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LINHA DE TRANSMISSÃO 345 kV

ITUTINGA – BARRO BRANCO


Processo IPHAN nº 01450.010571/2016-92

RELATÓRIO DE
AVALIAÇÃO DE IMPACTO
PATRIMÔNIO IMATERIAL
JUNHO DE 2018
 

RELATÓRIO DE AVALIAÇÃO DE IMPACTO  
AO PATRIMÔNIO IMATERIAL  
LINHA DE TRANSMISSÃO 345 kV ITUTINGA – BARRO BRANCO 
 

JUNHO DE 2018 
 

 
Elaborado para: 
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN 
Brasília – DF 
 
 
Elaborado por: 
Biodinâmica Rio Engenharia Consultiva Ltda. 
Rio de Janeiro – RJ
SUMÁRIO  
 

1.  APRESENTAÇÃO ........................................................................................... 1 
2.  CARACTERIZAÇÃO DO EMPREENDIMENTO ................................................... 3 
3.  LEGISLAÇÃO SOBRE O PATRIMÔNIO CULTURAL ............................................ 7 
3.1  ITUTINGA ................................................................................................................. 7 
3.2  NAZARENO ............................................................................................................... 7 
3.3  CONCEIÇÃO DA BARRA DE MINAS ............................................................................ 8 
3.4  SÃO JOSÉ DEL REI ..................................................................................................... 8 
3.5  RITÁPOLIS ................................................................................................................ 8 
3.6  RESENDE COSTA ....................................................................................................... 8 
3.7  ENTRE RIOS DE MINAS ............................................................................................. 8 
3.8  SÃO BRÁS DO SUAÇUÍ .............................................................................................. 9 
3.9  JECEABA ................................................................................................................... 9 
3.10  CONGONHAS ............................................................................................................ 9 
3.11  OURO PRETO ............................................................................................................ 9 
3.12  MARIANA ............................................................................................................... 12 
4.  PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .......................................................... 12 
4.1  ESTRADA REAL ....................................................................................................... 13 
4.2  RODA DE CAPOEIRA E OFÍCIO DE MESTRES DE CAPOEIRA ...................................... 15 
4.3  TOQUE DE SINOS E OFÍCIO DE SINEIRO ................................................................... 19 
4.4  JONGO DO SUDESTE ............................................................................................... 20 
4.5  CONGADAS DE MINAS ............................................................................................ 20 
4.6  OFÍCIO DE QUITANDEIRAS ...................................................................................... 24 
4.7  OFÍCIO DE RAIZEIRAS E RAIZEIROS DO CERRADO .................................................... 25 
4.8  COMUNIDADES REMANESCENTES DE QUILOMBOS ................................................ 27 
4.8.1  CRQ CURRALINHO DOS PAULAS .......................................................................... 29 
4.8.2  CRQ PALMITAL ............................................................................................... 29 
4.8.3  CRQ JAGUARA ................................................................................................ 29 
4.9  ÁREAS DE ESTUDO ................................................................................................. 29 
4.9.1  LT 345 KV ITUTINGA – JECEABA .......................................................................... 32 
4.9.1.1  Km 0 ao Km 0,9 (V–03) – Municípios de Itutinga e Nazareno ......... 32 

4.9.1.2  Km 0,9 (V–03) ao Km 10,6 – Município de Nazareno ...................... 32 
4.9.1.3  Km 10,6 ao Km 32,4 – Municípios de Conceição da Barra de 
   Minas e São João Del Rei ............................................................... 33 
4.9.1.4  Km 32,4 ao Km 97,4 – Municípios de Ritápolis, Resende Costa 
   e Entre Rios de Minas ................................................................... 33 
4.9.1.5  Km 97,4 ao Km 106,5 – Municípios de São Brás 
   do Suaçuí e Jeceaba ...................................................................... 34 
4.9.2  LT 345 KV JECEABA – ITABIRITO II ....................................................................... 35 
4.9.2.1  Km 0 ao Km 7,8 – Municípios de Jeceaba e São Brás do Suaçuí ...... 35 
4.9.2.2  Km 7,8 ao Km 29,0 – Município de Congonhas ............................... 35 
4.9.2.3  Km 29,0 ao Km 44,1 – Município de Ouro Preto ............................. 36 
4.9.3  LT 345 KV JECEABA – ITABIRITO II ....................................................................... 36 
4.9.3.1  Km 0 ao Km 35,0 – Município de Ouro Preto .................................. 36 
4.9.3.2  Km 35,1 ao final da LT (Km 59,9) – Município de Ouro Preto e 
 Mariana ........................................................................................ 37 
4.10  METODOLOGIA DE ELABORAÇÃO DO RAIPI ............................................................ 37 
4.11  EQUIPE TÉCNICA ..................................................................................................... 41 
5.  CARACTERIZAÇÃO SOCIOCULTURAL, HISTÓRICA E TERRITORIAL ................. 43 
5.1  ITUTINGA ............................................................................................................... 46 
5.2  NAZARENO ............................................................................................................. 49 
5.3  CONCEIÇÃO DA BARRA DE MINAS .......................................................................... 52 
5.4  SÃO JOÃO DEL REI .................................................................................................. 54 
5.5  RITÁPOLIS .............................................................................................................. 57 
5.6  RESENDE COSTA ..................................................................................................... 59 
5.7  ENTRE RIOS DE MINAS ........................................................................................... 62 
5.8  SÃO BRÁS DO SUAÇUÍ ............................................................................................ 64 
5.9  JECEABA ................................................................................................................. 67 
5.10  CONGONHAS .......................................................................................................... 68 
5.11  OURO PRETO .......................................................................................................... 71 
5.12  MARIANA ............................................................................................................... 74 
6.  DESCRIÇÃO HISTÓRICO‐CULTURAL DOS BENS DE NATUREZA IMATERIAL ... 75 

ii 
6.1  ITUTINGA ............................................................................................................... 76 
6.1.1  CONGADAS DE MINAS ....................................................................................... 77 
6.1.1.1  Terno do Geraldo Delfino (Congada Nossa Senhora do Rosário) .... 78 
6.1.1.2  Terno do Vicente Ribeiro (Congada Nossa Senhora do Rosário  
  e São Benedito) ............................................................................. 80 
6.1.2  OFÍCIO DE QUITANDEIRAS .................................................................................. 85 
6.1.3  MAPA DOS BENS CULTURAIS DE ITUTINGA  ............................................................. 93 
6.2  NAZARENO ............................................................................................................. 95 
6.2.1  CAPOEIRA E OFÍCIO DE MESTRES DE CAPOEIRA – GRUPO DE CAPOEIRA BIRIBA DE OURO .. 96 
6.2.2  CONGADAS DE MINAS – CATUPÉ NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO ............................... 101 
6.2.3  OFÍCIO DE QUINTANDEIRAS .............................................................................. 105 
6.2.4  OFÍCIO DE RAIZEIRO E RAIZEIRA EM NAZARENO – QUILOMBO PALMITAL ..................... 119 
6.2.5  MAPA DOS BENS CULTURAIS DE NAZARENO ......................................................... 123 
6.3  CONCEIÇÃO DA BARRA DE MINAS ........................................................................ 125 
6.3.1  CONGADAS DE MINAS – CONGADO NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO ............................ 128 
6.3.2  OFÍCIO DE QUINTANDEIRAS .............................................................................. 134 
6.3.3  MAPA DOS BENS CULTURAIS DE CONCEIÇÃO DA BARRA DE MINAS ............................ 147 
6.4  SÃO JOÃO DEL REI ................................................................................................ 149 
6.4.1  CAPOEIRA E OFÍCIO DE MESTRES DE CAPOEIRA ...................................................... 151 
6.4.1.1  Grupo de Capoeira Artes das Gerais ............................................ 151 
6.4.2  TOQUE DOS SINOS E OFÍCIO DE SINEIRO .............................................................. 155 
6.4.3  CONGADAS DE MINAS ..................................................................................... 163 
6.4.3.1  Congado Catupé São Benedito e São Sebastião ........................... 163 
6.4.3.2  Congada Nossa Senhora do Rosário – Distrito de  
  Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno ................................. 168 
6.4.3.3  Moçambique Santa Efigênia do Bairro São Geraldo ..................... 175 
6.4.4  OFÍCIO DE QUINTANDEIRAS .............................................................................. 179 
6.4.5  MAPA DOS BENS CULTURAIS DE SÃO JOÃO DEL REI  ............................................... 189 
6.5  RITÁPOLIS ............................................................................................................ 181 
6.5.1  CONGADAS DE MINAS – CONGADA NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO 
   DA COMUNIDADE RESTINGA ............................................................................ 181 

iii 
6.5.2  OFÍCIO DE QUINTANDEIRAS .............................................................................. 188 
6.5.3  MAPA DOS BENS CULTURAIS DE RITÁPOLIS  .......................................................... 199 
6.6  RESENDE COSTA ................................................................................................... 201 
6.6.1  CONGADAS DE MINAS – CONGADA NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO  
  E SÃO COSME E DAMIÃO ................................................................................. 201 

6.6.2  OFÍCIO DE QUINTANDEIRAS .............................................................................. 207 
6.6.3  MAPA DOS BENS CULTURAIS DE RESENDE COSTA .................................................. 217 
6.7  ENTRE RIOS DE MINAS ......................................................................................... 219 
6.7.1  CAPOEIRA E OFÍCIO DE MESTRES DE CAPOEIRA – GRUPO DE CAPOEIRA ORIGENS .......... 219 
6.7.2  OFÍCIO DE QUINTANDEIRAS .............................................................................. 223 
6.7.3  MAPA DOS BENS CULTURAIS DE ENTRE RIOS DE MINAS .......................................... 235 
6.8  SÃO BRÁS DO SUAÇUÍ .......................................................................................... 237 
6.8.1  CONGADAS DE MINAS – BLOCO DE MARUJOS NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO ............. 237 
6.8.2  OFÍCIO DE QUINTANDEIRAS .............................................................................. 243 
6.8.3  MAPA DOS BENS CULTURAIS DE SÃO BRÁS DE SUAÇUÍ ............................................ 255 
6.9  JECEABA ............................................................................................................... 257 
6.9.1  CAPOEIRA E OFÍCIO DE MESTRES DE CAPOEIRA – GRUPO DE CAPOEIRA 
   CENTRO CULTURAL AXÉ MINEIRO CAPOEIRA........................................................ 257 

6.9.2  OFÍCIO DE QUITANDEIRAS ................................................................................ 260 
6.9.3  MAPA DOS BENS CULTURAIS DE JECEABA ............................................................. 273 
6.10  CONGONHAS ........................................................................................................ 275 
6.10.1  CAPOEIRA E OFÍCIO DE MESTRES DE CAPOEIRA .................................................... 275 
6.10.1.1 Associação de Capoeira União da Praia Grande ........................... 275 
6.10.1.2 Grupo Cativeiro Capoeira – Filial Congonhas ............................... 280 
6.10.2  TOQUE DOS SINOS E OFÍCIO DE SINEIRO .............................................................. 283 
6.10.3  CONGADAS DE MINAS ..................................................................................... 287 
6.10.3.1 Dança de Langra Nossa Senhora do Rosário –  
  Distrito de Alto Maranhão ........................................................... 287 
6.10.3.2 Congado Marujos Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia ..... 293 
6.10.4  OFÍCIO DE QUINTANDEIRAS .............................................................................. 295 
6.10.5  MAPA DOS BENS CULTURAIS DE CONGONHAS ....................................................... 309 

iv 
6.11  OURO PRETO ........................................................................................................ 311 
6.11.1  CAPOEIRA E OFÍCIO DE MESTRES DE CAPOEIRA ...................................................... 312 
6.11.1.1 Grupo Ouro Preto Capoeira Angola ............................................. 312 
6.11.1.2 Associação Desportiva e Cultural Cativeiro Capoeira ................... 314 
6.11.1.3 Grupo Terra Preta Capoeira ......................................................... 319 
6.11.2  TOQUE DOS SINOS E OFÍCIO DE SINEIRO .............................................................. 321 
6.11.3  CONGADA DE MINAS ...................................................................................... 325 
6.11.3.1 Guarda de Congado de Nossa Senhora do Rosário 
   e Santa Efigênia .......................................................................... 331 
6.11.3.2 Guarda de Congo Manto Azul de Nossa Senhora 
   Aparecida em Ouro Preto ........................................................... 333 
6.11.3.3 Guarda de Moçambique de Nossa Senhora do  
  Rosário e Santa Efigênia .............................................................. 335 
6.11.4  OFÍCIO DE QUINTANDEIRAS .............................................................................. 339 
6.11.5  MAPA DOS BENS CULTURAIS DE OURO PRETO ...................................................... 349 
6.12  MARIANA ............................................................................................................. 351 
6.12.1  CAPOEIRA E OFÍCIO DE MESTRES DE CAPOEIRA ...................................................... 351 
6.12.1.1 Grupo Capoeirart ......................................................................... 351 
6.12.1.2 Grupo Oxalufã Capoeira Angola ................................................... 355 
6.12.2  TOQUE DOS SINOS E OFÍCIO DE SINEIRO .............................................................. 360 
6.12.3  CONGADAS DE MINAS ..................................................................................... 366 
6.12.3.1 Congado Nossa Senhora do Rosário ............................................. 366 
6.12.3.2 Congado de Nossa Senhora do Rosário e  
  Nossa Senhora Aparecida ............................................................ 372 
6.12.3.3 Guarda De Congo Nossa Senhora Do Rosário  
  E São Sebastião ............................................................................ 376 
6.12.4  OFÍCIO DE QUINTANDEIRAS .............................................................................. 382 
6.12.5  MAPA DOS BENS CULTURAIS DE MARIANA .......................................................... 399 
7.  IDENTIFICAÇÃO E AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AO  
  PATRIMÔNIO IMATERIAL .......................................................................... 401 
7.1  FASE DE INSTALAÇÃO DO EMPREENDIMENTO ..................................................... 403 


7.1.1  CONTRATAÇÃO DE MÃO DE OBRA LOCAL ............................................................. 403 
7.1.2  INSTALAÇÃO DOS CANTEIROS DE OBRAS E COMISSIONAMENTO .................................. 403 
7.1.3  LIBERAÇÃO DA FAIXA DE SERVIDÃO E ACESSOS ....................................................... 404 
7.2  FASE DE OPERAÇÃO ............................................................................................. 404 
7.2.1  OPERAÇÃO DA TRANSMISSÃO DE ENERGIA PELA LT ................................................. 404 
8.  PLANO DE MONITORAMENTO ................................................................... 405 
9.  REFERÊNCIAS ............................................................................................. 407 
 
ANEXOS 
I – ROTEIROS DE ENTREVISTAS SEMIESTRUTURADAS   
 RODA DE CAPOEIRA E OFÍCIO DE MESTRES DE CAPOEIRA 
 TOQUE DOS SINOS E OFÍCIO DE SINEIRO 
 CONGADAS DE MINAS 
 OFICIO DE QUITANDEIRAS 
 OFÍCIO DE RAIZEIROS E RAIZEIRAS DO CERRADO 
II – DECLARAÇÕES DE CONFORMIDADE DO EMPREENDIMENTO 
 PREFEITURA MUNICIPAL DE ITUTINGA 
 PREFEITURA MUNICIPAL DE NAZARENO 
 PREFEITURA MUNICIPAL DE CONCEIÇÃO DA BARRA DE MINAS 
 PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO JOÃO DEL REI 
 PREFEITURA MUNICIPAL DE RITÁPOLIS 
 PREFEITURA MUNICIPAL DE RESENDE COSTA 
 PREFEITURA MUNICIPAL DE ENTRE RIOS DE MINAS 
 PREFEITURA MUNICIPAL DE JECEABA 
 PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO BRÁS DO SUAÇUI 
 PREFEITURA MUNICIPAL DE CONGONHAS 
 PREFEITURA MUNICIPAL DE MARIANA 
III – COMPROVAÇÃO DE EXPERIÊNCIA DA EQUIPE TÉCNICA 
 
 

vi 
1. APRESENTAÇÃO 
O  empreendimento  alvo  deste  Relatório  de  Avaliação  de  Impacto  ao  Patrimônio  Imaterial  (RAIPI)  é  a 
Linha de Transmissão (LT) 345 kV Itutinga – Barro Branco, cujo traçado tem, aproximadamente, 211 km 
de extensão, interceptando os seguintes municípios mineiros: Itutinga, Nazareno, Conceição da Barra de 
Minas,  São  João  Del  Rei,  Ritápolis,  Resende  Costa,  Entre  Rios  de  Minas,  São  Brás  do  Suaçuí,  Jeceaba, 
Congonhas,  Ouro  Preto  e  Mariana,  interligando  as  Subestações  (SEs)  Itutinga,  Jeceaba,  Itabirito  2  e 
Barro Branco, todas já existentes. 

A implantação dessa LT advém da necessidade de suprir adequadamente, em especial, as demandas de 
energia  elétrica  da  Região  da  Mantiqueira,  em  Minas  Gerais,  que,  atualmente,  são  atendidas  pelas 
instalações existentes que, no entanto, vêm se mostrando insuficientes. 

De  forma  geral,  a  principal  justificativa  do  empreendimento  é  a  necessidade  de  ampliação  e 
fortalecimento do Sistema Interligado Nacional (SIN) nessa região do Estado de Minas Gerais, tendo em 
vista  fornecer  energia  firme  ao  mercado  consumidor.  A  manutenção  e  a  ampliação  das  atividades 
econômicas tradicionais na região, centradas na mineração e na siderurgia, requerem elevadas cargas, a 
serem providas pelo SIN. 

Nesse sentido, o Consórcio TLC, constituído pela Cymi Holding S.A., Lintran do Brasil Participações S.A. e 
Brookfield Brasil Ltda., arrematou, no Leilão 005/2015, realizado em 18/11/2015, pela Agência Nacional 
de Energia Elétrica (ANEEL), o Lote A, do qual essa LT faz parte. Posteriormente, o Consórcio vencedor 
constituiu  a  Sociedade  de  Propósito  Específico  (SPE)  Mantiqueira  Transmissora  de  Energia  S.A.  para 
projetar, licenciar, implantar, operar e manter o empreendimento. Em 3 de junho de 2016, foi assinado 
o Contrato de Concessão entre a ANEEL e a Mantiqueira. 

A  seguir,  são  identificados  o  empreendedor  e  a  empresa  de  consultoria  responsável  pelo  processo  de 
licenciamento ambiental contíguo aos órgãos competentes e instituição executora deste documento. 

Empreendedor 

Razão Social: Mantiqueira Transmissora de Energia S.A. 

CNPJ: 24.176.892/0001–44 

Endereço: Avenida Presidente Wilson, 231 – Sala 1.701 

CEP: 20.030‐021 – Centro – Rio de Janeiro/RJ 

Telefone: (21) 2101–9900 

E‐mail: contato@cymimasa.com 

Representante Legal: Marcelo Vargas Rêdes 

E‐mail: mvargas@cymimasa.com 

Pessoa de Contato: Isabela Antunes Mendes Monteiro 


Telefone: (21) 2101–9919 

E‐mail: iantunesm@cymimasa.com 

Consultoria Responsável 

Razão Social: Biodinâmica Rio Engenharia Consultiva Ltda. 

CNPJ: 07.864.232/0001–37 

Endereço: Rua México, 3, 3º andar 

CEP: 20.031‐144 – Centro – Rio de Janeiro/RJ 

Telefone: (21) 2524–5699 

E‐mail: central@biodinamica.bio.br 

Representante Legal: Edson Nomiyama 

E–mail: edson@biodinamica.bio.br 

Pessoa de Contato: Marcos Guabiroba 

Telefone: (21) 2524–5699 – ramal 215 

E‐mail: marcos@biodinamica.bio.br 

Destaca–se que o projeto da LT 345 kV Itutinga – Barro Branco tem processo administrativo no órgão 
federal de meio ambiente, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis 
(IBAMA),  sob  o  nº  2001.001298/2016–66,  através  do  Núcleo  de  Licenciamento  Ambiental  (NLA)  da 
Superintendência  desse  órgão  em  Belo  Horizonte  (MG),  estando  em  fase  de  requerimento  a  Licença 
Prévia (LP) do empreendimento. 

Em função de deliberação do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), órgão vinculado ao 
Ministério das Minas e Energia (MME), que, em sua 160ª Reunião, de 08/10/2015, com base na Nota 
Técnica do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) 0146/2015, de outubro de 2015, decidiu que a 
competência para o licenciamento ambiental desse e dos demais empreendimentos do Lote A do Leilão 
005/2015,  seria  da  União,  pois  podem  comprometer  a  continuidade  e  a  segurança  do  suprimento 
eletroenergético  do  Sistema  Interligado  Nacional  (SIN),  conforme  §  3º  do  art.  3º  do  Decreto  Federal 
8.437, de 22/04/2015. 

O  Instituto  do  Patrimônio  Histórico  e  Artístico  Nacional  (IPHAN),  por  meio  do  Ofício  nº 
106/2016/CNL/PRESI/IPHAN,  de  14  de  junho  de  2016,  emitiu  o  Termo  de  Referência  Específico  (TRE) 
para  o  empreendimento,  através  do  processo  01450.010571/2016–92,  que  solicitou  a  apresentação 
deste RAIPI. 


De acordo com esse TRE, este RAIPI deve abordar uma caracterização sociocultural, histórica e territorial 
dos bens culturais registrados e em processo de registro como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil, 
com  evidência  e  em  relação  aos  municípios  interceptados  pelo  traçado  da  LT  345  kV  Itutinga  –  Barro 
Branco. 

Conforme LEAL et al. (2016), incluem–se, entre os aspectos a serem considerados como relevantes nos 
estudos  de  avaliação  de  impacto,  as  relações  entre  homens  e  mulheres  e  os  recursos  ambientais:  as 
atividades  simbólicas  e  também  as  econômicas;  os  lugares,  a  ocupação  e  uso  da  terra;  as  formas  de 
socialização,  as  manifestações  culturais,  os  modos  de  vida.  No  âmbito  dos  estudos  deste  RAIPI, 
evidencia–se  a  necessidade  de  contemplar  a  relação  entre  meio  ambiente  e  cultura,  didaticamente 
abordada  pelo  antropólogo  Roque  de  Barros  LARAIA  (1996)  na  obra  “Cultura:  um  conceito 
antropológico”. 

2. CARACTERIZAÇÃO DO EMPREENDIMENTO 
O  empreendimento  alvo  deste  RAIPI  é  a  LT  345  kV  Itutinga  –  Barro  Branco,  com  traçado  que,  em  12 
municípios mineiros, interceptará 6 LTs já existentes, rodovias e ferrovias e dutos; ademais, interligará 
as SEs Itutinga, Jeceaba, Itabirito 2 e Barro Branco, todas já existentes também. A Figura 2.1 apresenta 
os municípios interceptados e o traçado da LT; no Quadro 2.1, pode–se observar a extensão da LT em 
cada município.  

Figura 2.1 – Municípios interceptados pelo traçado da LT 345 kV Itutinga – Barro Branco em Minas 
Gerais. 


Quadro 2.1– Extensão da LT 345 kV Itutinga – Barro Branco em cada município interceptado 

 
Fonte: MANTIQUEIRA/BIODINÂMICA, 2017. 

Estão previstas 420 torres para a extensão total da LT 345 kV Itutinga – Barro Branco. A distância média 
entre elas será de 500 m e altura média das estruturas, de aproximadamente 40 m. As torres em estudo, 
cujas especificações e silhuetas estão apresentadas na Figura 2.2, consideram uma faixa de servidão de 
48 m. 

Estima–se que as torres autoportantes demandarão, em média, uma área bruta de 35 m X 35 m (1.225 
m²) para a instalação, incluindo uma faixa de 5 m no entorno da estrutura, para fins de manobras dos 
veículos das obras. 

As torres estaiadas, por sua vez, demandarão, para a sua montagem, a abertura de uma área no centro 
do  alinhamento,  a  fim  de  possibilitar  o  recebimento/armazenamento  dos  materiais  constituintes  da 
estrutura  e  a  movimentação  de  um  veículo  com  um  guindaste  acoplado  para  o  içamento  da  haste 
principal.  Embora  os  estais  venham  a  ser  afixados  no  limite  da  faixa,  não  significa  que,  em  áreas 
cobertas  por  vegetação  arbórea  nativa,  toda  a  vegetação  da  praça  da  torre  venha  a  ser  suprimida  de 
forma indiscriminada, estimando–se que, nas condições mencionadas, sejam necessários 1.072 m² para 
a instalação desse tipo de estrutura. 

Ressalta‐se  que,  em  áreas  de  maior  sensibilidade  ambiental,  como  Áreas  de  Preservação  Permanente 
(APPs),  as  torres  estaiadas,  se  comprovadamente  forem  necessárias,  poderão  vir  a  ser  montadas  de 
forma manual, para evitar o uso de guindaste e reduzir a área de supressão de vegetação. 


 
Figura 2.2 – Torres projetadas para a LT 345kV Itutinga – Barro Branco.  Fonte: 
MANTIQUEIRA/BIODINÂMICA, 2017. 

Prevê‐se  que  a  mão  de  obra  a  ser  empregada  na  implementação  das  obras  da  LT  e  das  Subestações 
associadas será de cerca de 1.100 pessoas na época de maior demanda. Desse total, estima‐se que 70% 
serão especializados e 30%, não especializados. 

Os  trabalhadores  especializados,  muitas  vezes,  são  empregados  fixos  das  construtoras,  que  serão 
trazidos  para  as  frentes  de  obras,  independentemente  de  sua  região  de  origem.  Quando  admitidos, 
todos  os  trabalhadores  (inclusive  os  não  especializados)  serão  submetidos  a  treinamento  adequado, 
visando  ao  seu  comprometimento  com  as  questões  pertinentes  a  suas  tarefas  e,  ainda,  à 
conscientização dos cuidados socioambientais, culturais e de saúde/segurança do trabalho nas obras. 

Já sobre o cronograma de atividades de implantação da LT 345 kV Itutinga – Barro Branco e Subestações 
associadas, estão previstos cerca de 20 meses para as atividades de construção e montagem. 

Os  canteiros  deverão  ser  estrategicamente  distribuídos  ao  longo  do  traçado,  com  a  finalidade  de 
minimizar o deslocamento dos efetivos de pessoal e equipamentos nas frentes de trabalho, priorizando 
locais que causem o mínimo de impactos ambientais às comunidades lindeiras. Os canteiros principais e 
de apoio para a implantação, a princípio, serão localizados conforme Quadro 2.2. 
 
 


Quadro 2.2 – Canteiros de Obras para a LT 345 kV Itutinga – Barro Branco 

 
Fonte: MANTIQUEIRA/BIODINÂMICA, 2017. 

Em  obras  de  implantação  de  LTs  e  SEs,  em  geral,  não  há,  a  princípio,  necessidade  de  materiais  de 
empréstimo nem a utilização de áreas de bota–fora, uma vez que os materiais retirados nas escavações 
para a execução das fundações das bases de torres, normalmente, são armazenados em área adjacente 
ao local e oportunamente reutilizados para reaterro na própria área da base, em especial, no entorno 
das fundações. 

Já nos casos em que forem instaladas fundações com tubulões, nos quais o vão escavado é totalmente 
preenchido pelo concreto, o material excedente da escavação poderá ser espalhado homogeneamente 
sobre a área de praça da torre, preservando‐se a vegetação, ou na repavimentação do acesso ao local. 

Logo, considerando essas rotinas de trabalho, o uso de áreas de bota‐fora ou áreas de empréstimo pode 
não  ser  necessário  para  a  implantação  das  torres.  Se  for  o  caso,  algumas  dessas  áreas  já  existentes  e 
licenciadas ao longo dos cerca de 211 km de extensão do empreendimento poderão vir a ser utilizadas. 

Caso haja necessidade de uso de materiais de empréstimo ou áreas de bota‐fora, a preferência será por 
adquirir os materiais minerais com fornecedores licenciados e dispor os resíduos gerados das atividades 
de escavação, caso necessário, em locais já existentes e devidamente licenciados. 

Os  acessos  têm  por  objetivo  viabilizar  a  instalação  do  empreendimento  e,  se  necessário,  poderão  ser 
utilizados  para  as  atividades  de  operação  e  manutenção  da  futura  LT.  Dessa  forma,  as  vias  de  acesso 
existentes na região de implantação do empreendimento serão utilizadas prioritariamente. Somente na 
ausência  delas,  ou  no  caso  de  não  ser  viável  aproveitá‐las  tecnicamente,  aberturas  de  novas  vias  de 
acesso poderão ser planejadas, desde que autorizadas tanto pelo órgão ambiental licenciador (IBAMA) 
quanto pelos proprietários. 

No caso de uso, parcial ou total, de estradas e acessos já existentes, serão providenciadas as melhorias 
necessárias  para  que  possam  ser  utilizadas  durante  a  implantação  e  operação  do  empreendimento. 
Após o término das obras, as estradas deverão ser mantidas conservadas, em estado igual ou superior 
ao observado inicialmente. 
 


3. LEGISLAÇÃO SOBRE O PATRIMÔNIO CULTURAL 
As principais bases legais consultadas para elaboração deste RAIPI foram o Decreto nº 3.551, de 04 de 
agosto  de  2000,  que  institui  o  registro  de  Bens  Culturais  de  Natureza  Imaterial  que  constituem  o 
Patrimônio Cultural Brasileiro, e a Convenção para Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, de 17 
de outubro de 2003 (UNESCO, 2003). 

Da  mesma  forma,  a  Instrução  Normativa  IPHAN  nº  001,  de  25  de  março  de  2015,  estabelece 
procedimentos administrativos a serem observados nos processos de licenciamento ambiental, instados 
a se manifestarem nos processos, em razão da existência de intervenção na AID dos empreendimentos 
em bens culturais acautelados em âmbito federal. 
Destaca–se  que,  do  total  de  12  municípios  mineiros  interceptados  pelo  empreendimento,  11  já 
concederam a conformidade do empreendimento com a legislação e regulamentos administrativos locais, 
sendo eles: Itutinga, Nazareno, Conceição da Barra de Minas, São João Del Rei, Ritápolis, Resende Consta, 
Entre  Rios  de  Minas,  São  Brás  do  Suaçuí,  Jeceaba,  Congonhas  e  Mariana,  conforme  Anexo  II.  Para  o 
município de Ouro Preto, trâmites específicos estão em andamento. 

Contudo, considerando que o empreendimento da LT 345 kV Itutinga – Barro Branco interceptará um 
total de 12 municípios, foi necessária uma síntese das bases legais do campo do Patrimônio Cultural, em 
âmbito municipal, a fim de subsidiar a contextualização de cada município frente ao RAIPI e demonstrar 
à  compatibilidade  do  empreendimento  com  a  legislação  municipal,  no  que  tange  ao  patrimônio 
imaterial. 

3.1 ITUTINGA 
Lei 1.175, de 18 de março de 2009  Cria o Conselho Municipal do Patrimônio Cultural. 

Lei 1.453, de 23 de outubro de 2013  Altera o Conselho Municipal do Patrimônio Cultural. 
Lei  1.523,  de  05  de  novembro  de  2015    Estabelece  normas  de  proteção  do  Patrimônio  Cultural  de 
Itutinga. 

3.2 NAZARENO 
Lei 956, de 12 de abril de 2005  Estabelece a proteção do Patrimônio Cultural de Nazareno (MG), em 
conformidade  com  o  artigo  216  da  Constituição  Federal,  e  cria  o  Conselho  Municipal  do  Patrimônio 
Cultural de Nazareno. 
Decreto 1.211, de 12 de abril de 2005  Cria o Conselho Municipal de Patrimônio Cultural de Nazareno. 

Decreto  1.383,  de  06  de  agosto  de  2007    Dispõe  sobre  o  tombamento  da  Estação  Ferroviária  no 
Povoado Estação de Nazareno e entorno; da Estação Ferroviária no povoado de Coqueiros e entorno; e 
do Leito Ferroviário, do município de Nazareno. 

Lei  1.233,  de  08  de  dezembro  de  2009    Criação  do  Fundo  Municipal  de  Preservação  do  Patrimônio 
Cultural de Nazareno (FUMPAC). 
Decreto  1.522,  de  17  de  dezembro  de  2009    Regulamenta  o  Fundo  Municipal  de  Preservação  do 
Patrimônio Cultural de Nazareno (FUMPAC). 

3.3 CONCEIÇÃO DA BARRA DE MINAS 


Lei de 23 de dezembro de 2003  Estabelece normas de proteção ao Patrimônio Cultural do Município 
de Conceição da Barra de Minas e seu respectivo procedimento. 

3.4 SÃO JOÃO DEL REI 

Lei 3.388, de 16 de julho de 1998  Cria o Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural. 

Lei 3.452, de 08 de junho de 1999  Estabelece normas para o tombamento do Patrimônio Cultural do 
Município de São João Del Rei. 

Lei 3.826, de 03 de março de 2004  Dispõe sobre a criação do Programa “Educação Patrimonial” nas 
escolas do município de São João Del Rei. 

Lei 4.510, de 27 de outubro de 2010  Dispõe sobre a defesa do Patrimônio Histórico, Arquitetônico e 
Ambiental do município de São João Del Rei. 

Lei 5.105, de 19 de dezembro de 2014  Institui o Fundo Municipal de Proteção ao Patrimônio Cultural 
do Município de São João Del Rei (FUMPAC). 

3.5 RITÁPOLIS 

Lei 868, de 06 de abril de 2001  Estabelece a proteção do Patrimônio Cultural de Ritápolis. 

Decreto 920, de 06 de abril de 2001  Cria o Conselho Municipal do Patrimônio Cultural de Ritápolis. 

Lei 1.154, de 15 de dezembro de 2009  Institui o Fundo Municipal de Proteção ao Patrimônio Cultural 
(FUMPAC). 

3.6 RESENDE COSTA 

Lei 2.661, de 15 de abril de 2002  Cria o Conselho Municipal do Patrimônio Cultural do Município de 
Resende Costa (MG). 

Lei  2.662,  de  15  de  abril  de  2002    Estabelece  as  normas  de  proteção  do  Patrimônio  Cultural  do 
Município de Resende Costa. 

Lei 3.524, de 28 de setembro de 2011  Dispõe sobre a proteção do Patrimônio Histórico e Cultural do 
Município  de  Resende  Costa,  cria  o  Fundo  Municipal  de  Patrimônio  e  Cultural.  Alterada  pela  Lei 
3.540/11. 

Lei 3.540, de 20 de dezembro de 2011  Altera a Lei Municipal 3.524/11. 

3.7 ENTRE RIOS DE MINAS 
Lei 1.234, de 1998  Estabelece a proteção do Patrimônio Cultural de Entre Rios de Minas e, atendendo 
ao  disposto  no  artigo  216  da  Constituição  Federal,  autoriza  o  Poder  Executivo  a  instituir  o  Conselho 
Municipal do Patrimônio Cultural de Entre Rios de Minas. 

3.8 SÃO BRÁS DO SUAÇUÍ 


Lei 1.175, de 30 de julho de 2014  Estabelece normas de proteção do Patrimônio Cultural de São Brás 
do Suaçuí. 

3.9 JECEABA 
Lei  980,  de  20  de  março  de  2002    Estabelece  as  normas  de  proteção  do  Patrimônio  Cultural  do 
Município de Jeceaba e seu respectivo procedimento. 

Decreto 582, de 20 de março de 2002  Cria o Conselho Municipal do Patrimônio Cultural de Jeceaba. 

Lei  1.222,  de  12  de  julho  de  2015    Dispõe  sobre  a  política  de  proteção  do  Patrimônio  Cultural  do 
Município de Jeceaba. 

3.10 CONGONHAS 
Lei  1.192,  de  16  de  outubro  de  1984    Estabelece  a  proteção  do  Patrimônio  Histórico  e  Artístico  de 
Congonhas; atendendo ao disposto no artigo 180 da Constituição Federal, autoriza o Poder Executivo a 
instituir o Conselho Consultivo Municipal de Patrimônio Histórico e Artístico de Congonhas. 

Lei  2.033,  de  27  de  dezembro  de  1994    Altera  dispositivos  da  Lei  1.192/84,  que  institui  o  Conselho 
Municipal de Patrimônio Histórico e Artístico de Congonhas. 

Lei  3.224,  de  28  de  dezembro  de  2012    Dispõe  sobre  o  espaço  territorial  tombado,  denominado 
Conjunto de Serras Casa de Pedra. 

3.11 OURO PRETO 
Lei 23, de 05 de junho de 1988  Cria o Fundo Municipal de Preservação Cultural de Ouro Preto (FPC). 
Alterada pela Lei 536/09. 

Lei  17,  de  26  de  abril  de  2002    Regulamenta  o  artigo  165  da  Lei  Orgânica  Municipal,  implanta  e 
regulamenta o tombamento de bens móveis e imóveis, assim como o registro dos bens imateriais pelo 
município de Ouro Preto. Alterada pela Lei 321/07. Regulamentada pelo Decreto 59/05. 

Decreto 59, de 11 de abril de 2005  Regulamenta a Lei 17/02, que disciplina o tombamento de bens 
móveis e imóveis e o registro dos bens imateriais pelo município de Ouro Preto. 

Decreto  Executivo  409,  de  29  de  novembro  de  2006    Homologa  o  ato  do  Conselho  Municipal  de 
Preservação  do  Patrimônio  Cultural  e  Natural  que  aprova  a  inscrição,  no  Livro  do  Tombo,  da  “Ponte 
Caveira", situada na rodovia denominada Estrada Real – trecho Ouro Preto – Ouro Branco, Km 9,60. 

Decreto  Executivo  455,  de  07  de  fevereiro  de  2007    Homologa  o  ato  do  Conselho  Municipal  de 
Preservação do Patrimônio Cultural e Natural que aprova a inscrição, no Livro do Tombo, da “Cadeira de 
Dom Pedro”, localizada no Colégio Dom Bosco, no distrito de Cachoeira do Campo. 

Lei  321,  de  15  de  março  de  2007    Altera  o  artigo  10  da  Lei  17/02,  que  implanta  e  regulamenta  o 
tombamento  de  bens  móveis  e  imóveis,  assim  como  o  registro  dos  bens  imateriais  pelo  município  de 
Ouro Preto. 


Decreto  Executivo  456,  de  08  de  fevereiro  de  2007    Homologa  o  ato  do  Conselho  Municipal  de 
Preservação  do  Patrimônio  Cultural  e  Natural  que  aprova  a  inscrição,  no  Livro  do  Tombo,  do  “Núcleo 
Urbano de São Bartolomeu”, situado no distrito de São Bartolomeu. 

Decreto  Executivo  632,  de  19  de  março  de  2007    Homologa  o  ato  do  Conselho  Municipal  de 
Preservação  do  Patrimônio  Cultural  e  Natural  que  aprova  a  inscrição,  no  Livro  do  Tombo,  do  “Bueiro 
Conjunto Calixto”, situado na rodovia denominada Estrada Real. 

Decreto  Executivo  633,  de  19  de  março  de  2007    Homologa  o  ato  do  Conselho  Municipal  de 
Preservação do Patrimônio Cultural e Natural que aprova a inscrição, no Livro do Tombo, da “Ponte do 
Calixto”, situada na rodovia denominada Estrada Real. 

Decreto  Executivo  634,  de  19  de  março  de  2007    Homologa  o  ato  do  Conselho  Municipal  de 
Preservação do Patrimônio Cultural e Natural que aprova a inscrição, no Livro do Tombo, do “Arrimo de 
Bueiro  Curvo",  também  denominado  "Arrimo  Curvo  e  Galeria  –  Conjunto  Calixto",  situado  na  rodovia 
denominada Estrada Real. 

Decreto  Executivo  635,  de  19  de  março  de  2007    Homologa  o  ato  do  Conselho  Municipal  de 
Preservação do Patrimônio Cultural e Natural que aprova a inscrição, no Livro do Tombo, do "Chafariz 
Dom Rodrigo de Menezes", situado na rodovia denominada Estrada Real – trecho Cachoeira do Campo – 
Ouro Preto. 

Decreto  Executivo  636,  de  19  de  março  de  2007    Homologa  o  ato  do  Conselho  Municipal  de 
Preservação  do  Patrimônio  Cultural  e  Natural  que  aprova  a  inscrição,  no  Livro  do  Tombo,  do  "Bueiro 
Serra  do  Itatiaia",  também  denominado  "Galeria  de  Drenagem  Serra  do  Itatiaia",  situado  na  rodovia 
denominada Estrada Real – trecho Ouro Preto – Ouro Branco. 

Decreto  Executivo  637,  de  19  de  março  de  2007    Homologa  o  ato  do  Conselho  Municipal  de 
Preservação  do  Patrimônio  Cultural  e  Natural  que  aprova  a  inscrição,  no  Livro  do  Tombo,  do  "Ponte 
Caveira", situado na rodovia denominada Estrada Real – trecho Ouro Preto – Ouro Branco, Km 10,70. 

Decreto  Executivo  743,  de  03  de  setembro  de  2007    Estabelece  os  parâmetros  de  ações  a  serem 
desenvolvidas no programa de valorização e preservação do patrimônio imaterial. 

Decreto Executivo 1.082, de 07 de abril de 2008  Estabelece o registro da produção artesanal de doces 
de São Bartolomeu como Patrimônio Cultural Imaterial do Município de Ouro Preto. 

Decreto  Executivo  1.389,  de  22  de  setembro  de  2008    Homologa  o  ato  do  Conselho  Municipal  de 
Preservação do Patrimônio Cultural e Natural que aprova a inscrição, no Livro do Tombo, do “Cemitério 
São Miguel Arcanjo”, localizado na Rua Hugo Soderi, s/nº, Saramenha, em Ouro Preto. 

Lei 465, de 29 de dezembro de 2008   Dispõe sobre a criação do Parque Arqueológico  Municipal do 


Morro da Queimada. Alterada pelas Leis 836/13 e 966/15. 

Decreto  Executivo  1.949,  de  03  de  abril  de  2009    Homologa  ato  do  Conselho  Municipal  de 
Preservação do Patrimônio Cultural e Natural, ratificando e delimitando novo perímetro de entorno do 
Conjunto Urbano e Ferroviário de Rodrigo Silva. 

10 
Decreto  Executivo  2.218,  de  15  de  dezembro  de  2009    Homologa  ato  do  Conselho  Municipal  de 
Preservação  do  Patrimônio  Cultural  e  Natural  que  aprova  a  inscrição  da  Festa  de  Nossa  Senhora  dos 
Remédios do Fundão do Cintra no Livro de Registro dos Saberes e das Celebrações. 

Lei 536, de 22 de fevereiro de 2009  Altera os artigos 1º, 2º, 3º, 5º, 6º, 7º, 8º e 9º da Lei 23/98, que 
cria o Fundo Municipal de Preservação Cultural de Ouro Preto (FPC). 

Decreto  Executivo  2.429,  de  19  de  setembro  de  2011    Homologa  o  ato  do  Conselho  Municipal  de 
Preservação do Patrimônio Cultural e Natural que aprova a inscrição, no Livro do Tombo, da “Matriz de 
São Gonçalo do Amarante”, situada na Praça da Matriz, s/nº, distrito de Amarantina. 

Decreto  Executivo  2.754,  de  19  de  setembro  de  2011    Homologa  ato  do  Conselho  Municipal  de 
Preservação do Patrimônio Cultural e Natural que aprova a inscrição da “Cavalhada de Amarantina” no 
Livro de Registro dos Saberes e das Celebrações. 

Lei  708,  de  27  de  setembro  de  2011    Dispõe  sobre  o  Conselho  Municipal  de  Preservação  do 
Patrimônio Cultural e Natural (COMPATRI). 

Decreto  Executivo  3.291,  de  27  de  novembro  de  2012    Homologa  o  ato  do  Conselho  Municipal  de 
Preservação  do  Patrimônio  Cultural  e  Natural  que  aprova  a  inscrição,  no  Livro  do  Tombo,  dos  “Bens 
Arqueológicos Deontológicos, Etnográficos e Paisagísticos do Conjunto Arquitetônico e Arqueológico da 
Capela de Nossa Senhora Auxiliadora de Calastróis e Cemitérios”, localizada na área rural, na antiga área 
da Vila Wigg, também conhecida como “Usina de Barra Mansa”, no distrito de Miguel Burnier. 

Decreto  Executivo  3.292,  de  27  de  novembro  de  2012    Homologa  o  ato  do  Conselho  Municipal  de 
Preservação  do  Patrimônio  Cultural  e  Natural  que  aprova  a  inscrição,  no  Livro  do  Tombo,  dos  “Bens 
Arqueológicos Deontológicos, Etnográficos e Paisagísticos do Conjunto Arquitetônico e Arqueológico da 
Capela de Nossa Senhora da Conceição do Chiqueiro dos Alemães”, localizada na área rural, distrito de 
Miguel Burnier. 

Decreto  Executivo  3.305,  de  12  de  dezembro  de  2012    Homologa  o  ato  do  Conselho  Municipal  de 
Preservação  do  Patrimônio  Cultural  e  Natural  que  aprova  a  inscrição,  no  Livro  do  Tombo,  dos  Bens 
Arqueológicos  Deontológicos,  Etnográficos  e  Paisagísticos  da  Pedra  e  Gruta  do  Vigia,  localizada  no 
distrito de Miguel Burnier. 

Lei 836, de 28 de julho de 2013  Altera a redação dos artigos 1º, 2º e 7º, bem como o parágrafo único 
do  art.  1º  da  Lei  465/08,  para  renomear  o  Parque  Natural  Arqueológico  Municipal  do  Morro  da 
Queimada e precisar a dimensão da sua área geográfica. 

Lei 873, de 29 de novembro de 2013  Define o hip–hop como Movimento Cultural Musical de Caráter 
Popular do município de Ouro Preto. 

Decreto  Executivo  3.956,  de  04  de  novembro  de  2014    Homologa  o  ato  do  Conselho  Municipal  de 
Preservação do  Patrimônio  Cultural  e  Natural  que  aprova  a  inscrição  da  Celebração  do  Divino  Espírito 
Santo em São Bartolomeu no Livro de Registro dos Saberes e Celebrações. 

11 
Decreto  Executivo  4.302,  de  24  de  setembro  de  2015    Homologa  o  ato  do  Conselho  Municipal  de 
Preservação do Patrimônio Cultural e Natural que aprova a inscrição no Livro do Tombo do “Conjunto 
Arquitetônico  das  Ruínas  da  Antiga  Matriz  de  Nossa  Senhora  da  Conceição”  também  conhecida  como 
“Igreja Queimada”, localizada no distrito de Antônio Pereira. 

Lei 966, de 05 de novembro de 2015  Altera a Lei 465/08. 

3.12 MARIANA 
Lei 1.728, de 18 de março de 2003  Dispõe sobre a Política de Proteção e Preservação do Patrimônio 
Histórico,  Artístico,  Estético,  Arquitetônico,  Arqueológico,  Documental  e  Ambiental  do  município  de 
Mariana. Alterada pela Lei 2.657/12. 

Lei  1.795,  de  25  de  novembro  de  2003    Cria  o  Fundo  Municipal  de  Preservação  do  Patrimônio 
Histórico e Cultural da Cidade de Mariana – Fundo Mariana Histórica. 

Lei 2.657, de 29 de outubro de 2012  Altera a Lei 1.728/03. 

Lei 2.809, de 29 de novembro de 2013  Cria o Fundo Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural 
de Mariana. 

Lei 2.950, de 17 de dezembro de 2014  Institui no município de Mariana o Registro de Bens Culturais 
de Natureza Imaterial. 

4. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 
A elaboração deste RAIPI do empreendimento da LT 345 kV Itutinga – Barro Branco está direcionada aos 
bens  culturais  acautelados,  em  nível  federal,  pelo  IPHAN,  com  ocorrência  nas  Áreas  de  Estudo  dos 
municípios interceptados pela LT, de acordo com o ofício nº 106/2016/CNL/PRESI/IPHAN, quais sejam: 

 bens registrados: Roda de Capoeira e Ofício de Mestres de Capoeira, Toque dos Sinos e Ofício de 
Sineiro e Jongo do Sudeste; 

 em  processo  de  registro,  visando  ao  seu  reconhecimento  como  Patrimônio  Cultural  do  Brasil 
são:  Congadas  de  Minas;  Ofício  das  Quitandeiras  de  Minas  Gerais  e  Ofício  de  Raizeiras  e 
Raizeiros do Cerrado. 

Nos  itens  adiante,  apresentam–se  algumas  referências  teóricas  e  bibliográficas  sobre  essas  práticas 
culturais, para uma organização da dinâmica lógica de apresentação deste RAIPI da LT 345 kV Itutinga – 
Barro Branco. O objetivo é demonstrar o entendimento técnico e referências conceituais utilizados no 
esforço  de  pesquisa  (dados  secundários  e  primários)  sobre  esses  bens  culturais,  empreendido  pela 
equipe técnica. 

Item  complementar,  mas  não  menos  importante,  considerando  os  municípios  alvos  da  LT  Itutinga  – 
Barro  Branco,  diz  respeito  à  Estrada  Real,  que  tem  grande  parte  de  seu  trajeto  inserido  na  AID  do 
empreendimento,  em  especial  nos  municípios  de  São  João  Del  Rei,  São  Brás  do  Suaçuí,  Ouro  Preto  e 
Mariana.  Aprofundando  a  análise  sobre  o  perfil  de  ocupação  dos  municípios  interceptados  pela  LT,  é 
importante frisar que um dos elementos que, também, delimitaram o modelo de ocupação na região é o 
processo histórico de apropriação do espaço. 

12 
Nesse caso, associa–se ao ciclo do ouro e explorações minerais o processo que deixou como legado um 
importante  acervo  histórico  tanto  do  ponto  de  vista  da  arquitetura  quanto  do  ponto  de  vista  do 
patrimônio  imaterial  e  paisagístico,  costumes  e  festividades,  os  quais  compõem  uma  rica  expressão 
cultural dos  municípios em estudo neste RAIPI.  Também é apresentada  uma breve descrição sobre as 
Comunidades  Remanescentes  de  Quilombo  localizadas  nos  municípios  interceptados  pela  LT  345  kV 
Itutinga – Barro Branco. 

4.1 ESTRADA REAL 
Com as primeiras descobertas de ouro na região situada hoje nos municípios de Sabará, Ouro Preto e 
Mariana,  o  grande  fluxo  de  pessoas  atraídas  pelo  desejo  de  prosperidade  econômica  ocasionou  a 
formação  de  núcleos  urbanos  no  interior  do  Brasil.  A  Coroa,  então,  objetivando  o  controle  e  a 
fiscalização das riquezas, trilhou vias desde a região mineradora e seu entorno até o litoral, no intuito de 
escoar ouro, diamante e mercadorias para Portugal, em meados do século XVII. 

A fim de evitar o contrabando e outras irregularidades, a circulação de tropeiros, mercadores e animais 
deveria  ser  feita,  obrigatoriamente,  pela  Estrada  Real;  qualquer  outro  percurso,  desvio  ou  trilha  eram 
tidos  como  crimes  de  lesa–majestade.  Estabelecer  caminhos  oficiais  era  comum  para  o  reino  de 
Portugal, que definia as vias públicas como “direito real ou regalia pertencente à Coroa e que por direito 
lhe era devido para a conservação do seu Real Estado”. 

As Minas Gerais foram a primeira e mais produtiva capitania mineradora; consequentemente, passou a 
concentrar as mais importantes vias oficiais, sendo a Estrada Real a principal do Brasil Colônia. Por ela é 
que se fazia o recolhimento de tributos à Coroa –– os quintos de ouro e de metais preciosos, impostos 
sobre as mercadorias, a fiscalização das entradas de viajantes e animais, bem como dos produtos que 
circulavam  com  estes  a  fim  de  evitar  o  contrabando.  Em  seu  trajeto,  eram  comuns  os  pontos  de 
“pedágio”,  onde  se  estabeleciam  os  Registros  que  cobravam  o  direito  de  passagem  de  acordo  com  o 
número de escravos, cavalos e muares. 

O sistema viário foi imprescindível para a ocupação no interior do País no período colonial, integrando 
diversas  regiões  de  povoamento  e  propiciando  a  movimentação  de  pessoas  e  bens  envolvidos  com  a 
atividade  comercial  entre  os  núcleos  urbanos  e  as  comunidades  rurais.  Embora  as  estradas  reais 
estivessem comumente associadas à mineração, serviam aos mais distintos propósitos, dentre os quais 
sua  vinculação  às  atividades  pecuárias.  Dessa  maneira,  outras  vias  eram  abertas,  como  as  de  cunho 
pecuário, no intuito de abastecer as áreas mineradoras. 

Outro caminho oficial situado nas Minas Gerais ficou conhecido como “Caminho de Sabarabuçu” (Figura 
4.1), que servia de ligação entre o Caminho para o Distrito Diamantino, o Caminho Novo e o Caminho 
Velho.  Era tido como o trecho de importância regional, constituído  por 150 km de prolongamento  do 
Caminho  Velho,  desembocando  no  município  de  Barão  de  Cocais,  já  no  caminho  que  seguia  para 
Diamantina. O Caminho de Sabarabuçu foi aberto também por bandeirantes que estavam à procura de 
prata  na  região,  que  acabou  consolidando–se  como  uma  importante  área  de  exploração  de  ouro  de 
aluvião  às  margens  do  rio  das  Velhas,  nos  municípios  de  Caeté,  Sabará,  Rio  Acima  e  Rio  da  Pedra 
(atualmente, Acuruí, distrito de Itabirito). 

13 
O  Caminho  de  Sabarabuçu  contava,  ainda,  com  o  Pico  de  Itabirito,  que  facilitava  o  norteamento  dos 
viajantes e tropeiros próximo ao Arraial da Nossa Senhora da Boa Viagem de Itaubyra (atual Itabirito), 
criado no século XVIII. A localização privilegiada do Pico e do Arraial situa–se na área de confluência das 
comarcas de  Vila Rica, Rio das Velhas  (com sede em Sabará) e  Rio das  Mortes (sede em  São João Del 
Rey). Tal posição favoreceu as relações comerciais desenvolvidas pelos tropeiros que circulavam entre 
Sabará  e  Ouro  Preto.  Ao  longo  desse  percurso,  o  Pico  de  Itabirito  tornou–se  um  marco  geográfico 
importante  graças  à  sua  boa  visibilidade  da  paisagem,  auxiliando  no  deslocamento  dos  comboios  de 
tropeiros carregados de produtos que abasteciam as vilas próximas. 

Dentre  as  atividades  econômicas,  destacava–se,  obviamente,  a  mineração,  embora  outras  atividades 
tenham  se  desenvolvido  na  época,  tais  como:  agricultura,  pecuária  e  produção  de  açúcar,  rapadura, 
aguardente,  fiação  e  tecelagem.  É  importante  entender  que  a  crise  ocorrida  a  partir  de  1750  era, 
principalmente,  da  atividade  mineradora,  e  não  de  toda  a  economia.  A  diversidade  econômica 
caracterizou  a  sociedade  mineira  que,  por  sua  vez,  era  constituída  por  uma  estrutura  social 
heterogênea, composta por brancos, negros, índios e mestiços. 

O  Caminho  Novo  foi  criado  para  servir  como  trajeto  mais  seguro  ao  Porto  do  Rio  de  Janeiro, 
principalmente porque as cargas estavam sujeitas a ataques piratas na rota marítima entre Paraty e Rio. 
Esse  é  o  trecho  mais  recente  da  Estrada  Real.  Sua  criação  começou  a  ser  estabelecida  em  1698,  mas, 
somente entre 1722 e 1725, é que a rota foi finalmente definida. Repleto de atrativos turísticos, esse 
trecho conserva dezenas de vestígios da época mineradora. 

Já o Caminho Velho, também  chamado de Caminho do Ouro, foi o primeiro trajeto determinado –– a 
primeira via aberta oficialmente pela Coroa Portuguesa liga Ouro Preto a Paraty, para o tráfego entre o 
litoral  fluminense  e  a  região  mineradora.  Esse  Caminho  Velho  passa  pelos  municípios  de  São  Brás  do 
Suaçuí, São João Del Rei e Ouro Preto.  

O  Caminho  dos  Diamantes  ––  criado  com  a  finalidade  de  conectar  a  sede  da  capitania,  Ouro  Preto,  à 
principal cidade de exploração de diamantes, Diamantina, –– passou a ter grande importância a partir 
de  1729,  quando  as  pedras  preciosas  de  Diamantina  ganharam  destaque  nas  economias  brasileira  e 
portuguesa. Além da história de seus municípios, da cultura latente e da gastronomia típica, o Caminho 
dos Diamantes destaca–se pela beleza natural, passando pelos municípios de Ouro Preto e Mariana. 

 
 

14 
 
Figura 4.1 – Segmento em azul: Caminho de Sabarabuçu; segmento em amarelo: Caminho Velho; 
segmento em vermelho: Caminho Novo; segmento verde: Caminho para o Distrito Diamantino.  

Fonte: INSTITUTO ESTRADA REAL, 2017. 

4.2 RODA DE CAPOEIRA E OFÍCIO DE MESTRES DE CAPOEIRA 
Segundo o IPHAN (2014a), toda Roda de Capoeira se inicia com uma canção. Na capoeira Angola, o ritual 
é  aberto  com  um  cântico  em  forma  de  lamento,  chamado  ladainha,  entoada,  normalmente,  pelo 
capoeirista/mestre, que toca o berimbau principal, de som grave, chamado berra–boi ou gunga. Quando 
se inicia a ladainha, os capoeiristas que vão jogar permanecem agachados ao pé do berimbau, à espera 
do momento para jogar, envoltos em um silêncio religioso que apenas se rompe com o canto sofrido, 
louvando a memória dos mestres antigos, saudando o sagrado. 

A Roda de Capoeira foi inscrita no Livro de Registro das Formas de Expressão no ano de 2008. De acordo 
com o IPHAN (2014a), é um elemento estruturante de uma manifestação cultural, espaço e tempo, onde 
se  expressam,  simultaneamente,  o  canto,  o  toque  dos  instrumentos,  a  dança,  os  golpes,  o  jogo,  a 
brincadeira,  os  símbolos  e  rituais  de  herança  africana  recriados  no  Brasil.  Na  Roda  de  Capoeira, 
batizam–se os iniciantes, formam–se e consagram–se os grandes mestres, transmitem–se e reiteram–se 
práticas e valores afro–brasileiros. 

15 
A capoeira é uma manifestação cultural presente hoje em todo o território brasileiro e em mais de 150 
países,  com  variações  regionais  e  locais  criadas  a  partir  de  suas  “modalidades”  mais  conhecidas:  as 
chamadas  capoeiras  Angola  e  regional.  Ademais,  a  capoeira  é  Patrimônio  Imaterial  da  Humanidade, 
reconhecida  pela  Organização  das  Nações  Unidas  para  a  Educação,  a  Ciência  e  a  Cultura  (UNESCO) 
desde novembro de 2014, em Paris, que considera a Roda de Capoeira um dos símbolos do Brasil mais 
reconhecidos internacionalmente. 

A  capoeira,  segundo  seu  dossiê  de  registro,  é  uma  manifestação  cultural  caracterizada  por  suas 
múltiplas  dimensões,  já  que  é,  ao  mesmo  tempo,  dança,  luta  e  jogo.  A  dificuldade  em  estabelecer  as 
origens  da  capoeira  nos  aspectos  geográfico,  cultural  e  etimológico  pode  ser  explicada  por  sua 
diversidade.  Manifestação  intimamente  ligada  às  culturas  locais,  ganhou  contornos  específicos  de 
acordo com os contextos em que se desenvolveu (IPHAN, 2007). 

Dessa forma, a capoeira é reconhecida como fenômeno cultural urbano, cuja história permeia o passado 
e  o  presente,  conhecida  nacionalmente,  no  século  XX,  e  iniciada  no  Estado  da  Bahia,  que  passa  a  ser 
considerado o seu berço. Assim como Mestre Bimba, a escola de Mestre Pastinha, no Pelourinho, ganha 
destaque,  tornando–se  ponto  da  velha  guarda  da  capoeira  Angola,  de  intelectuais  e  turistas  que  iam 
apreciar as rodas. Como resultado, ocorrem as primeiras viagens de grupos de capoeira pelo território 
brasileiro.  Tal  manifestação  não  é  mais  vista  como  marca  do  atraso  e  da  barbárie,  mas  sim  como 
símbolo das culturas baiana e brasileira. 

A Roda de Capoeira, nesse sentido, é a forma de expressão que permitiu o aprendizado e a expansão do 
jogo. Nela, se encenam golpes e movimentos acrobáticos, (re)atualizam–se cânticos antigos e outros são 
inventados.  A  roda  é  um  momento  determinante  da  prática  da  capoeira  que  não  pode  ser  ignorado. 
Seja  na  capoeira  Angola,  seja  na  Regional,  seja  na  que  funde  as  duas  vertentes  (referida  como 
Contemporânea), a roda é um espaço de criação artística e de performance cultural da capoeira. 

No  dossiê  de  registro  da  capoeira,  destaca–se  que  o  início  do  processo  de  esportividade  da  capoeira, 
homologado pelo Conselho Nacional de Desportos (CND), em 1972, submeteu sua prática às regras do 
pugilismo. Datam daí a realização dos campeonatos nacionais, as tentativas de unificação da capoeira, 
no  sentido  de  eliminar  as  distinções  entre  as  capoeiras  Angola  e  Regional,  incluindo  ainda  os 
treinamentos  voltados  para  fazer  do  capoeirista  um  atleta  e  a  simplificação  dos  ritos  que  não  se 
adequavam às práticas esportivas (IPHAN, 2007). 

O sentido da transformação do jogo em espetáculo vai romper com a bipolarização da capoeira da Bahia 
em  torno  dos  Mestres  Pastinha  e  Bimba.  As  principais  lideranças  da  capoeira,  à  época,  voltam–se, 
preferencialmente, para atender às demandas do mercado turístico dada a sua rentabilidade. Esse fato 
comprometeu  o  funcionamento  de  muitas  academias,  principalmente  quanto  à  formação  de  novos 
capoeiristas, já que as atividades das academias eram mais voltadas ao treinamento/ensaio dos shows 
folclóricos  do  que  às  aulas  propriamente  ditas.  Contudo,  não  se  pode  deixar  de  reconhecer  que  esse 
fenômeno contribuiu significativamente para a expansão da capoeira baiana pelo Brasil. 

A  Confederação  Brasileira  de  Boxe  determinou  que  a  capoeira,  assim  como  acontecia  com  as  artes 
marciais orientais, deveria graduar seus alunos, mas, ao contrário das faixas, utilizaria “cordéis” com as 

16 
cores  da  Bandeira  Brasileira:  branco,  verde,  amarelo  e azul. Embora essas cores não fossem adotadas 
por todos os grupos, o sistema de cordas passou a fazer parte da capoeira, de forma predominante, a 
partir dos anos 1970. Um modelo novo, que fundia elementos das capoeiras Regional e Angola, surgia 
no Sudeste do Brasil, difundindo–se pelo País e, mais tarde, pelo mundo. 

Influenciados  pelas  sequências  de  Mestre  Bimba  da  Capoeira  Regional,  os  grupos  cariocas  e  paulistas 
incorporaram à sua prática movimentos e instrumentação da capoeira Angola, de Mestre Pastinha. Uma 
das suas características principais é o uso de cordas para graduar os jogadores. Essa modalidade ainda 
não  tem  um  nome  consensual  entre  os  capoeiristas  ––  uns  preferem  chamá–la  de  “capoeira 
contemporânea”,  “capoeira  de  vanguarda”,  e  há  ainda  os  que  a  nomeiam  como  “capoeira  atual”  ou, 
simplesmente, “capoeira hegemônica”. 

Ainda  de  acordo  com  o  dossiê  de  registro  da  capoeira,  o  aprendizado  na  capoeira  se  divide  em  três 
momentos  históricos,  que  caracterizam  fases  marcantes  e  distintas.  A  primeira  destaca  as  formas  de 
aprendizado existentes no período em que a capoeira foi amplamente criminalizada e estigmatizada, do 
ano  de  1890  até  o  início  de  seu  processo  de  descriminalização,  em  1937.  Posteriormente,  alcança  o 
período  conhecido  como  “escolarização  da  capoeira”,  em  que  são  formadas  as  primeiras  academias 
oficiais  e  institucionalizadas,  destacando–se  principalmente  as  vertentes  da  capoeira  Regional,  de 
Mestre Bimba, e da capoeira Angola, codificada por Mestre Pastinha. Por último, recorta o período que 
vai da década de 1980 até os dias atuais, em que se observam o crescimento e a difusão da capoeira por 
todo o Brasil e o mundo, numa proliferação de grupos e vertentes (IPHAN, dez. 2017). 

O  mestre  não  era  um  professor  no  sentido  estrito  da  palavra;  ele  só  ensinava  se  o  aprendiz  se 
mantivesse atento, observando e arriscando–se a realizar os principais movimentos. De algum modo, o 
aprendizado ficava a cargo do aprendiz, que, engajado na capoeira, inseria–se a partir da observação e 
da vivência de suas rotinas. O aprendizado da capoeira se produzia por “oitiva”, ou seja, sem método ou 
pedagogia  formalizada.  Pela  vivência  do  jogo,  por  sua  observação,  o  mestre  introduzia  os  jovens 
interessados no universo da capoeira. 

O mestre não ensina diretamente, ele apenas "ajuda" a criar as condições propícias para que o aprendiz 
experimente  jogar,  cantar,  tocar  e  vadiar.  Nessa  forma  de  prática,  o  aprendiz,  de  algum  modo,  é  o 
responsável direto pelo processo de aprendizado. Suas motivações e seu engajamento nas rodas e nos 
grupos de capoeiragem são o que o tornam “um capoeira”. No ambiente, ao mesmo tempo perigoso e 
festivo, era que os mestres antigos da capoeira ensinavam e transmitiam o conhecimento, sem escolas 
formais, grupos com estatutos, uniformes e métodos específicos (IPHAN, dez. 2007). 

Nesse  ponto,  existe  um  conflito  estabelecido  entre  o  mestre  sem  formação  escolar  e  o  professor  de 
Educação  Física,  considerado  apto  a  substituí–lo.  De  um  lado,  o  saber  da  cultura  popular;  de  outro,  o 
conhecimento  formal  e  conceitual  das  universidades.  Apesar  do  advento  das  escolas  de  capoeira,  as 
rodas permanecem como espaços não só do jogo como também do aprendizado. O ensino de golpes, 
contragolpes, esquivas e sequência deverá ser acompanhado de transmissão de todos os elementos que 
envolvem sua cultura, história, origem e evolução. 

17 
Em  2008,  após  a  Roda  de  Capoeira  e  o  Ofício  de  Mestres  de  Capoeira  terem  sido  registrados  como 
Patrimônios Culturais Brasileiros, o Ministério da Cultura (MinC), a Fundação Cultural Palmares (FCP) e o 
IPHAN realizaram ações visando à salvaguarda da capoeira, segundo o Conselho de Mestres de Capoeira 
(COMCAP/MG).  A  partir  de  junho  de  2011,  a  Superintendência  do  IPHAN  em  Minas  Gerais  iniciou  um 
trabalho  de  mobilização  com  os  Mestres  de  Capoeira  desse  Estado,  no  sentido  de  auxiliá–los  na 
sistematização das suas demandas. Dessas reuniões, surgiu a ideia da formalização de um Conselho de 
Mestres  de  Capoeira  representativo  para  elaboração  e  acompanhamento  das  políticas  públicas  e  dos 
debates para a construção do Plano de Salvaguarda da Capoeira, segundo o COMCAP/MG (2016). 

Em  março  de  2012,  o  IPHAN–MG  e  o  coletivo  de  Mestres  de  Capoeira  realizaram  o  I  Encontro  para 
Formação  do  Conselho  de  Mestres  de  Capoeira  da  RMBH,  o  qual  contou  com  a  participação  de 
aproximadamente 120  mestres de capoeira tanto da Região  Metropolitana de Belo Horizonte  (RMBH) 
quanto de várias outras regiões do estado.  

O 1º Encontro COMCAP–MG foi realizado no dia 10 de dezembro de 2016, na sede da Superintendência 
do  IPHAN,  em  Minas  Gerais.  Teve  como  objetivo  promover  a  integração,  a  socialização  e  a 
harmonização de opiniões dos mestres, grupos, escolas e praticantes de capoeira. 

No  ano  de  2017,  o  COMCAP–MG  realizou  diversas  reuniões,  incluindo  a  que  instalou  o  Fórum  da 
Capoeira de Belo Horizonte e da RMBH, em março de 2017. Em junho do mesmo ano, promoveu uma 
reunião na Superintendência do IPHAN–MG, em Belo Horizonte, para esclarecer o plano de salvaguarda. 
E,  como  encaminhamento,  foram  marcadas  duas  reuniões:  com  os  integrantes  do  Comitê  Gestor  da 
Salvaguarda da Capoeira e a ampliada da Salvaguarda da Capoeira. 

No  mês  seguinte,  em  julho  de  2017,  o  IPHAN  disponibilizou  uma  nova  plataforma  para  o  Cadastro 
Nacional  da  Capoeira,  como  medida  de  salvaguarda,  assim  como  o  IPHAN–MG  disponibilizou,  em 
outubro  de  2017,  o  Mapeamento  da  Capoeira  em  Minas  Gerais,  realizado  em  2014,  que  constatou  a 
ocorrência  dessa  prática  cultural  em  64%  dos  municípios  mineiros.  Já  no  mês  de  novembro  de  2017, 
foram eleitos os novos membros do Comitê Gestor da Salvaguarda da Capoeira em Minas Gerais para o 
biênio 2017–2019, representativo entre sociedade civil, instituições parceiras ao IPHAN–MG, detentores 
(capoeiristas: contramestres, professores, alunos) e mestres de capoeira. 

A  diversidade  e  ocorrência  de  manifestações  relacionadas  à prática da capoeira é expressiva; afinal, a 


capoeira  é  uma  prática  cultural  afro–brasileira  multifacetada,  tendo  resistido  a  toda  espécie  de 
repressão  e  discriminação.  De  acordo  com  CASSIANO  (2014),  a  capoeira  por  isso,  é  um  campo  aberto 
para a criatividade, para a participação ativa, tão importante no sentido de existência, para o exercício 
do humano, a transcendência individual e coletiva. 

Os  princípios  básicos  exercitados  na  capoeira  ––  expressão  corporal,  agilidade,  destreza,  flexibilidade, 
criatividade,  espontaneidade  e  integração  social  ––  traduzem  aspectos  que  refletem  na  vida  do 
capoeirista,  que  passa  a  encarar  o  mundo,  bem  como  suas  dificuldades  e  obstáculos,  com  uma  nova 
postura  atitudinal  (CASSIANO,  2014,  p.  38).  O  capoeirista  é  livre  para  criar  e  improvisar  desde  que 
preserve o significado, desde que a atitude tenha sentido. 

18 
Assim,  o  capoeirista  procura  encontrar  sentido  também  em  suas  outras  atividades,  a  questionar  suas 
relações familiares e sociais, a direcionar suas ações com mais objetividade e consciência corporal. "Seu 
fim é inconcebível ao mais sábio capoeirista, porque é infindável –– quanto mais se sabe, mais se quer 
saber, pois, a cada época, local ou situação, a capoeira tem uma forma de manifestação sem, contudo, 
negar  ou  desconsiderar  sua  gênese.  Está  em  processo  constante  de  projeto,  criação,  evolução  e 
revolução." (CASSIANO, 2014, p. 43) 

4.3 TOQUE DE SINOS E OFÍCIO DE SINEIRO 
O  Toque  de  Sinos  e  o  Ofício  de  Sineiro  são  bens  culturais  reconhecidos  como  Patrimônio  Cultural 
Imaterial do Brasil desde 2009. Segundo o IPHAN (2017, nov. 2017a), o Toque de Sinos é uma tradição 
antiga no Brasil e surge com a cultura católica trazida pelos portugueses na época do período colonial. 
Os sinos desempenhavam funções importantes nesse momento histórico. 

Os  toques  emitidos  pelos  sinos  prestavam  relevantes  serviços  de  utilidade  pública  aos  moradores  de 
ontem e, ainda, aos de hoje, dentre os quais, a comunicação. Atualmente, tais serviços restringem–se 
apenas à transmissão de mensagens no âmbito dos ritos religiosos. 

Desde a época em que as cidades eram arraiais, e mesmo quando se tornaram cidades maiores, os sinos 
são  responsáveis  pela  comunicação.  Ainda  hoje,  apesar  do  avanço  dos  mecanismos  de  comunicação, 
muitas pessoas ainda entendem os significados das mensagens que cada toque emite ao ser acionado 
pelos  sineiros  de  cada  igreja.  Através  de  cada  toque,  compreende–se  o  tipo  de  mensagem.  Nesse 
sentido, os toques de sinos são mais que  uma  tradição: são uma referência cultural nas cidades onde 
ocorre essa prática. 

Outrora,  era  através  da  linguagem  dos  sinos  que  a  população  das  cidades  tomava  conhecimento  das 
festividades religiosas e das chamadas de missas, assim como de notícias de falecimentos de integrantes 
do clero local e até de pessoas comuns. Conforme o tipo de toque, os moradores sabiam se a pessoa 
falecida era homem, mulher ou criança (anjo). Na realidade, havia uma infinidade de tipos de Toque de 
Sinos, que, ao longo dos séculos, foram caindo em desuso com o avanço dos meios de comunicação. Os 
toques de sinos chegavam até a alertar a população de alguns perigos, por exemplo, um incêndio. 

A forma de expressão do Toque dos Sinos relaciona sua dimensão estética à percepção sensorial e à sua 
função  comunicativa,  em  que  a  ocasião  e  a  estrutura  do  toque  estão  necessariamente  associadas.  A 
ocasião  determina  o  ritmo  a  ser  imprimido  ao  toque:  em  celebrações  festivas,  ritmos  acelerados;  em 
ocasiões  fúnebres,  ritmos  mais  lentos  e  solenes.  A  estrutura  dos  toques  é  determinada  por  sua 
execução:  com  o  sino  paralisado,  são  tocadas  pancadas,  badaladas  e  repiques;  com  o  sino  em 
movimento, os dobres (IPHAN, nov. 2017a). 

O  Toque  dos  Sinos  é  expressão  reveladora  da  identidade  das  cidades  inventariadas  e  da  diversidade 
cultural brasileira. "Seus habitantes se reconhecem e se distinguem daqueles de outras cidades porque 
atribuem um significado particular ao Toque dos Sinos, ao repertório dos toques e ao som diferenciado 
de cada um dos sinos de bronze das torres das várias igrejas das suas cidades." (IPHAN, nov. 2017a) 

19 
4.4 JONGO DO SUDESTE 
Jongo do Sudeste, que também recebe outras denominações de acordo com a região onde é praticado, 
como  tambu,  caxambu,  tambor  ou  batuque,  é  uma  manifestação  cultural  afro–brasileira  inscrita  no 
Livro das Formas de Expressão e reconhecida como Patrimônio Cultural do Brasil, em 2005, pelo IPHAN. 

O  Jongo/Caxambu  é  uma  forma  de  expressão  que  integra  percussão  de  tambores,  dança  coletiva  em 
roda e elementos mágico–poéticos. Tem suas raízes nos saberes, ritos e crenças dos povos africanos e 
uma configuração de louvação aos antepassados, consolidação de tradições e afirmação de identidades. 
Nesse  sentido,  é  um  elemento  de  resistência  cultural  para  várias  comunidades  e  também  espaço  de 
manutenção, circulação e renovação do seu universo simbólico. 

O Jongo/Caxambu é cantado e tocado de diversas formas, dependendo da comunidade que o pratica. 
Um  dos  traços  comuns  quanto  aos  modos  de  atuação  e  significados  do  Jongo/Caxambu  é  a  formação 
dos  participantes  numa  roda  animada  por,  pelo  menos,  dois  tambores  de  tamanhos  diferentes,  solos 
coreográficos  de  indivíduos  ou  casais,  o  ponto,  que  geralmente  é  improvisado  e  constitui  enigmas  a 
serem decifrados, juntamente com as  reverências aos ancestrais jongueiros e aos tambores, com eles 
identificados. 

Os  tipos  e  número  de  instrumentos  e  o  modo  de  combiná–los  variam  de  grupo  para  grupo  na  área 
jongueira, e são usados, basicamente, instrumentos membranofones (tambores e puítas) de tamanhos e 
tipos diversos. Os tambores começam então a soar, impondo um arcabouço rítmico–métrico firme ao 
canto e incitando os participantes à dança. Quem está na roda entra em um diálogo cantado. 

Especialmente em Minas Gerais, na Região da Zona da Mata, ocorre Jongo/Caxambu desde o século XIX, 
trazido pelos negros escravos que trabalhavam nas lavouras de café. Mesmo depois de libertos, muitos 
escravos  permaneceram  trabalhando  nas  fazendas,  dando  continuidade  a  essa  prática  cultural, 
encontrada atualmente nos municípios de Bias Fortes, Carangola, Patrocínio do Muriaé e Recreio. 

Nesse  sentido,  este  RAIPI  da  LT  345  kV  Itutinga  –  Barro  Branco  não  considerará  essa  prática  cultural, 
dada a sua não ocorrência nos municípios alvo do empreendimento. 

4.5 CONGADAS DE MINAS 
O  “congado  é  considerado  uma  das  formas  de  expressão  da  religiosidade  e  diversidade  cultural  afro–
brasileira,  que  se  introduziu  historicamente  e  predominou  como  tradição  no  contexto  regional  das 
Minas Gerais.”  (SILVA, 2007, p. 43) 

As  congadas  são  manifestações  culturais  de  matrizes  afro–brasileiras,  de  ocorrência  desde  a  chegada 
dos  escravizados  que  habitavam,  em  grande  número,  os  países  do  Congo  e  Angola,  e  que  foram 
recriadas em território brasileiro. São constituídas por cortejos com danças coletivas; os participantes, 
cantando e dançando, representam, basicamente, três temas em seu enredo: a vida de São Benedito, o 
encontro  de  Nossa  Senhora  do  Rosário  submergida  nas  águas  e  a  representação  da  luta  de  Carlos 
Magno contra as invasões mouras. 

20 
A manifestação possui forte relação com o processo de escravidão do negro brasileiro e com o culto ao 
mito católico em torno de Nossa Senhora do Rosário, seguido de São Bendito e Santa Efigênia. Outros 
santos,  porém,  podem  compor  o  repertório  devocional  e  festivo,  peculiaridade  que  pode  variar  de 
região  para  região  e  até  mesmo  entre  os  ternos  de  congados:  grupos,  bandas,  guardas,  corte. 
Dependendo da região, essa nomenclatura é alterada. 

No  entanto,  o  culto  a  Nossa  Senhora  do  Rosário  é  uma  característica  recorrente  que  perpassa  o 
imaginário dos detentores desse folguedo. "Congada é o nome dado ao conjunto de ternos de congo, ou 
apenas congo, nos quais várias pessoas se reúnem para dançar, cantar e tocar instrumentos embalados 
pela fé em Nossa Senhora do Rosário, santa da Igreja Católica identificada como protetora dos negros." 
(PRADO, 2008, 159): 

“Em Minas Gerais, o congado teve sua origem vinculada às irmandades 
católicas  dos  “homens  pretos”,  fundadas  desde  o  século  XVII.  Essas 
irmandades constituíram–se em espaços de sociabilidade e de afirmação 
identitária  de  escravos  africanos  e  seus  descendentes  no  Brasil,  tendo 
como  padroeiros,  principalmente,  as  santidades  Nossa  Senhora  do 
Rosário, São Benedito e Santa Efigênia.” (SILVA, 2007, p. 44). 

São  também  cultuados  Santa  Efigênia,  Santo  Antônio,  São  Lázaro,  São  Cosme  e  São  Damião,  dentre 
outros, de acordo com os participantes. Assim, as congadas são uma celebração de devoção, um ritual 
sagrado  que  festeja  a  vida.  Ampliou–se  no  espaço  e  no  tempo,  ganhando  devotos  em  quase  todo  o 
território de Minas Gerais. 

A origem das congadas está relacionada a, pelo menos, dois elementos simbólicos: o aparecimento de 
Nossa Senhora do  Rosário no  mar, numa gruta ou  num barreiro, nos tempos da escravidão e à figura 
lendária de Chico Rei, símbolo de resistência e liberdade. 

Segundo  conta  a  história,  ou  seja,  um  dos  mitos  de  origem,  o  imperador  do  Congo  foi  vendido  como 
escravo para o Brasil e veio a Minas Gerais junto com outros mais de 400 negros. Na viagem, o escravo, 
que fora batizado com o  nome católico Francisco,  perdera sua  mulher  e seus filhos, dos quais apenas 
um sobreviveu. 

Instalado em Ouro Preto (Figura 4.2), trabalhou nas minas de ouro. Somando o trabalho de domingos e 
dias  santos,  escondia  pó  do  metal  precioso  entre  os  cabelos,  conseguindo  realizar  a  economia 
necessária  para  comprar  a  sua  libertação  e  a  de  seu  filho.  Em  comemoração,  Chico  Rei,  como  ficaria 
conhecido,  celebrou  sua  libertação  dançando  na  igreja,  marcando  o  início  de  uma  tradição  que  une 
temáticas religiosas compostas por ritos africanos e católicos, unidos ao ideal universal da liberdade. 

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Figura 4.2 – Vista de Ouro Preto, local do mito de origem de Chico Rei. Fonte: Equipe Biodinâmica, 2017. 

Citado por Câmara CASCUDO (2001) no Dicionário do Folclore Brasileiro, o ritual define–se como dança 
e  lembra  a  coroação  do  Rei  do  Congo  e  da  Rainha  Ginga  de  Angola,  com  a  presença  da  corte  e  seus 
vassalos.  Sua  difusão  vem  do  século  XVII,  e  a  festa  é  também  conhecida  pelos  nomes  de  congadas, 
congada, congado ou congo. Suas riquezas folclóricas e históricas estão em sua formação originada de 
culturas  diferentes:  África,  Brasil  (indígena)  e  Portugal,  miscigenando  tradições  históricas,  usos  e 
costumes africanos e influências ibéricas em relação à religiosidade. 

Outra versão histórica é que a origem do congado remonta também ao Brasil Colonial, mas o mito de 
origem  em  torno  do  qual  acontece  a  festa  de  Nossa  Senhora  do  Rosário  diz  que  as  guardas,  também 
chamadas de ternos, bandas ou grupos, formaram–se ainda  na África, quando uma imagem de Nossa 
Senhora  do  Rosário  apareceu  no  mar.  O  grupo  de  Congo  dirigiu–se  para  a  areia  e,  tocando  seus 
instrumentos,  só  conseguiu  fazer  com  que  a  imagem  se  movesse  uma  vez.  Então  vieram  os  negros 
moçambiqueiros batendo seus tambores, cantando para a santa e pedindo–lhe que viesse protegê–los. 
A imagem moveu–se no movimento das ondas, até chegar à praia (SÓ CONGADA, 2017).  

As guardas são formadas por um grupo de dançantes e tem uma função simbólica narrativa dentro do 
ritual da festa de Nossa Senhora do Rosário; diversificam–se conforme a cidade ou, até mesmo, região 
onde  se  realizam  as  festas.  As  guardas  podem  ser  de:  Congo,  Moçambique,  Candombe,  Catopês, 
Caboclos e Marujada, dentre outras, como as Guardas dos Cavaleiros de São Jorge, Vilão e Penacho. Em 
cada uma dessas práticas culturais, existem elementos que definem as competências dentro do ritual do 
congado,  tais  como:  trajes,  adornos  e  cânticos.  Destaca–se  que  o  reinado  é  um  dos  componentes  do 
congado; refere–se à coroação de reis e rainhas, ou seja, à constituição de uma corte. 

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Destaca–se também que o período festivo das congadas em Minas Gerais ocorre, praticamente, o ano 
todo. Inicia–se no mês de janeiro, com as homenagens a Chico Rei, considerado por alguns historiadores 
como responsável por introduzir, na antiga Vila Rica do Ouro Preto, no final do século XVIII, hoje, Ouro 
Preto, a tradição do culto aos santos pretos: 

“Congo  é  o  principal  instrumento  tocado  e  corresponde  a  uma 


espécie  de  tambor  construído  artesanalmente.  Os  ternos  de 
congo  correspondem  ao  agrupamento  de  pessoas  que,  em 
forma de desfile,  cantam, dançam e tocam as caixas (espécie de 
tambores  artesanais  feitos  de  couro  natural),  cada  qual  com 
vestimenta característica.” (PRADO, 2008, p. 159–160)  

É possível encontrar algumas fronteiras que permitam diferenciar os grupos de congado. “No terno de 
catupé, os integrantes dançam com os pés, mãos e costas, usam cercam de seis caixas e dufo (pandeiro 
artesanal);  já  no  terno  de  Moçambique,  os  dançadores  sambam  tocando  patagunga  e  gunga  (no 
tornozelo)”, ressaltou (PRADO, 2008, p. 18). 

Ainda de acordo com BENTO (2008), o capitão (de qualquer terno) é o responsável pelas determinações 
que  afetam  todo  o  conjunto  de  dançadores.  Ele  é  a  pessoa  que,  normalmente,  é  acessada  pelos 
membros da composição humana; é, também, o guia do terno nas canções, dança e gestos. 

Segundo  SILVA  (2005),  os  tambores,  como  parte  da  cultura  musical  expressa  em  termos  de  artefatos 
inerentes à criação musical, nos contextos das diásporas africanas, têm importância insondável porque 
surgem  nos  diversos  espaços  da  vida  social.  Ao  mesmo  tempo,  revelam  uma  das  tantas  habilidades  e 
capacidades  criativas  dos  africanos,  apontando,  também,  para  adaptação  às  contingências  impostas 
pela precária existência no “novo mundo”. 

O Candombe é um ritual de origem africana banto que exprime a essência da sacralidade ancestral. Seus 
mistérios  são  transmitidos  de  geração  em  geração  e,  atualmente,  poucos  são  os  que  detêm  o 
conhecimento.  Nesse  ritual,  cada  participante  entoa  versos  que  fazem  referências  a  mitos  de  origem, 
passagens  do  cotidiano  e  da  história.  Os  instrumentos  utilizados  são  os  tambores,  chamados  santana, 
crivo e requinta, uma caixa, uma puíta (instrumento semelhante a uma cuíca) e um guaiá (cesta de palha 
contendo sementes). 

Os tambores são batidos para rememorar os antepassados; em frente a eles, cada participante canta e 
dança, sendo os "cânticos o elo entre o presente e o passado, entre o céu e a terra". Candombe teria 
sido o nome de uma cidade da Guiné Bissau; de acordo com SILVA (2005), no Brasil, o etmo Candombe 
refere–se tanto ao tambor como à prática cultural em que ele aparece. 

O  Candombe  seria  o  ancestral  mítico  do  congado,  elo  perdido  de  ligação  entre  o  culto  jeje–nagô  e  o 
catolicismo  rústico,  ressaltou  SILVA  (2005).  O  Candombe  é,  entre  os  grupos,  o  mais  antigo  e  o  mais 
banto; por isso é considerado o pai de todas as guardas que nasceram em diferentes épocas: primeiro, 
foi o Congo; depois, o Moçambique, o Catopê e as demais. Ressalta–se que há variantes desse mito de 
origem, de acordo com cada grupo. 

23 
Candombe  significa  “dança  sagrada”;  nele  são  lembrados  os  antepassados  e  tocados  os  tambores 
antigos e sagrados (Santana, Santaninha e Chama), e Zâmbi (Deus Criador) está com eles. Os tambores 
geralmente são toscos e de diferentes tamanhos e funções rítmicas. O Candombe não desfila (não sai 
em  cortejo  ou  em  procissão);  só  se  desloca  em  grandes  ocasiões,  para  tocar  em  casa  do  Rei  ou  da 
Rainha Conga. 

Conta  um  mito  de  origem  corrente  entre  os  candombeiros  de  Minas  Gerais  que,  nos  tempos  do 
cativeiro, Nossa Senhora do Rosário apareceu nas  águas do mar. Os brancos foram em  cortejo para a 
praia, tentar atrair a santa, mas ela nem se mexeu. Então foi a vez dos escravos africanos que, com seus 
rústicos  tambores  de  pau  oco,  cantaram  e  dançaram  para  Nossa  Senhora.  Ela  veio  se  achegando 
"devagarinho" e se assentou sobre o tambor maior. 

Os candombeiros completam a festa com seus cantos enigmáticos, constituídos segundo uma linguagem 
simbólica que remete aos mistérios sagrados. A dança consiste em movimentos das pessoas que estão 
conduzindo o canto em determinado momento; vez por outra, dois dançantes contracenam diante dos 
tambores, movendo–se em direção aos desafios e louvações. 

4.6 OFÍCIO DE QUITANDEIRAS 
O pedido de Registro do “Ofício das Quitandeiras de Minas Gerais” foi encaminhado ao IPHAN, em 2013, 
pela  Secretaria  Municipal  de  Congonhas–MG.  Abarca  44  anuências,  dos  municípios  de  Ouro  Preto, 
Piranga,  Sabará,  Ouro  Branco,  Entre  Rio  de  Minas,  Itabirito,  Jeceaba,  São  Brás  do  Suaçuí,  Barão  de 
Cocais,  Lagoa  Dourada,  São  Gonçalo  do  Rio  Abaixo,  Conselheiro  Lafaiete  e  Belo  Vale1,  e  mandado  à 
Superintendência  do  IPHAN–MG  no  ano  seguinte.  Destaca–se  que,  em  Congonhas,  em  todo  terceiro 
domingo de maio, ocorre o Festival da Quitanda e, mensalmente, as quitandeiras participam da Feira de 
Agricultura Familiar e Urbana, em Belo Horizonte. 

De acordo com o site do IPHAN, as mulheres quitandeiras produzem artesanalmente e vendem iguarias 
da  culinária  regional.  Elas  são  consideradas  uma  referência  cultural  mineira  e  detentoras  de  saberes 
tradicionais,  além  de  atuarem  como  mobilizadoras  de  práticas  sociais  ligadas  à  memória  e  identidade 
cultural do Estado de Minas Gerais. 

A culinária, que data do século XIV, permanece até os dias atuais, apresentando continuidade histórica e 
ressignificação.  As  quitandas,  por  sua  vez,  caracterizam–se  pela  pastelaria  de  produção  caseira,  a 
exemplo  de  bolos,  broas,  roscas,  sequilhos  e  doces  em  geral.    As  receitas  ––  inerentes  ao  ambiente 
familiar e repletas de significados –– são transmitidas, oralmente, de geração a geração. 

Historicamente,  o  termo  “kitanda”,  de  origem  quimbundo,  do  noroeste  angolano,  significa  tabuleiro, 
onde são colocadas as comidas produzidas e comercializadas nas feiras, e até mesmo as próprias feiras. 
Como  prática  feminina  de  origem  africana,  foi  reproduzida  e  ressignificada  no  contexto  colonial  das 
Américas,  de  modo  que  as  escravas  negras  que  vendiam  alimentos  nas  ruas  em  tabuleiros  ficaram 

                                                            
1
Para  mais  detalhes,  acessar  o  link:  http://portal.iphan.gov.br/mg/noticias/detalhes/4445/iphan–mg–realiza–
pesquisa–sobre–o–oficio–das–quitandeiras–de–minas  

24 
conhecidas como “quitandeiras”, “negras do tabuleiro” e/ou “negras de ganho” (LIFSCHITZ & BONOMO, 
2015). 

Essa  prática  foi  assumindo  diferentes  características  nas  variadas  regiões  coloniais,  consagrando–se, 
especialmente,  nas  regiões  de  exploração  minerária,  segundo  PAIVA,  (2001);  FIGUEIREDO,  1993,  1997 
apud LIFSCHITZ & BONOMO (2015):  

“No  século  XIX,  a  queda  na  atividade  mineira  foi  acompanhada  da 
diminuição  das  quitandeiras  enquanto  categoria  social.  O  lugar  da 
prática também foi alterado, tendo em vista que as quitandas passaram 
a  ser  associadas  ao  ambiente  caseiro  no  qual  as  escravas  domésticas 
produziam  esse  tipo  de  alimento,  reguladas  por  sinhás  brancas  de 
origem portuguesa.” (LIFSCHITZ & BONOMO, 2015) 

No século XX, as padarias começaram a produzir esses alimentos, o que gerou a perda da centralidade 
das  quitandas,  retomada,  no  final  do  século  XX,  sob  o  discurso  patrimonial,  associando  a  quitanda  à 
identidade regional mineira: 

“Nesse  contexto  de  patrimonialização,  há  um  crescente  interesse  pela 


memória  social  dessa  prática.  Porém,  as  quitandeiras  apresentam  uma 
situação  singular,  já  que  não  se  trata  de  um  grupo  social  homogêneo, 
historicamente sujeito a experiências comuns, mas da memória de uma 
prática  que  atravessou  grupos  sociais  antagônicos  e  etnicamente 
diferenciados (LIFSCHITZ & BONOMO, 2015, p. 194) 

Com  isso,  LIFSCHITZ  &  BONOMO  (2015)  problematizam  a  construção  de  uma  memória  e  de  uma 
continuidade/descontinuidade  históricas  de  uma  prática  que  ora  é  associada  à  escrava  negra,  ora  à 
sinhá  branca,  de  modo  que  o  estado  deve  estar  atento  ao  discurso  que  irá  produzir  no  processo  de 
patrimonialização desse bem. 

Em 2017, a Superintendência do IPHAN–MG iniciou o levantamento e identificação das quitandeiras e 
seus  ofícios  via  Formulário  de  Informações  Prévias  sobre  o  Ofício  das  Quitandeiras  de  Minas  Gerais, 
online2. A construção dessas informações contribuirá para o andamento do processo de Registro dessa 
prática cultural como Patrimônio Imaterial do Brasil. 

4.7 OFÍCIO DE RAIZEIRAS E RAIZEIROS DO CERRADO 
A  abertura  do  processo  de  Registro  no  IPHAN  do  “Ofício  de  Raizeiras  e  Raizeiros  no  Cerrado 
(Farmacopeia Popular do Cerrado)” ocorreu em 06 de agosto de 2006, possuindo como proponente a 
Articulação  Pacari  –  Plantas  Medicinais  do  Cerrado.  A  Articulação  Pacari  foi  criada  em  1999,  fruto  da 
Rede  Cerrado  e  da  Rede  de  Plantas  Medicinais  da  América  do  Sul,  constituindo–se  como  “uma  rede 
socioambiental  formada  por  organizações  comunitárias  que  praticam  medicina  tradicional  através  do 
uso sustentável da biodiversidade do Cerrado”. De acordo com o proponente:  

                                                            
2
 Para conhecer, acessar o Formulário através do link: https://goo.gl/forms/JImp7i8QmWjA5x8t1 . 

25 
 “... raizeiras e raizeiros são povos tradicionais do bioma Cerrado, 
detentores de conhecimentos tradicionais transmitidos através de 
gerações,  que  cuidam  da  saúde  comunitária  através  do  uso  de 
recursos  naturais  e  da  espiritualidade.  O  seu  ofício  abrange  a 
identificação  de  plantas  medicinais  e  dos  seus  ecossistemas  de 
ocorrência, assim como o conhecimento de técnicas sustentáveis 
para a coleta de plantas, o preparo de remédios caseiros e a sua 
indicação para diversos males e doenças.” (ARTICULAÇÃO PACARI, 
2014) 
A proposição desse pedido surgiu após o 4º Encontro de Parteiras, Benzedeiras e Raizeiras do Cerrado, 
realizado em 2004, em Goiás, promovido pela Articulação supracitada e por organizações da sociedade 
civil; e do diálogo entre a Articulação, com apoio da Diretoria de Patrimônio Genético do Ministério do 
Meio Ambiente, com o IPHAN. 

Em  2009,  através  de  Convênio  assinado  com  o  IPHAN  e  gerido  pelo  IPHAN/SEDE,  juntamente  com  A 
Casa  Verde  –  Cultura  e  Meio  Ambiente3,  e  que,  de  acordo  com  a  Articulação  Pacari,  também  contou 
com sua participação no processo, foi elaborado o projeto “Levantamento preliminar e participativo de 
informações sobre o ofício das raizeiras e dos raizeiros do Cerrado”. Esse levantamento, encerrado em 
2011, buscou entender os saberes e fazeres das raizeiras e dos raizeiros através de seis etapas: 
 identificação e articulação de raizeiras e raizeiros nas regiões do Cerrado de Minas Gerais, Goiás, 
Mato  Grosso,  Maranhão,  Tocantins;  e  Distrito  Federal,  bem  como  de  demais  atores  sociais 
relevantes; 
 levantamento e organização de  material bibliográfico e audiovisual já produzido sobre o  tema 
(livros, folders, vídeos etc.); 

 entrevistas e filmagem com raizeiras e raizeiros; 
 socialização, análise e sistematização participativa do levantamento preliminar de informações 
sobre o ofício; 

 produção do texto descritivo sobre o ofício, com base nos resultados da pesquisa; 
 edição final e participativa dos produtos do projeto (texto descritivo do ofício, vídeo e site para 
divulgação dos resultados da pesquisa). 

Em  2014,  raizeiras  representantes  de  43  grupos  comunitários  de  10  regiões  de  Minas  Gerais,  Goiás, 
Tocantins  e  Maranhão,  juntamente  com  a  Articulação  Pacari,  elaboraram  o  Protocolo  Comunitário 
Biocultural das Raizeiras do Cerrado, visando servir de instrumento político para conquista de direitos e 
de uma legislação que garanta a manutenção das práticas tradicionais dessas pessoas. 
De acordo com o Código Penal brasileiro, artigo 273, a disponibilização dos remédios caseiros, aspecto 
marcante nesse ofício tradicional, sem respectivo registro no Ministério de Saúde, é considerado crime.  

                                                            
3
  A  Casa  Verde  é  uma  organização  não  governamental  que  trabalha  pela  defesa  e  valorização  da  diversidade 
cultural e ambiental, com ênfase para as expressões populares dessa diversidade. 

26 
Com isso, "a manutenção e a transmissão desse conhecimento são ameaçadas, fazendo–se necessário o 
reconhecimento, pelo Estado brasileiro, de sua importância, assegurando condições para a continuidade 
de  sua  existência"  (ARTICULAÇÃO  PACARI,  2014).  A  elaboração  desse  documento  foi  fruto  de  um 
processo iniciado em 2008, através de 12 encontros regionais e dois nacionais: 

“Os  encontros  regionais  priorizaram  o  diálogo  sobre 


critérios  coletivos  de  segurança  e  eficácia  de  remédios 
caseiros,  e  os  encontros  nacionais  priorizaram  a 
construção  da  identidade  social  das  “raizeiras”  e  a 
elaboração  de  metas  para  a  conservação  da 
biodiversidade do Cerrado.” (ARTICULAÇÃO PACARI, 2014, 
p. 6). 

O  Protocolo  apresenta  a  construção  da  identidade  social  “raizeiras”  e  a  rede  de  relações  sociais 
associada  a  essa  identidade.  Conforme  seu  texto,  a  categoria  “raizeiras”  busca  ser  representativa  de 
vários  ofícios,  abrangendo  praticantes  autodenominados  raizeiras,  remedeiros,  benzedeiras,  parteiras, 
agentes de pastoral e outros. 

Ademais, devem identificar–se de acordo com as seguintes categorias, definidas coletivamente nesses 
encontros:  entendimento  da  raizeira  como  grande  conhecedora  da  natureza  e  sua  protetora  fruto  de 
uma relação sustentável; a comercialização dos remédios caseiros produzidos deve ser acompanhada de 
preços  justos  e  doados  a  quem  não  possui  condições  de  pagar  por  eles;  a  vivência  de  seu  ofício  é 
acompanhada de um preparo espiritual; e o caminho de seu ofício possui sua origem na transmissão dos 
conhecimentos  tradicionais,  principalmente  através  de  relações  familiares,  podendo  ser 
complementado por fontes e intercâmbios outros, conforme ARTICULAÇÃO PACARI (2014). 

Quanto  à  rede  de  relações,  o  Protocolo  demonstra  que  o  ofício  pode  ser  realizado  individualmente, 
sendo  também  recorrente  a  configuração  em  grupos  comunitários  tanto  para  o  atendimento  aos 
necessitados  quanto  para  o  processo  de  obtenção  das  plantas  que  utilizam.  Muitas  vezes,  a  coleta 
ocorre  em  propriedades  que  não  lhes  pertencem,  sendo  necessário  estabelecer  relações  com  seus 
proprietários, para garantir o acesso a esses locais. 

