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Organizadores:

Dr. Luiz Ademir de Oliveira (UFSJ/UFJF)


Dra. Carla Montuori Fernandes (UNIP)
Dr. Paulo Roberto Figueira Leal (UFJF)

Comunicação política, eleições 2018 e campanha permanente


1ª edição
2019
Copyright © 2019 Organização de Luiz Ademir de Oliveira, Carla Montuori Fernandes e Paulo Roberto Figueira Leal

A Cia do eBook apoia os direitos autorais. Eles incentivam a criatividade, promovem a liberdade de expressão e criam
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Revisão: Luiz Ademir de Oliveira


Capa e diagramação: Equipe Cia do eBook
ISBN: 978-85-5585-212-1

Comunicação política, eleições 2018 e campanha permanente / Organizadores: Luiz Ademir de Oliveira, Carla
Montuori Fernandes, Paulo Roberto Figueira Leal. –
Timburi, SP: Editora Cia do eBook, 2019.
Versão eletrônica
Vários autores
ISBN 978-85-5585-212-1
1. Didáticos
1. Título.
CDD 370

EDITORA CIA DO EBOOK


Rua Ataliba Souza Silva, 311
Timburi/SP
Website: www.ciadoebook.com.br
Dúvidas ou sugestões: sac@ciadoebook.com.br
APRESENTAÇÃO

Carla Montuori Fernandes


Luiz Ademir de Oliveira
Paulo Roberto Figueira Leal

O livro é resultado do I Simpósio Nacional de Comunicação Política, Eleições e Campanha


Permanente, realizado em parceria com os programas de Pós-Graduação em Comunicação da
Universidade Paulista (UNIP) e a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), em março de 2019. A
proposta se estrutura em artigos que buscaram ampliar o conhecimento sobre a cobertura midiática
durante o período pré-eleitoral e eleitoral nas eleições de 2018, do qual Jair Bolsonaro (PSL) saiu
vitorioso. As eleições no Brasil representam o procedimento formal de distribuição do poder de
governar, ainda que em caráter momentâneo, já que a governabilidade transcende o episódio
eleitoral. Nesse sentido, os artigos partem das eleições presidenciais de 2014 e 2018, seus
desdobramentos e as estratégias de comunicação elencadas antes e durante o período eleitoral, com o
intuito de desnudar o constante processo de midiatização da política, que no caso brasileiro se apoiou
em manobras e táticas orquestradas para a conquista e manutenção do poder.
A proposta é contribuir e ampliar a leitura sobre a relação entre comunicação, mídia e política
em contextos de disputas eleitorais. A obra está divida em cinco unidades, sendo que a Unidade 1 -
Campanha Permanente e Propaganda Política e Eleitoral conta com oito textos; a Unidade 2 -
Jornalismo Político e Eleitoral foi contemplada com dez textos; a Unidade 3 - Imagem, Opinião
Pública e Democracia possui nove textos; a Unidade 4 - Mídia, Personalismo e Lideranças
Políticas se estrutura em oito textos e a Unidade 5 - Pesquisas de Comunicação Política no
âmbito da Graduação se encerra com quatorze textos.
O livro contou com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq).

Boa leitura!
Sumário

Capa
Folha de rosto
Página de créditos
Apresentação
UNIDADE I – CAMPANHA PERMANENTE E PROPAGANDA POLÍTICA E ELEITORAL
CAPÍTULO 1 – PT em Campanha Permanente: um estudo das estratégias midiáticas do PT na PPG (2015-
2017) e no HGPE nas eleições de 2018 – Thamiris Franco Martins (UNIP), Mariane Motta de Campos (UFJF)
e Vinícius Borges Gomes (UNIP)
CAPÍTULO 2 – A representação dos vereadores juiz-foranos no Jornalismo da JFTV Câmara – Helena Amaral
(UFJF)
CAPÍTULO 3 – A Semiótica de BOLSOZEMA: um olhar sobre a apropriação estratégica das cores da
campanha de Jair Bolsonaro (PSL) e Romeu Zema (Novo) – Arthur Raposo Gomes (UFSJ) e Daniela Mendes
Ferreira de Sousa (UFSJ)
CAPÍTULO 4 – A campanha presidencial de Temer no Facebook: Um caso de campanha permanente e
retórica eleitoral nas redes sociais – Manoel Assad Espíndola (UFJF), Willian José de Carvalho (UFJF) e
Paulo Roberto Figueira Leal (UFJF)
CAPÍTULO 5 – Mulheres em campanhas presidenciais brasileiras: a hipótese do capital emotivo – Joyce
Miranda Leão Martins (PUC-SP)
CAPÍTULO 6 – Estratégias Eleitorais nas Redes Sociais: Um estudo das campanhas dos candidatos à
Presidência da República no segundo turno no Twitter – Luiz Ademir de Oliveira (UFSJ/UFJF), Mayra Regina
Coimbra (UFJF) e Lucas de Almeida Santos (UFJF)
CAPÍTULO 7 – A disputa eleitoral nas redes sociais: Uma análise das estratégias dos candidatos à
Presidência da República em 2018 no Facebook e no Twitter – Mayra Regina Coimbra (UFJF), Mariane
Motta de Campos (UFJF) e Ana Resende Quadros (UFJF)
CAPÍTULO 8 – Guerra Híbrida Brasileira: a campanha presidencial de Bolsonaro – Júlio Cesar Lemes de
Castro (Universidade de Sorocaba)

UNIDADE 2 – JORNALISMO POLÍTICO E ELEITORAL


CAPÍTULO 9 – Crise Política: Um Estudo Comparativo do enquadramento noticioso dado pelo jornal Folha
de S. Paulo aos governos Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB) – Mariane Motta de Campos (UFJF),
Mayra Regina Coimbra (UFJF) e Luiz Ademir de Oliveira (UFSJ/UFJF)
CAPÍTULO 10 – A mídia entre o quarto e o quinto poder/Estado: análise do segundo turno das eleições
presidenciais de 2018 – Gustavo Pereira (UFJF), Iluska Coutinho (UFJF) e Luiz Felipe Falcão (UFJF)
CAPÍTULO 11 – Aécio Neves: da oligarquia eletrônica à (des) construção nas mídias digitais – Willian José
de Carvalho (UFJF), Manoel Assad Espíndola (UFJF) e Deborah Luísa Vieira dos Santos (UFJF)
CAPÍTULO 12 – Jornal Nacional e o ex-presidente Lula (PT): marcas discursivas da agenda política-eleitoral
do telejornal de 2018 – Fernando Albino Leme (UNIP)
CAPÍTULO 13 – Jornalismo de Dados em Tempos de Indústria 4.0: Potencialidades para aplicação no
jornalismo político e na defesa da democracia – Najla Passos (UFSJ), João Barreto da Fonseca (UFSJ) e Alícia
Antonioli (UFSJ)
CAPÍTULO 14 – Comunicação e Política em dois tempos: análise da cobertura da Folha de S. Paulo das
marchas de 1964 e 2015 – Talita Lucarelli Moreira (UNIP)
CAPÍTULO 15 – Os marginalizados e a política: análise de candidatas mulheres nas eleições 2018 – Aurora
Almeida de Miranda Leão (UFJF), Caroline Marino Pereira (UFJF), Laryssa Gabriele Moreira do Padro
(UFJF), Vitor Pereira de Almeida (UFJF) e Márcio de Oliveira Guerra (UFJF)
CAPÍTULO 16 – Os marginalizados e a política: análise dos candidatos gays nas eleições 2018 – Vitor Pereira
de Almeida (UFJF), Laryssa Gabriele Moreira do Prado, Aurora Almeida de Miranda Leão (UFJF) e Márcio
de Oliveira Guerra (UFJF).
CAPÍTULO 17 – E a Comunicação Pública, candidato??? Jornalismo nas mídias sociais digitais nas eleições
2018 – Luiz Felipe Novais Falcão (UFJF) e Gustavo Teixeira (UFJF)
CAPÍTULO 18 – Em Foco: Cárcere e Educação – O discurso televisivo de Bolsonaro – Carla Ramalho
Procópio (UFJF), Simone Martins (UFJF) e Iluska Coutinho (UFJF)

UNIDADE 3 – IMAGEM, OPINIÃO PÚBLICA E DEMOCRACIA


CAPÍTULO 19 – O jornalismo no combate à invisibilidade: a transformação social na reportagem de Eliane
Brum – Ana Resende Quadros (UFJF) e Luiz Ademir de Oliveira (UFSJ/UFJF)
CAPÍTULO 20 – Meu Partido é um Audiovisual Re-Partido: Uma análise sobre as representações do Projeto
“Escola Sem Partido” no Jornal Nacional – Simone Martins (UFJF)
CAPÍTULO 21 – Ficção e Realidade: Fundamentalismos e Política – O Conto da Aia no país da ministra
Damares Alves – Vanessa Maia Barbosa de Paiva (UFSJ), João Barreto da Fonseca (UFSJ) e Mayara Resende
(UFSJ)
CAPÍTULO 22 – O que resta é o silêncio: a relação da imprensa juiz-forana com as formas clandestinas de
informação na vigência da ditadura civil-militar de 1964 – Ramsés Albertoni Barbosa (UFJF) e Christina
Ferraz Musse (UFJF)
CAPÍTULO 23 – Eurovision Song Contest em Tempos de Guerra: o uso político do Concurso no conflito
Rússia-Ucrânia – Ricardo Matos de Araújo Rios (UFJF/UNIPAC)
CAPÍTULO 24 – Enquadramento da mídia: Greve Geral de 28 de abril de 2017 no cenário da Reforma
Trabalhista – Carla Reis Longhi (UNIP) e Raquel Moreira Nunes (UNIP)
CAPÍTULO 25 – Meninos vestem azul e meninas vestem rosa: uma análise do impacto do conservadorismo
nas políticas públicas – Alessandra Medeiros (UNIFAI) e Valmir Mendes dos Santos Júnior (UNIFAI)
CAPÍTULO 26 – A relação Humor e Política no Brasil: um breve relato histórico (1808-2016) – Patrícia
Cristina de Lima (UNIP) e Carla Montuori Fernandes (UNIP)

UNIDADE 4 – MÍDIA, PERSONALISMO E LIDERANÇAS POLÍTICAS


CAPÍTULO 27 – A inserção das redes sociais nas campanhas eleitorais: um estudo de caso das fanpages dos
principais candidatos ao governo de Minas em 2018 – Deborah Luísa Vieira dos Santos (UFJF), Luiz Ademir
de Oliveira (UFSJ/UFJF) e Vinícius Borges Gomes (UNIP)
CAPÍTULO 28 – Entre o antipetismo e a “terceira via”: estratégias discursivas do PSDB na eleição de 2018 –
Mércia Alves (UFSCAR) e Joyce Miranda Leão Martins (PUC-SP)
CAPÍTULO 29 – Engajamento político e “crise democrática”: o perfil dos eleitores brasileiros após as redes
sociais – Carol Fontenelle (UERJ) e Conceição Aparecida Nascimento de Souza (UERJ)
CAPÍTULO 30 – #BOLSODORIA: Uma análise semiótica da construção do ethos político de Dória sobre o
seu apoio a Bolsonaro – Natália Silva Giarola de Resende (UFMG) e Waldineia Stefane Ferreira de Oliveira
Costa (PUC-MG)
CAPÍTULO 31 – A midiatização da política diante das catástrofes anunciadas pela mineração – Viviane
Amélia Ribeiro Cardoso (UFJF) e Paulo Roberto Figueira Leal (UFJF)
CAPÍTULO 32 – O mito Bolsonaro: a busca de um herói para o Brasil, com traços de personalização e
espetacularização – Lúcia Dias (UNIP) e Eduardo Matidios (UNIP)
CAPÍTULO 33 – Análise das estratégias midiáticas do candidato à reeleição Bruno Siqueira, nas eleições
municipais de Juiz de Fora em 2016 – Vanilda Gomes Cantarino de Magalhães (UFJF)
CAPÍTULO 34 – Comunicação Partidária na ambiência digital: estudo de caso da Fanpage do Partido dos
Trabalhadores (PT) – Vinícius Borges Gomes (UNIP), Carla Montuori Fernandes (UNIP) e Thamiris Franco
Martins (UNIP)

UNIDADE 5 – PESQUISAS DE COMUNICAÇÃO POLÍTICA NO ÂMBITO DA GRADUAÇÃO


CAPÍTULO 35 – Mídia e Eleições 2018: uma análise das estratégias midiáticas dos candidatos ao governo de
Minas Gerais nas redes sociais – Fernanda Mayumi Palmieri Nakashima (UFSJ) e Luiz Ademir de Oliveira
(UFSJ/UFJF)
CAPÍTULO 36 – Marina Silva: a falta de estratégias de campanha permanente e a liderança em declínio –
Camila Sottani (UFSJ), Emerson William (UFSJ), Karen Lino (UFSJ) e Marcela Souza (UFSJ)
CAPÍTULO 37 – Mídia e Eleições em Minas Gerais: Estratégias aplicadas pelos candidatos de melhor
desempenho ao governo de Minas no Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE) – Iuri Fontora
Almeida (UFSJ) e Deborah Luísa Vieira dos Santos (UFJF)
CAPÍTULO 38 – Redes sociais e governo de transição: Uma análise dos anúncios de ministérios feitos pelo
Twitter de @JairBolsonaro – Iolanda Pedrosa Borges da Silva (UFSJ) e Vinícius Pereira dos Santos (UFSJ)
CAPÍTULO 39 – Imagens e editoriais: estratégias opinativas dos jornais em período eleitoral – Elisabetta
Mazocoli de Paula Costa (UFJF)
CAPÍTULO 40 – Marielle é Semente: o uso da imagem de Marielle Franco (SPL) na campanha de candidatas
negras nas eleições de 2018 – Luciana Ribeiro Petersen (UFSJ)
CAPÍTULO 41 – O Movimento Feminista e a entrada dos afetos no campo político na esfera pública ampliada
do ciberespaço – Daniela Mendes Ferreira de Sousa (UFSJ) e Arthur Raposo Gomes (UFSJ)
CAPÍTULO 42 – Política, Rede Social e Família: Uma análise do perfil de Jair Bolsonaro e de seu filho Carlos
Bolsonaro no Twitter – Vinicius Pereira dos Santos (UFSJ) e Iolanda Pedrosa Borges da Silva (UFSJ)
CAPÍTULO 43 – Mídia, poder e opinião pública: a migração de jornalistas dos veículos tradicionais para o
Youtube – uma análise do Painel WW – Rachel dos Santos Silva (UFSJ) e Luciene Fátima Tófoli (UFSJ)
CAPÍTULO 44 – O episódio “Golden Shower” e a cobertura da Folha de S. Paulo sobre o governo Bolsonaro
(PSL): disputas de sentido e de poder – Rafael Augusto da Silveira (UFSJ), Willian José de Carvalho (UFSJ) e
Kellen Lanna Ferreira dos Reis (UFSJ)
CAPÍTULO 45 – Sistemas e Políticas de Comunicação sob um viés regional: um estudo dos grupos de mídia
no Campo das Vertentes em Minas Gerais – Iuri Fontora Almeida (UFSJ), Carla Aparecida Marques Santos
(UFSJ) e Lucas de Almeida Santos (UFSJ)
CAPÍTULO 46 – Ocupações Secundaristas do Estado de São Paulo em 2015: o uso estratégico das mídias
alternativas digitais – Lucas Hideo Nakayama (UFSJ)
CAPÍTULO 47 – City Branding como estratégia comunicacional permanente: a marca de Santa Bárbara do
Tugúrio (MG) – Eduarda Caroline da Fonseca Silva (UNIPAC), Gabriel Lopes de Andrade (UNIPAC), Higor
Gilberto Rodrigues (UNIPAC), Márcio Ribeiro Ferreira Rosa (UNIPAC), Tamiris Ribeiro Campos (UNIPAC) e
Ricardo Matos de Araújo Rios (UNIPAC/UFJF)
CAPÍTULO 48 – Potencializando campanhas através de City Branding: desenvolvendo a Marca de Alfredo
Vasconcelos – Maikon Nunes da Costa Silva (UNIPAC), Enir Cimino Andrade Júnior (UNIPAC) e Ricardo
Matos de Araújo Rios (UNIPAC/UFJF).

Informações sobre os próximos lançamentos


UNIDADE I – CAMPANHA PERMANENTE E PROPAGANDA POLÍTICA E
ELEITORAL
CAPÍTULO 1

PT EM CAMPANHA PERMANENTE:
um estudo das estratégias midiáticas do PT na PPG (2015-2017) e no HGPE
das eleições de 20181

Thamiris Franco Martins2


Mariane Motta de Campos3
Vinícius Borges Gomes4

1. Considerações Iniciais

Ao analisar a democracia brasileira, Santos (1993) afirma que o país se estruturou a partir de
uma institucionalização precária, já que as regras mudam facilmente e de acordo com os interesses
dos grupos dominantes. Além disso, o processo democrático brasileiro passou por vários momentos de
ruptura, como os golpes militares em 1937 e 1964. Em 1985, iniciou-se finalmente o processo de
consolidação democrática e o fato de termos chegado à sétima eleição presidencial parecia indicar o
fortalecimento da democracia, porém a política brasileira ainda sobre interferências de grupo
dominantes e de interesses dos mesmos.
O presente artigo pretende analisar as estratégias de comunicação do Partido dos Trabalhadores
diante da crise política e um movimento antipetista que exerceu grande influência nas eleições de
2018. Dessa forma, pretende-se analisar o Programa Partidário Gratuito e os programas que
apareceram no Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral a fim de compreender quais recursos o
partido usou diante do contexto e se houve convergência entre os programas antes das eleições, com
os programas realizados durante as eleições.
A relação entre mídia e política acontece, ininterruptamente, uma vez que nas democracias
liberais o poder deve ser conquistado, diariamente, assim, pode-se afirmar que, nas disputas políticas,
os discursos já começam a ser construídos e desconstruídos antes do período eleitoral por meio de
diferentes meios. Chama-se esse processo de campanha permanente (LILLEKER, 2007). Alex
Marland, Anna Esselment e Thierry Giasson (2017) explicam que os partidos políticos estão
envolvidos em constante campanha permanente – uma competitividade ininterrupta para vencer o
ataque da mídia, os adversários, levantar fundos, persuadir a opinião pública, promover uma agenda,
mantendo e conquistando o apoio eleitoral. A campanha permanente tornou-se norma para os
partidos políticos que acabaram de vencer uma eleição possam dar continuidade as propostas. Mesmo
que ocupem uma posição secundária, em cenários de crise de representação no Brasil, ainda são
atores importantes, principalmente, para se garantir a governabilidade. No caso brasileiro, observa-se
um processo inverso – a emergência de líderes personalistas tentando se enquadrar como outsiders
são mobilizadores e agregadores de alguns partidos políticos, como ocorreu com Jair Bolsonaro (PSL),
que elegeu uma bancada de 52 deputados, senadores e governadores.
Nesse contexto de transição entre os modelos de representação e as formas de propaganda
eleitoral, o artigo analisa as estratégias adotadas pelo Partido dos Trabalhadores (PT) ao longo dos
quatro últimos anos. Toma-se como objeto de análise a Propaganda Partidária Gratuita, de 2015, 2016
e 2017 (foi extinta em 2018 – totalizando, portanto, 05 peças, já que em 2016 por ser ano eleitoral foi
exibida somente uma inserção) e os programas do Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE)
na eleição de 2018 do candidato Fernando Haddad (PT). Parte-se da hipótese de que, apesar do
crescimento da internet, as limitações da Propaganda Eleitoral e também, o fim da Propaganda
Partidária, a mídia massiva (televisão) ainda foi utilizada como espaço de campanha permanente.
Nesse contexto, Alex Marland, Anna Esselment e Thierry Giasson (2017) enfatizam que os
regulamentos eleitorais têm uma influência profunda na forma como a campanha permanente é
realizada. Essas regras moldam as atividades durante a campanha oficial, portanto, elas influenciam
como essas campanhas acontecem. Como metodologia, será utilizada a Análise de Conteúdo (BARDIN,
2011).

2. A centralidade da mídia para a política

Ao tratar da interface mídia e política, é imprescindível tratar da centralidade da mídia para a


política. Segundo Lima (2006), a política nos regimes democráticos é uma atividade eminente pública
e visível, mas a mídia passa a alterar o regime de funcionamento dos campos sociais. Bourdieu (1997)
analisa a relação entre os campos simbólicos. O campo, para o autor, é um espaço de disputa entre
dominantes e dominados. E isso se dá tanto para o campo da política, como para o campo midiático. O
autor destaca que cada vez mais a geração de capital político depende da visibilidade na mídia,
significando uma perda de autonomia para o campo político.
O campo midiático pode ser entendido também a partir da contribuição de Rodrigues (1990), que
é visto pelo autor como um campo de mediação social. A atuação das mídias na sociedade envolve a
publicização de informações, a tematização de agendas, a construção de cenários, enfim ações que
garantem a existência pública de um acontecimento. O campo das mídias detém então as modalidades
de acesso, presença, circulação e permanência das diversas entidades na dimensão pública, o que
conduz a realidade hoje ser confundida cada vez mais com aquilo que é midiatizado. Segundo
Rodrigues, o campo da comunicação autonomiza-se a partir da emergência da modernidade e passa a
ocupar o espaço de centralidade na vida social. A instância comunicativa mediática avoca a tarefa de
servir de mediação dos campos sociais, onde estes buscam visibilidade e transparência, como tem
feito o campo da política.
Segundo Miguel (2003), a visibilidade nos meios de comunicação é importante para o
reconhecimento público, ou seja, para o crescimento na carreira política, deve-se ter essa visibilidade,
que é alterada ou reafirmada pelos meios de comunicação. Miguel afirma que a mídia interfere na
estruturação da carreira política já que influencia na produção de capital político. O autor nomeia
essa relação complexa entre mídia e política como “simbiose tensionada”.
Diante dessa relação de simbiose é importante considerar como se dá a construção da imagem
de um candidato, que precisa manter sua visibilidade diante da centralidade da mídia, sobretudo com
o advento da internet. Para tanto é importante considerar que o Programa Partidário Gratuito (PPG) e
o Horário Gratuito de Propaganda (HGPE) são importantes ferramentas, não só para o candidato que
busca a eleição, mas também como forma de prestar contas a sociedade visando futuros pleitos.

3. Campanha Permanente: a Propaganda Partidária Gratuita (PPG) e Horário Gratuito de


Propaganda Eleitoral (HGPE)

Num ambiente complexo e de virtual ubiquidade comunicacional, a relação entre mídia e política
acontece, ininterruptamente, uma vez que nas democracias liberais o poder deve ser conquistado,
diariamente, e isso se faz por meio da construção e da difusão de imagens públicas dos atores
políticos. Assim, pode-se afirmar que, nas disputas políticas, os discursos já começam a ser
construídos e desconstruídos antes do período eleitoral. Chama-se este processo de campanha
permanente (LILLEKER, 2007; BLUMENTHAL, 1980). O conceito de campanha permanente, de
acordo com Lilleker (2007), refere-se ao uso dos recursos disponíveis no trabalho por parte dos
indivíduos e organizações eleitas – governos, partido do governo, membros do parlamento,
congressistas ou outros representantes – a fim de se constituir e manter o apoio popular.
Figueiredo et al (1998) afirmam que os discursos utilizados na campanha são de ordem ficcional.
Segundo os autores, os candidatos de um mesmo grupo político do governo atual defendem que o
mundo está bom e pode ficar ainda melhor se permanecer o mesmo grupo no poder. Já a oposição
alega que o mundo atual está ruim e só irá melhorar se houver uma mudança de grupo político.
Blumenthal (1980), citado por Galicia (2010), aponta para algumas características da campanha
permanente: (1) os políticos que desejam manter e aumentar a imagem pública recorrem aos
consultores políticos; (2) a sistematização da informação tornou-se um recurso para medir o nível de
aceitação ou rejeição da opinião pública; (3) a comunicação permanente tornou-se uma prática da era
moderna devido às limitações das legislações eleitorais; (4) governar torna-se uma campanha
permanente, como um importante instrumento para sustentar a popularidade.
Heclo (2000) é outro importante autor que discute a campanha permanente. Segundo ele, a
campanha permanente, como combinação de imagem e cálculo estratégico, vai transformar o governo
em uma perpétua campanha. Dessa forma, o governo se refaz em um instrumento designado para
sustentar a popularidade oficial de um eleito, visando a conquistas de novos cargos. Diante disso, de
acordo com o autor, as eleições seriam apenas parte do processo, em que o foco é tipicamente
centrado em personalidades e no público de massa.
Noguera (2001) aponta para o fortalecimento dos meios de comunicação e a consequente
midiatização da sociedade como agentes transformadores nas relações entre governos e sociedades.
Os fluxos comunicativos substituem velhas estruturas hierárquicas e fazem com que os governantes
estabeleçam uma comunicação constante com o público, abandonando ações autoritárias. Por isso,
Noguera afirma que o marketing político utiliza três situações diferentes: o marketing de campanha, o
marketing de governo e o marketing de oposição. As diferentes formas de marketing político tendem
a confluir-se e desenvolver-se de forma simultânea.
A simbiose entre os campos midiático e político, bem como o processo de espetacularização
contribuem para um novo olhar sobre o que se pode chamar de campanha permanente. A mídia, na
visão de Heclo (2000), também contribui para a percepção de um estado de permanente disputa. A
imprensa desmistifica determinadas ações e desvela os reais significados de ações políticas,
historicamente sempre voltadas à disputa pelo poder. Porém, essas disputas saem dos bastidores e
ganham palco e voz nos meios de comunicação como forma de espetáculo. O ambiente midiatizado
potencializa o processo da espetacularização na medida em que, através das redes, a sociedade passa
a se expor mais, bem como atores midiáticos e políticos.
Outra questão importante nas eleições refere-se à propaganda negativa. De acordo com Borba
(2015), as campanhas eleitorais são fundamentais no processo democrático por ser um momento
privilegiado entre os cidadãos e a política. Segundo o autor, em uma disputa eleitoral os candidatos
seguem dois cursos: (1) enaltecer suas próprias qualidades; (2) ressaltar as características negativas
de seus adversários.
Ao fazer uso da Campanha Permanente, um dos mecanismos utilizados pelos atores políticos é o
uso da televisão, consequentemente da Propaganda Política que se efetivava, por exemplo, por meio
da Propaganda Partidária e se efetiva ainda, por meio do Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral
(HGPE). O Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral, no 1º turno teve início no dia 31 de agosto e
prosseguiu até dia 4 de outubro, totalizando 35 dias. O tempo total foi de 12 minutos e 30 segundos, a
coligação “O Brasil Feliz de novo” (PT, PC do B e PROS) contou com 2 minutos e 23 segundos. Já no
segundo turno teve início dia 12 de outubro e foi até 26 de outubro, um tempo total de 10 minutos,
distribuídos igualitariamente entre Fernando Haddad e Jair Bolsonaro. No primeiro turno a eleição
ocorreu 7 de outubro de 2018, já no segundo turno, 28 de outubro. Ficou proibido a veiculação de
propaganda que possa degradar ou ridicularizar candidatos.

4. Estudo de caso: análise da Propaganda Partidária Gratuita (PPG) do PT – 2015 a 2017 e


do HGPE do PT na eleição de 2018

4.1 Metodologia e Corpus de análise

No trabalho, optou-se por utilizar a Análise de Conteúdo. Parte-se da compreensão de Bardin


(2011), que compreende a análise de conteúdo como um método que aplica tanto técnicas
quantitativas como qualitativas e visa a obter por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição
do conteúdo das mensagens, indicadores que permitam ao pesquisador fazer inferências sobre o
objeto investigado. Como corpus de análise, foram coletados os programas de televisão da
Propaganda Partidária Gratuita (PPG) do Partido dos Trabalhadores que foi ao ar em no primeiro e
segundo semestre 2015, no primeiro semestre 2016 e no primeiro e segundo semestre de 2017. Serão
analisados os programas veiculados nas seguintes datas: 05 de maio de 2015, 06 de agosto de 2015,
23 de fevereiro de 2016, 11 de abril de 2017 e 12 de outubro de 2017. Também serão analisados o
Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral da eleição de 2018 do PT no 1º e no 2º turno.
Para realizar a análise, são observadas as seguintes categorias: a) construção da imagem do
partido; b) ataque aos adversários; c) principais temáticas discutidas; d) construção da imagem do
país; e) personagens. Parte-se do pressuposto de que, apesar da legislação prever um espaço
destinado aos partidos, no período analisado, a Propaganda Partidária foi utilizada como um espaço
de antecipação das campanhas eleitorais, portanto que há uma convergência das estratégias do PT na
PPG e no HGPE.

4.2 Análise de conteúdo

4.2.1 Imagem do Partido

A propaganda partidária é um espaço destinado aos partidos políticos, ou seja, à construção da


imagem do partido. É importante para reforçar a ideologia partidária. Mesmo com pesquisas recentes
que apontam uma rejeição muito grande aos partidos políticos, em função da corrupção e da crise
política e econômica, observa-se que há uma polarização que gira muito em torno dos que se
colocaram contra ou a favor do PT, dos que se colocam em posições de direita ou de esquerda,
revelando que o caráter ideológico ainda é uma variável importante para entender a política
brasileira. Pesquisas apontam o PT como o partido favorito entre os eleitores, mas também com os
maiores índices de rejeição, chegando a ter a preferência de 29% dos entrevistados segundo Ibope em
2018.5
Na construção da imagem do partido, os programas do PT destacaram a memória histórica do
Partido dos Trabalhadores, mostrando que a principal marca do PT foi a conquista de uma vida
melhor para os brasileiros, por exemplo: a geração de empregos, aumento do salário mínimo, criação
de créditos e investimento em educação. Como marca do PT, os programas evidenciaram que o
Partido dos Trabalhadores sempre lutou por um país mais forte, justo, pelos mais pobres e pelo direito
dos trabalhadores. “O PT nasceu para mudar o Brasil. E mudar o Brasil é garantir os direitos e a
dignidade de quem constrói a grandeza desse país”. (Propaganda Partidária, PT, 5 de maio de 2015).
Para construir a imagem do partido, o programa do dia 5 de maio abordou que o PT foi o partido que
liderou as mais importantes iniciativas contra a corrupção, colocou os negros nas universidades e deu
aos pobres melhores oportunidades.
No programa do dia 6 de agosto de 2015, o narrador em off destacou que em 2015 começou uma
onda de panelaço no Brasil contra o PT e o governo Dilma. No entanto, o programa argumentou que o
Partido dos Trabalhadores foi o partido que ‘mais encheu a panela dos brasileiros’. O programa
reconheceu o desgaste do partido, mas destaco que o mesmo tem como prioridade o diálogo: ouvir,
corrigir e melhorar. “Com as panelas, vamos continuar fazendo o que a gente mais sabe: enche-las de
comida e esperança. Esse é o panelaço que gostamos de fazer pelo Brasil” (Propaganda Partidária, PT,
6 de agosto de 2015).
Já em 2016, no programa transmitido no dia 23 de fevereiro, momento em que os trâmites do
impeachment contra Dilma Rousseff já tinham iniciado, o programa reforçou que o PT tem como luta
histórica mudar o Brasil, olhando para os pobres e investindo em programas sociais. Um
questionamento levantado pelo apresentador era porque tanto ódio e intolerância contra um partido
em um momento de crise, em que a união seria necessária. “Erros se corrigem, dificuldades passam,
o povo sabe disso, quem já viu o Brasil superar momentos muito piores sabe olhar o presente com
coragem e o futuro com mais esperanças” (Propaganda Partidária, PT, 23 de fevereiro de 2016). Outro
destaque do programa é que, apesar da crise que afeta o país, o partido tem trabalhado para o Brasil
voltar a crescer, sem recuar nos direitos e na renda dos trabalhadores. Novamente, a marca do
partido foi evidenciada: “país mais forte, é um país mais justo, essa sempre foi e será a marca do PT”
(Propaganda Partidária, PT, 23 de fevereiro de 2016).
Em 2017, no programa veiculado no dia 11 de abril, Lula apareceu como personagem para
reforçar a memória histórica do Partido dos Trabalhadores. Lula falou que o partido começou com o
movimento sindical, que a criação do partido foi para que a política do Brasil deixasse de ser feita só
para atender os interesses dos mais privilegiados economicamente. Também, que ao contrário do
PSDB, o PT sempre lutou pelos mais pobres, pelos direitos dos trabalhadores e por todos, não apenas
por uma minoria. Por fim, Lula reforçou que o PT estava sempre do lado do povo, a fim de construir
um país melhor para todos.
Já no segundo programa de 2017 (12 de outubro), a propaganda partidária reforçou que foi,
durante os governos do PT, que o país cresceu e houve mais investimentos em políticas sociais. “Mais
de 13 milhões de famílias foram atendidas pelo bolsa família, milhões de pessoas foram beneficiadas
com o apoio à agricultura familiar e o Luz para Todos. Foram criados o SAMU 192, Mais Médicos (...)”
(Propaganda Partidária, PT, 10 de outubro de 2017).
Nos programas do Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE), pode-se destacar uma
confluência com a Propaganda Partidária. No programa do dia 20 de setembro, Lula destacou a
conquista do PT em 12 anos, mostrando que foi o partido que mais fez escolas técnicas e que colocou
mais jovens na universidade. No programa do dia 27 de setembro, Haddad evidenciou que a vida do
povo brasileiro melhorou com o PT no poder. Segundo Haddad, 36 milhões de pessoas saíram da
miséria, 20 milhões de empregos foram criados, e o Brasil chegou a ser o país mais otimista do
mundo, sendo 12 anos de prosperidade.
Ainda no segundo turno das eleições, apesar do PT ter buscado se distanciar um pouco mais da
figura do ex-presidente Lula, observa-se que o partido tentou buscar em diversos momentos uma
imagem positiva para si ao falar dos governos petistas, incluindo o governo Lula. No programa do dia
13 de outubro, Lula destacou os investimentos na educação em seu governo e ainda reforçou “a
capacidade de Haddad” enquanto Ministro da Educação. A imagem trazida de Haddad também foi
sempre positiva, buscando destacar sua trajetória como professor e político. No programa do dia 12
de outubro, foi enfatizada a trajetória de Haddad, também a fim de apresentá-lo como uma opção no
segundo turno. O narrador destacou sua formação e sua profissão: professor universitário. E reforçou
os programas trazidos por Haddad, durante o governo Lula, como o FIES e o PROUNI.
No programa do dia 16 de outubro, o narrador deu destaque ao período em que o PT governou.
Enfatizou que apesar dos erros cometidos pelo partido, foi um período de oportunidades para todos,
em que o Brasil saltou de décima terceira para sexta maior economia mundial. No programa do dia 23
de outubro, mais uma vez, Haddad enfatizou as realizações dos governos petistas.

4.2.2 Construção da imagem do país

Os programas destacaram o crescimento do Brasil, evidenciando que o Brasil se tornou mais


desenvolvido, mais justo, com mais oportunidades e direito para todos. Por meio dos personagens, foi
mostrado que, apesar da crise econômica, com os governos Lula e Dilma a fome, a miséria diminuiu e
as oportunidades aumentaram.
Para legitimar que o Brasil desenvolveu, em 2015, os programas mostraram que, apesar da crise
e passando a arrecadar menos impostos entre 2011 e 2014, o governo continuou investindo em
programas para os brasileiros. Para mostrar a accountability, que, segundo Duarte (2014), significa
prestar contas – ou seja, quem desempenha funções de importância na sociedade deve regularmente
explicar o que anda a fazer, como faz, porque faz, quanto gasta e o que vai fazer a seguir, os
programas utilizaram de dados.
Os programas de 2015 destacaram investimentos do governo: “90,6 bilhões no Bolsa Família,
42,6% milhões em medicamentos gratuitos, 2,3 bilhões no Mais Médicos, 89,4 bilhões no minha Casa
Minha Vida, 27,5 bilhões no FIES e mais 1 trilhão em infraestrutura” (Propaganda Partidária, PT, 6 de
agosto de 2015).
Como explica Figueiredo et al (1998), discursos utilizados na campanha são de ordem ficcional.
Segundo os autores, o governo atual defende que o mundo está bom e pode ficar ainda melhor se
permanecer no poder. Por isso, o programa de 2015 mostrou que com Dilma houve recordes na
exportação, no financiamento da casa própria, no número de trabalhadores com carteira, aumento de
salário, aumento na produção do campo, diminuição da pobreza e das taxas de desemprego. “Juntos
criamos um novo Brasil, vencemos a fome e a miséria, elevamos a renda de milhões, fizemos
mudanças esperadas há décadas, o país que chegou onde chegamos tem tudo para superar qualquer
crise na economia, basta acreditar” (Propaganda Partidária, PT, 6 de agosto de 2015).
Em 2016, Lula apareceu para reforçar a construção da imagem do país e destacou que 36
milhões saíram da pobreza, investiu em agronegócio, mostrou que o Brasil estava entre as 10 maiores
economias do mundo e possui a matriz energética mais limpa. Em 2017, novamente, os personagens
destacaram que o governo de Lula e Dilma investiram em programas sociais, já citados
anteriormente.
No entanto, com o impeachment de Dilma Rousseff e os desdobramentos da conjuntura, o PT
virou oposição do governo Temer e então passou a desconstruir a imagem do país. Lula destacou que
com o governo Temer aprovaram uma terceirização que tiram os direitos dos trabalhadores, querem
dificultar a aposentadoria, dificultar as verbas para educação e saúde e ameaçam os programas
sociais. Para mostrar que o país está ruim, Lula usa manchetes de jornais, por exemplo: “Desemprego
atinge patamar recorde de 13,5 milhões de pessoas”; “Em áudio, Temer fala em pacto para barrar a
investigação da Lava Jato”.

Narrador em off: os derrotados na eleição aproveitaram para espalhar pessimismo e ódio contra Lula e o
PT. Sabotaram o governo Dilma com chantagens e pauta-bomba e tiraram do poder uma presidenta honesta
eleita pelo voto popular. Hoje todos sabem: quem mais perdeu com o golpe não foi o PT, fora os brasileiros.
Em pouco tempo já vivemos um enorme retrocesso. O desemprego já atinge mais de 13 milhões de
trabalhadores e o Brasil voltou ao mapa da fome. O governo Temer congelou por 20 anos os gastos com
saúde e educação. Está acabando com o Mais Médicos, as Farmácias Populares e o Ciências Sem
Fronteiras. Cortou verba da cultura, das universidades e ameaça a aposentadoria, os direitos do
trabalhador e a soberania nacional [...] (Propaganda Partidária, PT, 12 de outubro de 2017).

No Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral, para construir a imagem do país, Haddad, ao


visitar o Nordeste, o programa do dia 15 de setembro enfatizou que, na região, Lula realizou um
grande trabalho humanitário, com ações de oportunidades para milhões de pessoas saírem da
miséria, da fome e da sede. Lula mostrou que na educação foi o governo que mais investiu,
construindo 214 escolas técnicas e levando universidade para 126 munícipios.
Como Temer assumiu o poder, os ataques ao governo Temer a oposição– desconstruindo a
imagem do país foi recorrente. Por exemplo, no programa do dia 27 de setembro, Haddad destacou
que “eles” deram um golpe na democracia, congelando os investimentos em segurança, saúde e
educação, aprovaram a terceirização e já avisaram que mexeriam na aposentadoria. Para o país voltar
a crescer, o PT deveria ganhar a eleição. No segundo turno, os programas também mostraram um
Brasil fragilizado diante das medidas tomadas pelo governo de Michel Temer e destacou em diversos
momentos o Brasil dos governos petistas, um país otimista diante de uma economia consolidada.
O programa do dia 25 de outubro trouxe poesias em formato de Hip Hop, Cordel e Baião, dando
destaque ao nordeste e a periferia do Brasil. Ao cantar os personagens narravam a vida do Nordeste e
da periferia, destacando as políticas sociais dos governos Lula e Dilma. No programa do dia 23 de
outubro, mais uma vez, recorre-se ao Nordeste com intuito de se construir uma imagem do Brasil.
Haddad destacou que Lula realizou na região o verdadeiro trabalho humanitário.

4.2.3 Temáticas abordadas

Noguera (2001) explica que na campanha permanente é correto seguir com os mesmos temas,
mantendo a comunicação estratégica com domínio da agenda. Heclo (2000) argumenta que a
persuasão é uma característica fundamental na campanha permanente, ou seja, deve-se falar para
vencer. A palavra-chave aqui é reforço, ou seja, quanto mais discurso mais dados, mais possibilidades
de persuasão são projetadas aos espectadores, que na eleição futura, serão eleitores.
Em 2015, as temáticas que apareceram foram relacionadas à economia, educação, políticas
sociais, saúde, infraestrutura, corrupção, mulher e crise política. Na economia, o programa criticou a
proposta de terceirização que tramitava no Congresso. Por outro lado, reconheceu que, apesar da
crise econômica que afetava o mundo, o Brasil era um país que continuava crescendo favorecendo os
mais pobres e que a crise era passageira.
Em 2017, apareceram as temáticas: programas sociais, mulheres e agricultura. Nos programas
sociais, a propaganda mostrou investimentos no Prouni, Minha Casa, Minha Vida, Prouni, FIES,
Farmácia Popular, Luz para Todos, Bolsa Família. Em relação às mulheres, o programa destacou que
cada vez mais as mulheres devem conquistar mais espaço e lutar por seus direitos. Os programas
destacaram que, no PT, 50% de todos os cargos de direção são ocupados por mulheres e que o PT foi
o primeiro partido a eleger uma mulher para presidência. Na agricultura, foi destacado que, com a
transposição do rio São Francisco, os agricultores não precisariam sair mais do Nordeste e poderão
plantar, sendo uma iniciativa do Lula.
As principais temáticas que apareceram no HGPE no 1º turno foram relacionadas à educação,
economia, políticas sociais e mulheres. Na educação Haddad e Lula destacaram que o governo do PT
foi o que mais investiu em educação, dando oportunidade para o filho de pobre estudar. O narrador
em off, no programa do dia 20 de setembro, destacou que Haddad foi o melhor ministro da educação
que o Brasil já teve, criando o PROUNI, novo Enem, SISU e o FIES sem fiador. Também foi destacado
investimento em escolas federais e que agora, Haddad iria integrar escolas de ensino médio com
baixo rendimento a rede federal. Em relação as mulheres, foi enfatizado que Lula foi o 1º presidente
da história a reconhecer a importância das mulheres e tratá-las como iguais. “Hoje as mulheres estão
mobilizadas para lutar contra a violência masculina, precarização do trabalho e desigualdade social”
(HGPE, PT, 22 de setembro). Na economia, os programas fizeram críticas à oposição e destacaram
que o país precisava voltar a crescer, gerar emprego e financiamento com crédito.
No segundo turno do HGPE, as principais temáticas acionadas foram relacionadas à educação,
economia, políticas sociais, segurança e mulheres. No programa do dia 13 de outubro, por exemplo,
Haddad fala que a crise se vence colocando o dinheiro na mão das pessoas, fazendo a roda da
economia girar. Em outros programas, a economia também ganha destaque em propostas
apresentadas pelo candidato. Quanto à temática da educação os programas, do segundo turno,
destacam as políticas criadas nos governos petistas, enquanto Haddad era ministro da educação e
destacam também o fato do candidato ser um professor. No programa do dia 16 de outubro, por
exemplo, Haddad falou que era professor e acreditava na força da educação. Dessa forma, é possível
perceber que a temática da educação foi central diante da trajetória de Haddad.
No programa do dia 19 de outubro, Haddad destacou um de seus projetos para segurança,
nomeando uma Força Especial da Polícia Federal para o combate ao crime organizado. A temática
sobre programas sociais foi muito utilizada durante o segundo turno, aparecendo tanto quando se
recorre ao governo Lula, quando se destaca as propostas apresentadas por Haddad. O programa do
dia 22 de outubro é um exemplo, já que Haddad destacou que retomaria as obras do Minha Casa,
Minha Vida, fortaleceria o Bolsa Família. Os programas destacaram também o papel central da
mulher nesses programas sociais.

4.2.4 Ataques aos adversários – propaganda negativa

Borba (2015) pontua que, ao contrário do que se pensa, a propaganda negativa pode trazer
informações cruciais sobre os atores políticos, ajudando na decisão eleitoral e focando em temas
considerados relevantes pelo eleitorado. Os adversários tendem a trazer ao público o que, às vezes, as
estratégias de marketing tentam esconder dos cidadãos.
Os programas de 2015 e 2016 atacam o governo dos tucanos e em 2017 as críticas foram ao
governo Temer. Em relação aos tucanos, a propaganda petista lembrou que, antes do PT, o país vivia
quebrado e pedindo ajuda ao FMI, os ajustes na economia eram feitos com arrocho salarial e
sacrifício para o povo mais pobre, o acesso à universidade era para os mais favorecidos, o
desemprego era alto o salário baixo, a corrupção não era combatida (não tinha a Lei da Ficha Limpa,
não havia o Portal da Transparência, a Polícia Federal e o Ministério Público não tinha autonomia
para trabalhar). Também foi lembrado que os tucanos tentaram anular o resultado das eleições e não
conseguiram, atacam e caluniam Lula, desrespeitando todas as regras para chegarem no poder.

Narrador em off: Os que hoje tentam manchar sua história Lula, são os mesmos de ontem, os
preconceituosos, que nunca aceitaram suas ideias e suas origens. Mas não vão conseguir. As ofensas, as
acusações, a privacidade invadida, tudo isso passa Lula, a luta é antiga. E nós vamos vencer novamente,
porque você permanece sendo a voz de um país pobre, que se fez forte, que se fez novo. Isso é o que
importa, isso é o que fica no coração do nosso povo, você tem respeito, amor e morada definitiva
(Propaganda Partidária, PT, 23 de fevereiro de 2016).

Em 2017, o alvo de ataque foi o governo Temer. Um personagem destaca metaforicamente como
duas pessoas podem usar a mesma caneta de forma diferente. Foi falado que a caneta de um
presidente é a mesma usada por outro, o que muda é quem escreve com ela e o que é escrito. Para
atacar o governo Temer, foi utilizada manchete de jornais que destacam que Temer suspendeu a
contratação do Minha Casa, Minha Vida, cancelou e fez bloqueios do Bolsa Família, ameaçou a
aposentadoria do agricultor, gerou aumento do desemprego e inviabilidade de continuação do
combate a corrupção. Rui Falcão, ex-presidente do partido, indagou que acusações, mentiras e
perseguições são para impedir que Lula voltasse a ser presidente. Lula, por sua vez, acusou os
opositores de tirarem o direito histórico dos trabalhadores, dificultar a aposentadoria e o investimento
em programas sociais.
No Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral, também pode-se observar os ataques contra Temer
e a oposição (PSDB). No programa do dia 27 de setembro, Haddad acusa a oposição de se juntarem e
traírem a vontade do povo, dar um golpe na democracia, condenando Lula. Também congelarem os
investimentos em segurança, saúde e educação, além de aprovarem a terceirização e mexer na
aposentadoria. “Vamos acabar com a bagunça do governo Temer. Retomar as obras, retomar os
programas sociais e gerar milhões de empregos. Vamos fazer o Brasil feliz de novo” (HGPE, PT, 15 de
setembro).
Já no segundo turno, o HGPE recorre a ataques contra Bolsonaro. Em todos os programas havia
ataques às falas e posicionamentos do candidato, sobretudo as mais polêmicas. No dia 24 de outubro,
a apresentadora se refere a Bolsonaro como um “Temer piorado”. No programa do dia 26 de outubro,
o PT não só recorre a posicionamentos polêmicos de Bolsonaro, como fez nos programas anteriores,
como destaca o fato de Bolsonaro não ir aos debates.

Apresentadora: hoje aconteceria o debate final da campanha eleitoral. Mas, Bolsonaro, mais uma vez fugiu.
Ele se esconde para não ter que assumir as suas ideias doentias e desequilibradas [...] (Horário Gratuito de
Propaganda Eleitoral, PT, 26 de outubro de 2018).

Os programas também recorrem a ataques aos aliados de Bolsonaro, como aconteceu no dia 19
de outubro. Ao final do programa, a apresentadora destacou que o vice de Bolsonaro, General
Mourão, falou que queria acabar com o décimo terceiro, enquanto Paulo Guedes, que seria o ministro
da economia, queria privatizar tudo que o Brasil tem. A apresentadora destacou ainda que Onyx
Lorenzoni, braço direito de Bolsonaro, confessou à Lava-Jato que teria recebido dinheiro ilegal (caixa
2) da JBS. No programa do dia 23 de outubro, Haddad atacou diretamente Bolsonaro por não ir aos
debates:

Haddad: Ele não me enfrenta porque ele não tem coragem de falar na minha cara o que o WhatsApp dele
falou durante uma campanha inteira. Vem falar da minha família na minha cara. Vem falar dos meus bens
na minha cara. Vem me enfrentar. Soldadinho de araque! (Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral, PT, 23
de outubro de 2018).

Os ataques aos adversários foram mais diretos no segundo turno e teve Bolsonaro como alvo, já
que ele era o candidato que o PT enfrentaria. Observa-se que os ataques foram mais direcionados às
falas polêmicas de Bolsonaro e sua trajetória na Câmara dos Deputados, apesar de observar que
alguns programas atacarem as notícias falsas produzidas pela campanha adversária e o fato de
Bolsonaro não ter ido aos debates.

4.2.5 Personagens

Miguel (2004) relaciona o discurso político a um mito, em que o sentido de mito está relacionado
a algo ficcional, fantasioso, ao uso da mentira para convencer o eleitor. No entanto, o mito só é válido
quando a massa é passiva, é enganada e não se mobiliza, caso ocorra o contrário, o discurso
mitológico poderá perder sua eficácia. O mesmo aponta quatro mitos políticos: (1) o salvador, que é
alguém capaz de promover uma prosperidade, mudar a ordem vigente que não é agradável e
promover um futuro glorioso; (2) a Idade do Ouro são os discursos que prometem um futuro perfeito
como o Reino de Deus, quando todos os problemas serão sanados; (3) a conspiração que são os
discursos de que alguém ou um determinado grupo social é responsável por todos os problemas que a
sociedade enfrenta e; (4) a unidade que é a fala contra alguém que possui interesses diferentes, são
os que defendem interesses particulares sem pensar num todo.
Por sua vez, Schwartzenberg (1977), ao abordar a figura do herói, explica que é um homem
excepcional, profeta, sonhador, são os personagens que fazem o espetáculo, proporcionam o sonho e
conferem a certeza. O herói está sempre em representação, ajuda a vencer a incerteza dos períodos
difíceis, fornecendo tranquilidade, como, por exemplo, o ex-presidente Lula.
Em 2015, aparecem como personagens (lideranças políticas) Rui Falcão, ex-presidente do
partido, Lula ex-presidente e Dilma Rousseff, presidente do Brasil naquele momento. Lula destacou as
conquistas dos trabalhadores como jornada de trabalho de 8 horas, férias, 13º salário e com isso,
criticou o projeto de terceirização. Também falou sobre as conquistas ao longo do governo do PT:
criação de 22 milhões de empregos, aumentar o valor real do salário mínimo, criar o crédito
consignado a ampliar as oportunidades de educação. Lula também abordou a temática da crise
econômica. Reconheceu a crise que o Brasil enfrentava e disse não ser a primeira. Lembrou que o
pior momento do governo petista ainda é melhor para o trabalhador do que o pior momento dos
governos passados e recordou que ele fez um ajuste na economia e depois o Brasil ficou melhor, Lula
pediu para o povo se unir com quem já fez muito pelo Brasil e já projeta uma campanha permanente.
“É mais fácil chegar a um Porto Seguro com quem já foi capaz de enfrentar a crise e fazer o Brasil
avançar, sempre protegendo os que mais precisam” (Propaganda Partidária, PT, 6 de agosto de 2015).
Dilma também abordou a temática da crise econômica e que muita coisa precisava melhorar. Ela
destacou que 2015 era um ano de travessia, mas que o Brasil voltaria a crescer com preços em baixa,
emprego em alta e investimentos em saúde e educação. Dilma disse que no Brasil que luta pelos
direitos nenhum governante pode se acomodar e que ela, além de não se acomodar, sabe encarar as
pressões.
Em 2016, as lideranças que apareceram foram Rui Falcão e Lula. Rui Falcão destacou a marca do
Partido dos Trabalhadores: um país forte e justo e evidenciou que, no governo do PT, houve muito
investimento em políticas sociais. Ele destacou também que as dificuldades relacionadas à crise eram
passageiras. Lula destacou a construção da imagem do país, que, com os governos do PT, o Brasil
tornou-se um país melhor, com mais geração de empregos, melhores índices econômicos, um país que
reduziu as desigualdades sócias. Ele reconheceu que houve alguns erros, mas que os acertos foram
maiores.
No primeiro programa de 2017, apareceram novamente como lideranças Lula e Rui Falcão. Lula
reforçou que o Partido dos trabalhadores foi criado para que a política do Brasil deixasse de atender
aos interesses apenas de uma minoria privilegiada, lutando pelos direitos dos trabalhadores e
melhores oportunidades. Lula lembrou os feitos do PT em 12 anos: exploração do pré-sal, conquistas
sociais, investimentos em saúde, educação e infraestrutura. Lula atacou a oposição criticando o
projeto de terceirização e ressalta que o povo tem o direito de escolher quem governar.
Já no programa de outubro de 2017, Gleisi Hoffmann, presidente do PT, atacou os opositores e
reforçou as conquistas do PT. Ela afirma que a oposição quer retirar o direito do povo brasileiro de
escolher um presidente e evidenciou as conquistas do governo PT como a criação de empregos,
investimentos em políticas sociais, educação e saúde. Na ocasião, atacou o governo Temer com o
aumento do desemprego e privatizações. Lula apareceu para atacar a oposição e reforçar que era
hora de reconstruir a democracia e eleger um novo presidente, assim apelou ao povo brasileiro que
juntos era possível defender o Brasil.
No HGPE, Gleisi Hoffman aclamou os eleitores para resistirem com o pedido de “Lula livre”. O
principal personagem que apareceu foi Lula, mesmo preso, ele destacou no programa do dia 1º de
setembro que estava sendo injustiçado e que seria lembrado pela história como o presidente que mais
fez inclusão social no país, universidade e escola técnica, que mais colocou jovem na universidade. Ele
destacou que no período que o PT governava o povo sorria, comia, trabalhava e recebia um salário
digno. Ana Estela, esposa de Haddad, declarou apoio ao candidato e destacou atributos pessoais, que
tem dois filhos, que Haddad é um ótimo pai e luta pelo direito do povo, como oportunidades na
educação. Ao assumir como vice de Haddad, Manuela D’Ávila enfatizou no programa do dia 20 de
setembro que a luta dela é a mesma de Haddad, um país mais justo com igualdade e respeito. O povo
também apareceu no geral para apoiar o PT. Eles destacaram que queriam a faculdade de volta, o
direito de estudar, geração de empego e oportunidades.
No segundo turno do HGPE, Lula apareceu menos, se comparado ao primeiro turno. Manuela
D’Ávila aparece também no segundo turno, como aconteceu no programa do dia 25 de outubro, em
que a candidata à vice critica a proposta de Bolsonaro sobre o porte de armas. Manuela destaca que
em uma briga de bar, em uma festa, em uma discussão de torcida, enfim qualquer coisa boba pode
desencadear um tiroteio, aumentando o número de vitimas e balas perdidas.
Durante todos os programas do HGPE, sobretudo no segundo turno personagens em meio a
população aparecem defendendo os programas sociais e os governos do PT, criticando Bolsonaro e
seus posicionamentos. Esses personagens são centrais no HGPE.

5. Considerações finais

Ao se tratar de Campanha Permanente, os meios de comunicação de massa especialmente a


televisão têm papel primordial. No entanto, deve-se fazer uma ressalva de que desde as eleições de
2016 perderam espaço para as mídias digitais. Em 2018, as redes sociais tiveram grande impacto,
principalmente na disputa presidencial, com o uso estratégico por parte de Jair Bolsonaro (PSL).
No entanto, as mídias massivas são espaços importantes para os atores políticos divulgarem suas
propostas e ações e manter ou conquistar o poder diário. A propaganda política é cada vez mais
marcada pelo investimento em recursos audiovisuais e planejamento, adaptando-se à gramática da
mídia, por isso é comum o uso de recursos de dramatização e espetacularização.
Ao estudar as estratégias do Partido dos Trabalhadores, observa-se que os programas
destacaram a ideologia do Partido dos Trabalhadores – a luta por um país mais justo, investimentos
em programas sociais, luta pelos direitos da minoria e da classe trabalhadora. Para legitimar os feitos
do Partido dos Trabalhadores, foi utilizada como estratégia a construção da imagem do país,
mostrando dados que apontavam o crescimento do Brasil em 12 anos de governo. Por outro lado, em
2017, o governo do PT já era oposição e, então, passou a desconstruir a imagem do país, criticando o
governo Temer principalmente no impedimento ao combate da corrupção e paralização nos
investimentos sociais. Os ataques aos tucanos foram recorrentes. O PT lembrou que são duas
ideologias que defendem políticas contrárias e que toda essa conturbação política era do fato da
perda nas urnas em 2014. Para o PT, os tucanos são um risco, pois geraram o retrocesso. Em relação
a Temer, a propaganda criticou suas medidas para combater a crise econômica.
O uso da campanha permanente é um fenômeno que não pode ser ignorado, já que os estudos
apontam um crescimento de estratégias de campanha fora do período eleitoral. A partir dos
programas analisados, é possível verificar que, ao dar maior visibilidade a Lula na Propaganda
Partidária Gratuita, o objetivo é manter a legitimidade do ex-presidente, reforçar o seu capital político
e simbólico junto ao eleitorado e também servir como uma forma de desconstruir o discurso negativo
construído pela grande mídia contra Lula. Com frequência quase diária, o ex-presidente aparece nos
noticiários como alvo de denúncias da Operação Lava Jato. Mesmo preso, Lula liderava as pesquisas
de intenção de voto para a disputa presidencial de 2018. Portanto, constata-se que há uma disputa de
retóricas por parte do PT e da mídia alternativa de esquerda em contraponto ao que é publicado na
grande imprensa. O PT, principalmente, apresenta o ex-presidente como o salvador da pátria, o herói,
o político ideal para resolver os problemas do país. Observou-se que já no segundo turno das eleições
o ex-presidente apareceu bem menos, já que o PT já havia conseguido apresentar Haddad como
candidato do Lula. Além disso, devido ao crescente movido antipetista, sobretudo no discurso de
Bolsonaro, o partido optou por mudar a estratégia nesse sentindo.
Não podemos descartar o crescimento da importância do meio digital e o consequente uso das
redes sociais. No entanto, apesar das transformações tecnológicas na contemporaneidade, em meio a
uma disputa presidencial, Jenkins (2009) não descarta o poder na televisão. Para o autor, os
candidatos podem formar sua base na Internet, mas precisam da televisão para ganhar as eleições,
uma vez que a Internet atinge os militantes, já a televisão, os indecisos. O autor observa que se vive
em um momento de transição, em que o papel político da Internet está se expandindo, sem diminuir o
poder da mídia, da radiodifusão.
Alex Marland, Anna Esselment e Thierry Giasson (2017) enfatizam que os regulamentos
eleitorais têm uma influência profunda na forma como a campanha permanente é realizada. Essas
regras moldam as atividades durante a campanha oficial, portanto, elas influenciam como essas
campanhas acontecem. Trazendo o debate para o contexto brasileiro, podemos citar como exemplo o
fim na Propaganda Partidária Gratuita justamente no ano de 2018, ano eleitoral, interrompendo o
fluxo de mensagem permanente nessa mídia. No entanto, é preciso salientar que para o contexto das
eleições presidenciais de 2018, as peças da Propaganda Partidária no período que antecede as
eleições são fundamentais.

Referências
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SCHWARTZENBERG, Roger-Gérard. O Estado Espetáculo. São Paulo: Círculo do Livro.

1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Campanha Permanente, Comunicação Governamental e Propaganda Político-
Eleitoral, I Simpósio Nacional de Comunicação Política, Eleições e Campanha Permanente, 27 a 28 de março de 2019.

2 Doutoranda em Comunicação pela Universidade Paulista (Unip-SP), e-mail: thamiris_franco@hotmail.com

3 Mestre em Comunicação pela Universidade Federal de Juiz de Fora, e-mail: marianemottadecampos@hotmail.com

4 Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social (PPGCOM) da Universidade Paulista, Mestre em


Comunicação Social pelo PPGCOM da UFJF e Graduado em Comunicação Social – Jornalismo pela UFSJ. E-mail: vini-bg@hotmail.com

5 Pesquisa CNT/MDA divulgada em outubro de 2016 aponta que 78,3% disseram não confiar em nenhum partido político. O PT
aparece sendo o partido que os entrevistados mais confiam com 9% e o PSDB em segundo com 4,7% dos entrevistados. Em
contrapartida, entre os rejeitados, o PT lidera com 32,9%, em seguida aparece o PSDB com 7,8%. Pesquisa CNI/Ibope, divulgada em 13
de março de 2018, aponta que o PT é o partido preferido pelos brasileiros (19%), 48% disseram não possuir preferência ou simpatia por
nenhum partido. Pesquisa Ibope de setembro de 2018 apontava o PT como o partido preferido os brasileiros (29%).
CAPÍTULO 2

A REPRESENTAÇÃO DOS VEREADORES JUIZFORANOS NO JORNALISMO DA


JFTV CÂMARA1

Helena Amaral2
Universidade Federal de Juiz de Fora

1. INTRODUÇÃO

O desenvolvimento dos meios de comunicação, com a consequente reorganização das formas de


produção e distribuição da informação e de bens simbólicos, alterou significativamente a organização
das instituições sociais na modernidade. Essas mudanças se refletem, especialmente, nas relações
destas instituições com os indivíduos e entre si - bem como nas relações tecidas entre os sujeitos.
No campo político, um dos principais impactos do desenvolvimento dos media se deu no tangente
à administração da visibilidade de seus atores. Ao mesmo tempo em que amplia, em termos espaciais
e de audiência, a projeção da imagem pessoal dos políticos, a mídia demanda uma adaptação à sua
lógica de funcionamento e organização. Além disso, o uso dos veículos de comunicação resulta em
uma impossibilidade de monitoramento direto do recebimento das mensagens, então mediadas.
Para além de influenciar os períodos de campanha, as organizações midiáticas impõem
mudanças na gestão da visibilidade dos atores políticos também ao longo do exercício de seus
mandatos. Neste contexto, destaca-se o papel dos veículos estatais de comunicação, que diretamente
ligados e geridos aos/pelos poderes da República, figuram como contraponto aos demais media no
concernente à representação dos políticos.
Dentre os veículos midiáticos estatais, encontram-se as tevês legislativas, objeto de estudo do
presente artigo a partir da análise do jornalismo da JFTV Câmara, emissora de televisão da Câmara
Municipal de Juiz de Fora (CMJF), na Zona da Mata mineira. Investiga-se, por meio do
acompanhamento de duas semanas completas da programação do canal, quais recursos são
mobilizados para a construção da imagem dos vereadores locais.
Para tanto, levar-se-á em conta não somente o papel do canal de tevê na publicização das ações
do legislativo e de seus representantes, mas também o fato de que a emissora pertence ao campo
público da comunicação - e, portanto, deve ter um compromisso primordial com os cidadãos, suas
demandas, necessidades e interesses.

2. INTERFACES ENTRE A MÍDIA E A POLÍTICA

Os meios de comunicação permeiam o cotidiano das sociedades e, desde os primórdios da


imprensa, no século XV, vêm transformando a produção e o consumo da informação e dos bens
simbólicos, resultando em novas formas de interação. A utilização de meios técnicos, possibilitando
um distanciamento espaço-temporal entre os contextos de produção e recepção das mensagens, fez
com que a mídia adquirisse um papel central também na organização das instituições sociais
modernas. Como ressalta Stig Hjarvard (2012, p.73), “os meios de comunicação proporcionam fóruns
de comunicação tanto privada como pública, dos quais outras instituições dependem para sua
comunicação com o público e com outras instituições e para sua comunicação interna”.
Autores, como Hjarvard (2012) e Braga (2012), utilizam o termo midiatização para referir-se à
importância da mídia na contemporaneidade, processo caracterizado por uma crescente e contínua
dependência da mesma e de sua lógica - modus operandi institucional, estético e tecnológico - pela
sociedade e suas instituições.
Mas, se por um lado, a recorrência aos veículos midiáticos trouxe maior alcance geográfico e
cultural às mensagens destas instituições, por outro impôs às mesmas organizações novos desafios. À
impossibilidade de monitoramento direto das mensagens (mediadas), somam-se a consequente falta
de controle sobre as informações publicadas, o consumo ativo das mensagens - que pressupõe
engajamento dos receptores e movimentação de referências socioculturais, resultando em diferentes
interpretações - e o fortalecimento da democracia, demandando, portanto, um planejamento cada vez
mais complexo por parte destas instituições ao lidarem e recorrem às organizações midiáticas para
seus fins comunicacionais.
No campo político, cujas ações são fortemente influenciadas pelas alterações na distinção entre
público e privado provocadas pela mídia, alteram-se, principalmente, os critérios de administração da
visibilidade e as ações comunicativas voltadas à condução da opinião pública, este último fator
relevante à ascensão e manutenção dos grupos no poder.
Conforme ressalta Wilson Gomes (2004), embora culturalmente associada às sociedades
democráticas, a opinião pública e o sentimento popular já eram motivo de preocupação para os
monarcas absolutistas. Recorrendo à obra do italiano Nicolau Maquiavel e à importância dada à
administração da imagem do rei francês Luís XIV, o autor ressalta que naquela época a gestão da
imagem dos governantes e os afetos a eles dirigidos pelo povo eram fatores de julgamento da
capacidade de governar.
Antes do desenvolvimento da imprensa e dos veículos de comunicação, no entanto, a visibilidade
dos governantes era restrita a certos círculos sociais. A expansão do tamanho e da diversidade da
audiência; o desenvolvimento da tevê e sua ênfase no sentido da visão, demandando maiores cuidados
com a aparência visual e o comportamento dos líderes políticos, e o papel da imprensa no fórum de
escolha política das sociedades modernas (eleições), são alguns dos aspectos apontados por John B.
Thompson (2009) no tangente às mudanças na administração da visibilidade política no século XX.
A estes desafios, o sociólogo norte-americano acrescenta, ainda, as possibilidades de escrutínio
global, de vazamento de dados, escândalos e revelações, bem como do cometimento de gafes -
potencializadas pelas transmissões ao vivo -, fenômenos característicos da sociedade de comunicação
de massa.
Recorrendo a argumentos levantados por autores que depõem a favor da transformação da
política no cenário contemporâneo, Gomes (2004, p.2-3) ressalta algumas necessidades impostas pela
lógica comunicacional midiática, tais como a formação de novas competências e habilidades
comunicativas, a adaptação do discurso político à gramática da mídia, a recorrência a análises
técnicas e profissionais da comunicação com fins de garantir a eficácia dos processos
comunicacionais e a adoção de estratégias de circulação e imposição de imagens.
Cabe ressaltar, no entanto, conforme argumentado pelo pesquisador, que as transformações
ocorridas no campo político com a ascensão dos meios de comunicação não englobaram todas as
instâncias e práticas da atividade, ou seja, ainda que dependentes e influenciados pelo cenário
midiático, partidos, parlamentos, processos eleitorais e Estados mantém atuação independente dos
media.
Para uma análise mais completa do processo, Gomes adota uma perspectiva que considera a
atividade política operando com base em diferentes “sistemas de práticas, de habilitações etc. que
funcionam como instâncias objetivas que orientam a ação, estruturam os comportamentos e as
disposições, administram as recompensas e as punições, determinam metas e parâmetros, controlam
a admissão e a exclusão” (GOMES, 2004, p.18). Cada um destes sistemas compreende um repertório
de regras de comportamento, padrões de atitude, conhecimentos práticos, valores, papéis e
princípios.
No contexto proposto, a nova política mediada seria um dos sistemas pelos quais se realiza a
atividade política na contemporaneidade e se faria possível graças às características da sociedade
moderna, na qual as funções e instituições sociais atuam em relação estreita com os meios, agentes e
linguagens da comunicação social. Estes, por sua vez, ocupam papel central como lugar de referência
na construção de “identidades, imagens, afetos, conhecimentos comuns, sociabilidade, interesses,
necessidades, opiniões e saberes” (GOMES, 2004, p.19).
Partindo de tais considerações, Gomes sugere dois sistemas de práticas/programas de ação
principais que orientam a atividade política: o sistema ad intra, que cumpre as funções internas na
esfera política, permitindo a realização de operações básicas relativas a decisões políticas, exercício
de governo, elaboração de leis, interações de grupos e partidos na arena política, disputas
argumentativas em plenários e todas as demais atividades inerentes à política; e o sistema ad extra,
que corresponde aos padrões de atividade, agentes, habilitações e programas voltados ao
asseguramento das operações básicas da relação entre as esferas institucional e profissional políticas
e o restante da sociedade.
O sistema de práticas ad extra, portanto, destina-se à gestão de aparências, produção e
administração da visibilidade, geração de legitimidade e administração dos fluxos comunicativos
dirigidos à esfera social.

Busca-se controlar aparências, visibilidade, legitimação e comunicação porque são estes os meios de
direção e controle da opinião e da imagem que a população faz dos sujeitos, instituições e idéias do
universo político e, por conseqüência, são modos de direção e controle dos afetos, dos imaginários e das
disposições do público. (GOMES, 2004, p.22).

Ainda de acordo com Gomes, o cenário contemporâneo da comunicação de massa teria


ocasionado não uma substituição de modelos políticos, mas alterações na atuação destes dois
sistemas, a partir do redimensionamento e obtenção de independência das práticas políticas ad extra
com relação ao sistema ad intra.

3. TVs LEGISLATIVAS E COMUNICAÇÃO PÚBLICA

Diferentemente do cenário europeu, onde o serviço público de radiodifusão, em sua maioria,


caracterizou-se por seu caráter público, no Brasil a televisão apresenta um viés comercial desde sua
implantação. A primeira emissora de tevê nacional foi a TV Tupi Difusora, inaugurada em setembro de
1950, pertencente ao grupo Diários Associados.
As primeiras experiências brasileiras no campo público das telecomunicações se deram no final
da década de 60, a partir da criação de canais educativos, que eram explorados pela União, estados e
municípios, sob controle do governo militar. Estes media eram classificados como públicos em
decorrência de sua não vinculação à lógica comercial e de sua programação, que voltava-se à exibição
de conteúdos educativos, aulas e palestras (e não ao entretenimento).
Em decorrência de sua configuração e finalidade, os veículos públicos de radiodifusão se
colocam como alternativa e complemento aos meios comerciais. Um primeiro diferencial3 destes
media é que sua missão, seus valores e objetivos voltam-se ao compromisso com a sociedade. O
cidadão é a razão de ser das emissoras públicas, às quais cabe atuar como interlocutoras entre estes
e os Poderes. Assim sendo, no que diz respeito à sua natureza jurídica, estes veículos não podem ser
propriedade de grupos privados, dado que, se assim o fossem, estariam sujeitos a interesses
particulares, rejeitando seu caráter de serviço público.
O financiamento, portanto, é outro diferencial das emissoras públicas, uma vez que não provem
de receitas publicitárias, como em emissoras de exploração comercial. No caso do Brasil e de outros
países da América Latina, os recursos da tevê pública advém prioritariamente de verbas repassadas
pelo Estado.
No concernente à programação destes veículos, em especial o jornalismo (objeto de análise do
presente artigo), destacam-se alguns princípios a eles atribuídos, tais como o fortalecimento do
diálogo e a promoção de espaços de deliberação e debate de questões de relevância, inserindo os
telespectadores e permitindo-lhes que se expressem e se representem; a garantia da pluralidade de
vozes, posicionamentos e opiniões, respeitando-se a diversidade de gênero, cultural, regional, étnica e
socioeconômica da sociedade brasileira; e a adoção de abordagens que abarquem agendas não
contemplados na mídia comercial e voltem-se a uma maior contextualização e aprofundamento dos
fatos, possibilitando aos cidadãos uma melhor compreensão da realidade, da sociedade e dos sistemas
político e econômico.
Embora com proposta comunicacional e critérios de gestão diferenciados4, os veículos estatais -
dentre os quais encontram-se as emissoras legislativas -, enquadram-se no campo público da
comunicação. Logo, ainda que se proponham a ser um canal de comunicação entre os governos e a
sociedade, estes veículos devem atentar-se a outros critérios que não somente a publicização das
ações dos poderes que representam.
No Brasil, a criação das TVs Legislativas foi possibilitada pela promulgação da Lei Nº 8.977 (Lei
do Cabo), de 1995, que regulamenta os serviços de TV a Cabo. Seu artigo 23 determina que as
operadoras do setor devem destinar, em sua área de prestação de serviços, canais básicos de
utilização gratuita para o legislativo municipal/estadual, para a Câmara dos Deputados e para o
Senado Federal. Estas emissoras, por sua vez, devem se voltar à documentação dos trabalhos das
respectivas casas legislativas.
A criação de emissoras de TVs Legislativas no Brasil, conforme ressalta Paulo Victor Purificação
Melo (2014), resulta de dois processos principais:

de um lado, é parte do processo de luta política de segmentos organizados da sociedade pela


democratização das comunicações, especialmente do FNDC, que - no período de formulação da Lei do Cabo
- disputaram uma concepção progressista para a lei. De outro, é consequência da necessidade sentida pelos
parlamentos federais, estaduais e municipais de construir uma imagem positiva dos representantes
políticos perante a população, sendo, neste sentido, as TVs Legislativas um instrumento de diálogo entre
Legislativo e sociedade nos interstícios eleitorais. (MELO, 2014, p.130).

Cerca de 25 anos após a promulgação da referida lei e da criação da primeira emissora de tevê
legislativa do país (TV Assembleia de Minas), o Brasil ainda não possui uma legislação que estabeleça
as condições de funcionamento, gestão e utilização dessas emissoras (MELO, 2014, p.130), cenário
que reforça ainda mais a necessidade destes veículos em se comprometerem com um projeto público
de radiodifusão. Assim, a presente análise leva em conta alguns desses princípios e busca também
tecer considerações acerca da efetivação do compromisso público da JFTV Câmara.

4. OS VEREADORES NA TELA DA JFTV CÂMARA

O legislativo municipal da cidade mineira de Juiz de Fora só foi contar com uma emissora de tevê
vinte anos após a primeira proposta de criação de um canal da Casa. Assim, em maio de 2017, cerca
de três meses após iniciar as transmissões em caráter experimental, a JFTV Câmara foi oficialmente
inaugurada, sendo transmitida em sinal aberto e digital.
Desde 2014, as reuniões ordinárias e audiências públicas eram transmitidas via internet e canal
a cabo. No ano seguinte, a partir da homologação da concessão de transmissão e da compra do
transmissor e de alguns equipamentos, consolidaram-se as bases para o início das atividades da
emissora.
Integrante da Rede Legislativa de TV5, a JFTV Câmara possui o recurso da multiprogramação,
exibindo, simultaneamente à sua grade e a partir de subcanais, as programações da TV Câmara [dos
Deputados], da TV Senado e da TV Assembleia de Minas. Além disso, a criação de um canal próprio
possibilitou ao legislativo juiz-forano a veiculação de novos conteúdos, produções que se voltam às
ações da Casa e de seus representantes, bem como a outras temáticas locais.
Atualmente, além das transmissões ao vivo das sessões plenárias (reuniões e audiências
públicas), a grade de programação da emissora é composta por materiais de cunho jornalístico,
exibidos diariamente em bloco único; pelo JFTV Notícias, telejornal semanal composto por produções
próprias da emissora e de emissoras legislativas parceiras; documentários da Fundação Cultural
Alfredo Ferreira Lage (Funalfa) e conteúdos da TV Assembleia de Minas.
Para a presente investigação, optou-se pelo acompanhamento das produções jornalísticas, sendo
considerados somente os conteúdos próprios do canal. O recorte de pesquisa compreende duas
semanas completas, escolhidas de forma aleatória, correspondentes ao período de 03 a 16/03/2019.
Para a análise, foram consultados os vídeos disponibilizados no canal da CMJF no YouTube.
A metodologia adotada é a Análise da Materialidade Audiovisual, elaborada no âmbito das
pesquisas do Laboratório de Jornalismo e Narrativas Audiovisuais (CNPq-UFJF), coordenado pela
professora Iluska Coutinho. Em síntese, o método prevê que o objeto de investigação seja tomado em
sua unidade texto+som+imagem+tempo+edição e analisado a partir do estabelecimento de eixos de
investigação.
Para a análise da representação dos vereadores no jornalismo da JFTV Câmara, foram
estabelecidos três eixos principais, a saber, tema, abordagem e fontes. A partir dos mesmos,
estabeleceu-se questões-chave, com fins de investigar os artifícios movimentados para a construção
da imagem dos representantes do legislativo juizforano nos conteúdos jornalísticos do canal.
Com relação ao período investigado, ressalta-se a ausência de publicações entre os dias 04 e
06/03, situação à qual a autora atribui o recesso de Carnaval e da Quarta-feira de Cinzas6. Destaca-se,
ainda, que no dia 08/03 não há veiculação de conteúdos jornalísticos e nem do JFTV Notícias, sendo
publicados apenas alguns vídeos intitulados “Fala Cidadão - Dia Internacional da Mulher”, nos quais
juiz-foranos prestam homenagens às mulheres.
No total, foram analisados 20 conteúdos, incluindo produções exibidas na edição de 15/03 do
JFTV Câmara. No tangente ao noticiário, ressalta-se que duas das matérias veiculadas - “Comissão de
Indústria se reúne para discutir situação da Mercedes-Benz em JF” e “Palestra na Câmara
conscientiza sobre endometriose” - já haviam sido exibidas ao longo da semana, sendo consideradas,
para a presente investigação, apenas uma das exibições. As produções incluem 15 VTs, duas notas
cobertas e três notas peladas.
No que diz respeito ao primeiro eixo de análise, tema, a pergunta-chave inicial voltou-se à
identificação dos mesmos. Seis dos 20 materiais referem-se a ações/atividades do legislativo
municipal e/ou de seus representantes; cinco são relativos ao esporte e dois à saúde. Educação,
comportamento, economia, cidade, previsão do tempo e agenda cultural figuram em um conteúdo
cada. Há ainda uma entrevista com o vereador Juraci Scheffer7, correspondente a uma série especial
feita com os representantes do Legislativo e do Executivo, na qual os mesmos fazem um balanço das
ações em 2018 e falam sobre os projetos para este ano.
Ainda no tangente ao tema, questiona-se se o mesmo interfere diretamente no dia a dia e/ou no
exercício de direitos pelos cidadãos juiz-foranos. Para 14 dos 20 materiais investigados a resposta foi
sim, sendo consideradas também as temáticas cuja interferência pode se dar de forma indireta. Como
exemplo, destaca-se matéria do dia 07/03, acerca de estudantes da Universidade Federal de Juiz de
Fora (UFJF) que foram selecionados para um evento global de empreendedorismo.
Na produção, informa-se que os projetos apresentados pelos alunos da instituição, por meio de
quatro equipes, foram selecionados entre mais de 200 mil inscritos. Assim, ainda que de forma
indireta, a matéria relaciona-se ao ensino público superior gratuito, direito de todo cidadão, e às
oportunidades oferecidas pelo mesmo. Além disso, as atividades e projetos ali
desenvolvidos/propostos podem resultar em aplicações que virão a ter impactos diretos no cotidiano
dos juiz-foranos.
No tangente a temas que interferem de forma direta no dia a dia e/ou no exercício de direitos dos
munícipes, destaca-se a cobertura de uma reunião na qual foi discutida a situação da montadora
Mercedes-Benz em Juiz de Fora. Trata-se da possibilidade de mudança do centro de distribuição da
empresa para outro estado, o que gera consequências negativas ao resultar em demissões (aumento
na taxa de desemprego) e em reduções na arrecadação de impostos pelo município (menos verbas
para investimentos públicos).
No quesito tema também foram investigadas as informações utilizadas nas matérias para a
cobertura dos fatos, tais como dados acerca de outras ações do legislativo sobre o mesmo assunto e
números relativos ao município. O objetivo foi analisar em que medida as informações
disponibilizadas podem contribuir para a autonomia dos cidadãos, ao possibilitar aos mesmos uma
compreensão mais aprofundada do contexto e dos possíveis impactos de alguns temas em seu
cotidiano.
Na já citada matéria sobre a reunião na qual se discutiu a situação da Mercedes-Benz, por
exemplo, há carência de informações precisas sobre os impactos de uma possível retirada da
montadora da cidade, tais como o número de funcionários afetados, os valores que se deixaria de
arrecadar (ainda que aproximados) e quais serviços públicos poderiam ser prejudicados em
decorrência dessa redução na arrecadação de impostos.
Já em matéria na qual um contador dá dicas para a declaração do imposto de renda, são
disponibilizadas informações sobre os documentos necessários ao processo, os prazos e valores de
multas para quem não os cumprir, bem como sobre quem deve declarar. Estes últimos dados são
mostrados por meio de uma arte, de forma completa e bem detalhada. Além disso, algumas falas do
entrevistado são cobertas com imagens do site da Receita Federal, o que ajuda o cidadão a identificar
os links e páginas que deve acessar para fazer o procedimento.
O segundo eixo verificado foi a abordagem, sobre a qual analisou-se as seguintes questões: se a
forma como o tema é abordado favorece mais à uma publicização de ações do Legislativo e de seus
representantes ou se volta aos interesses dos cidadãos juizforanos; se as informações disponibilizadas
contribuem para o ganho de autonomia pelos munícipes e se a matéria permite uma compreensão dos
fatos para além destes (suas razões, implicações, consequências).
No tangente à primeira questão, considerada aplicável a sete dos 20 conteúdos, em apenas um
observou-se que a abordagem voltou-se mais a uma divulgação de atos do legislativo. Trata-se de
matéria exibida no dia 12/03 e que versa sobre a definição dos eventos da Semana Municipal do
Idoso. Embora, conforme explicado em off inicial, as atividades tenham sido definidas em uma reunião
que contou com a presença de integrantes da Comissão de Defesa dos Direitos dos Idosos da CMJF e
representantes de órgãos públicos e privados, somente o vereador Vagner de Oliveira, suplente da
referida comissão, foi ouvido na matéria. Ao não ser dada voz a outros interessados no tema e
presentes no encontro, considera-se, portanto, que o viés adotado se voltou mais à publicização de
uma ação da casa legislativa.
Nos demais conteúdos, verificou-se haver um equilíbrio entre a divulgação de atos do legislativo
e abordagens voltadas aos interesses dos cidadãos. Um exemplo é a matéria publicada em 13/03
sobre a visita de técnicos do Fiscaliza JF - projeto da Câmara destinado à fiscalização da qualidade
dos serviços oferecidos pela prefeitura à comunidade - à praça Senador Teotônio Vilela, no bairro
Vitorino Braga, Zona Sudeste da cidade. No referido conteúdo, aborda-se não somente a visita ao
local- que, além da equipe do projeto, contou com a presença do vereador Pardal -, mas ressalta-se
também o parecer de um dos técnicos acerca dos problemas encontrados e suas consequências, os
próximos passos da ação e os canais para que a população leve suas demandas ao legislativo.
Logo, o ganho de autonomia pelos cidadãos é outro aspecto presente na matéria. O mesmo
também foi observado em outros onze dos vinte conteúdos analisados; considerado não aplicável a
sete deles e ausente em um. Este último refere-se a já citada matéria acerca de uma palestra de
conscientização sobre a endometriose, na qual constatou-se faltar informações mais completas sobre
os sintomas da doença. Embora abordada na palestra em si (conforme indica fala do médico
palestrante entrevistado), essa informação não é dada no conteúdo da JFTV Câmara, deixando de
contribuir com as telespectadoras que não compareceram ao evento, mas que poderiam fazer uso dos
dados para observar possíveis sintomas em si mesmas, aumentando, assim, as possibilidades de
diagnóstico precoce e melhores resultados no tratamento da doença.
Ainda no que se refere às abordagens adotadas, dez dos 20 conteúdos apresentaram dados que
permitem a compreensão dos fatos para além dos mesmos. Em cinco deles há ausência destas
informações e nos demais a questão foi considerada não aplicável. A matéria sobre o Fiscaliza JF
também exemplifica bem o referido aspecto, uma vez que aponta riscos dos problemas encontrados,
uma possível razão para os mesmos (a saber, a falta de manutenção), os trâmites do processo de
fiscalização (tais como ações subsequentes à visita) e os meios de solicitar o serviço. A matéria traz
ainda uma curiosidade sobre a praça: o fato de que a pista de skate do local é a primeira do
município.
Já em conteúdo do dia 11/03, que versa sobre reunião entre moradores do bairro Costa Carvalho
e representantes da Comissão de Segurança Pública da Câmara para discutir a possível instalação de
um albergue no referido logradouro, considerou-se faltarem informações mais claras sobre os
impactos desta instalação. Além disso, algum morador do local poderia ter sido ouvido para expor as
preocupações dos residentes daquele área, uma vez que a reunião foi uma demanda dos mesmos,
possibilitando ao espectador compreender melhor todo o contexto que envolve a situação.
Por fim, analisou-se o eixo fontes, procedendo-se a identificação e o tempo de fala de cada uma
delas. Para tanto, as mesmas foram classificadas em nove categorias: políticos (membros dos poderes
Executivo e Legislativo); órgãos públicos e Judiciário (contempla profissionais de segurança pública e
outros ligados ao funcionalismo público, e profissionais do terceiro poder); populares (sujeitos
tomados na condição de cidadãos em exercício de direitos e deveres); sociedade civil organizada
(membros de entidades da sociedade civil, tais como associações de moradores e instituições
socioassistenciais); profissionais do esporte; experts (peritos/especialistas em determinado tema);
artistas (profissionais da área artística-cultural); iniciativa privada (empresários, comerciantes,
industriais, etc.), e sindicalistas/associações de classe (representantes dos trabalhadores).
Dentre as categorias propostas, os artistas e os membros da iniciativa privada foram as únicas
não identificadas nos conteúdos analisados. As falas dos políticos são as que somam mais tempo, a
saber, 11 minutos e 16 segundos. Destes, apenas 39 segundos não correspondem a manifestações dos
vereadores, mas a uma fala do prefeito Antônia Almas em matéria sobre a criação de novos calçadões
no centro de Juiz de Fora, veiculada no JFTV Notícias. Há de se destacar ainda que, dos 10 minutos e
37 segundos correspondentes às manifestações dos vereadores, pouco mais da metade refere-se ao
especial entrevistas com o vereador Juraci Scheffer.
Na sequência, figuram as falas dos populares, com tempo total de quase oito minutos; as dos
experts, correspondentes a quatro minutos e meio; as dos profissionais do esporte, com cerca de três
minutos e meio de participação; e as dos representantes de órgãos públicos, com três minutos e 22
segundos. Os menores tempos de fala correspondem às categorias sociedade civil organizada e
sindicalistas/associações de classe, com, respectivamente, um minuto e meio e um minuto e seis
segundos de fala.
Outra questão analisada no tangente às fontes é a presença dos vereadores. De um total de 15
VTs, os vereadores têm espaço de fala em oito deles. Destes, os representantes do legislativo são a
única fonte em dois, a saber, o especial de entrevistas e a matéria sobre a definição das atividades da
Semana do Idoso.
No que diz respeito às temáticas destas oito matérias, com exceção do já citado especial e da
matéria sobre a criação de novos calçadões na cidade, as demais versam diretamente sobre ações da
CMJF e/ou de seus representantes. Ressalta-se que, na maioria das produções, os vereadores
representam comissões da Câmara da qual fazem parte e cuja atuação relaciona-se diretamente com
a temática abordada. Além dos já citados vereadores Pardal, Juraci Scheffer e Vagner de Oliveira (que
também é fonte na matéria sobre a reunião que discute a situação da Mercedes-Benz), tem espaços de
fala nos conteúdos analisados os vereadores Sargento Mello Casal, Dr. Antônio Aguiar e Zé Márcio
Garotinho (também com duas participações).
Especificamente no tangente à participação dos vereadores como fontes nas matérias, analisou-
se como os mesmos são apresentados (vilões, heróis, mediadores de conflitos, etc.) e se são tomados
em um viés positivo, negativo ou neutro. Observou-se que, em quatro dos oito conteúdos, os
vereadores foram apresentados como mediadores de conflitos, sendo apresentados, portanto, sob viés
positivo, na medida em que buscam soluções para demandas e/ou problemas da sociedade juiz-forana.
Em matéria do dia 07/03, cobre-se uma reunião realizada no plenário da Câmara Municipal de
Juiz de Fora para discutir a revisão na legislação municipal dos táxis. Consultado, o vereador Zé
Márcio Garotinho, Presidente da Comissão de Urbanismo, Transporte e Trânsito, ressalta que a
regulamentação dos aplicativos de transporte também esteve em pauta e cita outras ações da casa
(anteriores e previstas) na busca por soluções que atendam não somente aos interesses das referidas
categorias, mas principalmente aos cidadãos/usuários dos serviços.
Na já citada matéria sobre a reunião entre representantes de moradores e de órgãos públicos
para discutir a possível instalação de um albergue no bairro Costa Carvalho, o vereador Sargento
Mello Casal, presidente da Comissão de Segurança Pública da CMJF, ressalta em uma de suas falas
que o encontro foi marcado a partir de demanda de residentes daquela região. Na busca por soluções
para a questão, estavam previstas novas reuniões com representantes da instituição e da Secretaria
responsáveis pelo setor de assistência social do município, com fins de avaliar os riscos da instalação
de um albergue no local.
Outra questão analisada no tangente às manifestações dos representantes do legislativo foi como
as falas dos mesmos se articulam com as demais e com o texto do repórter, bem como se os
vereadores apresentam argumentos relevantes aos temas - ou seja, utilizam o espaço de fala para
problematizar os assuntos, demonstrando interesse efetivo nas questões apresentadas - ou se utilizam
do espaço somente para divulgar suas ações e/ou do Legislativo.
No que diz respeito à primeira questão, verificou-se que as falas dos vereadores corroboram e/ou
complementam outras informações apresentadas nas matérias. A apresentação de argumentos
relevantes ao tema, por sua vez, se faz presente em quatro das oito manifestações registradas, e
ausente em três, sendo considerada não aplicável a uma das situações analisadas. Uma das ausências
diz respeito à matéria sobre a Semana Municipal do Idoso, na qual o vereador Vagner de Oliveira
poderia, por exemplo, justificar, em relação a demandas dos idosos, algumas das ações já definidas,
bem como utilizar-se de dados sobre edições anteriores para reforçar a importância da ação.
Por outro lado, na matéria sobre a situação da Praça Senador Teotônio Vilela, o vereador Pardal
destaca que a ação visa sensibilizar o executivo em busca de soluções para o problema, uma vez que a
situação em que a praça se encontra inviabiliza o uso do local pelos moradores. Assim, ainda que de
forma indireta, destaca o fato de que os cidadãos têm direito a usufruir daquele espaço e ao lazer,
reforçando a importância da visita.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na presente análise, buscou-se investigar como se deu a representação dos vereadores pelo
jornalismo da JFTV Câmara, a partir de parâmetros que levaram em consideração alguns dos ideais
atribuídos à radiodifusão pública. A partir dos dados levantados, buscou-se traçar considerações
sobre como estes aspectos têm se manifestado nas produções jornalísticas da emissora e, portanto, de
que maneira estes conteúdos têm se voltado às necessidades da população.
De forma geral, observou-se haver um equilíbrio entre a publicização de atos do Legislativo e/ou
de seus representantes e abordagens voltadas aos interesses dos cidadãos. Assim, embora a maioria
dos VTs analisados sejam referentes a ações da Casa, os temas dizem respeito também a questões que
interferem no cotidiano e/ou no exercício de direitos dos munícipes.
Ressalta-se, ainda, que mesmo majoritariamente positivas, as representações dos vereadores
caracterizaram-se por um equilíbrio. Observou-se que, embora algumas delas tenham carecido da
apresentação de dados e argumentos mais completos e de problematizações mais aprofundadas dos
temas, as manifestações dos parlamentares não se voltaram de forma explícita a uma promoção dos
mesmos. A busca por soluções de problemas e/ou demandas da sociedade juiz-forana prevaleceu
diante dos objetivos de divulgação das ações dos legisladores.
Por fim, há de se destacar que, quando comparado com outros recortes de programação já
analisados pela autora, o período aqui investigado apresenta uma maior diversidade de conteúdos.
Neste cenário, chama a atenção a quantidade de matérias relacionadas a temas que podem ser
considerados mais leves, como esporte - com destaque para outros esportes além do futebol e atletas
da cidade - e comportamento - em matéria que aborda pontos positivos e negativos do tempo gasto no
mundo virtual.
A diversidade de conteúdos manifesta-se, principalmente, na edição do JFTV Câmara, composta
por mais produções próprias da emissora que outras analisadas pela autora. Com isso, reduziu-se a
veiculação de materiais de emissoras parceiras e aumentou-se a exibição de materiais inéditos.
A diversidade de conteúdos e temáticas é bem-vinda e representa um esforço da emissora em
ampliar sua presença diante de um público que é diverso e interessa-se por assuntos locais, mas pode
ser melhor trabalhada a partir de uma maior integração dos cidadãos nos debates e da busca por
vieses que reflitam o social (nas matérias de esporte, por exemplo, destacar ações desenvolvidas por
órgãos públicos e entidades sociais em prol da comunidade juiz-forana).

REFERÊNCIAS
BUCCI, Eugênio; CHIARETTI, Marco; FIORINI, Ana Maria. Indicadores de qualidade nas emissoras
públicas - uma avaliação contemporânea. Unesco, 2012. Disponível em:
<http://unesdoc.unesco.org/images/0021/002166/216616por.pdf>. Acesso em: 22 jan. 2019.
CÂMARA MUNICIPAL DE JUIZ DE FORA. Notícias. Disponível em: <
http://www.camarajf.mg.gov.br/anoticias.php>. Acesso em 09 jul. 2018.
_________. Vídeos. Disponível em: < https://www.youtube.com/user/CamaraMJF/featured>. Acesso em 15 jan.
2019.
GOMES, Wilson. Transformações da política na era da comunicação de massa. São Paulo: Paulus,
2004.
HJARVARD, Stig. Midiatização: teorizando a mídia como agente de mudança social e cultural. In: Matrizes,
São Paulo, ano 5, n.2, p.53-91, jan./jun. 2012. Disponível em:
<https://www.revistas.usp.br/matrizes/article/view/38327/41182>. Acesso em: 22 jan. 2019.
MELO, Paulo Victor Purificação. Estado e Comunicação: uma análise da TVs legislativas estaduais no
Brasil. 2014. 170 f. Dissertação (Mestrado em Comunicação) - Universidade Federal de Sergipe, São
Cristóvão, 2014. Disponível em:
<https://ri.ufs.br/bitstream/riufs/4037/1/PAULO_VICTOR_PURIFICACAO_MELO.pdf>. Acesso em: 19 jun.
2018.
SILVA, Helena Cristina Amaral Silva. Autonomia e independência no telejornalismo público: a
cobertura do impeachment de Dilma Rousseff no Repórter Brasil noite. 2016. 102p. Trabalho de Conclusão
de Curso (Graduação em Comunicação Social-Jornalismo) – Faculdade de Comunicação, Universidade
Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2016.
THOMPSON, John B. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.

1 Trabalho apresentado no GT1 - Campanha Permanente e Comunicação Governamental, do I Simpósio Nacional de Comunicação
Política, Eleições e Campanha Permanente, realizado nos dias 27 e 28 de março de 2019.

2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora (PPGCOM-UFJF),


pesquisadora do Núcleo de Jornalismo e Audiovisual (NJA) e do Laboratório de Mídia Digital (LMD). E-mail: helena-
amaral@hotmail.com.

3 As considerações acerca dos princípios da comunicação pública foram tecidas a partir dos pressupostos apresentados no
material Indicadores de Qualidade nas Emissoras Públicas - Uma avaliação contemporânea, elaborado pela Unesco em parceria com a
Empresa Brasil de Comunicação (EBC), e por leituras realizadas no âmbito do projeto O telejornalismo nas emissoras públicas
brasileiras, do qual a autora fez parte como bolsista de iniciação cientifica durante a graduação.

4 De acordo com Bucci, Chiaretti e Fiorini (2012, p.22), os media estatais atendem a três requisitos principais: sua propriedade e
natureza jurídica os vinculam, direta ou indiretamente, ao Estado; sua gestão é subordinada à autoridades de um dos três Poderes da
República, e sua programação sofre limites impostos por uma autoridade externa, estando mais voltada à divulgação das ações dos
órgãos aos quais serve do que à reflexões e debates sobre os fatos. Os canais públicos, por sua vez, não devem estar vinculados ao
Estado, nem tão pouco ao mercado; devem ser financiados por recursos de natureza pública, tais como dotações orçamentárias do
Estado ou da sociedade, e sua programação deve estar livre de interferências externas e ser pautada por valores como a pluralidade de
vozes e a abordagem crítica dos fatos (SILVA, 2016, p.25).

5 http://www2.camara.leg.br/comunicacao/rede-legislativa-radio-tv/tire-suas-duvidas-sobre-a-rede-legislativa-de-tv-digital

6 No período analisado, também não foram encontradas publicações nos sábados e domingos (dias 03, 09 e 10/03), padrão
observado em outras pesquisas realizadas pela autora.

7 O vereador assumiu o cargo em 2019, ocupando o lugar de Roberto Cupolillo (Betão), eleito deputado estadual no pleito de
outubro de 2018.
CAPÍTULO 3

A SEMIÓTICA DE BOLSOZEMA: um olhar sobre a apropriação estratégica das


cores da campanha de Jair Bolsonaro (PSL) e Romeu Zema (Novo)1

Arthur Raposo Gomes2


Daniela Mendes Ferreira de Sousa3

1 INTRODUÇÃO

No campo político, um dos momentos mais importantes é o período eleitoral. É ali que os
candidatos se apresentam para a população como os representantes dos mesmos, utilizando para isso
de intensa e estratégica linguagem publicitária.
Olivo (1994, p. 1) indica que “a linguagem publicitária é um complexo constructo semiótico, que
combina elementos plurisignísticos”. Para o autor, a harmonia dos signos é algo essencial para o
desenvolvimento da cultura política e decisão de voto, uma vez que “as cores predominantes na
propaganda dos candidatos agem como informação cultural e suporte para a expressão simbólica no
processo de comunicação até sua recepção e geração de sentidos”. As cores, convencionalmente,
ligam os partidos com movimentos ideológicos ou intenções políticas.
O presente trabalho tem como objeto de pesquisa as candidaturas de Jair Bolsonaro (PSL) e
Romeu Zema (Partido Novo) aos cargos de Presidente do Brasil e Governador do estado de Minas
Gerais, respectivamente. Durante a campanha, ambos se apresentaram como não-políticos ou
outsiders.
As eleições de 2018 no Brasil ficaram marcadas pelo intenso uso de plataformas digitais, bem
como como a vitória de inúmeros políticos autodenominados como antipolíticos: presidente,
governadores, senadores e inúmeros deputados utilizaram dessa linha argumentativa para conquistar
votos.
Esta pesquisa propõe-se a analisar o uso das cores nas publicações feitas na rede social
Instagram, na semana anterior do segundo turno, ocorrido em 28 de outubro de 2018, traçando
também um breve perfil desses candidatos e do fenômeno da ascensão dos outsiders no Brasil,
iniciado de acordo com as fontes acessadas, em junho de 2013, durante as Jornadas de Junho.
Para isso, foram utilizadas referências bibliográficas utilizadas como base literária para tal
estudo. Entre eles, pode-se destacar: Carlos Augusto Manhanelli (2016); Júlio César Cancellier de
Olivo (2004); Lúcia Santaella (2003); e Philip Kotler (1998). A análise de conteúdo foi utilizada como
principal técnica metodológica.

2. PROPAGANDA E MARKETING POLÍTICO E ELEITORAL: A IMPORTÂNCIA DOS SIMBOLOS


E DAS CORES NO MARKETING

Talvez, entre os termos mais debatidos do campo comunicacional estão os conceitos de


publicidade e propaganda. Segundo Kotler e Keller (2006), o termo publicidade é aplicado para
aquele anúncio não-pago, que gera mídia espontânea e que, de acordo com Martins (2016, p. 3), está
“ligado à matéria jornalística, assessoria de imprensa, relações públicas e comunicação boca a boca”,
enquanto a propaganda define os anúncios pagos.
Martins (2016) ainda ressalta que a definição apresentada por Kotler e Keller é “o inverso do que
muitos autores discorrem em suas teorias” (MARTINS, p.3), mas ele continua expondo que “talvez
nada disso importa, pois o mercado publicitário tem se preocupado com novos desafios” (MARTINS,
2016, p. 1).
Aplicada no campo político, Barcelos e Lisboa Filho (2009, p. 3) esboçam a propaganda como “a
difusão de princípios de algum partido, que implanta e incute uma ideia, uma crença na mente dos
indivíduos tentando influenciar nas suas opiniões através de mecanismos filosóficos, psíquicos e
inscientes, bastantes complexos”.
Sobre o marketing, Kotler (1999, p. 155) o define como “a ciência e a arte de conquistar e
manter clientes e desenvolver relacionamentos lucrativos com eles”. Bonta e Farber (apud Rey, 2007),
por sua vez, enxergam o marketing como uma disciplina que utiliza de instrumentos diversos para
agregar valor às marcas, sendo percebido pelo consumidor final.
Já Las Casas (2006) defende que esse conceito envolve as ações pertencentes às relações de
troca, coordenadas visando satisfazer as necessidades e desejos dos consumidores, alcançando assim,
certos objetivos das empresas ou indivíduos, “considerando sempre o ambiente de atuação e o
impacto que essas relações causam no bem-estar da sociedade” (LAS CASAS, 2006, p. 10).
Silva e Ferreira Júnior (2013, p. 3) comentam que, no ambiente político, o marketing é “a arte de
informar e comunicar com o eleitor; orientar e direcionar as ideias do partido, candidato ou governo,
em função das necessidades identificadas” trabalhando na escolha do seu público e nos esforços para
satisfazê-los, além de “ajudar as necessidades do estado e da sociedade no sentido de servi-los,
aproximando o governo dos governados”, ressaltando o que Kotler (1998) advoga ao afirmar que o
marketing é aplicável a uma vasta quantidade de organizações, tenham elas fins comerciais ou não.
Rego (1985) julga que a ligação que o marketing possui com a política é resultada de diversos fatores
que aconteceram a partir da evolução social.
Weffort (1991) indica que foi Nicolau Maquiavel quem delineou um conceito, ainda muito
primitivo, de marketing político, ao defender que o importante é “parecer ser” (WEFFORT, 1991, p.
18). Silva (2002, p. 18), por sua vez, considera que o marketing político é “o conjunto e planos e ações
desenvolvidos por um político ou partido político para influenciar a opinião pública em relação a
ideias ou atividades”, podendo ser relacionado, por exemplo, com “eleições, programas de governo,
projetos de lei, desempenho parlamentar”. Explicação reforçada por Silva e Ferreira Júnior (2013, p.
4), quando afirmam que, mesmo – às vezes – não parecendo, o objetivo do marketing político “é
entusiasmar, cativar a população a escolher um partido e seus candidatos”.
Manhanelli (1988) registra que

Para o marketing político só interessa a vitória, e quando isso não ocorre, o primeiro culpado é aquele que
traçou a estratégia de ação durante a campanha, não questionando se o candidato se comportou como
orientado, conforme a tática preestabelecida (MANHANELLI, 1988, p. 19).

Freitas e França (2017, p. 3) descrevem que, “os itens que antes faziam parte de forma empírica
e sem representatividade”, através do marketing político, são “utilizados cientificamente na geração
de signos em favor da compreensão social, difusão e percepção favorável à sua imagem”. A ciência
que se dedica ao estudo dos signos é a Semiótica, aprofundada no tópico a seguir.

3. CONCEITOS DA SEMIÓTICA: USO DAS CORES COMO FORMA DE PROPAGAÇÃO DE


IDEIAS POLÍTICAS

A Semiótica é a ciência que se dedica ao estudo e entendimento dos signos: estímulos que
possuem significado, segundo Santaella (2003). De acordo com Santaella (2003), foi Charles Peirce o
responsável por delimitar três maneiras de analisar o fenômeno de significação do objeto significado
por parte do signo: ícone, índice e símbolo.
A partir do pensamento peirceano, ícone é aquele signo que se assemelha ao objeto
representado. Uma fotografia é um ícone visual, enquanto as onomatopeias seriam ícones verbais, por
exemplo. Já o índice é um signo ligado a causa do objeto. Por exemplo, a existência de fumaça é um
índice de que naquele lugar há ou houve fogo. Por sua vez, os símbolos são signos cujo a
interpretação com o seu significado é arbitrária e convencionado, como por exemplo, as letras do
alfabeto e as cores.
Sobre o uso das cores no campo político, Olivo (2004, p. 3) relembra que “o gosto pelas cores
não se dá como uma preferência pessoal, como no ato de se vestir, decorar o quarto ou escolher a cor
de seu carro”. Caso isso acontecesse, as escolhas de candidatos seriam mais simplistas: quem gosta
de azul votaria apenas no candidato que usa a cor azul, enquanto o mesmo ocorreria com quem gosta
da cor vermelha, verde e laranja, por exemplo.
Olivo (2004) ainda narra que, no final da década de 1980, com a redemocratização do Brasil,
cinco partidos políticos tiveram suas atividades iniciadas, utilizando também de determinadas cores e
desenhos para simbolizá-los.

O PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro) adotou o vermelho e o preto, mantendo as cores
do antigo MDB. O PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) seguiu as cores do antigo partido de Getúlio Vargas,
estampando em sua bandeira três listras verticais (preto, branco e vermelho). No PT (Partido dos
Trabalhadores), predomínio da cor vermelha com uma estrela branca. O PDS (Partido Democrático Social)
seguiu as cores vermelho e azul e o PDT (Partido Democrático Trabalhista) o vermelho, azul e branco
(OLIVO, 2004, p. 4).

Já nas décadas de 1980 e 1990, novos partidos foram autorizados a funcionar. O Partido
Comunista Brasileiro (PCB) e o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) seguiram exemplos
internacionais e utilizaram o vermelho em suas marcas; o novo Partido da Social Democracia
Brasileira (PSDB) optou pelo azul e amarelo, enquanto o Partido da Frente Liberal (PFL) escolheu as
cores dominantes da bandeira nacional, verde e amarelo.
Na primeira eleição direta para Presidente da República depois de ditadura militar, em 1989,
Fernando Collor de Mello candidatou-se pelo Partido da Reconstrução Nacional (PRN). “O nome do
candidato escrito na cor azul, aproveitava o duplo “l” para em cada qual estampar uma cor: verde e
amarelo. Um forte apelo nacionalista e que de certa forma resgatava a campanha das Diretas Já
liderada por seus oponentes (OLIVO, 2004, p. 3).
Outro nome citado que, segundo o autor, também utilizou das cores da bandeira nacional é o do
político Fernando Henrique Cardoso. Em 1994, o verde, amarelo e azul estavam presentes em sua
campanha, juntamente com um desenho de um tucano: ave multicolorida brasileira.
Um terceiro exemplo citado por Olivo (1994) é o caso de Luiz Inácio Lula da Silva, candidato do
PT. Em suas três primeiras eleições – nos anos de 1989, 1994 e 1998 –, a cor vermelha estive presente
de maneira predominante.

Os insucessos eleitorais levaram o novo marqueteiro do PT, Duda Mendonça a propor uma alteração na
imagem do candidato, que passou a preocupar-se mais com a forma e não só com o conteúdo de seus
discursos. O vermelho estava demasiadamente associado ao Movimento dos Trabalhadores Sem-terra
(MST) e, quem sabe, até a uma proposta “esquerdista”, talvez responsável pelos seguidos insucessos
(OLIVO, 1994, p. 3).

Os três exemplos nomeados por Olivo (2004) demonstram que o uso das cores de maneira
estratégica e conceitual é usada nas campanhas eleitorais do Brasil há décadas.

4. ESTUDO DE CASO: AS CORES QUE MARCARAM AS CAMPANHAS ELEITORAIS DE


BOLSONARO E ZEMA EM 2018

4.1 Metodologia e Corpus de Análise

A principal metodologia usada é a análise de conteúdo. Bardin (2010) estrutura os passo-a-


passos que devem ser seguidos para realizar uma pesquisa com este método. O processo é iniciado
pela organização do material a ser analisado, que em seguida, por sua vez, é codificado e
categorizado. Por fim, são executados o tratamento e a interpretação dos resultados obtidos.
Tendo em vista que a eleição ocorrida em 2018 traz um fato, até então, inédito no Brasil – a
vigência de uma legislação específica para o marketing político nas diversas redes sociais4 e a
expressiva utilização das mídias digitais como ferramentas para promoção dos candidatos5 –, os
objetos definidos para a análise serão os perfis do Instagram, rede social caracterizada pelos
atributos visuais6, do candidato a presidência Jair Bolsonaro e do candidato a governador do estado de
Minas Gerais, Romeu Zema. Os prints das redes sociais foram feitos no dia 25 de novembro de 2018.
O período a ser analisado as publicações nas fanpages foi na semana anterior ao dia da votação
do 2º turno, realizada no dia 28 de outubro de 2018, ou seja, foram recortados os posts feitos entre os
dias 21 e 27 de outubro de 2018.

4.2 Estratégias de Bolsonaro e Zema: estudo das cores e da semiótica como forma de
promoção dos candidatos

4.2.1 Bolsonaro e o verde e amarelo: sentimento de patriotismo e tentativa de fortalecer a


identidade

Formado em Educação Física e deputado federal há sete mandatos consecutivos, pode-se alegar
que o trajeto eleitoral que levou Jair Messias Bolsonaro ao cargo de presidente do Brasil foi iniciado
em junho de 2013, quando a imagem de tradicionais figuras políticas sofreram danos, figuras de
direita começaram a ascender política e as mídias digitais se tornaram meio de contato entre
militâncias virtuais para a convocação de atos, características em comum da campanha feita por
Bolsonaro em 2018.
Em 2015, demonstrou interesse em deixar o partido que fazia parte até então, o Partido
Progressista (PP). Mas a mudança de partido político ocorreu apenas em 2016, quando Jair Bolsonaro
mudou para o Partido Social Cristão (PSC) com a intenção de se candidatar ao cargo de presidente7.
A candidatura de Jair Bolsonaro foi oficializada em julho de 2018, meses depois de trocar
novamente de partido. Desta vez, o educador físico migrou para Partido Social Liberal (PSL) (PSL,
2018, meio digital) e se apresentou firmemente como candidato a favor do antipetismo.
O início oficial da campanha eleitoral para o cargo de Presidente do Brasil iniciou-se em 2018 de
maneira conturbada, uma vez que existia a dúvida se o então candidato inicialmente registrado do
Partido dos Trabalhadores (PT), Luís Inácio Lula da Silva, seria mantido até o momento do pleito, uma
vez que após ser condenado pelo caso do triplex em Guarujá, São Paulo, Lula estaria impedido de
candidatar pela Lei da Ficha Limpa8.
Em pesquisa divulgada pelo G1 em 22 de agosto de 2018, Bolsonaro estava em segundo lugar,
perdendo somente para o então candidato do PT. No entanto, com a impugnação do nome de Lula,
que foi substituído pelo do professor Fernando Haddad, Bolsonaro assumiu o primeiro lugar das
pesquisas de intensão de voto até as vésperas do pleito9.
Tendo feito coligação apenas com o Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB), o candidato
a presidente do PSL, no período eleitoral do primeiro turno, tinha apenas 18 segundos no Horário de
Propaganda Eleitoral Gratuita (HPEG) do rádio e da televisão10, decidindo por investir na campanha
através das redes sociais. No início de agosto, Jair Bolsonaro já contava com mais de oito milhões de
seguidores, divididos entre Instagram, Twitter e Facebook11.
Durante a semana que antecedeu o segundo turno das eleições presidenciais, o Instagram do
então candidato Bolsonaro realizou 42 publicações em sua rede social: fotografias, artes gráficas,
prints, vídeos do candidato e de demonstração de apoio ao próprio – gravados com celular, além de
trechos do candidato oposto, Fernando Haddad, do Partido dos Trabalhadores (PT).
Dos posts compartilhados no Instagram de Bolsonaro, 19 – ou aproximadamente 45,23% - deles,
contam com as cores da bandeira do Brasil (verde, amarelo e azul) predominantes, como por exemplo
da arte gráfica a seguir:

Figura 1 – Prints de publicações com as cores da bandeira do País no perfil do candidato Bolsonaro
Fonte: Instagram de Jair Bolsonaro. (25 nov 2018, meio digital)

Já em oito publicações, número que representa 19,04% do total, o verde e o amarelo estão
presentes de maneira pontual e discreta, seja através da presença de camisas e bandeiras, que levam
essas cores, em vídeos, seja na foto de perfil do Twitter do então candidato a presidente que aparece
em print postado no Instagram, como pode-se ver abaixo.

Figura 2 – Prints de publicações com as cores da bandeira do País discretamente presentes no perfil
do candidato
Fonte: Instagram de Jair Bolsonaro. (25 nov 2018, meio digital)

Mesma porcentagem representa o número de publicações onde o vermelho e preto se destacam.


No período analisado, essas cores estiveram presentes em publicações diversas – principalmente,
vídeos – cujo o conteúdo é sobre o partido concorrente (PT) e vídeos de apoiadores ao candidato do
partido de PSL.

Figura 3 – Print de frame de vídeo com as cores preta e vermelha no perfil do candidato Bolsonaro
Fonte: Instagram de Jair Bolsonaro. (25 nov 2018, meio digital)

Esse número é semelhante ao número de publicações sem qualquer referência às cores da


bandeira nacional brasileira: nos dias pesquisados, foram sete posts (16,66%). Os assuntos principais
foram vídeos de apoiadores e do próprio candidato gravados com celular, fotografias e prints de
notícias.

Figura 4 – Print de postagem sem cores específicas dominantes no perfil do candidato Bolsonaro
Fonte: Instagram de Jair Bolsonaro. (25 nov 2018, meio digital)

Ao realizar tal análise, nota-se que o perfil de Jair Bolsonaro no Instagram reflete o que a
literatura já havia indicado anteriormente que o fato dos candidatos da ala direita da política nacional
ter se apropriado de maneira mais eficiente do fenômeno que foram as Jornadas de Junho de 2013,
onde os brasileiros usaram as cores da bandeira para manifestar-se contra a corrupção. Na semana
estudada, o Instagram de Bolsonaro compartilhou 27 publicações contendo as cores da bandeira do
país, o que representa 64,28%, se apresentando ainda como o antipolíticos.
Bolsonaro também foi indiretamente responsável pela vitória de candidatos a governador de todo
o país. Um deles, é Romeu Zema.

4.2.2 Zema e o laranja: auto apresentação como o novo perante os tradicionais tucanos azuis
e companheiros vermelhos

No dia 28 de outubro de 2018, o empresário Romeu Zema foi eleito como novo governador do
estado de Minas Gerais. Essa foi a primeira eleição que Zema – candidato do partido Novo –
participou, cuja expressão em grande parte do período eleitoral era muito pequena, segundo
pesquisas de intenções de voto. Em matéria jornalística publicada um dia após o primeiro turno pelo
portal do jornal Hoje em Dia, os repórteres Lucas Simões, Tatiana Moraes e Rafaela Matias chegaram
a resumir a trajetória de Zema durante o primeiro turno como “De nanico a Líder, Romeu Zema
surpreende, atropela Pimentel e vai ao 2º turno com Anastasia”12.
Ainda segundo esta mesma reportagem, a campanha eleitoral do candidato foi praticamente toda
montada através da internet, uma vez que o partido Novo, durante o primeiro turno, garantia a Zema
apenas seis segundos de espaço no HGPE do rádio e da televisão “e, dos quatro debates televisivos no
primeiro turno, só participou de um, na Globo” (SIMÕES, MORAES, MATIAS, 2018, meio digital).
Já de acordo com reportagem publicada pelo Correio Braziliense (2018, meio digital)13, foi depois
deste debate entre os candidatos ao cargo de governador do estado de Minas Gerais, promovido pela
Rede Globo, que a candidatura de Romeu Zema ganhou força. “Na ocasião, Zema, em suas
considerações finais, pediu votos para os candidatos à Presidência do Novo, João Amôedo, e do PSL,
Jair Bolsonaro” (CORREIO BRAZILIENSE, 2018, meio digital).
Romeu Zema é integrante do partido Novo. De acordo com o próprio site institucional do partido
em Minas Gerais14, o “NOVO é um movimento que foi iniciado por cidadãos insatisfeitos com o
montante de impostos pagos e a qualidade dos serviços públicos recebidos” (NOVO, 2018, meio
digital).

Figura 5 – Logo do partido Novo utiliza principalmente da cor laranja15

Fonte: Site do Novo – Minas Gerais. (Out.2018, meio digital)

O material de apresentação do partido disponível também no site institucional, enumera as


diferenças do Novo com os outros partidos, entre elas estão: (1) incentivo a visão de longo prazo, sem
personalismo e com cultura de excelência e meritocracia; (2) uma marca que simboliza a inovação; (3)
os candidatos são escolhidos através do processo seletivo que analisa os valores e a capacidade
técnica dos mesmos; (4) uso intenso das redes sociais e (5) o partido não faz uso do fundo partidário,
dependendo exclusivamente de doações feitas por apoiadores. Neste mesmo material, outro ponto
merece ser destacado: o uso predominante da cor laranja e o verde-escuro como cor secundária.
Durante os dias analisados, o perfil no Instagram do então candidato Zema realizou 66
publicações – entre fotografias (11), artes gráficas (24), vídeos gravados por apoiadores (2) e do
próprio candidato (9) feitos com celular até vídeos de campanha mais elaborados (15), além de
trechos de debates e entrevistas (5).
Em quatro dessas publicações (que corresponde a aproximadamente 6,06% ao total), o verde e
amarelo ficam em evidência através de camisas vestidas pelo próprio Romeu Zema e apoiadores de
sua candidatura: entre estes, estão a jornalista Joice Hasselmann, eleita a mulher mais votada da
Câmara dos Deputados pelo estado de São Paulo, apoiadora do presidenciável Jair Bolsonaro, que
gravou um vídeo em apoio ao candidato do partido Novo.

Figura 6 – Print de vídeo feito por Joice Hasselmann publicado no perfil do candidato Zema
Fonte: Instagram de Romeu Zema. (25 nov 2018, meio digital)

Já entre as artes gráficas – formato de publicação mais recorrente durante o período analisado,
correspondente a cerca de 36,36% do total – o laranja é o mais presente entre elas.

Figura 7 – Print de publicações com ênfase na cor laranja no perfil do candidato Zema

Fonte: Instagram de Romeu Zema. (25 nov 2018, meio digital)

Apesar disso, existem alguns casos específicos em que outras cores foram predominantes: o
tradicional laranja com detalhes em verde escuro ficou de lado, e foram usadas cores como o verde e
vermelho, cinza e laranja, como nos exemplos a seguir.

Figura 8 – Print de publicações com outras cores no perfil do candidato Zema


Fonte: Instagram de Romeu Zema. (25 nov 2018, meio digital)

Em ambos os episódios, as publicações fazem referência a, nas palavras do candidato Zema,


mentiras proferidas pelo adversário na campanha do segundo turno das eleições, o senador Antônio
Anastasia (PSDB).
Também existiram dois casos em que as cores utilizadas como primárias e secundárias foram
invertidas: o laranja foi utilizado nos detalhes, enquanto o verde escuro, ficou como cor principal.
Essa troca foi realizada, pois se tratam de notas oficiais. No caso do print acima, relacionado com
uma suposta doação para a campanha de Manuela D’Ávila em 2018. E, no outro caso, trata-se de uma
declaração feita pelo candidato durante debate.
Em 13 postagens (19,69%), a menção as cores do partido ocorrem de maneira discreta, através
de adesivos fixados nas roupas do candidato ou de apoiadores ou camisas da cor laranja.
Em 10 das publicações, não existe qualquer uso da cor laranja. Esse número representa cerca de
16,66% do número total. E a maior parte dos casos são vídeos retirados de debates, vídeo do apoiador
Arthur Moledo do Val, eleito Deputado Estadual em São Paulo e fotografias de impressões. E em 15
vídeos publicados (22,72%) durante os dias analisados, o laranja predomina. A característica em
comum entre eles é que todos foram editados e melhor trabalhados e, quando mencionam o candidato
Anastasia, a cor principal é trocada para azul.
Uma ação interessante realizada nas publicações eleitorais de Romeu Zema é o uso das cores
para fazer clara associação ao concorrente Antônio Anastasia. Em posts audiovisuais, o tradicional
uso do laranja é substituído pelo azul, cor predominante do partido de Anastasia, ou pelo roxo. Já em
casos de supostas informações falsas divulgadas pelo concorrente, a campanha de Zema prefere por
utilizar de verde e vermelho, cores associadas de maneira arbitrária a certo e errado,
respectivamente, e do cinza.
Já sobre o uso do verde e amarelo, percebe-se a tentativa de aproximar-se intensamente da
campanha eleitoral de Bolsonaro. Se ainda no primeiro turno, Zema ganhou forças ao citar Bolsonaro
durante debate televisivo, no segundo, o candidato a governador se esforça para se associar ao
candidato a presidente, utilizando de cores inicialmente estampadas na campanha de Bolsonaro e
contando, inclusive, com depoimento de apoiadores diretos do presidenciável.
Apesar disso, o laranja ainda continuou prevalecendo na maioria das publicações – seguindo as
cores primárias do partido e ainda, como uma opção inovadora ao governo do estado mineiro, uma
vez que os então preferidos ao cargo, Pimentel (PT) e Anastasia (PSDB) utilizam do vermelho e do
azul, principal e respectivamente. Algo que foi reforçado através das declarações de Romeu Zema à
imprensa: em reportagem assinada16 por Téo Takar e publicada pelo Portal UOL em 28 de outubro de
2018,

Zema se apresentou na campanha como opção de renovação, em oposição a figuras tradicionais da política
mineira. “Estou aqui porque acredito em mudanças que os mesmos políticos de sempre não serão capazes
de conduzir”, disse o governador eleito durante a sua campanha (UOL, 2018, meio digital).

O uso do laranja do partido Novo contra o vermelho do PT e o azul do PSDB, assim como a
tentativa de associação com o verde e amarelo de Bolsonaro, trouxe resultados positivos. Em 28 de
outubro de 2018, Zema foi eleito como governador de Minas Gerais, sendo o primeiro estado a eleger
um governador do Novo.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho objetivou analisar como foi o uso das cores, quais foram predominantes e de que
forma foram utilizadas de maneira estratégica nas publicações feitas na rede social Instagram
durante a semana que antecedeu o segundo turno das eleições 2018, por parte dos candidatos Jair
Bolsonaro e Romeu Zema.
No caso do candidato à presidência, que utilizou principalmente do verde e amarelo, podemos
associar ao que aconteceu com Collor em 1989, que também utilizou das cores da bandeira nacional
brasileira, que estavam em voga – na época, por causa da manifestação de Diretas Já!, que por sua
vez, pode ser relacionada com as Jornadas de Junho de 2013, quando brasileiros também tomaram as
ruas utilizando camisas e bandeiras com essas cores.
Já sobre Zema, nota-se que em grande número dos posts há uma ligação lógica para com a cor
primária de seu partido. No entanto, em muitas outras, o governador eleito de Minas Gerais adotou o
verde e amarelo em uma tentativa de aproveitar da boa colocação de Bolsonaro nas pesquisas de
intenção de voto.
Enfatiza-se o fato que os autores deste artigo têm esperança que este trabalho incentive análises
de objetos até então pouco estudados e contribua para os estudos acadêmicos sobre um destes
objetos trabalhados, o partido Novo. Eles também acreditam que este artigo possa iniciar outros
desdobramentos de cunho científico.

Referências
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das eleições municipais de São Borja – RS. In: Anais do X Congresso de Ciências da Comunicação na
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WEFFORT, Francisco Correa. Os clássicos da política. 2. ed. São Paulo: Ática, 1991.

1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho 2 – Propaganda Política e Marketing Eleitoral, I Simpósio Nacional de
Comunicação Política, Eleições e Campanha Permanente, 27 a 28 de março de 2019.
2 Graduado em Publicidade e Propaganda pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora (CES/JF), é estudante de Comunicação
Social – Jornalismo na Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) e pós-graduando em Comunicação Corporativa, Planejamento e
Gestão pela Universidade Cândido Mendes (UCAM). E-mail: arthurraposogomes@gmail.com

3 Psicóloga formada pela Universidade Federal de São João del Rei, Especialista em “Psicanálise, Subjetividade e Cultura” pela
Universidade Federal de Juiz de Fora e graduanda em Comunicação Social - Jornalismo, onde participa do Projeto de Iniciação Cientifica
intitulado “Movimento feminista no ciberespaço: a conciliação entre a emancipação política e as sociabilidades sob o prisma dos afetos”.
E-mail: dani.mfsousa@gmail.com.

4 Informação retirada de matéria publicada no portal Época – Negócios. Eleições 2018: onde encontrar os candidatos à
presidência nas redes sociais. 10 set 2018. Época – Negócios. Disponível em:
<https://epocanegocios.globo.com/Brasil/noticia/2018/09/eleicoes-2018-onde-encontrar-os-candidatos-presidencia-nas-redes-
sociais.html> Acesso em 18 out 2018.

5 Informação retirada de matéria publicada no portal da TV Senado. Redes sociais assumiram o comando das eleições de 2018,
diz analista. 28 out 2018. TV Senado. Disponível em: < https://www.senado.leg.br/noticias/tv/video.asp?v=451917> Acesso em 02 nov
2018.
6 Informação retirada do blog do Rock Content. Instagram: saiba tudo sobre esta rede social. 12 set 2016. Rock Content –
Marketing de Conteúdo. Disponível em: < https://marketingdeconteudo.com/instagram/> Acesso em 25 nov 2018.

7 Informações retiradas das seguintes reportagens: ROLLSING, Carlos. As explicações para a vitória de Jair Bolsonaro. 28 out
2018. Portal Gaúcha ZH. Disponível em: < https://gauchazh.clicrbs.com.br/politica/eleicoes/noticia/2018/10/as-explicacoes-para-a-
vitoria-de-jair-bolsonaro-cjnthm8cq097b01rx3fd28fti.html> Acesso em 25 nov 2018.

MOLIN, Giorgio Dal. De desacreditado a virtual presidente. 27 out 2018. Gazeta do Povo – Eleições 2018. Disponível em: <
https://especiais.gazetadopovo.com.br/eleicoes/2018/campanha-presidente-jair-bolsonaro-presidencial/> Acesso em 25 nov 2018.
8 Pesquisa Datafolha: Lula, 39%; Bolsonaro, 19%; Marina, 8%; Alckmin, 6%; Ciro, 5%. G1. 22 ago 2018. Disponível em: <
https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/eleicao-em-numeros/noticia/2018/08/22/pesquisa-datafolha-lula-39-bolsonaro-19-marina-8-
alckmin-6-ciro-5.ghtml> Acesso em 25 nov 2018.

9 ERNESTO, Marcelo. Ibope e Datafolha mostram que Bolsonaro ganha de Haddad, mas perde para Ciro em 2º turno.
06 out 2018. Portal do jornal Estado de Minas. Disponível em: <
https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2018/10/06/interna_politica,994878/ibope-e-datafolha-mostram-que-bolsonaro-ganha-de-
haddad-mas-perde-par.shtml> Acesso em 25 nov 2018.

10 REZENDE, Constance. Bolsonaro planeja ‘lives’ no horário eleitoral para driblar pouco tempo de TV. 21 ago 2018.
Estadão – Política. Disponível em: < https://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,bolsonaro-planeja-lives-no-horario-eleitoral-para-
driblar-pouco-tempo-de-tv,70002467261> Acesso em 25 nov 2018.
11 SANDIN, Caio. Bolsonaro e Lula lideram nas redes sociais. 07 ago 2018. R7 – Coluna do Fraga. Disponível em:
<https://noticias.r7.com/prisma/coluna-do-fraga/bolsonaro-e-lula-lideram-nas-redes-sociais-07082018> Acesso em 25 nov 2018.
12 SIMÕES, MORAES, MATIAS; Lucas, Tatiana, Rafaela. De nanico a Líder: Romeu Zema surpreende, atropela Pimentel e vai ao
2º turno com Anastasia. 08 out 2018. Portal Hoje em Dia. Disponível em: <https://www.hojeemdia.com.br/primeiro-plano/de-nanico-a-
l%C3%ADder-romeu-zema-surpreende-atropela-pimentel-e-vai-ao-2%C2%BA-turno-com-anastasia-1.662027> Acesso em 25 nov 2018.

13 Em MG, Romeu Zema sai de ‘nanico’ a líder das pesquisas em duas semanas. 07 out 2018. Portal Correio Braziliense.
Disponível em: < https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2018/10/07/interna_politica,710943/em-mg-romeu-zema-
saiu-de-nanico-a-lider-das-pesquisas-em-duas-seman.shtml> Acesso em 25 nov 2018.
14 PARTIDO NOVO – Minas Gerais. Disponível em: <http://minas.novo.org.br/> Acesso em 25 nov 2018.

15 Segundo informação obtida através de contato via formulário digital com o Diretório Nacional do partido Novo, mensagem
recebida por <arthurraposogomes@hotmail.com> em 26 nov 2018 do email <faleconosco@novo.org.br>,a cor laranja foi “escolhida
logo na fundação do NOVO por ser a única cor que nenhum outro partido utilizava”.

16 TAKAR, Téo. Zema aproveita onda Bolsonaro, ganha em MG e garante 1º estado para o Novo. 28 out 2018. Portal UOL.
Disponível em: < https://noticias.uol.com.br/politica/eleicoes/2018/noticias/2018/10/28/romeu-zema-novo-bolsonaro-vence-governador-
minas-gerais.htm> Acesso em 25 nov 2018.
CAPÍTULO 4

A CAMPANHA PRESIDENCIAL DE TEMER NO FACEBOOK.1


Um caso de campanha permanente e retórica eleitoral nas redes sociais.

Manoel Assad Espindola2


Willian José de Carvalho 3
Paulo Roberto Figueira Leal4
Universidade Federal de Juiz de Fora

1. Introdução

Convencionou-se dizer que vivemos em uma sociedade midiatizada e que a nossa realidade é, em
grande medida, construída por aquilo que a mídia seleciona, trata e difunde. Essa onipresença
midiática acompanha a contemporaneidade desde a década de 1990, paralelamente ao avanço
tecnológico da televisão, mas acentuou-se, sem medida, nos dias de hoje com a velocidade da
internet. Rodrigues (1999) trata da centralidade da mídia para os campos sociais e autores já tratam
do processo de midiatização que permeia o cotidiano dos indivíduos.
A mídia está presente em todos os campos sociais no mundo contemporâneo, não é diferente com
a política, aqui também existe um estreito relacionamento. Para Castells (2006), as agendas do campo
político e, mesmo as decisões que dele emanam, são feitas para a mídia, na busca de obter o apoio
dos cidadãos ou, pelo menos, atenuar a hostilidade frente às decisões tomadas. Essa relação
simbiótica muda a perspectiva do tempo eleitoral. É notório que as campanhas não se restringem
mais aos “períodos eleitorais”, ao contrário há continuamente estratégias de busca ou manutenção do
poder e as campanhas são permanentes.
De acordo com a definição de Lilleker (2006), a campanha permanente se caracteriza pelo uso
dos recursos da comunicação política por indivíduos e organizações eleitas a fim de construir e
manter uma boa imagem com a opinião pública. No entanto, a utilização das técnicas do marketing
político com a ideia de campanha permanente não está restrita aos políticos mandatários, nesse jogo
político também jogam a oposição, no caso dos governos executivos, e aqueles que aspiram por um
mandado no legislativo.
Esse artigo buscou compreender como o PMDB utilizou as suas redes sociais para fazer
campanha pró impeachment e, consequentemente, em favor de Temer presidente. Para isso, a
proposta foi analisar quanti-qualitativamente as postagens da página oficial do partido na rede social,
através da contagem dos posts e de sua qualificação (a favor do impeachment ou não), entre o dia da
saída oficial do PMDB do governo Dilma, 29 de março de 2016, e o afastamento da ex-presidente pelo
senado, no dia 12 de maio de 2016. A partir dessa qualificação também se buscou, a partir da
perspectiva da retórica política elaborada por Figueiredo (1998), compreender as características
discursivas dos principais conteúdos da página no mesmo período.

2. Da mediação à midiatização

A evolução tecnológica dos meios e as transformações culturais/sociais da contemporaneidade


parecem estar imbricadas. Talvez porque a própria relação comunicação x sociedade x cultura seja
simbiótica. Do desenvolvimento da linguagem e os desenhos nas cavernas ao desenvolvimento das
mídias contemporâneas a comunicação esteve presente na vida do homem de forma incisiva, e, em
muitos momentos, foi força motriz do desenvolvimento da humanidade.
O espaço temporal entre o XX e o início do XXI marcou grandes transformações no paradigma
comunicacional, que, desde o surgimento da imprensa, até o desenvolvimento das nova mídias digitais
- passando pela evolução do rádio, da tv e da internet - alteraram de forma significativa não somente a
forma que nos comunicamos, mas, sem dúvidas, a sociedade como um todo.
Rodrigues (1999) considera que a modernidade fez surgir o campo dos media, “um campo dotado
de legitimidade para superintender à experiência de mediação” e que desse campo emergiram
interfaces com outros campos, sendo os media, responsáveis pelo controle social ou, ao menos, a
tentativa de obtê-lo. Martín-Barbero, a partir dos anos 80, apresenta uma perspectiva diferente da
visão pessimista e unidirecional da relação entre mídias e sociedade da escola frankfurtiana. Sua
visão culturalista, como apontado por Braga (2012), traz como abordagem uma mediação
fundamental entre a sociedade e as proposições da mídia de massa: a inserção cultural do receptor.
Para Braga (2012), a formulação de Martín-Barbero, hoje antológica, aciona uma mudança de foco no
estudo das comunicações de massa que vai “dos meios às mediações” e leva a duas ações cognitivas
relevantes. Uma delas propõe a transição da visão objetivista dos meios, apontada pelos estudiosos da
industrial cultural, para uma visão de relacional entre meio e sociedade; a outra apresenta uma
preocupação com a forma, a intensidade e eficácia das mediações culturais no enfrentamento das
mídias e seus produtos. “Essa percepção é relevante, não apenas porque põe em cena o receptor
integrado em seus ambientes – mas também porque começa a fazer perceber os processos
midiatizados” (BRAGA, 2012, p.33).
Fausto Neto (2006) também apresenta como importante a contribuição dos estudos culturais na
perspectiva teórica da comunicação e a proximidade com os novos estudos da midiatização. “Os
caminhos de transição entre a percepção dos meios como suportes de veiculação da vida dos campos
sociais e a relevância, posterior, que toma o conceito de mediação” (FAUSTO NETO, 2006, p. 7) estão
em sintonia com o conceito de midiatização e parecem ser construídos em contextos bastante
próximos.
Hjarvard (2015) afirma que o estudo da midiatização, por sua vez, considera as transformações
estruturais de longo prazo no papel da mídia na sociedade e na cultura contemporâneas. Isso significa
dizer que, enquanto as pesquisas da mediação fornecem extensa informação sobre a influência que as
mídias exercem nas práticas comunicativas, elas não dão conta, especificamente, da relação entre a
mídia, a cultura e a sociedade. É justamente por isso que o autor dinamarquês enfatiza a necessidade
de direcionar a atenção para a forma como mídia exerce influência não somente no circuito
comunicativo de emissor, mensagem e receptor, mas também na relação de troca entre a mídia e
outras esferas da cultura e da sociedade.
Para esse autor, a diferença entre mediação e midiatização é teoricamente e analiticamente
importante, apensar de os próprios processos de mediação e midiatização não serem empiricamente
distintos, uma vez que o efeito acumulado das práticas de trocas mediadas pode representar uma
instância da midiatização. Fausto Neto (2008) esclarece que a midiatização é fruto de grandes e
complexas transformações na sociedade, nos seus modos de interação e sua articulação com os
aparatos tecnológicos, que instauram novos protocolos técnicos. Para ele, a disseminação de novos
protocolos técnicos na estrutura organizacional da sociedade que transformam tecnologias e meios de
produção, circulação e recepção de discursos.

Já não se trata mais de reconhecer a centralidade dos meios na tarefa de organização de processos
interacionais entre os campos sociais, mas de constatar que a constituição e o funcionamento da sociedade
– de suas práticas, lógicas e esquemas de codificação – estão atravessados e permeados por pressupostos e
lógicas do que se denominaria a «cultura da mídia» (FAUSTO NETO, 2008, 92)

Hjarvard (2015) exemplifica com a introdução da ferramenta de internet banking e a


subsequente transformação do costume de realizar serviços bancários presencialmente, para uma
atividade predominantemente mediada. Segundo ele, isto se ilustra perfeitamente parte de um
processo de midiatização geral do setor financeiro, em cuja infraestrutura tecnológica e institucional
a mídia digital passou a constituir um elemento central.
Verón (1997) argumenta que essa cultura da mídia permeia as práticas sociais, fazendo com que
os atores sociais e as instituições não midiáticas também sejam empoderadas no processo, tendo
condições de proceder a interferências múltiplas. Desta forma, há pontos de contatos diversos,
ampliando a complexidade da própria comunicação.
Fica claro que, por muitas razões, já não há como considerar a mídia como um corpo estranho
perdido dentro do complexo social. Pelo contrário, a crescente midiatização dos processos sociais
acelera e diversifica os modos pelas quais a sociedade interage entre si. Hjarvard (2015) deixa claro
que o termo midiatização é utilizado para denotar a importante e intensa ação transformadora da
mídia na cultura e na sociedade. Isso significa dizer que, ao se referir a midiatização da cultura e da
sociedade, fala-se dos processos por meio dos quais a cultura e a sociedade tornam-se cada vez mais
dependentes das mídias e sua lógica de operação. Sobre essa “lógica da mídia”, Hjarvard (2015)
chama atenção para o fato de não se referir à uma lógica pasteurizada, comum a todos os formatos de
mídia, pelo contrário, para ele esse conceito se refere apenas a uma simplificação da forma de
funcionamento institucional, estético e tecnológico da mídia, considerando também as formas pelas
quais ela distribui recursos materiais/simbólicos e ainda a forma como ela opera com o auxílio de
regras formais e informais. Sendo assim, pode-se dizer que as instituições são caracterizadas por
diferentes lógicas.

Por exemplo, a instituição da política é governada por diversas regras formais e informais que podem, em
alguns aspectos, estar em desacordo com o modus operandi da mídia. Uma vez que política e mídia são
mutuamente dependentes, tais instituições devem ajustar seu funcionamento interno às lógicas uma da
outra, permitindo diferentes tipos e graus de política midiatizada e mídia politizada. (HJARVARD, 2015,
p.54)

O autor dinamarquês ainda, com o objetivo de facilitar a compreensão de como a mídia influencia
as instituições sociais e as culturas, afirma que é necessário combinar dois tipos de análise, uma que
observe a influencia estruturante da mídia na internação social situada e outra que compreenda a
institucionalização da mídia, tanto dentro de outras instituições como através do desenvolvimento da
mídia como instituição semi-independente em si própria. Para Hjarvard (2015), a midiatização
acontece através dessa institucionalização de padrões de interação particulares e “alocação dos
recursos interacionais no interior de uma instituição social ou esfera cultural em particular”
(HJARVARD, 2015, p. 54). Par a ele, a mídia não pode ser considerada um fator externo às interações
ou instituições sociais, pelo contrário, tem de ser analisada como parte integrante da estruturação de
ambas.

3. Interface mídia e política

Como visto, a mídia está presente em todos os campos sociais no mundo contemporâneo, e isso
não é diferente com a política. Para Castells (2006), as agendas do sistema político e mesmo as
decisões que dele emanam são feitas para a mídia, na busca de obter o apoio dos cidadãos ou, pelo
menos, atenuar a hostilidade frente às decisões tomadas. Segundo o autor, a atividade midiática
repousa sobre uma dicotomia: algo existe no pensamento do público se está presente na mídia, e, esse
fato induz uma relação orgânica à linguagem midiática que pode ser verificada na TV, rádio, mídia
impressa ou internet.
O raciocínio de Castells é apoiado por Gomes (2004) que afirma que o campo da mídia é regido
pela lógica da publicidade. Para o autor, a cultura midiática está enraizada na dialética do sistema
produtivo e, nesse sentido, a publicidade deve atender às exigências desse sistema. Isso se dá pela
padronização dos objetos devido à necessidade do planejamento industrial da produção e, pelo fato de
a mídia constituir um negócio altamente lucrativo e trabalhar com uma demanda planejada, ou seja, a
publicidade procura criar necessidades nos consumidores a fim de vender seus produtos com maior
facilidade através de mecanismos operatórios como a sedução.
Dessa maneira, segundo Gomes (2004), a mídia impõe ao campo da política uma série de regras
e, para se acomodar à lógica midiática, os atores políticos precisam se adaptar a esses mecanismos. É
por isso que a política, para atender a esta nova exigência, se vê obrigada a recorrer não só à
retórica, mas também à poética, que é a arte de produzir boas representações, visando provocar um
efeito emocional no público. Além da retórica, é preciso encenar, despertar paixão, emocionar, tudo
para manter uma boa audiência e garantir que as mensagens cheguem aos eleitores.
Obviamente essa retórica publicitária das propagandas políticas evoluiu consideravelmente,
junto com os próprios meios de comunicação, mas os seus efeitos já eram investigados em 1963 por
Jean-Marie Domenach. Para o autor, essa técnica surge como forma de influenciar a opinião pública,
surgida em consequência das mudanças econômicas e sociais do século XX, entre elas, e
principalmente, as novas concentrações urbanas.
Entretanto, o uso desse tipo de artifícios não nasce, necessariamente, com o surgimento das
mídias de massa. Do príncipe de Maquiavel ao Rei Sol (Luís XIV na França), as estratégias
comunicacionais e a lógica da espetacularização já faziam parte da construção e personalização de
lideranças da política. Schwartzenberg (1977) tipifica em sua obra os modelos de lideranças num
cenário de política espetacular. Os modelos ideais citados por ele resgatam o herói – líder salvador e
que encarna os sentimentos da nação; o homem comum – político próximo ao perfil do cidadão médio
e menos afeito ao destaque midiático; o líder charmoso – assemelha-se às estrelas de cinema e TV e
utiliza a boa imagem física como atributo de sua locução; o pai - o homem experiente, informado,
prudente, responsável e a pessoa mais capacitada para tomar as decisões corretas; aqui, já se
percebiam a relevância dos papéis adotados pelos líderes políticos e o modo como estes manejavam
as características apresentadas ao grande público. A relação entre o espetáculo dramático e o político
trouxe como consequência, além da criação das personas políticas, a personalização do poder e a
teatralização da vida pública.
Para Rubim (2002), esse novo espetáculo assemelha-se às encenações; como “um momento e um
movimento imanentes da vida societária” (RUBIM, 2002, p.1), assim como ritos, rituais, imaginários,
representações, papéis, máscaras sociais. É justamente por isso que essa encenação faz parte da vida
política e está tão presente na sociedade. O espetáculo e poder político, para Rubim, se confundem
com a prática social atual e com o próprio agir humano. Especificamente na política, segundo Gomes
(2004), essa representação se converte na imagem pública dos atores políticos. Para o autor, a relação
entre as atividades políticas e a criação e circulação de imagens é cada vez mais intrínseca e a
disputa dentro do campo, em período eleitoral ou não, é na verdade uma competição pela construção
e controle das imagens dos atores políticos, sejam grupos, partidos ou instituições.

4. Campanhas permanentes e o novo tempo eleitoral

Entretanto, é notório que as disputas políticas não se restringem mais aos períodos eleitorais,
pelo contrário, o que se percebe são estratégias de busca e/ou manutenção do poder de forma
contínua, isso quer dizer que as campanhas são permanentes. Uma característica da campanha
permanente é o uso das mídias para a construção de imagens positivas por políticos, partidos e outras
instituições políticas. Para Lima (2004), a própria noção do que é o público se transformou com o
empoderamento dos veículos de comunicação, não há mais a necessidade da partilha de um espaço
físico, de co-presença - agora o público pode estar distante no tempo e no espaço. “Dessa forma, a
mídia suplementa a forma tradicional de constituição do público, mas também a estende, transforma e
substitui. O público agora é midiatizado” (LIMA, 2004, p.51). É nesse novo cenário que os atores
políticos precisam competir por visibilidade e convencer sobre seus pontos de vista.
Galicia (2010), citado por Martins (2016), também alerta sobre o poder dos veículos de
comunicação no processo de campanha permanente. Para o autor, um candidato sem o apoio do
eleitorado tende ao fracasso, mas aquele que tem o apoio do eleitorado não pode deixar de se
anunciar como candidato, concorrente e vencedor. Ao mesmo tempo, o candidato está fadado aos
ataques dos adversários, por isso, faz-se necessário manter a presença na mídia.
A campanha permanente, de acordo com a definição de Lileker (2007), citado por Martins
(2016), refere-se ao uso dos recursos da comunicação política por indivíduos e organizações eleitas
(governos, partido do governo, membros do parlamento, congressistas ou outros representantes) a
fim de construir e manter uma boa imagem com a opinião pública. No entanto, a utilização das
técnicas do marketing político com a ideia de campanha permanente não está restrita aos políticos
mandatários, nesse jogo político também jogam a oposição, no caso dos governos executivos, e
aqueles que ainda aspiram por um mandado no legislativo.
Para Heclo (2000), citado por Martins (2016), uma vez que governo, grupos de interesse, rede de
colaboradores e oposição são parte de um todo que batalha diariamente pela aprovação da opinião
pública, pode-se afirmar, que a campanha permanente está em todo lugar e ocorre o tempo todo. Para
o autor, a campanha permanente reúne uma complexa mistura de pessoas politicamente instruídas,
técnicas de comunicação e organizações – lucrativas e não lucrativas. O que une todas essas peças é a
busca contínua e voraz por aprovação pública. As eleições seriam apenas parte de todo esse quadro,
em que o foco é tipicamente centrado em personalidades e no público de massa.

5. A campanha pró impeachment do PMDB

Entendendo o conceito da campanha permanente e o cenário político formado no Brasil a partir


do resultado das eleições de 2014, principalmente, a partir do momento em que o PMDB começa a se
afastar do Governo do PT, parte-se do princípio que o PMDB, em suas redes sociais, fazia o uso de
técnicas de Campanha Permanente com o objetivo de incentivar o movimento em defesa do
impeachment. Para confirmar essa afirmação esse trabalho se propôs a analisar quantitativamente e
qualitativamente as postagens da página oficial do partido na rede social, através da contagem dos
posts e de sua qualificação (a favor do impeachment ou não), o resultado é o que se apresenta a
seguir.
Tanto o Governo Lula quanto o de Dilma tiveram, na maior parte do seu tempo, o PMDB como
aliado. No governo Lula, que teve apenas uma parte do PMDB em seu primeiro mandato, a aliança foi
confirmada em novembro de 2006 quando o Conselho Nacional do PMDB aprovou por unanimidade a
proposta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para que o partido participasse integralmente do
governo de coalizão no segundo mandato petista. Essa aliança foi reconfirmada com a eleição de
Michel Temer a vice-presidente na chapa de Dilma em 2010. A relação entre as legendas sempre
garantiu, de certa maneira, a governabilidade de Dilma e o seu bom relacionamento com o legislativo.
Os partidos seguiram unidos para o pleito de 2014 e venceram, por uma pequena diferença, sua
segunda eleição.
Apesar da vitória nas urnas (51,64% a 48,36), a presidente terminou o ano de 2014 com um
pequeno aumento na reprovação do seu governo, 24%, sendo que antes da votação o índice era de
20%, de acordo com pesquisa da DataFolha publicada em 04/12/2014. O ano de 2015 começou com
crise econômica, crise política, manifestações e uma forte campanha da oposição (apelidada de
terceiro turno) para desmobilizar o novo mandato. Isso sem mencionar o estrago em sua imagem com
os efeitos da midiatização da Operação Lava Jato e as denúncias de corrupção. No fim de 2015 os
índices de avaliação do governo mostraram outra realidade se comparado com o final do ano de 2014.
De acordo a pesquisa da Datafolha publicada em 27 de novembro de 2015, a avaliação de ótimo/bom
havia caído de 42% para 10%, enquanto o ruim/péssimo subido de 24% para 67%.
O PMDB, que há algum tempo já sinalizava para um possível rompimento com o Governo Dilma,
(principalmente em seus programas partidários gratuitos), incentivado por toda essa crise e os seus
reflexos na imagem do governo, decidiu no dia 29 de março de 2016, por aclamação, romper
oficialmente com o governo da presidente Dilma Rousseff. Na reunião, a cúpula peemedebista
também determinou que os seis ministros do partido e os filiados que ocupassem outros postos no
Executivo federal entregassem seus cargos. A decisão repercutiu imediatamente no Congresso
Nacional; no dia 17 de abril a Câmara de Deputados aprovou a abertura do processo de impeachment
e no dia 12 de maio (44 dias depois) a presidente Dilma era afastada pelo Senado.
A saída do PMDB do governo o transforma em um dos principais opositores ao governo petista.
Seu posicionamento no Facebook é um dos fatores que permite essa conclusão. No intervalo entre os
dias 29 de março e 12 de maio a página oficial do partido fez exatamente 530 publicações
apresentados na tabela I.

Tabela I
Fonte: Netvizz5 e Facebook. Elaborado pelo autor em dezembro de 2016

Isso significa dizer que, a página oficial do PMDB fez em média 11,7 publicações por dia em sua
página durante esse período, mais do que a média feita entre 29 de março de 2015 e 29 de março de
2016, um ano antes do período de análise, que era de 6,7 posts por dia. Dessas, 16% tem um foco
direto em Michel Temer; 9% um foco indireto no vice-presidente; 62% no impeachment; 4% são
publicações institucionais do PMDB; 1% divulgação de newsletter; 4% notícias do legislativo; 1%
datas comemorativas; e 3% posts sobre as eleições de 2016.

Gráfico I

Fonte: Netvizz e Facebook. Elaborado pelo autor em dezembro de 2016

Para possibilitar essa análise, as publicações da página do PMDB foram contadas e planilhadas
através do aplicativo NetVizz considerando os seguintes indicadores: (1) data da postagem; (2)
número de curtidas; (3) curtidas negativas (emoticons de raiva e choro); (4) número de comentários;
(5) número de compartilhamentos; (6) Engajamento (total de curtidas, comentários e
compartilhamentos); (7) tipo de postagem (vídeo, imagem com texto, link externo); e (8) mensagem.
Num exame mais detalhado dos assuntos abordados, podemos perceber que uma boa parte das
postagens sobre o impeachment representa a votação do impedimento na Câmara e no Senado. Sendo
assim, a fim de evitar qualquer contaminação na análise, elaborou-se a tabela II e o gráfico II.

Tabela II
Fonte: Netvizz e Facebook. Elaborado pelo autor em dezembro de 2016

Gráfico II

Fonte: Netvizz e Facebook. Elaborado pelo autor em dezembro de 2016

Essa segunda interpretação dos dados permite que se diga que nem todos os deputados e
senadores do partido votaram no afastamento de Dilma e que considerar todas essas publicações
como favoráveis ao impeachment poderia enviesar a análise. Sendo assim, elaborou-se uma planilha,
estratificando as publicações sobre a votação.

Tabela III

Fonte: Netvizz e Facebook. Elaborado pelo autor em dezembro de 2016

Gráfico III
Fonte: Netvizz e Facebook. Elaborado pelo autor em dezembro de 2016

Percebe-se, então, que a quantidade de postagens com algum cunho político (ou eleitoral) pró
impeachment e pró Temer é significativamente superior às postagens do dia a dia. Somando as
publicações com foco direto ou indireto em Michel Temer, os posts sobre o impeachment e os votos
favoráveis ao impedimento chega-se a 451 publicações, que representam 85% da movimentação da
página durante o período analisado.

Tabela IV

Fonte: Netvizz e Facebook. Elaborado pelo autor em dezembro de 2016

Gráfico IV

Fonte: Netvizz e Facebook. Elaborado pelo autor em dezembro de 2016

Definido que as campanhas são permanentes, é preciso entender como as estratégias de


comunicação política são construídas.

6. A retórica eleitoral da página do PMDB


As campanhas eleitorais dialogam com o eleitor com o objetivo de persuadi-lo a votar em
determinado candidato e rejeitar outros. Para Figueiredo et al (1998), qualquer análise eleitoral só
pode ser feita a partir de um entendimento de que o processo político se dá em duas vias, em que
candidatos e eleitores, dialogam e estabelecem, entre si, um acordo de troca de intenções, ou seja,
enquanto os eleitores querem que seus interesses e demandas sejam implementados, os políticos
querem ser eleitos.
Nesse sentido, a explicação de um resultado eleitoral passa, necessariamente, pela análise do
debate que as campanhas travam entre si. É lugar comum afirmar que o objetivo dos políticos é
ganhar o poder. Na disputa eleitoral por cargos majoritários ganha aquele que conseguir persuadir a
maioria e a persuasão na política se dá pela retórica.
Figueiredo et al (1998) afirmam que a retórica política passa por uma interpretação do mundo,
que é de natureza ficcional, ou seja, trata-se de percepções sobre a realidade. A realidade pode ter
mais de uma interpretação política, como por exemplo, “o copo está quase cheio ou quase vazio”. Mas
é uma retórica que guarda verossimilhança com dados da realidade, caso contrário perde a
credibilidade. Não posso dizer que o copo está vazio. Funda-se, portanto, na realidade, mas gera
interpretações diversas.
Na prática, segundo os autores, isso se dá através da construção de um mundo atual possível,
igual ou pouco diferente do mundo atual real, e com base nisso, a projeção de um novo e bom mundo
futuro possível. Segundo eles, essa argumentação tem duas vertentes “o mundo atual está ruim, mas
ficará bom” ou “o mundo atual está bom e ficará ainda melhor”. Pode-se dizer que a primeira vertente
é típica da retórica discursiva da oposição e a segunda está mais próxima da situação. Obviamente,
ainda segundo Figueiredo et al (1998), trata-se de uma construção discursiva de natureza ficcional,
primeiro porque o futuro ainda não se realizou e não há nada racional que garanta a sua realização;
segundo porque o mundo atual possível, seja bom ou ruim, é um constructo inferido do mundo atual
real.
Citando Riker (1996), Figueiredo et al (1998) afirmam que um discurso com essa estrutura se
constitui na retórica da persuasão eleitoral, que nada mais é do que o argumento da campanha.
Decifrar o argumento de uma campanha, isto é, a sua retórica, é o primeiro passo, e talvez o mais
importante, para compreendermos e explicarmos por que candidatos ou partidos ganham ou perdem
eleições. Nesse sentido, analisar campanhas eleitorais é analisar retóricas em competição pelo voto.
Os autores elencam uma série de categorias de elementos semânticos, simbólicos, performáticos e
tecnológicos utilizáveis em um comercial que permitem identificar elementos retóricos usados em
propagandas políticas eleitorais. Como explica o autor, e apresentado no anexo 1, as categorias
elaboradas procuraram cobrir os seguintes aspectos: as estratégias de comunicação das campanhas;
os formatos e as técnicas de produção; a construção do discurso; os apelos e os objetivos das
mensagens; as características e; os temas levantados pelas campanhas.
A partir da interpretação da retórica utilizada em algumas das postagens da página do PMDB é
possível buscar algumas semelhanças do trabalho feito na fanpage do partido e uma campanha
eleitoral. Analisar os 530 posts seria uma tarefa inviável, portanto, para viabilizar o trabalho
selecionou-se, para uma primeira pesquisa, os 10 posts com maior engajamento na página. Considera-
se engajamento a soma do total de reações (curtidas), comentários e compartilhamentos.
Para analisar as postagens da página do PMDB, foram utilizadas as categorias de elementos
semânticos, simbólicos, performáticos e tecnológicos utilizáveis em um comercial que permitem
identificar elementos retóricos usados em propagandas políticas eleitorais elencados por Figueiredo
et al (1998). Como esse artigo faz parte de uma pesquisa mais ampla, apresentada como trabalho de
conclusão de curso de Pós-Graduação, optou-se por apresentar aqui um resumo da análise qualitativa
feita nesse trabalho. Antes de entrar em qualquer mérito analítico, a primeira percepção, ao se olhar
para as 10 postagens com o maior engajamento na página do PMDB, é que oito deles tem o foco em
Michel Temer e dois no impeachment. Ou seja, percebe-se um alinhamento discursivo e retórico no
sentido de construir uma imagem favorável de Temer para a assunção da presidência.
7. Estratégias de Comunicação das campanhas

Como pode-se perceber, dentro do recorte proposto, considerando as dez postagens com maior
engajamento da página do PMDB, e no que tange às características das categorias apresentadas por
Figueiredo et al (1998), há uma unanimidade estratégias de oposição, com uma retórica de apelo à
mudança; ataques (mesmo que subjetivos) à administração em curso; e uma ofensiva quanto a temas
substantivos, fazendo uma avaliação negativa do mundo atual e descrevendo um futuro melhor. As
postagens da página do PMDB enaltecem a figura de Michel Temer desconsiderando, totalmente, o
fato de ele ser o vice-presidente, ou seja, parte do atual governo.
Quanto aos Formatos, a partir do modelo analítico desenvolvido por Figueiredo et al (1998)
tem um foco de análise nos HGPE, esse artigo encontrou um pouco de dificuldade descrever os
formatos das postagens de acordo com as características categóricas de Figueiredo. Mas pode-se
dizer que os formatos das postagens desse recorte seguem um padrão. A maioria tem a figura de
Michel Temer como destaque, enaltecendo a sua figura e apresentando um Temer mais simpático,
pensativo e até “popular”. Dentro das características elencadas pelos autores, essas postagens se
assemelham a “Pronunciamento do Candidato”, mesmo não sendo um discurso direto. Há, ainda, duas
postagens com a presença de outros personagens falando de Temer, seguindo um formato de “Povo
Fala. Percebe-se, portanto, pelo menos nesse recorte, uma forte personalização da página do PMDB,
que centra o seu esforço retórico e o desenvolvimento de formatos com o foco na figura de Michel
Temer.
Em relação à construção do discurso, Figueiredo et al (1998) analisam a construção do
discurso sobre três aspectos: retórica da mensagem, linguagem utilizada e orador dominante.
Observando as categorias do autor e o conteúdo produzido pela fanpage do partido dentro desse
recorte, percebe-se um caminho homogêneo na construção do discursiva. A retórica, em praticamente
todas as 10 postagens, é sedutora e crítica. O uso das cores da bandeira nacional, busca despertar
sentimentos de nacionalismo e aproveita, de certa maneira, o gancho das manifestações que
aconteceram no país durante o ano que antecedeu o impeachment, em que as pessoas iam para as
ruas vestidas com as cores do Brasil. A crítica está no texto das postagens, que deixam claro que o
governo Dilma é o maior culpado da crise que o país experimentava. A linguagem, nesse caso, é
panfletária e o orador principal, o próprio “candidato”.
Quanto aos apelos e objetivos das mensagens, na mesma linha do discurso sedutor, as
mensagens têm um apelo claramente emocional. Fica claro que o objetivo é unir as pessoas a favor do
impeachment e da assunção de Temer à presidência. Entretanto há também, em pelo menos duas
postagens, o apelo de credibilidade das fontes, com o uso de publicações da imprensa.
No que diz respeito às características pessoais dos candidatos, observa-se que a
personalização é uma forte característica dos conteúdos analisados, uma vez que oito das dez
publicações tem Temer como o referencial discursivo. Os posts enaltecem características como a de
pacificador, firmeza, competência e preparo.
Já em relação aos temas levantados pela campanha, a mudança é o tema principal. Apesar de
aparecerem temáticas da economia e da política, o foco retórico mais abrangente dos temas
levantados é a mudança.

8. Considerações Finais

Em primeiro lugar, esse trabalho procurou demonstrar como o consumo da informação e a


comunicação política mudaram com a midiatização e, principalmente, o avanço das tecnologias da
comunicação digital. Viu-se que a mídia não perdeu espaço nas pautas do campo político, pelo
contrário, imbricou-se com ele e ganhou novos contornos e possibilidades. Outro fator abordado por
esse trabalho foi o tempo da política. Se antes as pessoas só se atinavam para essa temática durante a
exibição dos Horários Gratuitos de Propaganda Eleitoral no rádio e na TV, agora, a política acontece o
tempo todo, ou seja, as campanhas eleitorais se tornaram permanentes.
Fica claro, ao analisar as publicações da página do PMDB, que há uma campanha para fortalecer
a ideia do impeachment e construir uma imagem positiva de Temer com a opinião pública. Os dados
mostram que 24% das publicações da página do PMDB têm um foco em Temer. São 48 postagens
seguindo o padrão foto do vice-presidente, cores nacionais e frases de efeito. Além disso, cerca de 37
postagens com personalidades políticas enaltecendo as qualidades do então “candidato”. A análise
das postagens de maior engajamento evidencia que a retórica utilizada nos conteúdos produzidos pela
fanpage do partido é muito semelhante àquela usada nas campanhas eleitorais oficiais. Isso permite
dizer que o PMDB utilizou, sem restrição, estratégias eleitorais para construir uma imagem positiva
tanto em favor do impeachment, quanto de Michel Temer. Esse fato corrobora sem medida para
atestar o conceito de campanha permanente apresentado no referencial teórico desse artigo, mas,
mais do que isso, demonstra, que os conceitos de midiatização da política, os aspectos da
personalização e a interface mídia x política ainda têm muito a ser explorado.
Um fator relevante é que a mudança de postura do PMDB na rede social aumentou o seu
engajamento e que os posts “mais políticos” geraram uma maior interação entre os usuários da
página. Verificou-se que o aumento do engajamento está ligado, de certa maneira, ao vomitaço e a
atuação de ciberativistas contrários às atitudes do PMDB. Também pode-se perceber que quanto
maior era a interação negativa (contra Temer), mais cresciam também as interações positivas (a favor
do vice-presidente), essa constatação merece atenção para um trabalho futuro.
Conclui-se, então, que a campanha do PMDB pela assunção de Temer à presidência no Facebook
realmente aconteceu e foi percebida pelos usuários da página e outros internautas. Essa campanha
gerou um alto índice de engajamento, colocando a página do partido em outro patamar e
demonstrando que as publicações mais políticas são mais sensíveis às interações na rede. Além disso,
e o mais importante, é que se comprovou a importância da internet e das redes sociais como um
espaço de disputa e ativismo político. Além disso, tal debate não se restringe mais ao tempo eleitoral
que conhecíamos até pouco tempo, o que remete à consistência do conceito de campanha
permanente.
O grande volume de interações na página do Facebook do PMDB não permitiu que, nesse
trabalho, se fizesse uma análise qualitativa mais criteriosa a respeito do conteúdo das publicações ou
dos comentários da página, mas abre precedentes para a importância de uma pesquisa a esse
respeito. Um futuro trabalho sobre essas interações permitiria entender como se deu o debate político
a respeito da campanha de Temer, as formas e o aprofundamento do engajamento e, ainda, como
essas interações contribuíram, de maneira efetiva, para o debate político em geral.

Referências
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VERÓN, Eliseo. Esquema para el análisis de la mediatización. Revista Diálogos de la Comunicación,
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Anexo I
Categorias Características
Situação
- Carisma;
- Uso simbólico do cargo;
- Postura acima da briga;
- Ênfase em realizações e a associação à administração em curso (mundo atual e futuro);
- Encontros com lideranças;
Estratégias de - Uso de patrono político;
comunicação Oposição
- Apelo à mudança;
- Ofensiva quanto a temas substantivos (avaliando o mundo atual e descrevendo um futuro
melhor);
- Ataques à administração em curso;
- Ataques aos adversários;
- Comparações entre os candidatos.
Formas de comunicação
- Pronunciamento do candidato;
- Presença de documentário, telejornal, entrevista ou debate com a participação do candidato;
- Uso de videoclipe ou outra modalidade ilustrativa do discurso;
- Uso de dramatização, ou tratamento ficcional da mensagem;
- Uso de “povo fala”, definido por depoimento de populares, de personalidades conhecidas;
- Uso de chamadas para eventos de campanhas ou para o horário eleitoral.
Técnicas de produção
Formatos
- Produção de estúdio;
- Produção externa;
- Imagens de apoio, sem a presença do candidato;
- Ritmo (se eram rápidos ou lentos, frenéticos ou calmos);
- Uso de letreiros, locução em off;
- Ênfase na música;
- Efeitos especiais ou computação gráfica.
Retórica da mensagem
- Sedução;
- Proposição;
- Crítica;
- Valores;
- Ameaça.
Linguagem utilizada
- Didáticas;
Discurso - Informativas;
- Panfletárias.
Orador dominante
- Próprio candidato;
- Patrono político;
- Garoto-propaganda;
- Líder partidário;
- Locutor em off;
- Um cantor, um personagem ou uma personalidade pública.
- Pragmáticos;
- Ideológicos;
Apelos - Políticos;
- Emocionais;
- Credibilidade das fontes.
- Honestidade/integridade;
- Firmeza;
- Força;
- Ternura/compaixão;
- Competência/preparo;
Características pessoais
- Desempenho/sucesso;
- Agressividade;
- Dinamismo;
- Indignação;
- Juventude.
Temas - Classificar a agenda temática da campanha, situando os candidatos no que diz respeito a ela

Fonte: Elaborada pelo autor, com base no artigo de Figueiredo et al (1998)

1 Trabalho apresentado no GT 2 - Propaganda Política e Marketing Eleitoral, I Simpósio Nacional de Comunicação Política,
Eleições e Campanha Permanente, 27 a 28 de março de 2019.
2 Mestrando no Programa de Pós-graduação em Comunicação da UFJF. Graduado em Comunicação Social com habilitação em
Publicidade/Propaganda e Jornalismo pela Universidade Vale do Rio Doce - UNIVALE.
3 Mestrando no Programa de Pós-graduação em Comunicação da UFJF. Bolsista Fapemig, modalidade PAPG – Mestrado.
Graduado em Comunicação Social-Jornalismo pela UFSJ.

4 Mestre e Doutor em Ciência Política pelo IUPERJ, professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social (PPGCOM)
e da Faculdade de Comunicação (FACOM) da UFJF.
5 Netvizz (https://apps.facebook.com/netvizz/ ) é uma ferramenta desenvolvida no contexto do DMI - Digital Methods Initiative,
por Bernard Rieder. Sua função é coletar diferentes tipos de dados do Facebook, sobretudo de Páginas, Grupos e Eventos. É possível
extrair o conteúdo textual das postagens e comentários, e também dados de likes, comentários, compartilhamentos e reações.
CAPÍTULO 5

Mulheres em campanhas presidenciais brasileiras: a hipótese do capital


emotivo1

Joyce Miranda Leão Martins2

1. Introdução

As eleições presidenciais brasileiras, desde a redemocratização, ocorrem dentro do cenário da


democracia de público (Manin, 1995), tipo ideal de governo representativo em que, no lugar de
programas ou ideologias partidárias, predomina a disputa entre imagens públicas de lideranças, que
ocorre tendo os meios de comunicação como intermediários. No Brasil, o Horário Gratuito de
Propaganda Eleitoral (HGPE) é o espaço midiático fundamental onde são travadas as disputas de
imagens. De responsabilidade exclusiva dos partidos, o tempo no HGPE é oferecido às legendas, pelo
Estado3.
Apesar de já existir desde antes do regime militar, foi somente com a queda da censura, que os
programas do HGPE se tornam mais atrativos e passam a ser variável explicativa do voto (Aldé,
Vasconcelos 2012). De uma eleição para a outra são observadas pequenas alterações na legislação
que regulamenta o HGPE, mas, em geral, são mantidos requisitos e funções da Lei Orgânica dos
Partidos, de 19954. Entre os objetivos da propaganda política partidária estão: 1) à difusão dos
programas partidários, 2) à transmissão de mensagens aos filiados sobre a execução dos programas,
eventos e atividades; 3) divulgação das posições do partido sobre temas político-comunitários; 4)
promoção e difusão da participação política feminina.
Embora a citada lei seja de 1995, é somente a partir de 2002 que se percebe, efetivamente, o
campo político tentar trazer as mulheres ao horário eleitoral em um papel importante como o de
presidenciável. A pré-campanha de Roseana Sarney, do então Partido da Frente Liberal (PFL), e suas
intenções de voto, mostrou que os brasileiros estavam dispostos a eleger uma mulher para o cargo
mais alto da República (Roseana chegou a ter 21% das intenções de voto)5. Na eleição seguinte, em
2006, Heloísa Helena foi candidata pelo Partido do Socialismo e Liberdade (PSOL); em 2010, Marina
Silva concorreu pelo Partido Verde (PV), e Dilma Rousseff pelo Partido dos Trabalhadores (PT). No
pleito de 2014, seriam três as candidatas à presidência do Brasil: Marina Silva, Dilma Rousseff e
Luciana Genro.
Lembrando que “imagens políticas são também fruto de disposições herdadas historicamente e
mais ou menos incorporadas por suas protagonistas” (BARREIRA, 2008, p.154), este trabalho analisa
a apresentação dessas seis presidenciáveis no horário eleitoral, objetivando responder: que imagens
as candidatas buscaram construir? A hipótese proposta é que a construção das imagens passa pela
mobilização de estereótipos de gênero6, convergindo para uma disputa, no âmbito do HGPE, pela
produção de outro tipo de capital7 político, que aqui chamaremos “emotivo” por relacionar às
mulheres ao amor, à sensibilidade e ao cuidado. Fala-se em um tipo de capital, relacionado a gênero,
porque o simples fato de um político ser homem já o coloca em vantagem por questões que vão desde
a divisão sexual do trabalho (Bourdieu, 2010) até o maior financiamento de campanhas. Além disso, a
análise das imagens públicas da política, mobilizadas por candidaturas masculinas, costuma se
diferenciar daquelas apresentadas por mulheres: o homem é o grande acadêmico, o estadista, um
líder para o povo (Martins, 2016).
Foram assistidas todas as propagandas partidárias das candidatas, mas somente os primeiros e
últimos programas do horário eleitoral8 são apresentados, por serem 1) momento de apresentação das
candidaturas e de convencer ao eleitorado que vale a pena assistir às propagandas e acompanhá-las
2) a tentativa derradeira de mobilização; momento síntese da campanha. Além disso, os eleitores
estão mais atentos ao início e fim do HGPE: “estudos demonstraram que a audiência do HGPE se
altera ao longo da campanha. De forma geral, ela inicia alta nos primeiros dias de programa, sendo
que depois apresenta uma queda gradual, voltando a ser alta no final da campanha”. (Cervi,
Massuchin, 2011).
Está artigo está dividido em quatro partes. A primeira discorre sobre o campo político e o gênero
nas campanhas eleitorais. Posteriormente, apresenta-se a metodologia do trabalho, baseada na
análise do discurso. O foco da terceira seção é análise das imagens mobilizadas pelas candidatas. A
parte final é destinada ao cotejo das imagens e estratégias discursivas das presidenciáveis.

2. O campo político e a mobilização do gênero como estratégia

O gênero foi descoberto como “trunfo” político, no Brasil, no ano de 20029, quando os partidos
perceberam que a distinção poderia resultar em votos, nas contendas nacionais. Como o campo
político é “o lugar de uma concorrência pelo poder que se faz por intermédio de uma concorrência
pelos profanos ou, melhor, pelo monopólio do direito de falar e de agir em nome de uma parte ou
totalidade dos profanos” (Bourdieu, 1989), o gênero aparece nas propagandas partidárias mesmo
depois da ausência da candidatura de Roseana Sarney10. Se uma mulher teve aceitação entre os
eleitores, estava claro que falar sobre gênero poderia conquistar votos: a política costuma discursar
sobre o que escuta, justamente porque deseja agir como porta-voz que “apropria-se não só da palavra
do grupo dos profanos, quer dizer, na maioria dos casos, do seu silêncio, mas também da força desse
mesmo grupo, para cuja produção ele contribui ao prestar-lhe uma palavra reconhecida no campo
político”. (Bourdieu, 1989).
O gênero foi mobilizado de distintas maneiras, na eleição de 2002: no horário eleitoral de José
Serra (PSDB), a vice Rita Camata apareceu em tradicional papel destinado às primeiras damas:
cercada de crianças e preocupada com ações sociais; na campanha de Ciro Gomes (PPS) foi destacada
a presença feminina na época do seu governo, no estado do Ceará; nas propagandas de Luiz Inácio
Lula da Silva (PT), utilizou-se a imagem de mulheres para tentar traçar paralelos entra elas e o
candidato: tanto o gênero como “o homem do povo” sabiam o quanto era difícil estar em locais nos
quais a sociedade dizia que eles não poderiam estar. A campanha do PT mostrou mulheres juízas,
pilotando aviões, rompendo diversas barreiras (Martins, 2016).
A partir daquele ano, no qual Lula foi eleito presidente, mulheres de conhecida trajetória política
passaram a estar presentes nas disputas presidenciais do Brasil, caso de Heloísa Helena, Marina
Silva, Dilma Rousseff e Luciana Genro. O tópico a seguir apresenta a metodologia utilizada para a
análise de suas campanhas.

3. Metodologia

A análise do discurso é o método que guia esta observação, tanto porque campanhas podem ser
consideradas como “instituições discursivas” (Telles, 2013) quanto devido ao fato de que as imagens
emergem no discurso (Amossy, 2005). Ademais, no discurso se estabelecem disputas pelo poder e pela
imposição de determinada visão de mundo, pois o discurso cria o universo de sentidos possíveis de
uma sociedade (Verón, 1980).
Os discursos não podem ser observados distantes de seus lugares de fala (Verón, 1980) e se
diferenciam do simples texto porque contêm sujeito, história, visão de mundo (Orlandi, 2012). Para
analisar o discurso, costuma-se dividir a fala em “momentos”, observando: (1) Lugar de fala:
relacionado à posição dentro de um campo11 e ao posicionamento discursivo do enunciador; (2)
Condições sociais de produção: refere-se a condições que permitem um discurso emergir e conseguir
adesão em determinado contexto; (3) Interdiscurso: é o discurso que está dentro de outro, que o
permite ressignificá-lo e atualizá-lo; (4) Formações discursivas: série de discursos que permitem a
formação de outros, estão ligadas à formações ideológicas (visões de mundo); (5) Ethos: é a
construção da imagem de si (Maingueneau, 2005). O ethos não possui marcas, mais transparece que
aparece (Charaudeau, 2008) e pode ser de credibilidade ou de identidade. O primeiro tipo repousa
sobre um “poder fazer”.
Lugar de fala, como afirmado, está relacionado à posição no campo político, que também serve
de guia metodologicamente: o campo é uma construção abstrata, que esclarece a posição de
dominante ou dominado, mostrando as disputas internas de determinado grupo e os fatores que
caracterizam a posse de determinado capital (Bourdieu, 1989).
As mulheres que estão no campo político são a fatia dominada da parte dominante da esfera
política (algumas ainda mais que outras), constatação que é perceptível, entre outras coisas, pelo
menor número de candidaturas femininas e menor financiamento de suas campanhas. Nesse sentido,
tendo a oportunidade de ser candidata à presidência do Brasil, como cada candidata tentaria
construir suas imagens? As respostas vão começar a ser delineadas no próximo tópico.

4. A apresentação das candidatas no horário eleitoral

A partir da redemocratização, cada edição do horário eleitoral teve diferentes regras de


campanha, nas quais se firmou a noção do horário gratuito de propaganda eleitoral como o espaço de
divulgação do discurso eleitoral na mídia eletrônica, ficando proibidos gastos de partidos com
publicidade paga12 (no rádio e na TV). Até 2014, 1/3 do tempo da propaganda era dividido igualmente
entre todos os partidos (ou coligações) existentes e os 2/3 restantes de modo proporcional à bancada
dos partidos (ou coligações) na Câmara dos Deputados13. Obedecendo a esses critérios, a candidatura
de Heloísa Helena, em 200614, teve direito a um minuto e onze segundos de propaganda, com a
coligação Frente de Esquerda15. Em 2010, Marina Silva, candidata pelo PV, tinha um minuto e vinte e
três segundos, e Dilma Rousseff, da coligação “Para o Brasil seguir mudando”16, contava com dez
minutos e trinta e oito segundos. Na eleição de 2014, a coligação “Com a força do povo”17 deu a
Rousseff, mais uma vez, direito ao maior tempo no HGPE: eram onze minutos e vinte quatro segundos
contra dois minutos e três segundos da coligação “Unidos pelo Brasil”18, de Marina Silva, e apenas
cinquenta e um segundos do PSOL, partido de Luciana Genro.
A descrição analítica, da primeira e última propaganda de cada candidata, obedecerá a ordem
cronológica das disputas presidenciais. Começa-se, assim, com a observação da abertura da
campanha televisiva da presidenciável Heloísa Helena, no ano de 2006. Para, em seguida, passar ao
horário eleitoral de Dilma Rousseff (2010 e 2014), Marina Silva (2010 e 2014) e Luciana Genro
(2014).

4.1. Heloísa Helena: a mãe honesta e guerreira

A propaganda de Heloísa Helena é aberta com três fotos, que passam brevemente nos olhos do
eleitor. As duas primeiras mostram a candidata, sorrindo junto à criança que segura nos braços. A
terceira é o santinho de sua campanha e visibiliza o slogan da candidatura: “coração valente”, síntese
do amor e da coragem.
Heloísa apresenta-se como candidata à “presidenta” do Brasil, reforçando o marcador do gênero
feminino na língua portuguesa. Inicia sua campanha agradecendo pelas flores, orações e carinho que
estaria recebendo. Coloca-se no lugar de fala de mãe, buscando identificação com outras tantas
mulheres que compartilhavam da mesma condição: “sou apenas igual às mães brasileiras que
ensinam aos seus filhos que é proibido roubar”. (Horário Eleitoral do PSOL, dia 15 de agosto) A
menção ao roubo fazia parte da tentativa de construção de um ethos relacionado à honestidade: “dou
meu exemplo [aos filhos] cumprindo a obrigação de ser honesta, e você, com seu voto, pode dar
exemplo mais belo, não votando em político corrupto que engana os pobres e governa para os
banqueiros, que finge que não vê roubalheira, mensalão19...” Em seguida, Heloísa volta seu apelo não
somente às mulheres, mas também aos “homens de bem”: “só vocês, mulheres e homens de bem e de
paz podem ajudar, com o voto, a mudar o Brasil”. (Horário eleitoral do PSOL, dia 15 de agosto)
O discurso de Heloísa tinha suas condições sociais de produção permitidas pelo interdiscurso da
corrupção, bastante presente no momento, devido às denúncias de corrupção envolvendo o governo e
o partido de Lula. A mais famosa das acusações que o PT recebera, naquele momento, foi citada por
Heloísa: o mensalão.
O jingle, que encerra a primeira propaganda da candidata, coloca-a como guerreira, (deixando
aberto o caminho para posterior mobilização desse ethos) e como a candidata que representa o Brasil
consciente: “é a voz da guerreira, brava gente consciente, o Brasil de Norte a Sul canta Heloísa”.
(Horário eleitoral do PSOL, dia 15 de agosto)
A campanha de Heloísa não teve a última propaganda do horário eleitoral, no dia 28 de
setembro, porque o PT ganhara direito de resposta no programa do PSOL. O ethos de honestidade da
candidata costumava ser mobilizado com a imputação de anti-ethos a Lula e ao PT. Devido à legislação
brasileira conceder direito de resposta ao que for interpretado como calúnia, este foi um risco que
PSOL e Heloísa Helena optaram por correr, desde o início.

4.2. Marina Silva, 2010: a ambientalista batalhadora

Em 2010, Marina não inicia sua campanha mobilizando o gênero como recurso diferenciador. O
seu primeiro programa foi sobre o ambiente, buscando alertar a população para o problema do
aquecimento global. A presidenciável só aparece, ao final da propaganda, dizendo ser Marina Silva,
candidata à presidência pelo PV. Naquele primeiro dia de horário eleitoral, havia pistas do que
posteriormente ficou conhecido como “a onda verde20”: o aumento nas intenções de voto de Marina, e
a quantidade expressiva que de fato recebeu com a abertura das urnas, fez boa parte da imprensa
entender o ocorrido como produto do discurso ambientalista de Marina. Provavelmente, devido ao
pouco tempo no HGPE, a trajetória da candidata não apareceu na primeira propaganda.
Marina falava, simultaneamente, do lugar de fala da defensora do ambiente (posição que sua
trajetória permitia e que foi esboçada no primeiro programa, no dia 17 de agosto) e do lugar de fala
da batalhadora, o qual vai ser reforçado na última propaganda de Marina Silva. Em seu programa
final, é a partir do lugar da batalhadora que Marina inicia seu discurso. Diz a candidata: “eu venho do
Brasil profundo, do povo trabalhador, dos bairros e comunidades”. (Horário eleitoral do PV, dia 30 de
setembro). Marina menciona o gênero, destacando as mulheres com as quais se assemelha: “as que
sustentam a casa e mantêm a família unida”. (Horário eleitoral do PV, dia 30 de setembro). Segue sua
fala, afirmando vir também do agricultor e do seringueiro, personagens que relembram o lugar de fala
da defensora do meio-ambiente e que ajudam no ethos de ambientalista. A imagem do jovem, símbolo
do novo, também foi mobilizada por Marina: “represento também o jovem, que sonha com as
oportunidades do século XXI [...] eu quero unir a tradição com a modernidade [...] as conquistas do
passado e os desafios do futuro”. (Horário eleitoral do PV, dia 30 de setembro). Termina mostrando
seu sonho e pedindo “o voto do coração” do eleitor: “Eu vejo um país livre, onde a lei é para todos, e a
política é limpa, porque o povo tem poder e cuida do país. Eu sei que esse sonho é possível porque ele
está no coração de todos. [...] Eu peço o voto do seu coração”. (Horário eleitoral do PV, dia 30 de
setembro).
Sua fala final foi permitida pelo interdiscurso da corrupção, buscando aliar-se à formação
discursiva do combate à corrupção, de uma forma amorosa e serena. A diferença representada por
Marina não mobilizava, diretamente, o gênero: referia-se ao fato de defender o ambiente e não ser
nem PT nem PSDB, partidos que polarizavam as eleições presidenciais desde 1994.

4.3. Marina Silva, 2014: a herdeira de Campos

Na eleição de 2014, o primeiro programa de Marina foi, na verdade, o segundo. Explica-se: tendo
assumido a candidatura à presidência pelo PSB, a postulante substituía Eduardo Campos, morto em
acidente de avião e, até o momento, candidato do partido. O programa eleitoral foi aberto com
imagens de Campos e com a música “Anunciação”, de Alceu Valença. A voz do cantor e compositor,
conterrâneo do político (ambos nasceram no estado de Pernambuco), ecoou mais alto na estrofe “a
voz do anjo sussurrou no meu ouvido”, dando a Eduardo a aura de homem bom, que seguiria ali como
se fosse um anjo. Quando Marina surgiu, já na segunda propaganda, ela fez a leitura de uma carta
emocionada, que teria sido escrita por ela, colocando-a no lugar de fala da incumbida de uma missão:
levar adiante os sonhos e ideias do antigo candidato. Marina faria isso pelos cidadãos de seu país: “os
brasileiros passaram a conhecê-lo e, conhecendo, admiraram o que foi autêntico no exercício de sua
vida pública. Nosso destino comum está traçado no legado de Eduardo”. (Horário eleitoral do PV, dia
19 de agosto).
O lugar de fala da herdeira e da batalhadora (que tem forças para levar adiante sua missão)
tenta misturar-se ao sentimento de que é preciso vencer a estagnação e os que não escutam o povo
(referência ao junho de 201321?): “nossa palavra de ordem é crescer. Crescer em maturidade política,
crescer na escuta de nosso povo e na disposição para ouvi-lo. A gente dizia: Eduardo e Marina”.
(Horário eleitoral do PV, dia 19 de agosto). A candidata segue a leitura, olhando para seu vice (Beto
Albuquerque, deputado pelo Rio Grande do Sul), afirmando: “Agora, Beto, é a sociedade brasileira e
nós. Temos que levar adiante a nossa missão: não vamos desistir do Brasil”. (Horário eleitoral do PV,
dia 19 de agosto). O discurso de Marina estava inscrito na formação discursiva da mudança (anseio
presente na sociedade brasileira) e aliado a um ingrediente poderoso: o das narrativas míticas.
Marina despede-se do eleitor, em seu último programa, criticando a propaganda de Dilma
Rousseff. Com uma favela ao fundo, a candidata afirma que a presidente fala sobre um país de
fantasia: “Todo mundo sabe que o Brasil de verdade tem muitos problemas. Não é aquela ilha da
fantasia que aparece na propaganda. No Brasil real, falta saúde e sobra doença. Falta segurança e
sobra medo”. (Horário eleitoral do PV, dia 03 de outubro). A candidata resume os problemas da nação
ao comando dela por pessoas “atrasadas”: “e todo mundo sabe também que a causa desses problemas
é a política atrasada, mesquinha, dominada pela corrupção”. (Horário eleitoral do PV, dia 03 de
outubro). Não nega avanços dos governos petistas, mas afirma que eles não ocorreram com Dilma: “É
verdade que muita coisa melhorou nos últimos anos. Mas é verdade também que muita coisa parou de
melhorar e começaram a andar pra trás no governo atual”. (Horário eleitoral do PV, dia 03 de
outubro). Não esquece também de estender críticas implícitas ao PSDB, reforçando seu lugar de fala
da terceira via (quebra da polarização PT x PSDB): “os partidos que um dia foram a favor das boas
mudanças, agora estão na disputa do poder pelo poder. Não conseguem mais apontar para o futuro”.
(Horário eleitoral do PV, dia 03 de outubro).
Explica as críticas direcionadas a ela, por PT e PSDB, como sendo artimanhas da “velha política”:
“quando aparece alguém propondo um novo caminho, eles reagem furiosamente, espalhando as
mentiras, o ódio e o medo. Eu quero chamar a todos, para fazermos uma mudança na direção do
nosso país”. A música que Gilberto Gil fizera para a candidata “Marina, vou eu, sonhar que a menina
vai chegar”... tocava, enquanto Marina terminava de afirmar seu desejo de fazer um governo pelo
bem do país: “se a gente trabalhar com união, o Brasil vai ser muito mais bonito que qualquer
propaganda [...] Eu peço que neste domingo você vote 40 com fé, com coragem, com amor pelo
Brasil”. (Horário eleitoral do PV, dia 03 de outubro).

4.4. Dilma Rousseff, 2010: a herdeira de Lula, uma mãe para o povo

A primeira propaganda de Dilma iniciava falando da mudança realizada por Lula. Enquanto a
candidata aparecia do Chuí, o presidente surgia do Rio Madeira. Graças ao amparo da tecnologia, os
dois travavam um diálogo, que permitia passar a ideia do cuidado e do afeto com todo o país: “desse
jeito, a gente pode dar um abração no nosso povo”, falava Lula. (Horário eleitoral do PT, dia 17 de
agosto). É ele quem primeiro faz menção ao gênero: “muita coisa já foi feita, mas tenho certeza que
saltos ainda maiores vão acontecer no seu governo, no governo da primeira mulher presidente do
Brasil”. (Horário eleitoral do PT, dia 17 de agosto).
Naquele dia, a biografia da candidata foi apresentada junto a de Lula, como se fossem destinados
a se encontrar e estar juntos no Executivo Federal: “Lula se tornou o primeiro operário presidente, e
Dilma a primeira mulher a ser Ministra de Minas e Energia, presidente do conselho de administração
da Petrobrás e Ministra Chefe da Casa Civil”. O governo do então presidente que, de acordo com o
narrador em off, “inovou, rompeu barreiras, mudou o país” (Horário eleitoral do PT, dia 17 de agosto)
teria semelhança com a vida de todas as mulheres: “não por acaso, quer passar a faixa à primeira
mulher presidente do Brasil”, dizia o narrador em off. (Horário eleitoral do PT, dia 17 de agosto).
Dilma teria uma característica especial para levar adiante o legado de Lula: “Quero fazer com o
cuidado de mãe o que ainda precisa ser feito”. (Horário eleitoral do PT, dia 17 de agosto). O programa
termina com uma música que consagra a “entrega” do país das mãos do pai para as da mãe,
possuidora de um coração de proporções continentais: “Agora as mãos de uma mulher vão nos
conduzir, eu sigo com coragem, mas feliz a sorrir, pois sei o meu povo ganhou uma mãe, que tem um
coração que vai do Oiapoque ao Chuí. Deixo em tuas mãos o meu povo.” (Horário eleitoral do PT, dia
17 de agosto).
No último programa daquele ano de 2010, no dia 30 de setembro, Dilma surge de Minas e Lula
do Rio Grande do Sul. Dilma seria a continuidade das grandes obras e dos projetos sociais. Uma
eleitora, agradecida, testemunha: “o pai do povo é ele [Lula], eu espero que Dilma Rousseff seja a
mãe do povo”. (Horário eleitoral do PT, dia 30 de setembro). De um escritório, Lula faz apelo aos
eleitores: “Você que acredita em mim e acha bom o meu governo, não tenha dúvida, vote na Dilma.
Igual a mim, a Dilma gosta dos pobres, respeita a vida, a paz, a liberdade e as religiões. Votar na
Dilma é votar em mim com a certeza de um governo ainda melhor”. (Horário eleitoral do PT, dia 30 de
setembro). Dilma, do mesmo lugar, vestindo um terno vermelho, dirige a Lula e aos eleitores suas
últimas palavras, reafirmando seu compromisso em seguir com as conquistas do petista.
Um samba-jingle encerra o horário eleitoral de Dilma, em 2010: “Meu Brasil tá querendo Dilma,
meu Brasil tá querendo continuar. Com a força da massa, o povo te abraça: agora é Dilma, é a vez da
mulher”. (Horário eleitoral do PT, dia 30 de setembro). As imagens de mãe e da herdeira de Lula
seriam reforçadas na eleição seguinte.

4.5. Dilma, 2014: a mãe precisa do apoio de seus filhos

O primeiro programa da presidente/candidata teve como foco as dificuldades pelas quais o país
passava e a mulher que teria forças para enfrentá-las. A ideia defendida era que a mudança, iniciada
por Lula, seguia acontecendo: “quem mais criou casas populares e colocou crianças nas escolas”?
(Horário eleitoral do PT, dia 19 de agosto), perguntava o narrador em off. O programa tentava
mobilizar o eleitor a partir de belas imagens e convencê-lo a partir de números. Como se interpelasse
o eleitor para pensar “quem nega números”?
O Brasil foi colocado como “preparado para viver novo ciclo de desenvolvimento, crescendo com
a força de todos os brasileiros, mas tendo uma mulher com papel decisivo”. (Horário eleitoral do PT,
dia 19 de agosto). A casa da presidente, com uma sala cheia de livros aparece na TV. Dilma surge
lendo, escrevendo no computador, cozinhando e tratando do jardim. O efeito de sentido que se
tentava provocar era a percepção de que a grande presidente era uma mulher admirável e que não
descuidava do... lar: “cuida da residência oficial com o esmero de qualquer dona de casa”, dizia a
narradora. (Horário eleitoral do PT, dia 19 de agosto). Dilma sentia saudade da filha e do neto que
moram longe, mas teve coragem de sair de dentro do seu lar, por um dever maior: não se preocupava
apenas com a filha e o rebento desta, pois agia como uma mãe para todos os brasileiros. Não à toa, o
lema do jingle da candidata era “coração valente”. Lembra a campanha de Heloísa Helena, em 2006?
A grande força do governo da Dilma, viria de uma mudança que ela continuou, isto é, o “ciclo de
mudanças trazidas por Lula não foi interrompido”, enquanto, na Europa, empregos foram destruídos.
Se na campanha anterior de Dilma, no ano de 2010, ela e Lula estiveram sempre juntos, como se
ambos representassem o mesmo governo (o governo Lula), em 2014, a imagem da candidata aparecia
separada da do ex-presidente, como se o programa mostrasse que “ela agora fala por ela”, mas Lula
aparecia ao final para legitimá-la.
A maior dificuldade de Dilma, naquele momento, era vencer o desejo por mudança. Não tendo
condições sociais de produção de um discurso a favor do desejo de continuidade, a candidata tentava
colocar-se, também, como símbolo das transformações, da maior delas, que remetia ao início da Era
Lula e ao “período de sombras” do tempo em que o Brasil foi governado pelo PSDB. Como mãe, ela
estava ali para proteger todos os brasileiros.
No último programa de Dilma, no ano de 2014, o tema da mudança voltou ainda mais forte, com
o lema: “governo novo, ideias novas”. Dilma apareceu humilde, falando: “Se os brasileiros e
brasileiras me derem a confiança de um novo mandato, meu compromisso mais profundo se expressa
em uma frase: governo novo, ideias novas”. (Horário eleitoral do PT, dia 03 de outubro). Depois de
pessoas do povo aparecerem, narrando promessas de um novo mandato, quem vem à cena é Lula, de
branco, para conversar com Dilma, de vermelho, cor característica do partido de ambos (agora a
representante do governo do PT era ela, enquanto Lula estava ali como um conselheiro sábio, mas já
desligado do comando da nação). O ex-presidente, ao perguntar à Dilma, perguntava implicitamente à
Nação: “qual país que tem uma perspectiva de futuro mais extraordinária que o Brasil”? (Horário
eleitoral do PT, dia 03 de outubro). Ao que Dilma respondia que os seus opositores não reconheciam a
importância da pátria.
Lula encerra o programa afirmando que seu segundo mandato foi melhor que o primeiro e que
tinha certeza que com Dilma aconteceria o mesmo. A candidata-presidente pediu reflexão aos
eleitores, na certeza de que o pensamento os levaria ao melhor voto: “quem tem mais capacidade e
experiência para manter o que já conquistamos, corrigir o que for preciso e fazer ainda mais? [...] Eu
peço, humildemente, o seu voto, pedindo que você reflita. [...] você vai fazer a melhor escolha”.
(Horário eleitoral do PT, dia 03 de outubro). O efeito de sentido que se pretendia gerar era: quem
pensa, vota na Dilma; quem não é ingrato, vota na mãe-presidente, pois ela está com o povo. O
narrador em off finalizou o programa: “ninguém pode nos impedir de ir ainda mais longe...” (Horário
eleitoral do PT, dia 03 de outubro). Era como se dissesse: “os adversários da presidente não são
inimigos só dela, mas de vocês também”.

4.6. Luciana Genro: a guerreira

O programa de Luciana Genro, diferente do de Heloísa Helena em 2006 (que também era do
PSOL) foi aberto com o número do partido e os dizeres: “você tem opção, você tem PSOL”. (Horário
eleitoral do PSOL, dia 19 de agosto). Enquanto no caso de Heloísa, a propaganda apresentou apenas a
candidata, na vez de Luciana o partido teria maior importância. Na primeira propaganda de Genro,
ela apareceu sorrindo no espelho, ajeitando o botton do partido, na lapela. Para ser ouvida, partiu de
um lugar muito respeitado pelos eleitores brasileiros (de maioria cristã): a família. É em volta do filho
e do marido que a candidata é apresentada à população. O efeito de sentido passado é que Luciana
não era “uma qualquer”, mas uma mulher casada, que estava na vida política legitimada pelo filho e
pelo marido. Se eles a legitimam, por que o eleitor não deveria legitimá-la ou, pelo menos, ouvir o que
ela tinha a dizer?
Enquanto os personagens conversavam à mesa, passavam fotos da candidata em comícios e
atuando no congresso. Foi apresentada como advogada dos direitos humanos, ex-deputada, fundadora
do PSOL. A narração era de Marcelo Yuka, ex-intregante do Rappa, cadeirante devido a uma bala
perdida, na cidade do Rio de Janeiro.
Como no programa de Dilma, Luciana saía de casa para a batalha diária. No entanto,
comparando-as, parecem estar contrastadas duas lutas diferentes: a da presidente, nas instituições, e
a de Luciana, nas ruas. Imagens e gritos do junho de 2013 foram mostrados na TV: “Ô, o povo
acordou, o povo acordou”. A própria Luciana, em estúdio, toma a palavra, prometendo que, na
campanha, “vamos mostrar que é possível garantir uma vida digna. [...] É preciso coragem para
enfrentar os interesses de uma minoria privilegiada”. (Horário eleitoral do PSOL, dia 19 de agosto). O
lugar de fala buscado pela candidata era o da “esquerdista de verdade”, da verdadeira mudança, que
acontece coletivamente e não somente em gabinetes.
O último programa de Luciana foi dedicado somente à fala da presidenciável, que tentou
sintetizar o que foi sua campanha: uma tentativa de mobilizar as parcelas à esquerda, do junho de
2013, e se apresentar aos jovens e rebeldes como a única opção de esquerda coerente. Disse Luciana:
“Quero agradecer a todos e a todas que estiveram conosco nessa caminhada. Principalmente, os
jovens, que acreditam que nada é impossível mudar. Com a força do povo, podemos mudar o Brasil e
derrotar os podres poderes”. (Horário eleitoral do PSOL, dia 03 de outubro). A fala de Luciana era
destinada a um coletivo (povo), o único capaz de derrotar o que ela chamava de podres poderes. A
crítica não era endereçada somente à Dilma, Aécio (candidato pelo PSDB, que foi ao segundo turno)
ou Marina. O problema, para Luciana, residia no sistema capitalista e na organização da sociedade, o
que pode ser inferido devido ao seu partido.
Como no primeiro programa, ela falou novamente no plural para mostrar que não estava só e que
representava os interesses do PSOL: “queremos uma democracia real, onde o dinheiro não nos
escravize e onde os direitos sociais sejam respeitados. Uma sociedade livre da exploração de classe,
da opressão de gênero, raça ou orientação sexual”. (Horário eleitoral do PSOL, dia 03 de outubro).
Finalizou mobilizando a ideia de que os descontentes com os rumos do governo de Dilma não
deveriam votar na presidente nem em outro postulante, ainda que Luciana soubesse que não tinha
chances reais de vitória: “faça um voto realmente útil no primeiro turno: vote 50, estaremos mais
forte para seguir esta luta. Muito obrigada”. (Horário eleitoral do PSOL, dia 03 de outubro). Da fala
da candidata, passou-se muito rapidamente (o tempo dela era o mais escasso), ao Congresso nacional
ocupado por manifestantes do junho de 2013, gritando: “O povo acordou”. Para além do partido, ela
se colocava como representante do povo, aquele que esteve lutando por um país mais justo. A
propaganda termina com o número do partido na tela.

5. Heloísa, Dilma, Marina e Luciana: comparando as imagens das presidenciáveis

As propagandas de Heloísa Helena, candidata posicionada à esquerda do campo político, foram


corajosas no que se refere à ocupação do lugar de fala da oposição: a candidata criticou firmemente o
governo do então presidente Lula, mobilizando um ethos de honestidade e a identificação com pobres
e os que não se corrompiam. A mobilização do gênero mostrou uma candidata menos aguerrida: a
Heloísa “coração valente” buscou para si o lugar de fala da mãe, discursando em nome da garra que o
amor possui. Esse ethos também buscava a identidade: desejava o apoio de mães honestas como ela.
A candidata Marina Silva, por sua vez, apareceu na campanha de 2010 como ambientalista e
batalhadora, característica comum de tantos brasileiros e brasileiras. Ainda que o gênero não tenha
sido mobilizado diretamente, Marina não deixou de recordar as mulheres com as quais se
assemelhava: as lutavam pelo sustento diário e pela união da família. Em 2014, Marina entra na
campanha com a missão de levar adiante o legado de Campos, um desafio apropriado a uma mulher
de coragem, que buscava um governo de união.
Dilma Rousseff, a herdeira de Lula, apresentou-se ao eleitorado, em 2010, não apenas como a
candidata que daria seguimento ao governo do então presidente, mas também como a presidenciável
de imenso coração que desejava cuidar dos brasileiros igual uma mãe cuida de seus filhos. O papel
que Dilma reivindicava para si só poderia, então, ser ocupado por uma mulher. Precisava ser “a vez da
mulher”. A imagem da mãe e da guerreira foi novamente mobilizada em 2014, quando a garra da
presidente-candidata foi destacada no slogan “coração valente”, “tomado de empréstimo” à Heloísa
Helena.
Em 2014, a segunda candidata do PSOL à presidência, Luciana Genro, buscou ocupar o lugar de
fala de porta-voz dos brasileiros inconformados com os rumos da política, apresentando-se aos
eleitores ao lado do filho e do marido. Para ir à luta política, Luciana apareceu, literalmente, saindo de
casa, depois do café da manhã ao lado dos que amava. Observar as propagandas de Heloísa, Marina,
Dilma e Luciana evidencia que, além da condição de gênero, suas campanhas tiveram semelhanças
quanto às imagens mobilizadas. Todas as candidatas, com exceção de Marina Silva, iniciaram as
campanhas falando do lugar de fala de mãe, buscando o ethos de mãe valente/mãe guerreira, no caso
de Heloísa e Luciana, e de mãe também cuidadosa, no caso de Dilma. Marina em 2014 e Dilma (2010
e 2014) também buscaram construir a imagem de herdeiras, mobilização que a ocorre partir da
confiança no fiador masculino e no legado deste, que seria levado adiante com sensibilidade.
As imagens da mãe, da guerreira, da batalhadora, da herdeira de um legado político masculino,
confirmam a hipótese da disputa por um “capital emotivo”, dentro do âmbito do HGPE: mobilizam
estereótipos na tentativa de conversão de seus habituais significados. É justamente porque as
mulheres podem ser mãe, sabem amar e cuidar que fariam bem ao espaço da política.

