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CHAMADA

Membros transformam-se em clientes, pecadores em investidores e servos em


sócios. O consumismo espiritual é a mais preocupante ameaça à vida cristã no
século 21.

OLHO 1
Se antes a tônica dos pregadores era “Venha a Jesus, você que se sente um
pecador”, a nova homilética conclama “Venha a Cristo, você que tem problemas
na empresa, no casamento, na sua vida profissional...”. A figura de Jesus como
Salvador da humanidade dá lugar à imagem de Cristo como psicólogo, consultor
de negócios, orientador profissional, animador de auditório, etc.

OLHO 2
Muitos religiosos apreciam uma igreja com bom entretenimento e conforto
espiritual garantido, mas rejeitam a que lhes repreenda os pecados ou torne suas
vidas difíceis em um mundo relativista e pós-moderno. Consumidores querem
entretenimento, não transformação.

OLHO 3
A igreja corre o risco de querer pagar qualquer preço para manter seus
consumidores espirituais – ainda que perca sua identidade confessional. Afinal de
contas, o cliente tem sempre razão.

TÍTULO
Consumidor Espiritual: como fugir da passividade na vida cristã

Rodrigo P. Silva, ThD

Em anos recentes, muitos sociólogos, teólogos e cientistas da religião têm


publicado vários artigos discutindo o curioso fenômeno do “supermercado espiritual”
que vem ocorrendo dentro da sociedade ocidental 1. Durante séculos o racionalismo
defendeu a idéia de que pessoas inteligentes precisam ser secularizadas. Agora, porém,
a tendência parece ser a de que “pessoas inteligentes precisam ser espirituais” 2. Por
isso, o que se tem testemunhado hoje é uma verdadeira febre de consumismo religioso.
Esta foi, realmente, uma marcante guinada no comportamento ocidental.
Contudo, longe de ser um motivo de pura comemoração, devemos ter em conta que tal
realidade oferece oportunidades, mas também desafios e perigos para o cristão que vive
nessa primeira parte do século 21. Logo, a situação é, sobretudo, de alerta.
Neste artigo, discutiremos inicialmente o fenômeno chamado “consumismo
espiritual”, bem como o perigo e as características comportamentais que o envolvem.
Também apresentaremos algumas reflexões sobre como evitar a condição de
“passividade religiosa” que é uma das principais marcas deste novo comportamento e
concluiremos com as características bíblicas do “ser cristão” apresentadas em contraste
ao “ser consumidor espiritual”.

Sociedade de Consumo
Embora o consumismo seja naturalmente ligado ao mundo ocidental moderno e
pós-moderno, ele é, sem dúvida, um fenômeno universal de raízes bem mais
longínquas. Antigos tratados comerciais datados do terceiro milênio antes de Cristo já
ofereciam evidências de que, muito antes do surgimento da moeda, o comércio e a troca
de mercadorias eram uma constante nas relações diárias das primeiras civilizações
mesopotâmicas e do Egito. A Bíblia também apresenta um amplo quadro de mercadores
e comerciantes já no período patriarcal, contemporâneos a figuras históricas como
Abraão, Isaque e Jacó.
Não obstante, conforme acentua Zygmunt Bauman3, existe uma diferença entre
esta antiga atividade de “consumo” e o “consumismo” atual. Pela primeira, entende-se
uma necessidade humana saudável, presente em todas as épocas. Já a segunda seria a
disfunção daquela atividade anterior, que muda a matriz da ordem social das mãos dos
produtores para as mãos dos consumidores. Tal fenômeno foi gerado juntamente com o
capitalismo no fim da Idade Média, mas só se firmou como modelo de sociedade a
partir da Revolução Industrial no século 18.
Antes, o consumo levava as pessoas a adquirirem apenas aquilo que lhes fosse
necessário para a sobrevivência. Porém, atualmente, criou-se a cultura do descartável e
das falsas necessidades. O indivíduo é compelido a gastar tudo o que tem (e até o que
não tem) em produtos muitas vezes supérfluos.
O mundo nunca mais foi o mesmo após a Revolução Industrial. O surgimento
das indústrias permitiu uma massificação de produtos que não era possível no período
artesanal. Logo, com o potencial mercantil da produção em série, iniciou-se uma
verdadeira competição pelo consumidor que agora era atraído por uma nova
modalidade, o marketing. O cidadão comum começou a ser envolvido em uma trama de
imagens, formas e sons que o levava a moldar sua existência, de modo consciente ou
não, por este novo modo de fazer e sentir 4. Como bem definiu Martin Lindstrom para
estudar o ser humano atual, não precisamos nos valer apenas da biologia, mas,
sobretudo, da “Buy.ology” ou “ciência do consumo” – um trocadilho intraduzível entre
os homófonos Biology e Buy.ology 5.

