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Entrevista concedida no dia 7 de agosto do corrente na cidade de São Paulo. A versão final
foi gentilmente revista pelo entrevistado. Participaram da entrevista Renato Rocha Pitzer e
Ricardo Figueiredo de Castro.
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perdiam. A ocorrência é abundante na literatura, nas fontes. As duas alternati-
ARRABALDES - Professor, para mais facilmente podermos discernir a sua
vas se encontram e isso acontece através dos séculos. As queixas de que os
postura do Modo de Produção Escravista Colonial da de Ciro Cardoso, o se-
senhores faziam os escravos trabalharem nos dias santos e domingos apare-
nhor poderia apontar, em linhas gerais, as características estruturais deste mo-
cem já no século XVI e se prolongam até quase o final da escravidão. Nas fa-
do de produção e sua relação com a questão da "brecha camponesa".
ses de safra, era praticamente impossível aos escravos cuidar de seus lotes.
GORENDER - Esta é uma questão um tanto complexa. Mas o fundamental é
Particularmente no caso do açúcar - que tem na safra um período muito penoso
que o Escravismo Colonial é um modo de produção específico e historicamente
de trabalho -, os lotes ficavam descurados, abandonados, sem cultivo. Os es-
novo, que tem leis e categorias próprias. Ele é uma totalidade orgânica, não se
cravos não conseguiam cultivar os seus lotes, senão irregularmente. Podemos
confunde com o feudalismo, com o capitalismo, nem como nenhum outro modo citar vários casos de escravos que tinham lotes e vendiam uma parte da pro-
de produção. Nem mesmo com o escravismo patriarcal antigo, pois ele é fun-
dução nas cidades, nas localidades vizinhas, ou que cultivavam produtos de
damentalmente mercantil.
exportação, como café e algodão. Isso pode ser citado, mas, justamente, pelo
ARRABALDES - E, no entanto apesar de Ciro Cardoso também acreditar nes- caráter aleatório, mostra que não era consolidado, que sempre foi uma con-
sa especificidade do Modo de Produção Escravista Colonial, ele polemiza com cessão senhorial e nunca chegou a ser uma parte estrutural do sistema. O se-
o senhor a respeito da "brecha camponesa". Como o senhor enfrentaria essa nhor tinha suas vantagens com a concessão quando lhe convinha, mas, quan-
questão? do não convinha, cassava a concessão. E os escravos estavam muito sujeitos
GORENDER - Ciro lançou a tese do modo de produção Escravista Colonial e a transferências. As transferências de escravos, de uma fazenda e de uma re-
apresentou um modelo do que poderia ser esse modo de produção, basean- gião para outra, eram um fato corriqueiro. O escravo podia ter o seu lote, cul-
do-se na grande erudição que possui e também na pesquisa sobre a Guiana tivá-lo com muito carinho e, de repente, ele era vendido para uma outra fazenda,
Francesa, objeto de sua tese de doutoramento20. Eu procurei fazer um trabalho onde não teria tal concessão, ou demoraria para recebê-la. Isso tornava esta
centrado na pesquisa historiográfica do Brasil. Recorri à história comparativa, parte da economia muito instável. Daí que eu a inclua no setor de economia na-
utilizando obras sobre os países escravistas das Américas, principalmente os tural da fazenda, da plantagem. É evidente que uma parte daquela produção
Estados Unidos e o Caribe. Desse modo, creio que pude formular a tese, não podia ser vendida. Concordo que, nem sempre, a economia do escravo era
como um modelo, mas como um modo de produção definido no plano sistemáti- uma economia natural, mas, no fundamental, o senhor concedia o lote para que
co e categorial a partir da pesquisa empírica. A questão da brecha camponesa o escravo suprisse as necessidades de subsistência. Com isso, o senhor ali-
é uma questão, na minha opinião, de detalhe. Da maneira, porém, como a colo- viava sua própria carga no sustento do escravo. Em livro, que estou preparan-
ca Ciro Cardoso, tornou-se uma questão de princípio. A questão deve ser re- do, voltarei à questão da "brecha camponesa".
