-que-perfeitD (composto)
principal transitivo direto «destruir», pretérito perfeito sim­ do indicativo (2.a pessoa do sipgular). s) pretérito perfeito
ples do indicativo (3? pessoa do singular). (composto) do indicativo (l.a pessoa do plural).
LI7 «Depois de» - locução adverbial conectiva; «ter» - verbo au­
xiliar de tempo composto; «reencontrado» - verbo principal ACHA 119 (p. 350)
(encontrar) no particípio passado. 1. a) derivação não-afixal b) derivação por conversão (du deriva­
LM «bastante» - advérbio de quantidade. ção imprópria} c) derivação afixai por prefixação, d) deriva­
ção afixai por prefixação e sufixação; e) derivação afixai por
119 «menina» - nome comum «sem* - preposição [simples};
parassíntese; f) acrónimo, g) empréstimo; h) sigla; i) trunca-
«para* - prepos ição (simples).
ção;j) amálgama.
121 «é» - verbo principal copulativD, presente do indicativo (3? L a) morfológica; b) morfológica; c) morfossintática; d) morfos-
pessoa do singular); «a» - preposição (simples).
sintáticace) morfossintática; f) morfológica; g) morfossintáti­
LEI «do» - preposição «de» contraída com determinante artigo ca; b) morfossintática; i) morfológica;]) morfológica.
definido «-o»; «que* - pronome relativo. L a) convento - holónimo; claustros, basílica, colunas, portas, sa­
122 «naus* - nome comum; «mas* - conjunção coordenai iva ad- las, tetos - merónimos; b] textos - hiperónimo; poemas, con­
versativa. tos. romances, textos dramáticos - hipónimos; c) livro - ho-
lónimD; lombada, páginas, capa - merónimos; d) incompletude
123 «nossa» - determinante possessivo.
/ plenitude - antónimos; e) destreza / agilidade - sinónimos.
121 «sua* - determinante possessivo-, «nossa» - pronome pos­
4. a) campo lexical; b) campo semântico; c) campo lexical.
sessivo.
125 «com» - preposição {simples); «dignidade» - nome comum. ACHA 120 (p. 351)
12S «porque» - conjunção subordinativa causal; «aí* - advérbio 1. a) oração coordenada copulativa; b) oração coordenada adver-
de lugar; «em»cpreposição simples. sativa; c) oração subordinada adverbial final; d) oração subor­
127 «quando* - conjunção subordinativa temporal; «trovadores - dinada adverbial temporal; e) oração subordinada substantiva
ca» - adjetivo qualificativo. completiva; f) Draçào subordinada substantiva relativa sem
antecedente; g) oração subordinada adjetiva relativa explica­
121 «aquela» - determinante demonstrativo; «tão» - advérbio de
quantidade/grau «todos* - pronome indefinido; «que» - con­ tiva; h) oração subordinada adjetiva relativa restritiva; i) ora­
ção subordinada adverbial concessiva; j) oração coordenada
junção subordinativa completiva.
conclusiva; k) oração coordenada conclusiva; I) oração subor­
125 «Certas» - determinante indefinido; «que» - pronome rela­ dinada adverbial consecutiva; m) oração subordinada subs­
tivo. tantiva completiva; n) oração subordinada adverbial temporal;
L» «não só... mas também* - locução coordenativa copulativa. o) oração subordinada adverbial final.

433
PIEMUII EUHE NACIINAL

FICHA 121 (p.352) FICHA 124 (p. 356)


L a) «Os habitantes de Alçaria e Bato la» - sujeitD {composto); 1 a) pessoal {flexão verbal «queremos) e temporal («no presente»
«entusiasmados» - predicativo do sujeito; b) «a sua angús­ e «no futuro»); b) espacial; c) temporal {locução adverbial «togo
tia» - complemento direto; c) «das viagens» - complemento à tarde») e pessoal (determinante possessivo de 2- pessoa);
oblíquo, d) «pela ceifeira»- complemento agente da passiva; e) d) temporal {locução temporal «antes de» e flexão de tempo
«a máquina» - complemento direto; «sua musa» - predicativo verbal (no imperfeito)); e) temporal (flexão verbal); f) pessoal e
do complemento direto; f) «de Manuel Alegre* - complemento temporal (flexão verbat morfemas de tempos verbais e de La
do nome; g) «da viagem marítima» - complemento do advér­ pessoa) nos dois casos; g) espacial (determinante demonstra­
bio; h) «de vestidos transparentes» - modificador restritivo tivo); h) temporal (morfema de pretérito imperfeito); i) pessoal
do nome; «bem» - modificador; i) «Blimunda» - sujeito (sim­ (pronome pessoal) e temporal (locução temporal}, j) temporal,
ples); «por recolher vontades» - complemento do adjetivo; nos dois primeiros casos (expressões de valor temporal) e es­
j) «que nós lemos» - modificador restritivo do nome; k) «As pacial, no terceiro caso (expressão de valor espacial).
especiarias e a caxemira* - sujeito (composto); «da India* -
complemento oblíquo; I) «do exílio injusto* - complemento do FICHA 125 (p. 357)
advérbio: m) «poeta multifacetado» - modificador apositivo L a) reprodução dü discurso da personagem por meiD do nar­
do nome: n) «que ds ricos eram sovinas» - complemento dire­ rador; b) não há reprodução do discurso no discurso - a
to; o) «Quem lê Mário de Carvalho* - sujeitD; p) «a quem lhos sequência é descritiva; c) reprodução do discurso direto do
pedisse» - complemento indireto. empregado à vendedeira. com as respetivas aspas; d) não há
reprodução do discurso no discurso - a sequência é narrativa
FICHA 122 (p. 353) (indica a data) e maioritariamente descritiva; e) reprodução do
L a) relação de posterioridade; b) relação de simultaneidade; c) discurso dos jornais, mais nova reprodução do pensamento de
relação de anterioridade. Reis (que andava a ler um livro irlandês sobre um tabuleiro de
L a) vator imperfetivD (verbo no pretérito imperfeito, «havia»); xadrez aplicado à vida).
b) vator genérico {verbo «estar» no presente do indicativoj, c)
valor habitual (advérbio «habitualmente*); d) valor perfetivo
FICHA 126 (p. 358)
{verbo no pretérito perfeito). 1 Excerto 1 - sequência dialogai; excerto 2 - sequência argu-
1 a) modalidade epistémica (valor de certeza); recurso: verbo mentativa; excerto 3 - sequência narrativa; excerto 4 - se­
«confessar» nD presente do indicativo; b) modalidade deôn- quência descritiva: excerto 5 - sequência explicativa.
tica (valor de obrigação); recursos: verbo «dever* e ponto de
exclamação; c) modalidade apreciativa; recurso: advérbio «fe­
FICHA 127 (p. 360)
lizmente»; d) modalidade epistémica (valor de probabilidade); 1 Excerto 1 - paródia dü discurso bíblico, no sentido dü gozo/
recurso: expressão «é possível». sarcasmo; excerto 2 - alusão a um auto de fé. aquele em que
ardeu Baltasar; excerto 3 - citação da frase dita por Mussolini;
FICHA 123 (p. 354) excerto 4 - paráfrase das palavras de um autor de artigo de
C»EREMCU jornal (Pacheco) por meio das palavras do narrador.
L Coerência lógico-conceptual {Padre António Vieira é relevan­
te. não se contradiz, não é redundante, antes usando estraté­ Provas-modelo
gias retóricas de manutenção de um mesmo raciocínio lógico);
coerência pragjnático-funcional (Padre António Vieira sele­
PROVA-MODELOlfp. 362)
ciona entidades, espaços e tempos que o envolvem a si mes­ CIIPOI - A
mo, como locutor, e aos seus ouvintes, interlocutores). 1 De acordo com a primeira estrofe, o sujeito poético prepara-
L a) Coerência lógico-conceptual (não-contradição); b) coerên­
-se para a leitura do Livro de Cesdrio Verde de duas formas:
cia lógico-conceptual (relevância); c) coerência pragmáticD- por um lado, escolhe um momento calmo do dia, o «entarde­
cer» (v. 1). no qual toda a agitação típica do dia se esvai e se
-funcional (registo de língua totalmente desadequado ao con­
texto objetivo e formal de jornalismo de informação). dilui num contexto de calma e serenidade; por outro, posicio-
na-se à «janela» (v. 1) que lhe dá vista sobre os «campos em
dem frente» (v. 2), paisagem propiciadora da leitura e tão cara a
L a) coesão interfrásica (ideias em contraste por meio de orações Caeiro. poeta da Natureza por excelência.
pelo uso do conector); b) coesão lexical por hiperonímia e hipo- 2. 0 poema mostra, em vários momentos, que o sujeito poético
nímia {«cidade» é hiperónimo do hipónimD «avenida»); c) coesão aprecia a Natureza. Na primeira estrofe, deparamo-nos com
lexical por reiteração {repetição de «mundo»j, d) coesão frásica um leitor que usufrui da Natureza campestre e do entardecer.
(concordância sujeitD e verbo, ordenação das palavras na fra­ Segqidamente, através da leitura do Lrvro de Cesdrio Verde, d
se, presença dos complementos do verbo}, e) coesão tempo­ sujeito poético divaga sobre a liberdade da vida no campo e d
ral (pela ordenação correlativa dos tempos verbais); f) coesão bem-estar proporcionado pelo contacto com a Natureza. Na
temporal (pela ordenação correlativa dos tempos verbais); g) última estrofe, este evidencia a tristeza de Cesário Verde por­
coesão lexical por reiteração («mês»} h) coesão referencial por que este estava afastado do seu ambiente natural - o campo
anáfora («ele» é referente anafórico de «último ano»} i) coesão - e assim privado da sua liberdade («Por isso ele tinha aquela
interfrásica {frases/ideias em contraste peto uso do conector); grande tristeza», v. 13; «E triste por esmagar flores em livros/
j) coesão referencial por anáfora (o pronome «o» refere-se a e pôr plantas em jarros...», vv. 16-17). 0 sujeito poético com­
«desconhecido»); k) coesão referencial por elipse («Amava.» - preende esta tristeza de Cesário Verde, uma vez que a sente
«os seus livros de Pintura» du a degustação d«os seus Iívcds de como se fosse sua. Compadece-se com este sentimento, pois
Pintura»); l) e m) coesão referencial por hiperonímia/ hiponímia também ele não saberia viver sem a proximidade da Natureza.
(«Impressionismo» e «SurreaSsmo» são hipónimos do hiperóni­ 3. Os dois últimos versos exprimem a tristeza de Cesário. re­
mo «Pintura»); n) e o) coesão lexical por sinonímia {«imaginário» sultante do factD de o contacto com a Natureza ser feito de
e «mental» são, neste contexto, sinônimos); p) coesão referen­ forma artificial, com flores e plantas retiradas do seu ele­
dai por elipse («E a Hora!», no CDntextD em que ocorre, pode sig­ mento natural - «E triste por esmagar flores em livros / E
nificar «E a Hora de ter resultados brilhantes!»). pôr plantas em jarros...».