Mercado e Religião
Dany-Robert Dufour, autor do livro “Le Divin Marché”, ressalta que o mercado
não é invenção dos mercadores ou burgueses, mas dos teólogos. Ele refere-se mais
propriamente ao moralista escocês Adam Smith (1723-1790), considerado por muitos o
pai da economia moderna e o principal teórico do liberalismo econômico.
Na verdade, Smith estaria mais para filósofo especulativo do que para teólogo
propriamente dito. Sua ideia de divindade era mecanicista e pluralista. Em muitos de
seus escritos, Deus é tratado apenas como um item do senso comum. Por essa razão, os
pesquisadores Screpanti e Zamagni concluem que a reflexão econômica de Adam Smith
já nasce autônoma em relação à teologia, nomeadamente a teologia moral 6.
Não se pode, contudo, entender essa autonomia como sinônimo de total ruptura
das correntes religiosas protestantes que formaram a maioria destes pensadores. Ainda é
válida a clássica tese de Tawney 7 de que pensamentos oriundos diretamente da
Reforma Protestante exerceram um profundo peso nas mudanças sociais que deram
origem ao mercado e ao consumismo moderno.
No calvinismo, por exemplo, embora houvesse um incentivo para a busca de
uma vida simples, sem ostentação e longe dos prazeres do mundo, também era corrente
a ideia de que Deus predestinou alguns não apenas para a salvação, mas também para a
riqueza material já aqui neste mundo. Não obstante, os calvinistas entendiam que um
cristão predestinado à fortuna deveria usar seus recursos como investimentos e não
como desfruto. Esta era exatamente a bandeira inicial do capitalismo que acabou
modificada pela força do consumismo.
Adam Smith era herdeiro de uma época em que o conceito de racionalismo
substituiu progressivamente a ideia de revelação divina. Logo, a economia e o Estado
moderno, embora inspirados em conceitos religiosos, separam-se da teologia (isto é,
tornam-se secularizados) e a noção de santidade pessoal cede lugar à santidade dos bens
e propriedades. Por isso a teoria da “mão invisível” que rege o mercado, apresentada
por Smith, possui tanto uma dimensão religiosa (enquanto inspiração do conceito)
quanto secular, no que diz respeito ao seu conjunto de valores éticos e morais.
Seja como for, esses dados não invalidam, mas reforçam a leitura que Dufour faz
de Smith e da cultura mercadológica liberal. Durfour faz questão de acentuar que a
expressão “divino mercado” usada no título de seu livro não deve ser entendida como
uma metáfora.8 Trata-se de um conceito literal, postulado na idéia de que existe uma
religião natural (que não é necessariamente a religião bíblica) que faz do mercado
consumidor o novo deus erguido nos altares da sociedade contemporânea. Resta saber
os riscos e desafios que este quadro apresenta às igrejas na atualidade.

