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de
Louis Riboulet
Publicação da
EDITORA GLOBO
RUMO A CULTURA
L. RIBOULET
PROFESSOR DE FILOSOFIA E PEDAGOGIA
Instituição Notre·Dame de Valbeoolte, Saint·Etieooe - França
Rumo a Cultura
'
Prefácio de F. LAVALL:l!E
Reitor das Faculda1les Católicas ele Lião
Tradução de
2.ª EDIÇÃO
1.ª impre�são
E D ITôR A GL O B O
Ri o DE JANEIRO - PôRTO ALEGRE - SÃo PAULO
Titulo do original francês:
!.& EDIÇÃO
Tipografia do Centro S. A. - 1940
1900
MOCIDADE INTELECTUAL
BRASILEIRA
NIHIL OBSTAT
P. Alegre, 6-11-1945
IMPRIMA-SE
P. Alegre, 6-11-1945
L. IMPR.
1945/313
PREFACIO
Escrevendo estas linhas, nem me vem a idéia de que sejam uma recomen
dação para o autor dêste volume. :tlll e já se impôs ao público por seus artigos
cm revistas diversas, mormente na llevue belge de Pédagogie, e por suas obras
anteriores como sejam a Histoire de la Pédagogie, e o Manuel de Psychologie
'lppliquée à l'éducatüm., que, publicados recentemente, atingiram já a terceira
eilição. É-me grato, porém, dizer a outros o prazer e o proveito que encontrei
na leitura dêste novo volume, riquíssimo de citações e no entanto pessoal.
Lemos nêle o testemunho de uma multidão de homens que conquistaram
fama pelo trabalho intelectual e nos contam o modo por que a conseguiram.
''Acostumai-vos a tomar notas, diz-nos o autor, em breve possuireis tesouros.''
Percebe-se que é um conselho de experiência; pois temos nesta obra um tesouro
ndquirido assentando notas ao sabor de uma imensa leitura, que abrange an
tigos e modernos, e palmilhando todos os domínios do pensamento: literatura,
ciências e artes. Faguet emparelha com Franklin; d 'Hulst com Spalding; Joubert
'ºm Henri Poincaré; Montalembert com Veuillot. Não julgueis encontrar
páginas extraídas das obras dêstes autores, um como florilégio análogo a tantos
outros; não, é numa linguagem original, grata à memória, que o autor condensa
a experiência dêsses homens célebres. Ao acaso, no capítulo onde o autor nos
põe de sobreaviso contra a indolência que protela "para o dia seguinte os ne·
gócios graves", lembra êle que Ruskin tinha constantemente sôbre a escriva·
ninha um bloco de granito, no qual mandara gravar a palavra today (hoje), a fim
de persuadir-se de que o momento presente era o que lhe pertencia. Nem tôdas
as citações trazidas a lume são inscrições lapidares; algumas são familiares;
outras são meros repentes saídos da bôca de humoristas, mas nem por isso são
menos ricas, na sua feição paradoxal, nem deixam menor impressão, ao con
densar a idéia numa fórmula inesperada e saborosa.
Porém o autor não se deixa levar pelo engôdo dos vocábulos retumbantes,
qual transeunte, numa pradaria, que andasse ao acaso colhendo ora esta, ora
aquela flor com o único fito de compor um belo ramalhete. Não, êle sabe onde
vai e não desvia. As citações reforçam as idéias como testemunhos a favor da
própria experiência. :tllste livro é pessoal, pessoalíssimo. O autor não estava
constrangido, como em tal ou qual outra de suas obras, a um plano impôsto
pelos fatos históricos ou pelos programas de um exame; por isso, conversa li
\·remente, e mostra aos que encetam a carreira da vida quais os escolhos a ven
cer e o caminho a tomar para a jornada futura. Quem dentre vós, num olhar
retrospectivo, não lamentou o tempo esbanjado, por falta de guia, que, na bi
furcação dos caminhos, o tivesse orientado T Eis um guia excelente para os moços;
X P R EFÁC I O
êste guia apela, de início, para a ambição dos moços e a reclama; o seu livro
se abre com os dizeres de Pasteur, pronunciados no dia em que foi recebido
na Academia Francesa, e que foram, depois, gravados na cripta onde repousa
o ilustre sãbio, no Instituto Pasteur: ''Feliz de quem traz em si um deus in
terior, um ideal de beleza, e lhe obedece: ideal de arte, ideal de ciência, ideal
da pãtria, ideal das belezas do Evangelho! São estas as fontes das ações herói
cas e das idéias sublimes. Tôdas são penetradas de reflexos do Infinito! '' Con
cluamos que a ambição não se define pela importância da fortuna que um moço
espera armazenar, mas pela altura do ideal a que êle visa: não querer somente
fazer algo, mas ser alguém. O homem vale não pelo seu dinheiro, mas pelo
poder de suas idéias e por sua consciência. É deprimi-lo querer, constantemente,
falar em valores econômicos. Não achais que é oportuno repetir estas coisas, e
dirigir assim para as alturas os olhares dos moços, numa época em que os ban
ileirantes do espírito poderiam invejar o luxo que se ostenta à roda dêles' Não
friam hesitar os moços, diante da senda ãrdua das grandes escolas, quando há
tantos meios fáceis de vencer na vida f
Ainda bem que a remuneração de uma obra nem sempre se avalia em dinhei
ro; a melhor está no saber íntimo que as boas ações trazem consigo. Não se
concebe que haja prazer na preguiça; todo êle está no esfôrço que é atividade
feliz de uma fôrça, a alegria da vitória. Nada mais oposto a uma moral tris
tonha do que êste livro otimista. "Alegrai-vos", diz, "pois a alegria é um
tônico." "O melhor cordial", dizia um médico a seus clientes, "é a alegria e o
bom humor.'' O autor sabe que a educação não é obra negativa cujo fim seja
rorrigir más inclinações, mas é a arte de desenvolver nos moços o poder da admi
ração. Conforme Renan, foi por ter possuído êsse talento de um modo eminente,
.'Jue Monsenhor Dupanloup foi um grande educador. ''Foi um despertador de al
mas incomparável; no obter dos alunos a medida de que eram capazes ninguém
de lhe avantajava. :E:le repetia muitas vêzes que o homem vale pela sua capaci
dade de admirar." Igualmente, o autor não concebe a pedagogia como sendo
uma ação do mestre violentando a entrada da mente do aluno; não, requer dêstes
um espírito aberto e indagador. Gosta dos moços curiosos, que investem conti
nuamente com porquês. Esta curiosidade os acompanhará além do ambiente es
�olar, até às horas de folga, em meio aos prados em flor, à beira dos regatos,
diante dos aspectos mais diversos que tingem o horizonte na hora do pôr do sol.