434
NITOCtâ 12? AM

4 Uma das características comuns à poesia de Alberto Caeiro sobre a profundidade da vida humana, facilmente percebemos
e de Cesário Verde é a deambulação, prefigurando, assim, o que se trata de uma experiência nem sempre explicada à luz, da
mesmo modo de sentir, ainda que sobre realidades distintas. razãD, mas constantemente cheia de surpresas, de rumos que
5.0 excerto comprova que o sujeitD poético é um observador aci­ nãD pensávamos seguir ou circunstâncias que nos põem à prova.
dental pois descreve-nos a cidade e as pessoas que vê enquan­ Perante isto, qualquer pessoa sente medo; no entanto, o facto de
to deambula pelas ruas. A cidade é especificada nas partes por sabermos que os nossos companheiros desta viagem estão ao
onde Cesárío circula as «ruas» próximas do rio Tejo «o Tejo, a nosso lado dá-nos alguma segurança e estabilidade emocional.
maresia», «os edifícios, com as chaminés, e a turba» (v. 7), «edi­ Em suma, não sendo cada um de nós uma ilha perdida, é inegável
ficações somente emadeiradas» (v. 10) (prédios em constru­ que, neste mar que se chama vida, os amigos são o sol e a brisa
ção), «boqueirões», «becos» e «cais» (w. 15-16). Quanto aos que embalam a nossa existência humana e a tornam mais feliz.
tipos sociais, podemos reconhecer os membros do Povo (ope­
rários). designadamente «os mestres carpinteiros» e os «cala­ PROVA-MODELO 2(p. 368)
fates» (w. 12-13), ambos em atarefado horário de trabalho. GIINia
6. Relativamente às personagens que d poeta vê, a compara­ 1. «0 poema «Nevoeiro» confirma, por um lado, a natureza épi­
ção revela a forma maquinalmente obediente e concentrada ca da obra porque trata de um país - Portugal - cujo poder
como os carpinteiros trabalham - «Como morcegos, ao cair descobridor do passado afetou o mundo, sendo, portanto, de
das badaladas, / Saltam de viga em viga os mestres carpin­ interesse universal Esta ideia é confirmada pela seleção de
teiros.» (vv. 11-12). vocábulos relativos à História de Portugal, tais como «rei»,
7. AlbertD Caeiro e Ricardo Reis têm diferentes visões sobre a «lei», «paz», «guerra», «Portugal». Por outro lado, o lirismo
ex istência hu ma na e sobre o mundo. Caeiro defende o prima­ é demonstrado pela caracterização desse país, envolto em
do das sensações, isto é, permite-se sentir espontaneamen­ «nevoeiro», o que leva o poeta a contemplá-lo com tristeza,
te tudo aquilo que os seus sentidos captarem da Natureza e num tom de lamento - «Este fulgor baço da terra / Que é Por­
da realidade envolvente, sem pensar nem no passado nem no tugal a entristecer» (vv. 3-4).
futuro, apenas no presente. Reis, por sua vez, dedica tempo L 0 verso «Que é Portugal a entristecer» é explicitado através
ao racionaltsmo e à perspetivação da vida e do seu curso, de­ de um conjunto de antíteses, que evidenciam a falta de rumo
fendendo o carpe drem («aproveitar o dia») típico da vivência e a decadência do país. As antíteses presentes em «nem
tranquila (estoica) da vida, mas com a consciência plena da paz nem guerra» (v. 1). «Nem o que é mal nem o que é bem»
sua brevidade e efemeridade. Para este heterónimo. a vida (v. 9), «ânsia distante perto chora»(v. 10) e «tudü é disperso,
é uma viagem em direção à morte, para a qual ele se prepara nada é inteiro» (v. 12) estão ao serviço dessa contradição e
com aceitação e sem angústia. da falta de visão para o futuro, acompanhados pela presen­
Concluindo, AlbertD Caeiro prefere não fazer interpretações ça do «Nevoeiro». Reconhecidas essas incertezas e esses
da realidade; Ricardo Reis opta por usufruir de todos os mo­ senti mentos antitéticos. Pessoa evidencia as contradições
mentos desta vida breve serenamente, sempre consciente internas de um povo que já foi grande e que agora está inerte
do seu fim. e inseguro. Em síntese, considerando «Portugal» como uma
pessoa, o poema apresenta-no-lo com os seus sentimentos
Gian ii
envolvidos em contradição e incerteza.
L(Q;1{D)-.L(D);4(A);5.(A).
L Os dois últimos versos funcionam como uma síntese do
6. Complemento oblíquo.
poema e também como um ponto de partida para o futuro.
7. 0 antecedente é «direitos mais básicos». A metáfora em «hoje és nevoeiro» (v. 13) congrega em si tüda
GIUPO III a caracterização feita até aqui do nosso país e não deixa dú­
vidas: Portugal está num marasmo, ou seja, parado e sem
D ser humano naturalmente precisa de cultivar as vá rias dimen­ objetivos definidos. 0 referido ponto de partida é consegui­
sões da sua vida para se sentir pleno. Tais dimensões são funda­
do a partir da afirmação «E a Hora!», cuja maiúscula prova a
mentalmente divisíveis em dois níveis - as do foro físico e as do certeza que Pessoa tem de ser este d preciso e precioso mo­
foro emocional.
mento em que Portugal volte a ser poderoso e se encaminhe
Assim, todos precisamos de ter saúde física e condições de vida
para a concretização de novos e futuros feitos grandiosos.
materiais que assegurem a nossa estabilidade. Não obstante,
há muito mais para além disso. Podemos considerar que o nos­ 4. A repetição do pronome «Ninguém» está ao serviço da crise de
identidade e da intensificação da ideia de marasmo e apatia
so lado emocional é. porventura, tão importante como o físico
e é nele que incluímos aqueles que amamos, designadamente que, segundo o poeta, tão bem caracterizam o estado de Por­
tugal e dos portugueses do seu tempo, o início do século XX
os amigos. Sentir-se amado pelos amigos oferece a cada um de
nós a sensação de segurança de que. em qualquer ocasião, boa 5. Sendo considerado «o maior traidor do mar» (1.7), o Polvo re­
ou má, podemos contar com eles. ComD? E is dois exemplos con­ presenta não só a traição, como também outros defeitos a
textuais que d comprovam. ela associados, tais como a mentira, a falsidade, o engano e
Por um lado, os amigos são aqueles com quem partilhamos ce­ d jogo de interesses, características estas evidenciadas em

