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BERLUSCONIZAÇÃO DA POLÍTICA
Corrupção, espetáculo, manipulação do sistema eleitoral e outros ingredientes da
crise democrática na Europa
PERRY ANDERSON
Quando os partidos perdem força, a personalização vira a condição da política; Berlusconi encarnou esse fenômeno na
Itália e transmitiu seu estilo ao premiê de centro-esquerda Matteo Renzi ILUSTRAÇÃO: FRANCESCO
SPADONI_WWW.TITOLOPROVVISORIO.IT
Europa está doente. Nem sempre é fácil determinar o grau de
A
gravidade e o motivo dessa doença. Mas existem três sintomas
claramente visíveis e relacionados entre si. O primeiro, e mais
conhecido, é a tendência de degeneração da democracia em
todo o continente, da qual a estrutura da União Europeia é ao mesmo
tempo causa e consequência.
O
panorama desse malavita é impressionante. Um afresco sobre o
tema poderia começar com Helmut Kohl, governante da
Alemanha por dezesseis anos, que acumulou um caixa dois de
campanha de cerca de 2 milhões de marcos alemães [cerca de 3
milhões de reais]. Quando o caso foi descoberto, ele não quis revelar
os nomes dos doadores, com medo de que viessem à luz os favores
que eles receberam em troca. Jacques Chirac, presidente da República
francesa durante doze anos, foi condenado por desvio de dinheiro
público, abuso do cargo e conflito de interesses, depois que perdeu
sua imunidade. Nenhum deles sofreu punição. Eram os políticos mais
poderosos da Europa em sua época. Uma olhada no que ocorreu
desde então é suficiente para desfazer qualquer ilusão de que se trata
de casos isolados.
Na Alemanha, o governo de Gerhard Schröder garantiu um
empréstimo de 1 bilhão de euros à companhia russa Gazprom para a
construção de um oleoduto, poucas semanas antes de o chanceler
deixar o cargo e entrar na folha de pagamento da empresa com um
salário superior ao que recebia para governar o país. Desde que ele
saiu, Angela Merkel viu dois sucessivos presidentes da República
serem obrigados a renunciar: Horst Köhler, antigo chefe do Fundo
Monetário Internacional, por haver explicado que o contingente
militar alemão no Afeganistão estava protegendo interesses
comerciais do país; e Christian Wulff, antigo chefe democrata-cristão
na Baixa Saxônia, em razão de um empréstimo duvidoso para sua
casa feito por um empresário amigo. Dois importantes ministros, um
da Defesa, a outra da Educação, tiveram que deixar o cargo ao terem
os títulos de doutor cassados por furto intelectual. Quando esta
última, Annette Schavan, amiga íntima de Merkel (que manifestou
plena confiança nela), ainda se agarrava ao cargo, o tabloide
Bild comentou que ter uma ministra da Educação que frauda
pesquisas era como ter um ministro das Finanças com uma conta
bancária secreta na Suíça.
A
poluição do poder pelo dinheiro e pela fraude, lugar-comum
numa União que se apresenta ao mundo como guardiã da
moralidade, decorre do esvaziamento da democracia de
substância e de participação. As elites, liberadas de uma competição
real no topo, ou de uma cobrança significativa vinda de baixo, dão-se
ao luxo de enriquecer sem serem perturbadas. A revelação de
malfeitos deixa de ter grande importância quando a impunidade é a
regra. Os políticos importantes, como os banqueiros, não vão para a
cadeia. Da fauna já mencionada, só o grego Akis Tsochatzopoulos
sofreu essa afronta.
N
este cenário, há um país que é visto como o caso mais agudo de
disfunção na Europa. Desde a adoção da moeda única, em 1999,
a Itália teve o pior desempenho econômico entre os países da
UE: vinte anos de estagnação quase ininterrupta, com crescimento
abaixo do da Grécia ou da Espanha. Sua dívida pública é superior a
130% do Produto Interno Bruto. No entanto, não se trata de um
desses países pequenos ou médios da recém-adquirida periferia da
União. É um dos seis membros fundadores, com população
comparável à da Grã-Bretanha, e uma economia uma vez e meia a da
Espanha. Sua base industrial é a segunda maior da Europa, superada
apenas pela da Alemanha. Seus títulos do Tesouro constituem o
terceiro maior mercado de títulos soberanos do mundo. Com sua
mescla de peso e fragilidade, a Itália é o elo realmente fraco da UE, o
ponto onde ela pode, teoricamente, quebrar.
