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Universidade do Sul de Santa Catarina

Teoria do Conhecimento I
Disciplina na modalidade a distância

Palhoça
UnisulVirtual
2009
Créditos
Unisul - Universidade do Sul de Santa Catarina
UnisulVirtual - Educação Superior a Distância

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Coordenação dos Cursos Marcelo Jair Ramos
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Fabiana Lange Patrício (auxiliar) Cristiano Neri Gonçalves Ribeiro Carlos Eduardo Damiani da Silva Phelipe Luiz Winter da Silva
Fabiano Ceretta Diogo Rafael da Silva Geanluca Uliana Rodrigo Battistotti Pimpão
Apresentação

Este livro didático corresponde à disciplina de Teoria do


Conhecimento I.

O material foi elaborado, visando a uma aprendizagem


autônoma e aborda conteúdos especialmente selecionados e
relacionados à sua área de formação. Ao adotar uma linguagem
didática e dialógica, objetivamos facilitar seu estudo a distância,
proporcionando condições favoráveis às múltiplas interações e a
um aprendizado contextualizado e eficaz.

Lembre que sua caminhada nesta disciplina será acompanhada


e monitorada constantemente pelo Sistema Tutorial da
UnisulVirtual. Neste sentido, a indicação “a distância” caracteriza
tão-somente a modalidade de ensino por que você optou para a
sua formação, pois, na relação de aprendizagem, professores e
instituição estarão sempre conectados com você.

Então, sempre que sentir necessidade, entre em contato.


Você tem à disposição diversas ferramentas e canais de acesso
tais como: telefone, e-mail e o Espaço UnisulVirtual de
Aprendizagem, que é o canal mais recomendado, pois tudo o
que for enviado e recebido fica registrado para seu maior controle
e comodidade. Nossa equipe técnica e pedagógica terá o maior
prazer em lhe atender, pois sua aprendizagem é o nosso principal
objetivo.

Bom estudo e sucesso!

Equipe UnisulVirtual
Arturo Fatturi

Teoria do Conhecimento I
Livro didático

Design Instrucional
Lucésia Pereira

Palhoça
UnisulVirtual
2009
Copyright © UnisulVirtual 2009
Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer meio sem a prévia autorização desta instituição.

Edição – Livro Didático


Professor Conteudista
Arturo Fatturi
Design Instrucional
Lucésia Pereira

Projeto Gráfico e Capa


Equipe UnisulVirtual
Diagramação
Higor Ghisi

Revisão
Amaline Boulos Issa Mussi

121
F26 Fatturi, Arturo
Teoria do conhecimento I : livro didático / Arturo Fatturi ; design
instrucional Lucésia Pereira. – Palhoça : UnisulVirtual, 2009.
200 p. : il. ; 28 cm.

Inclui bibliografia.

1. Teoria do conhecimento. I. Pereira, Lucésia. II. Título.

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Universitária da Unisul


Sumário

Apresentação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 03
Palavras do professor. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 09
Plano de estudo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

UNIDADE 1 – Argumentação filosófica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21


UNIDADE 2 – O ceticismo e suas exigências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
UNIDADE 3 – Conhecimento, ceticismo e a vida cotidiana . . . . . . . . . . . . . . 65
UNIDADE 4 – O idealismo como resposta. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89
UNIDADE 5 – A naturalização do conhecimento e o questionamento cético. . 113
UNIDADE 6 – Filosofia da linguagem e o problema do conhecimento. . 135
UNIDADE 7 – Fundacionalismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 153

Para concluir o estudo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 191


Referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 193
Sobre o professor conteudista. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 195
Comentários e respostas das atividades de autoavaliação. . . . . . . . . . . . . . 197
Palavras do professor

Estamos iniciando o estudo filosófico do conhecimento.


Este tema é denominado Teoria do Conhecimento ou
Epistemologia. É um tema amplo, que possui ramificações
em várias partes de nossas vidas e na própria Ciência.
Os conteúdos que vamos estudar nos permitirão ter
maior clareza ao afirmarmos que conhecemos, ou não
conhecemos, algo acerca do mundo que nos rodeia.

O estudo filosófico do conhecimento seria mais simples,


não fosse a existência de um ponto de vista denominado
Ceticismo. Os céticos são filósofos os quais negam a
possibilidade de que conheçamos algo verdadeiramente.
Você pode não entender como uma pessoa assim pode
existir, mas basta pensar naquele seu (sua) colega que
afirma “Deus não existe” ou “não existem discos voadores”.
Há aqueles (as) que demonstram sua descrença afirmando
coisas como, por exemplo: “A verdade não existe, todos
temos nossas opiniões e todas são válidas”, ou ainda,
“Nunca chegaremos a um conhecimento do que são as
coisas”. Estes são os exemplos mais encontrados de céticos,
e você deve conhecer alguém do tipo.

Bem, o Ceticismo foi um movimento filosófico incentivado


por Pirro De Ellis, filósofo que viveu alguns séculos antes
de Cristo. Todos os escritos de Pirro se perderam, e o seu
movimento, com o tempo, caiu no esquecimento. Contudo,
na Idade Moderna, foram encontrados manuscritos de um
dos seguidores de Pirro, chamado Sexto Empírico.

Os escritos de Sexto Empírico são transcrições dos textos de


Pirro de Ellis e colocavam em dúvida vários ramos do saber
da época: Matemática. Física, Teologia e o próprio ato de
ensino. A obra de Sexto Empírico teve grande influência na
Reforma Protestante, pois serviu de fundamento intelectual
para combater a Igreja Católica da época, em sua exigência de
autoridade única sobre o Cristianismo. A obra de Sexto Empírico
circulou entre os letrados de toda a Europa do século XVI e um dos
seus principais leitores foi o Filósofo René Descartes.

Descartes era contrário ao Ceticismo, mas o usou para elaborar


uma prova de que existe um fundamento seguro para todas
as ciências. Em sua obra Meditações de Filosofia Primeira,
cria um argumento de estilo cético, buscando demonstrar a
impossibilidade de se fundamentar o conhecimento seguro,
pois não temos meios de provar que existe um mundo exterior
a nós. Logo, nenhuma ciência poderia se constituir, pois não
poderíamos provar a existência dos objetos deste mundo. Este
argumento de Descartes, contudo, é apenas um primeiro passo
na construção de seu ponto de vista.

René Descartes não é um cético e acredita que tenha uma


resposta ao cético. Em outras palavras, René Descartes “finge”
acreditar no cético. Neste contexto, criou um “cenário”, por
assim dizer, em que tudo indica que o cético está correto. Esta
argumentação de Descartes foi extremamente impressionante,
tanto que, mesmo nos tempos atuais, os filósofos tentam fornecer
uma resposta ao cético da primeira meditação. Ou seja, o cético
cartesiano passou a ser o questionador de toda a Teoria do
Conhecimento. Assim, tentar uma resposta ao cético nos faz
tratar de vários pontos da Teoria do Conhecimento.

Bem, esta foi uma pequena introdução ao tema da disciplina.


Gostaria agora de lhe falar sobre como o tema da disciplina
Teoria do Conhecimento será desenvolvido. Muitos filósofos
gostam de tratar a filosofia a partir de um ponto de vista
histórico, isto é, através da apresentação das várias teorias
propostas no estudo filosófico do conhecimento. Já a proposta
deste livro é que trabalhemos juntos as ideias ou argumentos dos
filósofos, fazendo uma ligação disto com nosso dia-a-dia.

Em cada unidade de estudo, discutiremos determinados


argumentos filosóficos sobre o conhecimento do mundo exterior.
A disciplina é voltada para a consideração de argumentos e exige
que você reflita sobre os argumentos que lhe são apresentados
e busque compreendê-los. Este livro será seu companheiro de
discussão, ajudando-o (a) a compreender problemas, conceitos,
argumentos e pontos de vista.
No início da Unidade 1, apresentaremos uma estória sobre
o conhecimento elaborada pelo filósofo estadunidense John
Pollock. Esta estória será utilizada de maneira recorrente na
apresentação dos conteúdos que serão estudados. A estória é
uma reconstrução contemporânea dos argumentos de René
Descartes na primeira de suas Meditações Filosóficas e foi
transformada em filme, com o nome de Matrix.

Bom estudo.

Professor Arturo Fatturi


Plano de estudo

O plano de estudos visa a orientá-lo(a) no desenvolvimento


da disciplina. Possui elementos que o(a) ajudarão a conhecer
o contexto da disciplina e a organizar o seu tempo de
estudos.

O processo de ensino e aprendizagem na UnisulVirtual


leva em conta instrumentos que se articulam e se
complementam, portanto a construção de competências
se dá sobre a articulação de metodologias e por meio das
diversas formas de ação/mediação.

São elementos desse processo:

„„ o livro didático;
„„ o Espaço UnisulVirtual de Aprendizagem (EVA);
„„ as atividades de avaliação (a distância, presenciais e
de autoavaliação);
„„ o Sistema Tutorial.

Ementa da disciplina
O conhecimento como problema filosófico, articulação
entre problema filosófico do conhecimento e Metafísica,
Metafísica e Teoria do Conhecimento entre os modernos,
Giro Linguístico e Conhecimento na Filosofia
Contemporânea.

Carga Horária
60 horas – 4 créditos
Universidade do Sul de Santa Catarina

Objetivo(s)

Geral
Proporcionar ao aluno o domínio dos fundamentos da discussão
filosófica sobre o conhecimento e os problemas oriundos da
fundamentação do conhecimento verdadeiro.

Específicos
„„ Proporcionar aos alunos os principais argumentos da
discussão filosófica do conhecimento.
„„ Apresentar aos alunos pontos de vista tradicionais sobre a
discussão filosófica do conhecimento.
„„ Instrumentalizar os alunos a decodificarem os pontos de
vista filosóficos quanto aos conhecimentos que lhes são
apresentados na cultura.
„„ Proporcionar aos alunos a discussão da conexão entre o
conhecimento de objetos e a fundamentação filosófica do
que são estes objetos.
„„ Proporcionar aos alunos os fundamentos filosóficos
básicos da discussão sobre o conhecimento.
„„ Introduzir os alunos nas formulações filosóficas que
visam construir as bases do conhecimento verdadeiro.
„„ Apresentar aos alunos as principais correntes do
pensamento filosófico contemporâneo sobre o
conhecimento.
„„ Instrumentalizar os alunos para a discussão filosófico-
argumentativa sobre o conhecimento.
„„ Proporcionar aos alunos instrumentos que os capacitem a
elaborar discussões sobre argumentos filosóficos.

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Teoria do Conhecimento I

Conteúdo programático/objetivos
Os objetivos de cada unidade definem o conjunto de
conhecimentos que você deverá deter para o desenvolvimento
de habilidades e competências necessárias à sua formação. Neste
sentido, veja a seguir as unidades que compõem o Livro Didático
desta Disciplina, bem como os seus respectivos objetivos.

Unidades de estudo: 5

Unidade 1 - Argumentação filosófica


Nesta unidade, aprenderemos, através de exemplos, como os
filósofos elaboram seus argumentos sobre o conhecimento e quais
as consequências que podem ser retiradas de cada argumento. O
objetivo principal desta unidade é fornecer a você os princípios
fundamentais da argumentação filosófica, para que, nas unidades
seguintes, você possa identificar estes argumentos e discutir as
consequências dos mesmos.

O conteúdo desta unidade busca instruí-lo(a) a discutir


filosoficamente argumentos e reconhecê-los nos textos dos
filósofos que estudaremos. Os exercícios que lhe serão propostos
visam ser uma aplicação de instrumentos para a leitura de textos
de Filosofia e, portanto, são exercícios de reconhecimento
de argumentos, bem como das afirmações que provam as
informações contidas nestes argumentos.

Unidade 2 - O ceticismo e suas exigências


Nesta unidade, iremos aprender o que significa o Ceticismo e
qual a diferença entre o Ceticismo tradicional e o Ceticismo
Filosófico criado por René Descartes. O ponto principal desta
unidade é compreender o argumento central do Ceticismo
quanto à possibilidade da existência de objetos. Esta forma de
Ceticismo é paradoxal, pois parte do princípio que nossa relação
com o mundo em que vivemos não está fundamentada na certeza
do conhecimento. Logo, teremos de estudar o que é a verdade
do conhecimento e o que implica a exigência de certeza no
conhecimento.

O objetivo final desta unidade é introduzir em nossa noção de


conhecimento o conceito de “certeza”, pois até para Descartes o

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Universidade do Sul de Santa Catarina

conhecimento era verdadeiro, se fosse coerente com os sentidos


ou com a existência dos objetos (a qual era garantida por Deus).
O Ceticismo de Descartes faz com que a razão busque suas
próprias provas, isto é, provas racionais, e que não aceite provas
teológicas.

Unidade 3 - Conhecimento, ceticismo e a vida cotidiana


Nesta unidade, iremos aprender como nosso conhecimento
cotidiano é afetado pelo ceticismo e como podemos responder
a este questionamento. Aqui, apresentaremos os argumentos
de alguns filósofos contemporâneos que acreditam possuir
uma resposta ao cético, fundamentados em argumentos que
podem ser retirados do nosso dia-a-dia, nas tarefas comuns que
desempenhamos e na linguagem cotidiana que empregamos, ou
que têm base aí.

Vamos discutir as razões pelas quais estes argumentos não


surtem o efeito desejado, isto é, não respondem ao cético. Juntos,
consideraremos alguns argumentos que você já ouviu alguém
defender e que, normalmente, são usados como respostas às
questões céticas. Nosso objetivo é fazer a ligação entre

(a) aquilo que já sabemos ou acreditamos

(b) e como estas crenças ou saberes não são respostas adequadas


ao problema filosófico do conhecimento.

Unidade 4 - O idealismo como resposta


Nesta unidade, iremos estudar o pensamento de um filósofo
importantíssimo na História da Filosofia: Imanuel Kant. Kant
pertence ao período imediatamente posterior a Descartes e
foi um dos primeiros filósofos a tentar solucionar o problema
lançado por Descartes na Primeira Meditação.

Estudaremos alguns princípios do Idealismo de Kant e


consideraremos a possibilidade de que este Idealismo responda
ao problema filosófico do conhecimento. Vamos considerar o
ponto de vista Idealista quanto ao conhecimento e seus principais
argumentos. Nosso objetivo nesta unidade não é o de aprofundar
o estudo da obra de Kant – algo que até hoje ainda não foi
empreendido – e sim conhecer alguns princípios básicos das

16
Teoria do Conhecimento I

ideias de Kant, que permitem lançar uma resposta ao problema


filosófico do conhecimento.

Vamos perceber que a resposta de Kant se fundamenta num


ponto de vista metafísico sobre os objetos do conhecimento e
ainda veremos como Kant elabora seu raciocínio metafísico sobre
o mundo que nos cerca. O estudo dos argumentos kantianos é de
fundamental importância na Teoria do Conhecimento e não se
pode estudar o problema do conhecimento sem aprender o ponto
de vista de Kant.

Unidade 5 – A naturalização do conhecimento e o questionamento cético


Nesta unidade, vamos estudar outra resposta fornecida ao
problema filosófico do conhecimento, qual seja, a de que o
Senso Comum é base para tornar as questões céticas ou mesmo
filosóficas como questões sem sentido, no que se refere à
possibilidade, ou não, do conhecimento. Iremos estudar alguns
argumentos de um filósofo contemporâneo que propõe o senso-
comum como resposta às questões do conhecimento e a outras
questões filosóficas.

Acompanharemos os passos argumentativos deste filósofo e sua


resposta. Seu ponto de partida é de que sabemos diferenciar
cotidianamente quais conteúdos são interiores a nós (pois
pertencem à nossa consciência) e quais são exteriores (conhecidos
através dos sentidos ou da percepção). A resposta deste filósofo
tornou-se famosa na História da Filosofia por sua simplicidade e
por ser intuitiva. Ainda nos dias atuais muitos livros de filosofia
são escritos para discutir esta resposta e por qual razão ela
não soluciona o problema filosófico do conhecimento. Iremos
acompanhar o raciocínio de George Moore na sua tentativa de
responder ao Ceticismo.

Nosso objetivo é aprender até que ponto os argumentos do Senso


Comum são frutíferos na tentativa de solucionar o problema
filosófico do conhecimento, a partir do momento que questionam
o problema filosófico do conhecimento, alegando não ser claro o
que a Metafísica determina como sendo um objeto exterior e o
que determina como objeto interior.

17
Universidade do Sul de Santa Catarina

Unidade 6 – Filosofia da linguagem e o problema do conhecimento


Nesta unidade, iremos estudar o ponto de vista de que a resposta
ao problema filosófico do conhecimento é possível apenas
pela ciência ou pelos métodos científicos de investigação. Este
argumento foi proposto pelo filósofo Norte Americano Willard
Quine.

Vamos estudar o argumento de Quine como sendo a proposta


de que não se pode responder ao problema filosófico do
conhecimento, porque vemos nosso conhecimento do mundo
como se olhássemos o mundo “de fora”, como se fôssemos
espíritos flutuantes. O argumento de Quine visa “naturalizar” o
conhecimento, isto é, torna o ato de conhecer algo que faz parte
da natureza humana e não um ato exterior do ser humano, tal
como construir alguma coisa ou mover algum objeto.

Nosso estudo nesta unidade tem por objetivo tentar compreender


o argumento de que conhecer é algo natural em nós e que,
portanto, o problema filosófico do conhecimento não existe ou,
ao menos é uma questão mal formulada por parte dos filósofos.
O Argumento de Quine é importante, pois nos faz tocar na
questão da Ciência Cognitiva, isto é, o estudo científico do
conhecimento enquanto informação tornada natural pelo corpo
humano ou pelo cérebro humano. O argumento de Quine
é fundamental para compreender o nascimento da Ciência
Cognitiva.

Nosso estudo deste argumento, entretanto, não vai tão longe. O


que pretendemos é considerar a resposta de Quine ao problema
filosófico do conhecimento e até que ponto é uma resposta
adequada às exigências do cético cartesiano.

Unidade 7 – Fundacionalismo
Nesta unidade, iremos estudar o ponto de vista de que a resposta
ao problema filosófico do conhecimento é possível apenas
pela ciência ou pelos métodos científicos de investigação. Este
argumento foi proposto pelo filósofo Norte Americano Willard
Quine.

Vamos estudar o argumento de Quine como sendo a proposta


de que não se pode responder ao problema filosófico do

18
Teoria do Conhecimento I

conhecimento, porque vemos nosso conhecimento do mundo


como se olhássemos o mundo “de fora”, como se fôssemos
espíritos flutuantes. O argumento de Quine visa “naturalizar” o
conhecimento, isto é, torna o ato de conhecer algo que faz parte
da natureza humana e não um ato exterior do ser humano, tal
como construir alguma coisa ou mover algum objeto.

Nosso estudo nesta unidade tem por objetivo tentar compreender


o argumento de que conhecer é algo natural em nós e que,
portanto, o problema filosófico do conhecimento não existe ou,
ao menos é uma questão mal formulada por parte dos filósofos.
O Argumento de Quine é importante, pois nos faz tocar na
questão da Ciência Cognitiva, isto é, o estudo científico do
conhecimento enquanto informação tornada natural pelo corpo
humano ou pelo cérebro humano. O argumento de Quine
é fundamental para compreender o nascimento da Ciência
Cognitiva.

Nosso estudo deste argumento, entretanto, não vai tão longe. O


que pretendemos é considerar a resposta de Quine ao problema
filosófico do conhecimento e até que ponto é uma resposta
adequada às exigências do cético cartesiano.

19
Agenda de atividades / Cronograma
„„ Verifique com atenção o EVA, organize-se para acessar
periodicamente a sala da disciplina. O sucesso nos seus
estudos depende da priorização do tempo para a leitura,
da realização de análises e sínteses do conteúdo e da
interação com os seus colegas e professor.
„„ Não perca os prazos das atividades. Registre no espaço
a seguir as datas com base no cronograma da disciplina
disponibilizado no EVA.
„„ Use o quadro para agendar e programar as atividades
relativas ao desenvolvimento da disciplina.

Atividades obrigatórias

Demais atividades (registro pessoal)


1
unidade 1

Argumentação filosófica

Objetivos de aprendizagem
Ao final desta unidade você terá subsídios para:

n Conhecer à técnica de argumentação filosófica.

n Identificar conclusões de argumentos filosóficos.

n Apreender a explorar conseqüências de argumentos.

Seções de estudo
Seção 1 Aprendendo sobre argumentos
Seção 2 Argumentos filosóficos
Universidade do Sul de Santa Catarina

Para início de estudo


O objetivo desta unidade é estudarmos os instrumentos
básicos com os quais trabalha o filósofo. Normalmente temos
a concepção de que o filósofo é uma pessoa preocupada com
questões que não nos atingem no dia-a-dia. Acreditamos,
também, que a filosofia trabalha com ideias. Eis dois conceitos
anteriores que esta unidade ajudará a superar.

Para viabilizar este estudo e das demais unidades apresentamos a


seguir, uma estória sobre o conhecimento elaborado pelo filósofo
John Pollock. Acompanhe:

Uma estória sobre o conhecimento

(Obs: os parágrafos foram numerados para facilitar a


indicação dos mesmos no texto do presente livro).

/1/ Tudo começou numa quinta-feira à noite. Eu estava


sozinho em meu escritório observando pela janela a
chuva que caia nas ruas desertas lá fora. Foi então que o
telefone tocou. Era Anne a esposa de Harry e ela parecia
terrificada. Ela me contou que estavam sozinhos em seu
apartamento preparando a última refeição do dia quando
a porta da frente do apartamento veio a baixo e por ela
entraram seis homens encapuzados. Os homens estavam
armados e obrigaram Harry e Anne a deitarem-se no
piso do apartamento com o rosto para baixo. Um dos
homens passou a examinar os bolsos de Harry até que
encontrou sua carteira de motorista. Examinou a carteira
por algum tempo, comparando a foto com o rosto de
Harry. Após algum tempo de exame falou para os
outros “OK! É ele mesmo”. Dito isto retirou do bolso
uma agulha hipodérmica e introduziu na veia do braço
de Harry uma substância que o fez perder a consciência
quase que imediatamente. Por alguma razão que Anne
desconhece, eles não fizeram o mesmo com ela. Apenas
a amarram e deixaram no piso do apartamento. Dois
outros homens, vestidos de branco e usando máscaras
entraram no apartamento conduzindo uma maca sobre
rodas. Colocaram o corpo inerte de Harry sobre ela
e o cobriram com lençóis brancos. Imediatamente
conduziram a maca para fora do apartamento.
Todos partiram e Anne ficou imobilizada no piso do
apartamento. Ela conseguiu lutar para se soltar e ainda
conseguiu ir aos pulos até a janela do apartamento a

22
Teoria do Conhecimento I

tempo de ver os sujeitos colocarem a maca com Harry


sobre ela, dentro de uma ambulância. Partiram à toda
velocidade.

/2/ No momento em que me telefonava ela já havia se


livrado das amarras. Antes disto telefonou para a polícia
para fazer uma denúncia de seqüestro. Para sua surpresa
não vieram policiais normais e sim dois homens vestindo
terno e gravata e nada amistosos. Eles, sem nem mesmo
examinar a cena do ocorrido, disseram para ela que
nada poderiam fazer e que se ela soubesse o que era bom
para ela, deveria manter silêncio sobre o ocorrido. Caso
comunicasse a mais alguém, eles lançariam sobre ela a
acusação de que era paranóica e nunca mais iria ver seu
marido novamente.
/3/ Não sabendo o que mais fazer, Anne telefonou para
mim. Ela ainda teve a presença de espírito de anotar
a placa da ambulância e eu não tive dificuldades em
encontrá-la estacionada numa clínica nos arredores do
centro da cidade. Quando cheguei mais próximo da
clínica fiquei surpreso em notar que era mais reforçada
que uma fortaleza militar. Havia guardas na entrada
e muros altos ao redor de todo prédio. Como eu tive
treinamento militar me esforcei para superar os muros
altos e penetrar dentro da clínica. Todas as janelas do
piso térreo possuiam grades de proteção. Assim, tive
trabalho de soltar uma das grades da janela que, por
sorte, alguém deixou aberta. Quando entrei percebi
que estava num laboratório. Ouvi vozes abafadas numa
sala ao lado, caminhei pelo corredor com todo cuidado
e espiei pelo buraco da fechadura o que ocorria dentro
daquela sala. O que pude ver era como que uma sala de
operações com uma equipe de cirurgiões conversando e
trabalhando sobre a maca em que se encontrava o corpo
inerte de Harry. Ele estava coberto com tecido usado
em cirurgias e parecia que saiam tubos da parte superior
de seu corpo. Tive de conter um grito quando percebi
que eles haviam removido a parte superior do crânio
de Harry. Para minha consternação, um dos cirurgiões
pôs as mãos enluvadas dentro do crânio de Harry e
retirou de lá seu cérebro e o colocou numa cuba de aço
inoxidável. Os tubos e conexões que vi estavam agora
ligados ao cérebro, fora do corpo, de Harry. Os cirurgiões
transportaram o cérebro de Harry cuidadosamente até
um tanque cheio de um líqüido irreconhecível. Minha
primeira impressão foi a de que eu estava presenciando
uma espécie de ritual moderno satanista que faziam suas
magias através da vivecção de cérebros das pessoas. Meu

Unidade 1 23
Universidade do Sul de Santa Catarina

segundo pensamento foi o de que Harry nunca teve, de


fato, um cérebro e que aquela rotina era normal.
/4/ Minhas especulações foram interrompidas quando
luzes apareceram atrás de mim e, ao me voltar, me
deparei com os tipos de cirurgiões mais assustadores que
já havia conhecido. Eles me imobilizaram e conduziram
a uma sala colocando meu corpo sobre uma mesa de
cirurgia. Logo pensei “É minha vez agora!” Podia ouvir
as vozes dos médicos atrás de mim, mas não conseguia
observar o que faziam. Talvez estivessem decidindo
meu futuro. Neste momento uma porta se abriu e pude
ouvir a voz de uma mulher. A maneira como os médicos
malignos se comportaram com a presença da mulher
permitiu saber que ela era a chefe de todos. Eu tentava ver
quem era a mulher, mas a forma como estava amarrado
à mesa não permitia. Foi então que ela se aproximou e
olhou diretamente para meu rosto. Fiquei surpreso ao
reconhecer minha secretária Margot. Comecei a pensar
se tudo aquilo era devido a uma negativa de aumento de
salário que lhe neguei no Natal. Era Margot, mas uma
Margot diferente daquela que eu sempre conhecera.
Ela usava uma entonação autoritária quando se dirigiu
a mim “Bem Mike, você acreditou que era uma cara
esperto, seguindo Harry até a clínica”. Mesmo nesta
situação ela ainda mantinha uma voz sexy, apesar de eu
não estar pensando sobre isto naquele momento. Ela
continuou falando “Tudo isto foi um truque para trazê-lo
até aqui. Você viu o que ocorreu com Harry. Mas, sabe,
ele não está totalmente morto. Aqueles cavalheiros são
neurocientistas premiadíssimos no mundo todo. Eles
desenvolveram um procedimento cirúrgico com o qual
podem remover o cérebro de um corpo e, mesmo assim,
manter o cérebro vivo numa cuba com nutrientes. Por
certo que o departamento de saúde pública não aprovaria
o procedimento, nem nós apresentaremos este fato a
eles. Você vê todos aqueles tubos e conexões saindo do
cérebro de Harry? Eles o conectam a um super-poderoso-
computador. O computador monitora o output do córtex
em provê um input no córtex sensório de tal forma que
tudo parece normal para Harry. São produzidas ficções
mentais da vida que combinam perfeitamente com suas
lembranças do passado de tal forma que ele não sabe
nada do que está lhe ocorrendo de fato. Ele acredita que,
neste momento, está se aprontando para ir ao escritório.
Contudo, ele nada mais é que um cérebro numa cuba”.
/5/ Ela continuou me explicando “Uma vez que nosso
procedimento tenha sido completamente testado
iremos até o Departamento de Administração de
Drogas (FDA). Contudo, ainda necessitamos de mais
algumas experiências iniciais. Com Harry foi fácil. Mas

24
Teoria do Conhecimento I

necessitávamos de alguém com uma vida mais variada e


interessante para realizar testes com nossos Softwares:
alguém como você!” Neste momento eu me preparei para
começar a gritar por socorro. Os cirurgiões reuniram-
se em torno a mim com olhares malévolos. Um dos
cirurgiões ainda segurava um bisturi ensangüentado na
mão se aproximou de mim, mal contendo sua excitação.
Mas Margot aproximou-se mais de meu ouvido e
disse”Aposto que você está pensando que vamos operar
você e retirar seu cérebro, tal com fizemos com o Harry,
não é? Mas você não tem do que se assustar. Nós não
vamos remover seu cérebro. Nós já o fizemos, de fato, a
três meses atrás”.
/6/ Com isto, me deixaram sair. Encontrei o caminho
de volta ao meu escritório numa espécie de torpor. Por
alguma razão, eu não contei nada disto a outras pessoas.
Eu não conseguia acreditar naquela experiência que
vivenciei na clínica. Contudo, algumas marcas ficaram.
Me sinto atônito com a suspeita de que eu sou, de fato,
um cérebro numa cuba e tudo que vejo ao meu redor é
apenas invenção daquele software maligno. Além disto,
como poderia contar? Se o programa do computador
realmente funciona, não importa o que eu faça, tudo
parecerá normal para todas as pessoas. Talvez tudo que
eu veja não seja real! Esta possibilidade está me deixando
maluco. Estou considerando a possibilidade de ir até
aquela clínica voluntariamente e pedir que removam meu
cérebro apenas para que eu tenha certeza de que vivo
num mundo real.
/7/ Mike é um sujeito de sorte, pois Margot lhe contou
o que havia lhe ocorrido. Talvez ele não seja um cérebro
numa cuba. Não há como ele ter certeza. Se você meditar
sobre o caso, talvez nem você tenha certeza de que “não”
seja um cérebro numa cuba. Quais as evidências que você
possui de que sua percepção do mundo é real? Será que
sua visão, tato, olfato, audição são de coisas reais, ou são
fruto de inputs do software maligno? Todo o mundo
que você vê e com o qual corresponde, pode ser uma
ficção. Se você não consegue provar que não é um cérebro
numa cuba, então também não consegue provar que o
conhecimento do mundo material é possível. Você está
diante de um problema cético!
Autor: John Pollock (traduzido e adaptado para o
português pelo autor, 2008).

Unidade 1 25
Universidade do Sul de Santa Catarina

Seção 1 - Aprendendo sobre argumentos


Em primeiro lugar, o material de trabalho da filosofia são
argumentos. Em breve vamos saber o que isto significa. Em
segundo lugar, a filosofia não tem nada a ver com “ter” ideias ou
não. O filósofo não lida com ideias. Isto pela razão de que, ideias
todos nós temos, contudo, poucos de nós conseguem transformá-
las em argumentos, pois algumas ideias não são passíveis de
serem discutidas ou analisadas. Vamos a exemplos.

Considere a seguinte ideia “O mundo é feito de tristezas”. Apesar


de parecer uma informação esta afirmação é uma opinião.
Uma informação é o
conteúdo de uma frase Outro exemplo “O amor é perigoso”. Não posso provar que é
que pode ser investigado uma afirmação verdadeira ou falsa. Logo, não [é] informa.[ção]
de maneira empírica ou
não. Por exemplo “existem A filosofia trabalha com um tipo especial de ideias: apenas
almas penadas” , esta é aquelas que transmitem informações. As informações podem ser
uma frase que não contém
verdadeiras ou falsas, isto é, posso fornecer razões para elas ou
informação e sim uma
crença em almas penadas.
não. Assim, os meus dissabores amorosos não permitem dizer
Na discussão entre ateus que a afirmação “O amor é perigoso” é verdadeira. Em filosofia
e crentes é uma disputa preferimos dizer que trabalhamos com argumentos e que,
definir a afirmação”Deus portanto, fazer filosofia é trabalhar com a compreensão e análise
existe” ou “Deus não
de argumentos. No nosso caso trabalharemos com argumentos
existe” como informação
ou como opinião ou
filosóficos sobre o conhecimento. Esta unidade visa explicitar um
crença. pouco mais o que até agora foi dito sobre os argumentos.

Vamos nos aprofundar um pouco mais no estudo dos


argumentos. Por definição um argumento é um conjunto de
proposições afirmativas estruturado de tal forma que a verdade
Propriedade auto-reguladora de um de uma das proposições está em função da verdade das outras.
sistema ou organismo que permite Parece uma definição complicada, mas não é!
manter o estado de equilíbrio de
suas variáveis essenciais ou de seu Veja: no seu dia-a-dia você tenta provar para seus colegas e
meio ambiente
amigos que várias coisas são verdadeiras em função de outras.
Para fazer isto você constrói afirmações. Tudo ficaria bem se seus
amigos e amigas aceitassem, sem questionamento, o que você diz.

Mas imagine que alguns deles, não aceitam sua afirmação como
verdadeira. Ora, você imediatamente lhes dá uma prova.

26
Teoria do Conhecimento I

Por exemplo, você afirma para eles que a temperatura


do mar determina a temperatura do ar acima dele.
Você pretendeu afirmar que quando o mar está
gelado o ar acima dele também estará gelado. Vamos
chamar esta afirmação de (A). Alguns de seus amigos
concordam, mas outros podem discordar de (A),
afirmando coisas como “O ar frio congela o mar” ou “O
mar está gelado, mas o vento também é gelado” ou
“Não há ligação entre uma coisa e outra”.

Você terá então de fornecer provas de sua afirmação (A) e


determinado tipo de provas que convençam seus amigos. Ou seja,
não é qualquer prova que você poderá fornecer. Por exemplo, não
adianta você dizer “Ouvi no rádio” ou “Meu vizinho, que é uma
pessoa de confiança me disse”. Não! Você terá de fornecer provas
que conduzam seus amigos a aceitarem sua afirmação, ou seja,
você irá lhes fornecer outras informações relevantes para provar
o que você disse. Através destas informações eles aceitarão (A).

Digamos que depois de uma pesquisa na biblioteca você consiga


as seguintes informações adicionais sobre sua afirmação principal:
(1) A água tem temperatura superior à do ar, pois é mais densa
que o ar, (2) é necessário mais tempo de aquecimento para fazer
a água esquentar do que o ar e, por fim, (3) a mesma quantidade
de ar e de água aquecem em tempos diferentes. Então, o que você
conseguiu são informações extras que servem de prova para sua
afirmação (A).

Podemos reconstruir toda sua argumentação da seguinte forma:

(1) A água tem temperatura superior a do ar, pois é mais densa


que o ar;

(2) A mesma quantidade de ar e de água aquecem em tempos


diferentes;

(3) É necessário mais tempo de aquecimento para fazer a água


esquentar do que o ar;

Logo:

(4) A temperatura do mar determina a temperatura do ar acima


dele.

Unidade 1 27
Universidade do Sul de Santa Catarina

Veja que a afirmação (4) é sua afirmação original (A), ainda que
modificada em algumas palavras ela tem o mesmo conteúdo do
que você afirmou. Era esta afirmação que você pretendia que
eles aceitassem como verdadeira. Já as afirmações (1), (2) e (3)
são as provas de sua afirmação (A). Outra coisa a notar é que
as afirmações que servem como prova, podem ser verificadas,
isto é, elas podem ser provadas através de métodos científicos ou
experimentais.

Não esqueça que você foi à biblioteca fazer uma investigação


mais detalhada sobre sua afirmação inicial (A). Relembre
agora daquela afirmação que utilizamos mais acima “O amor
é perigoso” (B). Não há como fornecer provas informativas da
mesma forma que fornecemos para o exemplo (A). Assim, apesar
de (B) ter a forma de uma informação, ela é uma opinião ou uma
expressão de tristeza, mas não uma informação.

A lição que retiramos disto tudo é a seguinte: não


podemos afirmar que a filosofia trabalha com
“ideias”, pois tanto (A) quanto (B) são ideias, mas há
um diferença entre elas: (A) busca ser verdadeira
enquanto que (B) pode ser verdadeira sobre o sujeito
que a afirma, mas não do amor. Assim, se você for
até a biblioteca buscar maiores informações sobre os
perigos do amor, não irá encontrar nada. Os filósofos,
portanto, trabalham com o tipo de argumento
exemplificado em (A).

Além disto, cada parte daquele seu raciocínio que reconstruímos


possui um nome especial. Vejamos:

„„ (1), (2), (3), (4) são proposições


„„ (1), (2), (3) são premissas (provas)
„„ (4) é uma conclusão.
Quando raciocinamos e chegamos a afirmação (4) através de (1),
(2) e (3) dizemos que elaboramos uma inferência.
Inferência significa tirar uma
conclusão por meio do raciocínio. No Uma grande parte do trabalho do Filósofo é compreender se as
caso, dadas as premissas, inferimos premissas conduzem ao resultado esperado. O filósofo gostaria
uma conclusão.
de reduzir todas as afirmações ao estilo de (A). Nem sempre
é possível. Na Teoria do Conhecimento esta tarefa de redução

28
Teoria do Conhecimento I

fica mais fácil devido ao tema com que tratamos, isto é, os


argumentos são mais determinados.

Não pense que os argumentos estão apenas nos livros e nos


pensamentos dos filósofos: os advogados os usam bastante, juízes
quando dão seu veredito fornecem conclusões (um veredito é uma
conclusão), os políticos nos debates também usam de argumentos
e o próprio ensino é uma forma de argumentar.

Será que isto esclareceu um pouco qual é o trabalho


do filósofo e com qual material ele lida?

Vamos utilizar outro exemplo. Vamos examinar o argumento do


Filósofo Alemão Gottfried Leibniz que escreveu o seguinte no
prefácio de seu livro Ciência Geral:

“Como a felicidade consiste na paz


de espírito e como a duradoura paz
de espírito depende da confiança que
tenhamos no futuro, e como essa
confiança é baseada na ciência que
devemos ter da natureza de Deus e da
alma, segue-se que a ciência é necessária
à verdadeira felicidade”.

Figura 1.1 - Gottfried Leibniz (1646-1716) Filósofo, matemático e político alemão. Disputa com
Isaac Newton a invenção do cálculo infinitesimal. Tal disputa causou acirrada discussão entre os
acadêmicos da época.

Fonte: disponível em < http://web.arch.usyd.edu.au/~sriz8189/leibniz.jpg>

Veja como Leibniz encadeia suas afirmações com a ligação “e”


e “segue-se”. Se fizermos um resumo do que Leibniz está nos
dizendo, teríamos o seguinte “Devemos conhecer a ciência para
sermos felizes”, mas como ele quer provar que isto é verdadeiro,
então, ele fornece outras informações adicionais, que são as
premissas. As informações adicionais lhe conduzem a aceitar a
conclusão. Se você discordar dele – o que não é proibido – você
deverá fornecer as provas (premissas) que “não” conduzem a
afirmação final dele.

Unidade 1 29
Universidade do Sul de Santa Catarina

Note que Leibniz não fez como nós que numeramos nossas
afirmações para facilitar. Mas, normalmente, os filósofos nos
avisam que irão fornecer provas e que irão concluir alguma
afirmação e sempre que fazem isto eles buscam afirmar alguma
verdade, isto é, fornecer alguma informação. Então, não se
assuste com os argumentos, eles são inofensivos e facilitam nossa
compreensão. Nossa dificuldade é que no nosso dia-a-dia, não
construímos argumentos desta forma.

Se afirmarmos que “o automóvel Gol é mais


econômico que o Chevrolet Astra” e não fornecemos
as provas, pois a informação já é de domínio comum.
Quem conhece alguma coisa sobre automóveis sabe
que o Chevrolet Astra usa mais combustível que o
automóvel Gol. Contudo, o trabalho do filósofo é
construir ou pedir as provas desta informação.

Devemos notar algumas coisas sobre os argumentos pelo que até


agora foi dito. Confirme.