Atualmente,  muitas  raizeiras  recebem  pedidos  de  remédios  caseiros  via  Internet,  normalmente 
contando  com  o  apoio  dos  jovens.  Além  disso,  apontam  para  uma  relação  entre  o  rural  e  o  urbano, 
tanto por pessoas que moram nos centros urbanos e continuam adquirindo remédios de comunidades 
rurais quanto por raizeiras que saem do rural e mantêm seus ofícios no ambiente urbano, obtendo os 
insumos  necessários  ao  preparo  dos  remédios  caseiros,  como  rapadura,  cachaça,  mel,  óleos  vegetais, 
entre outros”, por meio de “agricultores familiares, reforçando uma rede local de comércio solidário”. 
(ARTICULAÇÃO PACARI, 2014, p. 14) 

4.8 COMUNIDADES REMANESCENTES DE QUILOMBOS 
Embora  existam  diversas  comunidades  rurais  negras  nos  12  municípios  interceptados  pela  LT  345  kV 
Itutinga  –  Barro  Branco,  foram  identificadas  apenas  4  Comunidades  Remanescentes  de  Quilombos 
(CRQs) certificadas pela Fundação Cultural Palmares (FCP). 

27 
Os  municípios  que  possuem  esses  grupos  sociais  são:  Nazareno,  com  as  comunidades  de  Jaguara  e 
Palmital, ambas em áreas rurais; Resende Costa, onde se situa a comunidade Curralinho dos Paulas; e 
Mariana, onde está localizada a comunidade quilombola de Vila Santa Efigênia. 

O  Quadro  4.1  apresenta  as  CRQs  certificadas  e  suas  distâncias  em  relação  ao  traçado  da  LT  345  kV 
Itutinga – Barro Branco. De acordo com o Anexo I da Portaria Interministerial nº 60, de 24 de março de 
2015,  as  comunidades  quilombolas  que  estejam  até  5  km  de  distância  de  empreendimentos  lineares, 
tais como LTs, devem ser objeto de estudo específico de análise de impactos, no âmbito do processo de 
licenciamento  ambiental.  Dessa  forma,  a  Comunidade  de  Santa  Efigênia  em  Mariana  não  será 
contemplada nas pesquisas. 

Quadro 4.1– CRQs em relação ao traçado da LT 345 kV Itutinga – Barro Branco 

 
Fonte: MANTIQUEIRA/BIODINÂMICA, 2017. 

Nesse  sentido,  a  Mantiqueira  Transmissora  de  Energia  S.A  protocolou,  em  04  de  outubro  de  2016,  a 
consulta à FCP a fim de obter as orientações necessárias aos estudos das comunidades mais próximas ao 
empreendimento:  Palmital  e  Curralinho  dos  Paulas.  Em  17  de  março  de  2017,  representantes  do 
empreendedor  e  da  Biodinâmica  Rio  tiveram  uma  reunião  na  sede  da  FCP,  quando  foi  acordado  que 
essa  Fundação  emitiria  um  Termo  de  Referência  (TR)  específico  para  serem  iniciados  os  trabalhos  de 
campo, a fim de caracterizar as comunidades que estivessem mais próximas ao empreendimento. 

A  seguir,  foi  emitido  o  Ofício  155/2017/GAB/FCP/MinC,  em  31  de  março  de  2017,  respondendo  à 
consulta feita pela Mantiqueira de outubro de 2016, solicitando os estudos para as CRQs Curralinho dos 
Paulas, Jaguara e Palmital. 

O  Plano  de  Trabalho  (PT)  foi  enviado  à  FCP,  via  e–mail,  em  31  de  março  de  2017,  e  posteriormente 
protocolado, em abril de 2017. Em 04 de abril de 2017, a FCP emitiu o Ofício 157/2017/GAB/FCP/MinC, 
aprovando o PT e ressalvando que, mesmo a comunidade de Jaguara estando a uma distância superior a 
5 km, conforme determina a Portaria Interministerial no 60/2015, a Certidão de Autodefinição emitida 
pela FCP congregava Jaguara e Palmital. Esse fato indicaria a possibilidade de reivindicação conjunta de 
um mesmo território e que, por isso, seria necessária a elaboração do estudo também para Jaguara. 

Nos  dias  07  e  08  de  abril  de  2017,  foram  realizadas  as  Reuniões  Informativas  nas  Comunidades  de 
Curralinho dos Paulas, Palmital e Jaguara, da qual participaram FCP, Mantiqueira e Biodinâmica Rio. 

Foram  apresentados  às  comunidades  e  aos  representantes  do  Poder  Público  local  e  da  Universidade 
Federal  de  São  João  Del  Rei  (UFSJ)  os  dados  do  empreendimento  e  os  objetivos  dos  estudos  do 

28 
componente quilombola no âmbito do licenciamento ambiental. Em seguida, realizaram–se os serviços 
de campo para a caracterização dessas comunidades, a fim de subsidiar a análise de eventuais impactos 
da LT sobre elas. 

O estudo do Componente Quilombola das CRQs Curralinho dos Paulas, Jaguara e Palmital está em fase 
de conclusão. As próximas etapas incluem a apresentação dos resultados desse estudo nas respectivas 
comunidades,  a  fim  de  obter  a  sua  aprovação  e  a  anuência  da  FCP  para  que  o  IBAMA  emita  a  LP  do 
empreendimento. A seguir, é apresentado um breve descritivo das CRQs em estudo. 

O  Estudo  do  Componente  Quilombola  (ECQ)  das  CRQs  Curralinho  dos  Paulas,  Jaguara  e  Palmital  foi 
protocolado  na  Fundação  Cultural  Palmares  (FCP)  em  01/08/17  (através  da  correspondência  CO‐152‐
17).  As  reuniões  de  apresentação  dos  resultados  desse  estudo  (devolutivas),  foram  realizadas,  nas 
respectivas  comunidades,  nos  dias  08,  09  e  10  de  janeiro  2018,  a  fim  de  obter  a  sua  aprovação  e  a 
anuência  da  FCP  para  que  o  IBAMA  emita  a  LP  do  empreendimento.  As  próximas  etapas  incluem  a 
elaboração  do  Projeto  Básico  Ambiental  Quilombola  (PBA‐Q)  e  novas  reuniões  de  apresentação  dos 
Programas nas comunidades. A seguir, é apresentado um breve descritivo das CRQs em estudo. 

4.8.1 CRQ CURRALINHO DOS PAULAS 
A comunidade de Curralinho dos Paulas está situada no município de Resende Costa e localizada a cerca 
de 2,4 km do traçado da LT em estudo. Possui cerca de 50 famílias (140 pessoas), e sua economia gira 
em torno dos tapetes confeccionados no local e vendidos na cidade de Resende Costa, nos trabalhos nas 
lavouras e na produção de carvão (eucaliptos). Alguns moradores trabalham como “retireiros” de leite, 
nas fazendas situadas no entorno do povoado. 

Contam com o Conselho Comunitário Nossa Senhora da Conceição, com 12 membros. 

4.8.2 CRQ PALMITAL 
Palmital localiza–se no município de Nazareno e está a 670 m de distância da LT 345 kV Itutinga – Barro 
Branco. Há cerca de 30 famílias (100 pessoas), distribuídas em 18 casas. Os moradores trabalham nas 
fazendas  próximas,  na  roça  de  milho  e  café  e  cultivam  pequenas  hortas  e  criações  de  animais, 
destinados à subsistência. 

4.8.3 CRQ JAGUARA 
Situada também em Nazareno, possui cerca de 33 famílias, com aproximadamente 200 moradores. Seu 
núcleo  está  a  cerca  de  6,3  km  do  traçado  da  LT  em  estudo,  portanto,  fora  dos  limites  da  Portaria 
Interministerial  nº  60/2015.  Entretanto,  como  a  Certificação  de  Autodefinição  das  Comunidades 
Quilombolas de Palmital e Jaguara é a mesma, a FCP solicitou que ambas fossem contempladas. 

4.9 ÁREAS DE ESTUDO 

Anteriormente  aos  trabalhos  de  levantamento  de  dados  primários,  foram  delimitadas  as  áreas  de 
estudo  adotadas  neste  RAIPI  do  projeto  da  LT  345  kV  Itutinga  –  Barro  Branco,  que  considerou,  em 
especial, a Área de Influência Direta (AID) do meio socioeconômico para o empreendimento. 

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Nesse sentido, destaca–se que as Áreas de Estudo de um empreendimento correspondem aos espaços 
físico,  biótico  e  de  relações  sociais,  culturais,  políticas  e  econômicas  passíveis  de  sofrer  os  potenciais 
efeitos e impactos das atividades do empreendimento decorrentes de seu planejamento, implantação, 
operação e desativação. 

A definição da área de estudos socioeconômicos levou em consideração o grau e o alcance das possíveis 
interferências positivas e negativas que o planejamento, a implantação e a operação da LT em foco vão 
trazer ao cotidiano da população que reside na região onde se insere o empreendimento, incluindo suas 
áreas de produção econômica, sua dinâmica social e cultural, de circulação e distribuição territorial. 

Essa  análise  prévia  das  áreas  consideradas  no  Estudo  de  Impacto  Ambiental  (EIA) 
(MANTIQUEIRA/BIODINÂMICA,  2017)  foi  possível  a  partir  do  conhecimento  das  características  do 
empreendimento  e  das  principais  inter–relações  que  são  estabelecidas  na  região  a  partir  da  sua 
presença,  tais  como:  as  demandas  para  as  obras,  a  utilização  de  acessos,  de  serviços  públicos  e  de 
insumos locais, a relação com os proprietários e o Poder Público, dentre outros. 

Já a delimitação das Áreas de Influência de um determinado projeto são um dos requisitos legais para 
confirmação  da  avaliação  de  impactos,  constituindo–se  em  fator  de  grande  importância  para  o 
direcionamento da coleta de dados, voltada para o diagnóstico local. Ou seja, a delimitação de cada uma 
dessas  áreas  ––  Área  Diretamente  Afetada  (ADA),  Área  de  Influência  Direta  (AID)  ou  Indireta  (AII)  –– 
fundamenta–se  no  grau  de  detalhamento  necessário  à  análise  da  possível  interação  entre  o 
empreendimento e o meio ambiente. 

Este  RAIPI  da  LT  345  kV  Itutinga  –  Barro  Branco  considerou  o  limite  administrativo  dos  municípios  de 
Itutinga, Nazareno, Conceição da Barra de Minas, São João Del Rei, Ritápolis, Resende Consta, Entre Rios 
de  Minas,  São  Brás  do  Suaçuí,  Jeceaba,  Congonhas,  Ouro  Preto  e  Mariana  como  Área  de  Influência 
Indireta  (AII)  do  empreendimento.  Destaca–se  que  todas  as  sedes  municipais  também  foram 
consideradas como Área de Estudos para levantamento de dados e contatos com o Poder Público local 
de cada município. 

Especificamente sobre a AID da LT 345 kV Itutinga – Barro Branco, considerando o componente da Área 
de Estudos do meio socioeconômico, delimitou–se um buffer de 5 km (2,5 km para cada lado do traçado 
da LT). 

Como  ADA,  consideraram–se:  a  área  do  terreno  a  ser  utilizada  nas  intervenções  construtivas  do 
empreendimento,  que  representa  48  m  de  largura  (faixa  de  24  m  para  cada  lado  do  eixo  da  LT),  os 
canteiros de obras e o sistema rodoviário a ser utilizado para o transporte de equipamentos, materiais e 
trabalhadores  do  empreendimento.  Foram  incluídos  os  acessos  a  serem  abertos  que,  porventura, 
estivessem  localizados  fora  da  faixa  de  servidão  e  que  venham  a  intervir  diretamente  na  abertura  de 
novas vias ou adequação de vias existentes. 

A  ADA  do  empreendimento  é  ocupada,  predominantemente,  por  propriedades  rurais  de  pequeno  e 
médio portes, com atividade pecuária leiteira, turística e de lazer, e plantios de eucaliptos. No perímetro 
urbano  de  algumas  cidades,  as  LTs  em  345  kV  Itutinga  –  Jeceaba,  Jeceaba  –  Itabirito  2  e  Itabirito  2  – 

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Barro  Branco  deverão  atravessar  a  área  de  propriedades,  cujas  casas  e  demais  benfeitorias 
caracterizam, em geral, uma paisagem urbana de baixo padrão construtivo. 

Isso  foi  observado,  principalmente,  nos  povoados  de  Gameleiras  e  da  Mineirinha,  nos  municípios  de 
Entre Rios de Minas e Congonhas, respectivamente, no subdistrito dos Motas (ou localidade dos Motas), 
no  distrito  de  Miguel  Burnier,  em  Ouro  Preto,  e  no  bairro  Vila  Alegre,  no  distrito  de  Cachoeira  do 
Campo, também no município de Ouro Preto. 

As atividades mineradoras foram observadas, majoritariamente, nos municípios de Jeceaba, Congonhas 
e Ouro Preto. 

Considerando  essas  informações,  pode–se  concluir  que  o  território  a  ser  atravessado  pela  LT  é 
majoritariamente ocupado por pequenas propriedades rurais, com dimensões máximas de 25 ha. Sendo 
assim,  a  implantação  da  LT  sobre  essa  estrutura  fundiária  poderá  gerar  impactos  mais  significativos, 
causando,  até  mesmo,  a  inviabilização  das  atividades  econômicas  desenvolvidas  em  algumas  dessas 
propriedades. 

No  entanto,  a  migração  campo  –  cidade  vem  desqualificando  as  propriedades  rurais,  em  termos  de 
recursos  humanos.  Segundo  MANTIQUEIRA/BIODINÂMICA  (2017),  observou–se  que  muitas 
propriedades não possuem moradores. Os proprietários residem nas cidades, mais próximos à oferta de 
bens e serviços, mesmo porque, na área rural, quase não existem mais escolas, tampouco unidades de 
saúde. Os funcionários e empregados dessas fazendas e sítios também passaram a residir nas cidades, 
fazendo o percurso de 10 a 50 km, em média, para realizar as tarefas diárias nessas propriedades, seja 
na ordenha das vacas, seja na lida do pasto e das plantações, seja na produção de carvão, etc.  

Antes, eram os jovens que buscavam oportunidades nas cidades; atualmente, nota–se um movimento 
de  esvaziamento  quase  total  do  campo.  Outro  movimento  de  contingente  populacional  interessante 
tem  sido  observado  na  contramão  do  processo  relatado  anteriormente,  ou  seja,  o  de  pessoas  que 
buscam um lugar, um sítio, uma chácara, um pouso para descansar, recompor as energias, recuperar o 
fôlego da vida acelerada nas cidades, em que residem. 

Esses sitiantes –– população flutuante de fins de semana e feriados –– buscam sossego, paz, calmaria 
nos povoados e distritos do município de Congonhas, como os povoados dos Lobos e dos Matosos, e os 
distritos  de  Alto  Maranhão  e  Lobo  Leite,  assim  como  nos  distritos  de  Engenheiro  Correia  e  Santo 
Antônio  do  Leite,  e  no  povoado  da  Chapada,  no  município  de  Ouro  Preto,  localidades  que  ainda 
apresentam  bens  naturais,  culturais  e  históricos  capazes  de  atrair  a  atenção  desse  público. 
Especificamente  no  distrito  de  Chapada  em  Ouro  Preto,  destaca–se  que  o  ambiente  natural  favorável 
gera muita especulação imobiliária (criação de chácaras e sítios), cuja vocação é o turismo na natureza, 
o lazer e a admiração de patrimônios histórico–culturais. 

Assim,  os  povoados  agrícolas  que,  antes,  encontravam–se  distantes  das  margens  dos  perímetros 
urbanos, hoje sofrem um processo de descaracterização de sua função rural inicial e são incorporados 
espacialmente aos núcleos urbanos supracitados, servindo como vetores de  expansão e adensamento 
urbano. 
 

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As áreas de influência apresentadas acima foram consideradas, conforme citado anteriormente, como 
elementos de referência para a identificação dos bens imateriais, os quais são representados em mapa, 
para  cada  município,  na  seção  6,  deste  RAIPI,  “Descrição  Histórico‐Cultural  dos  Bens  de  Natureza 
Imaterial”. Nesse mapa é também apresentado um quadro com a distância de cada bem identificado em 
relação à LT. 

4.9.1  LT 345 KV ITUTINGA – JECEABA 
A  futura  LT  345  kV  Itutinga  –  Jeceaba,  que  deverá  interligar  as  SEs  Itutinga  e  Jeceaba,  atravessará  o 
território de 9 (nove) municípios do Estado de Minas Gerais: Itutinga, Nazareno, Conceição da Barra de 
Minas, São João Del Rei, Ritápolis, Resende Costa, Entre Rios de Minas, São Brás do Suaçuí e Jeceaba. 

4.9.1.1 Km 0 ao Km 0,9 (V–03) – Municípios de Itutinga e Nazareno 
No trecho inicial do traçado da futura LT, identificaram–se duas vilas residenciais situadas no entorno da 
SE  Itutinga  (Km  0):  a  vila  de  FURNAS  (23k  538.225  E/7.644.932  S)  e  a  vila  da  CEMIG  (23k  538798 
E/7645142  S),  que  compõem  a  área  urbana  do  município  de  Itutinga,  e  o  bairro  Santa  Mônica  (23k 
538.251 E/7.645.684 S), situado à esquerda da futura LT, às margens do rio Grande, já no município de 
Nazareno.  Também  foram  identificadas  duas  casas  situadas  à  esquerda  da  futura  LT  (23k  538.201 
E/7.645.058  S,  na  altura  do  Km  0,1,  e  23k  538.202  E/7.645.542  S,  no  Km  0,5).  As  áreas  de  pastagens 
dessas propriedades deverão ser interceptadas pelo empreendimento. 

Entre o Km 0,1 (V–01) e o Km 0,3 (V–02), a futura LT deverá atravessar um pequeno trecho de mata em 
estágio  de  regeneração.  Nessa  área,  ocorreu  a  extração  de  brita  ––  antigo  “britador”  da  Usina 
Hidrelétrica (UHE) de Itutinga (23k 538.289 E/7.645.114 S). Em seguida, a futura LT deverá atravessar o 
rio Grande (23k 538.468 E/7.645.416 S), em um trecho com uma pequena ilha, a jusante da barragem da 
UHE de Itutinga. 

4.9.1.2 Km 0,9 (V–03) ao Km 10,6 – Município de Nazareno 
No trecho entre o Km 0,9 (V–03) e o Km 10,6 (divisa intermunicipal de Nazareno e Conceição da Barra 
de Minas), foi observado o predomínio de áreas de pastagens, intercaladas por pequenos fragmentos de 
matas  (inclusive  as  matas  ciliares)  e  pequenas  lavouras  de  milho,  cana  e  capim,  culturas  destinadas  à 
alimentação das criações de gado bovino leiteiro, características marcantes em pequenas propriedades 
rurais, com mão de obra familiar. 

Entre o Km 4,3 e o Km 4,5 e o Km 4,8 e o Km 5,1 (próximos ao V–04), e entre o Km 8,0 e o Km 8,4, a 
futura LT deverá interceptar fragmentos de mata preservados. É importante destacar que, próximo ao 
cruzamento  da  futura  LT  com  a  Rodovia  BR–265  (23k  539.945  E/7.646.457  S),  foram  observadas  duas 
construções próximas ao traçado: uma casa em construção (23k 539.906 E/7.646.322 S) a cerca de 80 m 
(lado direito), e uma casa (23k 540.085 E/7.646.613 S) a 50 m (lado esquerdo). Segundo Biodinâmica Rio 
(2017),  as  propriedades  encontravam–se  com  as  porteiras  fechadas,  não  sendo  possível  realizar  a 
entrevista com seus proprietários e/ou encarregados. 

No entorno do rio Grande e dos reservatórios das UHEs de Itutinga e Camargos, são comuns os sítios e 
ranchos  de  pescaria  de  fim  de  semana,  como  o  Sítio  Pontal  do  Lago  (23k  539.340  E/7.645.891  S),  na 
altura do Km 1,5 e a cerca de 155 m do traçado da LT. No entanto, durante os dias de semana, essas 
propriedades encontram–se fechadas, sem moradores fixos, inclusive caseiros. 

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4.9.1.3 Km 10,6 ao Km 32,4 – Municípios de Conceição da Barra de Minas e São João Del Rei 
No trecho entre o Km 10,6 e o Km 32,4, além de áreas de pastagens e de lavouras de milho destinadas à 
criação de gado bovino leiteiro –– semelhantes ao segmento anterior (Km 0,9 – Km 10,6), na área rural 
de  Nazareno  ––,  no  território  municipal  de  Conceição  da  Barra  de  Minas  e  São  João  Del  Rei,  também 
foram observadas lavouras de café, que deverão ser interceptadas pelo empreendimento, entre o Km 
10,7 e o Km 11,4, e entre o Km 12,2 e o Km 13,3 (Fazenda dos Forros). 

Foram  observados  pequenos  trechos  de  mata  entre  o  Km  15,3  e  o  Km  30,0,  que  deverão  ser 
interceptados pelo traçado da futura LT. Também merece menção uma área de silvicultura (cultivo de 
eucaliptos), que deverá ser interceptada pela futura LT, entre o Km 21,0 e o Km 21,4. Entre o Km 24,9 e 
o  Km  28,5,  a  futura  LT  deverá  atravessar  uma  área  composta  por  pastagens  e  fragmentos  de  mata; 
nesse trecho, não foram observadas ocupações humanas próximas ao empreendimento. 

Entre o Km 31,0 e o Km 31,9, a futura LT atravessará o território municipal de São João Del Rei, em área 
pertencente à Fazenda Caburu. Em seguida, o empreendimento voltará a percorrer cerca de 450 m em 
áreas  de  mata  ciliar  (rio  das  Mortes)  e  de  pastagens  (entre  o  Km  32,0  e  o  Km  32,4  da  futura  LT), 
pertencentes ao município de Conceição da Barra de Minas. 
4.9.1.4 Km 32,4 ao Km 97,4 – Municípios de Ritápolis, Resende Costa e Entre Rios de Minas 

No  trecho  entre  o  Km  32,4  e  o  Km  97,4,  a  futura  LT  atravessará,  predominantemente,  áreas  de 
silvicultura (cultivos de eucaliptos), intercaladas por áreas de pastagens, lavouras de milho (destinadas à 
produção  de  silagem  para  o  rebanho  bovino)  e  fragmentos  de  mata,  nos  territórios  municipais  de 
Ritápolis,  Resende  Costa  e  Entre  Rios  de  Minas.  Foram  observadas  áreas  de  cultivo  de  eucaliptos 
mescladas com a mata (regenerada), o que pode ser justificado pela explicação apresentada por alguns 
produtores rurais, em relação ao baixo valor de mercado do eucalipto e seus produtos. Os fragmentos 
de  mata  que  deverão  ser  interceptados  pela  futura  LT  estão  compreendidos  entre  o  Km  32,8  e  o  Km 
96,3, de forma não contínua. 

Quanto às áreas de lavouras de milho, citam–se: entre o Km 54,4 e o Km 55,1 (ponto de travessia do 
ribeirão Santo Antônio, na divisa entre Ritápolis e o município de Resende Costa) e entre o Km 58,9 ao 
Km 59,4, entre o Km 77,0 e o Km 77,5 (no  entorno do vértice V–10), entre o Km 80,5 e o Km 81,5, e 
entre  o  Km  89,6  e  o  Km  89,8  (área  de  lavoura  mecanizada,  com  uso  de  colheitadeiras,  na  Fazenda 
Cayuaba). 

Também  foi  observada  uma  área  de  lavoura  de  soja  entre  o  Km  69,3  e  o  Km  70,6  da  futura  LT.  Na 
estrada  de  acesso  (não  pavimentada)  às  localidades  identificadas  nesta  pesquisa,  foram  observados 
alguns balneários muito utilizados pela população de Ritápolis, sobretudo nos fins de semana e feriados, 
como  a  cachoeira  do  Jaburu  (23k  567.491  E/7.674.162  S)  e  o  balneário  Cachoeira  (23k  566.167 
E/7.672.226  S),  na  área  da  Fazenda  Cachoeira.  Essas  áreas  requerem  maior  atenção,  sobretudo  no 
período construtivo do empreendimento, a fim de evitar interferências nas áreas de lazer da população. 

A Estrada Real e seu caminho religioso envolvem 86 municípios (37 na Rota Principal e 49 na Área de 
Abrangência), em  um roteiro de 1.033  km,  entre as  cidades de Caeté (MG), onde está o  Santuário  de 

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Nossa Senhora da Piedade, que guarda a imagem da protetora de Minas Gerais, e Aparecida (SP), onde 
fica  a  basílica  da  padroeira  do  Brasil.  Trata–se  de  uma  “estrada  pavimentada  pela  fé,  norteada  pela 
cultura e cercada de tradições, belezas naturais e arte popular”, que pode ser percorrida a pé, a cavalo 
ou de bicicleta. Inspirado na rota de Santiago de Compostela –– peregrinação de 800 km entre a França 
e a cidade espanhola ––, o Caminho Religioso da Estrada Real (CRER) foi lançado oficialmente, em abril 
de  2014,  pela  Secretaria  de  Estado  de  Turismo  de  Minas  Gerais,  que  sinalizou  o  roteiro,  com  mapas, 
guias,  pontos  de  apoio  aos  peregrinos  e  referências  de  atrações,  hotéis  e  restaurantes.  A  rota  foi 
idealizada,  há  quase  uma  década,  pelo  economista  Eberhard  Hans  Aichinger,  presidente  do  Conselho 
Deliberativo do Instituto Estrada Real. 

Na  Rota  Principal,  entre  os  municípios  mineiros  abrangidos  pelo  empreendimento  em  análise,  podem 
ser citados: São João Del Rei, Entre Rios de Minas, São Brás do Suaçuí, Congonhas, Ouro Preto e Mariana 
(como anteriormente mencionado). 

4.9.1.5 Km 97,4 ao Km 106,5 – Municípios de São Brás do Suaçuí e Jeceaba 
No  segmento  entre  o  Km  97,4  e  o  Km  106,5,  o  traçado  da  futura  LT  deverá  atravessar, 
predominantemente,  áreas  de  pastagens  intercaladas  por  fragmentos  de  mata,  no  território  rural  dos 
municípios de São Brás do Suaçuí e Jeceaba. Em alguns povoados, na área rural de São Brás do Suaçuí, 
como Rio Abaixo e Ponte Pequena (caracterizados a seguir), foram observadas pequenas propriedades 
rurais,  caracterizadas  como  sítios  de  veraneio,  destinadas  ao  lazer  dos  proprietários,  que  utilizam  os 
sítios somente nos fins de semana e feriados. Nesse município, foram observados alguns fragmentos de 
mata, que deverão ser interceptados pela futura LT entre o Km 99,2 e o Km 104,2. 

A  partir  da  divisa  intermunicipal  entre  São  Brás  do  Suaçuí  e  Jeceaba  (próximo  ao  vértice  V–13),  o 
empreendimento  deverá  cruzar  uma  Área  de  Preservação  Permanente  (APP)  e  de  Reserva  Legal  (RL), 
compreendida  entre  o  Km  105,3  e  o  Km  105,4  da  futura  LT,  pertencente  à  empresa  Vallourec 
&Sumitomo Tubos do Brasil (VSB). 

Na área do distrito industrial do município de Jeceaba, a LT deverá cruzar as linhas férreas da empresa 
MRS (entre o Km 105,4 e o Km 105,6) e uma futura linha férrea projetada pela VSB (Km 105,9), que terá 
cerca  de  5  km  de  extensão.  O  empreendimento  já  foi  aprovado  pelo  IBAMA,  segundo  as  informações 
prestadas pelos funcionários da VSB, entrevistados durante a pesquisa de campo. 

Após atravessar a área da empresa, entre as estruturas de manutenção das locomotivas da MRS (lado 
direito, Km 105,6, a 229m do traçado) e de pelotização, além do pátio de matérias–primas e moega de 
descarga da própria VSB (lado esquerdo, Km 105,8, a 336 m do traçado), a futura LT ainda deverá cruzar 
duas estradas pavimentadas (Km 106,0 e Km 106,3), uma área de mata nativa (entre o Km 106,0 e o Km 
106,2 – vértice V–14) e uma futura LT da mineradora Ferrous, que se encontra em fase de licenciamento 
ambiental  (Km  106,2  –  entre  os  vértices  V–14  e  V–15).  Segundo  relataram  os  funcionários  da  VSB,  a 
futura LT interligará a SE Jeceaba à barragem da Ferrous (23k 609.355 E / 7.725.885 S). Em seguida, a 
futura LT deverá apresentar paralelismo com a LT 345 kV Jeceaba – Itabirito II (existente), até alcançar a 
SE Jeceaba (CEMIG), na altura do Km 106,5. 

34 
4.9.2  LT 345 KV JECEABA – ITABIRITO II 
4.9.2.1 Km 0 ao Km 7,8 – Municípios de Jeceaba e São Brás do Suaçuí 
Na área do distrito industrial do município de Jeceaba, o traçado de saída da futura LT da SE Jeceaba, 
localizada  na  área  da  empresa  VSB  (já  caracterizada  no  trecho  anterior),  deverá  cruzar  duas  estradas 
pavimentadas  (Km  0,1  e  Km  0,3).  Na  altura  do  Km  0,2  desse  segmento  de  LT,  antes,  portanto,  do 
segundo  cruzamento,  a  futura  LT  deverá  interceptar  uma  área  destinada  ao  estacionamento  das 
carretas,  que  possui  estrutura  de  detecção  de  radioatividade.  Em  seguida,  entre  o  Km  0,7  e  o  Km  0,9 
(lado direito), a LT deverá se aproximar das instalações da área de apoio e infraestrutura da VSB (a 117m 
do  traçado),  onde  há  rota  de  fuga,  brigada  de  incêndio,  centro  médico  (ambulatório),  dentre  outras 
estruturas.  Do  lado  esquerdo,  na  altura  do  Km  0,9,  a  VSB  pretende  instalar  seu  futuro  Centro 
Administrativo;  contudo,  de  acordo  com  os  funcionários  da  VSB  entrevistados,  não  há  previsão  de 
quando isso acontecerá. 

Na altura do Km 1,0 e do Km 1,5, deverão ocorrer mais dois cruzamentos com estradas pavimentadas na 
área  da  VSB.  Ressalta–se  que,  entre  esses  dois  cruzamentos,  a  futura  LT  deverá  cruzar  o  gasoduto 
GASMIG 1 (Km 1,3); adiante, a LT deverá cruzar mais duas vezes o gasoduto (Km 1,6 e Km 1,7). 

Na altura do Km 1,6, o traçado da futura LT entrará na área rural do município de São Brás do Suaçuí, 
devendo atravessar área composta por pastagens, inclusive o local onde se pretende instalar o futuro 
distrito industrial, entre o Km 2,3 e o Km 3,7 (vértice V–03). O projeto da Prefeitura Municipal de São 
Brás  do  Suaçuí  encontra–se  em  fase  de  estudo  pela  Companhia  de  Desenvolvimento  Econômico  de 
Minas Gerais (CODEMIG). 

A partir do Km 3,8, a LT retornará ao território municipal de Jeceaba, devendo cruzar, em sequência: a 
faixa de dutos da TRANSPETRO, composta pelos oledutos ORBEL I e ORBEL II e o gasoduto GASBEL (Km 
4,0);  estrada  pavimentada  (desativada),  (Km  4,1);  e  as  duas  faixas  da  Rodovia  Estadual  MG–155  (Km 
4,2). 

A partir desses cruzamentos, a LT voltará a percorrer a área rural dos municípios de São Brás do Suaçuí e 
Jeceaba, atravessando áreas de pastagens intercaladas por fragmentos de mata (entre o Km 4,3 e o Km 
4,7, e entre o Km 6,0 e o Km 7,0). 

4.9.2.2 Km 7,8 ao Km 29,0 – Município de Congonhas 
Neste trecho, a futura LT passará a atravessar, predominantemente, áreas de pastagens, em pequenas 
propriedades  rurais,  caracterizadas  como  sítios  e  chácaras  de  veraneio  destinadas  ao  lazer  de  seus 
proprietários, que moram nos centros urbanos mais próximos, como Congonhas e Conselheiro Lafaiete. 

Também foram observados extensos fragmentos de mata. A região é considerada a última fronteira de 
especulação  imobiliária,  no  município  de  Congonhas,  seja  por  parte  de  sitiantes  e  chacareiros,  que 
buscam novas áreas de lazer, seja pela demanda das grandes empresas mineradoras –– como a Vale, a 
CSN/Namisa  e  a  Gerdau  ––,  que  buscam  as  áreas  verdes  remanescentes  para  a  criação  de  Reservas 
Legais. 

35 
4.9.2.3 Km 29,0 ao Km 44,1 – Município de Ouro Preto 
A  partir  da  divisa  intermunicipal  de  Congonhas  e  Ouro  Preto  (Km  29,0  da  LT),  a  futura  LT  começará  a 
atravessar o território municipal de Ouro Preto, passando próximo a processos minerários pertencentes 
a grandes mineradoras, e de alguns distritos e povoados, cuja população, há algum tempo, sofre com os 
impactos socioambientais causados pelas mineradoras, em função da proximidade de suas residências 
com as áreas de extração de minério de ferro. Destaca–se, nas proximidades da chegada da futura LT à 
SE  Itabirito  II,  o  distrito  de  Engenheiro  Correia,  que  possui  vocação  turística,  e  alguns  patrimônios 
histórico–culturais localizados próximo ao empreendimento. 

Além  disso,  a  futura  LT  atravessará  também  fragmentos  de  mata:  entre  o  Km  29,6  e  o  Km  30,1,  no 
entorno da estrada (não pavimentada), que serve de acesso aos caminhões de minério da Gerdau e da 
CSN (Nacional Mineradora S.A. – Namisa), entre a Rodovia BR–040 e o distrito de Miguel Burnier (planta 
da Gerdau Açominas). 

4.9.3  LT 345 KV ITABIRITO II – BARRO BRANCO 
4.9.3.1 Km 0 ao Km 35,0 – Município de Ouro Preto 
A partir da saída da SE Itabirito II (Km 0), a futura LT atravessará um território marcado por vocação para 
o lazer (sítios de veraneio) e para atividades de ciclismo, ecoturismo, turismo rural e histórico–cultural. 
Neste  trecho,  não  são  observadas  atividades  minerárias  (como  no  segmento  anterior),  todavia 
continuam sendo notadas as atividades pecuaristas, que servem de complemento à atividade turística, 
ou para o consumo das famílias residentes nos povoados e distritos existentes ao longo do caminho a 
ser percorrido pela futura LT. 

No entorno da SE Itabirito II, foi identificada a Fazenda da Barra (23k 626.433 E/7.751.491 S), no Km 0, a 
709  m  do  traçado,  cuja  atividade  econômica  desenvolvida  é  a  pecuária  de  gado  bovino  de  corte.  Na 
altura do Km 0,5 da LT, o  traçado deverá interceptar pequenas  propriedades rurais/sítios de veraneio 
(23k 627.636 E/7.752.008 S – benfeitorias a pelo menos 66 m do traçado), pertencentes ao distrito de 
Engenheiro Correia, caracterizado no segmento anterior. 

Nesse  trecho,  também  são  observados  extensos  fragmentos  de  mata,  que  comportam  atrativos 
naturais, como cachoeiras e trilhas, muito procurados e utilizados por moradores da região e visitantes, 
compreendidos  entre  o  Km  0,2  e  o  Km  20,5  (nesse  segmento,  atravessará  uma  área  de  concessão  de 
lavra/calcário), e seguirá entre o Km 24,2 e o Km 35,0. 

A área rural existente entre os distritos de Amarantina e Santo Antônio do Leite encontra–se sob forte 
especulação imobiliária, no que tange a projetos de loteamentos para construção de chácaras e sítios de 
veraneio, segundo informações obtidas com os moradores entrevistados. Uma dessas áreas deverá ser 
interceptada pela futura LT, entre o Km 8,0 e o Km 8,1 (vértice V–04). Entre o Km 28,9 e o Km 29,2, o 
traçado atravessará um areal desativado. 

Destaca–se  ainda,  nas  proximidades  do  distrito  de  Lavras  Novas,  o  povoado  da  Chapada,  que  possui 
vocação  turística  e  alguns  patrimônios  históricos  tombados  pela  Secretaria  Municipal  de  Cultura  de 
Ouro Preto e pelo IPHAN. Nessa localidade, o córrego do Falcão apresenta inúmeros locais de banho ao 
longo de seu percurso, além de belíssimas cachoeiras, tais como as do Castelinho, do Falcão e Moinhos. 

36 
4.9.3.2 Km 35,1 ao final da LT (Km 59,9) – Município de Ouro Preto e Mariana 
A partir da altura do Km 35,0, a futura LT atravessará a região de Santo Antônio do Salto (distrito de Ouro 
Preto), composta por alguns povoados; em seguida, acessará o território municipal de Mariana, atravessando 
grandes extensões de matas, até alcançar a SE Barro Branco (Km 59,9), na área rural desse município. 

Em  contraposição  ao  trecho  analisado  anteriormente,  percebe–se  que  esse  território,  apesar  de 
também  possuir  atrativos  naturais  e  patrimônios  histórico–culturais,  não  tem  a  mesma  vocação 
turística. São notadas atividades pecuaristas, que servem de complemento à renda dos moradores dessa 
região, nitidamente menos abastada, em termos financeiros, que o povoado da Chapada e o distrito de 
Santo Antônio do Leite, por exemplo. 

No tocante aos fragmentos de mata que deverão ser atravessados pela futura LT, citam–se os existentes 
entre o Km 35,5 e o Km 58,8. Ressalta–se que, a partir do Km 45,1, a futura LT iniciará seu traçado em 
território municipal de Mariana. Também foram notadas algumas áreas com plantio de eucaliptos: entre 
o Km 46,4 e o Km 46,8, e entre o Km 59,2 e o Km 59,7, próximo à chegada na SE Barro Branco (Km 59,9). 

Na altura do Km 35,5 e do Km 36,0 da futura LT, foram identificadas duas pequenas propriedades rurais, 
o Sítio São Lázaro (23k 654.312 E/7.732.216 S), no Km 35,5 da LT, a 201 m do traçado, e a Fazenda do Sr. 
Leôncio (23k 654.776 E/7.732.086 S), no Km 36,0 da LT, a 101 m do traçado, caracterizadas como sítios 
de veraneio, que possuem apenas um morador. 

Mais adiante, na altura do Km 37,3 da LT, a localidade dos Fojos (23k 655.944 E/7.732.920 S) possui seis 
casas, a cerca de 1,2 km do traçado. No local, existe um ferro–velho. 

Ao  longo  da  estrada  (não  pavimentada)  que  serve  de  acesso  ao  distrito  de  Santo  Antônio  do  Salto, 
percebe–se o curso de um canal cuja água verte na direção contrária ao curso natural de um rio, ou seja, 
a água “sobe”, acompanhando a maior parte do curso da estrada. É o canal do Maynart (23k 656.001 
E/7.732.514 S – início), cujas águas são utilizadas para a geração de energia elétrica nas três Pequenas 
Centrais Hidrelétricas (PCH) existentes na região: PCH Caboclo (23k 658.164 E/7.732.882 S), PCH Salto 
(23k 661.537 E/7.732.982 S) e PCH Funil / Prazeres (a 4 km). 

As três PCHs existem há mais de 70 anos. Em 1940, na PCH Salto, ocorreu o início do giro. Funcionando 
em capacidade máxima, as 3 PCHs de Santo Antônio do Salto produzem 15 MW/h. Eram administradas 
pela Alcan Alumínio do Brasil (Alumina), que passou a ser Novelis e, recentemente, tornou–se Mainart 
Energética. Há planejamento para fazer uma UHE no Tabuões, que atualmente é só barragem, próximo 
a Santa Rita de Ouro Preto. 

A Mainart Energética planeja fazer uma PCH no rio Gualaxo do Sol (de 3 MW/h), próximo ao distrito de 
Mainart. Próximo à Elevatória da PCH Caboclo, inicia–se a estrada que acessa o Restaurante Taberna da 
Cachoeira,  localizado  na  Fazenda  do  Engenho  (23k  658.116  E/7.731.718  S),  na  altura  do  Km  39,4  da 
futura LT. 

4.10 METODOLOGIA DE ELABORAÇÃO DO RAIPI 

Após  a  contextualização  das  práticas  culturais  alvo  desta  pesquisa,  direcionada  aos  bens  culturais 
acautelados  em  nível  federal,  pelo  IPHAN,  com  ocorrência  nas  Áreas  de  Estudo  dos  municípios 

37 
interceptados pela LT, destaca–se que a metodologia utilizada para a elaboração deste RAIPI considerou 
a abrangência dos bens de natureza imaterial nos municípios da AII na sua totalidade, não apenas em 
relação à localização do traçado do empreendimento. São João Del Rei é um exemplo, uma vez que a 
AID da LT 345 kV Itutinga – Barro Branco está a cerca de 15 km da sede municipal, mas a maioria dos 
bens culturais alvo deste estudo está sediada no perímetro urbano. 

Com base nesse recorte, definiram–se algumas estratégias para subsidiar a coleta de dados a respeito 
da existência e a situação atual dos bens culturais imateriais registrados e em processo de registros pelo 
IPHAN, alvo deste RAIPI. 

Entre  elas,  estão  a  realização  de  pesquisas  preliminares  de  dados  secundários,  contatos  com  gestores 
públicos e entrevistas com os detentores dos bens culturais imateriais especificados no TRE do IPHAN. 
Foram  utilizados,  também,  os  Estudos  de  Impacto  Ambiental  da  LT  345  kV  Itutinga  –  Barro  Branco, 
elaborados  por  MANTIQUEIRA/BIODINÂMICA  RIO  em  2017,  para  contextualização  mais  específica  dos 
municípios interceptados pela LT e caracterização do empreendimento. 

Inicialmente,  em  gabinete,  realizaram–se  pesquisas  na  Internet  e  sites  institucionais  das  Prefeituras, 
sobre as localidades atingidas pelo empreendimento, com o objetivo de obter dados socioeconômicos, 
demográficos  e,  sobretudo,  da  existência  de  Secretarias  Municipais  de  Cultura  e  os  contatos  de  seus 
gestores.  Nesse  momento,  também  se  observou  em  quais  localidades  havia  legislações  específicas  de 
políticas  culturais,  como  Lei  de  Criação  de  Conselho  Municipal  de  Cultura,  Inventários  de  Bens 
Imateriais, Leis de Tombamento e de Registros e outros instrumentos de proteção das práticas culturais 
locais. 

Tais  estratégias  antecedem  o  momento  da  ida  a  campo  propriamente  dita,  o  que  GEERTZ  (1989) 
chamou  de  “estar  lá”.  Isso  porque  a  pesquisa  de  caráter  etnográfico  ou  que  tem  uma  perspectiva 
etnográfica, como é o caso deste relatório, somente acontece quando se está frente a frente com os (as) 
detentores(as),  visitando  seus  contextos  e  reinterpretando  os  fatos  que  são  interpretados  por  eles 
acerca de uma prática cultural, conforme sugere GEERTZ (1989). 

No segundo momento, com a equipe já presente nas sedes dos municípios, dirigiu–se, primeiramente, 
às  Secretarias  de  Culturas  que,  na  maioria  delas,  abrigavam  outras  pastas,  como  Educação,  Esporte  e 
Lazer,  para  realizar  conversas  com  gestores  e  servidores  responsáveis  pelas  ações  institucionais.  Em 
alguns casos, os representantes do Poder Público local com os quais a equipe de pesquisa conversou já 
detinham conhecimento sobre o empreendimento, tais como Entre Rios de Minas, Jeceaba e Resende 
Costa; já a maior parte deles, não os tinha. 

As visitas visavam obter contatos dos informantes detentores dos bens culturais de natureza imaterial 
acautelados  pelo  IPHAN  e  conseguir  cópias  de  documentos  oficiais  e  informações  acerca  das  ações 
locais  destinados  à  preservação  da  cultura  local,  conforme  consultas  prévias  realizadas  nos  sites  da 
instituição.  Convém  destacar  que  nem  todas  as  informações  disponíveis  na  Internet,  a  respeito  das 
ações do patrimônio imaterial, realizadas em contextos locais, existiam de fato. 

Na página institucional do município de São Brás do Suaçuí, consta a existência de alguns bens culturais 
imateriais  reconhecidos  pelo  Poder  Público  local,  como  é  o  caso  do  Terno  de  Marujos  (Congada)  e  o 

38 
Ofício de Quitandeira; no entanto, em conversa realizada com o gestor Marco Antônio da Costa, na sede 
da Secretaria de Cultura, Esporte, Lazer e Turismo, ele afirmou que não tinha conhecimento desse tipo 
de ação institucional, e que foram ações da gestão municipal passada, que a atual desconhecia. 

Os municípios cujas informações, disponíveis na Internet, foram verificadas nas visitas in loco e que, de 
fato, os gestores tinham conhecimento sobre elas, foram Conceição da Barra de Minas e Resende Costa. 
Os contatos de detentores obtidos com frequência nas sedes dos órgãos municipais foram de mestres 
de capoeira, capitães de congadas e Moçambique. Outros contatos de detentores das práticas culturais 
locais  ou  de  onde  encontrá–los,  como  quitandeiras  e  raizeiros  só  foram  possíveis  através  de  visitas 
realizadas  às  unidades  da  Empresa  de  Assistência  Técnica  e  Extensão  Rural  do  Estado  Minas  Gerais 
(EMATER)  nas  localidades,  sindicatos  dos  trabalhadores  rurais,  secretarias  paroquiais,  feiras  livres, 
postos de saúde, etc. 

Portanto, o início dos trabalhos de campo contemplava as visitas às instituições do Poder Público local, 
objetivando  abordar  questões  sobre  o  patrimônio  cultural  imaterial,  com  foco  nas  políticas  de 
preservação  e  salvaguarda,  bem  como  na  percepção  dos  representantes  locais  em  relação  aos  bens 
culturais  dos  municípios  e  o  empreendimento.  Dessa  forma,  foram  apresentados  os  desígnios  da 
pesquisa e realizadas entrevistas para coletas de dados primários; e, quando o município possuía essas 
informações, procedia–se à consulta e identificação em relação ao empreendimento.  

Aqui, faz–se necessário novo comentário sobre a realidade diversa entre os 12 municípios pesquisados e 
suas ações e estruturas de organização, recursos técnicos e, até mesmo, entendimento sobre o campo 
do Patrimônio Cultural Imaterial e suas políticas e instrumentos de proteção. Inclui–se, portanto, a falta 
de informações organizadas e passíveis de serem disponibilizadas para fins de pesquisa, visto que, nas 
trocas  de  gestão  administrativas  e  cargos,  muitos  dados  são  “perdidos”,  assim  como  ações  são 
interrompidas, causando, em alguns casos, “desconhecimento” por parte do próprio Poder Público local 
sobre os bens culturais de natureza imaterial de ocorrência em seus municípios. 

Somente após essa etapa, foi possível obter informações básicas sobre os detentores dos bens culturais 
em  pesquisa  neste  RAIPI  e  onde  encontrá–los  (endereços  residenciais  ou  de  trabalho  e  contato  de 
telefones fixos ou celulares). De posse dessas informações, eram efetuados os contatos e agendamento 
das entrevistas com os informantes. 

O uso da técnica de entrevista na pesquisa permitiu ao informante relatar sobre as condições atuais do 
bem cultural em pesquisa –– tornando–se, portanto, “indispensável para apreender a experiência dos 
outros,  mas,  igualmente,  como  instrumento  que  permite  elucidar  suas  condutas,  considerando  o 
sentido  que  eles  mesmos  conferem  às  suas  ações”  (POUPART,  2012,  p.  217).  Era  comum,  durante  as 
entrevistas  com  as  quitandeiras,  que  outras  mulheres  fossem  indicadas  por  elas,  como  vizinhas  e 
parentas. Ou seja, era o “efeito bola de neve”, uma informante que indica outra, a outra que indicava 
uma  terceira,  e  assim  por  diante.  O  Anexo  I  deste  documento  apresenta  os  roteiros  de  entrevistas 
utilizados pela equipe de pesquisa deste RAIPI. 

Os  contatos  obtidos  durante  as  visitas  aos  órgãos  públicos  locais  serviram  apenas  como  pontos  de 
partida. Ao longo dos trabalhos de campo, outros contatos de informantes foram contemplados, muitas 

39 
vezes indicados pelos próprios moradores, que eram abordados pela equipe de pesquisadores nas ruas 
das cidades da AII da LT 345 kV Itutinga – Barro Branco. 

As saídas de campo ocorreram entre os dias 23 de agosto e 28 de setembro de 2017. Portanto, em torno 
de  33  dias,  percorreu–se  todo  o  traçado  da  LT,  que  compreendeu  os  municípios  mineiros  de  Itutinga, 
Nazareno, Conceição da Barra de Minas, São João Del Rei, Ritápolis, Resende Costa, São Brás do Suaçuí, 
Jeceaba,  Congonhas,  Ouro  Preto  e  Mariana.  Com  exceção  de  São  João  Del  Rei  e  destes  últimos,  cuja 
média  de  permanência  da  equipe  durou  entre  três  e  quatro  dias,  nos  demais  municípios  o  tempo  de 
estada não ultrapassou duas noites. 

Alguns gestores públicos locais foram atenciosos, pois, além de fornecerem os contatos dos detentores, 
cederam um servidor para acompanhar a equipe nas visitas realizadas aos informantes residentes nos 
distritos rurais, como foi o caso de Ritápolis e o de Jeceaba. 

De  posse  das  informações  fornecidas  pelos  órgãos  locais,  realiza–se  o  primeiro  contato  com  o(a) 
pesquisado(a),  que  geralmente  ocorria  via  celular  ou  telefone  fixo.  Em  seguida,  marcava–se  um 
encontro na residência ou no trabalho dele(a). Quando a tentativa via telefone não se concretizava, seja 
pela  inexistência  do  contato,  seja  pelo  não  atendimento  da  chamada,  a  única  alternativa  era  ir  até  o 
endereço da pessoa indicada. Por diversas vezes, foi necessário percorrer alguns quilômetros através de 
estradas não pavimentadas até as comunidades onde residiam os(as) detentores(as). 

Aconteceu também que, mesmo após a obtenção dos contatos de detentores fornecidos pelos agentes 
locais,  não  foi  possível  encontrá–los  pessoalmente,  para  a  entrevista,  ou  por  não  se  encontrarem  no 
suposto endereço, ou por estarem ausentes do município. Os fatos ocorreram em São João Del Rei com 
três dos seis ternos de congadas, e também com dois dos quatro mestres de capoeira. 

A mesma situação foi verificada em Entre Rios de Minas com o mestre de capoeira. Em Ouro Preto, a 
situação  não  foi  diferente:  aconteceu  com  os  responsáveis  pela  Associação  dos  Sineiros  de  Ouro 
(ASSOP). Durante o período de permanência na sede do município, tentou–se –– mesmo estabelecendo 
contatos  por  telefone  e  até  mesmo  contato  presencial  mas  não  foi  possível  conversar  com  seus 
dirigentes. Chegou–se, até mesmo, a agendar uma conversa com um dos representantes, Cristian, que, 
no provável dia do encontro, desmarcou a entrevista, alegando ter surgido outro compromisso. O fato é 
que,  em  Ouro  Preto,  só  se  manteve  contato  com  um  grupo  de  quatros  jovens  sineiros,  que  se 
dispuseram a falar sobre o atual contexto do Toque dos Sinos na comunidade. A entrevista foi realizada 
na Igreja de Nossa Senhora das Mercês de Cima.  

Antes de qualquer aproximação ou vivência mínima com o pesquisado, era preciso apresentar a equipe, 
quem a compunha, de onde vinha, e os objetivos da pesquisa; em seguida, falar sobre o projeto da LT 
345 kV Itutinga – Barro Branco. Talvez, a tarefa mais difícil tenha sido falar de forma que entendessem o 
que  é  a  política  de  Patrimônio  Imaterial  do  Governo  federal.  Obviamente  que  havia  detentores  cujo 
conhecimento  sobre  o  assunto,  como  os  mestres  de  capoeira,  dispensava  maiores  detalhes.  Contudo, 
em  geral,  foi  necessário  destinar  algum  tempo  para  justificar  a  importância  dos  bens  culturais  em 
questão,  para  a  formação  da  identidade  local  e  nacional  do  País  e  da  presença  dos  pesquisadores  no 
local. Somente depois, é que a entrevista, de fato, começava. 

40 
Um fato curioso, em conexão com o exposto acima, ocorreu durante o contato com uma quitandeira do 
município de São Brás do Suaçuí, que falou o seguinte: “Mas meu filho, eu não entendo. Antigamente, 
as  quitandas  eram  comida  de  pobre,  e  hoje  a  gente  está  sendo  procurada  para  dar  entrevista  na 
televisão,  receitas  para  livros”  (entrevista  realizada  na  sua  residência,  em  set/2017).  Entende‐se  que, 
para  a  quitandeira,  algo  que  tem  valor  é  aquele  chancelado  pelas  camadas  mais  abastadas  da 
população, pois a sociedade sempre fez questão de lembrar que os costumes tradicionais, oriundos das 
camadas populares, possuem valores diferentes, novamente inferiores e sem reconhecimento. 

A  partir  de  uma  perspectiva  etnográfica,  este  relatório  buscou  o  conhecimento  e  caracterização  das 
práticas  culturais  a  partir  de  estudos  acerca  deles,  mas,  principalmente,  pelos  discursos  de 
autorreconhecimento  dos  detentores  inseridos  nos  contextos  sociais  e  culturais.  O  intuito  aqui  é 
evidenciar visões e pontos de vista dos detentores, mesmo que, em alguns casos, eles não soubessem 
especificar  de  que  maneira  suas  manifestações  eram  (ou  poderiam  ser)  impactadas  pelo 
empreendimento.  Nesse  caso,  coube  aos  pesquisadores  ––  tanto  com  base  nas  observações  in  loco 
como  a  partir  de  entrevistas,  que  duravam  entre  uma  e  duas  horas  ––,  captar  os  elementos  que 
mantinham relação direta com o bem cultural e possíveis impactos causados pelo empreendimento LT 
345 kV Itutinga – Barro Branco. 

A  escolha  dos  informantes  durante  o  trabalho  de  campo  contemplou  a  dinâmica,  hierarquia  e 
importância  das  práticas  culturais,  ou  pelos  capitães  dos  ternos  de  Congo  e  Moçambique,  ou  pelos 
mestres  de  capoeira,  mestres  sineiros  e  jovens  sineiros,  ou  por  raizeiros,  raizeiras  e  quitandeiras 
reconhecidas pelos atores sociais de cada localidade. 

A respeito da apresentação e sistematização das informações de campo sobre os detentores dos bens 
culturais  reconhecidos  e  em  processos  de  reconhecimento,  optou–se,  nos  casos  da  Capoeira  e  das 
Congadas, por fazer um texto para cada um deles; para os demais, elaborar um texto único destacando 
as diferenças e semelhanças entre eles, como será apresentado nos itens a seguir deste RAIPI. 

Por fim, destaca–se que o RAIPI do empreendimento da LT 345 kV Itutinga – Barro Branco foi elaborado 
pela  equipe  técnica  descrita  a  seguir  e  que  os  principais  pontos  levantados  durante  os  trabalhos  de 
campo  foram  georreferenciados  e  fotografados  mediante  autorização,  organizados  e  apresentados  no 
corpo deste documento. 

Todo esse esforço de pesquisa culmina na identificação e análise dos possíveis impactos, bem como em 
planos de monitoramento e ações de salvaguarda aos bens acautelados ou em processo pelo IPHAN, em 
especial neste RAIPI, sobre: Roda de Capoeira e Ofício de Mestres de Capoeira, Toque dos Sinos e Ofício 
de Sineiro, Congadas de Minas; Ofício das Quitandeiras de Minas Gerais e Ofício de Raizeiras e Raizeiros 
do  Cerrado,  nos  municípios  de  Itutinga,  Nazareno,  Conceição  da  Barra  de  Minas,  São  João  Del  Rei, 
Ritápolis, Resende Costa, São Brás do Suaçuí, Jeceaba, Congonhas, Ouro Preto e Mariana. 
4.11 EQUIPE TÉCNICA 
A Biodinâmica Rio é uma empresa que se preocupa em tratar as questões ambientais utilizando–se dos 
mais  recentes  e  atualizados  recursos  acadêmicos  e  tecnológicos  disponíveis,  visando  ao 
desenvolvimento  social  e  econômico  de  forma  sustentável.  A  partir  desse  princípio,  a  obtenção  das 

41 
indispensáveis  licenças  ambientais  passa  a  ser  a  consequência  natural  de  um  trabalho  corretamente 
realizado, discutido de forma transparente e objetiva e aceito pela sociedade e pelos órgãos ambientais 
responsáveis por sua análise e aprovação. 
A Biodinâmica Rio está no mercado desde 1994, tendo participado de inúmeros empreendimentos de 
relevante  interesse  social  e  econômico  para  o  Brasil,  para  empresas  estatais  e  privadas,  assegurando 
sempre o cumprimento de todas as exigências legais e alcançando também a satisfação de seus clientes. 
A empresa tem, em seu currículo, estudos, projetos e obras que culminaram com a edição de mais de 
100  licenças  (Prévia,  de  Instalação  e  de  Operação)  em  quase  todos  os  Estados  do  Brasil  e  sob  o 
acompanhamento  e  avaliação  de  órgãos  estaduais  do  meio  ambiente,  do  IBAMA,  da  FUNAI,  da 
Fundação Cultural Palmares e do IPHAN, dentre outros. 
Para tanto, realiza estudos, projetos e gestão ambiental de empreendimentos, resolvendo as questões 
associadas  às  necessidades  de  seus  clientes  e  da  sociedade,  sempre  comprometida  com  sua  Política 
Integrada (Qualidade e Meio Ambiente) e com o desenvolvimento sustentável brasileiro. 
A  equipe  técnica  de  elaboração  deste  RAIPI  foi  composta,  principalmente,  pelos  profissionais  listados 
abaixo,  com  breve  descrição  de  suas  áreas  de  formação  e  atuação  profissional.  O  Anexo  III  deste 
documento apresenta o currículo Lattes da equipe. 
Francimário Vito dos Santos – Doutorando em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de 
Minas Gerais; Mestre em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2007); 
Bacharel em Ciências Sociais (2004) pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e especialista em 
Patrimônio  Cultural  pelo  Programa  de  Especialização  em  Patrimônio  –  PEP/IPHAN  (2009).  Além  disso 
neste RAIPI: 
 foi  o  esponsável  pela  coordenação  da  pesquisa  e  elaboração  do  RAIPI  da  LT  345  kV  Itutinga  – 
Barro  Branco;  responsável  pela  pesquisa  nos  municípios  de  Itutinga,  Nazareno,  Conceição  da 
Barra  de  Minas,  São  João  Del  Rei,  Ritápolis,  Resende  Costa,  Entre  Rios  de  Minas,  São  Brás  do 
Suaçuí, Jeceaba, Congonhas, Ouro Preto e Mariana;  
 realizou trabalhos de reconhecimento de campo, entrevistando detentores, moradores locais e 
Poder  Público  dos  municípios  citados,  contemplando  análises  de  aspectos  históricos, 
socioeconômicos e culturais; identificou e caracterizou aspectos que envolvem a prática cultural 
relativa  a:  Roda  de  Capoeira  e  Ofício  de  Mestres  de  Capoeira,  Toque  dos  Sinos  e  Ofício  de 
Sineiro,  Congadas  de  Minas,  Ofício  das  Quitandeiras  de  Minas  Gerais  e  Ofício  de  Raizeiras  e 
Raizeiros do Cerrado na AII e AID do empreendimento. 
Marina Freitas Vilaça – Bacharel e licenciada em Geografia e Meio Ambiente pelo Centro Universitário 
Newton  Paiva  (2010)  e  especialista  em  Patrimônio  Cultural  na  Contemporaneidade  pela  Pontifícia 
Universidade Católica de Minas Gerais (2012). Possui experiência na área de Geografia, com ênfase em 
estudos  socioambientais,  atuando  principalmente  nos  seguintes  temas:  Licenciamento  Ambiental, 
Análise Espacial e Patrimônio Cultural Imaterial. Também deve‐se ressaltar que: 
 foi  o  responsável  pela  pesquisa  no  município  de  Ouro  Preto  e  elaboração  do  Relatório  de 
Impacto  no  Patrimônio  Cultural  ‐  RIPC;  realizou  trabalhos  de  reconhecimento  de  campo, 
entrevistando  detentores,  moradores  locais  e  Poder  Público  no  município  de  Ouro  Preto, 
contemplando  análises  de  aspectos  históricos,  socioeconômicos  e  culturais;  identificou  e 
caracterizou  aspectos  que  envolvem  as  práticas  culturais  em  pesquisa;  fez    levantamento  de 
aspectos sociocultural e ambiental nos distritos da AID em Ouro Preto.  

42 
 participou da elaboração do RAIPI do empreendimento, em especial, na avaliação dos impactos 
e plano de monitoramento e salvaguarda. 

Giulia  Volpini  Soares  de  Gouvêa  –  Graduanda  em  Antropologia  pela  Universidade  Federal  de  Minas 
Gerais (9º período). Sua atuação: 

 participou  da  elaboração  RAIPI  do  empreendimento  com  levantamento  de  dados  secundários, 
contemplando,  em  especial,  análises  de  aspectos  históricos,  socioeconômicos  e  culturais 
relativos a práticas culturais do município de Ouro Preto. 

5. CARACTERIZAÇÃO SOCIOCULTURAL, HISTÓRICA E TERRITORIAL 
Antecedendo  a  caracterização  de  cada  município  que  compõe  a  AII  deste  RAIPI,  ou  seja,  os  12 
municípios que serão interceptados pela LT 345 kV Itutinga – Barro Branco (já descrito na subseção 4.9), 
apresenta–se uma análise geral sobre alguns aspectos socioeconômicos relevantes. Objetiva–se, com a 
demonstração de dados mais amplos sobre os municípios alvo do empreendimento, uma caracterização 
sinérgica  sobre  o  contexto  e  a  realidade  atual  deles  em  relação  a  taxas  e  parâmetros  de  comparação 
com indicadores do Estado de Minas Gerais e Brasil. 

Quanto ao dinamismo demográfico dos municípios da AII deste RAIPI, as maiores taxas de crescimento 
populacional anual encontram–se nos municípios que passam por um processo de urbanização recente. 
São  eles:  Congonhas  (1,6%  a.a.)  e  Mariana  (1,5%  a.a.).  As  taxas  de  crescimento  populacional  desses 
municípios encontram–se acima das médias nacional e estadual, ambas de 0,9% a.a. 

Outros  municípios  que  também  apresentam  aumento  no  crescimento  total  da  população,  mas  que 
estão dentro ou abaixo das taxas de crescimento do Brasil e Minas Gerais, são os municípios Nazareno 
(0,9%  a.a.),  São  Brás  de  Suaçuí  (0,7%  a.a.)  e  São  João  Del  Rei  (0,7%  a.a.).  Contudo,  até  mesmo  Ouro 
Preto  e  Resende  Costa  apresentam  taxas  relativamente  dinâmicas,  chegando  a  0,6%  e  0,5%  de 
incremento  anual,  respectivamente.  Somente  Itutinga  (–0,6%  a.a.),  Jeceaba  (–1,2%  a.a.)  e  Ritápolis  (–
1,0% a.a.) possuem taxas negativas. No caso específico do município de Entre Rios de Minas, a taxa de 
crescimento nas duas últimas décadas permaneceu estável, em 0,8% a.a. 

No que se refere à distribuição da população por sexo, há uma variação entre os municípios. Na maioria 
dos municípios que compõem a  AII, o  número de  mulheres é  maior do  que o  de  homens, seguindo  o 
padrão  apresentado  no  Estado  de  Minas  Gerais,  constituído  por  50,8%  e  49,2%,  respectivamente. 
Porém, nos municípios de Conceição da Barra de Minas, Itutinga, Jeceaba e Nazareno, essa posição se 
inverte, estando a população de homens representada por 52,2%, 51%, 50,5% e 51,2%, respectivamente 
(IBGE, 2010). Curiosamente, esses municípios possuem menos de 8 mil moradores e estão entre os mais 
ruralizados da AII. 

Em  termos  de  taxa  de  juventude,  ou  seja,  percentual  de  população  com  idade  até  14  anos,  a  AII 
caracteriza–se  por  um  elevado  percentual  de  pessoas  jovens,  21,3%,  próximo  da  taxa  do  Estado,  de 
22,4%.  As  cidades  que  apresentam  maior  número  de  habitantes  nessa  faixa  etária  são  Mariana  e 
Nazareno, ambas com 23,4%, contrastando com São Brás de Suaçuí, com 18,5%. 

43 
Já a população economicamente ativa (15 a 65 anos) representa 70,6% do total da AII, acima da taxa do 
Estado, que é de 69,4%. Entre os municípios, esses percentuais são parecidos, ou seja, oscilam pouco, 
entre 69,2%, em Entre Rios de Minas, a 71,6%, em São João Del Rei. Já a população idosa (a partir de 65 
anos)  representa  apenas  8,1%  da  população  total  da  AII,  a  mesma  média  do  Estado  de  Minas  Gerais. 
Cabe  ressaltar  que,  dentre  a  população  economicamente  ativa,  os  números  de  homens  e  mulheres 
estão bem próximos, representando cerca de 49,5% e 50,5%, respectivamente. 

A estrutura etária de uma população é importante para dimensionar os recursos humanos disponíveis 
numa  determinada  sociedade.  A  Razão  de  Dependência  é  definida  pela  relação  entre  a  população 
dependente, ou seja, jovens (menos de 15 anos) e idosos (com 65 anos e mais) e a população em idade 
produtiva  ou  potencialmente  ativa  (de  15  a  64  anos).  Essa  proporção  é,  em  grande  medida, 
determinada  pela  forma  e  pelo  ritmo  de  crescimento  populacional,  da  fecundidade  que  tem  relação 
com a escolaridade, portanto, com a estrutura social das localidades e da migração. 

A razão de dependência maior do que 50% indica que a proporção da população dependente é maior do 
que a população em idade produtiva, como é observado em 7 dos 12 municípios da AII. Jeceaba possui o 
maior percentual de dependentes, com 56,6% da população, contra 48,30%, de Ritápolis e São João Del 
Rei,  por  exemplo,  com  os  menores  índices.  Cabe  ressaltar  que  a  AII,  com  49,6%,  possui  a  taxa  de 
dependentes acima do índice do Estado, de 47,3%. 

Em  termos  econômicos,  o  fator  idade  é  uma  variável  de  ampla  importância,  pois,  somado  à  razão  de 
dependência, pode tornar–se um elemento limitador para o desenvolvimento das atividades produtivas. 
Da  mesma  forma,  a  composição  etária  da  população  modela  a  necessidade  de  aplicação  de  recursos 
previdenciários e de assistência social por parte das Prefeituras e do Estado. 

No  Brasil,  o  modelo  de  urbanização  desenvolvido  foi  balizado  por  um  crescimento  rápido,  amplo  e 
concentrado da população, contribuindo, por um lado, para o surgimento de grandes metrópoles e, por 
outro,  para  a  expansão  de  uma  diversificada  rede  urbana  nacional,  com  o  crescimento  acelerado  das 
capitais regionais e sub–regionais, bem como com o aumento da população urbana em grande número 
de cidades de diferentes tamanhos. 

Conforme MANTIQUEIRA/BIODINÂMICA (2017), a maior parte dos municípios da AII concentra a maioria 
da  população  vivendo  em  áreas  urbanas  (88,3%),  embora  uma  parcela  considerável  esteja  no  campo 
(11,7%).  A  crise  do  setor  de  mineração,  latente  a  partir  de  2013,  tem  contribuído  para  a  fixação  da 
população  rural  no  campo.  Os  municípios  da  AII,  como  um  todo,  estão  em  crescente  processo  de 
urbanização  e  em  desenvolvimento  das  condições  de  infraestrutura  e  oportunidades  de  trabalho, 
ligadas,  principalmente,  às  atividades  de  mineração,  que  atraíram,  nas  últimas  décadas,  milhares  de 
residentes da área rural para as áreas urbanas. 

Paralelamente, a ampliação do acesso à educação vem fazendo com que a população rural, sobretudo 
os jovens, busque melhores condições de vida nas áreas urbanas. O êxodo rural verificado nos últimos 
30 anos teve como principal causa a busca pela integração com o mercado de trabalho, ou qualificação 
para ser assimilado por ele. 

44 
As cidades tiveram que crescer para atender a essa demanda, muitas vezes de forma desordenada, sem 
acompanhamento  ou  liberação  de  licenças  de  instituições  públicas  ligadas  ao  setor  de  habitação. 
Segundo  os  dados  levantados  em  campo  pela  Biodinâmica  Rio  nos  municípios  da  AII,  as  cidades  que 
mais sofrem com esse processo são: Ouro Preto, que apresentou, nos últimos 30 anos, um crescimento 
não planejado, principalmente da sua região periférica, o que contribuiu para o aumento significativo do 
número  de  favelas;  Mariana,  que  vivenciou,  nas  últimas  décadas,  até  o  acidente  do  rompimento  da 
barragem de rejeitos da mineradora Samarco, em 2015, um rápido crescimento urbano e habitacional, 
devido  à  chegada  de  novos  trabalhadores  para  atividades  mineradoras;  Congonhas,  também  devido  à 
chegada de novas fábricas e indústrias nas últimas duas décadas; e São João Del Rei, impulsionado pela 
atividade  econômica  comercial  e  a  entrada  de  estudantes  universitários,  o  que  vem  contribuindo 
também para o alto grau de especulação imobiliária local. 

Quando  analisados  os  domicílios  particulares,  próprios  e  alugados  das  cidades  que  integram  a  AII  do 
empreendimento, a maior parte da população possui imóvel próprio. Segundo os dados do IBGE, nos 12 
municípios estudados, em 2010 existiam 72.972 imóveis próprios; desses, 87,8% encontram–se na área 
urbana  e apenas 12,2%, na área rural.  Dos 16.008 imóveis alugados em toda a AII, 97,4% estavam na 
área  urbana  e  apenas  2,6%,  no  campo.  É  significativo  o  número  de  imóveis  cedidos,  segundo  dados 
censitários: 5.484 unidades, sendo um total de 75,3% na área rural, e a condição de ocupação “outra” 
representa apenas 310 unidades. 
Na  maioria  dos  municípios  da  AII,  identificou–se  que  há  demanda  e  tendência  de  expansão  da  área 
urbana.  As  principais  cidades  que  apresentaram  tais  características  foram:  Congonhas,  Ouro  Preto, 
Mariana, São João Del Rei, São Brás de Suaçuí e Conceição da Barra de Minas. A expansão dessas áreas 
caracteriza–se  pela  implantação  de  loteamentos  residenciais  de  médio  e  alto  padrões  e  parques 
industriais. 

Em Congonhas, por sua vez, segundo MANTIQUEIRA/BIODINÂMICA (2017), foi constatado que, na sede 
e  no  distrito  de  Alto  Maranhão,  existem  loteamentos  residenciais  em  fase  de  aprovação,  situados  na 
ADA.  Nova  Congonhas  é  o  nome  do  empreendimento  residencial  localizado  a  sudeste  da  sede  do 
município, tendo a Gran Viver como empresa responsável. Já a expansão da área urbana para o distrito 
de  Alto  Maranhão  é  resultado  do  processo  de  revisão  do  Plano  Diretor  Municipal,  pela  Lei  nº 
2.916/2009. As alterações no plano sugerem a expansão da área urbana para a região norte do distrito 
supracitado. 

Em  Ouro  Preto,  a  área  de  expansão  se  dá  na  região  periférica  da  sede,  que  cresce  de  forma  não 
planejada  devido  ao  acréscimo  da  população,  conjugado  ao  aumento  de  desemprego  do  setor  de 
mineração.  Cerca  de  dez  empreendimentos  estão  sendo  licenciados,  na  sede  e  nos  distritos,  pela 
Secretaria  Municipal  de  Obras  e  Urbanismo.  Segundo  MANTIQUEIRA/BIODINÂMICA  (2017),  esses 
loteamentos  residenciais  são  de  médio  e  alto  padrões  e  têm  como  finalidade  servir  de  moradia  de 
“veraneio” para habitantes de outros municípios, especialmente da capital Belo Horizonte. 

Em Mariana, até 2014, havia uma grande demanda por imóveis novos. Entretanto, com o acidente da 
Barragem do Fundão, em 2015, houve uma diminuição na procura por novas habitações. No entanto, há 
ainda  indicativos  de  expansão  da  área  urbana:  a  área  que  mais  apresenta  crescimento  encontra–se 
localizada entre a sede do município e o distrito de Padre Viegas. 

45 
Em São João Del Rei, segundo MANTIQUEIRA/BIODINÂMICA (2017), há, na Prefeitura, um requerimento 
para  aprovação  de  seis  novos  loteamentos  habitacionais.  A  área  de  maior  expansão  urbana  está 
localizada  ao  norte  da  sede  do  município.  Em  São  Brás  de  Suaçuí,  a  expansão  verificada  encontra–se 
dentro  do  perímetro  urbano.  Em  Conceição  da  Barra  de  Minas,  foi  identificado  um  projeto  de 
loteamento de casas populares, iniciado em 2017, o qual abarcará uma grande área na região leste do 
município. 

A seguir, serão apresentados, separadamente, por município da AII da LT 345 kV Itutinga – Barro Branco 
(Itutinga, Nazareno, Conceição da Barra de Minas, São João Del Rei, Ritápolis, Resende Costa, Entre Rios 
de  Minas,  São  Brás  do  Suaçuí,  Jeceaba,  Congonhas,  Ouro  Preto  e  Mariana),  uma  caracterização 
sociocultural,  histórica  e  territorial  com  vistas  à  contextualização  dos  bens  culturais  registrados  e  em 
processo de registro em relação ao empreendimento. 

5.1 ITUTINGA 
Localizado na região sul do Estado de Minas Gerais, o município de Itutinga pertence à Mesorregião do 
Campo  das  Vertentes  e  Microrregião  de  Lavras.  Segundo  os  dados  históricos  apresentados  pela 
Prefeitura  Municipal  de  Itutinga,  até  o  século  XVI,  a  região  do  atual  município  era  ocupada, 
predominantemente, pelos índios Puris. 

No final do século XVIII, chegaram ao local bandeirantes à procura de ouro e outros metais preciosos. 
Invadiram o espaço dos indígenas, expulsando–os e, mesmo, eliminando–os. No território onde se situa 
o núcleo urbano, os bandeirantes decidiram fazer pouso e criar o distrito primitivo, denominado Santo 
Antônio da Ponte Nova. 

Por  volta  de  1794,  foi  erguida  uma  capela  em  devoção  ao  padroeiro  Santo  Antônio  (ver  Figura  5.1), 
marcando a fundação do Arraial de Santo Antônio da Ponte Nova. Com a construção desse marco da fé 
católica, foram surgindo aos poucos, no seu entorno, algumas casas e pequenas vendas. Paralelamente 
à atividade mineradora –– objetivo maior dos primeiros colonizadores do lugar ––, foram introduzidas 
também a pecuária e a agricultura, já que o clima e o relevo eram propícios. 

As terras férteis incentivaram a implantação da agricultura e, mais tarde, da pecuária, dando início ao 
povoamento  e,  assim,  ao  desenvolvimento  econômico  e  demográfico,  culminando,  através  da  Lei 
Provincial nº 2.702, de 30 de novembro de 1880, na criação do distrito de Santo Antônio da Ponte Nova, 
subordinado a Lavras. Pela Lei Estadual nº 860, de 09 de setembro de 1924, o distrito de Santo Antônio 
da Ponte Nova passou a denominar–se Itutinga, quando foi incorporado ao município de Itumirim. Ytu–
tinga, conforme  termo  de origem tupi, significa "cachoeira branca", através  da junção dos termos ytu 
("cachoeira")  e  ting  ("branco"),  em  referência  ao  rio  Grande,  que  atravessa  o  território.  Somente 
em1953, passou a usufruir do status de município e cidade. 

Por volta de 1970 do século passado, a igrejinha primitiva foi demolida, dando lugar à atual (ver Figura 
5.1), moderna e ampla para abrigar a quantidade de fiéis da cidade, que já não era a mesma dos tempos 
primórdios. O que restou foi a imagem do padroeiro Santo Antônio, resquício de um passado remoto da 
capela,  segundo  “Seu”  Divino,  rei  congo  do  terno  de  Congado  Nossa  Senhora  do  Rosário  e  morador 
antigo da cidade. 

46 
   
Figura 5.1 – Igrejinha primitiva (demolida) e a igreja atual.  

Fonte: PARÓQUIA DE SANTO ANTÔNIO (2017) e Equipe Biodinâmica Rio (2017). 

Pelo  Decreto–Lei  Estadual  nº  1.058,  de  31  de  dezembro  de  1943,  o  distrito  passou  a  pertencer  ao 
município de Itumirim, mas veio a emancipar–se pela Lei Estadual nº 1.039, de 12 de dezembro de 1953, 
instalando–se em 1º de janeiro de 1954 (ITUTINGA, 2017). 

Embora  tenha  surgido  no  mesmo  período  que  algumas  cidades  do  Estado,  como  São  João  Del  Rei  e 
Congonhas, hoje consideradas guardiãs de parte significativa da memória cultural e berço da História do 
Brasil, Itutinga mantém pouco ou quase nenhuma característica de seu passado. Basta, portanto, fazer 
um  breve  trajeto  pelas  ruas  da  pequena  cidade  e  ater–se  nos  casarios  e  prédios  em  torno  da  igreja 
matriz, para observar que sua identidade fora demolida junto, para dar lugar à modernidade, conforme 
apresenta a Figura 5.2. Os ares de modernidade difundidos no País a partir da década de 1950, com o 
governo de Juscelino Kubitschek, não tardou a chegar a Itutinga. Outra característica que está associada 
às grandes obras de energia é a Rodovia BR 265, que corta a cidade e liga os Estados de Minas Gerais e 
São Paulo. 

47 
 
Figura 5.2 – Tipo de edificação no entorno da Igreja Matriz de Santo Antônio, em Itutinga. Fonte: Equipe 
Biodinâmica Rio,  2017. 

O município de Itutinga, conhecido popularmente como “terras das águas”, por ser detentor de fartos 
mananciais,  logo  entrou  na  mira  do  progresso  capitalista  para  sediar  grandes  obras  de  infraestrutura. 
Não tardou a ser um dos primeiros territórios a abrigar a construção de usinas hidrelétricas geradoras 
de energia elétrica, um dos ícones da política desenvolvimentista do referido líder político. 

Em meados de 1954, foi inaugurada a Usina de Itutinga pelo então governador Juscelino Kubitschek (ver 
Figura  5.3).  Os  desníveis  da  bacia  do  rio  Grande  proporcionaram  a  construção  das  hidrelétricas.  A 
Subestação  de  Furnas,  inaugurada  em  1968,  envia  energia  para  o  Rio  de  Janeiro  e  Juiz  de  Fora.  O 
complexo energético encontra–se à distância de 3 km do Centro urbano. 

 
Figura 5.3 – Inauguração da Usina de Itutinga, com o Presidente Juscelino Kubitschek e Ministros de 
Estado em gesto simbólico, dando início às operações. Fonte: Acervo da Pousada e Restaurante 
Nascimento (2017). 

48 
Hoje,  o  aspecto  mais  visível  na  paisagem  ao  redor  da  cidade  é  o  emaranhado  de  fios  e  torres  de  alta 
tensão das linhas de transmissão de energia elétrica. De qualquer lugar da cidade, é possível avistar as 
grandes  estruturas.  Algumas  estão  bem  próximas  de  novos  conjuntos  habitacionais  que  se  proliferam 
em torno do pequeno núcleo urbano, conforme a Figura 5.4. 

   
Figura 5.4 – Linhas de transmissão inseridas na paisagem urbana de Itutinga. Fonte: Equipe Biodinâmica 
Rio,  2017. 

Apesar  de  não  ter  despontado  como  destino  turístico,  a  cidade  possui  alguns  equipamentos  de  lazer, 
por  exemplo,  balneários  às  margens  do  lago  da  hidrelétrica.  Carrancas,  cidade  vizinha,  é  que  explora 
economicamente, com suas cachoeiras, o turismo de aventura. 

5.2 NAZARENO 

A história de ocupação do município de Nazareno está relacionada, por um lado, à descoberta do ouro 
pelos  bandeirantes  paulistas  e  portugueses  nas  margens  do  rio  Grande;  por  outro,  pelo  importante 
papel de fornecimento de gêneros de abastecimento para as zonas mineradoras e para o Rio de Janeiro. 
Conforme CARVALHO  (2010), a partir da segunda  metade do século XVIII, a região foi privilegiada por 
ser área de passagem obrigatória, cortada pelos caminhos que ligavam o litoral ao interior das minas. 
Assim, em decorrência da exploração do ouro, surgiu Nazareno. 

Em  1725,  o  arraial  já  estava  formado,  com  um  pequeno  comércio,  uma  agricultura  em  pleno 
desenvolvimento e com pessoas que já se punham a garimpar o ouro. Nesse mesmo ano, a capela de 
Nossa  Senhora  de  Nazaré  foi  construída  em  terrenos  doados  pelos  fazendeiros  Manuel  Seixas  Pinto  e 
seu irmão José Gonçalves Pinto. 

Os  aspectos  históricos,  culturais  e  econômicos  de  Nazareno  não  podem  ser  compreendidos  sem 
estabelecer  relações  com  o  componente  da  escravidão  do  negro.  Os  negros  foram  peças  vitais  na 
exploração  do  ouro;  sem  eles,  não  teria  sido  possível  a  extração  desse  metal  precioso.  Também  é 
possível  perceber  a  participação  do  negro  nas  construções  que  ainda  restam  (Igreja  Matriz,  por 
exemplo, e Igreja do Rosário, conforme Figura 5.5). 

49 
   
Figura 5.5 – Igreja Matriz de Nossa Senhora de Nazaré (à esquerda), localizada no Centro da cidade, e a 
Igreja de Nossa Senhora do Rosário (à direita), no bairro do Rosário, também conhecido como “O 
morro”. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 
Em 1734, o nome da nova povoação, Ribeiro Fundo, foi alterado para Nossa Senhora de Nazaré; depois, 
Nazaré;  e,  finalmente,  Nazareno.  Os  milagres  atribuídos  à  Virgem  de  Nazaré,  que  levavam  ao  local 
constantes e contínuas peregrinações, influíram no crescimento populacional e econômico do arraial. 

Em  1870,  eram  ainda  poucas  as  fazendas  existentes  na  região.  Admite–se  mesmo  que  2/3  da  área 
distrital pertenciam à Confraria de Nossa Senhora de Nazaré e a quatro potentados: Barão da Cachoeira 
(também conhecido como Barão da Ponte Nova e de Conceição da Barra), Barão de Coqueiros, Tenente 
Gabriel Leite e Capitão José Bernardino. 

Dentre os filhos ilustres de Nazareno, destacam–se o padre José Dias Custódio, que teve papel relevante 
em 1831, no "Manifesto dos Mineiros" contra D. Pedro I, e o cônego Heitor Augusto da Trindade, que, 
de  1893  a  1955,  consagrou  toda  a  sua  vida  à  formação  espiritual  e  ao  amparo  social  da  comunidade 
nazarenense. 

O topônimo do município é uma homenagem a Nossa Senhora de Nazaré. Segundo narram, o município 
anteriormente denominado "Nazaré" passou a se chamar Nazareno, "porque havia um outro município, 
no território nacional, com o nome de Nossa Senhora de Nazaré" (NAZARENO, 2017). 

Os municípios de Nazareno e Itutinga, além de localizarem–se na Região das Vertentes e próximos um 
do  outro,  possuem  algumas  características  em  comum.  Em  termos  de  formação  histórica,  ambos 
surgiram  a  partir  da  exploração  do  ouro  pelos  bandeirantes  e  pelas  atividades  agrícolas  e  criação  de 
gado.  Outra  característica  que  apresentam  é  o  fato  de  serem  banhados  pelo  rio  Grande.  Importante 
também é registrar que os dois territórios são cortados pela Rodovia BR‐265, que os liga à capital Belo 
Horizonte e aos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo. 

A região que compõe o Circuito do Ouro – Campos das Vertentes inclui Nazareno e mais 15 municípios 
do  Estado  de  Minas  Gerais:  Andrelândia,  Barbacena,  Carrancas,  Conceição  da  Barra  de  Minas 
(Cassiterita,  antiga  denominação  do  município,  em  referência  ao  tipo  de  minério  abundante  no 

50 
território), Coronel Xavier Chaves, Dores do Campo, Itutinga, Lagoa Dourada, Madre de Deus de Minas, 
Piedade do Rio Grande, Prados, Resende Costa, São Brás do Suaçuí, São João Del Rei e Tiradentes. 

Da  exploração  do  garimpo  de  ouro  do  passado,  restou,  nos  dias  atuais,  a  indústria  mineradora  de 
manganês.  O  município  de  Nazareno  que,  desde  os  primórdios  de  seu  povoamento,  demonstrou 
também aptidão para a atividade agropecuária, principalmente do cultivo de café e cana–de–açúcar, e 
que mantém ainda hoje, vem cada vez ganhando espaço com atividades do agronegócio, principalmente 
a criação de gado de corte, plantações de eucalipto e trigo. 

Vale destacar que, a partir da década de 1960, o processo modernizador contribuiu para a destruição 
em massa de praticamente todas as edificações que faziam referência ao passado histórico e à memória 
da cidade. E continua em expansão até os dias atuais. Posteriormente, ou talvez em paralelo, o trabalho 
escravo foi utilizado nas plantações de café e cana–de–açúcar, legado que não há como negligenciar. As 
manifestações  culturais  herdadas  e  mantidas  pelos  negros  também  são  cruciais  para  a  religiosidade 
local.  É  possível  perceber  isso  através  do  único  grupo  de  congada  centenário,  que  persiste  com  a 
tradição herdada de seus ancestrais escravos e ex–escravos. 

No  entanto,  outros  marcos  histórico–culturais  também  são  importantes  para  demarcar  a  presença  da 
população  negra  no  município,  além  das  manifestações  culturais.  Em  2013,  a  FCP  reconheceu  duas 
comunidades  no  território  local  como  sendo  descendentes  de  antigos  quilombos  de  escravos:  a 
Comunidade  Quilombola  do  Palmital  e  a  Comunidade  Quilombola  do  Jaguara  (mencionadas 
anteriormente, na subseção 4.8). 

Embora tais ações sejam essenciais para reforçar o orgulho e a identidade étnica dos grupos, ainda há 
muito  a  fazer  para  que  o  negro  alcance  visibilidade  e  ocupe  espaços  historicamente  acessíveis  às 
pessoas  brancas.  “A  compreensão  da  história  de  Nazareno  somente  será  possível  se  houver  um 
reconhecimento  profundo  sobre  a  presença  do  negro  na  sua  constituição.  É  admitir  o  negro  como 
sujeito e formador da sociedade nazarenense.” (CARVALHO, 2010, p. 22) 

A reflexão denuncia um fato recorrente no Brasil, que é a desqualificação dos negros na construção e, 
sobretudo,  a  sua  não  inserção  nas  instituições  que  formam  a  sociedade.  Além  do  mais,  serve  para 
pensar  sobre  o  episódio  da  proibição  do  único  grupo  de  congada  existente  na  cidade  (Catupé  Nossa 
Senhora  do  Rosário)  de  participar  das  festividades  em  homenagem  a  Nossa  Senhora  do  Rosário.  A 
interdição, conforme relatou o capitão do grupo, foi orquestrada pelo padre da cidade. 

No  tocante  ao  Patrimônio  Imaterial,  há,  pelo  menos,  sete  manifestações  culturais  em  atividade, 
reconhecidas  pela  população  como  referências  culturais  e  que,  portanto,  contribuem  para  reforçar  a 
identidade cultural do território. São elas: a centenária Banda de Música, as Folias de Reis (Folia de São 
Sebastião  e  Folia  de  Reis  Vai  da  Boa  Vontade,  ambas  do  povoado  de  Coqueiros),  Ofício  de  artesãos–
escultores de imagens sacras, Jubileu de Nossa Senhora de Nazaré, Festas Juninas, Festa do Rosário e o 
quase extinto Grupo de Congada. 

A  sede  da  Banda  Municipal  de  Nazareno  (Figura  5.6)  mantém  um  pequeno  memorial,  com  alguns 
instrumentos  antigos  e  partituras  escritas  por  músicos  locais,  datado  do  final  do  século  XIX,  mesmo 
antes da existência da banda. 

51 
    
Figura 5.6 – Sede da Banda de Música de Nazareno (à esquerda) e instrumentos antigos (à direita). 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 
A  instituição  promove,  regularmente,  aulas  de  música  para  adultos,  jovens  e  crianças,  garantindo, 
portanto,  que  a  prática  se  perpetue  para  as  futuras  gerações.  No  último  fim  de  semana  de  agosto, 
acontece  o  tradicional  Encontro  de  Bandas,  que  recebe  músicos  de  várias  regiões  de  Minas  Gerais  e 
também  de  outros  estados.  O  evento  é  organizado  pelo  Departamento  de  Cultura  da  Prefeitura 
Municipal de Nazareno. 
5.3 CONCEIÇÃO DA BARRA DE MINAS 
O  município  de  Conceição  da  Barra  de  Minas  localiza–se  na  região  centro–sul  do  Estado  de  Minas 
Gerais,  situada  na  Mesorregião  Campos  das  Vertentes  e  Microrregião  São  João  Del  Rei  (IBGE,  2017). 
Segundo as informações fornecidas pela Prefeitura de Conceição da Barra de Minas, a região onde hoje 
se localiza o município foi desbravada pelos bandeirantes paulistas, em especial, Fernão Dias Paes, que, 
em busca de esmeraldas, chegou até o lugar denominado Boa Vista. Lá a bandeira fixou–se, dando início 
aos trabalhos da pecuária e do cultivo da terra, formando assim um pequeno núcleo populacional. 
Essa população, em meados de 1725, iniciou os trabalhos de construção da capela de Nossa Senhora da 
Conceição (Figura 5.7), em torno da qual surgiram as primeiras casas do atual município. 

Figura 5.7 – Atual Igreja de Nossa Senhora da Conceição, em Conceição da Barra de Minas. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 

52 
Conceição da Barra de Minas, antigo distrito subordinado ao município de São João Del Rei, foi elevado 
à categoria de município, com a denominação de Cassiterita (topônimo ligado à extração de cassiterita), 
pela  Lei  Estadual  nº  2.764,  de  30  de  dezembro  de  1962,  sendo  renomeado  para  Nossa  Senhora  da 
Conceição  da  Barra  e  alterado,  depois,  para  Conceição  da  Barra  de  Minas,  em  1989  (CONCEIÇÃO  DA 
BARRA DE MINAS, 2017). 

A origem de Conceição da Barra está ligada à procura do ouro: “Seus dias de glória constituíram, depois, 
o epifenômeno de sua riqueza material, representada, sobretudo, pelas suas ricas fazendas, produtoras 
de açúcar, café, polvilho, milho, leite e derivados”, segundo o JORNAL DAS LAJES (2013). 

O  município  entrou  em  decadência  a  partir  da  Segunda  Guerra  Mundial,  que  refletiu  o  êxodo 
demográfico, a minifundização agrária e o isolamento viário. No entanto, de acordo com JORNAL DAS 
LAJES (2013), abriram caminho para a reversão desse processo: a renovação das lideranças políticas, o 
aumento da demanda por educação superior, a multiplicação de iniciativas promissoras, a expansão da 
construção  civil  e,  principalmente,  o  asfaltamento  da  estrada  que  liga  a  sede  do  município  à  Rodovia 
Federal BR–265. 

Atualmente, o leite é a principal atividade agropecuária de Conceição da Barra, com produção de 18,25 
milhões de litros, segundo relatório do escritório local da EMATER–MG (2012). O município participa do 
programa  “Minas  Leite”,  da  Secretaria  de  Agricultura  e  Abastecimento  do  Estado,  que  busca 
acompanhar de perto propriedades de agricultores, em sua maioria, familiares. O objetivo é estimular o 
uso intensivo de pastagens, novas tecnologias, inseminação artificial, formação de pastagens/canaviais e 
união para negociar o leite. 

Na segunda posição, aparece o milho, com 6 mil toneladas por ano, seguido do café (5,675 mil sacas por 
ano). A maior parte da produção de milho é destinada ao consumo próprio, ou seja, para alimentar o 
gado leiteiro. Existem alguns poucos grandes produtores, principalmente de soja, que exportam o grão 
para processamento fora do município (JORNAL DAS LAJES, 2013). 
De  acordo  com  MANTIQUEIRA/BIODINÂMICA  RIO  (2017),  o  município  sobrevive  da  atividade  agrícola, 
de  pequenos  comércios  e  dos  empregos  gerados  pela  Prefeitura.  Parte  da  população  jovem,  ao 
completar  o  Ensino  Médio,  migra  para  a  cidade–polo  mais  próxima,  São  João  Del  Rei,  para  dar 
continuidade  aos  estudos,  ou  em  busca  de  seu  primeiro  trabalho.  São  João  Del  Rei  conta  com  uma 
universidade pública, que recebe o mesmo nome da cidade, e algumas instituições de Ensino Superior 
(IES). Grande parte da economia do município provém das atividades do turismo histórico e da atividade 
mineradora da região. 
Ainda  de  acordo  com  MANTIQUEIRA/BIODINÂMICA  RIO  (2017),  é  baixo  o  número  de  turistas  que 
visitam o município, devido, principalmente, à falta de incentivos e à pouca infraestrutura para acolher 
os visitantes; a cidade possui apenas um local de hospedagem. Os principais atrativos são as cachoeiras, 
sendo a do rio do Peixe a mais frequentada por moradores e turistas. O conjunto paisagístico da Usina 
Hidrelétrica do Ribeirão da Canjica também é um atrativo importante na região (Figura 5.8). As igrejas 
históricas  e  as  praças  existentes  na  sede  do  município  também  são  bastante  frequentadas  por 
moradores  locais.  O  Estádio  Municipal  Olímpio  Francisco  de  Ávila  oferece  campo  de  futebol  e  ginásio 
poliesportivo para a população, além de sediar eventos esportivos e culturais. 

53 
 
Figura 5.8 – Usina Hidrelétrica do Ribeirão da Canjica, em Conceição da Barra de Minas.  
Fonte: CONCEIÇÃO DA BARRA DE MINAS (2017). 
 
5.4 SÃO JOÃO DEL REI 
São João Del Rei (Figura 5.9) localiza–se na área central de Minas Gerais. Em 2010, sua população era 
estimada em 84.469 habitantes. Além do distrito–sede, citam–se outros cinco distritos: Emboabas, São 
Miguel do Cajuru, São Sebastião da Vitória, Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno e São Gonçalo do 
Amarante. Destaca–se que a maior densidade populacional está concentrada na área urbana. 

 
Figura 5.9 – Vista parcial do Centro de São João Del Rei. Imagem coletada da torre da Igreja de Nossa 
Senhora do Carmo. Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

A história econômica do Estado de Minas Gerais teve início com o Ciclo do Ouro no final do século XVII, 
que atraiu exploradores e induziu o surgimento de vilas e povoados, dando condições para a ocupação 
de toda a região. 

A ocupação do que é hoje o município de São João Del Rei se dá no final do século XVII, quando Tomé 
Portes e família se “estabelecem” às margens do rio das Mortes e dão início ao povoamento da região. 
Além  de  cobrar  pela  travessia  do  rio,  Tomé  oferecia  pouso  e  mantimentos  aos  que  passavam  pelo 

54 
caminho  (futura  Estrada  Real,  já  mencionada  na  subseção  4.1).  O  local  onde  se  instalou  Tomé  ficou 
conhecido como Porto Real da Passagem e, até hoje, guarda a denominação antiga: Porto. 

Em 1705, com a descoberta de grandes quantidades de ouro nas encostas do morro das Mercês, nasce 
então  um  novo  arraial,  denominado  Arraial  de  Nossa  Senhora  do  Pilar  do  Rio  das  Mortes  ou, 
simplesmente,  Arraial  Novo,  embrião  da  vila  de  São  João  Del  Rei.  A  ocupação  do  arraial  remonta  à 
chegada  de  um  paulista  chamado  Lourenço  Costa,  que  descobre  ouro  no  ribeirão  de  São  Francisco 
Xavier. 

Em 1838, a progressista Vila de São João Del Rei torna–se cidade. Nessa época, possuía cerca de 1.600 
casas, distribuídas em 24 ruas e 10 praças. Segundo GRAÇA FILHO (2002), a sede da Comarca do Rio das 
Mortes afirma–se, ao longo do século XIX, como um importante polo de influência política e econômica 
de Minas Gerais. 

A  disputa  pela  exploração  do  ouro  gerou  conflitos  que  culminaram  na  Guerra  dos  Emboabas  (1707–
1709). Essa luta, que envolveu os bandeirantes paulistas e os emboabas (portugueses e imigrantes de 
outras regiões do Brasil), teve como causa principal a disputa pela exploração das minas de ouro recém–
descobertas  na  região  das  Minas  Gerais.  Os  paulistas  queriam  exclusividade  na  exploração  da  região, 
pois afirmavam que tinham descoberto as minas. 

Como consequência, o arraial foi incendiado, e a população, com medo de novos ataques, transferiu–se 
para  a  margem  do  rio  das  Mortes,  próximo  ao  Porto  da  Passagem.  Na  década  seguinte,  o  arraial, 
reconstruído e próspero, foi elevado à categoria de vila, em 8 de dezembro de 1713, com o nome de 
Vila  de  São  João  Del  Rei,  homenagem  do  governador  D.  Brás  Baltazar  da  Silveira  a  D.  João  V,  rei  de 
Portugal. 

Em  1789,  foi  descoberta  a  conspiração  denominada  Inconfidência  Mineira.  A  vila  de  São  João  Del  Rei 
não participou diretamente do movimento –– a maioria das reuniões aconteceu em Vila Rica e no Rio de 
Janeiro. No entanto, importantes inconfidentes eram da região do rio das Mortes, dentre eles, o são–
joanense  Joaquim  José  da  Silva  Xavier,  Tiradentes,  o  único  que  pagou  com  a  própria  vida  pelo 
movimento. 

Desde  os  tempos  de  sua  formação,  desenvolve–se  aí  uma  vasta  produção  mercantil  e  de  gêneros 
alimentícios,  resultante  tanto  da  atividade  agrícola  quanto  da  pecuária.  O  processo  de  ocupação  e  de 
produção  de  riquezas  ocorrido  em  São  João  Del  Rei  é  semelhante  ao  dos  municípios  vizinhos  que 
formam o território da região Campos das Vertentes, incluindo Itutinga e Nazareno. 

De  acordo  com  TAVARES  (2011),  tal  dinamismo  foi  fomentado  pela  sua  posição  de  centro 
administrativo,  comercial  atacadista  e  financeiro.  Dada  a  proximidade  com  o  Rio  de  Janeiro,  São  João 
Del  Rei  desempenhou  importante  papel  como  entreposto  comercial,  especializado  na  apropriação  do 
excedente de gêneros alimentícios produzidos na região circunvizinha, como toucinho e couro, panos e 
outras mercadorias que eram escoadas para a Capital Federal. 

GAIO  SOBRINHO  (1997)  afirma  que,  enquanto  era  um  importante  entreposto  comercial,  São  João  Del 
Rei possuía infraestrutura para atender os viajantes e comerciantes que circulavam pela região. Assim, o 

55 
primeiro meio de hospedagem a ser construído na cidade foi o Grande Hotel Central, em 1836, como 
acrescentou  o autor. A respeito das  transformações econômicas ocorridas na cidade, OLIVEIRA (2007) 
diz que, já no início do século XIX, apesar da decadência da mineração, a cidade demonstrava vocação 
para o comércio, tendo várias lojas instaladas nos casarões, que ofereciam todo tipo de mercadoria. 

Em 6 de março de 1838, a vila é elevada à categoria de cidade e chamada São João Del Rei. A riqueza da 
agricultura e do comércio trouxe grande prosperidade; a cidade, então, tornou–se um centro comercial, 
cultural  e  político  da  Capitania  e  do  Império,  e  recebeu  o  título  de  “celeiro  de  Minas”.  Os  primeiros 
resquícios de progresso na cidade somente ocorreram no final do século XIX, quando a elite econômica 
local investiu parte de suas riquezas na industrialização. 

