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<P Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

CNBB

A prática da caridade
é a liturgia que agrada a Deus

Roteiros Homiléticos
do Tempo Comum
Ano B - 2º parte

Projeto Nacional de Evangelização


Queremos Ver Jesus
Caminho, Verdade e Vida

EB. PAULUS
li edição — 2006

Capa: Ilustração de Dom Ruberval Monteiro, osb


(Mosteiro da Ressurreição — Ponta Grossa — PR)

Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
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O Pia Sociedade Filhas de São Paulo — São Paulo, 2006
APRESENTAÇÃO

Como sabemos, o Tempo Comum é o mais longo período


do Ano Litúrgico. Nele se vive o Mistério Pascal cotidianamente.
Sua espiritualidade é muito rica e profunda.
Neste fascículo dos Roteiros Homiléticos, frei Faustino
Paludo, ofmcap, desvela-nos um pouco da beleza desse tempo,
baseando-se nos textos bíblicos previstos para as leituras dos
doze últimos domingos.
No entanto, a espiritualidade do Tempo Comum encontra-
se também em outros elementos da celebração. Por exemplo,
os nove prefácios e as orações (do dia, sobre as oferendas e
pós-comunhão) são jóias preciosas que precisam ser mais bem
trabalhadas em nossas homilias.
Meus votos são para que as equipes de celebração façam
bom uso destes subsídios, sem esquecer de todo o conteúdo do
Salmo Responsorial destes domingos e dos textos eucológicos
acima referidos.
“O Cordeiro que foi imolado é digno de receber o poder,
a divindade, a sabedoria, a força e a honra. À ele glória e poder
através dos séculos” (Ant. da Solenidade de Cristo, Rei do Uni-
verso).

+ Dom Manoel João Francisco


Bispo de Chapecó
Presidente da Comissão Episcopal para a Liturgia da CNBB

PNE - QV)
- CVV nº3
22º Domingo do Tempo Comum
3 de setembro de 2006

Leituras: Deuteronômio 4,1-2.6-8;


Salmo Responsorial 14(15),2-3a.3cd-4ab.5;
Tiago 1,17-18.21b-22.27;
Marcos 7,1-8.14-15.21-23 (Observância e mandamentos)

A prática da caridade
é a liturgia que agrada a Deus

1. Situando-nos brevemente

Domingo da pureza do coração. O culto que agrada ao Se-


nhor é aquele que brota da aliança (relação) sincera com Deus e
que se expressa em ações solidárias efetivas em favor dos irmãos.
É a liturgia da caridade mais do que da observância exterior da
lei. “Escuta, Israel, as leis que te ensino para que as pratiques”
(Dt 4,1). A perene tentação é seguir a tradição dos homens,
abandonando os mandamentos de Deus, e, para justificar tudo,
promover atos de culto majestosos. “Este povo me honra com os
lábios, mas o coração dele está longe de mim” (Mc 7,6).
Neste domingo, fazemos memória da Páscoa de Jesus que
se manifesta em todos aqueles batizados que tornam sua vida,
pela prática da caridade e da justiça, um culto agradável ao Pai.
Lembramos, de maneira especial (nesta Semana da Pátria), todos
que em nosso Brasil promovem de muitas maneiras a paz e a
dignidade da vida. Iniciamos, ainda, o Mês da Bíblia.

PNE - QV) - CVV nº 3]


O maior louvor a Deus se eleva de nossa vida dedicada
aos que mais sofrem, buscando em primeiro lugar o Reino de
Deus e sua justiça.

2. Recordando a Palavra

Por causa da polêmica sobre o que torna o homem puro ou


impuro, Marcos prepara a viagem de Jesus para além das fron-
teiras do território de Israel. Na mentalidade do judaísmo, Israel
era uma nação pura e santa; era o povo consagrado por Deus (cf.
Dt 7,6). Os demais povos eram impuros, isto é, profanos.

No entender dos fariseus, a pureza se alcançava pela ob-


servância escrupulosa da Lei, a qual expressava a vontade de
Deus. A pureza, quando perdida, era recuperada pela prática
ritual externa, do lavar as mãos, das sucessivas abluções etc.
Essa ritualidade legal acaba se sobrepondo à dimensão interior
da relação com Deus.
Jesus não dá importância à questão da pureza legal. A ob-
servância da pureza legal e religiosa, como não “sentar-se à mesa
sem lavar as mãos”, reclamada pelos fariseus e doutores da lei,
discriminava e cegava para realidades bem mais importantes do
que a discussão entre o impuro e o puro. Por isso mesmo, Jesus
não exigiu tal prática aos seus discípulos e continuou indo ao
encontro dos considerados “impuros” da sociedade e partilhando
da mesa com eles.
Diante da inquietude farisaica da não-observância legal
da pureza, Jesus censura a hipocrisia dos seus inquisidores e
desmascara o legalismo deles. Engana-se quem pensa que o
que separa o homem de Deus vem de fora e que sua relação se
restabelece graças à prática ritual exterior. À impureza vem de
dentro, isto é, do coração. Como também é do coração que bro-
ta o culto agradável a Deus. “Todo o homem é sagrado e toda

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PNE - QV) - CVV nº3]
criatura de Deus é boa em si mesma e pode ser benéfica para o
ser humano”.! Com isso Jesus sublinha a dimensão positiva da
criação e do ser humano (Evangelho).
Os israelitas, no exílio da Babilônia, longe de sua pátria
e morando em terra estrangeira, apesar dos alertas dos profetas,
abandonaram a fé no Deus verdadeiro e se entregaram às prá-
ticas do povo babilônico. Os exilados de Israel são convidados
a prestar atenção: “Escuta, Israel”! Talvez assim, no exílio,
dessem maior atenção à escuta e à pratica das normas e leis que
o Senhor os ensinou. Os israelitas são convidados a retornar ao
Senhor (conversão) pela observância da Lei. O Senhor está pró-
ximo; mora com seu povo. Ele poderá suscitar um novo êxodo
(primeira leitura).
O apóstolo Tiago afirma que os cristãos foram gerados para
uma vida nova pelo anúncio “da Palavra da verdade” que vem de
Deus. São as primícias do mundo redimido. Essa ação de Deus
requer resposta, pede cooperação que se traduz num novo modo
de viver: “Sejam praticantes da Palavra, e não apenas ouvintes,
iludindo a si mesmos” (v. 22), exercendo a verdadeira religião:
“Socorrer os órfãos e as viúvas em aflição e manter-se livre da
corrupção” (v. 27) (segunda leitura).

3. Atualizando a Palavra

O enfoque da Palavra de Deus deste domingo é muito atual.


Chama a atenção para a verdade da vida cristã. O que de verdade
caracteriza a relação dos cristãos com o Senhor? Uns afirmam
ser a observância rigorosa dos dez mandamentos e das normas
da Igreja; outros sublinham a efetiva frequência às celebrações

| MAartEOS, J. & CAMACHO, F. Marcos: texto e comentário. São Paulo, Paulus, 1998.
p. 186.

PNE - QV) - CVVY nº 31


litúrgicas. Para outros, ainda, o importante mesmo é a prática da
caridade, da solidariedade para com os sofredores.
A vida cristã resulta da aliança entre a Palavra escutada, a
prática coerente da vida e a ação transformadora de tudo o que
prejudica o testemunho de fé. O dinamismo da vida cristã brota
da conjugação da Lei e da Palavra. A Lei (na perspectiva bíblica)
se configura como Palavra de Deus — comunicação que atinge
o ouvinte em seu interior e em seu coração, gerando uma nova
prática. Nessa perspectiva, a Lei não é uma norma exterior à qual
a pessoa se ajusta, mas sim uma realidade vital, uma força que
age, transforma, desenvolve e abre ao novo a partir de dentro,
do interior.
Na vida cristã é inconcebível a escuta descomprometida
da Palavra de Deus. A Palavra de Deus escutada é semente boa
que cai em terreno fértil e produz abundantemente. Ela ilumina
a conduta das pessoas, imprime sentido e orientação nova à
existência. É Palavra morta aquela que, confinada ao âmbito do
culto, se cristaliza na prática religiosa e não chega às realidades
cotidianas da vida. Podemos dizer que escutamos e entendemos a
Palavra quando a traduzimos em ações de caridade, em gestos de
solidariedade e em comportamentos éticos de justiça. A escuta da
Palavra alienada do concreto da vida se converte em formalismo
vazio e ilusório. A Palavra que não gera um real compromisso
é Palavra que condena, em vez de fazer “sentir que Deus está
próximo de nós”.
Outra questão, hoje, se levanta: em que consiste a verda-
deira religião ou a autêntica prática religiosa? São Tiago afirma
ser o “socorro dado aos órfãos e às viúvas em aflição e manter-se
livre da corrupção”. Para os fariseus, resume-se na observância
escrupulosa dos preceitos legais. Jesus assegura-nos que a rela-
ção com Deus passa, necessariamente, pela atenção ao próximo.
Não são suficientes boas práticas religiosas e litúrgicas; é preciso

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PNE - QV)
- CVY nº 3]
prolongar o serviço do templo (o culto dado a Deus na igreja)
à liturgia da solidariedade, da fraternidade, da misericórdia, ce-
lebrada ao longo do caminho da existência. É inútil a escuta da
Palavra de Deus que não abre os ouvidos e que não dispõe a ações
em favor da justiça, da paz e de melhores condições de vida. “Se
Deus não te proporciona contemplar o irmão que tens de amar,
o pobre a quem tens de estender a mão, o inimigo que tens de
perdoar, quer dizer que Deus desapareceu de teu horizonte, ou
melhor, tu te afastaste dos horizontes de Deus”.?

Deus não se satisfaz com uma prática religiosa de fachada


ou com o culto de belas aparências. Para Deus não interessam,
de forma alguma, a pureza exterior, os formalismos, as solenes
cerimônias litúrgicas feitas de inclinações e prostrações, com
grande número de coroinhas, lampadários, incenso... Deus
despreza esse tipo de culto e abomina os cristãos de “máscara”:
obedientes e piedosos no aspecto, mas negligentes na verdadeira
e única liturgia que lhe agrada: o amor ao próximo, que vem de
Deus mesmo e se resume na doação, na caridade, o mais sublime
dos dons (cf. 1Cor 13,13).
Jesus refere-se ao coração como fonte das ações; como
espaço onde amadurecem as convicções, articulam-se as decisões
fundamentais e definem-se as orientações da existência. Ele alerta
para uma impureza maior e muito mais prejudicial do que aquela
da não-observância de certos rituais: a impureza que brota do
íntimo do coração humano. O que evidencia se determinada ação
ou atitude é boa ou má não é sua conformidade ou não com a Lei,
mas se ela promove ou não a vida humana. O papa Paulo VI afir-
mava: “Combater a miséria e lutar contra a injustiça é promover
não só o bem-estar, mas também o progresso humano e espiritual
de todos e, portanto, o bem comum da humanidade”.

2 PRONZATO, À. Palabra de Dios. Salamanca, Sigueme, s.d., p. 220.


* Populorum Progressio, n. 76.

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PNE - QV) - CVY nº 3]
Há também o perigo da impureza que parte daquilo que
deixamos de fazer, como: a caridade que não praticamos, a
justiça com a qual não nos importamos, o perdão que negamos
ou que não cultivamos, a solidariedade que não nos move a
gestos concretos. Talvez sejamos bons cristãos pela prática de
preceitos, buscando uma vida trangiila, rotineira, sem grandes
novidades, levando uma vida apagada, sem sonhos, profecias,
gratuidades, nem motivos para a solidariedade. Esquecemos
com toda facilidade que a vida é caminhada, missão e promo-
ção humana.
Neste ano, o Projeto Nacional de Evangelização “Queremos
Ver Jesus — Caminho, Verdade e Vida” insiste no eixo da carida-
de, da solidariedade. Agrada a Deus o culto do “amor atento às
necessidades reais das pessoas, especialmente das mais pobres
de nosso tempo, os excluídos da sociedade”.* “Nunca é demais
lembrar que o nosso serviço da caridade deve envolver aqueles a
quem servimos não como objetos, mas como sujeitos da conquista
de seus direitos como pessoas, criadas à imagem de Deus”.

4. Ligando a Palavra com a ação eucarística


À eucaristia, memorial do sacrifício de Cristo na cruz,
expressão máxima do amor e do culto agradável a Deus, lança
intensa luz sobre nossa convivência de cristãos no mundo de hoje,
sobre o compromisso cristão da solidariedade, em um mundo
marcado pela desigualdade social, pelas divisões, incompreen-
sões e exclusões sociais.
À eucaristia não é apenas expressão de comunhão na vida
da Igreja; é também projeto de solidariedade para a humanidade

+ | CNBB. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil. Doc. 71,


n. 39.
3 Ibidem,n. 41.

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PNE- QV) - CVV n23]
toda. A Igreja renova continuamente, na celebração eucarística, a
sua consciência de ser “sinal e instrumento” tanto da íntima união
com Deus quanto da unidade de todo o gênero humano.* O cristão
que participa da eucaristia aprende a fazer-se promotor de comu-
nhão, de paz, de solidariedade, em todas as circunstâncias da vida.”
Cristo une à sua oferta nossa oferenda de vida. Na celebra-
ção eucarística, o sacrifício de Cristo torna-se do mesmo modo
o sacrifício dos membros do seu corpo, isto é, a vida dos fiéis,
seu louvor, seu sofrimento, sua oração, seu trabalho (os inúmeros
gestos de caridade) se unem ao gesto de doação de Cristo e à
sua oferenda total, e adquirem assim novo valor. O sacrifício de
Cristo, presente no altar, apresenta a todas as gerações de cristãos
a possibilidade de estarem unidas à sua oferta.
Jesus reparte conosco o pão de seu Corpo e do seu Sangue
e nos pede que façamos o mesmo. Por isso é essencial ao espírito
da celebração eucarística o gesto da solidariedade para com os
pobres e esquecidos (cf. Carta de Tiago). Entre nós, a exemplo da
tradição cristã, realiza-se a coleta de dons. Muitas comunidades
socorrem os pobres, os necessitados.” Ou o “pão é repartido” ou
não temos verdadeira eucaristia. A partilha e a prática da soli-
dariedade são consequência da vivência da eucaristia: “De fato
o cristão não só celebra a eucaristia, mas também deve ter uma
vida eucarística, prolongando seu mistério e seu dinamismo, ou
convertendo em obras de caridade e de justiça o que celebrou no
sacramento, anunciando e testemunhando no mundo e na socie-
dade aquele amor de entrega, aquela solidariedade e novidade
que experimenta na reunião eucarística”.'º

Cf. VATICANO II. Constituição dogmática sobre a Igreja Lumen gentium, n. 1.


ro

Cf. Mane Nobiscum Domine, n. 27.


Cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 1368.
O

Cf. SÃo Justino, Apologia I, n. 67.


oo

0 Texto do Congresso Eucarístico de Sevilha, n. 32.

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PNE- QV) - CVY nº 3]
PREPARANDO A CELEBRAÇÃO

Sugestões
Neste domingo da Semana da Pátria e início do Mês da
Bíblia, a equipe de liturgia, como um importante serviço litúrgico
em favor da comunidade de fé, ao preparar a celebração dará
particular atenção às seguintes partes e gestos da celebração:
mesa da Palavra: organizar com especial cuidado o lugar
onde ficará a Bíblia durante o mês de setembro e de onde
serão proclamadas as leituras, cantado o salmo e feitas
a homilia, a profissão de fé e as preces dos fiéis;
Bíblia: na porta de entrada principal da igreja, em uma
estante bem ornamentada, colocar o Livro da Palavra (a
Bíblia ou o Lecionário), de tal modo que as pessoas, ao
chegarem, tomem logo consciência da grande motivação
do mês de setembro;

procissão de entrada: as pessoas podem entrar com a


bandeira do Brasil e outros símbolos que tornam pre-
sente a realidade do povo brasileiro;
liturgia da Palavra: de início, fazer a entrada solene
do Livro da Palavra (o Lecionário ou a Bíblia), acom-
panhado de velas (ou tochas), de incenso e, onde for
costume, da expressão corporal de um grupo de pessoas
da comunidade;

homilia: reservar um breve momento de silêncio após a


homilia, para interiorizar a Palavra de Deus e os apelos
que hoje ela nos faz;
preces da comunidade: dirigir preces à pátria brasileira,
citando o grito dos excluídos, as atividades da pátria e
as romarias de fé e de solidariedade do povo;

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PNE - QV] - CVV nº 3I
ofertas: nas comunidades onde houver o costume de
coletar alimentos e roupas para serem distribuídos aos
pobres, organizar com o pão e o vinho uma procissão
durante a qual as pessoas levem suas ofertas de dons
diante ou junto do altar;
oração eucarística: dar atenção à ação de graças, pelo
dom gratuito da entrega de Jesus ao Pai pela libertação
da humanidade; cantar o prefácio, o “Santo”, as acla-
mações e, em especial, o amém da doxologia;
fração do pão: dar particular realce a esse gesto signifi-
cativo da celebração, cantando o “Cordeiro de Deus”;
bênção final: o ministro, após a oração de bênção sobre
a assembléia, a abençoa com o Livro da Palavra (o Le-
cionário ou a Bíblia).

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PNE - QV] - CVV nº3]
23º Domingo do Tempo Comum
|O de setembro de 2006

Leituras: Isaías 35,4-7a; Salmo Responsorial 145(146), 7.8-9a.9bc-10;


Tiago 2,1-5; Marcos 7,31-37 (Cura do surdo-mudo)

Viver fazendo o bem a todos

1. Situando-nos brevemente
Domingo da cura do surdo-mudo. O domingo de hoje traz
presente a triste realidade da surdez, isto é, daqueles que se “fa-
zem surdos” e daqueles que “se calam” ou são silenciados pelos
interesses dos que se sentem prejudicados pela voz ou pelos gritos
do povo que reclama por participação e por dignidade. “Surdo e
mudo” evidencia as resistências e as dificuldades para aceitar e
propor uma nova realidade de vida.
Fazendo memória da morte e da ressurreição de Jesus
Cristo, que hoje, de modo especial, se revela nas pessoas e
comunidades que não medem esforços para que o povo tenha
voz e vez. Elevemos nossos louvores ao Pai pela vitória de seu
Filho Jesus sobre as forças que manipulam e emudecem pessoas
e coletividades humanas. Que sua Palavra abra nossos ouvidos
ao grito dos que sofrem e desate nossa língua para o anúncio da
Boa-Nova da justiça e da paz.

2. Recordando a Palavra

Jesus está na-terra dos gentios (pagãos) para uma nova


missão, exemplificada pela cura do surdo-mudo. Ele encontra

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PNE - QV) - CVVY nº 31
resistência dentro do próprio grupo dos discípulos. Estes não
admitem a integração dos pagãos à nova comunidade com os
mesmos direitos que os judeus. Resistência e obstáculo que eles
terão de superar para prosseguir na caminhada com o Mestre.
O surdo-mudo é levado por pessoas anônimas até Jesus.
Elas lamentavam sua deficiência, compadeceram-se e intercede-
ram para que Jesus “pusesse a mão sobre ele”. Não pediram para
que fosse curado. O gesto de Jesus seria suficiente para mudar
a situação. Os discípulos, arraigados ao modo judaico, manti-
veram-se fechados aos gentios. Não aparecem na cena. Jesus
age prontamente. Separa-se da multidão com o surdo-mudo,
toca-lhe os ouvidos e depois a língua com sua saliva. Olhando
para o céu, exclama: “Abra-se!”. O homem ficou curado. Jesus
o proíbe de divulgar o fato, no entanto, quanto mais o proibiam,
mais ele propagava o ocorrido. O povo, diante da ação de Jesus,
reconhece que a profecia de Isaías (35,5-6) — “Deus fez os surdos
ouvirem e os mudos falarem” — se realizava naquele momen-
to. Entusiasmada, a multidão constata que “Ele faz bem todas
as colsas” e, por Isso, se pergunta: “Quem é este que devolve
a audição ao surdo e a palavra o mudo?”. Jesus é o Messias
prometido que veio para manifestar a glória de Deus e revelar
o dia da salvação. Sua obra será recriar a face da terra — nova
criação (Evangelho).
O profeta Isaías tem diante de si seus contemporâneos
cansados e desanimados sob o peso dos muitos sofrimentos e do
prolongado exílio. Eles não possuem mais motivos de esperança.
O profeta tenta reanimá-los com a promessa da proximidade da
intervenção transformadora de Deus. Tudo será recriado pelo
Senhor da vida. “Coragem, a restauração de Israel está próxi-
ma!” O mesmo Senhor que saciou a sede de Israel no deserto,
transformará a terra seca em rios e fontes de água. O poder de
Deus faz desabrochar a vida, onde antes só havia sinais de morte
(primeira leitura).

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PNE
- QV)] - CVV nº 3]
Para o apóstolo Tiago, a fé em Jesus comporta exigências. A
discriminação, o favorecimento de uns e o menosprezo de outros
se opõem à fé no Ressuscitado. Privilegiar os ricos por causa
de seu status social e negligenciar os pobres não são atitudes
coerentes com a fé cristã. A Igreja é de todos, tanto para os pobres
como para os ricos. O agir de Deus, “que escolheu os pobres para
herdeiros do Reino” (v. 5), deve ser imitado pela comunidade
cristã. O apóstolo sublinha que os pobres e marginalizados têm
particular predileção na Boa-Nova de Jesus. Nem por isso os
ricos são excluídos da salvação. O que não condiz com a fé é a
diferença que se faz no tratamento dispensado aos pobres e aos
ricos com base em categorias sociais (segunda leitura).

3. Atualizando a Palavra
A Palavra de Deus deste 23º domingo evoca uma daquelas
cenas que nós, por vezes, contemplamos nas miseráveis periferias
urbanas, em um lixão ou nas proximidades de um grande hospital
da rede pública. Ali se encontram crianças e velhos, jovens e
adultos — famintos, maltrapilhos, enfermos de toda espécie, cegos,
surdos, mudos, aleijados, desempregados, desalentados com as
possibilidades de vida humana. É o deserto, a terra seca e estéril.
São as Decápoles do terceiro ou do quarto mundo.
Na retrospectiva dos fatos do ano de 2005, feita por um
canal de televisão, o apresentador assim se pronunciou: “Deus
plantou um jardim, em contrapartida, encontramos uma “terra
arrasada”, um solo árido onde secaram as flores e o verde desapa-
receu, as árvores produzem frutos envenenados e o ar tornou-se
irrespirável. Neste cenário, o homem aparece enfermo, ferido,
debilitado na esperança”.
A visão luminosa do profeta Isaías renova-se hoje, pois
o Senhor quer a criação funcionando bem em tudo e em cada
pessoa. Ele põe mãos à obra através de sua Palavra: “A terra

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PNE - QV] - CVV nº3]
seca mudará em planície fértil, e o deserto se encherá de fontes.
O cortejo dos desconfiados e miseráveis de corpos mutilados
se transforma em cortejo festivo de gente liberta”. Esta utopia
culmina no gesto de Jesus de curar o surdo-mudo. Diante da
nova criação, a multidão que estava distante do lugar do prodí-
gio, sem poder conter o entusiasmo, exclama: “Jesus faz bem
todas as coisas. Faz os surdos ouvirem e os mudos falarem”.
Completam-se os tempos messiânicos prometidos pelo profeta:
instauram-se novos tempos em que os surdos são curados e os
mudos falam; estabelecem-se assim novas relações de diálogo
entre pessoas e culturas.
A Igreja hoje tem a missão profética de gritar: “Sejam
fortes! Não tenham medo. Vejam o Deus de vocês: ele vem
para vingar, ele traz um prêmio divino, ele vem para salvar”.
Assim reanimará e apontará os caminhos e os sinais que recriam
e alimentam a esperança do povo. Mas, para que a surdez e a
cegueira sejam vencidas e brotem como fontes de água viva no
deserto do mundo moderno, é necessário que as comunidades
de fé tenham coragem de romper a dura crosta da desumanidade
e façam circular com largueza a Boa-Nova da vida, da paz e da
misericórdia.
Os projetos para manipular e silenciar as massas populares
estão em plena atividade. Transforma-se a vida num deserto pelo
acúmulo de informações de miséria, de morte, de solidão e de
falta de motivação para viver. Engana-se quem pensa vencer pela
ignorância da surdez ou pelo culto da desgraça dos outros. Em
meio aos escombros ou às pedras da terra ressequida, germinam
audaciosamente as sementes da solidariedade de pessoas anôni-
mas que tomam o “surdo-mudo” e o conduzem ao encontro da
libertação. Isto é, apesar das resistências sociais e religiosas, há
sempre quem “devolva a voz, fazendo o povo falar”.
As múltiplas iniciativas eclesiais, promotoras da caridade e
da justiça social, são instâncias que podem renovar o gesto quase

20
PNE
- QV) - CVV nº 3]
batismal e a Palavra milagrosa de Jesus: “Abre-te” em favor dos
excluídos, dos condenados ao silêncio e obrigados unicamente à
execução submissa de tarefas. Abre-te à escuta! Abre-te à com-
preensão profunda das pessoas e de suas dificuldades.
Com seu gesto e sua Palavra, Jesus manifesta que a solida-
riedade realiza maravilhas. O surdo-mudo personifica o indiví-
duo impossibilitado de relacionar-se com os outros. “Não pode
ouvir o que lhe é comunicado nem transmitir o que não ouviu.”
Por consegiiência dessa situação, vive isolado e recluso em seu
mundo. Os surdos-mudos de hoje podem ser aqueles a quem
nunca chegou a Palavra de Deus ou aqueles que não aderiram à
Boa-Nova da salvação.
Surdos e mudos podem ser também quem, a exemplo
dos discípulos, nas Decápoles da vida moderna, não lê nem se
abre aos novos sinais dos tempos. A sociedade plural de nossos
dias abre as portas ao relacionamento alicerçado no respeito,
no diálogo e na compreensão. “É surdo e mudo aquele que não
se relaciona com os outros, que se enclausura em si mesmo na
persuasão de já possuir toda a verdade e de já não ter mais nada
a apreender”.92 |
Tocado pelo Mestre, o discípulo, melhor dizendo, o cristão
abre seus ouvidos à escuta da Palavra e, mesmo ante resistên-
cias, não se cala diante da urgência de anunciar a Boa-Notícia
da vida.
Nos quadros dos novos relacionamentos, da nova aliança
fundada na presença e na ação libertadora de Jesus, não há espaço
para acepção e discriminação entre pessoas. Privilegiar uns por
seu status social menosprezando a outros por sua condição de po-
bres é trair a fidelidade de Deus que sempre beneficiou “os pobres
deste mundo para que fossem ricos na fé e herdeiros do Reino”.

| ARMELLINI, F. Celebrando a Palavra. São Paulo, Ave-Maria, s.d., p. 393.

21
PNE - QV)
- CVY nº
3
No entender do apóstolo Tiago, no âmbito da nova aliança, a co-
munidade cristã foi constituída para ser sinal de esperança para os
pobres. Quando em suas assembléias litúrgicas ela cede ao favo-
ritismo dos ricos em detrimento dos pobres, além de enfraquecer
o testemunho e as razões de sua fé, ofusca a glória de Deus.