solvida no plano dos princípios, e também - em primeiro lugar - do referencial
empírico. Estamos de acordo que havia uma economia autônoma dos escra- ARRABALDES - Num trabalho dos professores Francisco Carlos Teixeira da
vos, nos lotes que o senhor lhes concedia. Não há nesse ponto divergências, Silva e Maria Yedda Linhares24, eles criticam o senhor, em virtude dessa po-
nem novidades, trata-se de fato conhecido. O que estranhei é que Ciro Cardo- sição de acompanhar uma lógica plantacionista; o senhor responde no citado
so, no seu livro, Agricultura, escravidão e capitalismo", dissesse que era um artigo de 83. Como o senhor vê essa questão?
assunto descurado no Brasil, quando não era. Ele ignorava o que tinha sido fei- GORENDER - Naquele artigo, respondi muito brevemente. Todo pesquisador,
to aqui no Brasil. Muitos autores se referiram ao fenômeno: podem não ter tirado em qualquer terreno, precisa ter clareza sobre a situação do objeto que está es-
conclusões teóricas corretas, mas isso é outro problema. A divergência reside tudando num certo todo orgânico. Suponhamos um fisiologista que estude um
no seguinte: creio que Ciro, de trabalho em trabalho, foi acentuando progressi- órgão do corpo humano: o baço, o pâncreas. É evidente que ele deve ter uma
vamente a idéia da brecha camponesa, num sentido que a coloca em confronto idéia do que representa o órgão no conjunto do corpo humano. Assim, um histo-
com o caráter orgânico do Modo de Produção Escravista Colonial. No seu últi- riador descobre certo processo, certo fenômeno, e constrói toda uma teoria glo-
mo trabalho sobre o assunto, Escravo ou Camponês?22, onde polemiza comi- bal em torno dele, quando o processo é eventual, secundário ou localizado. Fa-
go... ço tais considerações com relação à chamada economia não-plantacionista na
época do escravismo colonial. Não nego, de modo nenhum, que exista uma
ARRABALDES - Recuperando uma polêmica do senhor, levantada em 1983. economia não-plantacionista a qual, com o correr dos tempos, veio a ocupar um
GORENDER - Sim, referindo-se a um artigo23 anterior que eu havia escrito. número enorme de pessoas, que chegou a ser maior do que o número de es-
Naquele livro, Ciro vai mais longe. Ele já falara anteriormente em setor cam- cravos na segunda metade do século XIX, quando o quantitativo de escravos
ponês, mas expunha várias ressalvas. Posteriormente, passou a considerar no Brasil vai decaindo rapidamente. Mas a economia global não girava em torno
que o setor camponês se tornou algo consolidado e generalizado. Então, este desse setor, digamos, de subsistência. A economia escravista girou em torno
setor camponês passou a ser parte estrutural, integrante e permanente do mo- do setor plantacionista. Eu não quero dizer que estudar o cultivo de gêneros de
do de produção. Com isso, ele foi extremamente longe. A organicidade do modo subsistência - de feijão, de mandioca, de milho -, não seja importante, nem que
de produção se perde, e, na minha opinião, Ciro não conseguiu provar a tese deva ser negligenciado, de modo algum. Sobretudo porque, no século XIX -
empiricamente. Afinal, tanto se pode trazer novos fatos de escravos que culti- com o Brasil já independente -, o abastecimento das cidades se torna um pro-
vavam lotes, como novos fatos de escravos que não cultivavam, ou que os blema mais sério. Estudar o abastecimento é importante. O abastecimento era
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feito, aliás, em parte também pela economia escravista: havia pequenos senho- os meios de comunicação e a própria definição geográfica era ainda tão indefi-
res escravistas que abasteciam as cidade de gêneros alimentícios. Portanto, nida? Não seria admissível pensar duas ou mais formações sociais distintas;
este estudo tem relevância, não o subestimo. O que considero é que não se uma no Norte, na região amazônica, mais próxima estruturalmente das Guianas
deve acusar aqueles que estudaram a plantagem de viés plantacionista. Penso e outra mais ao Sul, relacionando o Nordeste ao Centro-Sul?
