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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

LEONARDO PALHARES PRIZON

NO ESPAÇO E PELO ESPAÇO: RESISTÊNCIA E LUTA POR MORADIA EM


CURITIBA (PR)

CURITIBA
2019
LEONARDO PALHARES PRIZON

NO ESPAÇO E PELO ESPAÇO: RESISTÊNCIA E LUTA POR MORADIA EM


CURITIBA (PR)

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado


ao curso de Geografia, Setor de Ciências da
Terra, Universidade Federal do Paraná, como
requisito parcial à obtenção do título de
Bacharel em Geografia.
Orientador: Prof. Dr. Danilo Volochko

CURITIBA
2019
À Vovó Nair
Por ser exemplo de determinação e persistência
Por ser meu Norte, mesmo fisicamente distante, nos dias mais difíceis.
AGRADECIMENTOS
Compreendendo que a monografia é apenas uma das etapas do processo
de formação, agradeço ser pormenores a todas as pessoas que acreditaram no meu
sonho, me incentivaram, deram o suporte necessário e torceram para que eu
chegasse até aqui.

Agradeço aos meus pais, Edneia e José Ronaldo, por entenderem, há 13


anos atrás, que a graduação em Geografia era um dos meus maiores objetivos de
vida - independente do que acontecesse - e por terem feito o possível e o impossível
para tornar esse sonho realidade. Por todo o suporte emocional, financeiro e
espiritual, por acreditarem em mim e lutarem comigo. Por terem compartilhado
juntos a mim os dias bons e ruins, mesmo que fisicamente distantes, e terem
tornado essa trajetória menos difícil.

Às minhas tias e tios, primas e primos, por terem compreendido minha


ausência e distância nesses últimos quatro anos (e, em especial, nesse ano de
pesquisa e escrita de TCC), mas também por todo o suporte e torcida: essa
conquista também é de vocês! Agradeço especialmente à Isa que nesse último ano
me deu todo o tipo de auxílio emocional nos dias mais difíceis e à Vovó Nair, por
todo “tudo bem… você precisa estudar! ”.

À Carol, minha irmã, por todo apoio e parceria, sobretudo nesses anos de
graduação, e também pelas recomendações, correções e conselhos na escrita final
da monografia.

À Mari Maioli, por ser extremamente presente mesmo com todas as


dificuldades do dia a dia e com a distância. Pelo suporte emocional e espiritual. Por
todo “Estou do seu lado. Estamos juntos nessa! ”.

Ao Prof. Dr. Danilo, orientador e amigo, por todos os conselhos, orientações,


conversas e recomendações. Por me ensinar a enxergar as contradições da
realidade; pelo olhar crítico sobre o mundo que vivemos.

Aos “Ladimeiros”: Desirée, Erica, Helo, Luiz, Nati, Razi e Vane por todas as
trocas e produções coletivas de conhecimento nesses anos de pesquisa e
convivência. Pelas viagens aos eventos acadêmicos e compartilhamento de
experiências. Por todo o suporte e apoio acadêmico e emocional. Por terem sido
minha família nesses quatro anos e compreenderem cada surto, reclamação,
dificuldade e, sobretudo, por todos os momentos felizes e partilha de vivências
incríveis. Também, pelo auxílio direto em relação à minha pesquisa com conselhos,
revisões textuais, trocas de leituras e recomendações bibliográficas e por
entenderem minha ausência nos últimos dias para a conclusão da monografia.

Aos meus amigos Deniz, Dérik, Lari e Robin por estarem presentes em todos
os momentos bons e ruins, pelo apoio emocional durante toda a graduação e
especialmente nesses últimos dias, por também entenderem minha ausência nesse
momento final da monografia. Pelos recorrentes “Léo, vai dar tudo certo!”.

Às minhas amigas de turma, que estão finalizando o curso comigo e também


as que desistiram ao longo da trajetória universitária, mas que foram essenciais na
minha formação, transformações e mudanças de percurso acadêmico nesses
quatro anos de graduação: Alyssa, Ana, Bárbara, Bruna, Roberta e especialmente
à Thais, que sempre esteve ouvindo cada reclamação e desabafo e me apoiou o
tempo todo até a conclusão dessa monografia.

Como a construção dessa trajetória não se faz só de pesquisa e momentos


difíceis, agradeço à Cami, Guilherme e Helo Campiolo (minha amiga e companheira
desde a infância, que esteve ao meu lado em cada passo dado até esse momento)
pelos momentos de lazer e diversão. Sem o ócio, a pesquisa não seria possível.
Também agradeço por entenderem minha ausência nesses últimos dias e por
darem todo o apoio e torcida para a conclusão do trabalho.

Às moradoras e moradores, coordenadoras e coordenadores das ocupações


e lideranças do Movimento Popular por Moradia, que nos acolheu enquanto grupo
Projeto Ocupações Urbanas desde o início e por todo o conhecimento trocado
nesses três anos. Um agradecimento especial àquelas e àqueles que cederam uma
parte do seu tempo para a realização de entrevistas e pela acolhida e receptividade
para recontarem suas trajetórias de luta e resistência.

Agradeço também a todas as pessoas infelizmente não citadas aqui, mas


que direta ou indiretamente contribuíram para a realização da minha pesquisa e
foram importantes na minha formação.
Latinoamérica
Trabajo bruto pero con orgullo
Aquí se comparte, lo mío es tuyo
Este pueblo no se ahoga con marullos
Y si se derrumba yo lo reconstruyo
Tampoco pestañeo cuando te miro
Para que recuerdes mi apellido

Aquí se respira lucha


(Vamos caminando)
Yo canto porque se escucha (vamos caminando)
Aquí estamos de pie
Que viva la América
(Rafael Arcaute, Eduardo Cabra, Rene Perez)

Apesar de você
Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Você vai ter que ver
A manhã renascer
E esbanjar poesia
Como vai se explicar
Vendo o céu clarear
De repente, impunemente
Como vai abafar
Nosso coro a cantar
Na sua frente
(Chico Buarque)
RESUMO

O modo de produção e o planejamento capitalista das cidades, articulados às


dinâmicas próprias da produção, circulação e acumulação de capital, geram
espaços de reprodução das relações de trabalho, espaços de reprodução do modo
de vida capitalista e espaços de segregação, onde geralmente se encontram as
classes sociais espoliadas por relações historicamente constituídas. Esses espaços
de segregação representam o lócus de reprodução da vida cotidiana de populações
marginalizadas, ao mesmo tempo que significam e representam espaços de luta e
resistência. A luta pelo direito à moradia e pelo direito à cidade constituem o
engendramento de práticas socioespaciais, sobretudo da prática socioespacial de
resistência, que representa diversas formas de produção, apropriação e ocupação
do espaço social pelos movimentos de luta por moradia. Nesse sentido, a partir da
realização de entrevistas com roteiro semiestruturado, campos de caráter
exploratório nas ocupações e levantamento de dados secundários, como
reportagens e notícias sobre ações coletivas, atos e manifestações dos ocupantes,
a presente pesquisa teve como escopo compreender quais são as práticas de
resistência que caracterizam a luta por moradia em quatro ocupações urbanas de
Curitiba, localizadas na Regional CIC, em diferentes escalas espaço-temporais,
bem como entender como a vida cotidiana na escala do local constitui contra
racionalidades frente ao discurso hegemônico de planejamento urbano que
caracteriza a metrópole curitibana. Destarte, aponta-se que as formas de
organização e construção de práticas socioespaciais, sejam estas a partir de um
movimento social organizado, como o Movimento Popular por Moradia, ou de forma
mais orgânica na escala do vivido e do cotidiano das ocupações, se dão a partir de
uma compreensão estratégica do espaço enquanto recurso de vida e de luta.

Palavras-chave: movimentos socioespaciais; direito à moradia; ações coletivas.


LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FIGURA 01. Mapa das Ocupações Irregulares de Curitiba......................................16


FIGURA 02. Mapa de Localização das Ocupações Urbanas...................................23
FIGURA 03. Concentração de barracos na Ocupação Nova Primavera (1).............29
FIGURA 04. Concentração de barracos na Ocupação Nova Primavera (2).............30
FIGURA 05. Excerto de Processo Judicial de reintegração de posse da Ocupação
Dona Cida...............................................................................................................31
FIGURA 06. Segundo dia de ocupação Dona Cida – divisão em lotes.....................34
FIGURA 07. Segundo dia de ocupação Dona Cida – divisão em lotes.....................34
FIGURA 08. Casas sendo reconstruídas na Ocupação Nova Primavera..............37
FIGURA 09. Casas sendo reconstruídas na Ocupação Nova Primavera..............37
FIGURA 10. Casas sendo reconstruídas na Ocupação Nova Primavera..............37
FIGURA 11. Imagens áreas das Ocupações – CIC (2018/2019)...........................38
FIGURA 12. Imagens áreas das Ocupações – CIC (2018/2019)...........................38
FIGURA 13. Imagens aéreas da Ocupação 29 de Março (2018/2019)..................39
FIGURA 14. Imagens aéreas da Ocupação 29 de Março (2018/2019)...................39
FIGURA 15. Via aberta na Ocupação 29 de Março pós incêndio onde anteriormente
eram barracos.........................................................................................................40
FIGURA 16. Via aberta na Ocupação 29 de Março pós incêndio onde anteriormente
eram barracos.........................................................................................................40
FIGURA 17. Rua aberta na Ocupação Tiradentes pós processo de
loteamento..............................................................................................................40
FIGURA 18. Trancamento do Contorno Sul pelo MPM..........................................49
FIGURA 19. Trancamento do Contorno Sul pelo MPM e congestionamentos.......47
FIGURA 20. Trancamento do Contorno Sul pelo MPM e congestionamentos.......47
FIGURA 21. Bandeira do MPM com nova identidade visual..................................48
FIGURA 22. Faixa utilizada em protesto realizado no contorno sul.......................48
FIGURA 23. Faixa utilizada em protesto realizado no contorno sul.......................48
FIGURA 24. Faixa utilizada em protesto realizado no contorno sul.......................48
FIGURA 25. Atos realizados em frente à Prefeitura Municipal...............................51
FIGURA 26. Atos realizados em frente à Prefeitura Municipal...............................51
FIGURA 27. Ato realizando entre a Praça 29 de Dezembro e a Prefeitura
Municipal.................................................................................................................52
FIGURA 28. Ato realizando entre a Praça 29 de Dezembro e a Prefeitura
Municipal.................................................................................................................52
FIGURA 29. Ato realizando entre a Praça 29 de Dezembro e a Prefeitura
Municipal.................................................................................................................52
FIGURA 30. Ato realizando entre a Praça 29 de Dezembro e a Prefeitura
Municipal.................................................................................................................52
FIGURA 30. Participação do MPM na Greve Geral................................................54
FIGURA 31. Participação do MPM na Greve Geral................................................54
FIGURA 32 Sede da 29 de Março..........................................................................62
FIGURA 33 Sede da Tiradentes.............................................................................62
FIGURA 34. Tenda Azul.........................................................................................63
FIGURA 35. Parquinho...........................................................................................63
FIGURA 36. Folder de divulgação de evento na Tenda Azul.................................64
LISTA DE ABREVIATURAS

CIC- Cidade Industrial de Curitiba


COHAB-CT – Companhia de Habitação Popular de Curitiba
IPPUC – Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba
MCMV – Minha Casa Minha Vida
MCMVE – Minha Casa Minha Vida Entidades
MPM – Movimento Popular por Moradia
MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
MTST – Movimento dos Trabalhadores Sem Terra
ONG – Organização não Governamental
POU – Projeto Ocupações Urbanas
Sumário

1 INTRODUÇÃO 10
1.1 DE ONDE PARTIMOS... 21
1.2 BREVE NOTA METODOLÓGICA 23
2 DESENVOLVIMENTO 25
2.1 SUBVERTENDO O PLANEJAMENTO, PLANEJANDO A SUBVERSÃO: AS
LÓGICAS ESPACIAIS DAS OCUPAÇÕES 25
2.2 OCUPAÇÕES ADENTRO, OCUPAÇÕES AFORA: AS LUTAS, OS ATOS E AS
AÇÕES COLETIVAS 42
2.3 ENTRE A URGÊNCIA E A UTOPIA: A PRÁTICA SOCIOESPACIAL E A
RESISTÊNCIA NA ESCALA DO LUGAR E DA COTIDIANIDADE 55
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS 64
REFERÊNCIAS 66
APÊNDICES 69
1 ROTEIRO SEMIESTRUTURADO DE ENTREVISTA - TIPO 01:
COORDENADORAS/ES DAS OCUPAÇÕES 69
2 ROTEIRO SEMIESTRUTURADO DE ENTREVISTA - TIPO 02:
LIDERANÇAS/PARTICIPANTES DO MPM 69
3 LISTA DE ENTREVISTAS 69
10

1 INTRODUÇÃO
A presente pesquisa parte da realidade material de quatro ocupações
urbanas organizadas pelo Movimento Popular por Moradia (MPM) na Regional
Cidade Industrial (CIC) entre os bairros CIC e São Miguel, na porção oeste do
município de Curitiba, produzidas em diferentes contextos históricos, políticos,
econômicos e sociais, mas com gênese nas mesmas lógicas de (re)produção do
espaço urbano-metropolitano.
Tem-se como o escopo compreender como os moradores se organizam na
reprodução da vida social e as estratégias de resistência e luta por moradia.
Também objetiva-se discutir o questionamento cotidiano das contradições da
produção capitalista do espaço, como na produção coletiva de espaços de uso
comum que surgem em um contexto de não atendimento das ocupações por
equipamentos públicos e de lazer e infraestrutura e mobilidade urbana.
A pesquisa se desenvolve a partir de um projeto de Iniciação Científica
iniciado em 2016, que ao longo dos três anos se dedicou ao desvelamento da
realidade desigual existente na produção do espaço urbano de Curitiba. Nesse
período, teve-se como objetivo a apreensão das contradições entre as políticas e
as práticas de planejamento urbano engendradas na “cidade-modelo” e seus
reflexos sobre as dinâmicas e processos histórico-geográficos das quatro
ocupações urbanas aqui analisadas e, mais especificamente, a dimensão da
habitação como objeto de investigação.
Alguns campos de reflexão esboçados nesse período se relacionaram:
1) À provisão habitacional histórica pela Companhia de Habitação Popular
de Curitiba (COHAB-CT) a partir do programa federal Minha Casa Minha
Vida (MCMV) entre 2012 - ano de realização da primeira ocupação - e
2017 - período marcado por transformações sociais, políticas e
econômicas no âmbito nacional e seus reflexos sobre a inflexão da
política habitacional construída no período anterior;
2) Às formas de organização comunitária e de relações de vizinhança
arquitetadas na “ausência”1 do Estado quanto à construção de

