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RESUMO ABSTRACT
Objetivos: fazer uma revisão e discutir alguns Aims: To review and discuss some of the genetic,
aspectos genético-evolutivos e nutricionais envolvidos evolutionary and nutritional aspects involved in the
no surgimento da Síndrome Metabólica. appearance of the Metabolic Syndrome.
Fonte de dados: artigos científicos das bases de Source of data: Scientific articles from Medline/
dados Medline/Pubmed e Scielo. Pubmed and Scielo database.
Síntese de dados: a origem da Síndrome Meta- Summary of the findings: The origin of the Metabolic
bólica ainda não está esclarecida, mas muitas hi- Syndrome is still not clear, but a large number of hypotheses
póteses e teorias estão sendo postuladas a fim de and theories have been formulated to try to elucidate it.
tentar elucidá-la. Estudos têm mostrado que, desde o Studies have shown humanity has basically maintained the
Período Paleolítico, a humanidade continua basi- same genome since the Paleolithic Period. What has
camente com o mesmo genoma. O que mudou dras- changed dramatically is the life style, which has become
ticamente foi o estilo de vida, que se tornou se- sedentary, based on a high-calorie diet. In the beginning of
dentário, à base de uma dieta hipercalórica. No início the past decade, the Thrifty Phenotype Hypothesis began
da década passada, começou a ser formulada a to be formulated, suggesting fetal development is sensitive
Hipótese do Fenótipo Econômico, sugerindo que o to the nutritional environment. Fetal programming would
desenvolvimento fetal seria sensível ao ambiente aim at increasing the survival chance of the embryo,
nutricional. A programação fetal teria como objetivo resulting in a modified postnatal metabolism.
aumentar as chances de sobrevivência do embrião, Conclusions: Fetal genetic programming can be
resultando em um metabolismo pós-natal alterado. affected by maternal nutrition, which can lead to dis-
Conclusões: a programação genética fetal pode turbances in the energy metabolism. Moreover, a sedentary
ser afetada pela nutrição materna, o que pode levar a life, allied with a high-calorie intake, can unleash the
distúrbios no metabolismo energético. Além disso, Metabolic Syndrome.
1 Bióloga, Mestre em Ciências da Saúde. Aluna de Doutorado pelo Programa de Pós-Graduação em Medicina e Ciências da Saúde da
Faculdade de Medicina da PUCRS.
2 Bióloga, Doutora em Genética e Biologia Molecular. Professora Adjunta e Pesquisadora do Departamento de Morfologia, Centro de
Ciências da Saúde. Laboratório de Genômica do Desenvolvimento, Universidade Federal de Santa Maria.
3 Médico Cardiologista, Doutor em Cardiologia. Professor Titular da Disciplina de Cardiologia da Faculdade de Medicina da PUCRS.
Chefe do Serviço de Cardiologia do Hospital São Lucas da PUCRS. Professor do Curso de Pós-Graduação em Clínica Médica da Faculdade
de Medicina da PUCRS.
uma vida sedentária, aliada a alta ingestão calórica, KEYWORDS: METABOLIC SYNDROME X/genetics; META-
BOLIC SYNDROME X/diet therapy; METABOLIC SYNDROME
pode desencadear a Síndrome Metabólica. X/history.
DESCRITORES: SÍNDROME X METABÓLICA/genética;
SÍNDROME X METABÓLICA/dietoterapia; SÍNDROME X
METABÓLICA/história.
QUADRO 1 – Comparação entre características do estilo de vida (dieta e atividade física) entre o Homem
Pré-Histórico e o Contemporâneo. Modificado a partir da Referência 7.