lebrações mais pessoais e íntimas, celebrações mais sociais, expressões como «parece um monge» (1.3), «parece uma Es­
e ainda com quem partilhamos simplesmente um café, u m lanche, trela» [I. 4), «parece a mesma brandura, a mesma mansidão»
um refresco numa esplanada, num café, num centro comercial ou (II. 4-5), «As cores (...) no Polvo são malícia» (I. 9) e «Peixe
em casa. Quem pode negar que a vida e as suas ocasiões felizes aleivoso e vil qual é a tua maldade» (l 10). Estes traços criti­
ganham mais sabor e significado quando partilhadas com aque­ cáveis são a legorias (representações) dos mesmos traços da
les que nos querem bem? Quem não telefona ao seu amigD para sociedade contemporânea de Padre António Vieira, como se
contar uma notícia boa? Quem não prefere sorrir acompanhado? verifica em «Vejo, Peixes, que peto conhecimento, que tendes
Por outro lado, e sendo verdade tudo o que ficou dito anterior­ das terras, em que batem ds vossos mares, me estais respon­
mente, são também os amigos aqueles que não nos abandonam dendo, e convindo, que também nelas há falsidades, enganos,
nos momentos maus, os de tristeza, de perda e aflição. Os ami­ fingimentos, embustes, ciladas, e muito maiores e mais per­
gos fiéis são os que nos oferecem um sorriso, palavras de con­ niciosas traições.» (II. 12-14). Note-se que António Vieira
forto, enfim, a sua presença silenciosa, mas significativa, por lutou incansavelmente pela causa da independência e auto­
vezes quase impercetível ao olhar alheio, mas cheia de luz, e u ma nomia dos índios, e pela denúncia e correção dos defeitos e
paz imensa que nos enche o coração e a alma. Se refletirmos comportamentos reprováveis da sociedade que o rodeava.

