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equipe:
Redação: Gustavo Martins,
Bryan Dias, Karine, Mooner,
Victor Biancardine,Matheus
Como vão? de Souza
Essa edição é especial Colaboradores: TAXD,
caros leitores. Para começar Bruno Vieira "Hanzo",
entrevistamos Jones V. Gonçalves, LukPla60, Emanuel R.
o autor de D.E.I.S. Falamos sobre Marques
o livro, sua adaptação num jogo e Diagramação: Aero
como um escritor pode se publicar. Artifinalismo: Aero
Também iremos trazer dois Edição: Gabriel "the Gabs"
capítulos de Chantel, e Dies Irae.
Falando em Dies, a
próxima edição será um especial
de encerramento da série então
estamos preparando algo muito
especial.
O quê? Ainda lendo isso?
Vão logo ver o que há na revista!
(Gustavo Martins)
Contato:
projetoredacao@gmail.com

Boa-Leitura.
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Sumário
Apresentação . ................................................................. 3

Sumário ........................................................................... 4

Entrevista ........................................................................ 5
Jones V. Golçalves ........................................................ 5

Especial ........................................................................... 10
O Senhor dos Mortos .................................................... 10

Sagas ........................................................................... 20
Chantel ......................................................................... 20
World of Humans ......................................................... 30
Guerreiros Predestinados ............................................. 24
Dis Irae . ....................................................................... 29
Manual para Iniciantes no Inferno............................... 34
Madise Ruf Golum ..................................................... 38

Contos e Crônicas ........................................................ 45


Pingente de Ouro ......................................................... 46

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ENTREVISTA
Jones Viana Gonçalves
por Gustavo Martins
inicial para o DEIS lá em
Hoje vamos entrevistar 2008, mas você pode notar
Jones V. Gonçalves, autor do também elementos de
livro "D.E.I.S: Departamento C.S.I. como os modelos
Especial de Investigação investigativos, exames
Sobrenatural", que em breve laboratoriais, que são series
será o primeiro a primeira que realmente me prendem,
obra literária Brasileira a ser algumas pessoas falam de
adaptada num jogo. Arquivos X e Fringe, mas
sinceramente
não vi nenhum
Projeto episódio de Fringe
Redação: até hoje e nunca
Primeiramente fui fã de arquivos
obrigado por X.
conceder essa
entrevista. Projeto
Redação: Perto
Jones: Ah, o do final do livro há
que é isso, eu uma classificação
é agradeço o dos tipos de
convite, será uma zumbis, algo que
honra pra mim. pessoalmente
achei uma grande
Projeto idéia. De onde ela
Redação: Lendo o D.E.I.S. veio?
eu pude notar uma
certa influência da série Jones: Eu sempre fui
Supernatural, coisas como fissurado por zumbis,
o sal para repelir espíritos vendo os filmes de Romero
e toda a idéia de caçada os tinha de uma forma,
moderna. Além dessa, há os zumbis lentos e que
outras grandes influências na podiam ser facilmente
obra? evitados, depois vendo os
filmes de Zack Snyder levei
Jones: Sim, sim, uma de um choque como muitas
minhas grandes influencias pessoas acostumadas com
foi realmente Supernatural, as criaturas lentas quando
foi o que m deu a idéia aquelas coisas começaram a

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ENTREVISTA
correr. Minha paixão só fez Jones: Cara, DEIS era
aumentar e queria contribuir um projeto que vinha se
com o mito, então certo arrastando desde 2008,
dia ouvi o Nerdcast sobre primeiro no fórum da editora
Zumbis e o pessoal falando Jambo, onde iniciei o projeto
em zumbis corredores e como uma experiência,
zumbis lentos, me caiu a seria uma revista como a de
ficha, sim vou classificar, vocês, mas com um tema
dar limitações a cada tipo, especifico, eu sugeri que
ai idéias de classificação de diversos escritores criassem
furacões me vieram, temos um departamento em seus
do F1 ao F5, do mais fraco estados, suas cidades e
ao mais poderoso, então que me enviassem, iríamos
zumbis temos do T1 ao fazer algo mensal sobre o
T3, sendo T1 lentos que DEIS com algumas histórias,
só pensam em comer, T2 ninguém atendeu ao
criaturas com instinto de chamado, eu desisti da idéia,
bando, caçam em grupos, na época havia escrito os
tem uma mente estratégica Cães da Sra Adelaide, A mais
primitiva e se a musculatura fria das noites, Criaturas
de suas pernas, e ossos da Noite e Religiosos, nesta
estiverem inteiros podem ordem mesmo, até Religiosos
correr, e por fim vindo direto eu não tinha a trama central
de minhas seções de RPG do livro, só sabia que queria
o T3 que pode comandar escrever a respeito do grupo
as outras criaturas, é mais RS, depois fui adaptando
forte, mais resistente que os outros contos. Então
um zumbi T2 e possui em 2009 conheci o site O
inteligência podendo até Nerd Escritor e publiquei
mesmo falar. É claro que lá estes mesmos contos,
dentro destas classificações o pessoal gostou, ai fiz a
sugiram idéias e mais idéias mesma sugestão, mas no
que pretendo usar em um caso sem a coisa de revista
game que ainda quero digital, só que escritores
produzir chamado Zumbi entrassem na barca e fossem
Hunt. escrevendo sobre o DEIS
a sua maneira. Pra minha
Projeto Redação: Pode surpresa e orgulho surgiu
descrever um pouco como foi o DEIS São Paulo do Felipe
a experiência de ter escrito o Ferraz, DEIS Brasília do Vitor
livro? Vitali e o DEIS Portugal, sim
o departamento correu pelo

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ENTREVISTA
mundo, do E. U. Atmard, em jogo, mas ainda não
cada departamento a sua havia escolhido autor nem
maneira, nenhum parecido história, nós vínhamos
em ponto nenhum, cada um conversando no Ônibus e
com suas influencias. Daí ele fez a proposta, primeiro
em diante voltei a escrever fiquei pasmo, sabe aquele
sobre o DEIS, voltaram as sorriso desenho animado de
idéias, e cara, foi fascinante, orelha a orelha, bem assim,
por que o pessoal acolheu o poxa, ter um trabalho seu
projeto e falava muito sobre, se transformando em algo
dava pitacos nos textos que que você gosta muito, é
em alguns casos atendi e em sem duvida extraordinário,
outros não, foi muito bom. depois de uma semana mais
Ai vieram as publicações ou menos soubemos que
em coletâneas e a Monica, este seria o primeiro game
minha editora viu os contos, brasileiro adaptado de um
reunimos eles e tive de livro brasileiro, já havia é
escrever mais alguns que claro uma história do Paulo
ficaram inéditos para o livro, Coelho, mas fora adaptado
e da forma que eu estava por uma empresa européia,
alucinado de idéias para não por uma empresa
contos fluiu de uma maneira tupiniquim. Então o orgulho
natural. Só posso dizer que foi lá em cima.
foi muito bom escrever o
DEIS. Projeto Redação: Como
deve saber nós da Projeto
Projeto Redação: D.E.I.S. Redação lançamos na
está sendo transformado internet os contos e sagas
num jogo, correto? Como se de autores independentes.
sentiu a saber que seu livro Porém todo escritor amador
seria o primeiro do Brasil a sonha em ter sua história
ser adaptado para um jogo? publicada por alguma
editora. Tem alguma dica
Jones: Sim, estamos sobre isso? E como foi para
trabalhando no projeto, você se publicar?
primeiro o Prof João R.
Bittencourt, meu professor Jones: Bom, nas minhas
na Faculdade de Jogos colunas de oficina literária
Digitais veio e falou comigo, no Sobre Livros tenho
ele havia lido o conto dos falado sobre isso, sobre ser
Cães e gostado, tinha idéias publicado, quer ser publicado
de transformar um conto apareça, dê a cara a tapa,

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ENTREVISTA
use as coletâneas, é a continuação, só não será
melhor forma, mande seus meu próximo livro e talvez
contos para as coletâneas ainda não seja o outro,
abertas, vá trabalhando estou terminando um livro
isso, assim vice consegue de fantasia medieval e tenho
espaço e os editores vão um projeto com zumbis
saber como você escreve. correndo pela tangente, mas
Ah, mas eu não escrevo o DEIS Second Season como
contos, estou escrevendo gosto de chamar já está em
um romance. Bom, uma produção também, e este
vez o J.M. Trevisan (Vulgo será muito maior, o mesmo
Doutor Careca) disse uma formato com dezesseis
coisa, que acho que é a contos, mas com histórias
mais certa. “Você esta maiores. Uma prova disso
escrevendo um romance, é o conto Olhos Negros
mas o que adianta você ficar que entreguei ao pessoal
um ano ou mais enfurnado do Sobre Livros, ele é uma
escrevendo seu romance e continuação direta do livro
quando ele estiver pronto e trás muito do que aprendi
ninguém conhecer você? com o que os leitores
Será mais difícil de alguém me falaram sobre o livro.
querer publicar um completo http://www.sobrelivros.
desconhecido!” Não foram com.br/semana-especial-
bem estas palavras, mas do-halloween-olhos-negros-
a essência esta ai, quer por-jones-v-goncalves/ &
escrever o romance, escreva, http://www.sobrelivros.com.
mas vá escrevendo contos e br/semana-especial-do-
publicando em sites, revistas halloween-olhos-negros-por-
como o Projeto Redação, jones-v-goncalves-2/
apareça, e participe de
coletâneas. http://www. Projeto Redação: Enquanto
sobrelivros.com.br/category/ eu lia o livro eu ficava me
coluna-oficina-literaria/ perguntando uma coisa: Se
o governo aprova um grupo
Projeto Redação: De especialmente para lidar
volta ao assunto D.E.I.S, no com assuntos sobrenaturais
final há um enorme gancho como as pessoas ainda se
para uma continuação. Ela recusam a acreditar que
acontecerá? tais assuntos existam,
principalmente pelo fato do
Jones: Sim, estou D.E.I.S. não trabalhar como
trabalhando em uma uma organização secreta. Eu

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ENTREVISTA
perdi alguma coisa ou o quê? outra passagem de Criaturas
da Noite, você pode ver que
Jones: Bom, como é dito ali o telefone do departamento
em um dos contos o DEIS só é conhecido pelos agentes
tinha um ou dois casos a e pelos oficiais da Civil,
cada semestre, nunca uma podem não ser secretos,
seqüência grande de casos, mas não são conhecidos pelo
e isso não atraia muito a grande publico, o que pode
atenção do publico, apenas mudar com o passar das
com as pessoas envolvidas histórias.
mesmo. E outra se você
olhar bem, os agentes agem Projeto Redação:Bem,
sozinhos, para os policiais, estamos acabando nossa
pessoas não envolvidas eles entrevista. Gostaria de
tratam de casos de malucos deixar alguma mensagem
e alucinados assassinos, para os leitores?
não saem na imprensa
falando que um vampiro Jones: Gostaria de
matou pessoas no centro parabenizar a equipe
da cidade, não, os casos pela grande iniciativa que
são vistos apenas como tiveram com a revista,
misteriosos, mas quando uma grande força para
os acontecimentos em os iniciantes, gostaria de
Religiosos se iniciam uma convidar os leitores a irem
onda de novos casos vai no sobre livros conhecer
aparecendo, e se encerra minha coluna semanal de
assim que o ciclo se oficina literária onde trato de
completa, então tudo volta a alguns aspectos de criação.
normalidade com um ou dois Deixar aqui meu twitter @
casos por semestre. Ou seja jones_alef para quem quiser
quando a informação chega trocar uma idéia, estou
ao grande publico, chega na sempre conversando com
forma de catástrofe natural, o pessoal por este canal.
um incêndio criminoso E aos escritores iniciantes
matou muitas pessoas, os não deixem o sonho morrer!
sobreviventes falam coisas, Corram atrás do que vocês
mas são interpretados como querem, não deixem para
loucos, ou simplesmente depois, a hora é agora, o
publicados por jornais publico brasileiro nunca
sensacionalistas que não esteve tão receptivo aos
tem grande abrangência ou autores nacionais como
mesmo credibilidade. E em agora, então aproveitem!