O  progresso  chegou  de  muitas  maneiras:  pela  organização  e  melhoramento  do  espaço  e  dos  serviços 
urbanos; pela criação de inúmeras escolas, associações, etc.; pela instalação da primeira casa bancária 
(1860); pela inauguração da Companhia Estrada de Ferro Oeste de Minas (1881), ligando São João Del 
Rei à Ferrovia D. Pedro II, que leva ao Rio de Janeiro; pela implantação de fábricas (laticínios, curtumes, 
têxteis (1891), por exemplo, a Companhia Industrial Sanjoanense e Industrial Oeste de Minas, segundo 
TAVARES (2011). No final do século XIX, a cidade quase foi eleita capital do Estado de Minas Gerais, sem, 
contudo, perder suas tradicionais características: a religiosidade e a fé de seu povo nem a grandeza de 
sua arte e de suas manifestações populares, como ressalta o autor. Na Figura 5.10, tem–se uma vista da 
cidade de São João Del Rei: 

 
Figura 5.10 – Vista da cidade de São João Del Rei. 

Fonte: SÃO JOÃO DEL REI (2017). 

Mesmo com o declínio de economia no final do século XIX, a cidade não perdeu seu aspecto colonial, 
sendo motivo de atenção dos modernistas brasileiros. Ela é registrada na obra de algumas das figuras 
mais representativas do movimento, como a pintora Tarsila do Amaral e o escritor Oswald de Andrade. 
Em 1938, seu acervo arquitetônico e artístico, composto por importantes edificações civis e religiosas, 
foi tombado pelo antigo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), atual IPHAN. 

56 
De  acordo  com  OLIVEIRA  (2007),  dentre  os  bens  imóveis  protegidos  no  município,  destaca–se  o 
conjunto arquitetônico e urbanístico do Núcleo Histórico, composto ainda por igrejas, capelas, pontes, 
Passos da Paixão, o Chafariz da Legalidade e o Complexo Ferroviário. Além desses, existem as igrejas de 
São Francisco de Assis, cujo projeto original é do Mestre Aleijadinho, e a Catedral Matriz Nossa Senhora 
do Pilar. 

Segundo  MANTIQUEIRA/BIODINÂMICA  RIO  (2017),  a  característica  do  turismo  em  São  João  Del  Rei  é, 
predominantemente,  religiosa:  a  cidade  recebe,  também,  muitos  turistas  que  estão  visitando  outros 
municípios da região, como Tiradentes, que se localiza a apenas 16 km de distância. Contudo, o número 
de turistas no município vem diminuindo nos últimos anos, o que afeta diretamente o valor arrecadado 
por esse setor. 

O  Centro  Histórico  concentra  grande  número  de  igrejas  antigas,  inclusive  a  de  São  Francisco  de  Assis; 
portanto é um dos principais destinos de turistas e moradores locais. A celebração da Semana Santa é o 
período em  que a  cidade recebe  maior fluxo de turistas durante o ano. As cachoeiras do  Urubu, Bom 
Despacho  e  Cala  Boca,  bem  próximas  à  sede  do  município,  também  são  pontos  turísticos  muito 
frequentados por moradores e visitantes, além do Parque Natural da Serra do Lenheiro. 

5.5 RITÁPOLIS 
Diferentemente dos demais processos de ocupação dos municípios que compõem os interceptados pela 
LT 345 kV Itutinga – Barro Branco, a origem do município de Ritápolis não foi condicionada à busca do 
ouro, e, sim, às atividades agrícolas e pecuárias, necessárias ao atendimento da população que chegava 
à Vila de São João Del Rei, em busca do ouro. 

O município de Ritápolis surgiu simultaneamente à construção de sua antiga capela de Santa Rita do Rio 
Abaixo, nome que se deve a uma imagem de Santa Rita encontrada nas proximidades do rio das Mortes. 
A capela, hoje, encontra–se com o acréscimo feito em 1918; daí, ocorreu o crescimento espontâneo do 
antigo  povoado,  que,  provavelmente,  fora  iniciado  antes  de  1738,  data  do  primeiro  registro 
documental. 

O  território  da  antiga  vila  de  Santa  Rita  do  Rio  Abaixo  foi  constituído,  originalmente,  em  meados  do 
século XVIII, por praticamente seis grandes fazendas com grandes extensões de terra. Duas delas ainda 
estão de pé e bastante preservadas: Fazendas de São Miguel e do Mato Dentro. Uma terceira encontra–
se  em  ruínas,  que  é  a  Fazenda  do  Pombal,  onde  nasceu  Joaquim  José  da  Silva  Xavier,  o  Tiradentes, 
tombada  como Patrimônio Histórico  Nacional desde 1938.  Uma quarta fazenda, também já demolida, 
foi a Fazenda do Fundão, da qual o único registro de sua existência é uma foto do início do século XX. No 
território, houve outras fazendas, mas não há dados de suas existências e localizações. 

O núcleo original do antigo Arraial de Santa Rita do Rio Abaixo formou–se como eixo de passagem em 
direção norte, tendo dois largos ligados por um eixo tortuoso. O largo principal possui, em seu centro, a 
Igreja da Matriz do século XVIII (Figura 5.11), de tipologia característica do Barroco mineiro, da Segunda 
Fase, com riqueza de detalhes de seus retábulos com policromia e douramento, parte deles restaurados 
e preservados até hoje, com sua nave, capela–mor, sacristia e capela do Santíssimo. A segunda nave e a 
torre são construções posteriores, de tipologia eclética neogótica, erguidas nos anos 1918/1920. 

57 
    
Figura 5.11 – Igreja da Matriz, hoje, Santuário de Santa Rita de Cássia (à esquerda). Foto da década de 
1950. 
Fonte: RITÁPOLIS (2017). Lateral do Santuário atual (à direita) E Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

A  mineração  do  ouro,  se  não  chegou  a  ser  o  fator  exclusivo  da  formação  dos  núcleos  urbanos  da 
microrregião,  foi,  sem  dúvida,  o  indutor  maior  desse  processo  e  o  que  atuou  de  modo  decisivo  no 
florescimento dos principais povoados e vilas, como Tiradentes e São João Del Rei, em 1700 – 1704, e, 
posteriormente, Prados, Ritápolis, Resende Costa, São Tiago, Lagoa Dourada, Nazareno e Carrancas. 

As mais antigas referências a uma exploração econômica, datadas do princípio do século XIX, apontam 
para produtos de origem animal, como carne, queijo e couro. No decorrer do mesmo século, o açúcar 
assumiu posição de destaque. Num levantamento feito em 1864, constavam, em Ritápolis, seis fazendas 
com  engenho,  dentre  elas,  São  Miguel,  Mato  Dentro,  Paciência  e  outras.  Atualmente,  o  município 
destaca–se  pela  "produção  leiteira  com  uma  indústria  de  laticínios,  alguns  fabricantes  de  aguardente, 
agricultura de subsistência, comércio e pequenas marcenarias" (RITÁPOLIS, 2017a). 

Ritápolis localiza–se na região das Vertentes e destaca–se pelo turismo histórico e ecológico. Suas trilhas 
de  Mata  Atlântica  misturada  ao  Cerrado  levam  a  belíssimas  cachoeiras,  cursos  d’água  e  misteriosas 
grutas.  Situada  a  200  km  de  Belo  Horizonte,  a  cidade  realiza  tradicionais  festas,  como  a  Exposição 
Agropecuária,  sempre  na  terceira  semana  de  julho,  no  Parque  de  Exposições;  a  festa  da  padroeira  da 
cidade, ou Festa de Santa Rita de Cássia, que acontece anualmente, de 13 a 22 de maio; Aniversário da 
Cidade, comemorado em 1º de março, e Arraial dos Gabirobas, no feriado de Corpus Christi, geralmente 
em  junho.  Possui  ainda  o  balneário  do  Jaburu  (Figura  5.12),  o  Hotel–Fazenda  Cachoeira  e  fortes 
vocações: festiva, religiosa, culinária e artesanal. 
 

58 
 
Figura 5.12 – Cachoeira do Jaburu, em Ritápolis. Foto de Márcio Resende do ano de 2017. 
Fonte: RITÁPOLIS (2017b). 
 

Dispersa em seu núcleo urbano, a cidade de Ritápolis caracteriza–se por três bairros separados, envoltos 
em  um  grande  espaço  vazio  verde:  o  Centro,  como  origem;  o  Espigão,  que  se  estende  até  Goiabas,  a 
oeste, o mais populoso; e Várzea, ao sul, caracterizado como acesso principal à cidade. 

No  Centro,  encontra–se  o  conjunto  arquitetônico  mais  expressivo,  que  inclui  o  Santuário  Diocesano 
(Matriz),  a  Igreja  do  Rosário,  a  Prefeitura  Municipal,  a  Casa  Grande,  o  Cine–Teatro  Pio  XII,  a  Sede 
Musical  e  vários  exemplares  residenciais.  Vista  como  uma  cidade,  chama  mais  atenção  por  dois 
aspectos: a baixa densidade demográfica e o ambiente quase rural e bucólico, onde predomina o verde 
na paisagem urbana.  

5.6 RESENDE COSTA 
Resende  Costa  (Figura  5.13)  é  um  município  da  Região  das  Vertentes,  criado  em  1911,  com  a 
denominação de Vila de Resende Costa. A instalação oficial do município aconteceu no dia 1º de junho 
de 1912, mas, só em 1923, passou a ser chamado de Resende Costa. 

 
Figura 5.13 – Vista da cidade de Resende Costa. 
 Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Nessa época, a cidade experimentou maior desenvolvimento econômico, favorecido por sua localização 
no  entroncamento  de  várias  estradas  para  a  zona  oeste  de  Minas  Gerais.  A  atividade  industrial 
desenvolveu–se a partir da produção de açúcar, manteiga, polvilho, aguardente, calçados e arreios. 

59 
Em  1749,  foi  erguida  a  Capela  de  Nossa  Senhora  da  Penha  de  França,  em  torno  da  qual  foram 
construídas oito casas, pertencentes aos fazendeiros das primeiras famílias transferidas para a região: 
Resende Costa, Pedrosa Morais, Alves Preto, Pinto e Lara. 

A população dedicava–se ao plantio de gêneros alimentícios e à criação de gado. Em 1831, o povoado 
contava 1.243 habitantes, entre homens livres e cativos. Em 1840, foi elevado à categoria de paróquia, 
devido ao grande número de fiéis que frequentavam sua igreja. 

A atual Matriz de Nossa Senhora da Penha de França (Figura 5.14) não é a que foi construída no século 
XVIII.  A  primeira  igreja  começou  a  desabar  nos  anos  de  1893  a  1896  e  precisou  ser  completamente 
reformada. As obras, que se realizaram de 1901 a 1909, visavam consertar a igreja e também ampliá–la, 
para atender ao grande número de pessoas que deixavam a zona rural e já moravam na “Vila”. 

 
Figura 5.14 – Matriz de Nossa Senhora da Penha de França.  
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio 2017. 
 
Na primeira metade do século XX, a antiga igreja foi demolida, assim como a Igreja do Rosário e o antigo 
cemitério. Apesar dessa informação, a reforma recente a que a Igreja Matriz foi submetida demonstrou 
que a antiga igreja não foi totalmente demolida, pois encontraram–se vestígios da capela original e que 
foram utilizados na construção da atual igreja. 
Construída  sobre  uma  rocha,  a  cidade  oferece  privilegiada  vista  panorâmica  e  goza  de  prestígio  entre 
espiritualistas. Ao lado da Matriz de Nossa Senhora da Penha, moradores e visitantes podem caminhar 
sobre a grande “laje” (Figura 5.15) e apreciar a paisagem montanhosa da região. 

 
Figura 5.15 – Vista do Mirante da Laje.  

Fonte: Equipe Biodinâmica Rio 2017. 

60 
Atualmente, Resende Costa –– nome que, desde 1923, foi dado ao distrito da Laje –– destaca–se como 
uma  das  cidades  mineiras  cuja  produção  doméstica  têxtil  é  uma  atividade  produtiva  informal  que 
garante a sobrevivência de grande parte da sua população. 

O referido distrito, que conta, como primeira referência histórica, o erguimento de sua capela, em 1749, 
a “Capela de Nossa Senhora da Penha de França”, em substituição à de “Laje”, mantém sua importância 
quando se retoma a história da Inconfidência Mineira. Dois de seus filhos ilustres, “dois dos próceres do 
movimento  libertário  que  sacudiu  a  Capitania  de  Minas  Gerais  na  década  de  1780:  o  Capitão  José  de 
Resende  Costa  e  seu  filho,  de  mesmo  nome”  são  considerados  o  “elo”  entre  a  cidade  e  o  passado 
(RESENDE COSTA, 2017). 

Segundo MANTIQUEIRA/BIODINÂMICA RIO (2017), o comércio voltado para a compra de artesanato de 
tear  manual  é  o  principal  atrativo  turístico  no  município  de  Resende  Costa.  Segundo  os  gestores,  são 
aproximadamente  50  ônibus  fretados  que  chegam  diariamente  para  comprar  redes,  tapetes  e  outros 
objetos,  a  maioria  para  serem  revendidos  em  outras  cidades  de  Minas  Gerais  e  mesmo  em  outros 
estados. O artesanato em madeira e ferro também é recorrente no município (Figura 5.16). Tanto é que 
o Poder Público local realizou inventários sobre a prática do artesanato em madeira e ferro, como sendo 
um bem cultural. 

 
Figura 5.16 – Artesanatos em madeira e ferro e tapeçaria. Detalhe para o mascote eleito como ícone da 
cidade, a lagartixa de laje. 
Fonte: Equipe Biodinâmica, 2017. 
 

Hoje,  a  cidade  vive  quase  somente  do  artesanato  têxtil,  confeccionando  colchas,  tapetes  e  outros 
artigos  para  casa,  em  teares  manuais.  A  maioria  da  população  tece  ou  vende  esses  trabalhos, 
produzidos  com  sobras  de  malhas  das  indústrias  nacionais.  Várias  lojas  e,  ainda,  uma  interessante 
oficina  de  móveis  feitos  com  madeira  de  demolição  vendem  o  artesanato  local.  Segundo 
MANTIQUEIRA/BIODINÂMICA  RIO  (2017),  o  artesanato  ––  tanto  sua  comercialização  como  o  turismo 
que o envolve –– é o principal gerador de renda para a população local (Figuras 5.17/5.18). 

61 
    
Figuras 5.17/5.18 – Oficina de artesanato em cerâmica no ano de 2014 (à esquerda). Fonte: RESENDE 
COSTA (2017); Dona Maria Helena, moradora da Comunidade de Remanescente de Quilombo 
Curralinho dos Paulas, preparando os retalhos para confecção de tapetes no tear manual (à direita). 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Outros atrativos turísticos e áreas de lazer, identificados durante a pesquisa de campo, foram: o Horto 
Florestal,  onde  a  população  faz  piqueniques  e  pratica  atividades  físicas,  o  Mirante  dos  Lajes, 
frequentado  por  turistas  e  moradores  locais,  as  igrejas  históricas,  como  a  da  Matriz,  além  das 
cachoeiras, consideradas patrimônios naturais do município; a mais frequentada é a dos Pintos. 

5.7 ENTRE RIOS DE MINAS 
Segundo  dados  da  Prefeitura  de  Entre  Rios  de  Minas,  o  município  tem  origem  no  século  XVIII,  com  a 
chegada  dos  portugueses  Pedro  Domingues  e  Bartolomeu  Machado  à  região,  em  1713.  Bartolomeu 
Machado ergueu sua casa no lugar onde se encontra, hoje, a Fazenda do Engenho. 

Anos  depois,  foi  erguida  uma  capela  em  homenagem  a  Nossa  Senhora  das  Brotas  (Figura  5.19),  em 
torno da qual, surgiu o povoado do Bromado, cujo nome, posteriormente, foi alterado para Brumado do 
Suaçuí. Em 1875, foi elevado a distrito e, em 1953, a cidade, recebendo o nome de Entre Rios de Minas, 
por estar situada entre os rios Camapuã e Brumado. 
 

     
Figura 5.19 – Vistas frontal e lateral da Igreja Matriz de Nossa Senhora das Brotas. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

62 
Como  heranças  de  seu  processo  de  ocupação,  existem  no  município:  o  Hospital  Cassiano  Campolina, 
construído  em  1910,  recentemente  restaurado,  com  um  fogão  de  ferro  a  lenha,  ainda  ativo;  a  Igreja 
Matriz  de  Nossa  Senhora  das  Brotas,  de  influência  neogótica;  a  Capela  dos  Olhos  d'Água,  da  primeira 
fase da arte colonial mineira; e a Cachoeira do Gordo –– todos fazem parte do acervo cultural protegido 
no  município,  pela  importância  histórica  e  cultural  que  desempenham.  Citam–se,  também:  fazendas 
coloniais;  as  ruínas  da  Casa  de  Pedra  do  Gambá,  datadas  de  1701  e  atribuídas  à  bandeira  de  Fernão 
Dias; e sítios de possível interesse arqueológico, remanescentes dos locais em que viveram as tribos dos 
índios Cataguá. 

Entre  Rios  de  Minas  vem  se  tornando  conhecida  por  sediar  importante  seleção  de  cavalos  da  raça 
Campolina,  criados  em  Minas  e  muito  apreciados  em  outros  estados.  A  Figura  5.20  mostra  o  novo 
cartão–postal símbolo da cidade, a estátua em homenagem aos cavalos Campolina e seus criadores. 

 
Figura 5.20 – Estátua de cavalo Campolina.  
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 
 

Por  isso,  dentre  as  fazendas  do  município,  um  destaque  é  a  Fazenda  do  Tanque,  situada  a  15  km  do 
Centro  e  considerada  o  berço  do  Campolina.  Foi  nela,  por  volta  de  1870,  que  tiveram  início  os 
cruzamentos com a tentativa de apurar a raça, uma iniciativa do fazendeiro Cassiano Antônio da Silva 
Campolina,  por  influência  de  cavalos  trazidos  por  D.  João  VI  para  a  Coudelaria  Real  de  Cachoeira  do 
Campo, distrito de Ouro Preto. Ao morrer, em 1904, Cassiano, mediante testamento, doou tudo o que 
tinha  para  a  construção  do  famoso  hospital  da  cidade,  que  recebeu  seu  nome.  A  sede  da  fazenda 
preserva um casarão construído no final do século XIX e áreas com reservas naturais que proporcionam 
bonitas paisagens, segundo DESCUBRA MINAS (2017). 

A economia de Entre Rios de Minas baseia–se na pecuária leiteira; em pequena escala, são produzidos 
organicamente  licores,  doces  caseiros,  legumes,  verduras  e  uma  excelente  cachaça,  fabricada 
artesanalmente  e  famosa  na  região.  “Trabalhos  de  cestaria,  tecelagem  em  palha  de  milho,  esculturas 
em madeira, crochê e bordados são os principais produtos do artesanato local" (ENTRE RIOS DE MINAS, 
2017) 

63 
Segundo  MANTIQUEIRA/BIODINÂMICA  RIO  (2017),  as  principais  atividades  de  turismo  e  lazer  estão 
relacionadas  às igrejas históricas, especialmente a  da Matriz  (Nossa Senhora de Brotas),  e às praças e 
cachoeiras  do  município.  Uma  festa  tradicional  de  Entre  Rios  é  a  de  sua  padroeira,  Nossa  Senhora  de 
Brotas,  realizada  no  dia  15  de  agosto.  Uma  semana  antes,  a  imagem  da  Santa  percorre  as  igrejas  da 
cidade. No dia da festa, os fiéis reúnem as imagens de todas as igrejas, fazem procissão e celebram uma 
missa solene (DESCUBRA MINAS, 2017). 

Contudo, é na última semana de julho, no seu Parque de Exposições, que Entre Rios de Minas realiza seu 
mais famoso evento: a Festa da Colheita, uma tradição de mais de 40 anos. A festa começa na quarta–
feira, com a entrada dos animais para a exposição, rodeios e shows; prossegue de quinta a sábado, com 
barraquinhas e ordenhas para o concurso leiteiro; e termina no domingo com missa às 11 h, na Praça do 
Hospital Cassiano Campolina, bênçãos à comunidade, aos animais de raça e às sementes, e desfile dos 
carros de boi, tradicionalmente enfeitados (DESCUBRA MINAS, 2017). 

O município possui também várias cachoeiras com poços que proporcionam ótimos passeios no verão. 
As  principais  são:  a  dos  Coqueiros,  a  12  km  do  Centro,  aproximadamente,  e  a  do  Gordo,  a  18  km 
(DESCUBRA MINAS, 2017). 

5.8 SÃO BRÁS DO SUAÇUÍ 
No  início  do  século  XVIII,  João  Machado  Castanho  adentrou  a  Microrregião  da  Serra  do  Espinhaço 
(Espinhaço Meridional) e encontrou umas paragens junto a um córrego denominado pelos indígenas por 
“guacú”,  que  emprestava  seu  nome  às  terras  por  ele  banhadas.  Na  língua  tupi–guarani,  guaçu  é  um 
cervo grande que, nessa época, predominava na região; hi é a água do rio. Assim, conclui–se que o dito 
córrego  era  a  aguada  dos  cervos  que,  por  sua  vez,  eram  a  caça  preferida  dos  indígenas.  Ali,  também 
passava o caminho novo da Vila de São João Del Rei para a Vila Rica (Ouro Preto). 

Nessa  área,  João  Machado  Castanho  construiu  um  sítio  e  fixou  residência,  vindo  a  requerer  ao 
representante  da  Coroa,  o  então  oficial  do  Exército  D.  Brás  Baltazar  da  Silveira,  o  legado  de  uma 
sesmaria.  Em  22  de  dezembro  de  1713,  D.  Brás  Baltazar  da  Silveira  assinou  a  carta  de  sesmaria,  que 
doava a João Machado Castanho uma quadra de uma légua de terras, tendo como centro o seu próprio 
sítio. A carta citava os direitos e deveres do novo posseiro: cultivar as terras, não podendo impedir que 
colonos  trabalhassem  nela  e  ali  construíssem  suas  casas,  desde  que  não  ultrapassassem  as 
demarcações;  não  poderia  expulsar  nenhum  colono  dessas  terras,  a  não  ser  por  vias  judiciais;  e, 
segundo o clero, deveria construir uma capela no local. 

A capela foi construída e coberta com folhas de buriti, recebendo, ao seu redor, uma casa de colonos 
que se aventuravam pelos Cerrados do Espinhaço Meridional. Eles eram, em sua maioria, mestiços de 
europeus e índios, os chamados “caipiras” ou “capiaus”, comuns em todas as Minas Gerais. 

Um arraial começava a nascer, e o nome do córrego e daquelas paragens, traduzido para o português 
arcaico,  se  escrevia  “suassuhy”.  Como  padroeiro,  escolheram  São  Brás,  talvez  prestando  uma 
homenagem  ao  doador  da  sesmaria:  D.  Brás  Baltazar  da  Silveira.  Assim,  o  pequeno  arraial,  que  mais 
tarde se transformou em vila, ficou conhecido como São Brás do Suassuhy. 

64 
Até  1832,  o  povoado  de  São  Brás  do  Suaçuí  subordinou–se  à  freguesia  de  Congonhas  do  Campo, 
quando, então, passou para a jurisdição de Brumado (hoje, Entre Rios de Minas) até 31 de dezembro de 
1953, Pela Lei Estadual nº 1.039, de 12 de dezembro de 1953, passou a constituir o município de São 
Brás do Suaçuí. 

A Capela do Senhor dos Passos e a Igreja de São Brás (Figura 5.21), hoje Santuário, foram construídas 
em alvenaria, com blocos tirados da pedreira de São Brás. "A devoção por São Brás vem desde o século 
XVIII, tradição que rompeu o tempo e hoje está enraizada na cultura e religiosidade do povo" (SÃO BRÁS 
DO SUAÇUÍ, 2017). 

 
Figura 5.21 – Igreja Matriz de São Brás, no Centro da cidade.  
Fonte: Equipe Biodinâmica, 2017. 
 

São Brás do Suaçuí fica a 109 km da capital mineira. Em sua essência, traz muita melodia, pois a cidade é 
conhecida  por  manter  a  tradição  de  ser  um  município  com  muito  amor  e  talento  dedicado  à  música 
desde o século XVIII. Esse legado  musical é comprovado pela  Escola de Música de São Brás do Suaçuí 
(Figura  5.22),  que,  por  meio  das  leis  de  incentivo  à  cultura  e  parceria  com  empresas  privadas, 
desenvolve um trabalho de formação de músicos mediante a execução de instrumentos musicais e do 
canto. 

Os  cursos  são  gratuitos  e  os  alunos  devem  apenas  ter  bons  rendimentos,  assim  como  ser  assíduos  e 
responsáveis  para  com  a  escola.  O  amor  à  música  é  um  traço  marcante  da  pequena  população  desse 
município,  onde  grande  número  de  pessoas  dedica–se  ao  estudo  e  à  execução  de  instrumentos 
musicais,  bem  como  ao  canto.  A  tradição  musical  do  município  pode  ser  mostrada  pela  banda  União 
Musical Santa Cecília Suaçuí, que também desenvolve um consistente e contínuo trabalho de formação 
de músicos. 
 

65 
     
Figura 5.22 – Prédio da Escola de Música de São Brás do Suaçuí e apresentação no ano de 2008. Foto de 
Christina Amâncio. 
Fonte: SÃO BRÁS DO SUAÇUÍ (2017). 
 

Além da tradição musical, a cidade conserva uma bela arquitetura em estilo barroco. A Igreja Matriz de 
São  Brás,  a  Capela  Monsenhor  dos  Passos  e  o  Casarão  dos  Herdeiros  do  Sr.  José  Campos  compõem  a 
bela  paisagem  histórica  de  São  Brás  do  Suaçuí.  Durante  o  verão,  as  águas  da  pedreira  atraem  muitos 
visitantes em busca de refresco. A fonte do mato fica no Centro da cidade e encanta os turistas por suas 
águas cristalinas. 

 
Figura 5.23 – Igreja Matriz de São Brás (à esquerda) e Capela Monsenhor dos Passos (à direita). 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 
Segundo MANTIQUEIRA/BIODINÂMICA RIO (2017), a cidade não recebe muitos turistas; o maior fluxo é 
o de turismo de negócio, ou seja, a cidade recebe trabalhadores de empresas que prestam serviço na 
região.  De  fato,  durante  a  pesquisa  de  campo,  foi  possível  perceber  o  número  significativo  de 
estrangeiros,  principalmente  de  franceses  e  japoneses  que  prestam  serviços  à  mineradora  VSB  – 
Vallourec  e  Sumitomo  do  Brasil,  instalada  no  município  de  Jeceaba.  Segundo  os  gestores  locais,  os 
principais  atrativos  turísticos  e  também  visitados  pelos  moradores  são:  a  cachoeira  da  Pedreira,  as 
igrejas  históricas,  como  a  da  Matriz,  e  o  Parque  Natural  Oswaldo  Contígio.  Os  residentes  frequentam 
ainda os campos de futebol e o poliesportivo.  

66 
5.9 JECEABA 
A história de criação e povoamento de Jeceaba (Figura 5.24) tem início em 1910, quando portugueses, 
italianos  e  espanhóis  chegaram  às  terras  do  município,  para  trabalhar  na  construção  do  Ramal 
Paraopeba  da  Estrada  de  Ferro  Central  do  Brasil  (EFCB).  Muitos  deles  formaram  famílias  e 
permaneceram no local. 

Nessa época, a localidade ainda era um povoado, com apenas 30 casas. Chamava–se Camapuã ("morro 
redondo"  em  indígena)  e  pertencia  ao  município  de  Entre  Rios  de  Minas.  O  município  começou  a  se 
desenvolver  com  incrível  rapidez  após  a  inauguração  do  Ramal  Paraopeba,  que  ligava  o  povoado  a 
Conselheiro Lafaiete e Belo Horizonte. 

     
Figura 5.24 – Vista parcial do Centro e da periferia de Jeceaba. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 
O  Decreto–Lei  Estadual  nº  148,  de  17  de  dezembro  de  1938,  elevou  os  povoados  de  Camapuã  e 
Lagoinha  (hoje  Jeceaba  e  Bituri)  à  categoria  de  distritos  pertencentes  ao  município  de  João  Ribeiro 
(atual  Entre  Rios  de  Minas).  O  Decreto  Estadual  nº  058,  de  31  de  dezembro  de  1943,  determinou  a 
mudança  do  nome  do  distrito  de  Camapuã  para  Jeceaba  (Yi–ecê–aba  –  nome  também  indígena  que 
significa “confluência de rios” ou “junção de rios”: reunião das águas). A Resolução nº 21 do Município 
de João Ribeiro (MG), de 31 de agosto de 1953, aprovou a emancipação do distrito de Jeceaba, a fim de 
que  ele  pudesse  ser  elevado  à  categoria  de  município  na  então  próxima  revisão  administrativa  do 
Estado e a anexação do distrito de Bituri a esse município. 

Em 12 de dezembro de 1953, sendo Governador do Estado o Sr. Juscelino Kubitschek de Oliveira, a Lei 
Estadual  nº  1.039  criou  o  município  de  Jeceaba,  que  se  desmembrou  de  Entre  Rios  de  Minas.  Essa 
mesma lei atribuiu ao município de Jeceaba o distrito de Bituri (ex–Lagoinha). A Lei Estadual nº 2.764, 
de  30  de  dezembro  de  1962,  que  fixou  a  Divisão  Administrativa  do  Estado  de  Minas  Gerais,  criou  o 
distrito de Caetano Lopes, delineado pela Lei Municipal nº 160, de 06 de julho de 1964 (JECEABA, 2017). 
Segundo  MANTIQUEIRA/BIODINÂMICA  RIO  (2017),  como  principais  áreas  de  lazer  utilizadas  pelos 
moradores e atrativos turísticos da cidade, destacam–se: as cachoeiras, igrejas históricas, praça central 
e o  pesque e pague. Os residentes também usufruem  de campo de futebol  e da quadra  poliesportiva 
municipal. Jeceaba não é uma cidade turística, mesmo estando próxima das principais cidades–polos de 
turismo do Estado, como Ouro Preto, Mariana e Congonhas. A Prefeitura está desenvolvendo projetos 
para  atrair  os  turistas  que  visitam  municípios  circunvizinhos.  Eventos  de  gastronomia  e  investimentos 

67 
em infraestrutura nas cachoeiras foram as principais ações destacadas pelos gestores para melhorar e 
desenvolver o turismo na cidade. 

5.10 CONGONHAS 
Por  volta  de  1700,  alguns  portugueses  povoaram  a  Vila  Real  de  Queluz  (hoje,  Conselheiro  Lafaiete). 
Muitos se fixaram na Vila Real de Queluz, e outros saíram em busca de ouro, fundando novos arraiais e 
organizando núcleos populacionais às margens do rio Maranhão. Há alguma controvérsia sobre a data 
da criação da Freguesia de Congonhas. Xavier da Veiga cita sua criação por Alvará Régio de 03 de abril 
de 1745. Entretanto, o Cônego Trindade mencionava o ano de 1734; segundo ele, a Freguesia foi criada 
por Alvará de 06 de novembro de 1749. 

Congonhas (Figura 25) foi importante centro de mineração e produtor de alimentos. O nome Congonhas 
do  Campo  adveio  da  planta  congonha,  um  arbusto  medicinal  e  ornamental,  que  é  uma  variedade  de 
erva–mate. 

 
Figura 25 – Vista da cidade de Congonhas.  

Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 

Em 1757, o português Feliciano Mendes de Guimarães fundou o Santuário de Bom Jesus de Matosinhos, 
inicialmente,  com  apenas  uma  modesta  cruz  e  oratório.  Na  edificação  da  igreja,  contribuíram  com 
grandes  quantias  Francisco  de  Lima,  Manuel  Rodrigues  Coelho  e  Bernardo  Pires  da  Silva.  Em  1787, 
diante  do  altar–mor,  foi  colocada  a  imagem  do  Cristo  morto;  custódia  e  vasos  sacros  de  prata  foram 
encomendados ao ourives Felizardo Mendes. 

De  1769  a  1772,  trabalhou  ali  o  Mestre  João  de  Carvalhais,  na  pintura  do  altar  de  Santo  Antônio.  Em 
1819, requisitaram–se os serviços do pintor Manuel da Costa Ataíde (o “Mestre Ataíde”) para restaurar 
a pintura da capela–mor. Em 1796, Antônio Francisco Lisboa, mais conhecido como Aleijadinho, recebeu 
encomenda,  de  grande  importância,  para  a  realização  de  esculturas  da  Via  Sacra  e  os  Profetas  para  o 
Santuário de Bom Jesus de Matosinhos, consideradas a sua obra–prima. No adro do Santuário do Bom 
Jesus  de  Matosinhos  (Figura  5.26),  Aleijadinho  esculpiu,  em  pedra–sabão,  as  famosas  imagens  dos  12 
profetas em tamanho real. Além disso, as seis capelas que compõem o Jardim dos Passos, em frente à 
basílica, representam a via Sacra, com belíssimas imagens esculpidas em cedro. 

68 
    
 
Figura 5.26 – Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos: detalhe para tendas armadas em frente à 
igreja. Durante a pesquisa de campo realizada na cidade, foi possível observar vestígios da festa do 
padroeiro (realizada no mês de setembro), como barracas e ambulantes. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Em  1812,  o  Barão  Eschwege  instalou,  no  arraial,  sua  Fábrica  Patriótica,  junto  com  Varnhagen  e  o 
intendente Câmara. A intenção, pioneira no País, era produzir ferro, sendo tal local situado nas margens 
da Rodovia BR 040, nas proximidades da Mina da Fábrica (nome dado em alusão à "Fábrica Patriótica"), 
hoje pertencente à VALE. 

Em 1891, Congonhas do Campo foi ligada à comarca de Ouro Preto; mais tarde, em 1923, o distrito foi 
transferido  do  município  de  Ouro  Preto  para  o  de  Queluz  de  Minas.  Nesse  período,  o  arraial  de 

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Congonhas  do  Campo  era  dividido  em  dois  grandes  bairros:  Matriz  e  Matosinhos.  O  lado  da  Matriz 
pertencia  ao  município  de  Ouro  Preto  e  o  lado  de  Matosinhos,  a  Queluz  de  Minas,  hoje  Conselheiro 
Lafaiete. A unificação dos dois distritos representava a mais alta aspiração de toda a população. Após a 
unificação, o distrito de Congonhas do Campo passou a pertencer ao município de Queluz de Minas. 

Apesar de pobre, o distrito possuía riquezas, pois seu solo era rico em ferro, calcário, cristais de rocha e 
ouro. Depois da unificação dos distritos, o município de Congonhas do Campo foi finalmente criado, em 
1938, juntamente com o distrito de Lobo Leite. Em 1943, um novo distrito foi incorporado ao município, 
o  do  Alto  Maranhão,  transferido  de  Conselheiro  Lafaiete,  compondo  uma  nova  divisão  administrativa 
formada pelos três distritos citados, que é vigente até hoje. 

A Lei Estadual nº 336, de 27 de dezembro de 1948, simplificou a denominação do município, reduzindo–
a para Congonhas, sem consulta prévia à população. Em 31 de agosto de 2003, houve uma tentativa de 
restaurar,  através  de  plebiscito,  o  nome  histórico  “Congonhas  do  Campo”,  pelo  qual  o  município  é 
conhecido  além  de  suas  fronteiras.  Todavia,  a  maior  parte  dos  eleitores  optou  pela  designação 
Congonhas. 

Com  as  doações  de  fiéis,  foi  construído,  na  segunda  metade  do  século  XVIII,  o  mais  importante 
complexo  artístico  e  arquitetônico  do  Barroco,  a  Basílica  do  Senhor  do  Bom  Jesus.  O  sítio  histórico 
guarda as principais obras do Mestre Aleijadinho, sendo 12 profetas de pedra–sabão e 64 esculturas em 
cedro que narram os passos da Paixão de Cristo (CONGONHAS, 2014). 

Dado o caráter religioso de seus bens materiais e imateriais, Congonhas foi, e ainda é, um grande centro 
de  peregrinação.  Todo  ano,  o  município  reúne  milhares  de  fiéis  em  busca  de  cura  das  suas  aflições. 
Peregrinos e romeiros visitam a cidade entre 7 e 14 de setembro, período em que é comemorado, no 
município, o jubileu do Senhor Bom Jesus do Matozinhos. Além da Basílica Santuário do Bom Jesus de 
Matosinhos,  Congonhas  possui  outros  importantes  monumentos  históricos  e  artísticos,  bastante 
procurados e visitados por moradores locais e turistas, como a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, a 
Igreja do Rosário, o Museu da Imagem e Memória (Museu de Congonhas) (Figura 5.27) e o Parque da 
Cachoeira. 

    
Figura 5.27 – Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição (canto superior à esquerda), Igreja de Nossa 
Senhora do Rosário (canto superior à direita) e o Museu de Congonhas (em primeiro plano).  
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 
 

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5.11 OURO PRETO 
Segundo  os  dados  oficiais  apresentados,  da  Prefeitura  de  Ouro  Preto,  a  origem  dessa  cidade  está  no 
arraial  do  Padre  Faria,  fundado  pelo  bandeirante  Antônio  Dias  de  Oliveira,  pelo  padre  João  de  Faria 
Fialho, pelo coronel Tomás Lopes de Camargo e por um irmão deste, por volta de 1698. 

Pela  junção  desses  vários  arraiais,  tornando–se  sede  de  conselho,  foi  elevada  à  categoria  de  vila  em 
1711, com o nome de Vila Rica. Treze anos depois da chegada da bandeira de Antônio Dias de Oliveira 
ao  Sêrro  do  Tripuí,  era  já  considerável  o  progresso  do  arraial  das  Minas.  No  dia  8  de  julho  de  1711, 
Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho, Governador da Capitania de São Paulo e Minas de Ouro, 
criava  a  Vila  Rica  de  Albuquerque.  Pouco  depois,  esse  nome  foi  simplificado  para  Vila  Rica,  conforme 
ordem do Governo de D. João V, que não concordou com a denominação, dada sem prévia licença régia. 

Por volta de 1720, entrava Vila Rica em fase de grande prosperidade quando foi abalada por violentos 
distúrbios. Em 11 de fevereiro de 1719, D. João V criou, no distrito das Minas, as casas de fundição, onde 
todo o ouro extraído tinha que ser fundido, para sofrer então uma dedução correspondente ao quinto 
para a Coroa, às despesas de fundição e a outras taxas. A Lei de D. João V proibia, também, a circulação 
do ouro em pó. Esse novo sistema de cobrança dos quintos provocou, entre os habitantes da vila, uma 
revolta,  que  foi  abafada  pelo  Conde  de  Assumar,  então  Governador  da  Capitania.  Felipe  dos  Santos, 
chefe dos revoltosos, foi preso, julgado sumariamente, enforcado e esquartejado. O próspero arraial do 
Ouro Podre, pertencente a Pascoal da Silva, foi inteiramente incendiado. 

Contudo, a força do ouro, que aflorava fácil e abundante, continuou a impulsionar o progresso rápido de 
Vila Rica. Em 1789, causou descontentamento geral no povo a chegada do Visconde de Barbacena, que 
ali fora com o propósito de proceder à cobrança dos quintos, cujo déficit era já superior a 500 arrobas 
de  ouro.  O  lançamento  da  derrama  deu  origem  à  revolta  que  passou  à  história  com  o  nome  de 
Inconfidência Mineira. 

O grupo de conspiradores, composto de homens cultos e influentes, e que tinha no alferes Joaquim José 
da Silva Xavier, o Tiradentes, seu mais ardoroso adepto, foi traído e denunciado pelo coronel Joaquim 
Silvério  dos  Reis.  Presos  os  chefes  do  movimento,  Tiradentes  foi  enforcado  e  esquartejado  no  Rio  de 
Janeiro,  e  sua  cabeça,  exposta  num  poste  em  Ouro  Preto,  na  praça  que,  atualmente,  tem  seu  nome. 
Outros  elementos  do  grupo,  entre  os  quais  se  encontrava  o  poeta  Tomás  Antônio  Gonzaga,  foram 
degredados  para  a  África;  Cláudio  Manuel  da  Costa  suicidou–se,  na  prisão  da  Casa  dos  Contos,  e  os 
sacerdotes cumpriram sentença em conventos de Lisboa. 

No  início  do  século  XIX,  a  extração  do  ouro,  que  há  muito  vinha  decrescendo,  entrou  em  decadência. 
Vila Rica começou, então, a voltar–se para outras fontes de riqueza da região. Em 1811, Eschwege inicia, 
com  amparo  oficial,  a  construção  da  fábrica  de  ferro  do  Prata,  no  distrito  de  Congonhas  do  Campo, 
então município de Ouro Preto, a qual entrou em funcionamento em 1812. Nessa mesma época, existia, 
em Ouro Preto, uma manufatura de faiança, que mereceu de alguns observadores estrangeiros (Saint–
Hilaire  e  Mawe)  os  melhores  elogios.  Essa  indústria  desapareceu,  mas  a  siderurgia  e  outros  ramos 
industriais se desenvolveram e mantiveram sempre o equilíbrio da economia do município. 

71 
Em 1823, após a Independência do Brasil, Vila Rica recebeu o título de Imperial Cidade, conferido por D. 
Pedro I do Brasil, tornando–se oficialmente capital da então província das Minas Gerais e passando a ser 
designada como Imperial Cidade de Ouro Preto (Figura 5.28). 

    
Figura 5.28 – Cidade de Ouro Preto, com detalhes para a Igreja do Carmo, ao lado do Museu dos 
Inconfidentes (à esquerda), e Igreja de São Francisco e a feirinha de artesanato em pedra–sabão (à 
direita). 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Em  1839,  foi  criada  a  Escola  de  Farmácia  e,  em  1876,  a  Escola  de  Minas.  Foi  sede  do  movimento 
revolucionário Inconfidência Mineira. Foi a capital da província e mais tarde do Estado, até 1897. 

Em 1897, Ouro Preto perde o status de capital mineira, especialmente por não apresentar alternativas 
viáveis ao desenvolvimento físico urbano, sendo a sede transferida para o antigo Curral Del’Rey, onde 
uma  nova  cidade,  Belo  Horizonte,  planejada  e  espaçosa,  estava  sendo  preparada.  A  vetusta  cidade 
continuou polarizando seus distritos, sendo, contudo, o município somente a sombra do que foi outrora 
o termo Vila Rica. 

Em 1923, pela Lei nº 843, de 7 de setembro, emancipou–se a antiga Itabira do Campo, atual Itabirito e, 
em 1953, criou–se o município de Ouro Branco, desmembrado de Ouro Preto pela Lei nº 1.039, de 12 de 
dezembro. 

A  cidade  de  Ouro  Preto  (Figura  5.29)  preservou  um  grande  núcleo  de  casario  colonial  intacto.  Suas 
igrejas  são  particularmente  célebres,  muitas  delas  ricamente  decoradas  e  de  grande  importância 
artística e histórica, onde se incluem, por exemplo, as igrejas de São Francisco de Assis, a Matriz do Pilar, 
a  Matriz  de  Nossa  Senhora  da  Conceição  de  Antônio  Dias,  a  de  Nossa  Senhora  do  Carmo,  a  de  Nossa 
Senhora do Rosário dos Homens Pretos e a Capela do Padre Faria (BOHRER, 2017). 

72 
 
Figura 5.29 – Vista da cidade de Ouro Preto.  

Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 

A antiga capital de Minas Gerais conservou grande parte de seus monumentos coloniais e, em 1933, foi 
elevada a Patrimônio Nacional, sendo, cinco anos depois, tombada pela instituição que hoje é o IPHAN. 
Em 5 de setembro de 1980, na quarta sessão do Comitê do Patrimônio Mundial da UNESCO, realizada 
em  Paris,  Ouro  Preto  foi  declarada  Patrimônio  Cultural  da  Humanidade,  a  primeira  cidade  brasileira  a 
receber  tal  título.  Posteriormente,  em  1981,  foi  considerada  Patrimônio  Estadual,  sendo  reconhecida 
como o maior museu ao céu aberto de Aleijadinho, devido às várias igrejas com suas obras. 

Nesse município, o tombamento já vem instituído  como  mecanismo de proteção no artigo 165 da Lei 


Orgânica do Município, sendo disciplinado pela Lei nº 17, de 26 de abril de 2002 (alterada pela Lei nº 
321, de 15 de março de 2007), e regulamentada pelo Decreto nº 59, de 11 de abril de 2005. 

O artigo 163 da Lei Orgânica do Município indica que a preservação do patrimônio cultural local far–se–
á em colaboração com a comunidade, principalmente através de sua participação no COMPATRI. A Lei 
municipal nº 17/2002 regulamenta o artigo 165 da Lei Orgânica Municipal, e implanta e regulamenta o 
tombamento  de  bens  móveis  e  imóveis,  assim  como  o  registro  dos  bens  imateriais  pelo  Município  de 
Ouro Preto, e dá outras providências. 

O  COMPATRI,  vinculado  à  Secretaria  Municipal  de  Patrimônio  e  Desenvolvimento  Urbano, 


regulamentado  pela  Lei  nº  708/2011,  é  órgão  colegiado  de  caráter  permanente,  com  as  atribuições 
previstas  na  Lei  Municipal  nº  17/2002,  no  tocante  à  preservação  do  Patrimônio  Cultural  Material  e 
Imaterial, assim como do Patrimônio Natural do Município de Ouro Preto. O COMPATRI é paritário entre 
o  Poder  Público  (8  membros)  e  entidades  da  sociedade  civil  (8  membros),  sendo  composto  por 
membros titulares e respectivos suplentes. 

Atualmente, na cidade de Ouro Preto, há três núcleos históricos (NH), três conjuntos paisagísticos (CP), 
seis  bens  imóveis  e  dois  bens  móveis  tombados  em  nível  municipal.  Um  dos  conjuntos  paisagísticos 
abrange as 10 pontes da Estrada Real Ouro Preto–Ouro Branco. Pelo IPHAN, foram tombados 47 bens, 
sendo um deles o Conjunto Arquitetônico e Urbanístico de Ouro Preto. Pelo IEPHA, há apenas um bem 
tombado, constituído pela Fazenda do Manso. 

73 
Cabe destacar que, no tocante à política municipal de proteção do patrimônio cultural, o inventário é a 
forma de acautelamento mais utilizada nesse município, sendo empregado em larga escala, desde 2005. 

Hoje,  Ouro  Preto  possui  mais  de  1.500  bens  inventariados  nas  diversas  categorias,  sendo  mais 
representativas  as  estruturas  arquitetônicas  e  urbanísticas:  mais  de  50%  do  total.  A  elaboração  do 
inventário  segue  o  Plano  de  Inventário  elaborado  em  2005,  com  aprovação  do  COMPATRI,  conforme 
determina  a  lei.  Cabe  destacar  que  os  12  distritos  de  Ouro  Preto,  mais  o  distrito–sede,  foram 
inventariados entre os anos de 2006 e 2013. 

Como Patrimônios Imateriais Inventariados, destacam–se em Ouro Preto: as Cavalhadas de Amarantina; 
Festa  de  São  Bartolomeu;  o  modo  de  fazer  o  doce  de  São  Bartolomeu;  Festa  de  Nossa  Senhora  dos 
Prazeres;  Festa  de  Nossa  Senhora  da  Lapa;  Festa  de  Santo  Antônio;  Festa  de  Nossa  Senhora  dos 
Remédios do Fundão do Cintra; Reinado de Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia. 

5.12 MARIANA 
Segundo  os  dados  oficiais  apresentados,  através  do  site  da  Prefeitura  de  Mariana  (Figura  5.30),  essa 
cidade foi a primeira vila, primeira capital, sede do primeiro Bispado e primeira cidade a ser projetada 
em  Minas  Gerais.  Em  16  de  julho  de  1696,  bandeirantes  paulistas,  liderados  por  Salvador  Fernandes 
Furtado de Mendonça, encontraram ouro em um rio batizado de ribeirão Nossa Senhora do Carmo. 

Às  suas  margens,  nasceu  o  arraial  de  Nossa  Senhora  do  Carmo,  que  logo  assumiria  uma  função 
estratégica  no  jogo  de  poder  determinado  pelo  ouro.  O  local  transformou–se  em  um  dos  principais 
fornecedores  desse  minério  para  Portugal;  pouco  tempo  depois,  tornou–se  a  primeira  vila  criada  na 
então Capitania de São Paulo e Minas de Ouro. Lá, foi estabelecida também a primeira capital. 

    
Figura 5.30 – Centro Histórico de Mariana. Detalhes para as Igrejas de São Francisco e de Nossa Senhora 
do Carmo. Durante a pesquisa de campo, estava acontecendo um evento internacional de mountain 
bike, conhecido como “Iron Bike Brasil”. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Em 1711, por ordem do rei lusitano D. João V, a região foi elevada à cidade e nomeada Mariana –– uma 
homenagem à rainha Maria Ana d’Áustria, sua esposa. Transformando–se no centro religioso do Estado, 
nessa mesma época, a cidade passou a ser sede do primeiro Bispado mineiro. 

74 
Para isso, foi enviado, do Maranhão, o bispo D. Frei Manoel da Cruz. Sua trajetória, realizada por terra, 
durou um ano e dois meses e foi considerada um feito bastante representativo no Brasil Colônia. Um 
projeto urbanístico se fez necessário, sendo elaborado pelo engenheiro militar José Fernandes Pinto de 
Alpoim.  Ruas  em  linha  reta  e  praças  retangulares  são  características  da  primeira  cidade  planejada  de 
Minas Gerais e uma das primeiras do Brasil. 

Em  1945,  Mariana  recebe  do  Presidente  Getúlio  Vargas  o  título  de  Monumento  Nacional  por  seu 
“significativo  patrimônio histórico, religioso e  cultural” e ativa  participação na vida cívica  e política do 
País,  contribuindo,  na  Independência,  no  Império  e  na  República,  para  a  formação  da  nacionalidade 
brasileira. 

Mariana  guarda  relíquias  e  casarios  coloniais  que  contam  parte  da  história  do  País;  além  disso,  lá 
nasceram personagens representativos da cultura brasileira, entre eles, o poeta e inconfidente Cláudio 
Manuel  da  Costa,  o  pintor  sacro  Manuel  da  Costa  Ataíde  e  Frei  Santa  Rita  Durão,  autor  do  poema 
“Caramuru”. 

"A  extração  do  minério  de  ferro  é  a  principal  atividade  industrial  do  município,  forte  geradora  de 
empregos  e  receita  pública.  Seus  distritos  desenvolvem  atividades  agropecuárias  e  apresentam 
artesanato variado, expressando a diversidade cultural de Minas Gerais" (MARIANA, 2017). 

Mariana possui um enorme patrimônio arquitetônico barroco, produzido durante o Brasil Colonial e que 
atrai milhares de turistas durante todo o ano. O turismo ecológico vem tendo também uma expansão 
importante,  contribuindo  de  forma  significativa  para  o  desenvolvimento  do  setor  de  serviços  e 
transformando  Mariana  em  uma  das  cidades  mineiras  com  o  maior  número  de  praticantes  dos 
chamados esportes radicais, como montanhismo e mountain bike (MANTIQUEIRA/BIODINÂMICA, 2017). 

Cabe  salientar  que  a  cidade  recebe  boa  parte  do  fluxo  de  turistas  de  Ouro  Preto,  dada  a  pequena 
distância de 12 km. Essa integração ampliou–se com a criação do Trem da Vale, fruto da parceria entre a 
Vale  do  Rio  Doce  e  as  Prefeituras  Municipais  de  Mariana  e  Ouro  Preto.  Após  décadas  parado,  o  trem 
turístico voltou a funcionar em abril de 2006, com viagens diárias. A Estação Ferroviária de Mariana foi 
totalmente  revitalizada  e  é  um  ponto  turístico  da  cidade,  além  de  possuir  uma  biblioteca,  um 
playground temático e um centro de mídia para a população. 

Como  atrações  naturais,  a  cidade  conta  com  várias  cachoeiras:  do  Brumado  (no  distrito  de  mesmo 
nome), da Serrinha (em Passagem de Mariana), do Cristal, da Prainha (no bairro Santo Antônio, entre o 
Centro  Histórico  e  o  distrito  de  Passagem)  e  da  Fumaça.  Nos  arredores  da  cidade,  há  ainda  várias 
cavernas e grutas naturais e uma montanha para prática de paraquedismo, o Pico da Cartuxa. Além dos 
atrativos já citados, existem outros bastante procurados por moradores locais e turistas, como o Parque 
Estadual do Itacolomi, as praças públicas e as igrejas históricas. 

6. DESCRIÇÃO HISTÓRICO–CULTURAL DOS BENS DE NATUREZA IMATERIAL 
A  seguir,  serão  apresentados,  separadamente,  por  município  interceptado  pela  LT  345  kV  Itutinga  – 
Barro  Branco,  a  identificação,  a  caracterização  e  a  análise  dos  bens  culturais  de  natureza  imaterial 
acautelados pelo IPHAN: Roda de Capoeira e Ofício de Mestres de Capoeira, Toque dos Sinos e Ofício de 

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Sineiro, Congadas de Minas; Ofício das Quitandeiras de Minas Gerais e Ofício de Raizeiras e Raizeiros do 
Cerrado,  enfatizando  sua  constituição  como  referência  para  a  memória  e  identidade  local.  Ademais, 
relacionando,  caso  pertinente,  os  bens  culturais  registrados  e  em  processo  de  registro  como  outros 
existentes no município em questão. 

Os  respectivos  Mapas  dos  Bens  Culturais  de  natureza  imaterial  dos  municípios  interceptados  pelo 
empreendimento serão apresentados, com as informações geoespaciais relevantes indicando a posição 
dos bens culturais em relação à AID do empreendimento de titularidade da Mantiqueira Transmissora 
de Energia S.A. 

6.1 ITUTINGA 
O Conselho Municipal do Patrimônio Cultural de Itutinga foi criado pela Lei nº 1.175, de 18 de março de 
2009  (como  já  citado  anteriormente).  Dentre  os  espaços  culturais,  destaca–se  a  existência  de  uma 
biblioteca mantida pelo Poder Público municipal, estádios ou ginásios poliesportivos e centros culturais, 
além de grupos artísticos de dança, desenho, pintura e coral. 

Como  patrimônio  imaterial,  o  artesanato  é  uma  das  formas  mais  espontâneas  da  expressão  cultural, 
destacando–se: os bordados, trabalhos e atividades com pedras preciosas e tapeçaria. Como principais 
festas populares, estão a Festa de Santo Antônio, celebrada na semana do dia 13 de junho, e as festas 
juninas,  entre  junho  e  julho,  que  são  realizadas  anualmente  e  contam  com  shows  com  bandas  locais, 
barracas com comidas típicas e apresentação de quadrilhas. 

Segundo os gestores públicos locais, como principais patrimônios naturais, a cidade possui o conjunto 
formado  pelas  Usinas  Hidrelétricas  de  Itutinga  e  de  Camargos  e  algumas  cachoeiras,  sendo  as  mais 
frequentadas a do Raulino e a das Andorinhas. 

Na  esfera  institucional  de  gestão  cultural,  o  município  é  um  dos  poucos,  onde  se  realizou  a  pesquisa, 
que possui uma Secretaria específica direcionada para implementar políticas culturais em nível local. No 
entanto,  como  se  constatou  em  conversas  com  a  ex–gestora  da  pasta,  Raquel  Resende,  e  atual 
Secretária Municipal de Assistência Social, poucas ações de fato foram implementadas, principalmente 
quando se refere ao patrimônio imaterial. 

A atual Secretária Municipal de Cultura, Caroline Nascimento, por ser novata no cargo, achou por bem 
que a equipe conversasse com a ex–secretária. As poucas ações de inventários com objetivo de mapear 
as práticas culturais locais foram realizadas no âmbito do Programa ICMS Cultural do órgão estadual de 
cultura, o IEPHA/MG. Mesmo assim, não foi possível o acesso a tais informações. O município instituiu a 
Lei 1.523, de 05 de novembro de 2015, que estabelece normas para a proteção do Patrimônio Cultural e 
cria o Conselho Municipal de Patrimônio Cultural. 

A  Secretaria  Municipal  de  Cultural  mantém  o  Centro  Cultural  de  Itutinga,  que  desenvolve  atividades 
voltadas para a manutenção da identidade e promoção de lazer para a comunidade, como a centenária 
banda  de  música,  grupos  de  hip  hop  e  teatro.  No  tocante  à  preservação  das  manifestações  culturais 
tradicionais  locais,  como,  os  Ternos  de  Congados  e  o  Ofício  de  Quitandeiras,  a  Secretaria  tem 
desenvolvido algumas atividades/ações que contribuem para a sua manutenção. 

76 
Conforme relatou a gestora, a Prefeitura Municipal de Itutinga é responsável pela organização da parte 
festiva da Festa do Rosário, que ocorre no mês de setembro (este ano, os festejos aconteceram entre os 
dias 20 e 24), entrega das fardas aos congadeiros(as) e alimentação dos ternos convidados das cidades 
vizinhas  que  prestigiam  o  evento.  Além  disso,  em  parceria  com  a  Secretaria  Municipal  de  Educação, 
frequentemente os congadeiros são convidados para rodas de  conversas com  crianças e  adolescentes 
das escolas do município. 

Outra ação que visa à valorização da cultura local foi realizada com a participação das quitandeiras. O 
Poder Público local, em parceria com a EMATER, criou uma feira para a comercialização dos produtos da 
agricultura  familiar,  artesanato  local  e  quitandas.  O  evento  ocorre  todos  os  sábados,  pela  manhã,  na 
Praça da Matriz. 

Com  exceção  das  congadas  e  do  Ofício  de  Quitandeiras  em  vigência  no  município,  os  demais  bens 
imateriais  registrados  e  em  processo  de  registro  pelo  IPHAN,  objeto  de  estudo  deste  RAIPI,  como  o 
Ofício de Raizeiros e Raizeiras do Cerrado e Capoeira, não se obteve informação de sua existência e seus 
detentores no município de Itutinga. 

Um dos bens culturais, também centenário na cidade, é a banda de música, com sede própria e aulas de 
músicas gratuitas. No mês de julho, a Secretaria Municipal de Cultura promove encontro de bandas, que 
reúne  várias  de  regiões  de  Minas  e  até  de  outros  estados.  Durante  as  conversas  realizadas  com  os 
congadeiros  e  as  quitandeiras,  não  foi  possível  estabelecer  relação  de  aproximação  com  essa  prática 
cultural. 

Outra manifestação cultural é a festa do padroeiro da cidade, Santo Antônio de Pádua, que se realiza no 
mês de junho. Durante os festejos da celebração, acontecem novenário, quermesses com barraquinhas, 
leilões na zona rural, missas e a procissão de encerramento. A cidade recebe muitos visitantes tanto das 
cidades circunvizinhas como de outros lugares. 

De acordo com as quitandeiras, durante o período da festa do padroeiro, recebem algumas encomendas 
a mais do que costumam produzir nos outros meses. Segundo a quitandeira dona Antônia, o aumento 
das  vendas  se  deve  ao  número  de  filhos  da  cidade  que  vêm  prestigiar  o  evento.  É  comum  também 
fazerem encomendas para levar para seus locais de moradias. 
6.1.1  CONGADAS DE MINAS 

Os grupos situados na cidade de Itutinga, com atividades regulares, possuem uma característica peculiar 
que não é recorrente nos demais grupos por onde a pesquisa foi realizada. Os contatos e as entrevistas 
com os detentores foram realizados nas suas residências, com a presença de outras pessoas da família, 
como  filhos/as  e  esposas.  Os  ternos  sob  seus  comandos  são  nomeados  em  referência  aos  nomes  de 
seus capitães fundadores, por exemplo: Terno do Geraldo Delfino (Congada Nossa Senhora do Rosário) 
e Terno do Vicente Ribeiro (Congada Nossa Senhora do Rosário e São Bendito). 

Os  grupos  participam  tanto  das  festividades  regulares  em  homenagem  a  Nossa  Senhora  do  Rosário 
realizadas  na  sede  do  município  quanto  de  celebrações  festivas  que  ocorrem  em  outras  cidades,  tais 
como:  Ibituruna,  Carrancas,  Bom  Sucesso  e  São  João  Del  Rei.  O  costume  dos  ternos  de  irem  a  outras 

77 
cidades durante as celebrações em homenagem à santa faz parte de uma tradição de “pagar as visitas” 
aos grupos que vem a Itutinga. 

Estabelece–se, portanto, uma relação de reciprocidade e obrigação de retribuição, o que MAUSS (2003) 
chama  de  “dádiva”.  Os  ternos  de  congadas  que  recebem  os  grupos  de  fora  durante  suas  festividades 
sentem–se  na  obrigação  de  pagar  pela  visita.  Tal  processo,  além  de  ser  importante  sob  a  óptica  da 
coesão  social,  permite,  por  outro  lado,  que  os  ternos  estabeleçam  trocas  materiais  e  simbólicas,  que 
contribuem  para  a  manutenção  do  folguedo.  Sem  mencionar  que  pode  ser  uma  forma  de  diplomacia 
entre  os  municípios,  que  criam  vínculos  e  estreitam  relações,  haja  vista  os  ternos  levarem,  nas 
bandeiras,  os  nomes  de  seus  lugares  de  origem.  Nesse  sentido,  o  apoio  do  Poder  Público  aos  grupos 
deve ser visto pelos gestores não como mera contribuição, mas como um investimento nas identidades 
culturais local e nacional. 

A  Festa  de  Nossa  Senhora  do  Rosário  e  São  Benedito  acontece  no  mês  de  setembro,  sem, 
necessariamente, obedecer a um calendário fixo. É organizada pela Paróquia Santo Antônio de Pádua, 
com  apoio  da  Prefeitura  Municipal.  Os  festejos  ocorrem  na  Capela  de  Nossa  Senhora  do  Rosário, 
localizada no bairro homônimo. 
6.1.1.1 Terno do Geraldo Delfino (Congada Nossa Senhora do Rosário) 
 Rei Congo Divino Delfino de Paula, 76 anos 

Conforme se observou nos relatos orais, o grupo possui mais de 100 anos de existência;  seu primeiro 
capitão foi José Delfino, falecido na década de 1920, e avô de Divino, atual Rei Congo. Com sua morte, a 
patente de capitão foi herdada pelo filho Geraldo Delfino, que também contava com Antônio Delfino, 
pai de Divino, como sanfoneiro. 

Há,  aproximadamente,  35  anos,  seu  Delfino  recebeu  a  coroa  de  Rei  Congo  e  a  incumbência  de  levar 
adiante a tradição familiar, pouco antes de falecer. Inicialmente, o grupo era formado por integrantes 
de  uma  mesma  família,  porém,  com  o  passar  dos  anos,  outras  pessoas  foram  sendo  incorporadas  ao 
terno. Dos integrantes da família que deram origem ao grupo, só restam ele e sua irmã Adair Aparecida 
de Paula, que é a juíza do terno. Em 2014, devido à idade avançada e a problemas de saúde, seu Divino, 
que  acumulava  as  funções  de  líder  e  Rei  Congo,  passou  a  capitania  para  outro  membro  do  grupo, 
Antônio Carlos Nascimento (Tito de Antônio Tavares). Na ocasião, não foi possível estabelecer contato, 
já que ele não se encontrava na cidade. 

No período dedicado às festividades em louvor a Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, o terno de 
congada  cumpre  uma  agenda  de  compromissos.  Durante  o  período,  acontecem  novenas,  missas  e 
procissões.  No  ano  de  2017,  as  festividades  realizaram–se  entre  os  dias  20  e  24  de  setembro.  O 
hasteamento do mastro, em frente à capela dedicada à santa, ocorre 10 dias antes, com a presença dos 
dois ternos de congadas da cidade de Itutinga. 

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Durante  o  período  de  celebração,  várias  atividades  religiosas  são  realizadas,  como  missas,  terços, 
leilões, etc. Somente no último dia de festa é que os ternos de congada das cidades vizinhas participam 
do  evento  ––  é  quando  são  oferecidos  os  almoços  patrocinados  pela  Prefeitura.  Na  procissão  de 
encerramento,  o  reinado,  que  é  composto  pela  realeza,  incluindo  o  Rei  Congo  e  a  Rainha  Perpétua, 
juntamente com a imagem de Nossa Senhora e São Benedito, é conduzido pelos ternos de congadas e 
segue em cortejos pelas principais ruas, até a capelinha.   

O  grupo  não  possui  registro  jurídico,  estatuto  ou  Cadastro  Nacional  da  Pessoa  Jurídica  (CNPJ).  Os 
instrumentos e os adornos da congada são guardados em várias residências; o mastro, na casa do Rei 
Congo;  parte  dos  instrumentos  fica  sob  a  responsabilidade  da  juíza  e  outra,  sob  a  tutela  do  atual 
capitão. 

A congada conta com a participação de algumas pessoas; uma delas é Terezinha Cândico, esposa de seu 
Divino.  Ela  contou  que  já  acompanhou  o  grupo  em  muitas  pagas  de  visitas,  mas,  há  uns  cinco  anos, 
parou por motivos de saúde. No entanto, na época da festa, continua recebendo os grupos na sua casa e 
oferece  lanche  para  os  integrantes.  “Antigamente,  para  pôr  o  grupo  na  rua,  a  gente  mesmo  fazia  os 
uniformes,  pedia  uma  ajuda  a  um  e  a  outro,  e  assim  fazia.  Fiz  muita  farda,  enfeitei  muitos  capacetes 
com fitas” (Terezinha, em entrevista realizada em sua residência em 23/08/2017) (Figura 6.1). 

   
Figura 6.1 – Reis Congos de Itutinga: Divino e Terezinha. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 
Atualmente,  o  grupo  enfrenta  dificuldades  de  várias  ordens,  desde  questões  de  manutenção  de 
uniformes,  instrumentos,  recursos  para  realizar  “as  pagas  de  visitas”,  até  inexistência  de  sede  própria 
para  ensaios,  armazenamento  dos  instrumentos  e,  principalmente,  escassez  de  crianças  e  jovens  no 
terno. 

No  que  se  refere  aos  pagamentos  de  visitas,  a  Prefeitura,  através  da  Secretaria  de  Cultura,  tem 
disponibilizado  transporte,  que  leva  o  grupo  para  prestigiar  algumas  celebrações  da  região;  mas  nem 
todas as solicitações dos integrantes da congada são atendidas. “A gente vai tocando até quando der, é 
difícil, […] As pessoas mais jovens não se interessam em participar. Os congadeiros velhos morrem e não 
tem  quem  ocupe  o  lugar  dele  no  grupo”  (Divino,  em  entrevista  realizada  em  sua  residência,  em 
23/08/2017).  

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Quanto  aos  instrumentos  (sanfona,  afoxé  e  caixas)  utilizados  pelo  grupo,  seu  Divino  afirmou  que, 
recentemente,  o  grupo  recebeu  alguns,  doados  por  um  deputado.  Outro  fato  que  contribui  para  a 
desvalorização da congada é a pouca participação da comunidade nos festejos, afirma seu Divino. 

Não foi percebido nenhum tipo de conflito entre o grupo e o padre ou outra instituição religiosa local. 
De  acordo  com  a  fala  do  em  entrevistado,  a  congada  é  bem  aceita  pelo  padre  da  cidade,  inclusive  os 
ritos  católicos,  como  missa  e  procissão  da  Festa  de  Nossa  Senhora  do  Rosário;  e  a  elaboração  de 
panfletos e cartazes fica a cargo da secretaria paroquial. Ainda pensando sobre a existência de conflitos, 
seu Divino deixou transparecer que, por de trás da “boa relação” que mantém com o capitão Juca, líder 
da congada Vicente Ribeiro, há uma certa rixa. Para ele, “há um quê de rivalidade entre os congados”. 
Apesar de os capitães não estabelecerem aproximações e vínculos afetivos, há respeito um pelo outro. 
A fé que se nutre por Nossa Senhora do Rosário é o elemento que os une, mesmo que cada grupo tenha 
suas diferenças. 

Questionado  sobre  a  importância  do  registro  das  Congadas  de  Minas  como  Patrimônio  Imaterial 
brasileiro, seu Divino, embora tenha se esforçado para entender sobre o que se tratava, afirmou: “Se for 
trazer algum benefício, será muito bom porque as congadas precisam de muita ajuda. Tudo hoje é muito 
difícil”  (Divino,  em  entrevista  realizada  em  sua  residência,  em  23/08/2017).  Na  opinião  dele,  a  fé  em 
Nossa Senhora do Rosário é o principal motivo que o faz continuar a manter a tradição, iniciada pelos 
seus avós lá no passado.  

Em relação a possíveis impactos causados pela obra, especificamente no terno de congado, seu Divino 
não  soube  responder.  No  entanto,  quando  indagado  se  lembrava  algum  fato  ocorrido  na  época  da 
construção das outras linhas de transmissão instaladas no município, ele afirmou recordar–se de que a 
cidade recebeu muita gente de fora, mas que não chegou a interferir no andamento do terno. Lembra 
que a obra gerou alguns empregos para as pessoas da comunidade e que, durante a permanência dos 
operários, nenhum procurou seu terno para se integrar ou saber detalhes. 
6.1.1.2 Terno do Vicente Ribeiro (Congada Nossa Senhora do Rosário e São Benedito) 

 Capitão Jhuca – Geraldo Alberto da Silva, 67 anos 

 Assistente de terno – Maria Selma da Silva, 40 anos  

O  capitão  de  congado  Jhuca,  como  é  conhecido  na  comunidade,  nasceu  e  se  criou  na  Fazenda  Capão 
Alto,  município  de  Itutinga.  Ainda  por  volta  dos  10  anos  de  idade,  começou  a  dançar  no  grupo 
comandado por seu tio Zé Patrício, que residia na cidade. Com seu falecimento, o terno passou para o 
irmão dele, Vicente Ribeiro, que era também irmão de dona Trindade, que viria a se casar com seu Juca 
–– o que reforça a ideia de que o congado é uma tradição que está na família por algumas gerações. 

O  tempo  passou,  e  os  irmãos  Jhuca  e  Valdivino  da  Silva  permaneceram  como  dançadores  e  “bois  de 
guia” de capitão. De acordo com seu Juca, trata–se uma espécie de assistente de capitão. Significa dizer 
que o dançador deve ficar atento aos comandos emitidos pelos sons do apito durante o período em que 
o  grupo  está  em  atividade.  “Você  sabe,  de  acordo  com  cada  som  do  apito,  o  tipo  de  movimento  que 
deve ser feito: se é para continuar ou se para parar de caminhar”, complementou o capitão Jhuca. 

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O  capitão  Jhuca  reside  no  bairro  do  Rosário,  desde  1990;  antes,  morava  na  zona  rural.  Mesmo  tendo 
sido  escasso  o  tempo  de  permanência  na  localidade,  pôde–se  perceber  que  a  população  é 
majoritariamente  composta  por  pessoas  negras.  A  comunidade,  embora  esteja  próxima  do  Centro, 
apresenta características de periferia, com algumas residências com construções inacabadas, e o fato de 
ser separada do resto da cidade pela Rodovia BR‐265. 

Na localidade, existem alguns equipamentos urbanos, como uma praça e um ginásio poliesportivo onde 
são  oferecidas  atividades  de  esporte  e  lazer  para  crianças  e  jovens.  Conta  também  com  a  construção 
dois marcos edificados que contribuem para reforçar a religiosidade, que são a capela e a gruta, ambas 
em homenagem a Nossa Senhora do Rosário, como demonstra a Figura 6.2. 

    
Figura 6.2 – Gruta de Nossa Senhora do Rosário, localizada no bairro do Rosário. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 
Em 2011, quando o capitão Vicente Ribeiro faleceu, seu Juca recebeu a incumbência de prosseguir com 
o terno, agora na função de líder do grupo. Portanto, a capitania que lhe foi conferida gira em torno de 
seis anos. Porém, antes do falecimento do ex‐capitão, seu Juca já vinha realizando atividades inerentes 
ao posto de liderança, mas ainda não tinha assumido formalmente o cargo. Atualmente, os postos de 
primeiro e segundo capitão são, respectivamente, assumidos por Jhuca e seu irmão Valdivino. 

Pelo que se observou, a homenagem feita ao ex–capitão Vicente Ribeiro não se limita apenas ao fato de 
ele ter liderado o grupo por longos anos –– deve–se também ao seu empenho à frente da construção da 
capelinha  em  homenagem  a  Nossa  Senhora  do  Rosário  no  bairro  que  recebeu  o  mesmo  nome.  Ao 
contrário de muitas igrejas dedicadas a essa santa, cuja historiografia afirma terem sido erguidas pelos 
escravos,  a  capelinha  de  Nossa  Senhora  do  Rosário  de  Itutinga  foi  inaugurada  em  1987,  no  século 
passado, como mostra a Figura 6.3. 
 

81 
     
Figura 6.3 – Vistas externa e interior da Capela de Nossa Senhora do Rosário, localizada no bairro do 
Rosário. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Conforme relataram os entrevistados, a preocupação do capitão Vicente Ribeiro, ao repassar o legado, 
tinha como principal objetivo não deixar o congado acabar. “Eu peguei o congo dele para não deixar se 
perder,  porque  o  povo  novo  de  hoje  não  gosta  dessas  coisas.  Aí,  a  gente,  que  é  mais  velha,  conserva 
aquilo para mostrar às pessoas mais novas.” (Capitão Jhuca, 23/08/2017) 

De acordo com o capitão Jhuca (Figura 6.4), a origem das congadas está diretamente ligada ao período 
da escravidão do Brasil; ele se refere ao período como o “tempo dos escravos”. Antes de narrar sobre o 
mito fundador dos ternos de congados e a devoção a Nossa Senhora do Rosário, fez o gesto com a mão 
em direção à parede de sua sala, para mostrar as imagens da Santa e de São Benedito, em sinal de fé. 
Em seguida, discorre sobre o fenômeno de aparição da santa aos antigos escravos: 

“Nossa  Senhora  apareceu  numa  gruta  no  tempo  dos  escravos. 


Então, o padre foi buscar a imagem em procissão, para colocar na 
igreja, mas ela voltava para o mesmo lugar. Aí, os escravos fizeram 
um  congado,  foram  lá,  pegaram  a  santa  e  levaram  para  a  igreja. 
Desde  esse  dia,  a  santa  não  voltou  mais.”  (Capitão  Jhuca,  em 
entrevista realizada em 23/08/2017). 

A  religiosidade  popular  está  presente  no  universo  das  congadas  a  partir  de  um  repertório  de  crenças 
que  vai  da  religião  católica  às  religiões  de  matrizes  africanas.  Essa  pluralidade  persiste  mesmo  com  o 
processo de cristianização imposto pela Igreja Católica desde o período da colonização. Para o capitão 
Juca,  durante  os  festejos  de  congada,  é  preciso  se  proteger,  e  que,  antes  de  sair  para  a  rua,  o  terno 
inteiro reza uma oração para benzer o corpo; em seguida, cada integrante passa a bandeira de Nossa 
Senhora do Rosário na cabeça. Feito isso, o terno está pronto para dançar em homenagem à santa. 

Atualmente,  o  terno  conta  com  a  participação  de  30  componentes,  a  maioria  formada  por  entes 
familiares,  como  filhos,  filhas  e  netos,  e  alguns  vizinhos.  No  entanto,  o  grupo  não  possui  registro 
jurídico, estatuto ou CNPJ. Os instrumentos e adornos do grupo são guardados na residência do capitão. 
É interessante destacar que os dançadores são apenas homens e que as mulheres participam do grupo 
conduzindo as bandeiras; outras maneiras de as mulheres participarem é confeccionando os adereços e 

82 
preparando as comidas. Para entender as relações de gênero, basta verificar que o comando do grupo 
está  sob  a  liderança  de  dois  homens.  A  participação  de  mulheres,  de  fato,  restringe–se  ao  posto  de 
bandeireiras, como é o caso das filhas do capitão Juca. 

Como é de costume, além de o terno participar  das festividades em homenagem a Nossa Senhora do 
Rosário  na  própria  cidade,  seus  integrantes  também  prestigiam  os  eventos  dedicados  à  santa  nas 
cidades  vizinhas,  como  Ibituruna,  Carrancas  e  São  João  Del  Rei,  mediante  a  formalização  de  convites. 
Para isso, o Poder Público municipal contribui com o transporte para conduzir os integrantes do terno 
até o local das festividades. 

   
Figura 6.4 – Residência do capitão Jhuca (à esquerda) e o capitão com sua filha Selma.  
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Em relação aos uniformes e os instrumentos utilizados, houve poucas mudanças. Ainda é mantido o uso 
de calças e camisa de cor branca e um chapéu confeccionado com papelão recoberto de papel crepom 
colorido. O uso das camisetas brancas, doadas pela Prefeitura e com os desenhos de Nossa Senhora do 
Rosário  e  São  Benedito  impressos  no  tecido,  talvez  seja  o  elemento  externo  ao  grupo  que  melhor 
representa essa mudança. “Antigamente –– comentou Jhuca ––, nossa mãe comprava o pano e fazia os 
uniformes.” 

Os  instrumentos  usados  pelo  grupo  são,  basicamente,  os  mesmos  dos  seus  familiares  congadeiros  já 
falecidos,  sanfona  e  ganzás  (uma  espécie  de  caixa  retangular  de  madeira  revestida  de  couro).  Com 
exceção da sanfona, que pertence a um integrante do terno, os demais instrumentos ficam guardados 
na residência do capitão. 

Conforme afirmou a assistente do terno Selma, filha de Jhuca (Figura 6.4, anterior), esse tipo de ajuda 
que o Poder Público passou a disponibilizar é recente. Antes, os gastos com os transportes para realizar 
as “pagas de visitas” em outras localidades e custear os uniformes ficavam a cargo da própria congada, 
que  se  mobilizava  e  pedia  doações  aos  comerciantes  locais  e  moradores  para  pagar  os  gastos  e, 
portanto, colar o terno na rua. Como se observa, a ajuda do Poder Público, além de ser recente, ainda é 
muito escassa. Durante a entrevista realizada em 23 de agosto de 2017, o capitão Jhuca ainda não tinha 
recebido o comunicado da Prefeitura, avisando sobre a doação dos novos uniformes para os integrantes 
do grupo, o que demonstra um certo descaso com a manutenção da prática.  

83 
Sobre essa questão, as opiniões dos entrevistados são divergentes. O Rei Congo Divino entende que o 
Poder Público local não dá a atenção que o grupo merece. Já para o capitão Jhuca, a Prefeitura, hoje, 
tem  ajudado  na  manutenção  dos  festejos,  não  só  contribuindo  com  a  doação  dos  uniformes  e 
fornecimento  dos  transportes  para  retribuir  as  pagas,  como  também  oferecendo  as  refeições  para  os 
ternos  visitantes  que  prestigiam  a  festa  de  Nossa  Senhora  do  Rosário.  São  usadas  dependências  da 
Escola Municipal Erineia Maria Inácia de Carvalho Silva, por exemplo, a cozinha e o salão. Conclui Jhuca 
que,  antes,  essas  despesas  também  ficavam  a  cargo  do  terno,  e  as  refeições  eram  servidas  aos 
dançadores em sua residência. 

A respeito das memórias relacionadas às festas de congadas na sua época de juventude, o capitão Jhuca 
relembrou e destacou algumas mudanças: “Tinha um senhor aqui que dava os almoços. A gente comia 
no  terreiro  porque  no  lugar  não  cabia  o  grupo  todo,  era  uma  casinha  simples.”  (Capitão  Jhuca,  em 
entrevista realizada em 23/08/2017). 

Faltando alguns dias para o início do hasteamento dos mastros, o grupo costuma reunir e realizar alguns 
ensaios. Saem em filas pelas ruas do próprio bairro e também no pátio da capela. 

Atualmente,  as  festividades  em  homenagem  a  Nossa  Senhora  do  Rosário  e  São  Benedito  em  Itutinga 
geralmente se inicia na quinta–feira e finda no domingo. Porém, 15 dias antes, acontece o hasteamento 
dos mastros no pátio da capelinha, localizada no bairro do Rosário. No ano de 2017, a festa aconteceu 
entre  os  dias  20  e  24  de  setembro.  No  último  dia  de  festejos,  quando  se  reúnem  os  dois  ternos  da 
cidade e os  ternos visitantes, conforme pontuou o  capitão  Jhuca, seus integrantes  dançam e  desfilam 
pelas ruas o dia inteiro, só parando para o almoço. Pouco antes de a procissão sair da Igreja Matriz com 
destino à  capelinha do  Rosário, o que ocorre no fim da  tarde,  os ternos se  dirigem às residências das 
Rainhas e do Rei Congo e, em cortejo, os conduzem até a igreja. 

Os  devotos  que  pleiteiam  assumir  o  posto  de  Rainha,  ou  porque  realizou  uma  promessa,  ou  somente 
por devoção à santa, procuram os capitães para fazer o comunicado, ou são convidadas por eles. Esse 
comunicado prévio é importante porque facilita a logística de busca do Reinado. Às Rainhas é solicitada 
uma  contribuição,  dentro  das  posses  de  cada  uma,  para  ajudar  nas  despesas  do  terno  para  ano 
seguinte. 

Ao  instigá–los  sobre  as  dificuldades  enfrentadas  na  manutenção  do  folguedo,  talvez  por  modesta,  o 
capitão Jhuca afirmou que, quando se trabalha para Nossa Senhora do Rosário, não há dificuldade; além 
do mais, conta com a ajuda de suas filhas. Porém, aos elementos concretos, começam a surgir em suas 
falas  como  desvalorização  dos  ternos  pela  própria  comunidade,  pouco  interesse  dos  jovens  pela 
congada. Sobre esse último, Jhuca se arisca a firmar que os jovens sentem vergonha de dançar no terno. 
“Tem  gente  que  acha  um  absurdo  a  gente  ‘tá’  fazendo  isso,  porque  é  coisa  de  escravo;  eu, 
particularmente,  gosto.  Eu  só  não  danço  porque  o  terno  de  papai  não  aceita  mulher.”  (Selma,  em 
entrevista realizada em 23/08/2017) 

Por último aproveitou–se para questioná–los sobre os possíveis prováveis impactos ocorridos durante a 
implantação  das  outras  linhas  de  transmissão  existentes  no  território  do  município.  Dona  Trindade, 
esposa  de  seu  Jhuca,  afirmou  que  a  cidade  recebeu  muitos  trabalhadores  oriundos  de  vários  lugares. 

84 
Ressaltou  que  a  obra  também  gerou  emprego  para  a  comunidade;  um  dos  irmãos  de  seu  esposo  até 
trabalhou  na  montagem  das  torres.  “Eu  lembro  que  era  um  movimento  medonho,  mas  não  chegou  a 
interferir na congada”, disse Trindade. 

Para  o  capitão  Jhuca,  o  maior  movimento  de  pessoas  no  município  ocorreu  durante  a  exploração  do 
garimpo no leito do rio Grande nas Minas, em meados do século XX. Na época, era comum a existência 
de conflitos entre os próprios garimpeiros, causados por disputas de territórios. Relatou também que os 
impactos negativos na dinâmica social do lugar ainda podem ser vistos nos dias atuais, mesmo depois de 
vários anos da proibição da atividade. Na cidade, há muitos filhos de garimpeiros sem o reconhecimento 
da  paternidade.  Naquela  época,  era  comum  os  trabalhadores  engravidarem  as  moças  do  lugar  e  não 
darem a assistência devida. 
6.1.2  OFÍCIO DE QUINTANDEIRAS 

 Toninha – Antonia da Silva, 63 anos 

 Cidinha – Maria Aparecida Custódio, 51 anos 

Natural  da  zona  rural  de  Carrancas,  município  vizinho  a  Itutinga,  Toninha  começou  a  trabalhar  com 
apenas 8 anos de idade, em fazendas da região, consequentemente foi durante sua precoce inserção no 
mundo do trabalho doméstico que se deu o aprendizado das quitandas. O fato de observar suas patroas 
fazendo  as  quitandas  foi  suficiente  para  que  rapidamente  aprendesse  o  ofício,  em  alguns  casos,  já 
colocando literalmente a mão na massa na modelarem dos biscoitos, em outros, buscando lenha para 
aquecer o “forno de cupim”4 (Figura 6.5), como são conhecidos na região. 

 
Figura 6.5 – Cupinzeiro que era usado como forno de assar quitanda. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 
 

                                                            
4
 A origem do nome não remete apenas ao simples fato de haver semelhança com a casa dos cupins; era comum 
usar cupinzeiros como fornos para preparar assados. Vale destacar que os cupinzeiros são muito comuns na região 
de Cerrado, o que talvez seja um dos motivos de seu uso como forno. Atualmente, não é comum ver fornos dessa 
natureza; pelo menos, não foram vistos durante a pesquisa. Os tradicionais fornos a lenha de assar quitandas são 
construídos  com  tijolos,  barro  e  argamassa,  e  o  que  se  preserva  da  antiga  técnica  é  seu  formato,  que  lembra  o 
cupinzeiro. Daí o nome “forno de cupim”. Mas, embora várias quitandeiras ainda assem suas quitandas em fornos 
como esses, muitas já aderiram aos fornos movidos a gás de cozinha ou a energia. 

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Quando se casou, Toninha continuou trabalhando nas fazendas, agora fazendo quitandas também para 
o consumo interno. Para fazia parte da rotina das casas de fazendas fazer bolos, biscoitos, broas e roscas 
para a merenda, já que, na “roça” (termo usado para se referir ao contexto rural), não havia padarias. 
Assim, as quitandas eram uma forma de diversificar a alimentação, usando parte da produção e ovos, 
nata, manteiga, leite, fubá, etc., para transformar em quitandas. 

No discurso de dona Toninha, as quitandas sempre aparecem associadas ao termo “merenda”, que quer 
dizer “hora do lanche” ou “quebra–jejum”. É a pausa para uma conversa regada a café com quitanda. 
Ela somente passou a comercializar suas quitandas quando se mudou para Itutinga, há 18 anos; antes, 
fazia  só  para  o  consumo  da  família.  "Quando  cheguei  aqui,  logo  comecei  a  fazer  biscoitos,  broas  e 
roscas; as pessoas foram gostando, de modo que não demorou muito, eu já estava recebendo pedidos 
de encomendas. Depois disso, não parei mais." (Toninha, em entrevista realizada em 24/08/2017) 

Posteriormente,  em  2011,  quando  a  Prefeitura  Municipal  de  Itutinga  e  a  EMATER  criaram  a  Feira  da 
Agricultura Familiar, que acontece ainda hoje, aos sábados, na Praça da Matriz, dona Toninha passou a 
expor  suas  quitandas.  No  local,  são  comercializadas  frutas  e  verduras,  artesanato  em  tecido,  doces  e 
quitandas. O Poder Público, através de suas instituições, além de contribuir com a estrutura dos espaços 
e treinamentos, não cobra impostos dos feirantes pelo uso desses espaços. 

É das vendas das quitandas que muitas mulheres retiram parte do sustento da família. Dona Toninha, 
que  produz  suas  quitandas  artesanalmente,  conta  com  ajuda  de  uma  de  suas  filhas  (Figura  6.6). 
Possivelmente, nessa parceria, já está implícita a transmissão de saberes do ofício de quitandeira, que 
geralmente é passado entre pessoas do contexto familiar, embora não seja uma regra. 

A própria Toninha (Figura 6.6) aprendeu o ofício com suas patroas, e não com sua mãe. Para dar conta 
das encomendas de quitandas e também para vendê–las na feira, ela começa a produção nas quartas–
feiras,  primeiro  preparando  os  biscoitos,  rosquinhas  (de  coco,  amendoim  e  nata);  depois,  nas  sextas–
feiras, as broas de fubá, e, por último, as roscas (pães). Segundo ela, esse planejamento é fundamental, 
pois  os  que  requerem  mais  trabalho,  como  é  o  caso  das  rosquinhas,  são  preparados  primeiro.  Para 
poder dar conta da demanda, as encomendas de quitandas encerram–se às quintas–feiras. 

Para  atender  à  demanda,  Toninha  teve  que  adequar  um  espaço  somente  para  a  produção  das 
quitandas.  A  cozinha  está  equipada  com  forno  de  tambor  a  lenha  ––  uma  versão  moderna  do  antigo 
forno de cupim, adaptação feita a partir de barril de óleo lubrificante, bancadas de mármore, paredes 
revestidas com cerâmica, armários e geladeira para uso exclusivo da fabricação de quitandas. Do lado 
externo do cômodo, é armazenada a lenha usada para assar as quitandas, conforme apresenta a Figura 
6.6. A lenha utilizada na produção é adquirida de produtores rurais que vendem madeira na cidade. 

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Figura 6.6 – Local destinado para preparação das quitandas, e Cláudia, filha de dona Toninha, assando 
as rosquinhas.  
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
  
Os ingredientes básicos usados na elaboração das quitandas são farinha de trigo, polvilho, fubá, 
manteiga, nata, leite, ovos e amoníaco (Bicarbonato de Amônio ‐ uma espécie de fermento químico 
usado na preparação de quitandas). Alguns insumos são adquiridos diretamente dos produtores rurais; 
outros são comprados nos mercados da cidade. Os equipamentos e utensílios utilizados na produção de 
quitanda são bacias grande de alumínio, tabuleiros de alumínio e baldes de plástico com tampas. 
Durante  a  visita  à  casa  da  quitandeira  Toninha  (Figura  6.7),  teve–se  a  oportunidade  de  presenciar  a 
produção  de  rosquinhas  de  nata  ––  é  uma  tarefa  que  exige  delicadeza,  paciência  e,  sobretudo, 
habilidade manual. Primeiramente, pega–se uma porção da massa, pressionando–a contra o mármore e 
fazendo movimentos de vaivém, até formar um rolinho fino. Feito isso, juntam–se as pontas e dá–se o 
formato  redondo  entrançado.  Talvez  a  origem  da  rosquinha  tenha  relação  com  esse  movimento 
roscado.  Uma  a  uma,  elas  são  moldadas;  em  seguida,  dispostas  no  tabuleiro  enfarinhado  para  ir  ao 

forno. A precisão é tanta, que todas saem do mesmo tamanho. 
       
 
 
 
Figura 6.7 – Quitandeira Toninha preparando a massa das quitandas, fazendo a modelagem das 
rosquinhas e tabuleiros com as rosquinhas assadas. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 

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Para a quitandeira, durante os períodos festivos, a produção das quitandas aumenta significativamente, 
tanto nos pedidos de encomendas como nas vendas diretas na feira. A festa do padroeiro Santo Antônio 
de Pádua é o principal evento que atrai para a cidade pessoas de outros municípios de Minas Gerais e 
até  de  outros  estados.  A  maioria  são  itutinguenses  que  residem  fora  e  que,  nessa  época,  retornam  à 
cidade  para  rever  parentes  e  amigos.  Então,  as  quitandas  não  podem  faltar  quando  o  assunto  é 
celebração, afirmou Toninha. 

Embora, inicialmente, o aprendizado tenha se dado a partir da observação do modo de fazer quitandas 
de pessoas do convívio cotidiano, Toninha, com o tempo, foi copiando as receitas em cadernos; outras 
lhe foram presenteadas (Figura 6.8). O fato é que ela possui um arquivo significativo de receitas antigas, 
garimpadas  durante  a  vivência  experimentada  com  suas  ex–patroas.  Algumas  receitas  estão 
manuscritas em folhas soltas e já amarelas pela ação do tempo; outras, em cadernos. 

Nenhuma  das  quitandeiras  que  participaram  da  pesquisa  nos  outros  11  municípios  apresentou  algo 
semelhante.  Sempre  que  possível,  revisita  suas  receitas  para  não  esquecer,  ressaltando  que  aquelas 
mais  usadas  já  estão  decoradas.  Pelo  que  se  pôde  observar,  Toninha  não  guarda  os  registros  das 
receitas apenas por gostar: há um senso de preservar o modo de fazer quitandas para além do modo 
sensível (olhar e falar) para seus netos e bisnetos. As receitas compõem um objeto à parte, dentro do 
universo  das  quitandeiras,  e  que  deve  ser  mais  aprofundado  durante  a  pesquisa  que  vai  embasar  o 
pedido de registro. 

   
Figura 6.8 – Quitandeira Toninha folheando, e seus cadernos de receitas com detalhes de receitas 
escritas à mão. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Questionada  sobre  os  possíveis  prováveis  impactos  que  poderão  ocorrer  durante  a  implantação  das 
linhas de transmissão que estão projetadas para atingir o território do município, a quitandeira Toninha 
supõe  que,  se  a  cidade  passar  a  receber  um  maior  fluxo  de  pessoas  de  outros  lugares  em  função  da 
obra, poderá ser positivo para o negócio das quitandas, pois vai haver maior consumo. Além disso, seus 
produtos  passarão  a  ser  conhecidos  em  outros  lugares,  já  que  esses  trabalhadores  comprarão  seus 
produtos para outras pessoas saborearem. No entanto, ela reconhece que pode haver desmatamento 

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de  árvores  nativas  ou  até  mesmo  de  plantação  de  eucalipto  (tipo  de  lenha  que  ela  usa),  o  que  é  um 
ponto negativo. 

Já a quitandeira Cidinha, como é conhecida na cidade, cresceu observando sua mãe fazer as merendas, 
mas foi trabalhando como doméstica nas casas de famílias em que aprimorou suas habilidades: 

“Muita  coisa de quitanda  eu aprendi  com minha  mãe. Depois eu 


fui  trabalhar  na  casa  de  uma  senhora  que  ia  me  ensinando  tudo 
que  ela  fazia.  Até  hoje,  quando  eu  encontro  com  a  filha  dela  na 
feira,  eu  falo:  ‘isso  aqui  eu  aprendi  com  sua  mãe’!  Eu  agradeço 
muito a Deus por ela ter  me ensinado essas coisas. Hoje ela já é 
velha  e  não  enxerga  mais.”  (Cidinha,  em  entrevista  realizada  em 
24/08/2017). 

Após se casar, continuou aprimorando seus dotes de quitandeira, mas fazia suas iguarias apenas para a 
família, ao mesmo tempo em que desempenhava a atividade de doméstica na casa de família. Em 2011, 
sua irmã, que já vendia verdura na feira, conhecendo seu talento na cozinha, convidou–a para montar 
uma  barraca  e  vender  quitandas  ––  foi  assim  que  tudo  começou.  Ela  disse  que,  por  não  ter  dinheiro, 
preparou pouca coisa com receio de não vender; mas, para sua surpresa, tudo que levou foi consumido. 
A partir desse dia, os clientes passaram a comprar seus produtos, tanto solicitando–os por encomendas 
como comprando–os diretamente na feira.  

Hoje, assim, como Toninha, ela é uma das quitandeiras assíduas da feira; chega a desmanchar cerca de 
40 quilos de farinha em quitandas, por semana. Seus produtos são feitos artesanalmente e conta com a 
ajuda  de  uma  filha  adolescente  tanto  na  confecção  das  quitandas  como  na  venda  nas  feiras,  aos 
sábados.  Além  de  quitandas  como  broinhas  de  queijo,  de  coco,  de  quilhada,  amendoim,  roscas, 
rosquinhas, bolo de banana, bolo de milho e pamonha de fubá (também conhecido como porrete), ela 
também faz doces caseiros de goiaba, leite, banana e geleias de jabuticaba. Cidinha não tem o hábito de 
anotar as receitas das quitandas e doces em cadernos, assim como faz Toninha. Costuma guardá–las e 
apelar para a memória. Como ela mesma disse, “guarda na cachola”. 

Para  atender  à  demanda  dos  clientes,  ela  inicia  o  preparo  de  suas  quitandas  às  quintas–feiras,  dando 
prioridade à produção de biscoitos e rosquinhas, e deixa para fazer os pães e bolos às sextas–feiras. O 
preparo de doces e geleias não tem dia certo, mas, geralmente, começa no início da semana. A feira é 
frequentada  tanto  por  pessoas  da  cidade  como  por  turistas  que  estão  de  passagem  em  direção  a 
Carrancas, onde há balneários e cachoeiras. Cidinha (Figura 6.9) não esconde a satisfação de fazer parte 
do  grupo  de  mulheres  que  trabalha  na  feira,  exibindo  a  identificação  que  ornamenta  sua  banca 
entalhada em madeira com o dizer “Quitandas”.  

A Universidade Federal de Lavras (UFLA) é uma das instituições que integram o projeto; tem ministrado 
cursos  de  orientação  e  treinamento  sobre  manipulação  de  alimentos  e  boas  práticas  de  fabricação.  O 
projeto,  intitulado  “Fortalecimento  do  pensamento  e  articulação  cooperativista/associativista  na 
microrregião  de  Lavras,  MG”,  contou  com  a  participação  dos  Departamento  de  Administração  e 

89 
Economia (DAE) em parceria com o Departamento de Nutrição (DNU) da referida universidade5. Embora 
o intuito do projeto também seja incentivar os produtores a se organizarem em instituições associativas, 
as quitandeiras ainda vendem seus produtos de forma individual. Além da parceria com a universidade, 
o projeto conta com a participação da EMATER e da Prefeitura local. 

 
Figura 6.9 – Quitandeira Cidinha segurando a placa com o dizer “Quitandas”, que identifica sua barraca 
na feira, aos sábados. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Ao  ser  questionada  sobre  o  que  mudou  no  modo  de  fazer  quitanda  desde  quando  ela  aprendeu  até 
hoje, afirmou que algumas coisas mudaram; por exemplo, os insumos, como polvilho e fubá, que agora 
estão disponíveis para venda nos supermercados. Antigamente,  para conseguir o polvilho,  era preciso 
plantar a mandioca, esperar ficar no ponto para fazer a farinha. O mesmo acontecia com o milho, que 
era triturado no moinho movido pela força das águas (roda d’água). “A gente ainda se esforça pra fazer 
a quitanda como antigamente, comprando alguns produtos da roça, como ovos, leite, nata e manteiga”, 
ressaltou Cidinha. 

Para reforçar o discurso da autenticidade, ela fez questão de mostrar que suas quitandas são assadas no 
forno a lenha (Figura 6.10), característica que dá um sabor especial aos assados. Além do forno a lenha, 
outros utensílios são necessários para a produção das quitandas, como bacias de plástico para misturar 
a  massa,  mesa  ou  bancada  para  espalhar  a  massa,  colher  de  pau  e  tabuleiros.  A  madeira  usada  para 
assar as quitandas é  comprada na  zona rural,  mas  tem  certificação legal. Como disse, ainda  consegue 
comprar  por  um  preço  mais  acessível  que  a  madeira  de  eucalipto  oriunda  de  reflorescimento.  Talvez 
não hoje, mas futuramente, ela possa encontrar alguma dificuldade para conseguir lenha que não seja 
certificada pelos órgãos ambientais. 

Ao mesmo tempo em que se observa a manutenção de elementos da tradição no ofício de quitandeira –
–  que  legitima  a  ideia  de  um  passado  ––,  outras  modificações  são  introduzidas  pela  própria  dinâmica 
sociocultural. É o caso de clientes que seguem dietas restritivas, como diabéticos, celíacos e outros, mas 
                                                            
5
  Para  mais  informações,  consultar:  http://www.ufla.br/ascom/2015/09/24/feirantes–de–itutinga–e–itumirim–
recebem–orientacoes–sobre–gerenciamento–e–preparo–de–alimentos–saudaveis/  

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querem consumir quitandas. Para atender esse público, a quitandeira mescla as quitandas tradicionais 
com outras com baixo teor de açúcar, os chamados diets, sem glúten e sem lactose, a exemplo do bolo 
de  milho  com  adoçante,  da  broa  de  fubá  e  bolo  de  laranja.  Além  disso,  faz  bolos  decorados  para 
aniversário e casamento, sob encomenda. 

Nos períodos festivos, como a Festa do Padroeiro Santo Antônio de Pádua, em julho, Festa de Congado, 
em  setembro,  e  comemorações  natalinas,  as  vendas  de  quitandas  aumentam  significativamente,  uma 
vez  que  a  cidade  recebe  pessoas  naturais  do  lugar,  mas  que  residem  em  outras  cidades  e  estados. 
Percebe–se,  portanto,  que  há  uma  relação  de  reciprocidade  entre  o  ofício  de  quitandeira  e  outras 
manifestações culturais existentes na localidade. 

 
Figura 6.10 – Quitandeira Cidinha mostrando o forno a lenha onde assa as quitandas. 
Fonte: Equipe Biodinâmica, 2017. 
 
Mesmo  reconhecendo  que  a  feira  é  um  espaço  privilegiado  para  exporem  seus  produtos,  as  feirantes 
não  estão  organizadas  em  coletivos  ou  associações  ––  cada  uma  trabalha  individualmente,  em  suas 
casas.  O  fato  de  trabalharem  isoladamente  dificulta  enfrentar  a  concorrência  dos  produtos  que  são 
industrializados, como é o caso dos biscoitos de São Tiago. 