6. Considerações finais

A análise dos discursos das propagandas femininas confirmou a hipótese da tentativa de criação
de um “capital emotivo”, no qual imagens relacionadas ao amor e à sensibilidade são usadas nas
campanhas de mulheres para obter adesão, oferecendo ao eleitor o que, supostamente, seria
encontrado no gênero das candidatas. Só uma mãe é capaz de querer o melhor para os seus filhos.
Apenas uma guerreira é capaz de sair do seu lar para pensar e cuidar do próximo. Somente a herdeira
levaria adiante o legado de um grande líder com cuidado e amor.
O problema do capital emotivo é que ele não subverte os estereótipos, pois importa destacar
aspectos que possam ser vistos como positivos pela população. A luta por posições privilegiadas no
campo e por votos não leva em consideração a diversidade de significados de “ser mulher”.
Candidatas e partidos se repetem: são do amplo espectro da esquerda, partindo desde posições
mais radicais até as que intentam conservar o poder. Dilma e Marina são candidatas em duas eleições.
PSOL e PT apresentam presidenciáveis mulheres em duas eleições. Poderia se supor, assim, que os
resultados se referem apenas a campanhas de esquerda. Entretanto, como nem as candidaturas de
mulheres consideradas de “esquerda radical” colocam em xeque certos lugares destinados ao gênero
pela sociedade, é possível pensar que presidenciáveis à direita do campo repetiriam a mobilização de
estereótipos, promovendo o ingresso subordinado das mulheres na política, tendo em vista que ali
estão apenas em nome de uma causa maior ou de um grande amor por outrem (seus desejos,
interesses e perspectivas são obscurecidos).

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1 Trabalho apresentado no I Simpósio Nacional de Comunicação Política, Eleições e Campanha Permanente. GT 2: Propaganda
Política e Marketing Eleitoral.

2 Pós-doutoranda da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, com bolsa Fapesp. Pesquisadora do Núcleo de Estudos em
Arte, Mídia e Política (NEAMP – PUC/SP). Doutora em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Mestre em
Sociologia pela Universidade Federal do Ceará.

3 As emissoras de rádio e TV ficam isentas de pagamento de impostos referentes ao tempo de programação cedido aos partidos.

4 Para ver a lei, acessar: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9096.htm.

5 http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2402200207.htm

6 O conceito foi trazido à teoria social por feministas anglo-saxãs na década de 1970, na tentativa de diferenciar
condicionamentos biológicos de construções sociais. (Scott, 2012).

7 Na teoria de Bourdieu (1989), o capital político indica o reconhecimento, entre os atores políticos, das lideranças, o que
viabiliza a ação política. Assim, possuir capital é importante para possuir poder dentro de um campo, que é um espaço em permanente
disputa pelas posições dominantes.

8 Refere-se, aqui, aos programas do horário eleitoral veiculados no período noturno, no chamado “horário nobre da TV”. A
escolha se justifica pelo fato de os programas de TV aberta terem audiência mais alta durante a noite.

9 Por situar esse marco em 2002, aqui não se analisará a candidatura de Lívia Maria do Partido Nacionalista (PN), no ano de
1989, e de Thereza Ruiz, em 1998, pelo Partido Trabalhista Nacional (PTN). Os dois partidos eram inexpressivos tanto em relação ao
número de votos como no que diz respeito ao conhecimento de suas siglas e líderes pela sociedade.

10 Ela não chegou a entrar na disputa de fato, porque denúncias de corrupção, envolvendo seu marido, acabaram por minar suas
possibilidades.

11 Sobre o conceito de campo, ver Bourdieu (1989).

12 A proibição da publicidade paga às emissoras de TV e rádio vem desde a ditadura militar, com a Lei Etelvino Lins:
http://www.tse.jus.br/eleitor/glossario/termos/lei-etelvino-lins. Vale ressaltar que o Estado paga às empresas midiáticas o espaço
utilizado pelos partidos, mas estes cobrem os custos da produção de seus programas.

13 Sobre a divisão de tempo no HGPE, no período das campanhas estudadas, ver:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9504.htm. A reforma eleitoral de 2015 modificou essa divisão: 10% do tempo no espaço é
dividido igualmente entre os partidos. Os outros 90% são divididos proporcionalmente de acordo com a bancada eleita na Câmara.

14 O ano de 2006 também contou com a candidatura de Ana Maria Rangel, do Partido (PRP). Devido à dificuldade de acesso às
suas propagandas e a inexpressividade dos seus votos e conhecimento, por parte dos eleitores, sua propaganda não será analisada aqui.
Ana Maria entrou na disputa tardiamente (teve apenas nove propagandas), depois de ganhar o direito de participar da disputa na
justiça, pois havia sido expulsa de seu partido. A história, que na época não ficou bem esclarecida, pode ser vista aqui:
http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/tse-aceita-candidatura-de-ana-maria-rangel/

15 Composta por PSOL, PSTU e PCB.

16 Composta por: PT, PMDB, PDT, PSB, PR, PCdoB, PRB, PTN, PSC E PTC.

17 Formada por: PT / PMDB / PSD / PP / PR / PROS / PDT / PC do B / PRB.

18 Formada por: PHS / PRP / PPS / PPL / PSB / PSL.

19 Espécie de “mesada” que os deputados receberiam para votar de acordo com os desejos do Executivo Federal. A denúncia do
“mensalão” foi feita pelo então deputado Roberto Jefferson, do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).

20 A onda verde foi um termo utilizado pela pelas propagandas de Marina, para falar do crescente apoio que recebia e da
mobilização do Brasil em torno da sua candidatura (a imprensa também utilizava o termo). Vale dizer, entretanto, explicações sobre o
voto na candidata que desconsiderem o “fator Erenice” são incompletas. Dilma Rousseff tinha chances de ganhar a eleição de 2010, no
primeiro turno, mas denúncias de corrupção envolvendo sua substituta na Casa Civil fizeram a candidata perder votos para Marina
Silva. Sobre isso, ver: MARTINS, 2012.

21 Em junho de 2013 várias manifestações, reivindicando mudanças e o combate à corrupção, assolaram várias cidades
brasileiras.
CAPÍTULO 6

ESTRATÉGIAS ELEITORAIS NAS REDES SOCIAIS:


Um estudo de caso das campanhas dos candidatos à Presidência da República
no segundo turno no Twitter1

Luiz Ademir de Oliveira2


Mayra Regina Coimbra3
Lucas de Almeida Santos4

1. Introdução

O desenvolvimento tecnológico provocou grandes mudanças na sociedade e em sua interação


com os indivíduos. Compreender os seus efeitos tem sido um dos questionamentos mais feitos
atualmente. Há uma preocupação em compreender como o comportamento das pessoas se alterou
diante da inserção desses novos elementos e como os campos sociais se organizaram em torno dessa
nova lógica. O que é possível afirmar é que a sociedade foi de fato alterada pela inserção dos aparatos
tecnológicos e que os indivíduos, presentes nela, também tiveram suas rotinas modificadas por esses
aparatos.
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio 5- PNAD, disponibilizada pelo Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE) em 2018, informou que o acesso à internet chegou a 116 milhões de
pessoas, o equivalente a mais da metade dos brasileiros, cerca de 64,7% da população. Nesse cenário
foram surgindo as redes sociais, como Youtube, Facebook, Twitter, MySpace e ganhando espaço. No
Brasil, elas já ultrapassam 139 milhões de usuários6.
Diante desta realidade, nota-se como aos poucos os campos sociais passaram a se ver obrigados
a se apropriarem das redes e utilizá-las em seu benefício. Assim também aconteceu com o campo
político. É evidente como a cada eleição os políticos tem se apropriado das plataformas digitais, como
possibilidade vasta de exposição de imagens e ideias. Um acontecimento político marcante, onde a
internet foi fundamental, foi a campanha eleitoral de Barack Obama (AGGIO, 2011), onde as redes
sociais o levaram à vitória. A partir deste momento, o fazer político não continuou sendo mais o
mesmo.
A presença dos atores políticos nas mídias sociais da internet tem crescido exponencialmente
nos últimos anos e é notório o alto investimento que é feito nesta plataforma não só nos períodos
eleitorais, mas também durante os governos. Em razão disso, atualmente se fala muito em questões
de marketing eleitoral, político e governamental. No qual, há a presença de inúmeros profissionais
altamente qualificados para controlar a visibilidade dos líderes políticos durante as disputas e até
mesmo após o processo.
As estratégias políticas antes centradas nos programas do Horário Gratuito de Propaganda
Eleitoral (HGPE), nos comícios e nos veículos de comunicação de massa, hoje não são a única
possível, nem a mais cobiçada pelos políticos. A última eleição presidencial no Brasil é um exemplo
claro desta realidade, onde o candidato do Partido Social Liberal (PSL), Jair Bolsonaro, escolheu a
internet em detrimento dos veículos tradicionais para fazer sua campanha. Esta estratégia tem se
mantido, agora depois de eleito, nas atividades de governo. O que nos mostra que a internet passou a
ser não só um meio para se propagar tendências comportamentais ou opinativas, mas também se
tornou um espaço onde as pessoas podem se posicionar ideologicamente, podem interagir com
pessoas que possuem interesses semelhantes, podem evangelizar em torno de uma causa e se
sentirem mais atuantes no processo de relação comunicacional.
Diante desta realidade, os políticos têm demonstrado cada vez mais uma preocupação em
investir nestes novos espaços, como, por exemplo, o uso de sites, blogs, Twitter, Facebook, Youtube
etc. como estratégias alternativas e/ou complementares de se fazer política. Estas plataformas
alteraram a lógica da produção de campanhas eleitorais. A começar pelo tempo dedicado a realização
das campanhas. Se no passado, elas geralmente eram muito concentradas no período próximo às
eleições, em decorrência das regras eleitorais, atualmente isso se modificou. Os políticos podem
propagar suas ideias durante muito tempo antes da disputa e até mesmo após o processo.
Outra mudança que marca a inserção desse novo meio na sociedade e a imbricação dele com o
campo político é a aproximação dos candidatos aos eleitores. Se antes os políticos eram vistos como
seres de difícil contato, as mídias sociais desmistificaram essa ideia, já que se investe em
interatividade, mesmo que isso não permita um contato de fato. Afinal, nunca se sabe se quem está
interagindo é o político ou sua assessoria. No entanto, qualquer mínimo contato que o político
estabelece, ainda que em rede, é muito repercutido.
Essas plataformas permitem que as pessoas tenham mais informações sobre o político: o que
estão fazendo, onde foram, com quem estão, quais as propostas, pensamentos. Isso acaba por gerar
uma sensação de que estão próximas dele, sabem tudo sobre ele e o conhecem de verdade. Ou seja,
cria-se um vínculo relacional muito maior do que aquele anterior ao surgimento das redes. Outro
ponto que merece ser destacado é o fato de que as redes atingiram tamanha proporção e significação
social, que além de ser um espaço para interagir com os amigos, cultivar os hobbies, ela também se
tornou um espaço onde é possível ver, discutir e fazer política. Discutir política em um espaço onde a
própria plataforma exige um conteúdo dinâmico, curto e atraente, em algum momento acaba por
aproximar os leigos e desinteressados a interagirem ou produzirem algum material, ainda que
minimamente.
No entanto, há que se destacar os cuidados adjacentes ao uso dessas plataformas no campo
político. Não basta divulgar conteúdos aleatoriamente e despreocupadamente. É preciso pensar
estratégias próprias para veicular as informações dentro das regras de cada espaço. Além dos
discursos e os recursos visuais a serem adotados, fatores determinantes no processo de criação de
identidade dessas plataformas. Sob essa perspectiva, o artigo traz uma discussão sobre a relação
simbiótica entre mídia e política e a propaganda política nas redes sociais. O trabalho centra-se na
discussão de compreender a influência do Twitter na construção do cenário político atual e entender
como Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) se posicionaram nesta rede e quais foram os
recursos utilizados para propagação de suas imagens, bem como as suas estratégias, no segundo
turno da campanha presidencial brasileira (08 a 28 de outubro de 2018).

2. REFERENCIAL TEÓRICO

A seguir a discussão teórica parte de dois princípios. No primeiro será discutido a relação
simbiótica entre o campo da política e a instância comunicativa midiática (BOURDIEU, 2001). A
intenção é compreendermos como esses dois campos se relacionam entre si, quais as consequências
dessa interação, como o poder perpassa esse jogo e como os atores envolvidos articulam entre si para
a busca e manutenção dele. No segundo momento, discute-se as implicações que os avanços da
internet trouxeram para o campo político e como os personagens deste campo passaram a agir diante
deste novo espaço.

2.1. A relação simbiótica entre o campo político e a instância comunicativa midiática

Para compreender a dimensão da relação que envolve o campo da mídia e o campo da política, é
necessário entendermos o instrumento que rege todos os campos nos quais os indivíduos sociais estão
em constante busca: o poder. De acordo com o Bourdieu (2001), o poder é um instrumento simbólico e
invisível, que rege todas as pessoas em sociedade. Esse poder simbólico age como um poder de
construção da realidade, que, por sua vez, tende a estabelecer uma ordem e confere um sentido
imediato do mundo. Para compreender a sociedade, Bourdieu (2001) cria o conceito de “campo”, que,
segundo ele, trata-se de um espaço de conflito onde se desenrolam lutas para adquirir ou manter o
monopólio sobre uma espécie específica de capital, seja ele material, simbólico ou social. Cada espaço
social corresponde, assim, a um campo específico – cultural, científico, econômico, jornalístico etc., no
qual travam-se lutas, a fim de determinar a posição social dos sujeitos, revelando as figuras de
“autoridade” detentoras de poder simbólico.
Dessa maneira, entendemos que, dentro de um campo, há um processo cíclico e contínuo de
busca ou manutenção do capital caracterizado por lutas simbólicas; estas, se dentro dos campos e
também fora deles e entre eles; ou seja, os campos sociais são, ao mesmo tempo, concorrentes e
complementares entre si. Como observamos nessa última eleição entre os campos da mídia e da
política, em que os media e o candidato eleito presidente da República, Jair Bolsonaro, travaram uma
luta simbólica pela detenção do poder diante da sociedade. Dentro dos campos, existe ainda o que
Bourdieu (2001) chama de “capital simbólico” como sendo um aparato de prestígio ou de carisma que
uma instituição ou indivíduo possui dentro de determinado campo, o que lhe permite se destacar
diante dos outros. Sendo assim, o capital simbólico possibilita que um indivíduo ou instituição
desfrute de uma posição de destaque diante de um campo. Miguel (2003) também se apropria da
discussão de campo trabalhada por Bourdieu (2001). Para ele, o capital político nada mais é do que
uma forma de capital simbólico. Isto é, ele depende, em maior ou menor grau, do reconhecimento dos
sujeitos presentes nesse campo. Na política, é perceptível essa luta dos agentes por capital simbólico,
por exemplo, quando estes lutam por votos e/ou por popularidade, para que sejam reconhecidos, pois
a sua existência se configura a partir do momento em que são vistos.
Depois de expostas as características do campo político, Rodrigues (2001) apresenta as
especificidades do campo dos media na sua interação com o campo da política. Ele aponta que esse
campo exerce, hoje, o papel de mediador social. Ele dá visibilidade a todos os outros campos sociais,
seja ele a política, a religião, a ciência, a arte etc., e também a um grande universo de indivíduos. E
mais do que dar visibilidade, ele contribui no processo de nortear a sociedade e dar sentido ao mundo
por meio de sua prática. Miguel e Biroli (2010) também discutem a configuração da mídia na
sociedade moderna. Para eles, é da mídia que provém, direta ou indiretamente, grande parcela das
informações de que dispomos para nos situarmos no mundo. Os autores citam quatro alterações
provocadas pela mídia: (1) a mídia tornou-se o principal instrumento de contato entre a elite política e
os cidadãos comuns. Esse acesso à mídia acaba reduzindo o peso dos partidos políticos; (2) o discurso
político foi obrigado a adaptar-se conforme a lógica dos meios de comunicação de massa. Abreviar a
fala e reduzi-la a umas poucas palavras, de preferência “de efeito”, tornou-se imperativo para
qualquer candidato à notoriedade midiática; (3) a mídia é a principal responsável pela produção da
agenda pública. Ela privilegia alguns assuntos em detrimento de outros; e (4) mais do que no passado,
os candidatos têm de adotar uma preocupação central com a gestão de visibilidade.
Para entender a lógica midiática sobre o campo político, é também preciso falarmos sobre
encenações e espetáculos, visto que os meios de comunicação conferiram mudanças nos campos
sociais e nos indivíduos desses campos (GOMES, 2004). Para Schwartzenberg (1977), o espetáculo
está no poder, e o Estado transformou-se numa grande empresa teatral, preocupado em produções
espetaculares, a fim de atingir o público eleitor. Já a política deixou de atuar no campo das ideias e se
tornou produtora de espetáculos, reduzindo tudo à mera encenação política, em que a imprensa se
tornou palco principal da atuação dessas encenações.
Outro ponto que merece destaque é que, se para alguns autores a mídia ocupa um espaço de
centralidade da vida social (RODRIGUES, 2001; LIMA, 2006), há um debate mais atual e em aberto
sobre o crescente processo de midiatização, uma vez que a mídia hoje está disseminada no cotidiano
dos indivíduos alterando a lógica de funcionamento da própria sociedade. Ela passou a permear de
modo incisivo a vida das pessoas a ponto de que não se pode compreendê-la como algo separado das
instituições culturais e sociais (HJARVARD, 2012). Thompson (1998), por sua vez, acredita que a
midiatização é um processo contínuo que acompanha a atividade humana desse os seus primórdios.
Para ele, o que aconteceu foi que o surgimento dos meios de comunicação obrigou os atores de
diferentes setores a se adaptarem.
Braga (2012) compreende a midiatização como um conceito em construção tendo em vista os
novos dispositivos tecnológicos que também são culturais e sociais, conforme já apontou Hjarvard
(2012). Ele ainda reflete sobre uma das consequências significativas que a midiatização apresenta na
sociedade contemporânea – “que é um atravessamento dos campos sociais estabelecidos, gerando
situações indeterminadas e experimentações correlatas” (BRAGA, 2012, p. 31). O autor acredita que,
principalmente, em função do surgimento e disseminação das mídias digitais, hoje, há novos circuitos
informativos e comunicacionais que começam a fragilizar o poder dos campos sociais instituídos.

2.2. As mídias digitais e sua relação com as disputas eleitorais

Conforme Castells (2001) aponta, a internet foi criada para fins militares na década de 1960 nos
Estados Unidos. Somente nas décadas seguintes, essa rede de comunicação foi utilizada para outras
finalidades, dentre elas para as relações interpessoais, surgindo, assim, as redes sociais. O
surgimento da internet e o seu desenvolvimento, com o passar dos anos, trouxeram impactos
significativos para o homem e para os diferentes setores da sociedade, inclusive para a política.
O seu uso atrelado às campanhas eleitorais teve início na década de 1990 nos Estados Unidos. A
disputa com maior incorporação das redes sociais foram as eleições presidenciais dos EUA de 2010,
nas quais Obama foi eleito (AGGIO, 2011). E, recentemente, essa estratégia tem se mostrado muito
presente com o presidente eleito Donald Trump. O político utilizou o seu Twitter, para fazer
posicionamentos e dar declarações oficiais como forma de resistência aos veículos de mídia
tradicionais tão questionados pelo presidente.
Segundo Souza e Marques (2017), no Brasil, a primeira campanha a utilizar a internet foi em
1998. Na época, menos de 3% dos eleitores tinham acesso à internet. No entanto, apenas nas eleições
de 2010, permitiu-se a utilização dos recursos digitais nas campanhas (AGGIO, 2011). Com o advento
e a popularização dessas novas redes comunicacionais, os políticos tiveram de migrar para esses
espaços. Se a democracia digital possibilita novas formas de interação e participação política, os
políticos mostram-se cada vez mais preocupados em concentrar investimentos e atenção especial
nessas ferramentas. Mais do que permitir a comunicação dos indivíduos, essas redes ampliaram a
capacidade de conexão dos sujeitos (CASTELLS, 2001; RECUERO, 2009).
Segundo Aggio (2011), é possível destacar quatro pontos-chave no uso da internet como
estratégia eleitoral: (a) fornecimento e informações não mediadas pelos media noticiosos; (b)
paridade de disputas entre campanhas de pequeno e grande portes, visto que a criação de websites e
fanpages, entre outras plataformas da web, tornaram-se de fácil acesso a qualquer candidato; (c)
interatividade – que é a possibilidade de criar ambientes onde possa haver interação entre eleitores e,
eventualmente, entre eleitores e candidatos; e (d) ativismos – recursos que possibilitem novas formas
de ativismo nas campanhas.
Para Levy e Lemos (2010), a sociedade está experimentando um aprofundamento do exercício de
democracia, em que as redes sociais são consideradas fundamentais para o exercício da
ciberdemocracia. Os sujeitos podem organizar ricas discussões e produção e compartilhamento de
informações.
Gomes (2006) argumenta que a informação disponibilizada na internet é frequentemente
desprovida das coações dos meios tradicionais de comunicação, como, por exemplo, a grande
imprensa. Isso significa, portanto, que a mensagem não é distorcida ou alterada para servir a
interesses ou forças específicas. Conforme aponta o autor, não resta dúvida ao fato de que a internet
se tornou um instrumento alternativo de participação política. Porém, apenas o acesso à internet não
é capaz de garantir a atividade política, menos ainda a atividade política argumentativa.

3. ANÁLISE DO USO DO TWITTER NAS CAMPANHAS ELEITORAIS À PRESIDÊNCIA DA


REPÚBLICA EM 2018, NO SEGUNDO TURNO NO TWITTER

3.1. Metodologia, Corpus de Análise e Conjuntura Política

Como procedimentos metodológico, o artigo utilizou, primeiramente a pesquisa bibliográfica.


Outra ferramenta usada foi a pesquisa documental. O corpus de análise deste artigo são as postagens
no Twitter dos candidatos à Presidência da República, no segundo turno: Jair Bolsonaro (PSL) e
Fernando Haddad (PT). A pesquisa abrange o segundo turno das eleições de 2018, com início no dia
08 de outubro, segunda-feira e término no dia 28 de outubro, domingo, dia da votação. A mineração
desses dados gerados pelos candidatos no Twitter foi feita por meio do software TAGS v6.1.9.,
desenvolvido por Martin Hawksey, que se configura como um modelo de tabela no Google, gratuito,
capaz de configurar e executar a coleta automatizada de resultados de pesquisa do Twitter.
Depois de coletado o material, utilizou-se a análise de conteúdo (BARDIN, 2011). A categoria
utilizada refere-se aos conteúdos utilizados pelos candidatos no Facebook. Os segmentos foram
divididos em segmentos de campanha e metacampanha (ALBUQUERQUE, 1999). As categorias de
campanha (de conteúdo político) são: (1) Alteração da foto de perfil/capa; (2) Imagem do candidato;
(3) Construção da Imagem do país; (4) Desconstrução da imagem do país; (5) Temas políticos - saúde,
educação, mobilidade urbana, segurança pública, emprego e geração de renda, políticas sociais,
habitação, cardápio e outros; (6) Fatos Contemporâneos; (7) Ataque aos Adversários; (8) Resposta ao
ataque de adversários. Quanto as categorias de metacampanha podemos destacar: (1) Atividades de
campanha; (2) Debate; (3) Balanço do dia/campanha; (4) Entrevista nos meios de comunicação; (5)
Apoio e agradecimento de líderes políticos, personalidades e populares; (6) Agenda; (7) Pesquisa de
intenção de voto; (8) Mobilização e apelo ao engajamento dos eleitores; (9) Fatos contemporâneos;
(10) Outros.
Para situar a análise que virá a seguir, é importante tecer algumas considerações sobre a
conjuntura política que perpassou o cenário em que se dá essa pesquisa. A população brasileira viveu
recentemente a oitava eleição presidencial direta após o processo de redemocratização do País. Com
13 candidatos, a corrida pelo Palácio do Planalto nas eleições de 2018 foi a mais concorrida e
pulverizada desde 1989 quando contou com 22 presidenciáveis. O cenário eleitoral para o cargo de
presidente do Brasil se mostrou bastante conturbado. Para delinearmos os acontecimentos que
desenharam a disputa presidencial de 2018, é importante traçarmos um panorama do contexto
político e eleitoral marcado pela imprevisibilidade. É inegável o fato de que a política recente
brasileira passa por um momento de uma profunda crise institucional e política. Em agosto de 2016,
depois de um processo de redemocratização que caminhava de forma tranquila, com sete eleições
presidenciais diretas, houve uma ruptura das regras da ordem democrática e o Senado determinou,
por 61 a 20 votos, o impeachment da presidente com a alegação de que esta teria violado leis
orçamentárias. Ela foi substituída pelo seu vice, Michel Temer. Para Souza (2016) e Santos (2017), o
impeachment é resultado de um golpe jurídico, militar e político, em que atuaram os conglomerados
de mídia, o Poder Judiciário e os segmentos conservadores do Congresso Nacional, que contou ainda
com apoio de uma parcela considerável da população brasileira mobilizada pela mídia e por
movimentos de direita via redes sociais. Os autores explicam que são pessoas vinculadas,
principalmente, à classe média, que se veem ameaçadas por políticas de redistribuição implantadas
nas gestões do PT, desde 2002, quando Luiz Inácio Lula da Silva assumiu o primeiro mandato.
Esse cenário é decisivo para compreendermos a situação política atual e o sentimento vivido por
parte da população. Desgastado pelos acontecimentos do impeachment, o Partido dos Trabalhadores
(PT) apostou todas as suas fichas na figura expressiva de Luiz Inácio Lula da Silva. No entanto, no
início de 2016, a vida do político passou a mostrar-se bem conturbada com investigações contra ele
por acusações dos crimes de lavagem de dinheiro, falsidade ideológica e ocultação de patrimônio. No
dia 5 de abril de 2018, após rejeição do habeas corpus preventivo pelo STF, o juiz federal Sérgio Moro
decretou a prisão de Lula. A prisão dele aconteceu no dia 7 de abril quando Lula entregou-se à Polícia
Federal, que o aguardava do lado de fora do Sindicato. A prisão despertou reações nacionais e
internacionais pela relevância do evento na eleição presidencial de 2018 e pelos indícios da presença
de razões políticas para a prisão dele.
Mesmo preso, o ex-presidente lançou sua candidatura em 4 de agosto de 2018, tendo como vice
Fernando Haddad. No entanto, a candidatura de Lula foi barrada pelo Tribunal Superior Eleitoral,
(TSE) com base na Lei da Ficha Limpa, em decorrência da condenação dele em segunda instância por
corrupção passiva e lavagem de dinheiro. No dia 11 de setembro, no prazo final estipulado, o Partido
dos Trabalhadores (PT) lançou os nomes do ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, e de Manuela
d’Ávila (PCdoB) como vice na chapa. As pesquisas mostraram que, aos poucos, Haddad havia
começado a herdar os votos de Lula. Esse crescimento se verificou no final da campanha, que
culminou em uma disputa de segundo turno envolvendo Jair Bolsonaro (PSL), que conquistou 46% dos
votos válidos, e Fernando Haddad (PT), que teve 29% dos votos.
A figura de Jair Bolsonaro também merece ser mencionada, para que seja possível compreender
o cenário e os personagens do segundo turno. Jair Messias Bolsonaro é um militar da reserva e
político brasileiro, hoje filiado ao Partido Social Liberal (PSL). Em 1990, Bolsonaro foi o candidato
mais votado do estado do Rio de Janeiro para a Câmara dos Deputados, com apoio de 6% do
eleitorado fluminense (464 mil votos), sendo reeleito por seis vezes. Durante os seus 27 anos no
Congresso, ficou conhecido pela personalidade controversa em decorrência de suas visões políticas de
extrema-direita, que incluem a simpatia pela ditadura militar no Brasil e a defesa das práticas de
tortura do regime militar. Atualmente, ganhou o ideário popular por se colocar como um político novo,
alheio a escândalos de corrupção, que agirá em nome da moral e dos bons costumes e como a única
alternativa capaz de tirar o Partido dos Trabalhadores (PT) há tanto tempo no poder.
Bolsonaro chegou a ter uma atuação no Congresso em defesa de posturas estatizantes ao longo
dos seus mandatos, o que o aproximava do ponto de vista econômico de posições de centro-esquerda.
Todavia, na campanha, o candidato aproximou-se do economista Paulo Guedes, que se tornou um
super ministro com amplos poderes e uma linha ultraliberal, ao agregar num só ministério da
Economia as pastas da Fazenda, Indústria e Comércio, Planejamento e Trabalho. Desde então,
Bolsonaro adotou o discurso liberal na economia. Ao mesmo tempo, alinhado à nova direita, já
defendia posturas conservadoras em termos comportamentais: redução da maioridade penal de 18
para 16 anos, restrição dos direitos de grupos minoritários, como os públicos LBGTQ, os negros e as
mulheres, e controle do conteúdo ministrado em escolas e universidades por meio do projeto Escola
sem partido, entre outras pautas.
Com o desgaste dos políticos tradicionais desde as Jornadas de Junho de 2013 e intensificado
com a eleição de 2016, o desempenho do político já se destacava desde os primeiros levantamentos
sobre a corrida presidencial. Porém, ganhou novo impulso após dois fatos relevantes envolvendo a
campanha eleitoral de 2018: o fato de o ex-presidente Lula, que liderava as pesquisas presidenciais,
ter sido barrado em 1º de setembro pelo Tribunal Superior Eleitoral e o atentado sofrido em 6 de
setembro, quando, durante um ato de campanha na cidade de Juiz de Fora, Minas Gerais, foi atacado
por uma facada e ficou impossibilitado de participar de seus compromissos como candidato. Com
pouco tempo de televisão, apenas oito segundos, Jair Bolsonaro teve esse aspecto minimizado com a
facada, ocupou grande parte dos noticiários de TV e esteve diariamente nas programações midiáticas.
Aliado a esse agendamento midiático, ele investiu boa parte de seus recursos – financeiros e
intelectuais – para a internet, especialmente as redes sociais (Facebook e Twitter) e aplicativos de
comunicação instantânea, como o WahtsApp.

4. As Estratégias dos candidatos à Presidência da República no segundo turno no Twitter

4.1. Atuação dos candidatos no Twitter

Neste artigo foram analisadas as postagens do segundo turno da Eleição Presidencial de 2018 no
Twitter, envolvendo os candidatos: Jair Messias Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT). No Twitter
quem liderou as postagens foi Fernando Haddad (PT). O candidato do Partido dos Trabalhadores (PT)
fez 593 tweets no período de 08 a 28 de outubro. Uma média de 28 tweets por dia. O dia em que mais
tuitou foi na véspera da votação, dia 27 de outubro, com um total de 66 tweets. O dia em que menos
tuitou foi dia 22 de outubro, nove tweets. Já seu adversário, Jair Bolsonaro (PSL) fez um número de
postagens menor, comparado a Haddad, totalizou 367 tweets, no mesmo período. Uma média de 17
tweets por dia. O auge dos seus tweets aconteceu no dia 21 de outubro, com 56 tweets e no dia da
votação, 28 de outubro, registrou o menor número de tweets, oito. Conforme se observa no Gráfico 1.

GRÁFICO 1 – TWEETS DOS CANDIDATOS AO LONGO DO SEGUNDO TURNO DA ELEIÇAO


PRESIDENCIAL DE 2018
Fonte: elaboração própria dos autores (2019).

Apesar do que mostram os números, ainda que tenha feito um número de postagens inferior ao
de Fernando Haddad (PT), Jair Bolsonaro (PSL) parecia estar mais habituado e adaptado as regras
desse espaço da rede. O candidatou pareceu ter maior domínio de suas palavras, aproveitou o espaço
para divulgar seu conteúdo e principalmente para interagir com seus eleitores. Não foi raro ás vezes
em que o candidato respondia mensagens de eleitores na rede. Em razão da saúde debilitada, desde a
facada sofrida em Juiz de Fora, que perfurou o intestino, no dia 06 de setembro, as redes sociais
foram o principal canal de comunicação e ponto de acesso aos seus eleitores, que por sua vez usou as
redes para se mobilizarem uma vez que o candidato estava impedido de realizar tarefas em espaço
público. O fato de ele fazer menos postagens e de ter tido mais tempo ocioso, em casa, também pode
ter contribuído para que as pessoas pensassem que quem os escrevia, era realmente o candidato. E
não seus assessores ou líderes de campanha.
Fernando Haddad, por sua vez, teve mais dificuldade em manejar o uso desta rede social. O
principal problema identificado foi a falta de pessoalidade nas suas publicações. Em vários momentos
ficou claro que não era ele quem escrevia e publicava seus tweets, e sim sua equipe. Outro fator que
pode ter impedido uma melhor articulação do petista neste espaço foi a campanha apressada petista,
que em decorrência da impossibilidade do ex-presidente Lula, lançou-se candidato em 11 de
setembro, menos de um mês para as eleições. O candidato precisou se articular em participar de
entrevistas, debates, atos e encontros pelo país e mesmo com essa agenda cheia ainda realizava altos
índices de postagens diárias. Causando descrédito e impessoalidade naquilo que divulgava. O ponto
alto da utilização deste espaço pelo petista foi que o mesmo conseguiu realizar um debate com seu
adversário, o que não ocorreu nos meios tradicionais, aos quais Bolsonaro se negou a participar. No
entanto, há que se destacar que esse debate aconteceu de modo muito raso. Se configurou mais em
uma troca de farpas do que em um debate de ideias.
Fazendo uma análise detalhada da interação dos usuários do Twitter em relação aos tweets dos
candidatos, nota-se que apesar de Fernando Haddad postar mais, os números não refletiram nos
retweets. O candidato do PT obteve um total de 2.095.454 retweets durante o segundo turno, com
média de 99.783 retweets diários. O dia de maior retweet foi 27 de outubro, um dia antes da votação,
com 296.217 e o de menor retweet aconteceu em 22 de outubro, com 20.429 retweets. O candidato
do PSL obteve um total de 2.644.432 retweets durante o segundo turno, com média de 125.925
retweets diários. O pico máximo aconteceu em 08 de outubro, no primeiro dia após o primeiro turno,
com 262.516 e o mínimo aconteceu em 15 de outubro, tendo 56.996 retweets.
Quanto ao número de likes, podemos perceber que seguiu o mesmo padrão. Bolsonaro atingiu
um total de 10.903.013 likes e uma média de 519.191 likes por dia. Enquanto Fernando Haddad
atingiu um total de 8.456.588 likes e uma média de 402.694 likes por dia. O dia em que o petista
obteve mais likes foi o mesmo em que obteve mais retweets, 27 de outubro, com 1.050.010 likes. O
dia em que obteve menos likes também acompanhou o de menos retweets, 22 de outubro, com 92.737
likes. O dia em que Bolsonaro obteve mais likes foi o mesmo em que obteve mais retweets, 08 de
outubro, com 941.194 likes. O dia em que obteve menos, também foi o mesmo de menor retweet, 15
de outubro, com 255.954 likes.
Os quadros a seguir mostram detalhadamente os dados de utilização do Twitter dos dois
candidatos.

QUADRO 1 – DADOS DO TWITTER DE FERNANDO HADDAD (PT)

Fonte: elaboração própria dos autores (2019)

QUADRO 2 – DADOS DO TWITTER DE JAIR BOLSONARO (PSL)


Fonte: elaboração própria dos autores (2019).

4.2. Temáticas acionadas no Twitter

4.2.1. Candidato Jair Bolsonaro (PSL)

O candidato do PSL somou 367 tweets ao total. As cinco categorias mais evidentes foram:
“Ataque ao adversário” com 128 tweets (35%), “Apoio/agradecimento de líderes, políticos e populares”
com 86 tweets (23%), seguido de “Desconstrução da imagem do país” com 50 tweets (14%),
“Corrupção de seus adversários” presente em 36 tweets (10%) e por último “Mobilização e apelo ao
engajamento dos eleitores” com 25 tweets (7%).
Por sua vez, as menos exploradas foram: “Atividade de campanha”, “Pesquisa de intenção de
voto”, “Entrevista aos meios de comunicação” com um tweet cada (0,3%). Em seguida, com quatro
tweets cada (1%) tem “Tema Político: Saúde”, seguido de “Tema Político: Educação”, “Tema Político:
Emprego e geração de renda” e “Mobilidade Urbana”. A terceira estratégia menos explorada pelo
candidato do PSL foi “Agenda” com cinco tweets (1%). A quarta “Fatos Contemporâneos” com seis
tweets (2%) e por último, “Tema político: outros”, “Tema político: cardápio” e “Imagem do Candidato”
com oito tweets cada (2%).

4.2.2. Candidato Fernando Haddad (PT)

O candidato do Partido dos Trabalhadores (PT) foi quem mais realizou publicações no Twitter,
593 tweets. As cinco categorias predominantes foram: “Ataque ao adversário em 132 tweets (23%),
“Apoio/Agradecimento de líderes, políticos e populares” presente em 109 tweets (19%), seguido de
“Mobilização e apelo ao engajamento dos eleitores”, com 52 tweets (9%). A quarta estratégia mais
utilizada foi “Imagem do candidato”, presente em 51 tweets (9%) e a quinta, “Tema político:
cardápio”7, com 42 tweets (7%).
No Twitter, as categorias menos exploradas pelo candidato petista foram: “Tema político: saúde”,
em dois tweets (0,3%), “Menção à partidos”, “Pedagogia do voto” e “Fatos Contemporâneos” ocupam
a segunda categoria menos acionada, com seis tweets (1%), “Tema Político: Segurança Pública”
aparece em terceiro, com sete tweets (1%). Em quarto “Pesquisa de intenção de voto” tem 10 tweets
(2%), e em quinto, “Agenda” em 11 tweets (2%).

QUADRO 3 – CONTEÚDO DOS TWEETS NO SEGUNDO TURNO NO TWITTER

*Uma única publicação pode enquadrar em mais de uma categoria proposta.

Fonte: elaboração própria dos autores (2019).

4.3. Estratégias acionadas no Twitter

4.3.1 Candidato Jair Bolsonaro (PSL)

Jair Bolsonaro utilizou este espaço na maior parte do tempo para atacar adversários políticos, em
especial os da esquerda e a veículos de comunicação como Globo e Folha de S. Paulo. Ao desferir os
ataques ao seu opositor, ele utilizou-se de uma linguagem chula, com termos como: “pau mandado de
corrupto”, “fantoche de corrupto”, “vagabundo”, “canalha”, “pai do kit gay”. Ao falar sobre a mídia
afirmava que alguns veículos não tinham qualquer comprometimento com a verdade, “mentem,
caluniam e inventam”. Outra estratégia pertinente no uso do Twitter neste período foi
“Apoio/agradecimento de líderes, políticos e populares”. Ao trabalhar essa vertente, o candidato
valorizou a construção de sua imagem diante do público, pois através da fala de empresários, líderes
religiosos, artistas e populares ele exaltava suas qualidades e reafirmava sua eficiência no papel de
presidente.
O tema “Corrupção de seus adversários” também fez parte da estratégia adotada no Twitter. Ele
aproveitou-se do tema para desconstruir a imagem de seu adversário e construir a sua própria, ao se
colocar como alguém diferente na política. Apesar de criticar os veículos de comunicação tradicionais,
ele utilizou-se deles na desconstrução de Haddad, como forma de dar credibilidade nas suas
acusações. Outra estratégia pertinente acionada na rede foi a “Desconstrução da imagem do país”.
Ele utilizou o argumento de oposição, de que o país estava em situação crítica, não dava para
continuar como estava e ele era a saída e solução dos problemas.

4.3.2. Candidato Fernando Haddad (PT)

O candidato do PT priorizou como estratégia mensagens de “Apoio/agradecimento de líderes,


políticos e populares”. Provavelmente por ter terminado o primeiro turno em desvantagem numérica
(Jair Bolsonaro - 46,03% e Fernando Haddad - 29,28%), Haddad se preocupou em demonstrar que
várias pessoas apoiavam a sua candidatura e o julgava melhor do que seu adversário. Ao utilizar essa
estratégia ele também reforça a construção de imagem diante da retina do eleitor, sob o julgamento
de pessoas conhecidas e de destaque socialmente, tais como: Gilberto Gil, Caetano Veloso, Chico
Buarque, Joaquim Barbosa. Outra estratégia adotada na rede foi “Ataque ao adversário”. Os ataques
estavam direcionados mais especificamente à figura de Jair Bolsonaro e de seu programa de governo.
Segundo o petista, a vitória do candidato do PSL colocava em risco os direitos da população,
ameaçava a democracia e as políticas sociais já conquistadas nos governos do PT. Na maior parte dos
ataques, Haddad foi polido, no entanto o tom vai mudando com o fim da campanha e é possível notar
uma agressividade, ao mencionar o nome de Bolsonaro, nos últimos dias.
A “Mobilização e apelo ao engajamento dos eleitores”, também foi explorado pelo candidato
petista. Pelo fato de Fernando Haddad ter ficado em segunda colocação na disputa do primeiro turno,
ele viu a necessidade de atingir outros públicos e por isso destaca-se a estratégia de mobilizar o maior
número possível de eleitores, inclusive àqueles que não votaram nele no primeiro turno, que poderiam
mudar o quadro. Há também uma tentativa do petista em fazer com que as pessoas o ajudem a evitar
a disseminação de Fake News. Por fim, é nítido o uso do tema “Cardápio”. Isso evidencia a
preocupação do candidato em utilizar as redes para acionar o máximo de temas políticos em uma
única postagem. Os temas mais recorrentes foram: educação, emprego, saúde e economia, temas
carentes à população brasileira.

5. Considerações Finais

As pesquisas que envolvem eleições e o uso das redes sociais têm mostrado a cada ano o
crescente envolvimento dos políticos com essas plataformas alternativas de comunicação. Isso nos
leva a crer que estamos de fato vivenciando uma transição nos processos comunicacionais. Esta
última eleição presidencial já se mostrou muito diferente das outras. O uso das redes sociais na
composição das estratégias políticas e eleitorais foi notável.
Apesar de no Brasil, a mídia televisiva ter uma força muito grande, os dispositivos móveis têm
ganhado espaço no cotidiano das pessoas. Os dois candidatos que disputaram o segundo turno das
eleições presidenciais no Brasil em 2018 colocaram as mídias tradicionais em descrédito e fizeram
ataques ao modo como esta organiza os assuntos políticos e sociais.
É importante destacar também que, ainda, que os candidatos Jair Bolsonaro e Fernando Haddad
tenham utilizado seus espaços digitais para questionar o papel da mídia, ambos utilizaram a mesma
para reforçar seus discursos e legitimar suas falas, principalmente quando estas faziam referência a
desconstrução da imagem de seu adversário.
Por sua vez, a análise nos revelou que apesar da internet ter tido um papel muito expressivo nas
últimas eleições, ter gerado debates e discussões, os políticos ainda não descobriram como utilizá-las
em todo o seu potencial. Dessa forma, acabam, por esse motivo, não fazendo com que as redes sociais
ocupem um espaço estratégico.
Com este trabalho, observou-se que o Twitter foi utilizado de forma mais intensa para atacar seu
oponente. As redes também foram utilizadas por ambos para a construção de sua imagem pessoal e
da imagem de político, visto que ambos se preocuparam em retratar em seus espaços pessoais o apoio
recebido de líderes, políticos e população em geral. Ao utilizar a fala dessas pessoas, eles agregam
valor à construção da imagem deles e reforça sua força diante de seus eleitores. Isso se relaciona a
tendência do personalismo, cada vez mais presente no espaço político, no qual os líderes são
reconhecidos pelos seus atributos pessoais e o partido político é deixado de lado.
Observa-se também que a estratégia dos candidatos nas redes é a de acionar o eleitor diante da
divulgação de assuntos que o mobilizem, como a disseminação de ataques ao seu oponente e a
divulgação de temas polêmicos. Ao disseminar esses assuntos, os candidatos acionam um uso muito
corrente das redes sociais, que é o apelo ao engajamento dos cidadãos, ainda que seja pelas redes. Ao
fazer publicações de ataque ao candidato adversário, ou às suas propostas, ele aciona também em
seus defensores a discussão por meio do compartilhamento de conteúdo e da curtida de postagens.
Essa relação conflituosa e tensa envolvendo mídia, redes sociais e política deve ser estudada não
só nesta disputa eleitoral, como nas seguintes, para que possamos compreender as implicações dessa
relação no ambiente social.

6. Referências
AGGIO, C. de O. Internet, Eleições e Participação: Questões-chave acerca da participação e do ativismo nos
estudos em campanhas Online. In: GOMES, W.; MAIA, R.; MARQUES, F. J. (Org.). Internet e Participação
Política no Brasil. Porto Alegre: Sulina, p. 175-196.
BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2011.
BOURDIEU, P. O poder simbólico. 4. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.
BRAGA, JL. Circuitos versus campos sociais. In: MATTOS, M.; JANOTTI JUNIOR, J., and JACKS, N., orgs.
Mediação & midiatização [online]. Salvador: EDUFBA, 2012, pp. 29 - 52.
CASTELLS, M. 2001. O poder da Identidade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001.
GOMES, W. As transformações da política na era da comunicação de massa. São Paulo: Paulus, 2004.
HJARVARD, Stig. Midiatização: teorizando a mídia como agente de mudança social e cultural. Matrizes, São
Paulo, v. 5, n.2, p. 53 - 92, jan/jun. 2012.
LÉVY, Pierre & LEMOS, André. O futuro da internet. São Paulo: Editora Paulus, 2010.
LIMA, Venício de. Mídia: crise política e poder no Brasil. São Paulo: Perseu Abramo, 2006.
MARQUES, F. P. J.; SOUZA, I. J. Campanha negativa nas eleições de 2014: uma abordagem empírica sobre
como os candidatos à Presidência da República utilizaram o Facebook. In: CERVI, Emerson Urizzi et al
(Orgs). Internet e Eleições no Brasil. Curitiba: CPOP (Grupo de Pesquisa em Comunicação Política e
Opinião Pública), 2016.
MIGUEL, L. F. ; BIROLI, F. (Org.). Mídia representação e democracia. Editora Hucitec. São Paulo: 2010.
RECUERO, R. Redes Sociais e Internet. Porto Alegre: Sulina, 2009.
RODRIGUES, A. D. Estratégias da Comunicação. Lisboa: Editorial Presença, 2001.
SCHWARTZENBERG, Roger-G. O Estado espetáculo: Ensaio sobre e contra o star system em política. São
Paulo: Círculo do Livro, 1977.
THOMPSON, J. B. A mídia e a modernidade. Petrópolis: Vozes, 1998.

1 Trabalho apresentado no I Simpósio Nacional de Comunicação Política, Eleições e Campanha Permanente, no GT 2 –


Propaganda Política e Marketing Eleitoral.

2 Mestre e doutor em Ciência Política pelo IUPERJ, professor do Curso de Comunicação Social – Jornalismo da Universidade
Federal de São João del-Rei (UFSJ) e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social (PPGCOM) da Universidade Federal de
Juiz de Fora (UFJF). E-mail: luizoli@ufsj.edu.br.

3 Doutoranda em Comunicação Social pelo PPGCOM da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Mestre em Comunicação
Social pelo PPGCOM/UFJF e Graduada em Comunicação Social pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). E-mail:
mayracoimbra@gmail.com.
4 Mestrando em Comunicação Social pelo PPGCOM da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e Graduado em Comunicação
Social – Jornalismo. E: mail: lucasp42009@gmail.com.

5 Brasil tem 116 milhões de pessoas conectadas à internet, diz IBGE <https://g1.globo.com/economia/tecnologia/noticia/brasil-
tem-116-milhoes-de-pessoas-conectadas-a-internet-diz-ibge.ghtml> Último acesso em 11 de janeiro de 2018.

6 Estudo mundial levanta os dados da internet no Brasil e no mundo <https://marketingsemgravata.com.br/dados-da-internet-no-


brasil-em-2018/> Último acesso em 11 de janeiro de 2018.
7 Essa classificação refere-se a publicações nas quais foram elucidados mais de um tema político (educação, saúde, emprego e
renda, mobilidade urbana, etc.
CAPÍTULO 7

A disputa eleitoral nas redes sociais: Uma análise das estratégias dos
candidatos à Presidência da República em 2018 no Facebook e no Twitter 1

Mayra Regina Coimbra2


Mariane Motta de Campos3
Ana Resende Quadros4
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)

1. INTRODUÇÃO

Compreender quais os efeitos que o computador e a internet têm provocado na sociedade se


tornou um dos questionamentos mais feitos atualmente. Será que as pessoas teriam mudado seu
comportamento para se apropriarem deste espaço? Como eles alteraram a lógica social? No meio de
infinitas perguntas, tem-se uma certeza. Nossa sociedade foi de fato alterada pelo desenvolvimento
dos aparatos tecnológicos e nós indivíduos fomos modificados por eles.
Segundo dados divulgados pela última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio5- PNAD,
disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2018, o acesso à
internet chegou a 116 milhões de pessoas, o equivalente a mais da metade dos brasileiros, cerca de
64,7% da população. Nesse cenário foram surgindo as redes sociais, como Youtube, Facebook,
Twitter, MySpace e ganhando espaço. No Brasil, elas já ultrapassam 139 milhões de usuários6.
Desta forma, aos poucos, as diversas instâncias sociais se viram obrigadas a também utilizarem
estes espaços e a interagirem nessa rede. Com a política, não foi diferente. Gradativamente, ela foi se
apropriando desta plataforma e percebeu que era um campo aberto e vasto para exposição de sua
imagem e ideias. Essas mesmas redes ganharam os holofotes, como exemplo, temos os rumos
impressionantes da campanha de Barack Obama (AGGIO, 2011), que o levaram à vitória. A partir daí
o fazer político não continuou o mesmo.
Atualmente, a participação dos atores políticos nas mídias sociais da internet tem crescido
exponencialmente e é notório o alto investimento que é feito nesta plataforma não só nos períodos
eleitorais, mas também durante os governos. Por isso, hoje se fala muito em marketing eleitoral,
marketing político e marketing governamental, o que inclui estratégias de controle da visibilidade dos
líderes políticos em suas gestões, ao longo dos períodos que antecedem a fase eleitoral e,
principalmente, durante as disputas eleitorais quando as candidaturas já foram homologadas.
Se antes os candidatos investiam apenas nos programas do Horário Gratuito de Propaganda
Eleitoral (HGPE), nos comícios ou nas exposições dadas a alguns veículos noticiosos, hoje, com o
ciberespaço, o cenário modificou-se. A internet passou a ser não só um meio para se propagar
tendências comportamentais ou opinativas, mas também se tornou um espaço livre, no qual é possível
se posicionar ideologicamente e interagir com pessoas que possuem interesses semelhantes.
Além disso, essa nova realidade oferece ambientes propícios ao surgimento de novos formadores
de opinião e até mesmo evangelizadores de uma causa. Nesse sentido, os políticos têm demonstrado
cada vez mais uma preocupação em investir nestes novos espaços, como, por exemplo, o uso de sites,
blogs, Twitter, Facebook, Youtube etc. Estas plataformas criaram um novo formato de se produzir
campanhas eleitorais, que antes geralmente eram muito concentradas no período próximo às eleições.
Outra grande diferença que marca esse novo meio é a aproximação dos candidatos aos eleitores. Se
antes os políticos eram vistos como seres de difícil contato, as mídias sociais desmistificaram essa
ideia, já que se investe em interatividade, mesmo que isso não permita um contato de fato. Afinal,
nunca se sabe se quem está interagindo é o político ou sua assessoria. No entanto, qualquer mínimo
contato que o político estabelece, ainda que em rede, é muito repercutido.
As pessoas passam a ter mais informações por meio dessas novas mídias sobre onde foram, o que
estão fazendo, pensando, quais suas propostas e problemas. Cria-se um vínculo relacional maior do
que aquele que acontecia apenas nos meses próximos à votação. Outro fator decisivo que fez com que
as redes atingissem tamanha proporção é o fato de que neste mesmo espaço onde as pessoas
interagem com seus amigos e cultiva seus hobbies é possível ver política e fazê-la também. A própria
estrutura das plataformas, ao exigir que o conteúdo seja dinâmico, curto e atraente, aproxima os
leigos e os faz, ainda que minimamente, a interagir ou produzir algum material.
No entanto, usar essas plataformas exigiu dos políticos uma preocupação maior: pensar
estratégias próprias para veicular as informações dentro das regras de cada espaço. Os discursos e os
recursos visuais a serem adotados foram fatores determinantes no processo de criação de identidade
dessas plataformas. Sob essa perspectiva, o artigo traz uma discussão sobre a relação simbiótica
entre mídia e política e a propaganda política nas redes sociais. O trabalho centra-se na discussão de
compreender a influência das redes sociais na construção do cenário político atual e entender como
cada candidato se posicionou e quais foram os recursos utilizados para propagação de suas imagens,
no segundo turno da campanha presidencial brasileira de 2018, 08 a 28 de outubro, no Facebok e no
Twitter. Foram analisados os conteúdos mais acionados e os formatos mais utilizados pelos candidatos
Fernando Haddad (PT) e Jair Bolsonaro (PSL)

2. Interface mídia e política

Para compreender a dimensão da relação que envolve o campo da mídia e o campo da política, é
necessário entendermos o instrumento que rege todos os campos nos quais os indivíduos sociais estão
em constante busca: o poder. De acordo com o Bourdieu (2001), o poder é um instrumento simbólico e
invisível, que rege todas as pessoas em sociedade. Esse poder simbólico age como um poder de
construção da realidade, que, por sua vez, tende a estabelecer uma ordem e confere um sentido
imediato do mundo. Para compreender a sociedade, Bourdieu (2001) cria o conceito de “campo”, que,
segundo ele, trata-se de um espaço de conflito onde se desenrolam lutas para adquirir ou manter o
monopólio sobre uma espécie específica de capital, seja ele material, simbólico ou social. Cada espaço
social corresponde, assim, a um campo específico – cultural, científico, econômico, jornalístico etc., no
qual travam-se lutas, a fim de determinar a posição social dos sujeitos, revelando as figuras de
“autoridade” detentoras de poder simbólico.
Dessa maneira, entendemos que, dentro de um campo, há um processo cíclico e contínuo de
busca ou manutenção do capital caracterizado por lutas simbólicas; estas, se dentro dos campos e
também fora deles e entre eles; ou seja, os campos sociais são, ao mesmo tempo, concorrentes e
complementares entre si. Como observamos nessa última eleição entre os campos da mídia e da
política, em que os media e o candidato eleito presidente da República, Jair Bolsonaro, travaram uma
luta simbólica pela detenção do poder diante da sociedade. Dentro dos campos, existe ainda o que
Bourdieu (2001) chama de “capital simbólico” como sendo um aparato de prestígio ou de carisma que
uma instituição ou indivíduo possui dentro de determinado campo, o que lhe permite se destacar
diante dos outros. Sendo assim, o capital simbólico possibilita que um indivíduo ou instituição
desfrute de uma posição de destaque diante de um campo. Miguel (2003) também se apropria da
discussão de campo trabalhada por Bourdieu (2001). Para ele, o capital político nada mais é do que
uma forma de capital simbólico. Isto é, ele depende, em maior ou menor grau, do reconhecimento dos
sujeitos presentes nesse campo. Na política, é perceptível essa luta dos agentes por capital simbólico,
por exemplo, quando estes lutam por votos e/ou por popularidade, para que sejam reconhecidos, pois
a sua existência se configura a partir do momento em que são vistos.
Depois de expostas as características do campo político, Rodrigues (2001) apresenta as
especificidades do campo dos media na sua interação com o campo da política. Ele aponta que esse
campo exerce, hoje, o papel de mediador social. Ele dá visibilidade a todos os outros campos sociais,
seja ele a política, a religião, a ciência, a arte etc., e também a um grande universo de indivíduos. E
mais do que dar visibilidade, ele contribui no processo de nortear a sociedade e dar sentido ao mundo
por meio de sua prática. Miguel e Biroli (2010) também discutem a configuração da mídia na
sociedade moderna. Para eles, é da mídia que provém, direta ou indiretamente, grande parcela das
informações de que dispomos para nos situarmos no mundo. Os autores citam quatro alterações
provocadas pela mídia: (1) a mídia tornou-se o principal instrumento de contato entre a elite política e
os cidadãos comuns. Esse acesso à mídia acaba reduzindo o peso dos partidos políticos; (2) o discurso
político foi obrigado a adaptar-se conforme a lógica dos meios de comunicação de massa. Abreviar a
fala e reduzi-la a umas poucas palavras, de preferência “de efeito”, tornou-se imperativo para
qualquer candidato à notoriedade midiática; (3) a mídia é a principal responsável pela produção da
agenda pública. Ela privilegia alguns assuntos em detrimento de outros; e (4) mais do que no passado,
os candidatos têm de adotar uma preocupação central com a gestão de visibilidade.
Para entender a lógica midiática sobre o campo político, é também preciso falarmos sobre
encenações e espetáculos, visto que os meios de comunicação conferiram mudanças nos campos
sociais e nos indivíduos desses campos (GOMES, 2004). Para Schwartzenberg (1977), o espetáculo
está no poder, e o Estado transformou-se numa grande empresa teatral, preocupado em produções
espetaculares, a fim de atingir o público eleitor. Já a política deixou de atuar no campo das ideias e se
tornou produtora de espetáculos, reduzindo tudo à mera encenação política, em que a imprensa se
tornou palco principal da atuação dessas encenações.
Outro ponto que merece destaque é que, se para alguns autores a mídia ocupa um espaço de
centralidade da vida social (RODRIGUES, 2001; LIMA, 2006), há um debate mais atual e em aberto
sobre o crescente processo de midiatização, uma vez que a mídia hoje está disseminada no cotidiano
dos indivíduos alterando a lógica de funcionamento da própria sociedade. Ela passou a permear de
modo incisivo a vida das pessoas a ponto de que não se pode compreendê-la como algo separado das
instituições culturais e sociais (HJARVARD, 2012). Thompson (1998), por sua vez, acredita que a
midiatização é um processo contínuo que acompanha a atividade humana desse os seus primórdios.
Para ele, o que aconteceu foi que o surgimento dos meios de comunicação obrigou os atores de
diferentes setores a se adaptarem.
Braga (2012) compreende a midiatização como um conceito em construção tendo em vista os
novos dispositivos tecnológicos que também são culturais e sociais, conforme já apontou Hjarvard
(2012). Ele ainda reflete sobre uma das consequências significativas que a midiatização apresenta na
sociedade contemporânea – “que é um atravessamento dos campos sociais estabelecidos, gerando
situações indeterminadas e experimentações correlatas” (BRAGA, 2012, p. 31). O autor acredita que,
principalmente, em função do surgimento e disseminação das mídias digitais, hoje, há novos circuitos
informativos e comunicacionais que começam a fragilizar o poder dos campos sociais instituídos.

3. As mídias digitais e sua relação com as disputas eleitorais

Conforme Castells (2001) aponta, a internet foi criada para fins militares na década de 1960 nos
Estados Unidos. Somente nas décadas seguintes, essa rede de comunicação foi utilizada para outras
finalidades, dentre elas para as relações interpessoais, surgindo, assim, as redes sociais. O
surgimento da internet e o seu desenvolvimento, com o passar dos anos, trouxeram impactos
significativos para o homem e para os diferentes setores da sociedade, inclusive para a política.
O seu uso atrelado às campanhas eleitorais teve início na década de 1990 nos Estados Unidos. A
disputa com maior incorporação das redes sociais foram as eleições presidenciais dos EUA de 2010,
nas quais Obama foi eleito (AGGIO, 2011). E, recentemente, essa estratégia tem se mostrado muito
presente com o presidente eleito Donald Trump. O político utilizou o seu Twitter, para fazer
posicionamentos e dar declarações oficiais como forma de resistência aos veículos de mídia
tradicionais tão questionados pelo presidente.
Segundo Souza e Marques (2017), no Brasil, a primeira campanha a utilizar a internet foi em
1998. Na época, menos de 3% dos eleitores tinham acesso à internet. No entanto, apenas nas eleições
de 2010, permitiu-se a utilização dos recursos digitais nas campanhas (AGGIO, 2011). Com o advento
e a popularização dessas novas redes comunicacionais, os políticos tiveram de migrar para esses
espaços. Se a democracia digital possibilita novas formas de interação e participação política, os
políticos mostram-se cada vez mais preocupados em concentrar investimentos e atenção especial
nessas ferramentas. Mais do que permitir a comunicação dos indivíduos, essas redes ampliaram a
capacidade de conexão dos sujeitos (CASTELLS, 2001; RECUERO, 2009).
Segundo Aggio (2011), é possível destacar quatro pontos-chave no uso da internet como
estratégia eleitoral: (a) fornecimento e informações não mediadas pelos media noticiosos; (b)
paridade de disputas entre campanhas de pequeno e grande portes, visto que a criação de websites e
fanpages, entre outras plataformas da web, tornaram-se de fácil acesso a qualquer candidato; (c)
interatividade – que é a possibilidade de criar ambientes onde possa haver interação entre eleitores e,
eventualmente, entre eleitores e candidatos; e (d) ativismos – recursos que possibilitem novas formas
de ativismo nas campanhas.
Para Levy e Lemos (2010), a sociedade está experimentando um aprofundamento do exercício de
democracia, em que as redes sociais são consideradas fundamentais para o exercício da
ciberdemocracia. Os sujeitos podem organizar ricas discussões e produção e compartilhamento de
informações.
Gomes (2006) argumenta que a informação disponibilizada na internet é frequentemente
desprovida das coações dos meios tradicionais de comunicação, como, por exemplo, a grande
imprensa. Isso significa, portanto, que a mensagem não é distorcida ou alterada para servir a
interesses ou forças específicas. Conforme aponta o autor, não resta dúvida ao fato de que a internet
se tornou um instrumento alternativo de participação política. Porém, apenas o acesso à internet não
é capaz de garantir a atividade política, menos ainda a atividade política argumentativa.

4. Análise do uso das redes sociais na eleição de 2018 no Facebook e no Twitter

4.1. Metodologia, Corpus de Análise e Conjuntura Política

Como procedimentos metodológico, o artigo utilizou, primeiramente a pesquisa bibliográfica.


Outra ferramenta usada foi a pesquisa documental. O corpus de análise deste artigo são as postagens
no Facebook e no Twitter dos candidatos à Presidência da República, no segundo turno: Jair
Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT). A pesquisa abrange o segundo turno das eleições de 2018,
com início no dia 08 de outubro, segunda-feira e término no dia 28 de outubro, domingo, dia da
votação. Para a captação dos dados gerados pelos candidatos no Facebook utilizou-se a ferramenta do
Print Screem, recurso do computador que captura a imagem presente na tela. Já, a mineração dos
dados gerados pelos candidatos no Twitter foi feita por meio do software TAGS v6.1.9., desenvolvido
por Martin Hawksey, que se configura como um modelo de tabela no Google, gratuito, capaz de
configurar e executar a coleta automatizada de resultados de pesquisa do Twitter.
Depois de coletado o material, utilizou-se a análise de conteúdo (BARDIN, 2011). O artigo analisa
o conteúdo das postagens. Os segmentos foram divididos em segmentos de campanha e
metacampanha (ALBUQUERQUE, 1999). As categorias de campanha (de conteúdo político) são: (1)
Alteração da foto de perfil/capa; (2) Imagem do candidato; (3) Construção da Imagem do país; (4)
Desconstrução da imagem do país; (5) Temas políticos - saúde, educação, mobilidade urbana,
segurança pública, emprego e geração de renda, políticas sociais, habitação, cardápio e outros; (6)
Fatos Contemporâneos; (7) Ataque aos Adversários; (8) Resposta ao ataque de adversários. Quanto as
categorias de metacampanha podemos destacar: (1) Atividades de campanha; (2) Debate; (3) Balanço
do dia/campanha; (4) Entrevista nos meios de comunicação; (5) Apoio e agradecimento de líderes
políticos, personalidades e populares; (6) Agenda; (7) Pesquisa de intenção de voto; (8) Mobilização e
apelo ao engajamento dos eleitores; (9) Fatos contemporâneos; (10) Outros. Em relação aos formatos,
as postagens foram classificadas em: (1) Vídeos; (2) Fotos; (3) Texto; (4) Links.
Para situar a análise que virá a seguir, é importante tecer algumas considerações sobre a
conjuntura política que perpassou o cenário em que se dá essa pesquisa. Em outubro de 2018, o
Brasil passou pela oitava eleição presidencial direta desde a redemocratização. Foi também o
primeiro pleito após o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016. Com 13
candidatos, a corrida ao Palácio do Planalto nas eleições de 2018 foi a mais disputada e pulverizada
desde 1989, quando contou com 22 presidenciáveis. Esta eleição destacou-se também pela quebra da
polarização entre o Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido da Social Democracia Brasileira
(PSDB), que se estabeleceu desde 1994. Também há de se observar a animosidade e incisividade das
campanhas e de seus apoiadores. Entre essas manifestações, houve o atentado a faca sofrido pelo
candidato Jair Bolsonaro (PSL), na cidade de Juiz de Fora (MG) e a disseminação de fake news, que
mereceu pronunciamentos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), embora não houvesse clareza de
ações que poderiam ser desenvolvidas. Ao fim do primeiro turno, que ocorreu em 7 de outubro de
2018, nenhum dos candidatos conseguiu mais de 50% dos votos válidos. Sendo assim, a disputa
seguiu para o segundo turno com os candidatos Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT). Ao fim
do pleito, Jair Bolsonaro saiu como vencedor com 55,13% dos votos válidos, contra 44,87% de
Fernando Haddad (PT).

4.2 Análise das Estratégias dos Candidatos – Bolsonaro (PSL) e Haddad (PT)

Neste artigo foram analisadas as postagens do segundo turno da Eleição Presidencial de 2018,
no Facebook e no Twitter, envolvendo os candidatos Jair Messias Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad
(PT). No Facebook, Fernando Haddad, candidato do Partido dos Trabalhadores (PT), foi quem mais
publicou durante o período de 08 a 28 de outubro, totalizando 409 postagens. Uma média de 19
postagens por dia. Já o candidato do Partido Social Liberal (PSL), Jair Bolsonaro, fez um número
menor de postagens, totalizando 184 publicações. Uma média de aproximadamente nove postagens
por dia. No Twitter, Fernando Haddad (PT) também liderou as postagens, com um total de 593 tweets,
uma média de 28 tweets por dia. Enquanto Jair Bolsonaro (PSL) publicou um total de 367 tweets por
dia, uma média de 17 tweets por dia. Como se observa nos gráficos 1 e 2.

GRÁFICO 1 – POSTAGENS DOS CANDIDATOS AO LONGO DO SEGUNDO TURNO DA


ELEIÇÃO PRESIDENCIAL DE 2018

Fonte: elaboração própria dos autores (2019).

GRÁFICO 2 – TWEETS DOS CANDIDATOS AO LONGO DO SEGUNDO TURNO DA ELEIÇAO


PRESIDENCIAL DE 2018
Fonte: elaboração própria dos autores (2019).

4.2.1 Conteúdo do Facebook e do Twitter no 1º Turno

Fernando Haddad (PT)

O candidato Fernando Haddad (PT) foi quem mais realizou postagens no Facebook. As cinco
categorias predominantes foram: “Apoio/agradecimento de líderes, políticos e populares” presente em
123 publicações (30,75%), seguido de “Ataque ao adversário”, com 74 postagens (18,5%). A terceira
estratégia mais utilizada foi “Tema político: cardápio” com 53 postagens (13,25%), a quarta foi
“Mobilização e apelo ao engajamento dos eleitores” com 49 publicações (12,25%) e em quinto
“Entrevista aos meios de comunicação” com 41 postagens (10,25%).
No Twitter, Fernando Haddad (PT) também realizou mais publicações do que seu adversário. As
cinco categorias predominantes foram: “Ataque ao adversário em 132 tweets (23%),
“Apoio/Agradecimento de líderes, políticos e populares” presente em 109 tweets (19%), seguido de
“Mobilização e apelo ao engajamento dos eleitores”, com 52 tweets (9%). A quarta estratégia mais
utilizada foi “Imagem do candidato”, presente em 51 tweets (9%) e a quinta, “Tema político:
cardápio”7, com 42 tweets (7%).
As estratégias eleitorais no Facebook e no Twitter se mostraram muito próximas. Visto que,
quatro das cinco categorias mais predominantes no Facebook, se mantém como categorias
predominantes no Twitter. Sendo elas: Ataque ao adversário, Apoio/Agradecimento de líderes,
políticos e populares, Mobilização e apelo ao engajamento dos eleitores e Tema político: cardápio. O
que muda é a posição delas entre as cinco. A novidade fica por conta da construção da “Imagem do
candidato” que aparece no Twitter de modo mais incisivo, enquanto no Facebook aparece a categoria
“Entrevista aos meios de comunicação”.
Considerando, agora, as cinco estratégias menos utilizadas por Fernando Haddad (PT) no
Facebook estão: “Balanço do dia/campanha” com apenas uma publicação (0,25%), “Tema político:
saúde” com três postagens (0,75%), “Pesquisa de intenção de voto” com cinco publicações (1,25%),
“Tema político: segurança pública” com seis postagens (1,5%) e “Fatos Contemporâneos” com sete
publicações (1,75%). No Twitter, as categorias menos exploradas pelo candidato petista foram: “Tema
político: saúde”, em dois tweets (0,3%), “Menção à partidos”, “Pedagogia do voto” e “Fatos
Contemporâneos” ocupam a segunda categoria menos acionada, com seis tweets (1%), “Tema Político:
Segurança Pública” aparece em terceiro, com sete tweets (1%). Em quarto “Pesquisa de intenção de
voto” tem 10 tweets (2%), e em quinto, “Agenda” em 11 tweets (2%).
Ao analisar as estratégias menos exploradas por Fernando Haddad também nota-se um alto grau
de alinhamento do Facebook com o Twitter. Das cinco categorias menos exploradas pelo petista no
Facebook, quatro se mantém a mesma no Twitter: “Tema político: Saúde”, “Tema político: Segurança
Pública”, “Pesquisa de intenção de voto” e “Fatos Contemporâneos”.

Jair Bolsonaro (PSL)

O candidato Jair Bolsonaro (PSL) realizou 184 publicações em sua fanpage no segundo turno.
Quanto ao conteúdo das postagens, as cinco categorias predominantes foram: “Ataque ao adversário”
com 69 postagens (39%), “Apoio/agradecimento de líderes, políticos e populares” com 37 publicações
(21%), seguido de “Corrupção de seus adversários” com 36 postagens (20%), “Tema político:
segurança pública” com 26 publicações (15%) e por último “Desconstrução da imagem do país” e
“Resposta ao ataque de adversários” com 17 postagens cada (10%).
Já no Twitter, o candidato do PSL somou 367 tweets ao total. As cinco categorias mais evidentes
foram: “Ataque ao adversário” com 128 tweets (32%), “Apoio/agradecimento de líderes, políticos e
populares” com 86 tweets (23%), seguido de “Desconstrução da imagem do país” com 50 tweets
(14%), “Corrupção de seus adversários” presente em 36 tweets (10%) e por último “Mobilização e
apelo ao engajamento dos eleitores” com 25 tweets (7%).
Mais uma vez se observa um alto grau de alinhamento entre as estratégias do Facebook e do
Twitter. Analisando as mais acionadas, nota-se que quatro delas se mantiveram iguais: “Ataque ao
adversário”, “Apoio/agradecimento de líderes, políticos e populares”, “Desconstrução da imagem do
país”, “Corrupção de seus adversários”. A novidade ficou por conta da
Já as categorias que tiveram menor apelo nas postagens na fanpage de Jair Bolsonaro (PSL)
foram: “Pesquisa de intenção de voto” e “Balanço do dia” com uma publicação cada (0,5%),
“Atividades de campanha” com duas postagens (1%), “Tema político: saúde e educação” com três
publicações cada (1,7%), “Tema político: políticas sociais” com quatro postagens (2%) e “Fatos
contemporâneos” com cinco publicações (3%).
Por sua vez, no Twitter, as menos exploradas foram: “Atividade de campanha”, “Pesquisa de
intenção de voto”, “Entrevista aos meios de comunicação” com um tweet cada. Em seguida, com
quatro tweets cada tem “Tema Político: Saúde”, seguido de “Tema Político: Educação” e “Tema
Político: Emprego e geração de renda” com quatro tweets cada. A terceira estratégia menos
explorada pelo candidato do PSL foi “Agenda” com cinco tweets. A quarta “Fatos Contemporâneos”
com seis tweets e por último, “Tema político: outros”, “Tema político: cardápio” e “Imagem do
Candidato” com oito tweets cada. Nota-se mais uma vez um alto grau de sincronia de estratégias nas
redes, visto que os temas menos evidentes na fanpage também estiveram menos evidentes no Twitter.

QUADRO 1 – CONTEÚDO DAS POSTAGENS NO SEGUNDO TURNO NO FACEBOOK


*Uma única publicação pode enquadrar em mais de uma categoria proposta.

Fonte: elaboração própria dos autores (2019).

QUADRO 2 - CONTEÚDO DOS TWEETS NO SEGUNDO TURNO NO TWITTER


*Uma única publicação pode enquadrar em mais de uma categoria proposta.

Fonte: elaboração própria dos autores (2019).

4.2.2 Estratégias no Facebook e no Twitter no 2º Turno

Fernando Haddad (PT)

Apesar de Fernando Haddad ter sido quem mais se apropriou do uso das redes (Facebook e
Twitter) no segundo turno, essa apropriação não lhe garantiu eficiência na comunicação capaz de
gerar resultados efetivo nas urnas. O candidato do PT priorizou como estratégia mensagens de
“Apoio/agradecimento de líderes, políticos e populares”. Talvez por ter terminado o primeiro turno em
desvantagem numérica (Jair Bolsonaro - 46,03% e Fernando Haddad - 29,28%), Haddad se preocupou
em demonstrar que várias pessoas apoiavam a sua candidatura e o julgava melhor do que seu
adversário. Entre os apoios recebidos, há que se destacar a figura de candidatos que disputaram o
primeiro turno com ele, como Marina Silva (REDE), Ciro Gomes (PDT) e Guilherme Boulos (PSOL).
Destacam-se ainda personalidades como: Gilberto Gil, Caetano Veloso, Mano Brown, Chico Buarque e
profissionais qualificados e especialistas em diversas áreas, como professores, magistrados, juristas,
ex-ministros, economistas. Alguns artistas conhecidos como: Renata Sorrah, Wagner Moura também
deram depoimentos a favor do petista, como o jurista e ex-magistrado brasileiro, que foi presidente do
Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, então filiado ao PSB. Estudantes brasileiros,
torcidas organizadas, além de algumas minorias também foram inseridas na categoria de apoio a
Haddad.
Outra estratégia adotada nas redes foi “Ataque ao adversário”. Eles estavam direcionados mais
especificamente à figura de Jair Bolsonaro e de seu programa de governo. Segundo o petista, a vitória
do candidato do PSL colocava em risco os direitos da população, ameaçava a democracia e as
políticas sociais já conquistadas nos governos do PT. Na maior parte dos ataques, Haddad foi polido
ao fazer críticas ao seu oponente. Ele apontou que Bolsonaro verbalizava violência, ofendia as
minorias, falava e propagava notícias falsas. Ao fim da disputa em segundo turno, o tom dos ataques
começou a subir e o petista chamou Bolsonaro de “soldadinho de araque”. A mídia também foi
atacada. Fernando Haddad questionou a concentração dos meios de comunicação nas mãos de poucas
e grandes famílias brasileiras e também lançou uma crítica ao agendamento do que vinha ou não a ser
notícia nos veículos de comunicação.
A “Mobilização e apelo ao engajamento dos eleitores”, também foi explorado pelo candidato
petista. Pelo fato de Fernando Haddad ter ficado em segunda colocação na disputa do primeiro turno,
ele viu a necessidade de atingir outros públicos e por isso destaca-se a estratégia de mobilizar o maior
número possível de eleitores, inclusive àqueles que não votaram nele no primeiro turno. Ele convidou
as pessoas a seguirem suas redes sociais, pediu o apoio das mulheres, principal resistência8 à
campanha de Bolsonaro, pelas declarações polêmicas feitas durante sua trajetória política. O
candidato do PT ainda convidou as pessoas a participarem do “Whatss do Haddad” para denunciar as
fake news espalhadas pelo seu oponente, que poderiam comprometer sua candidatura. Ele ainda fez
uma contagem regressiva no processo de mobilização, utilizando as hashtags #ViradadoHaddad e
#VamosVirar, com o intuito de contar os dias restantes para a virada de votos em cima de Jair
Bolsonaro. O uso do tema “Cardápio” predominante nas duas redes evidencia a preocupação do
candidato em utilizar as redes para acionar o máximo de temas políticos em uma única postagem. Os
temas mais recorrentes foram: educação, emprego, saúde e economia.

Jair Bolsonaro (PSL)

Jair Bolsonaro declaradamente priorizou as redes sociais em detrimento dos meios de


comunicação tradicionais. E ao contrário do que se imagina, ele foi quem fez menos publicações tanto
no Facebook, quanto no Twitter se comparado ao seu adversário. No entanto, do ponto de vista da
eficiência da comunicação traduzida em votos, ele foi vitorioso.
Ele utilizou este espaço na maior parte do tempo para atacar seu adversário, visto que a
categoria mais explorada nas duas redes foi “Ataque ao adversário”. Os personagens atacados pelo
candidato do PSL, foram: seu principal opositor: Fernando Haddad, sua vice, Manuela D’ Àvila e o ex-
presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. Ele atacou também ativistas, opositores de seu
governo, petistas e até a imprensa. Ao se referir à figura de Haddad, Jair Bolsonaro adotava um tom
informal nas expressões e utilizava até termos chulos como: “pau mandado de corrupto”, “fantoche de
corrupto”, “vagabundo”, “canalha”, “pai do kit gay”, “inventor de mentiras”. Ao atacar o Partido dos
Trabalhadores, Bolsonaro também foi incisivo nos ataques. Ele afirmou que o partido protegia
bandidos, enganava os mais pobres, iria regulamentar a imprensa, implantar ideologia de gênero das
escolas, roubar o dinheiro da população para patrocinar ditaduras socialistas. Ele ainda chamou os
ativistas e opositores de “maconheiros” e atribuiu os termos de “marginais” e “gangue” aos petistas.
A imprensa também foi criticada duramente por Jair Bolsonaro. Segundo ele, a imprensa
manipulava as suas falas, enquadrava alguns fatos de forma distorcida e deixava outros aspectos,
considerados por ele, importantes de lado. Na visão do candidato, a imprensa era composta por
jornais que não tinham qualquer comprometimento com a verdade, “mente, caluniam e inventam”.
Ele ainda fez ameaças afirmando que se eleito, valorizaria apenas a imprensa que tivesse
compromisso com a verdade. Apesar de criticar o papel da imprensa e de duvidar da sua verdade,
Bolsonaro usava a mídia tradicional para reforçar as acusações que fazia de seus adversários. Ele
usava partes de entrevistas de Haddad no Jornal Nacional, utilizava vídeos em que Haddad era
questionado em debates para reforçar seus ataques.
Outra estratégia pertinente em suas redes sociais neste período foi “Apoio/agradecimento de
líderes, políticos e populares”. Assim como Fernando Haddad, Jair Bolsonaro também utilizou suas
redes para reforçar sua imagem diante das pessoas, ao mostrar que ele não estava sozinho nessa
missão. Ele utilizou a figura de empresários, como Luciano Hang, dono da Havan. Personalidades
conhecidas como os cantores Eduardo Costa, Zezé de Camargo, Luciano Camargo e sua família
também tiveram destaque. O cardeal e arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Orani, o maquiador Augustin
Fernandez, que representa o público LGBTQ deram depoimentos para mostrar que tinha apoio de
diferentes segmentos, além da figura de nordestinos, índios e populares comuns. Ao utilizar a figura
dos populares, o argumento central era o de tentar minimizar os erros cometidos pelo candidato do
PSL, utilizando frases como “Quem nunca falou besteira?”, e de endossar alguns dos ataques já
citados pelo candidato, de que Haddad “quer tornar as crianças gays”, as urnas estão sendo
fraudadas e de que eles não podem colocar ladrão no poder.
O tema “Corrupção de seus adversários” também fez parte da estratégia adotada nas redes.
Bolsonaro acusou o Partido dos Trabalhadores (PT) de liderar os maiores escândalos de corrupção da
história e acusou o partido opositor de fraudar os programas sociais. Ele continuou utilizando a mídia
tradicional para falar sobre o assunto. Ao trazer vídeos disponibilizados na mídia de delações
envolvendo membros do PT, ele procurava dar mais credibilidade nas acusações contra os adversários
junto aos eleitores, pois acredita-se que a mídia tem um compromisso forte com a verdade e só
propaga aquilo que realmente acontece.
Há que se destacar também outra estratégia pertinente acionada nas redes: a “Desconstrução da
imagem do país”. Ele utilizou o argumento de oposição, de que o país estava em situação crítica, não
dava para continuar como estava e ele era a saída e solução dos problemas. Ao desconstruir a imagem
do país, Bolsonaro explorava os temas: educação, violência, corrupção e desigualdade social. Segundo
o candidato, o ensino de qualidade no país foi esquecido e os nordestinos, mesmo após as políticas
sociais dos governos petistas, continuavam a sair do Nordeste, em busca de melhores condições de
vida.

5. Considerações Finais

A cada eleição torna-se mais claro e mais consistente a presença dos políticos nas redes sociais.
Esta última eleição presidencial foi mais intensamente marcada pelo atravessamento desses espaços
digitais por termos um candidato declaradamente das redes, crítico as mídias tradicionais e que
utilizou as redes como forma principal de se comunicar com seu eleitorado após o incidente da
facada.
A partir da análise das redes sociais de Fernando Haddad e Jair Bolsonaro nota-se que, apesar
deste último ter se colocado como candidato das redes e tê-las utilizado como estratégia principal de
campanha, numericamente ele não foi quem mais se apropriou deste espaço. No entanto, foi quem
melhor soube aproveitá-lo. As lives (transmissões ao vivo) feitas quase que diariamente em seu perfil
no Facebook, auxiliou no processo de contato com o eleitor no qual o candidato podia pautar aquilo
que era ou não conveniente dizer, diferentemente de Haddad que estava exposto ao agendamento
midiático. Ao fazer poucas postagens e ter tido um tempo ocioso maior, por estar de repouso e não
comparecer aos eventos de mídias tradicionais, Bolsonaro deu a entender que era ele mesmo quem
realizava suas postagens. Mesmo fazendo um número menor de publicações nas redes, ele utilizou
uma linguagem muito próxima. Além do fato de que as publicações por ele postadas não tinham
grandes efeitos de produção, nem edição, dando até mesmo um ar de amadorismo. Uma forma
também de se colocar como uma pessoa comum, igual seus eleitores, desprovido de equipe de
produção e marketing, alguém diferente dos políticos e daquilo que os políticos fazem, estratégia
principal usada por ele.
Outro ponto que merece ser destacado é o alto grau de alinhamento entre as redes sociais
(Facebook e Twitter) dos candidatos no segundo turno. Há uma coerência entre o que é apresentado
em uma rede e em outra. Ou seja, as estratégias e os pilares nos quais eles sustentaram a criação de
suas imagens foram muito semelhantes tanto em uma rede, quanto em outra. De uma forma geral,
nota-se que a estratégia de atacar o adversário foi muito predominante em ambas as campanhas. Elas
se mostraram muito mais agressivas do que propositivas. Isto também pode ser visto como algo
projetado estrategicamente pelo político, visto que situações de embate são comumente mais
compartilhadas e geram mais mobilização nos internautas.
Referências
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THOMPSON, J. B. A mídia e a modernidade. Petrópolis: Vozes, 1998.

1 Trabalho apresentado no GT 2 - Propaganda Política e Marketing Eleitoral, no I Simpósio Nacional de Comunicação Política,
Eleições e Campanha Permanente
2 Doutoranda em Comunicação Social pelo PPGCOM da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Mestre em Comunicação
Social pelo PPGCOM/UFJF e Graduada em Comunicação Social pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). E-mail:
mayracoimbra@gmail.com.
3 Mestre em Comunicação Social pelo PPGCOM da Universidade Federal de Juiz de Fora e Graduada em Comunicação Social
pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). E-mail: marianemottadecampos@hotmail.com

4 Mestrando em Comunicação Social do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social (PPGCOM) da Universidade Federal
de Juiz de Fora (UFJF) e Graduada em Comunicação Social – Jornalismo da UFSJ. E-mail: anarquadros@gmail.com.
5 Brasil tem 116 milhões de pessoas conectadas à internet, diz IBGE <https://g1.globo.com/economia/tecnologia/noticia/brasil-
tem-116-milhoes-de-pessoas-conectadas-a-internet-diz-ibge.ghtml> Último acesso em 11 de janeiro de 2018.

6 Estudo mundial levanta os dados da internet no Brasil e no mundo <https://marketingsemgravata.com.br/dados-da-internet-no-


brasil-em-2018/> Último acesso em 11 de janeiro de 2018.
7 Essa classificação refere-se a publicações nas quais foram elucidados mais de um tema político (educação, saúde, emprego e
renda, mobilidade urbana, etc.
8 Mulheres são a principal frente de resistência contra Bolsonaro <https://exame.abril.com.br/brasil/mulheres-a-principal-frente-
de-resistencia-contra-bolsonaro/> Último acesso em 10 de janeiro de 2019.
CAPÍTULO 8

GUERRA HÍBRIDA BRASILEIRA: a campanha presidencial de Bolsonaro1

Julio Cesar Lemes de Castro2


Universidade de Sorocaba

1. Introdução

O resultado da última eleição presidencial brasileira enquadra-se numa inflexão “hiper-


reacionária” (FRASER, 2017) ou “hiperautoritária” (LAVAL, 2018) do neoliberalismo em escala
mundial, a partir especialmente do Brexit e da eleição de Trump. No âmbito nacional, ela culmina um
processo de desestabilização que se desdobra em diversas etapas, as quais podem ser consideradas
episódios de guerra híbrida (KORYBKO, 2015).
Toma-se aqui guerra híbrida no sentido de uma modalidade de luta política baseada na
desestabilização permanente – uma guerra paradoxal, sem armas, à semelhança do café sem cafeína
ou da cerveja sem álcool, que se estriba na violência simbólica hipostasiada. Ela pode manifestar-se
em mobilizações horizontais, facilitadas pelas redes sociais, que ecoam uma insatisfação difusa
(CASTRO, 2016), como admite Korybko (2018) a respeito do movimento dos coletes amarelos na
França. Porém, podemos pensar igualmente em campanhas eleitorais como a de Donald Trump, nos
Estados Unidos, em 2016 (ou a do referendo sobre o Brexit, no Reino Unido, meses antes), em termos
de guerra híbrida. A diferença é que uma campanha eleitoral é centralizada, funciona como uma
“máquina de guerra” (DELEUZE; GUATTARI, 1980), portanto temos nesses casos uma máquina de
guerra híbrida.
Este trabalho de articulação teórica, baseado em pesquisa bibliográfica e em observações
empíricas, propõe-se a investigar a campanha de Bolsonaro como manifestação de guerra híbrida.

2. Guerra híbrida brasileira

No Brasil, a era de hegemonia neoliberal desenrola-se em várias fases (CASTRO, 2017),


coincidindo com dois dispositivos de governabilidade que se entrelaçam. Um é o presidencialismo de
coalizão da Nova República, a partir de 1985, notabilizado pela fragmentação partidária e pela
cooptação fisiológica de sustentação parlamentar pelo Executivo. Trata-se da lógica do
peemedebismo, conforme a análise de Marcos Nobre (2010). O outro é o lulismo, a partir de 2003,
definido por André Singer (2012) como “reformismo fraco”. Solução de compromisso entre
neoliberalismo e keynesianismo, o lulismo é um mecanismo de conciliação de classes em que todos
ganham, inclusive as massas que são incluídas e lhe proporcionam lastro eleitoral. A ascensão do
bolsonarismo é possibilitada pela crise concomitante desses dois dispositivos, que desestabiliza
drasticamente o cenário político. Essa dupla crise desdobra-se em diversos episódios que transcorrem
no intervalo entre 2013 e 2018, nem sempre de maneira coordenada, e que podem ser qualificados
como expressões de guerra híbrida: as Jornadas de Junho de 2013; a Lava Jato, de 2014 em diante; o
golpe parlamentar-judicial que derruba a presidenta Dilma Rousseff em 2016; e a campanha de Jair
Bolsonaro à presidência em 2018.
As Jornadas de Junho irrompem como manifestações de protesto contra a majoração de tarifas de
transporte urbano em uma pluralidade de cidades, organizadas horizontalmente nas redes sociais sob
a liderança do Movimento Passe Livre (MPL), de índole apartidária, mas genericamente progressista,
e contando com uma participação significativa de adeptos da tática black bloc, que propugnam a
depredação de símbolos capitalistas como bancos e lojas. Em face dos excessos da repressão policial,
cresce a aprovação popular dos manifestantes. Entrementes a grande mídia, que vinha tratando os
protestos como vandalismo, passa a encampá-los e procura imprimir neles a marca da agenda
conservadora anticorrupção. Grupos de extrema-direita também aderem, portando faixas e cartazes
com pedidos de intervenção militar e perseguindo militantes e bandeiras de esquerda. Após a
reivindicação imediata de revogação do aumento ser atendida, o movimento reflui rapidamente,
legando, entre outras sequelas, uma queda brutal da popularidade dos políticos em geral, a começar
pela presidenta Dilma, e o gosto redescoberto da extrema-direita pelas ruas, que preludiam a
escalada do bolsonarismo.
Valendo-se de medidas anticorrupção sancionadas na vaga das Jornadas de Junho, além da
colaboração com autoridades norte-americanas, a Operação Lava Jato, lançada em 2014, ilustra o
lawfare, “o uso da lei como uma arma de guerra” (DUNLAP, 2001, p. 2). Ela inspira-se explicitamente
na Operação Mãos Limpas, na Itália, tema de um artigo do juiz Sergio Moro (2004) que endossa a
tese segundo a qual vazamentos de inquéritos para a mídia são úteis para pressionar os suspeitos e
angariar o suporte da opinião pública. A prática de vazamentos acaba sendo perfilhada também pela
Lava Jato, e a pressão midiática instigada pela operação coaduna-se com a postura cada vez mais
hostil da mídia mainstream em relação ao PT. Na Itália, a Mãos Limpas desencadeia a desestruturação
do arcabouço político tradicional, abrindo caminho para a assunção ao poder de uma sequência de
líderes que vai de Silvio Berlusconi, populista de direita, ao corrente primeiro-ministro Salvini, de
extrema-direita. No Brasil, não obstante o PT estar no foco da Lava Jato, a corrupção intrínseca ao
modelo de presidencialismo de coalizão torna inevitáveis os respingos em outros partidos, entre os
quais o PSDB (apesar da blindagem midiática e judicial da qual este habitualmente desfruta), e a
consequente corrosão do sistema político como um todo, que contribui para a ascensão do
bolsonarismo. Cumpre chamar a atenção ainda para a naturalização do punitivismo pela Lava Jato,
com seu pendor pelo atropelo de normas legais em nome do combate à corrupção, que tem
parentesco com o raciocínio bolsonarista do “bandido bom é bandido morto”.
Após a votação que reconduz Dilma ao Palácio do Planalto, em 2014, instala-se a turbulência que
desemboca no golpe de 2016. O pano de fundo são as dificuldades econômicas, advindas da
combinação de múltiplos fatores: a crise mundial das commodities, que prejudica a economia de toda
a América Latina; a política econômica do primeiro mandato de Dilma, uma aposta equivocada na
vocação produtiva da burguesia nativa, concedendo-lhe uma série de regalias (juros baixos,
desonerações fiscais, redução das tarifas de energia) cujo custo deveria ser contrabalançado pelo
investimento esperado, que não se confirma; a política econômica do segundo mandato de Dilma, uma
guinada em direção à austeridade, capitaneada pelo ministro da Fazenda Joaquim Levy, que mergulha
o país na recessão; e a sabotagem à pauta econômica do Executivo pelo Congresso, que obsta o
reequilíbrio fiscal pretendido. No início, o impulso ao golpe vem do PSDB presidido por Aécio Neves,
que, movido pela frustração acumulada de quatro derrotas consecutivas na disputa presidencial, não
acata o resultado e propõe-se a infernizar o governo; do Congresso, no qual a fragmentação crescente
complica a negociação de coalizões, o Centrão busca protagonismo com Eduardo Cunha e a
articulação política da presidenta fracassa ao comprar briga com este; dos novos grupos de direita,
com presença incisiva nas redes, capacidade de mobilização nas ruas e até fontes externas de
recursos, como o Movimento Brasil Livre (MBL, sigla que remete ao MPL, inspiração de seu modus
operandi), o Vem pra Rua e o Revoltados Online; e da Lava Jato, que mira frontalmente o governo,
culminando no vazamento ilegal de conversa entre Lula e Dilma. A esses atores se juntam a mídia
mainstream, que, vencida alguma hesitação, embarca no golpe; a elite empresarial, que vislumbra na
conjuntura a oportunidade de um aprofundamento do neoliberalismo; e o Judiciário, que se mostra
conivente, seja por facciosismo, seja por tibieza. Nas demonstrações pró-golpe já se percebe que os
grupos de direita e Bolsonaro adquirem projeção, enquanto o PSDB enfrenta desconfiança e mesmo
hostilidade.
O interregno governamental de Michel Temer, aglutinando personagens notoriamente envoltas
em corrupção e intensificando a política neoliberal de austeridade, é um fiasco previsível. A estratégia
das forças golpistas, nelas incluso o establishment midiático, bifurca-se rumo ao pleito presidencial no
horizonte. De um lado, trata-se de afastar dele Lula, favorito em todas as pesquisas, pelo artifício de
uma condenação sem provas (PRONER et al., 2017), com direito a ameaça do comandante do Exército
ao Supremo Tribunal Federal (STF) pelo Twitter na véspera da votação do habeas corpus que evitaria
a prisão do ex-presidente. De outro, tenta-se forjar um representante competitivo do que é intitulado
eufemisticamente “centro”, na verdade uma direita mais civilizada do que Bolsonaro. Frustrados os
flertes com João Doria, Luciano Huck e Joaquim Barbosa, resta a esse campo basicamente Geraldo
Alckmin, que soma sua proverbial carência de carisma (condensada no apelido “picolé de chuchu”) ao
desgaste do PSDB, contaminado adicionalmente pela impopularidade do governo Temer. Tudo isso
deixa desimpedido o caminho para Bolsonaro.
A campanha deste envolve vários ingredientes inusitados, com alcance inclusive internacional,
no tocante ao uso da mídia. A primeira novidade diz respeito ao tempo de propaganda gratuita no
rádio e sobretudo na televisão. Convencionalmente esse quesito é reputado necessário para o sucesso
eleitoral, malgrado não seja suficiente. Em 2018, Alckmin monta uma megacoligação que lhe faculta
um latifúndio de tempo: 5min32s, em comparação com 8s de Bolsonaro, em cada bloco de 12min30s.
Em vista disso, esperava-se que com a estreia da propaganda oficial as intenções de voto em Alckmin
subissem enquanto os índices de Bolsonaro recuassem, ou no máximo se mantivessem a duras penas
graças a sua implantação nas mídias sociais. Na prática, entretanto, Bolsonaro por pouco não liquida
a fatura no primeiro turno, com 46,03% dos votos válidos, ao passo que Alckmin finda em quarto
lugar, com somente 4,76%. É verdade que Bolsonaro é beneficiado tanto pelo atentado do qual é
vítima, que lhe garante exposição na mídia e acarreta uma pausa nos ataques sofridos, quanto pela
estratégia de Alckmin de dividir sua artilharia entre ele e o rival Fernando Haddad, do PT. A segunda
novidade é algo invulgar em campanhas vitoriosas. No rastro do atentado, Bolsonaro é forçado
obviamente a suspender a campanha; depois, apesar de liberado pelos médicos, rejeita comparecer a
debates e sabatinas, limitando-se a aparições nas redes sociais e a interações com jornalistas que lhe
são simpáticos. Ou seja, é uma campanha quase puramente virtual, nas franjas do espaço público.
Note-se o contraste com Trump, que ao longo das primárias republicanas e das eleições gerais
participa de numerosos debates, entrevistas e comícios. A terceira novidade é a centralidade na
campanha do WhatsApp, uma rede estruturada em torno de grupos relativamente pequenos,
diferentemente de plataformas como Facebook e Twitter, que vinham salientando-se em outras
campanhas, como a de Trump.
De qualquer modo, há afinidades entre a campanha de Bolsonaro e a de Trump, em especial na
maneira de lidar com as plataformas algorítmicas. Estas são o instrumento por excelência da
governança algorítmica, ou seja, dos algoritmos como tecnologia de poder (CASTRO, 2018a).
Normalmente, cada usuário é interpelado pela própria plataforma, por meio de algoritmos, ou por
outros usuários ou anunciantes, mas em todo caso sob controle das plataformas (CASTRO, 2018b). As
mobilizações políticas e campanhas eleitorais, todavia, servem-se das características das plataformas
frequentemente à revelia destas, numa sorte de governança algorítmica disruptiva. Isso se aplica à
campanha de Trump, que usa fake news e dados vazados – por intervenção da empresa Cambridge
Analytica – de usuários do Facebook, expondo este até a questionamentos do Congresso norte-
americano. A Cambridge Analytica, antes de ser fechada, chega a sinalizar a intenção de atuar no
Brasil; o deputado Eduardo Bolsonaro, filho do candidato, encontra-se com Steve Bannon, que foi
diretor-executivo da campanha de Trump. Embora faltem indícios de vínculos mais concretos entre as
duas campanhas, a de Bolsonaro claramente se inspira na de Trump.
O bolsonarismo é uma prática de guerra híbrida que acopla a dinâmica desestabilizadora do
hiperliberalismo econômico de Paulo Guedes, o “Chicago boy” indicado como superministro da
Economia já na campanha, à do hiperautoritarismo de setores nostálgicos do regime militar e à do
hiper-reacionarismo do fundamentalismo religioso. Para analisar a campanha de Bolsonaro sob o
prisma da guerra híbrida, serão abordados quatro aspectos: a infraestrutura midiática que ela monta,
a anomia infomacional que ela provoca, as narrativas e os afetos que ela mobiliza, e a estética do
meme que ela utiliza.

3. Infraestrutura midiática

Uma pesquisa Datafolha realizada em 2 de outubro, a cinco dias do primeiro turno, revela que o
eleitorado de Bolsonaro frequenta todas as redes mais do que o de Fernando Haddad, que viria a ser
seu adversário no segundo turno, com realce para a disparidade no WhatsApp. Ele tem maior número
de eleitores com conta numa rede social (81% a 59%); que veem vídeos sobre política na Internet
(63% a 43%); que leem sobre política no Facebook (57% a 40%), WhatsApp (61% a 38%), Twitter
(10% a 8%) e Instagram (28% a 17%); e que compartilham sobre política no Facebook (31% a 21%),
WhatsApp (40% a 22%), Twitter (5% a 4%) e Instagram (12% a 8%) (G1, 2018b). Por um lado, isso
reflete o fato de que os eleitores de Bolsonaro têm maior poder aquisitivo, por conseguinte maior
acesso à Internet. Por outro, isso é um indicador do grau de engajamento desses eleitores e da sólida
penetração da campanha nas redes.
Tal penetração começa a ser construída com larga antecedência. Quase um ano e meio antes da
eleição, uma reportagem da BBC Brasil (FAGUNDEZ, 2017) enfoca os voluntários em grupos pró-
Bolsonaro, alguns atuantes desde 2013. Os ativistas compartilham mensagens do candidato; trocam
informes sobre suas aparições na mídia, polêmicas rodeando seu nome e enquetes; postam links;
impulsionam hashtags. Aos esforços de voluntários, somam-se os serviços de empresas contratadas
pela campanha, numa mistura de experimentação com profissionalismo. O trabalho envolve uma
articulação entre as várias redes, que desempenham tarefas distintas: difusão de propaganda,
educação política, organização etc. Essa infraestrutura midiática alia as vantagens da verticalidade
(comando centralizado e comunicação estilo broadcast) às da horizontalidade (caráter participatório
típico das redes e comunicação interpessoal), além de combinar atores humanos com o emprego
intensivo de robôs. Como a campanha de Trump, a de Bolsonaro age à margem da governança
algorítmica exercida pelas corporações que controlam as plataformas, não obedecendo a suas normas
e estabelecendo um comando paralelo. Ela também lança mão de perfilamento e microssegmentação
(microtargeting). E, embora agregue um sortimento de redes, sua particularidade é o deslocamento
de primazia do Facebook para o WhatsApp, ambos da mesma empresa, conquanto o primeiro conte
com mais usuários ativos no Brasil do que o segundo – 127 milhões versus 120 milhões, consoante
dados divulgados na temporada eleitoral (OLIVEIRA, 2018).
O marketing político no WhatsApp organiza-se como um mundo subterrâneo, onde empresas
vendem cadastros de usuários e disparos em massa (GASPAR, 2018). A campanha de Bolsonaro
recorre extensamente a tal mundo, como detalha artigo da revista Época com base em fontes internas
(FERREIRA; SOARES, 2018). Ela obtém pacotes de números de celulares e os fornece a agências
contratadas, que criam grupos de usuários. A segmentação dos cadastros enseja a composição de
grupos específicos, por exemplo de evangélicos ou policiais, e o consequente direcionamento dos
conteúdos. Um operador acrescenta manualmente os usuários a um grupo à revelia deles, enviando
mensagens pessoais para cada um para diminuir as desistências, e transferindo a coordenação para
um dos participantes quando o grupo se estabiliza, de maneira a ficar livre para tutelar outros grupos.
A campanha trabalha com três tipos de grupos de WhatsApp: grupos de disparo maciço, em que os
usuários não podem interagir entre si, mantidos por um administrador que coloca o material e instrui
os demais a replicar o conteúdo em suas redes, explorando o recurso de envio múltiplo de mensagens;
grupos de ataque, em menor número, em que os usuários tampouco podem interagir entre si,
alimentados por um administrador que supre links a ser tomados como objetos de alguma ação
(reportagens críticas ao candidato, enquetes online); grupos públicos, com mais de um moderador, em
que a interação é possível, mas mesmo assim uma minoria concentra a maioria das postagens. Entre
os grupos públicos, pode-se verificar uma padronização de avatares e de nomes (por região, por
exemplo), o que testemunha a profissionalização. A própria campanha provê às agências contratadas
números estrangeiros, para dar conta do grosso da empreitada. A gestão dos grupos de WhatsApp se
dá em grupo no Telegram, que reúne a família Bolsonaro, assessores próximos, representantes das
agências contratadas e apoiadores fiéis. A preferência pelo Telegram para gerir a campanha é
coerente, pois ele é menos propenso que o WhatsApp a restringir abusos. Para não parecer que as
notícias falsas são responsabilidade da cúpula da campanha, uma parcela do material é distribuída
diretamente dos criadores para os grupos de WhatsApp. E, afora os serviços prestados pelas agências
pagas pela campanha, há outros bancados por caudatários. Durante o segundo turno, uma
investigação da Folha de S. Paulo (MELLO, 2018) relata a compra de pacotes de disparos de centenas
de milhões de mensagens por parte de empresas, como a Havan, em prol de Bolsonaro. Isso é feito de
forma não declarada, posto que a legislação em vigor veda a doação empresarial, configurando
prática ilícita de caixa dois.
Toda essa infraestrutura é acoplada à infraestrutura voluntária existente, que granjeia escala e
eficácia. Ela articula-se também à campanha dos candidatos alinhados a Bolsonaro, cuja propaganda
é veiculada ativamente em seus grupos de apoio na reta final do primeiro turno. Como muitos
usuários participam de outras plataformas, conteúdos disseminados via WhatsApp migram enfim para
estas. Ademais, a barreira entre o espaço privado dos grupos de WhatsApp e o espaço público da
World Wide Web é pelo menos parcialmente superada na medida em que os grupos se tornam
acessíveis através de links postados em diretórios como o Grupos de Zap e em outras plataformas,
propiciando a circulação de contatos e conteúdos.

4. Anomia informacional

Polêmicas e provocações servem à campanha de Bolsonaro, como serviram à de Trump, para


auferir destaque midiático. Até as contradições dentro de sua equipe são aproveitadas para projetar
uma imagem de autoridade, do capitão que se impõe inclusive a seu vice general, autor de
declarações controversas, como as que questionam o décimo terceiro salário. E, imitando a receita de
Trump, Bolsonaro busca uma contenda com a imprensa, algo que o auxilia ao atrair a atenção sobre si
e mostrar a imprensa como tendo lado.
Tal cenário é completado pela proliferação de notícias falsas, que tendem a monopolizar os
conteúdos elaborados pela campanha, sendo disseminadas mormente por meio de WhatsApp. É de
mister notar que plataformas como Facebook e Google têm adotado uma série de providências para
coibir a desinformação, máxime após o triunfo de Trump, e isso de certa forma empurra os boatos
para o WhatsApp, no qual a vigilância é inferior. Além disso, como o WhatsApp reúne grupos menores,
caracterizados pela maior proximidade e confiança entre os participantes, seus usuários sentem-se
menos constrangidos em espalhar informações sem fundamento. Estudo em conjunto da USP, da
UFMG e da Agência Lupa, examinando cinquenta das imagens mais compartilhadas em 347 grupos
públicos de WhatsApp no primeiro turno, conclui que apenas quatro são totalmente verídicas
(MARÉS; BECKER; RESENDE, 2018). Como assinala Laura Chinchilla, ex-presidenta da Costa Rica e
chefe da missão da Organização dos Estados Americanos (OEA) incumbida de acompanhar as eleições
no Brasil, esse uso maciço de rumores no WhatsApp para influenciar o desfecho do pleito é um
fenômeno inédito no mundo (JUBÉ, 2018).
De acordo com diversos levantamentos, a campanha de Bolsonaro é campeã em desinformação.
Consultando a listagem da Agência Lupa com as dez notícias falsas mais difundidas durante o
primeiro turno no Facebook, totalizando mais de 865 mil compartilhamentos (TARDÁGUILA; MARÉS,
2018), pode-se constatar que todas favorecem Bolsonaro e/ou prejudicam seus adversários. O próprio
candidato dá o tom, por exemplo ao exibir um livro de educação sexual infantil em entrevista ao Jornal
Nacional, da TV Globo, proclamando erroneamente que se tratava de material distribuído em escolas
públicas (G1, 2018a). Pesquisadores da UERJ que monitoram grupos de WhatsApp em defesa dos
aspirantes à presidência reparam que responsáveis por grupos pró-Bolsonaro bloqueiam quem põe
em dúvida a veracidade das mensagens (SIMÕES, 2018). Pesquisa encomendada pela Avaaz (2018) e
conduzida pelo IDEIA Big Data indica que 98% dos eleitores de Bolsonaro entrevistados foram
expostos a uma ou mais das cinco notícias falsas mais populares, sendo que 90% acreditaram em
alguma delas, 84% acreditaram no kit gay e 74% na fraude nas urnas. Note-se que o impacto dessas
falsidades deriva numa boa medida do fato de corroborarem um viés preexistente: entre os eleitores
de Haddad, 61% viram a história sobre kit gay, mas só 10% acharam que ela era verdadeira.
O saldo do bombardeio de desinformação é uma espécie de anomia informacional, um quadro
caótico no qual os parâmetros que permitiriam a distinção entre verdade e mentira se diluem.
Destarte, Bolsonaro pode passar-se ora como católico ora como evangélico; cada um escolhe a
verdade que mais lhe aprouver. Ênfase e convicção sobrepõem-se à conformidade ao fato. A própria
tática da campanha diante de reproches a Bolsonaro é desmenti-las como invenções, debitadas na
conta da mídia mainstream e/ou do PT, o que lhe permite disfarçar sua incoerência ou atribuí-la a
outros. À luz de sua campanha, chama a atenção o versículo bíblico citado por Bolsonaro em
pronunciamento na noite da vitória: “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”. Seu objetivo
parece ser o de açambarcar a verdade, definida como aquilo que ele enuncia. Alimentando narrativas
e afetos, e expressando-se por intermédio de memes, a desinformação constitui instrumento de
guerra psicológica, que visa tonificar a adesão ao candidato e minar os adversários.

5. Narrativas e afetos

Com sua expansão no decurso da campanha, a base de Bolsonaro agrega uma variedade
crescente de segmentos, abarcando valores diferentes e não raro contraditórios. Uma pesquisa da
Escola de Sociologia e Política (KALIL, 2018), atualizada no período eleitoral, arrola dezesseis tipos de
aderentes a sua candidatura, alguns mais óbvios (“masculinidade viril”, “femininas e bolsogatas”),
outros menos (“periféricos de direita”, “homossexuais conservadores”).
A unidade entre os segmentos diversificados é garantida mediante consignas polissêmicas. Entre
estas sobressai o antipetismo, que já despontara como polo de aglutinação dos manifestantes
conservadores em defesa da Lava Jato (GALLEGO; ORTELLADO; MORETTO, 2017). Entre os
bolsonaristas, “petista” alude não somente a alguém que seja filiado ao PT ou simpatizante da
agremiação, mas é sinônimo de esquerda lato sensu e de qualquer um que seja crítico de Bolsonaro –
o que, em determinados momentos, pode aplicar-se a veículos como a Folha de S. Paulo e a TV Globo.
Na prática, o termo converte-se um xingamento, materializado na construção “petralha”, que
estabelece um vínculo patente com a corrupção. A divisa da anticorrupção é igualmente abrangente,
não apenas mirando o desvio de dinheiro público, mas englobando, por exemplo, o que é interpretado
como corrupção dos valores morais e familiares, associada a tópicos como feminismo,
homossexualidade, aborto etc. Do mesmo modo, a volta a uma ordem pregressa idealizada,
corrompida pelos inimigos de hoje, contempla tanto a segurança pública sob a ditadura quanto a
hierarquia social vigente no passado, quando os pobres não viajavam de avião e as empregadas
domésticas não tinham direitos. Essas narrativas embutem um maniqueísmo plástico: a oposição
entre “nós” e “eles” é constante, mas “eles” assumem uma profusão de formas. “Antipetismo”,
“anticorrupção” e “retorno à ordem” funcionam, pois, como “significantes vazios” na acepção de
Laclau (2005), que, ao unificar demandas variadas e ao opor nós a eles, erigem o bolsonarismo como
um populismo de extrema-direita.
Já os afetos mobilizados são sobretudo o ressentimento, o ódio e o medo. O ressentimento tem
ligação clara com a ideologia neoliberal. Por um lado, ecoa a meritocracia, visando aqueles que são
avaliados como receptores injustos de vantagens por meio de mecanismos que burlam o merecimento.
Por outro, nele há ressonâncias de um preconceito vis-à-vis a política, o Estado e os gastos públicos. O
ressentimento dirige-se tipicamente a políticos e a certas categorias do serviço público, associados a
salários elevados, mordomias e corrupção, ou a engrenagens de financiamento à cultura, como a Lei
Rouanet, que premiariam uma elite cultural encarada como esquerdista e imoral. Mas há também
ressentimento contra políticas sociais, em cuja legião de beneficiários figurariam pessoas que não se
esforçam o bastante e se acomodam com o que recebem. O julgamento moral impregna até aqueles
que usufruem dos programas sociais do lulismo, como o Bolsa Família, o Minha Casa Minha Vida, o
Prouni e o Fies, que tendem a atribuir a melhora de sua vida ao fato de serem batalhadores, como
mostra pesquisa da Fundação Perseu Abramo (2017) na periferia de São Paulo. Já o ódio é
corporificado diretamente pelos líderes bolsonaristas, os quais, apesar de não representarem
exatamente o fascismo, compartem com os líderes fascistas uma fala sem nenhuma inibição, o que os
distingue do homem mediano, como observa Adorno (2001, p. 147-148). Na própria campanha
Bolsonaro faz ameaças, como na transmissão em vídeo a seus prosélitos na Avenida Paulista, uma
semana antes do segundo turno, na qual brada: “Petralhada, vai tudo vocês [sic] para a ponta da
praia. Vocês não terão mais vez em nossa pátria” (a expressão “ponta da praia” designa, na época do
regime militar, um local de execução dos opositores). A coação é um recurso de guerra psicológica. O
efeito da conduta das lideranças é o de incitar no público uma atitude agressiva, que se traduz em
intimidação nas ruas e nas redes. Enquanto os que questionam as notícias falsas em grupos pró-
Bolsonaro são bloqueados, a circulação de discurso de ódio, focalizando feministas, homossexuais
etc., é consentida (SIMÕES, 2018). Vale ressaltar a advertência implícita no lema bolsonarista “É
melhor Já ir se acostumando”, versão reciclada do slogan “Ame-o ou deixe-o” da ditadura. Como
argumenta Freud (1967) em sua psicologia de massa, o ódio fomenta a coesão entre os adeptos contra
um inimigo comum. Mas os adeptos são afetados igualmente pelo medo: boatos, como a de um
suposto kit gay que seria entregue por governos petistas, almejam gerar pânico moral.

6. Estética do meme

Para Dawkins (2006), responsável pelo conceito, meme é uma unidade de transmissão cultural
que se espalha facilmente. A campanha de Bolsonaro socorre-se exaustivamente e sistematicamente
do que pode ser chamado de estética do meme. Esta denota conteúdos que, embora ordinariamente
mesclem imagens e textos, tendem a ser predominantemente visuais, o que facilita a comunicação.
Eles encarnam um gênero de humor acessível, com um ar infantil, irreverente, anárquico. Com sua
aparência deliberadamente artesanal, passam a impressão de precariedade, de improviso, logrando
assim a conotação de algo autêntico, antissistema. Outra preocupação é recorrer a um design
simples, que consome pouca largura de banda e viabiliza o compartilhamento. Tudo isso é pensado
cuidadosamente para amplificar seu potencial de viralização. Expedientes que se revelam bem-
sucedidos nesse sentido são repetidos e reforçados. Tais orientações valem inclusive para as
empresas contratadas, que produzem memes profissionalmente para a campanha (FERREIRA;
SOARES, 2018).
Uma das utilidades da estética do meme é a de tornar palatável o discurso de ódio do
bolsonarismo. Assim, a encenação com a mão do gesto emblemático de assestar uma arma sobre um
contendor imaginário, feita via de regra de forma bem-humorada, inclusive por crianças, tem sua
agressividade de certo modo neutralizada. Essa estética é conveniente também para a desconstrução
de alvos selecionados, por exemplo quando fotografias de Manuela d’Ávila, candidata a vice de
Haddad, são adulteradas digitalmente para mostrá-la com tatuagens de Lenin e Che Guevara ou com
uma camiseta estampando a frase “Jesus é travesti”. A estética do meme é empregada ainda em
iniciativas para defender Bolsonaro de ataques e ironizar seus críticos. Reagindo à denúncia de uso de
robôs pela campanha, militantes gravam um vídeo parodiando a maneira mecânica de caminhar de
um robô; ante a acusação de caixa dois, outros partidários tiram fotos nas quais manuseiam um
celular envoltos numa caixa de papelão na qual se lê a inscrição “caixa dois”.
O próprio Bolsonaro tem um quê de meme, com seu jeito superficial e folclórico, como um
Belusconi ou Trump mais tosco. Em sua carreira, ele apoia-se nesse jeito para promover-se,
participando de programas de televisão, como Super Pop, CQC e Pânico, como um espécime político
com discurso bizarro. Num episódio da Escolinha do Professor Raimundo, encabeçada por Chico
Anysio, nos anos 1990, Bolsonaro já é ridicularizado em virtude de sua apologia da ditadura. Na
campanha, ele empenha-se adicionalmente em cultivar uma aura de simplicidade. Para isso, entre
outras coisas, vale-se de vídeos amadores, filmados em cenários caseiros ostensivamente precários,
quer com uma bandeira brasileira pregada na parede ao fundo com fita adesiva, que cai durante a
transmissão, quer com uma raquete de matar mosquito e um prato com farelos sobre a mesa diante
de si. O visual desleixado estende-se às roupas, com combinações esdrúxulas como paletó, gravata e
jeans. Esse comportamento pretende passar a ideia de que Bolsonaro é um homem do povo,
espontâneo, e de que sua campanha é pobre e à margem do sistema. O estratagema, a princípio
entabulado intuitivamente e depois planejado, lembra o de Jânio Quadros, mestre em seu tempo em
pequenas artimanhas desse jaez, como a de polvilhar talco nos ombros para simular caspa.

7. Considerações finais

A eficiência da campanha presidencial de Bolsonaro como guerra híbrida, no sentido de luta


política baseada na desestabilização permanente, não nos autoriza a postular uma suposta
genialidade estratégica a ela subjacente. Além do planejamento, há outros itens a ser ponderados,
entre eles a sorte. Porém, deve-se reconhecer no candidato e em seu entorno a aptidão para
improvisar e para capitalizar suas fragilidades. Um pouco como Trump, ele tira proveito de sua
genuína confusão para desorientar os adversários.
Essa estratégia fia-se na complacência da mídia mainstream. Em que pese sua longa trajetória
como paladino da ditadura e da tortura, a cobertura naturaliza Bolsonaro, esquivando-se inclusive de
colar-lhe a pecha de extrema-direita, que a imprensa internacional de variegadas colorações
ideológicas utiliza ao referir-se a ele. É verdade que o escândalo de caixa dois das empresas que
financiavam disparos pró-Bolsonaro no WhatsApp é trazido à tona pela Folha de S.Paulo, mas outros
veículos não dão seguimento à investigação. Ainda no primeiro turno, a Record, braço midiático da
Igreja Universal, adere a Bolsonaro. A ausência injustificada do candidato nos eventos do segundo
turno é tolerada pelas várias corporações midiáticas e os debates são cancelados, sem dar a Haddad a
chance de participar deles como entrevistado, como seria de praxe. Somada à eficiente guerra híbrida
da campanha de Bolsonaro nas redes, a cobertura neutra ou favorável da grande mídia pavimenta seu
caminho para a vitória.

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PRONER, Carol, et al. (orgs.). Comentários a uma sentença anunciada: o processo Lula. Bauru: Canal 6,
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SIMÕES, Mariana. Grupos pró-Bolsonaro no WhatsApp orquestram notícias falsas e ataques pessoais na
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SINGER, André. Os sentidos do lulismo: reforma gradual e pacto conservador. São Paulo: Companhia das
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TARDÁGUILA, Cristina; MARÉS, Chico. Dez notícias falsas com 865 mil compartilhamentos: o lixo digital do
1º turno. Piauí, 7 de outubro de 2018.

1 Trabalho apresentado no GT 2 - Propaganda Política e Marketing Eleitoral, I Simpósio Nacional de Comunicação Política,
Eleições e Campanha Permanente, 27 a 28 de março de 2019.

2 Doutor em Comunicação e Semiótica, pesquisador de pós-doutorado em Comunicação e Cultura da Universidade de Sorocaba,


julio@jclcastro.com.br
UNIDADE 2 – JORNALISMO POLÍTICO E ELEITORAL
CAPÍTULO 9

CRISE POLÍTICA: Um estudo comparativo do enquadramento noticioso dado


pelo jornal Folha de São Paulo aos governos Dilma Rousseff (PT) e Michel
Temer (MDB)1

Mariane Motta de Campos2


Mayra Regina Coimbra3
Luiz Ademir de Oliveira4

1. Introdução

O presente artigo tem como objetivo analisar o enquadramento noticioso dado pelo jornal Folha
de S. Paulo aos governos Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB). A partir da análise das matérias
veiculadas pelo jornal, pretende-se ainda fazer um estudo comparativo dos diferentes
enquadramentos dado aos dois governos.
Dessa forma, é importante compreender que o campo midiático assume posição de centralidade
na sociedade contemporânea, funcionando como palco, em que diversos atores sociais buscam
visibilidade e legitimidade do público (RODRIGUES, 1990). Nesse sentido, a interface mídia e política
tem sido tema recorrente nos estudos das ciências sociais, marcado pelo seu caráter interdisciplinar
entre os campos da Comunicação, da Ciência Política e da Sociologia. Por isso, compreender o
impacto das mídias em nossas vidas, sobretudo no campo político, torna-se fundamental.
Quanto ao contexto político, o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) trouxe
instabilidade para a política brasileira, intensificando a crise política e institucional que estamos
vivenciando, influenciada pelos escândalos de corrupção e a Operação Lava Jato, em que dezenas de
políticos e empresários foram. Santos (1993) analisa a fragilidade da democracia brasileira,
apontando o baixo grau de institucionalização, tendo em vista que, no país, as instituições têm suas
regras alteradas à mercê do jogo de interesses entre as elites empresariais e política e os grupos de
interesse que se articulam em favor de suas demandas específicas. Constata-se que o processo
democrático brasileiro passou por vários momentos de ruptura, como os golpes militares em 1937 e
1964. Em 1985, iniciou-se finalmente o processo de consolidação democrática e o fato de termos
chegado à sétima eleição presidencial (1989, 1994, 1998, 2002, 2006, 2010 e 2014) parecia indicar o
fortalecimento da democracia, porém a política brasileira ainda sobre interferências de grupo
dominantes e de interesses dos mesmos. Santos (2017) aponta o impeachment da ex-presidente Dilma
Rousseff (PT) como mais uma ruptura da ordem democrática e institucional e tratam o processo como
um golpe jurídico, político e midiático.
Foi neste contexto de crise institucional e política que Temer assumiu o poder. Mesmo com o
apoio de boa parte do Congresso, Temer teve que lidar ainda com o baixo índice de popularidade5 e
com um enquadramento negativo por parte da mídia, em alguns episódios. Parte da mídia divulgou
durante semanas o escândalo que envolve Temer e a JBS. O presidente foi acusado, a partir da
gravação de áudios feito por um dos proprietários da JBS, Joesley Batista, de ter recebido propinas e
de ter articulado com o empresário uma “mesada” para o ex-presidente da Câmara dos Deputados,
Eduardo Cunha (MDB), que está preso, a fim de mantê-lo em silêncio.
As teorias contemporâneas do jornalismo trabalham a perspectiva de que as notícias são um
processo de construção social complexo que envolvem múltiplos fatores, como a linha editorial, os
critérios de noticiabilidade, a dependência das fontes, os recursos disponíveis, as rotinas de produção.
Destaca-se a teoria do enquadramento (Goffman, 1986) que trabalha com a ideia de que os jornais, ao
selecionarem determinados fatos, enfatizam alguns aspectos a partir de mapas culturais, excluindo
outros elementos. Dessa forma é importante compreender os diferentes enquadramentos em dois
governos que vivenciaram momentos de crise política. Dilma Rousseff teve de enfrentar um processo
de impeachment diante de uma queda na popularidade e enfrentando uma crise econômica, bem
como Michel Temer, que teve que lidar também com a baixa popularidade diante de reformas
impopulares propostas por seu governo e diante do escândalo envolvendo o presidente e ministros em
esquemas de corrupção.
Para a análise, será utilizado, num primeiro momento, um modelo híbrido, que articula a Análise
de Conteúdo (BARDIN, 2011) com a Análise de Enquadramento, analisando os enunciados e discursos
de natureza variada, a fim de captar o modo como a realidade é enquadrada por eles. Dessa maneira,
serão elaborados “pacotes interpretativos” (GAMSON; MODIGLIANI, 1993; MAIA; VIMIEIRO, 2011),
a fim de compreender de forma mais clara o enquadramento noticioso dado pelo jornal Folha de S.
Paulo ao impeachment no governo Dilma Rousseff (PT) e ao governo Michel Temer (MDB) desde
quando assumiu interinamente até os escândalos envolvendo o presidente. Por fim, buscou-se,
mediante a análise de conteúdo, fazer um estudo comparativo sobre os pontos de confluência e
divergência nas estratégias e na cobertura do jornal dos governos Dilma Rousseff e Michel Temer.
Para essa análise foram elaboradas as seguintes categorias: I – Impeachment sob a ótica do jornal, II –
A construção da imagem dos governos de Dilma Rousseff e Michel Temer, III – A imagem da oposição
dos governos e IV – O caráter espetacular na cobertura nos momentos de crise política dos governos.

2. A centralidade da mídia para a política

Ao tratar da interface mídia e política, é imprescindível tratar da centralidade da mídia para a


política. Segundo Lima (2006), a política nos regimes democráticos é uma atividade eminente pública
e visível, mas a mídia passa a alterar o regime de funcionamento dos campos sociais. Bourdieu (1986)
analisa a relação entre os campos simbólicos. O campo, para o autor, é um espaço de disputa entre
dominantes e dominados. E isso se dá tanto para o campo da política, como para o campo midiático. O
autor destaca que cada vez mais a geração de capital político depende da visibilidade na mídia,
significando uma perda de autonomia para o campo político.
O campo midiático pode ser entendido também a partir da contribuição de Rodrigues (1990), que
é visto pelo autor como um campo de mediação social. A atuação das mídias na sociedade envolve a
publicização de informações, a tematização de agendas, a construção de cenários, enfim ações que
garantem a existência pública de um acontecimento. O campo das mídias detém então as modalidades
de acesso, presença, circulação e permanência das diversas entidades na dimensão pública, o que
conduz a realidade hoje ser confundida cada vez mais com aquilo que é midiatizado. Segundo
Rodrigues, o campo da comunicação autonomiza-se a partir da emergência da modernidade e passa a
ocupar o espaço de centralidade na vida social. A instância comunicativa mediática avoca a tarefa de
servir de mediação dos campos sociais, onde estes buscam visibilidade e transparência, como tem
feito o campo da política.
Segundo Miguel (2003), a visibilidade nos meios de comunicação é importante para o
reconhecimento público, ou seja, para o crescimento na carreira política, deve-se ter essa visibilidade,
que é alterada ou reafirmada pelos meios de comunicação. Miguel afirma que a mídia interfere na
estruturação da carreira política já que influencia na produção de capital político. O autor nomeia
essa relação complexa entre mídia e política como “simbiose tensionada”.

3. Enquadramento Noticioso

As teorias contemporâneas do jornalismo trabalham a perspectiva de que as notícias são um


processo de construção social complexo que envolvem múltiplos fatores, como a linha editorial, os
critérios de noticiabilidade, a dependência das fontes, os recursos disponíveis, as rotinas de produção.
Destaca-se a teoria do enquadramento que trabalha com a ideia de que os jornais, ao selecionarem
determinados fatos, enfatizam alguns aspectos a partir de mapas culturais, excluindo outros
elementos.
Quanto ao conceito de enquadramento, Motta (2007) argumenta que o enquadramento
predominante no jornalismo político é o frame dramático (ou narrativo). Segundo ele, esses
enquadramentos são inventados pelos jornalistas para organizar a “complexa realidade política”. O
autor afirma que o jornalismo político tende a utilizar os enquadramentos lúdicos, tipo jogos (guerra,
batalha, duelo, luta de boxe, ciclo de herói, entre outros), porque esses frames culturais enquadram
de maneira acessível os enfrentamentos políticos e facilitam a compreensão dos complexos conflitos
da política.
O termo “frame” foi desenvolvido por Goffman (1986) a fim de buscar argumentos que definem
os modos como os indivíduos organizam o conhecimento no seu cotidiano. Goffman queria demonstrar
que a vida cotidiana é uma sondagem, um movimento recíproco, continuo, de construção e
reconstrução de sentidos negociados.
Segundo Porto (2004), o conceito de enquadramento tem sido utilizado para definir os
“princípios de seleção, ênfase e apresentação” usados por jornalistas para organizar a realidade e o
noticiário. No caso da cobertura política, os enquadramentos permitem aos jornalistas conquistar
audiências, organizar e interpretar temas e eventos políticos de forma especifica. Para o autor, os
enquadramentos noticiosos pautam as conversas e discussões sobre problemas sociais e políticos,
fazendo com que o enquadramento tenha um importante efeito no modo como a audiência interpreta
esses problemas.
Diante do surgimento de inúmeros estudos em torno de enquadramento, com análises do
discurso da mídia nos diferentes campos sociais, Campos (2014) afirma que existe certa imprecisão
teórica nos estudos em torno de enquadramento no que se refere aos estudos da interface mídia e
política. A fim de delimitar metodologicamente os estudos de enquadramento que envolve a
comunicação política, a partir de Gamson e Modigliani (1993), busca-se a noção de “pacotes
interpretativos”, compreendendo que o enquadramento presume a articulação de determinados
discursos em uma dada organização formal.
Maia e Vimieiro (2011) também discutem pacotes interpretativos e os definem como
agrupamentos formados por determinados dispositivos simbólicos, que têm como essência o
enquadramento. Segundo as autoras, os pacotes são definidos como certo padrão em um determinado
texto, que se compõe de diversos elementos.
Para identificar os pacotes interpretativos, Gamson e Modigliani (1993) dividiram os símbolos em
dispositivos de enquadramento e dispositivos de raciocínio. Os símbolos que formam os dispositivos
de enquadramento são constituídos por metáforas – slogans ou chavões, representações ou imagens
visuais, enquanto os dispositivos de raciocínio são formados por elementos que ressaltam as
diferenças por meio da análise causal (raízes), as consequências (efeitos) e os apelos a princípios
(julgamento moral).
Nesse momento da pesquisa, será utilizada a metodologia de enquadramento empregada como
operadora para a realização da análise de conteúdo, analisando os enunciados e discursos de
natureza variada, a fim de captar o modo como a realidade é enquadrada por eles. Como já se pode
perceber, esse tipo de análise reside em compreender o modo como os discursos estabelecem
molduras de sentido, enquadrando o mundo a partir de percepções especificas (MENDONÇA;
SIMÕES, 2012). O foco da metodologia, nesse caso, está no conteúdo dos discursos: “É no conteúdo
que se busca o quadro, visto como uma espécie de ângulo, que permite compreender uma
interpretação proposta em detrimento de outras” (MENDONÇA; SIMÕES, 2012, p. 194). Dessa forma,
serão elaborados “pacotes interpretativos” (GAMSON; MODIGLIANI, 1993; MAIA; VIMIEIRO, 2011),
a fim de compreender de forma mais clara o enquadramento noticioso dado pelo jornal Folha de S.
Paulo ao impeachment no governo Dilma Rousseff (PT) e ao governo Michel Temer (MDB), desde
quando assumiu interinamente até os escândalos envolvendo o presidente.

4. Análise de Enquadramento da cobertura da Folha de S. Paulo sobre o processo de


impeachment

A partir do mapeamento de 141 notícias ou artigos publicados no jornal Folha de S. Paulo, nos
recortes feitos a partir dos pronunciamentos da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em momentos
considerados chaves para a tramitação de seu processo de cassação, foram definidos seis pacotes
interpretativos. Os momentos considerados cruciais foram: (a) a abertura do processo de
impeachment na Câmara dos Deputados a cargo do então presidente da Casa, deputado Eduardo
Cunha (PMDB), no dia 02 de dezembro de 2015; (b) data da votação na Câmara dos Deputados – 17
de abril de 2016 – que deu abertura ao processo de cassação; (c) data de votação no Senado, quando
Dilma foi afastada até que a votação final ocorresse; e (d) data de votação final do processo de
impeachment, que ocorreu em 31 de agosto de 2016.

4.1 Análise Quantitativa do Enquadramento da Folha de S. Paulo sobre o impeachment

Com base no conteúdo das notícias coletadas, foram definidos os seguintes eixos interpretativos:
(1) Batalha do impeachment; (2) Posicionamento sobre o impeachment; (3) Impeachment e seus
rituais; (4) Crise econômica e o impeachment; (5) Crise política e o impeachment; e (6) O
impeachment e o governo Michel Temer (PMDB). No Quadro 3, é explicado cada eixo interpretativo.

Quadro 1 – Pacotes Interpretativos do Enquadramento da Folha de S. Paulo sobre o processo


de impeachment

Pacote Descrição do tipo de enquadramento Número Percentual


Interpretativo de
Notícias
1. Batalha do Refere-se a notícias que enfatizam a batalha, principalmente, nos bastidores para 60 42,56%
impeachment busca de apoio tanto por parte de Dilma Rousseff (PT) como da oposição em torno
da aprovação ou não da aceitação de abertura e posteriormente da própria cassação
da ex-presidente. Mostram ainda os possíveis placares e como está a disputa no
Congresso, além da movimentação por parte de organizações da sociedade civil e da
própria população a favor ou contra o impeachment.
2. Seleciona as notícias que trazem o posicionamento seja de atores políticos, atores 34 24,11%
Posicionamento sociais ou integrantes do Judiciário ou de especialistas sobre o impeachment, a
sobre o favor ou contra.
impeachment
3. Foca nas notícias mais técnicas que explicam mais didaticamente como se dá a 12 8,51%
Impeachment e tramitação do processo de impeachment da presidente no Congresso – tanto na
seus rituais Câmara dos Deputados quanto no Senado.
4. Crise Relaciona-se a notícias que, para mostrar a fragilidade da ex-presidente Dilma, 12 8,51%
econômica e o focam na crise econômica que afetava o País.
impeachment
5. Crise Relaciona-se, também, a notícias, que, neste caso, revelam a fragilidade de Dilma do 12 8,51%
política e o ponto de vista político com a perda de apoio no Congresso, já que tinha uma forte
impeachment base aliada e no período do impeachment perdeu apoio de quase todos, em
destaque do próprio PMDB.
6. O Referem-se a notícias que já tratam de expectativas ou de atos do governo Temer, 11 7,80%
impeachment e seja como interino quando Dilma foi afastada até o julgamento final ou depois que
o governo ele assume logo após o dia 31 quando foi aprovado o impeachment, limitando-se a
Michel Temer um dia após a votação.
(PMDB)
TOTAL 141 100%

Fonte: autoria própria.

5. Análise Quantitativa do Enquadramento da Folha de S. Paulo sobre o governo Temer

A partir do mapeamento de 104 notícias ou artigos publicados no jornal Folha de S. Paulo, nos
recortes a partir dos pronunciamentos feitos pelo então presidente Michel Temer, em momentos
considerados chaves de seu governo: desde quando assumiu interinamente, no momento em que
Dilma Rousseff foi afastada, até o vazamento dos áudios, escândalo que balançou o seu governo,
levando ao pedido de abertura de processo contra o presidente no Congresso. Tais fatos considerados
cruciais são: (a) quando Michel Temer assume como presidente interino no dia 13 de maio de 2016;
(b) quando Temer assume oficialmente o cargo de presidente do Brasil no dia 31 de agosto de 2016;
(c) após a divulgação das delações da JBS, que citam Temer, no dia 19 de maio de 2017; e (d) após a
primeira votação na Câmara dos Deputados, que decide por não continuar as investigações contra
Temer, no dia 02 de agosto de 2017.
5.1 Análise Quantitativa da Cobertura Noticiosa da Folha de S. Paulo sobre o governo Michel
Temer (MDB)

Com base no conteúdo das notícias coletadas, foram definidos os seguintes eixos interpretativos:
(1) Formação ministerial; (2) Busca de apoio político; (3) Oposição/Críticas ao governo Temer; (4)
Trajetória de Temer; (5) Temer e o processo de impeachment da ex-presidente Dilma; (6) Slogan do
governo; (7) Políticas do governo; e (8) Escândalo dos áudios, conforme pode ser verificado no Quadro
7.

Quadro 2 – Pacotes Interpretativos do Enquadramento da Folha de S. Paulo sobre o governo


Michel Temer

Pacote Descrição do tipo de enquadramento Número Percentual


Interpretativo de
Notícias
1. Formação Refere-se a notícias que tratam da formação do Ministério do governo interino de 18 17,30%
ministerial Temer
2. Busca de apoio Relaciona-se à busca de apoio político para o seu governo interino junto a partidos 05 4,81%
político e à população
3. Diz respeito a notícias com conteúdo crítico seja por parte dos partidos da 10 9,62%
Oposição/Críticas oposição ou mesmo de articulistas e colunistas da Folha de S. Paulo ou de
a Temer especialistas
4. Trajetória de Tratam da trajetória pessoal e política de Temer 04 3,85%
Temer
5. Temer e o Refere-se a notícias que vinculam o presidente ao impeachment de Dilma 05 4,81%
impeachment de
Dilma
6. Slogan do Notícias sobre o novo slogan de governo 04 3,85%
governo
7. Políticas do Trata-se de notícias referentes a políticas anunciadas pelo governo em diferentes 07 6,74%
governo áreas: saúde, relações internacionais e políticas sociais
8. Escândalo dos Foca no escândalo do vazamento dos áudios dos donos da J&S, que geraram 51 49,02%
áudios grande desgaste para o governo e o pedido de investigação da Procuradoria
Jurídica da República para que Temer fosse investigado pelo STF. Para isso, o
pedido teve que ser votado no Congresso Nacional.
TOTAL 104

Fonte: autoria própria.

6. Análise Comparativa do Enquadramento Noticioso da Folha de S. Paulo em relação ao


governo Dilma e ao governo Temer

A pesquisa se propõe nesse momento a analisar os pontos de confluência e divergência do


enquadramento noticioso da Folha de S. Paulo em relação aos governos Dilma Rousseff (PT) e Michel
Temer (MDB). Recorreu-se à Análise de Conteúdo (Bardin, 2011), que compreende a técnica como um
método que aplica técnicas quantitativas como qualitativas a partir de três fases: (a) pré-análise; (b)
categorização; (c) fase de inferências. Dessa forma, pretende-se trabalhar com as seguintes
categorias de análise: I – Impeachment sob a ótica do jornal; II – A construção da imagem dos
governos de Dilma Rousseff e Michel Temer; III – A imagem da oposição dos governos; e IV – O
caráter espetacular na cobertura nos momentos de crise política dos governos. A análise será
realizada de forma qualitativa.

6.1 Impeachment sob a ótica do jornal

Tendo em vista a fragilidade jurídica em torno do processo de impeachment da presidente Dilma


Rousseff, que foi questionado por cientistas políticos, que defendem ter sido um golpe parlamentar
(SOUZA, 2016; SANTOS, 2017; ALBUQUERQUE; PAULA, 2017), analisar o espaço dado pela mídia a
posicionamentos contrários ou favoráveis ao processo é fundamental à análise. Devido ao fato de que
Dilma perderia o cargo com o resultado final do processo e Temer se beneficiaria substituindo-a no
cargo, compreender este enquadramento do processo também leva ao enquadramento dado a ambos
os governos. Ao analisar o eixo interpretativo do posicionamento sobre o impeachment, no capítulo
anterior, que se refere às notícias que trazem o posicionamento seja de atores políticos, atores sociais
ou integrantes do Judiciário, ou de especialistas sobre o impeachment, a favor ou contra o processo, é
fácil visualizar que o jornal ouviu mais pessoas que entenderam o processo sob o aspecto legal apesar
de ter escutado em alguns momentos atores que afirmaram se tratar de um golpe.
No artigo de opinião intitulado “Impeachment não resolve recessão, mas dá aval a arranjo
diferente deste que nos envenenou”, fica claro o posicionamento favorável ao processo de
impeachment diante da crise econômica: “Mas, levando ou não a destituição de Dilma, funcionará
como uma espécie de ‘reset’” e “Com um arranjo posterior diferente deste que nos envenenou em
2015” (Folha de S. Paulo, 03 de dezembro de 2015). O artigo aponta para falhas na política econômica
do governo Dilma, que levou à crise.
A matéria intitulada “Autores do pedido celebram sua admissão e minimizam criticas”, do dia 03
de dezembro de 2015, aponta para as críticas ao fato de Eduardo Cunha só ter dado prosseguimento
ao processo para retaliar o PT, demonstrando uma fragilidade à aceitação do pedido diante do embate
entre o presidente da Câmara e o governo.
Na matéria intitulada “Avessa a reconhecer erros, Dilma não soube conter a revolta política”, do
dia 17 de abril de 2016, observa-se, mais uma vez, um enquadramento negativo do governo Dilma,
sobretudo desqualificando a imagem da petista: “Dilma detesta reconhecer erros” (Folha de S. Paulo,
17 de abril de 2016). Ao analisar as matérias, percebe-se também um enquadramento, a fim de
demonstrar a fragilidade do governo diante da crise propiciada pelo processo, favorecendo, de certa
forma, o novo governo, que, ao contrário, o jornal apontava como sendo mais forte, podendo ter mais
governabilidade. Na matéria intitulada “Presidente eleva o tom e acena com medidas”, do dia 1º de
setembro de 2016, o jornal destacou as propostas do novo presidente para recuperar a economia.
Enquanto o jornal apontava para a imagem fragilizada de Dilma, ele destacava a força de Temer: “Não
vamos levar ofensa para casa”, destacou o jornal à fala do presidente em referência aos ataques do
PT.
A matéria intitulada “Constituição foi respeitada, dizem EUA”, publicada no dia 1º de setembro
de 2016, outra vez, o jornal buscou dar ênfase à opinião de um país que tem a maior economia do
mundo e um dos maiores parceiros comerciais do Brasil, contrariando o discurso de Dilma de que se
tratava de um golpe. Fortaleceu, portanto, o discurso do governo Temer de que o processo não se
tratava de uma ruptura, e sim de um processo legal.
Dessa maneira, ao enquadrar a crise econômica e a corrupção como um problema ligado aos
governos petistas e ao ouvir mais posicionamentos favoráveis ao impeachment, o jornal optou por
enquadrar mais negativamente o governo Dilma, contribuindo, assim, para um espaço mais favorável
ao governo Temer. Além disso, em diversos momentos, o jornal apontou para possíveis resultados nas
votações do impeachment na Câmara e no Senado, sempre favoráveis à perda do mandato de Dilma.
Destacou, ainda, a dificuldade do governo em buscar votos, demonstrando, mais uma vez, a
fragilidade em torno de Dilma. Em uma matéria, publicada no dia 30 de agosto de 2016, um dia antes
da votação no Senado que decidiu pelo impeachment, o jornal destacou que a visita de Dilma Rousseff
ao Senado parecia ter sido incapaz de virar o jogo.

6.2 A construção das imagens dos governos de Dilma Rousseff e Michel Temer

Porto (2004) defende que o conceito de enquadramento tem sido utilizado para definir os
“princípios de seleção, ênfase e apresentação” usados por jornalistas para organizar a realidade e o
noticiário. No caso da cobertura pública e política, os enquadramentos permitem aos jornalistas
conquistar audiências, organizar e interpretar temas e eventos políticos de forma específica. Para o
autor, os enquadramentos noticiosos pautam as conversas e discussões sobre problemas sociais e
políticos, fazendo com que o enquadramento tenha um significativo efeito no modo como a audiência
interpreta esses problemas. Assim, compreender o enquadramento dado à construção da imagem dos
governos Dilma Rousseff e Michel Temer é fundamental.
Como se pode observar, o jornal enquadrou o governo Dilma de forma negativa durante o
processo de impeachment, demonstrando a imagem do governo degastada e fragilizada diante da
crise política e econômica. Na matéria intitulada “Para seguir meta fiscal, Planalto anuncia corte de
R$ 11,2 bilhões”, o jornal destaca que o contingenciamento foi feito para evitar novos
questionamentos do Tribunal de Contas da União quanto à gestão do orçamento federal. Ao final, a
matéria ainda informa que a votação da meta fiscal no Congresso foi adiada em meio às novas
turbulências políticas geradas pela prisão do senador petista Delcidio Amaral. Dessa forma, o jornal
aponta para duas fragilidades em torno da imagem do governo Dilma: a questão econômica e a
corrupção. Em outra matéria, intitulada “Governo teme que a crise atual leve à alta nos juros em
2016”, publicada no dia 1º de dezembro de 2015, o jornal novamente enquadra a crise econômica
como um grande problema para o governo Dilma.
Na matéria publicada em 17 de abril de 2016, intitulada “Presidente mergulha no varejo da
política para salvar seu mandato”, o jornal aponta para a fragilidade do governo diante da falta de
apoio no Congresso: “[...] no meio da semana derradeira da votação da abertura do processo de seu
impeachment na Câmara dos Deputados, ao se reunir com um grupo de assessores já tomados pelo
desânimo e alguns até resignados com uma derrota” (Folha de S. Paulo, 17 de abril de 2016). Mais
uma vez, o jornal constrói uma imagem negativa do governo, destacando a fragilidade e falta de
governabilidade.
Em relação à construção da imagem do governo Temer, observa-se que o jornal tende a fazer um
enquadramento positivo no que se refere à política econômica do peemedebista. Porém, após os
escândalos dos áudios envolvendo o presidente, o jornal apontou as fragilidades em torno do governo,
enquadrando a crise política como uma ameaça à recuperação econômica. Há uma mudança de
postura do jornal após o vazamento dos áudios e a abertura de inquérito contra Temer por corrupção
passiva.
Na matéria intitulada “Paciência de investidores depende de reformas”, do dia 1º de setembro de
2016, o jornal aponta para o apoio dos “donos do dinheiro” ao governo Temer, que, segundo o jornal,
foram sustentados por dois fatores: “a competência da equipe econômica que ele escolheu e a
confiança em sua capacidade de articulação política” (Folha de S. Paulo, 1º de setembro de 2016).
Desse modo, o jornal enquadra de forma positiva o governo Temer no que diz respeito à economia,
apontando, inclusive, qualidades do novo governo. A matéria intitulada “Viagem para o G-20 dará
lastro internacional que Temer cobiça”, do dia 1º de setembro de 2016, traz como destaque a primeira
viagem de Temer como presidente, fazendo um enquadramento positivo do governo: “Temer é
descrito como um desenvolto nesse campo” e “Entende o peso das relações exteriores e não mostra o
enfado de Dilma com questões e protocolos diplomáticos” (Folha de S. Paulo, 1º de setembro de
2016).
Na matéria intitulada “Crise ameaça travar reformas e alimentar incertezas do mercado”, do dia
18 de maio de 2017, o jornal destaca que políticos e integrantes da equipe econômica do governo
preveem atraso no cronograma no Congresso. Dessa maneira, o jornal enquadra de forma negativa a
crise política vivenciada por Temer, devido às acusações dos executivos da JBS, com enfoque no
quanto poderia prejudicar as reformas.
Pode-se observar, então, a mudança de postura no enquadramento do jornal após o vazamento
dos áudios envolvendo Temer em um escândalo de corrupção. Todavia, em dados momentos, o jornal
ainda faz afagos no que diz respeito a pautas econômicas. Ao contrário do governo Dilma, quando o
jornal constrói uma imagem negativa, principalmente no que diz respeito às pautas econômicas e de
corrupção.

6.3 A imagem da oposição dos governos

Tendo em vista a centralidade da mídia para o campo político, já que os atores dependem da
visibilidade midiática, compreender o enquadramento da mídia aos opositores do governo é
importante na medida em que o marketing de oposição pode não ser suficiente dependendo do
enquadramento midiático. Na matéria intitulada “Oposição afirma que decisão de Cunha não é golpe
e foi legítima”, do dia 03 de dezembro de 2015, o jornal entrevistou a principal oposição ao governo
Dilma sobre o processo. Aécio Neves defendeu que Dilma cometeu crimes fiscais e eleitorais. A
matéria ainda destacou que o tucano contrapôs a ideia de que o processo se tratava de um golpe. O
jornal destacou a fala de Aécio de que, apesar das acusações em torno de Eduardo Cunha, o processo
de impeachment tinha legitimidade. Ou seja, o jornal apontou para a falta de legitimidade do
peemedebista, mas deu legitimidade ao tucano.
Em outra matéria intitulada “Cunha é chamado de ‘ladrão’ e ‘gângster’”, do dia 18 de abril de
2016, o jornal destacou os ataques ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha (MDB), que aceitou o
processo de impeachment. O jornal destacou ainda que Cunha era réu por corrupção: “réu do
petrolão”. Dessa forma, pode-se perceber que, em alguns momentos, o jornal enquadrou
negativamente a oposição ao governo Dilma, demostrando, inclusive, desde a abertura do processo, o
fato de Cunha ter “chantageado” o PT para votar a seu favor na Comissão de Ética da Câmara. Pode-
se observar, então, um enquadramento negativo para a imagem de Eduardo Cunha, que teve um papel
central no processo de impeachment.
Na matéria intitulada “Dividida, oposição questionará rito de sessão”, o jornal apontou para uma
falta de articulação política por parte da oposição ao governo Temer. Segundo a matéria, do dia 02 de
agosto de 2017, os partidos de oposição ficaram divididos sobre marcar ou não presença na sessão de
votação de denúncia contra o presidente Temer. Ao enquadrar a notícia, destacando uma
incapacidade de articulação por parte da oposição ao governo, a imagem da oposição fica negativa no
sentido de enfraquecê-la perante o enquadramento.
Na matéria, também do dia 02 de agosto de 2017, intitulada “Sala de Paula Lavigne e Caetano
une políticos e artistas pelo ‘Fora Temer’”, o jornal destacou que os encontros entre um grupo de
intelectuais, artistas e políticos deu origem a uma ação, que quer pressionar deputados a votarem a
favor da denúncia contra o presidente. O jornal aponta para a insatisfação de parte dos brasileiros
com relação ao governo Temer, principalmente após as denúncias de corrupção o envolvendo. Ao
apontar a insatisfação de artistas importantes na sociedade, o jornal enquadra positivamente os
opositores do governo Temer nesse caso.

6.4 O caráter espetacular na cobertura nos momentos de crise política dos governos

Diante da centralidade midiática para o campo político, é importante retomar aqui a discussão
sobre o enquadramento predominante no jornalismo político. Motta (2007) defende que esse
enquadramento predominante na mídia é o dramático (narrativo), que seria um enquadramento já
enraizado na sociedade e na cultura, sendo ordenador, prático e, principalmente, compreensível. Por
isso, segundo o autor, os jornalistas recorrem às metáforas dos jogos para relatar a complexidade da
política. Segundo o autor, esses enquadramentos são inventados pelos jornalistas para organizar a
“complexa realidade política”. Ele afirma que o jornalismo político tende a utilizar os enquadramentos
lúdicos, tipo jogos (guerra, batalha, duelo, luta de boxe, jogos de tabuleiro e ciclo de herói entre
outros), porque esses frames culturais enquadram de maneira acessível os enfrentamentos políticos e
facilitam a compreensão dos complexos conflitos da política.
Assim, pode-se entender a lógica espetacular por meio desse enquadramento lúdico dado aos
jornalistas, inicialmente para fazer com que os eleitores entendam mais facilmente o “jogo” político.
Mas isso não significa que o enquadramento lúdico não sofre influência dos critérios de
noticiabilidade, dos valores carregados pelos jornalistas e até por questões mercadológicas que faz
com que o veículo opte por criar seu “vilão” ou seu “herói”, enquadrando certas notícias conforme sua
perspectiva. Na matéria intitulada “Com traços de indignação e frases de efeito, ecoa Nixon”, do dia
19 de maio de 2017, o jornal comparou o discurso de Temer sobre o vazamento dos áudios com o
discurso que o ex-presidente americano Nixon fez “antes de cair”. A matéria destacou ainda que
Temer “estava indignado, com a voz transformada, em revolta contra a injustiça que praticam contra
ele [...]” (Folha de S. Paulo, 19 de maio de 2017). Observa-se, claramente, um enquadramento
dramático feito pelo jornal ao discurso de Temer, que, provavelmente, teve também um teor dramático
para atender à lógica midiática.
Em outra matéria, publicada no dia 03 de agosto de 2017, o jornal enquadrou, de forma
espetacular, a votação que ocorreu em Plenário, que decidiu pelo arquivamento do processo contra
Temer. A matéria intitulada “Tucanos lideram traições entre aliados” dá um tom dramático ao fato de
Temer ter perdido apoio na votação de deputados do partido aliado, o PSDB. Na matéria, o jornal
ainda aponta para a fala do deputado Abi-Ackel (PSDB), que chamou a acusação a Temer de “pequeno
problema”. As narrativas de conflito estão sempre presentes na mídia, principalmente no jornalismo
político. Ao usar a palavra “traição”, o jornal traz para a narrativa a ideia de conflito de forma a
atender à lógica lúdica pontada por Motta (2007) e à lógica da espetacularização.

7. Considerações finais

É perceptível a centralidade do campo da mídia para o campo político. A política depende da


visibilidade midiática e, com isso, o campo midiático passa a ser fundamental para os atores políticos.
Fica nítida esta relação de “simbiose” entre mídia e política (MIGUEL, 2003) a partir do momento em
que o jornalismo permite que as fontes oficiais lhe indiquem os eventos e as questões essenciais.
Porém, ao mesmo tempo, são os jornalistas que definem o que consideram ser importante e
interessante mostrar. Ou seja, os agentes dos dois campos estabelecem uma relação (simbiose) que
traz benefícios a ambas as partes, mas sempre permanece a tensão devido à lógica e aos objetivos
divergentes entre esses campos. A visibilidade negativa que Dilma passou a ter no início do seu
segundo mandato, com uma cobertura extremamente negativa da mídia, foi uma das variáveis que
podem ter impactado tanto na queda da sua popularidade como também interferiu no jogo político. Ao
mesmo tempo, a postura ambígua dos meios de comunicação em relação a Temer pode ter o
contraponto do forte capital político que o presidente tinha além do apoio de segmentos importantes
da classe empresarial.
Com a perda de apoio político tanto no governo Dilma quanto no governo Temer, o campo
midiático exerce um papel ainda mais primordial dentro do campo, uma vez que as estratégias
comunicacionais dos governos não são suficientes diante da perda do capital político, seja no caso da
petista, seja no caso do peemedebista. Tendo em vista a centralidade da mídia, no caso da cobertura
pública e política, os enquadramentos noticiosos permitem aos jornalistas conquistar audiências,
organizar e interpretar temas e eventos políticos de forma especifica. Para o autor, os
enquadramentos noticiosos pautam as conversas e discussões sobre problemas sociais e políticos,
fazendo com que o enquadramento tenha um importante efeito no modo como a audiência interpreta
esses problemas (PORTO, 2004).
No enquadramento da mídia sobre o processo de impeachment, no caso específico deste
trabalho, a Folha de S. Paulo trabalhou com a perspectiva do processo sob a ótica da legalidade,
reforçando a temática da corrupção e da crise econômica, como forma de contribuir para a perda de
capital político da presidente Dilma Rousseff. Constata-se que, gradativamente, a mídia foi
incorporando a narrativa de que o impeachment não somente era uma medida legal, mas como
fundamental para superar a crise econômica e institucional. O jornal se apoiou em uma agenda
recorrente: a crise econômica, a crise política e a corrupção. Esses três elementos foram centrais nas
narrativas analisadas no período usado como recorte. Ao enquadrar o processo sob essas
perspectivas, o jornal não só apontou os erros do governo Dilma, apontando as fragilidades e falta de
governabilidade, como apontou para a solução, que seria, nesse caso, a saída da presidente e a
entrada de Michel Temer. Apesar de não construir uma narrativa de crime em torno do processo, o
jornal traz enfoque aos “erros” de Dilma que levaram a tal situação. Esse argumento é reforçado pelas
falas de economistas, analistas e empresários, que aparecem em diversas matérias apresentadas pelo
jornal.
Em contrapartida, ao enquadrar o governo de Michel Temer, a Folha de S. Paulo trabalhou com a
perspectiva da recuperação econômica, apontando de forma positiva as medidas propostas pelo
governo e as reformas defendidas como cruciais para a retomada do crescimento. O jornal, porém,
muda o enquadramento após o vazamento dos áudios envolvendo o presidente Michel Temer. A partir
disso, o jornal especula sobre possibilidades da saída de Temer e possíveis nomes para ocupar o
cargo, já que, devido ao fato, a aprovação das reformas estava em risco. Ao levantar as hipóteses
sobre a saída de Temer, o jornal escutou especialistas e juristas, levantando questionamentos sobre o
fato de haver ou não possibilidade de novas eleições.
É importante ressaltar o tom dramático predominante tanto na narrativa de Dilma e Temer como
na narrativa da Folha de S. Paulo, especialmente nos momentos crucias da crise política que envolveu
os dois governos. O enquadramento predominante na mídia é o dramático (narrativo), que seria um
enquadramento já enraizado na sociedade e na cultura, sendo ordenador, prático e, principalmente,
compreensível. Dessa forma, o uso de jogos permite aos jornalistas “revelar, amplificar ou instituir
conflitos, tensões, clímax; heróis e vilões; bons e maus homens como na literatura”. Segundo o autor,
esses enquadramentos são inventados pelos jornalistas para organizar a “complexa realidade política”
(MOTTA, 2007). Assim, pode-se entender a lógica espetacular por meio desse enquadramento lúdico
dado aos jornalistas, inicialmente para fazer com que os eleitores entendam mais facilmente o “jogo”
político. Em vários momentos, o jornal tratou da crise tanto no impeachment como no escândalo dos
áudios de forma conflituosa, enfatizando os embates e revelando conflitos dos bastidores.
Os resultados apresentados na pesquisa são um recorte diante da amplitude da comunicação
governamental e dos veículos de comunicação de massa no Brasil. Por isso, a pesquisa teve como
objetivo enriquecer o debate sobre a interface mídia e política. A intenção também foi trazer reflexões
sobre a influência da mídia na política, e vice-versa, na sociedade contemporânea, bem como a
influência midiática na crise política vivida no Brasil desde o processo do impeachment até o
escândalo envolvendo o presidente Temer.

Referências
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BOURDIEU, P. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1986.
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LIMA, V. A. Mídia. Crise política e poder no Brasil. São Paulo: Perseu Abramo, 2006.
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transformação na cultura pública sobre o tema da deficiência de 1960 a 2008. Revista da Associação
Nacional dos Programas de Pós-graduação em Comunicação – E-compós, Brasília, p. 1-22, v. 14, n. 1,
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MENDONÇA, R. F.; SIMÕES, P. G. Enquadramento: Diferentes operacionalizações analíticas de um conceito.
Revista Brasileira de Ciências Sociais (RBCS), São Paulo, p. 187-235, v. 27, n. 79, jun. 2012.
MIGUEL, L. F. Capital político e carreira eleitoral: algumas variáveis na eleição para o congresso brasileiro.
Rev. Sociologia Política, Curitiba, v. 20, p. 115-134, jun. 2003.
MOTTA, L. G. Enquadramentos Lúdico-dramáticos no Jornalismo: mapas culturais para organizar conflitos
políticos. Intexto, Porto Alegre: UFGS, v. 2, n. 17, p. 1-25, jul./dez. 2007.
PORTO, M. P. Enquadramentos da mídia e política. In: RUBIM, A. A. C. (Org.). Comunicação e política:
conceitos e abordagens. Salvador: Edufba; São Paulo, Ed. da Unesp, 2004.
RODRIGUES, A. D. Estratégias da Comunicação. Lisboa: Presença Editorial, 1990.
SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Razões da Desordem. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1993.
____________________. Democracia Impedida. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 2017.

1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho (GT) 3 - Jornalismo Político e Eleitoral, I Simpósio Nacional de Comunicação
Política, Eleições e Campanha Permanente, 27 a 28 de março de 2019.

2 Mestre em Comunicação pelo do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social (PPGCOM) da Universidade Federal de
Juiz de Fora. E-mail: marianemottadecampos@hotmail.com

3 Doutoranda em Comunicação do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social (PPGCOM) da Universidade Federal de


Juiz de Fora. E-mail: mayrarcoimbra@gmail.com.

4 Mestre e doutor em Ciência Política pelo IUPERJ, professor do Curso de Comunicação Social – Jornalismo da Universidade
Federal de São João del-Rei (UFSJ) e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social (PPGCOM) da Universidade Federal de
Juiz de Fora (UFJF). E-mail: luizoli@ufsj.edu.br.

5 Segundo pesquisa do Ibope realizada em abril de 2017, 79% da população desaprova o governo Temer e segundo a Pesquisa
Ipsos, também realizada em abril, 87% dos brasileiros rejeitam o governo Temer.

Dados retirados da matéria publicada pelo site BBC Brasil, intitulada: Aprovação de Temer cai a 10%; 92% veem país no rumo
errado, http://www.bbc.com/portuguese/brasil-39713534; acesso em junho de 2017. E da matéria publicada pelo Portal Uol, intitulada:
Reprovação ao governo Temer chega a pior índice, aponta pesquisa, http://www1.folha.uol.com.br/poder/2017/03/1871512-reprovacao-
a-governo-temer-chega-a-pior-indice-aponta-pesquisa.shtml; acesso em junho de 2017.
CAPÍTULO 10

A MÍDIA ENTRE O QUARTO E O QUINTO PODER/ESTADO: ANÁLISE DO SEGUNDO TURNO DAS ELEIÇÕES
PRESIDENCIAIS DE 20181

Gustavo Pereira2
Iluska Coutinho3
Luiz Felipe Falcão4

1. A TV como mídia central X a internet e suas possibilidades

Atualmente, o Brasil tem passado por um cenário de mudanças, em que ao mesmo tempo que o modelo de televisão digital está em processo de
finalização de sua implementação e a TV ainda ocupa um papel central, a Internet tem crescido cada vez mais o seu alcance e se colocado como espaço fora
das mídias tradicionais e massivas, transformando também os modos de consumo de conteúdo.
Segundo dados da PNAD Contínua TIC 2016 (IBGE), a TV está presente em 70,4 milhões de lares brasileiros, o que representa um acesso de 97,2% da
população. No entanto, a Internet vem crescendo sua amplitude ano após ano. Se na PNAD Contínua TIC 2016 apontava para 69,3% dos domicílios com
acesso à Internet, na PNAD Contínua TIC 2017, que teve como objetivo mensurar dados específicos da Internet, constatou-se que 74,9% dos lares
brasileiros utilizam os serviços de Internet. Tal dado revela um aumento de 5,6%, o que comprova o crescimento do número de usuários do ambiente web no
Brasil, ainda que com uma distância para a televisão.
Outra estatística que a PNAD Contínua TIC 2017 revelou foi a importância dos celulares no consumo de conteúdos, já que 97% dos usuários de Internet
no Brasil utilizam a rede pelo celular. Além disso, a pesquisa mostrou que de 2016 para 2017 aumentou 5% o número de pessoas que acessou a Internet em
suas televisões, já que em 2016 eram 11,3% e em 2017 subiu para 16,3% dos usuários.

2. O conflito entre o Quarto e o Quinto Poder/Estado

Desde a criação e a consolidação da mídia no Brasil, o jornalismo ocupou um papel fundamental como voz, olhos e ouvidos do cidadão, bem como se
propôs a noticiar o que era mais importante e relevante na sociedade. Com isso, os meios de comunicação chamados de massa (TV, rádio, jornais impressos,
revistas, etc) passaram a cumprirem uma importante função de fiscalizadora não apenas da sociedade, como também daqueles que são responsáveis por
gerir a população.
Ao trabalhar com a difusão do jornalismo, Traquina (2005), afirma que dentre os diversos fatores que auxiliaram em sua expansão, destaca-se a
escolarização da sociedade e o processo de passagem de uma sociedade rural para urbana, emergindo como área do saber de forma conjunta com as
cidades.

O jornalismo como conhecemos hoje na sociedade democrática tem suas raízes no século XIX. Foi durante o século XIX que se verificou o desenvolvimento do primeiro mass
media, a imprensa. A vertiginosa expansão dos jornais no século XIX permitiu a criação de novos empregos neles; um número crescente de pessoas dedica-se integralmente a
uma atividade que, durante as décadas do século XIX, ganhou um novo objetivo – fornecer informação e não propaganda (TRAQUINA, 2005. p. 34).

Ou seja, na medida em que as sociedades cresciam e passavam a ocupar ambientes urbanos cada vez maiores, o jornalismo passava a ser mais
necessário na perspectiva de transmitir para a população tudo aquilo que não estava ao seu alcance.
Além disso, a conquista de direitos fundamentais para o cidadão, bem como o surgimento da democracia como nova forma de governo, credenciou o
Jornalismo ao status de quarto poder ou quarto estado, tal como destaca Sodré (1999), na medida em que uma sociedade democrática se estabelece a partir
dos três poderes: executivo, legislativo e judiciário, e com isso, a prática jornalística, surge e se consolida com o compromisso de servir como fiscal do que
vem sendo desempenhado pelos órgãos de poder do Estado, bem como passa ser a principal tradutora da realidade das sociedades democráticas.
A partir dessa tradução da realidade, em conjunto com os avanços tecnológicos, o jornalismo passa a reverberar ainda mais seu papel de quarto estado.
E nesse sentido, a partir de sua agenda noticiosa, acaba por criar o seu próprio mundo, o midiático, que se estabelece a partir daquilo que os próprios
jornalistas consideram como mais importante e passível de ganhar espaço, sendo por mais de um século uma das únicas fontes de informação para os
cidadãos, que à época se atinham ao papel de receptor.
Entretanto, com os avanços tecnológicos, principalmente com o advento da Internet, tem-se início a um processo de modificação dessa lógica da mídia
tradicional e hegemônica como única fonte de informação do cidadão, bem como ampliam-se as possibilidades de fazer jornalismo, assim como de fazer um
não-jornalismo, já que na Internet os conteúdos circulam livremente, dando inclusive espaço para as chamadas fake news, ou notícias falsas, e para
conteúdos sem o cumprimento do processo que compreende desde a apuração até a divulgação.
Willian H. Dutton (2009), sugere que com a globalização e a possibilidade da Internet como meio de comunicação fora do Quarto Poder ou Estado, além
do ambiente web não se caracterizar como um meio de comunicação de massa, mas que se estabelece de forma mais direcionada, demandando interação e
escolhas por parte do cidadão, esse espaço da rede acaba se constituindo como o que o autor chama de Quinto Estado, que se ancora principalmente na
perspectiva da informação individualizada e sob demanda.
Dutton e Dubois (2015) definem o Quinto Estado de forma a:

referir-se às formas que a Internet está sendo usada para aumentar o número de pessoas para a rede com outros indivíduos e com informação, serviços e recursos técnicos
em caminhos que auxiliam no suporte da responsabilidade social através de muitos setores, incluindo o negócio e a indústria, governo, política e mídia (DUTTON; DUBOIS,
2015, p. 52, tradução nossa).

A partir de então, Quarto e Quinto Estado vão passar a se colidirem por conta das particularidades e potencialidades que a Internet traz de divulgação
de conteúdo de forma livre, menor controle e principalmente na quebra do receptor como alguém que não interage e interfere nas produções, já que na
rede, o “receptor”, que podemos substituir por usuário, não apenas interage, como também se torna produtor e reprodutor de conteúdos, seja por meio de
curtidas, comentários, compartilhamentos, ou mesmo com o desenvolvimento de seu próprio espaço de fala, que vai atingir certa camada da web.
Nesse sentido, uma das grandes possibilidades da Internet que acabaram se concretizando, foi a da transposição e apropriação dos principais meios de
comunicação de massa para o ambiente em rede, fazendo com que, por mais que na web todo cidadão conseguisse produzir seu próprio conteúdo, as mídias
tradicionais e hegemônicas vão acabar também conquistando certo protagonismo na rede.
Para além dos meios de comunicação de massa, temos também os Youtubers, blogueiros e etc, que se colocam justamente como uma novidade à mídia
hegemônica, cumprindo um papel importante na busca por uma linguagem que fosse própria da Internet, já que os meios de comunicação de massa também
acabaram importando seus formatos e linguagens para o ambiente em rede, apenas utilizando a Internet como potencializadora, propagadora e
“viralizadora” de seus conteúdos.
Dutton (2015) afirma que uma outra potencialidade desse Quinto Estado seria a oferta de novas opções para a prática da política, já que através das
redes, tanto governo quanto a mídia vão passar a prestar mais atenção nas demandas das cidades e da população, criando um vínculo maior com o cidadão
e estando mais próximo deles.

Membros do Quinto Estado se informam de forma independente e se conectam entre si em caminhos que realçam esses poderes da comunicação face a face, como com o
governo. Apesar do potencial empoderamento, o foco no papel dos cidadãos em rede do Quinto Estado, raramente essa proposta tem sido a abordagem dos estudos nas
escolas de política digital ou na prática da introdução de ferramentas digitais para a política (DUTTON; DUBOIS, 2015, p. 51, tradução nossa).

Para Willian H. Dutton (2015), mais do que aproximar os vínculos entre governo e cidadão, a Internet pode ser utilizado como um espaço de
participação efetiva na política, por meios de opiniões públicas e petições online que unem as individualidades em uma temática comum, o que fornece aos
políticos mais informações sobre as demandas da sociedade ou de parte dela. Nesse sentido, o autor propõe seis exemplos de potenciais formas efetivas das
redes do Quinto Estado5: buscas, criação individual de conteúdos, capacidade de estabelecer contatos, vazamento de informações que podem ser acessíveis
de forma online, inteligência coletiva e observação coletiva.
Entretanto, Dutton (2015) destaca dois empecilhos para a completa participação direta do cidadão através da Internet: o primeiro seria o medo dessa
participação “ir minando” o diálogo e o debate que ocorre com formas mais representativas de democracia, e o segundo diz respeito às zonas de sombra,
que é a parcela da população que ainda não tem acesso à Internet e portanto não seriam representadas.
Ainda acerca da questão política, um terceiro empecilho para a efetivação da Internet como um ambiente de participação do cidadão é a propagação
das chamadas Fake News, já que da mesma forma que o ambiente web se coloca como uma potencialidade para a informação, ela se coloca ainda mais
como um ambiente de desinformação e de consumo de conteúdo de forma segmenta, ou seja, a partir daquilo que você busca ou é alcançado por meio dos
algoritmos.

3. Fake News

Apesar do termo fake news ou notícias falsas, em tradução livre para o português, ter popularizado recentemente, essa expressão se refere justamente
à transmissão de conteúdos falsos, principalmente na Internet, devido a esse espaço possibilitar uma maior liberdade para os usuários, bem como por não
possuir nenhum tipo de regulamentação ou compromisso com os critérios de apuração e verificação do material publicado, sendo possível até mesmo a
realização de manipulação das identidades visuais de sites confiáveis para propagação dessas fake news, e ainda devemos considerar a ação dos hackers e
crackers, que podem literalmente invadir páginas na web e alimentá-las com conteúdos falsos.
Ao investigarem o termo fake news em artigos acadêmicos entre 2003 e 2017, Edson C. Tandoc Júnior, Zheng Wei, Lim e Richard Ling (2018)
encontraram 34 artigos que utilizaram a expressão com as seguintes definições e aplicações: sátira de notícias, notícia paródia, fabricação, manipulação,
publicidade e propaganda.
Nesse sentido, foi possível observar que além dessas notícias falsas serem produzidas de modo a transmitir uma informação não verdadeira, as fake
news, também se apresentaram como estratégias de manipulação e até mesmo de publicidade de conteúdos que são falsos, mas que muitas das vezes essa
veracidade não é checada, e a informação passada à frente e compartilhada via redes sociais.
Apesar das notícias falsas sempre existirem, até mesmo antes da criação da imprensa, foi com a Internet que elas se popularizaram, com destaque para
o âmbito político nas eleições presidenciais de 2016 com o até então candidato Donald Trump.
Essa popularização do termo fake news, com Donald Trump se revela essencial para a compreensão do tensionamento entre o quarto estado (mídia) e o
quinto estado (Internet), na medida em que grande parte de sua campanha presidencial se deu nas redes sociais, com destaque para o Twitter, e a partir de
então, a mídia tradicional diversas vezes foi atacada por Trump de propagar notícias falsas, sendo que o próprio candidato utilizava suas redes sociais para
postar conteúdos falsos, até mesmo de ataque à sua oposição, em prol de ganhar votos e se eleger presidente dos Estados Unidos.
Já Allcott e Gentzkow (2017) definem fake news, como sendo conteúdos que são intencionais e verificados como falsos, mas que são utilizados com o
intuito de enganar os usuários, principalmente a partir da busca por distorcer informações verdadeiras e adequar esse material de modo a ludibriar o
cidadão.
Sobre quem produz e como são feitas as fake news, os autores afirmam que essas notícias falsas são criadas em diversos tipos de websites, e que há
um cuidado de se construírem sites com nomes semelhantes a páginas de veículos de comunicação tradicionais de forma a garantirem legitimação dessas
novas organizações e confundirem os usuários. Outras formas de produção desses sites consiste no desenvolvimento de conteúdos que podem ser
interpretados como factuais se retirados do contexto e ainda sites que buscam mesclar conteúdos factuais e conteúdos falsos com temáticas político-
partidárias, já que assim garantiriam certa legitimidade por parte dos grupos apoiadores desses posicionamentos políticos.
Ao trabalharem com a temática das fake news nas eleições presidenciais nos Estados Unidos 2016, Allcott e Gentzkow (2017) destacam o poder das
redes sociais de retransmitirem conteúdos sem que haja apuração e filtros, verificação ou fact-checking e julgamento editorial, conceitos fundamentais na
mídia, que sempre se colocou como o quarto estado, e ainda assim é possível que essas informações alcancem a mesma quantidade ou ainda maior de
pessoas do que os veículos de comunicação tradicionais, também presentes no ambiente web.
Sobre as eleições de 2016, os autores listaram quatro efeitos das fake news que contribuíram para a eleição de Donald Trump.

1) 62 porcento dos adultos norte-americanos leem notícias nas mídias sociais digitais (Gottfried; Shearer, 2016); 2) as histórias de notícias falsas mais populares foram mais
amplamente compartilhadas no Facebook do que as principais notícias verdadeiras (Silverman, 2016); 3) muitas pessoas que veem histórias de notícias falsas relatam que eles
acreditam nelas (Silverman; Singer-Vine, 2016); e 4) as histórias de notícias falsas mais discutidas tenderam a favorecer Donald Trump sobre Hillary Clinton (Silverman,
2016) (ALLCOTT; GENTZKOW, 2017, p. 212, tradução nossa)

Nesse sentido, podemos observar certa semelhança entre as campanhas nas redes sociais nas eleições presidenciais dos Estados Unidos em 2016 e do
Brasil em 2018, tanto em relação à proximidade declarada entre Donald Trump e Jair Bolsonaro, como a partir do pouco tempo de TV e rádio que fez com
que o candidato do PSL desenvolvesse grande parte de sua campanha nas redes sociais, com destaque para o Facebook, Instagram e Twitter.

4. Análise da Materialidade Audiovisual no segundo turno da eleição presidencial do Brasil

A fim de analisar questões referentes às eleições para o cargo de presidente do Brasil em 2018, utilizaremos como metodologia a Análise da
Materialidade Audiovisual, proposta por Coutinho (2016) que busca investigar as particularidades da linguagem audiovisual, sem que haja uma
decomposição entre os mais diversos elementos presentes na narrativa, já que assim é possível observar uma investigação mais fiel dos conteúdos e das
particularidades do audiovisual.
Nesse sentido, tomaremos como materialidade conteúdos postados no aplicativo “Instagram” pelo candidato Jair Bolsonaro (PSL) no segundo turno das
eleições para presidente do Brasil, entre os dias 7 e 27 de outubro, em que venceu Fernando Haddad (PT) com 57, 8 milhões de votos (55,13%), contra 47
milhões de votos (44,87%) para o candidato do Partido dos Trabalhadores (PT). A escolha pelo Instagram se deu pelas próprias características do aplicativo
de ser audiovisual, e nesse sentido, possui um maior potencial de se encontrar conteúdos audiovisuais.
A análise se faz relevante já a partir do primeiro turno das eleições, em que muitos dos candidatos, incluindo Fernando Haddad, obtiveram um tempo
maior nas mídias tradicionais, enquanto Jair Bolsonaro ancorou sua campanha desde o início na força das redes sociais devido ao seu menor tempo de
Programa Eleitoral Gratuita.
Para isso, construímos um gráfico com o tempo de propaganda eleitoral gratuita a que cada um dos quatro candidatos mais bem colocados teve direito
na TV e no rádio, dois veículos de comunicação de massa.

QUADRO I – TEMPO DOS CANDIDATOS NO HGPE

CANDIDATO Tempo de TV e Rádio


+ número de inserções de 30 segundos cada
Jair Bolsonaro (PSL) 8 segundos + 11 inserções
Fernando Haddad (PT) 2 minutos e 23 segundos + 189 inserções
Ciro Gomes (PDT) 38 segundos + 51 inserções
Geraldo Alckmin (PSDB) 5 minutos e 32 segundos + 434 inserções

Fonte: Dos autores, 2019

Outro fator que se deve destacar é o episódio da facada sofrida por Jair Bolsonaro, que dificultou sua participação em comícios, gravação de conteúdos,
entre outras estratégias de campanha.
No dia seis de setembro de 2018, o até então candidato à presidência Jair Bolsonaro (PSL) era carregado nos ombros por apoiadores na cidade de Juiz
de Fora, em mais um comício durante sua campanha, quando um homem se aproximou e deu uma facada na altura da barriga de Bolsonaro.
Após o episódio, o candidato do PSL foi levado à Santa Casa, hospital da cidade, e após submissão de várias cirurgias passou a utilizar uma bolsa de
colostomia, o que lhe impediu de sair em novos comícios em grande parte de sua campanha do dia seis de setembro em diante.
A partir disso, a Internet se tornou uma ferramenta ainda mais importante para Jair Bolsonaro como local em que o candidato fornecia notícias sobre o
seu estado de saúde, e também como espaço para promoção de sua imagem como alguém que sofreu um atento por propagar a “mudança” e que ainda
assim sobreviveu para continuar a “caminhada rumo à presidência”.
Por outro lado, Bolsonaro que antes possuía um pequeno tempo de TV, acabou ganhando um considerável espaço nas mídias tradicionais por conta do
episódio da facada, já que assim como o candidato fazia em suas redes sociais, os noticiários buscavam atualizar diariamente o quadro de saúde de Jair
Bolsonaro, bem como cada um de seus movimentos, para além da agenda dos candidatos.
A partir da estratégia de campanha de Jair Bolsonaro por utilizar a Internet e as redes sociais como seu principal canal de comunicação com o público,
seja por meio do baixo tempo que o candidato obteve nos meios de comunicação tradicionais, e/ou devido ao episódio da facada, uma primeira constatação é
que as eleições presidenciais 2018 se apresentou como exemplo dessa colisão entre quarto e quinto estado/poder, já que mesmo com um tempo muito
inferior de Propaganda Eleitoral Gratuita em relação aos seus candidatos, Jair Bolsonaro conseguiu projeção justamente nesse quinto poder, se mostrando
ativo em suas redes sociais, e também se valendo da Internet para transmitir sua mensagem a população e para fiscalizar conteúdos provenientes da mídia
tradicional.
No período que vai do dia após o primeiro turno (8 de outubro), até o dia anterior à eleição em segundo turno (27 de outubro), identificamos 116
postagens no Instagram oficial de Jair Bolsonaro.
Das postagens analisadas, destacaram-se as temáticas relacionadas a: mensagens de apoio a Bolsonaro por parte de personalidades famosas,
comemoração pelo ganho de mais seguidores, as pautas de segurança e violência, comparação entre seu plano de governo em relação ao Partido dos
Trabalhadores, ataques ao PT e à corrupção e as temáticas de fake news e sua relação com a mídia.
Em relação às mensagens de apoio a Bolsonaro, elas foram 26 das 116 postagens, e observou-se em geral que as personalidades que falam a favor do
candidato são de dois tipos, tanto por meio de fotos como de vídeos: um primeiro é de pessoas consideradas famosas na mídia, e o segundo é o de pessoas
que possuem algum estereótipo de minoria como opção sexual e raça. Em relação ao segundo tipo de apoio, podemos inferir que até mesmo pelo tom das
postagens, o objetivo é que elas comprovem que Bolsonaro não possui nenhum tipo de preconceito, tal como a mídia abordava, e que sua meta é de
governar para a população, e não para o indivíduo.
Outra temática aparece nas postagens de Bolsonaro é a de comemoração por mais seguidores através de uma arte, que representa cinco das 116
publicações no Instagram de Jair Bolsonaro.
Já a temática da segurança e violência, tão presente em sua campanha nas mídias tradicionais e redes sociais, foram observadas 10 postagens com
conteúdos que abordavam questões do encarceramento, maior punição a crimes passionais, prisão de menor que mata ou estupra e destaque para o
aumento do poder da justiça e dos policiais. Outra forma de abordagem de Bolsonaro se deu na forma de acusações diretas ao PSOL e PT de serem
violentos, em referência à facada que levou, já que segundo o candidato Adélio Bispo já foi filiado ao PSOL e foi coordenado pelo partido a atingir Bolsonaro,
e através de acusações de que as minorias passaram a ser mais atacadas no governo PT, que incitaria a violência.

(Imagem 1: Publicação do Instagram oficial de Jair Bolsonaro no dia 18 de outubro de 2018)

Outra forma recorrente de utilização do Instagram de Bolsonaro era a de fazer referências ao PT, tanto em comparações de planos de governo, como
em ataques diretos ao Partido dos Trabalhadores e ao seu opositor e candidato à presidência pelo PT, Fernando Haddad.
Nessa temática, é necessário distinguirmos os ataques ao PT dos ataques direcionados a Fernando Haddad, que tem como principal objetivo
desconstruir seu rival na disputa da presidência, ainda que com notícias falsas e sem devido apuração e verificação da legitimidade das fontes que criaram
esses conteúdos.
Em relação aos ataques direcionados ao PT, observamos 24 publicações no período analisado, com destaque para as acusações do PT financiar
ditaduras via BNDES, do PT tentar jogar evangélicos e católicos uns contra os outros, críticas ao autoritarismo do PT, acusações de ligação direta entre
PSOL e PT, principalmente ancorados no episódio da facada em que afirma que Adélio Bispo já foi filiado ao PSOL e ataques ao PT ser vítima de Fake News,
quando para Bolsonaro ele é que sofria com essas notícias falsas e acusação do PT ser uma máquina de corrupção.
(Imagem 2:Publicação do Instagram oficial de Jair Bolsonaro no dia 07 de outubro de 2018)

A outra forma de ataque que Bolsonaro utiliza é destinado diretamente ao seu opositor no pleito da presidência, Fernando Haddad, candidato pelo PT.
A Haddad são destinadas x críticas, tanto em fotos com falas de Bolsonaro, como com artes criadas para as publicações, ou então por meio de vídeos em que
Fernando Haddad estaria falando sobre temáticas polêmicas, e segundo o teor das postagens, colocando opiniões polêmicas.
Em relação às 14 postagens sobre Fernando Haddad, o tom das postagens é muito mais de acusação de corrupção e lavagem de dinheiro e em uma
tentativa de desconstruir a imagem do candidato do PT para seu público. No entanto, em algumas dessas postagens Bolsonaro recorre a fontes de veículos
de comunicação tradicionais, e em outras não foi possível identificar nenhum tipo de fonte ou de onde veio o material.

(Imagem 3: Publicação do Instagram oficial de Jair Bolsonaro no dia 11 de outubro de 2018)


(Imagem 4: Publicação do Instagram oficial de Jair Bolsonaro no dia 08 de outubro de 2018)

A outra forma que Bolsonaro utiliza para referenciar o governo PT e por meio de comparações entre seus planos de governo e os de Fernando Haddad.
Nesse sentido, o candidato do PSL ainda faz questão de não apenas comparar os planos de governo, como também de atacar a mídia e o PT de Fake News a
todo momento.

(Imagem 5: Publicação do Instagram oficial de Jair Bolsonaro no dia 19 de outubro de 2018)

A última temática que merece destaque dentre as postagens de Jair Bolsonaro é a das Fake News e em sua relação com a mídia, já que aparecem em
15 das 116 postagens. Em relação às Fake News, devemos destacar duas maneiras utilizadas por Bolsonaro: a primeira delas diz respeito a postagens sem
fundamento e verificação como a que coloca Haddad como amigo de um rapaz que em um vídeo afirma que “Jesus é gay” e quando acusa Fernando Haddad
de defender a soltura de criminosos da cadeia, e para tais publicações o candidato do PSL se utiliza de materiais de forma descontextualizada e editados. Já
a segunda maneira de Bolsonaro em relação às Fake News, é quando o candidato acusa o PT de criar notícias falsas contra ele e mesmo a mídia,
principalmente quando compara propostas de governo por meio de artes.
Já em relação ao papel da mídia, Bolsonaro assume duas posturas antagônicas, já que utiliza a mídia como forma de reforçar e legitimar seu discurso,
como na entrevista em que deu no Jornal Nacional, que inclusive o candidato faz outra postagem com o link para seguidores acessarem, e nas matérias do
Estadão e do Uol que tem como pano de fundo a temática da corrupção associada a Fernando Haddad. E por outro lado Bolsonaro ataca a mídia de criar
Fake News sobre ele e de buscar enfraquecer sua campanha. Com isso, se revela favorável à mídia apenas quando lhe é pertinente, e quando não é busca
ataca-la por meio do quinto estado, a Internet, em que se auto legitima como fonte oficial, inclusive se mostrando contrário a regulamentação e “controle”
da mídia e da Internet, como revela em postagem no dia 17 de outubro de 2018.
(Imagem 6: Publicação do Instagram oficial de Jair Bolsonaro no dia 09 de outubro de 2018)

Além das principais temáticas abordadas, outras também apareceram em 27 das 116 publicações no Instagram de Jair Bolsonaro, mas não com tanta
frequência ou com tensionamentos a respeito do quarto e quinto estado, ataques à oposição e Fake News.

4. Considerações Finais

Apesar de ancorar grande parte de sua campanha presidencial na Internet, mais especificamente em redes sociais, Jair Bolsonaro a todo momento
comprova o conflito entre quarto e quinto estado, já que em muitas de suas postagens faz referências à mídia tradicional, tanto de forma positiva e como
forma de legitimar afirmações do candidato, como negativas, em que se coloca como oposição desse quarto estado que buscaria lhe enfraquecer.
Ainda sobre a coalisão entre quarto e quinto estado, apesar de não ser objeto de análise deste artigo, Jair Bolsonaro ganhou um significativo espaço na
mídia tradicional após ter sofrido a facada em Juiz de Fora-MG, já que por se tratar de um presidenciável, a repercussão midiática era um fator natural de
dar mais espaço a Bolsonaro e à cobertura de seu processo de recuperação. Nesse sentido, o candidato do PSL acaba utilizando esse maior espaço para se
promover em suas redes sociais, e também para se colocar na posição de vítima, fato que se comprova em postagens em que acusa diretamente o PSOL e
até mesmo o PT de terem “encomendado” e planejado o episódio da facada.
Já em relação às Fake News e ao papel da mídia, percebe-se que apesar da Internet possibilitar um maior alcance, principalmente tendo em vista que
com apenas oito segundos de TV e rádio Jair Bolsonaro foi o primeiro colocado no primeiro turno das eleições, ela ainda não possui nenhum tipo de
regulamentação e com isso é mais fácil manipular e modificar notícias, fotos e até mesmo vídeos, apenas tirando eles do contexto.
Outra constatação é que Bolsonaro utiliza de notícias sem comprovação para atacar Fernando Haddad e o PT como forma de sujar a imagem de seu
opositor. Nesse sentido, diferentemente da premissa do quarto poder de ouvir os dois lados, na Internet os públicos são mais segmentados e portanto
consomem apenas o conteúdo que lhes interessa, o que permite a Bolsonaro criticar sem que a oposição tenha direito de resposta ou de defesa.
Ainda sobre essa segmentação do público, Jair Bolsonaro utiliza suas redes sociais para tecer duras críticas sem nenhum filtro, como por exemplo em
postagem que chama o PSOL de “prostituta do PT”, em vídeo publicado no dia 13 de outubro de 2018, e como grande parte dos seguidores de Bolsonaro são
também seus apoiadores, esses discursos acabam se legitimando e sendo propagados para outras pessoas. Com isso, essas novas personalidades do quinto
estado se colocam como legitimadores de opinião, se assemelhando aos jornalistas do quarto estado/poder.
Por fim, observamos que pela primeira vez o horário eleitoral gratuito na TV e rádio não foi determinante para o vencedor das eleições presidenciais, já
que Bolsonaro possuía um pequeno tempo nas mídias tradicionais e ainda assim conseguiu chegar em primeiro lugar nas eleições.
Por outro lado, percebemos uma grande ascensão da Internet como espaço também da política, tanto com o crescimento de Bolsonaro via redes sociais,
como também por meio da permissão de impulsionamento de publicações nas redes sociais6 por parte de candidatos.

Referências
ALLCOTT, Hunt; GENTZKOW, Matthew. Social Media and Fake News in the 2016 Election. Journal of Economic Perspectives. Volume 31, Number 2 - Spring, Pages
211–236, 2017. <https://pubs.aeaweb.org/doi/pdfplus/10.1257/jep.31.2.211>, Acesso em 01/04/2019.
DUTTON, Willian H. Through the Network (of Networks) – the Fifth Estate. Journal Prometheus- Critical Studies in Innovation, Volume 27, 2009- Issue 1.
Disponible in: <https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1134502>, Acesso em: 19/02/2019.
DUTTON, Willian H; DUBOIS, Elisabeth. The Fifth Estate: a rising force of pluralistic accountability. Handbook of Digital Politcs. Edward Elgar, Cheltenham, United
Kingdom; Northampton, United States. 2015. < https://books.google.com.br/books?hl=pt-
BR&lr=&id=eN4WCQAAQBAJ&oi=fnd&pg=PA51&dq=fifth+estate&ots=R2jZvr5G5b&sig=iT_GXkmKkhWlzRIaTFt8Js9OjBc#v=onepage&q=fifth%20estate&f=false>
Acesso em: 29/03/2019.
SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. 4. ed. Rio de Janeiro:
Mauad, 1999.
TANDOC JR, Edson C; LIM, Zheng Wei; LING, Richard. Defining “Fake News”: A typology of scholarly definitions. Jornalismo Digital, volume 6, 2ª edição –
Confiança, Credibilidade e Notícias Falsas, 2018.
TRAQUINA, Nelson. Teorias do Jornalismo - Porque as notícias são como são. 2. ed. Florianópolis: Insular, 2005.

1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho 3 - Jornalismo Político e Eleitoral, I Simpósio Nacional de Comunicação Política, Eleições e Campanha Permanente, 27 a 28 de março de 2019.

2 Mestrando em Comunicação pela UFJF, bolsista Capes e integrante do NJA. gustavo_tfp@yahoo.com.br.

3 Doutora em Comunicação, Professora da UFJF e coordenadora do NJA. iluskac@globo.com.


4 Doutorando em Comunicação pela UFJF e integrante do NJA. luizfelipefalcao@gmail.com.

5 Willian Dutton (2015) buscou exemplificar seis formas em que a rede se constitui como Quinto Estado. No inglês (língua original do texto), o autor coloca como: Searching, Sourcing, Networking,
Leaking, Collective intelligence, Collective observation.

6 O impulsionamento de publicações pagas nas redes sociais foi a principal alteração da LEI Nº 13.488, DE 6 DE OUTUBRO DE 2017 – que modifica as Leis nºs 9.504, de 30 de setembro de 1997 (Lei
das Eleições), 9.096, de 19 de setembro de 1995, e 4.737, de 15 de julho de 1965 (Código Eleitoral).
CAPÍTULO 11

Aécio Neves: da oligarquia eletrônica à (des) construção nas mídias digitais1

Willian José de Carvalho2


Manoel Assad Spindola3

1. Introdução

Com o advento da modernidade, a mídia tem se tornado um dos atores responsáveis pela
formação da opinião pública, por meio da construção de realidades (BERGER E LUCKMANN, 1978;
BOURDIEU, 1989; RODRIGUES, 1990), além de desempenhar um campo de centralidade para a
política, uma vez que, por meio dele, um maior número de pessoas ganham maior visibilidade sobre
os acontecimentos deste campo, além do conhecimento das suas ações (ALBUQUERQUE & DIAS,
2002; MANIN, 1995; MIGUEL & BIROLI, 2010; SCHWARTZENBERG, 1977). Devido a essa relação
simbiótica entre mídia e política, cada vez mais, os políticos utilizam desse meio para divulgar suas
ideias, atingir seus objetivos e trabalhar a própria imagem e como será visto pelo seu eleitorado.
Se os meios tradicionais de informação estabelecem critérios próprios de visibilidade que
escapam do controle dos atores políticos, a internet (em especial as redes sociais digitais) surge como
importante canal de comunicação direta com o cidadão (SILVA & MATOS, 2011). Ou seja, se antes era
necessário para os atores políticos o espaço das mídias tradicionais para propagar o seu discurso, a
internet com suas novas mídias, proporcionam aos atores um espaço novo, que não perpassa pelas
relações tradicionais da mídia. Todavia, no espaço cibernético tanto o político quanto o eleitor,
encontra um campo livre para a propagação das suas ideias e dos seus discursos e rompe, de certo
modo, com essa relação de que apenas as mídias tradicionais possuem o caráter legitimador de
discursos.
Uma das ferramentas utilizadas pelos usuários é a utilização de memes para exporem suas
posições e discursos sobre os vários acontecimentos que envolvem o campo político, seus atores e os
acontecimentos. O termo meme, cunhado por Dawkins (2001), designa ideias que podem ser
perpetuadas por meio do compartilhamento entre pessoas.. Já Blackmore (2000) argumenta que “[...]
os memes não são somente ideias, mas comportamentos que se replicam socialmente [...]” e que
necessitam de uma mídia para serem propagados (TOTH; MENDES, 2016, p. 214). Entretanto,
pesquisadores como Davison (2012), Knobel e Lankshear (2007) estabeleceram o meme como um
gênero midiático novo, deixando de ser reproduzido por uma mídia para tornar-se propriamente mídia
(TOTH; MENDES, 2016).

2. Mídia: Poder Simbólico, Coronelismo Eletrônico e Formas de Resistência

A mídia pertence a um processo simbólico de interação social. E não só ela, todos nós fazemos
parte de uma estrutura repleta por símbolos legitimados coletivamente. Para Bourdieu (1989) “o
poder simbólico, é, com efeito, esse poder invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade
daqueles que não querem saber que lhes estão sujeitos ou mesmo que o exercem” (BOURDIEU, 1989,
p. 7-8). O sociólogo também define as produções simbólicas da realidade como instrumentos que
potencializam a dominação de uma classe já possuidora de poder político e social.
Para Thompson (2002), o poder simbólico tem “capacidade de intervir no curso dos
acontecimentos, de influenciar as ações e crenças dos outros e de criar acontecimentos, através da
produção e transmissão de formas simbólicas” (THOMPSON, 2002, p.131). O autor observa ainda
que, aqueles que almejam conquistar poder político, ou exercê-lo de maneira durável e efetiva,
precisam utilizar o poder simbólico a fim de cultivar e sustentar a crença na legitimidade.
Ao debruçar estas reflexões no contexto midiático, percebe-se que o poder simbólico dissemina
subjetividades, determina comportamentos, molda percepções de mundo e forja consensos universais
(THOMPSON, 2002; BOURDIEU, 1989). Deste modo, torna-se indispensável olhar para a mídia como
um palco de disputa de poder simbólico. O campo midiático é atravessado por sistemas de reprodução
simbólica, oriundos de outros campos, como o político, o econômico e o cultural. Ao operar com o
poder simbólico, o discurso midiático ajuda a construir a realidade social e a nossa experiência de
mundo e de vida.
De certa forma, a manipulação da informação por parte dos meios de comunicação também deve
ser percebida como uma questão de caráter simbólico. Simbolicamente munidos, muitas vezes, os
veículos componentes da chamada “grande mídia” reproduzem o pensamento das classes dominantes,
através de conteúdos diversos. Levando em conta que o poder simbólico é um instrumento de
dominação e de comunicação, os conteúdos jornalísticos constroem versões da realidade, de forma
alinhada aos seus princípios morais.
E, por compreender o papel dos meios de comunicação na construção social da realidade, os
políticos utilizam-se do equipamento do Estado para garantir certo controle sobre um determinado
público. Por meio do modelo de distribuição de concessão de rádio e tv, o “trusteeship model”, que
entregou o setor de radiodifusão, prioritariamente, à exploração comercial da empresa privada, por
meios de concessões da União, políticos e aliados se beneficiam de alianças político-partidárias para
garantir concessões. O que fere o artigo 54 da Constituição, que define que deputados e senadores
“não poderão firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa
pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público” nem “ser
proprietários, controladores ou diretores de empresa que goze de favor decorrente de contrato com
pessoa jurídica de direito público”.
Porém, não é o que acontece no país. Essa modelo de distribuição de outorgas de radiodifusão,
por parte do Governo Federal, além de propiciar a criação de grandes conglomerados midiáticos, gera
também o que Santos (2006) define como coronelismo eletrônico. “Um sistema organizacional”,
caracterizado pelo compromisso recíproco entre poder nacional e poder privado dos chefes locais,
proprietários de meios de comunicação” (2006, p. 8).
Para Santos, (2006), o novo “coronel” promove a si mesmo e aos seus aliados, hostiliza e cerceia
a expressão dos adversários políticos e é fator importante na construção da opinião pública, cujo
apoio é disputado tanto no plano estadual como no federal. O voto continua sendo a moeda de troca,
como no velho coronelismo. Porém, não mais com base na posse da terra, mas no controle da
informação – vale dizer, na capacidade de influir na formação da opinião pública.
Como já destacado, para Martín-Barbero, apesar da ação dos meios de comunicação sobre o
receptor, este não é somente um mero receptor de informações produzidas pelos meios de
comunicação. Ao ter contato com o que é emitido, este produz significado, levando em conta toda a
sua bagagem cultural. Diante disso, o autor sugere três dimensões de mediações que interferem e
mudam a maneira como os receptores recebem os conteúdos dos meios: socialidade, ritualidade e
tecnicidade. A socialidade relaciona-se com a interação social preconizando as negociações do
indivíduo com o poder e com as instituições. A ritualidade relaciona com as rotinas de trabalho e a
produção cultural. E a tecnicidade remete a construção de outras práticas da lógica de produção por
meio das diferentes linguagens do meio.
Para Mantín-Barbero, nem toda absorção do hegemônico pelo subalterno é sinal de submissão e
nem toda recusa é sinal de resistência: “nem tudo o que vem ‘de cima’ são valores da classe
dominante, pois há coisas que, vindas de lá, respondem a outras lógicas que não são a da dominação”
(MARTÍN-BARBERO,1997, p.102-3).

3. Mídia e Poder: do Coronelismo Eletrônico à perspectiva horizontal das mídias digitais

Churchil acertara quando disse que a democracia é o pior dos regimes políticos, porém não
existe nenhum sistema melhor que ela. Por maiores que sejam as dificuldades deste sistema, ele
oferece a liberdade de expressão de opinião e participação. Em todo tipo de regime existem disputas
de poder e nas sociedades democráticas, a mídia é um instrumento utilizado para estas disputas. Ao
olharmos o caso brasileiro, enxergaremos, como os atores políticos utilizam os meios de comunicação
para a chegada e manutenção do poder. E isso se dá por vários motivos, porém, a centralidade da
mídia no cenário nacional - especialmente no campo político e a fragilidade do sistema de controle de
outorgas de radiodifusão por parte do governo federal, propiciam um certo controle nas mãos de
poucos. Conquanto, com o surgimento da internet e o crescimento das novas mídias, os indivíduos
têm alcançado espaços que anteriormente não teriam. Com o maior uso das novas mídias, os
discursos e ideias não se tornam reféns da mídia tradicional para alcançarem um maior número de
pessoas e assim se legitimar no espaço comum da sociedade.

3.1 Poder e obstáculos à democracia no Brasil

Na história do país, a população vivenciou vários momentos de otimismo em relação a


democracia, como testemunhou momentos absolutamente pessimistas ou de forte consenso
antidemocrático. Atualmente vivemos em um regime democrático, após longos anos em um regime
militar que perdurou por quase 21 anos (1964 a 1985). Todavia, o que se caminhava para a
consolidação e o fortalecimento da democracia no país, foi revertido por uma produção de “mal-estar”
e de descredibilidade das instituições democráticas. Tendo como início as manifestações de 2013, por
melhores políticas públicas, passando pela contestação dos resultados das eleições de 2014, conflitos
entre o Congresso Nacional e o Judiciário, intensificados em 2016 e o impeachment da presidenta
Dilma Rousseff.
Se na democracia há mais espaço para a busca de melhores condições sociais, ocorre também
uma exacerbação do individualismo e uma trivialização de certos “privilégios”. Os indivíduos acabam
se isolando e passam a se preocupar mais com suas próprias vidas. A busca por melhores condições
materiais torna-se uma constante, fazendo com que haja um declínio da participação nos assuntos
públicos. Este individualismo exacerbado, segundo Tocqueville, tem sérias implicações para a vida
pública. Como os indivíduos ficam muito apegados a bens materiais e fins imediatistas, deixam de se
dedicar a assuntos de interesse coletivo. Com isso, há um processo de esvaziamento da política. Como
consequência desse efeito, proporciona nas sociedades um revezamento na arena pública. Nem todos
os cidadãos participam durante todo o tempo. Os indivíduos e grupos revezam, participando em
momentos em que seus interesses são maiores. Tudo isso coloca em dúvida a teoria democrática.
Diante disso, Dahl (1997) considera as democracias de massa pobres aproximações do ideal
democrático desenhado pelos clássicos e sugere que estas sociedades passem a ser tratadas como
poliarquias. Para explicar, o autor aborda um modelo baseado em dois eixos a fim de se compreender
o processo de evolução política. São os eixos da institucionalização e da participação. O primeiro diz
respeito ao grau de institucionalização já alcançado tendo em vista as regras de competição política e
a aceitação de seus resultados. Já o eixo participação está relacionado à proporção da população a
que tais direitos e liberdade são garantidos, ou seja, refere-se aos processos de incorporação política
de parcelas cada vez mais amplas da sociedade.
Dahl (1997) define que: a liberdade de formar e aderir a organizações, a liberdade de expressão,
o direito de voto, a elegibilidade para cargos públicos, o direito de líderes políticos disputarem apoio e
votos, o acesso a fontes alternativas de informação, a existência de eleições livres e idôneas e de
instituições que façam com que políticas governamentais dependam de eleições e de outras
manifestações de preferência, são condições básicas para o bom funcionamento da democracia. Para
o autor, o ideal democrático, compreendido a partir deste modelo, seria representado pelo sistema
político que se apresenta plenamente institucionalizado e com participação ampla da população.
Ao olhar o contexto político latino-americano, Santos (1993), aponta uma peculiaridade:

Eis aqui uma peculiaridade da evolução latino-americana em relação à esmagadora maioria das
experiências das democracias contemporâneas: tal como nos exemplos francês e italiano o processo político
latino-americano caracterizou-se pela incorporação das massas à dinâmica da competição política antes
que se obtivesse estabilidade na institucionalização das regras dessa mesma competição. Esta consideração
é de suma relevância porque identifica a origem da instabilidade recorrente dos sistemas latino-americanos
em uma peculiaridade de seu processo de formação histórica antes que em perversidade de caráter
(SANTOS, 1993, p.29).