„„ Argumentos são informativos.


„„ A informação de um argumento está contida na sua
conclusão.
„„ Sempre que argumentamos devemos fornecer as provas
(premissas) de nossa conclusão.
„„ Argumentos são conjuntos de afirmações, mas nem todas
as afirmações contidas num argumento são a conclusão,
algumas são premissas.
„„ Nos argumentos as premissas são indicadas por “e”,
“tendo em vista que”, “dado que”, “supondo que”,
“partindo de que...” entre outras. As conclusões são
marcadas por expressões como “Logo”, “sendo assim”,
“infere-se que”, “segue-se que”, “portanto”, entre outras.

30
Teoria do Conhecimento I

SEÇÃO 2 - Argumentos filosóficos


Será que já estamos prontos para trabalhar com argumentos da
Teoria do Conhecimento? Vamos tentar? Bem, releia o final da
estória sobre o conhecimento que está no início do livro. Mike
está desesperado com a incerteza de não saber se vive num
mundo real ou num mundo de ficção. Ou seja, se é ou não um
cérebro numa cuba que está sendo manipulado por um cientista
maléfico.

Nosso problema é apresentar uma resposta ou caminho de


resposta que elimine a dúvida de Harry e que, ao mesmo tempo,
não permita que outras pessoas tenham a mesma dúvida de
Harry. Assim, a resposta que buscamos deve ser verdadeira,
inegável e indubitável (que não resta dúvida quanto à sua
veracidade).

Você poderia afirmar “Basta que Mike pergunte a uma pessoa


ao seu lado se o mundo é real ou não” ou você poderia afirmar
“Basta beliscar o braço de Mike para que a dor do beliscão lhe
prove que vive num mundo real”. Bem, estas afirmações parecem
bastante coerentes. Mas, o que elas provam? Que Mike está
vivendo num mundo real?

Infelizmente não!

Lembre-se que Mike já tinha sido submetido à cirurgia maluca


na qual seu cérebro já havia sido ligado ao computador (veja o
final do parágrafo 5 da estória). E que, portanto, ele está correto
em duvidar da realidade que vê. Além disto, um beliscão,
segundo a estória, poderia ser apenas mais uma invenção do
computador maligno. Isto é, o computador simularia o beliscão,
bem como simularia a pessoa ao lado de Mike e, assim, Mike
acreditaria estar vivendo na realidade quando, de fato não está.
Então, a afirmação “É necessário que Mike sinta alguma coisa
da realidade” para que saiba que vive num mundo real e não de
fantasia.

Unidade 1 31
Universidade do Sul de Santa Catarina

Se você leu a estória com atenção, então, já percebeu que os


cientistas malignos eliminaram o limite entre real e irreal.
Ou seja, a estória quer lhe conduzir a pensar em quais são os
critérios pelos quais você diz que algo é real ou irreal.
Critério significa parâmetros pelos
quais julgamos como ou o que as A única forma de Mike ter certeza de que vive no mundo real
coisas são para distinguir o erro da é se encontrar algum tipo de conhecimento que os cientistas
verdade. malignos não possam fabricar no computador.

Mas como encontrar este tipo de conhecimento?

Vamos pensar naquelas sugestões que foram dadas mais acima:

S1 Perguntar a alguém se vê a mesma coisa que vemos.

S2 Pedir que alguém nos belisque.

Tanto em um caso como no outro, que tipo de afirmação está


pressuposta? Pense.

Em S1 está pressuposto que existem pessoas reais, diferentes de


Pressuposto significa que uma nós e que podem ou não ver o mesmo que vemos. O argumento
circunstância ou acontecimento funcionaria assim: digo que está chovendo e peço para uma
é antecedente a um outro, sem
pessoa confirmar. Devo, então, acreditar que esta a pessoa
que seja explicitado. Também
significa “dar a entender” algo sem existe independente de eu a ver, isto é, a existência da pessoa é
pronunciá-lo. independente de minha imaginação. Contudo, o que estamos
pedindo para a pessoa é que ela confirme que estamos vendo a
chuva, mas a própria pessoa pode ser uma criação dos cientistas
malignos. Portanto, quer a pessoa diga sim, que está chovendo,
quer diga que não está chovendo, o fato de que existe uma outra
pessoa é o que está em questão.

Como sei que é uma pessoa real e não uma criação dos cientistas
malignos? Logo, perguntar para alguém nada prova (veja o início
do parágrafo 6 da estória). Quanto à S2, devemos concordar que
um beliscão no braço é algo radical, pois a dor seria uma prova de
que algo é real.

Teríamos vencido a dúvida? Você crê que já têm uma prova


final? Infelizmente, mesmo a dor pode ser criada pelo cientista
maligno, tanto quanto a pessoa que nos belisca. Releia a estória.

32
Teoria do Conhecimento I

Não é por pouca coisa que Mike ficou com vontade de voltar
ao laboratório e pedir que removam seu cérebro e o coloquem
novamente no seu crânio. Desta forma ele teria certeza de que
vive num mundo real.

Como você pode ver a preocupação dos filósofos quanto aos


argumentos, não é apenas a de fornecer respostas, mas também
a de tentar fundamentá-las de tal maneira que não sejam
questionadas. Os argumentos devem estar firmes, por assim
dizer, para resistir aos ataques da dúvida. Você viu acima que as
duas respostas mais óbvias, possuem contra-argumentos que as
anulam.

As discussões em filosofia, normalmente, se dão sobre diferentes


análises de argumentos elaborados por outros filósofos. Em
Teoria do Conhecimento nos discutimos argumentos que
são propostos com a finalidade de “fundamentar” a nossa
compreensão do que possa ser conhecimento.

Não espere que um filósofo lhe responda a uma questão do tipo:


“O que é....?”. Substitua as reticências por qualquer conceito e
você terá uma questão que, se for filosófica (o que é o tempo?)
sua resposta é uma definição (chamamos de tempo....). Se ele
for honesto irá lhe lançar uma outra pergunta. Por outro lado,
sua pergunta poderá ser respondida através da experiência,
por exemplo “qual a altura de N”. Neste caso, não temos uma
pergunta filosófica.

Na história da filosofia temos o exemplo de Sócrates que foi um


exímio perguntador. Sócrates questionava os atenienses sobre
várias coisas, por exemplo ele perguntava “O
que é o bem?”, “O que é justiça?”, O que é a
verdade?” e assim por diante. Os atenienses
em resposta lhe apontavam algum héroi ou
algum deus do olimpo grego. Sócrates não
aceitava a resposta, pois ela apenas apontava
para um caso da verdade ou do bem, ou da
justiça. No entanto, não respondia a questão:
O que é justiça?
Figura 1.2 - Sócrates (470 - 399 a.C.)

Unidade 1 33
Universidade do Sul de Santa Catarina

Veja como o argumento na filosofia é importante: quando um


ateniense respondia à Sócrates, dizendo que a justiça era como o
deus “X”, o ateniense acreditavam que havia eliminado a questão.

Contudo, de fato Sócrates ainda lhe perguntava “E por qual


razão o deus ‘X’ é a justiça? De onde veia justiça para que eu
possa reconhecê-la e atribuir ao deus ‘X’ a característica de ser
justo?”. A resposta que Sócrates buscava era uma definição e não
o apontar para uma experiência ou um caso específico.

Assim, quando os filósofos buscam construir seus


argumentos para provar algo eles consideram várias
possibilidades: as verdadeiras e as falsas. A Teoria
do Conhecimento é esta busca pelo conhecimento
verdadeiro. Mas uma verdade que não seja
questionada pela dúvida, ou melhor, que se for
questionada pela dúvida, apresentará respostas que
anularão a dúvida.

Você verá mais a frente que muitos filósofos tentaram fornecer


uma resposta a quem põe o conhecimento em dúvida e afirma
que não existe fundamento de onde possamos construir nosso
conhecimento. Entretanto, todas estas respostas devem ser
analisadas enquanto consistências argumentativas e não como
teorias científicas. Acho que você entendeu qual a diferença, não é?

Em uma teoria científica nós temos indicações para elaboramos


investigações experimentais, isto é, nós temos a possibilidade de
realizar testes com objetos do mundo, medir resultados, refazer
os experimentos, criar novos instrumentos de experimentação,
etc. Na filosofia nós temos a análise dos argumentos e das
conseqüências destes argumentos. Este também é o objetivo da
Teoria do Conhecimento.

Assim, a questão da Teoria do Conhecimento


é: existe algum conhecimento indubitável?

Esta pergunta ainda continua sem resposta. Isto é, as possíveis


respostas que foram oferecidas através da história da filosofia
sempre apresentam alguns pontos obscuros e que devem ser

34
Teoria do Conhecimento I

reelaborados. Uma solução seria você aceitar um determinado


ponto de vista e arcar com o custo da falta de respostas a
determinadas perguntas. Contudo, em filosofia nós não adotamos
uma resposta por quê “gostamos” dela.

Antes, adotamos um ponto de vista argumentativo e tentamos


responder aos questionamentos que nos fizerem. Conforme o
custo, não vale a pena manter um ponto de vista.

Por exemplo: existe na Teoria do Conhecimento o ponto de vista


do Fenomenalismo. Segundo este ponto de vista, a realidade é
uma criação da percepção humana. O Fenomenalista não nega
que exista um mundo, o que ele afirma é que o mundo que existe
é o mundo que nós percebemos. Assim, segundo o argumento
Fenomenalista, o que existe é o que é percebido.

O filósofo que defendeu este ponto de vista foi George Berkeley.


Conhecido por sua defesa de um tipo de idealismo radical,
denominado Fenomenalismo. Seu nome foi dado a uma das
universidades da Califórnia em Berkeley, região que ele visitou
com o intuito de construir uma escola. Escreveu, entre outras
obras, Tratado sobre os Princípios do Conhecimento Humano, Diálogos
entre Hylas e Filonous e Ensaio para Uma Nova Teoria da Visão.

Figura 1.3 – George Berkeley filósofo anglo-saxão nascido na Irlanda em Kilkenny em 1685 e falecido
em Oxford em 1753. Era Bispo da Igreja Anglicana.

Contudo o ponto de vista de Berkeley possui várias obscuridades,


por exemplo, quando não estamos percebendo um objeto ele
ainda existe? Como saber se não há observador? Além disto, não
é fato que nossos sentidos nos enganam? Logo, como garantir
que quando percebemos um objeto, podemos estar certos de que
o objeto é daquela forma mesmo? Bem, este é um exemplo de
argumento em Teoria do Conhecimento.

Unidade 1 35
Universidade do Sul de Santa Catarina

Assim, não se pode afirmar que Berkeley fornece uma resposta


definitiva. Ele apresentou argumentos, cabe aos filósofos analisá-
los para ver se respondem a questão principal: podemos construir
um conhecimento indubitável? Teremos de avaliar os argumentos
de outros filósofos que tentaram responder a esta questão.

Mas, como se trata de Filosofia, aprendemos muito mais com


as tentativas de responder à esta questão do que com a própria
resposta. É isto que veremos nas unidades seguintes deste livro.

Síntese

Aprendemos nesta unidade o que significa “argumentar” em


filosofia e como os filósofos fazem o estudo e análise dos
argumentos. Aprendemos, também, que nem toda afirmação
é uma informação, mas que pode ser uma opinião e que as
opiniões não são verdadeiras nem falsas, mas as informações
sim. Iniciamos assim, o aprendizado da análise de argumentos
da Teoria do Conhecimento. Você perceberá que o estudo desta
unidade é muito importante para as unidades seguintes, pois, em
Teoria do Conhecimento, nós não lidamos com questões que a
experiência poderia responder, e sim com argumentos.

Na filosofia, como você pode perceber, nós discutimos e


analisamos argumentos e não ideias ou experiências. Você ficou
sabendo, também, que as respostas às questões filosóficas são,
também, argumentos. Isto explica a razão pela qual não temos
“uma” resposta única em filosofia, mas sim respostas que podem
ser analisadas e criticadas. Por fim, você também já sabe qual a
questão que investiga a Teoria do Conhecimento: a busca por um
conhecimento verdadeiro e não dubitável.

36
Teoria do Conhecimento I

Atividades de autoavaliação

Ao final de cada unidade você realizará atividades de auto-


avaliação. O gabarito está disponível no final do livro didático.
Mas, esforce-se para resolver as atividades sem ajuda do
gabarito, pois, assim, você estará promovendo e estimulando sua
aprendizagem.

1) A partir dos dados discutidos nesta unidade, tente encontrar as


premissas e as conclusões nos seguintes argumentos:

a) “Ainda que exista um embusteiro, sumamente poderoso,


sumamente ardiloso, que empregue todos os seus esforços para
manter - me perpetuamente ludibriado, não pode subsistir
dúvida alguma de que existo, uma vez que ele me ludibria; e por
mais que me engane a seu bel prazer, jamais conseguirá que eu
não exista, enquanto eu continuar pensando que sou alguma
coisa. Então, uma vez ponderados escrupulosamente todos os
argumentos, tenho de concluir que, sempre que digo ou concebo
em meu espírito Eu sou, logo existo, esta proposição tem que ser
necessariamente verdadeira”. (René Descartes).

Premissa:

Unidade 1 37
Universidade do Sul de Santa Catarina

Conclusão:

b) “No que diz respeito ao bem e ao mal, estes termos nada


indicam de positivo nas coisas consideradas por si, nem são mais
do que modos de pensar ou noções que formamos a partir da
comparação de uma coisa com outra. Assim, uma só coisa pode
ser, ao mesmo tempo, boa, má ou indiferente. A música, por
exemplo, é boa para uma pessoa melancólica, má para uma que
está de luto, enquanto para um surdo não é nem boa nem má”.
(Benedito Espinosa)

Premissa:

38
Teoria do Conhecimento I

Conclusão:

c) É ilógico raciocinara assim: “Sou mais rico do que tu,


portanto, sou superior a ti. Sou mais eleoqüente do que tu,
portanto, sou superior a ti. È mais lógico raciocinar assim: Sou
mais rico do que tu, portanto, minha propriedade é maior que
a tua. Sou mais eloquente do que tu, portanto, meu discurso é
superior ao teu. As pessoas são algo mais do que propriedade ou
fala”.( Epiteto, filósofo grego).

Premissa:

Unidade 1 39
Universidade do Sul de Santa Catarina

Conclusão:

d) “A nenhum homem é consentido ser juiz em causa própria;


porque seu interesse certametne influirá em seu julgamenteo,
e, não improvavelmente, corromperá sua integridade”.( James
Madison - O Federalista, número X).

Premissa:

40
Teoria do Conhecimento I

Conclusão:

e) “Se dermos à eternidade o significado não de duração temporal


infinita mas de intemporalidade, então a vida eterna pertence
aos que vivem no presente.” ( Ludwig Wittgenstein- Tractatus
Logico-Philosophicus).

Premissa:

Unidade 1 41
Universidade do Sul de Santa Catarina

Conclusão:

42
Teoria do Conhecimento I

Saiba mais

Você poderá saber mais sobre os assuntos que foram estudados


nesta unidade consultando os seguintes textos:

„„ EWING, A C. As questões fundamentais da filosofia.


Rio de Janeiro: Zahar, 1984. O capítulo 1 é o mais
importante para esta unidade. Ewing é um filósofo que
tenta lançar argumentos e os explicar.
„„ CHAUÍ, Marilena, Convite ao Filosofar, São Paulo,
Ática, 1998. A parte importante é o capítulo 1 da
unidade 5 onde ela esclarece algo sobre a construção
lógica de argumentos. É uma breve introdução.
„„ COPI, Irving Introdução à Lógica, São Paulo,
Ed. Mestre Jou, 1979. Texto clássico de Lógica.
Nos primeiros capítulos Copi estuda a formação de
argumentos e como analisá-los.
Consulte também os seguintes sites:

„„ <http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/filosofia.htm>
„„ <http://www.cfh.ufsc.br/%7Ewfil/porchat.htm>
„„ <http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/russell2.htm>
„„ <http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/chisholm.htm>

Unidade 1 43
2
unidade 2

O ceticismo e suas exigências

Objetivos de aprendizagem
Ao final desta unidade você terá subsídios para:
n Compreender o problema do conhecimento.

n Entender o que significa o ceticismo no estudo do


conhecimento.
n Aprender a considerar vários aspectos de uma resposta

filosófica.
n Estudar aspectos da obra e da filosofia de René

Descartes.

Seções de estudo
Acompanhe as seções que você estudará nesta unidade.

Seção 1 Descartes e o ceticismo


Seção 2 A argumentação do cético cartesiano
Seção 3 Verdades da razão e verdades da experiência
Universidade do Sul de Santa Catarina

Para início de estudo


Nesta unidade vamos iniciar o estudo do problema do
conhecimento. Você identificará os filósofos que primeiro lançaram
dúvidas sobre a possibilidade do conhecimento verdadeiro e o
primeiro filósofo que tentou dar uma resposta bem elaborada para
o problema. Além disto, aprenderemos à testar nossas respostas ao
problema do conhecimento. Por fim, iremos compreender por qual
razão a investigação do conhecimento é tão importante.

Seção 1 - Descartes e o ceticismo


A estória que aparece nas primeiras páginas deste livro pode
lhe parecer estranha ou apenas ficção científica. Tudo bem,
existe ficção científica de péssima qualidade, quer dizer, você
logo percebe que a estória toda é ridícula. Entretanto, este não
é o caso da estória que lhe contei. Ela, de fato, contém grandes
doses de ficção científica. Mas, ajuda a compreender que com o
crescimento da ciência as hipóteses devem ser cuidadosamente
consideradas para só então serem descartadas.

Já se foi o tempo da ficção científica que mostrava formigas


gigantescas que invadiam uma cidade. As possibilidades
científicas no que diz respeito ao conhecimento do cérebro
são testadas em laboratório e algumas têm conseguido sucesso
surpreendente.

Por exemplo, pessoas que perdem parte do cérebro


devido a acidentes ou doenças, podem ter esta
parte compensada com o que sobrou do cérebro.
Os neurocientistas já realizaram uma “bissecção” do
cérebro. Explicando melhor, sabe-se que o cérebro
é composto por duas partes denominadas “corpo
caloso”. Estas duas partes estão ligadas entre si com
a base do cérebro. A “bissecção” consiste em desligar
uma parte problemática da outra sã. E você sabe o
que aconteceu? A parte que ficou ligada compensou a
ausência da outra.

46
Teoria do Conhecimento I

Veja bem, isto é ciência e não invenção. Portanto, se a “bisecção”


é possível, então a hipótese de retirada do cérebro e sua ligação
a um computador através de fibras sintéticas não é uma piada.
Ela é uma hipótese, algo possível, ainda que nunca tenha sido
realizada. Pode ser uma ficção, mas não é má ficção científica.
Além disto, como você já aprendeu na unidade anterior, os
filósofos não estão interessados em resultados científicos, mas
em conseqüências argumentativas. Logo, se você afirma que a
estória acima é uma mera brincadeira, então você deve conseguir
responder à duas questões básicas, quais sejam:

1. Você têm conhecimento científico atualizado que comprova a


impossibilidade prática e lógica de retirada do cérebro ou; 2. você
sabe que não é um cérebro numa cuba. Impossibilidade prática
significa que não é
Para responder a questão (1) você precisa de informações atualizadas possível ter determinada
das investigações empíricas realizadas por cientistas, já para experiência, pois não
existem meios de criá-
responder a questão (2), você precisa de argumentos filosóficos. Mas
la, exemplo - túnel do
você perguntará, por qual razão necessito responder a questão (2) se tempo; impossibilidade
é diferente da questão (1)? Bem, é porque a questão (2) é um assunto lógica, significa que
filosófico e não empírico. Mesmo que você responda a questão (1) algo é impossível de ser
e comprove a impossibilidade prática da remoção do cérebro vivo e pensado, exemplo - um
círculo quadrado, andar
sua ligação a um supercomputador, a questão (2) ainda necessita ser
para frente e para trás ao
respondida, pois apenas admite respostas oriundas das considerações mesmo tempo. Contudo,
filosóficas sobre como adquirimos conhecimento do mundo exterior. imaginar que se possa criar
Ou seja, trata -se de Teoria do Conhecimento. uma ligação entre uma
camêra ótica e os nervos
Bem, após estes comentários sobre a estória você vai estudar um que óticos de uma pessoa cega
viveu no século XVI e que elaborou uma estória muito parecida. não é uma impossibilidade
lógica, apesar de ser uma
Por sinal, a estória dos cérebros numa cuba é baseada numa parte da
impossibilidade prática.
argumentação deste filósofo. O filósofo de que falo é René Descartes

Figura 2.1 - René Descartes (1596-1650). Filósofo, matemático e físico do século XVI. Além de obras importantes
no campo da filosofia, foi matemático fecundo na área da geometria criando a geometria analítica.

Fonte: Disponível em < http://faculty.uml.edu/enelson/images/Descartes.jpg>

Unidade 2 47
Universidade do Sul de Santa Catarina

Descartes viveu entre os anos de 1596 e 1650, estudou direito


Você deve pronunciar “de-car-te” e e foi soldado, chegando a participar de algumas batalhas.
não “des-car-tes” pois, René nasceu
Descartes foi um gênio matemático e filosófico, desevolvendo
na cidade de Chartrês na atual
França e o “Des” é a indicação deste
teoremas da Geometria Analítica que estudamos até hoje no
local de nascimento; em francês o ensino médio, (você deve lembrar da expressão plano cartesiano?).
“s” é mudo, não se pronuncia. Por Elaborou outras descobertas na Matemática como os polinômios,
isto, o correto é dizer “de-car-te”) foi o primeiro filósofo a estudar do sistema de circulação
sangüínea e o cérebro humano. Investigou como funcionava a
visão humana e desenvolveu algumas ideias na área da Física e da
Ótica.

A obra filosófica de Descartes é também genial: escreveu sobre


os sentimentos humanos – ódio, amor, ciúme, etc – numa obra
chamada As Paixões da Alma, escreveu também sobre o método
de investigação das ciências num livro intitulado Discurso
do Método e tratou de refletir sobre como ensinar a pensar
corretamente na sua obra chamada Regras para a Direção do
Espírito.

Em todas estas obras Descartes baseava seus argumentos na


existência de conhecimentos racionais inqüestionáveis. Em 1641
ele escreve uma obra para provar racionalmente a existência da
alma, do mundo e de Deus, tudo comprovado através da razão.
Daí dizer-mos que Descartes é um racionalista, isto é, um de
filósofo que defende a razão como mais certa e segura que a
experiência.

Para Descartes a ciência por excelência era a Matemática, todas


as outras ciências e conhecimentos deveriam se adequar aos
métodos da matemática. Esta obra é intitulada Meditações de
Filosofia Primeira e consiste em seis meditações.

O objetivo de Descartes era demonstrar que a razão é


a fonte de toda e qualquer prova tanto nas questões
de conhecimento quanto nas questões de teologia
e que, qualquer prova obtida através da razão é
equivalente a uma regra da Matemática.

As Meditações de Descartes é a obra que mais nos interessa no


momento, principalmente as duas primeiras meditações, pois
é nelas que você encontrará o argumento cético de onde foi
elaborada a estória sobre os cérebros numa cuba.

48
Teoria do Conhecimento I

Antes disto porém , vamos conhecer um outro tipo de filósofo, os


chamados “céticos”.

O fundador da escola cética foi Pirro de Ellis (320 a.C – 270


d.C). Ele acreditava que as coisas são incognoscíveis (não podem
ser conhecidas), com isto você deveria suspender todo e qualquer
julgamento, isto é, você não deve dizer o que uma coisa é e sim,
dizer “Pelo que podemos entender até agora...”. Fazendo isto você
não entraria em discussões e, portanto, não perturbaria sua alma.
O fim almejado por Pirro era a paz da alma, que em grego se diz
“ataraxia”, um estado de não-perturbação pelas dúvidas.

Figura 2.2 - Pirro de Elis (365 a.C. e 270 a.C. Foi contemporâneo de Alexandre, o Grande, de cujas
expedições participou. Fonte: Disponível em <http://www.constelar.com.br/constelar/120_junho08/
ceticismo.php>

A academia de Pirro, durou um certo tempo depois de sua morte,


mais precisamente até 88 d..C. Após esta data foi praticamente
esquecida. No ano 150 d.C. um médico chamado Sexto
Empírico, do qual não temos data de nascimento nem morte,
publicou uma obra que se supõe ser uma compilação das ideias
de Pirro de Ellis. Contudo, Sexto Empírico já não visa mais um
ponto de vista ético ou de paz da alma e sim o da negação de
toda possibilidade de conhecer.

Para ele, como nada pode ser conhecido, nada pode ser
investigado. Portanto, devemos nos adequar ao comportamento
comum dos outros seres humanos. Há uma afirmação
interessante que Sexto atribui à Pirro: segundo Pirro nada
pode ser ensinado, pois ou você ensina o que a pessoa já sabe e,
portanto, isto não é aprender algo; ou você ensina algo obscuro,
mas neste caso, como você poderá fazer com que esta pessoa
entenda algo obscuro, que ela nem sabe como compreender?

Unidade 2 49
Universidade do Sul de Santa Catarina

Interessante não? Se você ensina o que outro já sabe, então, não


está ensinando nada. Se você ensina o que o outro não sabe,
então você lhe ensina algo obscuro, mas o obscuro não pode ser
ensinado. Portanto, ensinar resume-se em (a) ensinar o que já
é sabido ou (b) ensinar algo obscuro e o obscuro não se ensina.
Sem (a) ou (b) não há ensino.

Atenção: Sexto e Pirro não são contra o ensino,


também não afirmavam que Deus não existia ou que
o mundo não existia. Ora, afirmar que Deus não existe
é ter um conhecimento e eles não acreditavam que se
pudesse conhecer. Portanto, os céticos não eram ateus
e nem “crentes”. Vamos dizer que eles eram o que nós
hoje chamamos por “conformistas”, isto é, alguém que
não quer nenhuma perturbação na sua vida e, para
tanto, se conforma a tudo, para obter a paz.

Agora que já você já conhece um pouco da história do termo


“cético”, vai saber como esta escola de pensamento entra na
história filosófica do Ocidente. Acontece que durante o período
da Reforma Protestante, havia grande oposição à autoridade e ao
saber teológico da Igreja estabelecida em Roma.

Figura 2.3 – Martinho Lutero. A Reforma Protestante ou Luterana (do séc. XVI) foi um movimento
teológico-político que dividiu a Cristandade a partir da divulgação das 95 teses elaboradas pelo ex-frei
da Ordem de Santo Agostinho, Martinho Lutero, contrárias à autoridade da Igreja Católica Romana.
Fonte: Disponível em <www.arquenet.pt/portal/teoria/lutero.amoreira.html>

Foi nesta época que encontraram os escritos de Sexto Empírico.


Ora, tal como foi mencionado antes, os escritos “serviram de
munição contra o saber teológico e contra a autoridade da
Igreja Católica da época. Contudo, os defensores da Reforma,
que usaram os argumentos de Pirro e Sexto, retiraram apenas

50
Teoria do Conhecimento I

os argumentos que lhes serviam, isto é, os argumentos contra o


conhecimento das coisas, da impossibilidade de saber algo e,
mesmo, o de poder ensinar algo. Portanto, usaram apenas o que Assim, a concepção de
lhes interessava. ceticismo deixou de ser
uma escola de Ética, e
Você fosse um filósofo católico romano, seria sua obrigação passou a ser uma escola
moral refutar o cético, e provar que algo pode ser conhecido. de Filosofia. Esta, afirmava
que “nada se pode
Por esta razão, na Primeira Meditação, Descartes investiga “por
conhecer, e nenhuma
quais razões podemos duvidar de todas as coisas”, e na Segunda autoridade se pode
Meditação provar á que podemos saber alguma coisa, qual seja, fundamentar”.
que existimos (cogito, ergo sum).

Refutar é mostrar que um


argumento ou teoria não e
se confirma pela realidade
SEÇÃO 2 - A argumentação do cético cartesiano ou que contém algum erro
em sua formulação.
Bem, agora que já conhecemos Descartes, os céticos e qual seus
objetivos, vamos discutir a obra as Meditações de Descartes.
Como racionalista, Descartes pretendia comprovar que a razão é
superior à experiência e como filósofo ele deveria demonstrar que
isto era verdade. Para comprovar o que era verdade ou poderia
chegar a ser uma verdade, Descartes optou por mostrar que a
experiência não fornece verdades e se fornece alguma verdade ela
é questionável.

Em outras palavras, Descartes queria que você aceitasse que uma


verdade da razão deve ser igual a uma verdade matemática. Por
quê? Ora, se você questionar uma verdade da matemática duas
possibilidades poderão ocorrer:

1. sua questão não tem resposta e, portanto, algo é falso na


matemática. Isto não pode ocorrer, pois podemos errar nos
cálculos matemáticos, mas não admitir que as regras de calcular
estão erradas (você pode medir de maneira errada a altura de
uma pessoa, mas não faz sentido afirmar que o metro padrão está
errado);

2. sua questão não faz sentido.

Imagine que alguém diga “duvido que dois mais dois é igual
à quatro”, se não for uma pessoa alcoolizada nem estiver de
brincadeira, a questão não faz sentido. Dois mais dois sempre
resultarão quatro. A mesma coisa ocorre com o metro padrão: ele

Unidade 2 51
Universidade do Sul de Santa Catarina

sempre é igual a cem centímetros. Se você disser que um metro é


a soma de 99 centímetros, então, se você não esta brincando nem
estiver sob efeito de alguma substância química que altere seu
estado de percepção, sua afirmação estará errada. Mais do que
isto: matematicamente, ela não faz sentido.

Não é por nada que chamam a matemática de


“rainha das ciências”, pois ela é perfeita. Uma verdade
matemática é inquestionável. Talvez você ache estes
argumentos complicados, mas quando considerarmos
o caso das verdades da experiência você terá mais
clareza da estratégia de Descartes.

Até agora falamos das verdades da razão. Agora consideremos


as verdades da experiência. Bem, em primeiro lugar vamos
definir o que é experiência. Podemos dizer que em filosofia uma
experiência é o resultado do conjunto de nossas percepções. É
uma definição difícil de entender? Talvez você queira maiores
explicações, já que é estudante de Filosofia.

Considere o seguinte: você toma um pedaço de gelo e coloca


na sua mão. Tenha certeza de que é gelo (é água congelada
e não um outro líqüido qualquer). O que ocorre? Você terá
uma sensação de que está segurando algo frio. Este será um
conhecimento fornecido pelos nervos de sua mão, pela sua pele
ou, se você deseja uma definição mais científica: uma informação
decodificada pelo seu cérebro a partir de um objeto externo a
você, por meio de suas sensações.

Portanto você tem conhecimento que o gelo é frio através de


sua experiência de segurar um pedaço de gelo. É simples não
é? Se alguém me disser que o gelo não é frio, então lhe faço
segurar uma pedra de gelo na mão. Ele terá de concordar
que o gelo é frio se for uma pessoa normal (claro, não estou
considerando o caso de uma pessoa que por qualquer razão não
tenha sensibilidade nas mãos). Além disto, podemos comprovar
cientificamente que é gelo: fazemos testes de laboratório, etc.

É inegável que é um conhecimento baseado na experiência.


Até aqui não há dúvida alguma. Contudo, Descartes lhe
perguntará: “é um conhecimento inquestionável?”. Aqui as coisas
se complicam, pois se você disser que é inquestionável você está

52
Teoria do Conhecimento I

assumindo que em todos os casos de experimentos iguais as


pessoas concordaram que o gelo era frio e, portanto, dadas estas
experiências o gelo é frio. Mas isto não torna o conhecimento
inquestionável: um conhecimento verdadeiro não é adquirido por
maioria ou consenso.

Considere o seguinte: todos sabemos o que é a energia elétrica,


mas não é este conhecimento que faz uma lâmpada acender.
Concorda? Há algo na energia elétrica que faz a lâmpada
acender, independente de sabermos o que é! Portanto, o fato de
que todos sabem que o gelo é frio não é o que faz o gelo ser frio.
Você pode apelar para as sensações e dizer “Ora, qualquer pessoa
normal, ao segurar um pedaço de gelo dirá que é frio, pois terá as
mesmas sensações de frio!”. Bem, Descartes argumentará que 1º
você admite, sem discussão, que todas as pessoas tem as mesmas
sensações. Mas isto não é bem assim, basta lembrar que você fala
de pessoas “normais”.

O que é uma pessoa normal neste caso? Ora, alguém que sente
que o gelo é frio! Logo, você define normal segundo o que você
pretende, a saber, que percebe que o gelo é frio. Isto não vale
como prova. Descartes poderia argumentar também que:

2º se você segurar um pedaço de gelo na mão durante muito


tempo, não terá sensação de frio e sim de que algo está
queimando sua mão. Ora, a afirmação de que o gelo é frio já não
é inquestionável. É possível que você encontre alguém que diga
“o gelo queima” e esta pessoa não será maluca, pois de fato o gelo
queima, apesar de ser frio.

Lembre os que os esquiadores de neve usam óculos de proteção,


óculos escuros. Ora, óculos escuros são para proteger nossos
olhos da luz do Sol, não é? Pois é, no caso de esquiar na neve a
claridade pode queimar a retina de seus olhos! A neve é gelada e
queima os olhos. Além disto, se você ficar muito tempo exposto
à luz emitida pela neve você poderá “tostar” sua pele, tal como
alguém que fica exposto ao sol numa praia ou o deserto.

Parece que os céticos tinham razão, não é?

Unidade 2 53
Universidade do Sul de Santa Catarina

Eles poderiam afirmar: tenho tantas razões para dizer que o gelo
é frio, quantas para dizer que o gelo queima, logo, nada posso
afirmar com certeza a respeito do gelo, e portanto, não tenho
conhecimento infalível ou inquestionável sobre o gelo.

Vamos considerar outro exemplo: o do movimento. Por definição


movimento é “Estado em que um corpo muda continuamente
de posição em relação a um referencial”. Agora suponhamos
que você encontre um cético que lhe afirma “O movimento não
existe, existe apenas corpos que se movem”. Você poderá dizer
a ele “Mas isto é o movimento, corpos que se movem”. Ele lhe
responderá “Mas é isto, você concorda comigo, o movimento não
existe”.

Agora pense: como provar, inquestionavelmente, para


este cético que o movimento existe?

Se você se movimentar pela sala dizendo - veja, movimento é


isto! Neste caso apenas comprovará o que ele já disse “existem
apenas corpos que se movem, mas não o movimento”. Qualquer
exemplo que você fornecer será de algo que se move, mas com
isto não respondeu a dúvida lançada pelo cético.

Ele não questiona que as coisas se movam, e sim que exista algo
chamado “movimento”. Para ele “movimento” é algo diferente de
um corpo se movendo. Complicado? Veja, o cético não aceita as
experiências como prova, pois elas são questionáveis. Ora, no caso do
movimento não temos como refutar o cético, pois tudo que podemos
lhe fornecer como prova são experiências. Teríamos de fornecer
outro tipo de prova que não envolva os cinco sentidos a experiência.

Portanto, aqui nós já temos uma das exigências do ceticismo: as


provas não podem ser baseadas na experiência.

E por quê é assim?

Porque, para cada experiência que você alega como prova, pode
existir outra que a negue (veja o caso do gelo, do movimento).
Aqui temos outra exigência do ceticismo: a certeza. O seja, você
deve fornecer uma razão que seja indubitável.
54
Teoria do Conhecimento I

Que tal refletir um pouco sobre estes assuntos resolvendo


algumas questões?.

1) Explique quais relações podem ser encontradas a estória que é


apresentada no início do livro e o questionamento do cético cartesiano.

2) Você considera que Mike, o personagem da estória, se tornou


um cético cartesiano? Justifique sua reposta.

3) Você acredita que Mike poderia ter outra saída para suas
dúvidas além daquela que ele mesmo propõe? Argumente sobre
sua resposta.

Unidade 2 55
Universidade do Sul de Santa Catarina

SEÇÃO 3 - Verdades da razão e verdades da experiência


Bem, você deve estar se perguntando: qual a ligação deste título
com as ideias de Descartes?

Note que Descartes era muito esperto. Ele sabia que responder
ao cético não era algo fácil. Além disto Descartes também
sabia que a única carta que o cético tinha para jogar era que a
experiência pode ser mutável, isto é, ela varia de pessoa para
pessoa e com o tempo. Logo, Descartes teria de eliminar esta
carta da mão do cético. O quê ele faz? Responde ao cético?

Veja, o que lê propõe na Primeira Meditação: ele apresenta todas


as coisas das quais podemos duvidar. Todas elas são baseadas
em nossos cinco sentidos, em nossa experiência. Portanto,
Descartes concorda a princípio, com o cético: não é possível
obter conhecimento verdadeiro! Inclusive, supôe que não seja
comprovado que tenhamos provas de que estamos acordados
neste momento.

Parece uma dúvida sem importância não é mesmo?

Então pense seriamente: se é uma dúvida boba é por que


você tem uma prova infalível de que não está sonhando neste
momento de que esta lendo estas linhas, de que existe um
mundo fora de sua casa, de que você está sentado em sua cadeira,
etc. Mas cuidado, não forneça uma prova que seja baseada na
experiência, pois ela é duvidosa.

Descartes vai mais longe ainda e acrescenta mais algumas


dúvidas. Ele discute a possibilidade de que a matemática esteja
fora de dúvida. Ou seja, a matemática – como já dissemos mais
acima – não é oriunda da experiência. Entretanto, é fato que nos
enganamos nas operações matemáticas não é? Quem já não fez
um cálculo errado? Como explicar isto?

Descartes recorre a um “gênio maligno” que nos engana. Este


gênio faz com que acreditemos somar corretamente, quando
de fato, estamos somando errado. Mais ainda, este gênio faz

56
Teoria do Conhecimento I

com acreditemos que vemos um céu azul, as cores, os objetos


quando nada há. Ao perceber que introduzindo a hipótese do
gênio maligno Descartes acaba com o mundo da experiência,
seja verdadeira seja falsa, ele retira do cético a única carta que
ele tinha contra a possibilidade do conhecimento verdadeiro: a
experiência.

Que tal resolver mais algumas questões de reflexão e


posteriormente publicar suas conclusões no EVA?

Leia novamente a estória que está no início do livro. Considere as


seguintes questões:

1) Leia com atenção o que Margot diz a Mike no final do


parágrafo 5. Como Mike poderia provar a ela que ela estava
mentindo? Justifique sua resposta.

2) Considere a situação de Mike quanto a sua impossibilidade


de contar o fato a outras pessoas: elas também seriam ficções.
Pergunte-se: com base em quê você acredita na experiência que
outras pessoas lhe contam? Qual a razão para confiar no que elas
dizem que aconteceu? Explique sua resposta.

3) Se Mike se submetesse novamente à experiência que Margot


alega que ele foi vítima, ele poderia ter “uma prova de que não era
um cérebro numa cuba”? Comente sua resposta.

Unidade 2 57
Universidade do Sul de Santa Catarina

Por fim, resta a Descartes mostrar que há uma verdade,


indubitável, na qual apoiar todo conhecimento. Esta tarefa ele
realiza na Segunda Meditação.

Entretanto preciso lhe avisar que esta resposta é uma construção


de Descartes, isto é, ele criou o que costumamos chamar de
“cenário” para o conhecimento na Primeira Meditação.

Neste cenário parece que a única resposta possível é a de


Descartes. Muitos filósofos não concordaram com isto e
resolveram enfrentar o cético cartesiano (pois ele inventou aquele
cético) naquele mesmo cenário. As partes restantes deste livro são
os argumentos que os filósofos tentaram trabalhar para responder
ao cético cartesiano.

