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Identidade, Cultura e Sociedade

Rio de Janeiro, RJ
2019.
Identidade, Cultura
e Sociedade

 Área: Filosofia/Sociologia

 Disciplina: Identidade, Cultura e Sociedade

 Autor: Aline Sabbi Essenburg

 Currículo Lattes (link): http://lattes.cnpq.br/1400532278725796

 Data de envio: março/2019

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Identidade, Cultura
e Sociedade
Boas-vindas

Desejamos as boas-vindas aos discentes da


disciplina Identidade, Cultura e Sociedade.

Informe-se do conteúdo a ser estudado nas


próximas semanas, conheça os objetivos da
disciplina, a organização dos temas e o número
aproximado de horas de estudo que devem ser
dedicadas a cada unidade.

O período de duração é compreendido em 4


semanas, totalizando a carga horária de 60 horas.
Cabe a você administrar o tempo conforme a sua
disponibilidade. Contudo, lembre-se de que há um
prazo para a conclusão da disciplina. Lembramos
também que a disciplina inclui a realização das
atividades avaliativas (tarefas) para cada unidade
apresentada.

Os conteúdos estão organizados em unidades de


estudo, subdivididas em capítulos, de forma
didática, objetiva e coerente. Eles são abordados
por meio de textos básicos, com questões para
pesquisa e reflexão. No transcorrer das atividades
e unidades, são indicadas, também, outras fontes
de consulta, para aprofundar os estudos, tais como
leituras acadêmicas e pesquisas complementares.

Não obstante o caráter virtual, estaremos sempre


muito próximos.

Justificativa

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Identidade, Cultura
e Sociedade
Até o século XIX, prevalecia a
noção de totalidade e infinito na
filosofia, em concomitância com
a ideia de natureza e Deus
como eternos. O interesse pela
finitude se dá somente a partir
do século XX, assim, a ciência
universal dá lugar às múltiplas
particulares e ocorre o
afastamento da metafísica.
Fonte:
No momento em que se depara https://robertux.wordpress.com/category/fech
com o mundo, o sujeito do a-especial/
conhecimento qualifica a
normatividade social com identidade coletiva. O processo do caminhar
normativo não se dá sem sobressaltos, uma vez que as normas são
adequadas e substituídas por outras, de acordo com o tempo histórico, com a
conduta humana e com as representações culturais amplas. Dos valores éticos
aos direitos humanos, os códigos normativos são consequência do próprio agir
humano, que estabelece o fundamento da unidade cultural.

É válido salientar que as regras vêm dotadas de “homenidade”, entretanto, não


são sempre humanistas. Por vezes, há a idealização de uma sociedade que se
coloca cada vez distante dos próprios cidadãos, de modo que o sentido que
produz as normas e sua aplicabilidade apresentam-se desconexos.

Neste viés, a disciplina Identidade, Cultura e Sociedade foi elaborada,


sobretudo para compreender como a identidade do sujeito se edifica e se
transforma no caminhar histórico e quais as mudanças que ocorrem nessa
trajetória.

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Identidade, Cultura
e Sociedade
OBJETIVOS

Objetivo Geral

 Discutir sobre a relação ente identidade, cultura e sociedade ao longo da


história.

Objetivos Específicos

 Apresentar aspectos relevantes sobre o sujeito e a sociedade, bem como


as mudanças nos tempos modernos.
 Debater sobre o universalismo e relativismo cultural.
 Comentar aspectos importantes sobre modos de organização do Estado.

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Identidade, Cultura
e Sociedade
Avaliação

Constituir-se-á de trabalhos elaborados durante o desenvolvimento do


curso, com auxílio do tutor e memorial acadêmico.

As atividades avaliativas
objetivam duas ações principais:

a) Favorecer o processo de
aprendizagem do cursista, por
meio de atividades reflexivas e
analíticas.

b) Fornecer subsídios para o


tutor avaliar o desenvolvimento
do cursista nas atividades e a
adequação aos objetivos
propostos para a formação do
curso.

Fonte: https://gestaodepessoasrh.files.wordpress.com/2008/09/avaliacao.jpg

As atividades sugeridas no decorrer das unidades do curso devem ser


realizadas pelo aluno, para compor seu diário de formação. Para realizar essas
atividades, o cursista poderá consultar os livros indicados na bibliografia,
artigos em meio eletrônico ou outras produções acadêmicas de seu
conhecimento que versem sobre o assunto em questão, assim como relatar
experiências e vivências profissionais.

Você contará com o apoio e a orientação de um tutor experiente no assunto,


que irá interagir com você sanando suas dúvidas e estimulando a discussão de
temas importantes por meio das seguintes ferramentas.

O sucesso de sua aprendizagem dependerá de sua disciplina e determinação


para o estudo. De nossa parte, você contará com o apoio docente e
administrativo, sempre que sentir necessidade.

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Identidade, Cultura
e Sociedade
Observações:

1. Se sentir necessidade, entre em contato com o seu tutor.

2. Só encaminhe as atividades quando todas estiverem prontas, pois valem


nota.

3. A nota mínima para aprovação é 70 pontos.

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Identidade, Cultura
e Sociedade
Sumário

Introdução

UNIDADE I – SUJEITO E IDENTIDADE


Capítulo 1 – Indivíduo e Sociedade: um conflito
Capítulo 2 – Mudanças nos Tempos Modernos
Capítulo 3 – Individualismo
Referências

UNIDADE II – CULTURA E IDENTIDADE NA CONTEMPORANEIDADE


Capítulo 4 – Espaço e Tempo
Referências

UNIDADE III – VALORES


Capítulo 5 – Descentramentos
Capítulo 6 – As Escolhas Sociais
Referências

UNIDADE IV – UNIVERSALISMO E RELATIVISMO CULTURAL


Capítulo 7 – Dicotomias
Capítulo 8 – Perspectivas não Ocidentais
Referências

Para não Finalizar

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e Sociedade
Ícones

A seguir, uma breve descrição dos ícones que poderão constar no presente
material didático.

Saiba Mais - Material Complementar -


parte do texto que “chama” o estudante a
pesquisar algum assunto com o objetivo
de saber mais sobre ele. Apresenta
curiosidades sobre o conteúdo; leitura
complementar; e indicação de estudos
complementares (livros, artigos, sites,
filmes, ou mesmo a apresentação de um
pequeno texto). Devem compor um
Anexo.

Questionamentos - inseridos ao final de


cada Unidade, são perguntas que o
professor faz ao estudante durante a
leitura do conteúdo. Podem ser solicitadas
respostas do estudante no próprio
material didático e/ou no Ambiente Virtual
de Ensino Aprendizagem.

Atividades Avaliativas - devem ser


relacionadas com os objetivos da
aprendizagem propostos para a Unidade
em estudo. As atividades podem ser
objetivas, subjetivas, de múltipla escolha
ou abertas. Cada Unidade deve ter, em
média, 2 a 4 questões. Essas atividades
são corrigidas pelo tutor. Devem compor
um Anexo.

Atenção - detalhes/tópicos importantes


que contribuam para a síntese/conclusão
do assunto abordado.

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Identidade, Cultura
e Sociedade

Legislação de Referência – links que


permitam o acesso a informações
adicionais sobre legislações aplicáveis ao
conteúdo.

Referências - relação de todas as


referências (citadas) para a elaboração do
material didático segundo a NBR-
6023/2002 da ABNT.

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Identidade, Cultura
e Sociedade
Introdução

Caro (a) aluno (a), daremos início ao curso de Identidade, Cultura e


Sociedade.

Este é o nosso Caderno de Orientação de Estudos e Atividades Avaliativas. O


material foi elaborado com o objetivo de contribuir para a realização e o
desenvolvimento de seus estudos, assim como para a ampliação de seus
conhecimentos no tocante aos conteúdos pertinentes à disciplina.

Objetiva ainda, informar sobre o conteúdo a ser estudado nas próximas


semanas, as atividades avaliativas a serem realizadas, para que conheça os
objetivos, a organização dos temas e o número de horas de estudo que deve
ser dedicado a cada unidade.

A carga horária desse curso é de 60 (sessenta) horas, cabendo a você


administrar seu tempo conforme a sua disponibilidade. Mas, lembre-se, há uma
data limite para a sua conclusão, implicando a apresentação, ao seu tutor, das
atividades avaliativas, que contém as respectivas pontuações e prazos de
acordo com o cronograma disponível na plataforma.

Os conteúdos e as atividades avaliativas foram organizados em unidades de


estudo, subdivididas em capítulos de forma didática, objetiva e coerente. Eles
serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, que
farão parte das atividades avaliativas do curso; serão indicadas, também,
outras fontes de consulta para aprofundar os estudos com leituras e pesquisas
complementares.

Desejamos a você um trabalho proveitoso sobre os temas abordados no


transcorrer dessa disciplina!

A Coordenação.

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Identidade, Cultura
e Sociedade

UNIDADE I
SUJEITO E IDENTIDADE
Conteúdo Programático:

A relação entre indivíduo e sociedade e suas consequências.

Objetivo:

Apresentar as maneiras de conexão dos sujeitos com o ambiente social desde


a antiguidade e as mudanças que acarretam no modo de se relacionar com o
meio circundante.

Capítulo 1 – Indivíduo e Sociedade: um conflito

Tradicionalmente, o conceito de homem e sociedade são tidos como processos


contínuos, os quais ocasionam, a partir da modernidade, uma individuação.
Distinto da Grécia antiga, quando prevaleciam os interesses públicos e a
coletividade, o sujeito somente se constituía como tal nas esferas social e
política.

A individualidade assinala seu espaço ao longo dos séculos. Já na Idade Média


vemos sua assiduidade, resultante da rivalidade do poder papal com os
governantes. Após a Reforma Luterana, o Estado ganha autoridade e os
homens passam a ser atuantes em suas decisões. A emancipação religiosa
colocou a individualidade como qualidade na sociedade, de modo que a
questão surge em vários filósofos, como Hobbes, Locke e Rousseau. E cabe
observar que, atualmente, o poder individual se evidencia perante a justiça do
direito da coletividade e das relações entre os sujeitos, diversos da antiguidade,
conforme vemos em Antígona (SÓFOCLES, 2006).

A tragédia de Sófocles, Antígona (sequência de Édipo Rei), aborda o fim


da maldição que recaiu sobre a descendência de Édipo e Jocasta. A
história relata que Etéocles e Polinice lutam, um em defesa e outro
contrário à Tebas, e morrem na batalha. Creonte, que torna-se o

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Identidade, Cultura
e Sociedade
governante da cidade, permite que Etéocles tenha um funeral, mas não Polinice. Antígona
realiza as honrarias fúnebres para o último irmão e, por isso, é condenada à morte. Creonte,
em sua defesa, diz que seguiu as leis ao homenagear o herói e punir o traidor, além de punir
sua sobrinha por não ter estado em conformidade ao seu governo.

Se eu tolerar os desmandos da minha gente, perderei


autoridade sobre os demais. (...) O insolente, o transgressor
das leis, o que se opõe às autoridades não conte com meu
aplauso. A que a cidade conferiu poder, a este importa
obedecer, seja nas grandes questões seja nas justas... e até
nas injustas. (...) Não há mal maior que a anarquia, ela devasta
cidades, arrasa casas, aniquila a investida de forças aliadas
(Idem, p.51 a 52).

Antígona ressalta que foi fiel aos seus preceitos:

Nem eu supunha que tuas ordens tivessem o poder se superar


as leis não escritas, perenes, dos deuses, visto que és mortal.
Pois elas não são de ontem nem de hoje, mas são sempre
vivas, nem se sabe quando surgiram. Por isso, não pretendo,
por temor às decisões de algum homem, expor-me à sentença
divina (Ibidem, p.36).

Fonte: http://auroracultural.wordpress.com/2012/03/04/antigona/.

A sociedade grega era um organismo absoluto, acima dos interesses


individuais de seus cidadãos. Pelo fato de agir conforme as suas crenças e

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Identidade, Cultura
e Sociedade
valores, e não de acordo com o Estado, Antígona recebeu a sua condenação.
Diante deste fato, observarmos que o monarca se estagna no poder,
regulamentado por decreto próprio, o que denota uma discrepância pragmática
entre o absolutismo monárquico e a autocracia.

“L’état c’est moi”, expressão de Luis XIV, foi proferida acreditando que o
país deveria jornadear em seu entorno.

A temática da identidade é central na Teoria Social, que indica a queda dos


preceitos antigos em detrimentos dos que surgiram após a modernidade, os
quais fragmentam os indivíduos, outrora tidos como unificados. Ocorre, por
conseguinte, uma “crise de identidade” (HALL, 2003), que abrange um
processo de mudança das estruturas e das referências sociais.