Deste modo, Santos (1993), diante do processo político da América Latina propõe uma crítica ao
modelo explicativo proposto por Dahl. Segundo o autor, o processo de incorporação dos segmentos
sociais pode ter um peso considerável no funcionamento do regime democrático. Diferente do
pensamento de Dahl, que aborda como única diferença relevante entre as experiências democráticas
contemporâneas, está na posição temporal do processo de liberalização em relação ao de
participação. Deste modo para o autor, a sequência e a forma de incorporação dos diversos segmentos
sociais, em particular os empresários e os trabalhadores, não produziriam nenhum efeito
diferenciador maior entre elas.
À vista disso, Santos (1993) toma o caso brasileiro como ponto de referência, procurando
mostrar como este modelo representa uma situação extrema de sequência histórica marcada pelo
problema de precária institucionalização. Segundo o autor, no Brasil, “três dos principais agentes da
ordem industrial contemporânea – a burocracia estatal, as forças armadas e a intelectualidade –
adquiriram suas identidades coletivas antes de a ideologia liberal alcançar hegemonia no universo de
valores em disputa para efeitos de socialização política”.
Em relação às formas de incorporação dos segmentos sociais ao processo político-institucional, o
caso brasileiro também apresenta peculiaridades. Santos observa que os principais atores políticos
não passaram pelo filtro dos partidos políticos para ocuparem a cena pública, o que gerou uma
identidade precária e de pouca relevância. Estes atores ocuparam a cena pública antes mesmo de os
partidos ganharem força e o que é pior conseguiram este espaço através da tutela do Estado, gerando
um corporativismo predatório.
Conforme explica Santos, o instrumento de engenharia política utilizado para viabilizar a
incorporação de importantes segmentos sociais como a classe empresarial e a trabalhadora foram a
política social e trabalhista concretizada através do aparato estatal. O custo dessa solução de
engenharia para se resolver o problema da participação foi o divórcio prático entre o processo
político-partidário e a dinâmica da competição entre o empresariado e as classes trabalhadoras. Essa
situação se estendeu até os anos 70, marcada pela instabilidade institucional, que somente na década
de 90 começa a ser reconfigurada.
Avritzer (2018) também coloca como obstáculo no caso brasileiro a fragilidade das estruturas de
defesa de direitos no Brasil vinculadas não às garantias institucionais, mas a um arranjo intraelites
que trocou uma estrutura de direitos por uma ideia de cordialidade. Para o autor, o país vive sob a
égide do famoso adágio, para os “inimigos a lei”. Ou seja, o país teve e ainda tem uma forma cordial
de tratar os delitos das suas elites, e o direito penal segue essa lógica, oferecendo desde múltiplas
vias recursais até o foro especial para políticos.

3.2 Interface mídia e política e os conglomerados de mídia no Brasil sob a ótica do


coronelismo eletrônico

Por compreender a lógica do campo midiático, os políticos utilizam do seu potencial para
propagar as suas ideias e discursos. Cada vez mais o campo político se utiliza da mídia. Giddens
(1990) aborda que, nas sociedades modernas, a mídia tem tido um papel de centralidade,
diferenciando substancialmente a vidada sociedade tradicional para a sociedade moderna. Segundo
Giddens (1990), os modos de vida produzidos pela modernidade nos desvencilharam de todos os tipos
tradicionais de ordem social, de uma maneira que não tem precedentes. Tanto em sua
extensionalidade quanto em sua intencionalidade, as transformações envolvidas na modernidade são
mais profundas que a maioria dos tipos de mudança característicos dos períodos precedentes. Sobre o
plano extensional, elas serviram para estabelecer formas de interconexão social que cobrem o globo;
em termos intencionais, elas vieram a alterar algumas das mais íntimas e pessoais características de
nossa existência cotidiana. Completando o pensamento de Giddens, podemos dizer que a mídia
contribuiu para essa interconexão entre países da mesma forma que impacta hoje na interação, que
não precisa ser necessariamente face a face.
Segundo Giddens, na sociedade moderna, o lugar torna-se cada vez mais fantasmagórico: isto é,
os locais são completamente penetrados e moldados em termos de influências sociais bem distantes
deles. As organizações modernas são capazes de conectar o local e o global de forma que seriam
impensáveis em sociedades mais tradicionais, e, assim fazendo, afetam rotineiramente a vida de
milhões de pessoas. Se na sociedade tradicional não a locomoção e comunicação entre locais
distantes era muito difícil, com os avanços midiáticos e tecnológicos a sociedade moderna passa a ter
uma outra noção de tempo e espaço.
Giddens define o conceito de “sistemas peritos” que se refere a sistemas de excelência técnica ou
competência profissional que organizam grandes áreas dos ambientes material e social em que
vivemos hoje. Daí podemos entender a mídia como um sistema perito da informação, da notícia, por
isso na sociedade moderna a mídia exerce um papel central. Muitas vezes, somente damos
credibilidade a um fato, se esse for noticiado na mídia. Ao mesmo tempo, a mídia tem de recorrer a
sistemas peritos para tratar de certos assuntos, ele recorre ao cientista político, ao engenheiro e
outros para ganhar a confiança e legitimidade.
Para Lima (2006), uma das características mais marcantes do início deste novo milênio é a
centralidade da mídia na vida humana, seja como fonte de entretenimento, de informação ou como
instrumento de trabalho. O autor observa que a convergência tecnológica entre telecomunicações,
mass media e informática, gestada pela “era digital”, colocou a mídia como elemento fundamental da
engrenagem da globalização econômica e cultural e como o setor mais dinâmico da economia
internacionalizada, para o qual estão sendo canalizados os grandes investimentos dos conglomerados
transnacionais.
O autor pontua que apesar das transformações radicais de nossa época não atinjam toda a
população mundial na mesma velocidade nem produzam consequências uniformes nas sociedades do
planeta, é sobretudo a centralidade da mídia que faz com que suas implicações possam ser sentidas
no cotidiano das pessoas independentemente de classe, etnia, sexo ou idade. “Não surpreende,
portanto, que a mídia tenha também se transformado em palco e objeto privilegiado das disputas pelo
poder político na contemporaneidade e, consequentemente, em fonte primeira das incertezas com
relação ao futuro da democracia” (LIMA, 2006, p. 175-176)
Deste modo, Lima (2006) defende que, nas democracias atuais, o debate político acontece
majoritariamente no cenário midiático. A mídia transformou-se em importante ator político, pois, é
pôr meio dela, que tais eventos têm visibilidade nesta era globalizada. De certa forma, a mídia ocupa
uma posição de centralidade nas sociedades contemporâneas, ao permear diferentes processos e
esferas da atividade humana, em especial na esfera.
Lima (2006) ainda descreve que a mídia se transformou, ela própria, em importante ator político
devido ao fato de que as empresas de mídia se constituem em atores econômicos fundamentais,
possuindo, assim, o poder de produzir e distribuir capital simbólico (THOMPSON, 2002; BOURDIEU,
1989) e se transformando em atores com interferência direta no processo político, em que, na maioria
das vezes, o papel se inverte transformando o estado em uma concessão da televisão.
Completando essa ideia, Rubim argumenta que “a globalização, ensejada pela comunicação
midiática, caracteriza-se pela cotidiana disponibilização de um fluxo de signos e sentidos provenientes
de uma extração global e não apenas de um local contíguo, como anteriormente” (RUBIM, 2000, p.
37). O autor denomina o momento que vivemos de “Idade Mídia”, para quem não basta apenas ser
real: deve-se ter visibilidade – e esse fato aplica-se e é buscado constantemente pela política nos dias
atuais.
O entendimento de Rubim dialoga ao pensamento de Thompson (2008), para quem os meios de
comunicação alteraram o sentido de tempo e de distância e, também, profundamente as interações
sociais. Deste modo, o que se verifica, segundo Rubim, que nos dias atuais, não basta apenas existir
fisicamente; é preciso ter uma existência pública. Isso porque o mero fato de existir fisicamente não
assegura o existir social, pois é necessário, socialmente, tornar as coisas comuns, compartilhar, ou
seja, a publicizar coisas e ideias.
De acordo com essa progressão, podemos aproximar o conceito Rubim (2000) ao de Lima (2006),
que enfatiza que a nossa sociedade, nos dias atuais, é uma sociedade centrada na mídia. Rubim, por
sua vez, complementa que “a existência publicamente compartilhada passa a ser, ela mesma,
composta e problemática, verdadeiro campo de luta de poder” (RUBIM, 2000, p. 42).
Deste modo, ao compreender que a comunicação é um campo de fundamental importância para a
área da política, os seus agentes buscam não apenas utilizar do espaço que os conglomerados
midiáticos podem oferecer. Estes buscam, como já citado anteriormente, por meio de concessões de
rádio e tv, além de jornais impressos ter de certa forma um controle destes em busca de um domínio
em determinada região, praticando assim o coronelismo eletrônico.
Segundo Santos (2008), os coronéis passam a integrar a política midiática do século XXI, fruto
principalmente do surgimento da televisão e do rádio, da expansão do mercado impresso e dos
espaços virtuais, meios eficazes de difusão ideológica e, principalmente, de expansão da hegemonia
política e do poder simbólico que não se limita mais exclusivamente em seus currais eleitoreiros
locais, mas em regiões longínquas, quiçá na de seus adversários.
Segundo a autora, os mandões modernos buscam se aferrar cada vez mais à radiodifusão e visam
adquirir outras plataformas de comunicação a fim de concentrar a informação, bem como qualificar
sua programação com o intuito de reter e ampliar suas audiências, manter suas rendas publicitárias e
difundir sua ideologia política. A moeda de troca desse sistema comunicacional é o voto do eleitorado
rural vinculado aos coronéis via motivação midiática em favor do público aliado, que, em
contrapartida, facilita ao coronel eletrônico a outorga e, futuramente, a renovação das concessões do
serviço de radiodifusão, além de apoio publicitário no orçamento da emissora “cedida”.
Santos (2008) aponta que o “coronelismo eletrônico” torna-se presente. Constitui-se a
manutenção das elites políticas e tradicionais, é a aliança entre o poder privado e os detentores das
concessões radiofônicas, além de conceitualmente ser o sistema organizacional da recente estrutura
brasileira de comunicações, baseado no compromisso recíproco entre poder nacional e poder local.
Configura-se uma complexa rede de influências entre o poder público e o poder privado dos chefes
locais, proprietários dos meios de comunicação.

3.3 As mídias digitais e as perspectivas de uma maior horizontalidade

As novas tecnologias têm proporcionado mudanças significativas na contemporaneidade.


Diversos avanços tecnológicos modificaram a vida dos indivíduos e especialmente na forma de
relacionar (GIDDENS). A comunicação foi um destes campos que mais sofreu alterações. A presença
das novas Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) romperam com a barreira tempo-espaço
que antes era um dificultador para uma comunicação quase que instantânea.
Para Levy (1999), ao tratar a emergência do ciberespaço, sinaliza que, a partir do final da década
de 1980 e início da década de 1990, com a ampliação da internet pelo mundo, surgiu um novo
movimento sociocultural, a cibercultura, formado por jovens americanos, que rapidamente se
espalhou pelo mundo. As tecnologias digitais, conforme o autor, fizeram surgir novas formas de
comunicação e sociabilidade, bem como novos mercados de informação e conhecimento.
O mesmo é apontado por Castells (1999) a partir de que a arquitetura da rede moldou uma nova
estrutura de comunicação, promovendo amplo acesso público e uma nova sociabilidade adaptada ao
ambiente tecnológico que envolve interações políticas, econômicas, sociais e culturais. Para o autor, o
surgimento de novas comunidades virtuais sinaliza que estas não são opostas às comunidades físicas,
mas são comunidades diferentes, pautadas por outras leis, com outros recursos e outras formas de
intercâmbio. A rede facilita a criação de laços fracos, que são favoráveis à transmissão de informação
e oportunidades de baixo custo, suscitando, assim, a interação social.
A ascensão da internet e suas redes sociais permitiu que fosse mais visível esse processo no qual
passamos de uma “sociedade dos meios”, na qual a transmissão da mensagem era do emissor para o
receptor; para uma “sociedade midiatizada”, em que os receptores são ativos no processo da
comunicação (FAUSTO NETO, 2010). A midiatização é
um processo de dupla face, pois faz com que a mídia seja um campo “semi-independente” da
sociedade o qual os demais campos e instituições têm de se adaptar, obrigando, em menor ou
maior grau, que os mesmos se submetam à sua lógica (BRAGA, 2012; HJARVARD, 2012;
THOMPSON, 2008).
Hjarvard (2012) observa que os meios de comunicação moldam novos padrões de interação e, na
midiatização, a própria mídia se confunde com os outros processos sociais e que há uma virtualização
da interação social. “A sociedade contemporânea está permeada pela
mídia de tal maneira que ela não pode mais ser considerada como algo separado das instituições
culturais e sociais” (HJARVARD, 2012, p. 54). Ou seja, sua presença torna-se tão intrínseca na
sociedade que não se pode considerar o campo midiático separado dos fatores culturais e sociais.
Assim,
Marques (2006) entende que a internet potencializa as discussões e a transmissão de
informações, além de permitir a formação de laços entre desconhecidos de maneira autônoma. Com
base nesses aspectos, para Marques (2006, p. 167), “a internet é apontada, por parte da literatura,
como uma espécie de revigorante da esfera pública política argumentativa”.
Para Jenkins (2010), os aparatos técnicos digitais proporcionam um novo modelo de
comunicação, pois não estamos limitados ao consumo passivo de informações distribuídas por
grandes centros difusores. Este novo modelo de mídia espalhável (“spreadable media”) ressalta a
atividade dos agentes humanos e valoriza a reapropriação e ressignificação do objeto midiático por
parte destes agentes, o que permite a utilização deste objeto em novos contextos dando força à
mensagem original. Em oposição a este modelo, Jenkins conceitua um modelo midiático que prima
pela pureza e centralização do controle sobre a distribuição da mensagem inicial, a mídia grudenta
(“sticky media”) (JENKINS, 2010, p. 3).
Segundo Jenkins, alguns elementos proporcionaram a nova cultura espalhável que
consequentemente facilitaram a criação e a difusão de memes: a cultura participativa, que não se
contenta em escolher entre opções predeterminadas, mas que toma para si a produção de sua própria
mídia; e as redes sociais on-line que reúnem pessoas e interesses e permitem a difusão de mensagens.
O autor também aponta quatro características que possibilitam a difusão da mídia espalhável: humor
absurdo ou paródia; a proposição de enigmas; a dependência de nossa participação; a presença de
temas da comunidade e nostalgia.

4. Aécio Neves: da oligarquia eletrônica à (des) construção nas mídias digitais

4.1 Metodologia de análise

Por meio da análise de conteúdo (BARDIN, 2011), que se consiste como um conjunto de técnicas
de análise das comunicações, que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do
conteúdo das mensagens. Porém, a própria autora afirma que este conceito não é suficiente para
definir a especificidade da técnica, acrescentando que a intenção é a inferência de conhecimentos
relativos às condições de produção (ou, eventualmente de recepção), inferência esta que ocorre a
indicadores quantitativos ou não. Desta forma, atualmente, a técnica de análise de conteúdo refere-se
ao estudo tanto dos conteúdos nas figuras de linguagem, reticências, entrelinhas, quanto dos
manifestos.
O material escolhido para a análise foram cinco memes ligados a figura de Aécio Neves. A
escolha das figuras “memeticas” se alicerçou na relação do material com acontecimentos da vida
política do tucano. Os fatos escolhidos estão relacionados aos escândalos de corrupção que envolvem
o político.

4.2 Contexto político

Aécio Neves da Cunha (PSDB) é um dos personagens políticos mais conhecidos na atualidade do
país. Com o retorno dos trabalhos do Congresso Nacional, em fevereiro de 2019, o tucano deixará o
cargo de senador no qual exerceu por oito anos e assumirá uma cadeira na Câmara Federal como
deputado por Minas Gerais, por um mandato de quatro anos. Este que foi um dos principais
candidatos à presidência no pleito de 2014, ficando em segundo lugar, perdendo para Dilma Rousseff
(PT), numa das eleições mais acirradas desde a (re)democratização do país, após escândalos de
corrupção envolvendo o seu nome e da sua irmã e braço direito, Andréa Neves, teve uma votação com
pouco mais de 106 mil votos no estado em que já foi deputado federal por quatro mandados, duas
vezes governador com expressivas votações e senador mais votado na história recente do estado.
A sua trajetória política teve início em 1982, como secretário pessoal do seu avô, Tancredo
Neves, o acompanhando na campanha eleitoral para governador de Minas Gerais. O seu primeiro
cargo eletivo foi em 1987, com o primeiro mandato para deputado federal por Minas, exercendo o
cargo até 2002, totalizando quatro mandatos. No biênio de 2001-2002, foi presidente da Câmara do
Congresso. Em 2002 disputou as eleições para governador do estado e saíra vencedor. Se reelegeu em
2006, tendo desta vez, a maior votação já registrada no estado. Em 2010 concorreu ao senado federal
e foi eleito com a maior votação do estado. Em 2013 foi escolhido presidente nacional do PSDB, e, em
2015 foi reeleito.
Em 2014, se tornou candidato à Presidência, emergiram novos posicionamentos do então
senador Aécio Neves. A imagem que tinha de transitar bem em ambos lados em busca de uma
estabilidade maior, tanto para o estado, quanto para o país, permeada pelo discurso da mineiridade,
sai de cena para entrar uma postura mais colérica. Tendo como principais adversárias a candidata à
reeleição, Dilma Rousseff (PT), e Marina Silva (PSB), o tucano no segundo turno, após os 33,55% dos
votos do primeiro, se apresentou um candidato agressivo e provocativo, ainda mais pelas primeiras
pesquisas de intenções de votos que apontavam uma possível vitória. Porém, no decorrer do segundo
turno, a candidata petista conseguiu reverter o quadro, ganhando assim as eleições com 51,64%
contra os 48,59%. A nova postura assumida pelo senador, especialmente a partir do segundo turno,
entrou em contradição com o que ele apresentava na sua trajetória. Aécio mantinha uma postura de
líder mais conciliador que transitava bem até entre os oposicionistas, como entre segmentos de
centro-esquerda (OLIVEIRA & LEAL, 2016).
Outros fatores que contrapuseram a sua imagem foi a ação preterida pelo PSDB, na qual pediu a
cassação de Dilma Rousseff, na qual alegava o abuso de poder econômico. No entanto, tornou-se
também alvo de investigação da Operação Lava Jato depois que vazaram os áudios das denúncias de
Joesley Batista, presidente da JBS, contra Temer, seus aliados e contra o senador mineiro. Em função
disso, em 18 de maio de 2017, foi afastado do cargo de Senador pelo ministro do Supremo Tribunal
Federal (STF) Edson Fachin, a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR). Retornou ao cargo
no final de junho, sendo novamente afastado pela primeira turma do STF em 26 de setembro. No mês
seguinte, o Senado autorizou sua volta ao exercício do mandato. No dia 17 de abril de 2018, o tucano
se tornou réu na operação Lava-Jato, após aceitação da denúncia feita pelo Ministério Público no STF.
Nas eleições de 2018, Aécio cogitou a possibilidade de se candidatar à reeleição de Senador por
Minas Gerais, porém, o tucano se candidatou a uma vaga na Câmara Federal, disputando por Minas
Gerais, uma das 53 cadeiras de deputado e obteve 106.702 votos (1,06% dos válidos), a décima nona
maior votação.

4.3 O controle oligárquico da mídia em Minas Gerais e em São João del-Rei: o discurso da
mineiridade como discurso hegemônico

O conceito ‘mineiridade” é utilizado tanto para explicar os contextos históricos da sociedade


mineira entre os períodos do apogeu e declínio da base mineradora e o processo de ruralização da
economia, quanto para uma conotação política face ao contexto político e econômico. Uma lista de
características como um ser desconfiado, introvertido, irônico, hospitaleiro, proseador, político hábil
que luta pela liberdade, busca a caminho da democracia e não perde de vista o jeitinho mineiro de
resolver os impasses por meio da conciliação, pode classificar o sentido de ser mineiro.
Esses atributos e muitos outros são adjudicados para definir àqueles que vêm de Minas. Mas
também são aceitos e auto atribuídos pelo próprio mineiro que se vê um legítimo representante. Na
política, o mineiro é visto como líder conciliador em função do equilíbrio, bom senso e valorização da
estabilidade (ARRUDA, 1990).
Bastos et all (2015) ao analisar a campanha presidencial de 2014, apresentam que Aécio, então
candidato, construiu uma imagem que enaltecia as virtudes de sua vida privada, de alguém que
cultivava um estilo de vida de “bom moço” e se apresentava como um dedicado pai de família. Esta
construção é alicerçada nos atributos da ótica da mineiridade. Oliveira e Leal (2016) também
apontam que tucano, no período de campanha, procurou agregar a sua imagem os valores da cultura
da mineiridade, que remetem a uma posição mais conservadora como o tom conciliador, a
religiosidade, a família, procurando mostrar ao eleitor que seria o herdeiro político da tradição
mineira.
A relação do político com a imprensa mineira nunca fora fácil, ainda mais quando governador. Há
muito tempo existe a polêmica sobre o cerceamento da mídia por parte do governo do estado de
Minas. Em 2006, a Revista Fórum, lançou no seu portal a matéria intitulada “Histórias de uma
imprensa dócil demais”. No decorrer do texto, o jornalista Vinícius Gomes apresentou uma declaração
do então presidente do sindicato mineiro dos jornalistas, Aloísio Lopes, que disse:

A imprensa mineira é totalmente favorável ao governador Aécio Neves […] O governador está blindado na
mídia. Ninguém fala mal. Tenho recebido de repórteres a informação de que há orientação para não se
questionar o governo (REVISTA FÓRUM, “Histórias de uma imprensa dócil demais”, acesso em
24/01/2019).

A matéria ainda revelou que, que dois anos antes, o sindicato já havia requerido ao Ministério
Público Federal a apuração de suposta interferência do governo de Minas em veículos de
comunicação, atribuindo o afastamento de alguns jornalistas a pedidos de Andrea Neves, irmã de
Aécio e coordenadora de comunicação de seu governo. Não só essa matéria foi publicada pela mídia,
mas outras tantas denunciavam o controle do político na mídia mineira.
Outra relação do tucano com a mídia é por meio do coronelismo eletrônico. A ligação de Aécio
Neves com veículos de comunicação se dá por meio de três rádios, uma emissora de TV e um jornal. O
candidato é sócio da Rádio Arco-Íris (FM 99,1 MHz), sediada em Betim, na zona metropolitana de
Belo Horizonte, e retransmissora da Jovem Pan para a Grande BH. Uma breve consulta no Sistema de
Informação dos Serviços de Comunicação de Massa (SISCOM) da Anatel comprova este fato. Além
disso, o principal acionista da Rádio São João Del Rei (AM 970 Khz) é Tancredo Augusto Tolentino
Neves, tio de Aécio Neves. A irmã, Andrea Neves, é a principal sócia e diretora da rádio Vertentes
(FM 95,3 MHz), na mesma São João Del Rei. A rádio é conhecida pela programação musical, voltada
principalmente para o público jovem.
A cidade de pouco mais de 90 mil habitantes possui uma TV educativa, a TV Campos de Minas. A
TV compõe o conjunto de veículos sob influência direta da família de Aécio Neves. A concessão para o
canal é de 2002, quando o ministro das Comunicações era Pimenta da Veiga, candidato derrotado ao
governo do estado de Minas. O presidente da Fundação Cultural Campos de Minas é José Geraldo D
´Ângelo, aliado de Aécio. A fundação também possui uma outorga de rádio FM (a rádio Campos de
Minas, 95,3 MHz).
O jornal “Gazeta de São João del-Rei” tem como diretor de honra (in memoriam) o cunhado de
Aécio, Herval Cruz Braz, marido falecido de Andrea. Com tiragem de 10 mil exemplares. Atualmente o
periódico é distribuído quinzenalmente de forma gratuita. Porém, antes de dezembro de 2018, o
mesmo tinha periodicidade semanal.

4.4 A (des) construção do poder político e simbólico: as redes e formas contra hegemônicas
ao coronelismo

A internet, especialmente as redes sociais, proporcionaram um espaço que antes não se possuía
para o indivíduo nas mídias tradicionais. Novas possibilidades de criação e divulgação de conteúdo na
Internet trazem à tona discussões comuns que não costumam ser discutidas na mídia tradicional. E
muitas vezes, o humor é utilizado para abarcar questões polêmicas, trazendo uma comicidade as
manifestações de crítica a temas polêmicos.
Para analisar as redes como espaço de (re)significação do discurso hegemônico na imagem de
Aécio Neves, optou-se neste estudo a escolha de memes relacionado a acontecimentos ligados ao
tucano. Essa opção se deu por entender que os memes possuem uma linguagem de acesso comum a
todas as pessoas. Todavia, para uma compreensão mais efetiva, torna-se necessário compreender os
fatos em sí.
Diante dos primeiros escândalos de corrupção que envolvem o senador tucano, a partir da
delação de Joesley Batista, dono da JBS, ao Ministério Público Federal, que foram tornadas públicas
pela mídia em 2017, diversos conteúdos foram produzidos acerca do tema. O político foi gravado em
conversas com o dono da JBS, Joesley Batista, e em acordo de delação premiada na operação da Lava
Jato.

Figura 01 e 02 – Relacionadas aos escândalos de corrupção envolvendo o senador Aécio Neves


Fonte: Divulgação internet. Acesso em 20/01/2019

Desde o início das investigações da Lava Jato em 2013, Aécio foi o primeiro político psdbista a
ter seu nome envolvido em esquemas de corrupção divulgado pela mídia. A operação que investigava
principalmente político ligados ao Partido dos Trabalhadores, chega aos tucanos. O impacto destas
denuncias por parte dos investigadores da operação a imagem do político foi bastante negativa. Como
consequência desses fatos, o tucano foi afastado pelo ministro do STF Edson Fachin das atividades
parlamentares, a Procuradoria Geral da União também pediu a sua prisão, porém esta foi negada pela
Suprema Corte.
As figuras 01 e 02, buscam de certa forma, satirizar a situação do tucano diante dos fatos
acontecidos. Neste caso, os memes usam imagens ligadas a momentos da vida do senador e
“brincam” por meio do humor, frente aos acontecimentos.

Figura 03– Relacionada a volta do senado


Fonte: Divulgação internet. Acesso em 20/01/2019

O seu retorno às atividades parlamentares foi autorizado pelo ministro do STF, Marco Aurélio
Mello, no dia 30 de junho de 2017. Em 26 de setembro de 2017, a Primeira Turma do STF, decidiu por
3 votos a 2, afastar novamente Aécio do mandato. Porém, em 26 de outubro de 2017, o Senado
derrubou, com 44 contrários e 26 favoráveis a manutenção, a decisão da Primeira Turma do STF e o
parlamentar retornou ao cargo novamente.
A figura 03, traz uma crítica a impunidade em relação aos crimes do psdbista. Mesmo após a
escândalos envolvendo seu nome, o da sua irmã Andréa e aliados e até mesmo um áudio em que o
tucano fala “Tem que ser um que a gente mata ele antes de fazer delação”, os senadores autorizam o
retorno do parlamentar as suas atividades.
Ao utilizar uma pergunta de análise sintática, a figura proporciona uma crítica a situação do
político. Apesar dos vários acontecimentos que depõem contra, Aécio consegue retornar às suas
atividades parlamentares no senado. E ao mesmo tempo existe um discurso de incredibilidade diante
da volta do político ao Senado.

Figura 04 e 05– Relacionada a sua eleição em 2018

Fonte: Divulgação internet. Acesso em 20/01/2019

Após o Supremo acolher a denúncia da Procuradoria Geral e tornar o tucano réu da Lava Jato, o
político que estava no seu último ano de mandato como senador, poderia perder o foro privilegiado.
Sem cargo político, o processo a que ele responde como réu será enviado à primeira instância. Aécio é
alvo de oito inquéritos e uma ação penal no Supremo. Além de agora ser réu, ele também é
investigado a partir da delação dos executivos e donos da JBS. Há cinco inquéritos abertos a partir
das delações da empreiteira Odebrecht e mais dois a partir das delações do senador cassado Delcídio
do Amaral.
No primeiro momento, houve especulação do seu nome há uma das duas vagas disponíveis no
Senado nas eleições de 2018. Porém, o candidato optou a concorrer a uma das 53 cadeiras da Câmara
Federal. Obteve uma votação de pouco mais de 106 mil votos, conseguindo assim garantir as
prerrogativas e imunidades do cargo de deputado federal.
Nas figuras 05 e 06 está presente uma ironia pela busca do benefício e pelas vantagens que ele
traz ao parlamentar. Agora, a maioria das acusações que envolvem seu nome só poderão ser julgadas
pelo STF, tanto o seu afastamento, perda de cargo e até a sua prisão, deverão ser revogadas pelos
deputados, caso alguma destas seja determinada pela justiça.

5. Considerações Finais

Diante das discussões apresentadas neste artigo, fica evidente o papel das mídias tradicionais
como fonte de legitimação de poder. Além disso, por intermédio dos avanços tecnológicos dos medias
e o seu processo paulatino de inserção, a mídia adquiriu um papel fundamental em nossa sociedade. E
que hoje, no Brasil, a mídia é um importante ator político e nas democracias este debate acontece
majoritariamente no cenário midiático.
Outra característica observada na discussão teórica é a fragilidade do sistema de distribuição de
concessão de rádio e TV que proporcionaram uma concentração das outorgas de radiodifusão na mão
de um pequeno grupo de empresários e políticos. Essa prática, especialmente com os políticos,
caucionam um certo controle de informações em determinadas regiões, atualizando assim práticas
existentes no período do coronelismo. Contudo o que impera agora não é voto de cabresto, mas sim
um “voto fechado”, devido a dificuldade do eleitor em ter acesso as mais diversas informações,
obstruindo a formação do seu senso crítico.
Ainda assim, a internet e as novas mídias, tem aberto um espaço para a legitimação de ideias e
discursos que antes se tornavam refém das mídias tradicionais. Podemos afirmar que, as novas mídias
têm ampliado os fluxos de democratização dos discursos, além dos constantes tensionamentos
gerados pelas disputas de poder que os envolvem. Estes novos modelos proporcionam inovações que
não se, portanto, nas tecnologias, mas como aponta Martín-Barbero (1997), na exploração das
sensibilidades e das escritas viabilizadas por elas.
Ao analisarmos memes ligados a fotos da vida política de Aécio Neves, podemos perceber que
estes entram em contraponto a imagem por ele construída. De longe, eles colocam o tucano como um
político que se encaixa na mitologia da mineiridade. Os memes aparecem assim, como uma nova e
complexa arena para a conversação sobre a política. No ambiente das novas mídias, onde as
instâncias de recepção tornam-se também instâncias de produção, surgem novas vozes que disputam
pela possibilidade de (re)significar o mundo. Os memes, de modo bastante peculiar, funcionam como
comentário/crítica dos acontecimentos cotidianos, políticos e midiáticos, contribuindo tanto para
ampliar sua visibilidade como para questioná-los. Por trás de sua linguagem aparentemente
despretensiosa e superficial, passam a atuar jogos de poder e contrapoder. O público, a partir de suas
próprias produções, pode revelar perspectivas deixadas de lado por relatos oficiais e/ou hegemônicos.

Referências
BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2011.
BERGER, Peter L.; LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade - Tratado de Sociologia do
Conhecimento. Petrópolis, Vozes, 2007.
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.
DAHL, Robert A. Poliarquia: Participação e Oposição. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,
1997.
GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. São Paulo: Editora UNESP, 1991.
OLIVEIRA, L.A. & TÓFOLI, L. F. Os conglomerados da mídia em Minas Gerais: a concentração de poder na
imprensa. In: REZENDE, G.J. et al. Impasses e Perspectivas da imprensa em Minas Gerais. São João
del-Rei: Editora da UFSJ, 2012, p.68-79
LÉVY, Pierre. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. São Paulo: Loyola, 2010.
LIMA, Venício de. Mídia. Crise política e poder no Brasil. São Paulo: Perseu Abramo, 2006.
MARTÍN-BARBERO, Jésus. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Tradução de
Ronald Polito e Sérgio Alcides. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1997, 360 p.
RODRIGUES, Adriano Duarte. Estratégias da Comunicação. Lisboa: Editorial Presença, 1990.
SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Razões da Desordem. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1993.
THOMPSON, J. B. O escândalo político: poder e visibilidade na era da mídia. Petrópolis: Vozes, 2002.
_________. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia. Petrópolis: Vozes, 10ª ed., 1995.

1 Artigo apresentado no GT – Jornalismo Político e Eleitoral do I Simpósio Nacional de Comunicação Política, Eleições e
Campanha Permanente.
2 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e bolsista
FAPEMIG modalidade PAPG – Comunicação na UFJF. Graduado em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade Federal de São
João del-Rei (UFSJ). E-mail: wjcjornalismo@gmail.com
3 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e Graduado em
Comunicação Social com habilitação em Publicidade/Propaganda e Jornalismo pela Universidade Vale do Rio Doce - UNIVALE. E-mail:
manoel.assad@gmail.com
CAPÍTULO 12

Jornal Nacional e o ex-presidente lula (pt): marcas discursivas da AGENDA


POLÍTICA-eleitoral do telejornal em 20181

Fernando Albino Leme2


Universidade Paulista

1. Introdução

Tendo em vista o papel da TV ainda como uma mídia hegemônica, a televisão e os telejornais se
consolidaram no Brasil como um território simbólico. Juntos assumem um papel de conservação das
relações de poder e, consequentemente, um controle social no agendamento cultural e político da
sociedade. Mesmo diante das novas tecnologias, com a internet, de acordo com o relatório Pesquisa
Brasileira de Mídia (2016)3, 89% dos entrevistados colocam a mídia televisiva como a principal fonte
de informação. Os telejornais ainda são os produtos de informação de forte impacto na sociedade
brasileira, e já ocuparam lugares estratégicos nas programações televisivas, sendo que ainda
funcionam como forte expressão coletiva de construção social da realidade, configurando-se um
espaço importante de elaboração de sentidos. No âmbito do telejornalismo, é inegável a importância
do Jornal Nacional, da Rede Globo, o mais antigo e mais assistido telejornal que está no ar no país. O
nascimento deste telejornal se deu durante a ditadura militar. Desde a decretação do Ato Institucional
número 5, em 1968, vivia-se a fase mais dura do regime militar. As notícias exibidas pelo JN eram
brandas e seguiam como porta vozes dos militares. Essa sempre foi a característica da Rede Globo, se
manter ao lado dos que desfrutam do poder político e/ou econômico.
Para Noberto Bobbio, o poder é a finalidade última da política. Este conceito de poder pode ser
interpretado como “a capacidade de um sujeito influir, condicionar e determinar o comportamento de
outro individuo” (BOBBIO, 1997, p. 11). Segundo o autor, as formas de poder se estruturam como
poder econômico, político e ideológico. O poder econômico acontece pela posse de bens materiais, o
político, pela força, traduzida muitas vezes pela violência. O poder ideológico, “pela produção e
transmissão de ideias, de símbolos, de visões de mundo, de ensinamentos práticos, mediante o uso da
palavra” (BOBBIO 1997, p. 11).
De acordo com Fernandes (2016), a mídia deu visibilidade aos acontecimentos políticos e alterou
a noção de publicidade ao assumir o papel de mediadora das relações entre as esferas
governamentais e civis. Pode-se dizer que a mídia exerce um forte poder ao influenciar as pessoas na
conduta, no comportamento e em decisões. Segundo Sodré (2011):

Na verdade, há muito tempo se sabe que a linguagem não é apenas designativa, mas principalmente
produtora de realidade. A mídia é, como a velha retórica, uma técnica política de linguagem, apenas
potencializada ao modo de uma antropotécnica política – quer dizer, de uma técnica formadora ou
interventora na consciência humana – para requalificar a vida social, desde costumes e atitudes até crenças
religiosas, em função da tecnologia e do mercado. (SODRÉ, 2011, p. 26).

A mídia está intrinsecamente envolvida com papel fundamental no governo, nas instituições, na
economia, nos movimentos sociais, nos sindicatos, nos partidos políticos, na a opinião pública.
Segundo Ianni (1999) no seu texto de “Príncipe Eletrônico”:

O príncipe eletrônico é uma entidade nebulosa e ativa, presente e invisível, predominante e ubíqua,
permeando continuamente todos os níveis da sociedade, nos âmbitos local, nacional, regional e mundial. É
o intelectual coletivo e orgânico das estruturas e blocos de poder presentes, predominantes e atuantes em
escala nacional, regional e mundial, sempre em conformidade com os diferentes contextos socioculturais e
político-econômicos desenhados no novo mapa do mundo. (IANNI, 1999, p.14).

No âmbito da constituição do discurso, vale destacar os últimos acontecimentos na política


brasileira. A campanha eleitoral para escolha do presidente do Brasil, no ano de 2014, trouxe Dilma
Rousseff (PT) como candidata a reeleição, em um cenário de crise política. Em 2013 ocorreram
manifestações sociais para reclamar sobre aumento das passagens de transporte público em diversos
estados brasileiros que se estenderam à cobrança de ética na política. Esses protestos resultaram na
baixa de popularidade da Presidente Dilma Rousseff (PT)4.
De acordo com Souza (2011), aliado aos problemas econômicos e políticos, denúncias de desvios
de verbas na Petrobrás prejudicaram ainda mais o governo Dilma. Desde o começo de seu segundo
mandato, em 2015, a então Presidente Dilma Rousseff convivia com ameaças de impeachment, que se
consolidaram baseadas na tese de crime de responsabilidade. Diante da controversa em torno do
chamado crime de responsabilidade da ex-presidente Dilma, os veículos de comunicação encamparam
uma batalha para inserção do tema impeachment no cotidiano nacional. Souza (2016) aponta que o
impeachment foi resultado de uma enorme mobilização da elite financeira, ao lado dos maiores
conglomerados midiática, que serviram como porta-voz da classe-média conservadora, representante
da elite oligárquica brasileira.
As prerrogativas de inserir o País em uma política neoliberal conservadora, aprofundando o
papel do estado mínimo, mas enxuto e hipoteticamente eficiente, além de incrementar a participação
da iniciativa privada e flexibilizar o mercado de trabalho, representaram na visão de Mancebo (2017),
os verdadeiros interesses em afastar a ex-presidente Dilma e o Partido dos Trabalhadores do poder.
As controversas em relação às bases jurídicas que conduziu o impeachment de Dilma Rousseff (PT)
foram detalhadas em inúmeros trabalhos em que se nomeou o processo de golpe midiático-
parlamentar e judiciário (SOUZA, 2016; SANTOS, 2017, JINKINGS, 2016; SALUM Jr., 2016;
MANCEBO, 2017; CITTADINO e MOREIRA, 2017). Quando aprovado no Congresso, o JN produziu
reportagens que reforçavam o sentido de “crime de responsabilidade” por parte da presidente Dilma
Rousseff (PT). Ao longo de toda sua trajetória, mesmo defendendo a premissa da suposta
imparcialidade, o telejornal adotou uma cobertura parcial durante vários episódios eleitorais, como
será visto ao longo dos capítulos. No âmbito do ex-presidente Lula (PT), o telejornal atuou na
construção de uma longa agenda para associá-lo aos crimes de corrupção.

2. A TV no campo político brasileiro

A televisão é considerada a mídia que unificou o Brasil em uma mesma identidade nacional, a
partir da década de 1970 quando o Jornal Nacional, da Rede Globo, se consolidou com o principal
noticiário televisivo brasileiro. O telejornalismo nas décadas seguintes se transformou no principal
gênero televisivo por levar para todos os cantos do país as informações preponderantes para a
sociedade brasileira, debatendo os assuntos de interesse político, econômico e social, como as Diretas
Já, a hiperinflação, a abertura econômica na década de 1990, o impeachment do Presidente Fernando
Collor de Mello (PRN), a chegada de um líder sindical (Lula) à presidência em 2002, apenas para citar
alguns exemplos. Esses fatos citados anteriormente mostram como a política e o jornalismo estão
intrinsicamente relacionados, contribuindo para a transformação da sociedade.
Por outro lado, os telejornais são programas televisivos que também reproduzem os discursos e
ideologias dos conglomerados de comunicação no Brasil, marcadamente comandados por famílias que
concentram em suas mãos as concessões públicas de emissoras de rádio e televisão5.
Desse modo, essas narrativas revelam e hierarquizam os assuntos que devem estar na pauta das
discussões na sociedade, direcionando no espaço público o que e de qual forma os cidadãos devem
discutir sobre o que acontece ao seu redor, tal qual já preconizou os diversos estudos sobre agenda-
setting (MCCOMBS E SHAW, 1972, MCCOMBS, 2004, HOHLFELDT, 1997, TRAQUINA, 2000,
BARROS FILHO, 2001) e enquadramento (PORTO, 2004; AZEVEDO, 2004; MOTTA, 2007.
Há um embate no espaço televisivo das fontes interessadas em fazer valer sua opinião,
influenciando os demais sujeitos. Essa luta por poder na mídia se torna mais evidente quando estamos
às vésperas de eleições, principalmente as presidenciais. Partidos de oposição buscam legitimar suas
falas apontando os problemas do governo em vigor. Partidos da base aliada ao governo buscam
estratégias para reforçar as medidas adotadas pelo chefe de Estado e sua equipe, ressaltando as
qualidades da política econômica. Figueiredo et. al. (1998) afirmam que os discursos utilizados na
campanha são de ordem ficcional. Segundo os autores, os candidatos de um mesmo grupo político do
governo atual defendem que o mundo está bom e pode ficar ainda melhor se permanecer o mesmo
grupo no poder. Já a oposição alega que o mundo atual está ruim e só irá melhorar se houver uma
mudança de grupo político. Esses discursos em embate são reconstruídos pela mídia, que adota a
postura de neutralidade e imparcialidade perante os fatos.
No entanto, compreendemos o jornalismo como um discurso que contribui para a construção da
realidade, em oposição à teoria do Espelho6. Como exemplo, recorremos ao fato polêmico que envolve
a Rede Globo na cobertura das eleições presidenciais de 1989 onde ocorreu a manipulação da edição
do debate entre os candidatos Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Fernando Collor de Mello (PRN). De
acordo com Lima (2001), o debate exibido às vésperas do segundo turno, em 16 de dezembro de
1989, influenciou o resultado da eleição ao mostrar os melhores momentos do candidato Collor ao
lado dos piores de Lula. Após este episódio, a emissora teve sua credibilidade contestada por vários
críticos, pesquisadores e pelo público.
Em 1994, o apoio ao candidato Fernando Henrique Cardoso (PSDB) pela Rede Globo não era
explícito, como na eleição anterior. A programação era ostensivamente voltada para a publicidade do
real, conforme afirma Antonio Albino Canelas Rubim (1999, p.59), e vinculava a realidade a um
cenário otimista de estabilidade. Nesse processo, o Jornal Nacional manteve o protagonismo,
noticiando sistematicamente os êxitos do Plano Real, associando tais feitos à imagem de Fernando
Henrique Cardoso (PSDB). Em contrapartida, o telejornal insistia em denegrir a imagem do candidato
Luiz Inácio Lula da Silva (PT), buscando promover uma imagem de despreparo do candidato.
Nas eleições presidenciais de 1998, o cenário de estabilidade deu lugar à crise econômica. A
nova moeda sofria com as especulações à medida que a crise atingia os mercados internacionais. Na
política, Fernando Henrique Cardoso (PSDB) concorria à reeleição e, tal como em 1994, seu maior
adversário era Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O Jornal Nacional iniciou a cobertura das eleições
presidenciais dedicando menor tempo ao tema. Venício Lima e Liziane Guazina (1998, p. 59), em
estudo realizado sobre a agenda e o enquadramento do Jornal Nacional naquele período, confirmam a
redução de tempo ao tema político. No entanto, o apoio ao candidato Fernando Henrique Cardoso
(PSDB) era perceptível pois privilegiava-se noticiar os aspectos positivos de seu governo, em
detrimento da situação de crise que o país vivia, conforme a análise de Porto (2002, p. 20). Optava-se
por ocultar aspectos como o desemprego e a fome, dando visibilidade à queda da inflação, por
exemplo. Além dessa estratégia, o telejornal não divulgava os resultados de pesquisas que indicavam
o empate técnico entre Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A
estratégia adotada pelo noticiário girava em torno da descontextualização e da omissão dos
problemas sociais, conforme afirma Colling (2004):

O JN silenciou sobre as causas dos saques promovidos pelo MST, as causas do desemprego, sobre o porquê
dos problemas na área de saúde e educação. Sobre estes três últimos temas, o JN limitou-se a chamar a
atenção para o papel dos próprios cidadãos. (COLLING, 2004, p.62).

Com essa estratégia, os telespectadores do Jornal Nacional não conseguiam relacionar os


problemas do país à atuação do Governo Federal, o que pode ter contribuído para a reeleição de
Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
O panorama das eleições de 2002 foi diferente tanto no aspecto político, quanto na cobertura do
telejornalismo da Rede Globo. No campo político, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) enfrentava o
candidato José Serra (PSDB), investindo em uma campanha que pregava a mudança do cenário
político-econômico, sem alterar substancialmente a ordem vigente. No noticiário, a cobertura no
Jornal Nacional nas eleições de 2002 foi muito mais ostensiva, baseada na superexposição dos
candidatos (MIGUEL, 2004, p.94). Diferentemente dos pleitos anteriores, a imprensa mostrou uma
cobertura mais ampla e completa, investindo na divulgação diária dos resultados das pesquisas, por
exemplo, conforme a análise de Luís Felipe Miguel (2004, p.97). Mesmo com essa nova disposição, o
Jornal Nacional ainda demonstrava uma discreta preferência pelo candidato José Serra (PSDB). O
candidato do PSDB foi beneficiado ao ser mostrado como ex-ministro da Saúde de Fernando Henrique
Cardoso (PSDB), ressaltando seus feitos durante o período em que atuou como tal. Ao mesmo tempo,
o telejornal apontava aspectos da crise econômica como responsabilidade da vantagem do candidato
adversário nas pesquisas, segundo Colling. No entanto, é consenso na pesquisa de Porto (2002) e
Colling (2004) que a cobertura política das eleições presidenciais de 2002 feita pelo Jornal Nacional
foi mais imparcial e permitiu maior exposição dos candidatos, com uma agenda que não causou
problemas à candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que venceu o pleito.
Em 2006, o cenário das eleições presidenciais apontava para a reeleição de Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) e a continuidade de seu governo. O principal adversário do candidato petista era Geraldo
Alckmin (PSDB). A cobertura política na grande mídia foi intensa e apresentava um grande número de
matérias negativas relacionadas ao presidente Lula (PT), em relação ao seu adversário, conforme as
pesquisas de Lima (2006). O principal aporte dessas matérias foi o escândalo de corrupção chamado
de mensalão, que promoveu um sentimento de antilulismo (LIMA, 2006). O Jornal Nacional se
posicionou de forma contundente contra a reeleição de Lula (PT) ao dedicar mais de dois terços de
sua agenda para a cobertura da crise política iniciada em 2005 (LIMA, 2006). Lima afirma em sua
pesquisa que a Rede Globo se mostrou desfavorável à reeleição de Lula (PT) buscando desconstruir a
imagem do candidato. Apesar dessa constatação, Lula (PT) foi reeleito, devido à mudança de
estratégia de sua campanha.
No segundo mandato, Lula consolidou o Brasil entre as grandes potências no exterior. Deixou a
presidência com 80% de aprovação7. Elegeu Dilma Rousseff (PT), pessoa pouco conhecida da
população até poucos meses antes da eleição. Dilma obteve nas urnas uma votação muito próxima à
de Lula, com uma maioria de 56% de votos. No seu primeiro mandato conduziu o governo nos
mesmos padrões de Lula. Se reelegeu para um segundo mandato, porém, enfrentou dificuldades de
articulação no Congresso Nacional para sanar uma recessão econômica. Além da dificuldade de
articulação, também surgiu a investigação da operação Lava-Jato, que minou acordos no campo
político invisíveis que contribuíam para a falta de governabilidade da presidente. As negociações de
distribuição de verbas, obras e cargos públicos foram prejudicadas. A operação Lava-Jato também
neutralizou, pelo medo ou pela prisão, empresários mais próximos do governo. O apoio do governo
Dilma Rousseff (PT) a Lava-Jato também a enfraqueceu, pois aliados políticos e empresários
envolvidos em transações ilegais passaram a ter interesse em substituir o governo por acreditar ter
anistia dos crimes cometidos. Durante o processo de impeachment de Dilma Rousseff (PT), o ex-
presidente Lula (PT) passou a ser investigado e acusado de receber propina de construtoras por
contratos com a Petrobras. Os crimes foram por corrupção ativa, passiva e lavagem de dinheiro.
Desde a sua condução coercitiva para depor na Polícia Federal, em 2016, até a sua prisão em abril de
2018, produziu-se um espetáculo midiático grandioso para acompanhar passo-a-passo, a operação que
levou o ex-presidente à prisão. Mesmo diante das acusações, o ex-presidente Lula (PT) continuou com
alta popularidade, ainda que diante de um forte movimento da imprensa para desconstrução da sua
imagem política.

3. Lula e a Operação Lava-Jato

Todas as ações da força-tarefa Lava-Jato eram destinadas a cercá-lo, de maneira que o pedido de
prisão de Lula (PT) era aguardado a qualquer momento. As denúncias giravam em torno da compra e
reforma de um sítio em Atibaia frequentado por Lula (PT) e sua família e a polêmica em torno do
apartamento triplex no Guarujá, reformado pela OAS Empreendimentos. Segundo Almeida (2016),
corria nos corredores do Palácio do Planalto comentários de que o alvo dessa operação era de fato o
ex-presidente, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Com a percepção cada vez mais clara de que Lula (PT) seria o alvo da Operação Lava Jato, e que
sua prisão era apenas uma questão de tempo, o governo decidiu atuar numa blindagem ao ex-
presidente. Duas semanas depois do episódio da condução coercitiva, Lula (PT) estava sendo nomeado
Ministro-Chefe da Casa Civil do governo Dilma (PT). Acredita-se que essa nomeação não tinha apenas
o caráter de blindagem ao ex-presidente, mas também funcionava como uma espécie de salvação do
próprio governo. Mergulhado em uma grave crise econômica e política, o segundo mandato de Dilma
(PT) se tornava mais frágil.
A situação se agravaria muito com a divulgação de uma gravação de uma conversa entre Dilma
(PT) e Lula (PT) sobre o termo de posse que Dilma enviaria ao ex-presidente para ser assinado. A
divulgação autorizada por Moro era uma afronta ao governo, pois tratava-se de uma interceptação de
uma conversa da presidente do país com o ex-presidente. Sergio Moro havia autorizado a Polícia
Federal a grampear o ex-presidente Lula (PT), no período de 17 de fevereiro a 16 de março. A
interceptação dessa conversa foi feita fora do prazo estabelecido, caracterizando mais uma ação
arbitrária do juiz. As reações vieram dos mais diversos lugares, porém, as mais enfáticas vieram do
Supremo Tribunal Federal. Segundo Almeida (2016), o ministro Teori Zavascki comentou os excessos
cometidos por Moro, enfatizando que o papel de um juiz é o de resolver conflitos e não de cria-los.
Ressaltou a falta de prudência e racionalidade de Moro, e a busca por protagonismo, reiterando que
esse não era o comportamento esperado de um juiz. Já o ministro Gilmar Mendes julgou que a
nomeação do ex-presidente Lula (PT) como ministro tinha como objetivo conceder o foro privilegiado
nas ações movidas contra ele e decidiu suspender a nomeação.
O impeachment começou em 17 de abril de 2016, quando foi votado na Câmara a abertura do
processo por 367 votos a favor e 137 contra. O segundo passo foi o afastamento da presidente Dilma
(PT) decido no Senado, por 55 votos a favor e 22 contra. E a confirmação do afastamento veio em 31
de agosto, afastando definitivamente Dilma Rousseff (PT) da Presidência da República, por 61 votos a
20. O governo Dilma (PT) chegava ao fim, depois de quase dois.
Michel Temer (PMDB) tomou posse no dia 12 de maio de 2016. Naquele dia, o vice-presidente
recebeu o comunicado oficial de que o Senado afastava Dilma Rousseff (PT) do cargo de Presidente da
República temporariamente, e ele tornava-se a partir de então, o presidente em exercício. Após 9
meses de governo, porém, Temer já era o presidente com menor índice de aprovação desde a
redemocratização, 6 %, segundo pesquisa Datafolha, em janeiro de 20188. Esse índice cairia ainda
mais em razão das medidas e reformas que Temer implantou ao longo de dois anos de mandato,
chegando a 3 % de aprovação em junho de 20189. Em dois anos de governo, Temer (MDB) enfrentou
denúncias, delações, prisões de assessores e investigações da Polícia Federal. O presidente foi
denunciado duas vezes pela Procuradoria Geral da República, por corrupção passiva, organização
criminosa e obstrução da Justiça. As denúncias foram feitas baseadas nas delações de Joesley Batista,
da JBS, que afirmou que Temer autorizou pagamento de propina à Eduardo Cunha para comprar o
silêncio do ex-deputado. A conversa foi gravada por Joesley que a apresentou a Justiça.
As denúncias, porém, não foram analisadas pelo Supremo Tribunal Federal, pois a Câmara teria
que autorizar. Nos dois casos, a Câmara votou contra o prosseguimento dos processos, livrando Temer
(PMDB) de responder por seus crimes. Esse episódio é bem característico do pemedebismo que se
mantém como pilar central do sistema político brasileiro, onde as votações no Congresso obedecem à
lógica da barganha e das concessões entre o governo e sua base aliada.

4. Lula, JN e as eleições presidenciais de 2018

Para investigar a cobertura realizada pelo Jornal Nacional, recorreu-se à Análise de Conteúdo
(Bardin, 2011), que compreende um método que aplica técnicas quantitativas como qualitativas a
partir de três fases: (a) pré-análise; (b) categorização; (c) fase de inferências. Para a qualificação
selecionamos apenas as reportagens do dia 31 de agosto de 2018, para que a banca possa
acompanhar o caminho que pretendemos seguir na análise de conteúdo e discurso.

Tabela 1. Reportagens do Jornal Nacional – 31 de agosto de 1998.

Tema Tempo
Tribunal Superior Eleitoral começa a decidir se o ex-presidente Lula pode ou não concorrer nessa eleição. 8’03
Operação Lava a Jato volta a prender o ex-secretário de segurança do Rio, Sergio Cortes 2’47
O governo entrega ao Congresso proposta de orçamento, que pretende adiar para 2020 o reajuste dos servidores. 2’45
Crescimento de 0,2% mostra PIB estagnado no segundo trimestre 3’01
Construção Civil tem 17 trimestres de queda. Produção industrial também caiu. 2’08
Petrobras anuncia reajuste de 13% no preço do diesel 0’40
Banco Central argentino vende US$ 250 milhões e se valoriza 1’02
Trump encerra financiamento a agência de ONU para refugiados palestinos. 0’18
Conta de luz de setembro terá cobrança extra 0’19
Previsão do Tempo 2’50
20% das crianças não foram vacinadas contra o Sarampo 0’21
Atividade de campanha – Marina Silva 1’00
Atividade de campanha – Geraldo Alckmin 1’00
Atividade de campanha – Jair Bolsonaro 1’00
Atividade de campanha – Ciro Gomes 1’00
Entrevista João Amoedo 1’00
Entrevista Alvaro Dias 1’00
Entrevista Vera Lucia 1’00
Que Brasil você quer ter para o Futuro 2’03
Familiares, amigos e políticos se despedem de Aretha Franklin 1’03
Comitê do COB inocenta coordenador técnico e dirigentes em caso de abuso sexual. 0’20
Fórmula 1 2’00
Link - decisão do Tribunal Superior Eleitoral sobre o ex-presidente Lula pode ou não concorrer nessa eleição. 2’43

Fonte: Elaboração própria

No dia 31 de agosto de 2018, o Jornal Nacional exibiu 23 reportagens. Destas, 03 falavam sobre
economia e 11 sobre política. Dentro da editoria de política, foram exibidas 04 reportagens sobre as
atividades de campanha dos presidenciáveis com os quatro mais bem colocados nas pesquisas
eleitorais (Marina Silva - Rede, Ciro Gomes - PDT, Geraldo Alckmin - PSDB e Jair Bolsanaro - PSL). O
candidato do Partido dos Trabalhadores (PT) não teve agenda divulgada porque naquele momento a
candidatura de Lula ainda estava sendo avaliada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). As agendas
dos candidatos tiveram o mesmo tempo de duração (1minuto cada), conforme determinação do TSE.
Foram exibidas também 03 pequenas entrevistas com candidatos, que segundo os órgãos de pesquisa,
possuíam número pequeno de intensões de voto; João Amoedo - NOVO, Alvaro Dias - PODEMOS e
Vera Lucia– PSTU, todas elas também totalizando 1 minuto.
A reportagem com maior tempo de duração foi a que tratava da decisão sobre a candidatura do
ex-presidente Luiz Inacio Lula da Silva, que estava sendo tomada pelo Tribunal Superior Eleitoral. No
total foram 8’03, além de uma entrada ao vivo no final do JN, com duração de 2’43, ou seja, foram
10’06 de informação sobre a situação política de Lula. Isso significou um grande espaço dentro da
grade do JN, que teve uma duração de 42’20, o que representa quase 25% do total do tempo do
telejornal. Isso nos evidência a relevância e a importância de Lula para o cenário político e eleitoral
desse ano, entretanto, desde a cabeça da reportagem, ou seja, o texto lido pela apresentadora Renata
Vasconcelos foi possível perceber uma estratégia da emissora em fazer uma cobertura crítica ao ex-
presidente.
É ressaltado que o TSE estava julgando os pedidos de impugnação da candidatura de Lula à
presidência e que o relator, ministro Luís Roberto Barroso, votou por barrar o registro do ex-
presidente, com base na Ficha Limpa e deu prazo de 10 dia para que o PT troque de candidato. É
possível notar que os trechos editados da fala do ministro Luiz Barroso são os de maior impacto,
como: “A Lei da Ficha Limpa, portanto, que é essa que estamos discutindo aqui. Ela desfruta de um
elevado grau de legitimidade democrática e de manifestação genuína do sentimento e da vontade do
povo brasileiro” ou então, trechos como esse. Foi o início de um processo profundo e emocionante na
sociedade brasileira. De demanda por integridade, de demanda por idealismo, de demanda por
patriotismo”.
A reportagem ressalta que o pedido de Lula para participar das eleições teve 16 contestações, a
maioria, alegando que o ex-presidente estava inelegível porque foi condenado em segunda instância
pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região e portanto, enquadrado na Lei da Ficha Limpa. A
reportagem diz que os advogados de Lula apresentaram a defesa da candidatura com argumento de
uma liminar concedida pelo Comitê dos Direitos Humanos da ONU, solicitando ao Brasil que a
candidatura de Lula fosse mantida até a última possibilidade de recurso. Depois desse trecho, a
reportagem reforça os argumentos da proibição da candidatura do ex-presidente com a negativa do
Ministério Público Federal, com a Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge e com o ministro do
TSE e relator do processo, Luís Roberto Barroso. Foram destinados a eles um tempo maior na
argumentação. Raquel Dodge teve 41 segundos, Luís Roberto Barroso, 3’06. Já a advogada de defesa
do ex-presidente, teve 57 segundos. O ministro Luiz Edson Fachin, que foi o único dos ministros a
concordar com a argumentação da advogada do ex-presidente, teve espaço dentro da reportagem de
1’37.
Articulando as evidências empíricas extraídas das reportagens sobre a eleição para Presidente
da República, veiculadas no dia 31 de agosto no Jornal Nacional, durante a campanha no primeiro
turno, constata-se como o telejornal posicionou-se como importante ator político ao construir um
enquadramento crítico em relação ao ex-presidente Lula (PT). O Jornal Nacional construiu um
discurso de convencimento, no qual aponta nas longas falas de representantes do judiciário a
justificativa do impedimento da candidatura do ex-presidente Lula (PT). O discurso negativo para Lula
(PT) na reportagem do telejornal de maior audiência nacional mostrou um ex-presidente fragilizado,
por estar detido e não poder ser defender, por meio de advogados ou representantes de seu partido. A
reportagem do JN buscou legitimar o impedimento da candidatura, a partir das falas da Procuradoria
Geral da República e do ministro do TSE. Percebe-se que a emissora criou um clima favorável aos
críticos do governo. Tal linha discursiva pode ser evidenciada no pouco tempo dado à defesa da
candidatura do ex-presidente no telejornal. A agenda dos candidatos não se alinha as principais
reportagens do telejornal, no dia 31 de agosto, exceto pela cobertura econômica. Entretanto, o que se
verifica é uma tentativa de viabilizar a disputa jurídica em torno da candidatura do ex-presidente Lula
(PT), que ainda tentava recurso para concorrer às eleições presidenciais de 2018. Trata-se de uma
forma de comprometer seu capital político já no início da disputa.
É possível destacar na construção do discurso utilizado na reportagem a retórica argumentativa
da persuasão, utilizado no sentido dominante. Palavras como julgado, impugnado, barrado, são
usadas com frequência, para ajudar a construir enunciados de teor passional, implicando na
dificuldade de avaliar o fato de forma sóbria a problemática: “O Tribunal Superior Eleitoral está
julgando os pedidos de impugnação do registro de candidatura de Lula à presidência. O relator,
ministro Luis Roberto Barroso votou por barrar o registro do ex-presidente com base na Lei da Ficha
Limpa. E deu prazo de até 10 dias para que o Partido dos Trabalhadores troque de candidato”.
Na análise detecta-se, também, o argumento da autoridade, que são capazes de promover o
discurso como consensual, como por exemplo, “ O Tribunal Superior Eleitoral está julgando os
pedidos de impugnação do registro de candidatura de Lula à presidência”. Outro exemplo: “Na sessão
de hoje, a Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge voltou a pedir a rejeição do registro da
candidatura do ex-presidente Lula por causa da Lei da Ficha Limpa”, ou então: “O primeiro a votar foi
o relator, ministro Luiz Roberto Barroso. Ele afirmou que Lula foi condenado por um tribunal de
segunda instância por corrupção passiva e lavagem de dinheiro”, assim, são inseridos personagens
importantes, como estratégia de valorizar a mensagem para fortalecer o efeito persuasivo na medida
do prestígio que se associa ao lugar de fala, que nos casos apresentados foram, o órgão “TSE”, a
Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge e o Ministro, relator do processo, Luís
Roberto Barroso.
Para justificar a negação aos argumentos utilizados pela advogada de Lula (PT), é utilizado
números para dar um “efeito de verdade”. É comum referenciar aos números para exercer a função
de decisão. Como foi o caso utilizado pelo ministro relator: “A decisão foi proferida por apenas 02
dos 18 membros do Comitê. “Não se cogitou de ouvir o lado do governo brasileiro, que talvez
pudesse ter explicado que não houve restrições infundadas. Que havia uma lei para uma decisão de
primeiro grau e que havia uma decisão de segundo grau, que não foi suspensa pelo Supremo Tribunal
Federal, que não foi suspensa pelo Superior Tribunal de Justiça e nem tão pouco foi suspenso pelo
Supremo Tribunal Federal”. São argumentos utilizados para convencer e não para informar, limitando
a possibilidade de elaboração de uma análise própria por parte do telespectador e assim constrói-se a
ideia de consenso, tirando a possibilidade da dúvida.
O tom autoritário é justificado pelo local onde acontece o fato e pelos personagens de fala da
reportagem, mas o recorde dado materializa o discurso como resultado de um saber único. São os
detentores da verdade, pelo caráter formal da reportagem e também pela força dos argumentos
apresentados. O discurso autoritário é o campo da certeza, de um saber supremo, levando o
telespectador a aceitá-lo como verdade. Algumas palavras também comprovam o tom autoritário,
como exemplo a fala do relator: “Até aqui nós estamos diante de uma operação muito singela de
aplicação de uma lei inequivocamente clara que consagra inelegibilidade de alguém que
tenha sido condenado por crime contra administração ou por lavagem de dinheiro por órgão
colegiado” ou até mesmo pelo repórter: “O ministro afirmou ainda que o judiciário brasileiro não
está obrigado a acatar a recomendação do Comitê de Direitos Humanos da ONU”.
O silenciamento, utilizado para omitir algo ou para falar superficialmente de um fato que poderia
enfraquecer a argumentação também aparece na reportagem, que se dedica muito tempo para falar
da condenação e pouco para a defesa de Lula. A matéria exibida teve duração de 8’03, desse tempo,
apenas 2’14 foi para a defesa do ex-presidente. Aplica-se bastante os termos inelegível, condenado,
impugnado, induzindo o telespectador a entender que o ex-presidente Lula não deve ter direito a se
candidatar nas eleições de 2018.
E, para finalizar, com o intuito de justificar o seu argumento, o relator utiliza-se de adjetivos e da
emoção para comover o telespectador: “A Lei da Ficha Limpa foi em verdade fruto de uma grande
mobilização popular em torno de um aumento da moralidade e da probidade na política. Foi o início
de um processo profundo e emocionante na sociedade brasileira. De demanda por integridade, de
demanda por idealismo, de demanda por patriotismo. Mais de um milhão e meio de assinaturas foram
colhidas para que se pudesse apresentar o projeto de iniciativa popular ao Congresso Nacional. Além
disso, a Lei foi aprovada na Câmara dos Deputados e no Senado Federal por expressiva votação e foi
sancionada pelo Presidente da República. A Lei da Ficha Limpa, portanto, que é essa que estamos
discutindo aqui. Ela desfruta de um elevado grau de legitimidade democrática e de manifestação
genuína do sentimento e da vontade do povo brasileiro”.
Os discursos utilizados na reportagem contribuem a encobrir os reais motivos da proibição da
candidatura do ex-presidente Lula (PT). A matéria é sustentada por relações de força e poder
estabelecidas entre o campo político e o campo jurídico. Ele contrasta em particular com a união de
candidatos em solicitar impugnação da candidatura do ex-presidente pelo medo de Lula participar do
pleito e vencer a eleição e por outro lado a disputa no judiciário, entende-se, STF, Operação Lava Jato,
Ministério Público e Procuradoria da República pela notoriedade e reconhecimento pelo desfecho do
caso. Entende-se que a ação mais eficaz nessa reportagem consiste no papel de disciplinarização das
pessoas, na medida em que se utiliza de argumentos para convencer o telespectador de um projeto
normalizador das relações sociais, como aponta Foucault (2012) ao afirmar que o conceito definidor
da modernidade é a disciplina, um instrumento de dominação e controle destinado a suprimir ou
domesticar os comportamentos divergentes. O discurso utilizado na reportagem apresenta-se como
uma abordagem de natureza persuasiva, que fortalece posições do antipetismo.

Referências
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G1: http://g1.globo.com/politica/noticia/aos-2-anos-governo-temer-festeja-economia-masenfrenta-
impopularidade-denuncias-e-crise-politica-relembre.ghtml
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/06/reprovacao-aumenta-e-torna-temer-o-presidente-mais-
impopular-da-historia.shtml
https://www.revistaforum.com.br/site_donos_da_midia_aponta_quem_controla_a_comunicacao/

1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho 03, I Simpósio Nacional de Comunicação Política, Eleições e Campanha
Permanente, 27 a 28 de março de 2019.

2 Doutorando pela UNIP. Coordenador dos Cursos – Rádio, TV e Vídeo, CST Produção Audiovisual e CST Produção Multimídia do
FIAM-FAAM-Centro Universitário/e-mail: fleme@hotmail.com

3 Relatório Final Pesquisa Brasileira de Mídia - PBM 2016. Disponível em: <http://www.secom.gov.br/atuacao/pesquisa/lista-de-
pesquisas-quantitativas-e-qualitativas-de-contratos-atuais/pesquisa-brasileira-de-midia-pbm-2016.pdf/view>. Acesso em: 01 de mai. De
2018.

4 Dilma Rousseff foi colocada no centro das manifestações e no final do mês de junho de 2013, a popularidade da presidente
petista despencou de 57% para 30%, com aumento da reprovação do governo de 9% para 25% dos entrevistados. Conforme pesquisa
Datafolha, publicada em 29 de junho de 2013. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2013/06/1303541-popularidade-de-
dilma-cai-27-pontos-apos-protestos.shtml>. Acesso em: 17 dez. 2014.

5 O artigo 54 da Constituição Federal proíbe que deputados e senadores participem de organização definida como “pessoa
jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público”.
Essa determinação constitucional aplica-se, por extensão, aos deputados estaduais e prefeitos. Entretanto, senadores, deputados
federais, deputados estaduais e prefeitos são sócios ou diretores de empresas de radiodifusão. Predominam os políticos filiados ao DEM
(58, ou 21,4%), ao MDB (48, ou 17,71%) e ao PSDB (43, ou 15,87%).
https://www.revistaforum.com.br/site_donos_da_midia_aponta_quem_controla_a_comunicacao/

6 Inspirado no Positivismo do filósofo francês Auguste Comte (1798-1857). A teoria do espelho faz uma metáfora autoexplicativa.
Ela foi a primeira metodologia usada na tentativa de compreender porque as notícias são como são, ainda no século XIX. Sua base é a
ideia de que o jornalista reflete o que é a realidade, ou seja, as notícias são como são porque a realidade assim as determina. A
imprensa funciona como espelho da realidade, apresentando um reflexo do cotidiano.
7 Popularidade de Lula bate recorde e chega a 87%, diz IBOPE. Disponível em:
<http://g1.globo.com/politica/noticia/2010/12/popularidade-de-lula-bate-recorde-e-chega-87-diz-ibope.html>, Acesso em: 10 de mai. De
2018.

8 https://g1.globo.com/politica/noticia/governo-temer-tem-aprovacao-de-6-e-reprovacao-de-70-diz-datafolha.ghtml

9 https://g1.globo.com/politica/noticia/reprovacao-ao-governo-temer-e-de-82-aponta-pesquisa-datafolha.ghtml
CAPÍTULO 13

JORNALISMO DE DADOS EM TEMPOS DE INDÚSTRIA 4.0:


Potencialidades para aplicação no jornalismo político e na defesa da democracia1

Najla Passos2
João Barreto da Fonseca3
Alícia Antonioli4

1. Introdução

Desmatadores e infratores ambientais de toda espécie financiaram 178 candidatos nas eleições brasileiras
de 2018 com R$ 11,2 milhões, incluindo um presidenciável e 15 candidatos aos governos estaduais. Publicada
pelo Uol5 no dia 5 de outubro de 2018, às vésperas das eleições, a webreportagem “Desmatadores doam R$
11,2 mi a 178 candidatos; presidenciável entre eles”, produzida pelo site Repórter Brasil6, permitiu que
eleitores mais críticos tivessem a possibilidade de balizar seus votos em dados concretos e confiáveis.
Para construí-la, o site lançou mão de um recurso cada vez mais explorado pelas reportagens
investigativas e interpretativas: o jornalismo de dados. Com o auxílio das novas tecnologias da chamada
“Indústria 4.0”, a equipe de reportagem do veículo conseguiu, em poucos minutos, cruzar as informações
disponibilizadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), referentes às doações de campanha recebidas pelos 27
mil candidatos, com a relação de pessoas autuadas pelo Ibama por infrações ambientais.
Posteriormente, os resultados encontrados foram amplificados pelas informações já contidas no
“Rurâlometro”, do Repórter Brasil, descrito pelo próprio site como “um banco de dados e uma ferramenta
interativa que mede como os deputados federais eleitos em 2014 agiram frente a projetos de lei e medidas
provisórias que têm impactos sobre o meio ambiente, os povos indígenas e trabalhadores rurais”. Esta
operação permitiu à reportagem saber quem eram os candidatos agraciados com o dinheiro dos desmatadores:
em sua maioria, parlamentares que já atuavam em defesa dos interesses dos ruralistas.
A proposta deste trabalho é analisar as características do jornalismo de dados atual e investigar se seu
potencial para aplicações em reportagens políticas investigativas e interpretativas está ancorado apenas no
surgimento das novas tecnologias da Indústria 4.0, que autores como Schab (2015) apontam serem as
responsáveis pela 4ª Revolução Industrial em curso. A hipótese é que outros fatores – econômicos e políticos –
também contribuem para o fenômeno.

2. Jornalismo de dados

O jornalismo de dados é uma evolução do que o jornalista Philip Meyer chamou de jornalismo de precisão,
na década de 1960, e da chamada Reportagem Assistida por Computador (RAC), a que diversos outros autores
se referiram a partir dos anos 1990. Seu conceito, no entanto, ainda é bastante impreciso. Mancini e
Vasconcellos (2016) citam Bradshaw (2014) para sustentar o argumento de que “jornalismo” e “dados” já são,
por si só, termos problemáticos. Isso porque este fazer jornalístico está intrinsecamente ligado ao
questionamento de qual seria o papel da imprensa na dinâmica democrática de um país.
Tendo sua origem na tendência ao uso de dados abertos na web, que está ligada à ideia de governos
transparentes, o jornalismo de dados propõe questionamentos sobre decisões políticas. Como explicam Mancini
e Vasconcellos (2016), ele é “um importante ator no processo da accountability político, entendida aqui como
ações que geram fluxos e contrafluxos da temática da vida pública”. Ou seja, a partir de reportagens como a
analisada neste artigo, os cidadãos têm a oportunidade de realizar uma leitura crítica sobre uma dada situação
em que estão inseridos, discutindo as medidas que levaram a essa realidade e revogando seus direitos.
É válido destacar, também, que há uma diferença não apenas na forma de escrita, mas também semântica
entre o aqui chamado jornalismo “de” dados e o jornalismo “com” dados. No primeiro, os dados são os
responsáveis pela construção da narrativa, eles guiam a forma como a notícia será dada, são protagonistas. Já
no segundo, há uma informação a ser transmitida e os dados aparecem como um complemento que confere
credibilidade à notícia, mas não são vistos como um elemento imprescindível. Portanto, reforçamos que o
jornalismo ao qual nos referimos é o jornalismo “de” dados, uma vez que a reportagem se construiu a partir do
cruzamento de números disponibilizados pelo governo e pela justiça federais; e estes foram o ponto principal
para o molde da matéria.
3. Características do jornalismo de dados

O jornalismo pode e tem servido como excelente base de sustentação para a construção de reportagens
em todos os gêneros jornalísticos. Mas é na webreportagem, aqui entendida como gênero jornalístico a partir
da proposição de Longh (2014)7, que encontra terreno mais fértil. E não só porque a webreportagem
proporciona a capacidade de usar hiperlinks para levar os leitores aos bancos que originaram o cruzamento de
dados, reforçando a veracidade das informações divulgadas, mas também porque no jornalismo praticado no
ciberespaço é possível reunir todos os demais: texto, imagem, áudio, infográfico etc.
A construção de uma webreportagem baseada no jornalismo de dados se dá por meio de algumas
ferramentas, como o texto em formato longform, hiperlinks, multilinearidade e usabilidade do texto. A partir
delas, o leitor é capaz de interagir com o texto de maneira mais intuitiva, o que facilita a compreensão daquilo
que se pretende informar. De acordo com Longhi e Winques (2015), no texto em formato longform, o leitor tem
a oportunidade de acompanhar um relato mais aprofundado do tema, se comparado às notícias de um jornal
diário, por exemplo. Isso porque este formato permite a utilização de um maior número de caracteres, o que
propicia a construção de narrativas mais atraentes e compostas por recursos multimídia. Dentre estes,
podemos citar os hiperlinks, responsáveis por uma navegação aleatória nas informações, que proporciona
autonomia ao usuário.
A partir desses instrumentos, constrói-se uma ideia de multilinearidade do texto, em que àqueles que o
leem podem realizar diferentes percursos na narrativa apresentada e, mesmo assim, compreender a
informação como um todo. E isso ocorre pois, no formato longform, existe a intenção da usabilidade, a qual
propõe que o texto ofereça engajamento - através de recursos multimidiáticos como infográficos interativos,
vídeos, games etc. - e uma imersão no tema.

4. Indústria 4.0

O termo Indústria 4.0 diz respeito às tecnologias que estão unindo os mundos físico, virtual e biológico e,
que pelo seu potencial transformador, operam o que teóricos já classificam como a 4ª Revolução Industrial. Foi
usado pela primeira vez pelo governo alemão, na Feira de Hannover, em 2011, para apresentar ao setor
produtivo um conjunto de estratégias forjadas sobre essas novas tecnologias disponíveis.
De acordo com a Agenda Brasileira para a Indústria 4.08, as principais tecnologias que favorecem a
Indústria 4.0 são a Inteligência Artificial (IA), a Internet das Coisas (IoT), a Biologia Sintética, os Sistemas
Ciber Físicos (CPS) e a Manufatura Aditiva. Autores como Vermulm (2018) acrescentam outras, como a
Computação em Nuvem, o Big Data, as Tecnologias de Comunicação Sem Fio, os Sistemas Integrados de
Gestão e a Robótica. Todas elas já são, em maior ou menor grau, exploradas pelo jornalismo.
Enquanto as três primeiras revoluções9 industriais são consensuais na academia, a quarta ainda suscita
alguma resistência, principalmente entre os teóricos mais avessos às influências do mercado. Não é o caso de
Schwag (2016), fundador e presidente-executivo do Fórum Econômico Mundial, que defende que ela está em
curso e irá alterar o mundo de uma forma que a humanidade nunca viu, em uma velocidade alarmante. “A
escala e a amplitude da atual revolução tecnológica irão desdobrar-se em mudanças econômicas, sociais e
culturais de proporções tão fenomenais que chega a ser quase impossível prevê-las” (SCHWAB, 2016, p.24).
O autor não tem dúvidas de que seus impactos serão ilimitados tanto na indústria de fabricação de bens
físicos quanto simbólicos, incluindo aí o jornalismo. Isso porque, segundo ele, mesmo os empregos que exigem
habilidades sociais e criativas, além de tomadas de decisão em situações de incertezas, podem não resistir a
automação acelerada pela inteligência artificial.

Algoritmos sofisticados podem criar narrativas em qualquer estilo apropriado para um público específico. O conteúdo
soa tão humano que um teste recente efetuado pelo jornal The New York Times mostrou que, ao ler duas peças
semelhantes, é impossível dizer qual delas foi criada por um autor humano e qual foi produzida por um robô. A
tecnologia avança de forma tão veloz que Kristian Hammond, cofundador da Ciência da Narrativa, uma empresa
especializada em geração automatizada de narrativas, prevê que, por meados da década de 2020, 90% das notícias
poderão ser geradas por um algoritmo, a maior parte delas sem qualquer intervenção humana (exceto a criação do
algoritmo, claro)” (SCHWAB, 2016, p.34 e 35)

Neste cenário, fica cada vez mais evidente que caberá ao agente humano muito mais saber como
programar a interpretação de dados capaz de gerar notícias do que colhê-los e até mesmo redigir as
reportagens. Entretanto, no atual estágio, este é apenas um cenário potencial. A Computação em Nuvem, o Big
Data, a IoT e a IA permitem que as máquinas já despontem como protagonista na coleta de dados mais
complexos, mas ainda cabe ao jornalista a tarefa de interpretá-los de modo a transformá-los em notícia. E, a
despeito da velocidade com que as transformações têm ocorrido, este tem se mostrado um dos campos mais
promissores da profissão, como já previam C.W. Anderson, Emily Bell e Clay Shirky (2013).
5. Determinismo tecnológico

Ao sistematizar as correntes que estudam a cibercultura, Francisco Rüdger (2013) alerta para o perigo de
se cair em armadilhas como a da crença no determinismo tecnológico, ofuscando o papel da política, assim
como de outras forças, na constituição do jornalismo de cada época. Nas palavras dele, “a tecnologia não é uma
força neutra, mas também não é, em si mesma, malévola ou benéfica” (RÜDIGER, 2013, p.65).
O autor classifica em três correntes os estudiosos da cibercultura: 1) os populistas tecnocráticos que, com
tendências tecnófilas, reúnem os advogados de defesa de suas virtudes morais, econômicas e políticas; 2) os
conservadores midiáticos que, em contraponto, reúnem os promotores de acusação política e moral do
fenômeno; e 3) os cibercriticistas, que se interessam em refletir sobre as conexões entre cibercultura e poder
(político, social e econômico), levando em conta os problemas e desafios que isso acarreta para o sujeito social,
em especial o indivíduo (RÜDIGER, 2013, p.26). Para o autor, as duas primeiras incorrem no mesmo erro de
atribuir à tecnologia o papel de destaque na interpretação do fenômeno, o que caracteriza o determinismo
tecnológico e, portanto, são rasas nas suas avaliações da cibercultura.
Para não incorrer em erros semelhantes, esta pesquisa se propõe a estabelecer outros fatores, para além
do tecnológico, que incidem na importância do jornalismo de .. Entre eles estão a crise do modelo de negócios
do jornalismo, que tem buscado cada vez mais no jornalismo de dados direcionado a nichos de mercado um
novo caminho, e as políticas públicas de transparência, que permitem acesso a grandes volumes de dados
públicos, cujo acesso seria inimaginável até poucos anos atrás.

6. Crise do modelo de negócio

É consenso que o jornalismo vive uma crise sem precedentes. Um momento de total quebra de paradigmas
em que as condições técnicas e materiais empregadas na produção e divulgação das notícias ao longo dos
últimos dois séculos já não se aplicam mais. Teóricos tradicionalmente ligados ao mercado concordam que a
crise atual será longa e refundará as bases da profissão.
É o caso de três dos maiores pesquisadores da área dos Estados Unidos, os professores da Columbia
Journalism Scholl, C.W. Anderson, Emily Bell e Clay Shirky (2013). Em um amplo relatório de pesquisa sobre o
que eles denominam “jornalismo pós-industrial”10, os autores classificam o atual processo não como uma
simples mudança ou mesmo um conjunto delas, mas sim como uma verdadeira revolução: “Estamos em meio a
uma revolução, e a adaptação às novas fronteiras da profissão é a condição de sobrevivência nesse cenário, que
prevê o uso intensivo de bases de dados, além da interação com múltiplas fontes e com o público”
(ANDERSON, BELL e SHIRKY, 2013, P.30). O trabalho tem como foco a imprensa norte-americana, mas atende
a outros cenários deste mundo onde a comunicação é, de acordo com Lima (2006), “cada vez mais
monopolizada e internacionalizada”.
O documento apresenta diretrizes para que tanto jornalistas quanto as empresas de comunicação
tradicionais consigam se adaptar aos novos tempos. O pressuposto é que o jornalismo é uma atividade
essencial da qual nem mesmo democracias consolidadas podem prescindir sem prejuízos imensos para a
política, a economia, a vida social como um todo: “O jornalismo exerce papel insubstituível tanto em regimes
democráticos como em economias de mercado” (ANDERSON, BELL e SHIRKY, 2013, P.33).
Entre as constatações do documento, consta a de que o jornalista terá que se reinventar. No mundo em
que todos os bilhões de cidadãos do mundo se um tornam produtores potenciais de notícias, o jornalista
precisará descobrir uma nova função neste novo ecossistema. E tudo indica que, seja em que meio ele atuar,
essa função será não mais a de produtor exclusivo de conteúdo, mas a de organizador, interpretador e analista
dos dados disponibilizados na rede. Dados estes que crescem no mundo virtual em velocidade exponencial.
Leonardo Mancini e Fábio Vasconcellos (2016) atribuem a esta revolução o interesse crescente pelo
jornalismo de dados. Segundo eles, o modelo atual das empresas de comunicação classificado como industrial
está em transformação, “indo em direção, provavelmente, a organizações com estruturas menores, mais
dinâmicas e com a internet como aliada, e não inimiga, de suas práticas” (MANCINI E VASCONCELLOS, 2016,
P.1).
Empresas de comunicação que podem ser classificadas hoje como alternativas às líderes de mercado do
modelo industrial em transição, como é o caso da Repórter Brasil, uma organização não governamental que se
destaca não apenas por trabalhar que trabalha com modelos alternativos de financiamento, como a disputa de
editais nacionais e internacionais e o crowdfunding11, mas principalmente por disponibilizar na rede bancos de
dados construídos a partir de informações públicas que nenhuma pessoa ou órgão teve ideia ou fôlego para
transformar em notícias.

7. Lei de Acesso à Informação


Outro fator que favoreceu o uso do jornalismo de dados na cobertura das Eleições 2018, mesmo que ainda
de forma incipiente, foi a Lei nº 12.527/2011, que regulamenta o direito constitucional
de acesso às informações públicas. Batizada de Lei de Acesso à Informação (LAI), foi sancionada pela ex-
presidenta Dilma Rousseff em 18 de novembro de 2011 e entrou em vigor em 16 de maio de 2012.
A LAI criou mecanismos para que quaisquer pessoas, físicas ou jurídicas, possam acessar informações
públicas dos órgãos e entidades dos três poderes, gratuitamente, sem a necessidade de sequer apresentar
motivos. As entidades privadas sem fins lucrativos também são obrigadas a dar publicidade a informações
referentes ao recebimento e à destinação dos recursos públicos por elas recebidos. As exceções ficam com as
informações pessoais das pessoas físicas, incluindo aí dados de saúde, e informações sigilosas classificadas
como ultrassecretas (que levam 25 anos para se tornarem de conhecimento públicos), secretas (15 anos) ou
reservadas (5 anos), em função do risco que sua divulgação possa oferecer ao país e seus cidadãos.
A LAI estabelece um conjunto mínimo de informações que devem ser publicadas nas seções de acesso a
informações dos sites dos órgãos e entidades, com prazo discriminado na lei. As demais informações podem ser
solicitadas pelos cidadãos ou entidades aos órgãos e entidades, que têm prazo de até 20 dias, prorrogável por
mais 10, para efetuarem o atendimento. O solicitante tem prazo de 10 dias para entrar com recurso ou
reclamação caso não tenha sido atendido a contento.
A LAI também incentiva a proatividade dos órgãos na divulgação das informações, estabelecendo a cultura
da chamada transparência ativa. Desta forma, tornam-se cada vez mais comuns iniciativas como a do Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) de obrigar os candidatos às eleições 2018 de prestarem contas das doações recebidas
em até 72 horas após o crédito em conta12.
Cabe destacar aqui que as normas estabelecidas pela LAI que possibilitaram o acesso do cidadão – e,
portanto, do jornalista – a grandes bancos de dados nas Eleições 2018 já sofreram seu primeiro ataque logo
após a posse do novo governo eleito. No dia 24 de janeiro de 2019, o presidente em exercício, general da
reserva Hamilton Mourão13, assinou um decreto que limitou o dispositivo legal. A mudança na LAI permite,
entre outras coisas, que dirigentes máximos de autarquias, de fundações, de empresas públicas e de
sociedades de economia mista e até cargos comissionados do governo (aqueles que não são ocupados por
funcionários públicos) possam classificar informações como ultrassecretas, ampliando o volume dos dados
sigilosos, que deveriam ser a exceção, e não a regra. Pelo texto original da LAI, essa classificação só poderia
ser feita pelo presidente da República, vice-presidente, ministros de Estado, comandantes das Forças Armadas
e chefes de missões diplomáticas ou consulares permanentes no exterior.

8. Análise das reportagens citadas

A webreportagem “Desmatadores doam R$ 11,2 mi a 178 candidatos; presidenciável entre eles” foi
produzida a partir do cruzamento de dois importantes bancos de dados públicos: o do portal do TSE14, que, nas
Eleições 2018, permitia a consulta em tempo real15 das doações recebidas pelos 29.085 candidatos ao pleito, e
o do Ibama, que permite o acesso a lista completa de autuações e embargos ambientais já operacionalizados
pelo órgão16.
Para chegar ao texto final da matéria, os repórteres fizeram, uma semana antes do prazo de publicação,
uma versão teste do cruzamento dos dados. A partir dela, puderam ter uma ideia de quais dados poderiam
extrair do cruzamento dos dois bancos e, assim, elencar os mais importantes para, no deadline final, fazerem o
cruzamento oficial e, a partir dele, levantarem mais informações sobre os envolvidos, especialmente usando o
banco de dados e ferramenta “Ruralômetro”, e, por fim, ouvirem todos os candidatos citados.
Apesar de ter sido produzida em tempo recorde, a webreportagem cumpriu a risca o preceito jornalístico
de dar espaço a todos os citados. No decorrer da matéria, apresenta um resumo da explicação dada por cada
candidato e cada doador envolvido. Informa sobre aqueles que não quiseram comentar o assunto e, no final da
matéria, ainda apresenta a íntegra da resposta daqueles que responderam aos questionamentos.
Do ponto de vista da forma, usou atributos do gênero, como o texto longform (8.137 caracteres,
desconsiderando-se título, subtítulo, legendas e as respostas na íntegra), hiperlinks (dois), imagens (oito
fotografias de arquivo, agências de notícias ou reproduções das redes sociais dos candidatos) e infográficos
(apenas um). Entretanto, não investiu em áudios, vídeos e nem mesmo em uma arquitetura da notícia mais
refinada, optando pelo estilo tradicional de rolagem de barra padrão do site Uol, com alternância entre texto,
imagens e infográfico.
Em relação às tecnologias da Indústria 4.0, a webreportagem fez uso de três delas. Apropriou-se do Big
Data ao explorar grandes bancos de dados públicos disponíveis no ciberespaço. Utilizou ferramentas de IA para
programar a captura dos dados elencados pela reportagem como de maior interesse para a matéria. E usou a
Computação em Nuvem para a troca de material (incluindo aí apuração, produção e edição do texto) entre
repórteres e editores, alocados em pontos diferentes do país.
A narrativa contida na webreportagem foi toda construída a partir dos dados obtidos com os cruzamentos,
que suscitaram furos jornalísticos indiscutíveis. O levantamento mostrou que dos mais de 29 mil candidatos,
apenas 178 receberam doações das empresas tidas como inimigas do meio ambiente, distribuídas entre 31 dos
35 partidos políticos com registro no pleito, de todas as matizes ideológicas. Mas não eram quaisquer 178, e
sim aqueles com potencial eleitoral e com larga ficha de serviços legislativos prestados aos ruralistas e afins.
Entre eles está, por exemplo, o então deputado federal Luiz Nishimori (PR-PR), agora reeleito. Nishimori
ganhou destaque na cena política por ter sido o relator do Projeto de Lei 6299/2002, que ampliou a liberação
do uso de agrotóxicos no país. Para a nova candidatura, conseguiu um reforço no caixa de R$ 100 mil doados
por empresários desmatadores do Grupo Horita – conglomerado que detém 150 mil hectares de terras no oeste
da Bahia, em unidades destinadas à produção de soja, milho e algodão.
Outra liderança beneficiada por doações de desmatadores foi o então deputado federal Luis Carlos Heinze,
que disputou uma vaga ao Senado. Proprietário de uma fazenda multada pelo Ibama por ter cometido sete
infrações ambientais, Heinze recebeu R$ 25 mil de Carlos Ernesto Augustin, também multado por desmatar e
destruir florestas em sua propriedade no município de Alto Garças (MT). Agora eleito senador, Heinze foi
deputado federal por cinco mandatos e teve papel de destaque na aprovação do novo Código Ambiental, que
reduziu as áreas de reserva legal em 2012. Na campanha de 2014, arrecadou R$ 548 mil de empresas autuadas
pelo Ibama. Na atual legislatura, atuou para suspender demarcações de terras quilombolas e retirar a posse de
terras indígenas da etnia Kaingang.
As exceções a esta regra dos bons serviços prestados aos ruralistas foram os candidatos que lançaram
mão do autofinanciamento. Entre eles o agora senador Irajá Abreu, àquela época considerado o deputado
federal campeão de desmatamento, que repassou R$ 14 mil à sua própria campanha. Filho da candidata à vice-
presidência da república, Kátia Abreu, ele foi multado em R$ 120 mil pelo Ibama por desmatar vegetação de
preservação permanente em área equivalente a 75 campos de futebol.
Integra também a lista o campeão de recebimento de doações o empresário da indústria farmacêutica
Fernando Marques, derrotado na disputa por uma vaga como senador pelo SDD do DF. Ele repassou R$ 2
milhões para sua campanha. Com o maior patrimônio declarado das eleições (R$ 667 milhões), Marques possui
propriedades urbanas e rurais e foi autuado pelo Ibama em 2009, por “impedir ou dificultar a regeneração
natural de florestas ou demais formas de vegetação nativa”, no município de Mineiros, em Goiás.
O cruzamento dos dados também registrou o recebimento de doações de desmatadores por medalhões da
política brasileira, como o presidenciável Álvaro Dias (Podemos), agraciado com R$ 50 mil de Gilson Mueller
Berneck, fazendeiro multado em 2008 por destruir florestas na Fazenda Santa Efigênia, em Juara, Mato Grosso.
Dias afirmou que não conhecia Berneck, mas, com uma pesquisa na internet, a reportagem comprovou que
ambos estiveram reunidos em 19 de outubro de 2011, na Federação das Indústrias do Paraná, para discutirem
o novo código florestal e as reformas tributária, trabalhista e fiscal.

9. Considerações Finais

A análise desta webreportagem deixa claro que o jornalismo de dados pode oferecer contribuições valiosas
ao jornalismo político e à democracia, principalmente nestes tempos de fake news e pós-verdades. A partir
dela, foi possível traçar o perfil dos candidatos agraciados com a doações dos desmatadores e desvelar algumas
das razões que sustentaram suas escolhas. O trabalho foi feito considerando o uso de algumas poucas
tecnologias da Indústria 4.0 já aplicadas com domínio no processo jornalístico. A tendência é que, com o
desenvolvimento de novas técnicas e sua difusão, além da maior utilização do jornalismo de dados pelos
veículos que se inserem na lógica destes novos modelos de negócio, os resultados sejam ainda mais
promissores. O principal desafio hoje é, portanto, evitar que mecanismo legislativos de transparência ativa
sejam tolhidos e restringidos pelos governos de plantão, a exemplo do que já ocorreu com a LAI, a partir do
decreto assinado pelo general Mourão.

Referências
ANDERSON, C.W.; BELL, Emily e SHIRKY, Clay. O jornalismo pós industrial. Revista de Jornalismo da ESPM. São
Paulo, n-5, p. 30-89. Abril/maio/junho de 2013.
BRADSHAW, P. 2014. O que é Jornalismo de Dados. Manual de Jornalismo de Dados. Disponível em:
http://datajournalismhandbook.org/pt/introducao_0.html. Acesso em: 15/05/2015.
LAGE, Nilson. A Reportagem: Teoria e Técnica de Entrevista e Pesquisa Jornalística. São Paulo: Record, 2001.
LIMA, Venício. Mídia: Crise Política e Poder no Brasil. São Paulo, Editora Fundação Perseu Abramo, 2006.
LONGHI, Raquel; WINQUES, Kérley. O lugar do longform no jornalismo online. Qualidade versus quantidade e
algumas considerações sobre o consumo. Brazilian Journalism Research , Vol. 11 Nº 1 - abril/dezembro 2015.
Disponível em: https://bjr.sbpjor.org.br/bjr/article/view/693/621. Acesso em 27 abr/2019.
LONGHI, Raquel. A grande reportagem multimídia como gênero expressivo no ciberjornalismo. In: 6º
Simpósio Internacional de Ciberjornalismo, 6, 2015, Campo Grande (MS). Disponível em:
http://www.ciberjor.ufms.br/ciberjor6/files/2015/03/LONGHICIBERJOR.pdf . Acesso em: 27 ab/2019.
MANCINI, Leonardo; VASCONCELLOS, Fábio. Jornalismo de Dados: conceitos e categorias. Revista Fronteiras –
Estudos Midiáticos, Vol. 18 Nº 1 - janeiro/abril 2016. Disponível em:
http://revistas.unisinos.br/index.php/fronteiras/article/viewFile/fem.2016.181.07/5300 Acesso em 21 mar/2019.
RÜDIGER, Francisco. As Teorias da Cibercultura: perspectivas, questões e autores. Porto Alegre: 2ª edição, Sulina,
2013.
SCHAB, Klaus. A Quarta Revolução Industrial. Tradução: Daniel Moreira Miranda. São Paulo: Editora Edipro, 2016.
WERMULM, Roberto. Políticas para o Desenvolvimento da Indústria 4.0 no Brasil. Instituto de Estudos para o
Desenvolvimento Industrial (IEDI): São Paulo, julho de 2018. Disponível em:
https://www.iedi.org.br/media/site/artigos/20180710_politicas_para_o_desenvolvimento_da_industria_4_0_no_brasil.pdf.
Acesso em 20 abr/2019.

1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Jornalismo Político e Eleitoral do I Simpósio Nacional de Comunicação Política, Eleições e
Campanha Permanente, 27 a 28 de março de 2019.

2 Mestre em Linguagens, professora da UFSJ, najlapassosdf@gmail.com.

3 Doutor em Comunicação e Cultura (UFRJ), professor da UFSJ, jombarreto@gmail.com.

4 Graduanda em Jornalismo, estudante da UFSJ, aliciafsantonioli@gmail.com.


5 Universo Online, conhecido pela sigla UOL, é uma empresa brasileira de conteúdo, produtos e serviços de Internet do Grupo Folha, lançada
em 1996.
6 Foi fundado em 2001 por jornalistas, cientistas sociais e educadores com o objetivo de denunciar violações dos direitos humanos e questões
socioambientais. É considerado o principal centro de informações sobre combate ao trabalho escravo no Brasil.
7 Na sua proposição de novo gênero jornalístico, Longh (2014) prefere o termo reportagem multimídia à webreportagem.

8 Em 2017, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC) e a Agência Brasileira para o Desenvolvimento Industrial (ABDI)
criaram um Grupo de Trabalho com representantes de 50 entidades brasileiras para criar uma proposta de agenda brasileira para incentivar o setor
produtivo local a adotar as tecnologias da Indústria 4.0. O resultado pode ser acessado em http://www.industria40.gov.br/.

9 A 1ª Revolução Industrial foi marcada pela utilização em larga escala da máquina a vapor (1784). A 2ª, pelas linhas de produção com base
na energia elétrica (1870). E a 3ª pela automatização proporcionada pelos computadores e, mais tarde, pela internet (1969).

10 Termo usado originalmente em 2001 pelo jornalista Doc Searls para designar um jornalismo que já não é organizado segundo as regras da
proximidade do maquinário de produção, ou seja, um jornalismo em que a equipe que produz a notícia (repórteres, fotógrafos e editores, por
exemplo) não precisam mais estar perto da rotativa para agilizar a impressão do jornal. (ANDERSON, BELL e SHIRKY, 2013, P.37 e 38)

11 Tipo de para financiamento coletivo que agrega múltiplas fontes, incluindo pessoas físicas. Em tempos de cibercultura, é amplamente
utilizado para financiar projetos virtuais por meio de “vaquinhas online”, por meio das quais os próprios consumidores financiam o produto que os
agrada.

12 A determinação consta no Parágrafo 2º do Artigo 50 da Resolução Nº 23.553 do TSE, de 18 de dezembro de 2017, cujo relator foi o
ministro Luiz Fux.

13 O vice-presidente, Hamilton Mourão, assumiu a presidência da República para o presidente Jair Bolsonaro participar o Fórum Econômico
Mundial em Davos, na Suíça.

14 Os dados relativos às Eleições 2018 estão disponíveis em: http://www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/estatisticas-eleitorais.

15 O TSE estimulava os candidatos a prestarem contas das doações recebidas imediatamente. Entretanto, por força da Resolução Nº 23.553,
eles tinham até 72 horas para enviarem as informações por via eletrônica.

16 As informações do Ibama estão disponíveis em:


https://servicos.ibama.gov.br/ctf/publico/areasembargadas/ConsultaPublicaAreasEmbargadas.php.
CAPÍTULO 14

Comunicação e Política em dois tempos: análise da cobertura da Folha de


S.Paulo das marchas de 1964 e 20151

Talita Lucarelli Moreira2

1. Introdução

Objetiva-se neste trabalho verificar de que forma as notícias relativas à “Marcha da família com
Deus pela liberdade” e às Manifestações pró impeachment de 2015 foram enquadradas pela Folha de
S. Paulo. Estabeleceu-se como recorte as publicações dos dias 19 e 20 de março de 1964 e 15 e 16 de
junho de 2015, tendo em vista que estas datas correspondem, respectivamente, à primeira Marcha
organizada no período que precedeu o golpe militar, ocorrida no dia 19 de março e a última por ter
sido o dia 15 de junho o momento que marcou a volta dos manifestantes às ruas, ainda que com
características totalmente diferentes das observadas em junho de 2013.
No que diz respeito ao processo de produção das notícias, faz parte da rotina jornalística
recortar e enquadrar os fatos antes de torná-los públicos, evidenciando alguns aspectos e
negligenciando outros. A construção de conteúdos passa por fatores como a imposição de uma linha
editorial pelos veículos aos jornalistas por eles empregados e pelas características e crenças
individuais destes profissionais.
Cabe ainda a observação de que os veículos midiáticos se orientam por interesses que
ultrapassam as linhas editoriais por eles adotadas. Torna-se importante observar que a indústria
midiática é composta por empresas privadas que tendem a fragmentar a realidade de acordo com
critérios que se relacionam a aspectos comerciais e ideol​​ógicos de cada uma.
S​​Sabendo que os campos da mídia e da política estabelecem relação de mútua dependência,
sendo que os recortes estabelecidos sobre um determinado acontecimento ou agente político podem
produzir efeitos na esfera civil, acredita-se que seja possível, através da análise proposta, perceber se
há uma manutenção dos enquadramentos e discursos relativos aos atos de 1964 e de 2015 nas
publicações da Folha de S. Paulo.

2. Comunicação e Política: a mídia como palco central para o campo político

Compreender o lugar social ocupado pela mídia é essencial para que se produza entendimento
sobre as conexões entre o campo político e o campo midiático. Os veículos de comunicação servem
como ambiente de divulgação de informações e discursos que cumprem um papel imprescindível na
construção e na orientação da opinião e do conhecimento do público.
Tendo em vista o grau de penetração midiática na sociedade, a apropriação deste espaço pelos
atores políticos se torna fundamental para que eles ganhem visibilidade e notoriedade diante do
eleitorado. Apesar de seguirem lógicas diferentes, a comunicação e a política podem exercer mútua
interferência em seus campos. Para melhor compreender em que instâncias se configuram as relações
entre comunicação e política, é necessário conhecer os pontos de interseção entre esses dois campos.
Bourrdieu (2004) define o campo como sendo o espaço simbólico que se estabelece em um
regimento e uma dinâmica próprias, configurado por relações constituídas entre indivíduos e as
estruturas sociais. Os sujeitos nele inseridos se envolvem em disputas por posições hegemônicas
dentro do grupo e se adequam às normas e aos códigos de valores determinados pelo campo.
A posição que um sujeito ocupa em um campo poderá ser determinada pelo poder que ele possui.
Este poder está diretamente ligado à capacidade deste agente de obter sucesso em seus próprios
objetivos e interesses, bem como à forma como intervém no curso dos acontecimentos e em suas
consequências. (THOMPSON, 1998, p.21).
Para Bourdieu (2004), as relações que envolvem o campo comunicacional supõem mecanismos
de exercício do poder. Rodrigues (1990) afirma que a legitimidade do o campo dos media é delegada
pelos demais campos sociais e tem sua estrutura e funcionamento vinculados aos objetivos e
interesses de diferentes campos. Assim, o campo midiático faz a mediação entre assuntos próprios de
campos específicos e a sociedade.
Sendo assim, outros campos passam a se apropriar da lógica do fazer comunicacional para
ganharem visibilidade e lugar de fala, como no caso do campo político, que busca na mídia um
ambiente de disseminação de discursos e ideologias. Segundo Rodrigues (1990), o campo dos media,
no contexto moderno, assume uma posição central na sociedade. Para este autor, a esfera
comunicacional é um lugar em que o dizer prevalece sobre o fazer e, neste aspecto, o discurso passa a
ter centralidade no tecido social.
No que diz respeito ao campo político, Bourdieu (2004) salienta que o mesmo deve ser
compreendido tanto como um espaço de lutas quanto de forças em constante disputa. A concorrência
entre os agentes nele envolvidos gera fatos, acontecimentos e interpretações que podem ser
determinantes para a escolha dos cidadãos. A lógica estabelecida pelo autor leva ao entendimento de
que tanto os partidos quanto os agentes políticos conduzem suas ideias orientados pela intenção da
conquista de poder, tendo em vista a mobilização do maior número possível de pessoas que estejam
em consonância com seus discursos. Quanto maior for a força de mobilização de um partido ou de um
agente político, maior será a notoriedade acumulada no campo da política.
Miguel e Biroli (2010) destacam que o discurso político sofreu transformações e se adaptou ao
estilo midiático. Além disso, os autores salientam que estas mutações discursivas ocorrem conjugadas
à conjuntura histórica em que se incluem e com as possibilidades de difusão disponíveis. A relação de
dependência estabelecida entre o campo político e o comunicacional ocorre em um cenário em que o
primeiro não consegue se aproximar da esfera civil sem uma participação de longa escala da instância
de mediação (GOMES, 2004, p.321).
No entanto, a acomodação do discurso político à lógica midiática não se dá de forma tranquila.
Há uma relação tensa entre os dois campos, que pode ser compreendida pela própria lógica que rege
os campos sociais (BOURDIEU, 2004). Porém, Gomes (2004) explica que a política aciona os três
subsistemas de funcionamento da mídia, o que a torna cada vez mais espetacularizada. Segundo o
autor, uma vez que a lógica midiática, dominada pelo entretenimento, pelo drama e pela diversão, é
absorvida pela esfera política, os materiais produzidos pelo campo político passam a obedecer aos
valores da excepcionalidade e do espetacular impostos pela gramática comunicacional. No tópico
seguinte, pretende-se abordar de que forma os veículos midiáticos, a partir de critérios de
noticiabilidade e dos enquadramentos por eles produzidos, podem atuar como atores da produção de
sentido na sociedade.

3. Enquadramentos noticiosos: a produção de sentido social através dos recortes midiáticos

No processo de construção das notícias, seria função do jornalista apurar os fatos, recortá-los e
enquadrá-los, com o intuito de torná-los compreensíveis ao público. Desta forma, estes profissionais
atuam como mediadores entre os inúmeros fatos que ocorrem cotidianamente e o receptor,
selecionando os acontecimentos que possuem maior relevância. Ao estabelecer critérios que
determinam se algo deve ou não ser noticiado, o jornalista trabalha como um construtor da realidade,
enquadrando-a de forma que ela se torne socialmente compreensível.
Diferentemente da teoria do espelho (Traquina, 2001), que representa uma visão idealizada do
jornalismo imparcial, capaz de transmitir a verdade assim como o espelho reflete uma imagem, a
teoria do enquadramento supõe que o jornalista interfere e recorta o conteúdo que será por ele
noticiado, sem a imparcialidade sugerida pela teoria do espelho.
Segundo Sádaba (2007), para a teoria do enquadramento, o jornalista, ao cobrir um
acontecimento, tende a influenciar o modo como o mesmo será noticiado. A autora elenca algumas
características individuais do jornalista que podem interferir no processo de construção da notícia,
tais como a etnia, o sexo, a idade, a educação recebida, o lugar onde ele estudou jornalismo, as
experiências profissionais e as crenças que ele possui. Além disso, a autora destaca que as fontes
acionadas pelos jornalistas também exercem influência sobre a realidade por ele construída. Através
da escolha das fontes é possível dar à notícia um encaminhamento que a faça compatível com os
interesses dos jornalistas e dos veículos que representam.
Motta (2010) ressalta que os enquadramentos fazem com que um acontecimento seja passível de
ser compreendido. Ao citar Colling (2000), o autor explica que, ao enquadrar um fato, seleciona-se e
destaca-se alguns aspectos da realidade no texto comunicativo, de forma que informações podem ser
incluídas ou excluídas no processo de construção das notícias.
O enquadramento predominantemente utilizado pelos veículos midiáticos no jornalismo político
é, segundo Motta (2010), o frame dramático (narrativo). O autor esclarece que, ao estabelecer
ordenamentos narrativos para a realidade, os jornalistas têm a possibilidade de contar uma história e
estabelecer uma linha argumentativa que torna os fatos mais facilmente compreensíveis para o leitor.
As narrativas jornalísticas seriam não somente representações, mas apresentações da realidade. Sob
a perspectiva do autor, o jornalismo político tende a utilizar enquadramentos dramáticos lúdicos,
incorporando expressões como “guerra”, “batalha”, “duelo”, “quebra-cabeça”, porque esses frames
permitem enquadrar os enfrentamentos políticos buscando torná-los mais claros para sua audiência.
Ao enquadrar um acontecimento, o jornalista apresenta-o aos leitores, os quais não são
totalmente passivos aos conteúdos por eles recebidos. A teoria do construtivismo supõe que os
indivíduos são capazes de reagir aos conteúdos aos quais são expostos, possibilitando que eles
elaborem e organizem seu próprio conhecimento (BERGER & LUCKMANN, 1985).
Para Sádaba (2007), é na perspectiva construtivista que os sujeitos são capazes de interpretar a
realidade social, não agindo apenas como meros espectadores. Desta forma, a interpretação
individual possibilitaria atribuir novos significados aos fatos noticiados aos receptores.
Vale dizer que os veículos de comunicação têm a capacidade de selecionar o que será ou não
noticiado. Albuquerque (2010) explica que o papel da imprensa é por vezes descrito como o de um cão
de guarda que atua na defesa dos direitos coletivos, de forma que ela assumiria a função de um
‘Quarto Poder’. Lima (2007) explica que o conceito de jornalismo como ‘Quarto Poder’ teve origem no
contexto das revoluções liberais, na Inglaterra, no século XVIII. De acordo com a concepção liberal, o
jornalismo deveria exercer a função de contrapoder em relação aos poderes Legislativo, Executivo e
Judiciário.
Entretanto, Lima (2007) ressalta que, na medida em que os veículos midiáticos se transformaram
em grandes conglomerados multimídia, o papel de ‘Quarto Poder’ atribuído à imprensa pelos liberais,
que conceitua o jornalismo como livre, desvinculado de interesses econômicos e defensor dos direitos
dos cidadãos, tornou-se uma ilusão.
Ao buscar o lucro, os proprietários dos veículos de comunicação se afastariam da
responsabilidade de conceder as informações de forma justa e significativa aos cidadãos, conforme
explica Traquina (2001). O autor aponta ainda que os jornalistas devem exercer suas funções levando
em conta os assuntos que são importantes para a sociedade em detrimento de interesses específicos.
Traquina (2001) argumenta que as estratégias de construção das notícias devem propiciar ao cidadão
a compreensão e a avaliação crítica dos conteúdos a ele ofertados.
A análise proposta neste artigo tem como objetivo compreender de que forma a Folha de S.
Paulo, um dos veículos de maior circulação no território brasileiro, enquadrou e reproduziu as
manifestações de 1964 e 2015. Ainda que as marchas tenham ocorrido em contextos e tempos
históricos diferentes, pretende-se verificar se há uma unidade discursiva a respeito destes
movimentos.

4 Dois tempos de uma só história: análise do enquadramento das marchas de 1964 e 2015
na Folha de S. Paulo

Ainda que a “Marcha da Família com Deus pela liberdade” esteja temporalmente distante cinco
décadas das Manifestações de 2015, é possível perceber a existência de algumas convergências entre
elas. A mais evidente, talvez, seja o fato de que ambas tiveram peso significativo na perpetração de
golpes contra a democracia brasileira.
A “Marcha”, realizada em 19 de março de 1964, dia de São José, patrono da família e do
trabalhador, reuniu um número próximo a 300 mil pessoas, conforme destaca Sestini (2007). A
manifestação teria sido convocada como resposta ao comício de João Goulart, então presidente,
realizado na Central do Brasil no dia 13 de março de 1964, onde o presidente teria apresentado um
conjunto de propostas que poderiam causar mudanças na estrutura social e econômica brasileira, as
chamadas Reformas de Bases. Durante seu discurso, acompanhado por mais de 150 mil pessoas, o
presidente defendeu a reforma agrária, a ampliação do direito de voto aos analfabetos e militares de
baixa patente, além de reformas bancárias e administrativas. Segundo Gonçalves (2004), as propostas
de Jango eram interpretadas por seus opositores como o início da “cubanização” do país.
As “Marchas da família com Deus pela liberdade”, tal como elucidam Codato e Oliveira (2004),
contaram com ampla participação de setores católicos, de grupos políticos conservadores, da elite
empresarial, das classes médias urbanas e de movimentos femininos que condenavam a demagogia
populista, a corrupção e o comunismo. Orientados por valores tradicionais cristãos, estes grupos se
uniam em oposição ao governo de Goulart, transformando as bandeiras do antipopulismo e
anticomunismo em argumentos que justificariam a intervenção militar. Na “marcha”, os manifestantes
alegavam insatisfação com a situação do governo e acreditavam que os altos níveis de corrupção
poderiam ser solucionados a partir da adoção de um governo de repressão. Dias após a realização da
manifestação, em 31 de março de 1964, os militares tomam o poder por meio de um golpe, iniciando
um período que perdurou por duas décadas.
Conforme destacam Codato e Oliveira (2004), o país experimentaria em 1964 os efeitos de uma
polarização ideológica onde estariam opostos o liberalismo conservador e o reformismo nacionalista.
Neste sentido, a atuação de diferentes forças políticas e ideológicas no golpe, coordenadas e
financiadas pelo Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES), permitiram a mobilização de setores
do empresariado e das classes médias como porta-vozes de uma elite conservadora que seria
representante da “vontade do povo”.
As elites conservadoras manifestariam através da “Marcha” a oposição não apenas ao
comunismo e ao populismo, mas a qualquer conquista social que pudesse ser concedida às camadas
mais “baixas” da sociedade brasileira. Compreender como o conservadorismo expresso pelas classes
políticas e econômicas, que se mobilizaram em vias de arquitetar um golpe de Estado, é importante
não somente sob a perspectiva do desenrolar dos acontecimentos em 1964, mas para o entendimento
de todo o contexto político recente.
O fato de nunca compreendermos de forma verdadeira os golpes de Estado que ocorreram
anteriormente explica porque o atual pôde acontecer do mesmo modo e em defesa dos mesmos
interesses mesquinhos de sempre (SOUZA, 2016, p.12). Sob a perspectiva de Souza (2016), todos os
golpes ocorridos no país, inclusive o atual, teriam sido articulados pelos “donos do dinheiro”,
utilizando a corrupção como justificativa para a tomada do poder. Neste sentido, a elite financeira
seria capaz de cooptar as elites intelectuais, políticas, jurídica e jornalística, coordenando ações em
vias de orientar a opinião pública, de financiar eleições e fazer perpetuar suas vontades de forma
direta ou indireta.
A polarização política brasileira, acirrada no período eleitoral de 2014, onde Dilma Rousseff (PT)
foi reconduzida à presidência da república após uma disputa com Aécio Neves (PSDB), foi evidenciada
na figura dos “coxinhas” e “esquerdopatas”. Direita e esquerda disputavam não apenas por espaço no
poder público, mas nas ruas, nas redes e na mídia.
Em 2015, novas manifestações se espraiam pelas ruas das cidades brasileiras. Ainda que estejam
afastadas por cinco décadas da “Marcha da família com Deus pela liberdade” de 1964, os atos
ocorridos em 15 de março de 2015 dela se assemelham por evidenciarem novamente a polarização da
sociedade e pelo conservadorismo evidenciado na evocação das bandeiras nelas postas.
Gohn (2017) destaca que a multidão presente nas ruas no dia 15 de março de 2015 foi convocada
pelas redes sociais, especialmente por grupos que haviam surgido na cena nacional recente: o
“Movimento Brasil Livre” (MBL), o “Revoltados Online” e o “Vem pra Rua”. Estes grupos se
apresentavam em oposição ao governo federal, pedindo pela deposição da então presidente Dilma
Rousseff (PT). A manifestação, que segundo estimativas reuniu mais de 200 mil pessoas só na cidade
de São Paulo, chama a atenção não apenas pelo número de manifestantes, mas pela forma como
ocorreram. Gohn (2017) destaca a recorrência de selfies dos manifestantes, vestidos em sua maioria
com camisas da CBF, com o aparato policial presente no evento. A força policial, que normalmente
atua em vias de oprimir as manifestações com o uso da força, tornou-se alvo de fotos que mais tarde
seriam compartilhadas pelo público dos atos nas redes sociais. A autora aponta ainda para a presença
das classes médias brasileiras no ato do dia 15 de março.
Ainda que a autora destaque a presença de três grupos na organização e convocação dos
eventos, o MBL tornou-se o maior protagonista dos mesmos. Cabe ainda ressaltar a participação e
incentivo da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) e dos próprios veículos
midiáticos como divulgadores do movimento.
As manifestações do dia 15 de março de 2015 foram convocadas com base em critérios e valores
morais, fazendo apelo à ética e bradando contra a corrupção, não possuindo uma pauta específica
como demanda e sem a associação a um passado de lutas e militância por parte dos manifestantes
(GOHN, 2017, p.69). Estes grupos se organizaram nas ruas nos meses que se seguiram em 2015 e
continuaram a se mobilizar no ano posterior. Apesar de não terem poder decisivo no processo que
culminou com a deposição de uma presidente democraticamente eleita e sem crime de
responsabilidade, estes grupos tiveram peso considerável no desenrolar do processo.
Jinkins (2016) explica que, apesar de se tratar de uma ruptura de natureza diversa das
observadas nos países latino-americanos entre os anos de 1960-1980, onde as forças armadas se
aliavam ao grande capital e aos monopólios midiáticos para que a perpetração do golpe fosse possível,
o atual, ainda que em roupagens diferentes, repete a lógica do antecedente. Com ares de legalidade
inspirados pelo suporte do judiciário, o golpe é instaurado. Segundo esclarece a autora, “nenhum
golpista admite que se denomine sua ação em português claro: golpe de Estado” (JINKINS, 2016,
p.11).
Buscando compreender de que forma a Folha de S. Paulo, veículo de maior tiragem no país, que
se posiciona como pluralista, crítico e apartidário, enquadrou a “Marcha da família com Deus pela
liberdade” e as Manifestações de 2015, pretende-se analisar as matérias divulgadas pelo veículo entre
os dias 19 e 20 de março de 1964 e 15 e 16 de março de 2015. Utilizando da análise de conteúdo
categorial, pretende-se observar se há uma manutenção do discurso disseminado pelo veículo através
dos enquadramentos por ele empregados, das valências dadas às publicações, das fontes acionadas e
do próprio jornal, enquanto ator político.

4.1 Análise das publicações veiculadas pela Folha de S.Paulo a respeito da “Marcha da
família com Deus pela liberdade” e das “Manifestações de 2015”

Para que seja possível realizar a análise proposta, foram mobilizadas três categorias, onde serão
apresentados os “Enquadramentos das manifestações”, levando-se em consideração a valência das
publicações, os “Personagens/fontes” por ele acionadas, além do posicionamento do “Jornal como ator
político”.

4.1.1 Enquadramentos da “Marcha da família com Deus pela liberdade” de 1964 e das
Manifestações de 2015

Com o intuito de verificar o enquadramento das notícias veiculadas pelo jornal Folha de S. Paulo,
conforme mencionado anteriormente, foram coletadas e publicações referentes à “Marcha da família”
de 1964 e das Manifestações de 2015, as quais receberam o destaque de capa no veículo de
comunicação. O recorte compreende o período entre os dias 19 a 20 de março de 1964 e 15 e 16 de
março de 2015, que correspondem aos dias em que os atos ocorreram e aos dias posteriores,
respectivamente. Elencam-se abaixo os dados básicos das notícias estudadas, entre os quais estão
dispostos o título, a data de publicação, a editoria e a valência (negativa, positiva, neutra ou
equilibrada), sendo o (QUADRO 1) correspondente à “Marcha” de 1964 e o (QUADRO 2) referente às
Manifestações de 2015.

Quadro I – Enquadramento das notícias sobre a “Marcha da família” de 1964


Título das notícias Data Editoria Valência
Marcha da Família 19/03/1964 Primeiro caderno Positiva
Elevado número de adesões à Marcha pela liberdade 19/03/1964 Primeiro caderno Positiva
Povo, apenas povo 20/03/1964 Primeiro caderno Positiva
São Paulo para em defesa do regime e da constituição 20/03/1964 Primeiro caderno Positiva

Fonte: elaboração própria

Quadro II– Enquadramento das notícias sobre as Manifestações de 2015

Título das notícias Data Editoria Valência


Oposição decide aderir em bloco a protesto anti-Dilma 15/03/2015 Poder Positiva
Do Fasano para a rua 15/03/2015 Ilustrada Positiva
Multidão vai às ruas contra Dilma e assusta governo 16/03/2015 Poder Positiva
Caras da avenida 16/03/2015 Poder Positiva
Tietados, policiais posam para fotos com manifestantes 16/03/2015 Poder Positiva

Fonte: elaboração própria

Analisando-se apenas os títulos de cada matéria extraída da capa das edições das publicações de
1964 e de 2015 da Folha anteriormente citadas, é possível notar que todos eles apresentavam e
apontavam para aspectos positivos relacionados às manifestações. Já no que diz respeito ao conteúdo
de cada matéria, o enquadramento dado aos eventos de março de 1964 e março de 2015 apontam
com unanimidade para valências positivas, confirmadas através da utilização de termos que atribuem
a ambos os movimentos como expressões democráticas da vontade soberana do povo e do desagrado
com os governos dos períodos a que se referem. Nota-se, neste sentido, uma manutenção de um
discurso positivo a respeito dos eventos pelo veículo.

4.1.2 Personagens/fontes

As publicações analisadas no período de 19 e 20 de março de 1964 e de 15 e 16 de março de


2015 receberam um enquadramento positivo pela Folha, como foi observado no tópico anterior. Na
publicação de título “Marcha da família” do dia 19/03/1964, o povo aparece como personagem
central, sendo colocado como um agente trabalhador, ordeiro, que sente nas más condutas do
governo uma afronta aos valores morais e cristãos. O governo é condenado por suas “práticas
comunistas” e o Ministério da Educação é acusado de reescrever a História do Brasil em termos
marxistas. Enquanto o governo de Jango é condenado por querer implantar um regime
antidemocrático no país, o povo de bem foi convocado a demonstrar sua insatisfação nas ruas. O texto
segue uma lógica opinativa e não são acionadas fontes.
Já na publicação intitulada “Elevado número de adesões à Marcha pela liberdade” do dia
19/03/1964, as os grupos de mulheres organizadoras da “Marcha” têm protagonismo. Segundo
informa a matéria, militares, religiosos, autoridades civis e políticas teriam sido convocados para o
ato. A primeira dama do estado de São Paulo figura como representante do marido, o então
governador Ademar de Barros. Representações dos comerciantes e a FIESP figuravam entre as
instituições que chamavam pela participação do povo na “Marcha” e incentivavam o encerramento do
expediente, facilitando a participação dos funcionários no ato. A polícia figura como o personagem
garantidor da ordem e da segurança dos manifestantes. No que diz respeito às fontes, foram ouvidos
predominantemente vozes institucionais, representadas pelo grupo de senhoras que estavam entre os
organizadores da “Marcha”, o governo estadual de São Paulo, autoridades do DOPS (representando a
polícia), a Associação do Comércio e a FIESP.
Na matéria de título “Povo, apenas povo” do dia 20/03/1964, o povo figura novamente como
personagem principal. Segundo a publicação, a multidão presente nas ruas teria exprimido a vontade
geral de afastar a ameaça de um regime antidemocrático do país. Este povo descrito pela Folha teria
as ruas em nome de suas crenças e tradições de forma espontânea e sem a doutrinação dos
manipuladores das massas, conforme ressalta a publicação. Com o ordenamento opinativo proposto
pelo texto, não são acionadas fontes.
A publicação “São Paulo para em defesa do regime e da constituição”, também publicada no dia
20/03/1964, políticos, líderes religiosos, professores e militares figuram entre os personagens que
tiveram destaque através de suas falas ao povo na “Marcha da família”. Sem o acionamento direto de
fontes, a Folha optou por informar sobre o conteúdo dos discursos proferidos no evento, como o do
senador padre Calazans, que ressaltou que a manifestação coincidia com o dia de São José, padroeiro
da família e dos manifestantes ali reunidos. O senador teria ressaltado que Fidel Castro seria o
padroeiro de Brizola, Jango e dos comunistas, inflamando um número estimado entre 300 e 500 mil
pessoas a mostrar para o presidente que o povo queria a democracia, em resposta ao comício de
Goulart na Central do Brasil. Consta ainda na publicação que militares tiveram sua fala aplaudida
pela multidão que carregava bandeiras do Brasil. Através dos mais diversos discursos, o povo era
alertado sobre os perigos que ameaçavam a pátria e segundo a publicação, em um dos momentos da
marcha os manifestantes gritavam “um, dois, três, Brizola no xadrez e se tiver lugar leva o Jango
também”. Em seguida, o grupo teria cantado o hino nacional.
No que tange às Manifestações de 2015, a publicação intitulada “Oposição decide aderir em
bloco a protesto anti-Dilma”, publicada no dia 15/03/2015, é protagonizada por lideranças políticas de
oposição, personificadas por partidos como PSDB e DEM e pelos grupos que seriam responsáveis pela
convocação e organização dos atos (MBL, Vem pra Rua e Revoltados Online). Não há o acionamento
de fontes diretas, mas são citados os nomes de vários agentes políticos que declararam
comparecimento nos atos, como o então senador Aécio Neves (PSDB), que na ocasião classificou que
as manifestações do dia 15 de março ficariam marcadas como um dia histórico. Aparecem ainda
citações que dizem respeito a uma publicação da presidente Dilma Rousseff (PT) no Facebook
colocando-se como líder democrata, dizendo valorizar as manifestações democráticas e pedindo que
os atos ocorressem sem violência. Há uma breve descrição dos grupos que organizam os atos e são
colocados os locais e horários onde ocorrerão as manifestações.
A matéria “Do Fasano para a rua”, também publicada na edição do dia 15/03/2015, é
protagonizada pelo estilista Sérigio K. O empresário diz não gostar de multidões e alega não se sentir
bem em ambientes com pessoas que não conhece, mas, ainda assim, quebraria suas regras para
participar da manifestação contra Dilma Rousseff (PT). O estilista, que diz ter votado no candidato
tucano à presidência em 2014, Aécio Neves, foi responsável por produzir camisas estampadas com a
frase: “A culpa não é minha, eu votei no Aécio”. Sérgio comenta que foi hostilizado em redes sociais
por ter fotos em restaurantes famosos como o Fasano e alega que playboys e mauricinhos também
podem protestar. Diz ainda que, apesar de ser “almofadinha”, tem funcionários que não o são e segue
as alegações dizendo que protesta por eles e pela sua própria manutenção de seus próprios
privilégios. Seguindo o formato de entrevista, Sérgio é a única fonte ouvida.
Já no dia 16/03/2015, a matéria de título “Multidão vai às ruas contra Dilma e assusta governo”
traz o povo que foi às ruas vestido de verde e amarelo como protagonistas do ato. Os manifestantes,
estimados em 210 mil pelo Data Folha e 1 milhão pela PM, teriam impedido os políticos presentes de
discursar. Fontes institucionais são acionadas de forma indireta. A Polícia Militar cede os números de
manifestantes presentes nas ruas, o Ministro da Justiça José Eduardo Cardoso e o chefe da Secretaria
Geral da Presidência Miguel Rosseto são destacados como as figuras escolhidas por Dilma (PT) para
comentarem as Manifestações e falarem em defesa do governo em uma entrevista coletiva que teria
rendido vaias e panelaços durante sua exibição. Ao senador Aécio Neves (PSDB) é atribuída a fala
divulgada em suas redes sociais pedindo que os manifestantes não se dispersassem. Há ainda o
acionamento de fontes diretas que representavam o povo presente nas manifestações. Entre os
ouvidos, destaca-se a fala de um artista que diz sentir vontade de sair do Brasil devido à alta do dólar,
da inflação e das faltas de segurança, de qualidade do transporte e de educação. Há ainda um
contador que evoca a necessidade de uma intervenção militar para colocar fim à corrupção.
Na segunda matéria publicada no dia 16/03/2015, sob o título “Caras da avenida”, são
destacadas as características dos manifestantes que protagonizaram o ato do dia anterior, composto
principalmente por famílias. Na publicação, relatam-se as diferenças entre os atos de 2015 e 2013,
destacando que os atos anteriores teriam sido marcados pela participação massiva de jovens e pelo
confronto policial. Ao contrário de junho de 2013, os manifestantes presentes nos atos do dia 15 de
março teriam chamado a atenção por tirar selfies com a PM e com a Tropa de Choque. O líder do
movimento “Vem pra Rua”, Rogério Chequer, que teria inflamado os manifestantes dizendo não
aguentar mais a corrupção do governo, foi citado como fonte indireta. Por ser uma matéria que
pretendia traçar o perfil dos manifestantes, vários deles foram ouvidos de forma direta, dentre eles
um economista que destacou o fato de os manifestantes de 2013, os que queriam os 20 centavos, não
estarem presentes nas manifestações de 2015. Segundo ele, ali estavam os que queriam mais. São
destacados também grupos de senhoras que pediam a volta dos militares, dentre elas Maria Isabel
Fleury, viúva do delegado e conhecido torturador do período ditatorial brasileiro, Sérgio Paranhos
Fleury. Há ainda a evocação de fontes que diziam já terem votado em candidatos petistas, como no
caso de uma jovem que se diz decepcionada com o governo, embora admita que o PT tenha sido o
partido que mais trabalhou pelos pobres. A estudante afirma ser beneficiária do PROUNI, programa
do governo que concede bolsas aos estudantes em instituições privadas de ensino superior e diz ter
sentido falta de manifestantes periféricos no ato.
Por fim, na matéria “Tietados, policiais posam para fotos com manifestantes”, também publicada
no dia 16/03/2015, os policiais figuram como protagonistas, juntamente com os manifestantes. Relata-
se o fato de que os PMs, comumente hostilizados durante as manifestações, teriam sido tietados por
manifestantes que abraçavam, elogiavam e pediam para tirar selfies com os policiais. Além dos
policiais presentes no ato, manifestantes também foram acionados como fontes diretas. O comandante
do Batalhão de Choque, Joselito Sarmento de Oliveira Júnior comentou sobre a excepcionalidade dos
pedidos e destacou o apoio recebido pelo povo nas ruas. Uma das manifestantes ressaltou o fato de
que o respeito pelos policiais advém do fato de serem eles os responsáveis pela proteção das pessoas.
Por meio da análise das publicações, observa-se a predominância de matérias que utilizam fontes
oficiais de forma massiva. Das unidades analisadas em 1964, atenta-se para a ausência de fontes
provenientes do público presente nas manifestações. Ainda que tenham protagonizado grande parte
das matérias, sua voz não aparece nelas de forma direta, ainda que seus anseios sejam genericamente
expostos. No que tange às Manifestações de 2015, conforme o período analisado, percebe-se que, nas
publicações posteriores aos atos, houve a inserção de fontes que estiveram presentes nas ruas.
A escolha pelas fontes primárias está relacionada à perspectiva construcionista do jornalismo
(BERGER & LUCKMANN, 1985), mais especificamente à Teoria Estruturalista. Traquina (2001)
explica que a imprensa luta contra a tirania do tempo e, para garantir o fechamento dos jornais, são
utilizados a se organizar no tempo e no espaço. Para isso, criam uma rede de fontes que dão suporte
para as diferentes editorias. Conforme explica Traquina (2001), há uma dependência cada vez maior
dos jornalistas em relação aos “definidores primários”. Tanto no caso das manifestações de março de
2015 quanto na “Marcha da família”, as fontes que aparecem com ênfase são a Polícia Militar,
representantes dos governos e dos grupos que organizaram os movimentos, ainda que nos atos de
2015 os manifestantes tenham sido ouvidos pela Folha. Isso, segundo o autor, reforça a visão de
mundo das instituições sociais consolidadas ao dar voz, preferencialmente, a fontes ligadas à lógica
estrutural da sociedade.

4.1.3 O jornal como ator político

Considerando-se que as publicações analisadas correspondem a períodos históricos e políticos


diversos, poderia se esperar que houvesse mudanças significativas no discurso e na forma como as
“Marchas da família” e as Manifestações 2015 seriam enquadradas. Entretanto, tanto sob a ótica da
manutenção discursiva quanto dos enquadramentos, é possível observar uma continuidade discursiva
nos padrões adotados pela Folha de S. Paulo.
Cabe ressaltar que foram analisadas neste artigo as publicações destacadas nas capas
publicadas pelo veículo no período entre 19 e 20 de março de 1964 e 15 e 16 de março de 2015.
Passadas cinco décadas, a Folha manteve um posicionamento político de descrédito aos partidos de
esquerda e aos agentes que os integram. Em ambos os períodos históricos compreendidos no recorte,
as manifestações não apenas tiveram espaço de divulgação como também de convocação, sendo
publicados os horários dos atos e os locais de encontro dos grupos que os organizaram.
Conforme argumenta Motta (2010), os enquadramentos fazem com que um acontecimento seja
passível de ser compreendido. No entanto, o autor destaca que, ao enquadrar um fato, selecionam-se
alguns aspectos e os enfatizam em detrimento dos utros. No caso da “Marcha da família” de 1964 e
das Manifestações de 2015, a análise dos dados empíricos permite afirmar que a Folha de S. Paulo,
por uma decisão editorial, optou por um dar um enquadramento positivo aos atos, exaltando sua
natureza democrática e pacífica.

5. Considerações finais

A análise empregada neste artigo permite observar como um mesmo veículo pode manter a
abordagem e o enquadramento de eventos separados por um espaço temporal considerável. Para
além do enquadramento positivo empregado pela Folha no que diz respeito à “Marcha da família com
Deus pela liberdade” 1964 e às Manifestações de 2015, cabe ressaltar a convergência de pautas que
levaram os manifestantes às ruas. Em ambas há a presença de segmentos da elite brasileira e das
classes médias, que em nome do conservadorismo e da defesa de interesses de classes, se muniram
colocando-se como contrários à corrupção e à ameaça comunista. Embora não tenham sido
diretamente responsáveis pelos golpes que se sucederam em 1964 e em 2016, estes grupos deram a
eles o respaldo que precisavam para ocorrer.
A participação de grupos empresariais, como a FIESP e de conglomerados midiáticos também
deve ser destacada como força motriz para a perpetração dos golpes. Tal qual foi possível observar
pelas publicações realizadas pela Folha de S.Paulo no período analisado, os veículos midiáticos
tradicionais trabalharam de forma direta como desestabilizadores de governos que chegaram ao
poder de forma legítima e democrática, não somente convocando o povo às ruas, mas também
atuando continuamente na orientação da opinião do público através da divulgação de informações que
levavam a crer que o país precisava se livrar da corrupção e da ameaça comunista trazida pelos
esquerdistas. O combate ao inimigo é uma narrativa comum empregada pelo veículo em ambos os
momentos, ainda que em roupagens diferentes. Mais uma vez, a história se repete.

Referências
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TRAQUINA, N. O Estudo do Jornalismo no Século XX. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2001.

1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho 3 – Jornalismo Político e Eleitoral, I Simpósio Nacional de Comunicação Política,
Eleições e Campanha Permanente, 27 a 28 de março de 2019.

2 Doutoranda do programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Paulista (bolsista Capes). Mestre em Comunica​‐
ção e Poder pela Universidade Federal de Juiz de Fora e graduada em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade Federal de
Juiz de Fora. E-mail: talitalucarelli@gmail.com.
CAPÍTULO 15

OS MARGINALIZADOS E A POLÍTICA:
Análise de candidatas mulheres nas eleições 20181

Aurora Almeida de Miranda Leão2


Caroline Marino Pereira3
Laryssa Gabriele Moreira do Prado4
Vitor Pereira de Almeida5
Márcio de Oliveira Guerra6
Universidade Federal de Juiz de Fora

1. Introdução

Este artigo se propõe analisar a participação de candidatas que representam grupos


marginalizados nas eleições brasileiras de 2018, com foco em três mulheres eleitas. Para tanto, foi
realizada pesquisa empírica da materialidade de vídeos utilizados na campanha das candidatas,
disponíveis na plataforma online Youtube. O foco não está nos discursos produzidos e sim na sua
importância enquanto conteúdo audiovisual, que como todo produto midiático (especialmente
imagético), funciona como ator político nas eleições. Analisamos também a representação e
participação dessas candidatas no Jornal Nacional na semana anterior ao primeiro turno das eleições.
Historicamente, a mulher ocupa lugar de inferioridade na organização social, conforme aponta
Valquíria Michela John (2014): “Somente nos últimos dois séculos, sobretudo no século XX, as
mulheres começaram a conquistar outros espaços até então exclusivos do sexo masculino, como o
direito ao voto e o acesso ao mercado de trabalho” (JOHN, 2014, p. 500). Apesar dos avanços, a
equidade entre os gêneros não é vivenciada em sua plenitude. Quando refletimos sobre o papel da
mulher na política, é possível perceber um cenário de invisibilidade, sobretudo no Brasil, que ocupa a
152ª posição em relação ao percentual de parlamentares homens e mulheres na Câmara dos
Deputados, em um ranking de 190 países.
O modo como essas mulheres são representadas enquanto candidatas interfere nos resultados
das eleições? Há discursos machistas e misóginos em torno de suas candidaturas? Partindo destes
questionamentos, este artigo busca analisar a questão de gênero nas eleições nacionais de 2018.
A televisão é o principal meio de informação da população brasileira, por isso seu papel na
construção de uma sociedade mais igualitária deveria ser primordial. Neste sentido, a TV e os meios
de comunicação de massa deveriam trabalhar em prol da busca pela igualdade e cidadania de forma a
contemplar as expectativas de transformação social e de participação de grupos marginalizados,
como as mulheres. Destaca-se que esse potencial aumenta nas eleições, quando os telespectadores
recebem informações específicas dos candidatos. Desta forma, ressalta-se a importância de um olhar
atento à dimensão simbólica das representações de mulheres enquanto agentes sociais nos diferentes
papéis e no contexto de relações de poder, uma vez que a abordagem midiática contribui na
construção de imagens entre homens e mulheres.
A partir do contexto atual, marcado pela decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em garantir
que 30% do fundo partidário seja destinado às mulheres, e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), de
garantir 30% dos recursos do fundo eleitoral e do tempo de propaganda eleitoral gratuita para as
mulheres dos partidos, procura-se traçar um panorama da situação política brasileira e de sua
representação social. Para tanto, utiliza-se a Análise da Materialidade Audiovisual para realizar
inferências nos objetos selecionados. Entende-se que a comunicação e a informação são um direito e,
portanto, existem parâmetros que deveriam estar presentes em todo objeto audiovisual que visa
informar o cidadão, principalmente se tratando de material auxiliador ao cidadão na decisão do voto.
Aplicam-se às análises três eixos: Pluralidade, Diversidade e Cidadania/Autonomia.
As candidatas escolhidas foram Talíria Petrone (candidata a Deputada Federal pelo PSOL no Rio
de Janeiro), Joênia Wapichana (candidata a Deputada Federal pelo Rede de Roraima) e Áurea Carolina
(candidata a Deputada Federal pelo PSOL de Minas Gerais). A escolha se deu pela representação
social das candidatas, todas eleitas Deputada Federal pela primeira vez. Aplicam-se os mesmos eixos
às matérias do Jornal Nacional nas quais foram detectadas as presenças dessas candidatas.

2. Onde estão as mulheres na política?

Embora representem maioria7 numérica da população brasileira, as mulheres são consideradas


minoria em termos representativos, uma vez que a noção contemporânea de minoria, segundo Sodré
(2005), se refere àqueles que tiveram ou têm sido privados de maior participação na esfera pública e
da possibilidade de voz ativa nas instâncias decisórias do Poder. Temer e Lima relembram que: “O
machismo, pensamento da supremacia masculina, baseia-se em afirmar a superioridade masculina e
reforçar a inferioridade da mulher em várias formas de discurso: filosófico, científico, religioso,
jurídico e até mesmo popular” (TEMER, LIMA, 2014, p. 4). Essa hegemonia masculina se reflete
sobretudo na representatividade feminina na política.
Na sociedade contemporânea as mulheres ainda têm dificuldades de ocupar cargos de liderança
e poder, serem eleitas e terem voz ativa nas tomadas de decisões políticas. De acordo com dados da
Inter-Parliamentary Union, compilados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o
Brasil é um dos piores países em termos de representatividade política feminina, ocupando o terceiro
lugar na América Latina em menor representação parlamentar de mulheres.
No ranking, a taxa brasileira é, aproximadamente, 10 pontos percentuais a menos que a média
global. Além disso, está praticamente estabilizada desde a década de 1940, indicando que são poucos
os avanços das últimas décadas. E essa realidade pode ser observada em todas as esfera do poder do
Estado. Desde as câmaras de vereadores até o Senado Federal.
Somente em outubro de 2010, Dilma Rousseff (PT) venceu as eleições presidenciais no segundo
turno, tornando-se a primeira mulher a ser eleita presidente da República Federativa do Brasil. Em
um contexto com tantas lideranças masculinas, em seu segundo mandato, sofreu um processo de
impeachment marcado por discursos sexistas e misóginos. Essas questões, que afetam diretamente a
representatividade das mulheres na política, evidenciam-se, sobretudo, devido à processos históricos
de exclusão e silenciamento das mulheres que reverberam no cenário brasileiro até os dias de hoje.
Temer e Lima (2014) relembram que os discursos de supremacia masculina e subalternidade
feminina foram interiorizados pela sociedade e pelas próprias mulheres que mesmo “enfrentando
muitas dificuldades não pararam mais de tentar ocupar os mesmos espaços que os homens e com o
mesmo reconhecimento. O que ainda não aconteceu” (TEMER, LIMA, 2014, p. 4). Esses discursos
contribuiem significativamente na construção de imagens entre homens e mulheres baseados em
definições tradicionais de feminilidade e masculinidade.
Valquíria Michela John explica que neste tipo de categorização binária, são atribuídos papéis e
valores exclusivos ao homem e a mulher, repassados de geração em geração. Conforme a autora, é
impossível negar que, em uma sociedade midiatizada, os conteúdos veiculados pelos meios de
comunicação ocupam papel relevante nas definições de identidade - inclusive de gênero –, uma vez
que é por intermédio deles que são difundidas representações que tendem a reforçar estereótipos
socialmente construídos. “Levando-se em conta então que as relações de gênero não são naturais e
sim construídas social e historicamente, o discurso atua decisivamente na construção de nossas
representações quanto ao mundo e quanto às atribuições dos papéis de homens e mulheres” (JOHN,
2014, p. 501).
Joan Scott ao conceituar o que é ‘gênero’ explica que o termo indica construções culturais, “uma
forma de se referir às origens exclusivamente sociais das identidades subjetivas de homens e de
mulheres”. (SCOTT, 1995, p. 75). A autora (1995, p. 82) salienta que o modo pelo qual as sociedades
representam o gênero, também embasa o modo como se articulam relações e regras sociais, além de
ser uma das referências pelas quais mecanismos de poder se estabelecem. Scott conceitua o termo da
seguinte maneira: “O gênero é uma forma primária de dar significado às relações de poder. Seria
melhor dizer: o gênero é um campo primário no interior do qual, ou por meio do qual, o poder é
articulado” (SCOTT, 1995, p.88).
O filósofo Michel Foucault, em sua obra ‘Microfísica do Poder’ (1979), afirma que em uma
sociedade como a nossa existem relações de poder múltiplas que se atravessam e constituem o corpo
social. Tais relações não se estabelecem sem uma produção, circulação e funcionamento do discurso.
Discursos que produzem efeitos de verdade que, segundo o autor, decidem, transmitem e reproduzem
os efeitos de poder nos quais estamos submetidos: “Afinal, somos julgados, condenados, classificados,
obrigados a desempenhar tarefas e destinados a um certo modo de viver ou morrer em função dos
discursos verdadeiros que trazem consigo efeitos específicos de poder” (FOUCAULT, 2008, p. 180).
Se pensarmos no campo midiático como um espaço favorável para a circulação destes discursos,
é impossível negar que em uma sociedade midiatizada os conteúdos veiculados pelos meios de
comunicação ocupam um papel relevante nestas relações - inclusive nas definições de identidade e de
gênero – uma vez que é por intermédio deles que são difundidos discursos e representações que
tendem a reforçar estereótipos socialmente construídos. Mais especificamente no cenário brasileiro,
cuja televisão é historicamente o principal meio de informação de grande parte da população, seu
papel nestas construções narrativas e sociais se torna ainda mais relevante.

3. Silenciamento da voz feminina na televisão

Sendo assim, os meios de comunicação deveriam trabalhar em prol da busca pela igualdade e
cidadania de forma a contemplar as expectativas de transformação social e de participação de grupos
marginalizados. Scoralick defende que é preciso romper as condições desiguais e “uma nova
perspectiva discursiva dos meios de massa, em especial, no telejornalismo, em relação às minorias,
deve surgir como prioridade, inclusive na tarefa de ampliar os horizontes do processo de
democratização na sociedade brasileira” (SCORALICK, 2009, p. 197). Entretanto, como aponta a
autora, os veículos de mídia hegemônica raramente fogem à regra: “De uma maneira geral, o que
chega a ser exposto são os produtos que refletem as posições mais tradicionalmente estabelecidas”
(SCORALICK, 2009, p. 197).
Isso se deve ao fato da concentração de mídia em grandes conglomerados comerciais cujas
“instituições têm como objetivo primeiro a realização e a distribuição de lucro privado sobre o capital
investido, e isso afeta diretamente suas diretrizes” (WILLIAMS, 2016, p. 48). E é nesse cenário de
monopólio e interesses privados - como é o caso da comunicação de massa, sobretudo no Brasil - que
são disseminados os discursos hegemônicos.
Garaza (2015) afirma que, por isso, é relevante também pensar nos meios de comunicação
enquanto espaços nos quais o poder simbólico é criado e reproduzido. “O monopólio privado dos
meios de comunicação conseguiu legitimar um discurso hegemônico” (GARAZA, 2015, p. 6). A autora
(2015, p.13) salienta que, nas práticas de comunicação dos meios tradicionais, novas vozes têm
permanecido por muito tempo excluídas. Em consequência, os discursos dominantes se legitimam na
cena pública, ressaltando desigualdades - como a de gênero - e conservando discursos de supremacia
masculina.
Neste contexto, os discursos midiáticos ocupam papel privilegiado. Mais especificamente no
cenário brasileiro, cuja televisão é historicamente o principal meio de informação de grande parte da
população. Seu papel nessas construções narrativas e sociais se torna ainda mais relevante, uma vez
que, como afirma Gouvêa (2014), parece razoável pensar que a TV é capaz de construir e desconstruir
mitos, agendar os assuntos que serão discutidos, hierarquizar a importância dos temas e, “acima de
tudo, representar a realidade social, se constituindo como agente decisivo na construção dessa
realidade à qual a sociedade está submetida” (GOUVÊA, 2014, p. 3).
No presente artigo o foco está na televisão, uma vez que ela e, consequentemente, os telejornais
se instauram como “forma preferencial de acesso à informação em um país marcado pela oralidade e,
durante muitos anos, pela crença nas imagens e sons veiculados em edições de noticiários”
(COUTINHO, 2013, p. 01). Coutinho acrescenta que, para além do convite ao lazer ou ao
entretenimento, a televisão brasileira também se constitui como um importante instrumento de
informação: “Essa é a premissa fundamental, quase crença, do telejornalismo, gênero televisivo que
pertence à categoria Informação, e de muitos que têm esse tipo de programa como sua principal
forma de orientação no mundo” (COUTINHO, 2008, p. 01).
Se um discurso dominante é legitimado, vários outros são silenciados. A historiadora Rebecca
Solnit ressalta que “O silêncio é o oceano do não dito, do indizível, do reprimido, do apagado, do não
ouvido. Ele cerca as ilhas dispersas formadas pelos que foram autorizados a falar, pelo que pode ser
dito e pelos ouvintes” (SOLNIT, 2017, p. 27). Para a autora, o silêncio é um aspecto central na história
das mulheres. Privar as mulheres destes espaços de circulação de discursos é privá-las de exercer seu
direito humano à comunicação. “Se nossas vozes são aspectos essenciais da nossa humanidade, ser
privado de voz é ser desumanizado ou excluído da sua humanidade” (SOLNIT, 2017, p.28).
Para a autora, ter voz é um aspecto fundamental, sobretudo quando diz respeito à história dos (e
da falta de) direitos das mulheres. Ela aponta ainda que, não se refere apenas à voz no sentido literal,
mas sim à capacidade de posicionamento, participação, de se experimentar e de ser experimentado
como uma pessoa livre e com direitos (2017, p. 31). Segundo a autora, o silêncio é a condição da
opressão.
Levando em consideração tais questões, este artigo volta sua análise para a participação de
candidatas mulheres no contexto do telejornalismo nacional, destacando as abordagens no telejornal
mais representativo da principal emissora do país, o Jornal Nacional. No ar desde 1969, o JN é o
primeiro telejornal do Brasil a ser transmitido em rede. Atualmente, é exibido de segunda a sábado e
possui cerca de quarenta minutos de duração. A escolha do objeto empírico de pesquisa se deu pelo
fato de ser o principal telejornal da TV Globo e líder de audiência no horário nobre.
Porém, nosso foco também se volta para a presença das candidatas em mídia audiovisual
produzida para o Youtube pelas campanhas eleitorais de cada uma delas, numa tentativa de entender
como, apesar de inseridas num contexto de invisibilidade e silenciamento absoluto na mídia
hegemônica, essas mulheres conseguem falar de si e de suas plataformas sagrando-se vitoriosas à
Câmara Federal.

4. Análise dos Dados

Partimos do pressuposto de que é fundamental contar com a representação de mulheres por


mulheres. Quando essa representação se volta para a questão parlamentar, isso é ainda mais intenso
porque é capaz de conjugar outras perspectivas bastante relevantes, quando essas mulheres
acrescentam à sua atuação um discurso e um posicionamento que apontam para a questão de gênero.
Considerando o conceito de gênero como o egresso do movimento feminista anglo-saxão da
década de 1970 (LAMAS, 1999), temos a perspectiva de ruptura com o determinismo biológico, dessa
forma nos irmanando com as pesquisas de gênero que partem de uma categoria própria, ou seja,
contrapondo-se aos pressupostos de neutralidade e objetividade da pesquisa científica.
A busca por uma presença maior das mulheres nos espaços decisórios se insere em um
movimento mais amplo, que identifica, como um dos pontos decisivos de estrangulamento das
democracias contemporâneas, a sub-representação política de determinados grupos sociais. Afinal,
como dizem Martins e Coelho (2015),

As negras, indígenas, de classes abastadas ou mais pobres têm perspectivas distintas que precisam ser
trazidas à cena em nome da diversidade que melhora a elaboração de leis, políticas públicas e a qualidade
da representação. (MARTINS & COELHO, 2015, p. 18 e 19).

Nesse sentido, ao focarmos nosso olhar para três candidatas eleitas e seus entornos
sociopolíticos, afirmamos a relevância de destacar a perspectiva de gênero, conforme explicam Joyce
Martins e Rebeca Coelho, “visto que a disputa eleitoral, envolvendo mulheres, ganha contornos e
discursos distintos, melhor compreendidos quando se reflete acerca dos papéis socialmente atribuídos
ao feminino” (MARTINS & COELHO, 2015).
Outrossim, algumas indagações nos norteiam: de que modo temas relacionados às mulheres
apareceram durante as candidaturas de Talíria, Áurea Cristina e Joênia? Qual a importância de ter
esses temas nas campanhas? Como essas lutas foram colocadas no audiovisual? Essas campanhas
instigam pensar no tema da representação?
A análise empírica mostrou-se necessária para evidenciar que teoria, realidade e pautas de
reivindicações políticas precisam estar alinhadas. A pesquisa nos fez perceber, a partir do contexto
das redes sociais, sobretudo na plataforma do Youtube, que as candidatas colocaram sim propostas de
políticas públicas para mulheres como pauta central de suas candidaturas. Apesar disso, constatamos
também que as candidatas não entraram, em nenhum momento, nas edições do Jornal Nacional à
época da campanha eleitoral de 2018.
Neste telejornal, na semana anterior ao pleito, de 01 a 06 de outubro de 2018, foram exibidas 65
matérias, e em nenhuma delas as candidatas apareceram. O total veiculado ficou assim: 10 matérias
(01/10), 14 matérias (02/10), 10 matérias (dia 3), 08 matérias (dia 4), 11 matérias no dia 5, e 12
matérias no dia 06, e em nenhuma dessas os temas em destaque nas campanhas de Áurea, Joênia e
Talíria foram abordados. Ou seja: as candidaturas femininas que abordavam temáticas de gênero
foram invisibilizadas no telejornal de maior audiência no país.
Tendo que o olhar das Ciências Sociais é essencialmente qualitativo (WEBER, 2002), a opção
pelo gênero e os estudos feministas nasce da constatação da condição secular de exclusão das
mulheres nos mais diversos campos, nas mais diferentes sociedades, o que é observado na Educação,
na Saúde, na Ciência, na luta contra o machismo, o racismo, a violência, etc. Assim, a partir de noções
próprias da investigação feminista, como o reconhecimento da dominação social e ideológica imposta
às mulheres, partimos da convicção de que é substancial atentar para a representação descritiva
(HARAWAY, 1995), ou seja, admitir que mulheres devem representar mulheres.
Assim, duas categorias principais nos guiam: gênero e representação. Para refletir sobre essa
ambivalência, tivemos como parâmetro as seguintes indagações: como as candidatas se apresentam
em suas campanhas? Como os temas feministas foram evidenciados? Quais as narrativas assumidas
por cada uma? Como as temáticas das minorias foram pautadas? De que modos permitem pensar no
tema da representação?
Vamos então às candidatas: Talíria Petrone, eleita pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL),
representa Niteroi (RJ) e é a candidata mulher mais votada na história da cidade fluminense, com
14.776 votos. Professora de História, Talíria defende um discurso feminista, assume sua negritude e
diz que sua luta é travada na rua em contato direto com a comunidade e possíveis eleitores.
Defensora da causa LGBTQI, afirma que “Estou no Congresso especialmente para defender a
democracia.” E diz ainda:

Política é pé no chão, é o preço do pão e do ônibus, é se vai ter hospital ou não. E a direita conservadora se
apropriou da negação da política reforçando essa história conservadora [...] A gente precisa enfrentar o
racismo conjugando com o enfrentamento da desigualdade social. Eu preciso encampar a luta antirracista e
feminista (PETRONE, 2018). 8

Joênia Wapichana é a primeira mulher indígena no parlamento brasileiro, eleita pelo partido
Rede de Roraima. Bacharel em Direito, assumiu sempre um discurso de mandato popular em defesa
de todos os excluídos e não apenas dos indígenas. Vencedora do principal prêmio de Direitos
Humanos das Nações Unidas, concedido em 2018, assim se pronunciou na solenidade oficial de
entrega da honraria:

Sempre fui minoria por onde passei, Isso que me impulsionou a provar que somos capazes, que o indígena
não é inferior e que basta ter uma oportunidade, que ele agarra. [...] Minha identidade está na minha cara,
eu não tenho mistura. É essa cara da Amazônia que nós temos.[...] Eu vou trabalhar pro não-indígena
também. O que nós defendemos são os valores indígenas, que tomam decisões em conjunto, choram junto,
festejam junto e todos se preocupam com todos. (WAPICHANA, 2018).9

Áurea Carolina é mineira e cientista política, eleita pelo PSOL de Minas Gerais. Negra e
Feminista, seu discurso segue a mesma linha de Talíria e Joênia: defesa das minorias, combate ao
racismo e ao machismo, defesa da Educação e dos Direitos Humanos. Eleita com 79.290 votos está
entre os 100 mais influentes afrodescendentes do mundo, na lista do Most Influencial People of
African Descent (MIPAD). Entre suas muitas declarações na campanha do Youtube, afirmava:

Somos muitas e vamos juntas ocupar a Câmara dos Deputados. Vamos vencer no amor. O amor é uma chave
democrática, é também a única coisa que pode nos salvar nestes tempos de ódio. [...] Nós vamos mostrar
que as saídas estão na cooperação, na solidariedade, na convivência efetivamente. (CAROLINA, 2018)10.
O que podemos perceber após analisar as três candidaturas eleitas, pode ser resumido desta
forma: a representatividade feminina é pauta sim de todas as candidatas. Todas elas ressaltam a falta
de voz que traga o feminismo para o centro da política, a falta de representatividade de minorias,
como mulheres LGTBs, negras e indígenas na política, ressaltando a invisibilidade e silenciamento de
diversas categorias de mulheres.
Suas campanhas trilharam um caminho ousado no sentido de se contrapor a esse cenário e
colocar em protagonismo mulheres de diferentes perfis. Constatamos ainda que, ao defender um
mandato plural e representativo, todas ressaltam a coletividade como esforço de suas candidaturas,
consagrando o lugar de protagonistas para as minorias que representam.
Enquanto isso, o Jornal Nacional sequer mencionou este assunto nos dias que antecederam à
eleição. Não apenas não falou sobre as candidatas analisadas, como não abordou a pauta da falta de
mulheres na política do país e como isso impacta nos rumos de políticas públicas no cenário
brasileiro.
A comunicação audiovisual nas redes produzidas pelas candidatas teve êxito não só por todas
terem sido eleitas com número expressivo de votos, mas também por contribuírem com um fato
histórico no cenário político brasileiro, uma vez que a bancada feminina na Câmara cresceu 51% nas
eleições de 2018. Confirmando que a pauta representatividade estava em protagonismo.

5. Considerações Finais

O que percebemos é que, ao falar de gênero, o que se expressa mesmo é o desejo de defender
um lugar urgente e precípuo para tratar de diversidade. Temas relacionados especificamente às
mulheres apareceram nas três campanhas, evidenciando o quão é pujante e necessário colocar em
pauta questões específicas do gênero.
Ainda que numa eleição se vise conquistar o maior número possível de eleitores, a vitória dessas
mulheres e suas plataformas na eleição brasileira de 2018 reafirma o quão a representação feminina
responde por um diferencial de empoderamento, uma vez que “ser mulher permite ‘conhecer na pele’
temas e opressões que um candidato homem não conheceria”, como afirmam Martins e Coelho
(2015).
É a necessidade de igualdade política que norteia o discurso defendido por Áurea, Joênia e
Talíria, corroborando a preponderância de plataformas feministas que buscam uma visão crítica à
condição de invisibilidade social, submissão de classe, gênero e etnia, apontando para um caminho
que negue a supremacia do sistema patriarcal e que seja esteio para se pensar que novas
representações, com discursos na contramão dos discursos conservadores e inviabilizadores da
pluralidade humana e social, são possíveis e já estão em funcionamento no parlamento brasileiro.
O que não determina nenhum ponto final nem aponta para uma resposta aos muitos
questionamentos que se seguem. Mas, ao contrário, mostra que a chegada dessas feministas ao
legislativo é só a sinalização de um início que demorou a acontecer mas que deve trazer em seu bojo
muitas outras pautas que as condições de espaço e tempo, ao sabor das mudanças climáticas
cotidianas da política, deverão ensejar.

REFERÊNCIAS
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1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho 3 – Jornalismo Político e Eleitoral, I Simpósio Nacional de Comunicação Política,
Eleições e Campanha Permanente, 27 a 28 de março de 2019.

2 Mestra em Comunicação pela Universidade Federal de Juiz de Fora; auroraleao@hotmail.com

3 Mestra em Comunicação pela Universidade Federal de Juiz de Fora; carolinemarinop5@gmail.com

4 Mestra em Comunicação pela Universidade Federal de Juiz de Fora; laryssaprado@live.com

5 Doutorando em Comunicação pela Universidade Federal de Juiz de Fora; vitoralmeida_cefet@hotmail.com

6 Orientador do trabalho. Professor Doutor da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora. E-mail:
marcio.guerra@ufjf.edu.br

7 De acordo com o censo do IBGE, em 2010, o percentual de mulheres era 51%, enquanto o de homens era de 49% do total da
população brasileira.

8 Entrevista concedida ao jornal El Pais:“A esquerda precisa voltar aos territórios. Não para levar uma verdade, mas para
escutar”. Ver em https://brasil.elpais.com/brasil/2018/10/10/politica/1539198473_534582.html. Acesso em 30 abril 2019.

9 Ver matéria disponível em https://fulbright.org.br/alumni-notavel-joenia-wapixana/. Acesso em 28 abr 2019.

10 Ver vídeo disponível em https://www.aureacarolina.com.br/viralize/ Acesso em 26 abr 2019.


CAPÍTULO 16

OS MARGINALIZADOS E A POLÍTICA:
Análise dos candidatos gays nas eleições 20181

Vitor Pereira de Almeida2


Laryssa Gabriele Moreira do Prado3
Caroline Marino Pereira4
Aurora Almeida de Miranda Leão5
Márcio de Oliveira Guerra6
Universidade Federal de Juiz de Fora

1. Introdução

A partir do conceito de marginalização adotado como o ato de tornar um ser marginal, confinado
a uma condição social inferior, à margem da sociedade; nunca no centro, e excluído, o presente
trabalho tem como proposta analisar a participação dos candidatos marginalizados nas eleições de
2018, em especial os gays. É necessário entender o papel exercido por essa minoria (de direitos) na
política e, a partir disso, se torna possível projetar como serão suas atuações.
O foco da presente pesquisa está na importância dos conteúdos audiovisuais, que como todo
produto midiático (especialmente os veiculados na televisão e, atualmente, nas redes), atua como um
ator político nas eleições. Analisa-se, ainda, a representação e participação dos candidatos no Jornal
Nacional na semana que antecede o primeiro turno das eleições. Tudo isso para mapear e jogar luz
sob a representação que está sendo criada dessa minoria.
O questionamento que norteia o trabalho é: como se dá a representação de candidatos
marginalizados, especificamente gays, na televisão nas eleições de 2018? Destaca-se que o Brasil é o
país que mais assassina homossexuais no mundo (Grupo Gay da Bahia, 2018). Portanto, existe a
necessidade de legislação específica para crimes de homofobia e discriminação contra homossexuais.
E como obter essa legislação senão pela própria população homossexual ocupando locais de poder
nos cargos eletivos do legislativo?
Mas se o Brasil é o país que atualmente mais mata gays, também, seria correto pensar que não
temos representação política considerável dessa minoria (minoria de direitos)? Fato contraditório é
que o Brasil foi o primeiro país da América a descriminalizar a homossexualidade (Código Criminal de
1830 – Dom Pedro I) e uma das primeiras nações do mundo.

2. O corpo e sua representação

O controle do corpo e das ações dos indivíduos não se dá somente no momento político social em
que vivemos. Pode-se afirmar que, ao longo da história, sempre existiram dispositivos de controle
social do corpo.
Nesse estudo em específico, dedicado à análise dos gays, destaca-se o controle sobre os corpos
dos gays como mecanismo social que torna a representação mais dificultosa. Para Foucault (2008),
existe um controle dos indivíduos que começa no corpo.

O controle da sociedade sobre os indivíduos não se opera simplesmente pela consciência ou pela ideologia,
mas começa no corpo, com o corpo. Foi no biológico, no somático, no corporal que, antes de tudo, investiu a
sociedade capitalista. O corpo é uma realidade bio−política (FOULCAULT, 2008, p.144).

Assim, com o controle do corpo, torna-se difícil uma representação dessa minoria (de direitos).
Mas, com novos espaços surgindo, um fôlego maior se deu, ainda que em tempos não tão abertos à
diversidade. Entretanto, para que os indivíduos entendam a necessidade de uma representação dos
gays é necessário que sejam informados sobre isso. Nenhum indivíduo sem informação decidirá seu
voto por um candidato gay sem entender essa necessidade. Por isso, a mídia é o palco central dos
embates políticos atuais.
A televisão constitui um dos mais importantes veículos de comunicação de massas, informação e
entretenimento no Brasil; mesmo com o acesso à internet se popularizando cada vez mais. Ainda que,
segundo Raymond Williams (2016), exista a apropriação do fluxo da televisão por outras plataformas,
a televisão não perdeu sua importância: “Costuma-se dizer que a televisão alterou o nosso mundo”
(WILLIAMS, 2016, p. 01). Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística revelam que 97,2%
dos brasileiros tem um aparelho de televisão no lar (IBGE, 2015). Ainda, segundo a Pesquisa
Brasileira de Mídia, 89% das pessoas utilizam a televisão como fonte de informação; 77% veem
televisão 7 dias por semana em uma média de 3 horas e meia diárias (Pesquisa Brasileira de Mídia,
2016). Esses dados demonstram a importância e a influência do veículo de comunicação “televisão”
na vida cotidiana dos brasileiros e seu poder em informar e entreter; ainda, seu potencial como
agente formador de opinião.
Destaca-se que esse potencial aumenta nas eleições, em que os telespectadores recebem
informações específicas dos candidatos. Sem a livre circulação de informação entre os cidadãos, estes
se veem fadados a uma desinformação ou mesmo sujeitos à opinião (e não informação prestada) por
parte de um oligopólio de mídia. Tarso Violin exige mais do Estado do que a simples informação,
dizendo que o mesmo deve garantir as diferentes formas de liberdade de expressão, pois “Não existe
liberdade de expressão sem pluralidade” (VIOLIN, 2018, p. 155).
Resta explanar a situação da mídia no Brasil para que se possa definir o nível de pluralidade da
mesma. No Brasil, sabe-se que o oligopólio de mídia (sete famílias dominam os meios de comunicação:
a família Marinho da Globo, a Abravanel (Sílvio Santos), do SBT, o Edir Macedo da Record, a família
Saad da Band, a Frias da Folha de S. Paulo, a Mesquita do Estadão e a Civita da editora Abril (Veja))
domina a oferta de serviços públicos comunicacionais e influencia a comunicação no seu todo;
determinando assim os passos da política nacional. O maior grupo detentor de audiência televisiva (a
TV Globo) nasceu e cresceu no período da ditadura militar brasileira. Quando se fala em regulamentar
a mídia a fim de criar leis que determinem uma maior pluralidade de conteúdos, os grandes veículos
de comunicação tratam o tema como uma censura aos meios. Porém, é preciso jogar luz à questão.
Lima (2011) discorre que

Quem faz censura na Argentina e no Brasil são os oligopólios de mídia. Porque a partir do momento em que
são oligopólios, impedem que vozes se expressem. Eles não deixam que haja liberdade de expressão. Eles
dificultam a consolidação do direito à comunicação. Eles é que são os agentes da censura, mas empunham
essa bandeira da censura e da liberdade (LIMA, 2011, p.6).

Têm-se, no Brasil, uma mídia extremamente concentrada. Com isso, uma mesma notícia é ouvida
na Rádio Globo, é vista na Rede Globo de Televisão, lida no globo.com e na Época, por exemplo.
Torna-se uma repetição de fatos e narrativas que acabam por convencer o telespectador da
verossimilhança com a realidade. Lima ressalta a formação de oligopólios de mídia no Brasil, sob a
perspectiva de um ambiente propício à concentração.

É preciso registrar que existe no Brasil um ambiente bastante propício à concentração. A legislação do
setor tem sido historicamente tímida, por intenção expressa do legislador, ao não incluir dispositivos
diretos que limitem ou controlem a concentração da propriedade, o que, aliás, vai no sentido inverso do que
ocorre em países como a França, a Itália e o Reino Unido, preocupados com a pluralidade e a diversidade
no novo cenário da convergência tecnológica (...)Trata-se da oligopolização ou monopolização que se
produz dentro de uma mesma área do setor. O melhor exemplo de concentração horizontal no Brasil
continua sendo a televisão, paga ou aberta (LIMA, 2003, p. 01).

A relevância da comunicação para a democracia e a política se faz notória. Miguel (2002)


ressalta que mesmo que a mídia não seja o único fator influenciador na perpetuação da democracia e
na influência de resultados eleitorais, ela é um grande alicerce do processo e um grande ator político
no sistema. A presença da mídia se faz sentir como um agente político.

Convém reafirmar, para não deixar dúvidas, que não se imagina que a Rede Globo em particular, ou mesmo
a mídia em geral, exerça um poder ilimitado e seja capaz de determinar resultados eleitorais. O jogo
democrático é mais complexo do que isso e as empresas de mídia também – existe todo um jogo de forças
dentro delas, envolvendo os jornalistas com suas regras profissionais, os produtores culturais, os
anunciantes, as expectativas de audiência e, com peso decisivo nas questões cruciais, os patrões. Trata-se
apenas de reconhecer que os meios de comunicação são atores políticos relevantes e que sua atuação
introduz mais uma desigualdade (...) Por qualquer critério que se avalie uma democracia, essas são
influências desvirtuadoras (MIGUEL, 2002, p. 54).

Dadas as considerações apresentadas e os dados da mais recente Pesquisa Brasileira de Mídia, o


papel da televisão é central nas eleições. Para o intelectual Antônio Gramsci, que refletiu sobre a
hegemonia cultural a partir de sua vivência na Itália dos séculos XIX e início do século XX, a
hegemonia era uma construção do senso a partir do alto (Gramsci, 2001). Aplicando o conceito de
hegemonia à televisão, para Almeida

Dados atuais da Pesquisa Brasileira de Mídia em 2016 mostram que a televisão constitui o mais importante
veículo de comunicação de massas no Brasil, mesmo com o acesso à internet se popularizando cada vez
mais, conforme apresentado anteriormente. Esses dados demonstram o poderio da televisão no Brasil, na
medida em que, apenas 2,8% dos brasileiros não tem um aparelho televisor em casa. A cultura de ver TV e
o nascimento da televisão no Brasil de forma comercial criaram condições para que, hoje, a TV seja
hegemônica como meio de comunicação de massas no Brasil. O canal mais visto pelos brasileiros, em se
tratando de TV aberta, é a Rede Globo (ALMEIDA, 2019, p. 39).

A TV e os meios de comunicação de massa deveriam trabalhar em prol da busca pela igualdade e


cidadania de forma a contemplar as expectativas de transformação social e de participação de grupos
marginalizados, como os gays; por isso a importância de um olhar atento a dimensão simbólica das
representações de gays enquanto agentes sociais nos diferentes papéis e no contexto de relações de
poder, uma vez que a abordagem midiática contribui na construção de imagens públicas.
A partir do contexto atual pós-impeachment da presidenta Dilma, procura-se traçar um
panorama da situação política e de sua representação social. Para tanto, utiliza-se a Análise da
Materialidade Audiovisual para realizar inferências nos objetos selecionados. Entende-se que a
comunicação e a informação são um direito e, portanto, existem parâmetros que deveriam estar
presentes em todo objeto audiovisual que visa informar o cidadão, principalmente se tratando de
material que auxilia o cidadão a decidir o seu voto. Os candidatos escolhidos foram Vinícius Lara
(candidato a deputado estadual pelo PT no Rio Grande do Sul), Jean Wyllys (candidato a deputado
federal pelo PSOL no Rio de Janeiro) e Fabiano Contarato (candidato a senador pelo REDE do Espírito
Santo). A escolha se deu pela representação social dos candidatos; tendo sido eleitos Jean Wyllys e
Fabiano Contarato. Aplicam-se a esses vídeos selecionados três eixos considerados centrais pelos
autores para a informação de qualidade passada ao eleitor na questão central da comunicação
política: Pluralidade, Diversidade e Cidadania/Autonomia.

3. Análise dos Dados

Para esse trabalho de pesquisa, opta-se pela Análise da Materialidade Audiovisual como
metodologia principal. Este é um método de pesquisa desenvolvido pela Professora Doutora Iluska
Coutinho que tem como objeto de avaliação a unidade texto+som+imagem+tempo+edição e que visa
decompor o objeto em eixos de análises e itens de avaliação levando em conta as questões centrais da
pesquisa. Os eixos de análises qualitativos considerados nessa pesquisa são denominados A -
Pluralidade, B - Diversidade e C - Cidadania/Autonomia.
No eixo A, que trata da pluralidade, são consideradas as participações e seu grau de
representatividade e pluralismo. São analisados os setores sociais representados; as temáticas de
cada matéria; quais são os partidos políticos citados; se há presença do governo (e de que forma ele
eventualmente é tratado); quais são as perspectivas de mundo enunciadas; se existem elementos
regionais fora do eixo padrão (sul e sudeste) e se há presença de sotaques.
No eixo B, que trata da diversidade, é trabalhada a inclusão. Busca-se evidenciar como ocorre a
inclusão do cidadão na narrativa (e de que forma ela se dá, via personagens?), se existe direito à voz.
São analisadas, também, as fontes e o tratamento dado a elas; quais fontes aparecem, se as fontes
tem autoridade atribuída e direito à voz. Ainda no eixo B são analisados a temática (abordagens, como
o tema é tratado, se o enfoque é diferenciado ou se recorrem a narrativas e modelos convencionais).
O eixo C trata de cidadania/autonomia. Nele são analisados a existência de contextualização dos
fatos e inserção de desdobramentos possíveis inclusive para o cidadão, se a narrativa insere ou tem
presença de estímulos à ação do telespectador e como essa convocação é feita, se há inclusão do
cidadão comum como agente da narrativa se o cidadão age e transforma a realidade do fato narrado.
Para que fosse possível responder ao questionamento central desse trabalho, foi realizada uma
pesquisa empírica da materialidade de vídeos utilizados no Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral;
vídeos que estão disponíveis na plataforma online YouTube. O foco não se dá no HGPE, mas sim no
conteúdo audiovisual dos vídeos e como a mídia (em específico a televisão) atua como um ator político
nas eleições. Analisa-se, ainda, a representação e participação desses candidatos no principal
telejornal do país (Jornal Nacional) na semana que antecede o primeiro turno das eleições.
Foram analisados todos os vídeos veiculados nas campanhas dos candidatos selecionados.

3.1 Vinícius Lara (PT)

Vinícius Lara é sociólogo, mestre e doutorando em Ciências Políticas pela Universidade Federal
do Rio Grande do Sul (UFRGS). Foi candidato pela primeira vez a Deputado Estadual pelo Partido dos
Trabalhadores (PT) no estado do Rio Grande do Sul. Foi o candidato LGBT mais votado no estado. Ele
destaca a importância dos LGBTs votarem em LGBTs e utiliza o slogan de campanha “POC vota em
POC”.
Foi analisado um vídeo. O candidato posiciona-se como LGBT e defende direitos humanos,
cultura e juventude LGBT. O vídeo procura inserir o telespectador na narrativa através da busca por
igualdade e políticas públicas voltadas para os Direitos Humanos. O slogan “POC vota em POC” se
destaca como iniciativa de sucesso e de grande repercussão nas redes sociais na internet.
Com relação aos eixos de análises no eixo A, percebe-se que não existe participação popular no
vídeo de Vinícius Lara. Portanto, não existe pluralismo de representações. Nenhum setor social é
representado. Apenas um vídeo do candidato foi exibido, com 17 segundos. A falta de participação
popular pode ser explicada pelo pouco tempo de inserção do candidato. O candidato se posiciona com
gay e defensor da cultura, dos direitos humanos e dos LGBTs.
No eixo B, nota-se que ocorre a inclusão do cidadão na narrativa do vídeo analisado da campanha
de Vinícius Lara. Através da narrativa criada o cidadão tem a potencialidade de se ver representado,
caso se identifique com as temáticas levantadas. É criada uma narrativa e os personagens podem ser
inseridos na mesma. Existe direito à voz.
No eixo C, percebe-se que, mesmo com pouco tempo, o candidato faz uma breve
contextualização dos fatos, ressaltando sua trajetória de vida e os temas que defende.

3.2 Jean Wyllys (PSOL)

Jean Wyllys é jornalista, professor universitário e deputado federal (dois mandatos) pelo Partido
Socialismo e Liberdade (PSL) do estado do Rio de Janeiro. Foi o primeiro deputado federal a fazer
campanha pelo movimento LGBT (o deputado Clodovil não fazia campanha pelo movimento LGBT) e
autor de Projetos de Leis que visavam a revogação de determinados artigos do Código Civil que
regulamentavam o casamento, para que houvesse o reconhecimento do casamento civil e da união
estável entre pessoas do mesmo sexo (PL 5120/2013). Foi eleito o Melhor Deputado Federal em 2012
e 2015 (Congresso em Foco). Foi eleito deputado federal novamente nas eleições de 2018, mas em 24
janeiro de 2019, Jean anunciou que desistiu de assumir o terceiro mandato como deputado federal
pelo estado do Rio de Janeiro e que deixou de viver no Brasil.
Foram analisados três vídeos. O candidato posiciona-se como defensor das causas relacionadas a
Direitos Humanos. Ele possui o maior tempo de campanha dos candidatos selecionados. Defende
direitos humanos e LGBTs. O vídeo procura inserir o telespectador na narrativa através da busca por
igualdade e políticas públicas voltadas para os Direitos Humanos; também chama o telespectador à
ação frente às ameaças à democracia. O slogan de campanha é: “Jean Wyllys é um de nós”.
Com relação aos eixos de análises, no eixo A, percebe-se grande participação popular nos vídeos
de Jean Wyllys: mulheres e homens negros e brancos de diversas origens; existe pluralismo de
representações. Muitos setores sociais são representados. No primeiro vídeo, de um minuto e 52
segundos, Jean aparece rapidamente sem falar. No segundo e no terceiro vídeos somente a fala dele
está presente. Em nenhum momento ele se posiciona como gay ou defensor dos direitos dos gays ou
LGBTs.
No eixo B, nota-se que ocorre a inclusão do cidadão na narrativa do primeiro vídeo analisado da
campanha de Jean Wyllys. Através de personagens que passam ao fundo enquanto a narradora “fala”,
o cidadão se vê representado. É criada uma narrativa e os personagens são inseridos na mesma.
Existe direito à voz. Os outros dois vídeos são rápidos e focados apenas no candidato.
No eixo C, percebe-se que o candidato faz uma breve contextualização dos fatos, ressaltando sua
trajetória de vida e os temas que defende.

3.3 Fabiano Contarato (REDE)

Fabiano Contarato é professor de direito e delegado da polícia civil. Foi eleito o senador mais
votado pelo partido Rede Sustentabilidade do estado do Espírito Santo. Sua eleição desbancou Magno
Malta e impôs uma derrota a um forte aliado de Jair Bolsonaro. Contarato é homossexual, casado, tem
um filho adotivo e defende o casamento LGBT.
Foi analisado um vídeo. O candidato não se posiciona como LGBT e nem cita o fato de ser gay.
Defende a luta contra a impunidade, principalmente em questões relacionadas à segurança. O vídeo
não procura inserir o telespectador na narrativa construída; mas, sim, apresentar a trajetória de vida
do candidato e o seu filho (o marido não é apresentado). Não possui slogan.
Com relação aos eixos de análises, no eixo A, percebe-se que não existe participação popular no
vídeo de Fabiano Contarato; portanto, não existe pluralismo de representações. Nenhum setor social é
representado. Apenas um vídeo do candidato foi exibido. O candidato não se posiciona como gay nem
defensor dos gays ou LGBTs.
No eixo B, nota-se que ocorre a inclusão do cidadão na narrativa do vídeo analisado da campanha
de Fabiano Contarato. O vídeo é focado no candidato que conta sua história de vida. Os cidadãos têm
a possibilidade de se identificar com cada parte da vida do candidato: pai, órfão, cidadão que luta por
segurança, filho. É criada uma narrativa e os cidadãos tem a possibilidade de se sentirem inseridos na
mesma. Não existe direito à voz. O candidato ressalta o fato de ter um filho, mas não cita o fato de ter
um marido. Contarato associa a ligação da perda de sua mãe com a sua proximidade com as mães que
perderam seus filhos em acidentes de trânsito.
No eixo C, percebe-se que o candidato faz uma breve contextualização dos fatos, ressaltando sua
trajetória de vida e os temas que defende.

4. Análises do Jornal Nacional

Analisa-se, ainda, a representação e participação dos candidatos no Jornal Nacional na semana


que antecede o primeiro turno das eleições. Tudo isso para mapear e jogar luz sob a representação
que está sendo criada dessa minoria. Sendo o principal telejornal do país, analisa-se a participação
dos candidatos gays. Além dos conteúdos audiovisuais exibidos pela TV no Horário Gratuito de
Propaganda Eleitoral, nosso objetivo é entender como a mídia, mais especificamente o telejornalismo,
os representou.
Analisamos a semana que antecedeu as eleições, do dia 01 a 06 de outubro de 2018. No período,
encontram-se: 10 matérias (dia 01/10), 14 matérias (dia 02/10), 10 matérias (dia 03/10), 08 matérias
(dia 04/10), 11 matérias (dia 05/10) e 12 matérias (dia 06/10). Nenhuma das matérias citou
candidatos gays ou de qualquer tipo de minorias. Ressalta-se que a ausência de matérias que
possuam candidatos representantes de minorias na semana que antecede o primeiro turno das
eleições é sintomática de uma preferência/escolha editorial que não privilegia a informação do
cidadão em primeiro lugar. Quando uma temática se faz presente na sociedade, é necessário que o
jornalismo exerça seu papel e informe ao cidadão. O silenciamento do principal telejornal do país
sobre uma temática tão importante demonstra seu descaso com a informação levada ao telespectador
cidadão.

5. Considerações Finais

Esse trabalho se desenvolveu a partir de inquietações dos autores sobre a representação das
gays no cenário político nacional. A partir do conceito de marginalização adotado como um ser
tornado marginal (confinados a uma condição social inferior, à margem da sociedade; nunca no centro
da sociedade) e excluído, o trabalho analisou participação dos candidatos marginalizados nas eleições
de 2018, em especial os gays.
O foco da pesquisa foi na importância dos conteúdos audiovisuais, que como todo produto
midiático (especialmente os veiculados na televisão e, atualmente, nas redes), atua como um ator
político nas eleições. Destacou-se o poderio da televisão como veículo de comunicação de massas e
analisou-se, ainda, a representação e participação dos candidatos no Jornal Nacional na semana que
antecede o primeiro turno das eleições. Tudo isso para mapear e jogar luz sob a representação que
está sendo criada dessa minoria.
Com relação aos eixos de análises, ressaltam-se alguns pontos dos candidatos. No eixo A, que
trata da pluralidade, procura-se inserir os LGBTs nas produções audiovisuais dos candidatos Vinícius
Lara e Jean Wyllys. O candidato Fabiano Contarato não procura inserir esses cidadãos, preferindo se
dirigir a toda a população. As temáticas são diferenciadas: Vinícius e Jean optaram por dar visão aos
direitos humanos e LGBTs, Contarato prefere dar ênfase ao combate à impunidade.
No eixo B, que trata da diversidade, percebe-se a procura pela diversidade ao tentar atingir aos
candidatos LGBTs. Contarato mira toda a sociedade que tem a sensação de impunidade, Jean Wyllys
enfoca em questões de direitos humanos e busca a luta pela democracia e Vinícius Lara busca a
aproximação com direitos humanos, cultura e LGBTs jovens.
No eixo C, que trata de Cidadania/Autonomia, os candidatos fazem uma breve contextualização
nos programas; Jean Wyllys contextualiza o telespectador de forma mais enfática. Isso pode se dar
pelo tempo dedicado a cada um na televisão: Jean teve, somando os 3 vídeos, 2 minutos e 27
segundos; Vinícius Lara teve 17 segundos e Fabiano Contarato teve 1 minuto e 12 segundos.
Nenhuma das matérias do Jornal Nacional citou candidatos gays ou de qualquer tipo de minorias.
Ressalta-se que a ausência de matérias que possuam candidatos representantes de minorias na
semana que antecede o primeiro turno das eleições é sintomática de uma preferência/escolha
editorial que não privilegia a informação do cidadão em primeiro lugar. Quando uma temática se faz
presente na sociedade, é necessário que o jornalismo exerça seu papel e informe ao cidadão. O
silenciamento do principal telejornal do país sobre uma temática tão importante demonstra seu
descaso com a informação pública.

Referências
ALMEIDA, Vitor Pereira de. A regulamentação da mídia no Brasil: Reflexões sobre a temática no
telejornalismo público e comercial. 2019. Dissertação (Mestrado em Comunicação) – Faculdade de
Comunicação Social, Universidade Federal de Juiz de Fora. Minas Gerais. No prelo.
BRASIL. Código Criminal do Império do Brasil. [online] Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LIM/LIM-16-12-1830.htm. Acesso em 29 abr. 2019.
FOULCAULT, Michel. Microfísica do poder. São Paulo. Ed Graal, 2008.
GRAMSCI, Antônio. Cadernos do cárcere. Vol. 4, edição de Carlos Nelson Coutinho, com a colaboração de
Luiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2001.
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. PAS – Pesquisa Anual de Serviços, 2016. [online]
Disponível em https://teen.ibge.gov.br/noticias-teen/8311-televisao.html. Arquivo consultado em 01 mar.
2019.
LIMA, Venício. Governo erra ao não propor marco regulatório da mídia. 2011. Entrevista ao Portal
Vermelho. Disponível em:< http://www.vermelho.org.br/mg/noticia.php?id_noticia= 163595&id_ secao=6>;
acesso em: 29 mar. 2019.
LIMA, Venício. Existe concentração de mídia no Brasil? Sim. Observatório da Imprensa. Disponível em <
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/plq010 720031.htm> Acesso em 29 mar. 2019.
MIGUEL, Luiz Felipe. Política e mídia no Brasil: episódios da história recente. Brasília, DF. Editora Plano,
2002.
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Secretaria de Comunicação Social. Pesquisa Brasileira de Mídia. [Online]
Disponível em http://pesquisademidia.gov.br. Acesso em 10 jan. 2018.
RÁDIO SENADO. SENADO FEDERAL. Brasil é o país onde mais se assassina homossexuais no mundo.
[online] Disponível em https://www12.senado.leg.br/radio/1/noticia/brasil-e-o-pais-que-mais-mata-
homossexuais-no-mundo. Acesso em 29 abr. 2019.
VIOLIN, Tarso Cabral. Não Regulamentação. In: GONCALVES, Miriam (org.). Enciclopédia do Golpe, v.2 -
O papel da Mídia. Bauru: Canal 6, 2018. p. 153-160.
WILLIAMS, Raymond. Televisão: Tecnologia e forma cultural. São Paulo: Boitempo, 2016.

1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho 3 – Jornalismo Político e Eleitoral, I Simpósio Nacional de Comunicação Política,
Eleições e Campanha Permanente, 27 a 28 de março de 2019.

2 Doutorando em Comunicação pela Universidade Federal de Juiz de Fora; vitoralmeida_cefet@hotmail.com

3 Mestra em Comunicação pela Universidade Federal de Juiz de Fora; laryssaprado@live.com

4 Mestra em Comunicação pela Universidade Federal de Juiz de Fora; carolinemarinop5@gmail.com

5 Mestra em Comunicação pela Universidade Federal de Juiz de Fora; auroraleao@hotmail.com

6 Orientador do trabalho. Professor Doutor da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora. E-mail:
marcio.guerra@ufjf.edu.br
CAPÍTULO 17

E A COMUNICAÇÃO PÚBLICA, CANDIDATO??? 1


Jornalismo e engajamento nas mídias sociais digitais nas eleições 2018.

Luiz Felipe Novais Falcão2


Gustavo Teixeira3
Universidade Federal de Juiz de Fora

1. Para onde vamos com a Comunicação Pública no Brasil? Um desenho das suas cicatrizes
recentes

Nos últimos quatro anos, é fundamental destacarmos inicialmente dois momentos importantes
(um já no fim do Governo Dilma Rousseff e outro no desenrolar do impeachment da presidente) para
auxiliar no processo de observação do tensionamento entre o executivo e a hegemonia dos grupos de
comunicação comercial e perceber ainda a maneira como alguns segmentos da sociedade se
posicionam e amarram as narrativas e ações diante da comunicação e da mídia no Brasil e a defesa
pela Comunicação Pública. Na sequência outros elementos se somam às discussões sobre o papel da
mídia e do jornalismo na disputa por poder simbólico num processo envolto por críticas que acabam
por legitimar o desmonte da EBC em 2019.
O primeiro desses momentos foi a aprovação da Lei 13.188/2015. O dispositivo trata do direito
de resposta. Pela lei, em vigor desde o dia 12 de novembro de 2015, o direito de resposta deve ser
“proporcional ao agravo” para uma defesa que tenha a mesma dimensão da matéria que a motivou. A
repercussão da medida provocou, entre profissionais da comunicação e a sociedade mais atenta, uma
reflexão sobre a responsabilidade profissional diante da exposição de pessoas e ainda o sentimento de
perda de parte da liberdade de expressão em função de receios ligados a censura por meio de
dispositivos judiciais.
Outro momento relevante chega quatro meses depois quando o país se viu diante da violação do
sigilo de uma fonte jornalística no dia 21 de março de 2016 quando o blogueiro Eduardo Guimarães,
dono do Blog Cidadania, foi conduzido coercitivamente até a superintendência da Policia Federal, em
São Paulo, para prestar depoimento e a fonte do blogueiro teve o seu sigilo revelado à Polícia Federal.
É que nas alegações da polícia Eduardo teria divulgado a condução coercitiva do ex-presidente Lula
antecipadamente. O então juiz Sérgio Moro, à época atuando na 13° Vara Federal de Curitiba,
determinou além da condução coercitiva a apreensão dos computadores e celulares de Eduardo
Guimarães. O juiz, entretanto, declarou-se suspeito para seguir com o caso uma vez que Eduardo
Guimarães já movia processos contra o então magistrado como afirma reportagem4 do portal G1
A fonte revelada pela PF é o jornalista Francisco José de Abreu Duarte que, durante as
investigações, confirmou o vazamento das informações a Eduardo Guimarães. O blogueiro, por sua
vez, disse que as informações foram repassadas ao assessor do Instituto Lula, José Chrispiniano. O
assessor declarou que os documentos tinham informações sobre quebra de sigilo fiscal e bancário e
nenhum dava conta sobre busca e apreensão ou condução coercitiva. Duarte foi indiciado, no final de
janeiro de 2019, pelo crime de embaraço a investigação de organização criminosa. O inquérito seguiu
pra o Ministério Público Federal que ainda deve decidir se oferece ou não denúncia à justiça.
As situações chamam atenção e apontam para direitos constitucionais distintos e, ao mesmo
tempo, revelam um entrave entre o direito à liberdade de expressão e o direito à informação que, na
avaliação de Geórgia Morais (2007), configuram-se enquanto “invioláveis e impedidos de sofrerem
alteração, mas correspondem, entretanto, a categorias distintas de direitos”.
O histórico da não regulamentação no Brasil segue em passos discretos desde 1988 na visão de
Ângela Carrato (2005). Um dispositivo distante de considerar o interesse da maior parte da população
quanto ao conteúdo e à programação.

No país, a exemplo das eleições diretas em todos os níveis e do fim da censura estatal à imprensa, era de se
esperar que progressos também tivessem ocorrido no que diz respeito à mídia, em especial à mídia
televisiva voltada para a educação e a cultura, as chamadas TVs públicas que, no Brasil, acabaram sendo
acomodadas sob o impreciso e vago rótulo de “emissoras educativas e culturais”. A realidade, no entanto,
aponta para direção oposta. (CARRATO, 2005 p.2)

A hegemonia do modelo de TV comercial também trouxe efeitos assim como o peso da mão da
censura e do Estado (JAMBEIRO, 2008). A compreensão de uma comunicação feita para atender a
interesses particulares, recebeu influências alheias aos verdadeiros interesses da maior parte da
população, mesmo depois da democratização do país.
Laurindo Leal Filho (2016), afirma que discutir o caráter e o papel da comunicação sem levar em
consideração e compreender o contexto político, econômico e também cultural em ela está inserida
não é possível. É exatamente por este prisma que refletimos sobre os tensionamentos que se agravam
a partir de 2015, em grande parte, pelo avanço das investigações no curso da operação lava jato
avançam e por aquilo que é noticiado tanto pela mídia tradicional, comercial e hegemônica quanto
pelos veículos públicos e pelos os estatais. Um processo que culmina com o impeachment da
Presidente Dilma e chegada interina de Temer à presidência.
Cabe salientar que as liberdades que já vinham sendo acharcadas e duramente questionadas
desde a quebra de sigilo da fonte recebem, outra vez, nova carga de tensionamentos. A imprensa de
uma maneira geral passa a ser acusada de parcialidade, de apoiar grupos políticos em detrimento de
outros, de favorecer opiniões e interesses econômicos, incluindo a Empresa Brasil de Comunicação
criada há quase uma década e que representava efetivamente a construção de uma política de
Comunicação Pública no Brasil (FALCÃO, 2019).
Cinco dias depois do afastamento temporário da presidente da República Dilma Rousseff, em 17
de maio de 2016 o então diretor presidente da EBC, o jornalista Ricardo Mello foi afastado. O
presidente em exercício, Michel Temer nomeou Laerte Rimoli ao cargo. Rimoli ficou por duas
semanas no cargo e, por liminar, o Ministro Dias Toffoli decidiu pelo retorno de Melo à presidência. As
críticas indiscriminadas acabam por servir de munição para os ataques a Comunicação Pública no
Brasil até que a Empresa Brasil de Comunicação, em 07 de fevereiro tem o Conselho Curador
dissolvido pelo Senado por 47 votos a 13. O texto da Medida Provisória 744/2016 seguiu para sanção
do presidente.
A EBC, que até então tinha um modelo de gestão apoiado em quatro instâncias (conselho
curador, conselho administrativo, conselho fiscal e diretoria executiva), começa a ter seu caráter
público minado, uma vez que, sem o conselho curador, fica comprometida a tarefa de deliberar sobre
as diretrizes educativas, artísticas, culturais e informativas da política de comunicação com isenção e
respeitando as características da Comunicação Pública.
Não bastasse esse capítulo amargo para a Comunicação Pública no Brasil, o enfraquecimento e o
sucateamento da EBC não ficaram restritos às imposições editoriais advindas da reconfiguração da
estrutura organizacional. Eles recebem influência de pressões apontadas pela pesquisadora da
Universidade Federal de Viçosa, Ivonete da Silva Lopes (2018, p 157-194) como os cortes
orçamentários que restringiram a programação da TV Brasil, fazendo-a aparentemente se distanciar
da proposta inicial assegurada pela Lei n° 11.652/2008, que estabelece como princípio dos canais
públicos a participação na sociedade, o fomento na construção da cidadania e na consolidação
democrática com acesso garantido ao direito à informação, à livre expressão do pensamento, à
criação e à comunicação.
Por fim, e não menos grave, outro momento a ser destacado nesse novo cenário foi a maneira
como a TV Brasil tratou (ou melhor, não tratou) as pautas sobre a divulgação da edição da Medida
Provisória 747/16, também de Michel Temer (COUTINHO, FALCÃO & NUNES, 2018). A MP alterou a
forma de renovação de concessões de rádio e TV no Brasil privilegiando os setores privados. O
anúncio feito no dia 28 de março foi noticiado (observada pelos autores no levantamento, apenas a
divulgação em telejornais) pelas emissoras comerciais de forma positiva, em tom de elogio e avanço.
No entanto, não houve repercussão alguma dessa notícia na TV Brasil, veículo que faz parte da EBC.
Em face da maneira como o executivo trata a Comunicação Pública e ainda diante de um
histórico pautado pela falta de regulamentação específica ao longo dos 30 anos desde a promulgação
da carta magna, aspectos como a concentração do controle de veículos, concessões públicas,
elaboração de políticas públicas efetivas alcançaram patamares que, quando não impedem, dificultam
significativamente a efetiva democratização da mídia, a pluralidade de representações políticas,
diversidade de temáticas e vozes.

O país também pode ser caracterizado por pendência de medidas para o fortalecimento da comunicação
pública e pela necessidade de acompanhamento da propriedade dos meios para reduzir a significativa
presença do controle direto ou indireto de políticos em veículos midiáticos. Embora relevante e crescente, o
acesso à internet não superou a televisão como principal fonte de informação da população brasileira,
situação que mantém a relevância da formulação, implementação e execução de políticas públicas nesta
área. A atual conjuntura política do país apresenta obstáculos ainda maiores para a superação dessas
lacunas, considerando a prioridade que o governo Temer tem dado à radiodifusão comercial —em
detrimento à comunicação pública e comunitária—; à defesa que tem feito do controle de emissoras por
políticos; e às mudanças propostas na Lei Geral de Telecomunicações, que impactarão significativamente
nas possibilidades de universalização do acesso à internet no Brasil. (BARBOSA, PAULINO, da SILVA, de
ALMEIDA AMORIM, BANDEIRA, MOYSÉS, & BRANT, 2017 p. 75-95).

Faz-se necessária então a pergunta: Como garantir que o direito à comunicação e o direito à
informação sejam assegurados para todas e todos?

2. Carta Compromisso em Defesa da Democracia

A busca por respostas e apontamentos de caminhos para efetivar a Comunicação Pública


provocou debate em muitos segmentos da população, inclusive entre os profissionais da comunicação,
a ponto de o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação elaborar, em 2018, uma carta
compromisso em defesa da democracia5 e por uma comunicação democrática no Brasil, direcionada
aos candidatos à presidência que disputaram as eleições 2018.
Na carta, que tinha 23 páginas, o FNDC trouxe à cena as discussões em torno da
regulamentação. O documento descreveu e propôs entre outras coisas o debate sobre uma nova lei
geral de comunicações para o Brasil, a Telecomunicação e Internet. A redação da carta apontou para
a necessidade de fortalecer a comunicação alternativa, comunitária, popular e as mídias livres além
da garantia de redes abertas e neutras. Deu destaque a necessidade de regulamentação da
complementariedade dos sistemas e fortalecimento do sistema público de comunicação além de
pontuar a importância da democracia, da transparência e pluralidade nas outorgas.
Mesmo diante dessa perspectiva democrática defendida pelo FNDC, o então candidato do PSL,
Jair Bolsonaro explicitou, como medidas do plano de governo a privatização os mesmo a extinção da
Empresa Brasil de Comunicação, da qual faz parte a TV Brasil. Vencida a disputa, Bolsonaro
reafirmou a intenção6. A partir do cenário político que passou a ser configurado na campanha e no
período pós-eleições presidenciais.
O candidato e sua equipe de campanha (e posteriormente de governo) buscaram amarrar sua
estratégia nas fragilidades narrativas dos meios tradicionais de comunicação, no desmerecimento e
no descredito crescente do jornalismo de veículos da imprensa tradicional e no contexto marcado
pelas modificações na estrutura da Comunicação Pública brasileira. O entendimento foi de que o
espaço ocupado pelas mídias tradicionais começa a ser permeado mais fortemente pelas narrativas
vindas do universo das mídias sociais digitais e as interferências provocadas por uma outra maneira
de mobilizar a sociedade permitem a adoção desse tipo de ferramenta com perspectivas eleitorais e
ainda a alteração do perfil da classe política.

Diversos autores debatem a espetacularização da política e a personalização como elementos diretamente


relacionados com a adaptação das campanhas eleitorais à gramática dos meios de comunicação. Defende-se
que os políticos utilizam técnicas para controlarem sua imagem frente ao outro. Pode-se comparar a arena
política a um espetáculo de teatro. Dessa forma, predominam os personagens e os seus papéis, a
dramatização, a ruptura das regularidades e até a diversão. É importante, também ressaltar, que as
eleições vêm sendo disputada sobre uma crescente ênfase nos candidatos e não mais nos partidos políticos.
São explorados os atributos pessoais, administrativos e políticos como estratégia de comunicação política.
(MARTINS, 2016)

O fenômeno das Fake News passa também a ser amplamente discutido e evidencia-se um
processo de desintermediação da circulação de informação em que parâmetros distintos de mobilizar
vontades e convocar imaginários podem ser observados. Bolsonaro esboça claramente intenções
divergentes daquelas que são o foco da Comunicação Pública7 e, portanto, da EBC. Mas por qual
motivo?
Ainda que tomemos como verdade que as notícias falsas sempre estiveram presentes em nossa
sociedade e que existem desde antes da criação da mídia, Allcott e Gentzkow (2017) afirmam que o
termo Fake News, que em livre tradução seria “notícias falsas”, ganha projeção com a Internet e tem
sua primeira apropriação e popularização no âmbito político, em disputa presidencial nos Estados
Unidos da América no ano de 2016, com destaque para o até então candidato Donald Trump.
A partir do crescimento da Internet e da propagação de discursos variados, a Comunicação
Pública passa a estar em um ambiente de disputa e coalisão entre a defesa do Estado mínimo e do
Estado democrático. Exatamente por primar pela não interferência de forças governamentais e
mercadológicas, ela enfrenta uma situação delicada. Está entre a dependência de impulsos
econômicos do Estado, a reprodução das narrativas governamentais e, a contramão desses interesses
de quem detém historicamente o poder no país.
A regulamentação da mídia, que para Leal Filho (2016) poderia institucionalizar o controle pela
sociedade, e em favor dela própria colocaria os veículos de Comunicação Pública enquanto
reguladores desse controle. Ora, se a sociedade detiver o controle do poder da comunicação,
certamente ela provocaria - e provoca - incômodo por aqueles que disputam este mesmo poder. Por
essa razão ela é atacada com tanta intensidade segundo o autor.
Mesmo diante da crescente participação, no cotidiano da sociedade brasileira, dos ambientes
digitais e de um diálogo entre aplicativos e sites que serve como ferramenta de desintermediação das
narrativas antes mediadas por veículos de comunicação, é forçoso reconhecer a centralidade da TV
ainda muito presente.