Homem pré-histórico
Estilo de vida homem contemporâneo
período paleolítico
ATIVIDADE FÍSICA Alta Baixa
DIETA
Densidade Energética Baixa Alta
Ingestão Energética Moderada Alta
Proteína Alta Baixa a moderada
Animal Alta Baixa a moderada
Vegetais Muito baixa Baixa a moderada
Carboidrato De baixa a moderada (difícil absorção) Moderada (fácil absorção)
Fibra Alta Baixa
Gordura Baixa Alta
Animal Baixa Alta
Vegetal Muito Baixa Moderada a alta
Ácidos graxos ômega 3 e 6 Alta (2,3g/por dia-1) Baixa (0,2g/por dia-1)
Proporção ômega 3-6 Baixa (2,4) Alta (12,0)
Vitaminas, mg por dia1 Ingestão na população brasileira8
Riboflavina 6,49 –
Folato 0,357 Abaixo das recomendações de consumo
Tiamina 3,91 Dentro das recomendações de consumo
Ascorbato 604 Acima das recomendações de consumo
Caroteno 5,56 Abaixo das recomendações de consumo
(Retinol equivalente) (927) –
Vitamina A 17,2 Abaixo das recomendações de consumo
(Retinol equivalente) (2870) –
Vitamina E 32,8 –
dade (séculos V a X d.C.), Idade Média (séculos A obesidade é um estado mórbido caracte-
X a XV d.C.) e Idade Moderna (séculos XV a XVIII rizado pelo acúmulo excessivo de gordura cor-
d.C.). Na Idade Moderna, a agricultura, que antes poral. Segundo dados da Organização Mundial
era de subsistência, passa a ter fins comerciais. de Saúde, existem no mundo mais de um bilhão
Produtos como tomate, batata, milho, arroz e de pessoas adultas com sobrepeso, e pelo menos
outras espécies alimentares tornam-se impor- 300 milhões de obesos. A enfermidade pode ser
tantes na alimentação ocidental. O pão era avaliada pelas complicações metabólicas a ela
bastante consumido por todas as classes sociais associadas, onde dislipidemia, doenças cardio-
e as crises na produção de cereais durante esse vasculares e diabetes do tipo II têm um papel de
período tiveram impacto direto sobre a mor- destaque.12 Desse modo, hoje é considerada um
talidade.11 grave problema, tanto nos países desenvolvidos
A Revolução Industrial difundiu-se pelo quanto nos em desenvolvimento.
mundo, e o trabalho realizado pelas mãos do No Brasil, a obesidade como problema de
homem começa a ser suplantado pelo da má- Saúde Pública ainda é um fenômeno relativa-
quina. Essa mudança no processo produtivo da mente recente. Entretanto, hoje o país convive
sociedade trouxe impactos importantes, não com uma polarização nutricional cada vez mais
somente na estrutura econômica e social, mas preocupante. De um lado, a desnutrição infantil,
também na saúde das pessoas. Novas relações que continua matando milhares de crianças com
entre capital, trabalho e nações foram impostas, menos de um ano de idade; de outro, a obe-
e um novo fenômeno emergiu: a chamada cultura sidade, que já atinge proporções epidêmicas cada
de massa, o que vem transformando o estilo de vez mais preocupantes.13
vida das pessoas. Tal fato provocou um enorme O problema da obesidade reside no fato de
êxodo rural, e a produção alimentícia, que antes que uma parcela dos indivíduos obesos apresenta
era de subsistência, agora é realizada industrial- um quadro de morbidades conhecido como
mente, em larga escala.11 Isso afastou o homem “Síndrome Metabólica”.
