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ANÁPOLIS, 2009.
MARCUS VINICIUS COSTA DA CONCEIÇÃO
ANÁPOLIS, 2009.
UNIDADE UNIVERSITÁRIA DE CIÊNCIAS HUMANAS E SÓCIO-ECONÔMICAS
CURSO DE HISTÓRIA
Banca examinadora:
Gostaria de agradecer primeiramente aos meus pais, Marcos e Beth, pelo apoio
durante toda a faculdade. Por aguentar os períodos de mau humor, de estresse, por terem me
possibilitado a realização de um curso pleno, com idas a congressos e cursos, que sem sombra
de dúvida me ajudaram tanto profissionalmente como pessoal. A minha irmã, pelas brigas
constantes, mas o apoio quando precisei, a sua jornada só está iniciando, espero que seja tão
frutífera quanto a minha. A minha vó, por sempre ter acreditado nas minhas escolhas.
A Mia, a irmã que eu pude escolher, por termos enfrentado e vencido várias batalhas
juntos nesses quatro anos. Pelas noites passadas em msn realizando trabalhos, pelas suas
correções precisas que me propiciaram não passar vergonha, como nesta monografia, por me
escutar quando eu mais precisei, saímos mais forte do que entramos.
Ao Santana por suas aulas que me despertaram para um tema que até não tinha
interesse, a América Latina, quem sabe as próximas escolhas não apontem para este rumo.
A Patrícia, seu apoio e incentivo foram fundamentais para mim neste ano.
A arte em sua época de dissolução, como movimento
negativo que prossegue a superação da arte em uma sociedade
histórica na qual a história ainda não foi vivida, é ao mesmo
tempo uma arte da mudança e a pura expressão da mudança
impossível...Essa arte é forçosamente de vanguarda, e não
existe. Sua Vanguarda é seu desaparecimento.
Guy Debord
Mauricio Tragtenberg
LISTA DE FIGURAS
Figura I - Paul Cézzane- Vista de Gardanne,1885-1886. Óleo s/tela, 92x74,5 cm.
Fundação Burnes, Pensilvânia, Estados Unidos.......................................................................22
Figura III - HQ de André Bertran com texto de Raul Vaneigem, Paris, 1967.............48
LISTA DE ABREVIATURAS
Internacional Situacionista - IS
RESUMO........................................................................................................................09
INTRODUÇÃO..............................................................................................................10
CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................ 61
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................... 63
RESUMO
rumos tomados pelo movimento apontam para outros rumos, relegando as suas antigas
influências. Deste modo, este trabalho procura analisar a partir de alguns elementos, como a
Situacionista (IS) tem adquirido nos últimos anos em relação aos movimentos de contestação
anticapitalistas e de como esses movimentos têm se inspirado, tanto de modo teórico quanto prático,
na IS. A primeira vez que lemos algo sobre a IS foi em Matos (1981) em que ela ao elencar os
grupos que tiveram uma certa influência no Maio francês, cita o referido, grupo que este nunca
tinha lido nada a respeito e passo a procurar leituras, sendo que estas acabam levando ao estudo,
que tem como consequências uma bolsa de iniciação científica e esta monografia.
europeias do pós-segunda guerra mundial, sendo elas: a Internacional Letrista, o Movimento por
uma Bauhaus Imaginista(MIBI - composto em sua maioria por integrantes do grupo Cobra) e
também pelo Comitê Psicogeográfico de Londres. Essas vanguardas já eram responsáveis por
alguns estudos sobre a cidade que vão ser transplantados para a IS, principalmente na sua primeira
fase (1957-1962), a qual podemos classificar como a responsável pelas elaborações a respeito das
fundamental, que levou a IS passar de uma atuação artística, baseada na primeiras vanguardas, para
uma atuação política revolucionária efetiva e também pelas suas posteriores teses a respeito da arte
e sociedade. Desta forma procuramos ler vários textos que pudessem nos dar uma base sobre o
da própria conjuntura histórica pela qual a Europa e o mundo passavam naquele momento, ocorre
uma mudança de postura na IS, fazendo com que o grupo abandone as artes e a cultura como ponto
central e no seu lugar passe a desenvolver debates e formulações políticas que levaram seus
integrantes a participarem do Maio de 1968 na França - compondo nesta uma corrente conselhista
11
denominada Comitê pela Manutenção das Ocupações que reúne estudantes, operários e militantes
independentes que evocam teses como a autogestão das fábricas, a permanência das ocupações
realizadas durante o período da greve geral e a crítica ao Estado espetacular - e por uma nova
Para a realização deste trabalho será necessário trabalhar com alguns conceitos
vanguarda artística. A conceitualização desse termo1 vai ser útil para definir alguns trajetos que
relacionam a ligação entre a arte e política, que se constitui como um elemento chave que estará
está tradição, é outro ponto que reafirma a importância da definição, para se entender porque ocorre
No capítulo II será realizado uma contextualização histórica partindo de elementos que são
abordagem da revolução húngara de 1956 a partir de uma perspectiva dos conselhos operários. Foi
escolhida esta perspectiva porque ela se coloca como um contraponto entre o autoritarismo
movimento irá se alinhar. O outro tópico aborda a especificidade da França na sua reconstrução
após a Segunda Guerra Mundial - levando em conta aspectos como a Guerra de independência da
elaboradas a partir de um olhar sobre a França - sendo que é lá que se constitui a maior e mais
duradoura seção da IS, inclusive a que terá um papel fundamental na fase de transição pelo qual a
IS passa.
O capítulo III é onde ocorre as análises das teses situacionistas, que levam aos
1 Partiu-se para esta pequena conceitualização, pois dos conceitos lidos sobre Vanguardas Artísticas nenhum
conseguia apreender o processo dado.
12
primeiros capítulos com o terceiro, desenvolvendo uma cadeia de análises a respeito das propostas
situacionistas nas artes e também o seu posterior filiamento teórico e sua rejeição à classificação
enquanto vanguarda.
As fontes utilizadas neste trabalho se dividem em três tipos: o primeiro corresponde aos
artigos publicados nos doze números da revista Internationale Situationniste2, principal revista do
grupo; o segundo corresponde aos livros produzidos por integrantes do movimento, que refletem as
ideias defendidas por este, mas não são documentos "oficiais" desse, neste caso temos três
especificamente: A sociedade do espetáculo de Guy Debord, A arte de viver para as novas gerações
Viénet (os dois primeiros já se encontram publicados no Brasil, já o terceiro só foi possível o acesso
através de uma versão espanhola publicada em 1978 e digitalizada3) e o terceiro e último tipo se
refere aos documentos produzidos pela IS durante as ocupações do maio de 1968, entre textos,
HQ's e painéis4.
Para se compreender as diferenças entre os discursos que a IS adotou nas suas duas fases,
procedeu-se uma análise das fontes acima citadas, procurando perceber as nuances e as formas que
eram tratados temas como o urbanismo, as artes e a sociedade como uma forma global, partindo do
princípio da totalidade, uma vez que não é possível a análise de um determinado tema focalizando
somente um determinado aspecto. Uma leitura dessa resultaria em trabalho falho, pois não estaria
2 Os artigos dessa revista no Brasil se encontram publicados de forma dispersa em livros-coletânea como os
organizados por FELÍCIO(2006), HENRIQUES (1997), JACQUES (2003), INTERNACIONAL
SITUACIONISTA (2002). No entanto, é possível a ter acesso a todos os números da revista em inglês em vários
sites , o que mais utilizamos foi: http://www.cddc.vt.edu/sionline/si/situ.html
3 Essa versão está disponível em: http://sindominio.net/ash/enrages.htm
4 Esses documentos podem ser encontrados principalmente em: INTERNACIONAL SITUACIONISTA (2002),
http://www.cddc.vt.edu/sionline/, http://sindominio.net/ash/, http://www.notbored.org/SI.html,
http://www.nothingness.org/SI/, http://i-situationniste.blogspot.com/ e http://debordiana.chez.com/debordiana.htm
CAPÍTULO I - PRESSUPOSTOS TEÓRICOS PARA UMA
COMPREENSÃO DA INTERNACIONAL SITUACIONISTA
posição frontal. Foi primeiramente usado para designar o aspecto militar, significava um
conjunto de tropas que se portavam a frente do batalhão principal e eram responsáveis por
causar um “choque” nas tropas inimigas ou lugares a serem atacados, de preferência que
destruindo o inimigo em um único ataque. Porém, em meados do século XIX, este termo
passará por mudanças consideráveis, mas sem nunca perder o seu sentido inicial de significar
Na política o termo passa a ser utilizado a partir da primavera dos povos de 1848 e
2003, pg. 39), no entanto com o advento do movimento operário e seus teóricos1 como Karl
Comuna de Paris que negavam2, esta dita “teoria da vanguarda”, que como definiu Maurício
1
Karl Kaustsky é o mentor e um dos principais nomes da Segunda Internacional, aquela que transformou em
reformista a visão de Marx, que previa a chegada a um socialismo a partir da ação no parlamentar e sem uma
revolução. É interessante notar como até o advento da Primeira Guerra Mundial, Kautsky, tem prestigio dentro
do movimento operário, no entanto após esta e também com as suas críticas ao Estado Bolchevique é
abandonado por está facção, porém está não deixa ainda de ter a influência deste, sobretudo no que se refere a
“teoria da vanguarda” que foi absorvida por Lênin e os bolcheviques.
