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EDIÇÃO Nº 5
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Lobisomem!
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Edição Especial L
LOBISOMENS!
EDITORIAL MARTHA ARGEL & GIULIA MOON
C ria do medo irracional e da escuridão da noite, o lobisomem nasceu numa época sem
energia elétrica, banda larga ou condomínios de alto luxo. Mas a urbanização e a tecnologia não
foram capazes de aniquilá-lo, e o homem-lobo é hoje mais atual do que nunca. Mais que um
humano meramente transformado em animal, ele é um retrato preciso do bicho-homem liberto da
fina pele de civilização imposta pela vida em sociedade. Em plena era da comunicação instantânea, o
lobisomem ainda traduz com exatidão nossa eterna dualidade: a razão versus o instinto. Nesta edição
do FicZine, convidamos a excelente escritora Nilza Amaral para juntas revelarmos os lobisomens com
quem todos convivemos sem perceber. Cuidado, pode haver um ao seu redor... ou dentro de você!
as pernas da loba, indo e vindo, indo e vindo... A bota se afastou e deixou livre a mão
Estela quase podia vê-lo arfando com a língua vencida. Ele pegou no braço dela. E, juntos,
de fora, examinando a situação como um deixaram o bar. O jornal ficou lá, esquecido,
macho desconfiado. Perdera aquele ar certinho um montão de lixo na sarjeta, junto à pequena
e arrogante em algum ponto entre a boca, o guimba manchada de batom.
peito, as coxas e o cano das botas de camurça
de salto altíssimo de Estela. Ficaram assim, num ***
diálogo silencioso e cheio de malícia, durante
alguns minutos. Lua cheia plena, no alto. Estela
escovava os cabelos molhados depois do banho
De repente, ele dobrou o jornal relaxante. Olhou-se no espelho do quarto, nua,
americano que fingia ler. Olhou a conta e jogou a pele reluzindo de frescor. Sentia-se gostosa.
o dinheiro, displicente, sobre a mesa. Sinalizou Grande. Poderosa. Era sempre assim, depois de
para o garçom, apanhou o paletó, o jornal, e uma boa caçada. Fora depois dos trinta que
veio andando na direção de Estela. Uau, era um começara a caçar. Lembrava-se muito bem. O
ataque frontal? Mas o sujeito passou por ela. Ao garotão bonito viera com o papo de dar um
passar, abaixou-se para pegar o toco do cigarro tempo, enquanto armava pra cima dela com
no chão. Ah, era esse o plano? Ia jogar a guimba uma adolescente cheia de celulite. Pra cima dela,
no lixo pra dar uma lição sutil na perua mal- vejam só... Não gostava tanto assim dele, mas
educada... Mas lobas não gostam de sutilezas. uma mulher desprezada sempre quer sangue. E
Não esta loba. Com um movimento rápido, às vezes vira loba. Naquela noite, sob a luz da
Estela fincou o salto da bota no meio da mão lua cheia, transara com o jovem amante infiel.
larga e bem manicurada do homem. Uma transa cheia de raiva, de tesão e de veneno.
E, quer saber? Foi a melhor transa que tiveram
Ele não falou. Apenas olhou, atônito, em toda a relação. Mas isso não fora nada,
lá debaixo de sua pose vexatória, para a loba de comparado com o que se seguiu.
um metro e oitenta que o fitava, a boca enorme
aberta num sorriso malvado, a língua vermelha Só podia ser feitiço. E poderoso. Nunca
e sem-vergonha passeando pra lá e pra cá nos soube por que e nem como, mas o desejo que
lábios de caramelo. gritara em silêncio durante o sexo se concretizou.
O garotão esqueceu a outra, escolheu ficar com
Ela não falou também. Apenas Estela. O mesmo se deu com todos os demais,
continuou a afundar ainda mais o salto cruel na que se transformavam de imediato em fiéis
maciez da mão espalmada. Com vontade. Com companheiros. Um a cada mês, sempre na lua
volúpia. Era sangue o que queria. E o olhar do cheia. Doze por ano. Sessenta e quatro até
macho, mesmo na dor, mesmo com vontade agora. Amantes belos, fogosos, insaciáveis, com
de meter a mão naquela mulher, insistia em os quais só podia fazer sexo uma única noite.
percorrer os caminhos meio obscuros, meio Todos aqueles machos deliciosos! O problema era
reveladores, por debaixo da saia cor de chocolate, o dia seguinte. Estela tinha que enxotá-los. Eles
dando maior bandeira do seu tesão. uivavam e ganiam, mas, no final, iam embora,
os rabos entre as pernas, o olhar magoado. Ah, o
Então, sob os olhares curiosos, ainda que podia fazer? Não tinha espaço em casa para
com a mão sob o jugo do salto agulha torturante, um canil. E nem dinheiro para comprar tanta
o homem ajoelhado aproximou os lábios da ração...
bota. E a beijou.
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Mas o garotão, ela fez questão de de coisas profundas. Quem, afinal, entende?
manter. Caminha todos os dias com ele. Leva-
o ao veterinário, mantém todas as vacinas em Estela abriu a janela e olhou para o
dia. Comprara até umas roupinhas de frio no céu, deixando o vento pentear os seus cabelos.
petshop pra ele, que, por sinal, parece bem feliz Viu as estrelas, ah, tantas estrelas! Um longo
com a sua nova vida. uivo começou a brotar de sua garganta. Do
quintal, os uivos dos dois machos juntaram-se
Pois é, hoje era lua cheia mais uma ao seu.
vez. E havia mais um macho no seu quintal. Um
tipo arrogante, cheio de pose. O garotão não E a noite, por um breve instante, foi
gostou muito da concorrência, mas acabou deles. Só deles.
se conformando. Afinal, mesmo com o seu QI
pequenininho, sabia, pela experiência, que logo
o novato seria enxotado como os outros. Pelo Giulia Moon,
menos ele achava que sim. Ela achava que publicitária paulista, escreve para internet desde
talvez. o ano de 2000. Especialista em Horror, a sua
ocupação predileta é assustar leitores, fãs, amigos
e inimigos com histórias arrepiantes de vampiros,
Estela pingou duas gotas de perfume lobisomens, canibais, mortos-vivos, extra-terrestres,
no seu pescoço. Às vezes sentia falta de um assombrações e monstros em geral. Tem três livros
macho fixo. Alguém diferente, com quem de contos publicados: Luar de Vampiros; Vampiros
atravessaria a noite e alcançaria o dia sem se no Espelho & Outros Seres Obscuros e A Dama-
perder nesse labirinto confuso de desejos e Morcega. Desde meados de 2005, Giulia atua como
instintos desenfreados. Não para desfilar entre co-editora da Scarium Megazine, revista de Ficção
as outras lobas, mas para compartilhar algo Científica, Fantasia e Horror. Para ler mais contos
de Giulia Moon, acesse www.giuliamoon.com.br .
maior. Mais profundo. Mas lobas não entendem
NOSSA CAPA: a capa deste número traz uma ilustração inédita de Billy Argel, que além de artista plástico e
publicitário, é guitarrista da banda Lobotomia. Conheça suas criações em http://billyargel.blogspot.com .
DIAGRAMAÇÃO E ARTE: Natalli Tami é a nossa nipônica diretora de arte.
Contatos pelo email info@natalli.net .
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