Regressarão de suas excursões com uma palhêta mais rica, e matizes mais va
riegados que darão ao seu estilo veracidade e distinção.
:E:ste aspecto feliz do trabalho intelectual não dissimula o esfôrço, que é sua
alma. E por isso mesmo é-nos apresentada aqui a virtude como condição necessá
ria ao desenvolvimento do espírito. É uma disciplina, um como dique que cana
liza o rio, impedindo-o de estender-se, de enlanguescer, e de desaparecer total
mente na areia. Se ela não tivesse, antes de mais nada, um valor real intrínseco,
dever-se-ia cultivá-la por seu valor pedagógico. Quem pode dizer, por exemplo,
o proveito intelectual que um estudante acha na moral cristã, a qual corta ra
dicalmente os devaneios malsãos e desvia a mão dos maus livros, prejudiciais à
J>Ureza da alma e à limpidez do porvirt Esta obra antes de tudo derrama luz
P R E FÁC I O XI
PREFÁCIO IX
Cap. VII Dai uma direção inteligente às inclinações que vos levam
à procura do verdadeiro e prossegui vosso trabalho no
silêncio e no recolhimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • .. • 82
Cap. XIV Não descureis nenhuma das influências que vos podem au
xiliar no desempenho do vosso dever de estudantes 195
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R. P. FouGERAY, S. J.
w •
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o nosso ser para um alvo que só ela permite atingir. Chama-se génio;
deve-se dizer vontade. Um dia, em presença de Édison, certos inter
locutores faziam alusão ao seu gênio. "Que balela! retrucou brusca
mente o inventor. Afirmo-vos que o segrêdo do gênio é o trabalho,
a perseverança e o bom-senso." Acrescentou ainda gracejando: "O
gênio se compõe de 1 % de inspiração e de 99% de transpiração."
Não terei o mínimo esfôrço a fazer para vos convencer de que
cada um de vossos dias de estudante oferece inúmeras ocasiões de
fortificar a vontade. Entremos em pormenores.
V ILLEFRANCHE
"
A emulação intelectu al não anda só. Quando um adolescente tem
o coração nobre, não imita somente os alunos mais estudiosos e
inteligentes, mas também os mais exemplares e os mais piedosos.
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Lamartine Sainte-Bcuve
RUMO À CULTURA 27
qua torze, dezesseis horas por dia durante largos anos. Antes da
aurora levantavam; no verão, madrugavam mais d.o que a cotovia
e quando o ceifador ia colhêr paveias, já tinham amontoado tesouros.
Eis o que escreve um literato canadense-francês Artur Buies:
"Desde muito tempo estava sentado sôbre um tronco de árvore der
rubada, quando minha atenção foi subitamente atraída por um som
misterioso, persistente, tenaz, semelhante ao ataque furioso e con
tínuo de um ratinho de encontro a uma tênue fôlha de madeira que
o separasse àe um queijo atraente. Prestei ouvidos e reconheci um
vC'.rme de madeira que mora no cerne das mais belas árvores, as
corrói noite e dia, e acaba por perfurá-las àe lado a lado; abismei-mi!
em profundas reflexões sôbre o trabalho dêste ser solitário, que
cumpre sem tréguas a sua única função, encarcerado que está por
tôda a vida num tronco espêsso e resistente que, no entanto, é ven
cido; e assim procura êle saída para a luz, como tudo o que vive,
como tudo o que respira. Eu meditava sôbre a onipotência da per
severança, virtude mágica contida em trabalho pouco apreciável,
pouco perceptível, porém incessantemente dirigido para o mesmo
alvo."
A natureza nos dá, nesta altura, uma lição proveitosa. A precipi
tação, a impaciência do êxito, não produzem bons resultados. Gou
nod escrevia a Bizet: "Não tenha pressa. Tudo chegará na hora
oportuna. Calma sobretudo, porque a precipitação mata qualquer
empreendimento. O espírito contrai-se, irrita-se e um tal estado de
febre não traz, n a maioria das vêzes, senão o descontentamento do
dia seguinte que obriga a recomeçar o trabalho d a véspera."
Piutarco deplora a precipitação no estudo : "Conheço pais", es
creve, "que são em verdade os inimigos de seus filhos. Ambiciosos
de progressos rápidos e de superioridade extraordinária, sobrecarre
gam-nos com um esfôrço cujo pêso os acabrunha, dando em resultado
o desânimo que torna as ciências odiosas."
Plutarco acharia hoje êsse defeito bastante agravado. Estuda-se
com precipitação febril para acabar ele vez com os livros. Existe
verdadeira mania de tudo abreviar, de tudo simplificar. Percorre-se
um programa com rapidez do raio; expõe-se tôda a ciência em qua
dros sinópticos. Tal ou qual língua se domina em 20, 15, 12 lições
contadas nos dedos. Queremos dobrar todos os obstáculos, nivelar
30 L. RrnouLET
atingir.
BoucHER DE PERTHES
.
Meus caros amigos, se quereis merecer o título prestimoso de
estudantes, apreciai bem a felicidade que tendes de ser jovens, nã<>
esquecendo jamais que a mocidade "passa qual uma flor". Aprovei
tai as horas e os minutos que se sucedem e mergulham na eternidade.
Freqüentemente ouve-se dizer: "Se velhice pudesse!". Mas ela não
pode; é j á muito tarde e êste pesar n ão faz senão melhor compreen
der quanto são preciosos os anos da juventude. "Vivei tanto quanto
quiserdes'', diz o poeta Southey, "os vinte primeiros anos são os
mais longos da vida." Um homem célebre achava-se no leito de
morte; um amigo pergunta-lhe o que lhe poderia causar prazer:
"Ah! " respondeu o moribundo, "tornai a dar-me os anos da minha
juventude!"
a ler e a escrever. Mas êste regime causou-lhe uma doença que teve
resultados imprevistos. O Dr. Fournier, que o tratava, viu sôbre a
mesa um manuscrito de mais de 500 páginas, intitulado Cosmologia
Universal, com prefácio em latim. Ficou surpreendido de encontrar
no jovem tantos conhecimentos matemáticos. Êle o fêz entrar no
Observatório, como calculador, aos 16 anos. Alguns meses depois,
Flammarion publicava seu primeiro livro. Aos 18 anos era célebre.
Quando se apresentou ao regimento perguntaram-lhe se era filho do
.grande Flammarion.