2
A Comuna de Paris é a primeira experiência de luta autogerida da história. A sua importância para o
movimento operário posterior é imensurável, uma vez que ela se tornou uma espécie de “modelo” a ser atingido
pelas revoluções posteriores.
14
consciência política lhe é injetada “de fora” pela vanguarda, que fala em seu
nome, pela voz dos intelectuais portadores da ciência e do conhecimento.
Sobre a base de dois axiomas: sua força organizativa que permite dirigir as
massas e possibilitar através de estratégia adequadas a vitória política, ou
seja, a revolução social, e em segundo lugar, seu sentido utópico ou seu
caráter antecipador de uma nova realidade social. O primeiro aspecto
fundamenta seu papel dirigente e ordenador, ou seja a sua função como
sistema de poder; o segundo momento determina sua tarefa normativa e seu
valor ético-político num sentido ideal. (SUBIRATS, 1986, pg. 54 e 55)
Estas visões de certa forma estão implícitas, ou até mesmo escancaradas, nas
vanguardas artísticas do início do século XX, quando estas propunham uma revolução através
posição desses movimentos muitas vezes entra em choque com as vanguardas políticas o que
no processo da Revolução Russa de 1917, em que este aos poucos é incorporado a estrutura
emprego no sentido político e é impossível pensá-lo como sendo apenas uma pura questão
estética, a criação deste termo nasce como algo muito maior, resultado do processo que as
período.
3
“O Prolekult (‘proletarskaia kultura’ - cultura proletária) objetiva propagar uma cultura de origem proletária,
que viesse dos próprios operários, constituindo, desse modo, a superestrutura que fortalecesse a ideologia
soviética. Funcionando como um organismo independente, fundado em 1917, o Prolekult cresce num ritmo
vertiginoso. Considera a arte como o mais poderosos instrumento das forças de classe, e defende que a arte deve
ser fundada no coletivismo trabalhista; também observa que o proletariado deve manifestar o máximo possível
de energia de classe, da espontaneidade e da inteligência revolucionário-socialista no processo artístico.”
(RENATO,2009).
15
Através das leituras realizadas, não foi possível encontrar nenhuma conceituação do
termo vanguarda artística que satisfizesse as necessidades do trabalho. Desta maneira pautada
na leitura de obras de referência em relação ao estudo das artes e das vanguardas artísticas
como COMPAGNON (2003), FERRY (1994), SUBIRATS (1986), DUPUIS (1979) será
construído um conceito que consiga abranger as demandas realizadas pela análise do trabalho.
Antes disso, porém, é preciso definir uma noção de arte que orientará a análise da
conceito de arte realizado pela IS. Com o advento do modo de produção capitalista, a
produção artística deixa de ser vista como um elemento de pura estética e passa a ser
produto é a arte que ele tem a oferecer. Desta forma, não é possível entender as vanguardas
artísticas no século XIX, sem ter a noção de que a arte naquele momento estava enquadrada
no processo da divisão social do trabalho. A própria visão da vanguarda4 vem contrapor esta
visão do artista como sendo um “ser especial” detentor de um elemento artístico supremo que
posteriormente a IS, compreendem que por ela estar inserida neste processo da sociedade
capitalista, ela não está fora do processo de luta de classes, sendo que muitas vezes ela é
elementos chaves que foram compreendidos como sendo características essenciais para a
conceitualização do termo. Estes elementos não procuram privilegiar o caráter artístico das
vanguardas, mas sim a interação destes com os elementos sociais, políticos e culturais do
4
Esta visão será explicado no item 2.3.
16
contexto histórico da sua época5. Desta forma, parte-se da definição que vanguardas artísticas
são grupos de artistas que buscam através de algumas ideias-chave e de organização, tal como
marcas do período em que emergem (final do século XIX ao início da Segunda Guerra
Um dos principais elementos negligenciados por quase todos os autores que estudam
as vanguardas artísticas, o único autor que cita este fato é SUBIRATS (1986) não chegando a
desses grupos na Europa a partir de meados do século XIX. O internacionalismo aqui tem que
formação das escolas artísticas e o segundo ao papel que este tomou no movimento
revolucionário deste período, porém é preciso ressaltar que estes dois elementos estão de certa
processo de formação das escolas artísticas estava estruturado até o surgimento das
vanguardas artísticas. Ao longo de toda a sua obra é possível apreender que as escolas
artísticas se pautavam por uma série de características comuns, mas ao mesmo tempo se
diferiam por estarem voltadas para representação artística das suas características locais,
sendo que muitas das vezes nem mesmo essas características centrais eram dadas como certas,
artístico, apresenta-se em formas tão diferentes de país para país e nas várias
esferas de cultura, que à primeira vista parece ser duvidoso que seja possível
reduzi-las todas a um denominador comum. (HAUSER, 2003, pg. 442).
Com o advento das vanguardas artísticas surge nas artes um novo tipo estruturação do
movimento artístico, que tenta romper as amarras dos Estados-nações e se articular a um nível
dadaísmo é a vanguarda que melhor expressa essa tendência assumida neste período. O
movimento nasce em 1916 em Zurique6, cidade que representava naquele momento o maior
ideal de internacionalismo e de repulsa a guerra, uma vez que a Suíça por não estar envolvida
fugitivos políticos, isso faz com que convivam no mesmo círculo os fundadores do dadaísmo7
Esta nova reorientação faz com que não se observe nas vanguardas artísticas a mesma
dinâmica das outras escolas, uma vez que não existe uma diferenciação entre “dadaísmos”, no
entanto temos que considerar que as vanguardas apesar deste novo apelo internacionalista, se
desenvolvem de forma mais intensa em uns países do que em outros, como o surrealismo que
teve a sua principal expressão na França, mas através do seu núcleo original, se difundiu a
6
Naquele momento a Europa passava por uma guerra até então nunca vista, com um alto índice de mortos e o
uso da tecnologia militar de uma forma avassaladora.
7
Os fundadores do dadaísmo também expressam esta tendência uma vez que são frutos de várias partes da
Europa e inclusive de outros países, como por exemplo: Tristan Tzara e Marcel Janko da Romênia; Hugo Ball,
Hans Richtere e Hans Arp da Alemanha.
18
este movimento nasce sobre um novo signo, que até então tinham colocado as revoluções
como elementos nacionais. O movimento socialista9 surge como a faísca deflagradora desta
nova bandeira. As revoluções de 1848, conhecidas como Primavera dos Povos devido em
grande parte a derrubada das monarquias absolutistas que foram incapazes de conter a crise
nascente. Neste mesmo ano ocorre a publicação do Manifesto do Partido Comunista de Marx
e Engels, em que a célebre frase “Proletários de todo o mundo, uni-vos”, demonstra que os
novos problemas enfrentados a partir daquele momento não eram mais a monarquia
absolutista, mas sim a exploração empreendida por uma nova classe que tinha ascendido ao
poder como revolucionária e a partir deste momento se utiliza de todos os meios para se
manter no poder, uma vez que a sua permanência enquanto classe dominante estava
conhecida como Primeira Internacional, foi fundamental neste período por afirmar a
muitos momentos de luta neste período, não somente teorizou como também apoiou,
enviando associados e dinheiro (BEER, 2006) para operários em luta em toda a Europa.
8
Aqui designamos como internacionalismo revolucionário aquele que prega a supressão do estado-nação através
de uma revolução que culmine em um novo sistema social e não um internacionalismo político “que tenda a
transcender a nação em direção a uma comunidade mais ampla, da qual as nações continuam sendo as unidades
principais.” (ANDERSON, 2005, pg. 03). A relação entre as vanguardas artísticas e o movimento
revolucionário será discutida no próximo tópico.
9
Aqui definimos socialismo como sendo o anarquismo e o marxismo, não entrando nos méritos da discussão
sobre as suas tendências e contratendências.