De fato, a partir do século XX, noções de classe, gênero, etnias, raças ou


nacionalidade, as quais localizavam solidamente os sujeitos dentro do
organismo social, estão se fragmentando. A ideia de sujeito integrado se
dissolve, bem como o deslocamento e a descentralização dos indivíduos. E
isso se dá em duas esferas: no seu lugar social e no mundo cultural; e do seu
próprio “eu” enquanto sujeito. "A identidade somente se torna uma questão
quando está em crise, quando algo que se supõe como fixo, coerente e estável
é deslocado pela experiência da dúvida e da incerteza" (MERCER, 1990, p.43).

(...) é o permanente revolucionar da produção, o abalar


ininterrupto de todas as condições sociais, a incerteza e o
movimento eternos... Todas as relações fixas e congeladas,
com seu cortejo de vetustas representações e concepções, são
dissolvidas, todas as relações recém-formadas envelhecem
antes de poderem coisificar-se. Tudo que é sólido se
desmancha no ar (...) (BAUMAN Apud HALL, 2005, p.14).

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Identidade, Cultura
e Sociedade
Concepções estanques desde o iluminismo estão sendo revistas, tanto no
âmbito contextual quando no do sujeito. Neste viés, Hall (2003) descreve três
noções de identidade: a do sujeito iluminista, do sociológico e do pós-moderno.

1. O Sujeito no Iluminismo

O sujeito iluminista era caracterizado em sua unicidade, centralidade,


capaz racional e conscientemente, e com poder de ação, o que denota um
individualismo extremo. Era referido no gênero masculino, com uma
identidade nuclear.

2. O Sujeito Sociológico

G.H. Mead, C.H. Cooley e os interacionistas simbólicos discorriam a


respeito da identidade interativa, cujo “núcleo” não era, como no
Iluminismo, autônomo e autossuficiente. Ele era enriquecido da relação
com o outro, momento em que a cultura, os valores e os símbolos eram lhe
transmitidos. O “eu” e o mundo social se interconectam, assim a identidade
é formada.

A ideia de “eu real” surge enquanto sujeito sociológico, que se edifica e se


transforma na relação ininterrupta com o mundo cultural e suas
identidades. Nesse processo há, então, uma sutura entre o sujeito e a
estrutura.

O descentramento e a fragmentação surgem enfáticas, uma vez que os


sujeitos deixam sua identidade estável, para se apresentarem formados por
várias delas. O mesmo ocorre com a paisagem social, que se modifica
conjuntamente com as transformações estruturais e institucionais da
própria sociedade.

3. Sujeito Pós-Moderno

Tendo em vista que a identidade aparece como instável e que, portanto, se


transubstancia continuamente em relação aos modos representativos nos

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Identidade, Cultura
e Sociedade
sistemas culturais (HALL, 1987), ela não se define biológica, mas
historicamente.

Conforme o momento e o ambiente em que estão inseridos, os sujeitos


apresentam uma identidade, assim, não há uma coerência do “eu”, mas
constantes deslocamentos. Hall salienta que o sentimento de uma
identidade unificada se dá apenas pelo fato de que edificamos uma
narrativa sobre nós mesmos (HALL, 1990).

Seguindo o mundo moderno, apresenta-se uma multiplicação de significações


e de representações no mundo cultural, instabilizando o sujeito diante das
inúmeras possibilidades de aproximações identitárias.

Em suas obras, Cindy Sherman assume diversas personalidades, de


modo a fazer uma crítica velada aos estereótipos, questionando o status
feminino e histórico. A artista explora a construção de uma identidade
contemporânea, elaborada a partir de imagens fílmicas, televisivas, de
revistas e da própria arte, em um afastamento da estética e da ética
enquanto em que ficcionaliza o “eu”.

Fonte: http://ovelhamag.com/cindy-sherman-e-subversao-da-selfie/

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Identidade, Cultura
e Sociedade
Capítulo 2 – Mudanças nos Tempos Modernos

O fator globalizante exerce exímia contribuição para o processo de


transformações no modernismo tardio, bem como na identidade cultural.

(...) nas sociedades tradicionais, o passado é venerado e os


símbolos são valorizados porque contêm e perpetuam a
experiência de gerações. A tradição é um meio de lidar com o
tempo e o espaço, inserindo qualquer atividade ou experiência
particular na continuidade do passado, presente e futuro, os
quais, por sua vez, são estruturados por práticas sociais
recorrentes (GIDDENS, 1999, p. 37 a 38).

Diferente de outros momentos, as mudanças se dão de maneira veloz, ritmo


não visto até então. Além dessa aceleração, existe um estado reflexivo, uma
vez que “as práticas sociais são constantemente examinadas e reformadas à
luz das informações recebidas sobre aquelas próprias práticas, alterando,
assim, constitutivamente, seu caráter” (Idem). Áreas distantes são postas em
interconexão, acarretando o "desalojamento do sistema social, a extração das
relações sociais dos contextos locais de interação e sua reestruturação ao
longo de escalas indefinidas de espaço-tempo" (Ibidem).

Os modos de vida colocados em ação pela modernidade nos


livraram, de uma forma bastante inédita, de todos os tipos
tradicionais de ordem social. Tanto em extensão, quanto em
intensidade, as transformações envolvidas na modernidade são
mais profundas do que a maioria das mudanças características
dos períodos anteriores. No plano da extensão, elas serviram
para estabelecer formas de interconexão social que cobrem o
globo; em termos de intensidade, elas alteram algumas das
características mais íntimas e pessoais de nossa existência
cotidiana (Ibidem, p.21).

Harvey compactua da ideia da modernidade como “um processo sem fim de


rupturas e fragmentações internas no seu próprio interior" (HARVEY, 1989,
p.21). Laclau (1990), diz que, neste período, não há qualquer princípio único de

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Identidade, Cultura
e Sociedade
organização, mas sim "uma pluralidade de centros de poder". Não existe um
todo social unificado e coerente, que evolui a partir de si, mas há um
descentramento constante, um processo contínuo de diferenciação, em que os
antagonismos sociais geram diferentes sujeitos neles próprios, ou melhor,
várias identidades.

Mas, nem por isso há a desintegração da sociedade, pelo fato de haver


articulações entre seus elementos constitutivos e as identidades. Fato que se
dá parcialmente, pois as estruturas não estão cerradas, correndo o risco de
não haver história. Vale dizer que o deslocamento tem características positivas,
no momento em que possibilita novas articulações, ou seja, novas identidades,
novos sujeitos e a reavaliação e o recondicionamento das estruturas.

De fato, Giddens, Harvey e Laclau contemporizam da ideia de fragmentação e


ruptura presentes no mundo moderno. Quanto à identidade (sua característica
plural e fragmentária), vale citar o exemplo de Stuart Hall (2003), a fim de
adentrarmos nos acontecimentos reais.

Em 1991, o então presidente americano, Bush, ansioso por


restaurar uma maioria conservadora na Suprema Corte
americana, encaminhou a indicação de Clarence Thomas, um
juiz negro de visões políticas conservadoras. No julgamento de
Bush, os eleitores brancos (que podiam ter preconceitos em
relação a um juiz negro) provavelmente apoiariam Thomas
porque ele era conservador em termos de legislação de
igualdade de direitos, e os eleitores negros (que apoiam
políticas liberais em questões de raça) apoiariam Thomas
porque ele era negro. Em síntese, o presidente estava "jogando
o jogo das identidades".

Durante as "audiências" em torno da indicação, no Senado, o


juiz Thomas foi acusado de assédio sexual por uma mulher
negra, Anita Hill, uma ex-colega de Thomas. As audiências
causaram um escândalo público e polarizaram a sociedade
americana. Alguns negros apoiaram Thomas, baseados na
questão da raça; outros se opuseram a ele, tomando como

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Identidade, Cultura
e Sociedade
base a questão sexual. As mulheres negras estavam divididas,
dependendo de qual identidade prevalecia: sua identidade
como negra ou sua identidade como mulher. Os homens
negros também estavam divididos, dependendo de qual fator
prevalecia: seu sexismo ou seu liberalismo. Os homens
brancos estavam divididos, dependendo, não apenas de sua
política, mas da forma como eles se identificavam com respeito
ao racismo e ao sexismo. As mulheres conservadoras brancas
apoiavam Thomas, não apenas com base em sua inclinação
política, mas também por causa de sua oposição ao feminismo.
As feministas brancas, que frequentemente tinham posições
mais progressistas na questão da raça, se opunham a Thomas
tendo como base a questão sexual. E, uma vez que o juiz
Thomas era um membro da elite judiciária e Anita Hill, na
época do alegado incidente, uma funcionária subalterna,
estavam em jogo, nesses argumentos, também questões de
classe social.

De fato, há aqui uma discussão sobre identificação e o que isso acarreta na


vida política. Essas identidades não são dialogantes por completo, e sempre
parecem surgir outras alicerçadas nos movimentos feministas, ecológicos,
raciais (MERCER, 1990). Diz-se que as identidades são políticas porque elas
mudam de acordo com a maneira como os indivíduos são questionados.

Capítulo 3 – Individualismo

O sistema capitalista fez acontecer inúmeras transformações no cerne da


sociedade e da cultura, e várias comunidades tiveram que reconfigurar e
ressignificar sua visão moral e cognitiva.

Dumont, em busca pela compreensão do individualismo na modernidade, vai


até o cristianismo e observa que: “...algo do individualismo moderno está
presente nos primeiros cristãos e no mundo que os cerca, mas não se trata do
individualismo que nos é familiar” (DUMONT, 1985, p.36).

Na sociedade cristã, sobretudo nos primeiros séculos, a Igreja se ligava ao


Estado e todos os sujeitos deveriam seguir os princípios da sociedade, de

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Identidade, Cultura
e Sociedade
modo que, quem estava em busca por independência era tido como
“renunciante”. Quem dava valor a si, era o mesmo que estar longe do mundo
social, considerado como necessário para o desenvolvimento do espírito dos
indivíduos. Nas palavras de Dumont: “o valor infinito do indivíduo é, ao mesmo
tempo, o aviltamento, a desvalorização do mundo tal como existe” (Idem, p.43).

No renascimento, os sujeitos estavam à procura de certa singularidade, de


serem livres, juntamente com o desenvolvimento de si enquanto pessoa,
características estas já indicando o que seria o individualismo no mundo
moderno. O homem renascentista queria mesmo se diferenciar dos outros,
bem como se libertar das instituições políticas, econômicas e religiosas, de
modo a se afirmar perante a comunidade (SIMMEL, 1998, p.23 a 40).

A procura por uma liberdade, por uma singularidade e pela


autorresponsabilidade (como se dava no Renascimento), de acordo com os
princípios de um “renunciante”, caracteriza o individualismo na modernidade.
Entretanto, os sujeitos não atuam mais como se estivessem “fora do mundo”,
mas como pertencentes a ele, uma vez que agem e contestam ele próprio.

Por isso, não há como não deixarmos de falar um pouco da cultura na


modernidade e salientar sua dinâmica e as próprias diferenças internas.

Cada sistema cultural está sempre em mudança. Entender esta


dinâmica é importante para atenuar o choque entre as
gerações e evitar comportamentos preconceituosos. Da
mesma forma que é fundamental para a humanidade a
compreensão das diferenças entre povos de culturas
diferentes, é necessário saber entender as diferenças que
ocorrem dentro do mesmo sistema. Este é o único
procedimento que prepara o homem para enfrentar
serenamente este constante e admirável mundo novo do porvir
(LARAIA, 2004, p.101).

De fato, existem disparidades entre ideologias hegemônicas e tradicionais, mas


deve haver o respeito pelas diferenças entre os povos, respeitando o

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Identidade, Cultura
e Sociedade
dinamismo cultural. E a globalização, decorrente do capitalismo, influencia
diretamente os processos culturais.

Cabe observar que Simmel (1998) fala sobre a moeda, a qual, segundo ele,
torna as relações mais objetivas, fomenta a autonomia e a independência dos
sujeitos. Assim, de porte do dinheiro, os homens se relacionam igualmente em
qualquer parte do mundo, com liberdade e personalidade.

O dinheiro abriu, para o homem singular, a chance à satisfação


plena dos seus desejos numa distância muito mais próxima e
mais cheia de tentações. Existe a possibilidade de ganhar,
quase com um golpe só, tudo que é desejável (SIMMEL, 1998,
p.23 a 40).

A liberdade, a singularidade e a autorresponsabilidade, então, são os


elementos que permeiam a cultura moderna, embora pareçam um pouco em
desacordo com o discurso neoliberal dominante no capitalismo. Por exemplo,
um sujeito só pode ser livre, se tiver meios, ou melhor, dinheiro para prover
seus desejos. A liberdade está, deste modo, atrelada ao poder monetário.