1
Aqui discute-se a “ausência” do Estado nas ocupações sob a perspectiva dos empreendimentos
urbanos e habitacionais e assistência social, contudo, entende-se que o Estado se faz presente,
dialeticamente, a partir da violência policial e da violência jurídica dado o contexto de insegurança
da posse, por exemplo.
11

equipamentos urbanos e de habitação de interesse social, como os


processos coletivos de autoconstrução de moradia, e à assistência social,
a exemplo do estabelecimento de redes de sociabilidade para atender as
demandas básicas das famílias mais carentes; e
3) À relação contraditória entre a posse e a propriedade na produção do
espaço urbano e o posicionamento do Estado (representado aqui pela
Polícia, Prefeitura Municipal, Judiciário) na mediação entre ocupantes e
proprietários privados, tendo os conflitos fundiários das ocupações como
temática de estudo.
Assim, essa monografia se desenvolve a partir da articulação entre a
compreensão dos processos mais amplos de produção e reprodução das cidades
capitalistas, com o recorte da problemática da habitação, e as particularidades de
Curitiba nesse contexto, propondo reflexões sobre a política urbana e, mais
propriamente, a política habitacional do município. Ainda, a relação entre esses
processos e a produção das ocupações urbanas – especificamente as organizadas
pelo MPM - que, ao mesmo tempo que desvelam as contradições e os conflitos
existentes na “cidade-modelo”, apontam potencialidades na forma de produzir,
planejar, se apropriar e se organizar do e no espaço.
Nas cidades capitalistas, a produção e a apropriação da terra urbana são
mediadas pelo seu valor de uso, que se relaciona ao espaço de moradia, do lazer
e da reprodução da vida biológica e social, e pelo seu valor de troca, na perspectiva
da transformação da terra em mercadoria, enquanto realização econômico-
produtiva do espaço, que gera renda, lucros e juros para alguns, enquanto outros
buscam na cotidianidade e na reprodução das relações de trabalho possibilidades
de conquista de um espaço para morar (RODRIGUES, 1988; VOLOCHKO, 2016).
As cidades, (re)produzidas e planejadas nesse contexto são entendidas a partir das
estruturas e dinâmicas associadas à geração, circulação e acumulação de capital e
às suas materialidades subjacentes, produtos e processos do capitalismo, como a
segregação socioespacial das classes sociais espoliadas (RODRIGUES, 1988).
Carlos (1992) compreende a cidade como produto do trabalho social e
coletivo humano que, em contrapartida, é apropriado privadamente e de modo
desigual, caracterizando a terra urbana como uma mercadoria que pode ser
negociada e trocada em um mercado imobiliário. Esse processo produz, ao mesmo
tempo, uma inclusão precária de parte da sociedade de sua lógica de consumo,
12

como os sujeitos que resistem e ocupam terrenos urbanos, e propriedades que não
cumprem sua função social.
O espaço urbano, portanto, é entendido em uma leitura dialética em que se
opõem favelas autoconstruídas, produtos de uma crise urbana e habitacional, e por
outro lado, um circuito de financeirização do solo urbano, com construção de
condomínios e apartamentos de alto padrão, por exemplo (CARLOS, 1992). Para a
autora “o uso diferenciado da cidade demonstra que esse espaço se constrói e se
reproduz de forma desigual e contraditória. A desigualdade espacial é produto da
desigualdade social” (idem, p. 23).
Essas diferentes esferas de consumo e produção da cidade pelas classes
sociais, especialmente em relação ao direito à moradia e acesso à infraestrutura
pública, explicitam o problema da crise urbana vivenciada em muitas cidades
brasileiras, fundamentalmente em metrópoles como Curitiba. Revelam-se também
como elementos geradores das desigualdades espaciais e de seus processos
intrínsecos, como a favelização e ocupação de áreas com valor da terra mais barato
e de terrenos especulativos, representando a articulação de uma luta coletiva por
moradia que proporciona uma dinâmica especial na produção do espaço
(RODRIGUES, 1988).
Curitiba, cidade reconhecida nacional e internacionalmente como modelo de
política e planejamento urbano, é também marcada por contradições que
evidenciam os conflitos e as disputas na (re)produção do espaço. Embora haja a
construção de um discurso e de um city marketing que invisibiliza e negligência
algumas questões, como a problemática da habitação, a capital paranaense é
reconhecida pela mídia e pelos próprios técnicos, especialistas e planejadores
urbanos como uma referência de planejamento urbano (ALBUQUERQUE, 2007).
No que tange à formação socioespacial desigual de Curitiba e de sua região
metropolitana, Moura e Kornin (2009) evidenciam que o planejamento urbano de
Curitiba, engendrado de forma ininterrupta a partir da década de 1970, ocorreu
concomitantemente ao crescimento populacional na cidade e à intensificação do
uso do solo. Articulado à norma e ao mercado imobiliário, “[...] esse planejamento
induziu o crescimento da ocupação para áreas periféricas internas e principalmente
externas aos seus limites administrativos” (idem, p. 19), densificando a pobreza nas
regiões periféricas enquanto investia em intervenções urbanísticas que
posteriormente caracterizariam sua estratégia e sua imagem de “cidade-modelo”.
13

A operacionalização de alguns conceitos e imagens construídas sobre a


capital paranaense ocorreu de forma estratégica também no âmbito internacional,
projetando uma concepção “inquestionável” sobre seu êxito de gestão urbana
interna e externamente com o escopo de inseri-la no “espaço de disputa e de
oportunidades do mundo globalizado” (MOURA e KORNIN, 2009, p. 24). De forma
complementar e contraditória, a produção desigual do espaço urbano-metropolitano
evidenciou os conflitos ambientais e sociais e a pressão sobre os serviços públicos
e o uso do solo (idem, p. 27-28).
A construção de um discurso de “sucesso” do planejamento e gestão da
“cidade-modelo” ocorreu complementarmente à dissimulação da questão
habitacional em Curitiba. Nesse sentido, Albuquerque (2007) destaca ainda que

[...] o mascaramento - a lacuna - do problema da habitação, bem como, da


Política Habitacional de Curitiba, foi funcional ao discurso da “cidade-
modelo”, na medida em que, enquanto o discurso difundia a idéia de que
em Curitiba o planejamento havia dado certo, a questão habitacional
evidenciava, porém que Curitiba, como qualquer cidade brasileira, não
havia fugido ao padrão de crescimento urbano desigual, à periferização da
população de baixa renda e ao processo de favelização (p. 14, grifo no
original).

Contraditoriamente, no mesmo período em que se produzia esse discurso -


aproximadamente até a década de 90 -, Curitiba apresentou um aumento
expressivo das “ocupações irregulares”2, sobretudo na periferia da cidade e
especificamente concentrado nos bairros Cajuru (sudeste), Cidade Industrial
(sudoeste-oeste) e Sítio Cercado (sul), evidenciando que houve um intenso
processo de periferização da população pobre. A espacialização das ocupações
nas regiões periféricas do município se relaciona também com um processo de
expulsão das áreas mais centrais - onde se concentram as áreas turísticas e os
“elementos constitutivos” da “cidade-modelo” - orientada pelo Poder Público
Municipal (ALBUQUERQUE, 2007):
Se tal discurso dissesse que Curitiba, como todas as metrópoles do país,
não fugiu ao processo de produção desigual do espaço urbano brasileiro,
ele teria que admitir que o planejamento urbano “modelo” teria sido incapaz
de garantir a tão propalada qualidade de vida a todos os moradores da
cidade. Se, por exemplo, o discurso falasse que o Poder Executivo
Municipal atuou no campo da habitação, desde a década de 1970, ele teria
que mostrar as práticas realizadas e, portanto, reconhecer que elas foram
de natureza conservadora e que, além de não solucionarem o problema,

2
Usa-se o conceito “ocupações irregulares” entre aspas pois entende-se que o regular e o irregular,
o formal e o informal são marcos legais burgueses, contudo, são também constitutivos e um não se
realiza sem o outro.
14

contribuíram para a periferização da população de baixa renda


(ALBUQUERQUE, 2007, p. 121).

A questão habitacional em Curitiba historicamente esteve relacionada à


construção de habitação de interesse social nos bairros mais distantes do centro e
nos municípios da Região Metropolitana, se constituindo de fato como um processo
de expansão territorial que visou incorporar novas terras à dinâmica urbana, num
constante processo de produção do espaço. A “abertura de fronteiras urbanas” e a
“criação de novos bairros” foram então os fundamentos da construção de
empreendimentos pela COHAB-CT (BERTOL, 2013), distanciando a população
mais pobre das áreas melhores infraestruturadas, onde o planejamento urbano do
município produzia suas referências e suas imagens de “sucesso”.
A produção habitacional na periferia da metrópole curitibana se deu de
maneira orientada pelas políticas habitacionais, desde a década de 1960 com a
construção do empreendimento Vila Nossa Senhora da Luz do Pinhais, primeiro
programa municipal de casas populares (ALBUQUERQUE, 2007; BERTOL, 2013).
Mas também por um processo ampliado de autoconstrução de moradias,
especialmente nos bairros Cajuru e CIC (SILVA, 2012), como demonstra a Figura
1, em que se evidencia a concentração de “ocupações irregulares”3, nas porções
mais periféricas do leste e oeste do município, com destaque para os dois bairros
supracitados, enquanto a Regional Matriz, lócus dos investimentos urbanos, é a
regional que apresenta a menor concentração. Notabiliza-se também no mapa que
as “ocupações irregulares” estão espacialmente distribuídas na franja periférica da
cidade, próximas aos municípios da Região Metropolitana.

3 Tipologia utilizada pelo IPPUC.


15

FIGURA 01. Mapa das Ocupações Irregulares de Curitiba.

FONTE: IPPUC (2016).

Silva (2012) destaca que o processo da produção informal da moradia em


Curitiba teve gênese nas décadas de 1940 e 1950 mas passou por um período de
aprofundamento a partir dos anos 80, em um processo acelerado e desigual de
urbanização. Ao analisar as décadas de 1990 e 2000, a autora evidencia que esse
fenômeno continuou em ascensão, representando 18% e 25%, respectivamente, do
16

incremento ao número total de “assentamentos informais” na metrópole. Assim, em


2005, o número de domicílios em espaços informais de moradia representava
11,90% do total de domicílios no município.
A ocupação das regiões periféricas em Curitiba também está relacionada
com a precariedade de infraestrutura e serviços públicos, destacando de forma
ainda mais aparente as contradições de um suposto planejamento urbano exitoso.
Segundo Stroher (2014), os setores estruturais - eixos prioritários de investimentos
públicos concebidos pelo IPPUC - são as áreas onde se concentram as camadas
de mais alta renda, enquanto outras regiões igualmente adensadas fora deles,
especialmente periféricas, são preteridas no que tange ao desenvolvimento e
construção de infraestrutura e de acessibilidade, sobretudo no transporte público,
sendo muitas vezes uma questão invisibilizada. Nesse sentido, destaca-se ainda
que os serviços públicos e os bens de consumo e lazer, também símbolos do
planejamento urbano - como os espaços coletivos, parques e bosques - se
concentram de forma desigual, especialmente nos bairros centrais e ao norte da
capital, enquanto as ocupações irregulares estão localizadas sobretudo ao sul da
Regional Matriz (ALBUQUERQUE, 2007; STROHER, 2014).
A concentração espacial das intervenções urbanas em determinados bairros
e áreas da cidade, portanto, não fugiram ao padrão excludente brasileiro de
centralização dos investimentos públicos em áreas ocupadas pelas populações de
alta renda, ampliando e reforçando a diferenciação da valorização da terra e a
segregação socioespacial já existente. A lógica do planejamento urbano, nesse
contexto da produção capitalista do espaço, sempre esteve articulada aos
interesses hegemônicos e é essencial para a sua reprodução. Assim, também em
Curitiba “[...] foi um processo social no qual as coalizões estabelecidas entre grupos
específicos interessados na exploração da terra exerceram enorme influência” e
“[...] o papel da estrutura do planejamento urbano era fundamental, pois era ela que
centralizava o poder político” (POLUCHA, 2010, p. 60-61).
Especificamente, o bairro CIC se caracteriza pela rápida constituição e
expansão de ocupações irregulares logo posteriormente à sua institucionalização
na década de 1970. Polucha (2010) destaca que, em 1991, o total de ocupações já
representava 38% do total de domicílios no bairro. Em 2000, estas equivaliam a
quase 27% dos domicílios totais da CIC, abrangendo 53% da população total do
bairro. Dessa forma, evidencia-se que a “informalidade” da produção habitacional
17

foi e é característica fundamental da produção do espaço da CIC, contrapondo-se


à concepção de “bairro planejado” amplamente propalada pelo IPPUC como modelo
de desenvolvimento urbano orientado.
De forma mais ampla, ao discutir a questão habitacional, Kowarick (1979)
enfatiza que comumente o processo de autoconstrução de suas residências é a
forma que as populações trabalhadoras lidam com a não possibilidade de acesso à
moradia através das empresas de porte nitidamente industrial. Essa forma de
provisão de moradia é fundada nas relações que se estabelecem entre capital e
trabalho, especialmente no que tange à lógica mercantil da habitação e à
autoconstrução como estratégia de subsistência e reprodução da vida dos
trabalhadores urbanos. Destarte, o não acesso da moradia pelas vias do mercado
rebaixa o custo de reprodução da força de trabalho e permite que se realize uma
extração do excedente econômico fundada em salários que podem ser
constantemente deteriorados, enquanto se amplia a acumulação (Idem).
O autor ainda discute a questão da espoliação urbana, compreendida como
[...] o somatório das extorsões que se opera através da inexistência ou
precariedade de serviços de consumo coletivo que se apresentam como
socialmente necessários em relação aos níveis de subsistência e que
agudizam ainda mais a dilapidação que se realiza no âmbito das relações
de trabalho (KOWARICK, 1979, p. 59).

Conceito este que não se relaciona apenas às desigualdades geradas pela


forma de acesso à moradia e pela exploração do trabalho, mas também, de forma
mais abrangente, a espoliação urbana inclui a precariedade de outros serviços de
consumo coletivo ligados à reprodução da força de trabalho articulados à ação do
Estado e aos investimentos públicos. A segregação socioespacial, nesse contexto,
é condicionada pela relação existente entre a infraestrutura de serviços e
investimentos públicos em determinadas áreas - que se tornam menos acessíveis
para as classes sociais mais pobres - e o preço final da moradia (Ibidem).
De maneira contraditória, a produção de um espaço hegemônico, como o da
“cidade planejada” de Curitiba, produz também, dialeticamente, um espaço de lutas,
de diferenças, que propõe outras sociabilidades e formas de uso e apropriação do
espaço. É na dimensão da cotidianidade que os sujeitos sociais se opõem aos
pressupostos lógicos, formais, instrumentais, institucionais, próprios do Estado e do
planejamento urbano hegemônico, reivindicando um outro sentido de uso do espaço
(VOLOCHKO, 2018).
18

É nessa medida que os lugares, espaços-tempos apropriados da vida


cotidiana, ao mesmo tempo que expressam a fragmentação, revelam que
a concentração que marca as cidades é também uma concentração de
contradições urbanas, de processos de luta. Se nas cidades os negócios
se concentram e são dinâmicos, também os são as formas de exploração,
dos empregos precarizados, parciais, terceirizados, temporários,
subcontratados, das moradias e bairros igualmente precarizados. Assim,
por produzir transformações espaciais, os negócios urbanos transformam
modos de vida e também acirram lutas que buscam um outro sentido para
o desenvolvimento socioespacial (VOLOCHKO, 2018, p. 74).

Nessa perspectiva, as ocupações de terrenos especulativos apontam uma


potencialidade contestatória à hegemonia do valor de troca sobre o valor de uso da
terra urbana, que nega o sentido especulativo e abstrato do espaço, reivindicando
um outro sentido que não o da reprodução do capital e sendo também, para os
movimentos urbanos, estratégico na luta política (VOLOCHKO, 2018). O autor ainda
enfatiza que “A ocupação do espaço significa a busca pela retomada da política em
sua natureza social e possui uma intencionalidade política enquanto sociabilidade
não econômica, enquanto sociabilidade que propõe um outro cotidiano” (idem, p.
76).
As ocupações de terrenos especulativos, frente à impossibilidade de acesso
à propriedade privada da terra por muitos trabalhadores, o não atendimento dos
programas habitacionais para a fração mais pobre da sociedade e o aumento
constante dos aluguéis articulado à especulação imobiliária, se torna a única
alternativa para a reprodução da vida das famílias trabalhadoras (BOULOS, 2012).
Nesse contexto, “Os movimentos populares de ocupação, por sua força de
mobilização, são a expressão viva do problema da moradia no Brasil. Representam
a resistência ao modelo mercantil e segregador da Cidade do Capital” (Idem, p. 49).
As famílias que lutam pelo direito à moradia cotidianamente são aquelas “[...]
a quem o capitalismo atacou de modo brutal, com suas armas mais afiadas:
desemprego, baixos salários, trabalho informal, super-exploração” (BOULOS, 2012.
50-51). Contudo, as ocupações organizadas também representam uma vivência
coletiva, novas formas de apropriação do território e engajamento em mobilizações
e decisões necessárias à conquista da moradia. Elas apontam uma referência de
organização coletiva e poder popular (Idem).
A luta por moradia compõe também outro arcabouço de processos que são
engendrados além da ocupação dos terrenos especulativos. Esse repertório se
constitui a partir de ações coletivas, atos, protestos, fechamentos de vias públicas
por comunidades, associações de moradores e movimentos de moradia que
19

objetivam evidenciar os conflitos que se relacionam às questões urbanas mais


amplas, como saneamento, infraestrutura e transporte, e às questões habitacionais.
Faria et al (2017) identificaram que em Curitiba, especificamente entre 2011 e 2015,
teve-se como principais objetos dessas reivindicações a inconsistência da política
habitacional (exigindo sua agilidade, a conclusão de obras dos programas
habitacionais) e a resistência contra as ações de remoção de comunidades e
ocupações.
Assim, a espacialidade da pesquisa será quatro ocupações urbanas - Nova
Primavera, 29 de Março, Tiradentes e Dona Cida - organizadas inicialmente pelo
Movimento Popular por Moradia (MPM)/Movimento dos Trabalhadores Sem Teto do
Paraná (MTST-PR), nos bairros São Miguel e Cidade Industrial de Curitiba, na
Regional CIC, em Curitiba.
Especificamente, ela se desdobrará em momentos distintos para a
delimitação e compreensão das práticas socioespaciais de resistência em
diferentes temporalidades:
1) O período de gênese, estruturação e mobilização de estratégias políticas
e instrumentais de cada ocupação, sobretudo no que tange à escolha dos
terrenos e à organização do espaço durante os processos de ocupação
e consolidação;
2) Um segundo momento, de organização e realização de protestos,
passeatas, atos políticos e ocupações mais efêmeras de outros espaços
em Curitiba para reivindicação de pautas pontuais;
3) E atualmente, momento diretamente relacionado à reprodução da vida
cotidiana e às outras formas de resistências mobilizadas na escala do
local, embora a cotidianidade esteja articulada à (re)produção das
ocupações desde sua implementação.