4. Ligando a Palavra à ação eucarística


Na celebração litúrgica da comunidade cristã todas as pro-
messas do Pai encontram seu ponto de realização (cf. At 13,32).
Ela revela e nos torna participantes do agir de Deus em favor de
seu povo. “Muda a terra seca em fértil planície e no deserto faz
brotar rios de água viva”. A compaixão do Pai pela ação litúrgi-
ca, como água viva, Irriga e penetra no mais profundo deserto
do sofrimento de cada pessoa e faz germinar as sementes da
esperança.
Jesus vem ao nosso encontro, abre nossos ouvidos e de-
samarra nossa língua para que sejamos capazes de acolher sem
resistência a sua Palavra e seguir no caminho da lealdade, da
bondade e da solidariedade com os irmãos, para o louvor e glória
de Deus. Hoje Jesus renova em cada um nós o gesto batismal:
“Efeta, isto é, abre-te, a fim de proclamares o que ouviste, para
o louvor e glória de Deus”. O “Éfeta”, como gesto batismal,
cura-nos da surdez para a escuta atenta da Palavra e sublinha
nossa condição de escolhidos e enviados para dar continuidade
aos gestos de Jesus, “que faz bem todas as coisas. Faz os surdos
ouvirem e os mudos falarem”.
A eucaristia é epifania de comunhão. É comunhão fraterna,
cultivada com uma “espiritualidade de comunhão” que nos induz
a sentimentos de recíproca abertura, de afeto, de compreensão
e de perdão.” Em vista da comunhão rezamos: “[...] concedei

2 Cf. PRONZATO, OP. cit., p. 225.


3 Cf. JoÃo PauLo II, Carta apostólica Novo millennio ineunte, n. 43.

22
PNE
- QV) - CVV nº
3
que, alimentando-nos com o Corpo e o Sangue do vosso Filho,
sejamos repletos do Espírito Santo e nos tornemos em Cristo um
só corpo e um só espírito” (Oração Eucarística II). Por isso, na
eucaristia não há espaço para “acepção de pessoas particulares
ou de condições” (SC, n. 32).
São João Crisóstomo lembra aos fiéis de Antioquia a unida-
de misteriosa existente entre a eucaristia celebrada e a eucaristia
vivida, e recomenda: “Não deixem o altar da eucaristia a não ser
para ir ao altar dos pobres. Pois o mesmo corpo de Cristo que
servimos no memorial de sua paixão e de sua ressurreição é o que
temos agora de servir na pessoa dos pobres. O altar é também o
símbolo da mesa do festim, da hospitalidade divina para o qual
todos os homens são convidados. Enquanto na eucaristia tudo
recebemos ao comungar o Corpo e o Sangue de Cristo, no altar
dos pobres temos de corresponder, de dividir o dom recebido,
temos de fazer a doação de nós mesmos”.!
Na celebração da eucaristia, a comunidade renova a certeza
de que Jesus “sempre se mostrou cheio de misericórdia pelos
pequenos e pobres, pelos doentes e pecadores, colocando-se ao
lado dos perseguidos e marginalizados. Com a vida e a Palavra
anunciou ao mundo que sois Pai e cuidais de todos como filhos
e filhas” (Oração Eucarística para Diversas Circunstâncias: Jesus
que passa fazendo o bem).

PREPARANDO A CELEBRAÇÃO

Sugestões
Áo preparar a celebração da comunidade, a equipe de litur-
gia dará hoje particular ênfase aos seguintes gestos e partes:

4 Cf. CorBoN, J. Liturgia da fonte. São Paulo, Paulinas, 1992. p. 187.

23
PNE - QV) - CVY nº 3]
acolhida: cuidar da recepção carinhosa das pessoas que
chegam para a celebração, especialmente âquelas que
costumamos tratar com menos atenção;

ato penitencial: prepará-lo de tal forma que possam


ser lembradas as resistências, a surdez da comunidade
diante da Palavra e as discriminações entre pessoas;
pode ser cantado o refrão: “Senhor, Deus misericórdia!”.
Concluí-lo com abraço de reconciliação e de paz;
mesa da Palavra: destacar o local em que será colocado
o Livro (Lecionário ou Bíblia) e de onde serão procla-
madas as leituras, cantado o salmo e feitas a homilia, a
profissão de fé e as preces;
proclamação das leituras bíblicas: destacar a mesa da
Palavra com a ajuda de algumas pessoas segurando velas
acesas na mão;

homilia: após o seu término, se for conveniente, convi-


dar as pessoas a tocarem quem está próximo, dizendo:
“Abre-te e anuncia a Palavra do Senhor”;

oferendas: onde houver o costume de levar à celebração


comida, roupas e outros víveres para serem repartidos
entre pessoas necessitadas, conduzir as ofertas ao altar
com o pão e o vinho da eucaristia;
oração eucarística: cantar as aclamações, especialmente
o “Santo” e o amém que conclui a oração “Por Cristo,
com Cristo e em Cristo”;

fração do pão: dar relevo ao gesto, acompanhando-o


com o canto do “Cordeiro de Deus”;

partilha: onde for costume, levar e dividir as “ofertas


entre os pobres”, abençoar os encarregados e enviá-los
em nome da comunidade;

24
PNE - QV] - CVV nº 31
e bênção: sublinhar seus ritos — “O senhor abriu os ouvi-
dos e desatou a língua para proclamar sua Palavra e as
maravilhas do Pai”. Proferir sobre o povo a bênção do
Tempo Comum V;
* memória: lembrar à comunidade que no dia 14 de setem-
bro comemora-se a festa da Santa Cruz e, no dia 15, a
Igreja celebra a imagem de Nossa Senhora das Dores.

25
PNE - QV) - CVY nº 31
24º Domingo do Tempo Comum
|7 de setembro de 2006

Leituras: Isaías 50,5-9a;


Salmo Responsorial 114(116),1-2.3-4.5-6.8-9;
Tiago 2,14-18; Marcos 8,27-35 (Duas reações de Pedro)

Seguir a Jesus, O Servo Sofredor

1. Situando-nos brevemente
Domingo do seguimento de Jesus, o Messias Servo Sofre-
dor. A pergunta que perpassa o Evangelho de Marcos chega a um
dos seus momentos decisivos. Os discípulos imaginam possuir
a chave do segredo da identidade do Mestre. Jesus também vê
que é chegada a hora de testar a qualidade e a compreensão dos
que o seguem sobre sua identidade messiânica.
Celebrando a memória da paixão e da ressurreição do
Senhor em nossa caminhada, renovamos nossa profissão de fé
e acolhemos o convite à renúncia e ao seguimento radical do
Mestre nos caminhos que o conduzem à imolação e à revelação
total como Messias Servo e Sofredor.
Neste domingo, celebramos a Páscoa de Jesus que se atua-
liza naqueles que empreendem “ações solidárias para aliviar os
sofrimentos dos que estão à margem da sociedade, excluídos do
acesso aos recursos mínimos necessários à sobrevivência [...].
Páscoa que nos últimos anos [...] tem se intensificado na ação
de assistência social e de combate à miséria, em face do empo-

27
PNE - QV) - CVY nº 3]
brecimento e da degradação das condições de vida de amplos
91
setores da população”.

2. Recordando a Palavra

Encontramo-nos diante do cerne do Evangelho de Marcos.


Jesus “partiu com os discípulos para os povoados de Cesaréia
de Filipe”. Escolheu intencionalmente essa região pagã e ro-
manizada para que os discípulos, distantes do fanatismo das
multidões da Galiléia, tomassem consciência de sua missão
messiânica. Cesaréia de Filipe significa o início da caminhada
de Jesus para Jerusalém. Uma caminhada que não contém tanto
conteúdo especulativo, mas sim a fé. Somente através da fé se
pode seguir Jesus.
Para testar o quanto o grupo dos discípulos tinha assimilado
e compreendido seus ensinamentos, sua pessoa e sua missão,
Jesus lança a pergunta: “Quem dizem os homens que eu sou? Isto
é, O que pensam a meu respeito aqueles que não fazem parte de
nosso grupo?”, A diversidade de pareceres reflete que a opinião
pública, apesar de perceber que Jesus é uma pessoa notável, não
tem clareza sobre sua identidade. Ele não é reconhecido como
o Messias, Servo Sotredor. E Jesus pergunta: “E vocês, quem
dizem que eu sou?”. Em contraste com o que falam os outros,
Pedro, em seu nome e do grupo, responde: “Tu és o Messias”.
Faz um ato de fé à messianidade de Jesus.
Todavia, é ainda uma profissão de fé inicial, frágil e in-
cipiente, embora autêntica, ponto de partida para o seguimento
de Jesus. À confissão plena de fé, o reconhecimento total da
identidade de Jesus, só acontecerá depois da ressurreição. Para
evitar mal-entendidos, Jesus proíbe severamente que falem em
público de sua identidade messiânica.

| CNBB. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil. Doc. 71,n. 157.

28
PNE- QV] - CVV nº 3]
O evangelista apresenta um Jesus que respeita o processo
e o amadurecimento da fé de seus seguidores. Em uma conversa
entre o Mestre — falava abertamente — e os que tinham reco-
nhecido sua identidade, ele abre o jogo e antecipa o que vai lhe
acontecer num futuro próximo: “O Filho do Homem deve sofrer
muito, ser rejeitado [...] deve ser morto e ressuscitar depois de
três dias”. Pedro tem uma reação imediata. Ele reconhecera a
messianidade de Jesus, mas não compreende que ela traz consigo
o sofrimento e a morte do Mestre e de quem o seguir. O discípulo
expõe a incompreensão de todos aqueles que rejeitam a realidade
do Messias prometido, sujeito à morte de cruz.
O anúncio de Jesus representa o fracasso de todas as expec-
tativas depositadas na idéia de um messias poderoso e triunfante.
Pedro não adere a uma causa perdida. Por ainda pensar assim, ele
é severamente repreendido: “Fique longe de mim, satanás! Você
não pensa as coisas de Deus, mas as coisas dos homens”. Jesus
constata que o grupo não havia assimilado seus ensinamentos e
expõe para todos as condições do seguimento (Evangelho).
A palavra do profeta Isaías proposta para este domingo é o
terceiro dos quatro poemas do Servo de Javé, que terá de supor-
tar, sem reações, o duro sofrimento imposto pelos adversários.
O Servo, que não reage com violência nem desvia o rosto, está
seguro da proteção que desafiará os inimigos e tem certeza de
que o Senhor irá declarar sua inocência. O Servo triunfará e os
adversários serão derrotados. Jesus, ao anunciar seu sofrimento
futuro, aplica a si mesmo as palavras do profeta Isaías (primeira
leitura).

O apóstolo Tiago enfatiza que a “religião pura e sem man-


cha” consiste em “ajudar os órfãos e consolar as viúvas em suas
tribulações” (1,27), em “respeitar os pobres e praticar as obras
de caridade” (2,1-13); e traz à tona a questão da relação entre
fé e obras. Apesar dos frutos não darem vida à árvore, a planta
que não produz frutos é como se estivesse morta. A fé que não

29
PNE - QV) - CVY nº 3]
se manifesta em obras é morta. Assim como a semente germina,
cresce, transforma-se numa árvore, orientada para os frutos, a
fé se dispõe para a prática. À verdadeira fé se traduz em ações
concretas de amor aos semelhantes (segunda leitura).

3. Atualizando a Palavra

À Palavra de Deus, hoje dirigida a nós, coloca-nos diante de


uma opção: seguir a lógica da cruz, do Messias Servo Sofredor,
ou a lógica do messias segundo os critérios humanos. O discer-
nimento entre a lógica da cruz (do Servo Sofredor) e a da cultura
dominante nem sempre é fácil, especialmente num ambiente de
grande esperança messiânica nacionalista: um ungido virá para
restabelecer o Reinado definitivo do Deus de Israel, derrotando
os agressores.
Quantas vezes ouvimos: “O fulano me surpreendeu !”:; “O
cara me decepcionou!” “Eu pensava conhecer a pessoa e, de
repente, as atitudes dela me surpreenderam, me decepcionaram!”.
E a gente se limita a dizer: “Eu não a conhecia! Eu esperava uma
coisa e ela reagiu completamente diferente daquilo que eu ima-
ginava”. Quanto maior for a vontade de conhecer, de controlar e
de dominar a vida do outro, tanto maior será o risco de estarmos
errados e de nos frustrarmos. Só depois nos damos conta de que
o outro é totalmente diferente daquilo que imaginamos.”
Pelo mesmo equívoco passaram os discípulos. Depois de
caminharem por um bom tempo com o Mestre e escutarem seus
ensinamentos, imaginando possuírem o segredo (mistério) da
verdadeira identidade de Jesus, dão provas de que não o conhe-
cem e se igualam aos demais. Nele há um mistério maior. Ele

2 CNBB. Caminhamos na estrada de Jesus: texto-base sobre o Evangelho de Marcos


para Círculos Bíblicos e Grupos de Reflexão. São Paulo, Paulinas, 2006. p. 47.
(Col. Queremos Ver Jesus — Caminho, Verdade e Vida.)

30
PNE - QV)
- CVV nº3I
desconserta, pois fala, aconselha e decide diferentemente do que
se espera e imagina.
Jesus quer abrir os olhos e iluminar a estrada do segui-
mento. A profissão de fé de Pedro e o anúncio da cruz e dos
critérios para o seguimento radical são abertos pela cura de
um cego anônimo, fora do povoado (8,22-26). Cegos eram os
discípulos que “tinham olhos e não enxergavam”. Jesus os leva
para o povoado de Cesaréia de Filipe para ajudá-los a enxergar.
Assim como o cego anônimo que tem visão distorcida, Pedro,
confessando que Jesus era o Messias, o Ungido (Cristo), é como
o homem de visão deficiente. Reconhece em Jesus o Messias,
mas um Messias sem a cruz. Pedro não aceita a cruz e repreende
Jesus (8,32). O Mestre reage e chama Pedro de Satanás (aquele
que desvia do caminho de Deus) (8,33). Como Pedro, muita
gente não queria a cruz, ou melhor, como os discípulos, não
entendia e temia a cruz.
Diante da fé autêntica, porém frágil e incipiente dos dis-
cípulos, Jesus não rompe com eles nem desiste de iniciá-los no
mistério do Servo Sofredor. Começa a falar abertamente sobre
a cruz e sobre a identidade e o futuro do Messias. Lembrando
Isaías (primeira leitura), ele diz que vai ser submetido a duras
provas por seus adversários, até a morte, mas depois de três dias
vencerá, Isto é, ressuscitará (8,31).

Ao mesmo tempo em que critica a incompreensão (ceguei-


ra) dos discípulos, Jesus corrige e aponta as atitudes de quem
deseja segui-lo de forma radical: negar a si mesmo, carregar a
cruz, perder a vida por causa de Jesus e de sua Boa-Nova e não
envergonhar-se dele e de sua Palavra. É a partir da cruz que se
pode entender e reconhecer: “Verdadeiramente, este homem era
Filho de Deus” (15,39).
“Jesus proibiu severamente que eles falassem a alguém a
respeito dele” (8,30). Qual seria o motivo da ordem do silêncio?

31
PNE - QV) - CVV nº 31
O povo não tinha condições de aceitar um condenado à cruz
como o Messias, pois havia assimilado a imagem distorcida do
Messias glorioso: rei, doutor, juiz, sacerdote. Ninguém lembrava
do Messias Servidor e Sofredor anunciado pelo profeta Isaías.
Uma realidade só compreensível por quem decidisse caminhar
com Jesus na mesma estrada do compromisso com os pequenos
tendo em vista a realização do Reino. Só estes seriam capazes
de aceitar o Crucificado como o Messias. Só a convivência e
a prática poderiam abrir o entendimento da mensagem sobre
a cruz.
Para andar na estrada com Jesus em direção a Jerusalém, o
seguidor terá de confessar sua fé, fazendo-a frutificar em ações.
A fé é um dom precioso, a base da salvação, o dom da vida
nova e a garantia da vida eterna. Entretanto, esse dom, essa vi-
da nova se expressa e se sustenta pela prática das obras, por
excelência, de amor, de justiça, de fraternidade, de caridade e
de paz.* São essas obras que tornam visível e crível a profissão
de fé e, por isso, atestam a autenticidade do seguimento de
Jesus Cristo.
A fé traduzida em obras de solidariedade também se insere
na lógica da cruz. Sua realização não deve servir como suporte
para as ambições pessoais, para a afirmação própria ou de um
grupo, para impor-se perante os outros. As obras da fé requerem
a renúncia de si mesmo, a negação de toda vontade de poder, de
êxito e de publicidade. As obras da fé devem adotar meios po-
bres, modestos, não excessivamente vistosos, caracterizando-se
pela simplicidade evangélica. A fé desemboca necessariamente
na prática das obras de caridade, as quais se alimentam da fé
professada e celebrada.

* Ibidem, p. 54.
+ Cf. Proposta cristã — a realização da solidariedade, em CNBB. Diretrizes Gerais
da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil. Doc. 71, nn. 176 a 185.

32
PNE
- QV) - CVV nº 31
4. Ligando a Palavra à ação eucarística
Jesus é o Servo Sofredor, conforme o profeta Isaías decla-
rou: “ Anunciamos, Senhor, a vossa morte e proclamamos a vossa
ressurreição”. “Nós anunciamos Cristo crucificado, escândalo
para os judeus, loucura para os gentios. Mas para aqueles que
são chamados, tanto judeus como gregos, ele é o Messias, poder
de Deus e sabedoria de Deus” (1Cor 1,23-24).
“O grande escândalo da nossa época é que, apesar da dis-
ponibilidade de grandes recursos econômicos e tecnológicos,
persistem a concentração de uma enorme riqueza nas mãos de
poucos e a insensibilidade ética e a falta de vontade política de
nossa sociedade de acabar com a fome, de prevenir as doenças
comuns, de alfabetizar e educar a todos”.” Essa é a cruz de muitos
povos, em especial do Brasil.
Nossa fé, como a dos discípulos, é fraca, mas Jesus não
desiste. A cada domingo, ele nos reúne junto dele, comunica-nos
sua Palavra e nos torna, como seus seguidores, companheiros de
caminhada em direção à cidade de Jerusalém, onde o mistério da
cruz será revelado em todo o esplendor, de tal forma que podemos
cantar: “Caminhamos na estrada de Jesus”!
Celebrando a memória de seu sofrimento, morte e ressur-
reição, Jesus nos associa à sua cruz redentora, apesar de nossas
cegueiras e fragilidades na prática das obras da fé. Hoje, torna-se
cada vez mais pesada a cruz do testemunho autêntico de fé e do
seguimento. Em muitos ambientes sociais, é pesada a cruz da
identidade da fé católica; a cruz dos conflitos familiares; a cruz
das intrigas entre lideranças; a cruz da incerteza e da carência
de dignas condições de vida; a cruz da fome, do desemprego, da
falta de saúde, da exclusão.

* Ibidem, n. 39.

33
PNE- QV) - CVVY nº 31
Na ceia eucarística, tomamos parte na ceia do Cordeiro
que, morrendo, destruiu a morte e, ressurgindo, deu vida nova
a todos. Jesus, Cordeiro conduzido ao matadouro, é o Messias
não-violento. A assembléia que se reúne para celebrar a eucaristia
é, ela mesma, a reunião do povo que por força da fé se empenha
nas causas da não-violência e da concórdia entre as pessoas. É
o povo que o Cristo resgatou quando, por sua morte, destruiu o
muro que separava o povo pagão e o povo judeu e estabeleceu a
concórdia (cf. Ef 2,14-18).
Participar da mesa, comer do pão e beber do cálice, Corpo
e Sangue do Senhor, entregue por nós, é participar do seu desti-
no: do sofrimento, da morte na cruz e da glória da ressurreição.
“O cálice de bênção pelo qual damos graças é a comunhão no
Sangue de Cristo; e o pão que partimos é a comunhão no Corpo
do Senhor” (Antífona da comunhão).

PREPARANDO A CELEBRAÇÃO

Sugestões
Hoje, domingo do Servo Sofredor, a equipe de liturgia, ao
preparar a celebração da comunidade, dará particular atenção:
e à acolhida dos irmãos e irmãs que vem tomar parte da
celebração impulsionados pelo Espírito Santo, cada
um carregando a cruz de sua vida. Atenção especial
às pessoas idosas, aos portadores de deficiência e aos
enfermos da comunidade;
e à procissão de entrada: conduzir uma cruz sobre um
pano branco — sinal de vitória —, que será colocada em
lugar de destaque e à vista de todos. O canto de entrada
poderá ser: “Vitória, tu reinarás” ou “Bendita e louvada
seja”;

34
PNE - QV)
- CVV nº3I
ao sinal-da-cruz no início da celebração: fazê-lo can-
tando;
à recordação da vida: diante da cruz trazida em procis-
são, lembrar e proclamar as cruzes que pesam sobre
os ombros da comunidade, das famílias, dos pais, dos
jovens etc.;
à proclamação do Evangelho: de forma dialogada,
segundo os personagens do texto evangélico. Para iso
não basta ler o folheto; faz-se necessário preparar com
antecedência o texto dialogado;
à profissão de fé diante da cruz: à semelhança da Vigi-
lia Pascal ou da renovação das promessas batismais. A
renovação da fé poderá ser concluída com a aspersão
da água benta, enquanto todos cantam: “Eu vi, eu vi, Vl
foi água a manar..” (Hinário Litúrgico HI, p. 83);
à liturgia eucarística, o memorial do Cristo Servo So-
fredor: cantar o prefácio, o “Santo”, as aclamações, em
especial, a aclamação anamnética após a narração da
instituição eucarística (“Eis o mistério da fé, anuncia-
mos...) e o amém da doxologia;
à fração do pão: enquanto o ministro parte o pão, a comu-
nidade canta o “Cordeiro de Deus”. Jesus é o Cordeiro
imolado de modo brutal que não reagiu com violência
aos seus Inimigos;
ao silêncio após a comunhão eucarística;
à bênção: o ministro reza em favor da assembléia a
Oração n. 17 (Missal Romano, p. 533).

35
PNE - QV] - CVV nº3I]
25º Domingo do Tempo Comum
24 de setembro de 2006

Domingo da Bíblia
Leituras: Sabedoria 2,12.17-20; Salmo Responsorial 53(54),3-4.5.6 e 8;
Tiago 3,16-4,3; Marcos 9,30-37 (Paixão e ambições)

Herói de verdade
é ser menor e servidor

1. Situando-nos brevemente
Neste domingo, celebrando o mistério da Páscoa de Jesus
Cristo e dos seus seguidores, somos convidados a destacar a
Bíblia — Palavra Deus que ilumina a caminhada do povo.
Neste 25º Domingo do Tempo Comum, prosseguimos a
caminhada com Jesus, segundo o Evangelho de Marcos. O Mestre
continua a missão e vê se aproximar a hora da cruz. Os discípulos
se envolvem em discussões sobre quem dentre eles é o maior.
Jesus aponta o serviço como condição para seguir seus passos. A
tentação da ambição que tomou conta do grupo dos discípulos,
atualmente, está na base de muitos problemas sociais, de muitos
conflitos, violências e tensões produzidos por este mundo desi-
gual, incapaz de respeitar a dignidade das pessoas.'
Na eucaristia, nosso Deus manifesta a forma extrema do
amor, derruba todos os critérios de domínio que regem as relações

| Cf. CNBB. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil. Doc.


7, nn. 152-155.

37
PNE - QV) - CVV nº 31
humanas e afirma, de modo radical, o critério do serviço: “Se
alguém quiser ser o primeiro, seja o último de todos e o servo
de todos” (Mc 9,35).
Como comunidade cristã, fermento de uma nova realidade
social, celebremos a Páscoa de Jesus que hoje se manifesta nas
inúmeras pessoas de fé que se dedicam ao serviço solidário em
favor dos mais pequeninos e esquecidos da sociedade.

2. Recordando a Palavra

Jesus e seus discípulos atravessam anonimamente a Ga-


liléia. Ao aludir pela segunda vez à sua paixão, ao repetir que
deverá passar pela paixão e morte, demonstra estar concentrado
na revelação do mistério de sua identidade de Servo Sofredor:
“O Filho do Homem vai ser entregue à mão dos homens, e
eles o matarão. Mas, quando estiver morto, depois de três dias
ressuscitará” 4» (v. 31). Sua missão consiste em passar pela pai-
xão-morte-ressurreição.
Os discípulos não entendem nada do que Jesus fala, sentem
medo e passam a discutir: “quem deles é o maior”. O Mestre cri-
tica a preocupação do grupo, pois ela não sintoniza com o projeto
de Deus. Novamente, a Palavra que corrige a falta de compreen-
são e que Inicia as atitudes do seguimento vem acompanhada de
um gesto simbólico. Jesus reúne o grupo junto de si, numa postura
de Mestre (sentado), e, abraçando uma criança, explica-lhes como
um discípulo consegue se aproximar dele, ou seja, do Pai: pelo
serviço e pelo amor dedicados aos mais pequeninos. A exigência
do seguimento consiste em se fazer servo de todos e acolher as
crianças, os pequenos, como se fossem o próprio Jesus (vv. 35-37).
Reconhecer em Jesus o Messias e aclamá-lo como Salvador
implica uma contínua mudança no modo de pensar e na maneira
de agir. Quem lança mão do poder (quem é o maior) para libertar

38
PNE - QV] - CVY nº3]
o povo corre o risco de subjugá-lo por esse mesmo poder. Estar
com Jesus e identificar-se com ele requer a renúncia à ambição
e a adoção da atitude de serviço (Evangelho).
O autor do texto da primeira leitura tem diante de si os
judeus da diáspora que viviam no Egito. Como tementes ao Deus
único e verdadeiro, deviam estar precavidos diante das tentações
que advêm do paganismo, o qual propõe uma vida desregrada,
aliada às paixões e à concupiscência humana. O autor revela ainda
a diferença na disposição de espírito entre justos e ímpios. Nos
justos, há tranquilidade, firmeza e paciência, por conta da certeza
de que Deus está a seu lado. Nos ímpios, existem insegurança,
desconfiança e medo que levam a toda espécie de perseguições,
pondo o próprio Deus à prova perante suas “vítimas”. Muitos
vêem nesse texto a concordância com o segundo anúncio da
paixão de Jesus (primeira leitura).
O apóstolo Tiago descreve a fonte e os frutos da verdadeira
sabedoria, que vem do Alto, isto é, de quem se deixa nortear pela
lógica da cruz. Outros são os resultados da sabedoria mundana.
Ele alerta para os males que a falsa sabedoria pode causar. As
ambições e paixões estão na raiz do comportamento que destrói
a relação amorosa com Deus e com os irmãos. O apóstolo, assim,
desmascara o procedimento daqueles que não levam a sério a
vivência de sua fé, deixando-se envolver e seguindo o espírito da
sociedade hedonista, competitiva e opressora (segunda leitura).