435
PIEMUII EUHE NACIINAL

L A antítese «hipocrisia tão santa» (L 6) exprime uma contra­ ampla*. Esta calma transmitida pelos jogadores contrasta com
dição. visto que «hipocrisia» é um conceito conotado com o ambiente na cidade, onde as «casas» são roubadas, as «mu­
maldade, portanto, nada tem que ver com a santidade, sen­ lheres» são «violadas» e as «crianças» são esfaqueadas («tras­
do precisamente o seu opostD. Ora. Vieira serve-se desta passadas de lanças») e deixadas exangues «nas ruas». Assim,
associação para espelhar nela a confluência - no Polvo e na a conjunção adversativa «Mas» introduz uma espécie de dico­
sociedade - de duas atitudes contrárias: o parecer (Bem) e o tomia, pois estando «perto» da cidade em tumulto, estes dois
ser {Mal). Em síntese, esta expressão resume d conteúdo de jogadores conservam a sua passividade, serenidade e calma.
todo este excerto do Sermão. 3. As duas formas verbais descrevem claramente a diferença
7. Podemos considerar que a presença da Modernidade na poe­ entre aquilo que os jogadores pensa m por instantes e aqu i I o
sia de Álvaro de Campos se materializa através de duas carac­ que decidem fazer em seguida, ou seja, eles sabem que as
terísticas fundamentais: a primeira é o louvor pela máquina suas «mulheres» e as suas «tenras filhas* podem estar a ser
(tão inovadora nD início do século XX) e a segunda é o designa­ saqueadas, violadas e assassinadas, todavia optam por re­
do arrebatamento do canto, ou seja, a vontade de sentir tudo gressar («volviam») calmamente ao seu tabuleiro para jogar
d que o rodeia de forma total, frenética e quase carnívora. o seu jogo de xadrez. Além disso, conseguem conservar a
Assim, Campos propõe temáticas como a exaltação dos sua «atenta confiança» naquilo que escolhem fazer: ignorar
automóveis, da máquina a vapor ou dos motores {«engrena­ o tu rbi Ihão e continuar a jogar.
gens»), típicas da industrialização novecentista, utilizando 4. Na última estrofe. Ricardo Reis formula uma espécie de ape­
apóstrofes, interjeições e onomatopéias («0 máquinas». lo para que «Imitemos os persas desta história». Ao fazê-lo,
«Hup-lá». «Rrrr»), recursos cuja expressividade toma bem dá exemplos concretos: cada um continue «sonhando*, mes­
visível a sua paixão pela Modernidade. mo que os problemas da «guerra», da «pátria» e da «vida»
Em suma, quer do ponto de vista do conteúdo quer do da for­ nos tentem retirar a paz interior. Estamos, portanto, perante
ma linguística e textual estamos em condições de testemu­ características próprias da sua filosofia de vida, do carpe
nhar a presença do atual e do moderno na poesia de Campos diem, da filosofia epicurista (aproveitar o que se faz no mo­
desse início do século XX. mento presente, que é breve e passageiro) e estoicista {su­
portar as adversidades com calma e. se for caso disso, como
CIIH II
acontece com estes dois jogadores de xadrez, tirar o prazer
L{B);L(A)-.L(Bk4.(Dk5,(C).
possível da situação). No entanto, a situação apresentada é
L Predicativo do sujeito.
de extrema dificuldade, pelo que deverá ser quase impossí­
7. Oração subordinada adjetiva relativa restritiva. vel manter a filosofia de vida apresentada.
CIINIII 5. Dois aspetos da crítica de costumes feita por Eça de Queirós
neste episódio das Corridas de Cavalos, são. por exemplo:
Muitas vezes os pais, os professores e os demais responsáveis
educativos pressionam os filhos/educandos para dedicarem • a falta de civismo e escrúpulos na convivência social, pois,
mais horas do dia ao estudo, sempre com receio de que estes num ambiente de festa, os intervenientes perdem a com­
tenham resultados negativos nos testes/exames ou nos finais postura e entram em disputas, passando das palavras aos
de períodos letivos. 0 problema é que parecem esquecer dois atos, usando de violência - «chapéus pelo ar, baques surdos
argumentos que contrariam esta mentalidade. de murros» (IL 8-9);
Em primeiro lugar, a quantidade de horas de estudo não signifi­ • a incapacidade de imitar e adaptar com elegância aspetos
ca qualidade de estudo. Por outras palavras, estar muito tempo culturais de um país estrangeiro e civilizado, como a Ingla­
a ler ou a memorizar pode não surtir d efeito desejado porque, terra. no que diz respeito à organização e à realização de
estando o aluno cansado ou desconcentrado, não consegue re­ Corridas de Cavalos - istD revelando-se não só na «massa
solver exercícios ou aprender. de gente» que «oscilou» com a violência, mas também na
Em segundo lugar, os ritmos de sono dos estudantes variam e o intervenção final do «marquês», que admite que «Do que
facto de alguns precisarem de dormir mais horas poderá não ser gostamos é de vinhaça. e viola, e bordoada» (IL 18-19).
sinónimo de preguiça e de irresponsabilidade. Todos devíamos L Enquanto d narrador se encontra a apresentar e descrever os
saber que d sono passa por várias fases: a inicial; a profunda e vários momentos do desentendimento entre os apostadores
aquela em que d cérebro se está a preparar para despertar e re­ e d Vargas (o que faz em formato de discurso indireto), deci­
gressar às tarefas do quotidiano. Ora. interromper estas fases de incorporar no seu discurso palavras literalmente ditas por
fisiológicas do sono pode prejudicar gravemente a capacidade esta última personagem, nomeadamente o grupo nominal
de concentração, assim como a motivação. «gente decente». Assim, consegue, sem marcas de discurso
A pressão aumenta na fase da preparação para os exames fi­ direto, apropriar-se da linguagem da personagem em questão.
nais; porém, um aluno responsável ajustar-se-á ao ritmo do seu 7. A voz que ouvimos clamar na poesia do ortónimo está inde­
próprio organismo, optando por distribuir o tempo de descanso
levelmente colocada entre esses dois mundos - o do sonho
e o tempo de estudo de forma equilibrada.
e oda realidade.
Consideremos cada um em particular. 0 sonho é conotado
PROVA-MODELO 3(p. 373)
como o lugar do ideal, da liberdade, da felicidade plena, onde
GMNI há uma espécie de Bem supremo. Podemos lê-lo como uma
1 Tendo em conta d contexto referido na primeira estrofe, perce­ «i lha extrema do sul» (no poema «Não sei se é sonho, se reali­
bemos que. num outro tempo {«outrora»). houve uma «guerra» dade»), onde «a vida é jovem e o amor sorri» - sendo a vida e a
que incluiu uma «invasão» a uma «Cidade», onde os invasores, juventude associadas a uma frescura e a um vigor plenos. Por
porventura, atearam um fogo que «ardia». Messe momento, outro lado, a realidade é associada a um outro lugar - «nesta
havia «mulheres» que «gritavam». Enquanto isto, «dois joga­ terra* - Dnde «0 mal não cessa, não dura o bem», isto é. um
dores» jogavam «xadrez» de modo «contínuo», sem parar. lugar (físico ou imaginário) agreste e contrário ao sonho.
L A conjunção coordenativa adversativa «Mas» confirma o con­ Em conclusão, quando afirmamos que a voz poética está
traste entre a calma e a apatia destes dois jogadores de xadrez entre estes dois mundos é porque. nãD se sabendo bem os
e a violência do ambiente circundante, motivado pela goerra e contornos individuais de sonho e realidade (sendo «uma mis­
respetiva invasão. Os dois jogadores, enquanto esperam a tura de sonho e vida»), a verdade é que pensar sobre esta
jogada do «adversário», refrescam a sua «sede» com um «pú­ dicotomia «desvirtua* d sonho e cansa («Mas já sonhada se
caro com vinho», estando relaxados à sombra de uma «árvore desvirtua, / Só de pensá-la cansou pensar»).

435
NITOCtâ 12? AM

GIUPO II exagerado e trágico. A primeira é a sua atitude inerte e cega de


se sentar na varanda do quarto num dia de tempestade («rece­
L(C]tL(A);l(D):C{C);5L(B).
bendo na face o ventD, a água toda a invernia agreste», L 5).
6. Oração subordinada adjetiva relativa restritiva.
A segunda é a atitude de seguir «maquinalmente o pai à livra­
7. Complemento indireto.
ria». sem uso da razão, nem a noção de que o seu pai está ali
GIUPO III para o apoiar e ajudar. A terceira é a de evitar conversar com
«Globalização da indiferença» chama a atenção para a supre­ d pai, facto que lhe poderia ter iluminado a mente enegrecida