A resposta de Descartes ao problema é a seguinte: por mais que


eu duvide de minha existência, se estou sonhando neste momento
ou não, se estou sendo enganado por um gênio maligno, uma
coisa é certa: estou pensando. Ora, não há como duvidar de
que ao duvidar pensamos, não é verdade? Tente fazer isto. Você
verá que duvidar é pensar. Bem, então temos uma primeira
verdade, qual seja, nós pensamos. Tal verdade não é baseada na
experiência. Descartes marcou um ponto contra o cético.

Mas, ainda falta mostrar que algo existe sem que a


experiência seja a base.

Ora, pense um pouco: você já viu um pensamento solto, voando


ou no chão?. Não! Então, raciocinemos com Descartes, se existe
pensamento, então existe alguma coisa que pensa. Portanto, se eu
penso, então eu existo. Dai resulta a famosa frase de Descartes
“Cogito, ergo sum”, que traduzindo para o português significa
“Penso, logo existo”.

Eis aí uma verdade não derivada da experiência. Mais adiante


Descartes irá concluir que é uma coisa que pensa, que imagina
e que sente. Assim, Descartes demonstra ao cético e com os
próprios argumentos do cético que é possível encontrar uma
verdade de onde derivar todo conhecimento.

58
Teoria do Conhecimento I

Bem, parece que a história poderia parar por aqui. Mas, se


fosse assim, não teríamos os séculos de discussão filosófica
sobre o conhecimento. Além disto, você sabe, que atualmente,
o conhecimento é concebido como “capital” de uma empresa ou
mesmo de uma universidade. Logo, investigar como chegamos
a um conhecimento verdadeiro e certo assume papel importante
para a sociedade atual.

Mas então, você poderá se perguntar como esta investigação


continua, pois parece que Descartes respondeu ao cético? Bem,
a resposta de Descartes não foi aceita por vários filósofos: Kant,
foi um deles. Outros filósofos nem acreditam que exista a
possibilidade do problema, por exemplo, John Austin.

Assim, o que fizeram? Aceitaram o cenário construído por


Descartes na primeira e tentaram fornecer uma resposta diferente.
Mas, você pergunta, por quê? Ocorre que Descartes ao derivar a
verdade de sua existência apenas da razão, não estava errado. Seu
erro, muitos alegam, foi derivar de uma verdade da razão (pense
na Matemática como uma verdade da razão) uma verdade da
experiência (pense no conhecimento de que o gelo é frio).

Isto parece complicado não é?

Bem, por vezes as coisas se complicam e o que parecia simples já


não o é. Vamos tomar um exemplo para tentar deixar as coisas
mais evidentes. Imagine que você deve administrar uma empresa
qualquer. Você é um ótimo administrador, conhece várias teorias
administrativas e por isto foi escolhido para o cargo. Bem, aí está
você tendo de administrar esta empresa.

Você então faz um exame da situação da empresa e, após estudo,


decide tomar uma decisão para melhorar o desempenho da
empresa. Aqui temos duas possibilidades: (a) sua decisão é correta
e (b) sua decisão não apresenta resultado algum. Agora, vamos
pensar nestes dois casos em comparação aos argumentos de
Descartes: no caso (a) Descartes alegaria que se você tomou a
decisão baseado em verdades da razão, logo, você só poderia ter
sucesso; no caso (b) Descartes alegaria que os erros da experiência
– a falta de resultado – são devidos à própria experiência, logo

Unidade 2 59
Universidade do Sul de Santa Catarina

você não decidiu com base na razão e sim na sua experiência,


no que você viu e examinou da situação da empresa. Bem, para
Descartes não haveria problema nesta análise.

Ocorre, alegam muitos filósofos, que as verdades da razão não


estão ligadas à verdade da experiência. Isto é, você poderia ter
aplicado uma decisão baseada na razão e o resultado ser péssimo.
Bem, você pode dizer “dane-se a coisa funcionou! Eu estava
certo”. Isto não está de todo errado.

O problema filosófico é saber porquê deu certo. Neste caso o


“dane-se” não é uma boa resposta! Descartes enfrentou o mesmo
problema, por esta razão os filósofos interessados no estudo do
conhecimento sempre buscam uma resposta ao cético. No final das
contas, estudar o conhecimento é saber como encontrar a verdade,
mas uma verdade que tenha a qualidade de uma certeza. Este foi o
projeto de Descartes e, podemos dizer, que muitos ainda seguem
seus passos iniciais na busca do conhecimento infalível. Nas
próximas unidades vamos estudar estes argumentos estudados por
outros filósofos na tentativa de responder ao cético e encontrar, ou
ao menos compreender, o conhecimento verdadeiro.

Síntese

Você conheceu René Descartes e aprendeu um pouco sobre sua


proposta filosófica. Tal conhecimento permitiu compreender
as intenções de Descartes na Primeira e Segunda Meditações.
Aprendeu também que existem dois tipos de céticos: os que
duvidam que alcançaremos o conhecimento verdadeiro e os que
duvidam que alcançaremos qualquer tipo de conhecimento. Por
fim, aprendeu em que cenário o cético de Descartes exige certeza
dos conhecimentos.

Ainda, nesta última parte da unidade discutimos estratégias para


diferenciar verdades da razão de verdades da experiência.

60
Teoria do Conhecimento I

Atividades de autoavaliação

Ao final de cada unidade você realizará atividades de


autoavaliação. O gabarito está disponível no final do livro
didático. Mas, esforce-se para resolver as atividades sem ajuda do
gabarito, pois, assim, você estará promovendo e estimulando sua
aprendizagem.

Questões para reflexão.

1) Como você avalia o ponto de vista do Ceticismo, de que


devemos nos adequar às regras e normas para obter a paz de
espírito? Justifique sua resposta.

Unidade 2 61
Universidade do Sul de Santa Catarina

2) Você concorda que há uma separação entre verdades da


experiência e verdades da razão? Exemplifique sua resposta.

62
Teoria do Conhecimento I

Saiba mais

Para aprofundar os conteúdos abordados nesta unidade, consulte


os seguintes materiais:

„„ DESCARTES, René. Meditações de filosofia


primeira, São Paulo, Nova Cultural, Col. Os
Pensadores, 1996. Os textos mais importantes para
esta segunda unidade são as duas primeiras Meditações.
Na primeira, Descartes elabora o cenário onde surge
a dúvida cética e na segunda responde a algumas das
questões céticas. Nesta segunda Meditação, preste
atenção à maneira como surge o “Penso, logo existo
„„ DESCARTES, René. Princípios da filosofia. 3. ed.
Lisboa: Guimarães, 1984. Neste texto ( bem curto por
sinal) Descartes elabora e explica as bases de sua filosofia.
Vale a pena ler todo o texto.
„„ KOYRE, Alexandre. Considerações sobre Descartes.
2. ed. Lisboa: Presença, 1981. Neste texto o Prof. Koyre
elabora alguns comentários sobre a filosofia de Descartes.
Os comentários são gerais e apenas alguns pontos tratam
da dúvida clássica.
„„ MOORE, George E. Prova de um mundo exterior,
São Paulo: Abril Cultural, Col. Os pensadores, 1980.
Este ensaio será utilizado em outras partes deste livro,
portanto é interessante conhecer o tipo de prova que
Moore fornece ao cético cartesiano. Quando você ler
o texto, analise o tipo de prova que o autor fornece ao
cético e compare com o final do parágrafo 6 da estória
que está no início do livro texto.
Consulte também os seguintes sites:

„„ <http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/cetico.htm>
„„ <http://www.cfh.ufsc.br/~mafkfil/dicker.htm>
„„ <http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/moderna.htm>
„„ <http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/hebeche.pdf>

Unidade 2 63
3
unidade 3

Conhecimento, ceticismo e a
vida cotidiana

Objetivos de aprendizagem
Ao final desta unidade você terá subsídios para:

n Compreender o que é o senso comum.

n Entender por que o senso comum não responde à


dúvida cética.
n Analisar a “Prova de Moore”.

Seções de estudo
Seção 1 Senso comum e conhecimento
Seção 2 John Austin e a resposta ao questionamento
cético
Seção 3 As questões da Teoria do Conhecimento e a
vida prática
Seção 4 George Moore e a questão do ceticismo

Seção 5 Avaliação filosófica da resposta do senso


comum
Universidade do Sul de Santa Catarina

Para início de estudo


Nesta unidade, você irá aprender um pouco mais sobre como
apresentar um tipo de conhecimento que o cético não possa
questionar. E também aprenderá com John Austin a “enquadrar”
a questão cética em problemas da linguagem. Certamente, você
perceberá que a resposta de Austin não será satisfatória, pois
enfrenta o cético de forma direta. Passaremos a considerar a
resposta de George Moore ao cético. A resposta de Moore ainda
hoje causa discussão, contudo, enquanto resposta direta ao cético,
não atinge o objetivo desejado. Iremos aprender que o cético
questiona não apenas nosso senso comum, nossa vida diária, mas
também o que lhe dá fundamento.

E então, está pronto (a)?

Seção 1 - Senso comum e conhecimento


Na unidade anterior, estudamos a argumentação filosófica, bem
como os princípios básicos do Ceticismo, sua influência na busca
pelo conhecimento e a construção cartesiana de um novo tipo de
Cético. Por fim, começamos a estudar os motivos pelos quais as
respostas comuns não são suficientes para responder ao cético.

Nesta unidade, vamos nos aprofundar um pouco mais e estudar


a tentativa de lançar contra a dúvida cética respostas que
constituem conhecimentos do senso comum. Primeiramente,
vamos estabelecer um acordo quanto ao que é o senso comum.
Normalmente, dizemos que uma pessoa é de senso comum,
quando ela não tem conhecimentos sobre o que fala.

Por exemplo: você já deve ter presenciado a conversa


de pessoas opinando sobre mecânica de automóvel.
Algumas destas pessoas fazem afirmações que você
sabe não funcionarem na prática.

As afirmações como as do exemplo acima são opiniões sem


fundamento em conhecimento, e sim no que podemos chamar
de “ouvi dizer que...”. Ou seja: a pessoa que as afirma, não tem
provas. Mas não é deste senso comum que estamos falando.

66
Teoria do Conhecimento I

Estamos falando de conhecimentos comuns (por exemplo: o


fato de que, ao abrir uma torneira de cozinha, correrá água)
sobre fatos comuns (os ponteiros de um relógio andam em uma
determinada direção para marcarem as horas, por exemplo).

Exatamente, alguns filósofos acreditam que o cético não dá


atenção a estes fatos comuns e conhecimentos comuns. Ou
seja: para estes filósofos, o cético assume que não vive uma vida
como qualquer ser humano comum, devido a sua exigência de
certeza nos conhecimentos. Os dois filósofos que mais trataram
deste ponto de vista, embora com perspectivas diferentes contra
o cético, foram John Austin e George Moore. Vamos iniciar,
estudando a argumentação de Austin.

John Austin foi o que se denomina “filósofo da linguagem


comum”. Muitos atribuem a ele a fundação da Filosofia da
Linguagem Comum na Universidade de Oxford, no Reino
Unido. Infelizmente Austin faleceu com cinquenta anos e deixou Filosofia da Linguagem
uma obra inacabada. Temos um texto completo de sua autoria e é o ramo da filosofia
vários escritos para revistas e algum deles inacabados. que estuda a essência e
natureza dos fenômenos
linguísticos.

Figura 1.1 - John Austin (1911-1960). Foi um dos grandes pensadores britânicos do Pós-II Guerra Mundial. A sua
grande contribuição para a filosofia do século XX foi desenvolvida na sua obra de referência: “How to do Things
with Words”. Nela, defendia a distinção entre os enunciados “performativos” (pelos quais algo é criado) e os
enunciados “constatativos” (pelos quais é efetuada a comunicação de uma informação). Outra importante tese
defendida por Austin era a de que, na história da Filosofia, os confrontos entre as teses filosóficas e as crenças
populares são causados pela incompreensão de uma linguagem comum.

Fonte: Disponível em < http://www.knoow.net/ciencsociaishuman/filosofia/austinjohn.htm>.

O ponto de vista central de Austin era que os problemas


filosóficos são resolvidos através de um cuidadoso trabalho
sobre a linguagem. Por tal razão, muitos críticos o chamavam

Unidade 3 67
Universidade do Sul de Santa Catarina

pejorativamente de “taxonomista” da linguagem, isto é, alguém


que apenas faz a separação das palavras já conhecidas em classes
gramaticais, mas não contribui para a Filosofia. Bem, espero que,
ao final do estudo, você possa formar seu ponto de vista pessoal
sobre tal crítica.

Antes de iniciar o estudo da próxima seção, que tal


realizar algumas atividades de reflexão para verificar a
sua aprendizagem até aqui?

Em uma folha de papel almaço, escreva o que é solicitado.

1º Na primeira face da folha, escreva 10 afirmações que você


acredita serem verdadeiras. Não faça frases longas, apenas
afirmações. Exemplo: “Sei que a Terra é redonda”.

2º Na segunda face da folha, escreva sobre cada uma das


afirmações, como você sabe que são afirmações verdadeiras, isto
é, quais suas razões para crer na verdade destas afirmações. Você
estará justificando sua crença na verdade daquelas afirmações.
Exemplo: “Eu sei que a Terra é redonda, pois meus professores de
Geografia me ensinaram assim”.

3º Na terceira face da folha, explique como você poderá provar a


verdade de cada afirmação, se alguém duvidar delas. Exemplo: “Sei
que meus professores estavam corretos ao afirmarem que a Terra é
redonda, pois a ciência provou isto através de investigações”.

4º Na quarta face da folha, escreva quais daquelas 10 afirmações


você ainda mantém como verdadeiras, mesmo que alguém duvide
das mesmas. Exemplo: “Eu mantenho que a Terra é redonda
com base nos seguintes fundamentos: (a) meus professores
me ensinaram e (b) a ciência provou que a Terra é redonda e,
portanto, que meus professores estavam certos”.

Obs: É provável que, após realizar esta atividade, você perceba


ser bem difícil fundamentar ou fornecer fundamentos de tudo
que acreditamos conhecer.

68
Teoria do Conhecimento I

Seção 2 - John Austin e a resposta ao questionamento


cético
Austin argumentava que “usar a linguagem implica ter
conhecimento do significado das palavras”, sendo assim, uma
pessoa que usa a palavra “mundo exterior” ou “objeto do mundo”
deve saber o que está dizendo, se está usando a expressão de
maneira correta. Portanto argumentará Austin, o cético é
uma pessoa contraditória, pois, ao pedir provas de que não
estamos sonhando neste momento, ele deve saber a diferença
entre o significado das palavras “sonhar” e “estar acordado”. Se
não tivesse tal conhecimento, não poderia usá-las de maneira
significativa. Logo, para Austin, a questão já estaria resolvida.

Contudo, segundo Austin, o que o cético faz é, de fato, uma


redefinição de palavras que já conhecemos.

Por exemplo: se eu disser a você: “Não existem médicos em


São Paulo”, você irá pensar que ou estou fazendo algum chiste
ou estou maluco, e não concordará comigo. Contudo, se eu
conceituar médico como “alguém que cura qualquer doença
em 1 segundo”, então, diante de minha definição, você terá de
concordar que não existem médicos em São Paulo.

Pois bem, Austin diz o mesmo do cético. O cético toma uma


palavra que todos nós conhecemos, qual seja, “conhecimento”, e
a redefine dizendo “conhecimento é toda aquela informação que
não posso pôr em dúvida”.

Ora, é bem difícil encontrar alguma informação que


“não” possamos pôr em dúvida. Assim, o cético na
verdade nos confunde e já não sabemos apontar o
que poderia constituir um conhecimento seguro.

Portanto, segundo o ponto de vista de Austin, nossas práticas


comuns do dia-a-dia apresentam como pressuposto que tenhamos
conhecimento do que fazemos, do contrário estas práticas
perderiam seu sentido. Retomando a pergunta de Descartes na
Primeira Meditação - “Como sei que não estou sonhando?” - ,
a resposta do senso comum seria fazer a pergunta: “Como você
sabe diferenciar sonho de realidade, para elaborar esta questão?”

Unidade 3 69
Universidade do Sul de Santa Catarina

O cético parece estar encrencado!

Contudo existe uma diferença entre “saber a verdade do que algo


é” (por exemplo: “Sei que o pássaro que canta neste momento
é um canário”) e “dizer algo adequado ou razoavelmente”.
Em outras palavras, o cético diria para Austin que temos
de diferenciar as questões: “Como sei que é verdade?” de “É
adequado crer que é verdade?”. Assim, por exemplo, é adequado
crer que é verdade o que nos diz um professor sobre algum
conteúdo, mas, quando perguntamos: “É verdade que é assim?”,
estamos pedindo que o professor justifique qual a razão para crer
no que ele diz.

Ora, o que encontramos nas nossas práticas diárias é adequação,


razoabilidade, mas não necessariamente verdade.

Por qual razão nossas práticas são como são?

Esta será a pergunta do cético. Talvez isto lhe pareça confuso,


mas imagine o seguinte caso: sua empresa contrata um novo
gerente geral. Ele é conhecido por todos como um gênio da
administração, e todos o tratam assim. Agora imagine que você
pergunta para seu colega: “Devemos confiar nos direcionamentos
que este novo gerente nos fornecer?”. Seu colega poderá
responder: “Mas é claro, todos sabem que ele é um gênio da
administração”. Ora, este é um tipo de resposta adequado à sua
pergunta. Mas e se você perguntar: “Como você sabe que ele é
um gênio da administração?”, a resposta de seu colega não poderá
ser: “Todos sabem disto”, pois não é esta sua questão.

Seu colega terá de fornecer razões para a genialidade do novo


gerente, e estas não estão baseadas no que dizem dele. Você está
questionando as “credenciais” do novo gerente, mesmo que seja
adequado afirmar que é razoável tratá-lo como todos o tratam:
um gênio administrativo!

70
Teoria do Conhecimento I

Este é o problema com a resposta de Austin ao cético. Austin


lhe fornece práticas diárias como resposta à dúvida cética, mas o
cético está colocando em dúvida a razão pela qual tal prática foi
adotada como verdadeira!

Vamos explorar outro exemplo fictício para fixar esta diferença


entre o que o cético pergunta e o que o senso comum lhe
dá como resposta (seria como perguntar “por qual razão é
verdadeiro?” e obter como resposta “porquê todos tratam isto
como verdadeiro”).

Suponha que você está numa festa, e o anfitrião


da festa lhe pergunte sobre um amigo comum de
vocês: “O Paulo virá à festa?” e que sua resposta
seja: “Claro, ele gosta de festas e não perderia esta”.
Bem, ocorre que Paulo, ao se preparar para ir à
festa, estava nervoso, caiu e sofreu uma torção no
pé. Ficou impossibilitado de ir à festa. Seu anfitrião,
ao final da festa, lhe diz: “Você não sabia que Paulo
viria e, portanto, não sabia o que dizia, quando me
respondeu”. Agora pense: você mentiu quando disse
que o Paulo viria à festa? Não, é claro! Você não sabia
que Paulo viria à festa? Não, você sabia, ele mesmo lhe
disse. Como imaginar que ele sofreria um acidente?!
Assim, você respondeu de maneira razoável ou
adequada à pergunta de seu anfitrião. Mas, de fato,
Paulo não veio à festa, e isto contradiz sua afirmação
de que ele viria. Ora, isto demonstra que nem sempre
dizer algo adequado, razoável corresponda a uma
afirmação verdadeira. O caso de seu amigo Paulo
demonstra isto.

Para ampliar a sua compreensão sobre os assuntos


abordados, proponho algumas questões para
reflexão. Após resolvê-las, publique os resultados na
ferramenta Exposição do Eva.

a) Que tipo de conhecimento nossas práticas do dia-a-dia


pressupõem? Seria um conhecimento verdadeiro, ou falso?

b) Por qual razão nossas práticas do dia-a-dia podem incluir o


erro ou o engano?

Unidade 3 71
Universidade do Sul de Santa Catarina

c) Quando você afirma que tem conhecimento de determinado


fato e este é verdadeiro durante certo tempo, mas passa a ser falso
em outro momento, ao afirmar este conhecimento novamente
estará cometendo algum engano? Por qual razão?

Vamos agora trazer esta conclusão para o caso do cético e a


resposta do senso comum: ora dizer que não se pode duvidar
porque se trata de um conhecimento razoável, prudente e
adequado não comprova a verdade que o cético exige, pois isto
não impede que se possa duvidar. Estas são condições da vida
prática, mas não condições de verdade.

Assim, é necessário diferenciar entre dois tipos de razão: as


razões para agir e as razões para afirmar que algo é verdadeiro.
Ao fornecer ao cético, razões do senso comum, Austin está
fornecendo-lhe razões para agir, e não condições de verdade.
Nossas razões para agir não estão, necessariamente, baseadas
em verdades. Elas fazem parte da nossa forma de vida, e não de
um conjunto de certezas. Quando investigamos as razões para
se afirmar que algo é verdadeiro, não fazemos perguntas com
respostas relevantes para o do dia-a-dia: queremos saber se “é
verdadeiro, é certo”, e não se é razoável ou adequado.

72
Teoria do Conhecimento I

Seção 3 - As questões da Teoria do Conhecimento e a


vida prática
Você pode estar frustrado (a) com este resultado: nossa vida
diária, vida prática, não é suficiente para responder ao cético e
para lhe fornecer razões daquilo que acreditamos ser verdadeiro!
Lembre que, na unidade anterior, fomos apresentados a um novo
tipo de cético. O cético construído por Descartes exige “certeza e
indubitabilidade” para a verdade.

Contudo este estudo da argumentação de Austin não é de todo


negativo. Se você pensar bem, ficamos sabendo algo a mais, isto
é, que agimos segundo necessidades do momento, segundo o que
as circunstâncias nos exigem, e não segundo a indubitabilidade
de verdades. Ainda mais, isto revela que nossa vida comum é
fundamentada em nossas relações com outros seres humanos e
com o que esperamos que ocorra (“é razoável crer que....”), e que,
portanto, senso comum nada tem a ver com conhecimento.

Se nossa vida diária fosse pautada ou fundamentada pela verdade


indubitável de cada afirmação, gesto ou ação, nós não seríamos
como somos. Entretanto nosso senso comum nos auxilia na vida
prática – mesmo que não seja indubitável – quando agimos uns
para com os outros.

É isto que nos faz mais humanos, ainda que, na Teoria


do Conhecimento, isto não seja relevante para a
verdade dos conhecimentos.

Por outro lado, você pode ficar confuso (a), se pensar que
agimos sem fundamentos verdadeiros, mas você estará correto
(a), pois a função da ação não é a verdade, e sim a convivência
entre humanos e não humanos. Se fôssemos pensar na verdade
indubitável de cada ação prática, ficaríamos imóveis, sem ação.

Por tal razão, o argumento de Austin não funciona contra o


cético, pois Austin aceita como verdadeiro justamente o que
o cético está questionando. Além disto, surge uma questão
interessante nesta argumentação:

Unidade 3 73
Universidade do Sul de Santa Catarina

Qual o papel do nosso conhecimento comum?

Por exemplo: muitas vezes nossos parentes mais velhos não


possuem conhecimentos que podem provar como verdadeiros ou
como bem fundamentados, e, se pedirmos que fundamentem estes
conhecimentos, eles apenas dirão que aprenderam assim. Muitos
de nossos conhecimentos possuem este tipo de qualificação, isto
é, são do senso comum. Mas tal fato não demonstra que o senso
comum possui algum tipo de defeito quanto ao conhecimento,
por assim dizer. O senso comum não é base para o conhecimento
e também não é conhecimento, pois não é uma informação
fundamentada na verdade de outras informações. Lembre que
estamos falando aqui de indubitabilidade, logo, saber algo através
dos jornais ou de nosso vizinho não é conhecimento indubitável.

Quantas afirmações não é mesmo? Para exercitar seu


aprendizado, resolva estas questões para reflexão.
Não esqueça de publicar os resultados na ferramenta
Exposição do Eva.

a) Construa uma afirmação que transmita um conhecimento


“razoável”, mas que pode ser falso, ou verdadeiro.

b) Responda à seguinte pergunta: Nosso senso comum é


construído a partir de práticas “razoáveis”, ou, ao contrário,
práticas razoáveis são as que fazem parte do dia-a-dia?

c) Por qual razão (ou quais), o conhecimento razoável é


questionável?

74
Teoria do Conhecimento I

Seção 4 - George Moore e a questão do ceticismo


Vamos estudar agora o ponto de vista de outro filósofo que
defende o senso comum como resposta aos problemas filosóficos:
George Moore.

George E. Moore (1873-1958) foi, ao lado de Bertrand


Russel (1872-1970), um dos principais responsáveis
pela implantação de uma nova abordagem filosófica
na Inglaterra. Antes dele, predominava, entre os
ingleses, uma corrente idealista, que abafara a
tradicional visão cética e empírica, oriunda de autores
como Francis Bacon (1561-1626), David Hume e John
Locke (1632-1706). Depois de 1903, no entanto, com a
publicação de Principia Ethica e do ensaio Refutação
do Idealismo, Moore introduziu uma nova maneira
realista de tratar os problemas filosóficos. A principal
característica de seu pensamento era uma postura
analítica de investigação, voltada para o exame do
significado das expressões empregadas na linguagem
corrente, em oposição aos enunciados filosóficos de
difícil compreensão. Em relação ao uso dado pelo
senso comum à linguagem, Moore considerava seus Figura 3.2 - George E. More.
significados verdadeiros, e todos poderiam percebê-
los claramente. Quanto ao uso filosófico da linguagem,
era preciso buscar uma interpretação que tornasse
evidente a verdade ou falsidade de suas proposições.

Fonte: Disponível em: < http://www.geocities.com/discursus/textos/


gmoore.html>.

Vamos chamá-lo apenas Moore, por


questão de praticidade e de tradição, pois seu nome é citado
assim nas discussões sobre o Ceticismo. George Moore viveu
bem mais tempo e produziu várias obras não apenas de Teoria
do Conhecimento, mas também de Ética (ele escreveu a obra
Pricipia Etica) e ensaios sobre temas gerais da Filosofia.

Moore acredita que muitas questões da Filosofia são elaboradas


sem que os filósofos que as formulam, considerem que os
conhecimentos que já possuem, os quais exercem no dia-a-dia,
eliminam a possibilidade de que elaborem suas dúvidas. Por
exemplo: de que não estamos sonhando neste momento, ao
lermos as páginas deste livro, que existe um mundo exterior

Unidade 3 75
Universidade do Sul de Santa Catarina

se considerarmos que nascemos, e, portanto, tivemos pais (na


época de Moore, 1930, ainda não havia o “bebê de proveta”).
Contudo é discutível se um bebê de proveta “não” possui pai ou
mãe (mas isto é outro assunto), mas o fato de estarmos sentados
nesta cadeira implica que o espaço por ela ocupado existe e deve
ser contínuo com o espaço fora de nossa casa (se você mora num
apartamento, imagine-se no térreo).

Moore seria o tipo de filósofo que responderia ao cético da


seguinte forma: “Para você me dizer qual sua dúvida, é necessário
que eu possa ouvir sua voz, logo, algo externo existe e posso
prová-lo: você que fala comigo”.

Enfim, Moore enfrenta o cético de maneira diferente de John


Austin: enquanto Austin aceitava as questões do cético e buscava
responder-lhe, Moore tenta atacar o cético de maneira direta.
Ou seja: para Moore, a questão “Existe um mundo exterior?”,
ou então, “Como sei que não estou sonhando?” nem se pode
formular. Poderíamos afirmar que, para Moore, as questões que
podemos fazer em Filosofia e que fazem sentido são as que nos
conduzem a algum conhecimento, e não as que solapam nosso
conhecimento já adquirido. Fazer tais questões seria como cortar
o galho em que se está sentado, para ter certeza de que todos os
galhos da árvore foram cortados, ou, para usar outra imagem,
desmontar um barco dentro de um rio para ter certeza de que
nenhuma de suas tábuas possui defeito.

Bem, o primeiro passo de Moore, como já dissemos, é enfrentar


o cético “de frente”, isto é, dizer que o ceticismo não faz sentido.
Para isto, Moore (1980 ) retoma em seu ensaio Prova da
Existência de um Mundo uma afirmação
que o filósofo alemão Immanuel Kant
escreveu em sua obra Critica da Razão
Pura:

“ainda permanece como um escândalo para a


Filosofia [...]que a existência de coisas exteriores
a nós [...] devam ser aceitas simplesmente como
Figura 3.3 - Immanuel Kant artigos de fé, e que se alguém acha bom duvidar de

76
Teoria do Conhecimento I

sua existência somos incapazes de enfrentar suas dúvidas


com qualquer prova satisfatória”.

A disposição de Moore é fornecer a prova satisfatória pedida por


Immanuel Kant. Para iniciar sua prova, Moore faz uma primeira
distinção entre “coisas exteriores a nós” e “coisas interiores a nós”.
Aquilo que é “interior” ao ser humano depende do ser humano e
de sua percepção para existir.

Assim, por exemplo, quando você põe toda sua atenção em


determinada cor (a cor laranja, por exemplo) e depois volta seu
olhar para uma parede branca, você irá ver uma cor diferente,
uma espécie de objeto de cor esverdeada.

Tal cor, entretanto, apenas existe “na sua visão” ou


no seu campo de visão, e não é um objeto exterior a
você: ele depende de sua visão para existir.

Pois bem, Moore não que falar deste tipo de objeto – aos quais
ele dá o nome de pós-imagem–, e sim daqueles objetos que não
dependem de nossa visão. Estes objetos seriam existentes por si
mesmos, independeriam de nós.
Para que você compreenda a estratégia de Moore, veja que ele faz
uma distinção que o cético ainda não havia feito. O cético apenas
diz que “não podemos conhecer objetos exteriores a nós”, contudo
Moore está sugerindo que uma “pós-imagem” é um objeto
exterior a nós, apesar de depender de nossa visão. Com isto, acusa
o cético de não ser claro quanto ao que afirma ser impossível
conhecer (é como se perguntasse: afinal, o que é um objeto
exterior a nós, Sr. Cético?). Por outro lado, Moore quer dizer ao
cético que ele vai lhe apontar objetos que não dependem de nós,
isto é, objetos que quer esteja você olhando, ou não, continuam a
existir.

Moore apresenta, então, sua prova: ergue uma mão e diz: “Eis
aqui uma mão”, ergue a outra mão e diz “Eis aqui outra mão”!
Uma prova estranha, você não acha? Mas, por mais estranha que
pareça, Moore está apresentando dois objetos exteriores a nós,

Unidade 3 77
Universidade do Sul de Santa Catarina

que independem de nossa visão, que podem ser


tocados (você pode apertar ou beliscar a mão de Moore).

Moore afirma ainda que sua prova é adequada a qualquer


prova cientificamente aceita, isto é, é uma prova lógica. Se você
lembrar o que falamos na primeira unidade sobre argumentos
e proposições que fazem parte de argumentos, verá que a prova
de Moore é apresentada de acordo com aqueles princípios: as
premissas de Moore não são iguais à sua conclusão. As premissas
são “eis aqui uma mão” e “eis aqui outra mão” e a conclusão será,
“logo, existem duas mãos”.

Bem, Moore alega que nós conhecemos a verdade das premissas


e que de premissas verdadeiras não se pode inferir uma conclusão
falsa (a não ser que estejamos raciocinando de forma errada).
Ora, você já deve estar acostumado (a) com o questionamento
cético suficientemente, para saber que as premissas de Moore, as
quais ele diz que são verdadeiras, não são aceitas pelo cético.

Por sinal, é justamente isto que o cético questiona:


existem objetos exteriores a nós, para que possamos
conhecê-los?

Assim, sem perceber, Moore “cai” na armadilha do cético!


Quando levanta uma mão e diz “Eis aqui uma mão”, ele está
apontando para o cético um objeto externo que depende de
nossos cinco sentidos para existir, lembra? Seria o mesmo caso
de você dizer ao cético: “Eis aqui uma cadeira” e “Eis aqui outra
cadeira”, logo “Existem duas cadeiras”, e com isto pretender
provar que existem objetos externos a nós. Se o cético aceitasse
estas premissas e as de Moore, ele deixaria de ser um cético!
Contudo o cético afirma: “Não sabemos se existem objetos
exteriores a nós”.

Veja que a questão do cético não diz respeito a conhecer


determinados objetos, e sim a como provar que estes objetos
existem. Logo, de nada adianta lhe mostrar mãos, cadeiras e
outros objetos quaisquer. É a exigência particular (a justificação
do conhecimento) do cético que faz com que estes objetos não
sirvam como prova.

78
Teoria do Conhecimento I

Para aprimorar a compreensão destes conteúdos,


responda às seguintes questões reflexivas:

a) Por qual razão o cético poderia aceitar as provas de Moore e


continuar sendo um cético?

b) O que você entende por “prova” da verdade de um


conhecimento?

c) Todos os conhecimentos que você possui ou nos quais crê que


são verdadeiros podem ser “provados”? Justifique sua resposta.

Unidade 3 79
Universidade do Sul de Santa Catarina

Seção 5 - Avaliação filosófica da resposta do senso


comum
Bem, você já percebeu que a resposta de Moore não é adequada,
não é? Pois bem, se as duas mãos de Moore não são prova, então
o que há de errado em nossa vida cotidiana que o cético põe em
questão? Vamos relembrar algumas coisas: o cético não acredita
ou duvida que possamos conhecer objetos exteriores a nós;

„„ os objetos exteriores a nós são aquelas coisas que você


percebe através de seus cinco sentidos;
„„ Moore apresenta como prova objetos do senso comum,
isto é, que todos conhecemos;
„„ a prova de Moore não é suficiente, ou seja, ele não
respondeu à pergunta ou dúvida do cético.
Ora, mas Moore apresenta um conhecimento cotidiano. Afinal,
todos os dias usamos nossas mãos para elaborar e levar a cabo
várias tarefas. Neste momento, estou usando minhas mãos para
escrever este texto no computador.

Como, então, isto não serve de prova de que existem


objetos exteriores a nós?

Bem, um argumento que alguns filósofos formularam tenta fazer-


nos compreender que a resposta de Moore ao cético deve ser
compreendida de maneira diferente. Eles concordam que Moore
faz uma afirmação direta contra o cético e lhe fornece uma
resposta adequada. Contudo Moore esquece, ou não considerou

80
Teoria do Conhecimento I

com o devido cuidado, que a pergunta do cético é uma questão


“externa” ao conhecimento, e que sua resposta é “interna”.

Vamos nos entender quanto a esta distinção:


quando os filósofos dizem que a pergunta do
cético é “externa” ao conhecimento, isto significa
que o cético não está duvidando da existência
ou do conhecimento de coisas tais como mãos
e cadeiras. Seria muita ingenuidade do cético
assumir tal ponto de vista. Ao mesmo tempo,
a resposta de Moore é “interna”, pois fornece
como argumentos determinados conteúdos
e informações que “já” fazem parte do
conhecimento. Ou seja: o cético afirma: “Não existem objetos
exteriores a nós”, e Moore lhe apresenta uma maçã, por exemplo.

Ora, mas a maçã é uma informação interna ao conhecimento


como um todo, ou seja, o questionamento do cético diz respeito à
existência ou possibilidade do conhecimento de “qualquer objeto
externo a nós”. Sendo assim, apresentar ao cético uma maçã e
dizer: “Eis um objeto do mundo exterior” não produz efeito
algum.

Vejamos um exemplo mais concreto.

Imagine que você tem um amigo que se diz cético


(ele não crê que possamos conhecer objetos do
mundo exterior): ele afirma que o movimento não
existe, mas sim corpos que se movem. Bem, este seu
amigo pode ser um sujeito um tanto estranho, mas
o que ele afirma faz sentido! Ele pode argumentar
da seguinte forma: quando você vê um automóvel
em movimento o que você vê? O movimento, ou o
automóvel “em” movimento? É óbvio que você vê um
automóvel em movimento. Da mesma forma, quando
você joga uma bola de futebol no chão e ela continua
quicando: o que você vê? Uma bola em movimento,
ou o movimento? Por certo que você vê a bola se
movendo, mas o movimento parece ser algo que
“está” na ação total da bola ou do automóvel. Isto é:
tenho de entender o que é movimento, para só então
afirmar que algo está se movendo, não é mesmo?

Unidade 3 81
Universidade do Sul de Santa Catarina

Pois é, seu amigo pode ser estranho, mas é um filósofo, melhor


ainda, ele tem uma questão filosófica. Como ocorre com toda
questão filosófica, sua resposta deve ser um argumento, e não
uma experiência (lembra-se de termos falado nisto na primeira
unidade?) do tipo “eis aqui uma mão” e “eis aqui outra mão”.

Acho que você compreendeu o engano de Moore.

Ele não atentou para o fato de que o cético não estava


questionando a existência de suas mãos! E sim, questionando
todo e qualquer conhecimento de objetos exteriores a nós. O
filósofo Ludwig Wittgenstein, ao comentar esta tentativa de
Moore de provar a existência de objetos exteriores, disse o
seguinte: “Se o cético discordar de Moore, ele é um louco, e não
um cético”. Ou seja: Wittgenstein chamou a atenção – ainda que
sem dizer explicitamente – para o seguinte: a questão do cético
é interna ao conhecimento. Portanto quem duvida que existam
objetos externos, também duvida que se possa provar a existência
de mãos, pés, etc.

Ora, as mãos de Moore são certamente objetos exteriores, logo


elas fazem parte daquilo que o cético está questionando. Vamos
tomar um exemplo mais comum: suponhamos que um grande
teórico da administração visite a empresa em que você trabalha.
Após algumas apresentações e visitações, ele diz o seguinte:
“Muito bonita sua empresa, mas você não tem uma teoria da
administração sendo aplicada aqui”.

Ora, você ficará intrigado (a) e poderá mostrar-lhe novamente


todos os processos da empresa, desde o setor pessoal até a
expedição das mercadorias. Contudo isto não é uma teoria da
administração é?

Certamente que não, estas são as partes que compõem sua


empresa, e não uma teoria do funcionamento destas partes.

82
Teoria do Conhecimento I

Aquilo que o grande teórico da administração está


lhe cobrando ou afirmando que não existe em
sua empresa é diferente do “setor pessoal” ou da
“expedição”. O grande teórico da administração está
pedindo que você prove qual teoria da administração
faz a ligação entre as partes da sua empresa. Logo,
apresentar seção por seção não é uma resposta
adequada.

O mesmo ocorre com Moore: no exemplo acima, você seria


Moore e o teórico da administração seria o cético. Ora, ele está
lhe exigindo outro tipo de resposta, e não que você lhe apresente
partes da empresa. Neste exemplo, sua resposta teria de ser a
seguinte: levá-lo até sua sala na diretoria e mostrar-lhe seus
planos administrativos, os quais demonstravam quais as relações
entre as partes da empresa e de que maneira uma se liga a outra.

Esta deveria ser a resposta de Moore ou, pelo menos, algo


parecido com isto. Moore deveria apresentar ao cético um tipo
de conhecimento que o levasse a crer na existência de suas
mãos, e não, simplesmente, mostrar suas mãos, pois isto o cético
não está questionando (ele até apertaria a mão de Moore para
cumprimentá-lo!). Bem, se formos fazer um resumo do que
ocorreu com a resposta de Moore, teríamos duas observações:

(1) quando lidamos com dúvidas e questões filosóficas, as


nossas experiências não servem de resposta, pois são questões
argumentativas, e não questões experienciais; Com a expressão
“categoria de objetos”,
estou querendo dizer-lhe
(2) nossas práticas diárias funcionam com base em sua utilidade,
que todos aqueles objetos
e não em sua verdade. Assim, alegar contra o cético, fatos do que você tem de provar
senso comum é dar um “sobrepasso”, por assim dizer, você pula que existem, apelando
a prova da verdade de que determinada coisa existe e apresenta o para seus sentidos, fazem
objeto diretamente. parte da categoria “objetos
exteriores”.
O engano de Moore é acreditar que o questionamento cético
pode ser enfrentado diretamente, isto é, pensar que, quando
alguém duvida da existência de um objeto determinado e nós lhe
mostramos este objeto, então a pessoa deverá aceitar que o objeto
existe, obviamente. Mas o caso do questionamento cético não
está no mesmo nível: ele não está colocando em dúvida o nosso
conhecimento de um determinado objeto exterior, mas sim de
toda uma categoria de objetos, por assim dizer.