Q
uando Il Cavaliere obteve sua terceira e mais decisiva vitória
eleitoral, em 2008, a má opinião que se tinha dele no exterior
pouco lhe importava. A frente de centro-direita que ele havia
organizado desde 1994 – agora formada pelo partido Povo da
Liberdade, fusão de seu partido anterior com o de um velho aliado, o
ex-fascista Gianfranco Fini, mais a Liga Norte, de Umberto Bossi –
conquistou expressiva maioria nas duas Casas do Parlamento.
Em seus primeiros meses no cargo, um passo ao estilo Thatcher/Blair
foi dado, com a redução em 8 bilhões de euros dos gastos com
educação, da escola primária às universidades: diminuindo o número
de professores, impondo contratos de curto prazo, quantificando as
avaliações de pesquisa. Mas o ímpeto reformista parava aí. A mais
alta prioridade da coalizão de Berlusconi eram leis sob medida para
protegê-lo de ações penais ainda pendentes. Em 2003, seu partido
tinha aprovado uma lei garantindo imunidade aos cinco cargos mais
importantes do Estado, derrubada pelo Tribunal Constitucional seis
meses depois. Em meados de 2008, ele voltou a atacar com uma lei
apresentada por seu braço direito no Ministério da Justiça, o
advogado siciliano Angelino Alfano, suspendendo julgamento para
os detentores dos quatro cargos mais altos do Estado.
Uma ameaça mais séria à sua posição veio de outro lado. Por excesso
de confiança, nascido do êxito eleitoral, ele perdeu o senso dos limites
políticos, humilhando gratuitamente Gianfranco Fini, que se julgava
seu sucessor e era então presidente da Câmara dos Deputados. No
verão de 2010, percebendo que já não tinha razões para supor que
seria o herdeiro natural da centro-direita, Fini mudou de lado,
levando consigo um número de deputados suficiente para privar o
governo de uma maioria estável. Em meados de 2011, enquanto a
crise da zona do euro se aprofundava, com a Grécia à beira da
inadimplência, a pressão dos mercados sobre os títulos da Itália
aumentou. A Alemanha não fazia mais segredo de sua determinação
de derrubar qualquer resistência a medidas draconianas de
austeridade, e de eliminar líderes que hesitassem em aplicá-las, em
Atenas ou Roma. Em agosto, Jean-Claude Trichet e Mario Draghi – o
presidente do Banco Central Europeu que saía, e o que entrava –
deram praticamente um ultimato a Berlusconi.
B
erlusconi havia apoiado a eleição de Giorgio Napolitano para a
Presidência em 2006, e tinha motivos para achar que sua opção
fora sensata. Ao longo de sua carreira, Napolitano vinha
exibindo um princípio imutável: a adesão a qualquer tendência
política que lhe parecesse vitoriosa no momento. Ainda estudante,
filiou-se ao Grupo Universitário Fascista, numa época em que a Itália
despachava tropas para participar do ataque nazista à Rússia.
Quando o fascismo sucumbiu, o jovem Napolitano optou pela força
do comunismo que despontava. Ingressando no PCI no fim de 1945,
chegou ao Comitê Central em pouco mais de uma década. Quando
tropas e tanques russos esmagaram a Revolução Húngara de 1956, ele
aplaudiu. Napolitano era um severo disciplinador de dissidências
internas no partido, votando sem hesitação pela erradicação do grupo
Manifesto, pelo delito de falar contra a invasão soviética da
Tchecoslováquia. Na época, ele era considerado forte candidato à
liderança do PCI.