Do mesmo modo que a maioria dos homens modernos precisa


ter diante dos olhos, na maior parte da vida, o ganho de
dinheiro como motivação mais próxima, forma-se a ideia de
que toda a felicidade e toda satisfação definitiva na vida são
ligadas, intrinsecamente, à posse de uma certa forma de
dinheiro (Ibidem, p. 33).

A singularidade também aparece como maneira de imposição perante os


demais, mas por outro lado, quando um sujeito torna-se singular, diante dos
moldes que o próprio sistema capitalista criou, ele é alvo de preconceitos de
uma sociedade que parece sempre fomentar justamente a liberdade e a
singularidade.

E quando se utiliza a liberdade para gerenciar a própria vida, visando a


autorresponsabilidade, a finalidade sempre gira em torno de ganhar a maior
quantidade de dinheiro para ser singular. Perante essas ideias, o individualismo

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Identidade, Cultura
e Sociedade
na modernidade seria somente para poucos sujeitos, aqueles que pudessem
ter ganhos que satisfizessem seus desejos. Deste modo, as particularidades de
cada indivíduo não determinam o individualismo, e sim, a cultura
homogeneizante.

Não obstante, o indivíduo e o individualismo, na era moderna, parecem gerar


uma desarticulação de tudo o que é de âmbito coletivo, como a família, as
associações comunitárias e, por vezes, até mesmo, o próprio Estado. Os
sujeitos possuem grande autonomia perante a vida social e, diante disso,
Bauman coloca que “a apresentação dos membros como indivíduos é a marca
registrada da sociedade moderna” (BAUMAN, 2001, p.39).

Após as ideias cartesianas, acreditou-se que os próprios sujeitos pudessem


conhecer a verdade de maneira racional. E esse homem racional participa da
modernidade. De todo modo, se antes, por motivos de escassez, os homens
primavam por conservar e manter seus bens, na modernidade, a destruição é o
primado da produção.

A arte chamada efêmera entrou em vigor no Brasil dos anos 1960 e


1970, e discute justamente o “tempo”, a durabilidade e a instabilidade,
conforme a obra “Crianças de açúcar” (1996), de Vick Muniz.

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Identidade, Cultura
e Sociedade

Fonte: http://esporos.wordpress.com/2009/05/25/vik-muniz/

A produção no mundo moderno depende da depreciação (sempre calculada)


dos bens de consumo, de modo que a economia tem como base o próprio
desperdício. O consumismo, além de satisfazer as necessidades humanas,
serve para gerar a produtividade. Hannah Arendt observa que:

a produtividade e a criatividade, que iriam se tornar os mais altos


ideais e até mesmo ídolos da era moderna, em seus estágios iniciais
são qualidades inerentes ao Homo Faber, ao homem como construtor
e fabricante (ARENDT, 1999, p.309).

O mundo orienta-se, na modernidade, para a produtividade e a criatividade,


como fala Bergson:

o desprezo por qualquer pensamento que não possa ser considerado


como ‘primeiro passo’ para a fabricação de objetos artificiais,
principalmente de objetos para fabricar outros instrumentos e permitir
a infinita variedade de sua fabricação (Idem, p.313).

Consequentemente, essa razão da instrumentalidade, do aumento da


produção, do advento técnico e das qualificações trabalhistas pode haver a
dificuldade de os homens se emanciparem. Parece que o objetivo maior é
acumular propriedade, no caso, mercadorias. É isso que distingue um indivíduo

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Identidade, Cultura
e Sociedade
de “sucesso” dos demais. Weber (1985) mesmo acreditava que este fato já
estava na Reforma Protestante quando estimulava o asceticismo da conduta
individual.

De fato, o afastamento do misticismo, da religiosidade e da metafísica acarreta


uma racionalização das condutas individuais, uma separação entre os sujeitos
e a sociedade, que aumenta à medida que ocorre um certo desencanto do
mundo. Mas esse elo quebrado entre a comunidade e seus indivíduos só faz
com que fiquem subordinados à burocracia e normas, colocando a existência
humana como sendo apenas uma engrenagem da estrutura social. E isso se
dá devido à racionalidade finalista dos seres humanos.

A vida econômica assume o aspecto do egoísmo racional do homo


economicus, da busca exclusiva do máximo de lucros, sem qualquer
preocupação pelos problemas da relação humana com outrem e,
sobretudo sem qualquer consideração pelo todo. Nessa perspectiva
os outros homens tornar-se-ão, para o vendedor e o comprador,
objetos semelhantes aos outros objetos, simples meios que lhes
permite a realização de seus interesses e cuja qualidade humana
única e importante será a capacidade para concluírem contrato e
engendrarem as obrigações constrangedoras (GOLDMANN, 1967,
p.178).

Norbert Elias observa que os indivíduos não podem ser considerados fora de
seu contexto social, ou seja, como que isolados. O mesmo ocorre com a
sociedade, que não deve ser considerada substantivamente. Segundo o
sociólogo, indivíduo e sociedade estão em relação, sem dicotomias ou
antagonismos.

Elias fala que não se deve compreender a sociedade como se fosse criada a
partir da racionalidade dos homens, como se fosse planejada e objetivada,
tampouco os sujeitos são passivos ou estão alheios à evolução social.

(...) cada pessoa singular está realmente presa; está por viver em
permanente dependência funcional de outras; ela é um elo nas
cadeias que ligam outras pessoas, assim como todas as demais,

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Identidade, Cultura
e Sociedade
direta ou indiretamente, são elos nas cadeias que as prendem. Essas
cadeias não são visíveis e tangíveis, como grilhões de ferro. São
mais elásticas, mais variáveis, mais mutáveis, porém não menos
reais, e decerto não menos fortes. E é a essa rede de funções que as
pessoas desempenham umas em relação a outras, a ela e a nada
mais, que chamamos “sociedade” (ELIAS, 1994a, p.21).

Para se compreender esse pensamento, é preciso saber que essas redes se


configuraram como tais, de acordo com um conjunto de condições dadas
historicamente. O autor relaciona o Estado e sua constituição com a
consciência (sua formação) e o autocontrole de cada indivíduo, e isso decorre
de um poder da sociedade em transformar a coação externa em interna.

De fato, as transformações sociais são imensas, principalmente, as que


concernem o Estado e os sujeitos, inclusive a própria noção do que seria o
“eu”. O self, de acordo com Vila Nova, seria “a capacidade humana, somente
desenvolvida pela socialização, de se ver a si próprio através dos olhos alheios
ou, simplesmente, de perceber e sentir o próprio ego como objeto, além de
sujeito” (VILA NOVA, 2004a, p.133).

A dissociação entre indivíduo e sociedade é apenas ilusória, uma vez que a


noção de isolamento e independência se dá em decorrência da evolução, ou
melhor, das mudanças nas estruturas das sociedades, que se relacionam à
capacidade do homem de sintetizar e de representar simbolicamente,
juntamente com a formação do Estado Moderno e suas constituições.

Ao mesmo tempo em que ocorrem transformações nas sociedades, há


também, em detrimento disso, alterações nas estruturas da personalidade dos
sujeitos que dela participam. Elias coloca que “As estruturas de personalidade
e da sociedade evoluem em uma inter-relação indissolúvel” e a mudança “nas
estruturas de personalidade é um aspecto específico do desenvolvimento de
estruturas sociais” (ELIAS, 1994b, p.221).

Nas civilizações modernas, há mudanças de conduta e de sentimentos dos


indivíduos, mas isso não se dá de maneira racional nem irracional, mas como

25
Identidade, Cultura
e Sociedade
em um processo ininterrupto, contínuo e não acabado. Além desse aspecto de
encadeamento de fatos, há a diferenciação social e as especializações cada
vez maiores das funções exercidas nas sociedades, o que fez Elias afirmar que
“quanto mais essa divisão avança numa sociedade e maior é o intercâmbio
entre as pessoas, mais estreitamente elas são ligadas pelo fato de cada uma
só poder sustentar sua vida e sua existência social em conjunto com muitas
outras” (ELIAS, 1994a, p.44).

Isso só demonstra que a interdependência e a individualização só aumentam


com as civilizações, à medida em que caminham para a modernidade, e aqui,
conforme salienta Viana, é onde ocorre o maior grau de especialização das
funções na história da humanidade (VIANA, 2001). E isso pode ser
comprovado ao se analisar o tempo gasto para educar as pessoas para o
mercado de trabalho.

De fato, cada vez mais as pessoas se especializam e adquirem hábitos


semelhantes de pessoas com quem se relacionam, mas sempre se policiando
e vivendo pacificamente, além de serem observadas pelos outros em um
controle social. Isso é o que Elias chama de autocontrole, que passou a ser
elemento da personalidade dos sujeitos e, sobre isso, fala: “o controle mais
complexo e estável da conduta passou a ser cada vez mais instilado no
indivíduo desde os seus primeiros anos, como uma espécie de automatismo,
uma autocompulsão à qual ele não poderia resistir, mesmo que desejasse”
(ELIAS, 1994b, p.195 a 196).

A maneira de agir e de se comportar dos indivíduos parece se tornar, a cada


dia, mais inconsciente e sempre embasado no outro, em um processo de
psicologização, em que a estrutura da personalidade e identidade dos sujeitos
se modificam.

A aventura que é o pensamento independente altamente


individualizado, a postura através da qual a pessoa prova que é
uma “inteligência criativa”, não tem como precondição apenas
um “talento natural” individual muito particular. Ela só é

26
Identidade, Cultura
e Sociedade
possível dentro de uma estrutura específica de equilíbrios de
poder; sua precondição é uma estrutura social bastante
específica. E depende, além disso, do acesso que o indivíduo
tem, numa sociedade assim estruturada, ao tipo de
aprendizagem e ao pequeno número de funções sociais que
elas, apenas, permitem desenvolver-se sua capacidade
independente de reflexão (ELIAS, 1994a, p.16).

Os sujeitos são resultados de seu contexto histórico-social, por isso não podem
ser tidos como isolados, fora das relações sociais, que acabam por moldar as
funções psicológicas. Para se entender os indivíduos de uma esfera social, é
preciso que se estude a evolução das estruturas da sociedade em questão, das
normas de conduta, que passam a controlar os homens, que homogeneízam
seus hábitos e relacionamentos, e estes são repassados quase que de maneira
automática. Não há como o indivíduo moderno escapar das configurações
sociais e civilizatórias, que ditam uma parte de sua personalidade. E essas
mudanças na personalidade também determinam as relações com o outro, de
modo a influenciar a estrutura social.

Aprofunde-se mais nas temáticas elencadas nesta unidade nas leituras


complementares, bem como estudos de casos constantes do Anexo Material
Complementar.

27
Identidade, Cultura
e Sociedade
Agora efetue as atividades avaliativas pertinentes à Unidade I da disciplina.

Referências:

ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense


Universitária, 1999, p. 309.

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Tradução de Plínio Dentzien. Rio


de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

––––––. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi. Tradução de Carlos


Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.

DUMONT, Louis. Do indivíduo-fora-do-mundo ao indivíduo no mundo. In: O


individualismo: uma perspectiva antropológica da ideologia moderna. Rio de
Janeiro: Rocco, 1985.

DUMONT, Louis. Gênese I. In: O individualismo: uma perspectiva


antropológica da ideologia moderna. [s.l.;s.d.].

ELIAS, Norbert. A Sociedade dos Indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar


Editor, 1994a, p. 21.

___________. O Processo Civilizador, vol. 2. Rio de Janeiro: Jorge Zahar


Editor, 1994b, p. 221.

GIDDENS, A. As consequências da modernidade. São Paulo: Unesp, 1990,


pp. 37-38.
,
GOLDMANN, Lucien. Sociologia do Romance. Rio de Janeiro: Ed. Paz e
Terra, 1967, p. 178.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução de


Tomáz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro. Rio de Janeiro: DP&A. 2003.

___________. Minimal Selves, in Identity: The Real Me. ICA Document 6.


Londres: Institute for Contemporary Arts, 1987.

28
Identidade, Cultura
e Sociedade
LACLAU, E. New Reflections on the Resolution of our Time. Londres:
Verso, 1990.

LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro:


Jorge Zahar Editor, 2004, p. 101.

MERCER, K. Welcome to the jungle. In: RUTHERFORD, J. (org.). Identity.


Londres: Lawrence and Wishart, 1990, p.43.

SIMMEL, Georg. O dinheiro na cultura moderna. In, SOUZA, Jessé e Oëlze, B.