O consumidor espiritual
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos inauguraram um
programa de fácil acesso ao crédito que colocou mais combustível no comportamento
consumista e na disputa pelo consumidor/cliente em potencial. Este combustível, aos
poucos, foi tomando conta do mundo inteiro, especialmente a partir dos anos 80 e 90,
com os novos rumos da globalização.
Uma vez que as organizações religiosas também sejam ligadas à práticas
econômicas (dízimos, ofertas, aquisição patrimonial, etc.), a emergência dos sistemas de
economia globalizada passou a ver nas igrejas um enorme potencial de consumo que
também poderia ser explorado. Criou-se a idéia de que religião e espiritualidade devem
ser construídas não apenas com saúde e vida devocional, mas principalmente com bens
materiais. Então surgiram as “megachurches”, os pregadores televisivos ao estilo
“showman”, as teologias da prosperidade e, finalmente, os investidores especializados
em atender esta nova fatia do mercado que é o “cliente religioso”. Daí a formação e
exportação de expressões comerciais norte-americanas como “spiritual supermarket”,
“spiritual marketplace”, “spiritual customer”, “spiritual client”, etc.
Um dos grandes perigos que este contexto de mercado espiritual oferece é
exatamente o surgimento do “consumidor espiritual” que se assemelha em muitos
pontos com o consumidor comum. Uma parábola escrita no século 18 por Bernard de
Mandeville ilustra o princípio do mercado e do consumidor moderno (e o consumidor
espiritual por extensão). Seu título era “A colméia resmungona” ou “A fábula das
abelhas” e nela o autor faz uma notória comparação entre as abelhas e a sociedade
humana. Sua irônica conclusão, que figura como “moral da história” era a de que “os
vícios privados fazem a virtude pública” e era exatamente esse conceito que serviria de
impulso para o consumismo que se seguiria.9
A alegoria de Mandeville foi uma obra de vital importância dentro do contexto
da Economia Clássica, tendo sido comentada, inclusive, por Adam Smith, que
transformou o termo pejorativo “vício” em um eufemismo mais aceitável como “amor
próprio” e “ambição”.
O fato é que o mercado percebeu no consumidor de hoje um sujeito acrítico e
pós-neurótico. Compreender e refletir não lhe interessa mais, pelo contrário, o entedia.
Ele quer é se divertir. Sendo assim, o marketing em muitas instâncias se torna uma
promoção da anomia: a única regra a ser seguida é a de que o cliente sempre tem razão,
ainda que esteja errado em seus conceitos. Afinal, ele consome e o mercado precisa de
seu consumismo para sobreviver. Um círculo vicioso aonde um alimenta o outro e os
apetites e pulsões não são mais retidos, antes são “resolvidos” com vícios e
comportamento liberal, bem ao gosto da clientela viciada em consumir.
Lamentavelmente, esta realidade adentrou as igrejas. Muitos religiosos, talvez
sem o perceber, começaram a se portar mais como “clientes” que como membros do
corpo de Cristo. A noção de pecado, culpa e redenção praticamente evaporou-se de
muitos púlpitos. Se antes a tônica dos grandes pregadores era: “Venha a Jesus, você que
se sente um pecador”, a nova homilética conclama: “Venha a Cristo, você que tem
problemas na empresa, no casamento, na sua vida profissional”. Desfaz-se a figura
soteriológica do Filho de Deus, para dar lugar à imagens mais “atualizadas” de Jesus
como psicólogo, consultor de negócios, orientador profissional, animador de auditório,
etc.
O Redentor da humanidade tem seu papel reduzido à função um “técnico” que
resolve todos os problemas desta vida. O céu, a salvação e a vida eterna, conquanto não
ausentes no novo cenário teológico, terminam definitivamente colocados num segundo
plano no momento de atrair e doutrinar os novos crentes.
O consumidor espiritual não é necessariamente um religioso frio na fé. Ele