Segundo Cidinha, todos os sábados, um comerciante encosta seu carro próximo às barracas da feira e 
expõe  seus  produtos  a  preços  bem  inferiores  àqueles  praticados  pelas  quitandeiras.  Portanto,  uma 
estratégia para enfrentar esse tipo de concorrência seria criar uma associação de quitandeiras. Formada 
a  associação,  elas  poderiam  fazer  compras  coletivas  de  insumos  a  preços  mais  competitivos,  o  que 
resultaria na diminuição do valor do produto final. 

Quando  questionada  sobre  os  prováveis  impactos  que  poderão  ocorrer  durante  a  implantação  das 
linhas de transmissão que estão projetadas para atingir o território do município, a quitandeira Cidinha, 
assim  como  Toninha,  supõe  que,  se  a  cidade  passar  a  receber  um  fluxo  maior  de  pessoas  de  outros 
lugares  em  função  da  obra,  isso  poderá  ser  positivo,  uma  vez  que  as  pessoas  poderão  comprar  as 
quitandas  e  levar  para  seus  familiares  nos  lugares  de  origem:  “Isso  significa  que  vai  ter  mais  pessoas 
consumindo nossas quitandas”, acrescentou. 

91 
6.1.3  MAPA DOS BENS CULTURAIS DE ITUTINGA 

93 
 
6.2 NAZARENO 
O Conselho Municipal de Patrimônio Cultural (COMPAC), criado pela Lei nº 956, de 12 de abril de 2005, 
é  o  órgão  responsável  pela  preservação  do  Patrimônio  Histórico  e  Cultural  de  Nazareno  (como 
mencionado anteriormente). 

Atualmente, o município de Nazareno possui quatro bens tombados pelo COMPAC e 50, inventariados. 
Dentre os principais, destacam–se: os casarões coloniais, igrejas históricas, sendo a principal a de Nossa 
Senhora  de  Nazaré,  a  Estação  Ferroviária  e  as  cachoeiras.  Como  principais  patrimônios  naturais,  a 
cidade possui o rio Grande e o rio das Mortes, a Represa dos Camargos, além de cachoeiras, sendo a da 
Usina a mais conhecida. 

A Secretaria de Cultura, Meio Ambiente, Esporte e Lazer, através de seu Departamento de Cultura, no 
que se refere à proteção do patrimônio imaterial, apesar de reconhecer os referidos bens culturais de 
natureza  imaterial,  não  implementou  medidas  de  salvaguarda  que  garantissem  sua  continuidade.  A 
prova de que o município não tem criado ações de salvaguarda para os bens reconhecidos em nível local 
é  que  o  terno  de  Catupé,  praticamente,  acabou;  ou  seja,  poucas  ações  institucionais  têm  sido 
implementadas para preservar a memória e a identidade locais. 

O  município  de  Nazareno,  dono  de  um  rico  legado  histórico  (Figura  6.11)  que  contribui  para  o 
fortalecimento da identidade local, regional e, também, nacional, possui poucos registros materiais que 
comprovem tal relevância. O casario antigo originário do período colonial, que poderia ser uma fonte de 
registro  do  passado  histórico,  já  não  existe;  o  mesmo  se  pode  dizer  dos  documentos  escritos  e 
fotográficos. Não há, portanto, na cidade, um museu ou arquivo público que possam preservar a história 
do seu povo. E a única biblioteca municipal encontra–se fechada para o atendimento ao público. 

     
Figura 6.11 – Aspecto dos casarios e equipamentos urbanos tombados pelo Departamento de Cultura 
de Nazareno. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 

A  partir  de  visitas  a  instituições  e  órgãos  públicos,  como  o  Departamento  de  Cultura,  Secretaria 
Paroquial e EMATER, foi possível sondar sobre a existência de bens culturais registrados e em processo 
de registro pelo IPHAN no território. O objetivo foi reunir o maior número de informações para, a partir 
de então, começar a contatar os informantes. 

95 
 
Através do contato com o diretor de Cultura do município, Marinho Carvalho, e de outros informantes 
locais,  foi  que  a  equipe  chegou  aos  detentores  dos  bens  culturais  reconhecidos  e  em  processo  de 
reconhecimento pelo IPHAN, existentes no município, como mestre de capoeira, quitandeira, capitão de 
congado e raizeira. 
6.2.1  CAPOEIRA E OFÍCIO DE MESTRES DE CAPOEIRA – Grupo de Capoeira Biriba de Ouro 
 Mestre Tio – José Luiz Mendes Coelho, 49 anos 

José Luiz iniciou sua prática na capoeira aos 12 anos de idade, em Lima Duarte, na década de 1980, e 
formou–se mestre aos 45 anos. Foi aluno do Mestre Lula e se tornou mestre em Juiz de Fora (MG), pelo 
Grupo Berimbau de Ouro. Em 2006, introduziu a capoeira em Nazareno e criou o Grupo Biriba de Ouro. 

Desde  então,  realiza  um  trabalho  social  destinado  a  ensinar  capoeira  a  crianças  e  adolescentes  da 
comunidade;  as  aulas  são  gratuitas  e  dadas  duas  vezes  por  semana.  Esse  trabalho  é  feito  juntamente 
com o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), através da Secretaria de Assistência Social do 
município.  

“A gente ensina a arte da capoeira, e fazemos algumas oficinas de 
brincadeiras, recreação e confecção de instrumentos. Além disso, 
os  alunos  veem  um  pouco  de  história  da  capoeira,  aprendem 
quais  são  os  tipos  de  lutas  e  aprendem,  também,  História  do 
Brasil.”  (Mestre  Tio,  em  entrevista  realizada  no  local  de  trabalho 
em 25/08/2017 – Figuras 6.12 e 6.13). 

Há quatro anos, o Grupo Biriba de Ouro realiza aulas e rodas no Projeto Maria de Barro, instituição sem 
fins  lucrativos  que  desenvolve  ações  sociais  voltadas  para  a  preservação  ambiental  e  inclusão  de 
pessoas no mercado de trabalho. O projeto  disponibiliza um espaço para a prática da capoeira. Embora 
o grupo não tenha sede própria, o atual espaço onde acontecem os treinos foi cedido pela Prefeitura, e 
está localizado na Praça Dr. Freitas de Carvalho 264, no Centro da cidade. 

     
Figura 6.12 – Roda de Capoeira Biriba de Ouro em atividade no Projeto Maria de Barro e o Mestre Tio 
jogando capoeira. 
Fonte: Foto cedida por Mestre Tio à Equipe Biodinâmica Rio,  2017. 

96 
 
 
 
Figura 6.13 – Roda de Capoeira Biriba de Ouro em atividade no Projeto Maria de Barro e o Mestre Tio 
jogando capoeira. 
Fonte: Foto cedida por Mestre Tio à Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Embora o Grupo se reconheça como capoeira regional, também valoriza a importância da capoeira de 
Angola, uma vez que o repasse dos valores humanos, com respeito ao próximo, assim como a disciplina 
compõem  a  capoeira  na  sua  completude.  Uma  vez  por  ano,  organiza–se  um  evento  para  a  troca  de 
graduação  no  grupo,  que  segue  a  seguinte  hierarquia:  aprendiz,  monitor,  professor,  estagiário, 
contramestre  e  mestre.  O  grupo  segue  o  estabelecido  pela  Confederação  Brasileira  de  Capoeira,  que 
definiu as cores das cordas pela Bandeira do Brasil. Uma vez por ano, realiza–se o evento para graduar 
os alunos iniciantes e veteranos; nesse dia, são convidados a comunidade, autoridades e familiares para 
prestigiarem a cerimônia. 

Na confecção dos instrumentos utilizados na  capoeira, parte da  matéria–prima é comprada de outros 


capoeiristas  residentes  nas  regiões  litorâneas  do  País,  como  a  madeira  de  biriba  usada  na  verga  do 
berimbau; o restante, como as cabaças, é adquirido dos produtores rurais do município (Figura 6.14). 

 
Figura 6.14 – Mestre Tio expondo a matéria–prima (cabaça) nas oficinas de confecção de parte dos 
instrumentos de percussão usados na capoeira. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

97 
 
Durante as visitas aos agricultores, Mestre Tio aproveita para doar as sementes de cabaça para que eles 
plantem nas propriedades. E, nas épocas de colheitas, eles doam os frutos para o grupo. Algumas vezes, 
o grupo confecciona as vergas de bambu, arbusto que existe em abundância na região. 

Mestre Tio é técnico da EMATER, de onde retira seu sustento; ele não sobrevive do ofício de mestre de 
capoeira.  No  entanto,  a  profissionalização  do  ofício,  na  sua  opinião,  é  crucial  para  a  manutenção  da 
prática no Brasil, seja como esporte, seja como prática cultural. Ainda nessa linha de pensamento, ele 
entende que o processo de registro, que deu à capoeira o título de Patrimônio Imaterial do Brasil, tem 
ajudado,  por  um  lado,  na  desconstrução  dos  estigmas  acerca  da  prática  da  capoeira;  por  outro,  tem 
contribuído  para  sensibilizar  o  Poder  Público  local  no  apoio  aos  projetos  que  envolvem  a  atividade. 
“Abriu portas”, acrescentou o mestre: 

“A  gente,  hoje,  trabalha  em  parceria  com  a  Prefeitura  e  as 


escolas estadual e municipal. Até algumas empresas estão vendo 
que  a  capoeira  é  uma  arte  interessante.  A  gente  tem  uma 
facilidade maior para divulgar a prática da capoeira depois desse 
reconhecimento.”  (Mestre  Tio,  em  entrevista  realizada  no  local 
de trabalho, em 25/08/2017). 

Por  outro  lado,  ele  reconhece  que  o  IPHAN  ainda  tem  feito  pouco  para  beneficiar  os  capoeiristas. 
Também  mencionou  o  cadastro  dos  grupos  de  capoeira  que  o  órgão  compôs,  do  qual  chegou  a 
participar,  mas  não  sabe  ao  certo  qual  a  sua  finalidade.  Acrescentou  que,  se  for  para  transformar  o 
ofício  de  mestre  de  capoeira  em  uma  prática  profissional,  será  uma  ação  muito  importante,  pois  há 
muitos mestres de capoeira espalhados pelo País, vivendo de forma miserável. 

Desde que implantou a Roda de Capoeira em Nazareno, Mestre Tio preocupa–se em ensinar seus alunos 
a  confeccionar  seus  próprios  instrumentos.  E  uma  das  atividades  que  costuma  realizar  no  grupo  são 
oficinas de berimbaus:  

“No  dia  de  ensinar  a  fazer  berimbau,  geralmente  aos  sábados, 


juntam–se todos e ensina–se toda a montagem do instrumento. 
Eu  ensino  o  passo  a  passo:  como  serrar  a  cabaça,  arrumar  a 
verga  (haste),  até  a  colocação  do  pedaço  de  couro  na 
extremidade da verga para prender o arame. E também ensino 
como  retirar  o  arame  de  pneus  usados.”  (Mestre  Tio,  em 
entrevista realizada no local de trabalho, em 25/08/2017). 

As atividades, além de lúdicas, transferem para os alunos o senso de cooperação e trabalho em equipe, 
pois, enquanto um grupo de crianças e jovens lava as cabaças, outro realiza o trabalho de serraria, ao 
mesmo tempo em que outro se encarrega da etapa de lixamento. Em seguida, os grupos se revezam e 
trocam  de  atividades,  de  modo  que  todos  possam  participar  ativamente  de  todo  o  processo  de 
confecção do instrumento. 

Alguns mestres de capoeira acabam tornando–se pesquisadores de percussão; com Mestre Tio, não foi 
diferente. Nas suas andanças pelas matas, deparou com o “invólucro” (casca) dos frutos (castanhas) da 

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sapucaia,  semelhante  ao  formato  da  cabaça,  e  que,  quando  tratado,  emite  sons  cujas  notas  musicais 
aproximam–se do som do agô–gô. 

A sapucaia é uma árvore que existe em abundância na região, principalmente nas proximidades da usina 
hidrelétrica  da  CEMIG.  Geralmente,  os  próprios  funcionários  da  instituição  colhem  as  sapucaias  e  as 
doam ao mestre. Sobre o afinamento do instrumento, comentou Mestre Tio, “é preciso fazer todo um 
trabalho de colocar de molho por algum tempo, retirar o excesso de casca e esperar secar. Em seguida, 
faz–se uma abertura igual à que é feita na cabaça.” (Figura 6.15) 

    
Figura 6.15 – Fruto da sapucaia que Mestre Tio adaptou como instrumento de percussão usado na Roda 
de Capoeira. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Além das aulas de capoeira e oficinas para confecção dos instrumentos utilizados na capoeira, Mestre 
Tio  introduziu,  nas  rodas  de  capoeira,  atividades  recreativas  com  o  objetivo  de  resgatar  brincadeiras 
antigas, tais como: queimada, pique–bandeira, jogo de peteca, etc. Muitas vezes, os próprios acessórios 
usados  nas  brincadeiras  são  feitos  pelos  próprios  alunos,  por  exemplo,  petecas.  “Dias  atrás,  fizemos 
uma  oficina  para  confeccionar  petecas  de  palhas  de  milho.  Pedi  aos  produtores  rurais  que  juntassem 
palha de milho e penas de galinha; com isso, fizemos as petecas.” (Mestre Tio, em entrevista realizada 
no local de trabalho, em 25/08/2017) 

A respeito da aceitação do grupo de capoeira na cidade, Mestre Tio contabiliza alguns avanços, porém 
muitas pessoas, talvez por desconhecerem a história que permeia a prática, insistem em atribuir a ela 
significados religiosos, o que, segundo ele, é um engano. Para ele, quem tem religião é o capoeirista, o 
jogador de futebol, o lutador de outras artes; portanto, no seu entendimento, a Roda de Capoeira não é 
religião. Contudo, aos poucos, a comunidade vai percebendo que não se trata de uma prática religiosa: 

“Hoje, a comunidade já  entende que  não tem  nada a ver com  religião. 


Alguns  pastores  evangélicos  da  cidade  que,  inicialmente,  tinham 
resistência  em  relação  ao  grupo  de  capoeira,  e  que  chegavam  até  a 
proibir as crianças de participar da roda, hoje, incentivam. Várias vezes, 
me  ligaram  para  conseguir  vagas  para  as  crianças  de  suas  igrejas.  Eles 
entenderam  que  não  têm  relação  com  religião.”  (Mestre  Tio,  em 
entrevista realizada no local de trabalho, em 25/08/2017). 

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Em Nazareno, a Roda de Capoeira é utilizada como atividade física, lazer e recreação, além de contribuir 
para a formação geral dos cidadãos, através do repasse de valores éticos, morais e culturais. É na roda, 
que todos se veem, aprendem a respeitar os mais velhos e exercitam a hierarquia. “A Roda de Capoeira 
é o elemento estruturante da capoeira. É a metáfora da roda maior, a roda do mundo, a roda da vida, 
onde, ora se ganha, ora se perde” (IPHAN,  nov. 2017b,  p. 13). 

A  Roda  de  Capoeira  é  o  lugar,  por  excelência,  onde  são  aprendidos  não  apenas  os  golpes  da  luta,  os 
toques dos instrumentos, a ginga, como também, sobretudo, onde o mestre de capoeira repassa para os 
alunos ensinamentos que os tornarão mais humanos. Ainda sobre a Roda de Capoeira, a circularidade 
significa  que  todos  os  participantes  são  iguais.  No  momento  em  que  um  integrante  está  no  centro, 
fazendo os movimentos, os demais o aplaudem, incentivam–no. “É na Roda de Capoeira que exercitam 
o respeito aos mais velhos e o resgate dos valores antigos”, enfatizou Mestre Tio. 

A prática da capoeira é democrática –– acolhe a todos, sem distinção de gênero, cor e religião. “Então, 
não existe preconceito”, comenta Mestre Tio. O Grupo Biriba de Ouro recebe alunos nas faixas etárias 
dos  4  aos  50  anos  de  idade;  possui  40  alunos,  dos  quais  os  meninos  são  a  maioria.  No  entanto, 
complementou o mestre: “Há muitas meninas que já se formaram na capoeira e estão ministrando aulas 
de educação física em escolas.” 

É  costume, também, a realização de oficinas de artesanato para confecção  dos próprios instrumentos 
utilizados na capoeira, como berimbau e atabaque elaborado com o fruto da sapucaia.  

Sobre  os  prováveis  impactos  do  empreendimento  no  ofício  de  mestre  de  capoeira  e  na  Roda  de 
Capoeira,  Mestre  Tio  enfatiza  que  qualquer  empreendimento  de  grande  porte  traz  algum  tipo  de 
impacto para o município como um todo, sobretudo para as práticas culturais e os modos de vidas.  

Os impactos também serão percebidos na infraestrutura de serviços públicos, como saúde, educação e 
habitação. “Serviços que mal atendem à população local passarão a atender uma população externa e 
flutuante.” (Mestre Tio, em entrevista realizada no local de trabalho em 25/08/2017). 

Embora  não  saiba  afirmar  precisamente  quais  são  os  tipos  de  impactos  que  afetarão  o  cotidiano  das 
pessoas, no que tange ao ofício de mestre de capoeira, destacou, como um possível impacto positivo, a 
vinda de capoeiristas para trabalhar na obra de construção da LT. Segundo Mestre Tio, se algum deles 
procurar  integrar–se  ao  grupo  será  um  momento  oportuno,  portanto,  salutar,  para  a  realização  de 
intercâmbios. Em contrapartida, se os capoeiristas que permanecerem na cidade no período das obras 
forem pessoas de má índole, que não seguem os ensinamentos éticos da capoeira, podem impactar de 
forma depreciativa o grupo. 

100 
 
6.2.2  CONGADAS DE MINAS – CATUPÉ NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO 
 Capitão Adalberto da Silva, 89 anos 

O atual líder do terno de congada nasceu e se criou na Fazenda Sobral, localizada nas margens do rio 
Grande, no município de Nazareno. Reside no bairro do Rosário, onde fica a Igreja de Nossa Senhora do 
Rosário (Figura 6.16). Ex–agricultor, a renda da família vem da sua aposentadoria. Além da esposa, filhas 
e netos vivem com ele, na mesma casa, ou em construções anexadas ao terreno. Pelo aspecto humilde 
de sua residência, cujo piso e revestimento das paredes interna e externa ainda estão em processo de 
conclusão, percebe–se que o capitão Adalberto passa por necessidades financeiras.  

 
Figura 6.16 – Igreja de Nossa Senhora do Rosário, localizada no bairro Rosário. 

Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 

De  acordo  com  os  relatos  de  pessoas  da  cidade,  como  o  Diretor  de  Cultura,  Marinho  Carvalho,  e  o 
“maestro” Modesto (espécie de “guardião” da memória cultural local), o bairro tem uma característica 
peculiar:  é  majoritariamente  habitado  pela  população  negra  da  cidade  (Figuras  6.17  e  6.18). 
Consequentemente,  é  visto  pelos  seus  habitantes  como  um  lugar  estigmatizado.  Durante  a  entrevista 
com  o  capitão  de  congada  Jhuca,  em  Itutinga,  sua  filha  Selma  alertara  que  a  cidade  de  Nazareno  era 
violenta e que se tomasse cuidado ao subir “morro”. 

   

101 
 
    
Figura 6.17 – Aspectos urbanísticos do “morro”, termo pejorativo usado por parte da população local 
para se referir ao bairro do Rosário.  
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

 
Figura 6.18 – Estação Senhor dos Passos, localizada no bairro do Rosário. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Ao chegar a Nazareno, em conversa com o Diretor de Cultura do município, Mário Carvalho, descobriu–
se  que  o  temido  “morro”,  reduto  de  marginais,  como  se  ouviu  na  cidade  vizinha,  era,  na  verdade,  o 
bairro  do  Rosário,  onde  o  capitão  do  terno  de  Catopé,  Adalberto,  reside.  Pelo  que  se  observou,  o 
território possui uma estrutura urbana de pavimentação, hotel, praças, a própria Capela do Rosário, três 
pequenas  capelinhas,  chamadas  de  “estações  de  Senhor  dos  Passos”  e  outros  equipamentos,  como  a 
Delegacia  de  Polícia  Militar.  O  fato  de  o  bairro  sediar  a  delegacia  da  cidade  é  simbólico  e  reforça  o 
estigma do lugar. 

Para  GOFFMAN  ([1963]  2008),  entre  os  indivíduos  estigmatizados,  estão  aqueles  que  possuem 
deficiências  físicas;  os  chamados  “anormais”,  tais  como  doentes  mentais,  alcoólatras,  criminosos, 
prostitutas,  homossexuais,  etc.;  e  os  pertencentes  aos  grupos  tribais  de  raça,  nação  e  religião.  Ainda 
conforme WACQUANT (2006), essa marca negativa territorial pode ser transmitida por via da linhagem, 
que contamina todos os membros da família de igual modo. 

102 
 
O bairro do Rosário, cujo estigma perdura até hoje, nasceu com a cidade, de modo que a zona central 
foi sendo habitada pela elite branca, e a parte alta, onde se encontra a Capela do Rosário, foi habitada 
pela população negra e pobre. Trata–se de uma população estigmatizada por ter a cor da pele diferente 
da  das  outras  pessoas.  O  informante  contou  que  antigamente,  quando  os  moradores  do  bairro 
precisavam  resolver  algo  na  outra  parte  da  cidade,  no  Centro,  e  que  passavam  pelo  córrego  (hoje 
aterrado,  e  que  separava  os  dois  territórios)  e  molhavam  os  pés,  deixavam  seus  rastros  identificados 
com  o  barro  vermelho,  característica  do  solo  do  território  estigmatizado.  Com  isso,  os  moradores  do 
centro logo deduziam que se tratava dos “negros do morro”.  

O  capitão  Adalberto  relatou  também  que,  quando  veio  da  roça  para  morar  no  bairro,  a  maioria  das 
casas era de sapé, e as ruas não tinham pavimentação. E foi, nesse lugar, que surgiu o terno de Catupé, 
segundo  ele  (Figura  6.19).  Levando  em  consideração  que  o  município  tem  indícios  históricos  que 
justificam  a  presença  de  ex–escravos  na  região,  e  que  a  prova  objetiva  são  os  dois  quilombos  já 
reconhecidos  como  Comunidades  Remanescentes  de  Quilombo  (CRQs),  e  também  em  decorrência  da 
construção da Capela de  Nossa Senhora do  Rosário, cuja data de construção remonta ao  século XVIII, 
supõe–se que o grupo de dançadores também tenha surgido no mesmo contexto. Portanto, a memória 
sobre o grupo, relatada pelo entrevistado, deve remontar apenas ao contexto do século XX, momento 
em que ele começa a participar do terno. 

     
Figura 6.19 – Detalhe da fachada da casa de Adalberto, capitão do terno de Catupé Nossa Senhora do 
Rosário (à esquerda), e capitão Adalberto vestindo o traje que usa durante as saídas do terno, e dois de 
seus netos (à direita). 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Conforme relatou Adalberto, Zé Brás era o primeiro líder do terno da época em que,  ainda rapaz, ele 
entrou para o grupo. Depois, com o falecimento dele, Zé Francisco e Adalberto, que eram compadres, 
assumiram, respectivamente, as patentes de primeiro e segundo capitão. Sua participação à frente da 
capitania  do  terno,  provavelmente,  tenha  ocorrido  entre  as  décadas  de  60  e  70  do  século  passado. 
Embora o entrevistado não se recorde exatamente em que ano se deram os acontecimentos, ele lembra 
de sua idade na época: 

103 
 
“Eu  sempre  gostava  de  acompanhar  [dançava  no  terno];  aí  o  velho  Zé  Brás,  pouco 
tempo antes de morrer, me convidou para a história. Mas, “à força”, ele passou para 
o compadre Zé Francisco, que era o primeiro capitão do terno. Eu fique junto com ele 
durante quatro anos, até ele falecer. Então, há mais ou menos 40 anos que eu sou 
capitão  do  terno.”  (Capitão  Adalberto,  em  entrevista  realizada  na  residência,  em 
26/08/2017).  

Percebe–se  que  o  processo  de  transmissão  dos  saberes  sobre  o  Catupé,  além  de  serem  repassados 
através  da  oralidade,  mantêm  uma  relação  de  vínculo  afetivo  familiar  entre  os  capitães,  como  o 
compadrio. Observou–se também que, assim como as relações se estabelecem de modo informal, sem 
necessidade de um contrato por escrito, o mesmo acontece com o registro do próprio grupo, pois, até o 
presente momento, o terno não possui inscrição no CNPJ. 

O terno é composto, basicamente, por homens, que dançam e tocam os instrumentos. A presença de 
mulheres  limita–se  apenas  à  função  de  conduzir  a  bandeira,  as  chamadas  “bandeireiras”.  Segundo  o 
capitão Adalberto, alguns de seus dançadores também são “bastiõezeiros”, ou seja, participam também 
dos  dois  grupos  de  Folias  de  Reis  do  município  (Figura  6.20).  As  folias  saem  no  final  do  mês  de 
dezembro, durante os festejos natalinos, em homenagem ao nascimento de Jesus Cristo. 

     
Figura 6.20 – Capitão Adalberto ao lado de sua neta, expondo o uniforme que usa durante as saídas do 
terno (à esquerda). Capitão Adalberto com a caixa que usa quando o terno sai às ruas (à direita). 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

O  capitão  afirmou  que,  quando  assumiu  a  liderança  do  terno,  havia  22  integrantes,  mas,  como  eles 
foram morrendo, e seus lugares não foram ocupados por outros dançadores mais jovens, atualmente o 
terno possui menos de 10 integrantes –– isso quando conseguia juntar todos. 

Os instrumentos utilizados no terno são caixas, duas sanfonas e pandeiros. Geralmente, são três caixas 
que  “puxam”,  ou  seja,  que  dão  o  ritmo;  uma,  porém,  está  com  o  couro  rasgado,  necessitando  de 
reparos, como ressaltou o capitão Adalberto. Esse fato já denota as dificuldades que o grupo enfrenta 

104 
 
atualmente:  não  conta  com  apoio  financeiro  para  a  conservação  dos  elementos  materiais  da 
manifestação. 

No entanto, embora o grupo não tenha sede própria, os instrumentos ficam guardados numa sala, nas 
dependências  da  Capela  de  Nossa  Senhora  do  Rosário.  Alguns,  como  as  sanfonas,  são  novos  e  foram 
doados pela Prefeitura de Nazareno. 

Além da precária conservação e inexistência de uma sede para o grupo, o capitão alega que o espaço na 
capela,  disponível  para  os  ensaios,  é  exíguo,  considerando–o  um  “cuvico”  ou  cubículo.  “Falei  com  o 
padre para fazer um armário para guardar os instrumentos do terno, mas ele me disse que não estava 
podendo  gastar  para  levantar  congo.”  (Adalberto,  em  entrevista  realizada  na  residência,  em 
26/08/2017). 

O fato contribui para evidenciar alguns problemas enfrentados pelo capitão na manutenção do terno, e 
considerado  por  ele  o  mais  grave,  que  é  a  falta  de  apoio  do  padre  da  cidade.  Ele  também  afirmou, 
consternado, que o terno não se apresentou em 2017, durante a Festa de Nossa Senhora do Rosário, no 
mês  de  mês  de  junho,  e  culpou  o  líder  católico  pelo  ocorrido.  “Nos  dias  da  festa,  o  padre  mandou 
alguém atrás de mim duas vezes, mas não fui. Ele viu que o negócio apertou pro lado dele: as pessoas, 
por  certo,  cobraram  nossa  presença.”  (Capitão  Adalberto,  em  entrevista  realizada  na  residência,  em 
26/08/2017). 

Outro  fator  que  se  traduz  em  dificuldade  de  continuidade  da  tradição  pode  ser  observado  pelo 
desinteresse  das  pessoas  jovens  em  integrarem  o  terno  ––  o  que  o  capitão  atribui  a  um  possível 
sentimento de “vergonha” que eles têm de participar do terno. O sentido do termo a que Adalberto se 
refere não é sinônimo de timidez, mas, sobretudo, preconceito, uma vez que o terno de Catupé é uma 
prática realizada por negros. Além disso, trata–se de um grupo que está localizado no bairro do Rosário, 
que sempre sofre o estigma de lugar habitado por marginais. 
6.2.3  OFÍCIO DE QUINTANDEIRAS 

No  município  de  Nazareno,  foram  contatadas  seis  mulheres,  que,  atualmente,  exercem  o  ofício  de 
quitandeira;  três  residem  na  cidade  e  três,  na  CRQ  do  Palmital.  As  entrevistas  foram  realizadas  na 
residência de cada uma das quitandeiras. Com algumas, as conversas se deram na cozinha, como foi o 
caso  de  Lena,  que  preparava  uma  carne–de–porco  para  conservar  na  gordura,  a  tradicional  comida 
mineira “carne de lata”. As quitandeiras contatadas foram: 
 Ariane Nazaré de Carvalho, 54 anos (Distrito–sede); 

 Maria do Carmo Carvalho, 88 anos (Distrito–sede); 

 Helena Andrade Carvalho, 75 anos (Distrito–sede); 

 Aparecida Jacinta Monteiro, 51 anos (Comunidade Quilombola Palmital); 

 Francisca Hosana Monteiro, 55 anos (Comunidade Quilombola Palmital); 

 Maria Aleluia Nascimento, 53 anos (Comunidade Quilombola Palmital); 

105 
 
Ariane Nazaré nasceu em São João Del Rei (MG) e viveu, até a adolescência, na zona rural, próxima à 
comunidade de Coqueiros, distrito de Nazareno. Possui Ensino Médio, é casada e dona de casa. Contou 
que, desde criança, cresceu vendo suas avós, paterna e materna, e tias fazendo as quitandas. Contudo, 
foi  convivendo  com  a  tia,  irmã  de  sua  mãe,  que  aprendeu  de  fato  o  ofício.  Percebe–se,  na  fala  da 
quitandeira,  que  os  saberes  da  prática,  além  de  estarem  na  família  há  pelo  menos  três  gerações,  são 
repassados por mulheres, o que evidencia a dominância do sexo feminino na tarefa. 

Maria  do  Carmo,  natural  de  Nazareno,  dona  de  casa  e  aposentada,  embora  já  tenha  feito  muita 
quitanda, atualmente, apenas ajuda sua filha a “enrolar” as rosquinhas e biscoitinhos, e colocá–los nos 
tabuleiros  para  levá–los  ao  forno.  Do  Carmo  e  o  marido  moram  com  a  filha  Ariane  (Figura  6.21).  Sua 
aproximação  com  o  ofício  de  quitandeira  segue  a  mesma  lógica  de  aprendizado  de  sua  filha,  pois 
aprendeu  observando  sua  avó,  tias  e  a  própria  mãe  fazendo  as  quitandas.  “Na  época  de  eu  criança, 
minha avó fazia muitas quitandas, fazia para o consumo de casa e também para atender às encomendas 
de  casamento”,  acrescentou  Maria  do  Carmo.  Ao  longo  dos  diálogos  com  outras  quitandeiras,  no 
município  vizinho  de  Conceição  da  Barra  de  Minas,  foi  comum  perceber  que  as  quitandas  eram  parte 
integrante das recepções de casamentos: 

 
Figura 6.21 – As quitandeiras Maria do Carmo e Ariane (mãe e filha). 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

   “Era comum, na minha época de menina, oferecer café com quitandas 
aos  convidados  no  momento  que  os  recém–casados  retornavam  da 
igreja. Eram uma mesa enorme e quitandas a se perder de vista. Muitas 
rosquinhas  de  amendoim,  nata,  coco,  broinhas  de  fubá,  biscoitinhos, 
quebra–quebra,  biscoito  de  polvilho,  roscas,  bolos.”  (Maria  do  Carmo, 
em entrevista realizada na residência, em 26/08/2017). 

Embora  o  hábito  de  antigamente  não  persista  nos  dias  de  hoje,  os  produtos  de  quitandas  ainda  são 
apreciados pelas pessoas da comunidade. A prova é que a quitandeira Ariane sempre costuma fazê–las 
tanto  para  consumo  próprio  como  para  vender  para  fora,  conforme  os  pedidos  de  encomendas  que 

106 
 
chegam dos vizinhos e até mesmo de pessoas de fora que visitam a cidade. Relatou também que recebe 
pedidos de outros estados, como São Paulo: 

 “Quando  minha  irmã  que  mora  em  São  Paulo  vem  nos  visitar,  ela 
sempre leva quitandas para vender por lá. Ela avisa, com antecedência, 
quanto de quitanda quer; aí eu já faço aquele tanto. Lá, como as pessoas 
têm  mais  condição,  o  preço  é  mais  alto  do  que  o  que  vendo  aqui.” 
(Ariane, em entrevista realizada na residência em 26/08/2017). 

Assim  como  foi  observado  durante  os  contatos  já  efetuados  com  outras  quitandeiras,  algumas 
características  são  cruciais  para  atestar  a  qualidade  das  quitandas;  entre  elas,  está  a  procedência  dos 
insumos, como o uso do leite e nata da roça, ovos caipiras, fubá do moinho d’água, etc. Não é diferente 
com  as  quitandas  de  Ariane:  ela  faz  questão  de  obter  os  ingredientes  que  vêm  da  “roça”,  como  fubá 
moído  no  moinho  d’água,  manteiga,  nata,  leite,  queijo  e  ovos.  Nos  mercados  da  cidade,  ela  compra 
apenas farinha, polvilho, fermento e amoníaco.  

Durante  a  festa  do  Jubileu  de  Nossa  Senhora  de  Nazaré,  evento  religioso  centenário  que  integra  o 
calendário festivo da cidade, as quitandas ocupam um lugar especial na celebração, o que torna possível 
caracterizá–las  como  “comidas  de  festa”.  Portanto,  nos  períodos  festivos,  as  encomendas  aumentam, 
permitindo às quitandeiras ampliar suas rendas. 

Embora o mais comum seja as quitandeiras já terem memorizado as receitas das quitandas –– pelo fato 
de as terem aprendido com base na observação e na oralidade ––, é comum observar que a maioria das 
quitandeiras tem o hábito de possuir cadernos de receitas, muitas deles contendo receitas exclusivas da 
própria família. 
Com  Ariane  não  foi  diferente:  já  se  diz  herdeira  dos  caderninhos  de  anotações  de  sua  mãe,  Maria  do 
Carmo  (Figura  6.22).  Havia  cadernos  com  receitas  escritas  à  mão  e  folhas  soltas  retiradas  de  alguma 
revista ou almanaques; em algumas, percebeu que os anos estavam impressos, como uma que estava 
da datada de 1951. “As receitas de mãe quase não dá pra ler, de tão velhinhas; as folhas estão amarelas 
e quebradiças.” (Ariane, em entrevista realizada na residência, em 26/08/2017). Afirmou, ainda, que, de 
vez em quando, costuma revisitá–las para não esquecer; ou, então, quando precisa preparar uma nova 
iguaria. 

     
Figura 6.22 – Cadernos de receitas de família. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

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Assim como a procedência dos ingredientes influencia na qualidade das quitandas, o processo de feitura 
também é fundamental, como o modo de assar que utiliza o “forno de varrer a lenha” (Figura 6.23). O 
termo  “de  varrer”  refere–se  a  uma  das  etapas  do  processo  de  preparação  das  merendas.  Quando  a 
lenha  se  transforma  em  brasa,  esta,  por  sua  vez,  é  varrida  para  as  laterais  internas  do  forno,  dando 
início  à  colocação  dos  tabuleiros  com  as  quitandas  para  assar.  Vale  destacar  que  o  processo  de 
cozimento  (assar)  obedece  a  uma  lógica:  as  quitandas  mais  massudas,  como  as  broas,  são  assadas 
primeiro, para aproveitar a maior temperatura do forno.  

À  medida  que  o  forno  vai  perdendo  calor,  colocam–se  as  merendas  mais  delicadas:  rosquinhas  e 
biscoitos de polvilho. No entanto, mesmo mantendo um forno tradicional no quintal de casa, desativado 
há anos, Ariane prefere usar, por motivos práticos, o forno a gás. “Assar as quitandas no forno de varrer 
a lenha dá mais sabor, elas ficam mais gostosas, mas também dá muito trabalho. A gente pega muita 
quentura”, ressaltou a quitandeira. 

    
Figura 6.23 – Forno de varrer a lenha e forno a gás, usados pela quitandeira Ariane, que segura um 
tabuleiro feito de lata. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Ariane não prepara somente as quitandas; ela também faz  doces de frutas,  com goiaba  e banana.  No 


preparo da  goiabada cascão, utiliza o tradicional  tacho de cobre  (Figura 24)  e o fogão a lenha. Para a 
modelagem  dos  doces,  são  usadas  caixas  retangulares  de  madeira  com  aproximadamente  40  cm  de 
comprimento e 20 cm de largura, que servem também para armazená–los. 

Os  utensílios  utilizados  no  processo  de  preparo  das  merendas  são:  bacias  de  alumínio,  urupemas 
(peneiras de palhas – Figura 24), tabuleiros feitos com o metal de latas de tintas vazias, colher de pau. 
As latas vazias de tintas ou manteiga são reutilizadas para o armazenamento das quitandas.  

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Figura 6.24 – Utensílios utilizados na produção de doces e quitandas com arupema e tacho de cobre. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Outra  quitandeira  da  cidade,  Helena  Andrade,  conhecida  como  Lena,  é  natural  do  município  vizinho 
Conceição  da  Barra  de  Minas  (MG);  ela  veio  para  Nazareno  após  casar–se,  aos  18  anos  (Figura  6.25). 
Morou durante 30 anos na zona rural do município, quando, em 2010, após a morte do esposo, passou 
a residir na zona urbana. Hoje é aposentada e quitandeira. 

 
Figura 6.25 – Quitandeira Lena na sua cozinha, durante a entrevista que concedeu à equipe de pesquisa. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 

O  aprendizado  do  ofício  de  quitandeira  segue  os  mesmos  parâmetros  observados  nas  quitandeiras 
Maria do Carmo e Ariane, mãe e filha, cuja herança cultural familiar foi fundamental para a apreensão 
dos saberes tradicionais sobre as quitandas. Conforme relatou Lena, aprendeu cedo, quando ainda tinha 
8 anos de idade, vendo sua avó e tias fazerem as merendas, mais precisamente com a tia, que era mais 
paciente, frisou. “Foi na fazenda de meu avô que aprendi a fazer bolos de fubá, biscoitos de polvilhos, 
tudo assado no forno de varrer a lenha.” (Lena, em entrevista realizada na residência, em 26/08/2017). 
Em relação aos doces de goiaba, banana e laranja e geleias, afirmou que aprendeu com a mãe. Quando 

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se casou, mudou–se para o município vizinho, mas continuou fazendo as merendas para o consumo da 
família; nunca comercializou as quitandas e os doces. 

A comercialização das quitandas por encomendas somente aconteceu quando Lena passou a residir na 
cidade, há aproximadamente sete anos. Foi quando começou a produzir artesanalmente pão de queijo, 
rosquinhas  de  vários  sabores,  tais  como:  amendoim,  nata,  coco,  fubá,  broas  de  fubá  e  roscas  (pães 
caseiros) (Figura 6.26). 

    
Figura 6.26 – A quitandeira Lena expondo as rosquinhas de nata que produz de forma artesanal. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Assim como a quitandeira Ariane, Helena prefere usar insumos procedentes da roça, que, segundo ela, 
são fundamentais para atestar a qualidade das quitandas; daí fazer questão de utilizar leite, ovos, nata e 
o  fubá  de  moinho  d’água  vindos  da  roça.  “Eu  gosto  das  coisas  antigas,  por  isso  tento  fazer  minhas 
merendas  do  mesmo  jeito  que  aprendi”  (Lena,  em  entrevista  realizada  em  26/08/2017).  Ela  teve  de 
optar  pelo  forno  a  gás  ao  invés  do  tradicional  forno  de  varrer  que  usava  na  roça;  no  entanto,  não 
hesitou em enfatizar que as quitandas assadas no forno à lenha têm um sabor especial (Figura 6.27). 

 
Figura 6.27 – Forno a gás usado para assar as quitandas.  
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

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Assim como no município vizinho Itutinga, em Nazareno acontece uma feira livre aos sábados, onde são 
comercializados produtos da agricultura familiar, porém nenhuma das entrevistadas usa o espaço para 
expor  seus  produtos.  Lena,  no  início,  chegou  a  expor,  mas  desistiu  porque  não  conseguiu  vender  as 
merendas.  Foi  quando  decidiu  fazer  as  quitandas  somente  sob  encomenda,  o  que  tem  surtido  efeito, 
como revelou. 

Outra característica observada entre as quitandeiras já pesquisadas, e que se repete nas quitandeiras de 
Nazareno, é o fato de a maioria delas ter reservado um espaço da casa exclusivamente para o preparo 
de  quitandas.  Isso  aconteceu  com  Toninha  e  Cidinha  em  Itutinga,  e  também  com  Ariane  e  Lena  em 
Nazareno. 

As paredes da cozinha da quitandeira Lena têm revestimento, despensa com armários para acondicionar 
os insumos utilizados, forno a gás, geladeira, pia e uma mesa ao centro. Além disso, introduziu o hábito 
de boas práticas de fabricação no momento de manipular suas merendas, usando tocas descartáveis nos 
cabelos. 

Quanto  ao  uso  de  utensílios  no  processo  de  feitura  das  quitandas,  observou–se  que,  além  do  forno  a 
gás, o que se caracterizaria como um elemento introduzido recentemente, a quitandeira Lena também 
utiliza  baldes  de  margarina  reutilizáveis,  em  substituição  às  antigas  latas,  para  o  armazenamento  de 
biscoitos e rosquinhas. Fora isso, faz uso de peneiras, bacias grandes de alumínio para sovar a massa e 
os tabuleiros de lata. Ao contrário de Ariane, que prepara os doces em tacho de cobre, Helena utiliza 
tachos de alumínio na preparação de doces de laranja–da–terra.  

Quando questionadas quais seriam os tipos de dificuldades enfrentadas para seguir dando continuidade 
ao ofício, as detentoras destacaram a necessidade de um apoio maior por parte dos entes institucionais 
locais.  Propuseram  que  seja  criado  algum  tipo  de  evento  com  foco  na  valorização  e  divulgação  do 
trabalho das quitandeiras, de modo que outras mulheres aprendessem e, consequentemente, tivessem 
uma fonte de renda. 

Fora  do  distrito–sede,  nas  duas  CRQs  Palmital  e  Jaguara,  tomou–se  conhecimento  da  existência  de 
quitandeiras,  conforme  informações  repassadas  pela  Diretoria  de  Cultura.  Ambas  as  CRQs  foram 
certificadas  pela  Fundação  Cultural  Palmares  no  ano  de  2013,  como  já  mencionado  anteriormente.  O 
Quilombo Jaguara situa–se a 20 km do núcleo urbano e a 6,03 km do eixo da LT 345 kV Itutinga – Barro 
Branco. Já o Palmital encontra–se distante do município–sede cerca de 6 km e, aproximadamente, 0,6 
km do empreendimento. 

Como as duas comunidades estão razoavelmente próximas uma da outra, e o acesso se dá por estradas 
não pavimentadas, logo no primeiro dia de pesquisa em Nazareno, na companhia do Diretor de Cultura, 
Marinho  Carvalho,  realizou–se  uma  visita  à  comunidade  Jaguara.  O  objetivo  era  estabelecer  contato 
com a quitandeira Nazaré. Na ocasião, a informante estava ausente. 

De acordo com os vizinhos, ela estava acompanhando um parente hospitalizado em São João Del Rei. 
Aproveitou–se  a  visita  para  obter  informações  sobre  outras  possíveis  quitandeiras,  mas  não  foram 
encontradas.  Procurou–se  também  obter  informações  de  alguns  moradores  se  havia  pessoas  mais 

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velhas na comunidade com conhecimentos sobre raízes e plantas do Cerrado, mas nenhum detentor foi 
localizado. Não havia esse tipo de terapeuta popular na comunidade. 

Segundo o Mestre Tio, que reside em Nazareno e que já realizou projetos nas duas comunidades, “por 
alguma  razão  histórica  e  cultural,  talvez,  as  duas  populações  tenham  sofrido  algum  tipo  de 
esquecimento a respeito das tradições culturais de seus ancestrais” (Mestre Tio, em entrevista realizada 
no local de trabalho, em 25/08/2017). Nessa hipótese, podem ser incluídos alguns saberes tradicionais, 
como o próprio Ofício de Capoeira e o Ofício de Raizeiros, além de vários outros. 
Talvez, foi pensando no resgate ou na construção de uma identidade negra das CRQs Palmital e Jaguara, 
que,  há  cinco  anos,  no  dia  20  de  novembro,  é  comemorado  o  Dia  da  Consciência  Negra.  Durante  o 
evento, acontecem apresentações de grupos de congadas da região, rodas de capoeira, degustação de 
comidas típicas e outras manifestações tradicionais afro–brasileiras. 

Na  Comunidade  quilombola  Jaguara  (Figura  6.28),  residem,  aproximadamente,  50  famílias,  o  que 
totaliza cerca de 200 pessoas. As ruas são calçadas e possuem endereço postal. O quilombo não dispõe 
de  tratamento  de  água;  existe  apenas  um  reservatório,  que  armazena  e  distribui  água  para  as 
residências. Não há também rede de esgoto; as casas possuem fossa rudimentar. Os moradores contam 
com  o  serviço  público  de  coleta  de  lixo,  que  ocorre  uma  vez  por  semana.  O  descarte  é  feito  em  um 
pequeno  compartimento  de  metal  destinado  ao  armazenamento  de  resíduos  sólidos,  instalado  nas 
proximidades. 

     

     
Figura 6.28 – Aspectos gerais de infraestrutura da Comunidade de Remanescente de Quilombo Jaguara: 
arruamentos, residências e reservatório de água. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 

112 
 
A  população  trabalhadora  sobrevive  da  renda  nas  lavouras  de  café  e  cana–de–açúcar  das  fazendas 
circunvizinhas. Conforme relatou João Rosa, liderança comunitária, a maioria dos jovens, ao completar a 
maioridade,  sai  da  comunidade  em  busca  de  emprego  nas  cidades  da  região,  permanecendo  no  local 
apenas os mais velhos.  

Assim como no Palmital, no ano de 1997, a Escola Municipal José Vespasiano de Abreu foi desativada, e 
os  alunos  passaram  a  utilizar  o  serviço  de  transporte  escolar  para  transportá–los  até  a  cidade  de 
Nazareno. 

Quanto à parte da saúde institucional, a população conta apenas com os serviços de uma enfermeira e 
um  agente  de  saúde,  que  visitam  a  comunidade  duas  vezes  por  semana.  Problemas  de  saúde  que 
demandam cuidados mais específicos são encaminhados para o hospital da cidade. 

Na  localidade,  existe  uma  igreja  cuja  patrona  é  Nossa  Senhora  do  Carmo  (Figura  6.29).  As  missas  são 
sempre  rezadas  no  terceiro  domingo  de  cada  mês,  e  a  festa  em  homenagem  à  santa  acontece  em 
meados do mês de julho. Entre as festividades, estão: procissão, missas e leilões de prendas. 

   
Figura 6.29 – Igreja de Nossa Senhora do Carmo e seu altar–mor. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

A  comunidade  Palmital  possui  cerca  de  18  casas  e  30  famílias,  totalizando,  aproximadamente,  100 
pessoas.  A  população  sobrevive  do  trabalho  nas  lavouras  de  milho  e  café  e  do  cultivo  de  hortas 
comunitárias e criação de pequenos animas, de onde retiram sua subsistência, como criação de galinhas 
e porcos. 

Lá,  existem  uma  capela  em  homenagem  a  São  Sebastião  (Figura  6.30),  um  campo  de  futebol  e  um 
prédio  onde,  até  o  ano  de  1997,  funcionou  a  Escola  Municipal  Padre  Antônio  dos  Santos.  A  antiga 
escola,  que  os  moradores  denominam  de  “grupo”,  passou  a  ser  utilizada  como  local  para  reuniões. 
Atualmente, existe um ônibus que transporta os alunos até as escolas localizadas na sede do município. 

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Figura 6.30 – Igreja de São Sebastião, na Comunidade de Remanescente de Quilombo Palmital. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Existe uma capela cujo padroeiro é São Sebastião, mas as missas são rezadas apenas uma vez por mês. 
Não há uma praça, apenas um campo de futebol, que é usado pelos jovens. A rua principal que corta a 
comunidade  assim  como  as  vias  secundárias  não  são  calçadas.  Os  moradores  contam  com  o  serviço 
público  de  coleta  de  lixo,  que  ocorre  uma  vez  por  semana.  Para  o  descarte,  foi  instalado,  próximo  ao 
campo, um pequeno compartimento de metal, destinado a armazenar os resíduos sólidos (Figura 31). 

    
Figura 6.31 – Aspectos gerais da comunidade: residências, área para deposição de lixo doméstico e 
campo de futebol. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Percebeu–se que ambas as comunidades, além de ocuparem terrenos acidentados, estão em territórios 
limiares; ou seja, fazem fronteira com outros municípios. Parte do território da Comunidade Quilombola 
Palmital  encontra–se  no  município  de  Nazareno  e  a  outra,  no  município  de  Conceição  da  Barra  de 
Minas. E o único marco físico que delimita os municípios é o córrego Palmital, que corta a comunidade. 
Os moradores não apenas se sentem pertencentes ao município de Nazareno, como também utilizam os 
serviços públicos oferecidos por esse município (Figura 6.32). 

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Figura 6.32 – O córrego Palmital, localizado após o poste, é uma referência de lugar que define as 
fronteiras da comunidade. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Durante uma das visitas realizadas à Comunidade Palmital, no final da tarde de 25 de novembro 2017, 
cujo objetivo era conversar com algumas quitandeiras do lugar, presenciou–se a chegada do ônibus que 
transportava trabalhadores, mulheres, homens e jovens da lavoura de café das fazendas vizinhas.  

Nesse  dia,  não  foi  possível  realizar  as  entrevistas,  pois  já  era  fim  de  tarde,  e  elas  alegaram  que 
precisavam organizar os afazeres domésticos. Foi preciso, então, retornar no outro dia, sábado, quando  
foi  possível  realizar  uma  entrevista  com  a  quitandeira  Maria  Aleluia,  que  falou  sobre  o  Ofício  de 
Quitandeira e também de Raizeira. 

Na  comunidade  do  Palmital,  foram  feitos  contatos  com  as  quitandeiras  Aparecida  Jacinta,  conhecida 
como  Cidinha  e  vice–presidente  da  Associação  de  Moradores;  sua  irmã,  Francisca  Hosana,  Chiquita,  e 
Maria Aleluia, conhecida por Tutuca (Figura 6.33). 

Cidinha  e  Chiquita  nasceram  e  foram  criadas  na  localidade.  Aproximaram–se  do  ofício  de  quitandeira 
ainda  crianças,  vendo  sua  mãe  preparando  as  merendas.  A  produção  destinava–se  ao  consumo  da 
família e, também, ao aproveitamento dos insumos produzidos nas roças.  

Era comum, segundo as informantes, plantar a mandioca e fazer o próprio polvilho, assim como usar o 
tuba do milho que eles plantavam. Também consumiam ovos e banhas da criação de galinhas e porcos. 

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Figura 6.33 – Casa onde nasceram as quitandeiras Cidinha e Chiquita. Hoje é usada apenas como apoio 
para guardar alimentos destinados aos pequenos animais que criam (galinhas e porcos) e também para  
fazer quitandas. Elas residem ao lado, em casa de alvenaria, com paredes revestidas. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Além disso, aproveitam–se as frutas da época (manga, goiaba e laranja) para fazer doces. Ao invés do 
uso do açúcar refinado comercializado na cidade, as quitandas eram temperadas com garapa retirada da 
cana. No  comércio da cidade, só buscavam sal e  o bicarbonato; o restante dos ingredientes utilizados 
nas quitandas eram oriundos da produção agrícola familiar. 

Nessa  época,  durante  a  convivência  com  a  mãe  no  preparo  de  quitandas,  as  crianças  não  atuavam 
diretamente na preparação das rosquinhas, broas e biscoitos. A função delas era pegar lenha na mata, 
para  alimentar  o  forno  de  varrer  (uma  adaptação  do  cupinzeiro),  pegar  água  do  córrego  e  limpar  os 
utensílios:  “Só  depois  que  a  gente  fazia  isso,  é  que  mãe  deixava  a  gente  enrolar  a  massa  e  pôr  nos 
tabuleiros  para  assar”  (Cidinha  e  Chiquita,  em  entrevista  realizada  na  comunidade  Palmital,  em 
26/08/2017). 

O modo de transmitir o ofício de quitandeira segue a lógica do aprendizado entre mulheres de um grupo 
familiar,  geralmente  entre  mãe  e  filhas.  Assim,  não  foi  diferente  com  as  quitandeiras  da  comunidade 
quilombola.  “Ela [a mãe]  nunca falou  assim ‘vem cá, que eu vou ensinar vocês isso e aquilo’. A gente 
sempre teve curiosidade para aprender”, ressaltaram as informantes. 

Tutuca, por sua vez, afirmou que, embora tenha ficado sem mãe ainda criança, lembra–se de observá–la 
fazendo as quitandas, e que já a ajudava nos preparos. Destacou ainda que, na época, a vida era difícil, e 
vários alimentos eram produzidos pela própria família, como fubá, polvilho e melado de cana: 

   “Como  não  existia  açúcar,  quer  dizer,  tinha,  mas  a  gente  não 
tinha  dinheiro  pra  comprar,  então,  nosso  pai  moía  a  cana  para 
fazer  garapa  e  depois  fazia  o  melado  e  a  rapadura.  Era  com  isso 
que  mãe  adoçava  as  quitandas.  Também  se  fazia  o  próprio 

116 
 
polvilho. Plantava a mandioca, esperava ela ficar no ponto, depois 
ralava… deixava a massa de molho na água e ia mexendo pra lá e 
pra  cá,  até  aquela  água  branquinha  assentar  no  fundo  da  bacia. 
Mas era preciso trocar a água durante vários dias.” (Maria Aleluia, 
em  entrevista  realizada  na  comunidade  do  Palmital,  em 
26/08/2017). 

A quitandeira Tutuca também relembra que era preciso usar o pilão para transformar o milho em fubá, 
um dos ingredientes básicos utilizado no preparo das merendas. Ela guarda com orgulho o pilão que foi 
esculpido pelo pai, e que era usado no beneficiamento de alguns alimentos; ainda hoje, utiliza–o para 
“socar” café e urucum. Conforme relatou a quitandeira, já apareceram alguns compradores da cidade 
de  Tiradentes  (MG),  interessados  em  comprar  o  utensílio,  mas  ela  não  vende:  “Ele  é  dos  tempos 
antigos”, ressaltou. Entretanto, admitiu que as pessoas, hoje em dia, preferem ir ao mercado pegar as 
mercadorias  prontas.  “Eu  soco  milho  no  pilão  para  fazer  canjica.  Não  existe  nada  melhor  que  uma 
canjica  socada  no  pilão,  uai!  O  gosto  é  diferente.”  (Tutuca,  em  entrevista  realizada  na  residência,  em 
25/08/2017). Um dos motivos pelos quais não se desfaz do instrumento.  

Os tipos de quitandas que aprenderam a fazer com suas mães através da observação sensível, ou seja, 
olhando, sentindo as texturas, os cheiros, e que, até hoje, preparam, são broas de fubá, biscoito de nata, 
biscoito de polvilho, rosquinhas misturadas (farinha e polvilho) e roscas (pães caseiros). Para isso, ainda 
seguem o mesmo modo de fazer aprendido pela linhagem materna. Hoje não usam mais o cupinzeiro 
adaptado  como  forno;  construíram  um  forno  de  varrer,  que  é  uma  versão  inspirada  na  antiga 
tecnologia. 

A quitandeira Tutuca destacou que há dois tipos de fornos: “A gente aqui tem forno de varrer e forno 
sem varrer. O forno de varrer é feito de tijolos, e a gente põe a lenha dentro dele. Já o forno sem varrer 
é um tambor deitado, coberto como barro e a lenha vai por baixo.” (Tutuca, em entrevista realizada na 
residência,  em  25/08/2017).  Acrescentou  que,  para  manusear  o  forno  sem  varrer,  é  preciso  atenção 
redobrada, pois esquenta muito e pode queimar as quitandas (Figura 6.34). 

                          
Figura 6.34 – Forno de varrer e forno de tambor usados para assar quitanda. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

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No  terreiro  da  residência  de  Cidinha  e  Chiquita,  sob  um  “puxado”,  coberto  de  telhas  de  cerâmica  e 
anexo a um pequeno depósito destinado a acomodar ferramentas e insumos para alimentar galinhas e 
porcos, está localizado o forno de varrer. O forno, além de servir para assar as quitandas, é usado no 
preparo  de  outros  pratos,  como  assar  pernil  e  outros  tipos  de  carnes.  A  lenha  usada  no  forno  é 
encontrada,  segundo  elas,  nas  pequenas  matas  que  existem  em  torno  da  comunidade  e  nas  fazendas 
vizinhas.  Um  dado  interessante  observado  é  que  o  forno  de  varrer,  quando  não  está  sendo  utilizado 
para assar quitandas, sua finalidade, serve de abrigo para as galinhas botarem seus ovos. 

Na entrevista, as informantes relataram um episódio mítico  que remete à  memória e à identidade  da 


comunidade, o qual pode estabelecer algum tipo de relação com o ofício de quitandeira. A narrativa que 
ouviam a mãe contar diz respeito à morte de uma escrava que cometeu suicídio nas proximidades. Elas 
afirmaram que, às margens da estrada não pavimentada, que liga a comunidade à cidade Nazareno, na 
Fazenda de Wando, na mata de eucalipto, havia uma cruz (atualmente, destruída pela ação do tempo) 
que teria sido, conforme ouviram sua mãe falar, o local onde a escrava Cipriana suicidou–se:  

“Caminhavam em direção à cidade a senhorinha e a escrava. A dona ia a 
cavalo e a escrava, a pé, conduzindo um baú de roupa na cabeça e um 
balaio de quitanda nos braços. Mamãe falava que o nome da escrava era 
‘Supriana’.  Aí,  foi  a  senhora  disse:  ‘É  para  você  chegar  na  cidade  na 
mesma  hora  que  eu,  se  não  eu  te  mato’.  Aí,  mamãe  contava  que,  no 
lugar que tem a cruz, ela se enforcou com um cipó” (Cidinha e Chiquita, 
em entrevista realizada na comunidade Palmital, em 26/08/2017). 

Enfatizaram  também  que  é  de  costume,  ao  passarem  pelo  lugar,  fazer  o  sinal  da  cruz  em  gesto  de 
respeito.  Segundo  elas,  à  noite,  o  local  é  mal–assombrado:  as  pessoas  ouvem  choros  e  gritos.  Como 
disseram, dona Bárbara, uma parenta que morava na comunidade e que já faleceu, chegou a conhecer a 
escrava  Cipriana.  O  interessante  dessa  história  é  a  relação  que  se  estabelece  com  o  ofício  de 
quitandeira, e que pode ser útil para se pensar sobre a tradição da transmissão desse tipo de saber na 
comunidade. 

Como é de costume, não há, segundo as informantes, uma época específica para fazer quitandas; elas 
servem para complementar as merendas do dia a dia. O sentido atribuído à merenda é semelhante ao 
que comumente se chama de lanche. Porém, em algumas épocas, costuma–se fazer quitandas, como na 
festa do padroeiro São Sebastião, que acontece no mês de janeiro, e na festa da Consciência Negra, em 
novembro.  

Ao  contrário  das  outras  quitandeiras  residentes  na  cidade  de  Nazareno,  que  fazem  quitandas  para 
vender  e  cujos  lucros  complementam  a  renda  da  família,  na  comunidade  Palmital,  as  mulheres  que 
detêm  esse  ofício  apenas  as  fazem  para  o  consumo.  Porém,  durante  as  entrevistas,  elas  deixaram 
evidente  a  vontade  de  fazer  as  quitandas  para  vendê–las  na  feira  da  cidade;  porém,  para  isso, 
precisariam de apoio financeiro, tanto para adquirir os ingredientes como para custear o transporte das 
mercadorias. 

118 
 
Além  do  forno  de  varrer,  há  outros  instrumentos  utilizados  no  preparo  das  quitandas:    gamela,  uma 
espécie de bacia feita de madeira, que serve também para sovar a massa; e tabuleiros feitos de latas e 
cabos de vassouras com um prego em uma das extremidades, para movimentar os tabuleiros no interior 
do forno.  

No preparo dos doces, utiliza–se um fogo de pedra localizado também no terreiro, cujo tamanho já é a 
conta do encaixe dos tachos de alumínio (Figura 6.35). 

    
Figura 6.35 – Tabuleiros feitos de latas, usados para assar quitandas, e fogão de pedra cozinhando doce 
de cidra. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 
6.2.4  OFÍCIO DE RAIZEIRO E RAIZEIRA EM NAZARENO – QUILOMBO PALMITAL 
 Maria Aleluia do Nascimento, 53 anos 

Maria  Aleluia,  conhecida  como  Tutuca,  reside  na  Comunidade  quilombola  desde  que  nasceu  (Figura 
6.36). Além de exercer o ofício de quitandeira, é raizeira e benzedeira na comunidade. Ela aprendeu o 
ofício  de  conhecer  o  poder  das  plantas  do  Cerrado  com  seu  pai,  que  já  faleceu.  “Ele  era  um  grande 
conhecedor ‘das coisas do mato’”, ressaltou.  

Não muito tempo atrás, pelo que a raizeira descreve, quando alguma pessoa da comunidade adoecia, a 
única solução era pedir ajuda ou à benzedeira ou, então, aos raizeiros, que logo faziam os preparos de 
chás,  “fervuras”  e  emplastros  preparados  com  ervas,  folhas  e  raízes  para  auxiliar  no  tratamento  das 
doenças:  

119 
 
 
Figura 6.36 – A raizeira Tutuca ao lado do pilão que usa para descascar arroz e pilar milho e café. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

“Meu pai conhecia muito [sobre as plantas e seus usos]. Eu 
só  conheço  remédio  das  plantas  de  horta,  como  hortelã, 
levanta, puejo, funcho.  Eu também benzo de  mau–olhado, 
quebrante,  espinhela  caída,  cobreiro.  Rezo  muito  ainda.” 
(Tutuca,  em  entrevista  realizada  no  quintal  da  casa,  em 
25/08/2017).   

No entanto, a terapeuta popular se denomina especialista na preparação de um remédio que, segundo 
ela, cura “chiado” que, supõe–se, seja o som ofegante da respiração das pessoas que sofrem de asma ou 
bronquite. Para isso, ela prepara um remédio cujo ingrediente principal é o “umbigo da bananeira”, que 
são as flores da planta. Quando questionada sobre o processo de preparação, ela se esquivou e falou 
que não podia dizer, “senão, perdia as forças do remédio”. 

Esse tipo de precaução é recorrente entre os terapeutas populares, principalmente no que diz respeito à 
transmissão  dos  saberes  de  cura,  o  que  evidencia  o  caráter  mágico–religioso  da  prática.  Na  pesquisa 
realizada  com  as  rezadeiras  de  Cruzeta  (RN)  SANTOS  (2017),  observou–se  que  algumas  delas  não 
ensinavam as rezas de cura para pessoas do sexo feminino, afirmando elas que perderiam as forças de 
suas rezas.  

Pelo  visto,  o  remédio  à  base  do  umbigo  da  bananeira,  elaborado  pela  raizeira,  já  ultrapassou  as 
fronteiras da comunidade. O Diretor de Cultura Mário Carvalho, que acompanhava a equipe durante a 
entrevista,  relatou  o  caso  de  uma  pessoa  da  família  que  tomou  o  remédio  e  ficou  curado.  “Meu 
sobrinho  que  morava  no  Rio  de  Janeiro  e  que  sofria  de  asma  tomou  o  preparo  de  dona  Maria  e  se 
curou.”  (Marinho,  em  depoimento  dado  em  25/08/2017).  Na  ocasião,  a  raizeira  confirmou  o  feito  e 
reafirmou que seu remédio tem curado muitas pessoas. 

120 
 
Esse  tipo  de  discurso  de  pessoas  externas  reforça  o  que  Lévi–Strauss  (1996)  chamou  de  “eficácia 
simbólica”. Para que a cura de algum mal aconteça, é preciso a junção de três elementos: “a crença do 
próprio xamã, a do doente e a do público que também participa da cura” (LÉVI–STRAUS, 1996, p. 207). 
Ou seja, nesse caso, o fato de a raizeira acreditar que suas infusões têm poderes curativos, atrelado às 
expectativas da comunidade e também do enfermo, que acredita ser curado, são imprescindíveis para 
construir as representações sobre o processo de cura. 

Sobre o ofício da benzeção, Tutuca contou que aprendeu as rezas sozinha, sem que outra rezadeira lhe 
ensinasse. E que, só de olhar para alguém com sintomas de “doença de cura”, sabe dizer qual é o tipo de 
mal.  Entre  as  rezadeiras  entrevistadas,  era  recorrente  a  associação  da  origem  do  aprendizado  a  uma 
espécie  de  dom  sobrenatural  (saberes  transmitidos  através  de  sonhos,  visões,  etc.)  que  dispensava 
ensinamentos  sistemáticos  de  outras  benzedeiras  com  mais  experiência  ––  o  que  pode  ser  o  caso  da 
raizeira em questão. 

121 
 
6.2.5  MAPA DOS BENS CULTURAIS DE NAZARENO 

123 
 
6.3  CONCEIÇÃO DA BARRA DE MINAS 

Conceição da Barra de Minas possui atualmente oito patrimônios protegidos pelo tombamento, através 
de decretos municipais; dentre os principais, destacam–se: Igreja Nossa Senhora da Conceição, Igreja de 
Santo  Antônio,  Igreja  de  Nossa  Senhora  do  Rosário  (Figura  6.37)  e  Usina  Hidrelétrica  do  Ribeirão  do 
Canjica. 

                 
Figura 6.37 – Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição (à esquerda), Igreja de Santo Antônio (ao 
centro) e Igreja de Nossa Senhora do Rosário (à direita). 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Existem, aproximadamente, 100 patrimônios inventariados no município, dentre patrimônios naturais, 
bens  imateriais  e  estruturas  arquitetônicas.  Como  patrimônio  natural,  o  Encontro  do  Rio  das  Mortes 
Grande e Rio das Mortes Pequeno é inventariado pelo município. 

Como patrimônios imateriais inventariados em 2007, destacam–se as seguintes manifestações culturais: 
Carnaval,  Semana  Santa,  Festa  de  Nossa  Senhora  do  Rosário,  Lenda  da  Encruzilhada  das  Duas  Cruzes, 
Festa  da  Padroeira  Nossa  Senhora  da  Conceição,  Festa  de  Santo  Antônio  e  Folias  de  Reis.  Em  2009, 
foram  inventariados:  a  Festa  de  São  José  Operário,  Ritos  de  Encomendação  das  Almas,  Forros  de 
Esteiras  e  Balaios  e  Biscoito  Puff  (quitanda).  Os  últimos  bens  inventariados  foram  as  Festas  de  São 
Sebastião e São João Batista, em 2016. A Corporação Musical Nossa Senhora da Conceição, atualmente, 
é  a  única  manifestação  cultural  registrada  em  nível  local.  A  relação  dos  bens  culturais  imateriais 
inventariados pelo Poder Público municipal está disponível no site da Prefeitura Municipal de Conceição 
da Barra de Minas6. 

Do  ponto  de  vista  do  patrimônio  cultural,  Conceição  da  Barra  de  Minas  compõe  o  Circuito  Turístico 
Trilha dos Inconfidentes, que é formado por 20 municípios do Campo das Vertentes. “O circuito oferece 
várias atrações ligadas ao turismo ecológico, de aventura, de gastronomia, de artesanato, arquitetura e 
um acervo artístico e histórico.” (CONCEIÇÃO DA BARRA DE MINAS,  2017) 

No distrito–sede, há três igrejas centenárias: a Igreja do Rosário (Figura 6.38) e a Matriz Nossa Senhora 
da Conceição, datadas do século XIX, e a Igreja Santo Antônio, também do século XIX, que compõem um 
importante acerto do patrimônio arquitetônico e histórico da região. Com exceção das igrejas, uma ou 

                                                            
6
 A relação completa com todos os bens culturais materiais e imateriais inventariados pela Secretaria de Cultura 
estão  disponíveis  para  consulta  no  endereço  eletrônico: 
http://cbm.mg.gov.br/Especifico_Cliente/18557587000108/Arquivos/arquivo/PATRIMONIO_PROTEGIDO_NO_MU
NICIPIO_ATUALIZADA.pd f 

125 
 
outra edificação antiga, espalhada pelo Centro, resiste ao tempo. É o caso da residência da quitandeira 
Inaura Paiva, cujo período de construção remete ao final do século XIX, mais precisamente ao ano de 
1899, conforme placa de identificação afixada na fachada principal. 

 
Figura 6.38 – Igreja de Nossa Senhora do Rosário.  
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

A  Igreja  de  Nossa  Senhora  do  Rosário,  das  três  mais  que  centenárias  existentes  na  cidade,  é  a  mais 
antiga.  “Sua  construção,  promovida  pelos  escravos  negros  que  labutavam  nas  minas  e  fazendas  da 
região, remonta à segunda metade do século XVIII” (GAIO SOBRINHO, 2014, p. 34). Além do patrimônio 
material, representado pelas igrejas e algumas edificações, outras importantes manifestações culturais 
do município são as festas de padroeiros, o Reinado de Nossa Senhora do Rosário e o Congado. 

A festa da padroeira Nossa Senhora da Conceição acontece no dia 8 dezembro, quando se comemora o 
Jubileu  da  Imaculada  Conceição  de  Maria.  Ao  longo  dos  10  dias  da  novena  e  festa,  sobretudo  no  Dia 
Maior, a cidade recebe um grande número de devotos e visitantes. O encerramento da festa é marcado 
pela procissão com a imagem da padroeira percorrendo as principais ruas da cidade. 

No mês de junho, realizam–se os festejos em homenagem a Santo Antônio. Durante os nove dias que 
antecedem  a  festa,  acontecem  novenas  e  leilões  de  prendas  nas  comunidades  rurais.  No  dia  13, 
dedicado ao Santo, a procissão encerra o evento. 

Em setembro, acontece a festa do Rosário (Figuras 6.39 e 6.40). Entre os festejos, estão o Reinado de 
Nossa Senhora do Rosário e o Encontro de Congadeiros, que contam com a participação de vários ternos 
de congadas da região (detalhes no item seguinte). 

126 
 
   
Figura 6.39 – Terno do capitão Vicente Cristino (à esquerda) e capitão Vicente Cristino comandando o 
terno (à direita). 
Fonte: CONCEIÇÃO DA BARRA DE MINAS, 2017. 
 

 
Figura 6.40 – O Cortejo de Reinado pelas ruas da cidade de Conceição da Barra de Minas. 
Fonte: CONCEIÇÃO DA BARRA DE MINAS, 2017. 
 

No  tocante  à  música,  destacam–se  uma  banda,  denominada  Corporação  Musical  Nossa  Senhora  da 
Conceição,  e  pequenos  corais  formados  por  moradores  do  núcleo  urbano  e  da  zona  rural.  Ainda  no 
campo  da  cultura,  ressaltam–se  a  presença  de  Folia  de  Reis,  Malhação  de  Judas  e  Encomendação  de 
Almas. O rito da Encomendação como o próprio nome sugere, é celebrado na intenção das almas e faz 
parte das comemorações em homenagem ao Senhor dos Passos. Acontece à meia–noite da Sexta–feira 
da Paixão para o Sábado de Aleluia, e tem como ponto de partida o portão do cemitério. Em seguida, os 
fiéis seguem em cortejo para as capelinhas dos Passos, onde rezam benditos entoados na intenção das 
almas. As encruzilhadas são outros lugares onde também se costuma rezar para almas.  

De acordo  com os  entrevistados Vicente Cristino e Luiz Romeu,  que, além  de  puxadores  dos benditos 


entoados durante o rito, são congadeiros e dançadores de Folia de Reis, na região, Conceição da Barra 
de Minas e São João Del Rei são os únicos lugares que ainda mantêm essa tradição. Disseram ainda que 
são  convidados  pelo  padre  de  Nazareno  para  conduzirem,  lá,  o  ritual  em  homenagem  ao  Senhor  dos 
Passos. 

127 
 
Na estrutura organizacional do Poder Executivo, há uma Secretaria de Cultura e Turismo encarregada de 
implementar e gerir ações políticas para a preservação do Patrimônio Cultural Material e Imaterial. Uma 
das primeiras medidas da instituição foi elaborar mapeamentos e inventários.  

Em  2003,  foi  criada  a  Lei  de  Tombamento  nº  770,  que  instituiu  as  normas  para  proteção  dos  bens 
arquitetônico, histórico e artístico (como já mencionado anteriormente). No ano de 2005, foi criada a Lei 
de  Registro,  destinada  à  preservação  das  práticas  culturais  imateriais  distribuídas  nas  categorias 
celebrações, saberes e ofícios, expressões e lugares. 

Atualmente, há dois bens culturais imateriais protegidos em nível municipal, respaldados por lei: a Festa 
de Nossa Senhora do Rosário, concluído em 2008, e a Corporação Musical Nossa Senhora da Conceição, 
finalizado  em  2008.  Conforme  se  encontra  disponível  no  site  da  Prefeitura,  no  item  Patrimônio 
Protegido,  é  possível  consultar  os  inventários  de  práticas  culturais  imateriais  mais  significativas  do 
município.  Foram  as  ações  de  inventários,  iniciadas  em  2007,  que  subsidiaram  as  escolhas  e, 
consequentemente, os processos de registros dos bens supracitados, atualmente protegidos. 

Encontram–se em fase de planejamento as diretrizes para dar início às pesquisas que vão respaldar o 
registro da Festa de Santo Antônio. 

6.3.1  CONGADAS DE MINAS – CONGADO NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO 

 Vicente Cirilo Ribeiro, 73 anos 

 Luiz Romeu do Carmo, 61 anos 

Vicente  Cirilo  Ribeiro,  conhecido  como  Vicente  Cristino,  é  natural  de  Conceição  da  Barra  de  Minas  e 
reside  no bairro São José  Operário  (Figura 6.41). Atualmente,  exerce a função de primeiro capitão do 
terno de congado Nossa Senhora do Rosário da cidade. Moram com ele a esposa e duas filhas. Sobrevive 
da renda oriunda da aposentadoria como lavrador. Antes de se aposentar, trabalhava nas fazendas da 
região. 

O  sobrenome  Cristino  faz  referência  à  forma  como  seu  pai  era  chamado.  O  informante  conta  que  a 
relação com o congado é uma herança de família, e que seus pais já dançavam no terno de congado e 
no grupo de Folia de Reis. 

128 
 
 
Figura 6.41 – Vicente Cristino, capitão do terno de congado Nossa Senhora do Rosário, com a farda que 
usa durante as apresentações do grupo. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Vicente  Cristino  cresceu  em  meio  à  congada,  inicialmente  conduzido  pelos  pais;  depois,  seguiu  sua 
trajetória no congado, a partir dos ensinamentos deixados por eles. A relação entre o congado e a folia, 
estabelecida  no  passado,  perdura  até  os  dias  atuais,  o  que  é  perceptível,  pois  grande  parte  dos 
integrantes  do  grupo  de  congado  também  participa  do  grupo  de  folia.  Além  da  aproximação  entre  o 
terno  de  congado  e  o  grupo  de  folia,  há  uma  relação  entre  esses  e  a  banda  de  música.  Trata–se, 
portanto, de referências culturais que reforçam a identidade cultural e o sentimento de pertencimento 
dos moradores ao lugar. 

Vicente Cristino acumula outras funções no campo da cultura e dos saberes tradicionais, que dialogam 
diretamente com as atividades realizadas no terno de congado e na Folia de Reis, que são o ofício de 
benzedor e de tirador de benditos durante a celebração de Encomendação de Almas, que acontece na 
cidade durante a Semana Santa. São saberes transmitidos de gerações passadas, que continuam sendo 
reproduzidos nos dias atuais: 

“Aprendi  a  rezar  nas  pessoas  com  minha  mãe,  Conceição,  que  era 
benzedeira e parteira aqui. Ela me passou as rezas. Eu benzo para erisipela, 
luxação, hemorragia…” [esse tipo de reza, no contexto das curas populares, 
é conhecido  como “tomar sangue de palavras”, e é considerado  uma reza 
forte]7 (Capitão Vicente Cristino, em entrevista realizada na residência, em 
29/08/2017. Grifo nosso). 

Por sua vez, Luiz Romeu do Carmo, conhecido pelo apelido de Lino, ocupa a função de segundo capitão 
do  terno  de  congado.  É  natural  de  Conceição  da  Barra  de  Minas  e  dança  no  terno  e  na  Folia  de  Reis, 
desde criança. Atualmente, é viúvo, pensionista e mora com uma filha. Lino reside no mesmo bairro que 

                                                            
7
 Segundo SANTOS (2016), para as rezadeiras de Cruzeta (RN), as chamadas “rezas fortes” só podem ocorrer em 
momentos de extrema necessidade. 

129 
 
Vicente Cristino, o que, para eles, facilita nas tomadas de decisões relativas ao terno. Os capitães, além 
de  vizinhos,  cultivam  uma  relação  de  amizade  que,  na  concepção  deles,  se  assemelha  a  uma  relação 
afetiva entre irmãos (Figura 6.42). 

 
Figura 6.42 – O segundo capitão, Lino, ao lado do capitão Vicente Cristino. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

A convivência amistosa entre os capitães segue na vida e também na organização do grupo; cada  um 
possui  atribuições  definidas.  O  capitão  Vicente  Cristino  se  detém  na  harmonia  e  estética  musical  do 
grupo,  como  criação  de  cânticos  e  comandos  aos  integrantes  do  terno,  com  auxílio  de  um  apito,  que 
indica o momento de início e parada dos toques dos instrumentos. Além disso, ele resolve as questões 
burocráticas nos órgãos públicos locais, quando é solicitado. Já o capitão Lino se encarrega de resolver 
as questões de logísticas, como transporte, alimentação e, também, de manutenção da ordem do grupo, 
como observar se os integrantes estão fora do terno, consumindo bebida alcoólica: 

“Quando o grupo chega nas cidades para se apresentar, fica sob minha 
responsabilidade  receber  os  ingressos  dos  almoços  e  distribuir  para  os 
integrantes. Depois da apresentação, eu confiro se está faltando alguém. 
Também  fico  de  olho  se  tem  alguém  do  grupo  bebendo  uma  coisa  e 
outra”  (Capitão  Lino,  em  entrevista  realizada  na  residência  do  Capitão 
Vicente Cristino, em 29/08/2017). 

Por  volta  da  década  de  1960,  com  a  morte  do  capitão  Paulo  de  Joana,  o  terno  de  congado  Nossa 
Senhora do Rosário entrou em declínio, permanecendo em atividade apenas o grupo de Folia de Reis. 
Vicente Cristino e seus três irmãos, que, desde criança, dançavam no terno, continuaram na folia.  

Durante  o  período  em  que  o  terno  esteve  fora  de  atuação,  a  festa  do  Reinado  de  Nossa  Senhora  do 
Rosário foi animada pela Corporação Musical Nossa Senhora da Conceição. A banda de música fez, por 
alguns anos, a função do terno de congado, conduzindo o cortejo de reis pelas ruas, durante a procissão. 
Segundo Mazinni, um dia pensou: 

130 
 
“Gente, não  pode, o  terno de congada tem  que voltar. Eu acompanhei 
essa congada desde quando era menina. Mas, quando o capitão faleceu, 
não sei o porquê, o grupo não continuou. Então, eu e Maria José Soares, 
a Zezé, levantamos a congada. Aí, fomos na casa de Vicente Cristino, e 
outros  lembravam  o  terno  antigo.”  (Rosária  Mazinni,  em  entrevista 
realizada na residência, em 29/08/2017). 

Esse  contexto  de  retorno  do  terno  ocorreu  no  início  da  década  de  90,  mais  precisamente  em  1995, 
quando o padre Saulo assumiu a paróquia e, com ajuda da ex–professora e organizadora do Reinado de 
Nossa Senhora do Rosário, Rosária Mazinni, resolveu recriar o congado (Figura 6.43). 
 

 
Figura 6.43 – O capitão Vicente Cristino ao lado de Rosária Mazinni, uma das responsáveis pelo resgate 
do terno de congado e organizadora da festa de Reinado de Nossa Senhora do Rosário. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 
A participação Vicente Cristino foi fundamental nesse processo, já que ele dançou no terno na época em 
que foi extinto; consequentemente, mantinha viva a memória sobre muitos elementos que compunham 
o  grupo,  como  os  tipos  de  vestimentas  (as  fardas),  as  cores  do  terno,  as  músicas  e  os  tipos  de 
instrumentos. Relembra Vicente Cristino que “a farda antiga era composta por calças e camisas brancas, 
chapéus de palhas enfeitados com rosas coloridas e uma espécie de saia azul, acima do joelho”. (Capitão 
Lino, em entrevista realizada na residência do capitão Vicente Cristino, em 29/08/2017). 

Mesmo enfrentando algumas dificuldades materiais, como a falta de recursos para a compra de fardas e 
de instrumentos, em outubro de 1995, o terno de congado Nossa Senhora do Rosário retornou ao posto 
a que tem direito, por tradição, que é conduzir os reis no cortejo durante a festa de Reinado de Nossa 
Senhora do Rosário. 

Portanto,  em  2017,  faz  22  anos  que  o  grupo  está  em  atividade,  e  sob  o  comando  do  capitão  Vicente 
Cristino.  Estar  no  comando  de  um  terno  de  congado  exige  do  líder  várias  funções  ––  uma  delas  é  a 

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composição de músicas, que serão entoadas pelo grupo durante as visitas. Para isso, o capitão Vicente 
Cristino inspira–se nas histórias sobre os escravos nas fazendas da região, que seus pais contavam: 
Negro na senzala chora sem parar 
Negro na senzala chora sem parar 
  Senhora do Rosário foi te abençoar 
  Senhora do Rosário foi te abençoar 
(Vicente Cristino) 

Outras toadas têm como viés principal a representação dos saberes ancestrais dos pretos velhos: 
Bateu na porta, mamãe 
Vai ver que é 
É o preto velho, mamãe 
É o congo, é 
(Vicente Cristino) 

O empenho que o capitão Vicente Cristino destina às práticas culturais antigas vigentes na cidade, como 
é o caso do próprio terno de congado, as folias e a encomendação de almas, a maioria, herança de seus 
ancestrais negros, sugere muito sobre o sentimento de pertencimento à história de seus antepassados. 
Os cânticos entoados no congado são uma pequena prova disso. 

Ao contrário de alguns ternos de congado da região que contam com o incentivo do padre, como é o 
caso do terno de Catupé de Nazareno, em Conceição da Barra de Minas, o terno de congado encontra, 
na figura do padre, um grande incentivador das tradições culturais locais. Conforme entrevista realizada 
na  calçada  de  sua  residência,  ao  lado  da  Igreja  Matriz,  padre  Saulo  confirmou  que,  de  fato,  deu  sua 
contribuição para reavivar o único terno de congado que existia na cidade.  

Quando  chegou  à  cidade,  em  1995,  percebeu  que  a  única  congada  estava  inativa.  Então,  ele  reuniu 
algumas  pessoas,  inclusive  o  atual  capitão  Vicente  Cristino,  juntamente  com  o  Poder  Público,  e  os 
incentivou a dar continuidade. O padre foi o primeiro a doar alguns instrumentos, como a sanfona e as 
caixas,  para  o  grupo  começar.  Dentro  dos  festejos  da  Festa  de  Reinado,  instituiu  a  missa  conga, 
cerimônia solene que conta com a participação do terno de congado. Durante o evento, o grupo adentra 
a igreja, cantando e bailando ao som dos instrumentos, em homenagem a Nossa Senhora do Rosário e 
São Benedito. 

Atualmente, o grupo possui 31 componentes, sendo homens a maioria. Embora os capitães enfatizem, 
por um lado, que não há restrição quanto à participação de mulheres no grupo, por outro, lamentam 
que  apenas  quatro  mulheres  façam  parte  do  grupo.  Lógica  semelhante  também  foi  percebida  nos 
grupos  de  ternos  de  congados  dos  municípios  já  pesquisados.  É  comum  aos  grupos  da  região  que  a 
presença de mulheres se restrinja apenas à função de bandeiras. De acordo com o capitão Lino, o terno 
tem  por  volta  de  quatro  mulheres,  o  que  é  um  número  baixo  quando  se  leva  em  consideração  o 
restante do grupo.  

Outro fato que os capitães veem com tristeza é a ausência de jovens e, sobretudo, o desinteresse deles 
em  participar  do  terno.  Segundo  Vicente  Cristino,  os  dançadores  estão  morrendo,  e  seus  lugares  no 
grupo não são ocupados; com isso, a tendência é enfraquecer. Lamentou, também, a ausência de dois 

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irmãos que dançavam no terno e que morreram, deixando vagos seus cargos, que, até hoje, continuam 
abertos,  como  externou  o  capitão.  No  entanto,  os  líderes  enfatizaram,  com  ar  de  alegria,  o  fato  de 
terem dois netos que, mesmo sendo crianças, já o acompanham nas saídas do terno.  

Desde  o  momento  que  recriaram  o  terno,  há  22  anos,  as  vestimentas  passaram  por  algumas 
modificações. Alguns anos, saíram usando calças e camisas brancas, com coletes coloridos e chapéus de 
palha enfeitados com flores. Para economizar custos, mudavam–se os coletes, que, ano a ano, variavam 
de cores. Contudo, há alguns anos, o grupo decidiu que a farda do terno seriam calças brancas, camisa 
azul  e  chapéu  comum,  sem  enfeites.  O  que  permaneceu  foram  os  trajes  do  primeiro  capitão,  que 
continuam sendo calças brancas, paletó azul–dourado e chapéu–boina também azul com brilhos.  

Em relação aos instrumentos, alguns permaneceram, como é o caso do reco–reco de bambu, a sanfona 
e  os  surdos  (caixas  –  Figura  6.44).  Os  reco–recos  são  confeccionados  artesanalmente  pelos  próprios 
congadeiros;  outros  foram  sendo  introduzidos  ao  longo  dos  anos,  como  o  afoxé,  talvez,  por  doações 
recebidas de terceiros. Apesar de o grupo não ter sede própria, é registrado e possui um estatuto. 

     
Figura 6.44 – Capitão Vicente Cristino expondo o reco–reco, instrumento que toca durante as saídas do 
terno. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Na cidade, o terno costuma apresentar–se durante a Festa de Santo Antônio, no mês de junho, quando 
é  oferecido  um  almoço  aos  congadeiros,  e  no  Reinado  de  Nossa  Senhora  do  Rosário,  no  mês  de 
setembro. Na festa de Reinado de outras localidades, vinham também participar dos festejos. É quando 
acontece, portanto, o encontro de congadas. 

Um fato curioso que merece destaque é a relação de proximidade e de trocas entre o terno de congado 
e o grupo de Folia de Reis da cidade. Como mencionado anteriormente, muitos dos integrantes do terno 
participam  da  folia,  e  vice–versa.  Vicente  Cristino  contou  que,  há  uns  20  anos,  quando  Orlando 
Marcelino, líder do grupo de Folia de Reis estava prestes a falecer, foi visitá–lo no hospital, e, no leito de 
morte, ele lhe pediu que desse continuidade à tradição. “Graças a Deus, até hoje, a folia tá de pé. Não 

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deixei  ela  acabar.”  (Vicente  Cristino,  em  entrevista  na  residência,  em  29/08/2017).  Assim,  segue  o 
capitão, acumulando a dupla jornada de comandar o terno e o grupo de folia juntamente com o amigo 
Lino.  

Em Conceição da Barra de Minas, a festa de folia ocorre em dois períodos distintos: de 25 de dezembro 
a  6  de  janeiro,  a  Folia  de  Reis,  cujas  intenções  e  devoções  são  em  homenagem  ao  nascimento  do 
Menino  Jesus  e  aos  Reis  Magos;  entre  os  dias  7  e  20  do  mês  de  janeiro,  acontece  a  Folia  de  São 
Sebastião. Parece tratar–se de dois grupos distintos, mas é apenas um; o que muda são os santos que 
recebem as homenagens. 

O capitão Lino, que já protagonizou o bastião, personagem da Folia de Reis, comentou que “o bastião 
usa máscara e se traja de vermelho, e é quem comanda o grupo. Ele vai na frente do grupo, segurando a 
bandeira de São Sebastião. Chega nas casas e pede licença, canta e pede dinheiro.” (Lino, em entrevista 
realizada na residência de Vicente Cristino, em 29/08/2017). 

Para  os  capitães  do  terno  de  congado  Nossa  Senhora  do  Rosário,  o  maior  problema  enfrentado  pelo 
grupo nos dias atuais é a falta de interesse dos jovens, homens e mulheres em participar dos festejos de 
congada.  Lamentam  que  já  estão  idosos,  assim  como  a  maioria  dos  integrantes,  e  que  precisam  de 
pessoas mais novas para dar continuidade à tradição. Ao mesmo tempo, eles reconhecem que a cidade 
tem poucos jovens; a maioria vai para as cidades vizinhas em busca de trabalho. Contou Vicente Cristino 
que  já  marcou  uma  reunião  com  o  padre  Saulo,  para  discutirem  essa  questão.  “Já  marquei  uma 
conversa com o padre, para falar sobre esse problema. Quem sabe ele não junta uns jovens para a gente 
ensinar a eles dançar congado”, afirmou preocupado o capitão do terno. 

A  respeito  da  existência  de  possíveis  impactos  do  empreendimento  sobre  o  terno  de  congado,  os 
capitães não conseguiram mensurar interferências diretas. Porém, foram unânimes em afirmar que se, 
durante a construção das torres, houver a possibilidade de criar postos de trabalhos para empregar os 
jovens da cidade, seria um impacto positivo. 

Vale  destacar,  também,  que  uma  cidade  do  porte  de  Conceição  da  Barra  de  Minas,  com 
aproximadamente 4 mil habitantes, onde grande parte da população se conhece, pode ser afetada de 
forma grave, com a permanência, mesmo que temporariamente, por pessoas estanhas ao local, durante 
a  construção  da  obra.  Serviços  públicos,  como  saúde,  educação,  lazer  e  habitação,  que  atendem  de 
forma mínima a população local, tenderão a entrar em colapso. 
6.3.2  OFÍCIO DE QUINTANDEIRAS 

 Inaura de Oliveira Paiva, 80 anos 

 Mário Lúcio de Oliveira Paiva, 62 anos 

 Cláudia Lins Almeida, 46 anos 

 Mariana Tobias de Carvalho, 78 anos 

O ofício de quitandeira e quitandeiro de Conceição da Barra de Minas é diverso e envolve a participação 
de  homens  e  mulheres.  De  acordo  com  os  depoimentos  dos  detentores  da  prática,  o  ofício  de 

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quitandeira,  tradicionalmente,  mobiliza  não  apenas  os  adultos  em  torno  do  fazer  quitandas,  como 
também as crianças. Talvez pelo fato de ser uma prática realizada no espaço doméstico, o comum seja 
associá–la apenas ao repertório de atividades culturalmente atribuído às mulheres. 

O  homem,  nesse  caso,  participou  ou  participa  do  ofício  indiretamente,  na  fabricação  dos  fornos  e 
cortando a lenha, por exemplo. Porém, há situações em que a generalização dá lugar à especificidade, 
como  é  o  caso  de  Mário  Lúcio,  filho  da  quitandeira  Inaura,  que  atualmente  dá  continuidade  ao  ofício 
(Figura 6.45). Embora o exemplo supracitado seja oportuno para pensar sobre transformações em torno 
do ofício, ou seja, a participação de quitandeiro, o mais comum ainda é a predominância da figura da 
mulher no preparo de quitandas.  

 
Figura 6.45 – A quitandeira Inaura e o quitandeiro Mauro (mãe e filho). 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Na  cidade,  foram  realizadas  entrevistas  com  três  quitandeiras  e  um  quitandeiro,  que  aprenderam  o 
ofício ainda  quando criança. Ao mesmo tempo  em  que dão  continuidade à tradição, retiram  parte do 
sustento  da  família  das  quitandas  que  produzem  de  modo  artesanal,  conforme  os  ensinamentos  que 
lhes foram passados. Inaura de Oliveira, Mário Lúcio, Cláudia Lins e Mariana foram os quitandeiros, que 
serão apresentados a seguir. 

A quitandeira Inaura de Oliveira Paiva é natural do município vizinho de São João Del Rei, e criou–se na 
zona  rural  de  Conceição  da  Barra  de  Minas.  Quando  se  casou,  em  1948,  foi  residir  na  cidade.  É  viúva 
aposentada  e  ex–professora.  Atualmente  destina  parte  das  instalações  de  sua  residência  para  abrigar 
uma  hospedaria.  O  imóvel,  cuja  construção  remete  ao  final  do  século  XIX,  é  protegido  por  legislação 
específica  municipal  (Lei  de  Tombamento  no  770,  de  2003)  desde  o  ano  de  2007,  assim  como  outros 
bens arquitetônicos locais. 

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Assim como ocorreu com outras quitandeiras cujo aprendizado do ofício se deu através da convivência 
com  entes  familiares,  com  Inaura  não  foi  diferente.  A  presença  da  figura  materna  foi  crucial  na 
transmissão dos saberes sobre as quitandas. “Nasci e me criei vendo minha mãe fazendo quitandas na 
roça. Eu tanto via como ajudava ela a amassar. Desde pequena que a gente ajudava. Todos ajudavam, 
meninos e meninas.” (Inaura Paiva, em entrevista realizada na residência, em 28/08/2017). 

Assim como sua mãe envolvia todos os filhos na produção das quitandas, a quitandeira Inaura, após se 
casar e constituir família, também o fez com seus 10 filhos. Seu filho Mário Lúcio, quitandeiro, diz que o 
saber foi transmitido de geração para geração:  

   “Ela  passou  essa  tradição  pra  gente.  Desde  criança  que  nós  ajudávamos    ela  a 
fazer quitandas. Era um dia de festa. A gente aprendia brincando. Não tinha essa 
história  de  ser  só  as  meninas  que  ajudavam  na  cozinha;  os  meninos  também 
punham as mãos na massa“ (Mário Lúcio, em entrevista realizada na residência de 
Inaura, em 28/08/2017). 

Nessa  época,  conforme  destacou  a  quitandeira,  era  dedicado  um  dia  da  semana  para  fazer  quitandas 
suficientes  para  o  consumo  da  família,  por  aproximadamente  um  mês.  Como  não  existia  padaria,  os 
alimentos  consumidos  no  café  da  manhã  e  nos  horários  de  merenda  (lanche)  eram  quitandas.  Era 
comum, portanto, fazer uma grande variedade de biscoitos e rosquinhas e armazená–los em recipientes 
de latão.  

De  acordo  com  a  quitandeira  Inaura,  as  quitandas  que  se  costuma  fazer,  e  que  se  faz  até  hoje,  eram 
biscoito misturado, rosquinhas de nata, pão de queijo, biscoito quebra–quebra, torradinhas, biscoito de 
polvilho, broas de fubá e roscas (pães caseiros) (Figura 6.46). Com exceção dos biscoitos e rosquinhas, 
que podem ser conservados por alguns meses, desde que bem acondicionados em latas, as broas e as 
roscas precisam ser consumidas em poucos dias, pelo fato de serem mais perecíveis. 

    
Figura 6.46 – A quitandeira Inaura expondo suas quitandas: rosquinhas de nata, e o biscoito quebra–
quebra. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 
 

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Embora tenha aprendido todas essas receitas na prática, a quitandeira não hesitou em registrá–las em 
cadernos de receitas (Figura 6.47). Segundo ela, é uma forma de perpetuar a tradição, para que outras 
pessoas possam aprender o ofício. 

    
Figura 6.47 – A quitandeira Inaura expondo seus cadernos de receitas. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 
Na dinâmica de transmissão do ofício de quitandeira, o mais comum é que o aprendizado ocorra entre 
as mulheres, sobretudo que mantenham algum tipo de vínculo consanguíneo, como avós, mães e filhas. 
Os  saberes  também  podem  se  dar  pela  convivência  entre  parentes,  por  afinidades,  como  vizinhas  e 
comadres, que dominam a prática. 

Em termos culturais a proximidade  que o ofício mantém  com o espaço doméstico, já que cozinha é o 


lugar  de  amassar  as  quitandas,  talvez  tenha  contribuído  para  reforçar  o  sentido  de  que  o  ofício  de 
quitandeira é realizado apenas por mulheres. No entanto, o contexto da quitandeira Inaura foge à regra, 
já que, apesar de ter filhas, a responsabilidade de dar continuidade ao ofício está a cargo do filho Mário 
Lúcio.  

É possível perceber, nas falas dos informantes, a estreita relação entre festas e quitandas. Costumava–
se,  até  pouco  tempo  atrás,  servir  as  merendas  nas  festas  de  casamento.  “Quando  os  noivos  e  os 
convidados chegavam da igreja, após a cerimônia de casamento, a mesa já estava posta com quitandas 
de  todo  tipo”,  ressaltou  a  quitandeira  Inaura.  Apesar  de  essa  prática  não  estar  mais  em  voga  na 
localidade,  as  quitandas  ainda  continuam  sendo  sinônimo  de  festa:  “Agora,  no  Natal  e  nas  festas  de 
padroeiros, a gente capricha nas quitandas, para receber os familiares que moram fora. Por exemplo, a 
família chega aqui, e não pode faltar biscoito de fubá, quebra–quebra e pão de queijo.” (Mário Lúcio, 
em entrevista realizada na residência, em 28/08/2010). 

A  residência  dos  quitandeiros  Inaura  e  Mário  Lúcio  possui  uma  cozinha  exclusiva  para  o  preparo  das 
merendas,  equipada  com  um  forno  elétrico  semi–industrial,  mesa  de  madeira,  armário,  tabuleiros  e 
outros utensílios utilizados nas preparações artesanais de quitandas, como bacias e latas destinadas ao 
armazenamento  dos  biscoitos  (Figura  6.48).  Embora  a  maior  parte  das  quitandas  seja  destinada  ao 
consumo da família, a quitandeira Inaura afirma que costuma servir quitandas, no café da manhã, aos 
poucos hóspedes que utilizam os serviços de seu estabelecimento. 

137 
 
    

 
Figura 6.48 – Vista interna da cozinha onde são preparadas as quitandas, com destaque especial para o 
forno elétrico. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Por outro lado, o quitandeiro Mário Lúcio, que já produz algum tipo de quitanda para atender a algumas 
encomendas de merendas que surgem, planeja, quando obtiver a aposentadoria por tempo de serviço, 
incrementar os negócios das quitandas, passando a produzi–las para vender na forma pronta entrega. 

A respeito dos ingredientes utilizados nas quitandas, os quitandeiros ressaltaram que atualmente quase 
todos  são  encontrados  nos  mercados,  como  farinha,  fubá,  polvilho,  açúcar  e  sal  amoníaco.  Porém  o 
leite,  a  nata,  a  banha  de  porco  e  os  ovos  ainda  são  produzidos  na  roça,  comprados  dos  produtores 
rurais. 

A quitandeira Cláudia Lins, natural de  Conceição da Barra de  Minas, logo cedo, aos 12 anos de idade, 


começou a cozinhar, na cidade de São João Del Rei. Relatou que aprendeu a cozinhar em casa de família, 
onde  trabalhou  por  12  anos.  Saiu  de  lá  aos  24  anos,  quando  se  casou  (Figura  6.49).  No  seu  local  de 
trabalho,  não  havia  o  hábito  de  fazer  quitanda,  e  sua  aproximação  a  quitandeiras  não  está 
necessariamente  associada  à  sua  vivência  com  parentas  ou  vizinhas  que  dominavam  os  saberes  do 
ofício. 

138 
 
 
Figura 6.49 – A quitandeira Cláudia durante a entrevista concedida à equipe de pesquisa. 
Fonte: Equipe Biodinâmica, 2017. 
 