Paulo Bourget, interrogado sôbre seus anos de infância, declara
que tivera a paixão de escrever. O número de versos longos e curtos,
novelas, contos, memórias e recordações que redigiu entre seis e
dez anos, é incalculável. "A primeira obra importante de que tenho
lembrança é o R omance de uma formiga que terminei na idade de 9
anos . . . Fiquei estupefato pelos costumes surpreendentes dêstes
insetos que observei demoradamente no campo e lembro-me ter con
tado pormenorizadamente a vida de uma dessas laboriosas operárias."
Quantos e quantos jovens entre milhares e milhares de outros,
que, bem cedo, acharam o rumo e não enterraram o talento que
receberam. Imitai êsses grandes exemplos. Dizei-vos as palavras
pelas quais Santo Agostinho se excitava à perfeição: "O que tantos
e tantas fizeram, por que o não farei eu ? " E se Deus vos outorgou
aptidões especiais, um gôsto acentuado para as coisas do espírito,
exprimi-lhe vosso profundo reconhecimento por êste duplo e pre
<:ioso favor.
SuLLv-PRUDHOMME
mas não à maneira dos ingênuos que se apaixonam por elas, ainda
que venham a se lamentar e a desesperar depois da derrota. Se
cometermos a loucura de nos sacrificarmos, seja com um meio sorriso
irônico, para mostrar que não somos lorpas e que conscientemente
tomamos a defesa de uma causa perdida. Nada mais deprimente do
que tais teorias! "O homem é assim feito", diz Pascal, "que à fôrça
de dizer-lhe que é bôbo, êle o crê; à fôrça de o repetir a si mesmo�
termina convencendo-se." Mas o contrário é igualmente verdadeiro.
Tende confiança em vós mesmos; convencei-vos de que triunfa
reis. Os homens que empreendem grandes obras estão persuadidos
de que desenvolvem enr.rgias indomávris a serviço de suas convicçi)P.s
A árvore cai para onde pende. Vós tereis que prestar contas do
emprêgo de vossos talentos e de vossas aptidões. Não vos exponhais
à maldição da figueira estéril. Elevai muito alto vossas aspirações.
Um jovem cristão deve compreender melhor que qualquer outro a
obrigação do bom emprêgo da juventude.
Gaillard, um dos gravadores mais ilustres do nosso tempo, ao
despedir-se de um jovem que partia para a província, lhe dizia:
"Sobretudo, meu caro, não durmais! Escolhei um caminho, seja qual
fôr, mas sêde alguém; sêde o primeiro: os homens de fé devem estar
na vanguarda."
Capítulo V
Má1cara mortuária
de Pa1ca!
(FOTO GIRAUDON)
RuMo À CULTURA 59
"Nunca homem algum estêve mais absorto no que fazia e dist1 ibuiu
mais sàbiamente o tempo entre as coisas que tinha a fazer. Jamais
espírito algum foi mais inflexível em recusar uma ocupação ou idéia
que n ão chegasse no dia e na hora; mais ardente em procurá-la,
mais ágil em persegui-la quando o momento propício fôsse chegado."
Cuvier deveu à inteligente distribuição das horas de trabalho
uma parte de sua imensa obra. "Quando se pensa", diz Flourens,
"nas numerosas funções de Cuvier, fica-se pasmado que um só ho
mem bastasse. Nenhum homem fêz estudo tão acurado, e se posso
dizer, tão metódico da arte de não perder nem sequer um minuto.
Cada hora tinha um trabalho fixo, cada trabalho tinha um gabinete
próprio no qual se encontrava tud'J quanto precisasse. Tudo estava
preparado, previsto para que nenhuma causa exterior viesse deter
ou atrasar-lhe o espírito no curso de suas meditações e pesquisas."
Em seu laboratório de Meudon, Berthelot tinha disposto tudo
de maneira a não perder um minuto. Diante do visitante estupefato,
o grande químico movia uma grande escrivaninha giratória de 16
divisões aonde se acumulavam as fôlhas avulsas. "Cada uma das
repartições", dizia êle, "guarda os papéis e os documentos que se
referem a determinado assunto. Considerai êste caderno vermelho
coberto de notas, de fórmulas, de números; cada pág;ina leva uma
data e um número. Transcrevo diàriamente as experiências do dia.
No fim do caderno, eis o índice. Nêle inscrevo, à medida, o número
das dez, quinze, vinte páginas onde estão desenvolvidas. Nesta
lauda, à margem, estão os títulos dos assuntos, e vêde os sinais: ê.ste
T. R. P. significa terminado, redigido, publicado. Êste outro O. T.:
zero, resultado negativo, porém questão terminada, esgotada. Um
terceiro O significa impossibilidade de chegar a um resultado positivo
ou negativo. É uma ordem matemática. Abordar os problemas com
reflexão e método, examiná-los sem esmorecimento até esgotá-los,
não os largar senão depois de ter achado a solução ou confessar-se
incompetente. Eis o meu sistema; muito me valeu, pois é o único
que permite trabalho sério."
jaria ter livros quando nem sequer tem cama e marmita! É bem
dêle!" Uma não menor inclinação se manifestou no jovem Tomás
Gousset que devia ser uma das glórias do episcopado francês no
século XIX. Até os 17 anos, freqüenta a escola primária, guarda
os animais e tange os bois. Mas enquanto os cavalos pastavam no
prado, Tomás andava a ler; enquanto seu pai rasgava o sulco,
Tomás pinicava com as pontas dos dedos o pedaço de pão que trazia
no bôlso; com a outra mão sustentava o livro. Aos 17 anos foi en
viado ao internato de Ammance. N a véspera das férias de 1810, o
prefeito dos estudos escrevia ao pai: "Tomás vai voltar para as férias,
escondei os livros, êle não é razoável, mata-se no trabalho."
Mais tarde jamais perdia um minuto. Professor de teologia no
seminário maior de Besançon sempre se encontrava com os livros
e a caneta. O ecônomo, mais de uma vez, chegada a meia noite, teve
que lhe apagar a lâmpada. Não lhe pôde imputar senão excessivo
gasto de azeite.
Quantos outros exemplos poder-vos-ia citar! Vacherot, diretor
da Escola Normal Superior, afirmava de Taine o seguinte: "O aluno
RUMO À CULTURA 69
'
O am or ao estudo torna o trabalho mais agradável.