Unidade 3 83
Universidade do Sul de Santa Catarina

O cético não afirma que não podemos provar uma classe de


objetos que pertence à categoria de objetos exteriores. Por
exemplo: vamos tomar um objeto como uma cadeira. Este objeto
é conhecido através de nossos sentidos, temos de ver a cadeira,
tocar na mesma, ou até uma foto poderia ser uma prova válida.
Assim, uma cadeira é um objeto de uma classe dentre outras
que pertencem a uma categoria, qual seja, classe dos objetos
exteriores.

Ora, o cético está alegando que não podemos provar que a


categoria “objetos exteriores” contém algum membro. Então, o
que faz Moore? Mostra ao cético um membro da classe que o
cético afirma não conhecermos. Ou seja: a resposta de Moore,
por mais que ele a retire com base no senso comum, não é
suficiente.

O interessante na resposta de Moore é que nossa vida diária


baseia-se em determinados conhecimentos e práticas que estamos
acostumados a cumprir e a afirmar, sem necessitar de justificativa
dos mesmos. Contudo, quando estes conhecimentos e práticas
são “jogados” como conhecimento ou base para justificativa de
conhecimento, não funcionam.

Bem, já vimos que as práticas diárias e os conhecimentos


necessários para desempenharmos bem nossas tarefas do dia-
a-dia, são elaborados com vista apenas a estas práticas. Nosso
dia-a-dia não é baseado em distinções filosóficas, e sim em
necessidades de outra ordem.

Portanto a lição que podemos retirar da tentativa de Moore é


que nossa investigação das bases do conhecimento constitui uma
questão filosófica, e não uma questão do cotididano. Quando
uma pessoa se surpreende com uma questão filosófica e afirma
“Loucura!”, ela está justificada. Isto não quer dizer que as
questões filosóficas sejam ”loucura”, e sim que o senso comum
não é base para o entendimento de questões filosóficas, nem
de respostas filosóficas. O senso comum serve para as nossas
transações do dia-a-dia.

84
Teoria do Conhecimento I

Síntese

O que estudamos nesta unidade foi o argumento de que a


questão elaborada pelo cético, isto é, que não podemos conhecer
nada do mundo exterior a nós, poderia ser respondida através de
alegações do senso comum. O senso comum aqui significa nossa
atitude para com os objetos e pessoas que nos cercam. Exemplos
destes objetos são cadeiras, maçãs, bicicletas e outros objetos
como estes.

Este argumento foi desenvolvido, em duas frentes distintas,


por dois filósofos ingleses: John Austin, que apelava para nosso
conhecimento necessário para o uso da linguagem, e George
Moore, que argumentava existir uma total evidência de objetos
exteriores a nós através de nosso conhecimento da vida comum.
Ao analisarmos estes dois argumentos, percebemos que Austin
confunde “razoável” com “verdadeiro” e que Moore apresenta
como prova de objetos exteriores informações que são “internas”
ao conhecimento, isto é, que afirmam a existência de objetos do
mundo (exatamente o que o cético questiona).

Entretanto Moore não se dá conta de que a questão do cético


diz respeito ao âmbito “externo” do conhecimento, isto é, como
podemos saber que coisas existem. O senso comum, então, não
fornece uma resposta adequada. Concluímos que não é função
do senso comum responder a questões filosóficas, tal como é
a questão elaborada pelo cético. O senso comum serve apenas
como pano de fundo de nossa vida prática. Em suma, o senso
comum não contém nenhuma questão filosófica, tampouco
fornece uma resposta filosófica.

Atividades de autoavaliação

Ao final de cada unidade, você realizará atividades de


autoavaliação. O gabarito está disponível no final do livro
didático. Contudo se esforce para resolver as atividades sem

Unidade 3 85
Universidade do Sul de Santa Catarina

a ajuda do gabarito, pois, assim, você estará estimulando sua


autorreflexão.

1) Quando você pensa em tudo que conhece, quais


conhecimentos seriam “internos” e quais seriam “externos”?
Explique por quê.

2) Posicione-se quanto à seguinte afirmação: Moore era ingênuo,


pretensioso, ou não entendeu o ceticismo filosófico? Justifique sua
posição.

86
Teoria do Conhecimento I

3) Explique por qual razão é difícil responder ao cético filosófico?


Que tipo de resposta ele aceitaria?

Saiba mais

Caso você queira aprofundar seu conhecimento sobre a


argumentação de John Austin e de George Moore, você pode
consultar os seguintes ensaios destes filósofos:

„„ AUSTIN, John L. Outras mentes. São Paulo: Abril


Cultural, 1980. Col. Os Pensadores, no volume que traz
por título Ryle, Austin, Strawson, Quine. O Prof. Austin
inicia este texto discutindo o ponto de vista de um
colega seu, o professor John Wisdom. Infelizmente não
foi colocado na tradução brasileira o texto de Wisdom,
portanto você terá alguma dificuldade de compreensão
no início do texto. Nele, Austin fala muito no nome de
Wisdom.
„„ MOORE, George. Prova da existência de um mundo
exterior. São Paulo: Abril Cultural, 1980, Col. Os
Pensadores. Neste texto, Moore apresenta suas provas

Unidade 3 87
contra o ceticismo - “eis aqui uma mão”, “eis aqui outra
mão”. Você deve ter certa paciência com a leitura, pois
Moore é um argumentador refinadíssimo: ele apresenta
uma afirmação e depois passa a esmiuçá-la.
„„ MOORE, George. Uma defesa do senso comum. São
Paulo, Abril Cultural, 1980, Col. Os Pensadores. É neste
texto que Moore defende o senso comum, ao constituir
uma resposta aos problemas da Filosofia. Moore escreve
muito bem, mas usa de uma linguagem culta (que
foi bem adaptada pelo tradutor brasileiro), portanto
prepare-se para alguma dificuldade de leitura. Mas vale
o esforço!
4
unidade 4

O idealismo como resposta

Objetivos de aprendizagem
Ao final desta unidade você terá subsídios para:

n Aprender o pensamento de Immanuel Kant sobre o


conhecimento.
n Distinguir os conceitos de a priori e a posteriori e sua

função na argumentação de Kant.


n Identificar no ponto de vista de Kant uma mistura de

Realismo e Idealismo.
n Dimensionar a possibilidade de Kant fornecer resposta

definitiva ao ceticismo.

Seções de estudo
Seção 1 Kant e as ideias sobre o conhecimento
Seção 2 O argumento kantiano
Seção 3 Kant contra o cético
Seção 4 As noções de a priori e a posteriori
Seção 5 O cético e as noções de a priori e a posteriori
Seção 6 Retomando o argumento de Kant
Seção 7 O círculo vicioso de Kant
Universidade do Sul de Santa Catarina

Para início de estudo


Vamos estudar o pensamento de Immannuel Kant sobre o
conhecimento. Contudo você deve estar ciente de que esta
é apenas uma parte da sua proposta filosófica. O objetivo da
filosofia de Kant, considerado como um todo, era demonstrar
que nosso entendimento possui regras que lhe são próprias e que
tais regras não são comparáveis às regras da experiência ou da
Matemática ou da Lógica.

Ele pretendia, com isto, permitir que a ciência tivesse progresso e


não permanecesse numa discussão apenas conceitual. De todas as
obras publicadas por Kant, nos ocuparemos apenas de sua Crítica
da Razão Pura.
Quando você for pesquisar esta
obra, é necessário saber que a Você não deve esperar que Kant lhe forneça uma resposta fácil,
primeira versão publicada por Kant antes ele quer convencê-lo (a) de que não há outra resposta
é sempre citada com o número da melhor do que a fornecida por ele. Apesar disto, o pensamento
página antecedido por um A. Para
de Kant foi amplamente aceito na Europa e nas academias de
a segunda edição, os estudiosos
da obra de Kant citam o número Filosofia em toda a Europa, a ponto de revolucionar a filosofia de
da página antecedido por um B. seu tempo. Sua influência foi sentida tanto na Filosofia quanto na
Devido às diversas correções feitas Teologia – pois Kant era de origem luterana.
por Kant para a segunda edição,
normalmente trabalhamos com a
Kant teve influência inclusive no Brasil, agora sobre
segunda edição, a edição B. É esta a
um grupo de pensadores da cidade de Recife em
edição que foi publicada na coleção
Pernambuco. Tratava-se de filósofos estudiosos do
Os Pensadores. Outras editoras
Direito, dentre os quais o mais importante é Tobias
publicam a edição A. Como nosso
Barreto. Estes pensadores fundaram uma escola
objetivo é discutir apenas as ideias
kantiana em Recife, no século XIX. O fato, contudo,
de Kant sobre o conhecimento,
é pouco estudado na academia brasileira, pois suas
ficaremos restritos a determinadas
influências maiores não recaíram tanto na Filosofia, e
partes de sua Crítica da Razão Pura e
sim, na área do Direito.
mais ligados à edição B.

Por fim, entre todos os idealistas, Kant é o mais coerente, isto


por que ele aceitava que pensamos não por experiências, e sim
por conceitos – este é o seu Idealismo, os conceitos são mais
importantes que as experiências – contudo Kant acreditava serem
vazios os conceitos que não dizem respeito a nenhum conteúdo
da realidade, isto é da experiência.

Obviamente, como mais adiante você verá, experiência para


Kant não é um conceito comum. Assim, é famosa a sua
expressão “Conceitos sem percepções (experiências) são vazios e

90
Teoria de Conhecimento I

experiências (percepções) sem conceitos são cegas. Desta forma, o


Idealismo de Kant não é um Idealismo comum, por assim dizer,
mas um Idealismo refinadamente elaborado.

Agora, chega de introdução e vamos conhecer um filósofo


fantástico e genial.

Seção 1 - Kant e as ideias sobre o conhecimento


O ponto de vista filosófico de Immanuel Kant sobre o
conhecimento é denominado por ele mesmo como Idealismo
Transcendental.

Idealismo, pois trata a realidade ou mundo como sendo uma


elaboração de nosso próprio entendimento, e Transcendental,
pois investiga as próprias condições com as quais o entendimento
conhece ou elabora a realidade.

Desta forma, Kant está mais preocupado com a maneira pela


qual nosso entendimento “trabalha” para elaborar conhecimentos
do que com o próprio conhecer.

Bem, apesar de não ser fundamental para compreender o


pensamento de Kant, que tal conhecer alguns dados de sua
biografia?

Figura 4.1 - Immanuel Kant.


Fonte: <http://www.lclark.edu/~philclub/photos/kant.gif>.

Unidade 4 91
Universidade do Sul de Santa Catarina

Kant nasceu na cidade de Königsber, na antiga Prússia, no ano de


1724 e faleceu nesta mesma cidade, em 1804. Ele nunca saiu de sua
cidade. Existem várias histórias ou estórias (lendas) sobre as manias de
Kant. Por exemplo, ele saía para caminhar sempre no mesmo horário
e era tão rotineiro que as pessoas acertavam seus relógios pela hora
em que ele saía de casa. Kant não gostava de reuniões e festas, mas,
quando ia visitar uma pessoa, solicitava a receita de um prato especial
que lhe havia sido servido e do qual gostava. Ele colecionava receitas
de culinária. Gostava de almoçar acompanhado sempre de alguém,
um amigo ou colega de universidade, mas, se nenhum destes aparecia,
ele mandava seu empregado convidar algum passante para o almoço.
Podemos dizer que Kant possuía uma personalidade sui generis, isto é,
diferente dos demais indivíduos de sua época.

Figura 4.2 - Imagem de Koenigsberg.


Fonte: Disponível em <http://www.firstworldwar.com/photos/graphics/nw_koenigsberg_01.jpg>.

Para saber mais sobre a vida de Kant e algumas


características de sua personalidade, você pode
recorrer aos seguintes livros:
„„ História da Filosofia, de Will Durant -
trata-se de uma obra clássica de História da
Filosofia, mas muito superficial. Durant se
dedica mais à biografia e aspectos pitorescos
da vida de cada um. É uma obra de fácil
leitura apesar da quantidade significativa de
páginas.
„„ Georges Pascal, em sua obra O Pensamento
de Kant, traduzida pela Editora Vozes, apresenta
na parte I alguns detalhes da biografia de Kant.

92
Teoria de Conhecimento I

Contudo ele se destacou na Filosofia após uma série de publicações


e textos que escreveu para concursos elaborados pela academia
de Artes e Ciências da Prússia. Estes textos não são os mais
importantes de sua carreira, apesar de nos ajudarem a conhecer um
pouco mais de seu pensamento. Sua grande obra são as “três críticas”:
Crítica da Razão Pura, Crítica da Razão Prática e Crítica do Juízo.

Elas foram publicadas apenas quando Kant já contava com seus


cinquenta anos. Tais obras foram tão importantes na Filosofia
que renderam a Kant um emprego de professor comissionado,
isto é, pago pela universidade. Ele é o primeiro professor pago
para lecionar, o que, depois, se tornou uma constante nas
universidades de todo o mundo.

O trabalho de Kant foi tão importante para a Filosofia


e para a universidade de Königsberg que, até hoje,
seu gabinete é preservado tal como o deixou antes de
falecer.

A grande influência do pensamento de Kant foi do filósofo inglês


David Hume, do qual discordava frontalmente. Entretanto
Hume era um filósofo cético e empirista, ou seja, para ele todo
conhecimento é proveniente de nossas experiências. Ele chamou
a atenção de Kant sobre o erro do Idealismo comum: não
considerar que temos experiências com os objetos do mundo.
A influência de Hume (a qual Kant denomina “meu acordar
do sonho dogmático”) reside no argumento de Kant de que as
experiências são possíveis por termos já em nosso entendimento
algumas estruturas que favorecem este experienciar o mundo.

Figura 4.3 - Imagem de David Hume.


Fonte: Disponível em<http://www.christers.net/philosophy/david-hume.jpg>.

Unidade 4 93
Universidade do Sul de Santa Catarina

Ou seja, para Kant deveriam existir conceitos não provenientes


da experiência, e sim do próprio conhecimento. Ora, tendo ele
esta concepção, por certo que acreditava ser o ceticismo um
escândalo da Filosofia (logo veremos por qual razão). Já falamos
de Kant na unidade anterior, quando estudamos os argumentos
de George Moore e sua tentativa de responder ao que Kant
considerava o “escândalo da Filosofia”.

Nesta unidade, vamos estudar as etapas do pensamento kantiano


sobre o conhecimento. Apenas para encerrar esta apresentação, é
interessante você saber o objetivo das três críticas de Kant:

„„ Crítica da Razão Pura objetiva estudar a forma como


nosso entendimento elabora o conhecimento, o que pode,
ou não, ser conhecido entre outros temas (limites da
razão, prova da existência de Deus, por exemplo);
„„ Crítica da Razão Prática estuda nossas ações e sua
estrutura;
„„ Crítica do Juízo estuda a forma como nosso
entendimento elabora juízos;
„„ outras obras de Kant são Crítica do Juízo Estético, Paz
Perpétua (ética).

Seção 2 - O argumento kantiano


Vamos iniciar relembrando o desafio do cético cartesiano da
unidade anterior: “não podemos conhecer nada do mundo
exterior a nós”, pois não temos como provar que o que
percebemos é verdadeiro, ou não, considerando que toda nossa
fonte de conhecimento são nossos sentidos, nossa percepção do
mundo. Tal ponto de vista é, para Kant, um engano, pois supõe
Inferência: consequência, dedução,
que os objetos do mundo exterior são conhecidos por nós através
ilação.
de inferências ), isto é, através de mediações. No caso do cético,
a mediação seriam as percepções ou os sentidos.

Kant afirmará que, se nosso conhecimento for concebido através


de inferências, então jamais poderemos conhecer qualquer coisa
do mundo exterior. Segundo Kant, não fazemos inferências para

94
Teoria de Conhecimento I

conhecer, e sim conhecemos e, só após, fazemos inferências.


Sendo assim, devemos admitir que Kant possui um método
especial e diferente para estudar o conhecimento.

Lembrando a estória de Harry no início deste livro texto, Kant está


afirmando ou defendendo o ponto de vista de que Harry teria como
saber, por si mesmo, que não é um cérebro numa cuba. Harry não
teria de recorrer a ninguém mais a não ser à sua própria mente.

Faça uma pausa na leitura e realize as seguintes


atividades de reflexão e exponha suas conclusões
no Fórum do EVA. Assim outros colegas poderão
argumentar com você.
a) Você concorda que Harry teria apenas que recorrer
à sua própria mente ou entendimento para saber
que não é um cérebro numa cuba? Explique em que
aspecto a argumentação de Kant ajuda nesta questão.
b) Como você se posiciona filosoficamente quanto ao
que Kant afirma sobre as inferências que fazemos para
conhecer? Responda se apenas fazemos inferências
depois de já conhecermos, ou se fazemos inferências a
partir de nossas percepções para, só depois, conhecer.

Bem, vamos ver como Kant argumenta sobre isto. De início,


podemos admitir que Kant concorda com Moore nas suas provas:
temos experiências com objetos exteriores a nós, e não é possível
negar isto (a prova de Moore é mostrar suas duas mãos, lembra?).

O que necessitamos é encontrar um meio de enfrentar o cético


frente a frente, isto é, mostrar-lhe que suas dúvidas são incoerentes.

Unidade 4 95
Universidade do Sul de Santa Catarina

Ora, mostrar que o cético é incoerente equivale a afirmar que o


Realismo é correto, isto é, mostrar que, quando conhecemos um
objeto qualquer, o conhecemos de maneira direta, e não através de
nossos sentidos. Conhecemos o objeto tal como ele é.

Assim, o problema do cético ou de quem não crê que possamos


conhecer objetos de maneira direta consiste em crer que
conhecemos de forma “indireta”, ou seja, através de inferências
retiradas de nossas percepções.

Seria como dizer que nosso amigo Harry da estória


acredita mais nas pessoas que estão à sua volta do que
naquilo que sua própria mente crê ou pode crer. Harry
necessitava de uma autoridade “exterior” a ele a qual
lhe permitiria fazer uma inferência para concluir se é,
ou não, um cérebro numa cuba. Lembra que ele chega
ao cúmulo de pensar em voltar à clínica para que lá
comprovem se ele é, ou não, um cérebro numa cuba?

Pois é, Kant perguntaria a Harry: Mas como você pode duvidar


se está, ou não, com seu cérebro numa cuba? Você deve ter algum
conhecimento direto de que não está numa cuba? Como você
poderia diferenciar ‘estar com o cérebro numa cuba’ de ‘não estar
com o cérebro numa cuba’?
Ora, Harry solicitaria a Kant uma resposta urgente, dado o
estado de desespero em que o vemos na estória.

Ficou intrigado (a) com as ideias de Kant? Se quiser


saber mais sobre aspectos deste argumento de Kant,
existem várias obras acessíveis e de fácil leitura:

„„ DELEUZE, Gilles. A Filosofia crítica de Kant.


Lisboa: Edições 70, 1987. Apesar de ser uma edição de
Portugal, ela é facilmente encontrada no Brasil. Deleuze
expõe nos primeiros capítulos os pontos fundamentais do
argumento de Kant.
„„ GRAYEFF, Felix. Exposição e interpretação da
filosofia teórica de Kant. Lisboa: Edições 70, 1987.
A obra foi publicada em Portugal, mas é facilmente
encontrada no Brasil. Grayeff tenta introduzir o leitor no

96
Teoria de Conhecimento I

emaranhado de conceitos da filosofia de Kant, de forma


sistemática. É um texto original, mas que apresenta certa
dificuldade de leitura para o leitor menos treinado, isto é,
para quem procura textos fáceis.
„„ KANT, Immanuel. Prolegômenos a toda metafísica
futura. Lisboa: Edições 70. 2008. Nesta obra, Kant
argumenta contra aqueles que acreditam estar sua
filosofia errada e que apenas uma nova metafísica poderia
ser correta. A obra foi publicada em Portugal, mas é
facilmente encontrada no Brasil. Nela, apesar de Kant
não falar especificamente sobre conhecimento, você
encontrará muitos dos conceitos que discutimos nesta
seção/unidade.

Seção 3 - Kant contra o cético


A resposta de Kant é um tanto complexa, mas não é difícil de
entender. O primeiro passo é saber que Kant acredita que nossa
percepção nos dá (estas são as palavras dele) objetos; o segundo
passo do argumento de Kant é afirmar que tais objetos são
recebidos pela percepção humana; o terceiro passo do argumento
de Kant consiste em afirmar que apenas conhecemos aquilo ou
objetos que nos são dados pela percepção.

Ora, argumentará Kant, boa parte da dúvida do cético já foi


destruída. O terceiro passo do argumento de Kant é o golpe final
no ceticismo: é o argumento de que aquilo que nossa percepção
nos dá, são múltiplos de informações, as quais são colocadas em
ordem pelo nosso entendimento. Ou seja, para Kant sempre
conhecemos objetos de forma direta (tal como desejava provar
Moore, mostrando suas mãos), pois aquilo que nossa percepção nos
dá não é um objeto, mas uma variada quantidade de informações
desconexas, impressões de cores, impressões visuais e tácteis, as
quais nosso entendimento “construirá” como sendo um objeto.

Unidade 4 97
Universidade do Sul de Santa Catarina

É por defender este tipo de argumento que se


denomina Kant “idealista”, isto é, aquele tipo de filósofo
o qual defende o argumento de que a realidade, os
objetos, as coisas são construções da mente humana
(no caso de Kant, diríamos, do entendimento humano).
Entretanto não devemos acreditar que Kant afirma não
existir a realidade. Pelo contrário, Kant argumenta que a
realidade, por ser uma criação de nosso entendimento,
deve existir. Sendo assim, as provas que o cético exige
não fazem sentido segundo o ponto de vista Idealista,
como o de Kant. Mais acima já vimos isto.

Então, você pode afirmar que Kant defende o conhecimento


direto de objetos. Mas, ao mesmo tempo, não pode dizer que
estes objetos são encontrados como os conhecemos na realidade,
pois é o nosso entendimento que os constrói. Isto significa que,
para o Idealismo kantiano, a realidade do mundo externo é
uma condição para que possamos ter conhecimento. Em uma
passagem famosa da Crítica da Razão Pura, Kant afirma:
“Conceitos sem percepções são vazios; percepções sem conceitos
são cegas”.

Analisando o que Kant está dizendo, você poderá perceber que,


segundo ele, os conceitos necessitam de percepções organizadas
pelos nossos sentidos, pois, só assim, os conceitos terão uma
referência ou significado.

Por outro lado, as percepções são conjuntos de imagens,


sensações, impressões sensoriais desordenadas. Kant as chama de
“múltiplo da percepção”. Se elas são um múltiplo desordenado,
então necessitam ser organizadas, para que obtenhamos
conhecimento. Esta organização é realizada pelo entendimento
através das regras lógicas e da atribuição de conceitos. Portanto,
sem os conceitos, as percepções não nos levam ao conhecimento:
são cegas.

Kant combina dois tipos de pontos de vista filosóficos, quais


sejam: ao afirmar que “conhecemos objetos de maneira direta”,
ele é um realista, isto é, os objetos existem na realidade.
Contudo, ao argumentar que nossa percepção nos dá um
múltiplo desorganizado de informações e que tais informações
são organizadas pelo entendimento, a fim de “construir” um
objeto da realidade, então ele é um idealista.

98
Teoria de Conhecimento I

Ora, se o objeto é construído pelo entendimento segundo


regras próprias deste, então não há como duvidar da existência
dos objetos. Aqui, neste aspecto, Kant propõe uma espécie de
Realismo. Creio que fica fácil compreender a argumentação
de Kant, não é? Vamos tomar um exemplo para testar sua
compreensão.

Imagine que você segure uma flor vermelha em sua


mão. Esta flor terá para você perfume, cor, tamanho,
espinhos, peso, entre outras coisas. Bem, o cético
perguntaria a você: “Como você sabe que tem uma
flor em mãos, e não um outro objeto qualquer?” Se
você é um filósofo kantiano, responderá ao cético:
“Pois é assim que meu entendimento constrói este
objeto!” Outra resposta possível seria afirmar que o
múltiplo de informações que sua percepção recebe
(todas aquelas características da flor) é organizado
de maneira que você perceba diretamente uma flor.
Este tipo de resposta foi denominado Idealismo
Transcendental, isto é, que ultrapassa a percepção
e o entendimento, mas busca compreender as regras
pelas quais o entendimento forma os objetos, a
realidade.

Para saber mais sobre a aplicação do conceito transcendental


em Kant, você pode consultar os seguintes trechos dos livros já
sugeridos na seção 2:

„„ Leia a introdução (páginas 11 até 18) da obra de Felix


Grayeff e o seu comentário inicial à obra de Kant
(páginas 23 até 29);
„„ Gilles Deleuze, na sua introdução, apresenta mais
detalhamentos sobre o método transcendental de Kant,
especialmente na introdução de sua obra citada mais
acima;
„„ Kant em seus Prolegômenos faz uma detalhada
explicação (páginas 109 a 116) do que ele define por
transcendental.

Unidade 4 99
Universidade do Sul de Santa Catarina

Seção 4 - As noções de a priori e a posteriori


Além deste argumento de Kant, há outra distinção feita por
ele que pode ajudar na compreensão de seu ponto de vista
contra o cético. Ele distinguia dois tipos de conhecimentos:
conhecimentos a priori e conhecimentos a posteriori. Um
conhecimento a priori não depende da experiência para ser
verdadeiro.

Por exemplo, quando você pensa no que significa


ter um corpo, imediatamente pode afirmar que, na
concepção (isto é, na própria ideia) de corpo está a
extensão deste corpo, isto é, seu comprimento. O
fato de que ter um corpo implica ter comprimento
não constitui um conhecimento que você retirou da
realidade, e sim da própria noção de corpo (do próprio
conceito, podemos dizer). Seria um tanto estranho
imaginar um corpo sem comprimento.

Outra noção a priori é a da lógica: as implicações lógicas não


são provadas pela experiência, e sim pela própria concepção
de implicação lógica. A experiência em nada ajuda aqui.
Podemos afirmar que a priori também significa analítico, isto é,
conhecimentos que exigem apenas a razão, e não a experiência.
Funciona como na Matemática: os exercícios matemáticos
obedecem a certas regras de solução, porém estas regras não
são obtidas pela experiência. Por outro lado, conhecimentos a
posteriori são aqueles que você apenas pode provar através da
experiência.

Assim, quando você diz que um corpo tem comprimento, faz


uma afirmação baseada em conhecimento a priori, mas se você
diz que este corpo possui 2 metros de conhecimento, então
você fez uma afirmação que apenas será verdadeira através da
experiência. Ou seja, que o comprimento do corpo é de 2 metros
apenas será uma afirmação verdadeira, se nós medirmos o corpo
e comprovarmos que ele tem 2 metros.

Para Kant, todas as regras do entendimento humano são


provadas a priori, isto é, elas não são verdadeiras por terem sido
provadas pela experiência, e sim por que são regras analíticas,
regras lógicas. Assim, quando Kant afirma que o entendimento

100
Teoria de Conhecimento I

possui uma lógica para a construção dos objetos da realidade, as


regras de construção devem ser aceitas como verdades analíticas,
e não como verdades a posteriori, provadas pela razão.

Para exercitar estes conhecimentos, responda aos


seguintes itens:
a) Elabore dois exemplos de afirmações a priori.

b) Elabore dois exemplos de afirmações a posteriori.

Seção 5 - O cético e as noções de a priori e a posteriori


Esta distinção feita por Kant entre dois tipos de conhecimento
não permite que o cético possa ir muito longe em suas dúvidas,
isto é, ele pode duvidar se um corpo existe mesmo na realidade,
mas não pode duvidar de que, quando ele fala em corpo, ele não
sabe o que diz! O cético é colocado por Kant numa enrascada: ele
apenas poderá duvidar, se aceitar que seu entendimento possui
regras de construção de objetos: ao fazer isto, ele assume que
existe um tipo de conhecimento do qual não pode duvidar.

Unidade 4 101
Universidade do Sul de Santa Catarina

Ele não pode duvidar que pensa ou que tem um


entendimento que constrói regras de compreensão. Além do
mais, Kant alega que não existem objetos no sentido em que
o cético acredita em objetos, isto é, objetos na realidade que
existem por si, os quais conhecemos por inferências de nossos
sentidos.

Lembra o que foi dito mais acima?

Kant não aceita que obtenhamos conhecimento por inferências


de nossos sentidos, mas sim que são organizações elaboradas
pelo nosso entendimento. Esta é a razão de eu ter dito que a
crítica que Kant faria a Harry, personagem de nossa estória,
seria perguntar-lhe por qual razão duvida de sua mente, de
seu entendimento? Ele, Harry, apenas poderia duvidar se é
um cérebro numa cuba, se já soubesse o que isto é! Um tanto
paradoxal a resposta de Kant, não é? Mas ela faz sentido! Você
pode duvidar de alguma coisa, se já possuir algum tipo de
conhecimento desta mesma coisa.

Assim, retornando ao cético, diríamos que ele apenas pode


duvidar da existência de objetos externos a nós, se souber o que é
um “objeto externo”. Ao mesmo tempo, o cético deve admitir o
seguinte, se ele quer manter a afirmação de sua dúvida quanto à
existência de objetos exteriores a nós:

(1) existe um tipo de coisa (objeto) que é exterior a nós;

(2) existe um tipo de coisa (objeto ou algo assim) que é “interior”


a nós;

(3) não podemos provar que os objetos exteriores não são os


objetos interiores;

(4) não podemos provar que existem objetos exteriores a nós.

Mas as afirmações (1) e (2) são condições para que o cético


afirme (3) e (4). Podemos até admitir que as afirmações (1), (2)
e (3) são condições anteriores à afirmação (4), que é a afirmação
tradicional do cético com quem estamos lidando. Isto significa

102
Teoria de Conhecimento I

que ele apenas pode afirmar sua dúvida, se admitir a verdade


de outras afirmações, quais sejam, (1), (2) e (3). O problema do
cético reside na afirmação (3), pois é a partir desta afirmação que
(4) é possível ou faz sentido.

Para refletir um pouco mais sobre este assunto, realize


a seguinte atividade e publique os resultados na
Exposição do EVA.
a) Elabore uma a afirmação sobre algum objeto do
mundo;
b) Analise esta afirmação nas suas condições de
possibilidade, isto é, o que deve ser admitido para que
a afirmação tenha sentido;
c) Faça a distinção: dentre as afirmações que devem
ser admitidas, quais são as mais básicas.

Vamos agora trazer o caso de Harry para nossa explicação e


colocar as afirmações de dúvida de Harry na ordem em que
colocamos as afirmações do cético acima. Bem, Harry está
desesperado por não saber se é, ou não, um cérebro numa cuba.
Ele chega a admitir a ideia de ir até o laboratório e deixar que
ponham seu cérebro numa cuba e, depois, o retirem da cuba, para
que ele possa ter certeza de que “não é um cérebro numa cuba”.
Bem, segundo o argumento que apresentamos acima, a dúvida de
Harry, para fazer sentido, teria de ser assim descrita:

(1) Sei o que é não ser um cérebro numa cuba;

(2) Sei o que é ser um cérebro numa cuba;

(3) Não sei distinguir ‘o que é estar com o cérebro numa cuba’ de
‘não estar com o cérebro numa cuba’;

(4) Não sei se sou um cérebro numa cuba, ou não.

Ocorre com Harry a mesma coisa que ocorre com o cético:


Harry sabe alguma coisa para poder duvidar de outras. Assim,
a afirmação (4) de Harry só faz sentido, se ele admitir que
sabe a verdade de (1) e (2). A afirmação (3) é a expressão de
desconhecimento de Harry quanto ao que distingue uma coisa –
(1) de (2) – de outra.

Unidade 4 103
Universidade do Sul de Santa Catarina

O que Kant afirmaria para Harry é que ele possui algum


conhecimento anterior à sua dúvida e que, portanto, ele deverá
justificar este conhecimento anterior. Se ele não sabe justificar (1)
e (2), a afirmação (4) não faz sentido. Novamente digo que Kant
afirmaria para Harry que ele tem mais confiança em (2) do que
em (1), as outras afirmações se seguiriam desta confiança em (2) e
da desconfiança em (1). Contudo, se Harry confia mais em (2) do
que em (1), é por ele saber que (1) não é verdadeira. Mas como ele
sabe isto? E como ele sabe que (2) é verdadeira?

Podemos agora trazer para este nosso raciocínio aquilo que Kant
afirma dos dois tipos de conhecimento, isto é, que um é a priori
e o outro a posteriori. Harry busca um conhecimento a posteriori
de (4), isto é uma prova da experiência de que ele não é um
cérebro numa cuba. Mas, para que esta busca de conhecimento
a posteriori tenha sentido, Harry deve saber a priori que (1)
e (2) são verdadeiras. Ele não pode fugir, alegando que (1) e
(2) são conhecimentos a posteriori, pois, mesmo que o sejam,
estas afirmações são parte da “análise”de (4) e , portanto, são
conhecidas a priori.

Seção 6 - Retomando o argumento de Kant


Voltando ao argumento de Kant quanto às regras do
entendimento e fazendo um paralelo com o que dissemos acima
quanto ao raciocínio do cético e o raciocínio desesperado de
Harry, Kant nos afirma que existe uma maneira de conhecer
objetos exteriores a nós, que não depende de nossos sentidos nem
de nossa experiência.

Para ele, temos percepção de uma série de informações


desconexas, as quais nosso entendimento, agindo segundo regras
a priori, constrói de maneira significativa como sendo um objeto
do mundo exterior. Este argumento, dissemos também, está
baseado na existência de regras a priori no entendimento. Apenas
se admitirmos que tais regras existem, o argumento de Kant
poderá fazer sentido.

Além disto, admitindo que Kant esteja correto em seu


argumento, tanto o Realismo é verdadeiro quanto o Idealismo.

104
Teoria de Conhecimento I

Ora, Idealismo e Realismo são incompatíveis. Kant os torna


compatíveis ao afirmar que o entendimento constrói os objetos
do mundo exterior a partir de um conjunto de informações que
são organizadas pelas regras do entendimento, isto é da razão e
não da experiência. Entretanto não se pode afirmar que todos
os filósofos realistas aceitariam tal argumento. Para eles, os
objetos existem independentes de nós. Para se diferenciar destes
filósofos realistas, Kant denomina seu realismo de Realismo
Transcendental.

Para refletir um pouco mais responda com suas


palavras à seguinte questão e publique sua resposta
na ferramenta Exposição do EVA.
Como é possível que, para Kant, tanto o Realismo
quanto o Idealismo possam ser compatíveis, uma vez
que, tradicionalmente, ambos são incompatíveis?

Para deixar um pouco mais claras estas distinções, vamos


trabalhar sobre um exemplo interessante: se alguém lhe
perguntasse o seguinte: “Uma árvore que cai numa floresta onde
não há um ser humano por perto para presenciar o fato, faz
barulho, ou não?”

Se você responder que a queda da árvore deverá fazer barulho, então


você é um realista. Se você responder que a árvore não faz barulho,
então você é um idealista, afinal o barulho da árvore apenas existe
para nós humanos que o ouvimos. Neste caso, o cético não poderá
dizer nada, ao menos quanto ao idealista. Ele poderá questionar o
realista, pois admite que existiu barulho, mesmo sem ele estar lá,
mesmo que nenhum ser humano estivesse lá.

O cético lhe perguntaria como ele sabe e, neste caso,


sua resposta seria apenas afirmar que o barulho de uma
árvore caindo não é uma criação nossa, e sim da natureza
física dos objetos. O problema com o argumento de Kant
é desejar compatibilizar a resposta do idealista com a do
realista.

Ele afirma que a árvore faz barulho, mesmo que


nenhum ser humano presencie sua queda, por que nosso
entendimento constrói a queda de um corpo físico como sendo

Unidade 4 105
Universidade do Sul de Santa Catarina

barulhenta, isto é, como algo que faz barulho. Ele responderia


à questão, afirmando que há barulho sim, mas por que nosso
entendimento constrói as coisas desta forma.

Seção 7- O círculo vicioso de Kant


Ora, se você não percebeu o círculo vicioso em que Kant se
envolveu, então vou lhe mostrar de maneira simples: para Kant
a verdade do Idealismo garante a verdade do Realismo. Se fosse
responder ao cético (não podemos conhecer nenhum objeto
exterior a nós), Kant diria que conhecemos objetos de maneira
direta, pois os construímos tal como os percebemos.

Assim, Kant nos deixa com uma tarefa complicada, qual seja,
investigar se nosso entendimento detém mesmo aquelas regras
que ele diz que o entendimento utiliza para construir os objetos.
Mas, para investigar estas regras, teremos de admitir que elas
existem.

Entretanto isto, por sua vez, implica admitir que o


Idealismo de Kant está correto!

O filósofo norte-americano Barry Stroud deu-se conta deste


círculo vicioso existente no argumento de Kant, e o estudou mais
aprofundadamente. Não cabe aqui passar todos os passos de
Barry Stroud, mas sim dizer que ele não foi contestado. Ou seja,
sua descoberta do problema do círculo vicioso é aceita por toda a
comunidade filosófica, menos pelos filósofos kantianos, é claro!

Assim, concordaremos que Kant dá uma resposta satisfatória


ao cético, se aceitarmos o Idealismo Transcendental. Contudo
há aqui certa resistência, pois falta uma prova de que nosso
entendimento funciona da forma descrita por Kant e, além disto,
não parece que os objetos do mundo existam por si mesmos, isto
é, eles dependem de nós, de nossa percepção, que os capta como
informação desconexa.

106
Teoria de Conhecimento I

No final das contas, se analisarmos detalhadamente a


argumentação de Kant, perceberemos que não responde ao cético
de maneira adequada, e sim se refugia do questionamento cético
afirmando que “tudo está em nossa mente”, e, portanto, sua dúvida
não faz sentido. Ora, o cético redarguirá, afirmando que seria o
mesmo que refugiar-se numa igreja durante um bombardeio: nada
garante que a igreja “não” será bombardeada. O mesmo cabe para
o argumento de Kant: refugiar-se na mente ou no entendimento é
admitir que o entendimento ou a mente estão corretos.

Mas esta não é a resposta que o cético pede. Ele quer saber como
podemos provar que temos conhecimento de coisas externas
a nós; ele não perguntou “Como as informações desconexas
de nossa percepção se tornam objetos do mundo”, pois as
informações desconexas, as quais nosso entendimento constrói
com objetos, devem ter alguma origem.

Kant admite que nossa percepção “capta” um conjunto de


informações desconexas, mas não explica como estas informações
chegam até nossa percepção. Aqui, teríamos de elaborar alguns
acréscimos ao argumento de Kant, considerando que ele não nos
fornece uma resposta adequada.

Ou seja, a resposta de Kant é subjetiva demais para ser aceita, ao


menos como uma resposta válida contra o cético. É como se ele
dissesse ao cético: “Pobre homem, desconfia se está percebendo
objetos da natureza, ou não, quando a natureza é criada por nós
e, portanto, ela só pode existir!”.

Ao desesperado Harry Kant, responderia que sua dúvida não


faz sentido, pois tanto estar numa cuba quanto estar fora dela
são construções de nosso entendimento e, portanto, a resposta
estaria nas regras do entendimento para construir as experiências
que Harry teve ou crê que teve. Contudo os argumentos de
Kant visam demonstrar que, através das regras do entendimento,
construímos os objetos da realidade.

É por esta razão que ele diria a Harry que não deveria buscar
provas da realidade através de seus sentidos, pois estes apenas
lhe forneceriam um múltiplo de percepção. Kant, através de sua
“revolução copernicana” (Nós criamos o mundo objetivo, não
o encontramos pronto). Nosso entendimento nos “dá objetos
externos, sempre que usa as regras do entendimento de maneira
correta), também se torna um empirista.