(orgs.). Simmel e a Modernidade. Brasília: Editora UNB, 1998, pp. 23 a 40,

SÓFOCLES. Antígona. Tradução de Donaldo Schüller. Porto Alegre: L&PM,


2006.

VIANA, Nildo. Indivíduo e Sociedade em Norbert Elias. Estudos/UCG,


Goiânia, v. 28, n. 5, 2001, pp. 931-946.

VILA NOVA, Sebastião. Introdução à sociologia. 6. ed. São Paulo: Atlas,


2004, p. 133.

WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo,


Livraria Pioneira Editora, 1985.
UNIDADE II
CULTURA E IDENTIDADE NA CONTEMPORANEIDADE
Conteúdo Programático:

Como mudanças ocorridas na modernidade recaem sobre a


contemporaneidade.

Objetivo:

Sinalizar as características das relações no espaço e no tempo.

Capítulo 4 – Espaço e Tempo

29
Identidade, Cultura
e Sociedade
No final do século XX, há um processo de mudança que ocorre em uma escala
mundial, para além dos limites nacionais, de modo a integrar e colocar em
conexão várias comunidades, em uma nova reconfiguração espaço-temporal
(McGREW, 1992), em que não cabe mais a ideia clássica de uma "sociedade
como um sistema bem delimitado e sua substituição por uma perspectiva que
se concentra na forma como a vida social está ordenada ao longo do tempo e
do espaço" (GIDDENS, 1990).

Mas é preciso se observar que o fenômeno globalizante, inserido nos princípios


capitalistas, hoje compõe as entranhas da sociedade moderna. Como diz
Wallerstein, o capitalismo "foi, desde o início, um elemento da economia
mundial e não dos estados-nação. O capital nunca permitiu que suas
aspirações fossem determinadas por fronteiras nacionais" (WALLERSTEIN,
1979, p.19).

A partir dos anos 1970, houve uma aceleração no ritmo das integrações em
âmbito mundial, acarretando em uma desintegração das identidades regionais
e nacionais (devido à homogeneização cultural). Mas, também, gera um efeito
contrário, ou seja, algumas identidades locais estão ficando mais fortes ao
resistir ao fenômeno globalizante. Há também o processo de aparecimento de
novas identidades, no caso, híbridas, substituindo as nacionais que decaíram.

Outro fator importante é o sentimento de que as distâncias encurtaram, de


modo que acontecimentos ocorridos em determinado lugar impactam
imediatamente nos sujeitos de outras localidades, não importando a distância
física entre eles.

A medida que o espaço se encolhe para se tornar uma aldeia


"global" de telecomunicações e uma "espaçonave planetária"
de interdependências econômicas e ecológicas – para usar
apenas duas imagens familiares e cotidianas – e à medida em
que os horizontes temporais se encurtam até ao ponto em que
o presente é tudo que existe, temos que aprender a lidar com
um sentimento avassalador de compressão de nossos mundos
espaciais e temporais (HARVEY, 1989, p.240).

30
Identidade, Cultura
e Sociedade
As representações, qualquer que sejam elas, são coordenadas pela relação
entre espaço e tempo, de modo a traduzir seu “objeto” de acordo com estes
âmbitos. A escrita, por exemplo, trabalha com a sequência “início, meio e fim”;
a pintura transforma elementos tridimensionais em bidimensionais.

Mas essa aparente simplicidade muda com o passar dos tempos, de maneira a
recombinar essas representações. A racionalidade de ordenação, em uma
simetria e equilíbrio, é quebrada no final do século XIX, como visto nas teorias
de Einstein, principalmente na teoria da relatividade, no movimento cubista,
surrealista e dadaísta. Na literatura, há uma nova configuração nos escritos de
Proust e James Joice; e Vertov e Eisenstein surpreendem com uma nova
sequência fílmica.

A persistência da Memória (1931) de Salvador Dali

31
Identidade, Cultura
e Sociedade

Fonte: http://www.infoescola.com/movimentos-artisticos/surrealismo/

Stuart Hall argumenta que todo esse processo de representação afeta a noção
de identidade, tanto na sua localização quanto na sua representação, e explica
que os espectadores, comumente, se identificam ao ver uma tela, uma
escultura ou uma fotografia. Essa identificação ocorre de maneira natural, mas
se dá diferentemente diante de uma pintura do século XVIII e de um quadro
cubista, por exemplo. O sujeito, diante desses trabalhos, não se identifica da
mesma maneira.

Nas sociedades pré-modernas, o espaço e o lugar eram


amplamente coincidentes, uma vez que as dimensões
espaciais da vida social eram, para a maioria da população,
dominadas pela presença – por uma atividade localizada... A
modernidade separa, cada vez mais, o espaço do lugar, ao
reforçar relações entre outros que estão "ausentes", distantes
(em termos de local), de qualquer interação face-a-face. Nas
condições da modernidade..., os locais são inteiramente
penetrados e moldados por influências sociais bastante
distantes deles. O que estrutura o local não é simplesmente
aquilo que está presente na cena; a "forma visível" do local

32
Identidade, Cultura
e Sociedade
oculta as relações distanciadas que determinam sua natureza
(GIDDENS, 1990, p.18).

Aqueles lugares que pareciam fixados são destruídos “através do tempo”,


como diz Harvey (1989, p.205). Isso justifica a afirmação de alguns estudiosos
que afirmam haver um enfraquecimento das identidades nacionais (embora
ainda estejam presentes os direitos legais e a cidadania), e um reforço nas
identificações regionais, das comunidades. Outros ainda colocam que a
globalização desorienta as identidades culturais reinantes, de modo a
fragmentar códigos culturais e tornar tudo efêmero, e isso em escala mundial.
É muito difícil que essas identidades culturais não se enfraqueçam diante do
pluralismo.

Tanto sujeitos que moram em cidadelas do terceiro mundo quanto os


habitantes de grandes e ricos centros urbanos, recebem as mesmas
informações, usam os mesmos “jeans”, mesmo porque a produção do
vestuário, por exemplo, se dá em países asiáticos e para grandes grifes, com
suas lojas em Nova York. E quando falamos em “comida japonesa”, dificilmente
nos referimos às tradições étnicas.

A sociedade de consumo e os padrões de comportamento consumista têm,


cada vez mais, provocado um tratamento diferenciado na vida daquelas
pessoas que não estão à altura do que a mídia divulga unilateralmente e
reforça com todo o seu poder e apelo publicitário. O “ter” é mais importante do
“ser”. A homogeneização cultural faz com que as pessoas, principalmente os
jovens, percam cada vez mais a ligação com a sua cultura, deixando de ser
local, regional, nacional, para ligar-se a uma globalizada e de massa, que de
forma nítida está provocando uma crise na construção da identidade. O sujeito
fica então desvalorizado, com seu sistema de valores em ruínas.

A educação por meio do ambiente social vem trazendo uma total


transformação nas identidades, que podemos chamar de “global” e “local”. A
globalização, a modernização e a expansão do mercado mundial tiraram o foco
das identidades nacionais e particulares que representam vínculos de

33
Identidade, Cultura
e Sociedade
pertencimento a lugares, eventos, símbolos, histórias particulares para
focalizarem as identidades mais universalistas, mais humanistas, ao invés
daquelas referentes a “inglesidade” (englishness) (HALL, 2003).

Em todos os lugares, podemos ver os efeitos desta globalização, incluindo o


ocidente e a periferia, que também vive o seu efeito multiplicador, mesmo que
em um ritmo mais lento e não uniforme. Esta periferia, antes tida como
intocada culturalmente, tem estado, mais do que nunca, aberta às influências
culturais.

Paralelo a essa homogeneização cultural e impacto global, existe também um


fascínio com a mercantilização da etnia e da alteridade, bem como um
interesse e uma exploração e diferenciação da globalização pelo “local”. Ou
seja, ao invés de uma substituição do global pelo local, haveria uma
rearticulação entre eles, surgindo novas identificações.

Também há o fato de a globalização não ser “distribuída igualmente” em todas


as regiões do mundo. É importante saber identificar qual área é mais afetada
pela homogeneização cultural, devido à distribuição falha e desigual. De fato,
as relações de poder cultural, entre o ocidente e o restante do mundo, fazem
com que a globalização pareça essencialmente um fenômeno ocidental.

Embora tenha se projetado a si próprio como trans-histórico e


transnacional, como a força transcendente e universalizadora
da modernização e da modernidade, o capitalismo global é, na
verdade, um processo de ocidentalização – a exportação das
mercadorias, dos valores, das prioridades, das formas de vida
ocidentais. Em um processo de desencontro cultural desigual,
as populações "estrangeiras" têm sido compelidas a ser os
sujeitos e os subalternos do império ocidental, ao mesmo
tempo em que, de forma não menos importante, o ocidente vê-
se face a face com a cultura "alienígena" e "exótica" de seu
"Outro". A globalização, à medida que dissolve as barreiras da
distância, torna o encontro entre o centro colonial e a periferia
colonizada imediato e intenso (ROBINS, 1991, p. 25).

34
Identidade, Cultura
e Sociedade
As indústrias culturais ocidentais dominam, com suas imagens e artefatos, as
redes globais, e todas as regiões são, agora, de fácil acesso. Viagens que
antes duravam semanas ou até meses foram reduzidas a algumas horas. O
que separa o ocidente de outra região é apenas a distância de uma passagem
aérea ou de um “click” no computador. São as novas características do tempo
e do espaço que causam efeito sobre as identidades culturais.

Na busca em seguir o modelo de vida do ocidente, acreditando em uma


promessa de economia, política e maiores chances de sobrevivência, sujeitos
fogem de seus países e de suas pobrezas, causadas por todas deficiências
governamentais ou pelo que restou de uma guerra, o que causa a migração e a
mudança dramática na mistura étnica da população, a exemplo dos Estados
Unidos, que recebem inúmeros latinos.

Estatisticamente, um em cada cinco americanos tinha origem afro-americana


em 1980. Uma década depois, esse número mudou para um em cada quatro.
Hoje, os brancos são a minoria, sobretudo na Califórnia, onde a população
cresceu em 5,6 milhões em 1980, mas 43% destes eram pessoas de cor e 1/5
tinha nascido em outro local. Essas migrações levam à pluralização de culturas
e identidades nacionais. Isso está acontecendo em diferentes graus e nenhuma
cultura nacional ocidental está fora desta diversidade cultural, fato esse que
levou à discussão toda a questão da identidade nacional e da centralidade
cultural do ocidente.

Esse processo também provocou um alargamento do campo das identidades e


uma proliferação de novas “posições-de-identidades” e de “polarização” entre
elas. Salientamos que uma possível consequência globalização seria
justamente o fortalecimento de identidades locais ou a produção de outras.

Quando falamos em fortalecimento de identidades locais, podemos ilustrar


esse quadro observando a forte reação defensiva daqueles membros dos
grupos étnicos dominantes. A presença de outras culturas os deixam
ameaçados e existe um preconceito cultural evidente em partidos e

35
Identidade, Cultura
e Sociedade
movimentos políticos em toda a Europa ocidental, além do desejo de expulsar
os que ameaçam sua identidade.

O efeito geral da globalização continua contraditório, porém, parece que ela


pode, sim, contestar e deslocar as identidades centradas e fechadas de uma
cultural nacional, de modo a produzir uma gama de possibilidades e novas
posições de identificação com seu efeito pluralizante sobre as identidades,
tornando-as posicionais, mais políticas, plurais e diversas, mais unificadas e
menos fixas.

As sociedades modernas estão em mudança constante, rápida e permanente e


observamos que as culturas nacionais formam uma das principais fontes de
identidade cultural neste mundo moderno. Ao nos definirmos como brasileiros,
americanos ou indianos, estamos falando de uma forma figurada, porém,
pensamos realmente que elas fazem parte de nossa natureza essencial. A
nação é algo que produz sentidos de identidade e lealdade; as pessoas são
participantes da ideia da nação tal como representada em sua cultura nacional.

Na tentativa de recuperar a sua “pureza” e as suas tradições, bem como


recobrir as unidades e certezas que são sentidas como perdidas, algumas
identidades andam ao redor daquilo que Robins (1991) chama de “Tradição”.
As que aceitam que estão sujeitas ao plano da história, da política, da
representação e da diferença, sendo desta forma improvável que sejam outra
vez unitárias ou puras, gravitam ao redor do que ele chamou de “Tradução”.

Essa é formada por pessoas que foram “espalhadas” de sua terra natal e que
tiveram suas identidades formadas pela travessia das fronteiras naturais. Sem
abandonar os seus traços culturais de origem, porém conscientes de que não
haverá volta ao passado, sentiram-se obrigadas a se ajustarem com as novas
culturas, sem perder totalmente as suas identidades. Estão traduzidas,
pertencendo a dois mundos simultaneamente.