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Especial - O Senhor dos Mortos

O Senhor dos Mortos


Jones Viana Gonçalves

Prólogo

A escuridão do complexo de cavernas da montanha de Rion era


quebrada apenas pela luz esverdeada dos musgos esmeralda, como eram
chamadas estas plantas fosforescentes que impregnaram as paredes do
local. Na câmara do trono, dois soldados vestidos em armaduras de couro
estavam firmes, faziam a segurança de seu rei e no centro da grande sala,
sentado em seu trono rústico esculpido na pedra crua estava Ross Chifre
Farpado. Detinha o rosto apoiado nas palmas das mãos, o olhar nervoso
corria de um lado ao outro buscando em cada entrada de sua sala,
esperava por noticias do mundo exterior. Seu povo estava impaciente,
havia prometido aos Garkos, seres de sua raça meio-demoníaca, de que
teriam gloria, com seus algozes a arrastarem-se sob seus pés pedindo
perdão pelos anos de humilhação e maus tratos que estes haviam lhes
infringido, mas para que seus planos de conquista fossem completos
esperava por uma resposta, uma única resposta, e esta teria que vir, ou
perderia o auxilio de seus pares impacientes os quais esperavam pela
guerra.

Enfim a amargura do aguardo havia acabado. Seu informante


acabava de chegar, Malock, um Garko pouco diferente dos humanos,
não havia nele como em Chifre Farpado nenhum traço que denunciasse
sua natureza, mas assim mesmo o sangue de seu antepassado demônio
corria forte em suas veias. O rei de pele acinzentada levantou seu rosto e
o desprendeu do pedestal formado pelas mãos, seu olhar angustiado em
busca de resposta fez Malock não perder muito tempo, pois sabia que
aquele olhar logo poderia mudar para um aspecto de fúria tão prodigiosa
como poucos bárbaros seriam capazes de reproduzir.

- Ele está lá meu senhor, na cidade de Boolai. - Respondeu o


informante a questão estampada nos olhos de seu rei, sem fazer mesuras,

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Especial - O Senhor dos Mortos
ou rodeios.

Um ar de alivio percorreu o rosto do monarca e como que


por reflexo seu corpo tenso recostou-se mais confortável ao trono. O
primeiro passo para a conquista havia sido dado, restava agora iniciar os
planos de ataque, para que tudo desse certo e para que sua aliança com
o velho mago e o Lorde do Abismo se consolidasse precisaria capturar
seu alvo vivo.

- Reúna os homens e chame o general Asas Negras para que


montemos a estratégia. Quero que você também esteja pronto com o
seu grupo disfarçado dentro da cidade, não quero falhas nesta etapa dos
nossos planos entendeu? – O rei agora confiante em sua vitória sequer
voltava a olhar para seu comandado, ergueu-se de seu trono, dando
visão ao porte avantajado, esculpido por muitas e muitas batalhas, para
se tornar o primeiro rei de seu povo teve de usar força e astúcia, sem
estes dois requisitos nunca teria reunido todos aqueles Garkos que por
natureza eram extremamente desunidos.

Malock girou nos calcanhares e seguiu pelo corredor oeste


deixando seu rei na sala do trono sonhando com o dia no qual viria à
vitória definitiva, e no qual finalmente honraria seu povo, porém sabia
que ainda iria demorar para que sua própria glória chegasse.

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Especial - O Senhor dos Mortos

O Guerreiro de Boolai

Capitulo 1
O Circo Chegou.

Mais um dia se iniciava na cidade de Boolai, quase um vilarejo, a


pequena cidade de muitas ruas e poucos prédios, não trazia muros a sua
volta, apenas as ruas, muitas delas pequenas vielas sujas e escuras mesmo
a luz do dia. Os prédios maiores se concentravam na maior das ruas, a
chamada rua principal da cidade que levava de um extremo a outro da
cidade e tinha a largura de três carroças.

No centro da cidade existia uma praça circular, uma espécie de


área para as caravanas pararem, neste dia, porém não haviam caravanas
paradas ali, isso acontecia muitas vezes durante o ano, a avenida principal
circulava a praça e a maioria dos prédios ao redor eram estalagens e
tavernas. Naquela manhã muitas pessoas estavam nas ruas, estivadores
da praça central ficavam sentados a espera de uma nova caravana,
enquanto comerciantes chamavam seus fregueses para dentro de suas
lojas na avenida principal.

Nas sombras das vielas o crime ocorria enquanto a pequena


milícia formada por pessoas sem treino militar não se dava conta do
que acontecia a sua volta, e a rotina da cidade continuava, até que cinco
carroções do que parecia ser um circo entrava na cidade.

********

O dia estava ensolarado e os raios de sol entravam pela janela do


quarto de hospedaria, um quarto pequeno, uma cama de palha e uma
bacia d'água, tudo o que suas míseras moedas de cobre podiam pagar.
Alef sentia o sol tocar seu rosto naquela manhã. Para ele aquela luz era
um aviso de que deveria virar-se na cama e dormir por mais algumas
horas. A noite anterior havia sido difícil, não arranjara trabalho pela
guilda e os poucos bêbados que perambulavam pelas ruelas já haviam

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Especial - O Senhor dos Mortos
gasto boa parte de seu dinheiro nas tavernas por onde passaram. Uma
noite sem lucros fora aquela, para um ex-Lorde da noite, cuja habilidade
e fama corriam por muitas paragens tudo aquilo se resumia num grande
insulto, ter de viver como um simples ladrão. Mesmo assim já teria tido
muita sorte, mas não naquela cidade. Este tinha sido o pior local desde
o inicio de seu exílio, porém nesta manhã não só a luz do sol o acordava,
mas também um som, um som vindo do outro lado da cidade, o som de
tambores, flautas, risos e aplausos, o som da oportunidade.

Ele pôs-se de pé em um salto, buscou pelo cinto que estava


atirado ao lado da cama, um ótimo cinto pensou, com vários “bolsos”
por assim dizer, aquele utensílio carregava as ferramentas do experiente
ladrão. Vestiu sua capa, as luvas negras, arrumou suas adagas nos bolsos
escondidos da túnica. Quando parecia estar pronto foi até a janela e
olhou para o local de onde vinham os sons, um grande tumulto de
pessoas havia se formado na entrada norte da cidade. Sim ele via a
oportunidade bater a sua porta novamente, poderia talvez conseguir
dinheiro para então voltar a viajar, encontrar uma cidade maior, onde
pudesse ter mais oportunidades. Imerso nestes pensamentos desceu as
escadas da estalagem, a hora chegara.

********

Do outro lado da cidade três cavaleiros adentravam pela rua


central. O sol ainda brando da manhã a tocar-lhes a face, os pesados
mantos sobre os ombros, cobrindo-lhes as armaduras douradas já
surradas pelas batalhas do longo percurso de sua provação. Homens
de valor, pode-se assim falar dos cavaleiros de Narsel, o reino mais ao
leste, guiados por Sir Farric os jovens Degos e Nost estavam ainda em
treinamento, mas um dia iriam brandir suas espadas como verdadeiros
cavaleiros e quem sabe defender seu reino em alguma guerra que estivesse
por vir. Sir Farric os havia trazido até ali, pois esta era a última cidade
da rota comercial entre Tebas e Narsel antes de chegar ao reino dos
cavaleiros, e há algum tempo eles rondavam por estas rotas defendendo-
as das criaturas que insistiam em atacar as caravanas. Outros cavaleiros
haviam fixado um posto há alguns quilômetros dali e Farric vinha buscar
provisões na cidade.

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Especial - O Senhor dos Mortos

Ao longe podia-se ver a multidão aglomerar-se, parecia haver


algum festival naquele lado, algo talvez útil para ensinar aos jovens, assim
pensou o cavaleiro mais velho e fazendo sinal com a cabeça chamou os
aspirantes para ver o que acontecia.

********

No templo de Taito, o deus sol, Miriane estava ajoelhada, rezava


para seu deus esperando ser de alguma serventia a ele. Há poucos
dias retornara a Boolai, depois de cumprir sua missão em Calinas a
cidade portuária da Baia de Nenai. A sacerdotisa ajudara um grupo de
aventureiros a destruir uma praga de mortos vivos nos esgotos da cidade,
lá ela viu amigos morrerem naqueles dias de terror. Uma sensação de
perda a qual nunca mais gostaria de experimentar, uma sensação de
derrota, mesmo durante a vitória, por ter perdido pessoas importantes
naquele dia. Foi assim que o som da multidão correndo a encontrou,
imersa na culpa de não ter podido ajudar, mas o som despertara um
novo sentimento, este de emergência o que a fez ficar desperta uma
vez mais. Tateando ao seu lado no chão encontrou sua maça, uma arma
que poucas vezes fora usada, colocou-a presa ao cinto e seguiu para a
porta do templo. Uma vez mais seu deus a chamava e ela atenda a este
chamado entrou na rua sendo recebida pelos sons de flautas e do povo.

********

Há muitos anos Evinwerr o elfo senta-se no galho daquela


arvore para observar os humanos e sua vida agitada. Hoje no entanto
observava outra coisa, o elfo olhava para o norte da pequena cidade
com curiosidade redobrada. Tinha sua atenção tragada pelos cinco
carroções que chegavam por aquele lado. Homens corriam a frente
fazendo malabarismos, outros dançavam ou tocavam seus instrumentos
em carroções destampados, mas o último trazia uma gaiola imensa, uma
espécie de prisão a qual mesmo os seus olhos elficos não conseguiam
ver o conteúdo. Atraído pela curiosidade ele desceu de sua arvore, com
o arco preso as costas passou a aproximar-se da cidade que nunca antes
vira um membro de seu povo, ninguém em Boolai nunca havia visto um

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Especial - O Senhor dos Mortos
elfo dos olhos vermelhos.

********

O primeiro carroção era puxado por dois poderosos cavalos de


guerra e a frente dos animais vinham três homens mascarados, os quais
saltavam de um lado ao outro, indo e vindo, girando mortais e outras
acrobacias. Suas mascaras de cerâmica branca ostentavam pequenos
chifres, o povo ao ver tal demonstração de habilidade aplaudia e sorria
enquanto uma a uma as carroças passavam pelo portão da cidade. Sobre
a segunda e a terceira carroça músicos tocavam seus instrumentos de
sopro e de cordas enquanto outros dançavam com grande equilíbrio
sobre o veículo em movimento. Todos vestiam o mesmo tipo de mascara,
mas um que estava sobre o quinto carroção não ocultava seu rosto. Ele
fez com que a musica parasse com um sinal, o mesmo gesto fez o publico
voltar toda a sua atenção a ele e ao que estava atrás dele, um pano cobria
algo existente ali, o homem olhou para a platéia e quando soube que
tinha toda a atenção que desejava falou:

- Senhoras e senhores, considerem-se com sorte, pois trago a


vocês um grande espetáculo. Musica, dança, magia e grandes atores
malabaristas, tudo para a sua diversão, mas também, bem aqui, atrás de
mim, trago o terror para seus olhos, trago uma cria dos planos demoníacos,
para seu deslumbre e alvoroço presenciem Dark Estrela Caída. - Neste
momento de um puxão forte o pano caí e um grito espantado do povo
em uníssono ecoa pela cidade. Lá estava ele, um meio-demônio, sua pele
cinzenta, corpo forte vestido em farrapos, chifres recurvos e grandes asas
coreaceas, seu olhar tenebroso havia pairado sobre o público espantado,
o desdém de seu olhos gelava a alma dos espectadores, mas nada mais
ele fez se não ficar ali parado.