Fazei, se fôr possivel, que êste amor pelo estudo chegue até
o entusiasmo,
Santo Inácio
de Loyola,
por A. Bosse
(l'OTO BRAUN)
Pasteur
(Quadro de Edelfelt)
RUMO À CULTURA 75
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . La vérité suscite,
Au plus timide front que son amour visite,
Une sereine audace à l'épreuve de tout.
lmrwuable, elle inspire à ses amants la force,
Et quand, de ses beaux yeux, on a subi l'amorce,
Affamé de l'attente, on vit et meurt debout.
• •
aquela que será para vós o penhor de sucessos. Seus aspectos podem
reduzir-se a dois: a curiosidade prática e a curiosidade científica.
A primeira é orientada segundo a profissão, o ofício exercido ou
que se deseja exercer. Cultivai-a para que estejais a par dos pro
grc�sos mais recentes dos estudos que seguis e conheçais as desco
bertas, as viagens científicas, as invenções, os artigos importantes
das rtvistas. É um elemento de sucesso. "Na América", diz Huret,
"cada especialista, cada engenheiro, cada contramestre, pergunta-se
constantemente o que seria preciso fazer para que a máquina pro
duzisse mais e mais depressa."
A curiosidade científica é de um grau mais elevado. É o apanágio
do espírito de escol; o ignorante não se admira de nada; o espírito
medíocre está sempre satisfeito; tudo lhe parece natural, e n ão pro
cura as razões, isto é, as causas e as leis.
A ausência de curiosidade é deplorável num estudante. Não nos
apaixonamos jamais por um estudo quando não experimentamos
desejo de chegar ao âmago das questões de investigar as causas
"Temos bastantes livros aqui", declara a governanta de Sylvestre
Bonnard. "O senhor tem milhares e milhares que lhe transtornam a
cabeça, e eu tenho dois que me bastam, Meu Livro de Rezas e a
Cozinha Bu:·guesa."
A verdadeira curiosidade engrandece a alma, enobrece-a, dirigE'
sua atividade para fins realmente úteis e verdadeiramente dignos
dela. O desejo da verdade torna-se uma paixão, "paixão generosa'',
diz Maillet, "que depois de ter absorvido a juventude e a maturidade
dos homens, recusa-lhes o descanso da velhice e impele-os a con
tinuar suas pesquisas e especulações enquanto lhes restar esperança
de conquistar qualquer coisa sôbre o desconhecido".
é também uma faculdade secundária, ainda que seu papel seja muito
importante no trabalho intelectual.
Para vos convencerdes de que a imaginação é uma faculdade
secundária, comparai-a à razão: "Uma penetra as coisas, lê no seu
íntimo; a outra trabalha na superfície e nunca desce em profundida
de. Uma atinge o abstrato, o imaterial; a outra estaciona nas realida
des concretas, determinadas, locais. Afinal, o espírito compara, julga,
define fatos a que a imaginação nem pode pretender. Por conseguinte,
ela é inferior, é serva, mas de uma servidão necessária para o espírito
e gloriosa para ela."
·
O mesmo se d á com a sensibilidade em relação à vontade. "Uma
é um puro espírito, a outra, em grande parte, carne e sangue; uma
é livre e a outra fatal. Posso impedir que a impressão prevaleça e me
dite a linha de conduta; mas não posso impedir que nasça e me
comova. Eis por que, até à palavra decisiva da vontade, as paixões
são e permanecem indiferentes. Eis por que a impassibilidade do
estoicismo é uma mentira perante a natureza humana, e a sacrílega
usurpação da imutabilidade divina. O homem verdadeiro, o homem
padrão, é Aquêle que disse com simplicidade modesta : 'Minha alma
está triste até a morte', e que no momento seguinte marchava reso
luto para os algôzes. Tal é a superioridade do querer sôbre a sensi
bilidade. Portanto esta existe para aquêle, para servi-lo, para pre
parar a ação própria da faculdade soberana, para trazer-lhe anima
ção, alegria, entusiasmo."
Eis a ordem essencial. Destruí esta hierarquia. Deixai, por exem
plo, que flutuem as rédeas da imaginação. Imediatamente perde o
espírito parte de sua energia; contenta-se com noções incompletas,
adormece embalado pelas imagens, inebriado por um canto de sereia,
magnetizado pela música do verso. Insensibiliza-se pouco a pouco,
falsifica-se "pelo hábito de clarões confusos e juízos incompletos".
Enfim, torna-se incapaz do esfôrço necessário para refletir.
O querer se enfraquece igualmente na razão direta das usurpações
da sensibilidade. "O hábito das emoções violentas conduz pela exal
tação à languidez, da mesma forma que se chega à prostração pela
febre."
E em tal desordem até as próprias faculdades inferiores se can
sam e corrompem. A imaginação, entregue a fantasias, aplica-se ao
RUMO À CULTURA 103
espírito:
rigor", dizia Cousin, e todo o raciocínio que não pode ser pôsto sob
esta forma é um raciocínio do qual se deve desconfiar.
José de Maistre exprimiu o valor do silogismo nesta fórmula la
pidar: "O silogismo é o homem."
Mas a filosofia oferece ainda um concurso mais nobre à razão
quando aborda os problemas metafísicos. Faz desta faculdade a au
xiliar da fé. Eleva-a até a descoberta de verdades sobrenaturais
Convencer a razão é o melhor meio de assentar sólidas bases à crença.
Bossuet bem o havia compreendido na educação do Delfim: "Depois
de ter considerado'', diz êle, "que a filosofia consiste principalmente
em chamar o espírito a si mesmo, para se elevar em seguida por
degraus mais seguros até D�us, começamos por ela como pela pes
quisa mais fàcil como também mais sólida e útil de que possamos
lançar mão." Fénelon dirige-se unicamente à razão no seu admirável
Tratado sôbre a existência de Deus, e assim demonstra com eloqüên
cia a autoridade da razão como primeira revelação iluminando o
homem sôbre as verdades mais elevadas.
C a.pítulo IX
Demóstenes
(Museu Vaticano)
( >'OTO AXffi:RSON)
Platão
(Pinacotec.i Ny Calsberg)
( Fl lT() T H \' J J E f.; )
RUMO À CULTURA 123
uma idéia clara, e se fôr o caso, uma imagem viva; não se limita à
f6rmula, vai até a coisa; tal coisa não somente a entende, mas sabe
expô-la por sua vez, seja de viva voz, seja por escrito, com clareza,
com ordem, com lógica, com rigor."