A tradição traz um conforto que é fundamentalmente desafiado pelo imperativo


de se forjar uma nova autoidentificação, baseada nas responsabilidades da

36
Identidade, Cultura
e Sociedade
tradução cultural. Estão surgindo identidades culturais que não são fixas, mas
que estão em transição. São resultados das misturas das culturas, cada vez
mais comuns na contemporaneidade.

Aprofunde-se mais nas temáticas elencadas nesta unidade nas leituras


complementares, bem como estudos de casos constantes do Anexo Material
Complementar.

Agora efetue as atividades avaliativas pertinentes à Unidade II da disciplina.

Referências:

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Tradução de Plínio Dentzien. Rio


de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

––––––. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi. Tradução de Carlos


Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.

37
Identidade, Cultura
e Sociedade
GIDDENS, A. As consequências da modernidade. São Paulo: Unesp, 1990,
pp. 37-38.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução de


Tomáz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro. Rio de Janeiro: DP&A. 2003.

___________. Minimal Selves, in Identity: The Real Me. ICA Document 6.


Londres: Institute for Contemporary Arts, 1987.

HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1989, p.12.

ROBINS, K. Tradition and translation: national culture in its global context. In


CORNER, J.; HARVEY, S. (orgs.), Enterprise and Heritage: Crosscurrents of
National Culture. Londres: Routledge, 1991.

WALLERSTEIN, I. The Capitalist Economy. Cambridge: University Press,


1979.

38
Identidade, Cultura
e Sociedade
UNIDADE III
VALORES
Conteúdo Programático:

Conceitos em torno dos descentramentos e valores sociais.

Objetivo:

Apresentar aspectos sobre a identidade social.

Capítulo 5 – Descentramentos

Adentrando o século XXI, a sociedade parece ser moderna de uma outra


maneira que a do século anterior, neste viés, Bauman concebe duas
características relevantes. A primeira seria o colapso progressivo e a acelerada
queda da antiga ilusão moderna.

[...] da crença de que há um fim do caminho em que andamos


[...], um Estado de perfeição a ser atingido amanhã, no próximo
ano ou no próximo milênio, algum tipo de sociedade boa, de
sociedade justa e sem conflitos em todos ou alguns de seus
aspectos postulados (BAUMAN, 2001, p. 37).

A segunda indica um individualismo e baseia-se na privatização e


desregulamentação dos deveres e tarefas modernizantes. O que era tido como
de propriedade coletiva dos homens, foi individualizado.

Mesmo que a noção de aprimoramento1 pela ação legislativa da sociedade não


tenha sido renegada, a tônica migrou para a autoafirmação dos sujeitos. Tal
deslocamento repercute na alocação do discurso político/ético do panorama da
“sociedade justa” para o dos “direitos humanos”, ou seja, retornando o foco
para a ideia de que as pessoas devem ser diferentes e podem selecionar seus
próprios padrões de felicidade e de maneira de viver (BAUMAN, 2001, p.38).

1
Ou de modernização adicional do status quo.

39
Identidade, Cultura
e Sociedade
Essas opções desenham um mundo em que insucessos não são definitivos e
contratempos são reversíveis, contudo, não há vitória final, sequer verdades
petrificadas e “para sempre”. “Melhor que permaneçam líquidas e fluidas e
tenham ‘data de validade’, caso contrário poderiam excluir as oportunidades
remanescentes e abortar o embrião da próxima aventura” (Idem, p.74).

A cultura midiática, da publicidade e do consumo, é vastamente docilizada pelo


bem estar individual e seus valores de sucesso pessoal e econômico.2

Desde a entrada das nossas sociedades na era do consumo de


massa, predominam os valores individualistas do prazer e da
felicidade, da satisfação íntima, não mais a entrega da pessoa
a uma causa, a uma virtude austera, a renúncia de si mesmo
(LIPOVETSKY, 2004, p. 23).

Para explicar o consumo contemporâneo, como uma das possíveis


justificativas ao individualismo tal qual se configura, Lipovetsky conjectura que
nas sociedades em que não há ideologias políticas, algumas pessoas tendem a
assegurar a sua identidade por meio do consumo. É válido observar o
crescente número de produtos simbólicos, que dão a possibilidade de
imprensar opções-pessoas, percepção do mundo, valores. “Inúmeros
consumidores – um em cada dois, segundo algumas pesquisas – declaram
agora que a dimensão do sentido e do valor dos produtos os estimula a
comprar” (Idem, p. 53 a 54).

Sennet coloca que, por ora, há a procura de um princípio, mas de reflexões


acerca do que se configura como autêntico.

O eu de cada pessoa tornou-se o seu próprio fardo; conhecer-


se a si mesmo tornou-se antes uma finalidade do que um meio
por meio do qual se conhece o mundo. E precisamente porque
estamos tão absortos em nós mesmos, é-nos extremamente
difícil chegar a um princípio privado, dar qualquer explicação
clara para nós mesmos ou para os outros daquilo que são as

2
Pelo lazer, pelo interesse pelo corpo.

40
Identidade, Cultura
e Sociedade
nossas personalidades. A razão está em que, quanto mais
privatizada é a psique, menos estimulada ela será e tanto mais
nos será difícil sentir ou exprimir sentimentos (SENNETT, 1988,
p.16).

A respeito da influência que a mídia exerce sobre o comportamento, Lipovetsky


ratifica a dificuldade de contestar que ela transforma ações, gostos e modos de
vida.

Na década de 1920, a publicidade ateve-se em destruir costumes locais e


comportamentos tradicionalistas, insuflando regras modernas de consumo,
difundindo as noções de novidade, juventude e conforto. A partir dos anos
1950, a publicidade – jornais, rádio, cinema e televisão – atua uniformizando e
produzindo uma felicidade conformista, mercantil e materialista. A propensão
midiática de edificar, em larga escala, fenômenos comportamentais e de
análogas emoções manifestam-se em hits, best-sellers, veneração de stars.
Até mesmo as ações mais cotidianas têm a tendência de se homogeneizarem-
se (LIPOVETSKY, 2004, p. 68). A mídia aparece como subtendida na
individualização dos comportamentos e modos de vida contemporâneos.

A imprensa, o cinema, a publicidade e a televisão


disseminaram no corpo social as normas de felicidade e do
consumo privados, da liberdade individual, do lazer e das
viagens e do prazer erótico: a realização íntima e a satisfação
individual tornaram-se ideais de massa exaustivamente
valorizados (LIPOVETSKY, 2004, p. 70).

Depois da década de 1960, houve a perda do poder regulador por muitas


instituições e inúmeras pessoas, entre elas, as minorias sexuais, jovens e
mulheres, soltaram-se dos enquadramentos sociais.

Foi nesse quadro que o consumo e a comunicação fizeram emergir a


denominada, por Lipovetsky, “segunda revolução individualista”, pontuada pela
quebra dos grandes sistemas ideológicos, pela primazia da autonomia
subjetiva, pelo culto ao corpo, pelo hedonismo e psicologismo. Tal conjuntura
não deixa limitar as condutas dos sujeitos, que podem compor e recompor suas

41
Identidade, Cultura
e Sociedade
direções e maneiras de viver, diante da grande oferta de referências. Assim,
nas sociedades democráticas, a mídia age privatizando comportamentos,
individualizando práticas, privilegiando o individual em favor da coletividade.

Vale lembrar as imagens produzidas por Edward Hopper (1982-1967). O


artista descreve a maneira individualista da época, a desolação dos
sujeitos em ambientes frios e vazios. Para intensificar essa ideia, todos
aparecem sob luzes artificiais, como que em silêncio, em meio à
natureza civilizatória, ao concreto, em lugares construídos. Parece que
todos estão em um estado de abandono, pelos demais indivíduos e pelo mundo. Os
personagens parecem olhar o nada, em um individualismo e solidão profundos.

A obra de Hopper não é engajada nem tem sentido humanista, é totalmente despida de
qualquer sentido coletivo, mesmo quando são retratadas mais de uma pessoa na tela. De fato,
o artista, contrário àquelas obras que, inflamadas pelo espírito da Depressão, mostravam
cenas rurais com trabalhadores, coloca seus personagens em meio à cidade, a centros
urbanos em que todos são compelidos à uma vida de isolamento, sem dores ou felicidades.

Fonte: https://americanart.si.edu/artwork/people-sun-10762

Tendo em vista que a mídia trabalha para estimular e legitimar o hedonismo,


ela colabora, de modo paralelo, para ressudar um quadro de inseguranças,

42
Identidade, Cultura
e Sociedade
ampliando receios cotidianos.3 No momento em que os sujeitos deixaram de
estar subordinados à coletividade, eles encontram-se, por outro lado,
subjugados ao domínio da inquietude e do medo.

Pelo sensacionalismo, a mídia constitui uma extraordinária


caixa de ressonância dos perigos que planam sobre nossas
existências. Por um lado, a mídia mergulha no lúdico e nas
distrações superficiais; por outro lado, não para de intensificar
as imagens de um mundo repleto de catástrofes e de perigos
(LIPOVETSKY, 2004, p. 76 a 77).

As mobilizações de cunho emocional somente são entendidas se ligadas à


vitória dos valores hedonistas, psicológicos e lúdicos difundidos pelos meios de
comunicação. Os afetos espontâneos, a vida no presente e a autonomia nos
engajamentos contraíram uma legalidade de massa.

Capítulo 6 – As Escolhas Sociais

Giddens (2000) coloca que os sujeitos vivenciam, na modernidade, uma


biografia reflexivamente disposta em termos da vicissitude de informações
psicológicas e sociais a respeito dos modos de vida. A modernidade simboliza
um sistema pós tradicional que promove jacentes decisões acerca do
comportamento4 e elas aludem à autoidentidade.

Giddens alerta para a consciência relativa que a identidade do eu


pressupõe: “É aquilo de que o indivíduo está consciente no termo
“autoconsciência”. A autoidentidade é algo que deve ser criado e
sustentado rotineiramente nas atividades reflexivas do indivíduo”
(GIDDENS, 2002, p. 54).

As escolhas são elementos essenciais da atividade cotidiana. Giddens coloca


que as tradições também são escolhas entre inúmeros padrões possíveis de

3
Medo alimentar, medo de vírus, da pedofilia, da obesidade, da violência urbana, da poluição.
4
Como as questões relativas ao que vestir ou ao que comer, por exemplo.

43
Identidade, Cultura
e Sociedade
comportamento, mas que os hábitos edificados direcionam as ações por vias
estáveis. Todas as opções que um sujeito faz cotidianamente interferem em
seu modo de vida.

Uma vez que o indivíduo se compromete com certo estilo, ele estima algumas
opções como inoportunas e julga os sujeitos com os quais interage. Vale
ressaltar que a edificação ou as escolhas de modos de vida recebe influências
por grupos e pela condição socioeconômica e pela visibilidade de modelos. 5

Chagas enfatiza que os sujeitos modernos desejam ser únicos e melhores que
os demais. Tal pensamento, de certa maneira, ratifica a ideia de Giddens e
Bauman. De todo modo, se cada pessoa ambiciona ser o melhor e se os
escritos de autoajuda fomentam tal ilusão, é possível verificar que tal promessa
é ineficaz, afinal, não há como estar em posicionamentos vantajosos em todas
as esferas.

O aparecimento de novas configurações de vida atinge o dia a dia, o trabalho e


a produção dos indivíduos. Os valores transmutam-se e deixam obsoletos o
que vigorava outrora; o mesmo poderá ocorrer em relação ao porvir.

Baumam observa que a ávida e insistente procura por receitas de vida e


exemplos acurados também se constitui em uma espécie de compra. E os
ensinamentos são de que a felicidade é dependente das competências de cada
um, e que há inúmeras áreas que devemos ser mais hábeis.

“Vamos às compras” pelas habilidades necessárias a nosso


sustento e pelos meios de convencer nossos possíveis
empregadores de que as temos; pelo tipo de imagem que
gostaríamos de vestir e por modos de fazer com que os outros
acreditem que somos o que vestimos; por maneiras de fazer
novos amigos que queremos e de nos desfazer dos que não
mais queremos; pelos modos de atrair atenção e de nos

5
“Como envelhecer melhor, dormir melhor, relaxar e comer melhor são questões apontadas
por Lipovetsky como solucionáveis pelos mais variados livros que funcionam como guias para
um indivíduo que quer soluções eficazes e técnicas para os diversos problemas e questões da
vida” (AUGUSTI, 2008).