3. Atualizando a Palavra

A sabedoria da Palavra divina, que hoje nos é proposta,


parece andar na contramão da história. Observando friamente o
cotidiano da sociedade, tem-se a impressão de que quem leva a
melhor são os violentos, corruptos e opressores; e ultrapassados,
os que não aproveitam a onda da moda (sabedoria do mundo). A
mídia “faz a cabeça do pessoal”, sobretudo dos jovens. O modelo

39
PNE - QV) - CVV nº 3]
de beleza é Gisele Biindchen ou a artista “x” ou “y”. Jogador herói
66,9) 664,9)

é o Ronaldinho. Time vitorioso é o que ganha a taça e se mantém


na primeira divisão. Paira na sociedade a mentalidade de que
tem valor quem é maior. Cair para a segunda divisão representa
vexame. Vive-se do culto do “ser o herói”, do “ser o maior”. É
importante cultivar a auto-estima. Não podemos esquecer que
“herói de verdade” é aquele que cumpre sua tarefa cotidiana,
suas obrigações com espírito de serviço. Herói de verdade são os
milhões de desempregados ou empregados por um salário mínimo
que se conservam capazes de manter a serenidade, de acordar
todo dia e partir em busca do pão sem lançar mão à violência, à
corrupção etc. Heroína ou grande é a mãe que, depois de um dia
de trabalho extenuante, encontra forças para alimentar e cuidar
dos filhos, acolher o marido e ajeitar a casa para, no outro dia
bem cedo, retomar o caminho do trabalho. Heróis de verdade são
aqueles que têm a audácia de andar na contramão da “sabedoria”
da sociedade dominante.

Os discípulos continuam não entendendo nada! Sua dificul-


dade é compreender a lógica do Servo Sofredor pelo fato de es-
tarem imbuídos da grande esperança messiânica nacionalista: um
ungido que vem estabelecer o Reinado definitivo de Deus de Israel,
derrotando os invasores e opressores. Acabando com a desgraça,
a violência e a exploração para restaurar a paz e a soberania do
povo de Israel. “Eles ficaram calados”, isto é, com medo. Temiam
perguntar por desconfiarem que a explicação não corresponderia à
expectativa triunfalista. Aqui eles personificam a experiência dos
cristãos das comunidades de Marcos, nas quais o seguimento de
Jesus provocava reações violentas por parte dos donos do poder.
Por isso viviam a angústia, o medo, a dúvida e muitos queriam
simplesmente instalar-se numa posição triunfalista, imaginando
que Jesus voltaria logo para estabelecer seu Reino glorioso.?

2 Cf. CRB. Seguir Jesus: os evangelhos. São Paulo, Loyola, 1994. p. 111. (Col. Tua
Palavra é Vida, 5.)

40
PNE - QV) - CVV nº 3]
Jesus de Nazaré aparece perante o povo com fama de po-
deroso e milagreiro. Mas ele não aceita tal proposta. Apresenta
outra maneira de servir e se revela como o verdadeiro Messias,
mas um Messias sofredor que passa pelo caminho da cruz por
amor ao Pai e a seu povo. Diante da opção de Jesus, de “servo
que doa a vida e que exige o mesmo de quem o segue”, seria
preciso muita audácia para perguntar alguma coisa.
Em casa e à vontade, o Mestre chama todos para junto de
si e, contra todas as pretensões, sentencia: “Se alguém quer ser
o primeiro, deverá ser o último, e ser aquele que serve a todos”.
Fazer-se último e servo de todos é condição do seguimento.
Seguir a Jesus, na perspectiva da lógica da cruz, supõe
abandonar todo o sonho de grandeza. O seguimento não visa
alcançar posições de prestígio ou de domínio sobre os outros.
É, sim, O espaço onde cada um, conforme os dons recebidos do
Pai, celebra a própria grandeza, servindo os irmãos, começando
pelos mais pequeninos. Na lógica do serviço, se cada um quiser
de fato servir, todos serão igualmente grandes, tanto quem ocupa
cargo de liderança, quem sabe se comunicar bem, como aquele
que desempenha tarefas humildes.
Jesus propõe uma criança como modelo para os discípulos
e afirma que aquele que recebe uma criança, recebe a ele mesmo
e ao Pai que o enviou. À criança personifica os destinatários do
serviço. Estes podem ser as próprias crianças ou as pessoas adul-
tas desamparadas, os idosos, os portadores de deficiência... Ao se
identificar com os pequenos, Deus não está excluindo ninguém.
Quando até os menores, os mais fracos estão sendo atendidos,
todos estão bem. Ninguém é marginalizado.

4. Ligando a Palavra à ação eucarística


A ação litúrgica é múnus, serviço de Jesus Cristo para glo-
rificação do Pai e salvação da humanidade. Em cada celebração

41
PNE - QV) - CVY nº 3]
eucarística, ele se faz Servo e se doa inteiramente para que “nos
tornemos um só corpo e um só espírito”, “um só povo em-seu
amor”. Com Cristo, o ministro, em nome da assembléia, agradece
ao Pai: “E vos agradecemos porque nos tornastes dignos de estar
aqui na vossa presença e vos servir”; serviço de louvor agradável
a Deus, que se expressa no empenho leal no serviço aos irmãos
desanimados e oprimidos.
Na celebração eucarística, cada dia Jesus levanta-se da
mesa, cinge a cintura com uma toalha, lava os pés de seus discípu-
los (cf. Jo 13,1-5) e nos transforma em testemunhas da esperança
e fonte de unidade e de salvação para muitos.
O interesse autêntico e sincero pelos problemas da socie-
dade, que nasce da solidariedade para com as pessoas, é sinal
privilegiado do seguimento daquele que veio para servir e não
para ser servido. Uma comunidade insensível às necessidades dos
irmãos e à luta para vencer a injustiça é um contratestemunho, e
celebra indignamente a própria liturgia.”
Na eucaristia, Deus manifesta a forma extrema do amor,
que derruba todos os critérios de domínio que regem as relações
humanas e afirma de modo radical o critério do serviço: “Se
alguém quer ser o primeiro, seja o último de todos e o servo de
todos!” (Mc 9,35).
Neste 25º domingo, em que relembramos a discussão dos
discípulos sobre quem deles era o maior, fazendo memória da
entrega total de Jesus ao Pai, que veio para servir, fazendo-se
menor entre os pequenos, o Espírito Santo renova-nos a certeza
de que não seremos confundidos em nossa esperança. Ele nos faz
passar de uma mentalidade triunfalista e prepotente para a busca

Cf. Orações Eucarísticas II, Ill e para Diversas Circunstâncias VI.


Cf. CNBB. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil. Doc.
11,n. 199.
* Cf. JoÃo PauLo II. Mane Nobiscum Domine, n. 27.

42
PNE - QV)
- CVV nº 3]
do verdadeiro poder que vem de Deus e que nos leva a viver a
alegria do serviço gratuito aos pobres.

PREPARANDO A CELEBRAÇÃO

Sugestões
Ão preparar a celebração de sua comunidade para este
domingo, a equipe de liturgia empenhará particular atenção:
à acolhida: recepção fraterna, alegre e orante para a
celebração, com ensaio de cantos e um breve momento
de silêncio e de oração pessoal;
às crianças: acolher afetuosamente as crianças e prever a
participação delas em alguns momentos da celebração;
à Bíblia: pode ser colocada na porta principal de entrada,
em uma estante bem ornamentada, e ser introduzida
solenemente na procissão de entrada ou antes da liturgia
da Palavra;
à procissão de entrada: organizá-la com as pessoas que
desempenham diferentes serviços para o bem comum
da comunidade. Se na procissão de entrada não for
introduzida a Bíblia, os servidores poderão trazer em
procissão uma grande cruz — iluminadora dos que ser-
vem em nome de Jesus, o Messias Servo de todos;

à mesa da Palavra: neste Dia da Bíblia, ornamentá-la


com flores e com as velas que acompanharão a entrada
da Bíblia, ou serão acesas na hora da proclamação das
leituras;
à liturgia da Palavra: ensaiar a proclamação da Palavra
para que seja solenizada por sua proclamação;

43
PNE - QV) - CVV nº 3]
e à reverência à Palavra de Deus: onde for possível, em
pequenas comunidades, favorecer ao povo a possibilida-
de de reverenciar o Livro da Palavra de Deus, com um
toque ou beijo, ou outros gestos próprios da região;
à liturgia eucarística: escolher a Oração Eucarística para
Diversas Circunstâncias IV. Cantar as aclamações, o
amém da doxologia e, em especial, a aclamação do “Eis
o mistério da fé”; na fração do pão, cantar o “Cordeiro
de Deus”;
ao envio missionário: após a bênção, como discípulos
de Cristo que nos revelou as Escrituras e partiu o pão
para nós, organizar uma procissão de envio com a Biblia
— a comunidade se retira do recinto da igreja seguindo
o Livro da Palavra até a entrada da igreja.

44
PNE - QV] - CVV nº 3]
26º Domingo do Tempo Comum
|º de outubro de 2006

Início do Mês das Missões


Leituras: Números 11,25-29; Salmo Responsorial 18(19),8.10.12-15;
Tiago 5,1-6; Marcos 9,38-43.45.47-48 (Ensinamentos)

A fé não tem fronteiras

1. Situando-nos brevemente

A ação missionária não tem fronteiras. Ela não pode ser


exclusividade de um determinado grupo. O sectarismo é uma
tentação comum e universal que atinge pessoas e grupos. Para
Jesus toda pessoa de bem exerce um serviço missionário, mesmo
que não integre o grupo dos seus seguidores. Nesse contexto,
celebrar a eucaristia nos impulsiona a colocar nossos dons e ca-
rismas a serviço da edificação do Povo de Deus, que se encontra
além dos limites demarcados pelas nossas igrejas.
As Pontifícias Obras Missionárias, motivadas pela cele-
bração dos 500 anos de seu nascimento (1506), propõem, neste
mês missionário, a figura de são Francisco Xavier, como modelo
e padroeiro da obra missionária da Igreja. O Santo das Missões
nasceu em Navarra, Espanha.
“Para a Igreja não se trata tanto de pregar o Evangelho a
espaços geográficos cada vez mais vastos ou populações maiores,
mas de chegar a atingir e como que transformar pela força do
Evangelho os critérios de julgar, os valores que contam, os centros

45
PNE - QV) - CVV nº 3]
de interesse, as linhas de pensamento, as fontes inspiradoras e
9 |
os modelos de vida da humanidade”.

Neste 26º domingo, fazemos memória do mistério da morte


e ressurreição de Jesus Cristo que se revela no cuidado tolerante
com os fracos e marginalizados da comunidade e em todas as
pessoas e grupos que se empenham na obra missionária.

2. Recordando a Palavra

Jesus continua a caminhada instruindo os discípulos ar-


raigados à mentalidade sectária do judaísmo. Ele faz uso de
diferentes situações para afirmar que nada deve prejudicar a
Boa-Nova, nem de fora da comunidade (vv. 38-40), nem de
dentro dela (vv. 41-42), tampouco da parte de cada um dos
seguidores (vv. 43-48). João, ao reclamar que se proíbam todas
as atividades realizadas em nome de Jesus a quem não pertence
ao grupo, revela a atitude daqueles que não toleram o exercício
da atividade missionária por indivíduos que não se identificam
com o pensamento dos Doze. “Nós lhe proibimos, porque ele
não nos segue.” “Um homem” sem identidade representa, nesse
episódio, os seguidores não-israelitas cuja atividade fundada
sobre o seguimento é libertadora como a de Jesus. O anônimo
obtém sucesso, enquanto os discípulos conhecem o fracasso pelo
fato de não terem abdicado às categorias judaizantes e aderido
ao projeto do Mestre (cf. 9,18.28). Jesus rejeita o exclusivismo.
“Não o impeçais [...] quem não está contra nós está a nosso favor”.
Para ele, a prática missionária do bem não tem fronteiras, nem
religiosas, nem sagradas, nem institucionais. Jesus adverte os que,
por suas ambições de honra e prestígio, escandalizam os que não
têm pretensões de honrarias e adotam para si a atitude de serviço.
O maior escândalo acontece quando alguém, colocando-se acima

| CNBB. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil. Doc. 71,


n. 13.

46
PNE- QV) - CVV nº 3]
dos outros, deseja ser maior e ser servido, em lugar de servir. Essa
ambição constitui um escândalo, por colocar em perigo a adesão
dos “pequenos” a Jesus e por trair a missão do próprio Filho de
Deus. Os pobres e fracos merecem o máximo respeito. O mal
precisa ser cortado pela raiz (vv. 42-43.45.47). Assim como será
recompensado quem é capaz de gestos insignificantes, como dar
um copo de água (v. 41), em contrapartida será castigado quem
escandaliza por suas ambições de poder (Evangelho).
Diante das dificuldades e dos problemas do povo que se
multiplicavam, o Senhor concede a Moisés o auxílio de setenta ho-
mens em condições de cooperar com ele. Eles foram confirmados
pelo Espírito do Senhor. Mas dois dos escolhidos (Eldad e Medad),
que não se encontravam na tenda no ato da confirmação, também
se tornaram profetas. Por isso, foi grande a confusão. Josué, mais
preocupado em controlar a ação dos dois do que com o todo da
missão profética, pede a Moisés: “Proíba-os de fazer isso”. Diante
de tal vontade de dominar o carisma profético, Moisés sentencia:
“Oxalá que todo o povo fosse profeta e o Senhor lhe concedesse
seu espírito” (v. 29). Ao contrário dos setenta, que logo cessaram
sua atividade, os dois continuaram profetizando, sem o controle
de Moisés. Eles não estavam profetizando a serviço de seus inte-
resses, mas da aliança de Israel com seu Deus (primeira leitura).
O apóstolo Tiago alerta para tudo o que na vida de uma
comunidade ou, em particular, na vida de um cristão não está
de acordo com a lógica do seguimento de Jesus Cristo. Usando
palavras pouco “açucaradas”, faz uma dura condenação aos ri-
cos que só pensam em acumular para si, insensíveis aos irmãos
menos favorecidos (vv. 1-3). Ele denuncia a origem das riquezas
acumuladas com o sangue do trabalhador (vv. 4-6). A severida-
de do apóstolo é compreensível em face do escândalo de nosso
tempo: a crescente concentração de renda e as desigualdades
sociais (segunda leitura).º

2 Ibidem, nn. 153-155.

47
PNE
- QV) - CVV nº 31
3. Atualizando a Palavra

No primeiro domingo do mês missionário, a Palavra de


Deus alerta: “Ai de quem escandalizar”, mas, também, “Ai de
quem não escandalizar”. É clara a relação entre os fatos do Li-
vro dos Números e do Evangelho de Marcos. Esse paralelismo
ilumina muitas situações de nosso tempo.
Deus derrama seu espírito sobre os setenta anciões. O espí-
rito, no entanto, inexplicavelmente e contra todas as orientações,
se derrama também sobre os dois que não haviam participado da
tenda e eles se pôem em missão. Imediatamente o escândalo é
denunciado. Josué protesta dirigindo-se a Moisés. O Evangelho
mostra João expondo a Jesus o fato consumado. Nos dois episó-
dios, evidencia-se a mentalidade sectária dos líderes e apóstolos
em contraste com a tolerância e o espírito aberto de Moisés e,
sobretudo, de Jesus.

Ante a resposta de Jesus: “Não o impeçais [...] quem não


está contra nós está a nosso favor”, a comunidade dos discípulos
aparece intolerante e sectária, mais preocupada com a expansão
e o êxito do grupo do que com a realidade que está em jogo. No
entender de Jesus, não fica bem para um seguidor seu aparecer
como “o maior”, como também não é coerente atribuir-se excessi-
va importância, controlando e fazendo os outros dependerem dele.
Jesus nos interpela sobre quem tem a autoridade para con-
trolar e monopolizar a verdade e a ação dos outros ou para definir
que uns são bons e outros maus, ou ainda para dizer: “Certos
somos eu, o meu grupo e as minhas verdades. Os demais não
interessam”. Há ainda por aí indivíduos cristãos que classificam
os outros: “Este é ateu, então não é dos nossos”; “O fulano mudou
de religião, não merece nossa confiança” etc. É um escândalo
atribuir-se o direito de julgar a ação do espírito que transcende
os limites do “meu grupo”, da “minha comunidade”, ou, ainda,
do “nosso movimento apostólico”.

48
PNE - QV)
- CVV nº 31
Mais do que proibir de imediato, Jesus sugere a simpatia
e a confiança. Estas poderão constituir o início e o primeiro
passo de aproximação e de comunhão salvífica com o Senhor.
À tolerância e o ecumenismo de Jesus tornam-se premissas para
libertar muitas pessoas e comunidades do sectarismo mesquinho
e introvertido. Não é coerente com a lógica da Boa-Nova ater-se
às aparências e, a partir delas, dividir os bons seguidores e os
que são contra Jesus.
A Palavra de Deus, neste domingo, nos alerta para a existên-
cia de “um cristianismo que transcende” os muros da comunidade
eclesial. Que “ultrapassa as instituições e mediações” da Igreja.
Apesar de ser a Igreja sacramento e de ser apontada por Jesus
como caminho,* ninguém deve se escandalizar da presença ativa
do Espírito de Deus e do Senhor Jesus fora da Igreja. A ação do
Espírito Santo chega também àqueles que não conhecem a Cristo,
pois o Senhor “quer que todos os homens se salvem e cheguem
ao conhecimento da verdade” (1Tm 2,4).º
O comportamento sectário e excludente, caracterizado pela
mesquinhez, pela intolerância e, muitas vezes, pela agressivida-
de, sana-se mediante a acolhida, o diálogo e o reconhecimento
dos valores. Não se trata simplesmente de acolher ou atrair o
outro para o nosso lado (nossa comunidade), mas de aceitá-lo na
sua diversidade e nos valores dos quais é portador. Trata-se de
aceitar que o Espírito é a fonte do bem, da verdade, da justiça,
da fidelidade, também fora dos nossos espaços eclesiais. “Oxalá
que todo o povo fosse profeta e o Senhor lhe concedesse seu
espírito.” Oxalá que o Senhor derrame seu espírito sobre os que
“estão conosco” (da nossa comunidade, do nosso movimento) e
sobre aqueles não pertencem “ao nosso grupo”.

* Cf. Documento de Puebla, n. 223.


4 Cf. Ruus, Raul. Evangelho do vigésimo sexto domingo do Ano B. REB 154 (1979),
p. 430.
* | Documento de Puebla, n. 208.

49
PNE - QV) - CVV nº 3]
A Palavra de Deus de hoje nos revela um detalhe interessan-
te. “Os setenta anciões puseram-se logo a profetizar; mas, depois,
nunca mais o fizeram.” Os discípulos conheceram o fracasso
(Mc 9,18.28) e o missionário anônimo, o sucesso. Quais teriam
sido as razões que levaram os anciões a cessarem a missão, Os
discípulos a conhecerem o fracasso e os profetas e o anônimo do
Evangelho a obterem sucesso? Quiçá estivessem demasiadamen-
te empenhados em disciplinar os dons, fixar normas ou até em
excluir quem não se enquadrasse nos critérios preestabelecidos
da autenticidade da fé. De todo modo, é ilustrativo o fato de os
dois profetas, que, embora inscritos, não participaram da assem-
bléia da tenda, logo começarem a anunciar a Palavra de Deus no
acampamento. Quer dizer, sempre haverá quem ocupe os espaços
vazios deixados pelos missionários reconhecidos pela instituição
eclesial. O sucesso dos outros talvez advenha da liberdade de
espírito com que atuam. Quando nos ocupamos demasiadamente
com as coisas da instituição, construções e normas, o Espírito
suscita outros não-autorizados, com a incumbência de descon-
gelar e de resgatar os seus dons.
Inúmeros são os profetas e missionários que, ao longo dos
séculos de história da Igreja, levaram a semente da Boa-Nova
de Cristo ao coração das culturas, tendo de romperem com os
limites das instituições e mediações eclesiais. São Francisco
Xavier é um exemplo eloqiiente de atuação missionária. Ser
missionário é experimentar profundamente a nossa pequenez,
para saborear a grandeza da solidariedade dos pequenos e dos
outros povos.

4. Ligando a Palavra com a ação eucarística


A Palavra de Deus deste 26º domingo amplia nossos con-
ceitos e práticas missionárias, muitas vezes restritos aos meios
eclesiais e às pessoas da comunidade. A obra missionária do

50
PNE - QV)
- CVY nº 3]
anúncio da Boa-Nova e do aproximar-se e ter compaixão dos
pequenos e sofredores não tem fronteiras.
A eucaristia é “fonte e força para a missão”, porque nos
L

torna participantes do ato supremo de caridade do Filho de


Deus: a doação total de si mesmo para a nossa salvação. Preste-
mos atenção à aclamação de resposta ao “Eis o mistério da fé”:
“Anunciamos, Senhor, a vossa morte e proclamamos a vossa
ressurreição”.
É também da eucaristia que brota a missão. A comunidade
cristã de Antioquia envia seus membros a missionarem, depois
de terem jejuado, rezado, celebrado a eucaristia e compreendi-
do que o Espírito Santo escolhera Paulo e Barnabé para serem
enviados (cf. At 13,2-4).
Em cada celebração eucarística, pela escuta da Palavra e
pela participação na ceia do Senhor, renovamos a missão e para
ela somos enviados solenemente. A eucaristia renova a missão
porque restabelece a fé e os compromissos batismais. Tal como
os discípulos de Emaús — depois de terem escutado a Palavra
e reconhecido o Ressuscitado ao partir o pão, eles assumiram
a missão que lhes cabia e alegremente partiram para anunciar
de modo incessante que Jesus Cristo vive —, que todos possam
exclamar: verdadeiramente o Senhor ressuscitou!
Eucaristia e comunhão eclesial exigem-se e completam-se.
Essa unidade confessada e celebrada clama por uma realização
mais perfeita e ecumênica, na qual a eucaristia venha a ser, de
verdade, lugar de comunhão e de edificação de todos no mesmo
Corpo de Cristo. A comunidade eclesial dá graças ao Pai por
essa comunhão, ao rezar: “Pela palavra do Evangelho do vosso
Filho reunistes uma só Igreja de todos os povos, línguas e nações.

$ Cf. Decreto Unitatis Redintegratio, n. 22.

51
PNE - QV] - CVV nº3]
Vivificada pela força do vosso Espírito não deixais, por meio
dela, de congregar na unidade todos os seres humanos”.'

PREPARANDO A CELEBRAÇÃO

Sugestões
Hoje, neste 1º domingo de outubro — mês missionário — a
equipe de liturgia, ao preparar a celebração da comunidade, de-
dicará particular atenção:
ao espaço e ao ambiente celebrativo: para que seja acolhe-
dor e ao mesmo tempo evocativo da presença do Senhor
que congrega os seus seguidores. No mural ou na porta
principal de entrada, podem ser colocados cartazes e
motivos que lembrem que a “missão não tem fronteiras”;
à motivação inicial: no começo da celebração o(a) ani-
mador(a) pode fazer uma breve introdução ao mês mis-
sionário, lembrando algo da vida e da obra missionária
de são Francisco Xavier, Patrono das Missões;
à procissão de entrada: acompanhá-la com uma grande
cruz, com elementos simbólicos que evoquem a obra
missionária da Igreja e com uma imagem ou quadro de
são Francisco Xavier;
à preparação para a escuta da Palavra de Deus: (no lugar
do comentário) cantar um refrão meditativo;
às preces da comunidade: aproveitar a época das eleições
para incluir algumas preces pela cidadania brasileira;
à liturgia eucarística: escolher a Oração Eucarística para
Diversas Circunstâncias I — Unidade da Igreja. Cantar o

? Prefácio da Oração Eucarística para Diversas Circunstâncias VIA.

52
PNE - QV) - CVV nº 3]
“Santo”, as aclamações, especialmente o “Eis o Mistério
da Fé”, e o amém ao final da oração “Por Cristo, com
Cristo...”;
ao envio missionário: evocar que a missão não tem
fronteiras, sobretudo quando se trata de compadecer-
se dos pequenos, dos sofredores e dos portadores de
deficiências. O ministro poderá proferir a Oração sobre
o Povo, do Missal Romano, n. 22: “O Deus, que a vossa
bênção frutifique em vossos fiéis e os disponha a todo
progresso espiritual, para que sejam sustentados em suas
ações pela força de vosso amor”. Abençoe-vos Deus
todo-poderoso, Pai e Filho e Espírito Santo... Amém!

53
PNE - QV)-
CVY nº3I
27º Domingo do Tempo Comum
8 de outubro de 2006

Leituras: Gênesis 2,18-24;


Salmo Responsorial 127(128),1-2.3.4-5.6;
Hebreus 2,9-11; Marcos 10,2-16 (Nova lei do matrimônio)

O dom do amor contrasta


com a dureza dos corações

1. Situando-nos brevemente

Domingo, dia em que fazemos memória da ressurreição do


Senhor, dia da comunidade, da Palavra de Deus e da eucaristia.
Dia dedicado à convivência gratuita entre pessoas e famílias.
Convivência que manifesta a grandeza do ser humano, homem
e mulher, plasmados carinhosamente pelas mãos do Criador para
viver um casamento fiel.
À eucaristia é expressão do infinito amor do Pai que, no
mistério da doação de seu Filho, venceu a morte. Amor que
ressuscita e faz ressuscitar, que vive e faz viver. Amor que trans-
forma os discípulos em testemunhas da ressurreição (cf. At 1,8)
e promotores da vida.
Ser missionário, a exemplo de são Francisco Xavier, impli-
ca ultrapassar fronteiras para criar novas relações entre os valores
culturais e o Evangelho, entre as pessoas, as famílias e os grupos
humanos em condições de igualdade e respeito mútuo. “A própria
cultura que acolhe o Evangelho também se transforma, abrindo-se

55
PNE - QV) - CVV nº3]
a novas perspectivas e purificando-se de seus aspectos negativos.
O ponto de partida é a certeza de que Deus está presente e atua
9» |
em cada cultura”.

Reunidos em assembléia, sob o impulso do Espírito Santo,


fazemos memória da Páscoa de Jesus Cristo; dos batizados que
se empenham na implantação de novas relações entre mulheres e
homens; das pessoas que estendem a mão às vítimas da sociedade
opressora e injusta; dos desajustes familiares.

2. Recordando a Palavra

Jesus e os discípulos seguem viagem. Chegam ao terri-


tório da Judéia. O ambiente é novo. O Mestre volta a falar às
multidões que acorrem sedentas para ouvir seus ensinamen-
tos. Alguns fariseus se acercam de Jesus para pô-lo à prova.
Trazem para o debate os motivos que justificam o divórcio,
avalizado pela Lei de Moisés. Na época, sem maiores explica-
ções, o homem podia despedir sua mulher; prática que afirma
a superioridade e o domínio do homem sobre a mulher, com
sérias consequências no âmbito familiar e social. Perguntam:
“É permitido ao homem divorciar-se de sua mulher?”. Jesus
não se intimida e devolve a pergunta: “O que Moisés mandou
vocês fazerem?”. Em outros termos, “Vocês que conhecem
bem a Lei, qual é a vontade de Deus a respeito do matrimônio
expressa na Lei de Moisés?”. Não querendo entrar na questão
do direito ou não do homem despedir sua esposa, os fariseus
respondem: “Moisés permitiu escrever uma certidão de di-
vórcio e depois mandar a mulher embora”. Ele agiu assim por
causa da “dureza do coração de vocês. Mas no princípio não
era assim”, diz Jesus.

| CNBB. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil. Doc. 71,


n. 14.