que ambos os estudos devem ser feitos, mas com a consciência de que, na GORENDER - Penso que o escravismo era generalizado. Havia regiões que
época do escravismo colonial, o eixo foi a plantation, ou a plantagem, como a tinham grande capacidade de exportação e, portanto, uma vinculação muitíssi-
denomino. A economia de subsistência foi um suporte da plantagem exportado- mo maior com o mercado externo. Regiões estas onde a produção de açúcar
ra. prosperou. Fundamentalmente, nos séculos XVI e XVII, esta região é o Nordes-
te, na chamada Zona da Mata, que vai do Recôncavo Baiano até a Paraíba.
ARRABALDES - Existe uma outra polêmica, entre o senhor e Ciro Cardoso Regiões como Maranhão e São Paulo são periféricas, de pequena significação,
que é uma discussão interessante, na medida em que os dois concordam com mas já aí o escravo é o trabalhador, principalmente o indígena. São regiões que,
a concepção de que existiu um Modo de Produção Escravista Colonial. nos séculos XVI e XVII empregam principalmente indígenas. Só a partir da se-
GORENDER - Ah, sim! sem dúvida nenhuma! gunda metade do século XVIII é que ali os escravos negros ganham importân-
ARRABALDES - ... bem, existe uma outra discussão - mais conceituai - cia. Entretanto, não há duas formações sociais, há apenas uma, e um modo de
que o senhor inicia no artigo de 1983 e que o professor Ciro responde no seu produção dominante que é o escravismo colonial. Concomitante a ele, vai se
Escravo ou Camponês? - sobre a questão da formação social e do modo de formando aquilo que chamei de modo de produção camponês, de pequenos cul-
produção. O senhor critica a forma como ele manipula esses conceitos e ele tivadores não-escravistas.
responde criticando o senhor na mesma questão25. Como o senhor enfrenta ARRABALDES - Seria um "pequeno" modo de produção?
essa polêmica e quais as principais diferenças e matrizes de pensamento que GORENDER - Não é um pequeno modo de produção. Mas sim, um modo de
balizam esse problema conceituai? São matrizes alheias a Marx? produção que, na segunda metade do século XIX, já abrange mais de 50% da
GORENDER - Eu o critiquei porque ele não trabalha com o conceito de for- população brasileira, e que vinha se avolumando desde o século XVIII, princi-
mação social, pois aí caberia um setor camponês fora do Modo de Produção palmente. Como esses pequenos cultivadores não eram objeto do meu livro,
Escravista Colonial. Mas confesso que não me recordo bem como é que ele dediquei-lhes apenas um capítulo, mas não os esqueci. Não deixei de frisar
responde a isso. Tenho andado ocupado com uma variedade de temas. Devo que, na formação social escravista colonial, tratava-se de um modo de pro-
acrescentar que o que estou dizendo não esgota os meus argumentos. Con- dução subordinado27.
forme já adiantei, pretendo abordar isso num livro ainda em fase de preparação,
ARRABALDES - Outra questão que gostaríamos de levantar é a da superação
onde entrarei em detalhes. Inclusive empíricos. do Modo de Produção Escravista Colonial, que parece ser um dos pontos me-
ARRABALDES - É para breve o lançamento do livro? nos tratados pela nossa historiografia mais geral. Nesse período, de 1889 até,
GORENDER - Não sei! Talvez no ano que vem ele seja lançado, se conseguir aproximadamente, a década de 1950, há um certo vazio teórico.
terminá-lo. Não é um livro grande, não vou escrever um novo Escravismo Co- GORENDER - Teórico! Empírico, nem tanto!
