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RELATÓRIO DE
AVALIAÇÃO DE IMPACTO
PATRIMÔNIO IMATERIAL
JUNHO DE 2018
RELATÓRIO DE AVALIAÇÃO DE IMPACTO
AO PATRIMÔNIO IMATERIAL
LINHA DE TRANSMISSÃO 345 kV ITUTINGA – BARRO BRANCO
JUNHO DE 2018
Elaborado para:
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN
Brasília – DF
Elaborado por:
Biodinâmica Rio Engenharia Consultiva Ltda.
Rio de Janeiro – RJ
SUMÁRIO
1. APRESENTAÇÃO ........................................................................................... 1
2. CARACTERIZAÇÃO DO EMPREENDIMENTO ................................................... 3
3. LEGISLAÇÃO SOBRE O PATRIMÔNIO CULTURAL ............................................ 7
3.1 ITUTINGA ................................................................................................................. 7
3.2 NAZARENO ............................................................................................................... 7
3.3 CONCEIÇÃO DA BARRA DE MINAS ............................................................................ 8
3.4 SÃO JOSÉ DEL REI ..................................................................................................... 8
3.5 RITÁPOLIS ................................................................................................................ 8
3.6 RESENDE COSTA ....................................................................................................... 8
3.7 ENTRE RIOS DE MINAS ............................................................................................. 8
3.8 SÃO BRÁS DO SUAÇUÍ .............................................................................................. 9
3.9 JECEABA ................................................................................................................... 9
3.10 CONGONHAS ............................................................................................................ 9
3.11 OURO PRETO ............................................................................................................ 9
3.12 MARIANA ............................................................................................................... 12
4. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .......................................................... 12
4.1 ESTRADA REAL ....................................................................................................... 13
4.2 RODA DE CAPOEIRA E OFÍCIO DE MESTRES DE CAPOEIRA ...................................... 15
4.3 TOQUE DE SINOS E OFÍCIO DE SINEIRO ................................................................... 19
4.4 JONGO DO SUDESTE ............................................................................................... 20
4.5 CONGADAS DE MINAS ............................................................................................ 20
4.6 OFÍCIO DE QUITANDEIRAS ...................................................................................... 24
4.7 OFÍCIO DE RAIZEIRAS E RAIZEIROS DO CERRADO .................................................... 25
4.8 COMUNIDADES REMANESCENTES DE QUILOMBOS ................................................ 27
4.8.1 CRQ CURRALINHO DOS PAULAS .......................................................................... 29
4.8.2 CRQ PALMITAL ............................................................................................... 29
4.8.3 CRQ JAGUARA ................................................................................................ 29
4.9 ÁREAS DE ESTUDO ................................................................................................. 29
4.9.1 LT 345 KV ITUTINGA – JECEABA .......................................................................... 32
4.9.1.1 Km 0 ao Km 0,9 (V–03) – Municípios de Itutinga e Nazareno ......... 32
i
4.9.1.2 Km 0,9 (V–03) ao Km 10,6 – Município de Nazareno ...................... 32
4.9.1.3 Km 10,6 ao Km 32,4 – Municípios de Conceição da Barra de
Minas e São João Del Rei ............................................................... 33
4.9.1.4 Km 32,4 ao Km 97,4 – Municípios de Ritápolis, Resende Costa
e Entre Rios de Minas ................................................................... 33
4.9.1.5 Km 97,4 ao Km 106,5 – Municípios de São Brás
do Suaçuí e Jeceaba ...................................................................... 34
4.9.2 LT 345 KV JECEABA – ITABIRITO II ....................................................................... 35
4.9.2.1 Km 0 ao Km 7,8 – Municípios de Jeceaba e São Brás do Suaçuí ...... 35
4.9.2.2 Km 7,8 ao Km 29,0 – Município de Congonhas ............................... 35
4.9.2.3 Km 29,0 ao Km 44,1 – Município de Ouro Preto ............................. 36
4.9.3 LT 345 KV JECEABA – ITABIRITO II ....................................................................... 36
4.9.3.1 Km 0 ao Km 35,0 – Município de Ouro Preto .................................. 36
4.9.3.2 Km 35,1 ao final da LT (Km 59,9) – Município de Ouro Preto e
Mariana ........................................................................................ 37
4.10 METODOLOGIA DE ELABORAÇÃO DO RAIPI ............................................................ 37
4.11 EQUIPE TÉCNICA ..................................................................................................... 41
5. CARACTERIZAÇÃO SOCIOCULTURAL, HISTÓRICA E TERRITORIAL ................. 43
5.1 ITUTINGA ............................................................................................................... 46
5.2 NAZARENO ............................................................................................................. 49
5.3 CONCEIÇÃO DA BARRA DE MINAS .......................................................................... 52
5.4 SÃO JOÃO DEL REI .................................................................................................. 54
5.5 RITÁPOLIS .............................................................................................................. 57
5.6 RESENDE COSTA ..................................................................................................... 59
5.7 ENTRE RIOS DE MINAS ........................................................................................... 62
5.8 SÃO BRÁS DO SUAÇUÍ ............................................................................................ 64
5.9 JECEABA ................................................................................................................. 67
5.10 CONGONHAS .......................................................................................................... 68
5.11 OURO PRETO .......................................................................................................... 71
5.12 MARIANA ............................................................................................................... 74
6. DESCRIÇÃO HISTÓRICO‐CULTURAL DOS BENS DE NATUREZA IMATERIAL ... 75
ii
6.1 ITUTINGA ............................................................................................................... 76
6.1.1 CONGADAS DE MINAS ....................................................................................... 77
6.1.1.1 Terno do Geraldo Delfino (Congada Nossa Senhora do Rosário) .... 78
6.1.1.2 Terno do Vicente Ribeiro (Congada Nossa Senhora do Rosário
e São Benedito) ............................................................................. 80
6.1.2 OFÍCIO DE QUITANDEIRAS .................................................................................. 85
6.1.3 MAPA DOS BENS CULTURAIS DE ITUTINGA ............................................................. 93
6.2 NAZARENO ............................................................................................................. 95
6.2.1 CAPOEIRA E OFÍCIO DE MESTRES DE CAPOEIRA – GRUPO DE CAPOEIRA BIRIBA DE OURO .. 96
6.2.2 CONGADAS DE MINAS – CATUPÉ NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO ............................... 101
6.2.3 OFÍCIO DE QUINTANDEIRAS .............................................................................. 105
6.2.4 OFÍCIO DE RAIZEIRO E RAIZEIRA EM NAZARENO – QUILOMBO PALMITAL ..................... 119
6.2.5 MAPA DOS BENS CULTURAIS DE NAZARENO ......................................................... 123
6.3 CONCEIÇÃO DA BARRA DE MINAS ........................................................................ 125
6.3.1 CONGADAS DE MINAS – CONGADO NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO ............................ 128
6.3.2 OFÍCIO DE QUINTANDEIRAS .............................................................................. 134
6.3.3 MAPA DOS BENS CULTURAIS DE CONCEIÇÃO DA BARRA DE MINAS ............................ 147
6.4 SÃO JOÃO DEL REI ................................................................................................ 149
6.4.1 CAPOEIRA E OFÍCIO DE MESTRES DE CAPOEIRA ...................................................... 151
6.4.1.1 Grupo de Capoeira Artes das Gerais ............................................ 151
6.4.2 TOQUE DOS SINOS E OFÍCIO DE SINEIRO .............................................................. 155
6.4.3 CONGADAS DE MINAS ..................................................................................... 163
6.4.3.1 Congado Catupé São Benedito e São Sebastião ........................... 163
6.4.3.2 Congada Nossa Senhora do Rosário – Distrito de
Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno ................................. 168
6.4.3.3 Moçambique Santa Efigênia do Bairro São Geraldo ..................... 175
6.4.4 OFÍCIO DE QUINTANDEIRAS .............................................................................. 179
6.4.5 MAPA DOS BENS CULTURAIS DE SÃO JOÃO DEL REI ............................................... 189
6.5 RITÁPOLIS ............................................................................................................ 181
6.5.1 CONGADAS DE MINAS – CONGADA NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO
DA COMUNIDADE RESTINGA ............................................................................ 181
iii
6.5.2 OFÍCIO DE QUINTANDEIRAS .............................................................................. 188
6.5.3 MAPA DOS BENS CULTURAIS DE RITÁPOLIS .......................................................... 199
6.6 RESENDE COSTA ................................................................................................... 201
6.6.1 CONGADAS DE MINAS – CONGADA NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO
E SÃO COSME E DAMIÃO ................................................................................. 201
6.6.2 OFÍCIO DE QUINTANDEIRAS .............................................................................. 207
6.6.3 MAPA DOS BENS CULTURAIS DE RESENDE COSTA .................................................. 217
6.7 ENTRE RIOS DE MINAS ......................................................................................... 219
6.7.1 CAPOEIRA E OFÍCIO DE MESTRES DE CAPOEIRA – GRUPO DE CAPOEIRA ORIGENS .......... 219
6.7.2 OFÍCIO DE QUINTANDEIRAS .............................................................................. 223
6.7.3 MAPA DOS BENS CULTURAIS DE ENTRE RIOS DE MINAS .......................................... 235
6.8 SÃO BRÁS DO SUAÇUÍ .......................................................................................... 237
6.8.1 CONGADAS DE MINAS – BLOCO DE MARUJOS NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO ............. 237
6.8.2 OFÍCIO DE QUINTANDEIRAS .............................................................................. 243
6.8.3 MAPA DOS BENS CULTURAIS DE SÃO BRÁS DE SUAÇUÍ ............................................ 255
6.9 JECEABA ............................................................................................................... 257
6.9.1 CAPOEIRA E OFÍCIO DE MESTRES DE CAPOEIRA – GRUPO DE CAPOEIRA
CENTRO CULTURAL AXÉ MINEIRO CAPOEIRA........................................................ 257
6.9.2 OFÍCIO DE QUITANDEIRAS ................................................................................ 260
6.9.3 MAPA DOS BENS CULTURAIS DE JECEABA ............................................................. 273
6.10 CONGONHAS ........................................................................................................ 275
6.10.1 CAPOEIRA E OFÍCIO DE MESTRES DE CAPOEIRA .................................................... 275
6.10.1.1 Associação de Capoeira União da Praia Grande ........................... 275
6.10.1.2 Grupo Cativeiro Capoeira – Filial Congonhas ............................... 280
6.10.2 TOQUE DOS SINOS E OFÍCIO DE SINEIRO .............................................................. 283
6.10.3 CONGADAS DE MINAS ..................................................................................... 287
6.10.3.1 Dança de Langra Nossa Senhora do Rosário –
Distrito de Alto Maranhão ........................................................... 287
6.10.3.2 Congado Marujos Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia ..... 293
6.10.4 OFÍCIO DE QUINTANDEIRAS .............................................................................. 295
6.10.5 MAPA DOS BENS CULTURAIS DE CONGONHAS ....................................................... 309
iv
6.11 OURO PRETO ........................................................................................................ 311
6.11.1 CAPOEIRA E OFÍCIO DE MESTRES DE CAPOEIRA ...................................................... 312
6.11.1.1 Grupo Ouro Preto Capoeira Angola ............................................. 312
6.11.1.2 Associação Desportiva e Cultural Cativeiro Capoeira ................... 314
6.11.1.3 Grupo Terra Preta Capoeira ......................................................... 319
6.11.2 TOQUE DOS SINOS E OFÍCIO DE SINEIRO .............................................................. 321
6.11.3 CONGADA DE MINAS ...................................................................................... 325
6.11.3.1 Guarda de Congado de Nossa Senhora do Rosário
e Santa Efigênia .......................................................................... 331
6.11.3.2 Guarda de Congo Manto Azul de Nossa Senhora
Aparecida em Ouro Preto ........................................................... 333
6.11.3.3 Guarda de Moçambique de Nossa Senhora do
Rosário e Santa Efigênia .............................................................. 335
6.11.4 OFÍCIO DE QUINTANDEIRAS .............................................................................. 339
6.11.5 MAPA DOS BENS CULTURAIS DE OURO PRETO ...................................................... 349
6.12 MARIANA ............................................................................................................. 351
6.12.1 CAPOEIRA E OFÍCIO DE MESTRES DE CAPOEIRA ...................................................... 351
6.12.1.1 Grupo Capoeirart ......................................................................... 351
6.12.1.2 Grupo Oxalufã Capoeira Angola ................................................... 355
6.12.2 TOQUE DOS SINOS E OFÍCIO DE SINEIRO .............................................................. 360
6.12.3 CONGADAS DE MINAS ..................................................................................... 366
6.12.3.1 Congado Nossa Senhora do Rosário ............................................. 366
6.12.3.2 Congado de Nossa Senhora do Rosário e
Nossa Senhora Aparecida ............................................................ 372
6.12.3.3 Guarda De Congo Nossa Senhora Do Rosário
E São Sebastião ............................................................................ 376
6.12.4 OFÍCIO DE QUINTANDEIRAS .............................................................................. 382
6.12.5 MAPA DOS BENS CULTURAIS DE MARIANA .......................................................... 399
7. IDENTIFICAÇÃO E AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AO
PATRIMÔNIO IMATERIAL .......................................................................... 401
7.1 FASE DE INSTALAÇÃO DO EMPREENDIMENTO ..................................................... 403
v
7.1.1 CONTRATAÇÃO DE MÃO DE OBRA LOCAL ............................................................. 403
7.1.2 INSTALAÇÃO DOS CANTEIROS DE OBRAS E COMISSIONAMENTO .................................. 403
7.1.3 LIBERAÇÃO DA FAIXA DE SERVIDÃO E ACESSOS ....................................................... 404
7.2 FASE DE OPERAÇÃO ............................................................................................. 404
7.2.1 OPERAÇÃO DA TRANSMISSÃO DE ENERGIA PELA LT ................................................. 404
8. PLANO DE MONITORAMENTO ................................................................... 405
9. REFERÊNCIAS ............................................................................................. 407
ANEXOS
I – ROTEIROS DE ENTREVISTAS SEMIESTRUTURADAS
RODA DE CAPOEIRA E OFÍCIO DE MESTRES DE CAPOEIRA
TOQUE DOS SINOS E OFÍCIO DE SINEIRO
CONGADAS DE MINAS
OFICIO DE QUITANDEIRAS
OFÍCIO DE RAIZEIROS E RAIZEIRAS DO CERRADO
II – DECLARAÇÕES DE CONFORMIDADE DO EMPREENDIMENTO
PREFEITURA MUNICIPAL DE ITUTINGA
PREFEITURA MUNICIPAL DE NAZARENO
PREFEITURA MUNICIPAL DE CONCEIÇÃO DA BARRA DE MINAS
PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO JOÃO DEL REI
PREFEITURA MUNICIPAL DE RITÁPOLIS
PREFEITURA MUNICIPAL DE RESENDE COSTA
PREFEITURA MUNICIPAL DE ENTRE RIOS DE MINAS
PREFEITURA MUNICIPAL DE JECEABA
PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO BRÁS DO SUAÇUI
PREFEITURA MUNICIPAL DE CONGONHAS
PREFEITURA MUNICIPAL DE MARIANA
III – COMPROVAÇÃO DE EXPERIÊNCIA DA EQUIPE TÉCNICA
vi
1. APRESENTAÇÃO
O empreendimento alvo deste Relatório de Avaliação de Impacto ao Patrimônio Imaterial (RAIPI) é a
Linha de Transmissão (LT) 345 kV Itutinga – Barro Branco, cujo traçado tem, aproximadamente, 211 km
de extensão, interceptando os seguintes municípios mineiros: Itutinga, Nazareno, Conceição da Barra de
Minas, São João Del Rei, Ritápolis, Resende Costa, Entre Rios de Minas, São Brás do Suaçuí, Jeceaba,
Congonhas, Ouro Preto e Mariana, interligando as Subestações (SEs) Itutinga, Jeceaba, Itabirito 2 e
Barro Branco, todas já existentes.
A implantação dessa LT advém da necessidade de suprir adequadamente, em especial, as demandas de
energia elétrica da Região da Mantiqueira, em Minas Gerais, que, atualmente, são atendidas pelas
instalações existentes que, no entanto, vêm se mostrando insuficientes.
De forma geral, a principal justificativa do empreendimento é a necessidade de ampliação e
fortalecimento do Sistema Interligado Nacional (SIN) nessa região do Estado de Minas Gerais, tendo em
vista fornecer energia firme ao mercado consumidor. A manutenção e a ampliação das atividades
econômicas tradicionais na região, centradas na mineração e na siderurgia, requerem elevadas cargas, a
serem providas pelo SIN.
Nesse sentido, o Consórcio TLC, constituído pela Cymi Holding S.A., Lintran do Brasil Participações S.A. e
Brookfield Brasil Ltda., arrematou, no Leilão 005/2015, realizado em 18/11/2015, pela Agência Nacional
de Energia Elétrica (ANEEL), o Lote A, do qual essa LT faz parte. Posteriormente, o Consórcio vencedor
constituiu a Sociedade de Propósito Específico (SPE) Mantiqueira Transmissora de Energia S.A. para
projetar, licenciar, implantar, operar e manter o empreendimento. Em 3 de junho de 2016, foi assinado
o Contrato de Concessão entre a ANEEL e a Mantiqueira.
A seguir, são identificados o empreendedor e a empresa de consultoria responsável pelo processo de
licenciamento ambiental contíguo aos órgãos competentes e instituição executora deste documento.
Empreendedor
Razão Social: Mantiqueira Transmissora de Energia S.A.
CNPJ: 24.176.892/0001–44
Endereço: Avenida Presidente Wilson, 231 – Sala 1.701
CEP: 20.030‐021 – Centro – Rio de Janeiro/RJ
Telefone: (21) 2101–9900
E‐mail: contato@cymimasa.com
Representante Legal: Marcelo Vargas Rêdes
E‐mail: mvargas@cymimasa.com
Pessoa de Contato: Isabela Antunes Mendes Monteiro
1
Telefone: (21) 2101–9919
E‐mail: iantunesm@cymimasa.com
Consultoria Responsável
Razão Social: Biodinâmica Rio Engenharia Consultiva Ltda.
CNPJ: 07.864.232/0001–37
Endereço: Rua México, 3, 3º andar
CEP: 20.031‐144 – Centro – Rio de Janeiro/RJ
Telefone: (21) 2524–5699
E‐mail: central@biodinamica.bio.br
Representante Legal: Edson Nomiyama
E–mail: edson@biodinamica.bio.br
Pessoa de Contato: Marcos Guabiroba
Telefone: (21) 2524–5699 – ramal 215
E‐mail: marcos@biodinamica.bio.br
Destaca–se que o projeto da LT 345 kV Itutinga – Barro Branco tem processo administrativo no órgão
federal de meio ambiente, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(IBAMA), sob o nº 2001.001298/2016–66, através do Núcleo de Licenciamento Ambiental (NLA) da
Superintendência desse órgão em Belo Horizonte (MG), estando em fase de requerimento a Licença
Prévia (LP) do empreendimento.
Em função de deliberação do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), órgão vinculado ao
Ministério das Minas e Energia (MME), que, em sua 160ª Reunião, de 08/10/2015, com base na Nota
Técnica do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) 0146/2015, de outubro de 2015, decidiu que a
competência para o licenciamento ambiental desse e dos demais empreendimentos do Lote A do Leilão
005/2015, seria da União, pois podem comprometer a continuidade e a segurança do suprimento
eletroenergético do Sistema Interligado Nacional (SIN), conforme § 3º do art. 3º do Decreto Federal
8.437, de 22/04/2015.
O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), por meio do Ofício nº
106/2016/CNL/PRESI/IPHAN, de 14 de junho de 2016, emitiu o Termo de Referência Específico (TRE)
para o empreendimento, através do processo 01450.010571/2016–92, que solicitou a apresentação
deste RAIPI.
2
De acordo com esse TRE, este RAIPI deve abordar uma caracterização sociocultural, histórica e territorial
dos bens culturais registrados e em processo de registro como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil,
com evidência e em relação aos municípios interceptados pelo traçado da LT 345 kV Itutinga – Barro
Branco.
Conforme LEAL et al. (2016), incluem–se, entre os aspectos a serem considerados como relevantes nos
estudos de avaliação de impacto, as relações entre homens e mulheres e os recursos ambientais: as
atividades simbólicas e também as econômicas; os lugares, a ocupação e uso da terra; as formas de
socialização, as manifestações culturais, os modos de vida. No âmbito dos estudos deste RAIPI,
evidencia–se a necessidade de contemplar a relação entre meio ambiente e cultura, didaticamente
abordada pelo antropólogo Roque de Barros LARAIA (1996) na obra “Cultura: um conceito
antropológico”.
2. CARACTERIZAÇÃO DO EMPREENDIMENTO
O empreendimento alvo deste RAIPI é a LT 345 kV Itutinga – Barro Branco, com traçado que, em 12
municípios mineiros, interceptará 6 LTs já existentes, rodovias e ferrovias e dutos; ademais, interligará
as SEs Itutinga, Jeceaba, Itabirito 2 e Barro Branco, todas já existentes também. A Figura 2.1 apresenta
os municípios interceptados e o traçado da LT; no Quadro 2.1, pode–se observar a extensão da LT em
cada município.
Figura 2.1 – Municípios interceptados pelo traçado da LT 345 kV Itutinga – Barro Branco em Minas
Gerais.
3
Quadro 2.1– Extensão da LT 345 kV Itutinga – Barro Branco em cada município interceptado
Fonte: MANTIQUEIRA/BIODINÂMICA, 2017.
Estão previstas 420 torres para a extensão total da LT 345 kV Itutinga – Barro Branco. A distância média
entre elas será de 500 m e altura média das estruturas, de aproximadamente 40 m. As torres em estudo,
cujas especificações e silhuetas estão apresentadas na Figura 2.2, consideram uma faixa de servidão de
48 m.
Estima–se que as torres autoportantes demandarão, em média, uma área bruta de 35 m X 35 m (1.225
m²) para a instalação, incluindo uma faixa de 5 m no entorno da estrutura, para fins de manobras dos
veículos das obras.
As torres estaiadas, por sua vez, demandarão, para a sua montagem, a abertura de uma área no centro
do alinhamento, a fim de possibilitar o recebimento/armazenamento dos materiais constituintes da
estrutura e a movimentação de um veículo com um guindaste acoplado para o içamento da haste
principal. Embora os estais venham a ser afixados no limite da faixa, não significa que, em áreas
cobertas por vegetação arbórea nativa, toda a vegetação da praça da torre venha a ser suprimida de
forma indiscriminada, estimando–se que, nas condições mencionadas, sejam necessários 1.072 m² para
a instalação desse tipo de estrutura.
Ressalta‐se que, em áreas de maior sensibilidade ambiental, como Áreas de Preservação Permanente
(APPs), as torres estaiadas, se comprovadamente forem necessárias, poderão vir a ser montadas de
forma manual, para evitar o uso de guindaste e reduzir a área de supressão de vegetação.
4
Figura 2.2 – Torres projetadas para a LT 345kV Itutinga – Barro Branco. Fonte:
MANTIQUEIRA/BIODINÂMICA, 2017.
Prevê‐se que a mão de obra a ser empregada na implementação das obras da LT e das Subestações
associadas será de cerca de 1.100 pessoas na época de maior demanda. Desse total, estima‐se que 70%
serão especializados e 30%, não especializados.
Os trabalhadores especializados, muitas vezes, são empregados fixos das construtoras, que serão
trazidos para as frentes de obras, independentemente de sua região de origem. Quando admitidos,
todos os trabalhadores (inclusive os não especializados) serão submetidos a treinamento adequado,
visando ao seu comprometimento com as questões pertinentes a suas tarefas e, ainda, à
conscientização dos cuidados socioambientais, culturais e de saúde/segurança do trabalho nas obras.
Já sobre o cronograma de atividades de implantação da LT 345 kV Itutinga – Barro Branco e Subestações
associadas, estão previstos cerca de 20 meses para as atividades de construção e montagem.
Os canteiros deverão ser estrategicamente distribuídos ao longo do traçado, com a finalidade de
minimizar o deslocamento dos efetivos de pessoal e equipamentos nas frentes de trabalho, priorizando
locais que causem o mínimo de impactos ambientais às comunidades lindeiras. Os canteiros principais e
de apoio para a implantação, a princípio, serão localizados conforme Quadro 2.2.
5
Quadro 2.2 – Canteiros de Obras para a LT 345 kV Itutinga – Barro Branco
Fonte: MANTIQUEIRA/BIODINÂMICA, 2017.
Em obras de implantação de LTs e SEs, em geral, não há, a princípio, necessidade de materiais de
empréstimo nem a utilização de áreas de bota–fora, uma vez que os materiais retirados nas escavações
para a execução das fundações das bases de torres, normalmente, são armazenados em área adjacente
ao local e oportunamente reutilizados para reaterro na própria área da base, em especial, no entorno
das fundações.
Já nos casos em que forem instaladas fundações com tubulões, nos quais o vão escavado é totalmente
preenchido pelo concreto, o material excedente da escavação poderá ser espalhado homogeneamente
sobre a área de praça da torre, preservando‐se a vegetação, ou na repavimentação do acesso ao local.
Logo, considerando essas rotinas de trabalho, o uso de áreas de bota‐fora ou áreas de empréstimo pode
não ser necessário para a implantação das torres. Se for o caso, algumas dessas áreas já existentes e
licenciadas ao longo dos cerca de 211 km de extensão do empreendimento poderão vir a ser utilizadas.
Caso haja necessidade de uso de materiais de empréstimo ou áreas de bota‐fora, a preferência será por
adquirir os materiais minerais com fornecedores licenciados e dispor os resíduos gerados das atividades
de escavação, caso necessário, em locais já existentes e devidamente licenciados.
Os acessos têm por objetivo viabilizar a instalação do empreendimento e, se necessário, poderão ser
utilizados para as atividades de operação e manutenção da futura LT. Dessa forma, as vias de acesso
existentes na região de implantação do empreendimento serão utilizadas prioritariamente. Somente na
ausência delas, ou no caso de não ser viável aproveitá‐las tecnicamente, aberturas de novas vias de
acesso poderão ser planejadas, desde que autorizadas tanto pelo órgão ambiental licenciador (IBAMA)
quanto pelos proprietários.
No caso de uso, parcial ou total, de estradas e acessos já existentes, serão providenciadas as melhorias
necessárias para que possam ser utilizadas durante a implantação e operação do empreendimento.
Após o término das obras, as estradas deverão ser mantidas conservadas, em estado igual ou superior
ao observado inicialmente.
6
3. LEGISLAÇÃO SOBRE O PATRIMÔNIO CULTURAL
As principais bases legais consultadas para elaboração deste RAIPI foram o Decreto nº 3.551, de 04 de
agosto de 2000, que institui o registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem o
Patrimônio Cultural Brasileiro, e a Convenção para Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, de 17
de outubro de 2003 (UNESCO, 2003).
Da mesma forma, a Instrução Normativa IPHAN nº 001, de 25 de março de 2015, estabelece
procedimentos administrativos a serem observados nos processos de licenciamento ambiental, instados
a se manifestarem nos processos, em razão da existência de intervenção na AID dos empreendimentos
em bens culturais acautelados em âmbito federal.
Destaca–se que, do total de 12 municípios mineiros interceptados pelo empreendimento, 11 já
concederam a conformidade do empreendimento com a legislação e regulamentos administrativos locais,
sendo eles: Itutinga, Nazareno, Conceição da Barra de Minas, São João Del Rei, Ritápolis, Resende Consta,
Entre Rios de Minas, São Brás do Suaçuí, Jeceaba, Congonhas e Mariana, conforme Anexo II. Para o
município de Ouro Preto, trâmites específicos estão em andamento.
Contudo, considerando que o empreendimento da LT 345 kV Itutinga – Barro Branco interceptará um
total de 12 municípios, foi necessária uma síntese das bases legais do campo do Patrimônio Cultural, em
âmbito municipal, a fim de subsidiar a contextualização de cada município frente ao RAIPI e demonstrar
à compatibilidade do empreendimento com a legislação municipal, no que tange ao patrimônio
imaterial.
3.1 ITUTINGA
Lei 1.175, de 18 de março de 2009 Cria o Conselho Municipal do Patrimônio Cultural.
Lei 1.453, de 23 de outubro de 2013 Altera o Conselho Municipal do Patrimônio Cultural.
Lei 1.523, de 05 de novembro de 2015 Estabelece normas de proteção do Patrimônio Cultural de
Itutinga.
3.2 NAZARENO
Lei 956, de 12 de abril de 2005 Estabelece a proteção do Patrimônio Cultural de Nazareno (MG), em
conformidade com o artigo 216 da Constituição Federal, e cria o Conselho Municipal do Patrimônio
Cultural de Nazareno.
Decreto 1.211, de 12 de abril de 2005 Cria o Conselho Municipal de Patrimônio Cultural de Nazareno.
Decreto 1.383, de 06 de agosto de 2007 Dispõe sobre o tombamento da Estação Ferroviária no
Povoado Estação de Nazareno e entorno; da Estação Ferroviária no povoado de Coqueiros e entorno; e
do Leito Ferroviário, do município de Nazareno.
Lei 1.233, de 08 de dezembro de 2009 Criação do Fundo Municipal de Preservação do Patrimônio
Cultural de Nazareno (FUMPAC).
Decreto 1.522, de 17 de dezembro de 2009 Regulamenta o Fundo Municipal de Preservação do
Patrimônio Cultural de Nazareno (FUMPAC).
3.3 CONCEIÇÃO DA BARRA DE MINAS
7
Lei de 23 de dezembro de 2003 Estabelece normas de proteção ao Patrimônio Cultural do Município
de Conceição da Barra de Minas e seu respectivo procedimento.
3.4 SÃO JOÃO DEL REI
Lei 3.388, de 16 de julho de 1998 Cria o Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural.
Lei 3.452, de 08 de junho de 1999 Estabelece normas para o tombamento do Patrimônio Cultural do
Município de São João Del Rei.
Lei 3.826, de 03 de março de 2004 Dispõe sobre a criação do Programa “Educação Patrimonial” nas
escolas do município de São João Del Rei.
Lei 4.510, de 27 de outubro de 2010 Dispõe sobre a defesa do Patrimônio Histórico, Arquitetônico e
Ambiental do município de São João Del Rei.
Lei 5.105, de 19 de dezembro de 2014 Institui o Fundo Municipal de Proteção ao Patrimônio Cultural
do Município de São João Del Rei (FUMPAC).
3.5 RITÁPOLIS
Lei 868, de 06 de abril de 2001 Estabelece a proteção do Patrimônio Cultural de Ritápolis.
Decreto 920, de 06 de abril de 2001 Cria o Conselho Municipal do Patrimônio Cultural de Ritápolis.
Lei 1.154, de 15 de dezembro de 2009 Institui o Fundo Municipal de Proteção ao Patrimônio Cultural
(FUMPAC).
3.6 RESENDE COSTA
Lei 2.661, de 15 de abril de 2002 Cria o Conselho Municipal do Patrimônio Cultural do Município de
Resende Costa (MG).
Lei 2.662, de 15 de abril de 2002 Estabelece as normas de proteção do Patrimônio Cultural do
Município de Resende Costa.
Lei 3.524, de 28 de setembro de 2011 Dispõe sobre a proteção do Patrimônio Histórico e Cultural do
Município de Resende Costa, cria o Fundo Municipal de Patrimônio e Cultural. Alterada pela Lei
3.540/11.
Lei 3.540, de 20 de dezembro de 2011 Altera a Lei Municipal 3.524/11.
3.7 ENTRE RIOS DE MINAS
Lei 1.234, de 1998 Estabelece a proteção do Patrimônio Cultural de Entre Rios de Minas e, atendendo
ao disposto no artigo 216 da Constituição Federal, autoriza o Poder Executivo a instituir o Conselho
Municipal do Patrimônio Cultural de Entre Rios de Minas.
3.8 SÃO BRÁS DO SUAÇUÍ
8
Lei 1.175, de 30 de julho de 2014 Estabelece normas de proteção do Patrimônio Cultural de São Brás
do Suaçuí.
3.9 JECEABA
Lei 980, de 20 de março de 2002 Estabelece as normas de proteção do Patrimônio Cultural do
Município de Jeceaba e seu respectivo procedimento.
Decreto 582, de 20 de março de 2002 Cria o Conselho Municipal do Patrimônio Cultural de Jeceaba.
Lei 1.222, de 12 de julho de 2015 Dispõe sobre a política de proteção do Patrimônio Cultural do
Município de Jeceaba.
3.10 CONGONHAS
Lei 1.192, de 16 de outubro de 1984 Estabelece a proteção do Patrimônio Histórico e Artístico de
Congonhas; atendendo ao disposto no artigo 180 da Constituição Federal, autoriza o Poder Executivo a
instituir o Conselho Consultivo Municipal de Patrimônio Histórico e Artístico de Congonhas.
Lei 2.033, de 27 de dezembro de 1994 Altera dispositivos da Lei 1.192/84, que institui o Conselho
Municipal de Patrimônio Histórico e Artístico de Congonhas.
Lei 3.224, de 28 de dezembro de 2012 Dispõe sobre o espaço territorial tombado, denominado
Conjunto de Serras Casa de Pedra.
3.11 OURO PRETO
Lei 23, de 05 de junho de 1988 Cria o Fundo Municipal de Preservação Cultural de Ouro Preto (FPC).
Alterada pela Lei 536/09.
Lei 17, de 26 de abril de 2002 Regulamenta o artigo 165 da Lei Orgânica Municipal, implanta e
regulamenta o tombamento de bens móveis e imóveis, assim como o registro dos bens imateriais pelo
município de Ouro Preto. Alterada pela Lei 321/07. Regulamentada pelo Decreto 59/05.
Decreto 59, de 11 de abril de 2005 Regulamenta a Lei 17/02, que disciplina o tombamento de bens
móveis e imóveis e o registro dos bens imateriais pelo município de Ouro Preto.
Decreto Executivo 409, de 29 de novembro de 2006 Homologa o ato do Conselho Municipal de
Preservação do Patrimônio Cultural e Natural que aprova a inscrição, no Livro do Tombo, da “Ponte
Caveira", situada na rodovia denominada Estrada Real – trecho Ouro Preto – Ouro Branco, Km 9,60.
Decreto Executivo 455, de 07 de fevereiro de 2007 Homologa o ato do Conselho Municipal de
Preservação do Patrimônio Cultural e Natural que aprova a inscrição, no Livro do Tombo, da “Cadeira de
Dom Pedro”, localizada no Colégio Dom Bosco, no distrito de Cachoeira do Campo.
Lei 321, de 15 de março de 2007 Altera o artigo 10 da Lei 17/02, que implanta e regulamenta o
tombamento de bens móveis e imóveis, assim como o registro dos bens imateriais pelo município de
Ouro Preto.
9
Decreto Executivo 456, de 08 de fevereiro de 2007 Homologa o ato do Conselho Municipal de
Preservação do Patrimônio Cultural e Natural que aprova a inscrição, no Livro do Tombo, do “Núcleo
Urbano de São Bartolomeu”, situado no distrito de São Bartolomeu.
Decreto Executivo 632, de 19 de março de 2007 Homologa o ato do Conselho Municipal de
Preservação do Patrimônio Cultural e Natural que aprova a inscrição, no Livro do Tombo, do “Bueiro
Conjunto Calixto”, situado na rodovia denominada Estrada Real.
Decreto Executivo 633, de 19 de março de 2007 Homologa o ato do Conselho Municipal de
Preservação do Patrimônio Cultural e Natural que aprova a inscrição, no Livro do Tombo, da “Ponte do
Calixto”, situada na rodovia denominada Estrada Real.
Decreto Executivo 634, de 19 de março de 2007 Homologa o ato do Conselho Municipal de
Preservação do Patrimônio Cultural e Natural que aprova a inscrição, no Livro do Tombo, do “Arrimo de
Bueiro Curvo", também denominado "Arrimo Curvo e Galeria – Conjunto Calixto", situado na rodovia
denominada Estrada Real.
Decreto Executivo 635, de 19 de março de 2007 Homologa o ato do Conselho Municipal de
Preservação do Patrimônio Cultural e Natural que aprova a inscrição, no Livro do Tombo, do "Chafariz
Dom Rodrigo de Menezes", situado na rodovia denominada Estrada Real – trecho Cachoeira do Campo –
Ouro Preto.
Decreto Executivo 636, de 19 de março de 2007 Homologa o ato do Conselho Municipal de
Preservação do Patrimônio Cultural e Natural que aprova a inscrição, no Livro do Tombo, do "Bueiro
Serra do Itatiaia", também denominado "Galeria de Drenagem Serra do Itatiaia", situado na rodovia
denominada Estrada Real – trecho Ouro Preto – Ouro Branco.
Decreto Executivo 637, de 19 de março de 2007 Homologa o ato do Conselho Municipal de
Preservação do Patrimônio Cultural e Natural que aprova a inscrição, no Livro do Tombo, do "Ponte
Caveira", situado na rodovia denominada Estrada Real – trecho Ouro Preto – Ouro Branco, Km 10,70.
Decreto Executivo 743, de 03 de setembro de 2007 Estabelece os parâmetros de ações a serem
desenvolvidas no programa de valorização e preservação do patrimônio imaterial.
Decreto Executivo 1.082, de 07 de abril de 2008 Estabelece o registro da produção artesanal de doces
de São Bartolomeu como Patrimônio Cultural Imaterial do Município de Ouro Preto.
Decreto Executivo 1.389, de 22 de setembro de 2008 Homologa o ato do Conselho Municipal de
Preservação do Patrimônio Cultural e Natural que aprova a inscrição, no Livro do Tombo, do “Cemitério
São Miguel Arcanjo”, localizado na Rua Hugo Soderi, s/nº, Saramenha, em Ouro Preto.
Decreto Executivo 1.949, de 03 de abril de 2009 Homologa ato do Conselho Municipal de
Preservação do Patrimônio Cultural e Natural, ratificando e delimitando novo perímetro de entorno do
Conjunto Urbano e Ferroviário de Rodrigo Silva.
10
Decreto Executivo 2.218, de 15 de dezembro de 2009 Homologa ato do Conselho Municipal de
Preservação do Patrimônio Cultural e Natural que aprova a inscrição da Festa de Nossa Senhora dos
Remédios do Fundão do Cintra no Livro de Registro dos Saberes e das Celebrações.
Lei 536, de 22 de fevereiro de 2009 Altera os artigos 1º, 2º, 3º, 5º, 6º, 7º, 8º e 9º da Lei 23/98, que
cria o Fundo Municipal de Preservação Cultural de Ouro Preto (FPC).
Decreto Executivo 2.429, de 19 de setembro de 2011 Homologa o ato do Conselho Municipal de
Preservação do Patrimônio Cultural e Natural que aprova a inscrição, no Livro do Tombo, da “Matriz de
São Gonçalo do Amarante”, situada na Praça da Matriz, s/nº, distrito de Amarantina.
Decreto Executivo 2.754, de 19 de setembro de 2011 Homologa ato do Conselho Municipal de
Preservação do Patrimônio Cultural e Natural que aprova a inscrição da “Cavalhada de Amarantina” no
Livro de Registro dos Saberes e das Celebrações.
Lei 708, de 27 de setembro de 2011 Dispõe sobre o Conselho Municipal de Preservação do
Patrimônio Cultural e Natural (COMPATRI).
Decreto Executivo 3.291, de 27 de novembro de 2012 Homologa o ato do Conselho Municipal de
Preservação do Patrimônio Cultural e Natural que aprova a inscrição, no Livro do Tombo, dos “Bens
Arqueológicos Deontológicos, Etnográficos e Paisagísticos do Conjunto Arquitetônico e Arqueológico da
Capela de Nossa Senhora Auxiliadora de Calastróis e Cemitérios”, localizada na área rural, na antiga área
da Vila Wigg, também conhecida como “Usina de Barra Mansa”, no distrito de Miguel Burnier.
Decreto Executivo 3.292, de 27 de novembro de 2012 Homologa o ato do Conselho Municipal de
Preservação do Patrimônio Cultural e Natural que aprova a inscrição, no Livro do Tombo, dos “Bens
Arqueológicos Deontológicos, Etnográficos e Paisagísticos do Conjunto Arquitetônico e Arqueológico da
Capela de Nossa Senhora da Conceição do Chiqueiro dos Alemães”, localizada na área rural, distrito de
Miguel Burnier.
Decreto Executivo 3.305, de 12 de dezembro de 2012 Homologa o ato do Conselho Municipal de
Preservação do Patrimônio Cultural e Natural que aprova a inscrição, no Livro do Tombo, dos Bens
Arqueológicos Deontológicos, Etnográficos e Paisagísticos da Pedra e Gruta do Vigia, localizada no
distrito de Miguel Burnier.
Lei 836, de 28 de julho de 2013 Altera a redação dos artigos 1º, 2º e 7º, bem como o parágrafo único
do art. 1º da Lei 465/08, para renomear o Parque Natural Arqueológico Municipal do Morro da
Queimada e precisar a dimensão da sua área geográfica.
Lei 873, de 29 de novembro de 2013 Define o hip–hop como Movimento Cultural Musical de Caráter
Popular do município de Ouro Preto.
Decreto Executivo 3.956, de 04 de novembro de 2014 Homologa o ato do Conselho Municipal de
Preservação do Patrimônio Cultural e Natural que aprova a inscrição da Celebração do Divino Espírito
Santo em São Bartolomeu no Livro de Registro dos Saberes e Celebrações.
11
Decreto Executivo 4.302, de 24 de setembro de 2015 Homologa o ato do Conselho Municipal de
Preservação do Patrimônio Cultural e Natural que aprova a inscrição no Livro do Tombo do “Conjunto
Arquitetônico das Ruínas da Antiga Matriz de Nossa Senhora da Conceição” também conhecida como
“Igreja Queimada”, localizada no distrito de Antônio Pereira.
Lei 966, de 05 de novembro de 2015 Altera a Lei 465/08.
3.12 MARIANA
Lei 1.728, de 18 de março de 2003 Dispõe sobre a Política de Proteção e Preservação do Patrimônio
Histórico, Artístico, Estético, Arquitetônico, Arqueológico, Documental e Ambiental do município de
Mariana. Alterada pela Lei 2.657/12.
Lei 1.795, de 25 de novembro de 2003 Cria o Fundo Municipal de Preservação do Patrimônio
Histórico e Cultural da Cidade de Mariana – Fundo Mariana Histórica.
Lei 2.657, de 29 de outubro de 2012 Altera a Lei 1.728/03.
Lei 2.809, de 29 de novembro de 2013 Cria o Fundo Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural
de Mariana.
Lei 2.950, de 17 de dezembro de 2014 Institui no município de Mariana o Registro de Bens Culturais
de Natureza Imaterial.
4. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A elaboração deste RAIPI do empreendimento da LT 345 kV Itutinga – Barro Branco está direcionada aos
bens culturais acautelados, em nível federal, pelo IPHAN, com ocorrência nas Áreas de Estudo dos
municípios interceptados pela LT, de acordo com o ofício nº 106/2016/CNL/PRESI/IPHAN, quais sejam:
bens registrados: Roda de Capoeira e Ofício de Mestres de Capoeira, Toque dos Sinos e Ofício de
Sineiro e Jongo do Sudeste;
em processo de registro, visando ao seu reconhecimento como Patrimônio Cultural do Brasil
são: Congadas de Minas; Ofício das Quitandeiras de Minas Gerais e Ofício de Raizeiras e
Raizeiros do Cerrado.
Nos itens adiante, apresentam–se algumas referências teóricas e bibliográficas sobre essas práticas
culturais, para uma organização da dinâmica lógica de apresentação deste RAIPI da LT 345 kV Itutinga –
Barro Branco. O objetivo é demonstrar o entendimento técnico e referências conceituais utilizados no
esforço de pesquisa (dados secundários e primários) sobre esses bens culturais, empreendido pela
equipe técnica.
Item complementar, mas não menos importante, considerando os municípios alvos da LT Itutinga –
Barro Branco, diz respeito à Estrada Real, que tem grande parte de seu trajeto inserido na AID do
empreendimento, em especial nos municípios de São João Del Rei, São Brás do Suaçuí, Ouro Preto e
Mariana. Aprofundando a análise sobre o perfil de ocupação dos municípios interceptados pela LT, é
importante frisar que um dos elementos que, também, delimitaram o modelo de ocupação na região é o
processo histórico de apropriação do espaço.
12
Nesse caso, associa–se ao ciclo do ouro e explorações minerais o processo que deixou como legado um
importante acervo histórico tanto do ponto de vista da arquitetura quanto do ponto de vista do
patrimônio imaterial e paisagístico, costumes e festividades, os quais compõem uma rica expressão
cultural dos municípios em estudo neste RAIPI. Também é apresentada uma breve descrição sobre as
Comunidades Remanescentes de Quilombo localizadas nos municípios interceptados pela LT 345 kV
Itutinga – Barro Branco.
4.1 ESTRADA REAL
Com as primeiras descobertas de ouro na região situada hoje nos municípios de Sabará, Ouro Preto e
Mariana, o grande fluxo de pessoas atraídas pelo desejo de prosperidade econômica ocasionou a
formação de núcleos urbanos no interior do Brasil. A Coroa, então, objetivando o controle e a
fiscalização das riquezas, trilhou vias desde a região mineradora e seu entorno até o litoral, no intuito de
escoar ouro, diamante e mercadorias para Portugal, em meados do século XVII.
A fim de evitar o contrabando e outras irregularidades, a circulação de tropeiros, mercadores e animais
deveria ser feita, obrigatoriamente, pela Estrada Real; qualquer outro percurso, desvio ou trilha eram
tidos como crimes de lesa–majestade. Estabelecer caminhos oficiais era comum para o reino de
Portugal, que definia as vias públicas como “direito real ou regalia pertencente à Coroa e que por direito
lhe era devido para a conservação do seu Real Estado”.
As Minas Gerais foram a primeira e mais produtiva capitania mineradora; consequentemente, passou a
concentrar as mais importantes vias oficiais, sendo a Estrada Real a principal do Brasil Colônia. Por ela é
que se fazia o recolhimento de tributos à Coroa –– os quintos de ouro e de metais preciosos, impostos
sobre as mercadorias, a fiscalização das entradas de viajantes e animais, bem como dos produtos que
circulavam com estes a fim de evitar o contrabando. Em seu trajeto, eram comuns os pontos de
“pedágio”, onde se estabeleciam os Registros que cobravam o direito de passagem de acordo com o
número de escravos, cavalos e muares.
O sistema viário foi imprescindível para a ocupação no interior do País no período colonial, integrando
diversas regiões de povoamento e propiciando a movimentação de pessoas e bens envolvidos com a
atividade comercial entre os núcleos urbanos e as comunidades rurais. Embora as estradas reais
estivessem comumente associadas à mineração, serviam aos mais distintos propósitos, dentre os quais
sua vinculação às atividades pecuárias. Dessa maneira, outras vias eram abertas, como as de cunho
pecuário, no intuito de abastecer as áreas mineradoras.
Outro caminho oficial situado nas Minas Gerais ficou conhecido como “Caminho de Sabarabuçu” (Figura
4.1), que servia de ligação entre o Caminho para o Distrito Diamantino, o Caminho Novo e o Caminho
Velho. Era tido como o trecho de importância regional, constituído por 150 km de prolongamento do
Caminho Velho, desembocando no município de Barão de Cocais, já no caminho que seguia para
Diamantina. O Caminho de Sabarabuçu foi aberto também por bandeirantes que estavam à procura de
prata na região, que acabou consolidando–se como uma importante área de exploração de ouro de
aluvião às margens do rio das Velhas, nos municípios de Caeté, Sabará, Rio Acima e Rio da Pedra
(atualmente, Acuruí, distrito de Itabirito).
13
O Caminho de Sabarabuçu contava, ainda, com o Pico de Itabirito, que facilitava o norteamento dos
viajantes e tropeiros próximo ao Arraial da Nossa Senhora da Boa Viagem de Itaubyra (atual Itabirito),
criado no século XVIII. A localização privilegiada do Pico e do Arraial situa–se na área de confluência das
comarcas de Vila Rica, Rio das Velhas (com sede em Sabará) e Rio das Mortes (sede em São João Del
Rey). Tal posição favoreceu as relações comerciais desenvolvidas pelos tropeiros que circulavam entre
Sabará e Ouro Preto. Ao longo desse percurso, o Pico de Itabirito tornou–se um marco geográfico
importante graças à sua boa visibilidade da paisagem, auxiliando no deslocamento dos comboios de
tropeiros carregados de produtos que abasteciam as vilas próximas.
Dentre as atividades econômicas, destacava–se, obviamente, a mineração, embora outras atividades
tenham se desenvolvido na época, tais como: agricultura, pecuária e produção de açúcar, rapadura,
aguardente, fiação e tecelagem. É importante entender que a crise ocorrida a partir de 1750 era,
principalmente, da atividade mineradora, e não de toda a economia. A diversidade econômica
caracterizou a sociedade mineira que, por sua vez, era constituída por uma estrutura social
heterogênea, composta por brancos, negros, índios e mestiços.
O Caminho Novo foi criado para servir como trajeto mais seguro ao Porto do Rio de Janeiro,
principalmente porque as cargas estavam sujeitas a ataques piratas na rota marítima entre Paraty e Rio.
Esse é o trecho mais recente da Estrada Real. Sua criação começou a ser estabelecida em 1698, mas,
somente entre 1722 e 1725, é que a rota foi finalmente definida. Repleto de atrativos turísticos, esse
trecho conserva dezenas de vestígios da época mineradora.
Já o Caminho Velho, também chamado de Caminho do Ouro, foi o primeiro trajeto determinado –– a
primeira via aberta oficialmente pela Coroa Portuguesa liga Ouro Preto a Paraty, para o tráfego entre o
litoral fluminense e a região mineradora. Esse Caminho Velho passa pelos municípios de São Brás do
Suaçuí, São João Del Rei e Ouro Preto.
O Caminho dos Diamantes –– criado com a finalidade de conectar a sede da capitania, Ouro Preto, à
principal cidade de exploração de diamantes, Diamantina, –– passou a ter grande importância a partir
de 1729, quando as pedras preciosas de Diamantina ganharam destaque nas economias brasileira e
portuguesa. Além da história de seus municípios, da cultura latente e da gastronomia típica, o Caminho
dos Diamantes destaca–se pela beleza natural, passando pelos municípios de Ouro Preto e Mariana.
14
Figura 4.1 – Segmento em azul: Caminho de Sabarabuçu; segmento em amarelo: Caminho Velho;
segmento em vermelho: Caminho Novo; segmento verde: Caminho para o Distrito Diamantino.
Fonte: INSTITUTO ESTRADA REAL, 2017.
4.2 RODA DE CAPOEIRA E OFÍCIO DE MESTRES DE CAPOEIRA
Segundo o IPHAN (2014a), toda Roda de Capoeira se inicia com uma canção. Na capoeira Angola, o ritual
é aberto com um cântico em forma de lamento, chamado ladainha, entoada, normalmente, pelo
capoeirista/mestre, que toca o berimbau principal, de som grave, chamado berra–boi ou gunga. Quando
se inicia a ladainha, os capoeiristas que vão jogar permanecem agachados ao pé do berimbau, à espera
do momento para jogar, envoltos em um silêncio religioso que apenas se rompe com o canto sofrido,
louvando a memória dos mestres antigos, saudando o sagrado.
A Roda de Capoeira foi inscrita no Livro de Registro das Formas de Expressão no ano de 2008. De acordo
com o IPHAN (2014a), é um elemento estruturante de uma manifestação cultural, espaço e tempo, onde
se expressam, simultaneamente, o canto, o toque dos instrumentos, a dança, os golpes, o jogo, a
brincadeira, os símbolos e rituais de herança africana recriados no Brasil. Na Roda de Capoeira,
batizam–se os iniciantes, formam–se e consagram–se os grandes mestres, transmitem–se e reiteram–se
práticas e valores afro–brasileiros.
15
A capoeira é uma manifestação cultural presente hoje em todo o território brasileiro e em mais de 150
países, com variações regionais e locais criadas a partir de suas “modalidades” mais conhecidas: as
chamadas capoeiras Angola e regional. Ademais, a capoeira é Patrimônio Imaterial da Humanidade,
reconhecida pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO)
desde novembro de 2014, em Paris, que considera a Roda de Capoeira um dos símbolos do Brasil mais
reconhecidos internacionalmente.
A capoeira, segundo seu dossiê de registro, é uma manifestação cultural caracterizada por suas
múltiplas dimensões, já que é, ao mesmo tempo, dança, luta e jogo. A dificuldade em estabelecer as
origens da capoeira nos aspectos geográfico, cultural e etimológico pode ser explicada por sua
diversidade. Manifestação intimamente ligada às culturas locais, ganhou contornos específicos de
acordo com os contextos em que se desenvolveu (IPHAN, 2007).
Dessa forma, a capoeira é reconhecida como fenômeno cultural urbano, cuja história permeia o passado
e o presente, conhecida nacionalmente, no século XX, e iniciada no Estado da Bahia, que passa a ser
considerado o seu berço. Assim como Mestre Bimba, a escola de Mestre Pastinha, no Pelourinho, ganha
destaque, tornando–se ponto da velha guarda da capoeira Angola, de intelectuais e turistas que iam
apreciar as rodas. Como resultado, ocorrem as primeiras viagens de grupos de capoeira pelo território
brasileiro. Tal manifestação não é mais vista como marca do atraso e da barbárie, mas sim como
símbolo das culturas baiana e brasileira.
A Roda de Capoeira, nesse sentido, é a forma de expressão que permitiu o aprendizado e a expansão do
jogo. Nela, se encenam golpes e movimentos acrobáticos, (re)atualizam–se cânticos antigos e outros são
inventados. A roda é um momento determinante da prática da capoeira que não pode ser ignorado.
Seja na capoeira Angola, seja na Regional, seja na que funde as duas vertentes (referida como
Contemporânea), a roda é um espaço de criação artística e de performance cultural da capoeira.
No dossiê de registro da capoeira, destaca–se que o início do processo de esportividade da capoeira,
homologado pelo Conselho Nacional de Desportos (CND), em 1972, submeteu sua prática às regras do
pugilismo. Datam daí a realização dos campeonatos nacionais, as tentativas de unificação da capoeira,
no sentido de eliminar as distinções entre as capoeiras Angola e Regional, incluindo ainda os
treinamentos voltados para fazer do capoeirista um atleta e a simplificação dos ritos que não se
adequavam às práticas esportivas (IPHAN, 2007).
O sentido da transformação do jogo em espetáculo vai romper com a bipolarização da capoeira da Bahia
em torno dos Mestres Pastinha e Bimba. As principais lideranças da capoeira, à época, voltam–se,
preferencialmente, para atender às demandas do mercado turístico dada a sua rentabilidade. Esse fato
comprometeu o funcionamento de muitas academias, principalmente quanto à formação de novos
capoeiristas, já que as atividades das academias eram mais voltadas ao treinamento/ensaio dos shows
folclóricos do que às aulas propriamente ditas. Contudo, não se pode deixar de reconhecer que esse
fenômeno contribuiu significativamente para a expansão da capoeira baiana pelo Brasil.
A Confederação Brasileira de Boxe determinou que a capoeira, assim como acontecia com as artes
marciais orientais, deveria graduar seus alunos, mas, ao contrário das faixas, utilizaria “cordéis” com as
16
cores da Bandeira Brasileira: branco, verde, amarelo e azul. Embora essas cores não fossem adotadas
por todos os grupos, o sistema de cordas passou a fazer parte da capoeira, de forma predominante, a
partir dos anos 1970. Um modelo novo, que fundia elementos das capoeiras Regional e Angola, surgia
no Sudeste do Brasil, difundindo–se pelo País e, mais tarde, pelo mundo.
Influenciados pelas sequências de Mestre Bimba da Capoeira Regional, os grupos cariocas e paulistas
incorporaram à sua prática movimentos e instrumentação da capoeira Angola, de Mestre Pastinha. Uma
das suas características principais é o uso de cordas para graduar os jogadores. Essa modalidade ainda
não tem um nome consensual entre os capoeiristas –– uns preferem chamá–la de “capoeira
contemporânea”, “capoeira de vanguarda”, e há ainda os que a nomeiam como “capoeira atual” ou,
simplesmente, “capoeira hegemônica”.
Ainda de acordo com o dossiê de registro da capoeira, o aprendizado na capoeira se divide em três
momentos históricos, que caracterizam fases marcantes e distintas. A primeira destaca as formas de
aprendizado existentes no período em que a capoeira foi amplamente criminalizada e estigmatizada, do
ano de 1890 até o início de seu processo de descriminalização, em 1937. Posteriormente, alcança o
período conhecido como “escolarização da capoeira”, em que são formadas as primeiras academias
oficiais e institucionalizadas, destacando–se principalmente as vertentes da capoeira Regional, de
Mestre Bimba, e da capoeira Angola, codificada por Mestre Pastinha. Por último, recorta o período que
vai da década de 1980 até os dias atuais, em que se observam o crescimento e a difusão da capoeira por
todo o Brasil e o mundo, numa proliferação de grupos e vertentes (IPHAN, dez. 2017).
O mestre não era um professor no sentido estrito da palavra; ele só ensinava se o aprendiz se
mantivesse atento, observando e arriscando–se a realizar os principais movimentos. De algum modo, o
aprendizado ficava a cargo do aprendiz, que, engajado na capoeira, inseria–se a partir da observação e
da vivência de suas rotinas. O aprendizado da capoeira se produzia por “oitiva”, ou seja, sem método ou
pedagogia formalizada. Pela vivência do jogo, por sua observação, o mestre introduzia os jovens
interessados no universo da capoeira.
O mestre não ensina diretamente, ele apenas "ajuda" a criar as condições propícias para que o aprendiz
experimente jogar, cantar, tocar e vadiar. Nessa forma de prática, o aprendiz, de algum modo, é o
responsável direto pelo processo de aprendizado. Suas motivações e seu engajamento nas rodas e nos
grupos de capoeiragem são o que o tornam “um capoeira”. No ambiente, ao mesmo tempo perigoso e
festivo, era que os mestres antigos da capoeira ensinavam e transmitiam o conhecimento, sem escolas
formais, grupos com estatutos, uniformes e métodos específicos (IPHAN, dez. 2007).
Nesse ponto, existe um conflito estabelecido entre o mestre sem formação escolar e o professor de
Educação Física, considerado apto a substituí–lo. De um lado, o saber da cultura popular; de outro, o
conhecimento formal e conceitual das universidades. Apesar do advento das escolas de capoeira, as
rodas permanecem como espaços não só do jogo como também do aprendizado. O ensino de golpes,
contragolpes, esquivas e sequência deverá ser acompanhado de transmissão de todos os elementos que
envolvem sua cultura, história, origem e evolução.
17
Em 2008, após a Roda de Capoeira e o Ofício de Mestres de Capoeira terem sido registrados como
Patrimônios Culturais Brasileiros, o Ministério da Cultura (MinC), a Fundação Cultural Palmares (FCP) e o
IPHAN realizaram ações visando à salvaguarda da capoeira, segundo o Conselho de Mestres de Capoeira
(COMCAP/MG). A partir de junho de 2011, a Superintendência do IPHAN em Minas Gerais iniciou um
trabalho de mobilização com os Mestres de Capoeira desse Estado, no sentido de auxiliá–los na
sistematização das suas demandas. Dessas reuniões, surgiu a ideia da formalização de um Conselho de
Mestres de Capoeira representativo para elaboração e acompanhamento das políticas públicas e dos
debates para a construção do Plano de Salvaguarda da Capoeira, segundo o COMCAP/MG (2016).
Em março de 2012, o IPHAN–MG e o coletivo de Mestres de Capoeira realizaram o I Encontro para
Formação do Conselho de Mestres de Capoeira da RMBH, o qual contou com a participação de
aproximadamente 120 mestres de capoeira tanto da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH)
quanto de várias outras regiões do estado.
O 1º Encontro COMCAP–MG foi realizado no dia 10 de dezembro de 2016, na sede da Superintendência
do IPHAN, em Minas Gerais. Teve como objetivo promover a integração, a socialização e a
harmonização de opiniões dos mestres, grupos, escolas e praticantes de capoeira.
No ano de 2017, o COMCAP–MG realizou diversas reuniões, incluindo a que instalou o Fórum da
Capoeira de Belo Horizonte e da RMBH, em março de 2017. Em junho do mesmo ano, promoveu uma
reunião na Superintendência do IPHAN–MG, em Belo Horizonte, para esclarecer o plano de salvaguarda.
E, como encaminhamento, foram marcadas duas reuniões: com os integrantes do Comitê Gestor da
Salvaguarda da Capoeira e a ampliada da Salvaguarda da Capoeira.
No mês seguinte, em julho de 2017, o IPHAN disponibilizou uma nova plataforma para o Cadastro
Nacional da Capoeira, como medida de salvaguarda, assim como o IPHAN–MG disponibilizou, em
outubro de 2017, o Mapeamento da Capoeira em Minas Gerais, realizado em 2014, que constatou a
ocorrência dessa prática cultural em 64% dos municípios mineiros. Já no mês de novembro de 2017,
foram eleitos os novos membros do Comitê Gestor da Salvaguarda da Capoeira em Minas Gerais para o
biênio 2017–2019, representativo entre sociedade civil, instituições parceiras ao IPHAN–MG, detentores
(capoeiristas: contramestres, professores, alunos) e mestres de capoeira.
Os princípios básicos exercitados na capoeira –– expressão corporal, agilidade, destreza, flexibilidade,
criatividade, espontaneidade e integração social –– traduzem aspectos que refletem na vida do
capoeirista, que passa a encarar o mundo, bem como suas dificuldades e obstáculos, com uma nova
postura atitudinal (CASSIANO, 2014, p. 38). O capoeirista é livre para criar e improvisar desde que
preserve o significado, desde que a atitude tenha sentido.
18
Assim, o capoeirista procura encontrar sentido também em suas outras atividades, a questionar suas
relações familiares e sociais, a direcionar suas ações com mais objetividade e consciência corporal. "Seu
fim é inconcebível ao mais sábio capoeirista, porque é infindável –– quanto mais se sabe, mais se quer
saber, pois, a cada época, local ou situação, a capoeira tem uma forma de manifestação sem, contudo,
negar ou desconsiderar sua gênese. Está em processo constante de projeto, criação, evolução e
revolução." (CASSIANO, 2014, p. 43)
4.3 TOQUE DE SINOS E OFÍCIO DE SINEIRO
O Toque de Sinos e o Ofício de Sineiro são bens culturais reconhecidos como Patrimônio Cultural
Imaterial do Brasil desde 2009. Segundo o IPHAN (2017, nov. 2017a), o Toque de Sinos é uma tradição
antiga no Brasil e surge com a cultura católica trazida pelos portugueses na época do período colonial.
Os sinos desempenhavam funções importantes nesse momento histórico.
Os toques emitidos pelos sinos prestavam relevantes serviços de utilidade pública aos moradores de
ontem e, ainda, aos de hoje, dentre os quais, a comunicação. Atualmente, tais serviços restringem–se
apenas à transmissão de mensagens no âmbito dos ritos religiosos.
Desde a época em que as cidades eram arraiais, e mesmo quando se tornaram cidades maiores, os sinos
são responsáveis pela comunicação. Ainda hoje, apesar do avanço dos mecanismos de comunicação,
muitas pessoas ainda entendem os significados das mensagens que cada toque emite ao ser acionado
pelos sineiros de cada igreja. Através de cada toque, compreende–se o tipo de mensagem. Nesse
sentido, os toques de sinos são mais que uma tradição: são uma referência cultural nas cidades onde
ocorre essa prática.
Outrora, era através da linguagem dos sinos que a população das cidades tomava conhecimento das
festividades religiosas e das chamadas de missas, assim como de notícias de falecimentos de integrantes
do clero local e até de pessoas comuns. Conforme o tipo de toque, os moradores sabiam se a pessoa
falecida era homem, mulher ou criança (anjo). Na realidade, havia uma infinidade de tipos de Toque de
Sinos, que, ao longo dos séculos, foram caindo em desuso com o avanço dos meios de comunicação. Os
toques de sinos chegavam até a alertar a população de alguns perigos, por exemplo, um incêndio.
A forma de expressão do Toque dos Sinos relaciona sua dimensão estética à percepção sensorial e à sua
função comunicativa, em que a ocasião e a estrutura do toque estão necessariamente associadas. A
ocasião determina o ritmo a ser imprimido ao toque: em celebrações festivas, ritmos acelerados; em
ocasiões fúnebres, ritmos mais lentos e solenes. A estrutura dos toques é determinada por sua
execução: com o sino paralisado, são tocadas pancadas, badaladas e repiques; com o sino em
movimento, os dobres (IPHAN, nov. 2017a).
O Toque dos Sinos é expressão reveladora da identidade das cidades inventariadas e da diversidade
cultural brasileira. "Seus habitantes se reconhecem e se distinguem daqueles de outras cidades porque
atribuem um significado particular ao Toque dos Sinos, ao repertório dos toques e ao som diferenciado
de cada um dos sinos de bronze das torres das várias igrejas das suas cidades." (IPHAN, nov. 2017a)
19
4.4 JONGO DO SUDESTE
Jongo do Sudeste, que também recebe outras denominações de acordo com a região onde é praticado,
como tambu, caxambu, tambor ou batuque, é uma manifestação cultural afro–brasileira inscrita no
Livro das Formas de Expressão e reconhecida como Patrimônio Cultural do Brasil, em 2005, pelo IPHAN.
O Jongo/Caxambu é uma forma de expressão que integra percussão de tambores, dança coletiva em
roda e elementos mágico–poéticos. Tem suas raízes nos saberes, ritos e crenças dos povos africanos e
uma configuração de louvação aos antepassados, consolidação de tradições e afirmação de identidades.
Nesse sentido, é um elemento de resistência cultural para várias comunidades e também espaço de
manutenção, circulação e renovação do seu universo simbólico.
O Jongo/Caxambu é cantado e tocado de diversas formas, dependendo da comunidade que o pratica.
Um dos traços comuns quanto aos modos de atuação e significados do Jongo/Caxambu é a formação
dos participantes numa roda animada por, pelo menos, dois tambores de tamanhos diferentes, solos
coreográficos de indivíduos ou casais, o ponto, que geralmente é improvisado e constitui enigmas a
serem decifrados, juntamente com as reverências aos ancestrais jongueiros e aos tambores, com eles
identificados.
Os tipos e número de instrumentos e o modo de combiná–los variam de grupo para grupo na área
jongueira, e são usados, basicamente, instrumentos membranofones (tambores e puítas) de tamanhos e
tipos diversos. Os tambores começam então a soar, impondo um arcabouço rítmico–métrico firme ao
canto e incitando os participantes à dança. Quem está na roda entra em um diálogo cantado.
Especialmente em Minas Gerais, na Região da Zona da Mata, ocorre Jongo/Caxambu desde o século XIX,
trazido pelos negros escravos que trabalhavam nas lavouras de café. Mesmo depois de libertos, muitos
escravos permaneceram trabalhando nas fazendas, dando continuidade a essa prática cultural,
encontrada atualmente nos municípios de Bias Fortes, Carangola, Patrocínio do Muriaé e Recreio.
Nesse sentido, este RAIPI da LT 345 kV Itutinga – Barro Branco não considerará essa prática cultural,
dada a sua não ocorrência nos municípios alvo do empreendimento.
4.5 CONGADAS DE MINAS
O “congado é considerado uma das formas de expressão da religiosidade e diversidade cultural afro–
brasileira, que se introduziu historicamente e predominou como tradição no contexto regional das
Minas Gerais.” (SILVA, 2007, p. 43)
As congadas são manifestações culturais de matrizes afro–brasileiras, de ocorrência desde a chegada
dos escravizados que habitavam, em grande número, os países do Congo e Angola, e que foram
recriadas em território brasileiro. São constituídas por cortejos com danças coletivas; os participantes,
cantando e dançando, representam, basicamente, três temas em seu enredo: a vida de São Benedito, o
encontro de Nossa Senhora do Rosário submergida nas águas e a representação da luta de Carlos
Magno contra as invasões mouras.
20
A manifestação possui forte relação com o processo de escravidão do negro brasileiro e com o culto ao
mito católico em torno de Nossa Senhora do Rosário, seguido de São Bendito e Santa Efigênia. Outros
santos, porém, podem compor o repertório devocional e festivo, peculiaridade que pode variar de
região para região e até mesmo entre os ternos de congados: grupos, bandas, guardas, corte.
Dependendo da região, essa nomenclatura é alterada.
No entanto, o culto a Nossa Senhora do Rosário é uma característica recorrente que perpassa o
imaginário dos detentores desse folguedo. "Congada é o nome dado ao conjunto de ternos de congo, ou
apenas congo, nos quais várias pessoas se reúnem para dançar, cantar e tocar instrumentos embalados
pela fé em Nossa Senhora do Rosário, santa da Igreja Católica identificada como protetora dos negros."
(PRADO, 2008, 159):
“Em Minas Gerais, o congado teve sua origem vinculada às irmandades
católicas dos “homens pretos”, fundadas desde o século XVII. Essas
irmandades constituíram–se em espaços de sociabilidade e de afirmação
identitária de escravos africanos e seus descendentes no Brasil, tendo
como padroeiros, principalmente, as santidades Nossa Senhora do
Rosário, São Benedito e Santa Efigênia.” (SILVA, 2007, p. 44).
São também cultuados Santa Efigênia, Santo Antônio, São Lázaro, São Cosme e São Damião, dentre
outros, de acordo com os participantes. Assim, as congadas são uma celebração de devoção, um ritual
sagrado que festeja a vida. Ampliou–se no espaço e no tempo, ganhando devotos em quase todo o
território de Minas Gerais.
A origem das congadas está relacionada a, pelo menos, dois elementos simbólicos: o aparecimento de
Nossa Senhora do Rosário no mar, numa gruta ou num barreiro, nos tempos da escravidão e à figura
lendária de Chico Rei, símbolo de resistência e liberdade.
Segundo conta a história, ou seja, um dos mitos de origem, o imperador do Congo foi vendido como
escravo para o Brasil e veio a Minas Gerais junto com outros mais de 400 negros. Na viagem, o escravo,
que fora batizado com o nome católico Francisco, perdera sua mulher e seus filhos, dos quais apenas
um sobreviveu.
Instalado em Ouro Preto (Figura 4.2), trabalhou nas minas de ouro. Somando o trabalho de domingos e
dias santos, escondia pó do metal precioso entre os cabelos, conseguindo realizar a economia
necessária para comprar a sua libertação e a de seu filho. Em comemoração, Chico Rei, como ficaria
conhecido, celebrou sua libertação dançando na igreja, marcando o início de uma tradição que une
temáticas religiosas compostas por ritos africanos e católicos, unidos ao ideal universal da liberdade.
21
Figura 4.2 – Vista de Ouro Preto, local do mito de origem de Chico Rei. Fonte: Equipe Biodinâmica, 2017.
Citado por Câmara CASCUDO (2001) no Dicionário do Folclore Brasileiro, o ritual define–se como dança
e lembra a coroação do Rei do Congo e da Rainha Ginga de Angola, com a presença da corte e seus
vassalos. Sua difusão vem do século XVII, e a festa é também conhecida pelos nomes de congadas,
congada, congado ou congo. Suas riquezas folclóricas e históricas estão em sua formação originada de
culturas diferentes: África, Brasil (indígena) e Portugal, miscigenando tradições históricas, usos e
costumes africanos e influências ibéricas em relação à religiosidade.
Outra versão histórica é que a origem do congado remonta também ao Brasil Colonial, mas o mito de
origem em torno do qual acontece a festa de Nossa Senhora do Rosário diz que as guardas, também
chamadas de ternos, bandas ou grupos, formaram–se ainda na África, quando uma imagem de Nossa
Senhora do Rosário apareceu no mar. O grupo de Congo dirigiu–se para a areia e, tocando seus
instrumentos, só conseguiu fazer com que a imagem se movesse uma vez. Então vieram os negros
moçambiqueiros batendo seus tambores, cantando para a santa e pedindo–lhe que viesse protegê–los.
A imagem moveu–se no movimento das ondas, até chegar à praia (SÓ CONGADA, 2017).
As guardas são formadas por um grupo de dançantes e tem uma função simbólica narrativa dentro do
ritual da festa de Nossa Senhora do Rosário; diversificam–se conforme a cidade ou, até mesmo, região
onde se realizam as festas. As guardas podem ser de: Congo, Moçambique, Candombe, Catopês,
Caboclos e Marujada, dentre outras, como as Guardas dos Cavaleiros de São Jorge, Vilão e Penacho. Em
cada uma dessas práticas culturais, existem elementos que definem as competências dentro do ritual do
congado, tais como: trajes, adornos e cânticos. Destaca–se que o reinado é um dos componentes do
congado; refere–se à coroação de reis e rainhas, ou seja, à constituição de uma corte.
22
Destaca–se também que o período festivo das congadas em Minas Gerais ocorre, praticamente, o ano
todo. Inicia–se no mês de janeiro, com as homenagens a Chico Rei, considerado por alguns historiadores
como responsável por introduzir, na antiga Vila Rica do Ouro Preto, no final do século XVIII, hoje, Ouro
Preto, a tradição do culto aos santos pretos:
É possível encontrar algumas fronteiras que permitam diferenciar os grupos de congado. “No terno de
catupé, os integrantes dançam com os pés, mãos e costas, usam cercam de seis caixas e dufo (pandeiro
artesanal); já no terno de Moçambique, os dançadores sambam tocando patagunga e gunga (no
tornozelo)”, ressaltou (PRADO, 2008, p. 18).
Ainda de acordo com BENTO (2008), o capitão (de qualquer terno) é o responsável pelas determinações
que afetam todo o conjunto de dançadores. Ele é a pessoa que, normalmente, é acessada pelos
membros da composição humana; é, também, o guia do terno nas canções, dança e gestos.
Segundo SILVA (2005), os tambores, como parte da cultura musical expressa em termos de artefatos
inerentes à criação musical, nos contextos das diásporas africanas, têm importância insondável porque
surgem nos diversos espaços da vida social. Ao mesmo tempo, revelam uma das tantas habilidades e
capacidades criativas dos africanos, apontando, também, para adaptação às contingências impostas
pela precária existência no “novo mundo”.
O Candombe é um ritual de origem africana banto que exprime a essência da sacralidade ancestral. Seus
mistérios são transmitidos de geração em geração e, atualmente, poucos são os que detêm o
conhecimento. Nesse ritual, cada participante entoa versos que fazem referências a mitos de origem,
passagens do cotidiano e da história. Os instrumentos utilizados são os tambores, chamados santana,
crivo e requinta, uma caixa, uma puíta (instrumento semelhante a uma cuíca) e um guaiá (cesta de palha
contendo sementes).
Os tambores são batidos para rememorar os antepassados; em frente a eles, cada participante canta e
dança, sendo os "cânticos o elo entre o presente e o passado, entre o céu e a terra". Candombe teria
sido o nome de uma cidade da Guiné Bissau; de acordo com SILVA (2005), no Brasil, o etmo Candombe
refere–se tanto ao tambor como à prática cultural em que ele aparece.
O Candombe seria o ancestral mítico do congado, elo perdido de ligação entre o culto jeje–nagô e o
catolicismo rústico, ressaltou SILVA (2005). O Candombe é, entre os grupos, o mais antigo e o mais
banto; por isso é considerado o pai de todas as guardas que nasceram em diferentes épocas: primeiro,
foi o Congo; depois, o Moçambique, o Catopê e as demais. Ressalta–se que há variantes desse mito de
origem, de acordo com cada grupo.
23
Candombe significa “dança sagrada”; nele são lembrados os antepassados e tocados os tambores
antigos e sagrados (Santana, Santaninha e Chama), e Zâmbi (Deus Criador) está com eles. Os tambores
geralmente são toscos e de diferentes tamanhos e funções rítmicas. O Candombe não desfila (não sai
em cortejo ou em procissão); só se desloca em grandes ocasiões, para tocar em casa do Rei ou da
Rainha Conga.
Conta um mito de origem corrente entre os candombeiros de Minas Gerais que, nos tempos do
cativeiro, Nossa Senhora do Rosário apareceu nas águas do mar. Os brancos foram em cortejo para a
praia, tentar atrair a santa, mas ela nem se mexeu. Então foi a vez dos escravos africanos que, com seus
rústicos tambores de pau oco, cantaram e dançaram para Nossa Senhora. Ela veio se achegando
"devagarinho" e se assentou sobre o tambor maior.
Os candombeiros completam a festa com seus cantos enigmáticos, constituídos segundo uma linguagem
simbólica que remete aos mistérios sagrados. A dança consiste em movimentos das pessoas que estão
conduzindo o canto em determinado momento; vez por outra, dois dançantes contracenam diante dos
tambores, movendo–se em direção aos desafios e louvações.
4.6 OFÍCIO DE QUITANDEIRAS
O pedido de Registro do “Ofício das Quitandeiras de Minas Gerais” foi encaminhado ao IPHAN, em 2013,
pela Secretaria Municipal de Congonhas–MG. Abarca 44 anuências, dos municípios de Ouro Preto,
Piranga, Sabará, Ouro Branco, Entre Rio de Minas, Itabirito, Jeceaba, São Brás do Suaçuí, Barão de
Cocais, Lagoa Dourada, São Gonçalo do Rio Abaixo, Conselheiro Lafaiete e Belo Vale1, e mandado à
Superintendência do IPHAN–MG no ano seguinte. Destaca–se que, em Congonhas, em todo terceiro
domingo de maio, ocorre o Festival da Quitanda e, mensalmente, as quitandeiras participam da Feira de
Agricultura Familiar e Urbana, em Belo Horizonte.
De acordo com o site do IPHAN, as mulheres quitandeiras produzem artesanalmente e vendem iguarias
da culinária regional. Elas são consideradas uma referência cultural mineira e detentoras de saberes
tradicionais, além de atuarem como mobilizadoras de práticas sociais ligadas à memória e identidade
cultural do Estado de Minas Gerais.
A culinária, que data do século XIV, permanece até os dias atuais, apresentando continuidade histórica e
ressignificação. As quitandas, por sua vez, caracterizam–se pela pastelaria de produção caseira, a
exemplo de bolos, broas, roscas, sequilhos e doces em geral. As receitas –– inerentes ao ambiente
familiar e repletas de significados –– são transmitidas, oralmente, de geração a geração.
Historicamente, o termo “kitanda”, de origem quimbundo, do noroeste angolano, significa tabuleiro,
onde são colocadas as comidas produzidas e comercializadas nas feiras, e até mesmo as próprias feiras.
Como prática feminina de origem africana, foi reproduzida e ressignificada no contexto colonial das
Américas, de modo que as escravas negras que vendiam alimentos nas ruas em tabuleiros ficaram
1
Para mais detalhes, acessar o link: http://portal.iphan.gov.br/mg/noticias/detalhes/4445/iphan–mg–realiza–
pesquisa–sobre–o–oficio–das–quitandeiras–de–minas
24
conhecidas como “quitandeiras”, “negras do tabuleiro” e/ou “negras de ganho” (LIFSCHITZ & BONOMO,
2015).
Essa prática foi assumindo diferentes características nas variadas regiões coloniais, consagrando–se,
especialmente, nas regiões de exploração minerária, segundo PAIVA, (2001); FIGUEIREDO, 1993, 1997
apud LIFSCHITZ & BONOMO (2015):
“No século XIX, a queda na atividade mineira foi acompanhada da
diminuição das quitandeiras enquanto categoria social. O lugar da
prática também foi alterado, tendo em vista que as quitandas passaram
a ser associadas ao ambiente caseiro no qual as escravas domésticas
produziam esse tipo de alimento, reguladas por sinhás brancas de
origem portuguesa.” (LIFSCHITZ & BONOMO, 2015)
No século XX, as padarias começaram a produzir esses alimentos, o que gerou a perda da centralidade
das quitandas, retomada, no final do século XX, sob o discurso patrimonial, associando a quitanda à
identidade regional mineira:
Com isso, LIFSCHITZ & BONOMO (2015) problematizam a construção de uma memória e de uma
continuidade/descontinuidade históricas de uma prática que ora é associada à escrava negra, ora à
sinhá branca, de modo que o estado deve estar atento ao discurso que irá produzir no processo de
patrimonialização desse bem.
Em 2017, a Superintendência do IPHAN–MG iniciou o levantamento e identificação das quitandeiras e
seus ofícios via Formulário de Informações Prévias sobre o Ofício das Quitandeiras de Minas Gerais,
online2. A construção dessas informações contribuirá para o andamento do processo de Registro dessa
prática cultural como Patrimônio Imaterial do Brasil.
4.7 OFÍCIO DE RAIZEIRAS E RAIZEIROS DO CERRADO
A abertura do processo de Registro no IPHAN do “Ofício de Raizeiras e Raizeiros no Cerrado
(Farmacopeia Popular do Cerrado)” ocorreu em 06 de agosto de 2006, possuindo como proponente a
Articulação Pacari – Plantas Medicinais do Cerrado. A Articulação Pacari foi criada em 1999, fruto da
Rede Cerrado e da Rede de Plantas Medicinais da América do Sul, constituindo–se como “uma rede
socioambiental formada por organizações comunitárias que praticam medicina tradicional através do
uso sustentável da biodiversidade do Cerrado”. De acordo com o proponente:
2
Para conhecer, acessar o Formulário através do link: https://goo.gl/forms/JImp7i8QmWjA5x8t1 .
25
“... raizeiras e raizeiros são povos tradicionais do bioma Cerrado,
detentores de conhecimentos tradicionais transmitidos através de
gerações, que cuidam da saúde comunitária através do uso de
recursos naturais e da espiritualidade. O seu ofício abrange a
identificação de plantas medicinais e dos seus ecossistemas de
ocorrência, assim como o conhecimento de técnicas sustentáveis
para a coleta de plantas, o preparo de remédios caseiros e a sua
indicação para diversos males e doenças.” (ARTICULAÇÃO PACARI,
2014)
A proposição desse pedido surgiu após o 4º Encontro de Parteiras, Benzedeiras e Raizeiras do Cerrado,
realizado em 2004, em Goiás, promovido pela Articulação supracitada e por organizações da sociedade
civil; e do diálogo entre a Articulação, com apoio da Diretoria de Patrimônio Genético do Ministério do
Meio Ambiente, com o IPHAN.
Em 2009, através de Convênio assinado com o IPHAN e gerido pelo IPHAN/SEDE, juntamente com A
Casa Verde – Cultura e Meio Ambiente3, e que, de acordo com a Articulação Pacari, também contou
com sua participação no processo, foi elaborado o projeto “Levantamento preliminar e participativo de
informações sobre o ofício das raizeiras e dos raizeiros do Cerrado”. Esse levantamento, encerrado em
2011, buscou entender os saberes e fazeres das raizeiras e dos raizeiros através de seis etapas:
identificação e articulação de raizeiras e raizeiros nas regiões do Cerrado de Minas Gerais, Goiás,
Mato Grosso, Maranhão, Tocantins; e Distrito Federal, bem como de demais atores sociais
relevantes;
levantamento e organização de material bibliográfico e audiovisual já produzido sobre o tema
(livros, folders, vídeos etc.);
entrevistas e filmagem com raizeiras e raizeiros;
socialização, análise e sistematização participativa do levantamento preliminar de informações
sobre o ofício;
produção do texto descritivo sobre o ofício, com base nos resultados da pesquisa;
edição final e participativa dos produtos do projeto (texto descritivo do ofício, vídeo e site para
divulgação dos resultados da pesquisa).
Em 2014, raizeiras representantes de 43 grupos comunitários de 10 regiões de Minas Gerais, Goiás,
Tocantins e Maranhão, juntamente com a Articulação Pacari, elaboraram o Protocolo Comunitário
Biocultural das Raizeiras do Cerrado, visando servir de instrumento político para conquista de direitos e
de uma legislação que garanta a manutenção das práticas tradicionais dessas pessoas.
De acordo com o Código Penal brasileiro, artigo 273, a disponibilização dos remédios caseiros, aspecto
marcante nesse ofício tradicional, sem respectivo registro no Ministério de Saúde, é considerado crime.
3
A Casa Verde é uma organização não governamental que trabalha pela defesa e valorização da diversidade
cultural e ambiental, com ênfase para as expressões populares dessa diversidade.
26
Com isso, "a manutenção e a transmissão desse conhecimento são ameaçadas, fazendo–se necessário o
reconhecimento, pelo Estado brasileiro, de sua importância, assegurando condições para a continuidade
de sua existência" (ARTICULAÇÃO PACARI, 2014). A elaboração desse documento foi fruto de um
processo iniciado em 2008, através de 12 encontros regionais e dois nacionais:
O Protocolo apresenta a construção da identidade social “raizeiras” e a rede de relações sociais
associada a essa identidade. Conforme seu texto, a categoria “raizeiras” busca ser representativa de
vários ofícios, abrangendo praticantes autodenominados raizeiras, remedeiros, benzedeiras, parteiras,
agentes de pastoral e outros.
Ademais, devem identificar–se de acordo com as seguintes categorias, definidas coletivamente nesses
encontros: entendimento da raizeira como grande conhecedora da natureza e sua protetora fruto de
uma relação sustentável; a comercialização dos remédios caseiros produzidos deve ser acompanhada de
preços justos e doados a quem não possui condições de pagar por eles; a vivência de seu ofício é
acompanhada de um preparo espiritual; e o caminho de seu ofício possui sua origem na transmissão dos
conhecimentos tradicionais, principalmente através de relações familiares, podendo ser
complementado por fontes e intercâmbios outros, conforme ARTICULAÇÃO PACARI (2014).
Quanto à rede de relações, o Protocolo demonstra que o ofício pode ser realizado individualmente,
sendo também recorrente a configuração em grupos comunitários tanto para o atendimento aos
necessitados quanto para o processo de obtenção das plantas que utilizam. Muitas vezes, a coleta
ocorre em propriedades que não lhes pertencem, sendo necessário estabelecer relações com seus
proprietários, para garantir o acesso a esses locais.
Atualmente, muitas raizeiras recebem pedidos de remédios caseiros via Internet, normalmente
contando com o apoio dos jovens. Além disso, apontam para uma relação entre o rural e o urbano,
tanto por pessoas que moram nos centros urbanos e continuam adquirindo remédios de comunidades
rurais quanto por raizeiras que saem do rural e mantêm seus ofícios no ambiente urbano, obtendo os
insumos necessários ao preparo dos remédios caseiros, como rapadura, cachaça, mel, óleos vegetais,
entre outros”, por meio de “agricultores familiares, reforçando uma rede local de comércio solidário”.
(ARTICULAÇÃO PACARI, 2014, p. 14)
4.8 COMUNIDADES REMANESCENTES DE QUILOMBOS
Embora existam diversas comunidades rurais negras nos 12 municípios interceptados pela LT 345 kV
Itutinga – Barro Branco, foram identificadas apenas 4 Comunidades Remanescentes de Quilombos
(CRQs) certificadas pela Fundação Cultural Palmares (FCP).
27
Os municípios que possuem esses grupos sociais são: Nazareno, com as comunidades de Jaguara e
Palmital, ambas em áreas rurais; Resende Costa, onde se situa a comunidade Curralinho dos Paulas; e
Mariana, onde está localizada a comunidade quilombola de Vila Santa Efigênia.
O Quadro 4.1 apresenta as CRQs certificadas e suas distâncias em relação ao traçado da LT 345 kV
Itutinga – Barro Branco. De acordo com o Anexo I da Portaria Interministerial nº 60, de 24 de março de
2015, as comunidades quilombolas que estejam até 5 km de distância de empreendimentos lineares,
tais como LTs, devem ser objeto de estudo específico de análise de impactos, no âmbito do processo de
licenciamento ambiental. Dessa forma, a Comunidade de Santa Efigênia em Mariana não será
contemplada nas pesquisas.
Quadro 4.1– CRQs em relação ao traçado da LT 345 kV Itutinga – Barro Branco
Fonte: MANTIQUEIRA/BIODINÂMICA, 2017.
Nesse sentido, a Mantiqueira Transmissora de Energia S.A protocolou, em 04 de outubro de 2016, a
consulta à FCP a fim de obter as orientações necessárias aos estudos das comunidades mais próximas ao
empreendimento: Palmital e Curralinho dos Paulas. Em 17 de março de 2017, representantes do
empreendedor e da Biodinâmica Rio tiveram uma reunião na sede da FCP, quando foi acordado que
essa Fundação emitiria um Termo de Referência (TR) específico para serem iniciados os trabalhos de
campo, a fim de caracterizar as comunidades que estivessem mais próximas ao empreendimento.
A seguir, foi emitido o Ofício 155/2017/GAB/FCP/MinC, em 31 de março de 2017, respondendo à
consulta feita pela Mantiqueira de outubro de 2016, solicitando os estudos para as CRQs Curralinho dos
Paulas, Jaguara e Palmital.
O Plano de Trabalho (PT) foi enviado à FCP, via e–mail, em 31 de março de 2017, e posteriormente
protocolado, em abril de 2017. Em 04 de abril de 2017, a FCP emitiu o Ofício 157/2017/GAB/FCP/MinC,
aprovando o PT e ressalvando que, mesmo a comunidade de Jaguara estando a uma distância superior a
5 km, conforme determina a Portaria Interministerial no 60/2015, a Certidão de Autodefinição emitida
pela FCP congregava Jaguara e Palmital. Esse fato indicaria a possibilidade de reivindicação conjunta de
um mesmo território e que, por isso, seria necessária a elaboração do estudo também para Jaguara.
Nos dias 07 e 08 de abril de 2017, foram realizadas as Reuniões Informativas nas Comunidades de
Curralinho dos Paulas, Palmital e Jaguara, da qual participaram FCP, Mantiqueira e Biodinâmica Rio.
Foram apresentados às comunidades e aos representantes do Poder Público local e da Universidade
Federal de São João Del Rei (UFSJ) os dados do empreendimento e os objetivos dos estudos do
28
componente quilombola no âmbito do licenciamento ambiental. Em seguida, realizaram–se os serviços
de campo para a caracterização dessas comunidades, a fim de subsidiar a análise de eventuais impactos
da LT sobre elas.
O estudo do Componente Quilombola das CRQs Curralinho dos Paulas, Jaguara e Palmital está em fase
de conclusão. As próximas etapas incluem a apresentação dos resultados desse estudo nas respectivas
comunidades, a fim de obter a sua aprovação e a anuência da FCP para que o IBAMA emita a LP do
empreendimento. A seguir, é apresentado um breve descritivo das CRQs em estudo.
O Estudo do Componente Quilombola (ECQ) das CRQs Curralinho dos Paulas, Jaguara e Palmital foi
protocolado na Fundação Cultural Palmares (FCP) em 01/08/17 (através da correspondência CO‐152‐
17). As reuniões de apresentação dos resultados desse estudo (devolutivas), foram realizadas, nas
respectivas comunidades, nos dias 08, 09 e 10 de janeiro 2018, a fim de obter a sua aprovação e a
anuência da FCP para que o IBAMA emita a LP do empreendimento. As próximas etapas incluem a
elaboração do Projeto Básico Ambiental Quilombola (PBA‐Q) e novas reuniões de apresentação dos
Programas nas comunidades. A seguir, é apresentado um breve descritivo das CRQs em estudo.
4.8.1 CRQ CURRALINHO DOS PAULAS
A comunidade de Curralinho dos Paulas está situada no município de Resende Costa e localizada a cerca
de 2,4 km do traçado da LT em estudo. Possui cerca de 50 famílias (140 pessoas), e sua economia gira
em torno dos tapetes confeccionados no local e vendidos na cidade de Resende Costa, nos trabalhos nas
lavouras e na produção de carvão (eucaliptos). Alguns moradores trabalham como “retireiros” de leite,
nas fazendas situadas no entorno do povoado.
Contam com o Conselho Comunitário Nossa Senhora da Conceição, com 12 membros.
4.8.2 CRQ PALMITAL
Palmital localiza–se no município de Nazareno e está a 670 m de distância da LT 345 kV Itutinga – Barro
Branco. Há cerca de 30 famílias (100 pessoas), distribuídas em 18 casas. Os moradores trabalham nas
fazendas próximas, na roça de milho e café e cultivam pequenas hortas e criações de animais,
destinados à subsistência.
4.8.3 CRQ JAGUARA
Situada também em Nazareno, possui cerca de 33 famílias, com aproximadamente 200 moradores. Seu
núcleo está a cerca de 6,3 km do traçado da LT em estudo, portanto, fora dos limites da Portaria
Interministerial nº 60/2015. Entretanto, como a Certificação de Autodefinição das Comunidades
Quilombolas de Palmital e Jaguara é a mesma, a FCP solicitou que ambas fossem contempladas.
4.9 ÁREAS DE ESTUDO
Anteriormente aos trabalhos de levantamento de dados primários, foram delimitadas as áreas de
estudo adotadas neste RAIPI do projeto da LT 345 kV Itutinga – Barro Branco, que considerou, em
especial, a Área de Influência Direta (AID) do meio socioeconômico para o empreendimento.
29
Nesse sentido, destaca–se que as Áreas de Estudo de um empreendimento correspondem aos espaços
físico, biótico e de relações sociais, culturais, políticas e econômicas passíveis de sofrer os potenciais
efeitos e impactos das atividades do empreendimento decorrentes de seu planejamento, implantação,
operação e desativação.
A definição da área de estudos socioeconômicos levou em consideração o grau e o alcance das possíveis
interferências positivas e negativas que o planejamento, a implantação e a operação da LT em foco vão
trazer ao cotidiano da população que reside na região onde se insere o empreendimento, incluindo suas
áreas de produção econômica, sua dinâmica social e cultural, de circulação e distribuição territorial.
Essa análise prévia das áreas consideradas no Estudo de Impacto Ambiental (EIA)
(MANTIQUEIRA/BIODINÂMICA, 2017) foi possível a partir do conhecimento das características do
empreendimento e das principais inter–relações que são estabelecidas na região a partir da sua
presença, tais como: as demandas para as obras, a utilização de acessos, de serviços públicos e de
insumos locais, a relação com os proprietários e o Poder Público, dentre outros.
Já a delimitação das Áreas de Influência de um determinado projeto são um dos requisitos legais para
confirmação da avaliação de impactos, constituindo–se em fator de grande importância para o
direcionamento da coleta de dados, voltada para o diagnóstico local. Ou seja, a delimitação de cada uma
dessas áreas –– Área Diretamente Afetada (ADA), Área de Influência Direta (AID) ou Indireta (AII) ––
fundamenta–se no grau de detalhamento necessário à análise da possível interação entre o
empreendimento e o meio ambiente.
Este RAIPI da LT 345 kV Itutinga – Barro Branco considerou o limite administrativo dos municípios de
Itutinga, Nazareno, Conceição da Barra de Minas, São João Del Rei, Ritápolis, Resende Consta, Entre Rios
de Minas, São Brás do Suaçuí, Jeceaba, Congonhas, Ouro Preto e Mariana como Área de Influência
Indireta (AII) do empreendimento. Destaca–se que todas as sedes municipais também foram
consideradas como Área de Estudos para levantamento de dados e contatos com o Poder Público local
de cada município.
Especificamente sobre a AID da LT 345 kV Itutinga – Barro Branco, considerando o componente da Área
de Estudos do meio socioeconômico, delimitou–se um buffer de 5 km (2,5 km para cada lado do traçado
da LT).
Como ADA, consideraram–se: a área do terreno a ser utilizada nas intervenções construtivas do
empreendimento, que representa 48 m de largura (faixa de 24 m para cada lado do eixo da LT), os
canteiros de obras e o sistema rodoviário a ser utilizado para o transporte de equipamentos, materiais e
trabalhadores do empreendimento. Foram incluídos os acessos a serem abertos que, porventura,
estivessem localizados fora da faixa de servidão e que venham a intervir diretamente na abertura de
novas vias ou adequação de vias existentes.
A ADA do empreendimento é ocupada, predominantemente, por propriedades rurais de pequeno e
médio portes, com atividade pecuária leiteira, turística e de lazer, e plantios de eucaliptos. No perímetro
urbano de algumas cidades, as LTs em 345 kV Itutinga – Jeceaba, Jeceaba – Itabirito 2 e Itabirito 2 –
30
Barro Branco deverão atravessar a área de propriedades, cujas casas e demais benfeitorias
caracterizam, em geral, uma paisagem urbana de baixo padrão construtivo.
Isso foi observado, principalmente, nos povoados de Gameleiras e da Mineirinha, nos municípios de
Entre Rios de Minas e Congonhas, respectivamente, no subdistrito dos Motas (ou localidade dos Motas),
no distrito de Miguel Burnier, em Ouro Preto, e no bairro Vila Alegre, no distrito de Cachoeira do
Campo, também no município de Ouro Preto.
As atividades mineradoras foram observadas, majoritariamente, nos municípios de Jeceaba, Congonhas
e Ouro Preto.
Considerando essas informações, pode–se concluir que o território a ser atravessado pela LT é
majoritariamente ocupado por pequenas propriedades rurais, com dimensões máximas de 25 ha. Sendo
assim, a implantação da LT sobre essa estrutura fundiária poderá gerar impactos mais significativos,
causando, até mesmo, a inviabilização das atividades econômicas desenvolvidas em algumas dessas
propriedades.
No entanto, a migração campo – cidade vem desqualificando as propriedades rurais, em termos de
recursos humanos. Segundo MANTIQUEIRA/BIODINÂMICA (2017), observou–se que muitas
propriedades não possuem moradores. Os proprietários residem nas cidades, mais próximos à oferta de
bens e serviços, mesmo porque, na área rural, quase não existem mais escolas, tampouco unidades de
saúde. Os funcionários e empregados dessas fazendas e sítios também passaram a residir nas cidades,
fazendo o percurso de 10 a 50 km, em média, para realizar as tarefas diárias nessas propriedades, seja
na ordenha das vacas, seja na lida do pasto e das plantações, seja na produção de carvão, etc.
Antes, eram os jovens que buscavam oportunidades nas cidades; atualmente, nota–se um movimento
de esvaziamento quase total do campo. Outro movimento de contingente populacional interessante
tem sido observado na contramão do processo relatado anteriormente, ou seja, o de pessoas que
buscam um lugar, um sítio, uma chácara, um pouso para descansar, recompor as energias, recuperar o
fôlego da vida acelerada nas cidades, em que residem.
Esses sitiantes –– população flutuante de fins de semana e feriados –– buscam sossego, paz, calmaria
nos povoados e distritos do município de Congonhas, como os povoados dos Lobos e dos Matosos, e os
distritos de Alto Maranhão e Lobo Leite, assim como nos distritos de Engenheiro Correia e Santo
Antônio do Leite, e no povoado da Chapada, no município de Ouro Preto, localidades que ainda
apresentam bens naturais, culturais e históricos capazes de atrair a atenção desse público.
Especificamente no distrito de Chapada em Ouro Preto, destaca–se que o ambiente natural favorável
gera muita especulação imobiliária (criação de chácaras e sítios), cuja vocação é o turismo na natureza,
o lazer e a admiração de patrimônios histórico–culturais.
Assim, os povoados agrícolas que, antes, encontravam–se distantes das margens dos perímetros
urbanos, hoje sofrem um processo de descaracterização de sua função rural inicial e são incorporados
espacialmente aos núcleos urbanos supracitados, servindo como vetores de expansão e adensamento
urbano.
31
As áreas de influência apresentadas acima foram consideradas, conforme citado anteriormente, como
elementos de referência para a identificação dos bens imateriais, os quais são representados em mapa,
para cada município, na seção 6, deste RAIPI, “Descrição Histórico‐Cultural dos Bens de Natureza
Imaterial”. Nesse mapa é também apresentado um quadro com a distância de cada bem identificado em
relação à LT.
4.9.1 LT 345 KV ITUTINGA – JECEABA
A futura LT 345 kV Itutinga – Jeceaba, que deverá interligar as SEs Itutinga e Jeceaba, atravessará o
território de 9 (nove) municípios do Estado de Minas Gerais: Itutinga, Nazareno, Conceição da Barra de
Minas, São João Del Rei, Ritápolis, Resende Costa, Entre Rios de Minas, São Brás do Suaçuí e Jeceaba.
4.9.1.1 Km 0 ao Km 0,9 (V–03) – Municípios de Itutinga e Nazareno
No trecho inicial do traçado da futura LT, identificaram–se duas vilas residenciais situadas no entorno da
SE Itutinga (Km 0): a vila de FURNAS (23k 538.225 E/7.644.932 S) e a vila da CEMIG (23k 538798
E/7645142 S), que compõem a área urbana do município de Itutinga, e o bairro Santa Mônica (23k
538.251 E/7.645.684 S), situado à esquerda da futura LT, às margens do rio Grande, já no município de
Nazareno. Também foram identificadas duas casas situadas à esquerda da futura LT (23k 538.201
E/7.645.058 S, na altura do Km 0,1, e 23k 538.202 E/7.645.542 S, no Km 0,5). As áreas de pastagens
dessas propriedades deverão ser interceptadas pelo empreendimento.
Entre o Km 0,1 (V–01) e o Km 0,3 (V–02), a futura LT deverá atravessar um pequeno trecho de mata em
estágio de regeneração. Nessa área, ocorreu a extração de brita –– antigo “britador” da Usina
Hidrelétrica (UHE) de Itutinga (23k 538.289 E/7.645.114 S). Em seguida, a futura LT deverá atravessar o
rio Grande (23k 538.468 E/7.645.416 S), em um trecho com uma pequena ilha, a jusante da barragem da
UHE de Itutinga.
4.9.1.2 Km 0,9 (V–03) ao Km 10,6 – Município de Nazareno
No trecho entre o Km 0,9 (V–03) e o Km 10,6 (divisa intermunicipal de Nazareno e Conceição da Barra
de Minas), foi observado o predomínio de áreas de pastagens, intercaladas por pequenos fragmentos de
matas (inclusive as matas ciliares) e pequenas lavouras de milho, cana e capim, culturas destinadas à
alimentação das criações de gado bovino leiteiro, características marcantes em pequenas propriedades
rurais, com mão de obra familiar.
Entre o Km 4,3 e o Km 4,5 e o Km 4,8 e o Km 5,1 (próximos ao V–04), e entre o Km 8,0 e o Km 8,4, a
futura LT deverá interceptar fragmentos de mata preservados. É importante destacar que, próximo ao
cruzamento da futura LT com a Rodovia BR–265 (23k 539.945 E/7.646.457 S), foram observadas duas
construções próximas ao traçado: uma casa em construção (23k 539.906 E/7.646.322 S) a cerca de 80 m
(lado direito), e uma casa (23k 540.085 E/7.646.613 S) a 50 m (lado esquerdo). Segundo Biodinâmica Rio
(2017), as propriedades encontravam–se com as porteiras fechadas, não sendo possível realizar a
entrevista com seus proprietários e/ou encarregados.
No entorno do rio Grande e dos reservatórios das UHEs de Itutinga e Camargos, são comuns os sítios e
ranchos de pescaria de fim de semana, como o Sítio Pontal do Lago (23k 539.340 E/7.645.891 S), na
altura do Km 1,5 e a cerca de 155 m do traçado da LT. No entanto, durante os dias de semana, essas
propriedades encontram–se fechadas, sem moradores fixos, inclusive caseiros.
32
4.9.1.3 Km 10,6 ao Km 32,4 – Municípios de Conceição da Barra de Minas e São João Del Rei
No trecho entre o Km 10,6 e o Km 32,4, além de áreas de pastagens e de lavouras de milho destinadas à
criação de gado bovino leiteiro –– semelhantes ao segmento anterior (Km 0,9 – Km 10,6), na área rural
de Nazareno ––, no território municipal de Conceição da Barra de Minas e São João Del Rei, também
foram observadas lavouras de café, que deverão ser interceptadas pelo empreendimento, entre o Km
10,7 e o Km 11,4, e entre o Km 12,2 e o Km 13,3 (Fazenda dos Forros).
Foram observados pequenos trechos de mata entre o Km 15,3 e o Km 30,0, que deverão ser
interceptados pelo traçado da futura LT. Também merece menção uma área de silvicultura (cultivo de
eucaliptos), que deverá ser interceptada pela futura LT, entre o Km 21,0 e o Km 21,4. Entre o Km 24,9 e
o Km 28,5, a futura LT deverá atravessar uma área composta por pastagens e fragmentos de mata;
nesse trecho, não foram observadas ocupações humanas próximas ao empreendimento.
Entre o Km 31,0 e o Km 31,9, a futura LT atravessará o território municipal de São João Del Rei, em área
pertencente à Fazenda Caburu. Em seguida, o empreendimento voltará a percorrer cerca de 450 m em
áreas de mata ciliar (rio das Mortes) e de pastagens (entre o Km 32,0 e o Km 32,4 da futura LT),
pertencentes ao município de Conceição da Barra de Minas.
4.9.1.4 Km 32,4 ao Km 97,4 – Municípios de Ritápolis, Resende Costa e Entre Rios de Minas
No trecho entre o Km 32,4 e o Km 97,4, a futura LT atravessará, predominantemente, áreas de
silvicultura (cultivos de eucaliptos), intercaladas por áreas de pastagens, lavouras de milho (destinadas à
produção de silagem para o rebanho bovino) e fragmentos de mata, nos territórios municipais de
Ritápolis, Resende Costa e Entre Rios de Minas. Foram observadas áreas de cultivo de eucaliptos
mescladas com a mata (regenerada), o que pode ser justificado pela explicação apresentada por alguns
produtores rurais, em relação ao baixo valor de mercado do eucalipto e seus produtos. Os fragmentos
de mata que deverão ser interceptados pela futura LT estão compreendidos entre o Km 32,8 e o Km
96,3, de forma não contínua.
Quanto às áreas de lavouras de milho, citam–se: entre o Km 54,4 e o Km 55,1 (ponto de travessia do
ribeirão Santo Antônio, na divisa entre Ritápolis e o município de Resende Costa) e entre o Km 58,9 ao
Km 59,4, entre o Km 77,0 e o Km 77,5 (no entorno do vértice V–10), entre o Km 80,5 e o Km 81,5, e
entre o Km 89,6 e o Km 89,8 (área de lavoura mecanizada, com uso de colheitadeiras, na Fazenda
Cayuaba).
Também foi observada uma área de lavoura de soja entre o Km 69,3 e o Km 70,6 da futura LT. Na
estrada de acesso (não pavimentada) às localidades identificadas nesta pesquisa, foram observados
alguns balneários muito utilizados pela população de Ritápolis, sobretudo nos fins de semana e feriados,
como a cachoeira do Jaburu (23k 567.491 E/7.674.162 S) e o balneário Cachoeira (23k 566.167
E/7.672.226 S), na área da Fazenda Cachoeira. Essas áreas requerem maior atenção, sobretudo no
período construtivo do empreendimento, a fim de evitar interferências nas áreas de lazer da população.
A Estrada Real e seu caminho religioso envolvem 86 municípios (37 na Rota Principal e 49 na Área de
Abrangência), em um roteiro de 1.033 km, entre as cidades de Caeté (MG), onde está o Santuário de
33
Nossa Senhora da Piedade, que guarda a imagem da protetora de Minas Gerais, e Aparecida (SP), onde
fica a basílica da padroeira do Brasil. Trata–se de uma “estrada pavimentada pela fé, norteada pela
cultura e cercada de tradições, belezas naturais e arte popular”, que pode ser percorrida a pé, a cavalo
ou de bicicleta. Inspirado na rota de Santiago de Compostela –– peregrinação de 800 km entre a França
e a cidade espanhola ––, o Caminho Religioso da Estrada Real (CRER) foi lançado oficialmente, em abril
de 2014, pela Secretaria de Estado de Turismo de Minas Gerais, que sinalizou o roteiro, com mapas,
guias, pontos de apoio aos peregrinos e referências de atrações, hotéis e restaurantes. A rota foi
idealizada, há quase uma década, pelo economista Eberhard Hans Aichinger, presidente do Conselho
Deliberativo do Instituto Estrada Real.
Na Rota Principal, entre os municípios mineiros abrangidos pelo empreendimento em análise, podem
ser citados: São João Del Rei, Entre Rios de Minas, São Brás do Suaçuí, Congonhas, Ouro Preto e Mariana
(como anteriormente mencionado).
4.9.1.5 Km 97,4 ao Km 106,5 – Municípios de São Brás do Suaçuí e Jeceaba
No segmento entre o Km 97,4 e o Km 106,5, o traçado da futura LT deverá atravessar,
predominantemente, áreas de pastagens intercaladas por fragmentos de mata, no território rural dos
municípios de São Brás do Suaçuí e Jeceaba. Em alguns povoados, na área rural de São Brás do Suaçuí,
como Rio Abaixo e Ponte Pequena (caracterizados a seguir), foram observadas pequenas propriedades
rurais, caracterizadas como sítios de veraneio, destinadas ao lazer dos proprietários, que utilizam os
sítios somente nos fins de semana e feriados. Nesse município, foram observados alguns fragmentos de
mata, que deverão ser interceptados pela futura LT entre o Km 99,2 e o Km 104,2.
A partir da divisa intermunicipal entre São Brás do Suaçuí e Jeceaba (próximo ao vértice V–13), o
empreendimento deverá cruzar uma Área de Preservação Permanente (APP) e de Reserva Legal (RL),
compreendida entre o Km 105,3 e o Km 105,4 da futura LT, pertencente à empresa Vallourec
&Sumitomo Tubos do Brasil (VSB).
Na área do distrito industrial do município de Jeceaba, a LT deverá cruzar as linhas férreas da empresa
MRS (entre o Km 105,4 e o Km 105,6) e uma futura linha férrea projetada pela VSB (Km 105,9), que terá
cerca de 5 km de extensão. O empreendimento já foi aprovado pelo IBAMA, segundo as informações
prestadas pelos funcionários da VSB, entrevistados durante a pesquisa de campo.
Após atravessar a área da empresa, entre as estruturas de manutenção das locomotivas da MRS (lado
direito, Km 105,6, a 229m do traçado) e de pelotização, além do pátio de matérias–primas e moega de
descarga da própria VSB (lado esquerdo, Km 105,8, a 336 m do traçado), a futura LT ainda deverá cruzar
duas estradas pavimentadas (Km 106,0 e Km 106,3), uma área de mata nativa (entre o Km 106,0 e o Km
106,2 – vértice V–14) e uma futura LT da mineradora Ferrous, que se encontra em fase de licenciamento
ambiental (Km 106,2 – entre os vértices V–14 e V–15). Segundo relataram os funcionários da VSB, a
futura LT interligará a SE Jeceaba à barragem da Ferrous (23k 609.355 E / 7.725.885 S). Em seguida, a
futura LT deverá apresentar paralelismo com a LT 345 kV Jeceaba – Itabirito II (existente), até alcançar a
SE Jeceaba (CEMIG), na altura do Km 106,5.
34
4.9.2 LT 345 KV JECEABA – ITABIRITO II
4.9.2.1 Km 0 ao Km 7,8 – Municípios de Jeceaba e São Brás do Suaçuí
Na área do distrito industrial do município de Jeceaba, o traçado de saída da futura LT da SE Jeceaba,
localizada na área da empresa VSB (já caracterizada no trecho anterior), deverá cruzar duas estradas
pavimentadas (Km 0,1 e Km 0,3). Na altura do Km 0,2 desse segmento de LT, antes, portanto, do
segundo cruzamento, a futura LT deverá interceptar uma área destinada ao estacionamento das
carretas, que possui estrutura de detecção de radioatividade. Em seguida, entre o Km 0,7 e o Km 0,9
(lado direito), a LT deverá se aproximar das instalações da área de apoio e infraestrutura da VSB (a 117m
do traçado), onde há rota de fuga, brigada de incêndio, centro médico (ambulatório), dentre outras
estruturas. Do lado esquerdo, na altura do Km 0,9, a VSB pretende instalar seu futuro Centro
Administrativo; contudo, de acordo com os funcionários da VSB entrevistados, não há previsão de
quando isso acontecerá.