geralmente crê em Deus, busca a espiritualidade e até chega a desempenhar algumas
atividades da vida religiosa. Se houver uma campanha financeira da Igreja, ele não tem
problemas em contribuir, afinal de contas, seu sentimento é de alguém que quer
sustentar o clube a que pertence, e ele se sente assim um verdadeiro empreendedor
cristão.
Embora seja subjetivo e até perigoso julgar as intenções pessoais de um
doador/contribuidor, é fato que enquanto alguns entregam seus dízimos, pactos e ofertas
como fruto de uma fidelidade cristã, outros o fazem como “investidores” em um
negócio. Se assemelham a empresários que apadrinham um time de futebol ou se
tornam sócios de um clube. Apenas para citar um exemplo bíblico, temos a distinção
feita por Cristo entre as grandes quantias dadas pelos adoradores do templo e as singelas
moedas oferecidas pela viúva pobre. Ali não é a quantidade nem o ato de dar que
estariam em questão, mas a intenção com a qual a oferta é depositada. Os ricos
investiam no templo como sócios, mas a mulher o fazia como serva, reconhecendo a
Deus como dono de tudo o que ela tinha, inclusive sua própria vida. (Luc. 21:1-4).
Em um comportamento inverso ao dessa viúva mencionada por Cristo, o
consumidor espiritual aprecia ratificar seu auto-senhorio (ele se julga “senhor de si
mesmo”). Sua releitura da liberdade cristã o impele a uma exacerbação do livre-arbítrio
com constante busca pelo preenchimento de suas necessidades pessoais.
Caso não se sinta satisfeito com o que recebeu, ele se revolta e ameaça buscar
outra forma pós-moderna de culto (hedonista ou existencialista) ou ainda uma nova
agremiação religiosa que pareça mais organizada e competente como prestadora de
serviços – assim prescreve o Código de Defesa do Consumidor Espiritual.
Se antes as pessoas mudavam de religião a maior parte das vezes por questões
doutrinárias, hoje os motivos envolvem insatisfação pessoal e problemas de
relacionamento. Troca-se de igreja como se troca de operadora de telefonia celular – a
que oferecer o melhor plano leva o cliente.
Mas nem todos os consumidores espirituais saem de seu movimento tradicional,
mesmo que estejam insatisfeitos com ele. Tradicionalismo familiar, roda de amigos e
medo de morrer fora da fé de seus pais (para aqueles que nasceram em famílias da
igreja) são elementos que forçam sua permanência. Nesse caso, os consumidores
espirituais têm caminhos alternativos para afastarem-se, mesmo permanecendo dentro
do movimento: eles podem mudar apenas de congregação porque não estão felizes com
o novo pastor ou participar esporadicamente de programações especiais que
entretenham seu coração e lhe deem paz de espírito.
O afastamento parcial da comunidade religiosa é equacionado a um
comportamento de total descontentamento com o sistema administrativo da igreja.
Conquanto existam notórias falhas intra-eclesiais, o consumidor espiritual tende a
acentuar tanto os problemas da Igreja, antes considerada “a menina dos olhos de Deus”,
que ela passa a ser enxergada não como uma bênção, mas como um “mal necessário”
até à volta de Cristo. Se houvesse um meio seguro de garantir a própria salvação e a de
sua família longe da comunidade de crentes, ele certamente o buscaria.
O teólogo Alfred Loisy fez uma declaração no século 19 que bem poderia ser o
lema de muitos descontentes atuais: “Jesus proclamou o reino de Deus, mas o que
surgiu foi a Igreja” 10. A Igreja, neste sentido, seria a frustração e não o cumprimento
dos planos de Cristo.
O consumidor espiritual geralmente aprecia uma igreja de espetáculos, com bom
entretenimento, bons sermões e conforto espiritual garantido. Não uma igreja que lhe
repreenda os pecados ou torne difícil sua existência num mundo relativista e pós-
moderno. Ele quer entretenimento, não transformação. Quer ser um sócio, um cliente,
um investidor, não um servo dentro do rebanho.