lonial. É um livro de dimensões bem menores. Mas abordarei este assunto e aí ARRABALDES - Essa transição, que se estabelecerá à partir do término do
terei a oportunidade de ser mais sistemático e detalhado. escravismo, se complica quando se pensa no Nordeste ou no Norte, onde o
ARRABALDES - Dando concretude a essa discussão, o professor Ciro men- escravismo acabou muito antes, ou mesmo, nunca existiu, enquanto uma for-
ciona o exemplo da revolta de escravos no engenho de Santana26, na Bahia ... mação jurídica.
GORENDER - Ele argumenta com aquela revolta. Sinceramente, não é possí- GORENDER - Mas onde, no Amazonas?
vel argumentar com o que acontecia nos estabelecimentos religiosos e, a partir ARRABALDES - Sim.
daí, generalizar para todo o escravismo colonial. As ordens religiosas que pos- GORENDER - Nessa região, o escravismo foi diminuto. Já no Pará, teve re-
suíam maior número de fazendas, - os jesuítas, beneditinos e carmelitas - ti- levância, não tão grande, mas teve. Mas a Amazônia, em seu todo, era muito
nham um sistema de tratamento dos escravos e de administração econômica pouco povoada. Não pôde definir o rumo principal da economia brasileira.
que diferia muito dos proprietários leigos, os quais compunham a imensa maio-
ria de proprietários escravistas. As ordens religiosas eram um setor muito res- ARRABALDES - Então como o senhor encara a problemática da transição do
trito, uma variante especial do escravismo colonial. Acho estranho que o Ciro Modo de Produção Escravista Colonial?
argumente com o caso do Engenho Santana, desprezando o que nele era intei- GORENDER - Este é um problema que não quis abordar no meu livro. A minha
ramente peculiar. Conforme já demonstrei no artigo de 1983, os escravos rebe- intenção, até certo momento, era abordar a transição e cheguei, inclusive, a es-
lados pretendiam o retorno ao regime de trabalho e de vida do tempo dos jesuí- crever umas 70 a 80 páginas datilografadas. Verifiquei que estavam muito fra-
tas. cas e iriam ser uma extensão do livro que enfraqueceria seu contexto sistemá-
tico. Em conseqüência, eliminei essa parte e me detive só no Modo de Pro-
ARRABALDES - Como o senhor vê a questão do modo de produção dominan- dução Escravista Colonial. Depois do livro publicado, procurei desenvolver o
te nos séculos XVI e XVIII, por exemplo, no escravismo colonial, num país onde tema da transição, conjuntamente com outros autores. Há uma bibliografia bas-
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em outras organizações, tinha uma idéia vaga. Havia fatos que me eram com-
pressão no Rio de Janeiro, em Minas Gerais, no Rio Grande do Sul e em alguns
pletamente desconhecidos. Foi só com a pesquisa, com a leitura de documen-
outros pontos do país. Acredito que ele vai avançar nessas próximas eleições
tos primários, com as entrevistas, que as coisas ganharam clareza e orde-
municipais, conquistando algumas prefeituras importantes e obtendo votações
nação e pude formar uma idéia de conjunto. É evidente que não abordei as ses-
expressivas em outras cidades.
senta e poucas siglas que surgiram na época39. Procurei as linhas principais e
as siglas mais importantes. Podemos observar que em todas as organizações ARRABALDES - Nesse quadro político-partidário, como o senhor vê o papel
houve tensões e lutas internas. Todas as organizações foram dilaceradas pelo dos partidos comunistas?
dilema ao qual me referi. GORENDER - Um papel residual. Eles são o resíduo do que foi o antigo PCB,
que era, antes de 64, um partido forte. Sem dúvida, eles ainda têm um papel no
ARRABALDES - Como o senhor veria a questão de um partido de massas, na quadro político: tradição, militantes abnegados, a perspectiva do socialismo,
medida em que o senhor mesmo afirma na entrevista concedida à Teoria e De- quadros experientes, atuação nos sindicatos e nos meios camponeses. Contu-
bate que concorda com diversas posições de Gramsci40 e de outros autores, do, na minha opinião, não tem um futuro de desenvolvimento expressivo, mas
que tentam apostar numa via de transição de massas sem negar, no caso, uma um papel marginal.
ruptura revolucionária4'?