56
PNE - QV)
- CVV nº 3]
Os fariseus tinham esquecido de que o alvo da Lei era a
“dureza do coração”. A Lei veio para corrigir a impiedade e a
desobediência ao projeto de Deus. A carta de divórcio protegia
a mulher das arbitrariedades do marido. Pela carta assinada por
testemunhas qualificadas, o marido reconhecia que seu casamento
havia sido um fracasso e que tinha violado a ordem estabelecida
por Deus. O procedimento de Moisés não enfraqueceu a Lei,
pelo contrário, sanou um procedimento errado que prejudicava
gravemente os direitos da mulher e, assim, a libertava da clan-
destinidade, do anonimato e da leviandade. No debate com os
fariseus, Jesus enfatiza que homem e mulher, unidos em matri-
mônio, constituem uma unidade bem mais forte que os laços de
sangue ou de parentesco (vv. 7-8). Afirma ainda, contra toda a
mentalidade e prática judaica, a igualdade e a mútua responsa-
bilidade que se estabelecem entre ambos (vv. Il e 12).
Já em casa, em um ambiente mais familiar, Jesus acolhe
e abençoa as crianças. Estas, por sua própria condição, são as
maiores vítimas de uma sociedade opressora e injusta e as que
mais sofrem as conseqiiências de uma família desajustada. Sim-
bolizam os pobres e marginalizados da sociedade. Os discípulos,
lentos no seguimento, agora se mostram incapazes de entender a
lógica do Reino. Vêem com desagrado a afluência das crianças
e o gesto do Mestre. Afastam as crianças por entenderem que os
pobres deveriam ficar distantes dele (v. 13). Diante disso, Jesus
os repreende e declara que o Reino dos céus é dos pequeninos
e daqueles que o buscam e o acolhem como dom, como graça
(Evangelho).
O texto da primeira leitura (Gn 2,18-24) faz parte do relato
javista da criação. A criação da mulher realça a condição humana
à luz do projeto de Deus. Homem e mulher, criados para a igual-
dade, complementam-se no amor, sendo um para o outro dom e
bênção do Criador. “Os dois se tornam uma só carne”, isto é, o
relacionamento entre eles, no amor, será mais íntimo e forte que

57
PNE - QV) - CVY nº 3]
os próprios vínculos familiares. Um é parte do outro. Um sem o
outro é incompleto e infeliz (primeira leitura).
A partir deste domingo até o final do Tempo Comum, a
segunda leitura apresenta textos significativos da Carta aos He-
breus. Ela tem como destinatários os cristãos desiludidos pela
forma humilhante e dolorosa da manifestação terrena de Jesus,
pelos sofrimentos aos quais são submetidos por serem cristãos e
pela demora da salvação final. O texto da liturgia de hoje revela
que o Filho de Deus, mediante o mistério da Encarnação, se
fez solidário com a humanidade e assumiu integralmente seus
problemas, entregando-se à morte para introduzir os homens no
Reino da vida. Ao morrer na cruz, Jesus se tornou plenamente
solidário, a ponto de não se envergonhar em chamar “irmãos”
aqueles que remiu (segunda leitura).

3. Atualizando a Palavra
O amor entre homem e mulher é o tema mais cantado e
representado pelas artes: música, poesia, literatura, cinema. Mui-
tos dizem: “Estou à procura da minha cara-metade, de alguém
que fique comigo”. Outros preferem afirmar: “Minha metade
melhor”. Em um casal que se ama de verdade, o outro não é só
visto como a “metade melhor”, mas como a “metade que me torna
melhor”. O amor faz isso: a pessoa quer ser melhor para agradar
o(a) parceiro(a), para que ele(a) tenha ainda mais motivos para
gostar. Um casal que, de fato, tenha vivido essa experiência de
um completar o outro, de viver uma unidade com o outro, sem
perder a própria personalidade, sabe o tamanho do bem que Deus
colocou à disposição da humanidade, quando planejou a relação
conjugal.”

2? CNBB, Juntos, fazendo tudo pelo Reino: roteiro para as celebrações do Tempo
Comum — Ano B. 2003, p. 51.

58
PNE - QV) - CVV nº 3]
O ser humano encontra sua realização e felicidade unica-
mente na relação com o outro, ou seja, nossa humanidade só se
realiza e se manifesta completamente na relação com outro ser
humano. “Mas o homem não encontrou uma auxiliar que lhe
fosse semelhante” (Gn 2,20). A complementaridade e a comunhão
profunda são celebradas pela pessoa com uma exclamação que
constitui sua primeira Palavra registrada na Bíblia e também o
primeiro canto de amor da humanidade: “Esta sim é osso dos
meus ossos e carne da minha carne! Ela será chamada mulher,
porque foi tirada do homem” (Gn 2,23).
O projeto divino a respeito do matrimônio é um projeto de
amor, vida, harmonia, luz e unidade. O encontro entre homem e
mulher é a junção do rosto de dois sujeitos, de igual dignidade,
cada um necessitado do outro, que se realizam plenamente no
dom de si mesmos, na entrega recíproca para a felicidade de cada
um. No amor, o ser humano (homem e mulher) faz a experiência
da plenitude, da generosa benevolência, da convivência e do
encontro unificante.
Percebe ao mesmo tempo que o amor pode sempre ser amea-
çado pela infidelidade, pela separação e pela morte. Faz também
a experiência de que o outro não é resposta plena e exaustiva
aos desejos do coração. O humano anseia por um amor eterno e
profundo. Na realidade, o que o humano ama não é tanto outra
pessoa, mas o mistério da pessoa, o qual se revela e se encarna
nela, mas que também se oculta e se lhe escapa.”
Por ser tão fundamental, esse relacionamento nunca deveria
ser deteriorado. Por vezes, aquilo que poderia se transformar
num canto de louvor (Gn 2,23), degenera-se em uma certidão
de separação (Mc 10,4). Multiplicam-se hoje as situações em
que a poesia espontânea das origens se apaga para dar lugar às
áridas e meticulosas normas jurídicas. A gratuidade da relação se

* Cf. CoLomBo, G. Matrimônio. Dicionário de Liturgia, p. 713.

59
PNE - QV) - CVV nº 31
converte em cálculos frios e litigiosos. A surpresa da descoberta
é motivo suficiente para a carta de repúdio. Já não há espaço para
a relação, senão para a separação. Aquilo que tinha condições
de ser bênção preciosa pode se corromper e tornar-se maldição
difícil de esquecer.
As palavras de Jesus sobre o matrimônio e o divórcio
deveriam ser entendidas com base na relevância da relação amo-
rosa do casal. Seja como for, o que ele apresenta é o ideal. Esse
ideal do casamento cristão defendido pela Igreja tem origem na
própria natureza do amor. O ideal evangélico do amor conjugal
é a indissolubilidade, porque é o dinamismo do compromisso de
amor entre homem e mulher. O que Jesus e a Igreja sublinham
e defendem é o dinamismo do amor. É nessa perspectiva que
devemos contemplar a fidelidade matrimonial: uma necessidade
do amor humano maduro e conforme ao projeto de Deus.
“A íntima comunhão de vida e de amor, pela qual os cônju-
ges “já não são dois, mas uma só carne” (Mt 19,6), foi estabelecida
pelo Criador, instituída com suas leis e dotada com sua bênção,
a única que não foi abolida nem pelo castigo do pecado original.
Esse vínculo sagrado, portanto, não depende do arbítrio humano,
mas do próprio autor do matrimônio, que o quis dotado de vários
bens e fins (cf. GS, n. 48)”.
As relações matrimoniais revelam-se hoje muito frágeis.
Quais seriam as razões? Não cabe aqui julgamento sobre nin-
guém. Valorizar o matrimônio indissolúvel não significa rejeitar
quem não alcançou o prêmio de viver bem o seu casamento.
Sublinhar a importância do amor conjugal não tem por objetivo
punir quem se separou, mas alertar para o que está em jogo: a
generosidade desse convívio fundamental para as pessoas. É um
convite permanente à educação para o amor verdadeiro.

* Ritual do Matrimônio, Introdução Geral, n. 4.

60
PNE - QV) - CVV nº 3]
A melhor maneira para evitar a “certidão de separação” é
a educação para o amor. Assim, muito sofrimento será evitado e
maravilhosas possibilidades de encontro se tornarão possíveis,
se Os casais aprenderem, desde o começo, a se amar melhor. É
um alerta “para o modo como esse amor está sendo apresen-
tado na nossa sociedade: as pessoas estão sendo deseducadas,
não têm estímulo que aponte para uma relação positiva a dois.
Trata-se a relação sexual como se fosse uma diversão, encara-
se a variedade de parceiros como uma coleção de taças de um
campeonato. Enquanto os pares apenas se divertem ou provam
sua capacidade de seduzir, perde-se a oportunidade de cultivar
o encontro verdadeiro. É pena! O que se deixa de ter é precioso
demais e as pessoas nem se dão conta”?
“Ó Deus todo-poderoso, vós criastes todas as coisas e
desde o princípio ordenastes o universo; criando o ser humano à
vossa imagem, quisestes que a mulher fosse para o homem uma
companheira inseparável, de modo a já não serem dois, mas uma
só carne, ensinando-nos assim a nunca separar o que criastes na
unidade” (Bênção Nupcial).

4. Ligando a Palavra com a ação eucarística


A eucaristia é expressão do infinito amor do Pai que se
manifestou na criação de todas as criaturas, em especial do ser
humano, homem e mulher, e que ao longo da história se revelou
de muitos modos. Esse amor se apresenta de maneira plena na
pessoa e nas obras de Jesus de Nazaré.
À eucaristia é ceia memorial da nova e eterna aliança.
Aliança essa que, segundo os profetas, será gravada no coração
e firmada não mais com sangue de cordeiros, porém no amor
capaz de doar a própria vida, no gesto do amor total de Cristo:

* CNBB. Juntos, fazendo tudo pelo Reino, op. cit., p. 53.

61
PNE - QV) - CVV nº 3]
entregou-se à morte, e morte de cruz (cf. Jo 13,1). “Não há maior
amor do que dar a vida pelos amigos” (Jo 15,13). Tal amor pode
ser aprendido só na intimidade com o próprio Cristo, presente na
eucaristia e escondido na Palavra anunciada. É, pois, “comunhão”
e escuta/obediência amada e vivida afetiva e efetivamente.*
A Palavra de Deus proposta continuamente na liturgia
manifesta o amor ativo do Pai, que nunca deixa de ser eficaz
entre as pessoas. É Palavra que conduz, como seu próprio fim, ao
sacrifício da aliança e ao banquete da graça, isto é, à eucaristia.
Em cada eucaristia que celebramos, Jesus Cristo ressusci-
tado, “revelando-nos a Palavra das Escrituras e partindo o pão
para nós”, nos torna participantes do banquete do amor, para que
vivamos no amor. Diante de tão grande amor, como o primeiro
homem diante da primeira mulher, a comunidade aclama pela
boca do ministro: “Por este amor tão grande queremos agradecer
[...] louvado seja vosso Filho Jesus, amigo das crianças e dos po-
bres” (Oração Eucarística X — Para missas com crianças — IJ.
A missão é essencialmente manifestação do amor do Pai
que se revela em Jesus Cristo por meio da Igreja como comu-
nidade de caridade. Na missão, Palavra e eucaristia alimentam
a chama que nunca se extingue. Alguns logo desistem. Outros,
como são Francisco Xavier, estão tão impregnados da compaixão
de seu Senhor que transcendem as fronteiras e, no encontro com
as culturas, derramam o óleo que cura as feridas e gestam novas
relações entre as pessoas e os grupos humanos.
Ser missionário além-fronteiras é agir como uma noiva
apaixonada que há muito vem conhecendo o seu noivo, porque o
ama profundamente e por ele fez sua opção; ela sabe seus limites,
mas jamais falará algo de seu noivo que não seja para seu bem
e para seu engrandecimento. O povo que o missionário assume

$ Mensagem para o Dia Mundial de Oração pela Santificação dos Sacerdotes. 3 de


junho de 2005.

62
PNE - QV) - CVV nº 3]
como seu, a cultura que assume como sendo sua, será ou noivo
ou noiva amado(a), reconhecido(a) e respeitado(a).'

PREPARANDO A CELEBRAÇÃO

Sugestões
Neste domingo em que o Evangelho nos recorda a grandeza
de uma vida de sincera e radical fidelidade conjugal, a equipe
de liturgia, ao preparar a celebração da comunidade, procurará
dar particular ênfase:
à acolhida e à saudação fraterna a cada pessoa que che-
ga, animada pela fé, para celebrar de modo especial as
famílias, os casais e as crianças;
a um clima alegre e orante para a celebração, com ensaio
de cantos e convite, uns minutos antes do início, para
que as pessoas presentes façam um momento de oração
pessoal;
à procissão de entrada: casais podem conduzir a cruz,
velas acesas e a Bíblia (ou o Lecionário) até onde será
proclamada a Palavra;
ao ato penitencial: quem preside pode solicitar aos casais
para que se dêem as mãos e supliquem que o amor mi-
sericordioso de Deus os anime a vencer as infidelidades
e contradições;
à liturgia da Palavra: antes da proclamação da primeira
leitura, por invocação, suplicar ao Espírito Santo que
abra a mente e o coração de todos ao amor de Deus;

7 Cf. ZANELLA, Carnelita. “Tirem as sandálias” (Ex 3,5): o que significa ser mis-
sionária além-fronteiras. Revista Franciscana, n. 8, p. 46, 2005.

63
PNE - QV) - CVY nº 3]
ao momento após a homilia: havendo possibilidade, de
forma espontânea, o ministro que preside pode solicitar
aos casais que renovem seu compromisso de amor e de
fidelidade na vida matrimonial e familiar;
ao abraço da paz, expressão da nova relação alimenta-
da pelo amor de Deus e que todos buscamos: pode ser
realizado depois das preces da comunidade e antes da
liturgia eucarística;
à liturgia eucarística: escolher a Oração Eucarística X
(Para missas com crianças — II) e valorizar as palavras e
gestos que expressam a renovação da aliança. Cantar o
“Cordeiro de Deus” no rito da fração do pão eucarístico;
à comunhão: se possível, distribuir a sagrada comunhão
sob as duas espécies;
aos ritos finais: valorizar o “envio em missão” e a bên-
ção, em especial sobre as familias e as pessoas que têm
atividades missionárias na comunidade.

aos avisos: lembrar que no dia 12 é Dia de Nossa Senho-


ra Aparecida — Padroeira do Brasil e Dia das Crianças.

64
PNE - QV) - CVV nº 31
28º Domingo do Tempo Comum
|5 de outubro de 2006

Leituras: Sabedoria 7,/-1l;


Salmo Responsorial 89(90),12-13.14-15.16-17;
Hebreus 4,12-13; Marcos 10,17-30 (Jovem rico)

Domingo do homem rico

1. Situando-nos brevemente

Neste domingo, recordando o episódio do jovem rico, rece-


bemos de Jesus um apelo para deixar tudo e seguir seus passos.
Na eucaristia, Jesus nos alimenta e restabelece a nossa esperança,
sobretudo diante das inquietações e angústias da vida.
Cumprir os mandamentos não é suficiente para alcançar a
vida eterna. É preciso abandonar tudo, como fizeram os discípulos
e muitos missionários que, a exemplo de são Francisco Xavier,
partiram para anunciar a Boa-Nova do Evangelho em terras
distantes, deixando para trás familiares, amigos e os próprios
bens. Foram os missionários itinerantes e os que transcenderam
fronteiras que levaram a proposta de Jesus mundo afora. Eles
renunciaram a tudo, cruzaram fronteiras, navegaram mares,
percorreram estradas, atravessaram desertos, penetraram matas,
armaram tendas nas cidades e ao longo dos caminhos, movidos
por uma grande paixão: “Sereis minhas testemunhas até os
confins do mundo” (At 1,8); “Estes herdarão, no futuro, a vida
definitiva”.

65
PNE - QV) - CVY nº 3]
Impulsionados pelo Espírito do Senhor, celebremos a
paixão e glória de Jesus Cristo, vivida e propagada pelos missio-
nários e por nós que labutamos em busca de melhores condições
de vida.

2. Recordando a Palavra

Jesus está a caminho. Um homem angustiado, ajoelhan-


do-se diante dele, deseja ouvir uma palavra iluminadora para
um problema crucial. Ele reconhece a sabedoria de Jesus ao
chamá-lo de “Bom Mestre” e acredita que resolverá o problema
que o angustia. Pergunta: “Que devo fazer para que a morte não
seja o fim de tudo e como devo proceder para ter a vida depois
da morte?”. Jesus lhe responde que os judeus tiveram o melhor
dos mestres, Deus, e que não é preciso consultá-lo sobre essa
questão. Questiona esse homem se ele sabe os mandamentos
que se referem especificamente ao próximo (os chamados man-
damentos éticos), pois a condição mínima para vencer a morte
é ser justo com os outros. O homem angustiado se declara um
judeu perfeito.
Jesus lhe revela que não é suficiente não ter feito o mal
ou prejudicado alguém. É preciso ir além. Fixando nele o olhar,
declara-lhe: “Uma só coisa falta a você: vá, venda tudo, dê o
dinheiro aos pobres e terá um tesouro no céu; depois, venha
e siga-me!”. A verdadeira riqueza e a segurança definitiva só
são encontradas em Deus. O homem esperava uma palavra que
tranqiilizasse sua consciência, permitindo-lhe ser cristão mesmo
convivendo com suas riquezas. Na concepção judaica, as riquezas
eram sinal da bênção divina e, na perspectiva evangélica, elas
atrapalham a entrada no Reino.
A radicalidade de Jesus abateu ainda mais o homem rico,
que se retirou desiludido. Ele encontrou a resposta para a sua an-
gústia: seguir Jesus na disponibilidade total ao Reino, todavia, não

66
PNE - QV] - CVV nº3]
deu conta da Palavra de Jesus. Tinha boa vontade, mas nessa hora
decisiva não fora capaz de largar tudo e ser radicalmente obedien-
te à nova proposta de Deus que o colocaria no caminho do Reino.
Jesus lhe propôs: “Seja um homem novo e, para isso, abandone
as seguranças materiais e espirituais feitas de práticas legalistas”.
Os discípulos novamente não entendem a mensagem e
se assustam com as Palavras do Mestre: “Como é difícil para
os ricos entrarem no Reino de Deus!”. Em clima confidencial,
Jesus lhes revela o perigo das riquezas e o mistério do Reino.
Às riquezas são um risco, quando acumuladas de forma injusta,
impedindo que as pessoas se abram à nova justiça e ao serviço da
nova sociedade. Só Deus pode libertar a disposição do coração
humano subjugado pelas riquezas. Deus liberta os discípulos do
peso do impossível. Inconformado, Pedro, em nome do grupo,
pergunta ao Mestre: “Eis que nós deixamos tudo e te seguimos,
o que vai acontecer conosco?”. “Quem livremente me seguir,
abundantemente será recompensado, no tempo presente e no
futuro. Encontrará a felicidade já aqui na terra, apesar das per-
seguições” (Evangelho).
O Livro da Sabedoria, escrito um século antes de Cristo,
resulta da sabedoria do povo de Israel. Reflete a síntese das ex-
periências vitais que as pessoas realizam. Salomão foi conside-
rado modelo da pessoa sábia. O texto da liturgia de hoje revela o
discernimento e a súplica de Salomão a Deus pedindo sabedoria
para governar o povo que lhe fora confiado. O rei constata que
a busca do poder e da riqueza, mais do que segurança e realiza-
ção, criam subjugação. Comparadas à verdadeira sabedoria, o
poder, as riquezas e as honrarias são como um punhado de areia
(primeira leitura).
A sabedoria que dá segurança e plenifica o coração humano,
imerso nas realidades deste mundo, brota da escuta da Palavra
de Deus, viva e eficaz (segunda leitura).

67
PNE - QV) - CVV nº 3]
3. Atualizando a Palavra

Jesus continua revelando aos discípulos, de ontem e da


atualidade, a conduta sábia de quem deseja seguir seus passos.
No domingo de hoje sugere o total desapego dos bens terrenos
em vista da liberdade completa para o seguimento. A proposta
de Jesus representa um alerta para o nosso tempo em que tudo é
condicionado pelo econômico. Os projetos e anseios pessoais e
comunitários têm espaço caso se adaptem ao esquema do mer-
cado globalizado.
Neste mundo há pessoas que tem tudo, nada lhes falta, a
exemplo do homem rico do Evangelho; todavia, são carentes de
realidades essenciais. Não possuem “uma coisa” decisiva: pensar
de maneira nova a própria vida. O homem rico, que angustiado
interpelou a Jesus, manifestou boa capacidade de pensar, porém
em uma única direção: acumular, defender e consolidar suas
propriedades, suas riquezas. Por fixar-se em perpetuar e qua-
lificar sua atual situação, não foi capaz de raciocinar de outra
maneira, de articular e planejar um modo original de imprimir
nova direção à vida.
Para abrir novos horizontes na vida, faz-se necessária
aquela sabedoria que o rei Salomão suplica ao Senhor, conferin-
do-lhe total primazia sobre as demais realidades, como o poder,
as riquezas €e as honras.
A sabedoria não é “algo mais”, um elemento decorativo,
L

que se acrescenta à vida na qual o “ter e o possuir” ocupam o


primado; nem é objeto de luxo, que se pode outorgar como um
suplemento de prestígio a algumas pessoas.
Somente a Palavra de Deus, viva e eficaz, é portadora da
sabedoria necessária para viver, ante a qual tudo se torna relativo.
O ouro não passa de “um punhado de areia” e a “prata vale o
mesmo que um punhado de barro”. Importa deixar-se inquietar
por essa Palavra. A salvação reside precisamente em não se de-

68
PNE - QV) - CVV nº 31
fender, mas em aceitar ser ferido, dilacerado, esvaziado em nossas
auto-suficiências, pela espada cortante de dois gumes. Mais do
que esquivar-se, é necessário ter coragem de despojar-se (desnu-
dar-se) diante dessa Palavra. Permitir que ela sonde (julgue) os
desejos e intenções do coração, pois só nos sentiremos seguros
quando estivermos por completo diante dos olhos do Senhor.
Alguém poderia pensar: “Bem que Jesus podia ter facilitado
as coisas para esse homem que correu em sua direção em busca
de uma palavra iluminadora. Ele, afinal de contas, era um homem
religioso e escrupuloso cumpridor dos mandamentos”. Jesus,
no entanto, é radical. Sugere ao rico que abandone o cuidado
de seus muitos bens, colocando-os em lugar seguro, distribuin-
do-os aos pobres e, livre de tudo, tome o caminho inseguro do
seguimento.
Em outros termos, se você quer entrar no Reino, colo-
que sua existência a serviço dos outros como um missionário
que abandona tudo e parte para além-fronteiras. A Pedro e aos
discípulos, Jesus disse: “Se vocês querem receber o cêntuplo, a
condição necessária é abandonar o que amarra e dificulta o se-
guimento. O desprendimento de tudo o que se possui exige um
ato de generosidade tão grande que só mesmo um milagre de
Deus nos permite realizá-lo”.! Ser missionário além-fronteiras é
esvaziar-se do que é estritamente seu para encher-se da sabedoria
de Deus e dos outros.
O Mestre de Nazaré não ensina o desprezo aos bens e às ri-
quezas terrenas. Simplesmente adverte para o perigo de deixar-se
domesticar por eles. As riquezas se transformam num mal quando
aprisionam o coração, impedindo a prática da solidariedade, e
quando aprisionam o cérebro, não permitindo que se articule uma
forma nova e criativa de viver. Os bens se transformam em perigo

| Cf. ARMELLINI, Op. Cit., p. 437.

69
PNE - QV) - CVV nº3I
quando passam a ser um obstáculo, um peso, negando às pessoas
a liberdade indispensável para seguir um caminho diferente. Na
perspectiva das riquezas acumuladas, enquadram-se os detentores
do poder das ciências, os manipuladores do pensamento e das
consciências. Para esses também vale a máxima de Jesus: “É
mais fácil passar um camelo pelo buraco de uma agulha, do que
um rico entrar no Reino de Deus”.

“Quando ouviu isso, o homem ficou abatido e foi embora


cheio de tristeza, porque era muito rico.” Antes que os discípulos,
ele entendeu as exigências do seguimento e o quanto Jesus requer
de quem o segue. Não é possível tornar-se discípulo se o coração
não estiver desprendido de tudo o que possui: sucesso, diplomas,
riquezas, amigos influentes, honrarias, posição de prestígio.
Jesus não excluiu o homem rico e angustiado. Teve um olhar
de compaixão por ele. Deixou que tomasse uma posição. A missão
não exclui ninguém. Como também não força ninguém. Jesus sal-
va não graças à sua onipotência, mas sim graças à sua compaixão,
ao seu sofrimento, ao seu abandono e à sua morte.” A missão além-
fronteiras é uma necessidade para a vida das pessoas, da comuni-
dade cristã. É sinal de abertura, de paixão misericordiosa e trans-
formadora pela humanidade inteira. Ao homem rico faltou essa
paixão. São Francisco Xavier e um número sem conta de missio-
nários viveram, porém, essa paixão, doando sua vida pelo anúncio
da Palavra viva e eficaz que imprime nova direção à vida, até então
sufocada pelos interesses manipuladores do mercado e da política.

4. Ligando a Palavra com a ação eucarística


A liturgia é o grande encontro do Pai com seus filhos e
filhas. Como o salmista, hoje nós, em meio às inquietudes deste

2 Sugss, Paulo. Missão e solidariedade: fundamentos, cenários e horizontes. Revista


Franciscana, n. 8, p. 41, 2005.