Eis os frutos essenciais dos estudos literários: desenvolver, aper
feiçoar, polir as potências intelectuais; por pouco que o jovem tenha
sido orientado, seu gôsto se forma, seu ouvido se habitua à cadência
e compreende o número. Os gênios mais brilhantes fornecem-lhe as
imagens mais encantadoras, as sentenças mais nobres e os exemplos
da mais elevada virilidade. Desperta então a imaginação, a vontade
se robustece; o caráter se tempera. O coração sobe à medida que a
cabeça se ilumina. Faculdade alguma é deixada no olvido.
Ao mesmo tempo, o estudo das obras-primas se tornará um tra
balho árduo mas essencialmente formador da composição. :E:le utiliza
todos os conhecimentos adquiridos; põe em jôgo tôdas as faculdades:
os sentidos pelos quais estamos em relação com o mundo exterior;
a imaginação que embeleza o estilo e se torna o manancial das figuras;
a memória que evoca as sensações, os pensamentos, os sentimentos,
os atos passados; o juízo, a peça principal do espírito, e que lhe d á
retidão e justeza; o raciocínio que preserva do êrro e d á à s obras
literárias fôrça e energia; a vontade que concentra as faculdades,
obriga-as a convergir para um fim que sua fôrça permite atingir e
constitui muitas vêzes a parte avantajada do talento e do gênio;
enfim, a sensibilidade que leva a admirar as obras literárias.
Lowe. "Êste carcereiro", dizia êle, "devia saber que a leitura é tão,
necessária para o espírito como o alimento para o corpo."
Os grandes clássicos liam muito. Racine leu e anotou a maior
parte dos autores gregos. Bossuet vivia em companhia da Bíblia c
dos Padres. Quão deliciosas eram para La Fontaine as horas que-
passava a ler e a cismar! Falando dos autores disse : "A todos leio
com o mesmo prazer, tanto do Norte como do Sul." Lia igualmente-
a Bíblia e sabemos de que entusiasmo foi possuído quando descobriu
Baruc.
Montalembert preparava-se à carreira de escritor e defensor da.
Igreja por meio de inúmeras leituras. Fala, em suas cartas, da quan
tidade prodigiosa de livros que leu e releu.
O jovem Pe. Pie, que seria cardeal da Santa Igreja e uma das
glórias literárias da França, passou o ano de retórica em companhia.
de Bossuet, de Fénelon, de Bourdaloue e de Massillon. Durante êsse
ano o jovem orador e escritor fêz inúmeras leituras.
V1cTOR HuGo
avivam o espírito.
Que autores escolher? Cada um é que deve fazer a escolha de
conformidade com o caráter e os sentimentos próprios. Uma página
do Evangelho, um capítulo da Imitação de Cristo, tal descrição de
Chateaubriand, tal trecho de um discurso de Bossuet ou de Lacor
daire, uma página satírica de La Bruyere e de Veuillot, ou qualquer
outro.
Escolhei para leituras edificantes, um livro básico e vivificador,
e deixai cair gôta a gôta sôbre a alma seu licor benéfico. São Fran
cisco de Sales meditou durante tôda a vida o Combate Espiritual.
Ampere possuía decorada a Imitação de Cristo. A vida dos santos é
particularmente poderosa para sustentar a alma. Jorge Dumesnil
dizia que o ensino da filosofia moral é deplorável porque n ão são
citados os exemplos dos santos.
A leitura das biografias é também muito própria para excitar ao
bem, e existem algumas belíssimas.
Aconselho-vos os livros doutrinários: são os melhore� . Em todo
o caso não procureis senão autores de moral reconhecidamente sã.
O contato dos doentes e dos desiludidos não vivifica. Dai preferên
cia aos livros que estimulam o amor à vida, à virtude, aos deveres
penosos mas meritórios.
Leituras de repouso. Ainda neste gênero de leituras, fazei judi
ciosa escolha de autores. O campo é vastíssimo. Segundo o vosso
caráter encontrareis verdadeira distração na poesia, nas viagens ou
explorações, na arqueologia, na história natural, na crítica de arte,
na literatura, nas biografias, na história civil, na história eclesiás
tica, nos contos. Quanto aos romances consultai sempre antes de ler
algum, porque são bem poucos os que podeis ler. Por natureza, o
romance deforma o espírito. Dá unicamente utopias e transporta a
um realismo enganador. Deixai tais leituras aos calejados, aos ina•
tivos: essas leituras vos fariam perder o gôsto pelo trabalho sério.
Fazei igualmente seleção entre jornais e revistas. Não vos entre
gueis a leitura alguma que possa prejudicar a vossa alma. E enquanto
procurais a alegria, o esquecimento das penas, o descanso do espírito,
nunca percais de vista a formação geral de vossa inteligência.
RUMO À CULTURA 137
transparência do cristal."
Não serão pois estas linhas uma linda paráfrase dos famosos
versos de Musset:
Ampere Httmboldt
RUMO À CULTURA 139
ANATOLE DE SfouR
RUMO À CULTURA 147
mória", diz o Pe. Gratry, "pois é uma faculdade que esquece. Quando
a luz celeste das idéias a ilumina, julga que não a pode mais perder,
e que contemplará sempre o mesmo espetáculo. Não lhe deis fé.
Quando a luz lhe fôr retirada, empalidecerá a memória, como a
natureza quando o sol se põe, porque neste caso a escuridão é o
esquecimento."
1: um descanso no estudo pela variação; desloca o cansaço fa
zendo variar o seu objeto. "O escrever me descansa da leitura e re
ciprocamente", dizia Lacordaire.
1: um meio de formar o juízo e o gôsto. :E:ste hábito conserva o
espírito atento, dá ordem às concepções, exatidão às idéias, concisão
à expressão, qualidades estas de grande importância.
Os apontamentos são 1im meio de autoridade. Nossa incapaci
dade e inexperiência desaparecem sob os nomes de profundos obser
vadores e grandes pensadores.
Que apontamentos devemos tomar? O Pe. Sertillanges e Gâche
deram sôbre êste ponto excelentes diretivas que passo a resumir.
Tomam-se apontamentos de vários modos.
Apontamentos de formação geral: aquêles que têm utilidade em
ser conservados. A quantidade varia conforme o fim que cada um
quer atingir. tste fim é-nos indicado pela profissão ou vocação.
Traçai-vos um plano vasto e compreensível, evitando, todavia, o
excesso e a acumulação. Vêem-se jovens que têm a mania de tudo
copiar e nunca utilizar suas notas; deixam-nas no fundo da mala
ou num canto qualquer. Tomai o cuidado de classificar os assuntos
tendo cadernos diferentes para cada um.
Apontamentos em vista de um trabalho determinado. É uma
documentação. Por isso torna-se necessário recorrer às melhores
fontes de informação. Anotai tudo o mais resumidamente possível e
esquadrinhai o assunto sob todos os aspectos que desejais estudar.