GORENDER - Gramsci foi mal interpretado. ARRABALDES - O senhor não acha que, em grande medida, a esquerda bra-
sileira ainda combate nas trevas? No sentido de sua relação tanto das direções
ARRABALDES - Embora o senhor critique a leitura 'eurocomunista' de Grams- com as bases, quanto do partido com as massas.
ci.
GORENDER - Aí não seriam trevas! As trevas a que me refiro no meu último
GORENDER - É claro! Acho que ele nunca se afastou da idéia de ruptura re- livro são muito especiais. Pode-se dizer que a esquerda, hoje, trabalha na ig-
volucionária. Coerção significa violência revolucionária, no caso. Quanto à norância teórica, nas trevas da ignorância teórica - o que é outra coisa. Conti-
questão do partido de massas, considero que a tese do partido único está supe- nua o desconhecimento da realidade concreta. Teoricamente, estamos atrasa-
rada. Isso já teve a sua vigência: foi uma imposição da III Internacional42, de dos. Ainda há não pouco o que fazer para se criar um teoria da sociedade brasi-
Stalin, a transposição do modelo russo para todo o mundo. leira compatível com a perspectiva socialista.
ARRABALDES - Essas frações que surgem são bastante tributárias da III In- ARRABALDES - Mas, apesar de tudo, o senhor ainda acredita na esquerda
ternacional, porque todas elas, em grande medida, se consideravam o desa- brasileira.
guadouro do processo revolucionário: "todas as correntes desaguam na minha GORENDER - Penso que haverá um desenvolvimento político que será obra
corrente".
dos homens, não uma fatalidade. A geração à qual pertenço percorreu um longo
GORENDER - Sem dúvida! Acredito que ainda exista quem se julgue ungido cominho e errou muito. Existe uma nova geração, novos problemas. Esta nova
como partido único, considerando os outros prontos para serem devorados no formação que aí está, este novo espectro da esquerda fará o seu caminho. Não
momento oportuno. Atualmente há também muitas siglas. Mas não importa! Po- quero aqui prefigurar se terão ou não maior êxito do que nós. Eu desejo, since-
demos chegar à revolução com trinta siglas. Na verdade, quando houver gran- ramente, que tenham maior êxito.
des movimentos de massas, tais movimentos se agruparão em torno de poucas
ARRABALDES - Como o senhor vê a proposta da ARRABALDES, em termos
siglas. As esquerdas no Brasil não se recuperaram das derrotas desses últi-
de divulgação, de ampliação do espaço democrático, de debate da história no
mos vinte e poucos anos: a derrota de 64, a derrota da luta armada e toda a
âmbito dos formadores, como os professores de 1g e 2° graus e dos estudantes
compressão exercida pelo regime militar. Elas ainda estão em posição de infe-
rioridade, mas podem acertar o passo e ganhar grande espaço e prestígio nes- universitários de escolas públicas e privadas?