da lida direta com seu próprio alimento. Na
verdade, com o advento da industrialização, SÍNDROME METABÓLICA: UMA
o que está em jogo é o produto final e o lucro, SÍNDROME DA CIVILIZAÇÃO
ficando a saúde, muitas vezes, em segundo
plano. A SM é um distúrbio que consiste em alte-
Devido à globalização gerada pela cultura de rações do metabolismo dos glicídios (hiperinsu-
massa, o padrão alimentar das populações tem linemia, resistência à insulina, intolerância à
sofrido transformações que fortalecem o desen- glicose, ou diabetes do tipo II) e lipídios (aumento
volvimento de hábitos alimentares inadequados, de triglicerídios e HDL-colesterol diminuído),
o que é fortemente influenciado por diversos obesidade abdominal, hipertensão arterial e
fatores, dentre os quais se destacam o modismo distúrbios da coagulação (aumento da adesão
da propaganda (que muito valoriza a cultura dos plaquetária e do inibidor do ativador do plas-
fast-foods, altamente calóricos) e a supervalo- minogênio-PAI-1). Também é caracterizada
rização da imagem corporal, que muitas vezes por um estado pró-inflamatório, apresentando
produz jovens anoréxicas ou bulêmicas, re- aumento dos níveis circulantes de citocinas, tais
presentando a contestação dos padrões alimen- como proteína C reativa (PCR), fator de necrose
tares em benefício da estética, e não da saúde. tumoral (TNF-alfa) e interleucina 6 (IL-6).14
Esse conjunto de modificações no padrão ali- É importante destacar a associação da SM
mentar tende a interferir na homeostasia cor- com a doença cardiovascular, aumentando a
poral, causando desequilíbrio no aparato fisio- mortalidade geral em cerca de uma vez e meia e
lógico e, por conseqüência, doenças e morta- a cardiovascular em aproximadamente duas
lidade precoce. Isso porque o homem não está vezes e meia.15 Contudo, pouco se conhece a
geneticamente adaptado para alta ingestão respeito da origem da SM. A predisposição
calórica e baixo gasto energético (sedentarismo), genética, a alimentação inadequada e o seden-
e a tendência é que essa energia fique indeter- tarismo estão entre os principais fatores de risco
minadamente acumulada no organismo sob que contribuem para o seu desencadeamento.16
forma de gordura, resultando no aumento ace- Há décadas, alguns pesquisadores postula-
lerado da incidência e prevalência de doenças ram a hipótese de que a origem de diversas
crônicas, tal como a obesidade.10 doenças crônicas e morbidades em adultos,
P erda de
função e
crescim ento
G estante/Feto
C élulas β D iabetes
C ardim iócitos Tip o 2
N éfrons S índrom e
D im inuição do M etabólica
tam anho e peso
do feto ou
recém nascido
Figura 1 – Esquema de representação do fenótipo econômico sobre o desenvolvimento do Diabetes Tipo 2 e Síndrome
Metabólica.15,18
víduo, desencadeando doenças, uma vez que, como o alimento é utilizado nos processos me-
evolutiva e geneticamente, já fomos selecionados tabólicos são aspectos que fazem interface entre
e adaptados para uma baixa ingestão calórica e a energia adquirida e a energia despendida.
um ótimo aproveitamento dos nutrientes? Ou Essa dinâmica energética tem conseqüências
seja, esse déficit nutricional pré-natal não deveria adaptativas importantes, pois determinará o
afetar a saúde do adulto, a não ser que este, ao sucesso reprodutivo, a manutenção da prole e,
longo do seu desenvolvimento, adquira um estilo por conseguinte, a perpetuação da espécie.
de vida não saudável (sedentarismo e alta Entretanto, ao longo da Revolução Agrícola e
ingestão calórica/obesidade). Industrial, a humanidade tem experimentado
Dessa forma, parece que a dieta exerce um uma rápida mudança no estilo de vida que tem
papel importante na regulação gênica que, afetado diretamente a saúde das pessoas. Os
dependendo da qualidade e quantidade de nu- hábitos de vida não saudáveis, como uma dieta
trientes, atuará de forma diferencial, por exem- hipercalórica, aliada ao sedentarismo, têm afe-
plo, ativando/desativando genes. Por isso, no tado de forma negativa a dinâmica energética
caso da SM, a prevenção é muito mais complexa, (entrada e gasto de energia) dos seres humanos,
porque além de sofrer forte influência pré-natal, já que grande parte da energia adquirida na
também está ligada à idade e à dieta, esta um forma de alimento fica estocada no organismo,
fator ambiental determinante. interferindo na homeostasia corporal.
A quebra da homeostasia orgânica acaba
CONSIDERAÇÕES FINAIS gerando distúrbios metabólicos que, ao longo dos
anos, podem-se traduzir em doença. Uma das
A nutrição, sem dúvida, foi determinante morbidades mais prevalentes na nossa sociedade
no estabelecimento de condições ideais para é a SM, também chamada de “Síndrome da
a humanidade se perpetuar e habitar cada Civilização”. Muitos são os fatores desenca-
canto do planeta. A alimentação teve um papel deadores desse distúrbio, porém o que possi-
fundamental na evolução humana, uma vez que velmente determinará o seu aparecimento será a
a procura, seleção, preparo, consumo e maneira interação genético-ambiental, ou seja, a forma
pela qual o ambiente modulará a transcrição e a 7. Simopoulos AP. Genetic variation and evolutionary
aspects of diet. In: Papas A, editor. Antioxidants in
tradução de genes e o metabolismo energético. nutrition and health. Boca Raton: CRC Press; 1999.