A partir da articulação de diferentes escalas espaciais e temporais, a


pesquisa também terá como enfoque outras formas de produção e planejamento do
espaço urbano não estatal. Objetiva-se compreender as dinâmicas da gestão e
produção coletiva de espaços de uso comum e das práticas cotidianas das/nas
ocupações em suas diversas dimensões - econômicas, políticas, simbólicas,
sociais.
20

A pesquisa se estruturará com o escopo de desvelar e evidenciar as


contradições e os conflitos presentes na produção e na disputa do espaço urbano
em um contexto que envolve diversas escalas e sujeitos sociais, com o recorte
espacial e temático do planejamento e da política urbana de Curitiba e da
constituição e consolidação das quatro ocupações urbanas supracitadas.
Concomitantemente, nota-se a importância de dar visibilidade para as
práticas socioespaciais dos moradores dessas ocupações e compreender, a partir
da ótica geográfica, como esses processos se relacionam às transformações sociais
mais amplas que, consequentemente, apresentam um caráter espacial.
Embora se reconheça o papel dos processos de segregação socioespacial e
espoliação urbana na reprodução do capitalismo na “cidade-modelo” a partir da
constituição e conformação das ocupações urbanas, como discutido, nelas
apontam-se também possibilidades e uma potencialidade de questionamento e
enfrentamento à lógica socioeconômica e política vigente. Assim, os conflitos,
evidenciados na reprodução da vida cotidiana e nos momentos políticos e ações
coletivas mais gerais, são a chave de interpretação dessa realidade contraditória.
O Capítulo 1 se estrutura a partir da análise das práticas que constituem a
luta por moradia enquanto um processo ampliado de produção e planejamento do
espaço urbano, que arquiteta estratégias particulares de apropriação do espaço
com o escopo de atender as demandas historicamente contextualizadas do
movimento e das famílias ocupantes. Discute-se também a dinamização constante
das ocupações analisadas ao longo dos anos conforme as conjunturas
locais/municipais e federais foram se alterando, evidenciando as articulações
existentes entre a morfologia espacial e as transformações sociais.
O Capítulo 2 buscou compreender a dimensão escalar das ações coletivas
empreendidas, de forma orgânica ou organizada, pelos moradores das ocupações
e pelo Movimento Popular por Moradia. Objetivou-se entender quais são os
principais espaços e centralidades de realização de atos, passeatas e
manifestações e as estratégias empreendidas em cada um deles, revelando outras
práticas de luta por moradia que não se dão no plano interno das ocupações, mas
que demandam e ganham visibilidade no espaço público.
Por fim, o Capítulo 3 discute a dimensão da vida cotidiana e da escala do
lugar enquanto lócus privilegiado da luta por moradia, que ganha centralidade mais
contemporaneamente com a consolidação das ocupações e revela a potencialidade
21

transformadora e radical da cotidianidade. O capítulo adentra nas práticas e


resistências cotidianas e aponta um repertório amplo de mobilizações e formas de
organização que se dão a partir das relações sociais internas à ocupação.

1.1 DE ONDE PARTIMOS...


A Cidade Industrial de Curitiba, planejada e instituída na década de 1970,
surgiu como uma região destinada à instalação de indústrias e de habitações
destinadas aos trabalhadores industriais em um momento histórico marcado pelo
modelo desenvolvimentista, tendo o Estado como indutor, e pela criação imagética
dos grandes empreendimentos urbanísticos como exemplo de planejamento
urbano. A ocupação orientada da região oeste do município, onde a CIC foi
implantada, também foi uma política de redirecionamento da expansão urbana em
uma área majoritariamente rural, objetivando, sobretudo, criar um novo vetor de
ocupação (POLUCHA, 2010).
Em contrapartida, a constituição de uma área industrial foi o elemento central
para a formação das “ocupações irregulares”. Foi no período do estabelecimento
das indústrias na CIC que houve a atração da classe trabalhadora para a região
para instalarem-se próximos aos locais de oferta de emprego, contudo, parte
considerável das famílias não conseguiu obter moradia pela via formal do mercado
e formaram as áreas de ocupação (Idem).
Polucha (2010) destaca também que a formação dessas ocupações
espontâneas está diretamente relacionada à própria estratégia de divisão fundiária
da CIC. Esses processos de ocupação só foram possíveis pois houve a constituição
de grandes áreas desocupadas na região, especialmente após a década de 1980,
com a retração econômica e a diminuição do ritmo de ocupação industrial e em
decorrência da morosidade dos processos de desapropriação de terras, que
impediu a utilização de terras para o uso industrial, mas também as tornou terrenos
passíveis de ocupação.
De modo específico, as quatro ocupações urbanas que se constituem como
espacialidade de estudo foram produzidas em outros contextos históricos, políticos,
econômicos e sociais após 2012, numa área já de transição entre a Cidade
Industrial e o bairro São Miguel, embora estejam articuladas às lógicas mais gerais
que produziram os terrenos especulativos nesta região.
22

Volochko (2016) destaca que essas ocupações surgiram em terrenos pouco


valorizados, entre indústrias e galpões na região da CIC, pelo MPM em uma
conjuntura em que se objetivava a construção de empreendimentos residenciais
pelo programa habitacional Minha Casa Minha Vida via modalidade Entidades
(MCMVE). Diferenciando-se das “ocupações espontâneas”, que ocorrem também
no entorno destas, tem-se como característica central das ocupações organizadas
um processo fundado na análise prévia das situações jurídicas e fiscais dos
terrenos, o que pode representar maior efetividade nas negociações com o poder
público e/ou a perpetuação temporal nas áreas ocupadas. As quatro ocupações
apresentam uma contiguidade espacial, como se observa na Figura 2,
diferenciando-se toponimicamente pois foram formadas em momentos históricos
distintos.
FIGURA 02. Mapa de Localização das Ocupações Urbanas.

FONTE: LAMBERT, Desirée; ELICKER, Luiz Felipe (2019).


23

1.2 BREVE NOTA METODOLÓGICA


O percurso metodológico traçado na pesquisa, por seu caráter
eminentemente qualitativo, está relacionado com a complexidade da apreensão da
realidade material que envolve sujeitos sociais e suas dinâmicas e relações com o
espaço.
Partindo de uma construção teórica, filosófica e do próprio método
materialista histórico-dialético, a compreensão do objeto de pesquisa tem como
ponto de partida o desvelamento dos conflitos e das contradições inerentes à
estrutura e funcionamento do sistema capitalista. Assim, na apreensão e
conhecimento dos pares contraditórios, sujeito(s) e objeto(s) de pesquisa são
entendidos em um processo de construção e transformação vis-à-vis, marcando o
movimento da própria realidade (SPOSITO, 2004).
Nesse sentido, a pesquisa foi dividida metodologicamente em três fases: a
primeira, teórica e conceitual, se delimita ao que tange às discussões sobre as
práticas sociais e as práticas socioespaciais de resistência; sobre as ações
coletivas; cotidianidade e as diferentes formas de planejamento, produção e
apropriação do espaço urbano na ótica das dinâmicas, relações, conflitos e
contradições entre diferentes sujeitos.
A segunda fase teve um caráter exploratório e de observação em relação às
morfologias, processos e à vida cotidiana das/nas ocupações, com o “olhar de perto
e de dentro” (MAGNANI, 2002), que é complementar à terceira fase, estruturada a
partir da realização de entrevistas com roteiro semiestruturado (RODRIGUES,
1988) com lideranças do MPM e com coordenadoras das ocupações, numa
perspectiva de pesquisa participante (DEMO, 1982; MARCOS, 2006). Ambas as
atividades foram realizadas em campo e foram construídas a partir do
estabelecimento de relações dialógicas, centralizando a importância dos discursos
e narrativas de cada sujeito.
O “olhar de dentro e de perto” se propõe a compreender “[...] os atores
sociais, o grupo e a prática que estão sendo estudados [...]” e também “[...] a
paisagem em que essa prática se desenvolve, entendida não como mero cenário,
mas parte constitutiva do recorte de análise” (MAGNANI, 2012, p. 18). Nesse
sentido, a pesquisa teve como escopo, de forma complementar à realização das
entrevistas, compreender as ocupações e os sujeitos com esse duplo olhar: de
dentro e de perto em suas dinâmicas e relações tanto nos aspectos mais
24

organizativos de coordenação, quanto nos momentos mais banais da reprodução


da vida cotidiana.
O processo de sistematização de dados em entrevistas semiestruturadas
necessita de uma criteriosa classificação de informações, sobretudo nesse tipo de
pesquisa pretendida, em que houve a transcrição integral das narrativas gravadas
e em que se objetivou compreender a realidade e os processos, dinâmicas e
conflitos a partir da ótica e discurso dos próprios entrevistados.
Alguns passos definidos por Colognese e Mélo (1998) são fundamentais
durante essa etapa: 1) elaboração de categorias que potencializam a leitura seletiva
das entrevistas conforme a problemática e as hipóteses da pesquisa; 2) construção
de sumário detalhado com as informações principais conforme a lógica teórica da
pesquisa, que nesse sentido pode ser definido por matriz de conceitos-chaves; 3)
estabelecimento de discussão relacional envolvendo as categorias conceituais
definidas, a bibliografia levantada e as informações constantes nas entrevistas; e 4)
o processo de demonstração, em que as considerações e as argumentações
durante a discussão de resultados são embasadas diretamente nas narrativas
obtidas nos relatos orais dos entrevistados, como foi estruturado na presente
pesquisa.
Foram realizadas então cinco entrevistas com roteiro semiestruturado, três
delas do Tipo 01 (Apêndice 1), que foram dirigidas às coordenadas de três das
quatro ocupações - 29 de Março, Dona Cida e Tiradentes - e se relacionam aos
questionamentos quanto aos processos históricos de estruturação e organização
de cada ocupação e às dinâmicas mais gerais da vida cotidiana e das formas
recentes de mobilização; e duas delas do Tipo 02 (Apêndice 2), com dois membros
do MPM também com questões norteadoras que tangem aos processos históricos
de estruturação e organização de cada ocupação e insere a dimensão da atuação
e importância do movimento no passado e as demandas para o futuro.
Assim, a argumentação dos três capítulos se fundamentou nas discussões
teóricas articuladas às narrativas e relatos presentes nas entrevistas, transcritas de
forma integral, e também às experiências iniciadas em 2016, a partir dos primeiros
contatos estabelecidos nas ocupações que foram se constituindo a partir de
parcerias e construção de projetos do grupo POU com moradoras/es e coordenação
das ocupações, como a construção do “Parquinho”.
25

2 DESENVOLVIMENTO

2.1 SUBVERTENDO O PLANEJAMENTO, PLANEJANDO A SUBVERSÃO: AS


LÓGICAS ESPACIAIS DAS OCUPAÇÕES
Os momentos de escolha do terreno, da organização das famílias antes,
durante e logo posteriormente à ocupação e a forma de ordenamento/distribuição
das casas sobre o terreno é fundamental para a perpetuação e consolidação de
cada ocupação no tempo e no espaço. Enquanto Movimento Popular por Moradia,
desde o início com a ocupação da Nova Primavera, em 2012, sempre houve um
modus operandi e certa racionalidade durante os processos de ocupação. A
preocupação com os métodos de ocupação e apropriação do espaço, dado também
as suas limitações, sempre se deu de forma consciente, estruturada e organizada
previamente, como uma forma não estatal e não heterônoma de pensar, planejar e
produzir o espaço.
Nesse contexto, alguns autores (SOUZA e RODRIGUES, 2004;
RANDOLPH, 2008, 2014; MIRAFTAB, 2016) discutem a existência, embora muitas
vezes invisibilizada e combatida, de um planejamento urbano que não é realizado
sob a égide estatal e corporativa dos promotores e do capital imobiliário, que é
contra hegemônico, que se relaciona com a produção social do espaço e com as
práticas dos sujeitos, associativismos comunitários e ativismos sociais. Ainda que
com suas limitações de realização em um contexto de reprodução do capitalismo
como lógica hegemônica, essas práticas se dão em diferentes escalas e
complexidades.
Miraftab (2016) discute a ideia de “planejamento insurgente” enquanto um
planejamento alternativo “[...] à medida em que tem lugar entre comunidades
subordinadas, sejam assentamentos informais e municípios em ex-colônias ou
comunidades desfavorecidas no estômago da besta – a América do Norte e a
Europa Ocidental” (p. 367), enquanto “práticas cidadãs” que buscam um
rompimento ontológico e epistemológico do planejamento liberal, viabilizado pelo
Estado. Essas ações, que não sancionadas pelos grupos dominantes, se articulam
também às insurreições e insurgências que o Estado e as corporações objetivam
colocar no ostracismo e criminalizar.
Nessa perspectiva, os ativistas insurgentes buscam um outro sentido de
justiça, que reconhece a importância da ação direta coletiva dos cidadãos, e até
26

mesmo um outro sentido de democracia, ampliando a discussão para uma


participação de fato dos sujeitos sociais na prática de planejamento, um
planejamento que é idealizado e empreendido a partir de suas práticas (MIRAFTAB,
2016). A autora ainda enfatiza que
Embora esses movimentos não ofereçam, de forma alguma, um plano
urbanístico, suas práticas são fundamentais para obstruir a besta da
ganância urbana. Essas práticas podem ou não permanecer válidas para
outra luta, outro tempo e lugar, mas necessitamos inventar novas formas
de ação, compartilhá-las, criar um repertório, um idioma de planejamento
(para usar os termos de Ananya Roy) para empurrar os limites da
imaginação e evocar um futuro alternativo que seja pela justiça espacial
(MIRAFTAB, 2016, p. 373).