3. A centralidade da TV, o avanço da desintermediação e a procura por novos caminhos no


bios midiático

É inegável estabelecer o caráter hegemônico dos veículos de mídia tradicional e comercial ao


longo das ultimas décadas no país. Ela ainda figura como principal meio de comunicação no Brasil. De
acordo com a última Pesquisa Brasileira de Mídia (PBM 2016) desenvolvida pela Secretaria Especial
de Comunicação Social da Presidência da República, 63% dos brasileiros se informam sobre o que
acontece no país primeiro pela TV. Outro dado importante é o de que 77% dos entrevistados assistem
TV todos os dias da semana. Em 26% dos casos por até duas horas diárias. A TV está presente em
97,2% dos lares brasileiros como apontou a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, a
PNAD. Desse total, 18,1 milhões de lares (28,5%) tem apenas o sinal analógico nos aparelhos de
televisão8. E segue ditando padrões, linguagens e formatos televisivos. (CARRATO, 2005) (JAMBEIRO,
2008)
Mello (2017) ao apresentar as fases do Telejornalismo aponta para o momento atual do
Telejornalismo Expandido, em que cada vez mais o conteúdo televisivo tem sido apropriado e
incorporado à Internet e às redes sociais. Com isso, a TV tem se reinventado e buscado alcançar
também o público que se encontra conectado à web por meio da interatividade e do contato entre
produtor e (tele)espectador, que agora participa das narrativas mesmo sem sair de casa, via
smartphones.
O uso da internet vem ganhando fôlego e atingido índices cada vez mais significativos, Dados da
PNAD Contínua TIC revelaram um aumento de 5,6% do número de domicílios com acesso à Internet,
passando de 69,3% em 2016 para 74,9% em 20179.
Nesse sentido, Willian Dutton (2009) afirma que a Internet é uma nova mídia, representada na
figura de um Quinto Estado, que tem como principal potencialidade a fiscalização não apenas dos três
poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), como também do chamado Quarto Poder/Estado que
seria a mídia.
A partir de então Quarto e Quinto Estado, para Dutton, entram em choque, na medida em que a
Internet possibilita que todos sejam produtores e reprodutores de informação e conteúdo, e, portanto,
haveria a possibilidade de exploração de uma representação mais cidadã vindo do espaço web, que
teria como principal objetivo, chegar até as esferas políticas e econômicas.
Esse novo modelo de presença do sujeito no mundo, é visto por Muniz Sodré, como uma “nova
instância de orientação da realidade capaz de permear as relações sociais por meio da mídia e
constituindo – por meio do desenvolvimento acelerado dos processos de convergência midiática – uma
forma virtual ou simulativa da vida” (SODRÉ, 2016 p.109). É o bios midiático que na perspectiva do
autor assume um tipo novo de gramática que tenta redefinir o comum.
Acionando ainda a perspectiva política e das relações de poder pensadas a partir da produção de
verdades, da lógica da circulação em cadeias de produção de sentido e de centros diversos de
efetivação de poder (FOULCAUT, 1992), o bios midiático se torna o espaço onde essa disputa pelo
poder se estabelece. O ambiente das mídias digitais, entendendo que a produção de conteúdo se
orienta na direção da divulgação de um sem fim de imaginários, ganhou potencia depois da ampliação
do acesso aos meios de produção e circulação do audiovisual. Em tempos de internet e redes sociais o
ambiente digital se configuraria como um lugar importante para o trabalho de mobilização e de
campanha (CABRAL FILHO, 2008, p.236).
Márcio Simeone Henriques (2005) defende os meios digitais como ambiente facilitador do
processo de mobilização a partir do momento em que permite a troca de informações entre indivíduos
e a construção de grupos que se reconhecem e convivam virtualmente produzindo laços de
identidade, pertencimento e narrativas mobilizadoras.
A relação que se estabelece entre tecnologia e circulação de informações capazes de gerar
mobilização social precisa ser vista ainda como algo instrumental. Mariana Musse (2017) destaca que
“essa nova forma de conexão e interação entre indivíduos culminou em novas formas de
representação de si, outros modelos de relacionar-se entre indivíduos, novos meios de produzir e
guarda memória, de mobiliza-se e socializar” (MUSSE, 2017, p.51).. A autora acredita que a web e,
em especial a web 2.010, trouxeram o indivíduo comum visto exclusivamente como receptor na lógica
dos modelos de comunicação baseados em emissores e receptores de lados antagônicos, em um novo
espaço em que ele ocupa as duas posições
A ferramenta trazida pelas redes sociais é meio para atingir os fins desejados, remove obstáculos
e transformas as relações e a maneira de circular a informação e da sociedade se comportar (SHIRKY,
2008. p.137).
Por outro lado, o uso e a apropriação que são feitos da internet podem imprimir nela as
características que a popularmente denominam como a “terra de ninguém”. Da mesma forma que tem
como potencialidade uma participação mais ativa do público em geral no sentido da ampliação da
informação, pode se apresentar também como um espaço de propagação de um volume maior de
(des)informação e de fake News. Por se tratar de uma comunicação fragmentada, em “bolhas” e
refém de algorítimos, ela permite a transformação de usuários em legitimadores de opinião (antes
representados pelos jornalistas). Novos atores sociais passam a ampliar seu espaço nas diversas
esferas públicas.
E é justamente no limiar entre as potencialidades e os riscos que a Internet tem se consolidado
como um espaço de apropriação de novos atores sociais e políticos, que se ancoram, muitas vezes, em
discursos de ataque à mídia tradicional e falam de forma direcionada ao que trata Shirky (2008) como
sendo sua “rede de mundos pequenos”, traduzida em seus seguidores e em quem interage com as
publicações desses atores.

Redes de mundo pequeno operam tanto como amplificadores quanto como filtros de informação. A
informação no sistema é passada adiante por amigos de amigos (ou pelo menos contatos de contatos),
então as pessoas tendem a obter informação que é de interesse também de seis amigos. Quanto mais
amigos seus se importarem com determinada informação – sejam mexericos, vagas de emprego ou uma
nova música que eles gostem –, mais provável que você também ouça falar dela. O contrário também é
verdadeiro: coisas que não despertam interesse em nenhum dos seus amigos ou nos amigos deles
provavelmente não vão chegar a você. (SHIRKY, 2008. p 187,188).

Nesse sentido, a exploração da Internet se apresenta como um terreno fértil tanto para um
contato mais direto com um público segmentado e que partilha das mesmas ideias, como também
para a propagação de conteúdos de forma indiscriminada sem os compromissos do Quarto Poder de
apuração e verificação dos fatos. Neste ambiente que as novas estratégias de campanha se legitimam,
prescindem e suplantam os meios tradicionais no caso da campanha de Bolsonaro (PSL) em 2018. A
ferramenta articula o imaginário presente na anunciação das promessas, a interação das redes de
mundos pequenos alavanca a replicabilidade das informações e os níveis de mobilização dependendo
das emoções, dos sentimentos afetados pela narrativa circulada.

4. Afetação, sentimento, choque e ação: os limites do processo de mobilização

Como forma de enfrentamento ao posicionamento público de Jair Bolsonaro (PSL) em prosseguir


com o desmonte da EBC, páginas como a da “Frente em Defesa da EBC e da Comunicação Púbica” -
criada ainda no contexto das ameaças contra a Comunicação Pública durante o afastamento da
presidente Dilma Rousseff (PT) antes do impeachment - passaram a invocar também mobilizações no
ambiente das mídias sociais digitais. Ou seja, a partir da coalisão entre Quarto e Quinto Estado, a
Internet passou a ser utilizada como um espaço de mobilização e criação de conteúdos que buscavam
defender uma causa, pautada pelas mesmas potencialidades do ambiente social digital que ergueram
a imagem do candidato do PSL.
Para observação do conteúdo e da interação dos públicos adotaremos a perspectiva metodológica
da Análise da Materialidade Audiovisual, proposta por Coutinho (2016), e que busca trabalha a
unidade “texto+imagem+som+tempo+edição”, bem como os elementos paratextuais da narrativa
audiovisual e suas particularidades.
A partir da observação dos posicionamentos, comentários e engajamento digital, observados
identificamos, nas postagens de notícias jornalísticas e conteúdos postados pela página da “Frente em
Defesa da EBC e da Comunicação Pública”11, no Facebook, uma busca por narrativas capazes de
trabalha imaginários, intermediar a disputa de poder e efetivar a afetação das paixões e engajamento
(TORO & WERNECK, 2004) para imprimir mudanças significativas no cenário da comunicação
enquanto política pública no Brasil.
Utilizamos como recorte o período que vai do dia 8 de agosto de 2018 até o dia 28 de outubro de
2018, por ser o intervalo entre o início do primeiro turno e o fim do segundo turno, em que Jair
Bolsonaro foi eleito como presidente do Brasil.
A partir desse recorte, observamos que há uma clara intenção dos organizadores da página em
defender os interesses da EBC, enquanto veículo e também instrumento para a construção da
Comunicação Pública no Brasil e da Comunicação Pública em sim, utilizando vídeos, imagens e artes
que justamente defendam a causa. Além disso, a página replica conteúdos informativos deslocados de
outros espaços do universo digital e atuam como reeditores, na perspectiva de Márcio Simeone
Henrique (2004), para oferecer informações precisas, apuradas, interpretadas e criticamente
discutidas entre os que experimentaram o contato com cada um dos materiais.
Destaca-se no período analisado vídeos e postagens em que os candidatos à Presidência à época -
Guilherme Boulos (PSOL), Vera Lúcia (PSTU) e João Goulart Filho (PPL) – mostram-se sensíveis e
dispostos a apoiar a Empresa Brasil de Comunicação e a Comunicação Pública, inclusive assinando a
carta de intenções. Além dessas postagens há o compartilhamento de conteúdo sobre o apoio sindical
recebido, sobre o posicionamento contrário à ditadura e ao sofrimento por ela causado, sobre o
desmonte da EBC por meio do corte de sue orçamentos, e ainda sobre o aniversário de 41 nos da
Rádio Nacional da Amazônia completa 41 anos de existência como forma de chamar atenção para a
importância da Comunicação Pública nos lugares de mais difícil acesso no Brasil. Há ainda uma
postagem do dia 08 de agosto de 2018 em que resultados de uma pesquisa apontam o crescimento de
64% na audiência da TV Brasil, alavancado inclusive pela programação infantil.
Entre os comentários e compartilhamentos, o quantitativo não ultrapassa a casa das dezenas.
Naquilo que narram estão presentes o medo em relação às ameaças de candidatos contrários à EBC
como João Amoedo (NOVO), Geraldo Alckmin (PSDB) e Jair Bolsonaro (PSL) e a tentativa de mobiliza-
se e enfrentar o risco. Destacamos, na nossa observação, a parte em que a narrativa se constrói ao
redor Jair Bolsonaro, que desde o início deixou seu interesse de desmonte da Comunicação Pública.
Da análise é possível depreender que os números são tímidos diante da proporção e do alcance
das mídias estrategicamente apontadas para a criação de um imaginário para a eleição de Jair
Bolsonaro. A mobilização social orgânica pretendida pela página da Frente em Defesa da EBC e
Comunicação Pública não foi capaz de romper com a lógica dos mecanismos tecnológicos de seleção e
direcionamento de publicações e informações mesmo diante da participação de alguns dos
candidatos. As informações divulgadas de maneira responsável, com critérios de criticidade podem
não ter a mesma dimensão do apelo sentimental e passional das narrativas de intolerância,
preconceito e um sem número de fobias disseminadas nos aplicativos de celulares.

5. Considerações Finais

Hoje, em 2019, as especulações e ameaças quanto ao futuro da EBC permanecem. Trabalhadores


inseguros, deturpações do caráter público da empresa são reforçados por uma parcela da imprensa,
iniciativas de mobilização tentam a defesa da Comunicação Pública e o executivo federal avança na
intimidação da mídia democrática. Por essa razão é preciso acompanhar e tentar compreender esse
processo de transformação sócio-cultural mediado pelos meios de comunicação e por processos de
mobilização.
A política pública de comunicação pautada pelo afastamento das maneiras tradicionais de se
comunicar com os públicos dá sinais de um reposicionamento. A postura muda de configuração,
principalmente depois que índices de popularidade do governo começam a despencar indicando uma
possível ineficiência da circulação exclusiva de informações e mobilização em ambiente de interação
social virtual. Prova disso é a manutenção da EBC contrariando as narrativas de extinção, mas sob um
perfil de caráter governista, submetida ao gabinete e às vontades do presidente. A EBC amarga um
capítulo de desmonte significativo e de alguma maneira, as iniciativas de mobilização pró EBC não
atingiram um volume de cidadãos afetados a ponto de romper com as bolhas, de fazer a informação
mobilizadora circular entre as redes de mundo pequeno driblando algorítimos, de reeditar
informações num nível de sensibilidade tal que promova para além da compreensão do problema e da
indignação das pessoas, uma ação efetiva de mudança. Uma reflexão contínua sobre o papel da
comunicação democrática. Possivelmente por se pautar exatamente na isenção, na apuração e
interpretação dos fatos, na veracidade e na opinião crítica é que o apelo mobilizador ainda não tenha
adquirido as dimensões alcançadas das fake News. Entretanto o tempo de permanência das
narrativas é bem mais estável e pode a todo momento acionar novos atores para legitimar o processo
de luta pela comunicação democrática.
A TV ainda tem centralidade, a internet e suas ferramentas também apresentam outros espaços
para a disputa do poder simbólico, do lugar de fala e de diálogo entre narrativas distintas. A
linguagem que se configura no uso vai dando indicativos de leituras possíveis e de interpretações dos
fenômenos da comunicação imbricados nesse bios midiático contemporâneo de transformações
aceleradas. É preciso que estejamos atentos e observadores desse processo para junto com ele
compreendermos nossa sociedade, escolhermos as nossas representatividades e possamos efetivar a
nossa cidadania tendo como aliada e, sobretudo pautada, por uma comunicação consciente, efetiva e
democrática.

Referências
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TORO, Jose Bernardo & WERNECK, Nísia Maria Duarte. Mobilização Social: Um modo de construir a
democracia e a participação. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Jornalismo Político e Eleitoral, I Simpósio Nacional de Comunicação Política,
Eleições e Campanha Permanente, 27 a 28 de março de 2019.

2 Mestre, doutorando no PPGCOM-UFJF e membro do Núcleo de Jornalismo e Audiovisual (NJA-UFJF), Universidade Federal de
Juiz de Fora. luizfelipefalcao@gmail.com.

3 Mestrando pelo PPGCOM-UFJF e membro do Núcleo de Jornalismo e Audiovisual (NJA-UFJF, Universidade Federal de Juiz de
Fora Gustavo_tfp@yahoo.com.br.

4 https://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2019/01/22/pf-indicia-jornalista-por-vazamento-sobre-fase-da-lava-jato-em-que-lula-
prestou-depoimento.ghtml

5 FNDC, FNDC lança propostas para democratizar as comunicações. Disponível em:

http://fndc.org.br/noticias/eleicoes-fndc-lanca-propostas-para-democratizar-as-comunicacoes-924866/

6 Gabriel Souza, Bolsonaro diz que vai extinguir ou privatizar a TV Brasil, criada por Lula. Disponível em:
https://noticiasdatv.uol.com.br/noticia/televisao/jair-bolsonaro-diz-que-vai-extinguir-ou-privatizar-a-tv-brasil-criada-por-lula-23012

Jeff Benício, Medidas polêmicas fazem ‘TV do Lula’ virar ‘TV do Bolsonaro’. Disponível em:

https://www.terra.com.br/diversao/tv/blog-sala-de-tv/medidas-polemicas-fazem-tv-do-lula-virar-tv-do-
bolsonaro,251e1bcaeb3aa3a4ed623b8723a2c40603rcbz5i.html

Redação Veja, Ministro da Secretaria de Governo afirma que EBC não será extinta. Disponível em:
https://veja.abril.com.br/politica/ministro-da-secretaria-de-governo-afirma-que-ebc-nao-sera-extinta/

7 De acordo com o colunista Ricardo Feltrin em postagem realizada no site UOL em 07/02/2016 “depois de passar a campanha
prometendo fechar a TV Brasil, emissora pública vinculada à EBC, o governo Jair Bolsonaro já mudou de ideia. Em comunicado
divulgado ontem aos ministérios o Presidente anunciou o “lançamento” de uma “nova tv do governo”. Ainda segundo a matéria a equipe
da EBC iria até os ministérios ou local indicado pelos membros de governo para coletar seu depoimento de boas vindas a nova TV.
Matéria publicada em 29/01/2019 na Folha de S. Paulo também noticiou a intervenção no governo na emissora, com o fim do Repórter
Brasil Maranhão e a suspensão do programa Sem Censura.

8 Lucas Vettorazzo, Mais da Metade dos Brasileiros ainda tinha TV de tubo em 2013, disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/04/1622542-tv-esta-presente-em-972-dos-lares-do-pais-um-terco-desses-com-tv-digital.shtml
acessado em 22\11\2018

9 A PNAD Contínua TIC teve como objetivo mensurar dados específicos da Internet, por isso não foi possível realizar uma
comparação com os dados da PNAD Contínua TIC 2016, que englobaram todos os meios de comunicação.

10 Na descrição da autora, a web 1.0 se caracterizaria como estática e unidirecional enquanto a 2.0 é dinâmica, multidirecional e
colaborativa.

11 Disponível em: https://www.facebook.com/emdefesadaEBC/


CAPÍTULO 18

EM FOCO: CÁRCERE E EDUCAÇÃO


O discurso televisivo de Bolsonaro

Carla Ramalho Procópio1


Simone Martins2
Iluska Coutinho3
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)

1. Introdução

Em nossa sociedade, o entendimento das questões sociais é sempre atravessado por uma série
de significações atribuídas pelas instituições detentoras de poder simbólico (Bourdieu, 1986) e a
interação entre indivíduos. Nesse sentido, os produtos midiáticos – desde o cinema aos telejornais e
revistas – fornecem material para a construção do pensamento coletivo e também o individual, na
medida em que sugere padrões e reforça os limites entre determinados grupos e relações.
Atuando na mediação de um processo de troca de poderes, a cobertura midiática da eleição
presidencial de 2018 foi marcada de muitos acontecimentos e novidades no modo como as campanhas
foram desenhadas e comunicadas. Ainda que esteja claro que a política que está presente na mídia
não é apenas aquela ligada aos partidos políticos, mas sim a um conjunto de esquemas de poder e
forças que movimentam e mobilizam os cidadãos nas mais diversas esferas sociais, há que se
considerar a força e a presença das coberturas político partidárias na mídia brasileira, que acabam
assumindo os espaços das editorias políticas dos telejornais.
No discurso do candidato à presidência em 2018, Jair Bolsonaro, sua argumentação acerca dos
principais problemas que o país enfrenta dividiram opiniões. A mídia, sendo também um campo para
essas disputas e discussões, atuava na função de mediadora, à medida que pautava matérias
relacionadas aos interesses da população e também, oferecia a perspectiva das propostas do
candidato. Temas centrais da candidatura, o debate da Segurança Púbica e Educação foram
apresentados por perspectivas distintas, em que a produção de notícias falsas colaborava para um
fortalecimento das propostas frente a uma construção da imagem de um país caótico.
Em um momento de profunda crise do sistema prisional e em que a área da educação é vista por
uma perspectiva conservadora, este trabalho pretende analisar como as pautas de educação e
segurança pública foram abordadas pelo então candidato à presidência Jair Bolsonaro na janela para
o Brasil e o mundo aberta pelo Jornal Nacional (JN), telejornal mais antigo e de maior audiência no
Brasil. Além disso, quais ligações podem ser estabelecidas entre as demandas sociais pautadas pelo
telejornal e a construção de seu discurso, numa tentativa de “responder à população” exatamente
aquilo que ela buscava ouvir.
Nesse sentido, busca-se entender qual é o lugar dos presidiários e da educação nas propostas de
Jair Bolsonaro a partir da análise de suas entrevistas no Jornal Nacional, mas também em outros
programas e ainda de seu Plano de Governo. A proposta é entender como o candidato respondia ou se
colocava diante dos questionamentos da mídia. Uma vez que este estudo relaciona às pesquisas sobre
a construção midiática do presidiário na TV e a representação da campanha Escola sem partido,
discutindo as formas de representação e suas implicações sociais, busca-se entender qual é o lugar
dessas pautas no momento em que se discute uma solução para problemas estruturais em nosso país.
Torna-se importante observar qual é o lugar da mídia nessa mediação, seu compromisso em defesa
dos direitos humanos e como a representação de indivíduos e temáticas neste momento crítico para a
segurança e para a educação nacionais deve ser feita de forma responsável.
No livro O Poder Simbólico, Pierre Bourdieu (1989) destaca que o poder invisível consiste em
uma espécie de poder que pode ser exercido apenas com a cumplicidade daqueles que estão sujeitos
a ele, ou daqueles que o exercem. Nesse sentido, julgamos importante ressaltar que consideramos o
“silenciamento” uma forma de exercício de poder. Para tanto, destacamos que a ausência ou, melhor
dizendo, a “invisibilidade” do então candidato Jair Bolsonaro, do PSL, em grande parte de sua
Campanha Presidencial – em função do suposto atentado sofrido por ele em Juiz de Fora (MG) –
contribuiu sobremaneira para a sua vitória no pleito. Isso porque partimos do pressuposto de que a
falta de retórica do atual Presidente da República para debater temas de forma mais aprofundada
seria um empecilho em sua trajetória. Esses riscos potenciais foram afastados com a necessidade de
tratamento e recuperação do candidato frente ao incidente registrado no dia 06 de setembro em Juiz
de Fora (MG).

2. Um olhar sobre as propostas para a educação no governo Bolsonaro

Em sua campanha rumo à Presidência da República, Jair Bolsonaro pautou-se sobremaneira em


temas relacionados à Soberania Nacional, Segurança Pública e Economia. Todavia, muito pouco se
discutiu sobre Educação. A abordagem sobre o tema apresentou-se de maneira rasa, sem
aprofundamento, tampouco sem a apresentação de propostas. No Plano de Governo, disponibilizado
na página de Jair Bolsonaro na rede mundial de computadores, nomeado “O Caminho da
Prosperidade”, o atual Presidente da República apresentava supostas propostas de campanha para
um Brasil Constitucional, Eficiente e Fraterno. Entretanto, na realidade ali estavam expostas apenas
frases de efeito carregadas de juízos de valor, sem abordar, tampouco descrever, propostas de fato.
No que diz respeito à educação, sua linha de ação estava elencada junto com a destinada para a
área de saúde, prometendo “eficiência, gestão e respeito com a vida das pessoas. Melhorar a saúde e
dar um salto de qualidade na educação com ênfase na infantil, básica e técnica, sem doutrinar” (grifo
nosso).
Fazendo uma análise inicialmente temática dos vídeos disponibilizados na página do então
candidato na internet sobre o tema, partimos do pressuposto de que a “doutrinação” a que a frase
acima se refere diga respeito às propostas apresentadas por candidatos do PSL nos polêmicos Projeto
de Lei de nº 7180, de 2014 e de seu substitutivo, que abordam o tema “Escola Sem Partido”, cujos
objetivos consistem na alteração do art. 3º da Lei nº 9394, de 1996, que estabelece as Diretrizes e
Bases da Educação Nacional.
O Projeto de Lei e seu substitutivo, que se autodenominam uma lei contra o abuso e a liberdade
de ensinar, geram polêmica e, pela falta de consenso entre parlamentares, tiveram que ser arquivados
no Congresso. Isso porque, com o início de uma nova legislatura, iniciada em janeiro de 2019,
nenhum projeto da legislatura anterior pode continuar tramitando; devem seguir uma regra
regimental de arquivamento. Todavia, caso outros parlamentares queiram continuar discutindo o
assunto, um novo Projeto de Lei sobre o tema precisa ser apresentado.
Aqueles que defendem o Programa Escola Sem Partido, que em sua essência dispõe sobre o
direito dos alunos de aprender e a conduta dos professores na transmissão dos conteúdos, o fazem
adotando posturas contrárias à escola ser local para a formação de cidadãos críticos, capazes de
discernir entre o certo e o errado e emitir suas próprias opiniões a respeito dos mais diversos temas.
A explicação é que esta seja uma obrigação dos pais, e que a formação da consciência crítica dos
filhos deva “vir de dentro de casa”.
De acordo a publicação do site Programa Escola sem Partido,

a doutrinação política e ideológica em sala de aula ofende a liberdade de consciência do estudante; afronta
o princípio da neutralidade política e ideológica do Estado; e ameaça o próprio regime democrático, na
medida em que instrumentaliza o sistema de ensino com o objetivo de desequilibrar o jogo político em favor
de um dos competidores. (...) Essas práticas, todavia, apesar de sua manifesta inconstitucionalidade e
ilegalidade, tomaram conta do sistema de ensino. A pretexto de “construir uma sociedade mais justa” ou de
“combater o preconceito”, professores de todos os níveis vêm utilizando o tempo precioso de suas aulas
para “fazer a cabeça” dos alunos sobre questões de natureza político-partidária, ideológica e moral
(ESCOLA SEM PARTIDO).

De toda forma, tomamos por base que uma das propostas do governo para a educação esteja na
promoção do “Escola Sem Partido” por suposição, visto que em momento algum ao longo da
campanha esse foi um discurso verbalizado por Bolsonaro.
Nesse sentido, e a fim de buscarmos fundamentar nossa hipótese de que o tema praticamente
não foi abordado durante a campanha, procuramos referências à educação na página de Jair
Bolsonaro e ainda nas entrevistas concedidas pelo então candidato à presidência no Jornal Nacional,
telejornal de maior visibilidade no país, para desenvolvermos uma análise de conteúdo tomando por
base o material encontrado.
O primeiro vídeo sobre o tema na página do então candidato à presidência do país chama-se
“Educação: os rumos catastróficos do sistema brasileiro”. Nele, um assentado da Reforma Agrária
(cujo nome não foi declarado), que vive em um assentamento do MST na zona rural de Nova Mutum
(MT), defende o projeto de uma “escola livre”, sem que seus filhos sejam doutrinados por professores.
Segundo o discurso do assentado, seus filhos foram “obrigados a estudar em uma escola que tinha um
regime bancado pelo MST; foram obrigados a estudar com a doutrinação do MST na marra”. O
indivíduo acrescentou que o programa educacional havia sido implantado “goela abaixo” na Escola
Municipal do Campo Jorge Carlos Ferreira, em 2009. Para comprovar sua fala de que a escola era
doutrinadora, convida os internautas a assistir vídeos no youtube dos “semterrinhas” e parabeniza
Eduardo Bolsonaro e Miguel Nagib pelo Projeto Escola Sem Partido. Todavia, não diz do que se trata.
O assentado argumenta que ele e outros 194 pais foram ao Ministério Público de Nova Mutum (MT)
protocolar um abaixo-assinado contra o método educacional a que os filhos estavam submetidos na
escola localizada no Assentamento Pontal do Marape, na Zona Rural de Nova Mutum (MT).
Entretanto, no vídeo também não consta a informação de quantos eram os alunos matriculados na
referida escola.
Já o segundo e último vídeo disponibilizado na página de Jair Bolsonaro sobre educação mostra
um professor gritando com um aluno em sala de aula. O estudante está, supostamente, defendendo o
então candidato à presidência. Antes do link para o vídeo disponibilizado no youtube, há a descrição
“ESCOLA SEM PARTIDO: um ‘professor’ deste tem condições de ministrar uma aula? Tire suas
conclusões”.
Percebemos que, nas duas “abordagens” relacionadas à educação, não há a participação de Jair
Bolsonaro, tampouco qualquer discussão a respeito do tema. O que se vê são discursos carregados de
juízos de valor sem a apresentação de soluções para o problema do ensino brasileiro.
No que diz respeito à participação do então candidato no Jornal Nacional, três entrevistas dadas
por ele ao noticiário conduziram nossa análise de conteúdo acerca do tema. A primeira delas, antes do
atentado sofrido e, portanto, com o candidato presente na bancada no JN, aconteceu em 28 de agosto
de 2018. Na entrevista, diversas questões foram apresentadas pelos âncoras do noticiário para
Bolsonaro, mas nenhuma delas dizia respeito à educação nacional. Apenas nos minutos finais, quando
foi convidado a dizer qual era o Brasil que queria para o futuro, Jair Bolsonaro disse que seu governo
seria voltado para, dentre outros assuntos, a segurança pública (sem se debruçar também sobre o
tema) e que era preciso tratar “com consideração as crianças em sala de aula”.
A segunda entrevista concedida por Bolsonaro ao Jornal Nacional, já no segundo turno das
eleições presidenciais, aconteceu no dia 08 de outubro. Nela, o candidato aparece em sua casa,
recuperando-se do atentado sofrido. A entrevista, conduzida por William Bonner, começa com um
agradecimento de Bolsonaro a seus eleitores, em especial à bancada evangélica, ao homem do campo
(“quer seja do agronegócio, quer seja da agricultura familiar”), aos caminhoneiros, aos policiais civis
e militares, aos integrantes das forças armadas e à família brasileira, “que tanto clama para que seus
valores sejam respeitados e, mais ainda, que a inocência da criança em sala de aula esteja acima de
tudo”. O candidato ainda agradece ao Nordeste, ponderando que, apesar de perder naquela região,
teve uma votação expressiva e não recebeu mais votos em função de “fake news”. Bolsonaro defende
que seu compromisso, sua plataforma de campanha, sua bandeira estão baseadas em um trecho
bíblico: “João 8:32: ‘E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará’”. Apresentando um discurso
cheio de juízos de valor e sem propostas efetivas, Bolsonaro conversa com os telespectadores,
aproximando-se dos cidadãos e tentando convencê-los de que é a solução para o Brasil. Apesar de
abordar que a “inocência da criança em sala de aula esteja acima de tudo”, o candidato não nos
fornece ferramentas para vincularmos sua fala a alguma proposta efetiva para a área de educação em
seu governo. Além dessa citação, nada mais foi dito, ainda que subliminarmente, sobre o tema.
Já a terceira entrevista foi concedida um dia após a vitória de Bolsonaro. Willian Bonner abre o
Jornal Nacional do dia 29 de outubro cumprimentando o presidente eleito e agradecendo a entrevista
concedida ao noticiário. Novamente Bolsonaro agradece a seus eleitores pelo voto, confiança e
orações. Reforça que sua campanha foi feita tomando por base a passagem bíblica de João 8:32 e diz
que “está na hora do Brasil conviver com a verdade”. Em seguida, pondera que as eleições
terminaram e, portanto, “chega de mentiras. Chega de fake news” e que quer governar para todos,
não apenas naqueles que votaram em Bolsonaro. Reforça que é necessário respeitar a Constituição
Federal visto que “somente desta maneira podemos conviver em harmonia”. O presidente eleito
abordou questões como homofobia – mas condenou a adoção do “kit gay” nas escolas, o que entende
ser uma “agressão contra a família e contra a inocência das crianças em sala de aula”, o que resultou
em sua forma “um tanto violenta” ao tratar do assunto –, liberdade de imprensa e democracia. O
presidente eleito também reforçou sua visão de que todos os brasileiros estejam

no mesmo barco. Se o Brasil não sair dessa crise moral, ética e econômica, todos nós sofreremos as
consequências do que se aproxima no futuro. Nós queremos é junto com vocês, afinal de contas nós temos
tudo para ser uma grande nação. O que está faltando é a união de todos. Evitar as divisões; essas divisões
apareceram no governo anterior: nordestinos, sulistas, brancos e negros, ricos e pobres, homos e heteros.
Isso nós vamos evitar. Vamos tratar todos iguais. Eu apelo àqueles que não votaram em mim: nos deem a
oportunidade agora de mostrar que realmente nós podemos fazer uma política de modo que a felicidade se
faça presente em nosso meio no futuro. (BOLSONARO, 2018)

O presidente eleito ainda apontou Sérgio Moro como um símbolo para os brasileiros, “um homem
que perdeu a sua liberdade no combate à corrupção”. Por essa razão, segundo Bolsonaro, Moro deve
ter o seu trabalho reconhecido. Mais uma vez, não fosse a citação feita sobre a “inocência das
crianças em sala de aula”, nenhuma alusão foi feita à Educação no Brasil, o que permite tensionar a
existência de um projeto efetivo para esse ministério no governo de Jair Bolsonaro. Em contraponto a
temática da (in)Segurança Pública assume lugar central, ainda que com áreas de sombra, como
aponta-se a seguir.

3. Truculência e combate: o presídio no discurso político de Jair Bolsonaro

Presentes na maioria das matérias como um lugar para onde vão pessoas que praticaram crimes
assustadores, os presídios se mantém na mídia como um lugar indesejado pela sociedade e desprovido
do menor direito de investimentos básicos, afinal, nele estão as pessoas que precisam ser isoladas.
Fechados atrás das grades de ferro, os presidiários ocupam um espaço na sociedade ligado a punição
e a aplicação de uma justiça de exclusão, e a mídia, precisa relatar esse espaço como um lugar para
onde não se deve ir – muitas vezes, essa estratégia acaba se configurando no silenciamento. Assim
como Hughes (2010) identifica interesses políticos na abordagem de determinados assuntos na mídia,
os presídios são alvo de controle de interesses políticos e institucionais e por isso, participam do jogo
de forças que impedem uma discussão amis aprofundada sobre sua real situação.
Ainda que esteja claro que a política que está presente na mídia não é apenas aquela ligada aos
partidos políticos, mas sim a um conjunto de esquemas de poder e forças que movimentam e
mobilizam os cidadãos nas mais diversas esferas sociais, há que se considerar a força e a presença
das coberturas político partidárias na mídia brasileira, que acabam assumindo os espaços das
editorias políticas dos telejornais. E se por um lado, a população vive uma fase de descrença em
relação ao poder público, as matérias parecem colaborar com a ideia de que corrupção e política
estão ligadas ao universo partidário ou governamental.
Nesse sentido, por muitas vezes a relação entre a mídia e a política passa despercebida pelas
matérias diárias nos telejornais. No entanto, essas duas esferas da sociedade atuam em uma parceria
complexa e interdependente. Para Kovach e Rosenstiel (2003), quando os jornalistas assumiram, no
final do século 20, a função de homens de negócios, tiveram a relação entre cidadãos e jornalistas
enfraquecida. Essa conclusão reflete o universo da imprensa moderna, em que os jornalistas,
influenciados pelas novas condições de trabalhos e pelo jogo de forças atuantes do exercício de suas
funções, trocaram a premissa da primeira lealdade com os cidadãos, para um compromisso baseado
em premissas frágeis, técnicas e cada vez mais inconstantes.
Conhecido popularmente pelas opiniões radicais em relação ao sistema prisional e aos modos de
combate à violência de maneira geral, Jair Bolsonaro marcou sua campanha presidencial pelo
discurso em favor das polícias e militares - representando o poder do estado - e o combate à
criminalidade pautado na letalidade. Ainda que seja um ex-militar, sua trajetória política gerou poucos
projetos nas áreas de Segurança Pública, reduzindo sua atuação à discursos e opiniões pessoais
acerca do modo como a criminalidade deveria ser tratada em nosso país. Não é do interesse deste
trabalho fazer uma análise de quais são os fatores que levaram ao país a acolher o discurso de
Bolsonaro, mas é preciso lançar um olhar para o contexto vivido e entender que é por causa deste
contexto que seu discurso foi capaz de leva-lo tão longe na disputa. É considerando esses fatores a
respeito do jogo político, que lançamos um olhar sobre o discurso televisivo do então candidato à
presidência do Brasil, Jair Bolsonaro.
O primeiro olhar diz respeito à entrevista ao vivo do então candidato ao noticiário mais longevo e
de maior audiência no Brasil, o Jornal Nacional. Exibida no dia 28 de agosto de 2018, a entrevista com
o então candidato à presidência Jair Bolsonaro teve em média 30 minutos de duração e fazia parte de
uma semana de entrevistas com os candidatos ao primeiro turno da presidência do Brasil. A
Segurança Pública foi selecionada como um dos temas relevantes para o candidato. Os jornalistas e
apresentadores William Bonner e Renata Vasconcelos, que além de fazerem perguntas sobre
corrupção, vida pública, economia, políticas de inclusão social e direitos trabalhistas, a incluíram a
como um dos assuntos em que o candidato teria a oportunidade de responder diretamente sobre suas
propostas. O seguinte trecho foi transcrito da plataforma Globoplay4, site oficial da TV Globo:

Bonner: Outro tema importantíssimo, o Brasil está preocupadíssimo com o tema...um tema caro ao senhor
também. O senhor sabe, nas favelas brasileiras, a imensa maioria dos moradores é de gente honesta,
trabalhadora que vive sobre o julgo, sobre o domínio de traficantes de drogas...e que muito frequentemente
é vítima de tiroteios entre bandidos e policiais. O senhor afirmou que violência se combate com energia, se
combate com inteligência e, palavras suas: “e, se for o caso, com mais violência ainda”. Mais violência
ainda, candidato? É.…como é que você acha que os brasileiros que vivem nessas comunidades dominadas
por traficantes, que são vítimas desses tiroteios tão frequentes, como elas recebem uma afirmação como
essa sua?
Bolsonaro: Com mais violência ainda, que eu declarei, sim, isso que você falou aí é, se o bandido lá, tá com
um 762, atirando... o policial pro lado de cá tem que ter uma ponto 50, se ele tá com uma ponto 50, tem que
ter um tanque de guerra pro lado de cá...Eu já fui vítima de violência, Bonner, você também, infelizmente,
Bonner, só Deus sabe o que passou na sua cabeça sobre a sua integridade, sobre a minha integridade...
Esse tipo de gente, você não pode trata-lo como se fosse um ser humano normal, tá... que deve ser
respeitado, que é uma vítima da sociedade, nós não podemos é deixar os policiais continuarem morrendo
na mão desses caras; nós do exército brasileiro acabamos de perder 3 garotos, 3 jovens, garotos, para o
crime agora...Nós temos que fazer o que... No local que você possa deixar livre da linha de tiro as pessoas
de bem da comunidade e ir com tudo pra cima dele se dar para o policial, dar para os agentes de segurança
pública, o excludente de licitude, ele entra, resolve o problema, se matar 10, 15, 20 com 10, ou 30 tiros
cada um, ele tem que ser condecorado e não processado.
Renata: Desculpe, mas como evitar então uma tragédia maior, quando o senhor defende mais violência do
que essa que nós já temos com tantas balas perdidas que acometem as pessoas não só dentro e fora das
favelas...Ou pro senhor não há alternativa? Só com mais violência?
Bolsonaro: Violência é contra quem está com arma na mão, nós do Exército Brasileiro...
Renata: A Bala perdida também atinge inocentes...
Bolsonaro: Então não vamos botar o policial pra invadir as comunidades tomadas pelo tráfico. Nós, no
Haiti, militares do Exército brasileiro, sem o preparo que tem o Policial Militar aqui, resolveu, pacificou o
Haiti. Por que? Nós tínhamos uma forma de engajamento, qualquer elemento com uma arma de guerra, os
militares atiravam, 10, 15, 20, 50 tiros, e depois ia ver o que aconteceu. Resolveu o problema rapidamente.
Você vê bonde aqui do Rio de Janeiro na Praça Seca com 20 homens de fuzil, como é que você tem que
tratar essas pessoas? Pedindo pra levantar as mãos, dar uma florzinha pra ele? Ou atirar? Você tem que
atirar, se não atirar não vai resolver nunca. Enquanto isso continuar acontecendo infelizmente vão
continuar assistindo morte de policiais, e integrantes das Forças Armadas...
Bonner: E de inocentes no meio de tiroteios, né....
Bolsonaro: Mas é muito simples... então não vamos botar tropas na rua. Vamos deixar a PM acautelada
também.

Com relação à temática da violência, Bolsonaro parece reforçar a expectativa da população de


que os problemas sociais relacionados à criminalidade e ao crime organizado de uma maneira geral só
poderão ser resolvidos com uma estratégia combativa e violenta. No entanto, toda a sua resposta
encontra respaldo nas demandas dos telejornais em geral, afinal, pareceria lógico que para lidar com
a violência e criminalidade aumentando, é preciso eleger um presidente que tenha uma resposta
direta e imediata para tais problemas. Na fala de Bolsonaro, é possível perceber a clara distinção feita
entre os cidadãos e o que ele chama de “aquela gente”, ao se referirem as pessoas que cometeram
crimes no Brasil ou estão envolvidas com o tráfico. Além disso, quando cita “a violência é contra quem
está com a arma na mão”, Bolsonaro parece desconhecer os contextos da criminalidade e a própria
ação da polícia por trás das armas.
Além dos espaços da entrevista, Bolsonaro e o candidato do Partido dos Trabalhadores (PT)
Fernando Haddad tiveram um (1) minuto para responderem à pergunta da campanha realizada pelo
telejornal, intitulada: “O Brasil que eu quero para o futuro”. Na campanha, os telespectadores
deveriam enviar uma mensagem de até 30 segundos respondendo à pergunta e dizendo o nome e
cidade pela qual falava. Ao longo da semana, um depoimento de cada cidade brasileira seria exibido
na programação. Assim, ao final de cada entrevista, os candidatos também participaram da proposta.
Na vez de Jair Bolsonaro, os desejos foram relacionados aos principais pontos fortes da
campanha do ex-deputado:

Bolsonaro: Nos últimos 20 anos, 2 partidos mergulharam o brasil na mais profunda crise ética, moral e
econômica. Vamos juntos mudar esse ciclo, mas para tanto, precisamos eleger um presidente da república,
honesto, que tenha Deus no coração, patriota, que respeite a família, que trate com consideração as
crianças em sala de aula, que jogue pesado no tocante a insegurança em nosso brasil, uma o nosso povo,
brancos, negros, é.… nordestinos, sulistas, ricos e pobres, homens e mulheres, para buscarmos o bem
comum. Nós no Brasil temos tudo, tudo para sermos uma grande nação só falta essa união entre nós, e que
o presidente, indique seus ministros sem indicação política. Muito obrigado a todos.

Em termos gerais, a proposta de Bolsonaro, que tem como slogan central “Brasil acima de tudo,
Deus acima de todos”, apresentou propostas relacionadas à segurança que visam combater a
criminalidade no país oferecendo maior poder às polícias, facilitando a posse de armas e
estabelecendo parâmetros claros para “quem deve morrer” e quais personagens serão os heróis da
Segurança no Brasil. Além disso, em toda a proposta, há uma clara associação do aumento da
criminalidade com os governos do PT. Na proposta, ainda aparecem resoluções como: redução da
maioridade penal para 16 anos, fim da progressão de penas e saídas temporárias das penitenciárias,
reformulação do estatuto do desarmamento, o excludente de licitude, tipificação de terrorismo as
invasões de propriedades rurais e urbanas no território brasileiro e redirecionamento da política de
direitos humanos, priorizando a defesa das vítimas da violência.
É importante considerar que o discurso de Bolsonaro na televisão foi constantemente
atravessado por suas declarações nas redes sociais - sobretudo o Twitter. Nesse sentido, ainda que
aparecesse concedendo entrevistas para emissoras como a Record, TV Bandeirantes e TV Globo,
sendo pressionado pelos jornalistas sobre suas declarações radicais e controversas, complementava o
discurso nas redes, reforçando sua perspectiva conservadora e que, de acordo com ele, correspondia
aos ideiais da família brasileira. A vitória de Jair Bolsonaro foi confirmada às 19h18 do dia 28 de
outubro de 2018 quando, com 94,44% das seções apuradas, Bolsonaro alcançou 55.205.640 votos
(55,54% dos válidos). Desde então, seu discurso em relação à violência não apenas se confirmou, mas
sinalizou uma nova postura das instituições ligadas à Segurança Pública, sobretudo em relação a
atuação em áreas de vulnerabilidade social.

4. Considerações finais

No Brasil, a relação do que é ofertado na programação televisiva possui consequências muitas


vezes difíceis de serem mensuradas na vida cotidiana. Nessa rede invisível, os conteúdos se
transformam no imaginário popular, se colando e descolando de preconceitos culturais, além de
reforçarem e modificarem determinadas práticas culturais. As imagens televisivas, consumidas em
diferentes suportes, tem um papel especial nesse processo de amalgamar e consolidar representações
e visões de mundo, quer pela credibilidade da imagem ou pela exclusão que a alfabetização ainda
marca em uma sociedade em que a oralidade permanece hegemônica como forma de comunicação.
E se para alguns críticos do jornalismo televisivo esse seria excessivamente superficial e
simplificado, durante o período de campanha, Jair Bolsonaro parece ter adotado, em seu discurso
televisivo, uma receita argumentativa pronta para oferecer soluções pouco complexas, mas cheia de
promessas em relação a efetividade no combate do que ele e seu partido enxergam como os principais
problemas da população brasileira.
Nesse sentido é possível também entender a partir da análise realizada que Educação e Cárcere
ocupam lugares diferentes em sua proposta de governo, assim como em seu discurso. Sofrendo com a
falta de propostas concretas, a Educação brasileira, foi entregue primeiramente à condução de
Ricardo Vélez Rodriguez, e em 08 de abril de 2019 ao economista Abraham Weintraub. Um dos
primeiros anúncios do presidente em relação à essa nova condução, se refere ao sucateamento do
pensamento crítico, por meio da falta de investimento em cursos como Filosofia e Sociologia. Em suas
redes sociais, o presidente afirma que é preciso que o país invista em áreas que dão um retorno para
a sociedade - como medicina, veterinária e engenharia. A falta de propostas na área da Educação
parece ter gerado o pior cenário possível, em que nem mesmo o significado da sua área é
compreendido pela equipe presidencial.
Já em relação ao cárcere, o discurso se materializou em declarações que continuam evidenciando
o abismo social em que se encontra o nosso país. No dia 07 de abril de 2019, nove militares
dispararam ao menos 83 tiros contra um carro em que estavam uma família, no Rio de Janeiro. O
discurso do Bolsonaro que prometia “atirar antes de perguntar”, de fato parece surtir efeito em uma
polícia que já não perguntava para matar, agora, não precisa nem se preocupar com a justificativa.
Assim como Bolsonaro, o Comando Militar do Leste mantém silêncio em relação aos desdobramentos
da investigação da morte de duas pessoas, o músico Evaldo Santos Rosa e o catador Luciano Macedo.
O que fica claro a partir desses primeiros meses de governo, é que a mídia televisiva pode
desempenhar um papel fundamental na garantia dos direitos dos cidadãos, eventualmente retomando
as promessas do (tele)jornalismo de se constituir em forma de esclarecimento. Mais do que nunca,
contar com uma mídia que seja capaz de evidenciar as escolhas feitas pela equipe de governo e os
efeitos que já vem causando na sociedade - e como pode afetar todo o futuro do Brasil. Nesse sentido,
acreditamos que é preciso que os jornalistas consigam encontrar formas de construir uma
comunicação que colabore para uma sociedade livre, que preze pelos preceitos da igualdade e da
justiça para todos. Assim, uma das formas de lutar por esses preceitos, é com a produção de matérias
que levem em conta os desafios sociais enfrentados nas cinco regiões do país.

Referências
BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Tradução Fernando Tomaz. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989,
312p.
COUTINHO, Iluska. Dramaturgia do telejornalismo. Rio de Janeiro: Mauad X, 2012.
COUTINHO, Iluska. Programa e público brasileiros: a trajetória do Jornal Nacional nas vozes de seus
personagens. Disponível em http://www.ufrgs.br/alcar/encontros-nacionais-1/encontros-nacionais/6o-
encontro-2008-1/Programa%20e%20publico%20brasileiros.pdf. Acesso em 05/11/2008.
ESCOLA SEM PARTIDO. Por uma lei contra o abuso da liberdade de ensinar. Disponível em
https://www.programaescolasempartido.org/projeto. Acesso em 10/11/2018.
G1. Jair bolsonaro é eleito presidente e interrompe série de vitórias do PT. Disponível em
https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/noticia/2018/10/28/jair-bolsonaro-e-eleito-presidente-e-
interrompe-serie-de-vitorias-do-pt.ghtml. Acesso em 10/12/2018.
HUGHES, Sallie. The Latin American News Media and the Policymaking Process. In: How democracy
Works. Harvard University, 2010.
KOVACH, Bill e ROSENSTIEL, Tom. Os elementos do jornalismo: O que os jornalistas devem saber e o
público exigir. Ed Geração editorial, 2003.
TSE, Supremo Tribunal Federal. Planos de governo dos candidatos à presidência no segundo turno. >
http://www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoes-2018/propostas-de-candidatos> Acesso: outubro 2019.
VIZEU, Alfredo. O telejornalismo como lugar de referência e a função pedagógica. Revista FAMECOS. Porto
Alegre: nº 40, dezembro de 2009.

1 Mestranda no Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Juiz de Fora (PPGCOM UFJF),


carlaramalhop@gmail.com.

2 Doutoranda no Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Juiz de Fora (PPGCOM UFJF). sitema@gmail.com.

3 Doutora em Comunicação Social, professora do curso de Jornalismo e do PPGCOM da Faculdade de Comunicação da UFJF,
iluskac@globo.com.

4 Disponível no portal GloboPlay: https://globoplay.globo.com/v/6980200/


UNIDADE 3 – IMAGEM, OPINIÃO PÚBLICA E DEMOCRACIA
CAPÍTULO 19

O JORNALISMO NO COMBATE À INVISIBILIDADE1


A transformação social na reportagem de Eliane Brum

Ana Resende Quadros2


Luiz Ademir de Oliveira3

1. Introdução

O jornalismo, desde o final do século XX, passa por crises e redefinições. Durante décadas foi
implantado em vários países ocidentais o modelo norte-americano de jornalismo, baseado na
objetividade jornalística e na suposta imparcialidade, tendo os jornalistas como observadores e
narradores neutros do real. (Traquina, 2001).
Essa concepção do jornalismo como retrato fiel da realidade ficou conhecida como Teoria do
Espelho e, hoje, é questionada pela visão de que o jornalismo é uma construção social em que atuam
vários agentes e fatores, como as empresas, os jornalistas, as fontes, o público, além dos fatores
referentes às rotinas, ao tempo e aos recursos disponíveis.
Conforme explica Pena (2013), num mundo sob esta égide do capital, o fazer jornalístico
comprometido com a coletividade se torna cada vez mais raro e complexo. Dos tablóides às grandes
mídias a regra é a espetacularização e o sensacionalismo. (PENA, 2013).
Além disso, percebe-se a preocupação das empresas quanto à redução de seu pessoal. Tal fato
obriga os profissionais da imprensa a abusarem do uso de tecnologias para ter acesso a fontes, já que,
somente desta maneira, conseguem fechar todas as matérias dentro do deadline estipulado. Contudo,
muito se perde nesta nova forma de contato.

Se o telefone e a internet são invenções geniais, não há tecnologia capaz de tornar obsoleto o encontro
entre o repórter e seu personagem. Se isso acontece, é por distorção. Esse olhar que olha para ver, que se
recusa a ser enganado pela banalidade e que desconfia do óbvio é o primeiro instrumento de trabalho do
repórter. Só pode ser exercido sem a mediação de máquinas (BRUM, 2006, p.190).

Tais fatores fizeram das reportagens itens raros nos jornais impressos. Para Belo (2016) este é
um sintoma de que os periódicos não estão diante de uma crise financeira apenas, mas de identidade.
Essa não é a primeira vez que o jornal impresso precisa se redescobrir após a chegada de um
novo meio. Foi por causa da popularização dos televisores que os jornais se tornaram mais imagéticos,
por exemplo. Mas o que levaria uma pessoa a comprar um jornal no mundo da internet, no qual a
notícia está acessível de forma gratuita e imediata na palma da mão? Certamente, os leitores de
jornais buscam nos impressos algo que as mídias eletrônicas não oferecem: profundidade.
O problema apontado por Belo (2016), contudo, é que os jornais se esqueceram que seu grande
diferencial sempre foi a reportagem. Passaram, então, a se dedicar às notícias factuais e superficiais.
Os motivos seriam dois: 1) as pessoas não gostam de ler e 2) os jornais não faturam mais como antes
e não têm condições de manter uma grande equipe de repórteres dedicados a produzirem
reportagens.
Segundo o autor, os jornais brasileiros tomaram o caminho inverso dos jornais norte-americanos
e europeus, o que causou um aprofundamento da crise econômica. No hemisfério norte, os periódicos
impressos não tentam lutar contra as mídias eletrônicas na quantidade de notícias e sim na qualidade.
Isso só é possível por meio da reportagem:

[...] a maior parte dos veículos da Europa e dos Estados Unidos busca, cada vez mais, direcionar o foco para
um número limitado de assuntos – que podem variar conforme as circunstâncias – e dar a eles um
tratamento especial, intensivo, de profundidade, sem a intenção de concorrer com a rapidez e amplitude de
outros meios (BELO, 2016, p.40).
Mesmo no Brasil, alguns jornalistas buscam alternativas ao modelo tradicional de exercer a
profissão. É o caso da repórter gaúcha Eliane Brum. Em seus textos, a literatura se mistura ao
jornalismo, dando espaço a um olhar único, atento às histórias de pessoas ordinárias que, geralmente,
não teriam espaço nos noticiários.
O objetivo desse artigo é averiguar se é possível que o jornalismo interfira na realidade das
pessoas e na forma como a sociedade as percebem. Pretende-se cumprir essa meta fazendo um
estudo de caso e uma análise de conteúdo (Bardin, 2011) da reportagem “O Povo do Meio” e do
comentário sobre ela feito por Eliane Brum em seu livro “O olho da rua” (2008). Será feita também
uma pesquisa bibliográfica para embasar essas análises e endossar os resultados alcançados.

2. O poder da comunicação

Berger e Luckmann (1998) entendem que o mundo é composto de diversas realidades e as


compreensões delas podem entrar em choque. Para eles, a mais fundamental é a percepção da vida
cotidiana, pois é nela que se exige o máximo da consciência do homem comum. Essa realidade é
apresentada ao indivíduo pronta e varia conforme o meio em que ele está inserido. Nós incorporamos
o que nos é apresentado antes que tenhamos tempo de influenciar a realidade.
Por mais que a realidade cotidiana possa ser alvo de diversas interpretações, existe, segundo os
autores, um senso comum do qual todos fazem parte e compartilham, que permanece apesar das
experiências individuais. A transmissão desses conhecimentos implica no uso de ferramentas de
controle e legitimação. Para Berger e Luckmann (1998), uma delas são os papeis sociais, relacionados
à divisão do trabalho e à ordem social. Também são ferramenta as regras de conduta e controle e as
sanções que punem aqueles que não seguem as normas.
Os autores explicam que as objetivações sociais são interiorizadas pelas pessoas, ou seja, para
que sejam assimiladas, transformadas em algo subjetivo. Essa assimilação é que constrói a identidade
do indivíduo. Isso quer dizer que a identidade é construída a partir do mundo objetivado e depende da
posição do indivíduo dentro do grupo. Para que isso aconteça, o indivíduo deve passar por
socializações.
Como a socialização nunca está completa, é preciso pensar em maneiras de conservação da
realidade. Isso pode ocorrer de duas maneiras: a conservação rotineira, ligada à vida cotidiana; e pela
conservação crítica, usada nos momentos de crise. As técnicas usadas para manter a realidade nesses
momentos críticos podem envolver rituais e até o uso de força (BERGER e LUCKMANN, 1998).
Ao mesmo tempo, os autores acreditam que a maneira mais fácil de se manter a realidade é por
meio da conversa, ela também pode ser usada como ferramenta de transformação, de ressocialização.
Esse processo assemelha-se à socialização primária, mas acontece em uma fase mais avançada da
vida. Quanto mais complexa é a divisão do trabalho maior as chances de ressocialização, pois há mais
conhecimento disponível. Maior também é a capacidade do indivíduo de se tornar ator social e não
apenas ser guiado pela sociedade.
Bourdieu (2001) investe na explicação de como esse sistema é mantido. Para o sociólogo, em
nosso mundo existe um grande gama de poderes, e é necessário procurar pelos tipos de poder que
geralmente passam despercebidos, o poder simbólico. Essa modalidade só pode ser exercida com a
cumplicidade daqueles que estão sujeitos a ele e daqueles que o exercem.
O poder simbólico está presente em todos os campos sociais e universos simbólicos que, ao
mesmo tempo são construídos por ele e ajudam a estrutura-lo. Isso ocorre porque os símbolos são
instrumentos do conhecimento e da comunicação e, assim, constroem um consenso quanto a ordem
social. É desta maneira que as ideologias, que são representações de interesses particulares, são
apresentadas como sendo de interesse coletivo.

É enquanto instrumentos estruturados e estruturantes de comunicação e de conhecimento que os “sistemas


simbólicos” cumprem a sua função política de instrumentos de imposição ou de legitimação de dominação,
que contribuem para assegurar a dominação de uma classe sobre outra (violência simbólica) dando o
reforço de sua própria força às relações de força que as fundamentam e contribuindo assim, segundo a
expressão de Weber, para a “domesticação dos dominados” (BOURDIEU, 2001, p.11).

Dessa forma, as classes entram em disputa para que sua própria visão de mundo prevaleça sobre
as outras. A força dos sistemas simbólicos está no fato de que os poderes exercidos não são
percebidos. Esse poder simbólico é, na verdade, o poder de fazer ver e fazer crer, ou seja, ditar o real,
ou melhor, o que se crê que é real. O poder simbólico é uma forma de expressão de outros tipos de
poder. Os capitais (as vantagens que diferenciam os poderosos) dos outros poderes são transformadas
em capital simbólico.
Como a força do poder simbólico está no fato de ele não ser percebido, para Bourdieu, a úncia
maneira de destruí-lo seria revela-lo, ou seja, destruir a crença na qual ele se baseia, a tomada de
consciência de que aquela situação não é natural, mas sim construída.
A recusa dessa tomada de consciência é exprimida pelo que Bourdieu chama de habitus, ou seja,
agir conforme um conhecimento adquirido, uma disposição incorporada. O habitus não é o mesmo
para toda a sociedade. Isso porque a sociedade se divide em campos, cada qual com suas próprias
crenças, linguagem, coisas materiais e simbólicas. Sendo assim, cada capo tem suas próprias relações
de poder. Cada pessoa pertencente ao campo exerce um papel social pré-determinado.
O sentido de uma posição ocupada nesse espaço é dado pela incorporação das estruturas
vigentes, tidas como naturais. A tendência de aceitar as coisas como são é maior do que a de se
rebelar contra elas. E quem dita a realidade são as pessoas com maior capital simbólico (distinção).
Esse capital é tido como algo óbvio, o que faz com que as pessoas com maior reconhecimento do
grupo no qual se inserem tentem a permanecer poderosas. E a distribuição do poder é extremamente
desigual.
Ademais, a mídia, de acordo com a hipótese do agenda setting, determina o que será debatido
pelo público. Sendo assim, aquilo que não foi apresentado por ela permanecerá na obscuridade e não
será comentado, quase como se não existisse. Dessa forma, como apontam as teorias construcionistas,
o jornalismo atua na construção da realidade (TRAQUINA, 2005).

3. Jornalismo e Literatura

Jornalismo e literatura contaram com mais aproximações do que divergências. Em suas origens,
o jornalismo era considerado um ramo literário. Na França do século XIX, a imprensa era fortemente
ligada ao debate político, privilegiando-se a doutrinação e a opinião (BULHÕES,2007). Tais
características se alteraram com a chegada, no fim do século XIX e início do século XX, do modelo
americano, para o qual o jornalismo deve pautar-se pela objetividade e pela lógica do mercado,
assumindo o discurso do jornalismo como o retrato da realidade tal qual ela é. Para atingir esses
objetivos os jornalistas passaram a usar uma metodologia padronizada que envolvia ouvir e citar
fontes, dispor informações por ordem de importância e responder no primeiro parágrafo seis
perguntas sobre o fato: O quê? Quem? Quando? Onde? Como? Por quê? (BULHÕES, 2007, p. 23).
A primeira experiência com a maneira “moderna” de se fazer jornalismo é creditada pelo
historiador Brito Broca a João do Rio, pseudônimo de Paulo Barreto. Para o historiador, João do Rio foi
o primeiro cronista a sair do ambiente da redação para apurar os fatos na rua, transformando a
crônica em reportagem.
Os textos de João do Rio eram marcados pelo seu olhar humanizado. No início do século XX, a
cidade do Rio de Janeiro passava por muitas transformações. A modernização fez com que os pobres
fossem “empurrados” para os morros, que se tonaram as favelas atuais. Rozendo e Mega (2014)
contam que João do Rio via os excluídos de maneira diferenciada, expondo seus sentimentos e pontos
de vista, bem à maneira que Gay Talese faria décadas mais tarde.
Contudo, como explica Bulhões (2007), os anos 1950 foram marcados por um jornalismo distante
das letras. Essa mudança derivou do crescimento dos meios de comunicação como empresas de
produção industrializada. Foi nesse mesmo período que jornais e revistas sofreram uma ampla
mudança na diagramação e passaram a abrigar fotografias em suas páginas. Tudo para atrair a
publicidade internacional.
Mesmo durante esse período, a literatura não esteve totalmente ausente do jornalismo, mas ela
foi restrita a figurões como Nelson Rodrigues. As reportagens, geralmente, tidas como espaço de mais
liberdade, eram tolhidas pela padronização jornalística. A resistência não chegou a ser efetiva até a
chegada da revista Realidade em 1966.
Em plena época de censura imposta pela Ditadura Militar, a Realidade foi capaz, em extensas e
bem escritas reportagens, de abordar temas considerados tabus de forma inovadora, influenciando
muito o comportamento atual, como o divórcio e a liberdade sexual.
Outro diferencial da Realidade era seu público leitor, que congregava homens, mulheres e
jovens, que precisavam reservar a revista na banca, pois os primeiros exemplares sempre se
esgotavam logo. Nos primeiros quatro meses, a venda nas bancas subiu de 250 mil exemplares para
450 mil (MARÃO, 2010).
Por todas essas características, a Realidade é apontada como um exemplo de Jornalismo
Literário no Brasil. Marão (2010) explica que os repórteres tiveram contato com os textos de Gay
Talese, Truman Capote, Tom Wolfe e outros ligados ao New Journalism, mas, para ele, os jornalistas
da Realidade escreviam por pura intuição e não por desejarem fazer New Journalism.

4. O Novo Jornalismo e Eliane Brum

Durante décadas, a objetividade e a suposta imparcialidade foram palavras de ordem para o


jornalismo. Esse movimento começou nos Estados Unidos e se espalhou para todo o mundo, chegando
com vigor ao Brasil na década de 1950. Se por um lado foram os americanos os responsáveis por
afastar jornalismo e literatura, foram também eles a estreitarem o contato entre as duas áreas através
do chamado New Journalism, ou Novo Jornalismo. Esse gênero, que se tornou um dos mais populares
do Jornalismo Literário, surgiu no princípio da década de 1960, nos Estados Unidos, com as
reportagens especiais publicadas na Esquire e no Herald Tribune.
O Novo Jornalismo, que só recebeu esse nome em meados da década de 1960, não possuía, até
Wolf escrevê-lo em 1973, um manifesto de princípios. Contudo, seus precursores, como Breslin, Tom
Wolfe e Gay Talese, tinham um diferencial em seus textos, a profundidade. Essa nova forma de se
fazer jornalismo pode ser vista como uma reação ao jornalismo pasteurizado, de produção quase
industrial.
Wolfe (2005) defende que esta modalidade não foi criada com a intenção de ser “melhor” e nem
mesmo “nova”, mas somente teve espaço porque os romancistas deixaram o realismo de lado.
Segundo ele, antes do surgimento do Novo Jornalismo, a ambição da maioria dos jornalistas era se
tornar um autor de romances, uma vez que, à época, os romancistas possuíam elevado status social.
Impossibilitados de prosseguir carreira literária, os jornalistas se dedicaram às reportagens especiais,
mais profundas do que as do noticiário simples.

E, no entanto, no começo dos anos 60, uma curiosa ideia nova, quente o bastante para inflamar o ego,
começou a se insinuar nos estreitos limites da statusfera das reportagens especiais. Tinha um ar de
descoberta. Essa descoberta, de início modesta, na verdade, reverencial, poderíamos dizer, era que talvez
fosse possível escrever jornalismo para ser... lido como romance. [...] Nunca desconfiaram nem por um
minuto que o trabalho que fariam ao longo dos dez anos seguintes, como jornalistas, roubaria do romance o
lugar de principal acontecimento da literatura (WOLFE, 2005, p. 19).

Wolfe acredita que a literatura deveria atuar como um retrato da realidade, da mesma forma que
os representantes do Realismo Social do século XIX, como Balzac e Dickens, o faziam. Para ele,
entretanto, os literatos do século XX não estavam cumprindo esse papel. Caberia então aos adeptos
do New Journalism cumpri-lo.
Em seus retratos da realidade, os “novos-jornalistas”, como explica Bulhões (2007), registravam
minuciosamente os gestos de seus personagens, assim como seus costumes e hábitos. Os espaços
eram descritos minuciosamente e os autores até mesmo narravam os pensamentos das pessoas
retratadas. Por todo esse detalhamento, os adeptos da nova técnica foram chamados de
“parajornalistas”, que trabalhavam uma “forma bastarda”, sempre acusados de inventarem grande
parte de seus textos. Somando isso à maneira extravagante que alguns, como Wolfe, escreviam seus
textos, cheios de travessões e exclamações, fizeram dos romancistas e literatos os maiores opositores
do New Journalism.
Curiosamente, foi o livro de Truman Capote, intitulado A Sangue Frio (1965), o responsável pela
popularização do Novo Jornalismo e suas técnicas. Capote fez a aproximação entre jornalismo e
literatura da maneira inversa. Ao invés de usar técnicas literárias no texto jornalístico, ele escreveu
um romance com técnicas do jornalismo.
Seu trabalho foi resultado de cinco anos de pesquisas e entrevistas para contar a história de dois
homens que assassinaram uma família rica e rural do Kansas. A Sangue Frio, assim como os textos
dos “novos-jornalistas”, é repleto de detalhamento dos personagens. O autor retrata minuciosamente
suas ações e pensamentos, até mesmo das pessoas assassinadas.
O livro, categorizado pelo autor como romance de não-ficção, recebeu duras críticas quanto a
sua veracidade. Era a velha dicotomia entre factualidade-ficcionalidade se fazendo presente, lembra
Bulhões (2007). Dentre os adeptos do Novo Jornalismo, contudo, a obra de Capote foi bem recebida.
Wolfe argumenta que para narrar de forma tão onisciente basta fazer uma boa entrevista. “Assim, as
entrevistas jornalísticas se transformariam em um canal de auscultação de sentimentos e sensações
íntimas” (BULHÕES, 2007, p. 159).
Ainda mais radical que o Novo Jornalismo é o Jornalismo Gonzo. Essa vertente do New
Journalism foi criada pelo repórter da Rolling Stones, Hunter S. Thompson. Ele acreditava que para
fazer uma reportagem, para retratar uma realidade, você deve vivê-la.
No que ficou conhecido como Gonzo Journalism, o autor, que se envolve profundamente na
realidade retratada, é o personagem principal da matéria. O texto do “jornalista-gonzo” é cheio de
irreverências, sarcasmos, opiniões e exageros. O objetivo é mostrar que a pretensa imparcialidade do
jornalista não existe.
Atualmente, o movimento que liga jornalismo e literatura é o New New Journalism, liderado por
Gay Talese e John McPhee. Sem se preocuparem com manifestos ou cartas que explicitem seus
princípios, os autores desse gênero se identificam por meio de suas estratégias de apuração, não por
uma linguagem pré-determinada.
O Novo Jornalismo Novo, como é chamado no Brasil, se preocupa com aqueles que geralmente
não são vistos pela grande mídia. Ele retrata o cotidiano, as subculturas, o linguajar dos personagens.
Bem longe do extraordinário, foco do jornalismo convencional. “O objetivo é assumir o perfil ativista,
questionar valores, propor soluções” (PENA, 2013, p.60).
Uma das discípulas do New New Journalism é Eliane Brum. Ela nasceu na cidade de Ijuí, Rio
Grande do Sul, em 1966. Por 11 anos trabalhou no jornal gaúcho Zero Hora, para o qual escreveu os
textos que deram origem, mais tarde, ao livro A Vida Que Ninguém Vê.
Durante 10 anos, Eliane foi repórter especial da Revista Época, em São Paulo. A partir de 2010,
ela passou a atuar como freelancer e, desde 2013, assina uma coluna quinzenal no site do jornal
global El País. Ao longo de sua carreira, Brum escreveu seis livros, sendo cinco deles de não ficção.
Como jornalista, ela recebeu mais de 40 prêmios, entre eles: Esso, Vladimir Herzog, Ayrton Senna,
Líbero Badaró e, com A Vida Que Ninguém Vê, o prêmio Jabuti de melhor livro de reportagem de
2007.
Dona de um olhar ousado que enxerga o invisível aos olhos comuns, Eliane Brum faz reportagens
que dão lugar de notícia a temas que seriam ignorados pelos noticiários.

O que esse olhar desvela é que o ordinário da vida é o extraordinário. E o que a rotina faz com a gente é
encobrir a verdade, fazendo com que o milagre do que cada vida é se torne banal. [...] cada Zé é um
Ulisses. E cada vida uma Odisseia (BRUM, 2006, p. 187).

Os diferenciais de Brum já foram percebidos por outros estudiosos. Rozendo e Melo (2014), por
exemplo, comparam o olhar da jornalista ao de João do Rio. Para os autores, os dois funcionariam de
maneira complementar. Ele fazendo um “diagnóstico” da miséria e ela trazendo a esperança de que
um dia todos serão vistos como iguais. Ambos com o olhar voltado àqueles que não têm espaço nos
noticiários e reportando suas realidades de maneira distinta da que é vista nos jornais diários.

Eles não se prendem à objetividade e à imparcialidade jornalística, tanto que muitas de suas narrativas são
escritas em primeira pessoa. Além disso, possuem formas de relato que humanizam os personagens ao
expor seus sentimentos, medos e aflições; enxergando-os como protagonistas e não como “coisas”.
(ROZENDO e MEGA, 2014, p. 14).

Rozendo e Mega (2014) apontam também as três regras que Eliane Brum segue, conforme diz a
jornalista em seu livro Menina Quebrada, de 2013. A primeira delas seria a jornalista estar tomada
pelo assunto sobre o qual escreve. A segunda é buscar um novo ângulo para um tema velho ou
descobrir algo sobre o qual nunca foi dito nada. Por fim, Eliane Brum estuda o assunto sobre o qual
vai escrever. Rozendo e Mega acrescentam ainda uma regra que não é mencionada pela jornalista:
colocar-se no lugar do outro.
Mais inovador ainda é falar do outro usando o eu. Fonseca (2013) explica que Eliane Brum, em
suas reportagens, quebrou as barreiras impostas pelo Positivismo ao jornalismo. Para Fonseca, Brum
toma o mesmo rumo que os historiadores da pós-modernidade. Até os anos 1970, apenas as fontes
documentais tinham credibilidade no estudo da História. Contudo, nas últimas quatro décadas, o
relato testemunhal ganhou força em um movimento denominado guinada subjetiva. Seus adeptos não
acreditam que o passado possa ser reescrito em sua plenitude, pois, assim como o presente, ele está
sempre sujeito a um olhar que o interpreta, seja ele do historiador ou da fonte. Sem excluir o uso dos
documentos, os pesquisadores, agora, buscam também por pequenos relatos, dando voz àqueles que
antes não tinham espaço. Por essas razões até mesmo a narrativa da história foi modificada:

Além da voz em primeira pessoa, ele faz uso de estratégias variadas, como a exposição dos detalhes das
coisas vistas que falam de uma época, suas percepções pessoais e emoções. Mais do que contribuir para
explicar melhor os fatos, essas estratégias ajudam a aproximar ainda mais o leitor do passado
reconstituído. Assim, a presença do autor na cena narrada, ao invés de incitar mais consciência do ato de
mediação, faz com que o leitor tome o testemunho como a própria realidade acontecida (FONSECA, 2013,
p. 2).

Fonseca (2013) aponta que o jornalismo, contudo, não abandonou sua crença na verdade
absoluta. Segundo a autora, da escolha da pauta à escrita da matéria, a subjetividade é desprezada,
pois é apenas com a objetividade e a com imparcialidade que se transmitem os fatos. Somente o
extraordinário é digno de estar nas páginas dos jornais. Não há espaço para as pessoas comuns e seus
“desacontecimentos”.
Entretanto, como esclarece Fonseca (2013), a subjetividade e a parcialidade estão presentes nas
escolhas dos jornalistas. Quando escolhem um tema e não outro e mesmo quando escrevem de forma
impessoal, na terceira pessoa, o subjetivo é apenas mascarado.
Já Eliane Brum não esconde sua parcialidade. Fonseca observa que a jornalista, muitas vezes,
utiliza a primeira pessoa, ainda que de forma sutil e sem exibicionismo. Brum dá voz ao outro por
meio de seu olhar. Ela é apenas uma testemunha que dá o depoimento do que aconteceu com o outro.
Fonseca lembra que a reportagem de Brum, como acontece nos relatos dos historiadores pós-
modernos, descreve os espaços, os objetos, os personagens, imprimindo as visões da jornalista. Suas
entrevistas abrem espaço para que o entrevistado diga o que quiser dizer. Em seus textos, Brum
reflete e convida que o leitor faça o mesmo. Assim, ela mostra que não pretende retratar “a verdade”,
e sim, “uma de muitas verdades”.

5. Eliane no país dos Raimundos

Esse trabalho se trata de um estudo de caso da reportagem “O povo do meio”, presente na obra
“O olho da rua”, de Eliane Brum. Este livro, publicado em 2008, se trata da reunião de dez
reportagens, publicadas originalmente na revista Época. A obra é construída baseada nos fases da
vida. A primeira reportagem trata das parteiras da Amazônia e de sua arte de “pegar menino”. No
último, Brum acompanha os últimos dias de Ailce, uma paciente terminal de câncer. Entre o
nascimento e a morte, a repórter fala sobre os percalços da vida.
Para tanto, além das pesquisas bibliográficas feitas em torno no jornalismo como ator social, do
jornalismo literário e de Eliane Brum, foi feita uma análise de conteúdo, técnica que nos permite
estudar fenômenos simbólicos, em especial as mensagens (BARDIN, 2011). O objetivo é responder a
pergunta: é possível que o jornalismo literário feito por Eliane Brum seja capaz de transformar a
realidade de suas fontes?
Na reportagem “O povo do meio” Eliane Brum visita lugar onde vivem incontáveis Raimundos,
mas nenhum deles existe oficialmente. Eles são descendentes dos nordestinos que viveram para a
floresta explorar a borracha, ou melhor, eram explorados por aqueles que faziam dinheiro com o seu
suor.
Quando a borracha deixou de ser o foco desses exploradores, eles foram embora, abandonando
aqueles que tinham vindo para aquele lugar trabalhar. O país dos Raimundos sem documentos,
analfabetos e sem segurança. Todos os abandonaram, menos a floresta. “Caçadores e coletores,
comem o que a floresta lhes dá. E ela lhes dá muito” (BRUM, 2008, p.160).
Quando os Raimundos foram visitados por Eliane Brum, seu maior problema eram os constantes
ataques de grileiros. Eles enviavam pistoleiros para a Terra do Meio alegando que aquelas terras os
pertenciam. Em troca do seu lar, o único que os acolhe, os grileiros oferecem aos Raimundo “um
punhado de reais” (BRUM, 2008. P.161). O povo do meio lutava para permanecer na floresta. Não
porque achassem que eram donos dela, mas porque queriam viver ali. Em seu mundo não havia lugar
para cercas.
Mas essa não é uma batalha que possam enfrentar sozinhos. O único habitante dessa terra que
existe os olhos da lei é Herculano. Por isso ele recebe a missão de ir a Brasília negociar com os
políticos para que se preservem a vida dos Raimundos, das 346 espécies, de plantas, os 1398 de
variações de vertebrados e as 530 categorias de peixes que vivem na Terra do Meio. Eliane termina
seu texto afirmando que “é o Brasil que precisa descobrir os Raimundos, antes que seja tarde”
(BRUM, 2008, p.173).
Na seção seguinte a repórter nos dá “Notícias do país dos Raimundos”. Mesmo não tendo
conseguido passar para as páginas todas as aventuras que viveu na Terra do Meio, Brum conseguiu
causar tamanho impacto que dentro de uma semana o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva
montou um posto avançado do Exército para defender os Raimundos dos Grileiros.
A partir daí, o governo mandou chamar os habitantes do lugar para ter notícias sobre a guerra.
No mesmo ano (2004), o presidente Lula criou a Reserva Extrativista Riozinho Afrínsio e, quatro anos
depois, chegou uma escola na Terra do Meio, para que o povo não fosse mais “cego do alfabeto”,
podendo escrever sua própria história.
É fato que a vida dessas pessoas mudou graças à publicação da reportagem, mas talvez a forma
como ela foi escrita tenha contribuído para isso. Como adepta do jornalismo literário, Eliane Brum
narra suas histórias dando atenção aos detalhes, às falas das pessoas e as suas impressões sobre o
lugar. Em nenhum momento nega que o texto é parcial e subjetivo.
A subjetividade presente não é apenas a da jornalista, que escolhe o que contar (ela mesma
admite que a experiência toda não coube nas páginas da revista), mas é também das pessoas que
vivem lá. Isso acontece quando suas falas são respeitadas, as descrições dos lugares e dos
acontecimentos são parte do olhar de um povo sobre ele mesmo.
Além de tudo isso, ao usar o artifício da literatura, Eliane Brum traz para o seu texto uma das
principais características dessa arte: nos colocar em um mundo que não é nosso, nos transportar para
uma realidade diferente que se torna tão real quanto a nossa. Ao fazer isso, a jornalista torna visível
um problema que é historicamente ignorado. Em referência a Bourdieu, ela revela violências
invisíveis, tornando possível o seu fim.
Eliane Brum usou a comunicação da forma oposta aos que se espera dela. Ao invés de um pilar
para a sustentação dessa sociedade naturalizada, a repórter a questiona, a exibe e faz com que ela se
altere, ao deslocar o olhar do público para aquilo que não queriam que fosse descoberto.
Brum reforça o poder da comunicação usando estratégias literárias para mostrar que as
realidades não são naturais, mas construídas. Se assim o é, da mesma forma que foram feitas, podem
ser transformadas, como aconteceu com os Raimundos da Terra do Meio.

6. Considerações finais

Eliane Brum, por meio de sua reportagem “O povo do meio” endossa as teorias de Berger e
Luckmann e de Bourdieu quanto ao poder da comunicação. Foi a partir de seu texto que uma grande
mudança se desencadeou no país dos Raimundos. E ela fez isso trazendo à luz problemas que são
geralmente escondidos de nós, ou tidos como naturais, que não podem ser mudados.
A mudança só foi possível pela repercussão gerada pelo texto publicado em uma grande revista,
a Época. Um dos fatores que fez o texto ser tão debatido é, possivelmente, a forma como foi escrito,
colocando as pessoas dentro de um mundo que não é delas da mesma forma como acontece nos livros
de ficção. As reportagens, como os romances, servem para contar histórias.
Belo (2016) conta que na Europa essa relação é ainda mais perceptível. No Velho Continente a
relação da literatura com o jornalismo na Europa é tão forte que, de acordo com o autor, os europeus
criticam a denominação Novo Jornalismo dada ao movimento estadunidense que trouxe o estilo
literário de volta às reportagens nos anos 1960. Segundo o autor, um inglês refutaria essa afirmação
dizendo que não existiria um novo jornalismo, já que esse estilo seria apenas jornalismo.
As reportagens não apenas são muito presentes nos jornais europeus e norte-americanos como
também sempre despertaram grande interesse popular. Belo (2016) cita o exemplo do magnata da
imprensa Joseph Pulitzer que salvou o jornal New York Wolrd da falência investindo primeiro em
reportagens sensacionalistas sobre o dia-a-dia e depois em reportagens investigativas repletas de
dramaticidade.
O interesse por reportagens nesses países faz com que elas não se restrinjam apenas aos jornais.
Belo (2016) comenta que os tópicos que por algum motivo não foram explorados nos periódicos e
aqueles que tiveram extensa cobertura acabam por se transformar em livros. É comum até que se
vejam vários livros com reportagens de temas iguais, mas abordagens diferentes, chegarem juntos às
livrarias.
O caso brasileiro é um pouco distinto. Por aqui, os livros-reportagens são um espaço para
aqueles repórteres insatisfeitos com a cobertura dos jornais. Diferente do que acontece na Europa e
nos Estados Unidos, as reportagens são feitas em livros para suprir os vazios deixados pelo jornalismo
impresso brasileiro.
Contudo, se uma reportagem com estilo literário, que conta a história de gente comum que foi
esquecida pelo próprio país, pode fazer sucesso ao ponto de transformar completamente a realidade
de seus personagens, por que acreditar que o brasileiro não teria interesse nesse gênero. Talvez, se
os jornais voltassem às suas raízes ligadas à literatura e às histórias que são tão reais que chegam a
parecer inventadas, poderiam se recuperar um pouco da grande crise que vive o jornalismo nacional.

Referências
BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Lisboa: Editora 70, 2011.
BELO, Eduardo. Livro-reportagem. 2ª Ed. São Paulo: Contexto, 2016.
BERGER, Peter & LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade. Petrópolis: Vozes, 1998.
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 4 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.
BRUM, Eliane. O olho da rua: uma repórter em busca da literatura da vida real. São Paulo: Globo, 2008.
BULHÕES, Marcelo. Jornalismo e Literatura em Convergência. São Paulo, Editora Àtica, 2007.
FONSECA, Isabel de Assis. Guinada subjetiva no jornalismo: um olhar opaco em direção às narrativas da
repórter Eliane Brum. In: XXXVI CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, Manaus, 4-
7, set. 2013. Disponível em: <http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2013/resumos/r8-0287-1.pdf>
Acesso em: 3 de agosto de 2016.
MARÃO, José Carlos. Por que falar de Realidade? In MARÃO, José Carlos e RIBEIRO, José Hamilton.
Realidade re-vista. Santos, SP: Realejo Edições, 2010, p.17-20.
__________________. Vida, paixão e morte de nossa senhora Realidade. In MARÃO, José Carlos e RIBEIRO, José
Hamilton. Realidade re-vista. Santos, SP: Realejo Edições, 2010, p.21-37.
TRAQUINA, Nelson. Teorias do jornalismo, porque as notícias são como são. Florianópolis, Insular, 2.
ed, 2005.
ROZENDO, Suzana e MEGA, Vinícius Mizumoto. A Humanização dos Relatos em João do Rio e Eliane Brum:
Observação e Consonância que perpassam o tempo. In: Anais do 3º Encontro Regional Sudeste de
História da Mídia “Mídia e Memórias do Autoritarismo” (GT 1 – História do Jornalismo), 2014. Disponível
em: <http://www.ufrgs.br/alcar/encontros-nacionais-1/encontros-regionais/sudeste/3o-encontro-2014/gt-1-
2013-historia-do-jornalismo/a-humanizacao-dos-relatos-em-joao-do-rio-e-eliane-brum-observacao-e-
consonancia-que-perpassam-o-tempo/view>Acesso em 02 de agosto de 2016.
WOLFE, Tom. Radical Chique e o Novo Jornalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Imagem, Opinião Pública e Democracia, I Simpósio Nacional de Comunicação
Política, Eleições e Campanha Permanente, 27 a 28 de março de 2019.

2 Mestranda em Comunicação na Universidade Federal de Juiz de Fora, anarquadros@gmail.com.


3 Doutor em Comunicação pela Universidade Federal de Juiz de Fora, professor no curso de Comunicação Social – Jornalismo na
Universidade Federal de São João del-Rei e luizoli@ufsj.edu.br.
CAPÍTULO 20

MEU PARTIDO É UM AUDIOVISUAL RE-PARTIDO:


Uma análise sobre as representações do Projeto Escola Sem Partido no Jornal
Nacional1

Simone Martins2

1. Introdução

Atualmente, a TV atinge praticamente todo o território brasileiro e está consolidada como


principal fonte de entretenimento e informação para a maioria da população, ocupando papel de
fundamental importância na formação dos cidadãos. O telejornalismo tem papel de destaque nesse
contexto: ao analisar os hábitos de consumo de mídia pela população brasileira, a última Pesquisa
Brasileira de Mídia3 (2016) revelou que a maioria dos brasileiros (63%) ainda se informa através
daquilo que é veiculado pelos noticiários de TV. Diante desse contexto, não seria exagero afirmar que
a TV ainda se constitui em um dos principais elos entre o homem e o mundo, apesar do avanço e
facilidade cada vez maior de acesso à internet.
No livro Pensar a Comunicação, o sociólogo francês Dominique Wolton (2004) pondera que a
televisão seja um dos principais laços sociais da sociedade, e também uma figura desse laço social.
Isso porque as novas reflexões indicam que a mídia televisiva contém o formato adequado para a
recepção do telespectador. Laerte Cerqueira (2018, p.127), ao abordar o que denomina como função
pedagógica do telejornalismo, ressalta que “caíram por terra os mitos da neutralidade, da
imparcialidade santa, discursiva”. O autor acrescenta que outras vozes têm sido criadas, com
pluralidade e transparência, ao longo de todo o processo e não apenas no produto final.
Apesar de ainda ser a principal fonte de informação para os cidadãos brasileiros, o telejornalismo
precisou se adaptar à nova realidade para não perder espaço para a rede mundial de computadores.
Silva (2018, p.19) destaca que o jornalismo de TV “tem sido desafiado a rever suas rotinas produtivas
e adaptar seus conteúdos a múltiplas telas e múltiplos públicos”. Dentre as diversas mudanças
implementadas, notamos que os telespectadores passaram a ser convidados com maior frequência
para participar da construção dos noticiários. Todavia, os espaços continuam restritos e por vezes
diminuíram ao longo do tempo. Isso porque existe uma seleção, uma escolha daquilo que vai ou não
ser veiculado. Então como fazer para que os vários indivíduos que têm sua participação excluída
sintam-se representados pelo telejornal? Muitos respondem à convocação feita pelos veículos de
comunicação, mas não têm seus pontos de vista publicados. Por outro lado, nossa hipótese é a de que
esses “excluídos” encontraram outros canais para a exposição de sua opinião.
Nesse contexto, estaria a TV sendo deixada em segundo plano? Becker (2018) aponta que “a
habilidade e o poder de representar o mundo em áudios e vídeos deixaram de ser ações exclusivas das
mídias tradicionais, especialmente a partir do uso dos smartphones e da experiência da segunda tela”
(BECKER, 2018, p. 145). Todavia, a autora também ressalta que os telejornais “ainda exercem
centralidade como forma de conhecimento dos principais acontecimentos no Brasil e em diferentes
países do mundo” (BECKER, 2018, p.146).
Apesar de corroborar com a tese de que o telejornalismo ainda seja essencial como veículo de
informação e forma de conhecimento, alguns assuntos não são abordados pelos noticiários de TV.
Entendemos que esse silenciamento seja nocivo em muitos casos, principalmente quando se tratar de
temas essenciais para a compreensão dos indivíduos e que possa gerar mudanças irreversíveis para
os cidadãos. Um exemplo claro da pouca (ou quase nenhuma) abordagem encontra-se no
popularmente conhecido Escola Sem Partido feita pelo Jornal Nacional, noticiário de maior relevância
no país desde sua primeira transmissão até os dias atuais.
Dessa forma, pretendemos analisar de que forma o telejornal de maior visibilidade no país
fornece informações sobre um tema essencial para o futuro da educação no Brasil. Nossa proposta é a
de refletir sobre como as informações sobre o ensino brasileiro são veiculadas ou silenciadas no
noticiário. No escopo de nossa pesquisa de doutoramento, da qual o presente artigo é um fragmento
inicial, pretendemos fazer uma análise de conteúdo das edições veiculadas pelo JN durante a
campanha presidencial de Jair Bolsonaro e ao longo dos seus três primeiros meses de governo,
analisando a abordagem feita pelo telejornal sobre o Projeto Escola Sem Partido.

2. Olhares sobre o Escola Sem Partido: existe doutrinação?

O Projeto de Lei4 de nº 71805, de 2014, de autoria do deputado Erivelton Santana (PSC-BA),


propõe alterar o art. 3º da Lei nº 93946, de 1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, assim como o substitutivo ao Projeto de Lei de nº 71807, de 2014, assinado pelo deputado
Flavinho (PSC-SP), que dispõe sobre o direito dos alunos de aprender e a conduta dos professores na
transmissão dos conteúdos.
Aqueles que defendem o Programa Escola Sem Partido o fazem adotando posturas contrárias à
escola ser local para a formação de cidadãos críticos, capazes de discernir entre o certo e o errado e
emitir suas próprias opiniões a respeito dos mais diversos temas. A explicação é que esta seja uma
obrigação dos pais, e que a formação da consciência crítica dos filhos deva “vir de dentro de casa”.
De acordo a publicação do site Programa Escola sem Partido,

a doutrinação política e ideológica em sala de aula ofende a liberdade de consciência do estudante; afronta
o princípio da neutralidade política e ideológica do Estado; e ameaça o próprio regime democrático, na
medida em que instrumentaliza o sistema de ensino com o objetivo de desequilibrar o jogo político em favor
de um dos competidores. (...) Essas práticas, todavia, apesar de sua manifesta inconstitucionalidade e
ilegalidade, tomaram conta do sistema de ensino. A pretexto de “construir uma sociedade mais justa” ou de
“combater o preconceito”, professores de todos os níveis vêm utilizando o tempo precioso de suas aulas
para “fazer a cabeça” dos alunos sobre questões de natureza político-partidária, ideológica e moral8
(PROGRAMA ESCOLA SEM PARTIDO).

Já os que se manifestam contrariamente à aprovação do Projeto de Lei fazem-no ancorados na


inconstitucionalidade do mesmo, visto que contraria Princípios assegurados pela atual Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional. O PL 7180/2014, apelidado de “lei da mordaça”, pretende
expulsar e tornar crime o pensamento crítico nas salas de aula. A rede colaborativa Mídia NINJA
explica que o Escola Sem Partido encontra forte oposição de educadores e pesquisadores da
educação, visto que “pretende introduzir o pensamento único nas escolas, impedindo a reflexão e
contextualização dos conhecimentos trocados nas salas de aula9” (Mídia NINJA, 2018).
As pedagogas Roberta Poltronieri e Elaine Assolini (2016) ponderam ser “de fundamental
importância que os assuntos e problemáticas gerados na sociedade possam ser questionados,
discutidos e falados dentro do espaço escolar, a fim de que possamos contribuir para a construção de
uma escola minimamente democrática”. Segundo as autoras, as consequências negativas seriam
diversas com a proibição da liberdade de ensino e da autonomia do professor.
Acreditamos ser a discussão do Programa Escola Sem Partido fundamental. Por um lado, vários
favoráveis à aprovação do Projeto de Lei, como o criador e coordenador do movimento, Miguel
Nagib10, e Lucas Freire11, defendem que o Estado deva ser neutro nas questões ideológicas, políticas e
religiosas e que é preciso separar o educar do instruir. O Projeto torna obrigatória a afixação de um
cartaz12 em todas as salas de aula dos ensinos fundamental e médio explicitando os deveres do
professor contra o abuso da liberdade de ensinar.
Por outro lado, os contrários à aprovação do Projeto de Lei argumentam que o PL 7180/2014
representa uma contradição à própria democracia, “pelo fato de cercear a fala do professor e limitar o
conhecimento, divergindo amplamente do que propõe a questão da ‘pluralidade de ideias’ e
ameaçando o respeito às diferenças13”. Nesse sentido, destacam que o acesso à informação seja
sinônimo de uma escola crítica. Para a professora da Faculdade de Educação da UFRS, Russel
Teresinha Dutra da Rosa, o Escola sem Partido possui “uma visão pedagógica ultrapassada, que
entende o aluno como uma folha em branco, passivo, e estabelece uma relação hierárquica entre
estudantes e professores, e não uma educação democrática14”.
Diante desse contexto, entendemos que o assunto deva ser amplamente debatido, principalmente
pelos veículos de comunicação. Isso porque o que vivenciamos hoje no país são as “Escolas Com
Partidos”, responsáveis por formar cidadãos críticos. Portanto, se um Projeto como o Escola Sem
Partido for aprovado, como ficaria a educação de tantas crianças e adolescentes? Como essa
aprovação afetaria o Nordeste, região em que os alunos são destaque em olimpíadas de história15 e
matemática16, com professores engajados e onde se encontram dez das melhores escolas públicas do
Brasil17? Qual o impacto da aquiescência do PL7180 para o aprendizado de história e a importância
dos alunos discutirem política, sobretudo aquelas que envolveram a imigração no país, na Região Sul,
repleta de descendentes de alemães, eslavos e italianos18, por exemplo? Por que é de suma
importância que a Região Norte se politize, tendo em vista que a Amazônia possui a maior extensão
mundial de floresta tropical, impactando o mundo todo e que precisa ser discutida como uma questão
política mundial19?
Nesse sentido, questionamos: diante da importância de uma escola crítica como a que temos
hoje, como a TV – especialmente o telejornalismo produzido pelo Jornal Nacional – tem contribuído no
sentido de lançar luz sobre a discussão atual de que a escola deveria tornar-se “sem partido”?
Partindo da obviedade de que esta última é nociva, o jornalismo audiovisual tem alertado o cidadão
sobre isso ou também se tornou um “canal de comunicação sem partido”, no pior sentido da
expressão?

3. A notícia na TV e o JN, há quase 50 anos líder de audiência

Alfredo Vizeu (2003, p. 90) considera a informação televisiva um bem público. Para o autor, o
telejornal é o “meio mais simples, cômodo, econômico e acessível para conhecer e compreender tudo
o que acontece na realidade e como se transforma a sociedade” (VIZEU, 2003, p. 90). Partimos do
pressuposto de que a TV funcione, ainda hoje, como uma forma de “validação” da realidade.
Wolton (2004) acredita que, para haver comunicação, é “preciso que haja identidade construída,
uma vontade de intercâmbio, uma interação, uma linguagem e valores comuns” (2004, p.281). O autor
argumenta que a televisão se constitui como laço social no fato de que o telespectador, ao assistir TV,
agrega-se a um público imenso e anônimo, que a assiste simultaneamente, estabelecendo uma espécie
de laço invisível (WOLTON, 2004, p. 124). Sabemos que o papel da televisão é o de promover a
identificação e sua projeção com os telespectadores. E o público não vê a programação veiculada de
forma maniqueísta: os telespectadores assistem TV e adquirem conhecimento a partir do que foi
veiculado, somado à sua análise crítica (juízos de valor, costumes, crenças, etc). Nesse sentido, cada
um interpreta a mensagem que recebe da televisão da sua forma, porque as vontades são diferentes e
a forma de assimilação também.
Elizena Rossy e Dione Moura (2018) entendem a definição de laço social a partir de outro
contexto, diverso do analisado pelo sociólogo Dominique Wolton (2004).

A concepção do telejornalismo como laço social está relacionada ao papel desempenhado por este como
mediador e regulador social, tal qual as tradicionais instituições como a família, a igreja e a escola atuam
no controle social. O papel social socializador da televisão, de uma forma geral e do telejornalismo, em
particular, é utilizado como pano de fundo para a disseminação, por meio da produção noticiosa, de valores
morais arraigados na sociedade (ROSSY; MOURA, 2018, p. 61).

Nesse ano, o Jornal Nacional completa 50 anos no ar. Desde sua primeira exibição, em 19 de
setembro de 1969, o primeiro telejornal brasileiro a ser exibido em Rede Nacional na televisão
brasileira é líder de audiência e conquistou a preferência do público20, sendo reconhecido como um
dos mais respeitáveis do país. Iluska Coutinho (2008) aponta que o noticiário “se constitui em um ator
importante para a reflexão sobre as relações entre história, mídia e sociedade no Brasil” (COUTINHO,
2008, p.1). E esse não seria um ator neutro, apesar de a isenção ser um dos atributos necessários
para a informação de qualidade e estar elencada nos Princípios Editoriais do Grupo Globo21. Rossy e
Moura (2018) destacam que a narrativa moralizante esteja presente no JN de forma recorrente e de
maneira explícita, nos mais variados temas, extrapolando sua função de informar.

Consideramos, sob a perspectiva da narrativa moralizante, que para além dos clássicos
valores-notícia há uma agregação de valor adicional pelo telejornal. O valor-moral pode ser
definido como o valor agregado que o telejornal adiciona à notícia de modo que o
telespectador disponha de informações que possam auxiliá-lo não apenas na compreensão
dos fatos, mas na percepção de comportamentos e atitudes que exercem influência nas
relações interpessoais e no convívio social (ROSSY; MOURA, 2018, p. 74).

Após quase 50 anos no ar, o JN ainda se destaca enquanto produto midiático responsável pela
obtenção de informação pela maioria da população brasileira. Em artigo cuja proposta era a discussão
da forma como o noticiário utiliza determinados recursos televisivos para produzir efeitos
relacionados ao jornalismo, como os de atualidade, transparência, vigilância e autoridade, Juliana
Gutmann (2009) defende que o Jornal Nacional “constrói uma posição de representante da sociedade
civil, convocando contato com a audiência, a qual, por sua vez, reconhece o papel de autoridade do
programa como instituição legitimada para dizer sobre os fatos relevantes da e na atualidade”.
(GUTMANN, 2009, p. 13-14). A autora revela que o noticiário estabelece um pacto com seus
telespectadores no que diz respeito aos sentidos de verdade e relevância dos conteúdos veiculados,
recorrendo a estratégias próprias do meio televisivo.
Apesar de corroborar com a tese dos autores até então citados de que o telejornalismo produzido
pelo JN seja ainda hoje a principal fonte de informação e forma de conhecimento dos principais
acontecimentos do Brasil e do mundo, e por esse mesmo motivo responsável pela produção de
significados sociais e culturais na sociedade, alguns assuntos não são abordados de forma
aprofundada pelo noticiário. Entendemos que esse quase silenciamento seja prejudicial em muitos
casos. Por qual motivo a educação nacional, por exemplo, não é debatida amplamente no noticiário?
Por que o telejornalismo produzido pelo Jornal Nacional, da Rede Globo de Televisão, praticamente
não aborda o assunto em seus telejornais? Não seria um tema relevante e de interesse público? De
que forma o telejornalismo consegue informar – e formar – cidadãos críticos e conscientes do seu
papel na sociedade sem abordar temas tão fundamentais?

4. O ensino brasileiro em destaque: por que não discutir o Escola Sem Partido?

Inicialmente, entendemos ser importante destacar que tomamos por base que uma das propostas
do atual governo para a educação esteja na promoção do “Escola Sem Partido” por suposição, visto
que em momento algum ao longo da campanha esse foi um discurso verbalizado por Jair Bolsonaro.
Em sua campanha rumo à Presidência da República, Jair Bolsonaro pautou-se sobremaneira em temas
relacionados à Soberania Nacional, Segurança Pública e Economia. Todavia, muito pouco se discutiu
sobre Educação.
A abordagem sobre o tema apresentou-se de maneira rasa, sem aprofundamento, tampouco sem
a apresentação de propostas. No Plano de Governo22, disponibilizado em sua página23 na rede mundial
de computadores, o atual Presidente da República apresentava supostas propostas de campanha que,
na realidade, apenas expunham frases de efeito carregadas de juízos de valor. No que diz respeito à
educação, sua linha de ação estava elencada junto com a destinada para a área de saúde, prometendo
“eficiência, gestão e respeito com a vida das pessoas. Melhorar a saúde e dar um salto de qualidade
na educação com ênfase na infantil, básica e técnica, sem doutrinar” 24 (grifo nosso).
Nesse sentido, e a fim de buscarmos fundamentar nossa hipótese de que o tema praticamente
não foi abordado durante a campanha, procuramos referências à educação nas entrevistas concedidas
pelo então candidato à presidência no Jornal Nacional, telejornal de maior visibilidade no país, e
depois em matérias que abordassem o assunto no mesmo noticiário durante o primeiro trimestre de
governo para desenvolvermos uma análise de conteúdo.
No que diz respeito à participação do então candidato no JN, três entrevistas conduziram nosso
trabalho. A primeira delas, antes do atentado sofrido e, portanto, com o candidato presente na
bancada no JN, aconteceu em 28 de agosto de 2018. Na entrevista, diversas questões foram
apresentadas pelos âncoras do noticiário para Bolsonaro, mas nenhuma delas dizia respeito à
educação nacional. Apenas nos minutos finais, quando foi convidado a dizer qual era o Brasil que
queria para o futuro, Jair Bolsonaro disse que era preciso tratar “com consideração as crianças em
sala de aula”25.
A segunda entrevista26 concedida por Bolsonaro ao Jornal Nacional, já no segundo turno das
eleições presidenciais, aconteceu no dia 08 de outubro. Nela, o candidato aparece em sua casa,
recuperando-se do atentado sofrido27 há pouco mais de um mês. A entrevista, conduzida por William
Bonner, começa com um agradecimento de Bolsonaro a seus eleitores. O candidato defende que seu
compromisso de campanha está baseado em um trecho bíblico28. Apresentando um discurso cheio de
juízos de valor e sem propostas efetivas, Bolsonaro conversa com os telespectadores, aproximando-se
dos cidadãos, tentando convencê-los de que ele é a solução para o Brasil. Apesar de abordar que a
“inocência da criança em sala de aula esteja acima de tudo”, o candidato não nos fornece ferramentas
para vincularmos sua fala a alguma proposta efetiva para a área de educação em seu governo. Além
dessa citação, nada mais foi dito, ainda que subliminarmente, sobre o tema.
Já a terceira entrevista29 foi concedida um dia após a vitória de Bolsonaro. Willian Bonner abre o
Jornal Nacional do dia 29 de outubro cumprimentando o presidente eleito e agradecendo a entrevista
concedida ao noticiário. Novamente Bolsonaro agradece a seus eleitores pelo voto, confiança e
orações. Reforça que sua campanha foi feita tomando por base a passagem bíblica de João 8:3230 e diz
que “está na hora do Brasil conviver com a verdade”. Em seguida, pondera que quer governar para
todos, não apenas para aqueles que votaram nele, reforçando que é necessário respeitar a
Constituição Federal. Mais uma vez, não fosse a citação feita sobre a “inocência das crianças em sala
de aula”, nenhuma alusão seria feita à educação no Brasil, o que nos leva a crer que ainda não existia
um projeto efetivo para esse Ministério no governo de Jair Bolsonaro.
Com a posse do presidente em 01º de janeiro, esperava-se que, em seu discurso, na primeira
reunião ministerial, ou ainda ao longo das primeiras semanas do novo governo, as propostas para a
educação nacional fossem apresentadas, o que não aconteceu. A primeira matéria a abordar o tema
veiculada pelo Jornal Nacional foi ao ar no dia 05 de janeiro. Anteriormente, a única abordagem do
tema foi relacionada à formação ministerial do novo governo, divulgando o nome do professor Ricardo
Vélez Rodriguez à frente do MEC.
A primeira matéria31 informava que o Presidente recém-empossado defendia a indicação de
Murilo Resende como futuro coordenador do Enem (o que não aconteceu), e ainda criticava a suposta
doutrinação praticada pelos professores nas escolas, o que seria combatido pelo futuro coordenador,
defensor dos princípios da Escola Sem Partido, sem ao menos dizer quais eram eles.
A segunda reportagem32 versando sobre educação nacional foi ao ar na terça-feira seguinte e
abordou a mudança de uma das modalidades de crédito estudantil, o P-FIES33, oferecidas aos
estudantes do ensino superior.
Dez dias depois, o JN veiculou uma nova matéria sobre a educação no Brasil, informando que o
Governo havia voltado atrás na escolha de Murilo Resende como responsável pelo ENEM um dia após
o executivo haver sido nomeado para o cargo. De acordo com a matéria, Murilo Resende acabou
sendo nomeado para outra função. No mesmo dia, uma segunda reportagem foi veiculada sobre o
tema, informando que o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, o INEP, havia
divulgado as notas do ENEM34, permitindo a estudantes que fizeram o Exame em 2018 concorrer a
235 mil vagas em instituições públicas de ensino de todo o país.
Já em 22 de janeiro, uma nota35 divulgava que havia começado naquele dia as inscrições para o
Sisu, o Sistema de Seleção Unificada para Instituições Públicas de Ensino Superior. A nota também
esclareceu que os telespectadores poderiam acessar outras informações na página do noticiário na
internet, convidando seus telespectadores a manter a audiência do telejornal na rede mundial de
computadores e fornecendo aquilo que Beatriz Becker (2018, p. 159) nomeou de forma cultural
híbrida, expandindo-se “de maneira ubíqua em múltiplas plataformas no ambiente midiático em
interação com outras mídias”. A autora acredita que as narrativas do cotidiano no telejornalismo
constituem-se em “um exercício de compromisso com a cidadania e com um público cada vez mais
conectado e acostumado a ver televisão em múltiplas plataformas” (BECKER, 2018, p.159).
Na quinta-feira, dia 24, uma nova nota veiculada pelo JN informava que, em função de problemas
no sistema de inscrições do Sisu, o MEC havia decidido prorrogar o prazo para o domingo seguinte.
Ainda no mesmo dia, uma segunda notícia foi veiculada pelo Jornal Nacional: a de que o novo
presidente do INEP, instituto responsável pelo ENEM, havia tomado posse. O VT36 com a matéria teve
início abordando que o novo presidente, Marcos Vinícius Rodrigues, havia assumido o cargo
defendendo o que chamou de “postura ideológica nas escolas37”.

Hoje precisamos de uma nova escola, com novos paradigmas, que resgate nossos valores, que tenha como
diretrizes o respeito à família e à pátria, e que busque a eficaz formação de ‘cidadões’ íntegros, éticos, com
conhecimento e trabalhadores. Uma nova escola que tenha resistência a ideologias e crenças inadequadas
ou inconsequentes. Algumas com origens e interpretações superficiais de pseudointelectuais ou de um
oportunismo político partidário que levou o nosso país a uma situação insustentável38. (RODRIGUES, 2019)

Por fim, no último dia do mês da Janeiro, o noticiário informou39 que estavam liberadas até o dia
03 de fevereiro as inscrições para o Programa Universidade para Todos, o PROUNI, que oferece mais
de 240 mil bolsas em faculdades particulares do país. Percebemos em síntese, ao final do primeiro
mês do novo governo, que as notícias veiculadas pelo Jornal Nacional abordaram de maneira bastante
superficial a educação brasileira e que o Projeto Escola Sem Partido, nosso objeto de estudo, passou
praticamente “invisível” pelo noticiário. Apenas uma única citação a ele foi feita, mas em
contextualizá-lo ou oferecer qualquer tipo de informação que ajude os telespectadores a entender sua
verdadeira proposta.
Partimos da suposição, assim como destacamos que tenha acontecido ao longo de toda a
campanha presidencial,.de que essa ausência de matérias esteja atrelada à falta de programas
efetivos criados para o ensino brasileiro pela atual gestão do MEC. Todavia questionamos: será que a
pauta deve ser dada pelo governo? Ao término do primeiro mês de gestão, o jornalismo produzido
pelo JN não deveria evidenciar essa falta de propostas?
Já no início do segundo mês do governo Bolsonaro, as críticas ao ministro da educação
começaram a se acentuar. A primeira matéria40 relacionada ao tema abordava as declarações
polêmicas dadas por Vélez Rodriguez, como a de que Universidade não seria para todos, dentre
outras, em uma entrevista do membro do governo para a Revista Veja41. O ministro também elogiou o
Projeto Escola Sem Partido, fazendo críticas ao que considera ser ideologização precoce de crianças
na escola, alegando que a escola não é local para se fazer política. Mais uma vez o Programa foi
citado sem a devida contextualização para que os telespectadores pudessem ter um pouco mais de
informação a respeito do assunto. Pouco mais de uma semana depois das declarações feitas por Vélez
Rodriguez à Revista Veja, o Jornal Nacional42 informou que a Ministra do Supremo Tribunal Federal,
Rosa Weber, havia mandado notificar o ministro para que apresentasse explicações acerca da
entrevista concedida.
Já na última semana do mês de fevereiro, mais uma notícia43 veiculada sobre a educação
brasileira pelo JN chamou atenção. Isso porque informava que uma publicação feita pelo Ministério da
Educação e assinada pelo ministro pedia a escolas de todo o país, tanto públicas quanto privadas, que
filmassem seus alunos cantando o Hino Nacional e lendo uma carta44 que reproduzia o slogan da
campanha eleitoral de Jair Bolsonaro. Segundo o MEC, além do conteúdo a ser lido nas escolas, o e-
mail enviado às instituições de ensino também pedia que alunos e funcionários ficassem perfilados
diante da bandeira do Brasil para a execução do Hino Nacional e solicitava aos diretores das escolas
que filmassem trechos da leitura da carta e da execução do hino a fim de encaminhar esses conteúdos
para o MEC e para a Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República. No dia
seguinte, outra reportagem45 informava que Vélez Rodriguez havia admitido que errou ao pedir que as
escolas filmassem os alunos cantando o Hino Nacional sem a autorização dos responsáveis e que
havia decidido retirar o slogan eleitoral da campanha de Jair Bolsonaro da carta enviada às escolas. A
matéria ainda informou que, durante a audiência na Comissão de Educação, Vélez Rodriguez
defendeu a presença de policiais militares nas escolas porque entende que essa ação inibe o tráfico de
drogas e cria um ambiente mais seguro, apesar de dizer não se tratar de militarismo. Três dias depois
do início das críticas ao e-mail enviado pelo MEC às escolas, o JN noticiou46 que o Ministério da
Educação havia desistido de pedir às escolas que gravassem os alunos cantando o Hino Nacional.
Após praticamente um mês sem qualquer notícia abordando os rumos da educação no Brasil, o
Jornal Nacional veiculou um reportagem47 informando que o MEC havia adiado a entrada dos alunos
em fase de alfabetização no Sistema de Avaliação da Educação Básica, e que a prova seria aplicada
para esses alunos apenas a partir de 2021. No dia seguinte, uma nova matéria48 informava outra
mudança de rumo no Ministério da Educação. Isso porque, ao contrário do que havia sido divulgado
na edição anterior do noticiário, o MEC havia divulgado que os alunos em fase de alfabetização
também seriam avaliados em 2019. Todavia, o Ministério não definiu como nem quando as provas
seriam aplicadas.
Já em 27 de Março, a última matéria sobre o tema analisado destacava a participação do ministro
da educação em uma audiência na Câmara dos Deputados, local onde foi questionado sobre a situação
de sua pasta, que vinha recebendo constantes críticas.

5. Breves Considerações de um Trabalho ainda em Construção

Ao identificar o jornalismo produzido pelas emissoras de televisão no Brasil, Laerte Cerqueira


(2018) faz referência a diversos autores, como Alfredo Vizeu e Muniz Sodré, dentre outros, que o
auxiliam a compreender o lugar que o telejornalismo ocupa na sociedade brasileira. Ao contrário do
que geração digital poderia supor, em nosso país a maioria dos brasileiros ainda se informa por meio
das informações veiculadas pelos noticiários de TV.]
Num momento em que somos convidados a pensar sobre a centralidade da TV, é possível refletir
sobre como são diferentes as diversas realidades do país. Nesse sentido, por mais que as tecnologias
móveis avancem a níveis acelerados, a dimensão educativa da TV se mantém personificada em uma
maioria que procura nela uma ponte com o mundo. Partindo dessa perspectiva, podemos dizer que aí
se encontra uma das principais funções pedagógicas do telejornalismo, a de abrangência, na medida
em que a televisão continua sendo capaz de estabelecer contato – e promover a (in)formação dos
cidadãos, acrescentamos – ainda em um século que vem renovando seus modos de informar e
entreter.
Nesse sentido, silenciar discussões como a que gira em torno do Programa Escola Sem Partido
demonstra que o telejornalismo produzido pelo Jornal Nacional não se preocupa com o ensino
oferecido nas escolas do país, tampouco com a formação desses estudantes. Isso porque sabemos que
os telejornais são importantes porque aumentam a discussão de determinados temas na sociedade, e
também fazem com que os indivíduos produzam sentido para se sentirem representados. Apesar de
algumas poucas vezes o Programa Escola Sem Partido ter sido citado nas edições analisadas, em
nenhuma das reportagens houve sequer uma contextualização do que o projeto defende e nem sobre
o que trata, mantendo os telespectadores sem informações sobre o tema e, portanto, sem conseguir
formar opinião e adquirir conhecimento sobre a proposta defendida por diversos profissionais no novo
governo.
Ao longo das edições analisadas, apesar de entendermos haver outras informações que
certamente mereciam destaque, pouco se falou de fato sobre a educação brasileira em um contexto
mais amplo. Entendemos que tal inexpressividade tenha acontecido em função da crise que abarcou o
Ministério da Educação desde o início do novo governo, o que acabou culminando com a demissão do
ministro Ricardo Vélez Rodriguez em 08 de Abril, exatamente na semana em que o governo de Jair
Bolsonaro completava 100 dias. Todavia, acreditamos que a falta de visibilidade dada ao tema sirva
tão somente para consolidar a falta de informação acerca da educação em nosso país, o que,
infelizmente, continua a promover discursos rasos, sem aprofundamento, sobre uma das questões
mais importantes para o futuro da nação.

Referências
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2003.
WOLTON, D. Pensar a Comunicação. Brasília: UnB, 2004.

1 Trabalho apresentado no GT 3 – Jornalismo Político e Eleitoral, I Simpósio Nacional de Comunicação Política, Eleições e
Campanha Permanente, 27 a 28 de março de 2019.

2 Mestre, doutoranda em Comunicação Social pela UFJF. E-mail: sitema@gmail.com

3 Disponível em http://www.pesquisademidia.gov.br/. Acesso em 08/04/2019.

4 O PL 7180/2014 e seu substitutivo, que se autodenominam uma lei contra o abuso e a liberdade de ensinar, geram polêmica.
Precisam e devem ser discutidos. Todavia, inicialmente é preciso esclarecer que, pela falta de consenso entre parlamentares, ambos
tiveram que ser arquivados no Congresso. Isso porque, ao iniciar uma nova legislatura os projetos sem aprovação apresentados na
legislatura anterior não podem continuar tramitando; devem seguir uma regra regimental de arquivamento. Todavia, caso outros
parlamentares queiram discutir novamente o assunto, um novo Projeto de Lei sobre o tema precisa ser apresentado.

5 Disponível em https://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=606722. Acesso em 01/11/2018.

6 Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9394.htm. Acesso em 01/11/2018.

7 Disponível em http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/especiais/55a-legislatura/pl-
7180-14-valores-de-ordem-familiar-na-educacao/documentos/outros-documentos/substitutivo-ao-pl-7180-14. Acesso em 01/11/2018.

8 ESCOLA SEM PARTIDO. Por uma lei contra o abuso da liberdade de ensinar. Disponível em
https://www.programaescolasempartido.org/projeto. Acesso em 10/11/2018.

9 Mídia NINJA. Disponível em http://midianinja.org/news/camara-dos-deputados-vota-projeto-da-escola-sem-partido-nesta-quarta-


feira/. Acesso em 10/11/2018.

10 Miguel é advogado, Procurador de Justiça do estado de São Paulo, conhecido por ser fundador e líder do movimento Escola
sem Partido, fundado em 2003, e idealizador do texto que originou diversos projetos de lei homônimos. Disponível em
http://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2018-12/criador-do-escola-sem-partido-quer-mudar-proposta-na-camara. Acesso em
18/04/2019.

11 FREIRE, Lucas G. Condições favoráveis à doutrinação. Disponível em http://www.escolasempartido.org/artigos-top/199-


condicoes-favoraveis-a-doutrinacao. Acesso em 09/11/2018.

12 Disponível em https://www.programaescolasempartido.org/. Acesso em 09/11/2018.

13 POLTRONIERI, Roberta. Escola sem Partido: porque somos contra. Disponível em https://www.revide.com.br/blog/elaine-
assolini/escola-sem-partido-porque-somos-contra/. Acesso em 09/11/2018.

14 ROSA, Russel apud MATUOKA, Ingrid. Por que o Escola Sem Partido vai contra o papel da escola. Disponível em
https://educacaointegral.org.br/reportagens/por-que-o-escola-sem-partido-vai-contra-o-papel-da-escola/. Acesso em 09/11/2018.
15 Disponível em https://vestibular.brasilescola.uol.com.br/noticias/nordeste-ganha-medalhas-olimpiada-nacional-historia-onhb-
2018/343407.html. Acesso em 09/11/2018.

16 Disponível em http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2017-06/nordestinos-se-destacam-na-selecao-brasileira-de-
matematica. Acesso em 09/11/2018.

17 Disponível em http://www.fundaj.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=4653:melhores-escolas-publicas-do-
brasil-estao-no-nordeste-cearenses-aparecem-no-topo-do-ranking&catid=44:sala-de-impressa&Itemid=183. Acesso em 09/11/2018

18 Disponível em https://mundoeducacao.bol.uol.com.br/geografia/a-populacao-regiao-sul.htm. Acesso em 09/11/2018.

19 Disponível em http://agencia.fapesp.br/conservar-a-amazonia-e-questao-ambiental-social-e-economica/28518/. Acesso em


09/11/2018.

20 Disponível em https://www.kantaribopemedia.com/conteudo/dados-rankings/audiencia-tv-15-mercados/. Acesso em


13/11/2018.

21 Disponível em http://g1.globo.com/principios-editoriais-do-grupo-globo.html. Acesso em 13/11/2018.

22 Disponível em https://docs.wixstatic.com/ugd/b628dd_f16f8088c3f24471a43c52a93e25e743.pdf. Acesso em 16/04/2019.

23 Disponível em https://www.bolsonaro.com.br/. Acesso em 16/04/2019.

24 Disponível em https://docs.wixstatic.com/ugd/b628dd_f16f8088c3f24471a43c52a93e25e743.pdf.Acesso em 06/04/2019.

25 Disponível em https://globoplay.globo.com/v/6980200/. Acesso em 10/04/2019.

26 Disponível em https://globoplay.globo.com/v/7074274/. Acesso em 10/04/2019.

27 “Em 6 de setembro de 2018, o então candidato a presidente Jair Bolsonaro sofreu um atentado num ato de campanha em Juiz
de Fora (MG). Ele era carregado nos ombros por apoiadores quando um homem se aproximou e o feriu com uma faca na barriga. O
agressor, Adélio Bispo de Oliveira, de 40 anos, foi preso em flagrante e confessou o crime”. Disponível em
https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/01/27/cronologia-atentado-contra-jair-bolsonaro.ghtml. Acesso em 16/04/2019.
28 Disponível em https://www.bibliaonline.com.br/acf/jo/8/32. Acesso em 18/04/2014.

29 Disponível em https://globoplay.globo.com/v/7123753/. Acesso em 18/04/2019.

30 Disponível em https://www.bibliaonline.com.br/acf/jo/8/32. Acesso em 18/04/2014.

31 Disponível em https://globoplay.globo.com/v/7279883/programa/. Acesso em 06/04/2019.

32 Disponível em https://globoplay.globo.com/v/7285865/programa/. Acesso em 06/04/2019.

33 P-FIES é um financiamento estudantil criado pelo governo federal com concessão ofertada por instituições financeiras, mas
com recursos públicos, oferecendo um financiamento mais barato que o do mercado, porém mais caro que o do FIES. Disponível em
https://www.educamaisbrasil.com.br/fies. Acesso em 06/04/2019.

34 Exame Nacional do Ensino Médio. Disponível em https://enem.inep.gov.br/. Acesso em 06/04/2019.

35 “Notícia lida pelo apresentador do telejornal sem qualquer imagem de ilustração”. (PATERNOSTRO, 1999, p. 146).

36 Equipamento eletrônico que grava o sinal de áudio e vídeo gerado por uma câmera. (PATERNOSTRO, 1999, p. 153).

37 Disponível em https://globoplay.globo.com/v/7326826/programa/. Acesso em 06/04/2019.

38 Disponível em https://globoplay.globo.com/v/7326826/programa/. Acesso em 06/04/2019.

39 Disponível em https://globoplay.globo.com/v/7311336/programa/. Acesso em 06/04/2019.

40 Disponível em https://globoplay.globo.com/v/7357976/programa/. Acesso em 07/04/2019.

41 Disponível em https://veja.abril.com.br/revista-veja/faxina-ideologica/. Acesso em 05/04/2019.


42 Disponível em https://globoplay.globo.com/v/7383447/programa/. Acesso em 07/04/2019.

43 Disponível em https://globoplay.globo.com/v/7410962/programa/. Acesso em 07/04/2019.

44 De acordo com a reportagem, o conteúdo da carta enviada por e-mail às escolas de todo o país foi: “Brasileiros! Vamos saudar
o Brasil dos novos tempos e celebrar a educação responsável e de qualidade a ser desenvolvida na nossa escola pelos professores, em
benefício de vocês, alunos, que constituem a nova geração. Brasil acima de tudo. Deus acima de todos!”.

45 Disponível em https://globoplay.globo.com/v/7414085/programa/. Acesso em 07/04/2019.

46 Disponível em https://globoplay.globo.com/v/7420583/programa/. Acesso em 08/04/2019.

47 Disponível em https://globoplay.globo.com/v/7485557/programa/. Acesso em 08/04/2019

48 Disponível em https://globoplay.globo.com/v/7488600/programa/. Acesso em 08/04/2019.


CAPÍTULO 21

FICÇÃO E REALIDADE: FUNDAMENTALISMOS E POLÍTICA- O CONTO DA AIA


NO PAÍS DA MINISTRA DAMARES ALVES1

Vanessa Maia Barbosa de Paiva2


João Barreto da Fonseca3
Mayara Resende4

“Quero ver você o mínimo possível”


Serena Joy em O Conto da Aia

1. Introdução

Nossa proposta com este capítulo é a de pensar em como as séries televisivas (ficções seriadas)
estão produzindo uma hibridização entre as narrativas literárias e o caráter atual/e ou documental
nas narrativas jornalísticas no contexto brasileiro. Como foco de pensamento deste trabalho trazemos
a série The Handmaid’s Tale, produzida a partir do livro O Conto da Aia, de Margaret Atwood, e as
matérias jornalísticas geradas a partir de declarações da ministra Damares Alves, responsável pela
pasta da mulher, família e direitos humanos no Brasil. O Conto da Aia5 narra uma história de uma
república onde não mais existem jornais, revistas, livros e filmes. Toda a informação veiculada é de
caráter religioso e fundamentalista. Nesta história, as mulheres são as vítimas preferenciais. Sofrem
violências de toda a ordem e sem precedentes. Não possuem direitos, acesso a outro tipo de
informação e a única orientação política é a fundamentalista, que faz com que o “uso” dos corpos
femininos sirvam de instrumento para a manutenção do poder, seja como procriadoras, sejam como
trabalhadoras braçais. Interessa-nos nesse trabalho traçar um paralelo entre as reflexões trazidas
pela narrativa audiovisual da série que foi feita a partir do livro6 e o atual contexto político brasileiro
de retrocesso, a partir de reportagens publicadas em jornais online sobre as polêmicas envolvendo a
ministra Damares Alves7 em pouco mais de três meses sua gestão. Depois de experimentar 16 anos de
regime democrático, com liberdades de expressão e pensamento, o Brasil se vê em uma época em que
as meninas devem vestir rosa e os meninos azul8, onde o respeito aos corpos femininos deve ser
expressado com flores9, o regime escolar deve restaurar a crença nos ensinamentos religiosos ao
invés dos ensinamentos científicos10 e a mulher deve ser submissa ao homem no casamento11.
Entendemos que o paralelo entre estas duas situações nos possibilita pensar sobre garantias de
liberdade, direitos civis e a fragilidade do mundo, sobretudo no que diz respeito ao nosso futuro e,
principalmente, ao nosso presente.
A premissa de que o audiovisual e/ou qualquer outro produto da cultura de massa precisa estar
ancorado minimamente em uma realidade vivida pelos consumidores de produtos dessa cultura já
estava fundamentada em Edgar Morin (1997), em seu livro Cultura de Massas no Século XX –
Neurose. Para Morin, é preciso que o espectador se reconheça na obra para que nela se projete e
então se identifique, fazendo que este consumo seja cada vez mais intenso e duradouro. O que não
esperávamos ao entrar em contado com a obra de Atwood (livro e série) era que esta fosse capaz de
atualizar com tanta sintonia os sentimentos que nos arrebatam quando acompanhamos o noticiário
nacional e tomamos conhecimento das declarações da ministra Damares.
Atentos às notícias que nos informam sobre as concepções do atual governo no cenário nacional
e o conteúdo da obra de Atwood, encontramos pontos de convergência, sobretudo no tamanho do
entendimento do papel da mulher em uma sociedade. O Conto da Aia/The Handmaid’s Tale nos
adverte sobre o perigo que existe quando a religião começa a ditar suas concepções morais sobre o
estado. No enredo da escritora, a República de Gilead está fundada sobre um governo teocrático, que
segue as normas do Velho Testamento. A trama narra a história de uma república (já citada) onde não
mais existem jornais, revistas, livros e filmes. Toda a informação veiculada é de caráter religioso e
fundamentalista. Nesta história as mulheres são as vítimas preferenciais.

2. O corpo, arena das disputas

Nas sociedades, os corpos sempre estiveram situados em uma arena de disputas sobre o que
nesta sociedade é permitido e o que é proibido. A partir das concepções de sociedade que temos, é
inegável dizer que os discursos oficiais de governos são os que se sobressaem porque indicam
direções de pensamento para o social e autorizam práticas. Essa perspectiva nos deixa atentos para o
perfil daqueles que emitem discursos e estão à frente de pastas importantes no país. Temos uma
ministra que professa uma fé fundamentalista e que acredita que a política pública de proteção à
mulher pode ter efeito se passar por critérios de submissão desta ao casamento, pois assim determina
sua fé, que escapa em suas declarações à frente da pasta. O discurso religioso está na narrativa
jornalística que informa sobre Damares e seus atos e na narrativa ficcional de Atwood, com Serena
Joy – mulher de um dos principais comandantes da República de Gilead –uma ex-pastora evangélica
televisiva que se subordina ao marido em sua fé fundamentalista para manter as mulheres sob
controle.
Na obra de Margaret Atwood, quando a República de Gilead foi fundada, todas as mulheres
tiveram seus bens confiscados, todas foram aprisionadas, separadas de suas famílias e mandadas para
“escolas” de formação de Aias para que pudessem aprender os valores da crença religiosa e política
que ora se iniciava. Toda cultura anterior foi proibida, a leitura passou a não mais existir para estas
mulheres e toda a sua existência mínima passava, agora a ser controlada por normas religiosas que se
converteram em normas de estado.
De volta à realidade brasileira, somos informados que a ministra Damares defende o ensino
domiciliar, alegando que os pais podem dedicar mais tempo para transmitir conteúdos do que a
escola.12 Menos de um mês da declaração sobre o ensino, a ministra aconselha aos pais de meninas a
fugirem do Brasil, enfatizando que o país é o muito violento para mulheres.13 As frases da ministra
acionam nossa atenção e nos deixam em alerta pois, ao emitir tais declarações, Damares comporta-se
como se estivesse realizando um aconselhamento de púlpito, desconsiderando a importância da escola
na socialização das pessoas, sobretudo no que diz respeito ao convívio com as diferenças. Ao declarar
que pais de meninas devem sair do país, a ministra se coloca como não responsável por encontrar
soluções para a pasta que precisa assegurar políticas públicas para as mulheres e para a família,
termos que denominam seu ministério. Em suma, Damares pensa religiosamente, de acordo com suas
crenças, que são inversamente proporcionais à responsabilidade pública que ela assumiu como
ministra deste país. Diante de todas estas narrativas, sejam as ficcionais, sejam as jornalísticas,
entendemos que o que está em disputa é o corpo feminino e as prescrições que já não lhe servem.
O corpo, para Tucherman (1999), é uma produção da civilização que constituiu corpos em longos
processos de invenção, rupturas e metamorfoses. Os corpos femininos em tempos de Damares e em
tempos de atualização de contos de aias são corpos que voltam à prescrição e ao aprisionamento,
desconsiderando todas as conquistas dos movimentos de mulheres, de movimentos sociais, de
passeatas, pesquisas acadêmicas, reportagens jornalísticas, dentre tantos outros vetores que
produziram e narraram as mudanças. O corpo feminino se vê condenado entre o infantil e o religioso,
estágios de negação de pensamentos elaborados uma vez que “meninas vestem rosa” e “mulheres
devem ser submissas aos maridos”. Trata-se do corpo tutelado e aprisionado nas falas de prescrições,
convenções e mutilações.
Esse tipo de pensamento conservador, autoritário e religioso sobre os corpos femininos
brasileiros apontam para novos sistemas classificatórios de civilização. Conter corpos, prescrever
atitudes corporais, recomendar determinados cuidados com corpos, sobretudo os femininos, dos quais
estamos falando, são sinais das disposições e sistemas classificatórios. As declarações da ministra
Damares Alves, bem como as recomendações das professoras das aias, em Atwood, prescrevem
subjetividades que se atualizam nos corpos. Da exuberância à contenção; da aceitação à negação; da
liberdade ao aprisionamento; da atitude à submissão. Precisamos entender que os corpos encarnam
os discursos e, estes, agenciam subjetividades (GUATTARI, 2006, p. 157), sejam nas páginas dos
jornais brasileiros, sejam nas páginas das ficções livrescas.

Devem-se tomar as produções semióticas dos mass mídia, da informática, da telemática, da robótica,
etc...fora da subjetividade psicológica? Penso que não. Do mesmo modo que as máquinas sociais que podem
ser classificadas na rubrica geral de Equipamentos Coletivos, as máquinas tecnológicas de informação e
comunicação operam no núcleo da subjetividade humana, não apenas no seio das suas memórias, da sua
inteligência, mas também na sua sensibilidade, dos seus afetos, dos seus fantasmas inconscientes. A
consideração dessas dimensões maquínicas de subjetivação nos leva a insistir, em nossa tentativa de
redefinição, na heterogeneidade dos componentes que concorrem para a produção da subjetividade, já que
encontramos aí: 1. Componentes semiológicos significantes que se manifestam através da família, da
educação, do meio ambiente, da religião, da arte, do esporte; 2. Elementos fabricados pela indústria da
mídia, do cinema, etc. (GUATTARI, 2006, p. 14)

Literalmente, como enfatiza Guattari (2006), elementos fabricados pela indústria da mídia têm
seu papel fundante na produção da subjetividade que não pode ser julgada nem como positiva, nem
como negativa, porque tudo depende de como for sua articulação com os agenciamentos coletivos de
enunciação (Guattari, 2006, p. 15). Sendo assim, o problema não é, nem nunca seria o livro O Conto
da Aia e/ou a série televisiva, mas a articulação dessa narrativa de assujeitamento dos corpos
femininos aos discursos que descredenciam o protagonismo da mulher, suas conquistas e modos
diferentes de ser, uma vez que as subjetividades não estão garantidas, sobretudo as de reafirmação do
papel do feminino em suas mais variadas maneiras de ser e existir. Villaça (1999, p. 20) resume ideias
de Deleuze e Guattari sobre o corpo, concluindo que os filósofos romperam a ideia da existência de
uma unidade psicofísica clássica e também da unidade somática do organismo. Para esses
pensadores, sobre os corpos recaem devires não humanos e virtuais. “O corpo tem poder de
metamorfoses que desorganizam a unidade da consciência”, conclui Villaça (p. 21). Novamente, a
partir dessas reflexões, podemos inferir que nada está dado nem consumado. Ao contrário, no corpo,
pelo corpo e para o corpo travam-se batalhas que não se iniciam no corpo, mas na civilização, que
precisa estabelecer seus modelos para se reconhecer ou se diferenciar como tal. Assim nos diz
Tucherman (1999, p. 23):

É evidente que a crise do corpo é caudatária da crise dos fundamentos da nossa cultura e se articula com a
crise do sujeito, a qual tinha como condição operatória a sua diferença do objeto que era, em primeira
instância, o mundo do qual nós nos aprendemos a destacar. [...] a partir da coluna vertebral surgiram várias
espécies. Para nós interessa pensar em que medida ela sustentou, para nossa civilização, a ideia de corpo
próprio e ideal que nos é rigorosamente peculiar e que, se podemos ver com tanta nitidez, é porque essa
imagem na nossa contemporaneidade se mostra em crise a partir de uma série de sintomas dos quais
podemos enumerar: o aumento das próteses, a criação do cyborg (um cyberbody), o surgimento da
clonagem a replicação como possibilidade técnica e as intervenções científicas viabilizadas pela energia
genética, a biologia molecular e pelas novas técnicas cirúrgicas e de visualização.

Diante dos alertas de Tucherman, nos colocamos a pensar: qual seria o corpo feminino aceitável
para regimes políticos que tem fundamentos religiosos? Como fazer caber as almas em corpos
aprisionados, que estão sendo discursados? Independente das respostas que encontrarmos, estamos
cientes, a partir de leituras, que existem corpos que portam em si a abjeção, a proibição. Corpos e
rostos que não estão autorizados a aparecer publicamente. Essa nos parece ser a aposta da ministra
Damares quando afirma em sujeição de mulheres a seus maridos e meninas vestindo rosa. Estes
corpos existem, mas não podem aparecer em contextos públicos. Judith Butler (2009)14 afirma que
alguns rostos (e corpos) são ocultados da vida pública. Estão proibidos de aparecerem porque neles
estão encarnados o “mal”. Villaça (1999, p. 50) identifica uma forte estigmatização da alteridade a
partir da modernidade: “O outro precisa ser excluído para se poder manter os limites. O outro é o que
ameaça pela sua diferença e deve ser negado como tal”. E não nos é estranho quando os discursos
religiosos fundamentalistas localizam “o mal” nos rostos de mulheres lésbicas, trans, das mulheres
donas de suas sexualidades e de toda sexualidade que não seja heteronormativa, que não siga a
normatização, a “norma”, a “normalização”. A projeção de todos os desvios para fora do círculo da
normalidade, fez com que emissores de discursos dominantes se fechassem em seus fundamentos.
Roberto Machado (2009), lembrando Nietzsche de Zaratustra, para estudar Deleuze, acrescenta:
“Tudo que é reto mente”. O medo da inconstância desde a famosa frase de Heráclito também é
questão principal do pensamento oriental, a notar pelo provérbio chinês: “O diabo caminha em linha
reta”. Para Deleuze, segundo Machado (2009, p. 92), o movimento de ocultação é um movimento de
enfraquecimento da vida. Para Machado (2009, p. 92), o que “constitui a essência da força é a relação
com outras forças, ou ainda, desse encontro que “a força adquire sua essência ou qualidade”.
Machado (p. 93) acrescenta que as forças reativas venceram as ativas não em virtude de sua
superioridade, “mas porque conseguiram separar as forças ativas do que elas podem”.
Essa “ocultação” dos rostos (e corpos) das diferenças termina por praticar um tipo de violência
fina, porém muito cruel e eficiente no seu intuito de agressão e exterminação de outros modos de
vida, porque institui-se uma ética do preconceito, segundo Butler (2009). E toda forma de violência (e
estamos entendendo aqui o preconceito como uma seminal forma de violência, capaz de gerar todas
as demais), para Butler, está assentada em uma ética que acredita – e, por acreditar, pratica – que é
muito fácil eliminar uma vida humana. E não é à toa que, nos últimos três anos15, segundo as
estatísticas mais recentes – 2016, 2017 e 2018 – os casos de feminicídio que chegaram ao Judiciário
aumentaram 34%.
Por feminicídio entende-se um tipo específico de homicídio que é motivado por uma sensação de
relação de poder entre um homem e uma mulher. Os atos de violência doméstica que estão à espera
de julgamento também aumentaram: em 2016 foram 892.273 e em 2018, 1. 009.16516. Mais de um
milhão de casos que nas estatísticas amenizam as consciências, mas na vida diária, traduzem-se em
gritos, sangue e choro. A violência contra mulheres, portanto, não é ficcional. Ela está em toda parte
esperando um gatilho, uma palavra como “submissão” para que seja atualizada nos corpos que não se
sujeitam aos padrões. Na obra de Atwood, com linchamentos e mortes e, no Brasil onde Damares é
ministra, com todo infortúnio e crueldade que um corpo feminino pode encontrar.
Ou seja, é no exato momento em se reduz existências alheias, que reduz-se também todo o tipo
de vida; reduz-se o mundo e, consequentemente, o pensamento. Diante desse cenário ficamos a
pensar como deveríamos enfrentar toda esta redução de pensamentos e existências? Como enfrentar
esta precarização? Onde localizar os desejos de fala e de escuta? Que ferramentas temos para
amplificar o que precisamos ver e ouvir? Em tempos de múltiplas telas, acreditamos que a produção
dos audiovisuais e os conteúdos neles contidos pode ser uma trilha a ser percorrida.
Entendemos até aqui, a partir de Butler (2009), que as representações midiáticas das diferenças
estão silenciadas. Ou invisibilizadas. As visões que temos dos rostos das diferenças nos estão sendo
apresentadas como o “rosto do mal” e esta representação termina por nos ‘autorizar’ uma
insensibilidade ante as vidas que se encerram com a morte ou com a eliminação do direito de fala, do
mercado de trabalho, do convívio e do afeto familiar, da escolaridade, dentre tantas outras exclusões
tão diárias, frequentes e, justamente por isso, tão violentas, diárias, contínuas e implacáveis.
Um audiovisual será, portanto, e, também, um momento de sensação. A sensação de uma
imagem que se forma a partir do que o espectador sente quando está vendo esta imagem. O Conto da
Aia, com todo tipo de violência aos corpos femininos nos deixa atentos para percebermos também as
violências praticadas contra as mulheres brasileiras, presente diariamente no noticiário. E por mais
paradoxal que isso possa parecer, é preciso que vejamos estes tipos de narrativas ficcionais porque
nelas encontramos os rostos e comportamentos que foram e, em alguns momentos, estão sendo,
ocultados da maioria dos públicos. Essa acepção de rostos ocultados da vida pública tomamos por
empréstimo de Judith Butler (2009)17 que afirma que alguns rostos estão proibidos de aparecerem
porque neles estão encarnados os rostos do “mal”. “O mal” para os discursos religiosos
fundamentalistas está localizado nas corporeidades que não atendem o padrão, que não se submetem,
que não desejam atender a “norma”, a “normalização” do fundamentalismo religioso da vida pública.

3. Vidas Precárias

Entendemos aqui que as vidas femininas apresentadas na obra de Margaret Atwood e nos
noticiários brasileiros - que não são ‘normalizadas’ - passam a ter o estatuto de “vidas precárias”,
conforme nomeia Butler. Na obra da escritora, estas vidas são anuladas porque não podem mais
“contaminar” a sociedade onde habitam. Nos noticiários de casos de agressões e feminicídios não é
diferente. A mulher saiu do padrão. Não se comportou como deveria. Não esteve “submissa”. Pagou
por esse comportamento com o sofrimento de seu corpo. Independente de estarmos identificados com
quaisquer tipologias de sexualidade - no caso específico deste texto, a feminina - começamos a ter
toda uma vida social precarizada porque a redução de qualquer existência, a impossibilidade de
expansão e de composição das vidas com forças que as potencializam, começa com a precarização da
vida do outro.
E é no exato momento em se reduz existências alheias, que precariza-se também todo o tipo de
vida; minimiza-se o mundo e, consequentemente, o pensamento. Em O Conto da Aia, retira-se a
leitura e a informação. No Brasil de Damares, há o entusiasmo do ensino domiciliar que leva a
compreensão da escolarização a partir de um pensamento único: o que está restrito dentro de casa.
Pensamos então a partir das reflexões de todos estes autores que é preciso pensar a partir de um
audiovisual que se importe, que se implique no assunto, caso da série que estamos estudando.
Tomando por empréstimo o pensamento de Jacques Rancière (2015), o valor está na dignidade dos
temas. Isso transforma e confere valor. Esse investimento de valor e, portanto, ético, traz à tona
rostos e corpos encarnados que existem e que estão alijados de uma sociedade que vive um contexto
contemporâneo imerso em uma onda de conservadorismo e retrocesso quando o assunto é a inclusão
do outro nos direitos.

Referências
ATWOOD, Margaret. O Conto da Aia. Rio de Janeiro, Rocco, 2006.
BUTLER, Judith. Vida Precária – el poder del duelo y la violência. Buenos Aires, Paidós, 2009
BUTLER, Judith. Relatar a si mesmo: crítica da violência étia. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.
GUATTARI, Felix. Caosmose um novo paradigma estético. São Paulo, Ed 34, 2006.
MACHADO, Roberto. Deleuze, a arte e a filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009
MORIN, Edgar. Cultura de Massas no Século XX. O Espírito do Tempo. Vol. I – Neurose. 9a edição. Rio de
Janeiro, Forense Universitária, 1997.
RANCIÈRE, Jacques. A Partilha do Sensível: estética e política. São Paulo, Ed 34, 2015.
TUCHERMAN, Ieda. Breve história do corpo e de seus monstros. Lisboa. Vega, 1999.
VILLAÇA, Nízia. Em pauta: corpo, globalização e novas tecnologias. Rio de Janeiro: Mauad, 1999.

1 Trabalho apresentado no GT 4 - Imagem, Opinião Pública e Democracia do I Simpósio Nacional de Comunicação Política,
Eleições e Campanha Permanente, nos dias 27 e 28 de março de 2019 na UFJF.

2 Doutora em Educação pela UFES/ES; Mestre em Comunicação UFF/RJ. Jornalista. Professora da Universidade Federal de São
João del-Rei UFSJ/MG. Pesquisadora de temáticas que contemplem o Audiovisual. Email vanesssamaia@gmail.com.

3 Doutor em Comunicação e Cultura pela UFRJ/RJ. Mestre em Estudos Literários UFES/ES. Professor da Universidade Federal de
São João del-Rei UFSJ/MG. Pesquisador de temáticas que comtemplem o Audiovisual. Email jombarreto@gmail.com.

4 Graduanda em Jornalismo pela Universidade Federal de São João del-Rei UFSJ/MG. Email mayaraf.resende@gmail.com.

5 Descrição de abertura do livro O Conto da Aia, de Margaret Atwood pela editora Rocco, 2006.

6 Explicamos que ora vamos nos referir ao livro O Conto da Aia e a série que se originou do livro, The Handmaid’s Tale, exibida
pela rede de streaming Hulu e, posteriormente nas plataformas da Rede Globo de Televisão (TV Aberta e GloboPlay).

7 Disponível em https://www.mdh.gov.br/todas-as-noticias/2019/janeiro/damares-alves-toma-posse-como-ministra-da-mulher-da-
familia-e-dos-direitos-humanos-do-governo-bolsonaro. Acessado em 28/04/2019.

8 Disponível em https://oglobo.globo.com/sociedade/menino-veste-azul-menina-veste-rosa-diz-damares-alves-em-video-23343024.
Acessado em 28/04/2019.

9 Disponível em https://oglobo.globo.com/sociedade/celina/nos-vamos-ensinar-nossos-meninos-nas-escolas-levar-flores-para-as-
meninas-diz-damares-23507911. Acessado em 28/04/2019.

10 Disponíve em https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/01/09/em-video-ministra-dos-direitos-humanos-critica-adocao-da-
teoria-da-evolucao-nas-escolas.ghtml. Acessado em 28/04/2019.

11 Disponível em https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/04/16/damares-diz-que-em-sua-concepcao-crista-mulher-deve-ser-
submissa-ao-homem-no-casamento.ghtml, Acessado em 28/04/2019.

12 Disponível em https://g1.globo.com/politica/blog/andreia-sadi/post/2019/01/25/damares-educacao-domiciliar-permite-a-pais-
ensinar-mais-conteudo-e-gerenciar-aprendizado.ghtml. Acessado em 28/04/2018.

13 Disponível em https://extra.globo.com/noticias/damares-alves-aconselha-pais-de-meninas-fugirem-do-brasil-23457570.html.
Acessado em 28/04/2018.

14 Vida Precária- El poder del duelo y la violência. Buenos Aires, Paidós, 2009. (Tradução livre dos autores)

15 Disponível em https://www.terra.com.br/noticias/brasil/cidades/aumenta-em-34-casos-de-feminicidio-que-chegam-a-
justica,893a220b6fbb769df8d5a19a4f983027exi5538s.html. Acessada em 28/04/2018.
16 Disponível em https://www.terra.com.br/noticias/brasil/cidades/aumenta-em-34-casos-de-feminicidio-que-chegam-a
justica,893a220b6fbb769df8d5a19a4f983027exi5538s.html. Acessada em 28/04/2018

17 Vida Precária- El poder del duelo y la violência. Buenos Aires, Paidós, 2009. (Tradução livre dos autores)
CAPÍTULO 22

O QUE RESTA É O SILÊNCIO:


A relação da imprensa juiz-forana com as formas clandestinas de informação
na vigência da ditadura civil-militar de 19641

Ramsés Albertoni Barbosa2


Christina Ferraz Musse3
Universidade Federal de Juiz de Fora

1. Quando as vozes não se calam

A pesquisa investiga informações recolhidas em periódicos, processos jurídico-militares,


relatórios das Comissões da Verdade no Brasil, depoimentos cedidos à Comissão Municipal da
Verdade de Juiz de Fora, arquivos do DOPS-BH, além dos arquivos do governo dos EUA. Por
conseguinte, é necessário mapear as relações sociais, suas reconfigurações e suas diferentes formas
de produção, avaliando seus impactos na produção, circulação e consumo de notícias, estabelecendo
os fatos e agenciando a construção de um sentido do passado no presente, garantindo a
problematização e a inteligibilidade das representações do passado que perduram na memória
coletiva e que ajudaram a consolidar certas narrativas em detrimento de outras.
Dessa forma, alguns jovens militantes políticos denunciaram os crimes cometidos pelos militares
e resistiram ao regime ditatorial, todavia, suas ações raramente apareceram na imprensa juiz-forana.
Esses indivíduos construíram pequenas redes colaborativas de informação, constituídas por
manuscritos, cartas, bilhetes, panfletos e jornais clandestinos na tentativa de romper o cerco da
censura e do arbítrio, enfrentando, inclusive, o silenciamento da imprensa.
A questão da censura à produção cultural, no Brasil, é uma prática social que vem de longa data,
iniciando-se na época da Colônia, porquanto a Igreja Católica era a responsável por conduzir os
processos inquisitoriais; porém, a censura institucional surge no Império a partir da censura de livros
e jornais, por parte de D. João VI, e da censura teatral, por D. Pedro I. Em 1843, fora criado o
Conservatório Dramático Brasileiro (CDB), que tinha entre seus fundadores o padre Januário da
Cunha Barbosa e Manoel de Araújo Porto Alegre, cujo objetivo era incentivar o desenvolvimento do
teatro nacional, mas que atuou como guardião da Igreja Católica, dos poderes constituídos e da moral
vigente. Entre seus pareceristas se encontrava o escritor Machado de Assis, autor de 17 pareceres
entre 1862 e 1864, dentre outros intelectuais do Segundo Reinado (OLIVEIRA; CHEVALIER; ROCHA;
LEMOS, 2014). É preciso observar que foi a partir da criação do CDB que se abriram precedentes
para que os futuros órgãos oficiais da Censura se estruturassem.
Por conseguinte, foi no Estado Novo – regime político brasileiro instaurado por Getúlio Vargas
em 10 de novembro de 1937, que vigorou até 31 de janeiro de 1946, caracterizado pela centralização
do poder, nacionalismo, anticomunismo e autoritarismo – que se configurou de maneira mais sólida a
estrutura da Censura, pois Vargas criara o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), órgão
responsável para a realização da repressão subordinado à Presidência da República, cujas funções
eram as de controlar a comunicação social e impedir a contrapropaganda da oposição, e que possuía
5 divisões, sendo que 3 realizavam controle prévio, quais sejam, a Divisão de Radiodifusão, a Divisão
de Cinema/Teatro e a Divisão de Imprensa (CANCELLI, 1993).
Durante esse regime político fora promulgada, em 1934, uma nova Constituição brasileira, e os
órgãos censórios ficaram sob a responsabilidade policial, cuja garantia de liberdade de expressão não
se estendia às diversões públicas, além de não tolerar a difusão de mensagens violentas e a subversão
da ordem política ou social. A repressão passara a ser comandada, então, pelo militar e político Filinto
Müller que se destacara por sua atuação como chefe da polícia política, e que fora acusado de
promover prisões arbitrárias e a tortura de prisioneiros.
Os Departamentos Estaduais de Imprensa e Propaganda (DEIPs) constituíam os canais
secundários do DIP, que se encarregava de transmitir “orientação técnica e doutrinária aos serviços
estaduais de imprensa, radiodifusão, diversões públicas, propaganda, publicidade e turismo reunidos
do DEIP” (GOULART, 1990, p. 77).
Com o término do Estado Novo, em 24 de janeiro de 1946, o presidente da República José
Linhares, cujo governo de transição duraria 3 meses e cinco dias (29 de outubro de 1945 a 31 de
janeiro de 1946), aprovou o Decreto nº 20.493 que vigoraria por mais de 40 anos, até a Constituição
de 1988. Com isso, fora criado o Serviço de Censura de Diversões Públicas (SCDP), responsável pela
censura prévia das diversões públicas e manifestações artísticas, demarcando, entretanto, a
separação dos campos da censura à imprensa e da censura às produções artístico-culturais,
permanecendo, contudo, sob a ingerência do chefe de polícia e atuando de forma autônoma nos
estados. Até 1964, a censura de diversões públicas concentrou-se nos oito itens do Artigo 41 do
referido decreto.
Na década de 1960, o governo do presidente João Goulart passou por um período de profunda
instabilidade, enfrentando uma grave crise econômico-social e grande mobilização política. O país foi
praticamente dividido em dois: de um lado, as forças populares que exigiam reformas sociais; do
outro, os setores conservadores que temiam a onipresente “ameaça comunista”. Toda essa
mobilização refletia também o panorama internacional da Guerra Fria, com o êxito da revolução
comunista em Cuba (1959). Dessa forma, durante os dias 31 de março e 1 de abril de 1964, fora dado
um golpe de Estado pelos militares brasileiros e, como consequência, chegava ao poder o general
Castello Branco, dando início à sangrenta ditadura civil-militar no Brasil (GASPARI, 2002). Os
castellistas visavam um governo temporário e mais democrático, enquanto os militares da “linha-
dura”, força de oposição ao novo regime, defendiam o nacionalismo e sustentavam a ideia que para
mudar o país era necessário um longo período de ditadura. Logo depois de tomar o poder, os militares
deram início a investigações e prisões de membros da Esquerda, jornalistas, estudantes, intelectuais
ou qualquer outra pessoa que fosse considerada uma ameaça ao governo. A utilização dos meios de
comunicação foi intensificada retratando as “vitórias” do governo e também para a exibição
incessante de propagandas políticas, principalmente no rádio e na televisão, além da constituição de
um forte esquema repressivo (PELLEGRINI; FERREIRA, 1998).
A União Nacional dos Estudantes (UNE) fora proibida de exercer atividades políticas devido a
sua forte carga ideológica. Tal proibição eclodiu em várias passeatas, como forma de protesto contra o
governo, que foram duramente reprimidas. Por conseguinte, outros atos institucionais foram editados,
extinguindo o pluripartidarismo, criando as eleições indiretas para governadores e proibindo a
participação de estrangeiros no processo de radiodifusão no país. No entanto, no início, à medida que
o sistema ditatorial intensificava sua repressão, as manifestações populares foram ganhando força
(PELLEGRINI; FERREIRA, 1998). Em 1966, diante desses fatos, a linha-dura do Exército conseguira
impor o general Arthur Costa e Silva como presidente da República eleito pelo Congresso Nacional,
cujo governo iria intensificar a edição dos atos institucionais e, consequentemente, a repressão,
tornando a situação política muito tensa.
A partir do golpe civil-militar de 1964 a Censura se estendeu ao controle político, preocupando-
se, igualmente, com a manutenção da ordem política e da segurança nacional, orientando-se pelas
diretrizes do Ministério da Justiça e da Polícia Federal, assim como pelas determinações do sistema de
informação e de vigilância da ditadura, que sistematizou o trabalho da repressão, convocando
servidores para avaliar as normas da Censura, adequando a estrutura ao regulamento policial,
constituindo grupos para analisar os roteiros, criando uma comissão para discutir questões polêmicas
e examinar a legislação e, por fim, instituindo um grupo de trabalho responsável por uniformizar os
critérios da censura e assessorar as delegacias regionais no exercício da censura. Fora o presidente
do Brasil, general Castelo Branco, quem aprovara o regulamento do Departamento Federal de
Segurança Pública (DFSP) que definia o organograma da Censura. De acordo com a estrutura do
DFSP, cabia ao setor da Polícia Federal de Segurança (PFS) acompanhar o trabalho do SCDP
(KUSHNIR, 2004).
Dentro desse contexto de embates ideológicos, alguns indivíduos, ligados à União Juiz-Forana de
Estudantes Secundaristas (UJES), articularam, em 1968, um grupo que se contrapunha ao regime
ditatorial e publicaram os jornais clandestinos O Porrete e Luta. No dia 18 de agosto de 1968 a Polícia
Federal efetuou uma diligência na casa dos envolvidos, apreendeu o material proibido e prendeu os
responsáveis pelas publicações, o que gerou o Processo 5/69.
No início do ano de 1970, o manuscrito Até Sempre 3 fora apreendido pelas forças de repressão
na Penitenciária de Linhares, originando o Processo 32/70. O manuscrito relata o interrogatório
coletivo de 12 presos políticos, ligados ao grupo Colina, detidos na Penitenciária de Linhares. Não
obstante as graves acusações proferidas, a imprensa local, especificamente os jornais Diário
Mercantil e Diário da Tarde, se calou diante das denúncias de sevícias, assassinatos e desrespeito às
leis.
É necessário ressaltar, entretanto, que o acesso a esses fatos se deu a partir dos arquivos da
própria repressão; não obstante, se os arquivos são instituições de memória cultural, igualmente o são
lugares de memória investidos de uma aura simbólica que ultrapassa sua mera aparência material e
sua funcionalidade, cujos documentos refletem as atividades que lhes deram origem; portanto, é
preciso compreender e analisar suas contradições, seu velamento e seu desvelamento, pois foram
produzidos na vigência de regimes de exceção, cuja hipertrofia documental constitui uma de suas
características, fraudando as práticas funcionais do Estado, porquanto suas práticas de vigilância e de
controle agenciam um minucioso trabalho de documentação. Ao analisarmos os poderes discursivos,
pondera-se que não se pode falar de tudo em qualquer conjuntura, pois não se tem o direito de dizer
tudo, pois a “vontade de verdade”, conforme Foucault (2007), é conduzida pela forma como o saber é
aplicado em nossa sociedade, como ele é valorizado e atribuído, exercendo poder de coerção sobre
outros discursos, já que discurso e poder se imbricam.

2. Quando as vozes falam

O CPDOC da Fundação Getúlio Vargas publicou em seu portal o Dossiê Justiça Militar, um
conjunto de 12 entrevistas realizadas entre 2005 e 2006, durante a realização de uma pesquisa sobre
os 200 anos de Justiça Militar no Brasil, sob a coordenação de Maria Celina D’Araujo e Celso Castro,
cujos depoentes são 10 ministros do STM e 2 advogados que se relacionaram, de modos distintos,
com a Justiça Militar brasileira. Segundo um dos depoentes, o almirante-de-esquadra Júlio de Sá
Bierrenbach, nomeado para o cargo de ministro do STM em 3 de junho de 1977, o caso mais
complicado que enfrentou foi o do preso político Paulo José de Oliveira Moraes, membro de uma
quadrilha de assaltantes de bancos e réu em vários processos.

De um modo geral, acredito que esse foi o melhor serviço que prestei à Justiça Militar. [...] Teve ampla
repercussão, e, não tenho dúvida, reduziu muito a prática de torturas e sevícias nas delegacias policiais de
vários estados do país. [...] Ouvi de vários advogados que nos julgamentos em segunda instância, isto é, no
Tribunal, os juízes devem se restringir ao que consta dos Autos. Mesmo depois de assumir o cargo, várias
vezes ouvi: “O que não está nos autos não está no mundo”. Esse caso, eu digo que foi um bom serviço
porque as polícias aí ficaram... vendo que a gente checava tudo. (BIERRENBACH, 2010, p. 4-6)

O ministro Bierrenbach ficara famoso por respeitar os presos políticos e por agir de forma ética.
Conforme depoimento de Antônio Modesto Silveira, advogado de vários presos políticos que foram
julgados em Juiz de Fora, à CMV-JF, existiam dois tipos de juízes:

Houve aqui um juiz, não me lembro exatamente o nome dele, mas lembro do apelido que ele tinha, acho
que era João Carangolano, porque ele era, era compridão, magro, cumprido e que era um juiz ruim,
condenador porque recebia ordens e cumpria, não era um juiz independente, recebia ordens e cumpria
como mandavam. E esse juiz era visto com muita frequência bêbado, no que a gente chama de zona, isto é,
uma área da prostituição daqui de Juiz de Fora na época. Se perguntarem o pessoal daqui saberão quem é
ele e até onde é essa tal de zona que eu não sei onde é. Bom, então, tem coisas. Quer ver outra coisa que
honra Juiz de Fora e honra até a própria justiça militar, embora como não haja tantos como ele. Houve um
juiz aqui chamado Antônio Arruda, Antônio Arruda Marques, era um juiz auditor, muito correto e digno. E a
lei dizia o seguinte, dizia e diz, tá lá na lei, no Código Penal, no Código de Processo Penal Militar, em que os
juízes são sorteados dentre todos os que servem na região, naquela unidade militar. Pra tirar um corpo de
juiz você tem que pegar todos os nomes e fazer um sorteio pra tirar os quatro. Pois bem, eu contei essa
história, depois eu vou detalhar uma coisa importante! Como eles aí não fizeram a listagem, escolheram um
grupo pequenininho e o juiz tinha listagem dos oficiais todos. Quando o juiz viu que aquela listinha não
correspondia à lista legal que a lei determina que seja, todos os oficiais, não exclui A, B ou C, excluiu tudo
legalmente. Ele então mandou de volta a lista, pedindo ao comando daqui que fizesse a lista completa de
acordo com a lei, artigos tais e tais. O comandante sabe o que fez? Em vez de obedecer à lei como ele
pedia, devolveu o pedido que fizesse direito, toda a listagem de acordo com a lei. O comando daqui fez o
contrário, pegou a lista riscou a maior parte e deixou só aqueles da estrita confiança dele, isto é, só aquele
que determinasse absolver, matar. Pois bem, quando o comando daqui fez isso, esse juiz digno de direito,
Antônio Marques Arruda, ele simplesmente mandou ofício pro STM, o Superior Tribunal Militar,
informando o que tinha acontecido e mais, enquanto eles não mandarem a lista legal ele não tem condição
ética e nem legal de fazer audiência e disse “Estou com a auditoria fechada até que a lei seja cumprida”.
Claro, o tribunal recebeu isso, me lembro como a discussão se extravasou, nós tomamos conhecimento lá
no Rio, e aí, enquanto houve essa movimentação toda meio secreta, meio sigilosa. O que que acontece, a
ditadura se encarrega de cassar os direitos e até a função do juiz. [...] O Simeão de Farias era um promotor
muito duro, rígido, e a impressão que ele me dava, era de que ele cumpria as ordens da área militar de
querer, em vez de cumprir a ordem legal, em vez de cumprir a lei, cumpria as ordens dos militares. [...]
Porque nos processos a gente lembra muito bem de que a conduta dele não era uma conduta de um
advogado nem de um promotor nem sequer uma autoridade ética. Ele queria era obedecer às ordens de
onde vinham causando um derradeiro à ética e à moral das pessoas. (DEPOIMENTOS, 2017, p. 7-9)

A pesquisa pode constatar, dessa forma, que a imprensa juiz-forana explorou o fato do golpe civil-
militar ter se iniciado em Juiz de Fora, o que era motivo de orgulho para a cidade; o sentimento de
“juizforaneidade” e de “mineiridade” prevalecera e fora repassado à população da cidade a partir das
notícias publicadas nos dois jornais analisados, Diário Mercantil e Diário da Tarde, que faziam parte
do Diários Associados, o maior conglomerado de mídia da América Latina, que em seu auge contou
com mais de cem jornais, emissoras de rádio e TV, revistas e agência telegráfica, cujo dono, Francisco
de Assis Chateaubriand Bandeira de Mello, mais conhecido como Assis Chateaubriand ou Chatô, era
um jornalista, empresário, mecenas e político que se destacou como um dos homens públicos mais
influentes do Brasil nas décadas de 1940 e 1960, e que morrera em São Paulo, a 4 de abril de 1968,
período por nós analisado. Não obstante todo o seu empenho em defender o golpe civil-militar, esses
jornais se calaram diante das atrocidades cometidas pelo regime ditatorial. Conforme Barbosa,

Apesar de termos que considerar que a censura política em momentos de autoritarismo age de forma
intermitente, não constante e de maneira diferenciada em relação aos veículos de comunicação, desde o
Golpe de 1964 instauraram-se mecanismos diversos para controlar as informações veiculadas.
O argumento frequentemente apresentado para a instituição da censura em todas as dimensões da vida
cultural do país coloca em evidência o papel que se atribuía aos meios de comunicação: além de informar,
deveriam orientar a população, tutelados pelo Estado. Os conteúdos que poderiam servir de estímulo à
oposição dos militares deveriam ser alijados das publicações. O argumento que se vivia um período de
“guerra” (promovida pelos estudantes e pelos “terroristas”) servia para justificar as ações de exceção.
(BARBOSA, 2013, p. 296-297)

Por conseguinte, ao recuperarmos o conteúdo dos processos jurídico-militares, em que são


narrados os julgamentos de vários presos políticos e cotejando-os com as notícias divulgadas pelos
dois jornais juiz-foranos, observa-se a incapacidade da imprensa em relatar os desmandos das forças
repressoras e, em alguns casos, até o apoio explícito, como fez a jornalista Cosette de Alencar, por
exemplo, que publicara um artigo em sua coluna no jornal Diário Mercantil, deixando claro seu
posicionamento. Segundo a escritora,

Não há lugar, no momento, para outra coisa que não seja a chamada “imagem do Brasil” no exterior. Consta
que há uma campanha soez contra nosso País, campanha naturalmente financiada pelos que se viram
prejudicados pela guinada heroica por nós dada em 1964. Vencidos aqui dentro, estes inimigos do Brasil
entregam-se, agora, à vileza de uma trama contra o bom nome do País, a ponto de conseguirem preocupar
as autoridades brasileiras. [...] Começando por forjar um espantoso genocídio brasileiro, nossos inimigos,
tão logo viram desmoralizada esta acusação estapafúrdia, criaram tópicos novos: a tortura dos presos
políticos, a perseguição ao clero católico, a ditadura violenta governando o país garroteado. (DM, 27/10/70,
p. 4)

Em depoimento à CMV-JF, o fotógrafo do jornal Diário Mercantil, Antônio Geraldo Carvalho,


vulgo Toninho Carvalho, comenta sobre a rotina de trabalho num período de ditadura:

Toninho: Engraçado, é o seguinte, porque nós, como fotógrafos, a gente é mais uma... quase que uma
máquina, né. Nós fazemos hoje a foto de hoje, a notícia de amanhã, né, que será história. No futuro vai ser
história, né. Então, quantas entrevistas foram feitas comigo lá, eu fui fazer com o repórter lá na
Penitenciária de Linhares, quantos julgamentos já fui ali na Praça Antônio Carlos pra fazer, fotografar o
julgamento de algum preso político, né. E na Penitenciária de Linhares praticamente metade era preso
político, né. Então, assim, tem vários momentos em que eu tive lá na Auditoria de Guerra... da Justiça
Militar, e fui impedido de fotografar. Então, fui impedido de fotografar, voltava. Acabava que se eu invadisse
lá e fosse fotografar, seria preso também. Mas teve fatos que, às vezes, eu com... objetivo, né, menos
potente como hoje é, né. Fotograva assim mesmo, escondido, sem flash, né. Mas naquele tempo era filme,
só via depois... que você ia ver o que... Então, foram muitos julgamentos que eu fiz, muitas entrevistas que
foram feitas lá em Linhares. Eu lembro quando teve aquele sequestro do embaixador americano que foi
pedido 40 presos políticos, né. E tinham oito que eram de Juiz de Fora, parece. [...] E o Jorge Couri me
colocou de plantão, que os jornais a gente trabalhava até 6 horas da tarde e... plantão era em casa. [...] E o
Jorge Couri me deixou de plantão, porque ele sabia que horas que o exército ia levar esses presos pro Rio
de Janeiro pra se juntar aos outros que iam pra Argélia, né. Eu fiquei de plantão a noite inteira, no dia
seguinte eles saíram em comboio... de avião, que o avião só saía 5h30 da tarde, era o último avião que saía
daqui, e depois de 5h30, 5h35, não saía mais nenhum não. Só de manhã, não tinha aparelhagem ainda.
Então, eu fiquei de plantão esperando o Exército comunicar que horas que iam ser levados. Mas só que
comunicaram o Jorge Couri primeiro e o Jorge acompanhou o comboio, mas deixou um bilhete pra mim,
mandou um recado pra mim, que eu fosse cobrir um acidente [...] E eu acabei não cobrindo esse transporte
de preso político pro Rio. (DEPOIMENTOS, 2017, p. 2-3)

A respeito da cobertura na Auditoria, o fotógrafo explica como funcionava o seu trabalho


jornalístico:

Toninho: [...] quando chegava no Fórum eu ia no oficial de justiça pedir autorização. O oficial de justiça era
o juiz e ele que autorizava ou não a entrada do fotógrafo pra poder fotografar. Aqui no Fórum também. Hoje
tá mais fácil, claro que você lá do fundo você fotografa... e a tela objetiva. Naquela época nós usávamos
uma lente comum, né, de 50mm, no máximo 100mm. Então, você tinha que chegar quase que pertinho do
cara. Fotografar um julgamento, o réu ou o próprio juiz na mesa. Então, você tinha que pedir pra subir lá
no palco, né, que antigamente tinha um palco. Então, você tinha que pedir autorização. Teve uma vez que
eu lembro que o Geraldo fez o pedido, né... [...] que o filho dele era delegado e ele era jornalista do Diário
Mercantil, mandou um bilhetinho pro juiz pedindo autorização e, lá do fundo, eu percebi que o juiz
escreveu, virou o... ao contrário, e escreveu “Não!”. Não com um quadrado em volta, né. E ele fez “Oh, não
deixou não, pô!”. Eu virei as costas e fui embora, porque o que eu ia fazer? Não tinha como eu fotografar, o
juiz já tinha mandado um bilhete, “Não!”. Não deixou eu fotografar e eu não lembro quem era o julgado... o
jurado... o réu. (DEPOIMENTOS, 2017, p. 4)

Em depoimento à CMV-JF, o jornalista Wilson Cid, correspondente na época, em Juiz de Fora, do


jornal O Globo, menciona que chegou a assistir a alguns julgamentos na Auditoria da 4ª CJM e que
presenciou algumas situações interessantes, entretanto, afirma que não tivera acesso a informações
sobre maus-tratos a presos políticos.

Wilson Cid: As prisões a gente sabia que havia as prisões, sobretudo quando começaram os julgamentos na
Auditoria, porque entrava o promotor denunciando e entrava o advogado fazendo a defesa, e a gente ali,
então, ficava sabendo. [...] Mas assim, saber diretamente do preso, fulano está apanhando, fulano foi ser
indiciado, na época era complicado. A gente não tinha acesso a esse tipo de informação. [...] A dificuldade
maior que a gente tinha eram os julgamentos muito extensos, então, avançava do horário de fechamento do
jornal. Terminava 2 horas da manhã e não dava mais tempo. Então, sempre ficava pra edição seguinte.
Raramente um julgamento terminava em tempo suficiente para você dar cobertura. [...] Mas lidar com a
censura, isso é muito chato, deixa uma marca que você não quer nem saber. A marca mais grave disso tudo
é a que criamos uma geração de jornalistas preocupados... na escrita, “segundo disse, fulano de tal
declarou”, o jornalista às vezes tem medo de assumir a informação. Ele atribui ao outro. (DEPOIMENTOS,
2017, p. 4-5)

Dessa forma, é de se estranhar a declaração do jornalista, mesmo após décadas do ocorrido;


inclusive, porque entre os dias 19 e 20 de março de 1970, na sede da 4ª Auditoria, em razão do
Processo 73/69, ocorreu o interrogatório coletivo de 12 presos políticos, ligados ao Grupo Colina,
detidos na Penitenciária de Linhares, que durou 27 horas. A sessão fora presidida pelo juiz-auditor
Mauro Seixas Telles com a presença dos juízes militares do Conselho Permanente de Justiça. Os
presos políticos Ageu Heringer Lisboa, José Raimundo Jardim Alves Pinto, Marco Antônio de Azevedo
Meyer e Marcos Antônio Rocha negaram as torturas e as coações, e disseram ter abandonado as
atividades criminosas; entretanto, Pedro Paulo Bretas, Nilo Sérgio Menezes de Macedo, Afonso Celso
Lana Leite, Ângelo Pezzuti, Maurício Vieira de Paiva, Murilo Pinto da Silva, Irany Campos e Júlio
Antônio Bittencourt de Almeida confirmaram as torturas e as coações, além de questionarem o
tribunal, sendo que o último acusou a Penitenciária de Linhares de não respeitar os direitos humanos,
sendo detido em flagrante (PROCESSO 73/69, p. 927-964). O preso político Júlio Antônio Bittencourt
afirmara, em seu interrogatório, que

Que as acusações constantes da denúncia são totalmente falsas; [...] que foi informado dos fatos constantes
da denúncia e que são atribuídos através de seus torturadores; [...] que conhece o seu depoimento, todo
obtido sob tortura o qual é negado “in totun”; que apresenta como motivo particular da acusação que lhe
pesa a necessidade dos elementos da repressão de mostrar serviço de qualquer maneira; [...] que quer
declarar ainda que o presente regime é ilegal e ilegítimo e contra todas as leis e que este Tribunal não
representa o poder das leis e sim o poder contra as leis e por isso não tem autoridade nem jurídica e nem
moral para julgar pois... (PROCESSO 73/69, p. 941-944).

A partir desse contundente depoimento, o presidente do Conselho resolveu determinar a prisão


em flagrante contra o acusado por desrespeito, encerrando o interrogatório. Entretanto, no dia 21 de
março de 1970, o jornal Diário Mercantil noticiara o fato de maneira abreviada e ocultando as
denúncias, feitas pelos detentos, de sevícias, torturas e assassinatos cometidos pelo regime ditatorial
(DM, 21/03/1970 p. 8).
Sobre as torturas que sofrera, Gabeira narra que

Nunca mais poderia pensar em ser brasileiro, sem levar em conta essa realidade. Depois da PE da Barão de
Mesquita, todos nós, inocentes ou não, ficamos horrorizados com o Brasil e com o ser humano. Creio que
começava a entender a tentativa de suicídio de Frei Tito de Alencar, na Operação Bandeirantes. Mas não
estou autorizado a especular sobre a tentativa de suicídio de ninguém. Apenas digo: compreendi a
possibilidade do suicídio. (GABEIRA, 1979, p. 172)

O advogado Antônio Modesto Silveira corrobora a versão dos presos políticos, ao afirmar que
ouviu, de seus clientes, vários relatos sobre tortura em Juiz de Fora.

Modesto: Ora, eu ouvi vários. Mas, ah, busquei ouvir pelos clientes meus, não tinham a gravidade que eu vi
de certos lugares como, por exemplo, da Casa da Morte de Petrópolis, do DOI-CODI do Rio, do DOI-CODI
de São Paulo e outros lugares do Brasil. De qualquer maneira, eu vi uma coisa e tenho curiosidade até hoje
de saber. Eu ouvia referências de uma casa onde se torturava e houve até sugestão de que desapareceu
gente de lá, uma casa da beira do rio [Rio Paraibuna], do lado do rio, uma coisa assim. Pode ser que tenha
havido uma casa junto do rio, não sei se de cá ou de lá, mas uma casa onde aconteciam coisas graves e que
até hoje eu não ouvi falar qual era o endereço desta casa, como há em outros estados também, né!
(DEPOIMENTOS, 2017, p. 9)

Todavia, o coronel Ustra nega as versões divulgadas pela imprensa sobre torturas, pois,

A fase do interrogatório culminava com uma declaração de próprio punho, na qual o preso, sozinho, fazia
um relato manuscrito de toda a sua militância. Quem já teve acesso a essas declarações, arquivadas no
Superior Tribunal Militar, verificou que, pela maneira como foram escritas, pela letra firme, pela coerência
como os fatos foram revelados, pela clareza com que o preso expõe a sua vida íntima na organização,
jamais poderá dizer que tais depoimentos tenham sido feitos sob tortura. É absolutamente falsa a versão
que os subversivos difundem, dizendo que essas declarações eram datilografadas para que o preso as
copiasse. Também é falsa a afirmação que o pessoal do DO/II Ex usava capuz para cobrir o rosto, durante
os interrogatórios. (USTRA, 2006, p. 311)

O fotógrafo do jornal Diário Mercantil, Toninho Carvalho, comenta sobre as torturas em Juiz de
Fora, pois segundo ele,

Toninho: Em Juiz de Fora teve casos. O Riani, por exemplo, é meu amigo até hoje, pô. Riani foi um que
penou, né. Mas tem um aqui que, inclusive, eu fui muito amigo do pai dele, que ainda é até vivo até hoje,
que é o Sansão, Luiz Antônio Sansão. Tanto que ele recebeu acho que uma indenização do governo, na
época, o Luiz Antônio Sansão foi preso, torturado... é fotógrafo, tem um estúdio ali, né. Então, o Sansão foi
um dos... que eu me lembre, ele, mais quem? Memória também já tá ficando meio falha, né. Vai ficando
mais velho e... (DEPOIMENTOS, 2017, p. 9)

O jornalista Renato Henrique Dias tem um posicionamento de distanciamento com relação a


alguns assuntos, especificamente as torturas, e parece que estava mais preocupado em fazer o jornal
do que denunciar as atrocidades, sem compreender que denunciar é fazer o jornal. Em depoimento à
CMV-JF, Renato comenta a respeito de uma visita feita à Penitenciária de Linhares para verificar a
situação dos presos políticos:

Renato: Essas são questões que eu não me preocupo em entender, nem quero me preocupar, ainda mais
agora, me preocupar em entender por que aconteceu isso. É por medo? Pode ser por medo,
desconhecimento de causa, desinformação, tudo isso. Tortura! A gente ouvia falar em tortura assim, um
negócio tão distante, tão distante. E esses problemas nem saíam nos jornais, na verdade. Mas um negócio
tão distante, que ouvir falar nisso...
Fernanda: As prisões saíam no jornal, Renato? A tortura não, mas as prisões. Havia um acompanhamento
do jornalismo policial, jornalismo de política?
Renato: Saía. Por exemplo, aqui mesmo, quando tinha preso ali na Penitenciária de Linhares... tem presos
políticos, em uma época ainda... a gente mesmo, uma vez convidaram os jornalistas para irem lá ver a
situação que eles estavam, porque um deles eu acho que tinha denunciado os maus-tratos, a alimentação,
não estavam no lugar ideal... então, a própria penitenciária, com o aval dos militares, abriu lá para os
jornalistas verem, entendeu... como viviam os presos. Não eram muitos lá não, uns três ou quatro só, mas
que conviviam lá, e tudo mais. Isso não tinha. Pra mim essa coisa era assim, tão distante, tão fora do meu
contexto, do meu mundo real, ou irreal, não sei, que a minha preocupação era a seguinte, “tenho de ser
instrumento de documentação disso”, meu objetivo é esse. [...] Já é a preocupação de fazer o jornal de
hoje... se passa despercebido, mas daqui a 10, 20 anos, alguém vai buscar estudar para se informar ou pra
pesquisar alguma coisa assim, entendeu. (DEPOIMENTOS, 2017, p. 7-8)

Colatino Lopes confirma, em seu depoimento à CMV-JF, que fora torturado na época em que
estivera preso:

Colatino: Assim, os depoimentos eram de madrugada. Muita, era aquele negócio, mais psicológico,
entendeu? E esse lance, a não ser uma correntada que eu tomei de um capitão. “Então você não vai falar
nada?”. Aí pegava, metia corrente. Meteu a corrente aqui na cara, entendeu? Agora, lá em Belo Horizonte
não, lá em Belo Horizonte eu fui torturado mesmo. [...] Na segunda prisão. E nos dias lá da primeira prisão,
dos depoimentos, eram feitos de madrugada, mas da seguinte forma: holofote em cima, várias pessoas
pressionando, “Você fez isso? Você fez aquilo?”, entendeu. Pressão psicológica mesmo, entendeu. E de vez
em quando saía uma correntada, saía um soco, entende. Era isso. Na primeira prisão, aí no final de 60 dias,
eu fui solto, em outubro. Aí depois veio a prisão em Belo Horizonte, fui pra Ribeirão das Neves.
(DEPOIMENTOS, 2017, p. 4)

A desinformação era tamanha que, conforme Colatino Lopes:

Colatino: Aí fui preso, a princípio ficamos totalmente sem comunicação nenhuma, ninguém sabia onde nós
estávamos. Foi aquele negócio todo. Até o Modesto da Silveira, no Rio, pondo depoimento no jornal que
estudante some em Juiz de Fora e ninguém sabe onde está, né? Era eu. E os outros também, ninguém sabia
onde estavam. (DEPOIMENTOS, 2017, p. 1)

Outro advogado de presos políticos, Winston Jones Paiva, em depoimento à CMV-JF, afirmou,
sobre os casos de tortura em Juiz de Fora, que

Winston Paiva: Eu vi casos de tortura, muitas vezes não tortura física, mas tortura psicológica, que às vezes
é até pior do que a tortura física, como o caso do Avelino Coque Torres que foi encapuzado, colocado nu em
um lugar refrigerado e ameaçando levar a família dele para Ilha Grande. Então, essas ameaças assim
aconteceram muito, e eu posso dar esses dois exemplos pra vocês entenderem que, de fato, houve tortura.
Ninguém pode negar que houve tortura. [...] Me parece, eu não tenho certeza, mas me parece que o Avelino
foi para o QG, Quartel General. Aqui eram três lugares, o QG, era o 10° BI, 10ª Brigada de Infantaria e a
Penitenciária Edson Cavalieri.
Cristina Guerra: Ali também tinha tortura?
Winston Paiva: Não, Edson Cavalieri, não. Eles eram separados, né? Ficavam em pavilhões separados dos
criminosos comuns, mas lá não aconteceu tortura. (DEPOIMENTOS, 2017, p. 3)

Rogério Teixeira afirmou, em entrevista ao pesquisador, que sofrera tortura:

Rogério: Em Belo Horizonte sim, no 12º RI e na Colônia Penal Magalhães Pinto, no Complexo Penitenciário
de Ribeirão das Neves. Não preciso detalhar, mas logo ao chegar ao quartel em Belo Horizonte, antes de ir
para a penitenciária, passei por umas duas horas de tortura: nu, levando socos, tapas, pontapés e choques.
Em Neves a mesma coisa. Numa escala de graus de tortura esse era o inicial. Eu não era importante o
suficiente ou tinha pontos para abrir ou companheiros ou pontos a serem delatados ou revelados. Isso
aconteceu exatamente durante oito sessões, entre abril e julho de 1969. (TEIXEIRA, 2019, p. 5)

José Salvati, em depoimento à CMV-JF, afirma que sofrera tortura psicológica em Juiz de Fora:

Cristina: Nesta prisão, o senhor foi torturado?


Salvati: Não, eu só levei... tortura só psicológica, mas torturado assim... igual depois eu seria, não. Levei
“telefone”, empurrão, esses “negócios” assim. Inclusive, não foi de ninguém do exército, eles não sujaram
as mãos. Eles mandavam a Polícia Federal fazer isso. O tal de Sílvio, que a gente conhecia, que era... a
entidade, a UJES, era na Galeria Constança Valadares, e lá tinha... a Polícia Federal tinha uma loja lá
também e esse Sílvio a gente já conhecia ele lá.
Cristina: Então ele, ele chegou a bater no senhor?
Salvati: Bateu... (DEPOIMENTOS, 2017, p. 5)

Porém, de acordo com o coronel Ustra, existem muitas denúncias de excessos no tratamento dos
“terroristas” presos,

Mas, se existiram, foram poucos. Não foi a regra constante. Durante os “anos de chumbo”, ao depor na
Justiça, os subversivos e terroristas usavam o argumento da tortura para justificar as confissões existentes
nos processos e a delação de companheiros, feitas quando interrogados pelos órgãos de segurança. Com
isso, além de escapar da condenação ou de uma pena mais severa, também se livravam de uma pena pior, o
julgamento dos “tribunais revolucionários”. Poucos foram os que, em juízo, confirmaram suas ações.
(USTRA, 2006, p. 318)

Dessa forma, para o coronel, o fato de terem ocorridos poucos casos de tortura, sua confirmação
deveria ser invalidada.
O professor e dramaturgo José Luiz Ribeiro, na década de 1960, trabalhava como jornalista no
jornal Diário Mercantil e relatou, em seu depoimento à CMV-JF, que:

José Luiz: A gente sabia o que estava acontecendo, xingava e tudo, né, mas na hora de escrever tinha um
editor. [...] Esse processo, então, se conseguia modificar porque as coisas aconteciam porque Juiz de Fora
recebeu os presos políticos; eles eram julgados aqui, então, muita coisa acontecia, muitos companheiros
foram presos. (DEPOIMENTOS, 2017 p. 3)

O jornalista Paulo César Magella esclarece, em seu depoimento à CMV-JF, algumas questões a
respeito da censura e da autocensura, pois se havia o trabalho da repressão e o medo, havia também
o interesse financeiro das empresas de comunicação:
Helena: Em relação novamente aos censores, dentro da rádio havia reuniões, recomendações internas,
autocensura?
Paulo César: Autocensura? Basicamente não, mas é bom entender que nós estávamos em uma conjuntura
de medo naquela época. Era uma autocensura? Era, mas as pessoas andavam com o freio de mão puxado,
digamos assim. Mas com o governo Geisel, com essa descompressão, as pessoas começaram a ter um
pouco mais de ousadia. Havia muito medo também de perder a concessão. Mas o jornal já começou a
avançar. Eu me lembro que eu fiz a cobertura... eu não entrevistei porque a gente não tinha acesso, mas eu
me lembro, por exemplo, em 1976, quando Geisel veio a Juiz de Fora lançar a pedra fundamental da
Mendes Júnior. [...] E aí você tinha que fazer uma cobertura, as rádios tinham que fazer quase que
obrigadas. 7 de setembro tinha que transmitir. E na véspera você tinha que ir ao quartel pegar a ordem dos
desfiles, tinha que ficar no palanque, “passa agora a tropa tal”... Era um negócio assim muito pressionado.
Fernanda: Os impressos também?
Paulo César: Os impressos cobriam.
Fernanda: Mas não tinha essa obrigação por não ser uma concessão?
Paulo César: Porque geralmente os impressos tinham um link com as emissoras de rádio também. Os
Associados tinha rádio, então, de uma certa forma eles também cobriam, e havia também um certo jogo.
Fernanda: Medo?
Paulo César: Medo e até mesmo interesse, naquele tempo, de ficar... massa publicitária... pressão. Não
vamos também falar que não éramos... Os jornais também não eram tão resistentes. Muitos não eram
resistentes. Muitos participavam também, sabiam o que estava acontecendo e foi feita a cobertura. Aquela
resistência tipo O Pasquim, tipo Opinião, era muito restrita. Os grandes jornais, com exceção, é claro, a
gente conhece pela história. Os jornais, ainda mais do interior, onde havia uma pressão muito grande
econômica. Se você não fizesse uma cobertura adequada, você teria retaliações. Então, a gente cobria tudo
[...] (DEPOIMENTOS, 2017, p. 00)

A censura não era imposta apenas aos textos divulgados, mas inclusive às imagens. De acordo
com o fotógrafo Toninho Carvalho:

Toninho: E eu ia fotografar, quando voltava já tinha 2 soldados lá esperando revelar o filme, pra gravar o
filme, voltava 8 horas da noite, voltava com 2 chapinhas, 2 negativos só, que o filme tinha ficado lá. Então,
eu fazia às vezes 30 fotos, 20 fotos, quando voltava tava com 2 negativos só... tinham 2 policiais, 2 soldados
do Exército. [...] Eles entravam dentro da redação. O Jorge Couri revelava e entregava na mão dele o filme
revelado. [...] Iam pro quartel, quando voltavam vinham com 2 negativos ou 3... [...] Às vezes tinham fotos
lindas, fotos que eu tinha feito, mas, no fundo... [...] Eles censuravam tudo, né. Na época censurava música,
censurava fotografia, censurava tudo. E a gente não podia fazer nada, era um “pau mandado”. No caso, o
fotógrafo, principalmente, era um “pau mandado”, porque você chegava com um filme, aquilo que você fez
não era publicado, não adianta. [...] Então, não é um jornalismo que a gente gosta de fazer, que você quer
criar também, né. Criar, não é inventar, mas pegar um ângulo diferente, né.
Fernanda: E acontecia desses negativos não voltarem a tempo da edição fechar?
Toninho: Não, voltava a tempo. Sempre voltava. Mas os outros ficaram por lá, nunca mais vi. [...]
Destruíam, né? [...] Revelava, mandava o filme, eles escolhiam o negativo que podia publicar, cortava. E
mandava só os negativos publicados. (DEPOIMENTOS, 2017, p. 5-7)

Ao ser questionado a respeito de uma imprensa clandestina que fizesse frente ao discurso
institucional, José Luiz Ribeiro respondeu que sabia:

José Luiz: Muito pouco. Agora, existe a espiral do silêncio, que as pessoas com medo de ser atacadas elas
ficam caladas, né. Esse é o grande problema. Então, o teatro foi, era o grande palco de resistência mais do
que o jornal, porque o jornal não, é policiado. O teatro era mais para os estudantes e o estudante naquela
época ia. [...] Então, como é que você fala? Sempre existe uma maneira de falar. E as pessoas vão entender
o que está sendo falado. (DEPOIMENTOS, 2017, p. 7)

A pesquisa pode constatar que durante todo o desenrolar do PROCESSO 5/69, que durou um
ano, o jornal Diário da Tarde fez apenas uma única menção ao caso, mas anterior ao processo jurídico-
militar, cuja manchete é “Concentração parou o trânsito” (DT, 25/07/1968, p. 4). Já o Diário Mercantil,
no mesmo período, produziu três matérias de caráter pouco informativo, porém, acusatórias contra os
processados, cujas manchetes são “Detidos em Juiz de Fora 5 suspeitos em atividades subversivas”
(DM, 23/08/1968, p. 1), “Subversivos querem envolver outros elementos em suas ações” (DM,
29/08/68, p. 1), “Testemunhas depõem no processo contra o ‘grupo de ação político-subversiva’” (DM,
26/07/1969, p. 8). Todavia, nenhum dos dois jornais informou o seu público a respeito dos envolvidos
e muito menos sobre a sentença final do processo.
Dessa forma, ao analisarmos os poderes discursivos (FOUCAULT, 2007) da imprensa, dos
inquéritos, dos documentos oficiais e dos jornais clandestinos foi-nos possível perceber como se
conduz a vontade de verdade em nossa sociedade, pois a forma como o saber legal e legítimo é
produzido, aplicado, valorizado e atribuído, permite que se exerça poder de coerção sobre outros
discursos, considerada ilegal e ilegítima, interditando-lhes a palavra e conjurando-lhes a eficácia e a
ameaça, cujo intuito é ocultar as forças que materializam a constituição social, haja vista que o
discurso não reflete apenas o controle do poder, mas é igualmente, o próprio poder.
Portanto, é preciso que se deixe bem claro que não é que os profissionais da imprensa não
soubessem ou fossem censurados pelo sistema repressivo instituído a partir de 1964, mas que muitos
profissionais se calaram, por medo ou por apoiarem a ditadura, diante das incisivas revelações,
enquanto outros foram coniventes com os crimes cometidos. Fica-nos claro, consequentemente, que o
silenciamento, mesmo após décadas do acontecido, e, em alguns casos, a adesão, foram a marca
característica da imprensa durante a ditadura civil-militar de 1964 no Brasil.

Referências
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BIERRENBACH, J. S. Depoimento, 07/06/2006. Rio de Janeiro, CPDOC/SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR,
2010. 14p. Disponível em: http://www.fgv.br/cpdoc/historal/arq/Entrevista1522.pdf. Acesso em: 08 de maio
de 2018.
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Disponível em: www.repository.library.brown.edu/studio/collections/id_644/. Acesso em: 27 de dezembro de
2017.
CANCELLI, E. O mundo da violência: a polícia da era Vargas. Brasília: Editora da Unb, 1993.
CMV-JF. Comissão Municipal da Verdade. Disponível em: www.ufjf.br/comissaodaverdade/2016/09/21/livro-
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CNV. Comissão Nacional da Verdade. Disponível em: www.cnv.memoriasreveladas.gov.br/index.php/outros-
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DEPOIMENTOS. Depoimentos à Comissão Municipal da Verdade de Juiz de Fora. Disponível em:
www.ufjf.br/comissaodaverdade/depoimentos. Acesso em: 30 de maio de 2017.
DM. Diário Mercantil. Setor de Memória da Biblioteca Municipal Murilo Mendes. Juiz de Fora, Minas Gerais.
DOPS-BH. Departamento de Ordem Política e Social de Belo Horizonte. Arquivo Público Mineiro. Disponível
em: www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/dops/brtacervo.php?cid=4180. Acesso em: 28 de novembro de
2016.
DT. Diário da Tarde. Setor de Memória da Biblioteca Municipal Murilo Mendes. Juiz de Fora, Minas Gerais.
FOUCAULT, M. A ordem do discurso. São Paulo: Loyola, 2007.
GABEIRA, F. O que é isso, companheiro?. Rio de Janeiro: Codecri, 1979.
GASPARI, E. A ditadura envergonhada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
GOULART, S. Sob a verdade oficial: ideologia, propaganda e censura no Estado Novo. São Paulo: Marco
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KUSHNIR, B. Cães de guarda: jornalistas e censores, do AI-5 à Constituição de 1988. São Paulo: Boitempo
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OLIVEIRA, A. A.; CHEVALIER, G.; ROCHA, Q. J. M; LEMOS, V. P. Os exames censórios do Conservatório
Dramático Brasileiro: inventário analítico. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 2014.
PELLEGRINI, T; FERREIRA, M. Português: palavra e arte. São Paulo: Atual, 1998.
PROCESSO 5/69. Auditoria da 4ª CJM – STM.
PROCESSO 73/69. Auditoria da 4ª CJM – STM.
PROCESSO 32/70. Auditoria da 4ª CJM – STM.
TEIXEIRA, R. C. Rogério de Campos Teixeira: entrevista [5 de janeiro de 2019]. 7 páginas. Entrevistador:
Ramsés Albertoni Barbosa. Juiz de Fora.
USTRA, C. A. B. A verdade sufocada: a história que a esquerda não quer que o Brasil conheça. Rio de
Janeiro, Edição do Autor, 2006.

1 Trabalho apresentado no GT 4 - Imagem, Opinião Pública e Democracia, I Simpósio Nacional de Comunicação Política, Eleições
e Campanha Permanente, 27 a 28 de março de 2019.

2 Mestre em Poética (UFRJ), Mestrando em Comunicação (PPGCOM), endereço eletrônico: ramses.albertoni@ich.ufjf.br

3 Doutora em Comunicação (UFRJ), Professora do PPGCOM, endereço eletrônico: cferrazmusse@gmail.com


CAPÍTULO 23

EUROVISION SONG CONTEST EM TEMPOS DE GUERRA


O uso político do Concurso no conflito Rússia-Ucrânia1

Ricardo Matos de Araújo Rios2

1. Introdução

Criado em 1956 pela European Broadcasting Union (EBU), entidade que reúne emissoras de
Rádio e TV públicas e estatais na Europa, Ásia e Norte da África, como uma forma de unir a Europa
após a Segunda Guerra Mundial, o Eurovision Song Contest (ESC) é um concurso de músicas
produzido e televisionado pela EBU anualmente, em maio. Historicamente, o concurso de talentos
revela expoentes da música internacional, tais como Julio Iglesias, Olivia Newton-John, banda ABBA e
Céline Dion.
Com uma audiência estimada em mais de 180 milhões de pessoas em 2017, de acordo com
Jordan (2017a), o ESC tornou-se, conforme afirmamos (RIOS, 2014, p. 13), uma plataforma para
disseminação de ideias políticas e ideológicas de forma única, mesmo que as regras do concurso
proíbam estes tipos de mensagens nas músicas e apresentações.
Mesmo com esta restrição, Rússia e Ucrânia, em dois anos (a saber, 2017 e 2019), fizeram
reproduções de seu conflito bélico no Concurso. Para compreender isso sob o viés do conflito armado,
o trabalho usará como alicerce as ideias de Mearsheimer (2001) sobre Realismo Ofensivo e seus
efeitos em um ambiente de conflito. O arcabouço teórico também é composto por conceitos de
ideologia, identidade e comunidades imaginadas, processo este que cria fortes dicotomias e
desenvolve dentro dos Estados aqui analisados uma projeção de inimizade e de conflito.
Com base nisso, verificaremos como a campanha da Guerra Rússia-Ucrânia foi introduzida no
ambiente midiático do ESC, tendo como norte o impulsionamento sociocultural que o Concurso
consegue emitir em todo o continente euroasiático. A pesquisa pretende contribuir para outras
investigações sobre o ESC e a relação entre mídia e política externa, através da propagação de
mensagens políticas e ideológicas ao redor do mundo.

2. O Eurovision Song Contest

O Eurovision Song Contest (ESC) é um concurso de músicas criado em 1956 pela European
Broadcasting Union (EBU), entidade que reúne emissoras de Rádio e TV públicas e estatais na
Europa, Ásia e Norte da África, como uma forma de unir a Europa após a Segunda Guerra Mundial. A
primeira edição foi feita em Lugano, na Suíça. Todos os países filiados à EBU podem participar e
enviar músicas ao ESC. O vencedor é decidido através de uma votação nos países participantes.
Atualmente, a votação é feita entre o júri de cada país participante e do público espectador em cada
país participante. O televoto é dado pelos espectadores dos países participantes do concurso, durante
15 minutos após o término das apresentações das canções. Uma das regras de votação é que nenhum
país pode votar nele mesmo.
O que define quem participa ou não do ESC é a afiliação dos canais de televisão à EBU. Um canal
é considerado membro se pertencer à Área de Radiodifusão Europeia, uma linha imaginária definida
pela União Internacional de Telecomunicações (UIT), agência da ONU responsável por padronizar e
regular as ondas de rádio e telecomunicações internacionais. A linha passa a leste pelo meridiano 40°
ao Leste de Greenwich e no sul pelo paralelo 30° Norte, agregando Europa, parte da Ásia e Norte da
África. Mesmo com essas regras, membros associados à EBU e que não estejam na Área de
Radiodifusão Europeia também podem participar do Concurso, desde que sejam convidados pelo
Grupo de Referência do Concurso, como foi o caso da Austrália, de 2015 a 2019. Por essa regra, o
Brasil poderia participar do ESC caso houvesse o convite, sendo que a candidatura brasileira ficaria
sob responsabilidade da TV Cultura, de São Paulo, que é associada à EBU.
Além da competição interterritorial, definida por Hobsbawn (1990, p. 171) como um reforço do
sentimento nacionalista através da mídia, o ESC também é usado pelos países participantes como
uma forma de disseminar discursos ideológicos através das canções.
Como parte das televisões participantes são de propriedade dos Estados, eles podem emitir
mensagens nacionalistas para outras nações e, em caso de conflitos dentro da Europa, de caráter
político contra o inimigo. Dentro das Relações Internacionais, o ESC é considerado um soft power,
porque possui um poder de atração midiática, ao invés da coerção, utilizada em conflitos armados e
pela diplomacia.

3. Comunidades Imaginadas no Eurovision Song Contest e o “Ser Europeu”

Parte do poder do Eurovision Song Contest (ESC) encontra-se no poder discursivo criado por ele.
O ethos de unificação continental projetado anualmente cria um discurso de que é possível derrubar
as diferenças em prol de uma unidade europeia. O discurso de “somos um só” feito pelo ESC,
inclusive usado ipsis litteris como slogan da edição de 2013, assemelha-se ao conceito de
comunidades imaginadas cunhado por Benedict Anderson.
Anderson (2008, p. 32) acredita que nação é um produto de comunidades imaginadas. Para o
autor, a nação é imaginada porque os membros de um mesmo Estado jamais conhecerão, encontrarão
ou ouvirão falar da maioria de seus pares, mesmo que haja em suas mentes a imagem de uma
comunhão entre todos. Já a imaginação de uma comunidade, por sua vez, é feita porque, segundo
Anderson (p. 34), a nação é concebida sempre como uma profunda camaradagem horizontal. Todo o
processo da comunidade imaginada cria a projeção do nacionalismo, um discurso ideológico forte.
Esse processo, de acordo com Martins (2002, p. 117), ganhou força na Europa e nos países
asiáticos pertencentes à União Soviética após a dissolução desta última. Ainda segundo o autor, os
Estados europeus pareciam incapazes de conter os movimentos nacionalistas, quando não os
alimentam, para usar seu poderio na instrumentalização política. Por diversas oportunidades, este
projeto apresentou casos em que os Estados usaram o ESC para promover mensagens político-
ideológicas de cunho nacionalista através das músicas veiculadas no programa. A promoção do
nacionalismo, como se vê, pode ser considerada um projeto de Estado para atender os interesses de
quem esteja no poder.
Além disso, as escolhas léxicas reforçam a ideologia por meio de comunidades imaginadas. Um
exemplo é a União Europeia, que por diversas vezes se apresenta como Comunidade Europeia. Isso
acontece porque a noção de comunidade pressupõe homogeneização identitária, algo que não
acontece em uma sociedade, que tem a pluralidade como um de seus principais pilares.
A projeção do nacionalismo na Europa é um processo mais recente do ponto de vista histórico.
Como aponta Anderson (p. 261), o nacionalismo surgiu primeiro na América como uma ferramenta
para afirmação dos primeiros Estados nacionais existentes no continente. Estados, estes, que queriam
se separar das metrópoles europeias. O uso do termo “Novo Mundo” para se referir à América criava
nos criollos a consciência de uma comunidade paralela à Europa. Segundo Martins (p. 117), essa
projeção nacionalista na Europa entra em choque com a tentativa de construir uma Europa unificada
e a rejeição de um multiculturalismo dentro do continente.
A rejeição de uma união na Europa, como promovida pelo ESC anualmente em seu show
televisivo, traz sérias consequências à paz na região. Historicamente, a Europa possui uma tendência
a movimentos destrutivos de seu território por meio de guerras, destacando-se aí Primeira e Segunda
Guerras Mundiais, que dizimaram milhões de pessoas e reordenam o mapa do continente até hoje.
Para evitar o fim completo da “civilização europeia”, é necessário evitar novos conflitos armados.
Movimentos nacionalistas, que tentam romper o conceito histórico de Nação criado em uma região há
muitos anos, podem por em xeque a paz interna obtida pelos vários tratados feitos dentro da Europa
e, consequentemente, reacender o poder autodestrutivo do continente. Essa consciência unionista pós
Guerras, mesmo com Estados-Nações diversos, com diferentes línguas, costumes e políticas, é o que
mantém o ente Europa de pé. Independentemente de todas as diferenças existentes, o que importa,
dentro do coletivo europeu, é a união de todos em torno de uma identidade, de uma ideologia de
Europa, projetada pelo sentimento de pertencimento europeu. A História mostra, como observa
Martins (p. 114-115), que mesmo no período da colonização europeia, os Reinos do continente
colocavam a ideia de Europa, do ser europeu3, como algo bom, contrastando com os bárbaros do
mundo não europeu. A Europa era a civilização, enquanto outros povos eram subjugados. Entretanto,
como visto anteriormente, esta consciência de união só foi usada internamente após a Segunda
Guerra Mundial, ou seja, séculos depois do período colonizador.