As  únicas  memórias  que  ela  guarda  das  quitandas  são  as  de  quando  saía  com  sua  avó  para  pedir 
esmolas pelas comunidades rurais. As pessoas ofereciam quitandas, e geralmente as merendas estavam 
acondicionadas  em  latas.  Até  hoje,  comenta  a  quitandeira,  que  geralmente  associa  merendas  a  lata. 
Outro fato  marcante no imaginário  da quitandeira  se seu quando ela era  criança, ao acompanhar sua 
mãe em uma festa de casamento na cidade:  

“Quando  eu  era  criança,  aqui,  costumava  oferecer  quitandas  nas  festas  de 
casamento.  Juntavam  duas  mesas  e  arrumava  as  quitandas.  Eu  lembro  que, 
quando  criança,  minha  mãe  levava  a  gente  nessas  festas.  Então,  eu  ficava 
curiosa,  olhando  aquilo”  (Cláudia,  em  entrevista  realizada  na  residência,  em 
29/08/2017). 

Por várias vezes, tentou–se questioná–la na tentativa de mapear a origem dos saberes que ela detém 
sobre o ofício, mas a conclusão a que se chegou é que o aprendizado se deu, como ela enfatizou, por ela 
ser  curiosa.  “Foi  por  curiosidade  gostar  de  cozinhar.  Não  tive  uma  pessoa  que  me  ensinou  a  fazer 
quitandas. Desde que casei, comecei a fazer para o consumo de casa, e só muito depois é que passei a 
fazer para vender” (Cláudia, em entrevista realizada na residência, em 29/08/2017). 

A  quitandeira  Cláudia  reside  na  cidade  de  Conceição  da  Barra  de  Minas  há  apenas  três  meses;  antes, 
residiu  em  São  João  Del  Rei,  onde  morou  por  vários  anos.    Residem  na  cidade  ela  e  o  marido,  que 
trabalha de pedreiro. O filho e as duas filhas são casados e residem em outras regiões. Trabalhou como 
cozinheira no restaurante de uma empresa de beneficiamento de madeira de eucalipto, onde cozinhava 
para  os  funcionários.  Nessa  época,  já  fazia  quitandas  para  vender  aos  trabalhadores  (Figura  6.50); 
paralelamente à atividade principal, também desempenhava o ofício de quitandeira. Após ser demitida 
do emprego, em 2015, passou a fazer as quitandas e vender nos distritos próximos, com o marido:  

139 
 
“Na  verdade  eu  iniciei  o  negócio  fazendo  pizzas,  bolos,  doces;  depois,  fui 
inventando.  Aí,  um  dia,  resolvi  fazer  quitandas.  Comecei  com  rosquinhas  de 
nata,  roscas,  biscoito  de  fubá.  De  repente,  eu  fiz  várias  coisas,  coloquei  no 
carro  e  saí.  E  deu  certo”  (Cláudia,  em  entrevista  realizada  na  residência,  em 
29/08/2017). 
 

    
Figura 6.50 – As quitandas de Cláudia (rosquinhas de nata e roscas) acondicionadas em sacos plásticos, 
prontas para serem comercializadas. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Depois de alguns meses, resolveu legalizar a empresa, nomeando–a de “Quitanda Caseira da Cláudia”. 
Embora  não  tenha  mais  residência  em  São  João  Del  Rei,  ela  contou  que  continua  abastecendo  alguns 
distritos com as quitandas. Na atual moradia, a quitandeira recebe encomendas, cuja  medida é a  lata 
(Figura  6.51);  ou  seja,  cada  lata  custa  cerca  de  40  reais  para  o  consumidor  final:  “Aqui,  as  pessoas 
preferem  quitandas  de  balde.  Como  quase  não  existe  mais  lata  de  latão,  eu  compro  a  manteiga  nos 
baldes  e  uso  como  medida–padrão  para  entregar  as  quitandas.”  (Cláudia,  em  entrevista  realizada  na 
residência, em 29/08/2017) 

 
Figura 6.51 – As latas (baldes de plásticos) que são usadas como medida–padrão de comercialização de 
quitanda. Cada balde de quitanda (biscoitos) custa 40 reais. Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 

140 
 
Ela  contou  que,  embora  as  encomendas  sejam  menores  que  as  de  São  João  Del  Rei,  em  épocas  de 
festas,  as  vendas  costumam  aumentar.  Nos  períodos  festivos,  as  famílias  costumam  receber  parentes 
que residem em outras localidades ou visitar a cidade para festejar e rever os amigos. Esse fato contribui 
para o aumento das vendas das merendas; consequentemente, também, para a valorização do ofício de 
quitandeira. 

Tanto nas falas de Inaura e de Mário Lúcio, quanto na de Cláudia, percebeu–se a necessidade de manter 
uma autenticidade das quitandeiras. O fato de as iguarias serem produzidas de forma artesanal não é 
suficiente para que sejam quitandas legítimas. É preciso mais que isso; por exemplo, que sejam assadas 
em forno a lenha, e que os ingredientes provenham da roça, principalmente os ovos, o leite e a nata. 
Segundo eles, quitandas amassadas com leite processado e creme de leite, este usado em substituição a 
nata,  não  ficam  com  o  mesmo  sabor.  Para  alguns  tipos  de  biscoitos,  tais  mudanças  não  funcionam; 
acabam  comprometendo  o  sabor,  que  logo  é  percebido  pelo  apreciador  de  quitandas.  No  entanto,  o 
discurso muitas vezes não condiz com a prática, já que algumas mudanças impostas são inevitáveis.  

No  caso  da  quitandeira  Cláudia,  algumas  mudanças  foram  mantidas,  outras,  não.  Em  relação  aos 
ingredientes,  ainda  consegue  usar,  em  suas  receitas,  alguns  insumos  que  encontra  na  própria 
comunidade, como ovos caipira, leite cru e nata, produtos que são adquiridos dos produtores locais. Já 
no modo de assar as quitandas, optou pelo uso do forno a gás, atendendo ao item praticidade. 

Observou–se,  também,  que,  diferentemente  do  passado,  o  preparo  de  quitandas,  atualmente,  não 
reúne  mais  um  número  expressivo  de  pessoas,  como  relataram  a  quitandeira  Inaura  e  o  filho  Mário 
Lúcio. Tornou–se uma atividade que conta apenas com a presença de uma ajudante. 

Durante a visita à casa da quitandeira Cláudia, foi possível fazer tal constatação, haja vista que ela estava 
sozinha,  preparando  as  fornalhas  de  rosquinhas  (Figura  6.52).  “Eu  já  estou  acostumada  a  trabalhar 
sozinha; desde que comecei, é assim. Minhas filhas nunca gostaram de ajudar” (Cláudia, em entrevista 
na  residência,  em  29/08/2017).  Além  de  presenciar  o  processo  de  assar  as  quitandas,  foi  possível 
acompanhar Cláudia ensacando os biscoitos, prontos para serem vendidos. 

                        
Figura 6.52 – A quitandeira Cláudia ao lado do forno a gás e a fornalha de rosquinhas. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 
 

141 
 
Assim  como  a  característica  “curiosidade”  justifica  o  aprendizado  da  quitandeira  Cláudia,  a 
“necessidade” pode ter sido, em outras circunstâncias, importante para definir o conhecimento sobre o 
ofício de quitandeira de Marina Tobias de Carvalho, natural de São Tiago (MG), aposentada e mãe de 11 
filhos (Figura 6.53). Residente na cidade de Conceição da Barra de Minas há 20 anos, viveu grande parte 
de sua vida trabalhando com o marido, nas fazendas da região. Ambas as quitandeiras moram no bairro 
São José Operário. 

 
Figura 6.53 – A quitandeira Marina. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 
Sua primeira aproximação com o fazer quitandas se deu quando ela ainda era criança, na convivência 
com sua mãe, que preparava as iguarias no forno  de  cupim; no entanto, ela só se  tornou quitandeira 
quando  passou  a  trabalhar  nas  fazendas.  Segundo  ela,  nessa  época,  sua  mãe  assava  as  quitandas  no 
“forno de cupim”, que utilizava o cupinzeiro (Figura 6.54). Ainda não era o “forno de varrer”, que é feito 
de  tijolos  e  barro.  Para  ela,  esse  tipo  de  forno  foi  aparecendo  à  medida  que  a  posse  das  pessoas  ia 
aumentando.  

 
Figura 6.54 – Cupinzeiro que, antigamente, era usado como forno para assar quitandas. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

142 
 
Geralmente,  de  acordo  com  o  que  se  observou  nos  relatos  de  algumas  quitandeiras  pesquisadas,  as 
experiências partilhadas com outras mulheres mais velhas da família foram fundamentais para justificar 
a continuidade do ofício nos dias atuais. No caso da quitandeira Marina, mesmo que tal característica 
seja importante, não define na totalidade sua inserção no contexto do ofício de quitandeira. 

Para  ela,  o  elemento  crucial  foi  a  “necessidade”:  “Eu  comecei  a  fazer  biscoito  por  necessidade”, 
enfatizou várias vezes durante sua fala. Na verdade, Marina só se percebeu quitandeira, de fato, quando 
começou  a  ser  chamada  pelas  mulheres  dos  fazendeiros  para  trabalhar  fazendo  quitandas;  a 
remuneração era por dia trabalhado. Porém, enfatizou a quitandeira, sua relação de trabalho doméstico 
em fazendas não começou após o casamento. Antes, ainda com 8 anos de idade, teve início sua jornada 
de trabalho nas cozinhas dos fazendeiros: 

“Eu e meu marido toda vida trabalhamos nas fazendas. Então, foi lá que aprendi a 
fazer  os  biscoitos  com  outras  mulheres.  Por  isso,  falo  que  foi  por  necessidade. 
Então, nos momentos de  dificuldades,  comecei a fazer quitandas para vender, e 
até hoje faço.” (Marina, em entrevista realizada na residência, em 29/08/2017) 

A  quitandeira  Marina,  até  hoje,  complementa  a  renda  familiar  com  as  encomendas  de  quitandas  que 
recebe  semanalmente.  Assim  como  os  outros  quitandeiros,  Inaura,  Mário  Lúcio  e  Cláudia,  ela  afirma 
que, nos períodos de festas, como Natal, carnaval, Semana Santa e festas de padroeiras, as encomendas 
aumentam significativamente. Relembrou a quitandeira, com ar nostálgico, que, tempos atrás, foi muito 
solicitada para preparar quitandas para festas de casamento: 

“Eu, mesmo morando na roça, era chamada para preparar as quitandas  de festa 
de casamento aqui na cidade. Tinha vez de eu ir pra casa da noiva, uma semana 
antes do casamento, só para preparar os biscoitos e as rosquinhas. Antigamente, 
era  comum  oferecer  café  com  quitandas  durante  a  festa.  Nessa  época,  as 
quitandas eram assadas em fornos de varrer.” (Marina, em entrevista realizada na 
residência, em 29/08/2017) 

Como era de costume, segundo a quitandeira, os noivos se casavam pela manhã e, no retorno para casa, 
era oferecido aos convidados um café com quitandas; depois, era servido o almoço. No meio da tarde, 
tornavam  a  servir  quitandas.  Às  vezes,  no  meio  da  noite,  ainda  serviam  uma  última  remessa  de 
merendas. 

Mesmo não dispondo de forno de varrer no quintal, a quitandeira Mariana aderiu ao forno de tambor. 
Nas palavras dela, é a versão mais recente dos fornos de assar quitandas artesanais. Se o forno de cupim 
era uma versão arcaica do forno de varrer, consequentemente, o forno de varrer é uma versão antiga 
do forno de tambor (Figura 6.55). Este forno, como o próprio nome sugere, é a adaptação feita de um 
barril  de  metal,  com  capacidade  para  200  litros,  para  assar  quitandas.  A  adequação  consiste  na 
colocação  de  grelhas  internas,  que  são  afixadas  longitudinalmente,  para  acomodar  os  tabuleiros,  e 
também de uma abertura na lateral, por onde eles são introduzidos. 

143 
 
   
Figura 6.55 – A quitandeira Marina e seu marido, Francisco, mostrando o lugar onde será montado o 
forno de tambor usado para assar quitandas. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 
Feito isso, o processo de instalação consiste em fixar a estrutura metálica sobre uma base retangular de 
aproximadamente  2  m  de  comprimento  por  70  cm  de  altura,  tendo  o  cuidado  de  manter  o  tambor 
distante  da  base  uns  20  cm,  já  que  será  por  essa  abertura  que  o  forno  receberá  a  lenha.  Por  último, 
reveste–se  o  tambor  com  tijolos  e  argamassa,  de  modo  a  manter  o  calor  necessário  para  assar  as 
quitandas. O custo total de investimentos com o forno, incluindo o do tambor adaptado e o serviço de 
pedreiro, gira em torno de R$ 500,00 –– investimento que, secundo a quitandeira, é alto para as suas 
condições  financeiras.  Mesmo  assim,  ela  prefere  o  forno  de  tambor  ao  forno  a  gás,  para  assar  as 
merendas (Figura 6.56). 

 
Figura 6.56 – Fogão a gás, que é usado raramente pela quitandeira. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

A  lenha  que  usa  para  assar  as  quitandas  vem  da  roça  do  filho,  localizada  nos  arredores  do  perímetro 
urbano da cidade. O encarregado de transportá–la até a residência é seu marido, Paulo, que também 
cuidará da montagem do forno de tambor. É da pequena propriedade que vêm o leite e a nata usados 
nas receitas das quitandas. Já os ovos caipiras são oriundos da criação de galinhas mantida no quintal de 

144 
 
casa  (Figura  6.57).  Ou  seja,  Mariana,  não  diverge  da  opinião  dos  outros  quitandeiros  da  cidade,  que 
resistem  às  facilidades  impostas  pela  indústria.  As  merendas  são  feitas  com  os  mesmos  tipos  de 
ingredientes que eram utilizados no passado. 

 
Figura 6.57 – Ovos de galinha caipira usados nas receitas de quitandas. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

As quitandas feitas com ingredientes da roça têm outro sabor, conforme ressaltou a quitandeira. Esse 
sabor  pode,  também,  levar  os  apreciadores  a  acessarem  memórias  afetivas  de  momentos  especiais 
vividos  no  passado.  Dos  vários  tipos  de  quitandas,  os  que  mais  prepara  e  recebe  encomendas  são  as 
rosquinhas  de  nata,  biscoito  misturado  (fubá  e  polvilho),  biscoito  de  polvilho  e  roscas.  Outros,  como 
biscoito quebra–quebra e broas de fubá, ela costuma fazer com menos frequência. 

Questionada  se  mantém  algum  caderno  de  receitas  de  quitandas,  ela  falou  que  as  tem  guardadas  na 
cabeça, mas tem vontade de pedir que alguém as escreva. Falou também que suas filhas, que residem 
na  cidade  vizinha  de  Tiradentes  (MG),  aprenderam  a  fazer  quitandas  com  ela  e  que,  nos  hotéis  onde 
trabalham, são responsáveis pela produção das quitandas servidas nos cafés da manhã dos hóspedes.  

A  quitandeira  Mariana,  que  tira  do  ofício  parte  do  sustento  da  família,  através  das  encomendas  de 
quitandas que recebe, não contabiliza, no preço final, os gastos com os ingredientes que não compra no 
supermercado, como os ovos caipira, o leite e a nata. Para ela, essas despesas não são repassadas ao 
seu  consumidor,  portanto  uma  forma  de  vender  seus  produtos  por  um  preço  inferior  aos  praticados 
pelos outros quitandeiros. 

Ao  contrário  dela,  a  quitandeira  Cláudia  calcula  todos  os  custos,  inclusive  o  tempo  de  trabalho  gasto 
para produzir as quitandas; para isso, as receitas são medidas e pesadas. Porém, no caso de Mariana, há 
um elemento que sobressai na esfera financeira, que é o gostar de fazer quitanda, ou seja, somente o 
fato de ela estar realizando algo que lhe dá prazer é o que importa. 

145 
 
6.3.3  MAPA DOS BENS CULTURAIS DE CONCEIÇÃO DA BARRA DE MINAS 

147 
 
6.4  SÃO JOÃO DEL REI 
São  João  Del  Rei  é  também  uma  das  principais  "cidades  históricas8"  de  Minas  Gerais.  Seu  conjunto 
arquitetônico e urbanístico foi tombado pelo IPHAN, em 1938. O conjunto de bens imóveis tombados 
totaliza aproximadamente 700 imóveis. 

A instância responsável pelo tombamento e preservação de bens do Patrimônio Histórico e Cultural de 
São João Del Rei é o Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural, criado pela Lei nº 3.388, 
de 16 de julho de 1998 (como já mencionado anteriormente). 

Como  principais  Patrimônios  Histórico,  Cultural  e  Arquitetônico,  a  cidade  possui:  Catedral  Basílica  de 
Nossa  Senhora  do  Pilar,  Fortim  dos  Emboabas,  Igreja  de  Nossa  Senhora  do  Carmo,  Igreja  de  São 
Francisco de Assis, Paço Municipal de São João Del Rei, Teatro Municipal, Museu de Arte Sacra, Solar da 
Baronesa,  Igreja  Matriz  do  Senhor  Bom  Jesus  do  Monte  (Senhor  dos  Montes)  e  a  Igreja  de  Nossa 
Senhora das Mercês, dentre outros. 

O  município  de  São  João  Del  Rei  possui  longa  tradição  quanto  à  preservação  do  patrimônio  material, 
tanto que os processos de tombamentos se iniciam logo após a criação do órgão de patrimônio cultural 
brasileiro,  o  SPHAN,  em  1937,  quando  se  instituiu  a  Lei  de  Tombamento  n°  25.  Mais  de  meio  século 
depois,  com  a  criação  do  Decreto  no  3.551,  de  2000,  que  instituiu  o  Registro  de  Bens  Culturais 
Imateriais,  é  que  se  inicia  a  política  de  preservação  das  práticas  culturais  espalhadas  pelo  território 
brasileiro. Nesse contexto é que, em 2009, São João Del Rei e  mais seis cidades mineiras, Congonhas, 
Catas Altas, Diamantina, Ouro Preto, Mariana e Sabará, tiveram seus primeiros bens reconhecidos como 
Patrimônios Culturais Imateriais, o Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro. 

A estrutura do Poder Executivo local dispõe de uma Secretaria de Cultura e Turismo, que, dentre outras 
atribuições, encarrega–se da preservação do patrimônio cultural e também do turismo, que é fonte de 
renda da cidade. No entanto, conforme informações repassadas pelo diretor de Cultura, não há ainda 
uma  lei  de  registro  para  proteger  os  bens  culturais.  O  município  só  dispõe  de  alguns  inventários  dos 
bens culturais imateriais locais que realizou para fins de pontuação no ICMS Cultural do IEPHA–MG. 

Esse  programa  incentiva  os  municípios  mineiros  a  criar  ações  de  valorização  de  seus  patrimônios 
culturais. De acordo com o Superintendente Municipal de Cultura de São João Del Rei, Ulisses Passarelli, 
o  município  não  dispõe  ainda  de  uma  legislação  específica  para  a  proteção  dos  bens  imateriais,  mas 
ressaltou que “a Secretaria está se organizando para registrar a Festa do Divino e os Grupos de Folias do 
município.  O  primeiro  passo  será  a  realização  do  inventário  dessa  manifestação”  (Passarelli,  em 
entrevista realizada na sede da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo, em 30/08/2017). Percebe–se, 
portanto,  que  há,  por  parte  do  Poder  Público,  uma  atenção  maior  na  proteção  dos  bens  culturais  de 
natureza imaterial. 

Atualmente,  existem  no  município,  aproximadamente,  10  grupos  de  Folias  de  Reis  sediados  nos  seis 
distritos e cinco ternos de congado. No passado, esse número era maior, embora não fosse objeto de 
interesse  dos  intelectuais  e  da  imprensa  e,  de  acordo  com  PASSARELLI  (2017),  não  que  os  congados 
                                                            
8
 Cidades coloniais. 

149 
 
fossem raros. Ocorre que a imprensa e os escritores em geral, ainda eivados de uma ótica colonialista, 
não davam a devida importância ao evento no cenário cultural –– não o achavam digno de figurar em 
qualquer página. 

Os  festejos  do  Jubileu  do  Divino  Espírito  Santo  na  Paróquia  do  Senhor  Bom  Jesus  de  Matosinhos 
acontece entre os meses de abril e maio. A celebração abrange, além dos grupos de Folias do Divino, os 
grupos  de  congado,  que  participam  em  momentos  diferentes  da  festa.  Conforme  o 
“portaldodivino.com/Brasil/jubileu.htm#5 ” a partir da segunda quinzena do mês de abril, as Folias do 
Divino iniciam sua jornada de visita às residências, anunciando o Jubileu, levando a mensagem de paz do 
Espírito Santo e recolhendo donativos voluntários para as festividades. 

No final do mês maio, no Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, os grupos de folias batem as 
caixas  para  anunciar  a  novena  e  o  hasteamento  dos  mastros  do  Divino  e  de  Santo  Antônio.  Nesse 
momento,  o  capitão  de  cada  grupo  de  congado  do  município,  acompanhado  por  reis,  rainhas  e 
princesas, é recebido pelo Imperador para prestar sua homenagem ao Divino. Fazem parte dos festejos 
a Cavalgada do Divino e a Missa Inculturada.  

De acordo com o PORTAL DO DIVINO (2017), a Missa Inculturada, que, apesar de ter as mesmas partes 
básicas de qualquer missa, celebra–as em estilo próprio. Há um destaque para a cultura negra, através 
de  cânticos,  danças  e  rituais.  A  música  adotada  se  baseia  nos  congados  e  folias  e  noutros  ritmos  que 
visam  valorizar  a  negritude  e  que  melhor  expressam  as  raízes  culturais  africanas,  sob  uma  face 
ecumênica e cristã. Nesse sentido, também participam do evento os grupos de capoeira, que realizam 
suas danças, entre eles, o contramestre Juninho, do grupo Artes das Gerais. 

Ao  longo  do  ano,  em  alguns  bairros  afastados  e  distritos,  acontecem  outras  festas  em  homenagem  a 
Nossa Senhora do Rosário que contam com a participação de grupos de congado locais e de municípios 
vizinhos.  A  festa  da  Congada  Nossa  Senhora  do  Rosário  do  Rio  das  Mortes,  localizada  no  distrito  de 
Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno, acontece no final do mês de outubro e não costuma contar 
com a presença de outros grupos. 

Segundo SANTOS (2016), nos bairros mais afastados da região central, como São Dimas e Matosinhos, a 
festa do Rosário mantém seus elementos do período colonial. As festas contam com o levantamento do 
mastro, a eleição do casal real e os cortejos pelas ruas da cidade, com danças e músicas. 

Não  se  percebeu,  nas  entrevistas  realizadas  com  quitandeiras  de  São  João  Del  Rei,  uma  relação  de 
proximidade  entre  a  Festa  do  Jubileu  do  Divino  e  o  consumo  de  quitandas,  como  foi  observado  em 
outros lugares. Em Conceição da Barra de Minas, em épocas festivas, o consumo de quitandas aumenta 
significativamente,  e  um  dos  motivos  é  a  presença  de  pessoas  que  visitam  a  cidade.  Aliás,  foram 
contatadas apenas duas quitandeiras, o que é um número ínfimo, caso se leve em consideração o porte 
do município. 

O  município  de  São  João  Del  Rei  caracteriza–se  como  uma  cidade–polo  da  região  do  Campos  das 
Vertentes,  com  foco  nas  atividades  de  comércio  e  de  serviços,  como  turismo  histórico  e  hotelaria.  A 
cidade dispõe de importantes instituições pública e privada de ensino superior; dentre elas, destaca–se 
a  Universidade  Federal  de  São  João  Del  Rei,  criada  na  década  de  1986.  Atualmente,  a  universidade 
possui vários campus distribuídos em várias regiões do Estado de Minas Gerais. 

150 
 
6.4.1  CAPOEIRA E OFÍCIO DE MESTRES DE CAPOEIRA 
6.4.1.1 Grupo de Capoeira Artes das Gerais 
 Contramestre Juninho – Arísio Aroldo de Souza Júnior, 36 anos 
A arte da capoeira foi introduzida em São João Del Rei pelo Mestre Dunga, natural de Feira de Santana, 
na Bahia. Ele foi cabo do Exército Brasileiro no 11º Batalhão de Infantaria de Montanha, em São João 
Del Rei. Entre as folgas do quartel, o mestre dedicava–se a ensinar a capoeira de rua, formando alguns 
alunos. 

Segundo o contramestre Juninho, seguramente, ele é um nome importante da capoeira são–joanense. 
No final da década de 60, Mestre Dunga mudou–se para a capital mineira onde deu continuidade à sua 
arte. Em 1981, fundou a Associação de Capoeira Cordão de Ouro – Eu Bahia. Posteriormente, a entidade 
passou  a  se  chamar  Associação  Brasileira  de  Capoeira  Cordão  de  Ouro  –  Eu  Bahia  (ABRACCE),  com 
diversos núcleos de ensino em Minas Gerais, em academias, escolas e associações. Quando foi embora 
da cidade, Mestre Dunga deixou alguns de seus alunos, que deram continuidade à prática, como Mestre 
Lucas e Mestre Zezinho. 

Arísio Aroldo de Souza Júnior fez os primeiros contatos com a capoeira ainda criança, em São João Del 
Rei, por intermédio de seus tios, que treinavam capoeiragem de rua. Seus parentes haviam aprendido 
alguns golpes com o Mestre Dunga e, vez por outra, arriscavam ensaiar alguns passos de capoeira, mas 
“não havia uma percussão correta”, como ressaltou Juninho. 

Somente  em  1996,  quando  o  professor  de  capoeira  Luciano  Almeida  começa  a  dar  aulas,  é  que  a 
capoeira sai das ruas para os espaços fechados. À época, conseguiu formar uma turma com 40 alunos. É 
nesse momento que o aprendiz Juninho começa a vivenciar a capoeira e a conhecer seus fundamentos e 
a importância da atividade como prática cultural genuinamente brasileira. O professor treinou por seis 
anos, depois abandonou a capoeira, ingressando em outra atividade profissional: 

                                        “Depois  disso,  eu  encontrei  outra  pessoa  (mestre)  e  dei  continuidade  ao 
aprendizado. Nessa época, em 2002, já fazia seis anos que eu treinava capoeira. 
Eu sabia  bastante coisa,  mas não tinha contato  com outros mestres de fora. Foi 
então que conheci o Mestre Museu da Fundação Internacional de Capoeira Artes 
das  Gerais  (FICAG),  que  me  convidou  para  conhecer  sua  academia,  em  Belo 
Horizonte.  Fui  conhecer  e,  de  lá,  só  treino  com  ele.  Ele  é  meu  grande  Mestre 
(Contramestre  Juninho,  em  entrevista  realizada  na  academia,  em  31/08/2017  – 
Figura 6.58). 

A  profissionalização  na  capoeira  somente  ocorreu,  de  fato,  quando  passou  a  treinar  com  o  Mestre 
Museu,  fundador  do  Grupo  Artes  das  Gerais  (Figura  6.59),  que  reside  na  capital  mineira.  Em  2002,  o 
contramestre Juninho implanta na cidade uma célula da FICAG, quando se iniciam as aulas de capoeira. 
O  grupo  completou  15  de  anos  de  existência  e  possui  uma  média  de  40  alunos,  incluindo  iniciantes  e 
graduados. 

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Figura 6.58 – Contramestre Juninho com seu berimbau, e aquecimento da Roda de Capoeira, em 
31/08/2017. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 
 

 
Figura 6.59 – Identidade visual do grupo FICAG – Célula São João Del Rei – (MG). 
Fonte: CAPOEIRA ARTES DAS GERAIS – SJDR, 2017. 
 

As rodas de capoeira acontecem sempre às terças e quintas–feiras à noite, na Rua Manuel Fortes, 130 – 
Bairro  Matosinhos  –  Vila  Santa  Terezinha.  O  contramestre  dispõe  da  assistência  do  instrutor  Emanoel 
Zanola (Poronga), que o auxilia durante os treinos e nas questões administrativo–burocráticas do grupo. 
Ainda hoje, Juninho é aluno do mestre e, sempre que possível, convida–o para fazer palestras para os 
alunos iniciantes da capoeira na cidade. 

O  espaço  que  o  grupo  usa  para  a  realização  dos  treinos  de  capoeira  é  alugado  e  acomoda  outras 
modalidades esportivas, como luta livre e judô (Figura 6.60). Dividir os custos referentes ao aluguel do 
imóvel  foi  uma  alternativa  encontrada  pelo  grupo  para  diminuí–los,  comentou  Juninho.  Embora  seja 
cobrada  uma  taxa  dos  alunos,  o  valor  arrecadado  não  daria  para  pagar  o  aluguel  de  espaço  exclusivo 
para sediar os eventos do grupo. 

152 
 
    
Figura 6.60 – Ringue de luta livre e o tatame (à esquerda), e Roda de Capoeira em ação (à direita), em 
31/08/2017. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 
Assim como vários detentores da capoeira, o contramestre Juninho não sobrevive financeiramente do 
ofício  ––  uma  situação  semelhante  que  faz  parte  do  cotidiano  de  vários  capoeiristas  que  estão 
exercendo a prática pelo resto do País. Na sua concepção, isso é um grave problema, pois, dependendo 
do tipo de trabalho, o mestre não dispõe de tempo para se dedicar ao ofício. 

A capoeira, pelo que disse o contramestre Juninho, requer dedicação do detentor. Ele precisa cumprir 
alguns  compromissos  que  o  próprio  ofício  exige,  como  participar  de  encontros,  batizados  e,  acima  de 
tudo, treinar com frequência. Ainda segundo o informante, os poucos mestres que vivem da capoeira 
como  profissão  residem  em  grandes  capitais,  como  Belo  Horizonte  e  Rio  de  Janeiro,  conseguiram 
montar academias e cobram caro pelas aulas.  

O contramestre Juninho não foge à regra, portanto, não faz da capoeira uma profissão; ele é eletricista e 
presta serviços para uma empresa de energia da região. Logo, a capoeira é uma atividade recreativa que 
ele  consegue  manter  em  paralelo  com  sua  profissão.  “Muitas  vezes,  eu  tiro  recurso  do  próprio  bolso 
para completar os gastos com o grupo.” (Contramestre Juninho, em entrevista realizada na academia, 
em 31/08/2017). Na sua visão, o mestre deve profissionalizar–se e poder trabalhar e viver da capoeira, 
mas,  antes  de  tudo,  a  manutenção  da  arte  da  capoeira  deve  partir  do  Poder  Público,  garantindo 
condições de acesso às populações mais pobres. 

Ainda  sob  esse  ponto  de  vista,  ele  acredita  que  o  registro  da  capoeira  como  patrimônio  imaterial 
brasileiro pouco contribuiu para mudar o quadro de descaso que a capoeira enfrenta em São João Del 
Rei.  O  Poder  Público  local  continua  a  tratar  a  atividade  como  folclore  ––  só  o  procura  durante  as 
comemorações  cívicas  e  no  Dia  da  Consciência  Negra.  Disse  também  que,  tão  logo  soube  do 
reconhecimento do  Ofício de  Mestres  de Capoeira  e da  Roda de Capoeira como bens culturais, foi ao 
escritório  técnico  do  IPHAN  no  município;  na  ocasião,  os  servidores  não  souberam  informar–lhe  a 
respeito do fato. Depois disso, voltou ao órgão para solicitar uma licença de um espaço para fazer uma 
Roda de Capoeira, mas também não foi atendido. 

153 
 
Além dos treinos que acontecem na referida academia no bairro Matozinhos, o grupo frequentemente 
promove alguns eventos públicos durante o ano, como o encontro de capoeira e as apresentações no 
Centro da cidade e, também, nas cidades vizinhas, quando é convidado. As apresentações em público 
costumam  ocorrer  em  frente  à  Igreja  do  Carmo,  no  Centro  Histórico.  Frequentemente,  são  feitos 
batizados.  A  graduação  no  grupo  segue  a  seguinte  composição:  aprendiz,  monitor,  professor  e 
contramestre.  Não  há  graduação  para  mestre,  porque  o  integrante  de  maior  grau  do  grupo  é  o 
contramestre. 

O contramestre Juninho lamenta que o Poder Público local não dê a devida atenção à copeira, pois os 
únicos projetos sociais que existiam nas escolas foram interrompidos por falta de recursos. Até 2016, a 
Roda de Capoeira atuou em projetos sociais na Escola Municipal Professora Sarah Carvalho, no distrito 
de  São  Sebastião  da  Vitória,  através  do  Programa  Escola  Aberta  Minas  Gerais.  Porém,  por  falta  de 
repasses de recurso do Governo do estado, o projeto durou apenas seis meses: 

“Na  nossa  cidade,  a  capoeira  é  pouca  valorizada  ––  continua  quase  como 
antigamente,  na  época  dos  escravos.  O  poder  local  não  vê  a  capoeira  como  um 
patrimônio cultural. O secretário já chegou a dizer que a capoeira não é cultura, 
que  é  uma  dança  folclórica.”  (Contramestre  Juninho,  em  entrevista  realizada  na 
academia, em 31/08/2017).  

Como  agravante,  o  grupo  vivencia  o  preconceito  religioso  no  dia  a  dia,  principalmente  por  parte  de 
algumas denominações religiosas, dentre elas a religião católica. A falta de apoio e o descaso não são 
apenas  do  Poder  Público:  o  grupo  também  contabiliza  inúmeras  ações  que  se  configuram  como 
intolerância religiosa, vindas de membros da Igreja Católica e de outras denominações, por exemplo, a 
Evangélica. 

Segundo  o  contramestre  Juninho,  para  essas  pessoas,  a  capoeira  é  “coisa  do  demônio”.  De  forma 
semelhante  ou  até  mais  explícita,  a  Igreja  Católica  local  também  tem  contribuído  para  disseminar  a 
intolerância  religiosa.  Há  dois  anos,  o  atual  líder  religioso  da  Paróquia  do  Bom  Jesus  de  Matozinhos 
proibiu a realização da Missa Inculturada durante a Festa do Jubileu do Divino Espírito Santo: 

“Todo  ano  a  gente  se  apresentava  na  Missa  Inculturada,  durante  a  Festa  do 
Jubileu do Divino aqui no bairro; só que o novo padre proibiu o evento. Há dois 
anos  que  a  missa  acabou.  Era  a  coisa  mais  linda.  Os  hinos  da  igreja  eram 
acompanhados pelo som do atabaque e dos berimbaus.” (Contramestre Juninho, 
em entrevista realizada na academia, em 31/08/2017) 

Trata–se  de  um  ritual  africano  que  incluía  a  participação  dos  grupos  de  tradição  afro–brasileira  da 
cidade, como os ternos de congos e Moçambique e os grupos de capoeira, que abrilhantavam a festa 
com a batida de suas caixas, atabaques e berimbaus.  

A respeito dos instrumentos (Figura 6.61) utilizados nas rodas de capoeira, foi dito que são os próprios 
alunos  que  os  produzem.  Parte  da  matéria–prima  para  a  confecção  de  berimbaus  é  de  fácil  acesso, 
como as cabaças e o arame. Já os caxixis, uma espécie de chocalho trançado de bambu com pedras no 

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seu  interior,  e  a  madeira  para  a  confecção  das  vergas  são  adquiridos  no  mercado  do  Centro  de  Belo 
Horizonte. 

Segundo  o  contramestre  Juninho,  as  cabaças,  geralmente,  são  doadas  pelos  produtores  rurais,  e  o 
arame, que é fixado à verga, é coletado de pneus usados. Quanto ao uniforme, ou seja, o abadá, que é 
composto  por  uma  calça  branca  de  elástico  na  cintura  (para  facilitar  os  movimentos  da  luta),  cada 
integrante do grupo compra o seu. 

   
Figura 6.61 – O atabaque e instrutor Porongo tocando o atabaque durante a Roda de Capoeira em 
31/08/2017. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 

Por fim, o contramestre Juninho ressalta que, atualmente, o Grupo Artes das Gerais em São João Del Rei 
não recebe nenhum tipo de recurso de órgãos públicos municipais, estaduais e federais. 
6.4.2  TOQUE DOS SINOS E OFÍCIO DE SINEIRO 

 Nilson José dos Santos, 42 anos (sineiro e zelador da Igreja São Francisco de Assis) 

 Paulo César Neves, 26 anos (sineiro e zelador da Igreja Nossa Senhora do Carmo) 

 Rodrigo da Silva, 46 anos (sineiro e sacristão da Igreja de Nossa Senhora do Rosário) 

Atualmente, o Toque dos Sinos é praticado em São João Del Rei, apesar da ausência do Poder Púbico na 
implementação de ações que possibilitem sua continuidade e manutenção. Mesmo assim, um grupo de 
sineiros  local  empenha–se  em  dar  prosseguimento  ao  ofício,  conforme  os  mecanismos  a  que  tem 
acesso.  Todas  as  igrejas  do  Centro  Histórico  possuem  um  responsável  pelo  Toque  dos  Sinos  nos 
momentos festivos e durante as missas solenes. Na cidade de Ouro Preto, onde a linguagem dos sinos 
também  foi  reconhecida  como  Patrimônio  Cultural  Imaterial  em  nível  nacional,  os  sineiros  estão 
organizados em associação, o que contribuiu para a gestão da manutenção da prática. 

Conforme  disseram  os  informantes,  as  outras  cidades,  como  a  própria  São  João  Del  Rei,  Congonhas, 
Catas Altas, Diamantina, Sabará e Mariana, que fizeram parte do processo de Registro, não conseguiram 

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formar  instituições  representativas  para  organizar  os  sineiros.  Os  três  sineiros  que  prestaram 
depoimentos para a pesquisa acumulam outras funções na rotina da igreja, como zeladores e sacristão. 

Com tantas igrejas espalhadas por pontos estratégicos da área central da cidade, é de esperar que haja 
também muitas festas em homenagem aos santos e santas padroeiros. Em boa parte do ano, os toques 
dos  sinos  são  a  sinfonia  mais  ouvida  pelos  moradores,  já  que  a  linguagem  emitida  por  eles  é  um  dos 
principais elementos que anunciam para os fiéis que a cidade está em festa. Em setembro, realiza–se a 
festa dos Estigmas de São Francisco e, no mês de outubro, a do padroeiro São Francisco de Assis. 

A festa em homenagem a Nossa Senhora do Carmo acontece entre os dias 7 e 16 julho. Segundo Paulo 
César, sineiro–responsável, durante esse período, o sino é tocado várias vezes ao dia: ao meio–dia, às 
15h  e  às  18h.  E  também  depois  da  novena.  Para  cada  horário,  os  toques  são  diferentes:  mais  de  16 
repiques. “Então, de cada horário, a gente tira um repique diferente”, ressaltou o sineiro (Figura 6.62). 

      
Figura 6.62 – Sineiro Paulo César no interior da torre esquerda da Igreja de Nossa Senhora do Pilar, e a 
imagem frontal da Igreja de Nossa Senhora do Carmo. 
Fonte: Equipe Biodinâmica, 2017. 
 

O fato é que atualmente, nas cidades históricas, como São João Del Rei, ainda é mantida a tradição da 
linguagem  dos  sinos.  Embora  a  função  dos  sinos  se  restrinja  aos  ritos  religiosos  festivos  das  igrejas 
católicas, é através da sua linguagem que os fiéis católicos sabem se haverá missa, se a celebração será 
proferida pelo pároco da cidade ou se por outro, ou ainda se será ministrada pelo bispo. 

No  período  festivo  destinado  a  cada  padroeiro  ou  padroeira,  executam–se  toques  festivos  algumas 
vezes por dia. Os sineiros das outras igrejas também saúdam a igreja que está em festa, repicando seus 
sinos; por isso, eles dizem que as igrejas falam entre si. A relação dos sineiros com os sinos é repleta de 
afeto e intimidade. A impressão é que os sinos possuem alma e que seus toques são pura poesia. 

A organização dos toques–repiques festivos começa pelo primeiro repique, chamado “principiado”, por 
dar início aos outros repiques. O repique é feito em cada sino: no pequeno, no médio e no grande. O 

156 
 
toque começa com uma pancadinha no sino pequeno para chamar os outros. O sino médio pergunta, e 
o sino grande responde. Há um intercâmbio, uma conversa entre eles. Existe uma hierarquia entre eles. 
O pequenino vai dar a primeira pancadinha, o médio vai responder. Aí o sino grande vai querer saber o 
que  os  outros  dois  estão  falando.  (Sineiro  Nilson,  em  entrevista  realizada  na  Igreja  São  Francisco  de 
Assis, em 30/08/2017) 

As principais igrejas do Centro –– Igreja São Francisco de Assis, Igreja de Nossa Senhora do Carmo, Igreja 
de  Nossa  Senhora  do  Rosário,  Igreja  Matriz  de  Nossa  Senhora  do  Pilar,  Igreja  de  Nossa  Senhora  das 
Mercês e Igreja de São Gonçalo –– possuem sineiros fixos, que se encarregam de comunicar aos fiéis os 
principais acontecimentos da religiosidade. 

As  igrejas  históricas  de  São  João  Del  Rei  são  tombadas  como  patrimônio  cultural  do  Brasil  desde  a 
década de 1930, pelo órgão de patrimônio da época, o SPHAN, atual IPHAN. Embora desde essa época, 
o Toque dos Sinos fosse executado, e também se caracterizasse como uma referência cultural para os 
habitantes  da  localidade,  somente  na  primeira  década  do  ano  2000  é  que  a  linguagem  dos  sinos  foi 
reconhecida como um bem cultural imaterial. 

Os sineiros, portanto, são responsáveis por manter em atividade a tradição do Toque dos Sinos durante 
as festividades, e também em ocasiões corriqueiras do repertório católico, como as “chamadas para as 
missas”, que ocorrem semanalmente, nas igrejas onde atuam.  

A respeito das chamadas de missas, observou–se que, momentos antes de começar o rito da celebração 
na  Capela  do  Divino  Espírito  Santo,  localizada  bem  ao  lado  da  Igreja  de  Nossa  Senhora  do  Rosário,  o 
Toque dos Sinos soou, avisando aos fiéis que, dentro de 30 minutos, a missa seria iniciada. Os toques 
duraram  aproximadamente  15  minutos.  Aos  poucos,  os  fiéis  foram  aparecendo,  um  a  um,  e  se 
acomodando  nos  bancos  no  interior  da  igreja.  No  momento,  quem  tocava  o  sino  era  um  aprendiz  de 
sineiro,  o  Alan,  ou  o  “rapazinho”,  como  diz  o  sineiro  Paulo  César,  e  que  estava  na  companhia  de  três 
crianças (Figura 6.63). 

    
Figura 6.63 – Aprendiz de sineiro Alan e a “criançada” no interior da torre da Capela do Divino Espírito 
Santo, e fachada da Capela do Divino Espírito Santo. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

157 
 
O  sineiro  Nilson  José  dos  Santos,  42  anos,  é  natural  de  São  João  Del  Rei  e  trabalha  na  Igreja  de  São 
Francisco  de  Assis  como  zelador  e  sineiro.  Seu  primeiro  contato  com  os  toques  de  sino  aconteceu 
quando tinha 14 anos de idade, por intermédio de seu pai e de seu tio; no entanto, acrescentou que seu 
pai  não  conversava  sobre  sinos  com  ele.  Independentemente  disso,  desde  criança,  ouvia  os  sons  que 
saíam das torres das igrejas, causando–lhe um misto de interesse e curiosidade: 

“Quando  a  gente  era  criança,  esticava  uma  espécie  de  varal  e  amarrava  enxadas, 
picaretas  velhas  ou  alguma  coisa  que  desse  barulho...    E  a  gente  ficava  tentando 
reproduzir neles os sons dos sinos. Mas, na prática, subir no campanário mesmo é 
totalmente diferente, porque tem uma diferença de bater o ferro e tocar o sino.” 
(Sineiro  Nilson,  em  entrevista  realizada  na  Igreja  São  Francisco  de  Assis,  em 
30/08/2017) 

Na  fala  do  sineiro,  fica  evidente  que  o  ofício  se  dá  na  vivência  cotidiana,  quando  os  sentidos  são 
acionados,  isto  é,  as  percepções  sensoriais  são  apreendidas  pelo  ouvido,  visão  e  tato.  Não  há  uma 
maneira  de  impor  ao  aprendiz  uma  única  forma  de  assimilação  dos  saberes  que  circundam  a  prática. 
Consta da junção de várias aptidões, como curiosidade, observação ao modo de fazer dos mais antigos, 
disciplina,  vontade  de  aprender,  além  do  treinamento  dos  ouvidos  para  captar  cada  nota  que  soa  do 
instrumento:  

“Então,  a  gente  convivendo  com  nossos  pais,  participando  das  festividades 


religiosas  como  as  procissões  [...]  começou  a  entender  o  que  os  sinos  tocavam.  É 
claro que a  curiosidade  também ajudava. O conhecimento que  adquiri foi através 
da  curiosidade,  de  ouvir  e  associar  cada  tipo  de  toque  aos  acontecimentos.” 
(Sineiro  Nilson,  em  entrevista  realizada  na  Igreja  São  Francisco  de  Assis,  em 
30/08/2017) 

Uma característica recorrente que aparece nas falas dos detentores diz respeito à importância de ter o 
ouvido educado, ou seja, que o aprendiz de sineiro exercite a capacidade de captar as tonalidades das 
batidas, pois, como diz afirmou o sineiro Nilson, qualquer pessoa pode bater sino, mas é diferente de 
fazer o sino soar (Figura 6.64). As experiências com a música, vividas em algum momento de suas vidas, 
contribuíram para o aprimoramento dos toques dos sinos. Assim, o sineiro Nilson conviveu com o pai, 
que era músico de enredo de carnaval; o sineiro Paulo César era percussionista de bloco de carnaval; e 
Rodrigo tocou por alguns anos na banda de música da cidade.  

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Figura 6.64 – Sineiro Nilson na recepção de entrada e na Igreja de São Francisco de Assis 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 
Além da convivência com pessoas próximas da família que dominavam os saberes do Ofício de Sineiro, 
Nilson contou com a valiosa contribuição do ex‐sineiro Euvércio, há quase três décadas, quando iniciou 
seus trabalhos na Igreja de São Francisco: 

“Na época que eu vim pra cá, eu comecei a mexer no sino com o sineiro Euvércio, 
que hoje não toca mais. Eu me aproximei dele porque eu tinha curiosidade de saber 
como  se  tocava  os  sinos,  dobrar  os  sinos,  os  repiques.  Fiquei  meio  assustado  por 
ver aquela bacia girar 360 graus no janelão da torre.” (Sineiro Nilson, em entrevista 
realizada na Igreja São Francisco de Assis, em 30/08/2017) 

Rodrigo  da  Silva  é  sacristão  e  sineiro  da  Igreja  de  Nossa  Senhora  do  Rosário.  Começou  ajudando  na 
Catedral de Nossa Senhora do Pilar, acompanhando seus irmãos que já tocavam sinos: 

“Fui criado numa casa atrás da Catedral de Nossa Senhora do Pilar. Todos os meus 
irmãos foram coroinhas quando crianças. E sempre estávamos em contato com os 
sinos. Eu gostava de ver eles dobrando o sino na torre. Aí, meus irmãos mais velhos 
começaram a tocar o sino da catedral. E meu interesse vem dessa época. Eu sempre 
subia na torre com eles. Do pessoal do meu tempo, só tem eu que toca sino. Muitos 
foram  embora,  outros  não  se  interessaram  em  prosseguir.”  (Sineiro  Rodrigo,  em 
entrevista realizada na Igreja Nossa Senhora do Rosário, em 31/08/2017) 

Com  mais  de  30  anos  atuando  como  sineiro,  Rodrigo  teve  um  diferencial  no  seu  aprendizado  (Figura 
6.65). Como na catedral há duas torres, ambas com sinos, enquanto seus irmãos tocavam os sinos na 
torre localizada do lado  esquerdo, durante as festividades solenes ou em outras ocasiões, ele  tentava 
reproduzir as mesmas notas, posicionado na torre da direita. Assim, podia correr o risco de errar alguma 
nota sem que fosse percebido pelos fiéis. Para ele, o fato de ter integrado por um período a banda de 
música da cidade o ajudou no aprimoramento de mestre sineiro. 

159 
 
    
Figura 6.65 – Sineiro Rodrigo na sacristia e a fachada principal da Igreja de Nossa Senhora do Rosário. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Outro informante que contribuiu para ampliar o tema sobre a linguagem dos sinos foi o sineiro Paulo 
César, que é natural de Resende Costa (MG), mas reside em São João Del Rei desde criança. É zelador e 
sineiro da Igreja de Nossa Senhora do Carmo e, assim como o sineiro Nilson, cresceu ouvindo o toque 
dos  sinos.  É  responsável  pela  torre,  isto  é,  pelo  toque  dos  sinos  da  igreja  há  nove  anos,  e  teve  como 
mestre  sineiro  Nonô,  que,  como  ele,  também  desempenhada  a  atividade  de  zelador  da  igreja.  No 
entanto,  seu  primeiro  contato  com  a  “torre”  (modo  como  se  refere  à  atividade  de  sineiro)  iniciou 
quando era coroinha: 

“Meus  primeiros  contatos  com  o  sino  foram  quando  eu  era  coroinha  daqui  da 
igreja. Aqui tem muito disso: você entra como coroinha, fica ajudando o padre e a 
pessoa da igreja, e aí, desde cedo, a gente é acostumado a ir pra torre. Mas aí, eu 
comecei gostar do toque dos sinos. Achava legal, entendeu? Aí, eu comecei na torre 
também.  E  aí  fui  pegando  as  manhas  com  o  ex–sineiro  Nonô.  Hoje  ele  é 
aposentando e não toca mais. Meus mestres foram o Nonô, que era sineiro daqui, e 
o Nilson, da Igreja São Francisco.” (Paulo César, em entrevista realizada na Igreja de 
Nossa Senhora do Carmo, em 30/08/2017). 

Entre os inúmeros toques de sinos que fazem parte da tradição na cidade, os mais comuns e produzidos 
com frequência são os toques festivos de repiques. Segundo o sineiro Nilson, existem aproximadamente 
uns 16 tipos diferentes, e os toques de dobres, que consistem em girar o sino 360 graus em torno de seu 
eixo.  Esses  são  os  que  mais  chamam  atenção  das  crianças  iniciantes  durante  o  processo  de 
aprendizagem. Por mais que, esteticamente, o dobrar do sino seja mais chamativo, é na execução dos 
toques  de  repiques  festivos  que  o  sineiro  mostra  domínio  e  competência  sobre  o  instrumento.  Essa 
modalidade  exige  habilidade  de  toque  tanto  nos  braços  (ou  como  diz  o  sineiro  Nilson,  “força  na 
munheca”)  como  de  percepção  musical  (um  bom  ouvido).  O  toque  dobrado  é  mais  um  espetáculo 
visual,  já  que  faz  girar  o  sino,  por  inúmeras  vezes,  em  torno  de  seu  próprio  eixo.  Durante  os  giros, 
acontece o toque. No tocante à transmissão dos saberes do ofício, alguns sineiros se queixam de que a 

160 
 
“meninada” (os novos aprendizes) demonstra pouco interesse pelos toques de repiques festivos; só se 
interessa mesmo pelos toques de dobrados:  

“Atualmente, a galera novinha só quer saber mesmo de ‘revirada’, as manobras que 
fazem  girar  360  graus.  E  nada  de  pegar  os  repiques  nos  sinos  grande,  médio  e 
pequeno.  O  sino  pequeno  é  quem  chama  os  outros,  ele  é  o  ritmo.  Ele  é  quem 
comanda  e  dá  a  marcação.”  (Paulo  César,  em  entrevista  realizada  na  Igreja  de 
Nossa Senhora do Carmo, em 30/08/2017). 

O  sineiro  Nilson,  por  quem  Paulo  César  mantém  respeito  por  lhe  ter  transmitido  parte  dos 
conhecimentos do Ofício de Sineiro, reforça a importância dos repiques. Para ele, um bom aprendiz de 
sineiro  deve  empenhar–se  em  praticar  esse  tipo  de  toque  já  que  necessita  de  disciplina  e  empenho. 
Portanto, conhece–se um bom sineiro pela marca de seus repiques: 

   “Um  bom  sineiro  tem  que  saber  fazer  repiques.  Para  um  sineiro  assumir  o 
campanário  [torre],  é  preciso  saber  o  repique,  porque  a  alma  dos  sinos  são  os 
repiques; o dobre dos sinos é complemento. Você só precisa ter força para girar o 
sino. Só. Não adianta você ser um sineiro, assumir um campanário se você não sabe 
repicar. Por exemplo, você assume a responsabilidade de bater o sino para a missa 
de domingo, sobe na torre, tira o sino da posição de descanso e põe ele com a bacia 
para cima, e dá início aos dobres. E depois dos dobrados, se você não sabe dar os 
repiques,  como  vai  fazer?  É  preciso  saber  do  conjunto.”  (Sineiro  Nilson,  em 
entrevista realizada na Igreja São Francisco de Assis, em 30/08/2017). 

Dos vários tipos de toque de sinos  que eram executados em tempos passados, ainda se preservam, em 
São João Del Rei, os toques festivos, que incluem repiques e dobres, os dobres fúnebres, para comunicar 
o  falecimento  de  membros  das  irmandades  de  cada  igreja,  e  para  chamar  os  fiéis  para  assistirem  às 
missas. Além desses toques, é costume tocar os sinos durante  os ritos que integram a Semana Santa. 
Durante a Festa de Passos, acontece o tradicional Combate dos Sinos: os sineiros das igrejas de Nossa 
Senhora do Pilar, Nossa Senhora do Carmo e São Francisco de Assis disputam quem mantém por mais 
tempo os dobres dos sinos. 

Para manter em atividade a linguagem dos sinos, não basta apenas que a prática seja reconhecida como 
detentora de valores simbólicos que reforçam a identidade local e nacional dos cidadãos. Nesse sentido, 
os detentores percebem a ausência dos Poderes Públicos (local, estadual e federal) na implementação 
de  ações  que  visem  à  continuidade  da  linguagem  dos  sinos  para  as  futuras  gerações.  Para  o  sineiro 
Nilson,  a  cidade  deveria  ter  um  museu  específico  para  resguardar  a  importância  dos  sinos,  e  que 
houvesse  oficinas  para  transmitir  os  conhecimentos  sobre  os  sinos  aos  mais  jovens  interessados  em 
aprender. 
Mesmo  sem  ajuda  do  Poder  Público,  e  sem  estarem  organizados  em  associações,  os  próprios  sineiros 
das  igrejas  encarregam‐se  de  transmitir  o  ofício  à  “meninada”,  isto  é,  às  crianças  interessadas  em 
aprender o toque dos sinos. À medida que os detentores mais experientes repassam os saberes sobre o 
Ofício  de  Sineiro  a  outros,  ou  seja,  aos  aprendizes,  fortalecem  seu  prestígio  de  mestre  perante  a 
comunidade:  

161 
 
“Há algum tempo que a gente está trabalhando em cima disso. Essa meninada que 
tá  vindo  agora  eu  costumo  ensinar.  Eu  levo  o  Ofício  de  Sineiro  com  muita 
seriedade, assim como eu aprendi com outro sineiro. Eu respeito muito os mestres 
sineiros,  mesmo  que  eles  não  atuem  mais.  Eu  tenho  muito  cuidado  de  manter  a 
tradição dos sinos aqui, para que não seja banalizada, porque nossa identidade é a 
linguagem dos sinos. Isso é um legado que nossos antepassados deixaram para nós. 
É uma história que vai dar continuidade para outras pessoas.” (Sineiro Nilson, em 
entrevista realizada na Igreja São Francisco de Assis, em 30/08/2017) 

A  divulgação  do  Toque  dos  Sinos  de  São  João  Del  Rei  não  se  limita  apenas  à  área  de  abrangência  do 
núcleo  urbano  com  suas  igrejas  tombadas  ––  a  linguagem  dos  sinos  já  ganhou  o  mundo  através  das 
redes sociais. A página disponível na rede social intitulada “Sinos de São João Del Rei” tem o objetivo de 
divulgar os principais eventos que estão relacionados com a prática9. 

A postura de preservação do bem cultural linguagem dos sinos, que deveria ser mais enérgica por parte 
do  Poder  Público,  através  de  ações  consistentes  de  salvaguarda,  é,  em  grande  parte,  desempenhada 
pelos próprios detentores. Os sineiros resolveram por conta própria essa lacuna e ensinam as crianças 
interessadas em aprender o ofício. As oficinas consistem em ser levadas pelos aprendizes para as torres 
a fim de que eles vivenciem a prática, que possam exercitar todos os sentidos necessários para dominar 
os saberes sobre o Toque dos Sinos. A escola, se assim pode ser chamada, é a torre das igrejas: 

“Agora,  a  meninada  [aprendizes]  vem  porque  gosta,  né?,  de  contribuir  com  a 
prática. Eles já estão se preparando, caso um de nós deixe de tocar o sino. É preciso 
passar pra eles, porque futuramente eu não estarei mais aqui. E só assim será dada 
continuidade ao toque os sinos. A gente fica mais satisfeito com a confiança que os 
pais passam pra gente: ‘Meu filho está com você, então eu fico tranquilo. Sei que 
ele está aprendendo um ofício, tomando outro rumo na vida.’” (Sineiro Nilson, em 
entrevista realizada na Igreja São Francisco de Assis, em 30/08/2017) 

Apesar  da  falta  de  interesse  do  Poder  Público  pela  prática,  os  detentores  percebem  que  o  título  de 
patrimônio da linguagem dos sinos contribuiu para dar mais visibilidade. Antes, os turistas que vinham à 
cidade  só  se  preocupavam  em  visitar  as  igrejas  com  suas  arquiteturas  e  adornos  internos;  após  o 
reconhecimento,  já  se  percebe  o  interesse  de  algumas  pessoas  pelos  sinos.  “Depois  que  o  Toque  dos 
Sinos virou patrimônio, há uma maior valorização tanto por parte das pessoas daqui como das pessoas 
de fora. Elas procuram saber sobre os sinos, não ficam só nas igrejas. Hoje tem muita gente que visita a 
cidade, já sabendo como é que os sinos dobram.” (Sineiro Paulo César, em entrevista realizada na Igreja 
de Nossa Senhora do Carmo, em 30/08/2017). 

O  reconhecimento  da  linguagem  dos  sinos  como  um  patrimônio  cultural,  conforme  ressalta  o  sineiro 
Rodrigo, é essencial para a condição necessária à continuidade da prática: “Antes, a gente tinha medo 

                                                            
9
  Para  mais  informações  acessar:  9  https://www.facebook.com/Sinos–de–s%C3%A3o–jo%C3%A3o–del–rei–
708773145865467/ 
 

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que  ela  viesse  acabar.  Aqui  tem  algumas  pessoas  que  gostam  do  toque  dos  sinos,  mas  também  tem 
muita  gente  que  não  gosta.  Mas  como  agora  virou  patrimônio  cultural,  fortaleceu.  Fica  mais  difícil  de 
acabar. Funciona como uma garantia.” (Sineiro Rodrigo, em entrevista realizada na Igreja Nossa Senhora 
do Rosário, em 31/08/2017) 

Quanto  às  dificuldades  que  os  sineiros  enfrentam  no  dia  a  dia,  e  que  se  traduzem  na  manutenção  e 
continuidade  como  prática  (também  já  mencionada  acima  por  todos  os  entrevistados),  observa–se  a 
ausência  do  Poder Público. Poucas ações de salvaguarda foram realizadas  após a linguagem dos sinos 
tornar–se  Patrimônio  Cultural  Imaterial.  O  encontro  de  sineiros  realizado  em  2014,  que  reuniu 
representantes  de  todas  as  cidades  contempladas  com  o  Registro,  foi  mencionado  pelos  detentores 
como  uma  ação  importante,  já  que  permitiu  aos  sineiros  a  oportunidade  de  estabelecer  trocas  de 
experiências  e  vivências  associadas  aos  Toques  de  Sinos  e  ao  Ofício  de  Sineiro.  O  evento,  porém,  não 
teve continuidade nos anos seguintes. 
6.4.3  CONGADAS DE MINAS 
6.4.3.1 Congado Catupé São Benedito e São Sebastião 
 Capitão José Tadeu do Nascimento, 51 anos 

O capitão Zé Tadeu, como é conhecido na comunidade, nasceu em Emboabas, distrito de São João Del 
Rei. Reside no bairro Matozinhos desde 1986, e é viúvo e pensionista (Figura 6.66). Há 15 anos, fundou 
o Terno de Catupé São Benedito e São Sebastião. O que caracteriza o grupo como sendo Catupé é o fato 
de,  geralmente,  dançarem  com  os  pés,  mãos  e  costas.  Usam  cerca  de  seis  caixas  e  dufo  (pandeiro 
artesanal), conforme constatou Bento (2008) na Festa do Rosário em Catalão (GO). 

 
Figura 6.66 – Capitão Zé Tadeu durante a entrevista concedida à equipe de pesquisa. 
Fonte:  Equipe Biodinâmica, 2017. 
 
Assim  como  outros  capitães  de  ternos  existentes  em  Ouro  Preto  e  Mariana,  Zé  Tadeu  mantém, 
paralelamente  ao  congado,  um  centro  espírita  de  matriz  africana  que  une  elementos  simbólicos  da 
umbanda e da jurema (Figura 6.67). Em relação ao estabelecimento, ele contou que é uma tradição que 

163 
 
vem  de  família.  O  líder  espiritual  que  rege  o  tempo  é  Oxossi,  representado,  no  catolicismo,  por  São 
Sebastião; daí, a relação que se estabelece entre congado e centro espírita. 

     
Figura 6.67 – Elementos mágico–religiosos (imagens de Pretos Velhos, São Cosme e São Damião, Divino 
Espírito Santo, Iemanjá e várias outras). 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

No entanto, no que tange à criação do grupo de congado, o capitão afirmou que a ideia surgiu de um 
questionamento  feito  por  Ulisses  Passarelli,  pesquisador  da  cultura  local  e  atual  Superintendente  de 
Cultura do município: 

“Por que vocês não criam um grupo de congado no bairro? Minha esposa ainda era 
viva e falou: ‘Você tá doido de mexer com congado?’ Mas aí eu pensei que seria bom 
porque aqui no Matozinhos já teve um congado há muito tempo. Então, eu comecei 
só  com  pessoas  da  família;  eram  14  pessoas.”  (Capitão  Zé  Tadeu,  em  entrevista 
realizada na sua residência, em 31/08/2017, Figura 6.68) 

Atualmente, o terno possui cerca de 40 integrantes, incluindo, além dos membros da família e vizinhos, 
outros moradores do bairro. Antes de criar seu próprio terno de Catupé, Zé Tadeu nunca havia dançado 
em  outro  grupo,  mas  afirmou  que  teve  um  tio  capitão  de  guarda  de  Moçambique,  e  outro,  que  era 
folião em Barroso (MG). No início, em 2002, quando estava implantando o grupo, contou com a ajuda 
do capitão de congado Moacir Santana, que residia no bairro São Dimas. 

Nessa  época,  Zé  Tadeu  começou  no  terno  no  posto  de  “caixeiro–guia”,  uma  espécie  de  auxiliar  de 
capitão, que dá o comando ao restante do grupo a partir da sonoridade da caixa. Segundo ele, é a caixa 
que  chama  os  demais  instrumentos.  Somente  com  seu  falecimento,  assumiu  a  liderança  do  grupo. 
Atualmente,  no  mês  de  setembro,  acontece  na  localidade  a  Festa  de  Nossa  Senhora  do  Rosário,  que 
conta com a participação de vários ternos vindos dos municípios vizinhos.  

Durante o ano, o grupo participa de algumas festas na cidade, dentre elas, o Jubileu do Divino do Bairro 
Matozinhos, que reúne os grupos de congado e de Folias e ocorre no mês de maio; a festa em honra a 
Nossa Senhora do Rosário, no bairro São Geraldo, que acontece em julho; e a festa de Nossa Senhora do 
Rosário, no bairro de São Dimas, em setembro. No mês de janeiro, dedicado ao padroeiro São Sebastião, 
o terno promove sua própria festa no bairro, que inclui também homenagens a Santa Efigênia. 
 

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Figura 6.68 – Residência do capitão Zé Tadeu, no bairro Matozinhos. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

O capitão afirmou ainda que, na medida do possível, também participa de outras festividades fora do 
município, como Passa Tempo, Lavras, Bom Sucesso e outros; já chegou a participar de festa na capital 
Belo Horizonte. No entanto, pelo fato de não dispor de recursos financeiros para arcar com os custos de 
transportes, muitos convites não são atendidos. A alimentação oferecida aos ternos que participam das 
festas,  na  maioria  das  vezes,  é  custeada  pelos  integrantes  e  também  por  doações  que  recebem  da 
comunidade. 

Nas  falas  do  capitão,  percebem–se  ausências  significativas  da  participação  do  Poder  Público  local  na 
promoção de ações políticas consistentes que venham a contribuir não apenas para a manutenção do 
grupo,  como  também  para  sua  continuidade  como  uma  referência  cultural  para  o  município:  “Isso  é 
triste  porque,  quando  a  gente  vai  dançar  em  outro  lugar,  a  gente  tá  levando  o  nome  da  cidade.” 
(Capitão Zé Tadeu, em entrevista realizada na sua residência, em 31/08/2017).  

Na sua sabedoria empírica, haja vista ter tido pouco tempo de estudo escolar, o capitão detém senso 
crítico e consciência sobre a importância de manter a tradição das festas de congadas como uma forma 
de resistência, assim como um legado cultural deixado pelos seus ancestrais negros. 

O  capitão  Zé  Tadeu  enfatizou  que,  constantemente,  as  escolas  do  bairro  o  convidam  para  fazer 
apresentações.  Para  ele,  esse  tipo  de  ação  é  importante  porque,  além  de  promover  a  valorização  da 
prática,  provoca  o  interesse  dos  jovens  para  participarem  do  terno.  Repetidamente,  durante  a 
entrevista,  era  possível  ouvir  a  frase  “não  pode  deixar  o  congado  acabar”  sendo  verbalizada  pelo 
capitão. 

Muitas  vezes,  para  manter  o  grupo  em  atuação,  o  capitão  até  paga  algumas  despesas  com  recurso 
próprio. Conforme observou na visita, ele e muitos líderes de congado (também pesquisados no estudo) 
são pessoas pobres e já idosas, cuja única fonte de renda advém de uma aposentadoria ou pensão que 
recebem da Previdência Social. 

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As dificuldades enfrentadas pelo capitão para manter o terno em atuação não se limitam apenas à falta 
de  recursos  relativos  às  despesas  com  transportes  para  a  realização  das  “pagas  de  visitas”,  isto  é,  a 
retribuição  das  visitas  que  os  grupos  fazem  à  cidade.  Ele  contabiliza  outros  problemas  referentes  a 
recursos para a compra de uniformes  e novos instrumentos, bem como os custos de  manutenção: “A 
Prefeitura não ajuda em nada, nem uma camisa ela dá” –– desabafou Zé Tadeu. Contou que os últimos 
uniformes, que se resumem apenas a camisetas brancas com a estampa dos santos protetores do terno 
no tecido, foram doados por uma empresa local. As calças brancas, o boné marrom e o tecido vermelho 
da faixa que é usada presa à cintura são adquiridos com recursos próprios. 

As cores do uniforme têm uma intencionalidade: o branco significa a homenagem a Nossa Senhora do 
Rosário;  o  marrom  refere–se  à  cor  das  vestes  de  São  Benedito;  e  a  faixa  vermelha  simboliza  São 
Sebastião  (Figura  6.69).  Os  instrumentos  utilizados  no  terno  são  caixas,  agô–agô,  abê  (confeccionado 
com  cabaça  e  miçangas,  semelhante  ao  afoxé),  pandeiros  e  meia–lua.  Instrumento  como  o  agô–agô 
tanto  integra  os  rituais  de  percussão  do  centro  espírita  como  do  terno  de  Catupé,  que,  em  ambas  as 
situações, é tocado pelo capitão. “No final, acaba que tudo está unido, o congado e o centro. Tá tudo 
unido”, disse Zé Tadeu.  

     
Figura 6.69 – Uniforme (camiseta branca, boné marrom e faixa vermelha) que os dançadores do terno 
usam. 
Fonte: Equipe Biodinâmica, 2017. 
 

O  capitão  percebeu  também  alguns  descasos  por  parte  dos  membros  da  igreja.  Por  exemplo:  não  foi 
dada continuidade ao rito da Missa Inculturada, que, inicialmente, integrava as festividades do Jubileu 
do Divino, e cuja organização ficava a cargo dos grupos culturais locais, entre eles, os capitães de ternos 
de congado, capoeiristas e outros (Figura 6.70). 

166 
 
   
Figura 6.70 – Imagens do capitão Zé Tadeu durante a Missa Inculturada, que era realizada durante as 
comemorações do Jubileu do Divino, na Igreja de Bom Jesus de Matosinhos. 
Fonte: Foto cedida pelo capitão Zé Tadeu à equipe da Biodinâmica Rio, 2017. 
 

De acordo com Zé Tadeu, que foi um dos organizadores, o evento não prosseguiu porque o padre não 
deu  apoio.  Sendo  assim,  os  dirigentes  dos  grupos  não  encontram  dificuldades  apenas  no  que  diz 
respeito ao Poder Público; há resistências enfrentadas com os membros da igreja também. Obviamente 
que não chega ao extremo, como o ocorrido em Nazareno, quando o representante da igreja proibiu a 
apresentação do terno de Catupé Nossa Senhora do Rosário na cidade, durante as homenagens à santa. 
No  entanto,  é  a  junção  de  pequenos  descasos  e  falta  de  interesse  dos  agentes  locais  que  podem 
colaborar para a extinção de um bem cultural como as congadas.  

Um dos pontos positivos é o grupo possuir Registro e Estatuto próprios, além de Livro de Atas, onde são 
registradas todas as reuniões realizadas. A sede  do  grupo está localizada  na Quadra Poliesportiva Frei 
Jordano,  556,  na  Avenida  Santos  Dumont,  bairro  Matosinhos  (Figura  6.71),  mas  está  em  processo  de 
mudança para a garagem do prédio vizinho, no número 701. Os ensaios do grupo acontecem na Praça 
do Operário, no bairro Matosinhos. 

 
Figura 6.71 – Praça do Operário, no bairro Matosinhos, onde acontecem os ensaios do terno. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

167 
 
O  espaço  que  será  a  nova  sede  do  grupo  foi  doado  pela  proprietária,  por  tempo  indeterminado.  O 
problema é que existem três entidades com Registros (CNPJ) diferentes ocupando o mesmo endereço –
– o que, de acordo com a legislação, é um tipo de situação ilegal. No momento, a preocupação do grupo 
diz  respeito  às  despesas  de  cartório  em  decorrência  de  tais  alterações  no  Estatuto.  Conforme  disse  o 
capitão, é no referido espaço que acontecem os ensaios do grupo e também onde ficam guardados os 
instrumentos. 

6.4.3.2 Congada Nossa Senhora do Rosário – Distrito de Santo Antônio do Rio das Mortes 
Pequeno 

 1° capitão Pedro Norberto da Silva, 69 anos 

 2° capitão Geraldo Feliciano da Silva, 78 anos 

O distrito de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno, que dá nome ao terno de congada, é famoso, 
segundo Passarelli, por ser a terra da Beata Nhá Chica. Está distante cerca de 10 km da sede municipal, 
junto à BR‐265. Outrora, a localidade era formada de pequeno aglomerado de casas em estilo rural, ao 
redor de uma praça plana e gramada; hoje, está em adiantado processo de urbanização e modernização 
do casario. A criação de galinhas e porcos –– em comum –– era típica no Centro do distrito. Tal aspecto 
diluiu–se  com  o  tempo,  e  uma  primeira  mudança  significativa  aconteceu  na  década  de  1970,  com  a 
implantação do distrito industrial nas imediações. 

Na década seguinte, a  passagem da Ferrovia do Aço foi impactante  na vida  social e econômica locais, 


trazendo, para a área, novos moradores e influências. Também merece destaque a passagem da Estrada 
Real  por  dentro  da  vila,  especificamente  do  Caminho  Velho,  primitivo  Caminho  Geral  do  Sertão,  que 
ainda  possibilita  uma  pitoresca  caminhada  contemplativa  da  história,  desde  os  bandeirantes  aos  dias 
atuais. 

O grupo de  congada de Santo Antônio do  Rio das  Mortes Pequeno está na família “dos Cristóvão” há 


pelo  menos  três  gerações  (Figura  6.72).  Seus  dirigentes,  Pedro  Norberto,  Geraldo  Feliciano  e  Zé 
Roberto,  reforçam  com  ares  de  satisfação  que  sua  congada  é  centenária:  “Sou  herdeiro  familiar  da 
bengala de comando, que já foi de meu irmão, pai, avô, bisavô”, ressaltou o capitão. Antes de o atual 
capitão Pedro Norberto assumir a liderança do grupo, outros dois integrantes da família (seu irmão, pai 
e avô) já tinham assumido o posto. 

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Figura 6.72 – Da esquerda para a direita, o capitão Pedro Norberto, seu sobrinho Zé Roberto (relações–
públicas da congada) com o filho e seu irmão Geraldo Feliciano (sanfoneiro da congada). Fonte: Equipe 
Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Pedro Norberto da Silva nasceu na localidade, casado, aposentado, católico e reside atualmente lá. Já 
trabalhou como caminhoneiro e morou em várias regiões do País, como Norte e Nordeste, mas, durante 
os  festejos  da  congada,  sempre  retornava  ao  lugar  para  comemorar  os  festejos  de  Nossa  Senhora  do 
Rosário com  a família. O irmão mais velho, Geraldo, também é natural  da comunidade,  aposentado  e 
sanfoneiro da congada. A função de capitão assumida por Pedro é um legado que vem sendo passado 
de  geração  em  geração.  A  festa  de  Nossa  Senhora  do  Rosário  acontece  na  Igreja  de  Santo  Antônio 
(Figura 6.73), localizada no distrito de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno. 

 
Figura 6.73 – Igreja de Santo Antônio, no distrito de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

169 
 
A congada também conta com a dedicação de Zé Roberto, relações–públicas do grupo, filho de Geraldo, 
que  reside  na  comunidade  desde  que  nasceu.  Profissionalmente,  ele  trabalha  no  ramo  da  construção 
civil. É de sua função cuidar da organização da festa e também fazer a intermediação dos interesses do 
grupo com o Poder Público e outras entidades.  

Segundo ele, o Poder Público local, através da Secretaria de Cultura e Patrimônio, não contribui para os 
festejos:  “Nós,  aqui,  somos  esquecidos;  ninguém  vem  aqui:  nem  Prefeito,  nem  Secretário  de  Cultura. 
Eles dão importância só àquele miolo da cidade. Só dão importância à festa Nossa Senhora do Carmo e 
Nossa Senhora das Mercês.” (Zé Roberto, em entrevista realizada na sede da congada em 31/08/2017). 

O estilo do uniforme usado pelos integrantes também remete ao que os antigos costumavam vestir para 
homenagear  os  santos  padroeiros.  Segundo  ressaltou  o  capitão  Pedro,  a  farda  é  composta  por  calças 
brancas, camisas brancas, saias cor–de– rosa e capacetes enfeitados com flores e espelhos (Figura 6.74). 
A saia rosa representa São José e a cor branca, Nossa Senhora do Rosário, explicou ele. Os instrumentos 
utilizados pelo grupo são duas caixas, duas sanfonas, violões e pandeiros. 

 
Figura 6.74 – Detalhe do terno de congado de Nossa Senhora do Rosário. É possível perceber que o 
grupo é formado só por homens. 
Fonte: Foto cedida por Ulisses Passarelli à Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

O  grupo  é  registrado  pelo  nome  de  Associação  de  Nossa  Senhora  do  Rosário  (Figuras  6.75  e  6.76). 
Atualmente,  o  grupo  é  formado  por  aproximadamente  40  dançadores,  todos  homens,  incluindo 
crianças,  jovens  e  adultos.  Além  disso,  o  grupo  possui  uma  sede  própria,  composta  por  uma  sala, 
cozinha e banheiro, que é utilizada para promover eventos e reuniões do grupo. É nesse prédio que são 
servidas as refeições aos congadeiros na festa, em outubro. 

170 
 
 
Figura 6.75 – Sede da Associação de Nossa Senhora do Rosário. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

    

..  
Figura 6.76 – Estrutura interna da Associação: mesa de reunião, armário para guardar os instrumentos e 
adereços da congada e o altar. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 
No interior do prédio, o visitante  também pode apreciar um pouco da trajetória histórica  do grupo, a 
partir  de  imagens  impressas  fixadas  às  paredes.  Há  uma  mesa  grande  com  várias  cadeiras,  que  são 
utilizadas durante as reuniões e eventos beneficentes para angariar recursos financeiros. Na sala, existe 

171 
 
ainda um armário, onde são guardados os instrumentos da congada. Zé Roberto fez questão de mostrar 
as duas caixas que já estão no grupo há mais de 100 anos. Um dos nichos é reservado ao altar enfeitado 
com flores, destinado a Nossa Senhora do Rosário, Santo Antônio e outros santos. 

Separada da sala de reuniões, está a cozinha, que é utilizada pelas mulheres da família e comunidade 
em geral para preparar as comidas oferecidas no almoço da festa (Figura 6.77). Ela está equipada com 
um freezer horizontal, uma mesa ao centro, pias, armários de parede e um fogão a gás industrial com 
seis  acendedores.  Além  disso,  dispõe  de  panelas  e  tachos  de  alumínio,  pratos  e  talheres.  Conforme 
disseram  os  informantes,  os  equipamentos  foram  adquiridos  por  meio  de  doações  e  com  recursos 
próprios. 

     

       
Figura 6.77 – Estrutura física da cozinha, onde são realizados os almoços oferecidos no dia da festa de 
Reinado, que acontece no final do mês de outubro. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 
Segundo os informantes, não há uma data exata da origem do grupo, mas afirmam que, seguramente, a 
tradição já deve estar na família por três gerações. De acordo com o sanfoneiro Geraldo, pelo que seu 
avô contava, o terno deve ter uns 300 anos: 

172 
 
                                          “O congado da família era, originalmente, de um lugar chamado Canela, aqui em 
Minas Gerais; lá, eles deixaram acabar, mas meu avô levantou ele aqui e, meu pai, 
Geraldo  Feliciano,  pegou  o  posto  de  capitão.  Isso,  há  mais  ou  menos  uns  100 
anos. Quando meu vô morreu, em 1939, eu tinha uns 12 anos. Na época do meu 
avô,  meu  pai  já  era  capitão;  daí  vem  passando  pelos  integrantes  da  família.  O 
capitão  era  meu  irmão  mais  velho,  e  passou  pra  mim  –  tem  a  hierarquia,  com 
prioridade dos mais velhos. Mas eu passei para o Pedro porque sou o sanfoneiro 
da congada, e não posso fazer as duas coisas.” (Sanfoneiro Geraldo, em entrevista 
realizada na sede da congada, em 32/08/2017) 

Para  os  detentores,  é  importante  conhecer  o  passado  para  preservar  o  presente.  Parece  que  a 
possibilidade de conhecer as origens do grupo permite que tenham maior compreensão da importância 
da continuidade da prática. O capitão Pedro está no comando do grupo desde 2013, quando seu irmão 
mais velho e capitão do terno, José Pedro Sobrinho, o Dezinho, veio a falecer. 

Conforme a tradição passada através de gerações, as mulheres não participam diretamente do grupo, 
como acontece com outros, com exceção da bandeira. Na maioria das vezes, cabem a elas atividades, 
tais  como:  organizar  os  festejos,  confeccionar  as  fardas  e  preparar  as  comidas.  Outra  característica  é 
que o grupo se considera mais contido na batida das caixas. O forte dele (destaque, neste caso) está na 
dança e nas alegorias dos adereços, e também na manutenção de costumes, que só existe entre eles. 

Diferentemente dos outros grupos que mantêm o costume de receber ternos de outros distritos e até 
de outros municípios vizinhos, a congada da comunidade participa apenas da festa do Jubileu do Divino 
no  distrito–sede:  “Vamos  a  São  João,  mas  nossas  caixas  são  mais  agudas,  e  as  caixas  deles  são 
monstruosas, e a gente perdido lá no meio. Pedimos para nos colocar na frente ou atrás, mas eles não 
deixam. No meio do cortejo, ninguém escuta a gente.” (Capitão Pedro, em entrevista realizada na sede 
da congada, em 31/08/2017). 

Outro  ponto  que  diferencia  o  terno  é  que,  durante  a  festa  da  congada,  que  acontece  no  mês  de 
outubro,  nenhum  outro  grupo  é  convidado;  somente  a  congada  do  distrito  participa  dos  festejos  em 
louvor a Nossa Senhora do Rosário: “Nós não misturamos com outras congadas por causa de desvio de 
conduta e da cantoria ser diferente. Nós temos violão, e os outros, só batuque” –– ressaltou o capitão, 
para justificar o motivo de outros grupos não participarem de sua festa. 

Uma  personagem  emblemática  que  integra  grupo  são  os  mouros,  que  se  vestem  de  vermelho  e 
encenam uma espécie de luta. De acordo com CASCUDO (2001), as congadas de representação teatral 
focalizam sempre a luta entre mouros e cristãos, terminando com a vitória dos cristãos. Por outro lado, 
o  autor  comenta  que,  com  o  passar  do  tempo,  os  elementos  cênicos  foram  sendo  esquecidos, 
permanecendo  apenas  os  bailados  e  cânticos.  A  existência  dessa  personagem,  conforme  descreve  o 
autor, pode ser outro elemento que contribui para reforçar, no discurso dos detentores, o sentido de 
autenticidade do grupo em relação aos demais que existem no município. 

Ao contrário de algumas congadas que integram elementos da religião católica e também de religiões 
de matriz africana, para estabelecer uma conexão maior com seus ancestrais, o grupo define–se apenas 

173 
 
“de religioso”. Parece que, na opinião dos detentores, os grupos que usam mais caixas na percussão são 
menos  legítimos  que  eles.  A  ideia  de  autenticidade,  reforçada  pela  tradição  do  grupo,  pode  ser 
percebida através do apoio ao líder da igreja local: 

“Em São João Del Rei, já aconteceu de o padre fechar a igreja e não deixar uma 
congada entrar. É porque estão misturando as religiões. Nós não misturamos com 
outras congadas por causa de desvio de conduta e da cantoria ser diferente. Nós 
temos violão e os outros, só batuque.” (Capitão Pedro e Zé Roberto, em entrevista 
realizada na sede da congada em 31/08/2017). 

A  festa  da  congada  acontece  no  mês  de  outubro  e  homenageia  Nossa  Senhora  do  Rosário  e  Santo 
Antônio de Pádua, padroeiro do distrito. No dia 8, os festejos se iniciam com o hasteamento do mastro 
no  adro  da  igreja,  indicando  que  a  comunidade  está  em  festa.  Nos  dias  24  e  25,  acontece,  de  fato,  a 
festa de Reinado, com a coroação de reis, missas e procissões pelas ruas do distrito. 

O  capitão  Pedro  (Figura  6.78),  com  sua  bengala  enfeitada  de  fitas  e  capacete  paramentado  de  flores 
artesanais de papel crepom e espelhos, comanda a congada com devoção e garra: “Ele e seus irmãos, 
demais  familiares,  parentes  e  amigos,  formam  um  grupo  coeso,  que  bem  caracteriza  o  sentido  de 
irmandade”, como descreveu Passarrelli durante as observações realizadas durante os festejos. 

 
Figura 6.78 – Capitão Pedro Norberto. 
Fonte: foto cedida por Ulisses Passarelli à Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Entre  os  ritos  que  compõem  a  festa  da  congada,  como  missas,  novenas,  coroação  de  reis  e  rainhas  e 
procissões,  há  também  os  cafés,  que  são  oferecidos  aos  dançadores  pelos  devotos  da  comunidade.  A 
comensalidade  é  um  evento  que  não  pode  faltar  nas  festas  da  congada.  Além  da  congada,  outra 
manifestação local que abrilhanta os festejos é a participação da centenária corporação musical Lira do 
Oriente, cuja existência data do final do século XIX. Em termos culturais, a comunidade ainda preserva 
outras práticas, como a festejada nos cruzeiros, durante o mês de maio, e o carnaval, com os desfiles de 
agremiações locais. 

174 
 
De acordo com os entrevistados, a congada não apresenta sinais de crise de desaparecimento. Isso se 
deve ao empenho da família, que se esforça para dar continuidade à tradição ou, como eles falam, “para 
não deixar  morrer”. Deve–se, também, ao  reconhecimento que  a comunidade atribui à prática como 
uma  referência  cultural  do  lugar.  No  entanto,  lamentam  que  o  Poder  Público,  através  do  órgão  de 
Cultura não dê a devida atenção que o bem requer para continuar existindo, já que, historicamente, é 
um dos grupos de congado mais antigo do município. 
6.4.3.3 Moçambique Santa Efigênia do Bairro São Geraldo  
 Nivaldo Neves, 78 anos – Fundador e ex–presidente da Associação de Congado Santa Efigênia 

Nivaldo  Neves  é  aposentado  e  milita  em  prol  da  valorização  da  cultura  negra  no  bairro  (Figura  6.79). 
Uma  de  suas  preocupações  é  promover  projetos  sociais  que,  além  de  incluírem  os  jovens  da 
comunidade em atividades culturais, sociais e recreativas, sejam capazes de transformá–los em futuros 
cidadãos comprometidos com o bem comum. 

 
Figura 6.79 – Nivaldo Neves, responsável pelo terno do Moçambique na década de 90. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Os  primeiros  festejos  em  homenagem  a  Nossa  Senhora  do  Rosário  no  bairro  São  Geraldo  foram 
realizados em 1965, por dona Carmelita Neves da Silva, natural do antigo distrito de Caburu, hoje São 
Gonçalo do Amarante. Nascida em outubro de 1914, é filha de Ambrósio, um dos violeiros da banda de 
congado da localidade. Aos 20 anos, Carmelita mudou–se para a cidade Formiga (MG), onde se casou 
com  Sebastião  Silva,  capitão  da  banda  de  congado  Catupé.  Em  1934,  ela  retornou  a  São  João  Del  Rei 
com sua família, deixando para trás o congado. 

Após  o  falecimento  de  seu  marido,  em  1965,  ela  pensou  na  possibilidade  de  resgatar  os  festejos  no 
bairro. Reuniram–se, então, Carmelita, sua irmã Ana Maria e mais algumas amigas que já realizavam os 
congados  no  bairro  São  Dimas  para  restabelecerem  as  homenagens  em  prol  de  Nossa  Senhora  do 
Rosário  (Figura  6.80).  Os  festejos  de  congado,  desde  essa  época,  passaram  a  acontecer  no  mês  de 
agosto, no bairro, sempre com a colaboração de sua irmã. A última homenagem de Carmelita a Nossa 

175 
 
Senhora  do  Rosário  aconteceu  em  1980.  Com  seu  falecimento  dois  anos  depois,  os  festejos  ficaram  a 
cargo do presidente da Associação de Bairro, que, por alguns anos, manteve a tradição. 

 
Figura 6.80 – Imagens de Carmelita e Ana Maria, fundadoras do Moçambique Santa Efigênia. Abaixo, 
compondo a mesma imagem, Nivaldo Neves, filho de Carmelita. Imagem reproduzida a partir de 
fotografia impressa pertencente ao arquivo particular de Nivaldo Neves. 
Fonte:  Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Carmelita  e  Ana  Maria  foram  as  precursoras  dos  festejos  no  bairro.  Em  abril  de  1994,  os  filhos  de 
Carmelita,  incluindo  Nivaldo  Neves,  e  os  filhos  de  Ana  Maria,  criaram  a  Associação  de  Congado  Santa 
Efigênia,  cujo  primeiro  presidente  foi  o  próprio  Nivaldo.  Consequentemente,  surgiu  o  Moçambique 
Santa  Efigênia  do  bairro  São  Geraldo,  que  completou  23  anos  no  ano  de  2017.  Conforme  destacou 
BENTO  (2008)  o  Terno  de  Moçambique  é  caracterizado  por  grupo  de  dançadores  onde  todos  dançam 
tocando patagunga e gungas (uma espécie de guizos presos às pernas). Nivaldo é integrante da diretoria 
da Associação do Congado, e já assumiu o cargo de presidente. 

O  terno  de  Moçambique  é  caracterizado  por  grupo  de  dançadores,  em  que  todos  dançam  tocando 
patagunga e gungas (uma espécie de guizos presos às pernas), como destacou BENTO (2008). Integrante 
da diretoria da Associação do Congado, já assumiu o cargo de presidente. 

Os  projetos  sociais  existentes  no  bairro,  como  Roda  de  Capoeira  “Estilo  Capoeira”  e  o  grupo  de 
percussão  “Regue  da  Periferia”  tiveram  sua  contribuição.  Atualmente,  responde  pela  tesouraria  da 
instituição,  e  sua  contribuição  no  terno  está  centrada  na  parte  administrativa.  Portanto,  ele  não  é 
dançador de congada. Na época em que fundou a Associação, convidou o atual capitão do terno, Tadeu 
Nascimento de Sousa, para liderar o grupo, pois já conhecia a trajetória dele e o desejo de fundar um 
terno, mas encontrava obstáculos financeiros para concretizar o sonho. 

176 
 
A  trajetória  histórica  dos  Neves  com  o  congado  no  bairro  São  Geraldo  aproxima  a  família,  que  dá 
continuidade à congada Nossa Senhora do Rosário de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno –– pelo 
menos,  enquanto  discurso  de  seus  membros.  É  que  ambas  encontram  respaldo  na  herança  cultural 
familiar,  que  contribui  para  estruturar  as  narrativas  sobre  os  resgates  de  suas  práticas  como  sendo 
tradição, isto é, passadas de pais e mães para filhos.  
Em termos estéticos, os tons do terno são compostos, basicamente, pelas cores azul– claro e branco. Em 
relação aos uniformes dos/as dançadores/as, as mulheres usam saias e blusas brancas com uma faixa de 
cor  azul  transpassada  nos  ombros  e  um  tipo  de  boina  azul  sobre  a  cabeça.  Os  homens,  por  sua  vez, 
vestem calças e camisa brancas e também faixa e  boina azuis. É  comum que  alguns integrantes usem 
algum tipo de acessório com rosários (terços) grandes, transpassado nos ombros, e guias no pescoço. 
A percussão do terno é composta por quatro caixas, que dão o tom para que os outros instrumentos, 
patagônias  e  as  gungas  (guizos  presos  às  pernas  dos  dançadores),  sigam–nas.  Segundo  Nivaldo,  os 
integrantes  que  tocam  as  gungas  precisam  estar  fisicamente  preparados,  já  que  se  trata  de  um 
instrumento pesado. Ele é composto por pequenas latas cilíndricas com pedrinhas fixas a uma perneira 
de couro, cuja finalidade é ficar atadas abaixo do joelho e imediatamente acima dos pés. À medida que 
o dançador faz os movimentos de dança, o atrito das pedras com as latas emite os sons: 
“Quem bate as gungas tem que ser pessoas jovens; pessoa de idade não aguenta. 
E  aí,  a  gente  tem  um  problema:  os  jovens  não  querem  participar  das  congadas. 
Mas,  como  eles  gostam  de  barulho,  batucada,  eu  vou  escrever  um  projeto  para 
ver  se  consigo  recurso  para  comprar  mais  gungas  e  chamar  alguns  deles  para 
ensaiar  no  terno.  Vai  ser  o  jeito.”  (Nivaldo,  em  entrevista  realizada  em  sua 
residência, no bairro São Geraldo, em 30/08/2017). 
O  terno  de  Moçambique  (Figura  6.81),  embora  seja  registrado  como  pertencente  ao  bairro  de  São 
Geraldo,  também  possui  alguns  integrantes  oriundos  de  outras  partes  da  cidade.  Segundo  Nivaldo,  é 
impossível manter o grupo apenas com pessoas da comunidade, já que é baixo o número de pessoas da 
comunidade  que  dançam  no  terno.  Segundo  ele,  com  os  poucos  dançadores  da  comunidade  que 
integram o grupo, é impossível mantê‐lo minimamente coeso. A sede do grupo funciona na residência 
de Nivaldo Neves, no referido bairro. 

 
Figura 6.81 – O terno Moçambique no interior da Igreja do Bom Jesus de Matosinhos. Imagem 
reproduzida a partir de fotografia impressa pertencente ao arquivo particular de Nivaldo Neves. 

177 
 
As festas de congado realizadas pela Associação são realizadas sempre no terceiro domingo de agosto. 
Nesse dia, acontece a caminhada da corte de congado para a praça principal do bairro, onde é saudada 
pelas bandas convidadas, grupos de capoeira e grupos afros, como o Grupo de Inculturação Raízes da 
Terra. Além disso, é rezada uma Missa Inculturada e oferecido um almoço aos convidados do congado. 
 A respeito da missa, que o entrevistado denomina de “missa africana”, sua principal característica é que 
os integrantes entram na igreja, recitando os cânticos ao som de tambores: 

“Durante a Festa do Jubileu do Divino, no bairro Matosinhos, a gente fazia a missa 
africana. A igreja ficava lotada de gente para ver os ternos adentrarem com seus 
batuques.  Eu  já  fui  imperador  do  Divino  e  fui  coroado  pelo  bispo  durante  esse 
festejo.”  (Nivaldo,  em  entrevista  realizada  em  sua  residência,  no  bairro  São 
Geraldo, em 30/08/2017). 

No entanto, Nivaldo lamentou que a missa só existiu por alguns anos, e que o próprio padre resolveu, 
por  conta  própria,  encerrá‐la.  Para  ele,  o  ato  se  caracteriza  como  puro  preconceito  aos  ternos  de 
congados, assim como aconteceu em décadas passadas. Os conflitos com os líderes da igreja local não 
impediram a retirada da missa da programação da festa: “Nosso Moçambique já foi impedido de entrar 
na igreja. Foi durante uma festa do Jubileu que o padre fechou a porta da igreja; aí, o grupo rezou na 
rua,  porque  não  podia  entrar  na  igreja  batendo  as  caixas.”  (Nivaldo,  em  entrevista  realizada  em  sua 
residência, no bairro São Geraldo, em 30/08/2017). 

Durante  o  ano,  o  terno  de  Moçambique  cumpre  alguns  compromissos.  Além  da  própria  festa  de 
congado  na  Igreja  São  Geraldo,  organizada  pela  Associação  de  Congado  Santa  Efigênia,  também 
participa de outras festividades de congado em São João Del Rei, com a Festa do Rosário no bairro São 
Dimas e a Festa do Divino Espírito Santo. Quando o Poder Público local disponibilizava o transporte, o 
grupo costumava prestigiar festas em outros municípios de Minas Gerais, como Tiradentes, Ibituruna e 
Prados. 

A  última  festa  do  grupo,  que  aconteceu  no  mês  de  agosto,  não  contou  com  a  participação  de  outros 
ternos,  nem  do  próprio  município,  nem  de  localidades  vizinhas.  Foram  enviados  mais  de  40  convites 
endereçados aos capitães de ternos, via Correios; nenhum voltou. É sinal de que eles receberam, mas 
não  apareceu  um  sequer.  Em  relação  aos  grupos  daqui,  talvez  não  tenham  vindo  porque  a  Prefeitura 
não liberou transporte. 

Por  outro  lado,  conforme  se  percebeu  no  discurso  dos  informantes  responsáveis  pela  congada  do  rio 
das Mortes, o terno de  Moçambique Santa Efigênia mistura as coisas, ou seja, pelo fato de utilizarem 
caixas  e  cânticos  dando  ênfase  à  identidade  africana,  o  terno  é  visto  de  forma  pejorativa,  e  que  está 
agindo com conduta desrespeitosa perante a santa católica.  

Além dos conflitos que parecem existir entre os próprios capitães de ternos do município, e também por 
parte dos líderes da Igreja Católica, o terno de Moçambique enfrenta dificuldades por falta de interesse 
de jovens em participar dos festejos de Nossa Senhora do Rosário. Aliás, parece que o problema não é 
exclusivo  dessa  congada  ––  há,  nos  discursos  de  outros  capitães,  queixas  semelhantes  em  relação  ao 
mesmo  problema.  Outras  dificuldades  e  problemas  específicos  dizem  respeito  à  questão  da  falta  de 

178 
 
interesse do Poder Público local em apoiar a manutenção do terno, principalmente no que se refere ao 
patrocínio de transportes para viabilizar as pagas de visitas tanto no próprio município como na região, 
já  que  a  maioria  dos  integrantes  são  pessoas  idosas,  que  não  podem  percorrer  longas  distâncias  para 
participar de festas em outros bairros.  

Não menos importantes, o terno reclama que não possui uma sede própria onde possa realizar reuniões 
e ensaios. Atualmente, a sede funciona, de forma improvisada, na residência de Nivaldo Neves. 

6.4.4  OFÍCIO DE QUINTANDEIRAS 
 Rosana Santos, 54 anos 

 Maria das Dores, 65 anos 

 Maria Amélia Pereira da Silva, 51 anos 

 Geralda da Silva, 60 anos 

A quitandeira Rosana dos Santos tem 54 anos, é natural de Papagaios (MG), de onde saiu aos 21 anos 
para  residir  na  cidade  de  São  João  Del  Rei,  onde  está  até  hoje  (Figura  6.82).  Ao  chegar  à  cidade,  em 
1984,  residiu  numa  pensão,  onde  teve  a  oportunidade  de  aprimorar  o  ofício  de  quitandeira.  É  que  a 
irmã  da  proprietária  do  estabelecimento,  Aparecida,  conhecida  como  Titica,  e  que  hoje  tem  82  anos, 
fazia quitandas para vender nos fins de semana. Foi quando Rosana teve uma aproximação maior com o 
preparo  de  quitandas.  Ressaltou  que  não  recebia  dinheiro;  em  troca  pelo  trabalho,  ganhava  algumas 
quitandas para alimentar as filhas, que eram crianças. 

 
Figura 6.82 – A quitandeira Rosana durante entrevista concedida à equipe de pesquisa. 
Fonte:  Equipe  Biodinâmica, 2017. 
 
De  acordo  com  a  informante,  embora  sua  mãe  fizesse  quitandas  para  o  consumo  da  família,  não 
consumava ajudá–la na preparação das merendas. Na verdade, sua mãe era reconhecida na região de 
Pitangui (MG) como cozinheira e, constantemente, era convidava para preparar as comidas servidas nas 
festas de casamento das famílias ricas da região: “Minha mãe fazia almoço para casamentos das famílias 
ricas da região, e, desde os 4 anos de idade, eu subia em um caixote e ajudava na cozinha. Minha mãe 
fazia de tudo, e todos adoravam a comida dela.” (Rosana, em entrevista realizada no Rosana Café, em 
01/09/2017). 

179 
 
Percebe–se,  portanto,  na  trajetória  da  quitandeira,  a  presença  de  memórias  afetivas  que,  além  de 
dialogarem com o Ofício de Quitandeiras e festas, reforçam a existência de uma transmissão de saberes 
que se deu a partir das vivências com pessoas próximas, ou através de vínculos familiares, ou não. 

No início da década de 1992, incentivada pela quitandeira Titica, foi que Rosana iniciou–se, de fato, no 
ofício de quitandeira; a partir daí, começou a comercializar as quitandas:  

“Dona  Aparecida  (Titica)  me  deu  a  ideia  de  fazer  as  quitandas  para  ganhar 
dinheiro e me passou as receitas. Ela me sugeriu vender na Delegacia de Ensino, 
há  25  anos.  Fiz  umas  embalagens  bonitas,  levei  algumas  para  experimentar  e 
vendi tudo no mesmo dia. Desde então, comecei a fazer para vender nas casas.” 
(Rosana, em entrevista realizada no Rosana Café, em 01/09/2017) 

Posteriormente, a quitandeira Titica passou a fornecer merendas para a loja “Quitutes quitandas”, que 
já  fechou,  e,  como  não  dispunha  de  tempo  para  conciliar  o  ofício  de  quitandeira  com  a  função  de 
servidora pública, convidou Rosana para ajudar no fornecimento e nas preparações das quitandas que 
ela havia aprendido. 

Houve  um  tempo  em  que  também  forneceu  quitandas  para  o  Hotel  Lenheiros,  localizado  na  Avenida 
Tancredo Neves. Chegava a entregar entre 35 a 40 quilos de biscoitos por semana. Nessa época, contava 
com a ajuda de outra quitandeira, que não reside mais na cidade, para enrolar os biscoitos: “Com isso, 
aprendi a fazer rosca e passei a fornecer para faculdade”, disse Rosana. De maneira informal, sua fama 
foi  se  espalhando  pela  cidade,  a  ponto  de  a  quitandeira  fazer,  por  algum  tempo,  quitandas  para  os 
eventos que aconteciam na Universidade Federal de São João Del Rei (UFSJ). 