Unidade 4 107
Universidade do Sul de Santa Catarina

Entretanto cabe aqui outra consideração.

A questão é: por qual razão devemos aceitar a argumentação


de Kant? As provas que ele nos fornece não são convincentes e
mais se parecem com convenções. Ou seja, as provas seriam mais
convincentes, se Kant nos mostrasse o que causa o múltiplo da
percepção e que o entendimento organiza.

Ele não pode fornecer esta resposta, pois seria afirmar que os
objetos existem na realidade tal como afirma um realista e não
um idealista como Kant. Este ponto é tão controverso que Kant
apenas conseguiu responder, afirmando que “Apenas Deus
percebe o que um objeto é em si mesmo”, apenas Deus conhece
“a coisa em si”. Nós humanos, devido à nossa limitação, apenas
compreendemos as coisas como são para nós, segundo nosso
entendimento. Nós percebemos fenômenos, e não objetos tal
como são. Bem, este é um primeiro ponto.

O segundo aspecto para o qual eu gostaria de chamar sua


atenção é o seguinte: o Realismo kantiano é, de fato, um artifício
argumentativo baseado no Idealismo. Ou seja, é por argumentar
que nosso entendimento constrói os objetos da realidade
–poderíamos até afirmar que o entendimento constrói a realidade
– que o Realismo tem alguma chance de possuir sentido para
Kant. Caso não aceitemos o seu Idealismo, então o Realismo que
ele propõe também cai por terra.

Por fim, caso o cético respondesse para Kant, ele diria,


simplesmente: não sou um idealista, pois o múltiplo que é
dado na percepção deve ter alguma origem. Se esta origem é
a sensação e a percepção, então é possível que eu perceba de
maneira errônea, que os meus sentidos me enganem, mesmo que
o objeto seja construído pelo entendimento, isto não garante que
a organização do múltiplo seja correta para com o que nos é dado
na percepção.

Parece então, por fim, que o cético não foi convencido por Kant.
Antes, Kant exige que o cético aceite sua argumentação para que,
só então, aceite a prova do mundo exterior fornecida por Kant.
Mas cabe ao cético uma última palavra: não aceitar o Idealismo.

108
Teoria de Conhecimento I

Síntese
Nesta unidade, você estudou os argumentos de Immanuel Kant
sobre o conhecimento. Ficou sabendo que Kant foi um idealista,
ainda que não um idealista comum. O Idealismo de Kant parte
do pressuposto de que nosso entendimento possui regras que lhe
são próprias, regras que não são encontradas na experiência, mas
que ordenam a experiência.

Ao mesmo tempo, aprendeu que, para Kant, a resposta ao cético


é positiva: sim, diria ela, possuímos conhecimento de objetos
exteriores a nós. Kant afirmaria isto devido à sua maneira de
combinar Idealismo com Realismo.

Você aprendeu que esta combinação entre Realismo e Idealismo


elaborada por Kant baseia-se exatamente no argumento de
que nossa percepção não é ordenada, isto é, ela recebe uma
quantidade de informações. Mas apenas o entendimento ordena
estas informações, segundo regras, para que elas se transformem
em conhecimento. Assim, sempre existirão objetos externos
para Kant, pois sempre perceberemos um “múltiplo” dado na
percepção e, portanto, duvidar da existência de objetos exteriores
é duvidar deste múltiplo que nos é dado.

Contudo conhecimentos são possíveis apenas pelo entendimento,


e não pela percepção. Assim, você percebe que Kant é astuto o
suficiente para dizer ao cético que ele duvida de algo apenas por
já possuir algum conhecimento anterior deste algo.

A parte crítica que apresentamos da filosofia de Kant mostra


que o argumento kantiano funciona apenas se aceitamos que o
Realismo, da maneira que ele o constrói, é verdadeiro. Entretanto
aceitar este Realismo Transcendental exige que aceitemos o
Idealismo kantiano. Ora, não há razão lógica pela qual sejamos
obrigados a aceitar o Idealismo Transcendental de Kant.

Assim, permanece um problema a existência de objetos exteriores


a nós. A conclusão só pode ser esta, pois, se você quer responder
ao cético, não faz sentido ser obrigado a aceitar outro sistema de
pensamento – no caso, o sistema de Kant – para então dar sua
resposta ao cético. Kant exige de nós que aceitemos seu Idealismo
e seu Realismo, para, só então, fornecermos uma resposta

Unidade 4 109
Universidade do Sul de Santa Catarina

ao cético. Ora, nossa pergunta será: e devemos aceitar que o


Idealismo de Kant está correto?

Creio que você percebeu que Kant nos retira da discussão com o
cético e nos faz discutir sobre seu Idealismo.

Atividades de autoavaliação

Ao final de cada unidade, você realizará atividades de


autoavaliação. O gabarito está disponível no final do livro
didático. Mas esforce-se para resolver as atividades sem ajuda do
gabarito, pois, assim, você estará promovendo e estimulando sua
aprendizagem.

1) Elabore um texto dissertativo, reconstruindo com suas palavras


o argumento de Kant, de que seu Idealismo é uma resposta ao
cético.

110
Teoria de Conhecimento I

2) Explique, como é possível que Kant combine Idealismo com


Realismo, se ambos são contrapostos?

3) Você concorda com Kant, que a realidade é uma construção de


nosso entendimento? Elabore um texto, justificando sua resposta.

Unidade 4 111
Saiba mais

Para conhecer melhor a distinção entre os dois tipos de


conhecimento em Kant, consulte:

„„ O filósofo francês Georges Pascal escreveu um texto


sobre o pensamento de Kant. Trata-se de PASCAL,
Georges. O Pensamento de Kant. Petrópolis: Editora
Vozes, 1980. Este texto é bem completo para uma
introdução e está traduzido para o português do Brasil.
5
unidade 5

A naturalização do
conhecimento e o
questionamento cético

Objetivos de aprendizagem
Ao final desta unidade você terá subsídios para:

n Compreender o argumento da naturalização do


conhecimento, elaborado por Quine.
n Avaliar as consequências da naturalização do estudo do

conhecimento.
n Entender a proposta de naturalização do conhecimento

frente ao Ceticismo.
n Analisar a resposta de Quine ao Ceticismo.

Seções de estudo
Seção 1 Ponto de vista interno e ponto de vista externo
do conhecimento
Seção 2 O argumento naturalista de Willard Quine

Seção 3 Capacidades cognitivas e o conhecimento da


realidade
Seção 4 Naturalização do conhecimento e Ceticismo

Seção 5 O cético contra Quine: uma avaliação final


Universidade do Sul de Santa Catarina

Para início de estudo


O filósofo norte-americano Willard Quine apresentou a proposta
de naturalização do estudo do conhecimento. Sua resposta
gerou um novo ponto de vista para os estudos do conhecimento:
os resultados da ciência natural são agregados como base de
nossos conhecimentos, e o estudo do ser humano, enquanto ser
cognitivo, elaborado pela psicologia empírica, é parte do estudo
do conhecimento.

A resposta de Quine é um tanto complexa, mas seu argumento


é interessante. Talvez possamos responder ao Ceticismo, quanto
ao conhecimento, se contarmos com a ajuda da ciência em nossa
tarefa.

Nesta unidade, você irá estudar os passos da argumentação de


Quine e, ao final, comparar sua proposta com as questões que o
cético pede que sejam respondidas, para que possamos afirmar
que conhecemos objetos exteriores a nós.

Seção 1- Ponto de vista interno e ponto de vista


externo do conhecimento
Você deve lembrar que, ao estudarmos o ponto de vista de
George Moore sobre o conhecimento, fizemos distinção entre
ponto de vista interno e ponto de vista externo do conhecimento.
Relembrando o que foi dito naquela unidade, temos o seguinte
argumento: o ponto de vista interno ao conhecimento estuda ou
investiga as afirmações que dizem respeito às relações entre um
conhecimento com outro.

A afirmação “Neste momento chove em


Florianópolis”, se considerada apenas de um ponto
de vista interno do conhecimento, deverá ser
avaliada e investigada em sua dependência de outras
afirmações.

114
Teoria do Conhecimento I

Assim, saber que é verdade o que a afirmação acima assevera,


depende de outras afirmações que, por sua vez, devem ser
verdadeiras. Neste caso, o conceito “interno” significa a relação de
um conhecimento com outro, de uma afirmação de conhecimento
com outra. Por outro lado, “externo” indica que se faz uma
avaliação de afirmações de conhecimento em sua relação com
a possibilidade de conhecer. Por exemplo, perguntar “Como é
possível obtermos conhecimento sobre o clima de Florianópolis?”
configura uma pergunta elaborada do ponto de vista externo; não
questiona se chove, ou se faz sol em Florianópolis, e sim como
é possível conhecermos algo, fazermos afirmações verdadeiras
sobre o clima em Florianópolis.

Também poderíamos dizer que o ponto de vista externo ao


conhecimento avalia o que fazemos com o conhecimento sobre o
clima de Florianópolis.

Portanto, quando você questiona a verdade de


uma afirmação sobre determinado conhecimento,
você está pedindo justificativas baseadas em outros
conhecimentos. Por outro lado, quando você
questiona a possibilidade do conhecimento, então sua
questão deve ser respondida através de justificativas
que comprovam que nós conhecemos, como
conhecemos, que método usamos para conhecer e
assim por diante.

Esta distinção é muito importante, pois, ao usar conhecimentos


adquiridos durante seu curso de graduação, deverá saber se está
usando um conhecimento específico, ou se está aplicando um
método de conhecer. Além disto, é a ignorância desta distinção
que nos faz acreditar que o questionamento do cético cartesiano é
absurdo.

Quando ele pergunta: “Como sabemos que não estamos


sonhando neste momento?” (ou como sabemos que não somos
um cérebro numa cuba?), costumamos responder “Esta pergunta
não faz sentido, pois estou vendo o sol, as árvores e sinto dor, se
belisco meu braço”. Entretanto a pergunta questiona todo nosso
conhecimento, quanto a estarmos, ou não, acordados, e não
apenas um tipo de conhecimento, por exemplo, que vejo o sol.

Unidade 5 115
Universidade do Sul de Santa Catarina

O cético de Descartes lança uma dúvida ampla e geral sobre


toda possibilidade de conhecimento (tal como Harry, que tem de
encontrar um ponto indubitável para saber que não está plugado
no computador do cientista maligno). Assim, é necessária muita
cautela ao lhe responder, pois podemos estar presos numa
armadilha argumentativa.

Gostaria de citar a avaliação que fizemos dos argumentos de


Austin e Moore: você deve lembrar que ambos alegam conhecer
objetos exteriores a eles e, a partir disto, afirmam que possuem
provas de que objetos exteriores a nós existem: esta é esta, mão
alega Moore; o objeto que dá significado à palavra “casa” ou
“pedra”, alegará Austin.

Contudo ambos estão equivocados em suas respostas


ao cético.

O equívoco de ambos consiste em não perceberem que o


questionamento do cético é amplo e coloca em dúvida todo e
qualquer conhecimento, e não apenas aqueles objetos que Austin
e Moore alegam existir. Ou seja: o cético faz um questionamento
a partir de um ponto de vista externo ao conhecimento, e as
provas que Austin e Moore lhe fornecem são internas. Portanto
a dúvida do cético ainda não foi respondida (seria como dizer
a Harry “Olhe você não está
vendo suas mãos? Então como
pode pensar que está recebendo
inputs de um computador?
Como você duvida que isto não
é real?).

Nesta unidade, vamos aprender


um pouco sobre os argumentos
de Willard Quine. Filósofo
estadunidense nascido em Figura 5.1 - Willard Quine
1908, estudioso de Matemática
e Lógica além de Filosofia da Linguagem e Filosofia da Ciência.
Ele escreveu várias obras importantes na área da Filosofia e da
Lógica. Esteve no Brasil, onde ministrou algumas aulas na USP
(Universidade de São Paulo) nos anos sessenta. O ponto de vista
de Quine ficou conhecido pelo título de um de seus ensaios mais

116
Teoria do Conhecimento I

famosos “Epistemologia Naturalizada”. A palavra “naturalizada”


significa que a Epistemologia se tornou parte das faculdades da
natureza humana e é estudada pela Psicologia Empírica.

Quine alega que, para nós humanos, conhecer é uma capacidade


biológica e psíquica tanto quanto é a digestão, os impulsos
cerebrais ou o aparelho reprodutor humano. Por consequência
do seu argumento, estudar o conhecimento equivale a estudar
um aspecto físico de nossa natureza humana, e não algo que,
por sermos seres humanos, podemos fazer, isto é, conhecer
(da mesma forma que andar de bicicleta não faz parte de nossa
natureza, mas é algo que podemos fazer).

A Epistemologia se constituirá no estudo científico do


conhecimento e apelará para dados e fatos da ciência empírica,
a qual estuda o cérebro e a maneira como trabalhamos com as
informações que adquirimos do mundo exterior. Evidentemente
que este ponto de vista de Quine foi expandido para constituir
a chamada Ciência Cognitiva. Quando naturalizou a
Epistemologia, Quine a tornou parte de uma ciência. A Ciência Cognitiva é a
ciência que estuda os
fenômenos “conscientes”
como fenômenos físicos
Vamos voltar aos argumentos de Quine. e de processamento de
informações. 

Em seu ensaio Epistemologia Naturalizada (o qual você poderá


encontrar traduzido para o português pela Professora Andréa
Loparic e publicado pela editora Abril na coleção Os Pensadores),
Quine faz a seguinte afirmação:“A epistemologia, ou algo que
a ela se assemelhe, encontra seu lugar simplesmente como um
capítulo da psicologia e, portanto, da ciência natural. Ela estuda
um fenômeno natural, a saber, um sujeito físico” (p.164 da edição
de 1980).

A grande vantagem desta “naturalização” dos estudos


epistemológicos, segundo Quine, é que tais estudos poderão
servir-se livremente dos resultados obtidos nas ciências empíricas
e não ficarão presos às tentativas de elaborar reconstruções
racionais de nosso conhecimento. Tal ponto de vista, continua
Quine, não desfaz das tentativas anteriores de compreender como
os objetos do mundo são postos pela realidade para o sujeito e
como o sujeito os conhece.

Unidade 5 117
Universidade do Sul de Santa Catarina

Quine denomina esta tentativa como “reconstrução


racional”.

A novidade é que a ciência natural servirá de apoio ao


empreendimento epistemológico, isto é, saber como conhecemos
é agora um campo de estudo científico (nosso amigo Harry
deveria se submeter a uma bateria de testes neurológicos e a
sessões de tomografia para estudar seu cérebro).

Seção 2 – O argumento naturalista de Willard Quine


O argumento de Quine possui uma amplitude considerável
sobre nosso estudo do conhecimento, quando o compreendemos
suficientemente. Assim, os problemas sobre como os objetos que
nos cercam são conhecidos já não será um problema da lógica
das percepções visuais ou táteis; segundo Quine, ao estudarmos
o conhecimento (a Epistemologia, como ele afirma) a partir do
ponto de vista da ciência, teremos como investigar empiricamente
– através de experimentos – como as percepções são trabalhadas
por nosso cérebro, como as percepções são enquanto estímulos
cognitivos em nosso aparelho cerebral.

Ou seja: não estaremos mais utilizando um aparato conceitual


da Filosofia, e sim das ciências empíricas. Ora isto significa dizer
que, o conceito “percepção” constitui-se através de estímulos e
respostas que recebemos dos objetos através de nossa visão e do
processo destas informações.

As dúvidas e investigações sobre a percepção e a maneira como


percebemos serão tratadas através dos conceitos e experimentos
da Psicologia Empírica, e não mais através da Filosofia, ou
– como diz Quine – através da reconstrução racional (Harry
não precisaria de estudos de Lógica, e sim de resultados de
experimentos empíricos sobre como ele conhece).

O ponto central do argumento de Quine é que a


ciência natural é agora responsável pelas bases do
estudo do conhecimento.

118
Teoria do Conhecimento I

Outro aspecto importante do argumento de Quine diz respeito


a como atribuímos verdade ou falsidade a uma afirmação.
Lembremos que até agora tratamos a verdade ou falsidade das
afirmações como sendo a relação entre o que diz a afirmação
sobre a realidade e a realidade da qual afirma algo (a saber: falso
ou verdadeiro).

Assim, a afirmação de que está chovendo em Florianópolis é


verdadeira, se isto estiver ocorrendo, quer dizer, se, na realidade,
estiver chovendo em Florianópolis. Contudo, desde a unidade 2
deste livro, você tem acompanhado e discutido uma determinada
linha de argumentação que pede justificativas quanto à
possibilidade de sabermos alguma coisa verdadeira sobre a
realidade.

Desta forma, necessitamos provas de que a realidade pode


ser conhecida. Lembre que as respostas a este tipo de
questionamento não podem ser “internas”, mas sim “externas”.
Você pode avaliar o argumento de Quine como a tentativa de dar
consistência a afirmações sobre a existência da realidade a partir
da ciência, ou usando-a como apoio.

Vamos tentar compreender melhor o alcance dos argumentos


elaborados por Quine, de outro ponto de vista. Procure pensar
um pouco no que a ciência exige para construir uma teoria
explicativa sobre determinados objetos. O cientista age da
seguinte forma padrão: ele determina um tipo de objeto a ser
estudado e do qual pretende fornecer explicações e descrições de
como este objeto se comporta.

Você pode pensar em qualquer objeto que desejar: bactérias,


vírus, corpo humano, circulação do sangue, funcionamento do
cérebro, etc. O cientista faz suas observações e as guarda na
forma de afirmações particulares. A partir destas afirmações
particulares, o cientista irá montar sua teoria geral sobre o
comportamento de todos aqueles objetos que observou, quer Afirmações do tipo “H é
dizer, objetos do mesmo tipo. líquido em t1”, “H é líquido
em t2”, e assim por diante,
Você tem aí uma maneira de fazer ciência, exatamente a maneira variando apenas “t”, que
em que Quine está pensando. Ora, quando o cientista faz indica o momento da
observação.
suas observações e as guarda como afirmações ou proposições
particulares, Quine denomina estas afirmações particulares de

Unidade 5 119
Universidade do Sul de Santa Catarina

“proposições observacionais”, isto é, são proposições que contêm


informações sobre a realidade.

Creio que está ficando mais claro para você onde Quine pretende
chegar com sua argumentação. Elaborar uma proposição
observacional é transmitir conteúdos da realidade, conteúdos
acessíveis a todas as pessoas capacitadas. Consequentemente, há
uma espécie de acordo quanto ao que conta como conteúdo de
uma proposição observacional ou, em outras palavras, quanto ao
que é um objeto de observação.

Segundo Quine, uma proposição observacional é importante em


dois aspectos, quais sejam:

a) as proposições observacionais são um repositório de evidência


para as teorias científicas, isto é, as teorias científicas são
verdadeiras ou falsas com base no conteúdo das proposições
observacionais e;

b) os conteúdos das proposições observacionais são o que


aprendemos, quando somos ensinados a atribuir significado às
nossas palavras, isto é, o conteúdo de realidade das proposições
observacionais é o significado de nossas palavras.

Assim, as proposições observacionais apresentam uma dupla


importância na argumentação de Quine, tanto por serem
a base empírica das teorias científicas, quanto por serem os
itens que estão relacionados ao nosso uso das palavras e de
seu aprendizado. Mais importante ainda é a ligação que tais
conteúdos possuem com nossas capacidades cognitivas (Harry
saberia que está frente aos objetos reais, e não frente a meras
imaginações causadas por um computador). Vamos agora estudar
mais um pouco as consequências do argumento de Quine, no
que diz respeito às capacidades cognitivas e sua relação com o
conhecimento.

120
Teoria do Conhecimento I

Seção 3 – Capacidades cognitivas e o conhecimento da


realidade
Um dos pontos principais da argumentação de Quine é o de que
existe uma espécie de acordo quanto ao conteúdo das proposições
observacionais, considerando que este conteúdo poderá ser
determinado através da investigação científica ou pelo uso das
teorias científicas. O alcance deste argumento para o estudo do
conhecimento é importante, pois a alegação de Quine é a de que
as proposições observacionais possuem conteúdo da realidade, e
este conteúdo chega até nós através das informações captadas por
nossos órgãos de percepção.

A captação das informações é, segundo Quine (Epistemologia


Naturalizada, pg. 167), dependente de um acordo fundado
em nossas capacidades cognitivas básicas. Ou seja: todos nós
humanos temos capacidades cognitivas para processar as
informações captadas por nossa percepção e tais capacidades
são comuns entre nós humanos. Os casos desviantes – defeitos
nas capacidades perceptivas ou nas capacidades cognitivas – são
colocados ao lado, considerando que não são predominantes.

Complementando este argumento, Quine afirma que


“Não há subjetividade no fraseado das sentenças
observacionais [proposições observacionais](...);
de ordinário, elas serão sobre corpos. Dado que o
traço distintivo de uma sentença observacional é a
concordância intersubjetiva sob estimulação [capacidade
perceptiva] concordante, é mais provável que aquilo de
que trata seja de natureza corpórea”.

Em outras palavras, a concordância quanto aos corpos físicos


de que falam as proposições de observação (as quais Quine
também denomina sentenças observacionais; entenda-se com
isto o “fraseado”) é oriunda das capacidades perceptivas ou,
como Quine diz, de estimulação concordante. Nunca esquecer
o argumento de que as estimulações são dados cognitivos, os
quais são oriundos de objetos corpóreos e são iguais para todos os
seres humanos (o que Quine denomina intersubjetivo), pois todos
possuem o mesmo aparelho perceptivo, o qual é estudado pela
ciência natural.

Unidade 5 121
Universidade do Sul de Santa Catarina

O argumento de Quine será o de que nossas capacidades de


percepção deverão ser estudadas pela ciência e, desta forma, se
poderá eliminar a possibilidade de que alguém lance dúvidas
sobre o que se está percebendo.

Você está conseguindo perceber a engenhosidade do


argumento de Quine?

Ele retira a força da Epistemologia tradicional, a qual denomina


de “reconstrução racional”, e coloca a Epistemologia como
uma das áreas de estudo da ciência, pois é a ciência que
garante maiores conhecimentos do mundo que nos cerca,
através das hipóteses que os cientistas constroem e que, não
à toa, funcionam. Se os cientistas elaboram hipóteses sobre
determinados objetos físicos e estas hipóteses funcionam, então
devemos crer que tais objetos existem.

Entretanto a existência destes objetos não é algo que se


possa provar sem os instrumentos da ciência. Quine utiliza
o fato de que a ciência explica as relações entre os objetos do
mundo e o comportamento de um objeto qualquer, como
forma de assegurar que as capacidades de percepção do ser
humano devem ser estudadas pela ciência natural, neste caso
a Psicologia Experimental.

A partir desta exposição resumida do argumento de Quine,


retomemos agora o problema que é o centro de nosso estudo, qual
seja, a possibilidade de que não possamos conhecer objetos do
mundo exterior, ou, dito de outra maneira: a possibilidade de que
não consigamos provar que existem objetos exteriores a nós. Não
temos uma resposta direta de Quine a esta questão.

Algumas afirmações em seu texto podem nos servir de pistas


para o tratamento que a Epistemologia Naturalizada fornecerá
para a questão do cético.

Por exemplo: em determinado momento de seu ensaio


Epistemologia Naturalizada, Quine afirma o seguinte quanto às
sentenças observacionais:

122
Teoria do Conhecimento I

“(...) uma sentença observacional é uma sentença sobre


a qual todos os que falam a língua pronunciam o
mesmo veredito, quando é dada a mesma estimulação
concomitante. Em termos negativos, uma sentença
observacional é uma sentença que não é sensível, no
interior da comunidade lingüística, a diferenças de
experiências passadas” (p. 167).

Analisando as palavras de Quine nesta citação, podemos inferir


o seguinte:

a) uma sentença observacional diz respeito a objetos ou, nas


palavras de Quine citadas mais acima, corpos;

(b) as pessoas não têm dúvida quanto a uma sentença


observacional, pois todos possuem a mesma estimulação
perceptiva;

(c) as sentenças observacionais não são contraditadas por


experiências passadas, isto é, as sentenças observacionais são
estabelecidas com alto grau de certeza;

d) existe uma comunidade linguística ou de falantes que utilizam


as mesmas sentenças observacionais, ou seja, os vereditos (se
são verdadeiras ou falsas) sobre sentenças observacionais são
comumente partilhados dentro de uma comunidade de falantes.

Definidos estes itens, vamos compará-los, na próxima seção, com


o que exige o cético.

Seção 4 – Naturalização do conhecimento e Ceticismo


Considerando, por um lado, que o ceticismo afirma não
podermos conhecer objetos exteriores a nós e que, mesmo se
os pudéssemos conhecer, não conseguiríamos provar a sua
existência, tendo em vista que temos apenas provas oriundas
de nossos cinco sentidos; e, considerando, por outro lado, as
afirmações de Quine, podemos auferir que ele não considera
legítimas as questões do cético. Podemos concluir isto a partir
daqueles itens que ressaltamos da citação de Quine. Vejamos.

Unidade 5 123
Universidade do Sul de Santa Catarina

I. O cético afirma que as experiências passadas podem influenciar no


que conhecemos agora, isto é, na relação entre a certeza da percepção
atual de um objeto físico qualquer com as percepções que tivemos,
antes, deste mesmo objeto. Ou seja: para o cético, as percepções
passadas são fonte de dúvidas, pois elas podem ser confusas. Quine,
por outro lado, afirma que este não é o caso. Segundo ele, as sentenças
observacionais (por exemplo: “existe uma caneta sobre a minha mesa”)
não são afetadas pela experiência passada. A explicação para isto é
clara: a comunidade linguística entra em acordo sobre a qual objeto
uma sentença observacional se refere e, sendo assim, não há influência
de experiências passadas sobre esta sentença. Ao mesmo tempo, sendo
nossa percepção estudada e explicada pela ciência, então os resultados
que a ciência alcança são estabelecidos de maneira experimental e
podem ser provados como verdadeiros ou falsos através do método
científico.
II. O cético questiona nossas afirmações de existência de objetos
exteriores a nós. Segundo ele, nossos cinco sentidos (percepção) já
nos enganaram e, portanto, não são confiáveis para que sobre eles se
construa qualquer conhecimento do mundo. Os argumentos de Quine
que separamos na seção anterior demonstram que, segundo seu ponto
de vista, as experiências passadas não influenciam no estabelecimento
dos conteúdos das sentenças observacionais. Além disto, as pessoas
(seres humanos) possuem o mesmo aparato perceptivo, o qual é
estudado pela ciência natural. Ora, dado que temos o mesmo aparato
de percepção (ou, nas palavras de Quine, a mesma “estimulação”), as
dúvidas do cético quanto ao que são objetos exteriores não fazem
sentido, pois as pessoas não têm dúvidas quanto ao que percebem.
Caso alguma dúvida persista, as investigações científicas sobre nossa
percepção irão estabelecer o que são objetos da percepção.
III. Outro argumento de Quine, exposto no mesmo ensaio, diz respeito
ao status da observação de objetos físicos exteriores a nós. Lembremos-
nos que, se nos guiarmos pela argumentação do cético, não temos
como justificar a existência de objetos exteriores a nós. Nossos sentidos
nos enganam e não possuímos outro tipo de fonte de conhecimento
para provar a existência real de um mundo de objetos. Segundo os
argumentos de Quine, não há dúvida quanto à existência de objetos
da observação (veja as afirmações a e b mais acima). Quine argumenta
em seu ensaio Epistemologia Naturalizada (pg. 167) que os filósofos
consideram apenas os casos desviantes como os que estabeleciam a
impossibilidade de um padrão de objeto de observação. Contudo, alega
Quine, pelo fato de possuirmos uma comunidade de falantes da mesma
língua, o padrão poderá ser definido sem problemas (veja afirmação d
mais acima). Sendo assim, não resta dúvida que a observação de objetos
e corpos externos a nós não está sob suspeita.

124
Teoria do Conhecimento I

Estes três pontos são suficientes para compreendermos que, ao


naturalizar a Epistemologia, Quine buscava lhe fornecer força
experimental, e não apenas força argumentativa. O problema
do Ceticismo quanto ao conhecimento não faz sentido na
argumentação de Quine e, desta forma, a resposta de Quine à
questão da justificação de nosso conhecimento também pode ser
tomada como uma resposta ao problema do Ceticismo.

A força do aparato experimental da ciência implica que o


cético – se expandirmos os argumento de Quine – ou não
pertence a uma comunidade de falantes mais ampla, ou não
aceita que sua percepção, sendo idêntica a de todas as demais
pessoas, é explicada pela ciência. Neste último caso, a ciência
forneceria uma base para a resposta ao cético, qual seja, “a ciência
demonstra que a forma como trabalha nossa percepção é idêntica
para todos os casos normais”.

Aqui o conceito “normal” designa um padrão que é


aceito por toda comunidade linguística a partir dos
conhecimentos (ou informações) disponibilizados pela
ciência.

Ao naturalizar nosso conhecimento fazendo-o objeto de uma


ciência empírica, Quine estaria transformando a Epistemologia
tradicional, de um estudo puramente filosófico, para um ramo de
estudo científico.

Nossos estudos de Epistemologia sobre a natureza de nosso


conhecimento do mundo que nos cerca, devem basear-se
unicamente na ciência e nos resultados que a ciência nos
fornece sobre nós e nosso aparato de percepção. As proposições
observacionais, aquelas que mais intimamente estão ligadas
à existência de objetos no mundo exterior, são construções
linguísticas de conjuntos de percepções

Enquanto tais, as proposições de observação possuem conteúdos


que são determinados, não mais pela mente humana ou apenas
através do relato do que é percebido (por exemplo: sei que há
um gato sobre o tapete, porque posso vê-lo), mas sim através
do estudo científico de nossos “receptores sensoriais” (Quine, p.
165). Isto significa que não contam mais os relatos que o sujeito
faz daquilo que percebe no momento em que vê determinado

Unidade 5 125
Universidade do Sul de Santa Catarina

objeto. Para Quine, o conhecimento científico


fornece a base experimental para verificarmos o que o sujeito
percebe, isto é, como sua percepção está sendo estimulada.

Para finalizar esta seção, vamos elaborar algumas distinções a


mais.

a) Os objetos existem independentemente de nossa vontade


ou do relato do que estamos percebendo. Quine justificaria
esta afirmação, alegando que a Psicologia Científica estuda, de
maneira experimental, nossas percepções, ou o que ele denomina
de estimulação sensorial. Assim, a ciência garante que nossas
sensações constroem um objeto, e esta garantia é baseada na
teoria sobre nossas percepções.

b) Não há motivo para uma dúvida quanto ao mundo exterior,


pois todas as pessoas possuem as mesmas estimulações sensoriais
e o mesmo aparato perceptivo. As diferenças entre pessoas
que podem ver as cores daquelas que são daltônicas e apenas
distinguem tons de cinza, não anula o fato de que as cores
são estimuladoras de nosso aparato perceptivo. As dúvidas
quanto à existência, ou não, das cores independem da vontade
ou ponto de vista do sujeito que observa um padrão de cor. O
fato é que seu aparato de percepção está sendo estimulado, e
temos meios experimentais de estudar sua percepção. Portanto
é fácil descobrir se o sujeito está, ou não, sendo estimulado
sensorialmente, pois podemos testar em laboratório sua
percepção.

(c) As proposições de observação, ou, nas palavas de Quine,


observacionais são relatos de eventos e objetos exteriores a nós, se
a comunidade dos falantes possui a mesma estimulação sensorial
concomitante.

Exemplificando o que foi afirmado: todas as pessoas


estudadas até agora afirmam que a água quente causa
dor, quando derramada sobre nossas mãos. Portanto
este é um estímulo concomitante, espalhado por
toda a comunidade, e, desta forma, é algo objetivo.
Consequentemente, duvidar do objeto de uma
proposição observacional implica estar equivocado
quanto à ciência e não quanto ao que alguém afirma.
É nossa ciência que comprova que estamos sendo
estimulados, e não o nosso relato.

126
Teoria do Conhecimento I

d) A Epistemologia colocada como um capítulo da Psicologia


poderá fazer uso dos resultados experimentais desta ciência
para estudar nosso conhecimento. As explicações e descobertas
científicas são descobertas universais, válidas para toda a
espécie humana. Sendo assim, segundo Quine, nada devemos
temer quanto ao fato de que usamos a ciência para comprovar
nossas afirmações sobre objetos do mundo, pois as descobertas
científicas tratam exatamente destes objetos enquanto
estimuladores de nossa percepção. Ora, sem estimuladores
não há, em estado normal, estímulo. Portanto o fato de que o
sujeito percebe é comprovado pela estimulação de seu aparelho
perceptivo.

e) Um sujeito constrói seu mundo exterior a partir de suas


estimulações perceptivas. Estas estimulações poderão ser
conferidas experimentalmente. Assim, perceber um objeto de tal
ou tal forma não depende do relato pessoal, e sim daquilo que o
sujeito constrói a partir de suas estimulações.

Por exemplo, se alguém nos diz que um objeto é


pontiagudo, ele está construindo uma hipótese a
partir de suas estimulações. É possível estudar estas
percepções. Se nós tivermos as mesmas estimulações
perceptivas, então o sujeito está afirmando algo que
é verdadeiro. Por conseguinte, é possível afirmar
que as disputas quanto ao que é percebido, ou não,
ocorrem, pois a ciência decidirá se uma determinada
estimulação existe, ou não, através dos experimentos
adequados.

Por fim, dados estes argumentos de Quine, parece que uma


Epistemologia naturalizada apresenta maiores vantagens teóricas
do que as reconstruções racionais, baseadas ou na lógica ou nas
percepções. Ao mesmo tempo, podemos concluir que dúvidas
céticas não têm lugar no estudo da Epistemologia, pois qualquer
dúvida que um cético possa elaborar é apenas possível dentro
do marco da própria ciência e, portanto, resolvida pelo próprio
estudo científico.

Unidade 5 127
Universidade do Sul de Santa Catarina

Por exemplo: se levanto uma dúvida quanto à cor de


um objeto, minha dúvida apenas faz sentido caso se
refira a determinadas proposições observacionais.
Estas, por sua vez, são normatizadas pelo estudo
empírico da ciência. Logo, toda dúvida é científica e a
resposta a esta dúvida também deverá ser científica.
Se não for desta forma, dentro dos parâmetros
estabelecidos pela argumentação de Quine, é uma
pergunta exagerada ou sem sentido.

Esta é, em resumo, a posição filosófica de Quine quanto ao


estudo do conhecimento. Vamos conferir, na próxima seção, se os
seus argumentos respondem a dúvida levantada pelo cético. Está
pronto (a)?

Seção 5 – O cético contra Quine: uma avaliação final


Vamos iniciar esta seção, refletindo sobre algumas questões:

O que você acha? Será que a argumentação de Quine


derrubou a dúvida cética? O cético irá conceder
alguma razão aos argumentos de Quine?

Bem, como sempre ocorre em Filosofia, todos os argumentos


fornecidos possuem seus desenvolvimentos e contra-argumentos.
No presente caso, o cético deverá conceder que há verdade
nos argumentos de Quine, se estes argumentos se mostrarem
resistentes a possíveis questionamentos. Vamos analisar mais
detidamente a força dos argumentos de Quine frente ao que pode
lhe contra-argumentar um cético.

Primeiramente, vamos lembrar que o argumento cético é


construído a partir de premissa de que nosso conhecimento
do mundo exterior se baseia em nossos cinco sentidos. Assim,
sabemos o que é um objeto – e que, portanto ele existe –
devido a uma inferência que nos leva daquela premissa inicial
até a afirmação de que o objeto existe, por ser percebido.
Consequentemente, o argumento cético recebe sua força através
da crença de que conhecemos objetos externos a nós através de
inferências, isto é, primeiramente sabemos que algo atinge nossos

128
Teoria do Conhecimento I

sentidos e, após isto, conferimos tais sensações com algum objeto


exterior.

O cético argumenta que, tendo em vista todo nosso


conhecimento dos objetos exteriores a nós prover de nossos
sentidos, então não é possível comprovar de forma independente
dos sentidos se existem objetos exteriores, ou não. Lembre
que o cético busca meios de impugnar nossas afirmações
de conhecimento, pedindo justificativas das mesmas. Ele
perguntaria:

Como você justifica seu conhecimento de objetos


exteriores?

Nossa resposta imediata é argumentar que nós os percebemos.


Contudo, se a pergunta prossegue: “Como você justifica que
percebe?”, neste caso, teremos de alegar que nos baseamos na
verdade de nossa percepção. Ou seja: teríamos de conferir o que
é percebido com algo mais que não seja o objeto, mas que atribua
verdade à percepção daquele objeto específico. Ora, este “algo
mais” é o que não conseguimos encontrar até agora.

Bem, diante do que até agora foi explicitado, temos de avaliar


o ponto de vista de Quine. Um primeiro passo já foi dado no
parágrafo inicial desta seção: Quine fornece provas “internas”
quando o cético pede provas “externas”, isto é, ele questiona toda
possibilidade de conhecimento, e não uma determinada parte do
que conhecemos.

Um segundo aspecto importante é o seguinte: quando Quine


alega que a Epistemologia deveria incorporar os resultados
das investigações científicas sobre nossa percepção, estaria ele
fornecendo uma reposta ao cético?

Veja bem: Quine alega que devemos investigar a maneira pela


qual nosso aparato perceptivo é estimulado, pois é a partir desta
estimulação que “construímos” o corpo ou objeto externo das
proposições observacionais através de hipóteses.

Unidade 5 129
Universidade do Sul de Santa Catarina

Mas é esta resposta que pede a pergunta do cético?

Parece que Quine se propõe a tratar de outro assunto, qual seja:


como formamos nossa crença na existência de objetos exteriores
a nós. Neste caso, a resposta poderia ser: “Através da estimulação
de nosso aparato perceptivo”.

Contudo isto não responde ao que o cético questiona.

Bem, pode ser que estejamos sendo céticos demais quanto à


argumentação de Quine, isto é, não estamos admitindo que ele
apresente uma boa resposta. Mas, se você pensar bem, verá que
Quine “escapa” da questão: se você reler a história que está nas
páginas iniciais deste livro, verá que a questão de Harry é saber se
ele é, ou não, um cérebro numa cuba. Ele busca por justificativas
para o que “percebe”. Caso Quine encontrasse Harry, responderia
para ele: “Bem, Harry meu caro, se você se submeter a alguns
testes cognitivos, veremos que você tem seu aparato perceptivo
estimulado, e isto a ciência poderá comprovar”.

Ou seja: para Quine, o problema com que Harry se defronta


é uma questão de maiores conhecimentos científicos. Mas, ao
mesmo tempo e segundo argumenta Quine, este conhecimento
não diz respeito à realidade, e sim à estimulação de nosso aparato
perceptivo, e a ciência garantiria o mundo.

Muitos dos investigadores na área de Teoria do Conhecimento


ou Epistemologia não aceitam esta “redução naturalista” proposta
por Quine. O filósofo inglês Jonathan Dancy, em sua obra de
Introdução à Epistemologia (ainda não traduzida para o português),
alega que os argumentos de Quine investem no estudo do
input de dados através de nosso aparato perceptivo. Contudo,
argumenta Dancy (p. 237 e seguintes), o “output” alegado por
Quine – as teorias sobre o mundo – são muito mais complexas do
que o “magro input” de nossos sentidos.

130
Teoria do Conhecimento I

Ainda restaria explicar como podemos construir teorias


altamente elaboradas sobre objetos, a partir de dados tão
restritos (mesmo que sejam dados verdadeiros obtidos pela
ciência). Contudo o que se deseja é a justificação das teorias em
confronto com a realidade. A resposta de Quine aponta para a
relação causal entre o “input” e os estados cognitivos cerebrais,
isto é dizer: tal estado é causalmente originado por tais e tais
estimulações.