70
PNE - QV) - CVV nº 31
mundo, nos dirigimos a Deus e suplicamos: “Dai ao nosso cora-
ção sabedoria”; “Tende piedade e compaixão de vossos servos;”
“Saclai-nos com vosso amor” (Salmo Responsorial).
Reunimo-nos para celebrar a eucaristia, porque o Espírito
Santo colocou em nosso coração a esperança. No meio das pro-
vações do caminho, a Palavra e a partilha suscitam em nós um
novo sentido de viver a fé e a missão. Neste mundo sem coração,
há muitos “homens ricos” que, angustiados e em busca de novo
sentido à vida, acorrem para a celebração na esperança de uma
palavra consoladora e criadora. “Manifestai a vossa obra a vossos
servos e a seus filhos revelai a vossa glória.”
Como ontem e hoje, pessoas buscaram e buscam a salva-
ção e a vida. O sonho de uma vida digna aparece destruído pela
humilhação imposta pelas novas formas de escravidão oriundas
da economia de mercado que prioriza a produção e o consumo, o
acúmulo e o lucro. Sem desanimar, muitos cristãos proclamam e
celebram a única salvação que procede de Deus, em Jesus Cristo, e
que a Igreja realiza, de modo especial, na celebração da eucaristia.
A comunidade se reúne para celebrar a eucaristia convocada
pela Palavra de Deus. Alimentada pela escuta da Palavra e pela
participação na ceia do Senhor, retoma o caminho da missão:
anunciar a Boa-Nova para homens e mulheres de todas as con-
dições, culturas e nações.
Pela participação na celebração eucarística, memorial da
Páscoa, o Senhor nos acolhe, transfigura, salva e nos envia a
comunicar a todos as razões de nossa fé e de nossa esperança. A
missão visa realizar no mundo o projeto de Deus, em virtude do
qual toda semente de verdade e de graça presente entre os povos,
longe de perder-se, é purificada e restituída ao seu autor, Isto é,
a Cristo (cf. AG, n. 9).
“Fazei, Senhor, que o vosso povo, reunido pela Palavra da
vida e sustentado pela eucaristia, possa caminhar na estrada da

71
PNE - QV) - CVV nº31
salvação e do amor, trabalhando pela salvação da humanidade,
até que de todos os povos surja e cresça para vós um só povo”
(Oração pela Evangelização dos Povos). Celebrar a eucaristia
pressupõe uma atitude de querer partilhar solidariamente tempo,
esforço, bens, conhecimentos para fazer avançar o projeto do
Reino. A partilha solidária nos conduz a celebrar autenticamente
a eucaristia, e esta, bem celebrada e vivida, nos impulsiona à
compaixão e à solidariedade.

PREPARANDO A CELEBRAÇÃO

Sugestões
Neste domingo em que Deus nos torna participantes de
sua sabedoria, a equipe de liturgia, ao preparar a celebração da
comunidade, terá particular cuidado com:
e a acolhida carinhosa das pessoas: quantos “homens ri-
cos”, ou melhor, pessoas angustiadas vêm à celebração
da comunidade em busca de uma palavra iluminadora
para determinada situação difícil que estão vivendo. A
acolhida fraterna constituirá um encontro com o Senhor;
e o clima orante no início da celebração: favorece que as
pessoas clamem por uma palavra de sabedoria;
e a procissão de entrada: pode ser organizada com pessoas
carregando uma vela (ou velas), que será colocada junto
ao altar, e o Livro da Palavra de Deus (o Lecionário
ou a Bíblia). “Jesus Cristo é a luz e a manifestação da
sabedoria às nações”;
* a proclamação do Evangelho: prepará-la de forma dia-
logada, em conformidade aos atores que aparecem no
texto bíblico;


PNE - QV) - CVV nº 3]
* a preparação do altar: a comunidade permanece em
silêncio (pode haver uma música suave de fundo) e, na
apresentação dos dons de pão e vinho feita pelo ministro,
as pessoas presentes são convidadas a elevarem suas
mãos e a responderem, cantando: “Bendito seja Deus
para sempre!”;
e a oração eucarística: cantar o “Santo”, as aclamações
e o amém da doxologia, com muita calma e em atitude
orante (evitando-se pressa e atropelos);
e a comunhão: organizar a distribuição da sagrada
comunhão de modo que a comunidade participe efeti-
vamente das duas espécies — do pão e do cálice;
e Bênção e envio missionário: somos todos enviados à
missão para revelar a sabedoria de Deus e a Palavra que
aponta para um novo sentido de vida, nas inquietudes
de nosso tempo.

73
PNE - QV) - CVVY nº 3]
29º Domingo do Tempo Comum
22 de outubro de 2006

Leituras: Isaías 53,10-1l;


Salmo Responsorial 32(33),4-5.18-19.20 e 22;
Hebreus 4,14-16; Marcos 10,35-45 (Os filhos de Zebedeu)

Dia Mundial das Missões


e Dia da Pontifícia Obra
da Infância Missionária

1. Situando-nos brevemente

Domingo do serviço. O Senhor nos convida para uma


conversa pessoal e nos revela sua missão: ser sinal de compai-
xão e solidariedade no mundo. A celebração do Dia Mundial
das Missões nos recorda que “ser missionário além-fronteiras
é assumir O serviço solidário até a mais extrema situação”. A
missão além-fronteiras é uma grande e apaixonante proposta
evangélica.
Hoje Jesus, como Servo Sofredor, nos propõe o serviço,
a doação e a vida em comunidade como dom gratuito de Deus.
“Sofrer pelo outro é ser responsável por ele, suportá-lo, estar em
seu lugar, consumir-se por ele”.! Jesus Cristo, na eucaristia, é a
força que consolida dia a dia o empenho missionário e solidário
da Igreja.

! Citado por SUESs, op. cit., p. 40.

75
PNE - QV) - CVY nº 3]
A Igreja, além de celebrar o Dia Mundial das Missões,
comemora neste ano os 500 anos do nascimento de são Francis-
co Xavier, Padroeiro das Missões. Que o Senhor nos liberte de
toda a competição interesseira e da luta pelo poder e pela honra;
que o Senhor nos abra ao despojamento e à simplicidade a fim
de sermos na missão testemunhas da compaixão e de uma nova
maneira de viver o projeto do Reino.

2. Recordando a Palavra

Jesus continua caminhando. Aproxima-se da meta final,


Jerusalém. É seguido pelos discípulos e por outros seguidores
não-israelitas. Cada grupo vai com sua disposição de ânimo: os
primeiros acompanham o Mestre desconcertados; os outros, com
medo diante do que poderá acontecer em Jerusalém, segundo
ele mesmo (pela terceira vez) anuncia (10,32-34). Em meio ao
tumulto da viagem e às repetidas insistências de Jesus em que
o seguimento de seus passos não visa ao poder e às honras, os
dois irmãos, Tiago e João, aproveitam para solicitar os primei-
ros lugares na nova sociedade — o Reino: “Quando estiveres na
glória, deixa-nos sentar um à tua direita e outro à tua esquerda”
(v. 37). Jesus repreende sua ignorância e resistência em aceitar
suas palavras: “Vocês não sabem o que estão pedindo”, e propõe-
lhes a alternativa de passar pelo sacrifício como ele: “Por acaso
vocês podem beber o cálice que eu vou beber”.
Ser discípulo de Jesus é viver o mesmo martírio do Mestre
(v. 38) e, como ele, ser obediente ao Pai: “É Deus quem dará esses
lugares âqueles para os quais ele preparou” (v. 40). A resposta
positiva dos irmãos revela a consciência de que eles também
deverão “beber do cálice” e passar pelo “batismo da morte”. A
ambição de Tiago e João gerou descontentamento entre os demais.
O poder não assumido como serviço divide e discrimina. Na nova
sociedade que emerge da prática de Jesus, que se prolongará na

76
PNE - QV) - CVV nº3I
ação dos discípulos, os critérios serão outros: “Quem de vocês
quiser ser o primeiro, deverá tornar-se o servo de todos” (v. 44).
As relações não serão mais de dominação, opressão e submissão,
mas de serviço solidário. Não haverá mais chefes, nem grandes,
nem servos, nem escravos. À dimensão do poder-serviço torna
todos servidores uns dos outros (Evangelho).
Na primeira leitura, os versículos escolhidos para a liturgia
deste domingo fazem parte do quarto canto do Servo de Javé,
no qual se fala da paixão, morte e vitória do Servo, vítima da
sociedade injusta em que vive. O Justo é submetido ao castigo e à
morte como sacrifício expiatório — para a reabilitação dos outros.
O Justo é vitorioso. Ele receberá o prêmio que Deus oferece aos
justos, tornando-o vencedor sobre os inimigos que o torturaram
e o mataram. O profeta anuncia que a geração dos humilhados
triunfará, pois o Deus da vida, a quem não agrada o sofrimento,
está com eles (primeira leitura).
Jesus, assumindo nossa condição humana e sendo solidário
conosco, é o único mediador entre Deus e seu povo. Solidari-
zando-se com as fraquezas de seu povo, ele supera as mediações
antigas. Por isso os sofrimentos que experimentamos no pre-
sente, longe de frustrar as esperanças, são oportunidades para
que a comunidade se aproxime do trono da graça a fim de obter
misericórdia da parte do único Mediador: Jesus Cristo (segunda
leitura). Com toda razão a assembléia pode cantar: “Sobre nós
venha, Senhor, a vossa graça, pois em vós nós esperamos” (Salmo
Responsorial).

3. Atualizando a Palavra

Jesus nos mostra hoje o lado cada vez mais exigente e ra-
dical do seguimento. Quem deseja chegar com ele a Jerusalém
e compartilhar da sua sorte terá de efetuar profundas mudanças
no seu modo de agir e de pensar. O mistério da cruz é extrema-

77
PNE - QV) - CVV nº 31
mente exigente, como é exigente deixar tudo e partir em missão,
confiante de que o Deus da vida fará germinar novas sementes
na seara das culturas.

É elogiiente o fato de que Jesus nunca reclamou para si


títulos e honrarias. Foge quando querem aclamá-lo rei. Busca
obstinadamente fazer a vontade do Pai, servindo a todos. Para os
discípulos, apesar da longa convivência com o Mestre, é difícil
assimilar o projeto da cruz. Observando as manifestações de
nosso tempo, estranhamente parece que preferimos um Cristo
glorioso, poderoso, milagreiro, capaz de solucionar de imediato
as inquietudes humanas. Como é difícil aprender a lição do quanto
as provações (sacrifícios e cruzes) da vida aproximam Jesus de
nós, humanos, e nós dele. A compaixão é atitude que une e revela
a grandeza das partes. À solidariedade coloca o missionário em
contato com os valores de um grupo de pessoas, as quais se abrem
à grandeza da Boa-Nova anunciada.
À atitude dos irmãos Tiago e João, de solicitarem a Jesus
ocupar lugares de prestígio na “nova sociedade” do Reino, é
interpretada por muitos como ambição desmedida e incompreen-
são do sentido do seguimento. Para outros, expressa amizade,
familiaridade e desejo de acompanhar o Mestre no caminho do
sofrimento até a glória. Mas Jesus é claro: “Vocês não sabem
o que estão pedindo”. A maioria dos intérpretes afirma que os
dois não tinham entendido o sentido evangélico da autoridade.
Jesus aproveita a ocasião para criticar o modo como é exercida
a autoridade e para propor o ideal evangélico.
Há algum tempo, circula pelas livrarias a obra O monge
e o executivo: uma história sobre a essência da liderança. O
autor distingue gerência e liderança, poder e autoridade. Chega à
conclusão de que alguém pode ter poder, mas não autoridade, ou
seja, a “habilidade de levar as pessoas a fazerem de boa vontade o
que se quer pela influência pessoal”. Aponta Jesus como modelo

78
PNE - QV) - CVV nº 3]
de liderança e de autoridade, porque veio para servir e dar a vida.
“Então, quando vocês lideram com autoridade serão chamados a
doar-se, amar, servir e até sacrificar-se pelos outros”?

Jesus critica a autoridade como poder de dominação e de


exploração: “Aqueles que se dizem governadores das nações
têm poder sobre elas, e os seus dirigentes têm poder sobre elas”.
O mal está no fato de indivíduos se fazerem superiores aos de-
mais, destruindo as relações de igualdade, de fraternidade e de
participação. As ciências modernas afirmam com clareza que por
causa das relações sociais assimétricas é impossível viver sem
o exercício do poder.
Certos tipos de poder são necessários para servir. Sem o
poder que vem do conhecimento da medicina, um médico não
pode salvar vidas; sem o poder do jornal que proclama suas idéias,
um jornalista não consegue defender a justiça com a mesma efi-
ciência; pais sem autoridade não conseguem educar e proteger os
filhos; o professor que não impõe respeito impede o aprendizado
dos alunos... Todavia, a fronteira entre o poder-serviço e o po-
der-dominação é muito frágil.” O próprio serviço corre o risco
de ser contaminado pelos vícios que procura sanar.
Jesus responde aos dois discípulos que não tem privilégios
a oferecer. O que possui é uma missão a cumprir, que exige
sacrifício e despojamento. “Quem de vocês quer ser grande,
deve tornar-se o servo de todos.” O ideal evangélico do poder
é o serviço. À relação de dominação é substituída pela relação
fraterna. Na comunidade, tem autoridade o irmão que serve, que
é solidário, que não mede esforços para ajudar os semelhantes. É
a partir da menoridade (do serviço) que se abrem os horizontes
da autoridade. Não se trata do poder autoritário, repressivo, coer-

5
? Hunter, James €. O monge e o executivo: uma história sobre a essência da lide-
rança, Sextante, Rio de Janeiro, 2004. pp. 24-26 e 95.
* Cf. CNBB. Juntos fazendo tudo pelo Reino, op. cit., p. 69.

79
PNE - QV] - CVY nº3]
citivo, de força, mas um poder de outra natureza: do serviço e
do amor. Poder que não se impõe, porém se propõe e espera ser
aceito e acolhido pela liberdade.
Há alguns sinais que indicam como estamos exercendo o
poder. O poder-serviço gera alegria. “Amar os outros, doar-nos
e liderar com autoridade nos forçam a quebrar nossos muros de
egoísmo e Ir ao encontro das pessoas. Quando negamos as nos-
sas próprias necessidades e vontades e nos doamos aos outros,
crescemos. Tornamo-nos menos autocentrados e mais cons-
cientes dos outros. À alegria é uma consegiência dessa doação
[...). Os únicos que serão realmente felizes são os que buscaram
e descobriram o que é servir. Talvez serviço e sacrifício sejam
o tributo que pagamos pelo privilégio de viver [...]. Enfim, há
grande alegria em liderar com autoridade, servindo aos outros e
satisfazendo suas necessidades legítimas. É essa alegria que nos
sustentará na jornada através deste acampamento espiritual que
chamamos terra”.º

A finalidade da missão não é conseguir um lugar no céu


para os missionários nem a conversão de toda a humanidade
para a Igreja Católica. O serviço missionário visa à recapitulação
da humanidade no projeto de Cristo, que é o Reino de Deus. É
serviço solidário que se faz presente nos lugares da fraternidade
perdida, da imagem de Deus desfigurada, da esperança roubada
dos pobres. Ao anunciar a Boa-Nova do Reino, a presença mis-
sionária produz sinais de justiça e imagens de esperança.

4. Ligando a Palavra com a ação eucarística


Hoje, Jesus é quem nos acolhe, dirige-nos sua Palavra,
intercede ao Pai por nós e nos serve na ceia em que ele mesmo
se dá como Pão da vida. A eucaristia é o mais eloquente sinal

4 HUNTER, Op. cit., p. 135.

80
PNE- QV] - CVV nº3I
do serviço de Jesus Cristo. Celebrá-la é fazer memória de sua
entrega. Ele que veio não para ser servido, mas para servir e
dar a vida para que todos tenham vida, e vida em abundância
(Jo 10,10). Na eucaristia, nosso Deus manifesta a forma extrema
do amor, derruba todos os critérios de domínio que regem muito
frequentemente as relações humanas e afirma, de modo radical, o
critério do serviço: “Se alguém quer ser o primeiro, seja o último
de todos e o servo de todos” (Mc 9,35).
Revelando-nos o mistério da cruz, Cristo nos torna parti-
cipantes de sua morte e da sua ressurreição. Celebrar em cada
eucaristia a morte e a ressurreição — a vitória — de Cristo sobre as
forças do poder opressor já é nossa vitória e certeza de um mun-
do construído para todos, a partir dos últimos, como mutirão de
serviço solidário. É experiência pascal que ilumina a caminhada
dos peregrinos que chegam dos vales da resistência e da morte.
Em cada celebração eucarística, celebramos o mistério
pascal de Cristo, até que ele venha na plenitude dos tempos. Ao
sermos abençoados e enviados, sentimos a urgência da missão e
a atualidade do envio para tornar presente na Igreja e no mundo
a compaixão (solidariedade) de Cristo até sua plenitude.
Na celebração da eucaristia, o mesmo Espírito que trans-
forma os dons em Corpo e Sangue do Senhor, converte os de-
sanimados e divididos numa comunidade de esperança, fonte
de unidade e de salvação para muitos. Sempre, em cada liturgia
eucarística, o Espírito de Deus nos leva a experimentar o que são
a solidariedade e o serviço, o amor e a entrega, o sacrifício e O
compromisso em favor dos outros.
O Paie o Espírito Santo enviam Jesus para nós na celebra-
ção eucarística. Assim a missão do Filho de Deus se atualiza em
cada eucaristia, e nós, pela participação ativa, somos enviados

* | JoÃo PavuLo II. Mane Nobiscum Domine, n. 28.

81
PNE - QV) - CVV nº 31
por Jesus, em nome do Pai e na força do Espírito, para dar con-
tinuidade à missão solidária.
São Francisco Xavier e um número sem conta de mis-
sionários(as) entenderam que a missão cristã brota da eucaris-
tia. Ela é fonte de vida nova dentro das estruturas de poder e
morte em que estamos imersos se todos nós, comprometidos,
soubermos amar por ações e em verdade, praticando a justiça e
a solidariedade.

PREPARANDO A CELEBRAÇÃO

Sugestões
Neste domingo, Dia Mundial das Missões, em que Jesus
nos revela a autoridade que brota do servir, a equipe de liturgia,
como um serviço importante para a comunidade de fé, prepara
a celebração dando particular atenção:
e aos diferentes serviços e ministérios da ação litúrgica,
procurando envolver a todos e cuidando que cada um
desempenhe sua função, fazendo para o bem da comu-
nidade aquilo que lhe cabe;
e ãàacolhida fraterna: a equipe da acolhida, além de recep-
cionar as pessoas que vão chegando, deve estar atenta
ao ambiente e ao conjunto da ação litúrgica, a fim de
que ela aconteça num clima orante e agradável;
e à procissão de entrada: pode ser levada até o altar uma
grande cruz e outros símbolos que evoquem as missões.
Se na comunidade há pessoas leigas ou religiosas atuan-
do nas missões em algum país distante, levar sua foto
e colocá-la junto ao altar. Valorizar a participação das
crianças, neste Dia da Infância Missionária;

82
PNE - QV) - CVV nº 31
à recordação da vida: após o sinal-da-cruz e a sauda-
ção do ministro que preside a celebração, lembrar as
atividades missionárias da comunidade, da paróquia e
da diocese; trazer presente à comunidade os nomes de
pessoas que estão atuando nas missões;
à liturgia da Palavra: iniciar a liturgia da Palavra (antes
da primeira leitura) com um refrão meditativo: “Fala
Senhor, fala da vida. Só tu tens palavras eternas, que-
remos ouvir”; ou “Tua Palavra é lâmpada para os meus
pés, Senhor, lâmpada para os meus pés”;
à proclamação do Evangelho: preparar a proclamação
de modo que o Evangelho possa ser dialogado, segundo
os personagens que nele aparecem;
à profissão de fé: convidar todas as equipes de serviço
da comunidade para que, diante da cruz, erguendo a
mão direita, renovem sua fé e sua vontade de servir o
bem comum da comunidade cristã;
à procissão de oferendas: onde for possível, envolver as
crianças da Infância Missionária na coleta dos dons e na
procissão dos dons ao altar. Lembrar a comunidade que
a coleta deste domingo se destina às obras missionárias
da Igreja;
à oração eucarística: a solidariedade missionária é alegre
e festiva; dar também expressão alegre e festiva à oração
eucarística, cantando o prefácio, o “Santo” e as diferen-
tes aclamações, em especial a aclamação do amém e do
“Pis o Mistério da fé! Anunciamos, Senhor...”:
à fração do pão: acompanhar o gesto da fração do pão
com o canto do “Cordeiro de Deus” — “Cristo, o Servo
Sofredor, assumindo nossa realidade humana, se faz
pão repartido pata que todos tenham vida, e vida em
abundância”;

83
PNE- QV) - CVY nº3I
e à comunhão: possibilitar que a comunidade tome parte
da comunhão eucarística sob as duas sagradas espécies,
do Corpo e do Sangue de nosso Senhor;
e à bênção e ao envio: valorizar a bênção e o envio de
toda a comunidade à missão. Se na comunidade houver
pessoas diretamente envolvidas com as atividades mis-
sionárias ou crianças do grupo da Infância Missionária,
convidá-las para que, diante da comunidade e do altar,
sejam abençoadas. Terminada a bênção, como gesto de
envio, elas podem sair da igreja levando a cruz, enquanto
a assembléia entoa um hino missionário.

84
PNE
- QV) - CVY nº 3]
30º Domingo do Tempo Comum
29 de outubro de 2006

Leituras: Jeremias 31,7-9;


Salmo Responsorial 125(126),1-2ab.2cd-3.4-5.6;
Hebreus 5,1-6; Marcos 10,46-52 (O cego de Jericó)

Dia Nacional da Juventude

1. Situando-nos brevemente
Domingo do verdadeiro discípulo. O cego Bartimeu nos
dá o exemplo de como seguir a Jesus. Neste domingo, celebrar
a eucaristia na perspectiva do seguimento de Jesus é professar a
fé, abrir os olhos, romper com a sociedade excludente que cega e
silencia a voz dos pequenos e fracos. É ter coragem de, às margens
do caminho, esperando por sinceros gestos de caridade, pedirmos:
“Dai-nos olhos para ver as necessidades e os sofrimentos dos
nossos irmãos e irmãs”.
Elevemos nossos louvores a Deus Pai, unidos a todos os
que reconhecem Jesus como a luz verdadeira que vence as trevas
e aos que, em busca de melhores condições de vida, clamam a
plenos pulmões: “Filho de Davi, tem piedade de mim”.
Celebrando o memorial da Páscoa de Jesus, tenhamos
presente — homens e mulheres — os grupos e pastorais que por
seus gestos de solidariedade libertam da exclusão e da cegueira
inúmeros filhos de Deus jogados à margem das oportunidades
de uma vida digna em nossa sociedade.

85
PNE - QV) - CVY nº 3]
Agradecidos, celebremos a esperança por dias melhores,
pois em meio a tantas situações que emudecem a voz dos so-
fredores, grita-se cada vez mais forte na confiança de que um
outro mundo é possível. De todas as direções surgem iniciativas
abrindo caminhos de esperança.
Suplicamos, por nossas preces, que o Espírito Santo ilumine
e fecunde o dinamismo da juventude; fortifique seus passos no
caminho da busca e do conhecimento da Boa-Nova de Jesus.

2. Recordando a Palavra
A subida de Jesus a Jerusalém desperta grande expectativa.
Ele e seus discípulos saem de Jericó acompanhados por uma
grande multidão. Eis que à margem do caminho aparece um
cego chamado Bartimeu. Está sentado, imóvel e, como todos
os mendigos, à mercê da ajuda de outras pessoas. Em contraste
com os discípulos, ele reconhece a Jesus e grita: “Filho de Davi,
tem piedade de mim!”. É o verdadeiro discípulo que sabe quem
é Jesus mesmo que nunca o tenha visto. É intimado a se calar.
À sociedade que manda o cego se calar é a mesma que está
tramando o fim de Jesus. Ela não tolera quem “vê” e não suporta
“os gritos” denunciadores da cegueira de quem afirma estar enxer-
gando. O cego grita ainda com mais coragem. Atrai a atenção de
Jesus, que ordena: “Chamem o cego”. Ao sentir-se chamado, num
ímpeto, o pobre homem abandona o manto e salta para a vida nova.
Rompe com a sociedade que o mantinha à margem. Bartimeu
apenas pede: “Mestre, eu quero ver de novo”. Obtém do Messias a
confirmação: “Pode 1r, a sua fé te curou”. No mesmo instante, recu-
pera a vista e segue Jesus pelo caminho. É o verdadeiro discípulo,
que pela fé enxerga e segue a Jesus rumo a Jerusalém (Evangelho).
Israel está em ruínas. No exílio sua auto-estima encontra-se
em baixa. Com suas exortações, o profeta Jeremias deseja reer-

86
PNE - QV)
- CVV nº 3]
guer as esperanças do povo sofrido, revelando a atenção sal-
vadora e amorosa de Deus. Proclama que a libertação chegou:
“Façam festa, gritem de alegria. O Senhor salvou seu povo, o
resto de Israel”. O próprio Deus se encarrega de reunir os dis-
persos e de reorganizar o povo sofrido, repatriando-o. Ele tem
um cuidado especial com os cegos, os mutilados e as mulheres
grávidas. No meio dessa grande assembléia, há sinais de espe-
rança e claros indícios de vida. A ternura e a bondade de Deus
para com os sofredores e indefesos se manifestam no modo
como ele os conduz: “Eu os levarei para os córregos de água,
por um caminho plano, onde não tropeçarão. Serei um pai para
Israel” (primeira leitura). Liberto, o povo tem muitos motivos
para cantar: “Maravilhas fez conosco o Senhor, exultemos de
alegria” (Salmo Responsorial).
São Paulo revela que, em Jesus, a figura do sumo sacerdote
realiza-se plenamente. Ele é o único capaz de apresentar nossas
necessidades e orações o Deus, pois está totalmente sintonizado
com a compaixão do Pai em favor dos sofredores de seu povo.
Seu sacerdócio tem como fundamento o sofrimento, a morte e
a ressurreição e aproxima-nos de Deus de um modo singular
(segunda leitura).

3. Atualizando a Palavra
A narrativa evangélica deste domingo é uma parábola que
reflete o homem iluminado por Cristo — o discípulo perfeito. Jesus
Joga uma cartada decisiva no processo de iniciação dos discípulos
ao seguimento radical: o verdadeiro discípulo é aquele que, pela
fé, enxerga e segue a Jesus rumo a Jerusalém. Ser discípulo é
desejar tornar-se iluminado; é comprometer-se em obras de so-
lidariedade com os que continuam sentados à beira do caminho.
Entre nós há muitos tipos de cegueira e de cegos.