Muitas teorias e hipóteses têm sido for- p.65-88.
muladas para tentar esclarecer o mecanismo 8. Sichieri R, Coitinho DC, Monteiro JB, et al. Reco-
causador da SM, no entanto, ainda falta muito mendações de alimentação e nutrição saudável para a
para que o mesmo seja totalmente desvendado. população brasileira. Arq Bras Endocrinol Metab.
2000;44:227-32.
Por isso, antes de ficarmos esperando a cura
9. Prado-Lima OS, Cruz IBM, Schwanke CHA, et al.
definitiva, através da ciência e de novas tec- Human food preferences are associated with a 5-HT2
nologias, deveríamos mudar nosso estilo de vida Aserotonergic receptor polymorphism. Mol Psychiatry.
atual. Neste sentido, a prevenção dessas doenças, 2006;11:889-91.
ditas da Civilização pós-moderna, inclui priori- 10. Eaton SB, Konner M. Paleolithic nutrition. A con-
tariamente uma nutrição saudável (preferindo sideration of its nature and current implications. N Engl
J Med. 1985;312:283-9.
frutas, verduras, legumes e produtos lácteos fer-
11. Vicentino C. História geral. São Paulo: Scipione; 1991.
mentados, e evitando açúcar, sal, gorduras e
12. World Health Organization. Global Burden of
alimentos industrializados), além de atividade Disease Project. Geneva: The Organization; 2002 [acesso
física regular, que ajuda a combater o estresse. 2008 Apr 3]. Disponível em: http://www.who.int/
A chave para manter uma boa saúde é healthinfo/bodproject/en/index.html
encontrada não somente impressa em nossos 13. Pinheiro ARO, Freitas SFT, Corso ACT. Uma
genes, mas também no equilíbrio entre a energia abordagem epidemiológica da obesidade. Rev Nutr
Campinas. 2004;17:523-33.
ingerida versus a energia despendida. Além
14. Alberti KGMM, Zimmet P, Shaw J, for the IDF
disso, as evidências indicam que a restrição do Epidemiology Task Force Consensus Group. The
crescimento intrauterino e o baixo peso ao nascer, metabolic syndrome: a new worldwide definition.
seguidos de ganho de peso excessivo na infân- Lancet. 2005;366:1059-62.
cia e na adolescência, estão associados com 15. Chew GT, Gan SK, Watts GF. Revisiting the metabolic
obesidade, hipertensão arterial, SM, resistência syndrome. Med J Aust. 2006;185:445-9.
insulínica e morbimortalidade cardiovascular, 16. Liese AD, Mayer-Davis EJ, Haffner SM. Development
of the multiple metabolic syndrome: an epidemiologic
entre outros desfechos desfavoráveis. Dessa perspective. Epidemiol Rev. 1998;20:157-72.
forma, a nutrição adequada de gestantes e 17. Barker DJ, Eriksson JG, Forsen T, et al. Fetal origins of
crianças deve ser entendida e enfatizada como adult disease: strength of effects and biological basis.
elemento estratégico de ação, com vistas à Int J Epidemiol. 2002;31:1235-9.
promoção da saúde também na vida adulta. 18. Lucas A. Programming by early nutrition in man. Ciba
Found Symp 1991;156:38–50.
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Endereço para correspondência:
6:77-88. MARIA GABRIELA VALLE GOTTLIEB
6. Leonard WR, Snodgrass JJ, Robertson ML. Effects of Av. Ipiranga, 6690 sala 300
CEP 90610-000, Porto Alegre, RS, Brasil
brain evolution on human nutrition and metabolism. Fone: (51) 3320-5120 – Fax: (51) 3320-5190
Annu Rev Nutr. 2007;27:311-27. E-mail: vallegot@hotmail.com