Para Randolph (2014), o planejamento subversivo é aquele que se opõe “[...]


aos processos permanentes da lógica de colonização do cotidiano - no fundo de
caráter comunicativo [...]” (p. 51), que pensa em uma ampliação de esferas da vida
e da sociedade não dominadas por lógicas abstratas mercadológicas ou
burocráticas, relacionadas à acumulação de capital e ao domínio do Estado, “[...]
que, progressivamente, substituem o valor de uso dos suportes para a vida por seu
“valor de troca”; ou seja, onde tudo se transforma em mercadoria” (Idem).
Também, Randolph (2008) compreende esse planejamento subversivo não
como modelo, mas como prática que representa uma concepção de mundo e uma
preocupação em buscar direções para sua transformação, “[...] ou, talvez, procura
identificar no presente - naquilo que já existe e anuncia sua existência - as
potencialidades para uma transformação no futuro” (p. 8). Essa forma de
planejamento, que parte da prática social, propõe nesse sentido uma nova
possibilidade de pensar o espaço que se distancia de um planejamento mais
institucional, colocando em perspectiva a experiência e a vivência social.
Souza e Rodrigues (2004) defendem que o planejamento e a gestão urbana
não devem ser redutíveis à ação do Estado, inserindo o papel dos ativismos sociais
enquanto produtores do espaço e, em determinadas situações, enquanto
planejadores, em que propõem “contra planejamentos”, ou soluções alternativas ao
planejamento oficial. Essa prática se dá desde os processos de ocupação até as
lutas contra a remoção de favelas e de comunidades, perpassando pelos projetos
ligados à produção geral de infraestrutura, como saneamento básico e distribuição
de energia.
O início de uma ocupação - e aqui estamos nos referindo especificamente às
ocupações empreendidas pelo Movimento Popular por Moradia e objetos da
27

presente pesquisa - se realiza fundamentalmente a partir das lógicas espaciais que


o movimento dá centralidade, de forma ordenada e pensada antecipadamente. Em
diferentes contextos sociais, políticos e econômicos, as ocupações foram
planejadas com morfologias distintas visando atender as demandas e as
possibilidades que a conjuntura histórica apresentava.
A primeira ocupação, Nova Primavera, com gênese em setembro de 2012,
foi engendrada em um contexto em que havia uma elevada quantidade de famílias
demandando moradia e em que se intencionava, como um panorama possível dada
à conjuntura política no âmbito federal, a construção de condomínios residenciais
pelo programa MCMVE. Destarte, como relatado nas entrevistas, a Nova Primavera
surgiu, sobretudo, pela possibilidade de aplicação desse programa habitacional no
município e tendo ela como seu principal objetivo. Conforme as dinâmicas
conjunturais se transformavam, as perspectivas dos ocupantes também se
transformaram, como ressaltado por uma das lideranças do movimento:
E a gente procurou encaminhar junto à prefeitura que lá se fizesse o Minha
Casa Minha Vida Entidades, que é uma modalidade do Minha Casa Minha
Vida em que o empreendimento imobiliário é organizado não por uma
construtora, mas por um movimento, que tem que ser cadastrado no
Ministério das Cidades. Nós temos relação nacional com o MTST, já
tínhamos na época por meio do Fórum chamado Resistência Urbana, e
tínhamos o compromisso de usar o CNPJ deles, que tinha abrangência
nacional. Mas nós temos uma filial em Curitiba, que chama-se Associação
Esperança de um Novo Milênio e por meio deste CNPJ, realizarmos o
Minha Casa Minha Vida Entidades. Isso ajudou na negociação com os
proprietários do terreno, o grupo Damiani, e também com a prefeitura, mas
por uma série de razões, que podemos depois detalhar, o empreendimento
nunca saiu (ENTREVISTADO 5).

A relação entre a demanda de execução do MCMVE e a concentração de


famílias imediatamente após às primeiras ações no terreno que viria a ser ocupado
tem um reflexo, fundamentalmente, espacial. Como explicitado nos relatos das
coordenadoras que acompanharam as primeiras ações no terreno da Nova
Primavera e no relato de uma das lideranças do MPM, a lógica de distribuição das
famílias no terreno se deu de forma “desordenada”4 em que se objetivou a máxima
ocupação da área disponível. Nesse sentido, uma das coordenadoras ressalta o
processo inicial de ocupação de forma concentrada, especialmente o da Nova

4 Embora a concepção de “ordem” encontrada nos discursos se fundamente nos marcos jurídico
urbanístico, e nessa pesquisa acreditamos que a “ocupação não ordenada” também pressupõe uma
ordem,
28

Primavera, como estrategicamente espacial. A luta por moradia é, também, uma


luta pelo espaço.
Porque não tem espaço pra todo mundo, né. Não tem como tirar ninguém.
A gente teria que achar outro espaço… Pra poder dividir teria que achar
outro espaço pra colocar mais gente, pra fazer terreninho, né. Se for fazer
9 por 6, 10 por 6, que nem na Dona Cida… 6 por 10 lá, né, ai dava certo
(ENTREVISTADA 1).

[...] Claro, isso depende muito da propriedade que tá sendo ocupada, pra
poder ocupar todas as pessoas. Não pode estender muito, se não fica tão
aglomerado… Você pode perceber que a Tiradentes tem um loteamento
um pouco diferente da Primavera, por exemplo, onde foi a primeira
ocupação justamente com uma quantidade de pessoas muito grande e
justamente não houve essa condição assim de conseguir comportar todas
as pessoas numa propriedade que não conseguiria comportar. Lógico
também que a gente não vai restringir ninguém de participar, a pessoa vem
e tal, mas a gente sempre tenta manter esse meio termo. De a gente
também não ultrapassar aquilo que a gente tem capacidade, né
(ENTREVISTADO 4).

Assim, a ocupação Nova Primavera - e também as ocupações 29 de Março


e Tiradentes - se caracteriza por uma morfologia concentrada, pela densificação de
casas e pessoas no espaço como estratégia, em que inicialmente não houve uma
estruturação em lotes, nem divisão de ruas e quarteirões, como nota-se nas Figura
3 e 4 com a concentração de casas em uma pequena área da ocupação.

FIGURA 03. Concentração de barracos na Ocupação Nova Primavera (1).

FONTE: O autor (2019).


29

FIGURA 04. Concentração de barracos na Ocupação Nova Primavera (2).

FONTE: o autor (2018).

Essa forma espacial está fundada em três motivações:


1) A necessidade de estabelecer a maior quantidade possível de famílias no
terreno, seja pela elevada demanda, como já discutido anteriormente, seja por uma
lógica de massificação que se coloca fundamental para a resistência e permanência
das famílias no terreno ocupado frente aos potenciais processos de reintegração de
posse, sobretudo nas primeiras 48 horas de ocupação. Essa lógica também está
relacionada à visibilização da ocupação enquanto proteção deles, pois qualquer
tentativa de reintegração de posse seria noticiada e evidenciaria o problema, dando-
o amplitude.
2) A importância de o terreno estar ocupado por uma grande quantidade de
famílias visando um tensionamento político-estratégico para a construção de
edifícios residenciais pelo Minha Casa Minha Vida Entidades; e
3) O não loteamento também se coloca como obstáculo a um processo
rápido e prematuro de comercialização de lotes, constrangendo uma possível
primazia dos interesses individuais - no sentido de reprodução da lógica de
30

mercantilização da moradia - sobre uma luta que se propõe e é engendrada na


coletividade.
A primeira motivação se relaciona também à possibilidade de suspensão de
processo de reintegração de posse pela incapacidade de atuação da polícia frente
à grande quantidade de famílias estabelecidas no terreno, como nota-se na Figura
05, em que a desapropriação da Ocupação Dona Cida não teve continuidade
também pela falta de efetivo policial para o cumprimento da ação.

FIGURA 05. Excerto de Processo Judicial de reintegração de posse da Ocupação Dona


Cida.

FONTE: Processo 0020753-59.2016.8.16.0013 – PROJUDI (2016).

A coletividade, especialmente nos momentos iniciais de ocupação, justifica


então essa forma inicial de atuação do movimento. A ocupação era concebida como
algo coletivo que se contrapunha ao processo de loteamento, compreendido como
algo individual e com sentido de mercantilização, como aponta as coordenadoras e
um dos membros do MPM:
Não foi distribuído. Se você reparar, é tudo beco. A intenção era trazer e
fazer entrar e não lotear, porque quando você entra e não loteia, você…
não é invasão, é ocupação. É menos risco pra te tirar. É uma coisa mais
de lei, entendeu?! Porque daí você está ocupando aquele espaço, você
não está dizendo que é teu. [...] (ENTREVISTADA 2)
31

No começo ela [a Tiradentes] foi ocupada de forma bem ágil mesmo.


Porque quando você realiza uma ocupação, a prioridade é você se manter
nas, pelo menos, primeiro 48 horas, que são o momento onde você não
precisa nem do respaldo do dono, do proprietário, para poder realizar… A
polícia tem essa liberdade de intervir nesse tempo, juridicamente falando.
Então, a prioridade quando você ocupa a terra é justamente já nem ficar
fatiando o terreno. Porque tem gente que é ambiciosa, já quer pegar, já
quer lotear… Eu acho que não é assim, né. São interesses individuais que
fazem a ocupação a acontecer, mas esses interesses individuais são os
mesmos que fazem ser o interesse coletivo. E a prioridade é atuar em
conjunto, pelo menos no começo, assim, sempre, pra conseguir manter a
ocupação (ENTREVISTADO 4)

Ah, nos primeiros dias o mais importante é tentar evitar o despejo. Também
por isso, às vezes, é interessante não lotear, pras pessoas ficarem juntas,
né. E aí chega policia, né, e você têm que resistir, tem que pelo menos
coibir no começo que saiam vendendo terreno, que as pessoas fiquem e
construam uma coisa logo. Quanto mais você constrói, edifica mais você
estabiliza ali a comunidade. [...] Então você tem como primeira tarefa
começar a trazer pessoas pra comunidade, que elas comecem
rapidamente a construir. Que elas se mantenham minimamente
organizadas, que elas não briguem entre si disputando os lotes, os
espaços (ENTREVISTADO 5).

Nesse mesmo sentido, a liderança do MPM aponta, de forma concomitante


a essa, a relação entre as estratégias de luta institucional, característica do
movimento especialmente entre 2012 e 2015, com as estratégias de ocupação,
embora tenha havido um entendimento de que as três primeiras ocupações,
surgidas nessa lógica, não haviam sido espacialmente planejadas.
Então, não dividir em lotes tinha a ideia de a gente fazer o Minha Casa
Minha Vida Entidades, que seriam prédios, edifícios. Porque não cabem
tantas famílias nos lotes padrões ali, no padrão dos lotes da COHAB. Então
a gente não loteou porque eles iam vender, iam se estabilizar dessa
maneira, e gente tinha a ideia de fazer um condomínio regularizado, não
uma ocupação irregular (ENTREVISTADO 5).

Posteriormente, em março e abril de 2015, respectivamente, surgiram as


ocupações 29 de Março e Tiradentes com a demanda de novas moradias em um
contexto de crise econômica que estava se iniciando no país, sobretudo com a
elevação dos preços de aluguéis, o crescente desemprego e a diminuição dos
rendimentos familiares. A ocupação dos terrenos próximos se deu a partir da
articulação das famílias que não haviam conseguido terreno, pela indisponibilidade
de espaço, na Nova Primavera e de outras famílias que se articularam ao
movimento a partir do convite de famílias já ocupantes e do estabelecimento de
redes de sociabilidade, especialmente familiares, como apontado nas entrevistas:
O pessoal veio, um fala pra outro… Eu tenho família lá que tá pagando
aluguel ou que não tem condições e vem pra cá. Vamos ver o que vamos
fazer. E o pessoal vem. É a pior parte. Eu paguei aluguel durante a vida
32

inteira. Chega uma hora que você fica desempregado e o dono da casa
não quer saber, água e luz não quer saber, o aluguel nunca vai esperar.
[...] Você vê um parente seu lá sofrendo, você não precisa, mas seu
parente precisa. “Vai lá que tem um lugarzinho lá, o pessoal tá lá”… Se
você não precisa, você vai trazer uma pessoa que precisa
(ENTREVISTADA 1).

Daí a gente tinha cerca de 40 pessoas no dia pra invadir e um foi chamando
o outro. Porque a ocupação é assim… um fala pro outro. Já existia a
Comunidade Primavera e já existia a Comunidade 29 de Março, então a
gente fez uma reunião lá em baixo com a 29 e com a Primavera e daí
pedimos pra convidar “Ó, você conhece alguém que paga aluguel? Que
não tem onde morar? Chama lá pra vir”, então a gente veio
(ENTREVISTADA 3).

E as pessoas que vieram foram por orientação das pessoas que já


estavam aqui, entendeu? Porque tem uma relação ali familiar muito grande
entre as ocupações. Então às vezes o cara tem um parente que mora no
interior, que tá passando um veneno lá, que tá precisando… Quando o
cara descobre que vai existir uma nova oportunidade de ocupação, ele
segue a orientação. Então vem muita gente de fora, de outros bairros mais
distantes. Eu acho que se constituiu dessa forma para agregar novas
pessoas para realizar a ocupação (ENTREVISTADO 4).

A situação econômica do país de 2014 pra cá só fez piorar. E houve um


momento que a inflação da energia, da água, aumentou muito o custo da
moradia, que não é apenas o custo do aluguel. E essa demanda foi
pressionando aqui e os terrenos ao lado foram sendo ocupados. Na
verdade, muitas vezes o movimento não teve o protagonismo da iniciativa,
eu diria que basicamente o movimento acompanhou uma questão popular,
não é que o movimento quis ocupar, mas é que o movimento era chamado
a apoiar as famílias que ocupavam e precisavam ocupar premidas pela
necessidade do aluguel (ENTREVISTADO 5).

Em setembro de 2016 deu-se o início da ocupação Dona Cida. Em um


contexto político, econômico e social totalmente diverso daqueles encontrados nas
conjunturas anteriores, especialmente em 2012, esta ocupação apresenta uma
mudança no modus operandi de ocupação do MPM. A Dona Cida se apresenta
como uma ocupação loteada, com os terrenos divididos em porções iguais e
separação entre ruas e quadras, com características mais semelhantes aos padrões
urbanísticos considerados legais e formais.
Nas primeiras 48 horas de ocupação, a estratégia de disposição de lonas
com tripés de madeira sobre o terreno ocupado se deu conforme havia sido
planejado nas ocupações anteriores, seguindo a lógica de atuação do MPM.
Cntudo, na Dona Cida foi realizada a divisão de terrenos com estacas antes do
estabelecimento das famílias, conforme demonstram as figuras 6 e 7, possibilitando
que todas elas garantissem equanimemente um espaço de moradia.
33

FIGURAS 06 e 07. Segundo dia de ocupação Dona Cida – divisão em lotes.

FONTE: Flávio Ribeiro (2016).


Essa nova morfologia espacial de ocupação se justifica em três sentidos
principais:
1) Com a inflexão/retrocesso da política habitacional construída nos anos
anteriores, sobretudo no que tange à modalidade Entidades do programa Minha
Casa Minha Vida, a forma de ocupação dos terrenos conforme os padrões
urbanísticos poderia facilitar/potencializar a garantia da propriedade privada através
da regularização fundiária;
2) No decorrer dos anos, o padrão de ocupação extremamente adensada foi
se colocando como problemático/incômodo nos sentidos de ausência de
privacidade pela proximidade entre as casas e de dificuldade de mobilidade pela
existência dos “becos”, o que levou a reivindicação de uma outra forma de
espacialização das moradias nos terrenos.
3) A apropriação de alguns padrões urbanísticos na forma de ocupação
também apresenta um caráter de tentativa de sair da provisoriedade e precariedade
da moradia, possibilitando a construção de casas de alvenaria onde anteriormente
eram barracos muito próximos entre si.
O primeiro ponto indica uma transição na forma de pensar e planejar o
espaço a partir da organização interna do MPM. Dadas às limitações políticas e a
morosidade/paralisação do projeto residencial do MCMVE projetado para a
ocupação Nova Primavera, o movimento passou a articular novas estratégias de
ocupação.
Mas o Entidades não saiu nunca, depois quando teve o Impeachment da
Dilma aí que não ia sair mesmo e a Dona Cida foi feita já durante esse
período. Então era muito blefe esperar uma pretensa Minha Casa Minha
34

Vida Entidades. Então já surgiu loteado. Não teve jeito (ENTREVISTADO


5).