87
PNE - QV) - CVV nº 31
Jesus segue para Jerusalém não para conquistar as glórias
deste mundo. Ele vai a fim de doar sua vida. Os discípulos e a
multidão o seguem, mas como cegos. Continuam sonhando com
honrarias e esperam a vitória dele neste mundo.
O cego do Evangelho é, de certa forma, símbolo de todos
nós. Constitui uma grande verdade que todos estamos um pouco
cegos no caminho de Jericó a Jerusalém. Isto é, no caminho da
vida. Muitos de nós, no entanto, não estamos ali como Bartimeu,
no momento oportuno da graça para implorar a cura. O cego sen-
tado à beira do caminho é uma eloquente imagem dos necessita-
dos da humanidade, lembrados por Jeremias, em favor dos quais
se derrama a compaixão de Deus. Uma excelente oportunidade
para a comunidade praticar a caridade em favor dos excluídos
dos caminhos que conduzem à vida.
Como, porém, ter gestos de solidariedade se ainda estamos
sentados à beira do caminho, sem um projeto novo de vida, de-
pendendo da esmola dos outros? Quem não se deixou interpelar
por Jesus e não iluminou seu coração com a luz do Evangelho
encontra-se numa situação difícil.
A viagem de Jericó a Jerusalém é longa e exigente. É para
pessoas fortes. Jesus tem predileção pelas pessoas decididas,
capazes de tomar posição contra tudo e contra todos. Pessoas
que corajosamente enfrentam quaisquer barreiras e cerimoniais
para se encontrar com ele.
Bartimeu grita a plenos pulmões, vencendo os mandos para
que se calasse. Assim como uma criança que, diante da insensibi-
lidade da mãe, chora e grita, o clamor do pobre cego, alimentado
pelas migalhas da sociedade excludente, atrai a atenção de Jesus.
É o grito do discípulo apaixonado que não se cala enquanto a
solução não chega. O grito do cego vem do profundo de sua in-
dignação. Ele não se resigna a continuar nas trevas em que está
envolto; ele não se conforma em ter de sobreviver passivamente

88
PNE - QV)
- CW nº 3I
das esmolas dos passantes. Bartimeu, consciente da situação,
intui que algo está por acontecer e pode mudar sua vida. Supera
as hesitações e o medo, a perplexidade e o acanhamento, e grita
a plenos pulmões.
Na prática da vida das comunidades, nos bairros, nas es-
colas, em muitos locais, algo novo acontece, somente graças à
resistência perseverante de alguns corajosos que, movidos pela
indignação, não deixam as coisas se acomodarem. Infelizmente,
nos esquemas da sociedade atual, só se obtém alguma melhoria na
perspectiva da saúde, da educação, do trabalho, do transporte e do
lazer mediante muita pressão popular. Mediante o grito do povo.
Logo surgem os que “abafam o grito”. “Cale-se! Não
perturbe o Mestre!” “Pra que você vai se preocupar com os pro-
blemas da comunidade, da Igreja, da sociedade...?!” Há quem
chegue a zombar dos sentimentos e das inquietações. Para muita
gente bem instalada, o grito dos excluídos amedronta. Bartimeu
não desanima: em sua indignação continua gritando, pedindo
para que alguém o ilumine.
“São cegos como também são cegas aquelas comunidades
que querem silenciar os pobres, que gritam que não querem pa-
rar para refletir sobre certas situações e para encontrar alguma
solução, que não toleram que alguém perturbe o tranquilo pros-
seguimento das suas triunfais procissões.”
Assim como o clamor do “resto de Israel” chegou aos ou-
vidos de Deus (primeira leitura), Jesus, nosso Mediador (segun-
da leitura), ouve o grito do cego e ordena: “Chamem o cego!”.
Algumas pessoas da multidão informam ao cego que o Mestre
o chamou. A mediação de Jesus se multiplica nas comunidades.
Aqui sempre há pessoas sensíveis, atentas e solidárias com os
irmãos em dificuldade que, por sua caridade, palavras de con-

| ARMELLINI, OP. Cit., p. 453.

89
PNE - QV) - CVV nº 3
forto e de esperança, abrem caminho para o encontro libertador
com o Senhor. Essas pessoas são as verdadeiras seguidoras do
Mestre.
Num ímpeto e sem cerimônias, Bartimeu abandona tudo
(Joga o manto) e corre ao encontro de Jesus. Como as multidões
e os discípulos, todos queremos seguir o caminho de Jesus,
mas sem nos desapegarmos por completo daquilo que nos dá
segurança e do que nos amarra aos antigos esquemas religiosos
e sociais. “Nossos paradigmas podem ser valiosos e até salvar
vidas quando usados adequadamente. Mas podem se tornar peri-
gosos se os tomarmos como verdades absolutas, sem aceitarmos
qualquer possibilidade de mudança, e deixarmos que eles filtrem
as novas informações e as mudanças que acontecem no correr
da vida. Agarrar-se a paradigmas ultrapassados pode nos deixar
paralisados enquanto o mundo passa por nós.”
Como pessoas de fé, se a exemplo dos catecúmenos das
primeiras comunidades cristãs, não jogarmos para longe as rou-
pas velhas (nossos hábitos, compromissos, amizades), nunca
seremos iluminados pelo essencial que orienta nossos passos na
caminhada da fé. “Mestre, eu quero ver de novo”, suplicou Bar-
timeu. Era tudo, e foi o suficiente. A luta do cego para recuperar
a visão contrasta com a cegueira e a resistência dos discípulos
em colocar-se realmente no caminho. “Pode ir, a sua fé curou
você.” Na condição de iluminado (liberto), Bartimeu aceita a
identidade de Jesus, Messias, Servo Sofredor, e passa a segui-lo.
Nossa visão pode melhorar, as oportunidades de crescimento e
de exercício da caridade solidária podem se multiplicar, se co-
meçarmos a aprender uns com os outros e nos permitirmos, à luz
do Evangelho, iluminar nossas opções de vida.
Por isso incessantemente devemos rezar: “Senhor Jesus,
luz verdadeira, que iluminais toda a humanidade, libertai, pelo

2 HUNTER, Op. cit., p. 42.

90
PNE - QV) - CVV nº 3]
Espírito da verdade, os que se encontram oprimidos pelo pai da
mentira, e despertai a boa vontade dos que chamastes aos vossos
sacramentos, para que, na alegria da vossa luz, tornem-se, como
o cego outrora iluminado, audazes testemunhas da fé”.

4. Ligando a Palavra com a ação eucarística


Neste 30º domingo, Jesus nos reúne junto de si como seus
discípulos e nos revela a grande compaixão do Pai. Apesar das
nossas infidelidades, nos desertos e exílios de nosso viver, Deus
vem ao nosso encontro e nos mergulha nas águas do rio da vida
nova, da aliança renovada no sangue derramado de seu Filho.
Hoje, o Espírito Santo restabelece nossa aliança com o Pai em e
por Jesus Cristo — aliança com o Deus apaixonado por seu povo.
Jesus, único Mediador, conhecendo nossa condição hu-
mana, nos une ao seu gesto de total entrega (sacrifício), acolhe
nossas preces e louvores e os apresenta ao Pai, de tal modo que
sejam um sacrifício oferecido e agradável a Deus. Na celebração
da eucaristia, Jesus reza por nós dizendo: “Lembrai-vos, ó Pai,
dos vossos filhos e filhas e de todos os que circundam este altar,
dos quais conheceis a fidelidade e a dedicação em vos servir.
Estes vos oferecem conosco este sacrifício de louvor [...] e ele-
vam a vós as suas preces para alcançar o perdão de suas faltas,
a segurança em suas vidas e a salvação que esperam” (Oração
Eucarística 1).

Celebrando o memorial de sua morte e ressurreição, Jesus


Cristo ouve “nossos gritos”, curando-nos da cegueira, e nos In-
troduz no mistério de sua luz. “A Igreja vive de Jesus eucarístico,
por ele é nutrida, por ele é iluminada. A eucaristia é mistério de
fé e, ao mesmo tempo, “mistério de luz”. Sempre que a Igreja a
celebra, os fiéis podem de certo modo reviver a experiência dos

* Ritual da Iniciação Cristã de Adultos. Oração do 2º Escrutínio, p. 76.

91
PNE - QV) - CVY nº 3]
dois discípulos de Emaús: * Abriram-se os olhos e o reconheceram
ao partir o pão” (Lc 24,31).
Reunidos por seu amor, Jesus nos comunica sua Boa-Nova
e parte o pão conosco, como fez com seus discípulos; retira-nos da
condição de “sentados à beira do caminho”, em que suportamos
os desânimos e a falta de perspectiva de melhores condições vida.
Na eucaristia, Jesus nos nutre e restabelece a nossa esperança,
fazendo-nos passar do desalento e da derrota a opções corajosas
de solidariedade em favor do povo dilacerado e quebrado pelas
inúmeras situações de exclusão e de injustiça. É da eucaristia
que a comunidade eclesial tira a força espiritual de que necessita
para realizar sua missão de ser fermento, sal e luz da sociedade
fundada no projeto de Cristo Messias, Servo e Sofredor.
Elevando ao Pai em e por Jesus Cristo nossa ação de gra-
ças, festejamos a Páscoa concretizada nos incontáveis gestos de
caridade e de solidariedade realizados no curso da semana. É a
festa que semanalmente se concretiza, para nós, na eucaristia.

PREPARANDO A CELEBRAÇÃO

Sugestões
Neste domingo em que fazemos memória do encontro de
Jesus com o cego sentado à beira do caminho e comemoramos o
Dia Nacional da Juventude, a equipe de liturgia, como um serviço
importante para a comunidade de fé, ao preparar a celebração dará
particular atenção às seguintes partes e gestos da celebração:
e acolhida: proporcionar uma recepção afetuosa aos jo-
vens e adolescentes da comunidade, que podem, neste

4 JoÃo PauLo II. Carta Encíclica Ecclesia de Eucharistia, n. 6.

92
PNE - QV) - CVV nº 3]
domingo, ser convidados a participar dos vários serviços
da celebração;
procissão de entrada: jovens e adolescentes, junto com os
membros da equipe de liturgia e o ministro que presidirá
a celebração, entram com o Círio ou, pelo menos, com
uma vela bonita: “Cristo é a luz que liberta das trevas e
ilumina o caminho da solidariedade”;

liturgia da Palavra: durante a proclamação dos textos


bíblicos, jovens segurando velas podem circundar a
mesa da Palavra; preceder a proclamação da primeira
leitura com um refrão: “Tua palavra é lâmpada para os
meus, pés, Senhor” ou outro refrão meditativo;
homilia: pode ser introduzida por uma encenação, li-
gando o Evangelho à realidade da vida, às cegueiras e
aos cegos de nossos dias, de nossas comunidades;
preces da comunidade: preparar as preces tendo presente
as necessidades da Igreja, da sociedade, da juventude,
dos sofredores etc.; dizer como resposta: “Senhor, ilu-
minai nossa vida!”;
preparação da mesa eucarística e dos dons: onde já hou-
ver o costume, a procissão de oferendas pode ser feita
com expressão corporal: jovens, no ritmo de um hino
apropriado, trazem ao altar as ofertas da comunidade;
liturgia eucarística: cuidar para manter a harmonia, o
clima festivo e de participação de toda a comunidade.
Cantar o “Santo”, as aclamações, particularmente a acla-
mação do “Eis o mistério da fé”, e o amém da doxologia;
silêncio após a comunhão: valorizar o momento de silên-
cio após a comunhão, que pode ser concluído com uma
ou duas estrofes do hino: “Virá um dia que todos, ao
levantar a vista...”;

93
PNE - QV)-
CVY nº 3]
* ritos finais: abençoar e enviar os jovens da comunidade
como agentes da Boa-Nova do Reino à juventude: jovens
como missionários dos jovens;
e avisos: lembrar a comunidade sobre as celebrações do
Dia de Finados — 2 de novembro, quinta-feira.

94
PNE - QV) - CVY nº 3]
3 1º Domingo do Tempo Comum
5 de novembro de 2006

Solenidade de Todos os Santos


Leituras: Apocalipse 7,2-4.9-I4;
Salmo Responsorial 23(24),1-2.3-4ab.5-6;
IJoão 3,1-3; Mateus 5,1-12a (Bem-aventuranças)

Sede santos como


vosso Pai do céu é santo

1. Situando-nos brevemente
Em memória dos santos e santas de Deus, renova-se para
nós a Palavra de Jesus: “Sejam perfeitos como é perfeito o Pai de
vocês que está no céu” (Mt 5,48). Na Oração Eucarística, nós reco-
nhecemos: “Na verdade, ó Pai, vós sois santo e fonte de toda santi-
dade”. A vontade de Deus é que todos sejamos santos (cf. 1Ts 4,3).
Os primeiros cristãos eram chamados simplesmente de “santos”
(cf. Rm 12,13); santos por seu comportamento (cf. 1Pd 1,15).
Alegremo-nos no Senhor, celebrando a festa de Todos os
Santos que, na grande assembléia da nova Jerusalém, cantam sem
cessar, diante do trono do Cordeiro Imolado, a glória de Deus. Na
Páscoa de Jesus, temos a certeza de que a vida vence a morte e de
que somos santificados pela ação do Espírito que habita em nós.
Na celebração eucarística deste domingo de Todos os Santos,
rendemos graças ao Senhor, Deus santo, que nos chama a viver em
santidade de vida. Participando do memorial da Páscoa de Jesus,

95
PNE - QV) - CVV nº3I
alimentamos a certeza de que a vida vence as forças do mal e de
que somos santificados pela ação do Espírito que habita em nós.
O Espírito do Senhor reforce os laços de comunhão entre
o céu e a terra e nos impulsione a viver a comunhão dos santos
entre nós, na esperança de sua revelação em nossa vida e no
compromisso de assumirmos a santidade de Deus. Alegremo-nos
todos no Senhor, celebrando a festa de Todos os Santos e justos
de todas as raças e nações, cujos nomes estão inscritos no livro
da vida (cf. Ap 20,12).

2. Recordando a Palavra

O texto de Mateus sobre as bem-aventuranças (Mt 5,1-12)


é sem dúvida um dos mais conhecidos dos evangelhos. De fato,
ser discípulo de Jesus significa ser santo como Deus, nosso Pai
(Mt 5,48). As oito bem-aventuranças apresentam o ideal cristão,
traduzido nas atitudes fundamentais de quem se propõe ser santo,
seguindo a Jesus. O discípulo deve depositar sua confiança em
Deus; ser solidário, compartilhando os sofrimentos dos outros,
como o Senhor; ter um relacionamento cordial com os demais;
desejar ardentemente saciar a fome e a sede de justiça neste mun-
do; possuir um coração íntegro e livre de toda ambigiiidade; ser
aberto e acolhedor; empenhar-se para que aconteça a paz como
consequência da justiça. O discípulo deve ter consciência das
consequências de seu modo de agir: será hostilizado por aqueles
que se negam a reconhecer os direitos dos outros, mas se alegrará
com a promessa da posse do Reino dos céus. As bem-aventuran-
ças são um convite a todos os que desejam participar do Reino
de Deus que Jesus veio anunciar e realizar.
O Apocalipse tem por objetivo animar as comunidades
perseguidas até a morte pela opressão e repressão dos podero-
sos do Império Romano. Seu autor mostra que Deus protege do
julgamento aqueles que lhe são fiéis e os salva. Pelo simbolismo

96
PNE - QV) - CVY nº 31
dos números, revela que os que lutam e resistem são muitos e
formam uma totalidade perfeita. A multidão de fiéis que ninguém
pode contar, gente de todas as tribos e nações, povos e línguas,
reconhece que a salvação é obra de Deus e do Cordeiro. A comuni-
dade cristã, em clima de celebração e discernimento, é convidada
a descobrir, no meio dessa imensa multidão, seus mártires e seus
santos que resistiram até as últimas consequências. Sua memória
anima a caminhada dos que estão lutando para a implantação do
projeto de Deus na terra (primeira leitura).
A Carta de João revela a comunidade em crise, devido à
existência de um grupo carismático, vazio e sem qualquer tipo de
espiritualidade, nem de uma verdadeira prática da vida cristã. Não
é possível amar a Deus sem amar o próximo e sem formar autên-
ticas comunidades. Se Deus é Pai, todos somos seus filhos(as) e,
consequentemente, todos devemos nos amar como irmãos. Viver
como filhos(as) de Deus implica a prática da justiça. O amor do
Pai é a grande força que sustenta a caminhada de seus filhos(as),
das comunidades que se empenham na implantação do projeto
de Deus revelado por Jesus Cristo (segunda leitura).

3. Atualizando a Palavra
“No decorrer do ano, a Igreja inseriu as memórias dos
mártires e dos outros santos, que, conduzidos à perfeição pela
multiforme graça de Deus e recompensados com a salvação
eterna, cantam nos céus o perfeito louvor de Deus e intercedem
em nosso favor” (SC, n. 104).
A celebração de Todos os Santos, num certo sentido, é a
festa da santidade anônima. Da santidade entendida, em primeiro
lugar, como dom de Deus e resposta fiel da parte humana. O
calendário da Igreja está pontilhado pelos grandes nomes dos
mestres da santidade. Todavia, torna-se impossível enumerar
todos os santos, tidos como sinais da manifestação maravilhosa
da ação de Deus. A santidade poderia ser comparada a um grande

97
PNE
- QV) - CVY nº 3]
mosaico que reflete a grandeza da única santidade: Deus. Cada
santo ou santa é um exemplar único e exclusivo. Não podemos
pensar santidade como um produto em série. A comemoração de
Todos os Santos nos abre à imprevisibilidade do Espírito Santo.
A multiplicidade de santos faz deles um modelo perfeito para a
vivência dos carismas pessoais e para a diversidade de opções no
seguimento de Jesus Cristo e no serviço à Igreja e à sociedade.
A santidade não consiste na simples observância de nor-
mas e leis; não se reduz a algumas práticas de caridade. É um
estilo de vida... é viver a vida, o cotidiano, segundo o projeto do
Evangelho de Jesus Cristo, explicitado nas bem-aventuranças.
Para quem quer ser santo, Jesus é o Caminho, a Verdade e a Vida,
isto é, caminho para a santidade.
A santidade é buscada e construída a partir de nossa situa-
ção concreta de homem, mulher, criança, jovem, adulto, casado,
religioso, sacerdote, empregado, profissional, desempregado...
Ser santo é dom gratuito, é graça de Deus, mas também tarefa
de nossa parte. É apelo à conversão: “Esforcem-se para que
Deus os encontre sem mancha, sem culpa” (2Pd 3,14). Ser santo
não é luxo, nem é para “quem tem tempo”. É algo normal para
todo cristão. Para um batizado ou para uma comunidade de fé, o
anormal seria não ser santo. “Que o justo continue praticando a
justiça e o santo santifique-se ainda mais” (Ap 22,10-11).
Muitas vezes, quando veneramos ou falamos de um(a)
santo(a) de nossa devoção, somos tentados a contemplá-lo(a)
como “um super-humano”. “Alguém que a graça de Deus supriu
todas as fraquezas.” A santidade não é ausência do pecado (cf. Jo
8,7.11). Não! Os santos, antes de tudo, foram pessoas normais.
Eles fizeram sua caminhada de vida pautada no seguimento de
Cristo. Como tal, participaram da realidade do povo santo e
pecador, contudo, destacaram-se na vivência radical do ideal
proposto pelas bem-aventuranças. Foram pessoas que, por seu
modo de viver a Boa-Nova de Jesus, marcaram significativa-

98
PNE - QV) - CVY nº3I
mente a sociedade de seu tempo e se transformaram em atualiza-
dos referenciais para a história. A santidade é a realização plena
do sentido autêntico da vida, é alcançar a plenitude da vida.
Surge a questão: como ser santo no mundo marcado pela
desigualdade, pela violência, pela desonestidade e pela corrup-
ção? Hoje se vive a santidade nas encruzilhadas da história, no
engajamento concreto e corajoso. Não pode haver uma santidade
ingênua, fora do mundo. Santidade não é “ficar em cima do muro”
(neutralidade). Ela exige tomada de posição nas contradições e
nos conflitos sociais. A santidade passa pelos caminhos de uma
existência humana autêntica.!
O culto da Igreja a um determinado(a) santo(a) proclama
o mistério pascal na pessoa que sofreu com Cristo e com ele
é glorificada. Ao mesmo tempo, propõe aos fiéis o(s) seu(s)
exemplo(s) e implora, por seus merecimentos, os benefícios de
Deus (cf. SC, n. 104). A Igreja propõe os santos como testemu-
nhas ilustres da glória de Deus, membros do Corpo de Cristo,
especialmente unidos a Cristo, modelos e protetores, homens e
mulheres que inspiram a atualidade. Os santos são anunciadores
exemplares do amor de Deus para com a humanidade e de sua
santidade. São representantes insuperáveis da força da salvação
realizada pelo mistério pascal, modelos perfeitos de comunhão
com Jesus Cristo, intercessores perenes e eficazes.
O convite evangélico à santidade é proposto a todos. Não
é uma realidade impossível de alcançar. Tudo depende do vigor
com que se vive o ideal das bem-aventuranças na relação com
Cristo e nos compromissos inerentes à vida. Eu e você podemos
ser santos. Não importa se somos pessoas de muitas qualidades
ou não. O que conta é que sejamos pessoas extraordinárias pela
vivência do projeto de Jesus resumido nas bem-aventuranças.

| Cf. CNBB. Santas Missões Populares. 4. ed. São Paulo, Paulinas, 2004. p. 22.
(Col. Queremos Ver Jesus — Caminho, Verdade e Vida.)

99
PNE - QV) - CVY nº 3]
4. Ligando a Palavra com a ação eucarística
Hoje, Dia de Todos os Santos, com a Igreja celebramos a ma-
nifestação da santidade de Deus, plenitude da vida cristã. O Espírito
Santo nos reúne para que, unidos à assembléia celeste, na memória
do Cordeiro Imolado, exultemos pela vitória daqueles nossos 1r-
mãos que superaram a grande provação e, realizando a “Páscoa”,
foram conduzidos deste mundo à glória do Pai. Na liturgia da terra,
antegozamos a liturgia celeste. Embora ainda não plenamente, já
entoamos um hino de glória ao Senhor e, venerando a memória dos
santos, esperamos fazer parte da assembléia celeste e aguardamos
o Salvador, nosso Senhor Jesus Cristo, até que ele, nossa vida, se
manifeste, e possamos aparecer com ele na glória (cf. SC, n. 8).
A celebração deste dia antecipa nossa participação (e nos
torna participantes), não ainda de forma plena, da assembléia
do céu, onde nossos irmãos, os santos, cantam eternamente os
louvores ao Pai diante do Cordeiro Imolado. Contemplando
alegres tantos membros da Igreja transformados em exemplos
e em intercessores, caminhamos com maior esperança rumo ao
Reino definitivo.
À Palavra proclamada alimenta nossa confiança da realiza-
ção das promessas do Cristo ressuscitado, presente no meio de
seus seguidores, e nos anima para a esperança dos novos céus
e da nova terra, enquanto suplicamos: “Ajudai-nos, ó Deus, a
trabalhar juntos na construção do vosso Reino, até o dia em que,
diante de vós, formos santos com os vossos santos” (cf. Oração
Eucarística VII sobre Reconciliação 1).
A liturgia, neste dia da festa de Todos os Santos, nos une à
visão antecipada do Apocalipse. O Reino do céu é para os bem-
aventurados, os que aderiram a Cristo e lavaram suas vestes
no sangue do Cordeiro pelo testemunho de vida, sofrimento e
empenho à justiça e à paz.
À participação e a contemplação da liturgia da festa de
Todos os Santos enchem nosso coração de uma alegria indes-
100
PNE - QV)
- CVV nº 3]
critível de viver. A exemplo dos santos, hoje somos chamados
à vida plena em Jesus ressuscitado, cujo memorial renovamos
na eucaristia.
“Felizes os convidados da ceia do Senhor...” Partilhando do
pão e do vinho, o Corpo e o Sangue do Ressuscitado, na mesa da
liturgia terrena, já participamos do ágape eterno do Pai que tudo
vivifica e pelo qual nós exclamamos: “Porque eterno é seu amor!”.
Na comemoração de todos os santos e santas do céu,
contemplamos e damos graças pela Páscoa de Jesus Cristo, que
amadurece e se completa na multidão de seguidores do Ressus-
citado. Eles, neste mundo, doam sua vida por muitas formas de
serviço solidário aos irmãos a caminho do Reino definitivo, onde
o Pai com todos os santos reúne os homens e as mulheres de
todas as classes e nações, de todas as raças e línguas para a ceia
da comunhão eterna, por Jesus Cristo nosso Senhor (cf. Oração
Eucarística VIII sobre Reconciliação IN).

PREPARANDO A CELEBRAÇÃO

Sugestões
Neste domingo de Todos os Santos, a equipe de liturgia,
como um serviço litúrgico em favor da comunidade de fé, ao
preparar a celebração dará particular atenção às seguintes partes
e gestos da celebração:
* ambiente: preparar o local da celebração destacando os
icones ou as imagens de santos(as) padroeiros(as) e de
maior devoção da comunidade;
º procissão de entrada: organizá-la com o Círio Pascal e
com alguns ícones da Virgem Maria ou de santos(as)
padroeiros(as) da comunidade — evidenciando-se a
relação entre o mistério pascal de Cristo e os santos.

101
PNE
- QV] - CVV nº 31
Algumas pessoas podem entrar vestidas de branco e
segurando uma palma na mão, entoando o hino: “Vejo
a multidão em vestes brancas” (cf. Oficio Divino das
Comunidades, p. 367);
liturgia da Palavra: as mesmas pessoas que entraram com
as vestes brancas podem circundar a mesa da Palavra e
ali permanecer até o final da proclamação do Evangelho;
homilia: o ministro que preside a celebração, se for opor-
tuno, pode abrir espaço para a recordação de pessoas que
vivem hoje a santidade de Deus, por seu testemunho de
fé e compromisso solidário com as pessoas;
preces da comunidade: preparar as invocações da La-
dainha de Todos os Santos, podendo ser cantadas ou
rezadas. Lembrar os(as) santos(as) de devoção do povo
da região;
oração eucarística: entre as orações eucarísticas, esco-
lher uma das que citam o nome dos(as) santos(as), como
a I(Cânon Romano) ou a III. Nesta, há possibilidade de
citar os nomes de santos e santas mais ligados à devoção
da comunidade;
ritos de comunhão: acompanhar a fração do pão com o
canto do “Cordeiro de Deus”;
final da celebração: se for oportuno e de acordo com as
manifestações da piedade popular, pode haver alguma
expressão de devoção ao santo(a) padroeiro(a);
bênção final: abençoar e enviar o povo com a Bênção
Solene sugerida pelo Missal Romano, p. 529.

102
PNE - QV) - CVVY nº 31
32º Domingo do Tempo Comum
|2 de novembro de 2006

Leituras: IReis 17,10-16; Salmo Responsorial 145(146),7.8-9a.9bc-10;


Hebreus 9,24-28; Marcos 12,38-44 (O óbolo da viúva)

Doação total
e confiança absoluta em Deus

1. Situando-nos brevemente
O 32º Domingo do Tempo Comum nos mostra a figura he-
róica da viúva de Sarepta. Seu gesto de doação total ilumina nossa
confiança em Deus e nossa capacidade de partilhar com os irmãos.
Nas pequenas doações, consideradas insignificantes, feitas com
total generosidade, podemos fazer de nossa vida uma oferta agra-
dável a Deus e aos irmãos. “Deus ama a quem dá com alegria!”
A mística e os apelos que emergem da Palavra de Deus
deste domingo se coadunam com as solicitações do Projeto
“Queremos Ver Jesus”. A prática da caridade, doando aos neces-
sitados ou a uma pessoa próxima que conhecemos, ou ainda a
uma entidade de assistência social, contribui para que tenhamos
uma vida digna: “Muitas vezes as pessoas que procuram nossas
comunidades necessitam, antes de tudo, prover às suas necessi-
dades básicas de alimentação, saúde, moradia [...). A comunidade
eclesial, no espírito do “ministério da caridade”,! [...] procure

Cf. CNBB. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil. Doc. 71,
nn. 37-43.