A passividade religiosa
Nos anos 60, o teólogo francês F. Roustang escreveu um artigo revolucionário
intitulado “Le troisième homme” (“O terceiro homem”). Sua principal tese era a de que
o mundo cristão de outrora poderia ser dividido em dois tipos de indivíduos: o homem
religioso e o homem não religioso. O primeiro, obviamente, seria encontrado nas igrejas
e, o segundo, fora delas. Mas, na época de Roustang, percebia-se, sobretudo na Europa,
o surgimento do “terceiro” homem: religioso, mas que não estaria nas igrejas e não se
comprometeria com elas.
De fato, várias pesquisas têm revelado um número muito maior de religiosos
“fora” das igrejas tradicionais que dentro delas. São pessoas que ainda se dizem crentes,
mas não querem ter vida religiosa ativa – preferem ter sua fé em casa.
Hoje, contudo, a lista aumentou. Mantendo a nomenclatura de Roustang, pode-
se seguramente falar da emergência de um “quarto homem”, que é exatamente o
consumidor espiritual. Ele é diferente dos demais, pois, como vimos, freqüenta as
atividades da igreja, chega a investir financeiramente na instituição, mas a tem apenas
como uma prestadora de serviços.
Nesse sentido é importante dizer que a passividade do consumidor espiritual não
deve ser confundida com inatividade. Afinal ele participa de algumas programações que
são de seu interesse, quer seja como doador ou até mesmo organizador. Seu
descomprometimento nem sempre é com a instituição, mas com a doutrina que ela
sustenta. Só para ilustrar: ele canta no coral, mas não vê problemas em beber um vinho
de vez em quando. Dirige uma programação para fortalecimento espiritual dos jovens,
mas desdenha aspectos conservadores da geração passada.
No que diz respeito à doutrina, o consumidor espiritual tende a se ofender com
um sermão que busque a “volta às origens”, mas se entusiasma com facilidade diante de
uma nova teoria teológica que seja carismática, interessante e não interfira em sua
comodidade. Ortodoxia e manutenção dos marcos doutrinários não são sua prioridade
ao filtrar os ensinos de uma leitura ou de um sermão. Se a nova mensagem vier
acompanhada de bons recursos homiléticos e forte argumentação, ele certamente se
apaixonará por ela, sem ao menos perguntar se condiz ou não com os alicerces de sua
fé.
A passividade religiosa do consumidor espiritual também pode ser vista na
maneira como ele encara sua participação na liturgia da Igreja. Os cultos, a santa ceia, o
próprio batismo enfim, são assimilados como ritualismo sacramental, ou seja, o que
salva não é a relação estável com Cristo (que produz bons frutos), mas a participação
ativa naquele elemento que “confere graça”.
Muitas igrejas cristãs (inclusive os adventistas), por razões históricas e
hermenêuticas, preferiram não produzir uma “teologia sacramental” em seu corpo de
doutrinas. Mesmo assim, muitos de seus membros acabam adquirindo uma atitude
sacramental não condizente com o parecer teológico da igreja.
Para entender este procedimento, seria interessante tomar, a guisa de ilustração,
a sistematização sacramental feita por Paul Tilich 11 a partir da teologia de Martinho
Lutero.
O primeiro ponto que Tillich levanta é a “substância católica” ainda existente em
alguns princípios protestantes defendidos por Lutero. No caso específico da teologia
sacramental luterana, Tillich cita as palavras do reformador alemão que dizia: “sem a
palavra de Deus, a água [batismal] não passaria de simples água e não haveria batismo”.
Tillich então questiona a expressão “simples água” e se pergunta: “se a água como tal
pode ser descrita como ‘simples água’, por que usá-la afinal? Por que não seria
suficiente a ‘Palavra de Deus’ sem qualquer água?” 11. Ele mesmo oferece três
possíveis respostas para a questão: a água seria apenas um símbolo, um ritualismo ou
uma realidade e esta tríplice abordagem serve para todos os demais ofícios da igreja
como a ceia e a participação nos cultos.
O símbolo (posição defendida pelos adventistas) seria a metáfora de uma
realidade interior e superior “exteriorizada” na participação do elemento litúrgico. O
batismo, por exemplo, não é a conversão em si, mas a demonstração pública de uma
transformação anteriormente operada no coração do crente. O fenômeno interior e
espiritual, portanto, é anterior e mais abrangente que a demonstração pública. Já as
abordagens ritualistas e realistas, encaram o elemento litúrgico como algo totalmente ou
parcialmente sacramental é o caso da teologia católica que interpreta a eucaristia como
sendo a transformação literal do pão e do vinho em carne e sangue de Cristo