19
burguês, mas que por uma série de fatores não tem o seu objetivo alcançando, sendo seus
Até se chegar a relação entre arte e política primeiramente será analisado a relação
entre a arte e política. Esta ocorre desde os primórdios da humanidade, mas no século XIX ela
atinge outra conotação, sendo que HAUSER (2003) coloca como o ponto de virada a
Revolução Francesa.
A arte sempre foi utilizada com propósitos políticos, desde a Grécia, passando por
Estado-nação. No entanto o que é possível observar é que esta arte está intimamente ligada ao
quebra este paradigma, pois pela primeira vez a arte é usada conscientemente com o objetivo
detrimento dos valores da monarquia absolutista, no entanto ela não rompe com a estética da
velha ordem e não consegue superar o problema que será colocado pelas vanguardas artísticas
da crítica da arte pela arte, porque “enfatiza-se que a arte do período revolucionário pode ser
descrita como revolucionária somente em relação aos temas e idéias, mas não em relação às
Devido às vanguardas artísticas terem nascido quase ao mesmo tempo dos grandes
vanguardas a grupos e partidos que pregavam uma revolução proletária10. Desta forma para
compreender a relação entre arte e política desenvolvida pelas vanguardas é preciso saber que
diferença entre os dois modos como a mudança se daria na sociedade, todos atrelados a ideia
de revolução, mas uma política e outra estética. Os que defendem a ideia de uma revolução
política, como os surrealistas, que vêem a utilização da arte como forma de mudar o mundo; e
a estética, como os dadaístas, que rechaçam a idéia de uma revolução política11, mas lutam por
uma revolução nas artes enquanto forma, conceito e aplicação acreditando que ao fazerem
este tipo de revolução que afetaria a noção de arte estabelecida até então, a sociedade a
seguiria.
A segunda ambiguidade está colocada por SUBIRATS (1986) e aponta na direção dos
século XX. Para o autor devido às duas vanguardas defenderem a revolução por aspectos
contrários, por compartilharem os mesmos espaços sociais e por muitas vezes terem tido
relações de atrelamento ideológico levaram estas a constantes lutas por espaço. Sem dúvida, o
surrealismo foi a vanguarda artística que teve um maior estreitamento da relação entre arte e
política. O seu próprio nascimento ocorre através de artistas que tenham contato com os
10
O caso mais emblemático desta relação é a filiação de grande parte dos surrealistas franceses ao PCF. Alguns
se aproximaram, posteriormente, ao trotskismo (Breton, etc.).
11
Entretanto, a que se fazer um aparte neste ponto. Alguns dos fundadores do dadaísmo de origem alemão
conseguem romper a lógica do “artístico suicídio individual” como coloca DUPUIS (2003, pg. 7) e se lançam
com todas as suas forças no movimento revolucionário alemão.
21
dadaístas, mas negarem o seu princípio niilista e partem para uma proposta de arte engajada.
dos Artistas Revolucionários controlada pelo PCF e chegam inclusive a mudar o nome da
Revolution demonstrando o novo papel que eles acreditavam que as artes, neste caso o
surrealismo, tinha que cumprir. As ingerências do PCF no surrealismo fazem com que essa
filiação não dure muito tempo, vista que o partido classifica como “libertárias” algumas
posições defendidas por Breton e alguns outros membros. Apesar disso, o surrealismo
continua a sua ligação com outros grupos políticos, como Breton na esfera de influência de
A ligação do surrealismo não ocorre somente com a esquerda, mas também com a
direita nacionalista, principalmente na Espanha com a figura de Salvador Dalí que adere ao
1940 do movimento, e ainda assim foi considerado um dos principais pintores surrealistas.
subversão; e a segunda é que esses movimentos queriam fazer a revolução sem aqueles que
poderiam realmente subverter o sistema, o proletariado, caindo assim numa contradição sem
volta.
22
que os autores apresentam as suas leituras mais originais a respeito do que as vanguardas
recorrente na análise desses movimentos, sobretudo porque elas pensam essa ruptura a partir
uma nova concepção de arte que ligasse este a vida. As vanguardas do final do século XIX se
certos aspectos com a arte estabelecida (nas formas de retratar os temas com imagens
mais tarde serão tão caros ao cubismo), continuam, porém pintando os temas (paisagens
não somente essas novas técnicas que pretendiam modificar a técnica artística, ela passa
A ligação da arte com a vida passa pelo processo de dessacralização da arte, isto é, a
arte não pode mais ser vista como um objeto único e inigualável, mas sim como qualquer
elemento do cotidiano que se tirado do seu contexto original assume tal posição. Esta nova
visão do que venha a ser a “obra” de arte, causa um imenso impacto no mundo da arte. O
dadaísmo é a vanguarda que mais se aproveita dessa nova técnica, denominada ready-made,
sendo que a peça A Fonte de Marcel Duchamp caracteriza bem essa visão. No entanto, não
são todos que concordam com essa visão dentro das vanguardas, Dalí a condena de maneira
24
enfática e a maneira como eram reverenciados estes artistas por apenas plagiar algo,
honra ou uma medalha de ouro por ter querido assinar a pintura.” (DALÌ, 2008, pg.21).
Essa ruptura com o passado não pode ser pensada levando em consideração somente
os aspectos artísticos, mas há que se considerar também os ideológicos, uma vez que essas
vanguardas ao quererem romper, não somente com o passado, mas também com o presente,
crendo que através de suas práticas estavam antecipando o futuro, como a detentora de uma
nova ordem social (COMPAGNON, 2003), ela acaba por cair na armadilha, como coloca
FERRY (1994, pg. 271), do elitismo, pois ao se colocar “ a frente” do seu tempo 12 ele rompe
encontra, porque estas são consideradas como não portadoras do signo do novo tempo.
Outro ponto que é consenso entre os analistas das vanguardas é no que se refere ao seu
papel dentro das instituições oficiais de arte. É notório que o grande marco inicial das
vanguardas artísticas é o Salon des Refusés, em que participam jovens artistas como Cézzane,
que é formado em sua maioria por rejeitados do Salon de Paris por não expressarem os
valores dominantes das artes da época. Desta forma é possível observar que as vanguardas
nascem como elementos contestadores, que saem das instituições oficiais e se formam a
margem de todo o sistema artístico do institucional. Porém, Coloca FERRY (1994, pg. 269)
que vários desses movimentos, começam a ser assimilados pelo Estado e por institutos
oficiais e o que se entendia como uma arte originalmente contestatória no final surge como
O ponto que talvez haja maior discordância em relação ao sentido do que era ser uma
(1996) propõe uma análise que contraria todos os estudos de até então no que se refere a este
Para ele, as vanguardas artísticas quando surgem quebram vários paradigmas da sociedade
capitalista e apesar de levarem uma vida completamente diferente da burguesia, a vida boêmia
em contraste com a vida de filisteu, elas não conseguem romper um dos principais elementos
Ora, assim como SUBIRATS (1986, pg.47), que caracteriza a vanguarda oscilando
entre os elementos individualistas e coletivos, por toda a análise empreendida até aqui, não se
pode descartar que a vanguarda seja fortemente marcada pela presença de um caráter coletivo
bem demarcado. Apesar dos constantes conflitos de ideias dentro desses movimentos e dos
rachas causados por estes, as vanguardas13 ao tentar romper com uma ideia de arte
individualizada propondo a criação coletiva de obras de arte 14e pela dinâmica de constituição
desses grupos (como a questão das revistas, que por serem criações coletivas demonstram
compreensão da realidade.
separação está no cerne do seu método, e desta forma ocasionou o surgimento de ciências
específicas que cada uma em seu núcleo pretende entender de certo modo a sociedade, só que
13
Os dadaístas foram os primeiros a propor esta técnica.
14
Não cabe aqui o julgamento se essas ideias foram praticadas ou não.
26
a partir do momento em que estas se fecham em seus “mundos” não relacionando todos os
aspectos da sociedade (como o histórico, social, cultural, psicanalítico, entre outros) acabam
muitas vezes fazendo uma mera descrição do tema abordado ou meras análises superficiais,
desenvolvida por Marx, vem justamente superar essa separação imposta pela ciência moderna.
“ ...o que abarca o todo. Abarcar o todo de um ser é perceber a sua totalidade.
Acontece que dentro de um ser (compreendido como totalidade) pode estar
incluído outro ser e assim sucessivamente. Esse segundo ser pode ser uma
totalidade? Não, pois para abarcar o seu todo teria que ser incluído o primeiro
ser a ser citado.