Internamente, de modo mais orgânico, também houve uma demanda para a


mudança na forma de compreensão e apropriação do espaço. Com a consolidação
no tempo e no espaço das outras três ocupações, constatou-se que, até certo ponto,
não havia mais a necessidade da massificação das ocupações com a grande
concentração de famílias no terreno, possibilitando que fosse engendrada outra
configuração espacial e distribuição das famílias, garantindo a elas não apenas o
espaço da habitação propriamente construída, mas o espaço do lote, do terreno que
poderia vir a ser utilizado para outros fins além da habitação. Essa nova lógica foi
entendida como uma possibilidade mais cômoda de morar, mas também, como um
resultado da experiência acumulada com as ocupações anteriores, pois eles já
estavam mais “organizados”:
Que daí ali foi tudo organizadinho. Que daí o povo já tava mais organizado
pra fazer também, né. Que na verdade a gente chegava, se amontoava e
deu, né. No começo é assim. Agora não, né. Ali chegamos e fomos fazendo
assim. Fomos fazendo os terreninhos. Fazendo, marcando. Daí cada um
foi fazendo, né (ENTREVISTADO 1).

Aqui foi dividido, mas assim… Houveram vários desentendimentos porque


queriam fazer igual aqui, mas a gente não aceitou, né. Você imagina? Tudo
igual! Não dá né! Eu digo que aqui é uma casa só, um hotel com uns
quartinhos. Você sai e dá de frente com o vizinho. Não tem lógica. Aí a
gente bateu de frente com muita gente e ficou (ENTREVISTADA 2).

A mudança da estratégia de ocupação a partir da Dona Cida teve importantes


reflexos sobre a organização das outras ocupações nos anos recentes. Entre 2017
e 2019, houve um processo contínuo loteamento nas três ocupações com o escopo
de melhorar a qualidade de vida das famílias já ocupantes e de possibilitar que a
divisão das ocupações se desse de fato em forma de lotes considerando uma
permanência nos terrenos, contrapondo-se ao projeto anterior, da efemeridade das
ocupações, em que se pleiteava a construção de moradias pelo poder público na
área das ocupações ou em outras regiões da cidade. Em 2017, a Tiradentes foi a
primeira a propor uma nova racionalidade de ocupação
Então, a divisão dos lotes… Aqui é assim, tudo juntado no começo… A
gente fez uma reunião há uns dois anos atrás com todos os moradores e
decidimos… Conversamos que a gente não pode ficar esperando pelo
poder público. Por quê? Porque a COHAB veio aqui, enumerou todas as
casas, mas só isso… Ela nunca mais volta. A prefeitura recebeu a gente
quando ela… a questão do decreto. Acabou por aí. Aí no começo… A
gente tem um morador, que trabalha numa metalúrgica, que foi lá e
conversou com o patrão e a empresa emprestou o CNPJ pra gente. Aí a
gente fez o que… Aí a gente arrecadou… Aí o morador pagava 110,00 por
35

mês pra gente fazer o loteamento. Aquele morador que não tinha
condições trabalhava… Pagaria esses 110,00 em trabalho… Arrumando a
rua… Ajudando a puxar o fio, essas coisas. [...] Antes você andava nos
bequinhos, agora vocês já consegue andar em tudo. [...] Porque a pessoa
pode vir de carro. Hoje em dia o Uber pega a gente aqui.
Ótimo… (ENTREVISTADA 3).

Posteriormente, entre 2018 e 2019, embora com muitas dificuldades e


pressão da construtora proprietária do terreno, como aponta um dos articuladores
do MPM, a ocupação Nova Primavera se estendeu pelo terreno ocupado para que
fosse possível a divisão em lotes e a abertura de novas ruas, pois esta era a
ocupação mais adensada e com maiores dificuldades de locomoção entre os becos.
A gente ocupou ali atrás… A gente estendeu uma ocupação da Primavera
que não era ocupada, hoje em dia pertence à Primavera… Mas foram 3
tentativas e na terceira que conseguiu consolidar. [...] Aquela época foi
bem complicada, mas houve uma insistência... A comunidade entendeu
que deveria continuar… A gente sempre pede essa opinião, lógico que a
gente não toma nenhuma decisão só pela parte da liderança… E na
terceira vez a gente conseguiu consolidar e hoje essa ocupação pertence
à Primavera também (ENTREVISTADO 4).

No período, foi apontada por um dos coordenadores a demanda de


desconstrução de algumas casas, que foram reconstruídas posteriormente na outra
parte ocupada, para o alargamento da rua principal. Também se tinha como escopo,
embora o projeto não tenha avançado, o aumento da extensão da rua com a
possibilidade de ligação da Comunidade Sabará com a Estrada Velha do Barigui,
sobretudo para tornar a rua viável para circulação de transporte coletivo. As Figuras
8, 9 e 10 demonstram essa nova forma de produção das moradias reconstruídas na
Nova Primavera: casas de alvenaria e espaçamento entre elas para a constituição
de lotes.
36

FIGURAS 08, 09 e 10. Casas sendo reconstruídas na Ocupação Nova Primavera.

Fonte: o autor (2018).


Mais recentemente, após o incêndio criminoso de 07 de dezembro de 2018
da ocupação 29 de Março, em que dezenas de famílias perderam tudo, houve uma
demanda de reconstrução de novas casas. Nesse processo, a comunidade
reivindicou que as novas moradias pudessem ser construídas de forma mais
parcelada, diferentemente do que havia sido realizado anteriormente. Com a
parceria e articulação entre os moradores e outros sujeitos, como a ONG Teto e o
grupo acadêmico que idealizou o Plano Urbanístico Emergencial (PLEU), novas
casas foram edificadas a partir dessa nova lógica.
As Figuras 11 e 12 representam imagens aéreas recentes (de 2018-2019)
das quatro ocupações antes e depois da reconstrução das casas destruídas pelo
incêndio. A partir delas, também é possível destacar a nova forma de divisão de
terrenos e de arruamentos das ocupações Nova Primavera (1) – na sua parte mais
recente, construída próxima às casas do Moradias Sabará, Dona Cida (3) e
Tiradentes (4).
37

Figuras 11 e 12. Imagens áreas das Ocupações – CIC (2018/2019).

FONTE: Plano Urbanístico Emergencial (2019).


Nas figuras 13 e 14 é possível notar mais detalhadamente como se
reconfigurou a paisagem da Ocupação 29 de Março pós incêndio, em que se
destaca a diferença entre a parte reconstruída, com as casas distanciadas entre si,
e as casas ao lado, datadas do início da ocupação, que apresentam uma morfologia
mais adensada, sem separação clara entre uma moradia e outra.
38

FIGURAS 13 e 14. Imagens aéreas da Ocupação 29 de Março (2018/2019).

FONTE: Plano Urbanístico Emergencial (2019).

Uma das diferenças morfológicas mais notáveis pós reconstrução de parte


da 29 de Março e nas ocupações Nova primavera e Tiradentes, que tiveram suas
áreas loteadas nessa lógica parcelar, é a existência de vias mais estruturadas e
com melhores condições de circulação e a abertura de terrenos para a construção
de espaços coletivos, como as Sedes da 29 de Março e da Tiradentes, como pode
ser notado nas Figuras 15 e 16 Na Figura 15 evidencia-se também um processo
recorrente de substituição dos antigos barracos por casas de alvenaria, que se torna
dinâmica contínua ao longo do tempo nas ocupações conforme elas vão se
consolidando, indicando uma representação do sentido de habitar como aquele em
que as casas são divididas em lotes, têm um quintal/terreno para a realização de
outras atividades ou usos.
39

FIGURAS 15 e 16. Via aberta na Ocupação 29 de Março pós incêndio, onde anteriormente
eram barracos.

FONTE: O autor (2019).

FIGURA 17. Rua aberta na Ocupação Tiradentes pós processo de loteamento.

FONTE: o autor (2019).


A contiguidade espacial das quatro ocupações também se constitui como
importante estratégia de luta e potencialidade para essa perpetuação no tempo e
no espaço. Embora não refletidamente planejada dessa forma, como asseguram as
narrativas, as ocupações apresentam como característica fundante a articulação
espacial entre elas, “como se fossem uma só”. Essa relação existente entre elas
evidencia que não é só uma luta pelo espaço, pela moradia, mas é também
substancialmente uma luta que se dá no espaço, tendo ele como elemento
estratégico.
Como se destaca nas entrevistas, o fato de as ocupações estarem
circunstancialmente próximas – ou, mais adequadamente, fisicamente unidas –
possibilitou que houvesse uma articulação estratégica entre elas nos processos que
demandavam uma ação conjunta e uma organização coletiva, como nas ameaças
de reintegração de posse.
40

[...] E também a Tiradentes pra cá. Porque faz parte também. É que nem
ali, nós ficou meio junto com a Tiradentes e aqui ficou meio junto com a
Primavera. E é todas junto. Não tem como dizer não. As quatro ocupações
na verdade é uma só (ENTREVISTADA 1).

Ainda que se reconheçam outras motivações, a exemplo da característica


fundiária das propriedades e da atuação de outros agentes locais - como no caso
em que a imobiliária de atuação local era dona de um dos terrenos em que se tentou
ocupar e tinha relações com os poderes locais, como a polícia e o judiciário – outras
duas tentativas de ocupação, em São José dos Pinhais e no bairro Campo de
Santana no sul do município de Curitiba, não conseguiram se efetivar e se
consolidar, sendo rapidamente reintegradas.
Um dos motivos discutidos é que as tentativas se deram, respectivamente,
em 2015 e 2016, contexto político em que não se havia mais a capacidade de
mediação a partir da possibilidade de articulação entre movimento e poder público
para a obtenção de moradia a partir do MCMVE:
Bom, eu acho que teve a questão do Minha Casa Minha Vida Entidades,
que possibilitava que a gente tivesse um início de uma negociação… Que
oferecia ao poder público e ao poder judiciário uma solução intermediada.
Acho que esse contexto ajudava que a gente… Porque uma ação qualquer
do movimento, ela tem que propor também uma pauta, uma negociação
(ENTREVISTADO 5).

Mas também se pode compreender essa dificuldade de perpetuação das


ocupações nos dois terrenos em que houve a tentativa de ocupação pela dificuldade
de mobilização e articulação com as outras ocupações. A existência de grande
quantidade de famílias/pessoas na área que atualmente compõe a região das
quatro ocupações foi um dos fatores que dificultou qualquer tentativa de
reintegração de posse.
[...] Facilita porque uma ajuda a outra, né. Se fosse essa aqui [29 de Março]
e Dona Cida e Tiradentes lá em São José dos Pinhais, como é que a gente
ia conseguir ônibus, né?! Comunicar que estava acontecendo tal coisa…
Até chegar aqui... Então uma do lado da outra, uma ajuda a
outra (ENTREVISTADA 2).

Ainda, cabe ressaltar que essas lógicas espaciais de ocupação caracterizam


uma mediação entre o planejamento da subversão e a subversão do planejamento.
Ocupar terrenos especulativos, sejam eles de proprietários privados ou do próprio
poder público, é considerado, em si mesmo, um ato subversivo - no sentido
etimológico da palavra - da superação de uma ordem social, política e econômica
que pretere a posse, na dimensão do valor de uso, em relação à propriedade,
41

reproduzida numa lógica de valor de troca. O modus operandi do movimento de luta


por moradia expressa que a subversão é um ato conscientemente planejado.
Se estabelecem outras racionalidades na forma de pensar e produzir o
espaço. O planejamento é subvertido, ganha uma nova significância, prática e
simbolicamente, a partir da luta por moradia. A escolha entre a densificação e o
loteamento, na lógica dos marcos urbanísticos, dos terrenos ocupados é estratégica
e se difere em cada contexto. Expressa também uma forma não homogênea de
apropriação do espaço, uma forma que nasce e se transforma no cotidiano, nas
demandas dos cidadãos.
Como argumentam Souza e Rodrigues (2004), Randolph (2008, 2014) e
Miraftab (2016), as estratégias de ocupação dos moradores e dos integrantes,
lideranças e articuladores do MPM passam por uma forma de compreender e utilizar
o espaço que se contrapõe às lógicas espaciais do Estado e dos planejadores
urbanos, que atendem prioritariamente as demandas do capital imobiliário-
financeiro e dos proprietários fundiários urbanos. Assim, essas estratégias
espaciais são insurgentes no sentido em que se opõem às formas hegemônicas de
dominação do espaço, propondo uma outra possibilidade de uso e apropriação
deste.
42

2.2 OCUPAÇÕES ADENTRO, OCUPAÇÕES AFORA: AS LUTAS, OS ATOS E AS


AÇÕES COLETIVAS
Para além dos processos relacionados aos momentos de organização,
entrada e estabelecimento nos terrenos e estruturação interna das ocupações, a
luta por moradia se caracteriza também por atos, passeatas, protestos e ações
coletivas mais amplas. Essas ações estão relacionadas aos momentos de
reivindicações mais pontuais ou emergenciais e à demanda de uma organização
coletiva mais ofensiva e coesa, como nos momentos em que se adverte a
possibilidade de reintegração de posse de algum dos terrenos ocupados.
Souza (2010) compreende esses processos como “[...] práticas espaciais
que se vinculam a uma perspectiva de transformação emancipatória da realidade
socioespacial - em uma palavra, à práxis” (p. 24-25, grifo no original). Estes se
configuram como respostas ao poder heterônomo, como alternativas ao
conformismo. Opõem-se, embora de forma conflituosa e contraditória, às práticas
espaciais empreendidas pelo Estado, que são impostas de cima para baixo ou de
fora para dentro, representando um poder coercitivo e de submissão. Por definição,
As práticas espaciais propriamente insurgentes têm a ver, acima de tudo,
com a ação direta. Entretanto, aquelas práticas dos movimentos
“negociadas” com o Estado, mesmo ser diretamente insurgentes, podem
ter, sim, conteúdo crítico, e mesmo ser compatíveis com metas
estratégicas radicais e insurgentes, desde que as organizações dos
movimentos não percam de vista o horizonte estrutural e não deixem que
a tática conduza e colonize e subverta a estratégia (SOUZA, 2010, p. 29).