macia do egoísmo e do fechamento de cada indivíduo aos ou­ pelo desgosto de ter sido traído e abandonado pela sua mulher,
tros. 0 problema agudiza-se porque se expande ao planeta em i 0 espaço físico descrito está envoltD em escuridão, humida­
que habitamos. 0 Papa Francisco tem mundividência suficien­ de e frigidez pelo facto de a porta da varanda estar aberta
te para o afirmar com propriedade em qualquer evento públi­ e deixar o quarto sujeito à intempérie. Estas características
co. no Vaticano como em qualquer parte do mundo. Porque o assumem-se como simbólicas porque também correspon­
faz? Creio que não apenas para denunciar simplesmente um dem à caracterização do espaço psicológico, deixando an­
problema gravíssimo, mas para encorajar os povos, sobretudo tever qualquer coisa de trágico que está para acontecer (o
dos países ditos «desenvolvidos», a solucionar o dito proble­ subsequente suicídio de Pedro).
ma. alterando comportamentos e padrões de vida. Estará esta L 0 sujeito poético enamorado do poema de Ricardo Reis en­
af irmaçãD circunscrita à fé e às religiões cristãs? Talvez não, de contra-se calmo, ciente da efemeridade da vida e do seu amor
todo. Pelo contrário, atinge todos os credos porque todos eles a Lídia, a quem aconselha a reservar «um pensamento (...) /
professam o Bem humano, superior e divino. Senão para □ que fica do que se passa», isto é. a memória do
Atentemos em dois exemplos que ilustram esta «globalização essencial desse amor vivido. Pelo contrário, em Pedro da Maia
da indiferença» e em que urgem alterações de mentalidades e nada há de sereno na vivência do sentimento amoroso e muito
de comportamentos: os sem-abrigo em grandes cidades desen­ menos existe vontade de dialogar (no caso, cdhi d pai, Afonso
volvidas e d trabalho infantil na Asia. De visita a Lisboa, como da Maia). Pedro da Maia é um enamorado sofredor, desespe­
a Paris ou Nova Iorque, a Roma ou a Frankfurt, cidades onde rado e que comete suicídio em nome de uma paixão doentia.
impera a riqueza, o urbanismo e a ciência, basta baixarmos os 0 que no primeiro é tranquilidade e razão, no segundo é de­
olhos ao nível do chão - lá estãD sentados homens e mulheres, sequilíbrio e emoção fatal.
cujo olhar denuncia a perda do sentido de vida. 0 que faz o ci­ 7. Pedro da Maia e Carlos da Maia têm perspetivações do amor
dadão da globalização diante desta realidade? Olha, não vê, e totalmente diferentes, tal como se verificou quer pelas ati­
segue adiante. A indiferença prevalece. tudes relativamente à mulher amada quer pelo desfecho da
Por outro lado, todos usamos (ao menos uma vez) peças de ves­ respetiva relação.
tuário ou calçado comprado em multinacionais que rivalizam Pedro era um enamorado inexperiente, que se apaixonou ce­
quanto a preços baixíssimos. Se olharmos para as etiquetas, ve­ gamente por uma mulher sentimentalmente mais madura e
remos o famoso «Made in». normalmente acrescido de «China», manipuladora. Entregou-se a ela. tornando-se dependente.
«índia», «Taiwan», «Bangladesh». Olhamos e vemos, sim, mas Dessa dependência surge a incapacidade de lidar com uma
compramos porque é barato. Barato porque, provavelmente, traição, com d adultério cometido por Maria de Monforte
foi fabricado com auxílio de mão de obra infantil e mal paga ou com o napolitano Tancredo. Daqui resulta o seu fechamento
escravizada. Mesmo assim, compramos. Cada cêntimo pago na gradual e o consequente suicídio.
caixa aumenta a nossa indiferença, escandalosa, porque global. PeId contrário, o filho, Carlos, f dí tendo as suas experiências amo­
E esta a indiferença que tem vindo a ganhar terreno no mundo rosas na primeira juventude, na formatura e depois os seus flírts
inteiro e que ati nge, hoje, u ma escala globa I. Só com a verdadei­ (com a Condessa de Gouvarinho. por exemplo), o que lhe trouxe
ra tomada de consciência destes nossos comportamentos será mais maturidade. É verdade que tal maturidade, conjugada com
possível combater e reduzir estes mesmos comportamentos e, uma educação de caráter cavalheiresco e racionaL não o impediu
assim, inverter esta globalização da indiferença. de cometer incesto voluntário com Maria Eduarda (que amou in­
tensamente). A grande diferença relativamente ao pai revela-se
PR0VA-M0DEL0 4(p.379) no seu modo de enfrentar d problema: Carlos releva, perdoa-
GBUPtl -se, faz uma grande e demorada viagem e recomeça a sua vida.
L 0 sujeito poético serve-se das estações do ano para se refe­ 0 desfecho de cada uma destas personagens evidencia, de for­
rir às quatro fases da vida, que não se sucedem exatamente ma inequívoca, d sentimentalismo fatal de Pedro da Maia que
pela mesma ordem das estações do ano indicadas no poema: contrasta com o racionalismo pragmático de Carlos da Maia.
o Dutono remete para o envelhecimento; o inverno para a fri­
cimii
gidez da morte; a primavera para o (re)nascimento, e o «es­
1 {A); 1 (C), 3. (D); 4. (A); 5. (A).
tio» para a idade adulta, a fase madura da vida do ser humano.
fi. Oração subordinada substantiva completiva.
2. Nestes versos, Ricardo Reis aconselha a amada, Lídia, a con­
7. Sujeito (simples), complemento diretD e predicativo do su­
siderar e a aproveitar o momento que é efêmero {breve e
passageiro). Assim, enquanto o momento presente não de­ jeito.
saparece, é passível de ser aproveitado e vivido plenamente. eimii
Estamos, portanto, em presença do conceito dü corpe díem, As crianças da atualidade são □ espelho do que a economia,
que sugere que aproveitemos o dia porque ele é curto e bre­ a ciência, a tecnologia e as tendências culturais lhes oferecem.
ve, e da filosofia de Epicuro, que aconselha a aproveitar com Por isso mesmo, não é de admirar que, com o avanço da tecno­
prazer e mansidão os momentos passageiros da vida. logia de ponta, os hábitos diários de (con)vivência se vão mol­
3. Nestes versos, o sujeito poético associa inesperadamente a es­ dando ao contexto.
tação do ano «primavera» a outras pessoas que não ele próprio E verdade, por um lado, que d manuseamento de instrumentos
e Lídia. Os versos traduzem que «a futura primavera» nãD lhes tecnológicos - brinquedos para bebés, crianças de colo e crian­
pertence, apenas o presente, «o estiD», que é a fase da vida em ças em idade escolar - estimula o desenvolvimento intelectual,
que se encontram, importa. Desta forma, evidencia a efemeri- cognitivo e até sensorial. Não é motivo de espanto, nem sinal de
dade da vida e reforça a ideia subjacente à filosofia epicurista riqueza familiar, ver uma criança com um tobíet, um telemóvel, um
4. Podemos elencar três atitudes de Pedro da Maia apresen­ iPhone du uma PS4. Com estes aparelhos, as crianças embrenham-
tadas neste excerto, que evidenciam o seu sentimentalismo se em jogos de entretenimento, de estratégia, de aprendizagem

