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Universidade Federal do Amazonas

Instituto de Ciências Biológicas


Depto de Biologia- Lab. de Ecologia

Apostilas de Biomas e
Ecossistemas da Amazônia 2007
Professor Thierry R. Gasnier
tgasnier@ufam.edu.br
Conteúdo

1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ 2
O QUE SÃO BIOMAS? .......................................................................................................................................... 2
O QUE SÃO ECOSSISTEMAS E ECORREGIÕES?.................................................................................................. 7
2. NOÇÕES DE CLIMATOLOGIA................................................................................................................ 9
POR QUE É QUENTE NOS TRÓPICOS? ................................................................................................................ 9
POR QUE É ÚMIDO NOS TRÓPICOS E OS DESERTOS ESTÃO CONCENTRADOS NAS LATITUDES 30º N E 30º S ?9
SAZONALIDADE CLIMÁTICA ............................................................................................................................... 10
3. ENTENDENDO O RELEVO.................................................................................................................... 12
MONTANHAS EM MOVIMENTO ........................................................................................................................... 12
O RELEVO NUMA ESCALA LOCAL ...................................................................................................................... 14
A INFLUÊNCIA DO RELEVO SOBRE O CLIMA ...................................................................................................... 15
O RELEVO E A DRENAGEM DE ÁGUA ................................................................................................................. 16
4. HIDROLOGIA: MARES DE ÁGUA DOCE ........................................................................................... 16
OS TIPOS DE ÁGUA ........................................................................................................................................... 17
POR QUE EXISTEM AS CHEIAS E VAZANTES DOS RIOS AMAZÔNICOS .............................................................. 19
CARACTERÍSTICAS DA PAISAGEM AMAZÔNICA PRÓXIMA AOS GRANDES RIOS ................................................. 20
5. DIFERENÇAS ENTRE VEGETAÇÕES ................................................................................................ 22
AS NECESSIDADES VEGETAIS ........................................................................................................................... 22
ESTRATÉGIAS VEGETAIS E SUAS RELAÇÕES COM OS BIOMAS....................................................................... 32
6. ECOSSISTEMAS AMAZÔNICOS DE TERRA FIRME....................................................................... 40
FLORESTA DENSA. ........................................................................................................................................... 40
A FLORESTA DE BAIXIO .................................................................................................................................... 42
A CAMPINARANA E CAMPINA ............................................................................................................................ 43
A SAVANA AMAZÔNICA ..................................................................................................................................... 44
7. ECOSSISTEMAS PERIODICAMENTE INUNDÁVEIS ....................................................................... 46
A VÁRZEA.......................................................................................................................................................... 46
O IGAPÓ ............................................................................................................................................................ 50

1
1. INTRODUÇÃO

O que são biomas?

I magine que você liga a televisão e está passando um


filme com pessoas andando dentro de uma floresta e-
xuberante como a da figura ao lado. Durante algum
tempo você fica incerto se o filme se passa na África, na
Amazônia, no México, na Índia ou na Indonésia. Demora
um pouco para você descobrir, até que passa algum tipo
de animal ou alguma peculiaridade da região. Por que
locais tão distantes são tão parecidos? Esta semelhança
não se restringe a florestas tropicais, há outros biomas no
mundo, vejamos quais são eles e por que são semelhan-
tes.

Biomas são áreas que tem dimensões globais com vege-


tações semelhantes (o mesmo “jeitão”) em continentes
diferentes. As classificações dos biomas variam um pouco
entre livros, adotamos aqui uma das mais comuns, um Uma floresta tropical, mas
pouco modificada: onde?

a) As florestas tropicais úmidas (FTU) São regiões com


predomínio de florestas densas, isto é, as copas das árvores maiores formam uma
camada fechada chamada dossel, a estratificação é complexa e a biomassa é alta.
As árvores dominantes são de grande porte (25 a 45 m). Abaixo do dossel há um
sub-bosque que contem jovens de árvores de dossel e árvores e arbustos adultos de
sub-bosque (“floresta dentro da floresta”). Algumas árvores desenvolvem copas aci-
ma do dossel, e são chamadas de emergentes. São florestas muito ricas em espé-
cies e situadas nos Trópicos, onde o clima é quente e úmido o ano inteiro (ou com
estação seca curta). Além das árvores, outras estratégias vegetais são abundantes,
como trepadeiras, lianas, epífitas e ervas. Criptógamos como samambaias e musgos
também são abundantes.

b) floresta tropical semidecídua (FTSD) semelhantes às FTU, mas ocorrem em


áreas com estação seca um pouco mais longa. Um pouco menos altas e menos
densas e com várias espécies de árvores que perdem folhas na época seca. Geral-
mente, possuem mais palmeiras de dossel e lianas que as FTU (florestas de palmei-
ras e florestas de cipós). A maioria das FTSD fica na periferia das FTU.

c) floresta subtropical úmida (FSU) ocorrem em clima subtropical e são semelhan-


tes às FTU, mas menos densas e com menor diversidade. A maioria das árvores
preserva as suas folhas durante o inverno.

2
d) floresta temperada decídua (FTD) ocorrem em clima temperado, possuem pou-
cas espécies de árvores, na maioria Angiospermas, e quase todas as árvores e ar-
bustos perdem as suas folhas durante o inverno;

e) florestas e
bosques esclero-
filos (FBE) tam-
bém ocorrem em
clima temperado,
mas do tipo medi-
terrâneo, que tem
época seca no
verão. Por isto, as
árvores mantêm
as suas folhas du-
rante o inverno.
Estas folhas têm
adaptações para
resistir à falta de
água que ocorre
no inverno. É uma
floresta com baixa
diversidade com
predomínio de An-
giospermas.

f) florestas de
coníferas ou tai-
ga, ocorrem em
locais com inver-
nos mais longos e
extremos que a
FTD e tem baixa
diversidade de
árvores, com pre- Cinco biomas: floresta temperada decídua; deserto quente; estepe;
domínio de Gim- tundra e floresta tropical
nospermas (pi-
nheiros), cujas folhas se mantêm durante o inverno e geralmente tem forma de agu-
lhas.

g) savanas, formação aberta tropical, com predomínio de gramíneas (principalmente


capim) e ciperáceas, normalmente intercalada de árvores e arbustos (inclusive com
florestas de galerias próximas aos rios e riachos). A vegetação tem adaptações ao
fogo, que é freqüente neste bioma;

3
h) estepe- formação vegetal aberta de clima temperado, constituída por uma vasta
planície desprovida de árvores, é comum no sudeste da Europa e da Ásia e no cen-
tro da América do Norte. ;

i) tundra: Vegetação aberta das regiões polares onde o verão é curto e com tempe-
raturas constantes. Não há árvores, apenas ervas, musgos e liquens. O solo da tun-
dra permanece gelado o ano todo e a vegetação geralmente fica coberta pela neve
boa parte do ano;

j) deserto seco: áreas de baixa precipitação com vegetação escassa (ou ausente)
caracterizada por adaptações morfológicas extremas contra a seca e/ou ciclos de
vida adaptados a chuvas eventuais.

I) deserto gelado. áreas extremamente frias onde a vegetação é ausente ou rara


localizada nos pólos e no topo das montanhas mais altas.

Estas descrições são vagas, são só para se ter uma idéia. Nas aulas passaremos
filmes em que veremos melhor o “jeitão” de cada bioma. Mas ver não basta, temos
que entender o porquê de cada um ser como é.

Os Biomas e o clima.

Pelas descrições acima, já fica claro que os diferentes tipos de vegetação são de-
terminados principalmente pelo clima, mesmo em vegeta-
ções de locais distantes com composições de espécies mui-
to diferentes. É o resultado de convergência evolutiva após
evolução em condições semelhantes por muito tempo. Por
exemplo, em regiões áridas as plantas precisam ter reser-
vas de água e defesas contra animais interessados nesta
água (e.g. espinhos
e látex venenoso).
Muitas famílias dife-
rentes de plantas
de lugares distantes
evoluíram por mi-
lhares de anos nes-
tas condições, por
isto, não surpreende
que o “jeitão” da ve-
getação seja o mes-
mo entre continentes
distantes. A dependência dos biomas em relação ao clima
pode ser observada na comparação dos mapas das distribui-
ções dos biomas e dos climas de nosso planeta (figura da
próxima página). São três os fatores climáticos principais que
determinam a distribuição dos biomas: temperatura (calor),
precipitação, e sazonalidade (ou estacionalidade) climática.
(sazonalidade= variações ao longo do ano, que se repetem
todos os anos aproximadamente da mesma forma no clima,
nos ciclos de vida de animais e plantas, e no cotidiano humano).
4
Sobreposição dos mapas dos Biomas e de climas. A semelhança entre os mapas reflete a estreita rela-
ção que existe entre clima e vegetação.

5
O gráfico abaixo mostra quais os biomas esperados em função da temperatura mé-
dia e da precipitação média de um local. Este gráfico é válido em geral, mas é uma
simplificação, pois sabemos que é bem diferente um lugar com 1500 mm de chuva
anual com chuva bem distribuída ao longo do ano comparado com um local que ti-
vesse quase toda a chuva concentrada em poucos meses. No primeiro local prova-
velmente haveria uma floresta exuberante, enquanto no segundo provavelmente ha-
veria uma vegetação
rala e adaptada à
seca. O mesmo po-
de se dizer da tem-
peratura. Na tundra,
o clima é frio com
um verão curto e um
inverno longo. No
alto de uma grande
montanha no equa-
dor, o clima é frio,
mas sem sazonali-
dade temperatura.
Há diferenças entre
estas duas situa-
ções frias, como
veremos adiante.
Portanto, para en-
tendermos os Bio-
mas, teremos que
entender o que de-
termina os diferen-
tes climas da terra e Biomas esperados em uma região com base na temperatura
a sazonalidade cli- media e na precipitação anual.
mática (capítulo 2).

Depois de olhar para cima para estudar o clima, olharemos para baixo para estudar
o solo. O relevo e o tipo de solo influem na disponibilidade de água e nutrientes pa-
ra as plantas. O relevo, porque afeta o clima local e porque determina a drenagem
da água (isto é, como ela escorre por dentro do solo). E o tipo de solo, porque solos
arenosos têm capacidade muito menor de reter água e nutrientes. Veremos o efeito
do relevo sobre o clima e o solo no capítulo 3. O relevo também determina locais
onde a água se acumula, formando ecossistemas complexos. A hidrologia é impor-
tante para entendermos estes ecossistemas, e será abordada no capítulo 4.

Entender o clima e o solo é apenas a metade do caminho para começarmos a en-


tendermos os biomas. Precisamos também entender as plantas e as sua diferentes
necessidades e as estratégias que elas utilizam para sobreviver. Tanto árvores como
musgos precisam de água, luz e nutrientes para completar seus ciclos de vida. En-
tretanto, árvores são diferentes de musgos. Cada tipo de planta tem sua estratégia
para conseguir esta água, luz e nutriente e completar seu ciclo reproduzindo-se. E
cada estratégia difere no seu sucesso de acordo com as condições bióticas e abióti-
cas do meio. As diferentes estratégias das plantas serão discutidas no capítulo 5.

6
Biomas: transições graduais por fora e heterogêneos por dentro

Os biomas não têm fronteiras definidas, isto é, de um bioma para outro vizinho cos-
tuma haver uma mudança gradual. Não podemos esquecer que a categorização em
biomas é criação do homem. Ela reflete diferenças reais, mas os limites e o número
de categorias são arbitrários. Por isto, vocês encontrarão diferentes classificações
de biomas. Incluímos acima
a floresta tropical semi-
decídua, que não costuma
ser incluída em outras
classificações. O mais
importante sobre os biomas
não terem fronteiras é
ressaltar que cada bioma
não é uma entidade
independente, completa-
mente diferente dos demais
e com lógica própria, como
se fosse um país com lín-
guas e leis diferentes dos As transições entre biomas não são como fronteiras.
vizinhos. Cada local é parte
da biosfera e todas as
plantas fazem essencialmente o mesmo.

Além disto, ao categorizar os locais em biomas, temos a impressão que são unida-
des homogêneas, entretanto, temos de ressaltar que há variação dentro deles. Em
alguns desertos há chuva eventual e uma flora e uma fauna bastante significativa,
incluindo até anfíbios. Em outros, não há chuvas por décadas, e não encontramos
praticamente nada. A Amazônia está no Bioma das florestas tropicais úmidas, entre-
tanto, dentro deste bioma temos florestas de terra firme em platôs, florestas de terra
firme em baixios, campinaranas, campinas, igapós e diversos tipos de várzeas. Por
ser este o bioma em que vivemos, estudaremos os diferentes ecossistemas presen-
tes na Amazônia nos capítulos 6 e 7.

O que são ecossistemas e ecorregiões?


Os biomas podem ser divididos em ecorregiões para detalhar a heterogeneidade
que existe em cada um deles. O termo “Ecossistema” é definidos em alguns livros
como “o maior sistema de interação, envolvendo organismos viventes e seu meio
ambiente”. O termo “maior” é vago, pode significar a Biosfera, qualquer área de um
bioma, uma ecorregião, e até mesmo uma pequena poça de água. O que importa ao
se evocar o termo ecossistema é que estamos dando ênfase ao funcionamento de-
les e com a mente aberta para a sua complexidade, não é apenas uma descrição
estática e restrita.

7
Por exemplo, quando falamos "ops, pisei em uma poça de água", apenas pensamos
nela como um local molhado onde podemos sujar os pés. Quando falamos no ecos-
sistema poça de água, pensamos nos organismos que vivem lá, no fato que ela po-
de secar matando muitos deles, que tem uma quantidade de oxigênio alta ou baixa,
que uns organismos alimentam-se de outros, que há épocas em que encontramos
girinos lá, etc. Existem milhares de fenômenos ocorrendo numa poça de água, basta
colocar uma gota em um microscópio
para perceber isto.

Descrever ecologicamente uma poça


de água poderia até ser um trabalho
para muitos anos, e pessoas
diferentes irão destacar aspectos
diferentes da ecologia da poça. En-
tretanto, a maioria das pessoas iria
incluir nesta descrição fatores físicos
como o tamanho da poça, sua
profundidade, se ela seca ou congela
Uma poça de água pode ser vista como um
parte do ano, o teor de oxigênio, pH,
obstáculo no caminho. Mas, quando fala-
se a água é transparente ou não, e
mos no "Ecossistema Poça de Água", pen-
aspectos biológicos, como as
samos nos organismos que vivem nela e
espécies mais abundantes, quais
nos processos ecológicos. É assim que de-
espécies estão lá o ano todo e quais
vemos ver todos os ecossistemas.
delas saem da poça (como os girinos
e alguns insetos). Mas, principalmente, não poderíamos deixar de falar nos proces-
sos, como o que acontece quando cai o teor de oxigênio, como algumas espécies
resistem quando a poça se seca, e as interações que ocorrem entre as espécies
(predação, competição, mutualismo), e quais os problemas que estas espécies tem
de resolver.

Nesta apostila, quando falarmos de ecossistemas amazônicos, não estaremos fa-


lando de poças, ou de outros ecossistemas pequenos e médios, embora, na realida-
de também sejam ecossistemas amazônicos. Estaremos falando de ecossistemas
maiores, como a várzea, os igapós, mangues, a floresta densa de terra firme, cam-
pinaranas, campinas, savanas e outros. Os limites da várzea estão relacionados
com as cheias dos grandes rios de água branca. A diversidade de ambientes na vár-
zea é tão grande que não pode ser representada com uma única fotografia. Os ou-
tros ecossistemas podem ser razoavelmente ilustrados usando uma fotografia da
vegetação. Usamos nomes de formações vegetais para nomear alguns ecossiste-
mas, porque assim podemos reconhecer estes ecossistemas, mas não podemos
esquecer que a descrição do ecossistema vai bem além da descrição da vegetação.