- Não se assustem – continuou o porta voz com confiança em suas


palavras – Ele nada pode fazer se não apenas olhar para vocês. Estas
barras estão enfeitiçadas com as mais poderosas magias de proteção que
possam existir em todos os reinos.

No meio do publico Alef ia de um lado ao outro, procurando

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Especial - O Senhor dos Mortos
pelos cintos, observando a espreita por bolsas de ouro ou outros objetos
de valor, mas o ladrão sabia que dificilmente o povo daquela vila teria
algo que valesse a pena, porém do outro lado da rua um cavaleiro
havia lhe chamado à atenção. Trazia preso ao cinto um saco de couro,
provavelmente bem recheado pelo volume que parecia portar. Dois
passos ele deu para o outro lado da rua antes que outra coisa lhe chamasse
a atenção, o brilho do aço, não o aço da espada do cavaleiro, mas o brilho
de lâminas polidas, punhais aguçados, o brilho da morte, um brilho
que há muito não via. Um brilho que lhe trazia muitas recordações e
foram estas recordações que o fizeram retroceder. Olhou novamente ao
redor, agora com mais atenção aos detalhes e percebeu coisas ainda mais
aterradoras, as mascaras dos acrobatas, não de todos, mas de alguns, os
chifres não faziam parte delas, eles se projetavam de pequenos furos
feitos na cerâmica. Seus instintos o levavam de volta ao quarto, mas por
outro lado a curiosidade lhe instigava a ficar.

O mentor dos jovens cavaleiros terrificado com a presença de tal


criatura olhava diretamente para ela. Sua presença e a de seus pupilos já
havia sido notada, mas Estrela Caída não parecia se importar muito com
eles, mas a presença do cavaleiro o deixava receoso, sabia que qualquer
coisa a qual fizesse poderia ser um motivo para o ataque do homem
e de seus aliados jovens demais para serem graduados, e pretensos a
perder a calma com mais facilidade que seu experiente líder. Degos e
Nost por outro lado nem estavam interessados no meio demônio, seus
olhos pairavam sobre as bailarinas que agora voltavam a dançar. Degos
de longe o mais inquieto havia percebido algo que aparentemente seus
colegas ainda não tinham percebido, a pele de alguns dos performers
tinha um tom acinzentado, talvez fosse algum tipo de pintura quem
sabe, mas era algo diferente.

O meio demônio não olhou mais para os cavaleiros e voltou seu


olhar para a multidão, não demorou muito para que ficasse novamente
surpreso. Uma jovem havia chamado a sua atenção, seu rosto angelical,
cabelos longos e negros que lhe caiam por trás dos ombros, uma beleza
anormal, mas em volta de seu pescoço estava o que teria despertado sua
curiosidade, o símbolo de Taito. Uma sacerdotisa, ele a encarou com
um olhar sarcástico e um sorriso escarnecido se esboçou em seu rosto,

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Especial - O Senhor dos Mortos
Miriane nada fez alem de olhar o carroção se afastar dirigindo-se ao
centro da cidade onde havia a praça circular. Com o carroção prisão
no centro e os outros quatro ao redor deste, eles pararam e a música se
intensificou, então o povo se reuniu na volta deles.

********

Doze era o número de malabaristas que se apresentavam ali


dançando e saltitando por entre as carroças no ritmo ditado pela musica
quando enfim um urro ressoou pela praça. O grito de guerra, o sinal
da morte, quase que instantaneamente pequenas lâminas surgiram
nas mãos dos malabaristas que em uma dança de carnificina abriam
caminho pela multidão enquanto esferas flamejantes vindas dos dedos
de magos, os quais antes tocavam seus instrumentos, explodiam no meio
do povo criando mais danos e confusão. Dos carroções cobertos outros
assassinos saltavam e corriam para atacar aqueles desafortunados que
estavam a sua frente, um deles não tão desafortunado era Sir Farric que
ainda montado fez seu fiel garanhão investir contra os atacantes. A lança
havia trespassado o peito de um dos garkos o qual logo foi ao chão
enquanto o cavaleiro desembainhava sua espada, em meio aos gritos
de guerra ele observava seu alvo, o agora livre da prisão Estrela Caída
levantava uma moça pelo pescoço. Ela se debatia tentando atingir seu
adversário com a maça, mas nada encontrava.

O jovem cavaleiro Nost havia perdido o controle sobre seu


cavalo e caiu ao chão, trazia a lança em sua mão e a usava para auxiliá-
lo a se levantar, porém antes que conseguisse um dos garkos estava
sobre ele. Nada mais enxergou, apenas sentiu a lâmina fria cortar-
lhe a garganta e o sangue quente escorrer pelo peito, neste momento
Degos chegava para tentar ajudá-lo, porém era tarde, seu primo estava
morto, mas ainda assim teve a chance de vingá-lo. O garko ali distraído
pelo agonizar de sua vitima não percebeu a chegada do rapaz, a lança
atravessou-lhe a paleta e o trespassou. Com a fúria da investida por
pouco o cavaleiro não deixou seu oponente pendurado em uma parede,
rapidamente desmontou e sacou a espada indo para perto do corpo de
Nost. Iria protegê-lo, porém mais rápida como os ventos das colinas
gélidas uma maça o atingiu na cabeça derrubando-o, enquanto em outra

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Especial - O Senhor dos Mortos
local Sir Farric desferia seu primeiro golpe contra Estrela Caída, o meio
demônio sentiu a espada do cavaleiro, o sangue negro sujou a lâmina,
mas a criatura apenas largou a garota que caiu no chão inconsciente e
Estrela Caída virou-se para seu oponente.

Seu olhar malicioso, puro veneno e maldade eram destilados


naqueles olhos, movimentos rápidos com as mãos para atrair a atenção
do cavaleiro, mas Sir Farric era experiente em combates e sabia que
o movimento era uma espécie de ilusão o que não havia notado fora
o que acontecia atrás dele, um dos assassinos veio andando rápida e
silenciosamente para eliminar o cavaleiro o qual apenas escutou o
zunido de uma flecha passando perto de sua cabeça e depois o ganido
surpreso do assassino. Espantado Farric olhou para cima a sua frente e
lá estava uma figura desconhecida, disparando uma chuva de flechas na
direção das carroças e dos garkos, uma chuva mortal, porém este olhar
lhe custou à vida, pois Estrela Caída aproveitando o momento investiu
contra o homem.

De braços abertos ele o agarrou e apertou, sua força era titânica,


os músculos tensos pelo esforço de esmagar o oponente, uma mão
agarrada à outra tendo a espada de sua vitima entre os dois e as mãos
dele pressionadas contra seu peito impulsionou suas pernas e moveu as
asas. Farric sentiu seus pés deixarem o chão, olhou os prédios da cidade
ficarem cada vez menores enquanto cada vez mais perdia o ar de seus
pulmões, os dois voavam cada vez mais alto, mas em um ponto sentiu-se
desprender. O ar entrou em seu peito violentamente, a sensação terrível
de cair o petrificou e um grito prendeu-se em sua garganta, no fim
escuridão, no alto do prédio Evinwerr viu um cavaleiro cair, da posição
em que estava nada pode fazer, o sangue se empoçara ao redor do corpo
do homem, provavelmente estava morto.

As lâminas das adagas dançavam em golpes velozes na frente de


Alef, sua sorte era ser mais rápido ainda para se esquivar de seu agressor,
mas mesmo rápido sentiu a lâmina afiada riscar-lhe o rosto e o sangue
molhando a bochecha, mas mesmo assim estava calmo, um ladrão tinha
de saber a hora de estar concentrado, muito mais ele, que há muito
passara do nível de um simples ladrão, que já fora um lorde. Lorde das

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Especial - O Senhor dos Mortos
sombras, senhor da escuridão, nenhum destes assassinos se assemelhava
em habilidade nem com o menos qualificado de sua antiga guilda, antiga
família, em um movimento circular esquivou-se do ultimo ataque de seu
agressor enquanto deixava sua própria arma no pescoço dele. Uma visão
sinistra, ver o cabo do punhal encostar no pescoço enquanto a lâmina
sumia na carne para enfim aparecer novamente apenas sua ponta do
outro lado. Alef olhou para os lados a procura de outros, mas parecia não
haver mais nenhum garko e nem mesmo o meio demônio, um ataque
que terminou tão rápido quanto começou, mas é claro que não ficaria ali
para se certificar de que tudo havia realmente terminado.

[O conteúdo aqui presente foi gentilmente cedido pelo autor]

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Chantel

Capítulo 8
O que está acontecendo aqui? Primeiro uma fenda espacial
gigantesca aparece do nada e depois toda a mansão se desmancha! As
coisas simplesmente não param de piorar! Subitamente o guarda para
de se mexer. O que quer que tenha acontecido teve significado para ele.
—Não achava que ela apelaria para tanto. — Ele diz, olhando
para o lugar onde ficava a mansão.
—Ela? — Pergunto sem pensar.
—Minha querida chefa! — Ele ri — Você é bom, rapaz! Seria
triste você morrer hoje.
—Obrigado! — jogo a espada de lado — Mas não sou eu quem
vai morrer hoje!
Não me resta muito Mana no meu corpo, mas talvez tenha
suficiente para usar por alguns minutos. Espero que seja o bastante.
Concentro a energia nos meus punhos e um calor começa a envolver
minhas mãos.
—Que meu corpo seja instrumento da vitória…
Ele guarda a espada e dá as costas para mim. Olho-o atentamente,
me preparando para uma ofensiva surpresa de sua parte.
—Não precisa disso! –ele exclama – Não tenho mais o que fazer
aqui então vou embora, rapaz.
—Acha mesmo que eu vou te deixar ir assim? – grito.
O calor nos meus punhos se esvai. Só bastou me distrair por
um segundo para que tudo se perdesse. Tento reiniciar a magia, mas,
antes que sequer ter uma chance para tal, o guarda puxa um papel do
braço da armadura e joga no ar fazendo uma fenda espacial se abrir em
sua frente.
—Acho que você não pode fazer nada para me impedir, rapaz!
ele me olha sorridente— Marco Jenkins.
—O quê? – pergunto.
Não foi exatamente uma pergunta genial. É claro que isso é o
nome dele e se ele o está dizendo quer dizer que isso acabou. Não há
nada que possa fazer então pego minha espada e guardo-a de volta na
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Chantel
bainha. Eu realmente odeio essa sensação de falha.
—Paul Swanville. – digo, tentando parecer ameaçador.
Dou meu melhor sorriso de “uma hora dessas eu te pego”. Ele retribui
com um aceno fingido.
—Nos vemos por aí, Paul! — Ele diz, sumindo dentro da
distorção.
A fenda se fecha rapidamente deixando o papel usado para
abri-la ser levado pelo vento. Talvez devesse pegá-lo, mas não estou
exatamente no meu melhor estado de espírito e ficar procurando um
papel numa clareira à noite não é exatamente a coisa mais interessante
do mundo.
Olho para mim mesmo. Roupas sujas e amassadas, hematomas
e inchaços aqui e ali, uma situação realmente deplorável. O pior de
tudo é que também não me resta muito Mana. Se não me recarregar
logo minha situação ficará bem ruim.
—Deveria ter pensado mais, seu idiota impulsivo. – murmuro.
Bem, agora já não faz diferença. Só espero que minha tenha se
saído melhor que eu.
E falando no demônio, Helena desponta no topo da escada,
andando meio torta, com a roupa rasgada e suja. Ver a Senhorita “não
suje minha roupa” esfarrapada e suja é uma cena rara demais para não
ser engraçada, mesmo considerando o contexto.
—Você está completamente destruída, Helena! — Grito.
Ela ignora meu grito e leva quase um minuto para descer as
escadarias. Considerando que isso geralmente não consumiria nem
metade desse tempo o estado dela deve ser um pouco pior do que eu
imaginei. O que quer que tenha acontecido foi realmente sério, pois
nunca vi minha irmã frustrada desse jeito. Consigo sentir a raiva saindo
dela mesmo daqui.
—O que houve lá dentro? —pergunto— O guarda disse que
“não achava que ela apelaria para tanto”. O que ele quis dizer?
—Te explico no caminho! – ela retruca brava.
A expressão séria parece esculpida no seu rosto de boneca é
muito diferente da quase irresponsabilidade usual. Tudo isso me deixa
apreensivo. O que teria causado tanta raiva nela?
—Caminho para onde? — pergunto seguindo-a.
—O Rosenscherwt estava por trás da Halo! — Ela responde,