O autor também compreende a atuação dos movimentos sociais em três


escalas de ação direta: “com o Estado”, quando objetiva-se a negociação e
instituição de novos canais de diálogo com o Estado, “apesar do Estado”, inserindo-
se em contextos que não atacam frontalmente o Estado, mas tem o sentido de
pressioná-lo; e “contra o Estado”, que se refere às práticas espaciais diretamente
insurgentes. Portanto, as práticas espaciais são processos complexos que se
articulam, em diferentes contextos, à diferentes relações com as estruturas estatais.
Ainda, destaca que
[...] o poder não é exercido apenas no espaço [...], mas também através do
espaço e por meio do espaço - isto é, por meio das formas do substrato
espacial material (formas espaciais), das configurações territoriais e das
imagens de “lugar”. No que diz respeito à resistência (contrapoder,
insurgência), esta é muito frequentemente exercida mediante processos
de territorialização - ou seja, mediante o controle e a ocupação do espaço
(SOUZA, 2010, p. 30-31).
43

Fundamentado no conceito de prática socioespacial da resistência


(RIBEIRO, 2018), torna-se possível compreender teoricamente as estratégias dos
movimentos e ativismos sociais contemporâneos a partir da noção de práticas
espaciais definidas por Souza (2010), que abrangem diferentes momentos e
dinâmicas na luta pela moradia e pelo espaço.
Essa concepção operacionaliza os conceitos de
refuncionalização/reestruturação do espaço material, que se articula às diferentes
demandas e escalas de atuação dos moradores, desde a ocupação
estrategicamente planejada do espaço, que passa a cumprir sua função social, até
os protestos e ocupações de espaços públicos, dotando-os de significados que não
relacionados à circulação e acumulação de capital; e a constituição de redes
socioespaciais, entre os moradores de forma orgânica, com os bairros vizinhos e
com outras instituições e coletivos, que têm como projeto a transformação e/ou o
questionamento da realidade urbana produzida sob a lógica do capital.
Assim, conforme Souza (2010), há 6 tipologias de práticas espaciais que
caracterizam a forma de atuação dos movimentos sociais:
1. Territorialização em sentido estrito: refere-se a “apropriação” e
controle do espaço por meio ou com a ajuda da presença física (como
as ocupações);
2. Territorialização em sentido amplo: quando territórios são
identificados e direitos formais e prerrogativas legais de proprietários
privados são desafiados e regras espaciais impostas pelo Estado são
quebradas mediante símbolos físicos e sem a presença física
duradoura dos transgressores (como a grafitagem);
3. Refuncionalização/reestruturação do espaço material: quando o
espaço material produzido pelas práticas heterônomas são
refuncionalizados ou reconstruídos pelas práticas insurgentes;
4. Ressignificação de “lugares”: introdução da cultura, do simbolismo e
do discurso enquanto “campos de batalha”;
5. Construção de circuitos econômicos alternativos: constituição de
alternativas mais ou menos profundas ao mercado capitalista e às
relações de produção capitalista (emprego assalariado, hierarquia de
rendimentos, etc) quanto à geração de renda, produção,
comercialização e consumo;
44

6. Construção de redes espaciais: construção de estratégias


multiescalares articulando experiências de resistência local ou
regional com o escopo de ganho de visibilidade pública, eficiência
logística, solidariedade pública e ajuda mútua entre organizações e
ativistas de vários lugares.
Os processos mais amplos de reivindicação e mobilização coletiva
empreendem também outras lógicas e práticas espaciais. É no espaço público,
lócus dos fluxos e dinâmicas, da circulação de capital e de pessoas, em que a luta
por moradia ganha maior dimensão, amplitude. É no conflito, eminentemente
espacial, que o movimento ganha visibilidade, projeção.
Indo além das tipologias de ação de Souza (2010), é possível compreender
as manifestações que o Movimento Popular por Moradia realiza/realizou a partir de
suas escalas de atuação, que atendem/atenderam diferentes demandas em
diferentes contextos:
1) Na escala do bairro;
2) Na escala da região, no contorno sul (BR-376);
3) Na escala do centro/das centralidades político-administrativas

Na escala do bairro, do entorno imediato, especialmente na região conhecida


como “Moradias Corbélia” ou “Vila Corbélia”, conjunto habitacional construído em
2010 no bairro São Miguel, localizado ao lado das ocupações, embora relatado
informalmente por outra coordenadora a realização de outras ações com o escopo
da regularização fundiária, nas entrevistas foi narrada a realização de dois atos com
um duplo sentido: o primeiro deles foi o de dar visibilidade para as ocupações, para
a luta por moradia. Se objetivou, naquele momento, mostrar que eles existem e
resistem naquele espaço, tanto para o poder público, quanto para os próprios
moradores da região. Esse ato se deu em um contexto em que as famílias
ocupantes buscavam reconhecimento e respeito.
Então, né. A passeata a gente faz mais para mostrar pro povo que a gente
tá aqui. Pra lembrar pro povo que a gente tá aqui, pros nossos
governantes… Porque daí o povo vem e “Ah não…”. Criticam. Vai pra rede
social. “Não, mas esse povo tá fazendo o que?! Tão reivindicando o que?!
Moradias! Porque eles ali são esquecidos.” Numa época a gente ficava
muito esquecido aqui. [...] Antigamente não era assim, antigamente era
crítica em cima de crítica. Passava aqui na frente e chamava a gente de
bandido, de prostituta, de vagabundo.. sabe… de traficante. Tudo isso aí
(ENTREVISTADA 1).
45

O outro ato ocorreu em um contexto de pauta mais específica, de uma


demanda emergencial que os levou à mobilização. A escala de mobilização do
local/regional, nesse caso, foi mais circunstancial, mas demonstra uma articulação
às práticas reivindicatórias e de mobilização mais amplas utilizadas pelo movimento
social aqui analisado.
[...] Então, essa vez a gente andou aqui, né… Pra conseguir o asfalto. A
gente começamos por ali [na região do Corbélia], daí a gente foi até a
Regional do CIC, se instalamos lá pra fazer… Aí quando a gente fez aquela
manifestação, na internet estava aparecendo… o Rafael Kenji veio e
falou…. Na época não era o Rafael, era outro… Veio e falou pra gente que
não… que eles iam ver e ficava pro próximo ano. A manifestação foi em
em 2017, aí quando foi agora no começo do ano, eu fiz… eu e a Neia e o
pessoal lá embaixo, a gente fez um abaixo assinado. Daí a gente levou pra
Regional… Daí eles falaram que esse asfalto já tava ganho há dois anos
atrás, com aquela manifestação a gente já ganhou […] (ENTREVISTADA
3).

A escala de mobilização regional, que se dá especificamente na rodovia BR-


376, no contorno sul, é especificamente uma articulação entre o local e o que aqui
denominamos de central. Historicamente, parte significativa dos protestos
organizados entre 2012 e 2019 se deu com o trancamento do contorno sul. As
motivações principais são duas: pela proximidade com as ocupações e facilidade
de acesso e pela potencialidade das ações ali realizadas.
O trancamento do contorno sul dá visibilidade, amplia a capacidade de
alcance das reivindicações do movimento - das mais variadas delas – incomoda e
gera resultados mais profícuos e imediatos, pelo menos na possibilidade de
negociação com o poder público. O ato de parar o trânsito, parar os fluxos da região
metropolitana, também tem um sentido comum: é na construção das ações coletivas
entre os manifestantes que a identidade do Movimento Popular por Moradia emerge
e ganha significado.
Eles colocam as camisetas e os bonés, empunham a bandeira do movimento
e faixas com suas reivindicações e se fazem ser ouvidos, atendidos, como nota-se
nas Figuras 18, 19, 20, 21, 22, 23 e 24 que representam diferentes atos realizados
no contorno sul em conjunturas distintas, mas que evidenciam alguns aspectos
organizativos comuns: a queima de pneus para o efetivo bloqueio da via, a
concentração de pessoas na barricada para evitar que algum automóvel fure o
bloqueio e a utilização de bandeiras e faixas para resgatar a identidade do
movimento e buscar ganhar visibilidade, caracterizando-os enquanto movimento
social organizado.
46

FIGURA 18. Trancamento do contorno sul pelo MPM.

FONTE: Movimento Popular por Moradia (2015)


<https://mpmcuritiba.wordpress.com/2015/07/24/movimento-popular-por-moradia-fecha-o-contorno-
sul-em-manifestacao-e-avanca-nas-negociacoes-com-a-prefeitura/>.

FIGURAS 19 e 20. Trancamento do contorno sul pelo MPM e congestionamentos.

FONTE: Acervo “Somos todos Dona Cida” (2019).


47

FIGURA 21. Bandeira do MPM com nova identidade visual.

FONTE: Acervo “Somos todos Dona Cida” (2019).

FIGURAS 22, 23 e 24. Faixas utilizadas em protesto realizado no contorno sul.

FONTE: Acervo “Somos todos Dona Cida” (2019).


Como apontado nas entrevistas, o trancamento da rodovia, em diferentes
contextos da trajetória das ocupações, abrange um repertório variado de pautas.
Por ser uma das principais vias de circulação de Curitiba e região metropolitana,
seu fechamento produz longas filas de congestionamento, parando, inclusive, a
produção e circulação de mercadorias e capitais, dada a característica industrial do
48

bairro. Nesse sentido, rapidamente o poder público contata os manifestantes e visa


atender suas demandas, ou pelo menos negociá-las, para que o trânsito seja
liberado e os fluxos voltem à normalidade: “O contorno é um acesso mais fácil que
a gente tem. Não precisa pegar o ônibus, né. E é uma BR, então fecha ali, fecha
tudo. Daí a reportagem já vem, um monte de gente já vem saber o que tá
acontecendo” (ENTREVISTADA 2).

É… As nossas mobilizações são…. Como a gente tem uma BR aqui


próximo, né, fica uma questão acessível. É claro que às vezes isso não
traz um retorno tão efetivo, mas a principal… O principal objetivo é tentar
chamar a atenção da opinião pública, sempre né. E trancando BR assim,
que é um ato quase cultural do MPM quando a gente se encontra em uma
situação emergencial assim, é o que geralmente a gente faz. E o objetivo
é tentar atrair a atenção a opinião pública, tentar trazer algum responsável
pra falar com a gente. Fazer com que atenda o que já é nosso por direito
(ENTREVISTADO 4).

É nesse sentido que a estratégia de realizar os atos na rodovia acaba


ganhando maior relevância quando comparado às manifestações realizadas em
outras regiões da cidade.
A diferença é porque daí quando você faz protesto na rodovia, você para
Curitiba, entendeu? Geralmente a gente faz aqui na BR. Você para a BR.
Aparece em tudo quanto é canal. A diferença é que se você vai lá no
centro… você vai ter que chamar a imprensa, entendeu? E aqui a gente
não precisa chamar imprensa nenhuma. Você parou a rodovia, vem todo
mundo, vem Banda B, vem todo mundo… Aí eles resolvem mais rápido,
se você parou a BR… Porque daí essa que é a condição: “ou vocês faz o
que a gente quer, ou então a gente não sai daqui”. Aí como para ali, porque
daí o povo começa falar, né… “Eu preciso ir trabalhar”. Aí parou Curitiba.
Porque aquelas BRs ali… Principalmente o Contorno Sul
(ENTREVISTADA 3).

Daí quando é uma coisa de emergência, quando tem que ser em cima da
hora, daí é ali. Quando é uma coisa que é emergência, mas tem uns 10,
15 dias, aí a gente ganha tempo pra conseguir um ônibus, pra reunir a
galera… Entendeu… Fazer reunião e aí fazer o ato. Aí quando é
emergência é ali mesmo. Todo mundo vai de a pé, leva os pneus, mete
fogo e já era (ENTREVISTADA 2).

A terceira escala de mobilização se dá essencialmente em duas dimensões.


A primeira delas se refere à ocupação efêmera ou atos em outros espaços, que têm
um caráter central, no sentido político-administrativamente, que sediam órgãos do
poder público ou que são espaços onde se pode tensionar forças políticas visando
negociação. Esses espaços são a Prefeitura Municipal, a Câmara de Vereadores,
a COHAB-CT e a Caixa Econômica Federal, responsável pelo financiamento do
projeto do MCMVE
Então, nós fizemos atos desde o começo… Sei lá, uns 30 atos… Uma
coisa assim. Mas uma quantidade de dezenas. Nós fizemos atos na
49

prefeitura. Na prefeitura em geral a gente para na Praça 19 de Dezembro,


do Homem, da Mulher Nua, e aí caminhamos até a prefeitura e tal. Fizemos
alguns atos na COHAB. Fizemos em fevereiro de 2015 um ato na Caixa
Econômica Federal (ENTREVISTADO 5).

Na verdade a gente ficou lá… foi por causa também daquele negócio do
Minha Casa Minha Vida que a Caixa que tinha que liberar. Na verdade, a
Caixa liberou. Aí foram falar pra nós que já tava liberado. Quando a gente
foi ver, não tinham liberado pra Damiani, pra Damiani dar ok, que é dona
da Primavera. [...] Na verdade nós ficamos lá um dia todo. De manhã até…
Nós ia ficar mais, mas daí resolveram receber a gente pra conversar [...]
(ENTREVISTADA 1).

A do leilão… a do primeiro leilão não foi tanto, mas a do segundo leilão…


que a gente fez na prefeitura. Aí foi todas as comunidades, foi as quatro
comunidades… A gente invadiu a prefeitura, acorrentou um senhor de
idade dizendo que ele estava sendo acorrentado [em 2016]. E a gente fez
uma salsichada… Todas as comunidades levou panela, levamos vina com
pão… Foi bem interessante. [...] Daí a gente… Um leilão, dois leilões pela
terra… Porque a Essencis aqui do lado… ela quer entrar aqui dentro. Ela
quer aumentar o lixão. Aí a gente conseguiu, fizemos manifestação na
prefeitura e conseguimos impedir o leilão (ENTREVISTADA 3).

Mas a gente já foi pro Centro, né… Mobilizar as pessoas, com ônibus
fretado pra ir pra prefeitura né… Mas também com o mesmo intuito. O de
chamar a atenção de algum responsável que está inserido dentro de um
órgão público ou mesmo da imprensa, da própria população… Para que
assistam a gente e vejam que está acontecendo algo ilegal com a gente
aqui, alguma coisa assim que está em desacordo com a lei
(ENTREVISTADO 4).

A segunda dimensão está relacionada aos atos e passeatas que ocorreram


nos bairros centrais de Curitiba. Se relacionam, como já discutido, à potencialidade
de visibilização que os espaços públicos apresentam, possibilitando também a
articulação com outros movimentos e apoiadores.
Acho que foi no início do ano passado que os donos da propriedade da
ocupação Dona Cida eles tentaram mobilizar ali pra fazer reintegração de
posse e a gente conseguiu fazer uma mobilização bem legal, assim, a
gente conseguiu levar bastante gente pro centro da cidade. Muita gente
apoiou… Pessoas do movimento estudantil… Outros movimentos
organizados participaram (ENTREVISTADO 4)

As diferentes “centralidades” em que se realizam as ações coletivas estão


relacionadas então às diferentes formas de visibilidade e impacto no cotidiano de
Curitiba e de pressionamento ao poder público, ainda que algumas vezes as ações
são organizadas complementarmente, tanto nos órgãos administrativos, quando no
trancamento da rodovia: “Quando a gente vai, por exemplo… A gente vai pra
prefeitura, fica um tanto fechando a BR, nesses lugar de muito movimento, pra gente
obter a resposta do prefeito” (ENTREVISTADA 1). As Figuras 25 e 26 representam
um desses casos em que houve a concomitância do trancamento da rodovia e a
passeata em frente ao prédio da Prefeitura Municipal.
50

FIGURAS 25 e 26. Atos realizados em frente à Prefeitura Municipal.

FONTE: Movimento Popular por Moradia (2015)


<https://mpmcuritiba.wordpress.com/2015/07/24/movimento-popular-por-moradia-fecha-o-contorno-
sul-em-manifestacao-e-avanca-nas-negociacoes-com-a-prefeitura/>.
As Figuras 27, 28, 29 e 30 representam o ato recente ocorrido em 2018
contra a reintegração de posse da ocupação Dona Cida. A organização da passeata
se deu a partir da Praça 29 de Dezembro, em uma região central de Curitiba, com
ampla possibilidade de visualização por outras pessoas, e se encerrou em frente ao
prédio da Prefeitura Municipal. Essa estratégia se deu então em dois sentidos: 1)
51

capacidade de dar visibilidade do movimento e às suas demandas; e 2) tentativa de


pressionamento e negociação com poder público municipal.
Figuras 27, 28, 29 e 30. Ato realizando entre a Praça 29 de Dezembro e a Prefeitura Municipal.

FONTE: Acervo “Somos todos Dona Cida” (2018).


Os atos também foram/são reflexos de uma ampla gama de pautas e
demandas: pelo financiamento e execução do projeto do Minha Casa Minha Vida
Entidades para a ocupação Nova Primavera e pela aprovação do aluguel social; em
diversas vezes contra as possíveis reintegrações de posse; contra os leilões do
terreno ocupado pela Tiradentes; contra a violência policial e pela apuração do
incêndio criminoso ocorrido na 29 de Março; pelo asfaltamento da Estrada Velha,
principal via de conexão até às ocupações; entre outras situações emergenciais que
demandaram ações coletivas para serem visibilizadas ou atendidas.
Ainda no âmbito dos atos e manifestações, o Movimento Popular por
Moradia, em alguns contextos políticos que ultrapassaram a escala das demandas
das ocupações, conseguiu organizar as famílias para se e articularem e
incorporarem a outros protestos mais amplos, com pautas que mobilizaram pessoas
em escala nacional.
52

Fizemos também alguma coisa no centro da cidade, na Praça Santos


Andrade. E como o Entidades era também ligado ao governo Dilma,
participamos de uns dois atos contra o Impeachment. Uma vez que
entendíamos que com o Impeachment não haveria mais o Minha Casa
Minha Vida Entidades, como de fato... [aconteceu] [...] Último ato que
fizemos, se não me falha a memória, foi na Greve Geral de julho. Nós
apoiamos a Greve Geral, mas também… em parte… porque houveram
muitas violências policiais contra as comunidades. Então, em parte, as
comunidades se vincularam à Greve Geral, que é uma pauta nacional, mas
em boa medida também lutaram motivadas por uma série de ações
policiais consideradas arbitrárias, incompreensíveis (ENTREVISTADO 5).