S
eja como for, Napolitano e Berlusconi dificilmente poderiam ser
mais diferentes em estilo, o primeiro cerimonioso e o outro com
sua gabolice um tanto indecente. Mas partilhavam vínculos e
simpatias em torno de Craxi em Milão, e um interesse por manter o
que consideravam ganhos potenciais da Segunda República: um
sistema político bipolar, ao estilo anglo-saxão, que só tinha lugar para
uma centro-direita e uma centro-esquerda, despojado de hostilidades
contra o mercado e contra os Estados Unidos, seu guardião. Por
razões próprias, cada um também temia a persistência dos
promotores públicos, que não paravam de trazer à tona acusações
contra o líder mais popular do país, e o ressentimento de minorias
irresponsáveis que faziam cavalo de batalha dessas investigações.
E
sse foi, porém, o último favor que Napolitano prestou a
Berlusconi. No início de 2011, o governo anunciou que não
participaria do ataque à Líbia encabeçado pelos americanos, ao
qual a Liga Norte se opunha taxativamente. Para Napolitano,
corresponder às expectativas de Washington era mais importante do
que dar atenção a sutilezas constitucionais. Sem votação no
Parlamento, ele lançou a Itália na guerra, arrancando o apoio de ex-
comunistas para despachar a Força Aérea e bombardear um vizinho
com o qual o país tinha assinado um Tratado de Amizade,
Cooperação e Aliança Militar, ratificado na Câmara três anos antes.
M
onti – saudado pelo Financial Times como o “Super Mario” –
logo frustrou as expectativas. Instalado com a concordância
relutante da centro-direita e da centro-esquerda, sua margem
de iniciativa era limitada. Nenhum dos dois blocos estava de fato
comprometido com ele. Logo ficou claro que seus remédios não
trariam a recuperação. A combinação de altos impostos e cortes de
gastos poderia reduzir o déficit e baixar os juros da rolagem da
dívida, mas intensificou a recessão. O consumo caiu, o desemprego
entre os jovens disparou. As reformas estruturais, tais como definidas
pela Comissão Europeia e pelo Banco Central Europeu, não foram
adiante. Em 2012, o PIB encolheu 2,4%. Politicamente, havia pouco a
ganhar sustentando um governo que se tornara impopular. No fim do
ano, a centro-direita retirou seu apoio e Napolitano foi forçado a
dissolver o Parlamento, mantendo Monti no cargo até a realização de
eleições.
Seu público disparou quando ele passou a usar a internet para suas
mordazes demolições da ordem constituída e de seu pessoal – a
centro-direita e a centro-esquerda, a televisão e a imprensa. Seu blog
teve um êxito avassalador. Por essa época, ele já trabalhava em
estreita colaboração com o especialista em software Gianroberto
Casaleggio, e em 2009 os dois lançaram o MoVimento 5 Estrelas,
como uma revolta contra o sistema político. As estrelas
representavam as questões essenciais que pretendiam levantar: água
(sob ameaça de privatização), meio ambiente, transporte,
conectividade e desenvolvimento. Candidatos do M5S [MoVimento 5
Stelle, em italiano] que concorressem em eleições assumiam o
compromisso, exigência única no mundo, de não aparecer na
televisão e, se eleitos, de reduzir seu salário de parlamentar ao salário
mínimo, destinando o resto a programas públicos.
O
presidente italiano é eleito em sessão conjunta das duas Casas
do Parlamento, mais representantes das regiões, em votação
secreta. Nas três primeiras votações, exige-se maioria de dois
terços; subsequentemente, maioria simples. Como os votos são
secretos, a disciplina partidária é fraca, e muitos turnos podem ser
necessários para que se produza um candidato bem-sucedido. Em
2013, os eleitores eram 1 007, o que requeria 672 votos na primeira
série de rodadas, e 504 em seguida. A centro-esquerda tinha 493
votos, uma posição bastante forte. Mas, como se espera que o
presidente esteja acima da divisão política, o costume determina que
um candidato de sucesso desfrute de certo grau de consenso
suprapartidário. O PD buscou, portanto, o acordo da centro-direita
para apresentar uma figura que ambos pudessem apoiar.