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Chantel
irritada.
O choque me congela. Isso significa que todo o dinheiro que
dávamos à eles estava indo parar nas mãos do Rosenscherwt? Por todo
esse tempo procuramos pelo financiador deles só para descobrir que
éramos nós que tornávamos possíveis suas operações!
—E agora, o que vamos fazer? — Hoje estou me superando em
fazer perguntas idiotas.
—Avisar o conselho e a Coroa! Depois disso temos que descobrir
o que eles fizeram com o dinheiro. — Helena para de andar e se vira
para mim – Eles também sabiam da localização do Woruldfrea. — Ela
diz séria.
Sinto como se alguém tivesse me atingido na cabeça com uma
barra de ferro! Não teria como eles saberem a posição de um dos
Quatro Grandes! Só quem sabe disso são os membros do alto escalão
do Conselho! Minha mão vai automaticamente em direção à minha
face. Claro! Como não entendi o que isso significa?
—Acha mesmo que… — Não consigo completar a frase.
—Eu tenho certeza disso, Paul! — Helena faz uma pausa. Deve
ser difícil para ela, como diretora, digerir a idéia — Eles estão dentro
do Conselho e muito provavelmente dentro do IPDM! – ela desvia o
olhar para a floresta – O Rosenscherwt estava agindo bem embaixo
dos nossos narizes o tempo todo!
Seu semblante é tomado por algo que nunca vi nela antes, um misto
de raiva e decepção. Ela olha para o céu por alguns instantes e então
cerra os olhos.
—Vai chover… — Ela diz num tom melancólico.
Ergo meu rosto ao céu e, lá em cima, vejo nuvens negras encobrirem a
luz da lua.

“Welcome to the IPDM” ARC - END

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Chantel

Capítulo 9
“Abandone a organização o mais breve possível”.
Respirei fundo, deitado no chão do meu quarto, após uma
noite regada a pesadelos com serpentes bípedes e grilos cavernícolas
colossais. Isso sem contar os palhaços. Mas tenho de admitir: o tal
Hipnos realmente sabia como desequilibrar uma pessoa. Palhaços
alienígenas que prendem pessoas em casulos de algodão doce… Não
sei se isso é genial ou estúpido, mas é realmente assustador. De um
jeito ou de outro isso tudo é mais do que meu pobre cérebro consegue
suportar. Já faziam dois dias que aquilo estava acontecendo e se as
coisas continuassem do jeito que estavam eu ia ter que sair do Instituto.
Respirei fundo, tentando colocar minha cabeça no lugar.
Fugir não era uma opção. Não ia me render ao Rosenscherwt,
pois Sabia que nunca me perdoaria se o fizesse.
Sorri.
Achava que já tivesse esquecido aquilo,mas estava completamente
enganado. Certas coisas não podem ser esquecidas, suponho.
Troquei de roupas, comi rapidamente no refeitório e então segui
para o “Quartel” da Divisão de Tecnologia de Mana Aplicada. Mesmo
não gostando da idéia de estar numa divisão de combate começava
achar que talvez tivesse sido melhor assim. Se não fosse por isso
dificilmente ficaria sabendo sobre o Rosenscherwt e pessoas capazes
de usar os outros da maneira como eles usavam eram o tipo de coisa
cuja existência eu não conseguia perdoar.
Subitamente senti um choque forte atingir minha cabeça. Tudo
ao meu redor começou a escurecer e uma dor intensa se espalhou por
todo o meu cérebro. Minhas pernas cambalearam quando tentei dar
um passo e acabei caindo de joelhos. Conhecia muito bem aquela dor,
pois fora ela que assinalara o início dos pesadelos.
—Não vai me pegar outra vez! – Disse para mim mesmo.
Mesmo dizendo aquilo não tinha forças para resistir à dor. A
pressão se intensificava cada vez mais fazendo as veias do meu corpo
saltarem e meu pulso acelerar insanamente. “Vamos, Johan, não se
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Chantel
entregue!”, repetia mentalmente para mim mesmo.
—Johan! — Uma voz conhecida gritou.
O som parecia vir de uma enorme distância, porém sentia as
mãos da pessoa que o fez me tocarem.
—Qual o problema? — A voz parecia cada vez mais distante.
Tentei falar, mas meus dentes se recusavam a parar de ranger. As
mãos então forçaram minha boca a se abrir e jogaram algo lá dentro.
—Engula isso! — o som chegou a mim como um sussurro.
Obedeci ao comando e engoli o que quer que fosse aquilo.
Em alguns instantes a dor começou a se dissipar e minha visão a se
normalizar. Alguns minutos depois estava totalmente recuperado e
reconheci minha salvadora: A mulher de cabelos castanhos claros que
tratou de mim na minha primeira estadia na enfermaria.
—Lisa…? – perguntei ainda tonto – O que era aquilo?
—Analgésicos. — ela disse e então ela estendeu a mão para
mim— Venha, eu te ajudo!
Levantei-me com sua ajuda e encostei-me à parede.
—O que aconteceu? – ele perguntou olhando-me preocupada –
Estava voltando de um atendimento na Divisão de Biologia quando te
encontrei caído no chão.
—Não faço idéia de como te explicar. Por agora, pode me ajudar
a chegar até a Chantel? – perguntei começando a caminhar.
Ela concorda com a cabeça e passa meu braço em volta de seu
pescoço.
—Sinto muito pelo incômodo. – desculpei-me.
—Não se preocupe com isso. Eu sou uma enfermeira, lembra-
se?
Sorri para ela. Foi um golpe de sorte ter encontrado-a lá, pois, se
não fosse por isso, ele provavelmente teria me feito desmaiar e naquele
momento estaria preso num pesadelo outra vez. Olhei para seu rosto
fino emoldurado pelos longos cabelos. Talvez fosse pela situação, mas
ela realmente me pareceu mais bonita do que nunca.
Quando chegamos à sala me sentei numa cadeira enquanto os
quatro, Chantel, Mary, Dave e Liza, fitavam-me confusos. Chantel foi
a primeira a romper o silêncio.
—Então, agora pode explicar o que aconteceu? – ela perguntou
séria.

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Chantel
Respirei fundo para me recompor. Tudo que ocorrera no
corredor ainda estava fresco na minha memória e fazia minha cabeça
latejar. Quando finalmente me recuperei por completo comecei minha
explicação.
—Começou quando encontramos aquele corpo. — meu
estômago já começava a reclamar — Quando desmaiei fui parar
dentro de um pesadelo, mas tudo era extremamente real. Depois que
acordei desse primeiro pesadelo estava num quarto e comigo estava um
homem. —Cerrei os olhos para e a cena se repetiu na minha mente
com grande clareza — Ele disse que eu deveria sair do IPDM o mais
rápido possível e desde então tenho tido esses pesadelos e as dores de
cabeça.
Todos me olhavam pensativos.
—Mas isso foi só um pesadelo, não foi? — perguntou Lisa.
Chantel parecia especialmente introspectiva. Fechou os olhos e
ficou parada por alguns instantes com os braços cruzados.
—Por acaso ele te mostrou uma tatuagem? — ela falou após
alguns segundos e então abriu os olhos.
Confirmei com a cabeça. Ela não parecia surpresa, na verdade
tenho certeza de que ela já sabia do que se tratava tudo aquilo.
—Quando foi que ele te perguntou sobre o Rosenscherwt? – ela
perguntou olhando para Mary.
—Dois dias atrás. — ela fez uma curta pausa — no dia em que
o corpo foi encontrado… – disse num quase sussurro.
—Ele também me perguntou no mesmo dia! — Dave exclamou.
Ela voltou a fechar os olhos. Aquela altura eu já tinha certeza de
que ela sabia o que estava acontecendo.
—Hipnos… — Chantel murmurou.
Anuí. Talvez devesse ter falado isso de início, mas minha cabeça
latejante impediu que o fizesse.
Por vários minutos todos pareciam absortos em pensamentos
e um silêncio pesado tomou toda a sala. Olhei nos olhos de Lisa e ela
retribuiu com um sorriso cálido. Aquilo foi um grande alívio para toda
a tensão da situação.
Subitamente Chantel abriu os olhos e descruzou os braços.
—Vamos atacá-lo! – ela exclamou inflamada.
Todos a olharam, estupefatos.

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Chantel
—Você está falando sério? — Pergunta Mary, atônita.
Chantel confirma com a cabeça.
—Na situação atual ele pode matar o Johan quando quiser,
certo? — ela disse, olhando para Lisa.
—Ele estava muito mal quando eu cheguei… — murmurou
minha salvadora.
A verdade é que se Lisa não tivesse chegado eu provavelmente
não teria conseguido suportar a pressão.
—Não só isso, mas também não podemos perder a oportunidade
de enfraquecer o Rosenscherwt! – Chantel exclamou – Sabe tão bem
quanto eu como isso é importante, Mary!
—Eu sei disso melhor que qualquer um! — Mary disse irritada.
Seu semblante ainda possuía o ódio que vi da primeira vez — Mas
como vamos fazer isso? Ele não possui um corpo físico ao nosso
alcance!
Chantel sorriu como se já esperasse aquela pergunta.
—Realidade Estendida! — ela disse sorrindo.
Todos arregalaram os olhos, surpresos e assustados e aquilo me
preocupou muito. O que quer que fosse “Realidade Estendida” eu sabia
que era algo insano.
—O que é Realidade Estendida? — Perguntei.
Minha pergunta foi ignorada e uma discussão se iniciou no
local.
—Isso é loucura! — Exclamou Mary.
—Mas pode funcionar! — Disse Dave levando a mão ao queixo.
—Vai funcionar! — Disse Chantel, confiante.
As faces de Mary estavam cada vez mais vermelhas, sinal de sua
crescente irritação.
—Não fazemos idéia do que vai ter lá dentro! – ela explodiu –
E se tiver algum tipo de bloqueio ou proteção? O que pretende fazer,
Chantel?
—Vamos nos preocupar com isso caso aconteça. – Chantel disse
sorrindo.
— O que é Realidade Estendida? – Insisti.
Todos se viraram para mim, surpresos
—Você não sabe de nada? – Mary esbravejou.
Aquilo realmente me irritou. Não é por ser um mago e ter me

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Chantel
formado na Universidade Real que tenho de saber de tudo!
—Digam logo o que é! – exclamei irritado.
Lisa olhou para mim, compreensiva.
—Realidade Estendida é o nome dado ao processo no qual,
através de Magia, abre-se uma porta para o mundo interior de uma
pessoa. É uma magia difícil de ser executada então não é muito comum
entre os magos. É natural que você não conheça. – ela disse gentilmente.
—Espera aí! – olhei para Chantel que estava parada em sua
pose de sabe-tudo – Você não pretende…
Ela sorriu
—Exatamente, Johan! Vamos entrar na sua mente!