Na altura do Km 1,0 e do Km 1,5, deverão ocorrer mais dois cruzamentos com estradas pavimentadas na
área da VSB. Ressalta–se que, entre esses dois cruzamentos, a futura LT deverá cruzar o gasoduto
GASMIG 1 (Km 1,3); adiante, a LT deverá cruzar mais duas vezes o gasoduto (Km 1,6 e Km 1,7).
Na altura do Km 1,6, o traçado da futura LT entrará na área rural do município de São Brás do Suaçuí,
devendo atravessar área composta por pastagens, inclusive o local onde se pretende instalar o futuro
distrito industrial, entre o Km 2,3 e o Km 3,7 (vértice V–03). O projeto da Prefeitura Municipal de São
Brás do Suaçuí encontra–se em fase de estudo pela Companhia de Desenvolvimento Econômico de
Minas Gerais (CODEMIG).
A partir do Km 3,8, a LT retornará ao território municipal de Jeceaba, devendo cruzar, em sequência: a
faixa de dutos da TRANSPETRO, composta pelos oledutos ORBEL I e ORBEL II e o gasoduto GASBEL (Km
4,0); estrada pavimentada (desativada), (Km 4,1); e as duas faixas da Rodovia Estadual MG–155 (Km
4,2).
A partir desses cruzamentos, a LT voltará a percorrer a área rural dos municípios de São Brás do Suaçuí e
Jeceaba, atravessando áreas de pastagens intercaladas por fragmentos de mata (entre o Km 4,3 e o Km
4,7, e entre o Km 6,0 e o Km 7,0).
4.9.2.2 Km 7,8 ao Km 29,0 – Município de Congonhas
Neste trecho, a futura LT passará a atravessar, predominantemente, áreas de pastagens, em pequenas
propriedades rurais, caracterizadas como sítios e chácaras de veraneio destinadas ao lazer de seus
proprietários, que moram nos centros urbanos mais próximos, como Congonhas e Conselheiro Lafaiete.
Também foram observados extensos fragmentos de mata. A região é considerada a última fronteira de
especulação imobiliária, no município de Congonhas, seja por parte de sitiantes e chacareiros, que
buscam novas áreas de lazer, seja pela demanda das grandes empresas mineradoras –– como a Vale, a
CSN/Namisa e a Gerdau ––, que buscam as áreas verdes remanescentes para a criação de Reservas
Legais.
35
4.9.2.3 Km 29,0 ao Km 44,1 – Município de Ouro Preto
A partir da divisa intermunicipal de Congonhas e Ouro Preto (Km 29,0 da LT), a futura LT começará a
atravessar o território municipal de Ouro Preto, passando próximo a processos minerários pertencentes
a grandes mineradoras, e de alguns distritos e povoados, cuja população, há algum tempo, sofre com os
impactos socioambientais causados pelas mineradoras, em função da proximidade de suas residências
com as áreas de extração de minério de ferro. Destaca–se, nas proximidades da chegada da futura LT à
SE Itabirito II, o distrito de Engenheiro Correia, que possui vocação turística, e alguns patrimônios
histórico–culturais localizados próximo ao empreendimento.
Além disso, a futura LT atravessará também fragmentos de mata: entre o Km 29,6 e o Km 30,1, no
entorno da estrada (não pavimentada), que serve de acesso aos caminhões de minério da Gerdau e da
CSN (Nacional Mineradora S.A. – Namisa), entre a Rodovia BR–040 e o distrito de Miguel Burnier (planta
da Gerdau Açominas).
4.9.3 LT 345 KV ITABIRITO II – BARRO BRANCO
4.9.3.1 Km 0 ao Km 35,0 – Município de Ouro Preto
A partir da saída da SE Itabirito II (Km 0), a futura LT atravessará um território marcado por vocação para
o lazer (sítios de veraneio) e para atividades de ciclismo, ecoturismo, turismo rural e histórico–cultural.
Neste trecho, não são observadas atividades minerárias (como no segmento anterior), todavia
continuam sendo notadas as atividades pecuaristas, que servem de complemento à atividade turística,
ou para o consumo das famílias residentes nos povoados e distritos existentes ao longo do caminho a
ser percorrido pela futura LT.
No entorno da SE Itabirito II, foi identificada a Fazenda da Barra (23k 626.433 E/7.751.491 S), no Km 0, a
709 m do traçado, cuja atividade econômica desenvolvida é a pecuária de gado bovino de corte. Na
altura do Km 0,5 da LT, o traçado deverá interceptar pequenas propriedades rurais/sítios de veraneio
(23k 627.636 E/7.752.008 S – benfeitorias a pelo menos 66 m do traçado), pertencentes ao distrito de
Engenheiro Correia, caracterizado no segmento anterior.
Nesse trecho, também são observados extensos fragmentos de mata, que comportam atrativos
naturais, como cachoeiras e trilhas, muito procurados e utilizados por moradores da região e visitantes,
compreendidos entre o Km 0,2 e o Km 20,5 (nesse segmento, atravessará uma área de concessão de
lavra/calcário), e seguirá entre o Km 24,2 e o Km 35,0.
A área rural existente entre os distritos de Amarantina e Santo Antônio do Leite encontra–se sob forte
especulação imobiliária, no que tange a projetos de loteamentos para construção de chácaras e sítios de
veraneio, segundo informações obtidas com os moradores entrevistados. Uma dessas áreas deverá ser
interceptada pela futura LT, entre o Km 8,0 e o Km 8,1 (vértice V–04). Entre o Km 28,9 e o Km 29,2, o
traçado atravessará um areal desativado.
Destaca–se ainda, nas proximidades do distrito de Lavras Novas, o povoado da Chapada, que possui
vocação turística e alguns patrimônios históricos tombados pela Secretaria Municipal de Cultura de
Ouro Preto e pelo IPHAN. Nessa localidade, o córrego do Falcão apresenta inúmeros locais de banho ao
longo de seu percurso, além de belíssimas cachoeiras, tais como as do Castelinho, do Falcão e Moinhos.
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4.9.3.2 Km 35,1 ao final da LT (Km 59,9) – Município de Ouro Preto e Mariana
A partir da altura do Km 35,0, a futura LT atravessará a região de Santo Antônio do Salto (distrito de Ouro
Preto), composta por alguns povoados; em seguida, acessará o território municipal de Mariana, atravessando
grandes extensões de matas, até alcançar a SE Barro Branco (Km 59,9), na área rural desse município.
Em contraposição ao trecho analisado anteriormente, percebe–se que esse território, apesar de
também possuir atrativos naturais e patrimônios histórico–culturais, não tem a mesma vocação
turística. São notadas atividades pecuaristas, que servem de complemento à renda dos moradores dessa
região, nitidamente menos abastada, em termos financeiros, que o povoado da Chapada e o distrito de
Santo Antônio do Leite, por exemplo.
No tocante aos fragmentos de mata que deverão ser atravessados pela futura LT, citam–se os existentes
entre o Km 35,5 e o Km 58,8. Ressalta–se que, a partir do Km 45,1, a futura LT iniciará seu traçado em
território municipal de Mariana. Também foram notadas algumas áreas com plantio de eucaliptos: entre
o Km 46,4 e o Km 46,8, e entre o Km 59,2 e o Km 59,7, próximo à chegada na SE Barro Branco (Km 59,9).
Na altura do Km 35,5 e do Km 36,0 da futura LT, foram identificadas duas pequenas propriedades rurais,
o Sítio São Lázaro (23k 654.312 E/7.732.216 S), no Km 35,5 da LT, a 201 m do traçado, e a Fazenda do Sr.
Leôncio (23k 654.776 E/7.732.086 S), no Km 36,0 da LT, a 101 m do traçado, caracterizadas como sítios
de veraneio, que possuem apenas um morador.
Mais adiante, na altura do Km 37,3 da LT, a localidade dos Fojos (23k 655.944 E/7.732.920 S) possui seis
casas, a cerca de 1,2 km do traçado. No local, existe um ferro–velho.
Ao longo da estrada (não pavimentada) que serve de acesso ao distrito de Santo Antônio do Salto,
percebe–se o curso de um canal cuja água verte na direção contrária ao curso natural de um rio, ou seja,
a água “sobe”, acompanhando a maior parte do curso da estrada. É o canal do Maynart (23k 656.001
E/7.732.514 S – início), cujas águas são utilizadas para a geração de energia elétrica nas três Pequenas
Centrais Hidrelétricas (PCH) existentes na região: PCH Caboclo (23k 658.164 E/7.732.882 S), PCH Salto
(23k 661.537 E/7.732.982 S) e PCH Funil / Prazeres (a 4 km).
As três PCHs existem há mais de 70 anos. Em 1940, na PCH Salto, ocorreu o início do giro. Funcionando
em capacidade máxima, as 3 PCHs de Santo Antônio do Salto produzem 15 MW/h. Eram administradas
pela Alcan Alumínio do Brasil (Alumina), que passou a ser Novelis e, recentemente, tornou–se Mainart
Energética. Há planejamento para fazer uma UHE no Tabuões, que atualmente é só barragem, próximo
a Santa Rita de Ouro Preto.
A Mainart Energética planeja fazer uma PCH no rio Gualaxo do Sol (de 3 MW/h), próximo ao distrito de
Mainart. Próximo à Elevatória da PCH Caboclo, inicia–se a estrada que acessa o Restaurante Taberna da
Cachoeira, localizado na Fazenda do Engenho (23k 658.116 E/7.731.718 S), na altura do Km 39,4 da
futura LT.
4.10 METODOLOGIA DE ELABORAÇÃO DO RAIPI
Após a contextualização das práticas culturais alvo desta pesquisa, direcionada aos bens culturais
acautelados em nível federal, pelo IPHAN, com ocorrência nas Áreas de Estudo dos municípios
37
interceptados pela LT, destaca–se que a metodologia utilizada para a elaboração deste RAIPI considerou
a abrangência dos bens de natureza imaterial nos municípios da AII na sua totalidade, não apenas em
relação à localização do traçado do empreendimento. São João Del Rei é um exemplo, uma vez que a
AID da LT 345 kV Itutinga – Barro Branco está a cerca de 15 km da sede municipal, mas a maioria dos
bens culturais alvo deste estudo está sediada no perímetro urbano.
Com base nesse recorte, definiram–se algumas estratégias para subsidiar a coleta de dados a respeito
da existência e a situação atual dos bens culturais imateriais registrados e em processo de registros pelo
IPHAN, alvo deste RAIPI.
Entre elas, estão a realização de pesquisas preliminares de dados secundários, contatos com gestores
públicos e entrevistas com os detentores dos bens culturais imateriais especificados no TRE do IPHAN.
Foram utilizados, também, os Estudos de Impacto Ambiental da LT 345 kV Itutinga – Barro Branco,
elaborados por MANTIQUEIRA/BIODINÂMICA RIO em 2017, para contextualização mais específica dos
municípios interceptados pela LT e caracterização do empreendimento.
Inicialmente, em gabinete, realizaram–se pesquisas na Internet e sites institucionais das Prefeituras,
sobre as localidades atingidas pelo empreendimento, com o objetivo de obter dados socioeconômicos,
demográficos e, sobretudo, da existência de Secretarias Municipais de Cultura e os contatos de seus
gestores. Nesse momento, também se observou em quais localidades havia legislações específicas de
políticas culturais, como Lei de Criação de Conselho Municipal de Cultura, Inventários de Bens
Imateriais, Leis de Tombamento e de Registros e outros instrumentos de proteção das práticas culturais
locais.
Tais estratégias antecedem o momento da ida a campo propriamente dita, o que GEERTZ (1989)
chamou de “estar lá”. Isso porque a pesquisa de caráter etnográfico ou que tem uma perspectiva
etnográfica, como é o caso deste relatório, somente acontece quando se está frente a frente com os (as)
detentores(as), visitando seus contextos e reinterpretando os fatos que são interpretados por eles
acerca de uma prática cultural, conforme sugere GEERTZ (1989).
No segundo momento, com a equipe já presente nas sedes dos municípios, dirigiu–se, primeiramente,
às Secretarias de Culturas que, na maioria delas, abrigavam outras pastas, como Educação, Esporte e
Lazer, para realizar conversas com gestores e servidores responsáveis pelas ações institucionais. Em
alguns casos, os representantes do Poder Público local com os quais a equipe de pesquisa conversou já
detinham conhecimento sobre o empreendimento, tais como Entre Rios de Minas, Jeceaba e Resende
Costa; já a maior parte deles, não os tinha.
As visitas visavam obter contatos dos informantes detentores dos bens culturais de natureza imaterial
acautelados pelo IPHAN e conseguir cópias de documentos oficiais e informações acerca das ações
locais destinados à preservação da cultura local, conforme consultas prévias realizadas nos sites da
instituição. Convém destacar que nem todas as informações disponíveis na Internet, a respeito das
ações do patrimônio imaterial, realizadas em contextos locais, existiam de fato.
Na página institucional do município de São Brás do Suaçuí, consta a existência de alguns bens culturais
imateriais reconhecidos pelo Poder Público local, como é o caso do Terno de Marujos (Congada) e o
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Ofício de Quitandeira; no entanto, em conversa realizada com o gestor Marco Antônio da Costa, na sede
da Secretaria de Cultura, Esporte, Lazer e Turismo, ele afirmou que não tinha conhecimento desse tipo
de ação institucional, e que foram ações da gestão municipal passada, que a atual desconhecia.
Os municípios cujas informações, disponíveis na Internet, foram verificadas nas visitas in loco e que, de
fato, os gestores tinham conhecimento sobre elas, foram Conceição da Barra de Minas e Resende Costa.
Os contatos de detentores obtidos com frequência nas sedes dos órgãos municipais foram de mestres
de capoeira, capitães de congadas e Moçambique. Outros contatos de detentores das práticas culturais
locais ou de onde encontrá–los, como quitandeiras e raizeiros só foram possíveis através de visitas
realizadas às unidades da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado Minas Gerais
(EMATER) nas localidades, sindicatos dos trabalhadores rurais, secretarias paroquiais, feiras livres,
postos de saúde, etc.
Portanto, o início dos trabalhos de campo contemplava as visitas às instituições do Poder Público local,
objetivando abordar questões sobre o patrimônio cultural imaterial, com foco nas políticas de
preservação e salvaguarda, bem como na percepção dos representantes locais em relação aos bens
culturais dos municípios e o empreendimento. Dessa forma, foram apresentados os desígnios da
pesquisa e realizadas entrevistas para coletas de dados primários; e, quando o município possuía essas
informações, procedia–se à consulta e identificação em relação ao empreendimento.
Aqui, faz–se necessário novo comentário sobre a realidade diversa entre os 12 municípios pesquisados e
suas ações e estruturas de organização, recursos técnicos e, até mesmo, entendimento sobre o campo
do Patrimônio Cultural Imaterial e suas políticas e instrumentos de proteção. Inclui–se, portanto, a falta
de informações organizadas e passíveis de serem disponibilizadas para fins de pesquisa, visto que, nas
trocas de gestão administrativas e cargos, muitos dados são “perdidos”, assim como ações são
interrompidas, causando, em alguns casos, “desconhecimento” por parte do próprio Poder Público local
sobre os bens culturais de natureza imaterial de ocorrência em seus municípios.
Somente após essa etapa, foi possível obter informações básicas sobre os detentores dos bens culturais
em pesquisa neste RAIPI e onde encontrá–los (endereços residenciais ou de trabalho e contato de
telefones fixos ou celulares). De posse dessas informações, eram efetuados os contatos e agendamento
das entrevistas com os informantes.
O uso da técnica de entrevista na pesquisa permitiu ao informante relatar sobre as condições atuais do
bem cultural em pesquisa –– tornando–se, portanto, “indispensável para apreender a experiência dos
outros, mas, igualmente, como instrumento que permite elucidar suas condutas, considerando o
sentido que eles mesmos conferem às suas ações” (POUPART, 2012, p. 217). Era comum, durante as
entrevistas com as quitandeiras, que outras mulheres fossem indicadas por elas, como vizinhas e
parentas. Ou seja, era o “efeito bola de neve”, uma informante que indica outra, a outra que indicava
uma terceira, e assim por diante. O Anexo I deste documento apresenta os roteiros de entrevistas
utilizados pela equipe de pesquisa deste RAIPI.
Os contatos obtidos durante as visitas aos órgãos públicos locais serviram apenas como pontos de
partida. Ao longo dos trabalhos de campo, outros contatos de informantes foram contemplados, muitas
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vezes indicados pelos próprios moradores, que eram abordados pela equipe de pesquisadores nas ruas
das cidades da AII da LT 345 kV Itutinga – Barro Branco.
As saídas de campo ocorreram entre os dias 23 de agosto e 28 de setembro de 2017. Portanto, em torno
de 33 dias, percorreu–se todo o traçado da LT, que compreendeu os municípios mineiros de Itutinga,
Nazareno, Conceição da Barra de Minas, São João Del Rei, Ritápolis, Resende Costa, São Brás do Suaçuí,
Jeceaba, Congonhas, Ouro Preto e Mariana. Com exceção de São João Del Rei e destes últimos, cuja
média de permanência da equipe durou entre três e quatro dias, nos demais municípios o tempo de
estada não ultrapassou duas noites.
Alguns gestores públicos locais foram atenciosos, pois, além de fornecerem os contatos dos detentores,
cederam um servidor para acompanhar a equipe nas visitas realizadas aos informantes residentes nos
distritos rurais, como foi o caso de Ritápolis e o de Jeceaba.
De posse das informações fornecidas pelos órgãos locais, realiza–se o primeiro contato com o(a)
pesquisado(a), que geralmente ocorria via celular ou telefone fixo. Em seguida, marcava–se um
encontro na residência ou no trabalho dele(a). Quando a tentativa via telefone não se concretizava, seja
pela inexistência do contato, seja pelo não atendimento da chamada, a única alternativa era ir até o
endereço da pessoa indicada. Por diversas vezes, foi necessário percorrer alguns quilômetros através de
estradas não pavimentadas até as comunidades onde residiam os(as) detentores(as).
Aconteceu também que, mesmo após a obtenção dos contatos de detentores fornecidos pelos agentes
locais, não foi possível encontrá–los pessoalmente, para a entrevista, ou por não se encontrarem no
suposto endereço, ou por estarem ausentes do município. Os fatos ocorreram em São João Del Rei com
três dos seis ternos de congadas, e também com dois dos quatro mestres de capoeira.
A mesma situação foi verificada em Entre Rios de Minas com o mestre de capoeira. Em Ouro Preto, a
situação não foi diferente: aconteceu com os responsáveis pela Associação dos Sineiros de Ouro
(ASSOP). Durante o período de permanência na sede do município, tentou–se –– mesmo estabelecendo
contatos por telefone e até mesmo contato presencial mas não foi possível conversar com seus
dirigentes. Chegou–se, até mesmo, a agendar uma conversa com um dos representantes, Cristian, que,
no provável dia do encontro, desmarcou a entrevista, alegando ter surgido outro compromisso. O fato é
que, em Ouro Preto, só se manteve contato com um grupo de quatros jovens sineiros, que se
dispuseram a falar sobre o atual contexto do Toque dos Sinos na comunidade. A entrevista foi realizada
na Igreja de Nossa Senhora das Mercês de Cima.
Antes de qualquer aproximação ou vivência mínima com o pesquisado, era preciso apresentar a equipe,
quem a compunha, de onde vinha, e os objetivos da pesquisa; em seguida, falar sobre o projeto da LT
345 kV Itutinga – Barro Branco. Talvez, a tarefa mais difícil tenha sido falar de forma que entendessem o
que é a política de Patrimônio Imaterial do Governo federal. Obviamente que havia detentores cujo
conhecimento sobre o assunto, como os mestres de capoeira, dispensava maiores detalhes. Contudo,
em geral, foi necessário destinar algum tempo para justificar a importância dos bens culturais em
questão, para a formação da identidade local e nacional do País e da presença dos pesquisadores no
local. Somente depois, é que a entrevista, de fato, começava.
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Um fato curioso, em conexão com o exposto acima, ocorreu durante o contato com uma quitandeira do
município de São Brás do Suaçuí, que falou o seguinte: “Mas meu filho, eu não entendo. Antigamente,
as quitandas eram comida de pobre, e hoje a gente está sendo procurada para dar entrevista na
televisão, receitas para livros” (entrevista realizada na sua residência, em set/2017). Entende‐se que,
para a quitandeira, algo que tem valor é aquele chancelado pelas camadas mais abastadas da
população, pois a sociedade sempre fez questão de lembrar que os costumes tradicionais, oriundos das
camadas populares, possuem valores diferentes, novamente inferiores e sem reconhecimento.
A partir de uma perspectiva etnográfica, este relatório buscou o conhecimento e caracterização das
práticas culturais a partir de estudos acerca deles, mas, principalmente, pelos discursos de
autorreconhecimento dos detentores inseridos nos contextos sociais e culturais. O intuito aqui é
evidenciar visões e pontos de vista dos detentores, mesmo que, em alguns casos, eles não soubessem
especificar de que maneira suas manifestações eram (ou poderiam ser) impactadas pelo
empreendimento. Nesse caso, coube aos pesquisadores –– tanto com base nas observações in loco
como a partir de entrevistas, que duravam entre uma e duas horas ––, captar os elementos que
mantinham relação direta com o bem cultural e possíveis impactos causados pelo empreendimento LT
345 kV Itutinga – Barro Branco.
A escolha dos informantes durante o trabalho de campo contemplou a dinâmica, hierarquia e
importância das práticas culturais, ou pelos capitães dos ternos de Congo e Moçambique, ou pelos
mestres de capoeira, mestres sineiros e jovens sineiros, ou por raizeiros, raizeiras e quitandeiras
reconhecidas pelos atores sociais de cada localidade.
A respeito da apresentação e sistematização das informações de campo sobre os detentores dos bens
culturais reconhecidos e em processos de reconhecimento, optou–se, nos casos da Capoeira e das
Congadas, por fazer um texto para cada um deles; para os demais, elaborar um texto único destacando
as diferenças e semelhanças entre eles, como será apresentado nos itens a seguir deste RAIPI.
Por fim, destaca–se que o RAIPI do empreendimento da LT 345 kV Itutinga – Barro Branco foi elaborado
pela equipe técnica descrita a seguir e que os principais pontos levantados durante os trabalhos de
campo foram georreferenciados e fotografados mediante autorização, organizados e apresentados no
corpo deste documento.
Todo esse esforço de pesquisa culmina na identificação e análise dos possíveis impactos, bem como em
planos de monitoramento e ações de salvaguarda aos bens acautelados ou em processo pelo IPHAN, em
especial neste RAIPI, sobre: Roda de Capoeira e Ofício de Mestres de Capoeira, Toque dos Sinos e Ofício
de Sineiro, Congadas de Minas; Ofício das Quitandeiras de Minas Gerais e Ofício de Raizeiras e Raizeiros
do Cerrado, nos municípios de Itutinga, Nazareno, Conceição da Barra de Minas, São João Del Rei,
Ritápolis, Resende Costa, São Brás do Suaçuí, Jeceaba, Congonhas, Ouro Preto e Mariana.
4.11 EQUIPE TÉCNICA
A Biodinâmica Rio é uma empresa que se preocupa em tratar as questões ambientais utilizando–se dos
mais recentes e atualizados recursos acadêmicos e tecnológicos disponíveis, visando ao
desenvolvimento social e econômico de forma sustentável. A partir desse princípio, a obtenção das
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indispensáveis licenças ambientais passa a ser a consequência natural de um trabalho corretamente
realizado, discutido de forma transparente e objetiva e aceito pela sociedade e pelos órgãos ambientais
responsáveis por sua análise e aprovação.
A Biodinâmica Rio está no mercado desde 1994, tendo participado de inúmeros empreendimentos de
relevante interesse social e econômico para o Brasil, para empresas estatais e privadas, assegurando
sempre o cumprimento de todas as exigências legais e alcançando também a satisfação de seus clientes.
A empresa tem, em seu currículo, estudos, projetos e obras que culminaram com a edição de mais de
100 licenças (Prévia, de Instalação e de Operação) em quase todos os Estados do Brasil e sob o
acompanhamento e avaliação de órgãos estaduais do meio ambiente, do IBAMA, da FUNAI, da
Fundação Cultural Palmares e do IPHAN, dentre outros.
Para tanto, realiza estudos, projetos e gestão ambiental de empreendimentos, resolvendo as questões
associadas às necessidades de seus clientes e da sociedade, sempre comprometida com sua Política
Integrada (Qualidade e Meio Ambiente) e com o desenvolvimento sustentável brasileiro.
A equipe técnica de elaboração deste RAIPI foi composta, principalmente, pelos profissionais listados
abaixo, com breve descrição de suas áreas de formação e atuação profissional. O Anexo III deste
documento apresenta o currículo Lattes da equipe.
Francimário Vito dos Santos – Doutorando em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais; Mestre em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2007);
Bacharel em Ciências Sociais (2004) pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e especialista em
Patrimônio Cultural pelo Programa de Especialização em Patrimônio – PEP/IPHAN (2009). Além disso
neste RAIPI:
foi o esponsável pela coordenação da pesquisa e elaboração do RAIPI da LT 345 kV Itutinga –
Barro Branco; responsável pela pesquisa nos municípios de Itutinga, Nazareno, Conceição da
Barra de Minas, São João Del Rei, Ritápolis, Resende Costa, Entre Rios de Minas, São Brás do
Suaçuí, Jeceaba, Congonhas, Ouro Preto e Mariana;
realizou trabalhos de reconhecimento de campo, entrevistando detentores, moradores locais e
Poder Público dos municípios citados, contemplando análises de aspectos históricos,
socioeconômicos e culturais; identificou e caracterizou aspectos que envolvem a prática cultural
relativa a: Roda de Capoeira e Ofício de Mestres de Capoeira, Toque dos Sinos e Ofício de
Sineiro, Congadas de Minas, Ofício das Quitandeiras de Minas Gerais e Ofício de Raizeiras e
Raizeiros do Cerrado na AII e AID do empreendimento.
Marina Freitas Vilaça – Bacharel e licenciada em Geografia e Meio Ambiente pelo Centro Universitário
Newton Paiva (2010) e especialista em Patrimônio Cultural na Contemporaneidade pela Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais (2012). Possui experiência na área de Geografia, com ênfase em
estudos socioambientais, atuando principalmente nos seguintes temas: Licenciamento Ambiental,
Análise Espacial e Patrimônio Cultural Imaterial. Também deve‐se ressaltar que:
foi o responsável pela pesquisa no município de Ouro Preto e elaboração do Relatório de
Impacto no Patrimônio Cultural ‐ RIPC; realizou trabalhos de reconhecimento de campo,
entrevistando detentores, moradores locais e Poder Público no município de Ouro Preto,
contemplando análises de aspectos históricos, socioeconômicos e culturais; identificou e
caracterizou aspectos que envolvem as práticas culturais em pesquisa; fez levantamento de
aspectos sociocultural e ambiental nos distritos da AID em Ouro Preto.
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participou da elaboração do RAIPI do empreendimento, em especial, na avaliação dos impactos
e plano de monitoramento e salvaguarda.
Giulia Volpini Soares de Gouvêa – Graduanda em Antropologia pela Universidade Federal de Minas
Gerais (9º período). Sua atuação:
participou da elaboração RAIPI do empreendimento com levantamento de dados secundários,
contemplando, em especial, análises de aspectos históricos, socioeconômicos e culturais
relativos a práticas culturais do município de Ouro Preto.
5. CARACTERIZAÇÃO SOCIOCULTURAL, HISTÓRICA E TERRITORIAL
Antecedendo a caracterização de cada município que compõe a AII deste RAIPI, ou seja, os 12
municípios que serão interceptados pela LT 345 kV Itutinga – Barro Branco (já descrito na subseção 4.9),
apresenta–se uma análise geral sobre alguns aspectos socioeconômicos relevantes. Objetiva–se, com a
demonstração de dados mais amplos sobre os municípios alvo do empreendimento, uma caracterização
sinérgica sobre o contexto e a realidade atual deles em relação a taxas e parâmetros de comparação
com indicadores do Estado de Minas Gerais e Brasil.
Quanto ao dinamismo demográfico dos municípios da AII deste RAIPI, as maiores taxas de crescimento
populacional anual encontram–se nos municípios que passam por um processo de urbanização recente.
São eles: Congonhas (1,6% a.a.) e Mariana (1,5% a.a.). As taxas de crescimento populacional desses
municípios encontram–se acima das médias nacional e estadual, ambas de 0,9% a.a.
Outros municípios que também apresentam aumento no crescimento total da população, mas que
estão dentro ou abaixo das taxas de crescimento do Brasil e Minas Gerais, são os municípios Nazareno
(0,9% a.a.), São Brás de Suaçuí (0,7% a.a.) e São João Del Rei (0,7% a.a.). Contudo, até mesmo Ouro
Preto e Resende Costa apresentam taxas relativamente dinâmicas, chegando a 0,6% e 0,5% de
incremento anual, respectivamente. Somente Itutinga (–0,6% a.a.), Jeceaba (–1,2% a.a.) e Ritápolis (–
1,0% a.a.) possuem taxas negativas. No caso específico do município de Entre Rios de Minas, a taxa de
crescimento nas duas últimas décadas permaneceu estável, em 0,8% a.a.
No que se refere à distribuição da população por sexo, há uma variação entre os municípios. Na maioria
dos municípios que compõem a AII, o número de mulheres é maior do que o de homens, seguindo o
padrão apresentado no Estado de Minas Gerais, constituído por 50,8% e 49,2%, respectivamente.
Porém, nos municípios de Conceição da Barra de Minas, Itutinga, Jeceaba e Nazareno, essa posição se
inverte, estando a população de homens representada por 52,2%, 51%, 50,5% e 51,2%, respectivamente
(IBGE, 2010). Curiosamente, esses municípios possuem menos de 8 mil moradores e estão entre os mais
ruralizados da AII.
Em termos de taxa de juventude, ou seja, percentual de população com idade até 14 anos, a AII
caracteriza–se por um elevado percentual de pessoas jovens, 21,3%, próximo da taxa do Estado, de
22,4%. As cidades que apresentam maior número de habitantes nessa faixa etária são Mariana e
Nazareno, ambas com 23,4%, contrastando com São Brás de Suaçuí, com 18,5%.
43
Já a população economicamente ativa (15 a 65 anos) representa 70,6% do total da AII, acima da taxa do
Estado, que é de 69,4%. Entre os municípios, esses percentuais são parecidos, ou seja, oscilam pouco,
entre 69,2%, em Entre Rios de Minas, a 71,6%, em São João Del Rei. Já a população idosa (a partir de 65
anos) representa apenas 8,1% da população total da AII, a mesma média do Estado de Minas Gerais.
Cabe ressaltar que, dentre a população economicamente ativa, os números de homens e mulheres
estão bem próximos, representando cerca de 49,5% e 50,5%, respectivamente.
A estrutura etária de uma população é importante para dimensionar os recursos humanos disponíveis
numa determinada sociedade. A Razão de Dependência é definida pela relação entre a população
dependente, ou seja, jovens (menos de 15 anos) e idosos (com 65 anos e mais) e a população em idade
produtiva ou potencialmente ativa (de 15 a 64 anos). Essa proporção é, em grande medida,
determinada pela forma e pelo ritmo de crescimento populacional, da fecundidade que tem relação
com a escolaridade, portanto, com a estrutura social das localidades e da migração.
A razão de dependência maior do que 50% indica que a proporção da população dependente é maior do
que a população em idade produtiva, como é observado em 7 dos 12 municípios da AII. Jeceaba possui o
maior percentual de dependentes, com 56,6% da população, contra 48,30%, de Ritápolis e São João Del
Rei, por exemplo, com os menores índices. Cabe ressaltar que a AII, com 49,6%, possui a taxa de
dependentes acima do índice do Estado, de 47,3%.
Em termos econômicos, o fator idade é uma variável de ampla importância, pois, somado à razão de
dependência, pode tornar–se um elemento limitador para o desenvolvimento das atividades produtivas.
Da mesma forma, a composição etária da população modela a necessidade de aplicação de recursos
previdenciários e de assistência social por parte das Prefeituras e do Estado.
No Brasil, o modelo de urbanização desenvolvido foi balizado por um crescimento rápido, amplo e
concentrado da população, contribuindo, por um lado, para o surgimento de grandes metrópoles e, por
outro, para a expansão de uma diversificada rede urbana nacional, com o crescimento acelerado das
capitais regionais e sub–regionais, bem como com o aumento da população urbana em grande número
de cidades de diferentes tamanhos.
Conforme MANTIQUEIRA/BIODINÂMICA (2017), a maior parte dos municípios da AII concentra a maioria
da população vivendo em áreas urbanas (88,3%), embora uma parcela considerável esteja no campo
(11,7%). A crise do setor de mineração, latente a partir de 2013, tem contribuído para a fixação da
população rural no campo. Os municípios da AII, como um todo, estão em crescente processo de
urbanização e em desenvolvimento das condições de infraestrutura e oportunidades de trabalho,
ligadas, principalmente, às atividades de mineração, que atraíram, nas últimas décadas, milhares de
residentes da área rural para as áreas urbanas.
Paralelamente, a ampliação do acesso à educação vem fazendo com que a população rural, sobretudo
os jovens, busque melhores condições de vida nas áreas urbanas. O êxodo rural verificado nos últimos
30 anos teve como principal causa a busca pela integração com o mercado de trabalho, ou qualificação
para ser assimilado por ele.
44
As cidades tiveram que crescer para atender a essa demanda, muitas vezes de forma desordenada, sem
acompanhamento ou liberação de licenças de instituições públicas ligadas ao setor de habitação.
Segundo os dados levantados em campo pela Biodinâmica Rio nos municípios da AII, as cidades que
mais sofrem com esse processo são: Ouro Preto, que apresentou, nos últimos 30 anos, um crescimento
não planejado, principalmente da sua região periférica, o que contribuiu para o aumento significativo do
número de favelas; Mariana, que vivenciou, nas últimas décadas, até o acidente do rompimento da
barragem de rejeitos da mineradora Samarco, em 2015, um rápido crescimento urbano e habitacional,
devido à chegada de novos trabalhadores para atividades mineradoras; Congonhas, também devido à
chegada de novas fábricas e indústrias nas últimas duas décadas; e São João Del Rei, impulsionado pela
atividade econômica comercial e a entrada de estudantes universitários, o que vem contribuindo
também para o alto grau de especulação imobiliária local.
Quando analisados os domicílios particulares, próprios e alugados das cidades que integram a AII do
empreendimento, a maior parte da população possui imóvel próprio. Segundo os dados do IBGE, nos 12
municípios estudados, em 2010 existiam 72.972 imóveis próprios; desses, 87,8% encontram–se na área
urbana e apenas 12,2%, na área rural. Dos 16.008 imóveis alugados em toda a AII, 97,4% estavam na
área urbana e apenas 2,6%, no campo. É significativo o número de imóveis cedidos, segundo dados
censitários: 5.484 unidades, sendo um total de 75,3% na área rural, e a condição de ocupação “outra”
representa apenas 310 unidades.
Na maioria dos municípios da AII, identificou–se que há demanda e tendência de expansão da área
urbana. As principais cidades que apresentaram tais características foram: Congonhas, Ouro Preto,
Mariana, São João Del Rei, São Brás de Suaçuí e Conceição da Barra de Minas. A expansão dessas áreas
caracteriza–se pela implantação de loteamentos residenciais de médio e alto padrões e parques
industriais.
Em Congonhas, por sua vez, segundo MANTIQUEIRA/BIODINÂMICA (2017), foi constatado que, na sede
e no distrito de Alto Maranhão, existem loteamentos residenciais em fase de aprovação, situados na
ADA. Nova Congonhas é o nome do empreendimento residencial localizado a sudeste da sede do
município, tendo a Gran Viver como empresa responsável. Já a expansão da área urbana para o distrito
de Alto Maranhão é resultado do processo de revisão do Plano Diretor Municipal, pela Lei nº
2.916/2009. As alterações no plano sugerem a expansão da área urbana para a região norte do distrito
supracitado.
Em Ouro Preto, a área de expansão se dá na região periférica da sede, que cresce de forma não
planejada devido ao acréscimo da população, conjugado ao aumento de desemprego do setor de
mineração. Cerca de dez empreendimentos estão sendo licenciados, na sede e nos distritos, pela
Secretaria Municipal de Obras e Urbanismo. Segundo MANTIQUEIRA/BIODINÂMICA (2017), esses
loteamentos residenciais são de médio e alto padrões e têm como finalidade servir de moradia de
“veraneio” para habitantes de outros municípios, especialmente da capital Belo Horizonte.
Em Mariana, até 2014, havia uma grande demanda por imóveis novos. Entretanto, com o acidente da
Barragem do Fundão, em 2015, houve uma diminuição na procura por novas habitações. No entanto, há
ainda indicativos de expansão da área urbana: a área que mais apresenta crescimento encontra–se
localizada entre a sede do município e o distrito de Padre Viegas.
45
Em São João Del Rei, segundo MANTIQUEIRA/BIODINÂMICA (2017), há, na Prefeitura, um requerimento
para aprovação de seis novos loteamentos habitacionais. A área de maior expansão urbana está
localizada ao norte da sede do município. Em São Brás de Suaçuí, a expansão verificada encontra–se
dentro do perímetro urbano. Em Conceição da Barra de Minas, foi identificado um projeto de
loteamento de casas populares, iniciado em 2017, o qual abarcará uma grande área na região leste do
município.
A seguir, serão apresentados, separadamente, por município da AII da LT 345 kV Itutinga – Barro Branco
(Itutinga, Nazareno, Conceição da Barra de Minas, São João Del Rei, Ritápolis, Resende Costa, Entre Rios
de Minas, São Brás do Suaçuí, Jeceaba, Congonhas, Ouro Preto e Mariana), uma caracterização
sociocultural, histórica e territorial com vistas à contextualização dos bens culturais registrados e em
processo de registro em relação ao empreendimento.
5.1 ITUTINGA
Localizado na região sul do Estado de Minas Gerais, o município de Itutinga pertence à Mesorregião do
Campo das Vertentes e Microrregião de Lavras. Segundo os dados históricos apresentados pela
Prefeitura Municipal de Itutinga, até o século XVI, a região do atual município era ocupada,
predominantemente, pelos índios Puris.
No final do século XVIII, chegaram ao local bandeirantes à procura de ouro e outros metais preciosos.
Invadiram o espaço dos indígenas, expulsando–os e, mesmo, eliminando–os. No território onde se situa
o núcleo urbano, os bandeirantes decidiram fazer pouso e criar o distrito primitivo, denominado Santo
Antônio da Ponte Nova.
Por volta de 1794, foi erguida uma capela em devoção ao padroeiro Santo Antônio (ver Figura 5.1),
marcando a fundação do Arraial de Santo Antônio da Ponte Nova. Com a construção desse marco da fé
católica, foram surgindo aos poucos, no seu entorno, algumas casas e pequenas vendas. Paralelamente
à atividade mineradora –– objetivo maior dos primeiros colonizadores do lugar ––, foram introduzidas
também a pecuária e a agricultura, já que o clima e o relevo eram propícios.
As terras férteis incentivaram a implantação da agricultura e, mais tarde, da pecuária, dando início ao
povoamento e, assim, ao desenvolvimento econômico e demográfico, culminando, através da Lei
Provincial nº 2.702, de 30 de novembro de 1880, na criação do distrito de Santo Antônio da Ponte Nova,
subordinado a Lavras. Pela Lei Estadual nº 860, de 09 de setembro de 1924, o distrito de Santo Antônio
da Ponte Nova passou a denominar–se Itutinga, quando foi incorporado ao município de Itumirim. Ytu–
tinga, conforme termo de origem tupi, significa "cachoeira branca", através da junção dos termos ytu
("cachoeira") e ting ("branco"), em referência ao rio Grande, que atravessa o território. Somente
em1953, passou a usufruir do status de município e cidade.
Por volta de 1970 do século passado, a igrejinha primitiva foi demolida, dando lugar à atual (ver Figura
5.1), moderna e ampla para abrigar a quantidade de fiéis da cidade, que já não era a mesma dos tempos
primórdios. O que restou foi a imagem do padroeiro Santo Antônio, resquício de um passado remoto da
capela, segundo “Seu” Divino, rei congo do terno de Congado Nossa Senhora do Rosário e morador
antigo da cidade.
46
Figura 5.1 – Igrejinha primitiva (demolida) e a igreja atual.
Fonte: PARÓQUIA DE SANTO ANTÔNIO (2017) e Equipe Biodinâmica Rio (2017).
Pelo Decreto–Lei Estadual nº 1.058, de 31 de dezembro de 1943, o distrito passou a pertencer ao
município de Itumirim, mas veio a emancipar–se pela Lei Estadual nº 1.039, de 12 de dezembro de 1953,
instalando–se em 1º de janeiro de 1954 (ITUTINGA, 2017).
Embora tenha surgido no mesmo período que algumas cidades do Estado, como São João Del Rei e
Congonhas, hoje consideradas guardiãs de parte significativa da memória cultural e berço da História do
Brasil, Itutinga mantém pouco ou quase nenhuma característica de seu passado. Basta, portanto, fazer
um breve trajeto pelas ruas da pequena cidade e ater–se nos casarios e prédios em torno da igreja
matriz, para observar que sua identidade fora demolida junto, para dar lugar à modernidade, conforme
apresenta a Figura 5.2. Os ares de modernidade difundidos no País a partir da década de 1950, com o
governo de Juscelino Kubitschek, não tardou a chegar a Itutinga. Outra característica que está associada
às grandes obras de energia é a Rodovia BR 265, que corta a cidade e liga os Estados de Minas Gerais e
São Paulo.
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Figura 5.2 – Tipo de edificação no entorno da Igreja Matriz de Santo Antônio, em Itutinga. Fonte: Equipe
Biodinâmica Rio, 2017.
O município de Itutinga, conhecido popularmente como “terras das águas”, por ser detentor de fartos
mananciais, logo entrou na mira do progresso capitalista para sediar grandes obras de infraestrutura.
Não tardou a ser um dos primeiros territórios a abrigar a construção de usinas hidrelétricas geradoras
de energia elétrica, um dos ícones da política desenvolvimentista do referido líder político.
Em meados de 1954, foi inaugurada a Usina de Itutinga pelo então governador Juscelino Kubitschek (ver
Figura 5.3). Os desníveis da bacia do rio Grande proporcionaram a construção das hidrelétricas. A
Subestação de Furnas, inaugurada em 1968, envia energia para o Rio de Janeiro e Juiz de Fora. O
complexo energético encontra–se à distância de 3 km do Centro urbano.
Figura 5.3 – Inauguração da Usina de Itutinga, com o Presidente Juscelino Kubitschek e Ministros de
Estado em gesto simbólico, dando início às operações. Fonte: Acervo da Pousada e Restaurante
Nascimento (2017).
48
Hoje, o aspecto mais visível na paisagem ao redor da cidade é o emaranhado de fios e torres de alta
tensão das linhas de transmissão de energia elétrica. De qualquer lugar da cidade, é possível avistar as
grandes estruturas. Algumas estão bem próximas de novos conjuntos habitacionais que se proliferam
em torno do pequeno núcleo urbano, conforme a Figura 5.4.
Figura 5.4 – Linhas de transmissão inseridas na paisagem urbana de Itutinga. Fonte: Equipe Biodinâmica
Rio, 2017.
Apesar de não ter despontado como destino turístico, a cidade possui alguns equipamentos de lazer,
por exemplo, balneários às margens do lago da hidrelétrica. Carrancas, cidade vizinha, é que explora
economicamente, com suas cachoeiras, o turismo de aventura.
5.2 NAZARENO
A história de ocupação do município de Nazareno está relacionada, por um lado, à descoberta do ouro
pelos bandeirantes paulistas e portugueses nas margens do rio Grande; por outro, pelo importante
papel de fornecimento de gêneros de abastecimento para as zonas mineradoras e para o Rio de Janeiro.
Conforme CARVALHO (2010), a partir da segunda metade do século XVIII, a região foi privilegiada por
ser área de passagem obrigatória, cortada pelos caminhos que ligavam o litoral ao interior das minas.
Assim, em decorrência da exploração do ouro, surgiu Nazareno.
Em 1725, o arraial já estava formado, com um pequeno comércio, uma agricultura em pleno
desenvolvimento e com pessoas que já se punham a garimpar o ouro. Nesse mesmo ano, a capela de
Nossa Senhora de Nazaré foi construída em terrenos doados pelos fazendeiros Manuel Seixas Pinto e
seu irmão José Gonçalves Pinto.
Os aspectos históricos, culturais e econômicos de Nazareno não podem ser compreendidos sem
estabelecer relações com o componente da escravidão do negro. Os negros foram peças vitais na
exploração do ouro; sem eles, não teria sido possível a extração desse metal precioso. Também é
possível perceber a participação do negro nas construções que ainda restam (Igreja Matriz, por
exemplo, e Igreja do Rosário, conforme Figura 5.5).
49
Figura 5.5 – Igreja Matriz de Nossa Senhora de Nazaré (à esquerda), localizada no Centro da cidade, e a
Igreja de Nossa Senhora do Rosário (à direita), no bairro do Rosário, também conhecido como “O
morro”.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Em 1734, o nome da nova povoação, Ribeiro Fundo, foi alterado para Nossa Senhora de Nazaré; depois,
Nazaré; e, finalmente, Nazareno. Os milagres atribuídos à Virgem de Nazaré, que levavam ao local
constantes e contínuas peregrinações, influíram no crescimento populacional e econômico do arraial.
Em 1870, eram ainda poucas as fazendas existentes na região. Admite–se mesmo que 2/3 da área
distrital pertenciam à Confraria de Nossa Senhora de Nazaré e a quatro potentados: Barão da Cachoeira
(também conhecido como Barão da Ponte Nova e de Conceição da Barra), Barão de Coqueiros, Tenente
Gabriel Leite e Capitão José Bernardino.
Dentre os filhos ilustres de Nazareno, destacam–se o padre José Dias Custódio, que teve papel relevante
em 1831, no "Manifesto dos Mineiros" contra D. Pedro I, e o cônego Heitor Augusto da Trindade, que,
de 1893 a 1955, consagrou toda a sua vida à formação espiritual e ao amparo social da comunidade
nazarenense.
O topônimo do município é uma homenagem a Nossa Senhora de Nazaré. Segundo narram, o município
anteriormente denominado "Nazaré" passou a se chamar Nazareno, "porque havia um outro município,
no território nacional, com o nome de Nossa Senhora de Nazaré" (NAZARENO, 2017).
Os municípios de Nazareno e Itutinga, além de localizarem–se na Região das Vertentes e próximos um
do outro, possuem algumas características em comum. Em termos de formação histórica, ambos
surgiram a partir da exploração do ouro pelos bandeirantes e pelas atividades agrícolas e criação de
gado. Outra característica que apresentam é o fato de serem banhados pelo rio Grande. Importante
também é registrar que os dois territórios são cortados pela Rodovia BR‐265, que os liga à capital Belo
Horizonte e aos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo.
A região que compõe o Circuito do Ouro – Campos das Vertentes inclui Nazareno e mais 15 municípios
do Estado de Minas Gerais: Andrelândia, Barbacena, Carrancas, Conceição da Barra de Minas
(Cassiterita, antiga denominação do município, em referência ao tipo de minério abundante no
50
território), Coronel Xavier Chaves, Dores do Campo, Itutinga, Lagoa Dourada, Madre de Deus de Minas,
Piedade do Rio Grande, Prados, Resende Costa, São Brás do Suaçuí, São João Del Rei e Tiradentes.
Da exploração do garimpo de ouro do passado, restou, nos dias atuais, a indústria mineradora de
manganês. O município de Nazareno que, desde os primórdios de seu povoamento, demonstrou
também aptidão para a atividade agropecuária, principalmente do cultivo de café e cana–de–açúcar, e
que mantém ainda hoje, vem cada vez ganhando espaço com atividades do agronegócio, principalmente
a criação de gado de corte, plantações de eucalipto e trigo.
Vale destacar que, a partir da década de 1960, o processo modernizador contribuiu para a destruição
em massa de praticamente todas as edificações que faziam referência ao passado histórico e à memória
da cidade. E continua em expansão até os dias atuais. Posteriormente, ou talvez em paralelo, o trabalho
escravo foi utilizado nas plantações de café e cana–de–açúcar, legado que não há como negligenciar. As
manifestações culturais herdadas e mantidas pelos negros também são cruciais para a religiosidade
local. É possível perceber isso através do único grupo de congada centenário, que persiste com a
tradição herdada de seus ancestrais escravos e ex–escravos.
No entanto, outros marcos histórico–culturais também são importantes para demarcar a presença da
população negra no município, além das manifestações culturais. Em 2013, a FCP reconheceu duas
comunidades no território local como sendo descendentes de antigos quilombos de escravos: a
Comunidade Quilombola do Palmital e a Comunidade Quilombola do Jaguara (mencionadas
anteriormente, na subseção 4.8).
Embora tais ações sejam essenciais para reforçar o orgulho e a identidade étnica dos grupos, ainda há
muito a fazer para que o negro alcance visibilidade e ocupe espaços historicamente acessíveis às
pessoas brancas. “A compreensão da história de Nazareno somente será possível se houver um
reconhecimento profundo sobre a presença do negro na sua constituição. É admitir o negro como
sujeito e formador da sociedade nazarenense.” (CARVALHO, 2010, p. 22)
A reflexão denuncia um fato recorrente no Brasil, que é a desqualificação dos negros na construção e,
sobretudo, a sua não inserção nas instituições que formam a sociedade. Além do mais, serve para
pensar sobre o episódio da proibição do único grupo de congada existente na cidade (Catupé Nossa
Senhora do Rosário) de participar das festividades em homenagem a Nossa Senhora do Rosário. A
interdição, conforme relatou o capitão do grupo, foi orquestrada pelo padre da cidade.
No tocante ao Patrimônio Imaterial, há, pelo menos, sete manifestações culturais em atividade,
reconhecidas pela população como referências culturais e que, portanto, contribuem para reforçar a
identidade cultural do território. São elas: a centenária Banda de Música, as Folias de Reis (Folia de São
Sebastião e Folia de Reis Vai da Boa Vontade, ambas do povoado de Coqueiros), Ofício de artesãos–
escultores de imagens sacras, Jubileu de Nossa Senhora de Nazaré, Festas Juninas, Festa do Rosário e o
quase extinto Grupo de Congada.
A sede da Banda Municipal de Nazareno (Figura 5.6) mantém um pequeno memorial, com alguns
instrumentos antigos e partituras escritas por músicos locais, datado do final do século XIX, mesmo
antes da existência da banda.
51
Figura 5.6 – Sede da Banda de Música de Nazareno (à esquerda) e instrumentos antigos (à direita).
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
A instituição promove, regularmente, aulas de música para adultos, jovens e crianças, garantindo,
portanto, que a prática se perpetue para as futuras gerações. No último fim de semana de agosto,
acontece o tradicional Encontro de Bandas, que recebe músicos de várias regiões de Minas Gerais e
também de outros estados. O evento é organizado pelo Departamento de Cultura da Prefeitura
Municipal de Nazareno.
5.3 CONCEIÇÃO DA BARRA DE MINAS
O município de Conceição da Barra de Minas localiza–se na região centro–sul do Estado de Minas
Gerais, situada na Mesorregião Campos das Vertentes e Microrregião São João Del Rei (IBGE, 2017).
Segundo as informações fornecidas pela Prefeitura de Conceição da Barra de Minas, a região onde hoje
se localiza o município foi desbravada pelos bandeirantes paulistas, em especial, Fernão Dias Paes, que,
em busca de esmeraldas, chegou até o lugar denominado Boa Vista. Lá a bandeira fixou–se, dando início
aos trabalhos da pecuária e do cultivo da terra, formando assim um pequeno núcleo populacional.
Essa população, em meados de 1725, iniciou os trabalhos de construção da capela de Nossa Senhora da
Conceição (Figura 5.7), em torno da qual surgiram as primeiras casas do atual município.
Figura 5.7 – Atual Igreja de Nossa Senhora da Conceição, em Conceição da Barra de Minas.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
52
Conceição da Barra de Minas, antigo distrito subordinado ao município de São João Del Rei, foi elevado
à categoria de município, com a denominação de Cassiterita (topônimo ligado à extração de cassiterita),
pela Lei Estadual nº 2.764, de 30 de dezembro de 1962, sendo renomeado para Nossa Senhora da
Conceição da Barra e alterado, depois, para Conceição da Barra de Minas, em 1989 (CONCEIÇÃO DA
BARRA DE MINAS, 2017).
A origem de Conceição da Barra está ligada à procura do ouro: “Seus dias de glória constituíram, depois,
o epifenômeno de sua riqueza material, representada, sobretudo, pelas suas ricas fazendas, produtoras
de açúcar, café, polvilho, milho, leite e derivados”, segundo o JORNAL DAS LAJES (2013).
O município entrou em decadência a partir da Segunda Guerra Mundial, que refletiu o êxodo
demográfico, a minifundização agrária e o isolamento viário. No entanto, de acordo com JORNAL DAS
LAJES (2013), abriram caminho para a reversão desse processo: a renovação das lideranças políticas, o
aumento da demanda por educação superior, a multiplicação de iniciativas promissoras, a expansão da
construção civil e, principalmente, o asfaltamento da estrada que liga a sede do município à Rodovia
Federal BR–265.
Atualmente, o leite é a principal atividade agropecuária de Conceição da Barra, com produção de 18,25
milhões de litros, segundo relatório do escritório local da EMATER–MG (2012). O município participa do
programa “Minas Leite”, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado, que busca
acompanhar de perto propriedades de agricultores, em sua maioria, familiares. O objetivo é estimular o
uso intensivo de pastagens, novas tecnologias, inseminação artificial, formação de pastagens/canaviais e
união para negociar o leite.
Na segunda posição, aparece o milho, com 6 mil toneladas por ano, seguido do café (5,675 mil sacas por
ano). A maior parte da produção de milho é destinada ao consumo próprio, ou seja, para alimentar o
gado leiteiro. Existem alguns poucos grandes produtores, principalmente de soja, que exportam o grão
para processamento fora do município (JORNAL DAS LAJES, 2013).
De acordo com MANTIQUEIRA/BIODINÂMICA RIO (2017), o município sobrevive da atividade agrícola,
de pequenos comércios e dos empregos gerados pela Prefeitura. Parte da população jovem, ao
completar o Ensino Médio, migra para a cidade–polo mais próxima, São João Del Rei, para dar
continuidade aos estudos, ou em busca de seu primeiro trabalho. São João Del Rei conta com uma
universidade pública, que recebe o mesmo nome da cidade, e algumas instituições de Ensino Superior
(IES). Grande parte da economia do município provém das atividades do turismo histórico e da atividade
mineradora da região.
Ainda de acordo com MANTIQUEIRA/BIODINÂMICA RIO (2017), é baixo o número de turistas que
visitam o município, devido, principalmente, à falta de incentivos e à pouca infraestrutura para acolher
os visitantes; a cidade possui apenas um local de hospedagem. Os principais atrativos são as cachoeiras,
sendo a do rio do Peixe a mais frequentada por moradores e turistas. O conjunto paisagístico da Usina
Hidrelétrica do Ribeirão da Canjica também é um atrativo importante na região (Figura 5.8). As igrejas
históricas e as praças existentes na sede do município também são bastante frequentadas por
moradores locais. O Estádio Municipal Olímpio Francisco de Ávila oferece campo de futebol e ginásio
poliesportivo para a população, além de sediar eventos esportivos e culturais.
53
Figura 5.8 – Usina Hidrelétrica do Ribeirão da Canjica, em Conceição da Barra de Minas.
Fonte: CONCEIÇÃO DA BARRA DE MINAS (2017).
5.4 SÃO JOÃO DEL REI
São João Del Rei (Figura 5.9) localiza–se na área central de Minas Gerais. Em 2010, sua população era
estimada em 84.469 habitantes. Além do distrito–sede, citam–se outros cinco distritos: Emboabas, São
Miguel do Cajuru, São Sebastião da Vitória, Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno e São Gonçalo do
Amarante. Destaca–se que a maior densidade populacional está concentrada na área urbana.
Figura 5.9 – Vista parcial do Centro de São João Del Rei. Imagem coletada da torre da Igreja de Nossa
Senhora do Carmo. Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
A história econômica do Estado de Minas Gerais teve início com o Ciclo do Ouro no final do século XVII,
que atraiu exploradores e induziu o surgimento de vilas e povoados, dando condições para a ocupação
de toda a região.
A ocupação do que é hoje o município de São João Del Rei se dá no final do século XVII, quando Tomé
Portes e família se “estabelecem” às margens do rio das Mortes e dão início ao povoamento da região.
Além de cobrar pela travessia do rio, Tomé oferecia pouso e mantimentos aos que passavam pelo
54
caminho (futura Estrada Real, já mencionada na subseção 4.1). O local onde se instalou Tomé ficou
conhecido como Porto Real da Passagem e, até hoje, guarda a denominação antiga: Porto.
Em 1705, com a descoberta de grandes quantidades de ouro nas encostas do morro das Mercês, nasce
então um novo arraial, denominado Arraial de Nossa Senhora do Pilar do Rio das Mortes ou,
simplesmente, Arraial Novo, embrião da vila de São João Del Rei. A ocupação do arraial remonta à
chegada de um paulista chamado Lourenço Costa, que descobre ouro no ribeirão de São Francisco
Xavier.
Em 1838, a progressista Vila de São João Del Rei torna–se cidade. Nessa época, possuía cerca de 1.600
casas, distribuídas em 24 ruas e 10 praças. Segundo GRAÇA FILHO (2002), a sede da Comarca do Rio das
Mortes afirma–se, ao longo do século XIX, como um importante polo de influência política e econômica
de Minas Gerais.
A disputa pela exploração do ouro gerou conflitos que culminaram na Guerra dos Emboabas (1707–
1709). Essa luta, que envolveu os bandeirantes paulistas e os emboabas (portugueses e imigrantes de
outras regiões do Brasil), teve como causa principal a disputa pela exploração das minas de ouro recém–
descobertas na região das Minas Gerais. Os paulistas queriam exclusividade na exploração da região,
pois afirmavam que tinham descoberto as minas.
Como consequência, o arraial foi incendiado, e a população, com medo de novos ataques, transferiu–se
para a margem do rio das Mortes, próximo ao Porto da Passagem. Na década seguinte, o arraial,
reconstruído e próspero, foi elevado à categoria de vila, em 8 de dezembro de 1713, com o nome de
Vila de São João Del Rei, homenagem do governador D. Brás Baltazar da Silveira a D. João V, rei de
Portugal.
Em 1789, foi descoberta a conspiração denominada Inconfidência Mineira. A vila de São João Del Rei
não participou diretamente do movimento –– a maioria das reuniões aconteceu em Vila Rica e no Rio de
Janeiro. No entanto, importantes inconfidentes eram da região do rio das Mortes, dentre eles, o são–
joanense Joaquim José da Silva Xavier, Tiradentes, o único que pagou com a própria vida pelo
movimento.
Desde os tempos de sua formação, desenvolve–se aí uma vasta produção mercantil e de gêneros
alimentícios, resultante tanto da atividade agrícola quanto da pecuária. O processo de ocupação e de
produção de riquezas ocorrido em São João Del Rei é semelhante ao dos municípios vizinhos que
formam o território da região Campos das Vertentes, incluindo Itutinga e Nazareno.
De acordo com TAVARES (2011), tal dinamismo foi fomentado pela sua posição de centro
administrativo, comercial atacadista e financeiro. Dada a proximidade com o Rio de Janeiro, São João
Del Rei desempenhou importante papel como entreposto comercial, especializado na apropriação do
excedente de gêneros alimentícios produzidos na região circunvizinha, como toucinho e couro, panos e
outras mercadorias que eram escoadas para a Capital Federal.
GAIO SOBRINHO (1997) afirma que, enquanto era um importante entreposto comercial, São João Del
Rei possuía infraestrutura para atender os viajantes e comerciantes que circulavam pela região. Assim, o
55
primeiro meio de hospedagem a ser construído na cidade foi o Grande Hotel Central, em 1836, como
acrescentou o autor. A respeito das transformações econômicas ocorridas na cidade, OLIVEIRA (2007)
diz que, já no início do século XIX, apesar da decadência da mineração, a cidade demonstrava vocação
para o comércio, tendo várias lojas instaladas nos casarões, que ofereciam todo tipo de mercadoria.
Em 6 de março de 1838, a vila é elevada à categoria de cidade e chamada São João Del Rei. A riqueza da
agricultura e do comércio trouxe grande prosperidade; a cidade, então, tornou–se um centro comercial,
cultural e político da Capitania e do Império, e recebeu o título de “celeiro de Minas”. Os primeiros
resquícios de progresso na cidade somente ocorreram no final do século XIX, quando a elite econômica
local investiu parte de suas riquezas na industrialização.
O progresso chegou de muitas maneiras: pela organização e melhoramento do espaço e dos serviços
urbanos; pela criação de inúmeras escolas, associações, etc.; pela instalação da primeira casa bancária
(1860); pela inauguração da Companhia Estrada de Ferro Oeste de Minas (1881), ligando São João Del
Rei à Ferrovia D. Pedro II, que leva ao Rio de Janeiro; pela implantação de fábricas (laticínios, curtumes,
têxteis (1891), por exemplo, a Companhia Industrial Sanjoanense e Industrial Oeste de Minas, segundo
TAVARES (2011). No final do século XIX, a cidade quase foi eleita capital do Estado de Minas Gerais, sem,
contudo, perder suas tradicionais características: a religiosidade e a fé de seu povo nem a grandeza de
sua arte e de suas manifestações populares, como ressalta o autor. Na Figura 5.10, tem–se uma vista da
cidade de São João Del Rei:
Figura 5.10 – Vista da cidade de São João Del Rei.
Fonte: SÃO JOÃO DEL REI (2017).
Mesmo com o declínio de economia no final do século XIX, a cidade não perdeu seu aspecto colonial,
sendo motivo de atenção dos modernistas brasileiros. Ela é registrada na obra de algumas das figuras
mais representativas do movimento, como a pintora Tarsila do Amaral e o escritor Oswald de Andrade.
Em 1938, seu acervo arquitetônico e artístico, composto por importantes edificações civis e religiosas,
foi tombado pelo antigo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), atual IPHAN.
56
De acordo com OLIVEIRA (2007), dentre os bens imóveis protegidos no município, destaca–se o
conjunto arquitetônico e urbanístico do Núcleo Histórico, composto ainda por igrejas, capelas, pontes,
Passos da Paixão, o Chafariz da Legalidade e o Complexo Ferroviário. Além desses, existem as igrejas de
São Francisco de Assis, cujo projeto original é do Mestre Aleijadinho, e a Catedral Matriz Nossa Senhora
do Pilar.
Segundo MANTIQUEIRA/BIODINÂMICA RIO (2017), a característica do turismo em São João Del Rei é,
predominantemente, religiosa: a cidade recebe, também, muitos turistas que estão visitando outros
municípios da região, como Tiradentes, que se localiza a apenas 16 km de distância. Contudo, o número
de turistas no município vem diminuindo nos últimos anos, o que afeta diretamente o valor arrecadado
por esse setor.
O Centro Histórico concentra grande número de igrejas antigas, inclusive a de São Francisco de Assis;
portanto é um dos principais destinos de turistas e moradores locais. A celebração da Semana Santa é o
período em que a cidade recebe maior fluxo de turistas durante o ano. As cachoeiras do Urubu, Bom
Despacho e Cala Boca, bem próximas à sede do município, também são pontos turísticos muito
frequentados por moradores e visitantes, além do Parque Natural da Serra do Lenheiro.
5.5 RITÁPOLIS
Diferentemente dos demais processos de ocupação dos municípios que compõem os interceptados pela
LT 345 kV Itutinga – Barro Branco, a origem do município de Ritápolis não foi condicionada à busca do
ouro, e, sim, às atividades agrícolas e pecuárias, necessárias ao atendimento da população que chegava
à Vila de São João Del Rei, em busca do ouro.
O município de Ritápolis surgiu simultaneamente à construção de sua antiga capela de Santa Rita do Rio
Abaixo, nome que se deve a uma imagem de Santa Rita encontrada nas proximidades do rio das Mortes.
A capela, hoje, encontra–se com o acréscimo feito em 1918; daí, ocorreu o crescimento espontâneo do
antigo povoado, que, provavelmente, fora iniciado antes de 1738, data do primeiro registro
documental.
O território da antiga vila de Santa Rita do Rio Abaixo foi constituído, originalmente, em meados do
século XVIII, por praticamente seis grandes fazendas com grandes extensões de terra. Duas delas ainda
estão de pé e bastante preservadas: Fazendas de São Miguel e do Mato Dentro. Uma terceira encontra–
se em ruínas, que é a Fazenda do Pombal, onde nasceu Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes,
tombada como Patrimônio Histórico Nacional desde 1938. Uma quarta fazenda, também já demolida,
foi a Fazenda do Fundão, da qual o único registro de sua existência é uma foto do início do século XX. No
território, houve outras fazendas, mas não há dados de suas existências e localizações.
O núcleo original do antigo Arraial de Santa Rita do Rio Abaixo formou–se como eixo de passagem em
direção norte, tendo dois largos ligados por um eixo tortuoso. O largo principal possui, em seu centro, a
Igreja da Matriz do século XVIII (Figura 5.11), de tipologia característica do Barroco mineiro, da Segunda
Fase, com riqueza de detalhes de seus retábulos com policromia e douramento, parte deles restaurados
e preservados até hoje, com sua nave, capela–mor, sacristia e capela do Santíssimo. A segunda nave e a
torre são construções posteriores, de tipologia eclética neogótica, erguidas nos anos 1918/1920.
57
Figura 5.11 – Igreja da Matriz, hoje, Santuário de Santa Rita de Cássia (à esquerda). Foto da década de
1950.
Fonte: RITÁPOLIS (2017). Lateral do Santuário atual (à direita) E Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
A mineração do ouro, se não chegou a ser o fator exclusivo da formação dos núcleos urbanos da
microrregião, foi, sem dúvida, o indutor maior desse processo e o que atuou de modo decisivo no
florescimento dos principais povoados e vilas, como Tiradentes e São João Del Rei, em 1700 – 1704, e,
posteriormente, Prados, Ritápolis, Resende Costa, São Tiago, Lagoa Dourada, Nazareno e Carrancas.
As mais antigas referências a uma exploração econômica, datadas do princípio do século XIX, apontam
para produtos de origem animal, como carne, queijo e couro. No decorrer do mesmo século, o açúcar
assumiu posição de destaque. Num levantamento feito em 1864, constavam, em Ritápolis, seis fazendas
com engenho, dentre elas, São Miguel, Mato Dentro, Paciência e outras. Atualmente, o município
destaca–se pela "produção leiteira com uma indústria de laticínios, alguns fabricantes de aguardente,
agricultura de subsistência, comércio e pequenas marcenarias" (RITÁPOLIS, 2017a).
Ritápolis localiza–se na região das Vertentes e destaca–se pelo turismo histórico e ecológico. Suas trilhas
de Mata Atlântica misturada ao Cerrado levam a belíssimas cachoeiras, cursos d’água e misteriosas
grutas. Situada a 200 km de Belo Horizonte, a cidade realiza tradicionais festas, como a Exposição
Agropecuária, sempre na terceira semana de julho, no Parque de Exposições; a festa da padroeira da
cidade, ou Festa de Santa Rita de Cássia, que acontece anualmente, de 13 a 22 de maio; Aniversário da
Cidade, comemorado em 1º de março, e Arraial dos Gabirobas, no feriado de Corpus Christi, geralmente
em junho. Possui ainda o balneário do Jaburu (Figura 5.12), o Hotel–Fazenda Cachoeira e fortes
vocações: festiva, religiosa, culinária e artesanal.
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Figura 5.12 – Cachoeira do Jaburu, em Ritápolis. Foto de Márcio Resende do ano de 2017.
Fonte: RITÁPOLIS (2017b).
Dispersa em seu núcleo urbano, a cidade de Ritápolis caracteriza–se por três bairros separados, envoltos
em um grande espaço vazio verde: o Centro, como origem; o Espigão, que se estende até Goiabas, a
oeste, o mais populoso; e Várzea, ao sul, caracterizado como acesso principal à cidade.
No Centro, encontra–se o conjunto arquitetônico mais expressivo, que inclui o Santuário Diocesano
(Matriz), a Igreja do Rosário, a Prefeitura Municipal, a Casa Grande, o Cine–Teatro Pio XII, a Sede
Musical e vários exemplares residenciais. Vista como uma cidade, chama mais atenção por dois
aspectos: a baixa densidade demográfica e o ambiente quase rural e bucólico, onde predomina o verde
na paisagem urbana.
5.6 RESENDE COSTA
Resende Costa (Figura 5.13) é um município da Região das Vertentes, criado em 1911, com a
denominação de Vila de Resende Costa. A instalação oficial do município aconteceu no dia 1º de junho
de 1912, mas, só em 1923, passou a ser chamado de Resende Costa.
Figura 5.13 – Vista da cidade de Resende Costa.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Nessa época, a cidade experimentou maior desenvolvimento econômico, favorecido por sua localização
no entroncamento de várias estradas para a zona oeste de Minas Gerais. A atividade industrial
desenvolveu–se a partir da produção de açúcar, manteiga, polvilho, aguardente, calçados e arreios.
59
Em 1749, foi erguida a Capela de Nossa Senhora da Penha de França, em torno da qual foram
construídas oito casas, pertencentes aos fazendeiros das primeiras famílias transferidas para a região:
Resende Costa, Pedrosa Morais, Alves Preto, Pinto e Lara.
A população dedicava–se ao plantio de gêneros alimentícios e à criação de gado. Em 1831, o povoado
contava 1.243 habitantes, entre homens livres e cativos. Em 1840, foi elevado à categoria de paróquia,
devido ao grande número de fiéis que frequentavam sua igreja.
A atual Matriz de Nossa Senhora da Penha de França (Figura 5.14) não é a que foi construída no século
XVIII. A primeira igreja começou a desabar nos anos de 1893 a 1896 e precisou ser completamente
reformada. As obras, que se realizaram de 1901 a 1909, visavam consertar a igreja e também ampliá–la,
para atender ao grande número de pessoas que deixavam a zona rural e já moravam na “Vila”.
Figura 5.14 – Matriz de Nossa Senhora da Penha de França.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio 2017.
Na primeira metade do século XX, a antiga igreja foi demolida, assim como a Igreja do Rosário e o antigo
cemitério. Apesar dessa informação, a reforma recente a que a Igreja Matriz foi submetida demonstrou
que a antiga igreja não foi totalmente demolida, pois encontraram–se vestígios da capela original e que
foram utilizados na construção da atual igreja.
Construída sobre uma rocha, a cidade oferece privilegiada vista panorâmica e goza de prestígio entre
espiritualistas. Ao lado da Matriz de Nossa Senhora da Penha, moradores e visitantes podem caminhar
sobre a grande “laje” (Figura 5.15) e apreciar a paisagem montanhosa da região.
Figura 5.15 – Vista do Mirante da Laje.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio 2017.
60
Atualmente, Resende Costa –– nome que, desde 1923, foi dado ao distrito da Laje –– destaca–se como
uma das cidades mineiras cuja produção doméstica têxtil é uma atividade produtiva informal que
garante a sobrevivência de grande parte da sua população.
O referido distrito, que conta, como primeira referência histórica, o erguimento de sua capela, em 1749,
a “Capela de Nossa Senhora da Penha de França”, em substituição à de “Laje”, mantém sua importância
quando se retoma a história da Inconfidência Mineira. Dois de seus filhos ilustres, “dois dos próceres do
movimento libertário que sacudiu a Capitania de Minas Gerais na década de 1780: o Capitão José de
Resende Costa e seu filho, de mesmo nome” são considerados o “elo” entre a cidade e o passado
(RESENDE COSTA, 2017).
Segundo MANTIQUEIRA/BIODINÂMICA RIO (2017), o comércio voltado para a compra de artesanato de
tear manual é o principal atrativo turístico no município de Resende Costa. Segundo os gestores, são
aproximadamente 50 ônibus fretados que chegam diariamente para comprar redes, tapetes e outros
objetos, a maioria para serem revendidos em outras cidades de Minas Gerais e mesmo em outros
estados. O artesanato em madeira e ferro também é recorrente no município (Figura 5.16). Tanto é que
o Poder Público local realizou inventários sobre a prática do artesanato em madeira e ferro, como sendo
um bem cultural.
Figura 5.16 – Artesanatos em madeira e ferro e tapeçaria. Detalhe para o mascote eleito como ícone da
cidade, a lagartixa de laje.
Fonte: Equipe Biodinâmica, 2017.
Hoje, a cidade vive quase somente do artesanato têxtil, confeccionando colchas, tapetes e outros
artigos para casa, em teares manuais. A maioria da população tece ou vende esses trabalhos,
produzidos com sobras de malhas das indústrias nacionais. Várias lojas e, ainda, uma interessante
oficina de móveis feitos com madeira de demolição vendem o artesanato local. Segundo
MANTIQUEIRA/BIODINÂMICA RIO (2017), o artesanato –– tanto sua comercialização como o turismo
que o envolve –– é o principal gerador de renda para a população local (Figuras 5.17/5.18).
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Figuras 5.17/5.18 – Oficina de artesanato em cerâmica no ano de 2014 (à esquerda). Fonte: RESENDE
COSTA (2017); Dona Maria Helena, moradora da Comunidade de Remanescente de Quilombo
Curralinho dos Paulas, preparando os retalhos para confecção de tapetes no tear manual (à direita).
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Outros atrativos turísticos e áreas de lazer, identificados durante a pesquisa de campo, foram: o Horto
Florestal, onde a população faz piqueniques e pratica atividades físicas, o Mirante dos Lajes,
frequentado por turistas e moradores locais, as igrejas históricas, como a da Matriz, além das
cachoeiras, consideradas patrimônios naturais do município; a mais frequentada é a dos Pintos.
5.7 ENTRE RIOS DE MINAS
Segundo dados da Prefeitura de Entre Rios de Minas, o município tem origem no século XVIII, com a
chegada dos portugueses Pedro Domingues e Bartolomeu Machado à região, em 1713. Bartolomeu
Machado ergueu sua casa no lugar onde se encontra, hoje, a Fazenda do Engenho.
Anos depois, foi erguida uma capela em homenagem a Nossa Senhora das Brotas (Figura 5.19), em
torno da qual, surgiu o povoado do Bromado, cujo nome, posteriormente, foi alterado para Brumado do
Suaçuí. Em 1875, foi elevado a distrito e, em 1953, a cidade, recebendo o nome de Entre Rios de Minas,
por estar situada entre os rios Camapuã e Brumado.
Figura 5.19 – Vistas frontal e lateral da Igreja Matriz de Nossa Senhora das Brotas.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
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Como heranças de seu processo de ocupação, existem no município: o Hospital Cassiano Campolina,
construído em 1910, recentemente restaurado, com um fogão de ferro a lenha, ainda ativo; a Igreja
Matriz de Nossa Senhora das Brotas, de influência neogótica; a Capela dos Olhos d'Água, da primeira
fase da arte colonial mineira; e a Cachoeira do Gordo –– todos fazem parte do acervo cultural protegido
no município, pela importância histórica e cultural que desempenham. Citam–se, também: fazendas
coloniais; as ruínas da Casa de Pedra do Gambá, datadas de 1701 e atribuídas à bandeira de Fernão
Dias; e sítios de possível interesse arqueológico, remanescentes dos locais em que viveram as tribos dos
índios Cataguá.
Entre Rios de Minas vem se tornando conhecida por sediar importante seleção de cavalos da raça
Campolina, criados em Minas e muito apreciados em outros estados. A Figura 5.20 mostra o novo
cartão–postal símbolo da cidade, a estátua em homenagem aos cavalos Campolina e seus criadores.
Figura 5.20 – Estátua de cavalo Campolina.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Por isso, dentre as fazendas do município, um destaque é a Fazenda do Tanque, situada a 15 km do
Centro e considerada o berço do Campolina. Foi nela, por volta de 1870, que tiveram início os
cruzamentos com a tentativa de apurar a raça, uma iniciativa do fazendeiro Cassiano Antônio da Silva
Campolina, por influência de cavalos trazidos por D. João VI para a Coudelaria Real de Cachoeira do
Campo, distrito de Ouro Preto. Ao morrer, em 1904, Cassiano, mediante testamento, doou tudo o que
tinha para a construção do famoso hospital da cidade, que recebeu seu nome. A sede da fazenda
preserva um casarão construído no final do século XIX e áreas com reservas naturais que proporcionam
bonitas paisagens, segundo DESCUBRA MINAS (2017).
A economia de Entre Rios de Minas baseia–se na pecuária leiteira; em pequena escala, são produzidos
organicamente licores, doces caseiros, legumes, verduras e uma excelente cachaça, fabricada
artesanalmente e famosa na região. “Trabalhos de cestaria, tecelagem em palha de milho, esculturas
em madeira, crochê e bordados são os principais produtos do artesanato local" (ENTRE RIOS DE MINAS,
2017)
63
Segundo MANTIQUEIRA/BIODINÂMICA RIO (2017), as principais atividades de turismo e lazer estão
relacionadas às igrejas históricas, especialmente a da Matriz (Nossa Senhora de Brotas), e às praças e
cachoeiras do município. Uma festa tradicional de Entre Rios é a de sua padroeira, Nossa Senhora de
Brotas, realizada no dia 15 de agosto. Uma semana antes, a imagem da Santa percorre as igrejas da
cidade. No dia da festa, os fiéis reúnem as imagens de todas as igrejas, fazem procissão e celebram uma
missa solene (DESCUBRA MINAS, 2017).
Contudo, é na última semana de julho, no seu Parque de Exposições, que Entre Rios de Minas realiza seu
mais famoso evento: a Festa da Colheita, uma tradição de mais de 40 anos. A festa começa na quarta–
feira, com a entrada dos animais para a exposição, rodeios e shows; prossegue de quinta a sábado, com
barraquinhas e ordenhas para o concurso leiteiro; e termina no domingo com missa às 11 h, na Praça do
Hospital Cassiano Campolina, bênçãos à comunidade, aos animais de raça e às sementes, e desfile dos
carros de boi, tradicionalmente enfeitados (DESCUBRA MINAS, 2017).
O município possui também várias cachoeiras com poços que proporcionam ótimos passeios no verão.
As principais são: a dos Coqueiros, a 12 km do Centro, aproximadamente, e a do Gordo, a 18 km
(DESCUBRA MINAS, 2017).
5.8 SÃO BRÁS DO SUAÇUÍ
No início do século XVIII, João Machado Castanho adentrou a Microrregião da Serra do Espinhaço
(Espinhaço Meridional) e encontrou umas paragens junto a um córrego denominado pelos indígenas por
“guacú”, que emprestava seu nome às terras por ele banhadas. Na língua tupi–guarani, guaçu é um
cervo grande que, nessa época, predominava na região; hi é a água do rio. Assim, conclui–se que o dito
córrego era a aguada dos cervos que, por sua vez, eram a caça preferida dos indígenas. Ali, também
passava o caminho novo da Vila de São João Del Rei para a Vila Rica (Ouro Preto).
Nessa área, João Machado Castanho construiu um sítio e fixou residência, vindo a requerer ao
representante da Coroa, o então oficial do Exército D. Brás Baltazar da Silveira, o legado de uma
sesmaria. Em 22 de dezembro de 1713, D. Brás Baltazar da Silveira assinou a carta de sesmaria, que
doava a João Machado Castanho uma quadra de uma légua de terras, tendo como centro o seu próprio
sítio. A carta citava os direitos e deveres do novo posseiro: cultivar as terras, não podendo impedir que
colonos trabalhassem nela e ali construíssem suas casas, desde que não ultrapassassem as
demarcações; não poderia expulsar nenhum colono dessas terras, a não ser por vias judiciais; e,
segundo o clero, deveria construir uma capela no local.
A capela foi construída e coberta com folhas de buriti, recebendo, ao seu redor, uma casa de colonos
que se aventuravam pelos Cerrados do Espinhaço Meridional. Eles eram, em sua maioria, mestiços de
europeus e índios, os chamados “caipiras” ou “capiaus”, comuns em todas as Minas Gerais.
Um arraial começava a nascer, e o nome do córrego e daquelas paragens, traduzido para o português
arcaico, se escrevia “suassuhy”. Como padroeiro, escolheram São Brás, talvez prestando uma
homenagem ao doador da sesmaria: D. Brás Baltazar da Silveira. Assim, o pequeno arraial, que mais
tarde se transformou em vila, ficou conhecido como São Brás do Suassuhy.
64
Até 1832, o povoado de São Brás do Suaçuí subordinou–se à freguesia de Congonhas do Campo,
quando, então, passou para a jurisdição de Brumado (hoje, Entre Rios de Minas) até 31 de dezembro de
1953, Pela Lei Estadual nº 1.039, de 12 de dezembro de 1953, passou a constituir o município de São
Brás do Suaçuí.
A Capela do Senhor dos Passos e a Igreja de São Brás (Figura 5.21), hoje Santuário, foram construídas
em alvenaria, com blocos tirados da pedreira de São Brás. "A devoção por São Brás vem desde o século
XVIII, tradição que rompeu o tempo e hoje está enraizada na cultura e religiosidade do povo" (SÃO BRÁS
DO SUAÇUÍ, 2017).
Figura 5.21 – Igreja Matriz de São Brás, no Centro da cidade.
Fonte: Equipe Biodinâmica, 2017.
São Brás do Suaçuí fica a 109 km da capital mineira. Em sua essência, traz muita melodia, pois a cidade é
conhecida por manter a tradição de ser um município com muito amor e talento dedicado à música
desde o século XVIII. Esse legado musical é comprovado pela Escola de Música de São Brás do Suaçuí
(Figura 5.22), que, por meio das leis de incentivo à cultura e parceria com empresas privadas,
desenvolve um trabalho de formação de músicos mediante a execução de instrumentos musicais e do
canto.
Os cursos são gratuitos e os alunos devem apenas ter bons rendimentos, assim como ser assíduos e
responsáveis para com a escola. O amor à música é um traço marcante da pequena população desse
município, onde grande número de pessoas dedica–se ao estudo e à execução de instrumentos
musicais, bem como ao canto. A tradição musical do município pode ser mostrada pela banda União
Musical Santa Cecília Suaçuí, que também desenvolve um consistente e contínuo trabalho de formação
de músicos.
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Figura 5.22 – Prédio da Escola de Música de São Brás do Suaçuí e apresentação no ano de 2008. Foto de
Christina Amâncio.
Fonte: SÃO BRÁS DO SUAÇUÍ (2017).
Além da tradição musical, a cidade conserva uma bela arquitetura em estilo barroco. A Igreja Matriz de
São Brás, a Capela Monsenhor dos Passos e o Casarão dos Herdeiros do Sr. José Campos compõem a
bela paisagem histórica de São Brás do Suaçuí. Durante o verão, as águas da pedreira atraem muitos
visitantes em busca de refresco. A fonte do mato fica no Centro da cidade e encanta os turistas por suas
águas cristalinas.
Figura 5.23 – Igreja Matriz de São Brás (à esquerda) e Capela Monsenhor dos Passos (à direita).
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Segundo MANTIQUEIRA/BIODINÂMICA RIO (2017), a cidade não recebe muitos turistas; o maior fluxo é
o de turismo de negócio, ou seja, a cidade recebe trabalhadores de empresas que prestam serviço na
região. De fato, durante a pesquisa de campo, foi possível perceber o número significativo de
estrangeiros, principalmente de franceses e japoneses que prestam serviços à mineradora VSB –
Vallourec e Sumitomo do Brasil, instalada no município de Jeceaba. Segundo os gestores locais, os
principais atrativos turísticos e também visitados pelos moradores são: a cachoeira da Pedreira, as
igrejas históricas, como a da Matriz, e o Parque Natural Oswaldo Contígio. Os residentes frequentam
ainda os campos de futebol e o poliesportivo.
66
5.9 JECEABA
A história de criação e povoamento de Jeceaba (Figura 5.24) tem início em 1910, quando portugueses,
italianos e espanhóis chegaram às terras do município, para trabalhar na construção do Ramal
Paraopeba da Estrada de Ferro Central do Brasil (EFCB). Muitos deles formaram famílias e
permaneceram no local.
Nessa época, a localidade ainda era um povoado, com apenas 30 casas. Chamava–se Camapuã ("morro
redondo" em indígena) e pertencia ao município de Entre Rios de Minas. O município começou a se
desenvolver com incrível rapidez após a inauguração do Ramal Paraopeba, que ligava o povoado a
Conselheiro Lafaiete e Belo Horizonte.
Figura 5.24 – Vista parcial do Centro e da periferia de Jeceaba.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
O Decreto–Lei Estadual nº 148, de 17 de dezembro de 1938, elevou os povoados de Camapuã e
Lagoinha (hoje Jeceaba e Bituri) à categoria de distritos pertencentes ao município de João Ribeiro
(atual Entre Rios de Minas). O Decreto Estadual nº 058, de 31 de dezembro de 1943, determinou a
mudança do nome do distrito de Camapuã para Jeceaba (Yi–ecê–aba – nome também indígena que
significa “confluência de rios” ou “junção de rios”: reunião das águas). A Resolução nº 21 do Município
de João Ribeiro (MG), de 31 de agosto de 1953, aprovou a emancipação do distrito de Jeceaba, a fim de
que ele pudesse ser elevado à categoria de município na então próxima revisão administrativa do
Estado e a anexação do distrito de Bituri a esse município.
Em 12 de dezembro de 1953, sendo Governador do Estado o Sr. Juscelino Kubitschek de Oliveira, a Lei
Estadual nº 1.039 criou o município de Jeceaba, que se desmembrou de Entre Rios de Minas. Essa
mesma lei atribuiu ao município de Jeceaba o distrito de Bituri (ex–Lagoinha). A Lei Estadual nº 2.764,
de 30 de dezembro de 1962, que fixou a Divisão Administrativa do Estado de Minas Gerais, criou o
distrito de Caetano Lopes, delineado pela Lei Municipal nº 160, de 06 de julho de 1964 (JECEABA, 2017).
Segundo MANTIQUEIRA/BIODINÂMICA RIO (2017), como principais áreas de lazer utilizadas pelos
moradores e atrativos turísticos da cidade, destacam–se: as cachoeiras, igrejas históricas, praça central
e o pesque e pague. Os residentes também usufruem de campo de futebol e da quadra poliesportiva
municipal. Jeceaba não é uma cidade turística, mesmo estando próxima das principais cidades–polos de
turismo do Estado, como Ouro Preto, Mariana e Congonhas. A Prefeitura está desenvolvendo projetos
para atrair os turistas que visitam municípios circunvizinhos. Eventos de gastronomia e investimentos
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em infraestrutura nas cachoeiras foram as principais ações destacadas pelos gestores para melhorar e
desenvolver o turismo na cidade.
5.10 CONGONHAS
Por volta de 1700, alguns portugueses povoaram a Vila Real de Queluz (hoje, Conselheiro Lafaiete).
Muitos se fixaram na Vila Real de Queluz, e outros saíram em busca de ouro, fundando novos arraiais e
organizando núcleos populacionais às margens do rio Maranhão. Há alguma controvérsia sobre a data
da criação da Freguesia de Congonhas. Xavier da Veiga cita sua criação por Alvará Régio de 03 de abril
de 1745. Entretanto, o Cônego Trindade mencionava o ano de 1734; segundo ele, a Freguesia foi criada
por Alvará de 06 de novembro de 1749.
Congonhas (Figura 25) foi importante centro de mineração e produtor de alimentos. O nome Congonhas
do Campo adveio da planta congonha, um arbusto medicinal e ornamental, que é uma variedade de
erva–mate.
Figura 25 – Vista da cidade de Congonhas.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Em 1757, o português Feliciano Mendes de Guimarães fundou o Santuário de Bom Jesus de Matosinhos,
inicialmente, com apenas uma modesta cruz e oratório. Na edificação da igreja, contribuíram com
grandes quantias Francisco de Lima, Manuel Rodrigues Coelho e Bernardo Pires da Silva. Em 1787,
diante do altar–mor, foi colocada a imagem do Cristo morto; custódia e vasos sacros de prata foram
encomendados ao ourives Felizardo Mendes.
De 1769 a 1772, trabalhou ali o Mestre João de Carvalhais, na pintura do altar de Santo Antônio. Em
1819, requisitaram–se os serviços do pintor Manuel da Costa Ataíde (o “Mestre Ataíde”) para restaurar
a pintura da capela–mor. Em 1796, Antônio Francisco Lisboa, mais conhecido como Aleijadinho, recebeu
encomenda, de grande importância, para a realização de esculturas da Via Sacra e os Profetas para o
Santuário de Bom Jesus de Matosinhos, consideradas a sua obra–prima. No adro do Santuário do Bom
Jesus de Matosinhos (Figura 5.26), Aleijadinho esculpiu, em pedra–sabão, as famosas imagens dos 12
profetas em tamanho real. Além disso, as seis capelas que compõem o Jardim dos Passos, em frente à
basílica, representam a via Sacra, com belíssimas imagens esculpidas em cedro.
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Figura 5.26 – Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos: detalhe para tendas armadas em frente à
igreja. Durante a pesquisa de campo realizada na cidade, foi possível observar vestígios da festa do
padroeiro (realizada no mês de setembro), como barracas e ambulantes.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Em 1812, o Barão Eschwege instalou, no arraial, sua Fábrica Patriótica, junto com Varnhagen e o
intendente Câmara. A intenção, pioneira no País, era produzir ferro, sendo tal local situado nas margens
da Rodovia BR 040, nas proximidades da Mina da Fábrica (nome dado em alusão à "Fábrica Patriótica"),
hoje pertencente à VALE.
Em 1891, Congonhas do Campo foi ligada à comarca de Ouro Preto; mais tarde, em 1923, o distrito foi
transferido do município de Ouro Preto para o de Queluz de Minas. Nesse período, o arraial de
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Congonhas do Campo era dividido em dois grandes bairros: Matriz e Matosinhos. O lado da Matriz
pertencia ao município de Ouro Preto e o lado de Matosinhos, a Queluz de Minas, hoje Conselheiro
Lafaiete. A unificação dos dois distritos representava a mais alta aspiração de toda a população. Após a
unificação, o distrito de Congonhas do Campo passou a pertencer ao município de Queluz de Minas.
Apesar de pobre, o distrito possuía riquezas, pois seu solo era rico em ferro, calcário, cristais de rocha e
ouro. Depois da unificação dos distritos, o município de Congonhas do Campo foi finalmente criado, em
1938, juntamente com o distrito de Lobo Leite. Em 1943, um novo distrito foi incorporado ao município,
o do Alto Maranhão, transferido de Conselheiro Lafaiete, compondo uma nova divisão administrativa
formada pelos três distritos citados, que é vigente até hoje.
A Lei Estadual nº 336, de 27 de dezembro de 1948, simplificou a denominação do município, reduzindo–
a para Congonhas, sem consulta prévia à população. Em 31 de agosto de 2003, houve uma tentativa de
restaurar, através de plebiscito, o nome histórico “Congonhas do Campo”, pelo qual o município é
conhecido além de suas fronteiras. Todavia, a maior parte dos eleitores optou pela designação
Congonhas.
Com as doações de fiéis, foi construído, na segunda metade do século XVIII, o mais importante
complexo artístico e arquitetônico do Barroco, a Basílica do Senhor do Bom Jesus. O sítio histórico
guarda as principais obras do Mestre Aleijadinho, sendo 12 profetas de pedra–sabão e 64 esculturas em
cedro que narram os passos da Paixão de Cristo (CONGONHAS, 2014).
Dado o caráter religioso de seus bens materiais e imateriais, Congonhas foi, e ainda é, um grande centro
de peregrinação. Todo ano, o município reúne milhares de fiéis em busca de cura das suas aflições.
Peregrinos e romeiros visitam a cidade entre 7 e 14 de setembro, período em que é comemorado, no
município, o jubileu do Senhor Bom Jesus do Matozinhos. Além da Basílica Santuário do Bom Jesus de
Matosinhos, Congonhas possui outros importantes monumentos históricos e artísticos, bastante
procurados e visitados por moradores locais e turistas, como a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, a
Igreja do Rosário, o Museu da Imagem e Memória (Museu de Congonhas) (Figura 5.27) e o Parque da
Cachoeira.
Figura 5.27 – Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição (canto superior à esquerda), Igreja de Nossa
Senhora do Rosário (canto superior à direita) e o Museu de Congonhas (em primeiro plano).
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
70
5.11 OURO PRETO
Segundo os dados oficiais apresentados, da Prefeitura de Ouro Preto, a origem dessa cidade está no
arraial do Padre Faria, fundado pelo bandeirante Antônio Dias de Oliveira, pelo padre João de Faria
Fialho, pelo coronel Tomás Lopes de Camargo e por um irmão deste, por volta de 1698.
Pela junção desses vários arraiais, tornando–se sede de conselho, foi elevada à categoria de vila em
1711, com o nome de Vila Rica. Treze anos depois da chegada da bandeira de Antônio Dias de Oliveira
ao Sêrro do Tripuí, era já considerável o progresso do arraial das Minas. No dia 8 de julho de 1711,
Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho, Governador da Capitania de São Paulo e Minas de Ouro,
criava a Vila Rica de Albuquerque. Pouco depois, esse nome foi simplificado para Vila Rica, conforme
ordem do Governo de D. João V, que não concordou com a denominação, dada sem prévia licença régia.
Por volta de 1720, entrava Vila Rica em fase de grande prosperidade quando foi abalada por violentos
distúrbios. Em 11 de fevereiro de 1719, D. João V criou, no distrito das Minas, as casas de fundição, onde
todo o ouro extraído tinha que ser fundido, para sofrer então uma dedução correspondente ao quinto
para a Coroa, às despesas de fundição e a outras taxas. A Lei de D. João V proibia, também, a circulação
do ouro em pó. Esse novo sistema de cobrança dos quintos provocou, entre os habitantes da vila, uma
revolta, que foi abafada pelo Conde de Assumar, então Governador da Capitania. Felipe dos Santos,
chefe dos revoltosos, foi preso, julgado sumariamente, enforcado e esquartejado. O próspero arraial do
Ouro Podre, pertencente a Pascoal da Silva, foi inteiramente incendiado.
Contudo, a força do ouro, que aflorava fácil e abundante, continuou a impulsionar o progresso rápido de
Vila Rica. Em 1789, causou descontentamento geral no povo a chegada do Visconde de Barbacena, que
ali fora com o propósito de proceder à cobrança dos quintos, cujo déficit era já superior a 500 arrobas
de ouro. O lançamento da derrama deu origem à revolta que passou à história com o nome de
Inconfidência Mineira.
O grupo de conspiradores, composto de homens cultos e influentes, e que tinha no alferes Joaquim José
da Silva Xavier, o Tiradentes, seu mais ardoroso adepto, foi traído e denunciado pelo coronel Joaquim
Silvério dos Reis. Presos os chefes do movimento, Tiradentes foi enforcado e esquartejado no Rio de
Janeiro, e sua cabeça, exposta num poste em Ouro Preto, na praça que, atualmente, tem seu nome.
Outros elementos do grupo, entre os quais se encontrava o poeta Tomás Antônio Gonzaga, foram
degredados para a África; Cláudio Manuel da Costa suicidou–se, na prisão da Casa dos Contos, e os
sacerdotes cumpriram sentença em conventos de Lisboa.
No início do século XIX, a extração do ouro, que há muito vinha decrescendo, entrou em decadência.
Vila Rica começou, então, a voltar–se para outras fontes de riqueza da região. Em 1811, Eschwege inicia,
com amparo oficial, a construção da fábrica de ferro do Prata, no distrito de Congonhas do Campo,
então município de Ouro Preto, a qual entrou em funcionamento em 1812. Nessa mesma época, existia,
em Ouro Preto, uma manufatura de faiança, que mereceu de alguns observadores estrangeiros (Saint–
Hilaire e Mawe) os melhores elogios. Essa indústria desapareceu, mas a siderurgia e outros ramos
industriais se desenvolveram e mantiveram sempre o equilíbrio da economia do município.
71
Em 1823, após a Independência do Brasil, Vila Rica recebeu o título de Imperial Cidade, conferido por D.
Pedro I do Brasil, tornando–se oficialmente capital da então província das Minas Gerais e passando a ser
designada como Imperial Cidade de Ouro Preto (Figura 5.28).
Figura 5.28 – Cidade de Ouro Preto, com detalhes para a Igreja do Carmo, ao lado do Museu dos
Inconfidentes (à esquerda), e Igreja de São Francisco e a feirinha de artesanato em pedra–sabão (à
direita).
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Em 1839, foi criada a Escola de Farmácia e, em 1876, a Escola de Minas. Foi sede do movimento
revolucionário Inconfidência Mineira. Foi a capital da província e mais tarde do Estado, até 1897.
Em 1897, Ouro Preto perde o status de capital mineira, especialmente por não apresentar alternativas
viáveis ao desenvolvimento físico urbano, sendo a sede transferida para o antigo Curral Del’Rey, onde
uma nova cidade, Belo Horizonte, planejada e espaçosa, estava sendo preparada. A vetusta cidade
continuou polarizando seus distritos, sendo, contudo, o município somente a sombra do que foi outrora
o termo Vila Rica.
Em 1923, pela Lei nº 843, de 7 de setembro, emancipou–se a antiga Itabira do Campo, atual Itabirito e,
em 1953, criou–se o município de Ouro Branco, desmembrado de Ouro Preto pela Lei nº 1.039, de 12 de
dezembro.
A cidade de Ouro Preto (Figura 5.29) preservou um grande núcleo de casario colonial intacto. Suas
igrejas são particularmente célebres, muitas delas ricamente decoradas e de grande importância
artística e histórica, onde se incluem, por exemplo, as igrejas de São Francisco de Assis, a Matriz do Pilar,
a Matriz de Nossa Senhora da Conceição de Antônio Dias, a de Nossa Senhora do Carmo, a de Nossa
Senhora do Rosário dos Homens Pretos e a Capela do Padre Faria (BOHRER, 2017).
72
Figura 5.29 – Vista da cidade de Ouro Preto.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
A antiga capital de Minas Gerais conservou grande parte de seus monumentos coloniais e, em 1933, foi
elevada a Patrimônio Nacional, sendo, cinco anos depois, tombada pela instituição que hoje é o IPHAN.
Em 5 de setembro de 1980, na quarta sessão do Comitê do Patrimônio Mundial da UNESCO, realizada
em Paris, Ouro Preto foi declarada Patrimônio Cultural da Humanidade, a primeira cidade brasileira a
receber tal título. Posteriormente, em 1981, foi considerada Patrimônio Estadual, sendo reconhecida
como o maior museu ao céu aberto de Aleijadinho, devido às várias igrejas com suas obras.
O artigo 163 da Lei Orgânica do Município indica que a preservação do patrimônio cultural local far–se–
á em colaboração com a comunidade, principalmente através de sua participação no COMPATRI. A Lei
municipal nº 17/2002 regulamenta o artigo 165 da Lei Orgânica Municipal, e implanta e regulamenta o
tombamento de bens móveis e imóveis, assim como o registro dos bens imateriais pelo Município de
Ouro Preto, e dá outras providências.
Atualmente, na cidade de Ouro Preto, há três núcleos históricos (NH), três conjuntos paisagísticos (CP),
seis bens imóveis e dois bens móveis tombados em nível municipal. Um dos conjuntos paisagísticos
abrange as 10 pontes da Estrada Real Ouro Preto–Ouro Branco. Pelo IPHAN, foram tombados 47 bens,
sendo um deles o Conjunto Arquitetônico e Urbanístico de Ouro Preto. Pelo IEPHA, há apenas um bem
tombado, constituído pela Fazenda do Manso.
73
Cabe destacar que, no tocante à política municipal de proteção do patrimônio cultural, o inventário é a
forma de acautelamento mais utilizada nesse município, sendo empregado em larga escala, desde 2005.
Hoje, Ouro Preto possui mais de 1.500 bens inventariados nas diversas categorias, sendo mais
representativas as estruturas arquitetônicas e urbanísticas: mais de 50% do total. A elaboração do
inventário segue o Plano de Inventário elaborado em 2005, com aprovação do COMPATRI, conforme
determina a lei. Cabe destacar que os 12 distritos de Ouro Preto, mais o distrito–sede, foram
inventariados entre os anos de 2006 e 2013.
Como Patrimônios Imateriais Inventariados, destacam–se em Ouro Preto: as Cavalhadas de Amarantina;
Festa de São Bartolomeu; o modo de fazer o doce de São Bartolomeu; Festa de Nossa Senhora dos
Prazeres; Festa de Nossa Senhora da Lapa; Festa de Santo Antônio; Festa de Nossa Senhora dos
Remédios do Fundão do Cintra; Reinado de Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia.
5.12 MARIANA
Segundo os dados oficiais apresentados, através do site da Prefeitura de Mariana (Figura 5.30), essa
cidade foi a primeira vila, primeira capital, sede do primeiro Bispado e primeira cidade a ser projetada
em Minas Gerais. Em 16 de julho de 1696, bandeirantes paulistas, liderados por Salvador Fernandes
Furtado de Mendonça, encontraram ouro em um rio batizado de ribeirão Nossa Senhora do Carmo.
Às suas margens, nasceu o arraial de Nossa Senhora do Carmo, que logo assumiria uma função
estratégica no jogo de poder determinado pelo ouro. O local transformou–se em um dos principais
fornecedores desse minério para Portugal; pouco tempo depois, tornou–se a primeira vila criada na
então Capitania de São Paulo e Minas de Ouro. Lá, foi estabelecida também a primeira capital.
Figura 5.30 – Centro Histórico de Mariana. Detalhes para as Igrejas de São Francisco e de Nossa Senhora
do Carmo. Durante a pesquisa de campo, estava acontecendo um evento internacional de mountain
bike, conhecido como “Iron Bike Brasil”.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Em 1711, por ordem do rei lusitano D. João V, a região foi elevada à cidade e nomeada Mariana –– uma
homenagem à rainha Maria Ana d’Áustria, sua esposa. Transformando–se no centro religioso do Estado,
nessa mesma época, a cidade passou a ser sede do primeiro Bispado mineiro.
74
Para isso, foi enviado, do Maranhão, o bispo D. Frei Manoel da Cruz. Sua trajetória, realizada por terra,
durou um ano e dois meses e foi considerada um feito bastante representativo no Brasil Colônia. Um
projeto urbanístico se fez necessário, sendo elaborado pelo engenheiro militar José Fernandes Pinto de
Alpoim. Ruas em linha reta e praças retangulares são características da primeira cidade planejada de
Minas Gerais e uma das primeiras do Brasil.
Em 1945, Mariana recebe do Presidente Getúlio Vargas o título de Monumento Nacional por seu
“significativo patrimônio histórico, religioso e cultural” e ativa participação na vida cívica e política do
País, contribuindo, na Independência, no Império e na República, para a formação da nacionalidade
brasileira.
Mariana guarda relíquias e casarios coloniais que contam parte da história do País; além disso, lá
nasceram personagens representativos da cultura brasileira, entre eles, o poeta e inconfidente Cláudio
Manuel da Costa, o pintor sacro Manuel da Costa Ataíde e Frei Santa Rita Durão, autor do poema
“Caramuru”.
"A extração do minério de ferro é a principal atividade industrial do município, forte geradora de
empregos e receita pública. Seus distritos desenvolvem atividades agropecuárias e apresentam
artesanato variado, expressando a diversidade cultural de Minas Gerais" (MARIANA, 2017).
Mariana possui um enorme patrimônio arquitetônico barroco, produzido durante o Brasil Colonial e que
atrai milhares de turistas durante todo o ano. O turismo ecológico vem tendo também uma expansão
importante, contribuindo de forma significativa para o desenvolvimento do setor de serviços e
transformando Mariana em uma das cidades mineiras com o maior número de praticantes dos
chamados esportes radicais, como montanhismo e mountain bike (MANTIQUEIRA/BIODINÂMICA, 2017).
Cabe salientar que a cidade recebe boa parte do fluxo de turistas de Ouro Preto, dada a pequena
distância de 12 km. Essa integração ampliou–se com a criação do Trem da Vale, fruto da parceria entre a
Vale do Rio Doce e as Prefeituras Municipais de Mariana e Ouro Preto. Após décadas parado, o trem
turístico voltou a funcionar em abril de 2006, com viagens diárias. A Estação Ferroviária de Mariana foi
totalmente revitalizada e é um ponto turístico da cidade, além de possuir uma biblioteca, um
playground temático e um centro de mídia para a população.
Como atrações naturais, a cidade conta com várias cachoeiras: do Brumado (no distrito de mesmo
nome), da Serrinha (em Passagem de Mariana), do Cristal, da Prainha (no bairro Santo Antônio, entre o
Centro Histórico e o distrito de Passagem) e da Fumaça. Nos arredores da cidade, há ainda várias
cavernas e grutas naturais e uma montanha para prática de paraquedismo, o Pico da Cartuxa. Além dos
atrativos já citados, existem outros bastante procurados por moradores locais e turistas, como o Parque
Estadual do Itacolomi, as praças públicas e as igrejas históricas.
6. DESCRIÇÃO HISTÓRICO–CULTURAL DOS BENS DE NATUREZA IMATERIAL
A seguir, serão apresentados, separadamente, por município interceptado pela LT 345 kV Itutinga –
Barro Branco, a identificação, a caracterização e a análise dos bens culturais de natureza imaterial
acautelados pelo IPHAN: Roda de Capoeira e Ofício de Mestres de Capoeira, Toque dos Sinos e Ofício de
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Sineiro, Congadas de Minas; Ofício das Quitandeiras de Minas Gerais e Ofício de Raizeiras e Raizeiros do
Cerrado, enfatizando sua constituição como referência para a memória e identidade local. Ademais,
relacionando, caso pertinente, os bens culturais registrados e em processo de registro como outros
existentes no município em questão.
Os respectivos Mapas dos Bens Culturais de natureza imaterial dos municípios interceptados pelo
empreendimento serão apresentados, com as informações geoespaciais relevantes indicando a posição
dos bens culturais em relação à AID do empreendimento de titularidade da Mantiqueira Transmissora
de Energia S.A.
6.1 ITUTINGA
O Conselho Municipal do Patrimônio Cultural de Itutinga foi criado pela Lei nº 1.175, de 18 de março de
2009 (como já citado anteriormente). Dentre os espaços culturais, destaca–se a existência de uma
biblioteca mantida pelo Poder Público municipal, estádios ou ginásios poliesportivos e centros culturais,
além de grupos artísticos de dança, desenho, pintura e coral.
Como patrimônio imaterial, o artesanato é uma das formas mais espontâneas da expressão cultural,
destacando–se: os bordados, trabalhos e atividades com pedras preciosas e tapeçaria. Como principais
festas populares, estão a Festa de Santo Antônio, celebrada na semana do dia 13 de junho, e as festas
juninas, entre junho e julho, que são realizadas anualmente e contam com shows com bandas locais,
barracas com comidas típicas e apresentação de quadrilhas.
Segundo os gestores públicos locais, como principais patrimônios naturais, a cidade possui o conjunto
formado pelas Usinas Hidrelétricas de Itutinga e de Camargos e algumas cachoeiras, sendo as mais
frequentadas a do Raulino e a das Andorinhas.
Na esfera institucional de gestão cultural, o município é um dos poucos, onde se realizou a pesquisa,
que possui uma Secretaria específica direcionada para implementar políticas culturais em nível local. No
entanto, como se constatou em conversas com a ex–gestora da pasta, Raquel Resende, e atual
Secretária Municipal de Assistência Social, poucas ações de fato foram implementadas, principalmente
quando se refere ao patrimônio imaterial.
A atual Secretária Municipal de Cultura, Caroline Nascimento, por ser novata no cargo, achou por bem
que a equipe conversasse com a ex–secretária. As poucas ações de inventários com objetivo de mapear
as práticas culturais locais foram realizadas no âmbito do Programa ICMS Cultural do órgão estadual de
cultura, o IEPHA/MG. Mesmo assim, não foi possível o acesso a tais informações. O município instituiu a
Lei 1.523, de 05 de novembro de 2015, que estabelece normas para a proteção do Patrimônio Cultural e
cria o Conselho Municipal de Patrimônio Cultural.
A Secretaria Municipal de Cultural mantém o Centro Cultural de Itutinga, que desenvolve atividades
voltadas para a manutenção da identidade e promoção de lazer para a comunidade, como a centenária
banda de música, grupos de hip hop e teatro. No tocante à preservação das manifestações culturais
tradicionais locais, como, os Ternos de Congados e o Ofício de Quitandeiras, a Secretaria tem
desenvolvido algumas atividades/ações que contribuem para a sua manutenção.
76
Conforme relatou a gestora, a Prefeitura Municipal de Itutinga é responsável pela organização da parte
festiva da Festa do Rosário, que ocorre no mês de setembro (este ano, os festejos aconteceram entre os
dias 20 e 24), entrega das fardas aos congadeiros(as) e alimentação dos ternos convidados das cidades
vizinhas que prestigiam o evento. Além disso, em parceria com a Secretaria Municipal de Educação,
frequentemente os congadeiros são convidados para rodas de conversas com crianças e adolescentes
das escolas do município.
Outra ação que visa à valorização da cultura local foi realizada com a participação das quitandeiras. O
Poder Público local, em parceria com a EMATER, criou uma feira para a comercialização dos produtos da
agricultura familiar, artesanato local e quitandas. O evento ocorre todos os sábados, pela manhã, na
Praça da Matriz.
Com exceção das congadas e do Ofício de Quitandeiras em vigência no município, os demais bens
imateriais registrados e em processo de registro pelo IPHAN, objeto de estudo deste RAIPI, como o
Ofício de Raizeiros e Raizeiras do Cerrado e Capoeira, não se obteve informação de sua existência e seus
detentores no município de Itutinga.
Um dos bens culturais, também centenário na cidade, é a banda de música, com sede própria e aulas de
músicas gratuitas. No mês de julho, a Secretaria Municipal de Cultura promove encontro de bandas, que
reúne várias de regiões de Minas e até de outros estados. Durante as conversas realizadas com os
congadeiros e as quitandeiras, não foi possível estabelecer relação de aproximação com essa prática
cultural.
Outra manifestação cultural é a festa do padroeiro da cidade, Santo Antônio de Pádua, que se realiza no
mês de junho. Durante os festejos da celebração, acontecem novenário, quermesses com barraquinhas,
leilões na zona rural, missas e a procissão de encerramento. A cidade recebe muitos visitantes tanto das
cidades circunvizinhas como de outros lugares.
De acordo com as quitandeiras, durante o período da festa do padroeiro, recebem algumas encomendas
a mais do que costumam produzir nos outros meses. Segundo a quitandeira dona Antônia, o aumento
das vendas se deve ao número de filhos da cidade que vêm prestigiar o evento. É comum também
fazerem encomendas para levar para seus locais de moradias.