A perspectiva da totalidade também nos será útil para a análise dos textos da IS,
sociedade espetacular.
importado das ciências naturais da causa e consequência. VIANA (2001) aponta as falhas
fundamental do conjunto das relações sociais, como coloca Viana. No entanto, o concreto –
que é uma totalidade, embora podendo estar incluído em outra mais ampla – é síntese de
O título é uma alusão a proposta que será desenvolvida neste capítulo. É comum ver
situavam a frente do seu tempo, ideia inclusive que foi assimilada pelas vanguardas artísticas
durante todo o seu período de existência. Aqui será demonstrado justamente o contrário, que
estes grupos na verdade assimilam as principais demandas de seu período, se portando como
anexar e estender a sua influência dos países do leste europeu até a Alemanha e a Europa
Neste momento com medo de que toda a Europa sucumbisse ao domínio da URSS, é
como Plano Marshall (que tem início em 1947/48 e se desenvolve até 1952, e resultou num
dinheiro para a recuperação dos países europeus estes se ligassem à órbita capitalista, livrando
o resto da Europa de vez do perigo do Capitalismo Estatal Soviético (apesar deste ter sido
crescimento da URSS, os Partidos Comunistas não conseguem atrair os jovens, uma vez que,
29
a URSS e à sua política autoritária e dogmática, como se verá mais adiante quando for
Será neste contexto que a partir da década de 1950 começará a se reerguer na Europa
uma outra esquerda, que irá contestar os rumos que o capitalismo estatal soviético tomou com
constituído como uma verdadeira alternativa ao capitalismo tendo se tornado na verdade mais
uma outra forma deste dominado totalmente pelo Estado Bolchevique, denominada de
Eurocomunismo.
Os próximos dois tópicos abordarão duas características das décadas de 1950 e 1960 e
que devem ser analisadas para se pensar a emergência da IS e também a sua mudança de
mundo, pois ocorrem dois fatos que marcaram uma esperança de renovação nos quadros do
1Coloca-se entre aspas o termo socialismo soviético aqui por entender que o que se constitui na URSS não foi
Socialismo, mas sim Capitalismo de Estado, uma vez que as principais características deste não foram abolidas
naquele Estado, como por exemplo a produção de mais valia e a aplicação do modelo de produção no primeiro
momento taylorista e posteriormente stakhnovista nas fábricas.
30
feito a portas fechadas somente para os delegados, denunciou os crimes de Stálin e iniciou o
vida do povo e esta acaba se transformando em uma revolução. Deste momento em diante, os
sovietes, apesar de toda a repressão desencadeada pelo Czar Nicolau II, se tornam o principal
elemento de organização da classe operária e surgem como uma verdadeira alternativa aos
Os sovietes ressurgem com toda a força a partir de 1917, quando as condições de vida
soldados russos atinge números alarmantes e a população começa a se questionar qual o real
sentido de se permanecer em uma guerra que naquela atual conjuntura não traz nenhum
grande perigo ao território e tinha vislumbrado o seu real sentido desde o início, era uma
guerra imperialista. Através de várias manobras, como a convocação da Duma, o Czar tenta se
manter no poder, mas já era tarde, o golpe de misericórdia no Império Russo já tinha ocorrido.
É aqui que os sovietes ressurgem com toda a força e se colocam como a verdadeira vanguarda
do movimento, não é por acaso que Lênin ao retornar do exílio lança a palavra de ordem:
participar da Revolução, um dos seus primeiros objetivos como coloca Brinton (1975) é
conseguir dominar os sovietes e para isso eles criam um aparelho estatal separado dos
trabalhadores que logo consegue distanciar a massa das decisões. Para o autor, este foi o
último grande obstáculo que os bolcheviques tiveram que enfrentar para conseguir se
defendiam a autonomia dos sovietes em relação ao partido, começou com a subida de Stálin
ao governo, mas se pode observar que desde a guerra civil, o exército vermelho comandado
por Trotski foi responsável por massacrar levantes populares que apoiaram na guerra contra
os brancos, como no caso do exército negro de Makno e dos soldados rebelados de Kronstadt
que tinham toda uma extensa pauta de reivindicações em que a principal era a volta dos
sovietes livres.
qualquer pessoa que desafiasse a uma ordem de Stálin fosse considerado um traidor, as suas
atitudes remetem e se assemelham muito aos czares da Rússia Imperial, sendo que nem estes
32
nível extremo, chegando ao fato de cidade, aeroportos, escolas e ruas levarem o seu nome,
morte em 1953 causa um vácuo de liderança, uma vez que o seu substituto Nikita Kruschev,
não possui a mesma "imponência" de seu antecessor. Desde que assume o governo, este já
vem tomando medidas que visavam diminuir a influência da memória do ex-governante sobre
o Estado, mas nada que pudesse ser considerado um elemento de ataque aberto a figura de
Stálin.
convocado. Ele ocorre entre os 14 e 25 de fevereiro de 1956 e tem entre os seus integrantes
maneira normal, sendo que durante alguns pronunciamentos são dirigidas algumas pequenas
críticas a Stálin, mas nada que pudesse deixar transparecer o processo que estava sendo
colocado em curso. No último dia, uma sessão extra é convocada e o então secretário-geral do
frente do governo da URSS. Este relatório caiu como uma bomba no plenário, uma vez que os
delegados não esperavam uma atitude dessa. O discurso foi marcado por denunciar o culto a
terra que gerou ondas de fome e milhares de morte, sendo que até o testamento de Lênin foi
citado, no qual ele critica a personalidade de Stálin e adverte os membros do partido para
tomarem cuidado com ele. O outro ponto abordado foi a relação da URSS com o mundo
capitalista, que para o atual secretário-geral, esta deveria ser reestabelecida e ambos
tomadas uma série de medidas que visavam apagar as influências da era stalinista na União
Soviética, da qual se pode destacar três fatos: a libertação de milhares de presos de campos de
resistência russa a invasão alemã na Segunda Guerra Mundial, para Volgogrado; e a última e
que traz uma questão muito representativa, que é a retirada do corpo de Stálin do Mausoléu da
desestalinização empreendido por Kruschev, uma vez que na Hungria Rákosi é obrigado a
anunciar que várias mortes de membros do PTH acusados de traição ao "socialismo" eram
falsas e que na verdade foram realizadas com o intuito de acabar com a oposição. Essas
declarações o fazem deixar o poder que em pouco tempo é assumido por Imre Nagy, político
sociedade comunista apoiado por Moscou, porém com características próprias, tendo no
comando Bela Kun, mas que devido a problemas na coletivização da terra, que desagradou
parte dos camponeses2 e a contra-ofensiva que atingia naquele momento também a Rússia3, o
governo de Kun, dura pouco tempo, sendo que o exército interventor coloca no governo do
país o almirante Miklós Horthy que governa durante 20 anos a Hungria. Na década de 1930
esta sela uma aliança com a Alemanha hitlerista e participa da Segunda Guerra Mundial ao
2 Os camponeses constituem neste momento na Hungria aproximadamente de 50% da mão de obra produtiva.
(LEFORT, 1987, pg.153).
3 Que prometeu enviar ajuda militar ao país húngaro para o combate as tropas contra-revolucionárias, mas no
enanto não cumpriu a promessa.
34
seu lado. A sua derrota é decretada pela invasão do exército russo4, assim como em todos os
outros países do leste europeu, que vem provocar o caos em uma sociedade desestruturada
que não consegue ditar os rumos do país que a partir deste momento passa a ser orientado por
Moscou.
através das eleições gerais multipartidárias em novembro de 1945, em que consegue menos de
20% dos votos sendo que a grande vitória fica para o Partido dos Pequenos Proprietários
Rurais que representa a grande massa camponesa húngara (SZABO, 2006, pg. 14). No
que ele ficaria com o Ministério do Interior, que detinha o controle da polícia e desta forma o
aparato repressor do Estado. Mas a farsa começa a desmoronar em março de 1947 com a
"declaração da Guerra Fria", através da Doutrina Trumann, uma vez que não é necessário
Rurais e de outros partidos minoritários que formavam a coalização, como o Partido Social-
Democrata. Muitos desses líderes viajam ao exterior e por pressão do PCH não retornam,
como o primeiro-ministro Ferenc Nagy, abrindo de vez o caminho para a chegada definitiva
do PCH ao poder. O golpe de misericórdia foi a fusão do Partido Comunista com o Partido
secretário-geral Mátyas Rákosi, destacado militante do PCH que teve uma sólida formação
4A invasão do exército russo em território húngaro foi um verdadeiro desastre, pois apesar de derrotarem a
Alemanha, foram responsáveis por uma série de atrocidades que rivalizam com a invasão alemã, como estupros
e assassinatos de apoiadores do antigo estado húngaro em massa, deportações para campos de trabalhos
forçados. (SZABO, 2006, 14).