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world of humans

Capítulo 9
Larissa sempre ficou perto de João. Os dois se
conheciam desde pequenos, suas mães eram vizinhas e amigas, com
isso, os jovens estudaram juntos, fizeram o colégio juntos, tudo isso num
bairro chique de São Paulo, o Brooklyn.
Eles eram amigos, até quando entraram no colegial. Eles
descobriram o beijo. Descobriram o amor entre eles. Com isso
começaram a namorar e conheceram tudo o que um casal tinha que
saber. Eles formaram uma relação forte e saudável. No dia em que tudo
isso aconteceu no mundo, os dois estavam brigando por causa da rotina
que a relação chegou, até que os dois viraram-se e deram as costas um
para o outro, quase terminando. Após verem todo o estrago feito ao
redor no mundo, se acharam em meio à vastidão, e conseguiram retomar
a relação, bem mais forte do que terminaram. Toda essa tragédia serviu
para o casal como uma chama, que pode reacender a paixão cristalizada
no peito dos dois. Após isso os jovens encontraram Fernando, sozinho
na Santa Ifigênia.
Mas agora tudo mudara. Fernando não estava mais entre eles, e
dos três, só o casal era o sobrevivente.
“FERNADO!” gritava freneticamente Larissa, do outro lado da
porta de ferro que se fechara após uma cena de quase morte dos três
jovens, caso João não tomasse uma atitude rápida de pegar a menina e
com ela, jogarem-se para dentro dessa porta e fecha-la.
“Calma meu amor, está tudo bem. Foi o desejo dele.” Disse
João tentando acalmar a menina. “Pelo menos ele está livre de tudo que
estamos vivendo agora. Pense assim”.
“É... Você está certo.” Disse a menina enxugando as lagrimas na
parte limpa que sobrara de sua blusa.
“Sim, agora vamos em frente, não temos tempo a perder.” Disse
João pegando a mala que sobrara com os jovens e colocando-a nas costas.
Os garotos estavam em um quarto de fraca iluminação, que
revelava um piso de mármore branco com alguns pilares sustentando as
beiradas do andar. Ao fundo fazia-se presente uma escadaria que levava
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world of humans
para um lugar em outro patamar.
Os jovens foram escadaria acima, e encontraram uma sala
totalmente iluminada, na qual se fazia presente também um piso de
mármore branco e as tais pilastras da sala anterior. Porém o que
diferenciava os ambientes, além da iluminação, era um quadro pendurado
exatamente no meio da parede a esquerda dos garotos.
“Vamos ver o que tem nesse quadro João.” Disse Larissa
segurando a mão de João e apressando o passo em direção ao objeto.
Os dois olharam fixamente para o quadro, que tinha molduras
douradas com detalhes em alto relevo e como pintura, tem um desenho
de um homem com curtos cabelos grisalhos, orelhas encurvadas para
baixo e uma barba grisalha que encobria quase todo seu rosto; até que a
menina levantou o braço e tocou a moldura com uma força exagerada,
fazendo o quadro cair no chão e revelar uma alavanca.
“Acho que achamos o caminho amor.” Disse Larissa, que puxou
a alavanca com a mesma força na qual tocara o quadro, fazendo a parede
se mover para trás, revelando uma passagem que escadas verticalmente
para baixo eram presentes.
“Vamos descer.” Disse a garota ao João.
“Ok, mas segure-se em mim, e fique atrás.” Falou o rapaz
colocando a mala no chão, abrindo-a e retirando de lá um sinalizador e
uma pistola alemã.
“Agora sim, vamos descer!” Disse João que ao descerem as
escadarias, a porta que tinha se aberto, fechou-se rapidamente, deixando
os jovens presos na parte de baixo, restando a eles somente a descida pela
escada.
Ao moverem o primeiro passo para baixo, um grito alto ecoou
por toda a escuridão presente no local, fazendo os garotos se assustarem
e caírem por toda a escadaria, degraus a baixo.

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guerreiros predestinados
“O Mestre Hércules finalmente retornou a mim, eu pedi a ele para me
tornar seu Escudeiro e ele permitiu, voltamos a Vila I, começamos o
duro treino com o Mestre Samir, um poderoso Bárbaro do Povo do
Fogo, fomos bem, mas eu não sei se estou preparado para ser escudeiro”.

capítulo 7
No interior do Vulcão Amir

Pela manhã do dia seguinte, Hércules e Tarim seguem para


Samir, para continuar o treino:
- Mestre – diz Tarim – meus braços ainda doem.
- Os meus também Tarim.
Samir vem até eles:
- Sigam-me.
Samir os leva a uma enorme árvore, chuta a árvore, caem várias
folhas da árvore, com um Machado de Pedra ele atinge todas as folhas
que caíram antes que elas tocassem o chão. Então ele pega duas espadas
de pedra e entrega uma a Tarim e outra a Hércules:
- Aqueles que anseiam ser Cavaleiros e Escudeiros têm mais
facilidade para lutar com Es-pada e Lança do que com qualquer outra
arma, já os do Povo do Fogo, tem mais facilidade para lutar com Maça
ou Machado. Resumindo, se eu tentasse acertar todas as folhas com
uma espada, eu conseguiria, mas não com uma espada de pedra, porque
minha raça me permite ter facilidade em manejar a Maça ou o Machado.
Quando conseguirem tocar ou cortar todas as folhas desta árvore que
caem com um chute, com as espadas pesadas, manejar uma espada leve
será brincadeira de criança para vocês.
Samir roda em alta velocidade o Machado de pedra que está em
sua mão:
- Vocês treinarão por uma hora todos os dias nas árvores do meu
forte, daqui à uma hora virei passar a próxima tarefa.
Por uma hora Hércules e Tarim ficam acertando as folhas,
mas não conseguem acertar to-das, nos primeiros minutos eles mal
conseguiam tirar as pontas das espadas do chão, no fim de uma hora já
estavam pouco melhores. Passado uma hora, Samir volta até eles e os
leva até um vulcão fora da Vila I, o Vulcão Amir:
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guerreiros predestinados
- Para serem bons guerreiros, devem vencer suas fraquezas,
cada povo tem uma fraqueza distinta, a do meu povo é a água em baixa
temperatura ou o gelo, a de vocês é o fogo ou a alta temperatura, por
isso, a cada dia, virão até aqui e chegarão perto da lava, até o dia em
que suportarem ficar uma hora bem do lado da lava, seus corpos ficarão
resistentes às magias de fogo, que outros guerreiros poderão usar contra
vocês. Todos os dias depois do treino da espada virão para cá e ficarão
uma hora, cada dia mais perto da lava.
Samir se retira.
Hércules e Tarim chegam a uns 50 metros da lava, e sentam, o
calor já é bem insuportável para eles. Tarim diz:
- Mestre, estou quase desmaiando aqui.
- Eu também Tarim, temos que conversar, assim a hora passará
mais rapidamente.
- Sobre o que quer falar Mestre?
- Qualquer coisa.
- Fale-me sobre seu mundo, como ele é?
- Pra você acho que seria estranho, não há espadas ou armaduras,
houveram no passado de meu mundo, mas agora...
- E como as pessoas se defendem das criaturas de lá?
- Não há criaturas lá, os animais ficam longe das cidades.
- Das o que?
- Grandes Vilas do meu povo.
- E sua família?
- Eu tinha uma esposa e um filho, eles morreram em um acidente
de carro.
- O que é um carro?
- É um dos meios de transporte do meu mundo. Eles caíram em
um abismo. Eu devia estar lá para protegê-los, mas não estava, eu falhei.
- Não foi culpa sua, Mestre. Como eram os nomes de seu filho e
de sua esposa?
- Isso é que é estranho, eu não me lembro dos nomes deles aqui
neste mundo.
- Você fala com tanta emoção Mestre...
- É que os amo muito, eram minha maior alegria de viver.
- Sabe Mestre, um poderoso Cavaleiro do Espaço Tempo,
está ameaçando as pessoas, eu acho que o propósito dos Cavaleiros

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guerreiros predestinados
Predestinados será detê-lo, ele mata muita gente, a-cho que foi ele quem
matou meus pais, acho que minha mãe só teve tempo de me deixar na
Floresta Amir e fugir, não me lembro dos meus pais, mas sinto falta
deles.
- É ruim perder uma família não é Tarim.
- É sim mestre...
- Por isso a partir de agora seremos uma família, tudo bem?
- Não sei mestre, acho que quando salvar as crianças e o Mago
Heymore, você voltará para seu planeta, não poderemos ser uma família
longe um do outro.
- Tem razão, então seremos amigos, pois a verdadeira amizade, é
viva mesmo longe. O que é este Espaço Tempo?
- É um planeta visinho ao nosso, mas nave nenhuma chega lá,
devido a uma magia que cir-cunda o planeta e é muito forte.
- Existem naves aqui?
- Sim, mas é necessária permissão do rei para navegá-las.
- Há um rei no planeta?
- Sim ele governa tudo, inclusive os Guerreiros dos cinco povos.
O Espaço tempo é um planeta ruim, dominado por Hércule, a vida lá
é quase impossível, muitos são escravos, os poucos que conseguem vir
de lá para cá, ficam pouco tempo aqui, pois aqui o corpo deles dói, eles
ficam mais fracos e tem de voltar logo ao Espaço Tempo.
- Não há uma saída.
- Diz há lenda que há um portal escondido, mas não se sabe
onde.
Samir chega até eles, andando pelo meio da lava, seus pés estão
intactos:
- Agora é hora de escalar a cachoeira.
Samir os leva até uma cachoeira nos limites do forte de Samir:
- Vocês devem subir até o topo da cachoeira no rio, devem subir
pela água da queda e não pelas laterais, se não conseguirem até o por do
sol...
- Já sei – diz Hércules – estamos fora.
Samir vira-se e vai embora.
Hércules e Tarim seguram nas pedras lisas e começam a subir, a
corrente da água é muito forte e após subirem uns 4 metros eles caem
no rio:

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guerreiros predestinados
- Mestre não conseguiremos – diz Tarim – a corrente é forte e
não há onde se apoiar.
- Eu tenho uma idéia, reúna o máximo de cipós fortes que puder.
Eles pegam o máximo de cipós que encontraram e fazem uma
corda bem forte e trançada:
- Eu fiz isso na segunda vez que escalei a Montanha Amir – Diz
Hércules – só não sei como prenderemos ela lá no topo.
- Eu sei – diz Tarim – me empresta a ponta.
Tarim amarra a ponta em um de seus Bumerangues de Madeira
e lança, ele finca e faz uma volta em uma pedra, Tarim puxa com força e
vê que está bem presa:
- Muito bom Tarim – diz Hércules – o que seria de mim sem
você?
Tarim sorri, eles começam a subir, depois de um tempo, eles
chegam no topo bem cansados da força que fizeram para enfrentar a
corrente, eles andam pelo meio do rio até a margem, mas quando Tarim
está saindo, algo o puxa de volta para dentro do rio, levando-o para uma
parte mais funda, ele grita:
- Mestre socorro.
Hércules se agarra aos braços de Tarim, ambos são puxados para
o fundo do rio. É um tipo de peixe gigante, possui cinco barbatanas, uns
cinco metros de comprimento, e uns três tentáculos que saem de dentro
de sua boca, e um deles está preso ao pé de Tarim para puxá-lo até a boca
do peixe e devorar Tarim!