6.1.1 CONGADAS DE MINAS
Os grupos situados na cidade de Itutinga, com atividades regulares, possuem uma característica peculiar
que não é recorrente nos demais grupos por onde a pesquisa foi realizada. Os contatos e as entrevistas
com os detentores foram realizados nas suas residências, com a presença de outras pessoas da família,
como filhos/as e esposas. Os ternos sob seus comandos são nomeados em referência aos nomes de
seus capitães fundadores, por exemplo: Terno do Geraldo Delfino (Congada Nossa Senhora do Rosário)
e Terno do Vicente Ribeiro (Congada Nossa Senhora do Rosário e São Bendito).
Os grupos participam tanto das festividades regulares em homenagem a Nossa Senhora do Rosário
realizadas na sede do município quanto de celebrações festivas que ocorrem em outras cidades, tais
como: Ibituruna, Carrancas, Bom Sucesso e São João Del Rei. O costume dos ternos de irem a outras
77
cidades durante as celebrações em homenagem à santa faz parte de uma tradição de “pagar as visitas”
aos grupos que vem a Itutinga.
Estabelece–se, portanto, uma relação de reciprocidade e obrigação de retribuição, o que MAUSS (2003)
chama de “dádiva”. Os ternos de congadas que recebem os grupos de fora durante suas festividades
sentem–se na obrigação de pagar pela visita. Tal processo, além de ser importante sob a óptica da
coesão social, permite, por outro lado, que os ternos estabeleçam trocas materiais e simbólicas, que
contribuem para a manutenção do folguedo. Sem mencionar que pode ser uma forma de diplomacia
entre os municípios, que criam vínculos e estreitam relações, haja vista os ternos levarem, nas
bandeiras, os nomes de seus lugares de origem. Nesse sentido, o apoio do Poder Público aos grupos
deve ser visto pelos gestores não como mera contribuição, mas como um investimento nas identidades
culturais local e nacional.
A Festa de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito acontece no mês de setembro, sem,
necessariamente, obedecer a um calendário fixo. É organizada pela Paróquia Santo Antônio de Pádua,
com apoio da Prefeitura Municipal. Os festejos ocorrem na Capela de Nossa Senhora do Rosário,
localizada no bairro homônimo.
6.1.1.1 Terno do Geraldo Delfino (Congada Nossa Senhora do Rosário)
Rei Congo Divino Delfino de Paula, 76 anos
Conforme se observou nos relatos orais, o grupo possui mais de 100 anos de existência; seu primeiro
capitão foi José Delfino, falecido na década de 1920, e avô de Divino, atual Rei Congo. Com sua morte, a
patente de capitão foi herdada pelo filho Geraldo Delfino, que também contava com Antônio Delfino,
pai de Divino, como sanfoneiro.
Há, aproximadamente, 35 anos, seu Delfino recebeu a coroa de Rei Congo e a incumbência de levar
adiante a tradição familiar, pouco antes de falecer. Inicialmente, o grupo era formado por integrantes
de uma mesma família, porém, com o passar dos anos, outras pessoas foram sendo incorporadas ao
terno. Dos integrantes da família que deram origem ao grupo, só restam ele e sua irmã Adair Aparecida
de Paula, que é a juíza do terno. Em 2014, devido à idade avançada e a problemas de saúde, seu Divino,
que acumulava as funções de líder e Rei Congo, passou a capitania para outro membro do grupo,
Antônio Carlos Nascimento (Tito de Antônio Tavares). Na ocasião, não foi possível estabelecer contato,
já que ele não se encontrava na cidade.
No período dedicado às festividades em louvor a Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, o terno de
congada cumpre uma agenda de compromissos. Durante o período, acontecem novenas, missas e
procissões. No ano de 2017, as festividades realizaram–se entre os dias 20 e 24 de setembro. O
hasteamento do mastro, em frente à capela dedicada à santa, ocorre 10 dias antes, com a presença dos
dois ternos de congadas da cidade de Itutinga.
78
Durante o período de celebração, várias atividades religiosas são realizadas, como missas, terços,
leilões, etc. Somente no último dia de festa é que os ternos de congada das cidades vizinhas participam
do evento –– é quando são oferecidos os almoços patrocinados pela Prefeitura. Na procissão de
encerramento, o reinado, que é composto pela realeza, incluindo o Rei Congo e a Rainha Perpétua,
juntamente com a imagem de Nossa Senhora e São Benedito, é conduzido pelos ternos de congadas e
segue em cortejos pelas principais ruas, até a capelinha.
O grupo não possui registro jurídico, estatuto ou Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ). Os
instrumentos e os adornos da congada são guardados em várias residências; o mastro, na casa do Rei
Congo; parte dos instrumentos fica sob a responsabilidade da juíza e outra, sob a tutela do atual
capitão.
A congada conta com a participação de algumas pessoas; uma delas é Terezinha Cândico, esposa de seu
Divino. Ela contou que já acompanhou o grupo em muitas pagas de visitas, mas, há uns cinco anos,
parou por motivos de saúde. No entanto, na época da festa, continua recebendo os grupos na sua casa e
oferece lanche para os integrantes. “Antigamente, para pôr o grupo na rua, a gente mesmo fazia os
uniformes, pedia uma ajuda a um e a outro, e assim fazia. Fiz muita farda, enfeitei muitos capacetes
com fitas” (Terezinha, em entrevista realizada em sua residência em 23/08/2017) (Figura 6.1).
Figura 6.1 – Reis Congos de Itutinga: Divino e Terezinha.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Atualmente, o grupo enfrenta dificuldades de várias ordens, desde questões de manutenção de
uniformes, instrumentos, recursos para realizar “as pagas de visitas”, até inexistência de sede própria
para ensaios, armazenamento dos instrumentos e, principalmente, escassez de crianças e jovens no
terno.
No que se refere aos pagamentos de visitas, a Prefeitura, através da Secretaria de Cultura, tem
disponibilizado transporte, que leva o grupo para prestigiar algumas celebrações da região; mas nem
todas as solicitações dos integrantes da congada são atendidas. “A gente vai tocando até quando der, é
difícil, […] As pessoas mais jovens não se interessam em participar. Os congadeiros velhos morrem e não
tem quem ocupe o lugar dele no grupo” (Divino, em entrevista realizada em sua residência, em
23/08/2017).
79
Quanto aos instrumentos (sanfona, afoxé e caixas) utilizados pelo grupo, seu Divino afirmou que,
recentemente, o grupo recebeu alguns, doados por um deputado. Outro fato que contribui para a
desvalorização da congada é a pouca participação da comunidade nos festejos, afirma seu Divino.
Não foi percebido nenhum tipo de conflito entre o grupo e o padre ou outra instituição religiosa local.
De acordo com a fala do em entrevistado, a congada é bem aceita pelo padre da cidade, inclusive os
ritos católicos, como missa e procissão da Festa de Nossa Senhora do Rosário; e a elaboração de
panfletos e cartazes fica a cargo da secretaria paroquial. Ainda pensando sobre a existência de conflitos,
seu Divino deixou transparecer que, por de trás da “boa relação” que mantém com o capitão Juca, líder
da congada Vicente Ribeiro, há uma certa rixa. Para ele, “há um quê de rivalidade entre os congados”.
Apesar de os capitães não estabelecerem aproximações e vínculos afetivos, há respeito um pelo outro.
A fé que se nutre por Nossa Senhora do Rosário é o elemento que os une, mesmo que cada grupo tenha
suas diferenças.
Questionado sobre a importância do registro das Congadas de Minas como Patrimônio Imaterial
brasileiro, seu Divino, embora tenha se esforçado para entender sobre o que se tratava, afirmou: “Se for
trazer algum benefício, será muito bom porque as congadas precisam de muita ajuda. Tudo hoje é muito
difícil” (Divino, em entrevista realizada em sua residência, em 23/08/2017). Na opinião dele, a fé em
Nossa Senhora do Rosário é o principal motivo que o faz continuar a manter a tradição, iniciada pelos
seus avós lá no passado.
Em relação a possíveis impactos causados pela obra, especificamente no terno de congado, seu Divino
não soube responder. No entanto, quando indagado se lembrava algum fato ocorrido na época da
construção das outras linhas de transmissão instaladas no município, ele afirmou recordar–se de que a
cidade recebeu muita gente de fora, mas que não chegou a interferir no andamento do terno. Lembra
que a obra gerou alguns empregos para as pessoas da comunidade e que, durante a permanência dos
operários, nenhum procurou seu terno para se integrar ou saber detalhes.
6.1.1.2 Terno do Vicente Ribeiro (Congada Nossa Senhora do Rosário e São Benedito)
Capitão Jhuca – Geraldo Alberto da Silva, 67 anos
Assistente de terno – Maria Selma da Silva, 40 anos
O capitão de congado Jhuca, como é conhecido na comunidade, nasceu e se criou na Fazenda Capão
Alto, município de Itutinga. Ainda por volta dos 10 anos de idade, começou a dançar no grupo
comandado por seu tio Zé Patrício, que residia na cidade. Com seu falecimento, o terno passou para o
irmão dele, Vicente Ribeiro, que era também irmão de dona Trindade, que viria a se casar com seu Juca
–– o que reforça a ideia de que o congado é uma tradição que está na família por algumas gerações.
O tempo passou, e os irmãos Jhuca e Valdivino da Silva permaneceram como dançadores e “bois de
guia” de capitão. De acordo com seu Juca, trata–se uma espécie de assistente de capitão. Significa dizer
que o dançador deve ficar atento aos comandos emitidos pelos sons do apito durante o período em que
o grupo está em atividade. “Você sabe, de acordo com cada som do apito, o tipo de movimento que
deve ser feito: se é para continuar ou se para parar de caminhar”, complementou o capitão Jhuca.
80
O capitão Jhuca reside no bairro do Rosário, desde 1990; antes, morava na zona rural. Mesmo tendo
sido escasso o tempo de permanência na localidade, pôde–se perceber que a população é
majoritariamente composta por pessoas negras. A comunidade, embora esteja próxima do Centro,
apresenta características de periferia, com algumas residências com construções inacabadas, e o fato de
ser separada do resto da cidade pela Rodovia BR‐265.
Na localidade, existem alguns equipamentos urbanos, como uma praça e um ginásio poliesportivo onde
são oferecidas atividades de esporte e lazer para crianças e jovens. Conta também com a construção
dois marcos edificados que contribuem para reforçar a religiosidade, que são a capela e a gruta, ambas
em homenagem a Nossa Senhora do Rosário, como demonstra a Figura 6.2.
Figura 6.2 – Gruta de Nossa Senhora do Rosário, localizada no bairro do Rosário.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Em 2011, quando o capitão Vicente Ribeiro faleceu, seu Juca recebeu a incumbência de prosseguir com
o terno, agora na função de líder do grupo. Portanto, a capitania que lhe foi conferida gira em torno de
seis anos. Porém, antes do falecimento do ex‐capitão, seu Juca já vinha realizando atividades inerentes
ao posto de liderança, mas ainda não tinha assumido formalmente o cargo. Atualmente, os postos de
primeiro e segundo capitão são, respectivamente, assumidos por Jhuca e seu irmão Valdivino.
Pelo que se observou, a homenagem feita ao ex–capitão Vicente Ribeiro não se limita apenas ao fato de
ele ter liderado o grupo por longos anos –– deve–se também ao seu empenho à frente da construção da
capelinha em homenagem a Nossa Senhora do Rosário no bairro que recebeu o mesmo nome. Ao
contrário de muitas igrejas dedicadas a essa santa, cuja historiografia afirma terem sido erguidas pelos
escravos, a capelinha de Nossa Senhora do Rosário de Itutinga foi inaugurada em 1987, no século
passado, como mostra a Figura 6.3.
81
Figura 6.3 – Vistas externa e interior da Capela de Nossa Senhora do Rosário, localizada no bairro do
Rosário.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Conforme relataram os entrevistados, a preocupação do capitão Vicente Ribeiro, ao repassar o legado,
tinha como principal objetivo não deixar o congado acabar. “Eu peguei o congo dele para não deixar se
perder, porque o povo novo de hoje não gosta dessas coisas. Aí, a gente, que é mais velha, conserva
aquilo para mostrar às pessoas mais novas.” (Capitão Jhuca, 23/08/2017)
De acordo com o capitão Jhuca (Figura 6.4), a origem das congadas está diretamente ligada ao período
da escravidão do Brasil; ele se refere ao período como o “tempo dos escravos”. Antes de narrar sobre o
mito fundador dos ternos de congados e a devoção a Nossa Senhora do Rosário, fez o gesto com a mão
em direção à parede de sua sala, para mostrar as imagens da Santa e de São Benedito, em sinal de fé.
Em seguida, discorre sobre o fenômeno de aparição da santa aos antigos escravos:
A religiosidade popular está presente no universo das congadas a partir de um repertório de crenças
que vai da religião católica às religiões de matrizes africanas. Essa pluralidade persiste mesmo com o
processo de cristianização imposto pela Igreja Católica desde o período da colonização. Para o capitão
Juca, durante os festejos de congada, é preciso se proteger, e que, antes de sair para a rua, o terno
inteiro reza uma oração para benzer o corpo; em seguida, cada integrante passa a bandeira de Nossa
Senhora do Rosário na cabeça. Feito isso, o terno está pronto para dançar em homenagem à santa.
Atualmente, o terno conta com a participação de 30 componentes, a maioria formada por entes
familiares, como filhos, filhas e netos, e alguns vizinhos. No entanto, o grupo não possui registro
jurídico, estatuto ou CNPJ. Os instrumentos e adornos do grupo são guardados na residência do capitão.
É interessante destacar que os dançadores são apenas homens e que as mulheres participam do grupo
conduzindo as bandeiras; outras maneiras de as mulheres participarem é confeccionando os adereços e
82
preparando as comidas. Para entender as relações de gênero, basta verificar que o comando do grupo
está sob a liderança de dois homens. A participação de mulheres, de fato, restringe–se ao posto de
bandeireiras, como é o caso das filhas do capitão Juca.
Como é de costume, além de o terno participar das festividades em homenagem a Nossa Senhora do
Rosário na própria cidade, seus integrantes também prestigiam os eventos dedicados à santa nas
cidades vizinhas, como Ibituruna, Carrancas e São João Del Rei, mediante a formalização de convites.
Para isso, o Poder Público municipal contribui com o transporte para conduzir os integrantes do terno
até o local das festividades.
Figura 6.4 – Residência do capitão Jhuca (à esquerda) e o capitão com sua filha Selma.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Em relação aos uniformes e os instrumentos utilizados, houve poucas mudanças. Ainda é mantido o uso
de calças e camisa de cor branca e um chapéu confeccionado com papelão recoberto de papel crepom
colorido. O uso das camisetas brancas, doadas pela Prefeitura e com os desenhos de Nossa Senhora do
Rosário e São Benedito impressos no tecido, talvez seja o elemento externo ao grupo que melhor
representa essa mudança. “Antigamente –– comentou Jhuca ––, nossa mãe comprava o pano e fazia os
uniformes.”
Os instrumentos usados pelo grupo são, basicamente, os mesmos dos seus familiares congadeiros já
falecidos, sanfona e ganzás (uma espécie de caixa retangular de madeira revestida de couro). Com
exceção da sanfona, que pertence a um integrante do terno, os demais instrumentos ficam guardados
na residência do capitão.
Conforme afirmou a assistente do terno Selma, filha de Jhuca (Figura 6.4, anterior), esse tipo de ajuda
que o Poder Público passou a disponibilizar é recente. Antes, os gastos com os transportes para realizar
as “pagas de visitas” em outras localidades e custear os uniformes ficavam a cargo da própria congada,
que se mobilizava e pedia doações aos comerciantes locais e moradores para pagar os gastos e,
portanto, colar o terno na rua. Como se observa, a ajuda do Poder Público, além de ser recente, ainda é
muito escassa. Durante a entrevista realizada em 23 de agosto de 2017, o capitão Jhuca ainda não tinha
recebido o comunicado da Prefeitura, avisando sobre a doação dos novos uniformes para os integrantes
do grupo, o que demonstra um certo descaso com a manutenção da prática.
83
Sobre essa questão, as opiniões dos entrevistados são divergentes. O Rei Congo Divino entende que o
Poder Público local não dá a atenção que o grupo merece. Já para o capitão Jhuca, a Prefeitura, hoje,
tem ajudado na manutenção dos festejos, não só contribuindo com a doação dos uniformes e
fornecimento dos transportes para retribuir as pagas, como também oferecendo as refeições para os
ternos visitantes que prestigiam a festa de Nossa Senhora do Rosário. São usadas dependências da
Escola Municipal Erineia Maria Inácia de Carvalho Silva, por exemplo, a cozinha e o salão. Conclui Jhuca
que, antes, essas despesas também ficavam a cargo do terno, e as refeições eram servidas aos
dançadores em sua residência.
A respeito das memórias relacionadas às festas de congadas na sua época de juventude, o capitão Jhuca
relembrou e destacou algumas mudanças: “Tinha um senhor aqui que dava os almoços. A gente comia
no terreiro porque no lugar não cabia o grupo todo, era uma casinha simples.” (Capitão Jhuca, em
entrevista realizada em 23/08/2017).
Faltando alguns dias para o início do hasteamento dos mastros, o grupo costuma reunir e realizar alguns
ensaios. Saem em filas pelas ruas do próprio bairro e também no pátio da capela.
Atualmente, as festividades em homenagem a Nossa Senhora do Rosário e São Benedito em Itutinga
geralmente se inicia na quinta–feira e finda no domingo. Porém, 15 dias antes, acontece o hasteamento
dos mastros no pátio da capelinha, localizada no bairro do Rosário. No ano de 2017, a festa aconteceu
entre os dias 20 e 24 de setembro. No último dia de festejos, quando se reúnem os dois ternos da
cidade e os ternos visitantes, conforme pontuou o capitão Jhuca, seus integrantes dançam e desfilam
pelas ruas o dia inteiro, só parando para o almoço. Pouco antes de a procissão sair da Igreja Matriz com
destino à capelinha do Rosário, o que ocorre no fim da tarde, os ternos se dirigem às residências das
Rainhas e do Rei Congo e, em cortejo, os conduzem até a igreja.
Os devotos que pleiteiam assumir o posto de Rainha, ou porque realizou uma promessa, ou somente
por devoção à santa, procuram os capitães para fazer o comunicado, ou são convidadas por eles. Esse
comunicado prévio é importante porque facilita a logística de busca do Reinado. Às Rainhas é solicitada
uma contribuição, dentro das posses de cada uma, para ajudar nas despesas do terno para ano
seguinte.
Ao instigá–los sobre as dificuldades enfrentadas na manutenção do folguedo, talvez por modesta, o
capitão Jhuca afirmou que, quando se trabalha para Nossa Senhora do Rosário, não há dificuldade; além
do mais, conta com a ajuda de suas filhas. Porém, aos elementos concretos, começam a surgir em suas
falas como desvalorização dos ternos pela própria comunidade, pouco interesse dos jovens pela
congada. Sobre esse último, Jhuca se arisca a firmar que os jovens sentem vergonha de dançar no terno.
“Tem gente que acha um absurdo a gente ‘tá’ fazendo isso, porque é coisa de escravo; eu,
particularmente, gosto. Eu só não danço porque o terno de papai não aceita mulher.” (Selma, em
entrevista realizada em 23/08/2017)
Por último aproveitou–se para questioná–los sobre os possíveis prováveis impactos ocorridos durante a
implantação das outras linhas de transmissão existentes no território do município. Dona Trindade,
esposa de seu Jhuca, afirmou que a cidade recebeu muitos trabalhadores oriundos de vários lugares.
84
Ressaltou que a obra também gerou emprego para a comunidade; um dos irmãos de seu esposo até
trabalhou na montagem das torres. “Eu lembro que era um movimento medonho, mas não chegou a
interferir na congada”, disse Trindade.
Para o capitão Jhuca, o maior movimento de pessoas no município ocorreu durante a exploração do
garimpo no leito do rio Grande nas Minas, em meados do século XX. Na época, era comum a existência
de conflitos entre os próprios garimpeiros, causados por disputas de territórios. Relatou também que os
impactos negativos na dinâmica social do lugar ainda podem ser vistos nos dias atuais, mesmo depois de
vários anos da proibição da atividade. Na cidade, há muitos filhos de garimpeiros sem o reconhecimento
da paternidade. Naquela época, era comum os trabalhadores engravidarem as moças do lugar e não
darem a assistência devida.
6.1.2 OFÍCIO DE QUINTANDEIRAS
Toninha – Antonia da Silva, 63 anos
Cidinha – Maria Aparecida Custódio, 51 anos
Natural da zona rural de Carrancas, município vizinho a Itutinga, Toninha começou a trabalhar com
apenas 8 anos de idade, em fazendas da região, consequentemente foi durante sua precoce inserção no
mundo do trabalho doméstico que se deu o aprendizado das quitandas. O fato de observar suas patroas
fazendo as quitandas foi suficiente para que rapidamente aprendesse o ofício, em alguns casos, já
colocando literalmente a mão na massa na modelarem dos biscoitos, em outros, buscando lenha para
aquecer o “forno de cupim”4 (Figura 6.5), como são conhecidos na região.
Figura 6.5 – Cupinzeiro que era usado como forno de assar quitanda.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
4
A origem do nome não remete apenas ao simples fato de haver semelhança com a casa dos cupins; era comum
usar cupinzeiros como fornos para preparar assados. Vale destacar que os cupinzeiros são muito comuns na região
de Cerrado, o que talvez seja um dos motivos de seu uso como forno. Atualmente, não é comum ver fornos dessa
natureza; pelo menos, não foram vistos durante a pesquisa. Os tradicionais fornos a lenha de assar quitandas são
construídos com tijolos, barro e argamassa, e o que se preserva da antiga técnica é seu formato, que lembra o
cupinzeiro. Daí o nome “forno de cupim”. Mas, embora várias quitandeiras ainda assem suas quitandas em fornos
como esses, muitas já aderiram aos fornos movidos a gás de cozinha ou a energia.
85
Quando se casou, Toninha continuou trabalhando nas fazendas, agora fazendo quitandas também para
o consumo interno. Para fazia parte da rotina das casas de fazendas fazer bolos, biscoitos, broas e roscas
para a merenda, já que, na “roça” (termo usado para se referir ao contexto rural), não havia padarias.
Assim, as quitandas eram uma forma de diversificar a alimentação, usando parte da produção e ovos,
nata, manteiga, leite, fubá, etc., para transformar em quitandas.
No discurso de dona Toninha, as quitandas sempre aparecem associadas ao termo “merenda”, que quer
dizer “hora do lanche” ou “quebra–jejum”. É a pausa para uma conversa regada a café com quitanda.
Ela somente passou a comercializar suas quitandas quando se mudou para Itutinga, há 18 anos; antes,
fazia só para o consumo da família. "Quando cheguei aqui, logo comecei a fazer biscoitos, broas e
roscas; as pessoas foram gostando, de modo que não demorou muito, eu já estava recebendo pedidos
de encomendas. Depois disso, não parei mais." (Toninha, em entrevista realizada em 24/08/2017)
Posteriormente, em 2011, quando a Prefeitura Municipal de Itutinga e a EMATER criaram a Feira da
Agricultura Familiar, que acontece ainda hoje, aos sábados, na Praça da Matriz, dona Toninha passou a
expor suas quitandas. No local, são comercializadas frutas e verduras, artesanato em tecido, doces e
quitandas. O Poder Público, através de suas instituições, além de contribuir com a estrutura dos espaços
e treinamentos, não cobra impostos dos feirantes pelo uso desses espaços.
É das vendas das quitandas que muitas mulheres retiram parte do sustento da família. Dona Toninha,
que produz suas quitandas artesanalmente, conta com ajuda de uma de suas filhas (Figura 6.6).
Possivelmente, nessa parceria, já está implícita a transmissão de saberes do ofício de quitandeira, que
geralmente é passado entre pessoas do contexto familiar, embora não seja uma regra.
A própria Toninha (Figura 6.6) aprendeu o ofício com suas patroas, e não com sua mãe. Para dar conta
das encomendas de quitandas e também para vendê–las na feira, ela começa a produção nas quartas–
feiras, primeiro preparando os biscoitos, rosquinhas (de coco, amendoim e nata); depois, nas sextas–
feiras, as broas de fubá, e, por último, as roscas (pães). Segundo ela, esse planejamento é fundamental,
pois os que requerem mais trabalho, como é o caso das rosquinhas, são preparados primeiro. Para
poder dar conta da demanda, as encomendas de quitandas encerram–se às quintas–feiras.
Para atender à demanda, Toninha teve que adequar um espaço somente para a produção das
quitandas. A cozinha está equipada com forno de tambor a lenha –– uma versão moderna do antigo
forno de cupim, adaptação feita a partir de barril de óleo lubrificante, bancadas de mármore, paredes
revestidas com cerâmica, armários e geladeira para uso exclusivo da fabricação de quitandas. Do lado
externo do cômodo, é armazenada a lenha usada para assar as quitandas, conforme apresenta a Figura
6.6. A lenha utilizada na produção é adquirida de produtores rurais que vendem madeira na cidade.
86
Figura 6.6 – Local destinado para preparação das quitandas, e Cláudia, filha de dona Toninha, assando
as rosquinhas.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Os ingredientes básicos usados na elaboração das quitandas são farinha de trigo, polvilho, fubá,
manteiga, nata, leite, ovos e amoníaco (Bicarbonato de Amônio ‐ uma espécie de fermento químico
usado na preparação de quitandas). Alguns insumos são adquiridos diretamente dos produtores rurais;
outros são comprados nos mercados da cidade. Os equipamentos e utensílios utilizados na produção de
quitanda são bacias grande de alumínio, tabuleiros de alumínio e baldes de plástico com tampas.
Durante a visita à casa da quitandeira Toninha (Figura 6.7), teve–se a oportunidade de presenciar a
produção de rosquinhas de nata –– é uma tarefa que exige delicadeza, paciência e, sobretudo,
habilidade manual. Primeiramente, pega–se uma porção da massa, pressionando–a contra o mármore e
fazendo movimentos de vaivém, até formar um rolinho fino. Feito isso, juntam–se as pontas e dá–se o
formato redondo entrançado. Talvez a origem da rosquinha tenha relação com esse movimento
roscado. Uma a uma, elas são moldadas; em seguida, dispostas no tabuleiro enfarinhado para ir ao
forno. A precisão é tanta, que todas saem do mesmo tamanho.
Figura 6.7 – Quitandeira Toninha preparando a massa das quitandas, fazendo a modelagem das
rosquinhas e tabuleiros com as rosquinhas assadas.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
87
Para a quitandeira, durante os períodos festivos, a produção das quitandas aumenta significativamente,
tanto nos pedidos de encomendas como nas vendas diretas na feira. A festa do padroeiro Santo Antônio
de Pádua é o principal evento que atrai para a cidade pessoas de outros municípios de Minas Gerais e
até de outros estados. A maioria são itutinguenses que residem fora e que, nessa época, retornam à
cidade para rever parentes e amigos. Então, as quitandas não podem faltar quando o assunto é
celebração, afirmou Toninha.
Embora, inicialmente, o aprendizado tenha se dado a partir da observação do modo de fazer quitandas
de pessoas do convívio cotidiano, Toninha, com o tempo, foi copiando as receitas em cadernos; outras
lhe foram presenteadas (Figura 6.8). O fato é que ela possui um arquivo significativo de receitas antigas,
garimpadas durante a vivência experimentada com suas ex–patroas. Algumas receitas estão
manuscritas em folhas soltas e já amarelas pela ação do tempo; outras, em cadernos.
Nenhuma das quitandeiras que participaram da pesquisa nos outros 11 municípios apresentou algo
semelhante. Sempre que possível, revisita suas receitas para não esquecer, ressaltando que aquelas
mais usadas já estão decoradas. Pelo que se pôde observar, Toninha não guarda os registros das
receitas apenas por gostar: há um senso de preservar o modo de fazer quitandas para além do modo
sensível (olhar e falar) para seus netos e bisnetos. As receitas compõem um objeto à parte, dentro do
universo das quitandeiras, e que deve ser mais aprofundado durante a pesquisa que vai embasar o
pedido de registro.
Figura 6.8 – Quitandeira Toninha folheando, e seus cadernos de receitas com detalhes de receitas
escritas à mão.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Questionada sobre os possíveis prováveis impactos que poderão ocorrer durante a implantação das
linhas de transmissão que estão projetadas para atingir o território do município, a quitandeira Toninha
supõe que, se a cidade passar a receber um maior fluxo de pessoas de outros lugares em função da
obra, poderá ser positivo para o negócio das quitandas, pois vai haver maior consumo. Além disso, seus
produtos passarão a ser conhecidos em outros lugares, já que esses trabalhadores comprarão seus
produtos para outras pessoas saborearem. No entanto, ela reconhece que pode haver desmatamento
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de árvores nativas ou até mesmo de plantação de eucalipto (tipo de lenha que ela usa), o que é um
ponto negativo.
Já a quitandeira Cidinha, como é conhecida na cidade, cresceu observando sua mãe fazer as merendas,
mas foi trabalhando como doméstica nas casas de famílias em que aprimorou suas habilidades:
Após se casar, continuou aprimorando seus dotes de quitandeira, mas fazia suas iguarias apenas para a
família, ao mesmo tempo em que desempenhava a atividade de doméstica na casa de família. Em 2011,
sua irmã, que já vendia verdura na feira, conhecendo seu talento na cozinha, convidou–a para montar
uma barraca e vender quitandas –– foi assim que tudo começou. Ela disse que, por não ter dinheiro,
preparou pouca coisa com receio de não vender; mas, para sua surpresa, tudo que levou foi consumido.
A partir desse dia, os clientes passaram a comprar seus produtos, tanto solicitando–os por encomendas
como comprando–os diretamente na feira.
Hoje, assim, como Toninha, ela é uma das quitandeiras assíduas da feira; chega a desmanchar cerca de
40 quilos de farinha em quitandas, por semana. Seus produtos são feitos artesanalmente e conta com a
ajuda de uma filha adolescente tanto na confecção das quitandas como na venda nas feiras, aos
sábados. Além de quitandas como broinhas de queijo, de coco, de quilhada, amendoim, roscas,
rosquinhas, bolo de banana, bolo de milho e pamonha de fubá (também conhecido como porrete), ela
também faz doces caseiros de goiaba, leite, banana e geleias de jabuticaba. Cidinha não tem o hábito de
anotar as receitas das quitandas e doces em cadernos, assim como faz Toninha. Costuma guardá–las e
apelar para a memória. Como ela mesma disse, “guarda na cachola”.
Para atender à demanda dos clientes, ela inicia o preparo de suas quitandas às quintas–feiras, dando
prioridade à produção de biscoitos e rosquinhas, e deixa para fazer os pães e bolos às sextas–feiras. O
preparo de doces e geleias não tem dia certo, mas, geralmente, começa no início da semana. A feira é
frequentada tanto por pessoas da cidade como por turistas que estão de passagem em direção a
Carrancas, onde há balneários e cachoeiras. Cidinha (Figura 6.9) não esconde a satisfação de fazer parte
do grupo de mulheres que trabalha na feira, exibindo a identificação que ornamenta sua banca
entalhada em madeira com o dizer “Quitandas”.
A Universidade Federal de Lavras (UFLA) é uma das instituições que integram o projeto; tem ministrado
cursos de orientação e treinamento sobre manipulação de alimentos e boas práticas de fabricação. O
projeto, intitulado “Fortalecimento do pensamento e articulação cooperativista/associativista na
microrregião de Lavras, MG”, contou com a participação dos Departamento de Administração e
89
Economia (DAE) em parceria com o Departamento de Nutrição (DNU) da referida universidade5. Embora
o intuito do projeto também seja incentivar os produtores a se organizarem em instituições associativas,
as quitandeiras ainda vendem seus produtos de forma individual. Além da parceria com a universidade,
o projeto conta com a participação da EMATER e da Prefeitura local.
Figura 6.9 – Quitandeira Cidinha segurando a placa com o dizer “Quitandas”, que identifica sua barraca
na feira, aos sábados.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Ao ser questionada sobre o que mudou no modo de fazer quitanda desde quando ela aprendeu até
hoje, afirmou que algumas coisas mudaram; por exemplo, os insumos, como polvilho e fubá, que agora
estão disponíveis para venda nos supermercados. Antigamente, para conseguir o polvilho, era preciso
plantar a mandioca, esperar ficar no ponto para fazer a farinha. O mesmo acontecia com o milho, que
era triturado no moinho movido pela força das águas (roda d’água). “A gente ainda se esforça pra fazer
a quitanda como antigamente, comprando alguns produtos da roça, como ovos, leite, nata e manteiga”,
ressaltou Cidinha.
Para reforçar o discurso da autenticidade, ela fez questão de mostrar que suas quitandas são assadas no
forno a lenha (Figura 6.10), característica que dá um sabor especial aos assados. Além do forno a lenha,
outros utensílios são necessários para a produção das quitandas, como bacias de plástico para misturar
a massa, mesa ou bancada para espalhar a massa, colher de pau e tabuleiros. A madeira usada para
assar as quitandas é comprada na zona rural, mas tem certificação legal. Como disse, ainda consegue
comprar por um preço mais acessível que a madeira de eucalipto oriunda de reflorescimento. Talvez
não hoje, mas futuramente, ela possa encontrar alguma dificuldade para conseguir lenha que não seja
certificada pelos órgãos ambientais.
Ao mesmo tempo em que se observa a manutenção de elementos da tradição no ofício de quitandeira –
– que legitima a ideia de um passado ––, outras modificações são introduzidas pela própria dinâmica
sociocultural. É o caso de clientes que seguem dietas restritivas, como diabéticos, celíacos e outros, mas
5
Para mais informações, consultar: http://www.ufla.br/ascom/2015/09/24/feirantes–de–itutinga–e–itumirim–
recebem–orientacoes–sobre–gerenciamento–e–preparo–de–alimentos–saudaveis/
.
90
querem consumir quitandas. Para atender esse público, a quitandeira mescla as quitandas tradicionais
com outras com baixo teor de açúcar, os chamados diets, sem glúten e sem lactose, a exemplo do bolo
de milho com adoçante, da broa de fubá e bolo de laranja. Além disso, faz bolos decorados para
aniversário e casamento, sob encomenda.
Nos períodos festivos, como a Festa do Padroeiro Santo Antônio de Pádua, em julho, Festa de Congado,
em setembro, e comemorações natalinas, as vendas de quitandas aumentam significativamente, uma
vez que a cidade recebe pessoas naturais do lugar, mas que residem em outras cidades e estados.
Percebe–se, portanto, que há uma relação de reciprocidade entre o ofício de quitandeira e outras
manifestações culturais existentes na localidade.
Figura 6.10 – Quitandeira Cidinha mostrando o forno a lenha onde assa as quitandas.
Fonte: Equipe Biodinâmica, 2017.
Mesmo reconhecendo que a feira é um espaço privilegiado para exporem seus produtos, as feirantes
não estão organizadas em coletivos ou associações –– cada uma trabalha individualmente, em suas
casas. O fato de trabalharem isoladamente dificulta enfrentar a concorrência dos produtos que são
industrializados, como é o caso dos biscoitos de São Tiago.
Segundo Cidinha, todos os sábados, um comerciante encosta seu carro próximo às barracas da feira e
expõe seus produtos a preços bem inferiores àqueles praticados pelas quitandeiras. Portanto, uma
estratégia para enfrentar esse tipo de concorrência seria criar uma associação de quitandeiras. Formada
a associação, elas poderiam fazer compras coletivas de insumos a preços mais competitivos, o que
resultaria na diminuição do valor do produto final.
Quando questionada sobre os prováveis impactos que poderão ocorrer durante a implantação das
linhas de transmissão que estão projetadas para atingir o território do município, a quitandeira Cidinha,
assim como Toninha, supõe que, se a cidade passar a receber um fluxo maior de pessoas de outros
lugares em função da obra, isso poderá ser positivo, uma vez que as pessoas poderão comprar as
quitandas e levar para seus familiares nos lugares de origem: “Isso significa que vai ter mais pessoas
consumindo nossas quitandas”, acrescentou.
91
6.1.3 MAPA DOS BENS CULTURAIS DE ITUTINGA
93
6.2 NAZARENO
O Conselho Municipal de Patrimônio Cultural (COMPAC), criado pela Lei nº 956, de 12 de abril de 2005,
é o órgão responsável pela preservação do Patrimônio Histórico e Cultural de Nazareno (como
mencionado anteriormente).
Atualmente, o município de Nazareno possui quatro bens tombados pelo COMPAC e 50, inventariados.
Dentre os principais, destacam–se: os casarões coloniais, igrejas históricas, sendo a principal a de Nossa
Senhora de Nazaré, a Estação Ferroviária e as cachoeiras. Como principais patrimônios naturais, a
cidade possui o rio Grande e o rio das Mortes, a Represa dos Camargos, além de cachoeiras, sendo a da
Usina a mais conhecida.
A Secretaria de Cultura, Meio Ambiente, Esporte e Lazer, através de seu Departamento de Cultura, no
que se refere à proteção do patrimônio imaterial, apesar de reconhecer os referidos bens culturais de
natureza imaterial, não implementou medidas de salvaguarda que garantissem sua continuidade. A
prova de que o município não tem criado ações de salvaguarda para os bens reconhecidos em nível local
é que o terno de Catupé, praticamente, acabou; ou seja, poucas ações institucionais têm sido
implementadas para preservar a memória e a identidade locais.
O município de Nazareno, dono de um rico legado histórico (Figura 6.11) que contribui para o
fortalecimento da identidade local, regional e, também, nacional, possui poucos registros materiais que
comprovem tal relevância. O casario antigo originário do período colonial, que poderia ser uma fonte de
registro do passado histórico, já não existe; o mesmo se pode dizer dos documentos escritos e
fotográficos. Não há, portanto, na cidade, um museu ou arquivo público que possam preservar a história
do seu povo. E a única biblioteca municipal encontra–se fechada para o atendimento ao público.
Figura 6.11 – Aspecto dos casarios e equipamentos urbanos tombados pelo Departamento de Cultura
de Nazareno.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
A partir de visitas a instituições e órgãos públicos, como o Departamento de Cultura, Secretaria
Paroquial e EMATER, foi possível sondar sobre a existência de bens culturais registrados e em processo
de registro pelo IPHAN no território. O objetivo foi reunir o maior número de informações para, a partir
de então, começar a contatar os informantes.
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Através do contato com o diretor de Cultura do município, Marinho Carvalho, e de outros informantes
locais, foi que a equipe chegou aos detentores dos bens culturais reconhecidos e em processo de
reconhecimento pelo IPHAN, existentes no município, como mestre de capoeira, quitandeira, capitão de
congado e raizeira.
6.2.1 CAPOEIRA E OFÍCIO DE MESTRES DE CAPOEIRA – Grupo de Capoeira Biriba de Ouro
Mestre Tio – José Luiz Mendes Coelho, 49 anos
José Luiz iniciou sua prática na capoeira aos 12 anos de idade, em Lima Duarte, na década de 1980, e
formou–se mestre aos 45 anos. Foi aluno do Mestre Lula e se tornou mestre em Juiz de Fora (MG), pelo
Grupo Berimbau de Ouro. Em 2006, introduziu a capoeira em Nazareno e criou o Grupo Biriba de Ouro.
Desde então, realiza um trabalho social destinado a ensinar capoeira a crianças e adolescentes da
comunidade; as aulas são gratuitas e dadas duas vezes por semana. Esse trabalho é feito juntamente
com o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), através da Secretaria de Assistência Social do
município.
“A gente ensina a arte da capoeira, e fazemos algumas oficinas de
brincadeiras, recreação e confecção de instrumentos. Além disso,
os alunos veem um pouco de história da capoeira, aprendem
quais são os tipos de lutas e aprendem, também, História do
Brasil.” (Mestre Tio, em entrevista realizada no local de trabalho
em 25/08/2017 – Figuras 6.12 e 6.13).
Há quatro anos, o Grupo Biriba de Ouro realiza aulas e rodas no Projeto Maria de Barro, instituição sem
fins lucrativos que desenvolve ações sociais voltadas para a preservação ambiental e inclusão de
pessoas no mercado de trabalho. O projeto disponibiliza um espaço para a prática da capoeira. Embora
o grupo não tenha sede própria, o atual espaço onde acontecem os treinos foi cedido pela Prefeitura, e
está localizado na Praça Dr. Freitas de Carvalho 264, no Centro da cidade.
Figura 6.12 – Roda de Capoeira Biriba de Ouro em atividade no Projeto Maria de Barro e o Mestre Tio
jogando capoeira.
Fonte: Foto cedida por Mestre Tio à Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
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Figura 6.13 – Roda de Capoeira Biriba de Ouro em atividade no Projeto Maria de Barro e o Mestre Tio
jogando capoeira.
Fonte: Foto cedida por Mestre Tio à Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Embora o Grupo se reconheça como capoeira regional, também valoriza a importância da capoeira de
Angola, uma vez que o repasse dos valores humanos, com respeito ao próximo, assim como a disciplina
compõem a capoeira na sua completude. Uma vez por ano, organiza–se um evento para a troca de
graduação no grupo, que segue a seguinte hierarquia: aprendiz, monitor, professor, estagiário,
contramestre e mestre. O grupo segue o estabelecido pela Confederação Brasileira de Capoeira, que
definiu as cores das cordas pela Bandeira do Brasil. Uma vez por ano, realiza–se o evento para graduar
os alunos iniciantes e veteranos; nesse dia, são convidados a comunidade, autoridades e familiares para
prestigiarem a cerimônia.
Figura 6.14 – Mestre Tio expondo a matéria–prima (cabaça) nas oficinas de confecção de parte dos
instrumentos de percussão usados na capoeira.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
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Durante as visitas aos agricultores, Mestre Tio aproveita para doar as sementes de cabaça para que eles
plantem nas propriedades. E, nas épocas de colheitas, eles doam os frutos para o grupo. Algumas vezes,
o grupo confecciona as vergas de bambu, arbusto que existe em abundância na região.
Mestre Tio é técnico da EMATER, de onde retira seu sustento; ele não sobrevive do ofício de mestre de
capoeira. No entanto, a profissionalização do ofício, na sua opinião, é crucial para a manutenção da
prática no Brasil, seja como esporte, seja como prática cultural. Ainda nessa linha de pensamento, ele
entende que o processo de registro, que deu à capoeira o título de Patrimônio Imaterial do Brasil, tem
ajudado, por um lado, na desconstrução dos estigmas acerca da prática da capoeira; por outro, tem
contribuído para sensibilizar o Poder Público local no apoio aos projetos que envolvem a atividade.
“Abriu portas”, acrescentou o mestre:
Por outro lado, ele reconhece que o IPHAN ainda tem feito pouco para beneficiar os capoeiristas.
Também mencionou o cadastro dos grupos de capoeira que o órgão compôs, do qual chegou a
participar, mas não sabe ao certo qual a sua finalidade. Acrescentou que, se for para transformar o
ofício de mestre de capoeira em uma prática profissional, será uma ação muito importante, pois há
muitos mestres de capoeira espalhados pelo País, vivendo de forma miserável.
Desde que implantou a Roda de Capoeira em Nazareno, Mestre Tio preocupa–se em ensinar seus alunos
a confeccionar seus próprios instrumentos. E uma das atividades que costuma realizar no grupo são
oficinas de berimbaus:
As atividades, além de lúdicas, transferem para os alunos o senso de cooperação e trabalho em equipe,
pois, enquanto um grupo de crianças e jovens lava as cabaças, outro realiza o trabalho de serraria, ao
mesmo tempo em que outro se encarrega da etapa de lixamento. Em seguida, os grupos se revezam e
trocam de atividades, de modo que todos possam participar ativamente de todo o processo de
confecção do instrumento.
Alguns mestres de capoeira acabam tornando–se pesquisadores de percussão; com Mestre Tio, não foi
diferente. Nas suas andanças pelas matas, deparou com o “invólucro” (casca) dos frutos (castanhas) da
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sapucaia, semelhante ao formato da cabaça, e que, quando tratado, emite sons cujas notas musicais
aproximam–se do som do agô–gô.
A sapucaia é uma árvore que existe em abundância na região, principalmente nas proximidades da usina
hidrelétrica da CEMIG. Geralmente, os próprios funcionários da instituição colhem as sapucaias e as
doam ao mestre. Sobre o afinamento do instrumento, comentou Mestre Tio, “é preciso fazer todo um
trabalho de colocar de molho por algum tempo, retirar o excesso de casca e esperar secar. Em seguida,
faz–se uma abertura igual à que é feita na cabaça.” (Figura 6.15)
Figura 6.15 – Fruto da sapucaia que Mestre Tio adaptou como instrumento de percussão usado na Roda
de Capoeira.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Além das aulas de capoeira e oficinas para confecção dos instrumentos utilizados na capoeira, Mestre
Tio introduziu, nas rodas de capoeira, atividades recreativas com o objetivo de resgatar brincadeiras
antigas, tais como: queimada, pique–bandeira, jogo de peteca, etc. Muitas vezes, os próprios acessórios
usados nas brincadeiras são feitos pelos próprios alunos, por exemplo, petecas. “Dias atrás, fizemos
uma oficina para confeccionar petecas de palhas de milho. Pedi aos produtores rurais que juntassem
palha de milho e penas de galinha; com isso, fizemos as petecas.” (Mestre Tio, em entrevista realizada
no local de trabalho, em 25/08/2017)
A respeito da aceitação do grupo de capoeira na cidade, Mestre Tio contabiliza alguns avanços, porém
muitas pessoas, talvez por desconhecerem a história que permeia a prática, insistem em atribuir a ela
significados religiosos, o que, segundo ele, é um engano. Para ele, quem tem religião é o capoeirista, o
jogador de futebol, o lutador de outras artes; portanto, no seu entendimento, a Roda de Capoeira não é
religião. Contudo, aos poucos, a comunidade vai percebendo que não se trata de uma prática religiosa:
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Em Nazareno, a Roda de Capoeira é utilizada como atividade física, lazer e recreação, além de contribuir
para a formação geral dos cidadãos, através do repasse de valores éticos, morais e culturais. É na roda,
que todos se veem, aprendem a respeitar os mais velhos e exercitam a hierarquia. “A Roda de Capoeira
é o elemento estruturante da capoeira. É a metáfora da roda maior, a roda do mundo, a roda da vida,
onde, ora se ganha, ora se perde” (IPHAN, nov. 2017b, p. 13).
A Roda de Capoeira é o lugar, por excelência, onde são aprendidos não apenas os golpes da luta, os
toques dos instrumentos, a ginga, como também, sobretudo, onde o mestre de capoeira repassa para os
alunos ensinamentos que os tornarão mais humanos. Ainda sobre a Roda de Capoeira, a circularidade
significa que todos os participantes são iguais. No momento em que um integrante está no centro,
fazendo os movimentos, os demais o aplaudem, incentivam–no. “É na Roda de Capoeira que exercitam
o respeito aos mais velhos e o resgate dos valores antigos”, enfatizou Mestre Tio.
A prática da capoeira é democrática –– acolhe a todos, sem distinção de gênero, cor e religião. “Então,
não existe preconceito”, comenta Mestre Tio. O Grupo Biriba de Ouro recebe alunos nas faixas etárias
dos 4 aos 50 anos de idade; possui 40 alunos, dos quais os meninos são a maioria. No entanto,
complementou o mestre: “Há muitas meninas que já se formaram na capoeira e estão ministrando aulas
de educação física em escolas.”
É costume, também, a realização de oficinas de artesanato para confecção dos próprios instrumentos
utilizados na capoeira, como berimbau e atabaque elaborado com o fruto da sapucaia.
Sobre os prováveis impactos do empreendimento no ofício de mestre de capoeira e na Roda de
Capoeira, Mestre Tio enfatiza que qualquer empreendimento de grande porte traz algum tipo de
impacto para o município como um todo, sobretudo para as práticas culturais e os modos de vidas.
Os impactos também serão percebidos na infraestrutura de serviços públicos, como saúde, educação e
habitação. “Serviços que mal atendem à população local passarão a atender uma população externa e
flutuante.” (Mestre Tio, em entrevista realizada no local de trabalho em 25/08/2017).
Embora não saiba afirmar precisamente quais são os tipos de impactos que afetarão o cotidiano das
pessoas, no que tange ao ofício de mestre de capoeira, destacou, como um possível impacto positivo, a
vinda de capoeiristas para trabalhar na obra de construção da LT. Segundo Mestre Tio, se algum deles
procurar integrar–se ao grupo será um momento oportuno, portanto, salutar, para a realização de
intercâmbios. Em contrapartida, se os capoeiristas que permanecerem na cidade no período das obras
forem pessoas de má índole, que não seguem os ensinamentos éticos da capoeira, podem impactar de
forma depreciativa o grupo.
100
6.2.2 CONGADAS DE MINAS – CATUPÉ NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO
Capitão Adalberto da Silva, 89 anos
O atual líder do terno de congada nasceu e se criou na Fazenda Sobral, localizada nas margens do rio
Grande, no município de Nazareno. Reside no bairro do Rosário, onde fica a Igreja de Nossa Senhora do
Rosário (Figura 6.16). Ex–agricultor, a renda da família vem da sua aposentadoria. Além da esposa, filhas
e netos vivem com ele, na mesma casa, ou em construções anexadas ao terreno. Pelo aspecto humilde
de sua residência, cujo piso e revestimento das paredes interna e externa ainda estão em processo de
conclusão, percebe–se que o capitão Adalberto passa por necessidades financeiras.
Figura 6.16 – Igreja de Nossa Senhora do Rosário, localizada no bairro Rosário.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
De acordo com os relatos de pessoas da cidade, como o Diretor de Cultura, Marinho Carvalho, e o
“maestro” Modesto (espécie de “guardião” da memória cultural local), o bairro tem uma característica
peculiar: é majoritariamente habitado pela população negra da cidade (Figuras 6.17 e 6.18).
Consequentemente, é visto pelos seus habitantes como um lugar estigmatizado. Durante a entrevista
com o capitão de congada Jhuca, em Itutinga, sua filha Selma alertara que a cidade de Nazareno era
violenta e que se tomasse cuidado ao subir “morro”.
101
Figura 6.17 – Aspectos urbanísticos do “morro”, termo pejorativo usado por parte da população local
para se referir ao bairro do Rosário.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Figura 6.18 – Estação Senhor dos Passos, localizada no bairro do Rosário.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Ao chegar a Nazareno, em conversa com o Diretor de Cultura do município, Mário Carvalho, descobriu–
se que o temido “morro”, reduto de marginais, como se ouviu na cidade vizinha, era, na verdade, o
bairro do Rosário, onde o capitão do terno de Catopé, Adalberto, reside. Pelo que se observou, o
território possui uma estrutura urbana de pavimentação, hotel, praças, a própria Capela do Rosário, três
pequenas capelinhas, chamadas de “estações de Senhor dos Passos” e outros equipamentos, como a
Delegacia de Polícia Militar. O fato de o bairro sediar a delegacia da cidade é simbólico e reforça o
estigma do lugar.
Para GOFFMAN ([1963] 2008), entre os indivíduos estigmatizados, estão aqueles que possuem
deficiências físicas; os chamados “anormais”, tais como doentes mentais, alcoólatras, criminosos,
prostitutas, homossexuais, etc.; e os pertencentes aos grupos tribais de raça, nação e religião. Ainda
conforme WACQUANT (2006), essa marca negativa territorial pode ser transmitida por via da linhagem,
que contamina todos os membros da família de igual modo.
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O bairro do Rosário, cujo estigma perdura até hoje, nasceu com a cidade, de modo que a zona central
foi sendo habitada pela elite branca, e a parte alta, onde se encontra a Capela do Rosário, foi habitada
pela população negra e pobre. Trata–se de uma população estigmatizada por ter a cor da pele diferente
da das outras pessoas. O informante contou que antigamente, quando os moradores do bairro
precisavam resolver algo na outra parte da cidade, no Centro, e que passavam pelo córrego (hoje
aterrado, e que separava os dois territórios) e molhavam os pés, deixavam seus rastros identificados
com o barro vermelho, característica do solo do território estigmatizado. Com isso, os moradores do
centro logo deduziam que se tratava dos “negros do morro”.
O capitão Adalberto relatou também que, quando veio da roça para morar no bairro, a maioria das
casas era de sapé, e as ruas não tinham pavimentação. E foi, nesse lugar, que surgiu o terno de Catupé,
segundo ele (Figura 6.19). Levando em consideração que o município tem indícios históricos que
justificam a presença de ex–escravos na região, e que a prova objetiva são os dois quilombos já
reconhecidos como Comunidades Remanescentes de Quilombo (CRQs), e também em decorrência da
construção da Capela de Nossa Senhora do Rosário, cuja data de construção remonta ao século XVIII,
supõe–se que o grupo de dançadores também tenha surgido no mesmo contexto. Portanto, a memória
sobre o grupo, relatada pelo entrevistado, deve remontar apenas ao contexto do século XX, momento
em que ele começa a participar do terno.
Figura 6.19 – Detalhe da fachada da casa de Adalberto, capitão do terno de Catupé Nossa Senhora do
Rosário (à esquerda), e capitão Adalberto vestindo o traje que usa durante as saídas do terno, e dois de
seus netos (à direita).
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Conforme relatou Adalberto, Zé Brás era o primeiro líder do terno da época em que, ainda rapaz, ele
entrou para o grupo. Depois, com o falecimento dele, Zé Francisco e Adalberto, que eram compadres,
assumiram, respectivamente, as patentes de primeiro e segundo capitão. Sua participação à frente da
capitania do terno, provavelmente, tenha ocorrido entre as décadas de 60 e 70 do século passado.
Embora o entrevistado não se recorde exatamente em que ano se deram os acontecimentos, ele lembra
de sua idade na época:
103
“Eu sempre gostava de acompanhar [dançava no terno]; aí o velho Zé Brás, pouco
tempo antes de morrer, me convidou para a história. Mas, “à força”, ele passou para
o compadre Zé Francisco, que era o primeiro capitão do terno. Eu fique junto com ele
durante quatro anos, até ele falecer. Então, há mais ou menos 40 anos que eu sou
capitão do terno.” (Capitão Adalberto, em entrevista realizada na residência, em
26/08/2017).
Percebe–se que o processo de transmissão dos saberes sobre o Catupé, além de serem repassados
através da oralidade, mantêm uma relação de vínculo afetivo familiar entre os capitães, como o
compadrio. Observou–se também que, assim como as relações se estabelecem de modo informal, sem
necessidade de um contrato por escrito, o mesmo acontece com o registro do próprio grupo, pois, até o
presente momento, o terno não possui inscrição no CNPJ.
O terno é composto, basicamente, por homens, que dançam e tocam os instrumentos. A presença de
mulheres limita–se apenas à função de conduzir a bandeira, as chamadas “bandeireiras”. Segundo o
capitão Adalberto, alguns de seus dançadores também são “bastiõezeiros”, ou seja, participam também
dos dois grupos de Folias de Reis do município (Figura 6.20). As folias saem no final do mês de
dezembro, durante os festejos natalinos, em homenagem ao nascimento de Jesus Cristo.
Figura 6.20 – Capitão Adalberto ao lado de sua neta, expondo o uniforme que usa durante as saídas do
terno (à esquerda). Capitão Adalberto com a caixa que usa quando o terno sai às ruas (à direita).
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
O capitão afirmou que, quando assumiu a liderança do terno, havia 22 integrantes, mas, como eles
foram morrendo, e seus lugares não foram ocupados por outros dançadores mais jovens, atualmente o
terno possui menos de 10 integrantes –– isso quando conseguia juntar todos.
Os instrumentos utilizados no terno são caixas, duas sanfonas e pandeiros. Geralmente, são três caixas
que “puxam”, ou seja, que dão o ritmo; uma, porém, está com o couro rasgado, necessitando de
reparos, como ressaltou o capitão Adalberto. Esse fato já denota as dificuldades que o grupo enfrenta
104
atualmente: não conta com apoio financeiro para a conservação dos elementos materiais da
manifestação.
No entanto, embora o grupo não tenha sede própria, os instrumentos ficam guardados numa sala, nas
dependências da Capela de Nossa Senhora do Rosário. Alguns, como as sanfonas, são novos e foram
doados pela Prefeitura de Nazareno.
Além da precária conservação e inexistência de uma sede para o grupo, o capitão alega que o espaço na
capela, disponível para os ensaios, é exíguo, considerando–o um “cuvico” ou cubículo. “Falei com o
padre para fazer um armário para guardar os instrumentos do terno, mas ele me disse que não estava
podendo gastar para levantar congo.” (Adalberto, em entrevista realizada na residência, em
26/08/2017).
O fato contribui para evidenciar alguns problemas enfrentados pelo capitão na manutenção do terno, e
considerado por ele o mais grave, que é a falta de apoio do padre da cidade. Ele também afirmou,
consternado, que o terno não se apresentou em 2017, durante a Festa de Nossa Senhora do Rosário, no
mês de mês de junho, e culpou o líder católico pelo ocorrido. “Nos dias da festa, o padre mandou
alguém atrás de mim duas vezes, mas não fui. Ele viu que o negócio apertou pro lado dele: as pessoas,
por certo, cobraram nossa presença.” (Capitão Adalberto, em entrevista realizada na residência, em
26/08/2017).
Outro fator que se traduz em dificuldade de continuidade da tradição pode ser observado pelo
desinteresse das pessoas jovens em integrarem o terno –– o que o capitão atribui a um possível
sentimento de “vergonha” que eles têm de participar do terno. O sentido do termo a que Adalberto se
refere não é sinônimo de timidez, mas, sobretudo, preconceito, uma vez que o terno de Catupé é uma
prática realizada por negros. Além disso, trata–se de um grupo que está localizado no bairro do Rosário,
que sempre sofre o estigma de lugar habitado por marginais.
6.2.3 OFÍCIO DE QUINTANDEIRAS
No município de Nazareno, foram contatadas seis mulheres, que, atualmente, exercem o ofício de
quitandeira; três residem na cidade e três, na CRQ do Palmital. As entrevistas foram realizadas na
residência de cada uma das quitandeiras. Com algumas, as conversas se deram na cozinha, como foi o
caso de Lena, que preparava uma carne–de–porco para conservar na gordura, a tradicional comida
mineira “carne de lata”. As quitandeiras contatadas foram:
Ariane Nazaré de Carvalho, 54 anos (Distrito–sede);
Maria do Carmo Carvalho, 88 anos (Distrito–sede);
Helena Andrade Carvalho, 75 anos (Distrito–sede);
Aparecida Jacinta Monteiro, 51 anos (Comunidade Quilombola Palmital);
Francisca Hosana Monteiro, 55 anos (Comunidade Quilombola Palmital);
Maria Aleluia Nascimento, 53 anos (Comunidade Quilombola Palmital);
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Ariane Nazaré nasceu em São João Del Rei (MG) e viveu, até a adolescência, na zona rural, próxima à
comunidade de Coqueiros, distrito de Nazareno. Possui Ensino Médio, é casada e dona de casa. Contou
que, desde criança, cresceu vendo suas avós, paterna e materna, e tias fazendo as quitandas. Contudo,
foi convivendo com a tia, irmã de sua mãe, que aprendeu de fato o ofício. Percebe–se, na fala da
quitandeira, que os saberes da prática, além de estarem na família há pelo menos três gerações, são
repassados por mulheres, o que evidencia a dominância do sexo feminino na tarefa.
Maria do Carmo, natural de Nazareno, dona de casa e aposentada, embora já tenha feito muita
quitanda, atualmente, apenas ajuda sua filha a “enrolar” as rosquinhas e biscoitinhos, e colocá–los nos
tabuleiros para levá–los ao forno. Do Carmo e o marido moram com a filha Ariane (Figura 6.21). Sua
aproximação com o ofício de quitandeira segue a mesma lógica de aprendizado de sua filha, pois
aprendeu observando sua avó, tias e a própria mãe fazendo as quitandas. “Na época de eu criança,
minha avó fazia muitas quitandas, fazia para o consumo de casa e também para atender às encomendas
de casamento”, acrescentou Maria do Carmo. Ao longo dos diálogos com outras quitandeiras, no
município vizinho de Conceição da Barra de Minas, foi comum perceber que as quitandas eram parte
integrante das recepções de casamentos:
Figura 6.21 – As quitandeiras Maria do Carmo e Ariane (mãe e filha).
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
“Era comum, na minha época de menina, oferecer café com quitandas
aos convidados no momento que os recém–casados retornavam da
igreja. Eram uma mesa enorme e quitandas a se perder de vista. Muitas
rosquinhas de amendoim, nata, coco, broinhas de fubá, biscoitinhos,
quebra–quebra, biscoito de polvilho, roscas, bolos.” (Maria do Carmo,
em entrevista realizada na residência, em 26/08/2017).
Embora o hábito de antigamente não persista nos dias de hoje, os produtos de quitandas ainda são
apreciados pelas pessoas da comunidade. A prova é que a quitandeira Ariane sempre costuma fazê–las
tanto para consumo próprio como para vender para fora, conforme os pedidos de encomendas que
106
chegam dos vizinhos e até mesmo de pessoas de fora que visitam a cidade. Relatou também que recebe
pedidos de outros estados, como São Paulo:
“Quando minha irmã que mora em São Paulo vem nos visitar, ela
sempre leva quitandas para vender por lá. Ela avisa, com antecedência,
quanto de quitanda quer; aí eu já faço aquele tanto. Lá, como as pessoas
têm mais condição, o preço é mais alto do que o que vendo aqui.”
(Ariane, em entrevista realizada na residência em 26/08/2017).
Assim como foi observado durante os contatos já efetuados com outras quitandeiras, algumas
características são cruciais para atestar a qualidade das quitandas; entre elas, está a procedência dos
insumos, como o uso do leite e nata da roça, ovos caipiras, fubá do moinho d’água, etc. Não é diferente
com as quitandas de Ariane: ela faz questão de obter os ingredientes que vêm da “roça”, como fubá
moído no moinho d’água, manteiga, nata, leite, queijo e ovos. Nos mercados da cidade, ela compra
apenas farinha, polvilho, fermento e amoníaco.
Durante a festa do Jubileu de Nossa Senhora de Nazaré, evento religioso centenário que integra o
calendário festivo da cidade, as quitandas ocupam um lugar especial na celebração, o que torna possível
caracterizá–las como “comidas de festa”. Portanto, nos períodos festivos, as encomendas aumentam,
permitindo às quitandeiras ampliar suas rendas.
Embora o mais comum seja as quitandeiras já terem memorizado as receitas das quitandas –– pelo fato
de as terem aprendido com base na observação e na oralidade ––, é comum observar que a maioria das
quitandeiras tem o hábito de possuir cadernos de receitas, muitas deles contendo receitas exclusivas da
própria família.
Com Ariane não foi diferente: já se diz herdeira dos caderninhos de anotações de sua mãe, Maria do
Carmo (Figura 6.22). Havia cadernos com receitas escritas à mão e folhas soltas retiradas de alguma
revista ou almanaques; em algumas, percebeu que os anos estavam impressos, como uma que estava
da datada de 1951. “As receitas de mãe quase não dá pra ler, de tão velhinhas; as folhas estão amarelas
e quebradiças.” (Ariane, em entrevista realizada na residência, em 26/08/2017). Afirmou, ainda, que, de
vez em quando, costuma revisitá–las para não esquecer; ou, então, quando precisa preparar uma nova
iguaria.
Figura 6.22 – Cadernos de receitas de família.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
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Assim como a procedência dos ingredientes influencia na qualidade das quitandas, o processo de feitura
também é fundamental, como o modo de assar que utiliza o “forno de varrer a lenha” (Figura 6.23). O
termo “de varrer” refere–se a uma das etapas do processo de preparação das merendas. Quando a
lenha se transforma em brasa, esta, por sua vez, é varrida para as laterais internas do forno, dando
início à colocação dos tabuleiros com as quitandas para assar. Vale destacar que o processo de
cozimento (assar) obedece a uma lógica: as quitandas mais massudas, como as broas, são assadas
primeiro, para aproveitar a maior temperatura do forno.
À medida que o forno vai perdendo calor, colocam–se as merendas mais delicadas: rosquinhas e
biscoitos de polvilho. No entanto, mesmo mantendo um forno tradicional no quintal de casa, desativado
há anos, Ariane prefere usar, por motivos práticos, o forno a gás. “Assar as quitandas no forno de varrer
a lenha dá mais sabor, elas ficam mais gostosas, mas também dá muito trabalho. A gente pega muita
quentura”, ressaltou a quitandeira.
Figura 6.23 – Forno de varrer a lenha e forno a gás, usados pela quitandeira Ariane, que segura um
tabuleiro feito de lata.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Os utensílios utilizados no processo de preparo das merendas são: bacias de alumínio, urupemas
(peneiras de palhas – Figura 24), tabuleiros feitos com o metal de latas de tintas vazias, colher de pau.
As latas vazias de tintas ou manteiga são reutilizadas para o armazenamento das quitandas.
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Figura 6.24 – Utensílios utilizados na produção de doces e quitandas com arupema e tacho de cobre.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Outra quitandeira da cidade, Helena Andrade, conhecida como Lena, é natural do município vizinho
Conceição da Barra de Minas (MG); ela veio para Nazareno após casar–se, aos 18 anos (Figura 6.25).
Morou durante 30 anos na zona rural do município, quando, em 2010, após a morte do esposo, passou
a residir na zona urbana. Hoje é aposentada e quitandeira.
Figura 6.25 – Quitandeira Lena na sua cozinha, durante a entrevista que concedeu à equipe de pesquisa.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
O aprendizado do ofício de quitandeira segue os mesmos parâmetros observados nas quitandeiras
Maria do Carmo e Ariane, mãe e filha, cuja herança cultural familiar foi fundamental para a apreensão
dos saberes tradicionais sobre as quitandas. Conforme relatou Lena, aprendeu cedo, quando ainda tinha
8 anos de idade, vendo sua avó e tias fazerem as merendas, mais precisamente com a tia, que era mais
paciente, frisou. “Foi na fazenda de meu avô que aprendi a fazer bolos de fubá, biscoitos de polvilhos,
tudo assado no forno de varrer a lenha.” (Lena, em entrevista realizada na residência, em 26/08/2017).
Em relação aos doces de goiaba, banana e laranja e geleias, afirmou que aprendeu com a mãe. Quando
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se casou, mudou–se para o município vizinho, mas continuou fazendo as merendas para o consumo da
família; nunca comercializou as quitandas e os doces.
A comercialização das quitandas por encomendas somente aconteceu quando Lena passou a residir na
cidade, há aproximadamente sete anos. Foi quando começou a produzir artesanalmente pão de queijo,
rosquinhas de vários sabores, tais como: amendoim, nata, coco, fubá, broas de fubá e roscas (pães
caseiros) (Figura 6.26).
Figura 6.26 – A quitandeira Lena expondo as rosquinhas de nata que produz de forma artesanal.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Assim como a quitandeira Ariane, Helena prefere usar insumos procedentes da roça, que, segundo ela,
são fundamentais para atestar a qualidade das quitandas; daí fazer questão de utilizar leite, ovos, nata e
o fubá de moinho d’água vindos da roça. “Eu gosto das coisas antigas, por isso tento fazer minhas
merendas do mesmo jeito que aprendi” (Lena, em entrevista realizada em 26/08/2017). Ela teve de
optar pelo forno a gás ao invés do tradicional forno de varrer que usava na roça; no entanto, não
hesitou em enfatizar que as quitandas assadas no forno à lenha têm um sabor especial (Figura 6.27).
Figura 6.27 – Forno a gás usado para assar as quitandas.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
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Assim como no município vizinho Itutinga, em Nazareno acontece uma feira livre aos sábados, onde são
comercializados produtos da agricultura familiar, porém nenhuma das entrevistadas usa o espaço para
expor seus produtos. Lena, no início, chegou a expor, mas desistiu porque não conseguiu vender as
merendas. Foi quando decidiu fazer as quitandas somente sob encomenda, o que tem surtido efeito,
como revelou.
Outra característica observada entre as quitandeiras já pesquisadas, e que se repete nas quitandeiras de
Nazareno, é o fato de a maioria delas ter reservado um espaço da casa exclusivamente para o preparo
de quitandas. Isso aconteceu com Toninha e Cidinha em Itutinga, e também com Ariane e Lena em
Nazareno.
As paredes da cozinha da quitandeira Lena têm revestimento, despensa com armários para acondicionar
os insumos utilizados, forno a gás, geladeira, pia e uma mesa ao centro. Além disso, introduziu o hábito
de boas práticas de fabricação no momento de manipular suas merendas, usando tocas descartáveis nos
cabelos.
Quanto ao uso de utensílios no processo de feitura das quitandas, observou–se que, além do forno a
gás, o que se caracterizaria como um elemento introduzido recentemente, a quitandeira Lena também
utiliza baldes de margarina reutilizáveis, em substituição às antigas latas, para o armazenamento de
biscoitos e rosquinhas. Fora isso, faz uso de peneiras, bacias grandes de alumínio para sovar a massa e
os tabuleiros de lata. Ao contrário de Ariane, que prepara os doces em tacho de cobre, Helena utiliza
tachos de alumínio na preparação de doces de laranja–da–terra.
Quando questionadas quais seriam os tipos de dificuldades enfrentadas para seguir dando continuidade
ao ofício, as detentoras destacaram a necessidade de um apoio maior por parte dos entes institucionais
locais. Propuseram que seja criado algum tipo de evento com foco na valorização e divulgação do
trabalho das quitandeiras, de modo que outras mulheres aprendessem e, consequentemente, tivessem
uma fonte de renda.
Fora do distrito–sede, nas duas CRQs Palmital e Jaguara, tomou–se conhecimento da existência de
quitandeiras, conforme informações repassadas pela Diretoria de Cultura. Ambas as CRQs foram
certificadas pela Fundação Cultural Palmares no ano de 2013, como já mencionado anteriormente. O
Quilombo Jaguara situa–se a 20 km do núcleo urbano e a 6,03 km do eixo da LT 345 kV Itutinga – Barro
Branco. Já o Palmital encontra–se distante do município–sede cerca de 6 km e, aproximadamente, 0,6
km do empreendimento.
Como as duas comunidades estão razoavelmente próximas uma da outra, e o acesso se dá por estradas
não pavimentadas, logo no primeiro dia de pesquisa em Nazareno, na companhia do Diretor de Cultura,
Marinho Carvalho, realizou–se uma visita à comunidade Jaguara. O objetivo era estabelecer contato
com a quitandeira Nazaré. Na ocasião, a informante estava ausente.
De acordo com os vizinhos, ela estava acompanhando um parente hospitalizado em São João Del Rei.
Aproveitou–se a visita para obter informações sobre outras possíveis quitandeiras, mas não foram
encontradas. Procurou–se também obter informações de alguns moradores se havia pessoas mais
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velhas na comunidade com conhecimentos sobre raízes e plantas do Cerrado, mas nenhum detentor foi
localizado. Não havia esse tipo de terapeuta popular na comunidade.
Segundo o Mestre Tio, que reside em Nazareno e que já realizou projetos nas duas comunidades, “por
alguma razão histórica e cultural, talvez, as duas populações tenham sofrido algum tipo de
esquecimento a respeito das tradições culturais de seus ancestrais” (Mestre Tio, em entrevista realizada
no local de trabalho, em 25/08/2017). Nessa hipótese, podem ser incluídos alguns saberes tradicionais,
como o próprio Ofício de Capoeira e o Ofício de Raizeiros, além de vários outros.
Talvez, foi pensando no resgate ou na construção de uma identidade negra das CRQs Palmital e Jaguara,
que, há cinco anos, no dia 20 de novembro, é comemorado o Dia da Consciência Negra. Durante o
evento, acontecem apresentações de grupos de congadas da região, rodas de capoeira, degustação de
comidas típicas e outras manifestações tradicionais afro–brasileiras.
Na Comunidade quilombola Jaguara (Figura 6.28), residem, aproximadamente, 50 famílias, o que
totaliza cerca de 200 pessoas. As ruas são calçadas e possuem endereço postal. O quilombo não dispõe
de tratamento de água; existe apenas um reservatório, que armazena e distribui água para as
residências. Não há também rede de esgoto; as casas possuem fossa rudimentar. Os moradores contam
com o serviço público de coleta de lixo, que ocorre uma vez por semana. O descarte é feito em um
pequeno compartimento de metal destinado ao armazenamento de resíduos sólidos, instalado nas
proximidades.
Figura 6.28 – Aspectos gerais de infraestrutura da Comunidade de Remanescente de Quilombo Jaguara:
arruamentos, residências e reservatório de água.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
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A população trabalhadora sobrevive da renda nas lavouras de café e cana–de–açúcar das fazendas
circunvizinhas. Conforme relatou João Rosa, liderança comunitária, a maioria dos jovens, ao completar a
maioridade, sai da comunidade em busca de emprego nas cidades da região, permanecendo no local
apenas os mais velhos.
Assim como no Palmital, no ano de 1997, a Escola Municipal José Vespasiano de Abreu foi desativada, e
os alunos passaram a utilizar o serviço de transporte escolar para transportá–los até a cidade de
Nazareno.
Quanto à parte da saúde institucional, a população conta apenas com os serviços de uma enfermeira e
um agente de saúde, que visitam a comunidade duas vezes por semana. Problemas de saúde que
demandam cuidados mais específicos são encaminhados para o hospital da cidade.
Na localidade, existe uma igreja cuja patrona é Nossa Senhora do Carmo (Figura 6.29). As missas são
sempre rezadas no terceiro domingo de cada mês, e a festa em homenagem à santa acontece em
meados do mês de julho. Entre as festividades, estão: procissão, missas e leilões de prendas.
Figura 6.29 – Igreja de Nossa Senhora do Carmo e seu altar–mor.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
A comunidade Palmital possui cerca de 18 casas e 30 famílias, totalizando, aproximadamente, 100
pessoas. A população sobrevive do trabalho nas lavouras de milho e café e do cultivo de hortas
comunitárias e criação de pequenos animas, de onde retiram sua subsistência, como criação de galinhas
e porcos.
Lá, existem uma capela em homenagem a São Sebastião (Figura 6.30), um campo de futebol e um
prédio onde, até o ano de 1997, funcionou a Escola Municipal Padre Antônio dos Santos. A antiga
escola, que os moradores denominam de “grupo”, passou a ser utilizada como local para reuniões.
Atualmente, existe um ônibus que transporta os alunos até as escolas localizadas na sede do município.
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Figura 6.30 – Igreja de São Sebastião, na Comunidade de Remanescente de Quilombo Palmital.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Existe uma capela cujo padroeiro é São Sebastião, mas as missas são rezadas apenas uma vez por mês.
Não há uma praça, apenas um campo de futebol, que é usado pelos jovens. A rua principal que corta a
comunidade assim como as vias secundárias não são calçadas. Os moradores contam com o serviço
público de coleta de lixo, que ocorre uma vez por semana. Para o descarte, foi instalado, próximo ao
campo, um pequeno compartimento de metal, destinado a armazenar os resíduos sólidos (Figura 31).
Figura 6.31 – Aspectos gerais da comunidade: residências, área para deposição de lixo doméstico e
campo de futebol.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Percebeu–se que ambas as comunidades, além de ocuparem terrenos acidentados, estão em territórios
limiares; ou seja, fazem fronteira com outros municípios. Parte do território da Comunidade Quilombola
Palmital encontra–se no município de Nazareno e a outra, no município de Conceição da Barra de
Minas. E o único marco físico que delimita os municípios é o córrego Palmital, que corta a comunidade.
Os moradores não apenas se sentem pertencentes ao município de Nazareno, como também utilizam os
serviços públicos oferecidos por esse município (Figura 6.32).
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Figura 6.32 – O córrego Palmital, localizado após o poste, é uma referência de lugar que define as
fronteiras da comunidade.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Durante uma das visitas realizadas à Comunidade Palmital, no final da tarde de 25 de novembro 2017,
cujo objetivo era conversar com algumas quitandeiras do lugar, presenciou–se a chegada do ônibus que
transportava trabalhadores, mulheres, homens e jovens da lavoura de café das fazendas vizinhas.
Nesse dia, não foi possível realizar as entrevistas, pois já era fim de tarde, e elas alegaram que
precisavam organizar os afazeres domésticos. Foi preciso, então, retornar no outro dia, sábado, quando
foi possível realizar uma entrevista com a quitandeira Maria Aleluia, que falou sobre o Ofício de
Quitandeira e também de Raizeira.
Na comunidade do Palmital, foram feitos contatos com as quitandeiras Aparecida Jacinta, conhecida
como Cidinha e vice–presidente da Associação de Moradores; sua irmã, Francisca Hosana, Chiquita, e
Maria Aleluia, conhecida por Tutuca (Figura 6.33).
Cidinha e Chiquita nasceram e foram criadas na localidade. Aproximaram–se do ofício de quitandeira
ainda crianças, vendo sua mãe preparando as merendas. A produção destinava–se ao consumo da
família e, também, ao aproveitamento dos insumos produzidos nas roças.
Era comum, segundo as informantes, plantar a mandioca e fazer o próprio polvilho, assim como usar o
tuba do milho que eles plantavam. Também consumiam ovos e banhas da criação de galinhas e porcos.
115
Figura 6.33 – Casa onde nasceram as quitandeiras Cidinha e Chiquita. Hoje é usada apenas como apoio
para guardar alimentos destinados aos pequenos animais que criam (galinhas e porcos) e também para
fazer quitandas. Elas residem ao lado, em casa de alvenaria, com paredes revestidas.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Além disso, aproveitam–se as frutas da época (manga, goiaba e laranja) para fazer doces. Ao invés do
uso do açúcar refinado comercializado na cidade, as quitandas eram temperadas com garapa retirada da
cana. No comércio da cidade, só buscavam sal e o bicarbonato; o restante dos ingredientes utilizados
nas quitandas eram oriundos da produção agrícola familiar.
Nessa época, durante a convivência com a mãe no preparo de quitandas, as crianças não atuavam
diretamente na preparação das rosquinhas, broas e biscoitos. A função delas era pegar lenha na mata,
para alimentar o forno de varrer (uma adaptação do cupinzeiro), pegar água do córrego e limpar os
utensílios: “Só depois que a gente fazia isso, é que mãe deixava a gente enrolar a massa e pôr nos
tabuleiros para assar” (Cidinha e Chiquita, em entrevista realizada na comunidade Palmital, em
26/08/2017).
O modo de transmitir o ofício de quitandeira segue a lógica do aprendizado entre mulheres de um grupo
familiar, geralmente entre mãe e filhas. Assim, não foi diferente com as quitandeiras da comunidade
quilombola. “Ela [a mãe] nunca falou assim ‘vem cá, que eu vou ensinar vocês isso e aquilo’. A gente
sempre teve curiosidade para aprender”, ressaltaram as informantes.
Tutuca, por sua vez, afirmou que, embora tenha ficado sem mãe ainda criança, lembra–se de observá–la
fazendo as quitandas, e que já a ajudava nos preparos. Destacou ainda que, na época, a vida era difícil, e
vários alimentos eram produzidos pela própria família, como fubá, polvilho e melado de cana:
“Como não existia açúcar, quer dizer, tinha, mas a gente não
tinha dinheiro pra comprar, então, nosso pai moía a cana para
fazer garapa e depois fazia o melado e a rapadura. Era com isso
que mãe adoçava as quitandas. Também se fazia o próprio
116
polvilho. Plantava a mandioca, esperava ela ficar no ponto, depois
ralava… deixava a massa de molho na água e ia mexendo pra lá e
pra cá, até aquela água branquinha assentar no fundo da bacia.
Mas era preciso trocar a água durante vários dias.” (Maria Aleluia,
em entrevista realizada na comunidade do Palmital, em
26/08/2017).
A quitandeira Tutuca também relembra que era preciso usar o pilão para transformar o milho em fubá,
um dos ingredientes básicos utilizado no preparo das merendas. Ela guarda com orgulho o pilão que foi
esculpido pelo pai, e que era usado no beneficiamento de alguns alimentos; ainda hoje, utiliza–o para
“socar” café e urucum. Conforme relatou a quitandeira, já apareceram alguns compradores da cidade
de Tiradentes (MG), interessados em comprar o utensílio, mas ela não vende: “Ele é dos tempos
antigos”, ressaltou. Entretanto, admitiu que as pessoas, hoje em dia, preferem ir ao mercado pegar as
mercadorias prontas. “Eu soco milho no pilão para fazer canjica. Não existe nada melhor que uma
canjica socada no pilão, uai! O gosto é diferente.” (Tutuca, em entrevista realizada na residência, em
25/08/2017). Um dos motivos pelos quais não se desfaz do instrumento.
Os tipos de quitandas que aprenderam a fazer com suas mães através da observação sensível, ou seja,
olhando, sentindo as texturas, os cheiros, e que, até hoje, preparam, são broas de fubá, biscoito de nata,
biscoito de polvilho, rosquinhas misturadas (farinha e polvilho) e roscas (pães caseiros). Para isso, ainda
seguem o mesmo modo de fazer aprendido pela linhagem materna. Hoje não usam mais o cupinzeiro
adaptado como forno; construíram um forno de varrer, que é uma versão inspirada na antiga
tecnologia.
A quitandeira Tutuca destacou que há dois tipos de fornos: “A gente aqui tem forno de varrer e forno
sem varrer. O forno de varrer é feito de tijolos, e a gente põe a lenha dentro dele. Já o forno sem varrer
é um tambor deitado, coberto como barro e a lenha vai por baixo.” (Tutuca, em entrevista realizada na
residência, em 25/08/2017). Acrescentou que, para manusear o forno sem varrer, é preciso atenção
redobrada, pois esquenta muito e pode queimar as quitandas (Figura 6.34).
Figura 6.34 – Forno de varrer e forno de tambor usados para assar quitanda.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
117
No terreiro da residência de Cidinha e Chiquita, sob um “puxado”, coberto de telhas de cerâmica e
anexo a um pequeno depósito destinado a acomodar ferramentas e insumos para alimentar galinhas e
porcos, está localizado o forno de varrer. O forno, além de servir para assar as quitandas, é usado no
preparo de outros pratos, como assar pernil e outros tipos de carnes. A lenha usada no forno é
encontrada, segundo elas, nas pequenas matas que existem em torno da comunidade e nas fazendas
vizinhas. Um dado interessante observado é que o forno de varrer, quando não está sendo utilizado
para assar quitandas, sua finalidade, serve de abrigo para as galinhas botarem seus ovos.
“Caminhavam em direção à cidade a senhorinha e a escrava. A dona ia a
cavalo e a escrava, a pé, conduzindo um baú de roupa na cabeça e um
balaio de quitanda nos braços. Mamãe falava que o nome da escrava era
‘Supriana’. Aí, foi a senhora disse: ‘É para você chegar na cidade na
mesma hora que eu, se não eu te mato’. Aí, mamãe contava que, no
lugar que tem a cruz, ela se enforcou com um cipó” (Cidinha e Chiquita,
em entrevista realizada na comunidade Palmital, em 26/08/2017).
Enfatizaram também que é de costume, ao passarem pelo lugar, fazer o sinal da cruz em gesto de
respeito. Segundo elas, à noite, o local é mal–assombrado: as pessoas ouvem choros e gritos. Como
disseram, dona Bárbara, uma parenta que morava na comunidade e que já faleceu, chegou a conhecer a
escrava Cipriana. O interessante dessa história é a relação que se estabelece com o ofício de
quitandeira, e que pode ser útil para se pensar sobre a tradição da transmissão desse tipo de saber na
comunidade.
Como é de costume, não há, segundo as informantes, uma época específica para fazer quitandas; elas
servem para complementar as merendas do dia a dia. O sentido atribuído à merenda é semelhante ao
que comumente se chama de lanche. Porém, em algumas épocas, costuma–se fazer quitandas, como na
festa do padroeiro São Sebastião, que acontece no mês de janeiro, e na festa da Consciência Negra, em
novembro.
Ao contrário das outras quitandeiras residentes na cidade de Nazareno, que fazem quitandas para
vender e cujos lucros complementam a renda da família, na comunidade Palmital, as mulheres que
detêm esse ofício apenas as fazem para o consumo. Porém, durante as entrevistas, elas deixaram
evidente a vontade de fazer as quitandas para vendê–las na feira da cidade; porém, para isso,
precisariam de apoio financeiro, tanto para adquirir os ingredientes como para custear o transporte das
mercadorias.
118
Além do forno de varrer, há outros instrumentos utilizados no preparo das quitandas: gamela, uma
espécie de bacia feita de madeira, que serve também para sovar a massa; e tabuleiros feitos de latas e
cabos de vassouras com um prego em uma das extremidades, para movimentar os tabuleiros no interior
do forno.
No preparo dos doces, utiliza–se um fogo de pedra localizado também no terreiro, cujo tamanho já é a
conta do encaixe dos tachos de alumínio (Figura 6.35).
Figura 6.35 – Tabuleiros feitos de latas, usados para assar quitandas, e fogão de pedra cozinhando doce
de cidra.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
6.2.4 OFÍCIO DE RAIZEIRO E RAIZEIRA EM NAZARENO – QUILOMBO PALMITAL
Maria Aleluia do Nascimento, 53 anos
Maria Aleluia, conhecida como Tutuca, reside na Comunidade quilombola desde que nasceu (Figura
6.36). Além de exercer o ofício de quitandeira, é raizeira e benzedeira na comunidade. Ela aprendeu o
ofício de conhecer o poder das plantas do Cerrado com seu pai, que já faleceu. “Ele era um grande
conhecedor ‘das coisas do mato’”, ressaltou.
Não muito tempo atrás, pelo que a raizeira descreve, quando alguma pessoa da comunidade adoecia, a
única solução era pedir ajuda ou à benzedeira ou, então, aos raizeiros, que logo faziam os preparos de
chás, “fervuras” e emplastros preparados com ervas, folhas e raízes para auxiliar no tratamento das
doenças:
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Figura 6.36 – A raizeira Tutuca ao lado do pilão que usa para descascar arroz e pilar milho e café.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
“Meu pai conhecia muito [sobre as plantas e seus usos]. Eu
só conheço remédio das plantas de horta, como hortelã,
levanta, puejo, funcho. Eu também benzo de mau–olhado,
quebrante, espinhela caída, cobreiro. Rezo muito ainda.”
(Tutuca, em entrevista realizada no quintal da casa, em
25/08/2017).
No entanto, a terapeuta popular se denomina especialista na preparação de um remédio que, segundo
ela, cura “chiado” que, supõe–se, seja o som ofegante da respiração das pessoas que sofrem de asma ou
bronquite. Para isso, ela prepara um remédio cujo ingrediente principal é o “umbigo da bananeira”, que
são as flores da planta. Quando questionada sobre o processo de preparação, ela se esquivou e falou
que não podia dizer, “senão, perdia as forças do remédio”.
Esse tipo de precaução é recorrente entre os terapeutas populares, principalmente no que diz respeito à
transmissão dos saberes de cura, o que evidencia o caráter mágico–religioso da prática. Na pesquisa
realizada com as rezadeiras de Cruzeta (RN) SANTOS (2017), observou–se que algumas delas não
ensinavam as rezas de cura para pessoas do sexo feminino, afirmando elas que perderiam as forças de
suas rezas.
Pelo visto, o remédio à base do umbigo da bananeira, elaborado pela raizeira, já ultrapassou as
fronteiras da comunidade. O Diretor de Cultura Mário Carvalho, que acompanhava a equipe durante a
entrevista, relatou o caso de uma pessoa da família que tomou o remédio e ficou curado. “Meu
sobrinho que morava no Rio de Janeiro e que sofria de asma tomou o preparo de dona Maria e se
curou.” (Marinho, em depoimento dado em 25/08/2017). Na ocasião, a raizeira confirmou o feito e
reafirmou que seu remédio tem curado muitas pessoas.
120
Esse tipo de discurso de pessoas externas reforça o que Lévi–Strauss (1996) chamou de “eficácia
simbólica”. Para que a cura de algum mal aconteça, é preciso a junção de três elementos: “a crença do
próprio xamã, a do doente e a do público que também participa da cura” (LÉVI–STRAUS, 1996, p. 207).
Ou seja, nesse caso, o fato de a raizeira acreditar que suas infusões têm poderes curativos, atrelado às
expectativas da comunidade e também do enfermo, que acredita ser curado, são imprescindíveis para
construir as representações sobre o processo de cura.
Sobre o ofício da benzeção, Tutuca contou que aprendeu as rezas sozinha, sem que outra rezadeira lhe
ensinasse. E que, só de olhar para alguém com sintomas de “doença de cura”, sabe dizer qual é o tipo de
mal. Entre as rezadeiras entrevistadas, era recorrente a associação da origem do aprendizado a uma
espécie de dom sobrenatural (saberes transmitidos através de sonhos, visões, etc.) que dispensava
ensinamentos sistemáticos de outras benzedeiras com mais experiência –– o que pode ser o caso da
raizeira em questão.
121
6.2.5 MAPA DOS BENS CULTURAIS DE NAZARENO
123
6.3 CONCEIÇÃO DA BARRA DE MINAS
Conceição da Barra de Minas possui atualmente oito patrimônios protegidos pelo tombamento, através
de decretos municipais; dentre os principais, destacam–se: Igreja Nossa Senhora da Conceição, Igreja de
Santo Antônio, Igreja de Nossa Senhora do Rosário (Figura 6.37) e Usina Hidrelétrica do Ribeirão do
Canjica.
Figura 6.37 – Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição (à esquerda), Igreja de Santo Antônio (ao
centro) e Igreja de Nossa Senhora do Rosário (à direita).
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Existem, aproximadamente, 100 patrimônios inventariados no município, dentre patrimônios naturais,
bens imateriais e estruturas arquitetônicas. Como patrimônio natural, o Encontro do Rio das Mortes
Grande e Rio das Mortes Pequeno é inventariado pelo município.
Como patrimônios imateriais inventariados em 2007, destacam–se as seguintes manifestações culturais:
Carnaval, Semana Santa, Festa de Nossa Senhora do Rosário, Lenda da Encruzilhada das Duas Cruzes,
Festa da Padroeira Nossa Senhora da Conceição, Festa de Santo Antônio e Folias de Reis. Em 2009,
foram inventariados: a Festa de São José Operário, Ritos de Encomendação das Almas, Forros de
Esteiras e Balaios e Biscoito Puff (quitanda). Os últimos bens inventariados foram as Festas de São
Sebastião e São João Batista, em 2016. A Corporação Musical Nossa Senhora da Conceição, atualmente,
é a única manifestação cultural registrada em nível local. A relação dos bens culturais imateriais
inventariados pelo Poder Público municipal está disponível no site da Prefeitura Municipal de Conceição
da Barra de Minas6.
Do ponto de vista do patrimônio cultural, Conceição da Barra de Minas compõe o Circuito Turístico
Trilha dos Inconfidentes, que é formado por 20 municípios do Campo das Vertentes. “O circuito oferece
várias atrações ligadas ao turismo ecológico, de aventura, de gastronomia, de artesanato, arquitetura e
um acervo artístico e histórico.” (CONCEIÇÃO DA BARRA DE MINAS, 2017)
No distrito–sede, há três igrejas centenárias: a Igreja do Rosário (Figura 6.38) e a Matriz Nossa Senhora
da Conceição, datadas do século XIX, e a Igreja Santo Antônio, também do século XIX, que compõem um
importante acerto do patrimônio arquitetônico e histórico da região. Com exceção das igrejas, uma ou
6
A relação completa com todos os bens culturais materiais e imateriais inventariados pela Secretaria de Cultura
estão disponíveis para consulta no endereço eletrônico:
http://cbm.mg.gov.br/Especifico_Cliente/18557587000108/Arquivos/arquivo/PATRIMONIO_PROTEGIDO_NO_MU
NICIPIO_ATUALIZADA.pd f
125
outra edificação antiga, espalhada pelo Centro, resiste ao tempo. É o caso da residência da quitandeira
Inaura Paiva, cujo período de construção remete ao final do século XIX, mais precisamente ao ano de
1899, conforme placa de identificação afixada na fachada principal.
Figura 6.38 – Igreja de Nossa Senhora do Rosário.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
A Igreja de Nossa Senhora do Rosário, das três mais que centenárias existentes na cidade, é a mais
antiga. “Sua construção, promovida pelos escravos negros que labutavam nas minas e fazendas da
região, remonta à segunda metade do século XVIII” (GAIO SOBRINHO, 2014, p. 34). Além do patrimônio
material, representado pelas igrejas e algumas edificações, outras importantes manifestações culturais
do município são as festas de padroeiros, o Reinado de Nossa Senhora do Rosário e o Congado.
A festa da padroeira Nossa Senhora da Conceição acontece no dia 8 dezembro, quando se comemora o
Jubileu da Imaculada Conceição de Maria. Ao longo dos 10 dias da novena e festa, sobretudo no Dia
Maior, a cidade recebe um grande número de devotos e visitantes. O encerramento da festa é marcado
pela procissão com a imagem da padroeira percorrendo as principais ruas da cidade.
No mês de junho, realizam–se os festejos em homenagem a Santo Antônio. Durante os nove dias que
antecedem a festa, acontecem novenas e leilões de prendas nas comunidades rurais. No dia 13,
dedicado ao Santo, a procissão encerra o evento.
Em setembro, acontece a festa do Rosário (Figuras 6.39 e 6.40). Entre os festejos, estão o Reinado de
Nossa Senhora do Rosário e o Encontro de Congadeiros, que contam com a participação de vários ternos
de congadas da região (detalhes no item seguinte).
126
Figura 6.39 – Terno do capitão Vicente Cristino (à esquerda) e capitão Vicente Cristino comandando o
terno (à direita).
Fonte: CONCEIÇÃO DA BARRA DE MINAS, 2017.
Figura 6.40 – O Cortejo de Reinado pelas ruas da cidade de Conceição da Barra de Minas.
Fonte: CONCEIÇÃO DA BARRA DE MINAS, 2017.
No tocante à música, destacam–se uma banda, denominada Corporação Musical Nossa Senhora da
Conceição, e pequenos corais formados por moradores do núcleo urbano e da zona rural. Ainda no
campo da cultura, ressaltam–se a presença de Folia de Reis, Malhação de Judas e Encomendação de
Almas. O rito da Encomendação como o próprio nome sugere, é celebrado na intenção das almas e faz
parte das comemorações em homenagem ao Senhor dos Passos. Acontece à meia–noite da Sexta–feira
da Paixão para o Sábado de Aleluia, e tem como ponto de partida o portão do cemitério. Em seguida, os
fiéis seguem em cortejo para as capelinhas dos Passos, onde rezam benditos entoados na intenção das
almas. As encruzilhadas são outros lugares onde também se costuma rezar para almas.
127
Na estrutura organizacional do Poder Executivo, há uma Secretaria de Cultura e Turismo encarregada de
implementar e gerir ações políticas para a preservação do Patrimônio Cultural Material e Imaterial. Uma
das primeiras medidas da instituição foi elaborar mapeamentos e inventários.
Em 2003, foi criada a Lei de Tombamento nº 770, que instituiu as normas para proteção dos bens
arquitetônico, histórico e artístico (como já mencionado anteriormente). No ano de 2005, foi criada a Lei
de Registro, destinada à preservação das práticas culturais imateriais distribuídas nas categorias
celebrações, saberes e ofícios, expressões e lugares.
Atualmente, há dois bens culturais imateriais protegidos em nível municipal, respaldados por lei: a Festa
de Nossa Senhora do Rosário, concluído em 2008, e a Corporação Musical Nossa Senhora da Conceição,
finalizado em 2008. Conforme se encontra disponível no site da Prefeitura, no item Patrimônio
Protegido, é possível consultar os inventários de práticas culturais imateriais mais significativas do
município. Foram as ações de inventários, iniciadas em 2007, que subsidiaram as escolhas e,
consequentemente, os processos de registros dos bens supracitados, atualmente protegidos.
Encontram–se em fase de planejamento as diretrizes para dar início às pesquisas que vão respaldar o
registro da Festa de Santo Antônio.
6.3.1 CONGADAS DE MINAS – CONGADO NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO
Vicente Cirilo Ribeiro, 73 anos
Luiz Romeu do Carmo, 61 anos
Vicente Cirilo Ribeiro, conhecido como Vicente Cristino, é natural de Conceição da Barra de Minas e
reside no bairro São José Operário (Figura 6.41). Atualmente, exerce a função de primeiro capitão do
terno de congado Nossa Senhora do Rosário da cidade. Moram com ele a esposa e duas filhas. Sobrevive
da renda oriunda da aposentadoria como lavrador. Antes de se aposentar, trabalhava nas fazendas da
região.
O sobrenome Cristino faz referência à forma como seu pai era chamado. O informante conta que a
relação com o congado é uma herança de família, e que seus pais já dançavam no terno de congado e
no grupo de Folia de Reis.
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Figura 6.41 – Vicente Cristino, capitão do terno de congado Nossa Senhora do Rosário, com a farda que
usa durante as apresentações do grupo.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Vicente Cristino cresceu em meio à congada, inicialmente conduzido pelos pais; depois, seguiu sua
trajetória no congado, a partir dos ensinamentos deixados por eles. A relação entre o congado e a folia,
estabelecida no passado, perdura até os dias atuais, o que é perceptível, pois grande parte dos
integrantes do grupo de congado também participa do grupo de folia. Além da aproximação entre o
terno de congado e o grupo de folia, há uma relação entre esses e a banda de música. Trata–se,
portanto, de referências culturais que reforçam a identidade cultural e o sentimento de pertencimento
dos moradores ao lugar.
Vicente Cristino acumula outras funções no campo da cultura e dos saberes tradicionais, que dialogam
diretamente com as atividades realizadas no terno de congado e na Folia de Reis, que são o ofício de
benzedor e de tirador de benditos durante a celebração de Encomendação de Almas, que acontece na
cidade durante a Semana Santa. São saberes transmitidos de gerações passadas, que continuam sendo
reproduzidos nos dias atuais:
“Aprendi a rezar nas pessoas com minha mãe, Conceição, que era
benzedeira e parteira aqui. Ela me passou as rezas. Eu benzo para erisipela,
luxação, hemorragia…” [esse tipo de reza, no contexto das curas populares,
é conhecido como “tomar sangue de palavras”, e é considerado uma reza
forte]7 (Capitão Vicente Cristino, em entrevista realizada na residência, em
29/08/2017. Grifo nosso).
Por sua vez, Luiz Romeu do Carmo, conhecido pelo apelido de Lino, ocupa a função de segundo capitão
do terno de congado. É natural de Conceição da Barra de Minas e dança no terno e na Folia de Reis,
desde criança. Atualmente, é viúvo, pensionista e mora com uma filha. Lino reside no mesmo bairro que
7
Segundo SANTOS (2016), para as rezadeiras de Cruzeta (RN), as chamadas “rezas fortes” só podem ocorrer em
momentos de extrema necessidade.
129
Vicente Cristino, o que, para eles, facilita nas tomadas de decisões relativas ao terno. Os capitães, além
de vizinhos, cultivam uma relação de amizade que, na concepção deles, se assemelha a uma relação
afetiva entre irmãos (Figura 6.42).
Figura 6.42 – O segundo capitão, Lino, ao lado do capitão Vicente Cristino.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
A convivência amistosa entre os capitães segue na vida e também na organização do grupo; cada um
possui atribuições definidas. O capitão Vicente Cristino se detém na harmonia e estética musical do
grupo, como criação de cânticos e comandos aos integrantes do terno, com auxílio de um apito, que
indica o momento de início e parada dos toques dos instrumentos. Além disso, ele resolve as questões
burocráticas nos órgãos públicos locais, quando é solicitado. Já o capitão Lino se encarrega de resolver
as questões de logísticas, como transporte, alimentação e, também, de manutenção da ordem do grupo,
como observar se os integrantes estão fora do terno, consumindo bebida alcoólica:
“Quando o grupo chega nas cidades para se apresentar, fica sob minha
responsabilidade receber os ingressos dos almoços e distribuir para os
integrantes. Depois da apresentação, eu confiro se está faltando alguém.
Também fico de olho se tem alguém do grupo bebendo uma coisa e
outra” (Capitão Lino, em entrevista realizada na residência do Capitão
Vicente Cristino, em 29/08/2017).
Por volta da década de 1960, com a morte do capitão Paulo de Joana, o terno de congado Nossa
Senhora do Rosário entrou em declínio, permanecendo em atividade apenas o grupo de Folia de Reis.
Vicente Cristino e seus três irmãos, que, desde criança, dançavam no terno, continuaram na folia.
Durante o período em que o terno esteve fora de atuação, a festa do Reinado de Nossa Senhora do
Rosário foi animada pela Corporação Musical Nossa Senhora da Conceição. A banda de música fez, por
alguns anos, a função do terno de congado, conduzindo o cortejo de reis pelas ruas, durante a procissão.
Segundo Mazinni, um dia pensou:
130
“Gente, não pode, o terno de congada tem que voltar. Eu acompanhei
essa congada desde quando era menina. Mas, quando o capitão faleceu,
não sei o porquê, o grupo não continuou. Então, eu e Maria José Soares,
a Zezé, levantamos a congada. Aí, fomos na casa de Vicente Cristino, e
outros lembravam o terno antigo.” (Rosária Mazinni, em entrevista
realizada na residência, em 29/08/2017).
Esse contexto de retorno do terno ocorreu no início da década de 90, mais precisamente em 1995,
quando o padre Saulo assumiu a paróquia e, com ajuda da ex–professora e organizadora do Reinado de
Nossa Senhora do Rosário, Rosária Mazinni, resolveu recriar o congado (Figura 6.43).
Figura 6.43 – O capitão Vicente Cristino ao lado de Rosária Mazinni, uma das responsáveis pelo resgate
do terno de congado e organizadora da festa de Reinado de Nossa Senhora do Rosário.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
A participação Vicente Cristino foi fundamental nesse processo, já que ele dançou no terno na época em
que foi extinto; consequentemente, mantinha viva a memória sobre muitos elementos que compunham
o grupo, como os tipos de vestimentas (as fardas), as cores do terno, as músicas e os tipos de
instrumentos. Relembra Vicente Cristino que “a farda antiga era composta por calças e camisas brancas,
chapéus de palhas enfeitados com rosas coloridas e uma espécie de saia azul, acima do joelho”. (Capitão
Lino, em entrevista realizada na residência do capitão Vicente Cristino, em 29/08/2017).
Mesmo enfrentando algumas dificuldades materiais, como a falta de recursos para a compra de fardas e
de instrumentos, em outubro de 1995, o terno de congado Nossa Senhora do Rosário retornou ao posto
a que tem direito, por tradição, que é conduzir os reis no cortejo durante a festa de Reinado de Nossa
Senhora do Rosário.
Portanto, em 2017, faz 22 anos que o grupo está em atividade, e sob o comando do capitão Vicente
Cristino. Estar no comando de um terno de congado exige do líder várias funções –– uma delas é a
131
composição de músicas, que serão entoadas pelo grupo durante as visitas. Para isso, o capitão Vicente
Cristino inspira–se nas histórias sobre os escravos nas fazendas da região, que seus pais contavam:
Negro na senzala chora sem parar
Negro na senzala chora sem parar
Senhora do Rosário foi te abençoar
Senhora do Rosário foi te abençoar
(Vicente Cristino)
Outras toadas têm como viés principal a representação dos saberes ancestrais dos pretos velhos:
Bateu na porta, mamãe
Vai ver que é
É o preto velho, mamãe
É o congo, é
(Vicente Cristino)
O empenho que o capitão Vicente Cristino destina às práticas culturais antigas vigentes na cidade, como
é o caso do próprio terno de congado, as folias e a encomendação de almas, a maioria, herança de seus
ancestrais negros, sugere muito sobre o sentimento de pertencimento à história de seus antepassados.
Os cânticos entoados no congado são uma pequena prova disso.
Ao contrário de alguns ternos de congado da região que contam com o incentivo do padre, como é o
caso do terno de Catupé de Nazareno, em Conceição da Barra de Minas, o terno de congado encontra,
na figura do padre, um grande incentivador das tradições culturais locais. Conforme entrevista realizada
na calçada de sua residência, ao lado da Igreja Matriz, padre Saulo confirmou que, de fato, deu sua
contribuição para reavivar o único terno de congado que existia na cidade.
Quando chegou à cidade, em 1995, percebeu que a única congada estava inativa. Então, ele reuniu
algumas pessoas, inclusive o atual capitão Vicente Cristino, juntamente com o Poder Público, e os
incentivou a dar continuidade. O padre foi o primeiro a doar alguns instrumentos, como a sanfona e as
caixas, para o grupo começar. Dentro dos festejos da Festa de Reinado, instituiu a missa conga,
cerimônia solene que conta com a participação do terno de congado. Durante o evento, o grupo adentra
a igreja, cantando e bailando ao som dos instrumentos, em homenagem a Nossa Senhora do Rosário e
São Benedito.
Atualmente, o grupo possui 31 componentes, sendo homens a maioria. Embora os capitães enfatizem,
por um lado, que não há restrição quanto à participação de mulheres no grupo, por outro, lamentam
que apenas quatro mulheres façam parte do grupo. Lógica semelhante também foi percebida nos
grupos de ternos de congados dos municípios já pesquisados. É comum aos grupos da região que a
presença de mulheres se restrinja apenas à função de bandeiras. De acordo com o capitão Lino, o terno
tem por volta de quatro mulheres, o que é um número baixo quando se leva em consideração o
restante do grupo.
Outro fato que os capitães veem com tristeza é a ausência de jovens e, sobretudo, o desinteresse deles
em participar do terno. Segundo Vicente Cristino, os dançadores estão morrendo, e seus lugares no
grupo não são ocupados; com isso, a tendência é enfraquecer. Lamentou, também, a ausência de dois
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irmãos que dançavam no terno e que morreram, deixando vagos seus cargos, que, até hoje, continuam
abertos, como externou o capitão. No entanto, os líderes enfatizaram, com ar de alegria, o fato de
terem dois netos que, mesmo sendo crianças, já o acompanham nas saídas do terno.
Desde o momento que recriaram o terno, há 22 anos, as vestimentas passaram por algumas
modificações. Alguns anos, saíram usando calças e camisas brancas, com coletes coloridos e chapéus de
palha enfeitados com flores. Para economizar custos, mudavam–se os coletes, que, ano a ano, variavam
de cores. Contudo, há alguns anos, o grupo decidiu que a farda do terno seriam calças brancas, camisa
azul e chapéu comum, sem enfeites. O que permaneceu foram os trajes do primeiro capitão, que
continuam sendo calças brancas, paletó azul–dourado e chapéu–boina também azul com brilhos.
Em relação aos instrumentos, alguns permaneceram, como é o caso do reco–reco de bambu, a sanfona
e os surdos (caixas – Figura 6.44). Os reco–recos são confeccionados artesanalmente pelos próprios
congadeiros; outros foram sendo introduzidos ao longo dos anos, como o afoxé, talvez, por doações
recebidas de terceiros. Apesar de o grupo não ter sede própria, é registrado e possui um estatuto.
Figura 6.44 – Capitão Vicente Cristino expondo o reco–reco, instrumento que toca durante as saídas do
terno.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Na cidade, o terno costuma apresentar–se durante a Festa de Santo Antônio, no mês de junho, quando
é oferecido um almoço aos congadeiros, e no Reinado de Nossa Senhora do Rosário, no mês de
setembro. Na festa de Reinado de outras localidades, vinham também participar dos festejos. É quando
acontece, portanto, o encontro de congadas.
Um fato curioso que merece destaque é a relação de proximidade e de trocas entre o terno de congado
e o grupo de Folia de Reis da cidade. Como mencionado anteriormente, muitos dos integrantes do terno
participam da folia, e vice–versa. Vicente Cristino contou que, há uns 20 anos, quando Orlando
Marcelino, líder do grupo de Folia de Reis estava prestes a falecer, foi visitá–lo no hospital, e, no leito de
morte, ele lhe pediu que desse continuidade à tradição. “Graças a Deus, até hoje, a folia tá de pé. Não
133
deixei ela acabar.” (Vicente Cristino, em entrevista na residência, em 29/08/2017). Assim, segue o
capitão, acumulando a dupla jornada de comandar o terno e o grupo de folia juntamente com o amigo
Lino.
Em Conceição da Barra de Minas, a festa de folia ocorre em dois períodos distintos: de 25 de dezembro
a 6 de janeiro, a Folia de Reis, cujas intenções e devoções são em homenagem ao nascimento do
Menino Jesus e aos Reis Magos; entre os dias 7 e 20 do mês de janeiro, acontece a Folia de São
Sebastião. Parece tratar–se de dois grupos distintos, mas é apenas um; o que muda são os santos que
recebem as homenagens.
O capitão Lino, que já protagonizou o bastião, personagem da Folia de Reis, comentou que “o bastião
usa máscara e se traja de vermelho, e é quem comanda o grupo. Ele vai na frente do grupo, segurando a
bandeira de São Sebastião. Chega nas casas e pede licença, canta e pede dinheiro.” (Lino, em entrevista
realizada na residência de Vicente Cristino, em 29/08/2017).
Para os capitães do terno de congado Nossa Senhora do Rosário, o maior problema enfrentado pelo
grupo nos dias atuais é a falta de interesse dos jovens, homens e mulheres em participar dos festejos de
congada. Lamentam que já estão idosos, assim como a maioria dos integrantes, e que precisam de
pessoas mais novas para dar continuidade à tradição. Ao mesmo tempo, eles reconhecem que a cidade
tem poucos jovens; a maioria vai para as cidades vizinhas em busca de trabalho. Contou Vicente Cristino
que já marcou uma reunião com o padre Saulo, para discutirem essa questão. “Já marquei uma
conversa com o padre, para falar sobre esse problema. Quem sabe ele não junta uns jovens para a gente
ensinar a eles dançar congado”, afirmou preocupado o capitão do terno.
A respeito da existência de possíveis impactos do empreendimento sobre o terno de congado, os
capitães não conseguiram mensurar interferências diretas. Porém, foram unânimes em afirmar que se,
durante a construção das torres, houver a possibilidade de criar postos de trabalhos para empregar os
jovens da cidade, seria um impacto positivo.
Vale destacar, também, que uma cidade do porte de Conceição da Barra de Minas, com
aproximadamente 4 mil habitantes, onde grande parte da população se conhece, pode ser afetada de
forma grave, com a permanência, mesmo que temporariamente, por pessoas estanhas ao local, durante
a construção da obra. Serviços públicos, como saúde, educação, lazer e habitação, que atendem de
forma mínima a população local, tenderão a entrar em colapso.
6.3.2 OFÍCIO DE QUINTANDEIRAS
Inaura de Oliveira Paiva, 80 anos
Mário Lúcio de Oliveira Paiva, 62 anos
Cláudia Lins Almeida, 46 anos
Mariana Tobias de Carvalho, 78 anos
O ofício de quitandeira e quitandeiro de Conceição da Barra de Minas é diverso e envolve a participação
de homens e mulheres. De acordo com os depoimentos dos detentores da prática, o ofício de
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quitandeira, tradicionalmente, mobiliza não apenas os adultos em torno do fazer quitandas, como
também as crianças. Talvez pelo fato de ser uma prática realizada no espaço doméstico, o comum seja
associá–la apenas ao repertório de atividades culturalmente atribuído às mulheres.