103
PNE - QV)- CVV nº 3]
oferecer com generosidade e dedicação todos os serviços que
puder, lembrando que “a caridade das obras garante uma força
indubitável à caridade das palavras”.
19292

Ao participar da celebração litúrgica deste 32º Domingo


do Tempo Comum, somos convidados a agir como a viúva do
templo — unir nossa vida à oferta de Cristo ao Pai —, e Deus será
glorificado.

2. Recordando a Palavra
O Evangelho deste domingo contrapõe a simplicidade ge-
nerosa de uma viúva à ostentação dos escribas, dos letrados de
Israel. Em seu último discurso público, no Templo, Jesus censura
a ambição e a hipocrisia judaica: “Guardai-vos dos escribas”.
Critica o exibicionismo e a autolatria dos escribas. Estes, para
não serem confundidos com as pessoas simples do povo e para
afirmarem sua pertença a uma classe distinta, usam distintivos e
trajam longas e vistosas vestes com o intuito de atrair a atenção
de todos nos locais por onde passam e serem alvo de todos os pri-
vilégios. Exigiam tratamento diferenciado no tocante à saudação,
à sua passagem pelas ruas, requeriam os primeiros lugares nos
banquetes e o silêncio obsequioso quando algum deles falasse.
Os escribas interpretavam os preceitos do Senhor, as
prescrições ao povo de Israel e julgavam nos tribunais os que
não cumpriam a Lei. Apresentavam-se muito religiosos (longas
orações), mas eram incoerentes, porque exploravam “as casas das
viúvas”, Isto é, as pessoas indefesas da sociedade. Ao reconheci-
mento da sua superioridade corresponde a submissão do povo.
Jesus previne seus discípulos contra o modo de proceder
de quem, por meio de verdadeiras encenações públicas, utiliza

? Ibidem n. 85b; cf. nn. 197, 116, 142.


104
PNE
- QV) - CVY nº 3]
a posição social para projetar-se, gozar de honrarias e obter
prestígio. O culto à superioridade cria a desigualdade e afirma o
domínio sobre o povo. Esse tipo de gente, além de se apresentar
como modelo de intercessor junto de Deus, disfarça sua ganân-
cia de riquezas, forçando suas vítimas a serem agradecidas pela
injustiça de que são objetos.
Jesus observa ainda que um grupo numeroso (Os ricos)
depositava grande quantia de dinheiro no cofre, numa atitude
ostensiva de quem aprova e sustenta os métodos da instituição
injusta (o Templo). Em contrapartida, uma pobre viúva, sem
relevância social, faz uma oferta insignificante para o sustento
do Templo, mas era tudo o que possuía; assim, torna, a oferta um
ato de devoção, um símbolo de amor (Evangelho).
O profeta Elias, fugindo das ameaças da poderosa rainha
Jezabel, por ter sido considerado culpado da maldição que se aba-
teu sobre o povo — devido à seca prolongada e, por consegiiência,
à fome —, encontra hospitalidade em terra pagã. A fome castigava
a terra que tinha Baal como deus da chuva e da fertilidade. As
promessas de abundantes colheitas, animais fecundos, riqueza
e prosperidade constituíam tentações para os israelitas se con-
verterem a Baal. Todavia, mesmo em terra estranha, o Senhor
sustenta com alimento e bebida aqueles que crêem nele.
A generosidade da viúva que, prontamente, acreditou nas
palavras do profeta é recompensada com o alimento por todo o
tempo de carestia. Ao abraçar a fé no Deus do profeta, ela obtém
a dádiva de ver seu filho curado (primeira leitura). O Senhor
acompanha com olhar de predileção os pobres: “Faz justiça aos
oprimidos, dá pão aos famintos, sustenta o órfão e a viúva e
transtorna o caminho dos malvados” (Salmo Responsorial).
Jesus Cristo é o único e verdadeiro sacerdote que exerce
seu ministério em um santuário que não foi construído por mãos
humanas e se oferece, uma vez por todas, num sacrifício perfeito,

105
PNE
- QV) - CVV nº 3]
como gesto de amor para o perdão dos pecados e, na segunda
vinda, para tornar participantes de sua glória todos os que nele
perseverarem (segunda leitura).

3. Atualizando a Palavra
À Palavra de Jesus tem hoje uma eloqiência ímpar diante
da realidade em que estamos inseridos. É uma forte crítica à
sociedade utilitarista e aqueles que alicerçam sua vida sobre os
critérios da aparência e da generosidade calculada. Com muita
propriedade, afirma Roberto Shinyashiki: “A acumulação de
riquezas e a ostentação estão deturpando os valores das coisas
e das pessoas. Em um mundo no qual o dinheiro é mais valori-
zado que os sentimentos, a aparência também acaba sendo mais
importante que a essência do ser”.
A hipocrisia dos escribas está bem presente em nosso
tempo. Todo dia sublinham-se mais as aparências, O status so-
cial e o sucesso. Manipulam-se os sentimentos religiosos das
pessoas simples (das “viúvas”) para salvaguardar os próprios
interesses políticos e econômicos. Mesmo no interior da Igreja,
contra toda a lógica do Evangelho, há aqueles que fazem de sua
vida uma corrida em busca de honrarias, prestígio e aplausos.
Iludem-se, pois a fama pela fama, a aparência pela aparência só
traz um imenso vazio. No passado, Jesus alertou os discípulos:
“Guardai-vos dos escribas”. Hoje ele avisa: “Não se iludam com
os modelos de sucesso que existem por aí”.
Ainda na atualidade, o comportamento dos escribas se
revela, de forma particular, na ideologia da economia global
fundada sobre a eficiência, o desejo e o consumo. Uma estrutura
na qual os espertos exploram os mais fracos, os humildes, os
desprovidos de poder econômico, político e religioso. Embria-
gam-se os menos favorecidos e desprovidos de senso crítico

106
PNE - QV) - CVV nº 3]
com a ambição de se tornarem ricos e poderosos, celebridades
bem-sucedidas na vida.
Apesar de em menor número, existem ainda os “escribas
e senhores muito ricos” que se apresentam generosos em sua
religiosidade. Eles ajudam com fartos donativos a construção
de igrejas ou de salas de catequese, não faltam às celebrações e
festas da comunidade, mas suas práticas religiosas não vão além
de interesses imediatos. Basta ver o que acontece na hora de
um batizado, de um casamento ou de uma missa de sétimo dia.
São os mais exigentes. Esquecem por completo os critérios que
ajudaram a elaborar e aprovar em favor do bom relacionamento
comunitário. Sua prática se revela intolerável aos critérios do
Evangelho, porque sua vida é pautada na quantidade e não na
qualidade do desprendimento, da sinceridade e da generosidade.
“Esta viúva doou tudo o que tinha para viver.”
Jesus reprova nos escribas a cegueira espiritual. Eles eram
os especialistas no conhecimento e na interpretação dos preceitos
do Senhor. Sua prática, porém, não se conformava com tais co-
nhecimentos e interpretações. Há muitos cristãos que conhecem
teoricamente muito bem os critérios evangélicos e os preceitos da
vida cristã; todavia, “fazem o bem pensando em si”. Na prática
comunitária, não mergulham no espírito e, consegientemente, se
tornam mesquinhos e intolerantes. O Mestre alerta seus discípulos
para a verdadeira prática religiosa. Esta não consiste na busca
de honrarias, em ocupar lugares de destaque nas comemorações
públicas, no uso ostensivo de vestes e de sinais externos para
chamar a atenção sobre si. A verdadeira prática religiosa brota da
generosidade e da humilde dedicação aos pobres e necessitados
(cf. Tg 1,27). O seguimento de Jesus se caracteriza pela doação,
pela solidariedade.
O Projeto “Queremos Ver Jesus” nos lembra que “O amor
cristão tem duas faces inseparáveis: faz brotar e crescer a comu-

107
PNE - QV]- CVV nº 3]
nhão fraterna entre os que acolheram a Palavra do Evangelho (a
koinonia, a partilha dos bens, a solidariedade, “um só coração
e uma só alma”) e leva ao serviço dos pobres, ao cuidado para
com os sofredores, ao socorro de todos os que precisam, sem
discriminação”.
Jesus contrapõe a generosidade e a religiosidade sincera de
uma pobre viúva ao modo hipócrita do agir dos escribas e ricos
senhores do Templo. Despojada dos bens terrenos, doa tudo o
que possui, demonstrando que sua confiança e segurança estão
nas mãos de Deus. É a generosidade radical. Ela não doou o
supérfluo; ela manifestou uma generosidade gratuita no sentido
da entrega total sem esperar nada em troca. “Sua humilde esmola
vale mais do que abundantes doações dos ricos, pois estes dão do
supérfluo, enquanto a viúva oferece a Deus o que ela necessitava
para viver.”
Apesar da natural tendência do coração humano de acumu-
lar riquezas em vista da satisfação egoísta de desejos próprios, em
geral nosso povo é generoso. Basta avaliar a pronta resposta dian-
te de certas calamidades provocadas pela seca ou por enchentes.
Multiplicam-se as toneladas de donativos. Felizmente, existem
muitas “viúvas de Sarepta e do Evangelho” que anonimamente
vivem da certeza de que “Deus abençoa quem generosamente
partilha seus próprios bens”. Vivem na gratuidade, não porque
ter bens materiais seja uma coisa ruim, mas pelo fato de eles
cumprirem sua finalidade quando colocados à disposição de quem
deles necessita, fim para o qual foram criados. A partilha genero-
sa e solidária multiplica as soluções de problemas que parecem
insolúveis. Enquanto a ganância provoca a fome e a miséria, a
partilha solidária multiplica as possibilidades de vida digna.

* Ibidem, n. 38.
+ KonINGs, J. Liturgia da Palavra, caminho de fé: Jesus, o Messias — Ano B, São
Paulo, Paulus, s.d. p. 63.

108
PNE- QV) - CVV nº 3]
À viúva que, sem chamar a atenção, humildemente oferece
o que possui, cumpre a condição indispensável para tornar-se
uma seguidora de Jesus: “Renunciar a tudo e seguir os passos do
Mestre”. O cristão, pobre ou rico, é aquele que partilha. Ninguém
é tão pobre que não disponha de algo para compartilhar. O gesto
das viúvas deste domingo só é compreensível na lógica da gene-
rosidade solidária. Isto me faz lembrar um fato: certo dia, numa
comunidade de determinada paróquia do Sul, ao fazer a coleta
de alimentos para uma entidade de assistência de grande núme-
ro de crianças, notei uma família muito simples e trabalhadora
que encheu nosso carro de víveres. Diante da generosa oferta,
abordei o pai dizendo: “Meu senhor, temo que eu esteja levando
aquilo que vai faltar para sua família”. Ele, com olhar sereno e
esfregando suas mãos calejadas, retrucou: “Padre, depois que
nós aprendemos a partilhar, nunca faltou para nós”. Na lógica
da partilha, o pão é para todos. O pão partilhado não acaba. Ele
se multiplica.

4. Ligando a Palavra com a ação eucarística


À eucaristia é memorial da entrega, da oferta total que Jesus
faz de si mesmo. Ele torna sua vida uma oferta a Deus Pai e à
humanidade. A generosidade das viúvas, do Antigo e do Novo
Testamento, que doaram tudo o que possuíam e a si mesmas, é
prefiguração e expressão da atitude sacerdotal de Jesus.
À eucaristia é ação de graças pela criação, pela ação de
Deus na história e pelo próprio dom de Jesus Cristo, que livremen-
te se entrega por nós e por amor ao Pai. A doação incondicional
de Jesus é uma ação profundamente humana de entrega, pela
qual se expressa o amor de Deus por nós; ação que nos convida
a fazer também da nossa vida uma doação. É essencial ao espírito
da celebração eucarística o gesto da solidariedade com os pobres
e esquecidos.

109
PNE - QV) - CVV nº 3]
“Olhai, com bondade, o sacrifício que destes à vossa Igreja
e concedei aos que vamos participar do mesmo pão e do mes-
mo cálice que, reunidos pelo Espírito Santo num só corpo, nos
tornemos em Cristo um sacrifício vivo para o louvor da vossa
glória” (Oração Eucarística IV).
Santo Agostinho afirma: “Cristo se entregou uma vez para
que nós nos convertêssemos em seu corpo. Mas quis que fizésse-
mos dessa sua entrega um sacramento cotidiano, nosso sacrifício
da Igreja, que, assim, pelo fato de ser corpo de Cristo-cabeça,
aprenda a ofertar-se a si mesma nele, e assim cada vez o melhor
sacrifício, ou seja, nós mesmos, a cidade de Deus, quando em
nossa oblação celebramos o sacramento do sacrifício”.
A celebração eucarística, memorial da entrega total de
Cristo, é um convite à comunidade para unir-se vitalmente à sua
oferta. O gesto de levar o pão e o vinho ao altar em procissão
é mais do que um simples rito funcional: expressa que toda a
comunidade se incorpora efetiva e ativamente ao sacrifício de
Jesus Cristo. O fruto da eucaristia, tal como se suplica na segunda
invocação do Espírito Santo, é nossa (a assembléia) conversão
em “oferenda permanente” e em “hóstia viva”.
O rito da coleta de dons e sua procissão ao altar junto com
o pão e o vinho da eucaristia, além de simbolizar a vida da co-
munidade, a gratidão por todas as bênçãos e favores recebidos
de Deus, expressa a capacidade de comunhão e de solidariedade
das pessoas reunidas em assembléia eucarística. Por essa razão,
o ministro reza: “Concedei, Senhor nosso Deus, que a oferenda
colocada sob o vosso olhar nos alcance a graça de vos servir...”;
“[...] dai-nos estender a todos vossa infinita caridade”.

* SANTO ÁGOSTINHO. De Civitate Dei 10,6. Citado por ALDAZÁBAL, José. A eucaristia.
Petrópolis, Vozes, 2002. p. 261,

110
PNE - QV) - CVV nº 3]
PREPARANDO A CELEBRAÇÃO

Sugestões
Neste domingo da generosidade total, a equipe de liturgia,
como um serviço importante para a comunidade de fé, ao preparar
a celebração, dará particular atenção:
à acolhida das pessoas: o ensaio dos cantos e um breve
momento de silêncio favorecem o clima de oração, de
participação interior e exterior, de encontro de Deus Pai
com seus filhos e filhas reunidos em assembléia;
à procissão de entrada: onde for possível, organizar a
procissão com as pessoas que atuam em equipes e ati-
vidades que ajudam os necessitados da comunidade;
à liturgia da Palavra: realizá-la com especial carinho;
da mesa da Palavra, proclamar bem as leituras e cantar
o Salmo de forma que a assembléia participe repetindo
o refrão. Substituir os comentários por breves instantes
de silêncio depois de cada leitura;
à preparação das oferendas: com poucas palavras expli-
car o sentido da coleta de dons (as esmolas) e depois,
em procissão com o pão, o vinho e outros símbolos da
comunidade (como alimentos e roupas), levar tudo ao
altar;
à oração eucarística: zelar para que seja o momento alto
do louvor e da ação de graças pela salvação que nos é
comunicada mediante o mistério do sacrifício pascal de
Jesus Cristo; cantar o “Santo”, as aclamações e o amém
da doxologia;
à lembrança dos mortos: onde for possível, em especial
nas pequenas comunidades, abrir espaço para que as

111
PNE - QV) - CVY nº 3]
pessoas presentes anunciem o nome de seus entes que-
ridos falecidos;
à fração do pão eucarístico e ao “Cordeiro de Deus”: o
ministro deve destacar bem o gesto de “partir o pão”,
de modo que toda a assembléia o acompanhe cantando
o “Cordeiro de Deus”;
à comunhão sob as duas sagradas espécies: de modo
digno e sem atropelos, organizar o rito da comunhão
de modo que a assembléia participe comungando sob
as duas espécies;
ao envio dos dons recolhidos: depois da bênção e antes
do envio final, se a comunidade recolheu e depositou
seus dons, como alimentos e roupas, aos pés do altar,
o ministro envia os encarregados da caridade solidária
para levarem as doações aos necessitados.

112
PNE - QV) - CVV nº 3]
33º Domingo do Tempo Comum
19 de novembro de 2006

Leituras: Daniel 12,1-3; Salmo Responsorial 15(16),5 e 8.9-10.11;


Hebreus 10,11-14.18; Marcos 13,24-32 (Profecia escatológica)

Há esperança!
Um mundo novo é possível

1. Situando-nos brevemente
Na caminhada do Ano Litúrgico, chegamos ao penúltimo
domingo do Tempo Comum. Celebramos o mistério da morte e
ressurreição de Jesus Cristo, com o qual o mundo e a história
mergulham na plenitude dos tempos.
A celebração deste domingo nos motiva a assumir a condi-
ção de peregrinos nesta terra, onde tudo é efêmero e provisório. O
céu e a terra passarão, a Palavra de Deus não passará. Ele nos pede
vigilância e discernimento ativo dos sinais dos tempos, em atitude
de esperança pela manifestação gloriosa da majestade do Senhor.
Aguardando a plena manifestação de Deus na plenitude
dos tempos, vivamos intensamente o presente, esforçando-nos
em dar o melhor de nós, na esperança de que um mundo novo
é possível.
Neste penúltimo domingo do Ano Litúrgico, reunimo-nos
para celebrar a Páscoa do Senhor e dos seus seguidores, porque
o Espírito Santo colocou em nosso coração a esperança. No
meio das provações do caminho, a Palavra e a partilha suscitam
a esperança, e a esperança não engana (cf. Rm 5,5).

113
PNE - QV) - CVV nº 3]
2. Recordando a Palavra

O Evangelho deste domingo traz para a meditação da co-


munidade as questões relacionadas aos últimos tempos. O fim
do mundo é descrito com imagens comuns à época do primeiro
século: “O Filho de Deus virá com poder e majestade”. Através
da linguagem apocalíptica, o evangelista deseja auxiliar a comu-
nidade cristã primitiva na compreensão da destruição da cidade
de Jerusalém e de seu imponente Templo, ocorrida no ano 70,
e das sucessivas perseguições a que era submetida. À luz dos
acontecimentos, havia quem entendesse os últimos tempos como
intervenção avassaladora de Deus.
Marcos elabora uma catequese sobre os últimos tempos: o
retorno do Filho de Deus e a salvação dos eleitos que persevera-
ram. Ele tem como objetivo animar e fortalecer a perseverança
e a esperança dos seguidores de Cristo. As comunidades devem
confiar na “revelação gloriosa do Senhor”. Nesse dia, irá se
manifestar a justiça de Deus, os inimigos serão derrotados e os
bons, glorificados.
Seguindo o estilo das narrativas apocalípticas, o Evangelho
deste domingo utiliza imagens fortes: “O sol vai ficar escuro, a
luz não brilhará mais, as estrelas começarão a cair do céu e os
poderes do espaço ficarão abalados” (vv. 24 e 25). Em meio a
todos esses sinais Irão se revelar o poder e a majestade de Deus
pela presença gloriosa do Filho do Homem (v. 26). “Ele enviará
os anjos dos quatro cantos da terra e reunirá as pessoas que Deus
escolheu” (v. 27). É a hora do julgamento dos que se opuseram
ao projeto de Deus e da salvação de todos quantos resistiram,
permanecendo fiéis.
O Evangelho traz duas sentenças solenes. A primeira se
refere à lógica da figueira. Por esta, Marcos ressalta que, diante
dos fatos e das perseguições, os cristãos devem discernir e esperar
confiantes na ação de Deus. É um aviso de que, dos escombros

114
PNE - QV) - CVV nº 3]
das estruturas do velho mundo brotarão um novo céu e uma nova
terra. A segunda sentença evoca o desconhecimento “quanto ao
dia e a hora em que estas coisas acontecerão” (v. 32). “Somente o
Pai é quem sabe.” Isso desqualifica as especulações, a curiosidade
e os movimentos milenaristas quanto à segunda vinda do Filho
de Deus. Assim, o Evangelho, mais do que suscitar um clima de
terror e de medo, enfatiza o aspecto positivo do fim dos tempos:
a esperança da vitória e da salvação, isto é, a presença gloriosa
e poderosa do Filho de Deus (Evangelho).
A realidade da esperança está presente também no apoca-
lipse do Livro de Daniel (primeira leitura). Deus está ao lado e
é companheiro dos que praticam a justiça, e a vitória final será
de Deus e daqueles que são fiéis a ele. O profeta Daniel quer
infundir ânimo nos seus leitores para que permaneçam fiéis à
fé, embora estejam inseridos em um ambiente hostil. Quem,
diante das perseguições, das catástrofes da natureza, das crises
pessoais e sociais, age na integridade e pratica a justiça; quem
não prejudica seu próximo; quem honra e teme o Senhor, jamais
será abalado (Salmo Responsorial).
A atitude da esperança evidencia-se igualmente na leitura
da Carta aos Hebreus. As comunidades tomadas pelo desânimo,
em meio às perseguições, perpetuam o sacrifício de Jesus Cristo.
Embora a situação social e comunitária não evidencie o novo,
um dia Cristo vencerá, colocando seus inimigos sob os seus pés
(v. 13). Ele e todos os que como ele imolaram sua vida obterão
o triunfo total (segunda leitura).

3. Atualizando a Palavra
Neste penúltimo domingo do Ano Litúrgico, emerge com
especial ênfase a realidade da escatologia, isto é, das últimas
realidades dos tempos. “O dia da revelação da glória do Cordeiro
Imolado”, Senhor e Juiz da humanidade.

115
PNE - QV) - CVV nº 3]
Na terra tudo é passageiro. As pessoas nascem, crescem,
amadurecem, chegam ao ápice e depois declinam. Muitas têm a
graça de se aposentar e de viver a velhice com dignidade. O fim,
porém, é o mesmo para todas: a morte e o sepultamento. “Os dias
do homem são como a relva, ele floresce como a flor do campo;
roça-lhe um vento, e já não existe” (Sl 103,15).

Em linguagem própria do estilo apocalíptico, caracteri-


zada por imagens fortes e elementos simbólicos, é evidenciada
a luta entre o bem e o mal, a vitória e a derrota, a salvação e a
condenação. Mais do que causar medo, a linguagem apocalíptica
deseja animar, suscitar esperança e fortalecer a resistência dos
bons. Diante de fatos como guerras, ações terroristas, catástrofes
naturais e sofrimentos provocados pela corrupção e pela injustiça
humanas, muitos gritam pela justiça de Deus.
As narrativas apocalípticas têm como base a seguinte
mensagem: o mundo criado é efêmero, acabará junto com a hu-
manidade, à qual é oferecida a salvação. Os bons vencerão e os
maus serão julgados e condenados. As narrativas aprimoram a
consciência e a compreensão de que, apesar da situação de caos
e da iminência do fim do mundo, Deus está presente e atento a
tudo o que se desenvolve na história. A fé na atuação paciente
e silenciosa de Deus alimenta a esperança de que, um dia, tudo
acabará bem. Tudo amadurecerá e chegará à plenitude.
O Senhor vem e se manifesta hoje, em nosso tempo. A espe-
rança cristã pode ser vivida de modo equivocado, quando apenas
se recorda a salvação que aconteceu ou que virá na consumação
dos tempos. Se há um momento em que podemos realizar algo,
este é o hoje, o aqui e o agora. O passado serve de inspiração; o
futuro, de imaginação e criatividade. Jesus nos avisa que este-
jamos prontos, a fim de não deixarmos para amanhã o bem que
pode ser feito hoje.
Na vida cristã tudo são presença e graça do Senhor no
hoje, no aqui e no agora de nosso tempo. E o “já” e o “ainda

116
PNE - QV) - CVVY nº 31
não” do projeto salvador de Deus em desenvolvimento até sua
plenitude. No aqui e no agora da salvação, o papel da fé, na
perspectiva da vigilância, é o de discernir os sinais da presença
atual de Deus que constantemente vem ao encontro da huma-
nidade para salvá-la.
Temos de reconhecer que não é fácil perceber os sinais
da vinda e da presença de Deus no cotidiano, os quais, muitas
vezes, acontecem por vias inesperadas. O ambiente social de
hoje dificulta a fidelidade cristã. A vida humana é submetida a
diferentes formas de desrespeito, como a manipulação genética,
o aborto, a eutanásia, a esterilização, a comercialização do sexo
e do corpo e as diversas outras formas de violência.! O respeito
pela verdade é sacrificado por interesses espúrios. O mundo dos
negócios e da política é governado pela lei do império do lucro.
O incontrolável tráfego de armas e de drogas é realizado por
indivíduos inescrupulosos a serviço da destruição de pessoas. O
desenvolvimento integral, a paz, a justiça e os direitos humanos
são simplesmente tolerados. Tais realidades criam muitos “fins
de mundo” para uma considerável parcela de seres humanos. Mas
é a partir dos “fins de mundo”, das tragédias e catástrofes que
muita gente aprende a lição da vida: Deus está presente, temos
de respeitar a natureza etc. Contudo, o pior “fim de mundo” não
é aquele provocado por catástrofes da natureza, como grandes
inundações, furacões, secas arrasadoras..., mas aquele causado
pela ambição e pela ganância dos homens. Muitas vezes, a partir
“dos fins de mundo” criados pelos homens que são elaboradas
novas perspectivas de esperança e de fraternidade.
Hoje, muitas pessoas, diante da cruel realidade social,
econômica e política, estão se cansando e perdendo o rumo da
história. Somente a esperança dá forças para suportar o cansaço

| CNBB. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil. Doc. 71,


n. 68; cf. n. 193.

117
PNE
- QV) - CVV nº 3]
de viver e para superar a monotonia dos afazeres cotidianos na
família, no trabalho, nos relacionamentos sociais, na enfermidade,
nos contratempos etc. É no meio de tudo isso que acontecem as
múltiplas vindas do Senhor em nosso dia-a-dia, como antecipa-
ção de sua última vinda. A vitória final do bem sobre o male o
reconhecimento dos justos acontecem aos poucos e no silêncio
dos pequenos e grandes fatos da história.
“O céu e a terra desaparecerão, mas minhas Palavras não
desaparecerão.” Essa afirmação relativiza o mundo criado e
proclama a perenidade da Palavra de Deus. As fontes de energia
e as riquezas da terra, os sistemas de convivência humana e de
governo passarão. Permanecerá aquilo que a escuta da Palavra
concretizou: a vivência do amor, os gestos de caridade solidária,
a promoção da justiça e da paz; a defesa da verdade em favor da
dignidade da vida. No presente e para que a convivência social
não se transforme num “fim de mundo”, a Palavra de Jesus Res-
suscitado impulsiona os filhos de Deus a empreenderem “ações
solidárias”” que revelam a confiança de que “um outro mundo
é possível”.
Podemos olhar com respeito e com medo o Cristo glorioso
que vem para julgar todos os povos, porém também podemos
contemplar confiantes aquele que virá como juiz, pois é nele que
professamos nossa fé. É a sua Palavra que escutamos, são seus
passos que seguimos. É seu Corpo e Sangue que comungamos
em cada celebração eucarística, como alimento da caminhada
rumo ao Reino definitivo.