“Este peixe vai me devorar? Meu mestre terá força para me puxar agora
que já treinamos e estamos cansados? O treino vai demorar muito para
ser concluído?”.

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Dies Irae

Capítulo 7

Os quatro decidiram ficar por ali para descansar e partir apenas
no dia seguinte. Firleu estava dormindo, e Melian havia pedido a
guarda. Ele acordou com ela chamando por ele:
- Firleu! Venha ver isso! Eles surgiram do nada!
Ele saiu da barraca, e viu que toda a clareira estava repleta de
seres belíssimos. Todos pareciam humanos, mas detentores de uma
beleza e luz que deixava claro serem eles superiores a qualquer mortal.
Por um instante, ele sentiu que o céu havia descido, e ele estava entre
anjos sem asas. Mas ele podia ver homens e mulheres. Não seriam os
anjos assexuados?Ele se sentiu tão embriagado em tanta sublimidade,
que sua mente vagava e ele não conseguia manter a clareza em seus
pensamentos. Lágrimas rolavam em seu rosto, mas ele não sabia o
motivo.
Alguns desses seres se aproximaram de sua agora esposa, e se
afastaram pesarosos. Pareciam estar chorando serenamente, ainda que
não se pudessem ver lágrimas. Nesse momento um desses seres falou
a ele:
- Então és Firleu, filho de Halinard?
- Sim, sou eu.
- Tens idéia do crime que seu pai cometeu? Da gravidade que
foi mandar assassinar aquela mulher?
- Do que está falando?
- Da mãe de tua esposa...
- Como assim? – Sua cabeça girava, ele se sentia cada vez mais
tonto. A ira divina era mais do que seu corpo podia conter.
- Pare, Chavakiah. – Disse uma doce voz feminina. A dona
tinha uma aparência de mulher bela e nobre. – Ele está confuso. Conte
tudo a ele, para que ele ao menos saiba o porquê de estar sendo julgado.
- Então, Iheratel, expliques tu a ele.
- Sem sombra de dúvida – Firleu estava tão hipnotizado que
não conseguia se mover. – Deus, nosso criador, tem muito amor pela
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Dies Irae
raça humana. Então, mandou vários de nós anjos para os guardarem
e proteger. Muitos dentre nós recebemos a missão de viver entre os
homens, e como eles. Por isso a nossa forma mortal. E os descendentes
desses anjos com a missão de viverem como mortais são considerados
anjos também. Muitos detêm a capacidade, de curar, como a mãe de
sua esposa. Outros, como ela, são impedidos d pecar. Acredite, cada
sangue derramado por sua esposa foi em nome de Deus, e nenhuma
gota de sangue inocente manchou as mãos dela.
- Ou seja: – continuou Chavakiah – Teu pai mandou matar a
uma criatura divina! A pena a isso é pior do que a morte! Tua família
está amaldiçoada até a milésima geração! Todos vós estais proibidos de
cruzar os portões do paraíso! E a eternidade te separará de sua amada,
que já tem o seu lugar ao lado de Deus. A não ser... Que voltes atrás
agora. Deixa tudo para trás e apenas seu pai será amaldiçoado, e não
levará a maldição consigo. Basta apenas que vás embora, e...
- Não. – Ele finalmente conseguiu forças para abrir a boca.
– Não abandonarei a ninguém. Nem à minha família, nem à minha
amada, nem aos meus companheiros nem aos meus súditos. Anjos não
tentam! Saiam de perto de mim, tentações!
Iheratel sorriu, aliviada.
- Ele passou no teste, Chavakiah. Sua alma é nobre e pura.
Deixe-o ir. Tem nossas bênçãos, jovem. Cumpra sua missão, e liberte a
alma de sua família. Dê-me sua espada.
Ele entregou a espada. Ela a tocou, e ela assumiu um brilho levemente
azulado. O metal ficou mais leve e delicado. Ela o entregou.
- Agora sua espada é abençoada por anjos, e as criaturas malignas
não resistirão a ela. – Ela se virou para Melian, que era quem estava
paralizada dessa vez – Eu entendo o quanto isso deve ser assustador
para você. Apenas viva sua vida normalmente, pois já está servindo a
Deus. Sua mãe se juntou a Ele porque sua hora havia chegada, como
chegará a de todos nós. E saiba que Ele reconheceu sua união com seu
amado. Agora vocês são um. São marido e mulher aos olhos de Deus
até que a morte os separe. Cuidado em sua missão. O seu inimigo é
apenas um fantoche, do próprio Anticristo. Tomem muito cuidado. E
saibam: Quando mais precisarem de nós, apareceremos. Aliás, creio
que precisarão disto.
E, assim como apareceram, todos eles sumiram, flutuando e

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Dies Irae
simplesmente esmaecendo no ar. À frente, as montarias apareceram
pastando tranquilamente na clareira. Firleu e Melian se abraçaram.
- Minha esposa.
- Meu marido.
E se beijaram.

41
42
Madise Ruf Golum

Capítulo 2
Geometricamente, o Reino de G****** é uma elipse cujo semieixo
menor possui uma invaginação de diâmetro dois quilômetros bem como
uma inclinação de vinte e cinco graus negativos. As bordas extremas
do segundo quadrante são serrilhadas, num zigue-zague procedido de
uma pequena linha reta de cerca de vinte metros, quase que como um
padrão. O resto do reino segue seus paragões curvilíneos, em especial
seu poente intacto de motos membranosos. Alguns estudiosos veem
no extremo sul uma forma apuada ligeira e meio perjurável no inverno,
mas nada disso meu cristalino reteve.
Geograficamente, o Reino de G****** é feito de pradarias altas
em seu Sul, abruptamente encerradas e procedidas por uma fusão
de pradaria mista e baixa, com predominância porcentual da baixa,
principalmente quando em relação ao Norte do Reino (não pensas você
num degradê). Possui uma extensão de trinta quilômetros quadrados,
mas sua fragmentação adscreveu cinco quilômetros em sua região Sul
(e daí uma prova concreta da ponticidade geométrica), e acredita-se
que processos separatistas, pouco tempo depois da época do Cavaleiro,
transformaram o reino num queijo suíço. Um mapa de autoria
desconhecida, feito há trinta anos atrás e retratando a cartografia real
cento e vinte anos após o Cavaleiro, demonstra uma incrível redução
de vinte e cinco quilômetros quadrados do reino, sobrando-se apenas
um cinco indefeso. Este mesmo mapa, acompanhado de um pequeno
e encardido manual, diz que a flagelação circular do reino sofreu
uma progressão aritmética vez outra interrompida por um número a
mais ou outro a menos, mas segundo o livreto, estas pequenas áreas
independentes, presas e cercadas, tendo sofrido uma fagocitose
certeira, acabaram por unir-se em linhas tênues e num rápido lapso
duodenário abrangeram terras e mais terras do reino, reduzindo-o num
pequeno castelo nebuloso (uma afronta às teses bélicas apresentadas
anteriormente). O vilarejo localizado no segundo quadrante, o manual
informa, foi a primeira área a se tornar independente de forma oficial, e
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Madise Ruf Golum
após o mesmo vários outros nobres decidiram empreender tal empresa
territorial: L**** III, da família de A****, iniciou a feitura sendo procedido
por F**** XIII de F****, que combateu na Guerra dos J****, G**** de
H**** LXIV, morto enquanto contrabandeava prostitutas, L**** XX de
H*** J****, dono de uma esquadra marítima bojuda e pouco eficiente,
N**** IV de N****, péssimo príncipe e alvo de setecentas e oitenta e nove
chacotas exatas, R**** T**** IV de T*****, carniceiro conhecido por suas
viagens à T***********, P**** R*** H******* de Q****, cientistas desgarrado
amante de formas prismáticas e iridescentes, B***** X de K*****,
semeador de literatos de cavalaria, e, por fim, o cosmopolita M*****
R** G****, de família duvidosa, mas tida como destronco genealógico
A******. Estas informações podem ser perfeitamente falsas, na medida
que o texto remete ao mesmo rei bondoso e varão em seu reino de
coníferas verdejantes e madeireiras felizes. Um mercador, especialista
em cebolas falsas, em seu diário, cinquenta anos após o Cavaleiro, diz
que o reino estava sendo comprado por um nobre fidalgo advindo de
terras do extremo norte (possivelmente V********** de C****, acusado(a)
de bruxaria pelo Bispo L******), onde as pessoas “sentem frio no verão
e simplesmente não vivem no inverno”.
A precipitação anual atinge o exato quatrocentos e cinquenta,
e já li um estudo fantasioso que dizia haver uma ligação extraterrena
e mística entre os buracos e tocas de animais ao longo do terreno do
Reino, numa espécie de Serpentário sem Barnard.
Todos esses aspectos juntos e combinados com uma astronomia
monótona de constelações apagadas por chumaços de nuvens encardidas
bem como uma meteorologia cronometrada dão numa caracterização
tendida ao fantástico do reino. No entanto, o aspecto botânico
merece uma atenção especial, iniciada há cerca de noventa anos antes
do Cavaleiro por um nobre colecionador de plantas medicinais, em
especial zingiberáceas que causam enjoo...

Duma cova térrea a amontoa, periodicamente reposta, dá como
resultado uma posposição aquática de forma também periódica, sempre
evitando um excesso alagadiço, e tendo como resultado a hipotética
morte da bactéria péptica. A carência de fontes empobrece esta atuação,
mas o mesmo paralelepípedo continha em seu interior iridescentes
crassuláceas que atendem até mesmo os faltos memorialistas. Quantas

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Madise Ruf Golum
decúrias fossem, nenhuma excederia a grandeza violeta destas iridáceas
em amontoados milhares, de estigmas descartáveis e prontos para a
avidez colecionarística. Afinal, tratava-se de um belo conteúdo que
catalogava desde umbelíferas aromáticas comestíveis até a esperança
da grei do pobre enforcado.
Pena que está última, quando num fatídico atrito dantes da
mudança, teve seu interior gasoso e fétido exalado e perpetuado,
atingindo até mesmo as entranhas terebradas de coifas vilosas,
poderosas brocas a proteger o caliptogênio, infiltrando-se em vazantes
perigosos!
Fossem não estes incidentes, tudo poderia muito bem passar
desapercebido; mas é de se imaginar que houve, não obstante,
um resultado místico da penetração odorífera de tão potente mal
nasal: as coifas, segundo foi-se dito por comentadores amiúdes,
agigantaram-se formidáveis, passando até mesmo a traspassar as
barreiras cinzentas que transpunham a realidade subterrânea. Essas
veias e artérias esverdeadas, deturpadas no que a natura fez de bom,
vão descendo tais rios fosforescentes e um tanto quanto transparentes
pelos limites físicos do espaço referencial analisado, mas já se me foi
ouvido analogias ao que o teto lacrimeja durante suas noites cálidas
e friorentas, despejando seus sulcos esmeraldinos no piso repartido.
Romântica e porque não condecorar fantástica, a verdade exposta por
pastores de vinhedos quebradiços canoniza-se na diferença entre o pH
daqui e dacolá, formando um pequeno caldeirão gótico e ferroso, tais
os da bruxa sarapintada de verrugas a unhar e refestelar seu objeto
de trabalho, que esquenta trôpego as moléculas unidas e bravas num
movimento iroso que perfura augusto os espaços subatômicos, donde
jamais em condições comuns imaginou-se sê-lo, resultando naquela
selva isomórfica e planificada, bidimensional e tétrica que apenas qui
marca decisiva o cenário. Atenta-se, vero e óbvio, o advérbio de local
anteriormente empregado, pois que este é peça chave para saber-se da
posição espacial e sua factível trasladação: nesta oração nanja o falso
adentra-se.
Do que se deduz?
Setenta porcento, com predominância sudeste, dos cômodos
foram afetados de forma majoritariamente intrínseca. Não apenas tal:
o pH amostral caiu na casa do três exato, e uma considerável amostra