Relembrou  a  quitandeira  Rosana  que,  no  início,  quando  começou  a  trabalhar  com  a  mestra  Titica,  as 
quitandas  eram  assadas  no  “forno  de  varrer”,  e  que  a  lenha  utilizada  vinha  da  roça:  “Era  uma  tarefa 
bastante  árdua”,  comentou  ela.  Era  necessária  uma  pessoa  exclusiva  para  assar  as  quitandas  porque, 
segundo ela, qualquer descuido poderia queimar os biscoitos, em virtude das altas temperaturas que o 
forno  atingia.  A  quitandeira  Rosana  sempre  preferiu  a  função  de  amassadeira  e  enroladeira  de 
quitandas, isto é, a pessoa que mistura os ingredientes até formar a massa para, em seguida, moldar os 
biscoitos e rosquinhas nos tabuleiros, para levar ao forno. 

Desde  o  início  da  década  de  2000,  a  quitandeira  Rosana  se  estabeleceu  no  endereço  comercial 
localizado  na  Praça  Dr.  Salatiel,  nº  61,  no  Centro  da  cidade;  fazia  quitandas  a  portas  fechadas.  Foi 
quando a loja “Quitutes quitandas” fechou o estabelecimento, e a proprietária passou a clientela para 
ela. Então, os clientes já sabiam: quando queriam algum produto, ou faziam os pedidos por telefone, ou 
se dirigiam ao estabelecimento. 

No entanto, há aproximadamente três anos, resolveu implementar os negócios, e abriu o Rosana Café, 
no mesmo local (Figura 6.83). A diferença hoje é que as pessoas podem degustar quitandas o dia inteiro. 
Além das vendas diretas, ela também recebe encomendas:  

180 
 
“Há  três  anos,  resolvi  fazer  este  café.  Era  um  sonho  que  eu  tinha,  porque  eu 
sempre  fazia  de  porta  fechada.  Meu  companheiro  queria  que  eu  montasse  uma 
padaria,  mas  eu  queria  algo  artesanal.  A  inauguração  foi  boca  a  boca,  nem 
fizemos  convites.  Fiz  uma  mesa  de  degustação  e  chamamos  as  pessoas  que 
conhecem  minhas  quitandas.”  (Rosana,  em  entrevista  realizada  no  Rosana  Café, 
em 01/09/2017). 

A  quitandeira  Rosana  conseguiu,  com  isso,  dar  continuidade  à  tradição  do  ofício  de  quitandeira, 
sobretudo  no  que  diz  respeito  ao  modo  de  fazer  artesanal  das  quitandas.  Ela  comercializa  desde  os 
produtos  ditos  tradicionais,  como  biscoitos  misturados,  biscoito  de  polvilho,  broas  de  milho,  cubu  de 
fubá  com  coalhada,  roscas  e  rosquinhas,  até  bolos  e  biscoitos  com  baixos  teores  de  açúcar,  ou  sem 
lactose e sem glúten, o que permite atender a todos os públicos (Figuras 6.83 e 6.84). 

     

     
Figura 6.83 – Detalhes do espaço Rosana Café, onde a quitandeira comercializa quitandas. 
Fonte: Equipe  Biodinâmica Rio, 2017. 
 

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Figura 6.84 – Biscoitos, roscas, bolos e broas de fubá. 
Fonte: Equipe  Biodinâmica Rio, 2017. 
 

“Hoje,  eu  já  tenho  bolo  de  laranja  e  maracujá  sem  lactose,  e  também  produtos 
para pessoas que não comem carne, como a quiche de brócolis e a esfirra quatro 
queijos. Mas mantenho os produtos tradicionais, como rosca, broinha de fubá de 
canjica e bolo de fubá. Só não trabalho com frituras. A rosca é o meu carro–chefe; 
já era famosa como receita da Titica (Rosana, em entrevista realizada no Rosana 
Café, em 01/09/2017). 

Assim  como  acorreu  com  outras  quitandeiras  com  as  quais  as  pesquisas  foram  realizadas,  em  que  a 
relação festa/quitanda está presente, com a quitandeira Rosana não foi diferente. Segundo ela, durante 
as  festas  de  padroeira  e  primeira  comunhão  de  crianças,  as  vendas  costumam  aumentar  com 
encomendas de vários tipos de biscoitos, roscas e bolos. 

Para  dar  conta  da  produção  de  quitandas,  Rosana  conta  com  a  ajuda  de  Maria  das  Dores,  conhecida 
como  Dora,  ex–professora,  aposentada  e  casada.  Teve  como  mestra  a  quitandeira  dona  Titica,  que 
também  a  incentivou  a  fazer  quitandas  para  comercializar.  Mas  acrescentou  Dora  que,  desde  quando 
era jovem, ajudava sua madrasta a fazer quitandas. Disse ela que começou a fazer as quitandas e assá–
las em forno de varrer a lenha, quando morava na zona rural de Resende Costa. 

Embora  uma  das  características  principais  do  ofício  seja  mantida,  que  é  o  modo  artesanal  de  fazer 
quitanda  aprendido  com  as  mestras,  percebe–se  também  que  algumas  mudanças  são  contabilizadas. 
Talvez a tendência mais presente seja a substituição do forno de varrer a lenha por outras alternativas 

182 
 
mais  práticas,  como  os  fornos  elétricos  ou  a  gás,  como  é  o  caso  da  quitandeira  Rosana,  que  utiliza  o 
forno a gás para assar às quintas–feiras. 

Porém,  outras  mudanças  de  ordem  institucional  dizem  respeito  às  atuais  legislações  sanitárias  e 
ambientais.  Na  cozinha  da  quitandeira,  os  tabuleiros  de  latão,  outrora  feitos  com  latas  vazias,  foram 
substituídos por tabuleiros de alumínio; as paredes são revestidas de piso cerâmico; e as bancadas são 
de mármore ou de inox (Figura 6.85). 

Além dessas mudanças, as quitandas, depois de prontas, não são mais armazenadas em latas, como se 
costumava  fazer  em  tempos  outros,  até  porque  não  demoram  para  serem  consumidas.  Depois  de 
assadas, as quitandas são embaladas em sacos plásticos e colocadas na vitrine da loja. 

     

     
Figura 6.85 – Detalhe da cozinha da quitandeira Rosana: bancadas de aço inoxidável, tabuleiros de 
alumínio e revestido de teflon, forno industrial a gás e balança. 
Fonte: Equipe  Biodinâmica Rio, 2017. 
 
A respeito da matéria–prima utilizada na produção das quitandas artesanais, Rosana afirmou que não 
segue uma rigidez, mas tem a preocupação de usar ingredientes originários da roça, até porque não os 
encontra com facilidade. Ela costuma comprar tudo na cidade; nas receitas, tanto usa ovos brancos (de 
granja) como ovos caipiras.  Da mesma forma, não costuma utilizar o leite cru, pois a legislação sanitária 
não permite:  

183 
 
“Aqui,  qualquer  mudança  ou  produto  novo  que  eu  criar,  só  pode  ser 
comercializado depois que registrar na Secretaria Municipal de Agricultura, o que 
encarece muito. Não é todo mundo que pode fazer algo aqui para comercializar – 
a fiscalização fica em cima.” (Rosana, em entrevista realizada no Rosana Café, em 
01/09/2017). 

Essa  fala  da  quitandeira  acaba  caracterizando–se  como  um  fator  que,  provavelmente,  associado  a 
outros,  pode  contribuir,  cada  vez  mais,  para  reduzir  o  Ofício  de  Quitandeiras  na  cidade.  Fica  como 
sugestão que o IPHAN, juntamente com o Poder Público local, estabeleça parceria para pensar medidas 
de  salvaguarda  que  sejam  capazes  de  equalizar  questões  de  legislações  específicas  para  o  setor 
alimentício, sem que, para isso, implique enfraquecimento da prática.  

A  quitandeira  e  doceira  Maria  Amélia  Pereira  da  Silva  sobrevive  da  venda  de  quitandas,  geleias  e 
compotas que comercializa na Praça do Prédio da Estação Ferroviária da cidade. É natural do município 
de Minduri, localizado na região do sul de Minas Gerais, onde viveu até os 37 anos (Figura 6.86). Reside 
em São João Del Rei desde o ano de 2002, quando se mudou com os dois filhos, para acompanhar a filha 
que  havia  ingressado  na  universidade.  Nesse  período,  também  residiu  na  cidade  de  Tiradentes,  onde 
trabalhou em pousadas.  

     
Figura 6.86 – Quitandeira Amélia durante entrevista concedida à equipe de pesquisa na feira de 
artesanato localizada na Praça da Estação. 
 
Relembra  a  quitandeira  Amélia  que,  durante  a  infância,  vivida  na  zona  rural  de  Minduri,  seus  pais 
costumavam fazer melado, rapadura e quitandas para vender na cidade. “Minha mãe fazia as quitandas, 
e os filhos ajudavam a preparar, vender ou trocar na cidade.” (Maria Amélia, em entrevista realizada na 
Praça  da  Estação,  em  01/09/2017).  Segundo  ela,  como  é  de  costume,  todas  as  noites,  os  dois  filhos 
ajudam a enrolar as quitandas. 

Ressaltou também que possui uma caderneta com os registros das receitas  de quitandas e doces que 
sua mãe costumava fazer quando moravam na roça, no interior do estado. Um fato curioso explicitado 
pela quitandeira é que algumas receitas sofreram adaptações para atender às necessidades atuais. Disse 
ela:  “Minha  mãe  media  os  ingredientes  nas  mãos,  e  eu  consegui  transformar  essas  medidas  em 
quantidades das receitas.” (Maria Amélia, em entrevista realizada na Praça da Estação, em 01/09/2017). 

184 
 
Além  de  quitandas,  outros  produtos  são  preparados  e  comercializados  pela  quitandeira  e  doceira  na 
praça,  como  geleias  de  frutas  da  estação,  cocadas  de  amendoim,  compotas  de  figo,  goiaba  e  abacaxi, 
doce de leite caseiro, balas de coco (Figura 6.87). Na verdade, se fosse definir o ofício da detentora, com 
base nos produtos que estavam expostos para a venda, na sua maioria doces e geleias doces, podia–se 
dizer que Amélia se identifica mais como doceira: 

“Há 2 anos, todas as sextas e sábados, eu venho colocar meus produtos neste 
local.  Vendo  geleias,  doces,  bala  de  coco  e  quitandas.  No  começo,  eu  fazia 
biscoitos  pra  vender  aqui,  mas,  com  a  chegada  das  quitandas  de  São  Tiago, 
começou a concorrência com preços menores, e meus produtos são naturais e 
de melhor qualidade. Daí, eu tive que passar a fazer outros produtos, como os 
doces.”  (Maria  Amélia,  em  entrevista  realizada  na  Praça  da  Estação,  em 
01/09/2017). 
 

     

     
Figura 6.87 – Doces artesanais produzidos pela doceira e quitandeira Amélia expostos para venda. 
Fonte: Equipe  Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Conforme disse, a quitandeira até insistiu em expor as quitandas artesanais, mas não conseguiu vendê–
las porque os preços  da  barraca ao lado, que  comercializa produtos de São  Tiago, são mais acessíveis 
para o consumidor. O fato é que os produtos elaborados em escala comercial são vendidos por um valor 
inferior ao de mercado. Mais uma vez, percebe que as “quitandas industrializadas” estão contribuindo 

185 
 
para o enfraquecimento do ofício de quitandeira na cidade. A quitandeira ressaltou que sua produção 
de  quitandas  se  dá  mediante  encomendas  de  biscoitos  amanteigados  e  biscoitos  temperados,  que  os 
vizinhos de bairro costumam fazer. 

No que diz respeito à obtenção de matérias–primas utilizadas na elaboração de quitandas e doces, parte 
delas é comprada nos mercados e sacolões da cidade, como a farinha, o açúcar, o fubá e o fermento. Já 
as frutas são adquiridas de produtores rurais que moram no distrito de Santo Antônio do Rio das Mortes 
Pequeno. Também costuma usar ovos caipiras, leite e nata de procedência da zona rural. Para assar as 
quitandas, utiliza o forno a gás, assim como para preparar doces e geleias. Porém, segundo ela, tanto as 
quitandas como os doces, quando cozidos em fogão a lenha, ficam com sabores diferenciados: “É o que 
faz  a  pessoa,  quando  experimenta,  voltar  a  associar  à  comida  feita  pela  avó  na  roça”,  ressaltou  a 
quitandeira. 

A quitandeira Geralda da Silva nasceu no distrito de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno, onde 
cresceu, casou e vive até hoje (Figura 6.88), ao contrário das quitandeiras supracitadas, que residem na 
zona  urbana  de  São  João  Del  Rei.  É  casada  com  Geraldo  Feliciano,  o  sanfoneiro  do  grupo  da  congada 
Nossa Senhora do Rosário. Além de quitandeira, é uma das cozinheiras que preparam o almoço da festa 
da  congada;  as  quitandas  também  fazem  parte  do  cardápio  da  festa.  Os  cafés  oferecidos  aos 
congadeiros  costumam  ser  acompanhados  de  quitandas,  como  pão  de  queijo,  rosquinhas,  biscoito  de 
polvilho e broas de fubá. 

 
Figura 6.88 – Quitandeira Geralda durante entrevista concedida à equipe de pesquisa. 
Fonte: Equipe  Biodinâmica Rio, 2017. 
 
Inicialmente,  sua  aproximação  com  o  ofício  de  quitandeira  se  deu  ainda  na  fase  de  criança,  quando, 
juntamente  com  seus  irmãos,  costumava  “brincar  de  casinha”,  imitando  a  mãe,  que  fazia  quitandas: 
“Quando eu era menina, lembro de brincar de casinha. A gente fazia um fogãozinho e, com panelinhas, 
fazia os cozinhadinho.” (Geralda, em entrevista realizada em sua residência, em 30/08/2017). 

186 
 
Segundo  a  quitandeira,  nessa  época,  sua  mãe  destinava  um  dia  da  semana  somente  para  amassar  as 
merendas;  nessa  empreitada,  envolvia  os  oito  filhos  no  ofício.  Havia  tarefa  para  todos,  desde  pegar 
lenha  para  pôr  no  forno  de  varrer,  pegar  os  ovos  no  galinheiro,  moer  o  milho,  até  ajudar  a  enrolar  a 
massa.  Nessa  época,  a  produção  de  quitandas  restringia–se  apenas  ao  consumo  da  família;  não  fazia 
para comercializar. Fazia por necessidade, como uma alternativa para acompanhar o café da manhã, já 
que, naquele tempo, não existiam padarias na comunidade. 

A quitanda era também um modo de aproveitar e diversificar o uso de alguns insumos produzidos na 
própria roça, como o fubá de milho, ovos, nata, manteiga e queijos. E foi ajudando, desde logo cedo a 
mãe na feitura das quitandas, que Geralda assimilou o ofício: “Eu aprendi vendo a minha mãe fazer. A 
gente, quando era criança, ajudava ela a enrolar as rosquinhas”, destacou.  

Após casar–se e constituir família, deu continuidade ao ofício, porém somente para o consumo interno: 
“Depois que vim morar aqui, que tinha um forno grande, a gente reunia com as vizinhas num único dia 
pra fazer quitandas, broa, torradinha e rosca.”, ressaltou Geralda. 

Atualmente,  não  possui  mais  forno  de  varrer,  como  antigamente,  quando  se  casou.  Para  fazer  as 
quitandas, mandou fazer um forno a lenha integrado ao fogão, pois, ao mesmo tempo que prepara o 
almoço,  aproveita  o  calor  para  assar  as  merendas  (Figura  6.89).  Como  diz  a  quitandeira  Mariana  de 
Conceição da Barra de Minas, esse tipo de forno é uma versão mais moderna do forno de varrer: “Hoje 
eu faço minhas quitandas uma vez na semana. Não pode faltar aqui em casa rosca e bastante pão de 
queijo.” (Geralda, em entrevista realizada em sua residência, em 30/08/2017) 
 

 
Figura 6.89 – Forno de assar quitanda integrado ao fogão a lenha. 
Fonte: Equipe  Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Embora  haja  algumas  mudanças  nos  utensílios  utilizados  na  feitura  das  quitandas,  como  é  o  caso  do 
forno,  o  modo  de  fazer  e  alguns  ingredientes  continuam  sendo  os  mesmos  usados  por  sua  mãe.  A 

187 
 
quitandeira  faz  questão  que  as  quitandas  sejam  assadas  no  forno  a  lenha,  caso  contrário,  se  utilizado 
forno a gás ou a energia, as merendas não ficam saborosas.  

Alguns insumos utilizados nas receitas ainda são os mesmos que sua mãe usava: ovos de galinhas que 
vivem soltas no quintal, leite cru, nata e manteiga batida em casa. Outros ingredientes, como farinha, 
fubá e polvilho, são adquiridos nos mercados do distrito. Segundo ela, nunca fez quitandas para vender, 
somente para o consumo da família e para oferecer às visitas que, vez por outra, aparecem. 

A lenha para assar as quitandas é colhida nos arredores do distrito, mas das árvores que secam e caem. 
Acrescenta, porém, que atualmente está cada vez mais difícil encontrar madeira disponível para utilizar 
como lenha; a cada ano, aumenta o desmatamento. Segundo a quitandeira, vai chegar um tempo de ter 
que  usar  o  fogão  a  gás  porque  a  lenha  vai  acabar.  Além  das  constantes  estiagens,  a  especulação 
imobiliária  é  uma  ação  presente  no  distrito,  o  que,  segundo  os  moradores,  tem  contribuído  para  o 
desmatamento das áreas em torno da comunidade.  

Um  fato  curioso  que  ocorre  em  São  João  De  Rei,  que  pode  ter  contribuído  para  a  pouca  presença  do 
ofício  de  quitandeira  artesanal,  é  a  inserção  das  quitandas  semi–industrializadas  produzidas  no 
município  vizinho  de  São  Tiago,  que  desponta  como  um  grande  produtor  de  biscoitos,  rosquinhas  e 
outros tipos de merendas. 

Tanto nas lojas e lanchonetes do Centro Histórico do distrito–sede como nos supermercados de bairros, 
e até mesmo de distritos, como Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno, percebe–se uma variedade 
significativa de biscoitos de polvilho, rosquinhas e roscas produzidos em escala industrial, cuja origem 
remonta  ao  município  supracitado  ––  o  que  pode  justificar,  por  exemplo,  a  dificuldade  de  encontrar 
detentores da prática. 

188 
 
6.4.5  MAPA DOS BENS CULTURAIS DE SÃO JOÃO DEL REI 

189 
 
6.5  RITÁPOLIS 

A cidade de Ritápolis (Figura 6.90) tem, entre seus principais atrativos, fazendas dos séculos XVIII e XIX, 
dentre elas, a Fazenda do Pombal, onde nasceu Tiradentes e que foi considerada Patrimônio Histórico 
Nacional pelo IPHAN, em 1971. Outro bem tombado como patrimônio histórico é o Santuário de Santa 
Rita de Cássia, localizado na sede do município. 

 
Figura 6.90 – Imagem reproduzida a partir de fotografia disposta na parede da recepção da Prefeitura 
Municipal de Ritápolis. O ano da foto é 2016. 
Fonte: Equipe  Biodinâmica Rio, 2017. 
 

O  Conselho  Municipal  do  Patrimônio  Cultural  é  a  instituição  responsável  pelo  tombamento  e 


preservação  do  Patrimônio  Histórico  e  Cultural  de  Ritápolis,  segundo  a  Lei  Municipal  nº  868,  de  2001 
(mencionado anteriormente). Como patrimônio paisagístico, além da Floresta Nacional de Ritápolis –– 
uma das Unidades de Conservação do IBAMA, com área de 89  ha, que pertencia à antiga Fazenda do 
Pombal ––, o município possui ainda cachoeiras, dentre as quais a principal e mais frequentada é a do 
Jaburu. 
6.5.1  CONGADAS DE MINAS – CONGADA NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO DA COMUNIDADE RESTINGA 
 Antônio Jose Alves, 81 anos 

As comemorações da festa de Nossa Senhora do Rosário da Comunidade Restinga acontecem no mês de 
setembro, nas dependências da Igreja de São Sebastião. No entorno, um pequeno cemitério, uma escola 
desativada,  um  espaço  comunitário  com  salas,  banheiro  e  cozinha,  e  também  uma  casa  que  funciona 
como espécie de apoio para a festa. O complexo está localizado no topo de uma elevação, que pode ser 
avistado a distância, conforme descrita por PASSARELLI (2017).  

181 
 
“A Restinga é dividida em dois grupamentos de casas: um, na parte mais alta 
do terreno, foi batizado de Restinga de Cima, que conta com uma capelinha de 
Nossa  Senhora  Aparecida,  e  outro,  na  baixada,  Restinga  de  Baixo,  cujo 
padroeiro  é  São  Sebastião,  e  onde  acontece  a  festa  de  Nossa  Senhora  do 
Rosário.”  

Durante  o  mês  de  setembro,  as  comemorações  em  homenagem  a  Nossa  Senhora  do  Rosário  reúnem 
pessoas de comunidades próximas e de cidades vizinhas, por exemplo, Resende Costa (Figura 6.91). A 
comunidade da Restinga se agita todo ano, em setembro, ocasião dos festejos em honra ao Rosário de 
Maria, sediado na Capela de São Sebastião, como ressaltou PASSARELLI (2017). 

    
Figura 6.91 – Os mastros de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito (à esquerda), e a Banda de 
congada Nossa Senhora do Rosário e São Cosme e Damião da cidade de Resende Costa (MG), ao lado da 
Igreja de São Sebastião – comunidade restinga, em Ritápolis (MG) (à direita). 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 
Para obter mais informações sobre a festa e o grupo de congado da Restinga, a equipe entrevistou um 
dos capitães do grupo, Antônio Preto, que reside na comunidade Restinga de Cima. Ele é aposentado e 
natural de Montes Claros (MG). Casou–se, veio morar na cidade vizinha de Passatempo (MG), lugar de 
origem  de  sua  esposa.  Depois,  mudou–se  para  o  município  de  Ritápolis,  onde  reside  até  hoje. 
Atualmente, além de integrar a capitania da congada da localidade, seu Antônio também é integrante 
do Conselho Municipal de Saúde. 

Ele contou que, na sua cidade de origem, seus pais já eram envolvidos com Folia de Reis e sempre foram 
devotos  de  Nossa  Senhora  do  Rosário  em  Montes  Claros  (MG).  Foi  folieiro  no  grupo  do  qual  seu 
sobrinho era capitão. Há 15 anos, integra o grupo de congado da Restinga, juntamente com o capitão 
Ezequiel (Figura 6.92). 

182 
 
 
Figura 6.92 – Festa de Nossa Senhora do Rosário da Restinga: capitão Ezequiel sendo conduzido pelos 
colegas do grupo até a igreja. Seu debilitado estado de saúde era visível, mas se manteve firme durante 
o percurso de poucos metros. 
Fonte: Equipe  Biodinâmica Rio, 2017. 
 
Atualmente,  Ezequiel  reside  na  cidade  de  Resende  Costa,  localizada  aproximadamente  a  5  km  da 
comunidade  e  tem  problemas  de  saúde.  Lamenta  seu  Antônio  Preto  que  o  grupo  de  Folia  de  Reis  da 
comunidade tenha acabado, já que o integrava também: 

“Aqui se chama “congada da Restinga”, que já existia há bastante tempo, e me 
chamaram para entrar. Na verdade, é a união das duas congadas, da Restinga de 
Baixo  e  da  Restinga  de  Cima.  Quem  me  passou  esta  congada  foi  Sebastião 
Ezequiel, que hoje mora em Resende Costa, e que está muito doente.” (Capitão 
Antônio  Preto,  em  entrevista  realizada  na  sua  residência,  na  comunidade 
Restinga de Cima, em 02/09/2017) 

De  acordo  com  o  capitão,  o  grupo  é  formado  apenas  por  16  homens,  a  maioria,  senhores  com  idade 
avançada. As mulheres participam da festividade na parte da organização, com a decoração do andor e 
adornos da igreja (Figura 6.93), na preparação das comidas servidas aos congadeiros, com as bandeiras 
e na posição de rainha festeira.  

Durante a entrevista com o capitão, foi possível conversar também com seu neto Marcos, 25 anos, que 
é integrante do grupo, mas que não é muito assíduo: “Nem sei bem como está a congada, mas brinquei 
o ano passado. Brinco  há  uns 12 anos, mas agora  moro em Resende Costa e sei  pouco.  Meu avô não 
consegue  sair  sempre  por  causa  da  doença  de  minha  avó.  Eu  toco  caixa.”  (Marcos,  em  entrevista 
realizada na residência do capitão Antônio Preto, em 02/09/2017). 

183 
 
   

   
Figura 6.93 – Mulheres da comunidade ornando os andores de Nossa Senhora do Rosário e São 
Benedito, e interior da Igreja São Sebastião. 
Fonte: Equipe  Biodinâmica Rio, 2017. 
 

O  propósito  do  que  falou  seu  neto  é  por  não  ter  com  quem  deixar  a  esposa  (ela  tem  problemas  de 
saúde), que o capitão Antônio Preto tem se afastado da congada. Como ele é o cuidador, e não encontra 
tempo  nem  outra  pessoa  que  o  substitua  enquanto  cumpre  os  compromissos  com  a  congada,  aos 
poucos, vai sendo esquecido. Segundo o capitão, não há ninguém na sua família que queria assumir seu 
lugar na congada. O neto que dançava junto com ele na congada não demonstra interesse em assumir a 
capitania, o que lamenta o entrevistado. 

As festas de congada de que o grupo participa são: a festa de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito 
na comunidade Restinga (03/09), nas dependências da Igreja de São Sebastião, a festa de Nossa Senhora 
do Rosário em Ritápolis (em 01/10) e a festa do Rosário em Resende Costa, que acontece no primeiro 
domingo de  novembro. Na comunidade Restinga de Baixo, onde seu Antônio Preto reside, no mês de 
outubro  acontece  a  festa  da  padroeira  Nossa  Senhora  Aparecida.  No  dia  12,  o  grupo  de  congada  se 
reúne para prestar homenagens à santa (Figura 6.94). 

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Figura 6.94 – Congada Nossa Senhora do Rosário da comunidade Restinga, sendo conduzida pela 
bandeira à igreja, que fica ao lado. 
Fonte: Equipe  Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Os  instrumentos  utilizados  pelos  dançadores  são  tarol,  violão,  caixas,  bumba,  reco–reco,  xique–xique, 
pandeiro e sanfona. Como o grupo não possui Registro nem sede própria, os instrumentos e adereços 
(bandeiras e os mastros de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito) ficam guardados na Igreja de São 
Sebastião, na Restinga de Cima (Figura 6.95). 

   
Figura 6.95 – Instrumentos (caixas e pandeiros) das congadas, presentes durante o momento da missa. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

No grupo, o capitão Antônio Preto toca o violão, sendo, também, bandeireiro (Figura 6.96). Quanto ao 
sanfoneiro, o capitão, é de fora do grupo: portanto é preciso que lhe paguem durante os dias em que 
acompanha a congada. Os recursos financeiros ficam por conta dos próprios dançadores. 

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Figura 6.96 – Capitão Antônio Preto fazendo uma demonstração com o violão que usa durante as saídas 
da congada. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Quanto aos uniformes, pelo que se observou durante a apresentação na festa do Rosário da Restinga de 
Cima,  no  dia  03/09,  são  simples,  sem  padronização.  Embora  os  integrantes  usem  camisas  e  bonés 
brancos,  percebeu–se  que  alguns  dançadores  usavam  calças  jeans  azul.  Durante  as  festividades,  o 
capitão Antônio Preto não estava presente; presume–se que não encontrou uma pessoa para cuidar de 
sua esposa, para que participasse da congada. 

A respeito da estrutura da festa de congada na comunidade, mais especificamente sobre o reinado de 
Nossa Senhora do Rosário e São Bendito, o capitão Antônio Preto apresentou, em linhas gerais, como 
tudo acontece: 

“O rei festeiro dá o café ou o almoço. O festeiro sempre muda a cada ano. Não 
existe  uma  comida específica. Sempre  tem o arroz,  o feijão, carne ou feijoada. 
Enquanto o almoço não fica pronto, a gente fica dançando pela estrada e vai na 
igreja. O almoço é em torno de 11h. Acabando o almoço, vai na casa da rainha 
buscá–la  pra  levar  na  igreja.  Depois,  à  noite,  tem  a  missa.”  (Capitão  Antônio 
Preto, em entrevista realizada em sua residência, na comunidade da Restinga de 
Cima, em 02/09/2017). 

Pelo  que  se  observou  nos  depoimentos  do  Capitão  Antônio  Preto  e  nos  aspectos  festivos  e  de 
sociabilidades durante da festa de congada na comunidade Restinga, trata–se de um momento simples 
que reúne, em sua maioria, pessoas das comunidades rurais vizinhas para homenagear a padroeira, mas 
também  para  se  divertir,  conversar  e  beber  com  amigos  (Figura  6.97).  Na  festa,  estavam  presentes  a 
congada  da  Restinga  e  a  congada  Nossa  Senhora  do  Rosário  e  São  Cosme  e  São  Damião  de  Resende 
Costa. 

186 
 
   

   
Figura 6.97 – Congada Nossa Senhora do Rosário da comunidade Restinga e banda de congada Nossa 
Senhora do Rosário e São Cosme e Damião no interior da Igreja de São Sebastião, na Restinga, antes do 
início da missa. 
Fonte: Equipe  Biodinâmica Rio, 2017. 
 
No local, além das apresentações das congadas, há missa, almoço para os dançadores de reencontros de 
amigos  e  familiares  que  residem  fora  da  comunidade.  Leilões  de  prendas  de  produtos  doados  pelos 
devotos e visitantes também fazem parte das comemorações (Figura 6.98). 

 
Figura 6.98 – Doações para o leilão em prol da festa de Nossa Senhora do Rosário da Restinga, Ritápolis. 
Fonte: Equipe  Biodinâmica Rio, 2017. 
 

187 
 
De  acordo  como  o  capitão,  o  Poder  Público  municipal  ajuda  o  grupo  em  algumas  situações,  doando 
instrumentos,  como  fez  em  2016,  e  fornecendo  o  ônibus  para  conduzir  os  dançadores  nos  eventos 
realizados nas cidades vizinhas. O motorista, porém, é pago pelo grupo, como ressaltou o capitão. 
6.5.2  OFÍCIO DE QUINTANDEIRAS 
 Maria de Lourdes Silva, 70 anos (comunidade Restinga de Cima) 

 Marlene Maria de Jesus Rodrigues, 67 anos 

 Maria Lúcia Resende Sousa, 69 anos 

No município de Ritápolis, foram encontradas quatro quitandeiras que continuam a realizar seu ofício. A 
primeira  é  Maria  de  Lourdes  Silva,  natural  da  comunidade  Restinga,  viúva,  sem  filhos  e  pensionista 
(Figura 6.99). Aos 13 anos de idade, foi trabalhar como empregada na Fazenda Mato Dentro, onde se 
casou.  Atualmente,  divide  seu  tempo  entre  a  cidade  de  São  João  Del  Rei,  onde  trabalha  como 
doméstica, e a comunidade Restinga de Cima, onde possui uma casa. Nos fins de semana, vem para a 
comunidade, e uma das atividades que mais lhe dão prazer é fazer quitandas no forno de varrer, como 
contou à equipe. 

                 
Figura 6.99 – A quitandeira Lourdes falando sobre o ofício de quitandeira, e fachada de sua residência, 
na comunidade Restinga de Cima. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 
Muitas  quitandeiras  obtiveram  os  primeiros  contatos  com  o  ofício  na  infância,  vendo  suas  mães 
prepararem as merendas. Com dona Lourdes foi diferente: sua aproximação com as quitandas só veio 
quando ela foi trabalhar na fazenda: 

“Quando  criança,  com  minha  mãe,  eu  não  aprendi  a  fazer  as  quitandas.  Só 
depois,  na  Fazenda  Mato  Dentro  é  que  fui  chamada  para  ser  assadeira  de 
merendas. Lá, tinha um forno que cabia para 24 latas [tabuleiros]. Eram várias 
mulheres  as  responsáveis  por  amassar  [amassadeiras],  outras  para  enrolar  os 
biscoitos e eu para assar. Eu assei rosca, e comecei a fazer pão de queijo melhor 
que a moça que assava antes.” (Quitandeira Lourdes, em entrevista realizada na 
sua residência, na comunidade Restinga de Cima, em 02/09/2017) 

188 
 
Na  casa  da  quitandeira  Lourdes,  o  forno  de  varrer  tem  destaque  no  alpendre  da  cozinha.  É  uma 
estrutura de alvenaria com tijolos que comporta, em média, 10 tabuleiros de quitandeiras por fornalha. 
Os tabuleiros são confeccionados pela própria quitandeira com latas vazias de tinta que consegue dos 
vizinhos.  Embora  se  considere  quitandeira,  Lourdes  não  costuma  fazer  suas  merendas  para 
comercializar –– apenas para consumo próprio, presentear os amigos e oferecer a pessoas que a visitam 
(Figura 6.100). 

   
Figura 6.100 – Latas (tabuleiros) usadas para assar quitandas no forno de varrer. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Percebeu–se  que,  como  quitandeira,  Lourdes  destaca–se  na  função  de  assadeira,  isto  é,  possui  vasta 
experiência em manusear o forno a lenha. A respeito desse processo, ela disse o seguinte: 

“Primeiramente,  eu  assoalho  [forro]  o  forno  com  bambu  de  distância  em 
distância,  e  ponho  as  latas  [tabuleiros]  em  cima.  Começo  assando  os  biscoitos 
pesados, sem fechar o forno, para aproveitar a temperatura. Mas tem que ficar 
olhando  e  trocando  de  lugar  para  não  queimar.  Quando  vai  esfriando,  passa 
para os biscoitos leves, de polvilho, por exemplo. Coloco a mão, se aguentar o 
calor,  eu  coloco  os  biscoitos  de  massa  de  pão  de  queijo,  e  fico  observando  e 
trocando as latas de lugar.” (Quitandeira Lourdes, em entrevista realizada na sua 
residência, na comunidade Restinga de Cima, em 02/09/2017)  

O ofício de quitandeira realizado por Lourdes dá uma amostra de quão complexa é a prática. Engana–se, 
portanto,  quem  pensa  que  fazer  quitanda  resume–se  apenas  a  amassar.  Há  várias  atividades  que 
geralmente não aparecem ou não são evidenciadas, como a fabricação dos tabuleiros e o manuseio do 
forno (Figura 6.101). Em relação a lenhas de taquara utilizadas no preparo das merendas, Lourdes disse 
que as coleta nas matas das fazendas que existem ao redor da comunidade. Já no tocante às fôrmas de 
assar  as  quitandas,  que  ela  chama  de  “latas”,  ou  ela  mesma  confecciona,  ou  pede  a  um  senhor  que 
mora vizinho a ela. 

189 
 
     
Figura 6.101 – Quitandeira Lourdes ao lado do forno de varrer usado para preparar as quitandas. Fonte: 
Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Geralmente,  os  tipos  de  quitandas  que  mais  prepara  são  bolos,  pães  de  queijo,  biscoito  de  fubá, 
rosquinha e biscoitinho doce, além de doces de leite e de laranja–cidra (Figura 6.102). 

     

     
Figura 6. 102 – Quitandas e doces produzidos pela quitandeira Lourdes: bolos, pães queijo, broas de 
fubá e doce de laranja–cidra. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Na  despensa  de  sua  cozinha,  foi  possível  observar  algumas  latas  usadas  para  o  armazenamento  de 
merendas;  segundo  ela,  podem  permanecer,  se  bem  acondicionadas,  durante  meses.  Sendo  assim, 

190 
 
nunca  faltam  quitandas  em  sua  despensa.  Enfatizou  também  que  ainda  tem  o  costume  de  usar,  na 
produção  de  suas  quitandas,  ingredientes  naturais  produzidos  na  roça:  ovos  caipiras,  leite  cru,  nata  e 
manteiga. Só compra no mercado farinha, polvilho, fubá e açúcar (Figura 6.103). 
 

     
Figura 6.103 – Latas usadas para armazenar quitandas, e aspectos da despensa. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 
No mês de outubro, período em que se comemora a festa de Nossa Senhora Aparecida (Figura 6.104), 
padroeira da comunidade Restinga de Cima, a quitandeira Lourdes capricha nas merendas para receber 
as pessoas que a visitam. Conforme falou, nesse mês, seus patrões a visitam; então, ela serve quitandas 
e  faz  almoço  com  galinha  caipira.  Durante  as  visitas  dos  grupos  de  Folia  de  Reis  e  de  congadas,  ela 
também costuma servir café com quitandas para os integrantes: folieiros e congadeiros. 
 

 
Figura 6.104 – Igreja de Nossa Senhora Aparecida. Comunidade Restinga de Cima, Ritápolis (MG). 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

191 
 
Apesar de preparar vários tipos de quitandas, Lourdes não tem o hábito de manter cadernos de receitas, 
como fazem algumas quitandeiras. Conforme disse, as receitas estão todas na cabeça e, se alguém tiver 
interesse em aprender, basta procurá–la, que ela ensinará. 

Percebe–se que, no mesmo município, o ofício de quitandeira é diverso em vários aspectos. No caso da 
quitandeira Marlene, casada, natural de Ritápolis, e que prepara as próprias quitandas que são servidas 
na  sua  pousada,  o  aprendizado  das  merendas  aconteceu  tardiamente,  apesar  de  ver  sua  mãe 
preparando–as.  Conta  que  sua  função,  na  época,  era  sair  pelas  ruas  da  cidade  com  as  cestas  de 
quitandas, entregando–as nos armazéns e casas de família: “Minha mãe fazia quitandas e entregava nos 
armazéns. A gente era quem fazia as entregas em balaios. Eu fui aprender a cozinhar e fazer quitandas 
tarde, com 15 anos, pois eu vendia leite nas ruas.” (Quitandeira Marlene, em entrevista realizada na sua 
residência, em 03/09/2017 – Figura 6.105) 

 
Figura 6. 105 – Quitandeira Marlene relembrando os tempos de criança, quando entregava quitandas 
nos armazéns da cidade, utilizando uma cesta. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 
Pelo  que  a  quitandeira  descreve,  quando  criança,  morava  numa  comunidade  rural  muito  próxima  ao 
núcleo urbano, o que lhe permitia ir a pé até a cidade, para fazer as entregas das quitandas que sua mãe 
preparava.  Hoje,  com  o  crescimento  da  cidade,  o  local  faz  parte  da  periferia.  Nessa  época,  conforme 
relatou,  embora  a  família  fosse  de  origem  humilde,  produzia  a  maioria  dos  insumos  utilizados  nas 
quitandas, como leite e ovos caipiras em grandes quantidades: “Nosso Natal tinha doce de leite, arroz–
doce, rocambole, amor em pedaços [receita de família], doce de figo, doce de mamão com abacaxi. Isso 
era  nossa  ceia  de  Natal.”  (Quitandeira  Marlene,  em  entrevista  realizada  na  sua  residência,  em 
03/09/2017). 

Acrescentou  que, em  criança, não tinha muito interesse em aprender o ofício; gostava mesmo era de 


fazer as entregas. Só veio a amassar aos 15 anos de idade, quando sua mãe adoeceu. Então, as quatro 
irmãs tiveram que dar continuidade à produção das merendas, já que o ofício garantia parte do sustento 
da família. 

Quando se casou, em 1971, Marlene foi morar na residência da sogra, na Fazenda da Restinga. Levou 
consigo  o  saber  sobre  o  ofício  de  quitandeira  já  que,  na  sua  nova  residência,  não  havia  o  hábito  de 

192 
 
comer quitandas. Segundo a quitandeira, na fazenda, não havia o costume de fazer quitandas. Foi ela 
quem  introduziu  o  hábito  de  fazer  as  merendas,  conforme  havia  aprendido  sua  mãe:  punha  lenha  no 
forno de varrer, aquecia, varria as brasas, cobria com bambu verde e começava por assar os biscoitos de 
fubá,  que  são  mais  pesados,  para  temperar  o  forno.  O  termo  temperar,  além  de  ser  muito  difundido 
entre as quitandeiras, significa “esperar a temperatura baixar” para introduzir os outros tipos de massas 
para assar. 

Nessa  época,  em  que  se  produziam  grandes  quantidades  de  quitandas,  era  importante  ter  muitas  latas 
[tabuleiros], pois facilitava a produção. Geralmente, assava, enrolava, e dispunha, na véspera, os biscoitos 
nas latas de assar. Dessa forma, era possível ganhar tempo e aproveitar a temperatura ideal do forno: “No 
dia  anterior,  eu  enrolava  as  quitandas  mais  pesadas:  os  biscoitos  misturados  (de  fubá  e  polvilho).  As 
rosquinhas  doces,  o  bolo  de  fubá,  o  biscoito  seco  e  o  pão  de  queijo  eu  deixava  para  o  dia  seguinte.” 
(Quitandeira Marlene, em entrevista realizada na sua residência, em 03/09/2017) 

Quando retornou para a cidade, na década de 90, abriu um restaurante e tentou conciliar com o ofício 
de quitandeira. O objetivo era comercializar também quitandas sob encomenda, mas não prosperou: 

“Tentei  fazer  quitanda  por  encomenda,  mas  não  deu  certo  porque  tive  que 
cuidar  do  restaurante  e  da  pousada.  Às  vezes,  eu  aquecia  o  forno  e  ia  fazer 
outros  afazeres  da  pousada.  Quando  chegava,  o  forno  já  havia  esfriado.” 
(Quitandeira  Marlene,  em  entrevista  realizada  na  sua  residência,  em 
03/09/2017) 

Hoje em dia, a quitandeira é dona da única pousada da cidade. Ela costuma servir para o café da manhã 
dos hóspedes suas quitandas e queijo fresco, que ela mesma produz. Além de produzir o próprio queijo, 
a  quitandeira  faz  rosquinha  de  cerveja,  pão  de  queijo,  rosquinha  de  nata,  broas  de  fubá,  biscoito  de 
polvilho e bolos. Ela não produz para comercializar na cidade. 

No quintal, localizado no alpendre da cozinha, encontra–se o forno de varrer que a quitandeira mandou 
fazer para assar as quitandas. No entanto, prefere assar as merendas no forno a gás, semelhante ao que 
é usado para assar pizzas (Figura 6.106). Segundo ela, é mais prático, e também porque a lenha utilizada 
para esquentar o forno artesanal está cada vez mais difícil de conseguir. 

   
Figura 6.106 – Atualmente, a quitandeira Marlene usa forno a gás, semelhante ao que é usado para 
assar pizza. 
Fonte: Equipe  Biodinâmica Rio, 2017. 
 

193 
 
Contou que já foi multada pela Polícia Ambiental porque seu filho trazia uma carga de lenha da fazenda 
da  família,  e  que,  no  meio  das  lascas,  havia  uma  tora  verde.  Em  decorrência  desse  fato,  os  policiais 
entenderam que a carga de lenha era originária de mata nativa –– versão que a quitandeira discorda, 
pois, para ela, os galhos tinham sido colhidos de árvores mortas, e que já estavam secos sobre o solo. 
Depois disso, Marlene decidiu não mais utilizar o forno a lenha (Figura 6.107). Percebe–se que o uso da 
lenha pelas quitandeiras que optam ainda por usá–la para assar as quitandas se apresenta como uma 
questão a ser discutida no processo de salvaguarda, após a finalização do processo de Registro. 
 

   
Figura 6.107 – Forno de varrer que a quitandeira mantém, mas que está em desuso. 
Fonte: Equipe  Biodinâmica Rio, 2017. 
  

A  quitandeira  Marlene,  embora  tenha  memorizado  o  passo  a  passo  de  suas  receitas,  não  dispensa  os 
chamados  “cadernos  de  receitas”.  Segundo  ela,  são  mais  que  simples  anotações,  são  escritos  que 
permitirão  a  outras  pessoas  o  acesso  a  determinadas  iguarias  que  não  se  encontram  com  tanta 
facilidade nos dias de hoje. Parte de suas anotações foi presente de outras quitandeiras; a outra parte, 
ela mesma as anotou (Figura 6.108). 
 

194 
 
   
Figura 6.108 – Quitandeira Marlene e seus cadernos de receitas. Alguns possuem a data em que a 
receita foi manuscrita. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 

“Tenho  cadernos  de  receitas  antigos  e,  às  vezes,  com  medidas  que  eu 
desconheço, como esta ‘uma leva’. Minha sogra tinha uma letra muito bonita e, 
nos  cadernos  de  receitas,  ela  colocava  introduções,  tipo:  ‘são  tantas  horas,  de 
tal dia, acompanhada de tais pessoas’, antes de iniciar as receitas.” (Quitandeira 
Marlene, em entrevista realizada na sua residência, em 03/09/2017). 

Observa–se que não se trata de simples anotações ou passo a passo de receitas de quitandas. Por trás 
delas,  há  histórias  que  remetem  a  vivências  com  pessoas  amigas  e  familiares  e  que,  portanto, 
contribuem  para  rememorar  situações  afetivas,  além  de,  obviamente,  constituírem  um  instrumento 
fundamental na preservação do ofício de quitandeira. 

A  outra  quitandeira  da  cidade  é  Lúcia.  Nasceu  em  Ritápolis  e  tem  uma  família  de  11  irmãos.  A 
quitandeira  Marlene,  referenciada  acima,  é  sua  irmã.  Seu  diferencial  é  que,  além  de  fazer  merendas, 
especializou–se na produção de doces caseiros. Estudou até a 8ª série. Casou–se e foi morar em Betim, 
São Paulo; depois voltou para Ritápolis, onde reside há 25 anos (Figura 6.109). 

 
Figura 6.109 – Quitandeira doceira Lúcia na sua loja de produtos artesanais. 
Fonte:  Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

195 
 
Sua aproximação com as quitandas e doces caseiros tem origem na vivência com sua mãe. Ao contrário 
de sua irmã, ainda criança, gostava de ajudar sua mãe a amassar e enrolar as quitandas. Algumas vezes, 
chegava até a preparar o forno de varrer para receber as latas (tabuleiros): 

     “Quando eu era criança, mãe fazia quitandas, e nós entregávamos em armazéns e 
vendas  da  cidade.  Também  vendia  de  porta  em  porta.  Eu  também  ajudava  na 
confecção  das  quitandas,  tinha  habilidade  com  o  forno.  Era  aquele  forno  de 
varrer, do lado de fora de casa. Também tinha muita habilidade para enrolar pão 
de  queijo.  Minha  mãe  fazia  muitos  doces  e  compotas,  e  muitos  doces  ela 
inventava. Na época de Natal, fazia muitos doces.” (Quitandeira e doceira Lúcia, 
em entrevista realizada na residência, em 02/09/2017) 

Quando retornou a Ritápolis, no início da década de 90, Lúcia começou a fazer geleias, compotas, licores 
e quitandas. Na época, utilizava o fogão a lenha e o forno de varrer; no preparo dos doces, utilizava o 
tacho de cobre. Desses utensílios utilizados na produção de doces e quitandas, o único que permanece é 
o  tacho.  Hoje,  embora  utilize  o  fogão  industrial  e  o  forno  a  gás,  não  deixou  de  usar  tacho  de  cobre 
(Figura  6.110):  “Os  doces  feitos  em  tacho  de  cobre  ficam  mais  coloridos.  Faço  de  tudo:  goiabada 
cremosa,  goiabada  cascão,  compotas,  pé  de  moleque  e  licores.”  (Quitandeira  e  doceira  Lúcia,  em 
entrevista realizada na sua residência, em 02/09/2017). 

 
Figura 6. 110 – Quitandeira doceira Lúcia expondo o tacho de cobre onde faz os doces. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Lúcia  faz  questão  de  reforçar  que  os  insumos  utilizados  na  produção  de  doces  e  quitandas  são 
provenientes da roça, e que vêm de uma fazenda próxima à comunidade da Restinga. 

Os  produtos  produzidos  por  ela  ficam  à  venda  na  sua  própria  residência,  ao  lado  da  Igreja  Matriz, 
estrategicamente  localizada  para  atrair  os  poucos  turistas  que  visitam  a  cidade.  Além  de  manter  uma 

196 
 
lojinha de produtos artesanais, a doceira e quitandeira faz parte da Associação de Artesãos de Ritápolis, 
que  conta  com  13  integrantes.  Porém,  pelo  que  disse,  há  problemas  de  organização,  sobretudo  em 
relação à forma de se trabalhar em coletividade. 

Através da entidade, ela e mais outras mulheres conseguem viajar para expor seus produtos em feiras 
de artesanato da região e da capital Belo Horizonte. Por três anos consecutivos, a Associação participou 
da “Expor Minas”, evento que reúne artesãos de todas as regiões do estado. Nesse sentido, destacou 
que  o  Poder  Público  local,  através  da  Prefeitura,  tem  contribuído  de  forma  significativa  para  a 
valorização  dos  produtos  artesanais,  fornecendo  transportes  para  que  as  artesãs  possam  divulgar  e 
vender sua produção. 

Algumas  épocas  do  ano  ––  de  eventos,  como  a  festa  da  padroeira  Santa  Rita  de  Cássia,  a  exposição 
agropecuária e o carnaval, períodos em que a cidade costuma receber um fluxo maior de pessoas –– são 
as  que  ela  mais  vende  seus  produtos.  Pelo  que  foi  observado,  Lúcia  não  trabalha  com  vendas  sob 
encomenda nem fornece seus produtos para revendas em outras localidades, como São João Del Rei. Toda 
produção, que não é grande, fica exposta na própria loja que ela mantém na sua residência (Figura 6.111). 

     
Figura 6.111 – Doces de abóbora, batata–doce e pé de moleque que acabaram de ser feitos. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 
Atualmente, a doceira e quitandeira consegue grande parte de sua renda a partir da venda de doces e 
quitandas. Apesar de o volume de vendas dos produtos acontecerem de forma sazonal, Lúcia afirmou 
que, com a renda proveniente dos doces e quitandas, é que está concluindo as obras de sua casa. 

Os  produtos  artesanais  preparados  pela  quitandeira–doceira  recebem  embalagens  personalizadas. 


Algumas são bordadas em ponto cruz e outras, em crochês; outras, ainda, são embaladas em pequenos 
sacos  plásticos  lacrados  com  fitas  coloridas.  Na  produção  das  merendas  e  doces,  Lúcia  conta  com  a 
ajuda do filho (Figura 6.112). 

197 
 
      
Figura 6.112 – Garrafas de licor com identificação personalizada em bordado ponto cruz. Doces e 
cocadas acondicionados em vídeos decorados. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 
Durante  a  visita  à  residência  de  Lúcia,  também  foi  possível  averiguar  seus  arquivos  de  cadernos  de 
receitas.  A  quantidade  de  receitas  é  grande,  o  que  se  pode  perceber  nos  inúmeros  cadernos  de 
anotações. Alguns já estão com as folhas amareladas e desgastadas pelo tempo; outros, não. Ao folheá–
los, foi possível observar que as receitas possuíam o ano em que foram escritas e os nomes das pessoas 
que  as  doaram.  Porém,  dentre  tantos  cadernos  e  receitas,  algo  chamou  a  atenção:  havia  uma  receita 
manuscrita numa pequena folha avulsa plastificada. 

Ao ser questionada a respeito do que se tratava, a quitandeira–doceira revelou que era uma receita de 
família, e que teria sido escrita pela sua irmã, que veio a falecer poucas horas depois de anotá–la, depois 
de Lúcia muito insistir. Era a receita de família “Bolo Tia Keisse”. Segundo a entrevistada, pouco depois 
que  ela  escreveu  o  passo  a  passo  da  receita,  seguiu  com  destino  a  Belo  Horizonte.  No  caminho,  ela 
sofreu  um  acidente  de  carro  e  faleceu.  Apesar  de  tratar–se  de  uma  triste  memória,  o  fato  é  que  as 
receitas vão além de simples anotações de modos de fazer, imprimem lembranças afetivas. 

198 
 
6.5.3  MAPA DOS BENS CULTURAIS DE RITÁPOLIS 

199 
 
6.6  RESENDE COSTA 
Segundo  os  gestores  locais,  como  principais  patrimônios  históricos  e  culturais,  a  cidade  de  Resende 
Costa  abriga  a  Fazenda  das  Éguas,  localizada  na  comunidade  do  Ribeirão,  e  o  Centro  da  cidade, 
denominado  de  “Núcleo  Histórico”,  que  compreende  a  Praça  Cônego  Cardoso,  Praça  Mendes  de 
Resende, parte da Praça Professora Rosa S. Penido e o quarteirão onde se localizam parte da Rua Assis 
Resende, a Avenida Prefeito Ocacyr Alves de Andrade e a Rua Pérsio Babo de Resende.  

Dentro dessa área, encontram–se imóveis de grande importância para a história de Resende Costa, tais 
como:  Igreja  Matriz,  Câmara  Municipal,  hospital,  Escola  Assis  Resende,  Casa  Paroquial,  residência  que 
pertenceu ao inconfidente José de Resende Costa e residência que pertenceu ao padre Carlos Correia de 
Toledo e Melo, também inconfidente. 

O  Núcleo  Histórico  não  é  tombado,  embora  tenha  sido  apresentado  um  projeto  pelo  Conselho 
Municipal de Patrimônio Histórico de Resende Costa, criado em 2002, através da Lei nº 2.661, de 15 de 
abril de 2002. O Conselho é o órgão responsável pelo tombamento e preservação dos patrimônios da 
cidade  na  esfera  municipal.  A  Lei  nº  3.524,  de  28  de  setembro  de  2011,  dispõe  sobre  a  proteção  do 
Patrimônio Histórico e Cultural do Município e cria o Fundo Municipal de Patrimônio e Cultural (como 
mencionado anteriormente). 

De acordo com documentos impressos disponibilizados pelo Poder Público local, a cidade possui, como 
patrimônio imaterial, os seguintes bens culturais inventariados: Ofício de Quitandeira (2008), Festa de 
Nossa Senhora do Rosário (2009), cuja celebração acontece em novembro, e a Festa de Nossa Senhora 
do Rosário da Comunidade Quilombola Curralinho dos Paulas (2013), que acontece no mês de agosto. 

Além  desses,  foram  inventariados  outros  bens:  Banda  de  Música  Municipal  Santa  Cecília  (2008), 
Artesanato de Ferro sem forja (2009), Artesanato de Retalho no tear (2009), Ofício de Mestre das Artes 
Sacras (2009), Festa de Santo Antônio (2009), que acontece no mês de julho, Ofício de sapateiro (2010), 
Festa  de  Nossa  Senhora  do  Carmo  –  comunidade  rural  Campos  (2011),  Banda  Lira  São  Sebastião  – 
distrito Jacarandira (2016), Festa do Carro de Boi ou Festa da Colheita (2017), cuja celebração acontece 
em julho. 
6.6.1  CONGADAS DE MINAS – CONGADA NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO E SÃO COSME E DAMIÃO 
 Fernando Cesar de Oliveira, 55 anos 

O  capitão  Fernando  é  casado  e  natural  de  Resende  Costa  (Figura  6.113).  Sua  aproximação  com  a 
congada  acontecem  ainda  na  fase  de  juventude,  quando  dançou  na  banda  de  congada  do  ex–capitão 
João Jacaré. Além de participar do grupo, também costumava sair no bloco de carnaval que organizava 
no bairro Nova Resende, onde reside até hoje. 

201 
 
 
Figura 6.113 – Capitão Fernando durante a entrevista, na sua residência. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 

Segundo ele, na sua época de juventude, existiam na cidade duas bandas de congadas do tipo Catupé e 
Congado.  Os  grupos  de  congadeiros  locais,  juntamente  com  as  guardas  dos  municípios  vizinhos, 
dançavam e cantavam durante a festa de Nossa Senhora do Rosário e São Bendito, que acontece no mês 
de novembro, nas dependências da igreja que recebe o nome da santa, e que se localiza no Centro da 
cidade.  Além  do  capitão  Vino,  que  liderava  o  grupo  na  localidade  rural  chamada  Ribeirão,  havia  os 
capitães João Jacaré e Mário de Vininha: 

“Aqui,  antigamente,  existiram  duas  bandas  de  congadas:  o  grupo  do  capitão 
João  Jacaré  e  o  grupo  de  Vino,  que  era  da  comunidade  rural  Ribeirão,  que, 
depois, veio morar na cidade e deu continuidade à banda com ajuda de Mário 
da Vininha, meu cunhado. Na época do capitão João Jacaré, eu cheguei a dançar 
no  grupo  dele.”  (Capitão  Fernando,  em  entrevista  realizada  na  sua  residência, 
em 06/09/2017). 

Apesar de ter estabelecido contato com a congada ainda na juventude, contou o capitão que sua paixão 
era o carnaval. Além de integrar o grupo de percussão do bloco carnavalesco, mobilizava os jovens do 
bairro para a festa de Momo. 

Após  o  falecimento  do  capitão  João  Jacaré,  na  década  de  80,  a  banda  passou  ao  comando  de  seu 
cunhado,  Mário  da  Vininha,  que  veio  a  falecer  no  início  da  década  de  90.  Permaneceu  em  atividade, 
portanto, apenas o terno do capitão  Vino. Porém não demorou muito tempo na ativa, por problemas 
com o padre da época, que, por não gostar de congada, contribuiu para que a sua fosse extinta, como 
ressaltou o capitão Fernando. Duas décadas bastaram para o desaparecimento da tradição dos grupos 
de congadas de Resende Costa. 

202 
 
Por ter conhecimento que seu irmão Fernando gostava de congada, apesar de estar envolvido mais com 
o carnaval, sua irmã, viúva do capitão João Jacaré, deu–lhe de presente as duas caixas que eram do ex–
líder  da  congada  Nossa  Senhora  do  Rosário.  Foi  quando,  de  fato,  começou  seu  interesse  em  dar 
continuidade  à  prática:  “Nessa  época,  eu  não  ‘mexia’  com  congado,  só  com  carnaval.  Foi  quando  eu 
formei  a  minha  primeira  banda,  há  20  anos,  que  se  chamava  Congada  Nossa  Senhora  Aparecida.” 
(Capitão Fernando, em entrevista realizada na sua residência, em 06/09/2017) 

Até meados da década de 90, com a extinção das bandas que existiam na cidade, as comemorações em 
homenagem a Nossa Senhora do Rosário aconteciam apenas com os ternos das cidades vizinhas: 

“Na década de 90, na festa do Rosário, só tinha as bandas de fora. Foi quando eu 
resolvi juntar o bloco de carnaval e minha experiência como dançante, e reativei 
a  congada.  E  falei:  ‘vamos  fazer  uma  festa  lá  pra  cima  [nas  proximidades  da 
igreja do Rosário], mesmo sem saber muito qual era a função do capitão numa 
banda  de  congada’.  Mesmo  assim,  a  gente  foi.  Eu  não  tinha  experiência  como 
capitão, só como dançador. A banda começou desse jeito, com o nome de Nossa 
Senhora  Aparecida.  E  estamos  até  hoje.”  (Capitão  Fernando,  em  entrevista 
realizada na sua residência, em 06/09/2017) 

A princípio, a associação do nome da banda à Nossa Senhora Aparecida se deu em virtude de o grupo 
ter sido formado, majoritariamente, por crianças e jovens. Com o passar dos anos, algumas mudanças 
ocorreram, pois, além das crianças, algumas pessoas adultas começaram a se interessar, em participar, 
pela  congada,  o  que  fez  o  capitão  tomar  algumas  decisões:  passar  adiante  a  banda  Nossa  Senhora 
Aparecida  para  um  companheiro,  que  acabou  não  cumprindo  o  compromisso,  e  fundar  a  banda  de 
congada Nossa Senhora do Rosário e São Cosme e  Damião. Os  nomes dos santos têm duas razões de 
ser:  a  primeira  homenageia  a  congada  ex–capitão  João  Jacaré,  cunhado  de  Fernando;  a  outra  se 
relaciona com a religiosidade popular de tradição afro–brasileira, que define os santos gêmeos como os 
protetores das crianças: 

“Inicialmente,  minha  banda  recebeu  o  nome  de  Nossa  Senhora  Aparecida 


porque  foi  formada  por  crianças;  depois  é  que  recebeu  complemento  de  São 
Cosme  e  Damião  porque  é  o  protetor  das  crianças.  Foi  um  termo  mais  para 
criança,  já  que  é  uma  maneira  mais  “leve”.  É  entender  que  saiu  daquela  raiz 
“pesada”,  que  é  só  santo  pesado  como  São  Benedito,  Santa  Efigênia,  então  a 
gente saiu disso, já que é só criança, e não tem maldade. Não podia “encaixar” 
uma bandeira pesada em cima  delas.  Depois foram aparecendo  alguns adultos 
interessados em participar, e aí a banda hoje vai crescendo.” (Capitão Fernando, 
em entrevista realizada na sua residência, em 06/09/2017). 

Apesar de ser registrada há 11 anos, a banda Nossa Senhora do Rosário e São Cosme e São Damião já 
existe  há  mais  de  20  anos,  quando  o  capitão  criou  a  primeira  banda  que  recebeu  o  nome  de  Nossa 
Senhora  Aparecida  (Figura  6.114).  Segundo  o  capitão  Fernando,  atualmente,  a  banda  está  com  30 
dançadores/as, mas já chegou a ter 40 componentes no bairro Nova Resende. 

203 
 
 
Figura 6.114 – Capitão Fernando cumprimentando o rei festeiro mirim durante a festa de Nossa Senhora 
na comunidade Restinga, em Ritápolis (MG), que ocorreu no dia 03/09/2017. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 
O grupo é composto também por pessoas adultas, mas ainda mantém sua característica básica, 
que  é  ser  uma  banda  formada  por  crianças.  Hoje,  por  exemplo,  as  bandeireiras  da  banda  são  duas 
senhoras –– uma carrega a bandeira de Nossa Senhora do Rosário e a outra, a bandeira de São Cosme e 
São Damião. Porém, na época em que a banda foi criada, quem carregava a bandeira era uma criança, 
que, de tão pequena, ficava encoberta pelo pano da bandeira, ressaltou o capitão (Figura 6.115). 

                  
Figura 6.115 – Capitão Fernando, a bandeireira e o grupo formado por vários jovens homens e mulheres 
no interior da Igreja de São Sebastião, na comunidade da Restinga – Ritápolis (MG), durante a festa de 
Nossa Senhora do Rosário, no dia 03/09/2017. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 
As  vestimentas  do  terno  são  calças,  camisa  e  chapéu,  cujas  tonalidades  podem  variar  do  preto  ao 
vermelho, passando pelo branco e verde. Os uniformes já foram compostos por calças verdes e camisas 
brancas; depois foi adotado o uso de calças vermelhas, camisas brancas e coletes pretos: 

204 
 
Atualmente,  usam–se  calça  preta  com  colete  vermelho  e  chapéu  branco  com 
enfeites  coloridos.  Como  tenho  prática  com  fantasia  de  carnaval,  eu  mesmo 
organizo  muita  coisa,  até  fazer  os  enfeites  das  roupas.  Estamos  com  o  mesmo 
uniforme  há  quatro  anos.”  (Capitão  Fernando,  em  entrevista  realizada  na  sua 
residência, em 06/09/2017) 

Lamentou o capitão que alguns dos instrumentos utilizados pelo grupo (caixas, reco–recos e pandeiros) 
estejam precisando ser trocados, pois apresentam sinais de desgastes. No entanto, não há recursos para 
trocá–los (Figura 6.116). 

     
Figura 6.116 – Instrumentos (caixas) usados pelos integrantes da banda de congada Nossa Senhora do 
Rosário e São Cosme e Damião, durante da festa na comunidade Restinga – Ritápolis (MG), no dia 
03/09/2017. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

O  calendário  festivo  de  visitação  da  banda  tem  início  no  mês  de  junho,  quando  o  grupo  viaja  para  as 
cidades vizinhas, São João Del Rei, Passatempo, Oliveira, Ritápolis, e algumas comunidades rurais para 
homenagear os santos padroeiros e fazer “pagas de visitas”. A paga de visita é uma dádiva, isto é, uma 
regra social que obriga o grupo que recebe a visita a participar da festa do grupo que o visitou. 

A festa da congada Nossa Senhora do Rosário e São Cosme e São Damião acontece no primeiro domingo 
do mês de novembro, durante as comemorações em homenagem a Nossa Senhora do Rosário (Figura 
6.117), que é celebrada na igreja em homenagem à santa. 

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Figura 6.117 – Igreja de Nossa Senhora do Rosário. 
Fonte: Equipe Biodinâmica, 2017. 
 

A  respeito  das  dificuldades  enfrentadas  para  dar  continuidade  à  congada  no  município,  o  capitão 
destacou algumas. A principal delas está relacionada à falta de apoio do Poder Público para que grupo 
passe a se organizar, como disponibilização de um lugar/sede para a banda guardar os instrumentos e 
realização  de  ensaios  e  reuniões.  Para  minimizar  esse  problema,  os  instrumentos  e  adereços  ficam 
guardados  na  residência  do  capitão.  Segundo  o  capitão  Fernando,  por  diversas  vezes,  teve  que  arcar 
com as despesas de custos, como transporte durante as pagas de visitas (Figura 6.118). 
 

 
Figura 6.118 – Aspecto geral da banda do capitão Fernando (ao centro) e os/as dançadoras mirins em 
volta durante a festa de Nossa Senhora do Rosário da comunidade Restinga – Ritápolis (MG), realizada 
no dia 03/09/2017. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

206 
 
Outro  problema  destacado  pelo  capitão  está  relacionado  à  falta  de  interesse  do  público  jovem  em 
participar  da  congada.  A  juventude  hoje  não  quer:  “Quando  acha  algum  menino  que  demonstra 
interesse por você, tem que o chamar logo para dançar, mesmo que ele não leve muito jeito pra coisa”, 
enfatizou o capitão com ares de preocupação. 

Além  de  deparar  com  tais  obstáculos,  o  capitão  ainda  encontra  dificuldades  em  estabelecer  diálogos 
com os padres. De acordo com ele, os padres novos, que vêm assumir a paróquia, não se interessam por 
manter a tradição das congadas; só se interessam por fazer obras nas igrejas. 
6.6.2  OFÍCIO DE QUINTANDEIRAS 
 Maria José Ribeiro, 67 anos (Mariinha) 

 Maria  Antônia  de  Resende,  58  anos  (Totonha)  –  Comunidade  Remanescente  de  Quilombo 
Curralinho dos Paulas 

 Terezinha Mendonça Resende, 78 anos 

 Sônia Valéria Mendonça, 50 anos 

Em Resende Costa, a tradição de quitandas, além de ser antiga, está associada às festividades religiosas. 
Era  costume  servir  merendas  aos  parentes  que  visitavam  os  familiares  durante  a  festa  da  padroeira 
Nossa Senhora da Penha de França, e que permanece até os dias atuais. 

As  quitandas  eram  fabricadas  nas  casas,  especialmente  na  época  em  que  a  família  se  reunia  para 
celebrar a fé. Nos dias atuais, as quitandas constituem, também, fonte de renda local. A rosquinha de 
trigo  é  uma  quitanda  tradicional  e  bastante  solicitada  por  encomendas.  Há  outras  quitandas  que  são 
fabricadas  na  localidade,  como  biscoito  de  polvilho,  rosca,  pão  de  queijo,  quebra–quebra,  biscoito 
cozido  e  assado  de  polvilho,  biscoito  de  amendoim  com  fubá  e  outros.  Geralmente,  os  ingredientes 
utilizados no preparo das quitandas são provenientes da roça, como a manteiga e a nata. 

As  três  quitandeiras  com  as  quais  se  manteve  contato  no  município  fazem  da  produção  de  quitanda 
uma complementação da renda familiar, ou talvez a principal renda da família, como foram os casos de 
dona Mariinha e Totonha. 

Maria José Ribeiro, conhecida na cidade por Mariinha, é casada e nasceu na zona rural do município de 
Resende  Costa,  onde  viveu  até  os  25  anos  de  idade  (Figura  6.119).  Quando  casou,  foi  morar  na 
comunidade  rural  Campos  Gerais,  município  de  Entre  Rios  de  Minas  (MG),  onde  trabalhou  na 
agricultura, na propriedade de seus padrinhos. Ao casar e constituir família, Mariinha já tinha domínio 
do ofício de quitandeira, pois, desde criança, juntamente com as irmãs, era responsável pela produção 
das merendas no sítio onde a família residia: 

207 
 
 
Figura 6.119 – Quitandeira Mariinha na sua cozinha, ao lado do forno misto (movido a gás e a 
eletricidade), durante a entrevista que deu à equipe de pesquisa. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

“Na época de minha mãe, a gente já fazia a merenda porque eram sete irmãos 
que  trabalhavam  na  roça.  A  gente  fazia  as  quitandas  para  consumo  de  casa. 
Quem  fazia  as  merendas  era  eu  e  minhas  irmãs,  pois  minha  mãe  sofria  de 
depressão.  Na  época,  se  produzia  o  polvilho  e  a  araruta  da  mandioca  que 
plantava  na  roça.”  (Marrinha,  em  entrevista  realizada  na  sua  residência,  em 
07/09/2017). 

Ela conta que as quitandas eram assadas no forno de cupim, ou seja, quando os cupins abandonavam o 
cupinzeiro,  seu  pai  trazia–o  para  casa  e  o  adaptava  como  forno.  Daí,  o  nome  forno  de  cupim. 
Geralmente,  as  quitandas  mais  comuns  eram  bolo  de  fubá,  biscoito  misturado,  rosca  e  torradinho, 
acrescentou Mariinha. 

Apesar de o ofício de quitandeira estar na família já há algum tempo, Mariinha só veio a comercializar as 
merendas  há uns 30 anos, quando veio morar com a família na  cidade de  Resende Costa. Foi quando 
começou a vender suas merendas na rua, oferecendo os produtos de porta em porta. 

Durante  a  semana,  trabalhava  de  doméstica  nas  casas  de  família  e,  nos  fins  de  semana,  feriados  e 
durante a noite, aproveitava para fazer as quitandas e vender. Com isso, conseguia uma renda a mais 
para  cobrir  as  despesas  da  casa.  No  ano  de  2000,  teve  que  abandonar  o  trabalho  de  doméstica  para 
cuidar do filho doente; foi quando passou a trabalhar somente em casa e a se dedicar à produção de 
quitanda (Figura 6.120). 

208 
 
               
Figura 6.120 – Placa de sinalização com o contato telefônico da quitandeira Mariinha e a localização de 
sua residência. Na residência, também há uma placa com os dizeres: “Biscoitos caseiros da Mariinha”. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 
Durante a vista que a equipe realizou à cozinha de Mariinha, percebeu que se trata de um negócio que 
já  possui  uma  estrutura  razoável,  tanto  no  que  tange  às  instalações  físicas  como  em  relação  aos 
equipamentos  e  às  normas  de  manipulação  de  alimentos,  a  exemplo  do  uso  de  tocas.  Além  disso,  o 
volume  de  quitandas  também  é  significativo.  A  quitandeira  não  informou,  mas  estima–se,  pelo 
movimento  de  clientes,  que,  por  dia,    produz–se  uma  média  de  200  a  300  quilos  de  quitandas,  entre 
biscoitos de polvilho, rosquinhas de nata e roscas (Figura 6.121). 

     
Figura 6.121 – Aspectos do ambiente de produção das quitandas: ajudantes utilizando tocas 
descartáveis durante o manuseio das merendas. Quitandas acondicionadas em baldes (rosquinhas) com 
tampas e embaladas em sacos plásticos (biscoito torradinho). 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

209 
 
A  cozinha  é  equipada  com  bancadas  de  aço  inoxidável,  fornos  mistos,  ou  seja,  utiliza  lenha  e  gás  de 
cozinha.  Atualmente,  a  quitandeira  conta  com  a  ajuda  da  filha  e  de  duas  netas  na  produção.  A  lenha 
utilizada  nos  fornos  é  de  procedência  de  madeira  de  reflorescimento,  ou  seja,  de  eucaliptos.  Já  a 
matéria–prima  utilizada  na  fabricação  das  quitandas,  parte  dela,  é  fornecida  por  produtores  rurais, 
como  a  manteiga:  “Minha  manteiga  é  da  roça,  é  o  que  encarece  minhas  quitandas.  Os  ovos  são  de 
granja,  pois  mantenho  o  mesmo  padrão  quando  não  tem  ovo  caipira.  Já  usei  muita  nata,  mas  hoje  é 
muito difícil de encontrar.” (Mariinha, em entrevista realizada na sua residência, em 07/09/2017) 

O  escoamento  da  produção  das  quitandas  é  variado:  os  clientes  podem  usar  o  telefone  para  fazer  as 
encomendas ou irem à residência da quitandeira (Figura 6.122). Além disso, segundo Mariinha, fornece 
quitandas para as festas de casamento da cidade e para algumas pousadas em Tiradentes (MG). 

    
Figura 6. 122 – Biscoitos de polvilho (torradinho) e rosquinhas de manteiga embaladas e fracionadas 
para serem comercializadas. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 
Apesar de a quitandeira ter uma clientela fiel, que a faz dar continuidade ao ofício que já está na família 
há mais de cinco décadas, a maior dificuldade enfrentada por Mariinha refere–se ao Poder Público local: 

“Aqui eu ainda tinha um forno de cupim, mas a Vigilância Sanitária esteve aqui, 
e tive que desmanchar. Já tive muito problema com ela, que já esteve aqui até 
pra  fechar  minha  cozinha.  Tive  que  arrumar  aqui  aos  poucos,  até  azulejar  as 
paredes.” (Marinha, em entrevista realizada na sua residência, em 07/09/2017). 

Segundo ela, tais exigências contribuem para que, aos poucos, essa prática tradicional torne–se inviável 
de  ser  levada  adiante.  Além  do  mais,  as  quitandas  são  feitas  de  forma  artesanal,  o  que  não  pode  ser 
comparado a produtos industrializados em grande escala, enfatizou a quitandeira. 

A outra quitandeira reside na comunidade quilombola Curralinho dos Paulas, distante 8 km do distrito–
sede. Conhecida como Totonha, Maria Antônia de Resende é casada, natural da própria comunidade e 
produz quitandas juntamente com a família. Suas merendas são comercializadas na cidade e arredores 
(Figura 6.123). 

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Figura 6. 123 – Vistas da Igreja de Nossa Senhora da Conceição (à esquerda), Capela de Nossa Senhora 
do Perpétuo Socorro (à direita) e imagem do cemitério atrás da capela (abaixo). 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 
A  equipe  ficou  sabendo  da  existência  da  quitandeira  Totonha  e  também  de  outras,  residentes  no 
município  e  que  realizam  a  prática  através  de  informações  fornecidas  pela  servidora  municipal  do 
Departamento de Cultura Solange Maria do Carmo Silva Daher (Figura 6.124). Ao chegar à residência da 
informante,  na  comunidade  quilombola  Curralinho  dos  Paulas,  e  após  apresentar  os  motivos  da 
pesquisa, a equipe percebeu que a quitandeira ficou “desconfiada”, a ponto de, inicialmente, reservar–
se o direito de não falar sobre sua prática. 

Ao  persistir  em  conhecer  a  história  de  vida  da  quitandeira,  percebeu–se  que  sua  preocupação  em 
responder ao questionário tinha a ver com o destino final dos dados coletados, ou seja, se o Instituto 
Nacional de  Seguridade Social (INSS), responsável por fornecer benefícios, como aposentadorias, teria 
acesso  às  suas  informações.  Consequentemente,  por  ter  outro  tipo  de  renda,  que  não  apenas  o  de 
produtora rural, seu pedido de benefício poderia ser negado. 

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Figura 6. 124 – Quitandeira Totonha na sua cozinha, onde prepara as quitandas. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Após alguns minutos de esclarecimentos e do consentimento de seu esposo, a quitandeira resolveu falar 
sobre seu ofício. E a respeito de seu aprendizado, ela disse que aprendeu a fazer quitanda com a avó, a 
mãe  e  tias.  Na  época,  a  produção  se  restringia  apenas  a  consumo  interno  da  família.  Posteriormente, 
sua mãe passou a receber algumas encomendas de quitandas e, desde então, com a idade de 16 anos, a 
quitandeira Totonha tem se dedicado a fazer merendas para vender. 

A  quitandeira  Totonha,  além  de  fazer  as  quitandas,  trabalhava  na  agricultura,  para  ajudar  o  marido, 
inclusive  no  plantio  de  mandioca  e  milho,  que,  após  colhido,  era  transformado  em  polvilho  e  fubá, 
matéria–prima utilizada no preparo das quitandas. 

Embora a filha ajude de alguma forma na produção das quitandas, sobretudo entregando–as na cidade, 
Totonha disse que as faz sozinha, não possui ajudante: “Eu faço as quitandas sozinha. Chego a utilizar 20 
a 25 kg de polvilho por semana. Trabalho sozinha.” (Totonha, em entrevista realizada na sua residência, 
na  comunidade  quilombola  Curralinho  dos  Paulas,  em  07/09/2017).  Talvez  por  esse  fato,  Totonha 
afirme que os filhos não têm interesse em dar continuidade ao ofício. 

A produção de quitandas, principalmente de torradinho (biscoito de polvilho), é significativa. Durante a 
visita  realizada  à  residência  da  quitandeira,  observaram–se  vários  fardos  do  produto  e  caixas  sobre  o 
sofá da sala, ensacados e prontos para serem entregues aos clientes (Figura 6.125). 

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Figura 6.125 – Quitandas empacotadas para serem comercializadas. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 

Além disso, a cozinha está equipada com dois fornos mistos, isto é, que utilizam como combustível no 
processo  de  assar  lenha  e  energia,  o  que  agiliza  bastante  a  produção  das  quitandas.  Nesse  sentido, 
supõe–se  que  uma  boa  parte  da  renda  familiar  advém  das  quitandas.  Mesmo  assim,  a  quitandeira 
enfatizou que o lucro é muito pouco, e que a motivação de continuar com as quitandas é mais “por uma 
questão de prazer” (Figura 6.126). 

     
Figura 6.126 – Aspectos dos fornos mistos (a gás e a energia) e dos tabuleiros utilizados pela quitandeira 
Totonha. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Como a comunidade Curralinho dos Paulas é grande produtora de eucalipto para a produção de carvão, 
a lenha utilizada nos fornos da quitandeira origina–se de reflorestamento; portanto, não utiliza madeira 
nativa.  Porém,  ela  reclama  dos  altos  preços  praticados  pelos  fazendeiros  produtores  de  madeira  da 
região. 

Segundo  Totonha,  embora  a  quitanda  que  mais  produz  seja  o  biscoito  de  polvilho,  que  ela  chama  de 
“torradinho”, também faz outros tipos, como rosquinhas de nata, bolos, e broa de fubá. Dá preferência 

213 
 
aos insumos que são produzidos no próprio sítio: ovos caipiras, leite cru, nata e manteiga: “Na cidade, 
eu só compro polvilho, fubá, óleo e fermento. Na época de minha mãe, costumava utilizar a gordura de 
porco nas quitandas, mas eu não uso porque os clientes não gostam.” (Totonha, em entrevista realizada 
na sua residência, na comunidade quilombola Curralinho dos Paulas, em 07/09/2017). 

A  respeito  da  tradição  do  lugar  que  associa  quitandas  a  momentos  festivos,  Totonha  ressaltou  que, 
durante as festas de fim de ano, quando os familiares que residem fora da cidade retornam para visitar 
os  parentes,  a  produção  de  quitandas  tende  a  aumentar.  Os  clientes  da  quitandeira  são  os  donos  de 
supermercados,  mercearias  e  pousadas  da  cidade,  mas  ela  também  recebe  encomendas  de  outros 
moradores. 

Terezinha  Mendonça  Resende  é  a  quitandeira  mais  antiga  da  cidade  e,  ainda,  em  atividade.  Foi, 
também, a principal informante a contribuir com a Secretaria Municipal de Educação, Cultura, Esporte e 
Lazer, através de seu setor de Patrimônio, na Pesquisa de Inventário das quitandas locais. 

A ação aconteceu em 2008 e teve como motivação o fato de que a fabricação de quitandas na cidade é 
uma tradição cultural no distrito–sede do município de Resende Costa, estando ligada às festividades da 
tradição católica que reúne as famílias para as celebrações. 

De  acordo  com  o  texto  do  Inventário  do  Acervo  Cultural  –  Bens  Imateriais,  as  quitandeiras  Terezinha 
Mendonça Resende e Sônia Valéria Mendonça, mãe e filha, são exemplos de moradoras da cidade que, 
ao longo dos anos, preparam quitandas, transmitindo a tradição de geração a geração (Figura 6.127). 
 

 
Figura 6.127 – Quitandeiras Terezinha e Sônia, mãe e filha. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

A quitandeira Terezinha Mendonça Resende é viúva e natural de Campos Gerais, povoado localizado no 
município  de  Entre  Rios  de  Minas.  Veio  morar  em  Resende  Costa  quando  tinha  2  meses  de  idade. 
Quando  se  casou,  em  1958,  foi  morar  na  “roça”  com  a  sogra;  com  ela,  foi  que  aprendeu  a  fazer 
quitandas. Ao contrário da maioria das quitandeiras, que aprenderam o ofício com a mãe ou parentes 
próximos, o aprendizado sobre as quitandas de Terezinha aconteceu tardiamente, já que, segundo ela, 

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sua mãe não sabia fazer merendas: “Foi na roça que aprendi a fazer quitanda; minha sogra fazia para 
consumo  da  família.  Morei  sete  anos  com  ela.  Aprendi  muita  coisa  com  minha  sogra.”  (Terezinha 
Resende, em entrevista realizada na sua residência, em 08/09/2017). 

A  quitandeira  morou  na  zona  rural  durante  25  anos.  Quando  se  mudou  para  a  cidade,  passou  a  fazer 
quitanda para o consumo e também para comercializar: 

“Tudo  quanto  era  tipo  de  quitanda  eu  fazia.  Recebia  muitas  encomendas. 
Vendia  muito  mesmo.  Eu  levantava  de  madrugada  e  ficava  no  forno  de  varrer 
até tarde da noite. As merendas que eu fazia na época, e que ainda faço, eram 
quebradinho, quebrador, biscoito de fubá, biscoito de fubá de moinho, pão de 
queijo,  biscoito  de  polvilho  e  rosquinhas  de  trigo.  Criei  meus  filhos  fazendo 
quitandas.”  (Terezinha  Resende,  em  entrevista  realizada  na  sua  residência,  em 
08/09/2017). 

Apesar  da  idade  avançada,  Terezinha  ainda  continua  fazendo  quitandas  para  o  consumo  da  família  e, 
vez por outra, em época de festa, produz as merendas sob encomenda. Para isso, conta com a ajuda de 
sua filha Valéria Mendonça, que aprendeu o ofício com a  mãe:  “Ainda faço  quitandas, mas em  pouca 
quantidade. Nas festas de fim de ano, costumo receber encomendas de quitandas e também de pernil” 
–– disse a mestra quitandeira (Figura 6.128). 

   
Figura 6.128 – Detalhe da cozinha das quitandeiras Terezinha e Sônia. A quitandeira verificando o pernil 
que estava assando no momento da visita da equipe de pesquisa à sua cozinha. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 

Se  depender  dos  esforços  da  mestra  Terezinha,  a  continuidade  do  ofício  de  quitandeira  em  Resende 
Costa  está  garantida,  pois  sua  filha  Sônia  já  detém  todo  o  conhecimento  sobre  o  modo  de  fazer  das 
quitandas, que herdou de sua mãe. Além de quitandeira, a filha também exerce a função de Técnica em 
Assuntos  Educacionais  em  uma  escola  estadual  do  município.  Contou  que,  desde  criança,  ajuda  a 
quitandeira a enrolar as massas até altas horas da noite. E que, quando se casou, continuou a fazer as 
merendas  para  a  família  e  ajudar  dona  Terezinha.  Atualmente,  é  quem  está  à  frente  da  produção  de 
quitandas (Figura 6.129). 
 

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Figura 6.129 – Rosquinhas de nata e biscoitão de polvilho feitos pela quitandeira Sônia. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 

Atualmente,  as  quitandas  são  assadas  em  forno  a  gás,  mas  a  preferência  ainda  é  pelos  produtos  de 
procedência da roça: leite cru, nata e ovos caipiras. Os demais ingredientes, como o polvilho e o fubá, 
são comprados nos mercados locais. 

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6.6.3  MAPA DOS BENS CULTURAIS DE RESENDE COSTA 

 
 

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6.7  ENTRE RIOS DE MINAS 
Entre  Rios  é  um  município  de  300  anos,  tendo  sua  formação  ligada  às  Bandeiras  e  ao  Ciclo  do  Ouro. 
Localizado no caminho da Estrada Real, era o principal pouso para quem viajava de Ouro Preto para São 
João  Del  Rey.  Possui  exemplares  arquitetônicos  relevantes,  dos  séculos  XVII  (uma  ruína  bandeirante), 
XVIII (uma capela de 1733), XIX (diversas casas e fazendas coloniais) e XX (um hospital em estilo eclético 
e diversas casas). 

Segundo os gestores locais, com a chegada de um grande distrito industrial em Jeceaba, a cidade passou 
a  sofrer  os  impactos  da  especulação  imobiliária,  o  que  vem  culminando  na  derrubada  irregular  de 
imóveis históricos. 

O  Conselho  Municipal  de  Desenvolvimento  Cultural  (CODEC)  é  o  órgão  municipal  responsável  pelo 
tombamento e preservação dos Patrimônios Materiais e Imateriais em nível municipal. 

Como  principais  patrimônios  paisagísticos,  os  entrevistados  citaram  as  cachoeiras  do  Gordo  e  a  dos 
Faleiros,  frequentadas  por  moradores  locais  e  turistas,  e  também  a  Serra  do  Gambá,  que,  embora 
pertença ao município de Jeceaba, tem uma identificação forte com os moradores locais devido ao fato 
de  essa  serra  preservar,  entre  outras,  uma  volumosa  nascente  que,  durante  décadas,  abasteceu  a 
cidade de Entre Rios de Minas, conforme já citado. 
6.7.1  CAPOEIRA E OFÍCIO DE MESTRES DE CAPOEIRA – GRUPO DE CAPOEIRA ORIGENS 
 Instrutor Cascavel – Wesley Resende, 43 anos 

Antes  de  apresentar  a  trajetória  do  instrutor  de  capoeira  Wesley,  que  foi  o  primeiro  informante 
detentor de conhecimento sobre a prática da capoeira, vale ressaltar que o único mestre de capoeira é 
o Casquinha, o primeiro a introduzir a capoeiragem na cidade. No entanto, durante o período em que a 
equipe  de  pesquisa  permaneceu  na  localidade,  não  foi  possível  contatá–lo,  pois  ele  estava  viajando, 
como foi informado. 

Outro cidadão, com quem se manteve contato, foi Agnaldo da Silva Oliveira, conhecido como Naca; o 
instrutor  Wesley  o  tem  como  “mestre”  (Figura  6.130).  Com  base  nas  informações  fornecidas  pelo 
instrutor, foi possível localizar a residência de Naca e entrevistá–lo. No entanto, conforme relatou, após 
um desentendimento entre ele e o Mestre Casquinha, resolveu abandonar a arte da capoeiragem. 

Mesmo  após  ele  afirmar  que  não  é  mais  capoeirista,  a  equipe  decidiu  coletar  algumas  informações  a 
respeito de sua trajetória; afinal de contas, o instrutor Wesley o considera uma pessoa importante para 
a  cultura  da  capoeira  na  cidade.  O  ex‐capoeirista  Naca  é  natural  de  Entre  Rios  de  Minas,  casado  e 
trabalha  de  pedreiro.  Contou  que  se  iniciou  na  capoeira  aos  12  anos,  com  o  Mestre  Casquinha,  que 
havia chegado de Pernambuco para trabalhar na ferrovia; depois, o mestre viajou para o Rio de Janeiro, 
onde passou algum tempo. 

Durante esse período em que o mestre ficou ausente, Naca, a quem faltava apenas uma graduação para 
se  tornar  mestre,  seguiu  dando  continuidade  aos  treinos  de  capoeira  na  cidade.  Com  o  retorno  do 
Mestre  Casquinha  à  cidade,  na  década  de  90,  os  dois  continuaram  treinando  juntos,  porém,  com  o 

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tempo,  desentenderam–se.  Com  a  relação  estremecida,  aos  poucos,  Naca  foi  abandonando  a 
capoeiragem. 

 
Figura 6.130 – Ex–capoeirista Naca, que o instrutor Wesley considera seu pai na arte da capoeira. 
Fonte: Equipe Biodinâmica, 2017. 
 
Embora não desempenhe mais a arte da capoeira, Naca falou sobre alguns momentos da época em que 
praticava a capoeira: 

“Lembro  que,  quando  começamos  a  capoeira,  os  treinos  aconteciam 


numa  garagem  pequena  lá  na  vila.  Quanto  mais  apertado  o  lugar, 
melhor para aprender a se defender. Na época, a gente mesmo era que 
fazia  os  instrumentos,  arrumava  a  cabaça  e  as  vergas  para  fazer  o 
berimbau.  As  roupas,  também  a  agente  mandava  a  costureira  fazer.” 
(Ex‐capoeirista  Naca,  em  entrevista  realizada  na  sua  residência,  em 
08/09/2017). 

De acordo com o ex–capoeirista, o Mestre Casquinha, depois que se aposentou, também parou com o 
ofício. Portanto, o único herdeiro da linhagem de capoeira existente em Entre Rios de Minas e que está 
em atividade é o instrutor Wesley. 

Wesley  Resende  começou  a  treinar  capoeira  em  1974,  aos  12  anos  de  idade,  com  o  capoeirista  Naca 
(Figura 6.131). Na época, o Mestre Casquinha ainda estava no Rio de Janeiro; quando retornou à cidade, 
Wesley  passou  a  treinar  com  ele.  Em  2000,  ingressou  na  Faculdade  de  Educação  Física  na  cidade  de 
Ouro  Branco  (MG),  onde  conheceu  alguns  colegas  que  faziam  parte  do  Grupo  de  Capoeira  Arte  das 
Gerais. Passou, então, a treinar junto com eles. Wesley conheceu vários mestres de capoeira, inclusive, 
Mestre  Casquinha,  mas,  para  ele,  seu  pai  na  capoeira  é  Naca,  como  ressaltou:  “A  primeira  corda  eu 
peguei  com  o  Mestre  Casquinha.  Foi  em  1998,  e  meu  apelido  no  grupo  era  Cascavel.”  (Instrutor  de 
capoeira Wesley, em entrevista realizada na residência, em 08/09/2017). 

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Figura 6.131 – Instrutor de capoeira Wesley. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Wesley desenvolve um trabalho social com a capoeira nas escolas do município há 13 anos, mas ressalta 
que  o  fato  de  ser  graduado  em  Educação  Física  lhe  deu  mais  respaldo  para  seguir  disseminando  a 
prática.  Ele  conseguiu  aliar  os  movimentos  da  capoeira  com  a  noção  de  anatomia  e,  assim,  conseguir 
tirar o maior proveito possível. No entanto, apesar de ter criado o Projeto Origens há bastante tempo, e 
realizar  os  treinos  em  escolas,  ainda  enfrenta  preconceito  por  parte  de  algumas  pessoas  da 
comunidade:  “Tenho  alunos  que  não  podem  treinar  capoeira  porque  o  pastor  não  deixa”,  ressaltou  o 
instrutor. 

As rodas de capoeira acontecem todos os sábados, na Escola Estadual Pedro Domingues, desde 2005. O 
instrutor Wesley atua como voluntário e ensina capoeira para cerca de 30 alunos com faixa etária entre 
7  e  15  anos.  De  acordo  com  o  coordenador  do  projeto,  o  objetivo  principal  do  Origens  não  é  formar 
apenas capoeiristas, e sim cidadãos. Cerca de 300 alunos já passaram pelo “Origens” ao longo de seus 
oito anos de existência (Figura 6.132). Atualmente, integra a linhagem do Grupo de Capoeira Artes das 
Gerais.  

 
Figura 6.132 – Identidade visual do Projeto Origens, coordenado pelo instrutor Wesley. 
Fonte: PROJETO ORIGENS, 2017. 
 

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Segundo o instrutor, para desempenhar trabalhos que envolvem a prática da capoeira, sociais ou não, é 
preciso resistência, uma vez que são poucos os profissionais em educação que conseguem perceber que 
a Roda de Capoeira também é pedagógica, e conseguir transmitir mais conhecimentos aos alunos que as 
aulas  convencionais,  que  acontecem  em  salas  de  aulas.  A  capoeira  é  sinônimo  de  resistência:  “Nas 
próprias  escolas,  há  professores  e  diretores  que  não  apoiam  a  capoeira”,  declarou  o  instrutor  de 
capoeira Wesley na entrevista realizada em sua residência, em 08/09/2017. 

Durante as rodas de capoeira, além de ensinar os movimentos  e a ginga  da  capoeira contemporânea, 


que mescla saberes tradicionais e técnicas do tipo Angola e Regional, o instrutor trabalha a autoestima 
das crianças, instrui–as a lidar com as diversidades, isto é, ensina–lhes a respeitar as diferenças. 

“O preconceito vem enraizado na criança pelos ensinamentos dos pais, e tento quebrar isso”, enfatiza. 
Segundo ele, alguns alunos chegam à roda, mesmo tendo estudado a disciplina História do Brasil, sem 
saber o que representa o negro para a historiografia brasileira (Figura 6.133). O instrutor usa os treinos 
não apenas como prática esportiva, mas, também, sobretudo, como uma oportunidade de transformar 
as mentalidades das aulas em relação aos temas acima mencionados. 

 
Figura 6.133 – Grupo Origens durante campeonato. Instrutor Wesley (na extrema direita) e seus alunos. 
Fonte: PROJETO ORIGENS, 2017. 
 

A confecção dos próprios instrumentos é uma atividade que faz parte da Roda de Capoeira, pois, além 
de  estimular  a  criatividade  dos  alunos,  possibilita  que  eles  criem  laços  de  solidariedade.  Sempre  que 
possível, são realizadas oficinas para ensinar os alunos a produzir berimbaus:  

“Aqui,  a  gente  ainda  encontra  cabaças  e  varas.  As  crianças  se  mobilizam  e 
conseguem as cabaças com os vizinhos. As varas, eu vou nos sítios pegar. Agora, 
o  resto  dos  instrumentos,  como  o  atabaque  e  o  caxixi,  é  comprado  em  Belo 
Horizonte.  E  a  corda  do  berimbau,  que  é  um  arame,  a  gente  retira  de  pneus 
usados.”  (Instrutor  de  capoeira  Wesley,  em  entrevista  realizada  na  sua 
residência, em 08/09/2017). 

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Um  dos  maiores  entraves  enfrentados  pelo  instrutor,  para  dar  continuidade  à  prática  da  capoeira  na 
atualidade,  diz  respeito  ao  preconceito  que  algumas  pessoas  têm  em  relação  à  prática.  Embora 
reconheça  a  importância  de  algumas  políticas  públicas,  como  obrigatoriedade  da  temática  História  e 
Cultura  Afro–Brasileira  na  educação  básica  de  ensino  no  Brasil  e  o  processo  de  reconhecimento  do 
Ofício  de  Mestres  de  Capoeira  e  da  Roda  de  Capoeira  como  patrimônio  do  Brasil  e  da  Humanidade, 
poucas mudanças são percebidas no sentido de diminuir os preconceitos enfrentados pelos capoeiristas. 

Também  ressaltou  que  não  foi  realizada  nenhuma  ação  que  beneficie  os  mestres  de  capoeira,  e  que 
muitos nem sequer possuem casas para morar. Segundo ele, qual o mestre que trabalha o dia inteiro de 
servente  de  pedreiro  e  ainda  encontra  disposição  para  treinar  ao  fim  do  dia?  Na  sua  opinião,  é 
impossível que o estado queira valorizar uma prática cujos detentores não têm sequer condições para 
sobreviver. Que dirá passar adiante seus conhecimentos! 

6.7.2  OFÍCIO DE QUINTANDEIRAS 
 Margarida Maria da Costa Resende, 58 anos 

 Aline Dias Lopes, 28 anos 

 Delfina Maria de Oliveira, 59 anos 

 Marlene de Fátima Lima, 58 anos 

A maioria  das quitandeiras e  doceiras  com as quais a  equipe de pesquisa  conseguiu fazer contato  em 


Entre  Rios  de  Minas  expunham  seus  produtos  na  feira  livre,  que  acontece  aos  sábados,  na  parte  da 
manhã. Apenas uma delas, Aline, é que comercializa suas merendas por encomenda ou venda porta a 
porta. 

A partir da contribuição do servidor Teófilo Antônio, da Secretaria de Cultura do município, foi que se 
chegou ao endereço da quitandeira Margarida, na sexta–feira, 8 de setembro. Na ocasião, foi possível 
acompanhar  a  quitandeira  realizando  os  últimos  preparativos,  isto  é,  fazendo  as  quitandas  para 
comercializar na feira, no dia seguinte. 

Margarida  é  natural  da  zona  rural  Brumadinho,  município  de  Entre  Rios  de  Minas.  Após  casar–se,  na 
década de 70, continuou residindo na comunidade. Em 2004, veio morar na cidade, para dar apoio aos 
dois  filhos  que  haviam  ingressado  faculdade.  Assim  como  a  maioria  das  quitandeiras  pesquisadas,  os 
primeiros  contatos  que  a  quitandeira  teve  com  o  ofício  ocorreu  ainda  na  fase  de  criança,  quando 
observava sua mãe fazer as merendas. Na época, os 13 filhos participavam, de algum modo, no preparo 
das merendas. Havia funções para todos, desde ir ao mato pegar lenha para aquecer o forno de varrer, 
até amassar, enrolar e assar. Era um dia inteiro dedicado à quitanda, como contou Margarida: 

“A  quitanda  é  uma  tradição  de  família.  Na  casa  da  minha  mãe,  já  fazia  para 
nosso sustento, e depois de casada, continuei a fazer. Quando minha mãe fazia, 
a  gente  ajudava.  Ela  fazia  biscoito  misturado  (fubá  e  polvilho)  e  também  o 
polvilho  e  o  fubá.  A  gente  fazia  a  quitanda  com  aquilo  que  a  gente  tinha  na 
época: leite, ovos, banha, manteiga, polvilho. Raramente buscava alguma coisa 
no  mercado.”  (Margarida,  em  entrevista  realizada  na  sua  residência,  em 
08/09/2017) 

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Da mesma forma que sua mãe, a quitandeira Margarida continuou fazendo suas merendas para atender 
ao  consumo  da  família  (Figura  6.134).  Para  isso,  aproveitava  os  insumos  que  eram  produzidos  na  sua 
roça para produção das quitandas: leite, ovos caipira, gordura de porco, nata, manteiga, fubá de milho 
moído no moinho d'água e outros. O ofício de quitandeira só se tornou uma profissão, isto é, uma fonte 
de renda para ajudar nas despesas da família, quando ela se mudou para a cidade, na década de 2000. 

 
Figura 6.134 – Quitandeira Margarida comercializando as merendas na feira. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 
Foi nessa época que decidiu fazer suas quitandas para vender na feira livre, aos sábados pela manhã, em 
volta da praça da Igreja Matriz de Nossa Senhora das Brotas (Figura 6.135): 

“Eu  comecei  a  fazer  as  quitandas  em  2000,  assim  que  começou  a 
feirinha.  Na  época,  além  da  ajuda  financeira,  meu  esposo  estava 
depressivo,  e  era  uma  maneira  dele  sair  da  roça  e  socializar.” 
(Margarida, na entrevista realizada em sua residência, em 08/09/2017) 

   
Figura 6.135 – Detalhe da feira livre de Entre Rios de Minas. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

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Toda  produção  de  quitanda  feita  semanalmente  por  Margarida  destina–se  à  comercialização  na  feira 
livre, o que não lhe sobra tempo para diversificar as vendas, por exemplo, entrega de merendas porta a 
porta e sob encomenda. 

De acordo com a entrevistada, em 2012 participou do primeiro festival gastronômico que aconteceu na 
cidade, onde expôs suas  merendas,  mas não teve  continuidade.  Ela destacou  ainda que, apesar de só 
ocorrer uma vez, foi uma excelente oportunidade para apresentar suas quitandas ao público visitante. 