437
PIEMUII EUHE NACIINAL

de línguas estrangeiras, entre outros temas. Quando a utilização que comanda os movimentos de um cavalo, controlando d
destes aparelhos tecnológicos se toma excessiva, surgem efei­ seu comportamento, também o ser humano (simbolizado nos
tos colaterais prejudiciais à saúde física e psicológica dos utiliza­ navegadores portugueses) deve usar a razão e d bom senso
dores, tais corno: o isolamento; o individualismo; o sedentarismo; para controlar os impulsos desmesurados dos seus interes­
entre outros. E neste sentido que as crianças de hoje optam me­ ses e das suas ambições.
nos pelas brincadeiras ao ar livre {nos parques, nas ruas, na praia) 7, No capítulo V do seu sermão. Padre António Vieira refere-se a
do que pelas brincadeiras virtuais e tecnológicas esta categoria de peixes denominada «pegadores» para os re­
Se as crianças não brincam ao ar livre, não pulam, não caem no preender particularmente pelas suas características literais,
chão, não correm, não se sujam, não experimentam o mundo, po­ típicas do próprio peixe, e alegóricas, materializando as ca­
dem desenvolver sérios problemas de saúde como, por exemplo, racterísticas humanas. ComD o próprio nome indica, este pei­
atrofiamento muscular e obesidade. xe pequeno «pega-se» aos peixes grandes, escolhendo a zona
Por outro lado, só as brincadeiras aD ar livre combatem o iso­ do seu dorso, para, assim, se alimentar do que sobra da sua
lamento inerente à prática de jogos e promovem o desenvolvi­ refeição, sem correr o risco de ser comido por eles, pois es­
mento de competências comunicativas e sociais, que resultará tes nãD se podem dobrar. Desta forma. Vieira critica a mesma
em bem-estar psicológico e emocional. atitude nos humanos, designadamente aqueles que, sendo pe­
Torna-se. assim, urgente proporcionar às crianças de hoje um quenos em importância e valores (pobres, fracos, medrosos),
maior equilíbrio na utilização das tecnologias para que assim se juntam CDrruptamente aos grandes (ricos e poderosos)
possam também usufruir dos benefícios das atividades lúdicas para se sustentarem à sua custa e sem trabalho meritório.
mais tradicionais e em comunhão com a Natureza.
CNN II
PROVA-MODELO 5 (p. 384) L(D)tL(B);l(D);4.(C);5l{B).
GIINII í. Dêixis temporal e espacial.
1. D poema insere-se na «Primeira Parte - Brasão» na globa­ 7. Valor explicativo.
lidade da obra Mensagem, porque o conteúdo de que trata
GNN III
incide sobre D. Teresa, mãe de D. Afonso Henriques, primeiro
rei de Portugal, contribuindo, desta forma, para a presentar a E relativamente consensual a ideia de que, se conhecemos d
História de Portugal, desde a sua fundação, ainda como Con­ passado histórico do nosso país, muito melhor perceberemos d
dado Portucalense. contexto de vida presente.
Assim como u m ser humano adulto é frutD de todas as experiên -
L Nos versos 3 e 4, d sujeito poético pede a D. Teresa («Tareja»)
cias e contextos da sua história pessoal também um país expli­
que reze por nós e nos proteja, partindo do pressuposto de que
ca a sua contemporaneidade por meio de episódios e situações
o pronome pessoal «nós» se refere aos portugueses contem­
que fazem parte de anos, sécu los e milénios passados. Portugal
porâneos de Fernando Pessoa. Por outro lado, o pedido é feito
não é exceção. Seguem-se dois períodos que exemplificam cla­
a esta mulher, considerada «mãe de reis e avó de impérios»,
ramente este ponto de vista.
uma vez que ela foi a mãe do primeiro rei de Portugal e. portan­
Primeiro, um dos que Teolinda Gersão refere na citação - o dos
to, «avó», ou seja, antepassada dos reis que se lhe seguiram,
Descobrimentos. Todos deveriamos saber que a diáspora ultra­
nomeadamente os responsáveis pelas Descobertas (período
do império português ultramarino). Ao fazer este pedido à nos­ marina dos séculos XV e XVI não aconteceu por acaso, ou seja,
o povo português dispunha de condições geográficas, náuticas,
sa antepassada, o sujeito poético pede ajuda para dar vida a um
astronómicas, políticas e sociais muito favoráveis. Com mais
novo Portugal imperial a que desigjiará de «Quinto Império».
de setecentos quilómetros de costa a oeste e a sul, e ladeados
1 Os versos 11 e 12 referem-se, em primeira instancia, ao fac­
a este e norte por uma nação irmã, mas eterna rival (Espanha),
to de D. Afonso Henriques ter envelhecido e perdido toda a Portugal convinha arriscar a expansão por mar. a navegação.
a determinação e coragem da sua juventude. Naturalmente Foi d que aconteceu. Desta forma, quer a coroa (D. Afonso V,
que a referência ao rei simboliza a nação que ele fundou - D. João II, D. Manuel I) quer figuras importantes como o Infan­
Portugal. Assim, tal como o rei se deixou ultrapassar e ven­ te D. Henrique tinham conhecimentos políticos e técnicos que
cer pelos anos, também Portugal «envelheceu», metafori­ davam a Portugal grandes vantagens a todos os níveis. Posto
camente. Por outras palavras, os Portugueses perderam a isto, é necessário aD cidadão português dos séculos XX e XXI
coragem e o esplendor que os caracterizavam na época dos perceber este contexto para entender, por exemplo, a presença
Descobrimentos; hoje. Portugal é «nevoeiro», necessitado portuguesa nos vários continentes.
de renovado vigor intelectual ou espiritual Em segundo lugar, e não menos importante, d acontecimento
4. 0 sujeito poético mostra, na última estrofe, que, apesar do histórico que celebramos há 45 anos - o 2S de Abril de 1974.
que referiu anteriormente sobre o envelhecimento (simbóli­ De facto, há ainda muitos portugueses vivos e de boa saúde que
co) da nação portuguesa, a verdade é que «todo vivo é eterno experienciaram esse momento em Lisboa, a partir do Quartel do
infante», ou seja, tudo o que tem vida dentro de si tem jo­ Carmo ou do Terreiro do Paço ou ainda dos restantes pontos dü
vialidade (conotação associada a um «infante») e potencial país continental ou insular. Todavia, os jovens precisam de perce­
para recriar o passado num futuro ainda melhor («De novo ber o anterior contexto salazarista e marcelista de conservadoris­
o cria?»). Assim, podemos caracterizar este sujeito poético mo (político, religioso e cultural) para entender a necessidade de
como um ser dotado de uma esperança que se pode revelar liberdade e até a génese dos partidos políticos atualmente com
poderosa para a reconstrução de um novo Portugal, de uma assento parlamentar. Além disso, precisam desse conhecimento
nação novamente esplendorosa. para compreender a arte, a música e a literatura portuguesa.
5. Neste momento de reflexão. Camões exorta os navegadores Em suma, estes dois casos são exempl ificativos de como o pas­
portugueses a controlarem os seus desejos enraizados na sado ajuda a perceber □ presente e da importância desses co­
«cobiça», na ambição desmedida e na indigna luta pelo exer­ nhecimentos para a formação cultural do indivíduo.
cício de poder sobre os outros. 0 poeta acrescenta ainda que
as «honras» (fama heroica) são «vãs* (vazias de valor e sen­ PROVA-MODELO 6 (p. 389)
tido) e o «ouro puro» em nada beneficia o espírito e a virtude GHN I
moral de cada ser humano. L Os primeiros dois versos referem dois momentos iniciais e ba­
L No verso «E ponde na cobiça um freio duro», Camões recorre silares dos Descobrimentos portugueses: d primeiro está rela­
à metáfora para explicar que, tal como um freio é o objeto cionado com o uso da madeira düs «pinhais* portugueses para