A
inda faltava formar um governo, mas, com Bersani fora do
caminho, Napolitano podia seguir em frente e criar o
governissimo que tanto queria, juntando a centro-direita e a
centro-esquerda. Para primeiro-ministro escolheu o vice-líder do PD,
Enrico Letta, ex-democrata-cristão. Angelino Alfano, responsável pela
lei que conferia imunidade a Berlusconi e Napolitano, ficou sendo
vice-primeiro-ministro. Um funcionário do Banco Central foi
instalado no Tesouro como garantia de continuidade das políticas de
Monti.
A
ssim como sua vítima, Renzi tem antecedentes familiares
democrata-cristãos – o pai foi vereador da dc. A família tinha
uma empresa de marketing que lhe deu emprego até que se
dedicasse à política em tempo integral; entre suas contas estava a do
jornal local La Nazione. Renzi ingressou num dos resíduos da
dissolução da DC, e foi parar no partido centrista A Margarida, que,
no devido tempo, se fundiu com os remanescentes do comunismo
italiano para formar a ala direita do PD. Quando tinha 29 anos, foi
escolhido pelo partido para ser presidente da província de Florença,
cargo que ele posteriormente denunciaria como desperdício de
dinheiro e procuraria abolir. Mas, na época, aproveitou o máximo
possível, montando um aparato de assessores e projetando-se com
uma série de eventos midiáticos, orquestrados por uma empresa que
ele criou como órgão de propaganda da província.
Depois de cinco anos, o PD propôs Renzi como candidato a prefeito
de Florença, um dos bastiões da centro-esquerda na Itália. Numa
decisão muito aplaudida, sua administração transformou o centro
histórico em área reservada a pedestres, e deu uma engraxada em sua
imagem turística: os cidadãos puderam novamente se orgulhar da
cidade. Mas houve pouco progresso na redução da poluição. Fora do
centro, o tráfego piorou, e ônibus foram privatizados a despeito da
oposição de sindicatos.
H
á também óbvias diferenças entre os dois. Dessas, quatro são
mais significativas. Berlusconi entrou na política à frente de um
império comercial, fazendo uso de sua vasta fortuna para
conquistar um poder que pudesse proteger seus interesses. Tinha
quase 60 anos àquela altura. Seu principal instrumento para
conquistar e manter o poder era o controle da televisão. Suas
habilidades de comunicador eram as de um profissional da telinha,
um expert de seus rituais e recursos.
P
or enquanto, Renzi vive uma fase boa. Durante vinte anos, os
descendentes do comunismo italiano buscaram em vão o cargo
de premiê que ele, com um aperto de mãos, conseguiu de
Berlusconi em duas semanas. Para o PD, como para seus antecessores,
a praga de toda votação na Itália era a presença de rivais menores à
esquerda, ou, dor de cabeça mais tolerável, de aliados um pouco à
direita. O partido achava que, se eliminasse esses competidores com
um segundo turno nas eleições legislativas segundo o modelo francês
– no qual, depois de um show de proporcionalidade no primeiro
turno, a vitória no segundo é por maioria simples –, poderia assumir
seu lugar de direito como partido governante da centro-esquerda
num sistema político restringido a ele e a um homólogo de centro-
direita.
A decisão foi um balde de água fria para o PD. Se isso não mudasse,
as eleições seguintes seriam disputadas num sistema proporcional,
sem qualquer prêmio ao vencedor, e os eleitores teriam o direito de
escolher os candidatos que preferissem na lista – uma abominação
para caciques partidários, por enfraquecer seu poder sobre as tropas.
Essa era a hipótese que o PD tinha mais razões para temer. Era
indispensável eliminá-la. Providencialmente, o homem capaz de fazê-
lo tinha chegado. Cinco dias depois da decisão do tribunal, Renzi
assumiu o PD. Em poucas sessões a portas fechadas, Renzi e
Berlusconi chegaram a um acordo para dividir o bolo eleitoral. Juntos,
imporiam ao Parlamento um sistema destinado a lhes garantir a parte
do leão da representação política no futuro.