O homem, nesse caso, participou ou participa do ofício indiretamente, na fabricação dos fornos e
cortando a lenha, por exemplo. Porém, há situações em que a generalização dá lugar à especificidade,
como é o caso de Mário Lúcio, filho da quitandeira Inaura, que atualmente dá continuidade ao ofício
(Figura 6.45). Embora o exemplo supracitado seja oportuno para pensar sobre transformações em torno
do ofício, ou seja, a participação de quitandeiro, o mais comum ainda é a predominância da figura da
mulher no preparo de quitandas.
Figura 6.45 – A quitandeira Inaura e o quitandeiro Mauro (mãe e filho).
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Na cidade, foram realizadas entrevistas com três quitandeiras e um quitandeiro, que aprenderam o
ofício ainda quando criança. Ao mesmo tempo em que dão continuidade à tradição, retiram parte do
sustento da família das quitandas que produzem de modo artesanal, conforme os ensinamentos que
lhes foram passados. Inaura de Oliveira, Mário Lúcio, Cláudia Lins e Mariana foram os quitandeiros, que
serão apresentados a seguir.
A quitandeira Inaura de Oliveira Paiva é natural do município vizinho de São João Del Rei, e criou–se na
zona rural de Conceição da Barra de Minas. Quando se casou, em 1948, foi residir na cidade. É viúva
aposentada e ex–professora. Atualmente destina parte das instalações de sua residência para abrigar
uma hospedaria. O imóvel, cuja construção remete ao final do século XIX, é protegido por legislação
específica municipal (Lei de Tombamento no 770, de 2003) desde o ano de 2007, assim como outros
bens arquitetônicos locais.
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Assim como ocorreu com outras quitandeiras cujo aprendizado do ofício se deu através da convivência
com entes familiares, com Inaura não foi diferente. A presença da figura materna foi crucial na
transmissão dos saberes sobre as quitandas. “Nasci e me criei vendo minha mãe fazendo quitandas na
roça. Eu tanto via como ajudava ela a amassar. Desde pequena que a gente ajudava. Todos ajudavam,
meninos e meninas.” (Inaura Paiva, em entrevista realizada na residência, em 28/08/2017).
Assim como sua mãe envolvia todos os filhos na produção das quitandas, a quitandeira Inaura, após se
casar e constituir família, também o fez com seus 10 filhos. Seu filho Mário Lúcio, quitandeiro, diz que o
saber foi transmitido de geração para geração:
“Ela passou essa tradição pra gente. Desde criança que nós ajudávamos ela a
fazer quitandas. Era um dia de festa. A gente aprendia brincando. Não tinha essa
história de ser só as meninas que ajudavam na cozinha; os meninos também
punham as mãos na massa“ (Mário Lúcio, em entrevista realizada na residência de
Inaura, em 28/08/2017).
Nessa época, conforme destacou a quitandeira, era dedicado um dia da semana para fazer quitandas
suficientes para o consumo da família, por aproximadamente um mês. Como não existia padaria, os
alimentos consumidos no café da manhã e nos horários de merenda (lanche) eram quitandas. Era
comum, portanto, fazer uma grande variedade de biscoitos e rosquinhas e armazená–los em recipientes
de latão.
De acordo com a quitandeira Inaura, as quitandas que se costuma fazer, e que se faz até hoje, eram
biscoito misturado, rosquinhas de nata, pão de queijo, biscoito quebra–quebra, torradinhas, biscoito de
polvilho, broas de fubá e roscas (pães caseiros) (Figura 6.46). Com exceção dos biscoitos e rosquinhas,
que podem ser conservados por alguns meses, desde que bem acondicionados em latas, as broas e as
roscas precisam ser consumidas em poucos dias, pelo fato de serem mais perecíveis.
Figura 6.46 – A quitandeira Inaura expondo suas quitandas: rosquinhas de nata, e o biscoito quebra–
quebra.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
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Embora tenha aprendido todas essas receitas na prática, a quitandeira não hesitou em registrá–las em
cadernos de receitas (Figura 6.47). Segundo ela, é uma forma de perpetuar a tradição, para que outras
pessoas possam aprender o ofício.
Figura 6.47 – A quitandeira Inaura expondo seus cadernos de receitas.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Na dinâmica de transmissão do ofício de quitandeira, o mais comum é que o aprendizado ocorra entre
as mulheres, sobretudo que mantenham algum tipo de vínculo consanguíneo, como avós, mães e filhas.
Os saberes também podem se dar pela convivência entre parentes, por afinidades, como vizinhas e
comadres, que dominam a prática.
É possível perceber, nas falas dos informantes, a estreita relação entre festas e quitandas. Costumava–
se, até pouco tempo atrás, servir as merendas nas festas de casamento. “Quando os noivos e os
convidados chegavam da igreja, após a cerimônia de casamento, a mesa já estava posta com quitandas
de todo tipo”, ressaltou a quitandeira Inaura. Apesar de essa prática não estar mais em voga na
localidade, as quitandas ainda continuam sendo sinônimo de festa: “Agora, no Natal e nas festas de
padroeiros, a gente capricha nas quitandas, para receber os familiares que moram fora. Por exemplo, a
família chega aqui, e não pode faltar biscoito de fubá, quebra–quebra e pão de queijo.” (Mário Lúcio,
em entrevista realizada na residência, em 28/08/2010).
A residência dos quitandeiros Inaura e Mário Lúcio possui uma cozinha exclusiva para o preparo das
merendas, equipada com um forno elétrico semi–industrial, mesa de madeira, armário, tabuleiros e
outros utensílios utilizados nas preparações artesanais de quitandas, como bacias e latas destinadas ao
armazenamento dos biscoitos (Figura 6.48). Embora a maior parte das quitandas seja destinada ao
consumo da família, a quitandeira Inaura afirma que costuma servir quitandas, no café da manhã, aos
poucos hóspedes que utilizam os serviços de seu estabelecimento.
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Figura 6.48 – Vista interna da cozinha onde são preparadas as quitandas, com destaque especial para o
forno elétrico.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Por outro lado, o quitandeiro Mário Lúcio, que já produz algum tipo de quitanda para atender a algumas
encomendas de merendas que surgem, planeja, quando obtiver a aposentadoria por tempo de serviço,
incrementar os negócios das quitandas, passando a produzi–las para vender na forma pronta entrega.
A respeito dos ingredientes utilizados nas quitandas, os quitandeiros ressaltaram que atualmente quase
todos são encontrados nos mercados, como farinha, fubá, polvilho, açúcar e sal amoníaco. Porém o
leite, a nata, a banha de porco e os ovos ainda são produzidos na roça, comprados dos produtores
rurais.
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Figura 6.49 – A quitandeira Cláudia durante a entrevista concedida à equipe de pesquisa.
Fonte: Equipe Biodinâmica, 2017.
As únicas memórias que ela guarda das quitandas são as de quando saía com sua avó para pedir
esmolas pelas comunidades rurais. As pessoas ofereciam quitandas, e geralmente as merendas estavam
acondicionadas em latas. Até hoje, comenta a quitandeira, que geralmente associa merendas a lata.
Outro fato marcante no imaginário da quitandeira se seu quando ela era criança, ao acompanhar sua
mãe em uma festa de casamento na cidade:
“Quando eu era criança, aqui, costumava oferecer quitandas nas festas de
casamento. Juntavam duas mesas e arrumava as quitandas. Eu lembro que,
quando criança, minha mãe levava a gente nessas festas. Então, eu ficava
curiosa, olhando aquilo” (Cláudia, em entrevista realizada na residência, em
29/08/2017).
Por várias vezes, tentou–se questioná–la na tentativa de mapear a origem dos saberes que ela detém
sobre o ofício, mas a conclusão a que se chegou é que o aprendizado se deu, como ela enfatizou, por ela
ser curiosa. “Foi por curiosidade gostar de cozinhar. Não tive uma pessoa que me ensinou a fazer
quitandas. Desde que casei, comecei a fazer para o consumo de casa, e só muito depois é que passei a
fazer para vender” (Cláudia, em entrevista realizada na residência, em 29/08/2017).
A quitandeira Cláudia reside na cidade de Conceição da Barra de Minas há apenas três meses; antes,
residiu em São João Del Rei, onde morou por vários anos. Residem na cidade ela e o marido, que
trabalha de pedreiro. O filho e as duas filhas são casados e residem em outras regiões. Trabalhou como
cozinheira no restaurante de uma empresa de beneficiamento de madeira de eucalipto, onde cozinhava
para os funcionários. Nessa época, já fazia quitandas para vender aos trabalhadores (Figura 6.50);
paralelamente à atividade principal, também desempenhava o ofício de quitandeira. Após ser demitida
do emprego, em 2015, passou a fazer as quitandas e vender nos distritos próximos, com o marido:
139
“Na verdade eu iniciei o negócio fazendo pizzas, bolos, doces; depois, fui
inventando. Aí, um dia, resolvi fazer quitandas. Comecei com rosquinhas de
nata, roscas, biscoito de fubá. De repente, eu fiz várias coisas, coloquei no
carro e saí. E deu certo” (Cláudia, em entrevista realizada na residência, em
29/08/2017).
Figura 6.50 – As quitandas de Cláudia (rosquinhas de nata e roscas) acondicionadas em sacos plásticos,
prontas para serem comercializadas.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Depois de alguns meses, resolveu legalizar a empresa, nomeando–a de “Quitanda Caseira da Cláudia”.
Embora não tenha mais residência em São João Del Rei, ela contou que continua abastecendo alguns
distritos com as quitandas. Na atual moradia, a quitandeira recebe encomendas, cuja medida é a lata
(Figura 6.51); ou seja, cada lata custa cerca de 40 reais para o consumidor final: “Aqui, as pessoas
preferem quitandas de balde. Como quase não existe mais lata de latão, eu compro a manteiga nos
baldes e uso como medida–padrão para entregar as quitandas.” (Cláudia, em entrevista realizada na
residência, em 29/08/2017)
Figura 6.51 – As latas (baldes de plásticos) que são usadas como medida–padrão de comercialização de
quitanda. Cada balde de quitanda (biscoitos) custa 40 reais. Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
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Ela contou que, embora as encomendas sejam menores que as de São João Del Rei, em épocas de
festas, as vendas costumam aumentar. Nos períodos festivos, as famílias costumam receber parentes
que residem em outras localidades ou visitar a cidade para festejar e rever os amigos. Esse fato contribui
para o aumento das vendas das merendas; consequentemente, também, para a valorização do ofício de
quitandeira.
Tanto nas falas de Inaura e de Mário Lúcio, quanto na de Cláudia, percebeu–se a necessidade de manter
uma autenticidade das quitandeiras. O fato de as iguarias serem produzidas de forma artesanal não é
suficiente para que sejam quitandas legítimas. É preciso mais que isso; por exemplo, que sejam assadas
em forno a lenha, e que os ingredientes provenham da roça, principalmente os ovos, o leite e a nata.
Segundo eles, quitandas amassadas com leite processado e creme de leite, este usado em substituição a
nata, não ficam com o mesmo sabor. Para alguns tipos de biscoitos, tais mudanças não funcionam;
acabam comprometendo o sabor, que logo é percebido pelo apreciador de quitandas. No entanto, o
discurso muitas vezes não condiz com a prática, já que algumas mudanças impostas são inevitáveis.
No caso da quitandeira Cláudia, algumas mudanças foram mantidas, outras, não. Em relação aos
ingredientes, ainda consegue usar, em suas receitas, alguns insumos que encontra na própria
comunidade, como ovos caipira, leite cru e nata, produtos que são adquiridos dos produtores locais. Já
no modo de assar as quitandas, optou pelo uso do forno a gás, atendendo ao item praticidade.
Observou–se, também, que, diferentemente do passado, o preparo de quitandas, atualmente, não
reúne mais um número expressivo de pessoas, como relataram a quitandeira Inaura e o filho Mário
Lúcio. Tornou–se uma atividade que conta apenas com a presença de uma ajudante.
Durante a visita à casa da quitandeira Cláudia, foi possível fazer tal constatação, haja vista que ela estava
sozinha, preparando as fornalhas de rosquinhas (Figura 6.52). “Eu já estou acostumada a trabalhar
sozinha; desde que comecei, é assim. Minhas filhas nunca gostaram de ajudar” (Cláudia, em entrevista
na residência, em 29/08/2017). Além de presenciar o processo de assar as quitandas, foi possível
acompanhar Cláudia ensacando os biscoitos, prontos para serem vendidos.
Figura 6.52 – A quitandeira Cláudia ao lado do forno a gás e a fornalha de rosquinhas.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
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Assim como a característica “curiosidade” justifica o aprendizado da quitandeira Cláudia, a
“necessidade” pode ter sido, em outras circunstâncias, importante para definir o conhecimento sobre o
ofício de quitandeira de Marina Tobias de Carvalho, natural de São Tiago (MG), aposentada e mãe de 11
filhos (Figura 6.53). Residente na cidade de Conceição da Barra de Minas há 20 anos, viveu grande parte
de sua vida trabalhando com o marido, nas fazendas da região. Ambas as quitandeiras moram no bairro
São José Operário.
Figura 6.53 – A quitandeira Marina.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Sua primeira aproximação com o fazer quitandas se deu quando ela ainda era criança, na convivência
com sua mãe, que preparava as iguarias no forno de cupim; no entanto, ela só se tornou quitandeira
quando passou a trabalhar nas fazendas. Segundo ela, nessa época, sua mãe assava as quitandas no
“forno de cupim”, que utilizava o cupinzeiro (Figura 6.54). Ainda não era o “forno de varrer”, que é feito
de tijolos e barro. Para ela, esse tipo de forno foi aparecendo à medida que a posse das pessoas ia
aumentando.
Figura 6.54 – Cupinzeiro que, antigamente, era usado como forno para assar quitandas.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
142
Geralmente, de acordo com o que se observou nos relatos de algumas quitandeiras pesquisadas, as
experiências partilhadas com outras mulheres mais velhas da família foram fundamentais para justificar
a continuidade do ofício nos dias atuais. No caso da quitandeira Marina, mesmo que tal característica
seja importante, não define na totalidade sua inserção no contexto do ofício de quitandeira.
Para ela, o elemento crucial foi a “necessidade”: “Eu comecei a fazer biscoito por necessidade”,
enfatizou várias vezes durante sua fala. Na verdade, Marina só se percebeu quitandeira, de fato, quando
começou a ser chamada pelas mulheres dos fazendeiros para trabalhar fazendo quitandas; a
remuneração era por dia trabalhado. Porém, enfatizou a quitandeira, sua relação de trabalho doméstico
em fazendas não começou após o casamento. Antes, ainda com 8 anos de idade, teve início sua jornada
de trabalho nas cozinhas dos fazendeiros:
“Eu e meu marido toda vida trabalhamos nas fazendas. Então, foi lá que aprendi a
fazer os biscoitos com outras mulheres. Por isso, falo que foi por necessidade.
Então, nos momentos de dificuldades, comecei a fazer quitandas para vender, e
até hoje faço.” (Marina, em entrevista realizada na residência, em 29/08/2017)
A quitandeira Marina, até hoje, complementa a renda familiar com as encomendas de quitandas que
recebe semanalmente. Assim como os outros quitandeiros, Inaura, Mário Lúcio e Cláudia, ela afirma
que, nos períodos de festas, como Natal, carnaval, Semana Santa e festas de padroeiras, as encomendas
aumentam significativamente. Relembrou a quitandeira, com ar nostálgico, que, tempos atrás, foi muito
solicitada para preparar quitandas para festas de casamento:
“Eu, mesmo morando na roça, era chamada para preparar as quitandas de festa
de casamento aqui na cidade. Tinha vez de eu ir pra casa da noiva, uma semana
antes do casamento, só para preparar os biscoitos e as rosquinhas. Antigamente,
era comum oferecer café com quitandas durante a festa. Nessa época, as
quitandas eram assadas em fornos de varrer.” (Marina, em entrevista realizada na
residência, em 29/08/2017)
Como era de costume, segundo a quitandeira, os noivos se casavam pela manhã e, no retorno para casa,
era oferecido aos convidados um café com quitandas; depois, era servido o almoço. No meio da tarde,
tornavam a servir quitandas. Às vezes, no meio da noite, ainda serviam uma última remessa de
merendas.
Mesmo não dispondo de forno de varrer no quintal, a quitandeira Mariana aderiu ao forno de tambor.
Nas palavras dela, é a versão mais recente dos fornos de assar quitandas artesanais. Se o forno de cupim
era uma versão arcaica do forno de varrer, consequentemente, o forno de varrer é uma versão antiga
do forno de tambor (Figura 6.55). Este forno, como o próprio nome sugere, é a adaptação feita de um
barril de metal, com capacidade para 200 litros, para assar quitandas. A adequação consiste na
colocação de grelhas internas, que são afixadas longitudinalmente, para acomodar os tabuleiros, e
também de uma abertura na lateral, por onde eles são introduzidos.
143
Figura 6.55 – A quitandeira Marina e seu marido, Francisco, mostrando o lugar onde será montado o
forno de tambor usado para assar quitandas.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Feito isso, o processo de instalação consiste em fixar a estrutura metálica sobre uma base retangular de
aproximadamente 2 m de comprimento por 70 cm de altura, tendo o cuidado de manter o tambor
distante da base uns 20 cm, já que será por essa abertura que o forno receberá a lenha. Por último,
reveste–se o tambor com tijolos e argamassa, de modo a manter o calor necessário para assar as
quitandas. O custo total de investimentos com o forno, incluindo o do tambor adaptado e o serviço de
pedreiro, gira em torno de R$ 500,00 –– investimento que, secundo a quitandeira, é alto para as suas
condições financeiras. Mesmo assim, ela prefere o forno de tambor ao forno a gás, para assar as
merendas (Figura 6.56).
Figura 6.56 – Fogão a gás, que é usado raramente pela quitandeira.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
A lenha que usa para assar as quitandas vem da roça do filho, localizada nos arredores do perímetro
urbano da cidade. O encarregado de transportá–la até a residência é seu marido, Paulo, que também
cuidará da montagem do forno de tambor. É da pequena propriedade que vêm o leite e a nata usados
nas receitas das quitandas. Já os ovos caipiras são oriundos da criação de galinhas mantida no quintal de
144
casa (Figura 6.57). Ou seja, Mariana, não diverge da opinião dos outros quitandeiros da cidade, que
resistem às facilidades impostas pela indústria. As merendas são feitas com os mesmos tipos de
ingredientes que eram utilizados no passado.
Figura 6.57 – Ovos de galinha caipira usados nas receitas de quitandas.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
As quitandas feitas com ingredientes da roça têm outro sabor, conforme ressaltou a quitandeira. Esse
sabor pode, também, levar os apreciadores a acessarem memórias afetivas de momentos especiais
vividos no passado. Dos vários tipos de quitandas, os que mais prepara e recebe encomendas são as
rosquinhas de nata, biscoito misturado (fubá e polvilho), biscoito de polvilho e roscas. Outros, como
biscoito quebra–quebra e broas de fubá, ela costuma fazer com menos frequência.
Questionada se mantém algum caderno de receitas de quitandas, ela falou que as tem guardadas na
cabeça, mas tem vontade de pedir que alguém as escreva. Falou também que suas filhas, que residem
na cidade vizinha de Tiradentes (MG), aprenderam a fazer quitandas com ela e que, nos hotéis onde
trabalham, são responsáveis pela produção das quitandas servidas nos cafés da manhã dos hóspedes.
A quitandeira Mariana, que tira do ofício parte do sustento da família, através das encomendas de
quitandas que recebe, não contabiliza, no preço final, os gastos com os ingredientes que não compra no
supermercado, como os ovos caipira, o leite e a nata. Para ela, essas despesas não são repassadas ao
seu consumidor, portanto uma forma de vender seus produtos por um preço inferior aos praticados
pelos outros quitandeiros.
Ao contrário dela, a quitandeira Cláudia calcula todos os custos, inclusive o tempo de trabalho gasto
para produzir as quitandas; para isso, as receitas são medidas e pesadas. Porém, no caso de Mariana, há
um elemento que sobressai na esfera financeira, que é o gostar de fazer quitanda, ou seja, somente o
fato de ela estar realizando algo que lhe dá prazer é o que importa.
145
6.3.3 MAPA DOS BENS CULTURAIS DE CONCEIÇÃO DA BARRA DE MINAS
147
6.4 SÃO JOÃO DEL REI
São João Del Rei é também uma das principais "cidades históricas8" de Minas Gerais. Seu conjunto
arquitetônico e urbanístico foi tombado pelo IPHAN, em 1938. O conjunto de bens imóveis tombados
totaliza aproximadamente 700 imóveis.
A instância responsável pelo tombamento e preservação de bens do Patrimônio Histórico e Cultural de
São João Del Rei é o Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural, criado pela Lei nº 3.388,
de 16 de julho de 1998 (como já mencionado anteriormente).
Como principais Patrimônios Histórico, Cultural e Arquitetônico, a cidade possui: Catedral Basílica de
Nossa Senhora do Pilar, Fortim dos Emboabas, Igreja de Nossa Senhora do Carmo, Igreja de São
Francisco de Assis, Paço Municipal de São João Del Rei, Teatro Municipal, Museu de Arte Sacra, Solar da
Baronesa, Igreja Matriz do Senhor Bom Jesus do Monte (Senhor dos Montes) e a Igreja de Nossa
Senhora das Mercês, dentre outros.
O município de São João Del Rei possui longa tradição quanto à preservação do patrimônio material,
tanto que os processos de tombamentos se iniciam logo após a criação do órgão de patrimônio cultural
brasileiro, o SPHAN, em 1937, quando se instituiu a Lei de Tombamento n° 25. Mais de meio século
depois, com a criação do Decreto no 3.551, de 2000, que instituiu o Registro de Bens Culturais
Imateriais, é que se inicia a política de preservação das práticas culturais espalhadas pelo território
brasileiro. Nesse contexto é que, em 2009, São João Del Rei e mais seis cidades mineiras, Congonhas,
Catas Altas, Diamantina, Ouro Preto, Mariana e Sabará, tiveram seus primeiros bens reconhecidos como
Patrimônios Culturais Imateriais, o Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro.
A estrutura do Poder Executivo local dispõe de uma Secretaria de Cultura e Turismo, que, dentre outras
atribuições, encarrega–se da preservação do patrimônio cultural e também do turismo, que é fonte de
renda da cidade. No entanto, conforme informações repassadas pelo diretor de Cultura, não há ainda
uma lei de registro para proteger os bens culturais. O município só dispõe de alguns inventários dos
bens culturais imateriais locais que realizou para fins de pontuação no ICMS Cultural do IEPHA–MG.
Esse programa incentiva os municípios mineiros a criar ações de valorização de seus patrimônios
culturais. De acordo com o Superintendente Municipal de Cultura de São João Del Rei, Ulisses Passarelli,
o município não dispõe ainda de uma legislação específica para a proteção dos bens imateriais, mas
ressaltou que “a Secretaria está se organizando para registrar a Festa do Divino e os Grupos de Folias do
município. O primeiro passo será a realização do inventário dessa manifestação” (Passarelli, em
entrevista realizada na sede da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo, em 30/08/2017). Percebe–se,
portanto, que há, por parte do Poder Público, uma atenção maior na proteção dos bens culturais de
natureza imaterial.
Atualmente, existem no município, aproximadamente, 10 grupos de Folias de Reis sediados nos seis
distritos e cinco ternos de congado. No passado, esse número era maior, embora não fosse objeto de
interesse dos intelectuais e da imprensa e, de acordo com PASSARELLI (2017), não que os congados
8
Cidades coloniais.
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fossem raros. Ocorre que a imprensa e os escritores em geral, ainda eivados de uma ótica colonialista,
não davam a devida importância ao evento no cenário cultural –– não o achavam digno de figurar em
qualquer página.
Os festejos do Jubileu do Divino Espírito Santo na Paróquia do Senhor Bom Jesus de Matosinhos
acontece entre os meses de abril e maio. A celebração abrange, além dos grupos de Folias do Divino, os
grupos de congado, que participam em momentos diferentes da festa. Conforme o
“portaldodivino.com/Brasil/jubileu.htm#5 ” a partir da segunda quinzena do mês de abril, as Folias do
Divino iniciam sua jornada de visita às residências, anunciando o Jubileu, levando a mensagem de paz do
Espírito Santo e recolhendo donativos voluntários para as festividades.
No final do mês maio, no Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, os grupos de folias batem as
caixas para anunciar a novena e o hasteamento dos mastros do Divino e de Santo Antônio. Nesse
momento, o capitão de cada grupo de congado do município, acompanhado por reis, rainhas e
princesas, é recebido pelo Imperador para prestar sua homenagem ao Divino. Fazem parte dos festejos
a Cavalgada do Divino e a Missa Inculturada.
De acordo com o PORTAL DO DIVINO (2017), a Missa Inculturada, que, apesar de ter as mesmas partes
básicas de qualquer missa, celebra–as em estilo próprio. Há um destaque para a cultura negra, através
de cânticos, danças e rituais. A música adotada se baseia nos congados e folias e noutros ritmos que
visam valorizar a negritude e que melhor expressam as raízes culturais africanas, sob uma face
ecumênica e cristã. Nesse sentido, também participam do evento os grupos de capoeira, que realizam
suas danças, entre eles, o contramestre Juninho, do grupo Artes das Gerais.
Ao longo do ano, em alguns bairros afastados e distritos, acontecem outras festas em homenagem a
Nossa Senhora do Rosário que contam com a participação de grupos de congado locais e de municípios
vizinhos. A festa da Congada Nossa Senhora do Rosário do Rio das Mortes, localizada no distrito de
Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno, acontece no final do mês de outubro e não costuma contar
com a presença de outros grupos.
Segundo SANTOS (2016), nos bairros mais afastados da região central, como São Dimas e Matosinhos, a
festa do Rosário mantém seus elementos do período colonial. As festas contam com o levantamento do
mastro, a eleição do casal real e os cortejos pelas ruas da cidade, com danças e músicas.
Não se percebeu, nas entrevistas realizadas com quitandeiras de São João Del Rei, uma relação de
proximidade entre a Festa do Jubileu do Divino e o consumo de quitandas, como foi observado em
outros lugares. Em Conceição da Barra de Minas, em épocas festivas, o consumo de quitandas aumenta
significativamente, e um dos motivos é a presença de pessoas que visitam a cidade. Aliás, foram
contatadas apenas duas quitandeiras, o que é um número ínfimo, caso se leve em consideração o porte
do município.
O município de São João Del Rei caracteriza–se como uma cidade–polo da região do Campos das
Vertentes, com foco nas atividades de comércio e de serviços, como turismo histórico e hotelaria. A
cidade dispõe de importantes instituições pública e privada de ensino superior; dentre elas, destaca–se
a Universidade Federal de São João Del Rei, criada na década de 1986. Atualmente, a universidade
possui vários campus distribuídos em várias regiões do Estado de Minas Gerais.
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6.4.1 CAPOEIRA E OFÍCIO DE MESTRES DE CAPOEIRA
6.4.1.1 Grupo de Capoeira Artes das Gerais
Contramestre Juninho – Arísio Aroldo de Souza Júnior, 36 anos
A arte da capoeira foi introduzida em São João Del Rei pelo Mestre Dunga, natural de Feira de Santana,
na Bahia. Ele foi cabo do Exército Brasileiro no 11º Batalhão de Infantaria de Montanha, em São João
Del Rei. Entre as folgas do quartel, o mestre dedicava–se a ensinar a capoeira de rua, formando alguns
alunos.
Segundo o contramestre Juninho, seguramente, ele é um nome importante da capoeira são–joanense.
No final da década de 60, Mestre Dunga mudou–se para a capital mineira onde deu continuidade à sua
arte. Em 1981, fundou a Associação de Capoeira Cordão de Ouro – Eu Bahia. Posteriormente, a entidade
passou a se chamar Associação Brasileira de Capoeira Cordão de Ouro – Eu Bahia (ABRACCE), com
diversos núcleos de ensino em Minas Gerais, em academias, escolas e associações. Quando foi embora
da cidade, Mestre Dunga deixou alguns de seus alunos, que deram continuidade à prática, como Mestre
Lucas e Mestre Zezinho.
Arísio Aroldo de Souza Júnior fez os primeiros contatos com a capoeira ainda criança, em São João Del
Rei, por intermédio de seus tios, que treinavam capoeiragem de rua. Seus parentes haviam aprendido
alguns golpes com o Mestre Dunga e, vez por outra, arriscavam ensaiar alguns passos de capoeira, mas
“não havia uma percussão correta”, como ressaltou Juninho.
Somente em 1996, quando o professor de capoeira Luciano Almeida começa a dar aulas, é que a
capoeira sai das ruas para os espaços fechados. À época, conseguiu formar uma turma com 40 alunos. É
nesse momento que o aprendiz Juninho começa a vivenciar a capoeira e a conhecer seus fundamentos e
a importância da atividade como prática cultural genuinamente brasileira. O professor treinou por seis
anos, depois abandonou a capoeira, ingressando em outra atividade profissional:
“Depois disso, eu encontrei outra pessoa (mestre) e dei continuidade ao
aprendizado. Nessa época, em 2002, já fazia seis anos que eu treinava capoeira.
Eu sabia bastante coisa, mas não tinha contato com outros mestres de fora. Foi
então que conheci o Mestre Museu da Fundação Internacional de Capoeira Artes
das Gerais (FICAG), que me convidou para conhecer sua academia, em Belo
Horizonte. Fui conhecer e, de lá, só treino com ele. Ele é meu grande Mestre
(Contramestre Juninho, em entrevista realizada na academia, em 31/08/2017 –
Figura 6.58).
A profissionalização na capoeira somente ocorreu, de fato, quando passou a treinar com o Mestre
Museu, fundador do Grupo Artes das Gerais (Figura 6.59), que reside na capital mineira. Em 2002, o
contramestre Juninho implanta na cidade uma célula da FICAG, quando se iniciam as aulas de capoeira.
O grupo completou 15 de anos de existência e possui uma média de 40 alunos, incluindo iniciantes e
graduados.
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Figura 6.58 – Contramestre Juninho com seu berimbau, e aquecimento da Roda de Capoeira, em
31/08/2017.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Figura 6.59 – Identidade visual do grupo FICAG – Célula São João Del Rei – (MG).
Fonte: CAPOEIRA ARTES DAS GERAIS – SJDR, 2017.
As rodas de capoeira acontecem sempre às terças e quintas–feiras à noite, na Rua Manuel Fortes, 130 –
Bairro Matosinhos – Vila Santa Terezinha. O contramestre dispõe da assistência do instrutor Emanoel
Zanola (Poronga), que o auxilia durante os treinos e nas questões administrativo–burocráticas do grupo.
Ainda hoje, Juninho é aluno do mestre e, sempre que possível, convida–o para fazer palestras para os
alunos iniciantes da capoeira na cidade.
O espaço que o grupo usa para a realização dos treinos de capoeira é alugado e acomoda outras
modalidades esportivas, como luta livre e judô (Figura 6.60). Dividir os custos referentes ao aluguel do
imóvel foi uma alternativa encontrada pelo grupo para diminuí–los, comentou Juninho. Embora seja
cobrada uma taxa dos alunos, o valor arrecadado não daria para pagar o aluguel de espaço exclusivo
para sediar os eventos do grupo.
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Figura 6.60 – Ringue de luta livre e o tatame (à esquerda), e Roda de Capoeira em ação (à direita), em
31/08/2017.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Assim como vários detentores da capoeira, o contramestre Juninho não sobrevive financeiramente do
ofício –– uma situação semelhante que faz parte do cotidiano de vários capoeiristas que estão
exercendo a prática pelo resto do País. Na sua concepção, isso é um grave problema, pois, dependendo
do tipo de trabalho, o mestre não dispõe de tempo para se dedicar ao ofício.
A capoeira, pelo que disse o contramestre Juninho, requer dedicação do detentor. Ele precisa cumprir
alguns compromissos que o próprio ofício exige, como participar de encontros, batizados e, acima de
tudo, treinar com frequência. Ainda segundo o informante, os poucos mestres que vivem da capoeira
como profissão residem em grandes capitais, como Belo Horizonte e Rio de Janeiro, conseguiram
montar academias e cobram caro pelas aulas.
O contramestre Juninho não foge à regra, portanto, não faz da capoeira uma profissão; ele é eletricista e
presta serviços para uma empresa de energia da região. Logo, a capoeira é uma atividade recreativa que
ele consegue manter em paralelo com sua profissão. “Muitas vezes, eu tiro recurso do próprio bolso
para completar os gastos com o grupo.” (Contramestre Juninho, em entrevista realizada na academia,
em 31/08/2017). Na sua visão, o mestre deve profissionalizar–se e poder trabalhar e viver da capoeira,
mas, antes de tudo, a manutenção da arte da capoeira deve partir do Poder Público, garantindo
condições de acesso às populações mais pobres.
Ainda sob esse ponto de vista, ele acredita que o registro da capoeira como patrimônio imaterial
brasileiro pouco contribuiu para mudar o quadro de descaso que a capoeira enfrenta em São João Del
Rei. O Poder Público local continua a tratar a atividade como folclore –– só o procura durante as
comemorações cívicas e no Dia da Consciência Negra. Disse também que, tão logo soube do
reconhecimento do Ofício de Mestres de Capoeira e da Roda de Capoeira como bens culturais, foi ao
escritório técnico do IPHAN no município; na ocasião, os servidores não souberam informar–lhe a
respeito do fato. Depois disso, voltou ao órgão para solicitar uma licença de um espaço para fazer uma
Roda de Capoeira, mas também não foi atendido.
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Além dos treinos que acontecem na referida academia no bairro Matozinhos, o grupo frequentemente
promove alguns eventos públicos durante o ano, como o encontro de capoeira e as apresentações no
Centro da cidade e, também, nas cidades vizinhas, quando é convidado. As apresentações em público
costumam ocorrer em frente à Igreja do Carmo, no Centro Histórico. Frequentemente, são feitos
batizados. A graduação no grupo segue a seguinte composição: aprendiz, monitor, professor e
contramestre. Não há graduação para mestre, porque o integrante de maior grau do grupo é o
contramestre.
O contramestre Juninho lamenta que o Poder Público local não dê a devida atenção à copeira, pois os
únicos projetos sociais que existiam nas escolas foram interrompidos por falta de recursos. Até 2016, a
Roda de Capoeira atuou em projetos sociais na Escola Municipal Professora Sarah Carvalho, no distrito
de São Sebastião da Vitória, através do Programa Escola Aberta Minas Gerais. Porém, por falta de
repasses de recurso do Governo do estado, o projeto durou apenas seis meses:
“Na nossa cidade, a capoeira é pouca valorizada –– continua quase como
antigamente, na época dos escravos. O poder local não vê a capoeira como um
patrimônio cultural. O secretário já chegou a dizer que a capoeira não é cultura,
que é uma dança folclórica.” (Contramestre Juninho, em entrevista realizada na
academia, em 31/08/2017).
Como agravante, o grupo vivencia o preconceito religioso no dia a dia, principalmente por parte de
algumas denominações religiosas, dentre elas a religião católica. A falta de apoio e o descaso não são
apenas do Poder Público: o grupo também contabiliza inúmeras ações que se configuram como
intolerância religiosa, vindas de membros da Igreja Católica e de outras denominações, por exemplo, a
Evangélica.
Segundo o contramestre Juninho, para essas pessoas, a capoeira é “coisa do demônio”. De forma
semelhante ou até mais explícita, a Igreja Católica local também tem contribuído para disseminar a
intolerância religiosa. Há dois anos, o atual líder religioso da Paróquia do Bom Jesus de Matozinhos
proibiu a realização da Missa Inculturada durante a Festa do Jubileu do Divino Espírito Santo:
“Todo ano a gente se apresentava na Missa Inculturada, durante a Festa do
Jubileu do Divino aqui no bairro; só que o novo padre proibiu o evento. Há dois
anos que a missa acabou. Era a coisa mais linda. Os hinos da igreja eram
acompanhados pelo som do atabaque e dos berimbaus.” (Contramestre Juninho,
em entrevista realizada na academia, em 31/08/2017)
Trata–se de um ritual africano que incluía a participação dos grupos de tradição afro–brasileira da
cidade, como os ternos de congos e Moçambique e os grupos de capoeira, que abrilhantavam a festa
com a batida de suas caixas, atabaques e berimbaus.
A respeito dos instrumentos (Figura 6.61) utilizados nas rodas de capoeira, foi dito que são os próprios
alunos que os produzem. Parte da matéria–prima para a confecção de berimbaus é de fácil acesso,
como as cabaças e o arame. Já os caxixis, uma espécie de chocalho trançado de bambu com pedras no
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seu interior, e a madeira para a confecção das vergas são adquiridos no mercado do Centro de Belo
Horizonte.
Segundo o contramestre Juninho, as cabaças, geralmente, são doadas pelos produtores rurais, e o
arame, que é fixado à verga, é coletado de pneus usados. Quanto ao uniforme, ou seja, o abadá, que é
composto por uma calça branca de elástico na cintura (para facilitar os movimentos da luta), cada
integrante do grupo compra o seu.
Figura 6.61 – O atabaque e instrutor Porongo tocando o atabaque durante a Roda de Capoeira em
31/08/2017.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Por fim, o contramestre Juninho ressalta que, atualmente, o Grupo Artes das Gerais em São João Del Rei
não recebe nenhum tipo de recurso de órgãos públicos municipais, estaduais e federais.
6.4.2 TOQUE DOS SINOS E OFÍCIO DE SINEIRO
Nilson José dos Santos, 42 anos (sineiro e zelador da Igreja São Francisco de Assis)
Paulo César Neves, 26 anos (sineiro e zelador da Igreja Nossa Senhora do Carmo)
Rodrigo da Silva, 46 anos (sineiro e sacristão da Igreja de Nossa Senhora do Rosário)
Atualmente, o Toque dos Sinos é praticado em São João Del Rei, apesar da ausência do Poder Púbico na
implementação de ações que possibilitem sua continuidade e manutenção. Mesmo assim, um grupo de
sineiros local empenha–se em dar prosseguimento ao ofício, conforme os mecanismos a que tem
acesso. Todas as igrejas do Centro Histórico possuem um responsável pelo Toque dos Sinos nos
momentos festivos e durante as missas solenes. Na cidade de Ouro Preto, onde a linguagem dos sinos
também foi reconhecida como Patrimônio Cultural Imaterial em nível nacional, os sineiros estão
organizados em associação, o que contribuiu para a gestão da manutenção da prática.
Conforme disseram os informantes, as outras cidades, como a própria São João Del Rei, Congonhas,
Catas Altas, Diamantina, Sabará e Mariana, que fizeram parte do processo de Registro, não conseguiram
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formar instituições representativas para organizar os sineiros. Os três sineiros que prestaram
depoimentos para a pesquisa acumulam outras funções na rotina da igreja, como zeladores e sacristão.
Com tantas igrejas espalhadas por pontos estratégicos da área central da cidade, é de esperar que haja
também muitas festas em homenagem aos santos e santas padroeiros. Em boa parte do ano, os toques
dos sinos são a sinfonia mais ouvida pelos moradores, já que a linguagem emitida por eles é um dos
principais elementos que anunciam para os fiéis que a cidade está em festa. Em setembro, realiza–se a
festa dos Estigmas de São Francisco e, no mês de outubro, a do padroeiro São Francisco de Assis.
A festa em homenagem a Nossa Senhora do Carmo acontece entre os dias 7 e 16 julho. Segundo Paulo
César, sineiro–responsável, durante esse período, o sino é tocado várias vezes ao dia: ao meio–dia, às
15h e às 18h. E também depois da novena. Para cada horário, os toques são diferentes: mais de 16
repiques. “Então, de cada horário, a gente tira um repique diferente”, ressaltou o sineiro (Figura 6.62).
Figura 6.62 – Sineiro Paulo César no interior da torre esquerda da Igreja de Nossa Senhora do Pilar, e a
imagem frontal da Igreja de Nossa Senhora do Carmo.
Fonte: Equipe Biodinâmica, 2017.
O fato é que atualmente, nas cidades históricas, como São João Del Rei, ainda é mantida a tradição da
linguagem dos sinos. Embora a função dos sinos se restrinja aos ritos religiosos festivos das igrejas
católicas, é através da sua linguagem que os fiéis católicos sabem se haverá missa, se a celebração será
proferida pelo pároco da cidade ou se por outro, ou ainda se será ministrada pelo bispo.
No período festivo destinado a cada padroeiro ou padroeira, executam–se toques festivos algumas
vezes por dia. Os sineiros das outras igrejas também saúdam a igreja que está em festa, repicando seus
sinos; por isso, eles dizem que as igrejas falam entre si. A relação dos sineiros com os sinos é repleta de
afeto e intimidade. A impressão é que os sinos possuem alma e que seus toques são pura poesia.
A organização dos toques–repiques festivos começa pelo primeiro repique, chamado “principiado”, por
dar início aos outros repiques. O repique é feito em cada sino: no pequeno, no médio e no grande. O
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toque começa com uma pancadinha no sino pequeno para chamar os outros. O sino médio pergunta, e
o sino grande responde. Há um intercâmbio, uma conversa entre eles. Existe uma hierarquia entre eles.
O pequenino vai dar a primeira pancadinha, o médio vai responder. Aí o sino grande vai querer saber o
que os outros dois estão falando. (Sineiro Nilson, em entrevista realizada na Igreja São Francisco de
Assis, em 30/08/2017)
As principais igrejas do Centro –– Igreja São Francisco de Assis, Igreja de Nossa Senhora do Carmo, Igreja
de Nossa Senhora do Rosário, Igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar, Igreja de Nossa Senhora das
Mercês e Igreja de São Gonçalo –– possuem sineiros fixos, que se encarregam de comunicar aos fiéis os
principais acontecimentos da religiosidade.
As igrejas históricas de São João Del Rei são tombadas como patrimônio cultural do Brasil desde a
década de 1930, pelo órgão de patrimônio da época, o SPHAN, atual IPHAN. Embora desde essa época,
o Toque dos Sinos fosse executado, e também se caracterizasse como uma referência cultural para os
habitantes da localidade, somente na primeira década do ano 2000 é que a linguagem dos sinos foi
reconhecida como um bem cultural imaterial.
Os sineiros, portanto, são responsáveis por manter em atividade a tradição do Toque dos Sinos durante
as festividades, e também em ocasiões corriqueiras do repertório católico, como as “chamadas para as
missas”, que ocorrem semanalmente, nas igrejas onde atuam.
A respeito das chamadas de missas, observou–se que, momentos antes de começar o rito da celebração
na Capela do Divino Espírito Santo, localizada bem ao lado da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, o
Toque dos Sinos soou, avisando aos fiéis que, dentro de 30 minutos, a missa seria iniciada. Os toques
duraram aproximadamente 15 minutos. Aos poucos, os fiéis foram aparecendo, um a um, e se
acomodando nos bancos no interior da igreja. No momento, quem tocava o sino era um aprendiz de
sineiro, o Alan, ou o “rapazinho”, como diz o sineiro Paulo César, e que estava na companhia de três
crianças (Figura 6.63).
Figura 6.63 – Aprendiz de sineiro Alan e a “criançada” no interior da torre da Capela do Divino Espírito
Santo, e fachada da Capela do Divino Espírito Santo.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
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O sineiro Nilson José dos Santos, 42 anos, é natural de São João Del Rei e trabalha na Igreja de São
Francisco de Assis como zelador e sineiro. Seu primeiro contato com os toques de sino aconteceu
quando tinha 14 anos de idade, por intermédio de seu pai e de seu tio; no entanto, acrescentou que seu
pai não conversava sobre sinos com ele. Independentemente disso, desde criança, ouvia os sons que
saíam das torres das igrejas, causando–lhe um misto de interesse e curiosidade:
“Quando a gente era criança, esticava uma espécie de varal e amarrava enxadas,
picaretas velhas ou alguma coisa que desse barulho... E a gente ficava tentando
reproduzir neles os sons dos sinos. Mas, na prática, subir no campanário mesmo é
totalmente diferente, porque tem uma diferença de bater o ferro e tocar o sino.”
(Sineiro Nilson, em entrevista realizada na Igreja São Francisco de Assis, em
30/08/2017)
Na fala do sineiro, fica evidente que o ofício se dá na vivência cotidiana, quando os sentidos são
acionados, isto é, as percepções sensoriais são apreendidas pelo ouvido, visão e tato. Não há uma
maneira de impor ao aprendiz uma única forma de assimilação dos saberes que circundam a prática.
Consta da junção de várias aptidões, como curiosidade, observação ao modo de fazer dos mais antigos,
disciplina, vontade de aprender, além do treinamento dos ouvidos para captar cada nota que soa do
instrumento:
Uma característica recorrente que aparece nas falas dos detentores diz respeito à importância de ter o
ouvido educado, ou seja, que o aprendiz de sineiro exercite a capacidade de captar as tonalidades das
batidas, pois, como diz afirmou o sineiro Nilson, qualquer pessoa pode bater sino, mas é diferente de
fazer o sino soar (Figura 6.64). As experiências com a música, vividas em algum momento de suas vidas,
contribuíram para o aprimoramento dos toques dos sinos. Assim, o sineiro Nilson conviveu com o pai,
que era músico de enredo de carnaval; o sineiro Paulo César era percussionista de bloco de carnaval; e
Rodrigo tocou por alguns anos na banda de música da cidade.
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Figura 6.64 – Sineiro Nilson na recepção de entrada e na Igreja de São Francisco de Assis
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Além da convivência com pessoas próximas da família que dominavam os saberes do Ofício de Sineiro,
Nilson contou com a valiosa contribuição do ex‐sineiro Euvércio, há quase três décadas, quando iniciou
seus trabalhos na Igreja de São Francisco:
“Na época que eu vim pra cá, eu comecei a mexer no sino com o sineiro Euvércio,
que hoje não toca mais. Eu me aproximei dele porque eu tinha curiosidade de saber
como se tocava os sinos, dobrar os sinos, os repiques. Fiquei meio assustado por
ver aquela bacia girar 360 graus no janelão da torre.” (Sineiro Nilson, em entrevista
realizada na Igreja São Francisco de Assis, em 30/08/2017)
Rodrigo da Silva é sacristão e sineiro da Igreja de Nossa Senhora do Rosário. Começou ajudando na
Catedral de Nossa Senhora do Pilar, acompanhando seus irmãos que já tocavam sinos:
“Fui criado numa casa atrás da Catedral de Nossa Senhora do Pilar. Todos os meus
irmãos foram coroinhas quando crianças. E sempre estávamos em contato com os
sinos. Eu gostava de ver eles dobrando o sino na torre. Aí, meus irmãos mais velhos
começaram a tocar o sino da catedral. E meu interesse vem dessa época. Eu sempre
subia na torre com eles. Do pessoal do meu tempo, só tem eu que toca sino. Muitos
foram embora, outros não se interessaram em prosseguir.” (Sineiro Rodrigo, em
entrevista realizada na Igreja Nossa Senhora do Rosário, em 31/08/2017)
Com mais de 30 anos atuando como sineiro, Rodrigo teve um diferencial no seu aprendizado (Figura
6.65). Como na catedral há duas torres, ambas com sinos, enquanto seus irmãos tocavam os sinos na
torre localizada do lado esquerdo, durante as festividades solenes ou em outras ocasiões, ele tentava
reproduzir as mesmas notas, posicionado na torre da direita. Assim, podia correr o risco de errar alguma
nota sem que fosse percebido pelos fiéis. Para ele, o fato de ter integrado por um período a banda de
música da cidade o ajudou no aprimoramento de mestre sineiro.
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Figura 6.65 – Sineiro Rodrigo na sacristia e a fachada principal da Igreja de Nossa Senhora do Rosário.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Outro informante que contribuiu para ampliar o tema sobre a linguagem dos sinos foi o sineiro Paulo
César, que é natural de Resende Costa (MG), mas reside em São João Del Rei desde criança. É zelador e
sineiro da Igreja de Nossa Senhora do Carmo e, assim como o sineiro Nilson, cresceu ouvindo o toque
dos sinos. É responsável pela torre, isto é, pelo toque dos sinos da igreja há nove anos, e teve como
mestre sineiro Nonô, que, como ele, também desempenhada a atividade de zelador da igreja. No
entanto, seu primeiro contato com a “torre” (modo como se refere à atividade de sineiro) iniciou
quando era coroinha:
“Meus primeiros contatos com o sino foram quando eu era coroinha daqui da
igreja. Aqui tem muito disso: você entra como coroinha, fica ajudando o padre e a
pessoa da igreja, e aí, desde cedo, a gente é acostumado a ir pra torre. Mas aí, eu
comecei gostar do toque dos sinos. Achava legal, entendeu? Aí, eu comecei na torre
também. E aí fui pegando as manhas com o ex–sineiro Nonô. Hoje ele é
aposentando e não toca mais. Meus mestres foram o Nonô, que era sineiro daqui, e
o Nilson, da Igreja São Francisco.” (Paulo César, em entrevista realizada na Igreja de
Nossa Senhora do Carmo, em 30/08/2017).
Entre os inúmeros toques de sinos que fazem parte da tradição na cidade, os mais comuns e produzidos
com frequência são os toques festivos de repiques. Segundo o sineiro Nilson, existem aproximadamente
uns 16 tipos diferentes, e os toques de dobres, que consistem em girar o sino 360 graus em torno de seu
eixo. Esses são os que mais chamam atenção das crianças iniciantes durante o processo de
aprendizagem. Por mais que, esteticamente, o dobrar do sino seja mais chamativo, é na execução dos
toques de repiques festivos que o sineiro mostra domínio e competência sobre o instrumento. Essa
modalidade exige habilidade de toque tanto nos braços (ou como diz o sineiro Nilson, “força na
munheca”) como de percepção musical (um bom ouvido). O toque dobrado é mais um espetáculo
visual, já que faz girar o sino, por inúmeras vezes, em torno de seu próprio eixo. Durante os giros,
acontece o toque. No tocante à transmissão dos saberes do ofício, alguns sineiros se queixam de que a
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“meninada” (os novos aprendizes) demonstra pouco interesse pelos toques de repiques festivos; só se
interessa mesmo pelos toques de dobrados:
“Atualmente, a galera novinha só quer saber mesmo de ‘revirada’, as manobras que
fazem girar 360 graus. E nada de pegar os repiques nos sinos grande, médio e
pequeno. O sino pequeno é quem chama os outros, ele é o ritmo. Ele é quem
comanda e dá a marcação.” (Paulo César, em entrevista realizada na Igreja de
Nossa Senhora do Carmo, em 30/08/2017).
O sineiro Nilson, por quem Paulo César mantém respeito por lhe ter transmitido parte dos
conhecimentos do Ofício de Sineiro, reforça a importância dos repiques. Para ele, um bom aprendiz de
sineiro deve empenhar–se em praticar esse tipo de toque já que necessita de disciplina e empenho.
Portanto, conhece–se um bom sineiro pela marca de seus repiques:
“Um bom sineiro tem que saber fazer repiques. Para um sineiro assumir o
campanário [torre], é preciso saber o repique, porque a alma dos sinos são os
repiques; o dobre dos sinos é complemento. Você só precisa ter força para girar o
sino. Só. Não adianta você ser um sineiro, assumir um campanário se você não sabe
repicar. Por exemplo, você assume a responsabilidade de bater o sino para a missa
de domingo, sobe na torre, tira o sino da posição de descanso e põe ele com a bacia
para cima, e dá início aos dobres. E depois dos dobrados, se você não sabe dar os
repiques, como vai fazer? É preciso saber do conjunto.” (Sineiro Nilson, em
entrevista realizada na Igreja São Francisco de Assis, em 30/08/2017).
Dos vários tipos de toque de sinos que eram executados em tempos passados, ainda se preservam, em
São João Del Rei, os toques festivos, que incluem repiques e dobres, os dobres fúnebres, para comunicar
o falecimento de membros das irmandades de cada igreja, e para chamar os fiéis para assistirem às
missas. Além desses toques, é costume tocar os sinos durante os ritos que integram a Semana Santa.
Durante a Festa de Passos, acontece o tradicional Combate dos Sinos: os sineiros das igrejas de Nossa
Senhora do Pilar, Nossa Senhora do Carmo e São Francisco de Assis disputam quem mantém por mais
tempo os dobres dos sinos.
Para manter em atividade a linguagem dos sinos, não basta apenas que a prática seja reconhecida como
detentora de valores simbólicos que reforçam a identidade local e nacional dos cidadãos. Nesse sentido,
os detentores percebem a ausência dos Poderes Públicos (local, estadual e federal) na implementação
de ações que visem à continuidade da linguagem dos sinos para as futuras gerações. Para o sineiro
Nilson, a cidade deveria ter um museu específico para resguardar a importância dos sinos, e que
houvesse oficinas para transmitir os conhecimentos sobre os sinos aos mais jovens interessados em
aprender.
Mesmo sem ajuda do Poder Público, e sem estarem organizados em associações, os próprios sineiros
das igrejas encarregam‐se de transmitir o ofício à “meninada”, isto é, às crianças interessadas em
aprender o toque dos sinos. À medida que os detentores mais experientes repassam os saberes sobre o
Ofício de Sineiro a outros, ou seja, aos aprendizes, fortalecem seu prestígio de mestre perante a
comunidade:
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“Há algum tempo que a gente está trabalhando em cima disso. Essa meninada que
tá vindo agora eu costumo ensinar. Eu levo o Ofício de Sineiro com muita
seriedade, assim como eu aprendi com outro sineiro. Eu respeito muito os mestres
sineiros, mesmo que eles não atuem mais. Eu tenho muito cuidado de manter a
tradição dos sinos aqui, para que não seja banalizada, porque nossa identidade é a
linguagem dos sinos. Isso é um legado que nossos antepassados deixaram para nós.
É uma história que vai dar continuidade para outras pessoas.” (Sineiro Nilson, em
entrevista realizada na Igreja São Francisco de Assis, em 30/08/2017)
A divulgação do Toque dos Sinos de São João Del Rei não se limita apenas à área de abrangência do
núcleo urbano com suas igrejas tombadas –– a linguagem dos sinos já ganhou o mundo através das
redes sociais. A página disponível na rede social intitulada “Sinos de São João Del Rei” tem o objetivo de
divulgar os principais eventos que estão relacionados com a prática9.
A postura de preservação do bem cultural linguagem dos sinos, que deveria ser mais enérgica por parte
do Poder Público, através de ações consistentes de salvaguarda, é, em grande parte, desempenhada
pelos próprios detentores. Os sineiros resolveram por conta própria essa lacuna e ensinam as crianças
interessadas em aprender o ofício. As oficinas consistem em ser levadas pelos aprendizes para as torres
a fim de que eles vivenciem a prática, que possam exercitar todos os sentidos necessários para dominar
os saberes sobre o Toque dos Sinos. A escola, se assim pode ser chamada, é a torre das igrejas:
“Agora, a meninada [aprendizes] vem porque gosta, né?, de contribuir com a
prática. Eles já estão se preparando, caso um de nós deixe de tocar o sino. É preciso
passar pra eles, porque futuramente eu não estarei mais aqui. E só assim será dada
continuidade ao toque os sinos. A gente fica mais satisfeito com a confiança que os
pais passam pra gente: ‘Meu filho está com você, então eu fico tranquilo. Sei que
ele está aprendendo um ofício, tomando outro rumo na vida.’” (Sineiro Nilson, em
entrevista realizada na Igreja São Francisco de Assis, em 30/08/2017)
Apesar da falta de interesse do Poder Público pela prática, os detentores percebem que o título de
patrimônio da linguagem dos sinos contribuiu para dar mais visibilidade. Antes, os turistas que vinham à
cidade só se preocupavam em visitar as igrejas com suas arquiteturas e adornos internos; após o
reconhecimento, já se percebe o interesse de algumas pessoas pelos sinos. “Depois que o Toque dos
Sinos virou patrimônio, há uma maior valorização tanto por parte das pessoas daqui como das pessoas
de fora. Elas procuram saber sobre os sinos, não ficam só nas igrejas. Hoje tem muita gente que visita a
cidade, já sabendo como é que os sinos dobram.” (Sineiro Paulo César, em entrevista realizada na Igreja
de Nossa Senhora do Carmo, em 30/08/2017).
O reconhecimento da linguagem dos sinos como um patrimônio cultural, conforme ressalta o sineiro
Rodrigo, é essencial para a condição necessária à continuidade da prática: “Antes, a gente tinha medo
9
Para mais informações acessar: 9 https://www.facebook.com/Sinos–de–s%C3%A3o–jo%C3%A3o–del–rei–
708773145865467/
162
que ela viesse acabar. Aqui tem algumas pessoas que gostam do toque dos sinos, mas também tem
muita gente que não gosta. Mas como agora virou patrimônio cultural, fortaleceu. Fica mais difícil de
acabar. Funciona como uma garantia.” (Sineiro Rodrigo, em entrevista realizada na Igreja Nossa Senhora
do Rosário, em 31/08/2017)
Quanto às dificuldades que os sineiros enfrentam no dia a dia, e que se traduzem na manutenção e
continuidade como prática (também já mencionada acima por todos os entrevistados), observa–se a
ausência do Poder Público. Poucas ações de salvaguarda foram realizadas após a linguagem dos sinos
tornar–se Patrimônio Cultural Imaterial. O encontro de sineiros realizado em 2014, que reuniu
representantes de todas as cidades contempladas com o Registro, foi mencionado pelos detentores
como uma ação importante, já que permitiu aos sineiros a oportunidade de estabelecer trocas de
experiências e vivências associadas aos Toques de Sinos e ao Ofício de Sineiro. O evento, porém, não
teve continuidade nos anos seguintes.
6.4.3 CONGADAS DE MINAS
6.4.3.1 Congado Catupé São Benedito e São Sebastião
Capitão José Tadeu do Nascimento, 51 anos
O capitão Zé Tadeu, como é conhecido na comunidade, nasceu em Emboabas, distrito de São João Del
Rei. Reside no bairro Matozinhos desde 1986, e é viúvo e pensionista (Figura 6.66). Há 15 anos, fundou
o Terno de Catupé São Benedito e São Sebastião. O que caracteriza o grupo como sendo Catupé é o fato
de, geralmente, dançarem com os pés, mãos e costas. Usam cerca de seis caixas e dufo (pandeiro
artesanal), conforme constatou Bento (2008) na Festa do Rosário em Catalão (GO).
Figura 6.66 – Capitão Zé Tadeu durante a entrevista concedida à equipe de pesquisa.
Fonte: Equipe Biodinâmica, 2017.
Assim como outros capitães de ternos existentes em Ouro Preto e Mariana, Zé Tadeu mantém,
paralelamente ao congado, um centro espírita de matriz africana que une elementos simbólicos da
umbanda e da jurema (Figura 6.67). Em relação ao estabelecimento, ele contou que é uma tradição que
163
vem de família. O líder espiritual que rege o tempo é Oxossi, representado, no catolicismo, por São
Sebastião; daí, a relação que se estabelece entre congado e centro espírita.
Figura 6.67 – Elementos mágico–religiosos (imagens de Pretos Velhos, São Cosme e São Damião, Divino
Espírito Santo, Iemanjá e várias outras).
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
No entanto, no que tange à criação do grupo de congado, o capitão afirmou que a ideia surgiu de um
questionamento feito por Ulisses Passarelli, pesquisador da cultura local e atual Superintendente de
Cultura do município:
“Por que vocês não criam um grupo de congado no bairro? Minha esposa ainda era
viva e falou: ‘Você tá doido de mexer com congado?’ Mas aí eu pensei que seria bom
porque aqui no Matozinhos já teve um congado há muito tempo. Então, eu comecei
só com pessoas da família; eram 14 pessoas.” (Capitão Zé Tadeu, em entrevista
realizada na sua residência, em 31/08/2017, Figura 6.68)
Atualmente, o terno possui cerca de 40 integrantes, incluindo, além dos membros da família e vizinhos,
outros moradores do bairro. Antes de criar seu próprio terno de Catupé, Zé Tadeu nunca havia dançado
em outro grupo, mas afirmou que teve um tio capitão de guarda de Moçambique, e outro, que era
folião em Barroso (MG). No início, em 2002, quando estava implantando o grupo, contou com a ajuda
do capitão de congado Moacir Santana, que residia no bairro São Dimas.
Nessa época, Zé Tadeu começou no terno no posto de “caixeiro–guia”, uma espécie de auxiliar de
capitão, que dá o comando ao restante do grupo a partir da sonoridade da caixa. Segundo ele, é a caixa
que chama os demais instrumentos. Somente com seu falecimento, assumiu a liderança do grupo.
Atualmente, no mês de setembro, acontece na localidade a Festa de Nossa Senhora do Rosário, que
conta com a participação de vários ternos vindos dos municípios vizinhos.
Durante o ano, o grupo participa de algumas festas na cidade, dentre elas, o Jubileu do Divino do Bairro
Matozinhos, que reúne os grupos de congado e de Folias e ocorre no mês de maio; a festa em honra a
Nossa Senhora do Rosário, no bairro São Geraldo, que acontece em julho; e a festa de Nossa Senhora do
Rosário, no bairro de São Dimas, em setembro. No mês de janeiro, dedicado ao padroeiro São Sebastião,
o terno promove sua própria festa no bairro, que inclui também homenagens a Santa Efigênia.
164
Figura 6.68 – Residência do capitão Zé Tadeu, no bairro Matozinhos.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
O capitão afirmou ainda que, na medida do possível, também participa de outras festividades fora do
município, como Passa Tempo, Lavras, Bom Sucesso e outros; já chegou a participar de festa na capital
Belo Horizonte. No entanto, pelo fato de não dispor de recursos financeiros para arcar com os custos de
transportes, muitos convites não são atendidos. A alimentação oferecida aos ternos que participam das
festas, na maioria das vezes, é custeada pelos integrantes e também por doações que recebem da
comunidade.
Nas falas do capitão, percebem–se ausências significativas da participação do Poder Público local na
promoção de ações políticas consistentes que venham a contribuir não apenas para a manutenção do
grupo, como também para sua continuidade como uma referência cultural para o município: “Isso é
triste porque, quando a gente vai dançar em outro lugar, a gente tá levando o nome da cidade.”
(Capitão Zé Tadeu, em entrevista realizada na sua residência, em 31/08/2017).
Na sua sabedoria empírica, haja vista ter tido pouco tempo de estudo escolar, o capitão detém senso
crítico e consciência sobre a importância de manter a tradição das festas de congadas como uma forma
de resistência, assim como um legado cultural deixado pelos seus ancestrais negros.
O capitão Zé Tadeu enfatizou que, constantemente, as escolas do bairro o convidam para fazer
apresentações. Para ele, esse tipo de ação é importante porque, além de promover a valorização da
prática, provoca o interesse dos jovens para participarem do terno. Repetidamente, durante a
entrevista, era possível ouvir a frase “não pode deixar o congado acabar” sendo verbalizada pelo
capitão.
Muitas vezes, para manter o grupo em atuação, o capitão até paga algumas despesas com recurso
próprio. Conforme observou na visita, ele e muitos líderes de congado (também pesquisados no estudo)
são pessoas pobres e já idosas, cuja única fonte de renda advém de uma aposentadoria ou pensão que
recebem da Previdência Social.
165
As dificuldades enfrentadas pelo capitão para manter o terno em atuação não se limitam apenas à falta
de recursos relativos às despesas com transportes para a realização das “pagas de visitas”, isto é, a
retribuição das visitas que os grupos fazem à cidade. Ele contabiliza outros problemas referentes a
recursos para a compra de uniformes e novos instrumentos, bem como os custos de manutenção: “A
Prefeitura não ajuda em nada, nem uma camisa ela dá” –– desabafou Zé Tadeu. Contou que os últimos
uniformes, que se resumem apenas a camisetas brancas com a estampa dos santos protetores do terno
no tecido, foram doados por uma empresa local. As calças brancas, o boné marrom e o tecido vermelho
da faixa que é usada presa à cintura são adquiridos com recursos próprios.
As cores do uniforme têm uma intencionalidade: o branco significa a homenagem a Nossa Senhora do
Rosário; o marrom refere–se à cor das vestes de São Benedito; e a faixa vermelha simboliza São
Sebastião (Figura 6.69). Os instrumentos utilizados no terno são caixas, agô–agô, abê (confeccionado
com cabaça e miçangas, semelhante ao afoxé), pandeiros e meia–lua. Instrumento como o agô–agô
tanto integra os rituais de percussão do centro espírita como do terno de Catupé, que, em ambas as
situações, é tocado pelo capitão. “No final, acaba que tudo está unido, o congado e o centro. Tá tudo
unido”, disse Zé Tadeu.
Figura 6.69 – Uniforme (camiseta branca, boné marrom e faixa vermelha) que os dançadores do terno
usam.
Fonte: Equipe Biodinâmica, 2017.
O capitão percebeu também alguns descasos por parte dos membros da igreja. Por exemplo: não foi
dada continuidade ao rito da Missa Inculturada, que, inicialmente, integrava as festividades do Jubileu
do Divino, e cuja organização ficava a cargo dos grupos culturais locais, entre eles, os capitães de ternos
de congado, capoeiristas e outros (Figura 6.70).
166
Figura 6.70 – Imagens do capitão Zé Tadeu durante a Missa Inculturada, que era realizada durante as
comemorações do Jubileu do Divino, na Igreja de Bom Jesus de Matosinhos.
Fonte: Foto cedida pelo capitão Zé Tadeu à equipe da Biodinâmica Rio, 2017.
De acordo com Zé Tadeu, que foi um dos organizadores, o evento não prosseguiu porque o padre não
deu apoio. Sendo assim, os dirigentes dos grupos não encontram dificuldades apenas no que diz
respeito ao Poder Público; há resistências enfrentadas com os membros da igreja também. Obviamente
que não chega ao extremo, como o ocorrido em Nazareno, quando o representante da igreja proibiu a
apresentação do terno de Catupé Nossa Senhora do Rosário na cidade, durante as homenagens à santa.
No entanto, é a junção de pequenos descasos e falta de interesse dos agentes locais que podem
colaborar para a extinção de um bem cultural como as congadas.
Um dos pontos positivos é o grupo possuir Registro e Estatuto próprios, além de Livro de Atas, onde são
registradas todas as reuniões realizadas. A sede do grupo está localizada na Quadra Poliesportiva Frei
Jordano, 556, na Avenida Santos Dumont, bairro Matosinhos (Figura 6.71), mas está em processo de
mudança para a garagem do prédio vizinho, no número 701. Os ensaios do grupo acontecem na Praça
do Operário, no bairro Matosinhos.
Figura 6.71 – Praça do Operário, no bairro Matosinhos, onde acontecem os ensaios do terno.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
167
O espaço que será a nova sede do grupo foi doado pela proprietária, por tempo indeterminado. O
problema é que existem três entidades com Registros (CNPJ) diferentes ocupando o mesmo endereço –
– o que, de acordo com a legislação, é um tipo de situação ilegal. No momento, a preocupação do grupo
diz respeito às despesas de cartório em decorrência de tais alterações no Estatuto. Conforme disse o
capitão, é no referido espaço que acontecem os ensaios do grupo e também onde ficam guardados os
instrumentos.
6.4.3.2 Congada Nossa Senhora do Rosário – Distrito de Santo Antônio do Rio das Mortes
Pequeno
1° capitão Pedro Norberto da Silva, 69 anos
2° capitão Geraldo Feliciano da Silva, 78 anos
O distrito de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno, que dá nome ao terno de congada, é famoso,
segundo Passarelli, por ser a terra da Beata Nhá Chica. Está distante cerca de 10 km da sede municipal,
junto à BR‐265. Outrora, a localidade era formada de pequeno aglomerado de casas em estilo rural, ao
redor de uma praça plana e gramada; hoje, está em adiantado processo de urbanização e modernização
do casario. A criação de galinhas e porcos –– em comum –– era típica no Centro do distrito. Tal aspecto
diluiu–se com o tempo, e uma primeira mudança significativa aconteceu na década de 1970, com a
implantação do distrito industrial nas imediações.
168
Figura 6.72 – Da esquerda para a direita, o capitão Pedro Norberto, seu sobrinho Zé Roberto (relações–
públicas da congada) com o filho e seu irmão Geraldo Feliciano (sanfoneiro da congada). Fonte: Equipe
Biodinâmica Rio, 2017.
Pedro Norberto da Silva nasceu na localidade, casado, aposentado, católico e reside atualmente lá. Já
trabalhou como caminhoneiro e morou em várias regiões do País, como Norte e Nordeste, mas, durante
os festejos da congada, sempre retornava ao lugar para comemorar os festejos de Nossa Senhora do
Rosário com a família. O irmão mais velho, Geraldo, também é natural da comunidade, aposentado e
sanfoneiro da congada. A função de capitão assumida por Pedro é um legado que vem sendo passado
de geração em geração. A festa de Nossa Senhora do Rosário acontece na Igreja de Santo Antônio
(Figura 6.73), localizada no distrito de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno.
Figura 6.73 – Igreja de Santo Antônio, no distrito de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
169
A congada também conta com a dedicação de Zé Roberto, relações–públicas do grupo, filho de Geraldo,
que reside na comunidade desde que nasceu. Profissionalmente, ele trabalha no ramo da construção
civil. É de sua função cuidar da organização da festa e também fazer a intermediação dos interesses do
grupo com o Poder Público e outras entidades.
Segundo ele, o Poder Público local, através da Secretaria de Cultura e Patrimônio, não contribui para os
festejos: “Nós, aqui, somos esquecidos; ninguém vem aqui: nem Prefeito, nem Secretário de Cultura.
Eles dão importância só àquele miolo da cidade. Só dão importância à festa Nossa Senhora do Carmo e
Nossa Senhora das Mercês.” (Zé Roberto, em entrevista realizada na sede da congada em 31/08/2017).
O estilo do uniforme usado pelos integrantes também remete ao que os antigos costumavam vestir para
homenagear os santos padroeiros. Segundo ressaltou o capitão Pedro, a farda é composta por calças
brancas, camisas brancas, saias cor–de– rosa e capacetes enfeitados com flores e espelhos (Figura 6.74).
A saia rosa representa São José e a cor branca, Nossa Senhora do Rosário, explicou ele. Os instrumentos
utilizados pelo grupo são duas caixas, duas sanfonas, violões e pandeiros.
Figura 6.74 – Detalhe do terno de congado de Nossa Senhora do Rosário. É possível perceber que o
grupo é formado só por homens.
Fonte: Foto cedida por Ulisses Passarelli à Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
O grupo é registrado pelo nome de Associação de Nossa Senhora do Rosário (Figuras 6.75 e 6.76).
Atualmente, o grupo é formado por aproximadamente 40 dançadores, todos homens, incluindo
crianças, jovens e adultos. Além disso, o grupo possui uma sede própria, composta por uma sala,
cozinha e banheiro, que é utilizada para promover eventos e reuniões do grupo. É nesse prédio que são
servidas as refeições aos congadeiros na festa, em outubro.
170
Figura 6.75 – Sede da Associação de Nossa Senhora do Rosário.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
..
Figura 6.76 – Estrutura interna da Associação: mesa de reunião, armário para guardar os instrumentos e
adereços da congada e o altar.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
No interior do prédio, o visitante também pode apreciar um pouco da trajetória histórica do grupo, a
partir de imagens impressas fixadas às paredes. Há uma mesa grande com várias cadeiras, que são
utilizadas durante as reuniões e eventos beneficentes para angariar recursos financeiros. Na sala, existe
171
ainda um armário, onde são guardados os instrumentos da congada. Zé Roberto fez questão de mostrar
as duas caixas que já estão no grupo há mais de 100 anos. Um dos nichos é reservado ao altar enfeitado
com flores, destinado a Nossa Senhora do Rosário, Santo Antônio e outros santos.
Separada da sala de reuniões, está a cozinha, que é utilizada pelas mulheres da família e comunidade
em geral para preparar as comidas oferecidas no almoço da festa (Figura 6.77). Ela está equipada com
um freezer horizontal, uma mesa ao centro, pias, armários de parede e um fogão a gás industrial com
seis acendedores. Além disso, dispõe de panelas e tachos de alumínio, pratos e talheres. Conforme
disseram os informantes, os equipamentos foram adquiridos por meio de doações e com recursos
próprios.
Figura 6.77 – Estrutura física da cozinha, onde são realizados os almoços oferecidos no dia da festa de
Reinado, que acontece no final do mês de outubro.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Segundo os informantes, não há uma data exata da origem do grupo, mas afirmam que, seguramente, a
tradição já deve estar na família por três gerações. De acordo com o sanfoneiro Geraldo, pelo que seu
avô contava, o terno deve ter uns 300 anos:
172
“O congado da família era, originalmente, de um lugar chamado Canela, aqui em
Minas Gerais; lá, eles deixaram acabar, mas meu avô levantou ele aqui e, meu pai,
Geraldo Feliciano, pegou o posto de capitão. Isso, há mais ou menos uns 100
anos. Quando meu vô morreu, em 1939, eu tinha uns 12 anos. Na época do meu
avô, meu pai já era capitão; daí vem passando pelos integrantes da família. O
capitão era meu irmão mais velho, e passou pra mim – tem a hierarquia, com
prioridade dos mais velhos. Mas eu passei para o Pedro porque sou o sanfoneiro
da congada, e não posso fazer as duas coisas.” (Sanfoneiro Geraldo, em entrevista
realizada na sede da congada, em 32/08/2017)
Para os detentores, é importante conhecer o passado para preservar o presente. Parece que a
possibilidade de conhecer as origens do grupo permite que tenham maior compreensão da importância
da continuidade da prática. O capitão Pedro está no comando do grupo desde 2013, quando seu irmão
mais velho e capitão do terno, José Pedro Sobrinho, o Dezinho, veio a falecer.
Conforme a tradição passada através de gerações, as mulheres não participam diretamente do grupo,
como acontece com outros, com exceção da bandeira. Na maioria das vezes, cabem a elas atividades,
tais como: organizar os festejos, confeccionar as fardas e preparar as comidas. Outra característica é
que o grupo se considera mais contido na batida das caixas. O forte dele (destaque, neste caso) está na
dança e nas alegorias dos adereços, e também na manutenção de costumes, que só existe entre eles.
Diferentemente dos outros grupos que mantêm o costume de receber ternos de outros distritos e até
de outros municípios vizinhos, a congada da comunidade participa apenas da festa do Jubileu do Divino
no distrito–sede: “Vamos a São João, mas nossas caixas são mais agudas, e as caixas deles são
monstruosas, e a gente perdido lá no meio. Pedimos para nos colocar na frente ou atrás, mas eles não
deixam. No meio do cortejo, ninguém escuta a gente.” (Capitão Pedro, em entrevista realizada na sede
da congada, em 31/08/2017).
Outro ponto que diferencia o terno é que, durante a festa da congada, que acontece no mês de
outubro, nenhum outro grupo é convidado; somente a congada do distrito participa dos festejos em
louvor a Nossa Senhora do Rosário: “Nós não misturamos com outras congadas por causa de desvio de
conduta e da cantoria ser diferente. Nós temos violão, e os outros, só batuque” –– ressaltou o capitão,
para justificar o motivo de outros grupos não participarem de sua festa.
Uma personagem emblemática que integra grupo são os mouros, que se vestem de vermelho e
encenam uma espécie de luta. De acordo com CASCUDO (2001), as congadas de representação teatral
focalizam sempre a luta entre mouros e cristãos, terminando com a vitória dos cristãos. Por outro lado,
o autor comenta que, com o passar do tempo, os elementos cênicos foram sendo esquecidos,
permanecendo apenas os bailados e cânticos. A existência dessa personagem, conforme descreve o
autor, pode ser outro elemento que contribui para reforçar, no discurso dos detentores, o sentido de
autenticidade do grupo em relação aos demais que existem no município.
Ao contrário de algumas congadas que integram elementos da religião católica e também de religiões
de matriz africana, para estabelecer uma conexão maior com seus ancestrais, o grupo define–se apenas
173
“de religioso”. Parece que, na opinião dos detentores, os grupos que usam mais caixas na percussão são
menos legítimos que eles. A ideia de autenticidade, reforçada pela tradição do grupo, pode ser
percebida através do apoio ao líder da igreja local:
“Em São João Del Rei, já aconteceu de o padre fechar a igreja e não deixar uma
congada entrar. É porque estão misturando as religiões. Nós não misturamos com
outras congadas por causa de desvio de conduta e da cantoria ser diferente. Nós
temos violão e os outros, só batuque.” (Capitão Pedro e Zé Roberto, em entrevista
realizada na sede da congada em 31/08/2017).
A festa da congada acontece no mês de outubro e homenageia Nossa Senhora do Rosário e Santo
Antônio de Pádua, padroeiro do distrito. No dia 8, os festejos se iniciam com o hasteamento do mastro
no adro da igreja, indicando que a comunidade está em festa. Nos dias 24 e 25, acontece, de fato, a
festa de Reinado, com a coroação de reis, missas e procissões pelas ruas do distrito.
O capitão Pedro (Figura 6.78), com sua bengala enfeitada de fitas e capacete paramentado de flores
artesanais de papel crepom e espelhos, comanda a congada com devoção e garra: “Ele e seus irmãos,
demais familiares, parentes e amigos, formam um grupo coeso, que bem caracteriza o sentido de
irmandade”, como descreveu Passarrelli durante as observações realizadas durante os festejos.
Figura 6.78 – Capitão Pedro Norberto.
Fonte: foto cedida por Ulisses Passarelli à Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Entre os ritos que compõem a festa da congada, como missas, novenas, coroação de reis e rainhas e
procissões, há também os cafés, que são oferecidos aos dançadores pelos devotos da comunidade. A
comensalidade é um evento que não pode faltar nas festas da congada. Além da congada, outra
manifestação local que abrilhanta os festejos é a participação da centenária corporação musical Lira do
Oriente, cuja existência data do final do século XIX. Em termos culturais, a comunidade ainda preserva
outras práticas, como a festejada nos cruzeiros, durante o mês de maio, e o carnaval, com os desfiles de
agremiações locais.
174
De acordo com os entrevistados, a congada não apresenta sinais de crise de desaparecimento. Isso se
deve ao empenho da família, que se esforça para dar continuidade à tradição ou, como eles falam, “para
não deixar morrer”. Deve–se, também, ao reconhecimento que a comunidade atribui à prática como
uma referência cultural do lugar. No entanto, lamentam que o Poder Público, através do órgão de
Cultura não dê a devida atenção que o bem requer para continuar existindo, já que, historicamente, é
um dos grupos de congado mais antigo do município.
6.4.3.3 Moçambique Santa Efigênia do Bairro São Geraldo
Nivaldo Neves, 78 anos – Fundador e ex–presidente da Associação de Congado Santa Efigênia
Nivaldo Neves é aposentado e milita em prol da valorização da cultura negra no bairro (Figura 6.79).
Uma de suas preocupações é promover projetos sociais que, além de incluírem os jovens da
comunidade em atividades culturais, sociais e recreativas, sejam capazes de transformá–los em futuros
cidadãos comprometidos com o bem comum.
Figura 6.79 – Nivaldo Neves, responsável pelo terno do Moçambique na década de 90.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Os primeiros festejos em homenagem a Nossa Senhora do Rosário no bairro São Geraldo foram
realizados em 1965, por dona Carmelita Neves da Silva, natural do antigo distrito de Caburu, hoje São
Gonçalo do Amarante. Nascida em outubro de 1914, é filha de Ambrósio, um dos violeiros da banda de
congado da localidade. Aos 20 anos, Carmelita mudou–se para a cidade Formiga (MG), onde se casou
com Sebastião Silva, capitão da banda de congado Catupé. Em 1934, ela retornou a São João Del Rei
com sua família, deixando para trás o congado.
Após o falecimento de seu marido, em 1965, ela pensou na possibilidade de resgatar os festejos no
bairro. Reuniram–se, então, Carmelita, sua irmã Ana Maria e mais algumas amigas que já realizavam os
congados no bairro São Dimas para restabelecerem as homenagens em prol de Nossa Senhora do
Rosário (Figura 6.80). Os festejos de congado, desde essa época, passaram a acontecer no mês de
agosto, no bairro, sempre com a colaboração de sua irmã. A última homenagem de Carmelita a Nossa
175
Senhora do Rosário aconteceu em 1980. Com seu falecimento dois anos depois, os festejos ficaram a
cargo do presidente da Associação de Bairro, que, por alguns anos, manteve a tradição.
Figura 6.80 – Imagens de Carmelita e Ana Maria, fundadoras do Moçambique Santa Efigênia. Abaixo,
compondo a mesma imagem, Nivaldo Neves, filho de Carmelita. Imagem reproduzida a partir de
fotografia impressa pertencente ao arquivo particular de Nivaldo Neves.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Carmelita e Ana Maria foram as precursoras dos festejos no bairro. Em abril de 1994, os filhos de
Carmelita, incluindo Nivaldo Neves, e os filhos de Ana Maria, criaram a Associação de Congado Santa
Efigênia, cujo primeiro presidente foi o próprio Nivaldo. Consequentemente, surgiu o Moçambique
Santa Efigênia do bairro São Geraldo, que completou 23 anos no ano de 2017. Conforme destacou
BENTO (2008) o Terno de Moçambique é caracterizado por grupo de dançadores onde todos dançam
tocando patagunga e gungas (uma espécie de guizos presos às pernas). Nivaldo é integrante da diretoria
da Associação do Congado, e já assumiu o cargo de presidente.
O terno de Moçambique é caracterizado por grupo de dançadores, em que todos dançam tocando
patagunga e gungas (uma espécie de guizos presos às pernas), como destacou BENTO (2008). Integrante
da diretoria da Associação do Congado, já assumiu o cargo de presidente.
Os projetos sociais existentes no bairro, como Roda de Capoeira “Estilo Capoeira” e o grupo de
percussão “Regue da Periferia” tiveram sua contribuição. Atualmente, responde pela tesouraria da
instituição, e sua contribuição no terno está centrada na parte administrativa. Portanto, ele não é
dançador de congada. Na época em que fundou a Associação, convidou o atual capitão do terno, Tadeu
Nascimento de Sousa, para liderar o grupo, pois já conhecia a trajetória dele e o desejo de fundar um
terno, mas encontrava obstáculos financeiros para concretizar o sonho.
176
A trajetória histórica dos Neves com o congado no bairro São Geraldo aproxima a família, que dá
continuidade à congada Nossa Senhora do Rosário de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno –– pelo
menos, enquanto discurso de seus membros. É que ambas encontram respaldo na herança cultural
familiar, que contribui para estruturar as narrativas sobre os resgates de suas práticas como sendo
tradição, isto é, passadas de pais e mães para filhos.
Em termos estéticos, os tons do terno são compostos, basicamente, pelas cores azul– claro e branco. Em
relação aos uniformes dos/as dançadores/as, as mulheres usam saias e blusas brancas com uma faixa de
cor azul transpassada nos ombros e um tipo de boina azul sobre a cabeça. Os homens, por sua vez,
vestem calças e camisa brancas e também faixa e boina azuis. É comum que alguns integrantes usem
algum tipo de acessório com rosários (terços) grandes, transpassado nos ombros, e guias no pescoço.
A percussão do terno é composta por quatro caixas, que dão o tom para que os outros instrumentos,
patagônias e as gungas (guizos presos às pernas dos dançadores), sigam–nas. Segundo Nivaldo, os
integrantes que tocam as gungas precisam estar fisicamente preparados, já que se trata de um
instrumento pesado. Ele é composto por pequenas latas cilíndricas com pedrinhas fixas a uma perneira
de couro, cuja finalidade é ficar atadas abaixo do joelho e imediatamente acima dos pés. À medida que
o dançador faz os movimentos de dança, o atrito das pedras com as latas emite os sons:
“Quem bate as gungas tem que ser pessoas jovens; pessoa de idade não aguenta.
E aí, a gente tem um problema: os jovens não querem participar das congadas.
Mas, como eles gostam de barulho, batucada, eu vou escrever um projeto para
ver se consigo recurso para comprar mais gungas e chamar alguns deles para
ensaiar no terno. Vai ser o jeito.” (Nivaldo, em entrevista realizada em sua
residência, no bairro São Geraldo, em 30/08/2017).
O terno de Moçambique (Figura 6.81), embora seja registrado como pertencente ao bairro de São
Geraldo, também possui alguns integrantes oriundos de outras partes da cidade. Segundo Nivaldo, é
impossível manter o grupo apenas com pessoas da comunidade, já que é baixo o número de pessoas da
comunidade que dançam no terno. Segundo ele, com os poucos dançadores da comunidade que
integram o grupo, é impossível mantê‐lo minimamente coeso. A sede do grupo funciona na residência
de Nivaldo Neves, no referido bairro.
Figura 6.81 – O terno Moçambique no interior da Igreja do Bom Jesus de Matosinhos. Imagem
reproduzida a partir de fotografia impressa pertencente ao arquivo particular de Nivaldo Neves.
177
As festas de congado realizadas pela Associação são realizadas sempre no terceiro domingo de agosto.
Nesse dia, acontece a caminhada da corte de congado para a praça principal do bairro, onde é saudada
pelas bandas convidadas, grupos de capoeira e grupos afros, como o Grupo de Inculturação Raízes da
Terra. Além disso, é rezada uma Missa Inculturada e oferecido um almoço aos convidados do congado.
A respeito da missa, que o entrevistado denomina de “missa africana”, sua principal característica é que
os integrantes entram na igreja, recitando os cânticos ao som de tambores:
“Durante a Festa do Jubileu do Divino, no bairro Matosinhos, a gente fazia a missa
africana. A igreja ficava lotada de gente para ver os ternos adentrarem com seus
batuques. Eu já fui imperador do Divino e fui coroado pelo bispo durante esse
festejo.” (Nivaldo, em entrevista realizada em sua residência, no bairro São
Geraldo, em 30/08/2017).
No entanto, Nivaldo lamentou que a missa só existiu por alguns anos, e que o próprio padre resolveu,
por conta própria, encerrá‐la. Para ele, o ato se caracteriza como puro preconceito aos ternos de
congados, assim como aconteceu em décadas passadas. Os conflitos com os líderes da igreja local não
impediram a retirada da missa da programação da festa: “Nosso Moçambique já foi impedido de entrar
na igreja. Foi durante uma festa do Jubileu que o padre fechou a porta da igreja; aí, o grupo rezou na
rua, porque não podia entrar na igreja batendo as caixas.” (Nivaldo, em entrevista realizada em sua
residência, no bairro São Geraldo, em 30/08/2017).
Durante o ano, o terno de Moçambique cumpre alguns compromissos. Além da própria festa de
congado na Igreja São Geraldo, organizada pela Associação de Congado Santa Efigênia, também
participa de outras festividades de congado em São João Del Rei, com a Festa do Rosário no bairro São
Dimas e a Festa do Divino Espírito Santo. Quando o Poder Público local disponibilizava o transporte, o
grupo costumava prestigiar festas em outros municípios de Minas Gerais, como Tiradentes, Ibituruna e
Prados.
A última festa do grupo, que aconteceu no mês de agosto, não contou com a participação de outros
ternos, nem do próprio município, nem de localidades vizinhas. Foram enviados mais de 40 convites
endereçados aos capitães de ternos, via Correios; nenhum voltou. É sinal de que eles receberam, mas
não apareceu um sequer. Em relação aos grupos daqui, talvez não tenham vindo porque a Prefeitura
não liberou transporte.
Por outro lado, conforme se percebeu no discurso dos informantes responsáveis pela congada do rio
das Mortes, o terno de Moçambique Santa Efigênia mistura as coisas, ou seja, pelo fato de utilizarem
caixas e cânticos dando ênfase à identidade africana, o terno é visto de forma pejorativa, e que está
agindo com conduta desrespeitosa perante a santa católica.
Além dos conflitos que parecem existir entre os próprios capitães de ternos do município, e também por
parte dos líderes da Igreja Católica, o terno de Moçambique enfrenta dificuldades por falta de interesse
de jovens em participar dos festejos de Nossa Senhora do Rosário. Aliás, parece que o problema não é
exclusivo dessa congada –– há, nos discursos de outros capitães, queixas semelhantes em relação ao
mesmo problema. Outras dificuldades e problemas específicos dizem respeito à questão da falta de
178
interesse do Poder Público local em apoiar a manutenção do terno, principalmente no que se refere ao
patrocínio de transportes para viabilizar as pagas de visitas tanto no próprio município como na região,
já que a maioria dos integrantes são pessoas idosas, que não podem percorrer longas distâncias para
participar de festas em outros bairros.
Não menos importantes, o terno reclama que não possui uma sede própria onde possa realizar reuniões
e ensaios. Atualmente, a sede funciona, de forma improvisada, na residência de Nivaldo Neves.
6.4.4 OFÍCIO DE QUINTANDEIRAS
Rosana Santos, 54 anos
Maria das Dores, 65 anos
Maria Amélia Pereira da Silva, 51 anos
Geralda da Silva, 60 anos
A quitandeira Rosana dos Santos tem 54 anos, é natural de Papagaios (MG), de onde saiu aos 21 anos
para residir na cidade de São João Del Rei, onde está até hoje (Figura 6.82). Ao chegar à cidade, em
1984, residiu numa pensão, onde teve a oportunidade de aprimorar o ofício de quitandeira. É que a
irmã da proprietária do estabelecimento, Aparecida, conhecida como Titica, e que hoje tem 82 anos,
fazia quitandas para vender nos fins de semana. Foi quando Rosana teve uma aproximação maior com o
preparo de quitandas. Ressaltou que não recebia dinheiro; em troca pelo trabalho, ganhava algumas
quitandas para alimentar as filhas, que eram crianças.
Figura 6.82 – A quitandeira Rosana durante entrevista concedida à equipe de pesquisa.
Fonte: Equipe Biodinâmica, 2017.
De acordo com a informante, embora sua mãe fizesse quitandas para o consumo da família, não
consumava ajudá–la na preparação das merendas. Na verdade, sua mãe era reconhecida na região de
Pitangui (MG) como cozinheira e, constantemente, era convidava para preparar as comidas servidas nas
festas de casamento das famílias ricas da região: “Minha mãe fazia almoço para casamentos das famílias
ricas da região, e, desde os 4 anos de idade, eu subia em um caixote e ajudava na cozinha. Minha mãe
fazia de tudo, e todos adoravam a comida dela.” (Rosana, em entrevista realizada no Rosana Café, em
01/09/2017).
179
Percebe–se, portanto, na trajetória da quitandeira, a presença de memórias afetivas que, além de
dialogarem com o Ofício de Quitandeiras e festas, reforçam a existência de uma transmissão de saberes
que se deu a partir das vivências com pessoas próximas, ou através de vínculos familiares, ou não.
No início da década de 1992, incentivada pela quitandeira Titica, foi que Rosana iniciou–se, de fato, no
ofício de quitandeira; a partir daí, começou a comercializar as quitandas:
“Dona Aparecida (Titica) me deu a ideia de fazer as quitandas para ganhar
dinheiro e me passou as receitas. Ela me sugeriu vender na Delegacia de Ensino,
há 25 anos. Fiz umas embalagens bonitas, levei algumas para experimentar e
vendi tudo no mesmo dia. Desde então, comecei a fazer para vender nas casas.”
(Rosana, em entrevista realizada no Rosana Café, em 01/09/2017)
Posteriormente, a quitandeira Titica passou a fornecer merendas para a loja “Quitutes quitandas”, que
já fechou, e, como não dispunha de tempo para conciliar o ofício de quitandeira com a função de
servidora pública, convidou Rosana para ajudar no fornecimento e nas preparações das quitandas que
ela havia aprendido.
Houve um tempo em que também forneceu quitandas para o Hotel Lenheiros, localizado na Avenida
Tancredo Neves. Chegava a entregar entre 35 a 40 quilos de biscoitos por semana. Nessa época, contava
com a ajuda de outra quitandeira, que não reside mais na cidade, para enrolar os biscoitos: “Com isso,
aprendi a fazer rosca e passei a fornecer para faculdade”, disse Rosana. De maneira informal, sua fama
foi se espalhando pela cidade, a ponto de a quitandeira fazer, por algum tempo, quitandas para os
eventos que aconteciam na Universidade Federal de São João Del Rei (UFSJ).
Relembrou a quitandeira Rosana que, no início, quando começou a trabalhar com a mestra Titica, as
quitandas eram assadas no “forno de varrer”, e que a lenha utilizada vinha da roça: “Era uma tarefa
bastante árdua”, comentou ela. Era necessária uma pessoa exclusiva para assar as quitandas porque,
segundo ela, qualquer descuido poderia queimar os biscoitos, em virtude das altas temperaturas que o
forno atingia. A quitandeira Rosana sempre preferiu a função de amassadeira e enroladeira de
quitandas, isto é, a pessoa que mistura os ingredientes até formar a massa para, em seguida, moldar os
biscoitos e rosquinhas nos tabuleiros, para levar ao forno.
Desde o início da década de 2000, a quitandeira Rosana se estabeleceu no endereço comercial
localizado na Praça Dr. Salatiel, nº 61, no Centro da cidade; fazia quitandas a portas fechadas. Foi
quando a loja “Quitutes quitandas” fechou o estabelecimento, e a proprietária passou a clientela para
ela. Então, os clientes já sabiam: quando queriam algum produto, ou faziam os pedidos por telefone, ou
se dirigiam ao estabelecimento.
No entanto, há aproximadamente três anos, resolveu implementar os negócios, e abriu o Rosana Café,
no mesmo local (Figura 6.83). A diferença hoje é que as pessoas podem degustar quitandas o dia inteiro.
Além das vendas diretas, ela também recebe encomendas:
180
“Há três anos, resolvi fazer este café. Era um sonho que eu tinha, porque eu
sempre fazia de porta fechada. Meu companheiro queria que eu montasse uma
padaria, mas eu queria algo artesanal. A inauguração foi boca a boca, nem
fizemos convites. Fiz uma mesa de degustação e chamamos as pessoas que
conhecem minhas quitandas.” (Rosana, em entrevista realizada no Rosana Café,
em 01/09/2017).
A quitandeira Rosana conseguiu, com isso, dar continuidade à tradição do ofício de quitandeira,
sobretudo no que diz respeito ao modo de fazer artesanal das quitandas. Ela comercializa desde os
produtos ditos tradicionais, como biscoitos misturados, biscoito de polvilho, broas de milho, cubu de
fubá com coalhada, roscas e rosquinhas, até bolos e biscoitos com baixos teores de açúcar, ou sem
lactose e sem glúten, o que permite atender a todos os públicos (Figuras 6.83 e 6.84).
Figura 6.83 – Detalhes do espaço Rosana Café, onde a quitandeira comercializa quitandas.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
181
Figura 6.84 – Biscoitos, roscas, bolos e broas de fubá.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
“Hoje, eu já tenho bolo de laranja e maracujá sem lactose, e também produtos
para pessoas que não comem carne, como a quiche de brócolis e a esfirra quatro
queijos. Mas mantenho os produtos tradicionais, como rosca, broinha de fubá de
canjica e bolo de fubá. Só não trabalho com frituras. A rosca é o meu carro–chefe;
já era famosa como receita da Titica (Rosana, em entrevista realizada no Rosana
Café, em 01/09/2017).
Assim como acorreu com outras quitandeiras com as quais as pesquisas foram realizadas, em que a
relação festa/quitanda está presente, com a quitandeira Rosana não foi diferente. Segundo ela, durante
as festas de padroeira e primeira comunhão de crianças, as vendas costumam aumentar com
encomendas de vários tipos de biscoitos, roscas e bolos.
Para dar conta da produção de quitandas, Rosana conta com a ajuda de Maria das Dores, conhecida
como Dora, ex–professora, aposentada e casada. Teve como mestra a quitandeira dona Titica, que
também a incentivou a fazer quitandas para comercializar. Mas acrescentou Dora que, desde quando
era jovem, ajudava sua madrasta a fazer quitandas. Disse ela que começou a fazer as quitandas e assá–
las em forno de varrer a lenha, quando morava na zona rural de Resende Costa.
Embora uma das características principais do ofício seja mantida, que é o modo artesanal de fazer
quitanda aprendido com as mestras, percebe–se também que algumas mudanças são contabilizadas.
Talvez a tendência mais presente seja a substituição do forno de varrer a lenha por outras alternativas
182
mais práticas, como os fornos elétricos ou a gás, como é o caso da quitandeira Rosana, que utiliza o
forno a gás para assar às quintas–feiras.
Porém, outras mudanças de ordem institucional dizem respeito às atuais legislações sanitárias e
ambientais. Na cozinha da quitandeira, os tabuleiros de latão, outrora feitos com latas vazias, foram
substituídos por tabuleiros de alumínio; as paredes são revestidas de piso cerâmico; e as bancadas são
de mármore ou de inox (Figura 6.85).
Além dessas mudanças, as quitandas, depois de prontas, não são mais armazenadas em latas, como se
costumava fazer em tempos outros, até porque não demoram para serem consumidas. Depois de
assadas, as quitandas são embaladas em sacos plásticos e colocadas na vitrine da loja.
Figura 6.85 – Detalhe da cozinha da quitandeira Rosana: bancadas de aço inoxidável, tabuleiros de
alumínio e revestido de teflon, forno industrial a gás e balança.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
A respeito da matéria–prima utilizada na produção das quitandas artesanais, Rosana afirmou que não
segue uma rigidez, mas tem a preocupação de usar ingredientes originários da roça, até porque não os
encontra com facilidade. Ela costuma comprar tudo na cidade; nas receitas, tanto usa ovos brancos (de
granja) como ovos caipiras. Da mesma forma, não costuma utilizar o leite cru, pois a legislação sanitária
não permite:
183
“Aqui, qualquer mudança ou produto novo que eu criar, só pode ser
comercializado depois que registrar na Secretaria Municipal de Agricultura, o que
encarece muito. Não é todo mundo que pode fazer algo aqui para comercializar –
a fiscalização fica em cima.” (Rosana, em entrevista realizada no Rosana Café, em
01/09/2017).
Essa fala da quitandeira acaba caracterizando–se como um fator que, provavelmente, associado a
outros, pode contribuir, cada vez mais, para reduzir o Ofício de Quitandeiras na cidade. Fica como
sugestão que o IPHAN, juntamente com o Poder Público local, estabeleça parceria para pensar medidas
de salvaguarda que sejam capazes de equalizar questões de legislações específicas para o setor
alimentício, sem que, para isso, implique enfraquecimento da prática.
A quitandeira e doceira Maria Amélia Pereira da Silva sobrevive da venda de quitandas, geleias e
compotas que comercializa na Praça do Prédio da Estação Ferroviária da cidade. É natural do município
de Minduri, localizado na região do sul de Minas Gerais, onde viveu até os 37 anos (Figura 6.86). Reside
em São João Del Rei desde o ano de 2002, quando se mudou com os dois filhos, para acompanhar a filha
que havia ingressado na universidade. Nesse período, também residiu na cidade de Tiradentes, onde
trabalhou em pousadas.
Figura 6.86 – Quitandeira Amélia durante entrevista concedida à equipe de pesquisa na feira de
artesanato localizada na Praça da Estação.
Relembra a quitandeira Amélia que, durante a infância, vivida na zona rural de Minduri, seus pais
costumavam fazer melado, rapadura e quitandas para vender na cidade. “Minha mãe fazia as quitandas,
e os filhos ajudavam a preparar, vender ou trocar na cidade.” (Maria Amélia, em entrevista realizada na
Praça da Estação, em 01/09/2017). Segundo ela, como é de costume, todas as noites, os dois filhos
ajudam a enrolar as quitandas.
Ressaltou também que possui uma caderneta com os registros das receitas de quitandas e doces que
sua mãe costumava fazer quando moravam na roça, no interior do estado. Um fato curioso explicitado
pela quitandeira é que algumas receitas sofreram adaptações para atender às necessidades atuais. Disse
ela: “Minha mãe media os ingredientes nas mãos, e eu consegui transformar essas medidas em
quantidades das receitas.” (Maria Amélia, em entrevista realizada na Praça da Estação, em 01/09/2017).
184
Além de quitandas, outros produtos são preparados e comercializados pela quitandeira e doceira na
praça, como geleias de frutas da estação, cocadas de amendoim, compotas de figo, goiaba e abacaxi,
doce de leite caseiro, balas de coco (Figura 6.87). Na verdade, se fosse definir o ofício da detentora, com
base nos produtos que estavam expostos para a venda, na sua maioria doces e geleias doces, podia–se
dizer que Amélia se identifica mais como doceira:
“Há 2 anos, todas as sextas e sábados, eu venho colocar meus produtos neste
local. Vendo geleias, doces, bala de coco e quitandas. No começo, eu fazia
biscoitos pra vender aqui, mas, com a chegada das quitandas de São Tiago,
começou a concorrência com preços menores, e meus produtos são naturais e
de melhor qualidade. Daí, eu tive que passar a fazer outros produtos, como os
doces.” (Maria Amélia, em entrevista realizada na Praça da Estação, em
01/09/2017).
Figura 6.87 – Doces artesanais produzidos pela doceira e quitandeira Amélia expostos para venda.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Conforme disse, a quitandeira até insistiu em expor as quitandas artesanais, mas não conseguiu vendê–
las porque os preços da barraca ao lado, que comercializa produtos de São Tiago, são mais acessíveis
para o consumidor. O fato é que os produtos elaborados em escala comercial são vendidos por um valor
inferior ao de mercado. Mais uma vez, percebe que as “quitandas industrializadas” estão contribuindo
185
para o enfraquecimento do ofício de quitandeira na cidade. A quitandeira ressaltou que sua produção
de quitandas se dá mediante encomendas de biscoitos amanteigados e biscoitos temperados, que os
vizinhos de bairro costumam fazer.
No que diz respeito à obtenção de matérias–primas utilizadas na elaboração de quitandas e doces, parte
delas é comprada nos mercados e sacolões da cidade, como a farinha, o açúcar, o fubá e o fermento. Já
as frutas são adquiridas de produtores rurais que moram no distrito de Santo Antônio do Rio das Mortes
Pequeno. Também costuma usar ovos caipiras, leite e nata de procedência da zona rural. Para assar as
quitandas, utiliza o forno a gás, assim como para preparar doces e geleias. Porém, segundo ela, tanto as
quitandas como os doces, quando cozidos em fogão a lenha, ficam com sabores diferenciados: “É o que
faz a pessoa, quando experimenta, voltar a associar à comida feita pela avó na roça”, ressaltou a
quitandeira.
A quitandeira Geralda da Silva nasceu no distrito de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno, onde
cresceu, casou e vive até hoje (Figura 6.88), ao contrário das quitandeiras supracitadas, que residem na
zona urbana de São João Del Rei. É casada com Geraldo Feliciano, o sanfoneiro do grupo da congada
Nossa Senhora do Rosário. Além de quitandeira, é uma das cozinheiras que preparam o almoço da festa
da congada; as quitandas também fazem parte do cardápio da festa. Os cafés oferecidos aos
congadeiros costumam ser acompanhados de quitandas, como pão de queijo, rosquinhas, biscoito de
polvilho e broas de fubá.
Figura 6.88 – Quitandeira Geralda durante entrevista concedida à equipe de pesquisa.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Inicialmente, sua aproximação com o ofício de quitandeira se deu ainda na fase de criança, quando,
juntamente com seus irmãos, costumava “brincar de casinha”, imitando a mãe, que fazia quitandas:
“Quando eu era menina, lembro de brincar de casinha. A gente fazia um fogãozinho e, com panelinhas,
fazia os cozinhadinho.” (Geralda, em entrevista realizada em sua residência, em 30/08/2017).
186
Segundo a quitandeira, nessa época, sua mãe destinava um dia da semana somente para amassar as
merendas; nessa empreitada, envolvia os oito filhos no ofício. Havia tarefa para todos, desde pegar
lenha para pôr no forno de varrer, pegar os ovos no galinheiro, moer o milho, até ajudar a enrolar a
massa. Nessa época, a produção de quitandas restringia–se apenas ao consumo da família; não fazia
para comercializar. Fazia por necessidade, como uma alternativa para acompanhar o café da manhã, já
que, naquele tempo, não existiam padarias na comunidade.
A quitanda era também um modo de aproveitar e diversificar o uso de alguns insumos produzidos na
própria roça, como o fubá de milho, ovos, nata, manteiga e queijos. E foi ajudando, desde logo cedo a
mãe na feitura das quitandas, que Geralda assimilou o ofício: “Eu aprendi vendo a minha mãe fazer. A
gente, quando era criança, ajudava ela a enrolar as rosquinhas”, destacou.
Após casar–se e constituir família, deu continuidade ao ofício, porém somente para o consumo interno:
“Depois que vim morar aqui, que tinha um forno grande, a gente reunia com as vizinhas num único dia
pra fazer quitandas, broa, torradinha e rosca.”, ressaltou Geralda.
Atualmente, não possui mais forno de varrer, como antigamente, quando se casou. Para fazer as
quitandas, mandou fazer um forno a lenha integrado ao fogão, pois, ao mesmo tempo que prepara o
almoço, aproveita o calor para assar as merendas (Figura 6.89). Como diz a quitandeira Mariana de
Conceição da Barra de Minas, esse tipo de forno é uma versão mais moderna do forno de varrer: “Hoje
eu faço minhas quitandas uma vez na semana. Não pode faltar aqui em casa rosca e bastante pão de
queijo.” (Geralda, em entrevista realizada em sua residência, em 30/08/2017)
Figura 6.89 – Forno de assar quitanda integrado ao fogão a lenha.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Embora haja algumas mudanças nos utensílios utilizados na feitura das quitandas, como é o caso do
forno, o modo de fazer e alguns ingredientes continuam sendo os mesmos usados por sua mãe. A
187
quitandeira faz questão que as quitandas sejam assadas no forno a lenha, caso contrário, se utilizado
forno a gás ou a energia, as merendas não ficam saborosas.
Alguns insumos utilizados nas receitas ainda são os mesmos que sua mãe usava: ovos de galinhas que
vivem soltas no quintal, leite cru, nata e manteiga batida em casa. Outros ingredientes, como farinha,
fubá e polvilho, são adquiridos nos mercados do distrito. Segundo ela, nunca fez quitandas para vender,
somente para o consumo da família e para oferecer às visitas que, vez por outra, aparecem.
A lenha para assar as quitandas é colhida nos arredores do distrito, mas das árvores que secam e caem.
Acrescenta, porém, que atualmente está cada vez mais difícil encontrar madeira disponível para utilizar
como lenha; a cada ano, aumenta o desmatamento. Segundo a quitandeira, vai chegar um tempo de ter
que usar o fogão a gás porque a lenha vai acabar. Além das constantes estiagens, a especulação
imobiliária é uma ação presente no distrito, o que, segundo os moradores, tem contribuído para o
desmatamento das áreas em torno da comunidade.
Um fato curioso que ocorre em São João De Rei, que pode ter contribuído para a pouca presença do
ofício de quitandeira artesanal, é a inserção das quitandas semi–industrializadas produzidas no
município vizinho de São Tiago, que desponta como um grande produtor de biscoitos, rosquinhas e
outros tipos de merendas.
Tanto nas lojas e lanchonetes do Centro Histórico do distrito–sede como nos supermercados de bairros,
e até mesmo de distritos, como Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno, percebe–se uma variedade
significativa de biscoitos de polvilho, rosquinhas e roscas produzidos em escala industrial, cuja origem
remonta ao município supracitado –– o que pode justificar, por exemplo, a dificuldade de encontrar
detentores da prática.
188
6.4.5 MAPA DOS BENS CULTURAIS DE SÃO JOÃO DEL REI
189
6.5 RITÁPOLIS
A cidade de Ritápolis (Figura 6.90) tem, entre seus principais atrativos, fazendas dos séculos XVIII e XIX,
dentre elas, a Fazenda do Pombal, onde nasceu Tiradentes e que foi considerada Patrimônio Histórico
Nacional pelo IPHAN, em 1971. Outro bem tombado como patrimônio histórico é o Santuário de Santa
Rita de Cássia, localizado na sede do município.
Figura 6.90 – Imagem reproduzida a partir de fotografia disposta na parede da recepção da Prefeitura
Municipal de Ritápolis. O ano da foto é 2016.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
As comemorações da festa de Nossa Senhora do Rosário da Comunidade Restinga acontecem no mês de
setembro, nas dependências da Igreja de São Sebastião. No entorno, um pequeno cemitério, uma escola
desativada, um espaço comunitário com salas, banheiro e cozinha, e também uma casa que funciona
como espécie de apoio para a festa. O complexo está localizado no topo de uma elevação, que pode ser
avistado a distância, conforme descrita por PASSARELLI (2017).
181
“A Restinga é dividida em dois grupamentos de casas: um, na parte mais alta
do terreno, foi batizado de Restinga de Cima, que conta com uma capelinha de
Nossa Senhora Aparecida, e outro, na baixada, Restinga de Baixo, cujo
padroeiro é São Sebastião, e onde acontece a festa de Nossa Senhora do
Rosário.”
Durante o mês de setembro, as comemorações em homenagem a Nossa Senhora do Rosário reúnem
pessoas de comunidades próximas e de cidades vizinhas, por exemplo, Resende Costa (Figura 6.91). A
comunidade da Restinga se agita todo ano, em setembro, ocasião dos festejos em honra ao Rosário de
Maria, sediado na Capela de São Sebastião, como ressaltou PASSARELLI (2017).
Figura 6.91 – Os mastros de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito (à esquerda), e a Banda de
congada Nossa Senhora do Rosário e São Cosme e Damião da cidade de Resende Costa (MG), ao lado da
Igreja de São Sebastião – comunidade restinga, em Ritápolis (MG) (à direita).
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Para obter mais informações sobre a festa e o grupo de congado da Restinga, a equipe entrevistou um
dos capitães do grupo, Antônio Preto, que reside na comunidade Restinga de Cima. Ele é aposentado e
natural de Montes Claros (MG). Casou–se, veio morar na cidade vizinha de Passatempo (MG), lugar de
origem de sua esposa. Depois, mudou–se para o município de Ritápolis, onde reside até hoje.
Atualmente, além de integrar a capitania da congada da localidade, seu Antônio também é integrante
do Conselho Municipal de Saúde.
Ele contou que, na sua cidade de origem, seus pais já eram envolvidos com Folia de Reis e sempre foram
devotos de Nossa Senhora do Rosário em Montes Claros (MG). Foi folieiro no grupo do qual seu
sobrinho era capitão. Há 15 anos, integra o grupo de congado da Restinga, juntamente com o capitão
Ezequiel (Figura 6.92).
182
Figura 6.92 – Festa de Nossa Senhora do Rosário da Restinga: capitão Ezequiel sendo conduzido pelos
colegas do grupo até a igreja. Seu debilitado estado de saúde era visível, mas se manteve firme durante
o percurso de poucos metros.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Atualmente, Ezequiel reside na cidade de Resende Costa, localizada aproximadamente a 5 km da
comunidade e tem problemas de saúde. Lamenta seu Antônio Preto que o grupo de Folia de Reis da
comunidade tenha acabado, já que o integrava também:
“Aqui se chama “congada da Restinga”, que já existia há bastante tempo, e me
chamaram para entrar. Na verdade, é a união das duas congadas, da Restinga de
Baixo e da Restinga de Cima. Quem me passou esta congada foi Sebastião
Ezequiel, que hoje mora em Resende Costa, e que está muito doente.” (Capitão
Antônio Preto, em entrevista realizada na sua residência, na comunidade
Restinga de Cima, em 02/09/2017)
De acordo com o capitão, o grupo é formado apenas por 16 homens, a maioria, senhores com idade
avançada. As mulheres participam da festividade na parte da organização, com a decoração do andor e
adornos da igreja (Figura 6.93), na preparação das comidas servidas aos congadeiros, com as bandeiras
e na posição de rainha festeira.