8
2. NOÇÕES DE CLIMATOLOGIA

V amos tomar a nossa região como referência. Por que o clima tropical é quen-
te? E por que é úmido? Por que tem pouca sazonalidade térmica? Por que tem
sazonalidade de chuvas? Nessa seção abordaremos as causas para os pa-
drões climáticos globais. Entenderemos as tendências climáticas considerando a
posição de cada lugar na terra. No capítulo 3, iremos um pouco adiante nas noções
de climatologia explicando desvios destas tendências globais devido ao relevo.

Por que é quente nos trópicos?


Os trópicos recebem uma luz mais concentrada que latitudes mais altas porque a
terra é redonda. O sol está tão distante
Alta latitude que podemos considerar seus raios
paralelos. Um raio que incida sobre o
Baixa latit equador ao meio dia terá um ângulo de
aproximadamente 900 (varia um pouco
Equador ao longo do ano) e vai se espalhar mui-
to pouco, por isto é concentrado. Claro
que nos outros horários o ângulo muda,
mas ao longo do dia os trópicos acumu-
lam mais calor. Veremos adiante que,
devido à inclinação da terra, a maior
incidência solar não está sempre sobre
Os rais solares que incidem no equador o equador. Entretanto, considerando o
estão concentrados em uma área menor acumulado no ano, é o equador que
devido à esfericidade da terra recebe a maior quantidade de energia.

Por que é úmido nos trópicos e os desertos estão concentrados


nas latitudes 30º N e 30º S ?

No início do dia
o sol aquece o
solo e o solo
aquecimento o
ar superficial. O
ar da superfície
mais quente se
dilata e tem 2
características:
tem sua capaci-
dade de carre-
gar água au- O ar é como uma esponja que se dilata, absorve água e sobe levando
mentada (como esta água. Após a condensação, esta esponja segue seca para locais
uma esponja) e distantes>
torna-se mais
9
leve do que era, pois tem densidade menor (mesmo estando carregado de água).
Portanto, ele sobe e leva a água com ele. A isto chamamos evaporação. À medida
que sobe entra em contado com ar mais frio e vai se esfriando. Em certa altura a
água que contém se condensa e transforma-se em nuvens e até em chuva. Mas o ar
não para de subir até se esfriar tanto que
fica novamente pesado e começa a cair.
Este fenômeno acontece em escala local,
mas também em escala global, de forma
que se estabelecem padrões globais de
circulação de ar. No equador a água que
evaporou se precipita localmente e ar se-
co é exportado. Este ar seco acaba por
determinar regiões áridas e desérticas em
outros locais do mundo. Por outro lado, a
água que evapora nas regiões vizinhas ao
equador tendem a ser sugadas para repor
o ar exportado. Enquanto o equador é
quente e úmido, áreas vizinhas tendem a Circulação das massas de ar na terra
se tornar secas. A imagem que temos de
desertos é que são locais quentes. Alguns
realmente são. Isto acontece porque faltam nuvens para proteger o solo da incidên-
cia direta do sol. Além disto, independente de nuvens, o ar seco tem menor inércia
térmica. Por isto é mais fácil de ser esfriado e esquentado, causando extremos. Al-
gumas pessoas se surpreendem ao saber que os desertos tendem a ser muito frios
à noite. Para piorar, estas condições atrapalham o estabelecimento de vegetação
que também tem um efeito forte sobre o microclima.

Sazonalidade climática
Fenômenos sazonais são aqueles
que variam aproximadamente da
mesma forma todos os anos, por
exemplo, o clima (inverno-verão),
os ciclos de vida de animais e
plantas (estação reprodutiva, mi-
grações), e até o cotidiano humano
(colheitas, festas). Por que a sazo-
nalidade térmica é tão grande em
latitudes mais altas? Por que lá
neva numa época do ano e na ou-
tra faz sol, enquanto aqui o clima
muda pouco ao longo do ano? A
Translação e a sazonalidade climática
resposta é: Devido à inclinação do
eixo de rotação da terra (em relação ao plano de translação). Entretanto, uma res-
posta destas sem explicação ajuda pouco. Esta inclinação acaba determinando que
o número de horas varie ao longo do ano fora do Equador. Quanto mais alta a latitu-
de mais forte é este efeito (ver figura abaixo). É importante perceber que quando a
incidência solar é maior no hemisfério norte, ela é menor no Hemisfério Sul. Aconte-
ce uma situação peculiar nos pólos: um dia ou uma noite podem durar mais que 24

10
horas (em alguns lugares podem durar meses). Em resumo, a principal causa da
grande sazonalidade de temperatura (in-
verno-outono-verão-primavera) fora dos
trópicos é a variação no numero de horas
de incidência solar (aquecimento) contra o
número de horas de noite (resfriamento).
No esquema ao lado, na situação c (que
ocorre em dezembro), temos o verão do
hemisfério sul. Notem que o sol incide Per-
pendicularmente sobre a linha do Trópico
de Capricórnio. Nesta época é como se o
equador fosse lá. Dizemos que o equador
climático varia ao longo do ano. Lembrem
que no Equador chove muito. É por isto
que esta também tende a ser a época de
chuvas sobre este trópico. (Há variações
devido a outros fatores geográficos, a mai-
or chuva em São Paulo é em fevereiro, não
no final de dezembro). Sobre o Equador
seriam esperadas duas épocas de chuva,
uma na primavera e uma no outono (quan-
do o Equador Geográfico é também o Incidência solar em momentos dife-
"Equador Climático"). É assim em alguns rentes do ano
locais, como na Nigéria. Entretanto,
devido a fatores geográficos como a continentalidade e movimentos de massas de
ar, não ocorre exatamente como o esperado (2 estações por ano). O que predomina
na Amazônia é uma estação de chuvas e uma relativamente seca. Na parte da A-
mazônia que está ao sul do Equador esta seca tende a ser aproximadamen-
te/geralmente de agosto a outubro. Ao norte, como em Roraima e no Amapá, a épo-
ca seca é de Janeiro a Março, pois está no Hemisfério Norte.

11
3. ENTENDENDO O RELEVO

E mbora o chão seja algo concreto, entender a história do chão é algo quase
abstrato. A geologia lida com tempos tão longos que desafiam a nossa imagi-
nação.

Montanhas em movimento
A terra surgiu há cerca de 5 bilhões de anos.
A Terra teve uma superfície que era uma mar
de magma derretido, mas se esfriou forman-
do uma crosta sólida e a água da atmosfera
se condensou formando mares. Ainda hoje
encontramos parte desta crosta muito antiga,
inclusive na Amazônia.

A superfície da Terra tem uma aparência es-


tática, entretanto, ela apresenta movimentos.
Estes movimentos em conjunto são denomi-
nados Deriva Continental. Eles ocorrem por-
que o interior da Terra é muito ativo,
devido à rotação e à força de gravidade
do exterior sobre o interior do planeta.
Os continentes sólidos estão sobre uma
matéria relativamente plástica abaixo
deles. O resultado de forças internas
sobre massas que não estão apoiadas
em algo muito sólido é a movimentação
lenta destas massas. É como se os con-
tinentes fossem pesados barcos à deri-
va. Entretanto, isto não significa que
estes movimentos sejam suaves, pois
toda a crosta é sólida, e o deslocamento
de uma parte leva a atrito com outra. E
é por isto que temos terremotos e vul-
canismo, especialmente em regiões de
encontros de placas. Grande parte da
formação de montanhas também se
deve ao encontro entre placas. Vere-
mos que isto será importante para a
formação da Bacia Amazônica adiante.

A erosão é o desgaste e transporte da


terra pela água, gelo ou vento. É um A “deriva continental” é o movimento de placas
fenômeno que conhecemos mais, pois, imensas de crosta terrestre.
em condições favoráveis, é visível na
escala de tempo de meses ou anos. Imagine o seu efeito numa escala de milhões

12
de anos. Cadeias de montanhas altas podem se transformar em vales. Mares interio-
res (continentais) imensos podem ser aterrados com sedimentos trazidos por rios.
Dá para imaginar?

Vamos tomar a América do Sul co-


mo exemplo (esquema ao lado). A
América do Sul separou-se da África
há cerca de 100 milhões de anos. À
medida que se deslocava para oes-
te, a placa do Oceano Pacífico aden-
trou para baixo da placa da América
do Sul. Deste encontro de placas
resultou o lento soerguimento dos
Andes (Cadeia de Montanhas a
Oeste da América do Sul). Inicial-
mente formou-se um mar interior.
(Encontramos conchas do mar em
alguns lugares no alto dos Andes).
Com o passar do tempo este mar foi
sendo assoreado pelos sedimentos
trazidos pelos rios, restando apenas
rios de água doce. Mas os sedimen-
tos não paravam de chegar, a tal
ponto que as bacias hidrográficas
que drenavam para oeste foram se
preenchendo com mais sedimentos,
até que ficaram também assoreadas
e a água então começou a drenar
para leste. Desta forma formou-se a
maior bacia hidrográfica do mundo.
Agora os sedimentos desta região
são depositados no mar.

Esta história é importante para en-


tender a Amazônia. Com base nela
podemos dividir a Amazônia em 3
regiões geológicas principais: 1) Os
antigos escudos ao norte (Escudo
das Guianas) e ao sul (Escudo Bra-
sileiro); 2) A região a oeste formada
pelo Soerguimento dos Andes; 3)
Uma região central bastante plana A deriva na América do Sul levou à forma-
formada principalmente por sedi- ção dos Andes e da Bacia Amazônica
mentos de origem Andina: a Bacia
Sedimentar Amazônica. Relevo, Topografia, composição do solo e principalmente os
tipos de rios estão relacionados com esta origem. Voltaremos a isto nas aulas sobre
hidrologia da Amazônia.

13
O relevo numa escala local
O que vimos acima ajuda a entender a formação do relevo em uma escala global.
Vamos prestar atenção aqui ao detalhe do relevo em escala local. Topografia é a
representação de uma porção de um terreno com todos os acidentes e objetos que
se achem à sua superfície. Discutiremos a topografia de áreas inundáveis nas aulas
sobre hidrologia. Chamamos a atenção para a topografia de Terra Firme (áreas que
não estão sujeitas às inundações anuais de grandes rios) da Planície Amazônica
para mostrar um exemplo de analise de relevo em escala local e porque ela ajuda a
entender diferenças de tipos de solos e de habitats em Florestas de Terra Firme.

Vimos que a Planície Amazônica se formou com a deposição de sedimentos fluviais.


É importante esclarecer que depois da deposição a planície foi amadurecendo e
houve mudanças no nível do
mar. Portanto, áreas que anti-
gamente eram inundáveis deixa-
ram de sê-lo, tornando-se terra
firme. Esta superfície foi se ero-
dindo muito lentamente. O resul-
tado é uma topografia que pode
ser dividida em 3 partes: 1) o
platô, que é uma área que não
foi erodida ainda e que é plano;
b) a vertente, que é a área que
Platô está em um lento processo de
Platô-vertente erosão; c) o baixio, que é geral-
mente plano também, e é onde
Vertente correm os igarapés
Baixio
Imagine agora um solo argiloso
O relevo da terra firme em boa parte da Amazônia. normal, ele tem partículas de
Notar a transformação de solos argilosos em areno- vários tamanhos, as pequenas
sos em alguns locais. se chamam argila e as grandes
areia. O que acontece com este
solo em cada um destes locais? Nos locais planos, a água da chuva não se desloca
lateralmente, apenas para baixo, e é absorvida pelo solo. os locais inclinados, parte
da água é absorvida, mas parte dela pode escorrer na superfície e até abaixo da
superfície. A floresta influi muito neste processo, retardando-o. Se não houvesse
uma floresta, a tendência é que a erosão seria rápida, levando o solo das vertentes,
tanto a argila como a areia. Dependendo da inclinação da vertente e da posição na
vertente, a velocidade e a quantidade de água que escorre pode ser suficiente para
mudar o tipo de solo, pois é como se este solo estivesse sendo lentamente “’lavado”
ao longo de centenas de anos. Por isto, na vertente, especialmente nas partes mais
baixas, freqüentemente temos solos arenosos. No baixio, a água que vem de toda a
bacia e a própria água do igarapé que transborda ocasionalmente, lavam o solo
constantemente, resultando em um solo predominantemente arenoso. Este solo tem
características próprias por estar constantemente encharcado, e por isto nós o de-
nominamos hidromórfico. Este processo explica porque encontramos geralmente
solos argilosos ou arenosos dentro da floresta (os intermediários são mais raros).
Não é o único processo que determina solos arenosos. Em alguns locais o solo for-
14
mou-se da decomposição de uma rocha arenosa. Em outros locais, o solo é arenoso
porque ali foi um igapó há muito tempo atrás. Estas diferenças de solos determinam
diferenças importantes na vegetação, como veremos no capítulo 05.

A influência do relevo sobre o clima

Vimos no capítulo anterior o


que determina o clima global.
Entretanto, há fatores locais,
como o relevo, que afetam o
clima. Já vimos, por exemplo,
que pode até nevar nos trópi-
cos. Quanto mais alto nas mon-
tanhas, mais baixa é a tempe-
ratura porque o ar é mais rare-
feito. Ao subirmos uma monta-
nha alta nos trópicos, podemos
encontrar em poucos quilôme-
tros uma mudança na vegeta-
ção semelhante à que encon-
tramos indo do equador aos
pólos. Entretanto, há algumas
diferenças importantes, a sazo- Em montanhas altas situadas nos trópicos encontra-
nalidade é menor. Na floresta mos um gradiente de vegetação semelhante ao que
temperada de montanhas, as encontramos quando viajamos do equador aos pólos,
árvores não perdem todas as entretanto a sazonalidade é muito menor e a variação
folhas na estação mais fria por- térmica diária é muito maior.
que não há estação mais fria.
Na “tundra” da montanha, a vari-
ação térmica diária é grande, e
há plantas adaptadas a guardar o
calor do dia para enfrentar o frio
da noite, o que não se encontra
na tundra polar.

Além disto, uma montanha é uma


barreira para o deslocamento das
massas de ar que carregam a
umidade. O ar que vai em dire-
ção à montanha é forçado a subir
e condensa-se, devido às tempe-
raturas menores, causando chu-
vas. Após passar as montanhas,
o ar de expande novamente e
rouba umidade do ambiente. Por-
tanto costumamos encontrar flo-
restas a barlavento, e áreas mais
áridas, até desertos, a sotavento, Montanhas afetam muito o clima local porque são
conforme o esquema acima. barreiras para massas de ar

15
O relevo e a drenagem de água
Todo mundo sabe onde procurar um igarapé: no local mais baixo. Parte da água das
chuvas pode escorrer pela superfície, mas a maior parte da água que chega ao iga-
rapé se desloca dentro da terra,
e forma uma camada úmida
chamada de lençol freático.
Esta camada pode ficar mais
profunda ou mais rasa em fun-
ção de particularidades do rele-
vo, como vemos na figura ao
lado.

As árvores são mais sensíveis


que o capim a longos períodos
sem água (mesmo se o capim
morrer, haverá sementes para A água das chuvas se desloca principalmente dentro
germinar na estação chuvosa do solo até aflorar em igarapés.
seguinte). Por isto, elas são
indicadoras de solos mais úmi-
dos próximo à superfície. Em
locais onde chove o ano todo, o
solo está permanentemente
úmido. Em locais muito secos,
apenas encontraremos flores-
tas próximos a rios. Entretanto,
na transição, como na foto ao
lado, podemos encontrar flores-
ta nas áreas de encosta em
posições que favorecem a re-
tenção da água.

Os locais com florestas nas vertentes nesta figura indi-


cam solos mais úmidos na superfície em função da
topografia e da drenagem da água.

4. HIDROLOGIA: MARES DE ÁGUA DOCE

M esmo nos continentes, há regiões tão cheias de água que é quase como se
fossem mares de água doce. A Amazônia e o Pantanal são áreas que se des-
tacam globalmente em relação a isto. Na nossa região, como vimos acima, o
soerguimento dos Andes, em função da deriva continental, acabou por determinar a
formação da maior bacia hidrográfica do planeta. Portanto, não falta água doce por
aqui, alguns rios são imensos e existe uma grande área inundada anualmente por
estes rios. A área sob influência das inundações é de apenas cerca de 5% da área
da Amazônia. Entretanto, nestes 5 % encontramos ecossistemas ricos em biodiver-
sidade, é ai onde se concentra a maior parte da população e da economia rural da
16
região. Além disso, é uma das paisagens mais belas do planeta. Novamente, utiliza-
remos nossa região como modelo para entender aspectos bióticos de ecossistemas
de água doce tropicais.