4. Ideologia, Identidade e Nacionalismo no Eurovision Song Contest

Para entender todo o processo, é necessário entender o que é ethos. Segundo Amossy (2008), o
ethos é a visão que o outro projeta previamente sobre algo ou alguém. Desta forma, é a percepção
que o receptor tem sobre a mensagem que moldará sua visão sobre o que é comunicado. Um exemplo
é a queda do World Trade Center, em 2001. A percepção de que o fato foi um atentado terrorista
aconteceu porque uma narrativa foi construída em torno desta projeção. Da mesma forma, é
importante pensar no conceito de terrorista. Alguém é um agente terrorista porque aquela imagem foi
construída e dada, de maneira que alguém foi taxado de terrorista e espera-se que o outro acredite
nisso. Entretanto, para outras pessoas, em outro contexto social, a mesma pessoa pode ser
considerada um “arauto da paz”, “mensageiro da liberdade”. Os conceitos mudam porque cada
pessoa constrói sua percepção de forma diferente.
O processo de projeção ethóica também reflete na formação de ideologia, identidade e
nacionalismo. Sobre ideologia, é necessário compreender que ela é um processo de produção de
ideias, crenças e valores na vida social e que seu discurso aparece oculto, de maneira que o receptor
não o observe. Para comprovar isso, Guilbert (2007) diz que o elemento principal no discurso
ideológico é o sagrado dissimulado, isto é, a dissimulação e a racionalidade. O sagrado é o poder,
aquilo que não se deve tocar, cabendo respeito. Para que exista o sagrado no discurso ideológico, é
necessário criar uma linha entre o que se deve dizer e o que é proibido de ser dito. Segundo
Figueiredo (2013, p. 100), lógicas afetivo-racionais, como o necessário, o provável, o possível, o
verossímil, sustentam o argumento ideológico.
Dentro do sagrado dissimulado, existem duas vertentes de discursos: o sagrado mostrado e o
sagrado constitutivo. O sagrado mostrado traz um elemento de legitimação que se revela em
diferentes formas. Elas atingem pontos como a existência de Deus, a democracia, a nação e a vontade
de opinião. Citando Guilbert, Figueiredo (2013, p. 98) diz que esses valores são comuns às pessoas
(tanto em crenças individuais, quanto coletivas). O sagrado constitutivo é parecido com o mostrado.
Porém, sua diferença está na forma em que é apresentado discursivamente, sendo reconhecido pela
maioria como próximo à crença comum.
Uma dessas lógicas afetivo-racionais é o nacionalismo. Segundo Hobsbawn (1990, p. 159), o auge
do princípio desta corrente aconteceu após a Primeira Guerra Mundial. O nacionalismo foi usado para
a construção de um Estado-nação e a união das pessoas.
Essa união se transforma em identidade que, para Castells (2000, p. 22-23), é estruturada e
definida por instituições e organizações da sociedade. O autor apresenta três tipos de identidade: a
identidade legitimadora, introduzida pelas instituições dominantes da sociedade para expandir e
racionalizar a dominação em relação aos atores sociais; a identidade de resistência, criada por
aqueles que se encontram em posições desvalorizadas e/ou estigmatizadas pela lógica da dominação;
e a identidade de projeto, onde os atores sociais constroem uma nova identidade - a partir de
materiais culturais ao alcance - capaz de redefinir sua posição na sociedade.
Antes de ser um concurso musical, o ESC é um programa de televisão e, como tal, possui
especificidades em seu processo discursivo e ideológico, o qual é transmitido pela interconexão entre
as dimensões verbal e não-verbal. A linguagem televisiva possui um regime de performatividade,
segundo Soulages (2008), o qual atua como efeitos pretendidos de ficção, mostração e espetáculo. O
primeiro visa à criação de um mundo verossímil com a finalidade de provocar empatia (processo de
identificação-projeção) por meio de técnicas oriundas do cinema. O segundo efeito procura construir
enunciados da realidade sem passar a impressão de que existe a intermediação de um sujeito no ato
de enunciação, passando a impressão de que a cena seria a “verdade” em si representada na tela sem
filtros. Por fim, o espetáculo tem o objetivo de captar o interesse do receptor, atrai-lo, abolindo a cisão
o universo espectatorial e o televisivo.
Por ser um programa de TV que envolve shows e votações, o ESC nada mais é que um espetáculo
televisivo. Ao possuir três “capítulos” em uma semana, a atração é o principal elemento que une
programa e espectador. Porém, ao permitir a votação do público, o ESC transita pela mostração.

4.1 O processo de construções identitárias

Castells (1999) acredita que a identidade é fonte de significado, definindo a ação praticada por
um ator social. O autor supracitado faz (p. 24) uma proposição de três tipos de construções
identitárias: a identidade legitimadora, que é introduzida pelas instituições dominantes da sociedade
para expandir e racionalizar a dominação em relação aos atores sociais; a identidade de resistência,
criada por aqueles que se encontram em posições desvalorizadas e/ou estigmatizadas pela lógica da
dominação; e a identidade de projeto, onde os atores sociais constroem uma nova identidade - a partir
de materiais culturais ao alcance - capaz de redefinir sua posição na sociedade.
Cabe notar que as identidades não são categorias estanques e impostas porque se operam por
meio da materialização linguageira. Assim, a adesão a esses dizeres opera de forma temporária e
parcialmente estável a cada situação comunicativa. Desse modo, os discursos, como os do Eurovision,
projetam sensos de identificação sugestionáveis, com efeitos limitados, os quais podem ou não ser
recebidos e exercidos pelos receptores.
Segundo Adler (2002, p. 127), a identidade está no centro dos interesses nacionais e
transnacionais. Consequentemente, é crucial para uma compreensão do comportamento, das práticas,
das instituições e das mudanças internacionais. Segundo o autor, entender a questão identitária é tão
importante para a compreensão do conflito internacional e da guerra quanto para a compreensão da
cooperação internacional.
É importante observar que identidades não são imutáveis. Elas podem se alterar de acordo com o
tempo, local e interações. Dentro das Relações Internacionais, a mudança de identidade afeta atores
(sejam Estatais ou Não-Estatais) em sua constituição ou na imagem projetada. Essa mudança afeta
movimentos de segurança (onde determinados temas novos podem ou não ser securitizados,
dependendo da identidade do ator) e pode modificar a ajuda altruísta dos Estados a outros. Apesar de
alguns positivistas acreditarem que os atores podem mudar sua identidade, eles não consideram que
essa mudança pode acontecer a qualquer momento e em qualquer situação, como o Construtivismo
enxerga. Para os positivistas, a mudança acontece juntamente com o comportamento e antes dos
interesses.
Para Hobsbawm (1990, p. 68), a identidade também passa pelo uso da língua, pois esta, como
fator de reforço identitário, serve como elemento unificador. Assim, o nacionalismo atua como
instrumento e representação capaz de projetar e gerar sensos de comunidade, identificações e
referenciais de mundo estáveis.
A retomada do ideal de nacionalismo, tal como no Eurovision, tem como bases justamente os
processos fluídos de globalização econômica e cultural, os quais diluíram e fragmentaram as visões de
mundo e marcas identitárias em que os sujeitos, tradicionalmente, se ancoravam. Para Bauman
(2001), eles:

realizam esforços para manter à distância o „outro”, o diferente, o estranho e o estrangeiro, e a decisão de
evitar a necessidade de comunicação, negociação e o compromisso mútuo, não são a única resposta
concebível à incerteza existencial enraizada na nova fragilidade ou fluidez dos laços sociais. (BAUMAN,
2001, p. 126).

Como uma comunidade imaginada, soberana e limitada, a nação oferece a sensação de


“proteção” aos sujeitos diante dessa instabilidade dada pelo necessário enfrentamento à diversidade.
Anderson (2008) observa que a limitação do nacionalismo é oriunda da existência de fronteiras finitas
mesmo em territórios de grande extensão. A noção de soberania pressupõe a articulação de um
constante pluralismo, em que o ideal de união por meio do Estado deve se sobressair. Por fim, a noção
de comunidade imaginada ocorre pelo compartilhamento linguístico, na qual os indivíduos de uma
nação não se conhecem efetivamente, mas partilham traços e símbolos em comum, o que permite que
eles se reconheçam no mesmo espaço imaginário. Desse modo, a nação – como comunidade
imaginada – é sustentada pelo discurso e, dentre suas faces, está a difusão de bens simbólicos como a
música.
Para Anderson (2008), o discurso de nação está embasado em construções culturais, indo além
de projetos políticos ou coercitivos somente restritos à ação do Estado. As diferenças entre as nações
estariam em como elas são imaginadas e suas origens podem ser associadas, por exemplo, em
mudanças históricas, declínio de impérios e monarquias, religião e desenvolvimento das mídias.
Como uma construção discursiva, o nacionalismo se sustenta em saberes estáveis que
sobrevivem a cada embate discursivo. Os processos ideológicos de dissimulação e racionalidade, que
ocorrem na e pela linguagem, permitem a forças necessárias para a tendência à cristalização.

5. Realismo ofensivo de Mearsheimer

Com o fim da Guerra Fria e a necessidade de novas teorias que pudessem explicar o ambiente
internacional com um novo padrão hegemônico acrescido da ascensão neoliberal, John Mearsheimer
quis oferecer uma alternativa realista ao otimismo dominante no período sobre as relações entre as
grandes potências. Com isso, uma vertente dentro da discussão neorrealista, iniciada na década de 80
do século XX, criou o Realismo Ofensivo.
Assim como o Realismo Clássico, o Estado é o principal ator das relações internacionais.
Entretanto, o Realismo Ofensivo possui cinco pressupostos que gerenciam o Sistema Internacional e a
busca pelo poder. A saber: (I) a anarquia ordena o Sistema Internacional; (II) grandes potências4
possuem forte capacidade militar para atacar outros países; (III) Estados nunca podem ter certeza
sobre as intenções de outros; (IV) a sobrevivência é o principal objetivo; (V) grandes potências são
atores racionais.
Para o Realismo Ofensivo, a competição dos Estados pelo poder acontece devido à estrutura do
Sistema Internacional. Os atores estatais desejam obter todo o poder possível, maximizando o poder
relativo e tendo a hegemonia como fim último. Esse comportamento deixa o Sistema em estado de
revisionismo (com o alerta frequente de que um Estado almejará o lugar do outro), onde o medo dos
Estados cria a autoajuda, já que a cooperação neste ambiente se torna um complicador.
Como a obtenção de poder é o desejo máximo dos Estados, segundo o Realismo Ofensivo, são
necessárias estratégias para obtê-lo. Segundo Ramos (2011), guerra, chantagem, atiçamento e
sangria são os principais meios para a obtenção. A resposta dos Estados para estas agressões são a
equilibração (balancing), quando uma grande potência assume a responsabilidade direta de impedir
um agressor de perturbar o equilíbrio de poder, e a delegação (buckpassing), quando um Estado
delegador tenta levar outro a suportar o fardo de dissuadir ou combater um agressor, mantendo-se à
margem.
Apesar do processo de obtenção de poder dentro do ambiente anárquico do Sistema
Internacional, os Estados precisam sobreviver. E de acordo com Mearsheimer (apud. Zahreddine,
2015), a melhor garantia de sobrevivência desse Estado é que ele se transforme em hegemônico.
Entretanto, Mearsheimer (2001) não acredita que haja um Estado que possa se caracterizar como
hegêmona mundial. O que existe são hegêmonas regionais, que dominam áreas geográficas
específicas. Segundo o autor, os Estados Unidos são o único hegêmona regional existente na história
moderna, porque dominou áreas geográficas específicas. O que mantém essa posição do país nas
Américas é seu poderio militar, algo que não foi superado por nenhum outro Estado no continente, de
acordo com Mearsheimer.
O Realismo Ofensivo também discute maneiras de se manter o equilíbrio da balança de poder e a
anarquia no Sistema Internacional. Uma delas é a criação do medo em Estados rivais. O medo pode
ser provocado por Estados que possuem forças nucleares, além de países que são separados por
grandes massas de água entre eles. A distribuição relativa de poder também pode influenciar os
níveis de medo. Isso cria competição por segurança e abre possibilidade de uma guerra.

6. A projeção do conflito Rússia-Ucrânia no Eurovision Song Contest como campanha de


comunicação de longa permanência

O conflito Rússia-Ucrânia pela região da Crimeia começou no final de 2013, quando o presidente
ucraniano Viktor Yanukovich desistiu de assinar um tratado de livre-comércio com a União Europeia,
e decidiu manter relações comerciais com a Rússia, após pressões do governo de Vladimir Putin. A
decisão deu origem a protestos em toda a Ucrânia que culminaram, no início de 2014, na destituição
de Yanukovich, que fugiu para a Rússia. Na Crimeia, de maioria russa, o parlamento local foi
dominado por um comando pró-Rússia, que nomeou Sergei Axionov como premiê. De acordo com o
G15, esse novo governo, considerado ilegal pela Ucrânia, aprovou sua adesão à Federação Russa e a
realização de um referendo sobre o status da região no dia 16 de março. Posteriormente, o
Parlamento se declarou independente da Ucrânia - sendo apoiado por russos e criticado por
ucranianos. A escalada militar fez com que diversos oficiais do exército ucraniano se juntassem ao
governo local pró-russo. Outros abandonaram seus postos. No dia 4 de março, o novo governo da
Crimeia anunciou que assumiu o controle da península, e deu um ultimato para que os últimos oficiais
leais à Ucrânia se rendessem. Desde então, Rússia e Ucrânia estão em batalha por este território.
Este conflito perpassou o campo de batalhas e chegou ao campo do soft power midiático através
do Eurovision Song Contest (ESC). Em 2016, a cantora ucraniana Jamala venceu o Eurovision com a
música 1944, que retrata o massacre do povo tártaro pelo Exército Soviético na Crimeia. A canção
venceu o representante russo Sergey Lazarev, que terminou em segundo lugar. O fato acendeu a
guerra entre os dois países dentro do ambiente midiático proporcionado pelo ESC
Com a realização do ESC de 2017 na Ucrânia, o país impediu que a representante russa, Julia
Samoylova, participasse do evento em Kiev alegando “segurança nacional”. O Ministério das Relações
Exteriores da Rússia duas notas sobre o assunto. A primeira foi em 22 de março de 2017, quando o
Ministério soltou a seguinte nota:

As autoridades ucranianas, mais uma vez, provaram sua imagem de um regime infestado com paranoia
russófoba e inseguranças nacionalistas. Kiev deve estar com muito medo de uma jovem frágil se o serviço
de segurança ucraniano proibir a candidata Yulia Samoilova, da Rússia, de entrar na Ucrânia. Esta é uma
demonstração de depravação e fraqueza política e da verdadeira atitude da Ucrânia aos chamados valores
europeus. O mais importante não era organizar um Eurovision - uma competição de canções - decente, mas
sua intenção de transformar qualquer evento envolvendo a Ucrânia em uma aglomeração anti-russa
politizada. Acontece que os interesses dos espectadores comuns, cantores e as obrigações internacionais do
país não significam nada para as autoridades atuais em Kiev. Será interessante ver a resposta da EBU, seus
parceiros na Europa e os curadores estrangeiros da Ucrânia a mais uma artimanha de Kiev. (MINISTÉRIO
DAS RELAÇÕES EXTERIORES DA RÚSSIA, 2017a. Tradução nossa)

No dia seguinte, o representante russo na Organização para Segurança e Cooperação na Europa


(OSCE), Alexander Lukashevich, deu o depoimento a seguir:

A decisão das autoridades de Kiev de negar a entrada da Ucrânia à participante russa do Eurovision Song
Contest Yulia Samoilova é lamentável e até mesmo vergonhosa. Uma boa chance de demonstrar ao mundo
um caso de humanismo e uma atitude despolitizada em relação à cultura foi perdida. No entanto, o
humanismo não atrai as autoridades ucranianas de hoje. O estilo de Kiev é bloquear o fornecimento de
água, gás, eletricidade e bens, e proibir emissoras de TV, transmissões, filmes e livros, bem como
performances de artistas russos. Trata-se também de jogar “separatistas domésticos” em buracos de
serviços de segurança e prisões secretas. (MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES DA RÚSSIA, 2017b.
Tradução nossa

A EBU tentou colocar uma participação russa via satélite, o que não foi aceito pela TV russa e o
país decidiu abandonar o ESC 2017. A Rússia foi um ator racional nesta hora, para angariar apoio
regional. Para o Realismo Ofensivo, a competição dos Estados pelo poder acontece devido à estrutura
do Sistema Internacional. Os atores estatais desejam obter todo o poder possível, maximizando o
poder relativo e tendo a hegemonia como fim último.
Naquele momento, como a Ucrânia possuía mais força que a Rússia, era natural que aquele
Estado utilizasse sua força contra o inimigo. Sem a participação da Rússia, o país prometeu a Julia
Samoylova participação no ESC 2018, realizado em Portugal. Samoylova não se classificou à final,
enquanto a Ucrânia ficou em 17º, com 130 pontos.
Na seleção ucraniana ao Eurovision 2019, a cantora MARUV venceu, mas não pode participar do
Concurso. Durante a final da seletiva, os candidatos foram questionados sobre suas ligações com a
Rússia e suas posições no conflito com a Crimeia. MARUV tinha shows marcados na Rússia e a
mensagem do governo ucraniano era que uma “embaixadora cultural ucraniana” (UA:PBC, 2019) no
Ambiente Global não poderia ter ligações com a Rússia.
Uma reunião no dia 27/02/2019 definiu que Maruv não representaria a Ucrânia e que o país
abandonaria a edição deste ano do ESC (Mickeev, 2019). Ao projetar toda a tensão da guerra e as
inimizades, o Eurovision se transforma em uma plataforma real de conflito, onde o que está em jogo é
a soberania de um país. O comportamento gerado pelo Realismo Ofensivo deixa o mundo em estado
de revisionismo (com o alerta frequente de que um Estado almejará o lugar do outro). Trazer o
conflito Rússia-Ucrânia a um ambiente onde, por excelência, os Estados conseguem enviar suas
mensagens ideológicas, se torna um grande formador de Comunidades Imaginadas no ambiente
interno.
Para uma campanha comunicacional permanente de uma guerra sem previsão de fim, atitudes
assim reforçam sentimentos identitários e nacionalistas de inimizade.

7. Considerações Finais

Uma das especificidades do ESC para outros programas de entretenimento é seu viés político,
seja por meio dos discursos emitidos nas canções ou pela própria produção do programa. O ESC
acontece como uma espécie de Copa do Mundo, onde cidades e países mobilizam-se para participar
do evento. A importância dada em vários países ao ESC mostra que este produto midiático é muito
importante como ator político. Se não fosse ator político relevante, jamais o ESC seria usado como
plataforma para o jogo da guerra.
Conforme afirmamos (RIOS, 2017, p. 185), o Eurovision é um importante soft power nas
Relações Internacionais europeias. O Concurso pode ser usado pelos atores como um disseminador de
suas ideias e cultura, bem como pela própria organização, como nos casos vistos neste trabalho. O
caso Rússia-Ucrânia aqui analisado é semelhante ao Armênia-Azerbaijão 2012, quando os Estados se
envolvem em uma seara que, a princípio, não pertence a eles. A grande diferença é que, em um
ambiente autodestrutivo como o da Europa, como coloca Martins (2002), o reforço da guerra feito por
Rússia e Ucrânia leva ao público em geral todas as tensões do conflito, inclusive com a presença
efetiva do Estado, questionando e reclamando sobre um programa de TV. Isso também pode reforçar o
próprio front de batalha.
A campanha comunicacional se torna efetiva quando representações simbólicas, como a música
1944, de Jamala, aparecem na televisão para todo o Continente. Mesmo o uso político sendo contra as
regras do Concurso, ele se torna arma dentro do ambiente de conflito, mesmo que seja necessário
aplicar a Ética da Responsabilidade contra muitas pessoas envolvidas.
Fica claro que o Eurovision Song Contest vai muito além do som. Sua força enquanto ator
midiático relevante é evidente ao tratar questões que mexem com a Europa e com a sua própria
existência. A pesquisa pretende contribuir para outras investigações sobre o ESC e a relação entre
mídia e política externa, através da propagação de mensagens políticas e ideológicas ao redor do
mundo.

Referências
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ZAHREDDINE, Danny. Realismo Ofensivo. Belo Horizonte: PUC Minas, 2015.

1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Imagem, Opinião Pública e Democracia, I Simpósio Nacional de Comunicação
Política, Eleições e Campanha Permanente, 27 a 28 de março de 2019.

2 Graduado em Comunicação Social/Jornalismo pela UFSJ. Mestre em Relações Internacionais pela PUC Minas. Doutorando em
Comunicação Social pela UFJF. Vencedor do 3º Prêmio José Marques de Melo de Estímulo de Memória à Mídia, email:
ricmrios@gmail.com / Twitter: @RicardoMRios

3 O “ser europeu” aqui refere-se ao indivíduo nascido na Europa.

4 Para os realistas ofensivos, grandes potências são aqueles Estados que possuem meios militares que ofereçam resistência séria
em uma guerra convencional total contra o Estado mais forte do Sistema Internacional.

5 Disponível em: http://g1.globo.com/mundo/noticia/2014/03/entenda-crise-na-crimeia.html


CAPÍTULO 24

ENQUADRAMENTO DA MÍDIA: GREVE GERAL DE 28 DE ABRIL DE 2017 NO


CENÁRIO DA REFORMA TRABALHISTA1

Carla Reis Longhi2


Raquel Moreira Nunes3
Universidade Paulista - UNIP

1. Introdução

No dia 28 de abril de 2017, a partir da mobilização das organizações sindicais, o país vivenciou
uma greve geral que atingiu quase a totalidade do Brasil, alcançando 25 Estados e Distrito Federal e
paralisou os principais serviços, gerando uma tensão no cotidiano da população e consequentemente
uma significativa alteração na rotina de milhões de brasileiros.
As principais categorias que aderiram ao ato foram: transporte coletivo, metroviários,
ferroviários, escolas particulares, escolas públicas municipais e estaduais, saúde pública
(parcialmente), rede bancária, aeroviários, além do comércio. E constavam como principais
organizadores importantes setores do cenário sindical, entre eles, a CUT (Central Única dos
Trabalhadores), Intersindical (Instrumento de Luta e Organização da Classe Trabalhadora),
CSP/Conlutas (Central Sindical e Popular), UGT (União Geral dos Trabalhadores), Força Sindical, CTB
(Central dos Trabalhadores do Brasil), Nova Central, CSB (Central dos Sindicatos Brasileiros),
CGTB(Central Geral dos Trabalhadores do Brasil), MST (Movimento dos Trabalhadores sem Terra),
UNE (União Nacional dos Estudantes), além do apoio através de 4convocação da Igreja Católica.
Essa greve geral teve como motivação o projeto e posterior votação da reforma trabalhista e
previdenciária. A reforma trabalhista em específico foi apresentada pelo então Presidente da
República Michel Temer em 23 de dezembro de 2016. Após análise das Comissões Especiais do
Senado, foi para votação do Senado federal e Câmara dos Deputados, obtendo a aprovação em ambas
as casas, entrando em vigor no dia 11 de novembro de 2017. Importante salientar que a greve geral
ocorreu dois dias após a aprovação da reforma na Câmara dos Deputados. Ocorre que tal reforma
alteraria 106 artigos da Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT, sendo que dessas alterações, de
acordo com um estudo esquematizado do 5Juiz Alessandro da Silva, 64 artigos alterados foram
favoráveis aos trabalhadores, 33 artigos foram considerados neutros e 69 favoráveis aos
empregadores.
Tomando como base a discussão sobre mídia e política, mais especificamente sobre a imprensa
como ator social e político, a pesquisa recorre ao conceito de enquadramento noticioso (Porto, 2004).
Segundo o autor, a partir do enquadramento, a mídia seleciona determinados aspectos dos fatos, dá
ênfase a alguns aspectos e desconsidera outros a partir da visão de mundo e da linha editorial que são
importantes na definição de como a notícia deve ser construída. Com base na análise do
enquadramento, foram selecionadas as matérias do O Estado de São Paulo e a Tribuna Metalúrgica,
sendo dois meios de comunicação com posicionamentos antagônicos, totalizando 20 publicações, de
26 a abril de 2017 a 03 de maio de 2017.

2. Reforma Trabalhista

A Reforma Trabalhista do governo Michel Temer (MDB) gerou uma série de mudanças, anulando
vários direitos que eram garantidos pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), Por isso, gerou
protestos e até a greve geral. Tais mudanças legais impactariam significativamente nas relações de
trabalho e emprego, sendo inclusive apontado por diversos juristas que essas alterações contrariavam
a Constituição Federal, lei máxima do país. Outra característica significativa dos fatos em tela foi a
agenda de tramitação legislativa, já que ocorreu de forma rápida em comparação com a última
alteração legal significativa no mundo jurídico – o novo Código de Processo Civil:

Quadro 1 - Ordem cronológica do projeto de lei n° 38/2017 – alteração da Consolidação das leis
trabalhistas – CLT

Ato: Data:
Apresentado à Câmara dos Deputados pelo Presidente da República Michel Temer 23/12/2016
Aprovado pela Câmara dos Deputados. 296 votos favoráveis. 177 votos contrários 26/04/2017
Aprovado no Senado Federal. 50 votos favoráveis. 26 votos contrários 11/07/2017
Foi sancionada pelo Presidente da República Michel Temer 13/07/2017
A lei passou a vigorar em todo o país 11/11/2017
Total de dias da tramitação no congresso até a vigência da lei 320 dias

Autoria própria.

Quadro 2 - Ordem Cronológica do projeto de lei n° 8.046/2010– alteração do Código de Processo Civil
– Novo CPC:

Ato: Data:

Foi entregue o pré-projeto ao Senado Federal para debates das comissões formadas. 01/06/2010

O texto foi aprovado pela Câmara dos Deputados 26/03/2014

O texto foi aprovado no Senado Federal 17/12/2014

Sancionado pela Presidente Dilma Rousseff 16/03/2015

A lei passou a vigorar em todo o país 18/03/2015

7
Total de dias da tramitação no congresso até a vigência da lei 355 dias

Autoria própria.

As reformas propostas pelo Presidente Michel Temer tiveram como principal motivação,
considerando o seu discurso em época, o planejamento para impulsionar a economia do país. Em
declarações nas redes sociais e publicadas também em página oficial do governo, Temer 8afirma que:

Uma vez em vigor, a nova legislação permitirá garantir os direitos dos trabalhadores previstos na
Constituição Federal e impulsionar a criação de empregos no País. Trata-se de mais um importante avanço
para superar a mais profunda crise econômica de nossa história” (Temer, 2017)

Já para o 9Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 10 ª Região Grijalbo Coutinho:

Inegavelmente, o Direito do Trabalho, consagrador de direitos sociais conquistados pela luta dos
trabalhadores, é evidente intruso na sociedade capitalista, porque comprime a essência do regime do lucro,
limitando sobremaneira parte de sua veia liberal, não sendo outro o motivo de sua constante e furiosa
perseguição, como ocorre atualmente por intermédio das “reformas” trabalhistas promovidas pelo Supremo
Tribunal Federal e pelo governo Temer. Também pode ser temporariamente útil à burguesia, sempre que
for utilizado como contemplação ou freio às transformações revolucionárias de classe, embora maduras as
respectivas condições para tanto (Coutinho, 2017).
Além da flexibilização das leis trabalhistas e consequentemente uma maior estabilidade jurídica
para os empresários, o governo afirmava que a reforma trabalhista criaria novos postos de trabalho,
reduzindo assim a taxa de desemprego no país e movimentaria o mercado de consumo. Todos esses
argumentos impactaram o mercado financeiro, onde especialistas expressavam otimismo e
aguardavam que a reforma fosse aprovada ainda naquele ano e assim empresários poderiam voltar a
investir no país.
O então Ministro da Fazenda Henrique Meirelles 10
afirmou em entrevista coletiva que foi
divulgada em vários veículos de comunicação que “A reforma trabalhista está sendo implantada aos
poucos pela Justiça. Acreditamos que com a reforma trabalhista criaremos 6 milhões de empregos em
dez anos”
Enquanto o Governo e empresários afirmavam ser necessária a aprovação da reforma para a
economia do país, os principais sindicatos das categorias protestavam e tentavam sem sucesso
impedir a aprovação no Congresso, com um discurso apontando os impactos da alteração legal nas
relações de emprego, o que desencadeou a greve geral.
Em dia posterior a greve geral, a mídia publicou os reflexos deste ato, que culminou em grande
parte dos comércios fechados, trabalhadores que não conseguiram chegar aos seus postos de trabalho
em função da paralisação do transporte público, além das escolas fechadas e manifestantes feridos e
detidos. Por informações da Força Sindical, 11a greve geral teve a participação de 40 milhões de
pessoas, o que representa 45% dos trabalhadores de todo o país. Nas pesquisas realizadas até o
presente momento, não há a divulgação pela Polícia Militar do número oficial de participantes. Em
função dos atos realizados, ao final da greve geral, manifestantes foram detidos, como, por exemplo,
integrantes do MST12. Ainda se noticiou pessoas feridas, como foi o 13caso de Mateus Ferreira da Silva
que em função da agressão praticada por policiais, sofreu um traumatismo craniano.

Figura 1 – Manifestando sendo agredido

Fonte: Twitter - Mídia Ninja – 29/04/2017


Importante se faz para a compreensão de tal ato o momento atual do governo. Michel Temer
assumiu a presidência do país em 12 de maio de 2016, após o processo de impeachment que resultou
na retirada da então presidente Dilma Rousseff (Singer 2016). Grande parte da população
apresentava-se descontente com o atual mandato, tendo em vista as pesquisas publicadas:

Figura 2 – Avaliação Datafolha do governo Temer:

Fonte: Datafolha

O principal discurso do então Presidente do Brasil foi a necessidade de reformas, ainda que não
externasse qualquer pretensão em se candidatar para as próximas eleições.
Em comparação ao ato da greve do ano de 2017, para apreendermos a magnitude do ato, além
dos reflexos que poderão ter no futuro, importante se faz a retomada dos fatos da greve geral de 12
de julho de 1917, ou seja, quase 100 anos anteriores a greve de 2017. Conforme Batalha (2000), neste
período da história, o Brasil vivia uma crise econômica em função da escassez de alimentos tendo em
vista o cenário da segunda guerra mundial. O êxodo rural estava fortemente no país e esses
trabalhadores buscavam maiores oportunidades de trabalho nas primeiras grandes fábricas
instaladas. Carente de legislação trabalhista, os operários laboravam 16 horas por dia, tendo grande
concentração de mão de obra composta por mulheres e crianças. Atribui-se a mobilização dos
trabalhadores a Confederação Operária Brasileira, que tinha como competência âmbito federal,
fundada em 1906 pelos sindicatos do Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco e
Bahia, além de entidades de caráter social e os imigrantes italianos e espanhóis que difundiam seus
ideais anarquistas, de acordo com Levenroth (2007). Relatos descrevem a cidade de São Paulo vazia,
com ruas desertas, comércios fechados, indústrias sem produção, bondes paralisados e escolas sem
aula. Ainda, que o movimento teve a participação de 50 mil operários, representando 10% da
população paulistana em época.
As principais 14reivindicações foram: aumento de salários, proibição do trabalho de menores de
14 anos, jornada de 8 horas diárias com acréscimo de 50% nas horas extras, fim do trabalho no
sábado à tarde, garantia de emprego, além do direito de associação sindical. Esta greve resultou em
200 mortos e milhares de feridos, porém também foi um ato de vitória, onde os trabalhadores
conquistaram aumento salarial, redução de jornadas de trabalho, limitação do trabalho das mulheres
e dos menores de idade, além da edição lei estadual nº 1.596 de 29 de novembro de 1919, que proibiu
o trabalho noturno para mulheres e os menores de 15 anos.

Figura 3 – Notícia de 1917 sobre a greve dos trabalhadores:

Fonte: Jornal Gazeta - A Gazeta de 9 de julho de 1917 – acervo nacional

Interessante se faz a comparação entre os dois atos, ainda que quase 100 anos de diferença, que
essas reivindicações possam ser necessárias para mudanças significativas nas relações entre o poder
estatal e proletariado. Em época desta grande manifestação não havia uma legislação consolidada
para a regulamentação das relações trabalhistas. Historicamente ocorreram algumas tentativas para
mudar este cenário, tendo em vista a latente necessidade em função do fim da escravidão em 1888,
além dos reflexos da Revolução Industrial, como o primeiro decreto no ano de 1831 que regulamentou
o trabalho dos menores de idade, ainda que de forma precária. Ainda, em 13 de outubro de 1917 o
Deputado Maurício de Lacerda apresentou um projeto de lei com 107 artigos com o objetivo de
positivar reivindicações trabalhistas e de forma inédita criar leis específicas de âmbito trabalhista,
porém não obteve aprovação. Somente em 1943, sancionada pelo Presidente Getúlio Vargas é que foi
inserido ao corpo de leis do país uma significativa legislação trabalhista, regulamentando as relações
entre empregado e empregador. Notamos, então, que transcorreram 26 anos da grande manifestação
operária ocorrida em 1917 e da publicação de leis regulamentadoras das relações de trabalho, que
apesar de lento o processo para se chegar ao aperfeiçoamento das leis atuais, as reivindicações
trouxeram impactos para mudar o cenário das relações de trabalho.

3. Enquadramento noticioso

O cenário apresentado até aqui destacou principalmente o ponto de vista do poder executivo,
proponente da reforma, através das falas do Presidente da República e do Ministro da Fazenda. A
partir do corpus selecionado buscamos analisar a circulação e reverberação desta discussão, focando
na mídia impressa do recorte proposto. Isto porque entendemos, tal qual Foucault (1996), ao
ponderar sobre o discurso, que “... em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo
controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm por
função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório...” (FOUCAULT, 1996,
p. 8-9), o que nos leva a buscar a compreensão do modo como o tema circulou, vislumbrando suas
seleções e controles.
Porto (2004) indica que a mídia impressa, por muito tempo, buscou justificar seu conteúdo pelos
princípios da objetividade e da imparcialidade e que a problematização destes referenciais levou à
novas chaves analíticas, num contínuo processo de construção, no entendimento de que também as
mídias efetivam discursos que expressam visões de mundo, interpretações do mesmo. Assim, o
conceito de enquadramento, entendido aqui sinteticamente como “selecionar alguns aspectos de uma
realidade percebida e fazê-los mais salientes em um texto comunicativo”, ainda como “marcos
interpretativos mais gerais construídos socialmente que permitem às pessoas fazer sentido dos
eventos e das situações sociais” (Porto, 2004, p. 78) viabiliza um encaminhamento analítico mais
produtivo, concernente também ao conceito de discurso aqui trabalhado, a partir de Foucault. A
Teoria do enquadramento propõe um percurso metodológico pautado por diferentes preocupações,
atentando, num primeiro momento, para o tipo de enquadramento. Segundo o autor, pode-se
estabelecer uma distinção entre matérias com perfil de enquadramento episódico e interpretativo. O
episódico estaria centrado num encadeamento descritivo enquanto os restritos ou plurais tenderiam
para a predominância interpretativa, encaminhando um ou vários enquadramentos interpretativos.

4. Análise de Enquadramento da Greve Geral

Nesta pesquisa, foram selecionadas as matérias do O Estado de São Paulo e a Tribuna


Metalúrgica, sendo dois meios de comunicação com posicionamentos antagônicos, totalizando 20
publicações, de 26 a abril de 2017 à 03 de maio de 2017:

Quadro 3 – Número de publicações do recorte midiático.

Tribuna Metalúrgica: O Estado de São Paulo:


03 publicações 17 publicações

Autoria própria

Justifica-se a escolha destes veículos de comunicação pela natureza antagônica que se


apresentam, além da diversidade de interlocutores que alcançam tais mídias.
Para a seleção do corpus, a pesquisa foi realizada a partir de publicações impressas. Para O
Estado de São Paulo foi utilizada a pesquisa homogênea através do termo “greve geral”, enquanto a
pesquisa no Tribuna Metalúrgica foi realizada com a leitura integral de todas as edições selecionadas,
sendo que na integralidade o assunto foi tratado com destaque.
Importante destacar que a Tribuna Metalúrgica não tem separação por seções, como apresenta
O Estado de São Paulo. Ainda assim, mesmo não sendo possível tal separação, identifica-se um total
de 19 manchetes nas 3 publicações selecionadas a partir do recorte proposto.
A partir de uma análise prévia do conteúdo das publicações do dia posterior ao ato, temos que
enquanto a Tribuna Metalúrgica divulga quase que em sua totalidade a necessidade de mobilização
da classe trabalhadora em virtude do desmonte da legislação trabalhista, O Estado de São Paulo
retrata as consequências negativas da greve, principalmente nas publicações do dia posterior ao ato,
sendo a próxima publicação:
Quadro 4 – Manchetes do O Estado de São Paulo publicadas em 29/04/2017.

Manchetes:
Greve afeta transporte e comércio e termina com atos de vandalismo (capa)
Temer critica “atos isolados de violência” em greve (economia)
Protestos terminam com atos de vandalismos (economia)
Manifestação teve ruas vazias e confronto (caderno - economia)
Transportes parados esvaziam a cidade (caderno - economia)
Manifestação contra reformas afeta grandes cidades e termina em violência (caderno - economia e negócios)
Silêncio nas ruas teve duplo sentido (caderno - economia)

Autoria própria.

Quadro 5 – Manchetes da Tribuna Metalúrgica publicadas em 03/05/2017.

Manchetes:
O Brasil parou!
Greve geral tem a adesão de 60 mil metalúrgicos do ABC
Ato de 1° de maio integra jornada de resistência da classe trabalhadora

Autoria própria.

Sob o aspecto jornalístico, ainda que o profissional observe as regras e produza a mensagem de
forma objetiva, apresentará um enquadramento sob sua perspectiva ou do veículo de comunicação.
Importante se faz a percepção analítica da regularidade discursiva de ambas as mídias: enquanto
o jornal sindical replica o discurso da importância das mobilizações, O Estado de São Paulo, em quase
sua totalidade, afirma os pontos negativos do ato, como a violência e a falta de razão para a
mobilização social.
Considera-se, também, para a compreensão do discurso e a partir de métodos interpretativos das
matérias selecionadas, a identificação de circulação de tais mídias. O Estado de São Paulo segue uma
lógica de mercado e o neoliberalismo econômico, a Tribuna Metalúrgica circula dentro das grandes
fábricas metalúrgicas e de outras categorias, tendo como objetivação expressa a proteção das
relações de trabalho.
A partir dessas análises, relacionando diretamente com os eixos interpretativos propostos,
observa-se que a circulação destes discursos estão voltados à busca pelo poder, através do
posicionamento de fala, sendo que o jornal a Tribuna Metalúrgica, ainda que apresentando um
discurso de proteção e o levante popular para tais manifestações, não trata sobre o fim do imposto
sindical obrigatório, o que é de repercussão geral ser de grande relevância para o funcionamento
desses sindicatos, e que poderia ser tratado em relevo por esta mídia, o que nos leva a ter uma
percepção que, de forma proposital, tal mídia não se mostrou com interesses “próprios”. Em
contrapartida temos O Estado de São Paulo em que, a partir do enquadramento, demonstra de forma
inequívoca seu discurso de mercado e posicionamentos econômicos, exteriorizando o framing da
lógica de mercado, desqualificando a greve geral de 2017. Conforme conceitua Bruni (2006):

A verdade, para Foucault, não é a expressão discursiva da natureza das coisas, mas o conjunto de
procedimentos regrados para a produção, a distribuição e a circulação de enunciados aos quais se atribuem
efeitos específicos de poder: o poder de serem aceitos como verdadeiros. (BRUNI, 2006, p. 42).

5. Eixos Interpretativos

Importante se faz a análise do corpus a partir dos eixos interpretativos propostos, sendo:

5.1. O impacto da Greve Geral na tramitação da Reforma Trabalhista no Congresso

A Tribuna Metalúrgica, que conta com uma publicação do dia 03.05.2017, com 3 manchetes após
a greve geral, afirma que a mobilização parou o Brasil e que não podem permitir que um governo
ilegítimo tire os direitos conquistados. Depreende-se então que o enfoque é que a luta não poderá
parar. Ressalta a importância de mobilizações para que não ocorra o desmonte da legislação
trabalhista.
Já O Estado de São Paulo, na publicação do dia 29.04.2017 enfatiza em quase sua totalidade de
matérias, sendo todas no caderno de economia, que a greve geral não teve impacto na tramitação da
reforma, já que sua adesão foi muito pequena, além de ministros minimizarem o ato afirmando que
isso anima para prosseguir com as reformas. Ainda, economistas afirmam que a greve não teve
grande impacto e a bolsa fechou em alta.
Em análise comparativa das duas mídias, é notório o engajamento da primeira em manter a
classe trabalhadora em “luta” contra as reformas e o sucesso da greve geral realizada, tendo em vista
a grande adesão da população, além de críticas do governo atual, construindo um discurso sobre a
retirada dos direitos trabalhistas já conquistados. Já a segunda mídia trabalha um enfoque sobre o
insignificante impacto do ato na tramitação da reforma, sendo manifestado pelos integrantes do
legislativo e executivo, reafirmado pelo mercado financeiro.

5.2. A Mobilização Popular

A partir deste eixo, é possível considerar todo o recorte pesquisado. A Tribuna Metalúrgica, em
período pré greve trabalha o discurso para chamar a classe trabalhadora a aderir ao ato, também
noticiando as classes que já se comprometeram a aderir. Em pós ato afirma que teve a participação de
60 mil operários e mobilizou as principais categorias, o que culminou na paralisação de todo o país. Já
O Estado de São Paulo noticia previamente ao ato algumas categorias que se mobilizaram, e posterior
à greve que as ruas estavam vazias, o que retrata a pouca aderência ao ato, já que a população não
saiu às ruas para participar do protesto contra as reformas.
A partir dos discursos produzidos, temos enquadramentos distintos. Enquanto a primeira notícia
a grandiosidade do ato, o segundo nega a importância da greve realizada, não atingindo a grande
parte da população, inclusive não divulgando o número de participantes possíveis.

5.3. A Criminalização do Ato

Esta temática só é possível a análise após a greve geral. A Tribuna Metalúrgica não divulgou
qualquer ato de desordem, seja a partir de atos repressivos do estado, seja por cometimento de
desordem pelos integrantes da greve. Enquanto O Estado de São Paulo, em todas as suas publicações,
impõe como enquadramento que a greve ocorrida foi um ato de vandalismo com depredações, prisões
e até mesmo comparando a guerrilhas urbanas. Notória é a tentativa de criminalizar tal ato, que
contraria a Tribuna, onde não noticia se quer a repressão do estado, como manifestantes que foram
agredidos por policiais e outros presos em função de acusação de vandalismo.

6. Considerações Finais

A partir da problemática apresentada para o desenvolvimento desta pesquisa, tem-se a


interpretação dos levantamentos realizados que ao longo da história o homem buscou se legitimar a
partir das relações de trabalho, pleiteando através de manifestações o seu lugar de importância nas
decisões políticas, externando sua voz em busca de “poder”. A mídia, no entanto, apresenta o enfoque
que seleciona, na tentativa de ordenar o que será divulgado e discutido pela população, o que não se
confunde com fatos falaciosos, mas sim uma seleção de informações que determinará o que será o
destaque.
Diante da análise do enquadramento na mídia proposta, sob os aspectos dos eixos interpretativos
e da ótica de mídias antagônicas, se faz claro tal seleção, em que se deixa de lado muitos fatos e
evidencia outros. Percebe-se também a reiterada linha de enfoque ao comparar a natureza de tal
veículo de comunicação. O Jornal O Estado de São Paulo tem uma significativa circulação de sua
mídia, contando com edições diárias, além de jornalistas específicos e de notável reconhecimento
jornalístico, não se restringindo em determinado grupo da sociedade, mas com o foco mercadológico e
econômico. Enquanto que o jornal Tribuna Metalúrgica é publicado quatro vezes por semana, não tem
matérias assinadas e conta com uma equipe editorial pequena em comparação à primeira mídia, além
de circular dentre os trabalhadores fabris, tendo como temas centrais as reivindicações sindicais.
Importante se faz a percepção de fatos interessantes deste período pesquisado: O Estado de São
Paulo utilizou em algumas publicações falas da população externando a sua contrariedade ao ato da
greve. Em contrapartida não há qualquer menção de populares emitindo uma opinião favorável. Que
além do enfoque sobre o “vandalismo e violência” apresentado na análise acima, apresenta também
análises de economistas e fala de representantes do poder executivo sobre a importância da reforma
trabalhista para que o país deixe a zona de crise econômica. Outro ponto importante de se explanar é
sobre a ausência de discussão do fim do imposto sindical pela Tribuna Metalúrgica, fato este que
impactou significativamente em todos os sindicatos, e considerando a sua natureza, foi tema de
grande preocupação para tal classe. Estes fatos poderão nos trazer outras problemáticas, ampliando
os eixos propostos neste artigo e uma futura explanação com os temas propostos.

Referências
BATALHA, C. O Movimento Operário na Primeira República. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 2000.
BRUNI, J. C. Foucault: o silêncio dos sujeitos. In: Scavone, Lucila; Alvarez, Marcos César; Miskolci, Richard.
(Org.). O legado de Foucault. São Paulo: Editora da UNESP, 2006. p. 33-43.
–––––. Edgard Leuenroth, anarquismo e as esquerdas no Brasil. In: FERREIRA, Jorge & REIS FILHO, Daniel
Aarão (orgs.). A formação das tradições 1889-1945. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007 (Coleção
As esquerdas no Brasil, vol. 1).
FOUCAULT, M. A ordem do discurso. Tradução de Laura Fraga de Almeida. 24. ed.São Paulo: Edições
Loyola, 1996.
PORTO, Mário. Enquadramentos da mídia e política. In: RUBIM, A. C. (ed.). Comunicação e política:
conceitos e abordagens. Salvador; São Paulo: Edufba e Ed. Unesp, 2004.
https://www12.senado.leg.br/noticias/especiais/arquivo-s/ha-100-anos-greve-geral-parou-sao-paulo - acesso
em 21 de abril de 2019.

1 Trabalho apresentado no GT 4 – Imagem, Opinião Pública e Democracia, I Simpósio Nacional de Comunicação Política,
Eleições e Campanha Permanente, 27 a 28 de março de 2019.
2 Pós-doutora em Comunicação pela Universidade Complutense de Madri, professora titular no Programa de Pós-graduação em
Comunicação da Universidade Paulista e Coordenadora do Programa Pós-Graduação em História da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC/SP). carlalonghi@uol.com.br
3 Mestranda em comunicação no Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Paulista. Professora Assistente
da graduação da Universidade Paulista. sp.raquel@gmail.com
4 http://www.cnbb.org.br/vaticano-fara-ecoar-ao-mundo-a-voz-da-55a-assembleia-geral/ - acesso em 18/04/2019
5 Juiz do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (SC), mestre e doutorando em Direito do Trabalho na Faculdade de
Direito do Largo São Francisco (USP) e membro do Grupo de Pesquisa Trabalho e Capital, vinculado ao Departamento de Direito
do Trabalho e da Seguridade Social da FADUSP.
6 Entrevista concedida à revista eletrônica Marum: http://maruim.org/2017/11/10/de-106-artigos-alterados-69-favorecem-empregadores-afirma-
juiz-do-trabalho-de-florianopolis-sobre-reforma/ - acesso em 23/04/2019.
7 Para o tempo total da tramitação do projeto não considera-se nesta pesquisa o tempo de análise do pré-projeto, porém é citado
para a percepção do tempo discussão no Senado Federal, no total de 3 anos, 9 meses e 26 dias.
8 http://www2.planalto.gov.br/mandatomicheltemer/acompanhe-planalto/noticias/2017/04/temer-aprovacao-da-modernizacao-trabalhista-e-novo-ciclo-politico
- acesso em 20/03/2019
9 http://frentebrasilpopular.org.br/artigos/reforma-trabalhista-em-tempos-de-golpes-e-golpismos-contra-a-classe-trabalhadora-3041/ - acesso em
15/04/2019.
10 https://exame.abril.com.br/economia/meirelles-projeta-6-milhoes-de-empregos-com-reforma-trabalhista/ - acesso em 20/04/2019
11 http://www.fsindical.org.br/forca/40-milhoes-de-pessoas-cruzam-os-bracos-em-todo-pais - acesso em 20/04/2019
12 http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2017-05/militantes-do-mtst-detidos-em-sao-paulo-durante-greve-geral-sao-liberados - acesso em
20/04/2019
13 https://veja.abril.com.br/brasil/estudante-agredido-por-pm-em-manifestacao-tem-alta-apos-14-dias/ - acesso em 20/04/2019
14 https://congressoemfoco.uol.com.br/especial/noticias/greve-geral-no-brasil-paralisacao-de-1917-deixou-legado-mas-pais-evoluiu-pouco-dizem-
historiadores/ - acesso em 19/04/2019.
CAPÍTULO 25

Meninos vestem azul e meninas vestem rosa:


Uma análise do impacto do conservadorismo nas políticas públicas1

Alessandra Medeiros2
Valmir Mendes dos Santos Júnior3
Centro Universitário Assunção (UNIFAI)

1. Introdução

Este artigo tem como objetivo apresentar uma análise crítica das colocações veiculadas pela
mídia da atual Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e os impactos de sua gestão no
retrocesso das políticas públicas para estes segmentos.
Dessa maneira, o problema de pesquisa visará responder quais os impactos do conservadorismo
da atual gestão nas políticas públicas para mulheres e para famílias, como também na conquista dos
direitos humanos.
São hipóteses: a condução da atual gestão contribuirá para o retrocesso das políticas públicas,
principalmente por disseminarem um teor conservador e ainda não encararem os atendimentos a
mulheres e famílias como uma função do Estado. Também poderá influenciar na concepção de direitos
humanos da população, que, em sua maioria, ainda possui o senso comum de que direitos humanos
são direitos “de bandidos”.
Este mesmo estudo também recuperará o histórico das políticas públicas para as famílias, e
como esta vem sendo abordada neste governo de maneira conservadora, sob a égide do moralismo.
Inicialmente apresentamos nosso principal referencial teórico, com vistas a compreendermos o
conservadorismo presente na sociedade brasileira.

2. A volta do conservadorismo

Percebemos que, nos últimos anos, no Brasil e no mundo, está havendo um retorno do
conservadorismo, uma volta ao passado, impactando em direitos adquiridos por muitas minorias que
lutaram por décadas para conquistá-los e achavam que não mais os perderiam. Estamos vendo que é
possível este retrocesso, acompanhando discursos que nos amedrontam e colocam em dúvida direitos
já conquistados e que agora estão sendo ameaçados.
Na Europa, vemos em vários países o retorno deste conservadorismo que se manifesta através
das eleições. Na Holanda quase um político de extrema direita foi eleito, Geert Wilders. No mesmo
país, nas eleições ocorridas em 2017, o partido conservador do primeiro ministro Mark Rutte,
conseguiu 33 assentos no parlamento. Na França, o mesmo fenômeno se apresentou nas últimas
eleições realizadas para a presidência, o partido de extrema direita de Marine Le Pen esteve próximo
da vitória. Na Itália, a Liga, partido de extrema direita que tem como um de seus principais
representantes Matteo Salvini, vem ganhando cada vez mais espaço na política italiana.

Por toda a parte, crescem propostas nacionalistas de direita, mobilizando forças que se sentem
descartadas, manipuladas e escanteadas pelos processos da revolução informática e da globalização que,
de fato, estão subvertendo profundamente, em escala mundial, as condições de vida e de trabalho (REIS,
2O19, p.284).

Na América, os Estados Unidos experimentam o governo republicano de Donald Trump, que foi
eleito fazendo discursos inflamados contra determinadas minorias, principalmente os imigrantes. No
Brasil, as últimas eleições presidenciais, brindou os brasileiros com a vitória de um político pouco
atuante durante grande parte da sua vida política, mas mesmo assim foi considerado o salvador, Jair
Bolsonaro. Político de fala solta e inconsciente, contou com as redes sociais para ser eleito presidente
do Brasil. Nas redes sociais e em seus comícios, agrediu verbalmente mulheres, negros,
homossexuais, se colocou contra várias políticas sociais, exaltou militares que durante a ditadura
militar foram acusados de serem torturadores, ou seja, trouxe de volta para o povo brasileiro um
discurso que já havíamos esquecido e que escutamos pela última vez na década de setenta.

Quando nossos grupos de referência passam a funcionar ao modo das massas digitais e quando a
idealização do líder torna cada um de nós um herói em potencial, os afetos assumem uma dinâmica
segregativa. A ação conjunta desses movimentos redundou na explicitação de um programa político,
eleitoralmente vencedor, baseado no ódio antipetista, que acena para um modelo de democracia exclusiva
ou excludente e requer a conseqüente redução do sujeito democrático (DUNKER, 2O19, p.118).

O panorama que se apresenta nesta segunda década do século XXI, é algo que nenhum
historiador ou cientista político poderia prever. Estamos revivendo momentos conservadores,
experimentando momentos difíceis de perda de conquistas e de estagnação social. O Estado de Bem-
Estar Social foi eleito o inimigo número um do Estado, o culpado pelos altos índices inflacionários,
pelo déficit econômico governamental, pelos problemas econômicos gerais que a maior parte dos
países em desenvolvimento vivem.
Já que estamos afirmando que o conservadorismo voltou, o que é o conservadorismo? Como
podemos entendê-lo?
Existem discussões sobre quando apareceu o termo conservadorismo. Alguns estudiosos
acreditam que tenha surgido nos Estados Unidos por volta de 1800 e que definia uma estimativa baixa
ou moderada das circunstâncias do momento. Por volta de 1820 na França, o termo foi utilizado por
um jornal, Le Conservateur, jornal que propagava ideias de restauração política e clerical. Tudo leva a
crer que o termo se popularizou a partir da década de 1840.
Segundo Andrew Vincent (VINCENT, 1995, p.65), “o termo conservadorismo é visto como sendo
empregado de duas maneiras: uma comum e outra mais técnica. O termo mais costumeiro, trás a
ideia de manter algo intacto, porém, esse sentido mais costumeiro não ajuda a definirmos o termo
conservadorismo de maneira mais técnica”.
Andrew Vincent (1995) aponta cinco interpretações do termo conservadorismo, cada qual com
diferentes implicações. A ideologia aristocrática, surgida no período posterior a Revolução Francesa,
trazia a ideia de que os conservadores queriam manter seu status anterior ao da Revolução, esta
ideologia tinha a adesão da aristocracia que havia perdido seus privilégios, uma reação negativa,
porém, esta definição coloca o conservadorismo como algo transitório. Conservadorismo pragmático,
uma doutrina em que simplesmente absorve o ethos político, econômico e cultural dominante, assim,
se algo funciona é aceito, é absorvido pelo programa conservador.
Este mesmo autor ainda aponta a visão situacional ou posicional, em que os conservadores
defendem a ordem existente, sendo contra o caos da mudança e da reforma. Nesta perspectiva, não
existe princípios definidos de ideologia conservadora.
Vincent (1995) também menciona o conservadorismo como disposição de hábito ou mente,
afirmando que o conservadorismo é algo que faz parte da própria essência humana, ou seja, algo
natural, somado a uma disposição contra a mudança, talvez pelo medo do desconhecido. Defende a
experiência e não a teoria.
Ele também menciona a interpretação ideológica, que não está ligada a nenhum contexto
histórico, nem mesmo a questão situacional, é segundo Edmund Burke (1729-1797) um corpo de
ideias com conteúdo prescritivo, assim, os conservadores segundo esta perspectiva, tentam se opor a
ideias que foram geradas e usadas em situações revolucionárias.
Como podemos observar de maneira muito sintética, existe uma discussão muito intensa sobre o
termo conservadorismo. Segundo Andrew Vincent

existe uma classificação conceitual. A primeira delas afirma que há uma única doutrina genuína do
conservadorismo. Não existem conservadorismos, mesmo que haja bases filosóficas diferentes. Portanto, é
inútil tentar classificar os tipos de conservadorismo (VINCENT, 1995, p. 68).

Para podermos compreender melhor a volta de um conservadorismo no Brasil, ou até mesmo o


despertar de um conservadorismo que estava adormecido, podemos nos reportar aos Estados Unidos
da década de oitenta, momento em que Ronald Reagan foi eleito presidente dos Estados Unidos. As
transformações ocorridas nas décadas de 1960 e 7O, foram fundamentais para que Ronald Reagan
fosse eleito presidente dos Estados Unidos, transformações estas que podem ser comparadas as
transformações que o Brasil sofreu em décadas anteriores a vitória de Jair Bolsonaro. O Brasil saiu do
mapa da fome, muitos brasileiros passaram a ter acesso à educação superior, a cultura africana teve a
oportunidade de ser melhor compreendida pelos brasileiros, as mulheres conquistaram uma maior
proximidade em termos de igualdade, aspectos muito parecidos aos que levou o conservador Ronald
Reagan ser eleito presidente dos Estados Unidos.
Quando Ronald Reagan foi eleito presidente dos Estados Unidos, o país passava por um momento
impar da sua história, tanto socialmente, como culturalmente e economicamente. Os estadunidenses
estavam com sua autoestima baixa, haviam perdido a Guerra do Vietnã, uma guerra que se
desenvolveu de maneira dolorosa em florestas tropicais e que mostrou para o mundo e para os
estadunidenses que a nação mais poderosa militarmente do mundo não era imbatível. Esta guerra foi
acompanhada pela população, já que foi transmitida pela televisão. Os estadunidenses assistiam seus
filhos serem mortos, sua juventude ser exterminada por questões políticas que muitos não
compreendiam. A derrota, a retirada às pressas das tropas estadunidenses de solo vietnamita foram
situações doloridas e traumatizantes para o povo americano, haviam perdido seu status de imbatíveis,
de poderosos.
Durante a guerra do Vietnã, houve um turbilhão de transformações nos Estados Unidos, a guerra
colaborou para uma transformação social e até mesmo cultural dos americanos, muitos jovens não
queriam ir para a guerra, não aceitavam sua desumanidade, a geração beat despontou influenciando
um grande número de pessoas nos Estados Unidos e pelo mundo afora.
Dentro de todo este contexto, soma-se a chegada da pílula anticoncepcional ao mercado, as
mulheres estavam libertas das amarras sexuais. Surgiu o movimento hippie, “faça amor, não faça a
guerra”, o movimento flowerpower. O consumo de drogas se disseminou de forma rápida, os motivos
desta ampliação do consumo de drogas é diverso, entre elas: algumas pessoas buscavam uma vida
com maior liberdade, sem guerras, sem as obrigatoriedades impostas pela sociedade, outras queriam
uma amplitude dos sentidos e acreditavam que as drogas poderia proporcionar isto, algumas viam nas
drogas a fuga de uma realidade difícil, excludente e opressora. A música uniu legiões de jovens com o
pensamento voltado para a conquista de liberdade. O alto consumo de drogas, a liberdade sexual,
sendo literalmente mostrada pelos jovens estadunidenses, somando-se de certa forma a desilusão dos
jovens com o estilo de vida imposto socialmente até então, chocou a todos, muitos viam toda esta
mudança social como uma perversão da vida.
Na década de oitenta os Estados Unidos apresentavam graves problemas econômicos, o Welfare
State foi considerado o grande vilão, pois supostamente gerou inflação e déficit econômico ao Estado
americano. Para combater os problemas econômicos, Ronald Reagan instituiu e propagandeou o
neoliberalismo, ideologia que passou também a ser empregada por Margareth Thatcher, primeira
ministra do Reino Unido. Esta ideologia serviu para que os Estados Unidos forçassem a abertura dos
mercados de outros países a sua economia e desta forma conseguir sua recuperação econômica
(COMBLIM, 2000, p.18).
Outra questão que se fazia presente nos Estados Unidos da década de oitenta foi a conquista dos
direitos civis dos negros americanos. Esta luta foi e está sendo longa, porém, naquela época os negros
haviam conquistado um status significativo se comparado com outros momentos da história dos
Estados Unidos, permeada pelo segregacionismo.
Todos os aspectos que cercavam os Estados Unidos da década de oitenta: problemas econômicos,
a derrota recente na guerra do Vietnã, movimento hippie, juventude beat, maior liberdade para as
mulheres, conquista de direitos pelos negros, aumento significativo do consumo de drogas. Tais
fatores somaram-se à baixa autoestima dos estadunidenses naquele momento, levando a vitória do
republicano e conservador Ronald Reagan nas eleições presidenciais. A população esperava com a
figura de Reagan, a volta de uma sociedade mais conservadora, o fim de uma sociedade doente,
marcada pela desestruturação e conquistas de direitos das minorias, o fim da liberdade sexual, do
consumo de drogas e dos problemas econômicos.
3. O conservadorismo no Brasil

Podemos comparar o Brasil atual ao momento que os Estados Unidos viveram na década de
1980. A distância entre os acontecimentos é grande, lá se vão três décadas, porém os dois momentos
se coadunam.
Vivemos uma volta do conservadorismo no Brasil, de uma sociedade mais rígida, da perda de
conquistas sociais, das críticas contumazes a políticas públicas que verdadeiramente chegaram a
melhorar nosso país, porém, as críticas não estão somente nas palavras, estamos assistindo a um
retrocesso.
Assim como os Estados Unidos da década de 1980, vivemos um momento ímpar da nossa
história, assistimos vários acontecimentos que desembocaram no retorno do conservadorismo ao
Brasil, conservadorismo este que na realidade esteve adormecido, nas profundezas, mas foi trazido à
tona após vários acontecimentos recentes no Brasil. Vivemos 21 anos de ditadura militar no Brasil,
ganhamos maioridade neste aspecto, nascemos, crescemos, nos tornamos adultos com uma ditadura
militar. Ficar adulto não quer dizer que somos mais inteligentes, somente mais experientes. Durante o
governo militar, o conservadorismo estava sempre presente, não tínhamos a liberdade de expressão
que queríamos, em muitos momentos não podíamos nos manifestar em prol da conquista de
determinados direitos, éramos sufocados, calados e obrigados a aceitar as imposições
governamentais. As minorias tentavam lutar pelos seus direitos, porém as ações eram quase em vão.
Mulheres, negros, homossexuais, tinham que aceitar as determinações governamentais e se calar. A
censura se fazia presente, na televisão, nos jornais, rádios, revistas, ou seja, todos os meios de
comunicação, o cidadão comum, aquele que não era politizado não percebia o que estava
acontecendo, se limitava a trabalhar e sobreviver, mas o conservadorismo estava presente em sua
mente, estava arraigado em seus pensamentos, plantado pela sociedade construída e existente
naquele momento.
Comemoramos o fim da ditadura militar, da volta da democracia, a liberdade de expressão
voltou, os movimentos minoritários regressaram a luta de uma maneira mais ativa, os negros
conquistaram mais direitos, as mulheres uma posição mais igualitária, os homossexuais puderam
viver as suas vidas com menor repressão, mas apesar das conquistas, ainda estamos longe de uma
igualdade e a pouca liberdade e direitos conquistados, feriu e incomodou muitas pessoas. Aquele
conservadorismo existente durante a ditadura militar não foi esquecido mesmo passado tanto tempo,
ele ficou adormecido e acordou trazendo tudo que é de pior dentro de uma sociedade, a volta da
discriminação, do preconceito, da violência contra o ser humano. As vitórias tão arduamente
conquistadas estão ameaçadas.
A vitória de Luís Inácio da Silva, o Lula, nas eleições presidenciais de 2002, foi muito festejada
pela população brasileira, principalmente os mais pobres. Esta vitória representou a vitória do povo, a
oportunidade de o povo conquistar direitos, a ideia de que finalmente o povo teria um representante
no poder. As denúncias de corrupção existentes nos governos do Partido dos Trabalhadores, como o
mensalão e posteriormente a Lava Jato, jogaram por terra a esperança e a confiança do povo
brasileiro naquele que foi o grande representante do povo no poder. Desapontados, os brasileiros
reviveram o conservadorismo e depositaram na eleição de um presidente ligado aos militares a
esperança do combate a corrupção e melhoria da condição de vida dos brasileiros, literalmente o
Messias, o salvador do Brasil.

No contexto da inapetência de petistas e tucanos, acompanhados pelo conjunto do sistema político, no


caldeirão de contradições em que se tornou o país, ganharam força apelos salvacionistas e autoritários,
nostálgicos de regimes ditatoriais. Formou-se em torno deles uma nebulosa conservadora radical, mais
amarga e desesperançada do que propriamente “fascista” (REIS, 2O19, p.283).

Com o novo presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, iniciamos um momento totalmente atípico de
nossa história. Temos um país dividido, polarizado e se confrontando principalmente nas redes
sociais, campo de batalha preferencial desta nova era para o Brasil. O presidente se dirige a nação
através das redes sociais e ao mesmo tempo divide a nação com declarações contundentes. Na mesma
esteira caminha seus ministros, estes quando não dedilham seus posicionamentos pessoalmente,
ficam populares com suas declarações polêmicas e cheias de preconceito, discriminações e
ignorância.

A comunidade moral bolsonarista se estrutura na crença compartilhada em códigos binários, que divide o
mundo em bem e mal, sagrado e profano, gente de família e indecentes, cidadãos de bem e bandidos, éticos
e corruptos, nacionalistas e globalistas. Essas clivagens simbólicas simplificam a realidade, reduzindo sua
complexidade a esteriótipos administráveis, e ativam sentimentos coletivos de alta voltagem – o afeto, o
medo, o ódio. Seu manejo reforça o senso de pertencimento a uma comunidade de semelhantes e
estigmatiza os diferentes. A violência – física, simbólica ou política – protege o grupo, que se sente
ameaçado desde o início dos governos petistas (ALONSO. 2O19, p.52).

Nesta perspectiva, chegamos na Ministra Damares e assim analisaremos suas falas e os possíveis
impactos nas políticas públicas que já estavam consolidadas.

4. Damares Alves assumiu o Ministério

Damares Alves é descrita no site de seu ministério como “uma mulher tipicamente nordestina
[...] e que aprendeu que a vida no Brasil pode ser muito dura para quem não nasceu em berço de
ouro4”.
Na tentativa de estabelecer uma empatia com a população, Damares intitula-se defensora dos
direitos humanos há décadas. Tornou-se a representação mais caricata do conservadorismo do
governo Bolsonaro. Antes mesmo de se tornar ministra, já na política, sempre proferiu suas ideias
sobre a família, sobre a mulher e sobre os direitos humanos.

[...] Emergiu Damares Alves, pastora que prega a milhares de fiéis, ao vivo e na rede, contra a “erotização
infantil”, a “desconstrução da família tradicional”, a “guerra” entre os sexos, o aborto, os movimentos LGBT
e feminista. (ALONSO, 2019, p. 61)

Alonso (2019) acrescente ainda

[...] Sua dicção de púlpito e o estilo mãe de família exprimem, com eloquência e sem elegância, a faceta
patriarcalista da retórica bolsonarista. Família, escola, filantropia, igreja e ativismo político se reforçam
mutualmente, alinhados pelo princípio da sociedade patriarcal: a família como esteio e modelo de toda
organização social. Dela emanariam os comportamentos saudáveis, os valores legítimos e as opções
políticas acertadas. (ALONSO, 2019, p. 62)

Em diferentes circunstâncias e quase diariamente alimentando esta pesquisa, destacamos as


seguintes frases e expressões proferidas por ela:
(1) “menina veste rosa e menino veste azul”;
(2) “a gravidez é um problema que só dura nove meses”;
(3) “ninguém nasce gay”;
(4) “não é a política que vai mudar esta nação, é a igreja”;
(5) “a mulher nasceu para ser mãe, porque a mulher nasceu com útero”;
(6) “feministas não gostam de homens porque são feias”;
(7) “é o momento de a igreja governar”;
(8) “a mulher nasceu para ser mãe”;
(9) “só há um lugar seguro em que o seu filho está protegido nesta nação. É o templo, é a igreja,
é ao lado do seu sacerdote”;
(10) “nenhuma mulher quer abortar”;
(11) “neste governo, menina será princesa e menino será príncipe. Está dado o recado”;
(12) “enquanto nossos meninos acharem que menino é igual a menina, como se pregou no
passado, algumas ideologias, já que a menina é igual, ela aguenta apanhar”.
(13) “mulher tem que estar presente. A minha preocupação é: dá pra gente ter carreira, brilhar,
competir, consertar as bobagens feitas pelos homens. Sem nenhuma guerra, mas a gente
conserta algumas. Dá pra gente ser mãe, mulher e ainda seguir o padrão cristão que foi
instituído para as nossas vidas”;
Recentemente, em declaração durante audiência pública na Comissão de Defesa dos Direitos das
Mulheres na Câmara, a Ministra disse:

Dentro da doutrina cristã, sim. Dentro da doutrina crista, lá dentro da igreja, nós entendemos que um
casamento entre homem e mulher, o homem é o líder do casamento. Então essa é uma percepção lá dentro
da minha igreja, dentro da minha fé.5
Neste mesmo evento, ela posicionou-se sobre o aumento do feminicídio e a flexibilização da
posse de armas: “O que nós podemos fazer é um debate bem técnico. sobre o impacto disso na
violência contra a mulher. Não dá para dizer ainda se impactou. É tudo uma expectativa de que pode
aumentar. Mas o homem mata com dentes, com mão, com pau. A violência contra a mulher se
configura de diversas formas”, disse a ministra.
Problematizamos, então: qual o impacto de termos uma representante de Estado, defendendo
tais posicionamentos nas políticas públicas que atendem os segmentos envolvidos?
Chama-nos atenção que, no Brasil, os evangélicos respondem por 42 milhões dos brasileiros e a
teóloga Valéria Vilhena constatou que 40% das mulheres vítimas de agressões físicas e verbais de
seus companheiros se declaram evangélicas6, a mesma religião da Ministra. Qual o impacto na vida
destas mulheres, ao ouvir de um agente público que deve ser submissa? Paralelamente a este
contexto, o número de feminicídio aumentou em 76% em São Paulo, apenas no primeiro trimestre de
20197.

5. Impactos nas políticas públicas

Considerando que políticas públicas podem ser compreendidas como [...] ação pública no sentido
de promover ou corrigir desigualdades no que se refere ao acesso dos bens públicos (tangíveis e
intangíveis) (MARIANO, 2014, p.75), podemos apontar algumas implicações na configuração das
políticas públicas para os segmentos que estão sob responsabilidade da Ministra.
Para as mulheres identificamos que seu discurso está na contramão do que as políticas públicas
vinham construindo, a exemplo de suas diretrizes colocadas no Plano Nacional para Mulheres (2008):
- Igualdade e respeito à diversidade: mulheres e homens são iguais em seus direitos. Sobre este
princípio se apoiam as políticas de Estado que se propõem a superar as desigualdades de gênero.
- Autonomia das mulheres: deve ser assegurado às mulheres o poder de decisão sobre suas vidas
e corpos, assim como as condições de influenciar os acontecimentos em sua comunidade e país e de
romper o legado histórico, com os ciclos e espaços de dependência, de exploração e subordinação que
constrangem suas vidas no plano pessoal, econômico, político e social.
- Laicidade do Estado: que indica que as políticas públicas de Estado devem ser formuladas e
implementadas de maneira independente de princípios religiosos, de forma a assegurar efetivamente
os direitos consagrados na Constituição Federal e em diversos instrumentos internacionais assinados
e ratificados pelo Estado brasileiro, como medida de proteção aos direitos humanos das mulheres e
meninas. (Plano Nacional de Políticas para Mulheres, 2008, p. 27-28)
Constatamos que as falas apresentadas pela Ministra apresentam uma concepção equivocada
sobre ideologia de gênero e feminismo já que ela tem retomado uma visão tradicional do que se
espera da mulher: a renúncia das conquistas do campo de trabalho e da cidadania social, pois se
presume que o foco central de suas preocupações continua sendo a casa, enquanto o do homem ainda
é o local de trabalho. (PEREIRA-PEREIRA, 2010, p. 39)
Alonso (2019) retoma este posicionamento da Ministra, ao analisar o vídeo apresentado por ela
em comemoração ao dia internacional da mulher de 2018. Quando ela diz que “mulher nasceu para
ser mãe”, julga que a divisão de papéis de gênero deve ser resguardada. Reforça que “hoje a mulher
tem estado muito fora de casa. Costumo brincar como eu gostaria de estar em casa toda a tarde,
numa rede, e meu marido ralando muito, muito, muito para me sustentar e me encher de joias e
presentes. Esse seria o padrão ideal de sociedade”

Sua dicção de púlpito e o estilo mãe de família exprimem, com eloquência e sem elegância, a faceta
patriarcalista da retórica bolsonarista. Família, escola, filantropia, igreja e ativismo político se reforçam
mutuamente, alinhados pelo princípio da sociedade patriarcal: família como esteio e modelo de toda a
organização social. Dela emanariam os comportamentos saudáveis, os valores legítimos e as opções
políticas acertadas”. (ALONSO, 2019, p.62)

Para o segmento família, identificamos um certo avanço, inclusive do ponto de vista legal, já que
o Código Civil passou a entender a família ampliada, já que “família não é mais aquela considerada
legítima”. O novo conceito abrange novos arranjos – inclusive as monoparentais, como Pereira-Pereira
(2010) pontuou, o que não condiz com a concepção desse governo8.
Os direitos humanos também se encontram ameaçados, já que não são previstos para todos e sim
direcionados para os humanos “direitos”, sendo um direcionamento do próprio presidente.

Bolsonaro expressa, desse modo, a direita que empunha as bandeiras conservadoras nos costumes e mais
reativas às mudanças sociais e de comportamento no mundo moderno; a direita que contesta liberdades
civis e direitos individuais; que se anima com ares de inteligência e originalidade toda vez que se repete
clichês como “direitos humanos para humanos direitos” (MELO, 2019, p. 215)

O presidente inclusive citou em Davos “Vamos defender a família e os verdadeiros direitos


humanos”, contrapondo-se a concepção da ONU de direitos humanos que deveria atender a todos já
que “os direitos humanos são direitos inerentes a todos os seres humanos, independentemente de
raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma, religião ou qualquer outra condição9.
A ONU também ponta que os direitos humanos incluem o direito à vida e à liberdade, à liberdade
de opinião e de expressão, o direito ao trabalho e à educação, entre e muitos outros. Todos merecem
estes direitos, sem discriminação. Percebemos nos discursos que os direitos humanos não estão sendo
pensados para todos.

6. Considerações Finais

Podemos perceber uma intensificação do conservadorismo e já estamos sofrendo os impactos nas


políticas públicas para o atendimento às famílias, e em especial para as mulheres. As pontuações da
Ministra Damares podem recolocar a mulher na submissão, com autorização estatal, como também os
novos arranjos familiares voltarão a ter uma conotação de desestruturação familiar, que há anos
tentava-se minimizar. Famílias voltaram a ser avaliadas na lógica burguesa, patriarcal e aquela que
fugir a este padrão, recairá na anormalidade.
Por fim, os direitos humanos que sempre foram relacionados a direitos “de bandidos”, retomam
este status, já que a diretriz do governo vem sendo direitos humanos para as ditas famílias “de bem”.
Como diz Boaventura de Souza Santos (2017), a grande maioria da população mundial não é
sujeito de direitos humanos. É objeto de discursos de direitos humanos. No caso do Brasil, este artigo
teve como objetivo sinalizar nossa preocupação com onde iremos parar, com os discursos aqui
analisados.

Referências
ALONSO, Ângela. A comunidade moral bolsonarista. In: Democracia em risco?: 22 ensaios sobre o Brasil
hoje. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.
BURKE, Edmund. Reflexões Sobre a Revolução Francesa. Brasília: Editora da UnB, 1982.
CARVALHO, Maria do Carmo Brant de. Famílias e políticas públicas. In: VITALE, Maria Amália Faller,
ACOSTA, Ana Rojas (Org.). Família, redes, laços e políticas públicas. 5.ed. São Paulo: Cortez:
Coordenadoria de Estudos e Desenvolvimento de Projetos Especiais – PUC/SP, 2010. 267p.
COMBLIM, José. O neoliberalismo: ideologia dominante na virada o século. São Paulo: Editora Vozes, 2000.
DUNKER, Christian Ingo Lenz. Psicologia das massas digitais e análise do sujeito democrático. In:
Democracia em risco?: 22 ensaios sobre o Brasil hoje. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.
MARIANO, Jefferson. Políticas Públicas e o Pacto Federativo. In: Políticas Públicas: estudos e casos.
Organização: Luci Bonini; Ivone Panhoca; Tamara Iwanow Cianciarullo. São Paulo: Ícone, 2014.
MELO, Carlos. A marcha brasileira para a insensatez. In: Democracia em risco?: 22 ensaios sobre o Brasil
hoje. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.
PEREIRA-PEREIRA, Potyara A. Mudanças estruturais, política social e papel da família: crítica ao pluralismo
de bem-estar. In: Política Social, família e juventude: uma questão de direitos. 6 ed. São Paulo: Cortez
Editora, 2010.
REIS, Daniel Aarão. As armadilhas da memória e a reconstrução democrática. In: Democracia em risco?:
22 ensaios sobre o Brasil hoje. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.
SANTOS, Boaventura de Sousa, CHAUÍ, Marilena. Direitos Humanos, democracia e desenvolvimento.
São Paulo: Cortez Editora, 2017.
VICENT, Andrew. Ideologias políticas modernas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1995.
Sites pesquisados, acesso em 11/03/2019:
<https://veja.abril.com.br/politica/alem-do-azul-e-rosa-outras-opinioes-de-damares-alves/>
<https://pleno.news/brasil/politica-nacional/veja-5-frases-de-damares-alves-sobre-religiao-e-familia.html>
<https://catracalivre.com.br/colunas/dimenstein/damares-alves-feministas-nao-gostam-de-homens-porque-
sao-feias/>
<https://jornalggn.com.br/direitos-humanos/damares-no-dia-das-mulheres-menina-nao-e-igual-a-menino-nao-
aguenta-apanhar/>
<https://www.hypeness.com.br/2018/12/6-frases-da-nossa-ministra-que-poderiam-estar-em-handmaids-tale/>
<https://www.mdh.gov.br/>
Sites pesquisados, acesso em 29/04/2019:
<https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/04/16/damares-diz-que-em-sua-concepcao-crista-mulher-deve-
ser-submissa-ao-homem-no-casamento.ghtml>
<https://ciberia.com.br/agressoes-vitimas-evangelicas-34648>
<https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2019/04/29/casos-de-feminicidio-aumentam-76percent-no-1o-
trimestre-de-2019-em-sp-numero-de-mulheres-vitimas-de-homicidio-cai.ghtml>
<https://nacoesunidas.org/direitoshumanos/>
Documentos:
SECRETARIA ESPECIAL DE POLÍTICAS PARA MULHERES. II Plano Nacional de Políticas para Mulheres.
Presidência da República. 2008.

1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho 4 (Imagem, opinião pública e democracia), I Simpósio Nacional de Comunicação
Política, Eleições e Campanha Permanente, 27 a 28 de março de 2019.

2 Doutorado em Serviço Social, professora e coordenadora de graduação e pós-graduação. E-mail: aless_med@hotmail.com.

3 Mestre em História Social, professor de graduação. E-mail: icvalmimendes@hotmail.com.

4 Disponível em: <https://www.mdh.gov.br/damares-alves>. Acesso em: 21 abr.2019.

5 Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/04/16/damares-diz-que-em-sua-concepcao-crista-mulher-deve-ser-


submissa-ao-homem-no-casamento.ghtml>

6 Disponível em: <https://ciberia.com.br/agressoes-vitimas-evangelicas-34648>

7 Disponível em: <https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2019/04/29/casos-de-feminicidio-aumentam-76percent-no-1o-


trimestre-de-2019-em-sp-numero-de-mulheres-vitimas-de-homicidio-cai.ghtml>

8 Inclusive nosso Vice-presidente apontou que “Casa só com mãe e avó é fábrica de desajustados para tráfico” (Folha de São
Paulo, 17/09/18).

9 Disponível em: <https://nacoesunidas.org/direitoshumanos/>


CAPÍTULO 26

A relação humor e política no Brasil: um breve relato histórico (1808-2016)1

Patrícia Cristina de Lima2


Carla Montuori Fernandes3

1. Introdução

Claudio Paiva sempre frisou: “O humor é inevitavelmente político, pois está sempre na contramão. A piada
é oposição, seja lá ao que for” (SLAVUTZKY, 2014, p. 195). Henfil (apud SOUZA, 2014, p. 97) complementa: “[...]
humor político não pode ser caracterizado e você não pode dizer “quero fazer humor político”... ele é funcional.
Quer dizer, ele funciona...[...]”.
Humor e política sempre apresentaram elevada conexão ao longo dos tempos. Não diferente do impacto
alcançado nas redes sociais da contemporaneidade, esse humor como mecanismo de insatisfação coletiva
ocupava espaços nos mais variados mecanismos comunicacionais e culturais.
A quantidade de estudos que abrangem o humor na internet, especialmente memes é crescente. No
entanto, poucos estudos se dedicam a estudar a concepção do humor político ao longo da história. Este artigo
busca apresentar um panorama histórico acerca da relação humor e política no Brasil, especialmente nas
vertentes culturais e da comunicação. O período abordado inicia-se na chagada da Família Real Portuguesa em
1808 e cerra-se em 2016 com o impeachment da então presidente da república, Dilma Rousseff. Para isso foi
utilizada a metodologia de revisão bibliográfica de Marconi e Lakatos (2002) que apresenta os moldes
metodológicos ideais para elaboração desta pesquisa.

2. Os primeiros registros

No Brasil, o primeiro registro “oficial” do humor acontece com a chegada da Família Real e fundação da
Imprensa Régia, em 1808 (LOPES, A., 2009). No Brasil, o século XIX representou um período áureo para os
jornais no país.
O Rio de Janeiro, capital do Império, contava com o jornal O Mosquito, do caricaturista Rafael Bordallo
Pinheiro e a Revista Ilustrada, do também caricaturista Angelo Agostini (LOPES, A., 2009). O Imperador Dom
Pedro II era o principal alvo, representado por suas pernas finas, voz estridente e viagens extravagantes
(SCHWARCZ apud LOPES, A., 2009, p. 101).
Estes jornais também possuíam colunas que destacam os lançamentos de obras de arte. Silva (1977, p. 150)
aponta que haviam “categorias de pinturas” separadas entre aqueles que eram conhecidos como “grandes
mestres” e os desconhecidos. O reforço desta divisão acontecia tanto nos locais onde as obras eram expostas
quanto na forma de interpretação. O humor destas obras era praticamente inexistente e quando acontecido,
remetido a nomes poderosos de outros países. Isso também acontecia com estamparia e arquitetura. Há uma
supervalorização do que remetia à Europa e um descaso pelo Brasil.
Com a abolição da escravatura, em 13 de maio de 1888, a Princesa Isabel se tornou o foco das sátiras. A
tentativa de construir uma imagem redentora, de boa mãe e preocupada com as minorias – no caso os negros –
graças a sua fé Católica, era desmitificada com fervor em desenhos onde aparecia varrendo igrejas, por
exemplo. Carin e Afonso (2014) apontam que os jornais da época viam com máscaras positivistas a o decreto. No
entanto, uma boa camada deles entedia que tal processo apenas aconteceu devido a pressão de países
estrangeiros. A sátira em si não questionava o processo de liberação do negro, mas a hipocrisia vigente em que
discursava pelo ato, mas mantinha escravos em suas propriedades.
No final da República Velha (1889-1930), em função da produção satírica sobre os ditames políticos, foi
instaurada a lei de censura da imprensa, n. 4.743, a chamada lei “Adolfo Gordo”, que punia os veículos que
ameaçassem a política “Café com Leite4”. No entanto, o humor político das ruas se mantinha através de piadas,
cantos e históricas caricatas de personagens travestidas de itens animalescos. A lei, que perdurou por mais três
décadas, perseguia trabalhadores e proibia a imprensa de manter sigilo das fontes, o que acabava por gerar
certa preocupação em produzir humor nas vias “oficiais de imprensa”.

3. A chegada da modernidade

Durante a Semana de arte moderna, em1922 afloram nomes como o cartunista e ilustrador Ferrignac, o
músico Heitor Villa-Lobos e Oswald de Andrade, escritor, dramaturgo e símbolo do humor brasileiro aplicado na
visão modernista defendida pelo evento (AMARAL, 1998). Em São Paulo, uma série de jornalistas e cronistas
sociais utilizava-se de codinomes para fazer humor na chamada Belle Époque de São Paulo. Saliba (2002)
enumera alguns nomes, pouco conhecidos, como Euclides de Andrade e LemmoLemmi.
Raul de Freitas e Octacílio Gomes publicam Madame Pommery com fortes ligações com o teatro de revista
e com os musicais. Cornélio Pires consegue que a primeira gravação de um disco caipira fosse realizada. A
crítica social da música caipira é tamanha, que algum tempo depois chamaria atenção do mais alto poder
brasileiro.
Em 1930, rompendo com os ditames da política Café com Leite, Getúlio Vargas torna-se Presidente do
Brasil, deixando o poder somente em 1945. Centralizadora, autoritária, nacionalista e anticomunista, a “Era
Vargas” também ficou conhecida pelo populismo e pela implementação do Estado Novo, orquestrado por Getúlio
em 1937, por meio de um golpe de estado.
Assim como outros ditadores, Getúlio cumpria os ritos de culto à personalidade e da construção de um
discurso de esperança (SLAVUTZKY, 2014). Para isso, vigiava veemente os veículos de comunicação por meio do
DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda). Capelato (apud Pandolfi, 1999, p.171) em sua análise sobre o
DIP e suas funções aponta que:

A Constituição brasileira de 1937 legalizou a censura prévia aos meios de comunicação. A imprensa, através de
legislação especial, foi investigada função de caráter público, tornando-se instrumento do Estado e veículo oficial da
ideologia estado-novista.

O rádio se torna a principal fonte de informações para o povo e os jornais são obrigados a aceitar
representantes do governo em suas redações. O humor sobrevive através das duplicidades nas anedotas,
charges e músicas. O rádio, por exemplo, possui programas como Hotel de Pimpinela de Silvino Neto e Nhô Tico
de Vital Fernandes da Silva que satirizavam a política através de uma série de personagens (DAMACENO;
NISHIZAWA, 1999). Já o jornal possuía artistas como K. Lixto, cuja produção acredita-se que tenha passado de
150 mil desenhos e Belmonte e Mendez, que posteriormente farão parte da revista O cruzeiro (SIMÕES, 2010).
As marchinhas de carnaval, como explica Casadei (2008), satirizavam com pseudônimos o status político do
país:

A marchinha vencedora do carnaval de 1937 cantava a seguinte estória (no ritmo da canção “Terezinha de Jesus”): “A
menina presidência/ vai rifar seu coração/ E já tem três pretendentes/ Todos três chapéus nas mãos/ (E quem será?)?”.
Para responder a pergunta, o ritmo da música se intensifica “O homem quem será/ Será seu Manduca ou será seu Vavá?/
Entre esses dois meu coração balança porque/ na hora H quem vai ficar é seu Gegê!”.

No caso, Manduca representava o candidato Armando Salles de Oliveira, Vavá referia-se a Oswaldo Aranha
e Gegê, claramente uma referência a Getúlio Vargas. Numa espécie de “previsão do futuro”, a situação prevista
na música efetivou-se, já que Getúlio concebe o Estado Novo e permanece no poder por mais oito anos.
Durante o Estado Novo, Alvarenga e Rancinho conseguem apoio de Getúlio graças à apreciação da filha do
político (PASQUALIN, 2014), no entanto, não abandonam a crítica por isso. Através de músicas ritmadas pelo
sertanejo raiz, a dupla cantava sátiras como Liga dos bichos que dizia5:

Os bicho tem sociedade/Adonde tem protetor/Na família do seu Galo/Tem muito Pinto doutor/Já vi Leitão professor/Vi
Aranha de talento/Mas o que me deixou besta/Foi ver Cavalo Sargento. Também vi Coeio fardado/Oficiar de longo
curso/E na crasse dos artistas /Tenho visto muito Urso/Pra chegar a capitão/A gente quase se mata/E os bicho sobe na
vida/Tem até major Barata.

O teatro estreia em 1935, a peça Corações Paulistas, de Adolpho Sampaio, onde Getúlio é colocado como
único tomador de decisões, negando a existência de um estado (CASADEI, 2008). Em 1943, a revista O Cruzeiro
se reestrutura e cria O Amigo da Onça, personagem de Péricles Maranhão e Carlos Estêvan. A temática traz
uma crítica clara costumes e aparências da sociedade brasileira (SIMÕES, 2010).
O rádio tem seu apogeu humorístico em 1944, com o programa PRK-30 de Lauro Borges e Cássio Barbosa
na Rádio Mayrink Veiga (posteriormente Rádio Record). Em 1950, a Rádio Nacional lança o programa Balança
mas não cai, de Max Nunes e Haroldo Barbosa, com participações de Chico Anysio e Sérgio Porto, entre outros.
Ambos os programas eram “caricaturados tudo com muito humor: novelas, trocadilhos infinitos com a situação
política do país, paródia de cantores emúsicas, fina ironia com toda espécie de programa” (DAMACENO;
NISHIZAWA, 1999, p. 7).
No fim de 1949, se constituí no Brasil a Companhia Cinematográfica Vera Cruz, encabeçada por Franco
Zampari, cujo ideário era conceber ao cinema brasileiro qualidade e projeções internacionais. Com dificuldades
financeiras, a comédia se tornou o principal produto da Vera Cruz, com temáticas do homem do campo e das
diferenças culturais entre as classes. Destaca-se Mazaroppi e seu personagem Jeca Tatu (ROCHA; FRANÇA,
2009). Após passar quase dez anos apoiado na Chachada (gênero destinado a baixa renda que produzia sátiras
com produções de Hollywood e temáticas destinadas a classes mais baixas), o cinema volta à elite cultural. “A
comédia enquanto gênero definiu-se na época como produções pobres, de caráter popular, incapazes de
promover qualquer tipo de elaboração intelectual evoltadas para o riso fácil em abordagens ingênuas da
sociedade brasileira a partir deparódias do cinema norte-americano.” (ROCHA; FRANÇA, 2009, p. 8-9).
Com a chegada da televisão em 1950, o humor passou a conhecer estâncias novas. O gênero foi
considerado importante para o novo veículo de comunicação, já o primeiro programa, o TV Taba na TV Tupi,
recebeu Mazzaropi (BARBOSA, 2010). Mazzaropi, humorista conhecido por seus programas na Rádio Tupi e por
seus filmes, também comandou ao lado de Aberlardo Barbosa (Chacrinha), Geni Prado e João Restiff o programa
Rancho Alegre, que permaneceria no ar por mais quatro anos6.
Paulo Gracindo surge em 1952, com o quadro Primo Rico, Primo Pobre numa analogia as diferenças sociais
ferrenhas da época. Oswaldo Molis e Adoniram Barbosa apresentam História de Malocas sobre o modo de vida
do paulistano. Trancredo e Trancado, de Brandão Filho e Giussepe Guiaroni,ironizavam a necessidade impetuosa
de se ter que trabalhar.
No mesmo período, a Escola de Frankfurt ganhava um dos textos que mais permearam: A obra de arte na
era da reprodutibilidade técnica, de Walter Benjamin (1955). Benjamin, com uma visão um pouco mais amena do
que seus colegas acerca do processo de massificação, defende que a obra de arte sempre foi reprodutível.
Basicamente, o humor neste período começa sua reprodução massiva através de piadas que passavam dos
veículos para a “vida real”, num processo inverso ao que acontecia em processos históricos anteriores.

4. A televisão, o cinema e a profissionalização do humor

Na década de 60, com a consolidação da televisão no Brasil, dois tipos de programas se tornam chaves: a
telenovela e os programas de auditório. Surgem ícones da relação Tevê-Receptor no papel de comandantes dos
programas, como Hebe Camargo, Chacrinha e Silvio Santos. Havia gincanas, concursos, premiações e
distribuições de brindes. Algo muito próximo ao que ainda é praticado por Silvio Santos no seu programa
dominical, na emissora SBT.
Chico Anysio estreou na TV Rio, o programa Chico Anysio Show, que por meio dos recursos do vídeo tape
conseguia contracenar consigo em diferentes personagens. Havia esquetes e personagens fixos como o “Coronel
Limoeiro” (FILHO, 2003). Para se ter ideia da importância que a chegada da televisão ocasionou no país, das
duas emissoras que realizaram a transmissão oficial em 1950, se expandiram para 21 concessões, dez anos mais
tarde. Sodré (2002) atrela essa importância a chegada dos programas de auditório, que reproduziam a interação
do público no espetáculo. O conteúdo popularesco era colocado a serviço do comercial. As mensagens eram
simplificadas para facilitar a assimilação.
A Ditadura Militar, instituída no Brasil em 1964, ocasionou uma série de opressões políticas e censura à
imprensa. No governo do General Emílio Garrastazu Médici, foi estabelecido o Ato Institucional no. 5, de 13 de
dezembro de 1968, tornando a censura mais rigorosa, com a imposição de filtro prévio do que seria publicado e
exibido. Durante o período de censura, a ironia tornou-se a ferramenta primordial nos editorais. Jornais como O
Estado de S. Paulo e revistas como a Veja, substituíam os trechos censurados por receitas culinárias, espaços em
branco e figuras de demônios (ABREU, 2002).
Em 1969, após uma reunião entre Jaguar, Tarso de Castro e Sérgio Cabral nasceu o jornal O Pasquim, ícone
do humor contra a ditadura. A mascote, o ratinho Sig, era inspirado em Sigmund Freud e representava o quão
debochado era seu conteúdo. Chamado na época de “Bíblia do humor” (SLAVUTZKY, 2014, p. 193) durou 22
anos e alcançou a incrível tiragem de 200 mil exemplares. Suas participações incluíram Millôr Fernandes, Paulo
Francis, Glauber Rocha, Angeli, Ziraldo, Henfil, Vinicius de Moraes, Caetano Veloso, Chico Buarque, entre
outros intelectuais e humoristas. Satirizava figuras políticas e comportamentos populares. Em uma de suas
edições publicadas, uma charge de Dom Pedro às margens do Ipiranga rendeu prisão a quase todos os
envolvidos na redação. No início da década de 80, o jornal foi alvo de ataques à bomba por duas vezes e as
bancas que o vendiam foram atacadas por diversas situações.
Em entrevista à Tárik de Souza, Henfil explica a relação do jornal com o público, que mesmo diante de
vários fatos não abandonava a publicação:

Então, por exemplo, prisão para nós, no Pasquim, era “gripe”. Aproveitando que alguém foi perguntar onde é que estava
fulano de tal, e falaram que estava “gripado”. Não sei se foi Sobral Pinto... Foi a resposta que a polícia deu. Aí virou
gripe! Não tem como censurar isso! E aí você vai! Isso é um jogo delicioso e o humor se deleita aí (2014, p. 118).

Enquanto os jornais sofriam com a censura, a televisão seguia uma linha oficialista e atuava por vezes como
porta voz da ditadura militar. A exemplo, o Jornal Nacional primeiro telejornal transmitido em rede pela Rede
Globo, em 1969, considerado pela critica a voz do governo militar na televisão (FERNANDES, 2009). Em 1970
aconteceu a primeira transmissão via satélite e em 1972, a transmissão a cores.
No México, em 1971, surge um programa que posteriormente se tornaria referência no Brasil. El Chavo Del
Ocho, de Roberto Bolaños, Chaves nas terras tupiniquins. A comédia trazia a história de um menino de oito anos,
órfão, que morava numa vila de classe média baixa. Os personagens traziam situações universais e
representavam praticamente toda a sociedade da América Latina: a dona de casa, o empresário, o professor, o
desempregado, a aposentada, além de outras crianças de classes sociais diferentes. Exibido em 16 países,
continua sendo reprisado em alguns deles, como o Brasil. Chaves ilustra a noção que Martín-Barbero registraria
anos depois: comunicação a partir da cultura.
O cinema produz na década de 60 grandes clássicos como Assalto ao trem pagador, Deus e o Diabo na terra
do sole, Os cafajestes, iniciando o movimento do Cinema Novo. “O Cinema Novo viu a necessidade de conseguir
uma maior comunicabilidade com o público médio brasileiro e começou a rever sua maneira de fazer filmes,
utilizando linguagem mais acessível” (FRANÇA; ROCHA, 2009, p.9). Com a reorganização do departamento de
censura, a temática favorável ao governo possuía prioridade. A Embrafilme (Empresa brasileira de filmes) e o
INC (Instituto Nacional de Cinema) controlavam a distribuição e coproduziam.
Surge então a Pornochachada. Embalada por temáticas sexuais amparadas pela liberação sexual feminina e
pela chegada de revistas masculinas como a Playboy, a Pornochachada era assistida por todo o tipo de público. A
linguagem besteirol, os personagens malandros próximos ao popular e a localização das salas de cinema
contribuíram para a popularização do estilo. França e Rocha (2009) apontam que na época, especulou-se sobre a
intenção do governo de mascarar a perseguição política as outras obras através das comédias sexuais, já que
estas recebiam recursos da Embrafilme. “A pornochanchada era o tipo de filme que não representava um perigo
para a ditadura, pois não se constituía numa expressão/linguagem crítica da sociedade brasileira” (GIORIA apud
SANTOS, 2012).
Apesar de não apresentar nudez, a fórmula do humor popular se repete durante as décadas de 70 e 80, com
um dos maiores grupos de humor no país: Os Trapalhões. Em 1966 surge o primeiro filme com apenas dois
integrantes, Didi (Renato Aragão) e Dedé (Dedé Santana). O filme foi uma extensão do programa de Renato
Aragão na TV Excelsior chamado Os adoráveis Trapalhões. Na TV, o humorístico possuía no elenco também
Wanderley Cardoso, Ted Boy Marino e Ivon Cury.
Ainda no cinema, em 1969, é lançado Macunaíma, de Joaquim Pedro de Andrade, que satiriza a linguagem
culta e as características do povo brasileiro. O lema do herói “Ai, que preguiça!” ilustra a falta de boa vontade
diante de algumas ações. Não aprovado pelo INC para envio ao Festival de Veneza, foi premiado em Mar Del
Plata, e seu produtor fez questão de desabafar: “se eu estivesse lá, o presidente do Instituto não poderia
declarar que não existe censura no Brasil e que meu filme foi exibido sem cortes, porque eu o desmentiria”
(ANDRADE apud PINTO, 2006, p.8). Um ponto interessante sobre Macunaíma é que trazia como protagonista
Grande Otelo, parceiro de grandes nomes do humor no cinema, TV e rádio como Oscarito e Dercy Gonçalves.
Com a profissionalização dos censores, os diretores buscam formas para evitar o bloqueio total e
encontram nas metáforas e alegorias uma alternativa para produzir. Clássicos de literatura se tornam
adaptações como Dona Flor e seus dois maridos (1972). O cinema marginal também se destaca com cenas
chocantes de drogas e sexo, além de decadência da burguesia (PINTO, 2006).
Em 1972, a Rede Globo produz a primeira temporada de A grande família e retoma a produção de sitcoms
com temáticas brasileiras. Filho (2003) coloca que foram inseridas nas entrelinhas críticas ao regime político e à
situação social do povo. Os personagens se comunicavam via metáforas deixando uma espécie de “enigma” para
o público decifrar acerca da ditadura. Um episódio chamado “O recadão” tratou exclusivamente do momento
político no país.
Nos anos 80, a pressão das distribuidoras internacionais somada ao esgotamento das fórmulas fez o cinema
nacional padecer em parte. Uma série de filmes que possuíam liberação para as salas de exibição não conseguia
o mesmo espaço na TV.
O humor se sustentava através de Os trapalhões e seus 20 títulos lançados na década. Os filmes possuíam
temática de super-heróis e histórias famosas, como Simbad. Na TV, o grupo, agora composto por Didi, Dedé,
Mussum e Zacarias, encenava esquetes de no máximo dez minutos que não possuíam relação entre si, a menos
pela presença de um ou mais integrantes. A representação de minorias também é considerada uma das fórmulas
do sucesso do grupo. Didi representa o nordestino que migra para o sudeste em busca de uma vida melhor, Dedé
é o típico malandro carioca, Mussum o alcoólatra negro proveniente da favela e Zacarias, o inocente caricato e
infantil (D’OLIVEIRA; VERGUEIRO, 2011). Chama a atenção também a importância dada ao quadro do quartel,
onde Sargento Pincel e Coronel, que em diversas situações satirizavam a ditadura e mostravam claro
desrespeito pela hierarquia. Sargento Pincel era associado ao homossexualismo, enquanto o Coronel apontava a
ordem desfigurada.
Jô Soares em seu programa Viva o Gordo, não fazia diferente. No ar de 1981 a 1987, as esquetes contaram
com mais de 300 personagens e os bordões, até hoje utilizados por personagens de humor, surgem nos textos de
Max Nunes, redator do programa. Filho (2003) coloca que assim como Viva o Gordo, Planeta dos Homens
(1971), as frases-chave dos personagens eram fundamentais. A sátira política também era elemento essencial. O
projeto Memória Globo7descreve:
Em março de 1977, a sátira política passou a fazer parte da receita do programa, já que a censura parecia estar
afrouxando sua vigilância. Naquele momento, já era possível criar quadros como o do repórter que entrevistava o diretor
do Grêmio Recreativo Escola de Samba Aprendizes da Democracia. Apesar de garantir que a escola ensaiava muito, o
diretor não sabia dizer quando os foliões sairiam em desfile pela avenida.Em outro quadro, Paulo Silvino e Jô Soares
eram dois apresentadores insanos de um telejornal, e faziam todo tipo de piadas sobre a inflação e os custos de vida.

E aponta como esses personagens eram encarados pela ditadura:

A Censura, de vez em quando, ainda atuava. A censora que trabalhava diretamente vigiando O Planeta dos Homens,
conhecida como “Dona Mariana”, cortava quadros e falas que, muitas vezes, alteravam o sentido da piada. Se o quadro
tinha dois minutos, por exemplo, e o final era cortado, o quadro não podia mais ir ao ar. Ao mesmo tempo, um esquete
antes censurado era reavaliado e liberado, entrando no programa.O presidente João Baptista Figueiredo era figura
constante nas sátiras de O Planeta dos Homens. Como o presidente era apaixonado por cavalos, havia um cavalinho que
entrava em cena acompanhado do bordão “Eu prendo e arrebento”, referência a uma fala do presidente durante uma
entrevista, que se transformou na sua marca.

A TV da década de 80 também começava a reformular-se em busca de mais conteúdo. A Rede Globo efetiva-
se como a emissora mais forte do país.As Diretas Já eram transmitidas de maneira parcial pelos telejornais da
Rede Globo, enquanto outros veículos de jornalismo cobriam as manifestações populares ao vivo. Vários canais
abrem debates sobre política e democracia, além de denúncias de corrupção.
Angeli, Miguel Paiva, Luiz Gê, Fausto e Fortuna publicavam na Folha de S. Paulo charges convocando a
população a lutar pelo direito de escolher seu presidente. Nos Estados Unidos, as charges alcançam um alto
nível crítico conforme Santos (2012) descreve apontando o consumo acelerado, o individualismo, a competição
como assuntos de destaque. A guerra, a discriminação racial e o autoritarismo da Guerra Fria também aparecem
em muitas situações.
Com a abertura política e a chegada de José Sarney a Presidência do Brasil, após a morte do presidente
eleito via Colégio Eleitoral, Tancredo Neves, em 1985, o governo estabeleceu as eleições diretas e a Constituinte
de 1988. Em contrapartida, escândalos de corrupção e a superinflação lotavam os noticiários e os programas de
humor.
Criada em 1957, pela TV Paulista e depois de passar pela Record e TV Rio, A Praça é Nossa chega ao SBT
em 1987. Chamada anteriormente de Praça da Alegria, a criação de Manoel da Nóbrega possuía esquetes de
personagens fixos e temáticas variadas, todas sendo contadas no banco da praça ao lado do apresentador. Ainda
no ar em 2016, o programa serviu de “instrução” para uma série de humoristas e consagrou outros mais.
Atualmente, as críticas políticas são representadas nas figuras do deputado João Plenário, personagem de Saulo
Laranjeira, que conta os casos de corrupção e tenta explicar com várias desculpas os erros do governo e sua
falta de preocupação com a população que o elegeu. Gordilma, referência a Presidente Dilma Rousseff (PT),
personagem de Alexandre Porpetone, reclama dos ataques dos adversários, comenta a situação econômica do
país e faz discursos sem nexo.
O carro chefe no final da década de 80, porém, foi a TV Pirata da Rede Globo. Com redação de Luis
Fernando Veríssimo, Mauro Rasi, Pedro Cardoso e o grupo, que posteriormente formaria o Casseta e Planeta, o
programa trazia esquetes sobre a própria televisão e seus formatos como uma forma de criticar a realidade
brasileira. O primeiro programa foi ao ar em 5 de abril de 1988.“Com o TV Pirata, pela primeira vez a Rede
Globo colocou no ar um programa que “brincava” com sua própria programação: purametalinguagem. TV Pirata
era um programa de humor sem os temas e sem os profissionais reconhecidos nos programas de humor da
época” (FECHINE apud MACHADO, 2007, p. 105).
No ano seguinte, em 1989, o mundo viu o humor ganhar muita força na televisão. Estreiam Os Simpsons e
Seinfeld nos Estados Unidos e na Inglaterra, Mr. Bean. Focados em satirizar os bons costumes e as
características da sociedade em que se inserem, os três seriados tiverem vidas longas. Mr. Bean foi ao ar até
1995, enquanto Seinfeld teve sua última temporada em 1998. Os Simpsons iniciaram sua 27ª temporada em
setembro de 2015.
Herskovic aponta que: “Em Os Simpsons, é possível perceber as mudanças pelas quais a sociedade
contemporânea está passando, e como um seriado com uma estrutura de reiteração consegue, através da sátira
e da paródia, revelar um retrato dessa sociedade e de seus anseios” (2011, p. 104). As críticas políticas na
animação não são poupadas. Personalidades como George W. Bush, Bill Clinton e Tony Blair, já participaram de
episódios e tiveram seus maiores defeitos escancarados. Atualmente, a animação também é conhecida por
“prever o futuro” como nos casos da candidatura de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos e a derrota
do Brasil para a Alemanha na final da Copa do mundo de futebol.
Os Simpsons atuaram como precursores para uma série de outras animações com caráter crítico destinadas
a adultos como Family Guy, Futurama, American Dad, Rei do Pedaço e South Park.
Em 1989, o Brasil também passou por mudanças políticas, com a primeira eleição direta, após 21 anos de
ditadura militar. A disputa eleitoral contou com 22 candidatos e elegeu Fernando Collor de Mello (PRN), como
presidente do país. Entre os demais candidatos que concorreriam ao pleito estavam Luis Inácio Lula da Silva
(PT), Leonel Brizola (PDT), Paulo Salim Maluf (PDS) e Mário Covas (PSDB), entre outros. Lula e Collor
disputaram o segundo turno, tendo o vencedor ficado com 53,03%, ou 35.089.998 dos votos8.
Momentos históricos marcaram a política na década de 90, entre eles o impeachment de Fernando Collor.
Acusado de corrupção por seu irmão, Pedro Collor de Mello, o então presidente Fernando Collor de Mello já
passava por uma situação complicada junto aos eleitores devido a crise econômica que vivia o país. A inflação
alcançava a casa de 1.000% e a contração da economia atingia 4,3% ao ano.
Além dos programas televisivos, as charges mostraram o impeachment de Collor a partir de várias
perspectivas. Chico Caruso publicou no jornal O Globo a imagem de Fernando Collor usando um terno com
listras de presidiário e com as mãos estendidas. Em outro desenho, o irmão de Collor era retratado como um dos
“caras pintadas”9.
Na Folha de S. Paulo, Glauco retratava o presidente em uma banheira dizendo: “Esfrega mais!” enquanto
uma mulher ajudando-o responde: “A lama do pé tá difícil de sair!”. A suspeita de compra e vendas de votos pelo
impeachment foi retratada em outra charge de Orlando. Parado em um sinal, um menino diz: “Moço, leva um
deputado, vai, pra me ajudar” e o motorista responde: “Hoje não, tô sem troco.”10
Não obstante, na década de 90, Chico Anysio inicia a Escolinha do professor Raimundo. Criada no rádio, em
1952, a Escolinha possuía apenas três alunos. Na TV, era apenas um quadro do Noites Cariocas , da TV Rio,
durante os anos de 1957 a 1958. Retornou em 1990, na TV Globo, com Chico ainda no papel de Professor
Raimundo e mais 24 “alunos”. Uma característica importante era a valorização do improviso. Nenhum dos
atores, exceto Chico, sabia das falas dos demais, o que trazia uma reação próxima do público em relação às
piadas. A crítica política e social ficava por conta dos textos dos personagens e pela frase: “E o salário, ó!!” do
professor.
Em 2016, durante a votação do impeachment de Dilma Rousseff na Câmara dos deputados, Sérgio
Mallandro que participou da Escolinha em 1993, compartilhou um vídeo11 onde Barbosa conversa com Professor
Raimundo sobre política. Barbosa dizia: “Professor eu tenho quatro desejos. O primeiro desejo é que o senhor
seja candidato a presidente. O segundo é que o senhor fosse eleito presidente. A terceira é que o senhor fosse
bem corrupto, bem ladrão! E a quarta é que eu pudesse chegar lá e dizer assim: pelos meus filhos, pela minha
mulher, por Roraima, eu voto não!!!!”.
A Escolinha do Golias possuía a mesma fórmula da Escolinha do Professor Raimundo, porém, seu
personagem central era Pacífico (Ronald Golias), um aluno desrespeitoso e difícil controle. Carlos Alberto de
Nóbrega assume como o professor Caliostro, que deve conter a sala. Nair Belo também fez parte do projeto, que
teve três temporadas ente 1990 e 1997. Saiu do ar devido a medida judicial da Rede Globo.
O programa humorístico Casseta e Planeta, da Rede Globo estreia em 1992, como programa mensal no
horário das terças-feiras, veiculado no período da noite. A partir de 1998, em função da alta audiência, torna-se
semanal. Composto por Marcelo Madureira, Hubert, Cláudio Manuel, Bussunda, Hélio De La Peña, Reinaldo e
Beto Silva, todos consagrados na TV Pirata e em outros programas de humor anteriores. Com o lema
“jornalismo-mentira e humorismo-verdade”, o humorístico ficou no ar até dezembro de 2010. Com um quadro
chamado “Primeiros políticos”12, a sátira política era permanente.
Durante o mandato presidencial de Itamar Franco (1992-1994), que assumiu o governo após a renúncia de
Fernando Collor de Mello, havia o “Devagar Franco”, personagem do presidente que se preocupava com o seu
topete intacto e a destinação da reportagem, que deveria sempre ser para o Fantástico. Devagar Franco era
caipira, lento e exagerado.
Outro presidente representado pelo humorístico Casseta e Planeta foi o peessedebista Fernando Henrique
Cardoso (1994-1998/1998-2002), através dos personagens “Voando Henrique Cardoso”, “Ficando Henrique
Nervoso” e “Folgado Henrique Cardoso”. Os três casos satirizavam a relação do presidente com as ações
internacionais em que viajava muito e a necessidade de falar do Plano Real.
Durante toda a década de 90, os programas humorísticos da TV se deliciavam com representações dos
políticos. Escândalos como os “Anões do orçamento”13, e o caso “Pitta”14 eram prato cheio para as sátiras.
Charges de Glauco e Angeli estavam presentes diariamente no jornal Folha de S.Paulo. No caso dos “Anões do
orçamento”, Angeli desenha vários anões saindo do Congresso cantando a música que ficou conhecida no filme
Branca de neve e os setes anões: “eu vou, eu vou, pra casa agora eu vou!”. No caso “Pitta”, um astronauta
representando Paulo Maluf atende o celular da lua dizendo: “Vai fundo, Pitta! Tô contigo e não abro”15.
Em 2001, logo após a liberação de verbas por parte de FHC para evitar a criação da CPI da corrupção, o
cartunista Jean da Folha de S. Paulo, cria uma charge onde dois ratos vestidos de ternos e gravatas conversam
diante de um computador: “Estou pouco a vontade de liberar essa verbinha”, o segundo rato responde: “Relaxe!
Afinal a corrupção faz parte da natureza do ser humano” e então o primeiro responde: “Esse é o problema!”.

5. O novo século

No ano de 2002, a política brasileira assiste a vitória eleitoral de Luis Inácio Lula da Silva (PT), após três
derrotas sucessivas em suas candidaturas à presidência do Brasil, nas eleições de 1989, 1994, e 1998. Azevedo
(2006) aponta que a mídia cobriu a eleição de uma maneira mais equilibrada e abriu espaços relevantes em suas
programações para debates e coberturas das campanhas. O Governo Lula conquistou o recorde de aprovação da
população graças aos incentivos fiscais para consumo e programas sociais para eliminação da pobreza. Porém, o
governo não se manteve intacto diante das denúncias de corrupção. As seguidas divulgações realizadas pela
mídia sucederam uma série de escândalos como “A quebra do sigilo do caseiro Francelino” de Antonio Palloci e o
“Mensalão”.
O humor nas charges destacou com ferocidade esses escândalos. Uma charge de Jean na Folha de S. Paulo
mostra um grupo de deputados saindo do congresso nacional com sinais de lutas e machucados. O primeiro
deputado diz: “A moral, a decência e a dignidade foram atingidas” e tem como resposta: “Mas o meu bolso saiu
intacto, e o seu?”. Esta charge refere-se ao embate pós-depoimento de Roberto Jefferson, delator do mensalão.
Angeli publica uma charge em que há uma senhora idosa realizando o reconhecimento de um criminoso entre
vários em uma delegacia. O delegado pergunta: “Número três? A senhora tem certeza?” e ela responde: “Claro,
eu votei nele!”16.
Durante o segundo mandato presidencial de Lula (2006-2010), o humor manteve o tom crítico, sobretudo
diante das acusações da imprensa de que presidente era blindado pelo corpo político e membros do seu partido,
dos esquemas de corrupção, do qual alegava desconhecer. Em uma das charges que retratava o tema, o
cartunista Claiyton publicou uma imagem17 onde Lula aparece como os três macaquinhos, o primeiro tapa os
olhos, o segundo os ouvidos e o terceiro a boca. No título da charge o texto: “E sobre o mensalão....”
O governo Dilma Rousseff (PT) teve iniciou em 2011, após uma disputa acirrada, entre a candidata petista e
Geraldo Alckmin (PSDB). Apadrinhada por Lula e como sucessora de sua política econômica, a Presidente Dilma
foi alvo de inúmeras críticas, por vezes expressas no formato sátiras humorísticas, durante o período do
primeiro mandato (2010-2014). Candidata à reeleição, na campanha presidencial de 2014, Dilma saiu vitoriosa.
Antes mesmo do início das disputas eleitorais, seu governo foi cercado por um cenário político adverso e
conturbado, do qual o humor buscou retratar. De maneira geral, Dilma foi retratada como masculina e
irresponsável. Este processo perdurou até a sua saída, com o impeachment em agosto de 2016.

6. Considerações finais

Este estudo buscou apresentar um panorama histórico do humor político e suas utilizações no Brasil desde
a chegada da Família Real Portuguesa, 1808, até o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016 . Fica clara a
relação entre as questões sociais de ordem vigente e a produção da satirização. O humor é e sempre será
mecanismo de combate. É dele o papel de porta-voz da insatisfação popular, seja através da arte, seja através da
imprensa. O humor existe em todos os lugares, e por mais censura que possa enfrentar, é parte da natureza
humana e da sua relação com a sociedade.
Os meios de comunicação de massa ampliaram a capacidade do seu uso, ao mesmo tempo, que
possibilitaram a existência de mais ferramentas de suporte. O jornal e o rádio contemplam a liderança da base
para a sátira política, sendo alcançados atualmente pela internet.
Para estudos futuros, o papel da internet e das redes sociais deve ser considerado mais a fundo. Como
dominante em boa parte do século XXI, especialmente nos países latino-americanos, as redes sociais na internet
assumem a responsabilidade de enfrentar regimes e propor novas ideias através do cômico. Posteriormente, a
comparação entre este processo e o humor nascente pela criação do espectador pelas redes sociais na internet
também se mostra como estudo promissor.

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1 Trabalho apresentado no GT4 – Imagem, Opinião Pública e Democracia no I Simpósio de Comunicação Política, Eleições e Democracia nos
dias 27 e 28 de março de 2019 na UFJF.

2 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Paulista (UNIP). Mestre em Comunicação. Docente do Centro
Universitário Moura Lacerda de Ribeirão Preto - SP (CUML) e do Centro Universitário Estácio de Ribeirão Preto – SP. E-mail:
patriciacristinadelima@outlook.com

3 Docente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Paulista (UNIP).


4 A política “Café com leite” aconteceu de 1890, na presidência de Campos Sales, até 1930 na República Velha. Teve como característica
alternar os presidentes entre os estados de Minas Gerais (grande produtor de leite e local do Partido Republicano Mineiro) e São Paulo (produtor de
café e detentor do Partido Republicano Paulista).Terminou com a chegada do gaúcho Getúlio Vargas ao poder, após a quebra da bolsa de Nova York
em 1929 e a perda da força financeira de São Paulo devido à queda do preço do café.

5 Trecho retirado do site Vagalume. Disponível em:https://www.vagalume.com.br/alvarenga-e-ranchinho/liga-dos-bichos.html#ixzz49nJUqulE.


Acesso em: 24 de mai. de 2016.

6 Segundo o Centro Cultural de São Paulo – TV 50 anos. Disponível em: http://www.centrocultural.sp.gov.br/tvano50/apre.htm. Acesso em 25 de
mai. de 2016.

7 Projeto Memória Globo faz parte das comemorações dos 50 anos da TV no Brasil. Está alocado dentro do portal Globo.com. Disponível em
http://memoriaglobo.globo.com/programas/entretenimento/humor/o-planeta-dos-homens/satira-politica.htm. Acesso em 25 de mai. de 2016.
8 Fonte Portal UOL – Fernando Rodrigues. Disponível em http://noticias.uol.com.br/fernandorodrigues/arquivos/eleicoes/1989/presidencial-
2o.jhtm. Acesso em 28 de mai. de 2016.
9 Charges disponíveis no arquivo digital do jornal O Globo. Disponível em http://acervo.oglobo.globo.com/fotogalerias/collor-nas-charges-de-
chico-caruso-16769312 Acesso em 28 de mai. de 2016.
10 Charges disponíveis no portal Folha de S. Paulo. Disponível em http://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/4270-20-anos-de-escandalos-de-
corrupcao-em-30-charges#foto-79544. Acesso em 28 de mai. de 2016.

11 Vídeo disponível na matéria do Portal Pop da Veja São Paulo. Disponível em http://vejasp.abril.com.br/blogs/pop/2016/04/19/escolinha-do-
professor-raimundo-video/. Acesso em 20 de mai. de 2016.

12 Informações da Memória Globo. Disponível em http://memoriaglobo.globo.com/programas/entretenimento/humor/casseta-planeta-urgente-


/primeiros-politicos.htm. Acesso em 29 de mai. de 2016.

13 “Anões do orçamento” foi o nome dado ao esquema no qual políticos manipulavam ementas para desviar dinheiro via empreiteiras ou obras
sociais. O esquema estourou depois de José Carlos Alves dos Santos ter sido preso acusado da morte de sua mulher. O caso obteve repercussão por
ter sido o primeiro investigado via CPI no pais. O nome também é dado porque nomes importantes foram ocultados da lisa, ficando apenas os
“pequenos”.

14 Celso Pitta foi candidato à prefeitura de São Paulo em 1996, sendo apadrinhado por Paulo Maluf. Na ocasião, a frase de Maluf “Se o Pitta
não for um bom prefeito, nunca mais votem em mim!” foi o carro chefe da campanha. Após a campanha, Pitta foi investigado devido a irregularidades
nas emissões de títulos públicos.

15 Charges disponíveis no acervo da Folha de S. Paulo. Disponível em http://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/4270-20-anos-de-escandalos-de-


corrupcao-em-30-charges#foto-79549. Acesso em 28 de mai. de 2016.

16 Charges disponíveis no arquivo online da Folha de S. Paulo. Disponível em http://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/4270-20-anos-de-


escandalos-de-corrupcao-em-30-charges#foto-79565. Acesso em 29 de mai. de 2016.

17 Charge disponível no site Humor Político. Disponível em: http://www.humorpolitico.com.br/lula-2/lula-nao-sabia-de-nada/. Acesso em 29 de


mai. de 2016.
UNIDADE 4 – MÍDIA, PERSONALISMO E LIDERANÇAS POLÍTICAS
CAPÍTULO 27

A INSERÇÃO DAS REDES SOCIAIS NAS CAMPANHAS ELEITORAIS:


UM ESTUDO DE CASO DAS FANPAGES DOS PRINCIPAIS CANDIDATOS AO
GOVERNO DE MINAS EM 20181

Deborah Luísa Vieira dos Santos2


Luiz Ademir de Oliveira3
Vinícius Borges Gomes4

1. Introdução

O trabalho visa observar as estratégias midiáticas empregadas nas campanhas eleitorais dos dois
principais candidatos a governador de Minas em 2018, Antônio Anastasia (PSDB) e Fernando
Pimentel (PT), que representam a tradicional polarização PT versus PSDB vista nos últimos 4 pleitos
para governador.
As origens do termo “estratégia” remontam às técnicas militares de guerra, relaciona-se à ação
de comandar e conduzir exércitos em tempos de conflito. Atualmente, o termo é bastante utilizado na
área da Administração e refere-se a um conjunto de técnicas de planejamento e gestão, capazes de
apontar quais caminhos devem ser seguidos. Para o planejamento, leva-se em conta os pontos fortes e
fracos de uma organização e das ameaças e oportunidades de seu ambiente de atuação, visando o
alcance de seus objetivos e manutenção da sua existência (CAMARGOS e DIAS, 2003). Assim,
compreende-se como “estratégias midiáticas” as técnicas aplicadas a partir de um planejamento
estratégico, considerando as potencialidades e fraquezas de um dado ator social ou organização,
levando em conta o ambiente e o contexto no qual se insere, apropriando-se da lógica e gramática dos
meios de comunicação para alcançar seus objetivos. Na política, as estratégias midiáticas visam a
construção da imagem do candidato, uma forma de conferir visibilidade e legitimidade, o que
influencia na decisão do voto dos eleitores.
Nesse sentido, a presente pesquisa objetiva, a partir da análise das estratégias midiáticas
empregadas, tecer considerações sobre os efeitos que os discursos acionados desejam produzir no
eleitorado. Não se pretende investigar o planejamento comunicacional, mas sim, o que é
materializado na campanha, uma vez que, em uma candidatura as falas públicas são destinadas a
manter e/ou angariar votos. Assim, em função do produto narrativo oferecido nas fanpages observar
como cada candidato constrói uma narrativa sobre si em busca da (re)eleição.
Para tal pesquisa, é importante compreender um pouco melhor o contexto do estado palco da
disputa. Minas Gerais é o segundo maior colégio eleitoral do país, atualmente, e foi berço de
importantes atores políticos que se destacaram nacionalmente, como Juscelino Kubitschek, Tancredo
Neves e Itamar Franco. Tancredo Neves foi governador de Minas pelo PMDB de março de 1983 a
agosto de 1984. Com a saída de Tancredo Neves do governo assumiu seu vice, Hélio Garcia. Nas
eleições de 1986, vence Newton Cardoso (PMDB), que fica no cargo até 1990, quando reassume o
cargo Hélio Garcia, pelo extinto Partido das Reformas Sociais. Hélio Garcia fica no governo até 1995.
A partir dessa data, tem-se início a hegemonia do PSDB em Minas, interrompida no período de
1999 a 2002, com Itamar Franco (PL). Em 1994, Eduardo Azeredo (PSDB) é eleito. Em 2002, o neto
de Tancredo Neves, Aécio Neves (PSBD), vence para governador do estado em primeiro turno com
uma votação recorde com 58% dos votos válidos. Em 2006, Aécio Neves é reeleito ainda em primeiro
turno. Em 2010, Aécio apoia seu sucessor e companheiro de partido, Antônio Anastasia (PSDB). Em
2014, Fernando Pimentel (PT), interrompe a hegemonia tucana.
Há agravantes que influem nas campanhas deste ano, sendo eles: Minas Gerais enfrenta uma
grave crise econômica, na qual o estado está inadimplente com os municípios e parcela o pagamento
dos servidores e aposentados; ainda, as mudanças na legislação eleitoral devem influenciar nas
estratégias de campanha, uma vez que o período de propaganda foi reduzido (45 para 35 dias), assim
como o tempo de HGPE (tempo de bloco para 10 minutos para o cargo de governador estadual). Fator
este que pode impulsionar as campanhas nas redes sociais.
No cenário vigente, dentre os nove candidatos ao governo de Minas têm-se o atual governador
Fernando Pimentel (PT) e o ex-governador Antônio Anastasia (PSDB). Pimentel foi eleito em 2014 e
cumpre seu primeiro mandato como governador. Tornou-se prefeito de BH em 2004, sendo apontado
como o 8º melhor prefeito do mundo, pelo site inglês Worldmayor. Já Antônio Anastasia (PSDB) foi
eleito vice-governador de Minas em 2006, assumindo o cargo de governador em 2010, sendo reeleito
no pleito do mesmo ano. Em 2014, venceu como senador pelo estado. Os dois candidatos estão à
frente nas pesquisas de intenção de voto: Anastasia em primeiro, com 32%, seguido de Pimentel, com
22%5.
Os meios de comunicação permeiam e transformam os modos de se conhecer interpretar o
mundo; organizando e difundindo comportamentos, valores, percepções (THOMPSON, 2008); e
produzindo sentido de mundo – poder simbólico (BOURDIEU, 1989). O processo de midiatização faz
com que a mídia seja um campo “semi-independente” da sociedade o qual os demais campos e
instituições têm de se adaptar (BRAGA, 2012; FAUSTO NETO, 2010; HJARVARD, 2012).
O campo político não está alheio a esse processo. Por meio do uso dos media a interação entre
político e eleitorado passa a ser mais abrangente. Ao adotar a lógica e gramática da mídia, os agentes
políticos são transformados em verdadeiros atores, utilizando os meios de comunicação de palco para
a disputa eleitoral (HJARVARD, 2012; MANIN, 1995; SCHWARTZENBERG, 1977; SAMPAIO, 2016).
Com o boom da internet, este fenômeno ganha novos contornos.
O uso das plataformas digitais incorporadas as campanha teve início na década de 90, nos
Estados Unidos. (AGGIO, 2011). No Brasil, a primeira campanha a utilizar a internet foi em 1998
(SOUSA e MARQUES, 2017). Todavia, somente em 2010 permitiu-se a utilização dos recursos digitais,
como as mídias sociais (AGGIO, 2015). Com o advento e popularização das redes sociais, como o
Facebook, perde-se um pouco esse controle, o que força os partidos e candidatos a adaptarem suas
campanhas a exploração desses ambientes nos quais os usuários criam as regras e conferem os
sentidos.
Esse estudo de casos busca investigar quais recursos foram utilizados nas fanpages de Anastasia
(PSDB) e Pimentel (PT) candidatos ao pleito deste ano, tendo os seguintes objetivos: (1) Identificar a
imagem construída dos candidatos – como reforço dos atributos pessoais, políticos ou administrativos;
(2) Observar as temáticas mais acionadas; (3) Depreender como as redes sociais estão sendo
utilizadas nas campanhas eleitorais.

2. A comunicação e seu papel na construção do real, da sociedade e do sujeito

A comunicação é o processo pelo qual o sujeito conhece e se insere no mundo (BERGER &
LUCKMANN, 2007; THOMPSON, 2008). Com o surgimento dos meios de comunicação houveram
transformações significativas neste processo, que provocaram mudanças sócio-culturais nas
sociedades modernas e contemporâneas (THOMPSON, 2008; GIDDENS, 1991).
A sociedade contemporânea é estruturada e ambientada pelos meios de comunicação, em uma
espécie de “Idade Mídia” (RUBIM, 2000). Nela, o campo midiático não só permeia e transforma os
modos de se conhecer e vivenciar o mundo; como organiza e difunde comportamentos, valores,
percepções; e participam do processo de significação do mundo – poder simbólico (BOURDIEU, 1989).
A nova realidade impõe deslocamento entre existir e existir publicamente, a existência física não
garante a existência social, sendo esta alcançada por intermédio dos meios de comunicação (RUBIM,
2000; THOMPSON, 2008).
Passamos, portanto, de uma sociedade centrada na mídia, para uma sociedade midiatizada. Esse
processo faz com que a mídia seja um campo “semi-independente” da sociedade o qual os demais
campos e instituições têm de se adaptar, obrigando, em menor ou maior grau, que os mesmos
submetam-se à sua lógica (BRAGA, 2012; HJARVARD, 2012; THOMPSON, 2008). Passamos de uma
“sociedade dos meios”, na qual a transmissão da mensagem era do emissor para o receptor; para uma
“sociedade midiatizada”, em que os receptores são também produtores no processo da comunicação
(FAUSTO NETO, 2010).
O campo político também sofreu transformações devido a esse processo. Na política, a interação
mediada possibilita um contato mais abrangente entre os atores políticos e seus eleitores, alcançando
um número maior de sujeitos em espaços e tempos diferentes. Ao adotar a lógica e gramática da
mídia, os agentes políticos são transformados em verdadeiros atores, utilizando os meios de
comunicação de palco para a disputa eleitoral (HJARVARD, 2012; MANIN, 1995; SCHWARTZENBERG,
1977; SAMPAIO, 2016).
Wilson Gomes (2004) discute como a inserção dos meios de comunicação nas campanhas, alterou
a lógica e funcionamento do campo político. Para ele, há uma espetacularização da política, uma vez
que o drama, a diversão e a ruptura de regularidades se faz também presente nas campanhas. Ainda,
os meios de comunicação tendem a realizar as funções antes restritas aos partidos e correligionários,
na relação com o eleitorado. Nesse contexto, com o aparecimento dos media, os atores políticos e os
aspirantes a esse meio tiveram de se atentar às suas apresentações diante do público e à imagem
pessoal, agora mediada e construída pelos media (GOMES, 2004; THOMPSON, 2008;
SCHWARTZENBERG, 1977).
Ainda, as relações de comunicação são também relações de poder que necessitam do capital
material ou simbólico adquiridos pelos atores sociais envolvidos, os quais colaboram para o acúmulo
de poder simbólico desses agentes e atores (BOURDIEU, 1989; MIGUEL, 2003). Dessa forma, mesmo
o campo político tendo suas especificidades e características próprias, ele se apropria do discurso
midiático para alcançar o público eleitor, construir significados e atingir seus objetivos – a vitória.

3. A campanha eleitoral na internet

O surgimento da rede mundial de computadores e seu desenvolvimento impactaram o homem e


os diferentes setores da sociedade, inclusive, a política. O uso das plataformas digitais incorporadas
às campanhas teve início na década de 90, nos Estados Unidos. Somente no século XXI, com o
potencial da web 2.0, que as estratégias de campanhas passaram a explorar questões que são
próprias da internet, como a interação, a participação em tempo real, a convergência de mídia. A
disputa com maior incorporação das redes sociais até então foram as eleições presidenciais dos EUA
de 2008, na qual Obama foi eleito (AGGIO, 2011).
No Brasil, a primeira campanha a utilizar a internet foi em 1998 e, na época, menos de 3% dos
eleitores tinha acesso à internet (SOUSA e MARQUES, 2017). Todavia, somente nas eleições de 2010
permitiu-se a utilização dos recursos digitais, como as mídias sociais (AGGIO, 2015). No início, foram
usados os websites e blogs, domínios ainda bastante particulares, os quais permitia o controle sobre
as ferramentas e dos recursos utilizados, bem como, controle de como a comunicação se
estabeleceria. Com o advento e popularização das redes sociais, como o Facebook, perde-se um pouco
esse controle, o que força os partidos e candidatos a adaptarem suas campanhas a exploração desses
ambientes nos quais os usuários criam as regras e conferem os sentidos.
Se a democracia digital possibilita novas formas de interação e de participação política,
destacam-se os investimentos cada vez maiores em ferramentas como as redes sociais, como é o caso
do Facebook nas disputas eleitorais. Nesse sentido é válido destacar que, de acordo com a última
pesquisa do CONECTAí Express, divulgada pelo IBOPE Inteligência em agosto de 2017, o Facebook
(86%) é a segunda rede social mais utilizada pelos brasileiros, perde apenas para o Whatsapp (91%),
isso torna seu estudo relevante. Em 2018, o número de usuários do Facebook chega a 127 milhões
mensais6, o que ultrapassa o Whatsapp, aplicativo da mesma empresa.

Pode-se, então, defender que planejar e executar uma campanha para o ambiente de comunicação digital
impõe novos desafios aos profissionais responsáveis por construir imagens públicas. Tomando-se como
exemplo a disposição de usuários comuns em compartilhar, curtir, atacar ou endossar candidaturas, torna-
se parte da estratégia dos núcleos de comunicação das campanhas a tentativa de atrair militância
espontânea a fim de ampliar a visibilidade da agenda defendida pelo candidato. (MIOLA & MARQUES,
2018, p. 3-4)

As campanhas políticas, portanto, têm passado por alterações devido às transformações na


comunicação, inclusive devido à utilização das plataformas virtuais, isso porque mais do que permitir
a comunicação dos indivíduos, elas ampliaram a capacidade de conexão dos sujeitos (RECUERO,
2009; CASTELLS, 1999). Esse novo cenário acarreta novos desafios ao planejamento das estratégias
de campanha e construção da imagem pública dos candidatos, sendo um meio integrante “da
estratégia dos núcleos de comunicação das campanhas a tentativa de atrair a militância espontânea a
fim de ampliar a visibilidade da agenda defendida pelo candidato” (MIOLA e MARQUES, 2018, p. 3-4).
Isso contribui para que, mesmo em tempos fora das disputas, os agentes políticos se apresentem aos
usuários dessas redes, tanto em termos políticos quanto pessoais (SOUSA e MARQUES, 2017). A
disputa online, portanto, diminui o distanciamento entre a esfera civil e a política e, em temos de
representatividade, essa participação online pode ser mais rica se comparada às iniciativas
presenciais (AGGIO, 2015).
Miola & Marques (2018) apontam os 8 principais objetivos da comunicação em campanhas
eleitorais, lembrando que os mesmos são incorporados à lógica da comunicação nas mídias digitais,
sendo eles:
1- Conseguir votos;
2- Angariar financiamento para as campanhas;
3- Atrair apoiadores e militantes, por meio do incentivo ao compartilhamento e uso de hastags,
ou promover campanhas que chegue às ruas, como por exemplo para a divulgação de eventos ou
distribuição de material de campanha;
4- Aumentar o conhecimento do eleitorado sobre o candidato e sua candidatura;
5- Defender uma causa, tema ou visão de mundo, como por exemplo utilizar das redes para
discutir fatores como porte de armas, legalização do aborto, causa LGBT+, meio ambiente, entre
outros;
6- Atacar o oponente, numa tentativa de desconstrução da imagem dele e reafirmação da própria
imagem, bastante utilizados na campanha ao governo do estado pelo Romeu Zema (Novo) que a todo
momento colocava seu oponente, Anastasia (PSDB), como representante da velha política que,
segundo o outsider, destruiu a economia mineira;
7- Refutar críticas, também bastante utilizado pelos candidatos de um modo geral, podendo
tomar como exemplo o candidato Pimentel (PT), que criou o site “mentiras de Anastasia”, para refutar
críticas feitas a seu respeito proferidas pelo tucano;
8- Informar sobre o sistema político.
No que tange a internet, Sousa & Marques (2017) diferenciam as mídias sociais das redes
sociais. Para os autores, as redes sociais são um tipo de mídia social, que promove o relacionamento
entre os usuários, permite a sociabilidade e o contato virtual entre os sujeitos. Enquanto as mídias
digitais são um fenômeno mais amplo. Ainda, as mídias digitais permitem um maior espaço para
fiscalização dos políticos, sendo uma ferramenta para a população no período eleitoral. Em
contrapartida, a utilização das mídias pelos candidatos e atores políticos permite que os mesmos se
apresentem aos usuários das redes ao longo dos mandatos ou em períodos fora dos mesmos. Uma
ferramenta que dá a oportunidade do agente político se apresentar ao eleitorado, tanto em termos
políticos quanto pessoais, e construir a imagem de si fora dos momentos de eleição. Fator esse,
bastante aproveitado pelo presidente eleito, Bolsonaro (PSL), uma vez que o mesmo vem se
apresentado nas redes sociais e ampliando seus seguidores desde 2014, já com vistas ao pleito de
2018.
Contudo, até as eleições de 2016, as disputas nos meios de comunicação digitais ocupam-se de
uma abordagem mais informativa do que interativa. Isso ocorre por uma série de fatores, dentre eles
o custo em responder cada mensagem encaminhada, possibilidade da perda de controle da agenda e a
zona de conforto criada pela possibilidade do candidato se abster de discussões sensíveis para si
(STOMER-GALLEY apud MIOLA e MARQUES, 2018).

4. Estudo de caso: análise das fanpages

Esse artigo traz um estuo de caso sobre a primeira semana de campanha dos principais
candidatos ao governo de Minas que representam a polarização PT versus PSDB, Anastasia (PSDB) e
Pimentel (PT). A investigação visa apontar quais as mensagens mais utilizadas pelos candidatos em
suas respectivas páginas no Facebook, durante o pleito de 2018. Como objetivos têm-se: (1)
Identificar a imagem construída dos candidatos – como reforço dos atributos pessoais, políticos ou
administrativos; (2) Observar as temáticas mais acionadas; (3) Depreender como as redes sociais
estão sendo utilizadas nas campanhas eleitorais.

4.1 – Metodologia e corpus de análise

Como metodologia utilizou-se a Análise de Conteúdo (BARDIN, 2011), a qual organiza os


conteúdos e temáticas em espécies de gavetas e acordo com as semelhanças. A pesquisa se
desenvolveu, portanto, em 3 eixos, sendo eles:
1. Pesquisa Bibliográfica: foram pesquisados teóricos que contemplem (a) centralidade da mídia
para a política; (b) a crescente utilização da internet nas campanhas eleitorais.
2. Pesquisa documental e corpus de análise: foram coletadas as publicações dos candidatos ao
governo de Minas Gerais, Pimentel (PT) e Anastasia (PSDB), por meio da utilização do recurso de
Print screen, compreendendo todas as publicações do período da primeira semana de campanha
permitida, do dia 16 a 23 de agosto de 2018.
3. Análise de Conteúdo: Desenvolveu-se uma análise quantitativa e qualitativa, visando
responder aos objetivos da pesquisa, conforme proposto por Laurence Bardin (2011). Os dados
coletados foram analisados em duas categorias: conteúdo e formato das publicações. Os conteúdos
analisados compreendem:

Tabela 1 – Conteúdos acionados nas mensagens

Categoria Descrição
Imagem do candidato Construção da imagem do candidato a partir dos atributos pessoais, qualidades, trajetória de
vida e no campo político.
Construção da imagem do Ressalta pontos positivos de Minas Gerais e sua população, construindo uma imagem
estado positiva.
Desconstrução da imagem Ressalta pontos negativos de Minas Gerais, desconstruindo a imagem do mesmo.
do estado
Temas Políticos Propostas e discussão sobre temáticas como saúde, educação, segurança pública, crise no
estado, entre outras.
Resposta ao ataque de Postagens que visam defender a imagem do candidato frente a acusação de opositores.
adversários
Crítica a adversários Críticas e ataque aos opositores e seus partidos.
Menção a partidos Postagens que citam o partido do pré-candidato e/ou partidos aliados.
Conjuntura política Conteúdo da postagem relacionado à conjuntura política atual do pa
Atividades de campanha Toda e qualquer atividade relativa a campanha, como visita a instituições, viagens às cidades
do estado, debate, panfletagem, caminhada com apoiadores, entre outros
Visibilidade na mídia Participação em entrevistas, programas, reportagens, entre outras formas de aparição direta
na imprensa e suas distintas plataformas.
Apoio de líderes, políticos Mensagens de apoio feitas pelo ator político e/ou recebidas.
e/ou populares
Agenda Divulgação de agenda do candidato e outros eventos
Prestação de contas Postagem sobre o que o político tem feito na gestão atual.
Fatos Contemporâneos Postagens sobre os fatos que estão ocorrendo concomitante no cenário atual, como datas
comemorativas, Copa do Mundo, etc.
Pesquisa de Intenção de Postagens com a divulgação das últimas pesquisas de intenção de voto.
Voto
Mobilização e apelo ao Tentativa de mobilizar a participação dos seguidores em alguma campanha ou programa.
engajamento dos seguidores
Outros Não se encaixam em nenhuma das categorias acima.

Fonte: Autores

Quanto ao formato foram utilizadas as seguintes categorias: Imagem/fotos/ilustração, Gráficos,


Charges, Vídeos, Links, Evento e Outros. Alguns desses formatos são nativos das redes sociais e
ambiente digital.
Ainda, é importante ressaltar que cada postagem feita nas páginas pode compreender mais de
um conteúdo e mais de um formato.

4.2 – Sobre os candidatos e a quebra da polarização PT versus PSDB

A tradicional polarização PT versus PSDB na disputa pelo governo de Minas foi vista nos pleitos
de 2002, 2006, 2010 e 2014. A expectativa e as pesquisas apontavam que ela seria retomada em
2018, todavia, o discurso outsider venceu.
Em 2002, o neto de Tancredo Neves, Aécio Neves (PSDB), foi eleito com uma votação expressiva
para governador do estado, retomando o controle para o PSDB. Aécio foi eleito no primeiro turno,
com mais de 57% dos votos válidos. Até o momento, o tucano era presidente da Câmara dos
Deputados de Minas. Aécio derrotou o seu adversário Nilmário Miranda (PT) e se iniciou a polarização
PT versus PSDB nas eleições mineiras, refletindo um cenário que também ocorreu no âmbito nacional
com seis eleições polarizadas entre os dois partidos (1994, 1998, 2002, 2006, 2010 e 2014).
Em 2006, Aécio Neves foi reeleito como governador do estado, novamente em primeiro turno
com mais de 77% dos votos válidos, deixando mais uma vez seu oponente Nilmário Miranda (PT) em
segunda posição. Aécio permaneceu no governo até 2010. Em 2010, o neto de Tancredo saiu do
governo de Minas para disputar o Senado, cargo que venceu e permaneceu até 2018. Ao sair, assumiu
seu vice e afilhado político, Antônio Anastasia (PSDB). Ainda nas eleições de 2010, Antônio Anastasia
(PSDB) venceu a disputa para o governo do estado.
Anastasia governou de 2011 até 2014, ano no qual saiu para disputar como senador por Minas
Gerais, mesmo trajeto feito pelo seu companheiro de partido Aécio Neves. Assumiu como governador
o então vice, Alberto Pinto Coelho (PP). Coelho ficou no cargo de 2014 a 2015.
Nas eleições de 2014, a tradição mineira PT versus PSDB se repetiu e a disputa para governador
do estado se acirrou, assim como no cenário nacional. Pimentel (PT) rompeu com a hegemonia tucana
de 12 anos consecutivos no poder. Eleito em segundo turno, o petista deixou seu oponente tucano,
Pimenta da Veiga (PSDB), para trás. Pimentel foi eleito com quase 53% dos votos válidos, pouco mais
de um milhão de votos de diferença do segundo colocado.
Nas eleições de 2018, Pimentel (PT) tentava a sua reeleição, todavia, em um cenário nacional e
estadual bastante conturbado. Nacionalmente, o seu partido, o PT, enfrenta uma série de desgastes
(impeachment da Presidenta Dilma, julgamento e prisão de Lula, além do bombardeamento constante
da mídia), outrossim, o país vive uma crise política com fragmentação de alianças, em especial, da
aliança PT-PMDB (agora, MDB). No estado, além da interferência do cenário nacional, Pimentel
enfrenta uma crise econômica sem precedentes. Salários de servidores e aposentados parcelados e
com atraso, dívida do estado para com os municípios e obras paradas. Contexto esse que contribui
para o desgaste da imagem dos partidos e políticos tradicionais, mas que ainda apontava uma
polarização PT x PSDB nas eleições.
Antônio Anastasia (PSDB) retornou para disputar o governo, com o discurso de que iria resolver
a crise, que seu adversário acusava de ter criado. Anastasia sustentou o discurso de professor e
servidor público, cargo que ocupou anteriormente. Todavia, sua indisposição com os professores,
ainda é grande.
As pesquisas apontavam um segundo turno entre Anastasia (PSDB) e Pimentel (PT). Os dois
candidatos, em primeiro turno, pareciam se esquecer dos demais adversários e se acusavam
mutuamente pelo cenário de crise. Em meio a todo esse contexto, um outsider e seu discurso de “não-
político” começou a ganhar força. Romeu Zema, do partido Novo, começou a se destacar no cenário e
teve um crescimento exponencial. Apesar dos 7 segundos de TV, Zema utilizou as redes sociais a seu
favor para mobilização de eleitores e para divulgar seu discurso de empresário bem-sucedido e
candidato que representava o “novo” na política.
Apesar do seu crescimento, não era esperado que o mesmo seguisse para o segundo turno.
Todavia, na reta final da campanha, o candidato do Novo e um dos donos do Grupo Zema, declarou
apoio a Bolsonaro em um dos debates da Globo Minas. A partir daí as pesquisas apontaram a
possibilidade do mesmo de tirar Pimentel (PT) da disputa e ir para o segundo turno com o tucano
Anastasia. O “efeito Bolsonaro” teve impacto na disputa em Minas Gerais e Zema, não só foi para o
segundo turno, como ultrapassou Anastasia. Romeu Zema obteve quase 43% dos votos válidos,
enquanto o tucano atingiu pouco mais de 29%. Deste momento em diante, Romeu Zema (NOVO) – a
novidade, o empresário – passou a ser o favorito para vencer a disputa, enquanto Anastasia (PSDB)
passou a representar a “velha política”, o que já foi feito, a experiência.
Romeu Zema (NOVO), no 2º turno, passou a ser o favorito. O apoio a Bolsonaro já era pedido
constantemente por seus seguidores nas redes sociais. Contudo, o Novo já possuía um candidato
oficial à presidência, João Amoêdo. No novo cenário, em pesquisa divulgada pelo Ibope7, Zema
apareceu já com 67% de intenção de voto, enquanto seu adversário tucano apresentava 33%.
Na disputa entre o Novo e o PSDB, o outsider levou a melhor, com quase 72% dos votos válidos,
o que representou quase 7 milhões de votos. Anastasia (PSDB) obteve pouco mais de 28%, o que
equivale a pouco mais de 2 milhões e 700 mil votos. Tendência esta já observada no país e,
especificamente, em Minas Gerais nas eleições municipais de 2016, na qual o também outsider e
empresário, Alexandre Kalil (PHS), derrotou o tucano João Leite em segundo turno. Na disputa de
2016 já estava vigente a Reforma Eleitoral de 2015 e Kalil possuía pouco tempo de TV, se comparado
ao adversário, também utilizando das redes sociais e do seu discurso de “não-político” para vencer.
Isso demonstra que, mesmo com o desenvolvimento de novas mídias e formas de interação e sua
utilização nas campanhas, é inegável a importância do campo midiático para o campo político.

4.3 – Análise dos conteúdos e formatos

No período que compreendeu os dias 16 a 23 de agosto de 2018, foram feitas 126 publicações no
total, sendo 61 posts feitos pelo candidato tucano Anastasia, uma média de 8,7 publicações por dia, e
65 posts do candidato petista, o que dá aproximadamente 9 posts por dia. A pesar da pouca diferença,
vale ressaltar que os candidatos passaram a usar as redes sociais de forma mais intensa na primeira
semana de campanha, se comparado ao período anterior. Anastasia (PSDB) tinha em sua fanpage
neste período aproximadamente 88 mil e 500 curtidas e quase 88 mil seguidores. Em contrapartida,
Pimentel parece ser mais popular nas redes sociais. Ele apresentava na época quase 228 mil curtidas
e 225 mil seguidores.
Na categoria “conteúdos”, Antônio Anastasia (PSDB) utilizou mais os seguintes temas:
1) “Atividades de campanha”: presente em 24 posts, o que representa 39% do total de
publicações;
2) “Ataque ao adversário/resposta ao ataque do adversário”: presente em 19 publicações, 31%
do total;
3) “Imagem do candidato”: acionada em 16 posts, 29% das publicações;
4) “Temas políticos: crise no estado”: presente em 12 posts, 8% do total.
Já o seu oponente, Fernando Pimentel (PT) acionou principalmente as seguintes categorias:
1) “Imagem do candidato”: acionada em 20 publicações, o que representa 30,7% do total;
2) “Temas políticos: crise no estado”: 19 publicações, o que representa 20%;
3) “Ataque ao adversário/resposta ao ataque do adversário”: presente em 17 posts, 26% do
total;
4) “Prestação de contas”: presente em 15 postagens, o que representa 23% do total.
O quadro de análise com os conteúdos acionados e suas respectivas quantidades por candidato
estão a seguir:

Tabela 2 – Conteúdos acionados pelos candidatos na primeira semana do 1º turno

Conteúdo Antônio Anastasia (PSDB) Fernando Pimentel (PT)


Imagem do candidato 16 20
Construção da imagem do estado/ Desconstrução da imagem do estado 3 4
Temas políticos: fóruns regionais 0 2
Temas políticos: educação 1 2
Temas políticos: segurança pública 0 1
Temas políticos: saúde 1 0
Temas políticos: economia 0 4
Temas políticos: mulher 1 0
Temas políticos: juventude 1 0
Temas políticos: crise no estado 12 19
Temas políticos: burocracia 1 0
Temas políticos: cardápio 0 0
Conjuntura política 0 10
Ataque ao adversário/ resposta ao ataque de adversário 19 17
Menção a partidos 0 2
Atividades de campanha 24 12
Prestação de contas 0 15
Visibilidade na mídia 2 1
Apoio/agradecimento a lideranças, políticos e populares 4 10
Agenda 2 3
Pesquisa de intenção de voto 5 0
Mobilização e apelo ao engajamento dos eleitores 1 0
Pedagogia do voto 0 0
Fatos contemporâneos 1 3
Outros 3 2

Fonte: Autores

No que refere aos formatos empregados na campanha, é possível visualizar uma estratégia
bastante parecida entre os candidatos do PT e do PSDB. A seguir o quadro com os formatos
empregados e a quantidade por candidato.

Tabela 3 – Quadro com os formatos utilizados pelos candidatos na primeira semana de campanha do
1º turno

Formato / candidato Antônio Anastasia (PSDB) Fernando Pimentel (PT)


Imagem/foto/ilustração 34 34
Vídeo 23 21
Gráfico 2 0
Charge 0 1
Link 2 6
Evento 0 0
Outro 0 3

Fonte: Autores

O tucano Anastasia utilizou mais os formatos “Imagens/fotos/ilustrações”, presente em 34


publicações (55,7%); seguida de “Vídeos”, presente em 23 posts (37,7%); e “Gráfico” e “Links”
presentes em 2 publicações cada (3,2% cada). Pimentel (PT) acionou mais
“Imagens/fotos/ilustrações”, presente em 34 postagens (52% do total); “Vídeos” aparece em segundo,
com 21 posts (32%); e a categoria “Links” foi acionada em 6 publicações (9%).
Antônio Anastasia (PSDB) acionou mais as categorias que constroem sua imagem positivamente,
associando-a a sua trajetória política e carreira enquanto professor. Em “Imagem do candidato”, o
tucano ressaltava qualidades como gestor competente e experiente, capaz de vencer a crise,
recorrendo constantemente à sua gestão enquanto governador do estado. Ainda, o tucano usou a
primeira semana para atacar seu adversário e atual governador, Fernando Pimentel (PT), colocando-o
como culpado pela crise econômica no estado e o acusando de má gestão, bem como, de se apropriar
do dinheiro dos municípios. Além disso, é interessante ponderar como o tucano tentou afastar sua
imagem da imagem do seu partido e do padrinho político, Aécio Neves (PSDB). Isso ocorre justamente
devido ao desgaste sofrido por ambos após os escândalos de corrupção. Ainda, o candidato foi o único
que acionou a categoria “Pesquisa de intenção de voto” (presente em 5 publicações, 8% do total de
postagens) não só para afirmar que o mesmo liderava as pesquisas, como também para demonstrar o
alto índice de rejeição do adversário petista.
Fernando Pimentel (PT), por sua vez, acionou muito a categoria “Imagem do candidato”,
construindo uma narrativa positiva sobre si, enquanto governador aberto ao diálogo, que lutou e luta
pela democracia, considerado um dos melhores prefeitos da capital mineira e que ouviu o interior, por
meio dos Fóruns Regionais. Pimentel, governador em exercício no momento no qual a crise econômica
se agravou, acionou a categoria “Temas políticos: crise no estado” para se desvincular da culpa da
crise, igualmente, para estabelecer a narrativa de que a crise foi gerada pelos 12 anos de gestão
tucana (inclui os governos de Aécio Neves e Antônio Anastasia) e agravada pelo boicote do governo
Temer contra Minas Gerais. Categoria essa que somada à “Ataque ao adversário” visam desconstruir a
imagem de Anastasia. O candidato do PT acionou a categoria “Prestação de contas” para validar o
discurso de que, mesmo com a crise, muito foi feito pela educação, com aumento de salário dos
professores, pela saúde e pela segurança pública. Categoria esta que lhe tenta construir uma imagem
positiva sobre si, enquanto gestor. Outrossim, diferente do opositor, Pimentel associou sua imagem, à
todo momento, à imagem do ex-presidente Lula (promovendo a campanha “Lula Livre”) e à candidata
ao senado por Minas e ex-presidenta, Dilma Rousseff (PT).
É possível notar um diálogo entre as estratégias acionadas pelos candidatos do PT e do PSDB, ao
mesmo tempo que parecia que a campanha girava em torno dos dois, as temáticas mais acionadas
giravam em torno da crise econômica vivenciada pelo estado e a tentativa de se colocar enquanto
melhor opção para vencê-la, colocando no adversário a culpa dos problemas.

5. Considerações Finais

A partir das análises feitas e do cenário que se desenvolveu no pleito para governador de Minas
em 2018 é possível depreender que, mesmo a campanha nas mídias massivas começando somente em
31 de agosto de 2018 com o HGPE (Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral), as redes sociais são
uma ferramenta importante para manter a visibilidade e o contato entre candidato e eleitorado. Como
forma do candidato construir uma narrativa sobre si, enquanto melhor opção, ao mesmo tempo em
que se apropria das temáticas que irão ser destaque na disputa.
Além disso, é perceptível também o caráter personalista da campanha que à todo momento
ressalta valores e trajetória pessoal de cada candidato, com a construção de imagens e personagens.
As temáticas relativas à propostas e programas de governo aparecem em segundo plano, juntamente
ao partido no qual cada candidato é filiado.
Como dito, havia um diálogo entre as campanhas dos candidatos Pimentel e Anastasia, os temas
mais acionados eram similares, apesar de cada um se apropriar da forma que melhor lhe convém. O
interessante de acompanhar esse período inicial de campanha permitida foram os indicadores
deixados sobre os rumos que as campanhas seguiriam ao longo de todo o pleito e vê-los sendo
seguidos posteriormente.
Por fim, é válido trazer a discussão de que as pesquisas de intenção de voto não dão mais conta
de explicar o cenário vigente. Afinal, as pesquisas indicaram sempre um segundo turno com a
tradicional polarização PT versus PSDB e, como em 2016, ascende um outsider de um partido nanico
(NOVO), que vai para o segundo turno como favorito e vence com uma votação expressiva, deixando
os partidos de maior tradição fora do poder.

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2008.

1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho 5 - Mídia, Personalismo e Lideranças Políticas, I Simpósio Nacional de
Comunicação Política, Eleições e Campanha Permanente, 27 a 28 de março de 2019.

2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). O presente
trabalho foi realizado com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – BRASIL (CAPES). Graduada em
Jornalismo pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), e-mail: dlvs1@hotmail.com.

3 Orientador do trabalho, Doutor em Ciência Política pelo IUPERJ, docente do Curso de Jornalismo da Universidade Federal de
São João del-Rei (UFSJ) e professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFJF, e-mail: luizoli@ufsj.edu.br .

4 Doutorando em Comunicação Social pelo PPGCOM da Universidade Paulista (UNIP), mestre em Comunicação Social pelo
PPGCOM da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e Graduado em Comunicação Social – Jornalismo pela UFSJ.

5 “Pesquisa Eleitoral Minas Gerais 2018”, disponível em: <https://www.eleicoes2018.com/pesquisa-eleitoral-minas-gerais/> .


Acessado em: 30 jun. 2018.

6 De acordo com a pesquisa, o Facebook ultrapassa em número de usuários ativos o Whatsapp, no primeiro trimestre de 2018.
Matéria “Facebook chega a 127 milhões de usuários mensais no Brasil”, veiculada pela Folha de São Paulo, em 18 de julho de 2018.
Disponível em: < https://www1.folha.uol.com.br/tec/2018/07/facebook-chega-a-127-milhoes-de-usuarios-mensais-no-brasil.shtml>
Acesso em 20 nov. 2018.

7 Pesquisa divulgada pelo Ibope em 23 de outubro de 2018, na matéria “Ibope para governado de Minas, votos validos: Zema,
67%; Anastasia, 33%”, disponível em: < https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/eleicoes/2018/noticia/2018/10/23/ibope-para-governador-
de-minas-votos-validos-zema-67-anastasia-33.ghtml> Acesso em 20 nov. 2018.
CAPÍTULO 28

ENTRE O ANTIPETISMO E A ‘TERCEIRA VIA”: ESTRATÉGIAS DISCURSIVAS


DO PSDB NA ELEIÇÃO DE 20181

Mércia Alves2
Joyce Miranda Leão Martins 3

1. Introdução

PSDB E PT foram os protagonistas das eleições presidenciais brasileiras durante vinte anos,
ainda que o desejo por uma “terceira via”, representado por um voto que não era dado a nenhuma das
legendas, também estivesse presente desde o início da polarização que começou no ano de 1994
(SOUZA e MARTINS, 2015) com a campanha de Fernando Henrique Cardoso à presidência da
República. De lá para cá, ambos os partidos não só dividiram os votos da grande maioria do eleitorado
como também construíram suas imagens um em relação ao outro (MARTINS, 2016), utilizando as
propagandas partidárias e eleitorais para tal objetivo. Em um contexto de democracia de público
(MANIN, 1995), no qual as campanhas são fundamentalmente de comunicação, o Brasil tem como
uma das variáveis explicativas do voto o HGPE4, espaço que é matriz das estratégias discursivas de
partidos e candidatos. Contra o retorno ao “período sombrio dos tempos FHC”, o PT vinha se saindo
vitorioso em todas as eleições desde que Lula chegara à presidência.
Com o impeachment de Dilma Rousseff5, sucessora de Lula, no ano de 2016, o PSDB foi a sigla
naturalmente vitoriosa. O partido, que também era protagonista na disputa nos estados, municípios e
casas legislativas, foi o grande vencedor das eleições intermediárias de 2016, quando o partido
passou de 686 a 793 prefeituras, o que representou um acréscimo de 15,6%, o maior do país. Os
tempos do governo de FHC já não pareciam causar medo nos eleitores, mas sim a possibilidade de
manutenção dos petistas no poder. Na capital paulista, houve grande vitória foi do partido: João Dória
foi eleito no primeiro turno contra o candidato à reeleição, Fernando Haddad (PT), eleição em que a
campanha da TV foi fundamental para o candidato tucano construir a sua imagem anticorrupção e,
principalmente, antipetista (ALVES, 2017). As eleições municipais, daquele ano, tiveram como pano
de fundo o processo de impeachment e a destituição da presidenta apoiado massivamente por
lideranças psdbistas.
A campanha anticorrupção, que viria por inflamar o antipetismo presente nos discursos de PSDB
em 2016 e 2018, e do PSL também em 2018, fora antes protagonizado pelos meios de comunicação
alinhados historicamente a setores conservadores, pautados pelo discurso moral e ético (ALDÉ 2007;
GERALDINI e ALVES, 2019; AZEVEDO, 2017). São exemplos, o caso da ação penal 4706 (GOBBI e
ALVES, 2017) e a Lava-Jato, que a partir de 2015 fue explotada secuencialmente por más de un año,
contribuyó al descrédito estatal, del gobierno federal y del Partido de los Trabajadores (GERALDINI e
ALVES, 2019, p.214). A posterior prisão do pré-candidato e ex-presidente Lula7, além de acirrar o
antipetismo, configurou um cenário de disputa em que o maior opositor ao PT teria grandes chances
de vencer o jogo eleitoral. Lugar de fala, que como se sabe, foi ocupado por Bolsonaro.
Nesse cenário, em que a campanha na TV teria duração reduzida, o PSDB de Alckmin liderou
uma ampla coligação em favor do tempo de TV, e do fundo partidário: a coligação “Para unir o Brasil”
ficou com 48%, o que totaliza 828 milhões de reais8. A aliança do chamado “centrão”, incluiu oito
partidos, além do partido cabeça de chapa: PP, PTB, PSD, SD, PRB, DEM, PPS e PR, rendendo ao
presidenciável do PSDB o maior tempo na tela: cinco minutos e trinte e dois segundos. O ex-
governador de São Paulo teve mais tempo que Lula/Haddad (PT), Meireles (PMDB), Álvaro dias
(Podemos), Ciro (PTB), e Marina (Rede) juntos. Indícios das perspectivas do PSDB para aquelas
eleições.
O objetivo do artigo é verificar, por meio da análise da campanha de Geraldo Alckmin nas
eleições de 2018, quais as estratégias discursivas mobilizadas pelo candidato para se colocar como
melhor presidenciável no contexto de forte antipetismo no país. Esse não deveria ser, afinal, o melhor
dos mundos para o PSDB? O corpus empírico do trabalho são os programas do PSDB exibidos no
HGPE do seu candidato à Presidência da República em 2018. Os métodos utilizados são a análise da
agenda da campanha e a análise do discurso.
Argumentamos que em um ambiente com grande polarização entre petistas e antipetistas,
Alckmin acabou buscando colocar-se como o “anti-anti”, contra o PT e contra Bolsonaro, mas a
imagem de uma oposição moderada acabou por ser rejeitada. Além de ter atuado como coadjuvantes
da disputa, Alckmin e PSDB também atuaram como coadjuvantes de Bolsonaro, levando para o
horário eleitoral, pautas “impostas” pelo adversário9. A ênfase na imputação de anti-ethos ao
candidato do PSL, mais do que na construção do ethos de Alckmin colaborou ainda para que as
propagandas do PSDB sofressem inflexão e modificassem o seu sentido: de melhor opção ao
antipetismo à “terceira via” entre as candidaturas de Haddad e Bolsonaro. Posteriormente, rende-se
ao “antipetismo emocional10” e afirma que só o PSDB venceria o PT no segundo turno.

2. A análise das estratégias de Alckmin e do PSDB

As estratégias de construção de imagens, pensadas pelo campo político e seus auxiliares, são
condicionadas pela cultura política local, cenário econômico, político e social de determinado
momento, legislação e sistema eleitoral. As disputas eleitorais ocorrem estimuladas pelo cenário
maior de simbiose entre a política e a mídia e dentro de um ciclo de campanhas de padrão midiático-
publicitário (CARVALHO, 1999), iniciado, nacionalmente, em 1989, quando da primeira eleição direta
à presidência da República, depois do regime militar.
É curioso que, em uma democracia latino-americana, onde os eleitores, em geral, aderem pouco
aos partidos, e a confiança nas instituições representativas é baixa, tornando a volatilidade eleitoral
mais elevada, PT e PSDB tenham permanecido, por 20 anos, “no comando” das eleições presidenciais
brasileiras, em uma polarização que por vezes chegou a ser ameaçada, mas sempre se repetiu, em
grande parte, com a ajuda das propagandas eleitorais (SOUZA e MARTINS, 2015). Muitas respostas
podem ser buscadas para saber por que elas não funcionaram para o PSDB na eleição presidencial de
2018. Antes de buscá-las, importa saber quais foram utilizadas na disputa; que imagens a campanha
tentou mobilizar para convencer o eleitor de Alckmin e o PSDB deveriam estar no segundo turno.
A opção utilizada para observar as imagens no discurso, a análise do discurso (AD), a partir de
princípios e procedimentos apontados por Orlandi (2012), pois como afirma García et al (2005, p.33):
“Consideramos las imágenes como parte de la construcción discursiva”, pois “si la televisión es
imágen y sonido, el político que desee utilizarla como medio deberá saber conjugar el discurso oral
con el visual que se superponen” (BERROCAL apud GARCÍA et al, 2005, p. 33). Partindo da concepção
de Charaudeau (2008), o discurso está dividido em ethos, logos e pathos. Busca-se atentar para o
ethos, entendido pelo autor e por Maingueneau (2005) como a construção da imagem de si. Os ethé
podem ser de credibilidade ou de identidade (CHARADEAU, 2008) e os discursos estão sempre dentro
de outros (interdiscurso), aliam-se a série de enunciados (formações discursivas) que, por sua vez,
estão dentro de formações ideológicas, visões de mundo.
O lugar de fala, tanto cognitivo como construído dentro do discurso, refere-se à localização das
falas, colaborando para que um discurso seja entendido a partir de um sentido e não de outro. Um
exemplo: mudança, vindo do lugar de fala da oposição, refere-se a um período atual, à transformação
do governo vigente; a palavra, quando mobilizada pela situação, remonta a um período anterior em
que o governo era ainda pior, podendo servir também para autocrítica ou reforço da ideia de que uma
transformação maior estaria por vir com o atual governo, que já teria começado a colocar a mudança
em prática.
Junto à análise do discurso, procedeu-se à observação do tipo de estratégia a qual a própria
estratégia de mobilização de ethé (que leva em consideração contexto, partido, história de vida etc.)
estava vinculada. Partindo do pressuposto que as técnicas de propaganda podem ser utilizadas e
consideradas como estratégias discursivas (GARCÍA et al, 2007), observaram-se os distintos tipos de
anúncios gerados por essas técnicas, classificando as mensagens da propaganda partidária eleitoral
dentro de tipos ideais de anúncios descritos por García et al (2007). De acordo com esses autores, os
anúncios podem ser: positivos, negativos e de contraste ou defesa, nos quais aparecem estratégias
defensivas, ofensivas, de comparação entre obras e biografias.
Partindo do pressuposto que as técnicas de propaganda podem ser utilizadas e consideradas
como estratégias discursivas (GARCÍA et al, 2007), observaram-se os distintos tipos de anúncios
gerados por essas técnicas, classificando as mensagens da propaganda partidária eleitoral dentro de
tipos ideais de anúncios descritos por García et al (2007). De acordo com esses autores, os anúncios
podem ser: positivos, negativos e de contraste11 ou defesa, nos quais aparecem estratégias defensivas,
ofensivas, de comparação entre obras e biografias. Para colocar em prática essas estratégias (que
podem ser de exaltação do candidato, ataque ao adversário ou comparação entre obras e biografias),
é preciso “incorporar” uma imagem.
Os anúncios positivos são de apresentação e valorização do candidato; relacionados a temas; de
caráter mítico. Os negativos comportam ataques diretos ou indiretos; comparações em que a
conclusão implícita seja de ataque ao adversário; avisos de sentido jornalístico neutro, com
afirmações informativas, em que se convida o eleitor a ter determinada conclusão negativa sobre o
rival; avisos de testemunhas que dão opiniões ruins relacionadas ao adversário; justaposição de
imagens com objetivo de produzir falsas inferências no telespectador/eleitor. As propagandas de
defesa são aquelas realizadas para responder a ataques já realizados ou que buscam se antecipar a
possíveis ataques, com o objetivo de neutralizá-los.

3. Os antecedentes da eleição de 2018

O voto em uma “terceira via”, que não fosse dado nem ao PT nem ao PSDB, vinha crescendo
desde o início da polarização nacional, em 1994 (SOUZA, MARTINS, 2015). Em 2014, pleito posterior
ao junho de 2013 (quando o sistema político foi atacado em manifestações nacionais) pela primeira
vez, a dicotomia entre PT e PSDB quase foi rompida. Entretanto, a polarização atualizou-se com a
ajuda de estratégias de campanha negativa, levadas a cabo nos programas de Dilma Rousseff e Aécio
Neves. Naquele momento, as estratégias de ambos convergiram para mostrar que um “salto no
escuro” era arriscado e que Marina Silva (PSB) não se afastava tanto do PT e do PSDB como gostaria
de fazer crer (SOUZA e MARTINS, 2015).
Ao analisar o início da polarização PT x PSDB, Martins (2016) elencou 4 fatores que poderiam
fazê-la romper-se: 1) Apresentação de uma candidatura que represente o novo sem que isso gere
insegurança na maioria da população; 2) Um discurso que efetivamente se distancie do que já foi
mostrado por PT e PSDB ou o surgimento de líderes capazes de ocupar lugares de fala outrora
ocupados por esses partidos; 3) Discursos que combatam os significados positivos relacionados aos
ciclos de Fernando Henrique e Lula; 4) Aproximação, por parte de um candidato, de demandas sociais
que se combinem às econômicas. Nesse sentido, para manter-se na disputa, o PSDB precisaria,
principalmente, atacar o “novo” mostrado por Bolsonaro; impedir que ele ocupasse o lugar de fala dos
tucanos de oposição ao PT; destacar aspectos positivos da Era FHC.
Diferente do PT na campanha que legitimou Lula como presidente, o PSDB sempre focou na
construção da imagem somente de seus líderes, que estariam acima de partidos (1994, 2010, 2014) e
a favor da união nacional (1994, 2014)12. Dessa maneira, a perda de credibilidade de suas lideranças
impactaria, diretamente, na imagem de um novo presidenciável do PSDB. Assim, depois de a imagem
de Aécio convencer o eleitorado de que poderia ser o anti-PT em 2014 “quem tira o PT do poder
somos nós” (horário eleitoral de 2014) não seria tão fácil para outro líder do PSDB ocupar novamente
esse espaço, tendo em vista que a imagem de Aécio sofreu desgastes e que este lugar também foi
construído como metonímia de combate à corrupção. Se o PSDB também havia sido atingido pela
Lava-Jato, como dizer-se efetivamente antiPT? Como enfrentar o descontentamento popular com as
instituições representativas, que fora visto em 2018? Diante desse cenário, buscamos responder:
quais seriam as estratégias dos tucanos nesta eleição e que imagens Alckmin mobilizaria?

4. A busca por um lugar de fala na propaganda eleitoral


O PSDB, então, muniu-se de bastante tempo no horário eleitoral13. Os primeiros programas de
Alckmin resumem-se à apresentação de sua trajetória política, enfantizando a experiência como
governador do estado mais rico do país. A eficiência como gestor o tornaria preparado para levar ao
Brasil os avanços que São Paulo testemunhou durante as suas quatro gestões. Estratégia que dera
certo em 2014, também, apareceu logo nas primeiras propagandas eleitorais: atacar a credibilidade
de quem ameaçava a polarização. Essa primeira estratégia pareceu vir da convicção de que Bolsonaro
poderia tirar o PSDB do segundo turno. Por isso, os esforços se voltaram à campanha negativa contra
o presidenciável do PSL, realizada, primeiro, de modo indireto. Enquanto os spots atuavam de modo
realista, “mostrando a verdade” em edições de falas de Bolsonaro que menosprezavam as mulheres, o
horário eleitoral começou com um “pedido” de diálogo, um apelo à razão, feito por uma narradora,
que aparece no meio de uma bandeira brasileira, dividida:

Eu não sou diferente de você. Eu também estou “p da vida”. Eu também acho que do jeito que está não
pode ficar. Mas por mais indignada que eu esteja, e eu estou, muito, eu decidi que, nesse ano, eu não vou
votar com raiva. Com raiva a gente não pensa. E quando a gente não pensa a chance de fazer besteira
aumenta. É só olhar o facebook, WhatsApp. É muito ódio, muito discurso raivoso. Amigos brigando, país
dividido. O Brasil não pode mais viver desse jeito. Eu não quero isso para mim, para a minha família. É hora
do equilíbrio, do bom senso. É hora de alguém que resolva usando a cabeça e o coração (Para unir o Brasil,
HGPE, 2018).

O hino nacional, mobilizando o sentimento aflorado em 2013, tocava de modo baixo e


instrumental, enquanto a narradora falava. Na busca pelos elementos que poderiam criar um ethos de
identidade (como o eleitor, Alckmin também estaria indignado), a propaganda intentava construir
outro sentido para o lugar de fala do antipetista: quem iria representar a Nação precisaria conter
excessos, usar o equilíbrio para não transformar o Brasil em um lugar de ódio, que poderia, se
estimulado, chegar até a causar mortes.

Imagem 1: Não é bala que resolve

Fonte: Para unir o Brasil, HGPE, 2018

4.1. O antipetismo não deve ser prejudicial às mulheres

Na construção do anti-ethos de Bolsonaro, a campanha de Alckmin também buscou mobilizar um


eleitorado que, por primeira vez, dividia-se de acordo com o gênero. As declarações machistas do
militar da reserva provavelmente colaboraram para a rejeição feminina. Amparando-se nessa
realidade e no fato de que a maioria dos eleitores indecisos era composta por mulheres, o programa
deu a palavra à vice de Alckmin, Ana Amélia: “nós mulheres sofremos, todos os dias, a desigualdade, o
preconceito, a violência. [...] Estou nesta eleição para ajudar a mudar essa realidade”. Com o PSDB no
poder, então, as mulheres teriam protagonismo. O mesmo programa destaca também os projetos de
inclusão social desenvolvidos pela esposa, Lu Alckmin. Geraldo ressalta a importância da participação
das mulheres na política, mobilizando uma série de estereótipos gênero, tais como a sensibilidade
nata, e a aptidão para determinados programas sociais equiparados ao cuidado familiar.
O programa em que a vice fala é justamente o do dia da independência do país, uma defesa
implícita a autonomia das mulheres. Já com Bolsonaro, as discriminações seriam normalizadas. Vale
destacar que Alckmin dedica um grande espaço do seu programa e dos spots para discutir esses
temas, do ambiente de trabalho às situações do cotidiano.

Outro dia eu ouvi o Bolsonaro dizer que não contrataria uma mulher pelo mesmo salário de um homem. Ou
seja, para Bolsonaro seria normal a Amanda ganhar menos que o Vinícius, mesmo os dois fazendo o
mesmíssimo trabalho. Amanda... Vinícius... Algum recadinho para o Bolsonaro? (Para unir o Brasil, HGPE,
2018).

Imagem 2: Recado para Bolsonaro

Fonte: Para unir o Brasil, HGPE, 2018

O histórico agressivo de Bolsonaro em relação às mulheres é bastante explorado principalmente


nos spots, quando a campanha chama o eleitor, homens e mulheres, a uma reflexão, questionando a
“normalização” dessas ações: “[...] Não importa a situação ou o motivo [...] quem não respeita as
mulheres, não merece o seu respeito”. Para mostrar que Alckmin era o oposto de Bolsonaro, as
mulheres são protagonistas na campanha do PSDB. Além de Ana Amélia e Lu Alckmin, a principal
apresentadora dos programas e spots é uma mulher, assim como a tradutora de Libras, a narradora
dos programas voltados às mulheres, e as personagens da campanha: a jovem, a negra, a mãe. O
#EleNão e o Mulheres Unidas contra Bolsonaro, movimentos apartidários liderados por mulheres nas
redes sociais, contrários ao candidato do PSL, são utilizados na campanha para corroborar o
argumento de que o antipetismo representando por Bolsonaro é prejudicial às mulheres.

Imagens 3 e 4: Mulheres unidas contra Bolsonaro


Fonte: Para unir o Brasil, HGPE, 2018

A tentativa de assassinato a Bolsonaro, no dia 06 de setembro, muda paulatinamente a direção


dos programas, com o PT sendo colocado como corresponsável pelo acirramento dos ânimos no país.
O PSDB seguiu defendendo a necessidade de moderação no debate político e de união. As estratégias
de campanha negativa prosseguiam, mas Alckmin começou a se deslocar do lugar de fala do mais
apropriado para conduzir a indignação nacional (contra o PT) para aquele que seria o de melhor para
romper com uma polarização da qual ele não fazia parte:

O país precisa de pacificação. O ódio que divide o país cresceu com o PT e fez prosperar radicais de um
lado e de outro. Isso não serve a nenhum brasileiro de bem. Porém, é preciso ter serenidade para separar
as coisas. Uma coisa é um atentado a um candidato, ato vil e covarde [...] Outra coisa é não deixar que esse
acontecimento nos impeça de olhar com cuidado para os problemas do Brasil. (Para unir o Brasil, HGPE,
2018).
Se alguém que viesse ao mundo agora abrisse seus olhos aqui no Brasil, veria um país com pessoas cegas
pelo ódio. Um país dividido, onde um lado incita a violência contra o outro. Um ódio que se espalha e amaça
deixar o país a ponto de explodir. E nós, que não somos nem de um lado e nem de outro, temos o dever de
não deixar o nosso país ser entregue ao caos do ódio cego. Precisamos fazer um país onde as ideias tenham
mais poder que as armas, onde o diálogo tenha mais força que a agressão. Não é na bala e nem na faca que
vamos ter um país melhor. (Para unir o Brasil, HGPE, 2018).

Imagem 5: Brasil e armamento

Fonte: Para unir o Brasil, HGPE, 2018

O ethos de competência é mobilizado, com referências ao governo em São Paulo, e a propostas


para a segurança pública, pauta que Bolsonaro, militar da reserva, encarnava quase de um modo
natural. Mas Bolsonaro não tinha competência nem experiência administrativa, não sabia de
economia (como ele mesmo dissera) e faria mal para o Brasil até neste quesito: “Se Bolsonaro foi
eleito, prepare o seu bolso”. (Para unir o Brasil, HGPE, 2018). Mas Bolsonaro não estava isolado com
a sua incompetência. Ele fora incompetente como deputado; mas “turma do PT”, além de responsável
pela crise econômica era contra o combate à corrupção:

Daqui algumas semanas você vai decidir o futuro que quer pro nosso país, para a sua vida e para a vida da
sua família. De um lado, a turma de vermelho que quer o fim da Operação Lava-Jato para encobrir o maior
escândalo de corrupção do mundo. A turma da Dilma que cortou o dinheiro pro Bolsa Família e o dinheiro
para a saúde e educação, e agora põem a culpa nos outros. A turma que colocou o Brasil na sua maior crise.
De outro lado temos a turma do preconceito, que persegue as mulheres até nas redes sociais. A turma da
revolta, da intolerância, do ódio a tudo e a todos. A turma que não parou para pensar que não se governa
sem apoio político. Que quer um deputado despreparado, sem propostas, e que acha que vai resolver tudo
na bala. Essas duas turmas não vão levar o Brasil a lugar nenhum a não ser o fundo do poço. Eles não tem
proposta, não tem seriedade e muito menos experiência. (Para unir o Brasil, HGPE, 2018).

“Sou contra ambos porque sou a favor do Brasil”. Alckmin representa a união daqueles que
sabem que os problemas a serem enfrentados exigirão do próximo presidente experiência e
capacidade de gestão. Unindo ambos, Bolsonaro e a “turma do PT” como em um só mal porque o
PSDB, definitivamente, não tinha seu lugar garantido no segundo turno nem um único adversário em
quem se concentrar.

4.3. Tiros no escuro, polarizações e ódio: Bolsonaro e PT como faces da mesma moeda

A segunda estratégia do PSDB consistiu, então, em deslocar-se do lugar de fala do melhor


antipetismo, o mais moderado e experiente, para dirigir-se ao lugar da terceira via, mostrar sua
exterioridade ao ódio e ao perigo que o Brasil corria ao apostar em PT ou Bolsonaro. O apelo à
racionalidade e o ethos da competência permeia toda a campanha de Alckmin. Não é diferente
quando aproxima Bolsonaro ao PT. Ambos representam um tiro no escuro, e o Brasil não poderia errar
novamente com Haddad, poste, assim como Dilma, e tampouco eleger o “novo”, o antissistema, outro
Collor: Bolsonaro.

Nenhum país do mundo prosperou embarcando numa aventura. O Brasil não pode de novo dar um salto no
escuro. Os brasileiros já elegera um poste vermelho e não deu certo. Se não deu certo com o primeiro, não
vai dar com o segundo. Também já caímos no conto do vigário com um presidente sem apoio que se dizia “o
novo” contra tudo e contra todos. Deu no que deu: impeachment duas vezes. Não podemos repetir os
mesmos erros. Eu convido você a agir com sabedoria. Não escolha com raiva e nem com intolerância.
Nossos problemas já são grandes demais. Temos que trabalhar pra sair logo da crise [...] (Para unir o Brasil,
HGPE, 2018).

O pior dos mundos, o exemplo do que o país poderia se tornar não estava distante. A Nação
vizinha se encontrava devastada devido a um voto errado que teria transformado um lugar como o
nosso no maior dos pesadelos. O paralelo estabelecido entre Brasil e Venezuela, mobiliza a ideia
presente no imaginário popular do risco do PT transformar o país em uma ditadura comunista, tal
como o vizinho. Esse argumento, que ganhou força com o discurso do próprio candidato do PSL, é
explorado na tentativa da construção da ideia de que ambos, Bolsonaro e PT, representam risco à
democracia brasileira.

A Venezuela tinha muitas semelhanças com o Brasil [...] Era parecido com o Brasil até nos defeitos [...] foi
quando o povo perdeu a fé nos políticos e nos partidos. Cenário perfeito para o surgimento de um salvador
da Pátria [...] a população da Venezuela elegeu Hugo Chavez [...] foi uma escolha eleitoral desastrosa para o
país [...] É muito triste ver o que um voto errado pode fazer com um país. Mais triste ainda é saber que,
aqui no Brasil, o homem que deu inicio à destruição daquele país, Hugo Chavez, tem dois fãs bastante
conhecidos. (Para unir o Brasil, HGPE, 2018).

Imagens 6 e 7: Amigos de Chávez e Venezuela


Fonte: Para unir o Brasil, HGPE, 2018

Talvez esse seja um dos momentos mais delicados da nossa Democracia. O risco do Brasil se tornar uma
Venezuela é real, a partir dos extremismos que estão colocados nessa eleição. Por um lado o extremismo de
um deputado que já demonstrou simpatia por ditadores, como Pinochet e Hugo Chavez, que já defendeu o
uso da tortura, que acha normal que mulheres ganhem menos que homens. Uma pessoa intolerante e pouco
afeita ao diálogo, que em quase 30 anos de congresso, nunca presidiu uma comissão sequer. Nunca foi líder
de nenhum dos nove partidos aos quais foi filiado. Um despreparado, que representa um verdadeiro salto
no escuro.
Por outro lado temos a própria escuridão: o PT, sempre radical e extremista. O partido que apoia o regime
ditatorial que levou a Venezuela ao desastre. O partido que quer o fim da Lava-Jato. Que foi envolvido no
maior esquema de corrupção do mundo: o Petrolão. O partido que nos deixou o desastroso legado de Dilma
e Temer. São dois lados de uma mesma moeda: a do radicalismo. (Para unir o Brasil, HGPE, 2018).

Imagem 8: Apelo de Venezuelana

Fonte: Para unir o Brasil, HGPE, 2018

A sequência de imagens que encerra o tema Venezuela, monstra uma nativa fazendo um apelo
emocionado aos brasileiros: “Não acreditem, por favor. Não existe um salvador. Atrás desse salvador,
o que existe é um diabo” (Para unir o Brasil, HGPE, 2018). Uma referência do discurso antissistema e
messiânico que levou o país à eleição de Hugo Chávez no final da década de 1990, em um contexto de
crise e descrédito nas instituições, nos representantes, e na política de modo geral.
Mesmo com a mobilização do imaginário dos temores, direcionado as campanhas de Haddad e
Bolsonaro, ambos candidatos seguiam na liderança nas pesquisas de intenção de voto, com o
presidenciável do PSL consolidando seu lugar como representante do antipetismo. Alckmin, então,
rende-se ao “antipetismo emocional” e apela a outro tipo de medo do eleitorado: o de que o PT
poderia ser eleito outra vez. Coloca-se, assim, como voto útil contra o antipetismo, ancorado na
rejeição de Bolsonaro que acabaria por eleger o PT.

4.3. Alckmin para o Brasil não dar PT

Na terceira e última fase da campanha, o PSDB se rende ao antipetismo emocional, colocando-se


como única opção contra o iminente risco do “Brasil dar PT”. Novamente, vê-se a tentativa de ocupar
o lugar de fala do antipetismo para chegar ao segundo turno, a partir de apelos à racionalidade:
Bolsonaro não vence o PT no segundo turno, logo, votar em Bolsonaro é eleger o PT. Alckmin e o
PSDB, em contrapartida, apresentam um histórico no Estado de São Paulo, de vitórias inclusive, sobre
Haddad:

Está ficando cada vez mais claro que o risco do PT voltar ao é real. E também está ficando claro que quem
vota no Bolsonaro para derrotar o PT pode estar cometendo um grande equivoco, dando um tiro no pé. Já
percebeu que o PT não ataca o Bolsonaro? Sabe por quê? Porque eles querem enfrentar o Bolsonaro no
segundo turno. Porque o PT sabe que vence o Bolsonaro fácil. A rejeição do Bolsonaro é tão alta, que ele
perde pro PT no segundo turno. Se você não quer entregar o país pro PT ou pra alguém da turma dele, o
seu candidato, não pode ser o Bolsonaro, por mais que você simpatize com ele. Pra vencer o PT e sua turma
no segundo turno, o candidato é Geraldo Alckmin, mesmo que você não simpatize tanto com ele. A questão
agora não é de simpatia. A questão é não deixar o PT voltar. Se você não quer que o PT volte, volte você
para o 45. Esse é o único jeito de o Brasil não dar PT. (Para unir o Brasil, HGPE, 2018).

Imagem 9: Bolsonaro não vence o PT

Fonte: Para unir o Brasil, HGPE, 2018

Geraldo Alckmin é um especialista em derrotar o PT. Em São Paulo venceu o PT para o governo do estado
três vezes, as últimas duas vezes no primeiro turno [...] (Para unir o Brasil, HGPE, 2018).

Imagem 10: Bolsonaro não vence o PT


Fonte: Para unir o Brasil, HGPE, 2018

O tempo antes dedicado à apresentação da agenda de políticas e do perfil gestor do candidato é,


na terceira fase da campanha, dedicado ao argumento do voto instrumental antiPT. O especialista em
segurança pública é agora especialista em vencer o PT, e se propõe – em primeira pessoa –, a unir o
país em torno desse fim:

5. Considerações finais

As estratégias mobilizadas pelo PSDB, na eleição presidencial de 2018, foram mobilizadas,


predominantemente, dentro do âmbito da campanha negativa. Na busca por um lugar de fala que
conseguisse adesão do eleitorado antipetista, Alckmin apresentou três estratégias principais, que
foram divididas em três distintas fases da campanha. O primeiro momento se refere à construção de
um “antipetismo racional”, que passava pela imputação de anti-ethos a Bolsonaro, buscando canalizar
o sentimento de indignação nacional presente no junho de 2013 e mostrar que a melhor opção seria a
do equilíbrio.
As falas de Alckmin estavam inseridas no interdiscurso do antipetismo. Por isso, derrotar
Bolsonaro era fundamental para ocupar o lugar de fala do antiPT. Em contraposição ao presidenciável
do PSL, Alckmin buscava mobilizar, desde o começo, o ethos de homem equilibrado e de político
competente.
A segunda fase da campanha é aquela em que o PSDB busca apresentar Alckmin como uma
“terceira via” entre Bolsonaro e o PT, apelando aos eleitores que recusassem a polarização do ódio, do
radicalismo, unindo PT e Bolsonaro em um único mal. De volta ao foco em Bolsonaro, no “terceiro
tempo” do jogo, a última “cartada” foi afirmar que o postulante do PSL não venceria o PT. Alckmin
havia se rendido ao “antipetismo emocional” e só restou afirmar que o adversário não seria capaz de
impedir a vitória petista naquelas eleições. O ethos final mobilizado era o de um candidato viável,
único capaz de derrotar o PT.
O partido de Lula e Haddad também foi alvo de estratégias negativas na última fase da
campanha, mas o PSDB não buscava mais apresentar-se como uma terceira via. Ele estava ali para
derrotar o PT, e o único obstáculo a isso seria Bolsonaro, um presidenciável com alta rejeição. As
formações discursivas de Alckmin (sua série de falas) filiavam-se ao nacionalismo, às formações
ideológicas do campo da direita, assim como as de Bolsonaro14. Seu lugar de fala, no entanto
(representante do partido de Aécio, envolvido com corrupção, partido que não derrotou o PT desde
1998), parece ter sido um dos fatores que impediu a adesão aos seus discursos. Além disso, a
campanha do PSDB apelava à razão em um momento no qual a emoção dominava o “tempo da
política”.
A ruptura da polarização PT x PSDB, com a ascensão de um político conservador e “anti-
sistema”, deixa em aberto o futuro da democracia de público nacional, que se desdobra ao passar a
ter nova variável explicativa do voto: os subterrâneos do mundo virtual. O declínio do PSDB é também
o declínio de uma direita democrática, na qual o oponente político é um adversário e não um inimigo a
ser destruído.
O lugar de coadjuvante, ocupado pelo PSDB, em 2018, permite inferir que o eleitor brasileiro já
não é mais o mesmo: a narrativa racional foi rechaçada em nome de “soluções” que pareceram mais
eficazes e drásticas. O desafio tanto ao PSDB, como ao PT, é reinventar suas imagens públicas,
convencendo ao eleitorado que o combate à corrupção deve ocorrer dentro da política democrática e
do debate no espaço público, que fica muito reduzido, quando sintetizado no meme, na crença nas
correntes de Whatsapp e no apelo à violência.

Referências
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presidenciais em 2006”. Política e Sociedade 10: 153-172.
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Política. Vol.5 – n.2. 2017.
_________; GERALDINI, B. La Operación Autolavado en el diario Folha de S.Paulo Íconos. Revista de
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_________; GOBBI, Laura. Análise da construção da imagem do Judiciário brasileiro na cobertura do
‘mensalão’ pelo Jornal Nacional. Aurora: revista de arte, mídia e política, São Paulo, v.10, n.28, p. 139-
162. 2017
AZEVEDO, Fernando Antônio. 2017. A grande imprensa e o PT (1989-2014). São Carlos: EdUFSCar.
CARVALHO, Rejane Vasconcelos Accioly. Transição democrática brasileira e padrão publicitário
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CHARAUDEAU, Patrick. Discurso político. São Paulo: Contexto, 2008.
MANIN, Bernard. As metamorfoses do governo representativo. Revista Brasileira de Ciências Sociais. v.
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_______. PT e PSDB na democracia de público brasileira: estratégias partidárias vitoriosas no novo jogo
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GARCÍA Beaudoux, Virginia; D’ ADAMO, Orlando; Gabriel, SLAVINSKY. Comunicación política y
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ORLANDI, Eni Pulcinelli. Análise de discurso: princípios e procedimentos. 10. ed. São Paulo: Pontes
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SOUZA, Bruno Mello; MARTINS, Joyce Miranda Leão. PT x PSDB: a atualização do embate político na
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TELLES, Helcimara de Souza; MARTINS, Joyce Miranda Leão; PIRES, Teresinha; BAPTISTA, Érica Anita.
Vinte e cinco anos de campanhas no Brasil: de Collor a Dilma. In: FIGUEIREDO, Argelina; BORBA, Felipe. 25
anos de eleições presidenciais no Brasil. Curitiba: Appris, 2018.

1 Artigo apresentado no GT 5 durante o I Simpósio Nacional de Comunicação Política, Eleições e Campanha Permanente
Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora 27 a 28 de março de 2019.

2 Doutoranda em Ciência Política pela UFSCAR.


mercia_f.alves@hotmail.com

3 Doutora em Ciência Política pela UFRGS. Pós-doutoranda em Ciência Política pela PUC/SP.
joycesnitram@yahoo.com.br.

4 Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral.

5 Em 26 de Outubro de 2015 Eduardo Cunha (MDB) recebeu o pedido de impeachment que, culminou no afastamento em 12 de
Maio de 2016, e em 31 de agosto do mesmo ano, na cassação do mandato da presidenta eleita.

6 Divulgado pela imprensa como “mensalão”.


7 A discussão sobre o armamento é um dos exemplos mais claros.

8 O valor não pode ser integralmente destinado à campanha, uma vez que o teto estabelecido foi de 70 milhões de reais. O valor,
entretanto, pode ser distribuído entre os demais candidatos dos partidos coligados.

9 Bolsonaro possuía apenas 8 segundos no horário eleitoral.

10 Estamos chamando de “antipetismo emocional” aquele encarnado por Bolsonaro, em contraposição ao de Alckmin, que pedia
moderação e reflexão na hora da decisão do voto.

11 Esses três primeiros são os mais utilizados pela literatura de comunicação e política (García et al, 2007), mas aparecem,
também, os tipos reativo, pró-ativo, de exaltação, de ataque. Por considerar que todos são compreendidos pelos anúncios positivos,
negativos, de contraste ou defesa, eles não serão utilizados.

12 Sobre essas campanhas, ver: Martins, 2016; Souza, Martins, 2015, Telles et al, 2018.

13 Desde 2002 o partido não era o líder de tempo no HGPE.


14 Bolsonaro tinha pouco tempo de TV, mas travava campanha nas redes sociais, pelo menos desde 2014, sendo os seus discursos
já conhecidos por considerável parte do eleitorado.
CAPÍTULO 29

Engajamento político e “crise” democrática: o perfil dos eleitores brasileiros


após as redes sociais1

Carol Fontenelle2
Conceição Aparecida Nascimento de Souza3

1. Introdução

As eleições 2018, além da rivalidade comum em meio aos candidatos de tantas legendas, foi
marcada pela polarização, disputas ideológicas via rede social e aplicativos de mensagem e alto
número de votos não válidos. Na eleição presidencial, por exemplo, 30.87% dos eleitores optaram por
não escolher entre os candidatos Jair Bolsonaro e Fernando Haddad no segundo turno (21.3 % de
abstenções, 7.43% de votos nulos e 2.14% de votos brancos)4.
Este artigo, como teve a intenção de obter dados, informações e ações de um determinado grupo
de pessoas, utilizou a metodologia survey e, assim, se dispôs a analisar o comportamento de parte do
eleitorado brasileiro. Foi critério para estar elegível a responder ao questionário ter mais de 18 anos
(independente de ter ou não votado nas últimas eleições). A pesquisa foi divulgada por meio das redes
sociais e por aplicativos de mensagens e teve 170 respondentes, que responderam o formulário
disponível durante o mês de janeiro. Sabemos que este quantitativo de respondentes se configura em
uma amostragem, com fins científicos, não apresentando a intenção de universalidade estatística.
Dessa forma, pretendemos verificar, por exemplo, se a idade do eleitor muda a maneira como ele
se informa quando o assunto é política e qual as mídias mais utilizadas, observando, neste aspecto, se
os tradicionais veículos de comunicação ainda têm o mesmo espaço no processo de politização que
obtinham antes. Além disso, como os entrevistados se comportam quando o assunto é a internet e o
seu uso para fins políticos de divulgação de informação, será que eles têm o interesse de seguir as
páginas oficiais dos candidatos e, assim, acompanhar seu dia-a-dia e saber sua principal plataforma
de governo? Acreditam que ela seja importante para que eles saibam a vida pública dos candidatos e
assim decidir votar ou não em algum deles? Pretendemos investigar também se os eleitores estão
sendo os grandes emissores de mensagens, se preocupam em checar as informações, se a grande
mídia está perdendo a credibilidade e como ficam aqueles que não concordam com o que a maioria
das pessoas presentes em seu ciclo social pensa. No processo decisório para o voto, eles confiam nos
políticos, ou o voto é estratégico, atendendo a algum interesse pessoal ou ainda a intenção é de votar
no “menos pior”? Eles consideram a maneira de governar a partir de coalisões um modelo
interessante e têm consciência que isto faz parte do sistema brasileiro? Sendo assim, pretendemos
discutir se o brasileiro está perdendo o interesse pela política ou está mudando a forma de se
relacionar com ela.
Como fundamentação teórica, recorremos a textos de autores como: Alessandra Aldé, Argelina
Figueiredo, Fernando Lattman-Weltman, Fernando Limongi, Sergio Abranches, Venício Lima,
Wanderley Guilherme Santos.

2. Mídia e eleições

As eleições políticas, durante muito tempo, tiveram como característica a conquista de


visibilidade por meio da televisão, afinal, a política de telecomunicação imposta pelos governos
militares ampliou, sobre medida, o número de concessões de TVs no Brasil e já na década de 70, a
televisão consolidou sua hegemonia no mercado de comunicação.
Além do horário eleitoral gratuito, candidatos utilizavam o espaço de debate para mostrar suas
propostas e, finalmente, obter contato mais próximo de seu eleitor. Com a popularização da internet,
este tipo de aproximação ganhou uma nova vertente e os candidatos passaram a investir maciçamente
neste quesito, seja ele mesmo administrando a sua página, ou por meio de uma equipe de jornalistas,
especialistas digitais e até sociólogos, preparados para dar a melhor resposta, proporcionando
interação com o internauta. Nesta pesquisa, 57.1% dos entrevistados apontaram seguir as páginas
oficiais das redes sociais dos candidatos de sua preferência. Quando analisado o público de 18 a 25
anos, este índice cresce muito, chegando a 74% de pessoas. Aliado a isto, 71.2% acredita que seja
importante acompanhar a vida privada dos candidatos.
Nas eleições de 2018, foram comuns os episódios dos candidatos responderem aos eleitores
pelas redes sociais. No caso de Jair Bolsonaro (PSL), que não esteve presente aos principais debates
da televisão, a internet ganhou papel decisivo. Foi pelas redes sociais que o candidato (ou os seus
filhos) manteve contato com os eleitores no processo eleitoral. Em várias ocasiões, o então candidato
acusou a mídia de persegui-lo. São constantes as reportagens que o associa ao machismo, racismo e
misoginia, por exemplo, adjetivos que ele nega que sejam para si. Desta forma, ele fez da internet seu
meio de comunicação oficial.

Na mídia tradicional Bolsonaro aparece como um parlamentar polêmico, agressivo, raivoso e um militar
estatizante. Nas suas mídias sociais trabalha uma imagem de quem defende os valores da família e da
sociedade. Tem adotado um discurso liberal e responde a todas as matérias que considera fake News”.
(CIOCCARI e PERSICHETTI, 2018, p.60).

O discurso de Bolsonaro e a reverberação dele na mídia, com frases do tipo: “O filho começa a
ficar assim, meio gayzinho, leva um couro e muda o comportamento dele5”, expele quem reprime
estes atos, mas aproxima quem é a favor da família tradicional brasileira. Além disso, o político, em
diversas entrevistas, mostrou seu interesse na legalização da posse de armas e isto atrai parte da
população que acredita que este ato reduziria os índices de violência.

Bolsonaro utiliza o discurso do medo para respaldar-se num país em que há a construção de um imaginário
no qual o delinquente é sempre um “outro” distante do “cidadão de bem” e que obstrui o bom andamento
da sociedade. Os aspectos identitários da vida policial como a valorização das tradições, da moralidade
cristã e a espetacularização dos embates são transpostos para a vida política como forma de justificativa da
proteção desses “cidadãos de bem”, o que aponta para uma cidadania cindida pela desigualdade
abertamente admitida entre aqueles que merecem usufruir de seus direitos – em especial, o direito à vida –
e aqueles que abandonaram o direito à cidadania para entrar no crime. Num país em que a corrupção
tomou conta do noticiário, em que malas de dinheiro deixam de fazer parte do universo utópico, mas são
capas de jornais, exaltar o “Bolsomito” implica na crença maniqueísta de uma narrativa que simboliza a
esquerda como a representação do grande mal a ser combatido pelo militarismo representado por Jair
Bolsonaro, pela imposição da “Ordem” que possibilitará o “Progresso”. (CIOCCARI e PERSICHETTI, 2018,
p.62 e 63).

Da mesma forma que Jair Bolsonaro, durante muitas vezes, questionou (e ainda questiona)
notícias veiculadas nas mídias tradicionais sobre a sua pessoa, Fernando Haddad PT), o outro
candidato que foi ao segundo turno, também o fez. Durante entrevista realizada dia 14 de setembro
de 2018, ao vivo no Jornal Nacional, por exemplo, ele chegou a fazer acusações à TV Globo: “Você não
pode, em função de um indício, condenar. Eu penso, Bonner, que a Rede Globo muitas vezes condena
por antecipação6”.
Haddad seguiu o mesmo tom de críticas à mídia, feito por Luiz Inácio Lula da Silva, que seria o
candidato do PT. O ex-presidente, preso em abril de 2018 sob a acusação de corrupção e lavagem de
dinheiro, se diz inocente e credita à mídia parte do ódio e da polarização instaurada no país. “Foram
horas e horas no Jornal Nacional e em todos os noticiários da Globo tentando dizer que a corrupção
na Petrobras e no País teria sido inventada por nós”, disse Lula, em carta7, divulgada em 24 de
outubro de 2018.
Deslegitimar o que a mídia divulga e ainda afirmar que ela beneficia A ou B tem sido tão comum
que a Folha de São Paulo, em 12 de outubro de 2018, divulgou uma matéria intitulada: “Críticas a
Bolsonaro e a Haddad têm as mesmas proporções na Folha”. Dentre os dados estão: “As menções
negativas a Bolsonaro aparecem em 24,4% dos textos noticiosos, enquanto as de Haddad equivalem a
24,3% das menções a ele em reportagens”. Ainda de acordo com o levantamento8, quando se somam
as citações feitas de reportagens e colunas, a maioria das menções, aos dois candidatos, é neutra.
A preocupação da Folha de S. Paulo de mostrar com dados neutralidade jornalística deve-se ao
fato da grande mídia estar perdendo a credibilidade e de ser considerada por muitos um meio já
tomado pela politização.

O posicionamento em relação a temas e projetos da pauta pública contribui para alimentar o repertório
disponível aos cidadãos para que formem opiniões e tomem decisões. No entanto, o democrático é que haja
uma pluralidade de informações e opiniões à disposição do público. Este pluralismo pode ser interno –
quando cada veículo pretende trazer todas as versões e interpretações para as notícias – ou externo,
quando várias empresas jornalísticas dividem o público de acordo com as suas opiniões políticas,
oferecendo linhas editoriais explicitamente diferentes. (ALDÉ, MENDES e FIGUEIREDO, 2007, p. 170).

Dados da pesquisa apontam também para a falta de credibilidade de algumas mídias: 68.8% dos
entrevistados afirmaram não confiarem no que leem ou assistem nos veículos tradicionais de
informação como rádio, jornais e TV. É provável que seja por isto que estas mídias não sejam as mais
procuradas como base informacional pela população de pesquisa. 64.7% disseram que os sites de
notícias são sua principal fonte de informação. Ainda de acordo com este parâmetro, 13.5%
apontaram a televisão, 10% o Facebook, 5.3% os jornais impressos, 4.7% o rádio, 1.2% os blogs e
0,1% o Whatsapp. Quando separamos os dados de acordo com a idade dos entrevistados, os sites de
notícias são os mais procurados em todas as faixas etárias, sendo que a partir da faixa que vai dos 34
aos 40 anos, os jornais impressos, mesmo que timidamente (5 menções para faixa de 34 a 40 anos,
três menções na faixa de 50 a 60 anos) são citados. O rádio também é mais citado a partir da mesma
faixa etária (4 menções para entrevistados de 40 a 50 anos e uma menção para entrevistados de 50 a
60 anos. 51.2% da população de pesquisa tem ainda o hábito de também se informar por meio de
blogs ou perfis e afirmaram levar em consideração estas opiniões.
Quanto à influência da mídia, 73.5% acreditam que a TV tem papel decisório na escolha dos
candidatos. Já quando se trata da internet, o índice aumenta: 87.6% acreditam que ela seja decisiva
no processo eleitoral.