Durante a entrevista com o capitão, foi possível conversar também com seu neto Marcos, 25 anos, que
é integrante do grupo, mas que não é muito assíduo: “Nem sei bem como está a congada, mas brinquei
o ano passado. Brinco há uns 12 anos, mas agora moro em Resende Costa e sei pouco. Meu avô não
consegue sair sempre por causa da doença de minha avó. Eu toco caixa.” (Marcos, em entrevista
realizada na residência do capitão Antônio Preto, em 02/09/2017).
183
Figura 6.93 – Mulheres da comunidade ornando os andores de Nossa Senhora do Rosário e São
Benedito, e interior da Igreja São Sebastião.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
O propósito do que falou seu neto é por não ter com quem deixar a esposa (ela tem problemas de
saúde), que o capitão Antônio Preto tem se afastado da congada. Como ele é o cuidador, e não encontra
tempo nem outra pessoa que o substitua enquanto cumpre os compromissos com a congada, aos
poucos, vai sendo esquecido. Segundo o capitão, não há ninguém na sua família que queria assumir seu
lugar na congada. O neto que dançava junto com ele na congada não demonstra interesse em assumir a
capitania, o que lamenta o entrevistado.
As festas de congada de que o grupo participa são: a festa de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito
na comunidade Restinga (03/09), nas dependências da Igreja de São Sebastião, a festa de Nossa Senhora
do Rosário em Ritápolis (em 01/10) e a festa do Rosário em Resende Costa, que acontece no primeiro
domingo de novembro. Na comunidade Restinga de Baixo, onde seu Antônio Preto reside, no mês de
outubro acontece a festa da padroeira Nossa Senhora Aparecida. No dia 12, o grupo de congada se
reúne para prestar homenagens à santa (Figura 6.94).
184
Figura 6.94 – Congada Nossa Senhora do Rosário da comunidade Restinga, sendo conduzida pela
bandeira à igreja, que fica ao lado.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Os instrumentos utilizados pelos dançadores são tarol, violão, caixas, bumba, reco–reco, xique–xique,
pandeiro e sanfona. Como o grupo não possui Registro nem sede própria, os instrumentos e adereços
(bandeiras e os mastros de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito) ficam guardados na Igreja de São
Sebastião, na Restinga de Cima (Figura 6.95).
Figura 6.95 – Instrumentos (caixas e pandeiros) das congadas, presentes durante o momento da missa.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
No grupo, o capitão Antônio Preto toca o violão, sendo, também, bandeireiro (Figura 6.96). Quanto ao
sanfoneiro, o capitão, é de fora do grupo: portanto é preciso que lhe paguem durante os dias em que
acompanha a congada. Os recursos financeiros ficam por conta dos próprios dançadores.
185
Figura 6.96 – Capitão Antônio Preto fazendo uma demonstração com o violão que usa durante as saídas
da congada.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Quanto aos uniformes, pelo que se observou durante a apresentação na festa do Rosário da Restinga de
Cima, no dia 03/09, são simples, sem padronização. Embora os integrantes usem camisas e bonés
brancos, percebeu–se que alguns dançadores usavam calças jeans azul. Durante as festividades, o
capitão Antônio Preto não estava presente; presume–se que não encontrou uma pessoa para cuidar de
sua esposa, para que participasse da congada.
A respeito da estrutura da festa de congada na comunidade, mais especificamente sobre o reinado de
Nossa Senhora do Rosário e São Bendito, o capitão Antônio Preto apresentou, em linhas gerais, como
tudo acontece:
“O rei festeiro dá o café ou o almoço. O festeiro sempre muda a cada ano. Não
existe uma comida específica. Sempre tem o arroz, o feijão, carne ou feijoada.
Enquanto o almoço não fica pronto, a gente fica dançando pela estrada e vai na
igreja. O almoço é em torno de 11h. Acabando o almoço, vai na casa da rainha
buscá–la pra levar na igreja. Depois, à noite, tem a missa.” (Capitão Antônio
Preto, em entrevista realizada em sua residência, na comunidade da Restinga de
Cima, em 02/09/2017).
Pelo que se observou nos depoimentos do Capitão Antônio Preto e nos aspectos festivos e de
sociabilidades durante da festa de congada na comunidade Restinga, trata–se de um momento simples
que reúne, em sua maioria, pessoas das comunidades rurais vizinhas para homenagear a padroeira, mas
também para se divertir, conversar e beber com amigos (Figura 6.97). Na festa, estavam presentes a
congada da Restinga e a congada Nossa Senhora do Rosário e São Cosme e São Damião de Resende
Costa.
186
Figura 6.97 – Congada Nossa Senhora do Rosário da comunidade Restinga e banda de congada Nossa
Senhora do Rosário e São Cosme e Damião no interior da Igreja de São Sebastião, na Restinga, antes do
início da missa.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
No local, além das apresentações das congadas, há missa, almoço para os dançadores de reencontros de
amigos e familiares que residem fora da comunidade. Leilões de prendas de produtos doados pelos
devotos e visitantes também fazem parte das comemorações (Figura 6.98).
Figura 6.98 – Doações para o leilão em prol da festa de Nossa Senhora do Rosário da Restinga, Ritápolis.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
187
De acordo como o capitão, o Poder Público municipal ajuda o grupo em algumas situações, doando
instrumentos, como fez em 2016, e fornecendo o ônibus para conduzir os dançadores nos eventos
realizados nas cidades vizinhas. O motorista, porém, é pago pelo grupo, como ressaltou o capitão.
6.5.2 OFÍCIO DE QUINTANDEIRAS
Maria de Lourdes Silva, 70 anos (comunidade Restinga de Cima)
Marlene Maria de Jesus Rodrigues, 67 anos
Maria Lúcia Resende Sousa, 69 anos
No município de Ritápolis, foram encontradas quatro quitandeiras que continuam a realizar seu ofício. A
primeira é Maria de Lourdes Silva, natural da comunidade Restinga, viúva, sem filhos e pensionista
(Figura 6.99). Aos 13 anos de idade, foi trabalhar como empregada na Fazenda Mato Dentro, onde se
casou. Atualmente, divide seu tempo entre a cidade de São João Del Rei, onde trabalha como
doméstica, e a comunidade Restinga de Cima, onde possui uma casa. Nos fins de semana, vem para a
comunidade, e uma das atividades que mais lhe dão prazer é fazer quitandas no forno de varrer, como
contou à equipe.
Figura 6.99 – A quitandeira Lourdes falando sobre o ofício de quitandeira, e fachada de sua residência,
na comunidade Restinga de Cima.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Muitas quitandeiras obtiveram os primeiros contatos com o ofício na infância, vendo suas mães
prepararem as merendas. Com dona Lourdes foi diferente: sua aproximação com as quitandas só veio
quando ela foi trabalhar na fazenda:
“Quando criança, com minha mãe, eu não aprendi a fazer as quitandas. Só
depois, na Fazenda Mato Dentro é que fui chamada para ser assadeira de
merendas. Lá, tinha um forno que cabia para 24 latas [tabuleiros]. Eram várias
mulheres as responsáveis por amassar [amassadeiras], outras para enrolar os
biscoitos e eu para assar. Eu assei rosca, e comecei a fazer pão de queijo melhor
que a moça que assava antes.” (Quitandeira Lourdes, em entrevista realizada na
sua residência, na comunidade Restinga de Cima, em 02/09/2017)
188
Na casa da quitandeira Lourdes, o forno de varrer tem destaque no alpendre da cozinha. É uma
estrutura de alvenaria com tijolos que comporta, em média, 10 tabuleiros de quitandeiras por fornalha.
Os tabuleiros são confeccionados pela própria quitandeira com latas vazias de tinta que consegue dos
vizinhos. Embora se considere quitandeira, Lourdes não costuma fazer suas merendas para
comercializar –– apenas para consumo próprio, presentear os amigos e oferecer a pessoas que a visitam
(Figura 6.100).
Figura 6.100 – Latas (tabuleiros) usadas para assar quitandas no forno de varrer.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Percebeu–se que, como quitandeira, Lourdes destaca–se na função de assadeira, isto é, possui vasta
experiência em manusear o forno a lenha. A respeito desse processo, ela disse o seguinte:
“Primeiramente, eu assoalho [forro] o forno com bambu de distância em
distância, e ponho as latas [tabuleiros] em cima. Começo assando os biscoitos
pesados, sem fechar o forno, para aproveitar a temperatura. Mas tem que ficar
olhando e trocando de lugar para não queimar. Quando vai esfriando, passa
para os biscoitos leves, de polvilho, por exemplo. Coloco a mão, se aguentar o
calor, eu coloco os biscoitos de massa de pão de queijo, e fico observando e
trocando as latas de lugar.” (Quitandeira Lourdes, em entrevista realizada na sua
residência, na comunidade Restinga de Cima, em 02/09/2017)
O ofício de quitandeira realizado por Lourdes dá uma amostra de quão complexa é a prática. Engana–se,
portanto, quem pensa que fazer quitanda resume–se apenas a amassar. Há várias atividades que
geralmente não aparecem ou não são evidenciadas, como a fabricação dos tabuleiros e o manuseio do
forno (Figura 6.101). Em relação a lenhas de taquara utilizadas no preparo das merendas, Lourdes disse
que as coleta nas matas das fazendas que existem ao redor da comunidade. Já no tocante às fôrmas de
assar as quitandas, que ela chama de “latas”, ou ela mesma confecciona, ou pede a um senhor que
mora vizinho a ela.
189
Figura 6.101 – Quitandeira Lourdes ao lado do forno de varrer usado para preparar as quitandas. Fonte:
Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Geralmente, os tipos de quitandas que mais prepara são bolos, pães de queijo, biscoito de fubá,
rosquinha e biscoitinho doce, além de doces de leite e de laranja–cidra (Figura 6.102).
Figura 6. 102 – Quitandas e doces produzidos pela quitandeira Lourdes: bolos, pães queijo, broas de
fubá e doce de laranja–cidra.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Na despensa de sua cozinha, foi possível observar algumas latas usadas para o armazenamento de
merendas; segundo ela, podem permanecer, se bem acondicionadas, durante meses. Sendo assim,
190
nunca faltam quitandas em sua despensa. Enfatizou também que ainda tem o costume de usar, na
produção de suas quitandas, ingredientes naturais produzidos na roça: ovos caipiras, leite cru, nata e
manteiga. Só compra no mercado farinha, polvilho, fubá e açúcar (Figura 6.103).
Figura 6.103 – Latas usadas para armazenar quitandas, e aspectos da despensa.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
No mês de outubro, período em que se comemora a festa de Nossa Senhora Aparecida (Figura 6.104),
padroeira da comunidade Restinga de Cima, a quitandeira Lourdes capricha nas merendas para receber
as pessoas que a visitam. Conforme falou, nesse mês, seus patrões a visitam; então, ela serve quitandas
e faz almoço com galinha caipira. Durante as visitas dos grupos de Folia de Reis e de congadas, ela
também costuma servir café com quitandas para os integrantes: folieiros e congadeiros.
Figura 6.104 – Igreja de Nossa Senhora Aparecida. Comunidade Restinga de Cima, Ritápolis (MG).
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
191
Apesar de preparar vários tipos de quitandas, Lourdes não tem o hábito de manter cadernos de receitas,
como fazem algumas quitandeiras. Conforme disse, as receitas estão todas na cabeça e, se alguém tiver
interesse em aprender, basta procurá–la, que ela ensinará.
Percebe–se que, no mesmo município, o ofício de quitandeira é diverso em vários aspectos. No caso da
quitandeira Marlene, casada, natural de Ritápolis, e que prepara as próprias quitandas que são servidas
na sua pousada, o aprendizado das merendas aconteceu tardiamente, apesar de ver sua mãe
preparando–as. Conta que sua função, na época, era sair pelas ruas da cidade com as cestas de
quitandas, entregando–as nos armazéns e casas de família: “Minha mãe fazia quitandas e entregava nos
armazéns. A gente era quem fazia as entregas em balaios. Eu fui aprender a cozinhar e fazer quitandas
tarde, com 15 anos, pois eu vendia leite nas ruas.” (Quitandeira Marlene, em entrevista realizada na sua
residência, em 03/09/2017 – Figura 6.105)
Figura 6. 105 – Quitandeira Marlene relembrando os tempos de criança, quando entregava quitandas
nos armazéns da cidade, utilizando uma cesta.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Pelo que a quitandeira descreve, quando criança, morava numa comunidade rural muito próxima ao
núcleo urbano, o que lhe permitia ir a pé até a cidade, para fazer as entregas das quitandas que sua mãe
preparava. Hoje, com o crescimento da cidade, o local faz parte da periferia. Nessa época, conforme
relatou, embora a família fosse de origem humilde, produzia a maioria dos insumos utilizados nas
quitandas, como leite e ovos caipiras em grandes quantidades: “Nosso Natal tinha doce de leite, arroz–
doce, rocambole, amor em pedaços [receita de família], doce de figo, doce de mamão com abacaxi. Isso
era nossa ceia de Natal.” (Quitandeira Marlene, em entrevista realizada na sua residência, em
03/09/2017).
Quando se casou, em 1971, Marlene foi morar na residência da sogra, na Fazenda da Restinga. Levou
consigo o saber sobre o ofício de quitandeira já que, na sua nova residência, não havia o hábito de
192
comer quitandas. Segundo a quitandeira, na fazenda, não havia o costume de fazer quitandas. Foi ela
quem introduziu o hábito de fazer as merendas, conforme havia aprendido sua mãe: punha lenha no
forno de varrer, aquecia, varria as brasas, cobria com bambu verde e começava por assar os biscoitos de
fubá, que são mais pesados, para temperar o forno. O termo temperar, além de ser muito difundido
entre as quitandeiras, significa “esperar a temperatura baixar” para introduzir os outros tipos de massas
para assar.
Nessa época, em que se produziam grandes quantidades de quitandas, era importante ter muitas latas
[tabuleiros], pois facilitava a produção. Geralmente, assava, enrolava, e dispunha, na véspera, os biscoitos
nas latas de assar. Dessa forma, era possível ganhar tempo e aproveitar a temperatura ideal do forno: “No
dia anterior, eu enrolava as quitandas mais pesadas: os biscoitos misturados (de fubá e polvilho). As
rosquinhas doces, o bolo de fubá, o biscoito seco e o pão de queijo eu deixava para o dia seguinte.”
(Quitandeira Marlene, em entrevista realizada na sua residência, em 03/09/2017)
Quando retornou para a cidade, na década de 90, abriu um restaurante e tentou conciliar com o ofício
de quitandeira. O objetivo era comercializar também quitandas sob encomenda, mas não prosperou:
“Tentei fazer quitanda por encomenda, mas não deu certo porque tive que
cuidar do restaurante e da pousada. Às vezes, eu aquecia o forno e ia fazer
outros afazeres da pousada. Quando chegava, o forno já havia esfriado.”
(Quitandeira Marlene, em entrevista realizada na sua residência, em
03/09/2017)
Hoje em dia, a quitandeira é dona da única pousada da cidade. Ela costuma servir para o café da manhã
dos hóspedes suas quitandas e queijo fresco, que ela mesma produz. Além de produzir o próprio queijo,
a quitandeira faz rosquinha de cerveja, pão de queijo, rosquinha de nata, broas de fubá, biscoito de
polvilho e bolos. Ela não produz para comercializar na cidade.
No quintal, localizado no alpendre da cozinha, encontra–se o forno de varrer que a quitandeira mandou
fazer para assar as quitandas. No entanto, prefere assar as merendas no forno a gás, semelhante ao que
é usado para assar pizzas (Figura 6.106). Segundo ela, é mais prático, e também porque a lenha utilizada
para esquentar o forno artesanal está cada vez mais difícil de conseguir.
Figura 6.106 – Atualmente, a quitandeira Marlene usa forno a gás, semelhante ao que é usado para
assar pizza.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
193
Contou que já foi multada pela Polícia Ambiental porque seu filho trazia uma carga de lenha da fazenda
da família, e que, no meio das lascas, havia uma tora verde. Em decorrência desse fato, os policiais
entenderam que a carga de lenha era originária de mata nativa –– versão que a quitandeira discorda,
pois, para ela, os galhos tinham sido colhidos de árvores mortas, e que já estavam secos sobre o solo.
Depois disso, Marlene decidiu não mais utilizar o forno a lenha (Figura 6.107). Percebe–se que o uso da
lenha pelas quitandeiras que optam ainda por usá–la para assar as quitandas se apresenta como uma
questão a ser discutida no processo de salvaguarda, após a finalização do processo de Registro.
Figura 6.107 – Forno de varrer que a quitandeira mantém, mas que está em desuso.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
A quitandeira Marlene, embora tenha memorizado o passo a passo de suas receitas, não dispensa os
chamados “cadernos de receitas”. Segundo ela, são mais que simples anotações, são escritos que
permitirão a outras pessoas o acesso a determinadas iguarias que não se encontram com tanta
facilidade nos dias de hoje. Parte de suas anotações foi presente de outras quitandeiras; a outra parte,
ela mesma as anotou (Figura 6.108).
194
Figura 6.108 – Quitandeira Marlene e seus cadernos de receitas. Alguns possuem a data em que a
receita foi manuscrita.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
“Tenho cadernos de receitas antigos e, às vezes, com medidas que eu
desconheço, como esta ‘uma leva’. Minha sogra tinha uma letra muito bonita e,
nos cadernos de receitas, ela colocava introduções, tipo: ‘são tantas horas, de
tal dia, acompanhada de tais pessoas’, antes de iniciar as receitas.” (Quitandeira
Marlene, em entrevista realizada na sua residência, em 03/09/2017).
Observa–se que não se trata de simples anotações ou passo a passo de receitas de quitandas. Por trás
delas, há histórias que remetem a vivências com pessoas amigas e familiares e que, portanto,
contribuem para rememorar situações afetivas, além de, obviamente, constituírem um instrumento
fundamental na preservação do ofício de quitandeira.
A outra quitandeira da cidade é Lúcia. Nasceu em Ritápolis e tem uma família de 11 irmãos. A
quitandeira Marlene, referenciada acima, é sua irmã. Seu diferencial é que, além de fazer merendas,
especializou–se na produção de doces caseiros. Estudou até a 8ª série. Casou–se e foi morar em Betim,
São Paulo; depois voltou para Ritápolis, onde reside há 25 anos (Figura 6.109).
Figura 6.109 – Quitandeira doceira Lúcia na sua loja de produtos artesanais.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
195
Sua aproximação com as quitandas e doces caseiros tem origem na vivência com sua mãe. Ao contrário
de sua irmã, ainda criança, gostava de ajudar sua mãe a amassar e enrolar as quitandas. Algumas vezes,
chegava até a preparar o forno de varrer para receber as latas (tabuleiros):
“Quando eu era criança, mãe fazia quitandas, e nós entregávamos em armazéns e
vendas da cidade. Também vendia de porta em porta. Eu também ajudava na
confecção das quitandas, tinha habilidade com o forno. Era aquele forno de
varrer, do lado de fora de casa. Também tinha muita habilidade para enrolar pão
de queijo. Minha mãe fazia muitos doces e compotas, e muitos doces ela
inventava. Na época de Natal, fazia muitos doces.” (Quitandeira e doceira Lúcia,
em entrevista realizada na residência, em 02/09/2017)
Quando retornou a Ritápolis, no início da década de 90, Lúcia começou a fazer geleias, compotas, licores
e quitandas. Na época, utilizava o fogão a lenha e o forno de varrer; no preparo dos doces, utilizava o
tacho de cobre. Desses utensílios utilizados na produção de doces e quitandas, o único que permanece é
o tacho. Hoje, embora utilize o fogão industrial e o forno a gás, não deixou de usar tacho de cobre
(Figura 6.110): “Os doces feitos em tacho de cobre ficam mais coloridos. Faço de tudo: goiabada
cremosa, goiabada cascão, compotas, pé de moleque e licores.” (Quitandeira e doceira Lúcia, em
entrevista realizada na sua residência, em 02/09/2017).
Figura 6. 110 – Quitandeira doceira Lúcia expondo o tacho de cobre onde faz os doces.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Lúcia faz questão de reforçar que os insumos utilizados na produção de doces e quitandas são
provenientes da roça, e que vêm de uma fazenda próxima à comunidade da Restinga.
Os produtos produzidos por ela ficam à venda na sua própria residência, ao lado da Igreja Matriz,
estrategicamente localizada para atrair os poucos turistas que visitam a cidade. Além de manter uma
196
lojinha de produtos artesanais, a doceira e quitandeira faz parte da Associação de Artesãos de Ritápolis,
que conta com 13 integrantes. Porém, pelo que disse, há problemas de organização, sobretudo em
relação à forma de se trabalhar em coletividade.
Através da entidade, ela e mais outras mulheres conseguem viajar para expor seus produtos em feiras
de artesanato da região e da capital Belo Horizonte. Por três anos consecutivos, a Associação participou
da “Expor Minas”, evento que reúne artesãos de todas as regiões do estado. Nesse sentido, destacou
que o Poder Público local, através da Prefeitura, tem contribuído de forma significativa para a
valorização dos produtos artesanais, fornecendo transportes para que as artesãs possam divulgar e
vender sua produção.
Algumas épocas do ano –– de eventos, como a festa da padroeira Santa Rita de Cássia, a exposição
agropecuária e o carnaval, períodos em que a cidade costuma receber um fluxo maior de pessoas –– são
as que ela mais vende seus produtos. Pelo que foi observado, Lúcia não trabalha com vendas sob
encomenda nem fornece seus produtos para revendas em outras localidades, como São João Del Rei. Toda
produção, que não é grande, fica exposta na própria loja que ela mantém na sua residência (Figura 6.111).
Figura 6.111 – Doces de abóbora, batata–doce e pé de moleque que acabaram de ser feitos.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Atualmente, a doceira e quitandeira consegue grande parte de sua renda a partir da venda de doces e
quitandas. Apesar de o volume de vendas dos produtos acontecerem de forma sazonal, Lúcia afirmou
que, com a renda proveniente dos doces e quitandas, é que está concluindo as obras de sua casa.
197
Figura 6.112 – Garrafas de licor com identificação personalizada em bordado ponto cruz. Doces e
cocadas acondicionados em vídeos decorados.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Durante a visita à residência de Lúcia, também foi possível averiguar seus arquivos de cadernos de
receitas. A quantidade de receitas é grande, o que se pode perceber nos inúmeros cadernos de
anotações. Alguns já estão com as folhas amareladas e desgastadas pelo tempo; outros, não. Ao folheá–
los, foi possível observar que as receitas possuíam o ano em que foram escritas e os nomes das pessoas
que as doaram. Porém, dentre tantos cadernos e receitas, algo chamou a atenção: havia uma receita
manuscrita numa pequena folha avulsa plastificada.
Ao ser questionada a respeito do que se tratava, a quitandeira–doceira revelou que era uma receita de
família, e que teria sido escrita pela sua irmã, que veio a falecer poucas horas depois de anotá–la, depois
de Lúcia muito insistir. Era a receita de família “Bolo Tia Keisse”. Segundo a entrevistada, pouco depois
que ela escreveu o passo a passo da receita, seguiu com destino a Belo Horizonte. No caminho, ela
sofreu um acidente de carro e faleceu. Apesar de tratar–se de uma triste memória, o fato é que as
receitas vão além de simples anotações de modos de fazer, imprimem lembranças afetivas.
198
6.5.3 MAPA DOS BENS CULTURAIS DE RITÁPOLIS
199
6.6 RESENDE COSTA
Segundo os gestores locais, como principais patrimônios históricos e culturais, a cidade de Resende
Costa abriga a Fazenda das Éguas, localizada na comunidade do Ribeirão, e o Centro da cidade,
denominado de “Núcleo Histórico”, que compreende a Praça Cônego Cardoso, Praça Mendes de
Resende, parte da Praça Professora Rosa S. Penido e o quarteirão onde se localizam parte da Rua Assis
Resende, a Avenida Prefeito Ocacyr Alves de Andrade e a Rua Pérsio Babo de Resende.
Dentro dessa área, encontram–se imóveis de grande importância para a história de Resende Costa, tais
como: Igreja Matriz, Câmara Municipal, hospital, Escola Assis Resende, Casa Paroquial, residência que
pertenceu ao inconfidente José de Resende Costa e residência que pertenceu ao padre Carlos Correia de
Toledo e Melo, também inconfidente.
O Núcleo Histórico não é tombado, embora tenha sido apresentado um projeto pelo Conselho
Municipal de Patrimônio Histórico de Resende Costa, criado em 2002, através da Lei nº 2.661, de 15 de
abril de 2002. O Conselho é o órgão responsável pelo tombamento e preservação dos patrimônios da
cidade na esfera municipal. A Lei nº 3.524, de 28 de setembro de 2011, dispõe sobre a proteção do
Patrimônio Histórico e Cultural do Município e cria o Fundo Municipal de Patrimônio e Cultural (como
mencionado anteriormente).
De acordo com documentos impressos disponibilizados pelo Poder Público local, a cidade possui, como
patrimônio imaterial, os seguintes bens culturais inventariados: Ofício de Quitandeira (2008), Festa de
Nossa Senhora do Rosário (2009), cuja celebração acontece em novembro, e a Festa de Nossa Senhora
do Rosário da Comunidade Quilombola Curralinho dos Paulas (2013), que acontece no mês de agosto.
Além desses, foram inventariados outros bens: Banda de Música Municipal Santa Cecília (2008),
Artesanato de Ferro sem forja (2009), Artesanato de Retalho no tear (2009), Ofício de Mestre das Artes
Sacras (2009), Festa de Santo Antônio (2009), que acontece no mês de julho, Ofício de sapateiro (2010),
Festa de Nossa Senhora do Carmo – comunidade rural Campos (2011), Banda Lira São Sebastião –
distrito Jacarandira (2016), Festa do Carro de Boi ou Festa da Colheita (2017), cuja celebração acontece
em julho.
6.6.1 CONGADAS DE MINAS – CONGADA NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO E SÃO COSME E DAMIÃO
Fernando Cesar de Oliveira, 55 anos
O capitão Fernando é casado e natural de Resende Costa (Figura 6.113). Sua aproximação com a
congada acontecem ainda na fase de juventude, quando dançou na banda de congada do ex–capitão
João Jacaré. Além de participar do grupo, também costumava sair no bloco de carnaval que organizava
no bairro Nova Resende, onde reside até hoje.
201
Figura 6.113 – Capitão Fernando durante a entrevista, na sua residência.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Segundo ele, na sua época de juventude, existiam na cidade duas bandas de congadas do tipo Catupé e
Congado. Os grupos de congadeiros locais, juntamente com as guardas dos municípios vizinhos,
dançavam e cantavam durante a festa de Nossa Senhora do Rosário e São Bendito, que acontece no mês
de novembro, nas dependências da igreja que recebe o nome da santa, e que se localiza no Centro da
cidade. Além do capitão Vino, que liderava o grupo na localidade rural chamada Ribeirão, havia os
capitães João Jacaré e Mário de Vininha:
“Aqui, antigamente, existiram duas bandas de congadas: o grupo do capitão
João Jacaré e o grupo de Vino, que era da comunidade rural Ribeirão, que,
depois, veio morar na cidade e deu continuidade à banda com ajuda de Mário
da Vininha, meu cunhado. Na época do capitão João Jacaré, eu cheguei a dançar
no grupo dele.” (Capitão Fernando, em entrevista realizada na sua residência,
em 06/09/2017).
Apesar de ter estabelecido contato com a congada ainda na juventude, contou o capitão que sua paixão
era o carnaval. Além de integrar o grupo de percussão do bloco carnavalesco, mobilizava os jovens do
bairro para a festa de Momo.
Após o falecimento do capitão João Jacaré, na década de 80, a banda passou ao comando de seu
cunhado, Mário da Vininha, que veio a falecer no início da década de 90. Permaneceu em atividade,
portanto, apenas o terno do capitão Vino. Porém não demorou muito tempo na ativa, por problemas
com o padre da época, que, por não gostar de congada, contribuiu para que a sua fosse extinta, como
ressaltou o capitão Fernando. Duas décadas bastaram para o desaparecimento da tradição dos grupos
de congadas de Resende Costa.
202
Por ter conhecimento que seu irmão Fernando gostava de congada, apesar de estar envolvido mais com
o carnaval, sua irmã, viúva do capitão João Jacaré, deu–lhe de presente as duas caixas que eram do ex–
líder da congada Nossa Senhora do Rosário. Foi quando, de fato, começou seu interesse em dar
continuidade à prática: “Nessa época, eu não ‘mexia’ com congado, só com carnaval. Foi quando eu
formei a minha primeira banda, há 20 anos, que se chamava Congada Nossa Senhora Aparecida.”
(Capitão Fernando, em entrevista realizada na sua residência, em 06/09/2017)
Até meados da década de 90, com a extinção das bandas que existiam na cidade, as comemorações em
homenagem a Nossa Senhora do Rosário aconteciam apenas com os ternos das cidades vizinhas:
“Na década de 90, na festa do Rosário, só tinha as bandas de fora. Foi quando eu
resolvi juntar o bloco de carnaval e minha experiência como dançante, e reativei
a congada. E falei: ‘vamos fazer uma festa lá pra cima [nas proximidades da
igreja do Rosário], mesmo sem saber muito qual era a função do capitão numa
banda de congada’. Mesmo assim, a gente foi. Eu não tinha experiência como
capitão, só como dançador. A banda começou desse jeito, com o nome de Nossa
Senhora Aparecida. E estamos até hoje.” (Capitão Fernando, em entrevista
realizada na sua residência, em 06/09/2017)
A princípio, a associação do nome da banda à Nossa Senhora Aparecida se deu em virtude de o grupo
ter sido formado, majoritariamente, por crianças e jovens. Com o passar dos anos, algumas mudanças
ocorreram, pois, além das crianças, algumas pessoas adultas começaram a se interessar, em participar,
pela congada, o que fez o capitão tomar algumas decisões: passar adiante a banda Nossa Senhora
Aparecida para um companheiro, que acabou não cumprindo o compromisso, e fundar a banda de
congada Nossa Senhora do Rosário e São Cosme e Damião. Os nomes dos santos têm duas razões de
ser: a primeira homenageia a congada ex–capitão João Jacaré, cunhado de Fernando; a outra se
relaciona com a religiosidade popular de tradição afro–brasileira, que define os santos gêmeos como os
protetores das crianças:
Apesar de ser registrada há 11 anos, a banda Nossa Senhora do Rosário e São Cosme e São Damião já
existe há mais de 20 anos, quando o capitão criou a primeira banda que recebeu o nome de Nossa
Senhora Aparecida (Figura 6.114). Segundo o capitão Fernando, atualmente, a banda está com 30
dançadores/as, mas já chegou a ter 40 componentes no bairro Nova Resende.
203
Figura 6.114 – Capitão Fernando cumprimentando o rei festeiro mirim durante a festa de Nossa Senhora
na comunidade Restinga, em Ritápolis (MG), que ocorreu no dia 03/09/2017.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
O grupo é composto também por pessoas adultas, mas ainda mantém sua característica básica,
que é ser uma banda formada por crianças. Hoje, por exemplo, as bandeireiras da banda são duas
senhoras –– uma carrega a bandeira de Nossa Senhora do Rosário e a outra, a bandeira de São Cosme e
São Damião. Porém, na época em que a banda foi criada, quem carregava a bandeira era uma criança,
que, de tão pequena, ficava encoberta pelo pano da bandeira, ressaltou o capitão (Figura 6.115).
Figura 6.115 – Capitão Fernando, a bandeireira e o grupo formado por vários jovens homens e mulheres
no interior da Igreja de São Sebastião, na comunidade da Restinga – Ritápolis (MG), durante a festa de
Nossa Senhora do Rosário, no dia 03/09/2017.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
As vestimentas do terno são calças, camisa e chapéu, cujas tonalidades podem variar do preto ao
vermelho, passando pelo branco e verde. Os uniformes já foram compostos por calças verdes e camisas
brancas; depois foi adotado o uso de calças vermelhas, camisas brancas e coletes pretos:
204
Atualmente, usam–se calça preta com colete vermelho e chapéu branco com
enfeites coloridos. Como tenho prática com fantasia de carnaval, eu mesmo
organizo muita coisa, até fazer os enfeites das roupas. Estamos com o mesmo
uniforme há quatro anos.” (Capitão Fernando, em entrevista realizada na sua
residência, em 06/09/2017)
Lamentou o capitão que alguns dos instrumentos utilizados pelo grupo (caixas, reco–recos e pandeiros)
estejam precisando ser trocados, pois apresentam sinais de desgastes. No entanto, não há recursos para
trocá–los (Figura 6.116).
Figura 6.116 – Instrumentos (caixas) usados pelos integrantes da banda de congada Nossa Senhora do
Rosário e São Cosme e Damião, durante da festa na comunidade Restinga – Ritápolis (MG), no dia
03/09/2017.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
O calendário festivo de visitação da banda tem início no mês de junho, quando o grupo viaja para as
cidades vizinhas, São João Del Rei, Passatempo, Oliveira, Ritápolis, e algumas comunidades rurais para
homenagear os santos padroeiros e fazer “pagas de visitas”. A paga de visita é uma dádiva, isto é, uma
regra social que obriga o grupo que recebe a visita a participar da festa do grupo que o visitou.
A festa da congada Nossa Senhora do Rosário e São Cosme e São Damião acontece no primeiro domingo
do mês de novembro, durante as comemorações em homenagem a Nossa Senhora do Rosário (Figura
6.117), que é celebrada na igreja em homenagem à santa.
205
Figura 6.117 – Igreja de Nossa Senhora do Rosário.
Fonte: Equipe Biodinâmica, 2017.
A respeito das dificuldades enfrentadas para dar continuidade à congada no município, o capitão
destacou algumas. A principal delas está relacionada à falta de apoio do Poder Público para que grupo
passe a se organizar, como disponibilização de um lugar/sede para a banda guardar os instrumentos e
realização de ensaios e reuniões. Para minimizar esse problema, os instrumentos e adereços ficam
guardados na residência do capitão. Segundo o capitão Fernando, por diversas vezes, teve que arcar
com as despesas de custos, como transporte durante as pagas de visitas (Figura 6.118).
Figura 6.118 – Aspecto geral da banda do capitão Fernando (ao centro) e os/as dançadoras mirins em
volta durante a festa de Nossa Senhora do Rosário da comunidade Restinga – Ritápolis (MG), realizada
no dia 03/09/2017.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
206
Outro problema destacado pelo capitão está relacionado à falta de interesse do público jovem em
participar da congada. A juventude hoje não quer: “Quando acha algum menino que demonstra
interesse por você, tem que o chamar logo para dançar, mesmo que ele não leve muito jeito pra coisa”,
enfatizou o capitão com ares de preocupação.
Além de deparar com tais obstáculos, o capitão ainda encontra dificuldades em estabelecer diálogos
com os padres. De acordo com ele, os padres novos, que vêm assumir a paróquia, não se interessam por
manter a tradição das congadas; só se interessam por fazer obras nas igrejas.
6.6.2 OFÍCIO DE QUINTANDEIRAS
Maria José Ribeiro, 67 anos (Mariinha)
Maria Antônia de Resende, 58 anos (Totonha) – Comunidade Remanescente de Quilombo
Curralinho dos Paulas
Terezinha Mendonça Resende, 78 anos
Sônia Valéria Mendonça, 50 anos
Em Resende Costa, a tradição de quitandas, além de ser antiga, está associada às festividades religiosas.
Era costume servir merendas aos parentes que visitavam os familiares durante a festa da padroeira
Nossa Senhora da Penha de França, e que permanece até os dias atuais.
As quitandas eram fabricadas nas casas, especialmente na época em que a família se reunia para
celebrar a fé. Nos dias atuais, as quitandas constituem, também, fonte de renda local. A rosquinha de
trigo é uma quitanda tradicional e bastante solicitada por encomendas. Há outras quitandas que são
fabricadas na localidade, como biscoito de polvilho, rosca, pão de queijo, quebra–quebra, biscoito
cozido e assado de polvilho, biscoito de amendoim com fubá e outros. Geralmente, os ingredientes
utilizados no preparo das quitandas são provenientes da roça, como a manteiga e a nata.
As três quitandeiras com as quais se manteve contato no município fazem da produção de quitanda
uma complementação da renda familiar, ou talvez a principal renda da família, como foram os casos de
dona Mariinha e Totonha.
Maria José Ribeiro, conhecida na cidade por Mariinha, é casada e nasceu na zona rural do município de
Resende Costa, onde viveu até os 25 anos de idade (Figura 6.119). Quando casou, foi morar na
comunidade rural Campos Gerais, município de Entre Rios de Minas (MG), onde trabalhou na
agricultura, na propriedade de seus padrinhos. Ao casar e constituir família, Mariinha já tinha domínio
do ofício de quitandeira, pois, desde criança, juntamente com as irmãs, era responsável pela produção
das merendas no sítio onde a família residia:
207
Figura 6.119 – Quitandeira Mariinha na sua cozinha, ao lado do forno misto (movido a gás e a
eletricidade), durante a entrevista que deu à equipe de pesquisa.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
“Na época de minha mãe, a gente já fazia a merenda porque eram sete irmãos
que trabalhavam na roça. A gente fazia as quitandas para consumo de casa.
Quem fazia as merendas era eu e minhas irmãs, pois minha mãe sofria de
depressão. Na época, se produzia o polvilho e a araruta da mandioca que
plantava na roça.” (Marrinha, em entrevista realizada na sua residência, em
07/09/2017).
Ela conta que as quitandas eram assadas no forno de cupim, ou seja, quando os cupins abandonavam o
cupinzeiro, seu pai trazia–o para casa e o adaptava como forno. Daí, o nome forno de cupim.
Geralmente, as quitandas mais comuns eram bolo de fubá, biscoito misturado, rosca e torradinho,
acrescentou Mariinha.
Apesar de o ofício de quitandeira estar na família já há algum tempo, Mariinha só veio a comercializar as
merendas há uns 30 anos, quando veio morar com a família na cidade de Resende Costa. Foi quando
começou a vender suas merendas na rua, oferecendo os produtos de porta em porta.
Durante a semana, trabalhava de doméstica nas casas de família e, nos fins de semana, feriados e
durante a noite, aproveitava para fazer as quitandas e vender. Com isso, conseguia uma renda a mais
para cobrir as despesas da casa. No ano de 2000, teve que abandonar o trabalho de doméstica para
cuidar do filho doente; foi quando passou a trabalhar somente em casa e a se dedicar à produção de
quitanda (Figura 6.120).
208
Figura 6.120 – Placa de sinalização com o contato telefônico da quitandeira Mariinha e a localização de
sua residência. Na residência, também há uma placa com os dizeres: “Biscoitos caseiros da Mariinha”.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Durante a vista que a equipe realizou à cozinha de Mariinha, percebeu que se trata de um negócio que
já possui uma estrutura razoável, tanto no que tange às instalações físicas como em relação aos
equipamentos e às normas de manipulação de alimentos, a exemplo do uso de tocas. Além disso, o
volume de quitandas também é significativo. A quitandeira não informou, mas estima–se, pelo
movimento de clientes, que, por dia, produz–se uma média de 200 a 300 quilos de quitandas, entre
biscoitos de polvilho, rosquinhas de nata e roscas (Figura 6.121).
Figura 6.121 – Aspectos do ambiente de produção das quitandas: ajudantes utilizando tocas
descartáveis durante o manuseio das merendas. Quitandas acondicionadas em baldes (rosquinhas) com
tampas e embaladas em sacos plásticos (biscoito torradinho).
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
209
A cozinha é equipada com bancadas de aço inoxidável, fornos mistos, ou seja, utiliza lenha e gás de
cozinha. Atualmente, a quitandeira conta com a ajuda da filha e de duas netas na produção. A lenha
utilizada nos fornos é de procedência de madeira de reflorescimento, ou seja, de eucaliptos. Já a
matéria–prima utilizada na fabricação das quitandas, parte dela, é fornecida por produtores rurais,
como a manteiga: “Minha manteiga é da roça, é o que encarece minhas quitandas. Os ovos são de
granja, pois mantenho o mesmo padrão quando não tem ovo caipira. Já usei muita nata, mas hoje é
muito difícil de encontrar.” (Mariinha, em entrevista realizada na sua residência, em 07/09/2017)
O escoamento da produção das quitandas é variado: os clientes podem usar o telefone para fazer as
encomendas ou irem à residência da quitandeira (Figura 6.122). Além disso, segundo Mariinha, fornece
quitandas para as festas de casamento da cidade e para algumas pousadas em Tiradentes (MG).
Figura 6. 122 – Biscoitos de polvilho (torradinho) e rosquinhas de manteiga embaladas e fracionadas
para serem comercializadas.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Apesar de a quitandeira ter uma clientela fiel, que a faz dar continuidade ao ofício que já está na família
há mais de cinco décadas, a maior dificuldade enfrentada por Mariinha refere–se ao Poder Público local:
“Aqui eu ainda tinha um forno de cupim, mas a Vigilância Sanitária esteve aqui,
e tive que desmanchar. Já tive muito problema com ela, que já esteve aqui até
pra fechar minha cozinha. Tive que arrumar aqui aos poucos, até azulejar as
paredes.” (Marinha, em entrevista realizada na sua residência, em 07/09/2017).
Segundo ela, tais exigências contribuem para que, aos poucos, essa prática tradicional torne–se inviável
de ser levada adiante. Além do mais, as quitandas são feitas de forma artesanal, o que não pode ser
comparado a produtos industrializados em grande escala, enfatizou a quitandeira.
A outra quitandeira reside na comunidade quilombola Curralinho dos Paulas, distante 8 km do distrito–
sede. Conhecida como Totonha, Maria Antônia de Resende é casada, natural da própria comunidade e
produz quitandas juntamente com a família. Suas merendas são comercializadas na cidade e arredores
(Figura 6.123).
210
Figura 6. 123 – Vistas da Igreja de Nossa Senhora da Conceição (à esquerda), Capela de Nossa Senhora
do Perpétuo Socorro (à direita) e imagem do cemitério atrás da capela (abaixo).
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
A equipe ficou sabendo da existência da quitandeira Totonha e também de outras, residentes no
município e que realizam a prática através de informações fornecidas pela servidora municipal do
Departamento de Cultura Solange Maria do Carmo Silva Daher (Figura 6.124). Ao chegar à residência da
informante, na comunidade quilombola Curralinho dos Paulas, e após apresentar os motivos da
pesquisa, a equipe percebeu que a quitandeira ficou “desconfiada”, a ponto de, inicialmente, reservar–
se o direito de não falar sobre sua prática.
Ao persistir em conhecer a história de vida da quitandeira, percebeu–se que sua preocupação em
responder ao questionário tinha a ver com o destino final dos dados coletados, ou seja, se o Instituto
Nacional de Seguridade Social (INSS), responsável por fornecer benefícios, como aposentadorias, teria
acesso às suas informações. Consequentemente, por ter outro tipo de renda, que não apenas o de
produtora rural, seu pedido de benefício poderia ser negado.
211
Figura 6. 124 – Quitandeira Totonha na sua cozinha, onde prepara as quitandas.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Após alguns minutos de esclarecimentos e do consentimento de seu esposo, a quitandeira resolveu falar
sobre seu ofício. E a respeito de seu aprendizado, ela disse que aprendeu a fazer quitanda com a avó, a
mãe e tias. Na época, a produção se restringia apenas a consumo interno da família. Posteriormente,
sua mãe passou a receber algumas encomendas de quitandas e, desde então, com a idade de 16 anos, a
quitandeira Totonha tem se dedicado a fazer merendas para vender.
A quitandeira Totonha, além de fazer as quitandas, trabalhava na agricultura, para ajudar o marido,
inclusive no plantio de mandioca e milho, que, após colhido, era transformado em polvilho e fubá,
matéria–prima utilizada no preparo das quitandas.
Embora a filha ajude de alguma forma na produção das quitandas, sobretudo entregando–as na cidade,
Totonha disse que as faz sozinha, não possui ajudante: “Eu faço as quitandas sozinha. Chego a utilizar 20
a 25 kg de polvilho por semana. Trabalho sozinha.” (Totonha, em entrevista realizada na sua residência,
na comunidade quilombola Curralinho dos Paulas, em 07/09/2017). Talvez por esse fato, Totonha
afirme que os filhos não têm interesse em dar continuidade ao ofício.
A produção de quitandas, principalmente de torradinho (biscoito de polvilho), é significativa. Durante a
visita realizada à residência da quitandeira, observaram–se vários fardos do produto e caixas sobre o
sofá da sala, ensacados e prontos para serem entregues aos clientes (Figura 6.125).
212
Figura 6.125 – Quitandas empacotadas para serem comercializadas.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Além disso, a cozinha está equipada com dois fornos mistos, isto é, que utilizam como combustível no
processo de assar lenha e energia, o que agiliza bastante a produção das quitandas. Nesse sentido,
supõe–se que uma boa parte da renda familiar advém das quitandas. Mesmo assim, a quitandeira
enfatizou que o lucro é muito pouco, e que a motivação de continuar com as quitandas é mais “por uma
questão de prazer” (Figura 6.126).
Figura 6.126 – Aspectos dos fornos mistos (a gás e a energia) e dos tabuleiros utilizados pela quitandeira
Totonha.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Como a comunidade Curralinho dos Paulas é grande produtora de eucalipto para a produção de carvão,
a lenha utilizada nos fornos da quitandeira origina–se de reflorestamento; portanto, não utiliza madeira
nativa. Porém, ela reclama dos altos preços praticados pelos fazendeiros produtores de madeira da
região.
Segundo Totonha, embora a quitanda que mais produz seja o biscoito de polvilho, que ela chama de
“torradinho”, também faz outros tipos, como rosquinhas de nata, bolos, e broa de fubá. Dá preferência
213
aos insumos que são produzidos no próprio sítio: ovos caipiras, leite cru, nata e manteiga: “Na cidade,
eu só compro polvilho, fubá, óleo e fermento. Na época de minha mãe, costumava utilizar a gordura de
porco nas quitandas, mas eu não uso porque os clientes não gostam.” (Totonha, em entrevista realizada
na sua residência, na comunidade quilombola Curralinho dos Paulas, em 07/09/2017).
A respeito da tradição do lugar que associa quitandas a momentos festivos, Totonha ressaltou que,
durante as festas de fim de ano, quando os familiares que residem fora da cidade retornam para visitar
os parentes, a produção de quitandas tende a aumentar. Os clientes da quitandeira são os donos de
supermercados, mercearias e pousadas da cidade, mas ela também recebe encomendas de outros
moradores.
Terezinha Mendonça Resende é a quitandeira mais antiga da cidade e, ainda, em atividade. Foi,
também, a principal informante a contribuir com a Secretaria Municipal de Educação, Cultura, Esporte e
Lazer, através de seu setor de Patrimônio, na Pesquisa de Inventário das quitandas locais.
A ação aconteceu em 2008 e teve como motivação o fato de que a fabricação de quitandas na cidade é
uma tradição cultural no distrito–sede do município de Resende Costa, estando ligada às festividades da
tradição católica que reúne as famílias para as celebrações.
De acordo com o texto do Inventário do Acervo Cultural – Bens Imateriais, as quitandeiras Terezinha
Mendonça Resende e Sônia Valéria Mendonça, mãe e filha, são exemplos de moradoras da cidade que,
ao longo dos anos, preparam quitandas, transmitindo a tradição de geração a geração (Figura 6.127).
Figura 6.127 – Quitandeiras Terezinha e Sônia, mãe e filha.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
A quitandeira Terezinha Mendonça Resende é viúva e natural de Campos Gerais, povoado localizado no
município de Entre Rios de Minas. Veio morar em Resende Costa quando tinha 2 meses de idade.
Quando se casou, em 1958, foi morar na “roça” com a sogra; com ela, foi que aprendeu a fazer
quitandas. Ao contrário da maioria das quitandeiras, que aprenderam o ofício com a mãe ou parentes
próximos, o aprendizado sobre as quitandas de Terezinha aconteceu tardiamente, já que, segundo ela,
214
sua mãe não sabia fazer merendas: “Foi na roça que aprendi a fazer quitanda; minha sogra fazia para
consumo da família. Morei sete anos com ela. Aprendi muita coisa com minha sogra.” (Terezinha
Resende, em entrevista realizada na sua residência, em 08/09/2017).
A quitandeira morou na zona rural durante 25 anos. Quando se mudou para a cidade, passou a fazer
quitanda para o consumo e também para comercializar:
“Tudo quanto era tipo de quitanda eu fazia. Recebia muitas encomendas.
Vendia muito mesmo. Eu levantava de madrugada e ficava no forno de varrer
até tarde da noite. As merendas que eu fazia na época, e que ainda faço, eram
quebradinho, quebrador, biscoito de fubá, biscoito de fubá de moinho, pão de
queijo, biscoito de polvilho e rosquinhas de trigo. Criei meus filhos fazendo
quitandas.” (Terezinha Resende, em entrevista realizada na sua residência, em
08/09/2017).
Apesar da idade avançada, Terezinha ainda continua fazendo quitandas para o consumo da família e,
vez por outra, em época de festa, produz as merendas sob encomenda. Para isso, conta com a ajuda de
sua filha Valéria Mendonça, que aprendeu o ofício com a mãe: “Ainda faço quitandas, mas em pouca
quantidade. Nas festas de fim de ano, costumo receber encomendas de quitandas e também de pernil”
–– disse a mestra quitandeira (Figura 6.128).
Figura 6.128 – Detalhe da cozinha das quitandeiras Terezinha e Sônia. A quitandeira verificando o pernil
que estava assando no momento da visita da equipe de pesquisa à sua cozinha.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Se depender dos esforços da mestra Terezinha, a continuidade do ofício de quitandeira em Resende
Costa está garantida, pois sua filha Sônia já detém todo o conhecimento sobre o modo de fazer das
quitandas, que herdou de sua mãe. Além de quitandeira, a filha também exerce a função de Técnica em
Assuntos Educacionais em uma escola estadual do município. Contou que, desde criança, ajuda a
quitandeira a enrolar as massas até altas horas da noite. E que, quando se casou, continuou a fazer as
merendas para a família e ajudar dona Terezinha. Atualmente, é quem está à frente da produção de
quitandas (Figura 6.129).
215
Figura 6.129 – Rosquinhas de nata e biscoitão de polvilho feitos pela quitandeira Sônia.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Atualmente, as quitandas são assadas em forno a gás, mas a preferência ainda é pelos produtos de
procedência da roça: leite cru, nata e ovos caipiras. Os demais ingredientes, como o polvilho e o fubá,
são comprados nos mercados locais.
216
6.6.3 MAPA DOS BENS CULTURAIS DE RESENDE COSTA
217
6.7 ENTRE RIOS DE MINAS
Entre Rios é um município de 300 anos, tendo sua formação ligada às Bandeiras e ao Ciclo do Ouro.
Localizado no caminho da Estrada Real, era o principal pouso para quem viajava de Ouro Preto para São
João Del Rey. Possui exemplares arquitetônicos relevantes, dos séculos XVII (uma ruína bandeirante),
XVIII (uma capela de 1733), XIX (diversas casas e fazendas coloniais) e XX (um hospital em estilo eclético
e diversas casas).
Segundo os gestores locais, com a chegada de um grande distrito industrial em Jeceaba, a cidade passou
a sofrer os impactos da especulação imobiliária, o que vem culminando na derrubada irregular de
imóveis históricos.
O Conselho Municipal de Desenvolvimento Cultural (CODEC) é o órgão municipal responsável pelo
tombamento e preservação dos Patrimônios Materiais e Imateriais em nível municipal.
Como principais patrimônios paisagísticos, os entrevistados citaram as cachoeiras do Gordo e a dos
Faleiros, frequentadas por moradores locais e turistas, e também a Serra do Gambá, que, embora
pertença ao município de Jeceaba, tem uma identificação forte com os moradores locais devido ao fato
de essa serra preservar, entre outras, uma volumosa nascente que, durante décadas, abasteceu a
cidade de Entre Rios de Minas, conforme já citado.
6.7.1 CAPOEIRA E OFÍCIO DE MESTRES DE CAPOEIRA – GRUPO DE CAPOEIRA ORIGENS
Instrutor Cascavel – Wesley Resende, 43 anos
Antes de apresentar a trajetória do instrutor de capoeira Wesley, que foi o primeiro informante
detentor de conhecimento sobre a prática da capoeira, vale ressaltar que o único mestre de capoeira é
o Casquinha, o primeiro a introduzir a capoeiragem na cidade. No entanto, durante o período em que a
equipe de pesquisa permaneceu na localidade, não foi possível contatá–lo, pois ele estava viajando,
como foi informado.
Outro cidadão, com quem se manteve contato, foi Agnaldo da Silva Oliveira, conhecido como Naca; o
instrutor Wesley o tem como “mestre” (Figura 6.130). Com base nas informações fornecidas pelo
instrutor, foi possível localizar a residência de Naca e entrevistá–lo. No entanto, conforme relatou, após
um desentendimento entre ele e o Mestre Casquinha, resolveu abandonar a arte da capoeiragem.
Mesmo após ele afirmar que não é mais capoeirista, a equipe decidiu coletar algumas informações a
respeito de sua trajetória; afinal de contas, o instrutor Wesley o considera uma pessoa importante para
a cultura da capoeira na cidade. O ex‐capoeirista Naca é natural de Entre Rios de Minas, casado e
trabalha de pedreiro. Contou que se iniciou na capoeira aos 12 anos, com o Mestre Casquinha, que
havia chegado de Pernambuco para trabalhar na ferrovia; depois, o mestre viajou para o Rio de Janeiro,
onde passou algum tempo.
Durante esse período em que o mestre ficou ausente, Naca, a quem faltava apenas uma graduação para
se tornar mestre, seguiu dando continuidade aos treinos de capoeira na cidade. Com o retorno do
Mestre Casquinha à cidade, na década de 90, os dois continuaram treinando juntos, porém, com o
219
tempo, desentenderam–se. Com a relação estremecida, aos poucos, Naca foi abandonando a
capoeiragem.
Figura 6.130 – Ex–capoeirista Naca, que o instrutor Wesley considera seu pai na arte da capoeira.
Fonte: Equipe Biodinâmica, 2017.
Embora não desempenhe mais a arte da capoeira, Naca falou sobre alguns momentos da época em que
praticava a capoeira:
De acordo com o ex–capoeirista, o Mestre Casquinha, depois que se aposentou, também parou com o
ofício. Portanto, o único herdeiro da linhagem de capoeira existente em Entre Rios de Minas e que está
em atividade é o instrutor Wesley.
Wesley Resende começou a treinar capoeira em 1974, aos 12 anos de idade, com o capoeirista Naca
(Figura 6.131). Na época, o Mestre Casquinha ainda estava no Rio de Janeiro; quando retornou à cidade,
Wesley passou a treinar com ele. Em 2000, ingressou na Faculdade de Educação Física na cidade de
Ouro Branco (MG), onde conheceu alguns colegas que faziam parte do Grupo de Capoeira Arte das
Gerais. Passou, então, a treinar junto com eles. Wesley conheceu vários mestres de capoeira, inclusive,
Mestre Casquinha, mas, para ele, seu pai na capoeira é Naca, como ressaltou: “A primeira corda eu
peguei com o Mestre Casquinha. Foi em 1998, e meu apelido no grupo era Cascavel.” (Instrutor de
capoeira Wesley, em entrevista realizada na residência, em 08/09/2017).
220
Figura 6.131 – Instrutor de capoeira Wesley.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Wesley desenvolve um trabalho social com a capoeira nas escolas do município há 13 anos, mas ressalta
que o fato de ser graduado em Educação Física lhe deu mais respaldo para seguir disseminando a
prática. Ele conseguiu aliar os movimentos da capoeira com a noção de anatomia e, assim, conseguir
tirar o maior proveito possível. No entanto, apesar de ter criado o Projeto Origens há bastante tempo, e
realizar os treinos em escolas, ainda enfrenta preconceito por parte de algumas pessoas da
comunidade: “Tenho alunos que não podem treinar capoeira porque o pastor não deixa”, ressaltou o
instrutor.
As rodas de capoeira acontecem todos os sábados, na Escola Estadual Pedro Domingues, desde 2005. O
instrutor Wesley atua como voluntário e ensina capoeira para cerca de 30 alunos com faixa etária entre
7 e 15 anos. De acordo com o coordenador do projeto, o objetivo principal do Origens não é formar
apenas capoeiristas, e sim cidadãos. Cerca de 300 alunos já passaram pelo “Origens” ao longo de seus
oito anos de existência (Figura 6.132). Atualmente, integra a linhagem do Grupo de Capoeira Artes das
Gerais.
Figura 6.132 – Identidade visual do Projeto Origens, coordenado pelo instrutor Wesley.
Fonte: PROJETO ORIGENS, 2017.
221
Segundo o instrutor, para desempenhar trabalhos que envolvem a prática da capoeira, sociais ou não, é
preciso resistência, uma vez que são poucos os profissionais em educação que conseguem perceber que
a Roda de Capoeira também é pedagógica, e conseguir transmitir mais conhecimentos aos alunos que as
aulas convencionais, que acontecem em salas de aulas. A capoeira é sinônimo de resistência: “Nas
próprias escolas, há professores e diretores que não apoiam a capoeira”, declarou o instrutor de
capoeira Wesley na entrevista realizada em sua residência, em 08/09/2017.
“O preconceito vem enraizado na criança pelos ensinamentos dos pais, e tento quebrar isso”, enfatiza.
Segundo ele, alguns alunos chegam à roda, mesmo tendo estudado a disciplina História do Brasil, sem
saber o que representa o negro para a historiografia brasileira (Figura 6.133). O instrutor usa os treinos
não apenas como prática esportiva, mas, também, sobretudo, como uma oportunidade de transformar
as mentalidades das aulas em relação aos temas acima mencionados.
Figura 6.133 – Grupo Origens durante campeonato. Instrutor Wesley (na extrema direita) e seus alunos.
Fonte: PROJETO ORIGENS, 2017.
A confecção dos próprios instrumentos é uma atividade que faz parte da Roda de Capoeira, pois, além
de estimular a criatividade dos alunos, possibilita que eles criem laços de solidariedade. Sempre que
possível, são realizadas oficinas para ensinar os alunos a produzir berimbaus:
“Aqui, a gente ainda encontra cabaças e varas. As crianças se mobilizam e
conseguem as cabaças com os vizinhos. As varas, eu vou nos sítios pegar. Agora,
o resto dos instrumentos, como o atabaque e o caxixi, é comprado em Belo
Horizonte. E a corda do berimbau, que é um arame, a gente retira de pneus
usados.” (Instrutor de capoeira Wesley, em entrevista realizada na sua
residência, em 08/09/2017).
222
Um dos maiores entraves enfrentados pelo instrutor, para dar continuidade à prática da capoeira na
atualidade, diz respeito ao preconceito que algumas pessoas têm em relação à prática. Embora
reconheça a importância de algumas políticas públicas, como obrigatoriedade da temática História e
Cultura Afro–Brasileira na educação básica de ensino no Brasil e o processo de reconhecimento do
Ofício de Mestres de Capoeira e da Roda de Capoeira como patrimônio do Brasil e da Humanidade,
poucas mudanças são percebidas no sentido de diminuir os preconceitos enfrentados pelos capoeiristas.
Também ressaltou que não foi realizada nenhuma ação que beneficie os mestres de capoeira, e que
muitos nem sequer possuem casas para morar. Segundo ele, qual o mestre que trabalha o dia inteiro de
servente de pedreiro e ainda encontra disposição para treinar ao fim do dia? Na sua opinião, é
impossível que o estado queira valorizar uma prática cujos detentores não têm sequer condições para
sobreviver. Que dirá passar adiante seus conhecimentos!
6.7.2 OFÍCIO DE QUINTANDEIRAS
Margarida Maria da Costa Resende, 58 anos
Aline Dias Lopes, 28 anos
Delfina Maria de Oliveira, 59 anos
Marlene de Fátima Lima, 58 anos
A partir da contribuição do servidor Teófilo Antônio, da Secretaria de Cultura do município, foi que se
chegou ao endereço da quitandeira Margarida, na sexta–feira, 8 de setembro. Na ocasião, foi possível
acompanhar a quitandeira realizando os últimos preparativos, isto é, fazendo as quitandas para
comercializar na feira, no dia seguinte.
Margarida é natural da zona rural Brumadinho, município de Entre Rios de Minas. Após casar–se, na
década de 70, continuou residindo na comunidade. Em 2004, veio morar na cidade, para dar apoio aos
dois filhos que haviam ingressado faculdade. Assim como a maioria das quitandeiras pesquisadas, os
primeiros contatos que a quitandeira teve com o ofício ocorreu ainda na fase de criança, quando
observava sua mãe fazer as merendas. Na época, os 13 filhos participavam, de algum modo, no preparo
das merendas. Havia funções para todos, desde ir ao mato pegar lenha para aquecer o forno de varrer,
até amassar, enrolar e assar. Era um dia inteiro dedicado à quitanda, como contou Margarida:
“A quitanda é uma tradição de família. Na casa da minha mãe, já fazia para
nosso sustento, e depois de casada, continuei a fazer. Quando minha mãe fazia,
a gente ajudava. Ela fazia biscoito misturado (fubá e polvilho) e também o
polvilho e o fubá. A gente fazia a quitanda com aquilo que a gente tinha na
época: leite, ovos, banha, manteiga, polvilho. Raramente buscava alguma coisa
no mercado.” (Margarida, em entrevista realizada na sua residência, em
08/09/2017)
223
Da mesma forma que sua mãe, a quitandeira Margarida continuou fazendo suas merendas para atender
ao consumo da família (Figura 6.134). Para isso, aproveitava os insumos que eram produzidos na sua
roça para produção das quitandas: leite, ovos caipira, gordura de porco, nata, manteiga, fubá de milho
moído no moinho d'água e outros. O ofício de quitandeira só se tornou uma profissão, isto é, uma fonte
de renda para ajudar nas despesas da família, quando ela se mudou para a cidade, na década de 2000.
Figura 6.134 – Quitandeira Margarida comercializando as merendas na feira.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Foi nessa época que decidiu fazer suas quitandas para vender na feira livre, aos sábados pela manhã, em
volta da praça da Igreja Matriz de Nossa Senhora das Brotas (Figura 6.135):
“Eu comecei a fazer as quitandas em 2000, assim que começou a
feirinha. Na época, além da ajuda financeira, meu esposo estava
depressivo, e era uma maneira dele sair da roça e socializar.”
(Margarida, na entrevista realizada em sua residência, em 08/09/2017)
Figura 6.135 – Detalhe da feira livre de Entre Rios de Minas.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
224
Toda produção de quitanda feita semanalmente por Margarida destina–se à comercialização na feira
livre, o que não lhe sobra tempo para diversificar as vendas, por exemplo, entrega de merendas porta a
porta e sob encomenda.
De acordo com a entrevistada, em 2012 participou do primeiro festival gastronômico que aconteceu na
cidade, onde expôs suas merendas, mas não teve continuidade. Ela destacou ainda que, apesar de só
ocorrer uma vez, foi uma excelente oportunidade para apresentar suas quitandas ao público visitante.
Provavelmente, no ato da entrevista, que ocorreu no início do mês de setembro de 2017, ainda não
fosse de seu conhecimento que, nos dias 24 e 25 de novembro do mesmo ano, realizar–se–ia na cidade
o 1° Festival Gastronômico – Receitas de Família. A informação foi passada à equipe de pesquisa pelo
servidor Teófilo Antônio, da Secretaria de Cultura, um dos organizadores do evento. A ideia do festival é
promover uma opção de lazer e diversão aos entrerrianos e, ao mesmo tempo, valorizar e enaltecer a
memória da cidade. O evento também visa gerar novos empreendedores no ramo da gastronomia e
atrair turistas, gerando benefícios socioeconômicos para a população. Nesse sentido, o evento procura
enaltecer a singularidade das antigas receitas existentes no município e incentivar os produtos
provenientes dos agricultores locais, uma vez que ressalta as receitas de antigas gerações que não
tinham o hábito de comprar produtos industrializados (Figura 6.136).
Figura 6.136 – Representante da Secretaria de Cultura Teófilo Antônio, ao lado do banner de divulgação
do 1o Festival Gastronômico de Entre Rios de Minas.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017
Os tipos de quitandas que aprendeu com sua mãe e que comercializa na feira da cidade são: rosquinha,
biscoito de fubá, biscoito misturado (mistura de fubá com polvilho), cubu (massa de fubá com açúcar
mascavo e coalhada), broa de fubá de canjica, bolacha de coco, bolacha de amendoim, quebra–quebra e
rosca da rainha. Quanto aos ingredientes usados na preparação das quitandas, Margarida dá
preferência a ovos caipiras (Figura 6.137), que provêm da criação de galinha que mantém no quintal de
sua casa, leite cru, nata, manteiga e fubá que vem da roça.
225
Figura 6.137 – Ovos usados para fazer as quitandas: vêm da produção de galinha que Margarida
mantém no quintal de sua casa.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
No entanto, quando não consegue encontrar com facilidade tais ingredientes, ela os substitui por
similares, como margarina, leite de caixa, creme de leite e ovos brancos, embora as quitandas não
fiquem com o mesmo sabor, como ressaltou. Os demais insumos (farinha, açúcar e fermento) são
comprados nos mercados da cidade.
As merendas são preparadas e assadas de véspera. Geralmente, depois do almoço, Margarida inicia a
preparação e segue pela tarde inteira, às vezes até pela noite a dentro (Figura 6.138). Durante a
entrevista com a quitandeira, que aconteceu na sexta–feira, dia 8 de setembro de 2017, foi possível
observar um pouco das etapas de produção, como a disposição dos biscoitos, rosquinhas, broas e roscas
sobre as bancadas, aguardando para serem embaladas.
Todas as etapas de preparo das quitandas, que envolvem a mistura dos ingredientes, sova (amassar),
enrolar, assar e embalar, são conduzidas somente por Margarida. Ao contrário de como acontecia na
época de criança, quando a produção de quitandas era um ato coletivo, que mobilizava parte da família,
atualmente, no seu caso em específico, o ofício é realizado de forma individual, já que não conta com
ajuda de outras pessoas.
226
Figura 6.138 – Quitandas de Margarida prontas para serem conduzidas e comercializadas na feira no dia
seguinte: pacotes de broas (caixa) e rosquinhas, roscas da rainha (na prateleira) e broas de fubá
esfriando no tabuleiro.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Em muitos aspectos, a quitandeira tenta manter a tradição –– a principal delas talvez seja a persistência
no uso do forno de varrer, apesar de já dispor de um forno a gás. Para ela, quitandas de verdade têm
que ser assadas no forno a lenha, porém a maior dificuldade está em conseguir lenha.
A lenha utilizada provém de plantação de eucalipto e, segundo ela, está se tornando muito onerosa.
Para manusear o forno de varrer, é preciso saber algumas técnicas, caso contrário, as quitandas se
estragam, seja por excesso de calor, seja por baixa temperatura. É preciso saber também quais
merendas terão prioridades durante o processo de assar. Uma dica importante é assar as massas mais
pesadas primeiro, como o cubu, e as massas mais leves depois, como ela ressaltou.
Assim como Margarida, que trabalha na feira, a quitandeira Delfina Maria de Oliveira, conhecida como
Finica, usa o espaço para comercializar suas quitandas. Ela é natural de Barbacena (MG), aposentada,
viúva e residente na comunidade do Castro, distante 5 km do distrito–sede. Embora a quitandeira Finica
tenha ficado sem mãe ainda muito jovem, lembra–se de vê–la fazendo as quitandas:
227
“Quando criança, lembro de minha mãe fazer broa, biscoito de polvilho
e cubu. Ela fazia sozinha. Eu apenas via minha mãe fazer. Não aprendi a
fazer nada com ela, não deu tempo. Eu aprendi de curiosidade minha
mesmo.” (Finica, em entrevista realizada na banca localizada na feira
livre de Entre Rios de Minas, em 09/09/2017)
Casou–se aos 14 anos de idade e, para garantir o sustento da família, buscou trabalho nas fazendas,
onde aperfeiçoou o ofício que havia sido introduzido na curta vivência com sua mãe. Segundo ela, além
de aprender a fazer as quitandas, também sabe a arte de fornear, isto é, responsabilizar–se pelo forno
de varrer. Tomar conta do forno significa colocar a lenha no seu interior, esperar esquentar e se dar
conta do processo de assar. Durante as entrevistas realizadas com outras informantes que participaram
da pesquisa, soube–se que há várias maneiras utilizadas para verificar a temperatura do forno de varrer,
para começar a introduzir as “latas” (tabuleiros) com as quitandas cruas para assar. Uma delas é
explicitada por Finica:
“Para verificar a temperatura do forno de varrer, e se ele tá no ponto de
pôr as quitandas para assar, colocava uma vassoura de alecrim. Se
queimasse, era sinal que o forno estava muito quente; aí, tinha que
esperar ele esfriar mais um pouco. Isso eu via minha mãe fazer.” (Finica,
em entrevista realizada na banca localizada na feira livre de Entre Rios
de Minas, em 09/09/2017)
Confessou a quitandeira que, aos poucos, quer abandonar a venda das quitandas, pois não está dando
conta de levar adiante a atividade. Apesar de contar com a ajuda de sua filha Maria do Rosário, na
produção das quitandas, Finica lamenta que já está cansada e que o contato constante com o forno
quente está lhe trazendo problemas de saúde. Enquanto não abandona o ofício, a quitandeira
mencionou que os ingredientes usados na produção das merendas são também feitos por ela:
“Eu ainda faço meu fubá, mas, hoje, em moinho elétrico. Também utilizo
da roça o leite, ovos, nata, gordura de porco e manteiga, que eu mesma
faço. Antes eu fazia o meu polvilho, mas hoje compro, pois é um serviço
muito pesado. Da cidade, só farinha, açúcar e fermento.” (Finica, em
entrevista realizada na banca localizada na feira livre de Entre Rios de
Minas, em 09/09/2017)
Há mais de uma década trabalhando na feira (Figura 6.139), Finica não vende somente quitandas: broas,
cubu, roscas da rainha e rosquinhas. Ela comercializa o que produz na pequena propriedade: hortaliças,
verduras, galinhas caipiras abatidas, ovos caipiras e doces caseiros.
228
Figura 6.139 – Quitandeira Finica na sua barraca. Detalhe para os cubus na caixa plástica.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Entre as quitandeiras localizadas no município, a mais jovem é Aline Dias Lopes, casada e natural de
Entre Rios de Minas. Sua vivência com o ofício de quitandeira remonta à fase de criança, quando
observava a mãe trabalhando na preparação das merendas. De início, apenas observava; depois, com o
tempo, começou a ajudá–la:
“Aprendi a fazer quitandas com minha mãe, que faleceu há quatro anos.
Depois da morte dela, as pessoas pediram pra que eu continuasse a
fazer, que comprariam as merendas. Há aproximadamente um ano que
faço, e já tenho algumas freguesas. Minha mãe aprendeu com minha
avó, mas ela só fazia pra consumo da casa.” (Aline, em entrevista
realizada na sua residência, em 09/09/2017)
O caso da quitandeira Aline é emblemático –– percebe–se, pelo menos, três gerações de mulheres
quitandeiras na família: a avó materna, a mãe e ela. Apesar de sempre ajudar sua mãe a fazer as
quitandas para vender, só veio a despertar que poderia dar continuidade ao ofício quando a própria
comunidade começou a cobrá–la. Contou que a cobrança feita pelos vizinhos, para dar continuidade à
prática aprendida com a mãe, coincidiu com o período em que ficou desempregada.
Foi então que resolveu fazer algumas quitandas para vender, já que o principal instrumento ela tinha à
disposição, no quintal de casa: o forno de varrer. Conforme mencionou, seu forno é herança deixada por
sua mãe, e tem aproximadamente uns 15 anos de uso. Para ela, as quitandas assadas nesse tipo de
forno ficam mais saborosas, e faz com que a procura pelos produtos seja maior.
“As pessoas procuram mais as quitandas desse tipo de forno, pois se aproxima mais dos sabores
tradicionais”, ressaltou a quitandeira. A lenha que ela utiliza para esquentar o forno, seu marido traz da
zona rural (Figura 6.140). No quintal, ao lado do forno havia uma grande quantidade de madeira de
eucalipto empilhada; provavelmente, será utilizada para assar as quitandas.
229
Figura 6.140 – Lenha usada para aquecer o forno de varrer e assar as quitandas.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Ao contrário das quitandeiras Margarida e Finica, que produzem as merendas exclusivamente para
vendê–las na feira, Aline as produz e as vende sob encomenda (Figura 6.141); segundo ela, também já
saiu vendendo suas quitandas de porta em porta. Os tipos de quitandas que faz com frequência são
biscoito misturado de polvilho com fubá, biscoito seco de polvilho, rosquinha de nata, rosquinha de
amendoim, rosquinha de coco, cubu e rosca da rainha.
Figura 6.141 – Quitandeira Aline com suas quitandas e seu livro de receitas (biscoito de polvilho e
rosquinhas de nata).
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
230
O ofício de quitandeira envolve várias etapas e saberes. Para a quitandeira Aline, a mais complicada é
manusear o forno, saber reconhecer a temperatura ideal (Figura 6.142). São conhecimentos adquiridos
com a prática; não há como ter uma receita certa a seguir. É preciso “vê” e “sentir”:
Quanto à temperatura do forno, é complicado explicar, porque se aprende com
a prática. Eu coloco um tabuleiro pequeno com alguma quitanda para testar o
forno; se queimar, espero mais um pouco para colocar os outros. Sempre coloco
as massas mais pesadas para assar primeiro. Depois é que coloco os biscoitos de
polvilho, porque não pode colocar com o forno muito quente, senão ele queima
e não cresce.” (Aline, em entrevista realizada na sua residência, em 09/09/2017)
A quitandeira utiliza o forno de varrer abastecido com lenha, que, segundo ela, dá um sabor diferente às
quitandas. Além disso, dá prioridade ao uso de insumos que venham da zona rural, como leite cru, ovos
caipiras e banha de porco: “Eu tento utilizar coisas da roça, para chegar perto do que minha mãe fazia”,
ressaltou Aline, na tentativa de manter o sabor das quitandas que sua mãe preparava.
Figura 6.142 – Forno de varrer herdado de sua mãe, no qual a quitandeira Aline assa as merendas.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
A quitandeira e doceira Marlene vem de uma família de doceiras (Figura 6.143). É natural de Entre Rios
de Minas, mais especificamente da comunidade rural chamada Cucoruto. Veio morar na cidade aos 7
anos de idade, para estudar, mas, nos fins semana, retornava à comunidade de origem para ajudar nos
afazeres domésticos.
231
Figura 6.143 – Doceira e quitandeira Marlene na sua barraca de doces, atendendo fregueses. Potes de
doces.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Apesar de fazer quitandas, considera–se mais doceira, tendo em vista que é uma tradição de família:
“Me considero mais doceira. O aprendizado dos doces tradicionais vem
dos meus avós, que passaram os saberes para meus pais. São doces de
laranja da terra em calda e barra, banana, goiaba em barra e calda.”
(Marlene, em entrevista realizada na banca localizada na feira livre de
Entre Rios de Minas, em 09/09/2017 – Figura 6.144)
Figura 6.144 – Goiabada cascão, cocadas, doce de laranja–cidra, doce de figo e doce de leite com
chocolate.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
232
Além de reforçar que o ofício de doceira está na família há, pelo menos, três gerações, ela disse que,
desde criança, ajudava seus pais a preparar doces e quitandas. Na época, a produção era apenas para o
consumo da família, não se produzia para comercializar.
A produção artesanal dos doces inclui boa parte da mão de obra familiar, o que significa que os saberes
tradicionais estão a todo o instante sendo disseminados e reapropriados. Além da própria doceira, estão
ligados diretamente à produção o marido, o filho e uma ajudante que trabalha quatro dias por semana,
de quarta–feira a sábado:
“Por semana, a família chega a produzir cerca de 300 quilos de doces,
que são vendidos no comércio local e em Belo Horizonte. “Na capital,
meus doces estão na Pampulha, num lugar chamado Produtos da Roça.
Também estão na feira de Ibirité.” (Marlene, em entrevista realizada na
banca localizada na feira livre de Entre Rios de Minas, em 09/09/2017)
Percebe–se que, além de dar continuidade ao ofício de doceira e quitandeira, Marlene e sua família
sobrevivem da comercialização dos produtos tradicionais, cuja origem está nos saberes herdados de
seus antepassados.
233
6.7.3 MAPA DOS BENS CULTURAIS DE ENTRE RIOS DE MINAS
235
6.8 SÃO BRÁS DO SUAÇUÍ
São Brás de Suaçuí possui, atualmente, 136 bens imóveis inventariados, 69 bens móveis, 35 bens
integrados e 14 patrimônios imateriais, distribuídos nas categorias Ofícios e Modos de Fazer,
Celebrações e Formas de Expressão: Artesanato de crochê, Produção artesanal de fumo, Quitandeiras
de São Brás, Festa de São Sebastião e São Brás, Carnaval, Semana Santa, Corpus Christi, Festa de Nossa
Senhora do Rosário, Capela de Nossa Senhora do Rosário, Festa de Nossa Senhora Aparecida, Festa de
Nossa Senhora das Graças, Comunidade de Rio Abaixo, União Musical de Santa Cecília, Marujos de
Nossa Senhora do Rosário e Coro e Orquestra de Câmara de São Brás do Suaçuí.
Os principais patrimônios de valor histórico, cultural e arquitetônico são: Igreja Matriz, Capela São João
Batista, Cruzeiro Martírios do Capão, o Passo e Casa da Dona Negrinha.
O município possui o Conselho Municipal de Cultura, que é deliberativo, instituído em 1999, pela Lei nº
840/99. A Lei nº 1.175, de 30 de junho de 2014, estabeleceu as normas de proteção do Patrimônio
Cultural do Município (como mencionado anteriormente).
6.8.1 CONGADAS DE MINAS – BLOCO DE MARUJOS NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO
Capitã Fátima da Conceição Azevedo Arnaldo, 58 anos
Conhecida na cidade pelo apelido de Fia, filha de Adelino Camilo, ex–capitão da única congada do
município, o Bloco de Marujos de Nossa Senhora do Rosário, Fátima da Conceição é a herdeira do
legado, juntamente com seus dois filhos, Reginaldo Azevedo Arnaldo e Thiago Azevedo Arnaldo. Fia é
casada, mãe de quatro filhos, servidora municipal e natural de São Brás do Suaçuí (Figura 6.145).
Antes de trazer alguns dados que foram obtidos com a atual dirigente, em entrevista e observações, é
interessante ressaltar que o grupo vive um período de crise; ou seja, o grupo existe, mas apenas em
termos de memórias (narrativas, objetos, etc.), pois não tem realizado visitas de pagas nem participado
da festa no bairro, o que é comum em grupos ativos.
O Bloco de Marujos não foi criado pelo ex–presidente e capitão Adelino Camilo; já existe há
aproximadamente três gerações. De acordo com Fia, seus familiares já tinham o terno quando o pai dela
se mudou para São Brás, ainda solteiro. Foi então que começou a participar, influenciada pela devoção
dos parentes a Nossa Senhora do Rosário:
237
Figura 6.145 – Capitã Fia ao lado dos filhos Reginaldo e Thiago, durante entrevista concedida à equipe
de pesquisa.
Fonte: Equipe Biodinâmica, 2017.
“Aqui, nunca teve um grupo de congado, só de marujo. Não foi criado pelo
meu pai, Adelino Camilo, que dançava e era também capitão. Ele veio pra cá a
trabalho, conheceu minha mãe e se casaram. Todos em minha família, irmãs,
sobrinhos e filhos, participavam na Marujada, mas o mais atuante era meu pai,
que foi o capitão e presidente do grupo.” (Capitã Fia, em entrevista realizada
na sua residência, em 14/09/2017)
A partir do empenho do capitão Adelino Camilo e da população residente no bairro de Nossa Senhora
do Rosário (Figura 6.146), foi que se construiu, em 1989, a igreja em homenagem à santa. Desde essa
época, todos os anos, aconteciam festa de Reinado com a presença da congada local e de municípios
vizinhos.
Figura 6.146 – Igreja de Nossa Senhora do Rosário, localizada no bairro do Rosário, e as bandeiras–guia
do Bloco de Marujos.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
238
Na festa do Reinado de Nossa Senhora, a função dos marujos era buscar o rei e a rainha, a princesa e o
mordomo e juiz de bandeira em suas casas. Quando eles passavam pelas ruas, algumas pessoas e os
donos de comércios ofereciam cafés para os dançadores. Na casa dos reis festeiros, geralmente, era
servido o almoço tanto para o Bloco de Marujos como para os integrantes dos ternos que estavam
realizando pagas de visitas (Figura 6.147). O posto de rei e rainha festeiros, geralmente, estava
associado ao pagamento de promessas, ou seja, os devotos faziam algum pedido à santa; caso fossem
atendidos, realizavam o pagamento, atuando como rei ou rainha da festa.
Figura 6.147 – Cortejo de rainhas durante a festa de Reinado de Nossa Senhora do Rosário e o almoço
oferecido pelos reis aos dançadores do bloco. Reprodução a partir de imagens do acervo da família,
cedida por Fátima da Conceição Azevedo Arnaldo.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
No entanto, a partir de 2014, com o falecimento de um dos capitães, Adelino Camilo, a festa e terno
entraram em decadência. Coincidiu também de o segundo capitão, Abílio Rodrigues, falecer,
contribuindo ainda mais para a dispersão do grupo:
“Meu pai contava com a ajuda do segundo capitão Abílio Rodrigues e de José
Liberato dos Reis, terceiro capitão, que já faleceram também. Hoje ainda tem o
Bernardino Euzébio, o Dadinho, que participava bem antes de meu pai, que,
embora esteja vivo, tem problemas de saúde.” (Capitã Fia, em entrevista
realizada na sua residência, em 14/09/2017)
Na realidade, a decadência do grupo, enquanto associação, começou durante o processo de doença do
presidente Adelino Camilo (Figura 6.148). Segundo Fia, tudo começou bem antes, quando seu pai teve
que fazer tratamento de saúde. Os integrantes ficaram muito tempo sem realizar reuniões e ensaios;
além disso, outros agravantes foram surgindo, como a morte de pessoas velhas que dançavam no bloco.
“Hoje só temos três idosos, já bem debilitados, que fizeram parte da dança”, disse Fia.
239
Figura 6.148 – Reprodução do “santinho” distribuído aos parentes e amigos no dia da missa de morte do
capitão Adelino Camilo. Reprodução a partir de imagens do acervo da família, cedida por Fátima da
Conceição Azevedo Arnaldo.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
É diante desse contexto que a família do ex–capitão e presidente do grupo está empenhada em resgatar
e, consequentemente, torná–lo ativo novamente. Contudo, para dar continuidade à manifestação, é
imprescindível buscar, entre os dançadores mais antigos que ainda estão vivos, os saberes tradicionais
sobre a marujada:
“Hoje com o resgate, meu filho Reginaldo é quem está como presidente do
grupo. A nossa ideia de fazer esse resgate é para aproveitar o conhecimento
de pessoas que fizeram parte da trajetória da marujada, que realmente
participaram, porque o que eu conheço é do pouco que participei e das
histórias que meu pai contava.” (Capitã Fia, em entrevista realizada na sua
residência, em 14/09/2017)
Contou Fia que, atualmente, não há mulheres no grupo, como antes havia. No entanto, como é comum
em alguns ternos de congadas da região, a presença de mulheres dançadoras era limitada. Na sua época
de criança, só participavam homens, ressaltou. A participação das mulheres restringia–se à
ornamentação das roupas dos integrantes e à preparação das comidas. Sob o comando de seu pai, foi
que se abriu espaço para a entrada de mulheres no bloco, mas a maioria dos integrantes do bloco era de
pessoas da família ou que mantinham algum tipo de parentesco por afinidade, como vizinhos e
conhecidos:
“Hoje é mais de família mesmo: eu e minhas irmãs. A última apresentação que
fizemos, há três anos, na reinauguração da Capela Nossa Senhora do Rosário,
quando fizemos uma homenagem a meu pai logo após a morte dele.” (Capitã
Fia, em entrevista realizada na sua residência, em 14/09/2017 – Figura 6.149)
240
Figura 6.149 – Capitã Fia, ao lado de Reginaldo, presidente do Bloco de Marujos Nossa Senhora do
Rosário no interior da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, durante a última saída do grupo, em 2014.
Reprodução a partir de imagens do acervo da família, cedida por Fátima da Conceição Azevedo Arnaldo.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
A festa em homenagem a Nossa Senhora do Rosário, que acontece no bairro, no dia 7 de outubro,
também entrou em declínio com o falecimento do capitão e presidente do Bloco de Marujos. No
entanto, conforme disse a atual dirigente do grupo, Fia, e seus filhos, estão planejando, para a festa de
2017, fazer uma apresentação do grupo, ação que, segundo eles, pode motivar e despertar o interesse
das pessoas pela marujada. Na tentativa de reativar o grupo, ela regularizou o registro do grupo, porém
não dispõe de uma sede onde possa guardar os instrumentos e adereços. Quando o bloco estava
formado, costumava sair no dia da festa de Nossa Senhora do Rosário, e também nas festas de congadas
que aconteciam nas cidades vizinhas, como São João Del Rey, Resende Costa, Conselheiro Lafaiete e
várias cidades na região.
Atualmente, a filha de Adelino Camilo usa um dos cômodos da residência para acomodar os troféus,
instrumentos, adereços e fotografias pertencentes ao bloco. No entanto, parte dessa memória, que
estava sob os cuidados da Secretaria de Cultura, foi perdida, de acordo com Fia. Mesmo assim, como foi
possível perceber in loco, ainda havia um acervo significativo sob o domínio da família do ex–capitão,
que pode ser usado, também, para consubstanciar esse processo de resgate:
“Lembro que, na Secretaria de Cultura, tinha muitas fotos, mas há pouco
tempo procurei, e não encontrei nada. Inclusive meu pai pediu pra guardarem
a espada original do capitão, por ser mais seguro, e ela sumiu. Achei uma caixa
largada com algumas fotos na Prefeitura; levei para minha casa. Eu sei que
muita coisa se perdeu.” (Capitã Fia, em entrevista realizada na sua residência
em 14/09/2017 – Figura 6.150)
241
Figura 6.150 – Troféus que o bloco recebeu durante as pagas de visitas nos municípios vizinhos.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
É questionável que uma prática seja objeto de algum instrumento legal de proteção pública, quer através
de inventário, quer de registro, e seus detentores não tenham sido comunicados –– foi o que ocorreu com
o Bloco de Marujos Nossa Senhora do Rosário, conforme apresentou a pessoa que está à frente:
“Em 2007, o capitão Abílio, que também era capitão do bloco na época, me
disse que esteve na Secretaria de Cultura; mas ele já morreu, e não tenho
muita certeza de nada sobre essa questão do registro. Nem lembro se alguém
procurou meu pai para fazer algum tipo de entrevista.” (Capitã Fia, em
entrevista realizada na sua residência, em 14/09/2017)
Independentemente de receber qualquer tipo de proteção do Poder Público, a marujada, na época do
capitão e presidente Adelino Camilo, tinha uma espécie de fundo, que permitia sua autogestão.
Segundo Fia, antigamente era cobrada uma pequena quantia dos integrantes, que era revertida para a
manutenção de instrumentos e compra de vestimenta. Antes, os componentes do bloco faziam uma
contribuição e tinham um fundo que servia para a compra de uniformes e transporte (Capitã Fia, em
entrevista realizada na sua residência, em 14/09/2017).
Durante a visita que a equipe de pesquisa realizou à residência de Fia, além do acervo de fotografia,
troféus, vestimentas e adereços ligados ao bloco de marujos, foi possível observar os tipos de
instrumentos (Figura 6.151):
“Na época de meu pai, tinha caixa, pandeiros, viola e violão. Eles usavam uma
varinha com fita na ponta, capacete arredondado com fitas coloridas. Usavam
calça branca e camisa azul de um lado do cortejo, e do outro, calça branca e
camisa vermelha.” (Capitã Fia, em entrevista realizada na sua residência, em
14/09/2017)
242
Figura 6.151 – Parte dos instrumentos e adereços usados pelo capitão Adelino, do Bloco de Marujos,
sob a guarda da família: dois pandeiros, uma caixa, uma viola, um violão, a espada e duas varinhas.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
A respeito das dificuldades e da falta de apoio para reativar o Bloco de Marujos, a capitã Fia listou vários
obstáculos, dentre os quais a falta de interesse dos jovens em integrar o grupo, para suprir a ausência
dos integrantes que faleceram, e a falta de apoio financeiro do Poder Público local. Segundo a capitã,
para reativar o bloco e levá–lo para a rua, são necessários, no mínimo, uns 20 dançadores.
6.8.2 OFÍCIO DE QUINTANDEIRAS
Neusa Maria de Oliveira Mota, 58 anos
Maria da Conceição Albuquerque Melo, 65 anos
Maria das Graças Silva, 56 anos
Neli da silva Marques, 60 anos
243
São Brás do Suaçuí foi um dos municípios cujas informações sobre as políticas de preservação da cultura
imaterial, em nível local, criaram expectativas positivas na equipe de pesquisa. Conforme consta no
tópico metodologia deste RAIPI, a primeira estratégia de sondagem sobre cada município ocorreu ainda
em gabinete, com a realização de pesquisa nos sites das Prefeituras.
Com base nesse tipo de busca, percebeu–se que, em São Brás do Suaçuí, havia alguns bens culturais
protegidos pelo Poder Público local, como as quitandeiras, o modo de fazer do fumo e o Bloco de
Marujos Nossa Senhora do Rosário, bem como a Festa de Nossa Senhora do Rosário (Prefeitura
Municipal de São Brás do Suaçuí). No entanto, durante o contato com o Secretário Municipal de Cultura,
Esporte, Lazer e Turismo, Marcos Antônio da Costa, foi constado que não existem, de fato, ações, por
parte do Poder Público local, que garantam a preservação de tais bens.
Segundo ele, que assumiu a Secretaria no início do ano de 2017, as referidas ações foram
implementadas pela equipe que compunha a gestão passada, e que não tinha conhecimento sobre o
assunto. Portanto, é bem possível que os bens tenham sido reconhecidos, e haja, realmente, uma
política de salvaguarda que garanta sua continuidade. Apesar disso, o secretário indicou os contatos de
quitandeiras locais e da filha do ex–capitão de congada do município, a senhora Fátima, que reside no
bairro Nossa Senhora do Rosário. O Bloco de Marujos Nossa Senhora do Rosário, apesar de ser um bem
cultural inventariado em nível local, consequentemente protegido, após o falecimento do presidente do
grupo Adelino Camilo, em 2014, encontra–se praticamente desativado.
A primeira quitandeira a ser entrevistada na cidade foi Neusa Maria de Oliveira Mota, casada, natural de
São Brás do Suaçuí, e de uma família de oito irmãos (Figura 6.152). Ela aprendeu a fazer quitanda ainda
jovem, com sua mãe, que era doceira e quitandeira. Conforme afirmou, as merendas não eram apenas
destinadas ao consumo da família, boa parte dela era vendida na feira livre de Congonhas.
A produção acontecia diariamente e envolvia toda a família no ofício, principalmente as mulheres. Sua
mãe também fazia doce de figo, doce de leite, doce de limão e cidra. “Ela conseguia tirar toda a acidez
dos doces de laranja e limão como ninguém”, ressaltou Neusa.
Mesmo que o comum fosse a produção de doces caseiros, também se constumava fazer quitanda.
Porém, embora saiba fazer doces, cujo aprendizado obteve de sua mãe, hoje, seu foco são as quitandas
“Eu também sei fazer doces, mas minha especialidade são as merendas”, destacou a quitandeira Neuza.
dentre as merendas que aprendeu com sua mãe, durante a infância, destaca o rocambole de doce de
leite, iguaria que reúne os saberes dos ofícios de doceira e quitandeira.
244
Figura 6.152 – Quitandeira Neuza durante a entrevista que concedeu à equipe de pesquisa.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Embora o aprendizado das quitandas tenha ocorrido na fase de criança, a quitandeira só passou a
realizar o ofício de quitandeira após se casar:
“Logo que casei, comecei a fazer algumas quitandas para consumo, e colocava
minha filha mais velha para vender nas portas. Era época que a gente estava
construindo a casa, e passei a fazer merendas para vender. Nessa época, eu
tinha um forno a lenha.” (Neuza, em entrevista realizada em 13/09/2017)
O caso de Neuza e de várias outras mulheres que realizam o ofício de quitandeira está diretamente
relacionado à complementação da fonte de renda, consequentemente, à independência financeira da
maioria delas.
A quitandeira Neuza possui uma trajetória que inclui, como compradores de suas quitandas, a Prefeitura
Municipal de São Brás do Suaçuí e a empresa mineradora Companhia Siderúrgica Nacional (CSN):
“No início, fui procurada pela Prefeitura para servir lanches quando tinha
reuniões aqui, em São Brás. Eu montava lanches, mesas de café, que tinham
quitandas, para os funcionários da empresa CSN. Cheguei a ter firma que depois
fechei, e também tinha dificuldades de entregar, pois não sei dirigir. Depois,
uma padaria de Entre Rios passou a oferecer preços mais baixos, e não tive
como concorrer, pois meus produtos são artesanais e diferenciados.” (Neuza,
em entrevista realizada em 13/09/2017)
É interessante pontuar duas questões na fala da quitandeira Neuza: a necessidade de apoio para
formalização do negócio e a concorrência com as padarias.
245
A respeito de algumas transformações que ocorreram no ofício de quitandeira do município, Neuza
ressalta a introdução do uso do fogão a gás. Apesar de reconhecer a praticidade do equipamento, as
quitandas assadas no forno a lenha ficam com gosto diferenciado, isto é, mais saborosas. Além disso,
reforçou também as procedências e o uso de alguns insumos usados na produção de quitandas: o fubá
feito em moinho de pedra, o leite e os ovos que vêm da zona rural:
“Hoje, só uso forno a gás, mas a quitanda fica muito diferente da feita no forno a
lenha, principalmente o biscoito e a rosquinha. Hoje, quando as pessoas me
procuram, eu indico quem tem o forno a lenha, a Maria da Graças [Gracinha],
Carmen, a Ção. Hoje, Carmem está muito idosa e doente. Seu cubu é o mais
famoso da região; passou até no programa de TV Terra de Minas. Ela já ganhou
prêmio no Festival de Quitanda de Congonhas, com a receita do cubu.” (Neuza,
em entrevista realizada em 13/09/2017).
A quitandeira Neuza integra o grupo de mulheres do bairro dos Alecrins que se reúnem e produzem
quitandas para expor no Festival de Quitandas de Congonhas, que acontece durante o mês de maio.
Além disso, já expuseram em feiras de artesanato, como o evento Expo Minas, que acontece em Belo
Horizonte:
“Quando fomos para a Expo Minas, nos reunimos para fazer as quitandas aqui
em casa, pois eu tenho o forno e um cômodo para fazer e armazenar. Foi muita
quantidade e por isso ficou mais fácil aqui. Já para o festival de Congonhas, cada
uma faz em sua casa, e o carro da Prefeitura leva pra gente.” (Neuza, em
entrevista realizada em 13/09/2017).
Acrescentou também que elas costumavam contar com a colaboração da Prefeitura Municipal, que
fornecia os transportes. Apesar de ter indicado a quitandeira Carmen, sua vizinha, como a mais famosa,
não foi possível estabelecer contato com ela. Na ocasião da pesquisa de campo, Carmen estava em
Congonhas, acompanhando a irmã em tratamento de saúde.
Apesar de ter participado do Festival de Quitandas de Congonhas há cerca de 16 anos, a quitandeira
Neuza não sabia que o ofício de quitandeira está em processo de reconhecimento, e muito menos que o
município de São Brás do Suaçuí é uma das localidades que integraram a anuência do pedido. No
entanto, reforçou sobre a importância do evento de quitanda promovido pela cidade vizinha:
“As quitandeiras daqui vão todos os anos. A gente chega lá em torno das 8 h
para montar o estande, e nosso cubu faz tanto sucesso que 1 h da tarde já não
tem mais. O pessoal do grupo de quitandeiras de Congonhas sempre nos avisa
antes do festival para confirmar nossa presença.” (Neuza, em entrevista
realizada em 13/09/2017).
Em relação ao festival, Neuza faz uma crítica, que segue a mesma opinião externada anteriormente,
com a qual não concorda. Ela insiste na necessidade de diferenciar as quitandas feitas artesanalmente
daquelas que são produzidas em padarias, em escala industrial: “No festival, tem quitandas
industrializadas, que acho desonesto concorrer com a gente. Nossas quitandas têm uma validade
246
menor, eu coloco em torno de oito dias. Mesmo assim, eu participo do Festival desde a primeira
edição.” (Neuza, em entrevista realizada em 13/09/2017).
Apesar de ser atuante no ofício de quitandeira, Neuza afirmou que não tem repassado seus
conhecimentos para outras pessoas, a exemplo das duas filhas, nem possui um caderno com o registro
de suas receitas. O modo de fazer de suas quitandas ela sabe decorado.
A quitandeira Maria da Conceição Albuquerque Melo, conhecida como Ção, e que integra o grupo de
mulheres que se reúnem na casa de Neuza, é natural de São Brás do Suaçuí, cozinheira numa pousada
da cidade, onde é responsável por preparar as quitandas servidas no café da manhã dos hóspedes
(Figura 6.153). Morou no sítio até os 20 anos, quando se casou e passou a viver na zona urbana.
Figura 6.153 – Quitandeira Ção durante a entrevista que concedeu à equipe de pesquisa.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Conta que sua mãe já trabalhava com quitandas para o consumo de casa, e que aprendeu a fazer
quitandas ainda quando era criança. As quitandas mais comuns nessa época eram rosca, bolo e biscoito
de polvilho e rosquinhas. A mãe de Ção não costumava vender quitanda; o máximo que fazia era
presentear os vizinhos e filhos casados. Os insumos usados na preparação das merendas eram todos
produzidos pela família: ovos, manteiga, fubá, polvilho, nata e banha de porco. “Na cidade, só eram
comprados o açúcar e o fermento”, ressaltou a quitandeira. O forno de cupim à lenha era usado para
assar as quitandas.
Assim com a quitandeira Neuza, Ção só passou a fazer quitanda, tanto para o consumo da família como
para comercializar, após casar–se. Tratou logo de solicitar ao marido que fizesse um forno a lenha no
quintal (Figura 6.154):
“Fiz meu forninho em casa apenas para fazer quitandas para consumo, e de
repente começaram a aparecer algumas encomendas. Hoje, para dar conta das
encomendas, começo a fazer na terça. Faço quitanda de terça a sábado.” (Ção,
em entrevista realizada em 14/09/2017)
247
Figura 6.154 – Forno de varrer de assar merenda, de propriedade da quitandeira Ção.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Pela quantidade de dias da semana em que Ção se dedica à produção artesanal de quitandas, não é
difícil prever que parte do sustento da família advém do ofício de quitandeira, que aprendeu quando
ainda era criança. É mais uma a quem o ofício propicia parte da independência financeira:
“A quitanda me dá o meu sustento, pois só tenho o dinheiro delas e do meu
trabalho de cozinheira. Não recebo nenhum tipo de aposentadoria ou
benefício. Trabalho na pousada Vila Lara, e toda a quitanda produzida lá sou
eu que faço. Lá, só tem forno a gás.” (Ção, em entrevista realizada em
14/09/2017)
Além de produzir quitanda na pousada onde trabalha, Ção faz entrega de quitanda numa mercearia da
cidade. Conta que as merendas que mais costuma fazer são rosquinhas de nata, bolos e biscoito de
polvilho. E que, durante as festas de fim de ano, sua produção aumenta. Para Ção, o principal diferencial
de suas quitandas é o forno de varrer que usa para assá–las:
“Tenho um forno elétrico, mas utilizo apenas para fazer pão de queijo, e muito
pouco. Tenho este forno a lenha há mais de 20 anos. Para utilizar ele, prefiro
fazer um tipo de quitanda só por vez. Por exemplo, um dia eu tiro para fazer,
noutro, faço biscoito de polvilho. Assim eu não misturo.” (Ção, em entrevista
realizada em 14/09/2017)
Segundo a quitandeira, a principal vantagem do uso do forno a lenha é que a quitanda cresce rápido e
fica mais fofa. Quanto à procedência da lenha usada na produção de quitandas, Ção disse que é
comprada de produtores rurais do próprio município. Pelo que se observou, o tipo de madeira usada é
bambu seco. Na ocasião da entrevista, havia alguns feixes de lenha empilhados no quintal da residência
da quitandeira.
248
Embora afirme que suas filhas não têm interesse em aprender a fazer quitanda, Ção mantém alguns
cadernos com as receitas de suas quitandas: “Talvez, um dia, elas possam se interessar, e já estão
anotadas”, ressaltou. No entanto, as principais receitas que usa no dia a dia já estão decoradas. Só
costuma revisitar suas receitas quando vai fazer algo diferente: “A maioria das minhas receitas está na
minha cabeça, mas tenho um caderninho que anoto umas coisas.”, declarou Ção em entrevista realizada
em 14/09/2017 (Figura 6.155).
Figura 6.155 – Quitandeira Ção e seus cadernos de receitas.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
A respeito do Festival de Quitanda de Congonhas, destacou que participa dele há vários anos, e que a
parceria com as outras quitandeiras é importante para diminuírem as despesas. Assim como Neuza, Ção
não sabia que o Ofício de Quitandeira de Minas Gerais está em processo de reconhecimento, e muito
menos que o município de São Brás do Suaçuí é uma das localidades que integraram a anuência do
pedido. Além disso, queixou–se de que as pessoas da cidade não valorizam as quitandas nem o ofício de
quitandeira. Dessa forma, para ela, as pessoas de fora da localidade é que dão valor aos produtos que
elas fazem; o exemplo é que suas quitandas são levadas para o Rio de Janeiro e São Paulo.
A outra integrante do grupo, Maria das Graças, conhecida como Gracinha, é natural do povoado de
Ponte de Pedra, distrito de São Brás do Suaçuí, onde viveu até 11 anos de idade. Divorciada e mãe de
quatro filhos, a entrevistada acumula algumas funções: quitandeira, doméstica, cozinheira e serviços
gerais.
De uma família de 14 irmãos, contou Gracinha que o aprendizado do ofício de quitandeira ocorreu
quando ainda ela era criança. O interessante é que, além de aprender a fazer quitanda com sua mãe,
Gracinha e seus 14 irmãos também aprenderam a construir o forno de cupim, usando o cupinzeiro:
249
“Aprendi a fazer quitandas com minha mãe, no forno de cupim. A gente
pegava o cupim lá do mato. A gente cortava o cupinzeiro em várias partes e
montava no terreiro. Os cupins acabavam fazendo o acabamento por dentro.
No sítio, minha mãe chamava Nelina; fazia quitanda apenas para consumo da
família. Nas épocas de capina, que tinha mais gente ajudando na roça, ela fazia
mais quantidade. Fazia bolo, rosquinha, broinha de amendoim, cubu, arroz–
doce, canjica. Meu pai fazia melado e rapadura; tudo isso era aproveitado.”
(Gracinha, em entrevista realizada na sua residência, em 14/09/2017 – Figura
6.156)
Figura 6.156 – Cupinzeiro que era adaptado como forno de assar quitanda, conforme explicou a
quitandeira Gracinha.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Havia, de fato, o envolvimento de toda a família na produção das quitandas, inclusive do pai, o que não
é comum nas trajetórias de vida de outras quitandeiras. O mais comum de acontecer, com algumas
exceções, é que o ofício de quitandeira seja uma prática especificamente realizada por mulheres.
Percebe–se que alguns elementos, conforme aparecem no discurso de Gracinha, podem ser
interessantes para analisar transformações ocorridas no ofício de quitandeira, nos contextos rural e
urbano. Talvez o elemento mais evidente seja o tipo de forno usado para assar as merendas. É claro
que, nesse caso, não pode haver fronteiras rígidas, já que se observaram algumas quitandeiras da zona
rural que também usavam o forno a gás ou a energia no processo:
“No sítio, era forno de cupim, e quando vim para a cidade, continuei com forno
de cupim; só depois fiz um de tijolos. Cheguei a ter um forno a gás, mas não
gostei, abandonei e voltei para a lenha. Se não tiver lenha, prefiro não fazer a
quitanda,” (Gracinha, em entrevista realizada na sua residência, em
14/09/2017)
250
Sua fala permite acompanhar, no mínimo, a presença de três etapas de transformações em torno do
equipamento forno: o forno de cupim, que utiliza o cupinzeiro, o forno de varrer, que é a versão mais
comum encontrada, e o forno a gás. São transformações que seguiram a própria dinâmica da cultura
local, mas que ainda mantêm o modo do ofício de fazer artesanal.
Assim como Ção, a quitandeira Gracinha concilia as atividades de doméstica, trabalhando em casa de
família, com o ofício de quitandeira. Às vezes, chega a trabalhar até as 11 h da noite, para atender às
demandas de encomendas de quitandas, como disse. Quando as encomendas são grandes, Gracinha
conta com a ajuda de suas três filhas, que aprenderam o ofício com ela. Porém, no dia a dia, costuma
trabalhar sozinha, sem a ajuda de outras pessoas. Parte de sua produção tem destino certo: Belo
Horizonte.
Ao se tratar de ofícios, a abertura para compreendê–los é a ideia de processos. Geralmente, as pessoas
envolvidas com o ofício de quitandeira, mesmo que não atuem em todas as etapas, conhecem–nas. A
afirmação de Gracinha “eu tenho 38 anos de forno” permite pensar que a quitandeira não é apenas
amassadeira, uma fase do processo; ela é, também, forneira.
Mais uma vez, observa–se que o ofício de quitandeira, além de ser uma prática cultural arraigada aos
costumes das comunidades pesquisadas, é uma potencial fonte de renda, principalmente para as
mulheres:
“Trabalho porque preciso e porque tenho muito prazer em fazer. Minha casa
foi feita com dinheiro de quitandas vendidas em Congonhas. Eu sou bem
conhecida lá – as pessoas me procuram.” (Gracinha, em entrevista realizada na
sua residência, em 14/09/2017)
A quitandeira, embora tenha ressaltado o apoio do Poder Público local ao ofício como uma ação
positiva, fez referência à gestão administrativa municipal passada, que deixou a Prefeitura em 2016.
Talvez as ações de fomentos, apresentadas através da participação das quitandeiras em eventos,
possam ter alguma relação com a política de salvaguarda institucional local adotada após o processo de
reconhecimento do ofício de quitandeira, já que Gracinha mencionou sua contribuição no estudo que
subsidiou o registro:
“Na época que Moisés Matias Pereira foi secretário de Cultura, ajudou muito a
gente. Ficamos 10 dias em Belo Horizonte, no festival de quitandas, e arrumou
tudo pra gente lá. Na época do registro, a gente foi entrevistada. A Prefeitura
continua nos ajudando, só não nos leva para lugares distantes. Eu vou para o
Festival de Congonhas todos os anos.” (Gracinha, em entrevista realizada na
sua residência, em 14/09/2017)
No entanto, não foi possível obter material algum no órgão de Cultura local, que pudesse comprovar
haver ações de salvaguarda após o reconhecimento da prática. Aliás, como já foi dito anteriormente, no
início desse tópico, não foi possível ter acesso ao material de pesquisa que embasou o reconhecimento
do ofício de quitandeira, simplesmente porque não existe memória arquivista que comprove.
251
O último contato realizado no município foi Neli da Silva Marques, solteira, sem filhos e cantineira de
escola. É natural da comunidade rural José Ribeiro, localizada no município de São Brás do Suaçuí, mas
veio morar na cidade quando tinha apenas 4 anos de idade. É de uma família de nove irmãos.
Atualmente, Neli mora com o pai.
Neli, além de quitandeira, é doceira, mas os letreiros afixados na parede da faixada de sua residência
enfatizam apenas suas habilidades com a doçaria. A respeito de como tudo começou, ela disse o
seguinte:
“Minha mãe fazia doces para a casa. Eu sempre via ela fazendo, e logo após
sua morte, eu comecei a fazer. Não aprendi muita coisa com ela porque tinha
que estudar, e aqui não tinha escola. Eu também sou quitandeira. Faço
biscoito, de amendoim, misturado, biscoito soberbo, rosquinha. Biscoito quase
toda semana, eu tenho encomenda. O doce de figo é mais na época do Natal,
mas os outros doces não têm uma época certa. O pessoal que se hospeda na
pousada Vila Lara vem aqui comprar meus doces e leva para as famílias.” (Neli,
em entrevista realizada em 14/09/2017)
O foco de Neli é a produção de doces, mas ela se denomina, também, quitandeira. Observou–se uma
grande quantidade de doces de leite e figos estocados na geladeira, prontos para serem vendidos. “Eu
comecei a fazer doces pra fora; as pessoas começaram a gostar e encomendar. O figo, eu compro o ano
todo, e faço pra estocar para o Natal. Faço doces de figo, de limão, de laranja, leite e coco picado.”,
declarou Neli, em entrevista realizada em 14/09/2017 (Figuras 6.157 e 6.158).
Figura 6.157 – Placa com os dizeres: “Vende–se doces de figo, laranja e limão”, afixada na fachada
principal da residência da doceira e quitandeira Neli.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
252
Figura 6.158 – Potes de doces de laranja, limão e figo estocados na geladeira, para comercialização.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
As vendas de quitandas e doces também ajudam na complementação da renda da família. “Meus doces
saem até para outras cidades. Dá uma rendazinha, mas faço mais por prazer”, ressaltou a doceira.
Questionada sobre as dificuldades enfrentadas para realizar o ofício, ela destacou o impacto que a
construção da nova rodovia causou na dinâmica da cidade. Antigamente, a estrada que liga a região à
capital Belo Horizonte cortava a cidade, permitindo que muitas pessoas sobrevivessem da venda dos
produtos artesanais que vendiam às margens da estrada.
Segundo Neli, a cidade acabou depois que o traçado da principal via de acesso foi desviado para as
margens do perímetro urbano. O comércio enfraqueceu, já que o trânsito de carros e a circulação de
pessoas foram desviados, ressaltou. Tal mudança pode contribuir para a descontinuidade de sua prática,
já que as vendas dos doces e as quitandas são fatores que contribuem para a permanência do ofício de
doceira e quitandeira, do qual Neli é detentora dos conhecimentos.
253
6.8.3 MAPA DOS BENS CULTURAIS DE SÃO BRÁS DE SUAÇUÍ
255
6.9 JECEABA
Segundo os gestores públicos entrevistados, a Prefeitura elaborou um Plano de Inventário de Proteção
do Acervo Cultural, em 2014, com indicações de bens patrimoniais a serem inventariados pelo
município. Um deles é a Estação Ferroviária, que se encontra na sede do município; outro, é a Igreja
Santa Isabel.