439
NITOCtâ 12? AM

construir as «caravelas», meios de transporte por excelência lado, o desejo de ser um adulto feliz como uma criança. Por
da diáspora ultramarina; d seguido prende-se com o desejo e a exemplo, no poema «0 sino da minha aldeia», o som e as ba­
vontade interiores não só dos nossos navegadores, mas de todo daladas transportam o sujeito poético para um lugar da sua
o povo português de então, as «ânsias» referidas no poema infância Dnde foi feliz - essa recordação fá-lo sentir-se feliz
L Estas duas estrofes são responsáveis por apresentar as e com dolorosa saudade simultaneamente. Já no poema «Ela
personagens e o contexto da «Largada», isto é, da partida canta, pobre ceifeira», o sujeitD poético confessa «Ah! Poder
das caravelas em Belém: populares em geral, mães e espo­ ser tu, sendo eu! / Ter a tua alegre inconsciência, / E a cons­
sas («Pátria-Mãe-Viúva») movidos pelo receio da perda dos ciência disso!», ou seja, deseja simplesmente sentir, sem ra­
seus entes queridos que partiam nas caravelas, nesse cais cionalizar, como fazia quando era uma criança inocente.
onde até a «areia» parecia mais «fria», e onde se Duviam «ge­
midos» e «palavras cansadas» de quem se afligia perante o
eim ii
desconhecido e o perigo que a ele se associa. Há. no entan­ L{B);t(C);X(Ak4.(A);5.(CK
to, que notar o «sopro viril de reação», isto é. essa força dos L Sujeito simples.
homens (navegadores e religiosos, porventura) que os não 7. Oração subordinada adverbial causaL
deixava desistir, por isso reagiam.
GIIP4II
3.0 que desencadeou o enchimento das velas foi o «sopro viril
Todo aquele que pensa que adquiriu todo o saber que existe e
de reação / As palavras cansadas / Que se ouviram no cais
já nada mais pode aprender com a vida engana-se a si próprio.
dessa ilusão». Com objetividade, o que impulsionou a parti­
A única certeza que temos na vida é não haver certezas. Proba­
da das naus e a iniciativa dos Descobrimentos foi a grande
bilidades, sim. Estimativas e planos pessoais, também. Porém,
vontade de superação e de mudança que os portugueses
nunca estamos preparados para o futuro, que é naturalmente
sentiam relativamente ao passado, «Às palavras cansadas».
inesperado e precisa de ser incorporado de alguma maneira na
Apesar de todos os sacrifícios que os homens e as mulheres nossa vida. E como lidamos com esse futuro que se vai atua­
teriam de enfrentar, uns no mar e outros em terra, a força lizando a cada segundo, minuto, a cada dia? De acordo com o
impulsionadora dos Descobrimentos era soberana. acumular das nossas experiências. Eis a razão que explica o fac­
4. Apesar do que está mencionado nas estrofes anteriores, to de estarmos sempre a aprender. Consideremos um exemplo
«cada homem» mostra-se «firme nos seus pés», ou seja, de­ bastante próximo daqueles que estão em idade escolar.
terminado em seguir viagem, mesmo perante as adversida­ Qualquer jovem maior de idade pretende tirar a carta de condu­
des imaginadas. Mais ainda: cada um desses homens sente-se ção de carrD e eventualmente de mota. Todos sabemos que para
impelido pelo «grande sonho» de descobrir o mundo por mar. d conseguir é necessário fazer e ter sucesso em dois exames:
5. Os três recursos linguísticos que estão aD serviço da carac­ d exame de código (teórico, sobre regras e sinais de trânsito)
terização trágica de Afonso da Maia são os seguintes: e o exame de condução {prático, conduzindo o respetivo veícu­
•uso expressivo do adjetivo na sequência «lívido, mudo, lo). Ora, quando o jovem se prepara para o exame de código, irá
grande, espectral» (L 15) que promove a ideia de aumento forçosamente usar a sua experiência de estudo e resolução de
não só da estatura real de Afonso, mas também a medida testes que adquiriu durante o período escolar, o qual está ine­
da sua profunda dor e vergonha causadas pelo incesto vo­ vitavelmente preenchido de momentos de avaliações formais.
luntário de Carlos; Meste âmbito, esse/essa jovem já se conhece minimamente e
sabe qual é o seu próprio ritmo de estudo e o melhor método
•a comparação em «mais velho que o século» (l 22) que
acrescenta ca racterísticas de velhice a um homem não mui­ para compreender e memorizar conteúdos, preparando o su­
cesso na obtenção do resultado final.
to velho, mas que os desgostos, os sofrimentos e a solidão
Outro exemplo categoricamente diferente - o da vida de adulto
envelheceram precocemente;
em sociedade. Qualquer ser humano adultD tem de enfrentar as
• o uso expressivo do advérbio «solitariamente» (I. 23) que
adversidades da vida e, não raro, os desafios da convivência so­
intensifica a solidão e o abandono em que Carlos deixou cial - estou a referir-me a persona lidades e feitios das pessoas
cair o avô, aquando da sua perdição com Maria Eduarda. que perpassam a nossa vida. Todos temos as nossas peculia­
t Afonso da Maia sabia que o neto, Carlos da Maia, mantinha ridades, defeitos, enfim, as nossas idiossincrasias. Sendo isto
uma relação íntima com Maria Eduarda, mesmo sabendo que verdade, como reagir, como lidar com tudo isto? Cada caso é
era sua irmã. Afonso da Maia estava, por isso, assaltado por específico, mas o adulto já acumula experiência social designa­
uma dor imensa («Teve um grande gesto de revolta e de dor», damente porque já foi criança e conviveu com os seus pares no
1.8). Caminhava lenta e pesadamente, como se aquela dor lhe i nfa ntário. com os seus colegas n a[s) escola(s) do ensino básico
pesasse os passos («passos lentos, pesados, pisavam surda­ e secundário, eventualmente na faculdade. Estes contextos es­
mente o tapete», IL 13-14). Sentia-se desfeito por dentro e colares revestem-se dos seus pequenos mundos, que mais não
isso era notório na sua aparência («o avô em mangas de cami­ são dü que sociedades/comunidades (se assim lhes podemos
sa, lívido, mudo, grande, espectral», ll 14-15). Carlos, quando chamar) em que a pessoa cresce, vive, aprende e amadurece.
surpreendido por este avô profundamente ferido, apresen- Tal facto permitir-lhe-á acumular experiência para continuar a
ta-se petrificado e sente-se invadido por aquela dor que lhe viver em sociedade na idade adulta e na velhice - por exemplo,
atravessa a alma. A caracterização quer do espaço quer de nos locais de traba lho. na família que for construindo, nos loca is
Afonso da Maia no seu regresso deste encontro dá-nos os úl­ de diversão e de culto, para citar apenas alguns contextos.
timos indícios da tragicidade iminente («Afonso atravessou o Em conclusão, diz d povo que o saber não ocupa lugar (saber
patamar, onde a luz sobre o veludo espalhava um tom de san­ livresco e saber empírico) e a sabedoria popular costuma ser
gue - e os seus passos [. ..| lentos, abafados, e cada vez mais ajuizada e verdadeira.
sumidos, como se fossem os derradeiros que devesse dar na
PROVA-MODELO 7 (p. 395)
vida». IL 18-20). Foram mesmo os últimos passos de Afonso
da Maia. Morreu fracassado e com um profundo desgosto. Gimia
7. A infância é a fase da vida humana que Pessoa ortónimD consi­ L Ma primeira estrofe, o sujeito poético fornece ao leitor o
dera mais interessante porque é aí que d ser humano encontra contexto de base do poema na medida em que coloca Diogo
a felicidade plena. Todavia, já na idade adulta, o poeta contem­ Cão a informar que ele próprio («Eu, Diogo Cão. navegador»)
pla-a com muita nostalgia e saudade. Esse sentimento pode chegou a uma praia («areal moreno», ou seja, num país dou­
ser entendido de duas formas: por um lado, a recordação de rado pelo 5ol, como o são os africanos), onde deixou a marca
momentos agradáveis dessa fase da vida suscita no sujeito portyguesa («padrão») e depois continuou a sua viagem - «E
poético uma intensa vontade de voltar a ser criança; por outro para diante naveguei».