Vamos desenvolver o tema das águas amazônicas a partir de 3 perguntas básicas:


1) por que existem diferentes tipos de água na Amazônia?
2) por que existem as cheias e vazantes dos rios Amazônicos?
3) quais são as principais caracterís-
ticas da paisagem amazônica pró-
ximo aos grandes rios?

Os tipos de água
Na foto ao lado, vemos o encontro dos
rios Negro e Solimões, que passa a
ser denominado Amazonas. O con-
traste é muito marcante. O Rio Negro
tem uma água da cor de chá preto
forte, e o rio Amazonas é barrento de
cor marrom claro a amarelada, devido
a um fino sedimento (partículas sóli- Encontro das "águas pretas" do Rio Negro
das inorgânicas) em suspensão. com as "águas brancas" do Rio Solimões.
Quando vamos ao encontro das águas
percebemos ainda que o Rio Solimões
é mais agitado e mais frio. Mas há
outras diferenças. O Rio Solimões
também é mais rico em nutrientes e
tem pH neutro ou levemente ácido.
Como conseqüência, sustenta uma
fauna (peixes, mosquitos, etc) mais
abundante (discutiremos mais sobre
isto na aula sobre os ecossistemas
aquáticos). O Rio Negro contrasta por
ter um pH bastante ácido (por volta de
4) e poucos nutrientes. A fauna não é
tão abundante, mas a biodiversidade
também é muito alta. O entorno des- Um rio de água preta com uma praia arenosa
tes rios também diverge muito, como
veremos adiante (hidrologia) e em
outra aula (os ecossistemas). O Rio Negro é considerado o principal exemplo de rio
de "água preta", outros exemplos são o Rio Urubú e outros que tem nascentes em
florestas. O Solimões-Amazonas é o principal exemplo de rio de "água branca" ou
de "água barrenta", outros exemplos são o Rio Madeira, o Purús e o Juruá. Ainda há
um terceiro tipo de rio, o rio de "água clara". Os rios de água clara, como os rios
Tapajós, Xingú e Trombetas, geralmente carregam muito pouco sedimento em sus-
pensão, como os rios de água preta, mas não são escuros como eles. Em geral são
rios relativamente pobres em nutrientes e com pH ácido, mas não tanto como os rios
de água preta. É comum que se desenvolvam algas nestes rios, tornando-os esver-
deados.

17
Esta categorização de águas é útil do ponto de vista prático e didático, entretanto,
para entender o que acontece é importante reconhecer a existência de gradientes
(ver figura). As águas brancas Água Preta

Quant. de ácidos húmicos e Fúlvicos


têm sedimentos em suspen- Igarapé em Pres.
Água Branca

são, mas a quantidade de Figueiredo


Rio Amazonas
sedimentos varia no tempo e Rio Negro Rio Negro
(Belém)

no espaço. Por exemplo, o (Manaus) (Anavilhanas)


Rio Amazonas
Rio Branco em Roraima tem (*Lago de água branca
(Santarem)

uma cor barrenta em uma sedimentada- não é água preta)


Rio Branco
Rio Solimões
(junho)
época do ano e clara em ou- Água Clara
(setembro)
Rio Solimões
tra, em função da variação na Rio Branco (outubro)
Rio Tapajós
quantidade de sedimentos. (outubro)
(fevereiro)

Além disto, quando as águas


"brancas" do Rio Solimões Quantidade de sedimentos em suspensão
entram em lagos e reduzem
sua velocidade, os sedimen- A divisão em três tipos de água simplifica diferenças
tos se depositam e a cor da que são graduais nas quantidades de sedimentos e de
água muda. Entretanto, as ácidos orgânicos.
características químicas
principais mudam pouco, continua sendo uma água rica em nutrientes, mesmo que a
cor seja de água preta ou clara. Por isto, dizemos que as águas destes lagos são
águas "brancas sedimentadas", isto é, águas cujas partículas em suspensão se de-
positaram. As "águas pretas" se diferenciam das claras por possuírem grande quan-
tidade de ácidos húmicos e fúlvicos. Entretanto, a quantidade destes ácidos também
varia no tempo e no espaço. Águas pretas e claras podem possuir um pouco sedi-
mento. Águas Brancas podem ter muito ou pouco ácidos húmicos e fúlvicos, mas
isto só pode ser visto quando coletamos
uma amostra desta água e deixamos que
fique parada para sedimentar as partícu-
las em suspensão.

Já entendemos que a quantidade de se-


dimentos e de ácidos orgânicos varia,
falta entender por quê. Quanto aos sedi-
mentos, temos que lembrar que a Planí-
cie Amazônica formou-se da deposição
As margens dos rios de água branca geral-
de sedimentos fluviais e lacustrinos (des-
mente é formada por barrancos na época
de uma época geologicamente recente
que a água está mais baixa.
denominada Terciário até os dias de ho-
je). Aqueles rios cujas nascentes estão
nos Andes, ou nas bases dos Andes, recebem sedimentos dos Andes e têm mar-
gens formadas por sedimentos geologicamente muito recentes (principalmente do
Quaternário, inclusive de anos recentes). Estas margens são barrancos que estão
constantemente caindo, liberando barro na água em alguns pontos que se deposita
novamente em outros. Portanto, são rios muito dinâmicos. Moradores ribeirinhos
freqüentemente perdem seus terrenos neste processo. Em resumo, os rios de água
branca são barrentos porque carregam sedimentos resultantes principalmente dos
processos erosivos intensivos dos Andes.

18
A cor escura da água preta é causada por substâncias orgânicas derivadas da de-
composição incompleta
de folhas na floresta.
Estas substâncias che-
gam aos igarapés ou
não. Se o solo for argilo-
so existe uma demora na
drenagem da água sufi-
ciente para dar tempo
para as bactérias faze-
rem a decomposição
mais completa. Além
disto, é necessário que
haja uma quantidade
grande de folhas em de- Na terra firme, encontramos igarapés com águas mais ricas
composição para que em ácidos orgânicos em locais com solos arenosos, pois a
uma quantidade signifi- drenagem é rápida e não há tempo da ação de bactérias para
cativa de ácidos decompor o húmus.
orgânicos chegue aos
igarapés. Portanto, em bacias de drenagem sobre solo argiloso ou em regiões com
vegetação aberta, os igarapés tendem a ter uma água mais do tipo "clara" que do
tipo "preta". Se o solo for arenoso, a drenagem é rápida e o pH do solo é menos fa-
vorável para a ação de bactérias, de forma que a água chega aos igarapés ainda
cheia de ácidos orgânicos da decomposição incompleta. Também nos baixios e em
áreas pantanosas, onde o solo é encharcado, a decomposição tende a ser incomple-
ta, com liberação de ácidos orgânicos para a água, devido à falta de oxigênio.

Por que existem as cheias e vazantes dos rios Amazônicos

Basicamente por duas razões, porque


existe forte sazonalidade de chuvas e
porque os rios estão sobre uma bacia
sedimentar muito plana. O esquema ao
lado mostra a variação anual na quanti-
dade de chuva em Manaus (curva com
o pico em março) e do nível do Rio Ne-
gro em frente a Manaus. Note como o
pico da enchente (a outra curva) ocorre
apenas em junho. Isto acontece porque
1) a água da chuva é retida no solo e
escoa lentamente; 2) drenagem é lenta
em uma superfície muito pouco inclina-
da (de cerca de 1m a cada 100km). Es-
tamos falando da maior bacia hidrográ-
fica do mundo. Embora o Rio Amazonas
seja grande, é muita água para sair e Variação na chuva e no nível de
ela se acumula. Quanto mais longe da água no Rio Negro em frente a
foz, maior é a "fila" que cada gota tem Manaus

19
enfrentar. Por isto, em Belém, a diferença entre o nível dos picos da cheia e da va-
zante é pequena (cerca de 2 metros em média), em Manaus é de cerca de 8 m e no
alto Solimões pode chegar a 15m.

Características da paisagem amazônica próxima aos grandes rios


Estas características dependem
do Rio, de um lado temos os
rios de água negra ou clara,
que carregam poucos sedimen-
tos, do outro lado temos os Rios
de água branca, que levam mui-
tos sedimentos. Vejamos por
quê. Neste esquema vemos um
rio de água branca em corte
(Rio Juruá). Note que existe um
sedimento mais velho nas bor-
das. Este sedimento foi deposi-
tado e depois passou por um Corte do Rio Juruá
processo de erosão, especial-
mente em uma época quando o nível do mar estava mais baixo, formando um vale.
Isto ocorreu tanto em rios de água clara e negra quanto em rios de água branca.
Depois, o nível do mar voltou a subir. Nos rios de água branca um novo sedimento
foi depositado. Como resultado, os Rios de água negra ou clara praticamente não
tem várzea, isto é, uma área grande de terra alagável.

Nas áreas de rios de água negra ou clara, temos basicamente uma margem com
florestas ou formas mais abertas de vegetação. As florestas inundáveis e são cha-
madas de Igapós. Ilhas, como as Ilhas Anavilhanas do Rio Negro são pouco co-
muns. (Aparentemente estas foram formadas a partir da deposição de sedimentos
do Rio Branco.) Há poucos lagos e não existe uma ampla várzea como nos Rios de
água branca. Quando a água baixa, geralmente ficam expostas longas praias de
areia branca.

Em rios de água
branca a várzea pode
ser imensa. Há locais
no Rio Amazonas em
que ela chega a ter
100 km de largura.
Nos locais onde os
rios não são muito
grandes e as várzeas
são estreitas, geral-
mente temos apenas
o canal do rio (com Meandros no rio Purus
muitos meandros), a
floresta inundável, e lagos de ferradura (ou de meandro sacado).

20
Nos locais com várzeas amplas temos um ambiente mais complexo. Nestas várzeas
encontramos florestas de
várzea alta, florestas de
várzea baixa, restingas,
lagos temporários, lagos
permantes, furos, Rio
Principal, Paranás e
também alguns lagos de
meando abandonado.
Na figura ao lado pode-
mos entender como se
formam os meandros e
um pouco da dinâmica
destes rios. Note que no
lado de dentro das curvas Principais elementos da drenagem da várzea A-
dos rios há deposição de mazônica: 1- igarapé; 2- furo; 3 Paraná; 4 Regos
sedimentos, no lado oposto em regos temporários; 5- Lago permanente; 6
ocorre erosão. Isto faz com Lago de meandro abandonado "sacado"; 7- Lago
que as curvas fiquem cada de barragem em antiga ria fluvial.
vez mais abertas, e uma
curva pode tocar a outra.
Quando isto acontece, o rio
muda de curso e o meandro fica abandonado, formando um lago. Note que rios co-
mo este são muito dinâmicos, há muito tempo que passa um rio drenando água por
ai (entre as 2 áreas de terra firme mostradas), mas a posição do rio muda constan-
temente. Em fotos de satélite podemos ver as "cicatrizes" dos leitos antigos.

21
5. DIFERENÇAS ENTRE VEGETAÇÕES

O principal elemento da paisagem que nos leva a categorizar um bioma é a ve-


getação. Podemos até identificar uma savana africana em uma foto pela pre-
sença de um elefante, mas foram as características semelhantes da vegeta-
ção do cerrado e da savana africana que levaram os biólogos e geógrafos a colocá-
las em uma mesma categoria de bioma. Portanto, além dos fatores físicos discutidos
acima, temos que entender as necessidades vegetais e como os fatores físicos e as
interações com espécies afetam as plantas para compreender melhor as caracterís-
ticas e as dinâmicas dos diferentes biomas.

Praticamente todas as plantas fazem fotossíntese (falaremos da exceção depois).


Para isto, elas precisam de água, luz, calor e nutrientes (e algo mais que veremos
logo). Mas há diferentes formas de se obter isto, desde uma erva anual até uma ár-
vore centenária. Há diferentes tipos de plantas em cada bioma. Não nos referimos
aqui às espécies, mas agrupamentos maiores que vamos chamar de estratégias ve-
getais. A divisão destas estratégias é um pouco arbitrária, como a de biomas, que
discutimos na seção 1; aqui também as fronteiras entre categorias não são absolu-
tas, mas servem para discutirmos diferenças reais. Cada estratégia vegetal é dife-
rente no conjunto de adaptações para a sua sobrevivência (água, luz, calor, nutrien-
tes e oxigênio para as raízes), para uma reprodução eficiente (mistura genética) e
para o estabelecimento da geração seguinte (fixação-sustentação, colonização e
defesa). Vejamos primeiro as necessidades vegetais para depois compararmos as
estratégias vegetais mais comuns em cada bioma.

As necessidades vegetais

Água

As plantas terrestres originaram-se de algas que viviam em ambiente aquático. Raí-


zes de algas (quando existem) servem apenas para fixação; o próprio meio aquático
dá sustentação, possibilita as trocas de nutrientes, de oxigênio e de gás carbônico, e
possibilita a troca de gametas da reprodução sexuada. Por isto, a conquista do am-
biente terrestre ao longo da evolu-
ção envolveu grandes mudanças
morfológicas e fisiológicas. Entre-
tanto, a fisiologia celular não mu-
dou tanto assim. Sem um forneci-
mento constante de água, as célu-
las de um tecido vegetal morrem
(mesmo no caso extremo de uma
semente em dormência há uma
necessidade mínima de água que
é fornecida metabolicamente).

Ao contrário dos animais, as plan-


tas não podem se deslocar para resolver uma necessidade momentânea de água.

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Por isto, a água é a principal necessidade vegetal e há uma forte relação entre a
quantidade e regularidade da disponibilidade de água no solo e o tipo de vegetação.
Onde há chuvas abundantes no ano todo normalmente haverá florestas. As árvores
são os organismos vegetais mais dependentes de água, mas onde esta não falta
este tipo de planta predomina por vencer a competição pela luz. Se a chuva for mais
ou menos regular e pouco abundante, a vegetação tende a ser mais aberta, mas
poderemos encontrar florestas em locais onde a topografia determina maior quanti-
dade e regularidade de água no solo, como próximo a riachos (floresta de galeria).
Onde há uma quantidade de água muito pequena na maior parte do ano, mesmo
que haja uma época chuvosa, teremos uma região de semi-árido ou deserto.

É interessante notar que o efeito da temperatura baixa sobre plantas é menos direto
(pelo seu efeito em diminuir das reações químicas do metabolismo vegetal como um
todo) do que indireto. O frio limita a capacidade das plantas em absorver água, seja
pelo congelamento do solo ou pela redução do metabolismo das raízes.

Calor

Como vimos, a temperatura tem principalmente um efeito indireto sobre os vegetais


devido à restrição de água. Entretanto, há um efeito mais direto do frio. As geadas
são reduções rápidas na temperatura do ar que não costumam ser suficientemente
duradouras e intensas para determinar uma falta da água para a planta, entretanto
pode matá-la por outra razão. O problema é a formação de cristais de gelo que rom-
pem as células das plantas, o conteúdo celular vasa e oxida, deixando-a “queima-
da”. Plantas que suportam o inverno gelado com folhas verdes como os pinheiros
possuem substâncias anti-congelamento dentro das células.

Este é um problema principalmente na agricultura em certas regiões. Em locais com


invernos rigorosos, são escolhidas espécies adaptada ao frio ou o cultivo é feito nas
épocas apropriadas. O problema são as áreas com geadas eventuais. Ai, o cultivo
destas plantas é uma questão de risco. A geada também afeta as plantas selvagens,
há mudança de composição de espécies ao sul e ao norte da região das geadas e-
ventuais.