Por sua vez, o município possui, como principal patrimônio natural, a Serra do Gambá, que se destaca na
paisagem da cidade, pelos seus 1.274 m de altitude e pelo verde de suas matas. Essa serra é formada
por rochas do tipo formações ferríferas, além de quartzitos e vulcânicas. Preserva, entre outras, uma
volumosa nascente que, durante décadas, abasteceu a cidade de Entre Rios de Minas. O Monumento
Natural Estadual Serra do Gambá foi tombado, em 2013, como Patrimônio Paisagístico pelo IEPHA–MG.
Em nível de tombamento e preservação do Patrimônio Cultural, Histórico e Paisagístico, a cidade possui
o Conselho Municipal de Patrimônio Artístico e Cultural, instituído pela Lei nº 980, de 20 de março de
2002. A Lei nº 1.222, de 12 de junho de 2015, estabelece a política de proteção do Patrimônio Cultural
do Município (como mencionado anteriormente).
6.9.1 CAPOEIRA E OFÍCIO DE MESTRES DE CAPOEIRA – GRUPO DE CAPOEIRA CENTRO CULTURAL AXÉ MINEIRO
CAPOEIRA
Monitor Gigante – Aicam Giovane Santos Dantas, 22 anos
Aicam Dantas é natural de Açailândia, no Estado do Maranhão. Começou a prática da capoeira em 2005,
na cidade de Belo Horizonte (MG), na Fundação Internacional Capoeira Artes das Gerais (FICAG), com o
Mestre Museu. Mudou–se para a cidade de Arcos, em Minas Gerais, em 2009; teve aulas com o
contramestre Guel, do Centro Cultural Axé Mineiro, obtendo a graduação de Monitor de Capoeira
(Figura 6.159).
Figura 6.159 – Monitor Gigante tocando atabaque durante uma Roda de Capoeira na praça, no Centro
de Jeceaba.
Fonte: Facebook:
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=1594882230540627&set=a.460381400657388.120933.100
000565977069&type=3&theater, 2017
257
Quando se mudou para a cidade de Jeceaba, em 2010, abriu uma filial do grupo Centro Cultural Axé
Mineiro, em Jeceaba, onde começou a dar aulas nas escolas e praças como voluntário. Atualmente,
coordena um projeto patrocinado pela Secretaria Municipal de Educação, que ensina capoeira para 30
crianças e jovens no Ginásio Poliespotivo Caetano Machado (Figura 6.160).
Figura 6.160 – Monitor Gigante durante as rodas de capoeira, na praça de Jeceaba.
Fonte:
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=2042990765729769&set=a.460381400657388.120933.100
000565977069&type=3&theater, 2017
Para o Monitor Gigante, a capoeira é mais que uma luta, um jogo: é filosofia. E é com esse pensamento,
que conduz e difunde a arte da capoeiragem na cidade. Para ele, o objeto principal do projeto que
coordena é formar cidadãos comprometidos com a sua cultura: “A minha filosofia é formar bom
capoeirista e bom cidadão, e ser bom na escola e na família. À medida que aumenta a graduação do
aluno, mais ele é cobrado”, declarou ele em entrevista realizada na Secretaria de Cultura de Jeceaba, em
12/09/2017 (Figura 6.161).
Figura 6.161 – Identidade visual do grupo Centro Cultural Axé Mineiro Capoeira, de Jeceaba.
Fonte:
https://www.facebook.com/134840960315468/photos/a.134841680315396.1073741826.13484096031
5468/134841683648729/?type=1&theater, 2017.
258
Como foi dito anteriormente, a Roda de Capoeira vai muito além dos movimentos –– é um espaço de
trocas de saberes e manutenção da tradição da cultura brasileira:
“A gente inicia o aluno não como nas artes marciais, que visa apenas aos
movimentos corporais e à luta. À medida que ele vai subindo de graduação,
aumenta também sua disciplina.” (Monitor Gigante, em entrevista realizada na
Secretaria de Cultura de Jeceaba, em 12/09/2017).
Uma atividade básica que desde o início o aluno aprende é confeccionar seu próprio instrumento, o
berimbau. Para isso, o instrutor Gigante realiza oficinas de berimbaus: “O berimbau, a gente mesmo faz.
A madeira para confeccionar a verga, meu mestre consegue, e as cabaças, a gente planta”, enfatizou o
monitor de capoeira (Figura 6.162).
Figura 6.162 – Cabaças utilizadas durante a confecção de berimbaus, que são estocadas na residência do
monitor de capoeira Gigante.
Fonte: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=1451184071577111&set=pb.100000565977069.‐
2207520000.1524246787.&type=3&theater, 2017.
Além disso, ao final de cada ano, promove–se cerimônia de graduação de troca de cordas entre seus
alunos, com a presença do contramestre Guel. Percebeu–se, durante as pesquisas com os outros
capoeiristas, e com o Monitor Gigante não foi diferente, que o termo usado para se referir às trocas de
cordas varia de grupo para grupo. Uns preferem chamar graduação; outros, batizados. O monitor segue
o termo graduação, que é o mais comum no grupo a que é filiado: “Meu grupo não usa o nome batizado
para não misturar com questões de espiritualidade. Nós chamamos de “eventos de troca de cordas”,
ressaltou.
Em relação às dificuldades enfrentadas na continuidade da prática no município, o monitor destaca,
como questão, o abadá, uniforme usado durante os treinos, que não são fornecidos pela Prefeitura;
cada aluno compra o seu. Isso, porém, não se caracteriza como um fator que impeça o aluno de praticar
a capoeira; basta que esteja usando calças brancas com elástico na cintura. Conta que o Poder Público
municipal apenas disponibiliza o local dos treinos, que é o ginásio, e sua remuneração para ministrar as
259
aulas. Disse também que a prática é bem aceita na cidade e que, quando acontecem as apresentações
do grupo na praça, a comunidade costuma prestigiar.
Já no que diz respeito ao reconhecimento do Ofício de Mestres de Capoeira e a Roda de Capoeira como
Patrimônio Cultural Imaterial pelo IPHAN e pela UNESCO, o monitor teceu algumas críticas. Falou que,
apesar de ajudar na valorização da prática, muitas ações ainda precisam ser feitas para tirar da
marginalidade a arte da capoeira.
6.9.2 OFÍCIO DE QUITANDEIRAS
Maria das Graças Dias, 64 anos
Ana Maria Ribeiro, 54 anos
Maria Isabel Rocha, 53 anos
Leila Silva Marques Teodoro, 35 anos
Assim como Entre Rios de Minas e São Brás do Suaçuí, Jeceaba foi o outro município vizinho que,
juntamente com o grupo de quitandeiras e a Secretaria de Cultura de Congonhas, enviou a anuência ao
IPHAN, solicitando o Pedido de Registro do Ofício de Quitandeira em Minas Gerais. No entanto, apenas
a quitandeira Maria das Graças, de Jeceaba, e as quitandeiras de Congonhas sabiam da existência do
andamento dessa ação (Figura 6.163). O mais curioso é que os agentes públicos da maioria desses
municípios não tinham conhecimento sobre o assunto, o que demonstra não terem sido realizadas
ações de mobilização suficientes que envolvessem as quitandeiras no processo.
Maria das Graças foi a única quitandeira dos municípios mencionados acima, com os quais a equipe de
pesquisa manteve contato, que participou da reunião realizada em maio de 2017, em Congonhas (MG),
com a presença da Superintendente do IPHAN–MG, Célia Corcino. “Eu fui como convidada, mas quem
representou o município de Jeceaba foi a funcionária da Prefeitura que está à frente do festival de
gastronomia", ressaltou a quitandeira Maria das Graças.
Figura 6.163 – Quitandeira Maria das Graças.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017
260
A quitandeira Maria das Graças é natural de Jeceaba, casada e ex–vereadora. Segundo afirmou, já
exerceu vários cargos (público e privado), porém o que mais a satisfaz é cozinhar, função que exerce
atualmente após ter se aposentado.
Das memórias que a quitandeira Graças tem do passado, as que ela lembra com mais vivacidade estão
relacionadas com as quitandas que sua mãe fazia quando a família morava na zona rural:
“Nos tempos de criança, quando morei na roça, tinha muita fartura leite,
ovos, manteiga e frutas. As frutas eram utilizadas para fazer doces. Com
o leite, fazia queijo, nata e manteiga. Não tinha dinheiro, mas havia
muita fartura. Minha mãe tirava o dia de sábado para fazer as quitandas
para o consumo da família. Eram rosca da rainha, rosquinhas de nata,
biscoito misturado, biscoito de polvilho. Fazia para muitos dias e
estocava nas latas.” (Graças, em entrevista realizada na sua residência,
em 12/09/2017).
Nessa época, a quitandeira Graças e suas duas irmãs, além de observarem a mãe no preparo das
quitandas, também enrolavam as rosquinhas e as colocavam nos tabuleiros para assar no forno de
varrer. O processo de assar era conduzido pela sua mãe, que também era forneira, isto é, tinha o
conhecimento de preparar o forno para receber as massas.
Quando casou, mesmo trabalhando fora de casa, nos fins de semana, sempre fazia algum tipo de
quitanda para as merendas e para oferecer às visitas. No entanto, foi somente quando se aposentou, na
década de 90, em Belo Horizonte, que aprimorou sua vocação para a cozinha. “Aproveitei meu tempo
livre por lá, para fazer vários cursos de culinária. Também conheci quitandeiras nesses cursos que me
ensinaram muitas coisas”, disse a quitandeira Graças.
Em meados da década de 2000, ela retornou para Jeceaba. Foi quando decidiu fazer quitandas, sob
encomenda, para comercializar em casa. Além de merendas, também fazia bolos de casamento e
aniversário, mas não deu muito certo. De modo que só continuou produzindo as quitandas:
“Eu faço várias merendas. As encomendas de rosca que tenho são de
fora. Em Congonha, tem um rapaz que compra aqui de 60 a 80 roscas
por semana, e vende pelo dobro do preço. Aqui, vendo a rosca a 8 reais,
mas, para ele, faço a 6 reais. Fazer rosca é muito trabalhoso pelo tempo
que tem de esperar para a massa crescer.” (Graças, em entrevista
realizada na sua residência, em 12/09/2017).
Ao contrário de sua mãe, que usava o forno de varrer movido a lenha e fazia as quitandas praticamente
sozinha, a quitandeira Maria das Graças utiliza o forno a gás e conta com uma ajudante para sovar a
massa das roscas. Apesar de saber preparar outros tipos de quitandas com rosquinhas de nata e biscoito
de polvilho, sua especialidade é a rosca da rainha, um tipo de pão trançado. Além de fazer as roscas sob
encomendas, costuma expô–las na lanchonete de seu filho (Figura 6.164).
261
Figura 6.164 – A quitandeira Graças servindo rosca da rainha como café à equipe de pesquisa.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Quanto aos ingredientes, apesar de ter preferência pelo uso de insumos de origem da “roça”, como leite
cru e ovos caipiras, nem sempre é possível adquiri–los com facilidade. Por isso, costuma usar uma
mistura de ovos caipiras e ovos de granja em suas receitas, como estratégia para não encarecer o valor
das quitandas para seus clientes.
Segundo a quitandeira Graças, em Jeceaba já teve muitas mestras quitandeiras, mas foram morrendo, e
não houve interesse, por parte das famílias, em dar continuidade à prática. Mesmo assim, percebe que
ainda há um número razoável de mulheres que ainda se dedicam ao ofício de quitandeira.
A informante seguinte que a equipe de pesquisa localizou no município foi Ana Maria, que reside no
distrito de Buriti, distante 15 km do distrito–sede. A quitandeira é natural e residente da localidade e
vem de uma família de oito irmãos. Dentre as quitandeiras contatadas, é a única que sobrevive
exclusivamente do ofício de quitandeira. Trabalha todos os dias na produção de merendas para atender
aos pedidos de encomendas. Seus produtos têm como destino abastecer os mercados de Jeceaba,
Congonhas e até a capital Belo Horizonte.
Segundo ela, as vendas tendem a aumentar em época de festas e feriados, quando vêm pessoas de fora
para visitar parentes em Jaceaba, e compram quitandas para levar aos seus locais de origem. A principal
festa do distrito acontece no mês de setembro e homenageia os dois padroeiros, Nossa Senhora das
Dores e São Sebastião.
As celebrações acontecem na Igreja de Nossa Senhora das Dores (Figura 6.165) e são compostas por
ritos religiosos, como missas, novenas e procissões. Nos sete dias de festa, o distrito recebe visitantes
262
ausentes e fiéis devotos dos municípios vizinhos. Durante a visita da equipe de pesquisa ao distrito, no
dia 12 de setembro de 2017, foi possível observar alguns sinais festivos pela decoração em torno da
igreja. Além do mastro da padroeira fincado em frente à igreja, viam–se bandeirolas, que enfeitavam
toda a área de entorno.
Figura 6.165 – Igreja de Nossa Senhora das Dores enfeitada para a celebração da festa da padroeira.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Questionada sobre como aprendeu a fazer quitanda, Ana Maria foi direta ao afirmar que não aprendeu
com a mãe, como foi o caso da maioria das quitandeiras entrevistadas: “Minha mãe não fazia quitandas.
Eu tive interesse em aprender e fui fazer. Minha família não fazia quitanda nem para o consumo de
casa”, afirmou ela. Reforçou ainda que não existe segredo em fazer quitandas, e que qualquer dona de
casa que cozinha, e que se interesse em fazer quitandas para servir para a família, consegue aprender,
pois foi assim que começou:
“Fui testando uma receita aqui, outra ali. Pegando umas dicas com as vizinhas.
Foi quando resolvi fazer um forno de varrer para assar as quitandas. No início,
era apenas para consumo próprio; depois os vizinhos começaram a pedir para
fazer, e assim foi.” (Ana Maria, em entrevista na sua residência, em 12/09/2017)
Há mais de 10 anos, Ana Maria sobrevive da comercialização de quitandas, sem depender de ajudante
para realizar o ofício. A quitandeira conduz sozinha todo o processo produtivo que engloba o ofício,
desde a mistura dos ingredientes, o amassar, enrolar e fornear, ou seja, comanda o forno. Para muitas
quitandeiras, essa atividade exige a presença de uma segunda pessoa, já que não requer experiência e
atenção. “No meu forno, eu sei a quantidade certa de lenha a utilizar para não precisa perder tempo
temperando o forno”, disse Ana Maria, em entrevista na sua residência, em 12/09/2017.
As quitandas mais comuns que a quitandeira costuma preparar para comerciar são: rosquinha, pão de
queijo, biscoito misturado, biscoito de polvilho, rosca, rosquinha de amoníaco. Conforme informação
repassada na entrevista, Ana Maria faz quitandas todos os dias da semana, produzindo um total de,
aproximadamente, 100 quitandas (Figura 6.166).
263
Figura 6.166 – A quitandeira Ana Maria expondo as rosquinhas de nata e pães de queijo que haviam
acabado de sair do forno.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
O processo de temperar o forno é saber testar a temperatura ideal para assar cada tipo de quitanda
(Figura 6.167). Algumas delas testam o calor do forno introduzindo galhos verdes. O ideal é que, ao
colocar os galhos, as folhas murchem. É esse o sinal para começar a assar as quitandas. Com a
experiência cotidiana, Ana já suprimiu essa fase, que usa como base a quantidade de lenha em cada
fornalha.
Figura 6.167 – Detalhes do forno de varrer da quitandeira Ana Maria: a lenha acomodada no interior do
forno e as latas de assar quitandas que a própria quitandeira faz.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
A lenha utilizada para assar as quitandas no forno de varrer é oriunda das plantações de eucalipto que
existem ao redor do distrito. Na verdade, Ana Maria recolhe os galhos de “refugo” que são deixados
depois da colheita da madeira (Figura 6.168). É uma despesa que, segundo ela, não tem no momento.
Ao observar a lenha empilhada em feixes no quintal, ao lado do forno, percebeu que cada um mantinha
a proporção e estavam separados e envolvidos por cordas, isto é, cada feixe é uma fornalha.
264
Figura 6.168 – Feixes de lenha fina separados por cordas, usados para alimentar o forno de varrer.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
De acordo com Ana Maria, a vantagem do forno de varrer, em relação a outros fornos convencionais
movidos a gás ou a energia, é que, no forno a lenha, as quitandas, além de assarem mais rapidamente,
deixa–as com um gosto diferenciado, ou seja, ficam mais saborosas. “Utilizo forno de varrer. No forno
de lenha, a quitanda assa mais rápido e fica mais macia. No forno a gás, como demora, as quitandas
ficam mais duras”, disse Ana Maria em entrevista na sua residência, em 12/09/2017. As latas, nome
dado aos tabuleiros utilizados para assar as quitandas, são confeccionadas pela própria quitandeira, a
partir de latas de tintas vazias.
A outra informante que também reside na zona rural de Jeceaba é Leila Silva Marques Teodoro. A
quitandeira é casada e reside na comunidade Cachoeirinha, subdistrito de Bituri, conforme Figura 6.169.
Figura 6.169 – Quitandeira Leila ao lado do forno de varrer que usa para assar suas quitandas.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
265
Além de quitandeira, Leila se denomina dona de casa, agricultora e empresária, já que mantém, na sua
propriedade, um pequeno comércio composto por pesqueiro e restaurante. É natural da comunidade
Pedra Negra, localizada no município vizinho de Entre Rios de Minas. Quando se casou, mudou–se, com
o marido, para o lugar onde reside atualmente.
A respeito do aprendizado do ofício de quitandeira, o caso de Leila não foge à regra: aprendeu com sua
mãe e sua avó. Afirmou que, quando criança, juntamente com as irmãs, ajudava sua mãe na preparação
das quitandas:
“E aprendi a fazer quitanda vendo minha mãe e minha vó fazendo, e eu fui
aprendendo coisas novas e ensinando minha mãe a fazer. Hoje ela ainda é viva e
mora em Ponta Negra, no município de Entre Rios. A maior lembrança que
tenho das quitandas na infância é ver mãe e vó fazendo as quitandas,
principalmente na época de Natal e nos casamentos. Elas iam para a casa das
noivas, e quando não dava conta, faziam em casa mesmo. Juntava os vizinhos e
até a meninada pra ajudar. Na verdade, era uma troca de favores entre amigos e
vizinhos, ninguém recebia dinheiro por esse trabalho.” (Leila, em entrevista
realizada na sua residência, em 12/09/2017)
As quitandas que comumente faz são: rosca, rosquinha, pão de queijo, broa, biscoito de polvilho e
quebra–quebra (Figura 6.170). Como ela mesma definiu, são comidas de roça, consumida no dia a dia.
Figura 6.170 – Biscoito de polvilho e rosca produzidos pela quitandeira.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
266
Apesar de ter forno a gás, a quitandeira gosta de usar o forno de varrer ou forno de tijolo (terminologia
usada pela entrevistada) para fazer as quitandas. Segundo ela, faz merendas de 15 em 15 dias, a maior
parte, para consumo interno, mas pode acontecer de fazer sob encomendas. Quanto aos tabuleiros
utilizados para assar as quitandas, ela mesma costuma confeccionar (Figura 6.171); para isso, usa latas
de óleo vazias ou de tinta. Na produção de quitanda, conta com a ajuda do filho mais velho:
“Hoje em dia, eu faço quitanda mais para consumo, pois não tenho tempo. Mas
se me procurarem, faço algumas sob encomenda. Faço quitandas uma vez na
semana, no máximo, a cada 15 dias.” (Leila, em entrevista realizada na sua
residência, em 12/09/2017).
Figura 6.171 – Detalhes de instrumentos e utensílios usados pela quitandeira Leila: forno de varrer (à
esquerda), forno a gás (à direita) e tabuleiros feitos de latas (abaixo).
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
“Quando o assunto é quitanda, a procedência dos ingredientes faz toda a diferença”, ressaltou a
quitandeira. Nesse sentido, ela fez questão de afirmar que a maior parte da matéria–prima usada na
produção de suas merendas é obtida no próprio sítio: o polvilho e o fubá que sua mãe faz, o leite cru,
nata, manteiga, queijo e ovos caipiras. Somente compra no mercado da cidade farinha, açúcar e
fermento. Além de quitandas, Leila faz doces caseiros de leite, pé de moleque, e compotas de frutas
produzidas no sítio. O ofício de doceira também é herança do aprendizado com a mãe.
267
A quitandeira não hesitou em mostrar o caderno cujas receitas foram manuscritas a partir do caderno
de receitas de sua avó, já falecida (Figura 6.172). “Tenho caderno de receitas que a primeira parte eu
copiei todo da minha avó”, ressaltou orgulha a quitandeira.
Figura 6.172 – A quitandeira Leila folheando o caderno com as receitas que copiou de sua avó Rita.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Maria Isabel Rocha, conhecida como Bel, é casada e reside na Fazenda André, distante
aproximadamente 2 km do Centro urbano de Jeceaba (Figura 6.173). Apesar de ser natural de Jeceaba,
residiu por 24 anos em Contagem e três, em Congonhas. Há 10 anos, voltou para o município de origem,
onde permanece até hoje.
Figura 6.173 – Quitandeira Bel durante a entrevista que concedeu à equipe de pesquisa.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
268
Segundo Bel, na infância era comum ver sua mãe fazendo as quitandas. Algumas vezes a ajudava, mas a
maior parte das vezes só observava. As quitandas eram direcionadas para abastecer a dispensa da
fazenda, que além de ter muitos trabalhadores também era visitada por parentes e compradores que
vinham comprar cachaça no alambique da família:
“Minha mãe fazia quitanda em forno de varrer, fazia muito biscoito. Minha mãe
fazia quitandas para consumo, minha casa era muito cheia, tinha que fazer
muita comida para a família e trabalhadores do alambique. Como tinha muito
leite e frutas, fazia doces para consumo e presentear os vizinhos e parentes.”
(Quitandeira Bel, em entrevista realizada na sua residência, em 13/09/2017)
Bel, além de fazer quitandas para o consumo da família, também as produz sob encomenda e entrega
nos mercados da cidade. Também participa do Festival Gastronômico da cidade, que está na segunda
edição. No mês de julho sempre venta, por isso, este ano, segundo informação do secretário de Cultura
Turismo, Esporte e Lazer do município, Willian Daniel Ribeiro, a previsão é que a terceira edição do
festival aconteça em dezembro:
“A respeito do motivo de fazer quitandas como complemento da renda, a
quitandeira afirmou que a ideia surgiu quando retornou a Jeceaba para cuidar
de sua mãe, que precisava de cuidados especiais. “Quando voltei pra cidade,
para cuidar de minha mãe doente, não consegui trabalho. Foi aí que me veio a
ideia de fazer salgados pra fora. Comecei a fazer quitandas e salgados e vender
de porta em porta (Quitandeira Bel, em entrevista realizada na sua residência,
em 13/09/2017)
A quitandeira informou que, além de ter exposto suas quitandas no Festival de Gastronomia local,
também já as expôs no Festival de Quitanda de Congonhas, que já está na 17ª edição, e reúne
quitandeiras da região. Para ela, não foi uma experiência proveitosa, pois não conseguiu vender suas
mercadorias –– situação contrária à que aconteceu no Festival de Jeceaba, onde conseguiu vender toda
a produção de quitanda:
“O festival de Congonhas não foi muito proveitoso, não compensou. Tem muitas
barracas e muita concorrência, e não consegui vender os produtos. Gastamos
com viagem e com as embalagens. As quitandeiras daqui não gostaram de
participar.” (Quitandeira Bel, em entrevista realizada na sua residência, em
13/09/2017)
Bel já usou forno de varrer, agora usa forno a lenha para assar suas quitandas. Ela construiu, na sua
cozinha, uma versão mais moderna desse forno (Figura 6.174). Continua a utilizar o forno a lenha.
Resolveu fazer, na cozinha, um forno de fogão que é dois em um, isto é, assa e cozinha ao mesmo
tempo. Segundo ela, economiza tempo e lenha, pois, enquanto faz a comida (almoço ou jantar), assa as
quitandas. Também mantém, na cozinha, um forno a gás tipo industrial.
269
Figura 6.174 – Detalhes dos tipos de fornos utilizados pela quitandeira Bel: forno de fogão a lenha e
forno industrial a gás.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
As quitandas que costuma fazer para vender são cubu de fubá de canjica, rosca da rainha, broa cremosa,
biscoito de fubá de canjica e biscoito de amoníaco (rosquinhas) e rocambole. O cubu foi redescoberto
por ela já que, há muito tempo, não era feito nem vendido na cidade. “Há muitos anos ninguém fazia
cubu por aqui. Tive a ideia de fazer, e vendo muito”, ressaltou Bel. O cubu é uma broa de fubá com
coalhada, queijo e erva–doce, que é assado enrolado em folha de bananeira. Além das quitandas, faz
alguns tipos de doces, como pé de moleque e cocada.
A quitandeira Bel resgatou algumas receitas tradicionais, como é o caso do cubu, mas mantém
atualizadas as novas receitas através da coleção de revistas e livros de receitas que coleciona (Figura
6.175). Também costuma copiar e trocar receitas novas com amigas e parentas.
Figura 6.175 – Quitandeira Bel mostrando seus cadernos e livros de receitas.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Segundo Bel, o principal diferencial das quitandas artesanais é que não se usam conservantes, o que
permite ser consumida ainda fresca. O forno a lenha é outro item que contribuiu para a qualidade das
quitandas. “Há diferença entre as quitandas feitas no forno a lenha e a gás. Minha receita de biscoito de
polvilho não funcionou em forno de fogão a lenha.”, declarou a quitandeira em entrevista realizada na
sua residência, em 13/09/2017.
270
Na produção de suas quitandas, costuma usar matéria–prima produzida no próprio sítio: leite cru,
mandioca usada para fazer o bolo e ovos caipiras. Os demais tipos de insumos, como polvilho, fubá,
açúcar, sal, manteiga, nata e fermento, compra no mercado da cidade.
A quitandeira Bel também compartilha da opinião de Ana Maria, quitandeira do distrito de Bituri. Para
ela, durante os períodos de festas e feriados no município, costuma vender mais quitandas. O aumento
nas vendas se deve à quantidade de pessoas de fora que vêm visitar a cidade. As festividades mais
comuns em Jeceaba são a festa da Padroeira Nossa Senhora da Conceição, que acontece entre os dias
29 de novembro e 7 de dezembro, Semana Santa e carnaval.
Quando questionada sobre a construção da obra de ampliação da rede de distribuição de energia que
vai passar no município, a quitandeira Bel ressaltou que, durante a instalação da primeira linha de
transmissão que já existe, e cujas torres estão posicionadas bem próximas à sua residência, sua mãe,
além de alugar alguns cômodos da casa para acomodar os trabalhadores da obra, também fazia
quitandas para servir–lhes no café da manhã.
271
6.9.3 MAPA DOS BENS CULTURAIS DE JECEABA
273
6.10 CONGONHAS
Conhecida como a "Cidade dos Profetas", Congonhas é também uma das cidades mais importantes do
Estado de Minas Gerais no que diz respeito ao acervo de Patrimônio Cultural e Artístico. Um dos
principais patrimônios do município é a Basílica Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, monumento
histórico e artístico construído em várias etapas, nos séculos XVIII e XIX, por diversos mestres, artesãos e
pintores, como o Aleijadinho e Manuel da Costa Ataíde: foi considerado, em 1985, Patrimônio da
Humanidade pela UNESCO.
Como instância municipal de preservação, há o Conselho Municipal de Patrimônio Histórico e Artístico
de Congonhas (COMUPHAC), criado através da Lei nº 1.192, de 16 de outubro de 1984. Atualmente, a
Lei nº 2.033, de 27 de dezembro de 1994, é a que regula o tombamento e preservação dos bens
materiais e imateriais no município (como mencionado anteriormente).
A Lei nº 3.051, de 2011, instituiu o Fundo de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural da cidade
de Congonhas (Fundo Profeta), vinculado à Secretaria Municipal de Finanças, criado para financiar o
Projeto de Revitalização da Ladeira (implantado no Programa Monumenta) e de recuperação,
preservação e conservação de áreas públicas e edificações.
A UNESCO, o IPHAN e a Prefeitura de Congonhas inauguraram, no dia 15 de dezembro de 2015, um dos
mais importantes projetos de preservação da memória do País: o Museu de Congonhas, com a missão
de potencializar a percepção e a interpretação das múltiplas dimensões do Santuário do Bom Jesus de
Matosinhos, sítio histórico que, desde 1985, tem o título de Patrimônio Cultural Mundial.
6.10.1 CAPOEIRA E OFÍCIO DE MESTRES DE CAPOEIRA
6.10.1.1 Associação de Capoeira União da Praia Grande
Mestre Pakato – Sebastião Cosme Marques Ferreira, 45 anos
Sebastião Cosme Marques Ferreira, conhecido com Mestre Pakato, iniciou sua prática na capoeira aos 8
anos de idade (Figura 6.176). Seu interesse pela capoeira aconteceu pela via das artes marciais, como
karatê e kung fu. A primeira vez que viu o jogo da capoeira foi quando assistiu a uma apresentação de
Mestre Dunga na televisão.
Na década de 1980, foi morar em Belo Horizonte, quando passou a frequentar as rodas organizadas pelo
mestre nas praças da cidade. Formou–se mestre de capoeira na década de 1990, pelo Mestre Dunga,
que é natural do Estado da Bahia, e radicado na capital mineira.
275
Figura 6.176 – Mestre Pakato tocando berimbau. Foto de Delmo Reginaldo.
Fonte:
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=1650577558582606&set=t.100005796044420&type=3&th
eater, 2017.
Nas décadas de 1970, 1980 e 1990, Mestre Dunga foi incansável no trabalho de divulgação da capoeira,
liderando, juntamente com outros, rodas nas feiras e praças do Centro da cidade, como a Praça Sete,
Praça da Rodoviária, Praça da Estação, Praça da Liberdade e Parque Municipal, como ele ressaltou.
Durante alguns anos, Mestre PaKato esteve ligado ao grupo Cordão de Ouro Eu Bahia, do Mestre Dunga,
também conhecido como Senzala, um dos grupos responsável pela formação de professores e mestres
de capoeira de toda a Região Metropolitana da capital mineira, e também de vários municípios do
estado.
Mestre Pakato exerce o ofício de mestre de capoeira, que conta com alguns alunos, mas não sobrevive
da atividade. Paralelamente à arte da capoeiragem, ele trabalha como “macarefe” (mata gado para
abate) e ajudante de serviços gerais, além dos compromissos inerentes ao grupo de capoeira.
Frequentemente, o grupo viaja para os municípios vizinhos, a fim de realizar apresentações e eventos de
batismo ou cerimônias de trocas de cordas.
Uma vez por ano, o grupo realiza trocas de cordas entre os alunos de Congonhas. Embora haja uma
cerimônia para esse fim, não significa que todos os alunos mudarão de grau na capoeira. Isso só ocorre
quando o mestre entende que o iniciante atende a todos os quesitos mínimos para prosseguir na
capoeira. A graduação no grupo segue a seguinte evolução: aprendiz, monitor, professor, contramestre
e mestre.
Mesmo com as dificuldades que enfrenta para manter a prática da capoeira em evidência na cidade e
sem receber apoio do Poder Público local, Mestre Pakato criou a Associação Capoeira União Praia
Grande (Figura 6.177) em 2009.
276
Figura 6.177 – Identidade visual do Grupo de Capoeira União da Praia Grande – Congonhas (MG).
Fonte: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=431229687080229&set=pb.100005796044420.‐
2207520000.1524250788.&type=3&theater, 2017.
.
A sede do grupo, onde os treinos acontecem, está localizada na própria residência do mestre, no bairro
Praia Grande (Figura 6.178). O espaço é simples e delimitado numa área de aproximadamente 50 m2,
cercado por varas de bambus, com cobertura de telhas e chão de terra. As instalações elétricas provêm
de sua residência, e não há banheiro; portanto, é nesse espaço que o mestre realiza os treinos de
capoeira com seus alunos. Os treinos são feitos às terças, quartas e quintas–feiras, das 19 h às 21 h.
Figura 6.178 – Parte externa e interna da sede do Grupo de Capoeira União da Praia Grande.
Fonte: Equipe Biodinâmica, 2017.
A roda possui praticantes de várias regiões da cidade, embora o local onde os treinos ocorrem não
favoreça. O bairro Praia Grande, ou Prainha, como é conhecido pelos moradores da cidade, possui o
estigma de ser um território dominado pelo tráfico de drogas. O perfil dos alunos é bastante
heterogêneo sob os aspectos: étnico, religioso, social e etário. No grupo, há uma valorização das
expressões individuais e do improviso nos movimentos e gingas, pois o mestre considera que formaram
a base do desenvolvimento da capoeira no Brasil (Figura 6.179).
277
Figura 6.179 – Sede da Associação União Capoeira Praia Grande. Foto de Sebastião Pakato.
Fonte:
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=134728150012370&set=t.100005796044420&type=3&the
ater, 2017.
Durante a conversa da equipe com Mestre Pakato, dois de seus alunos instrutores estavam
confeccionando seus instrumentos. Acompanhou–se parte do processo de fabricação de berimbaus,
como a limpeza das varas para fazer a verga. Para o mestre, a produção dos próprios instrumentos
usados pelos alunos é uma fase fundamental do ofício do futuro mestre. A seu ver, não basta apenas
jogar a ginga da capoeira –– é preciso dominar as outras possibilidades que a roda da capoeira tem para
transmitir:
“Nós, aqui, vivemos a capoeira como um todo, dentro da cultura. Eu estou
ensinando os meninos a trabalhar artesanalmente, a fabricar seus próprios
instrumentos. Eles perguntam se podiam pegar a ‘máquina’ e fazer; eu disse que
não. Tem que fazer manualmente, é bem melhor. Tem que sentir, né? Saber
fabricar o seu próprio berimbau.” (Mestre Pakato, em entrevista realizada na sede
da Associação Capoeira União Praia Grande, em 20/09/2017 – Figura 6.180)
Figura 6.180 – Alunos do Mestre Pakato. Da esquerda para a direita: professor Francisco Wesley (no
pandeiro), José Cardoso (no atabaque) e Mestre Pakato (no berimbau).
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
278
A matéria–prima para confecção dos berimbaus (a madeira para a verga e as cabaças) é obtida nas
matas de entorno da cidade (Figura 6.181). Os demais instrumentos, como caxixis, tambores e
atabaque, são comprados em lojas especializadas em Belo Horizonte. “Na nossa região aqui, tem a
madeira de peroba, mama de porca, que a gente usa porque são mais resistentes”, ressaltou o instrutor
Fabrício, de 21 anos.
Figura 6.181 – Preparação das vergas utilizadas na confecção de berimbaus.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Em Congonhas, o grupo conta com um número de 30 alunos, abrangendo da categoria iniciante até
instrutor. Porém, como o grupo já tem braços em outras localidades, como no Rio de Janeiro, ao
contabilizar todos os filiados, chega–se a um número de 200 integrantes, que fazem parte de sua
linhagem, isto é, que multiplicam a arte da capoeira e levam seu nome como referência –– da mesma
forma que ele leva consigo a linhagem herdada do Mestre Dunga:
“Tenho dois instrutores dando aula em escolas. Tenho professor de capoeira
formado por mim até no Rio de Janeiro O aluno quando chega ao grau de
instrutor, ele está apto a dar aulas de capoeira. Já saíram muitos instrutores.”
(Mestre Pakato, em entrevista realizada na sede da Associação Capoeira União
Praia Grande, em 20/09/2017)
Constantemente, o grupo recebe convites para fazer apresentações em cidades vizinhas, como Santa
Luzia. A Roda de Capoeira do Mestre Pakato, todos os anos, participa da festa de Nossa Senhora do
Rosário. A festa, além de contar com os ternos de congado, recebe a capoeira do Mestre Pakato. “E nós,
lá, somos presença confirmada. Todo ano só nós de capoeira que vai lá, mais ninguém. E o pessoal lá
adora”, acrescentou orgulhoso o mestre.
Em sua fala, Mestre Pakato já apresenta algumas das dificuldades enfrentadas pelo grupo: por um lado,
a falta de reconhecimento do Poder Público local; por outro, o desinteresse da própria comunidade. Há
outros conflitos que, embora não se relacionem diretamente com o grupo capoeira, acabam
prejudicando–o. Como exemplo, ele citou os jogos de interesses político–partidários locais, que só
sabem que o grupo existe e precisa de apoio na época de campanhas políticas para eleição de prefeito e
vereadores:
279
“O Poder Público aqui é complicado, é muito aquela coisa que ajuda hoje para
amanhã ser ajudado, e eu não trabalho com essa tese. Apoiam porque é o
seguinte: apoiam o que interessa a eles.” (Mestre Pakato, em entrevista
realizada na sede da Associação Capoeira União Praia Grande, em 20/09/2017)
Como se não bastassem as dificuldades estruturais e os conflitos políticos locais, Mestre Pakato
responde a processo judicial por não ter adequado sua academia, onde treinam, às normas legais de
segurança exigidas pelo município.
A respeito do Ofício de Mestres de Capoeira e da Roda de Capoeira serem considerados Patrimônio
Cultural Imaterial Brasileiro, o mestre considera que foi uma conquista importante para os capoeiristas,
pois contribuiu para diminuir o preconceito que há em torno dos detentores e da prática da
capoeiragem. No entanto, nenhuma ação concreta que contemple os mestres e as rodas de capoeira foi
implementada pelos Poderes Públicos federal, estadual e municipal. Para ele, tudo continua como
antes; só os mestres que residem nas grandes capitais e que têm acesso à mídia e às oportunidades é
que conseguem sobreviver do ofício da capoeira.
6.10.1.2 Grupo Cativeiro Capoeira – Filial Congonhas
Instrutor Malé – Marlon Oliveira, 31 anos
Marlon Oliveira iniciou sua prática na capoeira aos 11 anos de idade. Seu primeiro contato com a
capoeira aconteceu em 1997, durante uma apresentação de Mestre Dunga de Belo Horizonte em
Congonhas. As visitas de Mestre Dunga tinham como propósito incentivar a arte da capoeira no interior
do estado, através da Associação Cordão de Ouro Eu Bahia.
No mesmo período, conheceu o trabalho do Grupo Cativeiro Capoeira, fundado pelo Mestre Zé Eduardo
em Ouro Preto, mas cuja sede fica em Ilhéus, na Bahia. Formou–se instrutor de capoeira em 2013, pelo
Mestre Kalungeé, atual dirigente do grupo Cativeiro Capoeira. Regularmente, viaja para a cidade vizinha,
onde realiza treinos com o mestre no Centro Acadêmico da Escola de Minas (CAEM), localizado na Praça
Tiradentes.
O instrutor Marlon tem Ensino Médio completo e trabalha como técnico de manutenção (Figura 6.182).
Paralelamente à atividade profissional, realiza projetos sociais na Associação do Bairro do Residencial
Gualtier e no Centro de Apoio ao Menor de Congonhas (CAMEC). Na associação do bairro, os treinos já
acontecem desde o ano de 2006. São atendidas, aproximadamente, 100 crianças e adolescentes, e os
treinos são feitos durante a semana e, também, nos fins de semana.
Segundo o instrutor, em Congonhas há muitas famílias em situação de vulnerabilidade social, seja por
consumo e tráfico de drogas, seja por violências; daí, um dos objetivos da existência dos projetos
sociais. A prática da capoeira, nesses casos, pode ser uma poderosa aliada na socialização de crianças e
adolescentes oriundas de famílias que convivem nesse contexto.
Embora o grupo esteja registrado, o que permite realizar atividades vinculadas a projetos sociais, como
dar aulas de capoeira no CAMEC, ainda não possui sede própria. As rodas ocorrem em espaços de
terceiros ou então nas praças existentes no bairro e na cidade.
280
Figura 6.182 – Instrutor Marlon tocando o berimbau. Foto cedida à Equipe Biodinâmica pelo Instrutor
Malé, 2017.
Acrescentou o instrutor que a Roda de Capoeira possui um diferencial na complementação do processo
educativo das crianças e adolescentes, pois contribui para que as crianças possam alcançar um
desempenho melhor em sala de aula e na convivência com a família:
“Na Roda de Capoeira, eu não ensino apenas as gingas e movimentos da
capoeira; vai muito além disso. O iniciante aprende como ter disciplina, respeitar
os mais velhos, e tudo isso ajuda na convivência dele com outras pessoas.
Durante as rodas de capoeira, eles também aprendem um pouco da história da
capoeira, que se confunde com a História do Brasil.” (Instrutor Marlon, em
entrevista realizada na sua residência, em 20/09/2017).
O grupo não separa a capoeira em Angola e Regional –– considera que a capoeira é única e que,
conforme o toque do berimbau, o capoeirista faz os movimentos corporais de acordo com suas
habilidades e limites. Na fala do instrutor, sua capoeira é do tipo contemporânea, pois envolve saberes
das duas tradições, Angola e Rregional. Portanto, a capoeira permite que se transite entre as duas
vertentes, sem muita rigidez. “A capoeira contemporânea é uma junção da capoeira de Angola e
Regional. Ela abre mais possibilidades: no traje, no jogo, nos cantos e na musicalidade”, afirmou Marlon.
Atuando com poucos recursos financeiros para dar continuidade à prática da capoeira no bairro onde
reside, o instrutor Marlon depende da ajuda de parceiros locais da própria comunidade, que contribuem
com algum tipo de colaboração. Para tentar contornar as dificuldades enfrentadas no dia a dia, realiza
oficinas de confecção de instrumentos, principalmente de berimbaus e caxixis. “É um momento lúdico e,
ao mesmo tempo, de cooperação”, enfatiza. Geralmente, durante as oficinas, os alunos são divididos
por grupos, cada um realiza uma parte do instrumento, de modo que todos os grupos troquem ideias
entre si e construam uma cultura de cooperação. Segundo ele, são valores simples, que a maioria dos
alunos não tem em casa, nem na escola. A Roda de Capoeira também ensina a conviver em
comunidade, a dividir, a somar. Nesse sentido, as mudanças de comportamento das crianças, que,
antes, eram rebeldes com pais e professores, passam a se comportar de forma mais sociável:
281
“Por diversas vezes, eu sou parado na rua pelos pais de alunos que vem
me agradecer pela mudança de comportamento do filho. Eles chegam
pra mim e elogiam. Tem vários alunos que também começaram comigo
e perderam 30kg. Então é muito gratificante não só pros pais como pra
mim também (Instrutor Marlon, em entrevista realizada na sua
residência em 20/09/2017).
Embora o investimento para iniciar os treinos de capoeira seja infinitamente baixo, exigindo dos alunos
apenas a compra do abadá (calça branca de elástico na cintura), muitos alunos assistidos pelos projetos
não dispõem do recurso para comprá–lo. Na maioria dos casos, são feitas “vaquinhas” e rifas para
comprar os trajes. As dificuldades para dar continuidade à prática impõem ao instrutor estabelecer
algumas regras para permanecer na roda. São metas simples, que permitem maior engajamento e
disciplina dos alunos. A principal delas é estar bem na escola, tanto em termos comportamentais como
no rendimento escolar, esclareceu o instrutor. Ele contou que, no ano de 2016, aproximadamente 15
alunos foram dispensados do grupo por não cumprirem a regra.
Em relação à matéria–prima utilizada na confecção dos instrumentos produzidos pelos alunos durante
as oficinas, o instrutor Marlon foi categórico ao afirmar que varas, cipós e cabaças são adquiridos nos
arredores da cidade, mais especificamente nas poucas matas que existem próximo ao distrito de Alto
Maranhão, no lago Tutoia:
“No caso, a gente usa as galhas secas. Se não tiver mata, não tem como
a gente obter esse material para confeccionar e ensinar e passar os
conhecimentos pra frente. Onde tiver mato por aqui, a gente vai pegar.”
(Instrutor Marlon, em entrevista realizada na sua residência, em
20/09/2017)
As dificuldades materiais básicas enfrentadas pelo grupo são inúmeras e mensuradas a partir de alguns
fatores, tais como: a falta de abadás para os alunos, improvisação dos instrumentos da capoeira e
inexistência de uma sede para realização dos treinos. Não é possível dar continuidade à tradição sem
que haja, de alguma maneira, a participação do Poder Público responsável pela cultura da cidade. “A
gente precisa de verba pra se manter, porque é um trabalho. Eu acho que devia ter uma contribuição”,
reforçou o instrutor.
Seguindo essa linha da ausência do Poder Público local na cultura da cidade, especialmente em relação
ao Ofício de Mestres de Capoeira e Roda de Capoeira, o entrevistado acredita que o título de Patrimônio
Cultural Imaterial brasileiro atribuído à capoeira tem contribuído para um reconhecimento mais
abrangente da prática como uma manifestação cultural, fazendo com que ela deixe de ser vista apenas
como uma atividade marginal. No entanto, é preciso que sejam formuladas políticas públicas efetivas
que deem sustentação para que os detentores (mestres, instrutores, professores, etc.) possam dar
prosseguimento ao ofício de capoeira com dignidade.
282
6.10.2 TOQUE DOS SINOS E OFÍCIO DE SINEIRO
Antônio Rabelo, 83 anos (mestre)
Conceição Severiano, 65 anos
Efigênia Pereira Marques, 53 anos (ex–sineira)
Paulo Augusto, 60 anos
Antônio Eustáquio Pereira, 69 anos
O contexto da linguagem dos sinos não é uniformidade em todos os territórios, no que se refere à
manutenção da prática como Patrimônio Cultural Imaterial. Em Congonhas, o Ofício de Sineiro e o
Toque de Sinos apresentam sinais de enfraquecimento, para não dizer de crise. Os responsáveis pelo
toque também exercem, paralelamente, a atividade de zeladores e guias das igrejas históricas. Outros
sineiros tocam os sinos raramente, somente quando são convidados, como é o caso do policial
aposentado Antônio Eustáquio, residente no bairro Basílica.
O mestre sineiro e alfaiate Antônio Rabelo nasceu no município mineiro Caetano Lopes e veio para
Congonhas aos 10 anos de idade. É discípulo do já falecido Mestre Amâncio, sineiro da Basílica de Bom
Jesus de Matosinhos. Mestre Antônio foi sineiro da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição
durante 43 anos; em 2009, ausentou–se do posto por motivos de saúde. Por residir nas proximidades da
Matriz e ouvir o toque dos sinos, lamenta que os sineiros de hoje não saibam tocá–los corretamente.
Assim como os sineiros de São João Del Rei, Mestre Antônio também era funcionário da igreja. E, além
de ser o responsável pelo toque dos sinos durante as festividades, toques fúnebres e chamadas de
missas, também se ocupava de outras atividades de manutenção da igreja. Atualmente, os sinos da
igreja são tocados pela zeladora Conceição, conhecida como Ção.
Mestre Antônio foi um dos detentores que contribuíram com as pesquisas que embasaram e resultaram
no pedido de Registro da Linguagem dos Sinos em Congonhas (Figura 6.183). Depois do título de
Patrimônio Imaterial que os toques de sinos receberam, ele lamenta não ter sido procurado para
repassar seus saberes aos mais jovens. A tentativa de estabelecer diálogo com o mestre foi complicada,
haja vista ele ter problemas de fala. Mesmo assim, foi possível captar algumas informações a respeito de
sua trajetória no Ofício de Sineiro.
283
Figura 6.183 – Mestre sineiro Antônio Rabelo.
Fonte: Equipe Biodinâmica, 2017
A sineira que atualmente assume parte das funções da igreja, que eram de responsabilidade do Mestre
Antônio, é Conceição Severiano. Ela não se intitula sineira, já que apenas toca o sino para as chamadas
de missas. Sua função, de fato, é de zeladora. “Eu só toco o básico e, como não consigo subir à torre,
daqui de baixo mesmo eu puxo o badalo com uma corda”, declarou.
Durante alguns eventos solenes, como festa de padroeira Nossa Senhora da Conceição e Semana Santa,
outros sineiros, a exemplo de Eustáquio, são convidados para executar os toques de repiques e
dobrados; nesses casos, ainda se mantém a tradição de alguns toques. Durante as festividades em
homenagem à padroeira, os sinos badalam às 15 h, às 18 h e às 21 h. Na procissão de encerramento,
soam no momento da saída da santa para seu trajeto pelas ruas. Só param quando a imagem retorna à
Matriz.
A respeito dos toques de sino específicos que anunciam ou comunicam a morte de fiéis, a zeladora
afirmou que, praticamente, caiu em desuso. O motivo seria que, nos dias atuais, os corpos são velados
nos centros de velórios, não mais passando pela igreja para receberem a bênção; em vez disso, o padre
vai ao local fazer a encomendação do defunto.
A zeladora reconhece que a tradição da linguagem dos sinos está se perdendo, ou, para usar suas
palavras, está “caindo em desuso”:
“Vai se perdendo porque as pessoas mais velhas [mestres sineiros] estão
morrendo, e os jovens não querem dar continuidade. Os jovens não querem
saber mais de coisas de igreja. Encontrar pessoas jovens para carregar a santa
no andor durante a procissão é coisa difícil por aqui –– precisa ficar pedindo a
um e a outro. Da mesma forma, acontece com os sinos.” (Conceição, zeladora e
sineira, em entrevista realizada na Matriz de Nossa Senhora da Conceição, em
20/09/2017).
284
Segundo Conceição, embora a linguagem dos sinos seja reconhecida como um patrimônio cultural, e
que ela vê como um título importante para a cidade, muito pouco tem sido feito para que essa prática
tenha continuidade para as futuras gerações. Acrescentou que, após o reconhecimento, nenhuma ação
foi realizada com intuito de divulgar e reunir os mestres sineiros com os jovens, para aprenderem a
tocar os sinos. O pouco que ela aprendeu foi por conviver com seu Antônio, que, por sua vez, também
nunca se interessou por aprender os outros tipos de toques.
Outro fato constatado por ela diz respeito à falta de manutenção dos sinos. Na Matriz existem duas
torres, cada uma com dois sinos. Porém, no momento, apenas os dois sinos da torre direita funcionam;
os outros estão trincados, ou com algum problema na estrutura. Resumindo, a relação de Conceição
com os toques de sino se restringe a anunciar que a missa está prestes a começar. Os toques de sino
para as chamadas de missas sempre ocorrem às quartas–feiras, às 6h30m, convidando os fiéis para
missa das 7 h.
No contexto da linguagem dos sinos em Congonhas, não se percebem sineiros de várias idades atuando
no ofício. O público, ou é composto por ex–sineiros/as, ou por pessoas que atuam no ofício, porque não
há outras que queiram exercer a atividade. Não ocorre, talvez, o que foi observado em São Joao Del Rei:
a procura por crianças e jovens interessados em aprender a arte de tocar sinos.
A informante Efigênia trabalhou como zeladora e sineira da Igreja de Nossa Senhora do Rosário durante
oito anos. Aprendeu a tocar o sino, observando seu pai, Sebastião Pereira Marques, que era zelador e
sineiro da mesma igreja. Dos toques que aprendeu com ele, e que ainda são executados nas cidades,
embora com menos frequência, ela não executava os dobrados porque os sinos não permitiam esse tipo
de manobra. É que o campanário da igreja está localizado na frente da igreja, e não na torre. Esses
toques só acontecem na Igreja Matriz e na Basílica. Em compensação, a sineira fazia questão de tocar os
sinos conforme o calendário litúrgico religioso e nas diversas festas religiosas da cidade:
“Eu tocava o sino durante a festa da padroeira Nossa Senhora da Conceição, dia
8 de dezembro. Eu batia o sino às 6 h da manhã, ao meio–dia e às 18 horas! E
também tocava no dia 5 de outubro, na festa de Nossa Senhora do Rosário.
Hoje, acabou! Não tem mais nada disso!” (Ex–sineira Efigênia, em entrevista
realizada na sua residência, em 21/09/2017)
Ela, assim como Mestre Antônio, participou como informante do processo de pedido de Registro;
porém, desde 2009, foi dispensada da função de zeladora da igreja e, consequentemente, da função de
sineira. Após sua saída, e com a entrada da nova funcionária, os sinos não são tocados como antes.
“Hoje, aqui, se toca o sino por tocar! Na minha época, se tocava até durante os enterros”, lamentou a
ex‐sineira.
O senhor Paulo Augusto, que é zelador da Basílica do Bom Jesus de Matosinhos atualmente, assume
também a função de tocar o sino, mas não se reconhece como sineiro, apesar de ter aprendido com o
sineiro Eustáquio alguns toques de sino, como dobrados e repiques. Pela idade já avançada e com
problemas de locomoção, seu Paulo tem dificuldades para subir a torre para acionar os sinos.
Geralmente, com auxílio de uma corda presa ao badalo, ele consegue bater o sino durante as chamadas
para as missas:
285
“Quando comecei aqui, eu aprendi as viradas e repiques de Semana Santa com
seu Eustáquio. Pra fazer os repiques na Semana Santa, que tem que tocar os três
sinos, precisa de uma pessoa pra ajudar.” (Paulo Augusto, em entrevista
realizada na Basílica, em 19/09/2017).
Conforme disse o informante, ainda são mantidos o Toque de Sinos em algumas comemorações
festivas, como Semana Santa, Jubileu do Bom Jesus de Matozinhos, que acontece no mês de setembro,
e na procissão do Santíssimo. Na Semana Santa, os sinos tocam durante todos os dias às 6 h, ao meio–
dia e às 15 h, e os repiques festivos duram, em média, 20 minutos.
Com exceção de alguns toques festivos que ainda são realizados nos sinos da Basílica, muitos outros
caíram em desuso. “Antigamente, batiam sinos na morte de pessoas comuns, mas hoje não usa mais.
Em dias normais, só bate sino antes das missas para chamar os fiéis. É menos de um minuto de
pequenos toques”, comentou. Além das questões que sinalizam para a falta de interesse de manter a
tradição da linguagem dos sinos na cidade, o zelador disse que o sino maior, responsável pelo toque
“dobrado” encontra–se com o mancal quebrado, portanto, está desativado.
Ao perceber que a parte interior do templo estava passando por restauração, e que a equipe técnica
estava em atividade, aproveitou para perguntar se conserto do sino estava incluído na obra. Como
resposta, obteve–se a informação que a torre da igreja não fazia parte da atual reforma. Em resumo, a
prioridade ainda são os elementos artísticos das igrejas.
O sineiro Paulo Eustáquio (Figura 6.184) é policial aposentado, morador do bairro Basílica e aprendeu a
tocar sino, ainda criança, com o mestre sineiro responsável pelo toque de sino da Igreja São José.
Figura 6.184 – Sineiro Paulo Eustáquio durante a entrevista que concedeu à equipe de pesquisa.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017
“Eu aprendi a tocar na Igreja São José, onde nasci e fui criado por lá. Quando
criança, eu via o sineiro Paulo tocar e aprendi a tocar com ele. Ele não deixava
eu colocar a mão, ficava só observando, mas, quando ele faltava, eu tocava.”
(Sineiro Paulo Eustáquio, em entrevista realizada na sua residência, no bairro
Basílica, em 19/09/2017)
286
Paulo Eustáquio, ao contrário da maioria dos sineiros que mantêm vínculo com uma determinada igreja,
só toca sino quando é convidado. Dias antes de fornecer essa entrevista, o sineiro havia atendido ao
convite do pároco da Basílica do Bom Jesus de Motosinhos para tocar o sino durante a Festa do Jubileu.
Para o sineiro, se comparar a linguagem dos sinos em Congonhas, hoje, com a de décadas passadas,
conclui–se que ela, praticamente, deixou de existir:
“Essa prática está acabando, não existe mais. As pessoas mais velhas da cidade
sentem falta. As festas das igrejas eram muito animadas. Os padres novos não
falam nada sobre isso, eu é que fico falando com os padres que tenho mais
intimidade.” (Sineiro Paulo Eustáquio, em entrevista realizada na sua residência,
no bairro Basílica, em 19/09/2017)
Lamenta o sineiro que a prática dos toques de sino em Congonhas não seja a mesma de antigamente,
pois, além da falta de interesse dos padres em manter a tradição, os mais jovens também não se
interessam em aprender. Conta que, por enquanto, ainda são mantidos os toques festivos de repiques e
dobrados em algumas celebrações, mas que vários outros ficaram no esquecimento, principalmente os
toques fúnebres, que avisam sobre o falecimento de pessoas da comunidade. “Quando morria alguém
da igreja, o sino era virado, para dar um toque diferente. Tocava nos enterros”, destacou.
A rotatividade de padres que circulam pelas igrejas da cidade, associada à falta de interesse em
aprender a importância da tradição da linguagem dos sinos em Congonhas, durante as festas religiosas
locais, parece ser um dos problemas que concorrem para que não se mantenha a manifestação como
um bem cultural. Para ele, a ausência de ações educativas organizadas pelos Poderes Públicos
municipal, estadual e federal também influencia para o atual contexto de descaso com os toques de
sinos.
6.10.3 CONGADAS DE MINAS
6.10.3.1 Dança de Langra Nossa Senhora do Rosário – Distrito de Alto Maranhão
Capitão Geraldo Evaristo, 60 anos
Dança de Langra é o termo utilizado para se referir ao terno de congado do distrito de Alto Maranhão,
em Congonhas. Trata–se de uma manifestação antiga cuja origem beira os 100 anos. Os registros orais
indicam que o grupo entrou em decadência no final da década de 60 do século passado, com o
falecimento do capitão Luiz Severo. Aproximadamente 30 anos depois, em 1999, o terno foi reativado
por Geraldo Evaristo, atual capitão e morador do distrito.
A dança de Langra foi trazida pelos negros escravizados da África e criada no distrito. Segundo ele, o
grupo é “um congado, mas é um congado diferente dos outros todos”. O termo “antigo” aparece
frequentemente na fala do capitão, talvez com o objetivo de reforçar o poder da tradição do grupo.
Acontecimentos desse tipo são narrados pelo líder para legitimar uma certa autenticidade.
O capitão Geraldo Evaristo é natural do distrito do Alto Maranhão; ele começou a dançar no grupo
quando ainda era criança, em 1959. Na época, quem comandava o grupo era o capitão Luiz Severo, que
contava com a participação de toda a família: avós, pais, tios. Era uma festa comandada por uma mesma
287
família. “Meu pai também dançou, mas, no tempo de Joaquim Zé! Muito primeiro do que Luiz Severo!
Meu pai e Luiz Severo foram companheiros de dança do Mestre Joaquim José.” (Capitão Geraldo
Evaristo, em entrevista realizada na sua residência, no distrito de Alto Maranhão, em 20/09/2017 –
Figura 6.185)
Figura 6.185 – Capitão e Mestre Geraldo Evaristo da Dança de Langra Nossa Senhora do Rosário de Alto
Maranhão, durante a festa de Nossa Senhora do Rosário de 2015. Foto cedida por Maurílio Mendes à
Equipe Biodinâmica Rio.
Sobre o grupo e seus líderes, o capitão Geraldo relata, historicamente, sua origem, com detalhes de
precisão. Segundo ele, o grupo teve, no mínimo, três gerações de capitães. O fundador do grupo e
primeiro líder foi o avô de Luiz Severo. Em seguida, o capitão Joaquim José da Silva, que faleceu em
1914, liderou a capitania. O último capitão, Luiz Severo, faleceu em 1977. No entanto, o grupo já não
existia desde 1971:
“A dança de Langra nasceu e foi criada aqui, no Maranhão! Ela não é de outro
lugar. Ela veio da África direto praqui. Os avós do capitão Luiz Severo, que eu
alcancei, trouxe ela da África para cá. Ela foi fundada aqui! Meu pai dançou nela
no tempo de Joaquim José da Silva, que foi o segundo mestre! O primeiro foi o
avô de Luiz Severo, depois de Joaquim José da Silva. O Luiz Severo foi o último
capitão.” (Capitão Geraldo Evaristo, em entrevista realizada na residência, no
distrito de Alto Maranhão, em 20/09/2017).
De acordo com Maurílio Mendes, servidor público que integra o grupo desde 2009, depois do
falecimento do capitão Luiz Severo, outro capitão, de nome Agenor, tentou dar continuidade, mas se
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desentendeu com Adelino, o violeiro do grupo. Maurílio, além de dançar no grupo, ajuda o capitão nas
questões de organização da festa do Reinado e também faz os registros fotográficos da festa.
Segundo o capitão Geraldo, antes dele, alguns moradores do distrito quiseram retomar as atividades do
grupo, mas não obtiveram sucesso. “Quem levantou a dança de Langra fui eu. Uns falavam, mas não
tinham coragem! Eu peguei de pé, firme!”, enfatizou o capitão. Em 1998, aconteceu o primeiro ensaio
do grupo após 30 anos de extinção, mas, como disse o capitão, “foi apenas um ensaio”. O grupo não
chegou a se apresentar no dia da festa nem acompanhar o cortejo de Reinado:
“No ano seguinte é que o grupo, composto por 20 integrantes, sai em cortejo
pelas ruas, em homenagem a Nossa Senhora do Rosário. Porém, ainda com
muitas dificuldades, pois os integrantes não dispunham sequer de fardas.
Dançaram com uniformes à paisana. Dançando em 99, com roupa igual à que
nós estamos agora! Depois que a coisa já tava levantada [a dança de Langra], no
ano 2000, é que nós pedimos ajuda à Prefeitura para comprar o
uniforme.” (Capitão Geraldo Evaristo, em entrevista realizada na residência, no
distrito de Alto Maranhão, em 20/09/2017. Grifo nosso)
O grupo se mantém com uma média de 20 integrantes, e conta com a participação de homens,
mulheres e crianças. Para o capitão, é importante que o grupo tenha crianças também. “Tem mulheres e
crianças pelo meio também! É mista, né!? Se for só velho, acaba!” disse o capitão. Atualmente, a festa
de Nossa Senhora do Rosário do distrito de Alto Maranhão acontece no dia 15 do mês de outubro, e
conta com a presença dos ternos de congado de Congonhas e de municípios vizinhos. Para a realização
dos festejos, o capitão narra que não recebe ajuda do Poder Público nem da igreja. Os mantimentos
para o preparo das refeições são oriundos de doações.
O capitão Geraldo também conta com apoio de sua esposa, que confecciona o uniforme e adereços
utilizados e também ajuda a cantar e dançar. Além disso, em parcerias com outras voluntárias,
encarregam–se de preparar as refeições oferecidas aos grupos visitantes:
“Essa festa, nem a igreja ajuda! É só ‘nóis’ mesmos! Eu dou uma coisa, outro dá
outra, outro dá outra. É um trabalho voluntário! Tudo aí, o almoço somos nós
quem patrocina! Tudo companheiros da Guarda! Nós já encomendou o rapaz da
venda do Coreto 17 fardo de refrigerante, 10 kg de arroz! Já tem as cozinheiras,
tudo arrumada! (Capitão Geraldo Evaristo, em entrevista realizada na sua
residência, no distrito de Alto Maranhão, em 20/09/2017)
Os festejos aconteciam na Igreja de Nossa Senhora d’Ajuda, mas, desde o ano de 2009, quando foi
interditada para reformas, a festa do grupo acontece no salão paroquial, localizado nas proximidades
(Figura 6.186). Até a realização dessa pesquisa, a igreja continuava fechada, sem previsão de entrega
para a comunidade. O capitão também ressaltou que as imagens antigas de Nossa Senhora do Rosário e
Santa Efigênia foram roubadas e que outras foram adquiridas pelos próprios congadeiros, para
ocuparem os lugares das peças antigas. “Compramos tudo, tudo nova! As antigas foi tudo roubada! Nem
a igreja ajudou nós! Foi tudo eu que iniciei, arrumei os companheiros tudo e ...!” (Capitão Geraldo
Evaristo, em entrevista realizada na sua residência, no distrito de Alto Maranhão, em 20/09/2017)
289
Figura 6.186 – Igreja de Nossa Senhora d’Ajuda, do distrito de Alto Maranhão, local onde acontece a
festa de Nossa Senhora do Rosário.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Os únicos instrumentos usados pelos dançadores são três caixas, que o capitão fez questão de enfatizar
que são de madeiras de cedro, e que uma delas, ele mesmo esculpiu no tronco de madeira coletada nas
matas próximas à comunidade. Além de caixas, há três violões. Usam–se alguns pandeiros também. O
fato de as caixas serem fabricadas de modo artesanal reforça a ideia inicial de que a congada dança de
Langra é diferente das outras. “São “tudim” em madeira! É tronco de cedro, é viola com os cravinhos em
madeira e não é pandeiro também não! É tudo feito em casa, é original, porque toda vida foi assim,
né?” (Capitão Geraldo Evaristo, em entrevista realizada na sua residência, no distrito de Alto Maranhão,
em 20/09/2017 – Figura 6.187)
Figura 6.187 – Dança de Langra Nossa Senhora do Rosário de Alto Maranhão durante o cortejo para
buscar o Reinado. Festa de Nossa Senhora do Rosário do ano de 2014. Foto cedida por Maurílio Mendes
à Equipe Biodinâmica Rio.
290
A todo o tempo, o capitão traz elementos que reforçam a necessidade de uma autenticidade que, por
vezes, sugere uma diferenciação do grupo em relação aos outros. Há, portanto, um cuidado, da parte
dele, de manter a tradição e de perpetuar os ensinamentos passados pelos mestres. Isso se evidencia na
caixa que confeccionou manualmente, conforme se fazia nos tempos antigos. O fato de o instrumento
ter sido confeccionado com o tronco da árvore que existia em frente à residência do ex–capitão Joaquim
José é emblemático e reforça sua narrativa de autenticidade do grupo. Para o capitão Geraldo, os ex–
líderes do grupo eram mais que capitães, eram mestres, o que é, talvez, uma peculiaridade em relação
às outras congadas, conforme costuma acrescentar.
O mestre é que possui os conhecimentos e se encarrega de transmiti–los a outros interessados,
assegurando assim a continuidade da prática. Nesse sentido, o capitão Geraldo sabe o que está
afirmando quando remete aos antigos mestres. Todos os ensinamentos foram repassados através dos
aspectos sensíveis, dentre eles, a oralidade. “É o caso das cantigas que estão guardadas apenas na
memória”, afirma o capitão. Os saberes sobre a prática, acumulados e transmitidos às gerações futuras
ao longo dos tempos, também caracterizam a dança de Langra como diferente dos demais grupos de
congado. Alguns, segundo o capitão, são criados por pessoas que nunca tiveram contato com
congadeiros.
A respeito da transmissão dos saberes dos antigos Mestres, Maurílio Mendes, que não se considera
congadeiro, mas ajuda na organização da festa do congado na comunidade, afirmou que o capitão
possui um vasto conhecimento empírico, acumulado a partir da vivência com os antigos mestres, porém
não tem paciência para transmitir ao público mais jovem. Maurílio é servidor da Caixa em Congonhas e
reside no distrito de Alto Maranhão há alguns anos e ajuda o capitão Geraldo na organização do grupo.
Atualmente, realiza uma pesquisa documental nos arquivos do cartório do distrito, para obter mais
informações a respeito da genealogia dos antigos mestres que introduziram a manifestação na
localidade.
Para o capitão, a comunidade aprecia a festa e vê o grupo como algo importante, o que aparece no
apoio das pessoas, seja através de doações para a festa, seja como voluntários na cozinha. Porém, o
importante mesmo é se Nossa Senhora do Rosário gosta. O grupo também participa da festa do terno
Sereia Azul, do capitão Wando, no bairro Residencial, em Congonhas:
“Alguns gostam, outros diz que gostam, mas o que interessa é Nossa Senhora do
Rosário gostar! Se eles gostou, bem, se não gostou... Se Nossa Senhora do
Rosário gostou, não tá fazendo mal para ninguém!” (Capitão Geraldo Evaristo,
em entrevista realizada na sua residência, no distrito de Alto Maranhão, em
20/09/2017).
Os uniformes usados pelo grupo seguem as mesmas características dos “antigos”. São compostos por
calças e camisas brancas e capacetes enfeitados com fitas coloridas, espelhos e galhos artificiais, que o
capitão chama de “palma”.
As “cantigas”, termo usado pelo capitão para se referir aos cânticos entoados durante os momentos
festivos, foram criadas pelos mestres e revividas durante o processo de resgate da dança de Langra no
291
início dos anos 2000, após 30 anos sem atividade. O capitão Geraldo comanda o grupo em vários
aspectos –– é de sua responsabilidade observar a conduta dos dançadores, o ritmo das batidas e,
principalmente, puxar os cânticos. Aquele que se encarrega da cantoria é chamado de tirador. Na
verdade, ele possui conhecimentos sobre percussão e, como se costuma dizer de pessoas que estudam
música, possui os “ouvidos treinados”.
O gosto pela música é uma tradição de família, pois, como afirmou o capitão, seus avós, paterno e
materno, eram músicos. Hoje, ele não integra mais a banda de música do distrito; optou por se dedicar
ao grupo. O conhecimento técnico musical que o capitão acumulou nas aulas é utilizado para compor a
harmonia da percussão dos instrumentos da dança:
“São todas muito boas! A marcha, na passagem, é quase o mesmo batido! Mas,
na passagem, é dois tempos só, binário! E aqui é quaternário! Aqui é quatro
tempos! É um dobrado, uma marcha, e um batuque, uma marcha e um dobrado
só! Elas todas são bonitas, são... ué! O tirador tira a primeira parte, o coral
[dançadores] responde! E aí o tirador tira a segunda parte e o coral
corresponde! Sempre a primeira, coral não responde com o tirador.” (Capitão
Geraldo Evaristo, em entrevista realizada na residência, no distrito de Alto
Maranhão, em 20/09/2017).
A festa acontece em um fim de semana. Em 2017, correu nos dias 13, 14 e 15 de outubro. Na sexta–
feira, há o hasteamento do mastro de Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia no adro da Igreja de
Nossa Senhora d’Ajuda, seguido da reza da ladainha. No sábado pela manhã ocorre a alvorada, quando
o grupo percorre as ruas do distrito, anunciando a festa.
Após isso, dirige–se à residência dos reis, para formar o Reinado. À noite, há uma missa e a coroação
dos reis. No domingo, após recepcionar os grupos visitantes, juntos, desfilam pelas ruas. Ao meio–dia,
há um intervalo para o almoço, no salão paroquial. No fim da tarde, outra missa, e encerra–se com a
procissão com as imagens de Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia, o Reinado e os grupos pelas
principais ruas da cidade.
Além das dificuldades já apontadas por Maurílio, integrante do grupo, que dizem respeito ao modo
arisco como o capitão transmite os saberes sobre a dança de Langra, e que afugenta as crianças de
participar do grupo, que também enfrenta problemas com a escassez de dançadores que se
converteram ao protestantismo. Segundo o capitão Geraldo, os filhos do Mestre e ex–capitão Luiz
Severo, que poderiam participar e fortalecer o grupo, são crentes; um deles, até, é pastor evangélico.
Em relação ao apoio do Poder Público local, o capitão afirmou que a Fundação de Cultura e Turismo do
município tem ajudado em situações pontuais, como doação de uniformes e disponibilização de
transportes para a realização de algumas visitas. Conforme informou o presidente do Conselho
Municipal de Cultura, Maurício Geraldo Vieira, durante visita realizada à sede da Fundação de Cultura e
292
Turismo de Congonhas (FUNCULT), o grupo Dança de Langra encontra–se em processo de pesquisa, fase
que antecede o Pedido de Registro do bem. O objetivo da instituição é tornar a manifestação um
patrimônio cultural em nível local.
No campo das políticas de preservação do Patrimônio Cultural Imaterial, o município de Congonhas
exerce uma participação ativa. Na esfera local, destaca–se por dar início ao processo de reconhecimento
da dança de Langra como um bem cultural. E, em nível nacional, conduziu a anuência enviada ao IPHAN,
solicitando o Pedido de Registro do Ofício de Quitandeiras10.
6.10.3.2 Congado Marujos Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia
Capitão Luiz Bento da Silva, 48 anos
A banda Marujo Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia está na família “Longuinho” há, pelo menos,
cinco gerações. Seus descendentes vieram da África para trabalhar nas minas de ouro da região, em
1863. A Zona da Mata, incluindo Congonhas e Lafaiete, é considerada o marco histórico–espacial da
tradição do folguedo. De acordo com o capitão Luiz Bento, há matrizes da guarda espalhadas por vários
municípios da região, como Alto do Rio Doce, Miguel Burnier (distrito de Ouro Preto), Itabirito e Rio
Acima.
Em 1963, José Longuinho, vindo de Lafaiete, fundou uma matriz da Banda de Marujo em Congonhas,
nomeando–a de Banda de Marujos Senhora do Rosário e Santa Efigênia. Somente 10 anos após sua
fundação, é que o grupo foi registrado:
“A guarda de Congonhas já tinha mais de 30 anos que ela já não existia! O meu
pai chegou aqui e levantou ela! Nós temos até hoje as primeiras atas de reunião
de 1963. Eles dançaram muito tempo sem fazer registro nenhum! A banda só foi
em 1977.” (Capitão Luiz Bento, em entrevista realizada no Hotel Os Profetas, em
21/09/2917)
Luiz Bento representa a quinta geração de capitães da banda, e está no comando do grupo há 22 anos,
após o falecimento de seu pai, José Longuinho, em 1995. Atualmente, trabalha numa empresa de
mineração como técnico em refrigeração, assim como artesão e mecânico. Durante alguns anos, foi
representante do movimento negro em Congonhas, onde coordenou, em nível local, o Programa Griô,
criado pelo Ministério da Cultura para apoiar os mestres da cultura popular. No período em que esteve
à frente do projeto, fazia oficinas e palestras nas escolas do município, além de participar de encontros
em Brasília.
Antes de assumir o posto de liderança, já dançava na banda, juntamente com seus dois irmãos mais
novos. Além de assumir a função de primeiro–capitão, Luiz presidia o grupo, juntamente com sua
esposa, que atualmente ocupa a vice–presidência da entidade. Como capitão, as funções que lhe
10
O Pedido de Registro do Ofício das Quitandeiras de Minas Gerais foi requerido pela Secretaria de Cultura do
Município de Congonhas (MG), com a anuência de 44 quitandeiras dos seguintes municípios mineiros: Congonhas,
Ouro Preto, Piranga, Sabará, Ouro Branco, Entre Rios de Minas, Itabirito, Jeceaba, São Brás do Suaçuí, Barão de
Cocais, Lagoa Dourada, São Gonçalo do Rio Abaixo, Conselheiro Lafaiete e Belo Vale. Fonte: Superintendência do
IPHAN/MG.
293
competem dizem respeito à organização do grupo, as danças, os cânticos, as performances ritualísticas
como um todo. Por outro lado, na posição de presidente, compete–lhe realizar os ensaios, reuniões e
representar os demais integrantes perante o Poder Público e a Igreja.
Embora a Banda de Marujos tenha Registro e Estatuto, que regem sua organização, não dispõe de uma
sede própria para realização de reuniões, ensaios e, principalmente, de um espaço destinado a guardar
os instrumentos e os adereços. Sua residência é a sede do grupo. Nesse sentido, ele entende que o
Poder Público local deveria destinar algum recurso à manutenção das guardas. As reuniões acontecem
quinzenalmente, e os ensaios, uma vez por mês. A entidade realiza dois tipos de reuniões, ordinárias e
extraordinárias. “No que tange à caracterização visual da banda, não existe uma rigidez quanto às cores
e modelos das fardas, inclusive o próprio estatuto não referencia nenhuma proibição nesse sentido”,
disse o capitão Luiz:
“A farda do marujo não tem necessidade de ser tudo branco, mas nós temos a
liberdade dada no documento, que podemos usar branco, azul e até o preto.
Nos últimos tempos, resolvemos inovar: fizemos a farda da cor verde.” (Capitão
Luiz Bento, em entrevista realizada no Hotel Os Profetas, em 21/09/2917).
De modo geral, os uniformes usados pelo grupo são calças e camisas e tênis branco ou azul. Como
adorno, usa–se na cabeça um quepe militar enfeitado com lantejoulas e miçangas. Grande parte das
tarefas, que inclui a costura de fardas e enfeites dos chapéus, fica a carga de sua esposa, vice–
presidente da Associação:
“Todos esses enfeites no chapéu representam os nossos antepassados, que
trabalhavam nas minas. Na época, eles sujavam o cabelo com o pó do ouro e
depois lavavam para poder apurar e construir muitas outras igrejas.” (Capitão
Luiz Bento, em entrevista realizada no Hotel Os Profetas, em 21/09/2917).
Alguns instrumentos de percussão, principalmente as caixas usadas na banda, são confeccionados pelos
próprios integrantes. São caixas de vários diâmetros, entre elas, as caixas de repiques, caixa de centro e
a caixa de retumbo. Todas elas, feitas de madeira compensada. De acordo com o capitão Luiz Bento, na
época de seu pai, as caixas eram entalhadas no tronco de embaúba:
“E pra preservar a natureza, até o cipó que a gente usava pra fazer o arco, hoje,
deixamos de usar! Usamos o compensado naval, couro de cabrito, corda de
nylon ou de algodão. Optamos por não envernizar os instrumentos, deixamos da
cor da madeira mesmo.” (Capitão Luiz Bento, em entrevista realizada no Hotel
Os Profetas, em 21/09/2917)
A guarda de marujo é composta por homens, mulheres e crianças; atualmente, conta com
aproximadamente 35 dançadores. A maioria de seus integrantes são pessoas da família Longuinho e da
comunidade. O calendário festivo começa no mês de janeiro, em Ouro Preto, quando se homenageia
Chico Rei. Têm início então as atividades festivas com a “paga de visita”. Em seguida, dá–se um intervalo
durante o período da quaresma, retornando após a Semana Santa. “Geralmente, costuma ser o segundo
domingo depois da Páscoa”, enfatizou Luiz Bento.
294
Além da festa de Reinado em Outro Preto, no mês de abril, o grupo participa da festa de Nossa Senhora
do Rosário, São Benedito e Nossa Senhora Aparecida, que acontece em Aparecida, interior do Estado de
São Paulo. No mês seguinte, em maio, o grupo prestigia a festa de Reinado no município de Congonhas.
Em outubro, os marujos também participam da festa de Reinado do distrito Alto Maranhão, onde está
sediada a tradicional Dança de Langra Nossa Senhora do Rosário.
Durante o ano, o grupo recebe vários convites para participar das festividades em homenagem a Nossa
Senhora do Rosário nos municípios vizinhos. Poucos, porém, são atendidos, por falta de recurso para
custear as despesas com os transportes dos integrantes. Sobre essa questão, o capitão lamenta que haja
pouco interesse do Poder Público local em promover a continuidade da tradição. Na opinião dele, os
recursos oferecidos aos grupos de congado, que, aliás, são ínfimos, não são os mesmos que se investem
nos grupos de teatro e na festa do Jubileu do Bom Jesus de Matosinhos.
Para cumprir a agenda de compromissos, o grupo enfrenta algumas dificuldades, principalmente no que
se refere aos custos com os deslocamentos. Segundo o capitão Luiz Bento, o Poder Público, através da
Secretaria de Cultura, não tem dado apoio para que os intercâmbios com outros grupos aconteçam.
Durante o período em que ele esteve na presidência da Associação de Marujos, poucos recursos foram
destinados para a manutenção e continuidade da prática.
O congado, na visão do líder, é um patrimônio cultural que contribui para valorizar o município, mas os
dirigentes públicos não o valorizam. Para o líder, é lamentável o descaso com o congado: “Sempre fica
em segundo, terceiro, ou quarto plano; das despesas, 90% saem do nosso bolso.” Reconhece também
que falta mobilização dos próprios congadeiros de se organizarem para reivindicar seus direitos.
Além das dificuldades enfrentadas pela falta de recursos e interesse do Poder Público municipal, o
capitão Luiz Bento reclama da postura autoritária da Igreja perante os congadeiros. A festa é sempre da
forma que a Igreja quer, não como os dançadores desejam.
6.10.4 OFÍCIO DE QUINTANDEIRAS
Estela Matutina Branca de Oliveira, 65 anos
Derli Bacharel Pereira, 69 anos
Rosangela Rodrigues de Freitas, 53 anos
Antes de apresentar o histórico de cada uma das quitandeiras com as quais a equipe manteve contato, é
interessante contextualizar o Festival de Quitanda de Congonhas. O evento está na 17ª edição e tem
contribuído significativamente para a manutenção, preservação e valorização do ofício de quitandeira
no município e na região.
O Festival de Quitanda de Congonhas é um evento consolidado no calendário festivo local, sendo
referência em gastronomia no estado. Por dois anos consecutivos, o festival foi agraciado com o Prêmio
Eduardo Freire, premiação destinada à gastronomia mineira e aos saberes populares culinários
tradicionais.
295
O evento surgiu por iniciativa da Fundação de Cultura e Turismo (FUNCULT), que, ao perceber a latência
da prática no território, tratou de organizar as detentoras em torno de um festival gastronômico que
permitisse, ao mesmo tempo, valorizar a prática e fomentar renda para a cidade. Um dos objetivos era
resgatar as receitas dos antigos cadernos das avós, que fazem parte da tradição das famílias mineiras.
As anotações sobre as quitandas guardam mais que simples “modos de fazer”: preservam a memória e a
identidade dos grupos; portanto, contribuem para o fortalecimento da identidade cultural. Não é de
espantar que a sala de visita de mineiro é a cozinha, onde a hospitalidade dos donos da casa é traduzida
com a mesa farta de quitandas e doces os mais variados.
Durante o evento, que acontece no terceiro domingo do mês de maio, o Pátio da Romaria em
Congonhas, sede do órgão de cultura, se transforma em “cenário rural”, que transporta ao mundo
encantado de cheiros e sabores de suas vivências na roça. A atmosfera da vida simples do campo é
trazida para o meio urbano, através de elementos que remetem às cozinhas rústicas das quitandeiras de
outrora.
São montados fornos de varrer a lenha, paiol, antigos armazéns, que expõem as mercadorias a granel,
currais com porcos e cabritos e galinheiros. O objetivo é proporcionar aos visitantes múltiplas
experiências que vão além das degustações. Despertam, sobretudo, lembranças afetivas e, portanto,
gastronômicas, que vivenciaram ou que ouviam de seus parentes. São mais de 45 barracas de
quitandeiras de Congonhas e de cidades vizinhas que expõem as merendas sendo produzidas em tempo
real.
Conforme diálogos estabelecidos com os detentores, agentes públicos da Secretaria de Cultura
Municipal e quitandeiras, o festival já é tradição na cidade. Uma tradição, obviamente, inventada, que
tenta trazer para o presente elementos cênicos de um tempo passado distante.
De acordo com Silvana Fialho, uma das coordenadoras do evento, existem quatro modalidades de
premiação:
Prata da casa: só concorrem quitandeiras (os) artesanais de Congonhas;
Comércio especializado: inclui lanchonetes e padarias de Congonhas e da região. Nesse caso,
não exige que os produtos sejam elaborados artesanalmente;
Quitandas regionais: envolvem todas as cidades mais próximas, como Sabará, itabirito, São Brás
do Suaçuí, Jeceaba, Catas Altas, Entre Rios de Minas e outras;
Melhor estande: o festival exige que todas as barracas estejam caracterizadas com decoração
rural, ou que remeta a épocas passadas.
Atualmente, o grupo de quitandeiras(os) chega a mais ou menos 50 integrantes, contando com as
associações de bairro, grupo da terceira idade, as rotarianas, sem mencionar as quitandeiras que
possuem estande para expor seus produtos, e que, não necessariamente, estão concorrendo no festival.
Para concorrer à premiação do festival, as quitandeiras(os) devem preparar como presente,
antecipadamente, no período de inscrição, uma receita inédita.
296
Como bem afirmaram ROBSBAWN & RANGER (1984), “nenhuma tradição surge do nada”, isto é, todo e
qualquer evento que persiste no presente, que, na maioria das vezes, guarda vestígios do passado, foi,
de algum modo, inventado. Com o Festival de Congonhas, como se viu anteriormente, não é diferente:
além de dedicar atenção especial às quitandas originadas das receitas dos “tempos da vovó”,
introduziu–se, no festival, o chá de congonha, que é servido com as quitandas.
A propósito, foi essa planta que deu origem ao nome da cidade de Congonhas do Campo. Trata–se de
uma erva nativa da região, que nasce nos arredores da cidade e nos terrenos vazios. Porém, atualmente,
não é encontrada com a mesma facilidade de tempos atrás; segundo informações colhidas, há fortes
indícios de que a planta já esteja em extinção. A hipótese mais aceita é que os resíduos sólidos (poeiras)
emitidos pela atividade mineradora no entorno da cidade estão contribuindo para sua extinção.
“Na minha família, não havia o hábito de tomar café, e sim quitanda com chá de
congonha. Esse costume também se dava porque a gente se alimentava com
muita comida ‘reimosa’, como carne de porco e manga, e usava o chá de
congonha e de panaceia como depurativo. A congonha é um arbusto com uma
folha verde na parte de cima e branca acinzentada, e aveludada na parte de
baixo. É um depurativo do sangue. A minha família inteira utilizava esse chá.
Sempre era quitanda com esse chá. É uma planta nativa, que não pode ser
cultivada. Eu sempre fiz esse chá, e introduzi no festival, desde o primeiro ano.
Reparei que as pessoas da cidade perderam o hábito de tomar esse chá.”
(Zezeca, em entrevista realizada na sede da FUNCULT, na Praça da Romaria, em
21/09/2017)
O Festival de Quitanda de Congonhas tem contribuído, dentre outras coisas, para expandir a visão do
Poder Público local para além do patrimônio material, consubstanciado nas edificações barrocas,
representadas pelas igrejas tombadas. Segundo os organizadores, o turismo em Congonhas não é igual
ao que acontece em outras cidades vizinhas, como Ouro Preto, Mariana e Tiradentes, onde os visitantes
permanecem por vários dias nas localidades, o que faz movimentar a economia local.
Em Congonhas, os turistas estão de “passagem” –– muitos deles, quando visitam a área da Basílica do
Bom Jesus de Matozinhos e as estações dos Passos com as obras do artista barroco Aleijadinho, nem
sequer descem dos ônibus. O festival estival, além de valorizar práticas culturais que estão latentes na
região, movimenta a economia local, destacaram.
E foi por perceber a latência do Festival de Quitanda e sua importância como referência cultural para a
região, que o FUNCULT, juntamente com outros municípios participantes do evento, entraram com
297
anuência no IPHAN, solicitando que o Ofício de Quintandeira de Minas Gerais seja registrado como
Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro11.
Segundo a quitandeira Rosangela, que é uma das articuladoras do grupo, a atual secretária de Cultura
municipal, Mírian Lúcia Palhares Silva, uma das idealizadoras do festival há 17 anos, é bem visionária e
tem uma relação muito boa com as quitandeiras. Ressaltou também a importância da pesquisadora em
gastronomia Juliana Bonomi, que deu sugestão para pedir o registro do Ofício de Quitandeiras.
Vale pontuar que, embora o grupo ainda não seja formalizado como associação ou algo nesse sentido, o
envolvimento afetivo e o compromisso dos detentores com a prática são bastante coesos. O
engajamento com as questões que envolvem tanto o festival quanto as políticas de reconhecimento do
ofício é, de fato, apropriado pela equipe. Nesse sentido, o papel do Poder Público local, através da
Secretaria de Cultura, é primordial.
Na tarde do dia 19/09/2017, a equipe de pesquisa teve a oportunidade de acompanhar uma reunião
com a presença de 12 quitandeiras(os) de Congonhas, a Secretária Municipal de Cultura, Mírian Lúcia
Palhares Silva, a analista de Comunicação e Relações com Comunidade da empresa Vale, Cynara Pereira,
e a professora e coordenadora do Projeto de Extensão Mídia Cidadã do Centro Universitário de Belo
Horizonte (UNI–BH), Virgínia Borges, conforme a lista de presenças nas Figuras 6.188 e 6.189.
As pautas do encontro eram para discutir, dentre outros assuntos, a construção da identidade visual do
grupo de quitandeiras(os), que, por mais organizada pareça estar, ainda não possui um nome e
logomarca. É importante destacar que, além do apoio do Poder Público local, o Festival de Quitanda
possui alguns parceiros, como a mineradora VALE, a CSN Mineração S.A. e outros patrocinadores locais.
11
A solicitação de Registro do Ofício das Quitandeiras de Minas Gerais foi requerida pela Secretaria de Cultura do
Município de Congonhas–MG, com a anuência de 44 quitandeiras dos seguintes municípios mineiros: Congonhas,
Ouro Preto, Piranga, Sabará, Ouro Branco, Entre Rios de Minas, Itabirito, Jeceaba, São Brás do Suaçuí, Barão de
Cocais, Lagoa Dourada, São Gonçalo do Rio Abaixo, Conselheiro Lafaiete e Belo Vale. Os estudos que embasarão o
Registro estão em andamento desde o ano de 2015.
298
Figura 6.188 – Lista das quitandeiras de Congonhas presentes na reunião. Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
299
Figura 6.189 – Reunião com as quitandeiras, representantes da Secretaria de Cultura de Congonhas. Na
ponta da mesa, do lado esquerdo, a representante da empresa de mineração Vale, Cynara Pereira. Na
outra ponta, do lado direito, a secretária de Cultura de Congonhas, Mírian Lúcia Palhares Silva.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
A abertura da reunião foi proferida pela secretária Mírian, que expôs, de forma sucinta, o motivo do
encontro; em seguida, pediu que cada um dos presentes se apresentasse (Figura 6.190). Em linhas
gerais, o objetivo da reunião foi para coletar informações dos próprios detentores acerca do ofício, de
modo que fosse possível traçar um esboço para elaboração de uma marca que represente o grupo no
festival e nas feiras de artesanato de que costuma participar.
Então, cada quitandeira(o) pôde opinar sobre o assunto proposto. Após ouvir as falas de todos os
presentes, e de posse de suas anotações, a professora Virgínia Borges falou que o segundo passo seria a
vinda de uma equipe de alunos do curso de Designer, que fará uma pesquisa de campo nos
monumentos históricos espalhados pela cidade e também nas cozinhas das quitandeiras, para ajudar na
produção da logomarca. A expectativa é que a identidade visual evidencie elementos da cultura material
do lugar e elementos do ofício de quitandeira. (Ver imagem da lista de assinaturas das quitandeiras)
300
Figura 6.190 – Da esquerda para direita: secretária de Cultura de Congonhas, Mírian Lúcia Palhares Silva,
professora Virgínia Borges e Cynara Pereira.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Como se trata de um grupo numeroso de detentores(as), a equipe só conseguiu entrevistar três destes:
Rosangela Rodrigues de Freitas (53 anos), Estela Matutina Branca de Oliveira (65 anos) e Derli Bacharel
Pereira (69 anos).
Rosangela Rodrigues de Freitas é natural de Igarapé (MG), casada, reside em Congonhas há 42 anos e
vem de família de 13 irmãos. Sua relação com o ofício de quitandeira não difere muito do contexto que
envolve a prática nos municípios pesquisados: desde criança, observava sua mãe no preparo de
quitandas, que fazia parte da sobrevivência das famílias pobres residentes no meio rural:
Relembra que, nessa época, os vizinhos se reuniam para fazer as quitandas, organizados coletivamente.
Cada família preparava suas receitas, usando apenas um forno de varrer para assá–las. Era um dia
diferente, de festa, em que as crianças também ajudavam. “Na época, usava o forno de varrer, a lenha.
Reuniam vários vizinhos para assar as quitandas num dia só”, comentou a quitandeira (Figura 6.191).
301
Figura 6.191 – Quitandeira Rosângela expondo suas quitandas (bolo de fubá e biscoito de nata).
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Apesar de ter vivenciado a produção de quitandas desde a infância, ajudando sua mãe em alguns
momentos, só passou de fato a produzir as quitandas para o consumo interno quando casou e
constituiu família. Havia levado consigo as receitas de sua mãe, anotadas num caderno. Na época, ainda
não as fazia com intuito de comercializar, era apenas para diversificar a alimentação servida durante os
cafés da manhã e os lanches da família. Apesar de fazer uso de fornos elétrico e a gás, percebe–se muita
diferença entre a quitanda assada no forno de varrer e no forno movido a eletricidade: “Uma broa que
asso em 40 minutos no forno a gás, em casa, eu gasto 15 minutos no forno de varrer. Gente, é para
assar as quitandas durante o festival. Ainda vou mandar fazer um forno de varrer aqui em casa.”
(Rosângela, em entrevista realizada na sua residência, em 19/09/2017 – Figura 6.192)
Figura 6.192 – Forno elétrico usado para assar as quitandas.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
302
Durante a conversa com a equipe, a quitandeira mostrou sua coleção de cadernos de receitas –– alguns
manuscritos; outros, em forma de livros; cada um remete a um momento especial de sua vida. Alguns
foram doados por pessoas amigas; outros, comprados. No entanto, a um ela dedica uma atenção
especial, pois, nele, estão escritas as receitas de quitandas que sua mãe fazia. “Tenho um caderno de
receitas que fiz quando ainda era solteira; nele, tenho receitas de minha mãe”, mostrou com emoção
(Figura 6.193).
Figura 6.193 – Cadernos de receitas da quitandeira Rosângela.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
A quitandeira participa do festival desde sua segunda edição, em 2002, quando começou a fazer
quitandas para comercializar na cidade. Disse que sua primeira participação no festival foi um tanto
amadora, pois não tinha noção de como era a dinâmica. Fez alguns biscoitinhos de nata e levou para
expor; em poucas horas, os produtos acabaram. Na época, o festival acontecia em apenas um dia, no
domingo à tarde; hoje, acontece em dois dias, sábado e domingo.
A quitandeira reconhece a mudança dos tempos: não se consegue fazer as quitandas da mesma forma e
com os mesmos ingredientes utilizados por sua mãe quando vivia no meio rural. Embora o modo de
fazer da quitanda seja preservado, algumas mudanças são inevitáveis, como o uso de fornos elétricos ou
a gás:
“Eu procuro usar produtos naturais e orgânicos. Hoje mesmo, é dia da feira do
produtor, onde compro fubá, milho verde e ovos caipiras. Até há pouco tempo,
eu conseguia leite em cru. Tento ao máximo me aproximar dos produtos
tradicionais, mas, quando não dá, compro em supermercado. A nata eu consigo
de um produtor de Belo Vale que traz para mim.” (Rosângela, em entrevista
realizada na sua residência, em 19/09/2017).
Para ela, o festival de quitanda, além de valorizar o ofício de quitandeira como um bem cultural, permite
que muitas mulheres possam ter uma fonte de renda própria, para contribuir nas despesas da família.
Ressalta também o apoio material e logístico que o Poder Público local oferece ao grupo. “Nosso único
investimento se resume à locação das barracas. Água e luz a Prefeitura fornece. Somos muito bem
assistidos pela Secretaria de Cultura, que, inclusive, nos leva a Belo Horizonte para eventos de
gastronomia”, complementou.
303
Rosângela é uma das articuladoras mais atuantes do grupo de quitandeiras de Congonhas. Ela sempre
participa dos eventos e reuniões internas que o grupo realiza, seja para definir estratégias, seja para
participar de feiras de artesanato em Belo Horizonte e na região. Constantemente, faz entregas de
quitandas para os eventos internos da Associação de Aposentados e Pensionistas do Município de
Congonhas e para alguns hotéis da cidade. Também tem participação na rádio local, ensinando aos
ouvintes as receitas tradicionais, e, ainda, dá aulas de culinária.
O grupo não produz quitandas apenas durante o festival –– no dia a dia, presta serviço, fornecendo
quitandas para eventos internos de algumas empresas. “Temos feito muitos coffee break para a VALE
com nossas quitandas. Em vez de contratar um buffet, ela encomenda nossas quitandas”, ressaltou a
quitandeira.
Embora o grupo reúna em torno de 40 pessoas, não há uma associação formalizada que as represente;
cada uma produz as quitandas e as comercializa por conta própria. Um dos motivos para agilizar a
formalização do grupo é justamente para que as compras dos insumos e comercialização das quitandas
aconteçam de modo conjunto. Com isso, será possível comprar um volume expressivo de mercadorias a
preços mais acessíveis.
Além de atuar na informalidade, o grupo não possui sede própria para realizar reuniões e até produzir
as quitandas. Por enquanto, as quitandeiras(os), quando precisam reunir–se, usam as dependências da
FUNCULT, localizada na Praça da Romaria, no bairro Basílica. No entanto, de acordo com o que foi
observado na reunião com os detentores e gestores públicos, o grupo já está bem articulado e
demonstra senso de trabalho coletivo. Na realidade, já realiza ações de salvaguarda, etapa importante
no processo de reconhecimento do bem.
Enquanto o grupo não consegue um lugar onde possa preparar e comercializar, de forma coletiva, as
quitandas, cada quitandeira(o) trabalha sozinha(o), com a colaboração de familiares e ajudantes em sua
própria residência.
A quitandeira Estela, residente no bairro Basílica, prepara e assa, sozinha, as quitandas; em seguida, seu
marido põe–nas num carrinho de mão e sai pelas ruas do bairro, vendendo porta a porta. Já Rosângela
trabalha sozinha, porém, quando recebe grandes quantidades de encomendas –– geralmente, na festa
da padroeira Nossa Senhora da Conceição e na festa do Jubileu do Bom Jesus, no mês de setembro ––,
suas filhas a ajudam.
304
Figura 6.194 – Quitandeira Estela mostrando os tabuleiros e o forno a gás de assar quitanda.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Oriunda de uma família extensa (de 13 irmãos), Estela teve seu primeiro contato com o ofício de
quitandeira ainda criança, primeiramente, observando sua mãe a preparar quitandas; depois, ajudando–
a, juntamente com os irmãos. No início, contou ela, “mais brincavam fazendo bonequinhos de massas
de quitanda e pondo–os para assar, que propriamente ajudavam”. Mas, logo, com pouca idade,
começou a operar sozinha fornalhas de quitandas. Até casar–se, aos 21 anos, a função de fazer
quitandas estava sob sua responsabilidade. Nessa época, as merendas mais comuns eram broas de fubá,
brevidade, biscoito de polvilho, rosquinha de sal amoníaco e biscoito de amendoim.
Quando se casou, veio morar em Congonhas, e continuou fazendo quitandas para a família, já que,
mesmo morando na cidade, não tinha condições financeiras para comprar o pão de padaria. Preparava
as merendas no fogão de varrer, no quintal da casa que seu marido construíra:
“É porque, quando os meninos [filhos] eram pequenos, aí eu fazia quitandas só
pra casa, comprava os mantimentos para fazer as merendas e estocava. Depois
eu pedi a minha vizinha pra me ensinar a fazer o pão. Aí comecei a fazer o pão e
as quitandas, e passei a vender na rua e na feira, com meu esposo.” (Estela, em
entrevista realizada na sua residência, em 21/09/2017. Grifo nosso)
Além das quitandas tradicionais que aprendeu a fazer com a mãe durante as vivências no meio rural, ao
longo dos tempos, foi aprimorando e diversificando as merendas. Primeiro foi o pão, que aprendeu a
preparar com uma vizinha; depois ampliou a produção de quitandas, introduzindo novos produtos:
rosca de mandioca, pão integral, bolo de batata e bolo de iogurte. A quitandeira prepara suas quitandas
nas quintas e sextas–feiras, para vendê–las na feira livre, aos sábados.
O marido, que é aposentado, ajuda–a, conduzindo as mercadorias no carro de mão, até o local de
comercialização. Com exceção desse tipo de ajuda, todo o processo de produção de quitanda, como a
mistura dos ingredientes, amassar e assar, é feito exclusivamente pela quitandeira. Outra forma de
distribuição das merendas se dá através de encomendas de moradores do bairro.
Estela faz questão de mencionar que as quitandas são elaboradas manualmente, sem auxílio de
batedeira elétrica. “O calor das mãos dá um sabor diferenciado na merenda”, ressalta. No entanto, ela
305
afirma que teve de adaptar algumas mudanças no ofício, como o uso do fogão a gás e freezers para
armazenar alguns ingredientes, como leite e a nata que compra direto do produtor rural (Figura 6.195).
Aliás, esses são os únicos ingredientes usados no preparo das quitandas que consegue da roça; os
demais, como fubá, o polvilho e a manteiga, são comprados nos mercados da cidade.
Figura 6.195 – Insumos utilizados na produção de quitandas: leite, nata e manteiga, acondicionados no
freezer. Ovos caipiras comprados na zona rural.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
A outra quitandeira com quem a equipe manteve contato foi Derli Bacharel Pereira, que é viúva e reside
com a filha Claúdia. É neta de imigrantes italianos que vieram para Minas Gerais, trabalhar na lavoura de
cana–de–açúcar, nasceu e viveu em comunidade rural no município de Congonhas. De uma família de
10 irmãos, desde muito jovem, foi trabalhar na agricultura para ajudar os pais. Além das atividades
agrícolas, ajudava a mãe na produção de quitandas:
“Quando criança, eu já ajudava a fazer quitandas. Todos os filhos ajudavam,
desde o plantio, buscar a lenha, até fazer as quitandas. Era tudo pra consumo da
família. Quando era época da colheita de milho, todos os vizinhos se reuniam
para fazer pamonha e curau, todos ajudavam a fazer, comiam e levavam pra
casa.” (Derli, em entrevista realizada na sua residência, em 21/09/2017).
Observa–se que a cadeia produtiva da quitanda era extensa e demandava, além da mão de obra
familiar, a permuta de trabalhos dos vizinhos e parentes, uma espécie de mutirão bastante utilizados
em comunidades:
“Antigamente, para não perder a mandioca, meu pai fazia muito polvilho; então
fazíamos muitas quitandas de polvilho. Após o almoço, fazia broa de fubá na
brasa, colocava na panela e cobria com uma tampa com brasa por cima. Já fazia
para o café da tarde.” (Derli, em entrevista realizada na sua residência, em
21/09/2017).
Muito dos saberes que envolvem o ofício de quitandeira ela aprendeu com os pais; por outro lado,
também atribui parte dos saberes ao senso de curiosidade, que afirma ser bastante aguçado –– o que
significa dizer que, ao longo das vivências com outras pessoas, seus saberes foram sendo aprimorados.
306
Da convivência com os familiares, aprendeu a confeccionar bolos, broas, biscoito de polvilho, biscoito
misturado, rosquinhas, roscas e brevidade. Nessa época, acrescentou a quitandeira: “A gente não tinha
acesso a farinha de trigo; produzia tudo com fubá, polvilho e farinha de mandioca. Dá para fazer de tudo
com mandioca e inhame. Vim conhecer a farinha de trigo com uns 16 anos”. Ainda sobre a vivência
rural, Derli diz que a família produzia a maioria dos produtos que precisava para sua subsistência:
Aos 19 anos, Derli veio morar na cidade, onde permaneceu até casar, aos 23 anos. Em seguida, retorna
para a zona rural, onde viveu por 10 anos. Além de trabalhar na agricultura e com criação de animais de
pequeno porte, como porcos e galinhas, a quitandeira deu prosseguimento ao saberes do ofício,
transmitido pelos pais na fase de criança. “Na época do sítio, eu fazia as quitandas em forno a lenha; na
verdade, era forno de cupim. A gente ficava observando quando o cupim abandonava o cupinzeiro, e
buscava a casa dele para fazer o forno.” (Derli, em entrevista realizada na sua residência, em
21/09/2017 – Figura 6.196)
Figura 6.196 – Quitandeira Derli e sua filha Cláudia.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Pelo que se observou durante a pesquisa com a quitandeira, há ligação entre as merendas e as festas
tradicionais. Para a quitandeira Derli, apesar de não faltar quitandas em casa, no período do Natal, as
quitandas eram feitas com mais capricho: “No Natal, a família, muito grande, se reunia. Fazia muitos
doces de coco e de laranja–da–terra para festejar o nascimento de Cristo.” (Derli, em entrevista
realizada na sua residência, em 21/09/2017).
307
Com a morte do marido, Derli retorna para cidade de Congonhas, onde continua a fazer as quitandas.
No entanto, além das merendas tradicionais, também fazia, para vender sob encomenda, bolos
decorados para casamentos e aniversários. No início, produzia as quitandas no forno de varrer a lenha,
mas, com o tempo, o acesso ficou difícil, o que a fez substituí–lo pelo forno a gás.
Derli atribui à curiosidade o fato de ter entrado para o grupo de quitandeiras de Congonhas que
participa do festival de quitanda. E que, na verdade, a receita foi inventada, apesar de saber, “de
cabeça”, as receitas de merendas aprendidas com sua mãe. Segundo ela, não gosta de seguir à risca as
receitas; gosta de modificá–las e torná–las diferentes: “Eu vi na televisão a receita de um biscoito, e fiz
ele todo errado, mas foi o maior sucesso. Nós chamamos de “goiabinha beliscão.”
Derli e Cláudia têm uma barraca no Festival de Quitanda; além do biscoito beliscão, expõem vários
outros tipos de quitandas tradicionais. Cada uma ocupa funções diferentes na atual cadeia produtiva de
merendas: enquanto Derli prepara as quitandas e os doces, Cláudia cuida da parte burocrática,
participando de reuniões com a equipe organizadora, decoração do estande e inscrição no evento. Vale
destacar que o ingresso utilizado na inscrição é uma receita inédita. Significa dizer que, meses antes do
evento, acontece uma maratona de testes até que a receita esteja impecável, já que as melhores,
independentemente de serem premiadas, integrarão um livro que é distribuído aos visitantes durante o
festival.
308
6.10.5 MAPA DOS BENS CULTURAIS DE CONGONHAS
309
6.11 OURO PRETO
A Secretaria Municipal de Cultura e Patrimônio de Ouro Preto possui as seguintes atribuições e
competências:
I. Executar a política municipal de Patrimônio e Cultura; / II. Coordenar, promover e
desenvolver projetos de caráter cultural, artístico e patrimonial no Município; / III.
Desenvolver as atividades relacionadas com o Patrimônio e a Cultura; / IV. Efetuar o
levantamento, a divulgação e o fomento das atrações patrimoniais e culturais do
Município; / V. Desenvolver e/ou incentivar a capacitação de pessoal especializado para
serviços ligados ao Patrimônio e Cultura; / VI. Coordenar as ações referentes à promoção e
à valorização dos bens culturais do Município no âmbito da Prefeitura Municipal de Ouro
Preto e junto às demais instituições e à população; / VII. Promover a cultura local a partir de
ações de cunho material ou imaterial produzidas por sua população; / VIII. Promover e
incentivar a realização de feiras, congressos, seminários, festivais e festas culturais típicas; /
IX. cumprir e fazer cumprir as disposições legais pertinentes aos atos e orientações dos
órgãos superiores do Patrimônio e da Cultura; / X. Realizar outras atividades relacionadas
com sua área de atuação; / XI. Fiscalizar a execução de projetos de construção, reforma e
ampliação de imóveis, no sítio tombado pelo Decreto–Lei n° 25 de 1937; / XII. Fiscalizar e
gerir os convênios firmados pelo Município neste setor; / XIII. Apoiar os conselhos
municipais vinculados a esta Secretaria; / XIV. Exercer outras atividades correlatas (OURO
PRETO, 2017).
Sobre os bens inventariados em Ouro Preto, em interface com as práticas culturais relativas às Congadas
de Minas, destacam–se as festas religiosas: festa de Nossa Senhora do Rosário do distrito de Glaura, na
Matriz de Santo Antônio, inventário do ano de 2005 / Festas Religiosas Reinado Nossa Senhora do
Rosário e Santa Efigênia de Antônio Dias no Alto da Cruz / Padre Faria, na sede municipal de Ouro Preto,
inventário do ano de 2010 / festa de Nossa Senhora do Rosário, no Mês do Rosário, na Igreja de Nossa
Senhora do Rosário, na sede municipal de Ouro Preto, inventário do ano de 2011.
Os bens de natureza imaterial registrados em âmbito municipal são: Tradicional Produção de Doces
Artesanais de São Bartolomeu e Festa de Nossa Senhora dos Remédios do Fundão de Cintra, registrados
no ano de 2012, Cavalhada no ano de 2015 e as celebrações do Divino Espírito Santo em São
Bartolomeu e do Divino Espírito Santo em Lavras Novas, registrados no ano de 2016.
Já sobre os bens registrados como Patrimônio Imaterial, em âmbito federal, tem–se, como formas de
expressão, o Toque dos Sinos em Minas Gerais: Ouro Preto, Mariana, Sabará, Catas Altas, Serro,
Tiradentes, Diamantina, Congonhas e São João Del Rei, bem registrado, em 3 de dezembro de 2009,
juntamente com o Ofício de Sineiro, no âmbito federal, pelo IPHAN, além da Roda de Capoeira e Ofício
de Mestres de Capoeira, bens registrados, em 2008, pelo IPHAN.
311
6.11.1 CAPOEIRA E OFÍCIO DE MESTRES DE CAPOEIRA
Durante entrevista com a senhora Maria Aparecida Rita de Cássia Vitorino Coelho dos Santos, conhecida
como Cassinha, no distrito de Amarantina, em Ouro Preto, ela relatou ter conhecimento de aulas de
capoeira no distrito.
As aulas são ministradas pelo professor Adilson, que pertence ao grupo Cativeiro Capoeira (descrito a
seguir), realizadas através de uma parceria com a Paróquia de São Gonçalo, que pertence à Diocese de
Mariana, em Ouro Preto.
Segundo a senhora Cassinha, o professor é do também distrito de Ouro Preto, chamado de Santo
Antônio do Leite, e já faz parte desse projeto há, aproximadamente, seis anos. A paróquia, com recursos
próprios, contribui com uma pequena bolsa ao professor por esse trabalho social.
Essas aulas de capoeira contam com cerca de 30 alunos da comunidade local e acontecem às terças e
quintas–feiras, em Amarantina. Esse trabalho é uma iniciativa da Sociedade de São Vicente de Paulo
(SSVP) e Paróquia de São Gonçalo, que, desde 2009, conta com outras modalidades culturais de aulas,
como violão e flauta.
6.11.1.1 Grupo Ouro Preto Capoeira Angola
Mestre Zé Eduardo – José Eduardo Domingues, 53 anos
O Grupo Ouro Preto Capoeira Angola organizou o Primeiro Encontro de Capoeira Angola de Ouro Preto,
que ocorreu nos dias 22, 23 e 24 de janeiro de 2016, com a ilustre presença do Mestre Moraes e uma
programação de "aulão" de capoeira angola Oficina de toque de berimbau, segundo página do Facebook
de integrante do Grupo.
O grupo, atualmente, está desativado e foi criado por Mestre Eduardo (Figura 6.197), que é historiador
e graduando em Filosofia pela UFOP. Mestre Eduardo também é o fundador do outro grupo de capoeira
de Ouro Preto, o Cativeiro. O lema do Grupo Cativeiro, segundo Mestre Eduardo, é "pra não ser cativo
de ninguém e para desenvolver uma consciência do ouro–pretano da importância do elemento negro na
cultura local e a consciência social." (Zé Eduardo, em entrevista realizada na sua residência, em
21/09/2017).
Figura 6.198 – Roda de Capoeira com os Mestres Eduardo (sentado ao centro, tocando berimbau) e
Kalungueé tocando berimbau (à direita), na Escola Estadual Bauxita.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
312
Outra informação dada por Mestre Eduardo é a que, durante anos, a universidade repassou uma bolsa
para que ele pudesse realizar este trabalho –– abrir, gratuitamente, para a comunidade os
ensinamentos da capoeira em Ouro Preto. Atualmente, esse incentivo foi cancelado. E continua o seu
relato: "O local das aulas acontecia abaixo do cinema, na Rua Álvares de Brito; antes, era onde,
atualmente, funciona o estacionamento do Centro de Convenções da UFOP." (Eduardo, em entrevista
realizada na sua residência, em 21/09/2017)
“Foi, nessa época, que Mestre Kalunguee foi meu aluno. O primeiro batizado em
Ouro Preto com a presença do Mestre Miguel. Na época, existiam muitas
federações, como a Federação Paulista de Capoeira, que era afiliada com a
Federação Brasileira de Pugilismo e muito ligada à ditadura militar. E o Mestre
Miguel se opôs a isso, tendo uma visão diferente do papel da capoeira – como
elemento de luta, sim, mas contra o poder que oprimia nosso povo.” (Eduardo,
em entrevista realizada na sua residência, em 21/09/2017).