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Madise Ruf Golum
de ferro e enxofre foram encontrados na ponta da coifa, que se estendeu
formando um desenho duma medusa simétrica e repetitiva. O mesmo
padrão foi seguido até um aumento óptico de mil e seiscentas vezes,
mas acreditou-se os matemáticos da época tratar-se dum fractal novo e
desconexo, uma espécie mística desgarrada. Alguns chegaram até mesmo
a classificá-lo como aleatório, mas sequer conseguiram determinar seu
estocástico. Outro estudo, um tanto quanto interessante, tentou prová-
lo como sendo um sistema de funções iteradas, donde a figura repetida
era uma pirâmide. Nada disso teve vida longa, pois o que realmente
demonstrou-se pesquisante foram as aparições de espécies desgarradas
e improváveis no Jardim Botânico do Reino, divididas em duas levas:
a primeira dois anos após a chegada do célebre botânico e a segunda
concomitante com o nascimento do Cavaleiro.
Introito duma espécime desgarrada, com tendência
fotossintéticas (porcentagens perdidas temporalmente) aterradoras e
um tanto quanto venosas, destilando seu sulco nos meados do inverno
subsequente à floração setentrional. Uma análise microscópica falhou-
se a partir de parâmetros exteriores do objeto em questão, tais como sua
superfície rígida e encouraçada, nem um pouco dada a instrumentos
serrotais. A predileção contemporânea para com a observação aquém
do experimentalismo fisiológico e dissecante, predileção dada como
completa por razões resultantes, contribuiu para o paradigma que
temos.
Esta, bibliografada por trinta e sete profissionais subsequentes
e dados às capas duras verde mucosas, ganhou Afroditus anquesitus
como denominação desde, mas esta é debatida acaloradamente por
fatores mil que espigariam indevidamente o que não deve sê-lo: as
explicações do nomeador abscondem-se quando pressionadas, em sua
efêmera estada terrestre.
O verdadeiro compêndio disto está nas alterações ulteriores do
aparecimento deste espécime na extrema margem esquerda do Jardim
Botânico Real: uma polinização combinada com ventos favoráveis
do tempo chuvoso, nublado e úmido daqueles anos (precipitação de
setecentos), acarretou um procedimento deveras interessante que
desafia até hoje os adeptos dum e doutro lado: o surgimento de espécies
zoológicas e vegetais no pequeno vilarejo, mais especificamente a estátua
dum cavaleiro obscuro e sem lá muitas honrarias, dado como padroeiro

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Madise Ruf Golum
e protetor desde a invasão L******ódica num ano mais obscuro ainda.
Dentre todas surgidas, apenas uma merece escalpelo: aquela que
se deu entre duas edificações de cerca de cinquenta metros quadrados,
com tons arquitetônicos medievais derruídos em suas laterais e peças
plásticas datadas de setenta anos antes, pois que esta gerou ao seu redor
uma bibliografia deveras extensa, caindo na casa dos cinquenta livros
e mais de cento e vinte artigos científicos escassos, do qual nenhum
disponho pela dificuldade catalográfica.
Sob um quadrado visto do aéreo referencial, um amontoado de
terra preta dá como canteiro a factível escolha de sete plantas verdes,
gordinhas e sedosas: mas nada disso efetivamente dá-se como vero,
na medida em que estas plantas apodrecem amarronzadas e caem
com uma palmada do vento num espaço-tempo tão efêmero que
ninguém poderia sequer imaginar ou conjecturar. Afinal, os pilares
mesopotâmicos transcendentais entortam-se e cruzam-se num ponto
tendido ao retilíneo e torto com o passar das sobreposições; disto e
para isto, apenas observações variadas e irrelevantes trazem certeza,
pois que no compêndio da situação, a leve e fina estrutura paisagística
formada pelas camada castanhas do caule afinam-se e misturam-se
quanto mais superior e elevado é seu trajeto, sofrendo um processo
virente necessário e estranho na medida em que afeta o que não
deveria sê-lo. Dedos incandescentes de viçosas flamas, chamuscando
e tocando as redes invisíveis do nada e do haver, como uma desgarrada
espécie mística que acorda de noite e atazana mulheres prenhes em
seus vestidos de renda branco: e seu toque fosforescente engloba os
pequeninos homúnculos e estes entornam o existir místico dum ser tão
excêntrico tal este o é. As superfícies esmeraldinas destas pontifícias
estruturas demostram-se tais cascos de tartarugas preguiçosas,
tentando alcançar uma praia distante ou um abismo profundo, mas
mal sabem elas que à esquerda ou à direita pequeninos rios ramificados
e estreitos, crescendo e destilando cá ou acolá num emaranhado
de coisas mil, dariam a seus caçadores o néctar raro das entranhas
extremamente funcionais, carregando, em engrenagens potentes, o
sulco trabalhoso para cima e para baixo, numa refinaria industrial sem
sucatas tenebrosas ou luzentes metais crepusculares, mas sim composta
de tênues fileiras existenciais que sustem o ser com o apoio daquele
que deixou a carroça com o filho desengonçado, a estrepitar céus e

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Madise Ruf Golum
terras e lançando por conseguinte raios refletidos ao tipo seco e áspero,
quebradiço e calvo, numa espécie de lança militar enferrujada e jogada
às traças do armistício ocorrido há alguns minutos atrás quando os
tanques de guerra circunvolucionários zuniam no ar revolucionários
em seus estoques essenciais, sugando ou raptando o líquido dourado
daqueles chapéus de moças e raparigas em flor dançantes num jardim
de inúmeros outros milhares, rodeados do pipar calmo e plácido dos
passaritos esfomeados e seus caramelados lanches, subindo e descendo
nos canais recônditos da musa pétrea que oferece a toda sorte de bichos
um atrativo mágico, e não podendo ser diferente dos tétricos monstros
devoradores de superfícies fotossintéticas, deglutindo aos borbotões e
desfalcando a unidade paisagística, com sua fome de drago horripilante
e causando pavor inclusive donde quando seca-se tudo e lá vão-se a
cair no chão como barcos naufragados dum leviatã perverso, e esperar
a clemência dos mercadores e citadinos apalermados com a acústica
resultante do simples pisar, pois que a mesma realmente diferenciava-
se na medida que produzia um estrépito vago, seco, como se soltasse da
boca dum trombone intrínseco uma pequena nota grave e gorducha a
agudar-se com o passar presto do tempo, e não bastando isso, exalando
um leve odor de mata molhada, fazendo do orvalho factível uma
certeza, pois que com o magistral espetáculo do desabrochamento tudo
tingia-se multicolor e o interlocutor sentia-se trasladado a um estranho
campo de batalha com o claudicar das patas de cavalos trotantes cá lá
fazendo lei ao gládio horrendo, ruborizando as pétalas e decepando
pedúnculos, exceto aquele último que salvou a profusão de odores para
as gerações futuras, crescendo e multiplicando em cores até o desfrute
entrecruzante de ramos intrincados parando seu digladiamento num
último e desgarrado que simplesmente cresce, serpenteado debilmente,
tendido à entrada espelhante dum recinto abastecido de três louros
decapitados, ciscados por uma ave de rapina depenada...

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49
Medo

Medo
- Deseja alguma coisa ?! - perguntou a empregada de
mesa pela quinta vez, já com a voz a ecoar por todas as perspectivas do
bar e a paciência a antever o iminente abandono.
- Sim, desculpe. Queria um café. - respondeu Matilde, subtilmente,
ao furioso olhar com que aquela mulher a inquiria.
Mas Matilde, como vinha sendo habitual nos últimos quatro dias,
alheava-se a tudo quanto a rodeava, focando a sua concentração em
penosas encenações mentais. Qualquer transeunte do planeta era
suspeito aos seus olhos, o perigo espreitava em cada esquina, um polícia,
símbolo da autoridade, podia ser também um disfarçado criminoso capaz
dos mais macabros crimes. Um constante sonambulismo pressionava-a
a tais demências. Estava, sem dúvida, possessa pelo corrosivo vírus do
medo.
Desde o dia em que se debruçou atenciosamente sobre as notícias de
um jornal de criminologia, a sua percepção do mundo passou a assumir
uma absurda dimensão de exagero. Na sua casa, onde sempre reinara um
ambiente pacato, uma avassaladora preocupação começou a sombrear a
serenidade do marido e das duas filhas. Não que temessem algo exterior,
como um assalto ou outro crime da mesma ordem, mas sim a evolutiva
paranóia doentia que estava a consumir aquela trabalhadora mãe de
família.
As suas exaustivas pregações matinais, os telefonemas que panificavam
o marido ao longo do dia, através dos intercalados gemidos do telemóvel,
as notícias que ela lia ou ouvia e bombardeava aos cansados ouvidos
das filhas, quando estas chegavam a casa. Esta havia sido a rotina que
punha em causa a sua sanidade perante os outros membros da família,
e que começava também a alastrar-se pelos colegas de trabalho. Estas
recentes situações fomentavam na cabeça de Matilde uma perturbadora
agonia, pois desta forma sentia-se a única pessoa no Mundo capaz de
sentir o caos em que estava a sociedade. Como era de esperar, todos a
aconselhavam a consultar um médico, não no sentido de expressar uma
50
Medo
frase feita, mas sim por verdadeiro motivo de preocupação.