Quanto a isto não incidem dúvidas.

Novamente, o problema se dá entre estados cerebrais e a


construção das afirmações sobre o comportamento do mundo.
Afirmar que todos que sabem falar uma língua concordarão
quanto aos objetos a que as palavras se referem não é argumento
suficiente, pois o cético irá questionar: “Como todos sabem que
falam sobre objetos externos, e não sobre miragens que todos
afirmam serem objetos?”. O cético não foi conclusivamente
respondido. Mudar de assunto, como faz Quine, não é uma
resposta aceitável – se é que se pode considerar uma resposta!

Unidade 5 131
Universidade do Sul de Santa Catarina

Síntese

Como você pôde ver, enfrentamos mais uma batalha contra as


exigências do cético. A proposta de Quine parecia simpática,
isto é, utilizar os estudos científicos para fundamentar o
conhecimento.

Contudo percebemos que Quine subestimou a argúcia do cético.


Quine sugere dois argumentos paralelos: aceitar as contribuições
da ciência natural quanto ao que compõe nossa realidade e, junto
a isto, propõe que a Epistemologia seja um capítulo da Psicologia
Empírica. Contudo seu argumento falha ao não perceber que
o questionamento cético pode pôr toda a ciência em questão e,
ao mesmo tempo, que estudar nosso aparato perceptivo não é
fornecer provas da existência de objetos exteriores a nós.

Atividades de autoavaliação

1) Diferencie o ponto de vista interno sobre o conhecimento


do ponto de vista externo do conhecimento. Elabore resposta
explicativa e forneça exemplos.

132
Teoria do Conhecimento I

2) Explique a seguinte afirmação, considerando o ponto de


vista da Epistemologia Naturalizada de Quine: “Estudar o
conhecimento humano é uma tarefa igual a de qualquer ciência
natural”.

3) Explique qual a vantagem, alegada por Quine, se adotarmos o


ponto de vista da Epistemologia Naturalizada. Forneça exemplos
e os explique.

Unidade 5 133
Universidade do Sul de Santa Catarina

Saiba mais

Apesar da importância dos estudos sobre Epistemologia


naturalizada, tanto nos EUA quanto em outras partes do mundo
filosófico, estes estudos não são frequentes no Brasil. Assim, a
bibliografia disponível é escassa. A seguir, apresentamos alguns
materiais que você pode consultar sobre este asunto:

„„ QUINE, Willard. Epistemologia naturalizada. São


Paulo: Abril Cultural, 1975. Trata-se de um de seus
ensaios traduzidos para o português, na coleção Os
Pensadores da Editora Abril Cultural. O texto de Quine
não é complicado, mas exige atenção.
„„ QUINE, W.V.O. Epistemologia naturalizada.
Tradução de Andréa Loparié. São Paulo: Abril Cultural,
1975 (Coleção os Pensadores).
„„ BASTOS, Cleverson Leite; CANDIOTO, Kleber.
Filosofia da Ciência. Petrópolis: Vozes, 2008. No
capítulo final da obra, você encontra comentários sobre o
ponto de vista de Quine (página 155 em diante).
„„ Outro ensaio de Willard Quine na coleção Os
Pensadores da Editora Abril Cultural. Você encontra
este e outros ensaios de Quine no volume da coleção
intitulado Austin, Strawson, Ryle e Quine.
Consulte também a dissertação de mestrado cujo objeto de
estudo é a Epistemologia Naturalizada de Quine, disponível em:

„„ <http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/
bitstream/1843/ARBZ-7KAJ4R/1/disserta__o_final___
revisada.pdf>. Acessado em 14 de ago. de 2008.

134
6
unidade 6

Filosofia da linguagem e o
problema do conhecimento

Objetivos de aprendizagem
Ao final desta unidade você terá subsídios para:

n Conhecer a História do Círculo Positivista de Viena.

n Compreender o princípio de verificação.

n Fazer a relação entre nossa linguagem e o


conhecimento.
n Compreender a crítica do Círculo de Viena ao Ceticismo.

n Saber avaliar a resposta fornecida ao questionamento


cético.

Seções de estudo
Seção 1 Positivismo e linguagem
Seção 2 O princípio de verificação
Seção 3 Verificacionismos
Seção 4 Verificacionismo e Ceticismo
Universidade do Sul de Santa Catarina

Para início de estudo


Nesta unidade, estudaremos o problema filosófico do
conhecimento como um problema sobre o que faz, ou não,
sentido perguntar. Este argumento está inserido no denominado
“giro linguístico”, isto é, o ponto de vista em que as respostas aos
problemas filosóficos são linguísticas.

Iremos considerar o problema filosófico do conhecimento a partir


de um ponto de vista do estudo filosófico da linguagem, isto é,
a partir da consideração de que nossa linguagem possui regras
que não podem ser violadas e que muitas questões formuladas
na Filosofia são construções linguísticas equivocadas. Vamos
tentar responder à questão: “Há um problema filosófico quanto
ao conhecimento, ou trata-se apenas de um uso equivocado da
linguagem?” Estudaremos o argumento denominado “Princípio
de Verificação”, isto é, o princípio que busca distinguir, na
linguagem, as proposições que podem ser verificadas na
realidade, e quais não.

Este princípio foi utilizado na Filosofia pelo Círculo Positivista


de Viena. Estudaremos a possibilidade de que a metafísica, que
seria o pano de fundo da linguagem, garanta a existência de
objetos.

Seção 1 – Positivismo e linguagem


No início do século XX, surgiu um movimento de renovação
da Filosofia baseado nos recentes sucessos das ciências naturais.
As descobertas científicas e a necessidade de compreender
as estruturas da ciência instigavam as mentes da época. Na
Europa, eram criados grupos de estudos filosóficos. Destes,
grupos alguns se salientavam mais que outros. Os que mais se
salientaram foram o Círculo de Berlim (Sociedade para o Estudo
da Filosofia Empírica) e o Círculo Positivista de Viena. Ambos
eram compostos por matemáticos, físicos, filósofos, lógicos,
economistas e historiadores. Estes grupos floresceram no período
anterior ao predomínio do Nazifascismo na Europa.

136
Sistemas Integrados de Gestão - SIG

A maioria destes estudiosos teve de emigrar para outros


países, e outros foram capturados e assassinados em campos
de concentração. Alguns dos que sobreviveram foram para
universidades norte-americanas ou da Inglaterra. Com isto,
as ideias que estes filósofos partilhavam foram espalhadas
pelo mundo todo. Um dos frequentadores assíduos do Círculo
Positivista de Viena foi Willard Quine, outro foi Karl Popper.

Figura 6.1 Moritz Schlick


Se desejar, visite o site do Instituto Círculo de
Viena, instituição que conta hoje com a parceria da
Universidade de Viena:

Figura 6.5 - Imagem do site do Instituto Círculo de Viena.


Fonte: Disponível em <http://www.univie.ac.at/ivc/>. Acessado em: 14 ago. 2008.

Tanto o Círculo de Viena quanto o Círculo de Berlim tiveram


membros que, já antes da segunda grande guerra, eram
conhecidos e reconhecidos no mundo filosófico: de Viena, temos
Moritz Schlick (assassinado por militante Nazista em Viena),
Rudolf Carnap (imigrou para os EUA), Hans Hann (morto
em 1934), Otto Neurath (fugiu para a Holanda e, logo após,
para a Inglaterra) e Herbert Feigl (imigrou para os EUA); de
Berlim, temos Carl Hempel (imigrado para os EUA) e Hans
Reichenbach (imigrado para os EUA).
Figura 6.2 Otto Neurath

Unidade 6 137
Universidade do Sul de Santa Catarina

Assim, a diáspora causada pelo Nazismo fez com que os


princípios filosóficos do Círculo de Viena e de Berlim
encontrassem terra fértil para se desenvolver, considerando que
tanto em Berlim quanto em Viena a filosofia predominante era
o Idealismo de Friedrich Hegel (idealismo especulativo). Em
George Wilhelm 1936, foi publicado o que ficou conhecido como Manifesto
Friedrich Hegel, filósofo do Círculo Positivista, mas que, na época, levava o título de
alemão. Aos 18 anos
“Escritos sobre a Concepção Científica do Mundo”.
de idade, ingressou no
seminário protestante de
Apesar de conter vários pontos predominantes
Tubingen, para estudar
Teologia, onde conheceu no Círculo de Viena, nem todos os membros
Schelling (1775-1854) e concordavam completamente em todos os
Holderlin (1770-1843) e pontos. Seja como for, esta publicação deu
tornou-se amigo deles. início a uma série de outras, nas quais os
O pietismo, uma das
membros do Círculo de Viena tornavam
correntes gnósticas
do protestantismo, públicas suas ideias sobre filosofia.
influenciou
profundamente o seu As doutrinas do Círculo de Viena estavam Figura 6.3 Herbert Feigl
pensamento. Hegel ligadas ao ponto de vista empirista, isto é,
iniciou a sua atividade de à concepção de que experiência oriunda dos sentidos ou neles
professor em Berna, na fundamentada é um critério de obtenção de conhecimento. A
Suíça, entre 1793 e 1796, e,
própria significação linguística deveria seguir este critério.
depois, em Frankfourt, de
1797 a 1800.  Foi professor
e reitor num colégio de
O interesse principal do Círculo de Viena era o estudo da
Nuremberg (1808), depois filosofia da ciência. O acordo básico entre
professor em Heidelberg todos os membros era a tentativa de livrar as
e, finalmente, em Berlim ciências empíricas das exigências das ciências
(1817-1831), onde formais. Faziam uma separação clara entre
permaneceu até a morte. 
ciências formais, como a matemática, e a
Disponível em: < http:// lógica das ciências empíricas, tais como
afilosofia.no.sapo.
física, química e psicologia. Em outras
pt/12Hegel.htm>.
palavras, eles diferenciavam as afirmações
a priori – afirmações que são verdadeiras
unicamente em razão das definições dos Figura 6.4 Hans Reichenbach
termos que utilizam – daquelas afirmações a
posteriori – afirmações que dizem algo sobre
objetos da realidade e que serão verdadeiras apenas a partir de
verificação.

Os campos do saber que não usavam nem afirmações a priori,


tampouco a posteriori, possuíam afirmações que não faziam
sentido. As especulações metafísicas e teológicas não poderiam
ser verdadeiras, ou falsas, pois não faziam sentido. Além disto,

138
Sistemas Integrados de Gestão - SIG

uma das doutrinas básicas era a rejeição a qualquer forma


de intuição racional, isto é, a possibilidade de que se possa
ter conhecimento apenas através da “observação interna”. O
empirismo era o único critério de verdade.

Ora, a combinação entre Empirismo e a rejeição da intuição


racional permitia como critério único para o conhecimento a
observação empírica ou a verdade lógica. Com a ressalva de
que a lógica possuía verdades a priori, enquanto que as ciências
possuíam afirmações que poderiam ser verdades a posteriori. Tal
critério proposto pelo círculo obviamente mudou a compreensão
das questões filosóficas.

Além disto, o Círculo ficou impressionado com a obra de


Ludwig Wittgenstein denominada Tractatus Logico Philosophicus,
a qual afirmava que toda filosofia é, de fato, crítica da Ludwig Josef Johann Wittgenstein
Linguagem. Esta combinação de pressupostos básicos fez com foi um pensador da modernidade,
que o Círculo de Viena considerasse a Filosofia como um saber filósofo da Matemática, integrante
de segunda ordem, o qual retirava sua validade do trabalho de do Círculo de Viena, que contribuiu
esclarecimento das proposições das ciências empíricas. Cabia à para a renovação da Lógica na
década de 1920, sendo considerado
Filosofia elaborar uma linguagem de segunda ordem, a partir da um dos pais da Filosofia Analítica.
qual as proposições das ciências seriam construídas de maneira Fonte: Disponível em <http://
clara e logicamente correta. Esta tese determina consequências educacao.uol.com.br/biografias/
terríveis para a Filosofia, pois elimina a possibilidade de que ult1789u529.jhtm>
existam questões filosóficas legítimas.

Seja como for, O Círculo de Viena obteve reconhecimento


mundial nos anos 30 do século XX. A ideia de uma concepção
científica que unificasse todas as ciências foi desenvolvida em
várias publicações. Num primeiro momento, eles criaram os
Anais de Filosofia. Após algum tempo, o nome é mudado para
Erkentniss, o qual ainda hoje é publicado. As conferências
eram organizadas por Otto Neurath e, no total, foram quatro Figura 6.6 - Ludwig Wittgenstein.
conferências, a última acontecendo em 1941. Com a morte de
Otto Neurath e a pressão nazista mais forte, muitos membros
imigraram ou foram presos e enviados para campos de
concentração.

O mentor do Círculo, Moritiz Schlick, (Fig.6.2) foi assassinado


por um militante nazista. O mais revoltante neste episódio com
Schlick é que o assassino foi libertado devido a argumentos
dominantemente ofensivos à memória da família Schlick , e não
a fatos que inocentavam o assassino. Por fim, o acusado ficou

Unidade 6 139
Universidade do Sul de Santa Catarina

alguns meses na prisão e foi libertado. O partido realizou uma


festa para recebê-lo.

Para finalizar esta seção, vamos fazer a ligação entre


as ideias filosóficas gerais do Círculo de Viena e sua
relação com a linguagem.

Esta ligação entre o projeto filosófico do Círculo e a preocupação


com a análise da linguagem ocorre devido à concepção de que a
filosofia é uma tarefa de esclarecimento das proposições usadas
pela ciência e, junto a isto, a ideia de que nossa linguagem
comum deve ser especializada para o uso das explicações
científicas. Esta especialização se daria através da analise lógica
das proposições.

Segundo Moritz Schlick, a Filosofia deveria ser a clarificação e


A expressão “positivismo” o aprofundamento da compreensão de nossas práticas cognitivas
se deve à doutrina
que são empregadas na linguagem do dia-a-dia. Rudolf Carnap,
filosófica do círculo e de
seus membros de que a outro influente membro do Círculo de Viena, defendia a ideia
verdade das proposições de que a Filosofia deveria investigar, reconstruir e desenvolver
da ciência está ligada uma nova estrutura lógico-linguística que sugerisse convenções
à realidade dos objetos formais para a ciência.
a que se referem. A
mesma doutrina vale Na esteira deste ponto de vista, a grande questão da Filosofia
para as questões que são
era a de determinar uma clara significação para o discurso
significativas, isto é, elas
são significativas por se empregado pela ciência, e isto, por sua vez, faria com que a
referirem a algum objeto linguagem se tornasse a preocupação principal da filosofia do
perceptível e existente na Círculo e da filosofia que se derivou de suas ideias.
realidade exterior à mente
do indivíduo. Palavras Por fim, alguns esclarecimentos quanto à denominação
e proposições que não usada normalmente para o Círculo de Viena: você encontrará
cumpram este critério são
vários textos denominando as doutrinas do Círculo como
sem sentido.
“positivismo”. Assim, é muitas vezes chamando de “Círculo
Positivista de Viena”.

Obviamente, os membros do círculo apenas aceitavam a


possibilidade de conhecermos objetos exteriores a nós, isto
é, objetos empíricos. Afora esta possibilidade, sobrariam as
proposições da Lógica e da Matemática. Estas, contudo, não
dizem respeito à realidade, e sim às definições que utilizamos e à
simbologia que é criada.

140
Sistemas Integrados de Gestão - SIG

Seção 2 – O princípio de verificação


Bem, como você pôde observar na seção anterior, os membros do
Círculo de Viena estavam interessados em investigar a estrutura
de significação de nossa linguagem. Também dissemos que esta
proposta era consequência da crença de que apenas possuem sentido
aquelas afirmações que possam ser verificadas através da experiência.

Assim, chegamos ao denominado Princípio de Verificação.


Segundo este princípio, qualquer oração afirmativa,
aparentemente bem formada, que não seja verdadeira através
de uma verificação de experiência sensorial, é sem sentido:
não diz nada que possa ser verdadeiro, ou falso. Uma oração
interrogativa, aparentemente bem formada, é significativa, se
existe alguma experiência sensorial que possa responder a ela de
maneira verdadeira, caso contrário esta oração não faz sentido.

Deste modo, o Princípio de Verificação vincula o sentido e o


sem-sentido de nossas afirmações e questões diretamente à
experiência de verificação daquilo que a afirmação diz ou de uma
possível resposta à questão. Vamos explorar mais estas distinções.

A ideia desenvolvida pelos membros do Círculo era a


de que a ciência utiliza afirmações que são descritivas
da realidade. Por exemplo: a afirmação “Existe
uma montanha em Florianópolis” é uma afirmação
com sentido apenas se, e somente se, for possível
verificar, através de nossos sentidos, a existência desta
montanha. Se as afirmações dizem respeito a objetos
que não são passíveis de alguma experiência sensorial,
então são afirmações que não possuem sentido.
Tomemos outro exemplo. A afirmação “Existem ideias
verdes” não faz sentido algum, pois o que ela afirma
não poderá ser verdadeiro, ou falso, tendo em vista
que é uma afirmação mal construída. Não existe
possibilidade de verificarmos as cores das ideias.
Considerando tudo que sabemos sobre ideias, elas
não são objetos que possam ter, ou não, cor. Assim,
é estabelecido um critério bem nítido de tipos de
afirmações que podemos verificar, ou não. As que não
podem ser verificadas não fazem sentido.

Unidade 6 141
Universidade do Sul de Santa Catarina

Uma distinção importante que devemos fazer quanto ao princípio


de verificação é que ele nos fala de afirmações e questões que
não fazem sentido, pois são mal construídas. Entretanto é
necessário que separemos aquelas afirmações que são falsas das
que não fazem sentido. Pode parecer complicado, mas de fato
não é. Veja: quando alguém diz que elefantes brancos voam, ele
está elaborando uma afirmação mal construída. A construção da
afirmação viola as regras lógicas da gramática.

Uma afirmação como “Existe uma montanha coberta de pedras


verdes em Florianópolis” pode ser verdadeira, ou falsa, pois,
mesmo que não acreditemos em pedras verdes, é possível que
façamos uma expedição a uma montanha de Florianópolis para
verificar o que a afirmação diz. Caso não existam pedras verdes
em nenhuma das montanhas de Florianópolis, então a afirmação
é falsa. Veja bem, a falsidade está ligada à não existência do que
é afirmado existir. Por outro lado, a atribuição de falta de sentido
está ligada à violação de leis lógico-gramaticais.

Por exemplo, atribuir cor a uma ideia é infringir leis


lógicas, logo não é possível averiguar a cor de uma
ideia.

Assim, a noção de falsidade e de verdade se tornam dependentes


da verificabilidade do que é afirmado. Este critério permite que
a ciência possua uma estrutura conceitual totalmente controlável
e, ao mesmo tempo, que nossas afirmações de conhecimento
possam ser verificadas.

Por exemplo: quando, numa empresa, os


administradores fazem afirmações sobre o estado
precário de alguma estrutura da empresa, é possível
que você verifique se a afirmação de precariedade
é, de fato, verdadeira. O que o administrador está
afirmando, se tem a pretensão de ser conhecimento,
deve ser verificável segundo o ponto de vista do
Círculo de Viena. Isto significa que é preciso ir ao local
examinar a precariedade da estrutura em questão.
Mesmo que o administrador faça uma afirmação sobre
toda uma seção da empresa, você poderá adotar
algumas medidas verificacionistas quanto ao que ele
afirma. Você pode, por exemplo, tabular dados sobre
a produtividade daquela seção da empresa. O mesmo
pode ocorrer naquelas reuniões da empresa ou da
escola, por exemplo.
142
Sistemas Integrados de Gestão - SIG

As afirmações que são lançadas nestas reuniões


podem ser classificadas como (a) falsas, (b) verdadeiras
ou (c) sem sentido. As afirmações do tipo (a) e (b)
são verificadas pela realidade, isto é, dizer verdade e
falsidade são relações entre a realidade e o que é dito.
Se o que é dito é verificado pela realidade, então é o
caso (a), verdadeiro. O mesmo vale para o caso (b): se o
que é dito não é verificado pela realidade, então, temos
uma afirmação falsa. Quanto ao caso (c), ele deve ser
compreendido como uma violação das regras lógico-
sintáticas da linguagem, isto é, são afirmações que não
fazem sentido.

Este critério permite que as afirmações de conhecimento sejam


construídas a partir de um parâmetro de significação linguístico, isto
é, as afirmações poderão conter determinados tipos de conceitos que
são significativos em relação com a realidade, ou não. Por outro lado,
algumas afirmações não são gramaticalmente bem construídas e,
quanto a estas, nenhuma resposta significativa é possível.

Por exemplo: entre duas afirmações como “Existem objetos externos”


e “Não existem objetos externos”, não podemos decidir qual é
verdadeira e qual é falsa, pois ambas são afirmações que, apesar de
mostrarem uma gramática adequada, não são verificáveis. Ambas
as afirmações dizem respeito a toda uma classe, e não apenas a
determinados objetos. Ora, uma afirmação como “Existem cadeiras”
é verificável através da experiência, o mesmo para “Existem quadros-
negros”. Contudo a afirmação de que os objetos existem, ou é
verificável através da experiência com qualquer objeto, ou não faz
sentido, pois ela ultrapassa a possibilidade de verificação.

Unidade 6 143
Universidade do Sul de Santa Catarina

Seção 3 – Verificacionismos
O Círculo de Viena apresentou variantes do Princípio de
Verificação. Inicialmente, temos uma versão “estrita”, isto é, uma
adesão irrestrita ao princípio. Este período inicia-se com Moritz
Schlick, em 1922, até 1935. De 1935 em diante, algumas críticas
fazem com que se adote uma versão menos restrita.

A crítica mais amplamente feita é a que questiona a aceitabilidade


do Princípio de Verificação em suas próprias bases. Assim,
caberia ao verificacionista demonstrar a verdade de seu princípio
com base no que estabelece o próprio princípio. Ou seja, qual a
possibilidade de que o Princípio de Verificação seja verificado
através da experiência? Além disto, muitas leis da ciência fazem
afirmações que vão além da própria verificabilidade empírica.

Um exemplo deste tipo seria a lei da queda universal dos corpos,


a qual apenas pode ser atribuída à natureza, ainda que não seja
“observada”. Creio que não é difícil perceber que não observamos
a lei, e sim uma experiência de um corpo caindo ou subindo (no
caso de um balão cheio de gás). Mas nenhum destes casos “é” a
lei da queda universal dos corpos. Considerando estes problemas,
é necessário amenizar a força do Principio de Verificação.

Neste contexto, surge a obra de Rudolf Carnap, Testabilidade e


Figura 6.7 - Rudolf Carnap. Significado, que foi publicada na revista oficial do círculo, em 1936.
Fonte: Carnap substitui “verificação” por “confirmação”. O raciocínio de
<http://www.britannica. Carnap aceita algumas das críticas que foram feitas ao princípio e
com/EBchecked/topic-
art/96234/36660/Rudolf- formula uma concepção de confirmação em que as condições de
Carnap-1960>. verdade de uma proposição aceitam a confirmação das leis da ciência.

Rudolf Carnap viveu em Praga, Tchecoslováquia


(1931-1935), fugindo em seguida do nazismo para os
Estados Unidos, onde lecionou nas universidades de
Chicago e Harvard. Com o sociólogo Otto Neurath, seu
contemporâneo no Círculo de Viena, e com o filósofo
Charles Morris, fundou a International Encyclopedia of
Unified Science (1938). Ainda participou do Instituto de
Estudos Avançados da Universidade de Princeton (1952-
1954) e esteve na Universidade da Califórnia (1955-1956),
onde estudou a lógica indutiva. Estudioso dos problemas
da linguagem, mostrou especial interesse pelas línguas
artificiais, e defendeu a utilização do esperanto e da
interlíngua, desenvolvida pelo matemático e linguista
Giuseppe Peano. Morreu em Los Angeles. Disponível em:
<www.brasilescola.com/biografia/rudolf-carnap.htm>.
144
Sistemas Integrados de Gestão - SIG

A verificação de uma lei científica deveria ser elaborada através


do exame de cada caso particular, para que fosse possível afirmar
que a lei é verdadeira. Contudo verificar cada caso particular
implica uma tarefa infinita, pois todos os casos da lei seriam
instâncias de sua verificação e, assim, qualquer caso que não
fosse verificado poderia ser um caso em que a lei não se verifica.
Logo, ou a verificação é total, ou não funciona. Carnap resolve
introduzir a noção de confirmabilidade.

Uma afirmação é totalmente confirmável, se cada predicado


contido nesta afirmação puder ser reduzido a uma classe de
predicados observáveis. Ou seja, as afirmações sobre uma classe
de indivíduos (por exemplo, corvos negros) é confirmável, se estas
afirmações puderem ser reduzidas a determinadas afirmações
sobre um indivíduo particular da classe e observável (por
exemplo: um corvo negro específico).

Por outro lado, é possível que uma afirmação não seja totalmente
confirmável, mas confirmável apenas tendo em vista que não é
possível reduzi-la a um indivíduo em particular, a não ser através
de uma serie infinita de etapas. Num terceiro caso, dizemos que
uma afirmação é completamente confirmável, se cada predicado
usado na afirmação puder ser reduzido a um ou outro indivíduo,
isto é, neste caso a afirmação poderá ser verificada através de
método empírico.

Consequentemente, os critérios oferecidos por Carnap serão


quatro, cada um com um grau menor de exigência. Observe.

O mais exigente dos quatro critérios exige uma comprovação


completa: “toda afirmação sobre a realidade deverá ser verificada
rigorosamente”. Para que tal critério seja levado adiante, é
necessário que tenhamos um método de verificação em cada
caso da afirmação, para sabermos se os predicados usados são
empiricamente verificáveis.

Um segundo critério será: “toda afirmação sobre o mundo


deverá ser completamente confirmável”. Este critério não exige
a verificação passo a passo, mas a possibilidade de que todos os
predicados envolvidos na afirmação possam ser verificados, mas
não que sejam comprovados.

Unidade 6 145
Universidade do Sul de Santa Catarina

Um terceiro critério é: “toda afirmação sobre o mundo deve ser


comprovável”. Neste caso, a comprobabilidade é uma exigência de
longo prazo, isto é, espera-se que a afirmação seja comprovável.

Por fim, o quarto critério, e o mais liberal de todos, exige que


“toda afirmação sobre o mundo deve ser confirmável”.

Como você pode ver, o Verificacionismo do Círculo de Viena foi


sendo amenizado aos poucos, para dar conta dos casos surgidos na
compreensão científica, e não em casos de estudos do conhecimento.
Estes critérios podem ser empregados na compreensão de nossas
afirmações sobre o mundo e sobre os objetos do mundo. Vejamos,
agora, como o verificacionismo trabalha seus argumentos diante de
uma proposta filosófica como a do Ceticismo.

Seção 4 – Verificacionismo e Ceticismo


Bem, você já percebeu que o ponto de vista do Círculo de Viena
e seu critério de verificabilidade possuem dois princípios básicos,
quais sejam: por um lado, apenas admitem que conhecemos
objetos através de nossas experiências sensoriais, o que significa
aceitar apenas o ponto de vista empirista quanto à possibilidade
do conhecimento; por outro lado, o critério de verificabilidade
fornece significado às afirmações empregadas. Estes dois critérios
fornecem a base a partir de onde o Círculo de Viena avaliava
todos os outros pontos de vista filosóficos.

O ponto de vista cético é concebido como sem sentido, pois, ao


afirmar que “não conhecemos objetos externos a nós”, o cético
elabora uma afirmação que não permite verificação. Mesmo que
você apresente um caso de conhecimento, isto não será válido, pois
o verificacionista exige que você prove que falar da impossibilidade
de todo conhecimento é uma afirmação que poderia ser verificada
por alguma instância da realidade. Ora, é complicado entender esta
exigência, por ela implicar a impossibilidade da verificação, isto é,
não se sabe como seria possível verificá-la.

Quando comparamos o cenário da primeira meditação de


Descartes com o que argumentam os verificacionistas, percebemos
que para eles o cenário é impossível. Não é concebível que se

146
Sistemas Integrados de Gestão - SIG

duvide da “existência de objetos” sem que, ao mesmo tempo, esta


expressão possa ser significativa. Ora, para que a expressão seja
significativa, ela deve dizer respeito a alguma coisa da realidade.
Contudo não é possível verificar a expressão “existência de objetos”.
Tudo que você poderia mostrar seriam objetos (não esqueça que
os verificacionistas são empiristas), mas, no caso desta expressão
(existência de objetos), não há objeto que a verifique.

Ao mesmo tempo, podemos dizer que a expressão em questão não


é logicamente bem construída, pois, quando falamos de objetos, a
existência dos mesmos deve estar pressuposta. Mas, como se vê, não é o
caso da expressão: quando digo “existem cadeiras”, não estou atribuindo
existência às cadeiras, e sim informando algo (as cadeiras) a alguém. O
caso do cético – segundo os verificacionistas – deve ser interpretado da
mesma forma. Concluindo, o Ceticismo não faz sentido.

Se retomarmos agora a estória que está no início do


livro-texto, teremos de adequar estes argumentos
verificacionistas com a situação de Harry. Se Harry fosse
um verificacionista, estaria ele numa posição melhor do
que aquela em que se encontra no final da estória? Bem,
o ponto central é: se Harry adotar o verificacionismo,
ele poderá provar que não é um cérebro numa cuba?
A resposta poderá ser afirmativa, se as afirmações de
Harry sobre o mundo puderem ser verificadas. A única
forma de verificação admitida é a experiência direta com
os objetos dos sentidos. Ora, mas este é o problema de
Harry (e o nosso quando enfrentamos o Ceticismo), isto
é, como provar que os objetos que estamos percebendo
estão na realidade, e não em nossa imaginação.
A resposta do verificacionista não ajudará Harry
(nem a nós), pois ele insiste que se deve averiguar
o que se passa ao nosso redor para confirmar a
afirmação de existência de objetos. Com isto, vemos
que o questionamento cético ainda triunfa sobre o
verificacionismo. Harry não estaria em boa companhia,
se o verificacionista o fosse ajudar.

Outro problema acompanha a tese verificacionista, qual seja, o


problema quanto ao que o verificacionista deseja que aceitemos.
Vejamos o caso: estamos tentando encontrar uma resposta ao
cético que afirma que não temos conhecimento de objetos exteriores
a nós. Ou seja, segundo o desafio cético, não temos justificativas
para afirmar que percebemos objetos exteriores a nós.

Unidade 6 147
Universidade do Sul de Santa Catarina

O cético não está afirmando que não atribuímos


significado às nossas palavras ou que não as podemos verificar.
Antes seu desafio é o de que devemos provar que temos
conhecimento de um mundo exterior à nossa mente ou à nossa
imaginação. A resposta do verificacionista é afirmar que esta
questão não faz sentido, porque as palavras com as quais foi
formulada e a questão como um todo não são verificáveis.
Contudo esta não é uma boa resposta, pois o cético poderá
contra-argumentar, dizendo que suas palavras não estão em
questão, e sim a realidade que descrevem.

Ou seja, a acusação lançada pelo verificacionista apenas teria


algum efeito, se o cético admitisse que há uma realidade exterior
a nós, mas que não conseguimos atingir. Contrariamente a isto, o
cético afirma que não há como determinar uma realidade exterior.

Além disto, o verificacionista não parece estar respondendo


adequadamente, pois ele exige que o cético “construa afirmações
que possam ser verificadas pela experiência”, mas é exatamente a
experiência que o cético está colocando em questão. Ele poderia
perguntar “que realidade? Como provar que há uma realidade
que forneça sentido às nossas afirmações?”. Assim, vemos que a
proposta verificacionista não surte o efeito desejado e, por mais
atrativa que possa ser, não é uma resposta legítima. O postulado
do princípio de verificação deve ser provado para o cético como
estando além de suas dúvidas, isto é, o princípio deveria ser
inquestionável por constituir-se na base da própria questão do
Ceticismo. Contudo este não é o caso, como podemos ver.

Por fim, mais uma vez analisamos uma resposta internalista ao


questionamento cético. Você deve lembrar que esta distinção
é muito importante, quando se trata de justificar nosso
conhecimento.

Muitas das respostas que estudamos aqui cometiam o erro de


ver no questionamento cético uma pergunta mal construída ou
logicamente incoerente. A partir disto, forneciam respostas que
se constituíam em exemplos de conhecimentos particulares.
Mas a questão do cético é externa, isto é, é uma questão que põe
em dúvida todo e qualquer conhecimento. Responder ao cético,
mostrando-lhe que sua pergunta não faz sentido, ou que existe
determinado objeto e, portanto, não há dúvida, não se constitui
numa boa resposta.

148
Sistemas Integrados de Gestão - SIG

Imagine que você é Harry, que vivenciou aquela experiência


tenebrosa, que agora está buscando uma resposta a sua questão:
“Estarei sentido o que sinto agora em minhas mãos e pés? Estas
percepções são minhas ou são geradas pelo neurocirurgião
maligno?” A resposta que você deseja não é uma informação de
que suas palavras não fazem sentido ou de que, para fazer esta
pergunta, você deve ter alguma forma de verificar se a pergunta
pode ser respondida. Ora, é justamente isto que está em questão!

Este é o caso da proposta do Círculo de Viena. Para eles, o


ceticismo é apenas um entrave que herdamos de uma era passada
da Filosofia tradicional (lembre-se de Quine tentando fazer
da epistemologia uma parte da ciência, ao naturalizá-la), um
questionamento que está superado pela ciência e pela construção
correta de nossas afirmações.

Bem, tais argumentos não percebem que o cético filosófico é, de


fato, nosso companheiro de investigação. Ele nos força a justificar
os passos de nossa argumentação, mostrando a pertinência de
cada afirmação e a firmeza de seus fundamentos.

Assim, segundo o ponto de vista filosófico do Círculo de


Viena, as questões filosóficas devem acompanhar as descobertas
científicas e as necessidades do pensamento científico. A Filosofia
se torna um esclarecimento da linguagem da ciência.

Com isto, várias questões tradicionais da investigação filosófica


são colocadas de lado, ora como sendo sem sentido, ora como
sendo problemas de construção lógica. Este tratamento é
dispensado ao Ceticismo. Contudo a argumentação do cético é
bem mais coerente que uma mera troca de palavras ou alguma
espécie de erro nas inferências lógicas.

O cético está questionando os fundamentos de nosso


conhecimento, e não uma parte dele. Quando os filósofos do
Círculo de Viena tomaram o Ceticismo como uma questão não
digna de investigação, caíram vitimas do próprio ceticismo.
Quando Sexto Empírico publicou as hipóteses pirrônicas,
construiu a explicação da diferença entre o Ceticismo e
o Dogmatismo. Os filósofos dogmáticos são aqueles que
acreditam que a verdade só poderá ser estabelecida, quando
obtivermos certezas quanto às essências dos objetos e ideias
que investigamos. Para um filósofo dogmático, segundo esta

Unidade 6 149
Universidade do Sul de Santa Catarina

classificação de Sexto Empírico, alcançamos a verdade e


acreditamos que ela é alcançável.

O filósofo cético, ao contrário, não é o que nega a possibilidade


da verdade. Antes, o cético acredita que a verdade não poderá ser
alcançada, mesmo que ela exista. Isto, contudo, não o impede de
continuar investigando as bases de onde poderemos construir a
verdade.

Síntese

Nesta unidade, aprendemos mais um pouco sobre o problema


lançado pelo Ceticismo frente ao conhecimento. Ficamos
sabendo que o Círculo de Viena possuía uma resposta ao
problema do conhecimento, e que tal resposta ligava as
afirmações de conhecimento com a verificação do que é dito na
realidade. Aprendemos também a relacionar nossas afirmações
com a realidade através do estudo do Princípio de Verificação.
Por fim, avaliamos a resposta que o cético forneceria à proposta
do Círculo de Viena quanto ao conhecimento.

Atividades de autoavaliação

Para aprofundar seus estudos, resolva as seguintes questões:

1. Segundo a doutrina principal do Círculo Positivista de Viena,


todo conhecimento é adquirido através da experiência. Assinale,
dentre as afirmações abaixo, quais as que estão de acordo com
este princípio geral.

( ) A Lógica é uma ciência que nos fornece conhecimentos


fundamentados nas experiências obtidas através de nossos
sentidos perceptivos.

150
Sistemas Integrados de Gestão - SIG

( ) A Lógica é uma ciência formal, pois lida apenas com as


formalizações da estrutura de nosso raciocínio, tal como na
Matemática. Portanto, a Lógica não trabalha com a experiência.

( ) A Física é uma ciência natural que necessita trabalhar com


objetos do mundo e, portanto, exige que nossos conhecimentos
baseiem-se em nossa experiência perceptiva.

( ) A Psicologia poderá ser uma ciência que trabalhe com nossas


experiências com objetos do mundo, se ela apenas se dedicar
a estudar os aspectos empíricos do ser humano, isto é: seu
comportamento e seu cérebro.

( ) Todas as ciências humanas são interpretações da ação do


ser humano e, portanto, são ciências naturais que lidam com a
experiência obtida através de nossos sentidos.

2. Forneça cinco distinções entre “ciências formais” e “ciências


naturais”.

3. Explique com suas palavras qual a vantagem oferecida pelo


critério de verificação elaborado pelo Círculo Positivista de
Viena, para a linguagem científica.

Unidade 6 151
Universidade do Sul de Santa Catarina

Saiba mais

Esta diferença é histórica na O ponto de vista do círculo de Viena é bem documentado na


Filosofia e remonta a aceitação literatura filosófica brasileira. Assim, você encontrará várias obras
da obra do Imanuel Kant. O
Reino Unido (a ilha) não aceitou
sobre o tema desta unidade.
muito bem a filosofia de Kant e
apegou-se ao estilo Empirista STEGMULLER, Wolfgang. História da Filosofia
do David Hume e criou o estilo Contemporânea, São Paulo, EPU/EDUSP 1878 (volume 1 e 2,)
de filosofia mais voltado para a É uma ótima obra de referência para tudo que discutimos nesta
lógica e a experiência. No início unidade e nas anteriores. Stegmüller não tratou diretamente do
do séc. XX surgiu o nome Filosofia
tema do ceticismo, mas fornece muitas analises importantes sobre
Analítica. Por outro lado, Filosofia
Continental é o nome da filosofia
o Positivismo.
que segue a obra de Kant e seus
“subprodutudos” como Nietszche, NORRIS, Christopher. Epistemologia, São Paulo, Artmed
Schoppenhauer, Hegel, Schelling... Editora, 2008. Neste livro, este professor da Universidade de
Assim, o mundo filosófico ficou Cardiff trata do tema da possibilidade do conhecimento em
dividido entre a filosofia da Ilha vários capítulos. O interessante da obra de Norris (apesar das
(filosofia analítica) e a filosofia
críticas quanto a sua correção epistemológica) é que tenta fazer
Continental (o resto da Europa).
uma ponte entre a tradição analítica da Filosofia e a tradição
continental.

152
7
unidade 7

Fundacionalismo

Objetivos de aprendizagem
Ao final desta unidade você terá subsídios para:

n Compreender os principais argumentos do


Fundacionalismo em Teoria do Conhecimento.
n Analisar os principais problemas, do ponto de vista

fundacionalista.
n Compreender como surge o problema das outras

mentes.
n Entender os argumentos fundacionalistas frente ao

desafio cético de nosso conhecimento.