A mídia é hoje a instituição mais decisiva para a qualidade do exercício da cidadania no Brasil
redemocratizado. Ela impõe suas coordenadas e linguagens específicas sobre as estratégias para as
principais disputas eleitorais; fornece os principais elementos simbólicos e cognitivos para a escolha do
eleitor; forja - conscientemente ou não, deliberadamente ou não – consensos sobre a pauta política e
institucional; define, de um modo ou de outro, a agenda pública, dos seus termos mais gerais a alguns dos
mais específicos. (...) Decerto não é uma máquina todo-poderosa, que lava nossos cérebros a serviço de
alguma conspiração oculta e onipotente. Do ponto de vista de sua influência sobre nossa percepção política
cotidiana, porém, isso pode não fazer a menor diferença. (LATTMAN-WELTMAN, 2003, p.129-130).

O processo de participação política ganhou novo cenário com a massificação da internet. Isto
gerou expectativas positivas, pois acreditava-se que, com a redução de custos de veiculação e maior
disponibilidade de equipamentos como computadores e celulares, a pluralização política poderia,
enfim, chegar ao cidadão. Além disso, pensava-se que a internet possibilitaria ações de cidadania
eletrônica, criando assim uma esfera pública virtual. Com o passar do tempo, percebeu-se que a
internet se incorporou às plataformas de comunicação de política estratégica.

À medida que absorviam a novidade, as pesquisas passaram a apontar também os elementos de


continuidade e adequação da Internet às “velhas formas” de se fazer política, o que vem sendo chamado
por alguns de normalização: a colonização do novo meio, com seu potencial tecnológico, pelas estruturas
políticas e econômicas predominantes, reforçando de forma conservadora aspectos da comunicação de
massa que não necessariamente concretizam o potencial da rede para a democracia. (ALDÉ, 2011, p.27).

120.7 milhões de brasileiros (67%) acessam a internet, sendo que nas áreas urbanas a proporção
é de 71%. 87% deles usam a internet todos os dias ou quase todos os dias. 96% têm preferência pelo
celular. Os dados são da pesquisa TIC Domicílios 20179, divulgada pelo Comitê Gestor da Internet no
Brasil (CGI.br), por meio do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da
Informação (Cetic.br) do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br). 58.7 milhões de
brasileiros acessam a internet exclusivamente pelo celular. Pela primeira vez na série histórica, o
estudo mostra que a proporção de usuários que acessam a rede apenas pelo celular (49%) superou a
daqueles que combinam celular e computador (47%). Os dados foram apurados de novembro de 2017
a maio de 2018 e foram entrevistadas 23.592 pessoas, em 350 municípios.
Com tantos brasileiros conectados, usar a internet como mecanismo de divulgação de notícias
sobre os candidatos passou a ser extremamente necessário, chegou ao ponto de informações não
serem veiculadas somente por pessoas, mas sim por robôs. Pesquisa da FGV DAPP, divulgada em
2018, referente às eleições presidenciais de 2014, mostra que existiam 699 perfis automatizados (uma
“sub-rede” do total de robôs identificados) que compartilharam conteúdos das campanhas de Aécio
Neves (PSDB) e de Marina Silva (ex-PSB) em 2014. Na mesma base de dados, foram avaliadas
também as contas automatizadas da campanha da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). A análise
identificou uma botnet com total de 430 contas automatizadas (outra “sub-rede”) que compartilharam
o link do site Muda Mais e 79 contas que compartilharam o link de Dilma10.
A campanha política fazendo uso da internet já é uma realidade mais antiga nos Estados Unidos.
Um dos casos mais conhecidos foi de Barack Obama, nas eleições presidenciais em 2008. A campanha
do então candidato democrata utilizou linguagem específica para o público-alvo de cada rede social
(com foco para o público jovem, já que era o mais presente na internet na ocasião), conseguiu três
milhões de membros em um grupo de Facebook, 120 mil seguidores no Twitter, 11 milhões de
visualizações do vídeo “Yes, We Can11”.
Além disso, com a internet as pessoas estão se informando simultaneamente, ou seja, elas podem
ter acesso as mais diversas plataformas ao mesmo tempo e, muitas vezes, utilizando multitelas e isto
pode trazer poder, proporcionando empoderamento não somente aos partidos políticos, mas também
a grupos específicos. Estes grupos podem angariar adeptos, como políticos a exemplo de Obama fez,
pelas redes sociais.
Podem surgir neste cenário os chamados “ativistas de sofá”. O termo vem de um neologismo do
Inglês, formado da combinação das palavras slack (preguiçoso) e activism (ativista) criado para
adjetivar pessoas que se sentem politicamente ativas, mesmo sem sair de casa. Elas compartilham
informações, ajudam causas e pessoas aderindo a movimentos, exercendo seu ativismo político via
internet. Na pesquisa realizada, 70.6% disseram não ter ido a alguma manifestação política durante o
ano de 2018, sendo que 56.5% se consideram engajados (as) politicamente. Ou seja, para o público
entrevistado, ser engajado não significa necessariamente participar do processo político indo às ruas
reivindicar os seus direitos.
Para Wojcieszak e Mutz (2009), a construção das redes de cada indivíduo varia de acordo com a
existência desses ambientes e de como as pessoas dialogam com as ferramentas de interação
oferecidas. Desta forma, a partir do momento que as pessoas fazem uma pesquisa em um site de
busca, elas são levadas por uma combinação de algoritmos que dão resultados de acordo com o
repertório do próprio indivíduo, oriundo das relações sociais.
Este, por sua vez, compartilha as informações que recebe dos candidatos que têm afinidade e,
assim, vai criando uma rede de informações e de afinidades com outras pessoas. Ou seja, as pessoas
interagem e se informam por meio das mídias, inaugurando uma nova fase da literacia midiática,
sendo esta, conforme explica Lopes (2011), a capacidade de aceder aos media, de compreender e
avaliar de modo crítico os diferentes aspectos dos media e dos seus conteúdos e de criar
comunicações em diversos contextos. A autora aborda que esta definição consta da “Comunicação da
Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité
das Regiões: uma Abordagem Europeia da Literacia Mediática no Ambiente Digital”, de 20 de
dezembro de 2007. No mesmo documento afirma-se que “a abordagem europeia da literacia
mediática deve abranger todos os media” e consideram-se vários níveis de literacia midiática, dentre
eles: ter uma visão crítica das mídias no que respeita tanto à qualidade como ao rigor do conteúdo.
Transportando para realidade brasileira, podemos perceber que, diante do público entrevistado, há
certa desconfiança do que se lê, ouve ou assiste, bem como interação com as plataformas de mídia.

3. Política e sociedade

Os repertórios culturais são criados a partir do convívio que uma pessoa tem com o mundo que o
cerca. Utilizando conceitos de Stuart Hall (1987), podemos dizer que, o sujeito do iluminismo era
unificado, ou seja, o sujeito nascia e se desenvolvia, permanecendo igual ao longo de sua existência.
Já o sujeito sociológico reflete a complexidade do mundo moderno, há ainda a consciência de um
mundo interior, no qual este sujeito não é autônomo e autossuficiente, mas é formado pela relação
com outras pessoas que são importantes para ele.
Ainda segundo Hall (1987), surge, neste conceito de globalização, um outro sujeito, que não
apresenta identidade fixa: o sujeito pós-moderno. “A identidade torna-se uma ‘celebração móvel’:
formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou
interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam” (HALL, 1987). Sendo assim, este sujeito, além
de ter as influências do meio familiar, acadêmico, do trabalho e etc., ainda tem contato com diversas
outras realidades.
Em meio a todos os contatos que tem, vai construindo sua identidade política por meio da rede
de afeto e da sua ligação pessoal às ideologias. Quando as informações chegam ao indivíduo, ele as
aceita ou não também de acordo com as suas convicções. Como explica Branco (2017), sem a menor
cerimônia, pessoas com nível superior, com educação formal e supostamente cultas, passaram a
compartilhar os maiores descalabros acerca de quem quer que fosse, por mais inverossímil que a
informação parecesse, apenas porque o que estava escrito estava em conformidade com o seu desejo,
mesmo que estive em absoluto desacordo com a verdade. Ou, ao menos, com uma possível verdade.
De acordo com o público entrevistado, 71.2% afirmaram ter recebido notícias sobre os candidatos nas
últimas eleições. Desta porcentagem, 10.6% confirmaram que estas informações influenciaram o seu
voto.
Sendo assim, ao mesmo tempo que a internet e as redes sociais aumentaram a possibilidade de
debate acerca do processo democrático, ela também foi influenciadora por parte não somente das
informações divulgadas oficialmente pelos candidatos, mas também pelos seus simpatizantes. Do
público entrevistado, 59.4% afirmaram que checam a informação antes de compartilhar, 31.8% não
costumam acreditar e não compartilham a informação, 6.5% acreditam no que receberam e não
compartilham e 2.4% quase sempre compartilham as informações, pois acreditam nas pessoas que os
enviaram.
Transferir a credibilidade informacional a uma pessoa da rede de contatos é algo extremamente
comum em uma época que muitos não acreditam mais na própria política. Este dado pode ser,
inclusive, comprovado na pesquisa: 60.6% dos entrevistados disseram que são pessimistas em relação
à política, 20.6% nem pessimista e nem otimista e 18.8% demostraram que são otimistas. Apesar da
onda pessimista, 61.8% disseram que acreditam que ainda existem políticos com vontade de fazer
algo pela população, 32.9% acham que quem quer fazer algo é “engolido” pelo sistema e 5.3% acham
que todos que entram na política sabem que há corrupção e só entram porque querem fazer parte.
De acordo com Carrano (2012), a baixa confiabilidade na política fragiliza a institucionalidade
democrática que se organiza na base da representação partidária. As difíceis condições de vida e o
complexo de fatores relacionados com a pobreza e a desigualdade social que se convencionou
denominar de “vulnerabilidade social” criam dificuldades objetivas para o exercício da participação e
o engajamento social e político. A busca pela sobrevivência não é compatível com o tempo livre que as
atividades de participação política demandam aos cidadãos. A necessidade de trabalhar é, neste
sentido, uma das principais razões da diminuição do potencial participativo na sociedade.
Quando falamos de política, as pessoas podem ter uma tendência de buscar pessoas que têm a
mesma opinião, ou seja, um local onde elas possam dar voz ao seu modo de ver o mundo sem ser
malvisto. A cientista política alemã Elisabeth Noelle-Neumann, na década de 70, realizou estudos
sobre a opinião pública e cunhou a expressão espiral do silêncio. De acordo com os seus estudos, a
partir do momento que se condena determinada opinião, criam-se resistências. Ou seja, as pessoas
têm a tendência de irem pela maioria. Sendo assim, quem pensa diferente pode evitar manifestar sua
opinião, permanecendo em silêncio. Desta forma, a pesquisa também propôs a descobrir se quando os
entrevistados não concordam com a opinião política da maioria das pessoas em seu ciclo social, qual o
comportamento adotado. 35.3% afirmaram que expõem, afinal, vivemos em uma democracia, 28.8%
ficam em silêncio porque os ânimos andam muito alterados quando o assunto é política e 35.9% falam
sua opinião com muito cuidado para não gerar uma discussão.
Sendo assim, como explica Fuchs: “comunicação é uma relação social entre pelo menos dois
seres em que há troca mútua de símbolos que são interpretados de modo que os parceiros de
interação deem sentido a eles. A comunicação é a dimensão social da existência humana” (FUCHS,
p.401, 2015).
Corroborando com Lattman-Weltman (2003), a participação dos representados como
investidores/produtores de discursos públicos diz respeito às suas capacidades de se fazerem ouvir,
ou de repercutir discursos e versões de seu interesse, influenciando assim os representantes e/ou a
percepção de outros representados. Refere-se, portanto, à tradicional questão da formação do que se
convencionou chamar de “opinião pública”. Embora as variáveis relativas ao consumo permaneçam
decisivas, nesse caso é preciso agregar outras que incorporem também os graus e as formas de
organização política e potencialização retórica de grupos sociais e a distribuição de capitais políticos
entre estes - o que se pode chamar de aparelhamento societário de intervenção discursiva-, além, é
claro, das condições de acesso oferecidas pelas diferentes mídias e veículos a esses investimentos.
Por outro lado, Huckfeldt, Johnson e Sprague (2003) afirmam que a democracia depende da
interdependência dos cidadãos, onde o sistema político sobrevive em meio a formação de redes
heterogêneas. Ou seja, a discordância é catalizadora de oportunidades de influência e de difusão da
informação. A condição necessária é: “rede de comunicação de baixa densidade em que a influência
de determinadas opiniões é auto regressivamente medida pela frequência das opiniões no interior da
rede” (HUCKFELDT, JOHNSON e SPRAGUE, 2003, p. 33).

4. Política e relações

A Constituição de 1988 permitiu que o país se mantivesse multipartidário, no qual o princípio


proporcional e a lista aberta continuam a comandar o processo de transformação de votos em
cadeiras legislativas e o plebiscito de 1993 confirmou a adoção, pela população, do regime
presidencialista. Desta forma, o presidente precisa, muitas vezes, recorrer ao Congresso e a Câmara
para aprovar o que julga necessário - o que pode ser feito até de maneira forçada, ditando quais são
as matérias que devam ser apreciadas e em qual prazo - afinal, está em suas mãos as iniciativas
tributárias e relativas à organização administrativa, como explicam Figueiredo e Limongi (2001,
p.25), se o presidente preferir o status quo ao ponto preferido pela maioria da legislatura,
antecipando as modificações a serem introduzidas pelo Legislativo via emendas, o Executivo
“engavetará” as propostas que porventura tenha para a área. Isto é, o presidente antecipará as
alterações dos legisladores e manterá o status quo, negando aos parlamentares a oportunidade de
fazer valer suas preferências na área. Ainda de acordo com os autores, no caso do orçamento, em que
o Executivo é forçado a iniciar legislação todo ano, tal prerrogativa não parece conferir qualquer
vantagem ao Executivo. No entanto, ao definir o montante dos gastos, o presidente limita a ação
possível dos parlamentares.
Segundo Abranches (1988), o próprio sistema eleitoral atua como regulador desse processo,
incentivando ou desincentivando a formação de partidos, na medida em que torna os custos, em
votos, proibitivos para pequenas legendas de ocasião. A regra de cálculo do quociente partidário e o
modo de distribuição de sobras são mais eficientes, nesse sentido, que qualquer coerção legal.
Evidentemente, não é por acaso que uma determinada sociedade apresenta tendência ao
multipartidarismo - moderado ou exacerbado. O determinante básico dessa inclinação ao
fracionamento partidário é a própria pluralidade social, regional e cultural. O sistema de
representação, para obter legitimidade, deve ajustar-se aos graus irredutíveis de heterogeneidade,
para não incorrer em riscos elevados de deslegitimação, ao deixar segmentos sociais significativos
sem representação adequada.
Ainda segundo o autor, os sistemas majoritários, embora admitam o multipartidarismo no plano
eleitoral, reduzem fortemente as possibilidades de equilíbrio pluripartidário no plano parlamentar. Em
ambientes sociais plurais, tendem a estreitar excessivamente as faixas de representação, com o risco
de simplificar as clivagens e excluir da representação setores da sociedade que tenham identidade e
preferências específicas. Os sistemas proporcionais ajustam-se melhor à diversidade, permitindo
admitir à representação a maioria desses segmentos significativos da população e, ao mesmo tempo,
coibir a proliferação artificial de legendas, criadas para fins puramente eleitorais e sem maior
relevância sócio-política.
Neste jogo político, no qual as alianças são, de certo modo, necessárias, os votos também são
disputados de forma estratégica. Como explica Santos (2017, p.54), o voto se mostra relevante
quando se imagina que os interesses daquele eleitor específico constarão da lista de tópicos por
deliberar e, consequentemente, vale a pena somar-se à pressão que eles sejam atendidos. A
insatisfação da população quanto ao modelo, já levou à discussão da sociedade a necessidade de uma
reforma política. Quando se tratam de eleições para Senado, Câmara e Assembleias Legislativas
locais, ocorre, em boa parte das vezes, pouca renovação. Esta realidade se reflete na pesquisa, pois
65.3% dos entrevistados acreditam que o ideal é ocorrer uma reforma política, 18.8% creem ainda
que seja impossível governar sem alianças, 8.8% acreditam que não há problema em se fazer alianças
e 7.1% pensam, ainda, que só “quem não presta” faz aliança. Em contrapartida, ainda de acordo com
os entrevistados, 78.8% afirmaram que não anularam ou votaram em branco nas últimas eleições.

O desapontamento com a democracia não se expressa em indicadores de participação, que, aliás, não
revelam declínio vertiginoso, nem cabe responsabilidade à alegada deficiência operacional das instituições
clássicas, partidos e legislativos. Justo ao contrário, o desapontamento decorre da operação plena das
instituições democráticas, em condições antecedentes muito distintas daquelas na origem do sistema, em
seu regaço oligárquico. (SANTOS, 2017, p.56)

Por mais que muitos dos entrevistados se manifestem desapontados com a política, 47.6%
disseram que leem sobre o tema todos os dias e 16.5% de 5 a 6 vezes por semana e 71.2% afirmaram
ter discutido com alguém sobre política nas últimas eleições. 86.5% disseram, ainda, que pensam no
bem de todos quando votam e 7.1% admitiram pensar no ideal de sua classe social. No tocante ao
voto, 90% apontaram já ter escolhido um candidato por ele ser o “menos pior”.

5. Considerações Finais

Dos 170 entrevistados, quase a metade, 47.6% responderam ler sobre política todos os dias.
Quanto ao engajamento, o índice permanece quase igual: 43.5%, ou seja, pode existir uma relação
direta para público pesquisado entre engajamento e interesse de leitura pelo tema, já que o
engajamento não está, necessariamente, ligado ao fato do público pesquisado ter ido a alguma
manifestação política no último ano, pois somente 29.4% estiveram presentes.
Os entrevistados disseram que a principal fonte de informação no tocante à política são os sites
de informação (64.7%) e 13.5% apontaram a televisão. Ou seja, a mídia que já foi uma das mais
importantes no processo eleitoral, está perdendo terreno para a internet. É bem verdade que muitos
destes sites de informação são ligados aos mesmos grupos tradicionais de comunicação presentes na
TV aberta e até aos jornais impressos, mas isto não invalida a mudança de comportamento do eleitor /
consumidor no tocante ao processo informacional. Apesar da queda de popularidade da TV entre o
público entrevistado, 73.5% acredita que este meio ainda tenha um papel decisório para a escolha de
candidatos. Em relação à internet, o índice aumenta: 87.6%.
A credibilidade dos veículos tradicionais (como rádio, TV e jornal) também foi questionada.
68.8% não confiam nestes veículos. Desta forma, a internet teve papel importante na disseminação de
informação, pois 71.2% afirmaram ter recebido muitas notícias, referentes aos candidatos, via
aplicativos de mensagens e 59.4% disseram checar as informações antes de compartilhar a
mensagem. Apesar disto, somente 10.6% informaram que estas mensagens tenham influenciado o seu
voto. Desta forma, o conteúdo enviado por aplicativos de mensagens, para a maioria, não mudou a
forma que eles pensavam antes, mas, de forma geral, a internet, para o público entrevistado, tem
papel decisivo para a escolha eleitoral.
No tocante à vida pública x vida privada, 71.2% dos entrevistados acreditam que seja importante
acompanhar o que os candidatos fazem também no âmbito particular e 51.7% seguem as suas páginas
nas redes sociais, ou seja, pode ser que o conteúdo procurado por estes seguidores não seja
necessariamente a plataforma de governo, mas também a base ideológica que envolve o pensamento
e o comportamento dos candidatos.
Em relação à política, 60.6% disseram ser pessimistas, mas os dados representam dicotomia,
pois 61.8% acreditam que ainda existam políticos com vontade de fazer algo pela população. Mas, não
necessariamente, o público entrevistado consegue votar nestes candidatos em um segundo turno, por
exemplo, porque 90% admitiu ter votado em alguém que ele considerasse o “menos pior”.
Quando estão conversando sobre a política, os 71.2% apontaram que manifestam a sua opinião
(35.3% expõe, por acreditarem que isto faz parte do processo democrático e 35.9% realizam este
procedimento com muito cuidado, pois têm medo do embate).
Desta forma, podemos concluir que por mais que o eleitorado pesquisado esteja, em boa parte,
pessimista em relação à política, ela faz parte de seu universo e talvez sobremaneira que ele sequer
se dê conta do quanto gasta momentos lendo e discutindo sobre o assunto, seja de forma virtual ou
não, com pessoas que fazem (ou não) parte de seu círculo social.

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debate-publico-na-web/, acesso em 04/02/2019
1 Artigo submetido ao GT 05: Mídia e Lideranças Políticas.

2 Mestranda do Programa de Pós-graduação em Comunicação Social da UERJ; pesquisadora do LEME-UERJ (Laboratório de


Estudos em Mídia e Esporte- UERJ).

3 Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Comunicação da UERJ; pesquisadora do Grupo de Pesquisa CAC - UERJ
(Comunicação, Arte e Cidade – UERJ).

4 O resultado das eleições pode ser visto no link: https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/apuracao/presidente.ghtml

5 Declaração realizada durante o programa Participação Popular, da TV Câmara, que discutiu no dia 17 de novembro de 2010, o
Projeto de Lei 7672/10, que proíbe punições corporais (conhecido como “Lei da Palmada”). Na ocasião, comissão debateu a declaração
de Bolsonaro, mas ele não sofreu punição.

6 Para saber detalhes da declaração de Fernando Haddad, ver em https://www.terra.com.br/diversao/tv/blog-sala-de-tv/a-globo-


condena-por-antecipacao-diz-haddad-a-bonner,8fb4e26586fc914e0c791447f5fbaf53pzieqisp.html.

7 Carta na íntegra disponível em https://www.terra.com.br/noticias/eleicoes/em-carta-lula-pede-uniao-com-haddad-e-ataca-


imprensa-e-setores-parciais-do-judiciario,9c045551cffada8513e2fdf7620a93deg8glum2a.html

8 O levantamento completo pode ser visto no link https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/10/criticas-a-bolsonaro-e-a-haddad-


tem-as-mesmas-proporcoes-na-folha.shtml

9 A análise completa pode ser vista no site: https://cetic.br/media/analises/tic_domicilios_2017_coletiva_de_imprensa.pdf

10 O estudo completo pode ver visto no site http://dapp.fgv.br/robos-redes-sociais-e-politica-estudo-da-fgvdapp-aponta-


interferencias-ilegitimas-no-debate-publico-na-web/

11 Dados publicados na matéria: Como Barack Obama revolucionou o marketing político, do site
https://www.riosoft.com.br/blog/obama-marketing-politico/
CAPÍTULO 30

#BOLSODORIA: Uma análise semiótica da construção do ethos político de


Doria sobre o seu apoio a Bolsonaro1

Natalia Silva Giarola de Resende2


Waldineia Stefane Ferreira de Oliveira Costa 3

1. Introdução

A Semiótica, historicamente uma jovem disciplina, é uma teoria do discurso, mas sobretudo das
linguagens, sejam elas palavras, imagens, corpos, gestos, lugares, sons. Ou seja, toda a variedade de
discursos sociais, dentre eles os discursos políticos. Nesse sentido, o objetivo central desse trabalho é
encontrar nos textos em análise marcas narrativas e discursivas que construam um éthos político de
João Dória. Desse modo, o problema de pesquisa centra-se justamente em como ocorre as relações-
discursivas do sujeito-enunciador, João Dória, na construção do éthos? Como é construída e se há uma
relação de manipulação com o destinatário.
Tomando como base que a partir das eleições presidências brasileiras de 2010 as redes sociais se
consolidaram como um novo modelo de comunicação política no país (MARQUES, 2011, 2016;
CARLOMAGNO, 2015;), o corpus deste trabalho consiste nas publicações do perfil de Dória no
Twitter, entre os dias 21 a 27 de outubro de 2018, última semana do segundo turno eleitoral,
relacionadas as postagens que utilizavam #BolsoDoria.
Na primeira parte do trabalho, será discutido o contexto político fazendo uma interface com as
transformações provocadas pela internet (GOMES, 2009; ROSSINI; LEAL, 2013), explorando a rede
social Twitter, que hospeda o corpus do trabalho. Em um segundo momento, apresentamos os ethé
políticos proposto por Charaudeau (2006), seguido por umaa análise semiótica por meio percurso
gerativo de sentido nos níveis (1) fundamental; (02) as narrativo e (03) discursivo. Com base na teoria
e nas análises apresentaremos, nas conclusões, os ethé de Dória.

2. O Twitter e a Ciberpolítica

De acordo com Rossini e Leal (2013), é inegável o fato de que as redes sociais se tornaram
importantes canais para circulação da comunicação política na internet no cenário contemporâneo,
principalmente se considerarmos o uso dessas redes como fundamentais para uma campanha
eleitoral, tendo em vista que as suas características permitem que os atores políticos ampliem a sua
visibilidade e consigam interagir virtualmente de forma mais direta.
Contudo, vale destacar que, antes da consolidação das redes sociais como espaços de
significativa importância para a comunicação política, a internet, desde o seu surgimento, já
apresentava importantes mudanças no cenário político, principalmente no contexto das eleições.
Traçando uma linha temporal do uso da internet no processo político eleitoral no cenário
estadunidense, Rossini e Leal (2013) apontam que a partir de 1994 a web já era utilizada nas eleições
dos Estados Unidos, porém, apenas nas eleições do ano 2000 em diante “ela passou a ser vista como
ferramenta decisiva de campanha nos EUA, servindo como veículo de informação direcionada para,
reforço, recrutamento e mobilização” (ROSSINI; LEAL, 2013, p. 8).
Segundo Gomes e et al. (2009), as primeiras campanhas políticas que utilizaram recursos da
internet nos EUA foram por meio de envio de e-mails. Em um segundo momento, outro recurso
amplamente utilizado foi a criação de sites da campanha dos candidatos, com o objetivo de criar uma
espécie de banco de dados para arquivar e disponibilizar os materiais utilizados na campanha off-line.
Ao longo dos anos de 1990, os recursos disponíveis na internet e a forma com que poderiam ser
incorporados no cenário político eleitoral foram testados e aprimorados. Assim, a eleição presidencial
americana no ano de 2000, começou de forma pioneira a apresentar um modelo mais tecnológico das
potencialidades de recursos disponíveis na internet que poderiam ser incorporados na comunicação
política eleitoral, como por exemplo, o uso de “hipertexto, recursos multimídia, convergência de
aplicativos ou de dispositivos, banco de dados etc” (GOMES et al., 2009, p. 32).
O contexto exposto anteriormente, de certo modo, foi sendo replicado em grande parte das
campanhas políticas eleitorais na internet até o ano de 2008, porém os autores sinalizam que a
campanha presidencial estadunidense realizada por Barack Obama no ano de 2008 foi um marco
importante para novas formas do uso da internet no processo eleitoral. Os autores, ao fazerem uma
análise sobre a campanha eleitoral de Obama, por meio das diversas mídias digitais utilizadas pelo
candidato durante o pleito para presidência dos EUA, identificaram que, apesar dos diferentes
recursos midiáticos explorados e desenvolvidos para a campanha, o pioneirismo de Obama não foi
apenas o uso dos canais de comunicação na internet, uma vez que esses recursos já eram amplamente
utilizados pela publicidade mercadológica e apresentavam resultados satisfatórios. O grande
diferencial da campanha de Obama foi a forma com que ele se posicionou para desenvolver as ações a
partir do contexto digital, baseadas na produção colaborativa utilizando recursos que convocaram o
público a participarem ativamente como produtores de conteúdos e mobilizadores sociais no
compartilhamento de informações.
Na perspectiva de Braga (2010), também pode-se referenciar a campanha de Obama como um
marco para compreender como as mídias digitais reconfiguraram o campo da comunicação política,
forçando assim um novo olhar sobre as estratégias comunicacionais de uma campanha eleitoral. O
autor afirma de forma contundente que:

Com efeito, o amplo e incontestável sucesso do emprego das Novas Tecnologias de Informação e
Comunicação (NTICs), e da internet em particular, no último pleito eleitoral estadunidense evidenciou para
a maior parte dos observadores políticos e estrategistas de campanha as potencialidades destas
ferramentas de influenciarem significativamente o desempenho das várias instituições e processos que
fazem parte dos sistemas políticos democráticos, especialmente as campanhas eleitorais (BRAGA, 2010, p.
12).

No cenário brasileiro, Chaia et al. (2017, p. 55) consideram que o processo de campanha
eleitoral em nível federativo veiculado nas mídias massivas tradicionais como televisão e rádio por
meio do Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE) e das propagandas partidárias, até as
eleições de 2010 e 2014, ainda poderiam ser considerados como os meios de comunicação mais
hegemônicos e centrais para a realização das campanhas eleitorais e veiculação das propagandas
políticas no Brasil. Contudo, os autores pontuam que a internet e as plataformas digitais já
promoviam intensas transformações no cenário político eleitoral brasileiro nesses períodos. Contudo,
as eleições municipais do ano de 2016 marcaram uma presença mais intensa da internet durante as
campanhas, tornando o ambiente digital, principalmente por meio das plataformas sociais, como
elemento central de comunicação durante o período de campanha política eleitoral.
Outro elemento importante das eleições de 2016, apresentado por Chaia et al. (2017), é a
turbulência do cenário político brasileiro vivenciado naquele momento, sendo evidenciado por meio
de alguns fatores como: os diversos escândalos de corrupção de grandes partidos, as condenações
judiciais por corrupção ou desvio de conduta de nomes renomados do campo político, o desenrolar do
processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, a crescente crise econômica vivenciada no
país, dentre outros fatores. Para os autores, esses elementos contribuíram para que, em alguns casos,
os candidatos formatassem uma campanha política que buscasse afastar a sua imagem de um
“político tradicional”. Logo esse momento reforça o surgimento de políticos considerados como
“outsiders” ou “não políticos”, sendo estes candidatos, em sua maioria, pessoas associadas à função
de empresário e projetam a sua imagem pública como gestores corporativos focados em aplicar os
seus conhecimentos de gestão nas entidades governamentais.
Este cenário é marcante para a candidatura de Doria à prefeitura de São Paulo, durante sua
campanha eleitoral em 2016, já que uma das ideias mais reverberadas por ele era sobre sua
personalidade de liderança como sendo um gestor de negócios e não uma figura política. Em uma das
suas postagens publicadas na plataforma Twitter em 18 de setembro de 2016, Doria afirmou que “não
sou político, sou gestor. SP precisa é de uma adm eficiente e inteligente” (DORIA, 2016). Essa
estratégia de desassociar a sua imagem pública de uma imagem política foi usada durante a sua
campanha eleitoral à prefeitura e permaneceu após Doria ser eleito ao cargo.
Segundo Chaia et al. (2017), isso se mostra por meio da forma com que Doria se posicionou
midiaticamente nos períodos de campanha e após eleito. Para os autores, Doria “acionou recursos
imagéticos e recorreu ao discurso espetacular, cujas principais marcas estiveram registradas na
tentativa de marcar um distanciamento do campo político, assim como promoveu ações que o
aproximassem da esfera de prefeito empreendedor” (CHAIA et al., 2017, p.63).
Durante o seu processo de campanha eleitoral em 2016, Doria possuía contas ativas no Youtube,
Facebook, Instagram, Google+ e Twitter, sendo que naquele período ele produzia conteúdos que eram
publicados em todas essas plataformas, o que denota a importância desses meios de comunicação
digital para a sua estratégia de campanha eleitoral e para a construção da sua imagem pública.
Destaca-se que, em 2017, uma pesquisa realizada pela Diretoria de Análise de Políticas Públicas
(DAPP) da Fundação Getúlio Vargas, intitulada por ‘‘O momento Doria’’, concluiu que naquele
contexto Doria se apresentava como o político mais influente nas redes digitais em nível nacional.

2.1 O Twitter

A partir da breve contextualização apresentada anteriormente, destacamos que uma das redes
sociais pioneiras no uso para fins político foi o Twitter. De acordo com Oliveira (2018), a rede foi
criada em 2006 caracterizando-se com um serviço de microblog no qual os usuários podiam participar
ativamente na criação de conteúdo. Segundo o autor, o fator de dinamicidade da rede foi um dos
principais motivos para a sua rápida expansão mundial e o seu expressivo crescimento em número de
usuários. Vale destacar que o uso do Twitter se dá para além de usuários comuns, uma vez que
“também as organizações utilizam a plataforma para os mais diversos fins em virtude de suas
características funcionais que permitem que informações sejam compartilhadas e ganhem alcance”
(OLIVEIRA, 2018, p. 2).
Nesse sentido, o Twitter também foi apropriado para fins políticos e, inclusive, tornou-se objeto
de investigação de diversas pesquisas alocadas dentro do campo de estudos da comunicação política
considerando sua forte característica de compartilhamento e circulação de notícias. Conforme pontua
Oliveira, “o Twitter se mostra como uma plataforma que oferece condições bastante adequadas para
funcionar como um mecanismo de disseminação rápida de informações, inclusive praticamente em
tempo real” (OLIVEIRA, 2018, p. 4).

2.2 João Dória e as eleições de 2018

O segundo turno das eleições presidenciais no Brasil de 2018 foi marcado por diversos
acontecimentos. A disputa entre Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) foi considerada por
alguns candidatos à presidência, como Geraldo Alckmin, Ciro Gomes e Marina Silva, uma polarização
entre extrema direita e extrema esquerda, o que dificultou o diálogo e a apresentação de propostas
concretas dos candidatos.
Definida a disputa presidencial do segundo turno, deu-se início aos anúncios de alianças
políticas. O candidato João Doria (PSDB), que também foi para segundo turno a governador em São
Paulo, declarou apoio a Bolsonaro (PSL). Em coletiva no dia 07 de outubro, ele anunciou oposição a
Haddad (PT), antes mesmo da posição oficial do seu partido, PSDB, declarando em suas páginas de
redes sociais que: “quero deixar claro, para que não tenha dúvida, que amanhã, 7h30 da manhã, serei
um brasileiro contra o PT e contra o Fernando Haddad”. Além disso, após coletiva tuitou “Tenho lado.
Tenho posição. PT não! A partir de agora, apoiarei Jair Bolsonaro e venceremos o segundo turno.
Vamos lutar para a esquerda não voltar! #AceleraSP #BolsoDoria”.
No entanto, vale destacar que Geraldo Alckmin, representante presidenciável do PSDB na
eleição de 2018, durante o primeiro turno fez ataques diretos a Bolsonaro, como, por exemplo, em
alguns vídeos da campanha de Alckmin eram ditas frases como, “O Brasil conhece o Bolsonaro que
não respeita mulheres” e “O Brasil não pode errar de novo”. Contudo, o PSDB permitiu que no
segundo turno os seus correligionários pudessem manifestar o seu apoio livremente aos candidatos
Bolsonaro ou Haddad.
No segundo turno da campanha eleitoral para governador do Estado de São Paulo, Doria
disputou com o até aquele momento governador do Estado, Marcio França. A principal estratégia de
Doria foi associar a imagem de França como simpatizante do PT e da esquerda e destacar que ele
estava alinhado inteiramente com as propostas políticas de Bolsonaro, que naquele contexto era o
líder das pesquisas em intenção de voto. Uma das formas que demonstraram esse alinhamento entre
os discursos de Doria e Bolsonaro foi o uso amplo que esse primeiro passou a fazer, principalmente no
Twitter por meio da #BolsoDoria.

3. O Ethos no Discurso Político

Ao falar, deixamos transparecer uma imagem daquilo que somos a partir do que dizemos,
construímos, portanto, como é chamado pela Retórica, o ethos. Charaudeau, ao recorrer a Aristóteles
(1991), afirma que o ethos é a imagem que o orador cria de si mesmo, por meio discurso. No entanto,
isso não significa, necessariamente, ser o caráter verdadeiro do orador, uma vez que o ethos é uma
imagem do autor do discurso, não é o autor real.
Na Antiguidade, Aristóteles propôs dividir os mecanismos que influenciam o auditório em três
categorias: logos, no domínio da razão, tendo como função convencer; o pathos, que produz uma
emoção no auditório, levando-o a agir, e o ethos, que, diferente do pathos que se volta para o orador e
não para o auditório, com o intuito de persuadir os ouvintes.
O conceito de ethos é retomado por diversos autores da Análise do Discurso, dentre eles
Charaudeau (2006), que o define como a imagem que o enunciador projeta, de si mesmo, durante o
processo de enunciação. O analista francês acrescenta que o ethos possibilita a construção de uma
personalidade do enunciador pelo enunciatário, por meio do discurso e da interação verbal, em que a
língua é entendida como o principal meio de poder e de persuasão (CHARAUDEAU, 2006, p. 253).
Para Charaudeua (2006, p. 40), um dos grandes desafios dos políticos, nos tempos atuais,
consiste em influenciar as opiniões com o objetivo de obter adesões, rejeições ou consensos. O
discurso político, portanto, dedica-se a construir imagens dos atores políticos, a fim de usar
estratégias de persuasão e sedução, empregando diversos procedimentos retóricos, como o ethos.
Para o analista do discurso francês, o ethos político pode ser dividido em duas grandes
categorias: ethos de credibilidade e ethos de identificação, em que o primeiro é direcionado para a
razão e o segundo para o afeto. Nesse trabalho, iremos abordar apenas o ethos de credibilidade e
seus desdobramentos. A credibilidade, para Charaudeau (2008), é o resultado de uma construção
identitária discursiva, na qual o sujeito que fala produz uma imagem na qual os outros o julguem
como digno de crédito.
A credibilidade, no discurso político, é um item fundamental, uma vez que propicia ao político
tentar persuadir os eleitores. Todavia, a credibilidade, segundo Charaudeau (2008), segue a evolução
da sinceridade, na qual pressupõem o dizer a verdade do político; da performance, em que o dizer
político implica em anunciar decisões e realizar promessas, dais quais devem ser cumpridas; e da
eficácia, que “obriga a provar que o sujeito tem os meios de fazer o que promete e que os resultados
serão positivos” (CHARAUDEAU, 2008, p. 120). Assim, o político procura construir um ethos que seja
sério, virtuoso e competente.

4. A construção do ethos de Dória: uma análise semiótica

Utilizaremos, nesta parte do trabalho, a teoria e a metodologia da Semiótica Discursiva, no que


cerne o percurso gerativo de sentido. Tal mecanismos irá nos permitir paratraçar os percursos
narrativos, os efeitos de sentido enunciativos e os temas e figuras utilizados nas publicações do perfil
de Dória no Twitter, entre os dias 21 a 27 de outubro de 2018, última semana do segundo turno
eleitoral, relacionadas as postagens que utilizavam #BolsoDoria4.

4.1. Teoria Semiótica

A semiótica greimasiana surge na década de 1960, tendo como base o estruturalismo, de


Saussure e Hjelmslev e a teoria da narratividade do russo Vladimir Propp. Seu objeto de análise é o
signo, em seu sentido amplo (texto verbal, não verbal e sincrético), enfim tudo que permeia um
sentido. Nesse início, as discussões semióticas voltavam-se ao estudo de uma sintaxe narrativa que
caracterizava os elementos comuns presentes nas relações estabelecidas entre seus actantes. A partir
de 1970, uma importante renovação na teoria semiótica incorporou os estudos da enunciação.
Conforme explica Greimas e Courtés no Dicionário de Semiótica (1979, p .415), a semiótica é
uma teoria da significação, que possui como objetivo explicar as condições de produção e de
apreensão do sentido. Isto posto, o campo empírico da semiótica é o discurso, seja ele verbal ou não-
verbal. Logo, o foco da análise é a materialidade discursiva, buscando apreender o que o texto diz e o
como se faz para dizer aquilo que se diz. Noutros termos, atenta-se ao plano do conteúdo, ou seja, as
estruturas lógicas do percurso gerativo do sentido, caminho que percorre os níveis fundamentais,
narrativos e discursivos.

4.2 Os percursos gerativos de Dória

O percurso gerativo de sentido é um dispositivo semiótico que possibilita simular a


produção/interpretação de texto5. Para Lara e Mate (2009), o percurso é um movimento cíclico que sai
do nível mais concreto – discurso –, passando pelo narrativo – intermediário – até chegar ao nível mais
abstrato, o fundamental, regressando, ao final, para o discursivo. À vista disso, compreendemos que
ele é composto por três campos: (1) estruturas semânticas elementares – nível fundamental; (02)
estruturas narrativas e (03) estruturas discursivas, sendo que cada uma dessas estruturas detém
componentes na sintaxe e na semântica.
O primeiro item da análise consiste na sintaxe do nível fundamental, primeira etapa na geração
do sentido. Ela é entendida como “as primeiras articulações da substância semântica e das operações
sobre elas efetuadas” (BARROS, 2002, p.17). De maneira mais simplória, são elementos que
estabelecem uma relação entre dois termos, que, por sua vez, propiciam uma dupla natureza de
conjunção e disjunção.
O quadrado semiótico, desenvolvido por Greimas, ajuda a exemplificar tal funcionamento do
nível fundamental. O autor concebe o quadrado como a “representação visual da articulação lógica de
uma categoria qualquer” (GREIMAS e COURTÉS, 1974, p.364). Assim, o quadrado é uma reunião de
dois tipos de oposições binárias.

Figura 01: QUADRADO SEMIÓTICO. Elaborado pelas autoras

Nas análises dos twittes de Dória, a oposição fundamental é composta pela categoria mudança
vs. manutenção, no qual esses termos são oposição dentro do mesmo eixo semântico, projetando, por
negação, um novo termo, seu contraditório (não mudança vs. não manutenção). Assim, mudança está
associada ao que Dória e Bolsonaro podem fazer pelo Brasil, caso sejam eleitos, e manutenção está
ligada ao Partido dos Trabalhados (PT), que, na visão de Dória, são “esquerdopatas, que oprimem o
país” (DÓRIA, 2018), por isso não podem se manter no poder, necessitando, portanto, de uma quebra
de manutenção, resultado em uma mudança. Além disso, na semântica fundamental, temos mudança
como um termo eufórico, positivo para João Dória e a disforia, a negatividade, no termo manutenção,
que se liga ao PT.
Ao adentrarmos no segundo nível de análise, temos a narrativa, na qual sua sintaxe trabalha com
as pressuposições lógicas, em que cada texto possui um ou mais programas que envolvem uma
transformação de estado do sujeito. O estado, no nível narrativo semiótico, é compreendido pela
relação de junção (conjunção ou disjunção) de um sujeito com um objeto. Em vista disso, a sintaxe
narrativa é constituída pela relação entre dois actantes: o sujeito e o objeto.
Tais transformações ocorrem por meio de um sujeito do fazer, da ação, que transforma um
sujeito de estado, até então não ativo, a entrar em conjunção ou disjunção com seu objeto-valor. Essa
relação pode ser vista por meio dos programas narrativos (PN), que, de acordo com Barros (2002, p.
31), são formados por um enunciado de fazer que rege um enunciado de estado. O PN é representado
da seguinte forma:

Figura 02: Programa Narrativo (BARROS, 2002, p .31)

Para melhor compreensão, tomaremos como exemplo as análises dos Twittes.

Ao considerarmos o PN01 temos um programa de conjunção por aquisição doação - em que sujeito
de fazer e sujeito de estado são diferentes, mas que entram em consonância com o objeto valor, por
meio de uma conjunção. Aqui, o sujeito de fazer, João Dória, tenta transformar, por meio de suas
promessas, o sujeito de estado, eleitores, a entrarem em conjunção com seu objetivo valor, elegerem
João Dória.
Temos ainda o seguinte PN:

Novamente encontramos, em PN02, um programa de conjunção por aquisição doação, em que o


sujeito de fazer, João Dória, tenta persuadir por meio de seu discurso o sujeito de estado, cidadãos
brasileiros, a não elegerem o candidato à presidência pelo Partido dos Trabalhados, Fernando
Haddad, e sim o candidato Jair Bolsonaro. Ao mesmo tempo, Dória se vale do discurso do
antipetismo6, que segundo Oliveira (2016), é um fenômeno no qual a disputa está entre aqueles que
apoiam o PT e os que desejam tira-lo do poder, mesmo que para isso vão de encontram com ideias que
não tenham concordância.
Um outro PN possível é:

Na PN03 temos também um programa de conjunção por aquisição doação, em que Magno Malta, o
sujeito do fazer, profere seu discurso a favor de Dória e Bolsonaro e contra o PT, como podemos
observar nos trechos “onde estiver alguém enfrentando o PT e a esquerda já vira o nosso candidato”,
“Quem vota Jair Bolsonaro deve votar Doria para seputar esses ideológicos de vez”, com o intuito de
persuadir o sujeito de estado a entrar em conjunção com o objeto-valor.
Dando continuidade as análises da sintaxe narrativa, temos as sequências narrativa canônica,
que se constituem de quatro fases – manipulação, competência, performance e sanção, que formam os
“programas narrativos que se encadeiam para formar os percursos que, juntos, compõem o esquema
narrativo canônico” (LARA E MATTE, 2007, p.25).
Na análise dos twittes, destacamos João Dória como um sujeito do fazer, que querer governar
São Paulo, tendo competências modais do saber e fazer, para tal. Desta maneira, Dória propõe um
contrato (imaginário), com os eleitores, no qual ele “salva os cidadãos da era PT” em troca da
liberdade e da democracia. Constitui-se, deste modo, um programa de competência. Vale destacar que
tal programa ocorre por meio da doação de valores modais (querer libertar o Brasil) do sujeito de
fazer para ao sujeito de estado, capacitando este último a agir. Para exemplificar, a vitória de Dória
torna-se um programa de performance, no qual o sujeito de estado aceita o que lhe foi doado, votar no
candidato do PSDB.
Encontramos também um percurso narrativo de manipulação, em que Dória tem um papel
actancial (destinador-manipuladir), que manipula por sedução – competência do saber, e por tentação
poder fazer (valores positivos). Dória acredita saber governar São Paulo junto com uma aliança com
Bolsonaro e apresenta provas, em seu discurso, como, por exemplo, “eu defendo Bolsonaro para
defender o Brasil”, “eu não quero mais o PT no Brasil”, “Eu não quero mais o PT em São Paulo”,
“Chega de Esquerda”.
Logo, o destinador-manipulador, João Dória, doa ao destinatário-sujeito o valor do querer-fazer e
poder-fazer, mas que ainda não pode, porque não foi eleito. No entanto, segundo Barros (2002, p.38),
para que haja a manipulação é necessário que o sistema de valores do destinador seja o mesmo do
destinatário, firmando, portanto, um contrato fiduciário (imaginário). Caso seja aceito o contrato,
temos a manipulação (a firmação do contrato entre destinador-manipulador e sujeito), a competência
(a doação de competência modal ao sujeito), a performance (a própria ação do sujeito) e a sanção (o
destinador-julgador interpreta a ação do sujeito e a sanciona positiva ou negativamente).
Na semântica narrativa, ocorre a “instância de atualização dos valores” (BARROS, 2002, p. 45).
Neste caso, a categoria tímico-fórica, do nível fundamental, converte-se em categoria modal,
alterando a relação do sujeito com o objeto valor. Para Greimas (1983, p.71), a modalização é a
modificação de um predicado por outro, tendo inicialmente quatro modalidades fundamentais:
/querer/, /dever/, /poder/ e /saber/, que caracterizam um predicado regente. Já o predicado regido é
estabelecido pela modalidade do /fazer/. Desse modo, surgem as modalidades deôntica do /dever-
fazer/ e do /poder-fazer/, a volitiva do /querer-fazer/ e a epistêmica do /saber-fazer/.
Na perspectiva do sujeito de fazer, Dória, temos um sujeito virtual, que quer-fazer (modalidade
deôntica) o melhor para São Paulo e para o Brasil, mas não pode fazer porque ainda não está no
poder. Sendo, portanto, um sujeito virtualizado devido a impossibilidade de fazer.
Iniciamos a análise do último nível, o discursivo. Conforme explica Greimas e Courtés (1979), ele
é definido pela instância da enunciação (sintaxe) e de aspectos de constituição dos percursos
temáticos e figurativos e das isotopias (semântica). No primeiro, o sujeito da enunciação se projeta no
discurso criando efeitos de sentidos (LARA e MATTE, 2009, p.118), com a instauração de pessoa,
tempo e espaço enunciativos, ou seja, oeu-aqui-agora (debreagem enunciativa) e um ele-lá-então
(debreagem enunciva).
A categoria de pessoa das twittes é marcada pela debreagem enunciativa, uma vez que o
enunciador, que está pressuposto, delega voz ao narrador, por meio de uma debreagem de primeiro
grau, indicando um efeito de sentido de subjetividade. Neste caso, temos uma pessoa demarcar, em
que o “eu” é quem diz “eu”, como é possível notas nas falas de João Dória “eu defendo Bolsonaro para
defender o Brasil”, “eu não quero mais o PT no Brasil”. É um eu demarcado no discurso.
Notamos ainda a utilização do nós inclusivo (eu + tu), no trecho “[Nós] Vamos levantar as
bandeiras agora, verde e amarelo”. Ao utilizar a primeira pessoa, seja do singular ou plural, o
enunciador gera um efeito de sentido de veracidade e de credibilidade, no qual o EU, João Dória, quer
mostrar suas ideias, fortalecendo seu posicionamento.
Além disso, no trecho “A nossa bandeira jamais será vermelha”, o pronome possessivo nossa
expressa a relação de apropriação entre uma pessoa (eleitores de Dória e Bolsonaro) e uma coisa
(bandeira). O uso deste recurso gera um efeito de sentido de posse e poder, no qual metaforicamente
a cor vermelha está associada ao PT, criando a ilusão de que o governo BolsoDoria não seguirá o viés
político-ideológico petista.
O uso da citação usadas nos twittes instaura um interlocutário, com um TU explícito. Em que o
perfil de João Dória delega voz um interlocutor, criado uma debreagem de 2º grau. O uso das aspas
gera um discurso direto, no qual, segundo Fiorin (2016, p. 63) “é um simulacro da enunciação
construído por intermédio do discurso do narrador”. Tal escolha, gera um efeito de sentido de
reafirmação e de realidade.
Em “Vote Jair Bolsonaro 17 para Presidente e vote João Doria 45 para Governador. Esse é voto
por São Paulo e o voto pelo Brasil”, temos a eliminação das marcas de enunciação do texto, que é
caracterizada pelo debreagem enunciva, em que não há apresenta do EU, mas sim de um ELE. Neste
caso, o efeito de sentido notado é a objetividade, mas, principalmente, o caráter imperativo, que
implica uma ordem a ser cumprida.
Em relação ao tempo dos discursos, eles são marcados pelo presente, em que a projeção do EU
no tempo, um agora, caracterizado por uma debreagem temporal enunciativa. O momento de
referência presente no texto é do agora que ocorreu nos dias das publicações - de 21 a 27 de outubro
de 2018. Em relação a ele temos uma concomitância em dois níveis: (1) presente pontual, por meio
dos verbos levantar, quero, chega, vai dar, em que o momento da enunciação é o mesmo do momento
de referência presente; (2) presente durativo, no qual o momento de referência é mais longo do que o
momento da enunciação, como pode ser expresso no verbo defendo, uma vez que Dória continuará
defendendo o Brasil, mesmo depois que sua fala finalizar.
Por fim, no espaço há um aqui do presente, que coincide com o momento da enunciação, como
notamos no trecho “aqui não vai ter espaço para quem defende a esquerda”. Há, neste caso o
predomínio da debreagem espacial enunciativa, com um aqui demarcado.
Na semântica discursiva temos as manifestações temáticas e figurativas, que geram efeitos de
sentido e de realidade. De acordo com Barros (2002, p. 115) o tema é “uma formulação abstrata dos
valores, na instância discursiva, e sua disseminação em percursos” e as figuras são um novo
investimento semântico, pela instalação de figuras do conteúdo que se acrescentam, “recobrindo-o”,
ao nível abstrato dos temas”,
O texto em análise é temáticos-figurativos, ou seja, é recoberto por figuras. Ele parte de temas
como papéis sociais, qualificação pessoal e profissional, justiça e reconhecimento. Esses temas são
recobertos por figurais, tais como “esquerda”, “direita”, “esquerdopata”, “democracia”, “aborto”,
“drogas” e “cultura judaico-cristã”.

5. Considerações Finais

Nosso objetivo no artigo foi examinar como o sujeito político, João Dória, cria uma imagem de si
(ethos) a partir da utilização da hashtags BolsoDoria (#BolsoDoria) no segundo turno eleitoral de
2018. Por meio das análises resultantes do percurso gerativo de sentido proposto por Greimas,
podemos afirmar que Dória utiliza de estratégias narrativas e discursivas para criar um ethos
credibilidade, de poder-fazer. Para afirmar tal imagem, ao retornamos aos estudos do nível narrativo,
encontramos Dória como um sujeito do fazer, que manipula seus destinatários, por sedução e
tentação, a votarem nele e em Bolsonaro. Temos nesse caminho um destaque para o ethos de
competência, no qual está ligado as questões como sabe e poder fazer.
Para dar veracidade e aproximação com o eleitorado, notamos o predomínio da debreagem
enunciativa de pessoa, espaço e tempo. Ou seja, utiliza-se da primeira pessoa, do presente pontual e
durativo e um aqui demarcado para criar um efeito de sentido de subjetividade, por meio da presença
de marcas de enunciação no enunciado. Tais características são marcantes principalmente no espaço
Twitter, em que enquanto figura política publicar em primeira pessoa, cria-se uma aproximação e
identificação com o eleitorado.
Com a narrativa projetada no discurso, encontramos o ethos de credibilidade, marcado pelo
ethos de “chefe” (Charaudeua, p. 153), em que Dória se coloca como um guia, um soberano e se apoia
em Bolsonaro como o salvador do país. Essa identificação é facilidade pelo uso de figuras e temas que
articulam o binarismo mudança x manutenção. Tanto as figuras, quando os temas proporcionam, no
interior do simulacro de “verdade” (parecer verdadeiro) a apreensão do posicionamento ideológico de
Dória, principalmente nas declarações de Magno Malta.
Isto posto, entendemos que a imagem do ethé de Dória está presente nas marcas deixadas em
seu enunciado. Em vista disso, temos uma imagem discursiva, em que encontramos um fazer
manipulatório de um destinador (Dória), que possui como intuito aderir seu destinatário (seus
eleitores) a sua causa, que é ser eleito governador do Estado de São Paulo. Contudo, para reforçar
sua imagem, ele se apoia à figura de Bolsonaro, colocando-o como um herói do país, em contraponto
apresenta o PT como um anti-herói. Tal estratégia, é notada discursivamente na utilização da
#BolsoDoria, que tem o efeito de sentido de união, de uma nova aliança para o país. Dória, portanto,
se constrói como um sujeito do fazer, firmando-se no ethos de credibilidade, principalmente no que
tange a ser um sujeito que sabe qual o melhor caminho a seguir, cumprindo o ethé político de
seriedade e, principalmente, de competência.

Referências
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%E2%80%98Bolsodoria%E2%80%99-atinge-Alckmin-em-S%C3%A3o-Paulo.> Acesso em: 30 de jan de 2019.

1 Trabalho apresentado no GT 5 - Mídia, Personalismo e lideranças políticas do I Simpósio Nacional de Comunicação Política,
Eleições e Campanha Permanente, ocorrido entre 27 e 28 de março de 2019.

2 Doutoranda em Estudos Linguísticos pela UFMG, com interesse pela área de Semiótica e Análise do Discurso Político. Mestre
em Discurso e Representação Social (UFSJ - 2017) e graduação em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade Federal de São
João Del-Rei (2013). nati.giarola@gmail.com

3 Mestranda em Comunicação pelo PPGCOM da PUC Minas na linha de pesquisas de Interações Midiatizadas com foco de
pesquisa em Comunicação Política. Graduada em Comunicação Social com habilitação em Relações Públicas pela PUC Minas (2016).
waldineia_stefany@hotmail.com

4 Ressaltando que, as postagens selecionadas por meio da #BolsoDoria apresentavam vídeos. Desse modo, para fins
metodológicos, iremos analisar a transcrição dos mesmos para trazer o percurso gerativo, buscaremos interligar com a noção dos ethé
políticos.

5 Entenderemos como texto o que Fontanille (2014) descreve como “aquilo que se dá a apreender, o conjunto dos fatos e dos
fenômenos que ele se presta a analisar”. (FONTANILLE, 2014, p. 85).

6 O antipestismo “é um sentimento que mescla valores difusos desde a postura de intolerância e aversão a programas sociais e de
inclusão social e a regiões ou culturas mais alinhadas com o PT (os nordestinos, por exemplo), aversão à classe C emergente e ao seu
poder de compra por parte de segmentos mais elitizados (classe alta e média alta), até posicionamentos supostamente críticos contra os
escândalos de corrupção, o aparelhamento do Estado (OLIVEIRA, 2016, p. 195)
CAPÍTULO 31

A midiatização da política diante das catástrofes anunciadas pela mineração 1

Viviane Amélia Ribeiro Cardoso2


Paulo Roberto Figueira Leal3

1. Introdução

O presente artigo pretende trazer uma perspectiva para o campo da comunicação e da política, a
partir da compreensão dos processos de midiatização e estratégias de campanha eleitoral
(FIGUEIREDO et al., 1998; BRAGA, 2011; RUBIM, 2011), o que envolve a temática ambiental em
contexto de crise frente a desastres socioambientais cada fez mais recorrentes e o discurso da
mineração no Estado de Minas Gerais (BECK, 2011; COELHO, 2014; PoEMAS, 2015).
São notáveis em Minas Gerais e principalmente na região que compreende o Quadrilátero
Ferrífero localizado na Mesorregião Metropolitana de Belo Horizonte, os consideráveis riscos
socioambientais derivados do fim de grandes ciclos econômicos da mineração (PoEMAS, 2015). Dessa
forma, a região acabou sendo palco de duas grandes repercussões midiáticas ao que envolve o
rompimento de barragens de rejeito de minério de ferro: uma que ocorreu no dia 05 de novembro de
2015, pertencente à empresa Samarco/Vale/BHP Billiton, localizada no distrito de Bento Rodrigues na
cidade de Mariana-MG e pouco mais de três anos depois, outra barragem de rejeitos de minério
pertencente à empresa Vale que ruiu na cidade de Brumadinho-MG no dia 25 de janeiro de 2019,
deixando centenas de pessoas desaparecidas e com um grande número de óbitos. Além do irreparável
dano causado a vida humana, os rejeitos atingiram importantes áreas de preservação, causando danos
à segurança hídrica, saúde e biodiversidade.
Por essa situação procedida da sensibilização humana em um espaço de medo e risco
midiatizadas pelo acontecimento do desastre e da tragédia (AMARAL, 2014; LOOSE; CAMANA;
BELMONTE, 2017), ascende-se também o recurso da emergência política. Ao tratar de poder político
e representação, a situação condicionada a eminência de novos rompimentos de barragens de
rejeitos, ganha também a dimensão do espetáculo (RUBIM, 2011) como modo de disputa de poder e
construtor de legitimidade política.
A internet, em um espaço de campanha entre o candidato e seus eleitores, tornou-se a maneira
mais direta de transpor interesses e demandas e estabelecer uma troca de intenções, com o intuito e
objetivo de ganhar visibilidade e poder (BRAGA, 2011) no percurso de convencimento pelo voto
popular dentro de uma perspectiva democrática (FIGUEREIDO, et al. 1998).
Sendo assim, esse artigo pretende analisar os conteúdos produzidos nas fanpages oficiais
(facebook) dos deputados estaduais Thiago Cota (MDB) e João Vitor Xavier (PSDB) sobre os
rompimentos de barragens ocorridos em 2015 e 2019 e a abordagem da mineração durante a
campanha eleitoral de 2018. Os dois deputados chamam a atenção devido a seus posicionamentos
perante a mineração, foram eleitos deputados estaduais em 2014 e reeleitos em 2018, com maior
número de votos nas respectivas regiões que integram a microrregião de Ponte Nova e a Microrregião
de Belo Horizonte4. Salienta-se a hipótese da utilização do acontecimento de catástrofes e desastres
para a repercussão de suas imagens, com posicionamentos legislativos apoiados pelo discurso da
mineração.
A metodologia utilizada será por meio de análise de conteúdo quali-quantitativa por Bardin
(2008) com o seguinte recorte temporal: postagens durante 15 dias desde o rompimento da barragem
em Mariana-MG; postagens que compreendem os 52 dias de campanha política em 2018 nas redes
sociais; e postagens durante os 15 dias depois do rompimento de barragem em Brumadinho-MG.
Utiliza-se o aplicativo Netvizz para a coleta de todas as postagens presentes nas redes sociais dos
deputados em análise.
2. Midiatização e Estratégias de Campanha Eleitoral nas Redes Sociais

Vivemos em um mundo de sinais e símbolos construídos por nossas ocupações diárias, como o
trabalho, a vida social e um conjunto de experiências que são conservadas e acumuladas. Essas
experiências geram um conhecimento onde os indivíduos passam a adquirir uma participação no
patrimônio social a partir da linguagem.
A visão sociológica apresentada por Bourdieu (1989) explica que o mundo social define as
características e conteúdos fundamentais para ações dos indivíduos. Os universos simbólicos, como a
arte, a religião, a ciência, família, escola, mídia e política, são instrumentos que promovem o
conhecimento e a construção do mundo em estruturas sociais estruturadas (relações macro) e a
personalidade individual (relações micro). Estas relações são dependentes do capital simbólico que
lhe confere como, o poder econômico, o conhecimento e cultura, exercendo a cumplicidade de
transformação e conservação a um caráter ativo de ação pelo sujeito.
Dessa forma, o indivíduo não é refém apenas de uma relação, seja ela macro ou micro, como
descrita por Bourdieu (1989), além de não ter ampla autonomia em sua personalidade individual,
carrega sempre marcas da estrutura social ao qual está vinculado. Os espaços de múltiplas relações
sociais dão continuidade às estruturas, ou por um processo de transformação estabelecem a ruptura
nos contextos de crises.
Bourdieu (1989) apresenta o conceito da autonomização dos campos, em que a produção cultural
exercida pelas instituições passam a ser compreendidas por estratégias de legitimação, sendo essa, a
criação de uma relação de interdependência entre o conceito de campo (relações socialmente
distribuídas) e do habitus (força conservadora no interior do indivíduo por ordem social) para adquirir
estratégias e práticas em que os indivíduos (grupos dominados) reagem socialmente.
Nesse sentido, os meios de comunicação passam a ser centrais nos processos de legitimação, a
dimensão simbólica existente nos meios de comunicação envolve sua produção, armazenamento e
circulação de materiais que acabam sendo significativos para os indivíduos que os produzem e os
recebem. Essas formas simbólicas quando transformadas em mercadorias produzem acessos
diferenciados no tempo e no espaço, assim a mídia acaba por estar intrínseca ao processo de
contextualização social dos indivíduos e sua cultura (THOMPSON,1998).
Thompson (1998) reflete sobre como os meios de comunicação acabam por transformar e
organizar o espaço e o tempo na vida social, criando novas formas de ação e interação e com isso
exercendo novas maneiras de poder. Segundo o autor, os campos de interações sociais são
desenvolvidos a partir de quatro principais relações de poder: o poder econômico, poder político,
poder coercitivo e o poder simbólico.
O poder econômico relaciona-se à atividade produtiva e transformação de bens para o consumo,
o poder político deriva da atividade de coordenação dos indivíduos e da regulamentação dos padrões
de sua interação, o poder coercitivo implica o uso ou a ameaça da força física para subjugar ou
conquistar um oponente e o poder simbólico exemplificado pelo autor como também poder cultural,
nasce na atividade de produção, transmissão e recepção do significado das formas simbólicas
(THOMPSON, 1998, p. 22-24).
Por esse viés, trataremos da relação simbiótica entre a centralidade midiática com as estratégias
políticas, já que, segundo Lima (2006), em regimes democráticos, a atividade política é, ou deveria
ser, eminentemente pública e visível. Mas, o que define o que será público perpassa aos interesses
midiáticos, por isso para se ter visibilidade a política depende da mídia bem como a mídia depende da
política.
Gomes (2004), por sua vez, explica que o jogo político se acomoda na lógica da cultura midiática
regida pela natureza do espetáculo, em que a espetacularização da política aciona-se entre outros
sentidos, ao sentido da ruptura das regularidades, dramatizando fatos que passam a se tornar
surpreendentes e novos.
Para compreender os processos de comunicação política, observa-se os resultados de processos
eleitorais, que se acrescentam de vários fatores entre duas vias e dois atores, eleitores e políticos, que
dialogam estabelecendo um pacto fundamentado em uma troca de intenções, em que os eleitores
procuram ter seus desejos, interesses e demandas implementados e os políticos querem ser eleitos
(FIGUEIREDO et al., 1998).
Evidenciando a interação entre mídia e eleições, a visibilidade social da política é uma
característica singular no processo de situação democrática, por ser um evento periódico, passa a ser
esperado socialmente e agendado pelo campo político (RUBIM, 2011). Por um caráter público e
publicizado, com a pretensão de alcançar o maior número de pessoas, é nesse momento que se
acredita na possibilidade de participação e intervenção no governo. Segundo Rubim (2011), a
periodicidade, o ritmo acelerado, o caráter público, o esforço da publicização, a atenção e o interesse,
garantem um agendamento de temas e manifestações a uma visibilidade especial no momento
eleitoral da política para a sociedade (RUBIM, 2011).
As redes sociais ganharam ênfase de utilização em campanhas eleitorais desde as eleições
presidenciais nos Estados Unidos de 2008, com a campanha de Barack Obama, inaugurando assim,
um novo modelo de campanhas eleitorais digitais. A ideia de proximidade com o eleitor e a busca por
informação em tempo-real, possibilitaram a criação de apoiadores e repercussões que estimulam a
disputa eleitoral (OLIVEIRA; LEAL; PEREIRA, 2016).
Braga (2011) argumenta que as eleições de 2010 já proporcionaram a influência das redes
sociais nas eleições presidenciais no Brasil, já que os candidatos e eleitores apresentaram a partir do
uso da internet e em medida variáveis, distintos propósitos. Esses mecanismos passaram a agregar
valor as mais novas eleições, fortalecendo os mecanismos de accountability5 e coordenação
estratégica entre militantes e elaboração de mensagens mais personalizadas pelos candidatos
(BRAGA, 2011).
Por esse propósito, este artigo pretende analisar de que forma os deputados estaduais, eleitos
nas principais regiões que ganharam notoriedade na mídia a partir dos rompimentos de barragens de
minério de ferro da empresa Vale S.A, em Mariana-MG (2015) e Brumadinho (2019), manifestaram-se
em suas redes sociais, durante os desastres e em campanha eleitoral de 2018, buscando compreender
a visibilidade dada aos casos e a que narrativas são incorporadas em seus posicionamentos para o
público: uma legitimação dos discursos das mineradoras ou a defesa dos movimentos sociais dos
atingidos.

3. As catástrofes anunciadas do setor de mineração e seus possíveis usos políticos

Conceber a modernidade a partir de uma lógica da anulação das limitações impostas pelo
sistema capitalista e globalização do mundo é entender que dentro de uma estruturação social, o
individualismo emerge sobre a designação das próprias escolhas, responsabilizações e esforços, onde
o destino do perigo, risco e medo apresentam-se como reflexos dessa modernidade a um viés de
dependência naturalizada do sistema social que produz catástrofes anunciadas como erros e falhas
pontuais de difícil mensuração e em construção narrativas para fáceis reparações (BECK, 2011, p.08).
Mendes (2015) argumenta sobre a ótica de Dean Curran (2013), que as desigualdades
econômicas representam também as diferenças entre as exposições aos riscos, catástrofes e desastres
socioambientais, onde e mais fortemente em governos neoliberais da atualidade, a utilização das
incertezas e medos adquire um novo âmbito de aceitação, negação científica e adaptação das
vulnerabilidades sociais, alcançado por uma mobilização técnica de governabilidade (O’MALLEY,
2009, p.26 apud MENDES, 2015, p.214).
Como efeito e consequência do modelo de produção vigente, acabamos por tornar um potencial
de produtor de riscos em um ambiente onde as justificativas positivas das grandes organizações e
instituições financeiras, para a intensificação de produção e acumulação do lucro, podem ser
facilmente identificáveis e admiradas nos discursos de ordem tecnológica e científica, sendo
propagados pelos meios midiáticos (VIEIRA, 2018). Os efeitos negativos nem sempre perceptíveis são
desprovidos de poder e força de reprodutibilidade, inferiorizados perante os discursos hegemônicos
que oculta às vulnerabilidades postas em audiência somente a partir de uma grande tragédia (VIEIRA,
2018).
O processo de “dominação” da natureza pelo homem envolve a separação da complexidade da
natureza à concepção cultural e histórica humana. As catástrofes socioambientais estão imbricadas
nas concepções sobre a relação homem-natureza, em que os desastres não se sucedem simplesmente,
mas são resultados de forças econômicas, políticas e sociais, tanto de processos que se desenvolvem
por longos períodos de tempo quanto derivados de crises repentinas (LÓPEZ, 1999 apud AMARAL,
2014).
Nesse sentido, os rompimentos das barragens de rejeitos de minério de ferro, ocorridos no dia
05 de novembro de 2015 na região de Mariana-MG, e três anos depois em Brumadinho-MG no dia 25
de janeiro de 2019, simbolizam a relação de desastres ao fim de grandes ciclos econômicos da
mineração. Deve-se considerar que o boom econômico da extração mineral sinaliza a aceleração de
processos de licenciamentos ambientais, pressões sobre os órgãos públicos e intensificação da
produção em momentos de redução dos preços assim como a redução de custos, intensificando em um
caráter estrutural, situações provocadas como o desastre da Samarco/Vale/BHP Billion (PoEMAS,
2015, p.05), e mais recentemente o da empresa Vale S.A em Brumadinho-MG. Segundo Milanez
(2019), existe uma série histórica em Minas Gerais, em que, de 2002 para cá, houve um rompimento
de barragens a cada dois anos, associando-se a vários contextos como a alta dos preços do minério, a
vulnerabilidade dos territórios onde as mineradoras operam e a captura do estado pelas grandes
mineradoras com órgãos de licença e fiscalização precarizados e sucateados.
Coelho (2014) descreve sobre o discurso do desenvolvimento pela mineração (DDM), que
demonstra as designações discursivas para propagar, em localidades que lidam com as consequências
causadas por atividades econômicas de forte impacto social, como a extração de recursos naturais, a
legitimidade de suas atividades (VARELA, 2018, p.88).
Uns dos seus exemplos são as recorrentes retóricas da criação de empregos e benefícios para os
municípios através de arrecadações de impostos e renda, que a partir desse raciocínio, apresenta
investimentos públicos para a população; a dimensão ambiental como foco de prejuízos centrados,
enquanto as questões econômicas estão ligadas aos pontos positivos da exploração; a naturalização de
uma suposta vocação das regiões mineradoras, como o caso do quadrilátero ferrífero em Minas
Gerais, sendo um destino-manifesto dessas regiões para ser carro-chefe de sua economia (COELHO,
2014, p.65).
As imagens da responsabilidade social, através de projetos e concessões feitas pelas
mineradoras, passam a ideia de preocupação com os problemas ambientais e sociais, o que aumenta a
percepção dos impactos positivos. Coelho (2014) demonstra que a crença em uma hipotética
sustentabilidade reforça a desconsideração de uma série de impactos negativos, considerando nesse
sentido, que a sustentabilidade é uma ideologia contemporânea a fim de manter a acumulação das
atividades econômicas extremamente danosas, sem grandes interferências no processo de produção
(COELHO, 2014, p.66).
As situações procedidas pela mídia a partir dos acontecimentos como os desastres de 2015 e
2019, geram a sensibilização humana em um espaço de medo e risco. Para Loose, Camana e Belmonte
(2017, p.02), a relação entre o jornalismo e a cobertura dos riscos estão aparados a um quadro teórico
sobre percepção dos riscos, em que os meios de comunicação passam a exercer fundamental
relevância, pois estes amplificam ou silenciam as questões que se relacionam. Segundo os autores,
jornalismo e riscos ambientais podem ser apresentados como frutos distintos de um mesmo processo,
a modernidade. As pautas ambientais acabam por emergir os interesses econômicos dos poluidores,
que em sua grande maioria estão vinculados também como anunciantes e patrocinadores de veículos
jornalísticos onde atuam, sendo assim uma questão ambiental não se dissocia da geração de um
conflito social (LOOSE; CAMANA; BELMONTE, 2017 p.03).
Nesse sentido, ascende-se também o recurso da emergência política. A dimensão do espetáculo,
referindo a um grande desastre ou tragédia socioambiental, pode ser vista como um modo de disputa
de poder e construtor de legitimidade política, revelando processos e práticas institucionais
materializadas no jogo de linguagens e enunciados, que segundo Valêncio (2010), envolvem o Estado
no planejamento de emergências de desastres produzindo a imprevidência, a fatalidade e a superação
aos danos causados.

4. Metodologia e Análise dos Dados

Diante dos rompimentos de barragens de minério de ferro em Mariana-MG e Brumadinho-MG,


chamam atenção dois principais atores políticos eleitos em 2014 e também em 2018, o deputado
estadual Thiago Cota (MDB) e João Vitor Xavier (PSDB).
Thiago Cota (MDB), nascido na cidade de Mariana-MG integrou a comissão extraordinária das
barragens em 2015 a 2016 e tornou-se o vice-presidente da Comissão de Meio Ambiente e
Desenvolvimento Sustentável em 2017, foi reeleito em 2018 com 55.870 votos no Estado de Minas
Gerais com maior número de votos da Microrregião de Ponte Nova6, com 16.032 votos (ALMG,2019).
João Vitor Xavier (PSDB) foi presidente da Comissão de Minas e Energia entre 2017 e 2019,
sendo hoje o vice-presidente da comissão, atuou pela aprovação do projeto de lei “Mar de Lama
Nunca Mais” (Lei 23.291/19) que institui a Política Estadual de Segurança de Barragens. Foi reeleito
em 2018 com 75.256 votos no Estado de Minas Gerais e com maior número de votos na Microrregião
de Belo Horizonte7, com 55.238 votos (ALMG, 2019).
Para a análise das redes sociais dos deputados, optou-se pela coleta de dados em suas páginas
oficiais no facebook, a partir do aplicativo Netvizz, tornando possível a coleta de todas as postagens
entre 2015 e 2019, utilizando-se assim a análise de conteúdo quali-quantitativa, ferramentas
oferecidas por Bardin (2008) garantindo um estudo sistemático e categorizado da análise, optando
por um recorte temporal de: 15 dias desde o rompimento da barragem em Mariana-MG; postagens
que compreendem os 52 dias de campanha eleitoral nas redes sociais em 2018; e postagens durante
15 dias após o rompimento da barragem em Brumadinho-MG.
Inferiu-se sobre: (01) o número de postagens relacionadas aos desastres e a mineração; (02) tipo
de postagens utilizadas entre fotos, vídeos, status ou links; (03) o conteúdo que se relaciona as
postagens e suas principais abordagens.
A primeira análise representa os 15 dias após o rompimento de barragem na região de Mariana-
MG, correspondendo aos dias 05/11/2015 a 20/11/2015. Sendo 19 postagens publicadas na página do
deputado estadual Thiago Cota (MDB) e 20 postagens postadas na página do deputado estadual João
Vitor Xavier (PSDB):

Tabela 1. Resultados das postagens 15 dias após rompimento em Mariana-MG

Fonte: Elaboração própria

Observa-se que Thiago Cota (MDB) utilizou-se do maior número de postagens sobre o tema,
sendo 16 relacionadas, enquanto o deputado João Vitor Xavier (PSDB) utilizou-se de apenas 02
postagens sobre o tema. Thiago Cota (MDB) apresenta em seu número total de postagens a utilização
de fotos e depois links de reportagens. Os assuntos que envolvem as 16 postagens de Thiago Cota
(MDB) sobre o rompimento da barragem em Mariana-MG, dialogam em um primeiro momento pela
solidariedade e por uma fatalidade, logo se acrescenta a uma cobrança a Samarco por respostas e em
um terceiro momento, passa a dar maior visibilidade a sua atuação na comissão extraordinária de
barragens e a participação em audiências públicas.
João Vitor Xavier (PSDB) utiliza no total de suas postagens o uso de fotos, as duas postagens
relacionadas ao rompimento de barragem em Mariana-MG são direcionadas aos profissionais do
jornalismo na cobertura de informações da tragédia e uma postagem utilizando vídeo, sobre a
cobrança pelos responsáveis e culpados em uma reunião extraordinária na ALMG no dia 11 de
novembro de 2015.
A segunda análise corresponde os 52 dias de campanha eleitoral nas redes sociais, que de acordo
com o TSE (2018) corresponderam os dias entre 16 de agosto de 2018 a 06 de outubro de 2018.
Thiago Cota (MDB) apresentou no total, 141 postagens e João Vitor Xavier apresentou 135 postagens:

Tabela 2. Resultados das postagens 52 dias de campanha eleitoral - rede social Facebook

Fonte: Elaboração Própria

Os dados coletados apresentam uma minoria referente às postagens sobre o rompimento de


barragem em Mariana-MG em 2015, como também temas relacionados ao meio ambiente e a
mineração. Na rede social de Thiago Cota (MDB), das 141 postagens apenas 02 se relacionaram à
temática, uma em referência a sua participação na comissão do meio ambiente, mas correspondendo
a importância da preservação da Amazônia e comemorando o dia da árvore, a outra postagem
menciona seu trabalho em Mariana-MG e a importância da mineração na cidade, neste sentido
reforça-se que Thiago Cota (MDB) foi o deputado a tomar frente do movimento Volta Samarco8 com o
intuito da retomada de empregos na região, esta campanha esteve muito presente durante os anos de
2016 e 2017 em sua rede social, assim ressalta-se nesta postagem a comemoração da liberação de
uma nova cava para minerar na cidade. Das postagens totais a maioria utiliza-se de fotos em suas
divulgações de campanha.
João Vitor Xavier (PSDB) apresentou durante sua campanha eleitoral em rede social, apenas 01
postagem das 135 coletas sobre mineração e o rompimento da barragem em Mariana-MG, sua
postagem foi direcionada a uma foto de uma notícia vinculada em um jornal, que divulgou a empresa
Anglogold como exemplo de barragens seguras, a partir do empilhamento de rejeitos a seco, em
referência a sua atuação como presidente da comissão de Minas e Energia, João Vitor Xavier (PSDB)
ressaltou a seguir este exemplo para Minas Gerais também. Das postagens totais a maioria utiliza-se
de fotos em suas divulgações de campanha.
No terceiro momento, são coletadas as postagens que intercedem entre os dias 25/01/2019 à
08/02/2019, marcando as menções sobre o outro rompimento de barragem de rejeitos de minério de
ferro da empresa Vale em Brumadinho-MG. Durante os 15 dias, foram analisadas 20 postagens totais
do deputado estadual reeleito Thiago Cota (MDB) e 19 postagens do deputado estadual também
reeleito João Vitor Xavier (PSDB).

Tabela 3. Resultado das postagens 15 dias depois do rompimento da Barragem em


Brumadinho-MG

Fonte: Elaboração Própria

Thiago Cota (MDB) apresentou apenas duas postagens sobre o rompimento de barragem em
Brumadinho-MG, essas duas postagens no formato de status, descrevem em um primeiro momento
(25 de janeiro de 2019) a prestação de solidariedade aos atingidos, logo no dia 27 de janeiro de 2019,
também em formado de status, é postado uma nota de esclarecimento sobre acusações que recebeu
na mídia por ter sido um dos deputados a votar contra o projeto de lei 3.676 de 2016, correspondente
as novas regras e licenciamentos para fiscalização de barragens, de autoria da comissão
extraordinária de barragens (ALMG, 2019). Thiago Cota (MDB) justifica-se dizendo não ter votado
contra ao projeto, mas ter sido contra ao parecer apresentado pelo Deputado João Vitor Xavier (PSDB)
que inviabilizava a atividade de mineração em todo Estado. Justificando ainda, que o próprio deputado
João Vitor Xavier (PSDB) manifestou-se dizendo que mesmo, se caso seu parecer tivesse sido
aprovado, a tragédia em Brumadinho-MG aconteceria9.
Diante das trocas de citações entre os deputados, João Vitor Xavier (PSDB) durante o período de
15 dias após o rompimento da barragem em Brumadinho-MG, apresentou 15 postagens sobre o tema
das suas 19 postagens totais. João Vitor Xavier (PSDB) utiliza-se em sua maioria vídeos e transmissões
ao vivo diretamente da região impactada. Suas postagens relacionam-se a compilação de vídeos na
Assembleia Legislativa em 2015, enfatizando ser relator do projeto de lei que exigia regras mais
rígidas para as barragens, citando ainda ter sido “profeta” ao dizer que novos rompimentos como o de
Mariana-MG iriam acontecer, transmissões ao vivo chamando a população a exigir que seu projeto de
lei seja aprovado, logo, maior repercussão midiática de entrevistas cedidas para rádio, jornais, e a
atuação junto ao projeto de Lei Mar de Lama Nunca Mais organizado pela sociedade civil.
O projeto de Lei “Mar de Lama Nunca Mais” foi um marco da participação pública uma vez que
contou com a iniciativa e parceria do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de
Defesa do Meio Ambiente, Patrimônio Cultural, Urbanismo e Habitação (Caoma), do Ministério
Público de Minas Gerais com a Associação do Ministério Público (AMMP) e obtendo mais de 10 mil
assinaturas (MAR DE LAMA NUNCA MAIS, 2019). Para fins de esclarecimento, tanto Thiago Cota
(MDB) como João Vitor Xavier (PSDB) participaram da comissão extraordinária de barragens em
novembro de 2015, apresentando o projeto de Lei 3.676/16, mas que de acordo com a sociedade civil,
não contemplava a real situação precária das barragens em Minas Gerais e suas devidas reparações,
assim como o atendimento aos atingidos, dessa forma, por pressão popular e inúmeras audiências
públicas, incorporou-se na PL 3.676/16 o projeto de Lei Mar de Lama Nunca Mais (PL 3695/16),
tornando-se o substitutivo PL 5.316/18 com autoria do Deputado estadual João Vitor Xavier (PSDB) e
sendo sancionada no dia 25 de fevereiro de 2019 pela lei 23.291/19 que institui sobre a Política
Estadual de Seguranças de Barragens (MPMG, 2019).

5. Considerações Finais

Os dados analisados e descritos apresentam uma maior incorporação da temática ambiental a


partir de um grande desastre ou tragédia repercutida pela mídia e nas redes sociais dos deputados,
que em um primeiro momento, com o rompimento da barragem de rejeitos de minério na região de
Mariana-MG, Thiago Cota (MDB) destaca-se com o maior número de postagens e citações, logo
tornando-se um representante do meio ambiente e desenvolvimento sustentável, ao mesmo tempo em
que defendeu nitidamente o discurso da empresa e a importância para o desenvolvimento da cidade e
a geração de empregos, como a campanha Volta Samarco.
Chama atenção os dados referentes à campanha eleitoral, em que nas redes sociais dos dois
deputados analisados, não foram citadas referências diretas a esclarecimento, participação e luta
política sobre os danos já causados pela mineração, nem mesmo visibilidade aos atingidos, assim
como as problemáticas barragens de rejeitos de minério e seus riscos de rompimentos existentes em
Minas Gerais, obtendo apenas três postagens no total analisado sobre o tema sem muita relevância.
Assim, o terceiro momento da análise o deputado João Vitor Xavier (PSDB), apresenta um grande
protagonismo do tema, tornando-se relator do projeto de lei referente à participação pública, e um
grande número de postagens utilizando vídeos e transmissões ao vivo, como também um maior
número de entrevistas em rádio, tv e jornais divulgados em sua rede social. Muitas postagens
reforçam a importância de seus compartilhamentos, levando a crer que a visibilidade do caso era
primordial, mas entrelaçado ao seu nome como referência, sendo, portanto, uma poderosa estratégia
política de alcance, a partir da associação de seu protagonismo no caso pelo meio midiático.
Ainda assim, o discurso pelo desenvolvimento da mineração e a legitimidade da empresa sobre o
Estado, reage em diversos momentos e sobre muitas perspectivas, podendo encontrar na mídia,
justificativas aos danos e impactos causados como acidente ou fatalidade e não sendo apresentadas
medidas efetivas de punição e reparação sobre as empresas causadoras dos danos, obtendo um poder
maior de silenciamento e desmobilização da participação pública. A visibilidade do caso pelos
deputados pode também ser associada às regiões em que se recebeu maior número de votos e apoio,
atrelando a isso seu compromisso com as pessoas afetadas, ao mesmo tempo em que reforçam a
dependência econômica das grandes mineradoras em Minas Gerais.

Referências
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de janeiro de 2019.

1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho 5 - Mídia, Personalismo e Lideranças Políticas, I Simpósio Nacional de
Comunicação Política, Eleições e Campanha Permanente, 27 a 28 de março de 2019.

2 Graduação em Gestão Ambiental pela UFRRJ/ITR e Mestranda em Comunicação PPGCOM/UFJF, Universidade Federal de Juiz
de Fora, vivianearcardoso@gmail.com.

3 Mestre e Doutor em Ciência Política pelo IUPERJ, docente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social (PPGCOM) e
da Faculdade de Comunicação Social da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

4 A micrroregião de Ponte Nova integra a cidade de Barra Longa, uma das atingidas pelo rompimento da barragem da empresa
Samarco/Vale/BHP Billiton no dia 05 de novembro de 2015. A microrregião de Belo Horizonte integra a cidade de Brumadinho, a região
atingida pelo rompimento de barragem de minério no dia 25 de janeiro de 2019, também pela empresa Vale S.A.
5 Prestação de contas. No dia a dia, a fiscalização de atividades pelas redes sociais, imprensa e outros sites, disponibilizam
informações de ações públicas, podendo ser criticado e questionado sobre atividades de agentes políticos (POLITIZE, 2019).

6 As cidades que integram a Microrregião de Ponte Nova são: Acaiaca, Barra Longa, Dom Silvério, Guaraciaba, Jequeri,
Oratórios, Piedade de Ponte Nova, Ponte Nova, Raul Soares, Rio Casca, Rio Doce, Santa Cruz do Escalvado, Santo Antônio do Grama,
São Pedro dos Ferros, Sem-Peixe, Sericita, Urucânia, Vermelho Novo.

7 Cidades que integram a microrregião de Belo Horizonte: Belo Horizonte, Betim, Brumadinho, Caeté, Confins, Contagem,
Esmeraldas, Ibirité, Igarapé, Juatuba, Lagoa Santa, Mário Campos, Mateus Leme, Nova Lima, Pedro Leopoldo, Raposos, Ribeirão das
Neves, Rio Acima, Sabará, Santa Luzia, São Joaquim de Bicas, São José da Lapa, Sarzedo, Vespasiano.

8 Movimento destinado a apoiar os funcionários e a Empresa como: Somos todos Samarco, presente nas redes sociais e em
manifestações públicas (www.facebook.com/pg/somostodosamarco/). Segundo Milanez (2019) o movimento “volta Samarco” é a
materialização de um descontentamento legítimo, mas enviesado por um problema de narrativa, já que para muitos, a empresa não
volta a operar por causa dos outros atingidos, intensificando o conflito entre eles.

9 Link da postagem: https://www.facebook.com/1456019298036282/posts/2016934585278081/. Acesso em 16 de abril de 2019.


CAPÍTULO 32

O MITO BOLSONARO: a busca de um herói para o Brasil, com traços de


personalização e espetacularização1

Lucia Dias2
Eduardo Matidios3

1. Introdução

Nos estudos de Comunicação Política Midiática, podemos identificar candidatos a cargos


eleitorais que, em suas Campanhas, assumiram papéis que os identificaram com a figura de heróis.
Schwartzenberg (1978) apresenta, em seu livro “O Estado Espetáculo”, conceitos relacionados ao
herói enquanto um modelo de grande homem, com atributos paternais de autoridade no exercício de
seu poder. Para o autor, podem-se distinguir três traços que compõe este modelo: a sabedoria, a
sapiência e a autoridade. Sábio é “o pai que é o homem experiente, que conhece a fundo todas as
coisas. É o homem informado e prudente” (SCHWARTZENBERG, 1978, p. 86). Já a sapiência, segundo
o autor, é a capacidade de solucionar problemas que ultrapassem a capacidade dos pobres cidadãos
médios e por último a autoridade deve ser entendida como a capacidade de resolver e impor decisões,
por isso o grande homem da política deve “encarnar a firmeza, a energia, a capacidade de resolver e
impor decisões” (SCHWARTZENBERG, 1978, p. 86). Como um grande homem e herói, ele procura um
universo espetacular para atuar de forma personalizada.
A constituição de um mito se estrutura a partir de uma continua repetição e reconstituição de
uma imagem, que ganha corpo a partir de uma narrativa que é constantemente reelaborada. No
campo político, Gomes atenta que a imagem pública é “um complexo de informações, noções,
conceitos, partilhados por uma coletividade que a caracterizam” (2004, p. 254). De acordo com o
autor, as imagens públicas são concepções caracterizadoras de uma instituição ou de um agente
político e para sua formação é necessário reconhecer esse conjunto de características que a
compõem. A construção e transformação da imagem de um político é um conjunto de técnicas que
emitem mensagens, com o objetivo de criar a imagem de um produto, de uma instituição ou de um
indivíduo.
Ao analisar a construção da imagem do candidato Jair Bolsonaro (PSL) na Campanha à
Presidência da República, podem-se identificar traços do modelo do mito de herói. Nesse sentido,
esse artigo tem o objetivo de identificar como na ocasião candidato Jair Bolsonaro (PSL), que desde a
votação do impeachment de Dilma Rousseff (PT) no Congresso Nacional, em 17 de abril de 2016,
reafirmou oficialmente o desejo de torna-se candidato à presidência do Brasil, vai encampar o
discurso do mito do herói que anuncia um novo tempo, que consegue ler na história os sinais que os
outros ainda não conseguem perceber. O profeta apresenta-se como se fosse conduzido por uma
espécie de impulso sagrado para guiar o seu povo pelos caminhos do futuro.
Vale destacar que o atentado com faca contra Bolsonaro (PSL), em 07 de setembro de 2018,
quando realizava um ato de campanha na cidade de Juiz de Fora (MG), ganhou enorme visibilidade e
transformou-se em um espetáculo político-midiático, reescrevendo a narrativa eleitoral. A
espetacularização do evento, que, segundo Weber (2003), está vinculado à capacidade de mobilizar a
vida política, sobretudo diante da possibilidade de gerar comoção social, tornou-se altamente
simbólico do ponto de vista econômico para os meios de comunicação, e mítico para a imagem pública
de Bolsonaro (PSL).
Apelidado pelo eleitorado de mito, parte-se da hipótese que Bolsonaro construiu sua imagem
política respaldado em atributos que enunciam o discurso do salvador do país, como será analisado
nas peças exibidas durante o período da campanha eleitoral, com destaque para as principais imagens
de campanha, veiculadas no período de 31 de agosto até 28 de outubro de 2018.

2. Personalismo e a construção do mito de herói

Vislumbra-se dentro do cenário político atual, um processo de transformação na natureza e nos


formatos das campanhas eleitorais. Neste cenário, o novo modelo de relação entre os candidatos e
eleitores deixa de ser intermediado pelo partido político e passa a ser constituído pela influência e
participação da mídia como arena central da disputa política, modelo conceituado como democracia
de público (MANIN, 1995). Este tipo de democracia apresenta também como tendência a
centralização nos candidatos políticos, que como eficientes comunicadores, valorizam seus atributos
pessoais nas disputas eleitorais.
Weber (2003) aponta que uma das marcas deste novo modelo é o personalismo, quando a figura
do candidato é supervalorizada e se torna mais importante do que a identificação partidária no
momento das escolhas eleitorais. Esta estratégia que simula uma aproximação entre o líder, candidato
carismático e seus seguidores, poderia ser uma saída viável para angariar os votos que os partidos
políticos estariam perdendo em razão do novo cenário político mundial, que, segundo Leal (2002,)
aproxima os países do mundo de elementos da cultura norte-americana.
Para o sociólogo e pesquisador da Universidade de Yale, Juán Linz e Stepan (1999), o sistema
eleitoral brasileiro, de lista aberta, fomenta o personalismo, por colocar o partido em dependência do
quociente mínimo de votos para eleger mandatos. Este sistema também faz crescer nos partidos
políticos a necessidade de escolher candidatos populares, não necessariamente com experiências em
atividades partidárias e sim políticos que tenham destreza para lidar com grandes públicos, que
inspirem confiança, que façam da boa imagem um pressuposto básico.
O cientista político da Universidade da Califórnia, Martin Wattenberg citado por Leal (2002),
identifica esse fenômeno como a “ascensão da política centrada nos candidatos”. Segundo o teórico,
isto ocorre nos cenários políticos em que há perda de referenciais ideológicos pelos partidos e a
opinião pública tende à neutralidade. Características como competência, integridade, carisma e
atributos pessoais dos candidatos preenchem o espaço deixado pela discussão política. Para Leal
(2002), há riscos e problemas nesse fenômeno já que a sociedade fica à espera daquele que os
“redimirá dos problemas como se essa liderança existisse”.
Atribuindo ênfase também ao candidato político, Schwartzenberg aponta que os candidatos a
cargos políticos foram buscar no mundo do teatro “a prática do star system tão vivaz nas décadas de
20 a 50” (SCHWARTZENBERG, 1978, p.45.). Pode-se entender que o homem político prefere parecer,
compondo um personagem que atraia a atenção e impressione a imaginação, transformando-se em
uma espécie de celebridade ou “vedete política”.
Dentro desta concepção de “vedete política”, pode-se os estudos de Guy Debord (1931-1994), em
relação a Espetacularização. Em seu livro A Sociedade do Espetáculo, o pesquisador explica: “o
Espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas mediada por
imagens” (DEBORD, 1997, p. 14). Na concepção de Debord, é por meio da mediação das imagens e
mensagens dos meios de comunicação de massa que os indivíduos vivem num mundo movido pelas
aparências e pelo consumo permanente de fatos, notícias, produtos e mercadorias, com objetivos
lucrativos. No ambiente político, são os feitos e imagens construídas dos candidatos que estão sujeitos
aos holofotes midiáticos para que tenham importância e visibilidade para encantar os olhos de seu
eleitorado. É a fase da representação pela imagem quando por assumir esta personalidade de
celebridade, o candidato se transforma em ponto de apoio para a projeção dos sonhos e aspirações do
público, que o prestigia por sua ascendência.
Esta personalização do poder é objetivada pelo candidato nas campanhas eleitorais, quando
buscam sua “autoglorificação”, para impor uma imagem de si mesmo e apresentar à opinião pública.
Desta forma, os candidatos escolhem a imagem que personifique um modelo de herói, de grande
homem da política, que o identifique com o verdadeiro líder de seu eleitorado (SCHWARTZENBERG,
1978, p. 4):

É o homem excepcional, fadado ao triunfo, e depois à apoteose. O homem das façanhas, do entusiasmo e da
glória. Em suma: o ídolo proposto ao culto dos mortais. É o salvador, quase o messias. O chefe providencial,
o chefe genial, médium do espírito nacional. É o profeta de sua raça. Sempre imerso no solene, no sublime,
na ênfase.

Para Weber (2003, p.87), a liderança heróica pode ser analisada no campo político, segundo três
tipos de autoridade, a autoridade pode ser tradicional, fundamentada no costume, como a
hereditariedade na monarquia. Por sua vez, a autoridade pode se classificar como legal-racional
baseada em estatutos, como a do governante em um Estado Moderno, em que a obediência se presta
à função que lhe conferida pela constituição. Já a autoridade carismática é a do profeta, do cabo de
guerra, do demagogo, do herói.
Weber (2003) afirma que o modelo de autoridade carismática que corresponde ao herói aproxima
o líder político do mundo da divindade, intangível. Para Schwartzenberg (1978), neste contexto, o
candidato é colocado a meio caminho entre os deuses e os mortais. Ao relacionar o homem político
com a Divindade, pode-se estudar como este aspecto intangível remete ao mundo dos ancestrais
míticos. Como se o candidato se transformasse em um “ente sobrenatural”, personagem principal
responsável pelos feitos heróicos na história sagrada contada nos Mitos.
Para Schwartzenberg (1978), esta autoridade heroica foge ao direito divino, quando o herói se
torna o substituto “funcional de Deus”, oferecendo a seus eleitores e fiéis a segurança, a certeza e a
tranquilidade, transformando o poder em sagrado, a liderança em missão. Conforme exemplifica o
autor citando o general Franco4, ídolo temido da religião ancestral e da Espanha integrista: “sucessor
e predecessor dos Reyes Católicos, Franco prevaleceu-se muitas vezes da providência divina, tendo
afirmado já em 1937: “Deus colocou em nossas mãos a vida de nossa pátria para que governemos”
(SCHWARTZENBERG, 1978, p. 27).
Estudando a importância da contextualização na constituição da narrativa do Mito Político,
Girardet analisou os dois últimos séculos da história política francesa, por meio de quatro temáticas,
que intitulou de “constelações mitológicas”: a conspiração, o salvador, a idade de ouro e a unidade.
Segundo o autor, a narrativa do Mito Político nasce de um pensamento individual que, levada ao
coletivo, gera determinada mentalidade em toda uma população. A partir de um mecanismo humano
de seleção de memórias, se faz uma filtragem em determinados acontecimentos, para que um
momento presente ou passado seja transformado em Mito (GIRARDET, 1987).
Seguindo uma dimensão cronológica, pode-se verificar como se manifestam as “constelações
mitológicas” de Girardert (1987) em diferentes períodos: no processo de conspiração, entre o tempo
de espera e o de apelo, há o desejo por um Salvador idealizado, depois o tempo da presença, quando o
Salvador surge para realizar os anseios dos aflitos, período em que está suscetível às manipulações
voluntárias e o tempo da lembrança, onde a memória do herói do passado é resgatada, obedecendo a
conveniência dos jogos políticos do presente.
Girardet (1987) exemplifica a conspiração por meio de três narrativas distintas que analisa como
complôs: o complô judeu, como o plano de dominação mundial, o complô jesuítico, como o plano de
controle que influencia as massas e o complô maçônico relativo às articulações da manipulação
(GIRADERT, 1987). “Não há nenhuma destas construções que não possa ser interpretada como uma
resposta a uma ameaça” (GIRARDET, 1987, p. 54).
Entre a ameaça do complô e a esperança do herói salvador, Girardet (1987) define a idade de
ouro como o tempo da recordação e uma resposta a um sentimento de desaprovação ou rejeição do
presente momento. O mito da idade de ouro remete à pureza e aos refúgios esquecidos, como uma
perspectiva de futuro a ser construído, exigindo um alinhamento ideológico para a construção de uma
sociedade idealizada, algo que está diretamente ligado com o quarto Mito, a Unidade.
Por último, o mito da unidade trata de uma concepção que gira em torno da harmonia e do
equilíbrio social, do desejo de uma sociedade não individualizada centrada em uma moral ou religião,
do bem comum e da vontade “una e regular”, segundo Girardert (1987). Assim, a preocupação maior
é a de uma unidade a ser redescoberta, de um equilíbrio a ser recuperado tanto no plano da moral
individual quanto no plano da consciência coletiva eno quadro das instituições do Estado. “Um mito
politicamente fundamental, que visa suscitar em seus adeptos o amor a sua pátria, favorecendo a
noção do conjunto unido” (GIRARDET, 1987, p. 141).
3. Antecedentes do pleito eleitoral de 2018

O cenário eleitoral de 2018 foi marcado por acontecimentos inéditos, entre os quais o fim da
ruptura histórica entre o Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido da Social Democracia Brasileira
(PSDB), que polarizaram a disputa eleitoral desde o pleito de 1994. Foi também a primeira eleição em
que a internet ganhou significativa relevância, desafiando o papel até então exclusivo das mídias
hegemônicas.
Em um cenário de significativas rupturas institucionais, marcado pelo impeachment da ex-
presidente Dilma Rousseff (PT) e inúmeros episódios no qual as decisões políticas e jurídicas se
tornaram controversa, uma nova força vai emplacar a liderança neste pleito: o candidato Jair
Bolsonaro (PSL), que já acumulava 27 anos de mandato como Deputado Federal. Bolsonaro (PSL) já
havia declarado a intenção de disputar as eleições presidenciais de 2018, desde outubro de 2014,
quando se reelegeu Deputado Federal mais votado no Rio de Janeiro, com 464 mil votos5. Conhecido
pelo comportamento homofóbico e autoritário, Bolsonaro fez uso das práticas da campanha
permanente, e por meio das redes sociais, promoveu pautas que atraiam os eleitores antipetista, com
bandeiras para o armamento da população, a redução da maioridade penal e o trabalho forçado para
presidiários.
O pleito contava com treze candidatos à disputa pela presidência, entre os quais o ex-presidente
Lula (PT), que oficializou sua candidatura em 4 de agosto de 2018. Preso na sede da Polícia Federal
de Curitiba, Lula foi considerado inelegível pela Lei da Ficha Limpa e teve sua candidatura indeferida
pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 1º de setembro de 2018. No seu lugar, o Partido dos
Trabalhadores apresentou Fernando Haddad (PT), que já havia sido prefeito da cidade de São Paulo e
Ministro da Educação, durante o governo Lula.
Acirrada e oscilante, a disputa contou com Ciro Gomes, do Partido Democrático Trabalhista
(PDT), que dividia com Haddad (PT) e, por vezes com Bolsonaro (PSL), o segundo lugar nas pesquisas
de intenção de voto durante o primeiro turno. Pouco expressivo, o candidato Geraldo Alckmin (PSBD)
conquistou o quarto lugar na disputa, com 4,76% das intenções de voto.
A animosidade da campanha, propagada pelas redes sociais, sobretudo pela extensa
disseminação de fakenews, vai culminar com um atentado com faca contra Bolsonaro (PSL), em 07 de
setembro de 2018, quando realizava um ato de campanha na cidade de Juiz de Fora (MG). O episódio
ganhou enorme visibilidade e transformou-se em um espetáculo político midiático, reescrevendo a
narrativa eleitoral. A aparente gravidade do corte no abdômen do candidato vai levá-lo a duas
cirurgias e um longo período de tratamento na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI). A
espetacularização do evento, que segundo Weber (2003) está vinculado a capacidade de mobilizar a
vida política, sobretudo diante da capacidade de gerar comoção social, tornou-se altamente simbólico
do ponto de vista econômico para os meios de comunicação, e mítico para a imagem pública de
Bolsonaro (PSL).
Weber (2003) lembra que da Grécia Antiga à contemporaneidade a tragédia sempre esteve
associada à construção de heróis míticos. Para cada acontecimento, existem ritos, cerimônias e
protocolos de fácil codificação, marcados por mitos e simbolismos ancestrais carregados de
significados e reconhecimento. A autora esclarece que a política e a religião carregam os rituais mais
arcaicos e significativos da vida humana. A retransmissão como cerimônia midiática garante que o
espetáculo obtenha caráter imponente e expressivo.
Elevado ao caráter de mito pelo eleitor antes mesmo da facada, após o atentado Bolsonaro (PSL)
amplia sua campanha nas redes sociais, além de conquistar uma extensa cobertura midiática,
infinitamente superior aos 8 segundos que possuía no Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral
(HGPE). Alçado ao segundo turno com 46,46% das intenções de voto, contra o candidato petista
Haddad (PT), que conquistou 28,69%, Bolsonaro (PSL) sai vencedor da disputa presidencial6 em 28 de
outubro de 2018.

4. A figura do mito “salvador da pátria” na política brasileira

Na história política brasileira, o sentimento generalizado de descrença e negação da política, em


especial diante de um cenário de recorrentes escândalos de corrupção, vai culminar com certo vácuo
político, que conduzem os indivíduos a buscar uma crença, produzir um “encantamento” e magnificar
a esperança política, produzindo o que Girardet (1987) chama de “efervescência mitológica”. Período
de inquietações políticas se constitui, segundo ao autor, momentos propícios para criação de mitos
políticos.
A retórica do salvacionismo político vem encampada no discurso de combate a corrupção como
causadora dos maiores problemas do país, liderada pela reelaboração de uma imagem construída em
torno de uma pessoa, ideia ou partido. A constituição de um mito se estrutura a partir de uma
continua repetição e reconstituição de uma imagem, que ganha corpo a partir de uma narrativa que é
constantemente reelaborada.
Na esfera política, como atesta Burke (2009), a preocupação na constituição da imagem pública
não é recente, já que se trata de um conjunto de práticas usadas por líderes, reis e imperadores ao
longo da história. Não obstante, é somente no século XIX que as transformações advindas da
onipresença dos meios de comunicação, absorvidas pela atividade política, vão por meio da
espetacularização do social através de imagens, atingir às demandas dos imaginários individual e
coletivo em meio aos cenários produzidos pela mídia (BEZERRA, 2017).
A título de resgate histórico, no Brasil, a utilização os meios de radiodifusão, assim como da
mídia impressa deu origem à constituição da imagem pública dos políticos, durante o primeiro
governo de Getúlio Vargas (193-1945). O populismo na figura de Vargas, retratado como “pais dos
pobres” e “protetor dos trabalhadores”, constitui-se pelo tripé Departamento de Imprensa e
Propaganda (DIP), o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e também o Ministério da
Educação e Saúde. A imagem que refletia o paternalismo tradicional de Vargas estava centrada na
veiculação de mensagens que ampliassem o acumulo de capital político do líder populista.
Mais adiante, como a prerrogativa de varrer a corrupção e afastar o país dos ideários
comunistas, Jânio Quadros (UDN) ganhou a eleição presidencial de 1961, levando como símbolo da
campanha uma vassoura. Na mesma linha, na primeira eleição da década de 80, após 21 anos de
ditadura militar (1964-1985), insurgiu o mito na figura de Fernando Collor de Mello (PRN), que se
tornou presidente do Brasil, com o discurso da anti-política, respaldado na imagem de Caçador de
Marajás, cuja missão era acabar com a corrupção do no país, eliminando os políticos que se
aproveitavam do Estado.
Após o impeachment de Collor, em 1992, a estabilidade econômica produzida pelo Plano Real,
encabeçada pelo então Ministro da Economia, Fernando Henrique Cardoso (PSDB), no governo
Itamar Franco faz ascender o mito do homem acadêmico, intelectual, “o príncipe da sociologia”
representado por FHC durante dois mandatos presidenciais (1994-1998/ 1998-2002), cuja trajetória
se destacava por ser sociólogo, cientista político, docente da Universidade de São Paulo (USP),
escritor e político brasileiro. Vencedor dos dois pleitos eleitorais que concorreu contra o adversário
Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 1994 e 1998, o PSDB de Fernando Henrique sairá derrotado pela
retórica do homem do povo, sem formação superior, “o candidato dos trabalhadores”, que o ex-
presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), vai reforçar nos singelos gestos particulares do exercício
político cotidiano, durante os oito anos que governo o Brasil (Lula, 2002-2006/2006-2010). A trajetória
política, pessoal e suas frequentes aparições ao lado do povo, comum a qualquer cidadão, será capaz
de elevar Lula a um patamar superior e distinto que segundo Bezerra, passa a ser reproduzido a
partir da narrativa mitologizada:

(...) que repercute e causa identificação, admiração, devoção a um verdadeiro líder, sábio, coerente e capaz,
mesmo que seja perseguido, reprimido ou derrotado, a saga de um herói geralmente é marcada pela
predestinação, a partida em busca do almejado, e da perseguição, da conspiração que enfrenta, alcança o
retorno com a vitória não para si, mas para seus seguidores (2011, p. 21).

Ainda que abalado por quatro anos de crises políticas, dentre as quais a veiculação de inúmeros
escândalos de corrupção de membros do Partido dos Trabalhadores, o impeachment de sua sucessora,
a ex-presidente petista Dilma Rousseff (PT), a condenação e o posterior cumprimento de pena por
lavagem de dinheiro e corrupção envolvendo um apartamento tríplex no Guarujá-SP, Lula seguia
liderando as pesquisas eleitorais de 2018, com forte apelo popular e mitificado por boa parcela dos
eleitores.
Não obstante, a polarização política que atingiu a sociedade civil antes mesmo da reeleição de
Dilma à presidência do país, em outubro de 2014, ganha uma nova retórica, em que o ódio ao Partido
dos Trabalhadores e aos seus principais líderes se intensifica apoiado no discurso falacioso de uma
suposta ameaça comunista e da propagação de uma filosofia de viés ideológico nas escolas. A
campanha eleitoral de 2018 se desenvolve com a propagação de uma forte onda conservadora que
enxerga a necessidade de uma profunda reestruturação da ordem social. Nesse contexto, reascende a
figura do salvador, o herói capaz de corrigir todos os problemas da nação.
O deputado Jair Bolsonaro (PSL), que desde a votação do impeachment de Dilma Rousseff (PT)
no Congresso Nacional, em 17 de abril de 2016, reafirmou oficialmente o desejo de torna-se
candidato à presidência do Brasil, vai encampar o discurso do mito do profeta, que, segundo Fonseca
(2015), anuncia um novo tempo, que consegue ler na história os sinais que os outros ainda não
conseguem perceber. O profeta apresenta-se como se fosse conduzido por uma espécie de impulso
sagrado para guiar o seu povo pelos caminhos do futuro. Apelidado pelo eleitorado de mito, Bolsonaro
constrói sua imagem política respaldado em atributos que enunciam o discurso do salvador do país,
como será analisado nas peças de campanha.

5. Análise das imagens da Campanha de Bolsonaro (PSL)

Para a análise das peças da Campanha, escolhemos as técnicas visuais, segundo Dondis (2003) e
Gomes Filho (2004): harmonia/contraste, equilíbrio/instabilidade, simetria/assimetria e
simplicidade/complexidade, por se mostrarem relevantes dentro de nossos objetivos. Evidenciamos
também elementos de composição visual, como tipologia e cor, além dos aspectos intertextuais, já que
sua composição perpassa inúmeros textos (multimídia), para constituição das parodias e outras
formas de referencialidade. Também buscamos em Girardet (1987), a narrativa do mito político para
analisar a trajetória do Presidente Jair Bolsonaro (PSL), na conjuntura das eleições presidenciais de
2018.
A campanha do presidente Jair Bolsonaro à presidência do Brasil em 2018 pelo Partido Social
Liberal na coligação “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos” foi constituída por conteúdos
verbais e não verbais que procuraram remeter aos ideais de patriotismo e religiosidade. Pode-se
perceber estes traços de ligação inicialmente na nomenclatura atribuída a coligação do Partido: o
vocábulo acima é utilizado duas vezes na sequência da construção das orações fortalecendo e
relacionando os vocábulos Brasil e Deus, que representam os ideais. Já “tudo e todos” na construção
final das orações personificam as figuras da nação e de seu criador: o país Brasil – a nação - tudo e o
criador Deus – a população – todos.
Como consequência do atentado sofrido pelo então candidato Jair Bolsonaro em 07 de setembro
de 2018, na cidade de Juiz de Fora, Minas Gerais, a campanha foi estrategicamente alterada,
mantendo a narrativa de patriotismo e religiosidade e ampliando o discurso do salvacionismo
incorporado pelo candidato.
Na fase inicial da Campanha, as peças veiculadas nas redes sociais e mídias apresentaram o
texto-chamada-slogan “Muda Brasil de verdade”. O texto apresenta a sequência Muda – de verdade,
remetendo a um ideal de força e honestidade, que encampa o discurso de “salvacionismo” da qual a
estratégia de campanha do presidente se apropria no combate a corrupção como causadora dos
grandes problemas do Brasil.
A figura 1 apresenta peça de campanha constituída do texto-slogan-chamada na parte superior e
a assinatura do presidente e vice na parte inferior, ambas apresentadas em letras maiúsculas e fonte
bastão, tipo de escrita que tem sua leitura facilitada quando utilizada em pequenos textos.

Imagem 1 – Peça da Campanha Presidencial – candidato Jair Bolsonaro (PSL)


Fonte: site de Jair Bolsonaro (PSL)7

Quanto à disposição dos elementos na peça, verifica-se equilíbrio simétrico: os textos e a


fotografia do presidente estão localizados de forma centralizada no retângulo. Os agrupamentos
simétricos tendem a ser percebidos facilmente, resultando em efeitos estáticos (GOMES FILHO, 2004,
p. 52), o que é alterado pelo direcionamento do rosto do presidente para o lado e para cima,
possibilitando um efeito diagonal para a imagem. Percebe-se que há uma construção em dois planos,
com a imagem do presidente no plano anterior e a fotografia da cidade no plano posterior, como
figura e fundo, estabelecendo uma relação de grandiosidade e superioridade, remetendo a ideia de
salvador da Pátria.
A fotografia apresenta o presidente com um semblante feliz, olhar seguro. São as construções
visuais utilizadas nas fotografias da campanha política que buscam formar a imagem pública do
candidato, verifica-se que sempre ele está com uma expressão feliz para transmitir confiança,
conforme adverte Gomes, não basta ser tem que parecer (2004). Há uma relação de harmonia no
aspecto cromático da imagem: tanto na assinatura do presidente com a utilização das cores da
bandeira do Brasil como na imagem de fundo com uma fotografia diurna que apresenta tonalidades
de amarelo e vermelho, ocorre a predominância das cores com tonalidades quentes. O amarelo é a cor
mais próxima da luz e do calor, tende a expandir-se, seu significado simbólico, segundo Guimarães
(2004), está relacionado à espontaneidade, variabilidade, euforia. Já o vermelho, uma tonalidade que
remete ao desejo, à astúcia, à coragem. Segundo Dondis (2003), cada uma das cores tem inúmeros
significados associativos e simbólicos. Pode-se relacionar estas cores a coragem e astúcia que a
campanha objetiva atribuir ao candidato.
Partindo da concepção das “constelações mitológicas de Girardet (1987), esta fase de campanha
pode ser analisada com as temáticas da conspiração e do salvador. Conforme o autor adverte, “em
meio a agruras sociais como desordens vivenciadas” (temática da conspiração), há o desejo por um
salvador idealizado. Pode-se relacionar a conspiração a esta fase de incertezas e descrenças diante
das revelações de escândalos políticos, quando há o desejo de uma forte mudança para a
reestruturação da ordem social. As peças da Campanha utilizam a construção verbal “Muda Brasil de
verdade”, que apresenta a sequência Muda – de verdade, remetendo a um ideal de força e
honestidade, que encampa o discurso de “salvacionismo” da qual a estratégia de campanha do
presidente se apropria no combate a corrupção como causadora dos grandes problemas do Brasil (O
país Brasil – a nação - tudo) e de sua população (O criador Deus – a população - todos).
Na fase seguinte de campanha, ocorreu alteração do texto-chamada-slogan, conforme pode ser
observado na imagem 2. Para ilustrar o golpe de faca sofrido pelo candidato, o texto-chamada-slogan
é estampado com a cor verde, na parte inferior de uma camiseta que apresenta um rasgão e está
manchada de sangue. A imagem começou a ser usada em um vídeo divulgado pelo PSL e pelo
deputado estadual e filho do presidente Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) nas redes sociais, no dia 08
08/09/20188.

Imagem 2 – Peça da campanha do candidato Jair Bolsonaro (PSL)

Fonte: Fonte: site de Jair Bolsonaro (PSL)9

A arte simbólica da campanha buscou reproduzir a camiseta utilizada pelo candidato no


momento do atentado. O texto em letras maiúsculas e fonte bastão na cor verde sobre fundo amarelo
remetem ao patriotismo idealizado como estratégia de campanha. O vermelho que representa o
sangue tem o significado relacionado a sensação cromática de violência e euforia, segundo Farina
(1996). A construção verbal “Meu partido é o Brasil”, apresenta significados de pertencimento e
propriedade, no vocábulo “meu”, já o vocábulo partido tem uma significação ampliada ao se
relacionar ao Brasil, na construção de uma ideologia baseada no bem maior da Pátria, que remete ao
discurso do Patriotismo e em um segundo momento ao discurso de Salvador da Pátria.
Nesta etapa da Campanha, pode-se perceber que se procurou fortalecer a narrativa do Salvador,
na construção da arte simbólica: valorizou-se a imagem da facada, a cor vermelha como
representação da violência sofrida para atribuir ao candidato a imagem de um mártir. A ideia do
mártir enquanto sacrificado ou vítima fortaleceu a imagem positiva do candidato. O episódio do
atentado ganhou visibilidade mundial e gerou comoção por grande parte da população, apesar de ter
sido apresentado por uma parte das redes sociais como uma reação às ideias favoráveis do
presidenciável a legalização do armamento no Brasil.
Em relação às temáticas conceituadas por Girardet (1987), nesta segunda fase de Campanha,
pode-se relacionar às ideias de conspiração. O atentado sofrido no dia 07 de setembro foi retratado
pelas redes sociais e demais mídias com uma dimensão espetacular, influenciando a percepção dos
eleitores, transformando o episódio em uma cena teatral de um possível “complô”, uma tramoia, uma
conspiração. Para a direita, o episódio não passaria de uma tentativa da esquerda, quase sempre
identificada com o petismo, de eliminar diretamente a ameaça representada pelo candidato Bolsonaro
nas eleições. Para sustentar a hipótese, a direita alega que o agressor, Oliveira já foi filiado ao Partido
Socialismo e Liberdade (PSOL), o que é verídico. Não obstante, falsificações de uma foto em que ele
aparece a poucos metros de Lula, num de seus últimos comícios antes de ser preso, tornou-se “viral”
nas redes sociais logo no dia seguinte ao atentado, com o objetivo mais de associar a figura de
Oliveira à militância do Partido dos Trabalhadores. À esquerda, a teoria da conspiração ganha
contornos mais complexos que à direita. Nesta perspectiva, acredita-se que Oliveira tenha agido
teleguiado por um comitê secreto, supostamente oriundo da cúpula de sua própria chapa
presidencial. Segundo esta hipótese, Bolsonaro teria sido sacrificado por um ou dois motivos
principais: talvez para baixar o índice de rejeição de sua chapa e, tentar ampliar o seu teto eleitoral,
que inviabilizaria sua vitória em um eventual segundo turno; ou talvez para abrir caminho à ascensão
do grupo de militares chefiados por Mourão na cabeça da chapa formada com o grupo de políticos do
PSL.

6. Considerações Finais

Em toda a sua campanha, por sua formação como militar da reserva, o deputado federal Jair
Bolsonaro defendeu a Ditadura Militar como um período repleto de crescimento econômico e
segurança para o país. Pode-se tecer uma relação com o Mito da Idade de Ouro, que, segundo
Girardet, corresponderia ao tempo da recordação de um período grandioso e uma resposta a um
sentimento de desaprovação ou rejeição do presente momento.
Assim, a partir desta lembrança (Mito da Idade de Ouro) e o desejo de mudança (Conspiração),
busca-se uma sociedade idealizada e elege-se um salvador para “salvá-la” dos embates, das agruras
vivenciadas (Mito do Salvador). Segundo Girardet, esta sociedade idealizada é não individualizada
centrada em uma moral ou religião e está relacionada ao Mito da Unidade, que visa a suscitar em
seus adeptos o amor a sua pátria, favorecendo a noção do conjunto unido. Pode-se entender que as
ideias de Patriotismo e Religiosidade presentes nas construções verbais “Brasil acima de tudo, Deus
acima de todos” e “Meu partido é o Brasil”, são determinantes para a construção do Mito da Unidade,
bem como o texto-chamada-slogan “Muda Brasil de verdade”, que encampa o discurso de
“salvacionismo”, são estratégia do qual a campanha do então-presidente se apropria, para se colocar
como o candidato que atuará no combate a corrupção, principal causadora dos maiores problemas do
país.

Referências
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de 2006. Tese (Doutorado) – Universidade de São Paulo (USP) – Escola de Comunicação e Artes, São Paulo,
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Contraponto, 1997.
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1990.
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GUIMARAES, L. A cor como informação: A construção biofísica, linguística e cultural de simbologia das
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LEAL, P. R. F. A nova ambiência eleitoral e seus impactos na comunicação política. Revista Lumina, n. 2, p.
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LINZ, J. J.; STEPAN, A. A transição e consolidação da democracia: a experiência do Sul da Europa e da
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MANIN, B. As metamorfoses do governo representativo. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São
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WICHERN, P. (1995). Political Parties and the State: The American Historical Experience Martin Shefter
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1992. Martin P. Wattenberg Cambridge: Harvard University Press, 1994, pp. xii, 227. Canadian Journal of
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WEBER, M. H. Espaço público e acontecimento: do acontecimento público ao espetáculo político-midiático.
Caleidoscópio – Revista de Comunicação e Cultura, n. 10, p. 189-203, 2013.

1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Mídia, Personalismo e Lideranças Políticas, I Simpósio Nacional de Comunicação
Política, Eleições e Campanha Permanente, 27 a 28 de março de 2019.

2 Doutoranda em Comunicação, Universidade Paulista (UNIP), luciadias8@gmail.comluciadias8@gmail.com

3 Graduado em Administração, cursando especialização em Gestão de Negócios, Universidade Paulista (UNIP),


edumatidios@hotmail.com.

5 Bolsonaro: “Serei o candidato da direita à Presidência em 2018”. Disponível em:


<https://politica.estadao.com.br/blogs/marcelo-moraes/2014/10/30/bolsonaro-serei-o-candidato-da-direita-a-presidencia-em-
2018/>. Acesso em: 31 de jan. de 2019.

6 Bolsonaro vence as eleições presidenciais de 2018 com 55,13% dos votos válidos, contra 44,87% de Haddad (PT).

7 Disponível em: <https://www.bolsonaro.com.br/>. Acesso em: 20 de jan. 2019.

8 Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/politica/eleicoes/2018/noticias/2018/09/09/campanha-de-bolsonaro-recria-camisa-


com-sangue-e-deve-exibir-facada.htm?cmpid=copiaecola>. Acesso em: 21 de abr. 2019.

9 Disponível em: <https://www.bolsonaro.com.br/>. Acesso em: 20 de jan. 2019.


CAPÍTULO 33

Análise das estratégias midiáticas do canidato à reeleição bruno siqueira, nas


eleições municipais de juiz de fora em 20161

Vanilda Gomes Cantarino de Magalhães2


UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA

1. Introdução

Em outubro de 2016, houve eleições para prefeitos e vereadores nos 5.570 municípios
brasileiros. O debate público foi ocupado pelos desdobramentos das piores crises políticas já
vivenciadas na democracia brasileira. Dilma Rousseff (PT), depois de vencer em 2014 em uma das
disputas mais acirradas para a Presidência da República contra o candidato Aécio Neves (PSDB),
passou a enfrentar uma forte oposição, agravada pela instabilidade política e econômica, o que
culminou com o impeachment da presidente em agosto de 2016. O vice-presidente Michel Temer, que
então assumiu a Presidência em definitivo enfrentou, desde então, forte resistência de grande parte
dos movimentos sociais e de boa parcela da sociedade civil. O cenário das últimas eleições foi
marcado por incertezas e por grande instabilidade institucional. Com o andamento da Operação Lava
Jato, que gerou várias prisões e dezenas de políticos denunciados por crimes de corrupção e lavagem
de dinheiro, além do Caixa 2 nos financiamentos de campanha, o cenário é de grande descrença nos
partidos políticos e nos políticos.
Em quase 30 anos de política, observa-se em Juiz de Fora um reflexo bem parecido com o
restante do país, mas com algumas especificidades. O PMDB, considerado o maior partido político do
Brasil, manteve a hegemonia em Juiz de Fora e, das oito eleições disputadas, desde 1982, venceu
cinco (1982, 1996, 2000, 2012 e 2016). No entanto, três destas eleições foram vencidas por Tarcísio
Delgado, que depois rompeu com o PMDB e filiou-se ao PSB. Da disputa interna do partido, surgiu a
liderança de Bruno Siqueira, que saiu vitorioso nos pleitos de 2012 e 2016, tendo sido, antes vereador
e deputado estadual.
O PT, que tem uma grande expressão política na cidade em campanhas para Presidência da
República, quando Lula e Dilma saíram vitoriosos, somente veio a ter força em disputas municipais
com a candidatura de Margarida Salomão, ex-reitora da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
Ela disputou a eleição de 2008, 2012 e 2016, tendo ficado em segundo turno nos três pleitos. Em
2008, perdeu por uma diferença pequena em relação ao candidato Custódio Mattos (PSDB). Mas em
2016 enfrentou o desgaste provocado pelas denúncias de corrupção que envolviam, principalmente, o
PT. No primeiro turno, Bruno Siqueira obteve 103.872 votos (39,07%), seguido de Margarida Salomão
(59.506 – 22,38%), Noraldino (47.100 – 17,72%) e Wilson Rezato (44.708 – 16,82%). No segundo
turno, o candidato do PMDB venceu com 151.194 votos contra (57,87%) contra 110.059 votos
(42,13%) de Margarida Salomão.
Em 2016, em decorrência da mudança na legislação eleitoral que reduziu o tempo do Horário
Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE), houve menos investimentos e menor poder de influência da
mídia massiva (TV e rádio) na disputa eleitoral. Alguns candidatos tiveram um tempo muito reduzido –
às vezes, menos de 1 minuto e investiram mais nas mídias sociais.
Em função disso, o artigo traz uma análise das estratégias utilizadas pelo candidato Bruno
Siqueira e dos principais objetos acionados durante o primeiro e segundo turno das eleições – se
discussões políticas (construção da imagem do candidato, imagem da cidade, ataque aos adversários,
temas políticos) ou segmentos de metacampanha (divulgação de pesquisas de opinião pública,
depoimentos de apoio de líderes e personalidades, agenda de campanha, entre outros) tiveram o
mesmo destaque. Com isso, é possível identificar que tipo de retórica acionaram e como construíram
a imagem de suas candidaturas. A metodologia utilizada é Análise de Conteúdo a partir da
categorização criada para análises de programas do HGPE (Oliveira, 2004).

2. A interface mídia e política e a propaganda política

As relações entre os campos da mídia e política não ocorrem de maneira simétrica. O campo
midiático coloniza o campo político, já que a visibilidade na mídia determinaria crescentemente a
distribuição do poder político e o reconhecimento social que advém da exposição midiática. Nesse
sentido, de acordo com Rodrigues (1990), a partir da Idade Moderna a mídia passou a ocupar um
espaço social privilegiado, funcionando como um palco em que os diversos agentes buscam obter
visibilidade e legitimação diante da opinião pública e de outros campos sociais. Gomes (2004) recorre
à metáfora teatral para estabelecer a relação entre os campos da comunicação e da política. Segundo
ele, desde as definições clássicas de Aristóteles, o conceito de poética está ligado ao propósito de
despertar emoções no público por meio de representações. Já a retórica está ligada à racionalidade,
sendo definida como a arte do convencimento e da persuasão por meio da argumentação. De acordo
com o autor, a política é vista como um campo de disputas e de conflitos entre sistemas de
pensamento, sendo mais profundamente marcada por uma lógica racional de debate argumentativo, a
mídia apresenta-se com uma lógica publicitária, mercadológica, marcada por um forte apelo
emocional, pelo entretenimento, pelo ficcional e pelo espetáculo. Com a democracia de massas, no
entanto, os atores políticos se veem obrigados a recorrer em alguma medida aos meios de
comunicação para obter legitimidade ante ao eleitorado e acabam assimilando a lógica funcional e
estética dos formatos oferecidos pelo campo midiático.
Neste contexto, a Comunicação política e eleitoral vive um momento em que observamos um
modelo hibrido de propaganda política. As mídias massivas sobrevivem e concentram-se,
principalmente, na Propaganda Partidária Gratuita (PPG) e nos programas do Horário Gratuito de
Propaganda Eleitoral (HGPE). Em contrapartida, a internet tem causado um grande impacto no
sistema político e eleitoral.
Surge o questionamento se as mídias digitais suplantarão as mídias massivas. O campo é novo e
ainda embrionário. Supõe-se que os dois modelos no caso brasileiro persistirão. Gomes (2004) explica
que o uso da internet pode ser instrumental – quando as plataformas são acionadas apenas como
suportes, ou essencial – ou seja, a internet é incorporada como uma forma de canal entre os atores
políticos e cidadãos, explorando as possibilidades de interação e instantaneidade, conforme a web 2.0.
Nos Estados Unidos, a internet teve o uso pioneiro na década de 90 e culminou no uso estratégico por
Barack Obama em 2008, quando conseguiu captar muitos recursos e mobilizar os eleitores pela
internet, no caso do Brasil, a internet e as redes sociais ganharam força, especialmente, a partir das
eleições de 2012 e 2014 (Aggio, 2013).

3. Comunicação Eleitoral e o modelo híbrido de propaganda: das mídias massivas às mídias


digitais

A Comunicação política e eleitoral vive um momento em que observamos um modelo hibrido de


propaganda política. As mídias massivas sobrevivem e concentram-se, principalmente, na Propaganda
Partidária Gratuita (PPG) e nos programas do Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE). Em
contrapartida, a internet tem causado um grande impacto no sistema político e eleitoral.
Surge o questionamento se as mídias digitais suplantarão as mídias massivas. O campo é novo e
ainda embrionário. Supõe-se que os dois modelos no caso brasileiro persistirão. Gomes (2004) explica
que o uso da internet pode ser instrumental – quando as plataformas são acionadas apenas como
suportes, ou essencial – ou seja, a internet é incorporada como uma forma de canal entre os atores
políticos e cidadãos, explorando as possibilidades de interação e instantaneidade, conforme a web 2.0.
Nos Estados Unidos, a internet teve o uso pioneiro na década de 90 e culminou no uso
estratégico por Barack Obama em 2008, quando conseguiu captar muitos recursos e mobilizar os
eleitores pela internet, no caso do Brasil, a internet e as redes sociais ganharam força, especialmente,
a partir das eleições de 2012 e 2014 (Aggio, 2013).
Castells (2013) afirma que, no contexto da comunicação de massa, dominada pela gran​de mídia,
o poder de definir as verdades encontrava-se nas mãos dos veículos de comunicação tradicionais, que
transmitiam à sociedade uma visão unidirecional da realidade, um ponto de visto único e totalizante.
No cenário atual, o poder encontra-se fragmentado, acessível àqueles com acesso à internet, que têm
em suas mãos a possibilidade de construir suas próprias ver​dades.

4. Panorama das disputas políticas e eleitorais pela Prefeitura de Juiz de Fora

Em quase 30 anos de política, observa-se em Juiz de Fora um reflexo bem parecido com o
restante do País. O PMDB, considerado o maior partido político do Brasil, mantém a hegemonia em
Juiz de Fora e das oito eleições disputadas venceu cinco (1982, 1996, 2000, 2012 e 2016). Deve-se, no
entanto, fazer uma ressalva, porque dois grupos estabeleceram uma disputa histórica na cidade pelo
controle do PMDB. Um grupo ligado ao ex-prefeito Tarcísio Delgado, que chegou a ser prefeito por 3
mandatos, e depois de uma disputa interna em que foi derrotado em 2012, decidiu deixar o partido e
se filiar ao Partido Socialista Brasileiro (PSB). O outro grupo era ligado ao ex-presidente Itamar
Franco, que chegou a ser prefeito da, governador e senador. Chegou a se filiar em outros partidos,
tendo sido vice, inclusive, do então presidente Fernando Collor de Mello na eleição de 1989. Do grupo
de Itamar, surgiram líderes como o ex-deputado Marcelo Siqueira, pai do atual prefeito Bruno
Siqueira, que se elegeu vereador, deputado e em 2012 prefeito da cidade e reeleito em 2016.
O PSDB também surgiu de uma dissidência de um grupo de políticos do PMDB, então ligados ao
ex-prefeito Tarcísio Delgado. O ex-prefeito Custódio Mattos e o deputado federal Marcus Pestana são
dois líderes que romperam com Tarcísio e fundaram o PSDB. Custódio venceu duas eleições (1992 e
2008) e como ponto fora da curva temos as eleições de 1988 e 2004 em que venceram os partidos
PRN e PTB. No entanto, apesar da força destes partidos na cidade – PMDB, PSDB e PT, a vitória nos
pleitos sempre esteve vinculada mais à força dos líderes personalistas, tanto que Tarcísio Delgado
(PMDB) venceu três eleições, Custódio Mattos (PSDB) e Alberto Bejani (PRN e depois PTB) ganharam
duas eleições. O PT, mesmo sendo um partido com grande expressão política na cidade,
principalmente nas campanhas presidenciais, ganhou força nas disputas municipais a partir da
entrada de Margarida Salomão, que foi reitora da UFJF, que disputou a eleição de 2008, 2012 e
novamente está na disputa em 2016. Tanto em 2008 quanto em 2012 chegou a disputar o segundo
turno, ficando em segundo lugar nos dois pleitos. O PMDB sofreu um processo de divisão interna, com
a saída do grupo do ex-prefeito Tarcísio Delgado, que se filiou ao PSB e passou a ficar sob controle do
grupo do atual prefeito Bruno Siqueira, eleito em 2012 e concorre à reeleição em 2016. Margarida
Salomão também foi filiada ao PMDB e ligada ao então prefeito Tarcísio Delgado, depois filiou-se ao
PPS e posteriormente ao PT. O cenário sucessório das disputas eleitorais de Juiz de Fora pode ser
observado no Quadro I.

Quadro I – Prefeitos de Juiz de Fora – Período 1982-2016

Eleição Prefeito Eleito Partido Mandato Número de votos


1982 Tarcísio Delgado PMDB 1983-1988 68.226
1988 Alberto Bejani PRN 1989-1992 57.998
1992 Custódio Mattos PSDB 1993-1996 109.149(2⁰T)
1996 Tarcísio Delgado PMDB 1997-2000 134.540(2⁰T)
2000 Tarcísio Delgado PMDB 2001-2004 139.384(2⁰T)
2004 Alberto Bejani PTB 2005-20083 137.410(2⁰T)
2008 Custódio Mattos PSDB 2009-2012 148.137(2⁰T)
2012 Bruno Siqueira PMDB 2013-2016 148.137(2⁰T)
2016 Bruno Siqueira PMDB 2017 – 2018 151.194 (2º T)
2018 Antônio Almas PSDB 2018-2020 Vice-prefeito

Fonte: Dos autores

Em 1982, tivemos a primeira vitória do PMDB em Juiz de Fora. Na época vigorava o decreto-lei
nº 1.541, de 14 de abril de 1977, que autorizava os partidos políticos instituir até três sublegendas
nas eleições diretas para senador e prefeito. As sublegendas foram listas autônomas de candidatos
concorrendo a um mesmo cargo em eleição, dentro do partido político a que eram filiadas. Os votos
dos partidos eram a soma dos votos atribuídos aos candidatos das sublegendas. Considerava-se eleito
o candidato mais votado dentre eles. Neste ano, as sublegendas do PDS tiveram 44.372 votos e do
PMDB 87.538 votos. No pleito saiu vitorioso o candidato Tarcísio Delgado (PMDB), que obteve 68.226
votos inaugurando o seu primeiro mandato para prefeito em Juiz de Fora com duração de cinco anos.4
Em 1988, foi promulgada a nova Constituição, que foi um marco para a democracia brasileira, na
época com o PMDB de Ulysses Guimarães à frente. Em Juiz de Fora, houve um fator surpresa. O
radialista Carlos Alberto Bejani lançou-se na política. Os grandes partidos da cidade não acreditavam
que a sua candidatura pudesse ter força em Juiz de Fora, por estar filiado a um partido nanico –
Partido da Juventude (PJ) que posteriormente se transformou em Partido da Renovação Nacional
(PRN0, o mesmo partido que Collor se elegeu em 1989. Numa das campanhas mais imprevisíveis, com
um minuto no Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE) e um discurso bem agressivo de
críticas aos políticos tradicionais da cidade, Bejani foi eleito prefeito de Juiz de Fora com 57.998 dos
votos válidos em uma época em que ainda não havia segundo turno. Em segundo lugar, ficou Murilo
Hingel (PMDB), com 40.259 votos, e Custódio de Mattos (PSDB), com 33.270 votos, em terceiro.
Em 1992, o candidato Custódio de Mattos (PSDB) conseguiu se eleger prefeito de Juiz de Fora
pela primeira vez, derrotando Tarcísio Delgado (PMDB). No primeiro turno da eleição, o
peemedebista somou 79.563 votos e o tucano ficou em segundo com 68.997 votos. Mas no segundo
turno Custódio Mattos conseguiu uma virada e obteve 109.149 votos contra 97.186 recebidos por
Tarcísio.
Em 1996, Tarcísio Delgado disputou novamente e conseguiu ser eleito pela segunda vez prefeito
da cidade. Como a reeleição no Brasil só passou a ser permitida em 1997 através da emenda
constitucional n⁰ 16 para um mandato subsequente e sem restrição a um pleito não consecutivo,
Custódio de Mattos não pode disputar a reeleição. Tarcísio Delgado (PDMB) obteve 82.223 votos no
primeiro turno contra 54.519 votos de Alberto Bejani. No segundo turno, Tarcísio Delgado conseguiu
fazer uma frente de apoios contra Bejani e chegou a ter 134.540 votos contra 89.397 de Bejani.
Com a aprovação da reeleição, Tarcísio Delgado candidatou-se novamente à reeleição e
conseguiu garantir a vitória e o seu terceiro mandato à frente da Prefeitura de Juiz de Fora.
Novamente, a disputa no segundo turno foi entre o peemedebista e Bejani. Tarcísio chegou a perder o
primeiro turno para Bejani que teve 89.662 votos contra 84.026 do peemedebista. Mas novamente no
segundo turno Tarcísio conseguiu uma frente de apoios – PPB, PPS, PTB, PSC e PSDB e venceu com
66% dos votos válidos, totalizando 139.384 votos contra 115.916 de Bejani.
Em 2004, Custódio de Mattos retornou a disputa pela Prefeitura de Juiz de Fora pelo PSDB.
Carlos Alberto Bejani, que disputou o segundo turno nas eleições em 1996 e 2000, chegou à disputa
pelo PTB, seu novo partido, e teve a votação de 91.024 no primeiro turno. Custódio de Mattos obteve
72.394 votos e foi para o segundo turno com Carlos Alberto Bejani. O PTB em coligação com os
partidos PSL e PL teve mais de 50% de eleitores e venceu o segundo turno com 137.410 votos. O
segundo turno foi acirrado, já que Custódio somou 133.790 votos, uma diferença muito pequena de
3.620 votos a menos apenas. Dois importantes aliados que demonstraram apoio à candidatura de
Custódio de Matos no segundo turno das eleições foram o ex-presidente Itamar Franco e o
governador Aécio Neves.
A mídia foi a arena onde emergiu a liderança de Bejani, mas foi também o local onde se deu a
sua derrocada. Em 20 de abril de 2007, o Ministério Público deu entrada a uma ação de improbidade
administrativa pelo uso de um logotipo personalizado da administração em obras públicas. Em 9 de
abril de 2008, Bejani foi preso durante a chamada “Operação Passárgada” da Polícia Federal, acusado
de desvio de recursos que eram repassados pela União através do Fundo de Participação dos
Municípios (FPM). 5
Com isso, a eleição municipal teve uma disputa acirrada entre Custódio Mattos (PSDB), Tarcísio
Delgado (PMDB) e Margarida Salomão (PT). No primeiro turno, Margarida, num momento de grande
popularidade dos governos federais do PT com Lula na Presidência, chegou em primeiro lugar com
114.980 votos. Custódio ficou em segundo, com 79.520 votos, e Tarcísio em terceiro com 58.453
votos. Mas no segundo turno por uma vitória apertada Custódio conseguiu virar e sair vitorioso com
148.137 votos (51%) contra 137.719 (48%) da petista.
A eleição de 2008 trouxe novidades, já que a entrada da candidata Margarida Salomão, ex-
reitora da UFJF, além de ser uma mulher na disputa pela Prefeitura, também altera o quadro de
polarizações entre Tarcísio e Custódio – PMDB versus PSDB, além de Bejani que era uma terceira
força política na cidade. A partir de então, o PT passou a ter força nas disputas eleitorais, o PMDB
caminhou para um racha entre o grupo do ex-prefeito Tarcísio e do deputado Marcelo Siqueira.
Em 2012, após a divisão interna do PMDB na qual seu maior representante na cidade Tarcísio
Delgado se filiou ao PSB, Bruno Siqueira tornou-se o candidato do partido, mostrando a força do
grupo do seu pai Marcelo Siqueira, ligado ao ex-presidente Itamar Franco. A rivalidade entre Tarcísio
e Itamar era antiga, tanto que, em 1986, Tarcísio apoiou o então candidato Newton Cardoso (PMDB)
para o governo do estado contra Itamar Franco. Bruno Siqueira, por sua vez, iniciou sua vida pública
em 2000, sendo eleito um dos vereadores mais jovens do país. Foi reeleito vereador em mais dois
mandatos até chegar em 2011 à Assembleia Legislativa. Margarida Salomão do PT concorreu pela
segunda vez à Prefeitura de Juiz de Fora tentando aliar a sua imagem a da presidente Dilma Rousseff
que ainda tinha um bom índice de popularidade. A estratégia não foi bem aceita pela população,
provavelmente pela cultura machista e de misoginia ainda muito presente na sociedade brasileira.
Custódio Mattos concorreu à reeleição, mas os eleitores preferiram a mudança com um candidato
jovem e filho de tradicional político da cidade. O resultado do primeiro turno aponta Bruno Siqueira
com 115.267 votos e Margarida Salomão com 106.487 votos se enfrentando no segundo turno. O
PMDB aliou-se aos partidos PTN, PMN e PSD e venceu pela quarta vez em menos de 30 anos as
eleições municipais de Juiz de Fora com 148.137 votos contra os 122.684 de Margarida. Deve-se fazer
uma ressalva que, apesar de ser a quarta vitória do PMDB na cidade desde 1982, três vitórias foram
do ex-prefeito Tarcísio Delgado, muito centrado na sua liderança.
Em 2016, tivemos mais uma vez o embate entre os candidatos Bruno Siqueira (PMDB) e
Margarida Salomão (PT), assim como aconteceu em 2012. Após a apuração do primeiro turno, Bruno
Siqueira (PMDB) obteve 103.872 votos, Margarida Salomão (PT) teve 59.506 votos, Noraldino Júnior
(PSC) ficou com 47.110 votos, Wilson da Rezato somou 44.708 votos. Os outros candidatos tiveram a
seguinte votação: Lafayette Andrada (PSD - 6.259 votos), Maria Ângela (PSOL - 2.744 votos) e Victoria
Mello (PSTU - 1.638 votos). No segundo turno, Bruno Siqueira (PMDB) venceu o pleito, com 57,87%
dos votos contra 42,13% de Margarida Salomão.
A novidade no cenário político ficou por conta da decisão do então prefeito Bruno Siqueira, em
2018, de renunciar ao cargo de prefeito (foi eleito até o final de 2020) para, inicialmente, candidatar
ao Senado por Minas Gerais. No entanto, em função do desgaste político por ter sido envolvido em
denúncias de corrupção da Operação Lava Jato, decidiu candidatar-se a deputado estadual, tendo
obtido pouco mais de 26.515 votos, não se elegendo. Hoje, não ocupa nenhum cargo público.6 O
fracasso eleitoral em 2018, depois de ter vencido para deputado estadual e duas vezes para prefeito
de Juiz de Fora, é visto como analistas políticos como uma situação difícil de reverter.

5. Análise das estratégias midiáticas do candidata Bruno Siqueira

5.1 Metodologia e Corpus de Análise

O artigo utiliza a Análise de Conteúdo (Bardin, 1997) como método de análise dos programas do
HGPE. A Análise de Conteúdo, segundo Bardin (1997), consiste em tratar a informação a partir de um
roteiro específico, iniciando com (a) pré-análise, na qual se escolhe os documentos, se formula
hipóteses e objetivos para a pesquisa, (b) na exploração do material, na qual se aplicam as técnicas
específicas segundo os objetivos e (c) no tratamento dos resultados e interpretações.
Albuquerque (1999) define como segmentos de campanha os que se referem ao conteúdo político
(construção da imagem do candidato, temas políticos, ataque aos adversários), segmentos de meta
campanha (os que tratam do andamento da campanha, como agenda, depoimentos de apoio etc.) e
segmentos auxiliares (que dão a identidade da campanha, como jingles e vinhetas). Hoje, percebe-se
que, nos programas do HGPE, em função do uso que é feito também da internet, são mais voltados
para explorar o conteúdo político. Já os segmentos de meta campanha, aparecem pouco e são mais
utilizados nas redes sociais.
As categorias de análise são utilizadas a partir dos trabalhos de Albuquerque (1999), Oliveira
(2004) e são atualizados em função da dinâmica eleitoral de uma disputa municipal. As categorias
são: (1) Construção da Imagem do candidato, (2) Ataque aos adversários, (3) Construção ou
Desconstrução da Imagem da Cidade; (4) Temas Políticos – Saúde, Educação, Políticas Sociais,
Corrupção, Emprego, Esporte, Cultura etcc.); 5) Fatos Contemporâneos, (6) Apoio de lideranças
políticas, personalidades ou populares; (7) Pedagogia do vogo; (8) Pesquisa de opinião pública, (9)
Apelo ao engajamento do eleitor, (10) Jingles; (11 Vinhetas.

5.2 Análise das estratégias do candidato Bruno Siqueira durante o primeiro e segundo turno
das eleições municipais de 2016 nos programas do HGPE e no facebook

No primeiro turno, o candidato Bruno Siqueira (PMDB) procurou reforçar a retórica de situação,
conforme apontam Figueiredo et al. (1998). Ou seja, a vertente utilizada durante toda a propaganda
eleitoral foi a de que “o mundo atual estava bom e ficaria ainda melhor” com a sua reeleição. O
candidato do PMDB acionou, prioritariamente, segmentos de campanha.
O candidato deu grande ênfase às realizações de sua administração construindo a imagem da
cidade ideal para os juiz-foranos. No entanto, o segmento mais acionado foi o da saúde,
principalmente em função da apresentação de seu vice, Antônio Almas, médico tradicional da cidade.
A estratégia também foi utilizada como uma forma de se contrapor às críticas sofridas pela então
administração em virtude de uma grande epidemia de dengue que ocorreu em 2016, tendo
ultrapassado mais de 20 mil casos na cidade, com dezenas de mortes. O candidato destacou a
contratação de vários profissionais para a área da saúde, a construção de novos postos médicos, a
atenção especial à saúde primária e a experiência de Antônio Almas como médico sanitarista, que
viria agregar sua experiência à nova administração, não citando a epidemia da dengue do início do
ano.
O terceiro objeto mais acionado no período do primeiro turno foi a questão da violência contra a
mulher. Bruno Siqueira destacou, principalmente, o papel da “Casa da Mulher”, destinada ao apoio às
vítimas desse tipo de violência.
Em seguida, os temas mais acionados foram educação e segurança pública. No campo da
educação, foi destacada a criação de novas creches, a contratação de novos professores, a construção
de novas escolas, melhorias nas instalações, internet nas escolas da zona rural e políticas de incentivo
à permanência das crianças na escola pela prática de esportes, cultura, lazer e internet. Ao falar de
segurança pública, o candidato destacou a sua preocupação com a questão na cidade e destacou a
instalação de câmeras de monitoramento por meio do programa olho vivo, a criação da Secretaria de
Segurança Urbana e Cidadania e, principalmente, a criação de programas sociais para as crianças e
os vulneráveis, refletindo na diminuição da violência.
Os objetos mobilidade urbana e meio ambiente também foram bem trabalhados. O candidato
destacou a licitação dos ônibus na cidade feita em sua administração, o bilhete único, a internet nos
ônibus, o aplicativo JF no ponto e a compra de 140 ônibus urbanos. A despoluição do Rio Paraibuna,
tratamento da água e saneamento foram bem questões bem debatidas.
A imagem do candidato como o gestor ideal para a Prefeitura de Juiz de Fora foi mais acionada
no segundo turno do que no primeiro. A estratégia do candidato foi uma campanha limpa apostando
na vertente de que a Juiz de Fora atual estava bem administrada e que um segundo mandato seria
ainda melhor.
A partir dos argumentos de Debord (2003), Gomes (2004) e Rubim (2004), pode-se afirmar que
há uma espetacularização e uma teatralização da vida política e eleitoral. Os programas do HGPE,
principalmente do candidato Bruno Siqueira, foram bem adaptados à lógica midiática, com forte tom
personalista, formato ágil e dinâmico, qualidade técnica das imagens aliada a um texto bem elaborado
e na linha do que é produzido para os telejornais. Destaca-se, ainda, a busca pela criação de fatos
políticos novos – seja mostrando as ações do seu mandato como se fossem novidades – e a
dramatização no intuito de mostrar uma cidade que avançava mesmo com os problemas que ainda
têm para superar. Esses mecanismos são apontados por Gomes (2004) quando conceitua a
espetacularização.
Mesmo que não seja o intuito desta pesquisa e nem se tenham dados sobre a aceitação dos
programas dos candidatos junto ao eleitorado, constata-se que o candidato Bruno Siqueira, que era
prefeito da cidade, entrou na disputa com altos índices de rejeição. Porém, ao longo da disputa, por
ter conseguido uma ampla coligação que contava com PMDB e PSDB, foi o candidato com maior
tempo nos programas do HGPE no rádio e na televisão, o que favoreceu as suas estratégias, tendo em
vista que seus adversários tiveram um tempo bem reduzido até pela mudança na legislação eleitoral
(cujo tempo foi reduzido para apenas dez minutos à tarde e dez minutos à noite distribuídos entre os
candidatos). Houve uma utilização estratégica do candidato Bruno Siqueira, principalmente na
construção da imagem da cidade, procurando mostrar que tinha sido um bom gestor com obras e
iniciativas nas várias áreas da administração. Procurou construir a imagem de que Juiz de Fora
avançou muito e que, para continuar assim, teria que mantê-lo no poder (Figueiredo et al., 1998).
Nas fanpages, Bruno Siqueira (PMDB) adotou uma estratégia bastante parecida com o HGPE. No
período analisado, de 26 de agosto ao dia 29 de outubro (1⁰ e 2⁰ turno), foi reforçada a retórica da
situação conforme apontam Figueiredo et al. (1998). Ou seja, a vertente utilizada durante toda a
propaganda eleitoral nas fanpages foi a de que “o mundo atual estava bom e ficaria ainda melhor”
com a sua reeleição. Durante o HGPE, o candidato do PMDB acionou, prioritariamente, segmentos de
campanha. Nas fanpages, a estratégia foi um pouco diferente com ênfase maior nos seguimentos de
metacampanha.
Bruno Siqueira atestou a importância das redes sociais nas campanhas eleitorais numa postagem
do dia 27 de outubro de 2017 corroborando a hipótese deste trabalho. Embora o HGPE continue
sendo a mídia de maior alcance principalmente num processo de reeleição, as mídias sociais tornam-
se essenciais nos processos eleitorais.
O candidato deu grande ênfase ao fato de a gestão da cidade em sua administração ter sido
considerada uma das mais eficientes do País conforme levantamento da Folha de S. Paulo. Segundo o
candidato em sua postagem do dia 29 de agosto de 2016, apenas 24% dos municípios foram
considerados eficientes em função de sua gestão mesmo em um período de crise.
A imagem de Bruno Siqueira como o gestor ideal foi o segundo segmento mais acionado nas
fanpages. Filho de uma família tradicional de políticos da cidade, o candidato apresentou-se como a
melhor opção para continuar a administração de Juiz de Fora. O seu nome foi associado diversas
vezes a políticos tradicionais da cidade como o ex-presidente Itamar Franco, o ex-ministro Murilo
Hingel e o do líder sindical Clodesmith Riani. A apresentação de seu vice foi também um ponto chave
desse segmento de campanha. Antônio Almas, médico sanitarista, foi apontado como uma excelente
opção para auxiliar no tratamento de temas políticos como a saúde. Embora o candidato tenha feito
poucos ataques aos adversários em seus espaços oficiais de campanha, Bruno Siqueira, até por
concorrer à reeleição, foi alvo de muitas críticas. Entre as áreas que recebeu mais críticas foi a área
de saúde.
Ao lado de Antônio Almas, Bruno Siqueira declarou conhecer bem os problemas de saúde da
cidade, sendo o terceiro segmento de campanha mais acionado. O candidato afirmou possuir
estratégias para melhorar questões relacionadas à saúde como um melhor diálogo com os postos de
saúde, maior valorização dos profissionais, diminuição das filas e realização de mais consultas e
exames.
Em termos de segmentos de metacampanha, os segmentos mais acionados foram: apoio de
líderes, políticos e populares – mobilização e apelo ao engajamento dos eleitores e debate/entrevista
nessa ordem. No HGPE, esses segmentos não foram destacados, pois priorizaram-se os de campanha
com conteúdos políticos. De acordo com Rossini et al. (2016), a campanha presidencial de 2010 foi a
primeira a utilizar oficialmente sites de redes sociais e plataformas da Web 2.0. No entanto, as redes
foram pouco utilizadas nas eleições de 2012 quando o candidato Bruno Siqueira se elegeu prefeito
pela primeira vez. Em 2016, até pela mudança na legislação eleitoral, a internet e as redes sociais
passaram a ser mais recorrentes para todos os candidatos mesmo que não possa ser desconsiderado o
poder ainda muito forte das mídias massivas, bem como as estratégias que são típicas do campo
político.
6. Considerações Finais

Em 2016, conforme foi mencionado, houve mudança na legislação eleitoral, com a proibição de
doações na campanha por empresas bem como a redução do tempo do Horário Gratuito de
Propaganda Eleitoral (HGPE) na TV e no rádio, que caiu de 45 para 35 dias e de 30 para 10 minutos.
Isso, sem dúvida, teve impactos, já que a televisão é o meio hegemônico e o uso que os candidatos
faziam do HPPE eram estratégicos. Candidatos com mais tempo na televisão acabavam tendo mais
visibilidade e mais chances de conquistar votos.
A disputa municipal de 2016 em todo o Brasil trouxe novidades no que diz respeito tanto à
conjuntura política nacional quanto a novas mudanças na legislação eleitoral. A grave crise política e
econômica que o País atravessava em função do impeachment da então presidente Dilma Rousseff
(PT) trouxe um clima de grande desconfiança em relação aos atores políticos. Por isso, em algumas
cidades, figuras que se apresentaram como outsiders da política conseguiram se eleger com o
discurso que condenava a chamada política tradicional, como Alexandre Kalil (PHS), em Belo
Horizonte, e João Doria Jr (PSDB), em São Paulo, por exemplo.
Em Juiz de Fora, porém, houve uma continuidade não somente pela reeleição de Bruno Siqueira,
mas da forma como as forças políticas se organizaram para evitar que houvesse mudanças. O prefeito
Bruno Siqueira, que tinha altos índices de rejeição até a disputa eleitoral, conseguiu fazer um
trabalho eficiente de comunicação política e eleitoral. Com um tempo bem maior no HGPE, aproveitou
para mostrar uma cidade que funcionava muito bem nas diversas áreas, como saúde, educação,
infraestrutura e transportes entre outros. Evitou, inclusive, que os candidatos explorassem mais o fato
de que em 2016 a cidade teve uma grave epidemia de dengue de janeiro a março. Com uma ampla
rede de apoios e uma máquina partidária forte, incluindo o PMDB e o PSDB, além da exposição que já
tinha por ser prefeito da cidade, Bruno Siqueira trabalhou bem a sua imagem e a imagem de Juiz de
Fora nos seus programas, tornando-se, já no primeiro turno, favorito para vencer o pleito.
O presente artigo permitiu analisar como o HGPE ainda tem sua importância, principalmente em
função da hegemonia da televisão no País. Mostra, no entanto, como os atores políticos têm feito
manobras no sentido de alterar a legislação eleitoral, como ocorreu novamente em 2015, reduzindo o
tempo e a duração dos programas do HGPE na mídia massiva, quando o eleitor tem mais chances de
conhecer os candidatos e as suas propostas.
Além disso, tem-se cada vez mais um modelo híbrido de uso tanto das mídias massivas no HGPE
como das mídias digitais, que dão mais liberdade, tendo em vista que elas podem ser utilizadas sem
restrições fora dos períodos eleitorais, o que permite que já se inicie uma construção da imagem dos
pré-candidatos. Pode-se concluir que o Brasil vive um momento de transição, em que há uma
redefinição do espaço das mídias e ao mesmo tempo os indivíduos conectam-se a vários tipos de
suportes midiáticos. Diante disso, a política tem buscado se adaptar à cultura digital, preservando os
espaços nas mídias tradicionais.
Esse é ainda um ramo novo de pesquisas que está em fase embrionária ao mesmo tempo em que
o uso das mídias digitais é cada vez mais recorrente no cotidiano dos indivíduos, revelando uma
sociedade midiatizada. A eleição de 2016 foi sintomática no sentido de revelar o descrédito das
instituições políticas, um personalismo mais acentuado. Quanto à propaganda eleitoral, as mudanças
ocorridas na legislação foram decorrentes de interesses de grupos políticos em se manter no poder,
reduzindo o tempo de campanha e, com isso, tornando o debate mais raso. Uma campanha na mídia
de maior duração e em igualdades de condições para os candidatos poderia dar oportunidades para
que os eleitores conhecessem melhor os candidatos, geraria mais debates sobre os temas políticos e
tornaria a disputa mais democrática. Mas, ao contrário, ao reduzir o tempo de campanha, o objetivo
foi garantir que os candidatos com uma máquina partidária e financeira mais fortalecida pudessem
ser favorecidos.
Como mencionamos ao longo do artigo, se a pesquisa contemplou a campanha de 2016 em que
Bruno Siqueira saiu vitorioso com ampla maioria na disputa pela Prefeitura de Juiz de Fora, o cenário
político é muito dinâmico e vulnerável. Em 2018, renunciou ao cargo de prefeito com intuito de se
candidatar ao Senado. Acabou não conseguindo emplacar seu nome na disputa. Saiu como candidato
a deputado estadual e obteve uma baixa votação – de apenas 26 mil votos, considerado um dos
maiores fiascos eleitorais para que há dois anos tinha obtido ampla maioria para governar Juiz de
Fora e ainda num processo de reeleição.

Referências
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1 Trabalho apresentado no GT 5 - Mídia, Personalismo e lideranças políticas, I Simpósio Nacional de Comunicação Política,
Eleições e Campanha Permanente, 27 a 28 de março de 2019.

2 Mestre, Servidora da Universidade Federal de Juiz de Fora, vancantarino@yahoo.com.br

4 Participaram desta eleição os demais candidatos: José Márcio Paschoalino Souza Lima do PDS – Chapa 1, com 6010 votos,
Agostinho Pestana da Silva Netto do PDS – Chapa 2, com 18.295 votos, José Edson Perpétuo do PDS – Chapa 3, com 67 votos, Jair Bispo
Evangelista do PDT teve 1.344 votos, Agostinho Cesar Valente do PT somou 4.996 votos e Sebastião Helvécio Ramos de Castro do
PMDB – Chapa 1: 19.312 votos. Juntos, Tarcísio e Sebastião Helvécio do PMDB tiveram uma votação bem superior ao PDS.
5 Na casa do ex-prefeito Alberto Bejani, foram encontrados e apreendidos 1,12 milhão de reais em espécie, um revólver de uso
exclusivo das Forças Armadas, duas pistolas e uma carabina. Treze dias depois, em 22 de abril, Bejani foi libertado através de habeas
corpus do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Voltou a ser preso em 12 de junho, por não conseguir comprovar a origem do dinheiro
apreendido em sua casa. No mesmo dia foi divulgado um vídeo em que Bejani aparece recebendo sacolas de dinheiro em rede nacional.
No dia 13 de junho, a Câmara Municipal de Juiz de Fora, após realização de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, decidiu pedir a
cassação de Bejani que se antecipou à decisão, anunciando a renúncia em 16 de junho de 2008. Nesta data assumiu a PJF o vice de
Bejani José Eduardo de Araújo do PL que cumpre o restante do mandato.

6 https://g1.globo.com/mg/zona-da-mata/noticia/delator-da-odebrecht-cita-repasses-para-bruno-siqueira-prefeito-de-juiz-de-
fora.ghtml. Acesso no dia 20 de março de 2019.
CAPÍTULO 34

COMUNICAÇÃO PARTIDÁRIA NA AMBIÊNCIA DIGITAL: ESTUDO DE CASO


DA FANPAGE DO PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT)1

Vinícius Borges Gomes2


Carla Monturi Fernandes3
Thamiris Franco Martins4
Universidade Paulista

1. Introdução

O Brasil conta, atualmente, com 35 partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE)5.
Número bastante expressivo se comparado com outras democracias do mundo. Fato que ajuda a
levantar o debate sobre o sistema de representação e sobre as lacunas do sistema político brasileiro –
multipartidário e pulverizado.
Uma das questões que se apresentam diante dessa realidade é sobre como os partidos se
comunicam com a sociedade. Ora, se é da natureza do partido político a representação dos interesses
sociais e de seus segmentos, é orgânico que cada sigla estabeleça pontes comunicativas com a
complexa sociedade, suas instituições e grupos organizados.
Até 2017, a Lei dos Partidos Políticos, nº 9096/95, garantia espaço gratuito no rádio e na TV para
que cada partido apresentasse seus programas, atividades, estatuto e ações. O espaço, conhecido
como Propaganda Partidária Gratuita (PPG), vigorou durante toda a redemocratização, mas esteve
presente sob outros formatos em outros períodos históricos.
Contudo, com a intenção de vitaminar os fundos eleitorais, uma vez que a PPG resultava em
isenção fiscal para as emissoras, a classe política aboliu o espaço6. Uma interrupção que colocou os
partidos políticos para fora dos meios massivos, pelo menos enquanto detentores de um espaço
próprio. Fato pouco comentado, especialmente num momento histórico de profunda crise de
representação. No entanto, a atitude relega os partidos políticos aos espaços digitais e às formas
internas de comunicação, o que gera dúvida sobre o fortalecimento ou não dos laços das siglas com a
sociedade civil.
É de interesse, contudo, neste trabalho, uma análise focal sobre como as narrativas dos partidos
estão se constituindo em função dessa nova ambiência – sem meios massivos e com comunicação
essencialmente feita nas redes. Ao responder a esse como, o artigo também busca oferecer pistas
para categorias específicas que ajudem em estudos posteriores.
O trabalho traz uma análise da página do Facebook do Partido dos Trabalhadores (PT) no período
de 31 de março a 10 de abril. Foram analisadas 143 postagens no período, que contém datas de
grande impacto e relevância, o que também justifica o período escolhido: os 55 anos do Golpe Militar
(31 de março), o primeiro ano da prisão do ex-presidente Lula (7 de abril) e os 100 dias do governo
Bolsonaro (10 de abril).

2. Contexto Político: o crescimento do antipetismo

O Partido dos Trabalhadores ocupa o espaço de principal partido de oposição no Brasil após a
derrota eleitoral sofrida em 2018, quando o candidato Fernando Haddad foi derrotado por Jair
Bolsonaro, do até então nanico Partido Social Liberal (PSL), em segundo turno. A legenda, no entanto,
elegeu a maior bancada da Câmara dos Deputados e garantiu relativo espaço representativo, ainda
que tenha sofrido importantes revezes7.
Esse fator decorre, ainda, de uma série de acontecimentos nos últimos anos que fizeram do PT
um dos pivôs da crise política. No ano de 2013, quando eclodiram manifestações em todo Brasil, o
partido estava à frente do governo federal com a então Presidenta Dilma Rousseff. O desgaste político
generalizado atingiu o governo que viu a popularidade da então presidenta cair de modo abrupto.
Dilma conseguiu vencer a eleição de 2014, mesmo com o desgaste de seu partido e governo.
Entretanto, a polarização na sociedade foi evidente e os escândalos de corrupção divulgados pelas
ações da Operação Lava Jato criaram um clima de tensão no país, sobretudo com o crescimento do
sentimento antipetista por importantes setores da sociedade.
O segundo governo Dilma começou claudicante em 2015 e as manifestações contrárias tomaram
o país. Logo se começou a falar em seu impeachment, concretizado no ano de 2016, que fez ascender
ao poder o então vice, Michel Temer (MDB). A arquitetura do mesmo teve a liderança do presidente
da Câmara dos Deputados à época, Eduardo Cunha (MDB). Em retaliação ao PT, que declarou voto
contrário a ele na Comissão de Constituição e Justiça, o parlamentar aceitou um dos pedidos de
impedimento e liderou seu processo na Casa.
O desgaste do partido continuou com a condenação e prisão do ex-presidente Lula por corrupção
e lavagem de dinheiro. O mesmo deu entrada para cumprir a pena no dia 7 de abril de 2018. Mesmo
lançado como candidato à presidência, teve que abdicar da candidatura por impedimento judicial sob
a Lei da Ficha Limpa (nº. 135 de 2010), que impede que condenados em segunda instância disputem
eleições.
Na esteira de todos esses fatos, os tradicionais partidos políticos perderam espaço numa
crescente insatisfação social, uma vez que as principais siglas que lideraram o impeachment também
foram envolvidas em casos de corrupção e o governo Temer, que gozou de ampla maioria no
Congresso, teve índices negativos de avaliação históricos.
O resultado foi o crescimento da extrema direita (SOUZA, 2017). Jair Bolsonaro, que mesmo
estando há quase três décadas no cenário político, chegou à presidência com um discurso hostil ao
fazer político tradicional e sem nenhuma grande aliança. Seu partido, o nanico PSL, jamais havia tido
importância em qualquer cenário. Nada que o impedisse de vencer o pleito e levar consigo uma série
de vitórias de caráter similar – forte personalismo e contato imediato com o eleitorado por meio das
redes sociais.
A ambiência comunicacional é tema das próximas seções: a simbiose entre comunicação e
política; a realidade digital; a comunicação partidária. Temas que ajudarão a adentrar na análise do
objeto proposta.

3. Comunicação e Política: dois campos em simbiose

Os campos sociais constituem-se como espaços que abrigam determinadas práticas e dinâmicas
de funcionamento próprias. Alterações a esses funcionamentos indicam uma ameaça a ser repelida.
Também, em muitos casos, campos distintos são refratários entre si. Esse conceito de campo,
fundamentado por Bourdieu (1989), ajuda a entender e compreender o funcionamento dos campos da
comunicação e da política. Neste caso específico, a perceber como são campos que, embora distintos,
apresentam uma simbiose. Há, a partir da ação do campo comunicacional e sua natureza de legitimar
outros campos, uma centralidade para a política.
Miguel e Biroli (2010), ao abordar o fenômeno midiático, sustentam que a mídia se tornou o
principal instrumento de contato entre os políticos e cidadãos por substituir esquemas políticos
tradicionais – aqui, portanto, entra o papel que os partidos políticos desempenhavam como
mediadores sociais, agora substituídos pelos canais midiáticos: tema deste artigo.
Manin (1995) vai além e esquematiza o que seria uma transição de uma democracia de partido
para uma democracia de público. Há, portanto, a substituição de um modelo democrático baseado na
proeminência dos partidos e, portanto, em uma estabilidade do campo político, para um modelo onde
a mídia assume o papel central e a comunicação massiva, aliada ao espetáculo, ganha destaque.
A ideia de que o discurso político se transforma em função da nova realidade midiática é
sustentada por Miguel & Biroli (2010), mas os autores salientam que há dinâmicas próprias que são
mantidas nas ações de bastidores e inerentes ao próprio campo político. Formulação que adere à
lógica de manutenção dos campos sociais, como explicitado a partir da ideia de Bourdieu (1989).
Gomes (2004) também sustenta a ideia da mudança na gramática política em função da mídia,
mas em consonância com o exposto acima, recorda que a política inclui o jogo de forças políticas reais
e a responsabilidade na condução do Estado. Ou seja, a política não é mero espetáculo, embora haja
uma proeminência no uso dos aparatos comunicacionais e eles interfiram em seu funcionamento.
Venício de Lima (2006) estrutura sete teses para explicar e fundamentar a aproximação entre os
campos da política e comunicação: (1) a mídia ocupa uma posição de centralidade nas sociedades
contemporâneas, permeando diferentes processos e esferas da atividade humana, em particular; (2)
não há política nacional sem mídia; (3) a mídia está exercendo várias das funções tradicionais dos
partidos políticos, como, por exemplo: construir a agenda pública, transmitir informações políticas e
fiscalizar as ações do governo; (4) a mídia alterou radicalmente as campanhas eleitorais – os eventos
políticos (comícios, debates, viagens) passaram a ser planejados como eventos para TV; (5) a mídia
transformou-se em importante ator político; (6) o fato de a mídia ser concentrada potencializa o seu
poder no processo político; e (7) as características da população brasileira potencializam o poder da
mídia no processo político e eleitoral – parte da população não domina leitura e escrita, mas convive
com imagens e informações da TV.
É, portanto, sob essa conjectura que se dá a análise. Entender a comunicação como aspecto
central do fazer político sem, contudo, cair na ingenuidade de deixar de lado aspectos inerentes ao
próprio campo político. Além disso, cumpre estudar de que modo se comunicam os agentes políticos
para entender suas práticas e contribuir ao debate. No entanto, não basta falar de comunicação sem
explicitar suas múltiplas faces e funcionamentos, como a prominência recente das mídias digitais –
foco deste trabalho.

4. A política no meio online

Com o fim da PPG, os meios digitais passaram a ser o principal canal de comunicação dos
partidos políticos no Brasil. Fato que se repete em outras dinâmicas políticas, como as eleições, uma
vez que o Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE) também teve seu tempo reduzido na TV e
acabou dando maior relevância às campanhas online.
A preocupação com o tema da internet na política é abordada por autores como Gomes. (2011),
que sustenta que a relevância da influência digital deve atender a alguns fatores, tais como: (a)
fortalecimento da capacidade da cidadania; (b) consolidação e reforço de uma sociedade de direitos,
isto é, uma comunidade política organizada; (c) promoção da diversidade de agentes, de agências e de
agendas da esfera pública. Essa perspectiva crítica, mas não apocalíptica, também oferece pistas para
análises que venham a ser feitas.
Para Santos et al (2018) a popularização dos mecanismos digitais deu a novos agentes condições
de participarem da realidade política, não só por receberem uma quantidade cada vez maior de
conteúdo, mas também de compartilhar, criar e distribuir. Isso desestabilizou relações de poder
preexistentes e criou um novo âmbito e uma nova dinâmica muito próprias do meio digital e
diferentes das mídias massivas.

5. Comunicação Partidária no Brasil

A Lei 9.096/95 regulamenta a natureza dos partidos políticos no Brasil: “Art. 1° O partido
político, pessoa jurídica de direito privado, destina-se a assegurar, no interesse do regime
democrático, a autenticidade do sistema representativo e a defender os direitos fundamentais
definidos na Constituição Federal”. No país, sua relevância reside ainda no fato de que não é possível
candidaturas avulsas, ou seja, de cidadãos e cidadãs que não possuam filiação.
A função representativa é vista sob alguns eixos por Mair (2003). O autor aponta que as legendas
têm a função de integrar e mobilizar a sociedade; articular e agregar os interesses dos indivíduos; e
transformar as demandas da sociedade em políticas públicas. Para tanto, é essencial que construam
pontes comunicativas com a sociedade, o que era previsto pela extinta PPG.
A comunicação política no Brasil é comumente vista como personalista, como aponta Nicolau
(2017). Os candidatos tendem a usar atributos pessoais no convencimento ao eleitorado, muito mais
que as linhas do partido a que estão filiados. Gomes, V. (2018), ao estudar a PPG, aponta a existência
desses fatores nas propagandas, mas identifica também que a imagem do partido, sua memória
histórica e estatutária e seus programas fazem parte das peças.
Isso mostra, portanto, que a comunicação partidária não é totalmente desvinculada daquilo que é
sua natureza no sentido de reproduzir a função dos partidos políticos. Ela também cumpre a função
do accountability, ou seja, uma prestação de contas das ações dos mandatários e representantes
políticos mediante a sociedade.
Para entender a nova ambiência da comunicação partidária, as seções a seguir se debruçam
sobre a análise da página do Partido dos Trabalhadores. Como o fluxo de publicações é bem grande,
opta-se por não estabelecer um viés comparativo neste trabalho, muito embora seja possível tecer
algumas considerações.
A primeira delas diz respeito ao abandono que muitos partidos tradicionais têm para com os
meios digitais. Legendas com MDB e PSDB têm pouquíssima incidência de publicações no Facebook.
O mesmo ocorre com o partido do Presidente da República, o PSL. Entretanto, outras legendas de
caráter mais ideológico ampliam sua participação e focam suas ações nas redes, como é o caso do
NOVO.
Se existe pouca preocupação em estabelecer comunicação junto à sociedade por parte de muitos
partidos, é possível compreender que, ainda em meio a uma situação política de crise, há um
distanciamento de representantes e representados. Por outro lado, se as instituições políticas se
afastam, como é o caso dos partidos, há uma presença massiva das lideranças políticas, já que quase
todos os políticos têm suas páginas pessoais em total atividade de interação.8
Todos esses fatos pedem novos estudos, que podem se desdobrar em novos trabalhos. Por hora,
vamos nos ater à página de um partido tradicional, suas peculiaridades e contextos.

6. Análise de Conteúdo: comunicação do PT na página do Facebook

O caminho metodológico para o estudo proposto neste trabalho é a Análise de Conteúdo


(BARDIN, 2011). A autora sustenta três etapas durante a análise das informações: a pré-análise – feita
a partir da seleção de publicações da página do PT e leitura das publicações de páginas de outros
partidos; a exploração do material – feita a partir da sistematização das principais características e
categorização das postagens; e o tratamento e interpretação dos resultados – detalhes que serão
apresentados aqui a partir das informações que emergiram da categorização feita.
Este trabalho cumpre responder como tem sido engendrada a narrativa do PT em função das
ambiências digitais. Para isso, estipulou-se um corpus que enquadrou um período de forte ebulição
política. Além disso, o estudo visa oferecer uma planilha categorial para estudo de outras páginas de
partidos políticos.

6.1 Categorias de análise

Foram observadas quatro grandes categorias que envolvem a comunicação dos partidos e sua
natureza. A partir dessas quatro divisões, chamadas aqui de “dinâmicas”, foi possível estabelecer uma
minúcia da natureza de cada publicação.
(1) Dinâmica Militante/Burocrática: envolve toda a atuação oficial do partido em suas
atividades, declarações e atos de militância. Os partidos têm funcionamento independente dos
mandatos, o que envolve seus congressos e reuniões, além de produções comunicacionais
próprias, que podem ser divulgadas no meio digital. Como subcategorias, foram elencadas: atos
e manifestações; reuniões, encontros e congressos; Convites de filiação; Comunicados Oficiais e
Propagandas, programas e spots oficiais.
(2) Dinâmica Política: é a atuação do partido no contexto político e de suas disputas. Envolve os
posicionamentos mediante assuntos em voga no momento, o accountability das atividades de
filiados com mandato e a oposição aos adversários. As seguintes subcategorias foram
elencadas: Ataques aos adversários / Oposição; Discussão de leis e projetos; Atividades de
bancadas; Ações de filiados com mandatos e Posicionamento político.
(3) Dinâmica Ideológica: inclui todas as publicações que discutem o posicionamento ideológico
do partido e aspectos de seu programa e estatuto. Aqui são duas subcategorias: Estatuto e
Reflexões político-ideológicas.
(4) Dinâmica de Imagem: categoria que abarca a construção das imagens do próprio partido, de
suas lideranças e governos. Inclui observar prevalência de personalismo e caráter de
espetacularização. Como subcategorias tem-se: Personagem político; Imagem do Partido e
Imagem de governo/país.
Com base nessas categorias, chega-se ao seguinte quadro:

Quadro 1: categorias de análise da página do PT

FONTE – DO AUTOR, 2019.

A Dinâmica de Imagem prevaleceu no período em função do grande número de publicações


sobre o ex-presidente Lula. Como a semana de análise também envolveu um grande número de
manifestações pedindo a liberdade do mesmo, é natural que essa categoria fosse mais abrangente. No
entanto, isso reforça também que a página mantém uma narrativa de valorização da imagem de seu
político mais proeminente e o mesmo se confunde com a imagem da própria sigla.
Na grande categoria de Dinâmica Política, é possível identificar uma construção de oposição ao
governo Bolsonaro e o posicionamento do partido a respeito de vários temas, como a proposta de
reforma da previdência. É a segunda categoria mais acionada, o que mostra uma postura bastante
ativa do partido nas redes em função do lugar político que ocupa e sua forte interação com os
acontecimentos sociais.
A categoria da Dinâmica militante/burocrática também traz um número importante de
publicações. O PT mostra suas atividades congressuais e atos e os valoriza. Também vale destacar a
divulgação de um podcast do partido e pequenos programas em vídeo que são divulgados na página.
Há, portanto, uma estruturação da comunicação da legenda sob várias plataformas e uma
profissionalização aparente.
A grande categoria da Dinâmica Ideológica aparece em menor número no período, focada apenas
em posições mais aprofundadas sobre o Golpe Militar de 1964. Vale destacar que as postagens são
elencadas sob sua principal vertente, portanto dizer que existem poucas postagens nessa categoria
não significa dizer que há um perfil ideológico claro perpassando todas as narrativas. Implica apenas
dizer que a explicitação de um conteúdo ideológico ou estatutário não esteve em primeiro plano.

6.2 A narrativa do PT nas redes sociais: militância, personalismo e conexões

O Partido dos Trabalhadores (PT) foi fundado em 1980 por ocasião da abertura política no final
da ditadura militar. É, portanto, uma das legendas mais antigas do país. Foi fundado por sindicalistas,
intelectuais, artistas e lideranças populares da Igreja Católica. Keck (2010) aborda o estabelecimento
das bases do partido, sobretudo com o envolvimento popular e a participação direta da militância nas
decisões do partido.
Essa natureza se reflete ainda hoje nas características da legenda, que mantem uma organização
mais complexa, inclusive na construção de sua comunicação. Embora o partido tenha sua imagem
ancorada no lulismo, existe uma estrutura e uma dedicação à comunicação do mesmo como efeito
mobilizador e de interação com suas bases.
Singer (2009) analisa que as bases do petismo mudaram a partir de 2006. A reeleição de Lula
mostrou um novo perfil do eleitorado do partido: se antes várias parcelas da sociedade votavam na
legenda, faltava uma adesão maior do subproletariado, ou seja, os mais pobres, que passaram a
constituir a principal massa eleitoral do PT a partir das políticas sociais implementadas no governo
Lula.
Souza (2018), por outro lado, aborda como se constituiu também uma parcela da sociedade hostil
à legenda. Em linhas gerais, o autor sustenta que setores da classe média passaram a vocalizar o
discurso da elite do poder econômico e sustentaram a derrubada do partido do poder e um certo ódio
de classe que garantiu o crescimento da extrema direita. Assim, o país viu no antipetismo uma de
suas principais forças políticas.
Esse contexto é essencial, pois é nele que se insere a comunicação construída por um partido
que goza de militância e capilaridade popular, mas também com grande rejeição9.
As principais linhas narrativas observadas a partir das categorias foram:
(a) Cruzada “lulista”: o partido fundamenta grande parte de sua energia na mobilização da
militância e de setores sociais no pedido pela liberdade de Lula. O ex-presidente é apresentado como
um grande lutador do povo e injustiçado. As publicações se atém mais aos atos e agendas do que
propriamente a construir a figura do político, já que ela é amplamente sedimentada e pressuposta.
Não se perde, contudo, a dimensão da defesa de sua figura.
(b) Militância engajada: a legenda sempre ressalta o papel de sua militância e a grande presença
de atos e mobilizações pelo país. Isso inclui não só as jornadas pela liberdade de Lula, mas os atos
diários, reuniões e ações de críticas ao Governo Bolsonaro. A página tem, portanto, como principal
público seus próprios filiados e simpatizantes. Algo que não foge da natureza das redes sociais, mas
que também levanta uma questão importante: quais canais de comunicação são garantidos aos
partidos para se comunicar com o todo da sociedade? Em que medida a segmentação contribui para o
diálogo democrático?
(c) Oposição ao “bolsonarismo”: a gramática da mídia e a lógica do campo comunicacional são
fortemente presentes na narrativa oposicionista construída. Embora existam vários artigos
aprofundados de análise sobre o governo Bolsonaro, várias publicações utilizam linguagem objetiva e
imagens fortes para desconstruir o adversário. O foco sempre são as ações do governo, mas
caracterizadas pela imagem do político.
(d) Organicidade: o partido preocupa-se em manter sua identidade nas publicações, sempre com
o uso de cores mais voltadas aos tons de vermelho, o uso da estrela (símbolo do partido) e na
divulgação de programas próprios sobre o dia a dia do partido. Esses aspectos identitários também
revelam que há um funcionamento orgânico da legenda, também com destaque de vozes da direção
partidária, como a presidenta Gleisi Hoffman. Também destaca-se o uso constante de convites de
filiação, o que mostra o interesse da legenda em ampliar sua base e atrair mais grupos ao seu
funcionamento.
(e) Defesa dos mais pobres: é transversal a narrativa do PT como o partido que representa os
interesses mais populares. Isso se dá, em grande medida, pelo exposto nos estudos de Singer (2009)
ao falar da transformação do eleitorado do partido a partir dos governos Lula. No entanto, a origem
em bases populares também identifica esse discurso. Ao tratar a Reforma da Previdência, o partido a
classifica como a “Reforma de Bolsonaro” e usa o seguinte slogan: “lute agora para não se arrepender
depois”. As publicações refletem sempre como a PEC, na visão do partido, vai penalizar os mais
pobres.

7. Considerações Finais

A análise proposta neste trabalho mostra como o Partido dos Trabalhadores destacou a figura de
seu maior líder: o ex-presidente Lula. Fator que corrobora o crescente personalismo na política. A
imagem do político, por vezes, se confunde com a da própria legenda. No entanto, esse tom não é
onipresente e a página do PT também traz aspectos comuns ao funcionamento de um partido no que
tange às suas principais funções.
As redes sociais propiciam uma interação mais direta com o eleitor, filiado e simpatizante. No
entanto, criam também redomas de atuação endógena. Sem os espaços massivos, os partidos correm
o risco de comunicarem-se, apenas, com quem já o acompanha e tem interesse em suas pautas. Ainda
que essa representação segmentada da sociedade também esteja na natureza de partidos e suas
bandeiras específicas, toda a sociedade tem o direito de acompanhar aquelas instituições que a
representam – especialmente se consideramos a democracia como espaço plural do debate de ideias.
Porém, como no Brasil os espaços massivos foram extintos, a principal ferramenta da
comunicação partidária reside nos meios digitais. Embora o país tenha 34 siglas registradas, poucas
são as que usam de modo ativo esses espaços. Fato que sustenta a afirmação do declínio dos partidos
e do afastamento dos mesmos da sociedade e suas organizações. A comunicação, neste caso, não é
apenas uma característica e muito menos um elemento visto de modo negativo, mas está na natureza
própria de cada partido.
O PT, por seu histórico de organicidade e recente protagonismo no cenário político, coloca-se
ativamente neste meio, o que permitiu este estudo. Constrói sua narrativa baseado em suas lutas
momentâneas, especialmente no pedido de libertação de Lula e no combate à Reforma da
Previdência. É uma legenda com grande apoio de militância e que consegue mobilizar atos e
manifestações de ruas em vários locais do país. No entanto, é também um partido que atrai a si forte
rejeição de muitos setores da sociedade.
O estudo mostrou que há quatro dinâmicas principais na comunicação partidária:
Militante/Burocrática; Política; Ideológica e de Imagem. Todas elas se desdobram em publicações de
natureza própria, mas que atendem a essas quatro grandes vertentes. Com exceção da ideológica,
todas as demais tiveram grande presença. A ausência da mesma se explica pela natureza mais
imediatista das redes, muito embora o caráter ideológico perpasse o todo da narrativa, não sendo algo
deixado de lado.
A comunicação partidária é essencial para o fortalecimento da democracia e entender como ela
se dá ajuda a entender a atuação dos partidos políticos e como eles se constituem como
representantes dos interesses sociais. Um desafio que se apresenta de modo intenso no Brasil.

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1 Trabalho apresentado no GT 5 - Mídia, Personalismo e lideranças políticas do I Simpósio Nacional de Comunicação Política,
Eleições e Campanha Permanente, 27 a 28 de março de 2019. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001

2 Mestre em Comunicação e Poder pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), doutorando em Comunicação e Política pela
Universidade Paulista (UNIP). E-mail: vini-bg@hotmail.com

3 Mestra em Ciências Sociais pela PUC-SP, Doutora em Ciências Sociais pela PUC-SP, Pós-Doutora em Comunicação pela PUC-SP,
docente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social (PPGCOM) da Universidade Paulista (UNIP).

4 Doutoranda em Comunicação Social pelo PPGCOM da Universidade Paulista (UNIP), mestra em Comunicação Social pelo
PPGCOM da UFJF e Graduada em Comunicação Social - Jornalismo pela UFSJ.

5 Disponível em:< http://www.tse.jus.br/partidos/partidos-politicos/registrados-no-tse>. Acesso em: 30 de abril de 2019.

6 A Lei n°13.487, de 6 de outubro de 2017, em seu art. 5º, extinguiu a propaganda partidária no rádio e na televisão a partir de
1º de janeiro de 2018, ao revogar os artigos 45, 46, 47, 48, 49 e o parágrafo único do artigo 52 da Lei dos Partidos Políticos (9096/95).

7 O PT elegeu a maior bancada da Câmara dos Deputados com 55 cadeiras. Disponível em:<
https://www.camara.leg.br/Internet/Deputado/bancada.asp>. Acesso em: 30 de abril de 2019. No entanto, viu sua representação no
Senado diminuir para seis cadeiras. Disponível em:< https://www25.senado.leg.br/web/senadores/em-exercicio/-/e/por-partido#PT>.
Acesso em: 30 de abril de 2019. Conquistou, ainda, o maior número de governos de estado: quatro. Todos eles no Nordeste: Bahia,
Ceará, Rio Grande do Norte e Piauí.

8 O Presidente Jair Bolsonaro (PSL) é uma das figuras mais influentes das redes sociais. Sua campanha foi fortemente centrada
em seu nome, já que possuía pouco tempo de TV, em virtude de pertencer a um partido pequeno. Ele ainda mantém forte atuação nas
redes, incluindo anúncios oficiais de seu Governo e transmissões ao vivo semanais. Na contramão disso, se considerar o início de 2019,
a página de seu partido possui poucas publicações e interação.

9 Gomes, V. (2018) aborda que a exibição das Propagandas Partidárias Gratuitas (PPG) do PT foram motivo de panelaços em
bairros nobres de grandes cidades do Brasil, mostrando a rejeição de alguns setores para com a legenda.
UNIDADE 5 – PESQUISAS DE COMUNICAÇÃO POLÍTICA NO ÂMBITO DA
GRADUAÇÃO
CAPÍTULO 35

Mídia e Eleições 2018: uma análise das estratégias midiáticas dos candidatos
ao governo de Minas Gerais nas redes sociais1

Fernanda Mayumi Palmieri Nakashima2


Luiz Ademir de Oliveira3

1. Introdução

O artigo trata de uma análise das estratégias utilizadas, na campanha eleitoral de 2018, pelos
três principais candidatos ao governo de Minas Gerais, do primeiro e segundo turnos: Fernando
Pimentel – ex-governador do estado, filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT); Antonio Anastasia –
político e professor, filiado ao Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB); e Romeu Zema –
empresário filiado ao Partido Novo. A pesquisa realizada tem o intuito de observar os discursos
construídos nas fanpages a fim de promover a própria eleição.
A história política de Minas Gerais envolve, em grande parte, o predomínio da gestão do Partido
da Social Democracia Brasileira (PSDB). Embora o estado tenha sido governado por alguns políticos
de partidos distintos, a exemplo de Tancredo Neves (PMDB), entre o período de 1983 a 1984, e Itamar
Franco (PL), entre 1999 a 2002, foi a partir da década de 1990 que o PSDB se tornou hegemônico.
Desde então, Minas Gerais foi administrada por membros do mesmo partido, como Eduardo Azeredo
(1994-1998); Aécio Neves (2002-2006), o qual, posteriormente, foi reeleito para governar até 2010; e
Antonio Anastasia (2010-2014). Mas a influência tucana rompeu-se após Fernando Pimentel (PT) ser
eleito em 2014. No entanto, neste último governo ocorreu o agravamento da crise, gerada na gestão
anterior.
Dessa forma, a crise política e econômica foi um dos fatores que influenciaram as eleições de
2018. Além disso, a alteração na legislação eleitoral, em 2015, mudou o funcionamento do campo
político, reduzindo o Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE) – antes eram 20 minutos,
agora são 10 -, e o período de propaganda - de 45 dias passou para 35. Como consequência,
candidatos buscaram outros meios de comunicação para difundir as suas propostas, como em redes
sociais.
Com o alcance e o nível de influência sobre os campos simbólicos, a mídia tornou-se responsável
pela construção da realidade (RODRIGUES, 2002). No caso de Zema, este foi eleito porque ganhou
visibilidade também na fanpage, ou seja, ele recorreu a um meio que proporciona um espaço de
discussão e que, ao mesmo tempo, colabora para a formação de opinião dos internautas (BARROS e
SAMPAIO, 2011).
Nesse contexto, o presente artigo observa as temáticas mais acionadas nas estratégias
utilizadas, pelos candidatos citados anteriormente e identifica como a imagem de cada um foi
construída. Como base teórica, os principais eixos temáticos trabalhados foram: conceito de campo
(BOURDIEU, 1989), especificidades do campo midiático (RODRIGUES, 2002), midiatização e
processos sociais (BRAGA, 2012; HJARVARD, 2012; THOMPSON, 2008); personalismo (MANIN,
1995); e internet como meio de discussão e formação de opinião (BARROS e SAMPAIO, 2011).A
metodologia utilizada foi a Análise de Conteúdo (BARDIN, 2011), que organiza em “gavetas” assuntos
com características em comum, com o objetivo de facilitar na interpretação dos resultados empíricos,
tomando como recorte os três candidatos mais votados: Fernando Pimentel (PT), Antonio Anastasia
(PSDB) e Romeu Zema (NOVO), no período entre 31/08/2018 a 04/10/2018 (1º turno) e 12/10/2018 a
26/10/2018 (2º turno).

2. Da sociedade dos meios ao processo de midiatização


A modernidade está entrelaçada com a emergência da comunicação, que passa a ser o campo de
mediação social e referencial de mundo (Rodrigues, 2002). Segundo o autor, foi no século XVI que a
modernidade já havia rompido com a ordem religiosa. Diante desse acontecimento, os indivíduos
enfrentaram uma crise existencial e o mundo passou a ser caótico e fragmentado. Mas, a partir do
século XX, o surgimento dos meios de comunicação possibilitou que esse cenário fosse reorganizado.
Além de informar a população, transformando os discursos esotéricos em exotéricos4 (RODRIGUES,
2002), a instituição midiática também passa a desempenhar outras funções, como unir a vida coletiva
e construir a realidade social.
Na concepção de Bourdieu (1989), esta segunda função, citada anteriormente, está relacionada
ao poder simbólico, que “[...] é um poder de construção da realidade que tende a estabelecer uma
ordem gnoseológica: o sentido imediato de mundo (e, em particular, do mundo social)”. Ou seja, o
mundo é constituído por sistemas simbólicos – como exemplo, arte, religião, língua, entre outros – que
geram conhecimento e o constroem. Bourdieu ainda compreende que esses diversos campos se
relacionam entre si e se contaminam. É o caso da mídia, a qual perpassa diversas esferas sociais
(HJARVARD, 2012), alterando o regime de funcionamento destas e impactando na vida em sociedade.
É esse processo de contaminação que impede que o discurso midiático seja delimitado “pelo fato de
nele virem refletir-se constantemente os discursos das outras instituições” (RODRIGUES, 2002).
Esse caráter onipresente da mídia também influencia o âmbito político em diversas formas,
dentre elas, no sentido de propiciar capital político e contribuir para estruturar uma carreira.
Segundo Miguel (2003), o conceito de capital político indica o reconhecimento social que permite que
alguns indivíduos, mais do que outros, sejam aceitos como atores políticos e, portanto, capazes de
agir politicamente. Em resumo, os meios de comunicação interferem na campanha eleitoral,
garantindo maior visibilidade de alguns candidatos em detrimento de outros. Normalmente, isso
atribui maior capital político e, consequentemente, maior avanço na carreira. Entretanto, o então
candidato ao governo de MG, Romeu Zema (NOVO), obteve pouco capital político nos mass media, o
que podia ser um fator determinante na sua carreira eleitoral. Mas este recorreu às redes sociais para
realizar a sua campanha e ganhou visibilidade nesse meio, revelando que a internet se tornou um
forte ambiente de influência.
Um dos motivos para tal acontecimento foi a centralidade que a mídia conquistou ao longo dos
anos. Além disso, os indivíduos não são meros receptores, pelo contrário, eles são ativos, buscam por
informações e as filtram de acordo com o seu conhecimento de mundo (BRAGA, 2012; THOMPSON,
2008). Outro fator que motivou o capital político de Zema foi a crise econômica e política. Durante
décadas, houve uma forte e estável relação de confiança entre o eleitorado e os partidos políticos.
Conforme explica Manin (1995), hoje, porém, o eleitorado tende a votar de modo diferente de uma
eleição para outra, e as pesquisas de opinião revelam que tem aumentado o número dos eleitores que
não se identificam com partido algum.
Diante desse cenário, os indivíduos passaram a votar em uma pessoa, de acordo com a
personalidade dela, e não em um partido – personalismo. Manin (1995) explica que os estudos
eleitorais reconhecem que a eleição dos representantes vem sendo atualmente muito influenciada por
uma “imagem”, quer seja a imagem da pessoa do candidato, quer seja a da organização ou partido a
que ele pertence. Foi baseado nisso que os três candidatos, analisados neste artigo, construíram o seu
discurso nas fanpages, uma vez que cada um utilizou a imagem que mais o favoreceu.
Com o desenvolvimento desses novos meios, como a internet, os governantes políticos tiveram
que se preocupar com a sua apresentação diante de audiências que não estavam fisicamente
presentes e com a projeção de sua imagem pessoal a um público distante (THOMPSON, 2008). Mas
essas preocupações se alteraram ao longo dos anos, visto que, no século XX, a importância era
transmitir, através dos meios de comunicação de massa, a mensagem do emissor para o receptor. No
entanto, com a percepção de que os indivíduos não eram meros receptores e sim atores sociais,
começou a ser analisado o processo de interação entre eles, já que podem se identificar com a
mensagem ou desviar-se dela (BRAGA, 2012). Com o avanço da internet, a lógica dos campos sociais
foi alterada, modificando as relações internas a partir de fatores externos, pois as esferas sociais têm
a necessidade de se relacionar com o mundo. Nesse contexto, “[...] a “esfera de legitimidade”
estabelecida pelos diferentes campos sociais se encontra agora constantemente em risco, devendo ser
continuadamente reconsiderada e reelaborada” (BRAGA, 2012, p.46). Portanto, percebe-se uma
transição das relações na época de ênfase dos meios para uma realidade midiatizada, na qual ocorre
um “atravessamento” da mídia nos campos sociais, tornando os indivíduos submetidos a sua lógica
e/ou dependentes dela (HJARVARD, 2012).
O termo “midiatização” ainda está em constante fase de construção. Hjarvard, por exemplo,
considera que “a midiatização, tal como definida aqui, significa não apenas que a mídia desempenha
um papel próprio, mas que, de uma vez, alcançou o status de instituição independente e fornece os
meios pelos quais as demais instituições e atores se comunicam” (HJARVARD, 2012, p.68).
Atualmente, a mídia digital também teve papel fundamental nas eleições de 2018, pois os
candidatos ao governo de MG utilizaram as redes sociais para obter visibilidade. A escolha se deu
pelo fato de que o meio oferece uma horizontalidade das relações, ou seja, trata-se de um sistema
“todos para todos”, com uma troca recíproca de informações (LÉVY, 1998) bem como um mundo em
que há uma distorção entre o real e o virtual (HJARVARD, 2012). Isso significa que os políticos terão
um envolvimento direto com o eleitorado, promovendo maior interação, proximidade e,
consequentemente, maior debate de ideias e disseminação do discurso midiático. Outro ponto positivo
ao ator social é que na internet é possível criar uma imagem de si mesmo que não necessariamente
corresponde à realidade. Dessa forma, os candidatos adaptaram-se às mídias digitais, sendo um
exemplo de dependência da mídia e/ou submissão à tal lógica. Isso revela as mudanças profundas que
ocorreram com a midiatização, alterando, inclusive, o funcionamento habitual do campo político.

3. Campanha eleitoral na internet: a inserção das redes sociais

Lévy (1998) já havia previsto, naquela época, o potencial dos meios de comunicação,
considerando que o ciberespaço seria o centro de gravidade da nova ecologia das comunicações. Para
o autor, a mídia massiva controlava a informação através de intermediações institucionais, porém, o
ciberespaço era livre dessa intermediação, o que implicou em relações distintas que devem ser
avaliadas.
Ainda que a internet preencha os requisitos de esfera pública, existem fatores que impedem a
execução plena da democracia nesse espaço. São os casos de “[...] ausência de conhecimento
específico sobre temas políticos por parte de cidadãos leigos (BUCHSTEIN apud BARROS e SAMPAIO,
2011, p.165), assim como o fato de nem toda a população ter acesso à internet. Então, chegou-se ao
consenso de que a internet é complementar à democracia, mas que não atua isoladamente, visto que
não exerce pressão sobre o sistema político, além de nem todos terem acesso; e muitos dos que têm
não discutem sobre política. Todavia, concluiu-se também que ela colabora na formação de opinião
dos internautas e possui características específicas.
Tendo em vista os aspectos da mídia digital mencionados, os candidatos, analisados neste artigo,
escolheram o ciberespaço para realizar a sua campanha, porque, além de as redes sociais serem
capazes de engrandecer a reputação dos atores (HOGG e ADAMIC apud RECUERO, 2014), as
conversações nesse ambiente ganham outra dimensão:

[...] elas são reproduzidas facilmente por outros atores, espalham-se nas redes entre os diversos grupos,
migram e tornam-se conversações cada vez mais públicas, moldam e expressam opiniões, geram debates e
amplificam ideias. [...] Essas conversações expressam, geralmente, a participação de centenas de pessoas,
por vezes, com milhares de interações que são acessíveis, de forma assíncrona, por todos os atores. Essa
assincronia é que permite que pessoas temporalmente distantes tomem o turno e recuperem as
conversações, espalhando-as e fazendo com que migrem entre os grupos e entre os sites de rede social.
(RECUERO, 2014, p. 116).

Em 1992, os Estados Unidos utilizaram pela primeira vez a internet em campanha eleitoral, mas
ainda de forma muito simplista, uma vez que produzia panfletos eletrônicos e havia “[...] baixo nível
de sofisticação e diversificação de conteúdos, formatos e ferramentas dos websites” (AGGIO, 2010,
p.12). No entanto, mais tarde, percebeu-se a capacidade de interação que esse recurso poderia
promover, propiciando maior engajamento do eleitorado.
No contexto brasileiro, por exemplo, no qual é garantido o HGPE, foi identificado que partidos
pequenos possuem menos tempo para apresentar suas ideias nos meios de comunicação de massa, ou
seja, diante da pouca visibilidade que recebem, a internet se tornou um espaço para disseminação de
ideias e propostas (AGGIO, 2010, p. 14/15). Tendo em vista os benefícios oferecidos pela mídia digital,
em 2010 foi autorizado, pela legislação eleitoral, o uso amplo da campanha eleitoral na internet
durante o governo petista.
A partir de então, começou a ser desenvolvido um modelo personalista nas redes sociais,
causado pela comunicação direta entre candidato e eleitorado. Manin (1995) afirma que a crise na
confiança entre o eleitorado e os partidos políticos também foi um fator que desencadeou tal caráter
personalista, justamente para que o candidato se desassociasse do partido envolvido em escândalos
ou para que novos partidos ganhassem visibilidade.
As eleições de 2016, para candidato à prefeitura de Belo Horizonte, já apontavam as
consequências dessa crise partidária. Houve uma interrupção da trajetória política, liderada pelo PT,
PSDB, PSB e PMDB, ao eleger o então candidato, Alexandre Kalil (PHS), à prefeitura do município
(FERNANDES et.al, 2018). Devido ao cenário político-econômico instável, as eleições de 2018
também revelaram que a maioria da população escolheu Romeu Zema (NOVO) para governar Minas
Gerais.
Uma das estratégias que favoreceu a visibilidade de Zema e dos outros candidatos foi a
utilização das fanpages para difundir os seus discursos, já que, só no Brasil, há 140 milhões de
pessoas que estão nas redes sociais, sendo que o Facebook é a segunda mais utilizada em território
nacional, de acordo com estudo mais recente realizado pela agência “We Are Social”5. Isso revela o
grau de influência da midiatização, sendo de extrema importância estudá-la de forma conjunta –
observando também a alteração que ela provoca no funcionamento dos demais campos sociais -,
afinal, não há mais como analisá-la separadamente das outras instituições, visto que a mídia se tornou
um referencial de mundo.

4. Estudo de caso: estratégias dos candidatos ao governo de Minas Gerais

O presente trabalho visa a verificar as estratégias que os três principais candidatos ao governo
de Minas – Antonio Anastasia (PSDB), Fernando Pimentel (PT) e Romeu Zema (NOVO) - utilizaram nas
fanpages na campanha eleitoral de 2018. Como corpus de análise, foram coletadas as postagens
diárias no período de 31/08/2018 a 04/10/2018 – 1º turno - e 12/10/2018 a 26/10/2018 – 2º turno. Para
o estudo do material, foi adotada a metodologia de Análise de Conteúdo (BARDIN, 2011).