Além da falta de água, há outros importantes efeitos indiretos do calor, aqueles rela-
cionados com interações com animais e outros organismos. Os animais são forte-
mente influenciados pela redução na temperatura. Desta forma, um inverno rigoroso
pode restringir os herbívoros e as doenças. Também relações mutualisticas como a
polinização e a dispersão devem ser mais restritas em ambientes mais frios, seja um
frio sazonal (e. g. tundra ártica) ou não (e. g. tundra alpina tropical).

Luz

As plantas são autótrofas. Este termo significa que são capazes de “alimentar a si
mesmas”, isto é, fixam gás carbônico do ar em moléculas de glicose que servirão
tanto para construção como para o funcionamento do organismo vegetal. É uma fi-
xação de matéria e de energia. Para isto, a planta precisa da água que retira do so-
lo, do gás carbônico do ar e energia luminosa.

23
Ao conquistar o ambiente terrestre, as plantas tiveram de desenvolver filtros contra o
excesso de luz e adaptações fisiológicas para evitar
o superaquecimento. Entretanto, estes problemas
foram superados. O problema mais comum de luz
nos ambientes naturais é a sua falta, que ocorre
principalmente devido à presença de outras plantas.
Houve três caminhos evolutivos em resposta a isto:
a) crescimento para cima em direção à luz ou b) a-
daptação a um ciclo de vida inteiro sob baixa inci-
dência solar; c) alelopatia.

O primeiro caminho resultou numa pressão para ár-


vores mais altas e trepadeiras que crescem apoia-
das nas árvores. O segundo, na vegetação de sub-
bosque. Estas estratégias vegetais serão discutidas
depois. No caso da alelopatia, uma planta produz substâncias que inibem o cresci-
mento de outras. Esta estratégia ocorre com muitas ervas, capins, pinheiros, eucalip-
tos, e bambus. Aparentemente é uma estratégia que funciona apenas em situações
de baixa diversidade, na qual há clones ou plantas muito próximas geneticamente
lado a lado. No caso de florestas tropicais, certamente é mais vantajoso gastar ener-
gia na produção de frutos.

A influência de uma planta sobre outra na busca por luz geralmente é chamada de
competição. Entretanto, por definição, na competição os dois organismos envolvidos
são prejudicados para existência do outro. Podemos dizer que isto ocorre no caso
da alelopatia, pois uma planta gasta energia para produzir a toxina inibitória e a ou-
tra é prejudicada por ser inibida. Competição também pode ocorrer durante a suces-
são vegetal, em que uma planta pode crescer mais rápido que outra e prejudica-la
com sua sobra. Entretanto, no caso do sombreamento de uma plântula por uma ár-
vore em uma floresta madura, seria mais apropriado chamar esta relação de amen-
salismo, pois a plântula se prejudica pela sombra da árvore, mas o oposto não acon-
tece.

Nutrientes

Não basta água, gás carbônico e luz para o funcionamento e desenvolvimento de


uma planta. “Macronutrientes” como Nitrogênio, Fósforo e Potássio (N, P, K), “mi-
cronutrientes” como Ferro, Zinco, Boro, Cobre e Manganês são necessários para a
fisiologia da planta. Cada nutriente tem a sua função, mas, para as finalidades desta
apostila, podemos tratá-los genericamente apenas como nutrientes.

Se um ou mais destes nutrientes estiver em


uma quantidade baixa, dizemos que o solo é
pobre em nutrientes. Solos pobres tendem a ter
produtividade baixa, isto é, o crescimento vege-
tal é mais lento do que poderia ser, e a produ-
ção de flores e frutos é menor. No caso das
plantações, esta é uma grande preocupação, e
o homem frequentemente corrige isto acrescen-
24
tando nutrientes e/ou alterando o pH do solo, o que pode disponibilizar melhor os
nutrientes existentes no solo. Entretanto, no caso das vegetações naturais, o efeito
basicamente se restringe a uma produtividade baixa. Uma floresta sobre solo rico
difere estruturalmente muito pouco de uma floresta sobre solo pobre. Voltaremos a
isto mais longamente adiante quando compararmos os ecossistemas amazônicos

Sustentação e fixação

Adaptações para a sustenta-


ção começaram na evolução das
primeiras plantas terrestres, com o
aparecimento do caule para elevar a
altura das folhas e das raízes, que,
além da função de absorção, tem a
função de fixar e dar equilíbrio à
planta.

Especialmente em ambientes que


tem o solo menos firme, como em
baixios, várzeas e no mangue, al-
gumas árvores e arbustos tem modificações para aumentar a estabilidade, como as
raízes tabulares e raízes escoras.

Algumas estratégias vegetais dependem de adaptações especiais para se fixar a


outras plantas, como ocorre com as trepadeiras, para apoiar-se na planta hospedei-
ra, e as epífitas, que precisam prender-se rapidamente durante a germinação nos
troncos, evitando cair com o vento e a chuva.

Oxigênio para as raízes

O oxigênio está em abundância no ar, de forma que não falta para as folhas. Entre-
tanto, nos locais em que o solo é encharcado, o oxigênio pode faltar para as raízes.
Existe oxigênio na água, mas o problema é que
em locais encharcados este oxigênio costuma
se consumido por organismos do solo, especi-
almente bactérias. Sem oxigênio nas raízes,
elas param de funcionar, e a planta não pode
absorver água. Curiosamente, em alguns lo-
cais, como na floresta de várzea, é na época
das enchentes que as árvores têm falta de á-
gua e perdem as suas folhas para economizar
água. Entretanto, esta estratégia tem seus limi-
tes, e, abaixo de um certo nível topográfico a
duração da seca fisiológica é longa demais para permitir a existência de árvores.

25
No baixio e no mangue, onde o solo é en-
charcado, mas o nível da água sempre volta
a baixar, são comuns raízes que emergem
para fora do solo com aberturas para absor-
ver o ar chamadas de pneumatóforos.

Solos compactados podem restringir o cres-


cimento vegetal pela dificuldade física no
crescimento de raízes (especialmente na
germinação de sementes). Entretanto, a re-
dução na dimensão dos poros restringe tam-
bém a quantidade de água e de oxigênio para as raízes. Estes fatores em conjunto
tendem a ter um forte efeito sobre a vegetação. Isto é um problema especialmente
em condições

Defesa

Plantas terrestres praticamente não se movem. De certa forma elas se movem de


uma geração para outras, pois as sementes podem ir parar longe da planta mãe. Há
plantas, como a Espada de São Jorge, que pode ir crescendo um rizoma em um
sentido, e pode gradualmente ir mudando de posição. Mesmo considerando estas
formas de mobilidade, permanece o fato que as plantas não podem fugir dos ani-
mais.

Então, por que os animais (herbívoros) não comem logo todas as plantas? Esta per-
gunta parece ingênua, mas não é tão ingênua assim. Muitos animais comem partes
da planta “oferecida” por ela, como néctar e frutos, mas isto é vantajoso para plantas
(como veremos adiante). Nós comemos alface entre outras plantas, mas isto é o re-
sultado de seleção artificial do homem. Nós tiramos as defesas destas plantas para
consumi-las, tanto que precisamos de agrotóxicos para defendê-las. De forma geral,
as plantas têm defesas, principalmente químicas, muito fortes, que tornam seu teci-
do tóxico para a maioria dos animais. Além das defesas químicas, o tecido vegetal é
de difícil digestão, pois em cada célula tem uma parede celulósica que exige enzi-
mas especiais para ser quebrada. Há outras defesas como espinhos, a altura das
folhas, e animais mutualistas que as defendem, especialmente as formigas. A dis-
persão/espalhamento das sementes/esporos para longe das plantas-mães e o tem-
po de dormência (especialmente em espécies anuais) também dificultam a ação dos
herbívoros (e de doenças).

Se considerarmos os insetos, por exemplo, veremos que na maioria das ordens pre-
dominam os predadores e decompositores. As formigas saúvas são importantes
destruidoras de plantas, entretanto, elas não comem diretamente as plantas, mas
fungos que utilizam as folhas como substrato dentro do formigueiro. Portanto, vemos
que o consumo de tecidos vivos de plantas é mais complexo do que parece.

O consumo de plantas exige adaptações dos herbívoros, que resulta em aumento da


defesa das plantas, que por sua vez exige adaptações mais extremas dos herbívo-
26
ros. Este processo chama-se co-evolução. Um herbívoro pode co-evoluir com uma
ou algumas espécies de plantas, mas não pode co-evoluir com todas. Portanto, cada
espécie de planta tem poucos animais capazes de consumi-la. Onde a diversidade
das plantas é alta, os herbívoros terão certa dificuldade em encontrar alimento, e isto
já é um fator a mais a limitar a herbivoria.

Nem sempre a defesa é tão forte. As zebras,


gnus e outros animais comem diariamente de-
zenas de quilos de capim na savana africana.
Neste caso, a diversidade do capim é baixa, e
não protege as plantas. Entretanto, há dois fato-
res importantes a limitar os herbívoros: os gran-
des predadores e a sazonalidade climática. A
parte verde do capim tende a morrer todo ano
durante a seca, obrigando estes herbívoros a
migrar ou morrer de fome, e a vegetação pode
se recuperar.

A herbivoria é um fator importante dentro das


diferentes estratégias vegetais. A defesa pode
ter um custo elevado. A planta precisa investir
também em crescimento da raiz, do contrário
poderá faltar água ou nutrientes, em altura, para
poder ter mais folhas, e em folhas, para fixar matéria e energia. Mas se não investir
em defesa, poderá não ter mais as folhas, e morrerá. Este balanço de custo-
benefício depende da situação. Algumas plantas abdicam dos investimentos em de-
fesa para ter um crescimento rápido e reproduzir em pouco tempo. Isto eh comum
em ambientes com situação favorável passageira, como em clareiras formadas den-
tro de florestas, ou para plantas de ciclo de vida curto em áreas inundáveis. Dentro
da mata, plantas que crescem fora de clareiras normalmente têm sementes grandes,
pois necessitarão da energia para a sua defesa e crescimento inicial durante a fase
crítica em que são plântulas.

Mistura Genética

Cada organismo tem uma bagagem genética limitada, com falhas e inflexível. A ba-
gagem genética da população eh muito mais ampla e dinâmica. Muitos indivíduos
podem morrer devido a uma doença nova, entretanto, se alguns tiverem em sua ba-
gagem genética condições de resistir ahh doença, então a população sobrevivera.
Quanto mais intensa for a troca genética, melhor a capacidade da população para
resistir a mudanças ambientais. E não faltam mudanças ambientais quando conside-
ramos tempo evolutivo. Doenças, novos inimigos naturais, novas oportunidades, e
ateh a manutenção do patrimônio exigem mudanças constantes. A bagagem de um
individuo basta para uma geração, mas clones deste individuo estariam predestina-
dos ahh extinção. Portanto, as trocas genéticas são essenciais, e encontraremos
adaptações importantes para otimizar as trocas genéticas das plantas.

Para termos uma dimensão da importância da mistura genética, considere o custo


que uma árvore tem para se perpetuar em uma floresta primária. Nestas florestas, a
composição de espécies é praticamente constante. Portanto, em média, uma arvore
27
substitui uma outra arvore a cada geração. Considerando os milhares de sementes
que uma arvore produz, a taxa de mortalidade é extremamente elevada. Os vegetais
têm uma capacidade de reprodução vegetativa (assexual) bastante elevada. Para
muitas plantas, basta plantar um galho e ele começa a brotar. A reprodução vegeta-
tiva teria vantagens imensas para uma árvore, que poderia fazer germinar a ponta
de sua raiz e sustentar este novo individuo durante o seu desenvolvimento inicial,
aumentando muito as suas chances de sobrevivência. Entretanto, nenhuma arvore
de floresta, faz isto. Aparentemente, as vantagens da reprodução com troca genéti-
ca, por mais alto que seja o seu custo, superam as vantagens da reprodução vege-
tativa.

A mistura genética não depende apenas de reprodução sexual, isto é, da união de


gametas de indivíduos diferentes. Uma mistura mais efetiva acontece quando indiví-
duos menos aparentados realizam esta mistura. Uma analogia pode deixar isto cla-
ro. Imagine pessoas que trocam receitas de bolo com vizinhos. Esta prática permitirá
que cada casa melhore a qualidade de seus bolos gradualmente. Agora imagine que
algumas pessoas trocam receitas de bolo pela internet com o mundo inteiro. As tro-
cas com indivíduos distantes têm um potencial muito superior de melhoramento.

As plantas não se deslocam depois que germinam, mas suas sementes (ou esporos)
e gametas podem ser levados para longe das “plantas pai e mãe”. Nas plantas ter-
restres primitivas (musgos e samambaias), os gametas dependem de água para a
fecundação e o deslocamento do gameta masculino (anterozóide) é muito restrita.
Portanto a fecundação sempre ocorre muito próxima das duas plantas que produ-
zem os gametas (masculinos e femini-
nos). A mistura genética eficiente de-
pende destas duas plantas terem ori-
gem de locais distantes. Por isto, estas
plantas têm um ciclo de vida dividido em
duas partes. Após a fecundação, germi-
nará um esporófito, que é uma planta
que produz esporos (a samambaia é o
esporófito). Os esporos são secos, po-
dem ser levados para longe com o ven-
to e germinam distante das plantas pai
e mãe, formando as plantas que produ-
zirão gametas. Desta forma, aumenta a
chance de fecundação entre plantas de parentesco distante, e a mistura genética é
melhor.

Com o aparecimento dos grãos de pólen nas Gimnospermas, a fecundação deixou


de depender de água. Isto foi importante para a conquista mais efetiva do ambiente
terrestre. Entretanto, a polinização pelo vento contribui pouco para uma melhora na
mistura genética, pois a fecundação tende a ocorrer entre as plantas mais próximas.
A mistura genética efetiva ainda depende mais de mecanismos que levem os indiví-
duos a se afastarem da planta mãe, de forma que os indivíduos próximos estejam
pouco próximos geneticamente. Este afastamento das plantas mãe chama-se dis-
persão. A dispersão também pode ser pelo vento (anemocoria), mas aqui começa a
aparecer uma interação com animais.

28
Animais que se alimentam de sementes podem perder algumas longe da planta
mãe. O prejuízo de comer as sementes pode ser pequeno comparado com às van-
tagens de levar algumas sementes para bem longe da planta mãe.. Posterioremente,
evoluíram os frutos com um tecido nutritivo para a atração do animal. Desta forma, o
animal deixou de comer (ou de digerir) a semente para realizar a dispersão. A dis-
persão por animais chama-se zoocoria.

Uma grande revolução na história das


plantas terrestres foi o aparecimento
das flores e a polinização por animais.
Para a polinização pelo vento, era ne-
cessário muito pólen para uma planta
fecundar outra planta que estivesse a
alguns metros de distância. Este pólen
atraiu consumidores, especialmente
besouros. Ao passar de uma planta pa-
ra a outra, mesmo consumindo parte do
pólen, os besouros facilitaram a troca
genética com uma eficiência muito mai-
or do que qualquer outro mecanismo
anterior de mistura genética. Agora, com um gasto mínimo de pólen, ficou possível a
mistura genética de plantas distantes dezenas de metros, e até quilômetros. Da
mesma forma que aconteceu com os fru-
tos, as plantas forneceram um alimento
alternativo ao pólen para atrair os insetos:
o néctar. A polinização mediada por ani-
mais foi um sucesso tão grande que mu-
dou todos os ecossistemas tropicais e
subtropicais em um tempo geológico mui-
to curto. As Angiospermas praticamente
levaram as Gimnospermas à extinção nos
trópicos, e se diversificaram muito. Ao
mesmo tempo, os insetos polinizadores
também se diversificaram imensamente.
Os biomas do mundo mudaram comple-
mente.
tamente.