As cláusulas do projeto de lei negociado pelos dois dão um prêmio de
15% das cadeiras da Câmara para qualquer partido que alcançar pelo
menos 37% dos votos na primeira votação, com um teto de 55% dos
assentos; no caso de nenhum partido obter 37%, qualquer dos dois
partidos com maior número de votos na primeira votação que chegar
na frente, na segunda votação, receberá 52% das cadeiras. Em cada
distrito eleitoral, dos quais haverá um número bem maior,
continuarão existindo listas de partido fechadas, porém reduzidas
(três a seis candidatos), facilitando a escolha dos eleitores.
A
manipulação de sistemas eleitorais para torcer resultados não é
nenhuma raridade nas democracias liberais – é até mais
provável que seja a regra do que a exceção. Na Inglaterra e nos
Estados Unidos, sistemas distritais de maioria simples datam dos
arranjos pré-modernos de uma sociedade aristocrática hierarquizada,
na qual poucas eleições eram de fato disputadas. No começo do
século XVII, apenas de 5 a 6% dos distritos tinham mais de um
candidato. Sua manutenção nos tempos modernos diz muito da
natureza da democracia anglo-saxônica. A Quinta República na
França e a monarquia restaurada na Espanha são outros exemplos
conhecidos de sistemas eleitorais manipulados para impedir a
competição indesejada da esquerda.
C
om o novo sistema eleitoral, a força de que Renzi desfruta
atualmente pode ser estendida por um bom tempo. Da noite
para o dia, seu partido se tornou em grande parte uma dócil
falange à sua disposição. Ele promete um poder que o PD nunca teve.
O partido finalmente encontrou um vitorioso, e por ora as resistências
serão poucas. Toda a grande imprensa o apoia, às vezes com rasgos
de lirismo. Mas, se esse entusiasmo faz lembrar a euforia da mídia
britânica em torno do Blair dos primeiros tempos, o contexto mudou.
Na época de Blair, a maré do neoliberalismo estava chegando ao nível
máximo. Hoje a maré continua vindo, mas a exuberância
desapareceu. O primeiro-ministro britânico David Cameron talvez
esteja dando continuidade a Thatcher, mas não há euforia popular
com seu programa político. Sob o comando de Hollande ou Rajoy, os
cortes de gastos prosseguem, mas num espírito de casmurra
necessidade, e não de vibrante emancipação.
E
o que dizer do inverno do patriarca? Numa farsa típica da
Justiça italiana, sua condenação por multimilionária evasão
fiscal terminou com o promotor desistindo de pedir sua prisão
domiciliar e o tribunal, comovido com sua mudança de atitude,
aplicando-lhe a onerosa pena de quatro horas por semana de
prestação de serviços comunitários, num asilo de velhos, perto de seu
palácio em Arcore: o desfecho necessário para mantê-lo a bordo do
projeto Renzusconi, que ele tinha ameaçado pôr a pique se uma
punição pior lhe fosse imposta – mas quem suspeitaria de conivência
entre os governantes do país e os agentes da lei?
Mas seria um erro concluir que ele não conseguiu nada, nem mesmo
a imunidade em busca da qual ingressou na política. A grande
conquista de Berlusconi foi transformar seus adversários em sua
imagem. A Itália tem uma longa tradição de ciência política de alta
qualidade. No ano passado, uma de suas melhores cabeças, Mauro
Calise, publicou um livro intitulado Fuorigioco [Impedimento]. Sua
tese é que a personalização da política não é um fantasma
antidemocrático que evoca as tentações de um passado
desacreditado, como a esquerda italiana temia, mas a forma
hegemônica de governo em todas as democracias do Atlântico Norte,
exceto a Itália.
M
as a Itália, que desde a Segunda Guerra passou por mais
rebeliões políticas contra a ordem estabelecida do que
qualquer outra sociedade europeia, ainda não está livre delas.
Enquanto Berlusconi e Renzi buscam um acordo do qual cada um
possa tirar o máximo proveito, as rebeliões assumem formas atuais. O
M5S dificilmente escapa ao diagnóstico de Calise, embora não
represente a videopolítica.