Em 2005, quando formou o Grupo Ouro Preto Capoeira Angola, teve uma posição de querer valorizar a
capoeira angola: "Esse nome surgiu de uma conotação de ‘Outro Preto’, pois aquele ouro de metal já
levaram, embora tenham deixado só buracos e mazelas sociais no lugar." (Eduardo, em entrevista
realizada na sua residência em 21/09/2017). Ainda ressaltou:
“Pois se hoje o gringo vem na cidade de Ouro Preto e deixa dinheiro na cidade é
por causa desse ‘outro preto’ que fez tudo isso aqui, vem comer comida típica,
vem ver congado e vem ver capoeira, mas estes nunca foram reconhecidos.”
(Eduardo, em entrevista realizada na sua residência, em 21/09/2017).
O Grupo Ouro Preto Capoeira Angola surgiu no Morro São Sebastião (morro mais alto da cidade): "Para
eu preservar mais, com minha família, alguns amigos. Me formei mestre no grupo Cativeiros, formei
Mestre Kalungueé, que hoje espalhou essa capoeira por todo Ouro Preto, e fui me dedicar ao grupo
Ouro Preto Capoeira Angola." (Eduardo, em entrevista realizada na sua residência, em 21/09/2017).
“Mas, após a última vinda de Mestre Miguel, comentei a vontade de ir a Ilhéus e aproximar o contato
com o Grupo Cativeiro novamente”, comentou Mestre Eduardo durante a entrevista.
Questionado sobre a diferença entre a capoeira Angola e a Regional, Mestre Eduardo explicou:
"A capoeira Angola vem de uma vertente que inicia com Mestre Pastinha, mas
também de Mestre Waldemar, e foi a capoeira que existia até 1937 mais ou
menos, pois foi quando Mestre Bimba registrou a Luta Regional Baiana e deu
desenvolvimento mais nacional para a capoeira, com alunos brancos, estudantes
e as federações, como havia comentado antes, com a vertente da Capoeira
Regional." (Eduardo, em entrevista realizada na sua residência, em 21/09/2017).
Mestre Eduardo, ao falar desse assunto, relembra um ensinamento que o Mestre João Pequeno deu ao
seu Mestre Miguel Machado, quando disse que, na juventude, o seu braço era do tamanho de sua
perna, fruto do trabalho pesado de pedreiro, mas que, com o tempo, murchou. Com isso, ele quis dizer
que o conhecimento da capoeira não depende de força muscular, pois força está na mente. Mestre
313
Eduardo conclui dizendo que "então, a capoeira Angola não tá na força, são movimentos mais naturais."
(Eduardo, em entrevista realizada na sua residência, em 21/09/2017)
Os instrumentos usados nas rodas de capoeira são: três berimbaus (berra boi ou gunga, o médio e o
viola para fazer solo), dois pandeiros (alegria), agôgô e reco–reco (harmonia) e atabaque (firmeza).
Sobre a madeira usada na confecção de berimbau, Mestre Eduardo reflete: "...muito se diz de madeira
ecologicamente correta, mas o berimbau mais sustentável é aquele que dura 20 anos, pois tem uma
madeira boa, e assim ele se torna sagrado e usado por tanto tempo... aqui está o ecologicamente
correto." (Eduardo, em entrevista realizada na sua residência, em 21/09/2017).
6.11.1.2 Associação Desportiva e Cultural Cativeiro Capoeira
Mestre Kalungueé – Luiz Henrique Fonseca Moutinho, 44 anos
Em Ouro Preto, há a filial da Associação Desportiva e Cultural Cativeiro Capoeira, fundada em 1978. A
sede do grupo situa–se na Praça Tiradentes (Figura 6.199), Centro do município, no Centro Acadêmico
da Escola de Minas (CAEM).
Figura 6.199 – Roda de Capoeira: treinos do grupo Cativeiro no CAEM. Mestre Kalungeé (tocando
atabaque).
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
A Associação Desportiva e Cultural Cativeiro Capoeira conta com mais de 100 mestres, contramestres,
professores, instrutores e monitores. Distribuídos em cidades do interior e nas capitais dos estados do
Amazonas, Goiás, Rio Grande do Sul, Ceará, Paraná, Santa Catarina, Bahia, Minas Gerais, Vitória, Espírito
Santo, São Paulo e em países, como a Alemanha, Bélgica, Holanda, Moçambique, Espanha, Inglaterra,
Uruguai, México, Bolívia, Peru, Chile, Portugal, Canadá e Austrália12.
Na entrevista com o capoeirista Luis Rafael Silva, no CAEM, foi possível conhecer os instrumentos que o
grupo usa, conforme apresentam a Figura 6.200 e a Figura 6.201, tais como: atabaques, pandeiros,
berimbau, bastões para dança do Maculelê, facões, além da própria estrutura física do CAEM, que tem
um bom espaço, banheiros e fácil acesso.
12
O contato da sede nacional da Associação Desportiva e Cultural Cativeiro Capoeira é Rua Santa Luiza, 1.239,
Ilhéus–BA – CEP 45.650–000 – Brasil / Contatos: +55 (X) 73 3639–0395 E–mail: adccativeiro@yahoo.com.br Site:
http://capoeiracativeirovitoria.webnode.es, através do seu fundador, Mestre Miguel Machado.
314
Figura 6.200 – Instrumentos e logomarca do grupo do Cativeiro Capoeira no CAEM, em Ouro Preto.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Figura 6.201 – Instrumentos e sede do grupo do Cativeiro Capoeira no CAEM, em Ouro Preto.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
As aulas ou treinos acontecem às segundas e quartas, a partir das 19h30, no CAEM. Às sextas–feiras, às
19h30 horas as aulas são abertas ao público, além de incorporar outros grupos e capoeiristas de Ouro
Preto. Essa roda é tradicional e muito conhecida na cidade e já ocorre há muitos anos, segundo Luís
Rafael Silva. Complementando, segundo Mestre Kalungueé, a roda acontece há mais de 30 anos em
Ouro Preto.
O Mestre Kalungueé, que está no Grupo Cativeiro desde 1983, é natural de Ouro Preto. Mestre
Kalungueé começou a praticar capoeira com 9 anos de idade. Numa idade, segundo ele, “que quase não
havia crianças na capoeira, pois era tida como coisa de malandro”. Até sua própria família, no início, não
o apoiou muito, mas, quando ele foi se formando, até o pai já falava o contrário, pois sabia sempre onde
ele estava (querendo dizer que não ficava nas ruas): “... o menino está lá na capoeira”. Nesse sentido,
Mestre Kalungueé disse que a capoeira contribuiu muito, inclusive no incentivo aos estudos: “... pois
perdeu média, sai da capoeira.”
Mestre Kalungueé formou–se professor em São Paulo; depois foi morar no Rio de Janeiro, onde deu
aula desde os 16 anos. Em seguida, morou em Ilhéus (BA) e conheceu o fundador do Grupo Cativeiro, o
315
Miguel Machado. O grupo já havia sido criado em Itabuna, na Bahia, com sede na Ilha de Itaparica, São
Paulo e se desenvolveu e expandiu no Brasil e no exterior.
Sobre ter o título de mestre, Kalungueé disse:
“Se tornar mestre, ou seja, quando é capaz de transformar uma planta em uma
árvore. Mestre é aquele que aprende tudo com todos... é o transformador. E
quem diz se você é mestre é a sociedade, que te reconhece como mestre, mais
que as graduações dentro da capoeira... formar mestre sem ter bagagem boa
de vida, experiência, conhecimento com outros mestres... tem é que saber pra
onde levar os alunos que estão acompanhando.” (Mestre Kalungueé, em
entrevista realizada na sua residência, em 22/09/2017)
O grupo Cativeiro em Ouro Preto tem vários formados, incluindo professores e contramestres. O
trabalho do grupo é para além da capoeira. Segundo Mestre Kalungueé, é um trabalho de resistência. O
grupo Cativeiro em Ouro Preto tem alunos na faixa etária de crianças até idosos, respeitando a
especificidade corporal de cada um, contando com total de 250 alunos –– e já alcançando até 400
alunos nos batizados.
Maculelê, samba de roda, são as práticas culturais agregadas, como puxada de rede, que os capoeiristas
também ajudam na divulgação e prezaram a cultura dessas artes, conhecimento sobre elas e, em
especial, em Ouro Preto, o grupo Cativeiro apoia as Congadas e Moçambique –– já que o Mestre
Kalugueé foi capitão da Guarda de Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia em Ouro Preto.
Os batizados do Grupo Cativeiro Capoeira em Ouro Preto acontecem, normalmente, duas vezes ao ano,
sendo um, com caráter mais local, e outro, mais regional. Nessa oportunidade, realizam encontros com
outros grupos e mestres para aperfeiçoarem e trocarem conhecimentos, conforme folders de
divulgação da Figura 6.202, chamados de Festival da Capoeira.
316
Figura 6.202 – Folders de divulgação dos eventos de Festival de Capoeira em Ouro Preto.
Fonte: Facebook do Grupo (2017).
De acordo com o jornal O LIBERAL (2013), no bairro Saramenha, em Ouro Preto, são ministradas aulas
de capoeira por Márcio, conhecido como contramestre Café, em um trabalho social que atende crianças
e adolescentes da região (Figura 6.203). Márcio é professor de capoeira, formado no Grupo Cativeiro, e
resolveu dar a mesma oportunidade que teve aos jovens de Saramenha, que é seu bairro. Em 2010, ele
começou a dar suas aulas gratuitamente, como um trabalho independente do Grupo em que ele se
formou.
Segundo Márcio, na reportagem do O LIBERAL (2013), ele acredita que a prática da capoeira o ajudou a
se tornar a pessoa que é hoje, e diz que, com o esporte, ele ajuda os jovens da cidade a se tornarem
agentes multiplicadores no futuro. Além das aulas gratuitas do bairro Saramenha, ele ministra aulas em
Mata dos Palmitos, Bandeiras e Manja Légua, mas, infelizmente, devido aos gastos de transporte e
alimentação para esses locais, nesses casos, Márcio cobra uma contribuição dos alunos.
Figura 6.203 – Contramestre Café ministrando aulas, e em apresentação em Ouro Preto.
Fonte: Facebook do grupo (2017) e O Liberal (2013).
317
A metodologia específica do grupo Cativeiro é seguida por instrutor, professor, contramestre e o
mestrado, que tem metodologias de atuação e repasse dos fundamentos básicos, que tem a ver com os
movimentos do meio ambiente em que se vive, para além das técnicas da capoeira; já que o movimento
básico da capoeira é a preparação para a vida, segundo Mestre Kalungueé.
O aluno deve, desde o início, assimilar tudo que lhe for possível, principalmente os nomes dos golpes, os
movimentos e caracteres da luta, toques de berimbau, etc., segundo o site oficial do grupo:
“É respeitada a natureza do corpo, sem forçar a natureza de cada aluno – sem
ter uma aula só aeróbica, mecânica e sem perder a identidade própria de cada
aluno... Então, a metodologia é voltada para o movimento dos animais, as coisas
do cotidiano, o vento, uma árvore... E isso dá um movimento de capoeira. Então
a gente faz um exercício básico de preparação com esses tipos de movimento,
depois desenvolve um trabalho de equipe, e depois vem o trabalho de defesa e
ataque – conversação e diálogo dentro da capoeira, e sempre a gente finaliza
com um bate–papo e um pouco do ritmo da capoeira e a roda, que é tudo isso.”
(Mestre Kalungueé, em entrevista realizada na residência, em 22/09/2017)
Já sobre o uniforme, segundo o site oficial do grupo, são calças no meio da perna, seguras por um
cordão e abadá, de algodão cru. O Grupo Cativeiro adota esse mesmo uniforme, como logotipo–padrão
e nome de cada cidade. Os treinamentos deverão ser sempre devidamente uniformizados, incluindo o
respectivo cordão. Ao aluno, cabe manter limpo e completo o seu uniforme, comparecendo com ele a
qualquer evento do grupo.
O capoeirista entrevistado Luís Rafael Silva também explicou a diferença entre o uso de corda, que
pertence ao estilo mais contemporâneo da capoeira e o cordão, que é feito de lã, utilizado pelo Grupo
Cativeiro Capoeira nos batizados que realiza.
As graduações do Grupo Cativeiro Capoeira revelam–se fiéis às raízes da capoeira ligadas às tradições da
religiosidade afro–brasileira do candomblé, já que eram cordas e tiras que seguravam as calças feitas de
algodão cru, que os negros usavam. Apesar disso, hoje, em dia, muita gente coloca cinto de couro, à
guisa de faixa, corda ou cordão e diz que são mestres de capoeira, mas não seguram suas próprias
calças", ressaltou Luis Rafael Silva. As subdivisões de cores adotadas são: verde, marrom, amarela, verde
e amarela, roxa, verde e branca (monitor), azul (instrutor), vermelha e branca (professor), azul e branca
(contramestre) e branca (mestre).
Outro assunto abordado, durante a entrevista, diz respeito à relação entre legislação e os títulos de
reconhecimento da capoeira como Patrimônio Nacional e da Humanidade. Para o Mestre Kalungueé, o
reconhecimento é positivo, mas não se converte em ações e investimentos para a capoeira. E reclama
que a capoeira não seja “abraçada pelo Poder Público local com investimentos.” (Kalungueé, em
entrevista realizada na sua residência, em 22/09/2017).
318
“A capoeira é hoje, e sempre será, resistência e luta pela desigualdade social e
racial. Ela ajuda muito os jovens a crescer não só fisicamente, mas em todos os
aspectos da vida que a capoeira contribui. E agora, atualmente, a capoeira é
uma arma eficaz na luta contra todas estas coisas que estão acontecendo na
nossa nação. Mas, os negros que praticavam a capoeira tinham essa consciência
e hoje muitos negros, nós, o povo brasileiro (que é a mistura de todas as raças),
a raça humana, né... não tá enxergando isso: que tem que lutar. Pra gente ser
mais feliz e ter um país melhor. E não é só pra nós não, é pras crianças que tão
vindo... [E conclui]... afinal a capoeira é unidade.” (Kalungueé, em entrevista
realizada na sua residência, em 21/09/2017).
Ainda sobre o assunto de investimentos na capoeira, Mestre Kalungueé fala da importância de ter
profissionais da comunidade negra e da cultura popular no Poder Público local, já que somente eles
poderiam ter a sensibilidade e o entendimento para destinar projetos e fazer crescer esse segmento:
“Ser negro é muito mais que uma questão de epiderme – é uma questão social,
e acaba que a educação desse ‘negro’ é diferenciada, pois se aprende muito com
os mais velhos. Exemplo do "Não pise na grama" – forma ocidental de ensinar –
e se fosse na cultura afro "Não pise, a grama é sagrada". Então isso altera a
forma de ver o mundo que está muito acima da cor apenas, que conforma o
sentido de ser negro.” (Kalungueé, em entrevista realizada na sua residência, em
22/09/2017).
6.11.1.3 Grupo Terra Preta Capoeira
Mestre Batata – Francisco Ferreira Guimaraes, 55 anos
O grupo Terra Preta Capoeira, representado por Mestre Batata, é outro grupo de ocorrência em Ouro
Preto. Mestre Batata formou–se mestre de capoeira em 2011 pelo também Mestre Paulo Brasa, do Rio
de Janeiro. Sua trajetória na capoeira contou com 30 anos no grupo Cativeiro, antes de ser do grupo
Terra Preta. Outros mestres de referência para Mestre Batata são Mestre Pim e João Preto de São
Paulo.
Segundo o Mestre Kalungueé, do Grupo Cativeiro, tanto Mestre Batata quanto Mestre Eduardo, do
Grupo Ouro Preto Capoeira Angola, foram formados pelo grupo Cativeiro em Ouro Preto, até então o
único grupo da cidade.
O grupo Terra Preta Capoeira atua nos bairros Taquaral, com, aproximadamente, 60 alunos de idade de
6 a 28 anos; bairro Veloso, na sede de um sindicato; e no bairro Bauxita, espaço perto do campus da
UFOP, com 15 alunos. Durante a entrevista com Mestre Batata, ele contou que seus formandos são que
os ajuda na atuação do grupo na cidade. Já foram formados por ele dois contramestres, três professores
e um monitor.
A metodologia usada pelo grupo Terra Preta Capoeira, segundo Mestre Batata, é "primeiro um
alongamento, trabalhando a articulação toda; fundamentos, onde explica um pouco da história da
319
capoeira; depois é que são ensinados os golpes, ataques e defesa. Por último, é formada a Roda de
Capoeira com os instrumentos e cantos. A Figura 6.204, a seguir, mostra o logo de representação do
grupo e alguns instrumentos.
Figura 6.204 – Logo de representação do grupo Terra Preta Capoeira – “Ainda estamos aqui”, e
berimbaus.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
O grupo realiza seus treinos na Casa de Cultura Negra Alto da Cruz, localizada na Rua Padre
Faria, ao lado da Igreja Santa Efigênia, em Ouro Preto. O grupo possui registro oficial há três
anos e conta com a participação de 20 alunos (Figura 6.205).
Figura 6.205 – Mestre Batata à esquerda, e aula de capoeira na Casa de Cultura Negra Alto da
Cruz.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
O espaço que o grupo usa como sede congrega várias atividades além da capoeira (fotografia,
biblioteca, música, artes), como mostra a Figura 6.206, com os estandartes dos grupos de Congado do
Alto da Cruz em Ouro Preto. Segundo Mestre Batata, "a casa é boa, mas não tem banheiro... realidade
essa que dificulta ações de maior duração nos eventos e aulas, assim como comodidade para os alunos
e visitantes da Casa de Cultura Negra."
320
O imóvel é do período colonial, por isso os banheiros não faziam parte das estruturas internas da casa;
atualmente, eles estão tentando a aprovação de um projeto para construção de banheiros, mas ainda
não possuem recursos nem apoio.
Figura 6.206 – Sede da Casa de Cultura Negra em Ouro Preto, e os estandartes dos grupos de congado.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
O grupo Terra Preta Capoeira participa da Roda de Capoeira na Praça Tiradentes, de 15 em 15 dias; às
vezes, o grupo realiza apresentação para turistas estrangeiros. Segundo Mestre Batata, todo ano, no fim
do mês de agosto, o grupo faz o seu evento de batizado, e no mês de novembro, participa de eventos na
semana da Consciência Negra, através de convites ou iniciativas próprias.
Uma importante questão enfatizada por Mestre Batata sobre a prática da capoeira em Ouro Preto é a
falta de apoio do Poder Público local. Ele contou que o grupo Terra Preta Capoeira solicitou uma
colaboração para alimentação (café da manhã e almoço) para 70 pessoas, para um evento no dia 26 de
agosto de 2017, o IV Encontro Nacional do Grupo Terra Preta, mas foi negado pela Prefeitura Municipal
de Ouro Preto. Segundo Mestre Batata, todas as despesas são mantidas pelo grupo.
6.11.2 TOQUE DOS SINOS E OFÍCIO DE SINEIRO
Sineiro Wilson – Igreja Nossa Senhora das Dores
Gilberto, Samuel, Davi e Rafael – Igreja de Nossa Senhora das Mercês de Cima
O Sr. Wilson Ferreira, de 76 anos, é casado e possui oito filhos. Aposentado pela UFOP, trabalha como
administrador na Igreja de Nossa Senhora das Dores. "Quando chega a época de festa, tem que correr
atrás pra deixar tudo em ordem", ressaltou o sineiro.
O período de festividades e celebrações na Igreja de Nossa Senhora das Dores são: 10 e 11 de janeiro –
Dia de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro; 2 de fevereiro – Dia de Nossa Senhora do Bom Parto e a
festa do Congado, de Nossa Senhora do Rosário, juntamente com a Festa de Chico Rei, também no mês
de janeiro.
321
Acontecem missas na Igreja de Nossa Senhora das Dores às sextas às 19h e aos sábados às 15h. "Fim de
semana – direto. “Aqui trabalha direto, num para pra nada, não tem férias, não tem folga, de segunda a
domingo", conta o Sr. Wilson. Ademais, ele explica que a igreja recebe visitação turística, e "as pessoas
ficam encantadas porque lá de fora, a igreja é muito simples, mas quando entra aqui dentro, vê a
riqueza do Barroco". E continua contando sobre a Igreja:
“Aleijadinho nem era nascido ainda. A gente calcula que essas obras sejam dos
escravos de antigamente. Quem construiu essa capela foi Padre Faria, que era
bandeirante e veio com a expedição de Antônio Dias de Oliveira e passou pelo
Pico do Itacolomi, chegou até o Morro de São João e lá deu a primeira
descoberta de Ouro Preto. De lá, ele conseguiu acoplar todas essas minas e
extraiu o ouro para a construção dessa capela. Tudo aí é ouro, mas tá caindo.
Primeiro tem a madeira em cedro, depois uma camada de gesso, depois vem a
cola e o ouro. É igual à Matriz do Pilar, a basílica de Nossa Senhora do Pilar. A
igreja aqui foi construída de 1701 a 1704 e tem o teto original até hoje.” (Wilson
Ferreira, em entrevista realizada em 23/09/2017)
Seu Wilson aprendeu o Ofício de Sineiro na Matriz de Nossa Senhora da Conceição; lá, ele trabalhava
com o Sr. Geraldo Gomes. Ele morava na casa do oratório da Igreja de Nossa Senhora do Carmo. "Ele (o
senhor Geraldo) chegava lá pra tocar o sino para a missa, e a gente ia atrás dele", conta o Sr. Wilson.
Sobre o Ofício de Sineiro, o Sr. Wilson conta:
“Aprendi a tocar quando tinha 12 para 13 anos, no Santuário de Nossa Senhora
da Conceição, de Antônio Dias. Morava lá. Desde 7 ou 8 anos, já ajudava na
missa de lá como coroinha. Passei a trabalhar na matriz como coroinha, depois
passei a ser sacristão, depois fui seminarista em São João Del Rei e... veio o
casamento, e veio trabalhar na fábrica.” (Wilson Ferreira, em entrevista
realizada em 23/09/2017)
Conforme disse o Sr. Wilson, há diferenças entre o toque fúnebre e o toque festivo: "Quando é festa
simples, são três repiques e um dobre, depois encerra com o remate. Quando é festa de Santa Efigênia,
toca várias vezes, toca meio–dia, toca às 15h e toca à noite, até começar a novena." (Wilson Ferreira,
em entrevista realizada em 23/09/2017).
Nos 35 anos em que está a serviço da igreja, conseguiu duas restaurações: a primeira, em 1994; depois,
2004, com o apoio da Prefeitura; naquela época, o prefeito era Ângelo Oswaldo.
13
“Irmão e irmã” é quem faz parte da irmandade, e o toque ocorre na Matriz de Santa Efigênia.
322
Atualmente, muitas igrejas não tocam mais sinos, cuja linguagem foi deixada por nossos antepassados.
Conta o Sr. Wilson que vários mestres sineiros passaram pela igreja onde hoje ele é administrador.
“Aqui, já tocaram: seu Zé Demessa, seu Zé Donato Neto, Zé Raimundo da Costa. Todos esses seguiram,
mais ou menos, a tradição dos nossos antepassados. Todos eles já faleceram." (Wilson Ferreira, em
entrevista realizada em 23/09/2017).
Já sobre os sinos, o Sr. Wilson relata que "só tem dois sinos: o primeiro, grandão, tá rachado. Foi fundido
pela irmandade de Nossa Senhora do Rosário em 1750. Em 21 de abril de 1960, ele foi a Brasília para ser
tocado durante a posse de Juscelino Kubistchek, e o senhor Amador Gomes que foi levado para tocar."
(Wilson Ferreira, em entrevista realizada em 23/09/2017).
Sobre alguma ação do IPHAN para restaurar o sino, o Sr. Wilson relatou que, por enquanto, não há
manifestação alguma a esse respeito:
“Por enquanto, não. Eu tava pensando em escrever para os deputados e
senadores, pedindo um outro sino, porque esse sino tanto é importante pra nós
quanto para Brasília. Para o Brasil inteiro. Primeiro, porque tocou na morte de
Tiradentes; segundo, porque tocou na posse do Presidente Juscelino. Então
estava pensando em pedir um outro sino para que esse ficasse preservado,
colocando uma plaquinha com toda a história do sino." (Wilson Ferreira, em
entrevista realizada em 23/09/2017)
E sobre o Registro do Ofício de Sineiro e Toques dos Sinos, o Sr. Wilson disse que nada na prática mudou
e enfatiza:
“Pode ter mudado em algum lugar – depende, muitas vezes, da paróquia, do
pároco ou do arcebispo, que têm vezes que não deixa o sino tocar como deve
ser tocado. Já reclamaram várias vezes aqui comigo, mas eu não paro de tocar o
sino porque é ele quem chama cada um de nós para a celebração da missa. Sem
ele, as pessoas não ficam sabendo que terá a missa.” (Wilson Ferreira, em
entrevista realizada em 23/09/2017).
Sobre a transmissão do ofício, ele gostaria de deixar um herdeiro na igreja, mas, até agora, não tem.
Ninguém quer assumir. Conta que não trabalha lá pelo dinheiro, mas pela vontade, porque gosta da
Igreja e porque trabalhou desde os 8 anos, então trabalha lá por amor e tem receio de não encontrar
ninguém que queira assumir o posto de sineiro.
Os jovens sineiros entrevistados, Gilberto, Samuel e Davi, tocam sino na Igreja de Nossa Senhora das
Mercês de Cima, que pertence à Paróquia do Pilar. Eles tocam nas igrejas pertencentes à paróquia:
Mercês de Cima, São José, São Francisco de Paula, Pilar e Rosário.
Gilberto Henrique Gonçalves Mendes tem 19 anos, está cursando Administração e trabalha como Jovem
Aprendiz. Sua relação com o sino foi em função da proximidade de sua casa com a Capela de São
Sebastião. Desde criança, gostava de ficar escutando o pessoal tocando. Seu primo e outros meninos
costumavam tocar nessa capela. Quando foi crescendo, com uns 14 anos, começou a tocar no núcleo
urbano, histórico e foi se inteirando do toque primordial de Ouro Preto.
323
Nos bairros e comunidades afastadas, as pessoas têm os toques um pouco diferentes do toque usual da
cidade. No toque usual, o sino pequeno faz uma marcação, o médio dá o tom no repique e o grande
acompanha. Na sua comunidade, pelo que ele lembra, consistia apenas em tocar o sino grande com o badalo
e, com o martelo, o pequeno, você fazia o que quisesse. “Aqui já há um certo padrão”, disse Gilberto.
Destaca–se que Gilberto não participou do processo de Registro, e que aprendeu acompanhando os
mestres sineiros que tocavam o sino na igreja. Entre os mestres sineiros, citou Joselino, sacristão da
Igreja do Carmo; Eliseu; José Pedro, sacristão da Igreja São Francisco de Paula; João Carlos Castro e
Catita (Mateus).
Outro jovem sineiro é Samuel. Sua mãe já trabalhava na igreja e, posteriormente, ele, quando se tornou
coroinha. Começou a subindo à torre da Igreja São Sebastião. Veio para o núcleo histórico aos 13 anos
de idade, quando Gilberto e Catita lhe ensinaram o toque usual de Ouro Preto.
Ao serem questionados se recebem alguma espécie de pagamento para tocarem o sino da igreja, eles
contam que, às vezes, ganham “um trocado”, que dá para comprar um lanche, mas, basicamente, é
voluntário. “Às vezes pagamos do próprio bolso para vir tocar", destacaram os jovens sineiros,
referindo–se à passagem do ônibus.
Sobre o interesse de outros jovens, Gilberto relatou que há poucas crianças interessadas em aprender.
"De uns três anos pra cá, aumentou umas seis pessoas". (Samuel, em entrevista realizada em
23/09/2017). "A gente tenta se dividir. A igreja que tem o sino maior precisa de mais gente, então vão
os mais fortes, os mais velhos. Aí, quem tem mais facilidade vai pra outra igreja." (Gilberto, em
entrevista realizada em 23/09/2017).
Davi da Silva, de 17 anos, está cursando o Ensino Médio e diz que "para aprender a tocar o sino, tem
que ter força e jeito porque não adianta só força”. E sobre o tempo que se leva para aprender, ele
responde que "cada um tem seu tempo", ressaltou.
Rafael, outro jovem sineiro de 14 anos. Começou a tocar no bairro Vila Aparecida, Igreja de Nossa
Senhora Aparecida, “meio que forçado” porque não havia outra pessoa para tocar. Depois, foi para a
Igreja das Mercês de Baixo e começou a tocar lá, onde já estava o sineiro Guilherme.
Um assunto importante, comentado durante a entrevista, foi sobre a conservação dos sinos. Segundo os
jovens sineiros, "a verba é pouca para manutenção dos sinos, mas costumam conservar os grandes,
porque são eles que dobram". Comentaram também sobre a existência da Associação dos Sineiros de
Ouro Preto (ASSOP), que, criada há três anos, não deu certo; está praticamente sem atuação. “A
Paróquia não apoiava e o IPHAN não ajuda", motivo que, segundo eles, a Associação não prosperou. Na
sequência, contaram sobre a Igreja do Pilar, que, dos cinco sinos que possui, quatro estão rachados.
Muitos sinos das igrejas de Ouro Preto são do século XVIII, sendo alguns tombados. Com isso, não
podem ser refundidos. A solução, nesses casos, é fazer outros sinos, o que demanda muitos custos altos.
As restaurações das igrejas não costumam chegar às torres, de modo que, muitas vezes, as reformas
acontecem sem que as torres e os sinos sejam beneficiados. Sobre esse aspecto, Gilberto comentou que
o assunto foi pauta de discussão no último Encontro de Sineiros, realizado pelo IPHAN, que ocorreu em
Ouro Preto, em 2015.
Nesse sentido, permanecem as demandas dos sineiros, que são a realização de oficinas para ensinar o ofício e
de conservação dos sinos e manutenção dos sinos em Ouro Preto. Sobre os encontros promovidos pelo IPHAN,
eles comentam sobre os dois encontros que ocorreram em 2014, em São João Del Rey, e 2015, em Ouro Preto.
O 3º encontro iria acontecer em Congonhas, mas "recebemos a notícia de que não aconteceria e que depois o
IPHAN não entrou mais em contato", comentaram com desapontamento.
324
6.11.3 CONGADAS DE MINAS
O Reinado de Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia é uma das festas tradicionais de Ouro Preto
que conferem comemorações em homenagem a Nossa Senhora do Rosário. A programação conta com
celebrações de missas em honra a Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia, palestras e cortejo com os
grupos de congado. A título de caracterização, a Figura 6.207 traz a programação que tem eventos
durante todo o mês outubro da celebração do ano de 2016, que teve como tema: Senhora do Rosário,
Mãe da Misericórdia, ensinai–nos a ser misericordiosos como o Pai.
Interessante observar a presença de outro bem cultural registrado como Patrimônio Cultural, sendo ele
Toque dos Sinos, uma forma de expressão sonora produzida pela percussão dos sinos das igrejas
católicas, para anunciar rituais religiosos e celebrações, como festas de santos e padroeiros, Semana
Santa, Natal, casamentos, batizados, atos fúnebres e marcação das horas, entre outras comunicações de
interesse coletivo.
QUARTA–FEIRA, DIA 5 DE OUTUBRO – Segundo dia do Tríduo em honra de Nossa Senhora do
Rosário
Dia de São Benedito
18h30 min – Oração do Terço de Nossa Senhora, com a participação dos grupos de Reflexão da Paróquia
do Pilar.
19h – Santa Missa e Tríduo em honra a Nossa Senhora do Rosário. Após a Missa, bênção dos pães em
honra a São Benedito. Participação do Coral “Renascer”, nos cânticos da Missa. Após a Missa, música e
poesia em honra a Nossa Senhora e a São Benedito.
QUINTA–FEIRA, DIA 6 DE OUTUBRO – Terceiro dia do Tríduo em honra de Nossa Senhora do
Rosário
17h30 min– Oração do Terço de Nossa Senhora com a participação do Grupo de Oração Nossa Senhora
do Pilar e da Irmandade Nossa Senhora do Rosário.
Das 16h às18h30 min – Atendimento individual dos fiéis em confissão.
18h30 min – Celebração Comunitária do Perdão
19h30 min – Santa Missa e Tríduo em honra a Nossa Senhora do Rosário. Participação do Coral
“Francisco Gomes da Rocha”.
SEXTA–FEIRA, DIA 7 DE OUTUBRO – PRIMEIRA SEXTA–FEIRA DO MÊS
DIA DE NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO
Repique festivo dos sinos às 6, 12, 15 e 18 horas.
15h – Recitação do Rosário de Nossa Senhora com a participação dos Irmãos do Rosário.
18h – Adoração ao Santíssimo Sacramento com a participação do Apostolado da Oração.
18h50 min – Cortejo festivo, conduzindo a Bandeira do Rosário e estandartes dos santos comemorados no
mês, saindo da residência da irmã do Rosário, Sra. Maria Aparecida Santos Albergaria, rainha festeira
2016, situada na Travessa Padre Pedro Arbues da Conceição, n. 84, até a igreja de Nossa Senhora do
Rosário, com a presença das Ordens Terceiras e Irmandades de Ouro Preto. À chegada do cortejo, solene
Missa Cantada com a participação do Coral Pequenos Cantores do Pilar. Após a Missa, levantamento do
mastro com a participação do Congado de Nossa Senhora das Graças.
SÁBADO, DIA 8 DE OUTUBRO – DIA DO NASCITURO E LANÇAMENTO DA CAMPANHA
OUTUBRO ROSA
19h – Oração do Terço de Nossa Senhora com a participação do MFC e Pastoral Familiar, Pastoral da
Saúde e AVOSCOP.
19h30 min – Santa Missa e bênção especial para as mulheres grávidas. Após a Missa, assembleia dos
Irmãos de Nossa Senhora do Rosário, apresentação dos futuros irmãos candidatos a participarem da
Irmandade.
DOMINGO, DIA 9 DE OUTUBRO
15h30 min – Oração do Terço de Nossa Senhora, com a participação do Grupo de Oração de Nossa
Senhora das Mercês e Misericórdia.
16h – Santa Missa.
325
SEGUNDA–FEIRA E TERÇA–FEIRA, DIAS 10 e 11 DE OUTUBRO
18h30 min – Oração do Terço de Nossa Senhora com a participação dos moradores das Ruas Prof.
Antônio de Paula Ribas (2a feira), Bernardo Guimarães e Thomé Affonso (3a feira).
19h – Santa Missa.
QUARTA–FEIRA, DIA 12 DE OUTUBRO – DIA DE NOSSA SENHORA APARECIDA,
PADROEIRA DO BRASIL
15h30 min – Oração do Terço de Nossa Senhora com a participação do Terço das Crianças “Sagrado
Coração de Maria”.
16h – Santa Missa. Coroação da imagem de Nossa Senhora com a participação dos “Anjinhos do Pilar”.
Consagração das crianças e dos adolescentes a Nossa Senhora. A seguir, homenagem da Irmandade às
crianças presentes. Apresentação artística do Grupo do Terço das Crianças.
QUINTA E SEXTA–FEIRA, DIAS 13 e 14 DE OUTUBRO
Dia 13, quinta–feira, às 18h20 min – Oração do Terço de Nossa Senhora com a participação dos
moradores do Largo do Rosário.
19h – Leitura Orante da Bíblia.
Dia 14, sexta–feira, às 19h – Oração do Terço de Nossa Senhora com a participação da Casa de
Recuperação “Lírios do Campo”.
SÁBADO, DIA 15 DE OUTUBRO – DIA DE SANTA TEREZA D’ÁVILA
18h30 min – Oração do Terço de Nossa Senhora com a participação de educadores representando as
Escolas de Ouro Preto.
DOMINGO, DIA 16 DE OUTUBRO – DIA DE SANTA EDWIGES
15h30 min – Oração do Terço de Nossa Senhora com a participação dos trabalhadores da Educação, da
Saúde, Pastoral da Saúde, cuidadores (as) e AVOSCOP, lembrando a Santa do dia e São Lucas, celebrado
no dia 18.
16h – Santa Missa. Posse de novos irmãos do Rosário com renovação dos votos da Irmandade. Abertura
dos novos livros da Irmandade.
SEGUNDA, TERÇA, QUARTA, QUINTA E SEXTA – DIAS 17, 18, 19, 20 e 21 DE OUTUBRO –
SEMANA DE ESTUDO E REFLEXÃO MISSIONÁRIA
TEMA: CUIDAR DA CASA COMUM É A NOSSA MISSÃO – LEMA: “DEUS VIU QUE TUDO ERA
MUITO BOM” (GN 1,31)
19h, diariamente, exceção para a 3a feira, dia 18 – Oração do Terço de Nossa Senhora com cânticos e
meditações em seu louvor, em caminhada ao redor da igreja do Rosário e estudo do tema do Mês das
Missões, com a participação de convidados.
Dia 17, segunda–feira – Reza do terço com a participação do Terço dos Homens de Cachoeira do Campo.
Dia 18, terça–feira, às 18h30 min – Reza do terço com a participação dos Crismandos 2016/2017.
Dia 19, quarta–feira – Reza do terço com a participação do Terço dos Homens da Capela do Bom Fim.
Dia 20, quinta–feira – Reza do terço com a participação do Terço dos Homens de São Sebastião.
Dia 21, sexta–feira – Reza do terço com a participação do Terço dos Homens Nossa Senhora de Lourdes.
SÁBADO, DIA 22 DE OUTUBRO
9h – Encontro da Comissão de Articulação da Pastoral Afro–Brasileira da Arquidiocese de Mariana.
20h – Santa Missa com a participação da Pastoral Afro–Brasileira da Arquidiocese de Mariana, Pastoral
da Juventude e do Movimento EJC.
DOMINGO, DIA 23 DE OUTUBRO – Reinado de Nossa Senhora do Rosário
9h – Chegada dos Congados.
11h – Louvor a Nossa Senhora com a participação das Guardas de Congo.
15h – Procissão, saindo da casa da rainha festeira 2016, até a Igreja de Nossa Senhora do Rosário.
16h – Santa Missa, seguida da Coroação das Três Coroas de Nossa Senhora do Rosário. Participação do
“Coro dos Amigos de Sara”.
SEGUNDA–FEIRA, DIA 24 DE OUTUBRO
18h30 min – Oração do Terço a Nossa Senhora com a participação do Cursilho da Cristandade.
TERÇA–FEIRA, DIA 25 DE OUTUBRO – INÍCIO DO TRÍDUO FESTIVO EM HONRA A SÃO
JUDAS TADEU
18h30 min – Oração do Terço de Nossa Senhora com a participação do Terço dos Homens do Lar São
Vicente de Paula.
326
19h – Santa Missa. Início do Tríduo com diretório próprio em honra a São Simão e a São Judas Tadeu.
Participação do Coro “Auxílium Christianórum”.
QUARTA–FEIRA, DIA 26 DE OUTUBRO – SEGUNDO DIA DO TRÍDUO FESTIVO EM HONRA A
SÃO JUDAS TADEU
18h30 min – Oração do Terço de Nossa Senhora com a participação dos Catequistas.
19h – Missa e segundo dia do Tríduo em honra a São Simão e a São Judas Tadeu.
QUINTA–FEIRA, DIA 27 DE OUTUBRO – TERCEIRO DIA DO TRÍDUO FESTIVO EM HONRA A
SÃO JUDAS TADEU
DIA DE SANTO ELESBÃO
18h – Leitura Orante da Bíblia.
19h – Missa e terceiro dia do Tríduo em honra a São Simão e a São Judas Tadeu.
SEXTA–FEIRA, DIA 28 DE OUTUBRO – DIA DE SÃO SIMÃO E DE SÃO JUDAS TADEU
Repique festivo dos sinos às 12h, 15h e 18h.
18h30 min – Oração do Terço de Nossa Senhora com a participação especial dos devotos de São Judas
Tadeu e São Simão.
19h – Missa Festiva com a participação do Coral Nossa Senhora Aparecida.
SÁBADO, DIA 29 DE OUTUBRO
18h30 min – Cântico do Ofício de Nossa Senhora com a participação da Irmandade do Rosário,
Congregação Mariana, Legião de Maria e devotos de Nossa Senhora.
DOMINGO, DIA 30 DE OUTUBRO – AÇÃO DE GRAÇAS PELO MÊS DO ROSÁRIO
15h – Oração do Rosário de Nossa Senhora com a participação da Irmandade de Nossa Senhora do
Rosário.
16h – Santa Missa em Ação de Graças pelo Mês do Rosário.
SEGUNDA–FEIRA, DIA 31 DE OUTUBRO
18h30 min – Louvores a Nossa Senhora com Cântico Solene do Ofício de Vésperas, com a participação
dos devotos de Nossa Senhora e da Irmandade Nossa Senhora do Rosário dos Pretos. Descendimento da
Bandeira pela Guarda de Congo e encerramento do Mês do Rosário.
Figura 6. 207– Programação do mês do Rosário de 2016.
Fonte: OURO PRETO.COM.BR (2016).
As comemorações em homenagem a Nossa Senhora do Rosário contam com o apoio da Secretaria de
Estado de Cultura e do Fundo Estadual de Cultura, Prefeitura Municipal de Ouro Preto, e de outras
instituições como:
Associação Amigos do Reinado de Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia;
Paróquia de Santa Efigênia do Alto da Cruz;
Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia do Alto da Cruz;
Irmandade de Santa Efigênia;
Guarda de Congo de Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia;
Guarda de Moçambique de Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia;
Uma importante referência de lugar para essas práticas culturais relativas às Congadas de Minas na sede
de Ouro Preto, é a atual igreja de Nossa Senhora do Rosário (Figura 6.208). Sua construção ocorreu em
1765, substituindo a primitiva capela, datada de 1709, que, de 1731 a 1733 –– período de construção da
Matriz do Pilar –– esteve guardado o Santíssimo Sacramento da Paróquia. Com traçado elíptico, é ponto
alto da arquitetura barroca mineira. Os traçados da empena e do frontispício são atribuídos a Manuel
Francisco de Araújo. No interior da igreja, em sua nave central, se destacam seis altares laterais e dois
púlpitos com base de granito e varanda de ferro, além do detalhe da pedra esculpida em forma de
concha.
327
Figura 6.208 – Igreja de Nossa Senhora do Rosário, na sede de Ouro Preto.
Fonte: MUNDO CARACOL (2015).
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, localizada na freguesia de Nossa Senhora do
Pilar, foi erguida em 1715, em sua Matriz, e transferiu–se para templo próprio em 1716, situado no
bairro do Caquende de Vila Rica (que parece significar cá–aquém de Vila Rica, pois, dali, partia–se para a
Estrada Real).
Já o Reinado de Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia, no ano de 2016, teve a seguinte
programação: no domingo, dia 10 de janeiro, foi marcado pela presença de várias guardas que
trouxeram os sons de seus tambores, as cores de seus uniformes e os ritmos de suas danças pelas
ladeiras de Ouro Preto, principalmente nos bairros do Alto da Cruz, Antônio Dias e Santa Efigênia.
Estiveram presentes Guardas de Ouro Preto e de várias outras cidades.
A festa do Reinado no Brasil, com devoção aos santos negros, como Nossa Senhora do Rosário, Santa
Efigênia e São Benedito, são manifestações culturais presentes em diversas localidades, principalmente
em Minas Gerais. O Congado, o Congo ou Congadas são elementos integrantes do Reinado, e
simbolizam o cortejo dos negros que reverenciam os santos de devoção, envolvendo a coroação do rei e
da rainha do Congo.
A origem do Congado em Minas Gerais, está envolta em mitos, sendo um dos mais populares a história
relacionada à figura lendária de Francisco da Natividade, o Chico Rei, que teria vivido em Vila Rica, por
volta do século XVIII. Segundo a lenda, depois de alforriado, Chico Rei, que havia sido rei da nação
Moçambique, antes de ser vendido como escravo, conseguiu alforriar seu filho e outros membros da
328
nação, organizando–os em torno da Irmandade do Rosário e de Santa Efigênia. No Dia de Reis, 6 de
janeiro, ele e sua família eram conduzidos em cortejo pela irmandade e coroados na Capela de Santa
Efigênia. Após a coroação, Chico Rei e sua família desfilavam pelas ruas de Vila Rica, embaixo de um
pálio e escoltada por uma guarda de moçambicanos. Estava assim criada a festa do Reinado em Minas
Gerais.
Nesse sentido, durante a semana, entre os dias 01 e 08 de janeiro, Ouro Preto revive essa festa, e a
programação conta com palestras, tríduo festivo, procissão, e no domingo, o grande cortejo com a
participação de diversas Guardas de Congo da região e do estado, encerrando os festejos com a Missa Conga.
Em Ouro Preto, existem várias guardas ou grupos de congadas, como a Guarda de Nossa Senhora das
Graças, composta pelos alunos da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) de Ouro Preto.
A festa na APAE, segundo o capitão Kedson Geraldo, acorre no mês de novembro, em comemoração à
semana da Consciência Negra. A responsável pela organização da festa é a senhora Silvana, professora
aposentada, mas que ainda colabora com os alunos especiais.
As Figuras 6.209 e 6.210 apresentam a Guarda de Congado de Nossa Senhora do Rosário e Santa
Efigênia da sede de Ouro Preto. A Figura 6.211 apresenta a Guarda de Congo Manto Azul de Nossa
Senhora Aparecida da sede de Ouro Preto.
Figura 6.209 – Guarda de Congado de Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia em Ouro Preto.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Figura 6.210 – Guarda de Congado de Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia em Ouro Preto.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
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Figura 6.211 – Guarda de Congo Manto Azul de Nossa Senhora Aparecida em Ouro Preto.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Já a Figura 6.212 apresenta a Guarda de Congado de Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia do
distrito de Miguel Burnier, em Ouro Preto, capitaneado pelo Sr. Xistos da foto. Segundo o capitão
Kedson Geraldo, a festa de louvor a Nossa Senhora do Rosário acontece em 17 de setembro.
Figura 6.212 – Guarda de Congado de Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia do distrito de Miguel
Burnier, em Ouro Preto, e foto de capitão Xisto. Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
A maioria dos dançadores do grupo do capitão Xistos mora em Congonhas. A capitã Silvania, em
entrevista realizada na sede de Ouro Preto sobre a Guarda de Capitão Xistos do distrito de Miguel
Burnier disse o seguinte:
“Ou mora em Congonhas ou mora em Lafaiete, uma ou outra. Então o que
acontece? Acaba se perdendo, porque a tradição daquele recinto, daquele
330
povo, acaba se desmembrando porque eles vão aprender outro tipo de coisa. E
o território onde eles nasceram tem muita influência pra questão de
reproduzir tudo. Quando ele vai pra outro território, diferente, com outras
dinâmicas, isso acaba. Vão ficar distantes. Porque é muito mais prático eu lutar
por uma coisa nova do que lutar por uma coisa antiga que só eu vou lutar por
aquilo (Silvania, em entrevista realizada em 23/09/2017).
6.11.3.1 Guarda de Congado de Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia
Capitã Silvania Aparecida dos Santos Borges, 51 anos.
Silvania Aparecida dos Santos Borges é casada, tem 52 anos de idade, três filhos e três netos. É
professora aposentada de um cargo, mas voltou para trabalhar. Seu início no congado, conta ela, a faz
relembrar momentos de sua infância. Naquela época, era do Congado de Santa Efigênia; o capitão não
era o pai de Rodrigo, era um senhor chamado seu Porfírio:
“Eu tinha aquele gostar que você não sabe explicar de onde vem. Tinha uma
coisa. E eu fui pra APAE e fiquei uns anos. Nós tínhamos em agosto a Semana do
Excepcional, e tínhamos que fazer uma atividade educativa. Aí, eu propus o
pessoal pra gente fazer um congado. Isso foi em agosto de 2002. Eu e mais duas
professoras fomos chamando os meninos, mas só que, perto de minha casa
tinha um congadeiro chamado Zé Lopeiro, que era dessa guarda antiga. Aí nós
chamamos ele, e ele foi lá pra APAE e ensinou pros meninos o toque; pros
meninos, não, ensinou pra gente o toque, música, dança, e a gente foi
aprimorando. Nós fomos conhecendo, fomos captando, buscando e fazendo do
nosso jeito. A gente foi dando uma identidade pra isso, mas, até então, era pra
fazer uma apresentação.” (Silvania, em entrevista realizada em 23/09/2017)
A guarda da capitã Silvania é composta por pessoas excepcionais, que são atendidas pela Associação de
Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) de Ouro Preto. Tudo começou com uma parte educativa e
acabou se transformando num congado, ressaltou a capitã:
“A gente está lutando contra a maré já faz muito tempo. Porque é muito difícil, a
gente ter “ajuda”. Porque conforme for o governo que vem, se ele quer apoiar a
cultura, a gente tem, agora se não quer, a gente fica à míngua. Ou então aquele
que não ajudou em nada deixou uma dívida tremenda, aquele que está agora
não pode ajudar porque está devendo. Então a vida nossa é um desespero,
sabe? Eu estou com dívida pra pagar, porque eu assumi, eu não tive nada do
Poder Público, eu assumi uma dívida. E eu sozinha, não dou conta de pagar.”
(Silvania, em entrevista realizada em 23/09/2017).
Mesmo enfrentando dificuldades financeiras, a capitã ressalta que foram poucas as vezes que deixou de
pagar visitas. Para ela, há, de algum modo, ajudas sobrenaturais que contribuem para que a guarda não
fique sem homenagear Nossa Senhora do Rosário:
331
“Mas eu acho assim, é o tal do sobrenatural que você não sabe de onde vem,
muitas vezes você não sabe. Só sei que povo começou a chamar a gente para
fazer apresentação. E nessa guarda tinha evangélico, tinha espírita, tinha tudo.
Os meninos queriam entrar, a gente punha aquela montueira de menino e o
trem funcionava, o trem ficava bonito. Começaram a chamar, a gente foi,
apresenta aqui, apresenta ali. Quando foi em 2006, a integrante que era
presidente da Comissão, que é a Solange Palácio, deu um ultimato pra gente:
‘Ou vocês ficam ainda parafolclóricos, apresentando aqui e ali, ou vão se tornar
um congado de tradição!’ Eu falei ‘tradição’. Todo mundo que estava junto
comigo caiu fora. Fiquei eu sozinha com os meninos.” (Silvania, em entrevista
realizada em 23/09/2017)
O que era para ser apenas um projeto educativo, que passou a ser um grupo meio parafolclórico,
transformou–se no que a capitã chamou de tradicional, isto é, assumiu a devoção aos santos negros:
“Agora nós vamos assumir a religiosidade. Religião aí. Quando eu falei ‘Nós
vamos assumir os preceitos, a devoção’. Porque aquele trem estava mexendo
demais comigo [acaba se envolvendo]. Aí, todo mundo saiu, eu fiquei com os
meninos. Só tem que os meninos também foram saindo, saindo, eu fiquei com
uns nove. Nós éramos eu e mais nove, depois foram nascendo. Quando foi em
2010, minha neta Maria Eduarda nasceu, encaixei ela, depois encaixei meu filho.
Foi chegando outro e foi entrando. Então hoje eu estou com um problema no
joelho, a minha neta que eu falei, a Maria Eduarda, ela assumiu.” (Silvania, em
entrevista realizada em 23/09/2017).
Em novembro de 2017, contou Silvania, que completou 15 anos que o Poder Público local doou as
fardas para a guarda. Atualmente, a guarda conta com aproximadamente 20 integrantes.
Questionada sobre a vertente religiosa que a guarda assumiu, Silvania reforça que a pessoa que
colaborou para o início de sua guarda foi o já falecido José Lourenço Ferreira, que era da Guarda de
Santa Efigênia, da época do seu Porfírio. E sobre o processo de aprendizado do congado, Silvania disse
"meus meninos (referindo–se às crianças da APAE) podem não saber ler, podem não ser alfabetizados,
mas eles são letrados e eles conseguem absorver a partir de outras linguagens" (Silvania, em entrevista
realizada em 23/09/2017). A guarda é composta por meninos e meninas com deficiência auditiva,
esquizofrenia, retardo mental, condições que, segundo a capitã Silvania, não faz diferença:
332
Sobre a dinâmica das festas da guarda, Silvania contou, na entrevista, que na APAE a festa acontece em
dois dias. Levantam as bandeiras na sexta–feira à noite, e no sábado faz a coroação dos reis e o
levantando dos mastros. Todo o corpo docente da APAE se mobiliza durante a festa.
Já sobre os instrumentos, a capitã Silvania conta que, quando começou o congado, as caixas foram
doadas por um amigo:
A Guarda de Congado de Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia da APAE de Ouro Preto utiliza
pandeiro, xique–xique e as caixas; não utiliza sanfona nem instrumento de corda. Outro parceiro da
guarda é a Comissão Ouropretana de Folclore, que tem como presidente o Sr. Edivaldo Borges, marido
da Sra. Silvania.
6.11.3.2 Guarda de Congo Manto Azul de Nossa Senhora Aparecida em Ouro Preto
Capitã Jussara Fernanda da Silva, 40 anos
Jussara Fernanda da Silva, casada e natural de Ouro Preto. É a primeira capitã da Guarda de Congo
Manto Azul de Nossa Senhora Aparecida e São Benedito, que foi fundada no dia 27 de julho, dia de
Nossa Senhora Santana, no ano de 2013. A segunda capitã é Joice. A capitã, antes de ter seu próprio
congo, participava da Guarda da Santa Efigênia, mas já havia sido despertada para criar seu grupo. Sobre
o início de sua jornada no congado, Jussara relatou:
“A gente ia lá fazer as oração pra gente, o terço e tudo, tudo direitinho, aí deu
aquela vontade, né? De desenhar uma roupa no papel. Aí eu desenhei a roupa,
tudo bonitinho. Estava uma amiga minha do meu lado eu falei: ‘Acho que eu vou
montar meu congado’. Deu briga lá com eles, mas eu falei: ‘Nós vamos montar!’
Aí, a gente foi e pediu um amigo meu, ele pegou e deu o pano, deu as coisas,
deu tudo, deu tambor. E eu falei: ‘Vamos montar mesmo, vamos montar.’ E veio
tudo na mão direitinho.” (Jussara, em entrevista realizada em 24/09/2017).
A vestimenta da guarda é uma calça branca, sete fitas colorizadas na barra da calça, saia branca, em
volta da saia, todas as fitinhas coloridas e a blusa branca, e o manto de Nossa Senhora azul (Figura
6.213), com lenço branco na cabeça.
333
Figura 6.213 – Capitã Jussara segurando o manto azul que os integrantes usam quando a guarda se
apresenta.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Quando a guarda começou, eram 40 pessoas, entre adultos e crianças. Os ensaios são no espaço na Casa
de Cultura, na Rua Santos Dumont, aos sábados. "A gente vai lá, ensaia um pouquinho com as crianças.
Mas aí foi diminuindo, depois desses três anos pra cá, a guarda deu uma diminuída. Foram saindo
algumas, mas as crianças não, elas ficaram”. (Jussara, em entrevista realizada em 23/09/2017).
Sobre a festa da guarda, Jussara explica que acontece no dia 19 de novembro e relatou sua dinâmica. A
festa da guarda acontece na Capela de Santa Luzia, com direito a levantamento da bandeira no sábado.
No domingo de encerramento, realizam–se as visitas das guardas de fora:
“Então, eu tive que aprender um monte de coisa também, porque a gente acaba
aprendendo com os amigos, congadeiros, vendo eles levantar uma bandeira,
como é o trajeto, como é a referência ao rei ou à rainha. Então, assim, aprender
e aprender toda vida, toda vez que a gente for em alguma festa.” (Jussara, em
entrevista realizada em 23/09/2017).
Em relação aos instrumentos usados pela guarda, foi possível perceber, durante a entrevista, que eles
ficam guardados no mesmo espaço onde a capitã Jussara realiza os seus trabalhos religiosos, no templo
de religião de matriz africana que ela denomina de Congo Vovó Maria Conga. Entre os instrumentos,
havia tambores (caixas), pandeiros e xique–xique (Figura 6.214). A guarda não possui uma sede onde
possa guardar os instrumentos e adereços, e realizar os ensaios. De forma improvisada, a capitã destina
um espaço de sua residência para tal fim.
334
Figura 6.215 – Altar do Congo Vovó Maria Conga e parte dos instrumentos usados pela Guarda de
Congo Manto Azul.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Entre as inúmeras dificuldades que a capitã enfrenta para dar continuidade à tradição da congada em
Ouro Preto, estão os problemas financeiros para manter o grupo no que tange à compra de
instrumentos e vestimentas, e os conflitos com os padres.
6.11.3.3 Guarda de Moçambique de Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia
Capitão Kedson Geraldo, 26 anos
Em 2015, a região do bairro Alto da Cruz ganhou uma nova guarda, o Moçambique de Nossa Senhora do
Rosário e Santa Efigênia, capitaneado por Kedson Geraldo. Em setembro de 2015, durante as
celebrações da Festa de Santa Efigênia, houve a coroação dos reis dessa guarda, que é o primeiro
Moçambique de Ouro Preto.
A Guarda de Moçambique de Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia do Alto da Cruz foi fundada em
23 de abril de 2015. Sobre o nome Alto da Cruz, o capitão Kedson teceu o seguinte comentário:
“No Alto da Cruz, antes de existir a igreja, existia apenas um cruzeiro. Os negros
não podiam entrar na igreja de forma alguma, só podiam ficar fora da igreja.
Desde lá da África, eram considerados seres sem alma. Eram pagãos, por isso
eram batizados, quando chegavam aqui no Brasil, com nomes de portugueses,
como Maria, Francisco, José. E, aí no alto da cruz, eles ajoelhavam, rezavam e
pediam para a Santa Cruz que protegesse eles do vento e do frio e, se
alcançassem a graça no dia prometido, eles celebrariam e enfeitariam a cruz. Daí
vem a tradição de enfeitar as cruzes das portas das casas até hoje, em Ouro
Preto. A cruz é o símbolo de vitória sobre a morte. E aí veio o nome de Alto da
Cruz, onde hoje é a igreja de Santa Efigênia.” (Capitão Kedson Geraldo, em
entrevista realizada em 23/09/2017)
335
Aos 13 anos, o capitão Kedson Geraldo já participava do grupo de congado do capitão Rodrigo. Sua
família, como ele disse, já atuava com Folia de Reis e congadas, e sempre o incentivou a participar das
festas de congadas que aconteciam nas cidades vizinhas.
Em 2009, aconteceu o primeiro Reinado de Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia, em Ouro Preto,
sob o comando da Associação de Congado atual. Porém o Reinado já existia, segundo Kedson Geraldo, e
contava com apoio do Fórum da Igualdade Racial da Prefeitura Municipal de Ouro Preto. O Reinado do
Alto da Cruz, que acontece no mês de janeiro, e que também homenageia Chico Rei, foi realizado na
Igreja de Santa Efigênia, com a presença de vários grupos, incluindo o Moçambique. Desde esse ano,
que a “festa deslanchou, o grupo aumentou e ficou com mais visibilidade na cidade; aí passei a
pesquisar sobre o assunto", ressaltou Kedson.
De acordo com o capitão Kedson Geraldo, a tradição das congadas foi introduzida no Brasil através de
Chico Rei. A festa de Reinado apresenta a seguinte configuração: um trono coroado, que é composto
pelo “rei de promessa” (aquele que, se alcançar a graça, promete ser rei por tanto tempo), o “rei de
Santa Efigênia”, de São Benedito ou de Nossa Senhora do Rosário, o “rei perpétuo” e o “rei festeiro”,
que ajuda só nos preparativos da festa. E, para proteger esse trono coroado, existe a Guarda de
Moçambique,
Foi através de processo de pesquisa, através de filmes e documentários que retravam a origem das
congadas em Minas Gerais, como o longa–metragem Chico Rei (1985), dirigido por Waler Lima Jr., e com
algumas cenas rodadas em Ouro Preto, no ano de 1979, que o capitão teve a ideia de recriar uma
Guarda de Moçambique:
“Aqui na serra de Ouro Preto, Antiga Vila Rica, o Chico Rei era escoltado,
sempre andando com um capitão de moçambique, que era chamado capitão
Salomão. Então a gente pegou e resolveu dar continuidade a esse moçambique
que já existiu aqui, mas que já tinha acabado.” (Capitão Kedson Geraldo, em
entrevista realizada em 23/09/2017).
Embora para alguns desavisados e apreciadores das festas de congadas, os grupos pareçam ser iguais,
eles diferem não somente nos trajes e performances. Dependendo se for do tipo congado, catupé,
marujo ou Moçambique, suas funções no Reinado são díspares:
336
“A Guarda de Moçambique protege o nosso Reinado, enquanto o congado ele
vai na frente abrindo os caminhos, pra limpar e trazer energia boa, por isso que
seus integrantes vão cantando, dançando e pulando. Eles representam os
negros mais novos, ansiosos pela liberdade. O cântico é mais alegre, levam
flores, se enfeitam. Outros usam espelho que reflete o mal.” (Capitão Kedson
Geraldo, em entrevista realizada em 23/09/2017).
A preparação do capitão Kedson Geraldo durou sete anos, até estar pronto para se tornar capitão da
Guarda de Moçambique. O grupo possui 25 integrantes, a maioria adolescentes, no entanto, não dispõe
de uma sede própria, os instrumentos e adereços são guardados na casa do capitão. Por sua vez, os
ensaios são realizados no adro da Igreja de Santa Efigênia no Alto da Cruz.
O grupo não recebe apoio ou incentivo financeiro para realizar suas atividades. As compras de fardas,
instrumentos, transportes para as pagas de visitas, são, portanto, custeados através de seus próprios
integrantes, que ajudam conforme suas posses.
A Figura 6.216 apresenta a Guarda de Moçambique de Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia
durante os festejos em homenagem a Nossa Senhora das Mercês de Baixo, que aconteceu no mês de
setembro de 2017. A guarda do capitão Kedson Geraldo estava “fundida” com o Congado de Nossa
Senhora do Rosário e Santa Efigênia do Alto da Cruz, da capitã Kátia Silvério, sua irmã. Por isso, havia
tantos dançadores de ambas as guardas, mas o comando era do capitão Kedson Geraldo.
337
Figura 6.216 – Guarda de Moçambique de Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia, durante a Festa
de Nossa Senhora das Mercês de Baixo, em Ouro Preto. Detalhe para o padre está entre o capitão
Kedson Geraldo e a capitã Kátia.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Na ocasião dos festejos, foi possível acompanhar desde a entrada da guarda às dependências da igreja,
como o hasteamento do mastro de Nossa Senhora das Mercês (Figura 6.217), que ocorreu após a
novena, no dia 24 de setembro. Terminada a solenidade, os fiéis saíram da igreja em procissão,
juntamente com a guarda, conduzindo a bandeira da Santa até o adro da igreja, para acompanhar seu
hasteamento.
Figura 6.217 – Guarda de Moçambique de Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia durante o
levantamento do mastro na festa de Nossa Senhora das Mercês de Baixo, em Ouro Preto.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
338
6.11.4 OFÍCIO DE QUINTANDEIRAS
Sandra Rosa de Matos Silva, 35 anos
Magna Crispim da Costa, 40 anos
Maria das Graças Alves Viana, 43 anos
Geralda Aparecida Santos, 48 anos
Maria das Dores, 49 anos
Pia Márcia de Carvalho
Sandra Rosa de Matos Silva é natural do distrito de Santa Rita de Ouro Preto (Figura 6.218), divorciada e
mãe de três filhos. Além de dona de casa, se reconhece detentora do ofício de quitandeira e boleira,
embora diga que não possui renda fixa. Também tem a atividade de fotógrafa de casamento e batizado.
Figura 6.218 – Igreja de Santa Rita e canteiro central do distrito de Santa Rita de Ouro Preto.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Sobre o aprendizado do ofício de quitandeira que obteve com sua mãe, a senhora Maria de Lourdes,
Sandra relata que a via fazer roscas, bolos de fubá, pudins, rocambole, biscoito de polvilho e cuscuz.
Porém, apesar de saber fazer merendas que via a mãe preparar na roça, começou a incrementar os
produtos. “Eu fui revolucionando, e foi ficando diferente do dela” (Sandra Rosa, em entrevista realizada
em 27/09/2017). O sentido de revolucionar diz respeito à diversificação de produtos comercializados,
que vai da quitanda ao bolo de casamento.
Sua produção se dá a partir de encomendas que recebe por telefone, página pessoal de Internet ou
grupo de WathsApp. O rocambole e o bolo de aniversário são os produtos que têm mais saídas, mas
também prepara pão de cebola e broas de fubá. Atualmente, divulga os produtos pela Internet, através
do grupo do WathsApp de sua página no Facebook. Para a quitandeira Sandra, em épocas
comemorativas, como Dia dos Pais, Dia das Mães, fim de ano, há um aumento significativo nas vendas
de quitanda.
Também relatou que assa as merendas em forno elétrico, mas que as quitandas feitas em forno de
varrer a lenha ficam mais saborosas. Sobre os ingredientes, Sandra fala que ainda consegue comprar o
fubá direito do produtor rural, que mói o milho em moinho d´água. O leite e o queijo também são
339
produzidos no sítio da família; já o polvilho e farinha são comprados na cidade. O doce de leite com coco
usado para rechear o rocambole é produzido por ela. Nesse caso, compra o coco, rala e faz o doce, não
compra pronto.
Magna Crispim da Costa, de 40 anos, é casada e possui três filhos. Maria das Graças Alves Viana, de 43
anos, tem dois filhos e são vizinhas na localidade de Mata dos Palmitos, no distrito de Santa Rita. Elas
sempre trabalharam com artesanato em pedra (Figura 6.219), mas recentemente entraram para a
Associação de Agricultores Familiares de Piedade e Região – AAFAPRE.
Figura 6.219 – Quitandeiras e artesãs Magna Crispim (em pé) e Maria das Graças (sentada) durante
entrevista realizada na comunidade Mata dos Palmitos. Imagem com a igreja da comunidade e o campo
de futebol.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Foi ideia do presidente da Associação, Sebastião Ferreira de Guimarães, formar o grupo de quitandeiras.
São seis mulheres que integram o grupo, que fornecem quitanda através do Programa de Aquisição de
Alimentos (PAA), e têm como cliente a Prefeitura Municipal de Ouro Preto. As merendas abastecem as
escolas municipais e algumas instituições, como a APAE. Atualmente, a presidente da Associação é
Geralda Aparecida Santos. Há aproximadamente quatro anos, o grupo está desenvolvendo esse trabalho
de forma coletiva. Apesar de saberem fazer quitandas desde a época de criança, quando ajudavam suas
mães, ao passarem a comercializar as merendas, tiveram que fazer alguns treinamentos e cursos de
manipulação de alimentos e boas práticas de fabricação, ministrados pela EMATER de Ouro Preto.
Contaram que o início foi difícil –– começaram a trabalhar em uma casa alugada com um forno
improvisado, depois foram para o galpão e, somente agora, conseguiram uma Unidade de
Beneficiamento de Quitanda (UBQ), com todos os equipamentos necessários para produzir merendas.
Apesar de o prédio e as instalações estarem prontos, ainda necessita do Alvará de funcionamento,
emitido pela Prefeitura. De fato, durante a visita in loco, foi possível verificar o prédio ainda fechado,
mas pronto para receber o grupo de mulheres.
Hoje, fornecem para a Prefeitura de Ouro Preto e para Belo Horizonte, mas sobre Belo Horizonte não
souberam dizer se é para a Prefeitura ou para quem é. Quem se encarrega de fazer esses contatos é a
340
irmã de Magna, Geralda. A rotina de trabalho varia de acordo com os pedidos, de modo que há
situações em que precisam trabalhar também aos fins de semana (Magna, em entrevista realizada em
27/09/2017).
Sobre o aprendizado, Graça conta: "Nossa mãe fazia no fogão, na panela. E aí nós aprendia, né?" Nas
casa da mãe delas, havia forno de varrer; hoje é um forno moderno misto, isto é, usa lenha e energia.
Além disso, o equipamento é semiautomático, pois os comandos são controlados por um painel
eletrônico. Nesse caso, a lenha é utilizada e de eucalipto com o registro e certificada pelos órgãos
ambientais. Em casa, para o consumo da família, elas fazem rosquinhas, broa de fubá e biscoito de
polvilho.
Para encomendas destinadas às escolas do município, a maior demanda de quitanda são rosquinha e
broinha de fubá. Os ingredientes básicos são fubá, ovos e leite, cuja procedência é da própria
comunidade. O fubá é moído no moinho e comprado de agricultores das localidades. O lucro obtido com
a venda das quitandas é rateado por igual para o grupo de mulheres. Em relação à legalização da
Associação, as informantes disseram que, além de ser registrada, conta com 40 famílias associadas em
Mata dos Palmitos.
Por serem da Associação da Agricultura Familiar, alguns ingredientes devem ter origem na agricultura
familiar, como o fubá, o leite, o queijo, os ovos. Podem comprar poucos ovos quando as galinhas não
dão conta, nesse caso, vão ao mercado.
Geralda Aparecida Santos, além de quitandeira, é tesoureira da Associação de Agricultores Familiares e
Artesanato em Pedra Sabão. Atualmente, é a nova presidente da Associação de Agricultores Familiares
de Piedade e Região – AAFAPRE, embora durante a entrevista em setembro de 2017, ainda não tivesse
sido empossada no cargo. Apesar de ter sido eleita, disse ela que não sabe se iria assumir o cargo. Dona
Geralda é casada e de uma família de sete irmãos.
Sobre o surgimento do grupo de quitandeiras, Geralda falou que surgiu da ideia do presidente da
Associação, depois de participar de uma reunião no distrito de Cachoeira do Campo, durante uma
exposição agropecuária. Foi quando o grupo de mulheres da Mata dos Palmitos estabeleceu uma
parceria com outro grupo, formado por oito mulheres que produzem quitandas na comunidade vizinha
da Piedade.
Juntando os dois grupos, somam 14 mulheres. Como o grupo de Piedade possui mais tempo na
atividade, é ele que determina a demanda de quitanda que deve ser produzida pelo grupo da Mata dos
Palmitos. Toda segunda e terça, é dia de entrega.
Essa Associação dispõe de um caminhão que busca as encomendas e as entrega. Porém, ressaltou
Geralda, que, apesar de terem menos tempo no ramo de produção de quitanda, a UPQ da comunidade
da Mata dos Palmitos (Figuras 6.220) foi projetada especificamente para o fim a que se destina. Além
disso, possui equipamentos modernos e as instalações estão de acordo com a legislação sanitária, ao
341
contrário da UBQ do grupo de Piedade, que teve de adequar a estrutura de uma casa às exigências dos
órgãos de fiscalização, para poder produzir as quitandas.
Figura 6.220 – Detalhes da parte externa do prédio da Unidade Processamento de Quitanda (UPQ) da
comunidade Mata dos Palmitos.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
A Unidade de Processamento de Quitanda (UPQ) de Mata dos Palmitos (Figura 6.221) foi construída
com recursos financeiros da Prefeitura Municipal de Ouro Preto. Faltam poucas coisas para receberem o
Alvará. Os equipamentos também foram doados pela Prefeitura. “Há uma amassadeira, mas a
modelagem é toda manual", disse Geralda.
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Figura 6.221 – Detalhes da parte interna (cozinha) da Unidade de Processamento de Quitanda da
Comunidade Mata dos Palmitos.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Contou a quitandeira Geralda que, em 2015, o grupo foi à AgroMinas (Feira de Agricultura Familiar de
Minas Gerais), que, de acordo com ela, não é uma feira só para venda de produtos; foram ministrados
cursos e palestras destinados aos pequenos produtores rurais. Nessa feira, informaram–lhe que em
breve, mas não falaram quando, será proibido comercializar produtos “via Associação”. Diante dessa
informação, no dia seguinte à entrevista, o grupo de quitandeiras de Mata dos Palmitos e o grupo de
Piedade iam se reunir com os extensionistas da EMATER para discutir a questão da formação de uma
cooperativa.
Em relação aos insumos (ingredientes) usados na produção de quitandas, quando alguém vem de Ouro
Branco ou de Ouro Preto, aproveita e traz. Também costumam comprar no distrito de Santa Rita. Para
que as quitandas possam ser comercializadas através de compra direta, antes, a produção passa por um
processo de qualidade que atesta sua liberação. “Lá em Ouro Preto, tem nutricionistas que degustam as
amostras que são enviadas todo ano. Igual à margarina, não pode ser utilizada se ela não tiver 80% de
lipídio. O leite é todo fervido.” (Geralda, em entrevista realizada em 27/09/2017).
Questionadas sobre a quitanda dos tempos de criança e das atuais, se há diferença de gosto, Geralda
afirma que não, que a única diferença que pode encontrar é em relação aos fornos. Só o forno é que
muda o acabamento, a textura, que pode ficar mais macia ou mais dura. Quando começaram no
negócio, usavam dois fornos de tambor; trabalharam com eles por mais de ano, possuíam assadeiras
pequenas e entregavam uma quantia menor de quitandas.
Entretanto, Geralda afirma que o diferencial estava aí, porque a “maciez” das quitandas era
“indiscutível”. Depois, com o projeto que a Prefeitura apoiou (foi doada na época uma quantia de
R$150.000,00 para a Associação, R$30.000,00 pra compra de equipamentos para as quitandeiras e para
a Casa do Mel). Quando fizeram o teste no forno industrial a lenha (misto), a merenda ficava dura, “só
de morder, sentia–se a crocância, a diferença foi gritante”, ressaltou. Dona Geralda fala que hoje já
chegaram ao ponto certo, mas que igual ao forno de tambor (artesanal), não vão conseguir chegar. E o
forno de tambor, além de não poder ficar dentro de um ambiente fechado, seu uso é proibido pelo
órgão de vigilância sanitária.
343
Enquanto não sai o Alvará, o movimento é pouco, só para escola e creche da Prefeitura. Vendem
também na porta de casa, por encomenda. Segundo Geralda, a produção do grupo é basicamente de
biscoito de polvilho, biscoito de polvilho com queijo, rosquinha de coco, de nata, de leite, de limão,
biscoitinho de coco e broa de erva–doce.
As receitas das quitandas também tiveram que passar por testes e aprovação da equipe de
nutricionistas da Prefeitura, contou Geralda. “O grupo que trabalhava primeiro (Piedade) é que tinha as
receitas, e nós não podemos mudar. Assim que nós montamos nosso grupo, as receitas vieram de lá.”
(Geralda, em entrevista realizada em 27/09/2017). Algumas variações, como o biscoito de polvilho com
queijo, dona Geralda testou em sua casa e levou para a Associação, mas as receitas principais vieram do
grupo de quitandeiras de Piedade. Há vezes em que desenvolvem uma receita que funciona melhor e a
compartilham com outro grupo. “Tem dessas trocas”, ressaltou ela.
O grupo também fez curso de capacitação de merenda com uma pessoa que veio de Ouro Preto e
trouxe apostilas com receitas. “Mas tem coisa que vem na receita e que não dá certo, e aí tem que
mexer em alguma coisa”, destaca Geralda.
Maria das Dores (Figura 6.223), conhecida como Dorinha, é do distrito de Amarantina, casada e tem três
filhas e cinco netos. Nasceu em Braúnas, região de Governador Valadares, na zona rural, onde teve os
primeiros contatos com o ofício de quitandeira, desenvolvido por sua mãe.
Figura 6.223 – Quitandeira Dorinha mostrando o forno elétrico que usa para assar as quitandas.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Foi trabalhar em Belo Horizonte, em casa de família, quando tinha 15 anos de idade; depois, os pais
foram administrar fazendas pela região de Amarantina. Dorinha conta que a venda de quitandas na
localidade é fraca e que as pessoas não valorizam os produtos feitos em casa –– preferem comprar
prontos nas padarias e supermercados. “Num vem turista, num vem ninguém. Eu tenho uma
barraquinha ali na rua, eu ponho uma mesa lá, uma sombrinha de praia, e vendo minhas merendas toda
sexta–feira lá. Um pouquinho, sabe? Só pra manter mesmo." (Dorinha, em entrevista realizada em
27/09/2017)
344
Questionada se quando ela morava na roça, sua mãe já fazia quitandas, Dorinha conta que fazia, mas
eram só uns "biscoitinhos mixurucos, porque era uma pobreza", ressaltou. Continuou dizendo:
“Morava em roça de patrão, era muito sofrimento. Era mixuruco, mas era
gostoso. Só que eu fui crescendo e pensando que o dia que eu tiver as coisas,
eu vou fazer legal. E assim que eu fui aprendendo a fazer meus docinhos. Igual
o pudim, graças a Deus eu vendo até bastante desse pudim, eu aprendi
sozinha. Eu lembro o dia que as meninas queriam pudim e eu não tinha
dinheiro pra fazer. Aí, eu fiz da minha cabeça um pudim. Oh, ficou gostoso,
graças a Deus! O pessoal fica doido querendo receita. Não dô.” (Dorinha, em
entrevista realizada em 27/09/2017)
Quando começou a fazer quitanda, Dorinha levava seus produtos para vender aos domingos na feira em
Ouro Preto, ou saía com o balaio de merenda, vendendo de casa em casa:
“Aí minha coluna ficou ruim de tanto carregar peso, porque não era só
merenda, eu também levava legume. Foi quando comecei a vender só em
Amarantina. Mas o pessoal começou a pegar fiado e não pagava. Aí, foi pra
Casa de Pedra [Casa de Cultura de Amarantina]. No começo, quando
inaugurou, até que vendia bastante. Eu com as merendas14 e as meninas com
os artesanatos (Dorinha, em entrevista realizada em 27/09/2017.)
Antigamente, Dorinha usava o fogão de lenha para assar as quitandas, mas a madeira começou a ficar
difícil de encontrar; hoje ela usa o forno a gás. Dorinha trabalha sozinha, o que, segundo ela, é uma
diversão. Dorinha disse que modelar a massa das rosquinhas à mão faz toda a diferença (Figura 6.224).
Em relação ao forno, porém, prefere o forno de agora, porque antes, quando ela usava o forno a lenha,
se esfriasse, dava diferença na qualidade da quitanda.
14
vídeo Terra de Minas com Dorinha:
http://redeglobo.globo.com/globominas/terrademinas/noticia/2015/07/saiba–como–fazer–rosca–
salamunico.html No vídeo, fala que o segredo da rosquinha é a nata. Sua cunhada dava mamadeira pro seu filho
com leite de vaca. Toda vez que fervia o leite, ela ia separando a nata em um potinho e colocava no congelador.
345
Figura 6.224 – Quitandas feitas por Dorinha: rosquinhas, pudins, pão de queijo e pão de cebola.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
A doceira Pia, do distrito de São Bartolomeu (Figura 6.225), não é natural de Itaúna (MG), mas reside em
Ouro Preto há mais de 30 anos. Quando veio para São Bartolomeu, buscava qualidade de vida, e lá
construiu a família e fez amizades. Ela e o marido, que é da área ambiental, queriam viver em um lugar
de natureza, e que dela pudessem retirar o sustento. Eles possuem um terreno e já começaram a
trabalhar com alimentos orgânicos, apicultura e piscicultura. Com isso, começaram a ter contato com
Ouro Preto, que era para onde escoavam a mercadoria.
Figura 6.225 – Igreja de São Bartolomeu (à direita) e Igreja de Nossa Senhora das Mercês (à esquerda),
no distrito de São Bartolomeu.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Quando chegou a São Bartolomeu, a primeira doceira com quem teve contato foi a dona Maria do João
da Costa e com o Vicente Tijolo. “Eles nos acolheram”, contou Pia. Dona Pia também plantava muitas
frutas e começou a se envolver com a parte de doces.
O primeiro tipo de doce que fez foi de figo, na casa de dona Maria, com o tacho de cobre e lenha dela. A
partir daí, foi aprendendo todo o processo; depois passou a fazer goiabada, e foi aprimorando.
346
Só trabalha com fruta nativa da região, colhida no pé. Com o tempo, foi percebendo que as pessoas da
região aproveitavam muito pouco as frutas nativas. Embora a comunidade já tivesse consciência dessa
tradição doceira, ficava restrita ao doce de leite, goiabada, laranja da terra, cidra, pêssego e mamão. Aí,
tinha o limão–capeta, que não era aproveitado. Foi quando começou a fazer compota e geleia de limão
(Figura 6.226).
O mesmo se deu em relação à jabuticaba, que as pessoas tinham o hábito apenas de chupá–la, e que
grande parte da produção era desperdiçada. Resolveu, portanto, fazer licor, vinho e geleia. Atualmente,
os produtos feitos a partir de jabuticaba são os que ela mais vende.
Figura 6.226 – Geleias, vinhos, goiabadas cascão e licores produzidos artesanalmente pela doceira Pia,
em São Bartolomeu.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Em São Bartolomeu tem a tradicional Festa da Goiaba, que acontece em abril, e que está na sua 21ª
edição. Pia relatou que buscou parceria com a Prefeitura e EMATER. Fez cursos de geleia, licores e
vinhos. Começou a embalar os doces em vidros ao invés de em plástico. E nesse processo, começou a
perceber que havia muitos jovens buscando trabalho, e ela e o marido envelhecendo, tendo dificuldades
com a produção. Foi então que surgiu a ideia de fazer um inventário dos doces de São Bartolomeu. A
pesquisa começou em 2005. O inventário começou a movimentar as pessoas da região para fazer uma
Associação, percebendo que juntos seriam mais fortes. Junto com o processo do inventário, veio o
problema da lenha, porque a região é área de proteção ambiental, então não podem tirar a lenha do
mato, e os doces são feitos a lenha.
Então, Pia e seu marido foram conversar com o Instituto Estatual de Florestas de Minas Gerais (IEF), com
a Prefeitura, com a EMATER, e montaram a Associação. Com isso, começaram a conseguir espaço para
347
exposições, realizar compras coletivas de açúcar e vidro. “Em 2008, com o Registro do Patrimônio dado
pela Prefeitura de Ouro Preto, houve um grande ganho”, comentou Pia.
Com o reconhecimento, o modo de fazer artesanal do doce de São Bartolomeu conseguiu “dar aquele
abraço no coração dos moradores!” Atualmente, Pia está como presidente da Associação dos
Produtores da Agricultura Familiar de São Bartolomeu:
“Então uma coisa que só se via pelo lado econômico de ganhar dinheiro,
passou a ganhar um valor histórico e cultural. E com isso as pessoas sentiram
que a arte de fazer doce era valorizada e era reconhecida. Com isso, as
doceiras e doceiros ficaram mais animados, conseguiram parcerias com a
Gerdau, por exemplo, que, ao desmatar, doava as lenhas para a Associação.”
(Pia, em entrevista realizada em 27/09/2017)
Dos 20 doceiros associados, uns três moram na sede do distrito, e os demais, em áreas rurais que
circundam a região. Segundo Pia, os que residem nessas áreas são os que mais sofrem com a estrutura
dos acessos (estradas malconservadas), o que dificulta o escoamento das mercadorias. Todos os
produtores trabalham em casa e comparecem às reuniões que são realizadas na Associação.
Comentando sobre a experiência de Mata dos Palmitos, que o grupo de mulheres está se organizando
para transformar a Associação em Cooperativa, Pia falou que a tradição do doce é familiar, "então as
pessoas fazem em casa. Se você monta um local para as pessoas fazerem o doce, já muda um pouco as
características" (Pia, em entrevista realizada em 27/09/2017). A respeito das mudanças que têm sido
impostas pelo órgão de vigilância sanitária, substituir tacho de cobre (Figura 6.227) por tacho de inox,
Pia diz que não pode acontecer, pois o diferencial do doce está no tacho.
Figura 6.227 – Cozinha onde são preparados os doces. Detalhe para o tacho de cobre, o fogão e a lenha
usados.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
348
6.11.5 MAPA DOS BENS CULTURAIS DE OURO PRETO
349
6.12 MARIANA
O município de Mariana também possui um número significativo de bens patrimonializados, a maior
parte de caráter religioso e arquitetônico. O seu Centro Histórico, tombado pelo IPHAN em 1945,
apresenta um acervo arquitetônico composto por monumentos de estética barroca de influência
portuguesa que marcam os anos do auge da mineração de ouro.
Entre os monumentos tombados, destacam–se a Catedral de Nossa Senhora da Assunção (Igreja da Sé,
uma das mais antigas igrejas mineiras), o Seminário Maior de Mariana (de estilo neoclássico), o conjunto
de sobrados da Rua Direita (com casas comerciais no térreo e sacadas no andar superior, sendo uma
delas a casa onde viveu o poeta Alphonsus Guimarães), as pinturas sacras de Manoel da Costa Athaíde e
o Centro Histórico de Santa Rita Durão.
A maior parte do patrimônio arquitetônico está localizada no Centro Histórico, onde estão suas três
importantes praças históricas: Praça da Sé, Praça Gomes Freire e Praça Minas Gerais.
O município dispõe do Conselho Municipal de Patrimônio de Mariana (COMPAT), responsável pelo
tombamento e preservação do Patrimônio Cultural e Artístico, em nível municipal, regido pela Lei nº
2.657, de 29 de outubro de 2012 (já mencionada anteriormente).
Como principais festas populares, destacam–se: festa do Padroeiro Senhor Bom Jesus do Monte (distrito
de Furquim); festa de São Sebastião – em Mariana e nos distritos de Cláudio Manoel, Monsenhor Horta,
Passagem de Mariana e Bandeirantes; festa de Nossa Senhora do Amparo; louvor a Nossa Senhora do
Carmo (padroeira da cidade); festa de Nossa Senhora da Assunção–Catedral da Sé; festa de Nossa
Senhora da Glória – distrito de Passagem de Mariana, dentre outras, em sua maioria de caráter
religioso.
6.12.1 CAPOEIRA E OFÍCIO DE MESTRES DE CAPOEIRA
6.12.1.1 Grupo Capoeirart
Mestre Amendoim – Aloísio Augusto, 44 anos
Aluízio Augusto iniciou sua prática na capoeira aos 13 anos. Graduou–se em 1986 e se tornou mestre
em 1995. Ambos os títulos foram concedidos através dos ensinamentos do Mestre Damião. Considera
igualmente importantes para sua trajetória os contatos que manteve com o Mestre Natanael,
responsável por fundar, juntamente com o Mestre Limão, as primeiras academias de capoeira de São
Paulo, na década de 70. No ano que obteve o título de mestre, Mestre Amendoim, como é conhecido no
meio da capoeira, criou seu próprio grupo de capoeira, o Capoeirart, ainda na década de 90, mas não
deu prosseguimento.
Optou por fazer parte do Grupo Internacional Oficina da Capoeira, fundado em 14 dezembro 1996, na
cidade de Belo Horizonte (MG) por Mestre Ray e seus alunos, com representantes em 18 países, 9
estados do Brasil e em várias cidades mineiras. Permaneceu vinculado a esse grupo até 2016, quando
decidiu reativar o seu próprio grupo, que havia deixado para trás.
351
Ao dar continuidade a seu próprio grupo, a primeira ação que fez foi registrá–lo em cartório e inscrevê–
lo no CNPJ. A sede do grupo funciona na própria residência do mestre, que é utilizada como oficina e
loja de artesanato, com temáticas relacionadas a capoeira (Figura 6.228). As peças são confeccionadas a
partir de lixo reciclado: madeira, tampinhas de refrigerantes, garrafas pets e outros. No espaço, também
funciona uma espécie de memorial que conta um pouco da história da capoeira e de sua própria
trajetória, através de fotografias de alguns mestres, participação em congressos, projetos sociais,
materiais de jornais e certificados.
Figura 6.228 – Sede do grupo, loja de artesanato e memorial que conta a trajetória do Mestre
Amendoim.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Atualmente, através do Grupo Capoeirart, Mestre Amendoim é voluntário em alguns projetos sociais
nos municípios de Mariana, Catas Altas e Santa Bárbara. Segundo ele, seu trabalho só é remunerado
quando, vez por outra, a Prefeitura libera recursos direcionados aos projetos. Em Mariana, as aulas de
capoeira acontecem no CRAS e no Centro de Referência da Infância e Adolescência (CRIA).
A capoeira é uma arte que tem, na essência, a inclusão; nesse sentido, o público assistido é diverso. São
atendidas crianças e jovens, vários tipos de deficiências, também jovens que estão cumprindo medidas
socioeducativas ou que possuem algum tipo de problema com a Justiça. Mestre Amendoim ressalta que
não basta somente conhecer sobre a capoeira para lidar com o público atendido pelos programas sociais
dos quais participa. É preciso dialogar como os saberes oficiais:
352
“Por eu trabalhar no CRAS e no CRIA, estou preparado para receber alunos que
necessitam de uma atenção especial, ou porque se envolveram com drogas, ou
com o mundo do crime. Trabalho com psicólogos nessas instituições e sempre
faço treinamentos, mostrando meu trabalho em universidades, como a
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Tenho outro olhar sobre essas
crianças que chegam até mim. Por que elas agem daquela forma? Geralmente,
por questões de convivência com a família.” (Mestre Amendoim, em entrevista
realizada na residência em 16/09/2017).
Nesse sentido, a capoeira é para todos: “Até pessoas idosas e acima do peso podem jogar”, ressaltou o
mestre. Nos dois projetos, é atendida uma média de 40 crianças e jovens. Durante as aulas, que não se
limitam a ginga e movimentos corporais, o mestre também realiza oficinas de produção de
instrumentos, principalmente para ensinar o aluno a fazer o seu próprio berimbau:
“Ao mesmo tempo que é simples de fazer, tem que experimentar várias cabaças
pra conseguir o som ideal. A madeira ideal prazer berimbau é o mulato, que
enverga fácil e dá muita pressão pra fazer o som. Os caxixis é feito de material
reciclado, de fita de lacrar caixa e parte da cabaça que não utilizou no
berimbau.” (Mestre Amendoim, em entrevista realizada na residência em
16/09/2017).
Fora do ambiente institucional, Mestre Amendoim dá aulas de capoeira para um público pagante de 30
alunos, que contribuem com uma taxa mensal de R$ 40,00. Os treinos ocorrem às quartas e sextas–
feiras, das 16 h às 18 h, nas dependências do CRIA.
Para Mestre Amendoim (Figura 6.229), a alma do jogo está na harmonia da Roda de Capoeira. Para isso,
ela precisa ter três berimbaus: o gunga, o médio e o viola, que, ditos de outra forma, significam o pai, a
mãe e o filho; depois vêm o atabaque e o pandeiro de couro. O caxixi é o complemento na percussão:
completa a sonoridade do berimbau.
Figura 6.229 – Mestre Amendoim tocando berimbau na sede do Grupo Capoeirart, em 16/09/2017.
Fonte: Equipe Biodinâmica, 2017.
353
A Roda de Capoeira é o espaço utilizado pelo mestre para transmitir os conhecimentos aos iniciantes.
Equivale, nas palavras de Mestre Amendoim, à sala de aula normal, com um detalhe: todos os presentes
comungam do mesmo sentimento de solidariedade. Não há distinção de qualquer natureza. A
humildade e a ajuda coletiva é que fazem o movimento da roda. A disciplina é outra virtude que se
aprende desde cedo na capoeira.
O aluno iniciante nunca vai direto tocar o berimbau; geralmente começa tocando pandeiro, atabaque
(Figura 6.230) ou apenas bate palmas enquanto os veteranos jogam. Não é porque está na ponta da
roda, que vai pular pra dentro da roda; tem que esperar a sua vez. Só vai tocar o berimbau quem já é
graduado, porque tem experiência, sabe identificar o nível da roda e dos alunos. Os alunos só jogam de
acordo com o som que o berimbau está pedindo, mais calmo ou não. Joga–se de acordo com a
harmonia do som do berimbau. A Roda de Capoeira é didática em sentido amplo.
Figura 6.230 – Mestre Amendoim tocando o atabaque em 16/09/2017.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Além das aulas práticas que envolvem toques de instrumentos e treinos de movimentos, há aulas
teóricas, que abordam vários temas, como História do Brasil e da capoeira, a contribuição dos Mestres
Bimba e Pastinha, os toques do berimbau, os cantos. Também se discute a relação entre capoeira,
filosofia e educação.
Mestre Pastinha é considerado o pai da capoeira Angola; a tradicional é a mãe da capoeira, que veio
para o Brasil trazida pelos escravos da Angola. Ela tem passos lentos e rasteiros, e mais perigosos
também. É bem manhosa. Mestre Bimba criou a capoeira Regional, com influência das lutas orientais.
Criou regras de civilidade, como estar de cabelo cortado, barba feita e roupa branca. A cor branca não é
por causa do candomblé, o que causa alguns mal–entendidos. É que o branco dá ideia de limpeza,
organização. Ele colocou a capoeira na categoria de um esporte, o que “fez diminuir um pouco o
354
preconceito com a capoeira.” (Mestre Amendoim, em entrevista realizada na residência em
16/09/2017).
A capoeira contemporânea, praticada pelo Mestre Amendoim, é uma mescla da capoeira de Angola com
a capoeira Regional. Nesse sentido, o grupo não separa uma linhagem da capoeira da outra. Considera
que a capoeira é única e que, conforme o toque do berimbau, o capoeirista tem que jogar.
Periodicamente são realizados batizados. A graduação no grupo acontece da seguinte forma: aprendiz,
monitor, professor, contramestre e mestre. “O batizado na capoeira é um momento único, é a primeira
graduação. Depois só há trocas de graduação. E quem define se o aluno será batizado é o mestre”,
ressaltou Mestre Amendoim.
Em se tratando das dificuldades enfrentadas para prosseguir com o Ofício de Mestres de Capoeira e a
Roda de Capoeira, Mestre Amendoim contabiliza várias, dentre elas, o preconceito e a ausência do
Poder Público local. Para ele, capoeira e outras culturas de origem de afro–brasileira só são lembradas
no dia 20 de novembro, data destinada à Consciência Negra. “Aqui mesmo, a Secretaria de Cultura
nunca fez nada pela capoeira. Quando precisamos de ajuda, dão 50 reais, uma esmola; mas, quando há
algum evento pra chamar turista, querem a Roda de Capoeira na praça.” (Mestre Amendoim, em
entrevista realizada na residência em 16/09/2017)
Apesar de reconhecer que o título de Patrimônio Cultural Imaterial que foi dado à capoeira ajudou a
retirar um pouco do estigma sobre a prática, quase nada mudou na vida dos mestres. Muitos continuam
desenvolvendo seu ofício de forma precária e sem o reconhecimento do Poder Público. Para ele, uma
ação importante a favor dos Mestres de Capoeira aconteceu durante a gestão do ex–ministro da Cultura
Gilberto Gil. Na época, tramitou no Congresso Nacional uma Proposta de Emenda Constitucional que
restringia apenas aos profissionais de Educação Física o direito de ensinar capoeira nas escolas,
excluindo os mestres, detentores dos conhecimentos tradicionais do jogo. Foi graças à articulação
política do então ministro que a ação não se concretizou, ressaltou o mestre.
6.12.1.2 Grupo Oxalufã Capoeira Angola
Mestre Damião – Damião Cosme Leonel, 55 anos
Natural de Mariana, Mestre Damião começou a praticar a arte da capoeira no final da década de 70,
quando Mestre Paulo Brasa se estabeleceu na cidade de Ouro Preto, para participar das filmagens do
filme “Chico Rei”. Na época, contou o mestre que o Mestre Paulo Brasa começou a promover
gratuitamente rodas e treinos de capoeira em Ouro Preto, despertando o interesse de vários jovens pela
prática. Ainda segundo Mestre Damião, foi o Mestre Paulo Brasa que o iniciou na capoeira e, após o
retorno para o Rio de Janeiro, ele ficou responsável pelas rodas e treinos em Mariana, a partir de 1978.
Depois, Mestre Damião mudou–se para o Rio de Janeiro onde continuou sua trajetória na capoeiragem
(Figura 6.231). “Foi lá, no grupo do Paulo Brasa. Aqui em Mariana, não tinha capoeira. Na verdade, criei
esta capoeira em 1978, através deste mestre lá do Rio”, afirmou.
355
Figura 6.231 – Desenhos na parede da sede do grupo que contam a origem da Roda de Capoeira Oxalufã
e a relação com a ancestralidade. Em 16/09/2017.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Além do Mestre Brasa, responsável pela sua iniciação na capoeira, outros mestres de capoeira, alguns já
falecidos, como é o caso do Mestre Quati, contribuíram para a formação do Mestre Damião, que
permaneceu no Rio de Janeiro até o ano de 1989. Durante esse período, sempre voltava a Mariana,
onde dava instruções a alguns aprendizes:
“No Rio, conheci o Mestre Cobra Mansa, que não tinha nada, e hoje é o ‘dono’
da capoeira Angola no Brasil. Tive alguns mestres importantes, como Guimba e
Quati. O Quati era mestre da capoeira Angola, e o Guimba é o criador da
capoeira Regional. Além desses, também tive o Mestre Curió, Mestre Leopoldino
e outros. Mas com quem eu convivi mesmo foi o Mestre Leopoldino.” (Mestre
Damião, em entrevista realizada na sede do grupo Oxalufã Capoeira de Angola,
em 16/09/2017).
Dividido entre Mariana e Rio de Janeiro, ora recebendo os ensinamentos dos mestres, ora repassando–
os a seus alunos (Figura 6.232), Mestre Damião usava as ruas para disseminar seu ofício; por muitos
anos, exerceu a capoeira de rua. Até hoje, Mestre Damião não sobrevive exclusivamente do ofício que
desempenha; desde antes, dependeu de outras atividades para dar o sustento da família. Conta o
mestre que já exerceu a profissão de caminhoneiro e que, atualmente, é pedreiro e artesão.
Figura 6.232 – Mestre Damião e Geraldo, ex–aluno, na sede do grupo, durante a entrevista em
16/09/2017.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
356
Durante alguns anos, o mestre passou adiante os fundamentos da capoeira sem se preocupar em
atribuir um nome para sua Roda de Capoeira. Foi quando seu mentor espiritual, Ananias, dono de um
terreiro de candomblé em Mariana, nomeou o grupo de Oxalufã Capoeira de Angola, que significa o
orixá mais velho. O nome da Roda de Capoeira não poderia ser mais propício, pois, além de fazer
referência à sua trajetória, qualifica, como o mestre mais antigo da cidade, aquele que iniciou uma
legião de adeptos da arte na cidade; alguns, inclusive, já são mestres, como é o caso de Mestre
Amendoim.
Além deste, há outros mestres que se formaram com o Mestre Damião que estão disseminando a
capoeira em várias regiões do País. Geraldo, ex–aluno e amigo de Mestre Damião, que estava presente
durante a entrevista, ressaltou:
“A capoeira educa as pessoas, é uma filosofia de vida. É amor, troca de
conhecimento. Eu carrego a capoeira na vida. A capoeira me ajudou muito, ela
ensina a ter paciência com coisas da vida. Se eu levo um esbarrão, aprendo a
não revidar. Com os movimentos da capoeira, aprendi a me perceber, a andar
mais devagar. Tem muita gente que já passou pelos ensinamentos de Damião, e
que hoje são médicos, advogados, jogador. Tudo passou pelas mãos dele. Ele é
pioneiro. Se ainda existe capoeira aqui, é mérito dele. Outras pessoas que
aprenderam com ele hoje estão em cidades da região e até em Belo Horizonte.”
(Geraldo, ex–aluno de Mestre Damião, em entrevista realizada na sede do
Grupo Oxalufã Capoeira de Angola, em 16/09/2017)
Mestre Damião tem a preocupação de manter a tradição dos ancestrais, responsáveis por introduzir a
luta como uma forma de resistência. Durante a Roda de Capoeira, seja qual for o grau (aprendiz ou
mestre), a ginga e o respeito ao próximo são fundamentos básicos para se tornar um bom capoeirista:
“A capoeira de Angola é a mãe, é a que tem mais gingado, que, nas cantigas, fala
do sofrimento negro. Tem todo um resgate da ancestralidade negra. Na
capoeira de Angola, não existe um batizado, e o mestre de capoeira é que
determina quando o aluno forma, não existe um tempo determinado.” (Mestre
Damião, em entrevista realizada na sede do Grupo Oxalufã Capoeira de Angola,
em 16/09/2017)
A principal diferença, segundo o mestre, entre a copeira de Angola e a Regional é que a primeira leva
em consideração o desenvolvimento de cada pessoa e não se atém a protocolos, como mudança de
cordões, graduação ou batizados. O mestre, através de sua experiência, é quem define, no tempo que
lhe convém, se o aprendiz está preparado para mudar de status. Já a capoeira Regional possui uma
lógica semelhante a uma escola em que, a cada ano, o aluno muda de série, o que equivale, na capoeira,
à mudança de cordão.
A ginga na capoeira de Angola assume vários significados: tanto diz respeito a movimentos lentos,
precisos que permitem ao capoeirista executar golpes mais precisos sem fazer grandes esforços, quanto
a exercitar a paciência. O gingado usado na capoeira de Angola é um atributo herdado dos ancestrais
357
negros que lhes permitia amenizar as dificuldades pelas quais tinham que passar na época da
escravidão, fosse para se livrar dos maus–tratos, fosse das perseguições. Nesse sentido, o Mestre
Damião se mostra resistente a introduzir novos aspectos originados das artes marciais que, para ele,
diminuem os fundamentos holísticos da capoeira, ressaltando apenas o desempenho físico.
Independentemente de qual seja a tradição da capoeira, se Angola ou Rregional, é na roda que os
ensinamentos do mestre são transmitidos. É na Roda de Capoeira que o iniciante recebe os
fundamentos que o tornarão um ser integral, que aprende a respeitar os mais velhos, a aceitar seus
limites, a conter seus impulsos. Os movimentos da luta são consequências. De acordo com Mestre
Damião, um bom mestre não é aquele que luta e sabe dar golpes, mas aquele que observa
pacientemente qual o momento exato de entrar em ação. Para chegar a tal estágio, é preciso disciplina
e humildade.
Atualmente, o grupo Oxálufã realiza seus treinos e rodas na Liga Esportiva de Mariana, prédio situado na
Rua 16 de julho, s/nº – Centro (Figura 6. 233). O espaço utilizado é cedido pela Secretaria de Esportes,
portanto isenta Mestre Damião dos custos com aluguel do imóvel. “Não pago nada, e já faz três anos,
mas é enquanto estiver esta presidência; não sei quando vai mudar. Antes, eu nunca tive um espaço, eu
ensinava na rua.” (Mestre Damião, em entrevista realizada na sede do grupo Oxalufã Capoeira de
Angola, em 16/09/2017) .
Figura 6.233 – Aspectos gerais da sede do Grupo Oxalufã, em 16/09/2017.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
O grupo possui aproximadamente 25 alunos regulares, incluindo adultos e crianças, e os treinos
acontecem às terças e quartas–feiras, das 19 às 21h. O público que frequenta a Roda de Capoeira é
variado, inclui estudantes universitários, que são mais adeptos da capoeira de Angola, e frequentadores
de academias de musculação, que se identificam mais com a Regional. Estes, geralmente, estão
interessados em praticar movimentos rápidos. Estão preocupados com o físico, não em aprender os
fundamentos da capoeira. Apesar de recebê–los, o mestre enfatiza que seu estilo de capoeira não visa
apenas à estética –– foca essencialmente no indivíduo como um ser total. Como a cidade recebe muitos
358
turistas estrangeiros, vez por outra, eles visitam a Roda de Capoeira do mestre. Alguns se arriscam a
fazer alguns movimentos, disse Mestre Damião.
A profissionalização do ofício de capoeirista em Mariana ainda deixa a desejar. Apesar dos bons
mestres, como é o caso de Mestre Damião, a capoeira ainda convive com o preconceito, que dificulta o
interesse das pessoas em participar das rodas. Tal característica impede que o mestre sobreviva do
ofício que realiza, obrigando–o a ter outra profissão para poder manter o ofício. Em Mariana, a prática
não é encarada com seriedade pelo Poder Público e pela comunidade –– ainda é vista como algo sem
importância ou, em casos extremos, como “coisa de vagabundo”.
Nos treinos do grupo Oxalufã, os alunos contribuem de acordo com a quantia que podem pagar; não há
uma imposição de valor, como ocorre nas academias de ginástica. Na verdade, as rodas são mediadas
pelo espírito da solidariedade e amor pelo ofício, pois, além do espaço que é cedido pelo Poder Público
local, não há outras formas de incentivo que valorizem o ofício e a Roda de Capoeira na cidade.
Segundo Mestre Damião, quando o aluno iniciante procura–o para dar início aos treinos, algumas regras
fundamentais são socializadas. A primeira regra que o aluno precisa entender é que os instrumentos são
objetos sagrados. Portanto, não é permitido, por exemplo, que o aluno faça uso de bebidas alcoólicas
antes de participar da Roda de Capoeira. De acordo com o mestre, os instrumentos são sagrados, e as
pessoas que chegam com falta de respeito não estão autorizadas a manuseá–los.
É preciso que o iniciante tenha conhecimento de que há hierarquias a serem cumpridas na Roda de
Capoeira, semelhante às normas que existem em sala de aula, por exemplo. Alguns instrumentos, só o
mestre pode manusear, como o berimbau mãe ou o atabaque. Foi assim que ele apreendeu o ofício, e
será dessa forma que o transmitirá a seus alunos. No momento certo e com sua autorização, o aluno vai
poder tocar. Fora isso, os treinos da capoeira de Angola começam com sessões de alongamentos,
seguidos da ginga. Nas palavras de Mestre Damião, sua capoeira difere da capoeira Regional pelos
movimentos corporais, que são mais lentos, e também porque respeita os limites físicos e cognitivos de
cada aluno.
A Roda de Capoeira recebe e aceita as pessoas como elas são, com suas limitações e imperfeições. Nas
rodas, ninguém é melhor que ninguém, todos estão no mesmo nível, numa posição onde todos se vêm –
– todos ajudam e são ajudados. Enquanto os capoeiristas exercitam os movimentos no centro da roda,
os demais participantes que estão em volta acompanham com palmas e cânticos de incentivo. Não há
competição, ou busca pelo corpo perfeito. O mesmo valor que é dado ao corpo físico também é dado à
essência da vida. Este é princípio básico da Roda de Capoeira: formar indivíduos solidários como os
outros e com o mundo à sua volta.
Além da formação integral dos alunos, o grupo promove aulas e oficinas de toques e de confecção de
instrumentos. Todos os instrumentos utilizados na roda são de propriedade do grupo e são
confeccionados pelos próprios membros. Os mais comuns são berimbaus, denominados de pai, mãe e
filho, atabaque e caxixi. Parte da matéria‐prima é comprada no mercado central de Belo Horizonte;
outra, adquirida nas matas do entorno da cidade, para confecção dos instrumentos:
359
“Os tambores e atabaques são comprados, mas os berimbaus sou eu que faço. A
madeira eu pego lá em Ouro Preto. Antes eu usava a madeira chamada mulato,
mas hoje muito tá difícil de encontrar, e hoje nem pode mais tirar. Os caxixis
também são comprados. As cabaças estão difíceis de encontrar, estamos usando
o coité.” (Mestre Damião, em entrevista realizada na sede do grupo Oxalufã
Capoeira de Angola, em 16/09/2017)
Com mais de três décadas de vida dedicadas ao ofício da capoeira em Mariana, Mestre Damião
contabiliza alguns avanços, apesar de sofrer discriminação ainda hoje. Lembra que, para manter a
capoeira na cidade, enfrentou preconceito e perseguição da polícia. Por diversas vezes, sua Roda de
Capoeira foi interrompida pela ação policial, de forma truculenta e violenta. Na época, as pessoas da
cidade rotulavam os capoeiristas como “marginais”. Para ele, a capoeira sempre foi e continuará sendo
sinônimo de luta e resistência.
Quanto à capoeira ter sido registrada como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil, em 2008, Mestre
Damião entende que a ação contribuiu para amenizar o estigma social que havia sobre a prática de uma
forma geral, porém não resolveu o problema. Com o título de patrimônio, a capoeira começou a ser
valorizada; as pessoas ricas começaram a ter interesse em praticá–la, ressaltou.
No entanto, nenhum projeto concreto direcionado aos mestres de capoeira foi feito. Não é difícil,
segundo ele, localizar um bom mestre que não tem sequer uma casa para morar e criar os filhos com
dignidade, então, “como dar continuidade à capoeira se os mestres não têm sequer um lugar para
morar?”, questionou.
6.12.2 TOQUE DOS SINOS E OFÍCIO DE SINEIRO
Professora Emérita Hebe Maria Rola, 87 anos (Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP)
Jovem sineiro Everton Maciel, 26 anos
Jovem sineiro Warler dos Reis Montes, 22 anos
Ex–sineiro Élcio Martinho do Sacramento, 71 anos (Nonô)
Ex–sineiro João Bosco Ferreira, 58 anos (Joãozinho)
A preservação da linguagem de sinos em Mariana não difere muito do contexto das outras cidades
históricas, cujo bem cultural também é reconhecido como Patrimônio Imaterial Brasileiro. Percebe–se,
na fala dos informantes, que alguns elementos tradicionais que envolvem a prática não estão sendo
reproduzidos, de modo a garantir sua continuidade para as gerações futuras. Apesar de existirem alguns
jovens sineiros que exercem o ofício, principalmente em épocas de festas, não há, por parte do Poder
Público, ações que incentivem os poucos mestres sineiros que ainda estão vivos a repassar seus saberes
para os jovens.
360
Toque de Sinos ministradas pela professora Hebe Rola na Casa de Cultura, cujo público–alvo são os
jovens sineiros, mas isso não tem sido suficiente para garantir a manutenção da prática.
Hebe Rola (Figura 6.234), natural de Mariana, pesquisadora da linguagem dos sinos há mais de duas
décadas e consultora da pesquisa que subsidiou o pedido de Registro do Toque de Sinos e Ofício de
Sineiro, em1994, durante uma aula, percebeu que já não se tocavam mais os sinos em Mariana como
antigamente. Foi quando começou a fazer pesquisas e oficinas sobre toques de sinos em Mariana e
Ouro Preto.
Figura 6.234 – Professora Emérita da Universidade Federal de Ouro Preto e pesquisadora da linguagem
dos sinos de Mariana, Hebe Rola, durante entrevista concedida à equipe de pesquisa, na Casa de
Cultura.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Sua produção de conhecimento sobre a linguagem dos sinos, com o passar do tempo, chamou a atenção
do IEPHA–MG. “Nessa época, já não havia, por parte dos padres da cidade, interesse pelos toques de
sinos”, ressaltou. O Toque de Sinos, antes de se tornar objeto de estudo da pesquisadora, fez parte de
suas vivências e memórias, o que mostra sua importância para a identidade cultural da cidade.