44
Identidade, Cultura
e Sociedade
esconder do escrutínio; pelos meios de extrair mais satisfação
do amor e pelos meios de evitar nossa “dependência” do
parceiro amado ou amante; pelos modos de obter o amor do
amado e o modo menos custoso de acabar com uma união
quando o amor desapareceu e a relação deixou de agradar;
pelo melhor meio de poupar dinheiro para um futuro incerto e o
modo mais conveniente de gastar dinheiro antes de ganhá-lo
[...] a lista de compras não tem fim. Porém por mais longa que
seja a lista, a opção de não ir às compras não figura nela. E a
competência mais necessária em nosso mundo de fins
ostensivos infinitos é a de quem vai às compras hábil e
infatigavelmente (BAUMAN, 2001, p. 87 a 88).

O mundo está repleto de mercadorias e o excesso de ofertas exaure


velozmente o potencial de satisfação de cada uma delas. Os que possuem
recursos conseguem se proteger contra esta efemeridade. Entretanto, Bauman
denuncia uma característica da classe que financia tal primazia: ter riquezas
enreda a liberdade de escolha, e, consequentemente, a liberdade diante das
consequências das escolhas equivocadas. É nesse âmbito que aparecem o
“sexo de plástico”, as “relações puras” e os “amores múltiplos”. Aspectos
concebidos por Giddens como meios emancipatórios e garantidores da
autonomia individual e da liberdade de escolha

Bauman acredita que, no caso da elite, comumente é viável aderir


totalmente à afirmativa de Giddens ao pensar no mais forte dos
membros da parceria, que consequentemente inclui o mais fraco. Este
já não tem os mesmos recursos para adentrar livremente seus desejos.
“Mudar a identidade pode ser uma questão privada, mas sempre inclui a
ruptura de certos vínculos e o cancelamento de certas obrigações; os que estão do lado que
sofre quase nunca são consultados, e menos ainda têm chance de exercitar sua liberdade de
escolha” (BAUMAN, 2001, p. 105).

Uma vez que as crenças, valores e estilos foram “privatizados” –


descontextualizados ou “desacomodados”, com lugares de reacomodação que
mais lembram quartos de motel que um lar próprio e permanente –, as

45
Identidade, Cultura
e Sociedade
identidades não podem deixar de parecer frágeis e temporárias, e despidas de
todas as defesas exceto a habilidade e determinação dos agentes que se
aferram a elas e as protegem da erosão. A volatilidade das identidades, por
assim dizer, encara os habitantes da modernidade líquida. E assim também faz
a escolha que se segue logicamente: aprender a difícil arte de viver com a
diferença ou produzir condições tais que façam desnecessário esse
aprendizado (idem).

Reputando que há um hiperindividualismo atualmente, cogitemos, então, nas


hodiernas espécies de consumo vinculadas aos meios de comunicação e de
informação, na propagação das religiões à la carte, na veneração à forma e à
saúde, na procura pela beleza, no consumo abusivo de psicotrópicos e
medicamentos, na procura por uma alimentação sadia e na corrida pelos
regimes.

Hoje, mais do que qualquer outra época, produz-se uma


violência sobre a imagem de si mesmo, uma violência
simbólica [...], na medida em que assumimos a verdade de que
aquele tipo de corpo somos nós que não aceitamos, na medida
em que incorporamos uma verdade sobre ele como “natural”
em nós mesmos (FISCHER, 1998, p. 431).

Os meios de comunicação, de todo modo, enaltecem tais valores, e isso é visto


enfaticamente na indústria feminina, a chamada “tirania da beleza”. “Quanto
menos a moda (vestuário) é diretiva, mais a lei da magreza e da juventude é
exaltada e valorizada. Quanto mais a moda se torna pluralista, mais o corpo
esbelto e firme torna-se um ideal consensual” (LIPOVETSKY, 2004, p. 6).

Giddens (2002) afirma que o corpo passou a fazer parte da reflexividade da


modernidade: “Regimes corporais e a organização da sensualidade na alta
modernidade abrem-se à atenção reflexiva contínua, contra o pano de fundo da
pluralidade de escolha” (Idem, p.98). Tanto projetar quanto selecionar os estilos
de vida se integram aos regimes corporais.

46
Identidade, Cultura
e Sociedade
Fischer relembra uma concepção de Hobsbawm, que acreditava que a cultura
ocidental do século XX seria permeada pelo rejuvenescimento da sociedade:

A culpa ocidental cristã em relação aos valores externos, à


materialidade da beleza dos corpos, exige que se afirme uma
bondade interna, o que é permanentemente negado pelo elogio
à juventude e pela rejeição do corpo que envelhece (FISCHER,
1998, p. 428).

O corpo não é mais concebido, alimentado e adornado de acordo com os


rituais tradicionais; atualmente ele se torna parte nuclear do projeto reflexivo da
autoidentidade. Mesmo que as maneiras de apresentação do corpo sejam
edificadas segundo uma pluralidade de tipos de estilos de vida, decidir dentre
eles não é, de todo modo, uma opção, mas um componente intrínseco da
construção da autoidentidade.

O planejamento da vida em relação ao corpo, portanto, não é


necessariamente narcisista, mas parte normal dos ambientes
sociais pós-tradicionais. [...] o planejamento do corpo é mais
frequentemente um envolvimento com o mundo exterior que
uma retirada defensiva dele (GIDDENS, 2002, p.165).

Ideias de beleza e juventude pautam o discurso das mídias acirradamente, e


esta evidencia a exclusão dos que estão longe de tal padrão.

No final do século XX e no início do século XXI, há, de fato, uma mudança de


paradigmas atrelada a novos valores, seja de natureza política, seja cultural,
seja econômica, seja social etc., que são frequentemente determinados pelas
inúmeras modificações na sociedade contemporânea, vigorosamente impelidas
pelos meios midiáticos. As informações levam os sujeitos para todos e nenhum
lugar, simultaneamente, diante da crise de valores. Nesse viés, Hall coloca que
“a interdependência global está levando ao colapso todas as identidades
culturais fortes” (HALL, 1998).

Os indivíduos pós-modernos caminham em busca de sua identidade,


entretanto, ela parece mudar de acordo com o contexto. Assim, o sujeito

47
Identidade, Cultura
e Sociedade
aparece descentrado, fragmentado, sem identidade fixa. E isso reflete em uma
sociedade desestruturada, com perda de valores, sejam éticos sejam culturais.

Aprofunde-se mais nas temáticas elencadas nesta unidade nas leituras


complementares, bem como estudos de casos constantes do Anexo Material
Complementar.

Agora efetue as atividades avaliativas pertinentes à Unidade III da disciplina.

Referências:

GIDDENS, A. As consequências da modernidade. São Paulo: Unesp, 1990.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução de


Tomáz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.

48
Identidade, Cultura
e Sociedade
HARVEY, D. The Condition of Post-Modernity. Oxford: Oxford University
Press, 1989.

HARVEY, D. The Condition of Post-Modernity. Oxford: Oxford University


Press, 1989.

McGREw, A. A global society? In: HALL, Stuart; HELD, David e MCGREW,


Tony (Orgs.). Modernity and its futures. Cambridge: Polity Press/Open
University Press, 1992.

ROBINS, K. Tradition and translation: national culture in its global context. In


CORNER, J.; HARVEY, S. (orgs.), Enterprise and Heritage: Crosscurrents of
National Culture. Londres: Routledge, 1991.

WALLERSTEIN, I. The Capitalist Economy. Cambridge: University Press,


1979.

UNIDADE IV
UNIVERSALISMO E RELATIVISMO CULTURAL

49
Identidade, Cultura
e Sociedade
Conteúdo Programático:

Conceitos em torno do universalismo e do relativismo cultural.

Objetivo:

Apresentar as defesas e críticas dos universalistas e dos relativistas sociais,


bem como o apontamento sobre as perspectivas não ocidentais.

Capítulo 7 – Dicotomias

Muito dicorremos acerca das mudanças históricas, do alcance global de


valores, das novas concepções e a consequente ideia de identidade e
individualismo que permeia hoje o mundo. Neste intento, não há como ficarmos
indiferentes às normas edificadas, afinal, elas surgem justamente a partir das
novas configurações sociais.

Dúvidas e discordâncias permeiam a questão dos Direitos Humanos. Diversos


autores confirmam que seu marco se deu na Inglaterra, no ano de 1215, com a
Magna Carta. Após este, outros documentos foram redigidos a fim de chegar
ao mesmo objetivo, como o Bill of Rights (1689), na Inglaterra; a Declaração de
Virgínia (1776); os Direitos Sociais (1917) – espécie de “inovação” dos Direitos
Humanos, no México; A Declaração do Povo, dos Trabalhadores e dos
Explorados (1918) – com ênfase nos direitos econômicos – pela Rússia; a
Constituição de Weimar (1919) – tratando dos direitos sociais e econômicos.

Os Direitos Humanos só foram concebidos de maneira universal com a


organização da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948 – após o
final da Segunda Guerra Mundial e da fundação da ONU. Aqui, não há
variações quanto à cor, crença ou nacionalidade, afinal, a “essência do ser
humano é uma só.”6 Dessa maneira, a Declaração objetiva a consagração de
princípios e valores que norteiam as relações sociais em âmbito mundial, além

6
Fábio K. Comparato, no texto “Desenvolvimento Histórico - A afirmação histórica dos Direitos
Humanos.”

50
Identidade, Cultura
e Sociedade
de pretender reunir os países-membros da ONU, assegurando os direitos de
cada sujeito e a liberdade fundamental, sobretudo visa promover boas relações
entre as nações.

7.1 O Relativismo

O relativismo cultural dos direitos humanos caracteriza-se pelo fato de cada


cultura valorizar e conceituar, à sua maneira, o que seriam esses Direitos em
relação a crenças e princípios de outro povo. Aqui se dá a dicotomia entre
universalismo e relativismo.

Embora o universalismo proponha objetivos relevantes, não realça a


especificidade cultural, uma vez que universaliza direitos e princípios difíceis de
conformidade em um âmbito global diversificado – e aqui salientamos a
insistência dos ocidentais de acreditarem ser seus valores universais.

A Declaração Universal almeja a indistinção entre as pessoas, porém, não é


sempre desta maneira que acontece, a exemplo de Zaíra, 15 anos, marroquina
e seguidora do islamismo, que fora morar na França. Neste país, em 2004,
passou a vigorar a lei que impedia o “uso ou o porte de qualquer símbolo
religioso pelos alunos nas escolas públicas”, diante disso, a menina não
poderia mais utilizar seu véu. Como é possível a resolução de tal problema
diante da universalidade? É possível ignorar certos valores culturais?

Muitos defendem que a não utilização do objeto promove a igualdade sexual e


impossibilita a segregação religiosa, outros falam em liberdade de escolhas,
seja em qualquer patamar, inclusive o religioso, o que seria um princípio
fundamental da democracia e da identidade cultural. A despeito, a Corte
Europeia dos Direitos Humanos ratificou a proibição do véu nas escolas do
governo, sob o discurso de não violar “o direito de liberdade religiosa e é uma
forma válida de combater o fundamentalismo islâmico.”

Sebastião Salgado. Cabul, Afeganistão, 1996.

51
Identidade, Cultura
e Sociedade

Fonte: https://www.taschen.com/pages/en/company/blog/819.on_the_run.htm

Na sociedade brasileira, será que o posicionamento seria o mesmo ou


prevaleceria o caso específico diante do abrangente? No artigo artigo 5º, inciso
VI, da Constituição Brasileira (1988), está a garantia da liberdade de crenças e
do livre exercício de cultos religiosos; no artigo 215, vemos a autorização dos
plenos exercícios dos direitos culturais. Até mesmo o artigo XVIII, da
Declaração Universal dos Direitos Humanos, defende a manifestação da
religião “pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou
coletivamente, em público ou em particular.”

É de interesse internacional a tutela dos direitos dos homens, assim sendo, o


mundo se deparou com a necessidade da restrição da soberania estatal, uma
vez que a violação dos direitos humanos não é apenas de cunho doméstico,
mas atinge a comunidade global.

O que se debate de maneira constante é justamente o alcance normatio


territorial dos Direitos, melhor dizendo, se as referidas normas podem ser
aplicadas universalmente ou se se constituem em um certo imperialismo

52
Identidade, Cultura
e Sociedade
ocidental. Como é possível defender a universalidade perante a pluralidade
cultural?

Os defensores do relativismo cultural afirmam ser impossível os direitos


humanos terem uma conotação unidirecional para os povos de localidades
diversas. Essa ideia é reforçada pelo argumento filosófico segundo o qual a
noção dos Direitos embasa-se na visão antropocêntrica acerca do mundo,
negando a visão cosmoteológica de muitos povos. Assim, a definição
normativa-valorativa deve se pautar nas especificidades locais, uma vez que,
diante da multiplicidade cultural, é difícil se conceber uma moral de cunho
universal.