Há cerca de 40 milhões de anos, surgiu um grupo que também teve um sucesso e-


norme: as gramíneas. Este grupo especializou-se em áreas abertas com estações
secas longas demais para árvores. Basicamente, as gramíneas têm um metabolismo
que lhes dá maior resistência à seca e crescem seus caules sob o chão (rizoma). Na
época seca, suas folhas morrem, mas o rizoma permanece vivo. Estas folhas secas
ficam sujeitas a incêndios que podem matar outras ervas, mas o rizoma subterrâneo
resiste. O sucesso foi tão grande que elas cobriram savanas e estepes. Curiosamen-
te, a polinização destas plantas é pelo vento, o que parece um retrocesso evolutivo.
Entretanto, se lembrarmos que as gramíneas cobrem as superfícies onde ocorrem,
veremos que a polinização por insetos seria ineficiente para a mistura genética, pois
os insetos passariam pólen de uma planta para a vizinha. O vento pode fazer o
mesmo com um gasto menor. No caso das gramíneas, a mistura genética entre indi-
víduos distantes é garantida pela dispersão. E quem realiza a dispersão das gramí-
29
neas de forma muito eficiente são as aves, que possibilitam misturas genéticas de
quilômetros.

Colonização

A dispersão é importante na mistura genética das plantas, especialmente a disper-


são de esporos para as plantas primitivas e para as plantas com polinização pelo
vento no caso das Gimnospermas e algumas Angiospermas.

Entretanto, a dispersão também é importante para defesa e para a colonização. Pa-


ra a defesa das sementes e plântulas, pois perto da planta mãe é o local menos se-
guro para uma planta crescer. É ai que os predadores vão procurar alimento.

A dispersão é impor-
tante para a coloniza-
ção. A colonização de-
ve ser vista em um
sentido amplo. Pássa-
ros podem levar se-
mentes de capim para
uma ilha distante. Co-
queiros chegam na ilha
pela água. Alguns ha-
bitats, como ilhas pe-
quenas, praticamente
só possuem estas es-
pécies colonizadoras.

Entretanto, de certa
forma, uma clareira é
parecida com uma ilha
neste sentido. Os ga-
lhos novos de uma árvore grande também são como uma nova ilha para plantas epí-
fitas.

30
Interação entre necessidades vegetais e as estratégias vegetais

Didaticamente, separamos as necessidades das plantas acima: água, luz, nutrientes,


sustentação, oxigênio para as raízes, defesa, mistura genética e colonização. Entre-
tanto, na realidade todas as necessidades ocorrem ao mesmo tempo.

Algumas destas necessidades estão relacionadas entre si. A relação mais óbvia é a
de água com nutrientes. A falta de água não compromete apenas o balanço hídrico
das plantas, mas restringe a captação dos nutrientes. Água, em excesso no solo
também ser um problema por afetar a disponibilidade de oxigênio para as raízes.

Necessidades
Vegetais:
Contexto: Água
Clima Nutrientes
Solo Luz
Topografia Sustentação
Oxigênio (raízes)
A mesma espécie Defesa
Outros Vegetais Mistura genética
Outros organismos Colonização

Todas as plantas têm estas necessidades, entretanto, em algumas situações estas


necessidades não são um problema. Se o clima e o solo garantem um suprimento
de água o ano todo, então a necessidade de água não é um problema. Entretanto,
se há água o ano todo, então teremos uma floresta, e se há floresta, uma semente
no solo terá de enfrentar a falta de luz. Se há pouca luz, então seu desenvolvimento
será lento, e a chance de um predador de plântulas aparecer é grande, logo, é ne-
cessária uma defesa química eficiente, etc. Ou seja, está tudo relacionado. São mui-
tos problemas a serem resolvidos, e a solução de um problema de uma necessidade
pode levar a um problema em outra necessidade. Por isto, temos diferentes estraté-
gia vegetais. Entendendo as diferentes estratégias vegetais estaremos a caminho de
entender o funcionamento de todos os ecossistemas terrestres.

31
Estratégias Vegetais e Suas Relações com os Biomas.
A mesma estratégia vegetal pode ser encontrada em vários biomas. Por exemplo, os
cactos são muitos comuns na caatinga, entretanto, também ocorrem em copas de
árvores na floresta tropical, pois no alto das árvores incide sol forte e existe um mi-
croclima muito seco. Para evitar ser repetitivo, serão abordadas as estratégias já
dentro de uma abordagem contextualizada em biomas. A floresta tropical é a melhor
referência para começarmos a apresentação das estratégias vegetais, devido à mai-
or diversidade de estratégias que encontramos lá.

Estratégias mais comuns na floresta tropical.

Árvore do dossel: As “árvores do dossel” são as árvores de florestas tropicais que


atingem a maturidade no dossel (o nível das copas das árvores mais altas). Incluí-
mos também nesta categoria espécies emergentes, que ultrapassam o nível da mai-
oria das árvores de dossel, como a Castanheira do Pará. São as rainhas dos vege-
tais. Água e luz não lhes faltam. Em solos férteis, podem produzir toneladas de fru-
tos Em solos pobres produzem menos, mas são as maiores produtoras da floresta
de qualquer forma, pois suas raízes se espalham so-
bre uma superfície muito grande. Entretanto, têm
uma infância terrível. Antes de brotar, recebem uma
herança da mãe: uma semente grande e cheia de
reservas; e “dinheiro para o táxi”: um fruto suculento
que atrairá os dispersores. Mesmo assim, muitas
sementes não conseguirão pegar o táxi e serão ata-
cadas antes de germinar por predadores de semen-
tes, ou germinarão abaixo da planta mãe, mas serão
consumidas em poucas semanas pelos predadores
de plântulas. Longe da planta mãe, a semente germi-
nará mais segura. Entretanto, a mata é escura, ape-
nas cerca de 2% da luz que incide acima da mata
chega ao solo. É pouco para fazer fotossíntese. Al-
gumas plântulas crescem lentamente; outras prati-
camente param de crescer e aguardam a sorte de uma árvore ou um galho grande
cair para aumentar a luminosidade e iniciar o crescimento. Se isto não acontecer,
morrem na espera, pois sua resistência cai e são comidas. O conjunto de plântulas
aguardando maior luminosidade é denominado“banco de plântulas”. As plantas que
passaram por esta fase começam a encontrar condições de luminosidade melhores,
mas ainda fracas, e o crescimento ainda é difícil. É importante aumentar a altura,
pois, quanto mais alto, mais luz haverá. Por isto, as árvores jovens parecem varetas
nesta fase, com um caule fino e comprido com folhas nas pontas e sem galhos em-
baixo. A madeira é leve, pois não há energia suficiente para construir uma madeira
dura. A mortalidade ainda é alta nesta fase, pois a árvore jovem tem poucas folhas e
é mais vulnerável ao ataque de herbívoros. Finalmente, a árvore começa a se apro-
ximar da copa, a luz começa a aumentar e ela começa a se desenvolver mais. Neste
momento, seus galhos terão de disputar com os galhos de outras árvores pela luz.
Pode levar bastante tempo até que ela desenvolva uma copa grande. A partir daí, a
árvore atinge a maturidade, mas ainda não consegue produzir muitas flores e frutos.
Então, elas começam a desenvolver mais rapidamente as suas raízes, cobrindo uma
área muito maior, principalmente próximo da superfície do solo, que é onde há mais
32
nutrientes. Seu tronco se alarga, sua copa se desenvolve. Muito poucas de suas ir-
mãs sobreviveram, mas agora ela terá uma vida muito longa, e será a principal fonte
de entrada de matéria e energia no seu ecossistema. Seu néctar, frutos e sementes
alimentarão herbívoros. Alguns comerão suas folhas, mas suas defesas são fortes, e
a maioria das folhas só será consumida pelos decompositores após serem descarta-
das.

Na transição entre a floresta tropical e a savana, temos a floresta tropical semidecí-


dua. Nesta floresta, a estação seca ainda é suficientemente curta para permitir a e-
xistência de uma floresta, mas há um estresse hídrico que é sentido especialmente
pelas árvores mais altas (emergentes), que podem perder as suas folhas. Quanto
maior a duração da seca, mais árvores perdem as folhas. Provavelmente, a mudan-
ça estrutural mais forte nestas florestas seja o aumento na quantidade de palmeiras
e cipós, como discutiremos adiante.

Árvores, arbustos e ervas de sub-bosque.


grupo 1- baixa produtividade: Abaixo das copas
das árvores de dossel, há árvores cujas copas
não alcançam o dossel, e uma diversidade de
plantas menores. Para simplificar, incluímos todas
numa única categoria, entretanto, há algumas di-
ferenças que precisam ser mencionadas, por isto
as dividimos em dois grupos. A maioria destas
plantas tem produtividade baixa. Assim como as
árvores jovens, seu crescimento é lento devido ao
escuro da mata. Diferente das árvores, estas plan-
tas produzem flores e frutos sob baixa incidência
de sol. Entretanto, sua produção é bastante limi-
tada. Suas sementes são geralmente de tamanho
médio.
Grupo 2- produtividade alta (considerando-se o
contexto). Algumas plantas de sub-bosque só
germinam se há muita luz, normalmente devido à abertura de uma clareira, de um
igarapé mais largo, ou de uma estrada. O conjunto de sementes de plantas que está
no solo “aguardando” a eventualidade de aumento de luz é denominado “banco de
plântulas”. Estas plantas têm um desenvolvimento rápido e podem produzir uma
quantidade significativa de frutos. Esta estratégia depende muito da sorte da semen-
te cair em um lugar iluminado, pois isto, ao contrário das árvores, as sementes são
pequenas, porque assim a planta pode produzir mais sementes e multiplicar suas
chances de sucesso. Várias destas plantas são dispersas por morcegos, como as
sementes de Embaúba e desta piperácea da foto. Seus frutos costumam ser com-
pridos para facilitar sua localização por ecolocação, e podem ser verdes, como se vê
nesta foto em preto e branco.

33
As trepadeiras

Como vimos, as árvores têm uma juventude muito difícil. Não é fácil construir um
tronco no escuro. A estratégia das trepadeiras é uma
alternativa econômica. Apoiando-se nas árvores, elas
podem chegar até as copas com um investimento muito
menor. Em seguida, começam a crescer sobre a copa
de várias árvores, seu tronco se alarga e começam a
emitir raízes (cipós). Estes troncos grandes de trepadei-
ras são chamados lianas. Há muitas trepadeiras peque-
nas que não chegam até as copas. Algumas, como a
Arácea Jibóia, crescem alguns metros e adquirem uma
forma semelhante à de uma bromélia. Elas são chama-
das hemi-epífitas.

As trepadeiras que se desenvolvem sobre as copas das


árvores podem crescer muito. Algumas florestas são
chamadas de matas de cipó porque a quantidade des-
tas plantas é tão grande que é difícil se deslocar dentro
da mata. Estas matas de cipós são mais comuns nas
áreas de floresta tropical semidecídua. Aparentemente, a maior abertura de dossel e
menor altura das árvores neste tipo de floresta favorece as trepadeiras. O prejuízo
que causam às árvores é muito grande, e a estrutura destas florestas é bem diferen-
te. O dossel torna-se irregular e coberto pelas trepadeiras, pois poucas árvores re-
sistem a esta cobertura.

As epífitas

A falta de luz no solo da floresta é um problema sério para o desenvolvimento das


plantas jovens. Entretanto, nem toda a floresta é escura. As epífitas são plantas que
germinam suas sementes nas copas e se desenvolvem lá.

Entretanto, a solução deste problema criou vários


outros. O primeiro é o da semente chegar até um
galho. Orquídeas produzem milhares de semen-
tes pequenas que são carregadas pelo vento. A
grande maioria não cai em galhos e morrerá,
mas algumas conseguirão chegar a um galho. É
importante que isto ocorra numa época seca,
pois sementes molhadas não podem ser levadas
pelo vento e ao caírem em galhos podem ser
retiradas dele pela chuva. Em seguida, precisam
germinar e desenvolver o mais rápido possível
uma raiz para se fixar. Um problema sério neste
momento e ao longo da vida da orquídea é a fal-
ta de água. Embora esteja numa região de muita
chuva, o tronco da árvore se resseca com o sol
forte durante o dia. A orquídea resolve isto apro-
veitando a umidade da noite. Sua raiz exposta é capaz de absorver a água do ar e
do orvalho, especialmente durante a noite, e esta água fica armazenada em suas
34
grossas folhas. Seu metabolismo é de um tipo especializado que permite uma eco-
nomia de água. Outro problema é a falta de nutrientes. Nos galhos, normalmente
não há um solo. Apenas em forquilhas de grandes árvores e ocasionalmente sobre
troncos muito velhos se acumula matéria orgânica que serve como solo para as epí-
fitas (como na foto), e então elas podem se desenvolver muito. Em geral, as orquí-
deas dependem dos nutrientes que escorrem pelo galho. Suas raízes também são
ricas em micorrizas que auxiliam na captação de nutrientes. Embora as orquídeas
estejam em um local iluminado, sua produtividade é baixa, devido à falta de água e
de nutrientes. O resultado disto é que as orquídeas geralmente são pequenas e pro-
duzem poucas flores ao longo do ano. Como produzem poucas flores, estas flores
tendem a ser muito vistosas, para facilitar o seu encontro pelos polinizadores. Como
poucas plantas estarão produzindo flores, é necessário que a flor tenha duração de
vários dias e que o polinizador seja muito específico, para que se desloque direta-
mente de uma flor de orquídea para outra flor de orquídea da mesma espécie. Por-
tanto, as flores tem estruturas especializadas para evitar polinizadores de menor efi-
ciência. O exemplo da orquídea ilustra bem o que dissemos antes: a solução de um
problema pode levar à criação de outros problemas. Entretanto, estes outros pro-
blemas têm solução. E por isto a estratégia epífita é tão diferente das outras.

As Bromélias das copas são epífitas que encontraram os mesmos problemas das
orquídeas. A maioria das suas soluções foi parecida. Uma diferença está na forma
de armazenas água. Suas folhas estão dispostas em forma de coroa, formando um
reservatório de água. Este reservatório pode secar eventualmente, mas as suas fo-
lhas são relativamente resistentes à dessecação. A presença de cactos entre as epí-
fitas pode surpreender algumas pessoas, pois é uma vegetação mais associada a
ambientes semi-áridos. Entretanto, eles são comuns nas copas das árvores, pois o
microclima lá é seco. Orquídeas, bromélias, cactos e a maioria das epífitas são co-
mensais, isto é, não prejudicam a árvore sobre a qual cresceram.

Existem epífitas que são parasitas. Por exemplo, a erva de passarinho consegue
penetrar suas raízes dentro do tronco da plan-
ta hospedeira e retira água e sais minerais
deste tecido. No início de suas vidas, encon-
tram problemas semelhantes aos das orquí-
deas, entretanto, a sua dispersão é por pássa-
ros que ingerem suas sementes e as deposi-
tam ao defecar sobre os troncos. A semente
da erva de passarinho tem uma substância
que a adere ao tronco, reduzindo sua chance
de cair. Após desenvolverem as suas raízes
de absorção, terão água, nutrientes e luz, e
podem se desenvolver bastante, em alguns casos, a ponto de matar a planta hospe-
deira. Como absorvem água e nutrientes, ainda têm que fazer fotossíntese, por isto
são chamadas de hemiparasitas. Outras epífitas desenvolveram um parasitismo ain-
da mais extremo. Suas raízes são capazes de absorver a seiva elaborada da planta
hospedeira. A seiva elaborada é aquela que vem das folhas trazendo os produtos da
fotossíntese para alimentar as raízes e o restante do corpo vegetal. As epífitas que
absorvem esta seiva não são verdes porque não precisam fazer fotossíntese e são
chamadas de holoparasitas. Algumas holoparasitas crescem sobre a copa, como
uma convolvulácea (gênero Cuscuta), chamada popularmente de “fios de ovos” por-
35
que sua cor é semelhante à de um doce feito com a gema do ovo. Outras crescem
no interior do tronco das árvores hospedeiras, sua presença só é notada quando
produzem as suas flores.

