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Ana Cristina Cruz Cesar (Rio de Janeiro, 2 de junho de 1952 — Rio de Janeiro, 29 de outubro de
1983), ou ainda simplesmente Ana C., filha de Waldo Aranha Lenz Cesar e Maria Luiza Cesar,
nasceu em família culta de classe média e protestante, numa década de 1950 quase bucólica do
Rio de Janeiro. Criou-se entre Niterói, Copacabana e os jardins do velho Bennet. É uma das
principais poetas da geração mimeógrafo ou da chamada literatura udigrudi ou marginal dos
anos 1970.
Desde cedo demonstrou talento e gosto pela arte de escrever. Já em 1959, tinha as primeiras
poesias publicadas no “Suplemento Literário” da “Tribuna da Imprensa”. Depois de 68, um ano
em Londres, primeiras viagens pelo mundo, e na volta deu aulas, traduziu, fez letras, escreveu
para revistas e jornais alternativos, saiu na antologia 26 Poetas Hoje, de Heloísa Buarque,
publicou, pela Funarte, pesquisa sobre literatura e cinema, fez mestrado em comunicação,
lançou seus primeiros livros em edições independentes: Cenas de Abril e Correspondência
Completa. Dez anos depois, outra vez a Inglaterra, onde, às voltas com um M.A. em tradução
literária, escreveu muitas cartas e editou Luvas de Pelica. Foi Licenciada em Letras pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, em 1975, obtendo o grau de Mestre em
Comunicação, pela Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro em 1979
e Master of Arts in Theory and Practice of Literary Translation, pela Essex University, na
Inglaterra em 1980, onde escreveu muitas cartas e editou Luvas de Pelica. Ao retornar,
descobriu São Paulo mas fixou residência no Rio. Trabalhou em jornalismo, televisão e escreveu
A Teus Pés. Suicidou-se no dia 29 de outubro de 1983.
HOLLANDA, Heloisa Buarque de (sel, intr). 26 poetas hoje. Rio de Janeiro: Labor do Brasil,
1976. (Bolso)
CESAR, Ana Cristina. Cenas de abril. Rio de Janeiro: Edição da autora, 1979
________________. Correspondência completa. Rio de Janeiro: Edição da autora, 1979
________________. Luvas de pelica. Rio de Janeiro: Edição da autora, 1980
________________. Literatura não é documento. Rio de Janeiro: MEC / Funarte, 1980
________________. Caderno de desenhos. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1980
________________. A teus pés. São Paulo: Brasiliense, 1982
________________. A teus pés. São Paulo: Ática / IMS, 1998
________________. Inéditos e dispersos. São Paulo: Ática / IMS, 1999
________________. Crítica e tradução. São Paulo: Ática / IMS, 1999
________________. Organização de Armando Freitas Filho e Heloisa Buarque de Hollanda.
Correspondência incompleta. São Paulo: Aeroplano / IMS, 1999
•
E penso
partida
Eu penso
Dividida
•
pânico iminente do nada.
é muito claro
amor
bateu
para ficar
nesta varanda descoberta
a anoitecer sobre a cidade
em construção
sobre a pequena constrição
no teu peito
angústia de felicidade
luzes de automóveis
riscando o tempo
canteiros de obras
em repouso
recuo súbito da trama
•
Quando entre nós só havia
uma carta certa
a correspondência
completa
o trem os trilhos
a janela aberta
uma certa paisagem
sem pedras ou
sobressaltos
meu salto alto
em equilíbrio
o copo d’água
a espera do café
•
Acreditei que se amasse de novo
esqueceria outros
Fama e Fortuna
Ana C.
Ulysses
toca um tango
uma formiga na pele
da barriga,
rápida e ruiva,
Toda Mulher
Ana C.
toda mulher
dos quinze aos dezoito
Sete Chaves
Ana C.
A ponto de
partir, já sei
que nossos olhos
sorriam para sempre
na distância.
Parece pouco?
Chão de sal grosso, e ouro que se racha.
A ponto de partir, já sei que nossos olhos sorriem na distância.
Lentes escuríssimas sob os pilotis.
Um Beijo
Ana Cristina Cesar
Noite Carioca
Ana C.
Este Livro
Ana C.
Movido contraditoriamente
por desejo e ironia
não disse mas soltou,
numa noite fria,
aparentemente desalmado;
- Te pego lá na esquina,
na palpitação da jugular,
com soro de verdade e meia,
bem na veia, e cimento armado
para o primeiro a andar.