(transubstanciação), enquanto a teologia luterana entende que haja uma transformação
parcial do sacramento que passa a conter elementos de pão e de carne, de vinho e de
sangue (consubstanciação).
Aproveitando a sistematização de Tilich (mas não suas conclusões), podemos
dizer que o comportamento litúrgico do consumidor cristão se espelha dentro das
características do ritualismo e da realidade e não do símbolo. De modo talvez
inconsciente, ele crê que só o fato de participar (integralmente ou parcialmente) da vida
religiosa faz dele automaticamente um membro do reino dos céus. Afinal de contas, ele
não é um apostatado, não necessita ser “visitado” ou “recuperado”, mas necessita ser
agradado e mantido dentro do rebanho através de bons entretenimentos religiosos e boa
prestação de serviços espirituais.
A igreja por sua vez corre o risco de querer pagar qualquer preço para a
manutenção dos consumidores espirituais, ainda que seja a perda de sua identidade
confessional. Afinal de contas, o cliente sempre tem razão e o mercado deve atender às
necessidades do consumidor – ainda que muitas delas sejam necessidades artificiais
criadas pelo próprio marketing para montar um círculo vicioso no qual o consumidor
alimenta a indústria e a indústria alimenta o consumidor.
John Drane, de maneira muito bem humorada chamou esse fenômeno de
“McDonaldização” da Igreja. Sua expressão foi adotada de um livro anterior do
sociólogo George Ritzer The McDonaldisation of Society publicado em 1993. Na obra
de Ritzer, a famosa franquia de alimentos é usada como alegoria para sistematizar a
força motora do mundo ocidental que anda à velocidade do fast food. Hoje, tudo o que
tem sucesso deve ser eficiente, calculável, previsível e controlável. O problema é: “À
luz de que esses adjetivos são avaliados? Qual é o padrão do controlável, do calculável?
No campo comercial, o padrão é o cliente, mas e no campo religioso?”
Drane, então, aplica à religião o insight de Ritizer, mostrando que os cristãos
estão seguindo o mesmo caminho em relação à fé. Mas, curiosamente, ao contrário do
McDonald’s, as igrejas não estão tendo o sucesso esperado. Muitas ainda continuam
declinando numericamente e espiritualmente, em especial nos países de primeiro
mundo. A razão para isso, aponta Drane, é que a Igreja não está cumprindo seu papel
em pregar ao mundo o evangelho puro. Não estão mais anunciando a metanarrativa da
Cruz, porque a pós-modernidade não aceita meta-narrativas. Por outro lado não parecem
encorajadas a encontrar alternativas legítimas de contar “a velha e feliz história”,
preferem contar outras histórias (no plural) pois não pode haver apenas uma. Muitas
igrejas optam pelo caminho do pós-modernismo e, por isso, estão oferecendo sua
teologia como se fosse uma combinação de sanduíche acompanhada de Coca-cola e
batata frita.
De fato, o freqüentador do McDonald’s não precisa anunciar a empresa nem
trabalhar por ela. O que ele precisa é consumir seu produto – o marketing; o padrão de
franchising e o bom atendimento ficam por conta dos especialistas. Do mesmo modo, o
consumidor espiritual não precisa pregar o evangelho, basta pagar a um obreiro ou
contribuir financeiramente com a programação missionária. Se for um jovem ainda sem
recursos, basta ter um pai que contribua por si, que pague à Associação para organizar
um acampamento ou patrocine a vinda de um pastor que fale bem a linguagem dos
adolescentes. Depois é só usufruir o bom atendimento da igreja.
Note que não há problema algum com a preparação de boas apresentações e não
é objetivo deste artigo negar esta saudável atividade. O problema é quando a boa
apresentação se torna um fim em si mesma, levando o auditório a pensar que não têm
nada a fazer a não ser assistir passivamente o espetáculo pelo qual pagaram ou ao qual
ajudaram a montar. Um jovem que participa montando o palco de um camporee, ou
cantando no coral da igreja, mas que fora do ambiente cristão não testemunha de Cristo
através de seus atos, palavras e conhecimento bíblico, pode até estar atuando na
sociedade religiosa a que pertence, mas ainda assim está afetado pela passividade na
vida cristã. E isso vale para o diácono, o ancião ou, em alguns casos, até para o pastor
que pode correr o risco de usar sua Bíblia apenas profissionalmente.
O livro de Drane (The McDonaldization of the church) lançado em 2000 é
pequeno, mas tem um enorme conteúdo, especialmente no que diz respeito à adoração e
à perda da racionalidade teológica em prol da praticidade. Ele lembra que os cristãos
não devem confundir sua herança não racionalista com irracionalidade.