4. Ligando a Palavra com a ação eucarística


À ação eucarística é vivência antecipada da manifesta-
ção gloriosa de Cristo, acontecendo hoje, pela prática da fé e

2 Ibidem, n. 157; cf. nn. 158-167.

118
PNE - QV)
- CVY nº 3]
da caridade solidária. “Anunciamos, Senhor, a vossa morte e
proclamamos a vossa ressurreição, enquanto aguardamos vossa
vinda.” Há uma íntima unidade entre a ação litúrgica e a escato-
logia, espera da vinda de Cristo. “Maranatá” (1Cor 16,22). “Vem,
Senhor Jesus” (Ap 22,20). “Venha o Senhor, passe o mundo.”
Em cada celebração eucarística, renova-se para a Igreja a espe-
rança do retorno glorioso de Cristo. E com fé sempre renovada,
ela reafirma o desejo do encontro final com aquele que virá para
realizar o seu plano de salvação universal.
Na celebração litúrgica da comunidade terrena “nós par-
ticipamos, saboreando já a liturgia celeste, que se celebra na
cidade santa de Jerusalém, para a qual nos encaminhamos como
peregrinos, onde o Cristo está sentado à direita de Deus, qual
ministro do santuário e do verdadeiro tabernáculo; com toda a
milícia do exército celeste entoamos um hino de glória ao Senhor
e, venerando a memória dos santos, esperamos fazer parte da
sociedade deles; esperamos pelo salvador, nosso Senhor Jesus
Cristo, até que ele, nossa vida, se manifeste, e nós apareceremos
com ele na glória” (SC, n. 8).
À eucaristia que celebramos é memória da “volta do Se-
nhor”. Paulo afirma: “Todas as vezes que comeis desse pão e
bebeis desse cálice, anunciais a morte do Senhor até que ele ve-
nha” (1Cor 11,26). “Pregareis minha morte, anunciareis a minha
ressurreição, esperareis a minha vida, até que eu venha novamente
do céu até vós” (liturgia ambrosiana e Missal de Stowe).
No tempo da continuidade da missão de Cristo, entre a
ressurreição e a segunda vinda gloriosa do Filho de Deus, a
celebração eucarística é, ao mesmo tempo, memorial e antecipa-
ção, presença e esperança da vinda definitiva do Senhor. “Quem
come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, e

3 Cf. JoÃo PAuLo II. Eucaristia e missão, 19 de abril de 2004.

119
PNE - QV) - CVV nº 31
eu o ressuscitarei no último dia” (Jo 6,54). A liturgia eucarística
projeta, dessa forma, a esperança da ressurreição final, como
participação na realidade gloriosa do Ressuscitado. A respeito
disso, são Irineu afirma: “Os nossos corpos, participando da
eucaristia, não são mais corruptíveis, pois têm a esperança da
ressurreição eterna”.º
O pão e o vinho, fruto do trabalho humano, transformados
pela força do Espírito Santo no Corpo e no Sangue de Cristo,
tornam-se o penhor de “um novo céu e uma nova terra” (Ap 21,1),
que a Igreja anuncia na sua missão cotidiana. No Cristo presente
no mistério eucarístico, o Pai pronuncia a Palavra definitiva sobre
a humanidade e sobre a sua história.
A eucaristia deve ser celebrada até a volta do Senhor e
é penhor da glória futura (cf. SC, n. 47). A fé mantém viva a
esperança do retorno de Cristo glorificado. “[...] esperando a
sua vinda gloriosa, nós vos oferecemos o seu Corpo e Sangue,
sacrifício do vosso agrado e salvação do mundo inteiro. [...]
possamos alcançar a herança eterna no vosso Reino, onde, com
todas as criaturas, libertas da corrupção e do pecado e da morte,
vos glorificaremos” (Oração Eucarística IV).
A ação litúrgica (em particular a eucaristia), ao mesmo
tempo em que do presente resgata o passado, projeta ao futuro
inserindo seus participantes no “tempo novo”: “Assim como aqui
nos reunistes, ó Pai, à mesa do vosso Filho [...] reuni no mundo
novo, onde brilha a vossa paz, os homens e as mulheres de to-
das as classes e nações, de todas as raças e línguas, para a ceia
da comunhão eterna, por Jesus Cristo, nosso Senhor” (Oração
Eucarística VIII sobre Reconciliação IN).

* Dicionário de Liturgia. Verbete Escatologia, p. 353.

120
PNE - QV) - CVV nº3I
PREPARANDO A CELEBRAÇÃO

Sugestões
Neste penúltimo domingo do Tempo Comum, a equipe de
liturgia, como um serviço importante para a comunidade de fé,
ao preparar a celebração, dará particular atenção às seguintes
partes e gestos da celebração:
acolhida: receber de maneira fraterna a todas as pessoas
que se reúnem para celebrar, pois elas esperam ser bem
acolhidas na comunidade litúrgica;
esperança: nos comentários, na homilia e nas preces
sublinhar a dimensão da esperança. Em um tempo em
que se multiplicam os profetas da desesperança e do
derrotismo, as comunidades cristãs são desafiadas a ser
sinais vivos de esperança;
procissão de entrada: onde for possível, iniciar a ce-
lebração num lugar próximo e dali sair em procissão
para o local da celebração, como expressão de nossa
condição de peregrinos com Cristo para o Pai, pela força
do Espirito Santo;
liturgia da Palavra: iniciá-la (antes da primeira leitura)
com um refrão meditativo. Nessa hora, pessoas com ve-
las acesas, partindo de diferentes pontos da assembléia,
podem se aproximar da mesa da Palavra;
procissão da apresentação dos dons: se oportuno e onde
houver o costume, as ofertas da comunidade — pão e
vinho para a eucaristia e outros símbolos — podem ser
trazidos acompanhados por uma expressão corporal ao
ritmo da música e do canto de ofertas;
oração eucarística: cuidar para que seja a grande ação
de graças pela salvação que o Senhor nos comunica hoje

121
PNE - QV) - CVY nº 3]
e sempre até a chegada do dia eterno do Pai. Cantar o
“Santo”, as aclamações e o amém da doxologia;
* fração do pão: ressaltar a fração do pão eucarístico. En-
quanto o ministro parte o pão com calma e dignidade,
a assembléia canta o “Cordeiro de Deus”;
e silêncio após a comunhão: reservar à comunidade cele-
brante instantes de silêncio e depois cantar: o Magnificat
ou “Quando o dia da paz renascer”.
e Dia de Zumbi: recordar que no dia 20 de novembro
comemoramos o Dia de Zumbi, destacando a riqueza e
a grandeza da cultura dos afro-descendentes.

122
PNE - QV) - CVV nº 3|
34º Domingo do Tempo Comum
26 de novembro de 2006

Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo Rei do Universo


Leituras: Daniel 7,13-14; Salmo Responsorial 92(93),lab.lc-2.5;
Apocalipse 1,5-8; João 18,33b-37 (“Eu sou Rei”)

Jesus Cristo, Servo e Rei do Universo

1. Situando-nos brevemente
À comemoração de Jesus Cristo, Rei do Universo, encerra
o Ano Litúrgico. Jesus Cristo é o Alfa e o Ômega, o começo e
o fim da história humana que Deus transforma em história da
salvação.
A festa de Cristo Rei como celebração litúrgica foi insti-
tuída pelo papa Pio XI, com a Encíclica Quas primas, em 11 de
novembro de 1925. O Papa fixou o último domingo de outubro
como data da festa de Cristo Rei, sobretudo tendo em vista a festa
subsequente de Todos os Santos, “a fim de que se proclamasse
abertamente a glória daquele que triunfa em todos os santos
eleitos”. A reforma litúrgica do Vaticano II transferiu a data do
último domingo de outubro para o último domingo do Tempo
Comum. Desse modo, concedeu à celebração um significado
diferente, sublinhando a dimensão escatológica do Reino na
sua consumação final. Com essa mudança, Cristo aparece como
Centro e Senhor da história, Alfa e Ômega, Princípio e Fim (cf.
Ap 22,12-13). É a Festa do Cristo Kyrios. “O Cordeiro que foi
imolado é digno de receber o poder, a divindade, a sabedoria, a

123
PNE - QV) - CVV nº3]
força e a honra. A ele glória e poder através dos séculos” (Antí-
fona da entrada).

A Igreja no Brasil comemora hoje o Dia dos Leigos, os


missionários do Reino de Deus nas diferentes áreas e atividades
que tecem a vida humana, religiosa e social. ,

Neste último domingo do Ano Litúrgico, loyvemos e agra-


deçamos ao Senhor por todas as graças e bênçãos recebidas de
sua bondade, ao longo da caminhada do ano que passou.

2. Recordando a Palavra

O evangelista João situa a realeza de Jesus Cristo no relato


da Paixão para evidenciá-la como modelo, em um total contraste
com os outros modelos. Jesus é Rei, porém de modo diferente
das demais formas de poder.
O diálogo de Pilatos com Jesus dá início ao Evangelho
deste domingo. Jesus, depois de ser interrogado e rejeitado pelo
poder religioso, é conduzido ao governador romano Pôncio Pi-
latos. Este chama o réu e o interroga: “Tu és o rei dos judeus?”
(v. 33). À pergunta do governador Jesus responde: “Você diz
ISSO por Si mesmo, ou foram outros que lhe disseram isso a meu
respeito?”. Os judeus desejam conseguir de Pilatos a condenação
capital para Jesus. Declarando-se rei, ele se colocaria em oposi-
ção a César. O governador teria de condená-lo se não quisesse
perder os favores do imperador romano. Eximindo-se de qualquer
responsabilidade, Pilatos quer se inteirar sobre o que Jesus fez
para ser entregue ao poder romano. “O que fizeste?”. Jesus não
responde à pergunta. Retoma a resposta da pergunta anterior:
“O meu Reino não é deste mundo”. Revela sua procedência e
que suas obras manifestam o projeto do Pai. Rejeita todo tipo de
realeza que tenha como base a força e o poder. “Meu Reino não
é daqui”. Jesus nega a pretensão de usurpar o trono do imperador
124
PNE - QV] - CVV nº 3]
romano fundado no poder e guarnecido pela força dos exércitos
e das armas.
Estranhando a realeza de Jesus e sem saber direito o que
perguntar, Pilatos reconhece: “Então, tu és rei?”, Na visão do
governador, como pode ser rei alguém que não tem exércitos
nem armas, riquezas e ambições políticas? A postura de Jesus,
condenado à morte, solitário e fraco, pobre e despojado de
qualquer poder, questiona os dogmas do império e inquieta seus
governantes. “Você está dizendo que eu sou rei. Eu nasci e vim
ao mundo para dar testemunho da verdade [...]” (v. 37).
Não tem jeito, Jesus é um Rei diferente dos poderosos do
mundo. Sua resposta a Pilatos revela a função de sua realeza:
dar testemunho da verdade, sendo fiel à vontade do Pai até as
últimas consegiiências, isto é, à morte da cruz.

“O que é a verdade ?”, pergunta Pilatos (v. 38). Jesus se cala.


A sua realeza se exerce no domínio da verdade, isto é, na fide-
lidade ao projeto do Pai e não na mentira, no ódio, na opressão,
próprios dos reinos terrenos. A verdade é a revelação do ser de
Deus, que é amor. Para o evangelista João, no Reinado de Cristo,
são realidades intimamente ligadas à verdade como revelação e
manifestação do Deus-Amor e a morte por amor, até as últimas
consegiências.
A comunidade do Apocalipse reconhece Jesus como o prin-
cípio e o fim da criação. Cristo é o Ae o Z. Cristo é o princípio
porque ele estava desde o começo junto de Deus. Tudo foi feito
por meio dele e para ele (cf. Jo 1,1-3.14). Eleé o Ômega, o Fim, O
Caminho pelo qual chegamos à plenitude. Sendo princípio e fim,
Cristo fez de nós um reino de sacerdotes (segunda leitura). Um
Reino no qual o Filho do Homem é dotado de poder, de majes-
tade e de império. Ele reinará para sempre e as forças do mal, de
ontem e de hoje, jamais o destruirão. A manifestação da glória do
Reino do Altíssimo inaugurará uma nova era (primeira leitura).

125
PNE
- QV) - CVV nº 31
3. Atualizando a Palavra

Nas celebrações litúrgicas estamos habituados a cantar


hinos a Cristo Rei. “Rei divino que à terra desceste. Vindo a nós
de um trono de glória. Alcançaste fulgente vitória sobre a culpa
origem da dor! Reina, reina nas almas no mundo. Rei dos reis,
Jesus Cristo, Senhor!”. E outros hinos como: “Jesus é meu Rei
e Senhor”.
Reconheçamos com sinceridade: não é fácil vencer a
tentação ao triunfalismo religioso e à imposição dos critérios
evangélicos e eclesiais por certa coação da lei e do poder políti-
co. As influências dos tempos de cristandade ainda repercutem e
revelam sua força em muitas manifestações eclesiais e litúrgicas.
Hoje o estandarte de Cristo Rei tremula em meio a muitas outras
bandeiras da sociedade.
É importante deixar claro que a realeza de Cristo não se
confunde com a realeza deste mundo. Suas conquistas não se
medem pela quantidade de indivíduos batizados, pela eficiência
das estruturas e das instituições eclesiais, pela grandiosidade das
igrejas, pelo temor que as autoridades eclesiásticas impõem. O
Reino de Cristo conquista novas fronteiras pela atitude de serviço,
pelos gestos de doação solidária em favor dos mais fracos. Ele
se manifesta no respeito de uns pelos outros, no encontro, no
diálogo que instaura relações de comunhão.
Talvez devêssemos retomar a pergunta de Pilatos: “Tu és
rei?”, Que rei Jesus é hoje para nós? Há quem aclame a Jesus
como rei por saudosismo dos tempos do catolicismo expresso em
grandiosas manifestações públicas, em entronizações etc. Com
certa freqiência usam-se expressões que refletem nossa partici-
pação como membros do Reino de Cristo: “a serviço do Reino”,
“a caminho do Reino definitivo”, “promotores dos valores do
Reino”, “construtores do Reino” etc. O Reinado do Cristo Senhor
2» 66

126
PNE
- QV) - CVY nº 3]
é muito peculiar: não se concentra em instituições de poder, mas
na verdade e na comunhão de todos. Ele desmascara a mentira
inerente ao poder; a inversão do serviço em opressão; a perversão
de uma comunidade em estrutura de injustiça; a subjugação das
pessoas aos ídolos do império do lucro.
“Eu nasci e vim ao mundo para dar testemunho da verda-
de...” Jesus Cristo é reconhecido como Senhor (Kyrios) e Rei
porque realizou (e realiza) a missão de salvar, perdoar, recon-
ciliar, libertar, curar, dar a vida e anunciar a Boa-Nova do amor
do Pai e da esperança. Nessa perspectiva, celebrar hoje a festa
de Cristo Rei é reconhecer que ele é o ponto de convergência da
história, da atividade e da peregrinação terrena da humanidade.
Ao Kyrios tendem os desejos da história e das civilizações. O
Cordeiro que foi imolado, agora é motivo da alegria de todos os
corações e plenitude total dos anseios. Por isso “Jesus Cristo,
ontem, hoje, sempre. Aleluia!”.

Jesus afirma: “Meu Reino não é deste mundo”. O fato de o


Reino de Cristo não ser do estilo político dos governos terrenos
não significa que esteja ausente e não se realize já neste mundo.
Jesus mesmo nos ensina a rezar: “Venha a nós o vosso Reino”.
O Reino que almejamos não tem aparato burocrático nem a força
das armas para impor a lei evangélica. Ele é dom de salvação
e soberania amorosa sobre a vida dos homens. Reino que tem
como fundamento o amor, a verdade, a liberdade, a justiça e a
paz pela via do serviço espontâneo, e não pela imposição. “Ele,
oferecendo-se na cruz, vítima pura e pacífica, realizou a redenção
da humanidade. Submetendo ao seu poder toda criatura, entregará
à vossa infinita majestade um reino eterno e universal: Reino da
verdade e da vida, Reino da santidade e da graça, Reino da justiça,
do amor e da paz” (Prefácio da Festa de Cristo Rei).
O senhorio do Cordeiro Imolado e vitorioso é reconhecido
e perpetuado hoje, no mundo, através dos cristãos e das comu-

127
PNE
- QV) - CVV nº 3]
nidades eclesiais, não tanto por privilégios e influências sociais,
mas pela presença e serviço, qual fermento na massa, em favor
da verdade, da justiça, da fraternidade e da convivência no amor,
na paz e na liberdade. “Após o Concílio, a teologia cristã insistiu
de forma enfática sobre a necessidade de assumir a missão não
como “implantação da Igreja”, mas sim como “serviço ao mundo”
ou, mais propriamente, ao Reino de Deus e à Paz que este traz
91
à humanidade”.

Pelo batismo somos convidados a reinar com Cristo pelo


serviço, pelo perdão, pela reconciliação, enfrentando o desafio
da cruz a fim de que todos tenham dignidade e paz.
Neste dia da festa de Cristo Rei, a Igreja comemora o Dia do
Leigo. Recorda seus membros que, pelo batismo, são em Cristo
sacerdotes, profetas e reis, inseridos nas realidades da cultura, da
política, do comércio, das ciências, da economia, da ecologia, da
vida conjugal... A presença e a atuação de leigos cristãos nessas
áreas podem transformá-las em espaço fecundo para os valores
do Reino de Deus
Neste último domingo do Ano Litúrgico, concluída a ca-
minhada como discípulos, reconhecemos e proclamamos que
Cristo é Senhor e Rei universal. Ele é Senhor de toda a criação
e de toda a história. Seu Reino é o Reino de Deus introduzido
na vida humana pelo mistério de sua encarnação; ele o instaurou
para sempre por sua morte e ressurreição. Ao proclamarmos em
espírito e verdade que Cristo é nosso Rei, manifestamos a decisão
de seguir seu caminho de total fidelidade, colocando toda nossa
vida ao serviço da obra redentora de Jesus, nosso Rei e Senhor.
“Gloriando-nos de obedecer na terra aos mandamentos de Cristo,
Rei do universo, possamos viver com ele eternamente no reino
dos céus” (Oração depois da Comunhão).

|! CNBB. Missão e ministério dos cristãos leigos e leigas. Doc. 62, n. 47.

128
PNE
- QV) - CVY nº 3]
4. Ligando a Palavra com a ação eucarística
Pela celebração litúrgica deste último domingo do Ano
Litúrgico, encontramo-nos com o Senhor, nosso Rei e Juiz que
por sua palavra nos julga, purifica-nos e nos torna participantes
do banquete de seu Reino. Experimentemos antecipadamente o
júbilo dos convidados à ceia do Reino que seu amor preparou.
Hoje na celebração eucarística em que Cristo vive conosco
sua Páscoa redentora, para que nos unamos intimamente a ele,
recebemos a força do Espírito Santo, a fim de sermos testemunhas
fiéis da verdade e chegarmos ao Reino eterno e universal — um
Reino de verdade e de vida, de santidade e de graça, de justiça,
de amor e de paz.
A Palavra de Deus, que escutamos e acolhemos com do-
cilidade em nosso coração, revela-nos que o Reino de Deus está
realmente presente no meio de nós, como grande dom do amor
de Deus à humanidade.
À eucaristia que celebramos é memorial do Cristo vito-
rioso que se mostrou fiel no amor até as últimas conseqiiências
da morte na cruz, sem jamais ceder às artimanhas do poder e da
violência. Ele é Rei vitorioso porque “sempre se mostrou cheio
de misericórdia pelos pequenos e pobres, pelos doentes e peca-
dores, colocando-se ao lado dos perseguidos e marginalizados.
Com a vida e a Palavra anunciou ao mundo que sois Pai e cuidais
de todos como filhos e filhas” (Oração Eucarística para Diversas
Circunstâncias VI-D).
À ação litúrgica deste domingo de Cristo Rei é expressão
da aliança de Deus com seu povo, isto é, expressão maior da
comunhão do Reino.

129
PNE - QV) - CVV nº 31
PREPARANDO A CELEBRAÇÃO

Sugestões
Neste domingo da Festa de Cristo Rei e do Dia Nacional
dos Leigos, a equipe de liturgia, como um serviço importante
para a comunidade de fé, ao preparar a celebração, dará particular
atenção às seguintes partes e gestos da celebração:
* espaço celebrativo: destacar o Círio Pascal ou a cruz
ornada com um pano branco e com uma palma, que
simboliza a vitória; destacar também as mesas da Palavra
e da eucaristia. A cor litúrgica é o branco;
acolhida: leigos e leigas que, animados pelo Espírito
Santo, deixam suas atividades e suas casas para cons-
tituírem a comunidade que tem Cristo como Senhor e
Rei;
procissão de entrada: solenizar a procissão de entrada
com a cruz ornamentada com um pano branco e a palma
da vitória, acompanhada com o refrão: “Jesus Cristo,
ontem, hoje, sempre; ontem, hoje, sempre. Aleluia”
ou “Vitória, tu reinarás”, ou ainda “Cristo hoje, Cristo
ontem, Cristo para sempre. Amém!”. Pode-se acender o
Círio Pascal, enquanto a assembléia aclama cantando;
recordação da caminhada do Ano Litúrgico: após o sinal-
da-cruz e a saudação do ministro que preside a celebra-
ção, convidar a comunidade a recordar os acontecimen-
tos significativos do Ano Litúrgico que está por findar,
evidenciando-se sua vinculação com Cristo Rei, como si-
nais do Reino de Deus presente no meio da comunidade;
ato penitencial: realizar a aspersão da água benta como
recordação da caminhada batismal e da participação na
missão “real serviço” de Cristo;

130
PNE - QV] - CVV nº3I]
proclamação do Evangelho: pessoas com velas (leigos
e leigas) se aproximam da mesa da Palavra. Enquanto
a comunidade aclama cantando um refrão, o ministro
incensa o Evangeliário. A proclamação do Evangelho
pode ser dialogada;
profissão de fé: convidar a comunidade a professar sua
adesão de fé a Cristo Senhor e Rei, tomando-se o mo-
delo da Vigilia Pascal e convidando os presentes a se
expressarem, no ato da resposta, através de um gesto;

oração dos fiéis: preparar as preces com a resposta:


“Venha a nós o vosso Reino!”;
prefácio: cantar o prefácio próprio da Festa de Cristo
Rei;

oração eucarística: cantar as aclamações e o amém da


doxologia;
pai-nosso, oração dos seguidores de Jesus: quem presi-
de deve lembrar que suplicamos “Venha a nós o vosso
Reino”. Se oportuno, que seja cantado por toda a as-
sembléia;
comunhão: onde for possível, realizá-la sob as duas
sagradas espécies;
envio e a bênção final: após lembrar que no domingo
seguinte inicia-se o tempo do Advento, o ministro aben-
çoa a assembléia (cf. formulário do Tempo Comum V,
Missal Romano, p. 526) e envia (particularmente) os
leigos para a missão do anúncio e da construção do
Reino.

131
PNE - QV) - CVV nº 3]
Sumário

Apresentação.............crritrrerrereeearerenterceearearerrercaearerrerercereeneararrertareaeareasarsarearensaneaso 5
22º Domingo do Tempo Comum — 3 de setembro de 2006
(Dt 4,1-2.6-8; SI 14[15],2-3a.3cd-4ab.5; Tg 1,17-18.21b-22.27;
Mc 7,1-8.14-15.21-23 [Observância e mandamentos))....................ssssss 7
23º Domingo do Tempo Comum — 10 de setembro de 2006
(Is 35,4-7a; SI 145[146],7.8-9a.9bc-10; Tg 2,1-5; Mc 7,31-37
[Cura do surdo-mudo!).............cseeereererecerrerrerererarereereaeernreraerenerereennenenearo 17
24º Domingo do Tempo Comum — 17 de setembro de 2006
(Is 50,5-9a; SI 114[116],1-2.3-4.5-6.8-9; Tg 2,14-18; Mc 8,27-35
[Duas reações de Pedro])............. e eererereaereeraerereaerarereneerenererereneerento 27
25º Domingo do Tempo Comum — 24 de setembro de 2006 (Domingo da Bíblia)
(Sb 2,12.17-20; SI 53[54],3-4.5.6 e 8; Tg 3,16-4,3; Mc 9,30-37
[Paixão e ambições)) .............. eee crerereeraererereramreararerereaere
rena erererrernaas 37
26º Domingo do Tempo Comum — 1º de outubro de 2006 (Início do Mês das Missões)
(Nm 11,25-29; SI 18[19],8.10.12-13; Tg 5,1-6; Mc 9,38-43.45.47-48
[Ensinamentos|)... ss eeerrerererreererereneerancorrenaeeranecrancocranieanaaceanaerannecasa 45
27º Domingo do Tempo Comum — 8 de outubro de 2006
(Gn 2,18-24; 81 127[128],1-2.3.4-5.6; Hb 2,9-11; Mc 10,2-16
[Nova lei do matrimônio))............. ss eereereerecerereaereneeeareneeererenetaa 55
28º Domingo do Tempo Comum — 15 de outubro de 2006
(Sb 7,7-11; SI 89[90],12-13.14-15.16-17; Hb 4,12-13; Mc 10,17-30
[Jovem rICO)) ........ssss sis s cer rreseereraceeernerearerasarereaareraana
casar cenantenaaaenanasraanerana 65
29º Domingo do Tempo Comum — 22 de outubro de 2006
(Is 53,10-11; S1 32[33],4-5.18-19.20 e 22; Hb 4,14-16; Mc 10,35-45
[Os filhos de Zebedeu)) .........ss ss srrrercerercerenreerareraroraneeearereneerarerrnerenaceracesa 75
30º Domingo do Tempo Comum — 29 de outubro de 2006
(Jr 31,7-9; SI 125[126],1-2ab.2cd-3.4-5.6; Hb 5,1-6; Mc 10,46-52
[O cego de Jericó)) ......... e rereereereereererreerrereeererererenrencereearencentenaa 85
31º Domingo do Tempo Comum — 5 de novembro de 2006
(Solenidade de Todos os Santos)
(Ap 7,2-4.9-14; SI 23/24],1-2.3-4ab.5-6; 1Jo 3,1-3; Mt 5,1-12a
[Bem-aventuranças)) .............cc re cereerereeeererererereneenerarererereerernesacereranesns 95
32º Domingo do Tempo Comum — 12 de novembro de 2006
(IRs 17,10-16; S1I 145[146],7.8-9a.9bc-10; Hb 9,24-28; Mc 12,38-44
[O óbolo da viúva)) ............ ss rrercereererereneeceraererereneereerenesraaarereesisanerans 103
33º Domingo do Tempo Comum — 19 de novembro de 2006
(Dn 12,1-3; SI 15(16),5 e 8.9-10.11; Hb 10,11-14.18; Mc 13,24-32
[Profecia escatológica])...............c ie iereeereerererererereeeeereeeeeerereeerererensanrada 113
34º Domingo do Tempo Comum — 26 de novembro de 2006
(Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo Rei do Universo)
(Dn 7,13-14; S1 92[93],lab.1c-2.5; Ap 1,5-8; Jo 18,33b-37 [“Eu sou Rei”) .... 123
Oração do Projeto Nacional de Evangelização...................
erre 133

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