Tarde aprendi
bom mesmo
é dar a alma como lavada.
Não há razão
para conservar
este fiapo de noite velha.
Que significa isso?
Há uma fita
que vai sendo cortada
deixando uma sombra
no papel.
Discursos detonam.
Não sou eu que estou ali
de roupa escura
sorrindo ou fingindo
ouvir.
No entanto
também escrevi coisas assim,
para pessoas que nem sei mais
quem são,
de uma doçura
venenosa
de tão funda.
•
Tu queres sono: despe-te dos ruídos, e
dos restos do dia, tira da tua boca
o punhal e o trânsito, sombras de
teus gritos, e roupas, choros, cordas e
também as faces que assomam sobre a
tua sonora forma de dar, e os outros corpos
que se deitam e se pisam, e as moscas
que sobrevoam o cadáver do teu pai, e a dor
[ (não ouças)
que se prepara para carpir tua vigília, e os
[ cantos que
esqueceram teus braços e tantos movimentos
que perdem teus silêncios, o os ventos altos
que não dormem, que te olham da janela
e em tua porta penetram como loucos
pois nada te abandona nem tu ao sono.
•
descuido não (concentração)
lembrar da caretice que você não gosta.
reaproveitar o casaquinho de banton.
quando você mal pensa que é novidade, não é.
Existe uma medida entre o descuido e a
premeditação — trata-se do cuidado (floating
attention). Daí escapam maps of England birds, pessoas seguindo numa certa direção,
bichos que vão virando gente, discretamente eróticos, desejando
mancha transparente e diluída de aquarela cor de rosa,
see?
Medida exata entre o acaso e a estrutura.
Aprender fazendo, baby.
começar pelas médias (daí para pequenas, depois para grandes)
Ana C.
Poema do Caderno de desenhos, publicado pela Livraria Duas Cidades, em 1980
SONETO
FLORES DO MAIS
Ana C.
devagar escreva
uma primeira letra
escreva
na imediações construídas
pelos furacões;
devagar meça
a primeira pássara
bisonha que
riscar
o pano de boca
aberto
sobre os vendavais;
devagar imponha
o pulso
que melhor
souber sangrar
sobre a faca
das marés;
devagar imprima
o primeiro
olhar
sobre o galope molhado
dos animais; devagar
peça mais
e mais e
mais
Psicografia
Ana C.
Deus na Antecâmara
Ana C.
filho
pai
e
fogo
DE-LI-BE-RA-DA-MEN-TE
abertos ao tudo inteiro
maiores que o todo nosso
em nós (com a gente) se dando
HOMEM: ACORDA!
Um Beijo
Ana C.
•
Minha boca também
está seca
deste ar seco do planalto
bebemos litros d'água
Brasília está tombada
iluminada
como o mundo real
pouso a mão no teu peito
mapa de navegação
desta varanda
hoje sou eu que
estou te livrando
da verdade
te livrando
castillo de alusiones
forest of mirrors
anjo
que extermina
a dor
Ana C. e os gatos
2.10.7l
2.10.72
Estou Atrás
Ana C.
Fagulha
Ana C.
Abri curiosa
o céu.
Assim, afastando de leve as cortinas.
Eu queria entrar,
coração ante coração,
inteiriça
ou pelo menos mover-me um pouco,
com aquela parcimônia que caracterizava
as agitações me chamando
Eu queria
(só)
perceber o invislumbrável
no levíssimo que sobrevoava.
Eu queria
apanhar uma braçada
do infinito em luz que a mim se misturava.
Eu queria
captar o impercebido
nos momentos mínimos do espaço
nu e cheio
Eu queria
ao menos manter descerradas as cortinas
na impossibilidade de tangê-las
Eu não sabia
que virar pelo avesso
era uma experiência mortal.
do nascimento a mais da palavra.
Protuberância
Ana C.
As ambulâncias se calaram
as crianças suspenderam a voracidade batuta
dois versos deliraram por detrás dos túneis
moleza nos joelhos
mão de ferro nos peitinhos
tristeza suarenta, locomotiva, fútil
patinho feio
soldadinho de chumbo
manto de jacó, escada de jacó
sete anos de pastor
estrela demente desfilando na janela
de repente as ambulâncias estancaram o choro
Fisionomia
Ana C.
Não é mentira
é outra
a dor que doi
em mim
é um projeto
de passeio
em círculo
um malogro
do objeto
em foco
a intensidade
de luz
de tarde
no jardim
é outra
outra a dor que dói