35
política na URSS. É interessante observar a justificativa do PTH para o golpe de Estado que
Esse regime que foi concretizado na Hungria, não se diferencia em nada daquele que
política do regime de Rákosi) e por um culto a personalidade que em nada fica devendo ao de
Foi necessário essa primeira contextualização, feita de maneira rápida e até mesmo
descritiva, para se entender o contexto que a Revolução Húngara de 1956 emergiu. Ela só
nada foi feito para reconhecer os interesses dos operários e dos camponeses, mas sim os
interesses da URSS uma vez que a sua industrialização - baseada na indústria metalúrgica-
não levava em consideração as necessidades do país e do povo, mas sim o que foi ordenado
pela nova classe que ali se instalou, a burocracia, nos moldes do modelo capitalista de estado
Almirante Horthy para o seu governo, como oficiais do exército e gerentes de fábricas.
duas que caminham paralela e se entrelaçam em alguns pontos e outra que caminha em um
sentido totalmente oposto àquelas. As duas primeiras vêem esse movimento como legítimo e
36
A primeira pode ser caracterizada como uma análise personalista, que coloca a figura
de Imre Nagy como o centro das principais ações e repercussões dos eventos de 1956
1953 e 1955), mas sem desconsiderar totalmente o papel dos trabalhadores, apesar de colocá-
los em ações muitos pontuais e sobretudo de resistência e não de formulação da ação, papel
esse que é dado aos intelectuais húngaros que são destacados através do Círculo Petoefi. A
obra organizada por Szabo (2006) é uma das que defendem essa visão da insurreição.
contingente de operários dos países que formam a Cortina de Ferro, perdendo somente a
operários, que chegam em alguns lugares a se tornarem o único poder real frente ao exército
Para o autor, as reivindicações operárias superam e muito as de caráter burguês, sendo que o
próprio Nagy, na hora de tomar as decisões privilegia mais a burguesia do que os próprios
trabalhadores.
37
pelo PCUS e que serviu de base para todas as análises e manifestações contrárias ao processo
que se desencadeava no país naquele momento e que no geral foram feitas pelos PC's
atrelados a URSS em todo o mundo, como no caso do Brasil em que o Comitê Central do
Partido Comunista (PCB) lança uma resolução pedindo aos trabalhadores, estudantes e
intelectuais que declarem seu apoio ao Estado Húngaro e ao PTH, pois o que na verdade
com o que se passa na realidade húngara, como veremos mais adiante, somente para não ir
(que vem substituir Imre Nagy em 1956 no cargo de Primeiro-Ministro) reconhece que as
reivindicações dos operários são coerentes e importante e não fruto de uma contra-revolução
fascista como prega esta interpretação. No entanto, há que se reconhecer que como toda
que o papel desempenhado pelas classes reacionárias nesse processo, não chega nem perto do
papel de vanguarda que foi realizado pelos conselhos operários, mas mesmo assim, preferiu-
se dar evidências a aqueles aspectos reacionários pedidos pelos burgueses. Já as outras duas (a
personalista e a operária) creditam a revolução com uma face não para o estabelecimento de
38
uma democracia burguesa, mas sim meios mais eficientes para se debater e implementar
Mas é necessário levar em consideração que por mais que as suas propostas fossem
consideradas ousadas, Imre Nagy, não avança em direção a estabelecer uma autonomia
operária, muito pelo contrário, quando ele se reestabelece no poder chama para formar um
Rurais, mas não coloca lá nenhum operário representante dos conselhos que se formaram
naquele momento, ele os reconhece mas não como força política expressiva. Isso pode ser
explicado, através de sua formação política, de caráter a privilegiar a burocracia, ter sido
realizada toda dentro do PCH e ele compreender que o Partido é a expressão e a voz da classe
operária, definindo assim, as suas reformas pretendiam criar um socialismo mais humano e
número bem superior do que o PTH esperava (acreditava-se que a manobra esvaziaria a
governo é o estopim para uma série de manifestação que levam o povo às ruas e a tentativa de
invasão de uma rádio leva a morte de alguns manifestantes e a chamada de Nagy para compor
o governo novamente. No entanto, este não consegue dar vazão às propostas feitas pelos
violência empreendida pelo governo - leva a paralisação da produção no país por alguns dias.
39
nas provínciais de Miskolc, Györ, Szeged e Pecs. Nestes lugares os conselhos eram
responsáveis não somente por controlar a produção nas fábricas, mas também por armar os
entre si, em geral elas pediam: a substituição das autoridades locais stalinistas, a aplicação da
autogestão operária, a partida das tropas russas, direito de greve e a anistia ao insurretos.
Para Lefort (1987) a Hungria teve a chance de se constituir durante a primeira semana
da revolução como uma República dos conselhos, devido ao grau de autonomia e controle que
estes fizeram, sendo que nem mesmo o governo central se colocou como um poder capaz de
enfrentá-los, somente o exército russo tinha essa capacidade. Para ele, a maturidade dos
conselhos é demonstrada nas suas reivindicações que não fazem a separação entre os aspectos
econômicos e políticos.
que pedem uma série de exigências do novo governo de Imre Nagy, no entanto as suas
propostas, devido até mesmo a questão dos sindicatos serem vinculados organicamente ao
PTH, não avançam mais do que a dos conselhos, sendo que algumas até mesmo entram em
contradição, uma vez que quando os conselhos pedem uma autogestão operária nas fábricas,
os sindicatos pedem a instauração de uma direção operária que iria conduzir as fábricas.
Nagy não consegue conter o clamor dos operários e a perseguição de Rákosi ao seu
governo. Vendo que o atual governo húngaro seria incapaz de por fim às pressões populares,
40
4 de novembro com a ajuda de mais de mil tanques e aviões, Budapeste e outras províncias
milícias armadas pelos conselhos foram incapazes de conter a nova leva de tanques e tropas
russas que entraram em território húngaro. Segundo Segrillo (2006) foram mais de 20.000
pessoas mortas na invasão soviética e outras tantas presas, deportadas e uma infinidade de
Janos Kádár assume o governo no lugar de Imre Nagy que é preso e depois executado.
Com a impossibilidade de governar sem o apoio dos conselhos operários, Kádár reconhece a
sua autoridade e legitimidade, mas não integralmente e aos poucos vai reduzindo seus poderes
nas decisões das fábricas até que em novembro de 1957, o governo considera os governos
finalmente dissolvidos.
desestalinização não consegue atingir plenamente os seus efeitos e que este se mostra mais
como um projeto pessoal de Kruschev do que do PCUS, além do que, não seria uma reforma
que tentava apagar uns erros cometidos por um dos seus representantes que iria mudar o
sistema, porque na verdade, o problema não estava no governante mas sim na essência do
sistema. Além disso, a invasão foi responsável pelo primeiro grande racha nos PC's após a
Segunda Guerra Mundial que ocasiona a saída de quadros importantes de dentro dos partidos,
como no caso do PCF em que Henri Lefebvre rompe por não aceitar o posicionamento do
O último ponto a ser discutido são as novas forças que emergem deste processo
revolucionário, em especial uma, que na década de 1960 será a responsável por um dos
de jovens operários e estudantes) é essa nova força que durante a revolução se constitui como
uma camada que tem reivindicações próprias e chega a formar durante esse processo uma
Budapeste ela é, juntamente com o operariado, a principal força revolucionária que organiza a
resistência.
relação aos demais influenciaram a IS, sobretudo a seção francesa. É notório que a França
Revoluções (como a Francesa) e modelos de conduta social e cultural (como no período que
ficou conhecido como Belle Époque) que foram exportados para vários lugares do mundo,
uma vez que o próprio conceito francês de cultura está intimamente associado ao conceito de
civilização.