Como evitar a passividade consumista?


Embora nem sempre exista uma “receita de bolo” para as problemáticas
religiosas, especialmente aquelas apontadas neste artigo, é possível sugerir algumas
“conscientizações” que talvez ajudem àqueles que são consumidores espirituais a
perceberem sua condição e os que não são a evitarem este comportamento.
É importante que cada um procure saber como está sua participação na pregação
do evangelho. O que tenho feito para anunciar ao mundo a salvação e a breve volta de
Cristo? Sistematize em um papel ou em uma conversa franca com Deus o que você fez
de “trabalho missionário” nos últimos meses.
Embora a atividade missionária seja mais ampla do que dar estudos bíblicos,
cuidado com as armadilhas da passividade. Não se deixe, por exemplo, enganar pela
participação “indireta”. Enviar ofertas para ajudar missionários na África ou na Ásia é
uma boa atitude, mas não nos isenta de pregar para as pessoas com as quais
convivemos. É curioso ver hoje missões estrangeiras sustentadas com ofertas oriundas
de países onde o cristianismo está em declínio. Em 1892, Ellen White já apontava para
esse vaticínio: “O mundo carece de missionários, consagrados missionários no país
natal, e não será nos livros do Céu, registrado como cristão ninguém que não tenha
espírito missionário. Nada, porém, faremos sem energia santificada. Tão logo o espírito
missionário é perdido do coração, e o zelo pela causa de Deus começa a declinar, o peso
de nossos testemunhos e planos é um clamor à prudência e à economia, e verdadeira
apostasia começa na obra missionária.”12
Procure comparar sua vida na Igreja e sua vida fora dela. Como os colegas de
trabalho ou de escola reagiriam se vissem você cantando no coral de sua igreja? Eles ao
menos sabem que você canta num coral? Já convidou algum deles para ouvir-lhe
cantar? O consumidor espiritual tende a ser uma coisa na igreja e outra fora dela.
Muitos que no sábado apresentam o ilustre pregador que está à plataforma, se
transformam em sonegadores ou patrões desumanos ao longo da semana. Pergunte a si
mesmo se seu comportamento fora do ambiente religioso o qualifica a convidar alguém
deste convívio para uma programação especial de sua igreja.
Equilibre o binômio doutrina/relacionamento com Cristo. Alguém certa vez
diante de um auditório repleto de estudantes e professores de teologia iniciou seu
sermão com as seguintes palavras: “Desculpem amigos, mas não vim pregar Teologia,
vim falar de Cristo”. Ora, sendo Cristo o Filho de Deus encarnado, é impossível falar de
sua pessoa fora de uma moldura teológica. Sua missão, suas características, sua obra
salvadora são temas essencialmente teológicos e uma vez que se perca essa dimensão,
corre-se o risco de ignorar que não basta “pregar a Cristo”, como diz o jargão religioso
popular, mas sim esclarecer que “Cristo” estamos pregando – o da ortodoxia bíblica ou
o das crenças populares. O cristo do docetismo certamente não era o Cristo do apóstolo
João e o Cristo morto pregado por Bultmann, certamente não era o Cristo ressuscitado
pregado por Paulo. É importante estabelecer as diferenças cristológicas diante do
auditório, para educá-los a perceber a diferença entre o Cristo bíblico e uma imitação de
camelô.
Dar os dízimos e ofertas é insuficiente. O dizimista tem tanta obrigação
espiritual com o montante que devolve para Deus quanto com o restante que fica em
suas mãos. Portanto, faça uma relação de suas despesas, o que você faz com o resto do
dinheiro que não foi colocado na obra missionária: gasta com coisas condizentes com a
vontade de Deus ou com a vivência cristã?
Os pais deveriam orientar os filhos desde cedo a analisarem seus projetos de
compra. Que sejam verificados o investimento que irão fazer (o preço), a durabilidade
do produto (evitar a compra de brinquedos caros que em poucos meses se tornam
obsoletos), o efeito sobre a economia da família (de que precisarão abrir mão para ter
aquele produto) e, finalmente, para quem doará aquilo que será descartado. Não dê
ofertas como se fossem esmolas ou campanhas de natal. Crie o hábito de ser generoso
com todos em todos os meses do ano.
Não caia no “privatismo” religioso (um neologismo para se referir a uma
tendência das novas teologias da espiritualidade que incentivam o indivíduo a viver a
vida religiosa apenas “dentro” do meio religioso), tendo um comportamento
completamente diverso quando está fora da igreja. “Privatistas” religiosos encaram os
cultos e o próprio templo religioso como uma clínica de spa aonde muitos vão para se
desintoxicar do que comem fora dali. Durante os dias do tratamento, eles se policiam, se
sentem bem com a dieta balanceada e reconhecem os benefícios de um viver saudável.
Alguns chegam até a prometer que mudarão seus hábitos alimentares e seu estilo de
vida, mas tão logo terminam o tratamento, a maioria retorna às velhas rotinas insalubres
até o momento de voltarem para outro exercício de desintoxicação alimentar.
A adoração particular ou coletiva deve ser marcada pelo reconhecimento da
soberania de Deus e a preparação para o serviço. Liturgia não é terapia de grupo. O
relacionamento com a divindade deve ser uma constante dentro e fora da igreja e não o
resultado de um único momento dentro do círculo religioso.
Por isso a leitura diária da Bíblia Sagrada é uma obrigação. Alguém certa vez
declarou que por trás de uma igreja abandonada, sempre existe uma bíblia abandonada.
O problema com o consumismo espiritual é que se pode abandonar a igreja, sem sair
dela.