Palmeiras da floresta

As palmeiras são plantas que ocorrem tanto em ambientes abertos como em flores-
tas. Costumam Desenvolver um tronco do tipo estipe, que geralmente não tem cres-
cimento em largura. Entretanto, podem ser bastante altas. Geralmente são sensíveis
à falta de água, provavelmente devido às suas folhas muito grandes. Palmeiras co-
mo o Buriti são indicadoras de locais com solos hidromórficos e possuem pneumató-
foros para resistir ao excesso de umidade. São comuns dentro da floresta, incluindo
algumas espécies de sub-bosque e outras de dossel. Muitas espécies de floresta
têm caule subterrâneo, como a Inajá e a Attalea. A abundância de espécies com
caules subterrâneos possivelmente esteja relacionada ao fato que a disposição de
suas folhas enermês acaba por formar um grande funil coletor das folhas das copas
das árvores, determinando um acúmulo de nutrientes à sua volta.

Outras estratégias vegetais na floresta tropical

Há outras estratégias menos comuns na floresta.

O Mata-pau ou apui é uma estratégia que evoluiu apenas em dois gêneros de plan-
tas (Fícus e clusia), entretanto, é uma estratégia que pode ser considerada importan-
te, pois estas árvores são relativamente abundantes na floresta tropical. A planta
nasce como uma epífita, na copa das árvores, onde há bastante luz. Entretanto, dife-
rente das epífitas, sua raiz cresce até atingir o solo. Ao chegar neste estágio, a plan-
ta tem a luz das copas e a água e os nutrientes do chão, e começa a desenvolver
mais esta raiz, que começa a cobrir o tronco da hospedeira. Sua raiz não tem a ca-
pacidade de apertar o tronco da hospedeira, entretanto, ela termina por morrer por-
que não pode impedir o desenvolvimento natural do seu tronco, comprimindo os va-
sos que levam seiva.

Plantas do jardim de formigas. A quantidade de formigas em uma floresta é muito


grande. Aparentemente, a competição entre elas acaba por restringir os bons locais
para construção de formigueiros. Algumas formigas resolveram isto levando solo
para cima de galhos para construção do seu formigueiro. Entretanto, o excesso de
chuvas dificulta a manutenção destes formigueiros. Para evitar que o formigueiro se
desfaça com a chuva, elas trazem sementes de determinadas espécies de plantas e
as protegem de herbívoros. Assim, elas se desenvolvem nesta terra, e sua raiz retira
o excesso de umidade e fornece uma estrutura firme que retêm a terra. Estas plan-
tas apenas são encontradas nestes locais.

36
As Holoparasitas de raízes. Nem todas as holoparasitas são epífitas. A maior flor
simples do mundo pertence a uma holopara-
sita de raízes, Rafflesia arnoldii, da Indoné-
sia, que se desenvolve dentro da raiz de uma
trepadeira. Algumas parasitas de raízes se-
quer entram em contato direto com as suas
hospedeiras e produzem flores bem peque-
nas. Suas raízes são parasitas de fungos de
micorrizas, que são mutua-
listas de árvores. Micorrizas
são associações entre fun-
gos e plantas, na qual o fungo recebe alimento da planta e a planta
recebe nutrientes do solo que os fungos tem maior capacidade de
absorver. Praticamente todas as plantas fazem estas associações,
mas as árvores em especial, especialmente se o solo for pobre. As
plantas holoparasitas de micorrizas se associam ao fungo, mas ao
invés de fornecer alimento, retiram o alimento que o fungo obteve
de outra planta. Não é uma estratégia muito comum, entretanto,
vale a pena ser citada para verificarmos que existem possibilidades de estratégias
vegetais bem diferentes das mais comuns.

Estratégias mais comuns na savana.

Árvores e arbustos de savana aberta. As savanas geralmente possuem árvores


próximas dos cursos de água. Nestes locais, o lenço freático está próximo da super-
fície, de forma que a disponibilidade de água ao longo do ano todo permite a ocor-
rência de árvores. Em vertentes de morros também pode haver disponibilidade de
água em alguns pontos que per-
mitem a existência de água sufi-
ciente. Fora desta situação, a
existência de árvores é possível
em savanas, mas depende da
profundidade do lençol freático, e
poucas árvores e arbustos so-
brevivem à seca por tempo sufi-
ciente para suas raízes chega-
rem à profundidade necessária.
Portanto, não ocorre a formação
de um dossel, as árvores e ar-
bustos ficam esparsos.

As árvores de savanas são diferentes das árvores de dossel da floresta tropical. Su-
as raízes são profundas, porque seu fator limitante é água. O mesmo ocorre com os
arbustos. Na maioria das savanas, predominam os arbustos, e as árvores são muito
baixas. Costumam ter copas baixas, isto é, ramos deste a base. A savana africana
um pouco é diferente. Lá há mais árvores altas com copas altas devido à abundân-
cia de herbívoros que atacam os ramos mais baixos. Devido à abundância de capim
que seca na época sem chuvas, a ocorrência de fogo é relativamente comum neste
37
bioma. Entretanto, é um fogo que passa rapidamente. Por isto, os arbustos costu-
mam ter cortiças grossas ao redor do tronco, que é uma defesa que costuma ser
suficiente contra o fogo. O fogo costuma matar gemas apicais, e gemas laterais bro-
tam após o fogo. Este é um dos motivos destes arbustos terem uma aparência con-
torcida.

É comum encontrarmos arbustos com folhas bastante duras. Isto é chamado de es-
cleromorfismo. Esta é uma adaptação para prolongar bastante a vida útil de uma
folha, tornando-a mais resistente à herbivoria e ao desgaste mecânico. Na savana, a
produtividade dos arbustos costuma ser baixa, especialmente na época seca para
as plantas que não atingem o lençol freático, por isto, é difícil produzir folhas novas.
Embora estas folhas não sejam tão eficientes como folhas novas trocadas constan-
temente, esta estratégia é mais efetiva quando é necessária uma a economia de
nutrientes.

Capim. O capim dificilmente cresce embaixo de árvores porque precisa de bastante


luz. Entretanto, na savana, e nos outros biomas abertos, o espaço entre as árvores
freqüentemente é amplo. Geralmente possuem um rizoma subterrâneo que resiste à
seca e ao fogo, e em alguns lugares, suporta bastante frio. Entretanto, o capim pre-
cisa também de uma estação de chuvas para crescer e recuperar suas reservas. Por
isto, há pouco capim em regiões semi-áridas, e menos ainda em desertos. O capim
e outras gramíneas e ciperáceas costumas ser a estratégia de maior produtividade
vegetal na savana e na estepe, sustentando até uma biomassa enorme de herbívo-
ros. Entretanto, não vamos superestimas esta produtividade, é bom lembrar que es-
tes herbívoros migram devido à seca ou ao frio.

Ervas anuais. Algumas plantas têm um ciclo de vida curto, devido a uma forte seca
sazonal (como nas savanas) ou ao frio sazonal (como nas estepes e nas tundras).
Na época favorável elas germinam, crescem, produzem flores e sementes e mor-
rem. As sementes ficam em um banco de sementes aguardando a próxima época
favorável. Em alguns desertos o intervalo supera um ano. Após anos, basta uma
chuva forte para as plantas germinarem e completarem todo o ciclo em poucas se-
manas. Na tundra, esta é a vegetação predominante.

Vegetação do semi-árido ao deserto. Em locais on-


de chove pouco o ano todo, como na caatinga, o len-
çol freático está inatingível em quase toda a área. Em
poucos lugares ele pode ser alcançado pelas raízes
de árvores. Dependendo da quantidade de chuvas,
pode haver uma espécie de mata baixa de arbustos
com espinhos e folhas pequenas, passando por locais
mais secos, onde encontramos praticamente apenas
cactos (ou semelhantes) e pequenas plantas com es-
pinhos e folhas pequenas, e finalmente os desertos
mais secos onde não há nenhuma forma de vegeta-
ção. Ocasionalmente, encontramos alguns arbustos
com folhas maiores e duras (escleromorfismo). As
folhas pequenas e alongadas bem próximas ao caule
tendem a sobre aquecer menos que folhas largas e
grandes, pois tem proporcionalmente maior superfície
38
de perda de calor. Freqüentemente, estas folhas são carnosas, isto é, acumulam
reservas de água. A foto ao lado é de uma euforbiácea adaptada a regiões secas.
Freqüentemente, elas nem tem estas folhas. Os cactos e semelhantes levaram a
estratégia da economia de água ao extremo, pois suas folhas se reduziram a espi-
nhos, e a superfície fotossintética passou a ser o caule. Adicionalmente, este caule
possui uma capacidade de acumular muita água. Os espinhos são uma estratégia
de defesa contra herbívoros mais comum neste bioma do que nos outros. Provavel-
mente, o impacto da herbívora neste bioma seja mais alto do que em outros, dada a
dificuldade da planta em se recuperar.

Vegetação de climas temperados

O frio influi na fisiologia das plantas de formas diferentes dependendo da sua inten-
sidade. Se a temperatura não for inferior a zero graus, praticamente o único efeito
será uma redução na velocidade das reações químicas. O efeito neste caso é muito
pequeno, e a planta volta ao normal quando a temperatura voltar a subir. Nesta situ-
ação, provavelmente o efeito maior deste inverno brando seja apenas a redução da
atividade de insetos prejudicando a polinização.

Se a temperatura chegar a poucos graus abaixo de zero por pouco tempo, poderá
haver formação de cristais de gelo que destroem tecidos vegetais (geada). Algumas
plantas resistem à geada porque possuem substâncias
inibidoras da formação de gelo. Existe uma diferença
significativa na composição de espécies de plantas pou-
cos graus acima e abaixo da faixa onde ocorrem gea-
das.

Se a temperatura for inferior a zero por alguns meses,


então haverá seca fisiológica, pois a água congelará, e,
ainda que haja água no solo, a temperatura será muito
baixa para o metabolismo radicular. A maioria das árvo-
res descartam as suas folhas e hibernam, aguardando a
primavera para brotar novas folhas e flores.

Se a temperatura for inferior a zero por vários meses, então o tempo favorável é
mais curto. Possivelmente seja esta a causa das Gimnospermas serem as espécies
predominantes nesta situação, pois elas não descartam as suas folhas no inverno, e
estão prontas para produzir novamente quando a temperatura voltar a subir.

Existem algumas regiões temperadas entre as latitudes 30 e 45 nas quais o verão é


a época mais seca (clima mediterrânico). Portanto, a vegetação terá dificuldade em
absorver água no inverno por causa do frio e no verão por causa da seca. Neste ca-
so, temos algumas características semelhantes ao semi-árido. É uma vegetação ar-
bustiva baixa e espinhosa.

39
6. ECOSSISTEMAS AMAZÔNICOS DE TERRA FIRME.

A divisão de ecossistemas que vamos adotar vai seguir aproximadamente a divi-


são de tipos de vegetação da Amazônia proposta por Pires e Prance em 1985.
Em primeiro lugar vamos dividir os ecossistemas em dois tipos: a) os que são
de terra firme, e b) os que são inundáveis periodicamente por rios. Os ecossistemas
inundáveis serão tratados no próximo capítulo.

Há diferenças de ecossistemas de terra firme relacionadas com a transição do ecos-


sistema de floresta tropical úmida para savana (escala amazônica), e diferenças re-
lacionadas com características locais, como posição topográfica e tipo de solo (esca-
la local). As diferenças relacionadas à escala amazônica já foram abordadas na in-
trodução sobre biomas, temos a florestas tropical úmida, a floresta tropical semide-
cíduas e a savana (regionalmente denominada cerrado).

Nos mapas da distribuição do bioma Floresta Tropical Úmida Amazônica encontra-


mos os ecossistemas: a) Floresta Tropical Úmida de Terra Firme Sobre Solos Argi-
losos, que denominaremos “Floresta Densa”, b) Floresta Tropical Úmida de Terra
Firme Sobre Solos Arenosos, ou Campinarana; c) Floresta Tropical Úmida Sobre
Solos Hidromórficos ou Floresta de Baixio; d) Formação Arbustiva sobre Solos Are-
nosos ou Campina. As abordagens mais superficiais deste bioma normalmente des-
crevem apenas o primeiro como se estivessem se referindo ao bioma todo. Entretan-
to, os outros três ecossistemas são bastante diferentes e representam uma área sig-
nificativa. Estes quatro ecossistemas costumam coexistir lado a lado em proporções
que variam entre regiões. Na maior parte da Amazônia predomina o primeiro ecos-
sistema, entretanto, na região de terra firme da bacia do Rio Negro predominam as
campinaranas.

Floresta Densa.
A “Floresta Densa” típica é encontrada em áreas planas com solos argilosos e esta-
ção seca inexistente ou curta. A ausência da seca, a drenagem boa (isto é, a água
não se acumula prejudicando as raízes), e o solo argiloso, que retem água e nutrien-
tes, determinam que a estratégia vegetal mais favorecida é a de árvores altas e
sempre verdes. Entretanto, há condições de microclima para muitas outras estraté-
gias, como foi descrito no capítulo 5. O resultado é uma floresta muito exuberante.

Muitos livros sugerem que a existência desta floresta exuberante é possível devido à
eficiente ciclagem de nutrientes. Estes livros estão invertendo causa e conseqüên-
cia. 1) A distribuição de florestas está claramente relacionada com a disponibilidade
de água. Isto pode ser visto tanto em escala global (os biomas florestais ocorrem em
climas mais úmidos), como em escala regional (em savanas encontramos matas
próximo aos riachos). 2) A água é um elemento limitante para a existência de árvo-
res, os nutrientes apenas em casos extremos que nunca ocorrem em solos argilosos
bem drenados. Como já vimos, na periferia da floresta tropical úmida há uma floresta
semidecíduas. As árvores são obrigadas a perder suas folhas para economizar á-
gua. A estrutura de uma floresta sobre solo argiloso rico é, no mínimo, difícil de se
distinguir de uma floresta sobre solo argiloso pobre. A produtividade da primeira é
certamente maior, as árvores certamente chegam à idade adulta mais cedo e produ-
zem mais frutos, entretanto, o tamanho das árvores adultas é o mesmo. 3) A Flores-

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ta Densa está muito longe do mínimo necessário de nutrientes para haver uma flo-
resta. Veremos adiante que a situação na Campinarana e nos Igapós é muito pior, e
mesmo assim são também ecossistemas florestais. 4) Quem tem planta em casa
sabe que elas morrem sem água, entretanto, muito raramente é necessário se a-
crescentar nutrientes. É evidente que a causa da floresta ser exuberante é a abun-
dância de água regularmente o ano inteiro.

Estes livros estão certos em uma coisa, a ciclagem de nutrientes na Floresta Densa
é eficiente. Entretanto, isto é uma conseqüência adicional da disponibilidade regular
de água. Em primeiro lugar, ao contrário dos outros biomas, as raízes das Florestas
Densas não precisam ser profundas, pois há água próximo da superfície o ano todo.
As raízes não precisam ser profundas. Em segundo lugar, dizer que os nutrientes
não são vitais para a exuberância da floresta não é o mesmo de dizer que não existe
uma pressão seletiva forte para uma busca eficiente dos nutrientes. Os nutrientes
efetivamente influem na produtividade da floresta. Quanto mais uma árvore for efici-
ente para obter nutrientes, mais frutos ela produzirá, e maior a chance dela perpetu-
ar seus genes. Esta eficiência resulta de raízes superficiais que cobrem uma área
muito grande e com associações com micorrizas. As raízes são superficiais porque
na floresta a concentração de
nutrientes é significativamente
maior próximo da superfície,
onde há uma camada de sera-
pilheira em decomposição. As
micorrizas já foram citadas
anteriormente, são associa-
ções com fungos que permi-
tem uma absorção maior de
alguns tipos de nutrientes. As
raízes são superficiais, mas
normalmente estão dentro do
solo, veremos na Campinara-
na uma situação ainda mais
extrema.