Impregnai-vos das idéias principais, meditando-as. Se o plano não
vos parecer, a princípio, bastante nítido, segui um provisório, segundo
o qual tomareis as informações mais úteis.
A maior parte das vêzes tereis que resumir uma obra ou parte
de obra. Eis o que nos diz Gâche: "O que foi lido é preciso não
esquecê-lo. Anotai-o. Escrevei o título do livro, e o nome do autor;
em seguida, abaixo, escrevei: 'Capítulo primeiro' e um curto resu-
RuMo À CULTURA 15 1
culpável: "Por acaso, tereis vós, como os gênios, vigor suficiente para
triunfar na luta incessante do espírito contra a debilidade da carne?
Ninguém diz, aliás, que os gênios não tenham notado que as suas
taras fisiológicas lhes desviavam ou diminuíam os talentos."
Se apesar de todos os esforços empregados para melhorá-Ia, a
saúde ficar ainda periclitante, aceitai virilmente esta provação, e
procurai consolar-vos pensando que sábios de primeiro valor, artis
tas célebres, escritores ilustres foram valetudinários.
O sábio Humboldt, fraquinho na mocidade, fortificou-se pelo
trabalho, pelas viagens e pela firmeza em seguir um regulamento
sempre invariável. Milne-Edwards era de compleição delicada. Ber
thelot, elogiando-o, escreveu: "Soube triunfar da doença, em grande
parte pode-se dizer graças à vontade de ferro que o caracterizava.
Não somente não se deixou vencer pela doença mas nem mesmo
temeu empreender a redação de uma vasta obra sôbre a fisiologia
e anatomia comparadas, obra esta que teve quatorze volumes e que
o ocupou durante vinte e quatro anos."
O Cardeal Newman nunca teve boa saúde. A composição da
Gramática do Assentimento quase o levou ao túmulo. A seu amigo
Ward que lhe falou um dia do profundo e consolador prazer causado
pelo trabalho intelectual, Newman respondeu: "Estou longe de negar
que haja tal prazer outorgado pela Providência. Falem, sim, aquêles
que o sentiram. Quanto a mim a experiência já foi feita e é bem
contrária. Não me lembro de ter refletido profundamente sôbre al
gum problema ou escrito meus pensamentos sem experimentar agudo
sofrimento tanto no corpo como no espírito. Quando escrevi meu
livro sôbre os Arianos, estava tão esgotado que, no fim, mal podia
ficar em pé."
Não ignorais que certas obras de grande valor tiveram por au
tores pessoas doentes. "Coragem, minha alma", dizia um Padre da
Igreja, "desafiemos a fraqueza do corpo." Quantos poderiam repetir
esta exclamação! Pascal sofreu imensamente quando escreveu os
RUMO À CULTURA 163
Avançai devagar. Por mais preciosa que seja a saúde, não é Hércules
que produz o máximo; uma alma generosa em debilíssimo corpo é a
mestra do mundo."
Aprendei, pois, a abandonar os livros e a descansar. As varieda
des de distribuições são numerosas; só tendes que escolher: a conversa,
a música, a beleza da criação. Não fiqueis insensíveis diante dos es
petáculos encantadores: o céu azul, as nuvens brancas ou coloridas
pelo sol, o mar espumoso ou cintilante, o lago prateado, o murmúrio
<lo ribeiro, a noite estrelada, o silêncio impressionante das florestas;
tudo isto fala à alma, proporciona-lhe agradável descanso e a eleva
ao mesmo tempo Àquele que esparziu sôbre nossa pátria terrestre
tantos reflexos da beleza do céu.
Buffon
Pe. Leonel Franca
Lacordairc
(Retrato de Chassériau)
(FOTO BCLLOZ)
RUMO À CULTURA 171
Guardai-vos da leviandade.
que correm pisam nos calcanhares uns dos outros; ai de quem pára
a fim de amarrar os cadarços do calçado."
Nenhum daqueles que nós chamamos komens ilustres foi pre
guiçoso. "J;; pelo trabalho que se reina", dizia Luís XIV. No colégio
de Dôle, tôdas as manhãs, às quatro horas infallvelmente, o prefeito
de disciplina sacudia fortemente a cama de Pasteur dizendo: "Vamos,
Pasteur, é preciso espancar o demônio da preguiça."
f:dison completou cinqüenta e nove anos a 1 1 de fevereiro de
1907. Perguntaram-lhe como tinha êle celebrado o seu aniversário:
"Trabalhando com o mesmo ardor dos outros dias", respondeu êle.
Montalembert foi tôda a vida um modêlo de trabalho intenso e
constante. Quando escreveu os Jt,1oines d'Occident na Roche-en
Brény, cada manhã, depois da missa, fechava-se na biblioteca até
o meio-dia e prosseguia em seu trabalho de beneditino. Sua vigília
prolongava-se muitas vêzes, até às duas horas da madrugada. "Às
vêzes'', dizia um seu velho camareiro, "quando me levantava para
pôr mãos ao trabalho, a lâmpada do senhor conde ainda estava
acesa." Quando era repreendido por causa dêste seu horário respon
dia com a palavra de Bossuet: "O sono, êste grande inimigo do
homem . . . " ou então com êste argumento irresistível: "Arago tinha
por preguiçoso o homem que não trabalhasse quatorze horas por
dia." Em suas vigílias sentia comoções que se não podem descrever.
Lessing para fazer compreender os nefastos efeitos da inação e
da preguiça disse um dia: "Se o Todo-Poderoso, com a Verdade
numa das mãos e na outra, a busca da Verdade me dissesse: 'Es
colhe', eu lhe diria: 'ô Todo-Poderoso, guarda para ti a Verdade e
dá-me a busca da Verdade que para mim é melhor'."
boa consciência.
Se, por vêzes, uma tempestade interior tentar turvar vossa alma,
recorrei aos meios naturais e sobrenaturais que abrandam as vagas
e trazem a tranqüilidade. Um meio entre muitos outros é a contem
plação dos espetáculos da natureza: o sol, as florestas, os campos,
os córregos, o cantar dos passarinhos, as gotas de orvalho, as ervinhas,
são inspiradores de alegria e felicidade por serem reflexos da beleza
divina: "Felizes", diz o Pe. Gratry, "essas almas que, pela contem
plação de uma flor, de um riacho, de um raio de luz vindo do céu
<:>u de um vapor subindo da terra, ou pelo odor do ca.npo carregado
<!e espigas, se deixam sensibilizar e exultam de amor."