Segunda Mundial, não perdendo o foco, no entanto nos acontecimentos que são importantes
para esta constituição, mas que não estão localizados neste período histórico delimitado, como
foi responsável por criar no país uma rede de resistência que terá após o final da guerra uma
influência muito forte sobre o controle do governo, podendo destacar o fato que o líder da
resistência no exterior, o General Charles De Gaulle, foi o que conduziu o governo provisório
no pós-guerra, permanecendo no cargo somente até janeiro de 1946, uma vez que problemas
com a Assembleia Constituinte o faz renunciar ao cargo, desta forma abrindo espaço para o
5 Não cabe aqui uma volta ao tema uma vez que já foi abordada no capítulo I e será retomada no III.
42
que ficaria conhecido como a Quarta República Francesa (1947 - 1958), que terá durante toda
sociedade, com a garantia dos direitos democráticos burgueses, isso tudo conseguido através
da injeção de dinheiro norte americano através do plano Marshall, que já foi discutido
anteriormente. Mas ela não conseguiu resolver o problema, comum aos países imperialistas
A guerra tinha enfraquecido esses países e consequentemente tinha aberto uma brecha
processo de luta, e muitas vezes até guerra aberta, contra as suas metrópoles. Os países do
Eixo foram os primeiros no pós-guerra a verem as suas colônias escaparem do seu controle.
a resistência vietnamita comandados por Ho Chi Min, consegue através de uma guerra de
libertação nacional proclamar a independência frente a sua metrópole. Este fato, associado aos
fracassos da Quarta República em conseguir dar uma saída plausível para as reivindicações de
autonomia das colônias francesas faz com que os colonos e partidos da direita façam um
Sem dúvida de todas as colônias, a Argélia é que terá um papel fundamental para a
volta do general ao poder, para a instauração da Quinta República e para a formação daquilo
que ficou conhecido como Gaullismo. A Argélia é a principal colônia francesa do período e é
também a que possui a maior quantidade de residentes franceses, conhecidos como colonos,
cerca de um milhão de pessoas, segundo Ferro ( 2006). Esse grupo de colonos detém um
poder extremo sobre instituições políticas francesas, uma vez que ela comporta muitos
dentro da França. São eles que através da crise causada pela Guerra Argelina de
independência - que tinha passado a usar métodos de guerrilha e ataques terroristas inspirados
francesa - em que o governo sugere começar uma negociação com os argelinos, tomam o
poder em Argel e forçam a entrada de Charles De Gaulle na presidência, sendo que este só
aceita se ocorrer uma nova reforma constitucional. Essa reforma ocorre e tem como principal
República Francesa (que é a que vigora até os dias de hoje na França, apesar de algumas
Acreditava-se que De Gaulle, por suas ideias e por ter ascendido ao cargo com apoio
dos colonos, faria de tudo para manter o status da Argélia como colônia, impedindo assim a
dissolução do Império francês. Mas Ferro (2006) demonstra que, contrariamente ao esperado,
características pessoais de seus ideais políticos que a partir daquele momento irão criar um
novo modelo político, que influenciará todo a vida política francesa posterior. Esse regime
ficou conhecido como Gaullismo e é caracterizado por Wallerstein (2007) por se apoiar em
três bases principais: "uma afirmação do direito da França a ter um papel fundamental,
características enunciadas por Wallerstein é possível vislumbrar outras que são preceitos do
gaullismo, como a centralização do Estado na figura de uma pessoa, sendo esta entendida
governar de De Gaulle, autoritário, mas com ares democráticos, que é possível compreender a
sua atitude de fechar o Congresso, devido aos eventos estudantis e operários ocorridos em
maio e junho de 1968, convocar novas eleições gerais, além de ter conversações para uma
intervenção militar caso os eventos não ocorressem como o esperado e não ser taxado de
ditatorial.
Lefebvre (1991) realiza uma série de estudos, em que o seu principal exemplo é a
sociedade francesa, mas que a sua teoria não se baseia especificamente nela, é na verdade uma
leitura global das distinções da sociedade capitalista daquele período. Para isto, ele cria o
conceito de sociedade burocrática de consumo dirigido, que ele define como sendo a sua
proposta aqui para ... sociedade. Marcam-se assim tanto o caráter racional
dessa sociedade, como também os limites dessa racionalidade (burocrática), o
objeto que ela organiza (o consumo no lugar da produção) e o plano para o
qual dirige seu esforço a fim de se sentar sobre: o cotidiano. (LEFEBVRE,
1991, pg. 68)
45
A sociedade conceituada por Lefebvre é aquela que o consumo se tornou o ponto alto
do capitalismo e não a produção. Nesta sociedade, há a ilusão do ser humano se sentir livre,
como se fosse o responsável pelas suas escolhas, como se tivesse o controle total sobre a sua
vida, mas que na verdade isso só ocorre quando ele está efetivamente consumindo, pois
quando ele não detém esse poder, ele permanece a margem dessa sociedade. O tema do
consumo e do cotidiano são elementos que também são estudados pela IS que durante um
certo tempo irá ter um diálogo bem profícuo com este intelectual.
história da Humanidade, sendo que em seis anos morreram cerca de 50 milhões de pessoas, a
sua maior parte, pertencentes ao continente europeu e mais ainda, na sua maioria jovens,
fazendo com que a Europa se tornasse nesse período uma terra de velhos e crianças. A partir
fato que foi denominado de baby boom devido as altas taxas de nascimento neste momento na
Europa, sendo que as estruturas sociais - como universidades, mercado de trabalho e a própria
questão cultural - de então não são capazes de receber todo esse novo grupo que desponta
neste cenário.
Para tentar sanar esses problemas, na França ocorre no início da década de 1960 uma
reforma nas universidades que visava poder receber todo esse novo contingente jovem que
estava batendo a porta das Universidades. É dessa reforma que a Universidade de Paris é
desmembrada e são criadas outras, como a Universidade de Nanterre palco das manifestações
específico de consumo para eles. É notável nos anos 1960 a ascensão do rock como um
46
fenômeno juvenil, tendo nos Beatles a sua maior expressão. Não é somente na música que isto
ocorre, mas também na moda , nos meios de comunicação (vide a criação da revista Rolling
Stones) e em todos os meios da sociedade (no Estado, na educação entre outros), sendo que
ocorre até a criação de um termo especifico para demarcar essa nova virada da juventude,
denominada contracultura.
CAPÍTULO III - A INTERNACIONAL SITUACIONISTA E O
DEBATE ACERCA DA PROBLEMÁTICA DA ARTE
ENQUANTO MEIO REVOLUCIONÁRIO
enquanto vanguardas artísticas é problemático e contraditório, uma vez que se não encontra
um nexo histórico e artístico que se possa sustentar tal alegação. Esses grupos nada mais
fazem do que repetir as teses que as vanguardas da primeira metade do século produzem e não
avançam em nenhum outro ponto. É neste contexto, que a Internacional Situacionista irá
surgir, da fusão de três grupos dessa época que se declaravam herdeiros dos vanguardistas e
A sua estrutura baseia-se nos moldes das antigas vanguardas, inclusive a forma de
organização, uma vez que ela se afirma enquanto um grupo internacionalista composto de
sessões em vários países. Durante os 15 anos da sua existência, a IS tem seções em 9 países 1,
sendo a francesa a que irá possuir um maior número de membros durante a existência do
movimento. A maior quantidade de membros da sessão francesa, vai permiti-la ter uma maior
expressividade, neste primeiro momento, mas que no decorrer dos anos fará com que ela
possa ter um maior peso nas decisões do grupo. Esse caráter é afirmado no primeiro número
da revista2, quando Debord esboçando as teses sobre a revolução cultural afirma que "uma
associação internacional de situacionistas pode ser considerada como uma união de um setor
cultura" (DEBORD in JACQUES, 2006, 72). A afirmação demonstra claramente como era
visto o papel da cultura e dos artistas, neste momento na IS, sendo encarados ainda como
1 São elas: argelina, alemã, americana, inglesa, belga, francesa, holandesa, italiana e escandinava.
2 Quando for referido a revista do movimento, considere-se a Internationale Situationniste.
3 Grifo feito por nós, para demonstrar como é colocada a visão de uma cultura superior neste período pela IS.
48
A IS se torna uma continuação dos laboratórios sobre a cidade e sobre artes que
vinham sendo realizados nos grupos que lhe deram origem. Apesar dos situacionistas
desenvolverem nesse período obras que podem ser consideradas como arte, eles não
consideram como tal, uma vez que compreendem que o processo de criação artístico nesta
sociedade, a capitalista, se realiza de maneira alienada, então desta forma resta pegar esses
objetos e ressignificarem seus objetivos. Isso fica bem claro com a afirmação:
Para compreender esta posição assumida pela IS, será realizado num primeiro
momento uma breve discussão dos principais conceitos e teses para compreendermos os seus
forma será realizada uma abordagem das técnicas e teorias a respeito das artes e das cidades,
O método conhecido como Détournement (nome dado pelo letrista Isidore Isou) foi
uma das principais formas que os situacionistas utilizaram na forma de subverter as artes e a
anteriormente pelos surrealistas (conhecido por estes, como colagem) consistia em utilizar
textos, quadros, filmes ou qualquer criação artística e fazer com que este se voltasse para a
sua própria crítica (técnica muito usada pelos situacionistas em suas revistas com a utilização
dos HQ’s e posteriormente o emprego dessa técnica por parte de Debord em suas obras A
Sociedade do Espetáculo – o livro e o filme), esta técnica pode ser observada nesse fragmento
Figura III - HQ de André Bertran com texto de Raul Vaneigem, Paris, 1967.