GORENDER - Só tenho aplausos a todas as iniciativas desse tipo. Nosso país
se processo em que o país se encontra. A burguesia entrou num atoleiro, de-
é pobre em revistas, em vias de acesso para muita gente que deseja e merece
fronta-se com problemas que a apavora. Ela criou este governo que faliu do
ser publicada. O campo de publicações, os grandes jornais, as editoras são
ponto de vista político e moral e não tem capacidade para enfrentar os proble-
vias às quais poucos tem acesso. Além disso, há trabalhos que não comportam
mas do caos financeiro que se espalhou pelo país - com uma perspectiva de
publicação na grande imprensa e em forma de livros. São trabalhos realmente
hiperinflação. Nessas condições, é importante que, finalmente, se consiga aqui-
para serem editados em revistas. No caso de revista de história, gostaria de
lo de que Lenin falava: a síntese entre a teoria revolucionária e o movimento de
massas; entre a perspectiva do socialismo e o movimento de massas. acrescentar que vejo a história como ciência da revolução e também compo-
nente fundamental na construção do universo ideológico. Todos nós, qualquer
ARRABALDES - Qual partido que o senhor considera que tenha capacidade e que seja o grau de cultura, temos uma visão da história do país ao qual perten-
condições de capitalizar esses setores de massa, com a perspectiva de um cemos. Essa visão da história nos é incutida desde a escola primária através
partido socialista de massas, atualmente no Brasil? das aulas, de comemorações, de feriados, do culto aos heróis, aos símbolos
GORENDER - Sem dúvida alguma, na esquerda, é o PT43. É evidente que nacionais, etc. Sendo um componente de nosso universo ideológico a história é
vocês podem contestar, fazer objeções, porque no Rio de Janeiro o PT não tem muitíssimo importante. Cabe aí citar uma frase riscada da Ideologia alemã: "Nós
a expressão de que dispõe aqui em São Paulo: nas últimas eleições nacionais, só conhecemos uma única ciência, a ciência da história"44. Na verdade, todas
o PT conseguiu deixar de ser um partido quase somente paulista, adquiriu ex- as ciências sociais desaguam na história. Acho que é um bom final do ontrovis-
ta.
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Arrabaldes Arrabaldes t!, t
NOTAS:
17 Para uma visão crítica destes autores ver: THOMPSON, E. P. A miséria da teoria ou urn
1 GORENDER, Jacob. O escravismo colonial. São Paulo, Ed. Ática, 1976. planetário de erros: uma crítica ao pensamento de Althusser, Rio de Janeiro, Ed: Z;ihar,
1981; COUTINHO, Carlos Nelson. O estruturalismo e a miséria da razão. Rio de Janeiro,
2 GORENDER, Jacob. Combate nas trevas. São Paulo. Ed. Ática, 1987. Paz e Terra, 1972.
3 PRADO JÚNIOR, Caio. A revolução brasileira. São Paulo, Ed. Brasiliense, 1966. 18 GENOVESE, Eugene. Roll, Jordan, Roll. The world lhe slaves made. Nova York, Pan-
theon Books, 1974. A edição brasileira pela Paz e Terra se encontra no prelo.
4 Universidade de Campinas.
19 COSTA, Iraci dei Nero da. Vi/a Rica: população (1719-1826). São Paulo, IPE-USP, 1979;
5 CARDOSO, Ciro Flamarion Santana. "Severo Martfnez Peláez y ei caracter dei régimen LUNA, Francis_co Vidal. Minas Gerais: escravos e senhores. Análise da estrutura popula-
colonial", "Sobre los modos de producción coloniales de América", "El modo de produc- cional e econômica de alguns centros mineratórios (1718-1804). São Paulo, IPÊ, 1981;
ción esclavista colonial en América" In: CARAVAGLIA, Juan Carlos (org.), Modos de pro- GALLIZA, Diana Soares de. O declínio da escravidão na Paraíba. 1850-1888. João Pes-
ducción en América Latina, Cuadernos de Pasado y Presente. Córdoba, n9 40, maio soa, Ed. Universitária/UFPb, 1979; ALMADA, Vilma Paraíso Ferreira de. Escravismo e
1973. transição. O Espírito Santo (1850-1888). Rio, Graal, 1984; DEAN, Warren. Rio Claro: um
sistema brasileiro de grande lavoura. 1820-1920. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977;
6 Para uma abordagem preliminar destas correntes historiográficas ver: LAPA, José R. do QUEIROZ, Suely Robles Reis. Escravidão negra em São Paulo. Rio de Janeiro, INL,
Amaral. "Introdução ao redimensionamento do debate". In: LAPA, José R. do Amaral 1977; MAESTRI FILHO, Mário José. O escravo no Rio Grande do Sul. A charqueada e a
(org.) Modos de produção e realidade brasileira. Petrópolis, Ed. Vozes, 1980. gênese do escravismo gaúcho. Caxias do Sul, EDUCS, 1984; FIGUEIREDO, Ariosvaldo.