Capítulo XIII
Lincoln Edison
R UMO À CULTURA 187
seus escritos, aos seus atos, um potencial maior para o bem, e às vêzes,
infelizmente, para o mal.
De modo particular, a Igreja sempre demonstrou estima parti
cular para os homens de ciência. São Paulo exortava os primeiros
cristãos a que valorizassem os dons especiais que receberam de Deus.
"Possuímos dons diferentes de acôrdo com a graça que nos foi dada'',
dizia êle aos romanos: "aquêle que recebeu o dom de profecia faça
dêle uso segundo a analogia da fé; aquêle que foi chamado ao minis
tério; aquêle que deve conduzir seus irmãos, desempenhe o seu múnus
com vigilância."
Através dos séculos, como ela se ufana de tôdas as suas glórias!
Dos Padres da Igreja, defensores de sua doutrina e vingadores das
calúnias que eram espalhadas contra ela; dos grandes fundadores e
dos diretores de comunidades ou de escolas; dos grandes escritores
e dos ilustres doutôres da Idade Média, da Renascença e dos séculos
que se seguiram; da magnífica plêiade do século XIX que constituiu
para ela um diadema cujo brilho é sem igual!
S. Gregório Magno recebendo Gregório de Tours, pai da história
francesa, cujo exterior estava longe de refletir inteligência tão distin
ta, dirigiu-lhe o seguinte elogio: "Como pôde Deus conceder seme
lhante habitação a uma alma tão grande, tão bela e tão iluminada?"
E cumulou-o de um sem-número de finezas.
Nunca deixou a Igreja de favorecer as escolas e o desenvolvi
mento da ciência pelos métodos que produziram os melhores resulta
dos. Várias vêzes Leão XIII voltou ao assunto. Na sua Encíclica de
8 de setembro de 1 899 ao clero francês, lembrava a importância das
belas letras que formaram na França homens eminentes: tais os Bos
suet, os Petau, os Thomassin, os Mabillon, e mostrava como elas
desenvolvem ràpidamente na alma dos jovens, quando ensinadas por
mestres cristãos, todos os germes da vida intelectual ao mesmo tempo
que contribuem para dar retidão e amplitude, elevação e distinção
à linguagem.
lho intelectual.
O estudo enobrece o caráter dando-lhe aspirações elevadas, dignas
do homem, desenvolvendo nêle o atrativo por tudo quanto é imutá
vel e eterno.
"Quando se tem em casa Platão, Davi, São Paulo, Santo Agos
tinho, Bossuet e Pascal, não se deve esperdiçar o tempo em ninha
rias", dizia Lacordaire. As faculdades encontram no trabalho sério
um alimento escolhido. A imaginação cria um ideal que a encanta;
a memória procura e descobre pérolas a cada passo; a razão combina,
alumia, ordena, demonstra e dá-se o testemunho de que o que fêz
está bem feito. Quanto à vontade, a faculdade mãe e mestra, nada
impede que se prenda ao útil e necessário, encontrando novos encan
tos nessa união.
O estudo enobrece o caráter livrando-nos da vulgaridade na lin
guagem. O estudante que não está completamente absorto pelo pró
prio trabalho, deixa-se levar fàcilmente à banalidade nas conversa
ções. Encontra prazer em conversas ruidosas, nos casos realistas e
"rabelaisianos", nos trocadilhos de baixo calão, e gosta da gargalhada
do folgazão satisfeito de si mesmo, imitando assim aquêles com quem
vive. Santo Agostinho vivendo em Cartago no meio de jovens liber
tinos assevera que corava de não se lhes assemelhar e acrescenta:
"ó amizade inimiga, incompreensível sedução do espírito! . . . bastava
que alguém dissesse: Vamos ali, façamos isso, todos teriam ficado
envergonhados de não passar por desvergonhados."
O estudante sério não vive em semelhante companhia. Acha suas
RUMO À CU LTURA 193
delícias ao contato dos grandes escritores. Sua alegria não é por isso
menos profunda; mas é de ordem mais elevada.
O estudo dá nobreza aos modos. "Sejamos distintos", dizia o
jovem Xavier de Ravignan ao irmão. Que dignidade não se via ou
trora nos grandes magistrados, escritores e artistas! Dizem que a
distinção está morrendo. Talvez nisso haja qualquer coisa de certo,
e estaríamos inclinados ao pessimismo neste ponto, ao ver os modos
e a sem-cerimônia de certos estudantes: mãos nos bolsos, chapéu de
lado, ar melancólico, enfastiado, ou ainda fisionomia insolente com
o olhar brutal e perverso, fronte listrada por rugas precoces. O estu
dante sério, em geral, não aceita êste modo desalinhado. O convívio
com pessoas distintas pelo espírito e pelo saber, imprime ao exterior
uma certa nobreza que vem a ser como natural e reflete a distinção
do coração e do espírito.
O estudo dá também nobreza aos pensamentos. Viver em contato
com as mais altas inteligências, é nutrir-se da sua alma, impregnar-se
de tudo quanto nelas há de distinção. Como não amar as nobres
idéias quando se viveu com Bossuet, José de Maistre, Lacordaire,
Veuillot? "Um entretenimento com os letrados", disse Lucas de Pena,
"é um vaso cheio de sabedoria, uma árvore de vida cujos frutos estão
maduros, um acréscimo para a inteligência, um socorro para a memó
ria, uma consolação no infortúnio, uma lâmpada acesa que alumia a
carreira, uma escola onde se entra envergonhado da própria ignorân
cia e de onde se sai com o espírito culto, uma espécie de poço onde
mergulhamos o nosso balde."
O estudo produz a diJtinção dos atos. Na vida moral tudo se
encadeia. Os nobres pensamentos, os desejos nobres levam a atos
nobres. Na história da mocidade francesa no século XIX, que re
tumbante confirmação desta verdade! Os moços do Círculo de estu
dos e depois dêles Ozanam e os membros das Conferências de São
Vicente de Paulo, Montalembert, de Mun, os membros da Juventude
Católica apaixonados por nobres desejos, elevaram-se aos sublimes
atos da caridade e do devotamento a tôdas as causas santas. Em
vez de levar uma vida egoísta e preguiçosa viveram para os outros.
E dedicaram-se na medida em que os seus estudos lhes haviam des
vendado a beleza da verdade e da justiça.
O estudo aperfeiçoa o caráter formando em n6s costumes salu-
194 L. RIBOULET
Somente aquêle que está preparado sabe tirar proveito das ocasiõe&·
quando estas se apresentam. A maioria não compreende o seu valor
ou percebe-o muito tarde. Permanecei alerta para tudo quanto vos
pode ser útil. Preparai-vos para grandes fadigas e conservai acesa a
vossa lâmpada.