Provavelmente,  no  ato  da  entrevista,  que  ocorreu  no  início  do  mês  de  setembro  de  2017,  ainda  não 
fosse de seu conhecimento que, nos dias 24 e 25 de novembro do mesmo ano, realizar–se–ia na cidade 
o 1° Festival Gastronômico – Receitas de Família. A informação foi passada à equipe de pesquisa pelo 
servidor Teófilo Antônio, da Secretaria de Cultura, um dos organizadores do evento.  A ideia do festival é 
promover uma opção de lazer e diversão aos entrerrianos e, ao mesmo tempo, valorizar e enaltecer a 
memória  da  cidade.  O  evento  também  visa  gerar  novos  empreendedores  no  ramo  da  gastronomia  e 
atrair turistas, gerando benefícios socioeconômicos para a população. Nesse sentido, o evento procura 
enaltecer  a  singularidade  das  antigas  receitas  existentes  no  município  e  incentivar  os  produtos 
provenientes  dos  agricultores  locais,  uma  vez  que  ressalta  as  receitas  de  antigas  gerações  que  não 
tinham o hábito de comprar produtos industrializados (Figura 6.136).  

 
Figura 6.136 – Representante da Secretaria de Cultura Teófilo Antônio, ao lado do banner de divulgação 
do 1o Festival Gastronômico de Entre Rios de Minas. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017 

Os tipos de quitandas que aprendeu com sua mãe e que comercializa na feira da cidade são: rosquinha, 
biscoito  de  fubá,  biscoito  misturado  (mistura  de  fubá  com  polvilho),  cubu  (massa  de  fubá  com  açúcar 
mascavo e coalhada), broa de fubá de canjica, bolacha de coco, bolacha de amendoim, quebra–quebra e 
rosca  da  rainha.  Quanto  aos  ingredientes  usados  na  preparação  das  quitandas,  Margarida  dá 
preferência a ovos caipiras (Figura 6.137), que provêm da criação de galinha que mantém no quintal de 
sua casa, leite cru, nata, manteiga e fubá que vem da roça. 

225 
 
     
Figura 6.137 – Ovos usados para fazer as quitandas: vêm da produção de galinha que Margarida 
mantém no quintal de sua casa. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

No  entanto,  quando  não  consegue  encontrar  com  facilidade  tais  ingredientes,  ela  os  substitui  por 
similares,  como  margarina,  leite  de  caixa,  creme  de  leite  e  ovos  brancos,  embora  as  quitandas  não 
fiquem  com  o  mesmo  sabor,  como  ressaltou.  Os  demais  insumos  (farinha,  açúcar  e  fermento)  são 
comprados nos mercados da cidade.  

As merendas são preparadas e assadas de véspera. Geralmente, depois do almoço, Margarida inicia a 
preparação  e  segue  pela  tarde  inteira,  às  vezes  até  pela  noite  a  dentro  (Figura  6.138).  Durante  a 
entrevista  com  a  quitandeira,  que  aconteceu  na  sexta–feira,  dia  8  de  setembro  de  2017,  foi  possível 
observar um pouco das etapas de produção, como a disposição dos biscoitos, rosquinhas, broas e roscas 
sobre as bancadas, aguardando para serem embaladas. 

Todas  as  etapas  de  preparo  das  quitandas,  que  envolvem  a  mistura  dos  ingredientes,  sova  (amassar), 
enrolar,  assar  e  embalar,  são  conduzidas  somente  por  Margarida.  Ao  contrário  de  como  acontecia  na 
época de criança, quando a produção de quitandas era um ato coletivo, que mobilizava parte da família, 
atualmente, no seu caso em específico, o ofício é realizado de forma individual, já que não conta com 
ajuda de outras pessoas. 

226 
 
        

    
Figura 6.138 – Quitandas de Margarida prontas para serem conduzidas e comercializadas na feira no dia 
seguinte: pacotes de broas (caixa) e rosquinhas, roscas da rainha (na prateleira) e broas de fubá 
esfriando no tabuleiro. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 

Em muitos aspectos, a quitandeira tenta manter a tradição –– a principal delas talvez seja a persistência 
no uso do forno de varrer, apesar de já dispor de um forno a gás. Para ela, quitandas de verdade têm 
que ser assadas no forno a lenha, porém a maior dificuldade está em conseguir lenha. 

A  lenha  utilizada  provém  de  plantação  de  eucalipto  e,  segundo  ela,  está  se  tornando  muito  onerosa. 
Para  manusear  o  forno  de  varrer,  é  preciso  saber  algumas  técnicas,  caso  contrário,  as  quitandas  se 
estragam,  seja  por  excesso  de  calor,  seja  por  baixa  temperatura.  É  preciso  saber  também  quais 
merendas terão prioridades durante o processo de assar. Uma dica importante é assar as massas mais 
pesadas primeiro, como o cubu, e as massas mais leves depois, como ela ressaltou. 

Assim como Margarida, que trabalha na feira, a quitandeira Delfina Maria de Oliveira, conhecida como 
Finica, usa o  espaço para  comercializar suas quitandas. Ela é natural  de Barbacena  (MG),  aposentada, 
viúva e residente na comunidade do Castro, distante 5 km do distrito–sede. Embora a quitandeira Finica 
tenha ficado sem mãe ainda muito jovem, lembra–se de vê–la fazendo as quitandas: 

227 
 
“Quando criança, lembro de minha mãe fazer broa, biscoito de polvilho 
e cubu. Ela fazia sozinha. Eu apenas via minha mãe fazer. Não aprendi a 
fazer  nada  com  ela,  não  deu  tempo.  Eu  aprendi  de  curiosidade  minha 
mesmo.”  (Finica,  em  entrevista  realizada  na  banca  localizada  na  feira 
livre de Entre Rios de Minas, em 09/09/2017) 

Casou–se  aos  14  anos  de  idade  e,  para  garantir  o  sustento  da  família,  buscou  trabalho  nas  fazendas, 
onde aperfeiçoou o ofício que havia sido introduzido na curta vivência com sua mãe. Segundo ela, além 
de aprender a fazer as quitandas, também sabe a arte de fornear, isto é, responsabilizar–se pelo forno 
de  varrer.  Tomar  conta  do  forno  significa  colocar  a  lenha  no  seu  interior,  esperar  esquentar  e  se  dar 
conta do processo de assar. Durante as entrevistas realizadas com outras informantes que participaram 
da pesquisa, soube–se que há várias maneiras utilizadas para verificar a temperatura do forno de varrer, 
para  começar  a  introduzir  as  “latas”  (tabuleiros)  com  as  quitandas  cruas  para  assar.  Uma  delas  é 
explicitada por Finica: 

“Para verificar a temperatura do forno de varrer, e se ele tá no ponto de 
pôr  as  quitandas  para  assar,  colocava  uma  vassoura  de  alecrim.  Se 
queimasse,  era  sinal  que  o  forno  estava  muito  quente;  aí,  tinha  que 
esperar ele esfriar mais um pouco. Isso eu via minha mãe fazer.” (Finica, 
em  entrevista  realizada  na  banca  localizada  na  feira  livre  de  Entre  Rios 
de Minas, em 09/09/2017) 

Confessou a quitandeira que, aos poucos, quer abandonar a venda das quitandas, pois não está dando 
conta  de  levar  adiante  a  atividade.  Apesar  de  contar  com  a  ajuda  de  sua  filha  Maria  do  Rosário,  na 
produção  das  quitandas,  Finica  lamenta  que  já  está  cansada  e  que  o  contato  constante  com  o  forno 
quente  está  lhe  trazendo  problemas  de  saúde.  Enquanto  não  abandona  o  ofício,  a  quitandeira 
mencionou que os ingredientes usados na produção das merendas são também feitos por ela: 

“Eu ainda faço meu fubá, mas, hoje, em moinho elétrico. Também utilizo 
da roça o leite, ovos, nata, gordura de porco e manteiga, que eu mesma 
faço. Antes eu fazia o meu polvilho, mas hoje compro, pois é um serviço 
muito  pesado.  Da  cidade,  só  farinha,  açúcar  e  fermento.”  (Finica,  em 
entrevista  realizada  na  banca  localizada  na  feira  livre  de  Entre  Rios  de 
Minas, em 09/09/2017) 

Há mais de uma década trabalhando na feira (Figura 6.139), Finica não vende somente quitandas: broas, 
cubu, roscas da rainha e rosquinhas. Ela comercializa o que produz na pequena propriedade: hortaliças, 
verduras, galinhas caipiras abatidas, ovos caipiras e doces caseiros. 

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Figura 6.139 – Quitandeira Finica na sua barraca. Detalhe para os cubus na caixa plástica. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 
Entre  as  quitandeiras  localizadas  no  município,  a  mais  jovem  é  Aline  Dias  Lopes,  casada  e  natural  de 
Entre  Rios  de  Minas.  Sua  vivência  com  o  ofício  de  quitandeira  remonta  à  fase  de  criança,  quando 
observava a mãe trabalhando na preparação das merendas. De início, apenas observava; depois, com o 
tempo, começou a ajudá–la: 

“Aprendi a fazer quitandas com minha mãe, que faleceu há quatro anos. 
Depois  da  morte  dela,  as  pessoas  pediram  pra  que  eu  continuasse  a 
fazer, que comprariam as merendas. Há aproximadamente um ano que 
faço,  e  já  tenho  algumas  freguesas.  Minha  mãe  aprendeu  com  minha 
avó,  mas  ela  só  fazia  pra  consumo  da  casa.”  (Aline,  em  entrevista 
realizada na sua residência, em 09/09/2017) 

O  caso  da  quitandeira  Aline  é  emblemático  ––  percebe–se,  pelo  menos,  três  gerações  de  mulheres 
quitandeiras  na  família:  a  avó  materna,  a  mãe  e  ela.  Apesar  de  sempre  ajudar  sua  mãe  a  fazer  as 
quitandas  para  vender,  só  veio  a  despertar  que  poderia  dar  continuidade  ao  ofício  quando  a  própria 
comunidade começou a cobrá–la. Contou que a cobrança feita pelos vizinhos, para dar continuidade à 
prática aprendida com a mãe, coincidiu com o período em que ficou desempregada. 

Foi então que resolveu fazer algumas quitandas para vender, já que o principal instrumento ela tinha à 
disposição, no quintal de casa: o forno de varrer. Conforme mencionou, seu forno é herança deixada por 
sua  mãe,  e  tem  aproximadamente  uns  15  anos  de  uso.  Para  ela,  as  quitandas  assadas  nesse  tipo  de 
forno ficam mais saborosas, e faz com que a procura pelos produtos seja maior. 
“As  pessoas  procuram  mais  as  quitandas  desse  tipo  de  forno,  pois  se  aproxima  mais  dos  sabores 
tradicionais”, ressaltou a quitandeira. A lenha que ela utiliza para esquentar o forno, seu marido traz da 
zona  rural  (Figura  6.140).  No  quintal,  ao  lado  do  forno  havia  uma  grande  quantidade  de  madeira  de 
eucalipto empilhada; provavelmente, será utilizada para assar as quitandas. 

229 
 
 
Figura 6.140 – Lenha usada para aquecer o forno de varrer e assar as quitandas. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Ao  contrário  das  quitandeiras  Margarida  e  Finica,  que  produzem  as  merendas  exclusivamente  para 
vendê–las na feira, Aline as produz e as vende sob encomenda (Figura 6.141); segundo ela, também já 
saiu  vendendo  suas  quitandas  de  porta  em  porta.  Os  tipos  de  quitandas  que  faz  com  frequência  são 
biscoito  misturado  de  polvilho  com  fubá,  biscoito  seco  de  polvilho,  rosquinha  de  nata,  rosquinha  de 
amendoim, rosquinha de coco, cubu e rosca da rainha. 

     
Figura 6.141 – Quitandeira Aline com suas quitandas e seu livro de receitas (biscoito de polvilho e 
rosquinhas de nata). 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

230 
 
O ofício de quitandeira envolve várias etapas e saberes. Para a quitandeira Aline, a mais complicada é 
manusear o forno, saber reconhecer a temperatura ideal (Figura 6.142). São conhecimentos adquiridos 
com a prática; não há como ter uma receita certa a seguir. É preciso “vê” e “sentir”: 

Quanto à temperatura do forno, é complicado explicar, porque se aprende com 
a prática. Eu  coloco um tabuleiro pequeno com alguma quitanda para testar o 
forno; se queimar, espero mais um pouco para colocar os outros. Sempre coloco 
as massas mais pesadas para assar primeiro. Depois é que coloco os biscoitos de 
polvilho, porque não pode colocar com o forno muito quente, senão ele queima 
e não cresce.” (Aline, em entrevista realizada na sua residência, em 09/09/2017) 

A quitandeira utiliza o forno de varrer abastecido com lenha, que, segundo ela, dá um sabor diferente às 
quitandas. Além disso, dá prioridade ao uso de insumos que venham da zona rural, como leite cru, ovos 
caipiras e banha de porco: “Eu tento utilizar coisas da roça, para chegar perto do que minha mãe fazia”, 
ressaltou Aline, na tentativa de manter o sabor das quitandas que sua mãe preparava. 

     
Figura 6.142 – Forno de varrer herdado de sua mãe, no qual a quitandeira Aline assa as merendas. 

Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 

A quitandeira e doceira Marlene vem de uma família de doceiras (Figura 6.143). É natural de Entre Rios 
de  Minas,  mais  especificamente  da  comunidade  rural  chamada  Cucoruto.  Veio  morar  na  cidade  aos  7 
anos de idade, para estudar, mas, nos fins semana, retornava à comunidade de origem para ajudar nos 
afazeres domésticos. 
 

231 
 
     
Figura 6.143 – Doceira e quitandeira Marlene na sua barraca de doces, atendendo fregueses. Potes de 
doces. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Apesar de fazer quitandas, considera–se mais doceira, tendo em vista que é uma tradição de família: 

“Me considero mais doceira. O aprendizado dos doces tradicionais vem 
dos meus avós, que passaram os saberes para meus pais. São doces de 
laranja  da  terra  em  calda  e  barra,  banana,  goiaba  em  barra  e  calda.” 
(Marlene,  em  entrevista  realizada  na  banca  localizada  na  feira  livre  de 
Entre Rios de Minas, em 09/09/2017 – Figura 6.144) 

    
Figura 6.144 – Goiabada cascão, cocadas, doce de laranja–cidra, doce de figo e doce de leite com 
chocolate. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

232 
 
Além de reforçar que o ofício de doceira está na família há, pelo menos, três gerações, ela disse que, 
desde criança, ajudava seus pais a preparar doces e quitandas. Na época, a produção era apenas para o 
consumo da família, não se produzia para comercializar. 

Apesar de residir na  cidade, a produção dos doces  e quitandas  é realizada no sítio, utilizando fogão a 


lenha, forno de varrer e tacho de cobre para fazer as merendas. “Eu faço minhas quitandas e doces no 
sítio;  uso  fogão  a  lenha  e  tacho  de  cobre.  Faço  doces  todas  as  semanas,  às  vezes,  até  três  vezes  na 
semana”, disse a doceira. 

A produção artesanal dos doces inclui boa parte da mão de obra familiar, o que significa que os saberes 
tradicionais estão a todo o instante sendo disseminados e reapropriados. Além da própria doceira, estão 
ligados diretamente à produção o marido, o filho e uma ajudante que trabalha quatro dias por semana, 
de quarta–feira a sábado: 

“Por  semana,  a  família  chega  a  produzir  cerca  de  300  quilos  de  doces, 
que  são  vendidos  no  comércio  local  e  em  Belo  Horizonte.  “Na  capital, 
meus doces estão na Pampulha, num lugar chamado Produtos da Roça. 
Também estão na feira de Ibirité.” (Marlene, em entrevista realizada na 
banca localizada na feira livre de Entre Rios de Minas, em 09/09/2017) 
Percebe–se  que,  além  de  dar  continuidade  ao  ofício  de  doceira  e  quitandeira,  Marlene  e  sua  família 
sobrevivem  da  comercialização  dos  produtos  tradicionais,  cuja  origem  está  nos  saberes  herdados  de 
seus antepassados. 

233 
 
6.7.3  MAPA DOS BENS CULTURAIS DE ENTRE RIOS DE MINAS  

 
 

235 
 
6.8  SÃO BRÁS DO SUAÇUÍ 
São  Brás  de  Suaçuí  possui,  atualmente,  136  bens  imóveis  inventariados,  69  bens  móveis,  35  bens 
integrados  e  14  patrimônios  imateriais,  distribuídos  nas  categorias  Ofícios  e  Modos  de  Fazer, 
Celebrações  e Formas de  Expressão: Artesanato de crochê, Produção artesanal de fumo, Quitandeiras 
de São Brás, Festa de São Sebastião e São Brás, Carnaval, Semana Santa, Corpus Christi, Festa de Nossa 
Senhora do Rosário, Capela de Nossa Senhora do Rosário, Festa de Nossa Senhora Aparecida, Festa de 
Nossa  Senhora  das  Graças,  Comunidade  de  Rio  Abaixo,  União  Musical  de  Santa  Cecília,  Marujos  de 
Nossa Senhora do Rosário e Coro e Orquestra de Câmara de São Brás do Suaçuí. 

Os principais patrimônios de valor histórico, cultural e arquitetônico são: Igreja Matriz, Capela São João 
Batista, Cruzeiro Martírios do Capão, o Passo e Casa da Dona Negrinha. 

O município possui o Conselho Municipal de Cultura, que é deliberativo, instituído em 1999, pela Lei nº 
840/99.  A  Lei  nº  1.175,  de  30  de  junho  de  2014,  estabeleceu  as  normas  de  proteção  do  Patrimônio 
Cultural do Município (como mencionado anteriormente). 
6.8.1  CONGADAS DE MINAS – BLOCO DE MARUJOS NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO 
 Capitã Fátima da Conceição Azevedo Arnaldo, 58 anos 

Conhecida  na  cidade  pelo  apelido  de  Fia,  filha  de  Adelino  Camilo,  ex–capitão  da  única  congada  do 
município,  o  Bloco  de  Marujos  de  Nossa  Senhora  do  Rosário,  Fátima  da  Conceição  é  a  herdeira  do 
legado, juntamente  com seus dois filhos, Reginaldo  Azevedo Arnaldo e Thiago Azevedo Arnaldo. Fia é 
casada, mãe de quatro filhos, servidora municipal e natural de São Brás do Suaçuí (Figura 6.145). 

Antes de trazer alguns dados que foram obtidos com a atual dirigente, em entrevista e observações, é 
interessante  ressaltar  que  o  grupo  vive  um  período  de  crise;  ou  seja,  o  grupo  existe,  mas  apenas  em 
termos de memórias (narrativas, objetos, etc.), pois não tem realizado visitas de pagas nem participado 
da festa no bairro, o que é comum em grupos ativos. 

O  Bloco  de  Marujos  não  foi  criado  pelo  ex–presidente  e  capitão  Adelino  Camilo;  já  existe  há 
aproximadamente três gerações. De acordo com Fia, seus familiares já tinham o terno quando o pai dela 
se mudou para São Brás, ainda solteiro. Foi então que começou a participar, influenciada pela devoção 
dos parentes a Nossa Senhora do Rosário: 
 

237 
 
 
Figura 6.145 – Capitã Fia ao lado dos filhos Reginaldo e Thiago, durante entrevista concedida à equipe 
de pesquisa. 
Fonte: Equipe Biodinâmica, 2017. 
 

“Aqui,  nunca  teve  um  grupo  de  congado,  só  de  marujo.  Não  foi  criado  pelo 
meu pai, Adelino Camilo, que dançava e era também capitão. Ele veio pra cá a 
trabalho, conheceu minha mãe e se casaram. Todos em minha família, irmãs, 
sobrinhos e filhos, participavam na Marujada, mas o mais atuante era meu pai, 
que foi o capitão e presidente do grupo.” (Capitã Fia, em entrevista realizada 
na sua residência, em 14/09/2017) 

A partir do empenho do capitão Adelino Camilo e da população residente no bairro de Nossa Senhora 
do Rosário (Figura 6.146), foi que se construiu, em 1989, a igreja em homenagem à santa. Desde essa 
época, todos os anos, aconteciam festa de  Reinado com a presença da congada local e de municípios 
vizinhos.  

           
Figura 6.146 – Igreja de Nossa Senhora do Rosário, localizada no bairro do Rosário, e as bandeiras–guia 
do Bloco de Marujos. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 

238 
 
Na festa do Reinado de Nossa Senhora, a função dos marujos era buscar o rei e a rainha, a princesa e o 
mordomo  e  juiz  de  bandeira  em  suas  casas.  Quando  eles  passavam  pelas  ruas,  algumas  pessoas  e  os 
donos  de  comércios  ofereciam  cafés  para  os  dançadores.  Na  casa  dos  reis  festeiros,  geralmente,  era 
servido  o  almoço  tanto  para  o  Bloco  de  Marujos  como  para  os  integrantes  dos  ternos  que  estavam 
realizando  pagas  de  visitas  (Figura  6.147).  O  posto  de  rei  e  rainha  festeiros,  geralmente,  estava 
associado ao pagamento de promessas, ou seja, os devotos faziam algum pedido à santa; caso fossem 
atendidos, realizavam o pagamento, atuando como rei ou rainha da festa.  
 

      
Figura 6.147 – Cortejo de rainhas durante a festa de Reinado de Nossa Senhora do Rosário e o almoço 
oferecido pelos reis aos dançadores do bloco. Reprodução a partir de imagens do acervo da família, 
cedida por Fátima da Conceição Azevedo Arnaldo. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

No  entanto,  a  partir  de  2014,  com  o  falecimento  de  um  dos  capitães,  Adelino  Camilo,  a  festa  e  terno 
entraram  em  decadência.  Coincidiu  também  de  o  segundo  capitão,  Abílio  Rodrigues,  falecer, 
contribuindo ainda mais para a dispersão do grupo: 

“Meu pai contava com a ajuda do segundo capitão Abílio Rodrigues e de José 
Liberato dos Reis, terceiro capitão, que já faleceram também. Hoje ainda tem o 
Bernardino  Euzébio,  o  Dadinho,  que  participava  bem  antes  de  meu  pai,  que, 
embora  esteja  vivo,  tem  problemas  de  saúde.”  (Capitã  Fia,  em  entrevista 
realizada na sua residência, em 14/09/2017)  

Na realidade, a decadência do grupo, enquanto associação, começou durante o processo de doença do 
presidente Adelino Camilo (Figura 6.148). Segundo Fia, tudo começou bem antes, quando seu pai teve 
que  fazer  tratamento  de  saúde.  Os  integrantes  ficaram  muito  tempo  sem  realizar  reuniões  e  ensaios; 
além disso, outros agravantes foram surgindo, como a morte de pessoas velhas que dançavam no bloco. 
“Hoje só temos três idosos, já bem debilitados, que fizeram parte da dança”, disse Fia.  

239 
 
 
Figura 6.148 – Reprodução do “santinho” distribuído aos parentes e amigos no dia da missa de morte do 
capitão Adelino Camilo. Reprodução a partir de imagens do acervo da família, cedida por Fátima da 
Conceição Azevedo Arnaldo. 
Fonte:  Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

É diante desse contexto que a família do ex–capitão e presidente do grupo está empenhada em resgatar 
e,  consequentemente,  torná–lo  ativo  novamente.  Contudo,  para  dar  continuidade  à  manifestação,  é 
imprescindível buscar, entre os dançadores mais antigos que ainda estão vivos, os saberes tradicionais 
sobre a marujada: 

“Hoje  com  o  resgate,  meu  filho  Reginaldo  é  quem  está  como  presidente  do 
grupo.  A  nossa  ideia  de  fazer  esse  resgate  é  para  aproveitar  o  conhecimento 
de  pessoas  que  fizeram  parte  da  trajetória  da  marujada,  que  realmente 
participaram,  porque  o  que  eu  conheço  é  do  pouco  que  participei  e  das 
histórias  que  meu  pai  contava.”  (Capitã  Fia,  em  entrevista  realizada  na  sua 
residência, em 14/09/2017) 

Contou Fia que, atualmente, não há mulheres no grupo, como antes havia. No entanto, como é comum 
em alguns ternos de congadas da região, a presença de mulheres dançadoras era limitada. Na sua época 
de  criança,  só  participavam  homens,  ressaltou.  A  participação  das  mulheres  restringia–se  à 
ornamentação das roupas dos integrantes e à preparação das comidas. Sob o comando de seu pai, foi 
que se abriu espaço para a entrada de mulheres no bloco, mas a maioria dos integrantes do bloco era de 
pessoas  da  família  ou  que  mantinham  algum  tipo  de  parentesco  por  afinidade,  como  vizinhos  e 
conhecidos:  

“Hoje é mais de família mesmo: eu e minhas irmãs. A última apresentação que 
fizemos, há três anos, na reinauguração da Capela Nossa Senhora do Rosário, 
quando fizemos uma homenagem a meu pai logo após a morte dele.” (Capitã 
Fia, em entrevista realizada na sua residência, em 14/09/2017 – Figura 6.149) 

240 
 
 
Figura 6.149 – Capitã Fia, ao lado de Reginaldo, presidente do Bloco de Marujos Nossa Senhora do 
Rosário no interior da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, durante a última saída do grupo, em 2014. 
Reprodução a partir de imagens do acervo da família, cedida por Fátima da Conceição Azevedo Arnaldo. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

A  festa  em  homenagem  a  Nossa  Senhora  do  Rosário,  que  acontece  no  bairro,  no  dia  7  de  outubro, 
também  entrou  em  declínio  com  o  falecimento  do  capitão  e  presidente  do  Bloco  de  Marujos.  No 
entanto, conforme disse a atual dirigente do grupo, Fia, e seus filhos, estão planejando, para a festa de 
2017, fazer uma apresentação do grupo, ação que, segundo eles, pode motivar e despertar o interesse 
das pessoas pela marujada. Na tentativa de reativar o grupo, ela regularizou o registro do grupo, porém 
não  dispõe  de  uma  sede  onde  possa  guardar  os  instrumentos  e  adereços.  Quando  o  bloco  estava 
formado, costumava sair no dia da festa de Nossa Senhora do Rosário, e também nas festas de congadas 
que  aconteciam  nas  cidades  vizinhas,  como  São  João  Del  Rey,  Resende  Costa,  Conselheiro  Lafaiete  e 
várias cidades na região. 

Atualmente,  a  filha  de  Adelino  Camilo  usa  um  dos  cômodos  da  residência  para  acomodar  os  troféus, 
instrumentos,  adereços  e  fotografias  pertencentes  ao  bloco.  No  entanto,  parte  dessa  memória,  que 
estava sob os cuidados da Secretaria de Cultura, foi perdida, de acordo com Fia. Mesmo assim, como foi 
possível perceber in  loco,  ainda havia um acervo significativo sob o domínio da família do  ex–capitão, 
que pode ser usado, também, para consubstanciar esse processo de resgate: 

“Lembro  que,  na  Secretaria  de  Cultura,  tinha  muitas  fotos,  mas  há  pouco 
tempo procurei, e não encontrei nada. Inclusive meu pai pediu pra guardarem 
a espada original do capitão, por ser mais seguro, e ela sumiu. Achei uma caixa 
largada  com  algumas  fotos  na  Prefeitura;  levei  para  minha  casa.  Eu  sei  que 
muita coisa se perdeu.” (Capitã Fia, em entrevista realizada na sua residência 
em 14/09/2017 – Figura 6.150) 

241 
 
      
Figura 6.150 – Troféus que o bloco recebeu durante as pagas de visitas nos municípios vizinhos. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 
É questionável que uma prática seja objeto de algum instrumento legal de proteção pública, quer através 
de inventário, quer de registro, e seus detentores não tenham sido comunicados –– foi o que ocorreu com 
o Bloco de Marujos Nossa Senhora do Rosário, conforme apresentou a pessoa que está à frente: 
“Em  2007,  o  capitão  Abílio,  que  também  era  capitão  do  bloco  na  época,  me 
disse  que  esteve  na  Secretaria  de  Cultura;  mas  ele  já  morreu,  e  não  tenho 
muita certeza de nada sobre essa questão do registro. Nem lembro se alguém 
procurou  meu  pai  para  fazer  algum  tipo  de  entrevista.”  (Capitã  Fia,  em 
entrevista realizada na sua residência, em 14/09/2017) 

Independentemente de receber qualquer tipo de proteção do Poder Público, a marujada, na época do 
capitão  e  presidente  Adelino  Camilo,  tinha  uma  espécie  de  fundo,  que  permitia  sua  autogestão. 
Segundo Fia, antigamente era cobrada uma pequena quantia dos integrantes, que era revertida para a 
manutenção  de  instrumentos  e  compra  de  vestimenta.  Antes,  os  componentes  do  bloco  faziam  uma 
contribuição  e  tinham  um  fundo  que  servia  para  a  compra  de  uniformes  e  transporte  (Capitã  Fia,  em 
entrevista realizada na sua residência, em 14/09/2017). 
Durante  a  visita  que  a  equipe  de  pesquisa  realizou  à  residência  de  Fia,  além  do  acervo  de  fotografia, 
troféus,  vestimentas  e  adereços  ligados  ao  bloco  de  marujos,  foi  possível  observar  os  tipos  de 
instrumentos (Figura 6.151):  

“Na época de meu pai, tinha caixa, pandeiros, viola e violão. Eles usavam uma 
varinha com fita na ponta, capacete arredondado com fitas coloridas. Usavam 
calça branca e camisa azul de um lado do cortejo, e do outro, calça branca e 
camisa  vermelha.”  (Capitã  Fia,  em  entrevista  realizada  na  sua  residência,  em 
14/09/2017) 
 

242 
 
                
 

                 
Figura 6.151 – Parte dos instrumentos e adereços usados pelo capitão Adelino, do Bloco de Marujos, 
sob a guarda da família: dois pandeiros, uma caixa, uma viola, um violão, a espada e duas varinhas. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

A respeito das dificuldades e da falta de apoio para reativar o Bloco de Marujos, a capitã Fia listou vários 
obstáculos, dentre os quais a falta de interesse dos jovens em integrar o grupo, para suprir a ausência 
dos integrantes que faleceram, e a falta de apoio financeiro do Poder Público local. Segundo a capitã, 
para reativar o bloco e levá–lo para a rua, são necessários, no mínimo, uns 20 dançadores. 

6.8.2  OFÍCIO DE QUINTANDEIRAS 

 Neusa Maria de Oliveira Mota, 58 anos  

 Maria da Conceição Albuquerque Melo, 65 anos 

 Maria das Graças Silva, 56 anos 

 Neli da silva Marques, 60 anos 

243 
 
São Brás do Suaçuí foi um dos municípios cujas informações sobre as políticas de preservação da cultura 
imaterial,  em  nível  local,  criaram  expectativas  positivas  na  equipe  de  pesquisa.  Conforme  consta  no 
tópico metodologia deste RAIPI, a primeira estratégia de sondagem sobre cada município ocorreu ainda 
em gabinete, com a realização de pesquisa nos sites das Prefeituras. 

Com  base  nesse  tipo  de  busca,  percebeu–se  que,  em  São  Brás  do  Suaçuí,  havia  alguns  bens  culturais 
protegidos  pelo  Poder  Público  local,  como  as  quitandeiras,  o  modo  de  fazer  do  fumo  e  o  Bloco  de 
Marujos  Nossa  Senhora  do  Rosário,  bem  como  a  Festa  de  Nossa  Senhora  do  Rosário  (Prefeitura 
Municipal de São Brás do Suaçuí). No entanto, durante o contato com o Secretário Municipal de Cultura, 
Esporte, Lazer e Turismo, Marcos Antônio da Costa, foi constado que não existem, de fato, ações, por 
parte do Poder Público local, que garantam a preservação de tais bens.  

Segundo  ele,  que  assumiu  a  Secretaria  no  início  do  ano  de  2017,  as  referidas  ações  foram 
implementadas  pela  equipe  que  compunha  a  gestão  passada,  e  que  não  tinha  conhecimento  sobre  o 
assunto.  Portanto,  é  bem  possível  que  os  bens  tenham  sido  reconhecidos,  e  haja,  realmente,  uma 
política de salvaguarda que garanta sua continuidade. Apesar disso, o secretário indicou os contatos de 
quitandeiras locais e da filha do ex–capitão de congada do município, a senhora Fátima, que reside no 
bairro Nossa Senhora do Rosário. O Bloco de Marujos Nossa Senhora do Rosário, apesar de ser um bem 
cultural inventariado em nível local, consequentemente protegido, após o falecimento do presidente do 
grupo Adelino Camilo, em 2014, encontra–se praticamente desativado.  

A primeira quitandeira a ser entrevistada na cidade foi Neusa Maria de Oliveira Mota, casada, natural de 
São Brás do Suaçuí, e de uma família de oito irmãos (Figura 6.152). Ela aprendeu a fazer quitanda ainda 
jovem, com sua mãe, que era doceira e quitandeira. Conforme afirmou, as merendas não eram apenas 
destinadas ao consumo da família, boa parte dela era vendida na feira livre de Congonhas.  

A produção acontecia diariamente e envolvia toda a família no ofício, principalmente as mulheres. Sua 
mãe também fazia doce de figo, doce de leite, doce de limão e cidra. “Ela conseguia tirar toda a acidez 
dos doces de laranja e limão como ninguém”, ressaltou Neusa. 

Mesmo  que  o  comum  fosse  a  produção  de  doces  caseiros,  também  se  constumava  fazer  quitanda. 
Porém, embora saiba fazer doces, cujo aprendizado obteve de sua mãe, hoje, seu foco são as quitandas  
“Eu também sei fazer doces, mas minha especialidade são as merendas”, destacou a quitandeira Neuza. 
dentre as merendas que aprendeu com sua mãe, durante a infância, destaca o rocambole de doce de 
leite, iguaria que reúne os saberes dos ofícios de doceira e quitandeira. 

244 
 
 
Figura 6.152 – Quitandeira Neuza durante a entrevista que concedeu à equipe de pesquisa. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 
Embora  o  aprendizado  das  quitandas  tenha  ocorrido  na  fase  de  criança,  a  quitandeira  só  passou  a 
realizar o ofício de quitandeira após se casar: 

“Logo que casei, comecei  a fazer algumas quitandas para consumo, e colocava 
minha  filha  mais  velha  para  vender  nas  portas.  Era  época  que  a  gente  estava 
construindo  a  casa,  e  passei  a  fazer  merendas  para  vender.  Nessa  época,  eu 
tinha um forno a lenha.” (Neuza, em entrevista realizada em 13/09/2017) 

O  caso  de  Neuza  e  de  várias  outras  mulheres  que  realizam  o  ofício  de  quitandeira  está  diretamente 
relacionado  à  complementação  da  fonte  de  renda,  consequentemente,  à  independência  financeira  da 
maioria delas. 

A quitandeira Neuza possui uma trajetória que inclui, como compradores de suas quitandas, a Prefeitura 
Municipal de São Brás do Suaçuí e a empresa mineradora Companhia Siderúrgica Nacional (CSN): 

“No  início,  fui  procurada  pela  Prefeitura  para  servir  lanches  quando  tinha 
reuniões  aqui,  em  São  Brás.  Eu  montava  lanches,  mesas  de  café,  que  tinham 
quitandas, para os funcionários da empresa CSN. Cheguei a ter firma que depois 
fechei,  e  também  tinha  dificuldades  de  entregar,  pois  não  sei  dirigir.  Depois, 
uma  padaria  de  Entre  Rios  passou  a  oferecer  preços  mais  baixos,  e  não  tive 
como  concorrer,  pois  meus  produtos  são  artesanais  e  diferenciados.”  (Neuza, 
em entrevista realizada em 13/09/2017)  

É  interessante  pontuar  duas  questões  na  fala  da  quitandeira  Neuza:  a  necessidade  de  apoio  para 
formalização do negócio e a concorrência com as padarias. 

245 
 
A  respeito  de  algumas  transformações  que  ocorreram  no  ofício  de  quitandeira  do  município,  Neuza 
ressalta  a  introdução  do  uso  do  fogão  a  gás.  Apesar  de  reconhecer  a  praticidade  do  equipamento,  as 
quitandas assadas no forno a lenha ficam com gosto diferenciado, isto é, mais saborosas. Além disso, 
reforçou também as procedências e o uso de alguns insumos usados na produção de quitandas: o fubá 
feito em moinho de pedra, o leite e os ovos que vêm da zona rural:  

“Hoje, só uso forno a gás, mas a quitanda fica muito diferente da feita no forno a 
lenha,  principalmente  o  biscoito  e  a  rosquinha.  Hoje,  quando  as  pessoas  me 
procuram,  eu  indico  quem  tem  o  forno  a  lenha,  a  Maria  da  Graças  [Gracinha], 
Carmen,  a  Ção.  Hoje,  Carmem  está  muito  idosa  e  doente.  Seu  cubu  é  o  mais 
famoso da região; passou até no programa de TV Terra de Minas. Ela já ganhou 
prêmio no Festival de Quitanda de Congonhas, com a receita do cubu.” (Neuza, 
em entrevista realizada em 13/09/2017). 

A  quitandeira  Neuza  integra  o  grupo  de  mulheres  do  bairro  dos  Alecrins  que  se  reúnem  e  produzem 
quitandas  para  expor  no  Festival  de  Quitandas  de  Congonhas,  que  acontece  durante  o  mês  de  maio. 
Além disso, já expuseram em feiras de artesanato, como o evento Expo Minas, que acontece em Belo 
Horizonte: 

“Quando fomos para a Expo Minas, nos reunimos para fazer as quitandas aqui 
em casa, pois eu tenho o forno e um cômodo para fazer e armazenar. Foi muita 
quantidade e por isso ficou mais fácil aqui. Já para o festival de Congonhas, cada 
uma  faz  em  sua  casa,  e  o  carro  da  Prefeitura  leva  pra  gente.”  (Neuza,  em 
entrevista realizada em 13/09/2017). 

Acrescentou  também  que  elas  costumavam  contar  com  a  colaboração  da  Prefeitura  Municipal,  que 
fornecia os transportes. Apesar de ter indicado a quitandeira Carmen, sua vizinha, como a mais famosa, 
não  foi  possível  estabelecer  contato  com  ela.  Na  ocasião  da  pesquisa  de  campo,  Carmen  estava  em 
Congonhas, acompanhando a irmã em tratamento de saúde. 

Apesar  de  ter  participado  do  Festival  de  Quitandas  de  Congonhas  há  cerca  de  16  anos,  a  quitandeira 
Neuza não sabia que o ofício de quitandeira está em processo de reconhecimento, e muito menos que o 
município  de  São  Brás  do  Suaçuí  é  uma  das  localidades  que  integraram  a  anuência  do  pedido.  No 
entanto, reforçou sobre a importância do evento de quitanda promovido pela cidade vizinha:  

“As  quitandeiras  daqui  vão  todos  os  anos.  A  gente  chega  lá  em  torno  das  8  h 
para montar o estande, e nosso cubu faz tanto sucesso que 1 h da tarde já não 
tem mais. O pessoal do grupo de quitandeiras de Congonhas sempre nos avisa 
antes  do  festival  para  confirmar  nossa  presença.”  (Neuza,  em  entrevista 
realizada em 13/09/2017). 

Em  relação  ao  festival,  Neuza  faz  uma  crítica,  que  segue  a  mesma  opinião  externada  anteriormente, 
com a qual não concorda. Ela insiste na necessidade de diferenciar as quitandas feitas artesanalmente 
daquelas  que  são  produzidas  em  padarias,  em  escala  industrial:  “No  festival,  tem  quitandas 
industrializadas,  que  acho  desonesto  concorrer  com  a  gente.  Nossas  quitandas  têm  uma  validade 

246 
 
menor,  eu  coloco  em  torno  de  oito  dias.  Mesmo  assim,  eu  participo  do  Festival  desde  a  primeira 
edição.” (Neuza, em entrevista realizada em 13/09/2017). 

Apesar  de  ser  atuante  no  ofício  de  quitandeira,  Neuza  afirmou  que  não  tem  repassado  seus 
conhecimentos para outras pessoas, a exemplo das duas filhas, nem possui um caderno com o registro 
de suas receitas. O modo de fazer de suas quitandas ela sabe decorado.  

A  quitandeira  Maria  da  Conceição  Albuquerque  Melo,  conhecida  como  Ção, e  que  integra  o  grupo  de 
mulheres que se reúnem na casa de Neuza, é natural de São Brás do Suaçuí, cozinheira numa pousada 
da  cidade,  onde  é  responsável  por  preparar  as  quitandas  servidas  no  café  da  manhã  dos  hóspedes 
(Figura 6.153). Morou no sítio até os 20 anos, quando se casou e passou a viver na zona urbana. 

 
Figura 6.153 – Quitandeira Ção durante a entrevista que concedeu à equipe de pesquisa. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 
Conta  que  sua  mãe  já  trabalhava  com  quitandas  para  o  consumo  de  casa,  e  que  aprendeu  a  fazer 
quitandas ainda quando era criança. As quitandas mais comuns nessa época eram rosca, bolo e biscoito 
de  polvilho  e  rosquinhas.  A  mãe  de  Ção  não  costumava  vender  quitanda;  o  máximo  que  fazia  era 
presentear  os  vizinhos  e  filhos  casados.  Os  insumos  usados  na  preparação  das  merendas  eram  todos 
produzidos  pela  família:  ovos,  manteiga,  fubá,  polvilho,  nata  e  banha  de  porco.  “Na  cidade,  só  eram 
comprados o açúcar e o fermento”, ressaltou a quitandeira. O forno de cupim à lenha era usado para 
assar as quitandas. 

Assim com a quitandeira Neuza, Ção só passou a fazer quitanda, tanto para o consumo da família como 
para comercializar, após casar–se. Tratou logo de solicitar ao marido que fizesse um forno a lenha no 
quintal (Figura 6.154):  

“Fiz  meu  forninho  em  casa  apenas  para  fazer  quitandas  para  consumo,  e  de 
repente começaram a aparecer algumas encomendas. Hoje, para dar conta das 
encomendas, começo a fazer na terça. Faço quitanda de terça a sábado.” (Ção, 
em entrevista realizada em 14/09/2017) 
 

247 
 
      
Figura 6.154 – Forno de varrer de assar merenda, de propriedade da quitandeira Ção. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 
Pela  quantidade  de  dias  da  semana  em  que  Ção  se  dedica  à  produção  artesanal  de  quitandas,  não  é 
difícil  prever  que  parte  do  sustento  da  família  advém  do  ofício  de  quitandeira,  que  aprendeu  quando 
ainda era criança. É mais uma a quem o ofício propicia parte da independência financeira: 

“A quitanda me dá o meu sustento, pois só tenho o dinheiro delas e do meu 
trabalho  de  cozinheira.  Não  recebo  nenhum  tipo  de  aposentadoria  ou 
benefício.  Trabalho  na  pousada  Vila  Lara,  e  toda  a  quitanda  produzida  lá  sou 
eu  que  faço.  Lá,  só  tem  forno  a  gás.”  (Ção,  em  entrevista  realizada  em 
14/09/2017) 

Além de produzir quitanda na pousada onde trabalha, Ção faz entrega de quitanda numa mercearia da 
cidade.  Conta  que  as  merendas  que  mais  costuma  fazer  são  rosquinhas  de  nata,  bolos  e  biscoito  de 
polvilho. E que, durante as festas de fim de ano, sua produção aumenta. Para Ção, o principal diferencial 
de suas quitandas é o forno de varrer que usa para assá–las:  

“Tenho um forno elétrico, mas utilizo apenas para fazer pão de queijo, e muito 
pouco. Tenho este forno a lenha há mais de 20 anos. Para utilizar ele, prefiro 
fazer um tipo de quitanda só por vez. Por exemplo, um dia eu tiro para fazer, 
noutro, faço biscoito de polvilho. Assim eu não misturo.” (Ção, em entrevista 
realizada em 14/09/2017) 

Segundo a quitandeira, a principal vantagem do uso do forno a lenha é que a quitanda cresce rápido e 
fica  mais  fofa.  Quanto  à  procedência  da  lenha  usada  na  produção  de  quitandas,  Ção  disse  que  é 
comprada de produtores rurais do próprio município. Pelo que se observou, o tipo de madeira usada é 
bambu seco. Na ocasião da entrevista, havia alguns feixes de lenha empilhados no quintal da residência 
da quitandeira. 

248 
 
Embora  afirme  que  suas  filhas  não  têm  interesse  em  aprender  a  fazer  quitanda,  Ção  mantém  alguns 
cadernos  com  as  receitas  de  suas  quitandas:  “Talvez,  um  dia,  elas  possam  se  interessar,  e  já  estão 
anotadas”,  ressaltou.  No  entanto,  as  principais  receitas  que  usa  no  dia  a  dia  já  estão  decoradas.  Só 
costuma revisitar suas receitas quando vai fazer algo diferente: “A maioria das minhas receitas está na 
minha cabeça, mas tenho um caderninho que anoto umas coisas.”, declarou Ção em entrevista realizada 
em 14/09/2017 (Figura 6.155). 

      
Figura 6.155 – Quitandeira Ção e seus cadernos de receitas. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 
A respeito do Festival de Quitanda de Congonhas, destacou que participa dele há vários anos, e que a 
parceria com as outras quitandeiras é importante para diminuírem as despesas. Assim como Neuza, Ção 
não sabia que o Ofício de Quitandeira de Minas Gerais está em processo de reconhecimento, e muito 
menos  que  o  município  de  São  Brás  do  Suaçuí  é  uma  das  localidades  que  integraram  a  anuência  do 
pedido. Além disso, queixou–se de que as pessoas da cidade não valorizam as quitandas nem o ofício de 
quitandeira. Dessa forma, para ela, as pessoas de fora da localidade é que dão valor aos produtos que 
elas fazem; o exemplo é que suas quitandas são levadas para o Rio de Janeiro e São Paulo. 

A  outra  integrante  do  grupo,  Maria  das  Graças,  conhecida  como  Gracinha,  é  natural  do  povoado  de 
Ponte de Pedra, distrito de São Brás do Suaçuí, onde viveu até 11 anos de idade. Divorciada e mãe de 
quatro  filhos,  a  entrevistada  acumula  algumas  funções:  quitandeira,  doméstica,  cozinheira  e  serviços 
gerais. 

De  uma  família  de  14  irmãos,  contou  Gracinha  que  o  aprendizado  do  ofício  de  quitandeira  ocorreu 
quando ainda ela era criança. O interessante é que, além de aprender a fazer quitanda com sua mãe, 
Gracinha e seus 14 irmãos também aprenderam a construir o forno de cupim, usando o cupinzeiro: 

249 
 
“Aprendi  a  fazer  quitandas  com  minha  mãe,  no  forno  de  cupim.  A  gente 
pegava  o  cupim  lá  do  mato.  A  gente  cortava  o  cupinzeiro  em  várias  partes  e 
montava no terreiro. Os cupins acabavam fazendo o acabamento por dentro. 
No sítio, minha mãe chamava Nelina; fazia quitanda apenas para consumo da 
família. Nas épocas de capina, que tinha mais gente ajudando na roça, ela fazia 
mais  quantidade.  Fazia  bolo,  rosquinha,  broinha  de  amendoim,  cubu,  arroz–
doce,  canjica.  Meu  pai  fazia  melado  e  rapadura;  tudo  isso  era  aproveitado.” 
(Gracinha, em entrevista realizada na sua residência, em 14/09/2017 – Figura 
6.156) 
 

 
Figura 6.156 – Cupinzeiro que era adaptado como forno de assar quitanda, conforme explicou a 
quitandeira Gracinha. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Havia, de fato, o envolvimento de toda a família na produção das quitandas, inclusive do pai, o que não 
é  comum  nas  trajetórias  de  vida  de  outras  quitandeiras.  O  mais  comum  de  acontecer,  com  algumas 
exceções, é que o ofício de quitandeira seja uma prática especificamente realizada por mulheres. 

Percebe–se  que  alguns  elementos,  conforme  aparecem  no  discurso  de  Gracinha,  podem  ser 
interessantes  para  analisar  transformações  ocorridas  no  ofício  de  quitandeira,  nos  contextos  rural  e 
urbano.  Talvez  o  elemento  mais  evidente  seja  o  tipo  de  forno  usado  para  assar  as  merendas.  É  claro 
que, nesse caso, não pode haver fronteiras rígidas, já que se observaram algumas quitandeiras da zona 
rural que também usavam o forno a gás ou a energia no processo: 

“No sítio, era forno de cupim, e quando vim para a cidade, continuei com forno 
de cupim; só depois fiz um de tijolos. Cheguei a ter um forno a gás, mas não 
gostei, abandonei e voltei para a lenha. Se não tiver lenha, prefiro não fazer a 
quitanda,”  (Gracinha,  em  entrevista  realizada  na  sua  residência,  em 
14/09/2017) 

250 
 
Sua  fala  permite  acompanhar,  no  mínimo,  a  presença  de  três  etapas  de  transformações  em  torno  do 
equipamento forno: o forno de cupim, que utiliza o cupinzeiro, o forno de varrer, que é a versão mais 
comum  encontrada,  e  o  forno  a  gás.  São  transformações  que  seguiram  a  própria  dinâmica  da  cultura 
local, mas que ainda mantêm o modo do ofício de fazer artesanal. 

Assim  como  Ção,  a  quitandeira  Gracinha  concilia  as  atividades  de  doméstica,  trabalhando  em  casa  de 
família, com o ofício de quitandeira. Às vezes, chega a trabalhar até as 11 h da noite, para atender às 
demandas  de  encomendas  de  quitandas,  como  disse.  Quando  as  encomendas  são  grandes,  Gracinha 
conta com a ajuda de suas três filhas, que aprenderam o ofício com ela. Porém, no dia a dia, costuma 
trabalhar  sozinha,  sem  a  ajuda  de  outras  pessoas.  Parte  de  sua  produção  tem  destino  certo:  Belo 
Horizonte. 

Ao se tratar de ofícios, a abertura para compreendê–los é a ideia de processos. Geralmente, as pessoas 
envolvidas com o ofício de quitandeira, mesmo que não atuem em todas as etapas, conhecem–nas. A 
afirmação  de  Gracinha  “eu  tenho  38  anos  de  forno”  permite  pensar  que  a  quitandeira  não  é  apenas 
amassadeira, uma fase do processo; ela é, também, forneira. 

Mais uma vez, observa–se que o ofício de quitandeira, além de ser uma prática cultural arraigada aos 
costumes  das  comunidades  pesquisadas,  é  uma  potencial  fonte  de  renda,  principalmente  para  as 
mulheres:  

“Trabalho porque preciso e porque tenho muito prazer em fazer. Minha casa 
foi  feita  com  dinheiro  de  quitandas  vendidas  em  Congonhas.  Eu  sou  bem 
conhecida lá – as pessoas me procuram.” (Gracinha, em entrevista realizada na 
sua residência, em 14/09/2017) 

A  quitandeira,  embora  tenha  ressaltado  o  apoio  do  Poder  Público  local  ao  ofício  como  uma  ação 
positiva,  fez  referência  à  gestão  administrativa  municipal  passada,  que  deixou  a  Prefeitura  em  2016. 
Talvez  as  ações  de  fomentos,  apresentadas  através  da  participação  das  quitandeiras  em  eventos, 
possam ter alguma relação com a política de salvaguarda institucional local adotada após o processo de 
reconhecimento do ofício de quitandeira, já que Gracinha mencionou sua contribuição no estudo que 
subsidiou o registro:  

“Na época que Moisés Matias Pereira foi secretário de Cultura, ajudou muito a 
gente. Ficamos 10 dias em Belo Horizonte, no festival de quitandas, e arrumou 
tudo pra gente lá. Na época do registro, a gente foi entrevistada. A Prefeitura 
continua nos ajudando, só não nos leva para lugares distantes. Eu vou para o 
Festival  de  Congonhas  todos  os  anos.”  (Gracinha,  em  entrevista  realizada  na 
sua residência, em 14/09/2017) 

No  entanto,  não  foi  possível  obter  material  algum  no  órgão  de  Cultura  local,  que  pudesse  comprovar 
haver ações de salvaguarda após o reconhecimento da prática. Aliás, como já foi dito anteriormente, no 
início desse tópico, não foi possível ter acesso ao material de pesquisa que embasou o reconhecimento 
do ofício de quitandeira, simplesmente porque não existe memória arquivista que comprove. 

251 
 
O último contato realizado no município foi Neli da Silva Marques, solteira, sem filhos e cantineira de 
escola. É natural da comunidade rural José Ribeiro, localizada no município de São Brás do Suaçuí, mas 
veio  morar  na  cidade  quando  tinha  apenas  4  anos  de  idade.  É  de  uma  família  de  nove  irmãos. 
Atualmente, Neli mora com o pai. 

Neli, além de quitandeira, é doceira, mas os letreiros afixados na parede  da faixada de sua residência 
enfatizam  apenas  suas  habilidades  com  a  doçaria.  A  respeito  de  como  tudo  começou,  ela  disse  o 
seguinte: 

“Minha  mãe  fazia  doces  para  a  casa.  Eu  sempre  via  ela  fazendo,  e  logo  após 
sua morte, eu comecei a fazer. Não aprendi muita coisa com ela porque tinha 
que  estudar,  e  aqui  não  tinha  escola.  Eu  também  sou  quitandeira.  Faço 
biscoito, de amendoim, misturado, biscoito soberbo, rosquinha. Biscoito quase 
toda semana, eu tenho encomenda. O doce de figo é mais na época do Natal, 
mas os outros doces não têm uma época certa. O pessoal que se hospeda na 
pousada Vila Lara vem aqui comprar meus doces e leva para as famílias.” (Neli, 
em entrevista realizada em 14/09/2017) 
O foco de Neli é a produção de doces, mas ela se denomina, também, quitandeira. Observou–se uma 
grande quantidade de doces de leite e figos estocados na geladeira, prontos para serem vendidos. “Eu 
comecei a fazer doces pra fora; as pessoas começaram a gostar e encomendar. O figo, eu compro o ano 
todo,  e  faço  pra  estocar  para  o  Natal.  Faço  doces  de  figo,  de  limão,  de  laranja,  leite  e  coco  picado.”, 
declarou Neli, em entrevista realizada em 14/09/2017 (Figuras 6.157 e 6.158). 

 
Figura 6.157 – Placa com os dizeres: “Vende–se doces de figo, laranja e limão”, afixada na fachada 
principal da residência da doceira e quitandeira Neli. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

252 
 
      
Figura 6.158 – Potes de doces de laranja, limão e figo estocados na geladeira, para comercialização. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Ao contrário  das outras quitandeiras locais, Neli afirmou nunca  ter participado de feiras  e festivais –– 


sempre vendeu suas quitandas e doces em casa. Na produção de doces, fez questão de dizer que utiliza 
o tacho de cobre, conforme aprendeu com a mãe. Já em relação às quitandas, ela disse que, quando sua 
mãe  faleceu,  em  2011,  resolveu  destruir  o  forno  a  lenha  que  a  família  mantinha  no  quintal  da  casa. 
Atualmente, usa o forno a gás para assar as merendas, bem como o fogão a gás para cozinhar os doces. 

As vendas de quitandas e doces também ajudam na complementação da renda da família. “Meus doces 
saem até para outras cidades. Dá uma rendazinha, mas faço mais por prazer”, ressaltou a doceira.  

Questionada  sobre  as  dificuldades  enfrentadas  para  realizar  o  ofício,  ela  destacou  o  impacto  que  a 
construção da nova rodovia causou na dinâmica da cidade. Antigamente, a estrada que liga a região à 
capital  Belo  Horizonte  cortava  a  cidade,  permitindo  que  muitas  pessoas  sobrevivessem  da  venda  dos 
produtos artesanais que vendiam às margens da estrada.  

Segundo  Neli,  a  cidade  acabou  depois  que  o  traçado  da  principal  via  de  acesso  foi  desviado  para  as 
margens  do  perímetro  urbano.  O  comércio  enfraqueceu,  já  que  o  trânsito  de  carros  e  a  circulação  de 
pessoas foram desviados, ressaltou. Tal mudança pode contribuir para a descontinuidade de sua prática, 
já que as vendas dos doces e as quitandas são fatores que contribuem para a permanência do ofício de 
doceira e quitandeira, do qual Neli é detentora dos conhecimentos. 

253 
 
6.8.3  MAPA DOS BENS CULTURAIS DE SÃO BRÁS DE SUAÇUÍ 

255 
 
6.9  JECEABA 
Segundo os gestores públicos entrevistados, a Prefeitura elaborou um Plano de Inventário de Proteção 
do  Acervo  Cultural,  em  2014,  com  indicações  de  bens  patrimoniais  a  serem  inventariados  pelo 
município.  Um  deles  é  a  Estação  Ferroviária,  que  se  encontra  na  sede  do  município;  outro,  é  a  Igreja 
Santa Isabel. 

Por sua vez, o município possui, como principal patrimônio natural, a Serra do Gambá, que se destaca na 
paisagem da cidade, pelos seus 1.274 m de altitude e pelo verde de suas matas. Essa serra é formada 
por  rochas  do  tipo  formações  ferríferas,  além  de  quartzitos  e  vulcânicas.  Preserva,  entre  outras,  uma 
volumosa nascente que,  durante décadas, abasteceu a cidade  de  Entre  Rios de  Minas.  O Monumento 
Natural Estadual Serra do Gambá foi tombado, em 2013, como Patrimônio Paisagístico pelo IEPHA–MG. 

Em nível de tombamento e preservação do Patrimônio Cultural, Histórico e Paisagístico, a cidade possui 
o Conselho Municipal de Patrimônio Artístico e Cultural, instituído pela Lei nº 980, de 20 de março de 
2002. A Lei nº 1.222, de 12 de junho de 2015, estabelece a política de proteção do Patrimônio Cultural 
do Município (como mencionado anteriormente). 
6.9.1  CAPOEIRA E OFÍCIO DE MESTRES DE CAPOEIRA – GRUPO DE CAPOEIRA CENTRO CULTURAL AXÉ MINEIRO 
CAPOEIRA 
 Monitor Gigante – Aicam Giovane Santos Dantas, 22 anos 

Aicam Dantas é natural de Açailândia, no Estado do Maranhão. Começou a prática da capoeira em 2005, 
na cidade de Belo Horizonte (MG), na Fundação Internacional Capoeira Artes das Gerais (FICAG), com o 
Mestre  Museu.  Mudou–se  para  a  cidade  de  Arcos,  em  Minas  Gerais,  em  2009;  teve  aulas  com  o 
contramestre  Guel,  do  Centro  Cultural  Axé  Mineiro,  obtendo  a  graduação  de  Monitor  de  Capoeira 
(Figura 6.159). 

 
Figura 6.159 – Monitor Gigante tocando atabaque durante uma Roda de Capoeira na praça, no Centro 
de Jeceaba. 
Fonte:  Facebook: 
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=1594882230540627&set=a.460381400657388.120933.100
000565977069&type=3&theater, 2017  
 

257 
 
Quando  se  mudou  para  a  cidade  de  Jeceaba,  em  2010,  abriu  uma  filial  do  grupo  Centro  Cultural  Axé 
Mineiro,  em  Jeceaba,  onde  começou  a  dar  aulas  nas  escolas  e  praças  como  voluntário.  Atualmente, 
coordena um projeto patrocinado pela Secretaria Municipal de Educação, que ensina capoeira para 30 
crianças e jovens no Ginásio Poliespotivo Caetano Machado (Figura 6.160).  
 

 
Figura 6.160 – Monitor Gigante durante as rodas de capoeira, na praça de Jeceaba. 
Fonte:  
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=2042990765729769&set=a.460381400657388.120933.100
000565977069&type=3&theater, 2017  
 

Para o Monitor Gigante, a capoeira é mais que uma luta, um jogo: é filosofia. E é com esse pensamento, 
que  conduz  e  difunde  a  arte  da  capoeiragem  na  cidade.  Para  ele,  o  objeto  principal  do  projeto  que 
coordena  é  formar  cidadãos  comprometidos  com  a  sua  cultura:  “A  minha  filosofia  é  formar  bom 
capoeirista  e  bom  cidadão,  e  ser  bom  na  escola  e  na  família.  À  medida  que  aumenta  a  graduação  do 
aluno, mais ele é cobrado”, declarou ele em entrevista realizada na Secretaria de Cultura de Jeceaba, em 
12/09/2017 (Figura 6.161). 

 
Figura 6.161 – Identidade visual do grupo Centro Cultural Axé Mineiro Capoeira, de Jeceaba. 
Fonte: 
https://www.facebook.com/134840960315468/photos/a.134841680315396.1073741826.13484096031
5468/134841683648729/?type=1&theater, 2017.  

258 
 
 

Como foi dito anteriormente, a Roda de Capoeira vai muito além dos movimentos –– é um espaço de 
trocas de saberes e manutenção da tradição da cultura brasileira: 

“A  gente  inicia  o  aluno  não  como  nas  artes  marciais,  que  visa  apenas  aos 
movimentos  corporais  e  à  luta.  À  medida  que  ele  vai  subindo  de  graduação, 
aumenta também sua disciplina.” (Monitor Gigante,  em entrevista realizada na 
Secretaria de Cultura de Jeceaba, em 12/09/2017). 

Uma  atividade  básica  que  desde  o  início  o  aluno  aprende  é  confeccionar  seu  próprio  instrumento,  o 
berimbau. Para isso, o instrutor Gigante realiza oficinas de berimbaus: “O berimbau, a gente mesmo faz. 
A madeira para confeccionar a verga, meu mestre consegue, e as cabaças, a gente planta”, enfatizou o 
monitor de capoeira (Figura 6.162). 

 
Figura 6.162 – Cabaças utilizadas durante a confecção de berimbaus, que são estocadas na residência do 
monitor de capoeira Gigante. 
Fonte:  https://www.facebook.com/photo.php?fbid=1451184071577111&set=pb.100000565977069.‐
2207520000.1524246787.&type=3&theater, 2017.  
 
 

Além  disso,  ao  final  de  cada  ano,  promove–se  cerimônia  de  graduação  de  troca  de  cordas  entre  seus 
alunos,  com  a  presença  do  contramestre  Guel.  Percebeu–se,  durante  as  pesquisas  com  os  outros 
capoeiristas, e com o Monitor Gigante não foi diferente, que o termo usado para se referir às trocas de 
cordas varia de grupo para grupo. Uns preferem chamar graduação; outros, batizados. O monitor segue 
o termo graduação, que é o mais comum no grupo a que é filiado: “Meu grupo não usa o nome batizado 
para  não  misturar  com  questões  de  espiritualidade.  Nós  chamamos  de  “eventos  de  troca  de  cordas”, 
ressaltou. 

Em  relação  às  dificuldades  enfrentadas  na  continuidade  da  prática  no  município,  o  monitor  destaca, 
como  questão,  o  abadá,  uniforme  usado  durante  os  treinos,  que  não  são  fornecidos  pela  Prefeitura; 
cada aluno compra o seu. Isso, porém, não se caracteriza como um fator que impeça o aluno de praticar 
a capoeira; basta que esteja usando calças brancas com elástico na cintura. Conta que o Poder Público 
municipal apenas disponibiliza o local dos treinos, que é o ginásio, e sua remuneração para ministrar as 

259 
 
aulas. Disse também que a prática é bem aceita na cidade e que, quando acontecem as apresentações 
do grupo na praça, a comunidade costuma prestigiar. 

Já no que diz respeito ao reconhecimento do Ofício de Mestres de Capoeira e a Roda de Capoeira como 
Patrimônio Cultural Imaterial pelo IPHAN e pela UNESCO, o monitor teceu algumas críticas. Falou que, 
apesar  de  ajudar  na  valorização  da  prática,  muitas  ações  ainda  precisam  ser  feitas  para  tirar  da 
marginalidade a arte da capoeira.  
6.9.2  OFÍCIO DE QUITANDEIRAS 

 Maria das Graças Dias, 64 anos 

 Ana Maria Ribeiro, 54 anos 

 Maria Isabel Rocha, 53 anos 

 Leila Silva Marques Teodoro, 35 anos 

Assim  como  Entre  Rios  de  Minas  e  São  Brás  do  Suaçuí,  Jeceaba  foi  o  outro  município  vizinho  que, 
juntamente com o grupo de quitandeiras e a Secretaria de Cultura de Congonhas, enviou a anuência ao 
IPHAN, solicitando o Pedido de Registro do Ofício de Quitandeira em Minas Gerais. No entanto, apenas 
a  quitandeira  Maria  das  Graças,  de  Jeceaba,  e  as  quitandeiras  de  Congonhas  sabiam  da  existência  do 
andamento  dessa  ação  (Figura  6.163).  O  mais  curioso  é  que  os  agentes  públicos  da  maioria  desses 
municípios  não  tinham  conhecimento  sobre  o  assunto,  o  que  demonstra  não  terem  sido  realizadas 
ações de mobilização suficientes que envolvessem as quitandeiras no processo. 

Maria das Graças foi a única quitandeira dos municípios mencionados acima, com os quais a equipe de 
pesquisa manteve contato, que participou da reunião realizada em maio de 2017, em Congonhas (MG), 
com a presença da Superintendente do IPHAN–MG, Célia Corcino. “Eu fui como convidada, mas quem 
representou  o  município  de  Jeceaba  foi  a  funcionária  da  Prefeitura  que  está  à  frente  do  festival  de 
gastronomia", ressaltou a quitandeira Maria das Graças. 

 
Figura 6.163 – Quitandeira Maria das Graças.  
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017 

260 
 
A  quitandeira  Maria  das  Graças  é  natural  de  Jeceaba,  casada  e  ex–vereadora.  Segundo  afirmou,  já 
exerceu  vários  cargos  (público  e  privado),  porém  o  que  mais  a  satisfaz  é  cozinhar,  função  que  exerce 
atualmente após ter se aposentado. 

Das memórias que a quitandeira Graças tem do passado, as que ela lembra com mais vivacidade estão 
relacionadas com as quitandas que sua mãe fazia quando a família morava na zona rural: 

“Nos tempos de criança, quando morei na roça, tinha muita fartura leite, 
ovos, manteiga e frutas. As frutas eram utilizadas para fazer doces. Com 
o  leite,  fazia  queijo,  nata  e  manteiga.  Não  tinha  dinheiro,  mas  havia 
muita fartura. Minha mãe tirava o dia de sábado para fazer as quitandas 
para  o  consumo  da  família.  Eram  rosca  da  rainha,  rosquinhas  de  nata, 
biscoito  misturado,  biscoito  de  polvilho.  Fazia  para  muitos  dias  e 
estocava nas latas.” (Graças, em entrevista realizada na sua residência, 
em 12/09/2017). 

Nessa  época,  a  quitandeira  Graças  e  suas  duas  irmãs,  além  de  observarem  a  mãe  no  preparo  das 
quitandas,  também  enrolavam  as  rosquinhas  e  as  colocavam  nos  tabuleiros  para  assar  no  forno  de 
varrer.  O  processo  de  assar  era  conduzido  pela  sua  mãe,  que  também  era  forneira,  isto  é,  tinha  o 
conhecimento de preparar o forno para receber as massas. 

Quando  casou,  mesmo  trabalhando  fora  de  casa,  nos  fins  de  semana,  sempre  fazia  algum  tipo  de 
quitanda para as merendas e para oferecer às visitas. No entanto, foi somente quando se aposentou, na 
década de 90, em Belo Horizonte, que aprimorou sua vocação para a cozinha. “Aproveitei meu tempo 
livre por lá, para fazer vários cursos de culinária. Também conheci quitandeiras nesses cursos que me 
ensinaram muitas coisas”, disse a quitandeira Graças. 

Em  meados  da  década  de  2000,  ela  retornou  para  Jeceaba.  Foi  quando  decidiu  fazer  quitandas,  sob 
encomenda,  para  comercializar  em  casa.  Além  de  merendas,  também  fazia  bolos  de  casamento  e 
aniversário, mas não deu muito certo. De modo que só continuou produzindo as quitandas: 

“Eu  faço  várias  merendas.  As  encomendas  de  rosca  que  tenho  são  de 
fora.  Em  Congonha,  tem  um  rapaz  que  compra  aqui  de  60  a  80  roscas 
por semana, e vende pelo dobro do preço. Aqui, vendo a rosca a 8 reais, 
mas, para ele, faço a 6 reais. Fazer rosca é muito trabalhoso pelo tempo 
que  tem  de  esperar  para  a  massa  crescer.”  (Graças,  em  entrevista 
realizada na sua residência, em 12/09/2017). 

Ao contrário de sua mãe, que usava o forno de varrer movido a lenha e fazia as quitandas praticamente 
sozinha,  a  quitandeira  Maria  das  Graças  utiliza  o  forno  a  gás  e  conta  com  uma  ajudante  para  sovar  a 
massa das roscas. Apesar de saber preparar outros tipos de quitandas com rosquinhas de nata e biscoito 
de polvilho, sua especialidade é a rosca da rainha, um tipo de pão trançado. Além de fazer as roscas sob 
encomendas, costuma expô–las na lanchonete de seu filho (Figura 6.164). 

261 
 
 
Figura 6.164 – A quitandeira Graças servindo rosca da rainha como café à equipe de pesquisa.  
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Quanto aos ingredientes, apesar de ter preferência pelo uso de insumos de origem da “roça”, como leite 
cru  e  ovos  caipiras,  nem  sempre  é  possível  adquiri–los  com  facilidade.  Por  isso,  costuma  usar  uma 
mistura de ovos caipiras e ovos de granja em suas receitas, como estratégia para não encarecer o valor 
das quitandas para seus clientes. 

Segundo a quitandeira Graças, em Jeceaba já teve muitas mestras quitandeiras, mas foram morrendo, e 
não houve interesse, por parte das famílias, em dar continuidade à prática. Mesmo assim, percebe que 
ainda há um número razoável de mulheres que ainda se dedicam ao ofício de quitandeira. 

A  informante  seguinte  que  a  equipe  de  pesquisa  localizou  no  município  foi  Ana  Maria,  que  reside  no 
distrito de Buriti, distante 15 km  do distrito–sede.  A quitandeira é  natural  e residente da localidade e 
vem  de  uma  família  de  oito  irmãos.  Dentre  as  quitandeiras  contatadas,  é  a  única  que  sobrevive 
exclusivamente do ofício de quitandeira. Trabalha todos os dias na produção de merendas para atender 
aos  pedidos  de  encomendas.  Seus  produtos  têm  como  destino  abastecer  os  mercados  de  Jeceaba, 
Congonhas e até a capital Belo Horizonte. 

Segundo ela, as vendas tendem a aumentar em época de festas e feriados, quando vêm pessoas de fora 
para visitar parentes em Jaceaba, e compram quitandas para levar aos seus locais de origem. A principal 
festa  do  distrito  acontece  no  mês  de  setembro  e  homenageia  os  dois  padroeiros,  Nossa  Senhora  das 
Dores e São Sebastião. 

As  celebrações  acontecem  na  Igreja  de  Nossa  Senhora  das  Dores  (Figura  6.165)  e  são  compostas  por 
ritos religiosos, como missas, novenas e procissões. Nos sete dias de festa, o distrito recebe visitantes 

262 
 
ausentes e fiéis devotos dos municípios vizinhos. Durante a visita da equipe de pesquisa ao distrito, no 
dia  12  de  setembro  de  2017,  foi  possível  observar  alguns  sinais  festivos  pela  decoração  em  torno  da 
igreja.  Além  do  mastro  da  padroeira  fincado  em  frente  à  igreja,  viam–se  bandeirolas,  que  enfeitavam 
toda a área de entorno. 

 
Figura 6.165 – Igreja de Nossa Senhora das Dores enfeitada para a celebração da festa da padroeira. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 
Questionada sobre como aprendeu a fazer quitanda, Ana Maria foi direta ao afirmar que não aprendeu 
com a mãe, como foi o caso da maioria das quitandeiras entrevistadas: “Minha mãe não fazia quitandas. 
Eu  tive  interesse  em  aprender  e  fui  fazer.  Minha  família  não  fazia  quitanda  nem  para  o  consumo  de 
casa”, afirmou ela. Reforçou ainda que não existe segredo em fazer quitandas, e que qualquer dona de 
casa que cozinha, e que se interesse em fazer quitandas para servir para a família, consegue aprender, 
pois foi assim que começou: 

“Fui testando uma receita aqui, outra ali. Pegando umas dicas com as vizinhas. 
Foi quando resolvi fazer um forno de varrer para assar as quitandas. No início, 
era  apenas  para  consumo  próprio;  depois  os  vizinhos  começaram  a  pedir  para 
fazer, e assim foi.” (Ana Maria, em entrevista na sua residência, em 12/09/2017) 
Há mais de 10 anos, Ana Maria sobrevive da comercialização de quitandas, sem depender de ajudante 
para  realizar  o  ofício.  A  quitandeira  conduz  sozinha  todo  o  processo  produtivo  que  engloba  o  ofício, 
desde a mistura dos ingredientes, o amassar, enrolar e fornear, ou seja, comanda o forno. Para muitas 
quitandeiras, essa atividade exige a presença de uma segunda pessoa, já que não requer experiência e 
atenção. “No meu forno,  eu sei a  quantidade  certa de lenha a  utilizar para  não precisa  perder tempo 
temperando o forno”, disse Ana Maria, em entrevista na sua residência, em 12/09/2017. 

As quitandas mais comuns que a quitandeira costuma preparar para comerciar são: rosquinha, pão de 
queijo,  biscoito  misturado,  biscoito  de  polvilho,  rosca,  rosquinha  de  amoníaco.  Conforme  informação 
repassada  na  entrevista,  Ana  Maria  faz  quitandas  todos  os  dias  da  semana,  produzindo  um  total  de, 
aproximadamente, 100 quitandas (Figura 6.166). 

263 
 
 
Figura 6.166 – A quitandeira Ana Maria expondo as rosquinhas de nata e pães de queijo que haviam 
acabado de sair do forno.  
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 

O  processo  de  temperar  o  forno  é  saber  testar  a  temperatura  ideal  para  assar  cada  tipo  de  quitanda 
(Figura  6.167).  Algumas  delas  testam  o  calor  do  forno  introduzindo  galhos  verdes.  O  ideal  é  que,  ao 
colocar  os  galhos,  as  folhas  murchem.  É  esse  o  sinal  para  começar  a  assar  as  quitandas.  Com  a 
experiência  cotidiana,  Ana  já  suprimiu  essa  fase,  que  usa  como  base  a  quantidade  de  lenha  em  cada 
fornalha. 

      
Figura 6.167 – Detalhes do forno de varrer da quitandeira Ana Maria: a lenha acomodada no interior do 
forno e as latas de assar quitandas que a própria quitandeira faz. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

A lenha utilizada para assar as quitandas no forno de varrer é oriunda das plantações de eucalipto que 
existem  ao  redor  do  distrito.  Na  verdade,  Ana  Maria  recolhe  os  galhos  de  “refugo”  que  são  deixados 
depois da colheita da madeira (Figura 6.168). É uma despesa que, segundo ela, não tem no momento. 
Ao observar a lenha empilhada em feixes no quintal, ao lado do forno, percebeu que cada um mantinha 
a proporção e estavam separados e envolvidos por cordas, isto é, cada feixe é uma fornalha. 
 

264 
 
 
Figura 6.168 – Feixes de lenha fina separados por cordas, usados para alimentar o forno de varrer. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

De  acordo  com  Ana  Maria,  a  vantagem  do  forno  de  varrer,  em  relação  a  outros  fornos  convencionais 
movidos a gás ou a energia, é que, no forno a lenha, as quitandas, além de assarem mais rapidamente, 
deixa–as com um gosto diferenciado, ou seja, ficam mais saborosas. “Utilizo forno de varrer. No forno 
de  lenha,  a  quitanda  assa  mais  rápido  e  fica  mais  macia.  No  forno  a  gás,  como  demora,  as  quitandas 
ficam  mais  duras”,  disse  Ana  Maria  em  entrevista  na  sua  residência,  em  12/09/2017.  As  latas,  nome 
dado aos tabuleiros utilizados para assar as quitandas, são confeccionadas  pela própria quitandeira, a 
partir de latas de tintas vazias.  

A  outra  informante  que  também  reside  na  zona  rural  de  Jeceaba  é  Leila  Silva  Marques  Teodoro.  A 
quitandeira é casada e reside na comunidade Cachoeirinha, subdistrito de Bituri, conforme Figura 6.169. 

 
Figura 6.169 – Quitandeira Leila ao lado do forno de varrer que usa para assar suas quitandas. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

265 
 
Além de quitandeira, Leila se denomina dona de casa, agricultora e empresária, já que mantém, na sua 
propriedade,  um  pequeno  comércio  composto  por  pesqueiro  e  restaurante.  É  natural  da  comunidade 
Pedra Negra, localizada no município vizinho de Entre Rios de Minas. Quando se casou, mudou–se, com 
o marido, para o lugar onde reside atualmente. 

A respeito do aprendizado do ofício de quitandeira, o caso de Leila não foge à regra: aprendeu com sua 
mãe e sua avó. Afirmou que, quando criança, juntamente com as irmãs, ajudava sua mãe na preparação 
das quitandas:  

“E  aprendi  a  fazer  quitanda  vendo  minha  mãe  e  minha  vó  fazendo,  e  eu  fui 
aprendendo coisas novas e ensinando minha mãe a fazer. Hoje ela ainda é viva e 
mora  em  Ponta  Negra,  no  município  de  Entre  Rios.  A  maior  lembrança  que 
tenho  das  quitandas  na  infância  é  ver  mãe  e  vó  fazendo  as  quitandas, 
principalmente  na  época  de  Natal  e  nos  casamentos.  Elas  iam  para  a  casa  das 
noivas, e quando não dava conta, faziam em casa mesmo. Juntava os vizinhos e 
até a meninada pra ajudar. Na verdade, era uma troca de favores entre amigos e 
vizinhos,  ninguém  recebia  dinheiro  por  esse  trabalho.”  (Leila,  em  entrevista 
realizada na sua residência, em 12/09/2017) 

Embora o aprendizado do ofício tenha se iniciado  na vivência  com os familiares mais próximos, como 


mãe  e  avó,  ao  longo  da  trajetória  de  vida  da  quitandeira,  os  saberes  a  respeito  das  quitandas  foram 
sendo  aprimorados.  Segundo  ela,  quando  se  casou  e  foi  residir  com  a  sogra,  continuou  a  ajudá–la  na 
produção das quitandas. “Depois de casada, eu passei a ajudar a minha sogra”, disse Leila.  

As  quitandas  que  comumente  faz  são:  rosca,  rosquinha,  pão  de  queijo,  broa,  biscoito  de  polvilho  e 
quebra–quebra (Figura 6.170). Como ela mesma definiu, são comidas de roça, consumida no dia a dia. 

     
Figura 6.170 – Biscoito de polvilho e rosca produzidos pela quitandeira. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

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Apesar de ter forno a gás, a quitandeira gosta de usar o forno de varrer ou forno de tijolo (terminologia 
usada pela entrevistada) para fazer as quitandas. Segundo ela, faz merendas de 15 em 15 dias, a maior 
parte,  para  consumo  interno,  mas  pode  acontecer  de  fazer  sob  encomendas.  Quanto  aos  tabuleiros 
utilizados para assar as quitandas, ela mesma costuma confeccionar (Figura 6.171); para isso, usa latas 
de óleo vazias ou de tinta. Na produção de quitanda, conta com a ajuda do filho mais velho: 

“Hoje em dia, eu faço quitanda mais para consumo, pois não tenho tempo. Mas 
se  me  procurarem,  faço  algumas  sob  encomenda.  Faço  quitandas  uma  vez  na 
semana,  no  máximo,  a  cada  15  dias.”  (Leila,  em  entrevista  realizada  na  sua 
residência, em 12/09/2017). 

    

 
Figura 6.171 – Detalhes de instrumentos e utensílios usados pela quitandeira Leila: forno de varrer (à 
esquerda), forno a gás (à direita) e tabuleiros feitos de latas (abaixo). 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

“Quando  o  assunto  é  quitanda,  a  procedência  dos  ingredientes  faz  toda  a  diferença”,  ressaltou  a 
quitandeira.  Nesse  sentido,  ela  fez  questão  de  afirmar  que  a  maior  parte  da  matéria–prima  usada  na 
produção de suas merendas é obtida no próprio sítio: o polvilho e o fubá que sua mãe faz, o leite cru, 
nata,  manteiga,  queijo  e  ovos  caipiras.  Somente  compra  no  mercado  da  cidade  farinha,  açúcar  e 
fermento.  Além  de  quitandas,  Leila  faz  doces  caseiros  de  leite,  pé  de  moleque,  e  compotas  de  frutas 
produzidas no sítio. O ofício de doceira também é herança do aprendizado com a mãe. 

267 
 
A quitandeira não hesitou em mostrar o caderno cujas receitas foram manuscritas a partir do caderno 
de receitas de sua avó, já falecida (Figura 6.172). “Tenho caderno de receitas que a primeira parte eu 
copiei todo da minha avó”, ressaltou orgulha a quitandeira. 

     
Figura 6.172 – A quitandeira Leila folheando o caderno com as receitas que copiou de sua avó Rita. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 
Maria  Isabel  Rocha,  conhecida  como  Bel,  é  casada  e  reside  na  Fazenda  André,  distante 
aproximadamente 2 km do Centro urbano de Jeceaba (Figura 6.173). Apesar de ser natural de Jeceaba, 
residiu por 24 anos em Contagem e três, em Congonhas. Há 10 anos, voltou para o município de origem, 
onde permanece até hoje. 

 
Figura 6.173 – Quitandeira Bel durante a entrevista que concedeu à equipe de pesquisa. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 
 

268 
 
Segundo Bel, na infância era comum ver sua mãe fazendo as quitandas. Algumas vezes a ajudava, mas a 
maior  parte  das  vezes  só  observava.  As  quitandas  eram  direcionadas  para  abastecer  a  dispensa  da 
fazenda, que além de ter muitos trabalhadores também era visitada por parentes e compradores que 
vinham comprar cachaça no alambique da família: 

“Minha mãe fazia quitanda em forno de varrer, fazia muito biscoito. Minha mãe 
fazia  quitandas  para  consumo,  minha  casa  era  muito  cheia,  tinha  que  fazer 
muita  comida  para  a  família  e  trabalhadores  do  alambique.  Como  tinha  muito 
leite  e  frutas,  fazia  doces  para  consumo  e  presentear  os  vizinhos  e  parentes.” 
(Quitandeira Bel, em entrevista realizada na sua residência, em 13/09/2017) 

Bel, além de fazer quitandas para o consumo da família, também as produz sob encomenda e entrega 
nos mercados da cidade.  Também participa  do Festival Gastronômico da cidade, que está na segunda 
edição. No mês de julho sempre venta, por isso, este ano, segundo informação do secretário de Cultura 
Turismo,  Esporte  e  Lazer  do  município,  Willian  Daniel  Ribeiro,  a  previsão  é  que  a  terceira  edição  do 
festival aconteça em dezembro: 

“A  respeito  do  motivo  de  fazer  quitandas  como  complemento  da  renda,  a 
quitandeira  afirmou  que  a  ideia  surgiu  quando  retornou  a  Jeceaba  para  cuidar 
de  sua  mãe,  que  precisava  de  cuidados  especiais.  “Quando  voltei  pra  cidade, 
para cuidar de minha mãe doente, não consegui trabalho. Foi aí que me veio a 
ideia de fazer salgados pra fora. Comecei a fazer quitandas e salgados e vender 
de  porta em  porta  (Quitandeira Bel, em entrevista  realizada  na  sua residência, 
em 13/09/2017) 

A  quitandeira  informou  que,  além  de  ter  exposto  suas  quitandas  no  Festival  de  Gastronomia  local, 
também  já  as  expôs  no  Festival  de  Quitanda  de  Congonhas,  que  já  está  na  17ª  edição,  e  reúne 
quitandeiras  da  região.  Para  ela,  não  foi  uma  experiência  proveitosa,  pois  não  conseguiu  vender  suas 
mercadorias –– situação contrária à que aconteceu no Festival de Jeceaba, onde conseguiu vender toda 
a produção de quitanda: 

“O festival de Congonhas não foi muito proveitoso, não compensou. Tem muitas 
barracas  e  muita  concorrência,  e  não  consegui  vender  os  produtos.  Gastamos 
com  viagem  e  com  as  embalagens.  As  quitandeiras  daqui  não  gostaram  de 
participar.”  (Quitandeira  Bel,  em  entrevista  realizada  na  sua  residência,  em 
13/09/2017) 

 Bel  já  usou  forno  de  varrer,  agora  usa  forno  a  lenha  para  assar  suas  quitandas.  Ela  construiu,  na  sua 
cozinha,  uma  versão  mais  moderna  desse  forno  (Figura  6.174).  Continua  a  utilizar  o  forno  a  lenha. 
Resolveu  fazer,  na  cozinha,  um  forno  de  fogão  que  é  dois  em  um,  isto  é,  assa  e  cozinha  ao  mesmo 
tempo. Segundo ela, economiza tempo e lenha, pois, enquanto faz a comida (almoço ou jantar), assa as 
quitandas. Também mantém, na cozinha, um forno a gás tipo industrial. 

269 
 
    
Figura 6.174 – Detalhes dos tipos de fornos utilizados pela quitandeira Bel: forno de fogão a lenha e 
forno industrial a gás. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 

As quitandas que costuma fazer para vender são cubu de fubá de canjica, rosca da rainha, broa cremosa, 
biscoito de fubá de canjica e biscoito de amoníaco (rosquinhas) e rocambole. O cubu foi redescoberto 
por ela já que, há muito tempo, não era feito nem vendido na cidade. “Há muitos anos ninguém fazia 
cubu  por  aqui.  Tive  a  ideia  de  fazer,  e  vendo  muito”,  ressaltou  Bel.  O  cubu  é  uma  broa  de  fubá  com 
coalhada, queijo e erva–doce, que é assado enrolado em folha  de  bananeira. Além das  quitandas, faz 
alguns tipos de doces, como pé de moleque e cocada. 

A  quitandeira  Bel  resgatou  algumas  receitas  tradicionais,  como  é  o  caso  do  cubu,  mas    mantém 
atualizadas  as  novas  receitas  através  da  coleção  de  revistas  e  livros  de  receitas  que  coleciona  (Figura 
6.175). Também costuma copiar e trocar receitas novas com amigas e parentas. 

 
Figura 6.175 – Quitandeira Bel mostrando seus cadernos e livros de receitas. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Segundo  Bel,  o  principal  diferencial  das  quitandas  artesanais  é  que  não  se  usam  conservantes,  o  que 
permite ser consumida ainda fresca. O forno a lenha é outro item que contribuiu para a qualidade das 
quitandas. “Há diferença entre as quitandas feitas no forno a lenha e a gás. Minha receita de biscoito de 
polvilho não funcionou em forno de fogão a lenha.”, declarou a quitandeira em entrevista realizada na 
sua residência, em 13/09/2017. 

270 
 
Na  produção  de  suas  quitandas,  costuma  usar  matéria–prima  produzida  no  próprio  sítio:  leite  cru, 
mandioca  usada  para  fazer  o  bolo  e  ovos  caipiras.  Os  demais  tipos  de  insumos,  como  polvilho,  fubá, 
açúcar, sal, manteiga, nata e fermento, compra no mercado da cidade. 

A quitandeira Bel também compartilha da opinião de Ana Maria, quitandeira do distrito de Bituri. Para 
ela, durante os períodos de festas e feriados no município, costuma vender mais quitandas. O aumento 
nas  vendas  se  deve  à  quantidade  de  pessoas  de  fora  que  vêm  visitar  a  cidade.  As  festividades  mais 
comuns em Jeceaba são a festa da Padroeira Nossa Senhora da Conceição, que acontece entre os dias 
29 de novembro e 7 de dezembro, Semana Santa e carnaval. 

Quando questionada sobre a construção da obra de ampliação da rede de distribuição de energia que 
vai  passar  no  município,  a  quitandeira  Bel  ressaltou  que,  durante  a  instalação  da  primeira  linha  de 
transmissão  que  já  existe,  e  cujas  torres  estão  posicionadas  bem  próximas  à  sua  residência,  sua  mãe, 
além  de  alugar  alguns  cômodos  da  casa  para  acomodar  os  trabalhadores  da  obra,  também  fazia 
quitandas para servir–lhes no café da manhã. 

271 
 
6.9.3  MAPA DOS BENS CULTURAIS DE JECEABA 

273 
 
6.10   CONGONHAS 
Conhecida como a "Cidade dos Profetas", Congonhas é também uma das cidades mais importantes do 
Estado  de  Minas  Gerais  no  que  diz  respeito  ao  acervo  de  Patrimônio  Cultural  e  Artístico.  Um  dos 
principais  patrimônios  do  município  é  a  Basílica  Santuário  do  Bom  Jesus  de  Matosinhos,  monumento 
histórico e artístico construído em várias etapas, nos séculos XVIII e XIX, por diversos mestres, artesãos e 
pintores,  como  o  Aleijadinho  e  Manuel  da  Costa  Ataíde:  foi  considerado,  em  1985,  Patrimônio  da 
Humanidade pela UNESCO. 

Como instância municipal de preservação, há o Conselho Municipal de Patrimônio Histórico e Artístico 
de Congonhas (COMUPHAC), criado através da Lei nº 1.192, de 16 de outubro de 1984. Atualmente, a 
Lei  nº  2.033,  de  27  de  dezembro  de  1994,  é  a  que  regula  o  tombamento  e  preservação  dos  bens 
materiais e imateriais no município (como mencionado anteriormente). 

A Lei nº 3.051, de 2011, instituiu o Fundo de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural da cidade 
de  Congonhas  (Fundo  Profeta),  vinculado  à  Secretaria  Municipal  de  Finanças,  criado  para  financiar  o 
Projeto  de  Revitalização  da  Ladeira  (implantado  no  Programa  Monumenta)  e  de  recuperação, 
preservação e conservação de áreas públicas e edificações. 

A UNESCO, o IPHAN e a Prefeitura de Congonhas inauguraram, no dia 15 de dezembro de 2015, um dos 
mais importantes projetos de preservação da memória do País: o Museu de Congonhas, com a missão 
de potencializar a percepção e a interpretação das múltiplas dimensões do Santuário do Bom Jesus de 
Matosinhos, sítio histórico que, desde 1985, tem o título de Patrimônio Cultural Mundial. 
6.10.1  CAPOEIRA E OFÍCIO DE MESTRES DE CAPOEIRA 
6.10.1.1 Associação de Capoeira União da Praia Grande 
 Mestre Pakato – Sebastião Cosme Marques Ferreira, 45 anos 

Sebastião Cosme Marques Ferreira, conhecido com Mestre Pakato, iniciou sua prática na capoeira aos 8 
anos de idade (Figura 6.176). Seu interesse pela capoeira aconteceu pela via das artes marciais, como 
karatê e kung fu. A primeira vez que viu o jogo da capoeira foi quando assistiu a uma apresentação de 
Mestre Dunga na televisão. 

Na década de 1980, foi morar em Belo Horizonte, quando passou a frequentar as rodas organizadas pelo 
mestre nas  praças da cidade. Formou–se mestre  de capoeira na  década de 1990, pelo  Mestre Dunga, 
que é natural do Estado da Bahia, e radicado na capital mineira. 

275 
 
 
Figura 6.176 – Mestre Pakato tocando berimbau. Foto de Delmo Reginaldo. 
Fonte: 
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=1650577558582606&set=t.100005796044420&type=3&th
eater, 2017.  
 
Nas décadas de 1970, 1980 e 1990, Mestre Dunga foi incansável no trabalho de divulgação da capoeira, 
liderando, juntamente com outros, rodas nas feiras e praças do Centro da cidade, como a Praça Sete, 
Praça  da  Rodoviária,  Praça  da  Estação,  Praça  da  Liberdade  e  Parque  Municipal,  como  ele  ressaltou. 
Durante alguns anos, Mestre PaKato esteve ligado ao grupo Cordão de Ouro Eu Bahia, do Mestre Dunga, 
também conhecido como Senzala, um dos grupos responsável pela formação de professores e mestres 
de  capoeira  de  toda  a  Região  Metropolitana  da  capital  mineira,  e  também  de  vários  municípios  do 
estado. 

Mestre Pakato exerce o ofício de mestre de capoeira, que conta com alguns alunos, mas não sobrevive 
da  atividade.  Paralelamente  à  arte  da  capoeiragem,  ele  trabalha  como  “macarefe”  (mata  gado  para 
abate)  e  ajudante  de  serviços  gerais,  além  dos  compromissos  inerentes  ao  grupo  de  capoeira. 
Frequentemente, o grupo viaja para os municípios vizinhos, a fim de realizar apresentações e eventos de 
batismo ou cerimônias de trocas de cordas. 

Uma  vez  por  ano,  o  grupo  realiza  trocas  de  cordas  entre  os  alunos  de  Congonhas.  Embora  haja  uma 
cerimônia para esse fim, não significa que todos os alunos mudarão de grau na capoeira. Isso só ocorre 
quando  o  mestre  entende  que  o  iniciante  atende  a  todos  os  quesitos  mínimos  para  prosseguir  na 
capoeira. A graduação no grupo segue a seguinte evolução: aprendiz, monitor, professor, contramestre 
e mestre. 

Mesmo com as dificuldades que enfrenta para manter a prática da capoeira em evidência na cidade e 
sem  receber  apoio  do  Poder  Público  local,  Mestre  Pakato  criou  a  Associação  Capoeira  União  Praia 
Grande (Figura 6.177) em 2009. 

276 
 
 
Figura 6.177 – Identidade visual do Grupo de Capoeira União da Praia Grande – Congonhas (MG). 
Fonte:  https://www.facebook.com/photo.php?fbid=431229687080229&set=pb.100005796044420.‐
2207520000.1524250788.&type=3&theater, 2017.  

A sede do grupo, onde os treinos acontecem, está localizada na própria residência do mestre, no bairro 
Praia Grande (Figura 6.178). O espaço é simples e delimitado numa área de aproximadamente 50 m2, 
cercado por varas de bambus, com cobertura de telhas e chão de terra. As instalações elétricas provêm 
de  sua  residência,  e  não  há  banheiro;  portanto,  é  nesse  espaço  que  o  mestre  realiza  os  treinos  de 
capoeira com seus alunos. Os treinos são feitos às terças, quartas e quintas–feiras, das 19 h às 21 h. 
 

   
Figura 6.178 – Parte externa e interna da sede do Grupo de Capoeira União da Praia Grande. 
Fonte: Equipe Biodinâmica, 2017. 
 

A  roda  possui  praticantes  de  várias  regiões  da  cidade,  embora  o  local  onde  os  treinos  ocorrem  não 
favoreça.  O  bairro  Praia  Grande,  ou  Prainha,  como  é  conhecido  pelos  moradores  da  cidade,  possui  o 
estigma  de  ser  um  território  dominado  pelo  tráfico  de  drogas.  O  perfil  dos  alunos  é  bastante 
heterogêneo  sob  os  aspectos:  étnico,  religioso,  social  e  etário.  No  grupo,  há  uma  valorização  das 
expressões individuais e do improviso nos movimentos e gingas, pois o mestre considera que formaram 
a base do desenvolvimento da capoeira no Brasil (Figura 6.179). 

277 
 
 
Figura 6.179 – Sede da Associação União Capoeira Praia Grande. Foto de Sebastião Pakato. 
Fonte:  
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=134728150012370&set=t.100005796044420&type=3&the
ater, 2017.  
 
Durante  a  conversa  da  equipe  com  Mestre  Pakato,  dois  de  seus  alunos  instrutores  estavam 
confeccionando  seus  instrumentos.  Acompanhou–se  parte  do  processo  de  fabricação  de  berimbaus, 
como  a  limpeza  das  varas  para  fazer  a  verga.  Para  o  mestre,  a  produção  dos  próprios  instrumentos 
usados pelos alunos é uma fase fundamental do ofício do futuro mestre. A seu ver, não basta apenas 
jogar a ginga da capoeira –– é preciso dominar as outras possibilidades que a roda da capoeira tem para 
transmitir: 

“Nós,  aqui,  vivemos  a  capoeira  como  um  todo,  dentro  da  cultura.  Eu  estou 
ensinando  os  meninos  a  trabalhar  artesanalmente,  a  fabricar  seus  próprios 
instrumentos. Eles perguntam se podiam pegar a ‘máquina’ e fazer; eu disse que 
não.  Tem  que  fazer  manualmente,  é  bem  melhor.  Tem  que  sentir,  né?  Saber 
fabricar o seu próprio berimbau.” (Mestre Pakato, em entrevista realizada na sede 
da Associação Capoeira União Praia Grande, em 20/09/2017 – Figura 6.180) 
 

 
Figura 6.180 – Alunos do Mestre Pakato. Da esquerda para a direita: professor Francisco Wesley (no 
pandeiro), José Cardoso (no atabaque) e Mestre Pakato (no berimbau). 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 

278 
 
A  matéria–prima  para  confecção  dos  berimbaus  (a  madeira  para  a  verga  e  as  cabaças)  é  obtida  nas 
matas  de  entorno  da  cidade  (Figura  6.181).  Os  demais  instrumentos,  como  caxixis,  tambores  e 
atabaque,  são  comprados  em  lojas  especializadas  em  Belo  Horizonte.  “Na  nossa  região  aqui,  tem  a 
madeira de peroba, mama de porca, que a gente usa porque são mais resistentes”, ressaltou o instrutor 
Fabrício, de 21 anos. 

   
Figura 6.181 – Preparação das vergas utilizadas na confecção de berimbaus. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Em  Congonhas,  o  grupo  conta  com  um  número  de  30  alunos,  abrangendo  da  categoria  iniciante  até 
instrutor.  Porém,  como  o  grupo  já  tem  braços  em  outras  localidades,  como  no  Rio  de  Janeiro,  ao 
contabilizar  todos  os  filiados,  chega–se  a  um  número  de  200  integrantes,  que  fazem  parte  de  sua 
linhagem, isto é, que multiplicam a arte da capoeira e levam seu nome como referência –– da mesma 
forma que ele leva consigo a linhagem herdada do Mestre Dunga: 

“Tenho  dois  instrutores  dando  aula  em  escolas.  Tenho  professor  de  capoeira 
formado  por  mim  até  no  Rio  de  Janeiro  O  aluno  quando  chega  ao  grau  de 
instrutor,  ele  está  apto  a  dar  aulas  de  capoeira.  Já  saíram  muitos  instrutores.” 
(Mestre  Pakato,  em  entrevista  realizada  na  sede  da  Associação  Capoeira  União 
Praia Grande, em 20/09/2017) 

Constantemente,  o  grupo  recebe  convites  para  fazer  apresentações  em  cidades  vizinhas,  como  Santa 
Luzia.  A  Roda  de  Capoeira  do  Mestre  Pakato,  todos  os  anos,  participa  da  festa  de  Nossa  Senhora  do 
Rosário. A festa, além de contar com os ternos de congado, recebe a capoeira do Mestre Pakato. “E nós, 
lá, somos presença confirmada. Todo ano só nós de capoeira que vai lá, mais ninguém. E o pessoal lá 
adora”, acrescentou orgulhoso o mestre. 

Em sua fala, Mestre Pakato já apresenta algumas das dificuldades enfrentadas pelo grupo:  por um lado, 
a falta de reconhecimento do Poder Público local; por outro, o desinteresse da própria comunidade. Há 
outros  conflitos  que,  embora  não  se  relacionem  diretamente  com  o  grupo  capoeira,  acabam 
prejudicando–o.  Como  exemplo,  ele  citou  os  jogos  de  interesses  político–partidários  locais,  que  só 
sabem que o grupo existe e precisa de apoio na época de campanhas políticas para eleição de prefeito e 
vereadores: 

279 
 
“O Poder Público aqui é complicado, é muito aquela coisa que ajuda hoje para 
amanhã  ser  ajudado,  e  eu  não  trabalho  com  essa  tese.  Apoiam  porque  é  o 
seguinte:  apoiam  o  que  interessa  a  eles.”  (Mestre  Pakato,  em  entrevista 
realizada na sede da Associação Capoeira União Praia Grande, em 20/09/2017) 

Como  se  não  bastassem  as  dificuldades  estruturais  e  os  conflitos  políticos  locais,  Mestre  Pakato 
responde  a  processo  judicial  por  não  ter  adequado  sua  academia,  onde  treinam,  às  normas  legais  de 
segurança exigidas pelo município. 