Conclusão
Como foi visto até aqui, muitos se aproximam da igreja como se esta fosse uma
comunidade de conveniências que gera um comodismo natural. A Bíblia, no entanto,
apresenta a igreja como uma “comunidade de Graça”, onde pessoas são salvas e saem
para testemunhar ao mundo o que Cristo fez em sua vida e ainda fará quando vier em
poder e grande glória.
O grande problema da passividade cristã não é a inatividade, mas a atuação
meramente intra-eclesial e a assimilação sem critérios de qualquer entretenimento de fé
que parece agradável aos sentidos. Não há, portanto, preocupação com a pregação
pessoal muito menos com a ortodoxia da fé.
O “ser cristão”, em contraste com o “ser consumidor espiritual”, é definido na
Bíblia como ser alguém que busca o que é bom não apenas para possuí-lo, mas para se
identificar com ele. É, em essência, almejar a bondade no trato com os outros, no
comportamento, nas boas obras (Rom. 12:9; 15:2; II Cor. 9:8; Gál. 6:10; Ef. 2:10; I
Tess. 5:15; II Tess. 2:17; II Tim. 3:17, Tito 3:1; I Pe. 3:11; III Jo. 1:11).
O “ser cristão” deve levar em conta motivos e ações – não apenas um ou outro,
como sugere a ética relativista. Uma prática piedosa particular (ser dizimista, por
exemplo), que não proceda de um coração convertido é legalismo e não faz parte da
obra de salvação. “Eu, o SENHOR, esquadrinho o coração, eu provo os pensamentos; e
isto para dar a cada um segundo o seu proceder, segundo o fruto das suas ações.” (Jer.
17:10; ver também Prov. 16:2 e Mar. 12:41-44).
O consumismo excessivo afasta as pessoas do equilíbrio e torna utópico o
pedido expresso em Provérbios 30:8 e 9 em que Agur, um sábio citado por Salomão,
pede a Deus que não o torne excessivamente rico ou pobre, mas que lhe dê o necessário
fazendo-o viver com contentamento. O mesmo princípio pode ser encontrado em Fil.
4:11-13 e I Tim. 6:10.
De acordo com Paulo e Jesus o cristão deve trabalhar não para alimentar paixões
consumistas, mas para não ser “pesado aos outros” (I Tess. 2:7-12), viver com os limites
de seu ganho (Mat. 10:10) e, finalmente, ser capaz de ajudar aos outros e a sustentar a
obra do evangelho (Ef. 4:28).

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