4.1 Metodologia e Corpus de Análise

A metodologia empregada corresponde à Análise de Conteúdo (BARDIN, 2011), a qual segue


determinados critérios de organização, como a pré-análise, exploração do material e o tratamento dos
resultados. Inicialmente, foram reunidas todas as postagens diárias, da fanpage de cada candidato,
durante o período citado anteriormente. Após a compilação, houve uma categorização das
publicações, inserindo-as em dois grupos: formato e conteúdo. No processo de análise, observou-se os
formatos recorrentes e foi examinado também o conteúdo das postagens, a fim de interpretar as
estratégias mais usadas.
Quanto à escolha dos candidatos, foram selecionados os três primeiros colocados no resultado
das eleições. No primeiro turno, Zema obteve 42,73% dos votos; Anastasia, 29,06% e Pimentel,
23,12%6. Já o turno decisivo foi marcado pela eleição de Zema, com 71,8% dos votos, enquanto
Anastasia teve 28,2%7. Desse modo, o artigo busca entender os mecanismos adotados por tais
representantes, observando tanto o conteúdo discursivo quanto o formato utilizado.

4.2 Contexto político e eleitoral

Em 2018, o Brasil presenciou determinadas circunstâncias que foram relevantes na escolha do


candidato a ser eleito. Os escândalos de corrupção da Operação Lava Jato, assim como a prisão do ex-
presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, colaboraram na fragmentação da sociedade. A questão é que,
com as denúncias de corrupção do PT, parte da população revelou sinais de rejeição ao partido já em
2014, que resultou no impeachment de Dilma Rousseff. Todavia, a crise que o país enfrenta não é
apenas econômica, é também política; e a corrupção não se restringe apenas ao PT, mas a grande
maioria dos partidos.
Diante dessa descrença partidária do eleitorado, candidatos outsiders se destacaram através do
personalismo. Na disputa presidencial de 2018, Bolsonaro destacou-se nas redes sociais, rompendo
com a polarização entre petistas e tucanos. Tal ruptura também aconteceu em Minas Gerais que,
desde a década de 1990, foi governada, principalmente, pelo PSDB. Com a diminuição do tempo de
HGPE, candidatos de partidos com baixa representação no Congresso Nacional tiveram pouco tempo
no horário eleitoral, ao passo que partidos com maior representação desfrutaram de mais minutos.
Essa situação, somada à pesquisa de intenção de voto da Datafolha8, revelou que Anastasia e Pimentel
eram os principais concorrentes na corrida eleitoral do 1º turno, com 33% de intenção de voto e 22%,
respectivamente. Já Zema, nesse período, tinha 10%. Entretanto, o resultado, no primeiro turno, não
foi previsto nas pesquisas: Zema liderou a porcentagem de votos, disputando diretamente com
Anastasia e eliminando Pimentel do segundo turno. É importante ressaltar, então, que essas pesquisas
influíram nas eleições, visto que dava maior visibilidade a alguns candidatos.
Sendo assim, o pleito ocorreu nesse contexto de crise econômica e política, escândalos de
corrupção, prisão do ex-presidente Lula, grande influência da mídia, principalmente das redes sociais,
entre outros. Isso tudo influenciou na descrença do eleitorado, já que muitos votaram, não
necessariamente, nas propostas, mas sim em um candidato de um partido distinto do habitual,
simplesmente para interromper o ciclo hegemônico de determinados partidos.

4.3 Análise de conteúdo quantitativa e qualitativa

A análise foi realizada com base nas publicações, nas fanpages, dos candidatos, durante o
período permitido de campanha eleitoral no 1º e 2º turnos. Cada postagem foi analisada
individualmente e categorizada de acordo com o seu conteúdo e formato, sendo que uma mesma
publicação pode estar contemplada em mais de uma categoria.

Quadro 1 – categorias de conteúdo nas fanpages

Categoria Descrição
Imagem do candidato Construção da imagem do candidato a partir dos atributos pessoais, qualidades,
trajetória de vida e no campo político.
Construção da imagem do estado Ressalta pontos positivos de Minas Gerais e sua população, construindo uma imagem
positiva.
Desconstrução da imagem do Ressalta pontos negativos de Minas Gerais, desconstruindo a imagem do mesmo.
estado
Temas Políticos Propostas e discussão sobre temáticas como saúde, educação, segurança, entre outras.
Prestação de contas Postagem sobre o que o político tem feito na gestão atual ou passada.
Conjuntura Postagens que citam a conjuntura política nacional.
Resposta ao ataque de Postagens que visam defender a imagem do candidato frente a alguma acusação de
adversários opositores.
Críticas aos adversários Críticas e ataque aos opositores e seus partidos
Menção a partidos Postagens que citam o partido do pré-candidato e/ou partidos aliados.
Atividades de campanha Cenas de campanha, como caminhadas, carreatas, visitas, entre outras.
Debate Trechos de debates em que os candidatos participaram.
Visibilidade na mídia Participação em entrevistas, programas, reportagens, entre outras formas de aparição
direta na imprensa e suas distintas plataformas.
Apoio de líderes, políticos e Mensagens de apoio feitas pelo próprio ator político ou recebidas.
populares
Agenda Divulgação de agenda do candidato e/ou outros eventos
Pesquisa de Intenção de Voto Postagens com a divulgação das últimas pesquisas de intenção de voto.
Mobilização e apelo ao Tentativa de mobilizar a participação dos seguidores em alguma campanha ou
engajamento dos seguidores programa.
Pedagogia do voto Publicações que ensinam como votar no partido.
Fatos Contemporâneos Postagens sobre os acontecimentos que estão ocorrendo concomitante no cenário
nacional e estadual.
Outros Não se encaixam em nenhuma das categorias acima.

Fonte: Adaptação de autores.


Já as categorias de formato utilizadas no trabalho foram: Vídeo; Imagem; Charge; Áudio;
Somente texto; Link; Evento; Gráfico; Outros.

4.3.1 Campanha Eleitoral nas fanpages - 1º turno (31/08/2018 a 04/10/2018)

Quadro 2 – Conteúdos mais utilizados nas fanpages

Conteúdo Zema (Novo) Anastasia (PSDB) Pimentel (PT)


Imagem do candidato 41 (16,5%) 56 (20,81%) 55 (18,7%)
Construção da imagem de MG 5 (2%) 10 (3,71%) 18 (6,1%)
Desconstrução da imagem de MG 33 (13,3%) 52 (19,33%) 19 (6,5%)
Temas políticos: Saúde 2 (0,8%) 7 (2,6%) 2 (0,6%)
Temas políticos: Administração Pública 8 (3,2%) 2 (0,74%) 0
Temas políticos: Educação 3 (1,2%) 2 (0,74%) 4 (1,3%)
Temas políticos: Infraestrutura 2 (0,8%) 1 (0,37%) 3 (1,02%)
Temas políticos: Minorias 0 0 1 (0,3%)
Temas políticos: Segurança Pública 2 (0,8%) 5 (1,85%) 8 (2,7%)
Temas políticos: Economia 9 (3,6%) 15 (5,57%) 13 (4,43%)
Temas políticos: Mulher 1 (0,4%) 0 10 (3,4%)
Temas políticos: Previdência 0 0 2 (0,6%)
Temas políticos: Juventude 0 0 2 (0,6%)
Temas políticos: Cultura e lazer 0 2 (0,74%) 2 (0,6%)
Temas políticos: Políticas Sociais 1 (0,4%) 0 0
Temas políticos: Cardápio 18 (7,2%) 17 (6,31%) 8 (2,7%)
Prestação de contas 0 76 (28,25%) 104 (35,5%)
Conjuntura 12 (4,8%) 1 (0,37%) 25 (8,5%)
Resposta aos ataques dos adversários 1 (0,4%) 6 (2,23%) 13 (4,4%)
Crítica aos adversários 41 (16,5%) 88 (32,71%) 50 (17%)
Menção a partidos 35 (14,1%) 14 (5,2%) 12 (4%)
Atividades de campanha 51 (20,5%) 27 (10,03%) 36 (12,3%)
Debate 4 (1,6%) 2 (0,74%) 11 (3,7%)
Visibilidade na mídia 20 (8%) 14 (5,2%) 22 (7,5%)
Apoio/agradecimento a lideranças, políticos e populares 22 (8,8%) 8 (2,97%) 60 (20,4%)
Agenda 72 (29%) 9 (3,34%) 18 (6,1%)
Pesquisa de intenção de voto 10 (4%) 9 (3,34%) 2 (0.6%)
Mobilização e apelo ao engajamento dos eleitores 96 (38,7%) 14 (5,2%) 23 (7,8%)
Pedagogia do voto 1 (0,4%) 0 9 (3%)
Fatos contemporâneos 5 (2%) 6 (2,23%) 16 (5,4%)
Outros 3 (1,2%) 5 (1,85%) 13 (4,4%)

Fonte: Elaboração própria.

Quadro 3 – formatos mais acionados nas fanpages

Formato Zema (Novo) Anastasia (PSDB) Pimentel (PT)


Vídeo 100 (40,3%) 170 (63,19%) 159 (54,2%)
Imagem 133 (53,6%) 88 (32,71%) 64 (21,8%)
Charge 0 0 0
Áudio 0 0 0
Somente texto 1 (0,4%) 3 (1,11%) 2 (0,6%)
Link 33 (13,3%) 7 (2,6%) 59 (20%)
Evento 3 (1,2%) 0 7 (2,4%)
Gráfico 3 (1,2%) 0 0
Outros 0 0 0

Fonte: Elaboração própria.

No primeiro dia de campanha eleitoral, a fanpage de Zema apresentava 32.878 curtidas e 33.320
seguidores. Em média, o então candidato postava sete publicações por dia. Do total de postagens, os
conteúdos mais acionados foram sobre Mobilização e apelo ao engajamento dos eleitores (38,7%);
Agenda (29%) e Atividades de campanha (20,5%). Quanto ao formato, Zema recorreu mais às imagens
(53,%), vídeos (40,3%) e links (13,3%). Ou seja, as suas principais estratégias estiveram relacionadas
à visitas em cidades mineiras, caminhadas que ele promoveu, participação em eventos. Também foi
bastante presente o incentivo ao engajamento dos eleitores, por exemplo, ele os convidava a curtir,
compartilhar, comentar as postagens, assim como divulgava o seu cronograma para promover maior
participação do público em horários determinados.
Em geral, Zema interagiu bastante com o eleitorado, uma vez que respondia às dúvidas do
público, inclusive, toda segunda-feira à noite havia uma transmissão ao vivo, na qual ele fazia esse
contato com os internautas. Além dessa aproximação com o público, os seus discursos construíram
uma imagem de trabalhador, humilde, “ficha limpa”. Para isso, o candidato reforçava que o estado
estava “cansado dos mesmos políticos de sempre” e fazia a oposição com a inovação (alusão ao
partido), dizendo que era disso que Minas precisava, que a população tinha sim uma terceira opção –
não somente PSDB e PT.
Já Anastasia adotou uma abordagem distinta. Com uma frequência de 7,8 posts por dia, os
conteúdos mais acionados por ele foram: Crítica aos adversários (32,71%); Prestação de contas
(28,25%); e Imagem do candidato (20,81%). Os formatos mais recorrentes foram: vídeo (63,19%);
imagem (32,71%) e link (2,6%). Durante toda a sua campanha, as estratégias mais pertinentes a seu
benefício foram criticar intensamente Pimentel e, algumas vezes, o PT, afirmando que o então
governador era responsável pela crise do estado. Geralmente, Anastasia descontruía a imagem de MG
para culpar Pimentel. Outra técnica interessante foi a criação de 45 vídeos curtos, em que cada um
apresentava um motivo diferente para votar nele. A divulgação era diária e trazia motivos ligados
essencialmente aos programas que Anastasia criou enquanto era governador, construindo uma
imagem de político experiente em gestão, com uma equipe qualificada, e, às vezes, tal imagem
alternava com a pessoal, associando-o à sua carreira de professor, logo, trabalhador, honesto. Em
resumo, o candidato focou nessas questões e quando citava propostas, quase sempre era de forma
superficial.
É importante salientar também que o maior número de publicações no formato vídeo esteve
relacionada ao fato de que o conteúdo de Anastasia tentava comover o internauta, por meio de
depoimentos de pessoas que estavam sofrendo com a crise. Além disso, a música de fundo dos vídeos
era selecionada estrategicamente para surtir esse efeito de identificação do público com o que está
sendo apresentado pelo candidato. Então, a escolha pelo vídeo foi inteligente para o tipo de
mensagem que ele quis veicular, já que as imagens não incentivariam o lado emocional da população
da mesma forma.
E ainda houve um terceiro comportamento nas fanpages, o de Pimentel. Ele postou, em média,
8,3 publicações por dia, utilizando assuntos voltados à Prestação de contas (35,5%);
Apoio/agradecimento de líderes, políticos e populares (20,4%); e Temas políticos e Imagem do
Candidato (18,7%). Pimentel também acionou mais os formatos de vídeo (54,2%); imagem (21,8%) e
links (20,1%). Quanto à sua campanha, foi bastante presente o apoio ao PT, Lula, Manuela D’Ávila,
Dilma e Haddad. Além disso, o candidato tentou mostrar, em grande parte das publicações, como ele
contribuiu positivamente para o estado, apesar da crise – que ele salienta ter sido gerada durante
governo de Anastasia. Nessa tentativa, são tratados assuntos de educação, saúde, segurança,
infraestrutura, bem como são mostrados depoimentos de populares que foram beneficiados pelo seu
governo.
Pode-se perceber que o último candidato adotou uma abordagem diferenciada, na medida em
que, além de divulgar as suas propostas, tratou de temas voltados à conjuntura nacional, como Lula
Livre e Haddad para presidência, por exemplo. Na sua campanha, o apoio a líderes, a partidos e à
população é bastante presente, assim como o suporte recebido de líderes para construir a sua
imagem, a qual pode interpretada como gestor – conseguiu concluir projetos mesmo em cenário de
crise -, governador do diálogo e que sempre lutou pela democracia.

4.3.2 Campanha Eleitoral nas fanpages – 2º turno (12/10/2018 a 26/10/2018)


Quadro 4 – conteúdos mais utilizados nas fanpages

Conteúdo Zema (Novo) Anastasia (PSDB)


Imagem do candidato 62 (37,34%) 48 (24,1%)
Construção da imagem de MG 2 (1,2%) 2 (1%)
Desconstrução da imagem de MG 30 (18,07%) 8 (4%)
Temas políticos: Saúde 2 (1,2%) 11 (5,5%%)
Temas políticos: Administração Pública 12 (7,22%) 10 (5%)
Temas políticos: Educação 7 (4,21%) 8 (4%)
Temas políticos: Infraestrutura 0 2 (1%)
Temas políticos: Previdência 1 (0,6%) 2 (1%)
Temas políticos: Ciência e Tecnologia 0 2 (1%)
Temas políticos: Segurança Pública 4 (2,4%) 15 (7,5%)
Temas políticos: Economia 8 (4,81%) 15 (7,5%)
Temas políticos: Mulher 0 0
Temas políticos: Municípios 0 1 (0,5%)
Temas políticos: Defesa dos animais 0 2 (1%)
Temas políticos: Cultura e lazer 3 (1,8%) 3 (1,5%)
Temas políticos: Meio ambiente 0 1 (0,5%)
Temas políticos: Políticas Públicas/Sociais 0 4 (2%)
Temas políticos: Emprego e geração de renda 6 (3,61%) 0
Temas políticos: Cardápio 22 (13,25%) 6 (3%)
Temas políticos: Sistema penitenciário 1 (0,6%) 0
Prestação de contas 0 20 (10%)
Conjuntura 10 (6,02%) 5 (2,5%)
Resposta aos ataques dos adversários 36 (21,68%) 3 (1,5%)
Crítica aos adversários 69 (41,56%) 89 (44,7%)
Menção a partidos 34 (20,48%) 2 (1%)
Atividades de campanha 22 (13,25%) 11 (5,5%)
Debate 10 (6,02%) 44 (22,1%)
Visibilidade na mídia 15 (9,03%) 27 (13,5%)
Apoio/agradecimento a lideranças, políticos e populares 34 (20,48%) 9 (4,5%)
Agenda 10 (6,02%) 19 (9,5%)
Pesquisa de intenção de voto 0 6 (3%)
Mobilização e apelo ao engajamento dos eleitores 24 (14,45%) 24 (12%)
Pedagogia do voto 0 0
Fatos contemporâneos 4 (2,4%) 5 (2,5%)
Outros 6 (3,61%) 3 (1,5%)

Fonte: Elaboração própria.

Quadro 5 – formatos mais acionados nas fanpages

Formato Zema (Novo) Anastasia (PSDB)


Vídeo 79 (47,59%) 79 (39,7%)
Imagem 84 (50,6%) 110 (55,3%)
Charge 0 0
Áudio 0 0
Somente texto 0 0
Link 2 (1,2%) 30 (15,1%)
Evento 1 (0,6%) 0
Gráfico 0 0
Outros 0 0

Fonte: Elaboração própria.

Na campanha eleitoral para o segundo turno, Zema fez aproximadamente 11 postagens diárias,
com bastante Crítica ao adversário (41,56%); Temas políticos (39,75%); e Imagem do Candidato
(37,34%). Os formatos mais usados foram Imagem (50,6%); Vídeo (47,59%); Link (1,2%). Zema, em
especial, depreciou a polarização do PT-PSDB, mencionando que estes partidos foram os responsáveis
pela crise mineira. De início, Zema desaprovava Anastasia, mas era atacado com muito mais
frequência e, ao longo dessa disputa, percebe-se que aquele passou a intensificar as críticas devido à
quantidade que também recebia. Tais ataques eram sobre o seu plano de governo, mas Zema sempre
procurou esclarecer as informações e, consequentemente, as suas propostas ganharam destaque. Já
imagem da necessidade de eleger um partido novo – sentido ambíguo -, permaneceu até o final de sua
candidatura.
Anastasia, por sua vez, fez aproximadamente 13 postagens por dia, sendo que, do total, 44,7%
eram sobre Críticas ao adversário; 41,2% de Temas políticos; e 24,1% de Imagem do Candidato.
Quanto aos formatos, a ordem dos mais adotados foram: Imagem (55,3%); Vídeos (39,7%) e Link
(15,1%). Nesse período, o candidato praticamente comparava propostas com as de Zema, com o
intuito de desqualificar este e construir uma imagem positiva sobre o seu plano de governo. As
propostas de Anastasia, nessa fase, foram mais detalhadas quando comparadas com as do primeiro
turno, mas ainda sim um pouco abrangentes. Em relação à sua imagem, foi mantida aquela de gestor,
experiente e bem preparado.

5. Considerações finais

Diante do cenário atual, marcado por escândalos de corrupção e crise político-econômica, tem se
destacado o personalismo, visto que está ocorrendo uma crise nos partidos, o que gera desconfiança e
falta de credibilidade do eleitorado. A tendência é de que, cada vez mais, a população vote nos
atributos pessoais do candidato, em detrimento da coligação na qual está inserido. Nesse sentido, os
meios de comunicação de massa contribuíram para tal valorização, já que privilegiam determinadas
qualidades pessoais. Nas redes sociais não foi diferente, esse aspecto também foi trabalhado, mas por
meio de uma comunicação direta entre candidato e eleitor, inclusive, o ciberespaço foi fundamental
nas eleições de 2018 porque garantiu que os representantes ganhassem visibilidade que, em alguns
casos, não conseguiram obter na mídia massiva.
Esse reconhecimento, dado pela trajetória pessoal, é comprovado através da análise realizada
neste artigo, pois os três candidatos aqui analisados utilizaram o personalismo como estratégia:
Anastasia construiu uma imagem de gestor experiente; Pimentel, de representante da democracia; e
Zema, de candidato “ficha limpa”. No entanto, grande parte do conteúdo publicado por eles teve
caráter mais apelativo e subjetivo do que, de fato, racional, com apresentação de propostas sólidas.
Cada concorrente utilizou o seu artifício, mas o que é inegável é que a internet, em especial o
Facebook, foi fundamental para o êxito da eleição. Assim, a fanpage serviu como uma aliada para dar
visibilidade a candidatos antes não notados, além dos benefícios que ela proporciona, como o debate
público e a formação de opinião.

Referências
AGGIO, Camilo de Oliveira. Campanhas políticas online: a discussão do estado da arte seguido de estudo
de caso sobre os websites dos candidatos à prefeitura de Salvador em 2008. 2010. 181f. Dissertação de Pós-
Graduação - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2010.
BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.
BARROS, Chalini Torquato Gonçalves de; SAMPAIO, Rafael Cardoso. Internet como esfera pública? Análise
de usos e repercussões reais das discussões virtuais. Revista Estudos em Comunicação, n.9, p. 161-183,
mai. 2011.
BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro; Editora Bertrand Brasil, S.A., 1989.
BRAGA, José Luiz. Circuitos versus campos sociais. In: MATTOS, M.A.; JANOTTI JÚNIOR, J.; e JACKS, N.
(Orgs). Mediação & Midiatização. Salvador: EDUFBA, 2012, p.29-52.
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prefeitura de Belo Horizonte. Rizoma, Santa Cruz do Sul, v.6, n.1, p.74-88, ago. 2018.
HJARVARD, Stig. Midiatização: teorizando a mídia como agente de mudança social e cultural. In: Matrizes.
São Paulo, v.5, n.3, p.53-91, jan/jun, 2012.
LÉVY, Pierre. A revolução contemporânea em matéria de comunicação. Revista Famecos, Porto Alegre, n.9,
p. 37-49, dez. 1998.
MANIN, Bernard. As metamorfoses do governo representativo. RBCS, n.19, out. 1995. Disponível em:
<http://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_29/rbcs29_01>. Acesso em: 08 mar. 2019.
MIGUEL, Luís Felipe. Capital político e carreira eleitoral: algumas variáveis na eleição para o congresso
brasileiro. Revista de Sociologia e Política, n. 20, jun. 2003, p. 115-134.
RECUERO, Raquel. Curtir, compartilhar, comentar: trabalho de face, conversação e redes sociais no
Facebook. Revista Verso e Reverso, v. 28, n. 68, p. 114-124, maio/ago. 2014.
RODRIGUES, Adriano Duarte. “Delimitação, natureza e funções do discurso midiático”. In: MOIULLAUD,
Maurice (Org). Jornal. Da forma ao sentido. Brasília: Editora da UNB, 2002, p.217-234.
THOMPSON, John B. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia. Petrópolis: Vozes, 2008.

1 Artigo apresentando no GT 6 – Pesquisas de Comunicação Política no âmbito da Graduação no I Simpósio de Comunicação


Política, Eleições e Campanha Permanente, que aconteceu nos dias 27 e 28 de março de 2019 na UFJF.

2 Graduanda em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Federal de São João del-Rei e Bolsista do Programa de Bolsa
de Iniciação Científica (PIBIC/CNPq/UFSJ).
3 Docente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social (PPGCOM) da UFJF e do Curso de Comunicação Social –
Jornalismo da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ).

4 O termo “esotérico” corresponde a um vocabulário restrito a uma área específica de experiências; já o “exotérico” aborda uma
linguagem acessível ao público em geral (RODRIGUES, 2002).

5 Dados retirados do site “Techtudo”. Disponível em: <https://www.techtudo.com.br/noticias/2019/02/conheca-as-redes-sociais-


mais-usadas-no-brasil-e-no-mundo-em-2018.ghtml. Acessado em: 26 março de 2019.

6 Informações retiradas do site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Disponível em: <http://divulga.tse.jus.br/oficial/index.html>.
Acessado em: 26/03/2019.

7 Percentuais encontrados no site do TSE. Disponível em: <http://divulga.tse.jus.br/oficial/index.html>. Acessado em: 26/03/2019.

8 Pesquisa Datafolha realizada no dia 02/10/2018. Disponível em: <https://g1.globo.com/mg/minas-


gerais/eleicoes/2018/noticia/2018/10/02/pesquisa-ibope-em-mg-anastasia-33-pimentel-22.ghtml>. Acessado em: 27 março 2019.
CAPÍTULO 36

MARINA SILVA: A FALTA DE ESTRATÉGIAS DE CAMPANHA PERMANENTE E


A LIDERANÇA EM DECLÍNIO1

Camila Sottani2
Emerson William3
Karen Lino4
Marcela Souza5
Universidade Federal de São João del Rei (UFSJ)

1. Introdução

A candidata pela disputa presidencial em 2018, Marina Silva, pelo partido Rede Sustentabilidade
(REDE) com apoio também do Partido Verde (PV) tem uma história na política brasileira. Marina já foi
senadora representante do estado do Acre, ministra do Meio Ambiente e três vezes candidata à
presidência desde o ano de 2010. A carreira de Marina na política foi construída com base no
ambientalismo, e suas pautas sempre se demonstraram cooperativas às florestas, biodiversidade,
dentre outras pautas consideradas “verdes”.
Em 2010, quando Marina se candidatou pela primeira vez à presidência pelo Partido Verde (PV)
seu nome foi considerado como uma forte candidata na disputa que envolvia os nomes de Dilma
Rousseff (PT) e José Serra (PSDB). Mesmo tendo destaque na disputa, Marina não chegou ao segundo
turno na época e ficou em terceiro lugar com um pouco mais de 19 milhões de votos. Mas foi a
surpresa da eleição, por estar filiada ao PV e não ter uma estrutura de partidos fortes, conseguiu
chegar a quase 20 milhões de votos.
A partir de então, começou a se mobilizar para fundar um novo partido - Rede Sustentabilidade.
Mas teve o pedido indeferido para a eleição de 2014 por falta de assinaturas e acabou fechando uma
aliança com o ex-governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), tornando-se candidata à vice e
ele à Presidência. Após o seu trágico falecimento ocorrido pela queda de seu avião, em 13 de agosto
de 2014 em plena campanha eleitoral, Marina assumiu a corrida pela presidência com o vice Beto
Albuquerque, também do mesmo partido. Nessa eleição, Marina também não chegou ao segundo
turno, porém obteve uma vantagem maior do que em sua primeira candidatura, ficando, novamente,
em terceiro lugar com mais de 22 milhões de votos. Em meados de setembro, chegou a ameaçar o
favoritismo de Dilma Rousseff, com empate técnico nas pesquisas. Mas na reta final, em função de
posições ambíguas sobre mercado, Banco Central e questões comportamentais (aborto, união civil
entre homossexuais), acabou sendo alvo de muitos ataques tanto de Dilma quanto de Aécio. Na última
semana, o tucano conseguiu uma grande virada e chegou em segundo lugar disputando o segundo
turno com Dilma Rousseff (PT), numa das eleições mais acirradas da história política recente do país,
em que a petista ganhou com pouco mais de 3 milhões de frente apenas.
Em 2018, já com seu mais novo partido, o Rede Sustentabilidade, Marina tentou novamente a
corrida presidencial, investindo pesadamente em uma campanha que destaca a sua imagem como
candidata “ficha limpa” e anticorrupção, devido ao momento no qual se encontrava o país, após o
andamento da Operação Lava-Jato, que revelou esquemas de corrupção que ocorreram no sistema
político brasileiro. Mais uma vez, a campanha de Marina falha em tentar colocá-la na presidência em
uma queda recorde de votos em relação aos quais ela obteve nas últimas duas eleições, com um pouco
mais de 1 milhão de votos, ficando atrás de novatos como João Amoêdo, do Partido Novo, e Cabo
Daciolo, do Patriotas. Ela ficou em sétimo lugar, com apenas 1% dos votos válidos, um fiasco perto das
disputas de 2010 e 2014.
Por isso, o presente artigo tem como objetivo discutir as estratégias de comunicação de Marina
Silva e sua trajetória política a partir de dois eixos teóricos e analíticos. Em primeiro lugar, de que
forma o conceito de campanha permanente pode ser acionado, justamente para apontar uma falha na
construção contínua de sua imagem, mesmo nos períodos não eleitorais, quando ela praticamente se
torna invisível e não se manifesta sobre assuntos de interesse público e até que são muito relevantes
para a sua pauta, como foi a tragédia causada pela Samarco em Mariana (MG) em 2015 pela
irresponsabilidade da empresa. Como uma líder ambientalista, ela praticamente não se manifestou.
Ficou fora de cena no processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) e, nas poucas
vezes que apareceu foi para se posicionar favorável, quando a sua vertente ideológica mais à
esquerda estava toda mobilizar a favor da ex-presidenta. Outro eixo é justamente aplicado ao conceito
de mitos políticos e procurar compreender como se pode relacionar a ex-senadora a tais fases, como
construção, idolatria e excentricidades e até destruição, quando a celebridade perde o seu espaço.
A partir de notícias coletadas nos jornais El País, Estadão, Folha de S. Paulo, Gazeta do Povo,
Nexo Jornal, UOL Notícias e Valor Econômico e de material biográfico encontrado em seu site oficial,
e nos blogs Estudo Prático e Último Segundo, pretende-se desenvolver a análise de que a campanha
permanente de Marina Silva nas eleições presidenciais de 2010, 2014 e 2018, fracassou em se obter
eleitores fiéis ao seu personalismo apresentado em suas campanhas midiáticas.

2. A simbiose entre mídia e política: personalismo e campanha permanente

É inegável que comunicação e política são conceitos intrinsecamente ligados. A política busca
visibilidade e obtenção de poder, por isso estão muito ligadas ao sujeito e à sociedade. Essa ligação
pode ser muito bem vista em processos eleitorais, momento em que a mídia se torna palco para os
políticos que planejam suas mensagens para alcançar determinado público. Pode-se dizer que essas
mensagens se tornam mercadorias para o consumidor, que é o público.
Em um cenário marcado pela crise dos partidos políticos e ideologia, candidatos com traços
personalistas ganham destaque. Conforme explica Manin (1995), (os políticos chegam ao poder por
causa de suas aptidões e de sua experiência no uso dos meios de comunicação de massa, não porque
estejam próximos ou se assemelhem aos seus eleitores. O abismo entre governo e a sociedade, entre
representantes e representados, parece estar aumentando. A disputa tornou-se luta pela imposição da
imagem dos atores políticos nos meios de comunicação e na disputa por audiência e predileção da
opinião pública. Os candidatos precisam fazer com que os eleitores se identifiquem com esta imagem
pública construída.
Além disso, na sociedade midiática, as informações são cada vez mais numerosas fazendo com
que seja necessário que os governos estabeleçam uma relação de comunicação constante com a
sociedade. Noguera (2001), citado por Martins (2016), afirma que o fortalecimento dos meios de
comunicação e a consequente midiatização da sociedade acabaram por transformar as relações entre
governos e sociedades. Os fluxos comunicativos substituem velhas estruturas hierárquicas e faz com
que os governantes estabeleçam uma comunicação constante com o público, abandonando ações
autoritárias. Essas ações são chamadas de Campanha Permanente.
A mídia, segundo Heclo (2000), citado por Martins (2016), contribui para a percepção de um
estado de permanente disputa. A imprensa desmistifica determinadas ações e desvela os reais
significados de ações políticas, historicamente sempre voltadas à disputa pelo poder. Porém, essas
disputas saem dos bastidores e ganham palco e voz nos meios de comunicação. Blumenthal (1982),
citado por Martins (2016), o assessor político e escritor norte-americano, descreveu a Campanha
Permanente como uma combinação de imagem e cálculo estratégico, que transforma o governo em
uma perpétua campanha e refaz o governo em um instrumento designado para sustentar a
popularidade oficial de um eleito.

2.1 Centralidade da mídia

A centralidade da mídia é muito importante pois tem o seu papel de mediadora da realidade
social. Essa centralidade mostra que suas lógicas de funcionamento têm afetado os outros campos,
havendo um cruzamento de interesses, negociações e disputas. Conforme explica Rodrigues (1999),
os campos estão em interações. Nesse sentido, as práticas discursivas movem-se no sentido de
instituir processos e estratégias e disputas de sentido e de poder.

A comunicação serve para legitimar discursos,comportamentos e ações. É o mais novo instrumento


mobilizador disponível para provocar efeito de consenso virtualmente aceitos nos mais diferentes domínios
da experiência moderna. Comunicar tem se tornado um imperativo ético e uma urgência política.
(RODRIGUES, 1999, p.13)

Esse papel da comunicação garantiu à mídia centralidade na construção do conhecimento


público e uma importante influência no processo de socialização política. Os media se transformaram
em palco e objeto privilegiado das disputas pelo poder político na contemporaneidade.

2.2 Metamorfoses do governo representativo

Pode-se afirmar que, mesmo com os importantes avanços democráticos, a insatisfação política, a
desconfiança dos partidos, e a descrença de governos estão cada vez crescendo. Pesquisas de opinião
revelam que tem aumentado o número dos eleitores que não se identificam com partido algum. Dessa
forma, hoje, a estratégia eleitoral dos candidatos e dos partidos repousa na construção de imagens
vagas que projetam a personalidade dos líderes. Portanto, o abismo entre o governo e a sociedade e
entre representante e representados, parece estar aumentando. Segundo Manin (1995), os partidos
políticos, por serem objetos multifacetados, atuam em várias arenas e por isso podem estar perdendo
a capacidade em determinadas áreas e em outras não. Assim, o autor infere que não existiria o
declínio dos partidos, mas simplesmente uma adaptação aos novos tempos.
Manin (1995) cria três tipos ideais de governos representativos: democracia parlamentar,
democracia de partido e democracia de público. No governo representativo do tipo parlamentar,
chegava a exercer o poder aqueles candidatos que os seus governados tinham confiança.

A confiança decorre do fato de que o representante pertence à mesma comunidade de seus eleitores, e essa
comunidade se define em termos puramente geográficos ou em função “dos grandes interesses do reino”
(propriedade fundiária, mercantil, manufatureira etc.). As relações de proximidade local ou de
pertencimento a uma dessas áreas de interesse são conseqüências espontâneas dos laços sociais e da
interação. Não são produzidas pela competição política. Ao contrário, elas constituem recursos prévios que
os atores políticos mobilizam na disputa pelo poder. Ao mesmo tempo, os representantes alcançaram
proeminência na comunidade em virtude de sua personalidade, riqueza ou ocupação. As eleições
selecionam um tipo particular de elite: os notáveis. O governo parlamentar é o reinado dos notáveis
(MANIN, 199, p.5)

Logo após, surge a democracia de partido, em que as pessoas não mais votam naqueles que
conhecem pessoalmente, e sim na bandeira de um partido. Segundo Manin, os eleitores dos partidos
de massa votavam num partido porque se identificavam com ele, independentemente dos planos de
ação constantes da plataforma do partido. Nesse sentido, a democracia de partido, assim como o tipo
parlamentar de governo representativo, baseia-se na confiança. A diferença está no objeto dessa
confiança: não mais uma pessoa, mas uma organização, o partido.
Já na democracia de público, há a personalização eleitoral, com aumento dos fatores pessoais,
onde os partidos continuam a desempenhar um papel essencial, mas ficam a serviço de um líder.
Dessa forma, os candidatos usam os meios de comunicação como TV e rádio para falar com seus
eleitores dispensando a mediação de uma rede de relações partidárias. Nesse sentido, segundo
Manin, os meios de comunicação de massa – e hoje também as mídias digitas, no entanto, privilegiam
determinadas qualidades pessoais. Assim, os candidatos vitoriosos ou mais bem-sucedidos são os que
são bons comunicadores ou que dominam as mídias. Pode-se perceber isso com candidaturas em que
os candidatos foram bem adaptados à lógica midiática, como Fernando de Collor de Mello, em 1989,
Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002, e o próprio Jair Bolsonaro, 2018, quando se destacou pelo uso
estratégico das mídias sociais – em especial o Twitter.
Pode-se afirmar que o modelo representativo ainda tem sua importância, apesar de estar
passando por modificações. Existe uma metamorfose nesse modelo pois o personalismo dos
candidatos está sendo mais importante que os partidos em que ocupam. Esses partidos continuam
fortes nas campanhas eleitorais e no parlamento. É possível compreender que, para Manin, o modelo
representativo é um modelo em transformação em que as instituições estão se readaptando as
mudanças comportamentais em curso.
3. A trajetória de Marina Silva: a ascensão de uma ambientalista do interior do Acre ao
poder político em Brasília

3.1 Metodologia e Corpus de Análise

A partir de notícias coletadas nos jornais El País, Estadão, Folha de S. Paulo, Gazeta do Povo,
Nexo Jornal, UOL Notícias e Valor Econômico e de material biográfico encontrado em seu site oficial,
e nos blogs Estudo Prático e Último Segundo, desenvolvemos a análise da campanha de Marina Silva
nas eleições presidenciais de 2010, 2014 e 2018.
Foram analisadas as matérias: “As duas faces de Marina Silva”, “Marina Silva declara voto crítico
a Haddad no segundo turno da eleição”, “Marina Silva evita se posicionar sobre 2º turno e diz que
será oposição a qualquer governo”, “Eleições 2018”, “A trajetória de Marina: a candidata da Rede à
Presidência”, “Marina Silva candidata à presidente número 18, eleições 2018” e “Marina Silva
defende Lava-Jato e diz que justiça não é vingança” dos respectivos jornais, com base nas teorias de
Sidney Blumenthal e Felipe Noguera, citados por Martins, à respeito da Campanha Permanente.

3.2 Trajetória de Marina Silva: da infância pobre no Acre à líder ambientalista reconhecida
internacionalmente

Vinda de família pobre, Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima nasceu em 08 de fevereiro de
1958, em Seringal Bagaço, no Acre. Seus pais, Pedro Augusto e Maria Augusta da Silva, eram
seringueiros e tiveram 11 filhos, dos quais oito sobreviveram. Mudou-se para a capital do estado, Rio
Branco, onde foi alfabetizada pela Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral). Tempo depois
conseguiu seu primeiro trabalho como empregada doméstica.
Frequentou um convento da capital acreana e participou das Comunidades Eclesiais de Base
(CEBs). Foi na Igreja que viu um cartaz que convidava para um curso sobre liderança sindical rural,
ministrado por Chico Mendes, líder seringueiro que foi fundamental para a entrada definitiva de
Marina na política.
Em 1981, ingressou no curso de História na Universidade Federal do Acre. No ambiente
acadêmico, entrou em contato com os ideais marxistas e aproximou-se do Partido Revolucionário
Comunista (PRC), abrigado dentro do Partido dos Trabalhadores (PT). Além da graduação em
História, Marina é pós-graduada em Teoria Psicanalítica pela Universidade de Brasília (UnB) e em
Psicopedagogia pela Universidade Católica de Brasília.
Casou-se em 1980, pela primeira vez com Raimundo Souza, com quem teve dois filhos. Em 1986
se divorciou e, um ano depois casou-se novamente com Fábio Vaz. Seu casamento permanece até hoje
e dele vieram duas filhas.
Como será analisado a seguir, Marina Silva já passou por diversos partidos. No PT, foi eleita
como deputada estadual. Também foi senadora e Ministra do Meio Ambiente, escolhida por Lula. Após
desentendimentos com a gestão petista, se filiou ao PV. Foi candidata à presidência em 2010 e ficou
em terceiro lugar. Em 2014, Marina tentou fundar seu próprio partido, porém não obteve sucesso por
não possuir o número mínimo de assinatura exigidas pela legislação eleitoral. Dessa forma, Marina
confirmou apoio a Eduardo Campos, o pré-candidato do PSB à Presidência. Com a morte de Eduardo
Campos, Marina se tornou candidata à presidência pela segunda vez e ficou mais uma vez em terceiro
lugar. Em 2018 disputou a presidência mais uma vez, dessa vez pela Rede. Marina teve pouca
estrutura partidária e pouco tempo de rádio e TV e teve apenas pouco mais de 1 milhão de votos.
Ao longo desta trajetória, culminando no fiasco da eleição de 2018, pode-se afirmar, como
veremos na análise, que Marina se filiou a vários partidos e mesmo assim não conseguiu agradar o
eleitorado. O personalismo da candidata não é tão forte e os eleitores não se conectaram à candidata
mesmo tendo pautas sustentáveis. A candidata não fez uma campanha permanente pois sempre
esteve muito ausente na política nacional e aparece apenas na proximidade das eleições. Além disso,
Marina tem uma política ambígua. Sua história é ligada ao PT, porém sua área econômica é quase
liberal. Isso deu a ela uma personalidade política muito indefinida e uma campanha ideológica muito
contraditória. Marina não tem um caráter personalista, não tem um discurso sólido e não conseguiu
apreço do eleitorado.
3.3 As fases do mito: como Marina surge, consolida-se como liderança e cai nas
excentricidades

3.3.1 Os primeiros passos rumo à vida pública

Historiadora brasileira, considerada uma das principais líderes socioambientais do planeta.


Companheira de Chico Mendes na luta em defesa da floresta amazônica, Marina Silva ganhou
reconhecimento internacional através da sua defesa da ética, da valorização dos recursos naturais e
do desenvolvimento sustentável.
Agraciada com o Champions of the Earth pela ONU e a Medalha Duque de Edimburgo pela rede
WWF, foi também homenageada na cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012,
por seus esforços em promover a paz mundial. Atuou como senadora pelo estado do Acre durante 16
anos e, também, como ministra do Meio Ambiente entre 2003 e 2008.
Ao longo de sua trajetória política, Marina envolveu-se em polêmicas políticas e sociais.
Defendeu o direito das escolas adventistas de ensinar o criacionismo — como ela própria esclareceu
depois, desde que também se ensinasse a teoria da evolução. Em 2010, Marina também se posicionou
contra as pesquisas com células-tronco embrionárias, tendo defendido a utilização de células-tronco
adultas, e contra a descriminalização do aborto, embora seja favorável à realização de um plebiscito
no Brasil para tratar do tema. Ainda em 2010, disse ser contrária ao casamento entre pessoas do
mesmo sexo, embora tenha se posicionado favorável à união civil ‘de bens’ entre homossexuais.
Também diz ser contra a legalização de drogas ilícitas, como a maconha, apesar de também defender
uma consulta popular sobre o tema. Em 2013, ela se declarou a favor da união civil homoafetiva,
embora evite usar o termo “casamento” neste caso. Em 2014, seu programa de governo foi alterado
24 horas após ser divulgado, tendo optado por uns termos menos explícitos.

3.3.2 Parlamento

Em 1984, Marina Silva ajudou a fundar a Central Única dos Trabalhadores (CUT) no Acre. Chico
Mendes foi o primeiro coordenador da entidade e Marina, a vice-coordenadora. A convivência entre os
dois duraria mais quatro anos, até o líder ser assassinado. Em 1986, filiada ao PT, concorreu pela
primeira vez a deputada federal, mas não obteve sucesso.
Dois anos após a primeira tentativa de entrar no âmbito da política, Marina foi eleita vereadora
de Rio Branco. Foi a vereadora mais votada do município, conquistando a única vaga da esquerda na
câmara municipal. Exerceu seu mandato de vereadora até 1990, quando se candidatou à deputada
estadual e obteve novamente a maior votação, alcançando uma vaga na Assembleia Legislativa do
estado do Acre. Logo no primeiro ano do novo mandato descobriu-se doente: havia sido contaminada
por metais pesados quando ainda vivia no seringal, como consequência do tratamento da
leishmaniose, de três hepatites e das cinco malárias.
Em 1994, candidatou-se ao Senado e foi eleita senadora da República, pelo estado do Acre, com
a maior votação, sendo a pessoa mais jovem a ocupar o cargo no Brasil. Foi Secretária Nacional de
Meio Ambiente e Desenvolvimento do Partido dos Trabalhadores, de 1995 a 1997. Reelegeu-se em
2002, com votação quase três vezes maior que a anterior, com projeção de cumprimento de mandato
até 31 de janeiro de 2011. Entre as mais de 100 proposições apresentadas pela senadora, desde o
primeiro mandato, destacam-se 54 projetos de lei, dentre eles, o texto propondo a criação do Fundo
de Participação dos Estados e do Distrito Federal – FPE – para as unidades da Federação que
abrigarem em seus territórios unidades de conservação da natureza e terras indígenas demarcadas.
Em 2008, retornou ao Senado, após longo período exercendo o Ministério no governo Lula,
Marina foi a primeira voz a defender, na Casa, a importância de o Governo Federal assumir uma
postura em relação a redução das emissões de gases de efeito estufa. Em 2009, o Governo anunciou,
finalmente, a adoção dessas metas. Não sendo ainda suficientemente, a senadora também cobrou do
Governo e do Congresso Nacional a inclusão de uma meta brasileira, com os percentuais para a
redução das emissões de gases do efeito estufa até 2020, no Plano Nacional de Mudanças Climáticas,
que seria aprovado e sancionado pelo Presidente da República antes da realização da Conferência de
Clima (COP15), realizada em dezembro de 2009 em Copenhague.
3.3.3 Ministério do Meio Ambiente

Em 2003, assumiu o Ministério do Meio Ambiente no Governo Lula. Em sua gestão trabalhou por
políticas estruturantes baseadas em quatro diretrizes básicas: 1) maior participação e controle social;
2) fortalecimento do sistema nacional de meio ambiente; 3) transversalidade nas ações de governo; 4)
promoção do desenvolvimento sustentável. Assim, conseguiu diminuir o desmatamento na Amazônia,
de 2004 a 2007, em 60%.
Marina enfrentou conflitos constantes com outros ministros do governo quando, segundo sua
avaliação, os interesses econômicos se contrapunham aos objetivos de preservação ambiental. Uma
das notáveis divergências envolvendo a ministra e outro Ministério ocorreu em 2008, quando Marina
se desentendeu com Roberto Mangabeira Unger, então ministro da Secretaria Especial de Assuntos
Estratégicos da Presidência da República, devido ao fato da coordenação do Plano Amazônia
Sustentável (PAS) ter sido destinado à Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos, vinculada
diretamente à Presidência da República. Outra polêmica envolveu a então ministra-chefe da Casa
Civil, Dilma Rousseff, com quem Marina já havia tido divergências em 2004 (quando Dilma era
ministra das Minas e Energia), em dezembro de 2006, enfraquecida por uma disputa com a Casa Civil,
que a acusava de atrasar licenças ambientais para a realização de obras de infraestrutura, Marina
avisou que não estaria disposta a flexibilizar a gestão da pasta para permanecer no governo.
Em 2007, Marina negou divergências com Dilma, sobre a concessão de licenças ambientais.
Afirmou, ainda, que o Ibama estava seguindo os padrões legais necessários para as providências em
concessão das licenças. Defendeu a ideia de que o Brasil tem de aprender a impor seus limites,
buscando o desenvolvimento sustentável, sem acabar com a biodiversidade e com a vida. “A discussão
entre conservação do meio ambiente e desenvolvimento, para mim, é um falso dilema. Ainda que na
prática tenha que ser superada, não é possível advogar pelo desenvolvimento sem promover a
conservação ambiental. As duas questões fazem parte da mesma equação” (MARINA SILVA, abril de
2007)
Em 2008, agravaram-se as divergências com a ministra Dilma Rousseff, da Casa Civil, em
decorrência da demora na liberação das licenças ambientais, pelo Ibama, para as obras no rio
Madeira, em Rondônia. Essa demora e o rigor na liberação dos documentos foram considerados como
um bloqueio ao crescimento econômico.
Durante sua administração no Ministério do Meio Ambiente, Marina Silva acabou perdendo a
luta histórica contra os transgênicos, contra a usina nuclear de Angra 3, e também não conseguiu que
a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CNTBio), aprovada em março de 2005, tivesse um
caráter ambientalista, que era uma de suas metas formais. Outras medidas adotadas pelo governo
Lula nos últimos anos foram de sua autoria ou contaram com sua participação e articulação política,
como a proteção maciça a todas as espécies de peixes do rio Madeira, a redução em oito vezes do
tamanho do lago do rio Madeira e a redução da vazão de água na transposição do rio São Francisco.
Marina Silva também denunciou pressões dos governadores de Mato Grosso, Blairo Maggi, e de
Rondônia, Ivo Cassol, para rever as medidas de combate ao desmatamento na Amazônia.
Em maio de 2008, pediu demissão do ministério devido aos problemas ligados às áreas de
infraestrutura e desenvolvimento. Em 2009, Marina saiu do PT alegando falta de sustentação política
para seus projetos e filiou-se ao Partido Verde (PV) no mesmo ano.

3.3.4 Primeira candidatura à presidência

Em 2010, foi candidata à presidência da República pelo Partido Verde, a candidata se


comprometeu a manter as conquistas dos governos Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da
Silva, entre elas a estabilização econômica e a redução da pobreza, e prometia governar junto com os
“núcleos vivos” da sociedade em defesa do desenvolvimento sustentável. Marina teve dificuldades em
sua candidatura. Entre elas o fato de contar com apenas 1 minuto e 23 segundos na propaganda
eleitoral gratuita na televisão, muito menos do que seus principais adversários. Para superar essa
limitação, decidiu privilegiar a internet e as redes sociais, uma estratégia inédita no Brasil.
No início de setembro, segundo pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha, a candidata contava
com 10% das intenções de voto, contra 50% de Dilma Rousseff e 28% de José Serra, número inferior
aos votos nulos e brancos, que à época somavam 11%. Um dia antes do pleito, o instituto previa 16%
do total de votos favoráveis à Marina, uma variação de 6% em menos de um mês. De acordo com o
Ibope, em pesquisa do início do mês de setembro, Marina Silva teria 8% dos votos totais, contra 51%
de favoráveis à Dilma Rousseff e 27% favoráveis à José Serra. Na pesquisa da véspera das eleições, o
mesmo instituto previa para Marina 16% do total de votos, uma evolução de 8% em um período de um
mês. O crescimento de Marina Silva no primeiro turno das eleições brasileiras de 2010 foi
denominado pela imprensa como “onda verde”.
Ao final do primeiro turno das Eleições Presidenciais de 2010, em 3 de outubro, Marina Silva
obteve 19.636.359 votos, o que correspondeu a 19,33% dos votos válidos, ocupando, assim, o terceiro
lugar na disputa que seguiu para o segundo turno entre Dilma Rousseff e José Serra. Marina tornou-
se a candidata mais votada da história na legenda, tornando-se destaque internacional em aliados do
PV pelo mundo, principalmente na América do Sul e Europa, onde o partido vem ganhando força na
última década.
Marina que se declarou “independente” em relação ao segundo turno, obteve sua neutralidade e
não revelou o voto. Ainda pelo Twitter, Marina reforçou a parabenização dizendo: “a ministra Dilma
era a candidata de uma parte dos brasileiros. A partir de agora, é a presidente eleita de todos nós nos
próximos quatro anos”. Marina deixou o PV em 2011, com a intenção de criar um novo partido.

3.3.5 Segunda candidatura à presidência

Em outubro de 2013, após o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) negar o registro da Rede
Sustentabilidade, Marina anunciou uma aliança programática com governador Eduardo Campos, que
no ano seguinte concorreu para a presidência. Integrantes da Rede fizeram uma filiação democrática
e provisória ao Partido Socialista Brasileiro (PSB), que reconheceria a integridade e identidade da
Rede. Ao mesmo tempo, a Rede continuaria a buscar as assinaturas exigidas pela Justiça Eleitoral e a
conseguir o registro definitivo.
Em 2014, Marina e Eduardo registram suas candidaturas e entregaram o plano de governo ao
TSE, que consistia em três objetivos principais. O primeiro é manter as conquistas das últimas
décadas e fazê-las avançar. O segundo é a criação de mecanismos para aprofundar a democracia
brasileira. E o último é construir as bases para um ciclo duradouro de desenvolvimento sustentável.
Marina concorreu inicialmente como vice da chapa de Eduardo Campos (PSB) e depois assumiu a
candidatura após a morte do candidato num acidente aéreo, em agosto do mesmo ano.
Eduardo Campos tinha boa margem de intenção de votos e Marina herdou essa vantagem. Com
chances reais de quebrar a polarização que domina a vida política brasileira há vinte anos, Marina
passa a sofrer um bombardeio de mentiras e ofensas. Não sabendo aproveitar a vantagem dada
concomitante as dificuldades que passou, além dos posicionamentos contraditórios durante a
campanha, não conseguiu a eleição. Com isso, ficou em terceiro lugar com 21,32% no total de votos. E
no segundo turno, apoiou Aécio Neves (PSDB).

3.3.6 Excentricidades de Marina Silva

São apontadas aqui como excentricidades posicionamentos de Marina Silva que destoaram da
sua carreira de uma líder ambientalista de esquerda, como o apoio a Aécio Neves no segundo turno
em 2014, o apoio à Lava Jato e à prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o seu
silenciamento em relação ao crime ambiental da Samarco em 2015 em Mariana. As posturas foram
próximas a partidos de direita, negando a sua trajetória de lutas junto a frentes progressistas.

3.3.7 Rede Sustentabilidade e a Terceira Disputa Presidencial

Em 2013, durante o Encontro Nacional da Rede Pró Partido, a ex-ministra fundou oficialmente a
Rede Sustentabilidade. O novo partido tentou obter o registro no Tribunal Superior Eleitoral
(TSE), mas o pedido foi negado por falta de apoio mínimo necessário. Em 22 de setembro de 2015, o
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aprova o registro da Rede Sustentabilidade por unanimidade.
A denominação Rede foi escolhida por meio de sugestões realizadas em fóruns da internet e
indica que o partido pretende funcionar como uma rede que dialoga com diferentes setores da
sociedade. Em seu estatuto, o Rede Sustentabilidade coloca-se como uma associação de cidadãos e
cidadãs dispostos a contribuir voluntariamente e de forma colaborativa. Apesar de ter sido fundado de
forma coletiva, começaram a surgir atritos dentro do partido. Cerca de 3 anos após sua fundação,
alguns integrantes resolveram deixar a Rede insatisfeitos com o rumo que a legenda tomou,
especialmente devido ao posicionamento em relação a assuntos importantes, como o impeachment da
ex-presidente Dilma Rousseff.
Pela terceira vez seguida, Marina se candidatou para a Presidência da República, em condições
bem mais adversas que em 2010 e 2014. Ela reafirmou os compromissos de institucionalizar
conquistas e inaugurar uma nova governabilidade programática que quebre o ciclo do
presidencialismo de coalizão. No ano de 2018, Marina apresentou suas ideias sem ódio ou rancor e
esteve pronta para unir os brasileiros em torno daquilo que realmente interessa.
A apuração dos votos da eleição presidencial levou Marina Silva (Rede) a um opróbrio político
indisfarçável: a terceira colocada dos dois últimos pleitos – acumulando 20 milhões de votos em 2010
e 22 milhões em 2014 – terminou a disputa de 2018 com pouco mais de 1 milhão de votos, ficando
atrás, inclusive, do estreante Cabo Daciolo (Patriota), que obteve 1,3 milhão. Essa derrocada da ex-
senadora e ex-ministra nos governos Lula (PT) pode ser medida por diversos fatores, mas
principalmente, pelo esvaziamento do apoio do segmento evangélico. A postura titubeante sobre
aborto e legalização de drogas, levou Marina Silva a uma espécie de descrédito de seus eleitores
evangélicos.

4. Considerações finais

Após a maior derrota das três eleições presidenciais que Marina concorreu, seu futuro ainda é
incerto, as questões para seu futuro político são: haverá uma quarta candidatura? Marina irá adotar
uma nova linha de campanha e um novo plano de governo que se adeque ao populismo? Como Marina
irá se opor ao novo governo (2018-2022)?
Apesar de se mostrar indecisa após a derrota histórica em 2018, Marina Silva acabou adotando
uma postura coerente à sua trajetória e declarou apoio ao candidato do PT. A decisão se deu após Jair
Bolsonaro prometer, se eleito, fundir os ministérios do Meio Ambiente- do qual Marina fez parte- e
Agricultura. Como ativista em favor do ambientalismo, a candidata derrotada se viu na obrigação de
tomar o partido oposto ao de Bolsonaro, que iria contra um de seus maiores ideais.
Durante o mês de outubro de 2018, o partido fundado por Marina Silva, Rede Sustentabilidade, e
os partidos PV e PPS (Partido Verde e Partido Popular Socialista) consultaram o Superior Tribunal
Federal (STF) para uma possível fusão, porém a mesma foi negada, devido a uma reforma aprovada
em 2015 que impede a fusão de partidos com menos de cinco anos de fundação- que é o caso do Rede,
que foi fundado em 2015. Os partidos PV e Rede participaram da mesma coligação, a “Unidos Para
Transformar o Brasil”, o PPS, por sua vez, fez parte da coligação “Para Unir o Brasil”, que apoiava a
candidatura de Geraldo Alckmin (PSDB) para a presidência. O partido Rede elegeu apenas uma
deputada nas eleições de 2018 e ficará sem receber recursos públicos até 2022, o que deixa uma
instabilidade no partido recém-formado. Marina, em 2019, começou a dar sinais de que pode dar uma
nova guinada na sua carreira e retomar posicionamentos mais à esquerda. Tem feito críticas a
Bolsonaro, posicionou-se imediatamente contra o crime ambiental da Vale em Brumadinho e a REDE
está na oposição junto a partidos como PT, PSOL, PSB e PC do B.

Referências
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n.], 1980.
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<https://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,marina-silva-declara-voto-critico-a-haddad-no-segundo-
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qualquer governo”. Disponível em: <httyyps://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/10/marina-silva-evita-se-
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<https://especiais.gazetadopovo.com.br/eleicoes/2018/candidatos/presidente/marina-silva/> Acessado em:
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Permanent Campaign and Its Future. Washington D.C.: American Enterprise Institute and The Brookings
Institution, 2000. p. 1-37.
MANIN, Bernard. As Metamorfoses do Governo Representativo. Revista Brasileira de Ciências Sociais, nº
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MARTINS, Thamiris Franco. A Construção da imagem de Dilma Rousseff (PT) na esfera midiática:
dissonâncias e convergências narrativas entre a presidente e a candidata à reeleição. (Dissertação de
Mestrado). Juiz de Fora: Universidade Federal de Juiz de Fora, 2016
Marina Silva, site oficial. Disponível em: <https://marinasilva.org.br/biografia/> Acessado em: 20 de nov.
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RODRIGUES, Adriano Duarte. Estratégias da Comunicação. Lisboa: Editorial Presença, 1990.
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silva/53f235d9a5fea4093800009f.html> Acessado em: 20 de nov. 2018
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<https://noticias.uol.com.br/politica/politicos-brasil/2018/presidente/br/08021958-marina-silva.htm>
Acessado em: 25 de nov. 2018
Valor Econômico. “Marina Silva defende Lava-Jato e diz que justiça não é vingança”. Disponível em:
<https://www.valor.com.br/politica/5286151/marina-silva-defende-lava-jato-e-diz-que-justica-nao-e-vinganca>
Acessado em: 22 de nov. 2018.

1 Artigo apresentado no GT 6 – Pesquisas de Comunicação Política no âmbito da Graduação no I Simpósio de Comunicação


Política, Eleições e Campanha Permanente, realizado nos dias 27 e 28 de março de 2019 na UFJF.

2 Graduanda em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ).

3 Graduando em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ).

4 Graduanda em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ).

5 Graduanda em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ).
CAPÍTULO 37

Mídia e Eleições em Minas Gerais:


Estratégias aplicadas pelos candidatos de melhor desempenho ao governo de
Minas no Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE)1

Déborah Luísa Vieira dos Santos2


Iuri Fontora Almeida3

1. Introdução

O presente artigo tem como objetivo desenvolver uma análise sobre o Horário Gratuito de
Propaganda Eleitoral (HGPE) dos três principais candidatos ao governo do estado de Minas Gerais no
pleito de 2018, sendo eles Antônio Anastasia (PSDB), Fernando Pimentel (PT) e Romeu Zema (NOVO).
Tal eleição trouxe especificidades próprias para a disputa e pode ser considerado um pleito
atípico, que ocorreu sob o signo da revolta contra a classe política, em decorrência da crise
econômica que se agravou a partir de 2015 e os desdobramentos da Operação Lava Jato com a prisão
de dezenas de empresários e líderes políticos, entre eles o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
preso em 06 de abril de 2018, condenado a 12 anos de prisão
Todos esses fatores fizeram com que o quadro desenhado na eleição em que as pesquisas
apontavam um segundo turno entre Anastasia (liderando) e Fernando Pimentel, não fosse se
concretizar na prática, com o crescimento eleitoral de Romeu Zema.
Outro fator de novidade, não pelo ineditismo, mas pela consolidação foi exploração das redes
sociais pelo campo político. Steven Levitisk (2018), ao analisar as campanhas americanas, já
destacava a mídia alternativa como instrumento relevante.

Enquanto o caminho para o reconhecimento nacional de um nome passava antes por relativamente poucos
canais estabelecidos, os quais favoreciam mais políticos do establishment que extremistas, o novo ambiente
midiático facilita que celebridades alcancem o reconhecimento de seus nomes – e apoio público –
praticamente da noite para o dia” (LEVITSKY; ZIBLATT, 2018, p.70).

No entanto, não se deve negar a importância do HGPE e nem desprezá-lo como uma estrutura de
visibilidade aos partidos e candidatos. É através desse meio que os políticos conseguem falar as
massas com maior rapidez e travar um embate de ideias e discussões.
Os candidatos mais bem votados, Anastasia (PSDB) e Zema (NOVO), refletem o antagonismo no
HGPE, sendo respectivamente com o maior tempo e o com o menor tempo para expor suas ideias na
televisão. Isso requer que o estudo também leve em conta fatores externos que comuniquem com o
HGPE para entender tal processo eleitoral.
Desde a redemocratização em 1985, o estado foi governado por partidos tradicionais, com uma
forte hegemonia do PSDB que governou durante anos. Os governadores do estado de Minas do
período de 1986 até o momento: Newton Cardoso-PMDB (1987-1991); Hélio Garcia-PTB (1991-1994);
Eduardo Azeredo-PSDB (1995-1998); Itamar Franco-PMDB (1999-2002); Aécio Neves-PSDB (2003-
2010); Antônio Anastasia-PSDB (2011-2014); Fernando Pimentel-PT (2015-2018); e Romeu Zema-
NOVO (2019-?), o último rompendo com tal polarização, já que essa foi à primeira eleição ao governo
de Minas disputado pelo partido Novo.
Para análise do uso do HGPE nas eleições 2018, foi utilizado como metodologia a Análise de
Conteúdo dos programas, a partir do método proposto por Luciana Panke e Emerson U. Cervi (2011).

2. Mudança eleitoral e especificidades da eleição

Com o fim do financiamento empresarial de campanhas e com a minirreforma política (Lei


13.165/2015), sancionada em 2015 pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT), a alternativa encontrada
para a expectativa de uma campanha mais barata foi, entre outras coisas, reduzir o tempo de HGPE.
Dentre as mudanças estão: redução do período de HGPE para 35 dias e do tempo dos blocos, sendo
10 minutos divididos proporcionalmente entre os candidatos ao governo do estado. Essa nova divisão
culmina em poucos minutos – ou segundos – para alguns candidatos.
O início do HGPE representa também o início da fase aguda da campanha, na qual os eleitores
começam a prestar mais atenção em seus candidatos e tomarem a decisão de voto (PANKE & CERVI,
2011; OLIVEIRA, 1999). A Propaganda Gratuita ajuda a compor o ambiente informacional e
estabelecer o contato entre eleitores e candidatos, bem como era considerada fundamental para
tornar públicas as estratégias de cada candidato. (OLIVEIRA, 2004).

3. Metodologia e Análise: um estudo de casos sobre as eleições em Minas de 2018

Como metodologia, foi utilizada a Análise de Conteúdo (AC), a qual permite o tratamento dos
dados obtidos de forma quanti e qualitativa. O método empregado foi desenvolvido pelo Grupo de
Pesquisa Comunicação Eleitoral, da Universidade Federal do Paraná (PANKE & CERVI, 2011). As
categorias de análise aplicadas foram: 1) Administração Pública; 2) Candidato; 3) Lideranças; 4)
Desqualificação; 5) Conjuntura; 6) Economia; 7) Educação; 8) Saúde; 9) Segurança; 10)
Infraestrutura; 11) Político-sociais; 12) Questões de Gênero.
Como corpus tem-se o HGPE veiculado no primeiro e segundo turno da disputa a governador de
Minas, dos três principais candidatos, sendo eles: Antônio Anastasia (PSDB), Fernando Pimentel (PT)
e Romeu Zema (NOVO). O período analisado foi de 31 de agosto a 4 de outubro, sendo a veiculação da
propaganda eleitoral para governador nas segundas-feiras, quartas-feiras e sextas-feiras, o que
totalizou 16 programas veiculados na TV. Posteriormente analisou-se os programas veiculados entre
os dias 12 a 25 de outubro, sendo veiculadas as propagandas de segunda a sábado totalizando um
total de 12 programas. Para tal pesquisa, serão analisados os programas veiculados na televisão.
Os programas foram gravados direto da TV e/ou obtidos nos canais dos candidatos no Youtube,
nas fanpages do Facebook ou entrando em contato com as assessorias de campanha dos mesmos.

3.1 O Contexto das eleições em Minas Gerais

Minas Gerais tem um histórico de polarização da disputa PT versus PSDB para governador do
estado, uma tendência vista também no âmbito federal. Nas últimas seis eleições, a disputa entre
esses dois partidos despontou, com prevalência da hegemonia tucana, rompida apenas em 2014 com a
eleição de Fernando Pimentel (PT) em primeiro turno com cerca de 53%, onde venceu Pimenta da
Veiga (PSDB) e interrompeu os 12 anos consecutivos de governadores tucanos no poder.
Nas eleições de 2018, Pimentel (PT) tentava a sua reeleição, mas tinha um cenário bastante
desfavorável como uma crise econômica sem precedentes, com atraso de salário de servidores e de
repasse de recursos para os municípios, além da interferência do cenário nacional decorrente do
desgaste da imagem do PT. Quanto ao PSDB, à imagem desgastada decorreu dos escândalos de
corrupção envolvendo o senador Aécio Neves - do qual Anastasia era afilhado político - e o
recebimento de propina da JBS. Tal conjuntura intensificou o desgaste da imagem dos partidos e
políticos tradicionais, mas que ainda apontava uma polarização PT x PSDB nas eleições.
Além disso, a ruptura de alianças e todo cenário vigente, ocasionou no aparecimento de um
grande número de candidatos. Para a disputa estadual foram nove os candidatos a governador, sendo
eles: Adalclever Lopes (MDB), Alexandre Flach (PCO); Antônio Anastasia (PSDB); Claudiney Dulim
(Avante); Dirlene Marques (PSOL); Fernando Pimentel (PT); João Batista Mares Guia (Rede); Jordano
Metalúrgico (PSTU) e Romeu Zema (NOVO).
De acordo com as pesquisas, a disputa seguiria para o 2º turno entre Anastasia (PSDB) e
Pimentel (PT). Todavia, Romeu Zema (NOVO) despontou ao apoiar, em um debate da Globo Minas,
Bolsonaro. Romeu Zema não só cresceu nas pesquisas, como também desbancou o petista e foi para o
segundo turno como favorito à vitória. O candidato do Novo venceu a disputa com quase 72% dos
votos válidos, ultrapassando seu adversário tucano, que obteve pouco mais de 28% dos votos válidos.
Quanto ao tempo no HGPE, a divisão ficou da seguinte forma: Antônio Anastasia (PSDB), 3
minutos e 20 segundos; Fernando Pimentel (PT), 2 minutos e 38 segundos; Romeu Zema (NOVO), 6
segundos. O restante do tempo de HGPE ficou com Adalclever Lopes (MDB), com 2 minutos e 18
segundos; Dirlene Marques (PSOL), 11 segundos; João Batista Mares Guia (REDE), 8 segundos;
Claudiney Dulim (AVANTE), 7 segundos; Alexandre Flach (PCO), 6 segundos e Jordano Metalúrgico
(PSTU), 6 segundos. O tempo é diretamente ligado a representatividade da coligação no Congresso
Nacional.

3.2 Análise do HGPE de Antônio Anastasia (PSDB) em primeiro turno

Antônio Anastasia (PSDB) iniciou sua carreira política atuando em diversas secretarias no
governo de Hélio Garcia em 1991 a 1994. Em 2006, formou a chapa como vice-governador de Minas
ao lado de Aécio Neves, na qual saíra vencedor. Em 2010, candidatou-se para governo do estado e foi
eleito. Já em 2014, venceu como senador pelo estado, cargo que ocupa atualmente.
Em meio à crise econômica enfrentada pelo governo do estado, Anastasia explorou o fato de ter
sido governador de Minas Gerais para traçar comparações, já que as pesquisas registravam que o
tucano liderava a corrida eleitoral em primeiro turno, seguido de Fernando Pimentel (PT). Tal fato
serviu para Anastasia polarizar com o petista o debate político.
Diferente de eleições anteriores, o nome de Aécio Neves (PSDB), padrinho político de Anastasia,
foi citado apenas duas vezes durante todo o período de veiculação do HGPE, diante do desgaste da
imagem do neto de Tancredo. O que se difere da campanha de Anastasia em 2010, já que Aécio
chegou a ocupar em alguns programas de seu afilhado político, 25% do tempo4.
Nesta campanha, a estratégia utilizada pelo candidato foi se apresentar como um gestor
capacitado para lidar com os principais problemas do estado, devido a sua habilidade em lidar com
problemas parecidos em outros momentos. A promessa mais recorrente nos programas foi a de iniciar
novas obras somente após a conclusão das que ainda não foram finalizadas.
Diante da decupagem e análise do material coletado, pode se observar os temas e a frequência
com que apareceram nos programas estão identificadas na tabela a seguir:
GRÁFICO 01 –TEMÁTICAS DO HGPE DE ANTONIO ANASTASIA NO 1º TURNO DE 2018

FONTE: Elaboração Própria

A temática mais acionada por Anastasia é “Candidato”, presente em 27,5% do tempo de HGPE,
na qual ressalta os aspectos e qualidades pessoais do mesmo. O candidato apresenta-se como um
“gestor” e “não-político”, estratégia que vem sendo utilizada por outsiders, principalmente desde as
eleições municipais de 2016.
A temática “Desqualificação”, que ocupou 24,8% do tempo, foi usada em sua totalidade como
alvo único, o candidato Pimentel, em que estabeleceu comparativos entre a sua gestão e a do petista.
A terceira mais presente foi “Administração Pública” (com 17,5%). Nessa categoria, o candidato
apresentou um conjunto de propostas intitulado como “plano Minas Gerais”.
A temática “Políticas Sociais” ocupou 8,9% do tempo do HGPE, e a campanha focou nessa
categoria em políticas públicas para a juventude. Já a quinta foi “Segurança Pública”, com 5,8%, na
qual o candidato fez um apelo maior à segurança “dos filhos” dos mineiros, ou seja, a juventude. A
categoria “Saúde” apareceu 5,4% do tempo e focou no programa criado na gestão passada de
Anastasia como governador, intitulado “Saúde da Mulher”, no qual caminhões equipados
percorreriam o estado fazendo exames em mulheres.
Em “Economia”, presente em 4,6% do tempo, o candidato destacou a geração de emprego e
como a crise econômica prejudicou essa área em Minas. Na temática “Infraestrutura” (2,5% do
tempo), o candidato deu maior ênfase à questão das manutenções e pavimentação das estradas como
fator auxiliar para o desenvolvimento econômico.
A categoria “Liderança” ocupou 2% do tempo, com destaque para a equipe técnica que foi
composta por Anastasia em seu mandato como governador em 2010. Por fim, a categoria “Questão de
Gênero” ocupou 1% do tempo de HGPE, em que o candidato defendia oportunidades iguais entre os
gêneros, inclusive, na política. As categorias “Educação” e “Conjuntura” não foram acionadas pelo
candidato em seu HGPE.

3.3 Análise do HGPE de Fernando Pimentel (PT) em primeiro turno

O candidato à reeleição pelo Partido dos Trabalhadores, Fernando Pimentel, concorreu a sua
primeira eleição pública, em 2004, para prefeito de Belo Horizonte e foi eleito. Neste mandato, foi
apontado como o oitavo melhor prefeito do mundo e foi também ministro do Desenvolvimento no
governo Dilma Rousseff (PT). Em 2014, venceu o pleito para governador de Minas.
Em meio à crise econômica enfrentada por sua gestão e do desgaste da imagem de seu partido,
Fernando Pimentel (PT) tentou passar uma imagem positiva sobre seu governo, com destaque para
conquistas nas áreas de Infraestrutura, como a obra que garantirá recursos hídricos para cidades
como Montes Claros-MG; Saúde, com a ampliação de unidades do SAMU para mais cidades do estado;
e Educação, marcada pelo aumento do salário dos professores. Além disso, o petista ressaltou em
quase todos os programas a imagem do seu partido e suas principais lideranças, como Lula e Dilma e
os candidatos a Presidente e vice, Fernando Haddad e Manuela D’Ávila. Sobre a crise econômica do
estado, Pimentel acusou o opositor Anastasia e seu padrinho político, Aécio Neves, dizendo que era
uma “crise herdada”. Além disso, o petista enfatizou a todo momento que a crise foi agravada pelo
boicote do governo Temer, com o não repasse de verbas para o governo mineiro.
Após decupagem e análise do material coletado, os temas e a frequência com que apareceram
nos programas estão identificados na tabela a seguir:
GRÁFICO 02 –TEMÁTICAS DO HGPE DE FERNANDO PIMENTEL NO 1º TURNO DE 2018

FONTE: Elaboração Própria

A temática mais abordada por Pimentel foi “Candidato” presente em 27,6% do tempo de HGPE,
sendo que ele acionou essa categoria para construir uma imagem positiva sobre si, a partir da
divulgação de sua trajetória pessoal e política, bem como com a utilização de depoimento de
populares e celebridades (cantores, atores, entre outros) a respeito de seu mandato como governador
e prefeito da capital mineira. Em seguida, o candidato do PT acionou a categoria de “Administração
Pública” (19,3%), para fazer uma prestação de contas do seu mandato enquanto governador, com
destaque para as conquistas e feitos nas áreas de Saúde, Educação e Segurança Pública, sempre
apontando números e resultados. Uma forma de dizer que, apesar da crise, Minas continuou
avançando.
Em terceiro está à categoria “Lideranças” com 15,6%, em que o candidato utilizou depoimentos
de líderes do seu partido, como do ex-presidente Lula e da candidata ao Senado Dilma Rousseff, para
fazer uma referência a esses governos como mandatos que foram bons para o país, no entanto,
interrompidos pelo impeachment da Presidenta Dilma. Além disso, aproveitou das falas desses
personagens para reforçar uma imagem positiva sobre si com valorização de seus atributos enquanto
governador.
Em quarto “Desqualificação” (14,8%). Pimentel atacou o adversário e os mandatos tucanos
anteriores, culpabilizando-os pela crise do estado e por maquiar as contas públicas. Pimentel
considera a crise do estado como “herdada” dos 12 anos de governos do PSDB. Essa categoria foi
acionada na tentativa de desconstruir a imagem de seu adversário e líder nas pesquisas no período.
Em quinto “Conjuntura”, presente em 5,7% do tempo, na qual o candidato aborda a
desqualificação do Partido dos Trabalhadores, boicote ao estado por parte do governo federal, aborda
também o impeachment sofrido pela Presidenta e companheira de partido, Dilma Rousseff, e da
prisão e o impedimento da candidatura do ex-presidente Lula.
Em seguida, aparece a categoria “Educação”, com 5,3%, na qual o petista promete ampliar as
conquistas tidas em seu mandato, como o transporte escolar para zona rural. Em sétimo, tem-se
“Economia”, com 5% do tempo de HGPE, Pimentel diz que uma das formas de recuperar a economia é
colocar dinheiro na mão das pessoas, com linhas de créditos exclusivas para abertura de novos
negócios, com estímulo ao pequeno e médio empreendedor.
Em oitavo, a categoria “Segurança” é acionada (4,2%). Nela, o petista pretendia ampliar as bases
comunitárias da Polícia Militar para mais cidades do estado e aumento da frota. Por último, aparece
“Questões de Gênero”, com 2,5%, na qual exaltou a importância da figura feminina na sociedade e na
política, valorizando a presença de mulheres como candidatas pelo seu partido, nas diversas
candidaturas.
As categorias “Infraestrutura”, “Saúde” e “Políticas Sociais” não foram contempladas. Todavia,
ele abordou essas temáticas em “Administração Pública”, como forma de prestação de contas do seu
mandato como governador.

3.4 Análise do HGPE de Romeu Zema (NOVO) em primeiro turno

Romeu Zema (NOVO) é empresário e antigo Presidente do Grupo Eletro Zema, sendo um
outsider político, uma vez que essa é sua primeira disputa para um cargo em eleições. Entretanto,
Zema foi filiado ao Partido Republicano de 2000 a 20185, desfiliando-se seis meses antes da disputa
para filiar-se ao atual partido. Zema foi ignorado por Pimentel e Anastasia que pareciam disputar o
primeiro turno sozinhos. O candidato do Novo, por ter seis segundos de HGPE, utilizou das redes
sociais para atingir e alcançar a visibilidade de seu eleitorado.
No primeiro turno da disputa, Romeu Zema teve seu programa veiculado apenas a partir do dia
10/09, sendo o mesmo até o final do turno. A propaganda eleitoral do candidato era uma arte com sua
foto, nome e número de seu partido, e os dizeres: “Vote Novo, vote 30”. Isso caracteriza uma
utilização de 100% da categoria “Candidato”. Com pouco tempo de HGPE, o candidato do Novo
utilizou de forma intensiva as redes sociais, tanto para construir uma imagem sobre si, quanto para
divulgar suas propostas e alcançar seus eleitores.

4. Analise do HGPE 2º turno

No dia 07 de outubro de 2018, a população mineira conheceu os candidatos que disputariam o


segundo turno da eleição majoritária estadual. O candidato Romeu Zema (NOVO) foi o nome que
causou surpresa a opinião pública ao ser o mais votado no primeiro turno com 42,73% dos votos
válidos, contra 29,06% dos votos do candidato Antônio Anastasia (PSDB), seu adversário no segundo
momento da eleição.
As regras para o HGPE do segundo turno foram diferentes, sendo o fator mais significante, o fato
do tempo destinado aos candidatos serem uniformes, ou seja, cinco minutos para cada candidatura e
não mais uma relação direta do tempo com o tamanho da coligação e suas bancadas.
Os programas de segundo turno foram apresentados de segunda a sábado, na televisão, tanto a
eleição para presidente quanto para governadores. O faixa de horário manteve de 13h as 13h20 e das
20h30 às 20h50. A ordem de exibição foi definida por sorteio. Um destaque importante das eleições
estaduais de 2018 é que a eleição novamente foi decidida em segundo turno, o que não acontecia
desde 1998, quando Itamar Franco (PMDB) venceu o pleito contra Eduardo Azeredo (PSDB).

4.1 Analise do HGPE de Antônio Anastasia – 2º turno

O candidato Antônio Anastasia fez programas mais simples, em relação ao primeiro turno,
quanto à produção. Se no primeiro turno o tucano preferiu fazer de sua propaganda eleitoral pautada
por suas visitas por diversas cidades de Minas Gerais, nesse novo momento Anastasia preferiu fazer
uma campanha em que ele dentro de um estúdio, com um fundo neutro “falasse com a câmera”
focada em um plano americano e com GCs identificando-o.
Em outros momentos do HGPE, o candidato do PSDB era entrevistado por jornalistas, sentados
em uma mesa, no estúdio, um dos entrevistadores foi o jornalista e senador eleito por Minas Gerais à
época pelo PHS, Carlos Viana.
Uma terceira montagem dos programas eram recortes de debates eleitorais promovidos por
emissoras de televisão. O debate era uma das grandes apostas de Anastasia, que fechava os seus
programas com escritos em um fundo branco que convidava os telespectadores a assistirem os
debates, através de um off6 de um locutor.
Se no primeiro turno, Anastasia propôs no HGPE uma polarização com o candidato petista e
então atual governador, Fernando Pimentel, no segundo turno ele também propôs a polarização, desta
vez com o candidato Romeu Zema. Entre as principais críticas do tucano ao candidato do partido
Novo, era a falta de experiência com a gestão pública, ressaltando que o modelo público tem
especificidades em relação ao setor privado, ambiente em que o adversário acabara de sair para a
disputa da eleição, ao presidir o grupo Zema.
Após decupagem e análise do material coletado, os temas e a frequência com que apareceram
nos programas estão identificados na tabela a seguir:

GRÁFICO 03 –TEMÁTICAS DO HGPE DE ANTÔNIO ANASTASIA NO 2º TURNO DE 2018

FONTE: Elaboração Própria

A campanha de Antônio Anastasia utilizou a maior parte do tempo de HGPE, 52,5%, para
desqualificar tanto Romeu Zema, como em alguns momentos o governo de Fernando Pimentel. O
inicio da campanha de segundo turno na televisão, logo no segundo programa foi relembrando uma
entrevista ao programa Central 98, da rádio 98, de Belo Horizonte em que o candidato Zema dizia que
no Vale do Jequitinhonha era possível contratar uma empregada doméstica, para ganhar R$ 300,00
por mês.

Eu quero ir atrás de empresas e mostrar que no Vale do Mucuri, no Vale do Jequitinhonha, você pode
colocar uma indústria aqui, que aqui tem mão de obra disponível, se você pagar aqui um salário mínimo
com carteira assinada você vai ter fila de pessoas para poder trabalhar para você. Porque é uma região que
eu conheço muito bem, onde você consegue hoje contratar, inclusive uma empregada doméstica, para
ganhar R$ 300 por mês (PROGRAMA 2: Antonio Anastasia 45: Garantia de direitos. Facebook, 2018).

Um dos poucos momentos de gravação externa feita pela campanha no segundo turno foram
entrevistas com populares nas ruas, que basicamente serviram para montagem de uma narrativa em
que o “despreparo com a gestão pública” causaria grandes transtornos a Minas Gerais.
A segunda temática mais abordada por Antônio Anastasia foi a própria exaltação, expressa no
gráfico como categoria “candidato”, que ocupou 37,11% do tempo. Nessa temática ele se colocava
como um candidato experiente, ou seja, um contraponto a característica que ele combatia como
fragilidade de seu adversário.
Por alguns momentos, Zema vinculou o nome de Anastasia a de Aécio em seu programa.
Anastasia por sua vez, não fazia nenhum tipo de menção às propagandas de seu adversário, no
entanto ressaltava que tinha um patrimônio relativo à sua renda. 7
O terceiro tema mais abordado por Anastasia no segundo turno foi segurança pública, com
7,027% do tempo. Tal discussão foi proposta logo no primeiro programa do candidato no segundo
turno, que pode ser atrelado a dois motivos. O primeiro motivo é o fato de que tal temática estava em
evidência e que foi usada pelo então candidato a presidência, Jair Bolsonaro8, que obteve o melhor
desempenho no estado, entre os candidatos. O segundo motivo foi uma forma de contrapor as
propostas de segurança pública do candidato Romeu Zema que causaram polêmicas, ao propor, por
exemplo, que o policial use uma câmera para filmar as abordagens.
O tema conjuntura foi abordado por Anastasia em 1,61% do tempo e foi um pequeno espaço em
que o candidato usou para analisar a eleição e o cenário político que se desenhou em Minas Gerais.
A quinta temática mais abordada foi a Administração Pública, com 1,05% do tempo. Foi nesse
espaço em que ele ressaltava que não importava os termos, mas sim a experiência com a maquina
pública para resolver os impasses econômicos que Minas Gerais atravessava.
Em poucos momentos o tucano abordou as questões macroeconômicas, apenas 0,6% do total do
tempo de HGPE, tendo em vista que todo o debate eleitoral no estado deu-se no campo das finanças
públicas. Em um dos raros momentos em que o tema foi explorado por Anastasia ele afirmou que quer
renegociar a dívida de Minas Gerais. “Quero fazer as parcerias necessárias com setor privado,
renegociar a dívida do estado com Governo Federal. Tenho condições de devolver credibilidade a
Minas. Eu sei fazer porque já fiz antes. Eu tenho a vocação para o serviço público” (Anastasia, HGPE,
2018).
Dessa maneira, o campo dos embates políticos no segundo turno, destacou-se se comparado ao
campo das propostas, uma campanha mais agressiva do que propositiva.

4.2 Análise do HGPE de Romeu ZEMA

Romeu Zema (NOVO), pela primeira vez durante toda a campanha, passa a ter tempo
significativo para expor suas propostas e ideias pelo horário eleitoral. Considerado como outsider da
campanha, Romeu Zema surpreendeu a opinião pública, por sua ida ao segundo turno, apesar do fato
dos institutos de pesquisas apontarem para o crescimento de Zema após o debate da TV Globo.
Com pouco tempo de televisão no primeiro turno, o candidato do partido Novo produziu a maior
parte dos materiais em vídeo para as redes sociais, o que tornou-se base do conteúdo vinculado na
televisão durante do segundo turno.
Em seu discurso na televisão, o candidato ressaltava que representava o “novo”, enquanto o seu
adversário representava a “velha política”. Alguns programas do candidato iniciavam com a frase dita
em off. “Começa o programa do candidato que derrotou o PT e derrotará o PSDB”.
O tema de austeridade fiscal era presente em seu programa constantemente, sempre que dizia
que combateria privilégios. Dessa forma, em alguns programas ele anunciava medidas que afetavam
diretamente a vida do governador, como por exemplo, não morar no palácio oficial e transformá-lo em
um museu.
Outra característica de seu programa foi o uso de elementos como o humor. Em uma das cenas
de alguns programas aproximava-se dos modelos de esquetes, como o jogo de palavras que
terminavam em “ema”. Um locutor dizia uma palavra e Zema tinha que responder com outra, por
exemplo: uma praia, Ipanema/ um livro: Iracema/ politicagem: um problema/ um candidato: Romeu
Zema.
Após a decupagem dos programas eleitorais em segundo turno, as temáticas mais exploradas
pelos candidatos foram:

GRÁFICO 04 –TEMÁTICAS DO HGPE DE ROMEU ZEMA NO 2º TURNO DE 2018

FONTE: Elaboração Própria

A temática “candidato” foi utilizada por Romeu Zema durante 43,7% do tempo do HGPE. Nesse
espaço ele se apresentou ao eleitorado, o que não foi possível ser feito no primeiro turno. A campanha
explorou muito a sua história pessoal, com uma narrativa de grande empreendedor que desde jovem
gostou do trabalho. Zema, também tentou fazer uma campanha mais interativa, chamando o
eleitorado a mandar vídeos de apoio.
Se por um lado Anastasia colocou a não experiência de Romeu Zema no foco do debate, por
outro o candidato do Novo exaltou a sua experiência na iniciativa privada. A campanha também usou
populares para exaltar o candidato e seu partido.
O segundo tema mais debatido por Romeu Zema foi à conjuntura, com 15,6% do tempo. Nesse
momento Zema utilizou desse aspecto para mostrar que sua campanha estava sendo feita de forma
mais propositiva. Foi também nessa temática que ele usava para apresentar os problemas sociais
enfrentados pela população e pautar o seu discurso para esse público.
O tema das discussões quanto à administração pública, foi o terceiro tema mais pautado pela
campanha, com 13,3%. Nessa temática ele convidou os telespectadores para conhecer as “30
propostas para uma nova Minas Gerais”, em que ele apresentava suas ideias para a administração do
Estado e também falava como lidaria politicamente a frente do estado, como por exemplo, na relação
com os municípios.
A categoria desqualificação foi usada 10,8% do tempo de HGPE. Zema respondia as
desqualificações de Zema e relacionava-o a velha política. Fotos apareciam na tela de Anastasia com
Aécio Neves. A forma do PSDB de fazer política foi o discurso mais recorrente dentro dessa temática,
principalmente os valores gastos para campanha do fundo partidário e eleitoral.
A segurança pública foi o quinto tema mais discutido e ocupou 5,4% do tempo de HGPE do
candidato. Esse tema foi usado muitas das vezes como uma resposta a ataques e críticas de Antônio
Anastasia. Zema chegou a conversar com policiais que usavam câmeras e dizia que essa sua proposta
para segurança dos próprios policiais. O então candidato afirmou em seu programa que teria
“tolerância zero com bandidos”.
O campo econômico ocupou 5,1% do tempo. Romeu Zema destacou a importância da geração de
empregos e também a necessidade de incentivos para jovens empreenderem, como por exemplo,
através de startups. As finanças públicas também foram pautadas.
O sétimo tema mais explorado pelos programas do Novo, foi à saúde, com 2,6%. O candidato
criticou a saúde pública em Minas Gerais e apresentou como propostas: dar mais atenção ao interior
com hospitais regionais; Parcerias com iniciativa privada para melhorar o atendimento; Reduzir
impostos para as cooperativas de saúde, remédios e insumos hospitalares.
A educação foi o oitavo tema mais pautado, com 2,4% do espaço de HGPE. Zema defendeu maior
autonomia, aos diretores de escola, prometeu pagar em dia os professores 9 e ressaltou a necessidade
da ampliação da educação na Zona Rural.
Por fim, a temática político-social foi tratada durante 1,6% do tempo do horário eleitoral na
televisão, pela campanha. A questão apresentada surgiu para que o candidato esclarecesse que não
acabaria com as cotas para pessoas com necessidades especiais. De acordo com a fala de Zema, seu
objetivo era dialogar com o governo federal para reavaliar os critérios dessa lei.

5. Considerações finais

A partir das análises feitas e apresentadas nesse estudo, conclui-se que o HGPE não é mais um
espaço unanime dentro da comunicação política midiática e que não necessariamente os candidatos
com maior tempo de televisão são os candidatos com as maiores votações. É necessário avaliar o
contexto em que a eleição ocorre e como os instrumentos comunicacionais são utilizados de acordo
com as condições que lhe são apresentadas.
A figura do outsider vencendo a eleição coloca o sistema político atual em um cenário de
desgaste, atribuída às formas de se fazer política atrelada a escândalos e denúncias de corrupção e
irresponsabilidades fiscais.
Tal desgaste foi explorado por Romeu Zema, que se autointitulou membro de uma nova forma de
fazer política, enquanto seus adversários faziam parte da velha política. Por tal motivo que o
candidato exaltou a imagem do seu partido, o Novo, enquanto o PSDB pouco foi citado por Antônio
Anastasia.
De todos os principais candidatos, Fernando Pimentel foi o único que ainda usou em seu HGPE o
identitarismo com o PT e seus principais quadros como Lula, Dilma e Haddad, no entanto a estratégia
não foi eficaz para colocá-lo em segundo turno.
O Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral, apesar de não ser mais o meio hegemônico de
comunicação é uma ferramenta que não pode ser ignorada, pois os números de audiências são
satisfatórios e atingem em médio em um grande centro quase 5 milhões de pessoas através de uma
única emissora.

Referências
BENÍCIO, Jeff. Povo diz não ver, mas horário político dá ótima audiência. [S. l.], 27 abr. 2019.
Disponível em: https://www.terra.com.br/diversao/tv/blog-sala-de-tv/povo-diz-nao-ver-mas-horario-politico-da-
otima-audiencia,4798d58c6e301c906a036b89cce836cfpo6sgdss.html. Acesso em: 27 abr. 2019.
G1. Propaganda eleitoral do 2º turno no rádio e na TV começa dia 12. [S. l.], 27 abr. 2019. Disponível
em: https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/noticia/2018/10/09/propaganda-eleitoral-do-2o-turno-no-
radio-e-na-tv-comeca-dia-12.ghtml. Acesso em: 27 abr. 2019.
LEVITSKY, Steven; ZIBLATT, Daniel. How Democracies Die (tradução: Como as democracias morrem).
[S. l.]: Zahar, 2018.
OLIVEIRA, Luiz Ademir de. As estratégias retóricas na construção dos mundos de natureza ficcional
da política. Um estudo comparativo das campanhas à Prefeitura de Belo Horizonte e Salvador na eleição
municipal de 2000. 232 f. 2004. Tese (Doutorado em Ciência Política) – Instituto Universitário de Pesquisas
do Rio de Janeiro (IUPERJ), Rio de Janeiro.
PANKE, Luciana; CERVI, Emerson U. Análise da Comunicação Eleitoral: Uma proposta metodológica para os
estudos do HGPE. Contemporânea/ Comunicação e Cultura, vol. 09, n. 3, set. /Dez. 2011, p. 390-404.
PROGRAMA 2: Antonio Anastasia 45: Garantia de direitos. Facebook: [s. n.], 2018. Disponível em:
https://www.facebook.com/AntonioAnastasiaOficial/videos/1188055464677073/. Acesso em: 27 abr. 2019.
REIS, Bruno Wanderley. .In: PINTO, Paulo Silva. Incerteza e surpresas. Correio Braziliense: [s. n.], 20 set.
2018. Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/548466/noticia.html?sequence=1.
Acesso em: 27 abr. 2019.
UOL. Resultado da apuração das Eleições 2018. [S. l.], 27 abr. 2019. Disponível em:
https://placar.eleicoes.uol.com.br/2018/1turno/presidente-por-estado/. Acesso em: 27 abr. 2019.

1 Artigo apresentado no GT6 – Pesquisas de Comunicação Política no âmbito da Graduação do I Simpósio de Comunicação
Política, Eleições e Campanha Permanente nos dias 27 e 28 de março na UFJF.
2 Mestranda em Comunicação Social pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social (PPGCOM) da Universidade
Federal de Juiz de Fora (UFJF). Bolsista do Programa de Bolsas de Pós-Graduação (PBPG) da UFJF. Graduada em Comunicação Social –
Jornalismo pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). E-mail: dlvs1@hotmail.com

3 Graduando em Comunicação Social – Jornalismo e integrante do Programa Institucional de Iniciação Científica (PIIC) da
Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). E-mail: iurifontoura@yahoo.com.br

4 Dado levantado pelos próprios autores, após análise dos programas do HGPE de Antônio Anastasia em 2010.
5 Matéria publicada pelo portal UOL “Zema aproveita onda Bolsonaro, ganha em MG e garante 1º estado para o Novo”, em
28/10/2018. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/politica/eleicoes/2018/noticias/2018/10/28/romeu-zema-novo-bolsonaro-vence-
governador-minas-gerais.html> . Acesso em 09 jan 2019.

6 Off é um recurso audiovisual em que há apenas uma voz sobre uma imagem que aparece na tela.
7 Aécio Neves se envolveu em escândalos em 2017, ao serem divulgadas gravações em que pedia dinheiro a Joesley Batista, do
grupo J&F. Aécio foi eleito em 2018 a deputado federal por Minas Gerais.

8 Jair Bolsonaro (PSL) no primeiro turno teve 48,31% dos votos, sendo o candidato à presidência com maior votação no estado.
9 Os professores da rede pública estadual estavam com salários atrasados durante a gestão do governador Fernando Pimentel.
CAPÍTULO 38

Redes sociais e governo de transição: Uma análise dos anúncios de


ministérios feitos pelo Twitter de @JairBolsonaro1

Iolanda Pedrosa Borges da Silva 2


Vinícius Pereira dos Santos3

1.Introdução

As eleições presidenciais de 2018 marcaram uma nova perspectiva de utilização das Redes
Sociais Digitais em Campanhas Eleitorais. Segundo o Relatório de Mídia Digital da Reuters 2018, as
plataformas online são as principais fontes de notícias nos centros urbanos brasileiros. 66% dos
entrevistados pela agência utilizam das redes sócias para buscar informações, e desses 14% dizem
utilizar do Twitter. Em concomitância, o WhatsApp também se transformou em um dos principais
disseminadores de notícias, as vezes nem tão reais assim. Segundo dados do Centro de Estudos sobre
Tecnologias da Informação e da Comunicação (Cetic.br) o WhatsApp tem mais de 120 milhões de
usuários ativos no Brasil. Assim, o país se tornou o responsável por 10% da base de usuários do
mundo.
As Redes Sociais Digitais estão se tornando uma das principais plataformas para o
compartilhamento de notícias e informações públicas. O Twitter é uma rede com características de
microblog na qual os usuários podem interagir em até 280 caracteres. A rede permite o
compartilhamento imediato de ideias e que assim se torna uma arena de discussão pública e política
com a presença de diversos atores de vários campos sociais distintos (BOURDIEU, 2011; MANIN,
1995). A empresa não divulga o número de usuários ativos na rede no Brasil, entretanto sabe-se que a
rede ganha em média 9 milhões de novos usuários mensais ativos. O Twitter pode ser considerado,
em termos interacionais, uma das Redes Sociais mais democráticas. É possível mencionar outro
usuário, ler as postagens deste e interagir com as mesmas sem ter qualquer tipo de vínculo com o
perfil. Pode ser considerado um modelo de comunicação para todos em que, em tese, qualquer pessoa
pode produzir e publicar conteúdo na rede (LÉVY, 1999)
Para Rossini (2012), existem três características comunicacionais do Twitter que reforçam essa
ideia de quebra de barreiras: “(1) possibilita acesso a múltiplas fontes de informação; (2) permite a
interação direta entre usuários e políticos no meio e (3) aumenta as chances de exposição inadvertida
à informação política por meio dos laços fracos (ROSSINI, 2012). É importante salientar neste
trabalho que até as eleições de 2010 a legislação eleitoral impedia a utilização de sites e Redes
Sociais por partidos políticos como ferramentas de campanha.
As Redes Sociais Digitais tiveram um papel central no anúncio de decisões do governo eleito. O
presente artigo pretende levar em consideração as particularidades do Twitter durante os anúncios
dos Ministérios feitos pelo 38º presidente eleito Jair Messias Bolsonaro (PSL), além do seu interesse
em ignorar a mídia tradicional e ao mesmo tempo pautar os assuntos de interesse do seu governo. Na
rede em questão, o atual presidente dispõe de 2,6 milhões de seguidores e, foi para eles, que
Bolsonaro anunciou com exclusividade 14 das 22 indicações de seus Ministros do seu governo. É pelo
Twitter também que Bolsonaro declara momentos considerado cruciais em seu mandato, como por
exemplo a saída de cuba do programa Mais Médicos e a recente visita do assessor de Segurança
Nacional dos Estados Unidos ao Brasil.
O que Bolsonaro faz hoje pode ser a continuidade de um hábito que o atual presidente
incorporou durante a sua corrida ao Palácio do Planalto. Em 50 dias de transição de governo, o atual
presidente publicou cerca de 150 mensagens no Twitter, uma média de três por dia. Entre as
publicações referentes aos anúncios de Ministérios foram 1,4 milhões de reações, entre respostas,
retuítes e curtidas. A publicação de maior repercussão está relacionada ao ex-juiz federal Sérgio
Moro, atual ministro da justiça. Foram mais de 266 mil interações diante da escolha.

PrintScream4 de tela do Portal do Jornal “O Globo”

Apesar da ideia de democratização e livre arbítrio dos usuários das redes sociais, discursos e
ideologias ainda permeiam este espaço. Os atores disputam os campos e legitimação de seus modos.
Nos governos anteriores, os anúncios eram feitos por meio de coletivas à imprensa e por comunicados
oficiais do governo. A nova política de anúncios adotada por Jair Bolsonaro denota um modo de
ignorar a mídia tradicional e pautar os acontecimentos (RODRIGUES; 1993) através das suas
publicações no Twitter. O presente artigo pretende tratar as questões relacionadas à mídia e o poder
simbólico, à sociedade midiatizada, aos outsiders e também à ruptura com a política tradicional do
novo governo.

2. Da hegemonia dos campos simbólicos aos novos circuitos informadores e


comunicacionais.

2.1 Mídia, campus e poder simbólico

Estruturas simbólicas estão presentes em todas as atividades do cotidiano das pessoas e em


torno das suas relações sociais. Essas relações de poder podem ser estabelecidas por meio dos
processos comunicacionais, que podem acontecer, no caso deste estudo, nas Redes Sociais Digitais ou
no Twitter.
Ao tratar do poder simbólico, Bourdieu (1997) reitera que num estado de estudos em que se vê o
poder por toda parte, o poder simbólico é invisível e só pode ser exercido com a cumplicidade
daqueles que estão sujeitos a ele. Os sistemas simbólicos exercem um poder estruturante (conhecer o
mundo), na medida em que são também estruturados. E a estruturação decorre da função que os
sistemas simbólicos possuem de integração social para um determinado consenso. O consenso
apresentado é o da hegemonia, ou seja, de dominação. Assim, as relações de comunicação são, de
modo inseparável, sempre, relações de poder que dependem, na forma e no conteúdo, do poder
material e simbólico acumulados pelos agentes.

O poder simbólico como poder de constituir o dado pela enunciação, de fazer ver e fazer crer, de confirmar
ou de transformar a visão do mundo e, deste modo, a ação sobre o mundo, portanto o mundo; poder quase
mágico que permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou econômica), graças ao
efeito específico de mobilização [...]. (BOURDIEU, 2011, p. 14)

Pierre Bourdieu (2011) apresenta as propriedades do campo jornalístico como sendo um espaço
dominado por uma lógica que é específica e também argumenta que este é um campo de lutas, de
enfrentamentos de concorrência, e que influencia outros campos, assim também como sofre Estamos
em uma sociedade estruturada e ambientada pela mídia onde os meios de comunicação permeiam e
transformam os modos de se conhecer e experienciar o mundo; organizando e difundindo
comportamentos, valores, percepções; e produzindo sentido imediato de mundo.O jornalismo
tradicional sofre diariamente pressões externas exercidas por outros campos e também por fatores
comerciais.

Assim como o campo político e o campo econômico, e muito mais que o campo científico, artístico ou
literário ou mesmo jurídico, o campo jornalístico está permanentemente sujeito à prova dos vereditos do
mercado, através da sanção, direta, da clientela, ou indireta, do índice de audiência (ainda que a ajuda do
Estado possa assegurar certa independência com relação às pressões imediatas do mercado) (BOURDIEU,
2011, p. 106).

Os sociólogos Perter Berger e Thomas Luckmann (1998), em A constituição social da realidade,


dizem que o homem ocupa uma posição privilegiada em relação aos outros animais que que o mesmo
se adapta facilmente ao meio, possui grande abertura para o mundo. Daí surge a diversidade cultural.
Berger e Luckmann (1998) concordam que a natureza humana é constituída através das relações
sociais e que dessa surge uma realidade social objetiva. Em algumas palavras eles explicam que as
ações se repetem no tempo, se tornam hábitos e a partir de então são nomeados e por último
institucionalizados.
Como o homem é quem faz a sua propina realidade ele também produz conhecimento. A
linguagem é o objeto que ele utiliza para armazenar e transmitir tudo o que ele produz. Segundo os
autores, é por meio dela que o indivíduo produz cultura e estrutura-se socialmente.
Ainda de acordo com Berger e Luckmann (1998), o processo de interiorização do homem se
realiza pela sua “socialização”, que consiste num movimento de grandes dimensões e consistente que
visa inserir o indivíduo no mundo objetivo de uma dada sociedade ou em determinado segmento dela.
De acordo com os autores, esse processo acontece em dois estágios sendo chamados de socialização
primária e secundária.
Para os autores, a primaria ocorre ainda na infância e marcar o ingresso do indivíduo na vida
social. Está tem uma forte ligação com altas cargas de emocionalidade e também com as definições
transmitidas e pelos “outros significativos” (Membros da família). Neste método há a imposição de
ideias, onde só lhe cabe identificar com aquele elenco de pessoas que lhe é definida antecipadamente.
Já a secundária é um processo que se prolonga por toda a vida do indivíduo partir da noção de
interiorizada de “outro generalizado”. “A socialização secundaria é a aquisição de conhecimento de
funções específicas, funções diretamente ou indiretamente com raízes na divisão do trabalho”
(BERGER & LUCKMANN, 1998, p.185).
Diferentemente do que ocorre na socialização primária, na secundária o indivíduo não percebe a
realidade como sendo única, completa e inevitável. Os conteúdos da socialização secundária são
aqueles da ordem institucional e são assim transmitidos como um corpo de conhecimento. Os outros
aqui são percebidos não como significativos, mas como pessoas que ocupam determinadas posições
num contexto ampliado, que é o institucional.
Apesar da socialização parecer ser algo estático e absoluto, os teóricos apontam que a mesma
nunca é completa. Os autores apontam uma mudança constante dessa realidade subjetiva pré-
definida. Quando a socialização primária deixa de explicar os acontecimentos em torno do indivíduo
os agentes da socialização secundária “conversam” com os da primária para manter a conservação da
realidade. Berger e Luckmann (1998), ainda ressaltam que a comunicação que torna possível a
desconstrução de uma realidade erguida socialmente.
A partir de Berger e Luckmann (1998), percebe-se o quanto os processos comunicativos são
responsáveis por construir e desconstruir uma realidade. Eles possibilitam a construção,
desconstrução e reconstrução do próprio homem e da sua imagem.
As considerações dos autores acerca do fazer jornalístico nos leva à compreensão de que a
imprensa atua na construção social da realidade, a partir da linguagem. Conforme explica Thompson
(1998), as formas simbólicas sempre estiveram presentes na vida social, mas que, com a mídia,
tornaram-se cada vez mais intensas.
Ao discutir a mídia como referencial de mundo, Adriano Duarte Rodrigues (1993) busca designar
o lugar e função do discurso midiático e do jornalismo na sociedade. Ele afirma que a modernidade
desfez o referencial mítico presente na sociedade tradicional e “considerou-o como a cegueira de
razão iluminada, como o entrave ao conhecimento positivo da ciência. (RODRIGUES, 1993, p. 33). O
autor também afirma que com a falta de referencial a sociedade encontra nos media esse referencial
perdido.
Rodrigues (1993) busca a definição para o acontecimento jornalístico. Para o autor, o
acontecimento é definido como tudo aquilo que “invade” o cotidiano social e por esse motivo ganha
um caráter noticioso. “Pela sua natureza, o acontecimento situa-se, portanto, algures na escala das
probabilidades de ocorrência, sendo tanto mais imprevisível quanto menos provável for a sua
realização” (RODRIGUES, 1993, p. 27). Dessa forma, quanto menos previsível for o fato, maior a
probabilidade de se tornar notícia e integrar o discurso jornalístico. “Pela sua natureza, o
acontecimento situa-se, portanto, algures na escala das probabilidades de ocorrência, sendo tanto
mais imprevisível quanto menos provável for a sua realização” (RODRIGUES, 1993, p. 27).
Nesta mesma perspectiva de análise do papel da mídia na sociedade contemporânea, Antônio
Canellas Rubim (2000) cria o conceito de Idade Mídia. Segundo o autor, a sociedade está entrando em
uma nova era comunicacional em que, num futuro próximo, haverá uma mídia especifica para cada
mensagem e uma forma individual e seletiva de se comunicar.

2.2 A sociedade midiatizada

A sociedade passou de ser midiática para ser considerada midiatizada. Em uma estrutura
midiática a mídia é considerada um campo social que age por conta própria e que possui o controle
enunciativo. Os meios de comunicação assumem uma posição de centralidade.
Já na sociedade midiatizada, o conceito principal parte do princípio que a comunicação é
produzida por sujeitos simbólicos que necessitam de meios técnicos para expressar-se por meio de
mensagens. A tecnologia é um dos principais fatores que proporciona diferenciadas formas de
interação e que é capaz, até mesmo de transformar a realidade. Entretanto, apesar da tecnologia está
inserida na sociedade, permeando seus múltiplos campos sociais, a midiatização também é
considerada um fruto da própria complexidade dos processos midiáticos.

(...) a sociedade na qual se engendra e se desenvolve a midiatização é constituída por uma nova natureza
sócioorganizacional na medida em que passamos de estágios de linearidades para aqueles de
descontinuidades, onde noções de comunicação, associadas a totalidades homogêneas, dão lugar às noções
de fragmentos e às noções de heterogeneidades (FAUSTO NETO 2006, p. 03).

Braga (2012), ao discutir a midiatização, aponta que a tecnologia contribui para a formação de
processos de midiatização para setores considerados não-midiáticos. O autor define midiatização
como um processo que autoriza a mídia e seus dispositivos a integrarem a vida e o cotidiano dos
indivíduos. Assim, os sujeitos tornam-se produtores e receptores de conteúdo. Entretanto, o processo
de midiatização necessita da própria demanda social para ocorrer. No processo de midiatização não
se fala de um campo midiático, mas sim, das diversas formas que os campos sociais são penetrados
pela interação social midiatizada

(...) não entendemos que “midiatização” corresponda a uma ampliação ou predomínio da indústria cultural
sobre a sociedade. Ao contrário, as inúmeras possibilidades que vão se desenvolvendo para criticar, para
apreender reflexivamente os produtos e processos dessa indústria, para setores da sociedade agirem nas
mídias e pelas mídias, os esforços de regulamentação político – social – tudo isso, ao contrário, torna a
presença da indústria cultural um elemento não homogeneizador social (BRAGA, 2012, p. 35-36).

Hjarvard (2012) observa que os meios de comunicação moldam novos padrões de interação e, na
midiatização, a própria mídia se confunde com os outros processos sociais e que há uma virtualização
da interação social. A sociedade contemporânea está permeada pela mídia de tal maneira que ela não
pode mais ser considerada como algo separado das instituições culturais e sociais. Esse processo de
midiatização compreende essa influência dos meios de comunicação nos processos sociais, no qual a
mídia assume funções sociais antes oferecidas pelas instituições tradicionais.
Os meios de comunicação não são apenas tecnologias que as organizações, os partidos ou os indivíduos
podem optar por utilizar – ou não utilizar – como bem entenderem. Uma parte significativa da influência
que a mídia exerce decorre do fato de que ela se tornou uma parte integral do funcionamento de outras
instituições, embora também tenha alcançado um grau de autodeterminação e autoridade que obriga em
maior ou menor grau, a submeterem-se a sua logica. A mídia é, ao mesmo tempo, parte do tecido da
sociedade e da cultura e uma instituição independente que se interpõe entre outras instituições culturais e
sociais e coordena sua interação mútua (HJARVARD, 2012, 54-55).

3. Estudo de Caso: o uso estratégico do Twitter por Bolsonaro no período de transição de


governos em contraponto à mídia tradicional

3.1 Metodologia e Corpus de Análise

A partir das questões levantadas em torno das nomeações no Twitter do presidente Jair
Bolsonaro (@jairbolsonaro), esta pesquisa entende que a análise de conteúdo proposta por Bardin
(2011) é o método ideal para compreender como o anúncio de ministérios via twitter denota uma
ruptura com a mídia massiva e mostra uma nova roupagem na política brasileira.
A autora compreende a análise de conteúdo como um método que se aplica tanto a técnicas
quantitativas quanto as qualitativas. A Análise de Conteúdo (Bardin, 2011), pode ser compreendida a
partir de três fases: (a) fase de pré-análise – quando se coleta e faz uma leitura prévia do material; (b)
fase de categorização – a partir desta leitura, são definidas categorias de análise para articular teoria
e dados empíricos; (c) fase de inferências – quando com as categorias definidas parte-se para a
análise propriamente dita, em que é possível estabelecer o diálogo entre os argumentos teóricos e as
evidências empíricas presentes nas publicações.
Na análise de conteúdo das postagens referentes aos anúncios de ministérios, serão analisadas
as seguintes categorias de análise (1) contexto político e a ascensão de Bolsonaro. (2) ruptura com a
política tradicional. Como corpus de análise, foram escolhidas 11 publicações feitas em ordem
cronológica no perfil @Jairbolsonaro do dia 31 de outubro a 9 de dezembro de 2018. A tabela abaixo
expressa a data, o nome do ministro anunciado e o texto da publicação. É valido pontuar que, antes de
ser eleito Jair Bolsonaro já havia anunciado Paulo Guedes como Ministro da Economia. Logo depois de
eleito anunciou também Onyx Lorenzoni como Ministro chefe da Casa Civil e o general Augusto
Heleno, para o Ministério da Defesa.

Quadro 1 – Tabela de publicações relacionadas aos ministros de Jair Bolsonaro

31/10/2918 Marcos Pontes - Comunico que o Tenente-Coronel e Astronauta Marcos Pontes será indicado para o
Ministério da Ciência e Ministério Da Ciência e Tecnologia. É o quarto Ministro confirmado.
Tecnologia
01/11/2018 Sério Moro – Ministro da O juiz federal Sérgio Moro aceitou nosso convite para o Ministério da Justiça e
Justiça r Segurança Segurança Pública. Sua agenda anti-corrupção, anti-crime organizado, bem como
Pública respeito à Constituição e às leis será o nosso Norte!
07/11/2018 Teresa Cristina da costa Boa noite! Informo a todos a indicação da senhora Teresa Cristina da Costa Dias,
Dias - Ministra da Presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária ao posto de Ministra da
Agricultura Agricultura.
13/11/2018 Fernando Azevedo e Bom dia! Comunico a todos a indicação do General de Exército Fernando de
Silva - Azevedo e Silva para o cargo de Ministro da Defesa.
Ministro da Defesa
14/11/2018 Ernesto Araújo – A política externa brasileira deve ser parte do momento de regeneração que o
Ministro das Relações Brasil vive hoje. Informo a todos a indicação do Embaixador Ernesto Araújo,
Exteriores diplomata há 29 anos a um brilhante intelectual ao cargo de Ministro das Relações
exteriores.
20/11/2018 Luiz Henrique Mandetta Com o apoio da grande maioria dos profissionais de saúde do Brasil, anuncio como
– Ministro da Saúde futuro Ministro da Saúde o Doutor Luiz Henrique Mandetta.
22/11/2018 Ricardo Velez Rodriguez Boa tarde! Comunico em primeira mão a indicação do Sr. Tarcísio Gomes de Freitas,
– Ministro da Educação formado pelo instituto Militar de Engenharia, Consultor Legislativo da Câmara
Federal e ex-diretor do DNIT, ao Ministério da Infraestrutura.

28/11/2018 Gustavo Henrique Informo a todos a indicação do Sr. Gustavo Henrique Rigodanzo Canuto, servidor
Rigodanzo Canuto – efetivo do Ministério do Planejamento com ampla experiência, para o Ministério do
Ministro do Desenvolvimento Regional. Boa tarde!
Desenvolvimento
Regional
30/11/2018 Esquadra Bento Costa Bom dia! Comunico a indicação do Diretor Geral de Desenvolvimento Nuclear e
Lima – Ministro de Minas Tecnológico da Marinha, A,mirante de Esquadra Bento Costa Lima Leite de
e Energia Albuquerque Junior, para o cargo de Ministro de Minas e Energia.
09/12/2018 Ricardo de Aquino Salles Comunico a indicação do Sr. Ricardo de Aquino Salles para estar à frente do futuro
– Ministério do Meio Ministério do Meio Ambiente.
Ambiente

Fonte: Da autora, 2019

3.2 Contexto político e ascensão de Jair Bolsonaro

A mídia é o principal ator responsável no que diz respeito a formação da opinião da sociedade.
Desempenha um campo central para a política e, por meio dela, as pessoas passam a ter dimensão
dos acontecimentos de seus atores. (BERGER E LUCKMANN, 1978; BOURDIEU, 1989; RODRIGUES,
1990). Os sites de rede social tiveram um impacto profundo no cotidiano das pessoas, alterando a
forma como constroem, como se relacionam e percebem valores e além de modificar significados e
sentidos em torno dos seus atores. Eles não apenas refletem essas redes, mas influenciam sua
construção e com isso, os fluxos de informação que circulam nesses grupos.
Com o advento da modernidade e o uso principalmente de aparatos móveis, as redes sociais
digitais passaram a ser úteis no que diz respeito à cobertura dos acontecimentos. O Twitter, por
exemplo, apresenta um caráter considerado minimalista e de fácil acesso. A informação ganha uma
velocidade alta de circulação, além da plataforma permitir vários upastes e interação imediata com o
usuário.
Para entender como Jair Bolsonaro se tornou um ator político de grande relevância no Twitter e
utiliza da rede para pautar os acontecimentos é necessário, antes, entender a sua trajetória política.
Jair Bolsonaro (1955) é capitão da reserva do Exército e presidente eleito do Brasil. Filiado ao
Partido Social Liberal (PSL), foi eleito o 38º presidente do Brasil, para o mandato de 2019 a 2022,
com 55,13% dos votos. Em 1977, formou-se na Academia Militar das Agulhas Negras, em Resende,
Rio de Janeiro. Cursou a Brigada de Paraquedismo do Rio de Janeiro. Em 1983, formou-se no curso de
Educação Física do Exército. Chegou à patente de Capitão. Em 1986, liderou um protesto contra os
baixos salários dos militares. Escreveu um artigo para uma revista de grande circulação no país,
intitulado “O salário está baixo”.
Em novembro de 1988, Jair Bolsonaro foi eleito para a Câmara Municipal do Rio de Janeiro pelo
Partido Democrata Cristão (PDC). Em outubro de 1990, foi eleito deputado federal pelo PDC.
Renunciou o mandato de vereador e tomou posse na Câmara dos Deputados em 1991.
Em 1993, participou da fundação do Partido Progressista Reformador (PPR), nascido da fusão do
PDC e do Partido Democrático Social (PDS). Em 1994, foi reeleito e na sua candidatura, a sua
plataforma de campanha incluía a luta pela melhoria salarial para os militares, o fim da estabilidade
dos servidores, a defesa do controle da natalidade e a revisão da área dos índios ianomâmis. Foi mais
uma vez indicado para a Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público da Câmara. Em 1995
filia-se ao Partido Progressista Brasileiro (PPB), resultado da fusão do PPR com o PP.
Em 2002, foi eleito pela quarta vez ao cargo de deputado federal pelo PPB, mas nesse mesmo
ano, filia-se ao PTB. No início de 2005 deixa o PTB e filia-se ao PFL. Em abril, deixa o PFL e filia-se ao
Partido Progressista (PP). Em 2006 é eleito para seu quinto mandato. Assume a titularidade das
comissões de Constituição e Justiça e de Cidadania, de Relações Exteriores e de Defesa Nacional e de
Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado. Em 2014, Jair Bolsonaro foi reeleito para o seu
7º mandato. Em março de 2016, filiou-se ao PSC, em 2017 esteve em negociações com o Patriotas
(PEN).
Em 2018, Bolsonaro filiou-se ao Partido Social Liberal (PSL) e lançou-se candidato à Presidência
da República. Fazendo sua campanha por meio das redes sociais, apostou em um discurso
conservador dos costumes, de recuperação da economia e de combate à corrução e à violência
urbana, mobilizou um grande número de admiradores. No primeiro turno das eleições, realizado em 7
de outubro, Bolsonaro ficou em primeiro lugar passando para o segundo turno quando derrotou o
petista Fernando Haddad no dia 28 de outubro, com 55,13% dos votos.
No seu discurso da vitória, Jair Bolsonaro declarou que seu governo será um defensor da
Constituição, da democracia e da liberdade. Bolsonaro se tornou um fenômeno eleitoral ao vencer as
eleições, filiado a uma legenda sem grandes alianças, com pouco tempo de TV e rádio e longe das
ruas depois do atentado que sofreu no dia 3 de setembro.
O fator Twitter de Jair Messias Bolsonaro pode ser comparada a do presidente americano Donald
Trump. O uso das redes sociais passou a ser intensificado na fase de pré-campanha, e se tornou fonte
primordial de informações para a sociedade e também para as mídias consideradas tradicionais
durante a fase da campanha e governo de transição. Ao abordamos a questão dos anúncios dos
ministérios do governo de Bolsonaro, devemos levar em consideração a midiatização. Estamos na
“Idade mídia” (RUBIM 2011) onde temos acesso a tudo de forma pratica e rápida. Nessa sociedade
midiatizada os receptores passam pelo processo onde também são ativos no processo comunicacional.
Assim, os demais campos são obrigados a se submeter a essa nova lógica. Só no Twitter o atual
presidente tem 3,2 milhões de seguidores. Quanto as publicações dos anúncios de ministérios, a que
teve maior interação por parte dessa “sociedade midiatizada” foi a referente ao juiz Sérgio Moro.

Figura 2 – Postagem de Jair Bolsonaro – Convite a Sérgio Moro

Imagem: Printscreen de tela

3.3 O novo governo e a ruptura com a política tradicional

A eleição de Jair Bolsonaro acontece na crista de uma onda de conservadorismo que atinge
vários países, inclusive os da américa latina. Os resultados podem ser creditados a crise nas
instituições e a falta de credibilidade principalmente de partidos políticos. Embora Jair Bolsonaro já
esteja envolvido com a política há bastante tempo e tenha em sua carreira alguns mandatos como
parlamentar, ele chega para romper com um discurso do que se diz tradicional à política brasileira.
Quebra uma polarização partidária entre PT x PSDB e emerge como alguém de “fora” que não tem a
ver com o que deu errado e que chegou para mudar e fazer diferente.
Outro fator que colabora para maior utilização da internet por meios dos partidos políticos e
candidatos, ocorre devido a minirreforma eleitoral (Lei nº 13.488, de 6 de outubro de 2017) que
estabeleceu mudanças significativas nas campanhas partidárias e eleitorais, principalmente em
relação à regulamentação do acesso dos partidos políticos aos recursos do fundo partidário e ao
tempo de propaganda gratuito no rádio e na televisão.
Com menor tempo de campanha eleitoral e do Horário de Propaganda Gratuita Eleitoral (HGPE),
o uso da internet é uma estratégia utilizada pela maioria dos candidatos a cargos eletivos,
especialmente aqueles com menor tempo de TV, fora a liberação de postagens impulsionadas nas
redes sociais como o Twitter, Instagram, e o Facebook.

4. Considerações finais

Por meio do material analisado, depreende-se que o Twitter é o principal meio de disseminação
de mensagens e comunicados do atual presidente Jair Messias Bolsonaro. A partir da análise feita
acima chega-se à conclusão que as novas mídias mudaram de forma brusca o modo de fazer uma
campanha eleitoral e também e exercer um mandato. A presença das novas Tecnologias de
Informação e Comunicação (TICs) romperam com a barreira tempo-espaço que antes era um
dificultador para uma comunicação quase que instantânea. Os políticos por meio de suas equipes
apropriaram do espaço cibernético para propagar os seus discursos, além de contrapor a relação com
a mídia tradicional, antes espaço majoritário para propagação dos discursos políticos.
Se antes era necessário para os atores políticos o espaço das mídias tradicionais para propagar o
seu discurso, a internet com suas novas mídias, proporcionam aos atores um espaço novo, que não
perpassa pelas relações tradicionais da mídia. No espaço cibernético o político encontra um campo
livre para a propagação das suas ideias e dos seus discursos e rompe, de certo modo, com essa
relação de que apenas as mídias tradicionais possuem o caráter legitimador de discursos.

Referências
BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.
BERGER, Peter; LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade. Petrópolis: Vozes, 1976.
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.
BRAGA, José Luiz. Circuitos versus campos sociais. In: MATTOS, M.A.; JANOTTI JÚNIOR, J.; e JACKS, N.
(Orgs). Mediação & Midiatização. Salvador: EDUFBA, 2012, p.29-52.
FAUSTO NETO, Antônio. A circulação além das bordas. In: FAUSTO NETO, Antônio; VALDETTARO, Sandra
(Orgs). Mediatización, Sociedad y Sentido: diláogos entre Brasil y Argentina. Rosario, Argentina.
Departamento de Ciências da Comunicación, Universidad Nacional de Rosario, 2010, p.2-15. Disponível em
<http://www.fcpolit.unr.edu.ar/wp-content/uploads/Mediatizaci%C3%B3n-sociedad-y-sentido.pdf> .
HJARVARD, Stig. Midiatização: teorizando a mídia como agente de mudança social e cultural. In: Matrizes.
São Paulo, v.5, n.3, p.53-91, jan/jun, 2012.
LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.
MANIN, Bernard. As metamorfoses do governo representativo. Revista Brasileira de Ciências Sociais
(RBCS), São Paulo, ano 10, n. 29, out. 1995.
RODRIGUES, Adriano Duarte. Estratégias da Comunicação. Lisboa: Editorial Presença, 1990.
RECUERO, Raquel. 2009. Redes Sociais na Internet. Porto Alegre: Editora Sulina.
RODRIGUES, Adriano Duarte. “O Acontecimento”. In. TRAQUINA, Nelson (Org). Jornalismo: Questões,
Teorias e Estórias. Lisboa: Editora Vega, 1993, p.31-40.
RUBIM, Antônio Canellas. Espetáculo, política e mídia. XI Encontro Nacional dos Cursos de Pós-
Graduação em Comunicação (Compôs). Rio de Janeiro, 2002. (mimeo).
______. Novas configurações das eleições na Idade Mídia. In: Opinião Pública. v. 7, n. 2, Campinas, 2001. p.
168-181.
THOMPSON A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia. Petrópolis: Vozes, 10ª ed., 2008

1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho 6 - GT6 - Pesquisas de Comunicação Política no âmbito da Graduação, I Simpósio
Nacional de Comunicação Política, Eleições e Campanha Permanente, 27 a 28 de março de 2019.

2 Graduada em Comunicação Social-Jornalismo pela Universidade Federal de São João del-Rei. Aluna de disciplina isolada no
Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Juiz de Fora, iolandapedrosa.jor@gmail.com.

3 Graduado em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ).

4 Imagem disponível em < https://oglobo.globo.com/brasil/bolsonaro-anunciou-14-de-22-ministros-no-twitter-23324123 > acesso


em janeiro de 2019
CAPÍTULO 39

Imagens e editoriais: estratégias opinativas dos jornais em período eleitoral1

Elisabetta Mazocoli de Paula Costa2

1. Introdução

Este artigo nasceu num momento de culminância das tensões políticas ocorridas ao longo das
eleições presidenciais de 2018, quando passou a fazer especial sentido uma indagação mais cuidadosa
a respeito da histórica relevância dos jornais e da sua efetiva influência sobre a sociedade. Buscando
ir além daquele espaço dos editoriais, já consagrado como sendo o que expressa a “opinião” do jornal
(cf. Marques e Mont`Alverne), o objetivo inicial foi o de realizar um exercício mais rigoroso de leitura
das imagens centrais que estavam sendo usadas pelos jornais em conjugação com esses editoriais, a
fim de detectarmos qual seria a função que as mesmas estariam exercendo num contexto de
crescente tematização do processo eleitoral.
Esse “exercício de leitura”, que nos interessou fazer, vale frisar, distingue-se fortemente da
simples “visão” das imagens, conforme esclarece Lúcia Santaella (2012) em sua obra Leitura de
Imagens. De acordo com a autora, a leitura da imagem se dá em três níveis, sendo o primeiro
simplesmente o que se relaciona ao sentimento gerado pela foto e o segundo o que se refere ao nosso
movimento de identificação do motivo da foto (ou seja, o que é que está sendo fotografado). É apenas
no terceiro nível de apreensão, no entanto, que surge de fato a diferença entre “ver fotos” e “ler
fotos”. Ler uma foto, como se compreende então, é lançar um olhar atento àquilo que a constitui como
linguagem visual, com as especificidades que lhe são próprias, e buscar fazer desse olhar uma espécie
de “máquina de sentir e conhecer” (p.27). Só dessa maneira é que seria possível observar e analisar
os valores temporais e as opções espaciais presentes na foto, compreendendo assim a realidade em
que a fotografia se plasmou - já que os elementos “externos” a ela estariam internalizados na imagem
de acordo com os potenciais e limites da câmera que o fotógrafo aprendeu a manejar para levar a
cabo suas escolhas e composições significativas.
Importante notar, ainda, que o exercício de leitura de imagem que este artigo se propôs a
realizar se dá num contexto de grande inovação tecnológica e crescente concorrência com outras
mídias, ao qual os jornais tradicionais vêm tentando se adequar, e que é nesse ambiente que crescem
duras críticas quanto ao que seria a sua falta de responsabilidade social em relação à população
(basicamente, alega-se que o compromisso dos mesmos deveria ser com a sociedade como um todo, e
não apenas com as grandes empresas que os financiam). Considerando esse contexto, portanto,
parece ainda mais importante que se busque um aprofundamento da percepção coletiva a respeito do
papel ideológico3 dos jornais e do poder que eles ainda têm de direcionar a opinião dos leitores – o
que esse artigo pretende entender a partir da análise de um de seus recursos que menos
imediatamente costuma ser percebido como uma fonte de influência política: as imagens fotográficas.
Nesse sentido, e a partir da incorporação de conceitos apresentados e discutidos por Santaella
(2012) a respeito da análise da imagem fotográfica, a hipótese inicial deste trabalho foi de que,
exatamente por não ser apresentada como um elemento mais assumidamente “opinativo” dentro do
próprio jornal, as imagens podem desempenhar de forma especialmente eficiente essa função
ideológica de direcionar e influenciar a opinião e a própria percepção das pessoas a respeito do que
constitui de fato o “cenário político”, assim naturalizando determinados pontos de vistas como
verdades absolutas que assim se colocam fora do alcance das discussões públicas.

2. Referencial Teórico

Para analisar as imagens fotográficas dos jornais que foram objeto de atenção deste artigo, o
principal referencial teórico utilizado foi a obra já citada de Lúcia Santaella, o livro Leitura de
Imagens – em especial os capítulos dedicados à fotografia e ao design.
Para os fins deste trabalho, cabe destacar que a autora reconhece logo de início que a foto pode
ser vista como um “reflexo” do objeto que ela retrata, e que ela é ainda, e antes de tudo, um traço do
real marcado por quatro princípios que têm sido colocados em relevo pelos estudiosos da fotografia:
conexão física, singularidade, designação e testemunho a respeito do objeto ao qual ela se refere.
Nesse sentido, a imagem na fotografia seria sempre uma espécie de marca e prova do real.
Não por acaso, um dos atributos tradicionalmente considerados como mais fundamentais da
fotografia encontra-se no seu valor documental: a capacidade da foto “não-manipulada” se aproximar
de uma versão sofisticada do espelho, que não reflete uma imagem se o objeto original ao qual ela se
liga não estiver diante dele. Nessa perspectiva, a fotografia só é imagem porque ela também é rastro,
marca que funciona como uma espécie de vestígio ou pegada de algo que aconteceu, de um objeto
que lá esteve e, por isso, sua luz refletida sensibilizou um dispositivo. Por isso, também, se diz que a
foto é uma “emanação do real”, e que aquilo que vemos em uma foto, ao menos a princípio não se
confunde com um fruto da imaginação, um sonho ou uma recordação, mas é percebido simplesmente
como a realidade em seu estado de passado – daí se compreende a crença muito comum de que nada
é mais eficaz para fornecer provas indiscutíveis de que algo aconteceu do que uma foto.
Não se pode negar, entretanto, que qualquer foto é, ao mesmo tempo, emanação e
transfiguração. Afinal, basta o flagrante da câmera para que as coisas adquiram um caráter singular,
um aspecto diferente do que elas têm no fluxo vertente da vida. Avançando nessa reflexão, Santaella
ainda nos chama a atenção para o fato de que, por mais fiel que a fotografia possa ser, ela nunca é,
efetivamente, aquilo que registrou. Com isso, o “duplo” que a fotografia encarna revela justamente a
diferença entre o real fotografado (aquilo que foi engolido pelo tempo que passa) e o seu registro
(aquilo que foi capturado e eternizado na foto). Ou ainda, nas palavras mais exatas da autora:

A realidade visível é vasta. O enquadramento da foto a recorta e fragmenta. O objeto ou situação


fotografada pode ser testemunhado de uma multiplicidade de pontos de vista. Qual foi o ponto de vista
escolhido? De cima para baixo, de baixo para cima, lateral, frontal? O exame do enquadramento que
recorta o visível e guilhotina a duração, o fluxo, a continuidade do tempo, assim como o ponto de vista
assumido pelo fotógrafo constituem-se em molas mestras para a leitura da fotografia. (SANTAELLA, 2012,
p.26)

Fotografar é, portanto, nessa perspectiva, muito mais do que apenas registar a realidade: trata-
se de um ato de escolha, fruto de uma atenção seletiva. Por isso, aliás, o fotógrafo já foi associado à
figura do caçador por muitos estudiosos da fotografia, já que cabe a ele esse gesto de lançar ao
mundo um olhar discriminatório, buscando flagrar e capturar um instante que, no correr da vida, lhe
pareça estar especialmente carregado de sentido. Cabe a ele, portanto, uma série de decisões que
fazem a fotografia se afastar muito claramente de uma mera “emanação do real”, tais como: o que
congelar para sempre? para onde dirigir o olho da câmera? a que distância, em que posição e sob
qual ângulo se colocar em relação ao motivo a ser fotografado? como enquadrar? o que deve ficar
dentro e o que deve ficar fora da inevitável moldura da foto?
Considerando essa cascata de decisões a serem tomadas no momento de se fotografar algo, é
possível compreender que aquilo que a fotografia veio inaugurar, nessa perspectiva, foi “o flagrante
do visível como fruto de um gesto seletivo, decisivo, irreversível. ” E considera-se “gesto”, aí, como
“ação dirigida para um alvo”, ou ainda “intervenção que se refere à aplicação da energia e suas
consequências”.
Coerentemente em relação a essa percepção, Santaella consolida sua reflexão apontando, então,
quais seriam os três aspectos mais significativos da foto: como gesto de flagrante do mundo vivido,
como documento do acontecer e como estetização dos fatos.
Com esse referencial teórico em mente, este trabalho buscou desnaturalizar a ideia de que as
fotos escolhidas para ilustrar as capas dos jornais fossem meramente algo como “retratos objetivos”
ou “registros neutros” da realidade, e passou a tentar detectar exatamente o caráter seletivo e
construtivo do gesto que as gerou. E, a partir do reconhecimento do mesmo, abriu caminho para que
fosse possível indagar a respeito das relações que elas poderiam estabelecer com um gênero
tradicionalmente identificado com a “opinião” dos jornais: os editoriais.
3. Metodologia

A fim de cumprir o objetivo ao qual este artigo se propôs, um problema que precisou ser
enfrentado foi, exatamente, o da definição de um corpus de análise que pudesse ser especialmente
significativo e mesmo revelador, no que diz respeito à possibilidade de flagrarmos como estaria se
dando a função “opinativa” das imagens fotográficas usadas pelos jornais num período de alta
tematização dos embates políticos.
Considerando, então, esse contexto, a escolha feita recaiu sobre um dos momentos em que
tradicionalmente se dá a maior visibilidade dos jornais dentro de todo o processo eleitoral, que é no
dia exato em que os jornais divulgam e discutem em seus editoriais os resultados do primeiro turno
das eleições – e, portanto, estão em posição não só de noticiar as novidades, mas também de
efetivamente se posicionar de forma incisiva e mais pontual sobre a condução geral do processo até o
segundo turno (e, portanto, sobre os resultados finais das eleições). Um momento que poderíamos
chamar, portanto, de potencial pico de influência dos jornais.
A pesquisa realizada, então, levando em conta fortemente esses princípios norteadores, tomou
para sua análise os principais objetos que se vincularam às abordagens jornalísticas dos resultados do
primeiro turno, seja logo do dia seguinte (no caso dos jornais nacionais) ou no primeiro momento de
sua tematização mais robusta (no caso dos jornais internacionais). A esse respeito, devemos observar
ainda que, nos jornais impressos brasileiros, as fotos mais diretamente relacionadas aos resultados do
1º turno eram as que estavam nas capas dos mesmos, enquanto que os editoriais não continham foto
alguma; no caso dos jornais internacionais, no entanto, as fotos vinculadas diretamente aos editoriais
a respeito dos resultados do 1º turno das eleições brasileiras estavam publicadas na página online na
qual estava o editorial de cada um dos dois jornais analisados, enquanto que na capa dos mesmos não
havia foto alguma ligada ao tema. Isso dito, listamos abaixo os objetos de análise que foram
considerados neste artigo (e que estão, inclusive, reproduzidos em seus anexos):
(1) fotos da capa do jornal “O Globo” do dia 08/10/2018;
(2) editorial do jornal “O Globo” do dia 08/10/2018;
(3) fotos da capa do jornal “Folha de São Paulo” do dia 08/10/2018;
(4) editorial do jornal “Folha de São Paulo” do dia 08/10/2018;
(5) foto inserida no editorial do jornal online “El País Brasil” do dia 08/10/2018;
(6) editorial do editorial jornal online “El País Brasil” do dia 08/10/2018;
(7) foto inserida no editorial do jornal online “New York Times” do dia 21/10/2018;
(8) editorial do jornal online “New York Times” do dia 21/10/2018.

A partir dessa seleção, e considerando a base teórica que foi adotada nesta pesquisa,
esclarecemos ainda que, no trabalho de leitura e análise das imagens escolhidas, buscamos fazer o
seguinte movimento: relacionar as imagens escolhidas ao conteúdo mais assumidamente opinativo
dos editoriais dos jornais nos quais se inseriam; comparar o uso “opinativo” das imagens nos jornais
nacionais e nos internacionais; e, finalmente, comparar o uso “opinativo” das imagens considerando
possíveis padrões que diferenciassem os dois conjuntos de jornais.
Foi levado em conta, ainda, nas análises realizadas, o funcionamento observado dos seguintes
operadores-chave do design gráfico (cf. Santaella, op. cit, p. 57):
a) Composição: baseia-se na proporção, equilíbrio, harmonia e hierarquia dos elementos.
b) Direção do olhar: baseia-se nos pontos fortes, também chamados de áreas nobres de uma
composição (sabendo-se que, para o olhar ocidental, o olhar diagonal é preferencial e mais bem
assimilado, e percorre do topo à esquerda da página ao rodapé à direita).
c) Contraste: pode ser de tamanho, de cor e de peso tipográfico.

4. Análises

4.1 Primeiro conjunto: os jornais nacionais


O editorial do jornal “O Globo”, na sua edição que tomamos como objeto de análise, colocou em
questão a influência do “antipetismo” na formação da “onda conservadora” capturada pelo candidato
do PSL. Tendo escolhido essa abordagem, a primeira metade do editorial se dedicou a abordar
somente os escândalos de corrupção que levaram os candidatos petistas a ter menos votos do que
vinham obtendo nas eleições anteriores, e em seguida ainda apresentou as derrotas petistas nas
eleições para o senado e o congresso. Isso feito, é só num segundo momento que o editorial abordou o
avanço de ideais conservadores na sociedade brasileira e o fato de que, nessas eleições, os candidatos
que apoiaram Bolsonaro obtiveram uma quantidade expressiva de votos. O texto em questão, além
disso, buscou colocar Bolsonaro e Haddad em termos de “igualdade”, apontando os dois como
representantes de “extremos” políticos (à direita ou à esquerda) sem, no entanto, registrar
explicitamente a opinião do jornal sobre qual dos dois candidatos seria a melhor escolha para o país.
Nesse sentido, as fotos escolhidas para a capa do jornal vão exatamente ao encontro do que o
editorial buscou fazer: apresentadas alinhadas horizontalmente e com exatamente o mesmo tamanho,
as fotos se concentram quase que exclusivamente na representação de cada candidato, e estão
dispostas na capa do jornal de modo a criar uma sensação de que ambos estão sendo apresentados de
forma absolutamente equilibrada e igualitária (ainda que, considerando a direção do olhar como um
operador-chave da leitura das mesmas, o foto de Bolsonaro tenha sido privilegiada por se encontrar à
esquerda da página). Além disso, em relação ao uso das cores, é possível observar que houve um
trabalho editorial no sentido de criar entre ambas um efeito claramente contrastante: a foto de
Bolsonaro é apresentada em tons azuis, apesar das cores de sua campanha terem de fato se
concentrado na passagem dos tons esverdeados dos uniformes militares para o uso do verde-amarelo
(ligado aí não só à bandeira nacional, mas também aos manifestantes pró-impeachment da presidenta
Dilma Rousseff, assim apresentados desde 2013), enquanto que a foto de Haddad é apresentada em
tons vermelhos mais fechados, apesar do fato de que a passagem do primeiro para o segundo turno
vinha sempre sendo marcado, em todas as campanhas petistas das últimas décadas, justamente pela
mudança do uso predominante do vermelho para o verde-amarelo (num anúncio da transição
sistemática dos projetos mais estritamente partidários para as amplas coalisões que vinham marcando
as vitórias do partido nas eleições anteriores). Assim, ainda que de fato ambos os candidatos
estivessem buscando se identificar visualmente a um grande projeto nacional através do uso das
cores da nossa bandeira, o jornal cuidava de estabelecer, nas imagens escolhidas para a capa, um
contraste bem marcado entre os dois “extremos”. Para comprovar essa afinidade entre a posição do
jornal assumida em seu editorial e aquela expressa na seleção e na disposição das fotos, podemos
ainda destacar um ponto: em ambos a estratégia do jornal é de se apresentar como um mediador
“neutro” diante de dois polos supostamente “opostos” e equivalentes.
Já no editorial do jornal “Folha de São Paulo” publicado no mesmo dia, o foco assumido é, assim
como a manchete da capa aponta, a “onda de direita” que Bolsonaro representa. Assim, o editorial ali
aborda, também, sobre o “antipetismo” presente nas eleições em questão (apesar de abordar com
muito menos intensidade o fenômeno do que o jornal anterior), assim como registra em palavras e
também num infográfico lateral a perda de força dos candidatos do PT (reforçando, no entanto, a
imagem de um “país dividido” no qual o nordeste, devido principalmente à influência enraizada do ex-
presidente Lula, se manteve como um forte polo petista, responsabilizado assim pela própria
ocorrência de um segundo turno das eleições). Em seguida a esse movimento, o editorial ainda se
dedica a apontar a força quase esmagadora da direita nas eleições em questão (representada pelo
candidato do PSL), tanto quando se considera as votações para presidente quanto aquelas para o
senado e o congresso. Em afinidade com o teor e a própria organização do editorial em questão, nesse
jornal não há uma tentativa de criar qualquer efeito de “equilíbrio” entre os dois candidatos a partir
da colocação de duas fotos no mesmo nível e com o mesmo tamanho, já que a foto de Jair Bolsonaro é
bem maior e foi colocada acima da foto de Fernando Haddad, que é apresentada em tamanho menor e
abaixo da primeira. Considerando, portanto, os operadores relativos à composição da capa como um
todo, à direção do olhar e ao contraste estabelecido, uma clara hierarquia é criada entre os dois
candidatos, já que Bolsonaro é privilegiado por ser mostrado numa foto maior e em posição mais alta.
Em relação ao uso das cores, no entanto, o trabalho editorial desse jornal repete o procedimento do
anterior, fixando-se o contraste entre as cores azuis para o candidato Bolsonaro e as cores vermelhas
para o candidato Haddad, de modo a marcar uma oposição clara entre o candidato do PSL (marcado,
nesse sentido, com uma cor percebida como mais “neutra” e o candidato do PT (marcado, nesse
sentido, como uma cor percebida como mais “partidária” e até mais “agressiva” ou “comunista”)..

4.2. Segundo conjunto: os jornais internacionais

No jornal “El País”, em sua versão Brasil, o assunto das eleições brasileiras teve grande enfoque
e diversas publicações sobre as principais discussões que foram levantadas no período eleitoral.
Assim, no momento imediato que se seguiu ao primeiro turno, o jornal optou por fazer um editorial de
claro apoio ao candidato petista, Fernando Haddad. No texto, o jornal expõe as declarações mais
marcadamente racistas, misóginas, homofóbicas e antidemocráticas de Jair Bolsonaro, e considerando
o teor politicamente explosivo das mesmas, afirma de forma explícita que o segundo turno deveria
decidir entre um candidato de um partido que historicamente sempre havia respeitado o sistema
democrático e um candidato que mostrava claro desrespeito a esse regime político. Nesse sentido, a
opção do jornal em apoiar Haddad foi também refletida com precisão na utilização da foto, já que o
jornal optou por apresentar em seu editorial apenas a imagem dele cercado por duas mulheres (sua
esposa, Stela Haddad, e a candidata a vice-presidente Manuela D’Ávila) - o que parece estabelecer um
contraste implícito com o outro candidato, conhecido por suas declarações machistas e misóginas.
Além disso, a foto selecionada pelo jornal mostrava o candidato petista com uma expressão animada e
com os braços pra cima, o que reforçava, também na imagem, uma ação do jornal em prol de uma
“virada” democrática.

Já o jornal “New York Times”, em seu editorial, concentrou-se em repudiar veementemente a


candidatura de Bolsonaro, apresentando, também, diversas declarações politicamente vexatórias do
mesmo e apontando os possíveis danos que o Brasil teria se ele chegasse a ser, de fato, eleito. O
editorial também optou por apresentar as semelhanças negativas entre esse candidato brasileiro e
Donald Trump. Mesmo assumindo essa posição abertamente crítica e contrária a Bolsonaro, no
entanto, nota-se que o NYT não avança no sentido de indicar mais claramente aos seus eleitores uma
preferência por Fernando Haddad, como o “El País” optou em fazer. Nesse sentido, é marcante o fato
de que a foto utilizada pelo jornal para acompanhar o editorial em questão tenha sido não uma de
Haddad, mas uma que retratava um dos eleitores de Bolsonaro numa manifestação em prol da sua
candidatura, na qual ele segura uma lamparina que quando refletida na blusa, apresenta a foto do
candidato com um aspecto sombrio – o que, ali, ganha uma conotação fortemente metafórica e
simbólica.

4.3. Comparando os conjuntos

Quando buscamos comparar, com base no corpus analisado, as estratégias opinativas adotadas
pela mídia brasileira e pela mídia internacional, é impossível não perceber uma diferença notável
entre ambas: no cenário brasileiro, os principais veículos optaram por não assumir nenhuma posição
política mais clara em relação aos candidatos em questão, ainda que de fato a escolha política de seus
dirigentes tenha buscado influenciar seus leitores através de escolhas e estratégias menos explícitas;
já na mídia internacional, em contraste, parece ser normal e até desejável assumir claramente qual é
o posicionamento político do jornal num contexto eleitoral.
Nesse sentido, nenhum dos dois grandes jornais internacionais analisados procurou forjar essa
imagem de “neutralidade” quando da apresentação dos dois candidatos em questão. E foi justamente
essa estratégia ideológica que vimos ocorrer no caso dos jornais brasileiros já que, ainda que ela
tenha se dado mais nitidamente no jornal “O Globo”, de fato a mesma ocorreu também na “Folha de
São Paulo”, na medida em que ambos os veículos buscaram fixar um contraste aparentemente radical
e “equilibrante” entre os dois candidatos concorrentes à presidência tanto nos editoriais quanto,
muito especialmente, nas cores com que cada candidato foi apresentado aos seus leitores/ eleitores.

5. Considerações finais

Na análise realizada neste artigo, a hipótese inicial levantada se viu bastante confirmada. Afinal,
de fato as imagens fotográficas se mostraram capazes de, exatamente por não serem apresentadas
como um elemento mais “opinativo” dentro do próprio jornal, desempenharem de forma muito
eficiente a função ideológica de direcionar e influenciar a opinião e a própria percepção das pessoas a
respeito do que constitui o “cenário político”.
Nesse sentido, o rendimento político daquele caráter “duplo” da fotografia (enquanto emanação
e transfiguração da realidade) se faz notar com clareza através do seu uso ideológico como um
elemento supostamente “neutro”, “objetivo” e “imparcial” de representação da realidade – mesmo em
contextos nos quais, de fato, ela atua de forma nítida no sentido de reforçar ou naturalizar
determinados pontos de vista.
Isto compreendido, talvez fosse o caso de se perceber, inclusive, que o próprio foco das fotos
analisadas reforça uma tendência política muito problemática: a de se reduzir o embate entre
diferentes visões de sociedade a uma mera disputa entre indivíduos, conforme nos alerta Cioccari
(2018), assim amesquinhando e ocultando as questões públicas que estão em jogo. Para fazer ver,
nesse contexto, algo que se situe aquém ou além do que as fotos insistem em nos mostrar, talvez
então seja necessário começarmos a prestar atenção ao que nelas se inscreve à revelia das intenções
com que foram criadas – flagrantes de um inconsciente óptico4, quem sabe.

Referências:
BENJAMIN, Walter. A Obra de Arte na Era de sua Reprodutibilidade Técnica. In: Magia e Técnica, Arte e
Política. Ensaios Sobre Literatura e História da Cultura. Obras Escolhidas. Vol. 1. São Paulo:
Brasiliense, 1994.
CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia? (col. Primeiros Passos – v.13) São Paulo: Brasiliense, 1997.
CIOCCARI, Deysi. A imagem contemporânea e a construção do personagem político nas eleições municipais
brasileiras de 2012. Intercom. Acesso em 10/11/2018. Disponível em:
http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2013/resumos/R8-0270-1.pdf
MARQUES, Francisco; MONT`ALVERNE, Camila. A opinião da empresa no Jornalismo brasileiro: um estudo
sobre a função e a influência política dos editoriais. In: Estudos em Jornalismo e Mídia. Acesso em
20/11/2018. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/jornalismo/article/view/1984-
6924.2015v12n1p121
SANTAELLA, Lúcia. Leitura de Imagens. (col. “Como eu ensino”). São Paulo: Melhoramentos, 2012.

1 Artigo apresentado no GT6 – Artigos de Comunicação Política no âmbito da Graduação do I Simpósio Nacional de Comunicação
Política, Eleições e Campanha Permanente nos dias 27 e 28 de março na UFJF.

2 Graduanda do Curso de Comunicação Social – Jornalismo da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

3 O adjetivo “ideológico”, aqui, se refere à propriedade do que desempenha o papel de fixação de determinada ideologia, no
sentido marxista que a filósofa Marilena Chauí dá a esse termo: o de “mascaramento da realidade social que permite a legitimação da
exploração e da dominação.” (1980)

4 A expressão de Walter Benjamim (1994) se refere a aspectos da realidade captada pela câmera fotográfica que fogem da
percepção do olhar humano e o extrapolam, revelando aspectos latentes da realidade capazes de ampliar e surpreender a nossa visão.
CAPÍTULO 40

MARIELLE É SEMENTE: O USO DA IMAGEM DE MARIELLE FRANCO NA


CAMPANHA POLÍTICA DE CANDIDATAS NEGRAS NAS ELEIÇÕES DE 20181

Luciana Ribeiro Petersen2

1. Introdução

Em 14 de março de 2018, a vereadora Marielle Franco (PSOL), da Câmara Municipal do Rio de


Janeiro, foi brutalmente assassinada no bairro Estácio com 9 tiros, 4 dos quais atingiram sua cabeça,
enquanto deixava o evento “Jovens negras movendo as estruturas”. Seu motorista, Anderson Gomes,
também foi atingido por tiros e faleceu. Marielle era militante pelos direitos humanos e foi a segunda
mulher mais votada ao cargo de vereadora no Brasil em 2016. Integrava a comissão de fiscalização da
Intervenção Militar no Rio de Janeiro e vinha fazendo denúncias sobre abusos e violências cometidos
pelos militares nas favelas. Um ano depois, as investigações ainda não apontaram suspeitos do
assassinato, que, de acordo com evidências, é provável que tenha sido premeditado e por motivações
políticas, com envolvimento de milicianos.
Dentro desse contexto, a proposta do artigo é fazer uma análise do uso da imagem de Marielle
Franco na campanha de mulheres negras nas eleições de 2018 a partir das peças de campanha de
quatro deputadas eleitas no Rio de Janeiro. Sendo que essas deputadas estiveram diretamente ligadas
ao mandato de Marielle enquanto vereadora. Assim, o objetivo é investigar qual a influência do legado
e imagem e Marielle Franco, assassinada em 14 de março de 2018, nas eleições de outubro de 2018,
bem como analisar o crescimento da representação de mulheres negras nos espaços institucionais de
poder.
A hipótese assumida nesse estudo é que há uma relação entre o assassinato e o legado de
Marielle Franco na eleição das deputadas negras ligadas ao seu mandato no Rio de Janeiro sob a
alcunha de “sementes de Marielle”. As deputadas aqui citadas, eleitas para a Assembleia Legislativa
do Rio de Janeiro são Dani Monteiro (PSOL), Mônica Francisco (PSOL) e Renata Souza (PSOL), e
Talíria Petrone (PSOL), eleita deputada federal. Além disso, o outro ponto da hipótese é referente ao
aumento da discussão das pautas do feminismo negro nos debates da esfera pública, em especial na
internet.
Parte-se então do pressuposto de que hoje a mídia ocupa um espaço central na esfera pública,
principalmente na política. Embora o rádio e a TV ainda ocupem um grande espaço, a internet teve
um papel fundamental nas eleições de 2018. Principalmente no que tange a visibilidade a candidatas
até então desconhecidas ao eleitorado e que, mesmo com pouco investimento em campanha,
alcançaram números expressivos nas votações.
Para embasar a análise, o referencial teórico traz as discussões sobre a interface mídia e política,
enfocando o processo dupla-face da midiatização a partir de Stig Hjarvard (2012), em que os campos
simbólicos, antes determinados e hierarquizados, perdem espaço para novos circuitos informativos e
comunicacionais (Braga, 2012). Discute-se ainda o personalismo, fenômeno que, segundo Bernard
Manin (1995), faz com que os partidos e os próprios eleitores dêem mais ênfase aos candidatos do
que aos partidos ou ideologias.
Ademais, o presente trabalho trata também de feminismo negro e interseccionalidade.
Principalmente a partir de Sueli Carneiro (2003), Kimberlé Crenshaw (1989), Helena Hirata (2004) e
Viviane Freitas (2018). Os conceitos trabalhados por essas autoras evocam o protagonismo de
mulheres negras em suas lutas e na ocupação de espaços de poder, levando em conta as intersecções
das opressões de gênero, raça, classe e sexualidade na vida de um grupo, que é portanto, considerado
uma minoria política.
A partir do diálogo dos autores, será traçado um estudo de caso sobre a campanha política das
candidatas Dani Monteiro, Mônica Francisco, Renata Souza e Talíria Petrone, com foco nas postagens
publicadas na internet, buscando entender qual é o diálogo traçado pelas candidatas e a imagem de
Marielle Franco.

2. Interface mídia e política: das mídias massivas às mídias digitais

A parte teórica do trabalho traz uma discussão sobre o crescente processo de midiatização, que é
intensificado, principalmente, pela emergência e dissseminação das mídias digitais. Esses meios
criam novos circuitos informativos e comunicacionais em contraponto às mídias massivas. Outra
discussão refere-se ao personalismo, cada vez mais presente na sociedade e na política em
decorrência da simbiose com a mídia.

2.1. Midiatização e Processos Sociais

Stig Hjarvard (2012) entende midiatização como um processo dupla-face, pois a mídia se torna o
uma instituição semi-independente na sociedade e outras instituições precisam se adaptar a ela.
Segundo o autor, sempre se pensou a mídia como uma tecnologia que as organizações e partidos
políticos optavam por utilizar ou não. Entretanto, desde a última década a mídia tornou-se parte
integral do funcionamento de outras instituições e alcançou um grau de autodeterminação e
autoridade que obriga essas instituições, em maior ou menor grau, a se submeterem a sua lógica. O
autor cita Asp (1986) e sua compreensão de que “um sistema político é, em alto grau, influenciado
pelas e ajustado às demandas dos meios de comunicação de massa em sua cobertura da política” (ASP
apud HJARVARD, 2012, p. 55).
O autor ainda se baseia nas ideias de Baudrillard (1994), para afirmar que o processo de
midiatização não é apenas o que sai na imprensa diária, rádio e televisão, mas o processo de
reinterpretação dos signos articulados em modelos e códigos administrados (HJARVARD, 2012). Para
Hjarvard, a Guerra do Golfo (1990-1991) nunca existiu, foi uma invenção dos simulacros dos meios de
comunicação. Segundo ele, isso significa que a percepção do público foi guiada pelas imagens e
símbolos construídos pelos meios de comunicação.
Entretanto, Hjarvard (2012, p. 62) concorda em partes com essas proposições. Ele entende que a
midiatização tem complicado as distinções entre a realidade e as representações midiáticas feitas
sobre fato e ficção, mas considera essa uma explicação simplista e exagerada. O autor entende que:

A principal característica do processo de midiatização como está concebido aqui é, antes, uma expansão
das oportunidades para a interação em espaços virtuais e uma diferenciação do que as pessoas percebem
como sendo real. Seguindo esse critério, as distinções como aquelas entre global e local tornam-se muito
mais diferenciadas, já que os meios de comunicação expandem nosso contato com os eventos e fenômenos
no que, outrora, eram lugares distantes. (HJARVARD, 2012, p. 62)

Hjarvard recorre ao exemplo de shows musicais, que antes eram considerados mais autênticos
em apresentações ao vivo em detrimento de performances mediadas. Hoje, não se pode mais afirmar
que a apresentação face a face é mais autêntica ou de maior valor artístico. O que se pode dizer é que
apresentações ao vivo e mediadas possuem diferentes graus de interação, sendo que a última tende a
simular aspectos do ao vivo e se tornar uma alternativa a esse tipo de apresentação. No campo
político, a interação mediada permite o contato entre políticos e eleitores mesmo que não haja
proximidade geográfica.
Dentro do mesmo tópico, no artigo “Circuitos versus campos sociais”, José Luiz Braga (2012)
reflete sobre uma das consequências da midiatização apresentadas na sociedade contemporânea. Ele
acredita que o que é vivenciado hoje em relação à mídia “é um atravessamento dos campos sociais
estabelecidos, gerando situações indeterminadas e experimentações correlatas” (BRAGA, 2012, p.
31). Segundo o autor, o surgimento de novas mídias digitais ocasionou na criação de novos circuitos
informativos e comunicacionais que hoje fragilizam o poder dos campos sociais instituídos, sendos
exempos de campos sociais as esferas política, midiática, religiosa, familiar etc.
Braga define midiatização como um conceito em construção que se relaciona com a aceleração e
diversificação da maneira em que a sociedade interage; O autor faz a ressalva de que midiatização
não deve ser circunscrita à indústria cultural e às inovações tecnológicas, mas solicita uma
abrangência maior do conceito, que se refere principalmente à ação interacional.
Ademais, Fausto Neto (2010) contribui na construção do conceito de midiatização ao desenvolver
a concepção de circulação. O autor aponta que estamos vivendo a transição da sociedade dos meios,
em que a circulação de informações era vista pela ótica da transmissão, com emissor e receptor, para
a sociedade midiatizada, que tem uma visão linear da comunicação, com a percepção de que os
receptores são ativos e a circulação é todo o espaço do reconhecimento das informações e dos desvios
produzidos pela apropriação. “Os receptores perambulam por várias mídias, migrando em seus
contatos com os mesmos, quebrando zonas clássicas de fidelização” (FAUSTO NETO, 2010, p. 12).
Segundo Braga, o processo de midiatização afeta a lógica de funcionamento dos campos sociais.
O autor argumenta que a era moderna proporcionou a autonomização e consolidação dos campos
sociais enquanto estruturas hierarquicamente definidas. Já Adriano Duarte Rodrigues (1990) aponta
para a centralidade da mídia como mediadora da vida social. Para o autor, o campo da mídia avoca a
tarefa de ser mediador dos demais campos sociais. Isso ainda se faz presente na forma como a política
e outros campos recorram à mídia. Entretanto, na sociedade midiatizada, esse funcionamento dos
campos sociais de forma tão rígida é quebrado.

2.2. Personalismo

No artigo “As metamorfoses do governo representativo”, Bernard Manin (1995) discute a crise de
representação, caracterizada pelo declínio dos partidos políticos e baixa identificação do eleitor com
partidos e organizações como sindicatos. Segundo o autor, a crise de representação faz com que os
partidos concentrem as estratégias eleitorais não mais em propor um programa político, mas “na
construção de imagens vagas que projetam a personalidade dos líderes” (MANIN, 1995, p. 1),
construindo assim o personalismo.

Os políticos chegam ao poder por causa de suas aptidões e de sua experiência no uso dos meios de
comunicação de massa, não porque estejam próximos ou se assemelhem aos seus eleitores. O abismo entre
o governo e a sociedade, entre representantes e representados, parece estar aumentando (MANIN, 1995, p.
1).

Desta maneira, há a personalização da escolha eleitoral, em que as pessoas votam


diferentemente de uma eleição para a outra, dependendo da personalidade dos candidatos, votando
em uma pessoa e não em um partido. A partir disso, aumenta a importância dos fatores pessoais no
relacionamento entre representante e eleitorado e o partido, embora exerça um papel essencial,
tende a se tornar instrumento a serviço de um líder.
Manin propõe duas causas para o fenômeno do personalismo. Primeiramente, que canais de
comunicação política afetam a natureza da relação de representação: os candidatos dispensam a
mediação de uma rede de relações partidárias para se comunicarem com os eleitores, podendo fazer
isso a partir do rádio e da televisão. Assim, a democracia do público e o personalismo fortalecem os
candidatos com melhor desempenho em comunicação, pois “os candidatos vitoriosos não são os de
maior prestígio local, mas os melhores “comunicadores”, pessoas que dominam as técnicas da mídia.”
(MANIN, 1995, p. 27). Em segundo lugar, considera-se as novas condições em que candidatos eleitos
exercem o poder: os candidatos e partidos passam a dar mais ênfase à individualidade dos políticos
em detrimento das plataformas políticas como partidos e organizações sindicais.

3. Identidades integradas: interseccionalidade

Viviane Freitas (2018) afirma que os primeiros grupos organizados de mulheres negras surgiram
nas décadas de 1970 e 1980, no interior do movimento negro. A autora cita Gonzalez (GONZALEZ
apud FREITAS, 2012, p. 2), para destacar a importância das mulheres, tanto na fundação, quando no
desenvolvimento e expansão do movimento negro pelo país. Gonzalez ainda ressalta, que mesmo
antes da organização do movimento de mulheres negras, havia discussões, em momentos separados
dos homens negros, para abordar a discriminação racial e o machismo não apenas dos brancos, mas
também dos homens negros. De modo que após essa reunião, todos se juntavam para refletir sobre a
condição das mulheres negras.

[...] é no Movimento Negro que se encontra o espaço necessário para as discussões e o desenvolvimento de
uma consciência política a respeito do racismo e suas práticas e de suas articulações com a exploração de
classe. Por outro lado, o Movimento Feminista ou de Mulheres, que tem suas raízes nos setores mais
avançados da classe média branca, geralmente “se esquece” da questão racial [...]. E esse tipo de ato falho,
a nosso ver, tem raízes históricas e culturais profundas. (GONZALEZ apud FREITAS, 2012, p. 2)

Além disso, Núbia Regina Moreira (2007) explica que o feminismo brasileiro age de modo
paradoxal, insurgirindo contra opressão e invisibilidade das mulheres como um segmento social, mas
sem abordar, ao longo de sua construção, a especificidade no que diz respeito à mulher negra.
Segundo a autora “a não-incorporação da questão racial nas práticas e nas formulações teóricas do
movimento feminista foi, inicialmente, interpretada como uma prática racista fortemente existente em
nossa sociedade” (p. 55).
Assim, o movimento de mulheres negras, portanto, surge a partir da intersecção entre os
movimentos negro e feminista. Sendo também um espaço de tensão a partir das especificidades das
mulheres negras, vindas da urgência das demandas étnico-racial e de gênero.
Freitas ainda cita Sueli Carneiro ao argumentar que a diferença de posicionamento das mulheres
negras em movimentos feministas se devia à “consciência de que a identidade de gênero não se
desdobra naturalmente em solidariedade racial intragênero” (CARNEIRO apud FREITAS, 2012, p. 3).
Freitas sugere o conceito de interseccionalidade como “fundamental para se entender o contexto de
luta das mulheres negras, uma vez que a tríade gênero-raça-classe ainda hoje se apresenta como
‘incontornável’” (FREITAS, 2012, p. 3).
Segundo Hirata (2014), a criação do conceito de interseccionalidade pode ser atribuida à jurista
afro-americana Kimberlé W. Crenshaw a partir da herança do Black Feminism (feminismo negro), no
ano de 1994. Segundo Hirata, Crenshaw, defende que a interseccionalidade é uma proposta que
busca levar em conta as múltiplas formas da identidade a partir das intersecções, principalmente de
raça e gênero, abordando também classe ou sexualidade que “podem contribuir para estruturar suas
experiências (as das mulheres de cor)”. Assim, Crenshaw propõe a subdivisão em duas categorias: (1)
interseccionalidade estrutural: a posição das mulheres negras na intersecção de raça e gênero no que
diz respeito a experiência de violência conjugal e estupro, e respostas a essas violências; (2)
interseccionalidade política: políticas feministas e antirracistas que buscam a marginalização da
questão da violência em relação às mulheres de cor (CRENSHAW apud HIRATA, 2014, p. 2).
Hirata encontra na definição de Sirma Bilge uma boa síntese:

A interseccionalidade remete a uma teoria transdisciplinar que visa apreender a complexidade das
identidades e das desigualdades sociais por intermédio de um enfoque integrado. Ela refuta o
enclausuramento e a hierarquização dos grandes eixos da diferenciação social que são as categorias de
sexo/gênero, classe, raça, etnicidade, idade, deficiência e orientação sexual. O enfoque interseccional vai
além do simples reconhecimento da multiplicidade dos sistemas de opressão que opera a partir dessas
categorias e postula sua interação na produção e na reprodução das desigualdades sociais (BILGE apud
HIRATA, 2014, p. 3).

4. Estudo de caso

A partir do diálogo dos autores, será traçado um estudo de caso sobre a campanha política de
Dani Monteiro (PSOL), Mônica Francisco (PSOL), Renata Souza (PSOL) e Talíria Petrone (PSOL). Tem-
se como objetivo investigar a relação entre a eleição das quatro deputadas negras ligadas ao mandato
de Marielle Franco com o personalismo de sua imagem. Bem como investigar a importância da
especificidade da condição de mulher negra na formação da imagem e propostas das deputadas a
partir do conceito de interseccionalidade.

4.1. Metodologia e corpus de análise

Para execução desse trabalho, será feito um estudo de caso com foco nas postagens das
candidatas em suas páginas no Facebook e Instagram, assim como nas suas biografias no Instagram.
Isso será feito com o intuito de entender o diálogo traçado pelas candidatas com a imagem de
Marielle Franco e a relação das candidaturas com a mídia e o conceito de interseccionalidade.
Segundo Robert Yin, “o estudo de caso é uma investigação empírica de um fenômeno
contemporâneo dentro de um contexto da vida real, sendo que os limites entre o fenômeno e o
contexto não estão claramente definidos” (2001, p. 32). Yin (2001) enfatiza que a metodologia é ideal
quando é preciso responder a questões do tipo “como” e “por quê” e quando o pesquisador possui
pouco controle sobre os eventos pesquisados.
Robert Nisbet e Isaac Watt apontam três fases para o desenvolvimento de um estudo de caso: (1)
a fase aberta ou exploratória, quando se devem especificar as questões ou pontos críticos, estabelecer
contatos iniciais para iniciar o trabalho de campo, localizar informantes e as fontes de dados para o
estudo; (2) a fase da coleta sistemática de dados, com base nas características próprias do objeto
estudado; (3) a fase da análise e interpretação sistemática dos dados e a elaboração do relatório
(NISBET E WATT, apud LÜDKE E. ANDRÉ, 1986).
Pretende-se, portanto, utilizar as seguintes categorias de análise (1) personalismo – a figura de
Marielle Franco como mártir, que teve sua imagem apropriada por outras candidatas; e (2)
interseccionalidade – a valorização da condição identitária de mulher negra como luta política.
Assim, a partir de peças da campanha das candidatas citadas anteriormente e veiculadas na
internet, o estudo analisará os termos em que a imagem de Marielle Franco é evocada, e como a
construção do lema “Marielle é semente” se personificou na figura de suas companheiras de mandato
e sua consequente eleição. Bem como construção de identidade e propostas de governo das
candidatas a partir da interseccionalidade estrutural e política.

4.2. Contexto político e o perfil das candidatas

Marielle Franco nasceu em 27 de julho de 1979 no Complexo da Maré, na cidade do Rio de


Janeiro. Mulher negra, bissexual e favelada, iniciou a militância pelos direitos humanos na época que
frequentava o pré-vestibular comunitário em sua comunidade, tendo como estopim a morte de uma
amiga vítima de bala perdida em um tiroteio entre policiais e traficantes. Em 2002, ingressou no
curso de Ciências Sociais na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), com bolsa
integral obtida pelo ProUni. Cursou mestrado em Administração Pública pela Universidade Federal
Fluminense (UFF), e sua dissertação teve como tema: “UPP: a redução da favela a três letras”.
Em 2006, integrou a campanha de Marcelo Freixo à Assembleia Legislativa do Estado do Rio de
Janeiro (ALERJ) e foi nomeada assessora parlamentar do deputado após sua eleição. Atuou na
coordenação da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do
Rio de Janeiro, ao lado de Marcelo Freixo.
Em 2016, sua primeira disputa eleitoral, foi eleita vereadora da Câmara do Rio de Janeiro pelo
PSOL, com 46.502 votos, sendo a quinta vereadora mais votada no estado nesta eleição e a segunda
mulher mais votada ao cargo de vereadora no Brasil. Seu mandato durou pouco mais de um ano,
sendo interrompido por seu assassinato em 14 de março de 2018. Após sair de um evento chamado
“Jovens negras movendo as estruturas”, Marielle Franco foi executada com nove tiros, dos quais
quatro atingiram sua cabeça. Seu motorista Anderson Gomes também foi atingido por tiros e faleceu.
Investigações mostraram que a munição da arma de calibre 9 mm era de um lote vendido à Polícia
Federal em 2006.
Marielle integrava a comissão de fiscalização da intervenção militar no Rio de Janeiro e vinha
fazendo denúncias sobre os abusos e violências cometidos pelos militares nas favelas. Oito meses
depois, as investigações ainda não apontaram suspeitos do assassinato, que, de acordo com
evidências, é provável que tenha sido premeditado e por motivações políticas. Isso foi seguido de uma
profunda comoção social pelo assassinato de Marielle Franco, que chegou ao seu auge através de
manifestações em diversas cidades do Brasil e nas redes sociais, amparadas pelo lema “Marielle é
semente” e “Marielle presente”, que defendiam que sua voz não poderia ser calada, pois sua luta
seria replicada por muitas pessoas, principalmente mulheres negras.

4.2.1. Dani Monteiro

Daniella Monteiro, 27 anos, é mulher negra, feminista, socialista, do Morro do São Carlos, no Rio
de Janeiro e é estudante cotista de Ciências Sociais na UERJ. Eleita com 27.982 votos pelo PSOL, foi a
mais jovem deputada estadual eleita no estado do RJ. Filha de mãe empregada doméstica e pai
carregador de hortifrúti, começou a trabalhar aos 15 anos com o pai, enquanto seguia os estudos. Ao
ingressar na UERJ, trabalhou em uma grande empresa de telemarketing para se sustentar. Também
atuou dando aula em cursinhos populares de forma voluntária.
Dani Monteiro faz parte do setorial de favelas do PSOL-RJ, do Movimento Negro Unificado
(MNU) e é uma das fundadoras do Movimento RUA Juventude Anticapitalista. Por sua atuação em
movimentos sociais de base, afirma ter “um pé na institucionalidade, mil pés fora dela”. Participou da
campanha de Marielle Franco em 2016 e atuou como assessora da vereadora até seu assassinato. As
suas principais pautas de campanha incluem uma política que seja construída pelas juventudes, de
modo anticapitalista, antirracista e feminista. Ela também defende o direito à favela, políticas
públicas para juventude, permanência no ensino superior e o direito das pessoas LGBTs.

4.2.2. Mônica Francisco

Mônica Francisco, 48 anos, é mulher negra, do morro do Borel, feminista, cientista social e
pastora evangélica antifundamentalista. Nas eleições de 2018, Mônica Francisco foi eleita deputada
estadual com 40.631 votos.
Comunicadora e com uma longa trajetória de militância, Mônica trabalhou com a criação de
rádios comunitárias e jornais independentes. Ela também foi diretora da Associação de Rádios
Comunitárias do Estado do Rio de Janeiro. Além disso, há mais de 15 anos Mônica faz parte da Rede
de Economia Solidária no Rio de Janeiro, sendo co-fundadora do Fórum de Cooperativismo Popular.
Mônica Francisco foi assessora de Marielle Franco, atuando na equipe de favelas e no
atendimento da Comissão de Defesa da Mulher na Câmara. Em março de 2018 foi convidada por
Marielle Franco para lançar sua candidatura como deputada estadual, a fim de ampliar a atuação do
coletivo, levando suas pautas à Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.
As suas principais propostas de campanha incluem direitos humanos para todas as pessoas,
defesa da vida das mulheres, enfrentamento do racismo e garantia de direitos para a população
negra, dignidade para as favelas, estado laico e diversidade religiosa, programas de economia
solidária e cultura em todos os espaços, principalmente nas favelas.3

4.2.3. Renata Souza

Renata Souza, 36 anos, é mulher negra, da favela da Maré, jornalista e pós-doutoranda em


Comunicação pela UFF. Nas eleições de 2018 foi eleita deputada estadual com 63.937 votos. Sua
trajetória na militância começou em outubro de 2006, com o assassinato de Renan da Costa, de 3
anos de idade, filho de sua ex-cunhada, trazendo uma dimensão pessoal à luta pelo direito à vida nas
favelas.
A partir disso ela passou a ter a segurança pública como pauta central de sua militância nos
movimentos sociais, na política partidária e na universidade. Atuou por 15 anos como comunicadora
popular nas favelas, inserindo a luta em defesa da vida na pauta da comunicação comunitária.
Renata Souza conheceu Marielle Franco em 2000, quando fizeram cursinho popular juntas.
Trabalhou ao lado de Marcelo Freixo (PSOL) e Marielle Franco por 12 anos. Com a eleição de
Marielle em 2016, foi designada para a função de chefe de gabinete durante o seu mandato como
vereadora. Em 2018, tinha o plano de coordenar a campanha de Marielle Franco a vice-governadora
do Rio de Janeiro pelo PSOL, ao lado de Tarcísio Motta (PSOL).
Por consequência do assassinato de Marielle, lançou-se como candidata à deputada estadual,
tendo como pautas principais a redução de homicídios, em especial dos jovens negros, melhora das
condições de trabalho para os policiais, redução dos feminicídios, direitos das mulheres e LGBTs.

4.2.4. Talíria Petrone

Talíria Petrone, 33 anos, é mulher negra, feminista, professora de história e moradora da Zona
Norte de Niterói - RJ. Foi eleita deputada federal nas eleições de 2018 com 107.317 votos. Em 2016,
foi eleita vereadora de Niterói - RJ sendo a candidata mais votada entre os 21 vereadores. Durante a
campanha, atuou ao lado de Marielle Franco, que conheceu quando dava aulas de história no
Complexo da Maré, vindo a se aproximar dela dentro do PSOL pelos seus perfis semelhantes. As duas
candidatas simbolizavam em 2016 a ascensão das mulheres negras e periféricas dentro do espaço
político institucional e ambas tiveram campanhas com pouco dinheiro.
Em 2018, foi cogitada pelo PSOL para ocupar o cargo de vice-governadora na campanha de
Tarcísio Motta, mas, por uma mudança estratégica para vencer a cláusula de barreira e ocupar a
Câmara Federal com suas pautas e de Marielle, lançou-se ao cargo de deputada federal.
As propostas principais levantadas durante sua campanha envolveram os direitos das mulheres,
questão racial, direitos LGBTs, democracia e participação popular, investimentos em educação pública
de qualidade e crítica, direito à saúde para todos e todas, revogação da lógica de austeridade,
reforma tributária, revogação da reforma trabalhista, reparação da disparidade salarial entre homens
e mulheres, preservação do meio ambiente, política urbana pensada para a população, direitos
humanos, segurança pública e acesso à justiça e o pleno exercício dos direitos culturais pelas
populações negras e periféricas.

4.3. Análise de Conteúdo

Paula Síbilia (2008) defende que o uso da internet tem sido renovado para a autobiografia. Ou
seja, as pessoas utilizam as redes sociais como modo de transmitir sobre si e sua vida. Para realização
do estudo de caso escolheu-se analisar as biografias do Instagram das candidatas por se tratar de um
resumo de como as candidatas transmitem sua imagem na internet. Também serão analisadas
postagens da campanha de cada candidata no Facebook e Instagram para identificar sua relação com
o legado de Marielle, bem como com os conceitos de interseccionalidade e personalismo.

4.3.1. A construção da imagem das candidatas sob a ótica da interseccionalidade

Crenshaw entende a interseccionalidade como uma proposta que leva em conta as múltiplas
formas da identidade como forma de estruturar a experiência de mulheres negras a partir das
intersecções de opressões de raça, gênero, classe e sexualidade (CRENSHAW apud HIRATA, 2014, p.
2). Analisando as biografias dos perfis pessoais das candidatas no Instagram, com acesso em 30
novembro de 2018, nota-se um padrão nas informações descritas.

Quadro 1 - Relação das candidatas e suas biografias na rede social Instagram

Deputada Biografia no Instagram

Dani Deputada Estadual eleita pelo PSOL RJ


Monteiro Ex-assessora de Marielle Franco
Jovem negra e feminista pra fazer acontecer na ALERJ

Mônica Deputada Estadual eleita pelo PSOL RJ


Francisco Mulher negra, favelada, feminista, socióloga e militante dos Direitos Humanos
Ex-assessora de Marielle Franco.

Renata Cria da Maré, feminista, negra e defensora de direitos humanos. Deputada estadual (PSOL) mais votada da
Souza esquerda do RJ com 63.937 votos em 2018.

Talíria Professora de história, negra, feminista. Vereadora mais votada de Niterói e eleita deputada federal pelo
Petrone PSOL do Rio de Janeiro.

Fonte: Da autora, 2018.

A partir do Quadro 1, é possível observar que todas as candidatas citam em suas biografias o
cargo para qual foram eleitas nas eleições de 2018, o partido e o fato de serem mulheres negras e
feministas.
Mônica Francisco e Renata Souza mencionam sua origem na favela, remetendo às origens na
periferia e as intersecções de classe. Dani Monteiro e Mônica Francisco citam a condição de ex-
assessoras de Marielle Franco.
A ênfase na identidade de mulher negra remete ao conceito geral de interseccionalidade na
teoria de Crenshaw (apud HIRATA, 2014, p.2) e Bilge (apud HIRATA, 2014, p.3), bem como uma
aproximação ao feminismo negro teorizado por Carneiro (apud FREITAS, 2012), demonstrando uma
preocupação com as intersecções de gênero e raça como estruturantes de suas experiências.
Ademais, a referência da origem na favela também remete à intersecção com a classe.
Além disso, as propostas das candidatas demonstram o conceito de interseccionalidade política
de Crenshaw (apud HIRATA, 2014, p. 2), políticas feministas e antirracistas que colocam em eviência
a questão da violência contra as mulheres negras. Nota-se portanto, que todas elas possuem
propostas de campanhas que levam em conta as intersecções de raça, gênero, classe e sexualidade.

4.3.2. O resgate da memória de Marielle Franco

O personalismo é cada vez mais recorrente na política em função da simbiose com o campo
midiático. Bernard Manin (1995) explica que isso se refere à democracia de público, centrada nos
líderes personalistas.
Isso fica evidente no caso da vereadora Marielle Franco (PSOL), que, apesar de defender
bandeiras ideológica muito evidentes, teve a sua imagem muito reforçada na ênfase personalista.
Durante sua campanha e exercício do mandato, tinha se constituído como uma grande liderança das
minorias - mulheres, negras, LGBTs e população das favelas. Na postagem do dia 26 de setembro de
2016 no Facebook, durante sua campanha, ficam evidentes esses atributos da vereadora.

EU SOU PORQUE NÓS SOMOS!


Agora é pra fazer valer! Vamos ocupar o nosso lugar na cidade e na política, ter o que nos é de direito.
Sou força, porque todas nós somos. Sigo, porque seguiremos todas juntas.
Eu sou Marielle Franco. Mulher, negra, mãe, da favela. Eu sou porque nós somos. (FRANCO, 2018).

Quando foi assassinada, a figura de Marielle ganhou ênfase de heróina, guerreira, mártir,
defensora das minorias, dos direitos humanos e que em sua luta pagou caro por não ter medo de lutar
e resistir. Seu legado gerou manifestações em diversas cidades do Brasil e nas redes sociais,
amparadas pelo lema “Marielle é semente” e “Marielle presente”, que defendiam que sua voz não
poderia ser calada, pois sua luta seria replicada por outras vozes, principalmente mulheres negras.
Todas tiveram uma frequência de postagens em meio às ações de campanha relembrando sua
amizade com a vereadora e pedindo justiça e respostas sobre o assassinato de Marielle Franco. A
partir de tais projeções, as candidatas Dani Monteiro, Mônica Francisco, Renata Souza e Talíria
Petrone ficaram conhecidas pela mídia e pelos eleitores como as “Sementes de Marielle”.
Dani Monteiro exaltou no dia 9 de outubro em um post do Facebook a eleição das sementes de
Marielle, listando ao seu lado os nomes de Francisco, Souza e Petrone:

Três mulheres pretas na bancada feminista e antirracista!


Domingo, 07 de outubro, fizemos história. Elegemos três mulheres negras que estarão, a partir do ano que
vem, ocupando a Alerj! Isso é reflexo da construção com afinco da mandata de Marielle onde eu, Renata
Souza e Mônica Francisco estivemos presentes.
Não bastasse isso, Talíria Petrone também foi eleita com mais de 100mil votos para ocupar o Congresso em
Brasília.
É só o começo de algo que a gente já vem construindo há muito tempo, de uma nova política negra,
favelada, feminina e feminista que tentaram silenciar e não conseguiram. Tentaram nos enterrar, mas
somos mulheres negras que nascem a partir das sementes de Marielle, sendo aquelas que movem as
estruturas (MONTEIRO, 2018).

Renata Souza também se projetou enquanto uma das sementes de Marielle, como evidenciado na
descrição de sua página no Facebook:

Como uma das sementes de Marielle, em que pese a decisão tão difícil no âmbito pessoal, de militância e
política, me colocar à disposição de uma disputa eleitoral tão incerta e tão dolorida é apostar no bem
comum e dar sequência à luta contra as desigualdades sociais.
Se há algo que me inspira é fazer parte de uma chapa de pré-candidaturas tão legítimas e valorosas que
está surgindo no bojo das muitas “Marielles” e “Mulheres na Política”, gestada pela própria Mari ainda em
vida (SOUZA, 2018).

Mônica Francisco também utilizou a alcunha “Marielle é semente” em postagens da campanha,


bem como publicou fotos ao lado da vereadora. Na décima quarta postagem da série “Propostas Para
a Vida Real”, pela qual divulgou suas pautas de campanha, escreveu:
Todas sabemos que a vida e a luta de Marielle deixou sementes espalhadas por todo o mundo. Mas as
sementes não irão germinar sozinhas.
É necessário que todas e todos que têm o compromisso com a visão de mundo que Marielle defendia atuem
todos os dias para regar essas sementes.
E esse é o compromisso do nosso mandato.
Iremos criar dentro da Alerj uma escola de formação política, assim como existe a Escola do Legislativo,
mas feita prioritariamente por/para mulheres, mulheres negras e jovens de favela, que tenham interesse
em ocupar a política (institucional ou não) (FRANCISCO, 2018).

Talíria Petrone postou no dia 6 de outubro de 2018, um dia antes das eleições, um vídeo em seu
Instagram, gravado em 8 de novembro de 2017, em que Marielle fazia um discurso sobre suas
candidaturas durante o evento Mulheres na Política do PSOL com a seguinte fala:

Felizmente, não só no Rio de Janeiro a gente tem esse lugar de ter sido a segunda mulher mais votada. A
gente tem a primeira mulher mais votada, minha irmã de luta, de vida, de construções, nós iremos juntas
para onde for, porque é esse corpo que vai resistir junto com você na Câmara Municipal de Niterói e que
resiste junto comigo aqui. Vem pra cá, porque uma mulher sobe e puxa a outra, Talíria Petrone (FRANCO,
2017).

Na legenda da postagem, Petrone escreveu

Somos muitas e estamos determinadas a seguir ocupando a política. Com mais força que nunca. Estamos
prestes a eleger a maior bancada feminista e negra da História. Que falta você faz, amiga. Mas mesmo sem
estar aqui fisicamente, sinto sua presença todos os dias (PETRONE, 2018).

Sendo a única deputada federal entre as “sementes de Marielle”, Talíria Petrone declarou ter
reservas ao título de “sucessora de Marielle”. Em entrevista ao jornal El País, afirmou que a consigna
“Marielle vive” é necessária como ferramenta de mobilização de mulheres e que, nesse sentido, suas
pautas vivem. Petrone afirma se orgulhar de quando as pessoas lembram de Marielle ao vê-la, mas
que é preciso lembrar que a vereadora foi assassinada e pedir justiça para Marielle e Anderson.

5. Considerações finais

A partir dos dados levantados, é possível identificar que as quatro candidatas aqui analisadas
possuiam ligações com Marielle durante sua vida e mandato enquanto vereadora e se apropriaram de
suas pautas e legado, bem como de sua imagem, na construção de suas próprias candidaturas. A
estratégia de comunicação remete aos conceito de personalismo na política, muito ligado ao processo
de midiatização.
As candidatas pautaram suas candidaturas a partir de suas identidades como mulheres negras,
construindo propostas de políticas públicas que atendam as populações que mais sofrem com
violência, morte, e retirada de direitos. E além disso, levaram em conta as intersecções de gênero,
raça, classe e sexualidade tanto em suas construções de imagem quanto nas construções políticas.
Conclui-se que o lema “Marielle é semente” ultrapassou os limites da internet e as
manifestações, alcançando os espaços institucionais de poder. Embora o crescimento de
representação de mulheres negras em cargos políticos e espaços de poder não tire a dor da perda por
Marielle e Anderson, torna-se necessária na perspectiva da construção de uma democracia
participativa que continue buscando os direitos das minorias, como sonhava Marielle.

Referências
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PINHEIRO-MACHADO, Rosana, SOLANO, Esther (Orgs.). Tem saída? Ensaios críticos sobre o Brasil, Parte
II, Impeachment e Resistência. Editora: Zouk, 2017. p. 89-95.
FRANCISCO, Mônica. Quem é Mônica Francisco? Disponível em <http://monicafrancisco.com.br>. Acesso
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<https://www.mariellefranco.com.br/o-que-ja-fizemos>. Acesso em 30 ago de 2018.
FREITAS, Viviane. Imprensa feminista brasileira e interseccionalidade. In: XXVII Encontro Anual da
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YIN, Robert. Estudo de Caso: Planejamento e Métodos. Porto Alegre: Bookman, 2001.

1 Trabalho apresentado no Grupo de Pesquisas no âmbito da Graduação, I Simpósio Nacional de Comunicação Política, Eleições e
Campanha Permanente, 27 a 28 de março de 2019

2 Graduanda em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Federal de São João del-Rei. Email: lucianapet@gmail.com

3 Página oficial de Mônica Francisco no Facebook. Disponível em: https://www.facebook.com/pg/monicafranciscopsol/about.


Acesso em: 30 nov. 2018.
CAPÍTULO 41

O Movimento Feminista e a entrada dos afetos no campo político na esfera


pública ampliada do ciberespaço1

Daniela Mendes F. de Sousa2


Arthur Raposo Gomes3

1. Afeto e política no feminismo

O artigo traz como proposta discutir o movimento feminista, a partir do conceito de afetos e de
esfera pública ampliada, concebida a partir das redes sociais. Estas são as investigações do trabalho
de iniciação científica, intitulado “Movimento feminista no ciberespaço: a conciliação entre a
emancipação política e as sociabilidades sob o prisma dos afetos”, desenvolvido no curso de
Comunicação Social – Jornalismo da UFSJ. O objetivo foi investigar a entrada dos afetos no campo
político a fim de entender, posteriormente, novas formas de comunicação no ativismo virtual.
A esfera pública transforma-se numa arena para a exposição da vida privada por meio de novas
formas de socialização geradas pela internet. Neste espaço, a psicologia ganha um papel importante
ao exercer grande influência no manejo dos afetos na sociedade. Houve, segundo Illouz (2011), uma
substituição da retórica da racionalidade moderna por um novo léxico de relações humanas nas redes.
Embora aborde as relações interpessoais, a autora faz um retrato da forma como a comunicação é
usada na contemporaneidade para ligar, não apenas desejos, mas também ideologias e culturas
baseada na instrumentalização psicológica dos afetos.
Curioso para esta pesquisa foi observar que o feminismo já desenvolvia em sua história de
ativismo esta lógica ao politizar as relações interpessoais e amorosas entre homens e mulheres,
envolvendo desde as práticas mais corriqueiras da vida a dois até questões políticas mais complexas
que envolvia economia, sociologia, relações de trabalho e etc. A mesma estratégia só veio a se
popularizar mais ainda quando os debates ganharam as redes sociais. O que nos levou a buscar a
operação do manejo linguístico de instâncias psicológicas do afeto e das emoções que operam nestes
tipos transações sociais e políticas no ciberespaço.
A afirmação do feminismo da segunda onda de que o sexo é político por conter relações de poder,
rompeu com modelos tradicionais que “atribuem uma naturalidade ao espaço individual”. Esta
tentativa de uso da natureza para instituir comportamentos femininos, limita a política unicamente
numa esfera objetiva e pública (ALVES E PITANGUY, 1985). Mas tal restrição é impraticável quando
falamos da causa feminista. Ao apontar o caráter subjetivo da opressão, seus aspectos emocionais, as
mulheres encontram os laços existentes entre as relações interpessoais e a organização do trabalho,
da política e da sociedade como um todo. (WEEKS, 2008)
Simone de Beauvoir, Kate Millet, entre outras, são alguns nomes que vão construir a crítica
feminista moderna a partir de uma transdisciplinaridade fundamental para que haja uma expansão
das novas formas de fazer política. Apontam para raízes culturais da desigualdade sexual usando da
biologia à psicanálise, entre outras ciências. Afinal, o indivíduo está impregnado por relações de sexo,
raça, instâncias estas que também se concretizam numa distribuição desigual de poder. (ALVES E
PITANGUY, 1985)
Além disso, a descoberta da experiência comum, a transformação do individual em coletivo, é a
base do feminismo. Para que haja o reconhecimento da própria força e a dimensão política da vida
particular, as mulheres, durante toda a história do movimento, tiveram que romper o isolamento em
que viviam nas suas tarefas domésticas nuclearizadas e solitárias, para descobrir sua identidade e
reconhecer-se. (idem, 67). Isso veio a ficar mais forte e potente na era das redes sociais possibilitando
uma ampliação do seu alcance e resultado através da comunicação entre as ativistas e mulheres
comuns.

2. Instrumentalização dos Afetos

Os grupos de autoconsciência, “consciousness-raising” dos anos 1960, relatados por Alvarez


(2002), onde cada mulher explicava as formas em que experimentava e sentia sua opressão,
despertando a consciência latente e propiciando a reinterpretação política da própria vida, foram,
conforme nossa observação, transformados, nessa nova era, em hashtags, posts, comentários,
“textões”, grupos de whatsapp, entre outros. Todo um léxico de ferramentas das redes sociais que
perpetuou essa forma muito própria do feminismo fazer política, ou seja, a de construir a teoria a
partir de uma experiência pessoal e não somente pelo filtro de ideologias prévias.
De fato, a experiência das feministas pós-revolução russa exemplifica como as representações da
feminilidade ou masculinidade - seja na mente das pessoas, ou na cultura popular, ou na ciência ou na
filosofia, não cabem em conceitos estritamente econômicos e previamente baseados na experiência
dos homens. Foi impossível, por exemplo, ajustar a força de trabalho da dona de casa como valor
dentro da produção capitalista. O que excluiu as mulheres da análise marxista e, consequentemente
da revolução num momento posterior. Sem explicar o porquê das relações de propriedade, a produção
assume uma procedência automática que deixa de fora a real situação das mulheres. Sem explicar o
sexismo, o marxismo é incapaz de elaborar um programa adequado para libertação das mulheres.
(NYE, 1995)
Isso ocorre porque, para Simone de Beauvoir (in NYE,1995), é com a análise da consciência que
se deve começar o estudo da condição humana e da mulher. Um indivíduo consciente é uma
subjetividade. O Marxismo trata as pessoas como objetos. Por isso, no Estado comunista as massas
populares se comportam como se fossem homens inferiores, e os dirigentes, não muito melhores,
agem irrefletidamente além de toda responsabilidade moral. Natural então que se os indivíduos não
são importantes em teoria, suas relações na prática também não serão. Para a opressão das mulheres
terem um peso pragmático, ela precisa ser definida de forma subjetiva, pois é na subjetividade que a
opressão atua e somente nela pode haver libertação.
Por isso, a autoconsciência de tratamento de gênero liberada pela explanação de mulheres nas
redes sociais é importante à causa. Porque, como se não bastasse a emergência da subjetividade, a
situação feminina permite melhores meios de enganar-se, segundo Beauvoir (idem). A mulher é
enredada na má fé dos homens, que as querem como objetos. Para tanto estimulam sua fraqueza,
punem sua autoafirmação, tornam-na dependentes, “atormentam-na com o gancho farpado da
cortesia e adoração”. (Idem, ano, p. 106). Essa má fé é recíproca e só cabe às mulheres não serem
cúmplices da própria situação.
Illouz (2011) mostra como a sociedade americana, da qual deduzimos e incluímos o ocidente, é
palco para o desenvolvimento do que ela chama de Homo sentimentalis paralelamente aos conceitos
de mais-valia, exploração, racionalização, divisão do trabalho e etc. O advento da modernidade em
termos de afetos é apontado pela autora, por exemplo, já na ética protestante de Weber e no conceito
de alienação de Marx. A razão disso, ela explica, é pelo fato dos afetos serem “significados culturais e
relações sociais inseparavelmente comprimidos, e é essa compressão que lhes confere sua capacidade
de energizar a ação” (idem, p.9). No caso deste artigo, a ação feminista.
Por exemplo, o feminismo radical buscará a raiz da desigualdade social em todas as sociedades.
Como consequência, apontará para o patriarcado, para a dominação do homem sobre a mulher como
a base da exploração humana. Parte, para tanto, da diferenciação sexual como causa de manutenção
do sistema de poder. Isso significa que as mulheres concentrarão seus esforços na busca das
explicações sobre as diferenças entre os sexos e a subordinação da mulher no sistema patriarcal. O
que as levará à rejeição do Estado e todas as instituições formais por estas serem criadas segundo
privilégios masculinos. (SILVA, 2008)
A partir de então, um vasto prisma de causas se refletirá diretamente no cotidiano, nos afetos e
na cultura como um todo. Quando se busca a origem da condição feminina, por que são oprimidas e o
que todas as mulheres do mundo têm em comum que justifique estar todas, coletivamente, em
situação inferior a dos homens, as feministas radicais encontraram o sexo, a própria capacidade
reprodutiva. Ou seja, também as relações que estas mulheres tinham com pais, companheiros e
amigos, mudando o paradigma do pensamento político ao inserir o elemento emocional (idem).
Como bem diz Illouz (2011), “O que faz o afeto transportar essa “energia” é o fato de ele sempre
dizer respeito ao eu e à relação do eu com o outro culturalmente situados”. (p.9) Uma característica
muito cara ao campo de atuação político, que de acordo com a definição de Soares (1976), ao explicar
seu sentido amplo, é a “atividade cotidiana de todos os elementos da sociedade na realização dos seus
interesses individuais ou coletivos”. Ora, queremos dizer com isso, que o feminismo agindo nesse
sentido amplo da política, encontra e realiza seus interesses, no dia a dia das mulheres mais do que
de forma centralizada, instituída e restrita a instâncias governamentais (o que não exclui esta última
forma). Assim, uma vasta dimensão dos afetos é introduzida nas reivindicações políticas e isso passa a
ser mais evidenciado na escrita cotidiana do ciberespaço.

3. Ciberespaço e afeto

Pensar na sociedade contemporânea sem incluir as redes sociais e o mundo virtual como um todo
é fazer análise superficial. E, pelos motivos já propostos, soma-se a esta afirmativa a política
feminista.
A escrita virtual facilita a comunicação entre os sujeitos e dá sentido àquilo que eles estão
vivendo, de um lado, e, de outro, se apresenta como um repertório imenso de conteúdo latente a ser
pensado. Segundo Rodrigues (1990), nas sociedades modernas, o campo midiático serve de campo de
mediação social, em que os movimentos sociais buscam visibilidade e formas de legitimar os seus
discursos.
Para Lévy e Lemos (2010), estamos vivendo a tecnodemocracia. Nesta, a expansão
surpreendente e cada vez mais veloz das redes sociais tem transformado radicalmente as redes de
sociabilidade entre os sujeitos e também as redes formais, como, por exemplo, a da política e dos
movimentos sociais. Assim, o fundamento social do ciberespaço são as redes sociais porque elas são
núcleos ricos em produção e compartilhamento de conhecimento formando uma inteligência coletiva.
Raquel Recuero (2009) afirma que as novas redes ampliaram a capacidade de conexão dos
sujeitos, pois elas não só conectam computadores, mas também pessoas. A questão é saber como a
comunicação digital tem impactado na vida pública, no sentido de gerar um aprofundamento dos
fundamentos da democracia, maior diversidade de agentes, maior abertura da agenda da esfera
pública e maior poder para as minorias e para os movimentos sociais.

4. Análise de fanpages do movimento feminista

Numa tentativa de responder esta questão, coletei as postagens feitas nas fanpages de ativismo
feminista com maior número de curtidas no Facebook, no período de maio a setembro de 2018:
Preciso do feminismo porque, Memória Feminista, Arquivos feministas e Diários de uma feminista.
São páginas que surgiram de iniciativas individuais para uma coletividade e que conquistaram um
grande número de leitores. Essa característica foi pensada pela ideia geral do individual passar ao
coletivo que estamos desde o início do artigo explicando. Assim, entendemos como o afeto, antes
enxergado pela sociedade como da esfera privada, assume seu poder político dentro da esfera coletiva
do ciberespaço através dessas fanpages.
Destaquei três aspectos técnicos das relações virtuais a serem observadas por Pierre Levy (1996)
quando ele define o virtual.

4.1 O Leitor/autor

Levy aponta que o leitor em tela é mais ativo do que o em papel. Porque ler em tela é:

antes mesmo de se interpretar, enviar um comando a um computador para que se projete esta ou aquela
realização parcial do texto sobre uma pequena superfície luminosa. (...) se considerarmos o conjunto de
todos os textos (de todas as imagens) que o leitor pode divulgar automaticamente interagindo com um
computador a partir de uma matriz digital, penetramos num novo universo de criação e de leitura de signos
(1995 [1996], p.40).

De forma que toda leitura em computador se torna uma edição, uma montagem singular de cada
um, como se a digitalização estabelecesse um imenso plano semântico em que leitor e autor não são
mais categorias distintas. É o que Levy chama de “efeito moebius”. Pois estamos falando de um texto
desterritorializado e que passa do interior ao exterior (vice/versa), como a curva de moebius. Por fim,
ele desfaz os registros pares antes estabelecidos como, por exemplo: público/privado, próprio/comum,
subjetivo/objetivo, mapa/território, autor/leitor, enfim.

4.2 Mensagem/Informação/Conhecimento:

Cada vez mais os conhecimentos têm um ciclo mais curto devido às novas técnicas e
configurações sócio econômicas. O saber, portanto, não se prende ao fundamento, é móvel (idem,
1995 [1996], p.54). Ele ganha cada vez mais um formato de informação, ou seja, é estocado,
armazenado (codificado) e reconvertido num segundo momento (decodificado) (MARTINO in
FRANÇA, HOHLFELDT e MARTINO org., 2004); fixa-se no movimento, na ordem da transmissão
(RODRIGUES, 1990).
Por isso, apesar de se converter na maior fonte de riqueza no mundo moderno, a lógica da
acumulação capitalista muda em relação a este saber. Agora, não é quem retém o saber que tem o
poder, mas quem o distribui. Levy (p. 63, 1996) cita a ideia da economia da abundância, em que
detém mais informação quem mais a compartilha e mais a utiliza. Nisto, toda uma classe de
profissionais que intermediavam a informação parasita nessa nova configuração. Isso porque “o
consumidor não apenas se torna coprodutor da informação que consume, mas é também produtor
cooperativo dos “mundos virtuais” nos quais evolui, bem como agente de visibilidade do mercado para
os que exploram os vestígios de seus atos no ciberespaço” (LEVY, 1995 [1996], p.63).

4.3 Afeto

Para Levy (p. 104, 1996), um espírito não é necessariamente consciente, mas deve ser afetivo.
Por que a consciência, para selecionar e produzir uma linearização, depende de uma afetividade. Ele
chega a afirmar que à afetividade a consciência deve tudo. “um afeto é, de maneira mais geral, uma
modificação do espírito” (idem, p. 105). O autor traça uma imagem do psiquismo, a que também
chama de inteligência viva, de forma a identificá-la com o mundo virtual. Ou seja, um sujeito afetivo
que se desdobra para fora do espaço físico e transforma o exterior em interior. “Uma vez que o mundo
percebido está sempre mergulhado no elemento do afeto”. (ibidem, p.108).