O elemento central do ecossis-


tema da Floresta Densa é a
árvore de dossel. A árvore de
dossel dá estrutura para a flo-
resta. Suas copas amplas cap-
tam energia e suas raízes a
água e o nutriente que alimen-
ta o ecossistema. A maior par-
te do fluxo de matéria e ener-
gia da biomassa produzida por
uma árvore vem do consumo
dos frutos e sementes e da
decomposição de suas folhas
mortas e do tronco, quando ela morre. As árvores gastam parte significativa do que
fixam de carbono na construção de seus troncos e raízes imensos, e este material
deixa de circular no ecossistema até a árvore morrer. Por isto, a floresta primária
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(original) não é um ecossistema tão produtivo como uma floresta secundária (ou ca-
poeira). (Obs. Cuidado para não confundir produtividade vegetal com importância.)
Suas copas amplas fornecem apoio para o crescimento de trepadeiras e epífitas e
tornam escuro e úmido o ambiente abaixo dela. Devido à limitação de luz, o sub-
bosque da Floresta Densa é bastante aberto, exceto em áreas de clareiras com ve-
getação em crescimento.

É a floresta com a maior biodiversidade do planeta. As causas para explicar esta


biodiversidade são polêmicas. Alguns sustentam que nos trópicos o clima variou
menos que próximo aos pólos. Principalmente na época das glaciações, muitas es-
pécies foram extintas com as mudanças climáticas. Embora tenha havido também
mudanças climáticas nos trópicos, que teriam ficado mais secos, certamente houve
lugares, principalmente próximo a grandes rios, que teriam servido como “refúgios”
para as espécies de florestas. Outros autores sugerem que estes refúgios não teriam
apenas preservado a diversidade, como também ampliado o número de espécies
por propiciar isolamento reprodutivo.

Curiosamente, o papel da polinização por animais sobre a diversidade tropical é


pouco mencionado. O clima tropical é mais favorável para polinizadores como inse-
tos, morcegos e beija-flores. A polinização por animais permite a existência de espé-
cies com indivíduos dispersos pelo ambiente. Sem ela, plantas como orquídeas não
poderiam existir. Como discutimos no capítulo 2, a polinização por animais permitiu a
diversificação das Angiospermas. É razoável se esperar que onde a abundância e
diversidade de polinizadores seja maior haja uma facilitação na diversificação das
plantas.

A floresta de Baixio
No capítulo 3, vimos uma representação topográfica de uma área de terra firme. O
baixio normalmente é uma superfície relativamente plana dentro da qual encontra-
mos o igarapé. O solo é arenoso, porque ao longo de muito tempo a água da bacia
hidrográfica local lentamente vai retirando a argila contida nele. O lençol freático está
próximo da superfície e aflora no igarapé, entretanto, o solo não está completamente
encharcado o tempo todo, especialmente nas áreas mais próximas à vertente. Isto
significa que nem todas as plantas necessitam de resistência ao solo permanente
encharcado. Entretanto, especialmente próximo do igarapé, estas adaptações são
necessárias. A planta mais representativa dos igarapés é a palmeira Buriti, com seus
abundantes pneumatóforos. O solo arenoso é menos estável que o solo argiloso, por
isto, as raízes escora e
tabulares são comuns
neste ecossistema.

O solo arenoso é extre-


mamente pobre em nu-
trientes. Neste caso, a
abundância de nutrientes
pode ser um dos fatores
para explicar a menor
altura desta floresta com-
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parada à Floresta Densa. Entretanto, aparentemente em locais mais encharcados do
baixio a altura das árvores é menor. Portanto, novamente a causa poderia estresse
hídrico, mas pelo excesso de água. Em boa parte do baixio, as raízes estão acima
do solo arenoso, formando um tapete de raízes misturado com o material vegetal em
decomposição. Apesar do solo ser muito pobre em nutrientes, a disponibilidade
constante de água permite uma decomposição mais rápida e uma absorção mais
constante dos nutrientes. Portanto, é uma situação menos extrema de falta de nutri-
entes que na Campinarana. Prova disto é o Buriti, que pode produzir uma quantida-
de grande de frutos anualmente. Apesar da altura e diversidade menor, não se pode
dizer que a floresta de baixio seja menos “exuberante” que a Floresta Densa. Devido
à alta umidade, a quantidade de epífitas é bastante grande.

A Campinarana e Campina
Os solos argilosos normalmente mantêm as suas características sob a floresta. En-
tretanto, em baixios e vertentes, devido ao deslocamento lateral da água, o solo po-
de se tornar arenoso. É um processo que pode demorar, mas uma vez arenoso, ele
tende a se manter desta forma. Em alguns lugares, o solo pode ser arenoso devido
à formação deste solo pela decomposição de uma rocha arenosa, ou porque havia é
uma área que foi igapó no passado. Por isto, geralmente encontramos solos areno-
sos ou argilosos, os solos intermediários são mais raros.

A Campinarana é a vegetação florestal que ocorre


nestes solos arenosos não hidromórficos. Trata-se de
uma vegetação excepcional. Na maioria dos locais
em que há um solo arenoso, há pouca ou nenhuma
vegetação, entretanto, aqui encontramos uma flores-
ta. A altura é variável, entretanto, em muitos locais
não é muito menor que a Floresta Densa. Provavel-
mente, devido à quantidade de nutrientes bem me-
nor, a camada de copas é bem mais aberta, e pene-
tra mais luz. Como penetra mais luz, a mortalidade
das plantas jovens é menor. Como na Floresta Den-
sa, as plantas jovens são finas e compridas na busca
de luz, entretanto, o número destas plantas no sub-
bosque é bem maior. Acima do solo há uma espessa
camada de raízes, pois a quantidade de nutrientes no
solo arenoso é mínima, entretanto acima deste solo há nutriente da decomposição
das folhas da floresta.

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Outra vegetação destes solos arenosos é a Campina. Trata-se de uma vegetação
arbustiva com solo exposto entre os arbustos. Próximo
aos arbustos, devido a um microclima um pouco menos
quente, algumas ervas crescem, formando moitas. Muitos
arbustos têm folhas escleromórficas, que é uma adapta-
ção para economia de nutrientes, pois leva ao aumento da
duração da vida da folha. Não há uma camada de raízes
formando um tapete como na Campinarana.

São duas vegetações muito diferentes, especialmente


considerando-se que estão sobre o mesmo tipo de solo e
mesmo clima. O solo arenoso não hidromórfico tem dois
problemas, ele tem baixa capacidade de reter água e de
reter nutrientes. As áreas de Campina normalmente estão
em uma posição topográfica mais alta que as de Campinarana. Entretanto, a Campi-
na pode estar em uma posição topográfica mais baixa se houver uma rocha abaixo
dela.. Isto mostra que a diferença destas duas vegetações é que a primeira não po-
de aproveitar água do lençol freático, e a segunda sim. A Campina, portanto, é uma
vegetação que depende totalmente da água de chuva que pode absorver durante o
curto tempo em que o solo está úmido. Entretanto, não é uma situação tão grave,
pois chove quase o ano todo. A altura das árvores da campinarana é menor quanto
mais alta for a sua posição topográfica. Isto ocorre porque quanto mais profundo for
o lençol freático, maior será a distância da água para a copa, dificultando o transpor-
te da água até as folhas.

A Savana Amazônica
Já vimos as principais características das savanas no capítulo 1 e 5. Trata-se de
uma vegetação tropical aberta onde
há predomínio de capim, outras
gramíneas mais baixas, ciperáceas
e uma quantidade de arbustos variá-
vel. Este capim cresce na estação
das chuvas e depois seca, podendo
causar fogo. Os arbustos têm adap-
tações contra o fogo como cortiças
grossas. Muitos arbustos têm raízes
profundas, para resistir à seca. São
comuns plantas com folhas esclero-
morfas, o que indica que economi-
zam nutriente retendo as folhas. O
solo costuma ser pobre, especial-
mente devido ao pH, que torna al-
guns nutrientes mais difíceis de se-
rem absorvidos. Embora a fertilidade
do solo seja comparável à fertilidade de vários solos de Florestas Densa, a situação
de nutrientes é mais grave. No cerrado, não existe a camada de matéria em decom-

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posição perto da superfície. Ainda que haja alguma matéria em decomposição na
superfície, as raízes precisam ir para o fundo do solo devido à falta de água.

Esta vegetação ocorre em função de uma estação seca que tem uma duração muito
longa para a existência de uma floresta. Partindo-se de Manaus em direção a Brasí-
lia, a duração da época seca aumenta gradualmente, e isto explicaria a transição de
uma Floresta Densa para uma Floresta Semi-Descídua e depois uma savana. Entre-
tanto, como ex-
plicar a existên-
cia de manchas
de savana den-
tro da Amazô-
nia. Para alguns
autores, estas
manchas são
um resquício de
épocas mais
secas do pas-
sado.

Entretanto, pode
se questionar se
o tempo neces-
sário para o re-
torno à vegeta-
ção de Floresta Densa não está longo demais. Uma capoeira pode se transformar
em uma floresta muito semelhante a uma floresta primária em uma centena de anos,
e a última glaciação já passou há muitos séculos. Provavelmente há fatores que es-
tão contribuindo para a permanência deste tipo de vegetação nos locais onde elas
se encontram.

Em alguns casos, como no caso da Savana de Roraima, podemos dizer que se trata
de uma área externa ao Bioma da Floresta Tropical Úmida. Entretanto, em Alter-do-
Chão, próximo de Santarém no Pará, há algumas manchas de savanas rodeadas
por florestas. Estas manchas não parecem estar retrocedendo. O clima ai tem uma
estação seca relativamente longa, mas as florestas ao redor mostram que a seca
não é suficiente longa para impedir o estabelecimento de árvores. A resposta está
no solo. Nesta área, onde há solo arenoso encontramos cerrado, onde há solo argi-
loso encontramos florestas. Aparentemente, o solo arenoso, por não reter bem a
água, tem um efeito semelhante a uma ampliação da época seca, impedindo o re-
torno da floresta.

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7. ECOSSISTEMAS PERIODICAMENTE INUNDÁVEIS

A várzea.

O termo várzea refere-se a um terreno baixo mais ou menos plano que se en-
contra junto às margens de rios. Na Amazônia, este termo ganha um significa-
do especial, pois, dadas as dimensões dos rios e a altura a que sobem as á-
guas com as enchentes, formam-se imensas áreas de várzea, de até 100 km de lar-
gura. E estas regiões planas enormes se formam pela deposição de sedimentos car-
regados por rios de água branca. Portanto, na Amazônia, "várzea" é um termo que
se restringe às regiões inundadas por rios de água branca.

Como vimos nas aulas de hidrologia, o entorno dos rios de água branca é muito
mais complexo do que o entorno de rios de água preta ou clara. Nestes últimos, ba-
sicamente temos um rio e suas margens, eventualmente encontramos conjuntos de
ilhas, e os lagos são relativamente pouco comuns. Na várzea, os sedimentos trazi-
dos pela água moldam uma planície cheia de lagos de tipos diversos, "paranás", "fu-
ros", e ilhas, além do fato que as margens e ilhas estão em um processo dinâmico
de queda e reconstrução.

Esquema de uma área de várzea. A existência de tantos habitats é re-


sultado da deposição dos sedimentos do rio de água branca. O elemen-
to funda-
mental para falar do ecossistema "Várzea Amazônica" é o regime de cheias e vazan-
tes dos rios. Todos os processos e interações entre espécies são fortemente influen-
ciados por este fenômeno. Pode se dizer que o ecossistema de várzea é resultante
da interação intensa entre um rio de água branca, os lagos e as áreas terrestres i-
nundáveis. Se não houvesse enchentes, não existiria a várzea, haveria apenas e-
cossistemas aquáticos e ecossistemas terrestres com interação muito menor. Veja-
mos como se dá esta interação.

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Com a enchente, as águas do rio invadem lagos, locais com vegetação baixa e até
florestas. A correnteza do rio vai variar, e ele receberá maior carga de sedimentos
das margens em certas épocas do ano que em outras. Entretanto, comparado às
áreas inundáveis, As mudanças no rio em si são muito menores do que nos ecossis-
temas que ele inunda, pois continua sendo basicamente um canal de água barrenta
com certa correnteza.

Por outro lado, a fauna do rio muda. Há períodos (curtos) em que a pesca no rio é
farta e períodos (longos) em que é
mais difícil pescar. Para ilustrar as
mudanças na fauna, vamos falar
de peixes, mas isto vale também
para outros animais. A fauna en-
contrada nos rios muda ao longo
do ano principalmente devido às
mudanças dramáticas que ocorrem
nas áreas inundadas. Para a maio-
ria das espécies de peixes, os la-
gos são ambientes muito mais fa-
voráveis do que os turvos rios de
água branca. Lá existe mais ali- Rio Solimões em um período intermediário
mento e proteção, e eles não tem entre os picos da cheia e da vazante.
de lutar muito contra a correnteza
para se deslocar. Entretanto, quando as águas baixam, diminui a quantidade de ali-
mento, os predadores se concentram, e o lago pode até secar, de forma que muitas
espécies abandonam os lagos. Outra razão para abandonar os lagos é a dispersão,
e o conseqüente aumento da mistura genética, que é algo favorável para cada es-
pécie. Portanto, o rio é apenas uma es-
trada para a maioria dos peixes da vár-
zea.

Os lagos de várzea variam bastante


entre si em função da sua posição to-
pográfica e da profundidade. Em alguns
casos, toda a água do lago veio do rio,
durante a enchente. Em outros, a água
do lago vem principalmente de igarapés
da terra firme, e há pouca entrada de
água do rio apenas no auge da enchen-
Lago de várzea com floresta inundada na
te. (aqueles lagos que não recebem
cheia.
nenhuma contribuição de água das en-
chentes devem ser considerados lagos
de terra firme.) Em geral, a entrada de água das enchentes é grande. Há até regiões
em que o nível de água sobe tanto que liga todos os lagos de uma área em um e-
norme lago que inclui florestas dentro dele.

Os sedimentos carregados pelos rios de água branca são ricos em nutrientes mine-
rais. Entretanto, a produtividade de rios de água branca em si é baixa, pois a luz do
sol não consegue penetrar na água barrenta, de forma que a fotossíntese é quase
nula. Por outro lado, nos lagos os sedimentos vão para o fundo, permitindo a pene-
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tração da luz do sol, e os nutrientes ficam na água, de forma que ocorre bastante
fotossíntese por algas. Além disto, há muita entrada de nutrientes da decomposição
de matéria orgânica das margens, tanto do capim como da floresta. Na várzea há
um intenso desenvolvimento de plantas aquáticas, como a Vitória Amazônica, agua-
pés, e alguns tipos de capim adaptados à enchente. Parte desta flora serve de ali-
mento para alguns animais, como o peixe-boi, e também enriquece o ambiente com
matéria orgânica quando se decompõe. A floresta inundável contribui com a decom-
posição de galhos, folhas e flores e com o importante aporte de frutos.

Nas áreas que secam na época da vazante, geralmente desenvolve-se uma vegeta-
ção terrestre. O que encontramos depende muito da topografia. As áreas mais bai-
xas que secam ficam sob a água mais tempo, e em alguns lugares encontramos a-
penas o capim flutuante que morre com a seca. Em áreas mais altas, que ficam pou-
cos meses sob a água, encon-
tramos grandes árvores. Em
posições intermediárias encon-
tramos diferentes vegetações
mais baixas e abertas que re-
sistem à inundação, ou que bro-
tam na época mais seca e re-
produzem-se antes da chegada
das águas. As árvores não re-
sistem a longos períodos de
inundação porque o solo en-
charcado perde o oxigênio ne-
cessário ao metabolismo das
raízes. Paradoxalmente, em
solo encharcado as árvores so- Vegetação crescendo em área de várzea que fi-
frem de falta de água, pois suas cou sob a água .
raízes estão incapazes de ab-
sorvê-la. Muitas árvores da várzea perdem suas folhas durante a enchente. Possi-
velmente perdem as folhas devido à falta de água (sofrendo com a "seca" fisiológi-
ca), ou como forma de economizar água, pois reduzem a superfície de transpiração
("prevenindo-se" contra ela).