Não alegueis que hoje a sorte não favorece como outrora; as.
ocasiões de ter êxito são sempre as mesmas; mas, como outrora, bem
poucos são os que sabem aproveitá-las.
Quantos homens se celebrizaram em virtude de uma ocasião que
souberam aproveitar! Lineu sentiu gôsto para o estudo das plantas
incentivado pelo pai que gostava de cultivá-las. O acaso revelou-lhe a
vocação, mas a Providência o dotara dos dons essenciais ao botânico
e ao sábio: o gôsto pelas pesquisas; o olhar perspicaz que capta o
que merece ser observado; o espírito de síntese que une fatos esparsos.
para formar uma verdade geral.
Foi por acaso que Lamarck se dedicou à observação científica ..
Morava em Paris, num andar elevado. Como êle mesmo conta, as
nuvens, que constituíam o seu único espetáculo, inspiraram-lhe, pelos.
seus diversos aspectos, as primeiras idéias meteorológicas.
O naturalista Bonnet, de Genebra, tendo lido no Spectacle de la
Nature a história da indústria singular do inseto chamado "formiga
leão'', não descansou enquanto não tivesse achado um espécime.
196 L. RrnouLET
divina, sinal infalível de uma grande alma e a mais alta das recom
pensas divinas inerentes à virtude."
Deus pedirá muito a quem tiver muito dado. Não vos deu talen
to para deixá-lo improdutivo, nem longos anos de estudos para
serem desperdiçados. Eis idéias capazes de inspirar sérias reflexões.
São Paulo dizia: "Ai de mim se não pregar o Evangelho!" Todos
aquêles que podem exercer uma missão devem aplicar-se estas pa
lavras. Ozanam as repetia a seu modo : "É da nossa alçada, católicos,
reavivar o calor vital que se está apagando, é da nossa alçada re
começar a era dos mártires . . . Ser mártir, é entregar ao céu tudo
quanto recebemos: o ouro, o sangue, a alma." Dizia ainda: "Escrevo
porque, não me tendo Deus fornecido fôrça de guiar uma charrua,
é forçoso entretanto que obedeça à lei do trabalho e faça minha
jornada."
É o egoísmo que leva a cumprir com moleza e negligência o dever
de estado. Se trabalhardes em espírito de fé, será êsse o primeiro
defeito que extirpareis. Como poderíeis ser covardes perante o dever,
se tendes intenção de servir a Deus, de trabalhar pela palavra e pelo
exemplo à extensão do seu reino?
:f::stes motivos serão para vós um poderoso estímulo para o tra
balho constante. Podeis dizer-vos: "Os talentos recebidos, o tempo
que está ao meu dispor, tudo isso pertence a Deus. Se esbanjasse
esta hora, talvez ficasse no meu espírito uma lacuna que me tornaria
incapaz de dissipar uma dúvida, de firmar uma crença, de expulsar
o êrro das almas que encontrasse no caminho da vida."
RUMO À CULTURA 22 1
de Deus . . . Não pautes a tua vida pela dos demais se quiseres que
esteja conforme à verdade."
Henrique Moreau, professor da Universidade, fazia meia hora
de meditação por dia. Muitas vêzes a esboçava por escrito. De modo
idêntico procedia Pedro Poyet, o apóstolo da Escola Normal. Assim
fizeram tantos outros que procuravam antes de tudo o reino de Deus
e sua justiça. Hoje é elevado o número de professôres da Universidade
e alunos das Escolas Superiores que principiam o dia com uma fer
por nos expandir pela palavra, pela ciência, pela eloqüência e pelo
amor. Porém, metade dêsses desejos vêm do céu, metade da terra;
temos asas e patas, uma fronte erguida, e um ventre rastejante,
pensamentos sublimes e sentidos grosseiros. É cada vez mais neces
sário libertar a alma e reduzir o corpo a uma doce servidão: a do
trabalho e da pureza."
Nada mais prejudicial, com efeito, do que o gôzo. Todo e qualquer
prazer descomedido, e tendente a lisonjear os sentidos exerce in
fluência funesta. O sensualismo afoga o espírito e o torna incapaz de
vôo seguro. É o meio que usou Nabucodonosor para que os jovens
hebreus que êle afeiçoava perdessem o gôsto das letras e das artes.
Ordenou ao chefe dos eunucos servir-lhes cada dia viandas e vinhos
da mesa re:tl, durante três anos. Eis o ideal proposto a êstes moços:
come, bebe, engorda! Ainda bem que não observaram o conselho;
viveram de legumes e de água conservando no entanto boa aparência
e entusiasmo juvenil.
As mais meritórias mortificações na vossa idade são as do coração,
da imaginação, da memória, da língua e dos olhos. Quantas ocasiões
tereis de as praticar diàriamente se quiserdes ser alguém!
É pelo sacrifício que o homem se renuncia e conquista Deus.
"Renunciar-se ou não", diz o Pe. Gratry, "nisto está o ponto central,
a história, o drama da vida moral." f: igualmente a lei do progresso
eterno. Malebranche nos mostra em página admirável a necessidade
de morrermos para nós mesmos a fim de gozarmos as verdades
divinas:
"É mister morrer para ver Deus e chegar à umao com êle,
pois ninguém pode viver e contemplá-lo a um tempo, diz a Sagrada
Escritura. Só se morre verdadeiramente, porém, n a medida em que
se mortifica o corpo, se domam os sentidos, a imaginação e as pai
xões. A sabedoria eterna está oculta aos olhos de todos os vivos, os
que porém morreram ao mundo e a si mesmos, os que crucificaram
a carne com seus desejos enganadores, os que se crucificaram com
Cristo, e para os quais o mundo está crucificado, em suma, os que
têm o coração puro, e cuja imaginação não está maculada, estão
em estado de contemplar a verdade."
TRADUÇÃO DOS TEXTOS EM FRANCtS
TRADUÇÃO DOS TEXTOS EM FRANC!S
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pág. 153 - Os que vivem, são os que lutam; são aquéles em que
um firme ideal encke a alma e a fronte, aquéles que de
um elevado destino sobem penosamente o áspero cume.
pág. 201 - Bendito seja o semeador cuja mão kabilidosa soube lan
çar ao vento, ao sabor da ocasião, os bons grãos sele
cionados já das venenosas sementes! Bendito sejas, meu
pai, 6 terno amigo perdido!