Há outro argumento, que diz respeito à política imperialista ocidental,


argumento este comprovado pelo fato de que a ONU adotou a Declaração
Universal dos Direitos Humanos sem qualquer voto contra, e apenas com oito
abstenções, dentre 56 países participantes do foro deliberativo (Bielorússia,
Tchecoslováquia, Polônia, União Soviética, Ucrânia Iugoslávia, Arábia Saudita
e África do Sul). E há de se observar o número ínfimo de Estados participantes,
diante da pretensão que os Direitos sejam universais.

Um ponto significativo é o fato de muitos Direitos não serem compatíveis com


algumas práticas da cultura oriental, como o dote das noivas e a
clitoridectomia, o que denuncia que aspectos culturais de certos povos são
subjugados, quando deveriam ser compatibilizados.

Muitos estudiosos criticam o fator teleológico ocidental, tendo em vista que


sociedades islâmicas dão ênfase aos “deveres” como crucial para o
direcionamento do que seriam os direitos humanos, enquanto na cultura
ocidental prevalece a vertente reducionista que atribui os Direitos sem observar
os deveres, incluindo aqui os ambientais.

53
Identidade, Cultura
e Sociedade
Outro questionamento se faz diante do desvirtuamento da noção universalista,
quando de interesse das grandes nações, que se utilizam de estratégias no
âmbito geopolítico.

Vários autores desconfiam de uso do discurso de proteção de


direitos humanos com um elemento da política relações
exteriores de numerosos Estados, em especial dos Estados
ocidentais, que se mostram incoerentes em vários casos,
omitindo-se na defesa de direitos humanos na exata medida de
seus interesses políticos e econômicos.

Como exemplo, as relações exteriores dos Estados Unidos


mostrariam que a universalidade dos direitos humanos, de
acordo com essa visão, é instrumento de uso específico para o
atingimento de fins econômicos e políticos, sendo descartável
quando inconveniente. O caso sempre citado é o constante
embargo norte-americano a Cuba, justificado por violações
maciças de direitos humanos por parte do governo comunista
local, e as relações amistosas dos Estados Unidos com a
China comunista, sem contar o apoio explícito norte-americano
a contumazes violadores de direitos humanos (RAMOS, 2005,
p.186).

Desfavorável à universalidade, há também a crítica à extrema valorização dos


sujeitos ao invés da comunidade. De fato, a Declaração Universal dos Direitos
Humanos dá ênfase ao indivíduo, enquanto culturas africanas e asiáticas
acreditam nos direitos e deveres do grupo como sendo predominantes. A
cultura islâmica não deixa de lado a questão metafísica, onde há uma visão
teológica no entendimento dos sujeitos como entes detentores de direitos e
deveres.

Uma das diferenças-chave entre a moderna concepção


ocidental de dignidade humana e a concepção não ocidental se
atém em muito ao elemento do individualismo constante da
concepção ocidental. Os direitos relativos aos indivíduos
tendem, obviamente, a ser mais individualísticos em sua

54
Identidade, Cultura
e Sociedade
realização e efeitos que os direitos concernentes a grupos. (..)
Quando estes direitos situam-se em um nível básico, esse
individualismo reflete a inexistência quase completa de
reivindicações sociais (...) A concepção não ocidental também
aponta essa diferença. Por exemplo, Asmaron Legesse
escreve que uma diferença crítica entre a África e as tradições
ocidentais refere à importância que esta última atribui aos
indivíduos em si. Nas democracias liberais do mundo ocidental,
o titular primeiro de direitos é a pessoa humana. O indivíduo
assume uma posição quase sagrada. Há uma perpétua e
obsessiva preocupação com a dignidade do indivíduo, seu
valor, autonomia e propriedade individual (...) Escrevendo a
partir de uma perspectiva islâmica, no mesmo sentido, Ahmad
Yamani observa que o Ocidente é extremamente zeloso na
defesa de liberdades, direitos e dignidade individual,
enfatizando a importância de atos exercidos por indivíduos no
exercício desses direitos, de forma a pôr em risco a
comunidade (DONNELLY, 2011, p.208).

Os relativistas observam que a questão econômica pode inviabilizar a


universalidade dos Direitos, uma vez que nações subdesenvolvidas, sobretudo
as latino-americanas, alegam a indisponibilidade financeira para a aplicação
dos direitos sociais e econômicos.

7.2 O Universalismo

Após a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, vigora também a


concepção universalista, que contra-argumenta a crítica relativista nas
seguintes questões:

 Pertinente ao argumento filosófico, são desfavoráveis à visão


antropocêntrica e cosmoteleológica, de modo a afirmar que os Direitos
não abrangem todas as esferas do cotidiano social. “Os direitos
humanos não oferecem ritos ou símbolos: são conceitos jurídicos-
normativos, que estabelecem o ethos de liberdade no regramento da

55
Identidade, Cultura
e Sociedade
vida em sociedade, não competindo nem servindo como substitutos às
convicções religiosas” (RAMOS, 2005).

Os defensores do universalismo ainda colocam a possibilidade de identificação


de traços comuns entre as sociedades, como o valor dado à dignidade e à
proteção contra opressões. E esses traços constituiriam em um grupo mínimo
de direitos que deveriam se salvaguardados mundialmente.

 Contra à denúncia imperialista, os universalistas afirmam que muitos


países violam gravemente os Direitos justificando-se por meio de sua
cultura. Diante disso, os relativistas estariam impedindo que a sociedade
internacional interviesse nos Direitos de tais comunidades.

Nós não podemos passivamente assistir a atos de tortura,


desaparecimento, detenção e prisão arbitrária, racismo,
antissemitismo, repressão a sindicatos e Igrejas, miséria,
analfabetismo e doenças em nome da diversidade ou respeito
a tradições culturais. Nenhuma dessas práticas merece nosso
respeito, ainda que seja considerada uma tradição
(DONNELLY, 2011, p.207 a 208).

Válido lembrar que, em 1993, adotou-se a Declaração e Programa de Ação de


Viena, que procurou, por vias normativas, ratificar a universalidade como sendo
de caráter intrínseco dos Direitos. Houve a participação de 171 países que
entraram em um acordo – salvaguardando as especificidades culturais –,
comungando a qualidade protetiva universal:

Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis


interdependentes e inter-relacionados. A comunidade
internacional deve tratar os direitos humanos de forma global,
justa e equitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase.
Embora particularidades nacionais e regionais devam ser
levadas em consideração, assim como diversos contextos
históricos, culturais e religiosos é dever dos Estados promover
e proteger todos os direitos humanos e liberdades

56
Identidade, Cultura
e Sociedade
fundamentais, sejam quais forem seus sistemas políticos,
econômicos e culturais.

Os universalistas se defendem apontando a representatividade regional e


cultural, que propuseram, inclusive, algumas modificações nas tradições do
povo ocidental.

 À crítica da perspectiva individual dos Direitos Humanos, é defendido


que, diante da fragilidade dos sujeitos diante do Estado, era, sim,
necessário resguardar por meio de alguns direitos a dignidade do
homem, a fim de minimizar os efeitos negativos como opressões e
desigualdades.

Sebastião Salgado. Vacinação contra a pólio no povoado de Irro-Jo Whandhio,


distrito de Mithi, Paquistão, 2001.

Fonte: https://travesseirosuspensoporfiosdenylon.blogspot.com/2011/10/sebastiao-
salgado-fotografo-brasileiro.html

 A respeito do direcionamento geopolítico, colocam que este fato


estende-se ao Direito Internacional, uma vez que não há isonomia nas
correlações de forças, sequer é homogênea, e este fato facilita a
seleção de leis em concordância com influências políticas.

57
Identidade, Cultura
e Sociedade
A história do Direito Internacional mostra que o direito dos
tratados, a teoria da responsabilidade internacional, entre
outros temas já sofreram interpretações de modo a justificar o
atingimento de fins políticos e econômicos por parte de Estados
(em geral, os mais poderosos), da mesma forma que o Direito
Internacional dos Direitos Humanos. Cite-se por exemplo, a
construção norte-americana da era Reagan da doutrina da
“legítima defesa preventiva e ideológica”, que ampliava o
próprio conceito de legítima defesa previsto na Carta da
Organização das Nações Unidas e que serviu para justificar
agressões armadas durante a década de 80.

Assim, a crítica deve recair não sobre o Direito Internacional


dos Direitos Humanos, mas sim sobre as próprias
características da sociedade internacional, cujos atores
principais, Estados, são, ao mesmo tempo, produtores,
destinatários e aplicadores da norma internacional, podendo,
então interpretá-la de modo unilateral para atingir seus fins
(RAMOS, 2005, p. 195 a 196).

Por fim, os universalistas salientam que a falta de recursos financeiros e


econômicos não deve ser um mote que permita que muitos indivíduos não
usufruam dos Direitos, uma vez que estes são de cunho mínimo a fim de uma
vida digna. E afirmam que não é correto o argumento de que a riqueza
preconiza a implementação dessas leis.

Aliás, o Brasil, como uma das maiores economias industriais do


mundo, é amostra evidente que o aumento da riqueza não leva
a maior proteção de direitos humanos. Muito pelo contrário: a
lógica da postergação da proteção de direitos humanos e em
especial dos direitos sociais faz com que o desenvolvimento
econômico beneficie poucos, em geral àqueles que circundam
a elite política dominante (RAMOS, 2005, p. 197).

Percebemos que os universalistas preconizam a proteção aos indivíduos, não


importa que país ou situação econômica da sociedade em que estão inseridos,
algo inconcebível, segundo os relativistas, perante o multiculturalismo e os

58
Identidade, Cultura
e Sociedade
valores diferentes entre cada povo. Por isso, muitos autores primam pelo
diálogo entre as culturas, de modo que o respeito vigore entre elas.

A construção de uma concepção multicultural dos direitos


humanos decorreria do diálogo intercultural. Prossegue ainda
que os direitos humanos tenham que ser reconceptualizados
como multiculturais. Multiculturalismo, tal como ele entende, é
precondição de uma relação equilibrada e mutuamente
potencializadora entre as competências global e a legitimidade
local, que constituem os dois tributos de uma política
contrahegemônica de direitos humanos no nosso tempo
(BOAVENTURA,1997, apud PIOVESAN, 2006, p. 22 a 23).

Aqui cabem as ideias de Amartya Sem (PIOVESAN, 2006, p.24), quando se


trata de valor dialógico, a respeito dos direitos humanos e valores dos países
da Ásia, tratados muitas vezes como sendo de cunho autoritário, e não dando o
devido mérito ao fato de a cultura asiática cunhar pela liberdade e tolerância.

No Islamismo, não existe uma cisão entre direito e religião, uma vez que as leis
se embasam em escritos sagrados e visões de líderes religiosos. O Corão
propõe quatro perspectivas para a vida cotidiana e em grupo, englobando
direitos, relacionamentos, responsabilidades e papéis. Se é valorizada a função
dos pais, isso implica em não deixar de lado os direitos, mas também as
consequentes responsabilidades.

De fato, uma “cultura de direitos” carece de limites, o que é, de certa maneira,


nocivo à sociedade. Chandra Muzaffar discorre sobre a problemática:

É pela preponderância do parâmetro citado em relação aos


outros que uma ‘cultura dos direitos’ difundiu-se no Ocidente,
com consequências desastrosas para a humanidade. Pode-se
dizer que a incapacidade de compreender que a
responsabilidade deve, por vezes, preceder o direito foi uma
das causas por detrás da crise ambiental no Ocidente
(MUZAFFAR, p. 320 a 321).

59
Identidade, Cultura
e Sociedade
O direito de exploração ambiental, nessa perspectiva, não olhou para o dever
de preservação, cunhado na responsabilidade, de maneira que hoje se
procuram por formas de se minimizar os prejuízos, sem sucesso.

Sebastião Salgado. Fortaleza - Ceará, 1983

Fonte: http://projetoumolharmaisatento.blogspot.com/2010/06/visita-ao-antigo-lixao-de-
santa-maria.html

Mesmo que as culturas mais distintas da nossa conheçam


figuras cujo sentido sejam a tutela da dignidade da pessoa
humana em termos semelhantes aos do Ocidente. Importa, por
isso, descontinuar nesses outros universos significativos os
“equivalentes homomorfos” dos direitos humanos, de forma a
poder definir um conjunto de valores que sejam partilhados por
todas as culturas do mundo; valores que sejam, na terminologia
de Alison Dundes Renteln “cross cultural universals” uma tarefa
que passa por um diálogo intercultural, em que se reconheça a
inevitável incompletude de todas as culturas e em que sejam
ponderados os tipos próprios a cada uma delas, naquilo que
Santos designa por “hermenêutica diatópica”; o resultado será

60
Identidade, Cultura
e Sociedade
uma concepção multicultural dos direitos humanos, uma
mestiçagem.”7

Já Comparato coloca:

(...) que a titularidade dos diretos humanos é puramente a


existência do homem, sem necessidade alguma de qualquer
outra precisão ou concretização, que os direitos humanos são
direitos próprios de todos os homens, enquanto homens, à
diferença dos demais direitos que só existem e são
reconhecidos em função de particularidades individuais ou
sociais do sujeito. Concluiu que direitos humanos são, pela sua
própria natureza, direitos universais e não localizados ou
diferenciais (COMPARATO Apud. PIOVESAN, 2006, p.62).