As enchentes, que são catástrofes em


locais onde elas são incomuns, são par-
te do funcionamento deste ecossistema.
Os sedimentos trazidos pela água ferti-
lizam o solo das áreas inundáveis. As
águas irrigam o solo, levam sementes, e
distribuem matéria orgânica nestas á-
reas, mas também asfixiam o solo, ma-
tam plantas (especialmente as plântu-
las), e acabam estabelecendo que ape-
nas espécies adaptadas ao fenômeno
persistirão ai. A vegetação inundada Interior de uma mata inundável no perí-
oferece alimento aos peixes e a outros odo da vazante. Notar o sub-bosque a-
animais aquáticos, principalmente frutos berto e a quantidade alta de plântulas no
chão. Poucas delas sobreviverão aos
herbívoros e às enchetes. 48
e inseto que ficaram presos por causa da enchente. Também oferece refúgio, que é
especialmente importante para os alevinos (filhotes dos peixes) de muitas espécies.
A cheia é uma época de engorda e de procriação. Entretanto, o que era uma opor-
tunidade para os peixes na cheia torna-se um risco na vazante.

Na vazante, muitos peixes e outros animais aquáticos ficam presos em lagos tempo-
rários e tornam-se alimento para jacarés e ariranhas, predadores da terra firme, co-
mo as onças, e para aves, como gaivotas, garças e mergulhões, ou simplesmente
morrem pela falta da água, tornando-se alimento para carniceiros, como os urubus e
os lagartos teiú. Esta fase também atrai herbívoros terrestres ou semi aquáticos,
como veados e capivaras, que se alimentam da vegetação que está brotando. É por
isto que as espécies que vivem na várzea têm seus ciclos fortemente relacionados
com a variação no nível das águas.

A produtividade da várzea é muito alta devido à riqueza de nutrientes e à interação


entre os ambientes. Se a água não baixasse a vegetação terrestre não sobreviveria,
teríamos apenas um lago, cuja produtividade seria menor. Se a água não subisse,
teríamos uma mata de terra firme, cuja produtividade é limitada pela baixa fertilidade
do solo. A interação entre estes ecossistemas também possibilita aos animais que
migrem entre os ambientes para tirar o máximo de proveito de cada um deles. A alta
produtividade e a diversidade de habitats podem ser importantes para determinar a
alta diversidade de peixes neste ecossistema. Entretanto, a questão da biodiversi-
dade não é tão simples; veremos por que na apostila sobre igapó.

Esta descrição de várzea lembra bastante o


que encontramos no Pantanal do Mato Gros-
so, onde há também este regime de cheias e
vazantes, e onde predominam áreas abertas.
Entretanto, nem toda as áreas de várzea são
tão abertas. Em rios de água branca de menor
porte, a superfície inundável é menor, a quan-
tidade de lagos é menor e predominam as flo-
restas inundáveis. A área de floresta inundável
ainda é muito grande, e acaba funcionando
como um lago, com a diferença que não rece-
be muita luz do sol e tem menor quantidade de
plantas aquáticas. A amplitude da cheia tam-
bém varia ao longo do Rio Amazonas, sendo a
máxima no alto Solimões, e diminuindo em
direção a Belém. No alto Amazonas há me-
nor predominância de á-
reas abertas, as áreas inun-
dáveis são basicamente flo-
restas.

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Outro fenômeno importante que ocorre na Amazônia, especialmente em áreas mais
ao sul, como em Rondônia e Mato
Grosso, é a ocasional mortandade de
peixes devido à friagem. A friagem ocor-
re entre maio e julho, quando uma frente
fria vinda do sul atinge a Amazônia. Os
lagos tem uma estratificação térmica,
isto é, são mais quentes na superfície
do que no fundo. Isto faz com que a á-
gua da superfície não se misture com a
água do fundo. No fundo do lago há
muita matéria em decomposição que é
Peixes mortos devido à friagem. tóxica para a maioria dos peixes. Quan-
do vem uma friagem a superfície esfria e
a água do fundo se mistura com a da
superfície.

O Igapó
Igapó é um termo de origem tupi que significa mata inundada. O termo é aplicado
por alguns para indicar qualquer floresta inundável por grandes rios na Amazônia.
Entretanto, especialmente no que se refere a nutrientes disponíveis no solo, a condi-
ção é muito diferente se a mata for
inundável por água branca ou por
água preta. Por isto, na literatura
científica biológica, o termo igapó
geralmente se restringe apenas às
florestas inundáveis por água pre-
ta ou por água clara. Esta é a ter-
minologia que usaremos nesta
apostila. Na verdade, não vamos
falar apenas do Igapó, mas de
todo o ecossistema de água preta,
que inclui rios e lagos.

Em contraste com o esquema em


corte da várzea que mostramos no
capítulo anterior, vemos, na figura
ao lado, que o ecossistema for-
mado pelo rio e pelo igapó é bem
mais simples. Basicamente
temos apenas o rio e uma Corte de um rio de água clara ou preta em dois locais. Aci-
floresta inundável anual- ma a topografia determinou o estabelecimento de uma mata
mente em ilhas ou na mar- de igapó e abaixo não.
gem de um rio de água pre-
ta. Em alguns lugares temos
grandes praias que se for-
mam quando a vazante atinge seu nível mínimo. Estas praias são locais de desova
de tartarugas e gaivotas. Geralmente o solo ai é muito pobre para possibilitar o de-
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senvolvimento de uma vegetação que consiga aproveitar o período da vazante para
completar um ciclo de vida curto. Há lagos, mas em número muito menor do que o
que existe na várzea, e a água nos lagos difere pouco da água do rio, de forma que
o papel deles como um elemento de diversidade de habitat no ecossistema é muito
menor do que nos lagos de várzea.

Da mesma forma que na várzea, o fator determinante neste ecossistema é o ciclo de


cheias e vazantes. Na cheia os peixes entram na mata onde podem encontrar refú-
gio e alimento (principalmente insetos e frutos). Muito do que dissemos sobre isto
para várzea vale também para o ecossistema rio-igapó, exceto que neste a impor-
tância dos lagos é muito menor. Na vazante, o rio volta a ficar restrito ao seu leito.

Considerando a diferença de complexidade ambiental entre os ecossistemas inun-


dáveis de águas brancas por um lado, e de claras ou negras por outro, era de se
esperar que os primeiros fossem muito mais exuberantes e ricos em espécies, mas
não é bem assim. De fato, nos ecossistemas de águas brancas existe uma grande
quantidade e diversidade de plantas aqüáticas, quase ausentes nos ecossistemas
de águas claras e negras. Entretanto, as florestas inundáveis não são tão diferentes.

Algumas florestas de igapó são muito exuberantes. Se tivermos fotografias de interi-


ores de florestas de várzea, de igapó e de terra firme, é fácil distinguir as florestas
inundáveis das de terra firme, pois as florestas inundáveis tem sub-bosque muito
aberto. Entretanto, poucas pessoas são capazes de dizer com segurança qual delas
é de várzea e qual é de igapó. Isto mostra que a riqueza do solo, que é muito baixa
no igapó e bastante alta na várzea, tem pouco efeito sobre a estrutura da floresta e a
biodiversidade de árvores.

O efeito da riqueza do solo é que as matas de várzea são muito mais produtivas que
as de igapó. As árvores da várzea crescem muito mais rápido e produzem muito
mais frutos. Várias árvores de várzea se descartam de suas folhas com a enchente,
de forma a evitar os efeitos da seca fisiológica (ver apostila anterior). Quando volta o
período de vazante, suas folhas crescem novamente, pois não faltam nutrientes para
isto. As árvores do Igapó demoram muito mais a crescer, produzem menor quanti-
dade de frutos (ou passam maiores intervalos de anos entre produções de frutos), e
raramente se descartam de folhas para reduzir a perda de água, pois a reposição de
folhas é difícil em solos pobres. Outra diferença está no tamanho de sementes. Em-
bora a luz costume ser o principal fator limitante para plântulas em uma floresta, a
falta extrema de nutriente pode tornar-se limitante, e encontramos sementes despro-
porcionalmente grandes em várias espécies de árvores do igapó, de forma a garantir
nutrientes na fase inicial de crescimento. Entretanto, apesar da diferença na riqueza
do solo, na produtividade, e no tempo de crescimento necessário para as árvores
chegarem à maturidade, o resultado final é praticamente o mesmo: uma floresta e-
xuberante resistente às enchentes.

A comparação destas duas matas é importante para entendermos florestas tropicais


em geral. Elas mostram que os nutrientes limitam produtividade, mas não a existên-
cia de florestas. Mesmo no solo tropical mais pobre haverá florestas, desde que haja
água suficiente (e também um tempo suficiente de vazante).

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Esta diferença de produtividade tem conseqüências sobre os organismos do ecos-
sistema. A principal delas é que há menos matéria disponível no ecossistema para
os animais se alimentarem. Como conseqüência, o igapó é muito mais pobre em
quantidade de animais (peixes, jacarés, macacos, aves, etc). A população humana
que vive ao seu redor também é escassa. Algumas pessoas chamam os rios de á-
gua preta de rios da fome. (É verdade que a abundância de alimentos é muito menor
ai, mas este termo é um pouco exagerado.)

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Questões sobre Biomas e Ecossistemas Amazônicos

1) Por que encontramos vegetações muito semelhantes em locais muito distan-


tes como as florestas tropicais da Amazônia, da Índia e da Indonésia?
2) O que são Biomas?
3) Cite 5 Biomas e descreva as características principais de 3 deles.
4) O que é sazonalidade climática?
5) Faça uma representação gráfica da posição de 9 Biomas em um gráfico de
precipitação por temperatura.
6) Explique o significado da frase “Os biomas não têm fronteiras definidas”.
7) Explique o significado da frase “Os biomas não são unidades homogêneas”
8) Ecossistema é “O maior sistema de interação, envolvendo organismos viven-
tes e seu ambiente físico” (Raven1992). Como você explicaria este conceito
para um estudante de 12 anos?
9) Por que o clima na região do Equador é quente?
10) Por que chove muito na região do Equador?
11) Por que a maioria dos desertos está concentrada nas latitudes 30º Norte e
30ºS?
12) Como é possível que o sol permaneça mais que 24 horas sem se por em al-
gumas regiões do planeta? Que regiões são estas e em que época isto ocor-
re?
13) Por que a época do verão nas regiões temperadas do Hemisfério Norte é a
época do inverno no Hemisfério Sul?
14) Por que há uma época mais seca e uma época mais chuvosa na Amazônia
central?
15) Por que a época seca de Boa Vista em Roraima coincide com a época chu-
vosa em Manaus no Amazonas?
16) O que é Deriva Continental?
17) Qual é a relação entre Deriva Continental e fenômenos como o vulcanismo,
terremotos, maremotos e a formação de montanhas.
18) Explique a formação da Planície Amazônica a partir do soerguimento e ero-
são dos Andes
19) Faça um esquema mostrando a topografia típica de uma área de terra firme
na Amazônia Central onde há platô, vertente e baixio.
20) Por que o solo do baixio é hidromórfico-arenoso?
21) Como o relevo influi sobre o clima de uma região?
22) Como o relevo influi sobre a disponibilidade de água próximo à superfície do
solo?
23) Quais os tipos de água dos grandes rios da Amazônia, quais as suas caracte-
rísticas, e onde se localizam suas nascentes principais?
24) Explique a frase: “a categorização em ‘tipos de água’ tem finalidade de simpli-
ficação didática e prática, entretanto, na realidade existe um continuo entre
estes tipos de água”
25) Por que a água de muitos lagos de várzea tem cor preta, mas tem caracterís-
ticas muito diferente da água de lagos com rios de água preta?
26) Por que encontramos igarapés de água clara e de água preta ocorrendo na
mesma área de floresta, como na Reserva Ducke, por exemplo.
27) Por que existem as cheias e vazantes dos rios Amazônicos?
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28) Compare a paisagem em diferentes áreas de várzea amazônica.
29) Compare a paisagem de Várzeas com a paisagem de áreas com rios de á-
gua preta
30) Quais as necessidades básicas das plantas que podem ser limitantes para
sua perpetuação.
31) A partir de quando, na história evolutiva das plantas, elas começaram a ter
uma reprodução independente de água; e qual a conseqüência disto para a
conquista do ambiente terrestre?
32) Em que situações a luz é limitante para a vida da planta?
33) Compare os caminhos evolutivos das plantas para enfrentar a falta de luz
34) Por que o termo “competição por luz” é apropriado no caso da alelopatia e de
crescimento em processo de sucessão, mas não é apropriado no caso de ma-
tas primárias?
35) Por que uma floresta sobre solo rico tem produtividade maior que uma floresta
sobre solo argiloso pobre, mas a “aparência” das duas é muito semelhante?
36) Comente situações em que as plantas necessitam de adaptações especiais
para garantir a sua sustentação e a sua fixação.
37) Em que situações o oxigênio pode ser limitante para plantas, e por que as ár-
vores são mais vulneráveis nestas situações?
38) Por que podemos comer folhas de alface, mas não podemos comer as folhas
das plantas da floresta?
39) Por que a co-evolução entre plantas e herbívoros tende a determinar uma die-
ta restrita a poucas plantas para os herbívoros?
40) Além das defesas das plantas, há outros fatores que limitam a eficiência dos
herbívoros. Comente dois deles.
41) Qual é a relação entre o investimento de uma planta em defesa e a sua taxa
de crescimento?
42) Por que uma população de clones tem menor resistência a mudanças que
uma população normal?
43) Uma mistura genética eficiente não depende apenas de uma reprodução se-
xuada. Explique por quê.
44) Qual é a estratégia de plantas criptógamas para aumentar a eficiência da sua
mistura genética
45) Qual é a estratégia da maioria das Gimnospermas para aumentar a eficiência
da sua mistura genética?
46) Qual é a estratégia da maioria das Angiospermas para aumentar a eficiência
de sua mistura genética?
47) Se a polinização auxiliada por animais foi uma grande vantagem para as An-
giospermas, como podemos explicar que as gramíneas e ciperáceas “retorna-
ram” à polinização pelo vento e tiveram um enorme sucesso ecológico.
48) Como a dispersão pode aumentar a chance de sobrevivência de uma semen-
te?
49) Algumas plantas são melhores colonizadoras do que outras. Explique situa-
ções em que estas plantas teriam mais vantagens.
50) Faça um esquema que mostre as interações entre as necessidades vegetais
e o contexto ecológico.
51) Explique o que são estratégias vegetais
52) Cite 5 estratégias vegetais comuns em florestas tropicais e explique duas de-
las.
53) Explique duas estratégias vegetais comuns em savanas
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54) Explique adaptações de plantas comuns em regiões áridas e semi-áridas
55) Explique a relação entre temperatura e disponibilidade de água para plantas
que ocorrem em áreas com inverno com frio rigoroso, e as adaptações que as
plantas apresentam para este clima.
56) Na transição entre floresta tropical úmida com estação seca curta (e.g. Ma-
naus) e o cerrado do Brasil Central (e.g. Brasília), o que muda gradualmente
em relação ao clima e à vegetação?
57) Dizer que a Floresta Densa existe porque a ciclagem de nutrientes é eficiente
é confundir causa com conseqüência. Explique.

58) Explique a árvore como o elemento chave em toda a dinâmica de massa e de


energia da Floresta Densa.
59) Por que a diversidade de árvores da Floresta FTA é alta?
60) Descreva a floresta de baixio.
61) Descreva e compare a campinarana e a campina.
62) Descreva as adaptações das savanas à seca e ao fogo.
63) Faça um esquema mostrando os diversos elementos da paisagem de várzea
Amazônica
64) Comente adaptações da fauna ao regime de cheias e vazantes da várzea
65) Por que a várzea é um ambiente com alta produtividade biológica
66) Qual é o significado popular e qual é o significado científico (na tradição da
biologia) do termo Igapó.
67) Faça um esquema que mostre um rio de água preta ou clara e a floresta de
suas margens.
68) Por que as sementes das árvores de Igapó tendem a ser maiores que as se-
mentes das árvores de várzea.
69) Como se explica que a floresta de várzea, que está em um solo muito rico,
não seja estruturalmente muito diferente de uma floresta de igapó, que está
em um solo muito pobre?

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