A gente teve também… Participou contra a reforma da previdência, que


não estava necessariamente agregada à luta emergencial, que levanta a
pauta do movimento, que é a luta por moradia, luta por moradia digna…
Que é o segundo passo, de deixar uma moradia digna ali. E esse foi
também um desafio. As pessoas… o povão mesmo, as pessoas que estão
morando aqui se mobilizam mesmo quando é uma pauta emergencial
mesmo. [...] Agora, voltando a tua questão… foi também um ato muito
importante porque a gente conseguiu mobilizar as pessoas aqui pra lutar
contra a reforma da previdência. Então a gente juntou com alguns
sindicatos, o próprio Movimento Sem Terra e a gente conseguiu tirar aqui
quase 100 pessoas para contribuir no dia da greve geral contra a reforma
da previdência. Eu acho que isso é uma grande conquista pro MPM. A
gente conseguiu ultrapassar esse entendimento de luta emergencial e
conseguiu fazer com que as pessoas entendam que tem outras questões
acontecendo e que vale a mobilização, né (ENTREVISTADO 4).

Nas figuras 30 e 31 destaca-se a atuação do MPM e dos moradores das


ocupações na articulação com outros protestos e movimentos nacionais, como na
Greve Geral contra a reforma da previdência – pauta de abrangência nacional.

FIGURAS 30 e 31.Participação do MPM na Greve Geral.

FONTE: Acervo “Somos todos Dona Cida” (2019).

Nessa perspectiva, compreende-se que há duas dinâmicas que se


complementam no processo de luta por moradia (e de luta pela garantia de outros
direitos, de modo geral): a mobilização orgânica, que se dá na escala do lugar, da
vida cotidiana e nas relações que os moradores e as ocupações estabelecem entre
si e eles buscam se organizar coletivamente a partir de suas reivindicações locais,
53

sendo o movimento social um possível direcionador. Mas, também, há momentos


em que a prática social ocorre de forma organizada, em que o movimento se
estrutura enquanto elemento central de articulação, sendo realizadas assembleias,
cronograma de mobilização - como no ato mais recente contra à reforma da
previdência -, disponibilização de ônibus para o deslocamento das famílias e
atuação conjunta com outros movimentos

[...] Teve a outra situação da UPA ali, que eles tentaram terceirizar…
Estava fechada… E a gente sabe que eles vão sucateando até pra usar o
discurso de terceirização. E as pessoas se auto organizaram também pra
abrir aquela UPA lá pras pessoas terem atendimento, não precisarem se
deslocar até o Pinheirinho pra ter atendimento médico e tal. Isso foi tudo
automobilização. A gente também participou, mas a gente não se impôs,
colocando bandeira… Eu também participei desse ato, mas tudo ações
orgânicas… (ENTREVISTADO 4).

Estas lideranças, como no caso lá, são muito proativas independente de


qualquer participação, se ficam muito, com o tempo foram assimilando,
agindo e reorganizando-se, de modo que elas têm muita autonomia, pro
atividade. E o povo ensina sempre o espírito de luta, nesses atos… nos
atos mais aguerridos você vê como a população espontaneamente,
aquelas séculos de opressão de manifestam nas pessoas, que encaram,
que têm coragem, que não se sentem constrangidas de mobilizar-se,
reivindicar seus direitos, e isso certamente sempre é a população que
ensina essa forma verdadeira de comprometimento, mobilização e luta,
uma coragem espontânea que as comunidades têm… o Movimento ajuda
a direcionar essa coragem a organizá-la (ENTREVISTADO 5).

Ainda, cabe destacar que, de forma mais específica, existe essa dialética das
escalas de atuação: ocupações adentro, em que as práticas são mobilizadas
internamente, no cotidiano, e em que as ocupações apresentam uma ação
autonomizada, pois cada coordenadora/coordenador busca viabilizar estratégias e
atender as necessidades das famílias da ocupação que são responsáveis, como
será discutido de forma mais aprofundado no capítulo 3; e ocupações afora, que
simbolizam uma articulação das famílias das quatro ocupações como se fossem
uma só, com as mesmas pautas e forças de mobilização, momento em que a luta
se torna mais comum e os reaproxima.
[...] Aí a gente foi tudo junto nessa época, as quatro tudo junto. Daí alguns
fecharam aqui [o contorno sul]. Naquela época eu fiquei com a comunidade
aqui. Daí depois eu fui pra lá. Aí juntou mais gente. Aí veio gente da CUT,
do MST, veio muita gente. Tô falando 2 mil daqui, né, fora o pessoal de lá.
Porque quando a gente vai fazer um ato, a gente não vai sozinho
(ENTREVISTADA 1).

[...] Perde lá, perde aqui. Vai enfraquecendo. Sempre que há algum
problema, independente da ocupação, a gente mobiliza todas as
ocupações pra atua em conjunto, né. Isso aí é regra básica do movimento
(ENTREVISTADO 4).
54

Nesse sentido, destaca-se que a luta por moradia não se restringe à


territorialização em sentido estrito, como definido por Souza (2010). Há uma
refuncionalização/reestruturação do espaço material, quando as famílias fecham as
vias de circulação de pessoas, mercadorias e de capital e a dotam de um sentido
político, de luta e resistência. E também há a construção de redes espaciais, quando
o MPM se articula a outros movimentos e sujeitos sociais e ganha o seu apoio, a
exemplo do MST e acadêmicos, como será discutido no capítulo seguinte.
Destarte, o espaço não é apenas a base física para a realização de atos,
manifestações e ações coletivas, ele é produzido e estrategicamente apropriado
pelo movimento de luta por moradia. Nessa relação, o valor de uso do espaço se
amplia para além da reprodução da vida cotidiana e ganha também outro
significado, que por vezes é temporário, efêmero, mas que entra em conflito com o
valor de troca - no que tange à produção, acumulação e circulação de mercadorias
e capitais e às burocracias político-administrativas que operam na lógica capitalista
- sendo transformado em espaço disputa, visibilidade e resistência.
55

2.3 ENTRE A URGÊNCIA E A UTOPIA: A PRÁTICA SOCIOESPACIAL E A


RESISTÊNCIA NA ESCALA DO LUGAR E DA COTIDIANIDADE
Para Padua (2018), a noção conceitual da prática socioespacial, proveniente
do sentido marxista de práxis, revela as condições de reprodução das relações
sociais no seio do modo de produção capitalista, que é imposta para todos os
indivíduos como forma de realização, mas também aponta como possibilidade um
projeto de transformação da sociedade, pois
[...] o espaço é estratégico na sua perspectiva revolucionária (utópica) de
mudar a vida, uma vez que se trata de pensar em outro espaço possível,
outra prática e outra sociedade que superem os constrangimentos e
privações postos no modo de produção capitalista, no sentido de uma
prática socioespacial da apropriação concreta das realizações humanas, em
que o homem social seja o objeto/sujeito real de todas as preocupações
(PADUA, 2018, p. 41).

A prática socioespacial, de forma contraditória e complementar, compreende


os “conteúdos propriamente sociais da produção do espaço”, que abrange ao
mesmo tempo dominação, representada pela reprodução econômica como forma
predominante, mas também apropriação, diretamente relacionada à reprodução da
vida, destacando o espaço como produto das relações humanas, seja na lógica da
dimensão econômica, seja na lógica do movimento da vida cotidiana (idem, p. 41-
42). Assim, as práticas socioespaciais são entendidas também como uma leitura
das transformações sociais e espaciais a partir do lugar e da vida cotidiana, o que
possibilita na pesquisa uma apreensão da vida concreta e da produção capitalista
do espaço urbano (Ibidem).
Nessa mesma perspectiva, a prática socioespacial pode ser aprofundada no
sentido das práticas propriamente dos sujeitos sociais, que existem e disputam
nos/os mesmos espaços apropriados principalmente para a reprodução das
relações capitalistas, como os espaços de produção (indústrias) e de realização
(comércios).
A resistência é lida nesse sentido como uma prática socioespacial que
(...) torna-se obrigatória, por ser uma prática que, no plano teórico, contesta
e ao mesmo tempo impulsiona a produzir uma reflexão que supere o
pensamento único. No plano do real, por sua vez, é a prática que sustenta
os irredutíveis do ser humano diante da reiterada despossessão da riqueza
produzida socialmente (RIBEIRO, 2018, p. 54).

A vida cotidiana e o lugar, lócus das relações humanas, tomam centralidade


nesse percurso teórico e metodológico de interpretação de realidade. A prática
56

socioespacial da resistência, que revela também a luta por moradia como uma luta
pelo espaço, se engendra na cotidianidade e, antes de atingir a escala da
reprodução das relações de trabalho, se forja na escala do lugar, onde o habitar e
o produzir coletivamente espaços de resistência marcam a reprodução da vida.
Carvalho (1987) aponta a vida cotidiana como um imbricado de múltiplas
relações e contextos. Ela é o lugar do banal, das atividades rotineiras do dia a dia,
das contradições, da alienação, da ambiguidade, mas também é um espaço de
resistência e possibilidade transformadora. “É um palco possível de insurreição, já
que nele atravessam informações, buscas, trocas, que fermentam sua
transformação. ” (Idem, p. 14). A vida cotidiana é então a reprodução dos homens
e das relações sociais.
A vida cotidiana expressa em Martins (2000) se dá no público e no privado,
indo além da dimensão da vida privada, que é o íntimo e familiar: “Em casa, mas
também na rua e no local de trabalho: nos lugares em que o homem está
desencontrado em relação a si mesmo” (p. 101, grifo nosso). O cotidiano não é
então apenas o banal, o indefinido, ele é fundamentalmente o vivido, a mediação
entre a vida pública e a vida privada. O cotidiano é apreendido na dimensão histórica
da vida social.
O cotidiano para Lefebvre (1991[1968]) se revela como
[...] conjunto de atividades em aparência modestas, como conjunto de
produtos e de obras bem diferentes dos seres vivos (plantas, animais,
oriundos da Physis, pertencentes à Natureza), não seria apenas que
escapa aos mitos da natureza, do divino e do humano. Não constituiria ele
uma primeira esfera de sentido, um domínio no qual a atividade produtora
(criadora) se projeta, pretendendo criar novas? [...] Seria algo mais: não
uma queda vertiginosa, mas um campo em revolução simultânea, uma
etapa e um trampolim, um momento composto de momentos
(necessidades, trabalho, diversão - produtos e obras - passividade e
criatividade - meios e finalidade etc.), interação dialética da qual seria
impossível não partir para realizar o possível (a totalidade dos possíveis).
(LEFEBVRE, 1991 [1968], p. 19-20, grifo nosso).

A partir dessa concepção de cotidiano, é possível compreender então a


lógica de reprodução diária das ocupações urbanas e dos sujeitos que as habitam
como uma potencialidade transformadora da realidade, que é produção e
transformação do espaço vivido em resistência às lógicas que determinam a
reprodução do capitalismo e das relações sociais de produção.
É na escala do lugar em que se realiza a cotidianidade. O lugar é o plano que
faculta a apreensão da produção do espaço urbano, sendo aquele, parcela do
57

espaço e construção social. Nele realiza-se o viver e o habitar, o uso e o consumo,


os processos de apropriação do espaço, as contradições, a relação entre os
processos mais amplos e a vida cotidiana (CARLOS, 2007). Nesse sentido que
[…] o lugar guarda em si e não fora dele o seu significado e as dimensões
do movimento da vida, possível de ser apreendido pela memória, através
dos sentidos e do corpo. O lugar se produz na articulação contraditória
entre o mundial que se anuncia e a especificidade histórica do particular.
Deste modo o lugar se apresentaria como ponto de articulação entre a
mundialidade em constituição e o local enquanto especificidade concreta,
enquanto momento (Idem, p. 14).

A mediação entre o lugar e o cotidiano se dá na reprodução da vida, nas


relações que os indivíduos mantêm com os espaços habitados, na forma que o
espaço é apropriado através dos modos de uso, do corpo e dos sentidos, como
aponta Carlos (2007). Nessa relação, o vivido e o uso e apropriação ganham
significado e o plano do imediato, do cotidiano, se estabelece nas relações
contraditórias. Em que “o lugar é o mundo do vivido, é onde, se formulam os
problemas da produção no sentido amplo, isto é, o modo onde em que é produzida
a existência social dos seres humanos ” (Idem, p. 20). Pois
São os lugares que o homem habita dentro da cidade que dizem respeito
a seu cotidiano e a seu modo de vida onde se locomove, trabalha, passeia,
flana, isto é pelas formas através das quais o homem se apropria e que
vão ganhando o significado dado pelo uso (Ibidem, p. 18).

Lefebvre (1974), ao teorizar sobre o espaço social, define uma tríade que
serve como escopo de análise dessas ações que caracterizam a disputa pelo
espaço entre os movimentos sociais e os outros agentes produtores do espaço,
como planejadores e urbanistas (que representam, nesse caso, o Estado). O
espaço percebido está diretamente relacionado à realidade cotidiana (o emprego
do tempo) e à realidade urbana (percursos e redes ligando os lugares de trabalho,
da vida privada, dos lazeres); o espaço concebido é aquele associado às
representações do espaço, como os produtos dos planejamentos urbanos; e o
espaço vivido diz respeito aos espaços de representação, identificados por signos
e imagens, que caracterizam o espaço dos “habitantes”, dos “usuários”, e podem
ser entendidos também como lócus da cotidianidade.
As práticas que se dão na escala do lugar e do cotidiano são inúmeras,
complexas, de difícil apreensão. Aqui discutiremos essa miríade de ações
engendradas cotidianamente não só a partir das narrativas e relatos encontrados
nas entrevistas, mas também nos fundamentando no que foi observado durante
todo o tempo de pesquisa, que se estende além do período da monografia, tendo
58

início em 2016. Essa compreensão é possível pela mediação das relações que
foram sendo constituídas de forma dialógica desde 2016 com moradoras e
moradores, coordenadoras e coordenadores e, até certo ponto, dada as devidas
limitações de engajamento, inserção nas relações e dinâmicas do dia-a-dia e de
participação, também na escala do cotidiano.
Cabe ressaltar que a dimensão da resistência e da vida cotidiana, como
explicitado anteriormente, está relacionada temporalmente com todos os outros
momentos históricos e conjunturais e escalas de ação, desde o início das
ocupações, em 2012, com a Nova Primavera. Embora, como será discutido, essa
dimensão ganha maior centralidade no momento atual, em que uma pretensa
estabilidade e a consolidação das ocupações no tempo e no espaço direcionam o
engendramento de outras práticas.
Destarte, foi destacado em algumas entrevistas e narrativas que o passar do
tempo foi proporcionando certa segurança de posse sobre as propriedades
ocupadas, o que propiciou uma “acomodação” das famílias quanto aos processos
de mobilização e ações coletivas. Ainda que reconheçamos que de fato a
perpetuação das ocupações leva a uma redução dos atos organizados, como
ocorria mais comumente nos momentos mais instáveis e iniciais, compreende-se
que as famílias vão produzindo outras possibilidades e estratégias de reprodução
da vida.
É, quanto mais a comunidade está no início, mais é importante fazer ato.
Paradoxalmente, quando a comunidade está estabilizada, a disposição de
luta é menor. Porque veja bem… Quando é que as pessoas lutam? Se
você quer ajudar na organização popular… Quando as pessoas lutam? O
que minha experiência mostrou é que as pessoas estão mais dispostas a
mobilização quando elas estão diante de situações emergenciais,
situações urgentes. Então por exemplo, se uma comunidade está sempre
sujeita a enchente… entra água nas casas… Elas têm aquela emergência,
então elas se mobilizam, seja espontaneamente… As vezes param uma
rodovia, tacam fogo em pneu, protestam, param ônibus, sei lá…
(ENTREVISTADO 5).