439
L De acordo com estes dois versos torna-se claro que d que é do mortal e finito («como é esta vida miserável que um sopro
humano é inacabado {«a obra é imperfeita») e está sempre pode apagar em menos tempo ainda!»); e ainda o recurso a
aberto à novidade e ao aperfeiçoamento; o divino - a alma - vocábulos de forte conotação emocional (pejorativa ou va-
depende da força ancorada em Deus du dasgraças que o pró­ lorativa). tais como «desastrDsamente», «honra», «CDraçãD»,
prio Deus quiser conceder ao humano. Daí que esta espécie «tirania», «coisas tão vis e precárias» e «vida miserável»).
de narrador que é DiDgo Cão afirme que aquilo que falta fa­ I Partindo da descrição da sua anatomia, no capítulo III, Padre An­
zer (por exemplo, as terras que falta descobrir e explorar, à tónio Vieira louva o «peixe quatro-olhos» essencialmente por­
luz da interpretação das Descobertas) não está nas mãos do que, nadando à superfície do mar e por estar sujeito aos perigos
ser humano, mas nas da Providência Divina, como se lê em do mar e do ar/céu, este peixe é uma espécie de sentinela dos
«da obra ousada, é minha a parte feita». Em suma, o humano dois elementos. Tem ainda a capacidade de se proteger dos po­
tem de fazer obra física, mas, em última instância, a concre­ tenciais inimigos, terrestres du marítimos, pelo factD de poder
tização da obra está dependente do divino, olhar simultaneamente para cima e para baixo. A descrição físi­
1 Partindo de símbolos concretos, tais como as quinas e o mar. ca do «peixe quatro-olhos» serve de mote para a criação da ale­
Pessoa veicula, através deste poema, a ideia fundamental da goria e da crítica social os seres humanos devem estar atentos,
obra Mensagem. Se as quinas simbolizam não só a bandeira à semeliança do «peixe quatro-olhos», às duas dimensões da
portuguesa (por sua vez símbolo do domínio político e ter­ vida humana - o que está acima (d divino) e o que está abaixo (o
ritorial de Portugal no Ultramar), mas também a hegemonia terrestre), como é possível ler-se na segqinte passagem textual:
portuguesa na primeira fase dos Descobrimentos, então es­ «Esta é a pregação que me fez aquele peixezinho. ensinando-me
tamos perante uma interpretação evidente de que Portugal que, se tenho fé e uso da razão, só devo olhar direitamente para
conseguiu feitos históricos notáveis ao longo do período das cima, e só direitamente para baixo: para cima, considerando que
Descobertas. Nd entanto, o conteúdo desta estrofe vai mais há Céu. e para baixo, lembrando-me que há Inferno.»
além do que ficou dito, pois podemos ler nas quinas as cinco cim ii
chagas de Jesus Cristo crucificado que, tendo sido suporta­
L(B);Z.(A);1{A);4.{C);5.(D).
das, 0 levaram à glória da Ressurreição, tal como o que acon­
teceu com os Portugueses que, sofridas as desventuras da í. Valor explicativo.
expansão marítima, conseguiram criar um império materiali­ L Oração subordinada adverbial comparativa.
zado no «mar». Sobre o «mar» lemos que o «sem fim é portu­ CNN III
guês», isto é, não só o físico, mas o «mar da vida», d «mar da
Aquilo que distingue o ser humano dos outros animais é, antes de
inteligência», isto é, aquele que simboliza tudo quanto está mais, o uso da razão. E dela decorre a capacidade de sonharmos.
por descobrir - esse, lê-se no poema - «é português», por
0 sonho de cada um de nós assume várias formas e visa vários ob­
outras palavras, está ao alcance de Portugal. Eis, portanto,
jetivos e conquistas pessoais. Consideremos dois exemplos ilus­
umas das interpretações mais poderosas de Mensogem.
trativos do poder que o ato de sonhar tem sobre a vida humana.
4. Manuel de Sousa Coutinho recebe informações de Teimo e Primeiro, tomemos o caso do ser humano na sua globalidade.
Miranda e lidera tudo quanto se está a passar em sua casa, Pessoa escreveu que «Deus quer, o Homem sonha, a obra nas­
orientando todas as personagens. Assim, podemos verificar ce» e isso viu-se na História Universal ao longo dos milénios.
que é através de Teimo que Manuel sabe do desembarque Se remontarmos, de acordo com a teoria de Darwin, à evolução
dos governadores («desembarcaram agora grande comitiva humana, percebemos que o ser humano não foi evoluindo so­
de fidalgos, escudeiros e soldados»). Em seguida, e tomada a mente na sua anatomia de espécie, mas também na invenção e
decisão de partir de sua própria casa, Manuel chama o irmão nomanuseamento de recursos que tinha à sua disposição. Ao
(Frei Jorge), a filha {Maria) e a esposa (Madalena), dando ins­ homo habifís associamos o trabalho da pedra, ao homo erectus
truções precisas a cada um. Quanto ao criado Miranda, Ma­ o do fogo, a todos os subsequentes, comportamentos básicos
nuel dialoga com ele no sentido do embarque dos seus bens. da vivência na Natureza e em sociedade (a rupestre, a nômada,
5. A última fala de Manuel de Sousa Coutinho revela que este a recoletora, por exemplo). E, milénios decorridos, os primeiros
homem é um exemplo excelente dos valores da nobreza por­ «amigos da sabedoria» - os filósofos - refletiram sobre o meiD
tuguesa e. por inerência, de Portugal, valores que Almeida circundante e deram a génese para as várias ciências. Isto evi­
Garrett torna claros em Frei Luís Sousa. Podemos encontrar dencia que o ser humano sentiu esse «sonho (...) por dentro»,
evidências destes valores em quatro momentos diferentes: o como lemos na citação de Miguel Torga, e partiu à descoberta e
primeiro é a referência à tradição familiar de mortes trágicas, à exploração. Eis como nasceu a «obra» de que fala Pessoa, isto
mas honradas, em batalha («Meu pai morreu desastrDsamen- é, o progresso, um avançar da vida humana até aos dias de hoje.
te caindo sobre a sua própria espada»)-, o segundo é a menção Segundo, vejamos o Homem como indivíduo. Todos, e cada um
direta aos valores de um verdadeiro fidalgo português «como de nós. estamos em posição de afirmar, sem margem para dúvi­
um homem de honra e coração») que constantemente luta e das. que vivemos a nossa vida de acordo com um sonho íntimo
resiste à «tirania»; o terceiro é o desapego relativamente aos - o de assegqrar a nossa sobrevivência, mas tendo em conta d
bens materiais («esses haveres que duas faíscas destroem que almejamos de felicidade para nós mesmos. Seja qual for
num momento»), isto é, a perceção de que o verdadeiro valor tal felicidade. Assim, todos queremos sentir-nos realizados
da vida não é material, mas espiritual e CDmportamental o na profissão/carreira, na vida familiar, enfim, na vida tomada
quarto é a decisão de atear fogo à sua própria casa para nela como um todo. Assim se justifica que haja estudantes que pro­
não habitarem os traidores de Portugal, que se associaram curam terminar a escolaridade obrigatória para seguir uma vida
aos castelhanos, após o desaparecimento do seu rei jovem e profissional ou que haja também aqueles que optam pela vida
promissor, D. Sebastião. Assim, através desta intervenção de universitária rumo à investigação científica ou pedagógica. As­
Manuel, testemunhamos os valores honrados de um aristo­ sim se justifica que haja profissionais a consubstanciar as suas
crata português que luta pelo seu país justo e livre. competências e talentos, cientistas a fazer a sua ciência, artis­
fi. Dada a natureza emotiva desta intervenção de Manuel de tas a expressar a sua arte, artífices a esculpir as suas peças.
Sousa Coutinho. a sua linguagem está revestida de caracte­ Porquê e para quê? Creio que porque dentro de cada um de nós
rísticas próprias do domínio da emoção. Desta forma, des- existe esse sonho, que é nada menos do que essa força invisível,
tacam-se três: as frases interrogativas perante a visão da esse querer intensamente conquistar o seu espaço na própria
sua própria morte honrosa {«Quem sabe se eu morrerei nas vida e no mundo, nem que seja o seu.
chamas ateadas por minhas mãos?»); as frases exclamativas Em jeito de conclusão, podemos relembrar d poeta Sebastião
que exaltam o valor essencial da vida humana em detrimento da Gama - «Pelo sonho é que vamos».

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