Pagou o seu café, mas não sem antes esperar que o homem, que estava
a pagar no momento em que ela teve a intenção, saísse para só depois
efectuar o acto. No momento do pagamento, quando a empregada lhe
estava a retribuir o troco, ela lançou agudamente a sua mão à da pobre
rapariga, que estremeceu de susto perante tal atitude, e tirou-lhe as
moedas da mão antes que esta terminasse o movimento de lhe fazer
chegar o devido dinheiro. Ao guardar a carteira na mala, percorreu todos
os ocupantes com um rápido olhar desconfiado, como se analisasse
quais os presumíveis gatunos. Durante toda esta melindrosa transacção,
algo lhe escorregou sorrateiramente da mala, mas, preocupada em
abandonar aquele antro de stress, caminhou apressadamente para fora
do estabelecimento sem prestar atenção aos apelos que a empregada
que lançava. Julgou ser algum tipo de provocação e fingiu não ouvir.
No momento em que transpunha a porta de saída chocou com uma
mendiga que estava a entrar. Esse contacto irritou-a profundamente,
e ao mesmo tempo que fugia do local confirmava discretamente os
seus haveres, não fosse a mendiga ter-lhe habilmente roubado algo no
momento do impacto.
Esperava-a uma cidade que era a mesma dos outros dias, não fosse
o facto da sua recente obsessão acumulada à tardia saída do emprego e
ao esquecimento do telemóvel, que a tornavam num núcleo de temor.
Pudesse talvez telefonar para casa pedindo ao marido que a viesse buscar.
Mas não. Isso implicava servir-se de uma cabine pública e os ladrões
gostam de assaltar as pessoas quando estas estão a tentar telefonar.
Quem sabe um táxi não fosse talvez a opção mais acertada…? Mas
quem garantia a seriedade do incógnito condutor? Restava somente
uma solução, que era seguir a pé apesar dos riscos que isso implicava.
Eram já dez da noite e as pessoas começavam a escassear nas ruas,
facto que tornava a sua curta caminhada para casa num longo inferno de
suposições e receios. As públicas luminárias, que ornamentam as cidades,
estavam já todas renascidas àquela hora, aspecto que lhe causava maior
pavor, pois se estas escassas luzes abundavam isso significava ser já noite
cerrada, quando os bandidos sentem maior liberdade em consumar os
seus actos. O próprio eco dos seus passos, quando ela atravessava alguma
zona acusticamente favorável, lhe provocava descargas de eufórica
51
Medo
adrenalina. O ruído era seu inimigo, pois significava movimentação,
acção e presença. No entanto, também o silêncio era motivo de intriga,
devido à presumível ocultação de alguém nessa ausência.
Os sentidos eram poucos para tanta atenção. O coração, no entanto,
não tinha ainda explodido em algum derrame de medo.
Os arbustos à sua frente ondulavam sobre o sopro de um fraco vento
que embalava a noite com o cantar das ramagens. Ela abrandou o passo,
num intrigante devaneio de indecisão, ao observar tal fenómeno que
lhe começava a bombear o órgão com maior intensidade. Optou por
aumentar a velocidade dos seus passos ao mesmo tempo que esperava
que alguém saltasse dos arbustos para a atacar. Um suspiro de alívio
foi a solução que encontrou, quando descobriu que a sua suspeita era
infundamentada.
Surgiam-lhe, na delicada memória, imagens de situações que haviam
sido retratadas na televisão. Obviamente que eram ocorrências de crimes
relacionados com mulheres que caminhavam sozinhas à noite.
Assim se passaram os seguintes cinquenta metros, em total calmaria,
quando, de repente, ao longe, vindo na sua direcção, um vulto humano
se encaminhava desenfreadamente, abanando espanpanosamente os
braços em gestos coordenados pelo maquinado avançar dos pés.
O pânico voltava a comandar a sua adrenalinada pulsação. Não havia
mais ninguém na rua, além dela e do transeunte personagem. A distância
encurtava-se rapidamente, o estranho caminhar do homem parecia
cada vez mais o de um psicopata assassino; se é que estes se podem
reconhecer pela forma de andar. Os olhos de Matilde redundavam entre
o chão e breves amedrontadas observações ao suspeito. Os seus cascos
altos marcavam decrescentemente o tempo rítmico a que a aproximação
se dava, como o tique-taquear de um relógio a evidenciar meia-noite
numa noite de lua cheia.
Estavam a uns escassos cinco metros de distância, e a vítima antevia
os esguios braços do robusto homem a atacarem-lhe o fino pescoço.
Os joelhos tremiam-lhe desenfreadamente como se estivessem
desorientados, independentes da faculdade que os faz coordenar.
Mais uma vez as suas previsões haviam falhado, pois o homem
nem sequer prestou atenção à pessoa com quem se cruzava. O alívio
reinava novamente, mas aquela viagem estava a tornar-se num exaustivo
52
Medo
pesadelo.
Circulava agora através da rua menos iluminada de todas aquelas
por onde havia passado e por onde iria passar. É claramente admissível
que uma nocturna e apagada rua cause algum receio, mas, no caso de
Matilde, esse receio era extraordinariamente elevado.
Ao seu lado direito, um contentor de lixo fitava a sua passagem.
Matilde recusou corresponder-lhe um recíproco olhar e, de rosto
petrificado no vazio em frente, continuou fingindo não notar a presença
do inanimado objecto. De súbito, na excitante incerteza que um segundo
permite, um salto de aveludada negridão abandonou aquele putrefacto
refúgio, causando com o inesperado ruído um estridente alarme na frágil
susceptibilidade da mulher. Escusado será repetir as tortuosas reacções
com que o organismo de Matilde respondeu ao incidente. Ao perceber a
presença causadora do ruído, um pequeno gato, ela retomou a enérgica
caminhada.
Já com uma aliviada expressão ela chegou à última rua que a distanciava
do seguro lar. Achava-se finalmente a salvo, deixando até transparecer um
suave sorriso de satisfação, quando subitamente uma desconhecida voz
começou a repetir o seu nome ofegantemente. Ainda pensou que fosse
algum conhecido mas, à medida que o apelador se aproximava, em passo
de corrida, ela certificou-se de que não conhecia tal indivíduo. Quanto
mais ela corria para chegar a casa mais o perseguidor se aproximava e
acenava os braços. Da sua mão direita salientava-se algo que poderia
muito bem ser uma arma branca ou de fogo.
Desta vez não restavam dúvidas, ela estava mesmo a ser perseguida.
As suas tentativas de gritar eram infrutíferas, pois a junção de todos os
sustos anteriores haviam-lhe impedido a sonora expiração.
Como seria possível que a consumação do medo estivesse localizada
exactamente junto à sua porta de casa? Matilde procurava já, trémula, a
chave da porta principal, intermediando nesta demanda alguns olhares
aterradores ao homem que continuava a chamá-la cada vez mais perto.
A chave não respondia ao esquerdo rotativar que lhe daria a segurança.
Flagelava-se-lhe todo o corpo em espasmos de desespero. A esperança
morria, ninguém vinha em auxílio dos seus surdos apelos.
Após várias tentativas para abrir a porta, e com o terrível predador quase
junto dela, Matilde reparou que aquela não era a chave de casa e que
53
Medo
a tão desejada chave não estava na sua mala. Revistou novamente, e
freneticamente, a mala como um moribundo que procura água no
deserto. As suas afiadas mãos não queriam confirmar a tragédia.
Ironia do destino, a sua morte ia ocorrer devido à perda da chave de
casa, a única coisa que podia salvá-la do fatídico destino.
Quando o homem a alcançou e tocou com a mão no ombro de
Matilde, visto esta estar de costas agarrada ao portal da salvação, no qual
ainda marcou dois fortes batimentos, ela soltou então um curto berro
acompanhado pelo constante ranger de dentes. O homem disse-lhe:
- «Não se assuste dona Matilde. Vim o caminho todo a correr para a
conseguir alcançar, sou empregado no bar onde costuma ir e como hoje
deixou cair esta chave no chão, … calculei que lhe fizesse falta e vim
entregar-lha. A minha colega ainda tentou chamá-la mas você não deve
ter ouvido. Peço desculpa se a assustei.»
Aquela era a chave da casa de Matilde, a sua única salvação era o
próprio perseguidor que lha trazia.
Matilde ficou estática ao ouvir tal afirmação, o espanto era tanto que
nem falou com o amistoso empregado. Somente quando ele lhe desferiu
um sorridente “até amanhã” é que ela lhe lançou um apático “obrigada”.
Antes de abandonar a localidade o prestável empregado ainda lhe lançou
umas últimas palavras:
- Veja lá se para a próxima tem mais atenção às suas coisas, pois pode
ser um ladrão a encontrá-las! - desaparecendo de seguida na intersecção
de duas ruas.
Matilde entrou em casa. Tudo corria normalmente dentro da habitação,
o jantar estava a ser terminado pelo marido, as filhas viam televisão e
havia a certeza de que alguém estava a ser roubado nas ruas, mas esse
alguém não era ela.
Matilde não perdeu o medo de andar sozinha pelas ruas, o qual
é comum a quase todas as pessoas, mas a loucura que a assolara nos
últimos dias tinha desaparecido.

54
Pequisa de Campo

Pesquisa de Campo
Do beco ele observava a agitação dentro do pequeno bar. Uma
mesa dentre as poucas existentes era a que mais chamava a atenção,
nela estavam sentados quatro típicos motoqueiros. Jaquetões de couro,
cheios de detalhes costurados, desenhos e palavras. No entanto fora
o símbolo do grupo dos motoqueiros que chamou primeiramente a
atenção de Heitor. Era um lobo. Lobos SP era como o grupo havia se
auto-intitulado.
Completando o visual, os quatro motoqueiros tinham cabelos
longos e barba na cara, calça jeans rasgada e coturno. Suas motos estavam
paradas em frente ao bar. Quatro motos do tipo estradeira, todas com o
mesmo símbolo, o Lobo.
Heitor esperou pacientemente montado em sua moto. Naquela
noite fria de outono uma jaqueta de couro era a melhor pedida. Jaqueta,
capacete e moto negra, somente a calça era de um jeans claro, mas no
escuro beco, Heitor era praticamente invisível.
Um a um os motoqueiros iam saindo do bar. O segundo a
sair era o de aparência mais jovem dentre os quatro que bebiam. Sua
moto roncou alto na noite enquanto seu farol iluminava a rua de baixa
claridade. Imediatamente Heitor saiu do beco, farol desligado e ronco
baixo.
Seguiu no encalço do motoqueiro, que parecia não ter notado
a presença de seu perseguidor, e assim foi por um bom tempo, até que
Heitor fez uma curva e lá estava o motoqueiro, parado voltado para trás.
Apenas a lanterna ligada, pés no chão.
Ele parou sua moto também, pé no chão e logo em seguida
desceu o “pezinho” da moto. Desligou-a, retirou o capacete e desmontou.
O outro motoqueiro fez o mesmo, retirando seu mini capacete, mas
mantendo-o em sua mão.
- Quem é você? – Perguntou o motoqueiro.
- Quem faz as perguntas aqui sou eu rapaz! – Respondeu – E

55
Pequisa de Campo
não adianta nem tentar nada, se não...
Enquanto falava, Heitor sacou uma pistola automática e
apontou para o jovem, que não demonstrou nenhum temor ao ver a
arma apontada para seu rosto. Ele então a destravou e engatilhou, só
então voltou a falar.
- Onde está a Pedra da Lua?
Uma criança de cinco anos teria notado a cara de espanto feita
pelo motoqueiro com a pergunta. Foi por uma fração de segundo, mas
fora suficiente par dar a certeza que Heitor vinha buscando há quase
três anos.
- Onde está o quê? – Perguntou o motoqueiro disfarçando da
melhor forma possível.
- Onde está a Pedra da Lua? – Repetiu.
Nesse instante o motoqueiro jogou contra Heitor o pequeno
capacete que estava em sua mão, ele desviou do capacete, mas algo muito
maior e peludo o atingiu. Ele foi arremessado para além de sua moto,
mas sem sofre muitos danos. Rapidamente localizou o que o havia
acertado.
Era uma forma semi-humana, não tinha postura ereta, era
quase toda coberta por pelos, suas mãos se tornavam a cada minuto
mais próximas a garras mortais e seu nariz se juntava a sua boca, se
alongando, quase como um focinho. Era uma besta, uma máquina de
matar quase pronta para entrar em ação, não fosse pelo fato de ele estar
em uma forma intermediaria, um lobisomem em transformação, ainda
mais humano do que lobo, provavelmente a trombada teria matado-o.
Antes que o semi-lobo pudesse iniciar uma nova investida,
Heitor já estava em pé, apontando a arma contra o peito do ex-
motoqueiro. Novamente o espanto tomou posse das feições animalescas
do lobisomem.
- Eu também tenho meus truques. – Disse Heitor, com um
sorriso nos lábios.
A fera iniciou sua corrida “em quatro patas”, uma investida
idêntica a anterior, porém, dessa vez Heitor conseguiu efetuar dois
disparos certeiros, evitando não só o avanço do inimigo, como também
sua transformação. Ao cair o lobisomem já havia voltado a ser um

56
Pequisa de Campo
simples humano.
- Pra... pra... prata. – Balbuciou o motoqueiro baleado. O terror
estampado em seu rosto agora.
Heitor se aproximou do jovem caído, apontou a arma para seu
peito e calmamente perguntou:
- E então? Onde está a Pedra da Lua?

Continua...

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