A crítica à cultura, tão recorrente nos dois períodos da IS, tem um ponto central nessa
HQ, em que fica clara a posição contrária à instituição dos bens culturais e contra aqueles que
Neste período (até 1962) também a IS fará uma grande contribuição aos estudos sobre
novas situações. A análise do estudo situacionista sobre a cidade passa por três pontos
A psicogeografia é definida como “o estudo das leis exatas e dos efeitos precisos do
procedimento que não se originará dos situacionistas, entretanto eles serão responsáveis pelo
seu desenvolvimento. Esta técnica está intimamente interligada com a Deriva (principal
deixando-se levar pelas paisagens e aspectos daquela determinada área com o intuito de
50
o homem.
urbanismo que é realizado nesse momento na Europa. Um dos seus principais pontos de
contestação é a separação moderna que as grandes cidades atingiram nesse momento em todo
o mundo.
Constant foi sem dúvida um dos membros da IS que mais a fundo levou os seus
estudos sobre a cidade. Considerado um urbanista utópico passou o tempo que esteve na IS
(os seus estudos sobre a cidade vem de antes) esboçando o que seria uma cidade situacionista,
mesmo depois de expulso continua a formulação de seu projeto, é na década de 1960 o lança
enquanto os situacionistas entendiam, nesse período, que este era um dos principais pontos
para que a revolução acontecesse. Para os situacionistas, as novas cidades e o rumo que as
Paris é uma cidade em que esse aspecto pode ser observada, antes mesmo da criação
da Arquitetura Funcionalista. Depois dos movimentos de 1848 e 1871, esta começa a passar
por uma remodelação, comandada por Hausmann a pedido de Napoleão III, com a abertura de
avenidas largas, em detrimento das antigas vielas, com o objetivo de impedir as novas
barricadas e facilitar a repressão aos movimentos sociais. Apesar disso, em 1968, o bairro
51
parisiense do Quartier Latin, onde se encontra a Universidade Sorbonne – principal palco das
manifestações desse ano, com suas ruas de pedras vão ser totalmente remodeladas após as
manifestações, chegando ao calçamento das ruas de pedras históricas com objetivo de que
uma vez que passaram a constituir um núcleo urbano extremamente organizado não
desse tipo de organização com sua homogeneização. A visão da IS sobre esses acontecimentos
fica muito claro no texto de Raoul Vaneigem, Comentários contra o Urbanismo, em que ele
cotidiana. Os situacionistas compreendem que uma revolução só será possível se esta ocorrer
a partir da vida cotidiana, uma vez que esta se tornou a representação máxima da sociedade
capitalista. Desta forma, eles compreendem que o cotidiano nesta sociedade se restringe ao
consumo, à sobrevivência, não deixando o ser humano livre para se desenvolver. É neste
ponto que os estudos sobre a cidade e o cotidiano na IS se casam, uma vez que não é possível
uma revolução total, como pretendiam os situacionistas, sem que esses pontos se casassem.
A análise da vida cotidiana se situa nesse momento como uma alternativa aos estudos
economicistas realizados pelos teóricos ditos marxistas, é neste ponto que se situa Henri
Lefebvre, sociólogo e teórico marxista francês, que será um nome que estará em permanente
contato com a IS até 1961, o único intelectual com que se correspondiam. Apesar disso e do
52
intenso contato e troca de teorias sobre o cotidiano e a cidade, a IS vai negar qualquer
situações, Lefebvre trabalha com a teoria dos momentos, em que chegam a conclusões
basicamente semelhantes sobre o papel do cotidiano, sendo que eles levam posteriormente
procuram levar a teoria para a práxis, como forma de superar essa dicotomia que eles tanto
criticavam.
Lefebvre foi importante pois, começa o seu estudo sobre o cotidiano com a publicação
do volume I da sua trilogia Critique de la vie quotidiennne realizado em 1946, e com volumes
posteriores em 1962 e 1981, ocorre a consolidação dos estudos da crítica da vida cotidiana
como forma de superação da sociedade capitalista. Em 1957 rompe com o PCF e intensifica
os seus estudos sobre o cotidiano. Porém a sua influência pode ser definida como anterior a
Contudo, a principal discussão que se dará dentro da IS nesse período será a respeito
do conceito de arte e de como ela deveria ser executada. Nesse momento a IS tem duas
posturas diferentes: a) a primeira representada pela seção francesa que conta com nomes
como Guy Debord e Michele Bernestein, que acreditava que a arte deveria ser abolida e
efetiva de todos os indivíduos; b) a segunda representada pela seção alemã, holandesa e mais
alguns integrantes como Asger Jorn, que acreditavam em uma realização coletiva da arte.
A primeira pautada, sobretudo, numa visão revolucionária que via a sociedade a partir
da luta de classes e que compreendia o processo artístico como burguês e que queria a
53
abolição da arte, juntamente com a destruição do capitalismo. Para essa tendência, a partir da
livre para desenvolver todas as suas habilidades e a arte se desenvolveria livre, e não como
A segunda, pautada numa visão mais reformista, não previa a supressão da sociedade
capitalista e dessa forma compreendia que a arte deveria continuar existindo nos paramentos
da sociedade burguesa, ou seja, no bojo da divisão social do trabalho, mas defendia que ela
Até 1960, essas duas tendências conseguem conviver em sintonia. Esse será o período
Destaca-se aqui uma técnica de pintura conhecida como industrial, desenvolvida por Gallizio
e Malanotte, que consistia em pintar enormes rolos de tela e depois vender os seus pedaços.
Essa técnica servia tanto como uma crítica a forma mercadológica que a arte tinha tomado
com as galerias em que quadros eram vendidos a preços exorbitantes e também como uma
maneira de financiar a IS, uma vez que era preciso dinheiro para a manutenção da revista.
Esses rolos também serviam como processos de intervenção urbana, uma vez que esses não
eram expostos nas galerias, mas sim nas ruas e prédios das cidades.
principalmente nas conferências4 realizadas com todas as facções. Entre 1960-61 ocorre a
outros membros como Raoul Vaneigem e Attila Kotanyi. Essa reconfiguração que ocorre na
posicionamento do grupo. Podemos compreender essas expulsões como uma maneira de tirar
da IS o seu caráter de vanguarda artística, já que ela se auto-intitulava e agia como tal até esse
momento. Observamos que todos os seus posteriores atos e textos seguem uma posição de
respeito ao estudo da cidade e aos seus projetos artísticos. Isso ocorre com o intuito de tentar
importância para se compreender a transição que a ocorre dentro da IS. Isso ocorre pelas
da criação de situações, que deu nome ao movimento, é relegada a um segundo plano uma vez
que essa nova orientação, não irá aceitar o papel que era destinado a arte na primeira fase do
expõe todas as falhas cometidas pelas vanguardas artísticas da primeira metade do século XX,
inclusive a principal falha de querer colocar a arte enquanto um projeto revolucionário, mas
então porque ela assume essa mesma postura? A resposta para essa pergunta tem que ser
5 Este texto foi apresentado na Conferência de fundação da Internacional Situacionista em Cosio D'Arroscia na
Itália em julho de 1957.
55
compreendida na medida em que a formação dos integrantes que formam a IS são artísticas e
que eles vislumbram que ao apontar as falhas cometidas por essas vanguardas, inclusive
criticando-as e tentando avançar nos pontos por elas não abordados, eles conseguiriam ir além
e realizar o projeto revolucionário pela arte, no entanto eles acabam caindo nos mesmos erros
Essa nova visão empreendida pelo grupo tem que ser analisada partindo de duas
vertentes. A primeira é a análise do predomínio que a seção francesa terá sobre o movimento e
mudanças no movimento.