Seções de estudo
Seção 1 Argumentos fundacionalistas
Seção 2 Problemas no Fundacionalismo
Seção 3 Fundacionalismo sem infalibilidade
Seção 4 Outras mentes
Seção 5 Possíveis respostas ao problema das outras
mentes
Seção 6 Fundacionalismo e Ceticismo
Universidade do Sul de Santa Catarina

Para início de estudo


Nesta unidade, você estudará o ponto de vista fundacionalista em
Teoria do Conhecimento. Vamos analisar o ponto de vista de que
nosso conhecimento se fundamenta em algumas crenças básicas
e infalíveis. Você analisará o que significa esta infalibilidade que
exigimos de nossas crenças básicas e quais as consequências para
nosso conhecimento diante da possibilidade de que não tenhamos
crenças tão firmemente fundamentadas. Compararemos o ponto de
vista fundacionalista com as exigências que faz o ceticismo quanto à
existência do mundo exterior. Encerraremos esta unidade, estudando
um pouco a argumentação de Ludwig Wittgenstein e as conclusões a
que ela nos conduz, quanto ao nosso conhecimento.

Muito bem, preparado (a)? Então vamos em frente.

Seção 1 – Argumentos fundacionalistas


Todas as unidades que você estudou até agora se posicionam
dentro de um determinado ponto de vista sobre o conhecimento.
Este ponto de vista é denominado Fundacionalismo. Todos os
outros pontos de vista sobre nosso conhecimento partem de uma
crítica ao Fundacionalismo, ou de uma tentativa de superar suas
dificuldades.

De qualquer forma, se você compreender adequadamente os


argumentos fundacionalistas, sua compreensão dos outros pontos
de vista ficará mais fácil.

Gostaria de salientar que, nas unidades anteriores, estudamos


o desafio cético ao ponto de vista fundacionalista. Nesta
unidade, vamos estudar alguns problemas identificáveis no
Fundacionalismo e, ainda, a sua relação com o Ceticismo no que
remete ao nosso conhecimento.

O Fundacionalismo possui uma ideia básica, qual seja, a de que


nossas crenças são divididas em dois grupos: no primeiro grupo,
temos as crenças básicas, as quais não necessitam de base em outras
crenças; no segundo grupo, temos as crenças que são derivadas
destas, isto é, crenças que são constituídas com base em outras.

154
Teoria do Conhecimento I

As primeiras crenças são o que podemos denominar


fundamento epistemológico, enquanto que as segundas são
uma superestrutura montada sobre estas primeiras crenças. De
acordo com o ponto de vista fundacionalista, a distinção entre
crenças básicas e crenças da superestrutura é elaborada a partir
do seguinte critério: as crenças básicas são aquelas que dizem
respeito à natureza de nossos estados sensoriais ou perceptivos:
nossa experiência imediata. Estas crenças não necessitam suporte
de outras: elas se mantêm por si mesmas. Já as crenças que fazem
parte da superestrutura necessitam de apoio destas primeiras
crenças. Vamos analisar um exemplo, a fim de fixar estes
argumentos.

Quando falamos a respeito de “saber


que horas são nós estamos envolvidos
por dois tipos de estruturas diferentes.
Uma primeira estrutura é nossa
percepção. Ou seja: primeiramente,
temos de saber que estamos vendo
um relógio, que estamos acordados,
que não estamos sonhando,
que sabemos as cores do
relógio e assim por diante.
Sobre estas crenças básicas,
erguemos a superestrutura de
outras crenças, quais sejam,
saber o que é “ver” as horas, as diferenças entre
ponteiro dos minutos e ponteiro dos segundos (se
for um relógio analógico), o significado dos números
que aparecem no display ou tela do relógio, o
significado daqueles dois pontos um sobre o outro
e que separam os números, o significado das letras
“AM” e “PM” (se for um relógio digital), etc...

Assim, você percebe que o Fundacionalismo separa em cada


conhecimento aquilo que pertence à experiência e o que é
baseado ou fundamentado na experiência. Sendo assim, o
Fundacionalismo dá expressão a um dos principais argumentos
do Empirismo: de que todo nosso conhecimento é derivado
da experiência. Segundo argumenta o fundacionalista,
qualquer crença que não for sobre nosso aparato sensório ou
nossa percepção, deverá ser justificada através das crenças da
experiência imediata.

Unidade 7 155
Universidade do Sul de Santa Catarina

Resumindo estes argumentos, poderíamos afirmar


que, para um fundacionalista, você consegue
dizer que horas são neste momento, porque
seu conhecimento sobre as horas poderá ser
fundamentado em sua experiência imediata. Ainda,
seu conhecimento dos significados dos símbolos
exibidos pelo visor ou display do relógio deverá ser
baseado em suas crenças da experiência imediata.

Retomando o caso de Harry na estória da unidade 1: para que


Harry saiba que não é um cérebro numa cuba, deve ter certeza
de estar vendo, sentindo, percebendo algo real, e não uma ficção
criada em sua mente pelo cientista maligno.

Mas você poderá indagar-se por qual razão as crenças


da experiência imediata não são justificáveis através
de outras crenças; por qual razão estas crenças não
necessitam do suporte de outras.

Ora, estas suas questões trazem à tona o terceiro elemento


do Fundacionalismo tradicional, qual seja: o de que, para o
Fundacionalismo, nossas crenças sobre nossas experiências
sensoriais são infalíveis. É devido a este argumento que as
crenças da experiência imediata podem servir de base ou suporte
para outras crenças: elas se mantêm por si mesmas.

Veja, dado que este ponto de vista tenta explicar nosso


conhecimento, então, qual a tarefa que ele atribui à Teoria do
Conhecimento ou Epistemologia? Claro, você dirá, a tarefa da
Epistemologia é demonstrar como nossas crenças sobre o mundo
exterior, a ciência, sobre o passado e o futuro, sobre outras
mentes além da nossa, podem ser justificadas (ou reduzidas
a) pelas crenças infalíveis sobre nossos estados sensoriais. Se
conseguirmos fazer isto, então as exigências de conhecimento
correto estariam satisfeitas, se não, cairíamos no Ceticismo.

Creio que agora você deve ter-se dado conta que o


questionamento do cético, o qual estamos estudando
neste texto, é extremamente perigoso para a
Epistemologia Fundacionalista.

156
Teoria do Conhecimento I

Quais seriam os motivos que levaram os epistemólogos ou


filósofos que estudam a teoria do conhecimento a adotar este
tipo de ponto de vista? Bem, existem alguns argumentos que
justificam sua adoção. Ainda que possamos discordar destes
argumentos ou encontrar algumas falhas quando os analisamos,
o certo é que os fundacionalistas possuem razões para adotar seu
ponto de vista. Vejamos.

a) Probabilidade

Bem, você deve saber que a probabilidade de algo ocorrer não


corresponde a uma certeza, isto é, nós sempre queremos saber
qual a probabilidade de que algo ocorra, e não a probabilidade
absoluta. Ou seja, a probabilidade é sempre relativa segundo
determinadas evidências. Por exemplo: se perguntarmos ao
probabilista “Qual a probabilidade absoluta de que Red Lady
ganhe o terceiro páreo desta tarde?”, ele redarguirá, afirmando
que não poderá nos fornecer uma probabilidade absoluta, e
sim uma probabilidade aproximada. Ou seja, dados os páreos
anteriores, as corridas anteriores e as posições de chegada e
partida de Red Lady, é provável que ganhe a corrida. Mas não é
absolutamente certo que será assim.
Que tal colocar isto em símbolos para visualizar melhor?

P= probabilidade
h= hipótese (que Red Lady ganhe o páreo desta tarde)
e= evidência

Assim, escrevemos P(h/e) e lemos “a probabilidade de que Red


Lady vença o páreo desta tarde, dadas as evidências disponíveis”.
Estas probabilidades são normalmente expressas através de uma
escala de 0 a 1 (zero até 1). Logo, se P(h/e)=1, então é provável
que Red Lady vença o páreo, mas se P(h/e)=0, então é provável
que Red Lady não vença. Contudo, se P(h/e) for igual a 0,5,
então é tanto possível que Red Lady ganhe o páreo, quanto que o continua
perca.

Unidade 7 157
Universidade do Sul de Santa Catarina

Nosso ponto central aqui é o seguinte: calculamos as


probabilidades de que algo venha a ocorrer a partir de algumas
evidências que temos à mão. Contudo estas evidências, por sua
vez, devem ter alguma probabilidade anterior.

Ora, “e” é uma evidência com base em outras evidências, e assim


por diante, indefinidamente. Necessitamos de alguma coisa
certa, que funcione como uma base inquestionável, a partir da
qual possamos construir nossas probabilidades. Necessitamos
de evidências cuja probabilidade seja “1”. Esta base deverá ser
Figura 7.1 - Clarence Lewis
constituída pelas proposições de nossa evidência imediata.
Irving ( 1883 – 1964).
Um dos mais eminentes fundacionalistas, C. I. Lewis, afirmou
certa vez: “A não ser que alguma coisa seja certa, nada mais
poderá ser provável”

Bem, este é um dos argumentos elaborados para que aceitemos


a necessidade do Fundacionalismo. Existem outros, veja na
sequência.

b) Argumento do regresso ao infinito

Chamamos de “regresso ao infinito” a atitude de buscar uma


prova para a prova que se está fornecendo, e assim por diante.
Assim, se eu tento provar para uma pessoa que o automóvel tipo
1.000 cilindradas gasta mais combustível que um automóvel de
2.000 cilindradas, terei de fornecer provas que satisfaçam o que
afirmo (estatísticas, casos passados, investigações científicas, etc.).

Contudo, se a pessoa a quem pretendo provar minha afirmação


pedir uma prova para cada prova que lhe forneço, ela me estará
fazendo entrar num regresso ao infinito. E assim, a não ser que
eu lhe forneça uma prova definitiva.

O ponto de vista fundacionalista busca fornecer este tipo de


prova final, quando baseia todas as nossas crenças em crenças
mais básicas, retiradas de nossa experiência sensorial. Bem,
vamos ver como este argumento de regresso ao infinito serve
como motivador do Fundacionalismo.

Concordamos que nossas crenças são justificadas através do


apelo a outras crenças. Normalmente dizemos, nos estudos de
epistemologia, que estas crenças são obtidas de forma inferencial,

158
Teoria do Conhecimento I

isto é, através de crenças básicas inferimos outras crenças que


constituirão a superestrutura.

Por exemplo, quando acredito que “ao tocar no


interruptor, a luz acenderá”, estou justificado em
minha crença de maneira inferencial. Ou seja, inferi
de outras crenças - que, por sua vez, não foram
adquiridas através de inferências - que já tive em
ocasiões similares no passado com o mesmo tipo de
experiência de acender a luz.

Ora, segundo o argumento do “regresso ao infinito”, estas


crenças “passadas” deveriam ser provadas. Mas esta exigência
faz com que não consigamos elaborar nenhuma crença Assim,
a ideia do fundacionalista é que nossas crenças devem ser
justificadas inferencialmente, e, para tanto, algumas crenças não
serão obtidas através de inferências, elas serão crenças básicas
e justificadas por si mesmas. Se não admitirmos a necessidade
destas crenças “não inferenciais”, nosso raciocínio não fará
progressos. Não conseguiremos elaborar nenhuma inferência
justificada.

Bem, que isto é assim fica fácil de perceber através do seguinte


raciocínio: imagine que você possui uma crença A. Você a
justifica através de duas outras crenças B e C. Ora, você ainda
não provou que A é justificada. Você apenas disse que B e C são
justificadas, e que por isto A também é justificada. Sendo assim,
a justificação por inferência é condicional (depende da verdade de
outras crenças).

No caso que estamos analisando, A é condicionada à verdade


de B e C. Mas, se todas as crenças são justificadas da mesma
forma que A, então todas as nossas justificativas são condicionais,
pois cada uma depende de uma inumerável série de crenças
anteriores a ela. O argumento do regresso ao infinito nos deixa
na situação paradoxal de que nossas crenças inferenciais são todas
condicionais. Não existiriam crenças básicas, não condicionais.
Entraríamos num círculo vicioso, caso admitíssemos somente
crenças não-inferenciais. Logo, a base principal do argumento
fundacionalista é que os dois tipos de crenças devem coexistir.

Unidade 7 159
Universidade do Sul de Santa Catarina

c) Infalibilidade e justificação

Os dois argumentos anteriores podem ser combinados para


que se forneça outro argumento favorável ao Fundacionalismo.
Assim, o argumento é que toda crença infalível é justificada
de maneira não-inferencial. Uma crença infalível poderá ser
justificada, mas não retira sua justificação de outra crença
qualquer, ela não necessita de nenhum suporte inferencial. Ao
mesmo tempo, nada poderá minimizar a probabilidade de que
uma crença infalível seja verdadeira, pois ela é justificada, isto é,
não temos nenhuma razão para colocá-la em questão, ou supor
que ela é falsa. Isto faz com que a ameaça do regresso ao infinito
seja afastada.

Vamos analisar mais um pouco este argumento


conjunto, a fim de compreendê-lo bem.

Vamos trabalhar com o seguinte exemplo: alguém afirma que A é


uma crença verdadeira, pois está apoiada em B e C. As crenças B
e C devem ser consideradas crenças retiradas de nossa experiência
sensorial. Considerando este fato, B e C também são justificadas
sem recurso a nenhuma inferência, pois não temos motivos para
duvidar tanto de B quanto de C.

Nós teríamos motivos para duvidar de B e C, se aceitássemos


que estas crenças são obtidas através de inferências. Neste
caso, exigiríamos provas de cada inferência. Entretanto o
fundacionalista assume que B e C são crenças infalíveis, logo,
justificadas e, portanto, indubitáveis. A infalibilidade elimina o
regresso ao infinito.

160
Teoria do Conhecimento I

Seção 2 – Problemas no Fundacionalismo


Bem, creio que você já conseguiu entender qual o objetivo do
fundacionalista e como ele elabora seus argumentos. Como já foi
dito mais acima, este ponto de vista na Epistemologia é o que
dá origem a todos os outros pontos de vista que tentam explicar
nosso processo de conhecer.

Contudo o Fundacionalismo apresenta muitos flancos, por assim


dizer, que podem ser questionados. Vamos nos concentrar agora
em um destes questionamentos, depois apresentaremos mais
alguns.

O fundacionalista exige que algumas de nossas crenças devem


ser infalíveis e justificadas. Segundo ele, estas crenças são
aquelas fundamentadas em nossa percepção ou em nosso aparato
sensório. Todas as crenças que forem assim fundamentadas
possuem o caráter de serem infalíveis. Entretanto qual o
propósito de buscar este tipo de crenças? Sabemos que nossas
inferências, mesmo que baseadas em premissas infalíveis, podem
nos conduzir a conclusões falsas.

É interessante, a este respeito, um exemplo criado pelo


filósofo inglês Bertrand Russell para demonstrar que, de
premissas verdadeiras, podemos chegar a conclusões
que são falsas. O exemplo elaborado por Russell é um
pouco dramático: certa vez, um peru foi comprado por
uma família algumas semanas antes do Dia de Natal.

Ocorre que este peru era


extremamente lógico e, como não
sabia o que iria ocorrer com ele,
passou a anotar cada dia que era
alimentado. Depois de algumas
semanas, o peru havia construído
uma quantidade de premissas verdadeiras e elaborou
uma inferência cuja conclusão era “Amanhã serei
alimentado às 10 horas”. Contudo, naquele dia, o peru
foi para a mesa da família: era noite de Natal ...

Unidade 7 161
Universidade do Sul de Santa Catarina

Ou seja, premissas verdadeiras podem nos conduzir a conclusões


falsas. Assim, é possível questionar o fundacionalista quanto à
necessidade das premissas infalíveis, uma vez que o raciocínio
inferencial poderá conduzir à falsidade.

Outro problema para o Fundacionalismo são as crenças baseadas


em nossa percepção. Segundo o fundacionalista, estas crenças
são infalíveis. Contudo por qual razão cometemos erros de
percepção? É certo que, muitas vezes, nossos sentidos nos
enganam, logo mesmo as crenças pretensamente infalíveis
poderão conter erros.

Os grandes fundacionalistas argumentam quanto a


isto o seguinte: não são nossas crenças oriundas da
percepção que estão erradas, e sim a maneira como
descrevemos nossas percepções.

O filósofo inglês Alfred J. Ayer (1910-1989) argumenta que,


quando nos enganamos quanto à cor de um determinado objeto,
não é nossa crença quanto à cor que está errada, e sim a maneira
como descrevemos esta cor. Por exemplo: posso estar enganado
quanto à cor da fruta que está sobre a mesa, ela me parece laranja,
mas poderá ser uma fruta de certo tom de vermelho.
Ora, argumenta Ayer, este engano poderá ser creditado ao uso
das palavras “laranja” e “vermelho”, mas não à crença quanto
à fruta. Escolhi a palavra errada para descrever a fruta e, neste
caso, pode-se argumentar que eu – que
tenho a crença – ainda posso ter uma
crença infalível quanto à fruta que está
sobre minha mesa, mas não tive sucesso
nas palavras escolhidas. Podemos corrigir
erros no uso das palavras de uma maneira
padrão: você poderá me lembrar ou mostrar
a diferença entre as duas cores através de
uma carta de padronização de cores, por
exemplo.

Figura 7.2 - Alfred Jules Ayer (1910-1989).

162
Teoria do Conhecimento I

Outra forma de responder a esta questão seria argumentar que,


ainda que eu esteja errado quanto à cor do objeto sobre minha
mesa, devo estar certo de minha percepção. Ou seja: quando você
corrige, eu devo poder comparar minha crença atual – errada –
com o que você me diz – que a cor é vermelha. Contudo o que
muda não é minha crença básica, e sim a maneira de expressá-la:
seria um caso banal de troca de palavras.

Uma terceira resposta seria argumentar que ainda que eu possa


estar errado quanto à cor do objeto que está sobre minha mesa,
pode ocorrer que eu tenha cometido um engano na comparação
entre minha experiência passada e a minha experiência presente.
Ou seja: fiz uma comparação errada, pois a memória pode estar
errada. Mas minha percepção atual não pode estar errada:
percebo um objeto. Meu erro é atribuir à experiência presente,
algo que foi passado.

Uma quarta resposta poderia ser a seguinte: se eu me engano


quanto à cor do objeto e você me corrige, então é necessário que
exista a possibilidade de comparação entre duas coisas diferentes.
Ou seja: minha crença atual é uma ocorrência e minha crença
passada também deve ser uma ocorrência, para que eu possa
compará-las. Eu as comparo não para ver suas diferenças, mas
sim para saber em quais aspectos uma é igual à outra, pois foi
este o engano que cometi.

Bem, estas são respostas possíveis do fundacionalista ao


questionamento da infalibilidade das crenças baseadas em nossa
percepção. O contra-argumento a estas respostas é: Qual o
conteúdo de uma crença infalível? Vejamos.

Como foi alegado mais acima – e o fundacionalista concordou


com isto – é possível que nos enganemos numa crença baseada
em nossa percepção. O exemplo é o caso do uso inadequado de
uma palavra. Ora, se posso me enganar desta forma, então a
crença infalível perde sua base. O que pode ser infalível, então, é
a crença de que algo parece laranja para meus sentidos.

Mas onde isto nos leva? Qual o conteúdo desta crença


assim modificada?

Unidade 7 163
Universidade do Sul de Santa Catarina

Pensemos no caso: você me pergunta qual a cor da fruta que está


sobre minha mesa e eu lhe respondo “Me parece que é laranja”.
Ora, você me dirá que não está interessado em como me parece, e
sim em saber qual a cor da fruta.

Mesmo assim, o fundacionalista poderá alegar que não se pode


estar errado quanto a como as coisas aparecem para nós, ainda que
eu possa estar enganado no que eu penso ser o que aparece para
mim. Há uma boa diferença entre as palavras aqui usadas.

Veja: eu afirmo que a fruta sobre a mesa é laranja e você me


corrige – acertadamente – que a cor da fruta é vermelha. Bem,
o argumento fundacionalista é que eu posso ter a crença correta,
mas usar uma palavra errada para descrever como as coisas
aparecem para mim. Seria um mero “erro verbal”.

Contudo existem vários tipos de erro em questão. Você poderá


alegar que, quando estamos conversando distraidamente,
podemos cometer erros quanto ao nome das pessoas de
quem falamos. Outro caso é quando estamos com toda nossa
atenção voltada para o que estamos percebendo no momento
e cometemos o erro de escolher uma palavra que expressa esta
percepção de maneira errônea.

Neste último caso, você poderia não aceitar que apenas utilizei
uma palavra inadequada, você poderá argumentar que não sei
o que estou percebendo, pois se trata de um erro substancial.
Então, não apenas utilizei a palavra errada, mas também quanto
a o que é uma cor. Logo, cometo dois tipos de erros, quais sejam,
conceitual e substancial.

Ora, estas explicações fundacionistas para o erro quanto a uma


crença infalível produzem mais uma objeção: a de que uma
crença com menor conteúdo é menos passível de engano. Logo,
quanto menos uma crença contém, mais infalível ela é.

Em outras palavras: quando afirmo “o objeto x é laranja”, me


comprometo com a verdade desta crença de maneira inequívoca,
isto é, ela é ou verdadeira ou falsa. Se o objeto não for laranja,
minha crença estará errada e, portanto, não será infalível.

Contudo, considerando os argumentos fundacionistas que visam


solucionar este problema, posso dizer que, quando me enganei
na atribuição de cor ao objeto, meu erro foi na escolha da palavra

164
Teoria do Conhecimento I

“laranja” e não na crença perceptiva. Assim, o fundacionista


“salva” seu argumento de que as crenças perceptivas são infalíveis.

Qual o custo deste salvamento, entretanto?

Ora, se em vez de me comprometer diretamente com a verdade


da crença, eu me comprometo apenas com o “assim me parece”,
então não estou pondo em jogo o conteúdo total da crença.
Responsabilizo-me com apenas uma parte da crença, a atribuição
por mim de uma determinada palavra. O erro seria meu, e não
na crença básica.

Contudo, com este movimento, eu diminuí a quantidade de


conteúdo da crença: ela agora trata não do que algo é (esta é a
parte substancial da crença), mas do que me parece que é. Bem:
se levarmos este argumento mais longe, teremos de dizer que
uma crença sem conteúdo é mais infalível, pois está menos
predisposta ao engano. Isto, obviamente, é absurdo. As crenças
que geram conhecimento são informativas.

As crenças infalíveis são a base de onde construímos as


nossas outras crenças. Elas constituem nossos fundamentos
epistemológicos. Logo, devem possuir conteúdo suficiente para
apoiar nossas outras crenças, pois são a fonte de onde derivamos a
superestrutura de crenças.

Lembra o exemplo do saber dizer as horas?

Pois é: imagine que você pergunte a uma pessoa qual é a hora


e a pessoa lhe responda “me parece que são aproximadamente,
sem muita certeza e apesar de possíveis enganos, 16 horas”.
É perceptível que a pessoa lhe deu uma resposta que não a
compromete totalmente com a certeza da hora exata. Ao agir
desta forma, a pessoa retirou conteúdo da crença, pois seja lá
o que você pretende fazer ao saber as horas, ficará em dúvida
quanto ao momento apropriado de fazer o que pretendia. Ao

Unidade 7 165
Universidade do Sul de Santa Catarina

retirar conteúdo substancial da crença, a pessoa lhe


retira conteúdo informativo ao mesmo tempo.

Este ponto é importante, pois lida com dois aspectos que são
necessários para que obtenhamos conhecimento:

a) que o conhecimento deve ser capaz de conduzir ou orientar


para a construção de outros conhecimentos baseados nele; e

b) que afirmar que nosso compromisso com a realidade é apenas


limitado ao “assim nos parece” que é a realidade, não é assumir
compromisso nenhum com a informação.

Quando você compara estes argumentos fundacionistas, percebe


que são respostas fracas aos problemas que lhe são apontados.
Sendo assim, não se pode falar em crenças infalíveis. O
programa fundacionista não consegue manter seu equilíbrio
e tende a degenerar. Talvez se possa construir uma espécie de
fundacionismo sem a exigência das crenças básicas infalíveis.

Ufa: quantas informações, não é mesmo? Por isto, antes de


exploramos este aspecto do fundacionismo epistemológico, que
tal fazer um resumo de nosso percurso até aqui?

a) O ponto de vista fundacionista nos diz que possuímos dois


tipos de crenças: básicas e não-básicas.

b) A diferença entre crenças básicas e crenças não-básicas é que


as primeiras são obtidas de maneira direta, a partir de nossa
percepção, enquanto que as crenças não-básicas são obtidas
através de inferências que usam as crenças básicas como seu
fundamento (ou premissas).

c) A necessidade de admitirmos crenças básicas se fundamenta


nos seguintes argumentos:

c1. argumento da probabilidade - algo é provável se, e somente


se, existir algum tipo de evidência básica incorrigível. Se nada é
certo ou incorrigível, então nem o provável poderá ser pensado;

c2. argumento do regresso infinito - se não existem crenças


básicas incorrigíveis, então toda crença é fundamentada em outra
crença, a qual se fundamenta em outra crença, e assim por diante

166
Teoria do Conhecimento I

ad infinitum. Para evitar este regresso ao infinito, é necessário que


algumas crenças tenham a característica fundamental de serem
incorrigíveis ou infalíveis;

c3. argumento da infalibilidade e da justificabilidade - toda


crença básica é não apenas infalível mas também justificada
não-inferencialmente. Ou seja, uma crença básica infalível deve
ter a capacidade de eliminar qualquer tipo de dúvida quanto à
sua verdade. Se não for assim, uma crença infalível poderá ser
inferencial. Mas isto nos lança no argumento do regresso ao
infinito.

Então, uma crença infalível não admite razões para que


duvidemos dela. Por esta razão, uma crença infalível não pode
ser justificada inferencialmente, isto é, ela não tem por base outra
crença. A base de uma crença infalível é a verificação direta, não-
inferencial.

Você lembra que lançamos uma série de contra-argumentos


sobre estas teses básicas do fundacionismo. O principal até
agora é que o fundacionismo exige uma característica das
crenças (item c, citado acima) que não se pode fornecer, qual
seja, não conseguimos construir crenças básicas completamente
imunes ao erro. O fato é que seria muito importante que
conseguíssemos construir crenças infalíveis, imunes ao erro ou ao
questionamento. Contudo também é fato que não conseguimos,
em todas as circunstâncias, cumprir com esta exigência.
Sendo assim, a melhor estratégia é abrir mão da exigência de
infalibilidade. Mas, se o fundacionista abrir mão desta exigência,
seu programa epistemológico degenera. Até aqui nós chegamos.

Que tal, agora, traçar um paralelo entre estes


argumentos fundacionistas e o caso de Harry?

Você lembra o problema de nosso amigo Harry: ele sofreu um


abalo em sua confiança quanto ao que sabe sobre a realidade e
sobre si próprio. A experiência que ele presenciou no laboratório
mais o que lhe disse Margot sobre ele já ter sido submetido a uma
operação de retirada do cérebro o fizeram questionar-se sobre o
que conhecia de fato. Bem, vamos supor que Harry, com todas
estas dúvidas, encontre um fundacionista clássico.

Unidade 7 167
Universidade do Sul de Santa Catarina

Harry lhe perguntaria: “Qual a base que tenho para inferir que
não sou um cérebro numa cuba neste momento?”

O fundacionista responderia a Harry, afirmando que ele deveria,


antes de tudo, elaborar uma quantidade de crenças básicas
infalíveis, para, só então, construir uma superestrutura de
crenças derivadas destas primeiras. Para elaborar estas crenças
básicas, Harry deveria recorrer aos seus sentidos, pois estes lhe
dão crenças infalíveis e todo seu sistema de crenças se derivaria
destas.

Ora, você deve estar percebendo que há um grave engano aqui.


Lembre-se da argumentação do cético: nossos sentidos já nos
enganaram uma vez e, sendo assim, não podemos confiar neles
novamente, logo necessitamos de
uma base indubitável para construir
nosso conhecimento. E esta base não
pode ser fundamentada em nossa
percepção.

Ainda mais: Harry não tem dúvida


quanto a quais são suas crenças, sua
dúvida é quanto à verdade das mesmas. O cientista maligno
eliminou a sua certeza em crenças infalíveis, ao lhe revelar que
ele já havia sido um cérebro numa cuba. Harry não sabia se agora
estava, ou não, com seu cérebro numa cuba.

A sugestão do fundacionista não acrescenta nada para solucionar


o problema de Harry, pois Harry não consegue construir crenças
que sejam infalíveis. Considerando este tipo de argumento, o
fundacionista poderá fornecer uma solução, eliminada a exigência
de crenças infalíveis.

Mas que tipo de fundacionismo seria este? Vejamos na próxima


seção.

168
Teoria do Conhecimento I

Seção 3 – Fundacionalismo sem infalibilidade


Chegamos ao ponto em que o fundacionalista não possui
mais argumentos para manter sua exigência de crenças básicas
infalíveis e não-inferenciais. Entretanto ele ainda poderá
argumentar o seguinte:

- Muito bem, você demonstrou que minha exigência era


exagerada. Contudo, continuará ele, o fato de você ter
problematizado minha ideia de que existem crenças básicas
infalíveis, a ponto de eu ter de abrir mão das mesmas, não
provou que não existem crenças básicas! Ainda mais: você
argumentou que sempre é possível reduzir a justificação de uma
crença básica, mas, em nenhum momento, provou que não é
possível aumentar a possibilidade de justificação de uma crença
básica. Logo, argumentará o fundacionalista, ainda posso manter
meu programa epistemológico em funcionamento.

Ora, parece que o fundacionalista apresentou um argumento


forte. Contudo, se você notar, ele foi obrigado a fazer um grande
esforço argumentativo e abriu mão de um aspecto importante
de seu programa. Você conseguiu ver qual? Bem, mesmo que
este ponto já lhe esteja claro, é sempre bom esclarecer mais. O
fundacionalista alegava o seguinte:

a) existem duas formas de justificação das crenças: inferencial


e não-inferencial. A justificação inferencial é elaborada a partir
de outras crenças; a justificação não-inferencial é elaborada de
maneira direta pelos nossos sentidos (ou percepção);

b) crenças básicas não são justificáveis, mesmo em parte, por


apelo a outras crenças. Crenças básicas devem ser justificadas de
outra forma.

Assim, ele deseja manter tanto (a) quanto (b). Porém a mudança
que ele operou em seu programa, a fim de manter o mesmo
de pé, implicará o fato de já não termos crenças básicas não -
inferenciais.

Vamos entender melhor: você lembra um dos argumentos básicos


do Fundacionalismo, discutido na seção anterior? Eis aqui: “o
fato de não conseguir estabelecer crenças não- inferenciais de

Unidade 7 169
Universidade do Sul de Santa Catarina

forma alguma elimina a possibilidade de se construírem crenças


básicas.

Entretanto, ao fazer isto, o fundacionalista abriu mão de sua


exigência (b). Agora crenças básicas podem ser justificadas. Ao
mesmo tempo, quando admite que crenças básicas podem ser
justificadas através de outras crenças, ele também deve abrir mão
de seu argumento do regresso ao infinito.

Você deve estar lembrado que este argumento era lançado


como base para a necessidade de elaborar o Fundacionalismo.
Desta forma, ele claramente cai no círculo da justificação da
justificação, e assim por diante.

Lembra que este era o argumento que fundamentava


a necessidade do Fundacionalismo?

Entretanto o fundacionalista ainda mantém a ideia de que


existem crenças básicas, que as crenças fundadas em nossos
estados perceptuais presentes ou atuais são mais estáveis que
aquelas crenças derivadas de outras crenças.

Bem, isto mantém a exigência empirista de que todo nosso


conhecimento é proveniente da experiência. Mas abriu mão da
infalibilidade das crenças básicas, com isto abriu a porta para o
argumento do regresso infinito.

Assim deverá fornecer uma resposta à seguinte questão: “Se


eliminamos a infalibilidade das crenças básicas, não estamos
permitindo que uma crença básica se fundamente em outras
crenças, e assim ao infinito?”. Se o programa fundacionalista
pretende manter o argumento de que seu programa elimina
o regresso ao infinito, deverá fornecer uma resposta à questão
acima, ou terá de abandonar o argumento do regresso ao infinito
como sendo um perigo (para o conhecimento) e que torna
necessário o Fundacionalismo. Vejamos:

170
Teoria do Conhecimento I

O fundacionalista deve estar pensando nas seguintes exigências,


para que uma crença elimine o regresso ao infinito:

I- crenças que são justificadas por algo que não seja outra crença;

II- crenças que justifiquem a si mesmas;

III- crenças que não necessitam justificação.

Estas exigências são necessárias para suprir a eliminação da


infalibilidade. O fundacionalista que aceitar (I) e (II) estará
aceitando (III), considerando que pode ser derivada de (II).

Por outro lado, qualquer crença que não possua as características


anteriormente descritas deve ser tomada como não sendo uma
crença básica. Ainda, qualquer uma destas características permite
que eliminemos o argumento do regresso ao infinito.

Considerando que o fundacionalista apenas admite crenças


que possuam propriedade epistêmica substancial e
considerando que a infalibilidade é uma destas propriedades, Crenças que se
então o fundacionalista apenas admitirá a característica (II). comprometem
A característica (I) poderia ser cumprida através de nossa diretamente com a
verdade da informação
experiência, mas ainda não foi provado que toda experiência é
que enunciam.
incorrigível. Ao mesmo tempo, a característica (III) é derivada de
(II). Logo, ao aceitar (II), também poderá aceitar (III). Mas, e se
não dispusermos de nenhuma crença com a característica (II), o
que restará da infalibilidade?

Ora, sejamos tolerantes.

Talvez o fundacionalista esteja dizendo o seguinte: por


infalibilidade eu quero dizer “certeza” e “incorrigibilidade”.
Assim, ele afirma que a certeza é uma qualidade de uma crença
básica e que, junto a isto, elimina qualquer questionamento. Por
exemplo: se é certo que são 11 horas, não há por que duvidar
(supondo que existam crenças com este grau de certeza).

Ao mesmo tempo, se não há como duvidar de uma crença que


tem a característica da certeza, então não é possível corrigi-la.

Unidade 7 171
Universidade do Sul de Santa Catarina

Bem: não é de todo claro, se estes dois conceitos são sinônimos


de infalibilidade ou se podem substituir a infalibilidade (será que
o certo e incorrigível também é infalível?).

De qualquer modo, para entendermos estas novas definições,


basta lembramos o que nos disse Descartes: a afirmação “penso
logo, existo” é indubitável e certa, isto é, é uma afirmação
incorrigível (veja esta discussão na Unidade 2). Não se pode
afirmar, contudo, que os fundacionalistas aceitariam a verdade
de Descartes, pois suas verdades são oriundas da razão, e não da
experiência. Ou seja: para o fundacionalista, apenas são crenças
básicas aquelas oriundas dos estados perceptuais, enquanto
Descartes fundamenta toda sua argumentação em verdades que
não têm fundamento em nossas experiências.

Os filósofos que investigam temas da Epistemologia ou Teoria


do Conhecimento forneceram algumas alternativas ao ponto de
vista fundacionalista, visando resolver os problemas ainda sem
resposta. Não é o caso de traçar aqui estas alternativas. O que se
pode dizer destas alternativas é que diminuíram (mitigaram) as
exigências da argumentação fundacionalista, numa tentativa de
mantê-lo (o ponto de vista).

Desta forma, como você já pôde observar, qualquer mudança


nos argumentos básicos do Fundacionalismo parece eliminar
com o mesmo. Ou, por outras palavras: manter a argumentação
fundacionalista com algumas mudanças é, ainda, uma espécie de
Fundacionalismo? Alguns autores dirão que sim, outros autores
preferem dar outro nome.

Mas, mesmo que os argumentos acima possam ser minimizados,


existe outra fonte de problematização para o Fundacionalismo.
Vamos examinar este problema na seção seguinte.

172
Teoria do Conhecimento I

Seção 4 – Outras mentes


Nosso tema nesta seção é a investigação de um problema que o
Fundacionalismo traz consigo. Para compreender a origem do
problema, vamos relembrar alguns dos argumentos básicos do
Fundacionalismo. Nós já tratamos destes argumentos, mas é
sempre bom mantê-los sob nossa visão.

Vimos que o fundacionalista é alguém comprometido com um


programa epistemológico que visa garantir nosso conhecimento
objetivo do mundo que nos cerca. Para tanto, o fundacionalista
lista os seguintes argumentos:

a) todo conhecimento provém da experiência;

b) nossas crenças sobre a ciência, o mundo externo, passado e


presente, outras mentes, devem ser fundamentadas em nossas
experiências sensoriais;

c) é necessário que algumas crenças sejam certas e


inquestionáveis, para que se possa conceber a probabilidade de
que algo ocorra, ou não;

d) nossas evidências que servem de base para afirmações de


conhecimento devem ser infalíveis;

e) nossas crenças são divididas em dois grupos: crenças básicas


infalíveis e crenças derivadas de crenças básicas. As crenças
derivadas compõem a superestrutura de nosso conhecimento;

f) é necessário que existam crenças infalíveis sobre as quais


baseamos nossas crenças derivadas, as quais são obtidas por
inferências;

g) se não existirem crenças básicas infalíveis, caímos num


regresso infinito de crenças baseadas em outras crenças, e assim
por diante;

h) portanto é necessário que o conhecimento seja fundamentado


em crenças básicas infalíveis, obtidas através de nossos sentidos,
as quais servem de base para inferirmos outras crenças, e assim
construir uma superestrutura de conhecimento.

Unidade 7 173
Universidade do Sul de Santa Catarina

A partir destes argumentos, o fundacionista elabora seu


programa epistemológico. Contudo vimos que estes argumentos
se tornam problemáticos devido ao questionamento da
existência de crenças infalíveis. Vimos também que manter o
Fundacionalismo sem esta exigência é mitigar seu propósito,
ainda que não desestruture completamente o programa
fundacionalista.

Agora, vamos apontar o problema ligado mais especificamente


ao ponto de partida do Fundacionalismo: a ideia de que
obtemos crenças através de nossas experiências sensoriais.
Segundo raciocina o fundacionismo, cada pessoa é capaz de ter
experiências sensoriais iguais às outras demais pessoas.

Este é o princípio básico do Empirismo. Entretanto há um


grave problema aqui, e, talvez, o maior problema que enfrenta o
programa fundacionalista, qual seja, se conhecemos a partir de
nossas próprias experiências, então cada pessoa possui as suas
próprias experiências sensoriais. Além disto, as experiências
sensórias de cada pessoa serão experiências privadas, pois apenas
ela as tem. Sendo assim, como saber que outras pessoas sentem,
pensam e têm sensações, umas iguais às outras.

Como saber se as pessoas que vemos possuem, ou


não, uma mente que recebe as experiências?

Para responder a estas questões, o fundacionalista deverá mostrar


que tem um método de conferir quem tem, ou não, uma mente e,
além disto, como as experiências, sendo pessoais e intransferíveis,
podem ser iguais para todas as pessoas.

Certamente que este argumento cético só pode se elaborado


devido à insistência do fundacionista de que nossas crenças
básicas infalíveis são obtidas de nossas experiências sensoriais.

O cético, a princípio, não se oporia a determinadas exigências


do fundacionalista. Por exemplo, as exigências que indicamos
nos itens (c), (d), (e), (f) e (h) acima. Também não se oporia à
necessidade de crenças infalíveis, pois parte do pressuposto de
que temos conhecimento somente se dispusermos de bases não-
inferências e não fundamentadas nas experiências sensoriais.

174
Teoria do Conhecimento I

Contudo o cético exigiria maiores esclarecimentos, quando o


fundacionista retira suas crenças infalíveis dos dados sensoriais.

Este é um problema que já estudamos nas unidades


anteriores, ao abordarmos o ponto de vista do
Círculo Positivista de Viena e alguns aspectos da
argumentação de George Moore e John Austin.

Nosso problema agora é com o seguinte aspecto do argumento


fundacionalista: como saber que outras pessoas possuem as
mesmas experiências sensoriais que nós? Este problema é
tradicionalmente denominado “problema das outras mentes”.

O problema surge de dois argumentos básicos do empirismo:


primeiramente, de que formamos nossas crenças básicas através
de nossos sentidos; e, junto a este, do argumento de que nosso
conhecimento inicia através de experiências particulares de cada
pessoa que conhece.