“Quando criança eu ouvia os sinos várias vezes ao dia, e os sinos dividiam o dia para nós. Tocava o
Angelus às 6 horas da manhã, ao meio–dia e à noite. Também se tocava o sino em batizados e
casamentos.” (Professora Hebe Rola, em entrevista realizada na Casa de Cultura de Mariana, em
15/09/2017)
Mesmo com os esforços que a pesquisadora tem realizado com o intuito de manter a linguagem do sino
em atividade na cidade, alguns obstáculos são contabilizados, como a falta de incentivo do próprio
Poder Público local e o desinteresse dos próprios padres. Além disso, há o fato do desuso de vários
toques, daí o objetivo de suas oficinas. Porém, alguns toques de sino ainda se mantêm, principalmente
durante alguns eventos religiosos, como a tradicional festa do dia da padroeira Nossa Senhora do
Carmo, que acontece no mês de julho.
Durante as comemorações de aniversário da cidade, também em julho, acontece a sineirata, um
concerto integrado de sinos com que as torres sineiras se comunicam. “É um diálogo entres as igrejas,
que contorna a cidade toda. Ocorre todos os anos, mas este ano não teve, pois tive dificuldade em
reunir os sineiros”, ressaltou, com pesar, a pesquisadora.
361
Na pesquisa de campo em Mariana, percebeu–se que a tradição de toques de sino ainda se mantém nas
principais celebrações festivo–religiosas. Durante a festa de Nossa Senhora das Mercês, que aconteceu
no mês de setembro, presenciaram–se os repiques de sinos –– são toques intermitentes que duram em
média 15 minutos, e estavam sendo conduzidos pelos jovens sineiros Warler e Everton. Eles são
responsáveis pelos toques de sino festivos nas igrejas localizadas no Centro da cidade: Matriz de Nossa
Senhora da Assunção, que se encontra interditada pelas obras de restauração, Nossa Senhora do Carmo,
São Francisco, Nossa Senhora das Mercês (Figura 6.235), Sant'Anna, Confraria e São Pedro. Nos dias
dedicados aos santos e padroeiras de cada igreja, os sinos são tocados três vezes ao dia: às 6 h, ao
meio–dia e às 15 h.
Figura 6.235 – Igreja de Nossa Senhora das Mercês durante as festividades em homenagem à padroeira
(à esquerda) e Novena rezada em latim, com o padre posicionado de costas para os fiéis (à direita), em
17/09/2017.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
A iniciação dos jovens sineiros na prática do toque de sino aconteceu ainda em crianças, quando
realizavam a atividade de coroinhas na Capela Sant'Anna. Os primeiros ensinamentos foram–lhes
transmitidos pelo ex–sineiro Sérgio Luiz Alves (53 anos), que tocava o sino na capela. Contaram que
sempre o acompanhavam durante suas subidas à torre para tocar o sino. Existem na cidade, em média,
10 jovens sineiros que se dividem para atender à demanda de toques de sino durante as festividades
religiosas. Eles consideram as oficinas da professora Hebe importantes e sempre participam dela: “Dona
Hebe, que mora na Rua Nova, tem feito cursos para os mais velhos ensinarem pra gente. Nos reunimos
na Casa de Cultura. Tem outros colegas que aprenderam e estão tocando sino. Somos em torno de uns
10 que nos reunimos com ela.” (Jovens sineiros Warler e Everton, em entrevista realizada na Igreja de
Nossa Senhora das Mercês, em 17/09/2017).
No período da Semana Santa, também é comum os sinos tocarem às 6 h, às 12 h e às 15 h. Tudo começa
com os toques de sino da Igreja Matriz; em seguida, os sinos das outras igrejas respondem. Na Sexta–
feira da Paixão, os sinos não tocam; em vez disso, soam as matracas nos mesmos horários, e mais às
20h30, no momento da procissão. No sábado de Páscoa, no decorrer do dia, os sinos não tocam nem as
362
matracas. À noite, os sinos voltam a repicar na Missa da Aleluia. Por último, no domingo de Páscoa, só
há toques de sino festivos na Igreja Matriz e na Igreja de Nossa Senhora do Rosário.
Atualmente, os jovens sineiros só tocam os sinos durante as festividades que acontecem nas igrejas.
Durante as missas dominicais, os responsáveis pelos toques são seus próprios zeladores. Uma
curiosidade sobre os toques executados no cotidiano é que não há necessidade de subir à torre para
manusear o sino: posicionado no térreo da igreja, o sineiro faz a manobra. Para isso, foi adaptada uma
corda, presa ao badalo do sino, que segue até o piso térreo. Ao movimentar a corda, o badalo choca–se
contra a saia do sino, emitindo o som. Ressaltaram os informantes que os responsáveis pelos toques de
sino da Igreja de Nossa Senhora do Rosário são outros jovens sineiros.
Os sineiros que se dedicam à preservação da linguagem dos sinos em Mariana não têm vínculos de
trabalho com as igrejas; realizam a atividade porque gostam, são voluntários. É diferente dos sineiros de
São João Del Rei, que, além de dedicarem parte de seu tempo à continuidade do bem, também são
zeladores ou sacristãos.
A respeito de alguns toques de sino tradicionais e que raramente ocorrem nas igrejas, por exemplo, os
toques fúnebres, os jovens sineiros ressaltaram que algumas famílias os contatam para executarem os
toques. O propósito do toque fúnebre é avisar a comunidade do falecimento do morador ou membro da
ordem e horário do sepultamento; tirante isso, somente os toques festivos são mantidos. Mesmo assim,
eles acreditam que o título de Patrimônio Imaterial dado à linguagem dos sinos é importante, pois
despertou o interesse de turistas, que vêm visitar a cidade:
“Tem muita gente que gosta. Um dia, nós estávamos tocando o sino, e um
turista português veio elogiar. O pessoal da UFOP fez um trabalho acadêmico
com a gente, coisa que antes não acontecia. Nós estamos levantando aos
poucos essa prática.” (Jovens sineiros Warler e Everton, em entrevista
realizada na Igreja de Nossa Senhora das Mercês, em 17/09/2017).
Questionados sobre ações de salvaguarda promovidas pelo IPHAN, os jovens destacaram os encontros
de sineiros. O primeiro ocorreu em 2014 e foi sediado em São João Del Rei; o segundo foi na cidade de
Ouro Preto, em 2015. Para eles, os eventos foram importantes porque ajudaram a difundir a
importância de preservação do bem e também permitiram trocas de experiências com os sineiros das
outras cidades. Ressaltaram, porém, que não foi dado prosseguimento nos anos subsequentes.
A partir das falas dos jovens sineiros Warler e Everton, foi possível observar que, mesmo apresentando
alguns problemas, a linguagem dos sinos em Mariana está sendo preservada. Percebe–se, também, nas
cidades pesquisadas, que os bens culturais Ofício de Sineiro e Toque de Sino são diversos quanto à
gestão de preservação. Em algumas delas, é possível verificar ações mais efetivas para garantir a
continuidade do bem, em outras, nem tanto.
O atual contexto da linguagem dos sinos em Mariana não é visto pelos ex–sineiros, como Nonô e
Joãozinho, como algo que favoreça a continuidade da prática. Para eles, muitos toques específicos
locais, que anos atrás eram executados nas igrejas históricas da cidade, foram esquecidos ou deixaram
de ser tocados.
363
O ex–sineiro João Bosco Ferreira, conhecido como Joãozinho, residente na Rua do Rosário, afirmou que,
desde criança, tinha vontade de subir à torre da igreja. Mas foi somente ao completar 10 anos que o ex–
mestre sineiro Estevão Costa, que era sacristão e zelador da igreja, ensinou–o a tocar o sino. “Na época
que eu era criança, todos os meninos de minha idade queriam subir na torre da igreja. Eu tentava
reproduzir o som em sinos pequeno nas campainhas. O mestre sineiro faleceu há bastante tempo”,
ressaltou Joãozinho:
“Fiquei mais de 10 anos tocando os sinos desta igreja de Nossa Senhora do
Rosário, não como responsável, mas me chamavam e eu tocava. Já parei de
tocar há uns sete anos, porque pararam de me chamar. Depois que eu parei,
nunca mais tocaram os sinos da forma que a gente aprendeu. Na Semana
Santa, tem um rapaz que toca com alguma semelhança com a que a gente
aprendeu, mas não é igual.” (Ex–sineiro Joãozinho, em entrevista realizada
na residência ao lado da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, em
17/09/2017).
As palavras do ex–sineiro –– “Pararam de me chamar” –– está diretamente relacionada com a falta de
interesse do padre pela linguagem dos sinos. Para ele, a senhora responsável pela manutenção do
templo é quem toca o sino para avisar das missas; ela não possui nenhum conhecimento sobre toques
de sino. Além disso, ele alertou sobre a falta de manutenção dos sinos: atualmente, dos três sinos
existentes na torre, um está quebrado e sem previsão de troca.
Lembrou que, naquela época, tocavam–se os sinos em diversas ocasiões, o que, na sua opinião,
resume–se apenas a chamadas para as missas. Era tradição repicar e dobrar o sino três vezes ao dia (às
6 h, às 12 h, às 15 h) e na procissão, durante a festa de Santa Efigênia, que acontece no dia 21 de
setembro. Os mesmos procedimentos eram realizados em homenagem a Nossa Senhora do Rosário, no
dia 8 de outubro (Figura 6.236). Esses toques eram festivos e tocados no sino maior. Ao comparar o
modo como o sino é tocado atualmente e como era tocado na sua época, para ele, não há harmonia
melódica: executa–se de qualquer jeito.
Figura 6.236 – Fachada frontal da Igreja Nossa Senhora do Rosário, no bairro do Rosário. Detalhes das
torres onde se localizam os sinos (à direita).
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
364
A respeito dos toques de sino fúnebres que era costume executar na sua época de sineiro, havia toques
específicos para comunicar a morte de papas, bispos e padres, e todas as igrejas tocavam seus sinos.
Ressaltou que o último toque fúnebre aconteceu na morte de João Paulo II, quando o sino tocou
dobrado. O termo dobrado consiste em colocar o sino com a bacia para cima, que, ao girar em torno do
próprio eixo, emite o som. Costumava–se também tocar para anunciar a morte de padre.
Antigamente, a comunidade era avisada do falecimento de irmãos da ordem. Conforme o tipo de toque
emitido, sabia–se se o falecido era homem ou mulher. Segundo Joãozinho, para o homem, tocava–se o
sino três vezes; quando era uma mulher, eram batidos duas vezes. Nos toques de sino fúnebres,
emitiam–se duas badaladas nos dois sinos pequenos, seguidas de um toque dobrado no sino grande.
Nada disso acontece mais, ressaltou, com ares de tristeza, o ex–sineiro.
A respeito das mudanças percebidas hoje na linguagem, o ex–sineiro ressalta que a dificuldade é
encontrar um sineiro que saiba tocar o sino como os antigos mestres. No período da Semana Santa,
quando todas as igrejas se comunicavam através dos toques, os sinos dobravam às 12 h, às 14 h e às 18
h; hoje, toca–se apenas uma vez:
“Na minha época, na Semana Santa, às 12 h, davam as 12 badaladas, depois
começava a dobrar, e deixava o sino de bacia pra cima. Às 14 h, davam as
duas badaladas, dobrava e deixava em posição normal. Às 18 h, tornava a
dobrar ele. Na hora da procissão, tocava ele direto na igreja onde o cortejo
saía. A gente sabia que a procissão estava chegando, aí os sinos da igreja
daqui [Nossa Senhora do Rosário] começavam a tocar até o cortejo entrar na
igreja.” (Ex Sineiro Joãozinho, em entrevista realizada na residência ao lado
da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, em 17/09/2017).
Observa–se, nas falas do ex–sineiro, o quão intensos eram os toques de sino, e como os próprios
mestres se consideravam importantes como guardiães de uma prática tradicional, que reforçava a
identidade local dos marianenses. Há, por outro lado, um sentimento de descarte pelos saberes que
alguns mestres ainda guardam. Segundo o ex–sineiro Joãozinho: “Os que tocam o sino, hoje em dia,
nunca pediram nossas dicas.”
O ex–sineiro Élcio Martinho dos Santos, conhecido como Nonô, também residente na Rua do Rosário,
possui uma ligação afetiva com a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, passada de pai para filho. Seu pai,
Elói, foi zelador e sacristão da igreja, o que permitia envolver toda a família nas atividades da igreja,
inclusive nos toques de sino. Após sua morte, as funções passaram a ser exercidas por uma nova
zeladora, dando início a outro ciclo de atuação. Com a nova gestão, a família, que, por muitos anos,
zelou pela igreja, foi obrigada a sair de cena, tendo, também, que abrir mão da torre dos sinos: “Moro
nesta casa desde os 7 anos. Fui criado ouvindo esses sinos, tocados pelos bons sineiros que tinham,
como seu Armando, Jesus (filho de João Oscar), João Santana, José Batata, Estevão Costa (Estevinho)”,
comentou seu Nonô.
As lembranças de Nonô a respeito dos toques de sino se aproximam das recordações de Joãozinho;
cruzam–se nos itens nostalgia e tristeza:
365
“Se você estava em casa e ouvia o primeiro toque do sino, significava a
chamada para a missa. A seguir, o segundo toque avisava que o padre estava
dentro da igreja para a confissão. O terceiro e último indicava que o padre já
estava no altar para celebrar a missa. Agora dão quatro, cinco toques, e a
gente nem sabe quando se arrumar para ir à missa.” (Nonô, em entrevista
realizada na sua residência, em 17/09/2017)
Parece que as poucas ações que ocorrem na cidade, com o intuito de dar continuidade ao Ofício de
Sineiro e ao Toque de Sino, não acontecem de modo a incluir os ex– sineiros, que, embora não estejam
em atividade, detêm grande conhecimento sobre a prática. Isso fica evidente quando o ex–sineiro
Joãozinho se queixa de que ninguém o procura para obter trocas de experiências. Por outro lado,
percebe também a falta de interesse dos próprios padres em se apropriarem da linguagem dos sinos
como um bem que possui um valor tão importante quanto a materialidade das igrejas.
6.12.3 CONGADAS DE MINAS
6.12.3.1 Congado Nossa Senhora do Rosário
Mestre Sebastião da Silva – Bastião Barnabé, 57 anos
O subdistrito Santo Antônio da Barroca ou apenas Barroca (Figura 6.237), como é popularmente
conhecido, fica distante 30 km do distrito–sede. Está localizado entre dois morros, o que faz lembrar um
buraco. Segundo informações obtidas no Posto de Saúde, no local há 158 famílias, aproximadamente,
com 483 moradores.
Figura 6.237 – Aspectos paisagísticos da comunidade Barroca: as moradias entre morros. Em
15/09/2017.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
O Congado de Nossa Senhora do Rosário do subdistrito de Santo Antônio da Barroca é considerado o
mais antigo e em atividade no município de Mariana. Sebastião da Silva, conhecido como Bastião
366
Barnabé, é natural da própria comunidade, lavrador e atual capitão do grupo (Figura 6.238). Bastião
aprendeu a dançar congado ainda criança, com o pai, e integrou o grupo como dançador por vários
anos. Assumiu a patente de capitão há cinco anos, quando Antônio de Paiva, conhecido como capitão
Carbonato, veio a falecer.
Figura 6.238 – Capitão Barnabé, líder do Congado Nossa Senhora do Rosário, e sua residência.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Os relatos orais que existem em torno das possíveis origens desse congado dão conta de que sua
existência remete ao início do século XIX, mais precisamente, no ano de 1904, e possui uma estreita
relação com o lendário Chico Rei. O Congado de Nossa Senhora do Rosário originou–se no atual
município de Piranga, quando José da Silva Oliveira, morador daquele local, em uma de suas visitas a
Ouro Preto, como funcionário de um fazendeiro da região, presenciou uma apresentação do congado de
Chico Rei. Levou para sua terra aqueles saberes e, posteriormente, fundou o congado em Piranga.
Dando continuidade à história do congado do subdistrito de Barroca, após a formação da folgança em
Piranga, dona Paula da Cruz, avó do senhor Carbonato e então residente no município, foi escolhida
para ocupar o cargo de rainha, em 1904, no qual permaneceu até o ano de 1940, quando se mudou para
o povoado de Barroca, com toda a família e diversos outros moradores daquela cidade. Ela e seu
compadre Antônio Pedro decidiram organizar o congado na localidade.
Antônio Pedro também participava do folguedo em Piranga e acabara de se mudar para Barroca,
tornando–se o primeiro mestre de congado do local: "O congado foi fundado em 1942, formado por 27
componentes." (PORTAL DO TURISMO DE MARIANA, 2014). Com o passar dos tempos, muitos desses
integrantes faleceram, outros deixaram o congado e outros se mudaram de cidade, favorecendo a
entrada de novos componentes no grupo, para manter a tradição.
Conforme a introdução acima, o congado encontra–se sob a liderança do Mestre Bastião, que assumiu o
posto há aproximadamente cinco anos, quando o Mestre Carbonato, descendente direto de Paula da
Cruz, uma das responsáveis pela fundação do terno de congado no subdistrito de Santo Antônio da
Barroca, veio a falecer. Sua trajetória no grupo remonta aos tempos de criança, quando dançava com o
pai:
367
“Em 1975, eu comecei a dançar, ainda criança. Fui pegando a malícia
até chegar a dançar como guia, na frente. Tinha o Angelino Martins e o
Antônio Carbonato (Figura 6.239), que dançavam no meio. O Angelino
Martins faleceu, e o Carbonato não colocou outro pra dançar com ele
no meio. Depois Carbonato adoeceu, e não deixou ninguém para
substituir, e a família dele me procurou para eu ser o mestre do
congado.” (Capitão Bastião, em entrevista realizada no subdistrito da
Barroca, em 15/09/2017).
Figura 6.239 – Antônio Paiva, conhecido como capitão Carbonato, neto de dona Paula da Cruz,
fundadora e rainha do Congado Nossa Senhora do Rosário da Barroca.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Para o capitão, o convite para se tornar o líder do grupo foi um desafio, pois se trata de uma função que
exige atributos que vão além do gostar de dançar congada –– é preciso ter devoção à santa: “Não é só
cantar e dançar; tem que ter fé, tem que ter coragem. Tenho meu compromisso, primeiro, com Nosso
Senhor Jesus Cristo e, depois, com Nossa Senhora do Rosário. Até hoje, não consegui colocar uma
pessoa no meio, comigo”, justificou ele.
A respeito da diversidade de participantes, o capitão afirmou que, por muitos anos, só existiam
dançadores homens. As mulheres participavam na função de bandeireiras guias, costureira das fardas e
cozinhando a alimentação oferecida aos congadeiros. Com o passar dos anos, o capitão Carbonato
descumpriu a regra de seus antepassados e liberou a participação de mulheres no grupo.
Uma das primeiras mulheres a entrar para o grupo como dançadora foi Neuza Maria, hoje casada, 48
anos e mãe de duas filhas. Conta que, desde criança, gostava de acompanhar o grupo e ficava dançando
por fora: “Aí, o Mestre Carbonato viu que eu dançava direitinho, me convidou para dançar junto com
ele.” (Neuza Maria, em entrevista realizada na comunidade Barroca, em 15/09/2017 – Figura 6.240). Na
época, como só havia homens no grupo, ela convidou a cunhada para dançarem juntas. Casou,
constituiu família e continuou dançando no congado. Elas abriram precedentes para que outras
368
mulheres se interessassem pela dança do congado. Hoje, a congadeira incentiva sua filha de 7 anos a
participar das festas do congado.
Figura 6.240 – A congadeira Neuza, primeira mulher a ingressar no grupo de Congado Nossa Senhora do
Rosário da Barroca, atendendo ao convite do capitão Carbonato, e sua filha fazendo uma demonstração
das vestimentas e adereços usados nas apresentações do terno em 15/09/2017.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Embora o grupo tenha sido fundado na década de 40 do século passado, somente em 2001 é que
passou a ser registrado e ter estatuto próprio. Para conseguir vencer os trâmites burocráticos e arcar
com as despesas de cartório e advogado, o grupo contou com a ajuda da empresa mineradora Alcan. O
grupo também não dispõe de uma sede própria que possa acomodar os dançadores durante as reuniões
e ensaios, nem para guardar os instrumentos e adereços. Quando terminam as apresentações, cada
componente leva consigo, para casa, seus instrumentos.
Oficialmente, integram o grupo 27 componentes, mas nem todos participam, o que entristece o capitão,
sobretudo porque é baixo o interesse por pessoas jovens da comunidade. Quanto a isso, já houve a
tentativa de repassar os saberes do congado às crianças, mas não foi alcançado o resultado desejado:
“Tem muita diferença entre a criança que nasce na congada, que vê os pais
dançarem. Aprendem a gostar e ficam curiosas pra aprender. Começam a
batucar bem pequenos. E tem aquelas que não tiveram convivência com algum
congadeiro. Já tentei ser monitor e ensinar a dançar e tocar, mas é diferente.
Não vai pra frente.” (Capitão Bastião, em entrevista realizada no subdistrito da
Barroca, em 15/09/2017)
Os uniformes utilizados pelos integrantes são camisa, calças e saias coloridas enfeitadas com fitas
coloridas; isso, tanto para os homens como para as mulheres. A cor da saia de cada componente é
diferente. Na cabeça, usa–se uma espécie de chapéu de tecido acetinado, enfeitado com fitas coloridas.
369
Os instrumentos tocados pelos dançadores são caixas, pandeiros, reco–recos de metal e agogôs. Disse o
capitão que, no terno, não há sanfona, e o último violão que existiu era tocado pelo capitão Carbonato.
O Congado da Barroca é conhecido como guardião da tradição dos ancestrais, sobretudo porque ainda
se preservam as embaixadas e a língua massangana, dialeto africano que é cantado durante a festa do
congado:
“O congado tem uma mistura de línguas, a africana com o português, indígenas,
e palavras que a gente usa na tradição, que a gente fala, mas não tem um
sentido lógico. São palavras que tinham sentido pra agradar a Nossa Senhora e
aos reis da época.” (Capitão Bastião, em entrevista realizada no subdistrito da
Barroca, em 15/09/2017)
O capitão Bastião enfatiza que parte dessa tradição está sendo esquecida, e que muitos dos saberes que
dizem respeito às embaixadas e ao dialeto massagana quase não acontecem durante as apresentações
do grupo: “Uma coisa que não fazemos, e que quero voltar a fazer é a embaixada. Quem fazia era o
capitão Carbonato. Ele começava a bater os instrumentos, voltava, parava de bater, falava algumas
palavras e retornava a dançar de novo. Uma coisa muito linda”, destacou o entrevistado.
Em relação ao calendário festivo que o grupo cumpre durante o ano, algumas datas são destacadas pelo
capitão. As visitas que o congado costuma realizar concentram–se mais nas festas em homenagem a
Nossa Senhora do Rosário de Barra Longa, Dobras e Pimenta. No distrito–sede, quando o Poder Público
disponibiliza transporte para fazer o translado, os dançadores prestigiam a festa do Congado Nossa
Senhora do Rosário, no mês de junho. Em Ouro Preto, o grupo costuma participar da festa de Santa
Efigênia, que acontece em setembro. Mas a festa de Santo Antônio do distrito (Figura 6.241) é o evento
mais esperado do ano pelos participantes.
Figura 6.241 – Igreja de Santo Antônio da Barroca, local onde acontece a festa de Nossa Senhora do
Rosário.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Os preparativos da festa acontecem ainda no mês de maio, quando o grupo sai pelos povoados para
arrecadar donativos para a festa de Santo Antônio. Nesse período, os integrantes aproveitam para fazer
uma espécie de ensaio das apresentações durante as festividades em homenagem ao santo padroeiro:
370
“Todo domingo de maio, saímos nos povoados para recolher prendas. A gente dança, tem celebrações,
missas, para arrecadar dinheiro pra fazer a festa aqui, em junho.” (Capitão Bastião, em entrevista
realizada no subdistrito da Barroca, em 15/09/2017 – Figura 6.242).
Figura 6.242 – Apresentação do terno de congado Nossa Senhora do Rosário durante festa do grupo, em
outubro de 2017.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
A festa de Santo Antônio da Barroca acontece no mês de junho e tem início três dias antes do dia do
padroeiro, dia 13. Durante o tríduo, acontecem novenas, missas, leilões de prendas e feiras de
artesanato e comidas típicas do lugar. A principal atração da festa é o Congado Nossa Senhora do
Rosário. Os dançadores saem pelas ladeiras das comunidades, entoando os cânticos e bailando em
louvor ao santo. A festa de Nossa Senhora do Rosário acontece no domingo após o dia de Nossa
Senhora Aparecida. As duas festas se dão em torno da única igreja do distrito:
“Durante a festa de Santo Antônio, vem muita gente de fora e tem muitas
barracas; a de Nossa Senhora do Rosário tem poucas barracas, mas vem
congadas de fora. Nós oferecemos o café da manhã, o almoço e o lanche. Essa
comida é feita em alguma casa e sem ajuda da Prefeitura. As pessoas que
cozinham são pagas ou voluntárias. Este ano, a comida será em minha casa.”
(Capitão Bastião, em entrevista realizada no subdistrito da Barroca, em
15/09/2017)
Quanto ao Reinado de Nossa Senhora do Rosário, que consiste na coroação de reis e rainhas durante as
festividades, na opinião do capitão, estão ocorrendo algumas mudanças com as quais ele não concorda.
Embora haja a figura do rei e da rainha, que são personagens fixos, ou seja, todos os anos saem no
cortejo acompanhados pela congado, “as rainhas não respeitam a roupa que usam”, queixou–se o
capitão. Na sua opinião, as rainhas deveriam ter uma roupa exclusiva para usar apenas nas festas, mas
não é o que ocorre na maioria das vezes. Há uma preocupação, portanto, com a perda de identidade do
grupo via elementos da tradição:
371
“Elas usam a roupa de rainha de Nossa Senhora do Rosário e depois usam
numa outra festa. Precisamos de uma rainha que tenha interesse, que use a
roupa tradicional da época, que são vestido, capa e coroa. As rainhas que
estão aparecendo não querem usar essas roupas – elas usam vestido colado no
corpo.” (Capitão Bastião, em entrevista realizada no subdistrito da Barroca, em
15/09/2017).
O capitão também reclama de vários problemas que o grupo enfrenta para dar continuidade ao legado
do congado. O principal deles diz respeito à ausência de apoio do Poder Público e à falta de interesse
dos jovens da comunidade. Atualmente, o grupo enfrenta dificuldades financeiras para regularizar
pendências nos órgãos de tributação, pois, desde 2001, não se fazia declaração dos rendimentos anuais,
mesmo que não tivesse recebido recursos. Os valores devidos dizem respeito a multas.
Na tentativa de incentivar crianças e jovens da comunidade a participar do congado, foram ministradas
aulas de percussão, danças, confecção de adereços, mas poucos continuaram. Para ele, há uma
diferença crucial em ensinar a uma criança que já nasceu no meio de uma família, que possui tradição
com a dança, e outra que não teve essa vivência.
Mesmo que o discurso de falta de apoio do Poder Público local seja destaque na fala do representante
do grupo, ele tem conhecimento de que o Congado Nossa Senhora do Rosário da Barroca foi objeto de
uma ação de inventário realizado pela Secretaria de Cultura de Mariana em 2007, reconhecendo que o
bem desempenha um importante papel para o fortalecimento da memória e da identidade do
município. Talvez o apoio do Poder Público –– fornecendo transportes para conduzir os integrantes do
grupo quando precisam se deslocar para prestigiar as festas dos municípios vizinhos –– já seja o início de
uma ação de salvaguarda.
6.12.3.2 Congado de Nossa Senhora do Rosário e Nossa Senhora Aparecida
Capitão Marcelo Antônio Silva Mendes (Magão), 58 anos
Natural de Mariana, Marcelo Magão, como é conhecido na cidade, é aposentado, percussionista, músico
e pesquisador de ritmos musicais das tradições de origem afro–brasileira. Desde criança, manteve
interesse pelas festas de congado, mas somente em 2005 começou a participar ativamente do folguedo.
Foi quando ajudou a fundar, juntamente com o Marcelo Eustáquio e família, a Guarda de Congo Nossa
Senhora do Rosário e São Sebastião do bairro Barro Preto. Permaneceu no referido terno até 2011,
quando resolveu desligar–se. Segundo ele, algumas divergências de crenças entre o capitão e alguns
integrantes do grupo foram o motivo que o fez pensar em fundar um novo terno.
372
O fato de a Guarda de Congo ser uma extensão do centro de umbanda, ambas conduzidas por Marcelo
Eustáquio, que é, ao mesmo tempo, líder espiritual do terreiro e capitão do congado, contribuiu
também para o desligamento de outros integrantes que se afirmavam de religião católica: “Na Guarda
de Congo do capitão Marcelo, o líder espiritual pai Tomé é quem dá as orientações do congado. Lá, o
guia é quem determina o hino que vai tocar, e eu não gosto. Eu não confundo a minha crença com meu
congado”, ressaltou Magão. Antes de dedicar–se ao congado, o capitão Magão teve uma vivência ativa
com as Folias de Reis da cidade, quando integrou, por 10 anos, o grupo Viola e Folia.
Os dois grupos de congado que atualmente existem na cidade começaram a trajetória juntos. Com o
passar dos anos e motivado por divergências internas, o grupo Guarda de Congo Nossa Senhora do
Rosário e São Sebastião se desmembrou, dando origem ao segundo. Dessa separação, originou–se o
Congado Nossa Senhora do Rosário e Nossa Senhora Aparecida. Em linhas gerais, o primeiro estabelece
relação com elementos religiosos de matrizes afro–brasileiras, enquanto o segundo se aproxima mais
dos ritos impostos pela religião católica.
Mesmo que não venha mais a participar ativamente da Guarda de Congo, o capitão Magão destacou
que há elementos em comum entre um grupo e outro: “Começamos juntos, criamos indumentárias,
mas hoje somos congados diferentes e temos registros diferentes”. Foram criados vínculos que estão
relacionados com a continuidade da prática na cidade. O fato de dançarem em ternos diferentes não
significa que os capitães devam ser inimigos –– frequentemente, Marcelo Magão faz visitas ao terreiro
do capitão Marcelo Eustáquio. Para ele, é preciso saber separar as crenças pessoais do congado.
Com a criação do novo grupo, alguns ajustes tiveram de ser feitos, como a mudança dos uniformes e
adereços e também a razão social. Foram despesas que o grupo teve de arcar sem ajuda do Poder
Público. No entanto, para o capitão Magão, que também é mobilizador cultural, a formalização através
do CNPJ é essencial porque permite, dentre outras coisas, a captação de recursos através de fundos
disponibilizados pela iniciativa privada e também pelo Poder Público. Embora seja registrado, o grupo
enfrenta outras dificuldades, como a falta de uma sede própria.
Quando recebeu o convite do Sr. Orlando para assumir a função de capitão, Marcelo Magão foi buscar
embasamento sobre as congadas nos livros e pesquisas já realizadas sobre o tema. Um dos estudos que
usou como referência foi a obra do pesquisador divinopolitano Jeremias Brasileiro, “Na cidade de
romaria tem congado, tem folia”:
“Fui convidado pelo Orlando, que é o presidente do Congado, para assumir a
Guarda do Congado. Eu passei a pesquisar muita coisa de Congado, e utilizo
muito conhecimento de “Jeremias Brasileiro”, de Divinópolis, um dos maiores
pesquisadores e tem um dos maiores acervos de Congado. Eu assumi a guarda
como capitão,” (Capitão Marcelo Magão, em entrevista realizada na residência
no bairro do Rosário, em 16/09/2017)
Ao longo de vários séculos, os saberes sobre os congados foram transmitidos através do conhecimento
sensível, isto é, pela experiência vivenciada. Isso garantiu a continuidade da prática a várias gerações.
373
No entanto, é importante depender apenas do saber oral; outras formas de registro também têm sua
importância. Para o capitão, é preciso guardar a memória dos congadeiros de modo que outras pessoas
tenham acesso. No caso dele, que não dispunha de alguém experiente em congado para lhe repassar os
saberes, os livros foram fundamentais.
Atualmente, as reuniões e ensaios do grupo acontecem na residência do próprio capitão; um cômodo da
casa foi destinado para guardar os instrumentos e adereços do congado (Figura 6.243). No mesmo
espaço, funciona um atelier de reciclagem de instrumentos velhos e reformas de fardamentos doados
pelos músicos das bandas de música locais, que as transforma em vestimentas para os dançadores:
calças e camisas brancas e quepes.
Figura 6.243 – Instrumentos (caixas e sanfona) usados pelos integrantes durante as saídas do terno.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
O capitão e sua esposa remontam as vestimentas, agregando a elas fitas, lantejoulas e miniespelhos. Da
mesma forma, acontece com os instrumentos, que, na maioria das vezes, são objetos de doações de
amigos músicos, ou encontrados no lixo. Embora as dificuldades financeiras sejam uma realidade no
cotidiano do grupo, segundo o capitão Magão, a comunidade (os moradores do bairro do Rosário)
valoriza a prática e contribui, ajudando financeiramente ou com doações de aviamentos (fitas,
lantejoulas, linhas, botões, etc.) para a caracterização das vestimentas dos integrantes (Figura 6.244).
374
Figura 6.244 – Capitão Marcelo Magão exibindo os quepes (chapéus) usados pelos dançadores do grupo
de Congado Nossa Senhora do Rosário e Nossa Aparecida, em 16/09/2017.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Os Congados Nossa Senhora do Rosário e Nossa Senhora Aparecida contam com a participação de 20
dançadores, homens e mulheres, em sua maioria, idosos (Figura 6.245). Além dos dançadores e
tocadores, o grupo possui também, na sua composição, rei e rainha perpétuos, ambos com idade acima
de 80 anos. A idade dos integrantes é uma das preocupações do capitão, haja vista não haver interesse
dos jovens em participar do congado.
Figura 6.245 – O grupo de Congado de Nossa Senhora do Rosário e Nossa Senhora Aparecida: capitão
Magão e a bandeireira–guia. Imagens reproduzidas a partir de fotografia do arquivo pessoal do grupo.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
375
Na tentativa de resolver esse problema, a longo prazo, o capitão está realizando um trabalho social que
envolve música e percussão para estimular a juventude a se interessar pelo congado: “Estou tentando
trazer crianças e pessoas mais jovens pra dentro do congado. Tenho um projeto chamado Reciclando o
Congo, onde ministro oficinas de construção de instrumentos e percussão.” (Capitão Marcelo Magão,
em entrevista realizada na sua residência, no bairro do Rosário, em 16/09/2017)
Apesar de ter aproximadamente seis anos de formação, as festas de que o grupo participa se
concentram no próprio distrito. A principal delas é a de Nossa Senhora do Rosário, que acontece no dia
27 de outubro, no bairro de nome homônimo, onde reside a maioria dos integrantes. Além dessa,
participam do encontro de congadeiros, que ocorre durante a Festa do Divino Espírito Santo, em maio.
Em seguida, participam do Reinado de Nossa Senhora do Rosário, que é promovido pela Guarda de
Congo Nossa Senhora do Rosário e São Sebastião, do capitão Marcelo Eustáquio.
As dificuldades enfrentadas pelo capitão e seus dançadores(ras), no que tange à manutenção da prática
importante para a memória e a identidade cultural local, não distam muito das dos demais contextos
pesquisados, no âmbito do RAPI da LT 235 kV Itutinga – Barro Branco. O primeiro deles está relacionado
com a ausência do Poder Público local, que não promove políticas públicas para beneficiar os
detentores, seja liberando transporte para as pagas de visitas, seja na comprando instrumentos e
vestimentas. A outra questão se refere aos constantes conflitos entre alguns padres e os congadeiros.
Alguns líderes da Igreja Católica já chegaram a impedir os grupos de entrar na igreja.
Ainda no que se refere às políticas públicas culturais, mais precisamente quanto ao processo de registro
das Congadas de Minas Gerais, que se encontram em fase de reconhecimento pelo IPHAN, o capitão
Marcelo Magão percebe como algo positivo. Para ele, a expectativa é que o Estado brasileiro crie
alguma ação que venha a beneficiar os capitães de congadas, que estão passando necessidades
financeiras e sem ajuda do Poder Público local para dar continuidade à prática.
6.12.3.3 Guarda de Congo Nossa Senhora do Rosário e São Sebastião
Capitão Marcelo Eustáquio Ramos, 26 anos
Antes de criar seu grupo, integrou o Congado de Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia do Alto da
Cruz em Ouro Preto, liderado pela capitã Kátia Silveiro. Marcelo começou a dançar no grupo do
município vizinho em 2005 e permaneceu até o ano de 2010, quando decidiu fundar, juntamente com a
família, seu próprio terno de Moçambique, que passou a se chamar, desde então, Guarda de Congo de
Nossa Senhora do Rosário e São Sebastião.
Paralelamente às atividades do grupo, o capitão conduz os trabalhos espirituais realizados na Casa
Espírita Mãe Maria de Aruanda, instituição religiosa de matriz afro–brasileira que herdou de sua avó
(Figura 6.246). A casa é uma das mais antigas da cidade: foi fundada na década de 1970. Estar à frente
do terno e do terreiro, ao mesmo tempo, o capitão considera ser uma missão, isto é, uma exigência que
parte dos guias espirituais. Nesse sentido, o Moçambique e o terreiro mantêm uma relação de
sacralidade e interdependência.
376
Figura 6.246 – Capitão da Guarda de Congo de Nossa Senhora do Rosário e São Sebastião. Capitão, e
congadeiros em concentração na Casa Espírita Mãe Maria de Aruanda.
Fonte: Foto cedida por Marcelo Eustáquio Ramos à Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Dessa forma, percebe–se que a existência do terreiro de umbanda é fundamental para manter o
congado em atividade, pois é dele que emana a força de que o grupo precisa para sair às ruas, em
louvor aos santos padroeiros. O capitão Marcelo (Figura 6.247) recebe orientações espirituais de pai
Tomé, guia espiritual que determina os cânticos que são ditos durante as saídas do terno. Agindo assim,
a entidade protege os dançadores do que ele chama de “rivalidade” entre os ternos. Dito de outra
forma, protege–os de feitiços e mandingas que sejam jogados por outros congadeiros.
Figura 6.247 – Capitão dando comando aos congadeiros.
Fonte: Foto cedida por Marcelo Eustáquio Ramos à Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
377
Os ensaios, que acontecem algumas vezes durante o ano, não se destinam apenas a afinar os
instrumentos –– são realizados, sobretudo, com o objetivo de preparar os integrantes para que entrem
na mesma vibração espiritual e levem a mensagem de paz que o grupo pretende. Como ressaltou o
capitão, sair no congado requer dos participantes um entrosamento espiritual essencial que possibilita
levar paz às pessoas, já que os congadeiros foram escolhidos por Nossa Senhora do Rosário como
anunciadores de boas novas.
A conduta moral dos brincantes, nesse caso, é algo que se preza com seriedade. A existência da uma
conexão espiritual que une os integrantes do terno, por si só, não é suficiente. É fundamental que cada
um deles demonstre um comportamento de respeito condizente com a ocasião, como não usar bebidas
alcoólicas ou outro tipo de atitude inadequada durante o momento do cortejo.
Segundo o informante, desde criança, foi sendo “preparado” para assumir o lugar de líder espiritual. Ao
se referir às experiências com o grupo vizinho, Marcelo disse que foi uma troca: enquanto ele
frequentava a congada, os integrantes do congado, o terreiro. O grupo com qual o capitão Marcelo
conviveu, antes de criar o seu, é um dos mais tradicionais de Ouro Preto; teria sido fundado, no
passado, pelo lendário Chico Rei.
Diferentemente dos representantes de congadas com os quais se manteve contato, na grande maioria,
senhores com idades avançadas e sem perspectivas para dar continuidade à tradição, Marcelo é o
capitão mais jovem que está na liderança de uma Guarda de Moçambique. Pelo visto, a vivência com
outros grupos e os saberes tradicionais através dos cultos de matrizes afro–brasileira, que recebeu de
sua avó, foram fundamentais no processo de criação de sua guarda:
“Não tenho lembrança de ter ninguém de minha família em congado, apenas um
tio que desapareceu, e que dançava congada na Barroca com seu Carbonato. A
mãe de minha mãe era rainha festeira no distrito de Pinheiros.” (Capitão
Marcelo, em entrevista realizada na sua residência, em 15/09/2017).
Geralmente, o mais comum de acontecer é a transmissão dos saberes ou a capitania ocorrerem através
de pessoas pertencentes a um mesmo grupo familiar, isto é, de pai para filho, entre tio e sobrinho. No
entanto, sua narrativa aponta indícios de que havia na família pessoas que estavam diretamente ligadas
aos grupos de congado. O fato de seu tio ter dançado no terno de congado mais antigo de Mariana,
localizado no subdistrito de Santo Antônio da Barroca, e comandado pelo ex–capitão Carbonato,
contribui para reforçar que possui algum tipo de relação com a tradição das congadas. Além do mais,
sua avó, quando viva, foi rainha festeira.
A guarda possui atualmente 25 dançadores, incluindo um público de homens, mulheres e crianças
(Figura 6.248). A maioria dos integrantes é de entes da própria família, mas também há pessoas que são
adeptas da casa e vizinhos. No ato de fundação, o grupo foi registrado regido por um estatuto que
estabelece a organização interna, especificando obrigações e deveres para seus integrantes. O
documento também estabelece critérios em relação à estética do grupo, como modelos e cores das
fardas dos soldados e tipos de instrumentos utilizados.
378
Figura 6.248 – Detalhe da guarda e seus componentes.
Fonte: Foto cedida por Marcelo Eustáquio Ramos à Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
O grupo não dispõe de uma sede própria com o mínimo de conforto para realizar reuniões e ensaios. Os
instrumentos e adereços, entre eles, caixa de folia, pandeiro, zabumba e meia–lua, são guardados na
própria residência do capitão, no bairro Barro Preto, onde funciona o terreiro.
As fardas e os instrumentos utilizados pelos grupos de congadas são elementos ritualísticos
estruturantes que contribuem para definir sua identidade e origem, além de outros aspectos
relacionados à devoção e relação com os santos padroeiros. Os integrantes da Guarda de Congo de
Nossa Senhora do Rosário e São Sebastião usam camisa e calça brancas e um capacete com as fitas
coloridas. As cores representadas nas vestimentas são vermelha, verde, branca, preta e azul:
“As cores azul e branco correspondem ao manto de Nossa Senhora do Rosário.
Já o vermelho, junto com o verde e o branco, corresponde a São Sebastião, que
é nosso padroeiro. A fita vermelha significa amor; a verde, esperança; a amarela,
o ouro; a branca, paz.” (Capitão Marcelo, em entrevista realizada na sua
residência, em 15/09/2017).
Há um propósito explícito quando o grupo sai em cortejo pelas ruas da cidade: a maioria dos
observantes tem que ser devotos, ou não serão reconhecidos. Trata–se de uma forma peculiar e festiva
de homenagear os santos padroeiras através do uso de alguns instrumentos: caixas, guisas e meia–lua.
Os bailados e vestes dos dançadores também contribuem para compor a identidade visual e suas
performances. Há também mensagens subliminares desconhecidas por muitas pessoas que estão “de
fora”. Aliás, as categorias “de fora” e “de dentro” são importantes para compreender a dinâmica do
folguedo.
Quem assiste ao cortejo de vários ternos durante uma apresentação, por exemplo, não percebe que há
diferenças internas significativas que vão muito além da estética visual ou de sonoridade. Internamente,
o grupo está concentrado e em sincronia com sua fé e religiosidade. Além disso, os bailados e cânticos
passam algum tipo de mensagem subliminar que busca transmitir paz e amor: “Cada música toca o
379
coração dos devotos de uma forma diferentes. Para algumas pessoas, o congado transmite uma
mensagem de esperança; para outras, os cânticos emitem o conforto que precisavam ouvir para
obterem determinada cura; podem, ainda, significar um aviso sobre algo para o qual não haviam
despertado”, disse o capitão.
Durante o ano, a Guarda de Congo de Nossa Senhora do Rosário e São Sebastião se apresenta nas
festividades em homenagem aos santos padroeiros, espalhadas nos distritos vizinhos e no próprio
distrito–sede. Também participa de festas de congado em outros municípios. Para atender às “pagas de
visitas”, o capitão leva em consideração os convites que chegarem primeiro e os recursos financeiros
disponíveis para contratar o transporte para levar os integrantes.
Em Mariana, o grupo costuma apresentar–se na festa Santa Cruz, que acontece no bairro Barro Preto,
em setembro, e durante a festa de Nossa Senhora do Rosário, no mês de outubro (Figuras 6.249 e
6.250).
Figura 6.249 – Cartaz da festa de Reinado da Guarda de Congo Nossa Senhora do Rosário e São
Sebastião 2017 (à esquerda), e mastro de Nossa Senhora do Rosário e São Sebastião fincado em frente
ao Centro de Convenções em Mariana (à direita).
Fonte: Foto cedida por Marcelo Eustáquio Ramos à Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
380
Figura 6.250 – Reis e rainhas do Reinado e cortejo de reis e rainhas, acompanhado dos ternos de
congado.
Fonte: Foto cedida por Marcelo Eustáquio Ramos à Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
No mês de maio, durante as comemorações da Festa do Divino Espírito Santo, acontece, no distrito–
sede, o encontro de congadeiros, momento em que o grupo sai com seu terno. Em junho, o grupo
realiza sua própria festa, o Reinado de Nossa Senhora do Rosário em Mariana, com a presença de vários
ternos de congado de outras regiões do Estado de Minas Gerais, como Dores do Indaiá, João Monlevade
e Pedro Leopoldo. Quanto às festividades, o capitão lamenta que o Poder Público tenha contribuído de
forma mínima com o evento, apenas com a confecção de parte do material de divulgação e
disponibilização de estrutura física, como local para receber os grupos visitantes. As demais despesas,
com alimentação e organização da festa, são custeadas pelos congadeiros:
“A Secretaria de Cultura não ajuda em nada. O reinado da gente acontece dia 12
de junho, trouxe quase 2 mil pessoas para dentro de Mariana, mas recebeu
quase nada de ajuda. A Prefeitura nos cedeu o espaço do Centro de Convenções
e mais 100 reais para a compra de um banner. O resto foi do nosso bolso. Nossa
maior dificuldade é transporte, uniforme e instrumentos.” (Capitão Marcelo, em
entrevista realizada na sua residência, em 15/09/2017).
Além da escassez de investimentos do Poder Público destinados à manutenção da tradição do congado
nas festividades que acontecem na própria cidade, o capitão Marcelo contabiliza o descrédito em
relação à falta de recursos públicos destinados ao patrocínio de transportes, o que inviabiliza os
intercâmbios com outras guardas vizinhas e, consequentemente, a incapacidade de cumprir as “pagas
de visitas”. A paga de visita é uma dádiva que impõe ao grupo anfitrião, no momento oportuno, retribuir
a visita que outrora recebeu. É uma corrente de solidariedade que permite a continuidade das festas de
Reinado.
Outra questão que, para o capitão, se caracteriza como obstáculo à continuidade do congado parte dos
dirigentes da igreja católica local. “Nossa guarda já sofreu preconceito. O padre não permitiu que grupo
entrasse na igreja porque está ligada ao terreiro”, ressaltou o capitão. Durante as pesquisas com
informantes de outros municípios, como Nazareno e São João Del Rei, foram recorrentes as queixas que
envolvem congadeiros e líderes da igreja católica.
381
A respeito do registro das congadas, que se encontra em processo de reconhecimento pelo IPHAN, o
capitão, embora demonstrasse pouco conhecimento sobre assunto, acredita que, se as congadas
obtiverem o título de Patrimônio Cultural do Brasil, isso representará um ganho para os detentores. No
entanto, foi enfático ao afirmar que não basta dar um “selo” –– é preciso que a prática, como um todo,
seja valorizada através de incentivos materiais para apoiar os grupos que estão se acabando porque não
têm condições de se manter. Para ele, as maiores dificuldades para preservar a tradição são
provenientes da falta de apoio do Poder Público e também da desvalorização por parte das pessoas
jovens.
6.12.4 OFÍCIO DE QUINTANDEIRAS
Roseli Carneiro da Silva, 61 anos – distrito–sede
Ana Maria dos Santos, 58 anos – distrito de Padre Viegas
Neusa Natalina da Costa, 52 anos (Neusa do Zé) – subdistrito Barroca
Maria de Lourdes Paiva, 51 anos – subdistrito Barroca
Neuza Maria, 53 anos – Comunidade Quilombola Santa Efigênia
Maria Aparecida Aves da Silva, 50 anos – distrito de Cláudio Manoel
Célia do Carmo Corcini, 33 anos – distrito de Monsenhor Horta
O ofício de quitandeira no município de Mariana está vigente, e seus detentores se encontram
localizados em vários territórios. Estabeleceram–se contatos com mulheres que dominam esse saber em
vários distritos e comunidades, dentre eles: o distrito–sede, Padre Viegas, Monsenhor Horta,
Comunidade quilombola Santa Efigênia e subdistrito Barroca. Em todas as localidades, o ofício é
desenvolvido por mulheres que retiram parte da renda familiar por meio da comercialização de
quitandas e doces.
O mais comum é encontrarem–se quitandeiras que produzem merendas apenas para consumo da
família. No entanto, em Mariana, o ofício de quitandeira adquire características de profissão –– é um
trabalho que gera renda para as pessoas envolvidas com a prática. É também um tipo de negócio que,
se for incentivado pelo Poder Público, poderá ser lucrativo não apenas para as quitandeiras, mas
também para o município. Por enquanto, o ofício de quitandeira é individualizado, e cada mulher
trabalha em casa; algumas, sozinhas. Elas não estão organizadas em Associação ou Cooperativa.
A maioria dos consumidores de quitandas são os próprios vizinhos, que fazem encomendas, mas há
também escoamento de mercadorias, embora em menor quantidade, para outros lugares, como
Mariana e Belo Horizonte. Outro lugar onde se comercializam quitandas são feiras livres e festivais de
gastronomia. Nas localidades visitadas, não existem espaços destinados à venda de quitandas, o que
reforça a ideia de que o ofício de quitandeira é uma atividade que acontece no espaço privado, isto é,
nas cozinhas. Isso não significa que seja uma prática solitária; em alguns casos, o ofício chega a envolver
os filhos e até vizinhas na produção das merendas.
382
A seguir, será apresentado o contexto do ofício de quitandeira no município de Mariana, a partir da
trajetória de cada uma das detentoras envolvidas na arte de fazer merendas. Roseli Carneiro da Silva é
natural do distrito de Camargos, onde viveu grande parte da vida, inclusive depois de casada. Trabalhou
em carvoaria até se mudar para Mariana, a fim de acompanhar os filhos em idade escolar, já que, no
distrito, só existia escola para as séries iniciais. Nessa época, trabalhou como cozinheira de restaurante
em Mariana e em Ouro Preto. Atualmente, é viúva, e sua fonte de renda mensal provém do benefício de
pensionista e do ofício de quitandeira e doceira.
A quitandeira Roseli aprendeu o ofício quando era criança, observando sua mãe nas preparações das
merendas. De origem rural e integrante de família numerosa, logo cedo assumiu algumas
responsabilidades no âmbito do trabalho doméstico. Enquanto os meninos ajudavam o pai nos afazeres
da roça, as meninas cuidavam das atividades ligadas à casa, como cozinhar, incluindo também a
produção de quitandas:
“Eu fui nascida e criada na roça, e desde 10 anos, eu ajudava a minha irmã a
fazer a merenda. Ela fazia quitanda só para consumo. Na casa de meu avô, tinha
forno de barro, não existia nem forma. Na época de minha mãe, tudo era
produzido no sítio. Na cidade, só comprava o sal e o querosene. Na época de
meu avô, tinha até o engenho. Minha mãe fazia até o polvilho; lembro de ajudar
ela a ralar a mandioca.” (Roseli, em entrevista realizada na sua residência, em
16/09/2017).
Após casar–se, aos 16 anos, a quitandeira continuou a fazer as quitandas para a família, sem pretensão
de comercializar; a produção era apenas para consumo interno. A necessidade de fazer as quitandas
para vender só aconteceu quando se mudou para a cidade, no início da década de 1990. Começou, aos
poucos, levando pães e biscoitos para vender aos sábados na feira livre de Mariana: “Antes eu vendia
nos locais, e carregava os produtos em uma caixa de isopor; depois consegui comprar um carro, que
facilitou levar as quitandas para os locais de venda e aumentar a minha produção”, afirmou a
quitandeira.
Além de fazer quitandas, como biscoito de polvilho, bolos de fubá, rosquinhas de nata, roscas, fruto do
aprendizado, que obteve de sua mãe, a quitandeira também faz doces e geleias com frutas da época.
“Em termos de quitanda, meu forte são as broas, biscoitos e bolos. Faço muito rosquinha de amoníaco,
rosquinha de coco, que é receita de minha avó, que media tudo em pires”, disse a quitandeira. Roseli
não tem ajudante na produção e comercialização das quitandas, prefere trabalhar sozinha. Em alguns
casos, como, em época de fim de ano e Semana Santa, quando as vendas de quitandas aumentam, é
que costuma contratar uma pessoa.
Para o escoamento das quitandas, Roseli (Figura 6.251) utiliza várias estratégias e canais de
comercialização. Os clientes podem adquirir as quitandas através de encomendas na própria residência,
na lojinha de artesanato de sua filha, no Centro, e na feira livre, aos sábados.
383
Figura 6.251 – A quitandeira Roseli expondo suas quitandas e doces na feira livre de Mariana, em
16/09/2017.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Durante a visita realizada à sua residência, percebeu–se uma grande quantidade de geleias, doces e
licores estocados. Trata–se de uma estratégia utilizada para aproveitar as frutas de cada estação, o que
permite manter uma reserva de doces para comercialização. As frutas são adquiridas de parentes que
residem nas comunidades rurais próximas ao distrito de Camargos. Segundo Roseli, grande parte da
área que produzia as frutas que utiliza para fazer os doces foi destruída com o rompimento da barragem
da mineradora Samarco em 2015:
“Nos doces, eu utilizo o tacho de cobre: dá um gosto no doce. Eu aproveito
tudo. Com a jabuticaba, eu faço licor, geleia, e hoje já faço o doce da casca.
Quando tem muita banana madura, eu faço doce de banana com cenoura e
coloco suco de limão, que conserva o ano todo. Eu vou para os sítios e fico de
olho no que pode ser aproveitado. Aprendi a fazer conserva de umbigo de
bananeira e de broto de bambu.” (Roseli, em entrevista realizada na sua
residência, em 16/09/2017).
O acidente da Samarco interferiu severamente no ofício de quitandeira de Roseli (Figura 6.252). Antes,
grande parte dos insumos utilizados nas quitandas era produzida no distrito de Camargos: leite, nata,
queijo, manteiga, ovos caipiras. Após o desastre, a quitandeira foi obrigada a substituí–los por produtos
similares industrializados. “Hoje, minhas produções são feitas com muitos produtos industrializados,
mas, antes da tragédia da Samarco, eu utilizava tudo que produzia lá. O meu doce de leite, que é muito
famoso, não tem mais o mesmo sabor. Ainda que eu compre o leite de pacote, ele já tem uma
pasteurização, e não fica a mesma coisa”, lamentou ela.
A produção de quitandas continua obedecendo ao modo de fazer conforme aprendeu com a mãe,
porém com alguns ajustes. Algumas adequações foram feitas na cozinha, com a introdução de novos
equipamentos, como fornos elétricos, bancadas de aço inoxidável, armários e outros utensílios que são
384
exigidos pelo órgão de inspeção de alimentos dos municípios. Portanto, a quitandeira não faz uso de
forno a lenha.
Figura 6.252 – A quitandeira Roseli e sua cozinha. Detalhe para a bancada de aço inoxidável e o fogão a
gás.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Pensando em atingir um determinado público, é que a quitandeira passou a produzir algumas merendas
“sem lactose” e “sem açúcar”. “Como muita gente tem intolerância à lactose, eu criei um biscoito com
suco de laranja”, acrescentou. O interesse partiu dos próprios clientes, sobretudo daqueles que estão
seguindo orientações médicas.
No distrito de Padre Viegas, distante 10 km da sede do município e com aproximadamente 2.000
habitantes, reside a aposentada Ana Maria dos Santos (Figura 6.253). Natural do próprio distrito, há três
anos faz quitandas para vender. Antes, fazia apenas para consumo próprio. Aprendeu o ofício de
quitandeira, ainda na infância, vendo sua mãe fazendo broa de fubá e biscoito de bicarbonato. Porém
foi aprimorando com o passar dos anos.
Nessa época, as quitandas eram destinadas para consumo da família. “Mãe fazia para a casa, não
vendia, e eu ficava só observando”, complementou Ana. Mas, em alguns momentos, chegava a preparar
o forno de lenha para assar as quitandas. Nessa época, os ingredientes utilizados nas merendas eram
produzidos na própria roça: ovos caipiras, leite cru, nata, e até o melado usado para adoçar as
merendas.
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Figura 6.253 – Quitandeira Ana Maria. Distrito de Padre Veiga.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Não costumava ajudar a mãe na produção de quitandas, preferia fazer outras atividades domésticas.
Suas irmãs eram mais interessadas que ela. Porém, quando se casou, pôs em prática o ofício de
quitandeira, já que as receitas estavam guardadas na memória. Além de dona de casa, atuou como
cantineira da escola durante 30 anos, profissão que contribuiu para aprimorar o ofício de quitandas. Era
comum servir, como lanche, aos alunos as quitandas feitas por ela. Quando se aposentou, resolveu fazer
quitandas e vender para os vizinhos.
Atualmente, além de assar as quitandas em forno a gás, todos os ingredientes são comprados no
mercado. Para ela, as mudanças são inevitáveis. “Hoje em dia, eu compro tudo em mercearia. Faço a
rosquinha tradicional com leite, ovos, açúcar e manteiga. Agora vou começar a inovar e fazer de canela.
O leite, eu utilizo o de caixinha.” (Ana Maria, em entrevista realizada na sua residência, em 15/09/2017).
Durante as comemorações da festa de Nossa Senhora do Rosário e de Nossa Senhora Aparecida, que
acontecem respectivamente em 8 e 12 de outubro, a quitandeira vende suas quitandas na barraca que
monta em frente à igreja. Segundo ela, aproveita os poucos eventos que acontecem na localidade para
vender seus produtos e ajudar no orçamento da casa. As quitandas que comumente faz são rosquinha
de amoníaco e broinha de fubá. Além de expor seus produtos à venda durante as festas, costuma
vendê–los na feira de artesanato promovida pela Associação. O evento acontece no segundo domingo
de cada mês e recebe visitantes de outros lugares, como o distrito–sede.
Próximo ao distrito de Padre Viegas, encontra–se o subdistrito de Santo Antônio da Barroca, distante 32
km de Mariana. Por intermédio do capitão do Congado Nossa Senhora do Rosário, o Sr. Bastião,
conseguiu–se estabelecer contato com duas quitandeiras do local, Neuza do Zé e Lourdes.
Neusa Natalina da Costa é casada, natural da Barroca (Figura 6.254). Seu primeiro contato com o ofício
de quitandeira aconteceu na fase de criança, quando observava sua mãe no preparo das merendas.
Depois foi aprimorando com as vivências que estabeleceu com outras pessoas, entre elas, as patroas
com quem trabalha nas fazendas da região:
386
“A minha mãe fazia quitanda em casa para consumo da família, e a gente
ajudava. Depois eu casei e fui trabalhar nas casas das fazendas e aprendi a fazer
mais coisas. Na fazenda é que pratiquei mais, pois eram muitos empregados e
tinha que fazer quantidade maior (Neuza do Zé, em entrevista realizada na
residência, no subdistrito da Barroca, em 15/09/2017).
Pelo fato de fazer quitandas somente sob encomenda, Neuza do Zé investe mais na produção artesanal
de doces caseiros em barra, cocadas de leite e de coco e compotas de frutas. Segundo ela, o lucro vem
mais rápido quando se tem uma maior quantidade de produtos em estoque. Os saberes que envolvem o
ofício de doceira também são fruto da vivência com sua mãe, já que ela também fazia doces, mas
somente doce de leite, na época do Natal. Os doces e compotas que atualmente são comercializados,
ela aprendeu a fazer com as patroas, nas fazendas onde trabalhou. Na comunidade, ela é mais
conhecida como doceira porque é a que faz doces em maiores quantidades.
Figura 6.254 – Neuza do Zé com parte dos doces que produz no subdistrito da Barroca.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Enquanto a venda de quitandas fica restrita à própria comunidade, os doces ultrapassam fronteiras ––
chegam até a capital do estado. “Faço quitandas por encomenda, mas não é muita coisa, não. Faço mais
é doce. Faço doces de leite, de coco, de amendoim e compotas (Figura 6.255). Vendo por aqui mesmo,
em Mariana e até em Belo Horizonte”, destacou a doceira e quitandeira.
387
Figura 6.255 – Cocadas de leite e de amendoim, produzidas pela doceira Neuza do Zé, empacotadas
para serem vendidas.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Mesmo que a maioria dos ingredientes utilizados no preparo de doces e quitandas sejam adquiridos no
mercadinho local, muito ainda se preserva do modo de fazer artesanal das merendas. Pode–se citar,
como exemplo, o uso do fogão e do forno a lenha, que, para a informante, faz diferença no produto final
(Figura 6.256). “Tenho fogão a lenha, gás e elétrico, mas acho que as melhores quitandas são feitas no
fogão a lenha. A lenha a gente busca no Cerrado mesmo, mas é bem longe” (Neuza do Zé, em entrevista
realizada na sua residência, no subdistrito da Barroca, em 15/09/2017).
Figura 6.256 – Fogão a lenha localizado no canto da cozinha e tacho de cobre utilizados no preparo dos
doces.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
388
Com o marido desempregado, parte significativa da renda familiar da quitandeira e doceira Neuza
provém das vendas doces e merendas. “Nessa época que quase todo mundo tá desempregado, eu
sobrevivo mais da venda dos meus doces”, registrou Neuza. A tragédia ambiental ocorrida no município
é realidade que amarga a vida de centenas de pessoas em Mariana, inclusive das quitandeiras Roseli e
Neuza. As dificuldades financeiras de Neuza aumentaram quando o filho que trabalhava na Samarco foi
demitido, no contexto do desastre ambiental.
Assim como Neuza do Zé, a quitandeira Maria de Lourdes nasceu e criou–se na localidade; portanto, são
vizinhas. É filha de Carbonato, ex–capitão do Congado Nossa Senhora do Rosário, e seu primeiro contato
com o ofício de quitandeira se deu ainda criança. Quando tinha uns 8 anos de idade, sempre observava
sua mãe durante o preparo das broas de fubá de milho moído no moinho d’água. Lembra que chegava a
ajudá–la, mas só veio a aprender de verdade a fazer quitandas com sua cunhada. Na época de sua mãe,
as quitandas eram apenas para o consumo da família ou para presentear os vizinhos. Não se fazia com o
objetivo de vendê–las. O ofício de quitandeira já está na família há, pelo menos, três gerações, haja vista
sua avó materna também fazer quitandas:
“A ideia de fazer quitandas para comercializar surgiu há três anos, a partir do
incentivo de uma vizinha. Até então, só fazia as merendas para o consumo da
família. Eu comecei a fazer pra fora, porque aqui é ruim de emprego. Deu muito
certo – faço quitanda toda semana. Tenho algumas encomendas. Faço
rosquinhas de queijo, rosca de canela e erva–doce. Também faço tortas e bolos.
Faço pão de sal e vendo pela manhã. As pessoas me encomendam em casa, mas,
na época da festa de Santo Antônio, eu recebo mais encomendas.” (Maria de
Lourdes, em entrevista realizada na sua residência, em 15/09/2017 – Figura
6.257).
Nas falas das quitandeiras já pesquisadas, percebe–se que os períodos festivos são propícios para o
consumo de quitandas, e a comunidade de Santo Antônio da Barroca não foge à regra. Durante os
festejos da festa do padroeiro Santo Antônio, que acontece no mês de junho, há um considerável
aumento nas vendas de quitandas. É que as festividades costumam atrair visitantes e filhos ausentes
que residem em Mariana e municípios vizinhos.
No mesmo período, ocorre a festa do Congado de Nossa Senhora do Rosário. Suas apresentações
concentram–se no mês de maio e início de junho, quando o folguedo acontece todos os sábados e
domingos, até o final da festa de Santo Antônio, no dia 13 de junho, padroeiro do subdistrito de
Barroca. As atividades do congado se relacionam à celebração do dia do santo padroeiro no seu local de
origem.
Ambas as quitandeiras ressaltam que há aumento nas vendas de quitandas nessa época do ano,
momento em que a localidade vivencia um tempo extraordinário, isto é, permite que a vida cotidiana
seja absorvida pelo clima de comensalidade. E nada mais propício para isso do que as quitandas.
389
Figura 6.257 – Forno usado pela quitandeira Lourdes para assar as quitandas, no subdistrito da Barroca.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Diferentemente da época em que sua mãe fazia as quitandas com a ajuda das filhas no processo de
produção, hoje todo o preparo e finalização das merendas é realizado apenas Lourdes. As receitas das
merendas ainda seguem o mesmo modo de fazer artesanal da época de sua mãe, porém com algumas
mudanças visíveis.
Essas mudanças não implicam, necessariamente, modificação. Os ovos de galinha caipiras foram
substituídos por ovos de granja, o fubá em vez de moído no moinho de água, é comprado na mercearia,
e a nata deu lugar ao creme de leite. “Os ingredientes eu compro, a única coisa que é da roça é o queijo
que compro da vizinha aqui de cima. Eu compro ovos brancos, porque é difícil manter galinha para ter
ovos.” (Maria de Lourdes, em entrevista realizada na sua residência, em 16/09/2017 – Figura 6.258)
Figura 6.258 – A quitandeira Lourdes expondo suas merendas no subdistrito da Barroca.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
390
Na Comunidade Quilombola Santa Efigênia, localizada próximo ao subdistrito de Santo Antônio da
Barroca, encontra–se Neuza Maria, viúva, pensionista e quitandeira (Figura 6.259). O aprendizado do
ofício é herança de família e foi transmitido de mãe para filha. Embora seja natural da comunidade, já
residiu na cidade de Mariana e Pinheiros Altos. A comunidade quilombola Santa Efigênia foi certificada
pela Fundação Palmares em 16 de setembro de 201015.
A população, composta por aproximadamente 40 famílias, não possui posto de saúde nem escolas. Além
disso, não existe saneamento básico nem tratamento de água. Os alunos em idade escolar usam o
transporte escolar gratuito. As escolas mais próximas estão localizadas no distrito de Furquim. O acesso
ao núcleo residencial é precário e dificulta o trânsito de automóvel.
Seu aprendizado no ofício de quitandeira segue a mesma lógica de transmissão percebida nas demais
detentoras: a presença da figura materna no repasse de saberes. “Minha mãe fazia só para a casa
mesmo. Nunca ficavam todos os filhos para ajudar, pois tinha outras ocupações, mas as filhas que
ajudavam eram mais para enrolar as quitandas”, comentou Neusa a respeito da sua aproximação com
as quitandas. No entanto, aprendeu a fazer rapadura e melado de cana–de–açúcar, ingredientes que
usa nas receitas de broas de fubá.
Figura 6.259 – A quitandeira Neuza, ao lado do forno de varrer, localizado no quintal de sua casa, na
comunidade quilombola Vila Santa Efigênia.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Nessa época, lembra a informante, os ingredientes eram produzidos pela própria família, desde o milho,
que era moído na roda d’ água, para fazer o fubá até o melado de cana–de–açúcar. Hoje, na medida do
possível, tenta fazer suas quitandas com os ingredientes da roça e o que consegue produzir na
comunidade:
15
Informações disponíveis na página do órgão: http://www.palmares.gov.br/comunidades–remanescentes–de–
quilombos–crqs .
391
“Na época da minha mãe, tinha ovo caipira, leite, e pegava o milho pra moer.
Tinha também leite de cabra. Nessa época, só comprava mesmo sal e o
macarrão. Até sabão era feito aqui. Hoje eu tenho que comprar muita coisa,
mas ovos e milho ainda é daqui. O fubá que uso nas quitandas também é daqui
mesmo, meu genro mói o milho pra mim.” (Neuza Maria, em entrevista
realizada na sua residência, em 16/09/2017).
A quitandeira Neuza faz questão de seguir a tradição do modo de fazer quitanda, optando por
ingredientes produzidos na roça. Ela mantém, no quintal, o forno de varrer (a lenha), que ela chama de
“forno de cupim” (Figura 6.260); de cupim, o forno só tem o formato de cupinzeiro. Na verdade, a
estrutura já é de tijolo e barro. Quando não está fazendo uso do utensílio, protege–o com um plástico
para evitar que a chuva provoque desgastes nas paredes.
Figura 6.260 – Forno de varrer, também chamado de forno de cupim, utilizado pela quitandeira Neuza
para assar as merendas. Comunidade quilombola Vila Santa Efigênia.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Geralmente, quando faz as quitandas, costuma se reunir com outras vizinhas para dividir as tarefas:
enquanto uma amassa e enrola os biscoitos, a outra se responsabiliza pelo forno (a forneira). A madeira
usada para alimentar a fornalha é retirada da própria comunidade, dando–se preferência para as
árvores que secam e caem.
Neuza já fez quitandas para vender, mas atualmente só as produz para o consumo próprio, e também
em ocasiões festivas: batizados e aniversários de familiares. “Eu já cheguei a fazer pra vender, inclusive
doces, mas hoje eu só faço para a casa. Também nada com muito lucro, só um dinheiro extra para a
casa”, declara a quitandeira Neusa. Sobre os tipos de quitandas que habitualmente faz, a quitandeira
disse o seguinte:
“Faço broa de rapadura, broa de melado. Sei fazer de tudo, não passo aperto
com nada. Eu faço meu próprio melado e faço rapadura com amendoim.
Graças a Deus, de tudo eu tenho um pouquinho. Também faço doces de coco,
amendoim e mamão. Essas frutas, eu tenho aqui. Meus doces ficaram
conhecidos por causa do casamento da minha filha.” (Neuza Maria, em
entrevista realizada na sua residência, em 16/09/2017).
392
Embora, hoje em dia, não seja comum na comunidade servir quitandas nas festas de casamento, a
quitandeira Neuza ressaltou que, na recepção de seu matrimônio, foram oferecidas merendas aos
convidados. Na época, as quitandas foram feitas por sua mãe e sua cunhada, que preparam com
antecedência e as armazenaram em latas. Para manter a tradição da família, já está se organizando para
preparar as quitandas do batizado de sua neta. “Eu vou fazer quitandas para a festa da igrejinha e será
batizado de minha neta. Vou começar a fazer com antecedência, porque vai ser muita coisa”, ressaltou a
quitandeira Neuza, com entusiasmo.
Maria Aparecida Aves da Silva é casada e natural de Itabirito (MG). Reside no distrito de Cláudio Manoel,
há dois anos, quando se mudou com o marido, em busca de tranquilidade e qualidade de vida. Porém,
ela já possuía o imóvel há mais de 15 anos na comunidade. Conforme acontece com a maioria das
quitandeiras, seu contato com o ofício se deu ainda na fase de criança:
“Venho de uma família de 16 irmãos, e morávamos na zona rural. Com 15
anos, eu já ajudava a minha mãe a fazer as quitandas, em forno a lenha. Minha
mãe já fazia quitanda só para consumo da família. Tirava um dia só para fazer
as quitandas. Era em grande quantidade.” (Dona Aparecida, em entrevista
realizada na sua residência, em 16/09/2017 – Figura 6.261).
De acordo com a informante, as sextas–feiras eram destinadas ao preparo das quitandas para serem
consumidas durante a semana, no café da manhã e lanches. Em épocas de festas, especialmente no
Natal, sua mãe caprichava nos biscoitos. Chegou a relembrar com emoção que sua mãe fazia bolachas
decoradas com cores verde e vermelha, em referência às cores das festas de fim de ano. Apesar de
tantas lembranças em torno do ofício de quitandeira, só veio a fazer quitandas para comercializar
depois que veio morar em Cláudio Manoel. Antes, quando residia em Belo Horizonte, as fazia
esporadicamente.
Figura 6.261 – A quitandeira Aparecida ao lado do forno de tambor usado para assar as merendas no
distrito de Cláudio Manoel.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
393
Atualmente, além de restabelecer algumas receitas ensinadas pela mãe, que já faleceu, consegue
comercializar parte da produção em Mariana. Segundo a quitandeira, costuma deixar biscoitos, broinhas
e rosquinhas em consignação, na loja de uma amiga. Para assar as quitandas, dona Aparecida utiliza o
“forno de tambor”, uma versão mais moderna do forno de varrer. No entanto, já solicitou ao marido
que providencie um forno de varrer para o espaço que irá construir especificamente para produzir as
quitandas.
Depois que passou a viver em Cláudio Manoel, precisou se reinventar para ocupar a cabeça. Foi quando
teve a ideia de fazer quitandas, inicialmente para o consumo, mas, aos poucos, começou a receber
encomendas de vizinhos.
Além de complementar a renda, a quitanda traz muitas lembranças: “Eu sei que tenho lucro, mas não
sei quanto. O que mais me interessa é fazer; fico muito cansada, mas é o que me dá ocupação e ajuda a
não ter depressão.” (Dona Aparecida, em entrevista realizada na sua residência, em 16/09/2017). Para
chamar atenção, colocou uma placa na janela, com os dizeres: “Fazemos quitandas: bolos, pão de
queijo, rosquinhas, broas de fubá e biscoito de polvilho.” (Figura 6.262)
Figura 6.262 – Mesa posta com biscoito de polvilho, broas de fubá e bolo feitos pela quitandeira
Aparecida no distrito de Cláudio Manoel.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
O que era para ser uma atividade para distrair a cabeça, como ressaltou a quitandeira, acabou se
transformando em geração de renda para a família. Ela considera que o modo de fazer quitandas,
conforme aprendeu com sua mãe faz toda a diferença na qualidade do produto final. Isso implica o uso
de ingredientes, tais como: ovos caipiras, leite cru, manteiga, nata, queijo e banha produzidos de forma
artesanal. Grande parte desses insumos ela consegue comprar dos produtores que residem na própria
comunidade.
394
No mercado, a quitandeira só compra matéria–prima: açúcar, farinha, polvilho e fubá. Até os ovos são
provenientes da criação de galinhas que mantém no terreno de casa. “A junção forno a lenha e
ingredientes naturais é o segredo de uma boa quitanda”, enfatizou a quitandeira:
“Minhas quitandas eu faço em forno a lenha, pois o sabor é totalmente
diferente do feito em forno a gás. Em forno a gás, eu só faço quando é alguma
encomenda de urgência, que não compensa utilizar o forno a lenha. O biscoito
de polvilho, por exemplo, feito no forno a gás não fica torradinho como no
forno a lenha.” (Dona Aparecida, em entrevista realizada na sua residência, em
16/09/2017).
O ofício de quitandeira é um processo que abrange algumas etapas, como a seleção dos ingredientes e
suas pesagens exatas, o amassar e o enrolar. Antes de tudo, porém, é preciso preparar o forno a lenha
para receber os tabuleiros com as quitandas cruas. Segundo dona Aparecida, é preciso ter
conhecimento para deixar a temperatura no ponto ideal, de modo que não queime as quitandas. A
técnica consiste em fazer alguns testes; um deles, que parece ser o mais comum, é relatado por ela.
“Lembro de ver minha mãe verificar a temperatura do forno com palha de bananeira; se queimasse,
significava que a temperatura estava muito alta, e se só murchasse, era ideal para assar.” (Dona
Aparecida, em entrevista realizada na sua residência, em 16/09/2017).
“Minha mãe se chamava Marilza. Ela fazia quitandas apenas para consumo da
família e, eu, como filha mais velha, era quem ajudava. Nessa época, a gente
utilizava apenas o braseiro; não tinha forno. Depois foi que veio a construir um
forno a lenha, de varrer. No início, a gente até achou estranho.” (Célia Corsini,
em entrevista realizada na feira livre de Mariana, em 16/0902017).
A manutenção do ofício de quitandeira da família de Célia estava associada à sobrevivência e ao modo
de vida rural (Figura 6.263). Como não tinham acesso à padaria para comprar o pão para o café da
manhã, a única alternativa era prepará–los artesanalmente, com os ingredientes que obtinham da
produção familiar. Lembra a quitandeira que até o arroz era descascado no pilão, e que utilizava tudo
que tinha no sítio; só comprava na cidade o essencial, que eram o açúcar, sal e o fermento.
395
Figura 6.263 – Quitandeira Célia expondo suas quitandas na feira livre de Mariana.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
A vivência com a mãe durante o preparo das quitandas, nesse caso, foi decisiva para a continuidade do
ofício. Conforme relatou Célia, quando se casou, continuou a preparar as merendas, porém não
comercializava. A decisão de transformar ofício em um meio de contribuir com a renda familiar só
aconteceu quando seu marido foi dispensado do emprego que tinha na Samarco –– mais uma vítima
constatada entre as quitandeiras atingidas pelo desastre ambiental causado no território:
“Comecei a fazer quitandas pra vender quando meu marido foi demitido da Samarco; hoje eu sustento a
casa. Trabalho aqui e forneço bolo e pães para a merenda escolar.” (Célia Corcini, em entrevista
realizada na feira livre de Mariana, em 16/09/2017). O caso de Célia e de tantas outras quitandeiras
permite pensar sobre a importância do ofício a partir de outros aspectos, além da dimensão cultural. É
possível perceber que a dimensão econômica ou material é um dos pilares de sustentação do ofício.
De acordo com a quitandeira, as merendas são produzidas, seguindo o modo de fazer herdado de sua
mãe, tanto no que diz respeito ao uso do forno a lenha, como na escolha dos ingredientes. Parte deles é
produzida pela própria família, como leite, nata, manteiga, ovos caipiras e banha de porco. Para ela, a
procedência dos insumos faz diferença na qualidade das quitandas.
Ao mesmo tempo em que há preocupação com a manutenção da tradição do modo de fazer quitandas,
por outro lado, é possível perceber que algumas mudanças estão sendo introduzidas pela quitandeira na
realização do ofício. Segundo Célia, as demandas partem dos próprios clientes, sobretudo de clientes
que possuem restrições alimentares, seja por indicação médica, seja por uma escolha de vida, como é o
caso das pessoas veganas.
Caso semelhante foi observado no ofício da quitandeira Roseli. E foi pensando nesse público que Célia
está tentando inovar, evitando utilizar apenas a farinha branca, acrescentando ingredientes funcionais,
como chia, aveia, farinha de linhaça, e fazendo quitandas sem glúten (Figura 6.264). “Mas, ao mesmo
tempo, eu tento restabelecer muita coisa tradicional. Eu comecei a fazer pão sem lactose, pão vegano e
também há pessoas que preferem o pão feito com fermento caseiro.”, acrescentou a quitandeira.
396
Figura 6.264 – Quitandas – roscas integrais, sem lactose e roscas tradicionais.
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.
Se, por um lado, são introduzidas novas receitas, como broas integrais, sem açúcar e sem lactose, para
atender às necessidades da própria dinâmica sociocultural, por outro, também percebe que as
quitandas produzidas artesanalmente têm seu lugar garantido na barraca da quitandeira, o que
assegura a continuidade da prática.
Continuar a usar alguns elementos da tradição permite que a quitandeira reflita sobre a questão do
meio ambiente. Mesmo que as quitandas assadas em fornos a lenha tenham um diferencial, a
quitandeira tem consciência de que a madeira usada no processo é um recurso limitado, e que está
acabando. Durante o período da pesquisa de campo, foi possível presenciar inúmeros incêndios nas
matas das redondezas, o que já é um sinal de preocupação. No caso de Célia, a lenha utilizada na
produção de suas quitandas é coletada no próprio sítio, dando preferência pelos troncos e galhos de
árvores secas.
Diante da diversidade que o ofício de quitandeira de Mariana apresenta, é possível perceber elementos
e situações que conectam as detentoras. Talvez o principal deles seja o aprendizado herdado da figura
materna, haja vista que a maioria das entrevistadas estabeleceu os primeiros contatos com o modo de
fazer quitandas, observando as mães. Muitas até, quando crianças, já ajudavam na preparação das
merendas. A outra questão não menos importante, que perpassa o contexto das quitandeiras, é que o
ofício está diretamente associado ao trabalho doméstico. Outro elemento presente nas narrativas é a
relação com a ruralidade, que muitas tiveram em algum momento da vida.
397
6.12.5 MAPA DOS BENS CULTURAIS DE MARIANA
399
7. IDENTIFICAÇÃO E AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AO PATRIMÔNIO IMATERIAL
Nesta seção, apresenta–se uma avaliação dos impactos que potencialmente podem ser provocados
pelas atividades de instalação e operação do empreendimento sobre os bens culturais de natureza
imaterial registrados ou em processo de registro, relacionados ao empreendimento da LT 345 kV
Itutinga – Barro Branco, nos 12 municípios interceptados.
A identificação e análise dos possíveis impactos ao Patrimônio Cultural Imaterial estão apresentadas de
acordo com as possibilidades de ocorrência levantadas durante os estudos ambientais realizados pela
MANTIQUEIRA/BIODINÂMICA RIO (2017) e na pesquisa de campo que originou este RAIPI. O objetivo é
que os possíveis impactos sejam conhecidos, avaliados e, possivelmente, sanados, ou minimizados e
salvaguardados.
O critério técnico utilizado para caracterizar os possíveis impactos teve como referência o conceito de
Avaliação de Impacto Ambiental (AIA), que é um processo de coleta de informações, análises e
predições, destinadas a identificar, interpretar, prevenir e comunicar os possíveis efeitos de um
empreendimento sobre o meio ambiente e as práticas culturais.
Para o Patrimônio Cultural Imaterial, não existem, atualmente, metodologias ou indicações de medidas
de avaliação de impactos sobre bens culturais registrados e em processo de registro. Nesse sentido,
enfatiza–se a necessidade de uma percepção contextualizada e de cunho etnográfico, que implique
realizar visitas in loco por parte da equipe de pesquisa aos detentores das práticas. Essa estratégia
permite obter dados mais consistentes sobre a realidade dos grupos e, consequentemente, identificar e
analisar os impactos ao patrimônio imaterial.
Os esforços de pesquisa da equipe técnica são considerados uma postura de cunho etnográfico, que,
além de realizarem breves apresentações do empreendimento, em especial sobre sua localização e
caracterização, para os entrevistados e membros do público local, evidenciam, sobretudo, o discurso
dos detentores a respeito dos bens culturais em estudo.
A escuta apurada da fala dos entrevistados sobre as dinâmicas dos bens culturais acautelados pelo
IPHAN, registrados ou em processo de registro, foi essencial para avaliar o grau de impacto em relação
ao empreendimento. Cumpre ressaltar, também, os fatos e situações que não foram ditos pelos
detentores, mas captados pelo pesquisador durante as observações realizadas nas visitas in loco.
Portanto, a ênfase nos diálogos com os entrevistados e as observações efetuadas pelos pesquisadores
de campo, conforme apresentadas no texto do diagnóstico, contribuíram para definir a existência ou
não de impactos causados pelo empreendimento.
No presente RAIPI, optou‐se, pelo uso de um método espontâneo a partir do conhecimento
empírico da equipe técnica sobre o assunto, o que proporcionou uma avaliação de impactos de
forma objetiva e de maneira dissertativa.
Levando em consideração essas observações, destaca–se que não foram identificados impactos diretos
aos bens culturais de natureza imaterial em relação ao empreendimento. No entanto, identificou–se a
presença de impactos indiretos, que estão relacionados com a continuidade dos bens culturais.
401
As justificativas utilizadas para definir a não ocorrência de impactos diretos na fase de implantação
levaram em consideração:
I. a distância que os bens culturais registrados e em processo de registro mantêm em relação ao
empreendimento, conforme os quadros apresentados nos mapas da seção 6 do diagnóstico,
para cada município;
II. as observações da equipe de pesquisa e análises dos dados coletados durante as visitas aos
detentores e às localidades onde residem;
III. as opiniões e percepções dos detentores a partir das entrevistas realizadas.
A seguir, apresentar–se, para cada fase do empreendimento, os impactos indiretos identificados,
relacionando–os com a existência dos bens culturais, seus detentores e os modos de vida observados.
Ressalta‐se que esses impactos foram classificados de acordo com os atributos apresentados no Quadro
7‐1, quais sejam:
‐ Natureza – se o impacto é positivo ou negativo;
‐ Duração – se o impacto é temporário ou permanente;
‐ Reversibilidade – se o impacto é reversível ou irreversível;
‐ Prazo de manifestação – se o impacto é de curto, médio ou longo prazo;
‐ Abrangência – se o impacto é local ou regional.
Quadro 7‐1 – Impactos Indiretos Identificados e sua Classificação
ATRIBUTOS
IMPACTO
Prazo de
Natureza Duração Reversibilidade Abrangência
manifestação
Contratação de
Positivo Temporário Reversível Curto prazo Local*
mão de obra
Possibilidade de
Positivo Temporário Reversível Curto prazo Local*
aumento de renda
Compartilhamento
das vias de acesso
Negativo Temporário Reversível Curto prazo Local*
durante as
festividades
Percepção da
possibilidade de
Negativo Permanente Reversível Longo prazo Local
interferências
eletromagnéticas
402
7.1 FASE DE INSTALAÇÃO DO EMPREENDIMENTO
7.1.1 CONTRATAÇÃO DE MÃO DE OBRA
Conforme informações coletadas no EIA (MANTIQUEIRA/BIODINÂMICA RIO, 2017), prevê‐se que a mão
de obra a ser empregada na implementação das obras da LT e das Subestações associadas será de cerca
de 1.100 pessoas na instalação do empreendimento, época de maior demanda. Desse total, estima‐se
que 30% dos contratos de trabalho serão ocupados por trabalhadores não especializados. Em termos
numéricos, serão 330 postos de trabalhos distribuídos nos 12 municípios, dando–se prioridade à
contratação de mão de obra local.
Destaca–se que, quando admitidos, os trabalhadores serão submetidos a treinamento adequado,
visando ao seu comprometimento com as questões pertinentes a suas tarefas e, ainda, à
conscientização dos cuidados ambientais e de saúde/segurança do trabalho nas obras.
Dentro do universo das contratações, sugere–se que sejam priorizados os capoeiristas (mestres,
contramestres, instrutores e professores), capitães e dançadores/ras de congado. A referida
recomendação surgiu a partir de sugestões dos próprios entrevistados e também das observações da
equipe de pesquisa sobre suas condições de vida. A utilização da mão de obra de integrantes desses
grupos, mesmo que temporária, poderá contribuir para melhorar as condições socioeconômicas de
alguns detentores, que estão diretamente relacionadas com a continuidade e valorização das práticas
culturais realizadas por esses detentores.
7.1.2 POSSIBILIDADE DE AUMENTO DE RENDA
Também de acordo com o citado EIA (2017), os canteiros deverão ser distribuídos ao longo do traçado,
com a finalidade de minimizar o deslocamento dos efetivos de pessoal e equipamentos nas frentes de
trabalho. Estarão, portanto, assim divididos: canteiros principais, nos municípios de Itutinga (SE
Itutinga), Resende Costa, Jeceaba (SE Jeceaba), Ouro Preto (SE Itabirito 2) e Mariana (SE Barro Branco), e
de apoio, nos municípios de Congonhas e Ouro Preto (distritos de Santo Antônio do Leite e Santo
Antônio do Salto).
Desse modo, sugere–se que, durante a fase de implantação do empreendimento nos referidos
municípios, sejam contratados os serviços das quitandeiras locais para fornecimento de quitandas
(bolos, broas, biscoito de polvilho, pães de queijo e roscas) para alimentação da equipe de trabalho.
Especificamente sobre as quitandeiras da CRQ Palmital, para que possam fazer parte da priorização de
fornecimento de quitandas durante a fase de implantação do empreendimento, será necessária,
primeiramente, uma ação de apoio financeiro para realização de compras de matéria–prima e
instrumentos para a fabricação das merendas. Conforme as informantes locais Cidinha e Chiquita,
embora detenham o conhecimento tradicional do ofício de quitandeira, não dispõem de recursos
financeiros para iniciar sua produção de quitandas. Somente após esse apoio, as quitandeiras locais
estarão aptas a fornecer seus produtos para venda. Nesse caso, sugere–se que o IPHAN notifique à
Fundação Palmares, órgão responsável pela política institucional das comunidades quilombolas, que se
posicione a respeito dessa demanda.
403
7.1.3 COMPARTILHAMENTO DAS VIAS DE ACESSO DURANTE AS FESTIVIDADES
Os acessos têm por objetivo viabilizar a instalação do empreendimento e, se necessário, serem
utilizados para as atividades de operação e manutenção da futura LT. Dessa forma, as vias de acesso
existentes na região de implantação serão utilizadas prioritariamente. Somente no caso de não
existirem ou de, tecnicamente, não for possível aproveitá–las, aberturas de novas vias de acesso
poderão ser planejadas, desde que autorizadas pelos proprietários.
Na próxima fase do projeto, durante a elaboração do Projeto Executivo de engenharia, será definida a
locação precisa das torres, podendo haver refinamento da seleção das vias de acessos a serem
efetivamente utilizadas, já tendo estabelecida a largura de 48 m para a faixa de servidão.
Com o intuito de evitar transtornos causados pelo empreendimento às vias de acesso às localidades,
recomenda–se que sejam observados os calendários das festividades que estão relacionadas com os
grupos de congado, encontros de capoeiristas e festivais de gastronomia, que incluem ofício das
quitandeiras dos municípios e o calendário de obras da LT. O objetivo é evitar quaisquer tipos de
interferências durante as apresentações e/ou celebrações que dialogam diretamente com os bens
culturais Ofício de Mestres de Capoeira e Roda de Capoeira, Ofício de Quitandeiras e Congadas de
Minas.
7.2 FASE DE OPERAÇÃO
7.2.1 PERCEPÇÃO DA POSSIBILIDADE DE INTERFERÊNCIAS ELETROMAGNÉTICAS
Conforme consta no material informativo distribuído pelas Empresa Mantiqueira e Biodinâmica Rio nos
municípios e comunidades quilombolas interceptados pelo empreendimento, os itens
radiointerferência, ruído audível e campo elétrico não provocam danos à saúde humana, como câncer,
por exemplo. As interferências eletromagnéticas podem, entretanto, sob certas condições, afetar
aparelhos eletrodomésticos, sendo esse um dos fatores analisados para a definição da faixa de servidão.
No entanto, em diálogos realizados com os moradores locais, principalmente da Comunidade
Remanescente de Quilombo Palmital, percebeu–se, em suas falas, a preocupação de serem acometidos
por problemas de saúde provocados pela operação do empreendimento.
Embora já tenha ocorrido uma palestra na localidade, proferida pela equipe da empresa, com a
presença do representante da Prefeitura de Nazareno, esclarecendo sobre a não ocorrência desse tipo
de problema, a representante da Associação de Moradores da Comunidade, Cidinha, expressou dúvidas
sobre o tema. Para ela, de acordo com sua visão de mundo, é inevitável a ocorrência desse impacto,
haja vista a insegurança e medo constante de viver próximo à LT.
Ressalta‐se que no Programa de Comunicação Social (PCS) apresentado no EIA, e que será detalhado no
Projeto Básico Ambienta (PBA), está prevista a apresentação sistemática e periódica de informações
sobre o empreendimento à comunidade, quando esse tipo de impacto poderá ser mitigado.
404
8. PLANO DE MONITORAMENTO
Após a identificação e análise dos impactos indiretos sobre o Patrimônio Imaterial alvo deste RAIPI da LT
345 kV Itutinga – Barro Branco, sugere‐se a elaboração de um “Plano de Monitoramento” sobre os bens
de natureza imaterial identificados na AID do empreendimento.
Conceitualmente, um “Plano de Monitoramento” tem como finalidade propor soluções para controlar
e/ou atenuar os impactos adversos gerados e/ou previsíveis aos componentes do sistema ambiental
(que inclui o Patrimônio Cultural Imaterial) pelas ações do projeto de implantação e operação de um
empreendimento.
Um plano de monitoramento constitui um instrumento para assegurar a interação entre o planejamento
e a execução, possibilitando a correção de desvios e a retroalimentação permanente de todo o processo
de planejamento. O monitoramento se diferencia qualitativamente de um simples acompanhamento,
pois, além de documentar sistematicamente o processo de implantação do plano, identifica os desvios
na execução das atividades propostas, fornecendo as ferramentas para sua avaliação. Já a avaliação
possibilita a implantação de ações corretivas para ajuste ou replanejamento das atividades.
Para a implantação propriamente dita do empreendimento, haverá, inicialmente, a mobilização para
execução dos trabalhos preliminares, que darão suporte ao desenvolvimento dos serviços principais.
Segundo a Biodinâmica (2017), as tarefas que compõem a fase de obras consistirão do planejamento da
logística, contratação de mão de obra, instalação das áreas de canteiro de obras, liberação da faixa de
servidão, construção das vias de acesso, implantação da faixa de serviço, definição das áreas das torres,
execução das obras civis, montagem das estruturas, lançamento dos cabos condutores e para‐raios,
revisão final aérea e terrestre, comissionamento e energização da LT e das SEs.
O monitoramento aqui proposto deverá assumir, como pontos de partida, o diagnóstico realizado no
presente RAIPI e a indicação do que se convencionou de pontos notáveis, ou seja, o uso de três
categorias para monitoramento, quais sejam:
1) Proximidade do perímetro urbano de cada município, onde se localizam as práticas culturais
relativas a Ofício de Mestres de Capoeira e Roda de Capoeira, Toque dos Sinos e Ofício de
Sineiro, Congadas de Minas e Ofício de Quitandeiras e Ofício de Raizeiro e Raizeira do Cerrado
As sedes urbanas de Itutinga, Nazareno, Conceição da Barra de Minas, Ritápolis, Resende Costa,
Entre Rios de Minas, São Brás do Suaçuí, Jeceaba e Congonhas serão alvo do “Plano de
Monitoramento”. De acordo com as tabelas apresentadas nos mapas apresentados na Seção 6,
tais localidades são as que mais apresentam maior proximidade em relação ao traçado da Linha
de Transmissão (LT).
Deverá ser monitorado, no futuro Plano, apenas os bairros ou locais que poderão sofrer algum
tipo de interferência durante a implantação do empreendimento, como abertura de acessos,
contratação de mão de obra local e nova dinâmica gerada em relação às práticas culturais
acauteladas pelo IPHAN. Destaca‐se que os mapas dos acessos a serem utilizados pelo
empreendimento serão detalhados na fase de LI e deverão ser descritos no futuro Plano.
No que diz respeito às contratações sugere‐se que o empreendedor estabeleça parceria com
entidades e órgãos públicos municipais ou estaduais como associações de moradores,
405
Secretárias de Assistência Social (através do cadastro Bolsa Família), Secretaria de Cultura ou
Secretaria de Educação ou Secretaria de Turismo e SINE (Sistema Nacional de Emprego) para
juntos realizar um cadastrado de mão de obra local e, consequentemente a contratação dos
trabalhadores, seguindo a orientação anteriormente especificada, que farão parte do quadro de
colaboradores da implantação do empreendimento.
Outra ação que deve acontecer no Plano Monitoramento está relacionada com
comprometimento, por parte do empreendedor de manter a população de tais localidades
informada e conscientizada sobre a dinâmica da implantação da LT. Nesse sentido, cabe à
equipe de Comunicação Social (conjuntamente as equipes do meio socioeconômico e
patrimônio cultural) informar os moradores com destaque para o cronograma de obras em cada
município, o número de pessoas “estrangeiras” que passarão a conviver no local, bem o barulho
provocado pelo trânsito de veículos e fluxo intenso (quantidade, se são leves ou pesados). Essas
ações deverão fazer parte do Plano de Comunicação Social (PCS) previsto no EIA, de forma
contínua até que finde a obra. Sugere‐se que sejam realizadas palestras e oficinas por pessoas
especializadas nas escolas, centros comunitários, sindicatos, informando a população em geral
que durante o período de implantação da obra na localidade poderá ter sua rotina alterada.
Deve fazer parte do PCS a elaboração de panfletos informativos destinado à conscientização da
população local sobre a realização da obra, a serem apresentados no cronograma da fase de LI,
e disponibilizado em lugares de maior fluxo de pessoas como secretarias municipais, igrejas,
associações, escolas, supermercados, sindicatos etc. É possível que tais informações também
sejam viabilizadas através das redes sociais (Whatszapp e Facebook). O uso de carros de som e
faixas com a logo da empresa afixadas em locais de maior movimento de pessoas também é um
recurso informativo de fácil assimilação, por parte dos moradores, para divulgar junto as
comunidades a dinâmica da obra.
É importante que no Âmbito do Plano Ambiental da Construção (PAC) sejam contemplados
instrumentos de sinalização como faixas e placas de sinalização indicando os limites de
velocidades permitidos ao novo tipo de tráfego, pois em algumas localidades sejam urbanas ou
distritais é comum que as crianças usem as vias públicas para brincar. Como se trata de locais
cuja rotina é diferente da cidade grande, é comum que muitos idosos caminham pelas vias sem
se preocuparem com o fluxo de carro, o que com a obra da LT pode acelerar tal processo e
causar algum tipo de transtorno.
É desejável que esses instrumentos também sejam instalados nas vias rurais (estradas batidas)
de acesso à obra, devendo, portanto, ficar‐se atento ao fluxo de carros e, consequentemente, à
possibilidade de produção de poeira, o que poderá trazer danos aos moradores cujas
residências estão localizadas às margens da via.
O que relaciona tais aspectos ao Patrimônio Cultural Imaterial é a qualidade de vida dos
detentores, como saúde e segurança para a permanência de suas dinâmicas culturais, práticas,
ofícios, transmissão de saberes e manifestações culturais, assim como a sequência de seus
calendários festivos, celebrações e rituais.
406
Nesse sentido cabe ao empreendedor também realizar treinamentos e/ou oficinas para
conscientizar os motoristas das máquinas pesadas ou caminhões sobre a dinâmica social e
cultural de cada localidade.
2) Localização das subestações (SE) e canteiros de obra do empreendimento
No tocante aos canteiros de obras e subestações previstos no EIA, que serão instalados nos
municípios de Itutinga, Rezende Costa (canteiro principal), Jeceaba, Congonhas (canteiro de
apoio), Ouro Preto (nos distritos de Santo Antônio do Leite e Santo Antônio do Salto) e Mariana,
Propõe‐se que o empreendedor realize as seguintes ações:
Priorizar a mão de obra local.
Eleger os trajetos e os acessos que menos interfiram na conformidade atual das localidades e
suas paisagens, a partir de mecanismos participativos (reuniões, assembleias etc).
3) Localidades ou zonas especiais por apresentar características simbólicas16 e paisagísticas.
Nesta situação consideraram‐se as localidades de Chapada, em Ouro Preto, assim como os
distritos rurais de Restinga, em Ritápolis, e Alto Maranhão, em Congonhas.
Por se tratar de lugares com forte apelo simbólico e festivo para os integrantes das
comunidades, sugere‐se que essas localidades tenham referência especial no âmbito das
propostas apresentadas no Plano de Monitoramento.
9. REFERÊNCIAS
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consuetudinário de praticar a medicina tradicional. Turmalina, 2014. Disponível em:
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relações, os sentidos e valores de uma tradição centenária. Catalão: Universidade Federal de Goiás –
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BRONZ, D. Empreendimentos e empreendedores: formas de gestão, classificação e conflitos a partir do
licenciamento ambiental, Brasil, século XXI. 2011. Tese (Doutorado) – UFRJ, Rio de Janeiro, 2011.
16
Incluem‐se aqui lugares que denotam crenças religiosas dos grupos.
407
CARVALHO, M. O negro na formação religiosa de Nazareno. 2010. Monografia (Conclusão de Curso
Pós–Graduação Latu Senso em Cultura Religiosa) – Faculdade de Educação São Luís, Jabotical, 2010.
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MISC/2003/CLT/CH/14. Paris, 17 out. 2003. Disponível em:
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Disponível em: http://ojs.letras.up.pt/index.php/Sociologia/article/view/2365/2165 Acesso em:
dez. 2017
.
411
ANEXO I
ROTEIROS DE ENTREVISTAS
SEMIESTRUTURADAS
RODA DE CAPOEIRA E OFÍCIO DE MESTRES DE CAPOEIRA
Nome completo:
Idade:
Estado civil:
Profissão:
1 – Gostaria que você falasse um pouco de sua trajetória com a capoeira.
2 – Você é filiado a que grupo?
3 – Com quem aprendeu a arte da capoeiragem?
4 – Desde quando ministra aulas de capoeira?
5– Por quais estágios (graduações) os alunos passam até atingir o grau de mestre?
6 – O nome da Roda de Capoeira?
7 – O local onde acontecem os treinos é próprio ou alugado, emprestado?
8 – Qual a sua graduação? Desde quando ministra aulas de capoeira?
9 – Quais são os procedimentos iniciais utilizados pelo mestre com os alunos iniciantes?
10 – Realiza ou realizou algum trabalho voluntário?
11 – Qual o público que frequenta as aulas de capoeira?
12 – Além das aulas de capoeira, outras atividades são ministradas, como oficinas para confecção de
instrumentos etc?
13 – Como são adquiridos os instrumentos e acessórios utilizados na Roda de Capoeira?
14 – Quais são os tipos de ensinamentos transmitidos durante as rodas de capoeira?
15 – Além dos conhecimentos inerentes à arte da capoeiragem, que outros conhecimentos são passados
aos alunos?
16 – Você percebe alguma mudança nas atitudes dos alunos antes e depois que passam a frequentar as
aulas?
17 – Como a capoeira é vista pela comunidade?
18 – Você sobrevive unicamente do ofício de capoeira?
19 – O que mudou na capoeira desde quando recebeu o título de Patrimônio Cultural Brasileiro? Quais
foram os ganhos?
20 – Quais as principais dificuldade que você enfrenta no dia para dar continuidade ao ofício de
capoeira?
21 – Como é a atuação do Poder Público local em relação à capoeira?
22 – De que maneira, na sua opinião, o empreendimento impactará no Ofício de Mestres de Capoeira e
na Roda de Capoeira?
I‐1
TOQUE DOS SINOS E OFÍCIO DE SINEIRO
Nome completo:
Idade:
Estado civil:
Local de residência:
Profissão:
Religião (ões):
1 – Gostaria que você falasse um pouco de sua trajetória de sineiro.
2 – Quando começou a se interessar por aprender a tocar sinos? Com que idade?
3 – Como e através de quem você se aproximou dos sinos?
4 – Quanto tempo levou para aprender a tocar sinos?
5 – Em quais momentos você toca o sino?
6 – Quais os toques e em que ocasião se tocam os sinos?
7 – Em que ocasião se tocam os sinos?
8 – Desde quando toca sino nessa igreja?
9 – O que é preciso para aprender a tocar sinos?
10 – Ensina o ofício a outras pessoas?
11 – No local há outros sineiros ou só você toca o sino? Com faz quando você precisa se ausentar?
Quem o substitui?
12 – Para você, qual a importância de manter a tradição do Toque dos Sinos?
13 – Você é remunerado para tocar o sino da igreja?
14 – Qual o estado de conservação dos sinos da igreja?
15 – Como você o reconhecimento do Toque de Sinos pelo IPHAN?
16 – Que tipo de impacto essa obra pode fazer para Ofício de Sineiro?
I‐2
CONGADAS DE MINAS
Nome completo:
Idade:
Estado civil:
Local de residência:
Profissão:
Religião(ões):
1 – Gostaria que você falasse um pouco das lembranças de sua fase de criança e juventude com as
festas de congada.
2 – Quando começou a se interessar pelo congado? Com que idade?
3 – Antes de ter seu congado, dançou em outro grupo?
4 – Como e através de quem você se aproximou da congada? Quantos anos você tinha nessa época?
5 – Você tem ou teve algum parente que era congadeiro? Quem?
6 – Qual o nome do seu grupo e por que tem esse nome?
7 – Desde quando o grupo está sob seu comando?
8 – O grupo é registrado, tem estatuto? Possui sede própria?
9 – Tem outras pessoas da família (esposa, filhos e filhas, netos) que participam do grupo?
10 – Além do senhor, há um segundo capitão? E qual a função de cada um no grupo?
11 – O grupo é formado por mulheres e homens, ou somente por homens?
12 – Quais são os instrumentos utilizados no grupo? E a farda como é?
13 – Onde os instrumentos e ornamentos ficam guardados?
14 – O grupo recebe algum tipo de ajuda para a manutençção de instrumentos e compra de uniforme?
16 – Há algum instrumento que o próprio grupo confecciona? Em caso positivo, qual(is) e de onde
retira?
17 – Quando é que o grupo realiza sua festa na comunidade?
18 – Fale um pouco sobre a festa. Quais as principais atividades? Quais são os santos homenageados? O
grupo recebe ajuda financeira do Poder Público para isso?
19 – No dia da festa, outros grupos de congado visitam a comunidade? Em caso positivo, de onde eles
vêm?
20 – Quais são os trajetos que o grupo costuma fazer durante o cortejo da procissão?
21 – O grupo participa de alguma festa que acontece em outras comunidades e municípios vizinhos?
20 – De onde vêm os recursos para custear as viagens do grupo?
22 – Ensinou ou ensina os ensinamentos do congado para outras pessoas? Se sim, quem é (são)?
23 – Quais as dificuldades enfrentadas para fazer dar continuidade ao grupo de Congado?
24 – Quais são os impactos (positivos ou negativos) que a obra poderá trazer para o grupo?
I‐3
OFÍCIO DE QUITANDEIRAS
Nome completo:
Idade:
Estado civil:
Se tem filhos, quantos:
Local de residência:
Profissão:
Etapas que antecedem a entrevistas com os detentores (as):
A) Apresentação sobre o pesquisador – Sobre a importância dos bens culturais imateriais – O que é o
IPHAN – O que é a política de Registro – Sobre o empreendimento – Os motivos da pesquisa – A
importância do RAIPI.
B) Pedido de solicitação do uso de fala e imagem:
Pesquisador: Gostaria de, antes de começar a entrevista, solicitar sua AUTORIZAÇÃO para que a
conversa possa ser gravada e as imagens que serão feitas possam ser usadas na elaboração do relatório.
Entrevistado: Tipo de Autorização em áudio (conforme consta nas conversas gravadas).
C) Entrevista
1 – Gostaria que você falasse um pouco das lembranças de sua fase de criança e juventude com sua
família.
2 – Qual é sua relação com as quitandas?
3 – Como e através de quem você se aproximou das quitandas? Quantos anos você tinha nessa época?
4 – Você tem ou teve algum/ma parente que é ou era quitandeira/o? E quando você aprendeu?
5 – Fale um pouco de suas lembranças que remetem a momentos de vivências com outras mulheres
quitandeiras.
6 – Quando foi que você se interessou pelo ofício de quitandeira? Por quê?
7 – Quais são as características que a pessoa deve ter para aprender o ofício de quitandeira?
8 – Desde quando faz quitandas, seja para o consumo da família, seja para vender?
9 – Quais os instrumentos e utensílios usados na feitura de quitandas?
10 – De onde vem a matéria–prima usada nas quitandas? Alguma coisa ainda é produzida na “roça”, ou
compra tudo no mercado da cidade?
10 – Quais são os tipos de quitandas que você costuma fazer?
11 – Você costuma ter ajuda de outras pessoas, ou trabalha sozinha?
12 – Fale um pouco como as pessoas da comunidade souberam que você era quitandeira. E como
realiza suas vendas: através de venda direta na feira ou através de encomendas?
12 – Desde o momento que aprendeu o modo de fazer das quitandas sofreu alguma transformação? Se
sim, em que sentido?
13 – Ensinou ou ensina o ofício de quitandeira para outras pessoas? Se sim, quem é (são)?
14 – Quais as dificuldades enfrentadas para fazer quitandas?
16 – Quais são os impactos (positivos ou negativos) que a obra trará para seu ofício de quitandeira?
I‐4
OFÍCIO DE RAIZEIROS E RAIZEIRAS DO CERRADO
Nome completo:
Idade:
Estado civil:
Se tem filhos, quantos:
Natural de onde:
Local de residência:
Profissão:
Religião:
Etapas que antecedem as entrevistas com os detentores (as):
A) Apresentação sobre o pesquisador – Sobre a importância dos bens culturais imateriais – O que é o
IPHAN – O que é a política de Registro – Sobre o empreendimento – Os motivos da pesquisa – A
importância do RAIPI.
B) Pedido de solicitação do uso de fala e imagem:
Pesquisador: Gostaria de, antes de começar a entrevista, solicitar sua AUTORIZAÇÃO para que a
conversa possa ser gravada e as imagens que serão feitas possam ser usadas na elaboração do relatório.
Entrevistado: Tipo de Autorização em áudio (conforme consta nas conversas gravadas).
C) Entrevista
1 – Gostaria que você falasse um pouco das lembranças de sua fase de criança e juventude com sua
família.
3 – Como e através de quem você se aproximou do Ofício de Raizeiro? Quantos anos você tinha nessa
época?
4 – Com quem aprendeu o ofício? Era parente seu? Onde morava na época?
5 – Fale um pouco de suas lembranças que remetem a momentos de vivências com outras raizeiras/os.
6 – Costumava acompanhar seus familiares ou vizinhos pelas matas na coleta de folhas, raízes e ervas
para realizar os preparos?
7 – O que é preciso ter para aprender o Ofício de Raizeiro/a?
8 – Quando foi que se tornou raizeiro/a?
9 – O Ofício de Raizeiro envolve outros saberes como a benzeção, por exemplo?
10 – Que tipos de remédios caseiros você costuma preparar e para quais tipos de doenças eles servem?
11 – Onde costuma coletar as raízes, folhas e frutos para fins medicinais? Mantém algum pomar onde
cultiva plantas medicinais?
12 – Costuma vender seus preparos, ou distribui gratuitamente quando alguém os solicita?
13 – Para quais doenças costuma usar os remédios que prepara?
15 – Já repassou seus conhecimentos para outras pessoas da família e/ou comunidade?
12 – Fale um pouco como as pessoas da comunidade souberam que você era raizeiro/a.
12 – Desde o momento que aprendeu o ofício, tem percebido alguma mudança, seja pela escassez de
alguma planta medicina, seja baixa pela procura de seus serviços?
13 – Ensinou ou ensina o ofício de para outras pessoas? Se sim, quem é (são)?
14 – Fale sobre as dificuldades enfrentadas para dar continuidade ao Ofício de Raizeiro?
16 – Quais são os impactos (positivos ou negativos) que a obra trará para seu ofício?
I‐5
ANEXO II
DECLARAÇÕES DE CONFORMIDADE DO
EMPREENDIMENTO
PREFEITURA MUNICIPAL DE ITUTINGA
II‐1
PREFEITURA MUNICIPAL DE NAZARENO
II‐2
PREFEITURA MUNICIPAL DE CONCEIÇÃO DA BARRA DE MINAS
II‐3
PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO JOÃO DEL REI
II‐4
PREFEITURA MUNICIPAL DE RITÁPOLIS
II‐5
PREFEITURA MUNICIPAL DE RESENDE COSTA
II‐6
PREFEITURA MUNICIPAL DE ENTRE RIOS DE MINAS
II‐7
PREFEITURA MUNICIPAL DE JECEABA
II‐8
PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO BRÁS DO SUAÇUI
II‐9
PREFEITURA MUNICIPAL DE CONGONHAS
II‐10
PREFEITURA MUNICIPAL DE MARIANA
II‐11
ANEXO III
COMPROVAÇÃO DE EXPERIÊNCIA DA
EQUIPE TÉCNICA