Uma das frentes de atuação, do repertório de luta nesse contexto é a criação


de redes de sociabilidade e de apoio, sobretudo a partir do envolvimento e da
articulação das coordenadoras com outros sujeitos, ligados a órgãos públicos ou
não. A resolução dos problemas do cotidiano, das questões imediatas, a exemplo a
demanda de cestas básicas e de doações de roupas, móveis e eletrodomésticos
para as famílias mais carentes, atendimento médico e psicológico, entre outras
necessidades da vida cotidiana, se dão no âmbito dessas redes estabelecidas,
59

especialmente a partir do aplicativo de comunicação WhatsApp, mas também


através de abaixo-assinados e outras formas específicas de reivindicação.
Nessas redes estão articulados diversos representantes de órgãos públicos
que mantém uma relação com as ocupações, como o Ministério Público, Rua da
Cidadania do bairro CIC, Centro de Referência de Assistência Social, por exemplo
Mas há também a participação de outros sujeitos e atores que têm certa atuação,
política ou não, nas áreas, como responsáveis por empresas (lojas, mercados) que
organizam doações; professores e acadêmicos,; igrejas; Organizações não
Governamentais (ONGs); assistência jurídica; militantes de movimentos sociais e
culturais; e políticos.
Cabe compreender também o importante papel desempenhado desde o
início das ocupações, mas sobretudo nos anos mais recentes e especialmente após
o incêndio criminoso e a mobilização coletiva para a reconstrução da 29 de Março,
pelas ONGs, igrejas - especialmente evangélicas - e movimentos sociais, como o
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Na escala local, eles
empreendem uma série de atividades e ações, das mais variadas, representando
uma presença constante e duradoura nas ocupações.
Agora como MPM a gente tem relações com outros movimentos como o
Movimento Sem Terra, principalmente pelo incêndio criminoso por parte da
polícia, que ajudou bastante. A ONG da Teto que não é necessariamente
um movimento com propósito político, assim, do campo mais
progressista... Digamos assim… Mas eles fazem um trabalho bem
interessante, então a gente tem uma relação legal com eles. E outros
movimentos que têm interesse de fazer algum trabalho aqui… Algum
evento aqui… A gente está sempre dialogando (ENTREVISTADO 4).

[...] E preciso pontuar aqui que a assistência jurídica e muito do que a gente
fez vem do IDP, Instituto Democracia Popular, principalmente advogadas,
mulheres, uma delas é do MPM… Mas o pessoal do IDP sempre ajudaram
e tiveram muitas vitórias jurídicas, então eles são fundamentais na luta.
Tivemos esse contato com o IDP. E aí um pouco com a Terra de Direitos,
com a ONG Teto, que ajuda lá, mas enfim… parlamentares [...]
(ENTREVISTADO 5).

Essas relações apontam para uma transformação e complexificação da


realidade das ocupações ao longo dos anos, o que foi demandando também uma
organicidade de processos e práticas internamente. Esse movimento de retomada
da escala do lugar se relaciona principalmente com a consolidação das ocupações,
que propiciou que as casas fossem sendo reconstruídas em alvenaria, e não mais
em Madeirit como ocorria no começo, produzindo uma nova paisagem nas
60

ocupações, mas que foi demandando também a criação de infraestruturas - divisão


de ruas, distribuição de água e energia, por exemplo.
Esse processo de criação de infraestrutura sempre se deu a partir da
iniciativa das coordenações e dos moradores, em que, a ação contraditória do poder
público, do Estado, nesse caso, sempre representou o lado da omissão e da
negligência.
Nós mesmos faz [a infraestrutura]. A gente se inscreveu… A gente fez um
abaixo assinado pra Copel, a gente teve reunião com o Ministério
Público… Mas a Copel ela não aceitou. A Sanepar não se opôs, mas
primeiro precisa entrar a Copel… E a Copel disse que precisa de
autorização da prefeitura (ENTREVISTADA 3).

É nesse mesmo contexto que a construção de espaços coletivos e de uso


comum vão ganhando maior importância em todas as ocupações. A demanda
desses espaços, como a “Sede da 29 de Março”, “Sede da Tiradentes”, “Tenda
Azul”, o “Parquinho”, destacados nas Figuras 32, 33, 34 e 35, se dá especialmente
em um momento que a vida e a resistência cotidiana vão ganhando cada vez mais
centralidade e tende a ser constituída uma valorização das práticas socioespaciais
mais próximas e particular aos moradores.
FIGURAS 32 e 33. Sede da 29 de Março e Sede da Tiradentes, respectivamente.

Fonte: Acervo “Somos todos Dona Cida” (2019).


61

FIGURAS 34 e 35. Tenda Azul e Parquinho, respectivamente.

Fonte: Acervo “Somos todos Dona Cida” (2019).


A luta por esses espaços objetivou atender uma série de reivindicações -
especialmente por espaços que poderiam apresentar um uso comum para a
realização de diversas atividades -, tendo uma importância muito grande no período
recente das ocupações. Esse momento se justificativa por uma “ausência” do
Estado na construção de infraestruturas e equipamentos de lazer, nas ocupações
ou no entorno próximo, e pela necessidade de espaços que propiciassem o
encontro, a reunião, o coletivo.
[...] Ajuda porque a gente precisa ter um espaço pra reunião. [...] Agora
tem, mas antes não tinha esse espaço. Os espaços que a gente faz é
exatamente pra isso. Tem um evento pra capoeira com as crianças, vai ali
no espaço… Tem um cursinho, um culto… Uso o espaço. Então tendo esse
espacinho… Antigamente não tinha um espacinho pra fazer festa, um
espacinho pra fazer nada… Agora tem. A Dona Cida e agora a 29 tem. O
espaço é pra isso, pra gente criar um… Porque toda comunidade tem que
ter uns espaços pra ter brincadeiras, pra ter culto, sempre tem que ter um
espaço pra essas coisas. Ali o parquinho pras crianças brincar…
(ENTREVISTADA 1).

Os espaços coletivos são apontados também como o lócus de uma


construção social de fato coletiva. Diferentemente dos espaços privados, são os
estes que permitem uma vivência coletiva de forma ampla e nas relações que se
estabelecem na escala do lugar, dos espaços comuns, que pode ser sinalizada
também uma transformação social.
Eu vejo a moradia como um espaço privilegiado para essa disputa maior.
Bom, o que é essa disputa maior? É a disputa por um outro sistema. O que
é esse sistema? Bem, ele é muitas coisas, mas ele é um sistema contrário
à opressão, contrário à exploração de uma nação pela outra, contrário à
opressão de uma classe pela outra, ele é, portanto, um sistema que visa,
idealmente, a um bem comum, um bem coletivo, a um bem nacional
comum, a um bem social comum. Então é claro que os espaços e vivências
coletivas na comunidade são um dos meios pelos quais se faz a ponte
entre a puta específica [luta por moradia] e a puta mais ampla
[transformação do sistema]. Mas também se eu entender que eu criei uma
Tenda, que eu criei a Associação, fiz uma ciranda com as crianças, e estou
62

fazendo meu papel… Isso será muito digno, mas ainda não é aquele ponto
maior que a gente objetiva. O espaço coletivo na comunidade também é
meio pelo qual a gente faz a formação coletiva na sociedade como um
todo. Que é uma consciência de igualdade, de dignidade, que deve
competir a todas as pessoas. Então essas vivências comunitárias são um
meio para isso, então elas não podem se encerrar, porque também a
comunidade pode pensar assim… (ENTREVISTADO 5, grifos nossos).

A importância desses espaços de uso comum, como a Tenda Azul, por


exemplo, também se dá no sentido de potencializar a realização de assembleias e
reuniões, que tangem às questões e problemas do cotidiano, à busca de mediação
e resolução das pautas aqui entendidas como emergenciais. Sobre a centralidade
desses espaços, sobretudo da Tenda, uma das coordenadoras enfatiza a sua
importância para a organização da própria comunidade:
Sim! Agora fica bem mais fácil… Porque antes a gente não tinha esses
espaços, daí a gente ia pra Primavera e arranjava algum espacinho ali
atrás, né. Mas era pequeninho. Daí quando vinha muita gente já ficava
enfiado dentro de corredor, outros dentro das casas… Então era
complicado. Aí na 29 foi um espaço que muito pouco ficou, porque a gente
não planejou. Primavera também…. Tá bom hoje em dia porque foi
arrumada depois com o tempo, porque ali [na ocupação Dona Cida] deu
pra fazer [a Tenda Azul], né (ENTREVISTADA 1).

Mas também se propõe a construção de uma identidade coletiva das


ocupações e de uma vida comunitária, compartilhada. A realização de diversos
eventos culturais, como mostra o folder de divulgação da Figura 36, que têm como
escopo a promoção de atividades de lazer em momentos de ócio, bem como a
construção de uma identidade coletiva, também se dá na apropriação desses
espaços coletivos, evidenciando a produção de um novo significado aos espaços
das ocupações que vão além do espaço privado, da moradia.
FIGURA 36. Folder de divulgação de evento na Tenda Azul.

Fonte: Acervo “Somos todos Dona Cida” (2019).


63

É nesse sentido que o espaço e o lugar ganham centralidade na reprodução


da vida cotidiana e na organização interna e diária das ocupações. A realização
dessas atividades e a construção dessas novas lógicas de relação e apropriação
com/do espaço vão dão sentido a uma outra concepção de relação entre os sujeitos,
entre as famílias, não apenas na luta em seu sentido mais estrito, enquanto
realização de atos e ações coletivas, mas a coletividade e a cooperação entre
famílias e pessoas se dão também na vida cotidiana.
Essa relação pode ser compreendida a partir de duas narrativas encontradas
nas entrevistas que demarcam uma outra racionalidade, um outro modo de vida que
não é o da competitividade e do individualismo capitalista, mas que expressam uma
outra prática social, em que os interesses coletivos se sobrepõem aos individuais.
Que nem, agora a gente tá tendo a Campanha do Natal… A gente já vai
fazendo as cartinhas, a gente vai fazer um almoço comunitário na rua
inteira… A gente vai fechar… Vamos organizar um almoço pra umas 2.000
mil famílias (ENTREVISTADA 3).

Que nem hoje em dia eu não preciso ir pras outras ocupações, mas é
porque eu tenho aqui. Mas você acha mesmo que se eu achar mais 500
famílias que tá precisando, você acha que eu não vou tá junto invadindo
outra?! Posso não pegar pra mim, mas vou estar junto. Aquelas famílias
vão ter e eu vou lutar por elas também, é assim que funciona
(ENTREVISTADA 1).

Nessa perspectiva, a relação dialética entre urgência e utopia ganha


centralidade. A reprodução da vida, as resistências e lutas articulam uma dupla
dimensão entre as reivindicações que se dão numa perspectiva utópica, que supera
a luta por moradia e busca transformações sociais e espaciais mais amplas, em um
sentido anticapitalista. Complementarmente, há também uma dimensão do
emergencial, das demandas que são cotidianas e imediatas, que se fundamentam
no dia a dia, nas questões que tangem o plano da sobrevivência, da reprodução
cotidiana da vida.
64

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As diferentes estratégias de ocupação, que se articulam às diferentes
conjunturas políticas, econômicas e sociais, engendradas pelo Movimento Popular
por Moradia e reproduzidas mais recentemente de forma orgânica pelos próprios
moradores apontam outra forma de pensamento, planejamento e apropriação do
espaço. Um planejamento que não é o planejamento urbano estratégico e
segregador, empreendido pelo Estado com o sustentáculo dos grandes
proprietários de terra e do capital financeiro-imobiliário, que destina seus
investimentos e empreendimentos urbanísticos majoritariamente para as regiões e
classes de mais alta renda, como ocorre nas cidades capitalistas e ganha amplitude
em Curitiba com seu city marketing, e que mais recentemente ganha ainda maior
dimensão com a construção político-ideológica da “Smart City”.
Esse planejamento se propõe, não conscientemente nessa concepção, como
uma contra racionalidade às lógicas dominantes da produção e do planejamento do
espaço urbano. Embora dialeticamente, pois entende-se que as demandas também
se dão no plano das institucionalidades, como a demanda por construção de
habitação de interesse social ou por regularização fundiária, por exemplo, a luta por
moradia e, especificamente, nas estratégias do caso aqui discutido, indicam outras
possibilidades de produzir e viver no espaço, que se relacionam às práticas sociais
engendradas na escala da reprodução da vida.
Há uma forma de concepção e relação com o espaço que se dá
horizontalmente, nas relações sociais, no vivido, nas demandas coletivas,
sinalizando uma outra sociabilidade, que não é a sociabilidade do capital e apontam
para uma potencialidade anticapitalista.
Os espaços de resistência, sejam nas ocupações ou na apropriação dos
espaços públicos, privados e político-administrativos refuncionalizados pelas
práticas insurgentes, são espaços que se opõem ao capital, superando o sentido de
função social da propriedade e do direito à cidade enquanto reprodução de uma
lógica econômica. Eles revelam o cotidiano como dimensão social, expressa
histórica e coletivamente.
Os atos públicos e ações coletivas, manifestações, passeatas apontam que
o que está em disputa, o que está sendo demandado não é apenas a moradia, é
também a reprodução da vida de forma ampliada. É o uso social e coletivo do
espaço, das infraestruturas públicas, é o direito à saúde, à educação, à mobilidade
65

urbana e ao lazer. A luta se fundamenta, embora não de forma evidente, enquanto


pauta específica do movimento, também pelo direito à cidade e pelo direito à vida e
à uma outra racionalidade.
Compreende-se também a ação desses sujeitos não apenas como agentes
produtores do espaço, como discute Correa (2002)5, mas também como sujeitos
que pensam e planejam o espaço, não dá forma homogênea, autoritária e desigual
do Estado e dos planejadores, incorporadores imobiliários, proprietários fundiários,
mas de forma orgânica e organizada a partir das lógicas internas e locais do
cotidiano. Para os sujeitos que lutam por moradia, o espaço é compreendido a partir
das demandas de reprodução da vida, que não se realiza apenas na
comercialização e mercantilização da terra, do espaço enquanto valor de troca, mas
também em seu outro sentido e significância, o de apropriação social do espaço
fundada no seu valor de uso.

5
CORREA, Roberto Lobato. O espaço urbano. São Paulo: Ática, 2002.
66

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69

APÊNDICES

1 ROTEIRO SEMIESTRUTURADO DE ENTREVISTA - TIPO 01:


COORDENADORAS/ES DAS OCUPAÇÕES
1. Por que, quando e como surgiu a ocupação?
2. Como se deu a distribuição de casas e pessoas pelo terreno ocupado?
3. Como foram os primeiros dias de ocupação e a organização das famílias?
4. Quantas famílias há na ocupação?
5. Quais foram os principais atos, manifestações e passeatas realizadas desde
o início da ocupação? Onde foram? Qual (is) era(m) a(s) principal(is)
motivação(es)?
6. Por que há uma demanda de construção de espaços coletivos (como a
Tenda, Parquinho, Sede (Tiradentes e 29 de Março))?
7. Como, onde e por que ocorrem as reuniões e assembleias?

2 ROTEIRO SEMIESTRUTURADO DE ENTREVISTA - TIPO 02:


LIDERANÇAS/PARTICIPANTES DO MPM
1. Como se deu a escolha dos terrenos ocupados? Quais critérios foram
importantes?
2. Como se deu a organização das famílias ocupantes?
3. Por que, quando e como surgiu a ocupação?
4. Como se deu a distribuição de casas e pessoas pelo terreno ocupado?
5. Como foram os primeiros dias de ocupação e a organização das famílias?
6. Quais foram os principais atos, manifestações e passeatas realizadas desde
o início da ocupação? Onde foram? Qual(is) era(m) a(s) principal(is)
motivação(es)?
7. Qual a importância histórica e atual do MPM para as ocupações? Como
vocês se organizam? Quais as perspectivas para o futuro do MPM?

3 LISTA DE ENTREVISTAS
Entrevistada 1 - Coordenadora da Ocupação Dona Cida
Entrevistada 2 - Coordenadora da Ocupação 29 de Março
Entrevistada 3 - Coordenadora da Ocupação Tiradentes
Entrevistado 4 - Morador e militante do MPM
Entrevistado 5 - Liderança do MPM

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