O primeiro argumento já é nosso conhecido; quanto ao segundo


argumento, ele é formulado pela primeira vez por Descartes
em suas Meditações Filosóficas. Nesta obra, Descartes insiste que
“eu sei que existo, pois sei que eu penso”
ou “mesmo que o gênio maligno tente me
enganar, sei que duvido e, portanto, sei que
penso”.

Estas afirmações cartesianas marcam um


ponto de vista de primeira pessoa na Epistemologia, isto é, nosso
conhecimento é oriundo das experiências que cada um de nós
possui, e não de uma espécie de “estoque” de conhecimento da
cultura ou de nossos antepassados. Neste caso, não é possível
falar de conhecimento partilhado, mas sim de conhecimento
pessoal.

Pois bem, este é o ponto básico para o problema das outras


mentes: com sei que os outros possuem mentes como eu? Creio
que você compreendeu de onde surge esta questão e qual a
amplitude da mesma. O fato é que necessitamos responder a uma
questão que coloca toda nossa vida em comum em dúvida, isto
é, sabemos que existem outras pessoas ao nosso redor, sabemos
que elas têm comportamentos parecidos com os nossos, que
demonstram amizade e sentimentos como nós.

Unidade 7 175
Universidade do Sul de Santa Catarina

Todavia não temos provas para afirmar que estas pessoas não
são autômatos, robôs treinados para agirem de uma determinada
forma, a saber, a forma como seres humanos agem. Sabemos
por nós o que é agir como um ser humano, ter sentimentos e ter
experiências, mas não podemos atribuir “mente” a outras pessoas
apenas com base em nosso caso pessoal.

Parece que necessitamos de provas mais contundentes do que


apenas afirmar que as pessoas têm mente por se comportarem
como nós nos comportamos. Vamos analisar algumas respostas
que foram fornecidas a este problema.

Mas, antes disto, vamos entender por qual razão – ou


quais razões - este problema é importante.

Em primeiro lugar, como em todo questionamento filosófico,


nos é exigido que apresentemos argumentos, e não fatos. Por
exemplo: afirmar que nosso(a) colega de trabalho não é um
autômato apenas por que sabemos o que são autômatos, não é
uma resposta suficiente. Esta é uma resposta que apela ao senso
comum. Mas já estudamos os argumentos que se baseiam no
senso comum e percebemos que eles não fornecem boas respostas
filosóficas por não serem argumentos filosóficos, e sim propostas
de práticas do dia-a-dia. Ou seja: o fato de eu tratar meus amigos
como pessoas não é uma prova filosófica de que são pessoas, mas
sim uma maneira de agir para com eles.

Em segundo lugar, a importância do problema também reside no


fato de que tratamos pessoas que estão ao nosso redor como se
elas fossem iguais a nós, mas a única prova que temos é o nosso
próprio caso. Por exemplo: sei que meu vizinho está com dor,
porque ele se comporta tal como eu, quando estou com uma dor.
Da mesma forma, sei o que significa a tristeza que meu colega
alega ter, por eu também já ter sentido tristeza.

Em terceiro lugar, como sei o que se passa na mente de outra


pessoa? Não pensamos muito nesta questão, apenas agimos com
as pessoas de uma maneira “padrão”. Entretanto, quando nos é
pedido que fundamentemos a nossa maneira de agir, parece que
o único fundamento que conseguimos apresentar é o de que estas

176
Teoria do Conhecimento I

pessoas se parecem tanto com nós mesmos, que seria difícil dizer
que “não” são pessoas de fato.

Mas isto, como você já viu, não é uma prova suficiente. Não me
é permitido extrapolar o meu caso pessoal para todos os outros
casos. Por exemplo: se sinto uma dor no pé e meu colega também
alega ter uma dor no pé no mesmo instante, nada nos garante que
estamos falando da mesma dor: meu colega fala da dor que ele
sente e eu falo de minha dor.

Em quarto lugar, se vivemos num mundo em que o


comportamento das pessoas está dissociado de suas mentes,
não encontramos evidências no mundo atual de que as coisas
não são desta forma. Ou seja: conversamos, nos divertimos,
compreendemos e somos compreendidos pelas pessoas, mas isto
em nada aponta para uma diferença entre elas, a de terem uma
mente ou não terem uma mente. Por exemplo: o fato de meu
colega me contar que sonhou e descrever seu sonho não é
uma prova de que ele tem uma mente.

Pode ser visto simplesmente como um caso de


comportamento igual ao comportamento de um ser
humano, mas não uma prova de que ele é um ser
humano. Logo o problema das outras mentes também
atinge nossa compreensão do que faz com que um ser
seja um ser humano.

Você deve se lembrar do filme Blade Runner.


O filme nos conta a estória de um caçador de
androides, isto é, de autômatos que foram usados
para trabalhos e guerras como soldados e que se
revoltam com o fato de que teriam de ser “desligados”,
por já não terem utilidade para o ser humano.
O problema que o filme levanta é este: seria possível
construir um androide tão parecido com o ser humano
que fosse quase indistinguível do mesmo? Então, o
que faz com que um ser humano seja o que é? Seu
corpo? Seu comportamento? Mas tudo isto não pode
ser simulado por uma máquina?

Como você pode perceber, não se trata de um problema tão


simples.

Unidade 7 177
Universidade do Sul de Santa Catarina

Seção 5 – Possíveis respostas ao problema das outras


mentes
Uma tentativa de resposta ao problema das outras mentes pode
ser encontrada no clássico texto de John Stuart Mill, de 1889,
intitulado Uma Análise da Filosofia de Sir Hamilton. O argumento
é denominado “argumento da analogia”
e sua base é a seguinte: realmente, não
temos provas de que as pessoas que nos
cercam sejam de fato pessoas. Nada nos
fornece uma razão contundente a favor
disto. Contudo também não parece ser
o caso que tenhamos provas suficientes
do contrário, isto é, de que não sejam
pessoas. O argumento de Mill, em suas Figura 7.3 - Stuart Mill (1806 -1873).
próprias palavras, diz o seguinte:
Eu concluo que outros seres humanos têm sentimentos
como eu, pois, em primeiro lugar, eles têm corpo como
eu, o qual eu sei ser o antecedente de ter sentimentos; e
porque, em segundo lugar, eles exibem os mesmo atos
e outros sinais exteriores, os quais em meu próprio caso
sei por experiência serem causados por sentimentos.
Estou consciente em mim mesmo de uma série de fatos
conectados através de uma seqüência uniforme, a qual
o início é a modificação em meu corpo, o termo médio
é o sentimento e o termo final é o comportamento
exterior. Para o caso de outros seres humanos, eu tenho
a evidência de meus sentidos para o primeiro caso e para
o último, mas não para o termo intermediário. Vejo, de
fato, que a seqüência entre o primeiro e o último termo é
tão regular quanto no meu próprio caso. No meu próprio
caso sei que o primeiro termo produz o último através de
um elo intermediário e não o poderia produzir sem ele.
A experiência, portanto, obriga-me a concluir que deve
haver um elo intermediário, o qual deve ser o mesmo nos
outros, tal como é em mim [...]Devo, portanto, crer que
eles são ou humanos ou autômatos. Contudo creio que
são seres humanos e que estão vivos, isto é, por supor
que neles há o mesmo elo que existe em mim e do qual
eu tenho experiência e que em todos os outros aspectos é
similar em outros seres humanos. Stuart Mill apud David
Cockburn, An Introduction to the Philosophy of Mind,
Houndmills, Basingkstokes, 2001, p.81.

178
Teoria do Conhecimento I

Ora, você pode perceber que este argumento de Stuart Mill


parte do caso pessoal para o caso de outras pessoas. Mill admite
não saber se as outras pessoas possuem os mesmos sentimentos
que ele, contudo, devido ao fato de apresentarem o mesmo
comportamento exterior, conclui que devem ter os mesmos
sentimentos. O argumento parte do princípio de que o meu caso
pessoal constitui uma base sólida para inferir o caso dos outros.

O raciocínio é construído em forma de analogia. Ao mesmo


tempo, o argumento é uma indução, isto é, parte do caso particular
para o caso geral – de uma pessoa para o caso de todas as pessoas
– e, neste caso, é um argumento fraco, pois um caso é pouca
evidência para inferir algo com validade para todos os casos iguais.

Por outro lado, o argumento parte do princípio de ser possível -


diante do fato de as pessoas agirem tal como nós -, elaborarmos a
hipótese de que também tenham mentes tal como nós.

Se temos pouca evidência para aceitar o caso de Stuart Mill,


também temos poucas evidências – dadas as premissas de Mill
– para dizer que ele está enganado em sua hipótese. Não é tão
difícil aceitar a hipótese de Mill. O problema com seu argumento
está no seguinte:

a) separar o mental (inobservável) do comportamento


(observável); e

b) assumir que, dada esta separação, seja possível saber o que


significa outras pessoas terem mentes como eu.

Podemos denominar estes argumentos,


resumidamente, de (a) argumento da separação e (b)
argumento da compreensão.

Quanto a (a), podemos dizer que faz concessões ao ceticismo, ou


seja, afirma que o mental e o comportamental estão relacionados
de maneira contingente. Seria dizer: o mental poderia existir sem o
comportamental e, pelo que podemos saber, é assim que as coisas são.

Contudo Mill concede no primeiro passo – que a relação entre


mente e corpo é contingente –, mas nega uma segunda etapa,
isto é, que não exista nenhuma ligação. Por tudo que podemos

Unidade 7 179
Universidade do Sul de Santa Catarina

observar de outros seres humanos parece haver alguma ligação,


pois não temos provas conclusivas do contrário. Por este ponto de
vista, o argumento da analogia é necessário, por não possuirmos
nenhuma ligação entre comportar-se como quem tem uma
mente e ter uma mente.

Quanto a (b), o argumento assume que é possível


compreendermos o que significa para outras pessoas que tenham
estados mentais. Segundo o argumento, eu sei o que é alguém
estar com dores no corpo, pois eu mesmo já as senti em meu
corpo, isto é, eu já as senti. Assim, sei o que é ter determinados
sentimentos a partir de um ponto de vista privilegiado: o meu
próprio. Mas este ponto de vista privilegiado também pode ser
o motivador de uma impossibilidade: de que eu possa atribuir a
outros algo que apenas eu sinto ou senti. Mesmo assim, ainda
é possível argumentar – mantendo o argumento da analogia –
que nada existe contrário a afirmar que outras pessoas tenham
mentes, a partir do fato de se comportarem tal como eu.

Contudo os problemas com o argumento de Mill estão


escondidos nas inferências que podemos retirar dos passos (a) e
(b). Assim, a partir do momento que aceitamos que o mental está
separado do corporal ou do comportamento (a), nos vemos na
estranha situação de conceber uma dor que não é nossa, com base
na nossa dor. Ora, a dor no joelho do outro não é a dor no meu
joelho, logo a dor dele não é minha. Assim, não posso dizer que
ele tem uma dor como eu tenho, pois a dor dele não dói em mim
(obviamente). Então afirmar que a pessoa tem a mesma dor que
eu tenho não é correto, pois a parte (a) do argumento da analogia
afirma que há uma separação entre mente e corpo.

Há aqui a questão de propriedade da dor ou


do sentimento, isto é, devo considerar que
as dores de uma pessoa estão ligadas a ela, e
não a mim e, com isto, que não posso dizer
como é sentir a dor dela. Apenas posso falar
de minhas dores. Assim, se admitirmos
(a), então (b) não se torna possível. De fato,
o que o argumento da analogia faz é uma
opção pelo solipsismo, isto é, pela ideia de
que apenas existe a experiência pessoal.
Figura 7.4 - Burrhus Frederic Skinner.

180
Teoria do Conhecimento I

Uma maneira de eliminar este problema seria partilhar do ponto


de vista behaviorista quanto ao mundo mental, que afirma não
ser a dor algo mental, e sim físico, e que consiste no fato de os Pressuposto significa
eventos mentais serem redutíveis a eventos físicos, a saber, o que uma circunstância
ou acontecimento é
comportamento. antecedente a um outro,
sem que seja explicitado.
Assim, estar com dor é comportar-se de uma maneira Também significa “dar
específica quanto ao corpo. Por exemplo: quem tem dor de a entender” algo sem
cabeça comporta-se de maneira diferente de quem não tem pronunciá-lo.
dor alguma, e a dor, de fato, consiste neste comportamento.
Se não pretendemos assumir uma forma de behaviorismo
agudo, podemos aceitar uma forma de Disposicionalismo. O
Disposicionalismo argumenta que ter uma dor é possuir uma
disposição, neste caso, a disposição de comportar-se de uma
forma determinada.

Outra resposta seria abandonar a exigência de que temos crenças


básicas infalíveis ou inquestionáveis e afirmar que temos um
sistema de crenças interligadas entre si, no qual uma crença
depende da outra numa rede estruturada. Este ponto de vista
é denominado Coerentismo. Não é o caso de entrarmos na
discussão deste ponto de vista aqui.

A argumentação do ponto de vista coerentista envolve o problema


de sabermos como um sistema de crenças possui ligação empírica
com a realidade, ou, em outras palavras: se todas as crenças estão
ligadas entre si, como saber onde a estrutura de crenças inicia?

Bem, não vamos tratar deste ponto aqui. Na próxima seção,


vamos abordar, a saber, a possibilidade lançada por Ludwig
Wittgenstein de que não há separação entre comportamento e
mente. Ou seja: uma resposta possível ao problema das outras
mentes. Por fim, faremos uma análise da argumentação cética
quanto ao Fundacionalismo.

Unidade 7 181
Universidade do Sul de Santa Catarina

Seção 6 – Fundacionalismo e Ceticismo


Na seção anterior, apresentamos duas repostas ao problema
das outras mentes. Aprendemos que este problema não é uma
simples dúvida, mas sim uma questão que atinge toda nossa
vida, nossa relação com as outras pessoas e nossa relação com o
conhecimento que afirmamos ter de outras pessoas. O problema
das outras mentes atinge a nossa concepção de o que é uma
pessoa ou um ser humano.

Concluímos que a resposta a este problema, o argumento da


analogia elaborado por Stuart Mill, parte do princípio que apenas
sabemos que nós somos humanos e que apenas nós sabemos que
temos sentimentos e crenças. As outras pessoas, por tudo que se
sabe, poderiam ser autômatos sem mentes ou “zumbis”.

Mostramos que o erro do argumento da analogia é aceitar que


há uma separação entre comportamento e mente e, a partir disto,
concluir erroneamente que é possível compreender a mente de
outras pessoas apenas com base em seus comportamentos. Assim,
o argumento da analogia concede demais ao cético, a tal ponto que
perde o objetivo na tentativa de fornecer uma solução ao problema.

Terminamos aquela seção com a possibilidade de que ou se


abandona a ideia de crenças básicas e partimos para uma teoria da
coerência entre as crenças, ou tentamos eliminar o problema das
outras mentes e manter alguns resquícios do Fundacionalismo.

Vamos agora examinar o argumento de Ludwig Wittgenstein


quanto ao problema da separação entre mente e comportamento,
para vermos se é possível salvar algo do Fundacionalismo.

A argumentação de Wittgenstein é elaborada na sua obra


Investigações Filosóficas, publicada em 1952, após sua morte.
Esta obra não é um texto característico da produção filosófica
tradicional, isto é, Wittgenstein escreveu na forma de seções
numeradas, mas não separou as seções por assunto. Por isto,
muitas pessoas leem as Investigações Filosóficas e as interpretam do
seu modo.

Entretanto é bem difícil manter uma linha direta de raciocínio a


partir do texto. Apesar disto, a obra de Wittgenstein não é longa
e é de fácil leitura, tão fácil que, ao terminá-la, temos de voltar

182
Teoria do Conhecimento I

ao início, pois parece que entendemos tudo, que não há problema


algum. Bem, Wittgenstein inicia seus argumentos, mostrando
que a nossa concepção de linguagem está equivocada.

Mas o equívoco é filosófico, e não do senso comum: para ele, não


há problemas filosóficos no senso comum e, portanto, o senso
comum não é uma fonte de respostas aos problemas da Filosofia.
Antes, é a mente do filósofo que deve ser “tratada”, para que
possa chegar até o senso comum e abandonar os questionamentos
os quais são fruto do mau entendimento da linguagem.

Então já temos um primeiro ponto: as questões filosóficas são


fruto de problemas de uso da linguagem. A partir deste primeiro
ponto, Wittgenstein constrói uma argumentação que visa mostrar
as incoerências de admitirmos que nosso uso da linguagem
principia pelo conhecimento ou pela experiência.

Também Wittgenstein estava preocupado com esta questão do


Fundacionalismo, ainda que de maneira indireta. Resumindo
muito rapidamente: em toda a argumentação de Wittgenstein
ele concluirá que primeiro aprendemos a agir uns para com os
outros, para com a vida e a realidade e, após este aprendizado,
começamos a entrar no mundo da linguagem.

Contudo, quando isto ocorre, esquecemos que, antes de tudo,


aprendemos a agir, e não a construir teorias sobre a linguagem ou
sobre o conhecimento. Por esta razão é que, para ele, a questão
filosófica é posterior ao senso comum.

Você deve estar se perguntando: qual a ligação


de Wittgenstein com todas estas questões do
Fundacionalismo?

A ligação é a seguinte: Wittgenstein não aceita a separação de


mente e comportamento elaborada tanto pelo cético, quanto
pelos argumentos da analogia de Stuart Mill. Para ele, não há
separação entre um e outro. E, aqui, está uma das dificuldades
com o pensamento de Wittgenstein: não há perigo de cairmos no
Behaviorismo.

Segundo ele, o Behaviorismo é uma forma extremada de


eliminação do mundo mental humano, mas é fato que temos

Unidade 7 183
Universidade do Sul de Santa Catarina

comportamentos que expressam nosso mundo mental, logo é um


engano eliminar nosso mundo mental e reduzir todos os verbos
psicológicos (penso, creio, tenho a intenção, desejo, etc.) apenas
ao comportamento físico.

Ao mesmo tempo, Wittgenstein argumenta que não podemos


partir para a opção contrária, isto é, eliminar o mundo material e
afirmar que tudo que existe é nossa mente, ou é causado por ela.
Antes, é necessário perceber que aprendemos algo sobre nosso
mundo mental a partir de nosso comportamento.

O argumento de Wittgenstein que tenta mostrar sua ideia quanto


a isto ficou famoso na Filosofia e recebeu o nome de argumento da
linguagem privada, contudo não se pode afirmar que seja apenas
um argumento, mas vários.

Bem, este é um problema de interpretação do texto


de Wittgenstein, e não é nossa intenção discutir este
ponto aqui.

Imagine uma pessoa que, por suas razões particulares, resolve


criar uma linguagem só para si. Esta pessoa faz anotações e
cria símbolos que apenas ela pode compreender; outras pessoas,
não. Esta linguagem seria privada, propriedade apenas daquela
pessoa; outros não conseguiriam compreender o que ela escreve.

O interessante neste argumento de Wittgenstein é a formulação


engenhosa que ele fornece de um passo do argumento
fundacionista, qual seja, o de que nosso conhecimento inicia
coma experiência. Wittgenstein elabora o seguinte experimento
mental:

Ora, quais as consequências deste experimento mental? Se ele


de fato tem sentido, então o que o cético afirma é correto: não
conhecemos nada sobre as outras mentes. Também o que Stuart
Mill afirma é correto: sabemos apenas de nossa mente, mas nada
da mente de outras pessoas.

Ao mesmo tempo, se todo conhecimento inicia pela experiência


e se esta experiência é algo que ocorre na mente do sujeito através
dos sentidos, então não conseguimos sair de nossas experiências
pessoais e atribuí-las a outras pessoas. Com este passo

184
Teoria do Conhecimento I

Wittgenstein, fecha o cerco sobre o argumento fundacionalista e


o torna fechado em si mesmo: se sou fundacionalista, apenas eu
sei que tenho experiências.

Mas as coisas não são desta forma.

Há aqui um grave problema de uso da linguagem, e este uso


incompreendido é que nos leva a formular o argumento da
linguagem privada ou da privacidade da experiência. Vejamos:

Primeiramente vamos compreender o uso da linguagem que


o privatista (tanto o cético quanto Mill) utiliza. Ele afirma:
“Apenas eu sei que tenho minhas dores”. Outra afirmação dele é
“As dores de N são particulares a ele, só ele as sente. Eu apenas
sei que ele tem dores por comparar seu comportamento com o
meu”.

Estas afirmações são a fonte de onde brota o ceticismo e


a privacidade das mentes. O problema das outras mentes
é compreensível, porque elaboramos nossas experiências e
atribuições de mente com base em afirmações como estas. Tanto
as repetimos em nosso dia-a-dia que acreditamos que contêm
algum problema filosófico quando as examinamos mais de perto.

Esta é a alegação principal de Wittgenstein, estas expressões não


dizem nada sobre o mundo, nem sobre uma pessoa. A não ser
em casos especiais, facilmente imagináveis. Afirmar “só eu tenho
minhas dores” é uma frase gramatical tal como “paciência é um
jogo que se joga sozinho” ou “no jogo de xadrez existem peças
brancas e pretas”.

Ou seja: estas afirmações não dizem nada sobre o mundo, pois


são afirmações sobre a constituição do uso das palavras.

Para entender melhor este argumento de Wittgenstein, pensemos


no seguinte: é verdadeira a afirmação de que apenas eu posso
sentir as minhas dores. Ora, se esta afirmação é verdadeira, então
sua contrária - “não é verdade que apenas eu posso sentir minhas
dores” - deve ser uma afirmação falsa.

Unidade 7 185
Universidade do Sul de Santa Catarina

Mas como é que você pode provar que é uma


afirmação falsa? Através de que meios eu provo que
apenas eu sinto minhas dores? Mostrando minhas
dores? Isto não faz sentido? Como provo que você não
tem as minhas dores? Como provo que as suas dores
são suas?

Estas questões não fazem sentido, afirma Wittgenstein, pois


são afirmações que partem do uso incompreendido de nossa
linguagem. Ou seja: acreditamos que nossa linguagem seja
um instrumento de veicular informações e experiências uns
para os outros. Esta crença está tão arraigada em nós que não
percebemos que nossos problemas não são reais, e sim problemas
de uso das palavras.

Sendo assim, o argumento de Wittgenstein deve ter como


consequência o fato de que nós temos conhecimentos a partir de
outros conhecimentos que não são básicos? Não. Wittgenstein
afirma que nós conhecemos a realidade porque a aprendemos,
porque sabemos como lidar com ela. Após este aprendizado é que
podemos duvidar da realidade.

Existem outras mentes? - pergunta o filósofo. Wittgenstein


responde: Esta questão baseia-se no mal-entendido de que
“mente” é algo que apenas uma pessoa pode ter, tal como “minha
caneta” ou “meu pé”. Mas a realidade existe? - perguntaria
novamente o filósofo. Wittgenstein lhe diria: Você está
afirmando que a realidade é algo que pode ser identificado com
“uma pedra” ou “uma cadeira” e então você pergunta “a cadeira
existe?”. Não; a separação que você faz entre realidade e mente ou
linguagem não é real.

A linguagem é a realidade e vice-versa. Você pretende separar


algo que está ligado. Mas então, os objetos exteriores existem?
Ora, diria Wittgenstein, apenas um filósofo poderia fazer esta
pergunta, pois primeiro afirma que sabe o que é a realidade e,
depois, volta a afirmar que não sabe provar como ela existe.

Creio que você percebeu que os argumentos de Wittgenstein


não são uma resposta direta ao cético. Antes, Wittgenstein
sabiamente não aceita as perguntas que o cético faz. Mais ainda:
afirma que a certeza que o cético busca é um engodo, pois ele

186
Teoria do Conhecimento I

separa de si algo que não pode ser separado, a saber, a realidade e


o mundo.

Além disto, a busca de certeza é um ideal que impomos ao


mundo, mas não existe certeza no mundo. Primeiro aprendemos
a compreender a realidade e o mundo que nos cerca; após este
passo inicial, começamos a construir nossas dúvidas.

Isto significa que a busca por uma certeza não faz sentido, pois
o conhecimento não é uma verdade absoluta e indubitável, antes
é nossa vida que cerca este conhecimento e o faz ser tão certo
que não o podemos negar. Quando um cético pede contas da
certeza de nosso conhecimento, não conseguimos lhe fornecer
nenhuma, pois não obtivemos aquele conhecimento através de
uma investigação experimental, mas sim, através de nossas vidas.

O erro do filósofo cético ou do epistemólogo que busca a certeza


em cada conhecimento é que eles tratam o conhecimento como se
fosse algo alienado da pessoa, quando os conhecimentos existem
apenas devido às pessoas, aos seres humanos. O que nos leva a
esta separação drástica é a crença de que nosso conhecimento
deve ser construído tal como as descobertas científicas: do mais
básico para o mais complexo.

A argumentação de Wittgenstein demonstra que é o contrário.


Nossa exigência de simplicidade é um ideal que impomos
ao mundo, e não uma realidade. O filósofo cético exige uma
resposta para uma pergunta que inicia com um engano. Não
conseguimos lhe responder, por que sua pergunta não faz sentido.

Unidade 7 187
Universidade do Sul de Santa Catarina

Síntese

Nesta unidade, aprendemos que, quando exigimos que o nosso


conhecimento esteja baseado em determinadas crenças básicas,
somos corretamente denominados por Fundacionalistas. O
ponto básico do fundacionalista é que ele não deseja um círculo
vicioso de crenças que fundamentam outras crenças, num círculo
infinito. Vimos que a exigência do fundacionalista sobre as
nossas crenças básicas é exagerada. Aprendemos ainda que o
problema do Fundacionalismo não é apenas quanto à exigência
de infalibilidade das crenças básicas, mas do seu ponto de vista
empirista. Por fim, aprendemos com Wittgenstein que nossos
problemas filosóficos podem ser problemas quanto ao uso da
linguagem e que a exigência de certeza sobre nosso conhecimento
é um ideal, e não um fato.

Atividades de autoavaliação

1) O principal argumento do fundacionismo (para que aceitemos


a sua argumentação) é o argumento do regresso infinito. Os
outros dois argumentos decorrentes deste são o da probabilidade
e o da justificação. Explique o argumento da probabilidade e
responda à seguinte questão: Por qual razão é necessário que
aceitemos o argumento da probabilidade?

188
Teoria do Conhecimento I

2) A partir do conteúdo estudado nesta unidade, explique a


afirmação de C. I. Lewis: “Se nada for certo, então nem o
provável é concebível”.

Saiba mais

Para aprofundar seu conhecimento, consulte os seguintes


materiais:

„„ CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo:


Editora Ática, 1997. Nesta obra, a autora analisa
de maneira introdutória o ponto de vista quanto à
possibilidade de fundamentação do conhecimento.
„„ CHISHOLM, Roderick. Teoria do conhecimento. Rio
de Janeiro: Ed. Zahar, 1980. Neste livro, você encontrará
a fundamentação do ponto de vista fundacionalista.
„„ TEIXEIRA, João de Fernandes. Filosofia da mente e
comportamento. Petrópolis: Editora Vozes, 2000. Este
filósofo brasileiro discute aqui o problema das outras mentes.
„„ WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas.
Petrópolis: Editora Vozes, 1998. Os argumentos deste
filósofo podem ser encontrados nesta obra. Existe
também uma edição na Coleção: Os Pensadores, da
Editora Abril Cultural, de 1980.

Unidade 7 189
Para concluir o estudo
Chegamos ao final de nossa caminhada de estudo
sobre Teoria do Conhecimento. Você deve ter notado
que não apresentamos uma resposta direta para o
cético. Esta atitude pode irritar o investigador sério em
Epistemologia e Teoria do Conhecimento. Contudo
você pode notar, através do conteúdo das unidades que
estudamos, qual a atitude do cético: ele sempre pede
fundamentos das possibilidades de nossos argumentos.

Ora, a única forma de enfrentar um cético é não cair no


jogo argumentativo dele, isto é, não fornecer o tipo de
resposta que ele espera. Assim, em vez de respondermos
apontando um tipo de conhecimento que não poderia
ser posto em dúvida, nossa resposta foi tentar mostrar
ao cético que a sua dúvida só é possível depois que
aprendemos algumas coisas. Por exemplo: como você
poderá duvidar dos anéis do planeta Saturno, se você
nunca o viu em foto ou pelo telescópio? Assim, só posso
duvidar daquilo de que já tenho algum conhecimento.
Paradoxal, não?! Mas é exatamente isto que o cético
esquece.

Bem, você poderá se perguntar “Que tipo de resposta é


esta?”. Afinal não é apresentado nenhum conhecimento
que cale a dúvida do cético. Ora, esta é a questão
central, quando estudamos o conhecimento: qual critério
aplicaremos, para podermos afirmar que temos um
conhecimento fundamentado?

Segundo o cético, só é fundamentado aquele


conhecimento que não for passível de dúvida. Mas, como
vimos, parece que todos os conhecimentos são criticáveis.
Será que deveríamos abandonar nossos conhecimentos
e acompanhar o cético em suas dúvidas? Ora, claro
que isto não é necessário. Nossa atitude deve ser a de
compreender que o ceticismo que até agora estudamos
deve servir de “crítico” de nosso conhecimento, e não
tornar-se nosso inimigo.
O cético nos ajuda a fundamentar melhor o que conhecemos, a
construir de maneira mais clara nossos argumentos e afirmações
e – principalmente – nos ajuda a desconfiar de conhecimentos
que são tomados como verdades incontestáveis.

Em sua profissão, você encontrará varias situações em que a


dúvida e o questionamento são saudáveis, ainda que as pessoas
não possuam as respostas certas, ou mais adequadas. O simples
fato de pensar sobre os conhecimentos que empregam, as fontes
destes conhecimentos e os fundamentos dos mesmos já servirá de
ajuda para “conhecer” melhor e de forma mais efetiva.
Referências
AUSTIN, John L. Outras mentes. São Paulo: Abril Cultural, 1980.
(Coleção Os Pensadores).
BASTOS, Cleverson Leite Bastos; CANDIOTO, Kleber. Filosofia da
ciência. PETRÓPOLIS: Vozes, 2008.
CARNAP, Rudolf. Testabilidade e significado. Tradução Pablo
Rubem Mariconda. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Coleção Os
Pensadores).
CARNAP, Rudolf. Empirismo, semântica e ontologia. São Paulo:
Abril Cultural, 1983. (Coleção Os Pensadores).
CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Editora Ática,
1997.
CHISHOLM, Roderick. Teoria do conhecimento. Rio de Janeiro:
Ed. Zahar, 1980.
COPI, Irving. Introdução à lógica. São Paulo: Ed. Mestre Jou,
1979.
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London: Blakwell, 1985.
DELEUZE, Gilles. A filosofia crítica de Kant. Lisboa: Edições 70,
1990.
DESCARTES, René. As paixões da alma. Tradução Bento Prado
Junior. São Paulo: Nova Cultural, 1996. (Coleção Os Pensadores).
DESCARTES, René. Discurso do método. Tradução Bento Prado
Junior, São Paulo, Nova Cultural, 1996. (Coleção Os Pensadores).
DESCARTES, René. Meditações de filosofia. Tradução Bento
Prado Junior. São Paulo: Nova Cultural, 1996. (Coleção Os
Pensadores).
GRECO, John; SOSA, Ernest (orgs). Epistemologia. São Paulo:
Edições Loyola, 2007.
KANT, Emanuel. Crítica da razão pura. São Paulo: Abril Cultural,
1980.
KOYRE, Alexandre. Considerações sobre Descartes. 2. ed.
Lisboa: Presença, 1981.
MOORE, George E. Prova de um mundo exterior. São Paulo:
Abril Cultural, 1980. (Coleção Os Pensadores,).
MOORE, George. Uma defesa do senso comum. São Paulo: Abril Cultural,
1980. (Coleção Os Pensadores).
MOORE, George. Prova da existência de um mundo exterior. São Paulo,
Abril Cultural, 1980. (Coleção Os Pensadores).
NORRIS, Christopher. Epistemologia. São Paulo: Artmed Editora, 2008.
PASCAL, Georges. O pensamento de Kant. Petrópolis: Editora Vozes, 1980.
POLLOCK, John L. Contemporary theories of knowledge. New Jersey:
Rowman & Littlefield, 1986.
QUINE, W.V.O. Epistemologia naturalizada. Tradução de Andréa Loparic.
São Paulo: Abril Cultural, 1985. São Paulo: Abril Cultural, 1975. (Coleção Os
Pensadores).
STEGMULLER, Wolfgang. História da filosofia contemporânea. São Paulo:
EPU/EDUSP, 1878. (volumes 1 e 2).
SCHLICK, Moritz. Positivismo e realismo. Tradução de João Luis Baraúna.
São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Coleção Os Pensadores).
SCHLIK, Moritz. Sentido e verificação. Tradução de João Luis Baraúna. São
Paulo: Abril Cultural, 1983. (Coleção Os Pensadores)
STROUD, Barry. The significance of philosophical skepticism. Oxford:
Oxford University Press, 1984.
TEIXEIRA. João de Fernandes. Filosofia da mente e comportamento.
Petrópolis: Editora Vozes, 2000.
WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas. Petrópolis: Editora
Vozes, 1998.
Sobre os professores conteudistas
Arturo Fatturi é Licenciado em Filosofia pela
Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS),
Mestre em Filosofia pela Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC), Doutorando em Filosofia
pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
É professor das disciplinas de Filosofia, Filosofia da
Ciência e Filosofia da Educação na Universidade do
Sul de Santa Catarina (UNISUL). É tutor da disciplina
Filosofia na modalidade EAD. Também exerce o
cargo de articulador da disciplina Filosofia junto à
Gerência de Pesquisa e Extensão na UNISUL de
Tubarão. Atuou como professor substituto de Filosofia
no Departamento de Filosofia da UFSC e como Tutor
na disciplina Filosofia da Educação no Laboratório de
Ensino a Distância (LeD) da UFSC/Instituto Anísio
Teixeira, Bahia. Foi professor das disciplinas de Teoria
do Conhecimento, Lógica, Metodologia da Pesquisa
em Filosofia e Hermenêutica no Curso de Filosofia da
Fundação Universitária de Brusque (UNIFEBE) em
Brusque, Santa Catarina.
Respostas e comentários das atividades de
auto-avaliação

UNIDADE 1

1) Esta resposta é pessoal mas, o aluno poderá indicar que, ainda


que exista um embusteiro sumamente poderoso, sumamente
ardiloso, que empregue todos os seus esforços para manter
- me perpetuamente ludibriado, não pode subsistir dúvida
alguma de que existo, uma vez que ele me ludibria; e, por
mais que me engane a seu bel prazer, jamais conseguirá que
eu não exista, enquanto eu continuar pensando que sou
alguma coisa. Já, no que se refere à conclusão, o (a) aluno (a)
poderá indicar que, uma vez ponderados escrupulosamente
todos os argumentos, terá de concluir que, sempre que diz ou
concebe em seu espírito Eu sou, logo existo, esta proposição
tem de ser necessariamente verdadeira. Já a premissa no
que diz respeito ao bem e ao mal, estes termos nada indicam
de positivo nas coisas consideradas por si, nem são mais do
que modos de pensar, ou noções que formamos, a partir da
comparação de uma coisa com outra.

UNIDADE 2

1. Resposta: 1) Espera-se que o (a) aluno (a) elabore sua resposta


de maneira argumentativa, discutindo seu(s) ponto(s) de
vista. O objetivo da questão é fazer o (a) aluno (a) pensar no
argumento cético de que a investigação da verdade não tem
um fim. Logo buscar a verdade é tornar-se escravo de uma
busca que apenas traz perturbação ao espírito.
2) As verdades da razão são aquelas verdades que não
necessitam de nossas experiências sensoriais para estabelecer
sua verdade. As verdades da experiência são possíveis,
apenas, devido à capacidade humana de perceber e, portanto,
poderiam ser diferentes. Espera-se que o (a) aluno (a)
apresente seu(s) ponto(s) de vista de maneira argumentativa,
fornecendo as razões de seu raciocínio.
Universidade do Sul de Santa Catarina

UNIDADE 3
1) Exemplo de conhecimento “interno”: a ciência mostra que os objetos
do mundo são compostos de partículas unidas através de pequenos
espaços. A afirmação fala apenas de determinada característica
dos objetos. Parte do pressuposto que nós podemos conhecer os
objetos do mundo. Exemplo de conhecimento “externo”: nossa
capacidade de conhecer objetos da realidade. Aqui está em jogo todo o
conhecimento, e não uma parte específica.
2) A resposta mais correta neste caso é argumentar que Moore não
compreendeu corretamente o Ceticismo Filosófico. O cético questiona
todo conhecimento, e não apenas o conhecimento de objetos
exteriores a nós.
3) A resposta correta a esta pergunta é argumentar da seguinte forma:
a dificuldade em fornecer uma resposta ao cético consiste na
impossibilidade de fornecer um tipo de conhecimento que não seja
baseado em nossa percepção. A resposta que o cético aceitaria é a que
lhe mostra um tipo de conhecimento o qual não pudesse ser colocado
em dúvida.

UNIDADE 5

1) Ponto de vista interno: o fato de podermos conhecer objetos através de


nossa percepção. Ponto de vista externo: somos capazes de conhecer o
mundo que nos cerca.
2) Para Quine, a Epistemologia a partir de sua naturalização faz parte das
ciências naturais e, sendo assim, pode servir-se das descobertas da
Psicologia Empírica sobre nossa mente e a maneira como interagimos
com o mundo que nos cerca. Assim, segundo o argumento de Quine,
a Epistemologia não é mais a tentativa racional de construir uma
explicação sobre o nosso conhecimento, e sim um ponto de vista
científico sobre o conhecer. A Epistemologia passa a incluir em suas
explicações as descobertas empíricas sobre o cérebro humano.
3) A vantagem é que a Epistemologia passará a estudar o conhecimento
humano como se este fosse um aspecto empírico da natureza do ser
humano, e não mais como uma reconstrução racional apenas, isolada
de qualquer investigação empírica.

198
Teoria do Conhecimento

UNIDADE 6

2, 3, 4.
2. Ciências Formais: são as ciências que lidam apenas com as regras
através das quais elaboramos nossos conhecimentos. Lógica,
Matemática, Sistemas de Informação, Biblioteconomia.
Ciências Naturais: são as ciências que se utilizam do método
experimental de investigação. Seu objeto de estudo é parte
da realidade perceptível, pois apenas desta podemos realizar
experimentos. Física, Química, Ciência Cognitiva, Biologia, Psicologia
Empírica, Medicina.
3. A vantagem é que todos os conceitos utilizados nas teorias científicas
seriam definidos através de sua referência a objetos existentes na
realidade. Portanto as definições deveriam ser empíricas, e não
meramente formais. Toda teoria científica seria ligada à realidade que
estuda, pois seus conceitos conteriam esta realidade como significado.

UNIDADE 7

1) O argumento da probabilidade parte do princípio que algumas


evidências devem ser verdadeiras para que os eventos prováveis sejam
esperados. Sem evidências verdadeiras, não se pode prever o que irá
acontecer, ainda que não seja de todo certo que o previsto vá ocorrer. A
necessidade de aceitarmos o argumento da probabilidade é que nossas
previsões, para serem de todo aceitáveis, devem partir de algumas
evidências aceitas como corretas e indubitáveis.
2) O ponto de vista fundacionalista parte do princípio que apenas
poderemos obter conhecimento, se nossa investigação basear-se em
verdades primeiras que são indubitáveis. O argumento de Lewis afirma
que, se não tivermos crenças verdadeiras indubitáveis, também não
saberemos distinguir o que é, ou não, provável que ocorra, pois não
teremos conhecimentos seguros. Assim, para que a probabilidade
possa funcionar, é necessário que alguns conhecimentos sejam
indubitáveis.

199

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