O negro e a violência do branco. O negro em Sergipe. Rio de Janeiro, José Álvaro Ed.,
7 NOVAIS, Fernando A. Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1770-1808). 2 1977; MATTOSO, Katia de Queirós. Ser escravo no Brasil. São Paulo, Ed. Brasiliense,
ed. São Paulo, Ed. Hucitec, 1981. A tese foi defendida em 1973 na Universidade de São 1982; entre outros: COUTY, Louis. L'Esclavage au Brasil. Paris, Librairie Guillaumin et
Paulo (USP). Cie. 1881; SOARES, Sebastião Ferreira. Notas estatísticas sobre a produção agrícola e
carestia dos gêneros alimentícios no Império do Brasil. Rio de Janeiro, Typ. de J. Ville-
8 NOVAIS, Fernando A. "Estrutura e dinâmica do antigo sistema colonial (séc. XVI-XVIII)". neuve, 1860. (Reeditado pelo IPEA em 1977).
Cadernos CEBRAP, 1974, n9 17. Este artigo constitui-se no segundo capítulo de sua te-
se. 20 CARDOSO, C.F.S. La Guyane Française (1715-1817): aspects économiques etsociaux
- contribuition à 1'étude dos sociétés esclavagistes d'Ámérique. (tese de 39 ciclo). Paris,
9 "Escola de pensamento que procura explicar as causas do desenvolvimento e do subde- Universidade de Paris, 1971 (mimeo.)
senvolvimento econômicos. [. . .] a característica distintiva da produção de todos os teóri-
cos da dependência é que todos tratam o desenvolvimento social e econômico dos países 21 CARDOSO, C.F.S. Agricultura, escravidão e capitalismo. Petrópolis, Vozes, 1979.
subdesenvolvidos como se fosse condicionado por forças externas a saber, a dominação
desses países por outros mais poderosos. Isso leva os teóricos da dependência a adota- 22 CARDOSO, Ciro F.S. Escravo ou camponês? o protocampesinato negro nas Américas.
rem uma abordagem circulacionista, ao postularem que o subdesenvolvimento pode ser São Paulo, Ed. Brasiliense, 1987.
explicado em termos de relações de dominação na troca, quase que com a exclusão de
uma análise das forças produtivas e relações de produção". BOTTOMORE, Tom (org) 23 GORENDER, Jacob. "Questionamentos sobre a teoria econômica do escravismo colo-
Dicionário do pensamento marxista. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1988. (Verbete nial". Estudos Econômicos, v. 13, n9 1. São Paulo, IPE-USP, 1983.
'teoria da dependência').
24 LINHARES, Maria Y. & SILVA, Francisco C. T. da. op. c/í. p. 116-117.
10 Para uma análise crítica da concepção de Novais ver: CARDOSO, C.F.S. "As con-
cepções acerca do 'Sistema Econômico Mundial' e do 'Antigo Sistema Colonial'; a preo- 25 Cf. CARDOSO, C.F.S. Escravo ou Camponês? p. 120; GORENDER, Jacob. "Questio-
cupação excessiva com a 'Extração do Excedente" In: LAPA, José R. do Amaral (org). op. namentos sobre a teoria econômica do escravismo colonial", p. 18.
cit.
26 Cf. CARDOSO, Escravo ou camponês? p. 120-124.
11 Robert William FOGEL & Stanley L. ENGERMAN.
27 Sobre o conceito de modo de produção subordinado ver: MARX, Karl. O Capital (livro l,
12 GORENDER, Jacob. O escravismo colonial. 4§ edição revista e ampliada. São Paulo, Ed. capítulo VI-inédito). São Paulo, LECH, 1978.