5. Feminismo e política no ciberespaço hoje: apontamentos para futuros estudos

Encontramos em Levy uma correspondência com Illouz (2011) quando ela chama atenção para
ética da comunicação. Ser um bom comunicador, diz ela, é interpretar a conduta e os sentimentos das
pessoas. Uma espécie de coordenação sofisticada de aptidões afetivas e cognitivas (p.33). Só que esta
autora, ao falar sobre isso, se refere ao ambiente fora do ciberespaço. Contudo, quando ressalta a
comunicação como competência social aponta para uma mudança que ocorre na sociedade. Onde
supomos que a tecnologia influenciou as relações e valores.
A democratização das relações sociais desestabiliza hierarquias e incluem novas competências
que se alteram num espaço de tempo curto, o que demanda uma melhor aptidão afetiva (Illouz, 2011,
p.37). Não queremos dizer com isso que o fenômeno é novo, mas que há uma ênfase maior e
fundamental no afeto por que através dele pode se adaptar melhor à rapidez destas mudanças.
O que nos interessa nessa autora é sua explicação de que o afeto está no cerne das transações
capitalistas. É o que ela chama de “capitalismo afetivo”, onde as culturas dos sentimentos fazem os
afetos se atrelarem mais estreitamente à ação instrumental. Como socióloga, Illouz, atribui esta
característica a “uma panóplia de psicólogos e consultores de administração e de relações humanas”
(p.38). Mas nossa percepção é a de que a evolução tecnológica e a relação do ser humano com ela,
para além de uma causa única, propicia um complexo quadro onde as fronteiras cognitivas e as
fronteiras afetivas práticas se reformulam.
Nesta perspectiva, quando Castells (2013) analisa as mobilizações ocorridas no mundo árabe, na
Espanha e nos EUA, percebe que “as redes de comunicação são fontes decisivas de construção de
poder” (p. 11), mas um poder que não se sustenta mais pela violência como no século XX, e sim na
produção de significado. A esse fato somamos a observação de que é preciso o componente do afeto
que envolve outras instancias psicológicas. A forma como o ativismo virtual lidou com isso até 2016
foi fundamental para configurar com êxito o feminismo da terceira onda.
Falamos no passado porque mudanças na política de compartilhamento e manutenção de páginas
do Facebook conheceu seu auge e já está em vias de decadência como estratégia em menos de uma
década. Embora as peças de comunicação, como os memes e menes, seguem com sua eficácia
comunicacional, o meio para transmiti-las já está em constante mudança.
A informação, como o bem de mercado mais valioso na nova configuração capitalista, entra num
complexo esquema, alavancado pelo desenvolvimento tecnológico, de obtenção e gerenciamento de
informações dos mais variados assuntos. Empresas começam a adquirir e administrar a maior
quantidade possível de dados pessoais dos cidadãos com grande eficiência e intuito de se tornar um
‘fornecedor’ concorrido, o que gera riqueza. Pois tais informações permitem uma manipulação
direcionada de campanhas publicitárias e políticas. (MATOS, 2005, p. 5) São as chamadas PII
(Personally Identifiable Information), “todas as informações relativas a uma determinada pessoa,
desde características físicas até hábitos dos mais variados, de modo que do cruzamento desses dados
seja possível traçar um verdadeiro perfil da respectiva pessoa”. (idem, p. 6) Segundo Matos (2005),
analistas de Wall Street chegam a valorar empresas de acordo com a quantidade e qualidade de
Informações Pessoais Identificáveis coletadas de seus clientes.
De forma resumida, o que acontece na prática hoje é a filtragem por algoritmos de tudo que é
postado e compartilhado pelas pessoas nas redes. Daí nem tudo aquilo postado por terceiros aparece
em nosso feed de notícia, timeline ou página pessoal. No início, o feed de notícias mostrava quase
tudo que seus amigos faziam no Facebook. (Branco, p. 52, 2017). Assim foi como o feminismo cresceu
e provocou a resposta de tantas ao chamado da causa. Depois, a empresa começou a interferir
diretamente no conteúdo que nos era passivamente disponibilizado. O que proporcionou os filtros-
bolha (idem) e implodiu a ideia de horizontalidade no uso das redes sociais para se fazer política.
A ideia agora é comprar esses dados e manipulá-los para formar bolhas favoráveis a determinado
projeto. Isso significa que a potência afetiva continua com sua função de mobilização política no
ciberespaço, mas devido à nova configuração da lógica da internet, seu alcance ficou direcionado.
A filtragem por algoritmos de tudo que é postado e compartilhado pelas pessoas nas redes
conhece seu apogeu. Assim nem tudo aquilo postado por terceiros aparece no feed de notícia,
timeline ou página pessoal. Nascem os filtros-bolha que apontam para uma implosão da ideia de
horizontalidade no uso das redes sociais para ativismo virtual. Comprar dados e manipulá-los para
formar bolhas favoráveis a determinado projeto tornou o processo menos espontâneo como o era no
início desta década.
Então, de uma estratégia de comunicação, feminista no caso, espontânea e desterritorializada
nas redes que a tudo era favorável devido à sua própria configuração de pedagogia política que
coincidia com a ideia de um ciberespaço livre da lógica e economia capitalista tradicional, chegamos a
uma configuração ainda desconhecida diante das mudanças sofridas pelo avanço da capitalização dos
conteúdos virtuais. A pesquisa em um ano não teve tempo hábil para localizar tais novas
configurações o que inspira uma nova investigação. Mas o fato indiscutível e atestado que é que a
instrumentalização dos afetos é o objetivo dessa nova configuração.

Referências
ALVAREZ, Ana de Miguel. O feminismo ontem e hoje. Rio de Janeiro: editora Bertrand Brasil, 2002.
ALVES, Branca M e PITANGUY, Jacqueline. O que é o Feminismo? Coleção Primeiros Passos. Rio de
Janeiro: Editora Brasiliense, 1985.
BRANCO, Sérgio. Fake news e os caminhos para fora da bolha. Interesse Nacional, São Paulo, ano 10, n.
38, p. 51-61, ago. /out. 2017. Disponível em http://bibliotecadigital.tse.jus.br/xmlui/handle/bdtse/4758
CASTELLS, Manuel. Redes de indignação e esperança: movimentos sociais na era da internet.
Tradução Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2013. Disponível na página
https://ciberconflitos.files.wordpress.com/2014/10/castells_redes-de-indignacao-e-esperanca.pdf visitado em
9 de setembro de 2018
FRANÇA, Vera Regina Veiga; HOHLFELDT, Antônio e MARTINO, Luiz (Orgs). Teorias da Comunicação.
Petrópolis: Vozes, 2004.
ILLOUZ, Eva. O amor nos tempos do capitalismo. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.
LÉV, Pierre. O que é o virtual? São Paulo: Editora 34, 1996.
LÉVY, Pierre & LEMOS, André. O futuro da internet. São Paulo: Editora Paulus, 2010.
MATOS, Tiago Farina. Comércio de dados pessoais, privacidade e Internet. Ambito Jurídico disponível
em http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=4146 visitado
em 10 de novembro de 2018.
NYE, Andrea. Teoria Feminista e as filosofias do homem. Rio de Janeiro: Record, 1995.
RODRIGUES, Adriano Duarte. 1990. Estratégias da Comunicação. Lisboa: Editorial Presença.
RECUERO, Raquel. 2009. Redes Sociais na Internet. Porto Alegre: Editora Sulina.
SILVA, Elizabete Rodrigues da. Feminismo Radical – Pensamento E Movimento. Disponível na página
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SOARES, Fernando Luso. Introdução à Política I. Livro disponível na página
https://www.marxists.org/portugues/luso/livros/politica/index.htm visitado em 8 de março de 2019
WEEKS, Kathi. Vida no e contra o trabalho: afetos, crítica feminista e política pós-fordista. Lugar
Comum nº 25-26, p. 17. 2008. Disponível na página http://uninomade.net/wp-
content/files_mf/112303120543Lugar%20Comum_25-26_completo.pdf#page=17 visitado em 22 de abril de
2018

1 Artigo apresentado ao GT6_ I Simpósio Nacional de Comunicação Política, Eleições e Campanha Permanente

2 Psicóloga, formada pela Universidade Federal de São João del Rei, Especialista em “Psicanálise, Subjetividade e Cultura” pela
Universidade Federal de Juiz de Fora e graduanda em Comunicação Social/Jornalismo, onde participa do Projeto de Iniciação Cientifica
intitulado “Movimento feminista no ciberespaço: a conciliação entre a emancipação política e as sociabilidades sob o prisma dos afetos”.
E-mail: dani.mfsousa@gmail.com.

3 Graduado em Publicidade e Propaganda pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora (CES/JF), é estudante de Comunicação
Social – Jornalismo na Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) e pós-graduando em Comunicação Corporativa, Planejamento e
Gestão pela Universidade Cândido Mendes (UCAM). E-mail: arthurraposogomes@gmail.com
CAPÍTULO 42

POLÍTICA, REDE SOCIAL E FAMÍLIA1: Uma análise do perfil de Jair Bolsonaro


e de seu filho Carlos Bolsonaro no Twitter

Vinícius Pereira dos Santos2


Iolanda Pedrosa Borges da Silva3
Universidade Federal de São João del-Rei

1. Introdução

O seguinte artigo tem como proposta entender a adaptação de atores políticos as novas
gramáticas da comunicação digital, em particular as redes sociais. A comunicação e os meios de fazê-
la chegar às massas, sempre foi um fator de muita relevância política, desde a introdução dos meios
impressos até a popularização da internet. Hoje a internet figura no cenário nacional como o meio
mais prático e rápido de se comunicar com outras pessoas, grupos ou massas. Além de ganhar na
velocidade de meios como a televisão e rádio a informação também fica armazenada muito mais
tempo do que em uma folha de jornal ou revista, podendo ser acessada de qualquer dispositivo com
conexão. O uso por parte de políticos dessas redes cresce à medida que o mercado publicitário avança
no meio, monitorando e analisando dados para que assim possam atingir de forma mais concisa o
eleitorado alvo.
No Brasil, o acesso à internet ainda não chegou a toda população, mas já se mostrou decisivo nas
eleições presidenciais de 2018 em que Jair Bolsonaro (PSL) desbancou Fernando Haddad (PT) no
segundo turno com 55,13% dos votos válidos contra 44,87%. O tema ainda é recente, pois a inserção
da política nas redes sociais se deu a partir da metade da última década, no Brasil, com difusão da
internet e da telefonia celular em grande escala. A eleição de 2018 não somente marcou o fim da
polarização entre PT e PSDB, que ocorria a seis pleitos presidenciais (1994, 1998, 2002, 2006, 2010 e
2014), como também foi paradigmática em relação à mudança no formato de propaganda política e
eleitoral, rompendo com o modelo hegemônico do Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE)
nas mídias massivas (TV e rádio) e colocando a internet - em especial as redes sociais - no lugar de
espaço privilegiado para a visibilidade midiática de personalidades da política, partidos e movimentos
políticos.
O estudo tem interesse em uma plataforma específica, o Twitter, rede social que o presidente da
república, Jair Bolsonaro, elegeu como um canal oficial de comunicação próprio. Para compreender
melhor a estratégia de comunicação utilizada pelo presidente, é necessário analisar os agentes por
trás de seu perfil na plataforma, o próprio Jair e seu filho Carlos Bolsonaro, justamente, por ser o
responsável pelo planejamento estratégico de rede social na campanha presidencial e atualmente está
como vereador da Câmara Municipal do Rio de Janeiro. O artigo traz uma comparação entre os dois
perfis, pai e filho, e como tratam os temas ligados a política brasileira e questões sociais.

2. Interface Mídia e Política: Poder e Visibilidade

Antes de entrarmos na discussão sobre os campos da mídia e política, é de suma importância


compreender o conceito de “poder”, pois é ele o regente de todos os campos e também ele é o que os
indivíduos inseridos nestes campos estão buscando constantemente. Para isso é preciso entender do
que é que se trata, como é disputado, as relações de poder dentro dos campos, origem e sustentação,
suas bases e a posse de tal, como reconhecê-lo ou medi-lo.
Para Pierre Bourdieu (1989), é um instrumento simbólico e invisível. O poder simbólico, é para
ele, o grande construtor da realidade que estabelece uma ordem e atribui sentido aos campos sociais.
A efetividade do poder simbólico depende diretamente da aceitação dos indivíduos subordinados a
ele.

O poder simbólico como poder de construir o dado pela enunciação, de fazer ver e fazer crer, de confirmar
ou de transformar a visão do mundo e, deste modo, a ação sobre mundo, portanto o mundo; poder quase
mágico que permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou econômica), graças ao
efeito específico de mobilização, só se exerce se for reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrário. Isto
significa que o poder simbólico não reside nos ‘sistemas simbólicos’ em forma de uma ‘illocutionary force’
mas que se define numa relação determinada - e por meio desta - entre os que exercem o poder e os que
lhe estão sujeitos, quer dizer, isto é, na própria estrutura do campo em que se produz e se reproduz crença.
O que faz o poder das palavras e das palavras de ordem, poder de manter a ordem ou de a subverter, é a
crença na legitimidade das palavras e daquele que as pronuncia, crença cuja produção não é da
competência das palavras (BOURDIEU, 1989, p. 14-15).

A naturalização do poder simbólico nos campos esconde todos os processos históricos e sociais
que originaram as formas de dominação vigentes, caracterizando assim uma violência simbólica.
Alguns instrumentos simbólicos que atuam com a imposição de costumes nos campos, são a arte, a
língua e a religião, pois estão presentes no cotidiano das sociedades como estruturas sólidas.
Thompson (1998) analisa o poder em quatro principais formas: Econômico, político, coercitivo e
simbólico. Segundo o autor, há comum sobreposição de modos multifacetados entre essas formas de
poder. Conceitua o poder como “a capacidade de agir para alcançar os próprios objetivos ou
interesses, a capacidade de intervir no curso dos acontecimentos e em suas consequências”
(THOMPSON, 1998, p. 21). Apesar da muitas vezes o poder aparecer associado ao Estado e a política,
o autor vê a manifestação do poder em esferas e circunstâncias completamente diferentes das
estruturas citadas.
Os poderes econômico e político são importantes, contudo mais importante para essa discussão
são os poderes coercitivo e simbólico pois, para Thompson (1998), são fundamentais para o exercício
da autoridade estatal. O coercitivo, como o próprio nome diz, é exercido pela coerção, ameaça de
força física, ou bélica, para a dominação. O poder simbólico por sua vez é responsável pela criação do
sentido sobre algo, é ele que induz crenças e descrenças atuando de forma invisível e simbólica nos
campos.
Agora, depois de discutir sobre o poder, torna-se necessário compreender a relação entre
indivíduo e sociedade. Bourdieu (1989) busca a compreensão do mundo social através da dialética
entre indivíduo e sociedade com a criação do conceito de campo, como um espaço sistematizado e
conflituoso, onde há constante disputa por posições que atribuem poder a pessoas, este poder seria
uma espécie de capital podendo ser material, simbólico ou social. Os campos, segundo ele, são
específicos e referentes a cada espaço social, contendo mecanismos e propriedades particulares,
nestes espaços há permanente busca por “autoridade”, poder simbólico. Bourdieu (1989) relaciona a
estrutura de um campo a de um jogo, onde os participantes jogam conforme as regras em busca da
vitória, que seria a aquisição de poder em cada campo.
O capital adquirido em certo campo nem sempre se transfere para outros campos. Há tensões
entre campos externando a luta, concorrendo e se complementando, existindo capital específico para
cada campo. A acumulação de capital específico é para Bourdieu (1989) reconhecido pelos pares em
cada campo, os conflitos existentes são pela obtenção desse reconhecimento. Dos capitais adquiridos
dentro dos campos, existe um que merece destaque ao qual Bourdieu chama de “capital simbólico”,
uma espécie de notoriedade que a instituição ou indivíduo dispõe dentro de um campo, o que o coloca
em posição de destaque perante os outros.
Dentro do campo da política e do campo da mídia, como em outros campos, há a presença do
capital simbólico. Estes campos, esferas de sentidos distintos em que há interferência uma sobre a
outra, necessitam ser compreendidos para que se tenha a noção do processo a ser analisado neste
trabalho.
Bourdieu (1989) vê o campo político como um “lugar em que se geram, na concorrência entre os
agentes que nele se acham envolvidos, produtos políticos, problemas, programas, análises,
comentários, conceitos, acontecimentos, entre os quais os cidadãos comuns, reduzidos ao estatuto de
‘consumidores’, devem escolher” (BOURDIEU, 1986, p. 164).
A luta por capital simbólico dentro do campo político é, segundo Miguel (2003) a luta por capital
político, pois em sua essência, para ele, o capital político é uma forma de capital simbólico. O capital
político, como outros capitais, é pertencente a uma minoria na sociedade. Assim essa minoria, que
detém a grande parte do capital, assim pode-se chamar, simbólico exerce violência simbólica na
grande maioria sem capital.
Ao discutir mídia e contexto social, Thompson (1998) faz um esboço de “alguns dos aspectos de
contextos sociais dentro dos quais a comunicação em geral, e a comunicação mediada em particular
devem ser entendidas” (THOMPSON, 1998, p 20). Ele estabelece relações entre comunicação e poder,
situando as quatro formas de poder propostas de Michael Manin: político, econômico, coercitivo e
simbólico; este último diretamente ligado à força de ação da comunicação, “por meio da produção e
transmissão de formas simbólicas” (THOMPSON, 1998, p 24). O exercício do poder é feito por
indivíduos e podem ser exercidos em múltiplos contextos, desde o micro até o macro.
Os meios técnicos se notabilizam como extensão do indivíduo para comunicar. O distanciamento,
durabilidade, armazenamento e reprodutibilidade das formas simbólicas aumentam à medida que os
meios se tornam mais modernos. Quanto à “comunicação de massa”, critica o uso do termo o
chamando de “enganoso”, “Assim se o termo “massa” deve ser utilizado, não se pode, porém, reduzi-lo
a uma questão de quantidade” (THOMPSON, 1998, p.30). A comunicação é de massa quando ela é
disponível a uma grande pluralidade de pessoas, não na quantidade de receptores, pois se dá a
impressão de que milhões de indiferenciados indivíduos estão recebendo a mensagem ao mesmo
tempo. O receptor, para Thompson, exerce uma atividade e não deve ser chamado de passivo, pois no
processo de recepção também existe o processo de interpretação. Para ele, a recepção é um processo
hermenêutico, “Os indivíduos são geralmente envolvidos num processo de interpretação através do
qual esses produtos adquirem sentido” (THOMPSON, 1998, p 44). Dessa forma, a interpretação das
formas simbólicas é incorporada na auto compreensão dos indivíduos e a isso o autor chamou
apropriação.

É assimilar a mensagem e incorporá-la à própria vida – um processo que algumas vezes acontece sem
muito esforço, e outras vezes requer deliberada aplicação. É adaptar a mensagem à nossa própria vida e
aos contextos e circunstâncias em que vivemos; contextos e circunstâncias que normalmente são bem
diferentes daqueles em que a mensagem foi produzida. (THOMPSON, 1998, p.45)

A internet e as redes sociais mudaram a forma como a visibilidade é tratada, pela dificuldade em
controlar o fluxo de conteúdo simbólico e também pela independência de criação de conteúdo que foi
potencializada nos meios virtuais (THOMPSON, 2008). As redes sociais representam a modernização
do espaço público/privado, da discussão política e da mediação da mesma. “Este poder da tecnologia
em criar seu próprio mercado de procura não pode ser desvinculado do fato de a tecnologia ser, antes
de mais nada, uma extensão de nossos corpos e de nossos sentidos” (MCLUHAN, 1969, p.88).

3. Mídias Sociais e Esfera Pública de Discussão Política

Esta relação entre mídia, política, com foco nas redes sociais, articula-se à discussão sobre
comunicação e sociedade, tendo em vista que vivenciamos uma sociedade cada vez mais dependente
das redes sociais sem ignorar o momento e a polarização política vivenciado pelos cidadãos
brasileiros pós eleições, que ganharam dimensões ainda maiores na internet, onde basicamente se
concentrou a discussão política, principalmente no segundo turno onde não houveram os tradicionais
debates televisivos.
A digitalização dos meios de comunicação faz com que cada vez mais pessoas utilizem redes para
se informar, comunicar ou até interagir com outros meios configurando o que na comunicação se
chama convergência das mídias, “que permite modos de audiência comunitários, em vez de
individualistas” (JENKINS, 2009, p.55).
Os atores políticos têm buscado o uso cada vez mais profissional do ciberespaço. Assim, entender
a utilização do twitter presidencial e de quem está por trás dele, o próprio presidente e seu filho
remete, diretamente, à compreensão a mídia e os processos sociais, já que as disputas políticas estão
relacionadas à dinâmica social e mexem com a vida dos cidadãos.
As redes sociais, assim como a mídia tradicional, constituem-se como esfera pública (EP). O
conceito de EP de Habermas (1984/1997) são espaços que pressupõem a possibilidade de debate
político e construção de uma opinião pública. Esse espaço seria de mediação entre as instituições
políticas ligadas ao Estado e à sociedade civil. Para Habermas (1984/1997), a esfera pública não
necessariamente precisa se desenvolver em um espaço físico. Como na pesquisa proposta, refere-se a
um espaço virtual em que ela se desenvolve e de locais de fala em patamares desiguais, com
distanciamento dos influenciadores, formadores de opinião, e dos comuns, reprodutores.
Hannah Arendt (2007) discute que nossa percepção de realidade depende diretamente da
existência de uma esfera pública, que a realidade só se constitui se ela está exposta para que o
público tenha acesso. O termo público é, para ela, o significado de mundo “na medida do que é
comum a todos nós e diferente do lugar que nos cabe dentro dele” (ARENDT, 2007, p.62). Assim, a
manifestação fiel da realidade se dá pela percepção mútua dos espectadores sobre algo, nas diversas
particularidades de cada um, formando-se a opinião pública sobre algo. A necessidade de tornar
público não é exclusividade de instituições públicas ou pessoas jurídicas. O apreço pela admiração
pública existe na esfera privada desde a antiguidade e é visto como recompensa a obtenção do que se
chama status. Arendt enxerga essa necessidade como a da alimentação, onde a admiração pública é
consumida pela vaidade como o alimento é consumido pela fome.
No entanto, a compreensão da esfera pública hoje passa necessariamente pela incorporação das
mídias digitais. A evolução dos meios reduziu as fronteiras: “O distanciamento espacial foi aumentado
enquanto a demora temporal foi sendo virtualmente eliminada” (THOMPSON, 1998, p 36). O debate
ideológico inserido nas redes de informação, porém, abre a possibilidade de criação de bolhas
informacionais, em que há total parcialidade sobre os assuntos de interesse público tratados nesses
espaços. A homogeneidade da opinião pública nessas bolhas desestrutura os debates, que tem como
fundamento o contraponto de ideias.

Essas bolhas tendem a isolar os atores dentro de grupos onde apenas alguns tipos de informação circulam,
criando uma percepção falsa de EP (onde “todos” falam) e de opinião pública (onde a “maioria” concorda).
Ao mesmo tempo, pesquisas têm demonstrado que a mídia social é hoje um dos principais canais
informativos do grande público. (RECUERO, ZAGO & SOARES, 2017, p.02)

A interface entre mídia e política suscita uma série de debates e tem sido bastante explorada a
partir dos estudos direcionados para as estratégias de campanha e da propaganda política. Vivencia-
se hoje uma transição com um modelo híbrido de propaganda tanto nas mídias massivas e mídias
digitais.

Se há poucos anos, bastava aos candidatos ter um site e oferecer aos visitantes um endereço de e-mail, hoje
existe a necessidade de se fazer presente nas diversas redes sociais e de estabelecer o máximo de contato
possível com os usuários. Tais mudanças de uso são influenciadas, dentre outros fatores, por uma
competição acirrada pela atenção do eleitor, em um contexto de abundância de informação a baixo custo
(MARQUES & MONT’ALVERNE, 2017, p.234).

Assim como as mídias convencionais estão submetidas aos paradoxos da visibilidade, conforme
apontado por Thompson (2013), o twitter também se configura como uma faca de dois gumes, uma
vez que a informação dita ou contida em uma postagem está sujeita à reprodução, extrapolando as
fronteiras da rede podendo figurar até no noticiário4, uma vez que há falta de controle das reações
geradas pelas interações nesse meio. Ao mesmo tempo em que há a possibilidade de se travar uma
conversa construtiva, um deslize pode acarretar prejuízos à imagem, e extrapolar os limites da
internet, repercutindo nos veículos de comunicação tradicionais (MARQUES & MONT’ALVERNE,
2013).

4. Estudo de Caso: Análise dos Perfis de Jair Bolsonaro e Carlos Bolsonaro

4.1. Metodologia e Corpus de Análise

Como metodologia tem-se:


1) Pesquisa Bibliográfica: Para a presente pesquisa, foram definidos os seguintes eixos temáticos:
(a) Interface Mídia e Política: Poder e Visibilidade; (b) Mídias sociais: esfera pública de discussão
política.
2) Pesquisa Documental e corpus de análise: A pesquisa documental será realizada no período
que abrange os meses de dezembro janeiro e fevereiro. A mineração dos dados gerado pelos
candidatos foi feita por meio do software TAGS v6.1.9, desenvolvido por Martin Hawksey, que se
configura como um modelo de tabela do Google gratuito que permite configurar e executar a coleta
automatizada de resultados de pesquisa do Twitter.
3) Análise de Conteúdo: Bardin (2011) explica que a Análise de Conteúdo é feita em três etapas:
(a) fase de pré-análise – quando se faz uma leitura do material coletado; (b) fase de categorização –
quando se definem as categorias de análise; (c) fase de inferências – é o momento em que se
articulam as evidências empíricas com os argumentos teóricos e conceituais. Serão adotadas como
categorias de análise quanto ao conteúdo postado: (1) fluxo de postagens; (2) fluxo de retweets; (3)
respostas; e (4) temáticas mais acionadas.

4.2. Contextualização dos Personagens Políticos

Capitão da reserva do Exército Brasileiro, na política desde o ano de 1988, sua primeira
candidatura como vereador da capital fluminense, coleciona sete mandatos como deputado federal
pelo estado do Rio de Janeiro e atualmente está como presidente. Jair Bolsonaro, ganhou espaço na
mídia por polêmicas com relação a questões de minorias e posicionamentos pró ditadura civil-militar
brasileira, o que garantiu convites a programas de televisão que focam sua audiência na
espetacularização e sensacionalismo, como é o caso do programa Superpop da Rede TV, apresentado
por Luciana Gimenez. Toda essa visibilidade gerou uma então aproximação do então deputado de
certo grupo da sociedade que compartilhava dos mesmos pensamentos do político, o que facilitou sua
entrada nas redes sociais já com um grande número de seguidores e foi assim que sua conta foi se
tornando uma das mais populares do Facebook. Sua forte presença na rede social permitiu a
organização de grupos de apoiadores e eventos pela rede o que facilitou a divulgação de sua agenda e
seu contato com o eleitorado em geral desde que declarou propósito de se candidatar à presidência
em 2015. O momento era propício, já que o grande “boom” em seu perfil do Facebook se deu em um
momento de crise dos Governos Petistas, insatisfação popular com a política e incentivo midiático à
operação Lava-Jato e prisão de corruptores, assim o capitão da reserva posou como político honesto e
assumiu o PT como o inimigo comum.
Durante a campanha eleitoral, a rede que ganhou mais espaço foi o Whatsapp que foi
fundamental na campanha de Jair Bolsonaro com uma quantidade massiva de grupos para a
disseminação de informação. O jornal Folha de S. Paulo inclusive publicou uma denúncia5 de caixa
dois em que empresários haviam comprado pacotes de disparos de notícias contra o PT, pelo
aplicativo de mensagem, de empresas que não estavam na prestação de contas da campanha
presidencial. Após vencer o pleito eleitoral, Jair Bolsonaro passou a tratar sua conta no Twitter como
veículo oficial de comunicação presidencial.
Carlos Bolsonaro, segundo filho do presidente, é Vereador na Câmara Municipal da cidade do Rio
de Janeiro e foi o principal responsável pelo planejamento estratégico do uso das redes sociais da
campanha e detém a senha de conta do pai no Twitter. O próprio presidente já admitiu a importância
do filho na coordenação das redes para que ele chegasse ao cargo e que dá o aval das postagens de
Carlos em sua conta6. Está em seu quarto mandato como vereador e é apelidado carinhosamente pelo
pai de “Pitbull”.

4.3. Análise de Conteúdo: as estratégias da família Bolsonaro no Twitter

Para análise dos dados coletados, serão seguidas as seguintes categorias: (1) fluxo de postagens;
(2) fluxo de retweets; (3) respostas; e (4) temáticas mais acionadas.

4.3.1 Atuação de Pai e Filho

A escolha por analisar o perfil de Carlos Bolsonaro é justificada por ele estar por trás do perfil
presidencial. Assim, buscar comparar as semelhanças ou diferenças no manejo das duas contas é
essencial para entender quais as estratégias comunicacionais adotadas pelo comunicador para
entender seu papel, tanto no campo político como no midiático. Como exemplo disso deixa-se escapar
uma estratégia clara de impulsionamento de sua própria conta na rede social utilizando a conta do
pai. O perfil do vereador é o mais retweetado pela conta presidencial. Isso não só ajuda a legitimar as
mensagens que Carlos publica como também ajuda a aumentar o número de seguidores, quase quatro
vezes menor que o de seu pai. O perfil presidencial retweeta 27 vezes postagens de Carlos Bolsonaro
no período e escreve dois tweets dando créditos ao filho (“via: Carlos Bolsonaro”).
Em segundo está o perfil de outro filho, Eduardo Bolsonaro que é deputado federal pelo estado
de São Paulo e responsável por criar laço entre seu pai e o presidente Norte Americano Donald
Trump, além também de Steve Banon que também contribuiu estrategicamente na campanha do
peesselista. O perfil de Eduardo é retweetado 19 vezes pelo pai. O outro filho na política que é
senador pelo Rio de Janeiro, Flávio Bolsonaro, recebeu apenas um retweet, talvez pelo escândalo em
que se viu envolvido nesse início de ano no caso de seu motorista Queiroz.
As contas de Carlos e Jair tiveram uma atuação muito parecida quando se trata de números. O
perfil presidencial tweetou, retweetou e anexou mais links, como também respondeu mais seus
próprios tweets7, já Carlos respondeu mais tweets de outros usuários, como mostra a Gráfico 1.

Gráfico 1

Fonte: Do Autor, 2019

Há diferença ao perceber os retweets de cada perfil. Enquanto o perfil de Carlos Bolsonaro não
retweeta nenhuma outra conta mais de 10 vezes, o do presidente já faz isso com o dos dois filhos já
citados e com o @odiodobem (12 vezes), perfil que busca comentários de ódio contra a imagem do
político e outras personalidades da extrema direita brasileira.
O termo “fakenews” aparece 8 vezes em tweets e retweets de Jair Bolsonaro e 17 vezes para
Carlos, já quando escrito de forma separada “fake news” mostra-se 2 vezes em ambas as contas. A
batalha contra veículos de comunicação se torna clara na rede, buscando legitimar os próprios perfis
como fonte fiel de informação. Em 13 de dezembro, tweet de @CarlosBolsonaro:

Parte da mídia tradicional continua a desrespeitar a maioria dos brasileiros, que são conservadores,
tratando a internet, via que trouxe de volta às pautas nacionais os verdadeiros valores desses cidadãos,
como lugar de gritaria e Fake News. É a máxima “acuse-os do que você faz”.

Já em 5 de janeiro o perfil @jairbolsonaro responde ao perfil @JornalOGlobo:


Fakenews fortíssima. Apenas respondi a mais uma das inúmeras acusações e falta de respeito referentes a
minha pessoa. Manter a imparcialidade da informação traz credibilidade! Bom trabalho!

Essa disputa de narrativa com os veículos tradicionais de mídia se mostra clara ao analisar os
retweets de ambos. Perfis como @foIha_sp (paródia Falha de SP do jornal Folha de SP);
@RenovaMídia (portal que se diz independente e sem filtro de politicamente correto);
@republica_ctba (República de Curitiba que tem como foto de avatar o atual ministro da Justiça e
segurança pública Sérgio Moro); e @conexaopolítica (portal que se diz independente e
compromissado a transmitir fatos). Todos esses perfis têm em comum não criticar os Bolsonaro nem
seu governo e exaltar movimentos de direita no Brasil.
A Venezuela foi, por vezes, tema de tweets dos Bolsonaro, por conta do conflito fronteiriço e da
autoproclamação de Juan Guaidó como presidente interino, apoiada pelo Governo Brasileiro. O país é
citado em 17 tweets e retweets do perfil presidencial e 12 da conta do vereador. Outro país rival
ideológico, Cuba, aparece 7 vezes na conta de Jair e 3 na de Carlos. Ambos sempre relacionados à
ditadura a aos partidos de esquerda brasileiros PT, PCdoB e PSOL. O partido adversário no segundo
turno, PT, foi lembrado por Jair Bolsonaro em 7 oportunidades, 3 vezes o PCdoB e o PSOL 10 vezes, o
último é associado pela família Bolsonaro à Adélio Bispo autor da facada sofrida pelo presidente em
Juiz de Fora, ainda na época da campanha. Já Carlos Bolsonaro lembra mais do PT, 16 oportunidades,
PCdoB 8 e PSOL 29 vezes aparece em tweets e retweets do vereador.
Tweet de Carlos Bolsonaro em 24 de fevereiro de 2019:

A reflexão é válida e extremamente realista: se o PT tivesse vencido as últimas eleições presidenciais junto
com o PSOL e PCdoB, o Brasil hoje certamente estaria numa infeliz ditadura como a venezuelana. Fato
claro nos posicionamentos dos representantes destes partidos!

Tweet de Bolsonaro em 13 de fevereiro de 2019:

Foram 3 cirurgias e mais de 1 mês no hospital nestes últimos 5 passados. Finalmente deixamos em
definitivo o risco de morte após a tentativa de assassinato de ex-integrante do PSOL. Só tenho a agradecer
a Deus e a todos por finalmente poder voltar a trabalhar em plena normalidade.

O país com qual Jair Bolsonaro possui alinhamento ideológico, Israel, é lembrado 13 vezes, entre
tweets e retweets, pelo presidente, o primeiro ministro Benjamin Netanyahu 10 vezes. Para Carlos o
primeiro ministro aparece apenas em um retweet e Israel 8 vezes.
Tweet de Jair Bolsonaro em 27 de dezembro de 2018:

Israel é referência mundial em tecnologia para diversos serviços e isso nos interessa. Não há razão para
criticar o diálogo, muito menos quando a crítica vem de quem nada fez, só destruiu e roubou o país.
Queremos o melhor para o Brasil e para a população brasileira!

Tweet de Carlos Bolsonaro em 26 de dezembro de 2018:

Percebam que uma série de acordos e inovações podem surgir diante da aproximação comercial entre
Brasil e Israel, mas a parte da imprensa podre se apega somente a dessalinização da água, para
desmerecer propositalmente os demais assuntos e proveitosos para ambos países.

É importante ressaltar que, durante o período analisado (dezembro de 2018 a fevereiro de 2019),
ocorreram tragédias, nomeações de ministros, posse e viagens presidenciais, o que obrigou o perfil
presidencial a pautar esses assuntos de forma rasa em seu perfil, além também de assuntos
diplomáticos, o que não é pautado no perfil do vereador, inclusive, pouco ou quase nada sobre o
serviço de vereador é tratado no perfil do Twitter.

5. Considerações Finais

Ao fim do artigo, percebeu-se que as redes sociais funcionam como um campo diferente no que
se podia observar anterior à inserção de políticos e veículos noticiosos. Apesar de serem uma esfera
pública, um espaço onde a sociedade pode levantar suas pautas e discuti-las a contabilização de
interações acabou se tornando uma forma de capital que eleva a popularidade dos usuários. O
chamado clã Bolsonaro, formado pelo presidente e seus filhos (o senador Flávio Bolsonaro, o
deputado Eduardo Bolsonaro e o vereador Carlos Bolsonaro), travou uma guerra com veículos
noticiosos em busca de poder dentro do campo da rede. A busca por descredibilizar e ser a fonte da
verdade pode se entender como a busca por capital simbólico (BOURDIEU, 1989), se posicionar acima
dos veículos da mídia tradicional desse campo se mostrou a disputa de poder do presidente e seu
filho. É como um tweet do presidente no dia 22 de janeiro com uma foto dele mesmo mexendo em seu
celular acompanhada do texto: “Bolsonaro usando sua arma mortal que deixa a ‘imprensa’
aterrorizada!” seguida de emoticons de risada.
Carlos Bolsonaro, inclusive utiliza a conta do pai para promover a própria e assim acumular
capital (seguidores, curtidas e retweets) e legitimar suas postagens. Não obstante as disputas no
campo político também se transferem para essas redes. Partidos de esquerda são tidos como inimigos
da família Bolsonaro e logo também do Brasil pelos perfis analisados, países como Cuba e Venezuela
são “ditaduras sanguinárias” e Estados Unidos da América e Israel são amigos do povo brasileiro.
Jair Bolsonaro desponta como o político que melhor soube usar as redes sociais até o momento
no Brasil e isso se deve muito a seu filho Carlos Bolsonaro. Sua chegada no Twitter ocorreu após
muito amadurecimento no Facebook, rede que possui uma linguagem um pouco diferente, porém
mesmo assim seu perfil não se comporta de maneira engessada como de personalidades políticas tem
costume de se comportar, ao contrário parece até um “jovem” ou mesmo um “tiozão” na rede social. A
interação com mensagens de bom dia e emoticons acontecem desde a eleição, como também tratar a
oposição e eleitores da oposição de forma irônica. Carlos Bolsonaro agiu tão bem modelando a
imagem do pai nas redes que deixou de ser apenas um filho e agora é reconhecido por seus feitos.
O estudo apresentado é um recorte apenas de um período e que envolve uma série de variáveis
tanto do ponto de vista político como também comunicacional. Nesse sentido, o intuito foi lançar
questões para que se possa pensar sobre a relação entre mídia, poder e o papel cada vez mais
importante da internet e das redes sociais.

Referências
ARENDT, Hannah. A Condição Humana. 10º ed. Rio de Janeiro: Ed. Forense Universitária, 2007;
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011, p. 229
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro : Bertrand Brasil, 1989.
HABERMAS, J. Mudança estrutural da Esfera Pública. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984
.__________. Direito e democracia, volume II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.
JENKINS, Henry. Cultura da convergência: A colisão entre os velhos e novos meios de comunicação. São
Paulo: Aleph, 2009.
MARQUES, F. P. J. A. e MONT’ALVERNE, C.. Twitter, eleições e poder local: um estudo sobre os vereadores
de Fortaleza. Revista Contemporanea/Comunicação e Cultura, vol. 11, n.2, 2013, p. 322-347.
MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensão do homem: Understanding Media. São
Paulo, Editora Cultrix. 1969, p.407.
MIGUEL, Luís Felipe. Capital político e carreira eleitoral: algumas variáveis na eleição do Congresso
brasileiro. Rev. Sociol. Polit. [online]. 2003, n,20, pp.115- 134. ISSN 1678-9873. Disponível em <
http://dx.doi.org/10.1590/S0104-44782003000100010> Acesso em 20 de novembro de 2018.
RECUERO, Raquel; ZAGO, Gabriela; SOARES, Felipe Bonow. Mídia social e filtros-bolha nas conversações
políticas no Twitter. In Compós 2017. Anais, São Paulo, 2017.
THOMPSON, J. B. A mídia e a modernidade. Petrópolis: Vozes, 1998.
_________________ A Nova Visibilidade. Revista Matrizes, nº2, São Paulo. 2008.

1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Pesquisas de Comunicação Política no âmbito da Graduação no I Simpósio
Nacional de Comunicação Política, Eleições e Campanha Permanente, 27 a 28 de março de 2019.

2 Graduado em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade Federal de São João Del Rei, e-mail vinivicinin@gmail.com.

3 Graduada em Comunicação Social-Jornalismo pela Universidade Federal de São João del-Rei. Aluna de disciplina isolada no
Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Juiz de Fora, iolandapedrosa.jor@gmail.com.

4 As redes podem provocar escândalos, mas também são o primeiro meio procurado para reverter situações indesejadas. O
contato direto e imediato com os seguidores é utilizado para esclarecimentos.

5 A notícia publicada no dia 18 de outubrode 2018 pode ser acessada em


https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/10/empresarios-bancam-campanha-contra-o-pt-pelo-whatsapp.shtml. Acesso feito no dia 10
de novembro de 2018.
6 A notícia publicada no dia 9 de abril de 2019 pode ser acessada em https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/04/carlos-me-
pos-na-presidencia-e-deveria-ser-ministro-diz-bolsonaro-sobre-filho.shtml?utm_source=facebook&utm_medium=social-
media&utm_campaign=noticias&utm_content=geral. Acesso feito no dia 10 de abril de 2019.
7 Como apresentado na Gráfico 1 o número de respostas foi quase idêntico, porém a diferença entre as respostas a IDs e a @s
indica quantos tweets próprios foram respondidos.
CAPÍTULO 43

Mídia, poder e opinião pública: a migração de jornalistas dos veículos


tradicionais para o Youtube – uma análise do Painel WW1

Rachel dos Santos SILVA2


Luciene Fátima TÓFOLI3

1. Introdução

Parte-se da compreensão de que o jornalismo atua na construção social da realidade (BERGER E


LUCKMANN, 1985), configurando-se como um importante ator social e político na
contemporaneidade. Em função da expansão das mídias digitais e do que Braga (2012) denomina de
fenômeno da midiatização, há o surgimento e proliferação de canais informativos e comunicacionais
que, de certa forma, se contrapõem ao poder dos campos simbólicos instituídos (BOURDIEU, 1989).
Isso fica evidente no contraponto existente hoje, no campo jornalístico, em face dos novos espaços
informativos no ciberespaço, que revelam um fluxo migratório de importantes profissionais antes
vinculados a mídias tradicionais. Em alguns casos, eles mantêm a jornada nos veículos massivos, mas
já criaram seus canais próprios.
O enxugamento das redações, que tem causado demissões em massa de jornalistas, também
colabora para que esses profissionais busquem seu lugar nos meios digitais. Um levantamento
publicado, em 2016, pelo Portal Comunique-se, revela que mais de 1400 jornalistas foram demitidos
no ano anterior. O grupo Abril, que edita, entre outras, a revista Veja, fechou o ano de 2018 com 60
demitidos, encerrando a versão impressa das revistas Veja BH e Veja Brasília. A revista Placar, outra
publicação tradicional da Abril, com 45 anos, foi transferida para a Editora Caras, acompanhada de
outros títulos, entre eles, Arquitetura & Construção, Contigo, Tititi, Você RH e Você S/A. Marcas como
a Exame, PME e Capricho foram encerradas e passaram a ser trabalhadas apenas no ambiente
virtual.
Para além desses motivos, há muitos outros que podem levar um jornalista a perder seu posto de
trabalho nas mídias tradicionais, como no caso do ex-âncora do Jornal da Globo, William Waack. Na
emissora há 21 anos, ele foi demitido, em 2017, depois do vazamento de um áudio em que,
supostamente, fazia comentários de cunho racista. Entretanto, Waack continuou no jornalismo com a
criação do Painel WW, veiculado pela internet.
A peça central do Painel WW é um programa semanal de debates comandado por William Waack,
transmitido ao vivo sempre às sextas-feiras, às 14 h, pelo site oficial do projeto
(www.painelww.com.br), pelo canal do Painel WW no YouTube, pela página no Facebook, pela
emissora pioneira em transmissões online no Brasil, a ALLTV (www.alltv.com.br) e pelo site InfoMoney
(www.infomoney.com.br), ligado à XP Investimentos, que patrocina o projeto.
A realização do PainelWW é da Infiniti Produções e o conteúdo editorial, a divulgação e a gestão
da presença do projeto nas redes sociais é da MediaLink Comunicação Corporativa. O site do Painel,
hospeda, além dos programas que são transmitidos ao vivo, um blog, com os textos publicados por
William Waack, em sua coluna, no jornal O Estado de São Paulo, e também podcasts. Atualmente, o
Painel WW conta com quase 600 mil inscritos e mais de 25 milhões de visualizações.
Este artigo visa, portanto, a análise do Painel WW, especificamente dos programas de debates, do
qual participam convidados e a platéia, composta por alunos de diversas faculdades. Por meio de um
estudo de caso do Painel WW, analisamos como o jornalista utiliza o espaço do programa para se
posicionar política e ideologicamente, haja vista não estar mais à serviço de uma corporação
midiática, como a Rede Globo, que, em última instância, é, também, uma empresa com finalidade
comercial, que visa ao lucro.
Por várias vezes, Waack, declarou, em seu novo e próprio canal, que a finalidade do programa é
proporcionar uma democratização do debate, por meio da participação da plateia composta por
estudantes. Mas, será que a proposta se efetiva de forma prática? Para nos debruçarmos
cientificamente sobre a questão, criamos algumas categorias de análise, advindas das próprias teorias
que embasa o fazer jornalístico como um ofício que se dedica à divulgação das informações de
interesse público. Desta forma, vamos analisar o tema dos programas; os conceitos ideológicos
discutidos; as fontes entrevistadas e as perguntas e intervenções feitas pelo entrevistador como forma
de conduzir o debate.

2 Jornalismo como palco da democracia e do pluralismo

Teoricamente, o jornalismo seria palco da democracia. James Carey afirma que jornalismo e
democracia são uma só realidade, na medida em que “o jornalismo como prática apenas é concebível
no contexto da democracia; de fato, jornalismo pode ser com vantagem entendido como outro nome
para democracia” (CARREY apud FERREIRA, 2011).
Schudson (2008) vai dizer que nas sociedades onde há democracia, o jornalismo encontra-se ao
seu serviço, podendo provê-la de um conjunto de funções com potencial para contribuir para a sua
estabilização e aprofundamento. Nessa mesma linha, Biroli e Miguel (2017) entendem que o
jornalismo enquanto sistema que reúne, seleciona, hierarquiza, organiza e vende informações sobre a
atualidade, possui um impacto político muito direto. Eles apontam o jornalismo como o lugar para
onde se dirigem os formadores de opinião e candidatos a lideranças políticas. É dele que o público
retira o material que contribui de maneira mais ostensiva para seu entendimento das alternativas
políticas existentes a cada momento. É dele, também, que as novas formas de sociabilidade, como as
redes sociais, retiram a maior parte do material que discutem e reinterpretam em seus próprios
espaços.
Como prática social, o jornalismo se constitui em torno de um conjunto de valores que sustenta
sua pretensão de expor o mundo “tal qual ele é” a seu público. Os ideais clássicos de
imparcialidade, neutralidade e objetividade podem ter sido desafiados por percepções mais complexas
dos processos de produção de notícias, mas continuam ocupando produção central na autoimagem
dos jornalistas, na constituição dos esquemas de atribuição de valor a seu trabalho. Ao lado da
imparcialidade e seus correlatos, há outro valor perseguido pelo jornalismo: o pluralismo. Se não é
possível atingir o ponto arquimediano a que a imparcialidade aspira, podemos ao menos alcançar um
sucedâneo dela ao expor todas as múltiplas parcialidades. Há um movimento similar ao que ocorre na
teoria democrática, em que o ideal de “governo do povo” tende ceder passo à ideia de que as decisões
seriam tomadas em resposta à pressão de múltiplas minorias. Com isso, a partir da metade do século
XX, o pluralismo se tornou uma espécie de “índice” da democracia (BIROLI; MIGUEL 2017).

2.1 Democracia e internet

A expansão da internet tem demonstrado o importante papel que as redes possuem como espaço
de democratização da informação. O que não acontece com facilidade nos veículos de massa como o
rádio e a televisão, devido ao alto custo de instalação e manutenção deles. Dessa forma, são veículos
com uma menor abertura à participação popular na definição de suas pautas, resultando na
probabilidade de a organização deles reiterar a exclusão da pluralidade de opiniões. Com isso,
destaca-se o papel desempenhado pela rede mundial de computadores na difusão de informações.
Encontram-se nela maiores chances de obtenção de informação por fontes diferentes, com filiações
político-partidárias distintas, assim como maiores possibilidades de os cidadãos, em páginas pessoais,
redes sociais, blogs e envio de mensagens abertas, explicitarem suas insatisfações, reivindicações e
propostas (OLIVEIRA, 2013)
Em uma perspectiva teórica, a potencial ampliação da participação política fomentada pela
internet tornaria mais próxima a realização do ideal da democracia direta, uma vez que seria
disponível a todos os cidadãos a manifestação explícita de suas posições sobre as questões políticas,
pontuais ou mais abrangentes, que lhes dissessem respeito e afetassem diretamente suas vidas e a
condução de seus países – o que ensejaria a possibilidade de uma gestão política intermediada
eletronicamente, um E-government (ROY, 2003, p. 3).
A internet, originalmente, diferenciava-se de outros meios de comunicação por estabelecer nova
relação entre o transmissor e o receptor da informação. Nos veículos convencionais, o transmissor
definia unilateralmente o seu conteúdo; entretanto, no ambiente digital, o receptor pode fornecer
critérios para que sejam filtradas e selecionadas as informações que tendem a interessá-lo mais, razão
por que se cogitou que a inteligência na definição do dado veiculado poderia ser repartida entre o
transmissor e o receptor (NEGROPONTE, 1995, p. 25).

2.2 A teoria bourdiesiana dos Campos e o Jornalismo

Uma tese que reverbera até hoje, formulada pelo sociólogo Pierre Bourdieu (1989) para explicar
o funcionamento da sociedade é a Teoria dos Campos. Na concepção do francês, economia e política
são os dominantes, em torno dos quais orbitam os demais. Entretanto, ainda que inferior a eles, o
campo jornalístico vai funcionar como um legitimador das ações dos campos político e econômico,
formando com estes, uma intricada rede de interesses. Para Bourdieu, o campo jornalístico produz e
impõe uma visão inteiramente particular do campo político, que encontra seu princípio no campo
jornalístico e os interesses específicos dos jornalistas que aí se geram (BOURDIEU, 1989).
Tófoli (2016) explica que a partir das próprias observações de Bourdieu, o campo jornalístico,
como outros, tem invariantes estruturais que, nesse caso, se traduzem em duas lógicas opostas e duas
formas de legitimação. A primeira é a autônoma, em que os pares conferem legitimidade àqueles que
respeitam os valores internos do campo. A segunda é heterônoma e, no caso do Jornalismo, legitimar
os produtos desse campo será uma operação feita de fora, pelo público, pela audiência, pela lógica
própria do mercado, que visa à audiência e ao lucro, numa injunção que incidirá, segundo a análise de
Bourdieu, diretamente na forma de produção do campo e de seus agentes.

O grau de autonomia de um órgão de difusão se mede sem dúvida pela parcela de suas receitas que provém
da publicidade e da ajuda do Estado (sob a forma de publicidade ou de subvenção) e também pelo grau de
concentração dos anunciantes. Quanto ao grau de autonomia de um jornalista particular, depende em
primeiro lugar do grau de concentração da imprensa (que, reduzindo o número de empregadores
potenciais, aumenta a insegurança do emprego); em seguida, da posição de seu jornal no espaço dos
jornais, isto é, mais ou menos perto do pólo ‘intelectual’ ou do pólo ‘comercial’; depois, de sua posição no
jornal ou órgão de imprensa (efetivo, free-lancer etc.) (BOURDIEU, 1997, p. 102-103).

Barros (2015) conversa com a proposta de Bourdieu quando afirma que os meios de comunicação
potencializam a construção de pesos simbólicos que se difundem na esfera pública, dando suporte a
diversas pautas da sociedade. Para ele, os meios de comunicação sempre foram permeados por
formas de controle, de modo que a ingerência comercial, política, ideológica e econômica propiciou a
consolidação de potenciais grupos e empresas desta seara. Nesse sentido, se pode vislumbrar o duplo
caráter que a mídia pode desempenhar no contexto social, atuando como ferramenta auxiliadora no
processo democrático, bem como pode subverter o espaço de diálogo, uma vez que centraliza
trivialidades e potencializa discursos descompromissados e sem aderência.
A comunicação é parte integrante da existência humana, de forma que todos os seus
instrumentos devam ser utilizados em prol da proteção dos direitos humanos, ou seja, em total
consonância e conformidade com os ideais de um Estado Democrático de Direito. Contudo, não há
que se falar em comunicação livre quando os veículos formadores da consciência pública e que
propiciam a exasperação da informação são controlados e tem a ingerência de alguns pequenos e
isolados grupos (Barros, 2015).

2.3 As teorias do Jornalismo: o Gatekeeper e Agenda-setting

O termo gatekeeper refere-se à pessoa que toma uma decisão numa sequência de decisões.
Nessa teoria, o processo de produção da informação é concebido como uma série de escolhas, onde o
fluxo de notícias tem que passar por diversas por diversos gates, isto é, portões, que não são mais do
que áreas de decisão em relação às quais os jornalistas, isto é, o gatekeeper, tem de decidir se vai
escolher essa notícia ou não. Se a decisão for positiva, a notícia acaba por passar pelo portão, se não,
a sua progressão é impedida, o que na prática significa a sua morte uma vez que não será publicada
(Traquina, 2005).
A Teoria do gatekeeper analisa as notícias apenas a partir de quem as seleciona, os jornalistas.
Assim, é uma teoria que privilegia apenas uma abordagem microssociológica, ao nível do indivíduo,
ignorando por completo quaisquer fatores macrossociológicos. É, assim, uma teoria que se situa ao
nível da pessoa jornalista, individualizando uma função que tem uma dimensão burocrática inserida
numa organização.
Por outro lado, focando especificamente na definição de agenda da mídia, Lang e Lang (1966)
observam que a mídia de massa força a atenção para certas questões. Eles constroem para o público
imagens de figuras políticas e estão, constantemente, apresentando objetos, sugerindo o que os
indivíduos devem pensar, conhecer e sentir. Tofóli (2016) explica que a Agenda-setting, ou teoria dos
efeitos a longo prazo, vai focar no poder que os meios de comunicação têm em estabelecer uma
agenda de assuntos para o público. Aborda, ainda, o teórico Wolf (2003), que esclarece que a Agenda-
setting não parte do princípio de que a mídia determine o ponto de vista do público, mas, a partir
daquilo que mostra como sendo a realidade, dos assuntos que publica diariamente, vai elencar fatos a
respeito daquilo que se pode discutir e ter uma opinião: “A reivindicação básica da teoria do
agendamento é que a compreensão das pessoas em relação à grande parte da realidade social seja
copiada da mídia” (SHAW, 1979, p. 101, tradução nossa).

3 O canal WW: análise de conteúdo

O Painel WW, criado pelo jornalista William Waack, ex-âncora do Jornal da Globo e colunista do
jornal O Estado de São Paulo, está no ar há um ano e quatro meses, sendo veiculado por vários
canais na internet, pela emissora pioneira em transmissões online no Brasil, a allTV
(www.alltv.com.br) e pelo site InfoMoney (www.infomoney.com.br), ligado à XP Investimentos, uma
corretora de valores, que patrocina o projeto.
Para análise neste artigo, selecionamos o programa semanal de debates onde, além do
apresentador e convidados, há uma plateia que, ao final da edição, participa com perguntas. Os
programas têm, em torno de 50 minutos de produção, com um intervalo comercial do patrocinador. O
formato é fixo: três convidados mais o apresentador ocupam um espaço central com cadeiras
distribuídas em um círculo e a plateia ao redor.
Ao todo, foram produzidos pelo Painel WW, 38 programas neste formato. O primeiro foi ao ar em
13 de abril e o último em 30 de novembro de 2018, portanto, no período que antecedeu e sucedeu as
eleições presidenciais do ano passado. Embora o Painel WW continue ativo com programas em outros
formatos, o de entrevistas e com plateia ainda não teve nenhuma edição em 2019.
Diante do grande volume de material, e para efeito desta análise, selecionamos as três peças
com o maior número de visualizações (segundo dados de 30 de abril de 2018), sendo “Bolsonaro e o
seu bolso”, exibido dia 31 de outubro de 2018, com aproximadamente 257.000 visualizações, “E
agora, Jair?”, exibido no dia 26 de outubro de 2018, com aproximadamente 195.000 visualizações e
“Jair, o que a gente vai dizer”, exibido no dia 30 de novembro de 2018, com aproximadamente
139.000 visualizações.
Os critérios de análise, conforme já descritos anteriormente, são: o tema dos programas, os
conceitos-chave utilizados, as fontes e as perguntas/comentários feitos pelo apresentador.

3.1 Os temas

A maior parte dos 38 programas de debate apresentada pelo Painel WW em 2018 divide-se entre
economia e política, com mais de 90% de incidência, embora na descrição do projeto, disponível na
internet (www.paneilww.com.br), não haja nenhuma observação sobre a linha editorial do programa
ou dos setores a que se dedica, a não ser a de que se trata de um programa de debates. Os três
episódios analisados neste artigo abordam política, mais especificamente as eleições presidenciais e
as perspectivas do novo governo Jair Bolsonaro, com suas implicações políticas e econômicas.
Diante disso, pode-se inferir que, como principal gatekeeper, Waack, que destaca sua
independência editorial na peça que faz a propaganda de seu programa, está preocupado em agendar
como temas relevantes de discussão política e economia, ainda que haja outros assuntos importantes
advindos de uma discussão sobre a perspectiva de um novo governo como educação e saúde, por
exemplo.
Diante destes fatos, é necessária uma remissão a Bourdieu para reconhecer que o programa
replica a lógica da teoria do sociólogo francês onde os campos dominantes, política e economia,
ganham visibilidade e as opiniões sobre esses assuntos ganham legitimidade a partir da discussão
pública trazida pelo campo jornalístico. Ou como bem observa Bourdieu (2011):

Uma das transformações mais importantes da política, de uns vinte anos para cá, está ligada ao fato de que
agentes que podiam considerar-se, ou ser considerados, como espectadores do campo político, tornaram-se
agentes em primeira pessoa. Quero referir-me aos jornalistas e, especialmente, aos jornalistas de televisão
e, também, aos especialistas em pesquisa de opinião. Para descrever o campo político atualmente, é preciso
incluir essas categorias de agentes, pela simples razão de que eles produzem efeitos nesse campo.

3.2 Conceitos e termos utilizados

A partir do momento em que, tendo em vista a teoria bourdieusiana, o jornalista pode ser
considerado como um agente não apenas do próprio campo, mas também dos campos de poder, como
político e econômico, como no caso em que estamos considerando, é interessante observar a
complexa operação levada a termo por Waack como forma de tornar o debate, que deveria ser do
interesse comum, numa discussão elitista e incompreensível ao público em geral.
Nos diversos programas levados ao ar, e particularmente nos três analisados aqui, os temas são
complexificados por expressões próprias dos campos de poder que se tornam inalcançáveis pelo
público em geral, como se fosse usado um dialeto acessível apenas aos iniciados. Exemplo disso são
expressões como déficit, taxa Selic, ajuste fiscal, globalismo, heterodoxia, agenda econômica, Brexit,
G20, situação fiscal dos estados, receita líquida, perda de arrecadação, reforma tributária, etc. Além
disso, são elencados números e elementos estatísticos que fogem não apenas à compreensão do senso
comum mas também são usados como comprobatórios indiscutíveis de uma realidade econômica
legitimada pela discussão feita naquele momento, ou seja, não há qualquer questionamento com
relação aos dados. Na verdade, como lembra Bourdieu, cada campo funciona como um microcosmo e
aqueles que dele não são nativos ou não se adaptam, estão excluídos:

Como o campo religioso, o campo político repousa sobre uma separação entre os profissionais e os
profanos.[...] Quais são os fundamentos da fronteira, muitas vezes invisível, entre os profissionais e os
profanos? [...] No campo religioso, há os laicos e os clérigos. [...]Tendo dito isso, o que fiz foi apenas
relembrar as condições sociais do funcionamento do campo político como um lugar em que certo número
de pessoas, que preenchem as condições de acesso, joga um jogo particular do qual os outros estão
excluídos. É importante saber que o universo político repousa sobre uma exclusão, um desapossamento.
Quanto mais o campo político se constitui, mais ele se autonomiza, mais se profissionaliza, mais os
profissionais tendem a ver os profanos com uma espécie de comiseração (BOURDIEU, 2011).

3.3 As fontes

A escolha das fontes, principalmente no caso de assuntos tão complexos, como política e
economia, reveste-se de vários aspectos que demandam uma análise mais acurada. Num primeiro
momento, como proprietário/enunciador do Painel WW, onde Waack afirma ter total liberdade de
expressão, deduz-se que a seleção dos entrevistados obedeça a uma opção pessoal do apresentador.
Entretanto, sob a ótica da tese bourdieusiana de que o jornalista é também um agente dos
campos de poder, não podemos concordar que esta seleção seja aleatória. Certamente, além de
obedecer a critérios objetivos, como o fato da entrevistado ser uma autoridade no assunto, a escolha
das fontes vai obedecer a critérios insuspeitáveis aos olhos do espectador.
Nas 38 edições de seu programa de entrevistas, os convidados tinham o seguinte perfil:
cientistas políticos, economistas, jornalistas, sociólogos, representantes partidários, profissionais de
relações internacionais, administradores, consultor em segurança pública, analista de finanças
públicas, professor de direito e filósofo. Ao todo, foram 72 convidados, sendo que alguns participaram
em mais de uma edição. Deste total, 35, ou seja, 48,61% são ligados ao mundo corporativo com um
claro posicionamento em favor do liberalismo econômico, ou seja, alinhados à defesa de mercado.
Além disso, não havia, nos programas aqui analisados, a defesa do contraditório. De maneira geral, as
fontes concordavam entre si e com o próprio entrevistador na defesa de uma política econômica
liberal, com estado mínimo, em favor de privatizações e em sintonia com o mercado, num índice claro
de que, inclusive na escolha das fontes, Waack exerceu mais uma vez seu papel de gatekeeper e
agendador dos assuntos que lhe interessavam sob a ótica que também defendia, como acentua Melo
(2003, p. 131):

A fonte ativa determina o tom do discurso do jornalista. O próprio autor do texto jornalístico mistura sua
voz com a voz da fonte ativa. Ambos operando na mesma formação discursiva, o discurso dominante, o que
ocorre de modo subliminar e, até certo ponto, imperceptível pelo jornalista. O grau e o nível hierárquico da
fonte e seu papel na estrutura social e de poder indicam a sua importância. São fontes ativas as fontes
institucionais, consideradas mais confiáveis, representantes de segmentos sociais de peso econômico,
político, social e religioso. Mesmo não sendo autor consciente de um discurso, mas efeito dos sentidos que
reproduz, a fonte ativa, para o jorna lismo, constitui-se num sujeito associado a uma formação discursiva,
da qual torna-se uma espécie de porta-voz.

Desta forma, depreende-se que as fontes jornalísticas são porta-vozes dos campos de força aos
quais pertencem e que se fazem representar discursivamente na mídia.
Confira, abaixo, os participantes dos três programas analisados aqui e os respectivos perfis:
E agora, Jair- 26/10/2018

Convidados CARLOS MELO - Cientista político e professor do INSPER


JOSÉ ROBERTO GUZZO -Jornalista, colunista da revista Veja
RENATO DOLCI - Cientista político, especialista em ‘data science’ e ‘digital transformation’ com análise em
pesquisas

Bolsonaro e o seu bolso - 31/10/2018

Convidados MARCOS LISBOA (economista - presidente do INSPER)


SAMUEL PESSÔA (economista - professor da FGV-SP)
ZEINA LATIF (economista e estrategista-chefe da XP Investimentos).

Jair, o que a gente vai dizer?- 30/11/2018

Convidados JOSÉ AUGUSTO GUILHON ALBUQUERQUE - Professor titular de Ciência Política e Relações Internacionais
da USP
LOURIVAL SANT’ANNA - Jornalista especializado em temas internacionais. Tem coluna no jornal O Estado de
São Paulo
RUBENS BARBOSA - Diplomata, foi embaixador em Washington e é consultor de negócios e presidente do
Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP

3.4 Perguntas, comentários e o mito do objetividade

Nas considerações acerca do Campo Jornalístico, Bourdieu vai tratar das duas lógicas que
conferem reconhecimento aos membros do grupo: uma autônoma, ou seja, interna, onde a
legitimidade é conferida pelos próprios pares, e, outra, heterônoma, e, no caso do Jornalismo,
legitimar os produtos desse campo é uma operação feita de fora, pelo público, pela audiência, pela
lógica própria do mercado, que visa à audiência e ao lucro, numa injunção que incidirá, segundo a
análise de Bourdieu (1997), diretamente na forma de produção do campo e de seus agentes:

O grau de autonomia de um órgão de difusão se mede sem dúvida pela parcela de suas receitas que provém
da publicidade e da ajuda do Estado (sob a forma de publicidade ou de subvenção) e também pelo grau de
concentração dos anunciantes. Quanto ao grau de autonomia de um jornalista particular, depende em
primeiro lugar do grau de concentração da imprensa (que, reduzindo o número de empregadores
potenciais, aumenta a insegurança do emprego); em seguida, da posição de seu jornal no espaço dos
jornais, isto é, mais ou menos perto do pólo ‘intelectual’ ou do pólo ‘comercial’; depois, de sua posição no
jornal ou órgão de imprensa (efetivo, free-lancer etc.), que determina as diferentes garantias estatuárias
(ligadas sobretudo à notoriedade) de que ele dispõe e também seu salário (fator de menor vulnerabilidade
às formas suaves de relações públicas e de menor dependência com relação aos trabalhos de sustento ou
mercenários através dos quais se exerce a influência dos patrocinadores); e, enfim, de sua capacidade de
produção autônoma da informação (sendo certos jornalistas, como os vulgarizadores científicos ou os
jornalistas econômicos, particularmente dependentes). (BOURDIEU, 1997, p. 102-103).

Bourdieu defende, dessa forma, que esse segundo modo será preponderante no campo do
Jornalismo, o que vai aproximá-lo muito mais do polo comercial, tornando-o, por um lado, mais
vulnerável aos campos de poder – econômico e político –, ao mesmo tempo em que reforçará a
questão comercial também nos demais campos, mesmo naqueles historicamente mais autônomos à
pressão do mercado.
Diante dessa complexa equação e na luta pela autonomização do campo, foram necessárias a
criação e adoção de padrões e normas profissionais, como a entronização dos mitos da objetividade e
imparcialidade jornalísticas como formas de se legitimar uma produção discursiva sobre o mundo que
se pretende verdadeira, mas que servirão para escamotear um processo de construção social dessa
mesma realidade, mediada pelos agentes do campo jornalístico. E, é justamente a partir dessas
observações que partimos para o último ponto de análise deste artigo: as perguntas, os comentários
como fatores de construção discursiva.
O primeiro ponto que merece destaque é o fato de que o Painel WW, ainda que seu idealizador
insista na tese de independência, é patrocinado por uma corretora de seguros, representante do
liberalismo econômico, em essência. Ainda que não haja uma ingerência direta, não é tranquilo
aceitar o argumento de total isenção.
Por outro lado, e focando detidamente a atuação de Waack enquanto apresentador, é possível
perceber de que forma ele atua colocando sua opinião pessoal travestida de perguntas. Isso sem
deixar de mencionar que as contextualizações são extensas, o que pode gerar dificuldade de
compreensão sobre o que está sendo abordado.
No programa “Bolsonaro e o seu bolso”, por exemplo, exibido no dia 31 de outubro de 2018, ele
trabalha o que os convidados responderam, coloca a opinião dele, para somente depois fazer a
pergunta. E isso acontece a todo o momento.

Um ponto que vocês trouxeram a discussão e que me pareceu relevante, sobretudo, pelo que, na minha
interpretação, a dificuldade das pessoas de entender que a questão do déficit não é apenas uma questão da
união, mas ela pode ser até muito mais grave se a gente considerar o ente do município, o ente do Estado, é
esse relacionamento entre governadores quebrados, que podem tomar uma greve de PMs pela frente, como
aconteceu no Espírito Santo, que ironicamente é um Estado que tinha feito a lição de casa do ponto de vista
fiscal, e um governo federal com as suas próprias dificuldades. Como que você acha que vai se dar esse
jogo, levando em consideração o fato de que muitos governadores, aparentemente, também não
expressaram um reconhecimento claro da situação que eles vão enfrentar? (BOLSONARO...)

4. Considerações Finais

Pode-se inferir que o grau de autonomia do programa em questão sofre influência nos temas que
debate, observando como aponta Bourdieu (1997), as receitas do programa, que é patrocinado por
uma empresa que presta assessoria no ramo de investimentos. Dessa forma, reforça o vínculo do
apresentador com o meio corporativo. Ainda conversando com Bourdieu, os temas abordados fazem
parte dos campos dominantes, o político e o econômico. E, por meio do campo jornalístico, o
apresentador usa os dois últimos campos citados para reforçar suas ideologias.
Além disso, a maior parte das fontes convidadas do programa também é ligada ao meio
corporativo. São proprietários ou sócios de grandes empresas. Pode-se observar também que
determinados convidados são repetidos em várias edições do programa, reforçando que aqueles que
possuem uma ideologia política e econômica mais próximas do apresentador são os que participam
mais. Lima (2014) afirma que para haver uma pluralidade de vozes no espaço democrático é
necessário que haja uma pluralidade de fontes. Do contrário, a verdadeira democratização não será
uma realidade, como o que ocorre no Painel WW. Neste contexto, a escolha das fontes e dos temas vão
colaborar para o que Barros (2015) afirma quando diz que a mídia também pode ser usada para
subverter o espaço de diálogo ao invés de torná-lo democrático. Dialoga, também, com Ramonet
(2013) que afirma que os meios de comunicação, essenciais à democracia, têm gerado problemas ao
sistema democrático ao se colocarem a serviço dos interesses dos grupos que os controlam.
É bastante difundido o entendimento de que o jornalismo atua como partido quando a atividade
jornalística coincide com a atividade política, isto é, se define e se identifica pela defesa de uma
plataforma, de uma causa ou de um conjunto de interesses que estão relacionados a um partido ou
posição político-partidária em particular (BIROLI; MIGUEL, 2017). Segundo Biroli, quando o
jornalista segue essa linha, ele atua como um gestor de consensos, colaborando para definir o que
está em disputa ou o que pode estar legitimamente em disputa.
E, finalmente, relembrando o que diz Bourdieu, o programa abordado reafirma a tese do teórico
francês de que, embora dominado, o campo jornalístico perpassa e legitima os campos de poder, como
política e economia. E, no caso específico, o apresentador atua como se fora membro dos próprios
campos de poder, definindo o que e como abordar os assuntos que interessam às elites dominantes.

REFERÊNCIAS:
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BOURDIEU, Pierre. O campo político. Revista Brasileira de Ciência Política. Brasília. Julho de 2011.
Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-33522011000100008.
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SCHUDSON, M. Why democracies need an unlovable press. Malden: Polity Press, 2008.
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de doutoramento apresentada à Universidade Federal de Juiz de Fora. Juiz de Fora, 2016.
TRAQUINA, N. Teorias do jornalismo: porque as notícias são como são. Florianópolis: Insular, 2005. v.1.

1 Trabalho apresentado no GT 6 - Pesquisas no âmbito da Graduação, I Simpósio Nacional de Comunicação Política, Eleições e
Campanha Permanente, 27 a 28 de março de 2019.

2 Graduanda do sétimo período do Curso de Comunicação Social – Jornalismo e integrante do Projeto Institucional de Iniciação
Científica (PIIC) da UFSJ, intitulado “A migração de jornalistas dos veículos tradicionais para o youtube”, sob a orientação da professora
Dra. Luciene Tófoli. E-mail: racheldossantos.silva@hotmail.com

3 Doutora e Mestra em Estudos Literários pela UFJF, graduada em Jornalismo pela UFJF, docente e coordenadora do Curso de
Comunicação Social – Jornalismo da Universidade Federal de São João del-Rei. E-mail: lucienetofoli@ufsj.edu.br
CAPÍTULO 44

O EPISÓDIO “GOLDEN SHOWER” E A COBERTURA DA FOLHA DE S. PAULO


SOBRE O GOVERNO BOLSONARO (PSL): DISPUTAS DE SENTIDO E DE
PODER1

Rafael Augusto da Silveira2


Willian José de Carvalho3
Kellen Lanna Ferreira dos Reis4

1. Introdução

Jair Messias Bolsonaro é um político brasileiro que possui uma carreira política de mais de 30
anos. Após sua saída do Exército Brasileiro e se tornar membro da reserva, Bolsonaro ingressou na
carreira política ao disputar em 1988 o cargo de vereador pelo Rio de Janeiro pelo Partido Democrata
Cristão (PDC), onde saíra vencedor. Em 1990, candidatou-se a deputado federal pelo estado do Rio de
Janeiro. Foi o candidato mais votado, com apoio de 6% do eleitorado fluminense (464 mil votos), sendo
reeleito por seis vezes passando por diversos partidos. Durante seus 27 anos na Câmara dos
Deputados, ficou conhecido por ter uma personalidade controversa por conta de seu discurso de ódio
e de suas visões políticas geralmente caracterizadas como populistas e de extrema-direita, que
incluem a simpatia pela ditadura militar no Brasil (1964–1985) e a defesa das práticas de tortura por
aquele regime. Além dessas posturas, o político ganhou espaço na mídia por suas declarações
conservadores e preconceituosas, principalmente contra mulheres, homossexuais. Defende a “pauta
de costumes”, baseado na ideia de família tradicional, porte de arma como forma de combater o
crime, além de se colocar criticamente ao que ele chama de doutrinação nas escolas e universidades
em que os alunos estariam recebendo conteúdos marxistas e de linhagem de esquerda. Por isso, ao
longo dos anos, tornou-se conhecido por suas polêmicas quando fez declarações machistas,
homofóbicas e, principalmente, de críticas à política de direitos humanos.
Desde 2015, quando se tem uma crise institucional, política e econômica no país, culminando no
impeachment da então presidente Dilma Rousseff (PT), há um declínio da credibilidade dos partidos e
das instituições políticas tradicionais. Partidos como o PT, MDB, PSDB passaram a ser alvo de
investigações de corrupção, tendo vários de seus líderes presos, como o ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva (PT), condenado a 12 anos e 1 mês de prisão, passando a cumprir pena em 6 de abril de
2018, meses antes da eleição em que era o favorito em todas as pesquisas de opinião pública.
Foi neste contexto de descrença com as instituições políticas e com o uso cada vez mais intenso
das mídias digitais que figuras consideradas críticos ao sistema político tradicional ganharam força.
Bolsonaro, apesar de já ter passado por vários partidos tradicionais e ser deputado há 27 anos,
construiu a sua imagem como um outsider. Com a prisão de Lula, ele passou a liderar as pesquisas de
opinião, mas ainda era considerada remota a sua vitória. No entanto, em 06 de setembro de 2018,
num ato de campanha no centro de Juiz de Fora, Bolsonaro levou uma facada no abdômen e teve que
ser levado às pressas para a Santa Casa da cidade, correndo risco de morte. Ficou internado durante
23 dias – a maior parte no Hospital Albert Einstein em São Paulo. Chegou a passar por duas cirurgias
– em Juiz de Fora e posteriormente em São Paulo.
O atentado contra Bolsonaro teve grande repercussão, gerou comoção em parte do eleitorado e
fez com que ele se tornasse o favorito da disputa presidencial. Com 13 candidatos na disputa, o
candidato do PSL disputou o segundo turno contra Fernando Haddad (PT), que substituiu Lula, que
foi impedido de concorrer. Venceu o primeiro e o segundo turno, tornando-se presidente, mesmo com
todas as polêmicas e defendendo uma pauta de direita conservadora.
Desde a campanha, começaram a se tornar mais frequentes os atritos entre Bolsonaro e a grande
imprensa. No dia 18 de outubro de 2018, em plena disputa do segundo turno, a Folha de S. Paulo
divulgou uma reportagem que denunciava que empresários ligados a Bolsonaro tinham encomendado
pacotes de mensagens que foram disparados de forma ilegal contendo fake news contra o candidato
Haddad e a sua vice, Manuela D’Ávila (PC do B). Apesar de não ter gerado um problema legal na
campanha, ajudou a criar um clima de suspeição sobre as estratégias de Bolsonaro.
Além disso, por ter somente 8 segundos no Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE) no
primeiro turno e não tendo como participar dos debates televisivos por recomendações médicas,
Bolsonaro investiu a sua campanha nas mídias digitais, como já vinha fazendo há anos para divulgar
polêmicas e manter a sua visibilidade. Com isso, ganhou milhões de seguidores. Mesmo depois de
eleito, Bolsonaro manteve a sua postura crítica em relação à grande imprensa. Negou-se a dar
entrevistas para veículos do grupo Folha e Globo. Atitude que manteve como presidente da República.
Anunciou ainda que fará cortes nas verbas publicitárias para a grande mídia e em várias postagens no
seu Twitter – tanto Bolsonaro quanto os seus filhos – tem feito críticas à imprensa como divulgadora
de notícias falsas e como organizações que querem desestabilizar o seu governo.
Por outro lado, o campo jornalístico instituído e consolidado no Brasil, como os grupos Folha e
Globo, tem procurado mostrar a sua força, divulgando em menos de 3 meses de governo várias
denúncias contra o governo Bolsonaro. Uma delas envolveu o então ministro da Secretaria-Geral da
Presidência, Gustavo Bebianno, então presidente do PSL e um dos principais articuladores da
campanha do presidente. O ministro foi denunciado por ter envolvimento com candidaturas de
laranjas em Pernambuco, além de embates com os filhos do presidente. Isso levou à demissão de
Bebbiano no dia 18 de fevereiro de 2019.
No dia 05 de março, um novo episódio mostrou como a relação entre o presidente e a imprensa
está cada vez mais tensa. Jair Bolsonaro (PSL), nesta data, postou em suas redes sociais um vídeo com
práticas sexuais em público a fim de classificar que atos como o postado na sua conta do Twitter
acontecem no carnaval brasileiro. O vídeo postado pelo presidente da república retratou uma prática
sexual conhecida pelos adeptos da mesma como “Golden Shower”. A intenção do twitter do
presidente era dizer que atos como este tomaram conta do carnaval de rua no país e esperava uma
resposta da população brasileira a respeito dos valores que estavam em jogo.
A postagem ganhou uma repercussão enorme em pouco tempo. Na página do presidente,
milhares de comentários foram postados de forma rápida. Muitos davam apoio ao teor da fala de
Bolsonaro, porém muitos outros contrariavam a postagem do chefe do Executivo Nacional. Desses
muitos comentários, os usuários contradiziam a fala de Bolsonaro, trazendo imagens e vídeos do que
encontravam nas ruas ao saírem para brincar o carnaval.
A repercussão também ganhou espaço, além das redes sociais, nos veículos tradicionais de
comunicação como jornais, revistas e telejornais. O debate acerca do assunto esteve presente tanto
nas redes sociais como nos espaços dos mass media.
Para entender a relação tensa entre Bolsonaro e a grande imprensa, é preciso remeter a alguns
conceitos da área de Comunicação. Em primeiro lugar, deve-se discutir a emergência do processo de
midiatização, conceito que vem sendo desenvolvido por autores como Hjarvard (2012), Braga (2012),
Fausto Neto (2010), para se referir aos avanços tecnológicos e culturais vinculados às mídias digitais
e ao surgimento de novos circuitos informativos e comunicacionais que colocam em xeque os campos
sociais até então legitimamente instituídos e consolidados, como o campo tradicional da política e o
próprio campo jornalístico. A segunda discussão refere-se ao papel da imprensa como importante ator
político (TRAQUINA, 2001; BERGER & LUCKMANN, 1985), que, por meio de enquadramentos,
seleciona e recorta os fatos a partir de determinadas linhas editoriais. Parte-se da concepção de
enquadramentos e pacotes interpretativos (PORTO, 2004; ENTMAN, 1993; GOFFMAN, 1986).

2. Processo de Midiatização e Novos Circuitos Informacionais

Durante muitos anos, a imprensa tradicional foi a principal fonte de informação dos
acontecimentos noticiosos no mundo. Jornais, revistas, rádio e TV eram meios legítimos para a busca
de informações e talvez por isso, o papel da mídia massiva na construção da realidade sempre foi
muito intenso, mas nunca tão questionado como nos dias atuais. Todavia, mesmo com o surgimento da
internet e sua popularização, estes meios ainda sim realizam este papel junto a população,
especialmente no caso do Brasil, em que a televisão ainda é o meio de comunicação mais utilizado
pelos brasileiros quando estes querem se informar, aparecendo com 63% do percentual dos hábitos
dos usuários. É seguido pela Internet, com 26%, o rádio, com 7%, e o jornal com 3%.5
Novos hábitos de consumo noticioso vêm surgindo na sociedade especialmente com os avanços
tecnológicos. Os dados da PBM 2016 mostram uma tendência importante, que é a diminuição do
papel da televisão como meio prioritário de buscar informações e o crescimento do hábito de buscar
informações na Internet. Para se ter uma ideia, em 2014, quando a Pesquisa Brasileira de Mídia
começou a ser produzida, o percentual de usuários que utilizavam a TV como meio principal era de
76%, enquanto a Internet era de 13%. Ou seja, cada vez mais estamos utilizando diversas ferramentas
midiáticas para nos informar. E com isso há um processo de expansão dos diferentes meios técnicos e
considerar as inter-relações entre a mudança comunicativa dos meios e a mudança sociocultural.
O conceito midiatização é um conceito novo que vem sendo construído por diversos autores que
se dedicam em pesquisas sobre este novo fenômeno na sociedade, especialmente o seu papel no
comportamento das pessoas. Porém, antes, torna-se pertinente compreender o processo de mediação
que esteve em foco por muito tempo no campo da Comunicação. De forma simples, podemos dizer que
uma mediação corresponde a um processo em que um elemento é intercalado entre sujeitos e/ou
ações diversas, organizando as relações entre estes. Esse conceito básico parece se manter em todas
as situações em que a expressão é chamada a nomear o processo (BRAGA, 2012). Ou seja, a ideia de
mediação está ligada com a percepção que cada indivíduo tem da realidade. O nosso relacionamento
com o “real” é sempre (inter) mediado por um estar na realidade, situando-nos a partir de um ponto
de vista, que é social, cultural, psicológico. O individuo vê o mundo pela ótica de sua inserção
histórico-cultural. Diversos elementos são instrumentos mediadores – “a linguagem, a história de vida,
a inserção de classe, as experiências práticas e o “mundo local”, o trabalho, a educação formal
recebida, os campos sociais de inserção” (BRAGA; 2012, p.33).
Ao olhar para o papel da Comunicação neste processo, com o surgimento de uma “mídia de
massa” na forma de indústria cultural, pode-se destacar uma visão de uma sociedade massificada, que
recebia processos informativos e de entretenimento dos mass media que não são controlados pela
sociedade em geral. Assim se criava uma impressão de uma exposição direta da sociedade à mídia,
como entidade passiva diante de um potencial homogenizador. Deste modo, o indivíduo era visto como
um sujeito passivo ante a todas as informações que por ele são consumidas.
Essa visão perdurou por muitos anos, mas Martín-Barbero, em 1980, trouxe um contraponto a
esta premissa, ao levar em consideração a inserção cultural do receptor. Por um lado, propõe a
superação de uma visão objetivista dos meios (da indústria cultural, suas tecnologias, seus produtos),
a serem redirecionados para uma visão relacional na sociedade. Por outro, introduz uma preocupação
da área com a composição daquelas mediações, com os elementos que aí se realizam – mas sobretudo
com o modo, a intensidade, a eficácia de tais mediações (culturais) no enfrentamento de seu par
relacional (a mídia com seus produtos). Essa percepção é relevante, não apenas porque põe em cena o
receptor integrado em seus ambientes – mas também porque começa a fazer perceber os processos
midiatizados.
Antônio Fausto Neto (2008, p. 93) observa que, em um período que se pode denominar
“sociedade dos meios”, as mídias “[...] teriam uma autonomia relativa, face à existência dos demais
campos”. Já na sociedade de midiatização, segundo o autor, a cultura midiática se converte na
referência sobre a qual a estrutura sócio-técnica-discursiva se estabelece, produzindo zonas de
afetação em vários níveis da organização e da dinâmica da própria sociedade.
Por esse e tantos outros motivos, segundo Fausto Neto, não se pode enxergar a mídia como um
corpo estranho na sociedade, ainda mais com a midiatização e o seu processo de aceleração e
diversificação de modos pelas quais a sociedade interage com a sociedade. Mesmo que os processos
de interação estabelecidos como a comunicação face a face por meio da oralidade e a troca
informacional por meio da escrita continuem a definir padrões de comunicação e inferências que de
certo modo organizam a sociedade e suas tentativas, tais processos se transformam para modos mais
complexos, envolvendo a diversidade crescente da midiatização.
Desse modo então, Fausto Neto descreve que com o surgimento e posterior disseminação do
acesso à internet, seus blogs e redes sociais, fez com que passássemos de uma “sociedade dos meios”,
centrada nos meios de comunicação, na qual a transmissão da mensagem seguiria o caminho emissor
para receptor; para uma “sociedade midiatizada”, em que os receptores são ativos no processo da
comunicação.
Todavia, esse processo de midiatização é um processo de dupla face, visto que a mídia se torna
um campo “semi-independente” da sociedade, no qual os demais campos e instituições têm de se
adaptar, obrigando, em maior ou menor grau, que os mesmos se submetam à sua lógica (BRAGA,
2012; HJARVARD, 2012; THOMPSON, 2008). Assim, “a sociedade contemporânea está permeada pela
mídia de tal maneira que ela não pode mais ser considerada como algo separado das instituições
culturais e sociais” (HJARVARD, 2012, P. 54).
Os meios de comunicação moldam novos padrões de interação e, na midiatização, a própria
mídia se confunde com os outros processos sociais, havendo uma virtualização da interação social
(HJARVARD, 2012). A presença do campo midiático e suas instituições torna-se tão intrínseca na
sociedade que não se pode considerá-lo separado dos fatores culturais e sociais. Portanto, a sociedade
midiatizada compreende a influência dos media nos processos sociais, no qual a própria mídia assume
funções sociais antes oferecidas pelas instituições tradicionais.
Outro fator importante a ser levantado é o de que a midiatização ataca a esfera de “legitimidade”
dos campos sociais, fazendo com que eles reelaborarem essa esfera de forma contínua (BRAGA,
2012). Antes, se era necessário passar pela grande mídia acontecimentos para se tornarem notícias,
agora temos vários meios não tradicionais como o Twitter, Facebook e sites, como fonte primária de
veiculação de informações. Essa postura foi e tem sido utilizada constantemente pelo presidente Jair
Bolsonaro, que de certa forma utiliza o seu Twitter como fonte oficial de informação das principais
ações do seu governo.
Ao notar o risco de se perder a legitimidade, os campos sociais se reorganizam de forma a
manter o poder e os limites que possuíam (BRAGA, 2012). Várias empresas midiáticas têm trabalhado
nas ações de fact-checking, ou seja, checam fatos, confrontam histórias com dados, versões e
arquivos, para assim dizer se tal notícia é verdade ou mentira, se é “fato ou fake”. Segundo os
especialistas em checagem de fatos, o fact-checking é uma forma de qualificar o debate público por
meio da apuração jornalística. De chegar e verificar qual é o grau de verdade das informações.
Essa reorganização é também uma estratégia em que a mídia tradicional busca se (re)
credibilizar como aquela que possui legitimidade para noticiar fatos. Enfim, a mídia tradicional busca
obter novamente o prestígio junto a sociedade como aquela responsável por noticiar acontecimentos
com credibilidade, por meio do habitus jornalístico, ela é aquela que possui critérios técnicos que
podem garantir a credibilidade das notícias que por ela são veiculadas.

3. O protagonismo da mídia como ator político e os enquadramentos noticiosos

Talvez nunca se havia pensado que, desde o advento da imprensa diária no século XVIII, no qual
fez da leitura dos jornais um novo ritual para a sociedade da época, especialmente nas camadas mais
cultas, a emergência da sociedade das mídias massivas eletrônicas, como o rádio e a televisão e hoje
com as novas tecnologias de comunicação e informação com a popularização da internet, que
atualmente estaríamos expostos assim, de tal maneira, a todo e qualquer tipo de informação como
fatos da economia, da política, da publicidade comercial, fofocas entre os mais diversos assuntos e
acontecimentos.
Essa exposição exacerbada diante a todos os tipos de informação garante a mídia um papel de
protagonismo na relação de construção social da realidade. Por meio do enfoque dado por ela a
determinado fato, o seu papel em noticiar também se confunde com o seu papel dentro do
acontecimento, tornando-se personagem da sua própria publicação.
A interface surgida entre os campos da política e comunicação adquire particular importância
nos dias atuais. Mediante os avanços tecnológicos contemporâneos, as mensagens veiculadas pelas
mídias atingem um público cada vez maior, numa velocidade nunca antes imaginada. Mesmo as
comunidades mais distantes têm hoje a possibilidade de se verem incluídas nos principais debates da
atualidade, recebendo diretamente em suas casas as principais informações e notícias sobre o que
ocorre no mundo político.
Motta (2002) explica que as sociedades passaram a ser impulsionadas por uma lógica midiática.
Segundo ele, a mídia passou a ser a instituição política, ideologicamente, mais notável da sociedade.
Cada vez mais o processo político ficou dependente e condicionado a mídia e passou a ser também o
seu prolongamento e em especial da imprensa. “Há muito a imprensa (e o resto da mídia) deixou de
apenas intermediar o real e o simbólico para estruturar e constituir o real (MOTTA; 2002, p.17).
Para Traquina, o jornalismo é um conjunto de estórias que devem ser contadas pelos jornalistas:
os modernos contadores de “estórias” da sociedade contemporânea. “Poder-se-ia dizer que o
jornalismo é um conjunto de ‘estórias’, ‘estórias’ da vida, ‘estórias’ das estrelas, ‘estórias’ de triunfo e
tragédia. (TRAQUINA, 2005, p. 21). No entanto, os conflitos da narrativa levam a construção de
“heróis” e “vilão” dos fatos. Essa classificação se dá por meio do tratamento favorável, positivo ou
desfavorável, negativo, de acordo com a configuração dos fatos, propositalmente, publicados pelos
veículos de comunicação.
Por meio dessa relação simbiótica entre mídia e política, Bourdieu (1989) contribui na
compreensão desta interface ao debater o poder simbólico. Os sistemas simbólicos são como
estruturas estruturadas, ou seja, instrumentos de conhecimento e de comunicação, que somente
podem exercer um poder estruturante porque são estruturados. Assim, as relações de comunicação
são relações de poder. Para o autor as relações de comunicação não se apresentam nas palavras em
si, mas, na legitimidade conferida dos enunciadores e pelos que escutam. Ou seja, não há um discurso
que é simplesmente absorvido, compreendido, pois uma vez que são também signos de riqueza e de
autoridade, estão destinados a serem avaliados, apreciados, acreditados e obedecidos.
O poder simbólico das relações de comunicação é legitimado por meio da linguagem. Por meio
desse poder simbólico dado na linguagem que se pode fazer coisas. É nesse ‘lugar’ que se travam
lutas ideológicas e disputas que reafirmam o caráter social da linguagem. Bourdieu considera que o
jornalismo e o seu discurso midiático são detentores de um poder de influência e que depende da
ação das forças simbólicas presentes.
A interface surgida entre os campos da política e comunicação adquire particular importância
nos dias atuais. Segundo Miguel (2004), nas formas da ação política, em especial, o impacto dos
meios de comunicação de massa é gigantesco. O autor aponta quatro dimensões principais nas quais
a presença da mídia se faz notar alterando as práticas políticas. A primeira dimensão é que a mídia se
tornou o principal instrumento de contato entre a elite política e os cidadãos comuns. Para ele, o
acesso à mídia substitui esquemas políticos tradicionais e reduz o peso dos partidos políticos. O
mesmo é abordado por Lima (2006) ao afirmar que a mídia ocupa uma posição de centralidade nas
sociedades contemporâneas permeando diferentes processos e esferas da atividade humana, em
particular, a esfera da política, fortalecido com o avanço tecnológico das telecomunicações.
A segunda dimensão apontada por Miguel acontece pelo efeito dessa predominância como
instrumento de contato. O discurso político transformou-se, adaptando-se às formas preferidas pelos
meios de comunicação de massa. Lima dialoga com Miguel, pois ele enxerga que, devido a esse papel
assumido pela mídia, cada vez mais temos um efeito de personalização da política e de todo o seu
processo. Sendo assim, as disputas estão sendo representadas como uma disputa entre pessoas, os
políticos, e não entre as propostas políticas alternativas, os partidos. Assim segundo Lima, a mídia
tem alterado radicalmente as campanhas eleitorais. O papel dos partidos na organização e nas
estruturas era crucial, já que eram os mediadores entre os candidatos e o eleitorado.
A terceira dimensão proposta por Miguel está relacionada no papel da mídia como principal
responsável pela produção da agenda pública, um momento crucial do jogo político. “A pauta de
questões relevantes, postas para a deliberação pública, é em grande parte condicionada pela
visibilidade de cada questão nos meios de comunicação. Dito de outra maneira, a mídia possui a
capacidade de formular as preocupações públicas” (MIGUEL, 2004: p.08). E isso também é abordado
por Lima ao afirmar que a mídia se transformou, ela própria em importante ator político. Devido ao
fato de que as empresas de mídia se constituem em atores econômicos fundamentais, possuindo,
assim, o poder de produzir e distribuir capital simbólico, vem desempenhando o papel de atores com
interferência direta no processo político.
A última dimensão trazida por Miguel está relacionada à gestão da visibilidade. Atualmente, os
candidatos a posições de destaque político têm que adotar uma preocupação central com a gestão da
visibilidade. O autor não fala no sentido da presença do espetáculo político, mas sim na “busca do fato
político (aquele que é assim reconhecido pela mídia), como forma de orientar o noticiário e, dessa
forma, influenciar a agenda pública, o que implica a absorção de critérios de “noticiabilidade” por
parte dos atores políticos” (MIGUEL, 2004, p. 09). Lima contribui com esta dimensão, ao afirmar que
não há política sem mídia. É somente a mídia que define o que é público no mundo contemporâneo.
Na verdade, a própria ideia do que constitui um “evento público” se transforma a partir da existência
da mídia. E isso se expandi na definição de agenda pelos meios de comunicação. Este processo é
perceptível não apenas no cidadão comum, que tende a entender como mais importantes as questões
destacadas pelos meios de comunicação, mas também no comportamento de líderes políticos e de
funcionários públicos, que se veem na obrigação de dar uma resposta àquelas questões.
Diante disso, pode-se perceber o grande impacto que a mídia gera no campo político, essa
relação simbiótica cada vez mais se torna mais intrísica, diante de disputas de poder entre atores
políticos e a própria mídia. Jair Bolsonaro é um exemplo de um político que busca contrapor o papel
da grande mídia na sociedade. Ao adotar medidas que fogem ao processo “comum” da noticiabilidade
como publicar informações de governo no seu Twitter pessoal, a “seleção” de veículos que terão
direito a declarações do presidente, a diminuição de utilização dos dinehiro público em propagandas e
a crítica massiva aos conglomerados midiáticos brasileiros, Bolsonaro busca quebrar uma lógica
existente que sempre permeou a relação entre os dois campos.
Por outro lado, a mídia utiliza-se de estratégias para se mostrar importante ator no debate
político, já que ela se considera a instancia legítima de “contar estórias” na sociedade atual. Os
enfoques utilizados pelos jornalistas ao contar essas “estórias”, revelam como a mídia é capaz de
construir narrativas que permeiam o debate público. Dessa forma, a mídia é a moldura da janela pela
qual a opinião pública entrará em contato com uma pequena parcela da realidade, sendo os
jornalistas responsáveis por sua construção. Ou seja, a organização de determinados termos pode ser
chamada ambém de enquadramento, ou seja, o jornalista opta enquadrar um fato de uma
determinada forma e não de outra, enfocando assim uma parte da realidade em detrimento de outra.
Segundo Porto (2002) , “o conceito de enquadramento tem sido definido tanto como alternativa a
paradigmas em declínio, como também um complemento importante para cobrir lacunas de teorias
existentes”. Originado da obra de Erving Goffman, Frame Analysis: Na Essay on the Organization of
Experience, o conceito de enquadramento (framing) nos leva a perceber os eventos e as situações de
acordo com enquadramentos que nos permitem compreender o que está acontecendo aqui. Deste
modo podemos compreender que enquadramentos são princípios de seleção, de ênfase e
apresentação, que classificam de acordo com critérios editoriais o que acontece e o que é importante.
Os enquadramentos noticiosos são padrões utilizados como de cognição, interpretação e
apresentação, seleção, ênfase e exclusão, através dos quais aqueles que detém símbolos organizam de
forma rotineira o discurso, tanto verbal, quanto o visual (PORTO 2002; GOFFMAN, 1986).
Robert Entman contribui com a definição de enquadramento ao conceituá-lo como a seleção “de
aspctos de uma realidade percebida e fazê-los mais salientes em um texto comunicativo, de forma a
promover uma definição particular do problema, uma interpretação casual, uma avaliação moral e/ou
uma recomendação de tratamento para o item descrito”. (ENTMAN, 1993).
Diante desta definição, vale a pena trazer a concepção de “pacotes interpretativos”
(interpretative packages), método utilizados por Gamson e Modigliani (1989). Segundo os autores, os
pacotes oferecem um número de símbolos condensados – eles chamam de dispositivos – que sugerem
o cerne do enquadramento. Conforme Gamson e Modigliani (1989), o pacote interpretativo pode ser
resumido em uma matriz de assinatura que estabelece o enquadramento. Resumidamente, os pacotes
interpretativos são agrupamentos formados por determinados dispositivos simbólicos e que têm como
essência o enquadramento, que seria um princípio abstrato e geral. Por fim, o enquadramento
noticioso é uma estratégia na qual a mídia se utiliza para dar enfoque a “estórias” na qual ela escolhe
como notícias e mais, o enquadramento também é utilizado para construir o que realmente é
importante nessas “estórias”, quem são os heróis, e quem é o vilão.

4. Metodologia e Corpus de Análise

Com base nestes dois eixos temáticos apresentados – Midiatização e Enquadramento Noticioso –
o artigo buscou desenvolver uma análise de 14 notícias publicadas pelo jornal Folha de S. Paulo que
tratam do episódio da postagem de Bolsonaro – que ficou conhecido como o episódio “Golden
Shower”. O intuito é analisar o enquadramento noticioso das matérias veiculadas:

QUADRO 1 – NOTÍCIAS VEICULADAS PELA FOLHA DE S. PAULO

Unidade Título Data Caderno


01 Bolsonaro compartilha vídeo de homem mexendo no ânus e sugere que cena é comum 05/03/2019 Cotidiano
no Carnaval
02 ‘Golden shower’ deve ser consensual e entre quatro paredes 06/03/2019 Cotidiano
03 Bolsonaro agora diz que não pretendia criticar Carnaval ao publicar vídeo obsceno 06/03/2019 Poder
04 Após publicações obscenas, Planalto vê desmobilização de apoiadores de Bolsonaro 06/03/2019 Poder
05 Bolsonaro é ridicularizado após vídeo explícito, diz jornal britânico; leia repercussão 06/03/2019 Poder
06 Bolsonaro pergunta o que é ‘golden shower’ e chuva de memes enche a web 06/03/2019 Colunas e
Blogs
07 Oposição e aliado criticam Bolsonaro após publicação 06/03/2019 Poder
08 ‘O que é golden shower’, pergunta Bolsonaro após publicar vídeo polêmico 06/03/2019 Cotidiano
09 Após vídeo obsceno, internautas pedem impeachment de Bolsonaro com base em lei 06/03/2019 Colunas e
Blogs
10 Carnaval de Bolsonaro teve defesa do filho, bate-boca e vídeo obsceno; entenda a 07/03/2019 Poder
polêmica
11 Para líderes do Congresso, Bolsonaro mina sua credibilidade com as próprias mãos 07/03/2019 Colunas e
Blogs
12 Líderes governistas na Câmara dizem que vídeo de Bolsonaro é loucura 07/03/2019 Colunas e
Blogs
13 Golden Shower Gate 07/03/2019 Colunas e
Blogs
14 Após vídeo obsceno no Carnaval, Bolsonaro muda foco da comunicação na internet 8/03/2019 Poder

Fonte: Dos autores, 2019.

Por meio da Análise de Conteúdo, método proposto por Laurence Bardin (2011) que se consiste
como um conjunto de técnicas de análise das comunicações, que utiliza procedimentos sistemáticos e
objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, mesclados ao de Enquadramentos Noticiosos
diante da ótica de “Pacotes Interpretativos” de Gamson e Modigliani (1989), ao analisar as notícias
veiculadas pode se verificar quatro tipos de pacotes utilizados pelo jornal Folha de S. Paulo para
contar a “estória” do episódio “Golden Shower”.
Diante do contexto dos dados selecionados, não foi possível ignorar que um determinado
discurso ocorre em função de um contexto e que algumas condições do contexto influenciam na
construção do discurso. E assim, observando todo o contexto em que o episódio está inserido, o
primeiro pacote encontrado foi “Desqualificação do carnaval e generalização da prática”. Esta
categoria surge diante do enquadramento utilizado pelo jornal, ao tratar o fato apenas com o objetivo
do tuíte de Bolsonaro que era uma desqualificação da festa momesca, em especial ao carnaval de rua.
O intuito da postagem era generalizar que a maior festa popular do país estava repleta de atos
sexuais em público, ferindo assim valores morais da família tradicional brasileira.
O segundo pacote levantado foi “Desmobilização de apoiadores e impactos negativos da
postagem”. Esta categoria de análise surge ao verificar como o jornal repercutiu o impacto da
postagem tanto em seus apoiadores e opositores comuns, quanto aos seus aliados e oposição políticos.
E por fim, o terceiro pacote levantado foi o “Mudança de estratégia ante ao impacto negativo”,
no que foi enquadrado pelo jornal como novas ações do governo para utilização das redes sociais,
tendo em vista que o fato trouxe um impacto negativo junto a imagem do presidente.

QUADRO 2 – “Desqualificação do carnaval e generalização da prática”


Unidade Título
01 Bolsonaro compartilha vídeo de homem mexendo no ânus e sugere que cena é comum no Carnaval
02 ‘Golden shower’ deve ser consensual e entre quatro paredes
03 Bolsonaro agora diz que não pretendia criticar Carnaval ao publicar vídeo obsceno

Fonte: Dos autores, 2019.

As três notícias que se enquadram dentro deste pacote interpretativo estão ligadas apenas a
cobertura noticiosa do fato em sí, no caso o tuíte do presidente. Elas não oferecem um
aprofundamento do fato, exceto a segunda que explica o que é a prática sexual denominada “Golden
shower”, mas não há um enfoque nas repercussões e impactos da postagem. De certa forma há uma
pseudoneutralidade do jornal em apenas noticiar o tuíte e explicar a prática.
A cobertura da Folha nessas três notícias não levou em conta toda a repercussão na internet por
meio dos usuários do Twitter e também a ampliação do debate que tomou conta de outras como o
Facebook e a grande imprensa tradicional. A título de exemplo, após a veiculação da postagem,
milhares de comentários foram feitos e a sua grande maioria era de crítica ao conteúdo da postagem
e de desqualificação da figura do presidente por postar um arquivo de conteúdo pornográfico.

QUADRO 3 – “Desmobilização de apoiadores e impactos negativos da postagem”

Unidade Título
01 Após publicações obscenas, Planalto vê desmobilização de apoiadores de Bolsonaro
02 Bolsonaro é ridicularizado após vídeo explícito, diz jornal britânico; leia repercussão
03 Bolsonaro pergunta o que é ‘golden shower’ e chuva de memes enche a web
04 Oposição e aliado criticam Bolsonaro após publicação
05 ‘O que é golden shower’, pergunta Bolsonaro após publicar vídeo polêmico
07 Após vídeo obsceno, internautas pedem impeachment de Bolsonaro com base em lei
08 Carnaval de Bolsonaro teve defesa do filho, bate-boca e vídeo obsceno; entenda a polêmica
09 Para líderes do Congresso, Bolsonaro mina sua credibilidade com as próprias mãos
10 Líderes governistas na Câmara dizem que vídeo de Bolsonaro é loucura
11 Golden Shower Gate

Fonte: Dos autores, 2019.

Já neste pacote interpretativo, 11 notícias foram enquadradas. Essas matérias veiculadas na


Folha de S. Paulo foram mais completas do que as três primeiras, tendo em vista que a circulação
delas foi após um período de repercussão da postagem.
Resumidamente, o teor do conteúdo noticiosos dessas publicações foi a repercussão do tuíte
entre os seus apoiadores e opositores, tanto no cenário político como na sociedade em geral. Para
exemplificar, podemos destacar a primeira notícia que traz o impacto da postagem avaliado pelo
Planalto. A #goldensshoerpresidente começou a ser utilizada e a ganhar cada vez mais as redes e
milhares de pessoas criticavam o presidente pelo teor do vídeo e também a generalização de um ato
isolado a fim de criticar uma minoria como um comportamento comum a todos os que curtiam a festa
momesca.
O desgaste da imagem do presidente também reverberou junto aos políticos apoiadores e
opositores que, de certa forma, condenavam também a postagem, como podemos ver nas notícias
“Oposição e aliado criticam Bolsonaro após publicação”; “Para líderes do Congresso, Bolsonaro mina
sua credibilidade com as próprias mãos” e “Líderes governistas na Câmara dizem que vídeo de
Bolsonaro é loucura”.
O impacto negativo com os internautas foi grande e muitos até pediram o pedido de
impeachment do presidente devido ao teor do conteúdo postado, como podemos ver na matéria “Após
vídeo obsceno, internautas pedem impeachment de Bolsonaro com base em lei”. Além da utilização do
humor como crítica a figura de Bolsonaro como pode ser verificado na notícia “Bolsonaro pergunta o
que é ‘golden shower’ e chuva de memes enche a web”. A repercussão internacional do fato também
foi noticiada pelo jornal por meio do texto, “Bolsonaro é ridicularizado após vídeo explícito, diz jornal
britânico; leia repercussão”. Essas matérias revelaram uma cobertura negativa do jornal ao fato.
QUADRO 4 – “Mudança de estratégia ante ao impacto negativo”

Unidade Título
01 Após vídeo obsceno no Carnaval, Bolsonaro muda foco da comunicação na internet
Apenas uma notícia foi enquadrada dentro do pacote “Mudança de estratégia ante ao impacto
negativo”. A notícia revela uma mudança de posição do presidente ao utilizar as redes ante ao
impacto desta e de outras postagens. O presidente tem utilizado constantemente sua conta no Twitter
para anunciar ações de governo, estratégias políticas e até comentários e opiniões sobre
determinados fatos. Os impactos têm sido percebidos e de certa forma prejudicado o mesmo junto a
aliados e apoiadores, como o Presidente da Câmara Federal, o deputado Rodrigo Maia (DEM). A nova
estratégia noticiada é que as postagens do presidente passaram pela análise da sua equipe de
comunicação antes de serem publicadas.
Por fim, ao analisarmos todas as 14 notícias veiculadas no jornal sobre a postagem, verificou-se
que a Folha noticiou mais o lado negativo da postagem correspondendo a um total de 71,43% das
matérias. Deste modo, pode se perceber que, diante da cobertura, houve uma ressignificação da
postagem de Bolsonaro e este processo se deu tanto pelo impacto negativo oriundo dos internautas,
quanto pela relação política do presidente com os parlamentares do Congresso Nacional.

5. Considerações Finais

As redes sociais têm sido uma plataforma de comunicação oficial do governo diante do embate
com a grande mídia brasileira. Bolsonaro ao utilizar esses canais para noticiar suas ações, rompe com
uma lógica tradicional, agora as suas redes, em especial o Twitter tem sido a fonte primária de suas
principais estratégias políticas. Revela uma promessa de governo levantada quando então candidato a
presidência de romper com a hegemonia de conglomerados midiáticos como a Folha de S. Paulo e as
Organizações Globo.
A Folha de S. Paulo pautou-se diante da postagem para criar uma narrativa negativa para atingir
a imagem do presidente. Isso revela uma tendência de se exaltar o negativo, o desastre dentro das
coberturas jornalísticas e a necessidade de um maniqueísmo em diferentes aspectos, segundo essa
lógica do valor notícia presente dentro da indústria cultural. Os enquadramentos na maioria das vezes
são mais voltados para o lado negativo, tendo em vista que estes geram mais impacto junto aos
expectadores.
Diante dessa luta entre Bolsonaro e a grande mídia, a segunda busca garantir e reforçar o seu
papel em legitimar discursos e principal responsável da agenda do debate público. Ao trazer para os
veículos tradicionais de comunicação, como o jornal, a repercussão que movimentou a internet, a
grande mídia, mostra o seu poder em publicizar determinados fatos e assim construir uma narrativa
que segue os seus interesses, em muitas das vezes.
Pode-se perceber estratégias de poder nas postagens e na repercussão dada pela mídia.
Obviamente que desde que passou a usar de forma recorrente Bolsonaro utiliza as mídias sociais para
se promover como uma figura polêmica. Como presidente, mantém esta postura, até para tentar tirar
o foco dos principais problemas que o país enfrenta e dos quais ele não tem ainda propostas para
resolver e das medidas polêmicas já lançadas como a Reforma da Previdência. Por outro lado, ao
postar o vídeo, o presidente acabou gerando uma repercussão extremamente negativa. A grande
mídia – em especial a Folha de S. Paulo – repercutiu o fato, mostrando o exagero do presidente e como
o seu ato foi mal avaliado até por seus apoiadores.

Referências
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TRAQUINA, Nelson. Teorias do jornalismo: porque as notícias são como são. Florianópolis: Insular, 2005.
v. 1.

1 Trabalho apresentado no GT 6 - Pesquisas no âmbito da Graduação, I Simpósio Nacional de Comunicação Política, Eleições e
Campanha Permanente, 27 a 28 de março de 2019.

2 Graduado em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). E-mail:
rafael07augusto@gmail.com.

3 Mestrando em Comunicação no Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social (PPGCOM) da UFJF e Graduado em


Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). E-mail:wjcjornalismo@gmail.com.
4 Graduada em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). E-mail:
kellenlanna@hotmail.com.

5 Dados revelados pela Pesquisa Brasileira de Mídia 2016, realizada pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da
República.
CAPÍTULO 45

Sistemas e Políticas de Comunicação sob um viés regional: um estudo dos


grupos de mídia no Campo das Vertentes em Minas Gerais

Iuri Fontora Almeida1


Carla Aparecida Marques Santos 2
Lucas de Almeida Santos3
Universidade Federal de São João del-Rei, São João del-Rei, MG

1. Introdução

Em pleno século XXI, mesmo com a emergência das tecnologias digitais, o Brasil ainda tem muito
a avançar no que diz respeito à democratização dos meios de comunicação. Lima (2006) aponta o
problema da propriedade cruzada e o fato de que sete grandes grupos têm o controle oligárquico da
mídia no país. Isso acaba tendo reflexos no controle dos canais de TV, rádio e hoje de sites e jornais
por parte de grupos oligárquicos nas diferentes regiões e cidades do Brasil. Em muitos municípios do
país, há um forte poder de controle midiático por famílias tradicionais da política local. Por muito
tempo, tais famílias possuíam em seu patrimônio, estações de rádio e televisão, além de jornais e
revistas. Isso é evidenciado tanto na esfera nacional quanto nas regiões e municípios.
Sobre tal concentração, a legislação brasileira chega a tentar vetar estes controles oligárquicos,
mas na prática isso não se efetiva. O art. 54 da Constituição Federal (CF) de 1988 proíbe que políticos
sejam donos de emissoras de rádio e televisão. Muitas vezes, políticos conseguem burlar a lei ao
terem grande influência sobre veículos de comunicação de concessões públicas e não terem os
veículos registrados em seus nomes, mas de alguém próximo. A esse fator chamamos de coronelismo
eletrônico.
Na região do Campo das Vertentes, em Minas Gerais, há duas marcas muito forte de política
influenciando o campo da mídia. Essas marcas são nas cidades de São João del-Rei e Barbacena,
respectivamente com as famílias Neves e Andradas.
A presente pesquisa tem como objetivo trazer um mapeamento e uma análise ainda inicial dos
sistemas de mídia no Campo das Vertentes, com ênfase para as cidades de Barbacena e São João del-
Rei, à luz das teorias da economia política da comunicação. Pretende-se verificar de que forma grupos
políticos controlam as mídias locais e regionais.

2. Sistemas e Políticas de comunicação

Entender a organização do oligopólio da informação é crucial para que haja um diagnóstico do


poder oligárquico e sua relação com a mídia. Hallin e Mancini (2004) produziram, com base em
estudo de “sistemas mais semelhantes” em pesquisas empíricas de análises de 18 países da América
do Norte e da Europa Ocidental, um sistema que propõe três modelos de organizações de políticas de
comunicação, são eles: (1) Liberal, (2) Corporativista, (3) Democrático e Pluralista Polarizado.
A partir do modelo criado pelos autores, Afonso de Albuquerque (2012) faz uma análise dos
sistemas de mídia e de que forma se aplicam ao contexto brasileiro. Os três modelos apresentados são
sustentados por quatro variáveis: (1) o desenvolvimento dos mercados midiáticos; (2) o paralelismo
político; (3) o desenvolvimento do profissionalismo jornalístico; (4) o grau e natureza da intervenção
do Estado no sistema midiático.
O modelo liberal aproxima-se ao que no senso comum é considerado o jornalismo independente e
imparcial. Esse modelo prioriza a informação ao invés do comentário, sempre em busca de uma visão
de neutralidade, embora o Reino Unido seja uma exceção à regra (Albuquerque, 2012).
O modelo pluralismo polarizado é oposto do modelo liberal. Neste modelo, o comentário é algo
extremamente marcante, tendo em vista que os veículos que o adotam se posicionam em
determinadas causas, se tornando ativistas.
Por fim, o terceiro modelo refere-se ao modelo corporativista democrático. Esse modelo busca
ser intermediário, na relação comentários e informação, sendo uma via alternativa aos modelos liberal
e pluralista polarizado. O corporativismo democrático tem tendência de despolitização dos meios de
comunicação. Albuquerque relata que, neste modelo, o princípio da separação entre comentário e
reportagem – associado ao modelo de jornalismo “independente” – convive com certo grau de
alinhamento político por parte dos jornais. Segundo Albuquerque (2012), o seu alinhamento político é,
ao contrário do modelo liberal, demonstrado por meio das reportagens e não dos comentários.
Azevedo (2006), por sua vez, também ao discutir a economia política da comunicação e os
sistemas de mídia, afirma que o Brasil pode ser classificado como Modelo Pluralista Polarizado.

Um passado autoritário (que obviamente implicou na ausência, por longos períodos, da liberdade de
imprensa), democratização relativamente recente, uma dinâmica de embates partidários polarizados nos
pleitos presidenciais entre as forças de esquerda (1989, 1994 e 1998) ou centro-esquerda e centro-direita
(de 1989 a 2002) configurando um nítido pluralismo polarizado, ainda que nos últimos anos de forma
moderada1. A estas características políticas soma-se a existência de um Estado com um inequívoco passado
67 autárquico, estatizante e intervencionista (inclusive na área de comunicação) e a introdução tardia de
um padrão burocrático-racional na ação governamental e nos processos de governança. (AZEVEDO, 2006,
p.92).

Para entender os três conceitos e sua aplicação no Brasil, é importante que haja uma definição
muito clara do termo “Paralelismo Político”, tanto citado por Hallin & Mancini (2004) quanto por
Albuquerque (2012). O Paralelismo Político trata-se da relação dos grupos midiáticos com os grupos
político partidários, em vários aspectos, tais como valores, poder, ideias e financiamento.
Para Chaves (2017), o Brasil sempre conviveu com alto grau de paralelismo político e estreita
vinculação entre os campos da mídia e da política, mas, desde o estabelecimento de um jornalismo
empresarial, o país assistiu à incorporação do discurso da imparcialidade política pelos meios de
comunicação, devido à adesão ao modelo de jornalismo americano pelas empresas de mídia, ao menos
em tese.
Em uma perspectiva histórica, os grandes conglomerados de mídia no Brasil se posicionaram
claramente nos acontecimentos político do país. No segundo governo Vargas, o jornal Última Hora de
Samuel Wainer era um grande defensor do governo, enquanto o Tribuna da imprensa de Carlos
Lacerda fazia clara oposição ao governo.
Em 1964, o jornal O Globo posicionou-se favorável à intervenção militar no Brasil, que culminou
na ditadura que durou 21 anos. Mas em pleno século XXI, o que apontava por uma posição mais
profissional e menos engajada da mídia brasileira desencadeou posicionamentos cada vez mais claros
e discursos panfletários da grande mídia. Isso ficou perceptível já no segundo turno da eleição
presidencial de 2014 quando grupos como o Estadão, Folha e O Globo assumiram a defesa da
candidatura do então senador Aécio Neves contra Dilma Rousseff (PT) na eleição presidencial. Depois,
com a crise do governo da petista, os conglomerados de mídia contribuíram para intensificar a crise e
apoiaram abertamente o processo de impeachment de Dilma, que teve seu mandato cassado em 31 de
agosto de 2016. Souza (2016) afirma que o impeachment deve ser compreendido como um golpe
jurídico, midiático e político, sem bases legais e que foi sendo construído há anos, principalmente a
partir das Jornadas de Junho de 2013 e intensificou-se em 2015.

3. Concentração de mídia no Brasil

A mídia no Brasil consolidou-se, historicamente, como sendo um oligopólio de grupos políticos e


familiares. A grande mídia é controlada no Brasil, por seis grupos, são eles: Grupo Globo (família
Marinho), SBT (família Abravanel), Rede Record (Igreja Universal), Folha de São Paulo (família Frias),
Grupo Abril (família Civita) e Grupo Bandeirantes (família Saad).
Lima (2001) distingue três tipos de concentração da propriedade midiática: (1) Propriedade
Cruzada: Quando um grupo atua em diferentes seguimentos (TV, rádio, jornal, revista); (2)
Concentração Horizontal: Hegemonia dentro do setor; (3) Concentração Vertical: Quando o grupo
detém todas as etapas de produção, como a construção do conteúdo, do material, a distribuição e
comercialização.
O grupo Globo é um exemplo tanto de propriedade cruzada (jornal O Globo, rádio Globo, CBN,
revista época, TV Globo), quanto de concentração horizontal com a TV Globo. De acordo com Lima
(2006), no Brasil vigora historicamente a ausência de leis eficazes para limitar a concentração e a
propriedade cruzada.
De acordo com Santos (2018), no Brasil, os coronéis, antes com o poder marcado pelas suas
terras, passaram a ter seu poder ligado aos veículos de comunicação, o chamado “coronelismo
eletrônico”. Capparelli (1999) atribui à ditadura militar (1964-1985) com seu projeto de
desenvolvimento econômico​político, com viés nacionalista, como uma das responsáveis pelo rápido
desenvolvimento do setor de comunicação.

Durante os primeiros períodos militares, entre 1965 e 1972, foram criados a Embratel, o Ministério das
Comunicações e o Sistema Telebrás, possibilitando a implantação de uma sofisticada infra​estrutura de
telecomunicações que ligaria os quatro cantos do País, inicialmente por uma rede de microondas,
complementada depois por satélites nacionais e, mais tarde, também por extensas ligações físicas por
fibras ópticas. Esses investimentos do Sistema Telebrás favoreciam, no campo da comunicação de massa, a
formação de redes de televisão nacionais (CAPPARELI, 1980, p.02).

Dessa forma, Santos (2018) aponta a Rede Globo como sendo o principal grupo beneficiado por
esta política de integração nacional. A Globo tinha uma parceria com o governo, enquanto o Estado
investia em infraestrutura para possibilitar a distribuição massiva de programação. Segundo Santos, a
Rede Globo tornou-se uma espécie de porta voz do regime militar.
O governo do presidente José Sarney (1985-1989) foi marcado pelo grande número de
concessões públicas distribuídas para políticos, foram no total, 958 licenças de operações. O período
que ficou conhecido como farra das concessões, aumentou significativamente o poder político nas
mãos das oligarquias regionais.
A lei que proibi concessões públicas sob domínio de políticos tem o intuito de democratizar a
mídia. Tal democratização foi marcada no Brasil, com a tentativa do governo Lula, de criar uma
empresa pública de comunicação forte, que foi a TV Brasil, por meio da Empresa Brasil de
Comunicação (EBC). O orçamento anual da EBC chegou a ser igual de emissoras consolidadas, como
a Bandeirantes.
Apesar da criação da EBC, os governos petistas nunca deixaram de subsidiar os grandes grupos
midiáticos com verbas publicitárias. Em 12 anos de PT, as emissoras do grupo Globo receberam R$
6,2 bilhões em publicidade federal. A segunda maior verba foi destinada à Record: R$ 2 bilhões.
Também foram destinadas quantias bilionárias ao SBT, RedeTV e Bandeirantes.
O ex-ministro da Integração do governo Lula, Ciro Gomes, em entrevista em março de 2017 à
Folha de São Paulo, afirmou que, quando esteve à frente da pasta, ouviu de um outro ministro que era
melhor não mudar os critérios de distribuição das verbas publicitárias do governo para não contrariar
interesses da Globo.
Apesar dos governos petistas terem distribuído muito dinheiro aos grandes grupos midiáticos, é
inegável que a atenção dada a EBC foi um tímido, mas importante avanço de democratização da
mídia. No entanto, com o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, houve um retrocesso no
processo de democratização da mídia.
Em dezembro de 2016, o presidente Michel Temer (PMDB) tentou por meio de liminar suspender
o trâmite de todos os processos e os efeitos de decisões que tratam da outorga ou renovação de
concessões de rádio e TV a empresas que tenham como sócios titulares de mandado eletivo.
Entretanto, a tentativa do chefe do executivo foi barrada pela ministra do Supremo Tribunal Federal
(STF), Rosa Weber.
Há uma clara dificuldade para fiscalizar quem são os políticos que detém o poder midiático.
Stevanim e Santos (2012) apontam a dificuldade de se obter informações oficiais em torno dos sócios
de concessões, pelo fato das informações estarem desatualizadas.
Um exemplo da desatualização das informações é o caso da rádio Globo Barbacena. De acordo
com o sistema da Anatel de informação das concessões, o SIACCO, os dois principais sócios da rádio
são os ex-políticos Crispim Jacques Bias Fortes e Maria Isar Tamm Bias Fortes, a última ainda consta
no sistema como diretora da emissora. O problema é que tanto Crispim Bias Fortes quanto Maria Isar
Bias Fortes, já não são mais vivos.

4. A imprensa em Minas Gerais

Focando num panorama mais regional, é importante tecer considerações acerca dos grupos de
mídia em Minas Gerais. A imprensa no estado é um dos retratos da concentração de mídia por parte
de pequenos grupos e famílias. Na mídia escrita, destacam-se dois grandes grupos, Os Diários
Associados e a Sempre Editora, o primeiro com ligações históricas com Assis Chateaubriand e o
segundo de propriedade do milionário Vittorio Medioli, ex-deputado federal e atual prefeito de Betim.
Os Diários Associados, por anos, foi o mais prestigiado grupo de comunicação de Minas.
Pertencem ao grupo a TV Alterosa (afiliada do SBT), a rádio Guarani, o jornal popular Aqui e o
premiado jornal Estado de Minas. Até o final do séc. XX, o jornal não tinha grande concorrência, que
pudesse ameaçar sua preferência no estado.
França (1998) atribuiu em seu livro “Jornalismo e vida social: a história amena de um jornal
mineiro”, o fenômeno Estado de Minas como uma ineficiência dos outros jornais que não conseguiram
se manter e fazer um jornalismo rigoroso, quanto o domínio da política que oscilou entre um
jornalismo de opinião e um jornalismo institucional. O Estado de Minas recebeu muitas críticas. De
acordo com Vera França, o jornal procurou se alinhar as ideias pró-governistas, tanto no âmbito
estadual quanto na esfera dos grandes acontecimentos nacionais.
No entanto, em 2015 uma grave crise atingiu os Diários Associados, com salários atrasados, o
grupo viu seus funcionários entrarem em greve e teve que vender parte do patrimônio.
Com a crise dos Diários Associados, um novo grupo passou a ganhar força, a “Sempre Editora”,
que em 1997 apresentou a nova proposta, do Jornal O Tempo, de ser um periódico amplo que
chegasse a todo o território de Minas Gerais. Oliveira e Toffoli (2012) atribuíram à questão política a
força do grupo de Vittorio Medioli.

Até o início dos anos 90, o panorama da imprensa no Estado apontava para uma situação de quase
monopólio do mercado jornalístico mineiro pelo ‘Estado de Minas’. Hoje, o jornal disputa com outros dois
jornais diários voltados para um público geral, ‘Hoje em Dia’ (criado pelo ex-governador Newton Cardoso e
vendido posteriormente para o grupo Universal) e ‘O Tempo’. Um fato interessante é que tanto o ‘Hoje em
Dia’ quanto ‘O Tempo’, surgem por iniciativa de duas lideranças políticas que tiveram sérios atritos com o
‘Estado de Minas’ (OLIVEIRA & TÓFOLI, 2012, p.76).

A Sempre Editora publica, além do jornal O Tempo, o jornal popular Super Notícias. O grupo
lançou em 2017 a rádio Super Notícias, com enfoque jornalístico e com uma equipe experiente vinda
de emissoras consolidadas como a rádio Globo, rádio Itatiaia e rádio 98 FM.
No ramo de impresso, conseguiu atingir a meta planejada há mais de 20 anos quando
transformou O Tempo em um jornal além da limitada circulação em Contagem. De acordo com os
últimos dados da Associação Nacional dos Jornais, publicado em 2015, o Super Notícias é o jornal
mais vendido do Brasil, com uma média de quase 250 mil tiragens diárias. No entanto, O Tempo
conseguiu um feito histórico e, derrubou a hegemonia do Estado de Minas como jornal não popular de
maior circulação.
Em 2010, o Estado de Minas ocupava a 17ª posição no ranking dos jornais mais vendidos do
Brasil (média de 78.281 jornais circulando) e o jornal O Tempo a 22ª posição (média de 50.563 jornais
circulando). Em 2015, o Estado de Minas passou a ocupar a 15ª posição (média de 48.665 jornais
circulando) e O Tempo a 13ª (média de 60.055 jornais circulando).
No entanto, não se restringe aos grandes veículos localizados na capital mineira, um grande
poder midiático em poucas mãos. No interior, os impasses são ainda maiores. De acordo com os dados
divulgados pela revista Carta Capital, em 2015, Minas Gerais é o estado que há maior número de
parlamentares federais, sócios de empresas prestadoras de serviços de radiodifusão, são seis ao
total.4
Muitos dos casos há uma relação de domínio da mídia por famílias. Santos e Stevanim (2012,
p.05) apresentam dois perfis famílias de políticos, donos, sócios ou ligação com concessões públicas:
aqueles cuja atuação na política descende de famílias tradicionais e os de caráter personalista, cujo
histórico político se concentra em um único ator ou, no máximo, em duas gerações de ocupantes de
cargos eletivos (em geral pai e filho).
Na região da Zona da Mata mineira, há três famílias que detêm mandato eletivo e são donos de
concessões. Além das tradicionais famílias Andrada e Coelhos, surgiu uma terceira com força
mediática, os Varellas. A última difere das duas primeiras no aspecto histórico. Enquanto Andradas e
Coelhos detêm um histórico político longo e tradicional5, os Varellas emergem da iniciativa privada em
Muriaé-MG, destaque ao hospital do câncer da cidade, que é de propriedade da família (Santos e
Stevanim).

5. Estudo de Caso: sistemas de mídia em Barbacena e São João del-Rei

Para a pesquisa dos sistemas de mídia em Barbacena e São João del-Rei, foram levantados dados,
junto aos portais oficiais do Estado tais como o Sistema de Acompanhamento de Controle Societário
(SIACCO), gerenciado pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Sistemas interativos
(Anatel) e Receita Federal. Tais portais foram utilizados para o levantamento de informações das
concessões.
Foram monitorados os noticiários de alguns veículos de comunicação das cidades de Barbacena-
MG e São João del-Rei, durante a segunda quinzena do mês de março e a primeira semana do mês de
abril de 2018. Tal período foi escolhido tendo em vista que os personagens políticos das respectivas
cidades tiveram visibilidade na mídia e também grandes casos de repercussão nacional, como a prisão
do ex-presidente Lula.
Para identificar as pautas em comum entre os veículos, foi estabelecida uma análise comparativa,
com o intuito de analisar como o discurso, as fontes, perguntas e tempo de espaço são realizados nos
veículos.
Foram feitas análises históricas, do comportamento de determinado veículo ante aos grandes
acontecimentos envolvendo o grupo político e sua ligação. Recortes de notícias dos jornais, mostra
como é a abordagem e a luta pelo espaço político na região.

5.1 Mídia no Campo das Vertentes de Minas Gerais

A mídia no Campo das Vertentes de Minas Gerais, principalmente no que concerne as duas
principais cidades, Barbacena e São João del-Rei, é dominada por dois grupos hegemônicos, os
Andradas, na região de Barbacena e os Neves, na região de São João del Rei.
Ambas as famílias possuem poder político histórico. Durante 7 mandatos, o patriarca da família,
Bonifácio Andrada (PSDB) esteve no Congresso Nacional. Na eleição de 2018, o seu filho, Lafayette
Andrada, que era deputado estadual, ocupou a vaga do pai. Candidatou-se pelo PRB e elegeu-se
deputado federal, mantendo representação da família na Câmara dos Deputados. A família conta
ainda com dois representantes no poder judiciário, o desembargador Doorgal Andrada e Bonifacio
Andrada (ex-vice-procurador geral da república); além de um vereador em Belo Horizonte, Doorgal
Andrada.
A família Neves tem hoje como grande representante, o deputado Aécio Neves (PSDB), que foi
candidato à Presidência da República em 2014 e foi ao segundo turno com a presidenta eleita, Dilma
Rousseff. O grande nome da família foi Tancredo Neves, o primeiro político civil eleito presidente da
República após a ditadura militar, de forma indireta em 1985. Aécio teve uma derrocada em sua
carreira e a sua irmã Andréa Neves, que controla o grupo de mídia da família, chegou a ser presa, em
função de denúncias feitas pelo empresário Joesley Batista, da JBS, que acusou o então senador
mineiro e seus familiares de receberem propinas em função de favorecimentos políticos ao grupo
empresarial. A denúncia foi feita em 17 de maio de 2017, quando o então presidente Michel Temer
também foi envolvido na série de denúncias gravadas pelo empresário em conversa com o presidente
e depois entregues à Justiça e amplamente divulgadas na mídia.
Um terceiro nome surgiu com muita força nos grupos de mídia da região, trata-se do ex-ministro
das comunicações no governo Lula, Hélio Costa, dono da principal rádio da cidade, a Sucesso FM.
Costa, já foi sócio-proprietário do Jornal da Cidade, também de Barbacena. Entretanto, Hélio Costa
passou a exercer sua força como empresário de ramo de mídia no Campo das Vertentes, com grande
força, ao lançar, na cidade de Barroso, a TV Diversa que, é retransmissora da TV Cultura na região.
5.2 Sistema de mídia em Barbacena

Para que se possa entender a influência oligárquica na mídia de Barbacena em uma perspectiva
ampla, é necessário que antes conheça o histórico político da cidade. Duas famílias sempre tiveram
grande poder em Barbacena, tanto econômico quanto político, trata-se das famílias Bias Fortes e
Andradas.
Como já visto anteriormente, o poder político do coronelismo passou a não ser definido pelas
terras, mas pelo domínio da imprensa e em Barbacena esse fenômeno não foi diferente. As concessões
públicas em Barbacena, em meados do séc. XX, era de domínio total dos Andradas (rádio Correio da
Serra) e os Bias Fortes (rádio Barbacena).
Barbacena tem atualmente quatro estações de rádio em funcionamento, três jornais e nenhum
canal de televisão sediado em Barbacena em pleno funcionamento, apenas uma sucursal da TV
Integração, afiliada da TV Globo. Após cruzamento de dados, podemos dizer que os veículos de
comunicação de Barbacena têm as seguintes afinidades políticas.

Quadro I – Veículos de Comunicação em Barbacena

BARBACENA
VEÍCULO DE COMUNICAÇÃO LIGAÇÃO COM GRUPO POLÍTICO
Rádio Sucesso FM Hélio Costa
Rádio 93 FM Andradas
Rádio Correio da Serra AM Andradas
Rádio Barbacena (Rádio Globo) AM Bias Fortes
Jornal Correio da Serra Andradas
Jornal Folha de Barbacena Aparente isenção política
Jornal Expresso Barbacena Aparente isenção política

Dos autores, 2018.

O Quadro I apresenta um panorama que mostra a grande força política dos Andradas em
Barbacena. Santos e Stevanim (2012) ressaltam que, apesar de apenas a rádio Correio da Serra estar
em nome do deputado federal Bonifácio Andrada, o fato de terem ligações com empresas do ramo da
educação superior, faça com que tenha ligações com as concessões públicas educativas, como é o
caso da rádio 93FM que, inclusive transmite programas em rede com a rádio Correio da Serra que é o
caso do principal noticiário da emissora, o Sinal de Alerta.

Talvez se trate, dentre os políticos analisados, daquele cuja rede de influências alcança o maior número e a
maior diversidade de municípios. Ainda que possua ligação com terras, Bonifácio Andrada sempre figurou
como homem de letras, tendo sido inclusive professor de Direito na Universidade de Brasília (UnB) entre
1981 e 2001 (SANTOS e STEVANIM, 2012, p.07).

Bonifácio Andrada sempre teve como grande aliado, o jornal Correio da Serra. Basta ver alguns
exemplos de títulos das últimas três capas durante a pesquisa do periódico: “Bonifácio é de longe o
político que mais trabalha pela educação em Minas” (matéria principal do jornal do dia 29 de março
de 2018); “Frente parlamentar quer votar revogação do Estatuto do Desarmamento” (com foto aberta
de Bonifácio na matéria publicado no dia 24 de março de 2018); “Deputado Bonifácio Andrada disse
que a bancada do PSDB está unida em torno de uma aliança forte para concorrer às eleições”
(matéria principal do jornal publicada no dia 17 de março de 2018).
Em outubro de 2017, a Procuradoria Geral da República (PGR) denunciou o presidente Michel
Temer, por corrupção. O relator do processo na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) foi o próprio
deputado, Bonifácio Andrada. O jornal Correio da Serra optou pela seguinte manchete da capa:
“Bonifácio Andrada afirma que vai apresentar parecer técnico” e ao lado, a chamada para outra
matéria com o seguinte título: “Procuradoria Geral da República denuncia petistas de novo” À época,
o deputado estava filiado ao PSDB.
Na edição seguinte, outra abordagem do tema, com características parecida, primeiro a
exaltação ao Bonifácio, com o título “Relator recomenda à CCJ que negue autorização para processo
contra Temer”. Em seguida, uma matéria que aponta algo negativo de um petista, no caso o
governador de Minas, Fernando Pimentel. “Pimentel parcela mais uma vez o salário dos servidores de
Minas”.
No setor radiofônico, a rádio Sucesso é hegemônica no campo jornalístico, muito por causa de
uma maior independência política da emissora. Um dos donos da emissora, o ex-senador e ex-ministro
Hélio Costa, raramente fala aos microfones da rádio. As duas últimas intervenções do político foram
em momentos importantes do país. A primeira foi ao final de 2015, posicionando-se contrário ao
processo de impeachment de Dilma Rousseff. A última vez foi em 2016, declarando apoio ao candidato
do então PMDB, a Prefeitura de Barbacena, Ronaldo Braga.
As emissoras alinhadas às ideias dos Andradas e consequentemente ao governo municipal são
usadas com fins de exaltação ao seu grupo político. Membros da família Andrada ou do grupo político
participam com frequência do programa Sinal de Alerta, das rádios 93 FM e Correio da Serra.
As ideias do grupo político também são propagadas, o que pode ser evidenciado no seguinte
exemplo: Como já dito, Bonifácio Andrada faz parte da base aliada do Governo Temer e, nos
noticiários das emissoras ligadas aos Andradas, há com frequência uma exaltação, ainda que oculta as
suas ideias. No período em que Michel Temer decretou intervenção na segurança pública do Rio de
Janeiro, o programa noticiou a pesquisa “Minas no Brasil” ao dizer que a maioria dos mineiros apoia o
uso do exército na segurança pública. No entanto, esse dado faz parte de uma série de outros dados
apresentados nas pesquisas, que foram ocultadas do noticiário.

5.3 Sistemas de mídia em São João del-Rei

Em São João del-Rei, vemos traços de desenvolvimento da imprensa, um pouco maior do que em
Barbacena e isso pode ser atribuído a dois fatores: O primeiro é a presença do curso de jornalismo na
Universidade Federal de São João del-Rei, criado em 2009, o que proporcionou ao mercado maior
profissionalização. O segundo fator é político – o que permitiu que a cidade tivesse um maior número
de concessões distribuídas e em funcionamento com programação local, inclusive com a TV Campos
de Minas.
Entretanto, apesar de um aparente desenvolvimento, o jornalismo da cidade ainda depende
muito de notícias que são geradas em outra cidade, como, por exemplo, durante o período de
monitoramento a cidade de São João del-Rei foi citada apenas uma vez no noticiário de Barbacena – já
as notícias da cidade de Barbacena estiveram todos os dias em algum noticiário de São João del-Rei.
Isso mostra que uma cidade produz mais notícias ou tem mais promotores de notícia do que a outra.
A cidade de São João del-Rei, também, tem como característica na mídia o coronelismo
eletrônico. A família Neves, cujo principal representante é o atual deputado federal Aécio Neves
(PSDB), que tem ligação com um conglomerado de mídia na cidade. Tal grupo de mídia reúne jornal,
rádio e televisão educativa (Santos e Stevanim, 2012). Aécio Neves hoje é réu por denúncias de
recebimento de propinas na Operação Lava Jato.
Apesar de o PT de São João del-Rei ter se fortalecido nos últimos anos – tem o deputado
Reginaldo Lopes que foi o mais votado em Minas Gerais em 2014 e reeleito em 2018 e o deputado
estadual Cristiano da Silveira, além de ter tido o ex-reitor Helvécio Reis como prefeito de 2013 a
2016, a influência midiática na cidade dos setores de esquerda ainda é pequena, se comparado à
família Neves. Isso fica bem evidente no Quadro 2de veículos e ligações com veículos de comunicação
da cidade.

Quadro 2 – Veículos de mídia em São João del-Rei

VEÍCULO DE COMUNICAÇÃO LIGAÇÃO COM GRUPO POLÍTICO


SÃO JOÃO DEL-REI
Rádio Vertentes FM Neves
Rádio São João – AM Neves
Rádio Emboabas AM e FM Aparentemente independente
Rádio Campos de Minas – FM Neves
TV Campos de Minas Neves
Jornal Gazeta de São João del-Rei Neves
Jornal Folha das Vertentes Reginaldo Lopes
Dos autores, 2018

As pautas dos veículos, de certa forma, beneficiam o senador Aécio Neves, ainda que
indiretamente. Pode ser citado como exemplo no dia 27 de março de 2018, quando a Procuradoria
Geral da República (PGR) denunciou Aécio Neves por corrupção e obstrução de justiça (por
atrapalhar as investigações da operação Lava Jato da Polícia Federal). Os grandes veículos de
comunicação do Brasil noticiaram o fato, mas a Rádio Vertentes, por uma questão editorial e política,
divulgou, na segunda edição de seu noticiário, uma matéria de uma agência de notícias que elogiava a
gestão do governador de Goiás, Marconi Perillo, que é correligionário de Neves, e simplesmente
ignorou um fato tão importante como a denúncia contra o senador mineiro.
De acordo com dados da Receita Federal, a irmã de Aécio Neves, Andrea Neves, é dona da rádio
Vertentes. Andrea cuidou da comunicação da campanha de seu irmão e tinha sido presa na operação
Patmos em maio de 2017 e liberada um mês depois, após ser absolvida pelo Supremo. As concessões
estão sempre no domínio de alguém próximo a Aécio Neves.

A concessão para o canal é de 2002, quando o ministro das Comunicações era Pimenta da Veiga, candidato
derrotado ao governo do estado de Minas. O presidente da Fundação Cultural Campos das Vertentes é José
Geraldo D´Ângelo, aliado de Aécio que assumiu a presidência do Instituto Cultural Banco de
Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG Cultural), em 2003, quando o neto de Tancredo era governador.
A fundação também possui uma outorga de rádio FM” (a rádio Campos de Minas, 95,3 MHz). (STEVANIM,
2014, p.01).

No jornalismo impresso, há uma grande busca por espaço entre o jornal Folha das Vertentes,
ligado ao deputado Reginaldo Lopes (PT) e o jornal Gazeta de São João del-Rei, do grupo político de
Aécio.
As notícias do jornal Folha das Vertentes têm o claro intuito de valorizar o mandato do deputado
Reginaldo Lopes. Além de Reginaldo Lopes, também ganha espaço considerável no periódico, o
deputado Cristiano Silveira. Isso pode ser evidenciado nas notícias destacadas a seguir: “Reginaldo
Lopes articula negociação de dívida do DAMAE” (23 de março de 2018); “Reginaldo Lopes apresenta
projeto sobre fim do auxílio moradia” (02 de março de 2018); “Hospital amplia UTI com investimento
de R$3,2 milhões destinado por Reginaldo Lopes” (23 de dezembro de 2017), todas foram destaques
do veículo noticioso.
Já o jornal Gazeta de São João del-Rei valoriza e exalta o grupo político de Aécio Neves. Vejamos
como o nome do tucano aparece nas manchetes da Gazeta, de acordo com seu site oficial: “Aécio
Neves participa de encontro na região” (10 de março de 2018); “Aécio Neves apoia obras para a
cidade” (16 de dezembro de 2017); e “PF isenta Aécio Neves no caso Furnas” (12 de agosto de 2017).

6. Considerações Finais

A partir das discussões teóricas, foi possível apresentar conceitos importantes para entender
como funciona o sistema de mídia no Brasil, ainda fortemente concentrado e vinculado a grupos
políticos e econômicos, conforme pontuam autores como Albuquerque (2012), Lima (2006), Azevedo
(2006). Outra questão é o fato de se tratar de uma concentração horizontal, em que os grupos
possuem veículos nos mais diferentes suportes midiáticos, como TV, rádio, jornais e internet, o que
torna o poder maior e reduz a possibilidade de que posições contraditórias sejam apresentadas ao
público.
Analisando tanto o contexto em Minas Gerais em que a concentração também é existente e está
vinculada a grupos políticos como o Campo das Vertentes, conclui-se que há um domínio bastante
evidente em duas das principais cidades da região: Barbacena e São João del-Rei. Em Barbacena, o
poder está concentrado no grupo dos Andradas que há séculos domina a política não somente local,
mas estadual e até federal. No caso de São João del-Rei, o grupo do senador Aécio Neves consolidou
ao longo das décadas um forte poder político e midiático na cidade e região e durante anos no estado
de Minas Gerais. Aécio chegou a disputar o segundo turno da eleição e por uma diferença de pouco
mais de 3 milhões de votos perdeu para Dilma Rousseff (PT).
Tais questões apontam para a necessidade de uma mudança na legislação brasileira que possa
reverter o quadro de concentração de mídia e com isso gera democratização e uma maior pluralidade
de vozes. Sistemas de mídia concentrados levam ao controle da informação e contaminam a lógica do
sistema democrático.

Referências
ALBUQUERQUE, Afonso de. O Paralelismo político em questão. Revista Compolítica, v.2, n.1, ed. Jan-jun,
2012.
AZEVEDO, Fernando Antonio. Mídia e democracia no Brasil: relações entre sistema de mídia e o
sistema político. Opinião Pública, v. 12, nº1, 2006
BRASIL. Lei nº 4117, de 27 de agosto de 1962d. Institui o Código Brasileiro de Telecomunicações.
Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 05. out. 1962. Disponível em
http://wwwt.senado.gov.br/servlets/NJUR.Filtro?tipo=LEI&secao=NJUILEGBRAS&numLei
CAPPARELLI, Sérgio; RAMOS, Murilo C.; SANTOS, Suzy et alli. Enfim, Sós: A nova
televisão no Cone Sul. Porto Alegre: LPM, 1999
CHAVES, Fernando. Consumo de mídia e comportamento político-ideológico do cidadão de Juiz de
Fora. Dissertação de mestrado Universidade Federal de Juiz de Fora, 2017.
FRANÇA, V.R.V. Jornalismo e vida social. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1998.
HALLIN, D.; MANCINI, P.Comparing Media Systems: Three Models of Media and Politics. Cambridge:
Cambridge University Press, 2004.
LIMA, Venício de. Mídia. Crise política e poder no Brasil. São Paulo: Perseu Abramo, 2006.
Melhor regulação da mídia é o controle remoto, diz Ciro Gomes. Jornal Folha de São Paulo, 2018.
Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/02/melhor-regulacao-da-midia-e-o-controle-
remoto-diz-ciro-gomes.shtml
OLIVEIRA, Luiz Ademir e TÓFOLI, Luciene Fátima. Os conglomerados da mídia em Minas Gerais: a
concentração de poder na imprensa. In: REZENDE, G.J. et al. Impasses e Perspectivas da imprensa em
Minas Gerais. São João del-Rei: Editora da UFSJ, 2012, p.68 a p.79
Quem são os políticos donos de rádios, TVs e jornais e novos alvos do MPF. Diário Centro do Mundo,
2015. Disponível em: https://www.diariodocentrodomundo.com.br/essencial/quem-sao-os-politicos-donos-de-
radios-tvs-e-jornais-e-novos-alvos-do-mpf/ Associação Nacional dos jornais (ANJ):
http://www.anj.org.br/maiores-jornais-do-brasil/
SANTOS, Suzy e STEVANIM, Luiz Felipe. Porteira, Radiodifusão, Universidade etc. Os “negócios” do
coronelismo eletrônico em Minas Gerais. Revista Brasileira de Políticas de Comunicação, nº2. Brasília:
LaPCom/UNB, 2012.
SOUZA, J. A radiografia do golpe: entenda como e porque você foi enganado. Rio de Janeiro: Le Ya, 2016.
STEVANIM, Luiz Felipe. Aécio Neves e as vertentes do coronelismo eletrônico. Intervozes coletivo Brasil de
Comunicação Social, 2014. Disponível em: http://intervozes.org.br/aecio-neves-e-as-vertentes-do-
coronelismo-eletronico/

1 Graduando do terceiro período do Curso de Comunicação Social da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), participa
do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação Científica da UFSJ em que desenvolve o Projeto “Sistemas e políticas de comunicação: a
configuração oligárquica da mídia no Campo das Vertentes”. E-mail: iurifontoura@yahoo.com.br

2 Graduanda do Curso de Comunicação Social – Jornalismo e Integrante do Programa Institucional de Iniciação Científica (PIIC),
sob a orientação do professor Luiz Ademir de Oliveira, em que desenvolve o projeto “Sistemas e políticas de comunicação: a
configuração oligárquica da mídia no Campo das Vertentes”.

3 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social (PPGCOM) da UFJF e Graduado em Comunicação Social –
Jornalismo pela UFSJ.

4 A matéria da Carta Capital, citada neste estudo, está disponível em: https://www.cartacapital.com.br/blogs/intervozes/novo-alvo-
do-mpf-os-politicos-donos-da-midia-3650.html

5 Coelhos estão na vida política desde a república velha e os Andradas desde o império
CAPÍTULO 46

OCUPAÇÕES SECUNDARISTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO EM 2015: O USO


ESTRATÉGICO DAS MÍDIAS ALTERNATIVAS E DIGITAIS1

Lucas Hideo Nakayama2

1. Introdução

O artigo traz uma discussão sobre as ocupações secundaristas do Estado de São Paulo, ocorridas
em 2015, e suas e suas diversas formas de dialogar com a população, realizando o papel social das
mídias tradicionais que se abstiveram no início e durante os atos. Pretende-se analisar as diferentes
formas de disseminar informações utilizando de novas tecnologias e aparatos do século XXI
(celulares, redes móveis, redes sociais) e as influências políticas que tiveram como resultado bem
como analisar o processo das ocupações secundaristas do Estado de São Paulo como um movimento
estudantil considerado paradigmático ao inserir jovens antes sem voz no papel de protagonistas das
mobilizações.
As ocupações secundaristas tiveram início no começo de novembro com a Escola Estadual
Diadema, depois de muitos atos de rua com forte repressão policial, contra a reforma do ensino
estadual, que iria fechar escolas e realocar alunos em escolas com pouca infraestrutura. A mudança
da estratégia de luta funcionou e muitas escolas se juntaram, sendo mais de 200 escolas ocupadas em
todo o estado de SP.
A ocupação da Escola Estadual Dr. Eloy de Miranda Chaves, da cidade de Jundiaí – SP, teve início
no dia 17 de novembro. Pela parte da manhã, os secundaristas entraram e trancaram o portão,
decretando a ocupação. Com apoio de professores, pais e moradores do bairro, a ocupação foi um
espaço muito proveitoso para todos, além de forte “arma” contra a reforma do governo de SP. Os
alunos se organizaram e juntamente com outros alunos ocupados pelo estado de SP, reunidos como a
“Frente de Luta dos Estudantes”, concordaram que ocupar o espaço digital era necessário e assim,
todas as ocupações tiveram uma página no Facebook, criando um debate no cotidiano das pessoas. E
com isso, houve uma forte pressão para que as mídias tradicionais, isentas até então, apresentassem
os fatos para a população.
As ocupações remetem a experiências vivenciadas como secundarista engajado nestas lutas. Em
2015, estava concluindo o terceiro ano do Ensino Médio na Escola Técnica Estadual Vasco Antônio
Venchiarutti em Jundiaí - SP, quando começaram as propostas do então governador Geraldo Alckmin
(PSDB) para reformulação e reorganização do ensino estadual. A escola em que frequentava não
sofreria com as reformulações, porém, após saber que muitas escolas da cidade em que amigos
próximos frequentavam, iriam ser fechadas, comecei a pesquisar e entender mais os fatos que
cercavam essa proposta do governo.
Quando soube que uma escola estadual havia sido ocupada na cidade, percebi a urgência que os
atos estavam demonstrando e assim, fui até a ocupação procurar compreender e ajudar da forma que
puder. A Escola Estadual Dr. Eloy de Miranda Chaves foi ocupada por seus estudantes que não
queriam ver a escola ser fechada e ter que estudar num bairro mais distante de suas casas.
Organizados, independentes e com muito apoio, deram início à ocupação.
A escola fica no Jardim Boa Vista, bairro periférico da cidade, vizinha de um dos maiores
complexos de favela do interior de São Paulo, o Jardim São Camilo. Talvez por isso a ocupação foi
pouco repercutida pela cidade. Nenhum jornal local ou rádio nos informaram e muitos colegas da
minha escola não sabiam o que estava acontecendo e muitas vezes não se importavam com tais atos.
Fiquei acompanhando a ocupação em suas duas primeiras semanas, ajudava de toda forma, mas
na maioria das vezes eles não precisavam de ajuda. Vi coisas fantásticas nessa ocupação, como o
conserto da estrutura da escola feito pelos estudantes ocupados. Eles consertaram o telhado
quebrado havia meses, cortaram e apararam o jardim da escola, pintaram e grafitaram os muros da
quadra que estavam aos pedaços, se organizavam para cozinhar, limpar e consertar. E o que mais me
impressionou foi que o processo educacional não parava. Muitos professores em solidariedade
puxavam aulas e debates fora do processo educacional didático que estamos acostumados. Além
disso, pessoas de fora vinham ensinar o que sabiam (rodas de samba, esportes, grafite, pintura etc.).
Foram muitos aprendizados para todos. As pessoas que moravam no bairro estavam conscientes e
comovidos com a ocupação, ajudando os alunos de toda forma, principalmente doando alimentos e
materiais para higiene.
Após vivenciar toda aquela experiência, me senti na obrigação de relatar os fatos e divulgá-los
para as pessoas que não estavam acompanhando. Entrevistei os estudantes, os pais que estavam
ajudando e alguns professores, tirei fotos e escrevi sobre o que estava acontecendo para publicar no
meu Facebook e compartilhar com as pessoas que me rodeavam. Isso fez com que eu me interessasse
mais pela área da comunicação e então procurei compreender mais a fundo o poder que ela tem.
Entrei para o curso de Comunicação Social na UFSJ e depois de alguns aprendizados pude escrever
este projeto com a finalidade de fomentar mais ainda a discussão sobre mídia e política, diretamente
ligados.
Com base nesses acontecimentos e hipóteses, podemos levantar alguns questionamentos: As
mídias alternativas digitais seriam a forma mais democrática de divulgação de informações em
relação às mídias tradicionais?

2. Movimentos sociais no século XXI

Ao longo da história, os movimentos sociais foram se tornando um importante instrumento para


se questionar, rebelar e confrontar as mais diversas formas de poder que se acumulam em poucas
mãos (governos, ditadores, empresas) e se caracterizam como um método despótico de governar
pessoas. Entre as diversas formas que os movimentos sociais se organizam e atuam, Castells (2013)
pontua que a tomada das coisas em suas próprias mãos e envolver-se na ação coletiva fora dos canais
institucionais prescritos para defender suas demandas e buscar mudanças, são as características
principais dos movimentos sociais.
Diante dos diferentes conceitos que explicam os “movimentos sociais”, Downing (2002) cita três
classificações para a utilização do termo. O primeiro refere-se à rebelião das massas, à multidão em
tumulto, agindo de maneira cega e insensata, levada apenas por emoções impetuosas e
descontroladas. O segundo modelo dos movimentos sociais concebe os indivíduos como atores
racionais, ou seja, os membros do público em geral precisam criar recursos alternativos para exercer
influência sobre o processo político e de alocação. Esses recursos alternativos consistem em ações
coletivas como greves, ocupações, passeatas, operações tartaruga, bloqueios de tráfego, entre outras
ações. O terceiro modelo refere-se aos novos movimentos sociais (NMSs): movimentos sociais
ecológicos, feministas ou pacifistas. Alguns estudiosos sustentam que esses movimentos representam
um novo estágio qualitativo na cultura política contemporânea, com características profundamente
diferentes daquelas dos primeiros movimentos sociais (DOWNING, 2002).
Os secundaristas começaram a se organizar pelas plataformas digitais (Facebook, Twitter,
WhatsApp) e posteriormente se organizavam em espaços públicos e assim, caracterizando-se como
movimentos sociais. Conforme explica Castells (2013), eles tornam-se um movimento ao ocupar o
espaço urbano, seja por ocupação permanente de praças públicas seja pela persistência das
manifestações de rua. “O espaço do movimento é sempre feito de uma interação do espaço dos fluxos
na internet e nas redes de comunicação sem fio com o espaço dos lugares ocupados e dos prédios
simbólicos visados em seus atos de protesto” (CASTELLS, 2013, p.164).

3. Declínio da educação no Brasil

Para todos aqueles que estudaram em escolas públicas, conhece as inúmeras dificuldades
encontradas para a progressão da educação, desde problemas atuais como a má remuneração dos
professores públicos, a falta de oportunidades depois de completar a escola, além do histórico
retrocesso de políticas públicas. Entre muitos fatores que ajudam com o declínio da educação
brasileira, podemos analisar e utilizar do fator histórico para entender como funciona a educação e
quais seus objetivos. Segundo Foucault (2001), a transição da sociedade rural para a industrial fez
surgir duas demandas imediatas: a primeira, por mão de obra letrada que conseguisse entender o
maquinário e seus manuais; e a segunda, por cidadãos que tivessem um comportamento desejável no
convívio com os outros trabalhadores. Portanto, a instituição escolar tornou-se primordial dentro do
que Foucault chamou de sociedade disciplinar: teve a função de disciplinar os alunos, exercer o
controle e o poder diretamente sobre seus corpos, exigindo uma certa normatização do
comportamento enquanto garantia o domínio da cultura letrada.

O poder disciplinar é [...] um poder que, em vez de se apropriar e de retirar, tem como função maior
“adestrar”: ou sem dúvida adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e melhor. Ele não amarra as
forças para reduzi-las; procura ligá-las para multiplicá-las e utilizá-las num todo. [...] “Adestra” as multidões
confusas [...] (FOUCAULT, 2014a, p. 143).

As ocupações secundaristas aconteceram como forma de protesto e resistência contra desmonte


do ensino estadual, proposto por Geraldo Alckmin (PSDB), no qual se planejava dividir e fragmentar
as escolas públicas para que cada uma pudesse oferecer apenas um dos ciclos de educação (Ensino
Fundamental I, Ensino Fundamental II, Ensino Médio) e assim fechando 93 escolas para realocar os
alunos em poucas salas de aula, de escolas com baixa infraestrutura.

Existe uma incompatibilidade entre os corpos infantis e adolescentes com as antiquadas normas colegiais.
Não parece haver uma maneira de se estabelecer o diálogo entre estas inquietas subjetividades tão
contemporâneas, com seus próprios sonhos e ambições, seus estilos de vida e suas realidades cotidianas de
um lado e, de outro, a parafernália escolar, com seus rançosos ritos disciplinares, e sua inútil insistência
nas diferenças hierárquicas, seu respeito surrado pela tradição letrada e sua aposta no valor do esforço a
longo prazo (SIBILIA, 2012, p. 203).

A educação sofre consequências com o avanço das tecnologias e, durante o século XXI, podemos
evidenciar isso. Com o fácil acesso às informações, independente do veículo utilizado, fica mais fácil a
contestação dos fatos e a busca pelo saber. Ou seja, os professores podem ser contestados em sala de
aula, não como antigamente quando o professor tinha a palavra absoluta sobre os fatos. Com isso, fica
mais fácil contestar a forma hierárquica da educação (escola) e assim contestar outras coisas do
cotidiano que se apresentam como formas e métodos tradicionais e institucionalizados
burocraticamente. Sibilia (2012) ainda ressalta a influência das relações de consumo dentro da
escola, transformando os professores e alunos em prestadores de serviços e clientes. “Quando a
lógica mercantil passa a imperar sem nenhum tipo de cerceamento, os direitos e deveres podem virar
mercadorias ao alcance de alguns clientes, mas não de todos os cidadãos” (SIBILIA, 2012, p. 95).

A cultura é de todos: este o fato primordial. Toda sociedade humana tem sua própria forma, seus próprios
propósitos, seus próprios significados. Toda sociedade humana expressa tudo isso nas instituições, nas
artes e no conhecimento. A formação de uma sociedade é a descoberta de significados e direções comuns, e
seu desenvolvimento se dá no debate ativo e no seu aperfeiçoamento, sob a pressão da experiência, do
contato e das invenções, inscrevendo-se na própria terra (WILLIAMS, 1958, p.1).

Durante as ocupações, apesar das escolas (como forma institucionalizada) estarem paradas, o
processo educacional não parava. Os alunos e professores que apoiavam se organizavam para
continuar com o processo permanente de aprendizagem por meio de diversas formas que fugiam das
formas tradicionais (materiais didáticos), tais como a arte, o esporte, a música, debates sobre temas
específicos e entre outras maneiras de se aprender coisas novas e repassar seus aprendizados para
outras pessoas. ]

4. Mídia alternativa X Mídia tradicional

Os movimentos sociais em rede de nossa época são amplamente fundamentados na internet, que é um
componente necessário, embora não suficiente, da ação coletiva [...]. Mas o papel da internet ultrapassa a
instrumentalidade: ela cria as condições para uma forma de prática comum que permite a um movimento
sem liderança sobreviver, deliberar, coordenar e expandir-se. Ela protege o movimento da repressão de
seus espaços físicos liberados, mantendo a comunicação entre as pessoas do movimento e com a sociedade
em geral na longa marcha da mudança social exigida para superar a dominação institucionalizada
(CASTELLS, 2013, p.171).
No auge das ocupações secundaristas, chegando a mais de 200 escolas ocupadas em todo o
estado de São Paulo, as mídias tradicionais (grupo Globo, Veja, Folha, Estadão) tentavam de início
esconder tais atos, porém, por causa das inúmeras reportagens, matérias, fotos e vídeos divulgados
em diferentes redes sociais pelas mídias alternativas (Mídia Ninja, Catraca Livre, Jornalistas Livres) e
por pessoas que participavam ou apenas acompanhavam a situação, as ocupações secundaristas
tornaram-se pautas no cotidiano das pessoas e assim, obrigando as grandes mídias tradicionais a
exporem os fatos. Isso pode ser explicado pela hipótese do agendamento apontado por Barros Filho
(1995). O autor afirma que, apesar de a mídia ser a principal definidora da agenda pública, pode
ocorrer o processo inverso. Quando movimentos iniciados na sociedade ganham uma dimensão
importante e um caráter público, acabam tornando-se agenda para a mídia.
Entretanto, se houve um sucesso no sentido de agendar as ocupações para que fossem notícias
na grande mídia, por outro lado, o enquadramento, em geral, foi negativo. Procuraram desqualificar
os movimentos. As mídias tradicionais utilizaram de seu poder simbólico, econômico e político para
tentar criar uma opinião pública desfavorável ao movimento dos secundárias. Isso pode ser observado
na própria escolha lexical para se referir às ocupações: em suas manchetes usavam palavras como
“invasão” em vez de “ocupação”, ou seja, criava um sentido de que os alunos não pertenciam, por
direito, àquele ambiente educacional do qual estudavam e podiam reivindicar seus direitos. Além
disso, a tentativa do jornal Estado de S. Paulo que publicou em sua plataforma digital que o
governador tinha revogado o desmonte, numa tentativa de retirar os alunos das escolas, porém no
mesmo dia o grupo midiático lançou uma nota se desculpando pelo ocorrido. No final de 2015, as
ocupações tiveram uma “vitória”, o governo voltou atrás com o desmonte do ensino público, e o então
secretário de Estado da Educação, Herman Voorwald, pediu demissão.

3.1 Estudo de Caso: uma análise das estratégias de comunicação dos secundaristas nas
ocupações em São Paulo

3.1 Metodologia e Corpus de Análise

Trata-se de uma análise do discurso que utilizará os seguintes procedimentos metodológicos:


Pesquisa bibliográfica: serão explorados os eixos temáticos: (1) Movimentos Sociais na Era da
Internet; (2) Mídias Tradicionais X Mídias Alternativas; (3) Enquadramento noticioso.
Pesquisa documental e Corpus de análise: foram analisados, respectivamente, as postagens
da página da ocupação da Escola Estadual Dr. Eloy de Miranda Chaves e suas publicações referentes
à situação política do governo do estado e as publicações referentes à situação da ocupação por
dentro da escola. Em seguida, foram analisadas publicações da Folha de S. Paulo, em relação às
ocupações secundaristas de 2015, investigando o discurso utilizado da mesma para se referir aos
estudantes e seus atos, fazendo uma comparação entre as primeiras publicações e as últimas.
Prosseguindo com a análise do discurso das publicações da mídia digital alternativa, Mídia Ninja,
referentes às ocupações secundaristas de 2015.

3.2 As ocupações secundaristas em São Paulo

Os movimentos sociais se dão por motivos políticos, pois as formas de organização política
afetam diretamente o cotidiano de uma população. Com isso, uma reforma do ensino estadual
proposto pelo Governador Geraldo Alckmin (PSDB) junto ao Secretário de Educação Herman
Voorwald, estava ameaçando o cotidiano de professores e alunos de escolas estaduais. A reforma
propunha uma grande mudança, no qual se planejava dividir e separar as escolas para que cada uma
pudesse oferecer apenas um ciclo educacional (Ensino Fundamental I, Ensino Fundamental II e
Ensino Médio), com isso, os alunos seriam realocados para outras escolas e ficariam em salas de aula
com o dobro de alunos de suas salas atuais, além da demissão de muitos professores e ainda previa o
fechamento de 93 escolas devido à falta de estrutura das mesmas. Os alunos e professores sentiram
um forte abandono da educação pública por parte dos governantes e assim, ocuparam as escolas
como forma de protesto e resistência às propostas.
As manifestações começaram nas ruas, quando muitos alunos e professores se reuniram e
marchavam em protesto, principalmente nas ruas da capital de São Paulo, no qual houve inúmeros
relatos de abusos e forte repressão vinda dos policiais militares. Apesar disso, os veículos tradicionais
midiáticos mostraram-se ausentes em relatar tais fatos de conhecimento e importância pública.
Assim, no começo de novembro de 2015, deu-se a primeira ocupação secundarista, na Escola Estadual
Diadema do ABC Paulista, e a partir daí, de forma organizada e bem dialogada, as escolas estaduais
estavam sendo ocupadas em todo o Estado de São Paulo.
Mesmo com o número de escolas ocupadas crescendo, não houve algum relato das grandes
mídias sobre o assunto durante a primeira semana após o início. Porém, em 2015, a internet já estava
sendo usada com muita frequência e seu número de usuários crescia a cada dia, transformando-se em
uma potente forma de divulgação e compartilhamento de informações, além de tornar uma forte
“arma” contra as injustiças dos governos e seus autoritarismos pelo mundo, como se mostrou durante
a Primavera Árabe. As redes sociais, em 2015, apresentavam-se como uma nova plataforma
democrática (apesar do número de usuários ser menor que o número de não usuários) e muitas
mídias alternativas estavam surgindo e se firmando nesses espaços públicos que a internet abria
(algumas novas e outras como extensão dos movimentos de rua de 2013). O Facebook, a rede social
mais utilizada no Brasil em 2015, abriu portas para essas novas formas de fazer jornalismo, páginas
como a Mídia Ninja, Catraca Livre e Jornalistas Livres foram aumentando e ganhando visibilidade, a
ponto de cumprir as funções sociais que as mídias tradicionais tinham.
Assim, a hipótese levantada nesse estudo é a de que as mídias alternativas em suas plataformas
digitais tiveram importante papel social, pois, além de informar as pessoas, essas novas mídias
estavam criando debates nas conversas do cotidiano das pessoas. Em função disso, os grandes meios
midiáticos se sentiram pressionados a relatarem os fatos em seus veículos tradicionais (jornais
televisivos, impressos, revistas e rádio), apesar de já terem passado pelo menos uma semana do início
das ocupações.
No dia 23 de setembro de 2015, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB),
juntamente com o Secretário de Educação Herman Voorwald anunciaram uma reforma na educação
estadual, que consistia em separar as unidades escolares de modo que cada uma passasse a oferecer
apenas um dos ciclos da educação (Ensino Fundamental I, Ensino Fundamental II e Ensino Médio), a
proposta também previa o fechamento de 94 escolas e segundo o governo paulista, 311 mil alunos
deveriam mudar de escola, 74 mil professores seriam atingidos pela mudança e 1.464 unidades
escolares estariam envolvidas na reorganização. Após o anúncio, ocorreram muitos atos de rua
puxados por secundaristas e com apoio de professores e universitários, mas sempre com o mesmo
final, forte repressão da Polícia Militar de SP e muitas agressões em estudantes menores de idade.
Então, no dia 9 de novembro, os estudantes mudaram suas táticas e iniciaram uma das maiores redes
de ocupações escolares do século XXI. Começando com a Escola Estadual Diadema, e em seguida com
a Escola Estadual Fernão Dias.
A ocupação da Escola Estadual Dr. Eloy de Miranda Chaves, localizada em um bairro periférico
da cidade de Jundiaí – SP, teve início na manhã de uma terça-feira, 17 de novembro. Puxada pelos
estudantes e com apoio dos professores, dos pais e dos moradores do bairro. Durante a ocupação,
muitas coisas aconteceram com a escola e os estudantes, novas formas de educar se abriram para as
pessoas e muita cultura foi compartilhada e ensinada. Os espaços antes largados foram resgatados,
pinturas nas paredes, grama cortada, telhado consertado, quadra pintada, limpeza em todos os cantos
da escola e muitas outras ações marcaram o período da ocupação. Além de muitas oficinas como
grafite, poesia, música, maracatu, produção de texto (devido ao ENEM e outros vestibulares) e
contando com muitas rodas de debate com diferentes temas, como a questão do racismo, do
machismo, da LGBTfobia. Tais eventos aconteceram com muito apoio de professores da cidade,
alunos, universitários e moradores dos bairros.
Com o início da ocupação, os alunos organizaram-se e sempre em contato com as outras escolas
ocupadas por meio da “Frente de Lutas dos Estudantes” deram início à uma página no Facebook,
“Ocupação E.E Dr Eloy de Miranda Chaves”, pois era necessário ocupar o espaço digital, além de
informar, era uma forma de pressionar as mídias tradicionais que ofuscavam as ocupações. No início
de dezembro, o governo anunciou o adiamento da reforma da educação estadual para 2016 e o
Secretário de Educação pediu sua demissão. No dia 5 de dezembro, a ocupação realizou um ato
cultural para comemorar o ocorrido e aos poucos foram desocupando a escola, apesar de terem
concordado em continuar a ocupação ao máximo, pois a reforma não foi revogada, mas adiada. Enfim,
no dia 16, a escola foi esvaziada.
Começando com uma análise aprofundada da ocupação da Escola Estadual Dr. Eloy de Miranda
Chaves, localizada no bairro Jardim Boa Vista na cidade de Jundiaí – SP. Analisando suas formas de
divulgação dos fatos e acontecimentos por dentro e por fora da ocupação, no qual utilizaram de redes
sociais (Twitter, Facebook e Instagram), além dos alunos se organizarem e se comunicarem por meio
de grupos no WhatsApp, fica evidente a importância e dependência de tais redes para a consolidação
dos movimentos sociais de ocupação que aconteceram em mais de 200 escolas públicas no Estado de
São Paulo.
Após as ocupações aparecerem nos veículos midiáticos tradicionais de forma crítica e
discriminada (colocando “invasão”, em vez de “ocupação” em algumas manchetes como no caso da
Folha de São Paulo em sua plataforma digital), os governantes viram esses meios de comunicação
como um ótimo instrumento. Assim, no dia 19 de novembro, o jornal Folha de São Paulo publicou em
sua plataforma digital que o Secretário de Educação havia suspendido a reorganização do ensino
estadual para 2016, numa forma de desmobilizar as ocupações e fazer com que as escolas sejam
esvaziadas. Porém, nenhuma escola foi desocupada, pois os estudantes estavam organizados e
mantinham um forte diálogo entre eles, fazendo com que ninguém saísse até os fatos estarem claros.
E algumas horas depois, a Folha publicou em sua plataforma digital pedindo desculpas pelo “erro” e
confirmando que a suspensão seria por apenas alguns dias. As escolas seriam ocupadas até que a
proposta fosse revogada.
No final de dezembro, Alckmin e o Secretário de Educação retiraram a proposta de
reorganização do ensino estadual e as escolas foram sendo desocupadas posteriormente.

4. Considerações Finais

Ao final deste artigo, podemos sintetizar que, em 2015, a experiência das ocupações trouxe uma
reflexão sobre o uso das mídias digitais. Por muitos, um espaço “novo” e ainda pouco utilizado, era
considerado apenas para uso o recreativo ou para trabalho. Após as ocupações, a população paulista
(estado com a maior porcentagem de pessoas com acesso à internet – IBGE) percebeu que o espaço
digital era favorável e necessário para a discussão política. Com isso, as mídias alternativas digitais
foram ganhando mais visibilidade e legitimando alguns sites e páginas, como fontes de informação. E
assim, pressionando fortemente as mídias tradicionais a ocuparem esses espaços. Apesar das
ocupações terem dado essa ênfase aos espaços digitais, foram os movimentos de rua de 2013 que
marcaram o início desse debate e as ocupações de 2015 ajudaram a comprovar a importância do
espaço digital como forma de fazer política e principalmente, expor e abrir discussões do cotidiano.

Referências
ANDRADE, E.R.; ZACCARELLI, C.T. Isso é uma ocupação, não uma invasão: um olhar sobre as
manifestações secundaristas de 2015. Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCC), 2017.
BARROS FILHO, Clóvis. Ética na Comunicação. São Paulo: Editora Moderna, 1995.
CASTELLS, Manuel. Redes de indignação e esperança: movimentos sociais na era da internet. São Paulo:
Editora Jorge Zahar, 2013.
COPIANO, Letícia Prudência. Atuação dos estudantes secundaristas e as influências políticas
culturais. Trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito parcial para obtenção do título de
Especialista em Gestão de Projetos Culturais e Eventos sob orientação do Prof. Dr. Dennis Oliveira.
Universidade de São Paulo (USP), 2017.
DOWNING, John D. H. Mídia radical: rebeldia nas comunicações e movimentos sociais. São Paulo: Senac,
2002.
FOUCAULT, M. Vigiar e punir. O nascimento da prisão. 16ª. edição. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2014a.
SIBILIA, P. Redes ou paredes? A escola em tempos de dispersão. Rio de Janeiro: Ed. Contraponto, 2012.
WILLIAMS, Raymond. Culture is ordinary [1958]. In: GABLE, R. (Ed.). Resources of hope: culture,
democracy, socialism. London: Verso, 1989. Tradução de Maria Elisa Cevasco.
1 Trabalho apresentado no GT6 – Pesquisas de Comunicação Política no âmbito da Graduação do I Simpósio de Comunicação
Política, Eleições e Campanha Permanente nos dias 27 e 28 de março de 2019 na UFJF.

2 Graduando em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ).
CAPÍTULO 47

CITY BRANDING COMO ESTRATÉGIA COMUNICACIONAL PERMANENTE1


A marca de Santa Bárbara do Tugúrio (MG)

Eduarda Caroline da Fonseca Silva2


Gabriel Lopes de Andrade3
Higor Gilberto Rodrigues4
Marcio Ribeiro Ferreira Rosa5
Tamiris Ribeiro Campos6
Ricardo Matos de Araújo Rios7
Centro Universitário Presidente Antônio Carlos

1. INTRODUÇÃO

O presente estudo discute o uso do City Branding na criação de uma campanha de Comunicação permanente para cidades brasileiras. Para isso, o trabalho se
debruça na elaboração de um City Branding para a cidade de Santa Bárbara do Tugúrio (MG), como uma forma de desenvolver uma campanha permanente estatal
através do processo de Arquitetura de Marcas, resultando em uma marca que possa evidenciar as vocações locais e que tenha exploração do município.
Com isso, o trabalho se propõe não apenas a discutir e desenvolver o city branding, mas também a sua aplicação como campanha permanente de Santa
Bárbara do Tugúrio, através de materiais gráficos online e off-line, como produtos oficiais de merchandising, que servem como divulgação espontânea da
campanha comunicacional permanente, visando a fixação do nome do município e da marca na mente dos cidadãos e dos turistas.
Para compreender o que é Campanha Permanente, é importante observar a definição apresentada por Fernandes e Martins (2017):

Noguera (2001) considera ser possível afirmar que as campanhas são permanentes e que há uma percepção disso por parte do eleitorado e que os consultores políticos já colocam tal
fenômeno em prática. Uma mudança que, segundo ele, deve haver é de que os consultores políticos não devem estabelecer um momento de começar a campanha política, uma vez que
ela acontece o tempo todo e que os atores envolvidos estão de fato realizando campanha.
De acordo com a definição tanto de Lileker (2007), quanto de Galicia (2010), a campanha permanente refere-se ao uso dos recursos disponíveis do marketing no trabalho por parte dos
indivíduos e organizações eleitas – governos, partido do governo, membros do parlamento, congressistas ou outro representante – a fim de construir e manter o apoio popular.
(FERNANDES; MARTINS, 2017, p. 5)

Com base nisso, desenvolveu-se uma campanha de comunicação política permanente, através do uso do City Branding. Pretende-se, com esse trabalho,
contribuir com a discussão do uso do City Branding como fator de campanha comunicacional para os municípios, além de discutir o uso de merchandising em
campanhas políticas e estatais.

2. ARQUITETANDO UMA MARCA: PROCESSOS DE BRANDING E IDENTIDADE CORPORATIVA

A Arquitetura de Marcas iniciou após o estabelecimento de regras para a Propriedade Industrial, em 1886, com o advento da Convenção de Paris. Cameira
(2016) pontua que a arquitetura de marcas é o processo feito para concepção, construção e entrega de elementos de marca, normalmente de cunho comercial.
Como o nome diz, marca, no início, literalmente era uma marca física aplicada a propriedades, como animais. A marca é arquitetada com base em elementos de
design, comunicação e legislação.
De acordo com Rios (2018a), com o passar dos séculos, as marcas evoluíram de um mero marcador de propriedade para um negócio gerador de bilhões de
dólares, sendo parte importante da administração de uma empresa.
Para gerenciar uma marca, é fundamental que a empresa possua branding. Segundo Rios (2018b), Branding, ou “Gestão de Marcas”, é um programa que
gerencia e visa à convergência entre as diversas áreas relacionadas a uma marca, com o objetivo de agregar valor ao produto/serviço fazendo assim que ele se
diferencie no mercado. É um processo de construção e gestão dos pontos de contato da marca com seus públicos estratégicos.
Marca representa a identidade da empresa e seus valores, equipe, processos, produtos/serviços desenvolvidos e comercializados. Do ponto de vista de quem
consome, a marca é uma percepção, resultante de experiências, impressões e sentimentos vividos em relação a determinada empresa, produto ou serviço.
Uma marca é então, a empresa e sua identidade, o logotipo, a sua estrutura interna, os seus princípios, a sua equipe, os produtos ou serviços vendidos, o
relacionamento com os seus clientes, as suas formas de comunicação, e todas as ações que interfiram direta ou indiretamente na sua imagem.
Uma marca ou brand é a percepção dos consumidores sobre um produto, serviço ou organização. Não o que os profissionais de marketing pensam que a
marca é, mas o que os consumidores, acham que ela é. E não adianta ser apenas diferente. Tem que ser relevante. E não porque eu digo, mas porque o consumidor,
o usuário está dizendo.
Esse processo leva à construção de uma identidade corporativa que, se bem trabalhada, pode definir o sucesso de uma empresa. Fascioni (2010) coloca que
identidade corporativa é o DNA da empresa. Esse DNA é o conjunto de atributos que a faz única e diferente de todas as outras, como marca e comunicação
externa.

3. O QUE É CITY BRANDING?

O City Branding é uma marca criada por um município para promover seu turismo e suas vocações. Kotler (1999) pontua que locais são produtos cujas
identidades devem ser desenvolvidas e vendidas como produtos.
Como a marca projetará uma cidade e essa cidade será coisificada, é necessário que ela mostre o espírito do local, como atributos físicos, culturais e sociais
da cidade, criando um branding que transcenderá setores específicos e atrairá pessoas, seja para turismo, investimento ou até mesmo para captação interna,
desenvolvendo o espirito de pertencimento dos cidadãos, criando bem estar.
Sobre branding, Cameira (2016) explica que:

Branding é o conjunto de ações ligadas à administração das marcas. São ações que, tomadas com conhecimento e competência, levam as marcas além da sua natureza econômica,
passando a fazer parte da cultura, e influenciar a vida das pessoas. Ações com capacidade de simplificar e enriquecer nossas vidas num mundo cada vez mais complexo (CAMEIRA,
2016, p. 50)

Com base nisso, o trabalho se propõe não apenas a discutir e desenvolver o city branding, mas também a sua aplicação como campanha permanente de Santa
Bárbara do Tugúrio, através de materiais gráficos online e off-line, como produtos oficiais de merchandising, que servem como divulgação espontânea da
campanha comunicacional.

4. A HISTÓRIA DE SANTA BÁRBARA DO TUGÚRIO

Para o processo da criação de marca de um município, é muito importante conhecer a história da cidade que será trabalhada. Por isso, o trabalho apresenta
nos próximos parágrafos a história de Santa Bárbara do Tugúrio, para que seja possível discorrer mais sobre a construção do City Branding.
A história de Santa Barbara do Tugúrio teve início no século XVIII, quando Sr. Fernando José de Almeida e Souza e sua esposa Bárbara Marcelina de Paula
Correia, vindos de São João del Rei, fixaram residência em Barbacena e adquiriram terras da região que, posteriormente, virariam o município. À época, as terras
receberam o nome de “Tugúrio”. Tugúrio é baseado na tribo indígena que possuía o mesmo nome e que fora extinta no século XIX.
Como os índios daquela época moravam em casas feitas de pedras e utilizavam utensílios rudimentares, o lugar ocupado recebeu o nome de Tugúrio ou
Tukury, o mesmo que: habitação rústica, refúgio, buraco ou abrigo.
De acordo com a Prefeitura de Santa Bárbara do Tugúrio (2019), em torno da fazenda foi surgindo um povoado, e o proprietário sendo católico, pensou em
construir uma capela. A capela foi erguida e recebeu o nome de Santa Bárbara, em 06/09/1764.
Em 1839, foi criado o Distrito de Santa Bárbara, pertencente ao Município de Barbacena, Em 1882, uma Lei do Império mudou o nome do distrito para
Distrito da Capela de Santa Bárbara. Em 1938, o local foi denominado Tugúrio. Em 30 de dezembro de 1962, o distrito foi emancipado e recebeu o nome de Santa
Bárbara do Tugúrio.
A cidade tem 4500 habitantes, possui PIB per capita de R$ 10 mil e a economia gira em torno da plantação de bananas e do turismo.
5. CONSTRUINDO O CITY BRANDING DE SANTA BÁRBARA DO TUGÚRIO

A criação do city branding observou alguns critérios de avaliações como: dar visibilidade para o município, fomentar o turismo e valorizar a terra, além de
evidenciar suas riquezas naturais.
Dessa forma, esses principais aspectos foram as ideias de busca para a nova identidade visual da cidade, usando também do circulo que demonstra o
constante crescimento cultural e social, da cidade que se aproxima dos 4.500 habitantes.
Utilizando do principal símbolo da cidade, a banana, foram aplicadas cores diferentes a um desenho estilizado dessa fruta, sendo elas: o verde, o amarelo e o
azul, acrescido do nome da cidade escrito em caixa alta. O recurso valoriza a cidade, pois divulga o principal produto da cidade e ainda diz sobre a
representatividade da cultura local que está sempre em movimento e em constante crescimento.
A marca também reforça a natureza local, responsável por grande parte do turismo da cidade.

IMAGEM 01: City Branding criado para Santa Bárbara do Tugúrio

Com base na criação da marca, foram criados desdobramentos práticos para o Branding, como a sinalização com o brand aplicado:

IMAGEM 02: Sinalização com o City Branding criado para Santa Bárbara do Tugúrio

Uma das vantagens em aplicar o City Branding em sinalização outdoor fixa, como placas de trânsito indicativas, é a dificuldade de se trocar o material
constantemente. Isso permite com que a gestão da marca dure mais, permitindo um processo de comunicação permanente.
Outra aplicação pensada foi a plotagem dos carros oficiais do município, como ambulâncias e carros de serviço. Apesar do City Branding e da marca de
governo serem completamente opostas, a aplicação daquela marca em produtos do Estado pode contribuir na divulgação do município e na propaganda turística:

IMAGEM 03: Plotagem de carro com o City Branding criado para Santa Bárbara do Tugúrio
Outro importante material criado para o processo de City Branding foi o merchandising. Seguindo o exemplo de cidades como Nova York e Amsterdam, que
utilizam seus cities brandings como produtos comerciais (I Love NY e I Amsterdam, respectivamente), foi pensado de que maneira seria possível extrair recursos
financeiros da criação marcária. Para isso, foram pensadas camisetas e bonés para o município, tendo como públicos-alvos os turistas e os próprios cidadãos locais
que se orgulham da cidade e teriam prazer em “vestir” Santa Bárbara do Tugúrio.

IMAGEM 04: Merchandising aplicado com o City Branding de Santa Bárbara do Tugúrio

Para potencializar ainda mais a marca, as redes sociais oficiais do município e todo o material gráfico da cidade também receberiam a marca, pois,
independentemente do governo, a marca continuaria representando a cidade, efetivando assim a ideia de campanha comunicacional permanente.

IMAGEM 05: Redes sociais e material gráficos aplicados com o City Branding de Santa Bárbara do Tugúrio
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proposta deste trabalho foi mostrar como um município de pequeno porte, como Santa Bárbara do Tugúrio, pode utilizar conceitos de comunicação, como o
City Branding, para estruturar uma campanha comunicacional permanente, começando no turismo e que, se bem estruturada, possa ser espalhada para outras
áreas da cidade e até em produtos comerciais.
Dentro do processo de Arquitetura de Marcas é importante o respeito às vocações reais da empresa. Uma cidade não é uma empresa, mas possui vocações
que possam ser exibidas em uma marca.
No caso de Santa Bárbara do Tugúrio, o principal elemento foi a banana, principal commodity da cidade, mas para outros municípios, basta analisar
elementos-chave ou algo extremamente representativo, que sirva como “cartão de visitas” daquele local.
Cidades de médio-grande porte, que possuem dificuldades em definir sua identidade, não conseguem escolher algo representativo de imediato. Essa
identificação imediata é bem mais fácil em cidades de pequeno e médio porte, já que estes símbolos estão encurtidos nas mentes dos habitantes destes locais e,
consequentemente, podem ser levados a outras pessoas.
Por mais que a ideia de City Branding não possa caminhar com o Estado, nesta proposta aqui apresentada é interessante notar que o próprio governo, ao
aplicar a marca em determinados materiais, pode ajudar a propagar mais a mensagem. Neste caso, é interessante que o governo use com moderação o City
Branding.
O trabalho e as composições apresentadas no artigo foram frutos de uma experiência em sala de aula, desenvolvido na disciplina de Arquitetura de Marcas, do
curso de Publicidade e Propaganda, da Unipac Barbacena, ministrada pelo professor Ricardo Rios.
Com isso, é importante observar que todas as composições gráficas aqui apresentadas são simulações e não foram usadas e/ou endossadas pela Prefeitura de
Santa Bárbara do Tugúrio.
Espera-se que este trabalho possa contribuir com a discussão do uso do City Branding como fator de campanha comunicacional para os municípios, além de
discutir o uso de merchandising em campanhas políticas e estatais.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAMEIRA, Sandra. Branding + Design - A Estratégia Na Criação de Identidades de Marca. São Paulo: SENAC, 2016.
FASCIONI, Ligia (2010). O que é Identidade Corporativa?. Disponível em: https://www.ligiafascioni.com.br/o-que-e-identidade-corporativa/. Acesso em 10 mar. 2019.
FERNANDES, Carla Montuori; MARTINS, Thamiris Franco (2017). Campanha Permanente: análise das estratégias narrativas de João Doria (PSDB) no HGPE e nas redes
sociais. Disponível em: http://www.compolitica.org/home/wp-
content/uploads/2017/06/FERNANDES_MARTINS_CAMPANHAPERMANENTEDASESTRATE%CC%81GIASNARRATIVASDEJOA%CC%83ODORIANOHGPEENASREDESSOCIAIS.pdf.
Acesso em: 30 abr. 2019.
KOTLER, Philip. Marketing Places Europe: Attracting Investments, Industries, Residents and Visitors to European Cities, Communities, Regions and Nations. London:
Pearson Education, 1999.
PREFEITURA DE SANTA BÁRBARA DO TUGÚRIO (2019). Nossa História. Disponível em:
http://www.santabarbaradotugurio.mg.gov.br/pagina/8144/Nossa%20Hist%C3%B3ria. Acesso em: 20 abr. 2019.
RIOS, Ricardo. História da Arquitetura de Marcas e da Arte na Publicidade. Barbacena: UNIPAC, 2018a.
RIOS, Ricardo. Fundamentos de Branding. Barbacena: UNIPAC, 2018b.

1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Pesquisas no âmbito da Graduação, I Simpósio Nacional de Comunicação Política, Eleições e Campanha Permanente, 27 a 28 de março de 2019.
2 Estudante de Graduação 7º. semestre do Curso de Publicidade e Propaganda da UNIPAC, email: dudinhacaroline2014@gmail.com
3 2 Estudante de Graduação 7º. semestre do Curso de Publicidade e Propaganda da UNIPAC, email: higor.photo@gmail.com
4 3 Estudante de Graduação 7º. semestre do Curso de Publicidade e Propaganda da UNIPAC, email: gabriellopesandrade42@gmail.com

5 4 Estudante de Graduação 7º. semestre do Curso de Publicidade e Propaganda da UNIPAC, email: ribeiromarcio007nse@gmail.com
6 5 Estudante de Graduação 7º. semestre do Curso de Publicidade e Propaganda da UNIPAC, email: tahribeiro@yahoo.com.br
7 Orientador do trabalho. Graduado em Comunicação Social (Jornalismo) pela UFSJ, Mestre em Relações Internacionais pela PUC-MG e Doutorando em Comunicação Social pela UFJF. Vencedor do 3º Prêmio José
Marques de Melo de Estímulo à Memória da Mídia. Professor do Curso de Publicidade e Propaganda da UNIPAC, e-mails: ricardorios@unipac.br; ricmrios@gmail.com
CAPÍTULO 48

POTENCIALIZANDO CAMPANHAS ATRAVÉS DE CITY BRANDING1


Desenvolvendo a marca de Alfredo Vasconcelos (MG)

Maikon Nunes da Costa Silva2


Enir Cimino Andrade Junior3
Ricardo Matos de Araújo Rios4
Centro Universitário Presidente Antônio Carlos

1. INTRODUÇÃO

O presente estudo discute o uso do City Branding na constituição de uma campanha de


Comunicação permanente para os municípios. Para isso, o trabalho faz a criação de um City Branding
para a cidade de Alfredo Vasconcelos/MG, como uma forma de pensar como uma cidade brasileira de
pequeno porte pode evidenciar suas vocações através do processo de Arquitetura de Marcas,
resultando em uma comunicação visual robusta, que seja usada a longo prazo, com reflexo imediato
na Comunicação Política municipal.
Nosso projeto busca integrar a modernização da marca e aplicação dela na cidade, de modo a
interagir com os moradores e turistas, atraindo e apresentando a cidade.
Com isso, criamos o conceito dos Pilares do Munícipio, onde dentro da identidade visual da
marca trabalhamos a silhueta do município vista do mapa como um elemento do design nas peças
criadas. A ideia é mesclar o símbolo da cidade que representa a silhueta com uma imagem real de um
dos pilares da cidade.
Para a criação de um projeto de Comunicação Permanente com base no City Branding, este
trabalho utiliza os conceitos de Riza et alli (2012), Kotler (1999) e Cameira (2016) sobre Arquitetura
de Marcas, Branding e criação marcaria de cidades.
Pretende-se, com esse trabalho, contribuir com a discussão do uso do City Branding como fator
permanente de campanha comunicacional para os municípios brasileiros, independente de seus
portes.

2. PROCESSO DE ARQUITETURA DE MARCAS E IDENTIDADE CORPORATIVA

O processo de Arquitetura de Marcas começou no século 19, após a criação da Convenção de


Paris, em 1883, que estabeleceu regras para a Propriedade Industrial. Cameira (2016) observa que a
primeira criação de identidade visual corporativa, que abarcou uma marca foi a da alemã AEG, em
1907. Cerca de 50 anos depois, o conceito de marca profissionalizada iria se espalhar. Como o nome
diz, a arquitetura de marcas é o processo feito para concepção, construção e entrega de elementos
marcários, normalmente de cunho comercial. A marca é arquitetada baseada em vários elementos do
design, da comunicação, da linguística e da legislação pensando em como atingirá os stakeholders da
empresa.
De acordo com Rios (2018), marcas são signos que, no passado, serviam como “Assinaturas” para
identificar propriedades, origens e identidades. Na Pré-História, as marcas eram usadas em utensílios
de barro, barris de bebidas e nas marcações de gado. Com o passar dos séculos, as marcas evoluíram
de um mero marcador de propriedade para um negócio gerador de bilhões de dólares, sendo parte
importante da administração de uma empresa.
Esse processo leva à construção de uma identidade corporativa que, se bem trabalhada, pode
definir o sucesso de uma empresa. Fascioni (2010) coloca que identidade corporativa é o DNA da
empresa. Esse DNA é o conjunto de atributos que a faz única e diferente de todas as outras. Esses
atributos são tangíveis e intangíveis. Alguns exemplos desse processo em uma empresa podem ser
vistos através de elementos como marca gráfica, nome, ambiente, atendimento, missão, visão,
documentos, site, propaganda.

3. O PROCESSO DE BRANDING E CITY BRANDING

O City Branding é uma marca criada por um município para promover seu turismo e suas
vocações. Segundo Riza et al. (2012, p. 294), a competição das cidades por investimentos e atrações
de pessoas passa por três questões: mega eventos culturais, promoção de patrimônios históricos e a
construção de prédios icônicos. Entretanto, nem todas as cidades possuem condições de estruturar
um dos três itens citados. É necessário projetar a promoção por meio de uma marca e vende-las como
produtos comerciais.
Nesta linha, Kotler (1999) observa que locais são produtos cujas identidades devem ser
desenvolvidas e vendidas como produtos. Essa coisificação das cidades é importantíssima para o
processo de City Branding.
Como a marca projetará uma cidade, é necessário que ela mostre o espírito do local, como
atributos físicos, culturais e sociais da cidade, criando um branding que transcenderá setores
específicos e atrairá pessoas, seja para turismo, investimento ou até mesmo para captação interna,
desenvolvendo o espírito de pertencimento dos cidadãos daquele município, criando bem estar e
identificação.
Ao conceituar o que é branding, Cameira (2016, p. 50) explica que:

Branding é o conjunto de ações ligadas à administração das marcas. São ações que, tomadas com
conhecimento e competência, levam as marcas além da sua natureza econômica, passando a fazer parte da
cultura, e influenciar a vida das pessoas. Ações com capacidade de simplificar e enriquecer nossas vidas
num mundo cada vez mais complexo (CAMEIRA, 2016, p. 50)

4. ARTE APLICADA À COMUNICAÇÃO: O MINIMALISMO

O minimalismo é uma tendência artística que surgiu no final dos anos 50 e inicio dos anos 60 em
NY. A atribuição da força desses movimentos nos anos 60 nos EUA se deve aos diversos movimentos
da contracultura e suas inúmeras representações artísticas, da PopArt, cujo principal nome é Warhol,
às performances do Fluxus, cada um com sua representação artística e seu pensamento crítico único.
O minimalismo vem como uma disruptura de tudo isso, indo no caminho contrário a exuberância do
expressionismo abstrato.
De acordo com Ferreira (2015), a arte mínima enfatiza elementos simples, utilizando apenas do
mínimo para transmissão de pensamentos e mensagens, reduzindo tudo ao aspecto essencial. A arte
minimalista é composta por poucas cores, formas geométricas simples e simétricas, utilizadas em
repetição pensando na reprodução em série, suportando assim uma bi ou tridimensionalidade que
permite ultrapassar conceitos tradicionais de movimentos artísticos anteriores, vindo a ser uma
linguagem universal e precisa em sua mensagem.
Todo o minimalismo (seja ela qual vertente for, da música a esculturas) trabalha priorizando
apenas a essência natural e única de seus elementos. Na música vemos repetições de padrões
rítmicos-melódicos que fazem alusão ao passado ou outras culturas, já no campo artístico das
esculturas, por exemplo, é utilizado materiais industrializados seguindo a mesma linha minimalista de
objetos de formas geométricas simples de forma singular e mantendo apenas a essência do essencial.
Ainda segundo Ferreira (2015), a arte minimalista se relaciona com diversos outros movimentos,
influenciando de forma incisiva o desenvolvimento da arte no século XX, sendo um divisor de águas na
história do modernismo, trazendo uma nova maneira de produção, do olhar e da experimentação nas
obras de artes.

5. A CRIAÇÃO DO CITY BRANDING DE ALFREDO VASCONCELOS

Alfredo Vasconcelos se tornou município em 1992 e é considerado o maior produtor de flores e o


terceiro maior produtor de morangos do Estado de Minas Gerais. Um dos processos mais importantes
da constituição do City Branding e de sua posterior gestão é o levantamento de fatos históricos da
cidade.
De acordo com a Prefeitura de Alfredo Vasconcelos (2017), a cidade de Alfredo Vasconcelos se
formou através de expedições de Bandeirantes que passaram pela região no final do Século XVII. Em
1855, se iniciou a construção da estrada de ferro Dom Pedro II, que levou muitos imigrantes alemães
e italianos para a região. Junto dos imigrantes, chegaram à cidade diferentes fomentos econômicos,
como plantações, cerâmica e agropecuária.
O povoado foi crescendo em volta da estação, que foi nomeada como Alfredo Vasconcelos. O
nome foi dado em homenagem a Alfredo de Barros Vasconcelos, um engenheiro que faleceu após a
queda de um bloco de pedra que desabou enquanto inspecionava o túnel 15 da ferrovia, próximo à
cidade de Barra do Piraí (RJ).
Em 30 de dezembro de 1962, o então povoado de Alfredo Vasconcelos foi elevado ao distrito do
município de Ressaquinha, e em 1992 que Alfredo se tornou município. Atualmente são cultivados em
Vasconcelos quase três milhões de dúzias de rosas e flores diversas. Na fruticultura, Alfredo
Vasconcelos se destaca na produção dos morangos são mais de dois milhões de pés que fomentam a
economia da cidade.
Para o City Branding, também foram levantados pontos turísticos da cidade, como a Matriz de
Nossa Senhora do Rosário e o Pontilhão Imperador Dom Pedro II.
A partir do levantamento histórico apresentado acima, foram definidos como objetivos do City
Branding: I) dar um apelo mais moderno à cidade; II) valorizar os pontos fortes da cidade; e III)
conscientizar turistas e cidadãos sobre o que a cidade oferece.

FIGURA 01 – City Branding desenvolvido para a cidade de Alfredo Vasconcelos

Buscamos valorizar os pontos fortes da cidade, como o destaque para o cultivo do Morango e da
Rosa. Além disso, o projeto destaca elementos arquitetônicos marcantes do município, como a Matriz
de Nossa Senhora do Rosário e os arcos do Pontilhão, por onde passam os trilhos da estação
ferroviária de Alfredo Vasconcelos.
Nossa busca pela modernidade na marca atraiu o Minimalismo como peça importante do design,
através de uma tipografia minimalista e aproximadora, mesclando também a cultura e a história. Do
lado esquerdo da tipografia, a cultura do cultivo de morangos e rosas e do lado direito os históricos
elementos arquitetônicos da cidade, resultando numa tipografia que atende nosso objetivo de
modernizar sem perder as raízes.
Na esquerda, iniciando a tipografia o Rosa, que atualmente ultrapassou a cidade de Barbacena,
conhecida como Cidade das Rosas, como grande produtora da flor. Sendo assim, colocamos como o
destaque inicial na marca, seguido do morango, o principal produto agrícola da cidade. O lado direito
da tipografia traz a Matriz de N. S. do Rosário e o Túnel do Pontilhão, representando toda a história
da cidade e a valorização desses pontos turísticos.

FIGURA 02 – Conceituação dos símbolos do City Branding desenvolvido para a cidade de


Alfredo Vasconcelos
Como processo de Comunicação Permanente, o City Branding desenvolvido busca integrar a
modernização da marca e aplicação dela na cidade, de modo a interagir com os moradores e turistas,
atraindo e apresentando a cidade. Para que isso aconteça, foi criado o conceito dos Pilares do
Município, onde dentro da identidade visual da marca é trabalhada a silhueta do município vista do
mapa como um elemento do design nas peças criadas.
A ideia é mesclar o símbolo da cidade que representa a silhueta com uma imagem real de um dos
pilares da cidade, que são diversos, como os elementos arquitetônicos já citados, a agricultura, pontos
turísticos, personalidades da cidade e afins. Essa ideia será propagada por meio de comunicação
visual, levando assim a interação direta com os Vasconcelenses e visitantes.

FIGURA 03 – Conceito dos Pilares do Município

Como o City Branding faz parte de uma estratégia de comunicação permanente dentro do
ambiente social, onde a cidade comunica-se per se, ou seja, sem a interferência do agente político ou
do próprio Estado, uma série de produtos e aplicações foram desenvolvidas para a execução e o
gerenciamento desta marca, como totens com curiosidades sobre a cidade espalhadas pelo município,
flyers de eventos e estratégias digitais.

FIGURA 04 – Exemplo de totem com o City Branding aplicado


FIGURA 05 – Exemplo de flyer com o City Branding aplicado
FIGURA 06 – Exemplo de arte digital com o City Branding aplicado

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho se propõe não apenas a discutir e desenvolver o City Branding, mas também a sua
aplicação em toda a cidade, servindo como objeto de uso de uma campanha permanente de
comunicação do município de Alfredo Vasconcelos. O uso outdoor e também para as mídias digitais
torna a cidade ainda mais moderna, com uma marca única, que carrega e conta suas histórias.
Com base nas informações apresentadas, podemos concluir que o planejamento na Arquitetura
de Marcas é algo essencial, uma vez que, se alinhado a um conceito rico e as técnicas artísticas ideais
é possível construir uma marca forte e condizente com seu posicionamento no mercado.
Para o processo de Comunicação Política do município, é importante pensar que uma marca bem
planejada, com símbolos e significados bem escolhidos torna-se mais forte e competitiva no mercado.
O City Branding precisa ser desvinculado do Estado para que sua proposta seja longa e duradoura.
Por isso, é importante observar que nenhuma aplicação aqui apresentada usou a marca de governo do
município, para ressaltar que o processo feito é de uma gestão de comunicação profissional, onde o
governo pode interferir em questões estratégicas, mas não pode alterar o rumo do produto a seu bel-
prazer.
Este trabalho foi fruto de uma experiência em sala de aula, desenvolvido na disciplina de
Arquitetura de Marcas, do curso de Publicidade e Propaganda, da Unipac Barbacena, ministrada pelo
professor Ricardo Rios. Por este motivo, todas as composições gráficas aqui apresentadas são
simulações e não foram usadas e/ou endossadas pela Prefeitura de Alfredo Vasconcelos.
Espera-se que este trabalho possa contribuir com a discussão do uso do City Branding como fator
permanente de campanha comunicacional para os municípios brasileiros, independente de seus
portes.

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAMEIRA, Sandra Ribeiro. Branding+Design: a estratégia na criação de identidades de marca. São Paulo:
SENAC, 2016.
FASCIONI, Ligia (2010). O que é Identidade Corporativa?. Disponível em:
https://www.ligiafascioni.com.br/o-que-e-identidade-corporativa/. Acesso em 12 set. 2018.
FERREIRA, Eduardo Camilo Kasparevicis (2015). Fundamentos e Conceitos sobre Minimalismo.
Disponível em: https://www.portalsaofrancisco.com.br/arte/minimalismo. Acesso em 25 ago. 2018.
KOTLER, Philip. Marketing Places Europe: Attracting Investments, Industries, Residents and Visitors to
European Cities, Communities, Regions and Nations. Londres: Pearson Education, 1999.
RIOS, Ricardo. História da Arquitetura de Marcas e da Arte na Publicidade. Barbacena: UNIPAC, 2018.
RIZA, Müge; DORATLI, Naciye; FASLI, Mukaddes. City Branding and Identity. In: Procedia - Social and
Behavioral Sciences. Volume 35, p. 293-300. Londres: Elsevier, 2012.

1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Pesquisas no âmbito da Graduação, I Simpósio Nacional de Comunicação Política,
Eleições e Campanha Permanente, 27 a 28 de março de 2019.

2 Graduando em Publicidade e Propaganda, na UNIPAC Barbacena, e-mail: mkmikenunes@gmail.com

3 Graduando em Publicidade e Propaganda, na UNIPAC Barbacena, e-mail: enir.cimino@hotmail.com

4 Orientador do trabalho. Graduado em Comunicação Social (Jornalismo) pela UFSJ, Mestre em Relações Internacionais pela
PUC-MG e Doutorando em Comunicação Social pela UFJF. Vencedor do 3º Prêmio José Marques de Melo de Estímulo à Memória da
Mídia. Professor do Curso de Publicidade e Propaganda da UNIPAC, e-mails: ricardorios@unipac.br; ricmrios@gmail.com
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