É preciso lembrar que a França é o país que tem uma longa tradição dentro das artes
de vanguarda no século XX, vide dadaísmo e surrealismo, e que a partir das influências e
divisões dessa se formam vários outros grupos. A Internacional Letrista é um desses grupos
que herdam essa herança e que quando há a fusão dos grupos para a formação da IS, ele é o
que leva o maior número de participantes e também as principais ideias sobre arte e alguns
experimentos urbanísticos. A relação entre arte, sociedade e política na França, desde o século
XIX6, é muito próxima é isto que faz com que o debate sobre a arte na IS, mesmo no período,
seja politizado. Eles visualizam os erros das vanguardas, mas mesmo assim, permanecem no
erro, durante um tempo,de colocar a arte como o elemento capaz de realizar a revolução. É
através dos estudos que são realizados predominantemente pela seção francesa sobre a
Ao se analisar a principal revista do grupo8 pode-se perceber logo pelo título e pelo idioma, o
predomínio da seção francesa, sendo que o principal editor da revista será Guy Debord, que
fica no cargo durante todo o período que a revista será publicada. Através da análise dos
temas dos artigos da revista é possível perceber a mudança de enfoque do lado artístico-
número, sendo que em alguns eles não aparacem e quando aparecem eles são feitos a partir da
nova ótica do movimento. Uma prova disso é o texto Os situacionistas e as novas formas de
ação na política e na arte de René Vienet, publicado no nº11/1967, que demonstra que as
artes não saem totalmente do debate situacionista, somente ganham uma outra realidade, pois
agora elas não são os elementos responsáveis por processarem a revolução, mas se tornaram
mais um elemento entre tantos de crítica ao capital e a sociedade espetacular e a proposta aqui
não é a utilização da arte como a defendida anteriormente, mas sim elementos como HQ e
internacionais – o grupo artístico e o político – afirmando que sempre existiu essa divisão
dentro do movimento, sendo que o caminho tomado com o racha seria o natural, uma vez que
1962 como sendo a “fase heroica” e depois disso com o racha ela se subdividisse em duas –
introdução do seu livro que o seu objetivo é analisar as vanguardas e grupos artísticos que
emergiram na Europa após a Segunda Guerra Mundial. Dessa forma pode-se compreender o
motivo do autor de chamar justo a fase da IS voltada para projetos artísticos como “heroica”,
Outra discordância é em relação ao texto e sua afirmação de que a fase que o autor
partir de então se desenvolvem outras duas derivadas dela (já citadas anteriormente):
“No, entanto já que existiam duas facções que alegavam ser a Internacional
Situacionista – o grupo Nashista pelo menos teve a decência de colocar a
palavra Segunda antes de seu nome-, uso o termo ‘specto’ para diferenciar a
facção debordista da IS original, que existia antes da divisão em 1962. O
termo “specto” faz referência à teoria do espetáculo (em inglês spectale), na
qual a facção de Debord acreditava.” (HOME, 2004, pg. 69).
Dessa forma pode-se ver a imprecisão que o autor faz da teoria da “sociedade do
espetáculo”. Em nenhum momento é possível considerá-la como algo restrito, como Home
capitalista que tinha se instalado no mundo a partir daquele período. Isso pode ser
As questões que passam a ser discutidas na revista são aquelas que estão no foco da
sociedade daquele momento. A nova orientação política, que será analisada posteriormente,
58
que o grupo assume faz com que novos temas entrem na pauta de discussão. A de número
10/1966, demonstra como esse processo se firmou. Um dos principais pontos discutidos é a
questão da nação independente da Argélia e o problema da luta de classes que passa a ser
também conta com a influência do grupo Socialismo e Barbárie, com quem os situacionistas
chegam a fazer uma plataforma de ações em comum e orientará o desenvolvimento dos temas
do grupo até a sua dissolução em 1972. Podemos ver isso através de um manifesto do grupo
fase da IS. O conceito surge praticamente junto com o movimento e apesar de não ter ponto
central no primeiro período, a partir 1962 este será a sua principal teorização. É no primeiro
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venha a ser esta - "O espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre
pessoas, mediada por imagens"(14), "O espetáculo é o capital em tal grau de acumulação que
se torna imagem" (25), apesar disso não encontramos na obra situacionista uma definição para
o que venha a ser o espetáculo10, apenas algumas de suas características, deste modo,
baseando-se em Gombim (1972) podemos defini-lo pela degradação da vida cotidiana, a partir
mercadoria passou a valer não pelo seu conteúdo, mas pela sua representação.
É por esta linha também que eles passam a realizar a crítica da União Soviética
conselhos operários. Debord no seu livro A Sociedade do Espetáculo deixa claro esse novo
posicionamento do grupo:
que ocorre a publicação de seus textos mais importantes11. Este momento em que ela fica
10 Gobim em sua obra traz uma definição que consideramos a melhor para o conceito de espetáculo: “A
degradação e a decomposição da vida cotidiana correspondem à transformação do capitalismo moderno. Nas
sociedades de produção do século XIX (cuja racionalidade era a acumulação de capital), a mercadoria tinha-
se tornado um fetiche na medida em que era considerada como figurando um produto (objeto), e não uma
relação social. Nas sociedades modernas, em que o consumo é a ultima ratio, todas as relações humanas têm
sido impregnadas da racionalidade do intercâmbio mercantil. É o motivo por que o vivido se afastou ainda
mais numa representação: tudo aí é representação. É a este fenômeno que os situacionistas chamam
espetáculo (a concepção de Lefebvre é mais neutra: o espetáculo moderno, para ele, deve-se simplesmente à
atitude contemplativa dos seus participantes). O espetáculo instaura-se quando a mercadoria vem ocupar
totalmente a vida social. É assim que, numa economia mercantil-espetacular, à produção alienada vem juntar-
se o consumo alienado. O pária moderno, o proletário de Marx, não é já tanto o produtor separado do seu
produto como o consumidor. O valor de troca das mercadorias acabou por dirigir o seu uso. O consumidor
tornou-se consumidor de ilusões”(Gombim, 1972, p. 82).
11 Estes são três: Da miséria do meio estudantil, assinado pela IS; A Sociedade do Espetáculo de Guy Debord e
A arte de viver para as novas gerações.
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espetacular, que será essencial para a passagem para a prática. No entanto, no maio de 1968 é
este deu muita visibilidade e propaganda ao movimento, sendo uma das causas de sua
dissolução12. Será nesse Comitê que será colocado em prática a proposta situacionista da
autogestão, através do poder dos conselhos, como forma de criar um embrião revolucionário
dentro dos limites impostos por um movimento plural, como foi o Maio francês.
12 Não cabe aqui a discussão sobre os motivos que levaram ao fim da IS.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
devido ao seu posicionamento e até mesmo pela sua composição enquanto grupo. Não é possível
compreender que ela pudesse surgir em outras condições, visto que, isto seria desconsiderar todas as
No entanto, com o próprio desenrolar da IS, como a entrada de novos integrantes e com o
que somente aquelas ações são insuficientes para o projeto de superação da sociedade espetacular,
que eles vinham analisando e criticando deste o surgimento do grupo, e que somente uma atitude
mais radical em relação à superação a especialização do artístico é que se poderia atingir tal
objetivo. Desta maneira, o processo de negação a seu passado de vanguarda artística se torna um
elemento muito importante dentro da nova perspectiva que é adotada pela IS, mas é preciso saber
que o processo ocorrido não é somente de negação, mas também de combate a concepção de
afirmar que a IS deve se aproveitar da crise dos partidos de massa (enfatizando nesse caso a crise
do, por ele denominado, Comitê Central Bolchevique, o qual representa o projeto dos PC's aliados a
URSS, que sofre uma terrível perda de influência a partir dos eventos de 1956, como foi
demonstrado no capítulo II) para afirmar a sua posição de combate a essa postura e colocar uma
uma seção pelas outras- ressaltando aqui o papel desempenhado pela seção francesa, como foi
desenvolvido no capítulo III- como previa nossa hipótese inicial, mas a determinação fundamental a
qual levou a essa mudança de postura foi a conjuntura histórica que foi propícia ao
marxistas no período (neste caso entendido como a União Soviética) e a própria conjuntura
francesa, como demonstrado no capítulo II, ao qual fez com que naquele país o movimento
Não podemos concordar então, com a posição desenvolvida por Home (2004) que coloca
Debord, da sua mania de controle, pelo seu papel autoritário e de liderança do movimento.
A posição assumida pela IS a partir deste momento é de formulação de uma teoria que
visasse a explicação das sociedades (classificadas como espetacular concentrado - URSS e aliados e
a espetacular difuso - o mundo capitalista) e através disso, pudesse nas brechas do sistema, erguer
uma luta revolucionária a qual viesse destruir as sociedades espetaculares e implementar uma nova
O surgimento da perspectiva conselhista na IS, tem como plano de fundo a crítica do que é
Comuna de Paris até a Revolução Húngara de 1956, que se constitui como sendo a experiência
BEER, Max. História do socialismo e das lutas sociais. São Paulo: Expressão Popular,
2006.
DALÍ, Salvador. Libelo contra a arte moderna. Porto Alegre: L&PM, 2008.
HAUSER, Arnold. História social da arte e da literatura. São Paulo: Martins Fontes,
2003.
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SZABO, Ladislao (org.). Hungria 1956: ... e o muro começou a cair. São Paulo:
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http://sindominio.net/ash/,
http://www.notbored.org/SI.html,
http://www.nothingness.org/SI/,
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http://debordiana.chez.com/debordiana.htm