Ática, 1985.
28 GORENDER, Jacob. Gênese e desenvolvimento do capitalismo no campo brasileiro.
13 RANGEL, Ignácio. "Dualidade e escravismo colonial".Enconfro com a Civilização Brasi- Porto Alegre, Ed. Mercado Aberto, 1987.
leira, vol. 3. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1978. p. 79-92.
29 "[. . .] a dominação do modo de produção escravista colonial foi seguida pela dominação
14 Para uma crítica à questão da 'dualidade básica' ver: LINHARES, Maria Yedda & SILVA, do modo de produção capitalista sob uma forma primitiva de prevalência do setor agrá-
Francisco Carlos Teixeira da. História da agricultura brasileira. Combates e controvérsias. rio-exportador no conjunto da economia". Ibid., p. 9 (prefácio).
São Paulo, Brasiliense, 1981. p. 55-72.
30 Para uma análise da Escola Paulista ver: CARDOSO, C.F.S. "Sociólogos nos domínios
deClio". Tempo e sociedade, Niterói, 1 (1): 64-104, jan./jun. 1982.
15 RANGEL, Ignácio. "A história da dualidade brasileira". Revista de Economia Política. São
Paulo. ? (4): 5-34, jan./mar., 1981.
31 SOUTHEY, Robert. História do Brasil. São Paulo, Ed. Obelisco, 1965; entre outros traba-
lhos: BOXER, C.R. A idade de ouro no Brasil. São Paulo, Cia. Editora Nacional, 1969;
16 ARRUDA, José Jobson de Andrade. O Brasil no comércio colonial. São Paulo, Ática,
1980. STEIN, Stanley J. Grandeza e decadência do café no Vale do Paraíba. São Paulo, Ed.
Brasiliense, 1961.
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32 MARX, Karl & ENGELS, F. O capital: crítica da economia política. São Paulo, Ed. Abril,
1982.
33 Cf. GORENDER, Jacob. A burguesia brasileira. 6 ed. São Paulo, Brasiliense, 1986, p.
112.
34 Cf. ARRUDA, José J. de Andrade. Revolução industrial e capitalismo. São Paulo, Brasi-
liense, 1984, p. 31.
35 Para uma crítica a esta tese ver: ANDERSON, Perry. Linhagens do estado absolutista.
São Paulo, Brasiliense, 1985, p. 16-18.
36 Cf. "Sobre a questão da democracia". Teoria e Política. São Paulo, 2 (5/6): 35-39, 1984.
38 Antônio Gramsci (1891-1937) Apud LÓWY, Michael. Método dialético e teoria política.
Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1978, p. 9.
39 Cf. REIS FILHO, Daniel Aarão. Imagens da revolução. Documentos políticos das organi-
zações clandestinas de 1961 a 1971. Rio de Janeiro, Ed. Marco Zero, 1985.
40 Para uma análise de sua vida e obra ver: COUTINHO, C. Nelson. Gramsci. Porto Alegre,
L&PM, 1981.
42 A III Internacional (comunista), denominada Cominterm, foi fundada em 1919 por iniciativa
dos bolcheviques e dissolvida em 1943 por proposta de seu Presidium. Cf. BOTTOMO-
RE, Tom (org.)op. c/t p. 197-198; INSTITUTO DO MARXISMO-LENINISMO./1 Interna-
cional comunista. Lisboa, Edições Avante, Svols., 1976/77.
44 MARX, Karl & ENGELS, F. A ideologia alemã (l-Feuerbach). 6 ed. São Paulo, Ed. Huci-
tec, 1987, p. 23 (nota de rodapé). Tradução incompleta. A primeira edição completa em
português é de 1980 pela Martins Fontes e Presença.
154 Arrabaldes