A contemporaneidade exige, segundo defesas universalistas, normas de cunho


mundial, e os Estados estão de acordo no momento em que certificam os
instrumentos internacionais que protegem tais Direitos e mostram seu
consentimento acerca do conteúdo da universalidade. Piovesan entende que
nenhum estado pode se furtar a reconhecer, proteger e promover tais direitos,
na medida em que “a intervenção da comunidade internacional há de ser
aceita, subsidiariamente, em face da emergência de uma cultura global que
objetiva fixar padrões mínimos de proteção dos direitos humanos” (PIOVESAN,
2006, p.63).

Os defensores do universalismo ainda esclarecem que essa universalidade


proposta não é o mesmo que uniformidade ou ausência de flexibilidade, de
modo que converse com as particularidades culturais. Diante disso, Jerônimo
coloca que a “eficácia das normas de proteção dos direitos humanos, mesmo
que sejam universais, devem ser contextualizadas e ter sempre em conta as
especificidades das sociedades” (JERÔNIMO, 2001, p.257). O que quer dizer
que a imensidão cultural da natureza humana foi deixada de lado ao falar de
direitos universais, quando se deveria tratar de direitos relativos. É certo que os

7
2001, p. 259

61
Identidade, Cultura
e Sociedade
sujeitos não vivem isoladamente, de maneira indiferente à sociedade, por isso
os Direitos não podem ser tratados segundo uma ética mundial.

Capítulo 8 – Perspectivas não Ocidentais

Os direitos humanos são, de fato, uma criação euro-americana, o que se


constitui em uma ironia, uma vez que foram estes os estruturantes do
colonialismo na época moderna. Esses direitos estão sendo concebidos como
a salvação universal diante regimes não democráticos e o monopólio da
violência exercida pelos Estados, de modo a reconhecer os direitos de
liberdade e expressão individuais contidos nas leis.

Mas isso parece ser difícil de ser almejado, uma vez que imperam a pobreza e
a repressão nos mesmos lugares em que as ideias de igualdade e fraternidade
foram difundidas. De fato, os ideais civilizatórios ocidentais foram colocados no
papel, sendo uma proposta para todo o mundo. Mas o que haveria de frágil em
tal proposta? Se se promove como universal, porque não foi compreendida e
aceita por todos os povos, tendo em vista o aumento da qualidade de vida que
haveria quando da sua prática? Sua aplicação cotidiana encontra restrições
devido à elite que administra o poder de maneira corrupta ou os direitos
humanos é um projeto de um ideal extremo?

O código dos Direitos apareceu com a premissa da universalidade, porém,


esses direitos nem sempre são passíveis de aceitação universal. Em 1993,
Panikkar (1983, p.5 a 29) retomou o debate da universalidade dos direitos
humanos em contrapartida ao pensamento indiano clássico. O autor
denunciava o quão complexa é a realidade que está no limiar desse discurso.

Ele coloca que, em um primeiro momento, todos aceitam a ideia da


universalidade dos Direitos como algo elaborado de maneira perfeita,
sobretudo no que diz respeito à liberdade dos sujeitos. Diante disso, ocorre a
admissão de que qualquer povo que não segue algum ponto do Código não

62
Identidade, Cultura
e Sociedade
seria civilizado, ou seja, atrasado e ignorante culturalmente. Aqui desenha-se o
velho preconceito cultural eurocentista, não admitindo qualquer fato diferente
como cultural. Fato este muito bem manipulado pela mídia, ou seja, faz-se um
alarde ao que é tratado como sendo “exótico”.8

Sebastião Salgado – África

Fonte: https://br.pinterest.com/pin/325244404309361785/

Dessa maneira, há quem fique perplexo diante de imagens africanas ou


asiáticas violentas, concebendo os habitantes desses continentes como sendo
de pouca civilização. Ocorre o mesmo na esfera religiosa, concebidos, pelos
ocidentais, como isentas de racionalidade. Mas será que os hábitos do
Ocidente também não são vistos com um olhar de pouca compreensão pelos
orientais, caso não haja a comunicação? Será que o referencial do que seria

8
Para saber mais sobre a construção da História Oriental ver SAID, 1996.

63
Identidade, Cultura
e Sociedade
certo não é apenas o de sua cultura? A esse respeito, a antropologia do
Ocidente se debruça a cada dia.9

De fato, parece haver um consenso acerca do modo de administrar o mundo,


de acordo com critérios liberais e individualistas, provindos da Revolução
Francesa e da fundação da ONU. Mas o que foi feito pelos franceses, foi o
estabelecimento de um sistema que eleva a Europa em um alto patamar da
hierarquia cultural no mundo, de modo a conceber que as demais civilizações
não foram capazes de construir leis racionais de cunho universal, sendo,
portanto, de racionalidade inferior.

A respeito da não criação de leis universais elaboradas por outros povos,


podemos dizer que esta questão culmina na problemática da definição dos
seres humanos em si. Se admitimos realmente o Código como correto,
inferimos que há uma hierarquia cultural, e, consequentemente, a diferença
entre os homens (PANIKKAR, 1983 e 2001). Também embasamos a opinião
de que há comunidades que necessitam ser “educadas” culturalmente (aqui se
constituiria em uma imposição de valores), o que não garantiria a assimilação
de conceitos propostos pelos ocidentais. De fato, o código dos Direitos
Humanos evidencia as diferenças, enfatizando que as ideologias modernas
devem ser impostas.

Se os indivíduos fossem iguais entre si, a proposta de liberdade e igualdade


dos Direitos Humanos seria compreendida por todas as culturas. Se os sujeitos
fossem iguais, eles chegariam às mesmas conclusões acerca do seu
relacionamento com a natureza universal, e, assim, inferir leis éticas e de
conduta parecidas, não importando a temporalidade histórica.

W. T. Chan (1978 e 2001) bem falou que o povo ocidental sabe pouco acerca
do pensamento oriental, tampouco de suas produções teóricas, culturais e de

9
Para saber mais sobre esta discussão, ler MALLINOWSKI, 1975; GEERTZ, 1978; LEVI
STRAUSS, 1980 e BARTH, 1999.

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Identidade, Cultura
e Sociedade
saberes. Diante disso, há a possibilidade de o povo do Oriente já ter chegado
às mesmas conclusões fundamentalistas.

De fato, a cultura oriental possui uma perspectiva relacionada à igualdade


diferente dos ocidentais, mesmo assim, há a vontade de que eles absorvam a
proposta europeia, pois ela seria “melhor para todos”. Porém, o individualismo
ocidental se opõe ao senso gregário da China e da Índia. O indivíduo procura
se afirmar, no ocidente, sobre a sociedade, enquanto que o vínculo familiar
determina a formação moral e social de um sujeito oriental. A liberdade tende a
um egoísmo e antropocentrismo pautado no sujeito, quando da cultura
ocidental, enquanto na Ásia ocorre uma certa restrição do individualismo como
patamar inicial da liberdade social, por meio de uma relação comunitária
equilibrada.10

Essas questões não inferem em uma superioridade oriental ou ocidental.


Famílias americanas e europeias, até pouco tempo atrás, também interferiam
nos matrimônios e monopolizavam seus filhos; e as sociedades orientais
passaram por experimentos de liberdade e individualidade.

A temática da igualdade não é, então, uma premissa ocidental, mas de âmbito


mundial. A maneira que ela se aplica é que se modifica ao longo dos tempos –
seja por meio da religiosidade, de leis, da política –; o fator cultural, entretanto,
ainda não foi consensual na medida em se estabelecer um critério de
conformidade entre as diversas civilizações.

A fim de uma maior aceitação de qualquer proposta de igualdade, é necessário


estabelecer diálogos, conforme a análise transcultural de Panikkar (2001) ou
multicultural de Wang (1997) ou de Zhu (1997). Mas esses diálogos devem se
dar enquanto comunicação, não de maneira impositiva de regras sociais. Se
não for entendido que cada cultura possui as suas maneiras de administrar a
problemática da liberdade, qualquer processo interativo não terá êxito,
promovendo a utilização da força para corrigir erros.

10
Ver FAIRBANK, 1996. Sobre as restrições sociais, ver WANG, 1997 e ZHU, 1997.

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Identidade, Cultura
e Sociedade

Aprofunde-se mais nas temáticas elencadas nesta unidade nas leituras


complementares, bem como estudos de casos constantes do Anexo Material
Complementar.

Agora efetue as atividades avaliativas pertinentes à Unidade IV da disciplina.

Referências:

CHAN W. T. O Espírito da Filosofia Oriental. In Filosofia: Oriente, Ocidente.


SP: Cultrix – USP, 1978.

66
Identidade, Cultura
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CHAN W.T. História da Filosofia Chinesa. In Filosofia: Oriente, Ocidente. SP:
Cultrix – USP, 1978.

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Vozes, 1978.

COMPARATO, Fabio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos.


6 ed. rev. ampl. São Paulo: Saraiva, 2008.

DONNELLY, Jack. Human rights and human dignity: na anlytic critique of


now-western conception of human rights, in PIOVESAN, Flávia. Direitos
Humanos e o Direito Constitucional dos Direitos Humanos. 12 ª Ed. Saraiva,
2011, p. 207-208.

FAIRBANK, J. China, una nueva historia. Barcelona: A.B, 1996.

GLASENAPP, H. La filosofía de los hindúes. Barcelona: Barral, 1979.

GONÇALVES, R. Textos budistas e zen-budistas. São Paulo: Cultrix, 1995.

GRANET, M. O pensamento chinês. Lisboa: contraponto, 1997.

JINGPAN, C. Confucius as a Teacher. Beijing: FLP, 1990.

KAO, J. B. A Filosofia Social e Política do Confucionismo. RJ, 1952.

MO ZI. Livro de Mozi. In Yutang, L. Sabedoria da China e da Índia. Rio de


Janeiro: Pongetti, 1957.

MUZAFFAR, Chandra. Islã e Direitos Humanos. In: BALDI, César Augusto


(org.). Direitos Humanos na Sociedade Cosmopolita. Rio de Janeiro:
Renovar.

PALMER, M. Elementos do Taoísmo. RJ: Ediouro, 1993.

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional dos


Direitos Humanos. 12 ª Ed. Saraiva, 2011.

PUECH, H. C. Las religiones en la India y en Extremo Oriente. Madrid: Siglo


XXI, 1993.

RAMOS, André de Carvalho. Teoria geral dos direitos humanos na ordem


internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

TANG Y.J. Confucianism, buddhism, daoism, christianity and chinese


culture. Beijing: CRPV, 1991

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1997
WILHELM, R. A Sabedoria do I Ching. SP: Pensamento, 1991.

__________. I Ching. SP: Cultrix, 1988.

__________. Tao Te King. SP: Pensamento, 2000.

ZHU D.S. e JIN X. The human Person and society: Chinese philosophical
studies. Beijing: CRPV, 1997.

PARA NÃO FINALIZAR!

Seria óbvio dizer que o que estudamos até então é somente uma introdução
para a busca contínua do conhecimento em prol da geração de valor, tanto
acadêmico [pessoal], quanto social [interpessoal e interdependente].

Decerto também temos ciência que neste não neste material, tampouco meras
horas de empenho nos farão alcançar o objetivo maior (para os mais
proativos).

Destarte, indicamos estudos complementares a fim de (não) finalizarmos um


assunto tão vasto e amplo como este, regrado a diversas ramificações
pertinentes que fazem com que se torne objeto de estudos por ainda um longo
e árduo trajeto pela frente.

São os principais temas não abordados, mas insofismavelmente importantes a


serem considerados sobre a temática em questão:

 Cultura como identidade de uma sociedade;


 Identidade cultural;
 Identidade social;
 Globalização e diversidade cultural;
 Respeito à identidade cultural;

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Identidade, Cultura
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 Direitos humanos.

FIM DA DISCIPLINA IDENTIDADE, CULTURA E SOCIEDADE

Fonte: https://aletp.com.br/6-dicas-para-se-concentrar-no-trabalho-e-nos-estudos/

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