A  respeito  do  Ofício  de  Mestres  de  Capoeira  e  da  Roda  de  Capoeira  serem  considerados  Patrimônio 
Cultural Imaterial Brasileiro, o mestre considera que foi uma conquista importante para os capoeiristas, 
pois  contribuiu  para  diminuir  o  preconceito  que  há  em  torno  dos  detentores  e  da  prática  da 
capoeiragem. No entanto, nenhuma ação concreta que contemple os mestres e as rodas de capoeira foi 
implementada  pelos  Poderes  Públicos  federal,  estadual  e  municipal.  Para  ele,  tudo  continua  como 
antes; só os mestres que residem nas grandes capitais e que têm acesso à mídia e às oportunidades é 
que conseguem sobreviver do ofício da capoeira. 
6.10.1.2 Grupo Cativeiro Capoeira – Filial Congonhas 
 Instrutor Malé – Marlon Oliveira, 31 anos 

Marlon  Oliveira  iniciou  sua  prática  na  capoeira  aos  11  anos  de  idade.  Seu  primeiro  contato  com  a 
capoeira  aconteceu  em  1997,  durante  uma  apresentação  de  Mestre  Dunga  de  Belo  Horizonte  em 
Congonhas. As visitas de Mestre Dunga tinham como propósito incentivar a arte da capoeira no interior 
do estado, através da Associação Cordão de Ouro Eu Bahia. 

No mesmo período, conheceu o trabalho do Grupo Cativeiro Capoeira, fundado pelo Mestre Zé Eduardo 
em Ouro Preto, mas cuja sede fica em Ilhéus, na Bahia. Formou–se instrutor de capoeira em 2013, pelo 
Mestre Kalungeé, atual dirigente do grupo Cativeiro Capoeira. Regularmente, viaja para a cidade vizinha, 
onde realiza treinos com o mestre no Centro Acadêmico da Escola de Minas (CAEM), localizado na Praça 
Tiradentes. 

O instrutor Marlon tem Ensino Médio completo e trabalha como técnico de manutenção (Figura 6.182). 
Paralelamente  à  atividade  profissional,  realiza  projetos  sociais  na  Associação  do  Bairro  do  Residencial 
Gualtier e no Centro de Apoio ao Menor de Congonhas (CAMEC). Na associação do bairro, os treinos já 
acontecem desde o ano de 2006. São atendidas, aproximadamente, 100 crianças e adolescentes, e os 
treinos são feitos durante a semana e, também, nos fins de semana. 

Segundo o instrutor, em Congonhas há muitas famílias em situação de vulnerabilidade social, seja por 
consumo  e  tráfico  de  drogas,  seja  por  violências;  daí,  um  dos  objetivos  da  existência  dos  projetos 
sociais. A prática da capoeira, nesses casos, pode ser uma poderosa aliada na socialização de crianças e 
adolescentes oriundas de famílias que convivem nesse contexto. 

Embora o grupo esteja registrado, o que permite realizar atividades vinculadas a projetos sociais, como 
dar  aulas  de  capoeira  no  CAMEC,  ainda  não  possui  sede  própria.  As  rodas  ocorrem  em  espaços  de 
terceiros ou então nas praças existentes no bairro e na cidade. 

280 
 
 
Figura 6.182 – Instrutor Marlon tocando o berimbau. Foto cedida à Equipe Biodinâmica pelo Instrutor 
Malé, 2017. 

Acrescentou o instrutor que a Roda de Capoeira possui um diferencial na complementação do processo 
educativo  das  crianças  e  adolescentes,  pois  contribui  para  que  as  crianças  possam  alcançar  um 
desempenho melhor em sala de aula e na convivência com a família: 

“Na  Roda  de  Capoeira,  eu  não  ensino  apenas  as  gingas  e  movimentos  da 
capoeira; vai muito além disso. O iniciante aprende como ter disciplina, respeitar 
os  mais  velhos,  e  tudo  isso  ajuda  na  convivência  dele  com  outras  pessoas. 
Durante as rodas de capoeira, eles também aprendem um pouco da história da 
capoeira,  que  se  confunde  com  a  História  do  Brasil.”  (Instrutor  Marlon,  em 
entrevista realizada na sua residência, em 20/09/2017). 

O  grupo  não  separa  a  capoeira  em  Angola  e  Regional  ––  considera  que  a  capoeira  é  única  e  que, 
conforme  o  toque  do  berimbau,  o  capoeirista  faz  os  movimentos  corporais  de  acordo  com  suas 
habilidades e limites. Na fala do instrutor, sua capoeira é do tipo contemporânea, pois envolve saberes 
das  duas  tradições,  Angola  e  Rregional.  Portanto,  a  capoeira  permite  que  se  transite  entre  as  duas 
vertentes,  sem  muita  rigidez.  “A  capoeira  contemporânea  é  uma  junção  da  capoeira  de  Angola  e 
Regional. Ela abre mais possibilidades: no traje, no jogo, nos cantos e na musicalidade”, afirmou Marlon. 

Atuando com poucos recursos financeiros para dar continuidade à prática da capoeira no bairro onde 
reside, o instrutor Marlon depende da ajuda de parceiros locais da própria comunidade, que contribuem 
com algum tipo de colaboração. Para tentar contornar as dificuldades enfrentadas no dia a dia, realiza 
oficinas de confecção de instrumentos, principalmente de berimbaus e caxixis. “É um momento lúdico e, 
ao  mesmo  tempo,  de  cooperação”,  enfatiza.  Geralmente,  durante  as  oficinas,  os  alunos  são  divididos 
por grupos, cada um realiza uma parte do instrumento, de modo que todos os grupos troquem ideias 
entre si e construam uma cultura de cooperação. Segundo ele, são valores simples, que a maioria dos 
alunos  não  tem  em  casa,  nem  na  escola.  A  Roda  de  Capoeira  também  ensina  a  conviver  em 
comunidade,  a  dividir,  a  somar.  Nesse  sentido,  as  mudanças  de  comportamento  das  crianças,  que, 
antes, eram rebeldes com pais e professores, passam a se comportar de forma mais sociável: 

281 
 
“Por diversas vezes, eu sou parado na rua pelos pais de alunos que vem 
me  agradecer  pela  mudança  de  comportamento  do  filho.  Eles  chegam 
pra mim e elogiam. Tem vários alunos que também começaram comigo 
e perderam 30kg. Então é muito gratificante não só pros pais como pra 
mim  também  (Instrutor  Marlon,  em  entrevista  realizada  na  sua 
residência em 20/09/2017). 

Embora o investimento para iniciar os treinos de capoeira seja infinitamente baixo, exigindo dos alunos 
apenas a compra do abadá (calça branca de elástico na cintura), muitos alunos assistidos pelos projetos 
não  dispõem  do  recurso  para  comprá–lo.  Na  maioria  dos  casos,  são  feitas  “vaquinhas”  e  rifas  para 
comprar  os  trajes.  As  dificuldades  para  dar  continuidade  à  prática  impõem  ao  instrutor  estabelecer 
algumas  regras  para  permanecer  na  roda.  São  metas  simples,  que  permitem  maior  engajamento  e 
disciplina dos alunos. A principal delas é estar bem na escola, tanto em termos comportamentais como 
no  rendimento  escolar,  esclareceu  o  instrutor.  Ele  contou  que,  no  ano  de  2016,  aproximadamente  15 
alunos foram dispensados do grupo por não cumprirem a regra. 

Em relação à matéria–prima utilizada na confecção dos instrumentos produzidos pelos alunos durante 
as oficinas, o instrutor Marlon foi categórico ao afirmar que varas, cipós e cabaças são adquiridos nos 
arredores da cidade, mais especificamente nas poucas matas que existem próximo ao distrito  de Alto 
Maranhão, no lago Tutoia:  

“No caso, a gente usa as galhas secas. Se não tiver mata, não tem como 
a  gente  obter  esse  material  para  confeccionar  e  ensinar  e  passar  os 
conhecimentos pra frente. Onde tiver mato por aqui, a gente vai pegar.” 
(Instrutor  Marlon,  em  entrevista  realizada  na  sua  residência,  em 
20/09/2017) 

As dificuldades materiais básicas enfrentadas pelo grupo são inúmeras e mensuradas a partir de alguns 
fatores,  tais  como:  a  falta  de  abadás  para  os  alunos,  improvisação  dos  instrumentos  da  capoeira  e 
inexistência  de  uma  sede  para  realização  dos  treinos.  Não  é  possível  dar  continuidade  à  tradição  sem 
que  haja,  de  alguma  maneira,  a  participação  do  Poder  Público  responsável  pela  cultura  da  cidade.  “A 
gente precisa de verba pra se manter, porque é um trabalho. Eu acho que devia ter uma contribuição”, 
reforçou o instrutor. 

Seguindo essa linha da ausência do Poder Público local na cultura da cidade, especialmente em relação 
ao Ofício de Mestres de Capoeira e Roda de Capoeira, o entrevistado acredita que o título de Patrimônio 
Cultural  Imaterial  brasileiro  atribuído  à  capoeira  tem  contribuído  para  um  reconhecimento  mais 
abrangente da prática como uma manifestação cultural, fazendo com que ela deixe de ser vista apenas 
como  uma  atividade  marginal.  No  entanto,  é  preciso  que  sejam  formuladas  políticas  públicas  efetivas 
que  deem  sustentação  para  que  os  detentores  (mestres,  instrutores,  professores,  etc.)  possam  dar 
prosseguimento ao ofício de capoeira com dignidade. 

282 
 
6.10.2  TOQUE DOS SINOS E OFÍCIO DE SINEIRO 

 Antônio Rabelo, 83 anos (mestre) 

 Conceição Severiano, 65 anos 

 Efigênia Pereira Marques, 53 anos (ex–sineira) 

 Paulo Augusto, 60 anos 

 Antônio Eustáquio Pereira, 69 anos 

O  contexto  da  linguagem  dos  sinos  não  é  uniformidade  em  todos  os  territórios,  no  que  se  refere  à 
manutenção  da  prática  como  Patrimônio  Cultural  Imaterial.  Em  Congonhas,  o  Ofício  de  Sineiro  e  o 
Toque  de  Sinos  apresentam  sinais  de  enfraquecimento,  para  não  dizer  de  crise.  Os  responsáveis  pelo 
toque também exercem, paralelamente, a atividade de zeladores e guias das igrejas históricas. Outros 
sineiros  tocam  os  sinos  raramente,  somente  quando  são  convidados,  como  é  o  caso  do  policial 
aposentado Antônio Eustáquio, residente no bairro Basílica. 

O  mestre  sineiro  e  alfaiate  Antônio  Rabelo  nasceu  no  município  mineiro  Caetano  Lopes  e  veio  para 
Congonhas aos 10 anos de idade. É discípulo do já falecido Mestre Amâncio, sineiro da Basílica de Bom 
Jesus  de  Matosinhos.  Mestre  Antônio  foi  sineiro  da  Igreja  Matriz  de  Nossa  Senhora  da  Conceição 
durante 43 anos; em 2009, ausentou–se do posto por motivos de saúde. Por residir nas proximidades da 
Matriz e ouvir o toque dos sinos, lamenta que os sineiros de hoje não saibam tocá–los corretamente.  

Assim como os sineiros de São João Del Rei, Mestre Antônio também era funcionário da igreja. E, além 
de  ser  o  responsável  pelo  toque  dos  sinos  durante  as  festividades,  toques  fúnebres  e  chamadas  de 
missas,  também  se  ocupava  de  outras  atividades  de  manutenção  da  igreja.  Atualmente,  os  sinos  da 
igreja são tocados pela zeladora Conceição, conhecida como Ção. 

Mestre Antônio foi um dos detentores que contribuíram com as pesquisas que embasaram e resultaram 
no  pedido  de  Registro  da  Linguagem  dos  Sinos  em  Congonhas  (Figura  6.183).  Depois  do  título  de 
Patrimônio  Imaterial  que  os  toques  de  sinos  receberam,  ele  lamenta  não  ter  sido  procurado  para 
repassar seus saberes aos mais jovens. A tentativa de estabelecer diálogo com o mestre foi complicada, 
haja vista ele ter problemas de fala. Mesmo assim, foi possível captar algumas informações a respeito de 
sua trajetória no Ofício de Sineiro. 

283 
 
 
Figura 6.183 – Mestre sineiro Antônio Rabelo. 
Fonte: Equipe Biodinâmica, 2017 

A sineira que atualmente assume parte das funções da igreja, que eram de responsabilidade do Mestre 
Antônio, é Conceição Severiano. Ela não se intitula sineira, já que apenas toca o sino para as chamadas 
de missas. Sua função, de fato, é de zeladora. “Eu só toco o básico e, como não consigo subir à torre, 
daqui de baixo mesmo eu puxo o badalo com uma corda”, declarou. 

Durante alguns eventos solenes, como festa de padroeira Nossa Senhora da Conceição e Semana Santa, 
outros  sineiros,  a  exemplo  de  Eustáquio,  são  convidados  para  executar  os  toques  de  repiques  e 
dobrados;  nesses  casos,  ainda  se  mantém  a  tradição  de  alguns  toques.  Durante  as  festividades  em 
homenagem à padroeira, os sinos badalam às 15 h, às 18 h e às 21 h. Na procissão de encerramento, 
soam no momento da saída da santa para seu trajeto pelas ruas. Só param quando a imagem retorna à 
Matriz. 

A  respeito  dos  toques  de  sino  específicos  que  anunciam  ou  comunicam  a  morte  de  fiéis,  a  zeladora 
afirmou que, praticamente, caiu em desuso. O motivo seria que, nos dias atuais, os corpos são velados 
nos centros de velórios, não mais passando pela igreja para receberem a bênção; em vez disso, o padre 
vai ao local fazer a encomendação do defunto. 

A  zeladora  reconhece  que  a  tradição  da  linguagem  dos  sinos  está  se  perdendo,  ou,  para  usar  suas 
palavras, está “caindo em desuso”: 

“Vai  se  perdendo  porque  as  pessoas  mais  velhas  [mestres  sineiros]  estão 
morrendo,  e  os  jovens  não  querem  dar  continuidade.  Os  jovens  não  querem 
saber  mais  de  coisas  de  igreja.  Encontrar  pessoas  jovens  para  carregar  a  santa 
no andor durante a procissão é coisa difícil por aqui –– precisa ficar pedindo a 
um e a outro. Da mesma forma, acontece com os sinos.” (Conceição, zeladora e 
sineira,  em  entrevista  realizada  na  Matriz  de  Nossa  Senhora  da  Conceição,  em 
20/09/2017). 

284 
 
Segundo  Conceição,  embora  a  linguagem  dos  sinos  seja  reconhecida  como  um  patrimônio  cultural,  e 
que ela vê como um título importante para a cidade, muito pouco tem sido feito para que essa prática 
tenha continuidade para as futuras gerações. Acrescentou que, após o reconhecimento, nenhuma ação 
foi  realizada  com  intuito  de  divulgar  e  reunir  os  mestres  sineiros  com  os  jovens,  para  aprenderem  a 
tocar os sinos. O pouco que ela aprendeu foi por conviver com seu Antônio, que, por sua vez, também 
nunca se interessou por aprender os outros tipos de toques. 

Outro  fato  constatado  por  ela  diz  respeito  à  falta  de  manutenção  dos  sinos.  Na  Matriz  existem  duas 
torres, cada uma com dois sinos. Porém, no momento, apenas os dois sinos da torre direita funcionam; 
os  outros  estão  trincados,  ou  com  algum  problema  na  estrutura.  Resumindo,  a  relação  de  Conceição 
com os toques de sino se restringe a anunciar que a missa está prestes a começar. Os toques de sino 
para  as  chamadas  de  missas  sempre  ocorrem  às  quartas–feiras,  às  6h30m,  convidando  os  fiéis  para 
missa das 7 h. 

No contexto da linguagem dos sinos em Congonhas, não se percebem sineiros de várias idades atuando 
no ofício. O público, ou é composto por ex–sineiros/as, ou por pessoas que atuam no ofício, porque não 
há outras que queiram exercer a atividade. Não ocorre, talvez, o que foi observado em São Joao Del Rei: 
a procura por crianças e jovens interessados em aprender a arte de tocar sinos. 

A informante Efigênia trabalhou como zeladora e sineira da Igreja de Nossa Senhora do Rosário durante 
oito anos. Aprendeu a tocar o sino, observando seu pai, Sebastião Pereira Marques, que era zelador e 
sineiro da mesma igreja.  Dos toques  que aprendeu com ele,  e  que ainda são executados  nas cidades, 
embora com menos frequência, ela não executava os dobrados porque os sinos não permitiam esse tipo 
de  manobra.  É  que  o  campanário  da  igreja  está  localizado  na  frente  da  igreja,  e  não  na  torre.  Esses 
toques só acontecem na Igreja Matriz e na Basílica. Em compensação, a sineira fazia questão de tocar os 
sinos conforme o calendário litúrgico religioso e nas diversas festas religiosas da cidade: 

“Eu tocava o sino durante a festa da padroeira Nossa Senhora da Conceição, dia 
8 de dezembro. Eu batia o sino às 6 h da manhã, ao meio–dia e às 18 horas! E 
também  tocava  no  dia  5  de  outubro,  na  festa  de  Nossa  Senhora  do  Rosário. 
Hoje,  acabou!  Não  tem  mais  nada  disso!”  (Ex–sineira  Efigênia,  em  entrevista 
realizada na sua residência, em 21/09/2017) 

Ela,  assim  como  Mestre  Antônio,  participou  como  informante  do  processo  de  pedido  de  Registro; 
porém, desde 2009, foi dispensada da função de zeladora da igreja e, consequentemente, da função de 
sineira.  Após  sua  saída,  e  com  a  entrada  da  nova  funcionária,  os  sinos  não  são  tocados  como  antes. 
“Hoje, aqui, se toca o sino por tocar! Na minha época, se tocava até durante os enterros”, lamentou a 
ex‐sineira. 

O  senhor  Paulo  Augusto,  que  é  zelador  da  Basílica  do  Bom  Jesus  de  Matosinhos  atualmente,  assume 
também a função de tocar o sino, mas não se reconhece como sineiro, apesar de ter aprendido com o 
sineiro  Eustáquio  alguns  toques  de  sino,  como  dobrados  e  repiques.  Pela  idade  já  avançada  e  com 
problemas  de  locomoção,  seu  Paulo  tem  dificuldades  para  subir  a  torre  para  acionar  os  sinos. 
Geralmente, com auxílio de uma corda presa ao badalo, ele consegue bater o sino durante as chamadas 
para as missas:  

285 
 
“Quando comecei aqui, eu aprendi as viradas e repiques de Semana Santa com 
seu Eustáquio. Pra fazer os repiques na Semana Santa, que tem que tocar os três 
sinos,  precisa  de  uma  pessoa  pra  ajudar.”  (Paulo  Augusto,  em  entrevista 
realizada na Basílica, em 19/09/2017). 

Conforme  disse  o  informante,  ainda  são  mantidos  o  Toque  de  Sinos    em  algumas  comemorações 
festivas, como Semana Santa, Jubileu do Bom Jesus de Matozinhos, que acontece no mês de setembro, 
e na procissão do Santíssimo. Na Semana Santa, os sinos tocam durante todos os dias às 6 h, ao meio–
dia e às 15 h, e os repiques festivos duram, em média, 20 minutos.  

Com  exceção  de  alguns  toques  festivos  que  ainda  são  realizados  nos  sinos  da  Basílica,  muitos  outros 
caíram em desuso. “Antigamente, batiam sinos na morte de pessoas comuns, mas hoje não usa mais. 
Em  dias  normais,  só  bate  sino  antes  das  missas  para  chamar  os  fiéis.  É  menos  de  um  minuto  de 
pequenos toques”, comentou. Além das questões que sinalizam para a falta de interesse de manter a 
tradição  da  linguagem  dos  sinos  na  cidade,  o  zelador  disse  que  o  sino  maior,  responsável  pelo  toque 
“dobrado” encontra–se com o mancal quebrado, portanto, está desativado. 

Ao  perceber  que  a  parte  interior  do  templo  estava  passando  por  restauração,  e  que  a  equipe  técnica 
estava  em  atividade,  aproveitou  para  perguntar  se  conserto  do  sino  estava  incluído  na  obra.  Como 
resposta, obteve–se a informação que a torre da igreja não fazia parte da atual reforma. Em resumo, a 
prioridade ainda são os elementos artísticos das igrejas. 

O sineiro Paulo Eustáquio (Figura 6.184) é policial aposentado, morador do bairro Basílica e aprendeu a 
tocar sino, ainda criança, com o mestre sineiro responsável pelo toque de sino da Igreja São José. 

 
Figura 6.184 – Sineiro Paulo Eustáquio durante a entrevista que concedeu à equipe de pesquisa. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017 
 

“Eu  aprendi  a  tocar  na  Igreja  São  José,  onde  nasci  e  fui  criado  por  lá.  Quando 
criança, eu via o sineiro Paulo tocar e aprendi a tocar com ele. Ele não deixava 
eu  colocar  a  mão,  ficava  só  observando,  mas,  quando  ele  faltava,  eu  tocava.” 
(Sineiro  Paulo  Eustáquio,  em  entrevista  realizada  na  sua  residência,  no  bairro 
Basílica, em 19/09/2017) 

286 
 
Paulo Eustáquio, ao contrário da maioria dos sineiros que mantêm vínculo com uma determinada igreja, 
só  toca  sino  quando  é  convidado.  Dias  antes  de  fornecer  essa  entrevista,  o  sineiro  havia  atendido  ao 
convite do pároco da Basílica do Bom Jesus de Motosinhos para tocar o sino durante a Festa do Jubileu. 
Para  o  sineiro,  se  comparar  a  linguagem  dos  sinos  em  Congonhas,  hoje,  com  a  de  décadas  passadas, 
conclui–se que ela, praticamente, deixou de existir: 

“Essa prática está acabando, não existe mais. As pessoas mais velhas da cidade 
sentem falta. As festas das igrejas eram muito animadas. Os padres novos não 
falam  nada  sobre  isso,  eu  é  que  fico  falando  com  os  padres  que  tenho  mais 
intimidade.” (Sineiro Paulo Eustáquio, em entrevista realizada na sua residência, 
no bairro Basílica, em 19/09/2017) 

Lamenta o sineiro que a prática dos toques de sino em Congonhas não seja a mesma de antigamente, 
pois,  além  da  falta  de  interesse  dos  padres  em  manter  a  tradição,  os  mais  jovens  também  não  se 
interessam em aprender. Conta que, por enquanto, ainda são mantidos os toques festivos de repiques e 
dobrados em algumas celebrações, mas que vários outros ficaram no esquecimento, principalmente os 
toques fúnebres, que avisam sobre o falecimento de pessoas da comunidade. “Quando morria alguém 
da igreja, o sino era virado, para dar um toque diferente. Tocava nos enterros”, destacou. 

A  rotatividade  de  padres  que  circulam  pelas  igrejas  da  cidade,  associada  à  falta  de  interesse  em 
aprender a importância da tradição da linguagem dos sinos em Congonhas, durante as festas religiosas 
locais, parece ser um dos problemas que concorrem para que não se mantenha a manifestação como 
um  bem  cultural.  Para  ele,  a  ausência  de  ações  educativas  organizadas  pelos  Poderes  Públicos 
municipal,  estadual  e  federal  também  influencia  para  o  atual  contexto  de  descaso  com  os  toques  de 
sinos. 
6.10.3     CONGADAS DE MINAS 
6.10.3.1 Dança de Langra Nossa Senhora do Rosário – Distrito de Alto Maranhão 
 Capitão Geraldo Evaristo, 60 anos 

Dança de Langra é o termo utilizado para se referir ao terno de congado do distrito de Alto Maranhão, 
em Congonhas. Trata–se de uma manifestação antiga cuja origem beira os 100 anos. Os registros orais 
indicam  que  o  grupo  entrou  em  decadência  no  final  da  década  de  60  do  século  passado,  com  o 
falecimento do capitão Luiz Severo. Aproximadamente 30 anos depois, em 1999, o terno foi reativado 
por Geraldo Evaristo, atual capitão e morador do distrito. 

A  dança  de  Langra  foi  trazida  pelos  negros  escravizados  da  África  e  criada  no  distrito.  Segundo  ele,  o 
grupo  é  “um  congado,  mas  é  um  congado  diferente  dos  outros  todos”.  O  termo  “antigo”  aparece 
frequentemente  na  fala  do  capitão,  talvez  com  o  objetivo  de  reforçar  o  poder  da  tradição  do  grupo. 
Acontecimentos desse tipo são narrados pelo líder para legitimar uma certa autenticidade. 

O  capitão  Geraldo  Evaristo  é  natural  do  distrito  do  Alto  Maranhão;  ele  começou  a  dançar  no  grupo 
quando ainda era criança, em 1959. Na época, quem comandava o grupo era o capitão Luiz Severo, que 
contava com a participação de toda a família: avós, pais, tios. Era uma festa comandada por uma mesma 

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família. “Meu pai também dançou, mas, no tempo de Joaquim Zé! Muito primeiro do que Luiz Severo! 
Meu  pai  e  Luiz  Severo  foram  companheiros  de  dança  do  Mestre  Joaquim  José.”  (Capitão  Geraldo 
Evaristo,  em  entrevista  realizada  na  sua  residência,  no  distrito  de  Alto  Maranhão,  em  20/09/2017  – 
Figura 6.185) 

 
Figura 6.185 – Capitão e Mestre Geraldo Evaristo da Dança de Langra Nossa Senhora do Rosário de Alto 
Maranhão, durante a festa de Nossa Senhora do Rosário de 2015. Foto cedida por Maurílio Mendes à 
Equipe Biodinâmica Rio. 
 

Sobre  o  grupo  e  seus  líderes,  o  capitão  Geraldo  relata,  historicamente,  sua  origem,  com  detalhes  de 
precisão.  Segundo  ele,  o  grupo  teve,  no  mínimo,  três  gerações  de  capitães.  O  fundador  do  grupo  e 
primeiro  líder  foi  o  avô  de  Luiz  Severo.  Em  seguida,  o  capitão  Joaquim  José  da  Silva,  que  faleceu  em 
1914, liderou a capitania. O último capitão, Luiz Severo, faleceu em 1977. No entanto, o grupo já não 
existia desde 1971: 

“A dança de Langra nasceu e foi criada aqui, no Maranhão! Ela não é de outro 
lugar.  Ela  veio  da  África  direto  praqui.  Os  avós  do  capitão  Luiz  Severo,  que  eu 
alcancei, trouxe ela da África para cá. Ela foi fundada aqui! Meu pai dançou nela 
no tempo de Joaquim José da Silva, que foi o segundo mestre! O primeiro foi o 
avô de Luiz Severo, depois de Joaquim José da Silva. O Luiz Severo foi o último 
capitão.”  (Capitão  Geraldo  Evaristo,  em  entrevista  realizada  na  residência,  no 
distrito de Alto Maranhão, em 20/09/2017). 

De  acordo  com  Maurílio  Mendes,  servidor  público  que  integra  o  grupo  desde  2009,  depois  do 
falecimento  do  capitão  Luiz  Severo,  outro  capitão,  de  nome  Agenor,  tentou  dar  continuidade,  mas  se 

288 
 
desentendeu com Adelino, o violeiro do grupo. Maurílio, além de dançar no grupo, ajuda o capitão nas 
questões de organização da festa do Reinado e também faz os registros fotográficos da festa. 

Segundo o capitão Geraldo, antes dele, alguns moradores do distrito quiseram retomar as atividades do 
grupo,  mas  não  obtiveram  sucesso.  “Quem  levantou  a  dança  de  Langra  fui  eu.  Uns  falavam,  mas  não 
tinham coragem! Eu peguei de pé, firme!”, enfatizou o capitão. Em 1998, aconteceu o primeiro ensaio 
do grupo após 30 anos de extinção,  mas, como disse o capitão, “foi apenas um ensaio”. O grupo  não 
chegou a se apresentar no dia da festa nem acompanhar o cortejo de Reinado: 

“No  ano  seguinte  é  que  o  grupo,  composto  por  20  integrantes,  sai  em  cortejo 
pelas  ruas,  em  homenagem  a  Nossa  Senhora  do  Rosário.  Porém,  ainda  com 
muitas  dificuldades,  pois  os  integrantes  não  dispunham  sequer  de  fardas. 
Dançaram  com  uniformes  à  paisana.  Dançando  em  99,  com  roupa  igual  à  que 
nós estamos agora! Depois que a coisa já tava levantada [a dança de Langra], no 
ano  2000,  é  que  nós  pedimos  ajuda  à  Prefeitura  para  comprar  o 
uniforme.” (Capitão Geraldo Evaristo, em entrevista realizada na residência, no 
distrito de Alto Maranhão, em 20/09/2017. Grifo nosso) 

O  grupo  se  mantém  com  uma  média  de  20  integrantes,  e  conta  com  a  participação  de  homens, 
mulheres e crianças. Para o capitão, é importante que o grupo tenha crianças também. “Tem mulheres e 
crianças pelo meio também! É mista, né!? Se for só velho, acaba!” disse o capitão. Atualmente, a festa 
de  Nossa Senhora do Rosário do  distrito de Alto Maranhão acontece no  dia  15 do mês de outubro,  e 
conta com a presença dos ternos de congado de Congonhas e de municípios vizinhos. Para a realização 
dos  festejos,  o  capitão  narra  que  não  recebe  ajuda  do  Poder  Público  nem  da  igreja.  Os  mantimentos 
para o preparo das refeições são oriundos de doações. 

O  capitão  Geraldo  também  conta  com  apoio  de  sua  esposa,  que  confecciona  o  uniforme  e  adereços 
utilizados  e  também  ajuda  a  cantar  e  dançar.  Além  disso,  em  parcerias  com  outras  voluntárias, 
encarregam–se de preparar as refeições oferecidas aos grupos visitantes: 

“Essa festa, nem a igreja ajuda! É só ‘nóis’ mesmos! Eu dou uma coisa, outro dá 
outra,  outro  dá  outra.  É  um  trabalho  voluntário!  Tudo  aí,  o  almoço  somos  nós 
quem patrocina! Tudo companheiros da Guarda! Nós já encomendou o rapaz da 
venda do Coreto 17 fardo de refrigerante, 10 kg de arroz! Já tem as cozinheiras, 
tudo  arrumada!  (Capitão  Geraldo  Evaristo,  em  entrevista  realizada  na  sua 
residência, no distrito de Alto Maranhão, em 20/09/2017) 

Os  festejos  aconteciam  na  Igreja  de  Nossa  Senhora  d’Ajuda,  mas,  desde  o  ano  de  2009,  quando  foi 
interditada  para  reformas,  a  festa  do  grupo  acontece  no  salão  paroquial,  localizado  nas  proximidades 
(Figura  6.186).  Até  a  realização  dessa  pesquisa,  a  igreja  continuava  fechada,  sem  previsão  de  entrega 
para a comunidade. O capitão também ressaltou que as imagens antigas de Nossa Senhora do Rosário e 
Santa  Efigênia  foram  roubadas  e  que  outras  foram  adquiridas  pelos  próprios  congadeiros,  para 
ocuparem os lugares das peças antigas. “Compramos tudo, tudo nova! As antigas foi tudo roubada! Nem 
a  igreja  ajudou  nós!  Foi  tudo  eu  que  iniciei,  arrumei  os  companheiros  tudo  e  ...!”  (Capitão  Geraldo 
Evaristo, em entrevista realizada na sua residência, no distrito de Alto Maranhão, em 20/09/2017) 

289 
 
 
Figura 6.186 – Igreja de Nossa Senhora d’Ajuda, do distrito de Alto Maranhão, local onde acontece a 
festa de Nossa Senhora do Rosário. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Os únicos instrumentos usados pelos dançadores são três caixas, que o capitão fez questão de enfatizar 
que são de madeiras de cedro, e que uma delas, ele mesmo esculpiu no tronco de madeira coletada nas 
matas próximas à comunidade. Além de caixas, há três violões. Usam–se alguns pandeiros também. O 
fato de as caixas serem fabricadas de modo artesanal reforça a ideia inicial de que a congada dança de 
Langra é diferente das outras. “São “tudim” em madeira! É tronco de cedro, é viola com os cravinhos em 
madeira  e  não  é  pandeiro  também  não!  É  tudo  feito  em  casa,  é  original,  porque  toda  vida  foi  assim, 
né?” (Capitão Geraldo Evaristo, em entrevista realizada na sua residência, no distrito de Alto Maranhão, 
em 20/09/2017 – Figura 6.187) 

 
Figura 6.187 – Dança de Langra Nossa Senhora do Rosário de Alto Maranhão durante o cortejo para 
buscar o Reinado. Festa de Nossa Senhora do Rosário do ano de 2014. Foto cedida por Maurílio Mendes 
à Equipe Biodinâmica Rio. 
 

290 
 
A todo o tempo, o capitão traz elementos que reforçam a necessidade de uma autenticidade que, por 
vezes, sugere uma diferenciação do grupo em relação aos outros. Há, portanto, um cuidado, da parte 
dele, de manter a tradição e de perpetuar os ensinamentos passados pelos mestres. Isso se evidencia na 
caixa que confeccionou manualmente, conforme se fazia nos tempos antigos. O fato de o instrumento 
ter sido confeccionado com o tronco da árvore que existia em frente à residência do ex–capitão Joaquim 
José é emblemático e reforça sua narrativa de autenticidade do grupo. Para o capitão Geraldo, os ex–
líderes do grupo eram mais que capitães, eram mestres, o que é, talvez, uma peculiaridade em relação 
às outras congadas, conforme costuma acrescentar. 

O  mestre  é  que  possui  os  conhecimentos  e  se  encarrega  de  transmiti–los  a  outros  interessados, 
assegurando  assim  a  continuidade  da  prática.  Nesse  sentido,  o  capitão  Geraldo  sabe  o  que  está 
afirmando quando remete aos antigos mestres. Todos os ensinamentos foram repassados através dos 
aspectos  sensíveis,  dentre  eles,  a  oralidade.  “É  o  caso  das  cantigas  que  estão  guardadas  apenas  na 
memória”, afirma o capitão. Os saberes sobre a prática, acumulados e transmitidos às gerações futuras 
ao  longo  dos  tempos,  também  caracterizam  a  dança  de  Langra  como  diferente  dos  demais  grupos  de 
congado.  Alguns,  segundo  o  capitão,  são  criados  por  pessoas  que  nunca  tiveram  contato  com 
congadeiros. 

A  respeito  da  transmissão  dos  saberes  dos  antigos  Mestres,  Maurílio  Mendes,  que  não  se  considera 
congadeiro,  mas  ajuda  na  organização  da  festa  do  congado  na  comunidade,  afirmou  que  o  capitão 
possui um vasto conhecimento empírico, acumulado a partir da vivência com os antigos mestres, porém 
não tem paciência para transmitir ao público mais jovem. Maurílio é servidor da Caixa em Congonhas e 
reside no distrito de Alto Maranhão há alguns anos e ajuda o capitão Geraldo na organização do grupo. 
Atualmente,  realiza  uma  pesquisa  documental  nos  arquivos  do  cartório  do  distrito,  para  obter  mais 
informações  a  respeito  da  genealogia  dos  antigos  mestres  que  introduziram  a  manifestação  na 
localidade. 

Para  o  capitão,  a  comunidade  aprecia  a  festa  e  vê  o  grupo  como  algo  importante,  o  que  aparece  no 
apoio  das  pessoas,  seja  através  de  doações  para  a  festa,  seja  como  voluntários  na  cozinha.  Porém,  o 
importante mesmo é se Nossa Senhora do Rosário gosta. O grupo também participa da festa do terno 
Sereia Azul, do capitão Wando, no bairro Residencial, em Congonhas: 

“Alguns gostam, outros diz que gostam, mas o que interessa é Nossa Senhora do 
Rosário  gostar!  Se  eles  gostou,  bem,  se  não  gostou...  Se  Nossa  Senhora  do 
Rosário  gostou,  não  tá  fazendo  mal  para  ninguém!”  (Capitão  Geraldo  Evaristo, 
em  entrevista  realizada  na  sua  residência,  no  distrito  de  Alto  Maranhão,  em 
20/09/2017). 

Os  uniformes  usados  pelo  grupo  seguem  as  mesmas  características  dos  “antigos”.  São  compostos  por 
calças e camisas brancas e capacetes enfeitados com fitas coloridas, espelhos e galhos artificiais, que o 
capitão chama de “palma”. 

As  “cantigas”,  termo  usado  pelo  capitão  para  se  referir  aos  cânticos  entoados  durante  os  momentos 
festivos, foram criadas pelos mestres e revividas durante o processo de resgate da dança de Langra no 

291 
 
início  dos  anos  2000,  após  30  anos  sem  atividade.  O  capitão  Geraldo  comanda  o  grupo  em  vários 
aspectos  ––  é  de  sua  responsabilidade  observar  a  conduta  dos  dançadores,  o  ritmo  das  batidas  e, 
principalmente,  puxar  os  cânticos.  Aquele  que  se  encarrega  da  cantoria  é  chamado  de tirador.  Na 
verdade, ele possui conhecimentos sobre percussão e, como se costuma dizer de pessoas que estudam 
música, possui os “ouvidos treinados”. 

O  gosto  pela  música  é  uma  tradição  de  família,  pois,  como  afirmou  o  capitão,  seus  avós,  paterno  e 
materno, eram músicos. Hoje, ele não integra mais a banda de música do distrito; optou por se dedicar 
ao grupo. O conhecimento técnico musical que o capitão acumulou nas aulas é utilizado para compor a 
harmonia da percussão dos instrumentos da dança: 

“São todas muito boas! A marcha, na passagem, é quase o mesmo batido! Mas, 
na  passagem,  é  dois  tempos  só,  binário!  E  aqui  é  quaternário!  Aqui  é  quatro 
tempos! É um dobrado, uma marcha, e um batuque, uma marcha e um dobrado 
só!  Elas  todas  são  bonitas,  são...  ué!  O  tirador  tira  a  primeira  parte,  o  coral 
[dançadores]  responde!  E  aí  o  tirador  tira  a  segunda  parte  e  o  coral 
corresponde!  Sempre  a  primeira,  coral  não  responde  com  o  tirador.”  (Capitão 
Geraldo  Evaristo,  em  entrevista  realizada  na  residência,  no  distrito  de  Alto 
Maranhão, em 20/09/2017). 

Os ensaios do grupo geralmente acontecem  uma semana antes  da festa, quando o grupo  percorre as 


ruas do distrito. O grupo aproveita o momento, também, para arrecadar contribuições para ajudar no 
dia da festa. 

A festa acontece em um fim de semana. Em 2017, correu nos dias 13, 14 e 15 de outubro. Na sexta–
feira, há o hasteamento do mastro de Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia no adro da Igreja de 
Nossa Senhora d’Ajuda, seguido da reza da ladainha. No sábado pela manhã ocorre a alvorada, quando 
o grupo percorre as ruas do distrito, anunciando a festa. 

Após isso, dirige–se à residência dos reis, para formar o Reinado. À noite, há uma missa e a coroação 
dos reis. No domingo, após recepcionar os grupos visitantes, juntos, desfilam pelas ruas. Ao meio–dia, 
há um intervalo para o almoço, no salão paroquial. No fim da tarde, outra missa, e encerra–se com a 
procissão com as imagens de Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia, o Reinado e os grupos pelas 
principais ruas da cidade. 

Além  das  dificuldades  já  apontadas  por  Maurílio,  integrante  do  grupo,  que  dizem  respeito  ao  modo 
arisco  como  o  capitão  transmite  os  saberes  sobre  a  dança  de  Langra,  e  que  afugenta  as  crianças  de 
participar  do  grupo,  que  também  enfrenta  problemas  com  a  escassez  de  dançadores  que  se 
converteram  ao  protestantismo.  Segundo  o  capitão  Geraldo,  os  filhos  do  Mestre  e  ex–capitão  Luiz 
Severo, que poderiam participar e fortalecer o grupo, são crentes; um deles, até, é pastor evangélico. 

Em relação ao apoio do Poder Público local, o capitão afirmou que a Fundação de Cultura e Turismo do 
município  tem  ajudado  em  situações  pontuais,  como  doação  de  uniformes  e  disponibilização  de 
transportes  para  a  realização  de  algumas  visitas.  Conforme  informou  o  presidente  do  Conselho 
Municipal de Cultura, Maurício Geraldo Vieira, durante visita realizada à sede da Fundação de Cultura e 

292 
 
Turismo de Congonhas (FUNCULT), o grupo Dança de Langra encontra–se em processo de pesquisa, fase 
que  antecede  o  Pedido  de  Registro  do  bem.  O  objetivo  da  instituição  é  tornar  a  manifestação  um 
patrimônio cultural em nível local. 

No  campo  das  políticas  de  preservação  do  Patrimônio  Cultural  Imaterial,  o  município  de  Congonhas 
exerce uma participação ativa. Na esfera local, destaca–se por dar início ao processo de reconhecimento 
da dança de Langra como um bem cultural. E, em nível nacional, conduziu a anuência enviada ao IPHAN, 
solicitando o Pedido de Registro do Ofício de Quitandeiras10. 
6.10.3.2 Congado Marujos Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia  
    Capitão Luiz Bento da Silva, 48 anos 

A banda Marujo Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia está na família “Longuinho” há, pelo menos, 
cinco  gerações.  Seus  descendentes  vieram  da  África  para  trabalhar  nas  minas  de  ouro  da  região,  em 
1863.  A  Zona  da  Mata,  incluindo  Congonhas  e  Lafaiete,  é  considerada  o  marco  histórico–espacial  da 
tradição do folguedo. De acordo com o capitão Luiz Bento, há matrizes da guarda espalhadas por vários 
municípios  da  região,  como  Alto  do  Rio  Doce,  Miguel  Burnier  (distrito  de  Ouro  Preto),  Itabirito  e  Rio 
Acima. 

Em  1963,  José  Longuinho,  vindo  de  Lafaiete,  fundou  uma  matriz  da  Banda  de  Marujo  em  Congonhas, 
nomeando–a  de  Banda  de  Marujos  Senhora  do  Rosário  e  Santa  Efigênia.  Somente  10  anos  após  sua 
fundação, é que o grupo foi registrado: 

“A guarda de Congonhas já tinha mais de 30 anos que ela já não existia! O meu 
pai chegou aqui e levantou ela! Nós temos até hoje as primeiras atas de reunião 
de 1963. Eles dançaram muito tempo sem fazer registro nenhum! A banda só foi 
em 1977.” (Capitão Luiz Bento, em entrevista realizada no Hotel Os Profetas, em 
21/09/2917) 

Luiz Bento representa a quinta geração de capitães da banda, e está no comando do grupo há 22 anos, 
após  o  falecimento  de  seu  pai,  José  Longuinho,  em  1995.  Atualmente,  trabalha  numa  empresa  de 
mineração  como  técnico  em  refrigeração,  assim  como  artesão  e  mecânico.  Durante  alguns  anos,  foi 
representante do movimento negro em Congonhas, onde coordenou, em nível local, o Programa Griô, 
criado pelo Ministério da Cultura para apoiar os mestres da cultura popular. No período em que esteve 
à frente do projeto, fazia oficinas e palestras nas escolas do município, além de participar de encontros 
em Brasília. 

Antes  de  assumir  o  posto  de  liderança,  já  dançava  na  banda,  juntamente  com  seus  dois  irmãos  mais 
novos.  Além  de  assumir  a  função  de  primeiro–capitão,  Luiz  presidia  o  grupo,  juntamente  com  sua 
esposa,  que  atualmente  ocupa  a  vice–presidência  da  entidade.  Como  capitão,  as  funções  que  lhe 
                                                            
10
  O  Pedido  de  Registro  do  Ofício  das  Quitandeiras  de  Minas  Gerais  foi  requerido  pela  Secretaria  de  Cultura  do 
Município de Congonhas (MG), com a anuência de 44 quitandeiras dos seguintes municípios mineiros: Congonhas, 
Ouro  Preto,  Piranga, Sabará,  Ouro  Branco,  Entre Rios  de  Minas,  Itabirito,  Jeceaba, São  Brás do Suaçuí,  Barão  de 
Cocais, Lagoa Dourada, São Gonçalo do Rio Abaixo, Conselheiro Lafaiete e Belo Vale. Fonte: Superintendência do 
IPHAN/MG. 

293 
 
competem dizem respeito à organização do grupo, as danças, os cânticos, as performances ritualísticas 
como um todo. Por outro lado, na posição de presidente, compete–lhe realizar os ensaios, reuniões e 
representar os demais integrantes perante o Poder Público e a Igreja. 

Embora a Banda de Marujos tenha Registro e Estatuto, que regem sua organização, não dispõe de uma 
sede própria para realização de reuniões, ensaios e, principalmente, de um espaço destinado a guardar 
os  instrumentos  e  os  adereços.  Sua  residência  é  a  sede  do  grupo.  Nesse  sentido,  ele  entende  que  o 
Poder Público local deveria destinar algum recurso à manutenção das guardas. As reuniões acontecem 
quinzenalmente, e os ensaios, uma vez por mês. A entidade realiza dois tipos de reuniões, ordinárias e 
extraordinárias. “No que tange à caracterização visual da banda, não existe uma rigidez quanto às cores 
e  modelos  das  fardas,  inclusive  o  próprio  estatuto  não  referencia  nenhuma  proibição  nesse  sentido”, 
disse o capitão Luiz:  

“A farda do marujo não tem necessidade de ser tudo branco, mas nós temos a 
liberdade  dada  no  documento,  que  podemos  usar  branco,  azul  e  até  o  preto. 
Nos últimos tempos, resolvemos inovar: fizemos a farda da  cor verde.” (Capitão 
Luiz Bento, em entrevista realizada no Hotel Os Profetas, em 21/09/2917). 

De  modo  geral,  os  uniformes  usados  pelo  grupo  são  calças  e  camisas  e  tênis  branco  ou  azul.  Como 
adorno,  usa–se  na  cabeça  um  quepe  militar  enfeitado  com  lantejoulas  e  miçangas.  Grande  parte  das 
tarefas,  que  inclui  a  costura  de  fardas  e  enfeites  dos  chapéus,  fica  a  carga  de  sua  esposa,  vice–
presidente da Associação: 

“Todos  esses  enfeites  no  chapéu  representam  os  nossos  antepassados,  que 
trabalhavam  nas  minas.  Na  época,  eles  sujavam  o  cabelo  com  o  pó  do  ouro  e 
depois  lavavam  para  poder  apurar  e  construir  muitas  outras  igrejas.”  (Capitão 
Luiz Bento, em entrevista realizada no Hotel Os Profetas, em 21/09/2917). 

Alguns instrumentos de percussão, principalmente as caixas usadas na banda, são confeccionados pelos 
próprios integrantes. São caixas de vários diâmetros, entre elas, as caixas de repiques, caixa de centro e 
a caixa de retumbo. Todas elas, feitas de madeira compensada. De acordo com o capitão Luiz Bento, na 
época de seu pai, as caixas eram entalhadas no tronco de embaúba: 

“E pra preservar a natureza, até o cipó que a gente usava pra fazer o arco, hoje, 
deixamos  de  usar!  Usamos  o  compensado  naval,  couro  de  cabrito,  corda  de 
nylon ou de algodão. Optamos por não envernizar os instrumentos, deixamos da 
cor da madeira mesmo.” (Capitão Luiz Bento, em entrevista realizada no Hotel 
Os Profetas, em 21/09/2917) 

A  guarda  de  marujo  é  composta  por  homens,  mulheres  e  crianças;  atualmente,  conta  com 
aproximadamente 35 dançadores. A maioria de seus integrantes são pessoas da família Longuinho e da 
comunidade.  O  calendário  festivo  começa  no  mês  de  janeiro,  em  Ouro  Preto,  quando  se  homenageia 
Chico Rei. Têm início então as atividades festivas com a “paga de visita”. Em seguida, dá–se um intervalo 
durante o período da quaresma, retornando após a Semana Santa. “Geralmente, costuma ser o segundo 
domingo depois da Páscoa”, enfatizou Luiz Bento. 

294 
 
Além da festa de Reinado em Outro Preto, no mês de abril, o grupo participa da festa de Nossa Senhora 
do Rosário, São Benedito e Nossa Senhora Aparecida, que acontece em Aparecida, interior do Estado de 
São Paulo. No mês seguinte, em maio, o grupo prestigia a festa de Reinado no município de Congonhas. 
Em outubro, os marujos também participam da festa de Reinado do distrito Alto Maranhão, onde está 
sediada a tradicional Dança de Langra Nossa Senhora do Rosário. 

Durante o ano, o grupo recebe vários convites para participar das festividades em homenagem a Nossa 
Senhora  do  Rosário  nos  municípios  vizinhos.  Poucos,  porém,  são  atendidos,  por  falta  de  recurso  para 
custear as despesas com os transportes dos integrantes. Sobre essa questão, o capitão lamenta que haja 
pouco  interesse  do  Poder  Público  local  em  promover  a  continuidade  da  tradição.  Na  opinião  dele,  os 
recursos oferecidos aos grupos de congado, que, aliás, são ínfimos, não são os mesmos que se investem 
nos grupos de teatro e na festa do Jubileu do Bom Jesus de Matosinhos.  

Para cumprir a agenda de compromissos, o grupo enfrenta algumas dificuldades, principalmente no que 
se refere aos custos com os deslocamentos. Segundo o capitão Luiz Bento, o Poder Público, através da 
Secretaria  de  Cultura,  não  tem  dado  apoio  para  que  os  intercâmbios  com  outros  grupos  aconteçam. 
Durante o período em que ele esteve na presidência da Associação de Marujos, poucos recursos foram 
destinados para a manutenção e continuidade da prática. 

O congado, na visão do líder, é um patrimônio cultural que contribui para valorizar o município, mas os 
dirigentes públicos não o valorizam. Para o líder, é lamentável o descaso com o congado: “Sempre fica 
em segundo, terceiro, ou quarto plano; das despesas, 90% saem do nosso bolso.” Reconhece também 
que falta mobilização dos próprios congadeiros de se organizarem para reivindicar seus direitos.  

Além  das  dificuldades  enfrentadas  pela  falta  de  recursos  e  interesse  do  Poder  Público  municipal,  o 
capitão Luiz Bento reclama da postura autoritária da Igreja perante os congadeiros. A festa é sempre da 
forma que a Igreja quer, não como os dançadores desejam. 
6.10.4  OFÍCIO DE QUINTANDEIRAS 

 Estela Matutina Branca de Oliveira, 65 anos 

 Derli Bacharel Pereira, 69 anos 

 Rosangela Rodrigues de Freitas, 53 anos 

Antes de apresentar o histórico de cada uma das quitandeiras com as quais a equipe manteve contato, é 
interessante  contextualizar  o  Festival  de  Quitanda  de  Congonhas.  O  evento  está  na  17ª  edição  e  tem 
contribuído  significativamente  para  a  manutenção,  preservação  e  valorização  do  ofício  de  quitandeira 
no município e na região. 

O  Festival  de  Quitanda  de  Congonhas  é  um  evento  consolidado  no  calendário  festivo  local,  sendo 
referência em gastronomia no estado. Por dois anos consecutivos, o festival foi agraciado com o Prêmio 
Eduardo  Freire,  premiação  destinada  à  gastronomia  mineira  e  aos  saberes  populares  culinários 
tradicionais. 

295 
 
O evento surgiu por iniciativa da Fundação de Cultura e Turismo (FUNCULT), que, ao perceber a latência 
da  prática  no  território,  tratou  de  organizar  as  detentoras  em  torno  de  um  festival  gastronômico  que 
permitisse, ao mesmo tempo, valorizar a prática e fomentar renda para a cidade. Um dos objetivos era 
resgatar as receitas dos antigos cadernos das avós, que fazem parte da tradição das famílias mineiras. 

As anotações sobre as quitandas guardam mais que simples “modos de fazer”: preservam a memória e a 
identidade  dos  grupos;  portanto,  contribuem  para  o  fortalecimento  da  identidade  cultural.  Não  é  de 
espantar que a sala de visita de mineiro é a cozinha, onde a hospitalidade dos donos da casa é traduzida 
com a mesa farta de quitandas e doces os mais variados. 

Durante  o  evento,  que  acontece  no  terceiro  domingo  do  mês  de  maio,  o  Pátio  da  Romaria  em 
Congonhas,  sede  do  órgão  de  cultura,  se  transforma  em  “cenário  rural”,  que  transporta  ao  mundo 
encantado  de  cheiros  e  sabores  de  suas  vivências  na  roça.  A  atmosfera  da  vida  simples  do  campo  é 
trazida para o meio urbano, através de elementos que remetem às cozinhas rústicas das quitandeiras de 
outrora. 

São montados fornos de varrer a lenha, paiol, antigos armazéns, que expõem as mercadorias a granel, 
currais  com  porcos  e  cabritos  e  galinheiros.  O  objetivo  é  proporcionar  aos  visitantes  múltiplas 
experiências  que  vão  além  das  degustações.  Despertam,  sobretudo,  lembranças  afetivas  e,  portanto, 
gastronômicas,  que  vivenciaram  ou  que  ouviam  de  seus  parentes.  São  mais  de  45  barracas  de 
quitandeiras de Congonhas e de cidades vizinhas que expõem as merendas sendo produzidas em tempo 
real. 

Conforme  diálogos  estabelecidos  com  os  detentores,  agentes  públicos  da  Secretaria  de  Cultura 
Municipal e quitandeiras, o festival já é tradição na cidade. Uma tradição, obviamente, inventada, que 
tenta trazer para o presente elementos cênicos de um tempo passado distante. 

De  acordo  com  Silvana  Fialho,  uma  das  coordenadoras  do  evento,  existem  quatro  modalidades  de 
premiação: 

 Prata da casa: só concorrem quitandeiras (os) artesanais de Congonhas; 

 Comércio  especializado:  inclui  lanchonetes  e  padarias  de  Congonhas  e  da  região.  Nesse  caso, 
não exige que os produtos sejam elaborados artesanalmente; 

 Quitandas regionais: envolvem todas as cidades mais próximas, como Sabará, itabirito, São Brás 
do Suaçuí, Jeceaba, Catas Altas, Entre Rios de Minas e outras; 

 Melhor  estande:  o  festival  exige  que  todas  as  barracas  estejam  caracterizadas  com  decoração 
rural, ou que remeta a épocas passadas. 

Atualmente,  o  grupo  de  quitandeiras(os)  chega  a  mais  ou  menos  50  integrantes,  contando  com  as 
associações  de  bairro,  grupo  da  terceira  idade,  as  rotarianas,  sem  mencionar  as  quitandeiras  que 
possuem estande para expor seus produtos, e que, não necessariamente, estão concorrendo no festival. 
Para  concorrer  à  premiação  do  festival,  as  quitandeiras(os)  devem  preparar  como  presente, 
antecipadamente, no período de inscrição, uma receita inédita. 

296 
 
Como bem afirmaram ROBSBAWN & RANGER (1984), “nenhuma tradição surge do nada”, isto é, todo e 
qualquer evento que persiste no presente, que, na maioria das vezes, guarda vestígios do passado, foi, 
de algum modo, inventado. Com o Festival de Congonhas, como se viu anteriormente, não é diferente: 
além  de  dedicar  atenção  especial  às  quitandas  originadas  das  receitas  dos  “tempos  da  vovó”, 
introduziu–se, no festival, o chá de congonha, que é servido com as quitandas. 

A propósito, foi essa planta que deu origem ao nome da cidade de Congonhas do Campo. Trata–se de 
uma erva nativa da região, que nasce nos arredores da cidade e nos terrenos vazios. Porém, atualmente, 
não  é  encontrada  com  a  mesma  facilidade  de  tempos  atrás;  segundo  informações  colhidas,  há  fortes 
indícios de que a planta já esteja em extinção. A hipótese mais aceita é que os resíduos sólidos (poeiras) 
emitidos pela atividade mineradora no entorno da cidade estão contribuindo para sua extinção. 

Segundo um  dos organizadores do festival e chefe  de Departamento de Cultura Popular  da FUNCULT, 


José Félix Junqueira, conhecido como Zezeca, o chá da congonha faz parte do festival, e foi ideia dele. 
Conta  que  o  chá  das  folhas  de  congonha  era  bastante  utilizada  pelas  populações  rurais  como 
depurativo,  inclusive  pela  sua  família,  para  equilibrar  a  ingestão  de  alimentos  “reimosos”  (que  fazem 
mal à saúde), como a carne de porco. A partir daí, foi que ele resolveu inserir a bebida para acompanhar 
as merendas servidas durante o festival: 

“Na minha família, não havia o hábito de tomar café, e sim quitanda com chá de 
congonha.  Esse  costume  também  se  dava  porque  a  gente  se  alimentava  com 
muita  comida  ‘reimosa’,  como  carne  de  porco  e  manga,  e  usava  o  chá  de 
congonha e de panaceia como depurativo. A congonha é um arbusto com uma 
folha  verde  na  parte  de  cima  e  branca  acinzentada,  e  aveludada  na  parte  de 
baixo.  É  um  depurativo  do  sangue.  A  minha  família  inteira  utilizava  esse  chá. 
Sempre  era  quitanda  com  esse  chá.  É  uma  planta  nativa,  que  não  pode  ser 
cultivada. Eu sempre fiz esse chá, e introduzi no festival, desde o primeiro ano. 
Reparei  que  as  pessoas  da  cidade  perderam  o  hábito  de  tomar  esse  chá.” 
(Zezeca, em entrevista realizada na sede da FUNCULT, na Praça da Romaria, em 
21/09/2017) 

O Festival de Quitanda de Congonhas tem contribuído, dentre outras coisas, para expandir a visão do 
Poder  Público  local  para  além  do  patrimônio  material,  consubstanciado  nas  edificações  barrocas, 
representadas pelas igrejas tombadas. Segundo os organizadores, o turismo em Congonhas não é igual 
ao que acontece em outras cidades vizinhas, como Ouro Preto, Mariana e Tiradentes, onde os visitantes 
permanecem por vários dias nas localidades, o que faz movimentar a economia local. 

Em Congonhas, os turistas estão de “passagem” –– muitos deles, quando visitam a área da Basílica do 
Bom  Jesus  de  Matozinhos  e  as  estações  dos  Passos  com  as  obras  do  artista  barroco  Aleijadinho,  nem 
sequer descem dos ônibus. O festival estival, além de valorizar práticas culturais que estão latentes na 
região, movimenta a economia local, destacaram. 

E foi por perceber a latência do Festival de Quitanda e sua importância como referência cultural para a 
região,  que  o  FUNCULT,  juntamente  com  outros  municípios  participantes  do  evento,  entraram  com 

297 
 
anuência  no  IPHAN,  solicitando  que  o  Ofício  de  Quintandeira  de  Minas  Gerais  seja  registrado  como 
Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro11. 

Segundo a quitandeira Rosangela, que é uma das articuladoras do grupo, a atual secretária de Cultura 
municipal, Mírian Lúcia Palhares Silva, uma das idealizadoras do festival há 17 anos, é bem visionária e 
tem uma relação muito boa com as quitandeiras. Ressaltou também a importância da pesquisadora em 
gastronomia Juliana Bonomi, que deu sugestão para pedir o registro do Ofício de Quitandeiras. 

Vale pontuar que, embora o grupo ainda não seja formalizado como associação ou algo nesse sentido, o 
envolvimento  afetivo  e  o  compromisso  dos  detentores  com  a  prática  são  bastante  coesos.  O 
engajamento com as questões que envolvem tanto o festival quanto as políticas de reconhecimento do 
ofício  é,  de  fato,  apropriado  pela  equipe.  Nesse  sentido,  o  papel  do  Poder  Público  local,  através  da 
Secretaria de Cultura, é primordial. 

Na  tarde  do  dia  19/09/2017,  a  equipe  de  pesquisa  teve  a  oportunidade  de  acompanhar  uma  reunião 
com  a  presença  de  12  quitandeiras(os)  de  Congonhas,  a  Secretária  Municipal  de  Cultura,  Mírian  Lúcia 
Palhares Silva, a analista de Comunicação e Relações com Comunidade da empresa Vale, Cynara Pereira, 
e  a  professora  e  coordenadora  do  Projeto  de  Extensão  Mídia  Cidadã  do  Centro  Universitário  de  Belo 
Horizonte (UNI–BH), Virgínia Borges, conforme a lista de presenças nas Figuras 6.188 e 6.189. 

As pautas do encontro eram para discutir, dentre outros assuntos, a construção da identidade visual do 
grupo  de  quitandeiras(os),  que,  por  mais  organizada  pareça  estar,  ainda  não  possui  um  nome  e 
logomarca.  É  importante  destacar  que,  além  do  apoio  do  Poder  Público  local,  o  Festival  de  Quitanda 
possui alguns parceiros, como a mineradora VALE, a CSN Mineração S.A. e outros patrocinadores locais. 

                                                            
11
 A solicitação de Registro do Ofício das Quitandeiras de Minas Gerais foi requerida pela Secretaria de Cultura do 
Município de Congonhas–MG, com a anuência de 44 quitandeiras dos seguintes municípios mineiros: Congonhas, 
Ouro  Preto,  Piranga, Sabará,  Ouro  Branco,  Entre Rios  de  Minas,  Itabirito,  Jeceaba, São  Brás do Suaçuí,  Barão  de 
Cocais, Lagoa Dourada, São Gonçalo do Rio Abaixo, Conselheiro Lafaiete e Belo Vale. Os estudos que embasarão o 
Registro estão em andamento desde o ano de 2015. 

298 
 
 
Figura 6.188 – Lista das quitandeiras de Congonhas presentes na reunião. Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 

299 
 
 
Figura 6.189 – Reunião com as quitandeiras, representantes da Secretaria de Cultura de Congonhas. Na 
ponta da mesa, do lado esquerdo, a representante da empresa de mineração Vale, Cynara Pereira. Na 
outra ponta, do lado direito, a secretária de Cultura de Congonhas, Mírian Lúcia Palhares Silva. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

A  abertura  da  reunião  foi  proferida  pela  secretária  Mírian,  que  expôs,  de  forma  sucinta,  o  motivo  do 
encontro;  em  seguida,  pediu  que  cada  um  dos  presentes  se  apresentasse  (Figura  6.190).  Em  linhas 
gerais, o objetivo da reunião foi para coletar informações dos próprios detentores acerca do ofício, de 
modo que fosse possível traçar um esboço para elaboração de uma marca que represente o grupo no 
festival e nas feiras de artesanato de que costuma participar. 

Então,  cada  quitandeira(o)  pôde  opinar  sobre  o  assunto  proposto.  Após  ouvir  as  falas  de  todos  os 
presentes, e de posse de suas anotações, a professora Virgínia Borges falou que o segundo passo seria a 
vinda  de  uma  equipe  de  alunos  do  curso  de  Designer,  que  fará  uma  pesquisa  de  campo  nos 
monumentos históricos espalhados pela cidade e também nas cozinhas das quitandeiras, para ajudar na 
produção da logomarca. A expectativa é que a identidade visual evidencie elementos da cultura material 
do lugar e elementos do ofício de quitandeira. (Ver imagem da lista de assinaturas das quitandeiras) 

300 
 
 
Figura 6.190 – Da esquerda para direita: secretária de Cultura de Congonhas, Mírian Lúcia Palhares Silva, 
professora Virgínia Borges e Cynara Pereira. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Como se trata de um grupo numeroso de detentores(as), a equipe só conseguiu entrevistar três destes: 
Rosangela Rodrigues de Freitas (53 anos), Estela Matutina Branca de Oliveira (65 anos) e Derli Bacharel 
Pereira (69 anos). 

Rosangela Rodrigues de Freitas é natural de Igarapé (MG), casada, reside em Congonhas há 42 anos e 
vem de família de 13 irmãos. Sua relação com o ofício de quitandeira não difere muito do contexto que 
envolve  a  prática  nos  municípios  pesquisados:  desde  criança,  observava  sua  mãe  no  preparo  de 
quitandas, que fazia parte da sobrevivência das famílias pobres residentes no meio rural: 

“Minha família é da roça,  e usava o que tinha acesso para fazer  o lanche,  pois 


não tinha um comércio perto para comprar. Então usava como matéria–prima o 
que  a  terra  dava  (banana,  inhame,  mandioca,  milho)  para  fazer  as  quitandas.” 
(Rosângela, em entrevista realizada na sua residência, em 19/09/2017) 

Relembra que, nessa época, os vizinhos se reuniam para fazer as quitandas, organizados coletivamente. 
Cada  família  preparava  suas  receitas,  usando  apenas  um  forno  de  varrer  para  assá–las.  Era  um  dia 
diferente, de festa, em que as crianças também ajudavam. “Na época, usava o forno de varrer, a lenha. 
Reuniam vários vizinhos para assar as quitandas num dia só”, comentou a quitandeira (Figura 6.191). 

301 
 
    
Figura 6.191 – Quitandeira Rosângela expondo suas quitandas (bolo de fubá e biscoito de nata). 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Apesar  de  ter  vivenciado  a  produção  de  quitandas  desde  a  infância,  ajudando  sua  mãe  em  alguns 
momentos,  só  passou  de  fato  a  produzir  as  quitandas  para  o  consumo  interno  quando  casou  e 
constituiu família. Havia levado consigo as receitas de sua mãe, anotadas num caderno. Na época, ainda 
não as fazia com intuito de comercializar, era apenas para diversificar a alimentação servida durante os 
cafés da manhã e os lanches da família. Apesar de fazer uso de fornos elétrico e a gás, percebe–se muita 
diferença entre a quitanda assada no forno de varrer e no forno movido a eletricidade: “Uma broa que 
asso  em  40  minutos  no  forno  a  gás,  em  casa,  eu  gasto  15  minutos  no  forno  de  varrer.  Gente,  é  para 
assar  as  quitandas  durante  o  festival.  Ainda  vou  mandar  fazer  um  forno  de  varrer  aqui  em  casa.” 
(Rosângela, em entrevista realizada na sua residência, em 19/09/2017 – Figura 6.192) 
 

 
Figura 6.192 – Forno elétrico usado para assar as quitandas. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

302 
 
Durante a conversa com a equipe, a quitandeira mostrou sua coleção de cadernos de receitas –– alguns 
manuscritos; outros, em forma de livros; cada um remete a um momento especial de sua vida. Alguns 
foram  doados  por  pessoas  amigas;  outros,  comprados.  No  entanto,  a  um  ela  dedica  uma  atenção 
especial, pois, nele, estão escritas as receitas de quitandas que sua mãe fazia. “Tenho um caderno de 
receitas que fiz quando ainda era solteira; nele, tenho receitas de minha mãe”, mostrou com emoção 
(Figura 6.193). 

     
Figura 6.193 – Cadernos de receitas da quitandeira Rosângela. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

A  quitandeira  participa  do  festival  desde  sua  segunda  edição,  em  2002,  quando  começou  a  fazer 
quitandas  para  comercializar  na  cidade.  Disse  que  sua  primeira  participação  no  festival  foi  um  tanto 
amadora,  pois  não  tinha  noção  de  como  era  a  dinâmica.  Fez  alguns  biscoitinhos  de  nata  e  levou  para 
expor; em poucas horas, os produtos acabaram. Na época, o festival acontecia em apenas um dia, no 
domingo à tarde; hoje, acontece em dois dias, sábado e domingo. 

A quitandeira reconhece a mudança dos tempos: não se consegue fazer as quitandas da mesma forma e 
com  os  mesmos  ingredientes  utilizados  por  sua  mãe  quando  vivia  no  meio  rural.  Embora  o  modo  de 
fazer da quitanda seja preservado, algumas mudanças são inevitáveis, como o uso de fornos elétricos ou 
a gás: 

“Eu procuro usar produtos naturais e orgânicos. Hoje mesmo, é dia da feira do 
produtor, onde compro fubá, milho verde e ovos caipiras. Até há pouco tempo, 
eu  conseguia  leite  em  cru.  Tento  ao  máximo  me  aproximar  dos  produtos 
tradicionais, mas, quando não dá, compro em supermercado. A nata eu consigo 
de  um  produtor  de  Belo  Vale  que  traz  para  mim.”  (Rosângela,  em  entrevista 
realizada na sua residência, em 19/09/2017). 

Para ela, o festival de quitanda, além de valorizar o ofício de quitandeira como um bem cultural, permite 
que muitas mulheres possam ter uma fonte de renda própria, para contribuir nas despesas da família. 
Ressalta também o apoio material e logístico que o Poder Público local oferece ao grupo. “Nosso único 
investimento  se  resume  à  locação  das  barracas.  Água  e  luz  a  Prefeitura  fornece.  Somos  muito  bem 
assistidos  pela  Secretaria  de  Cultura,  que,  inclusive,  nos  leva  a  Belo  Horizonte  para  eventos  de 
gastronomia”, complementou. 

303 
 
Rosângela é uma das articuladoras mais atuantes do grupo de quitandeiras de Congonhas. Ela sempre 
participa  dos  eventos  e  reuniões  internas  que  o  grupo  realiza,  seja  para  definir  estratégias,  seja  para 
participar  de  feiras  de  artesanato  em  Belo  Horizonte  e  na  região.  Constantemente,  faz  entregas  de 
quitandas  para  os  eventos  internos  da  Associação  de  Aposentados  e  Pensionistas  do  Município  de 
Congonhas  e  para  alguns  hotéis  da  cidade.  Também  tem  participação  na  rádio  local,  ensinando  aos 
ouvintes as receitas tradicionais, e, ainda, dá aulas de culinária. 

O  grupo  não  produz  quitandas  apenas  durante  o  festival  ––  no  dia  a  dia,  presta  serviço,  fornecendo 
quitandas para eventos internos de algumas empresas. “Temos feito muitos coffee break  para a VALE 
com  nossas  quitandas.  Em  vez  de  contratar  um  buffet,  ela  encomenda  nossas  quitandas”,  ressaltou  a 
quitandeira.  

Embora o grupo reúna em torno de 40 pessoas, não há uma associação formalizada que as represente; 
cada  uma  produz  as  quitandas  e  as  comercializa  por  conta  própria.  Um  dos  motivos  para  agilizar  a 
formalização do grupo é justamente para que as compras dos insumos e comercialização das quitandas 
aconteçam de modo conjunto. Com isso, será possível comprar um volume expressivo de mercadorias a 
preços mais acessíveis. 

Além de atuar na informalidade, o grupo não possui sede própria para realizar reuniões e até produzir 
as quitandas. Por enquanto, as quitandeiras(os), quando precisam reunir–se, usam as dependências da 
FUNCULT,  localizada  na  Praça  da  Romaria,  no  bairro  Basílica.  No  entanto,  de  acordo  com  o  que  foi 
observado  na  reunião  com  os  detentores  e  gestores  públicos,  o  grupo  já  está  bem  articulado  e 
demonstra senso de trabalho coletivo. Na realidade, já realiza ações de salvaguarda, etapa importante 
no processo de reconhecimento do bem. 

Enquanto  o  grupo  não  consegue  um  lugar  onde  possa  preparar  e  comercializar,  de  forma  coletiva,  as 
quitandas, cada quitandeira(o) trabalha sozinha(o), com a colaboração de familiares e ajudantes em sua 
própria residência.  

A quitandeira Estela, residente no bairro Basílica, prepara e assa, sozinha, as quitandas; em seguida, seu 
marido põe–nas num carrinho de mão e sai pelas ruas do bairro, vendendo porta a porta. Já Rosângela 
trabalha sozinha, porém, quando recebe grandes quantidades de encomendas –– geralmente, na festa 
da padroeira Nossa Senhora da Conceição e na festa do Jubileu do Bom Jesus, no mês de setembro ––, 
suas filhas a ajudam. 

A quitandeira Estela  Matutina Branca  de  Oliveira,  casada, é natural de Carmo do  Rio Claro (MG), mas 


reside em Congonhas há mais de 40 anos (Figura 6.194). Apesar de vender quitandas nas ruas da cidade, 
há mais de 10 anos, somente a partir de 2012 é que começou a participar do grupo de quitandeiras e 
expor suas merendas no festival. 

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Figura 6.194 – Quitandeira Estela mostrando os tabuleiros e o forno a gás de assar quitanda. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Oriunda  de  uma  família  extensa  (de  13  irmãos),  Estela  teve  seu  primeiro  contato  com  o  ofício  de 
quitandeira ainda criança, primeiramente, observando sua mãe a preparar quitandas; depois, ajudando–
a, juntamente com os irmãos. No início, contou ela, “mais brincavam fazendo bonequinhos de massas 
de  quitanda  e  pondo–os  para  assar,  que  propriamente  ajudavam”.  Mas,  logo,  com  pouca  idade, 
começou  a  operar  sozinha  fornalhas  de  quitandas.  Até  casar–se,  aos  21  anos,  a  função  de  fazer 
quitandas estava sob sua responsabilidade. Nessa época, as merendas mais comuns eram broas de fubá, 
brevidade, biscoito de polvilho, rosquinha de sal amoníaco e biscoito de amendoim. 

Quando  se  casou,  veio  morar  em  Congonhas,  e  continuou  fazendo  quitandas  para  a  família,  já  que, 
mesmo morando na cidade, não tinha condições financeiras para comprar o pão de padaria. Preparava 
as merendas no fogão de varrer, no quintal da casa que seu marido construíra: 

“É porque, quando os meninos [filhos] eram pequenos, aí eu fazia quitandas só 
pra casa, comprava os mantimentos para fazer as merendas e estocava. Depois 
eu pedi a minha vizinha pra me ensinar a fazer o pão. Aí comecei a fazer o pão e 
as quitandas, e passei a vender na rua e na feira, com meu esposo.” (Estela, em 
entrevista realizada na sua residência, em 21/09/2017. Grifo nosso) 

Além das quitandas tradicionais que aprendeu a fazer com a mãe durante as vivências no meio rural, ao 
longo dos tempos, foi aprimorando e  diversificando as merendas. Primeiro foi o  pão, que aprendeu  a 
preparar  com  uma  vizinha;  depois  ampliou  a  produção  de  quitandas,  introduzindo  novos  produtos: 
rosca de mandioca, pão integral, bolo de batata e bolo de iogurte. A quitandeira prepara suas quitandas 
nas quintas e sextas–feiras, para vendê–las na feira livre, aos sábados. 

O  marido,  que  é  aposentado,  ajuda–a,  conduzindo  as  mercadorias  no  carro  de  mão,  até  o  local  de 
comercialização. Com exceção desse tipo de ajuda, todo o processo de produção de quitanda, como a 
mistura  dos  ingredientes,  amassar  e  assar,  é  feito  exclusivamente  pela  quitandeira.  Outra  forma  de 
distribuição das merendas se dá através de encomendas de moradores do bairro. 

Estela  faz  questão  de  mencionar  que  as  quitandas  são  elaboradas  manualmente,  sem  auxílio  de 
batedeira elétrica. “O calor das mãos dá um sabor diferenciado na merenda”, ressalta. No entanto, ela 

305 
 
afirma  que  teve  de  adaptar  algumas  mudanças  no  ofício,  como  o  uso  do  fogão  a  gás  e  freezers  para 
armazenar alguns ingredientes, como leite e a nata que compra direto do produtor rural (Figura 6.195). 
Aliás,  esses  são  os  únicos  ingredientes  usados  no  preparo  das  quitandas  que  consegue  da  roça;  os 
demais, como fubá, o polvilho e a manteiga, são comprados nos mercados da cidade. 

    
Figura 6.195 – Insumos utilizados na produção de quitandas: leite, nata e manteiga, acondicionados no 
freezer. Ovos caipiras comprados na zona rural. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

A outra quitandeira com quem a equipe manteve contato foi Derli Bacharel Pereira, que é viúva e reside 
com a filha Claúdia. É neta de imigrantes italianos que vieram para Minas Gerais, trabalhar na lavoura de 
cana–de–açúcar, nasceu e viveu em comunidade rural no município de Congonhas. De uma família de 
10  irmãos,  desde  muito  jovem,  foi  trabalhar  na  agricultura  para  ajudar  os  pais.  Além  das  atividades 
agrícolas, ajudava a mãe na produção de quitandas: 

“Quando  criança,  eu  já  ajudava  a  fazer  quitandas.  Todos  os  filhos  ajudavam, 
desde o plantio, buscar a lenha, até fazer as quitandas. Era tudo pra consumo da 
família.  Quando  era  época  da  colheita  de  milho,  todos  os  vizinhos  se  reuniam 
para  fazer  pamonha  e  curau,  todos  ajudavam  a  fazer,  comiam  e  levavam  pra 
casa.” (Derli, em entrevista realizada na sua residência, em 21/09/2017). 

Observa–se  que  a  cadeia  produtiva  da  quitanda  era  extensa  e  demandava,  além  da  mão  de  obra 
familiar,  a  permuta  de  trabalhos  dos  vizinhos  e  parentes,  uma  espécie  de  mutirão  bastante  utilizados 
em comunidades: 

“Antigamente, para não perder a mandioca, meu pai fazia muito polvilho; então 
fazíamos  muitas  quitandas  de  polvilho.  Após  o  almoço,  fazia  broa  de  fubá  na 
brasa, colocava na panela e cobria com uma tampa com brasa por cima. Já fazia 
para  o  café  da  tarde.”  (Derli,  em  entrevista  realizada  na  sua  residência,  em 
21/09/2017). 

Muito  dos  saberes  que  envolvem  o  ofício  de  quitandeira  ela  aprendeu  com  os  pais;  por  outro  lado, 
também atribui parte dos saberes ao senso de curiosidade, que afirma ser bastante aguçado –– o que 
significa dizer que, ao longo das vivências com outras pessoas, seus saberes foram sendo aprimorados. 

306 
 
Da  convivência  com  os  familiares,  aprendeu  a  confeccionar  bolos,  broas,  biscoito  de  polvilho,  biscoito 
misturado, rosquinhas, roscas e brevidade. Nessa época, acrescentou a quitandeira: “A gente não tinha 
acesso a farinha de trigo; produzia tudo com fubá, polvilho e farinha de mandioca. Dá para fazer de tudo 
com  mandioca  e  inhame.  Vim  conhecer  a  farinha  de  trigo  com  uns  16  anos”.  Ainda  sobre  a  vivência 
rural, Derli diz que a família produzia a maioria dos produtos que precisava para sua subsistência:  

“Antigamente,  a  gente  comia  o  que  plantava,  e  com  isso  fomos  aprendendo  a 


fazer de um tudo. Tive 10 irmãos. Lembro da minha avó plantar a mandioca, e 
depois fazer a farinha de mandioca e o polvilho. Tudo em gamelas de madeira, 
que meu pai fazia. Lembro também dela fazer bolo de chuchu. Aproveitava de 
tudo  que  produzia  na  estação.  Faziam  muitas  quitandas  com  brevidade.  Tinha 
muito ovo.” (Derli, em entrevista realizada na sua residência, em 21/09/2017). 

Aos 19 anos, Derli veio morar na cidade, onde permaneceu até casar, aos 23 anos. Em seguida, retorna 
para a zona rural, onde viveu por 10 anos. Além de trabalhar na agricultura e com criação de animais de 
pequeno  porte,  como  porcos  e  galinhas,  a  quitandeira  deu  prosseguimento  ao  saberes  do  ofício, 
transmitido pelos pais na fase de criança. “Na época do sítio, eu fazia as quitandas em forno a lenha; na 
verdade, era  forno de cupim. A gente ficava observando quando o  cupim abandonava o cupinzeiro, e 
buscava  a  casa  dele  para  fazer  o  forno.”  (Derli,  em  entrevista  realizada  na  sua  residência,  em 
21/09/2017 – Figura 6.196) 

 
Figura 6.196 – Quitandeira Derli e sua filha Cláudia. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Pelo que se observou durante a pesquisa com a quitandeira, há ligação entre as merendas e as festas 
tradicionais. Para a quitandeira Derli, apesar de não faltar quitandas em casa, no período do Natal, as 
quitandas  eram  feitas  com  mais  capricho:  “No  Natal,  a  família,  muito  grande,  se  reunia.  Fazia  muitos 
doces  de  coco  e  de  laranja–da–terra  para  festejar  o  nascimento  de  Cristo.”  (Derli,  em  entrevista 
realizada na sua residência, em 21/09/2017). 

307 
 
Com a morte do marido, Derli retorna para cidade de Congonhas, onde continua a fazer as quitandas. 
No  entanto,  além  das  merendas  tradicionais,  também  fazia,  para  vender  sob  encomenda,  bolos 
decorados para casamentos e aniversários. No início, produzia as quitandas no forno de varrer a lenha, 
mas, com o tempo, o acesso ficou difícil, o que a fez substituí–lo pelo forno a gás. 

Derli  atribui  à  curiosidade  o  fato  de  ter  entrado  para  o  grupo  de  quitandeiras  de  Congonhas  que 
participa  do  festival  de  quitanda.  E  que,  na  verdade,  a  receita  foi  inventada,  apesar  de  saber,  “de 
cabeça”, as receitas de merendas aprendidas com sua mãe. Segundo ela, não gosta de seguir à risca as 
receitas; gosta de modificá–las e torná–las diferentes: “Eu vi na televisão a receita de um biscoito, e fiz 
ele todo errado, mas foi o maior sucesso. Nós chamamos de “goiabinha beliscão.” 

Derli  e  Cláudia  têm  uma  barraca  no  Festival  de  Quitanda;  além  do  biscoito  beliscão,  expõem  vários 
outros tipos de quitandas tradicionais. Cada uma ocupa funções diferentes na atual cadeia produtiva de 
merendas:  enquanto  Derli  prepara  as  quitandas  e  os  doces,  Cláudia  cuida  da  parte  burocrática, 
participando de reuniões com a equipe organizadora, decoração do estande e inscrição no evento. Vale 
destacar que o ingresso utilizado na inscrição é uma receita inédita. Significa dizer que, meses antes do 
evento,  acontece  uma  maratona  de  testes  até  que  a  receita  esteja  impecável,  já  que  as  melhores, 
independentemente de serem premiadas, integrarão um livro que é distribuído aos visitantes durante o 
festival. 

308 
 
6.10.5  MAPA DOS BENS CULTURAIS DE CONGONHAS 

309 
 
6.11  OURO PRETO 

A  Secretaria  Municipal  de  Cultura  e  Patrimônio  de  Ouro  Preto  possui  as  seguintes  atribuições  e 
competências: 

I.  Executar  a  política  municipal  de  Patrimônio  e  Cultura;  /  II.  Coordenar,  promover  e 
desenvolver  projetos  de  caráter  cultural,  artístico  e  patrimonial  no  Município;  /  III. 
Desenvolver  as  atividades  relacionadas  com  o  Patrimônio  e  a  Cultura;  /  IV.  Efetuar  o 
levantamento,  a  divulgação  e  o  fomento  das  atrações  patrimoniais  e  culturais  do 
Município;  /  V.  Desenvolver  e/ou  incentivar  a  capacitação  de  pessoal  especializado  para 
serviços ligados ao Patrimônio e Cultura; / VI. Coordenar as ações referentes à promoção e 
à valorização dos bens  culturais do  Município no  âmbito  da Prefeitura  Municipal de Ouro 
Preto e junto às demais instituições e à população; / VII. Promover a cultura local a partir de 
ações  de  cunho  material  ou  imaterial  produzidas  por  sua  população;  /  VIII.  Promover  e 
incentivar a realização de feiras, congressos, seminários, festivais e festas culturais típicas; / 
IX.  cumprir  e  fazer  cumprir  as  disposições  legais  pertinentes  aos  atos  e  orientações  dos 
órgãos superiores do Patrimônio e da Cultura; / X. Realizar outras atividades relacionadas 
com sua área de atuação; / XI. Fiscalizar a execução de projetos de construção, reforma e 
ampliação de imóveis, no sítio tombado pelo Decreto–Lei n° 25 de 1937; / XII. Fiscalizar e 
gerir  os  convênios  firmados  pelo  Município  neste  setor;  /  XIII.  Apoiar  os  conselhos 
municipais vinculados a esta Secretaria; / XIV. Exercer outras atividades correlatas (OURO 
PRETO, 2017). 

Sobre os bens inventariados em Ouro Preto, em interface com as práticas culturais relativas às Congadas 
de Minas, destacam–se as festas religiosas: festa de Nossa Senhora do Rosário do distrito de Glaura, na 
Matriz  de  Santo  Antônio,  inventário  do  ano  de  2005  /  Festas  Religiosas  Reinado  Nossa  Senhora  do 
Rosário e Santa Efigênia de Antônio Dias no Alto da Cruz / Padre Faria, na sede municipal de Ouro Preto, 
inventário do ano de 2010 / festa de Nossa Senhora do Rosário, no Mês do Rosário, na Igreja de Nossa 
Senhora do Rosário, na sede municipal de Ouro Preto, inventário do ano de 2011. 

Os  bens  de  natureza  imaterial  registrados  em  âmbito  municipal  são:  Tradicional  Produção  de  Doces 
Artesanais de São Bartolomeu e Festa de Nossa Senhora dos Remédios do Fundão de Cintra, registrados 
no  ano  de  2012,  Cavalhada  no  ano  de  2015  e  as  celebrações  do  Divino  Espírito  Santo  em  São 
Bartolomeu e do Divino Espírito Santo em Lavras Novas, registrados no ano de 2016. 

Já  sobre  os  bens  registrados  como  Patrimônio  Imaterial,  em  âmbito  federal,  tem–se,  como  formas  de 
expressão,  o  Toque  dos  Sinos  em  Minas  Gerais:  Ouro  Preto,  Mariana,  Sabará,  Catas  Altas,  Serro, 
Tiradentes,  Diamantina,  Congonhas  e  São  João  Del  Rei,  bem  registrado,  em  3  de  dezembro  de  2009, 
juntamente com o Ofício de Sineiro, no âmbito federal, pelo IPHAN, além da Roda de Capoeira e Ofício 
de Mestres de Capoeira, bens registrados, em 2008, pelo IPHAN. 

311 
 
6.11.1  CAPOEIRA E OFÍCIO DE MESTRES DE CAPOEIRA 

Durante entrevista com a senhora Maria Aparecida Rita de Cássia Vitorino Coelho dos Santos, conhecida 
como  Cassinha,  no  distrito  de  Amarantina,  em  Ouro  Preto,  ela  relatou  ter  conhecimento  de  aulas  de 
capoeira no distrito. 

As aulas são ministradas pelo professor Adilson, que pertence ao grupo Cativeiro Capoeira (descrito a 
seguir), realizadas através de uma parceria com a Paróquia de São Gonçalo, que pertence à Diocese de 
Mariana, em Ouro Preto. 

Segundo  a  senhora  Cassinha,  o  professor  é  do  também  distrito  de  Ouro  Preto,  chamado  de  Santo 
Antônio do Leite, e já faz parte desse projeto há, aproximadamente, seis anos. A paróquia, com recursos 
próprios, contribui com uma pequena bolsa ao professor por esse trabalho social. 

Essas aulas de capoeira contam com cerca de 30 alunos da comunidade local e acontecem às terças e 
quintas–feiras,  em  Amarantina.  Esse  trabalho  é  uma  iniciativa  da  Sociedade  de  São  Vicente  de  Paulo 
(SSVP) e Paróquia de São Gonçalo, que, desde 2009, conta com outras modalidades culturais de aulas, 
como violão e flauta. 
6.11.1.1 Grupo Ouro Preto Capoeira Angola 
 Mestre Zé Eduardo – José Eduardo Domingues, 53 anos  

O Grupo Ouro Preto Capoeira Angola organizou o Primeiro Encontro de Capoeira Angola de Ouro Preto, 
que ocorreu nos dias 22, 23 e 24 de janeiro de 2016, com a ilustre presença do Mestre Moraes e uma 
programação de "aulão" de capoeira angola Oficina de toque de berimbau, segundo página do Facebook 
de integrante do Grupo. 

O grupo, atualmente, está desativado e foi criado por Mestre Eduardo (Figura 6.197), que é historiador 
e graduando em Filosofia pela UFOP. Mestre Eduardo também é o fundador do outro grupo de capoeira 
de Ouro Preto, o Cativeiro. O lema do Grupo Cativeiro, segundo Mestre Eduardo, é "pra não ser cativo 
de ninguém e para desenvolver uma consciência do ouro–pretano da importância do elemento negro na 
cultura  local  e  a  consciência  social."  (Zé  Eduardo,  em  entrevista  realizada  na  sua  residência,  em 
21/09/2017). 

                    
Figura 6.198 – Roda de Capoeira com os Mestres Eduardo (sentado ao centro, tocando berimbau) e 
Kalungueé tocando berimbau (à direita), na Escola Estadual Bauxita. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

312 
 
Outra informação dada por Mestre Eduardo é a que, durante anos, a universidade repassou uma bolsa 
para  que  ele  pudesse  realizar  este  trabalho  ––  abrir,  gratuitamente,  para  a  comunidade  os 
ensinamentos da capoeira em Ouro Preto. Atualmente, esse incentivo foi cancelado. E continua o seu 
relato:  "O  local  das  aulas  acontecia  abaixo  do  cinema,  na  Rua  Álvares  de  Brito;  antes,  era  onde, 
atualmente, funciona o estacionamento do Centro  de Convenções da  UFOP." (Eduardo, em entrevista 
realizada na sua residência, em 21/09/2017) 

“Foi, nessa época, que Mestre Kalunguee foi meu aluno. O primeiro batizado em 
Ouro  Preto  com  a  presença  do  Mestre  Miguel.  Na  época,  existiam  muitas 
federações,  como  a  Federação  Paulista  de  Capoeira,  que  era  afiliada  com  a 
Federação Brasileira de Pugilismo e muito ligada à ditadura militar. E o Mestre 
Miguel se opôs a isso, tendo uma visão diferente do papel da capoeira – como 
elemento de luta, sim, mas contra o poder que oprimia nosso povo.” (Eduardo, 
em entrevista realizada na sua residência, em 21/09/2017). 

Em 2005, quando formou o Grupo Ouro Preto Capoeira Angola, teve uma posição de querer valorizar a 
capoeira angola: "Esse nome surgiu de uma conotação de ‘Outro Preto’, pois aquele ouro de metal já 
levaram,  embora  tenham  deixado  só  buracos  e  mazelas  sociais  no  lugar."  (Eduardo,  em  entrevista 
realizada na sua residência em 21/09/2017). Ainda ressaltou: 

“Pois se hoje o gringo vem na cidade de Ouro Preto e deixa dinheiro na cidade é 
por causa desse ‘outro preto’ que fez tudo isso aqui, vem comer comida típica, 
vem  ver  congado  e  vem  ver  capoeira,  mas  estes  nunca  foram  reconhecidos.” 
(Eduardo, em entrevista realizada na sua residência, em 21/09/2017). 

O Grupo Ouro Preto Capoeira Angola surgiu no Morro São Sebastião (morro mais alto da cidade): "Para 
eu  preservar  mais,  com  minha  família,  alguns  amigos.  Me  formei  mestre  no  grupo  Cativeiros,  formei 
Mestre  Kalungueé,  que  hoje  espalhou  essa  capoeira  por  todo  Ouro  Preto,  e  fui  me  dedicar  ao  grupo 
Ouro  Preto  Capoeira  Angola."  (Eduardo,  em  entrevista  realizada  na  sua  residência,  em  21/09/2017). 
“Mas, após a última vinda de Mestre Miguel, comentei a vontade de ir a Ilhéus e aproximar o contato 
com o Grupo Cativeiro novamente”, comentou Mestre Eduardo durante a entrevista. 

Questionado sobre a diferença entre a capoeira Angola e a Regional, Mestre Eduardo explicou:  

"A capoeira Angola vem de uma vertente que inicia com Mestre Pastinha, mas 
também  de  Mestre  Waldemar,  e  foi  a  capoeira  que  existia  até  1937  mais  ou 
menos,  pois  foi  quando  Mestre  Bimba  registrou  a  Luta  Regional  Baiana  e  deu 
desenvolvimento mais nacional para a capoeira, com alunos brancos, estudantes 
e  as  federações,  como  havia  comentado  antes,  com  a  vertente  da  Capoeira 
Regional." (Eduardo, em entrevista realizada na sua residência, em 21/09/2017). 

Mestre Eduardo, ao falar desse assunto, relembra um ensinamento que o Mestre João Pequeno deu ao 
seu  Mestre  Miguel  Machado,  quando  disse  que,  na  juventude,  o  seu  braço  era  do  tamanho  de  sua 
perna, fruto do trabalho pesado de pedreiro, mas que, com o tempo, murchou. Com isso, ele quis dizer 
que  o  conhecimento  da  capoeira  não  depende  de  força  muscular,  pois  força  está  na  mente.  Mestre 

313 
 
Eduardo conclui dizendo que "então, a capoeira Angola não tá na força, são movimentos mais naturais." 
(Eduardo, em entrevista realizada na sua residência, em 21/09/2017) 

Os  instrumentos  usados  nas  rodas  de  capoeira  são:  três  berimbaus  (berra  boi  ou  gunga,  o  médio  e  o 
viola  para  fazer  solo),  dois  pandeiros  (alegria),  agôgô  e  reco–reco  (harmonia)  e  atabaque  (firmeza). 
Sobre a madeira usada na confecção de berimbau, Mestre Eduardo reflete: "...muito se diz de madeira 
ecologicamente  correta,  mas  o  berimbau  mais  sustentável  é  aquele  que  dura  20  anos,  pois  tem  uma 
madeira  boa,  e  assim  ele  se  torna  sagrado  e  usado  por  tanto  tempo...  aqui  está  o  ecologicamente 
correto." (Eduardo, em entrevista realizada na sua residência, em 21/09/2017). 
6.11.1.2 Associação Desportiva e Cultural Cativeiro Capoeira 
 Mestre Kalungueé – Luiz Henrique Fonseca Moutinho, 44 anos  

Em Ouro Preto, há a filial da Associação Desportiva e Cultural Cativeiro Capoeira, fundada em 1978. A 
sede do grupo situa–se na Praça Tiradentes (Figura 6.199), Centro do município, no Centro Acadêmico 
da Escola de Minas (CAEM). 

                          
Figura 6.199 – Roda de Capoeira: treinos do grupo Cativeiro no CAEM. Mestre Kalungeé (tocando 
atabaque). 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 
A Associação Desportiva e Cultural Cativeiro Capoeira conta com mais de 100 mestres, contramestres, 
professores, instrutores e monitores. Distribuídos em cidades do interior e nas capitais dos estados do 
Amazonas, Goiás, Rio Grande do Sul, Ceará, Paraná, Santa Catarina, Bahia, Minas Gerais, Vitória, Espírito 
Santo, São Paulo e em países, como a  Alemanha, Bélgica, Holanda,  Moçambique, Espanha, Inglaterra, 
Uruguai, México, Bolívia, Peru, Chile, Portugal, Canadá e Austrália12. 
Na entrevista com o capoeirista Luis Rafael Silva, no CAEM, foi possível conhecer os instrumentos que o 
grupo  usa,  conforme  apresentam  a  Figura  6.200  e  a  Figura  6.201,  tais  como:  atabaques,  pandeiros, 
berimbau, bastões para dança do Maculelê, facões, além da própria estrutura física do CAEM, que tem 
um bom espaço, banheiros e fácil acesso. 

                                                            
12
  O  contato  da  sede  nacional  da  Associação  Desportiva  e  Cultural  Cativeiro  Capoeira  é  Rua  Santa  Luiza,  1.239, 
Ilhéus–BA – CEP 45.650–000 – Brasil / Contatos: +55 (X) 73 3639–0395 E–mail: adccativeiro@yahoo.com.br Site: 
http://capoeiracativeirovitoria.webnode.es, através do seu fundador, Mestre Miguel Machado. 

314 
 
     
Figura 6.200 – Instrumentos e logomarca do grupo do Cativeiro Capoeira no CAEM, em Ouro Preto. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Figura 6.201 – Instrumentos e sede do grupo do Cativeiro Capoeira no CAEM, em Ouro Preto. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

As aulas ou treinos acontecem às segundas e quartas, a partir das 19h30, no CAEM. Às sextas–feiras, às 
19h30 horas as aulas são abertas ao público, além de incorporar outros grupos e capoeiristas de Ouro 
Preto.  Essa  roda  é  tradicional  e  muito  conhecida  na  cidade  e  já  ocorre  há  muitos  anos,  segundo  Luís 
Rafael  Silva.  Complementando,  segundo  Mestre  Kalungueé,  a  roda  acontece  há  mais  de  30  anos  em 
Ouro Preto. 

O  Mestre  Kalungueé,  que  está  no  Grupo  Cativeiro  desde  1983,  é  natural  de  Ouro  Preto.  Mestre 
Kalungueé começou a praticar capoeira com 9 anos de idade. Numa idade, segundo ele, “que quase não 
havia crianças na capoeira, pois era tida como coisa de malandro”. Até sua própria família, no início, não 
o apoiou muito, mas, quando ele foi se formando, até o pai já falava o contrário, pois sabia sempre onde 
ele estava (querendo dizer que não ficava nas ruas): “... o menino está lá na capoeira”. Nesse sentido, 
Mestre  Kalungueé  disse  que  a  capoeira  contribuiu  muito,  inclusive  no  incentivo  aos  estudos:  “...  pois 
perdeu média, sai da capoeira.” 

Mestre  Kalungueé  formou–se  professor  em  São  Paulo;  depois  foi  morar  no  Rio  de  Janeiro,  onde  deu 
aula desde os 16 anos. Em seguida, morou em Ilhéus (BA) e conheceu o fundador do Grupo Cativeiro, o 

315 
 
Miguel Machado. O grupo já havia sido criado em Itabuna, na Bahia, com sede na Ilha de Itaparica, São 
Paulo e se desenvolveu e expandiu no Brasil e no exterior. 

Sobre ter o título de mestre, Kalungueé disse:  

“Se tornar mestre, ou seja, quando é capaz de transformar uma planta em uma 
árvore. Mestre é aquele que aprende tudo com todos... é o transformador. E 
quem diz se você é mestre é a sociedade, que te reconhece como mestre, mais 
que as graduações dentro da capoeira... formar mestre sem ter bagagem boa 
de vida, experiência, conhecimento com outros mestres... tem é que saber pra 
onde  levar  os  alunos  que  estão  acompanhando.”  (Mestre  Kalungueé,  em 
entrevista realizada na sua residência, em 22/09/2017)  

O  grupo  Cativeiro  em  Ouro  Preto  tem  vários  formados,  incluindo  professores  e  contramestres.  O 
trabalho do grupo é para além da capoeira. Segundo Mestre Kalungueé, é um trabalho de resistência. O 
grupo  Cativeiro  em  Ouro  Preto  tem  alunos  na  faixa  etária  de  crianças  até  idosos,  respeitando  a 
especificidade  corporal  de  cada  um,  contando  com  total  de  250  alunos  ––  e  já  alcançando  até  400 
alunos nos batizados. 

Maculelê, samba de roda, são as práticas culturais agregadas, como puxada de rede, que os capoeiristas 
também  ajudam  na  divulgação  e  prezaram  a  cultura  dessas  artes,  conhecimento  sobre  elas  e,  em 
especial,  em  Ouro  Preto,  o  grupo  Cativeiro  apoia  as  Congadas  e  Moçambique  ––  já  que  o  Mestre 
Kalugueé foi capitão da Guarda de Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia em Ouro Preto. 

Os batizados do Grupo Cativeiro Capoeira em Ouro Preto acontecem, normalmente, duas vezes ao ano, 
sendo um, com caráter mais local, e outro, mais regional. Nessa oportunidade, realizam encontros com 
outros  grupos  e  mestres  para  aperfeiçoarem  e  trocarem  conhecimentos,  conforme  folders  de 
divulgação da Figura 6.202, chamados de Festival da Capoeira. 

316 
 
 
Figura 6.202 – Folders de divulgação dos eventos de Festival de Capoeira em Ouro Preto. 
Fonte: Facebook do Grupo (2017). 
 
De acordo com o jornal O LIBERAL (2013), no bairro Saramenha, em Ouro Preto, são ministradas aulas 
de capoeira por Márcio, conhecido como contramestre Café, em um trabalho social que atende crianças 
e adolescentes da região (Figura 6.203). Márcio é professor de capoeira, formado no Grupo Cativeiro, e 
resolveu dar a mesma oportunidade que teve aos jovens de Saramenha, que é seu bairro. Em 2010, ele 
começou  a  dar  suas  aulas  gratuitamente,  como  um  trabalho  independente  do  Grupo  em  que  ele  se 
formou. 
Segundo Márcio, na reportagem do O LIBERAL (2013), ele acredita que a prática da capoeira o ajudou a 
se tornar a pessoa que é hoje, e diz que, com o esporte, ele ajuda os jovens da cidade a se tornarem 
agentes multiplicadores no futuro. Além das aulas gratuitas do bairro Saramenha, ele ministra aulas em 
Mata  dos  Palmitos,  Bandeiras  e  Manja  Légua,  mas,  infelizmente,  devido  aos  gastos  de  transporte  e 
alimentação para esses locais, nesses casos, Márcio cobra uma contribuição dos alunos. 

Figura 6.203 – Contramestre Café ministrando aulas, e em apresentação em Ouro Preto. 
Fonte: Facebook do grupo (2017)  e O Liberal (2013).

317 
 
A  metodologia  específica  do  grupo  Cativeiro  é  seguida  por  instrutor,  professor,  contramestre  e  o 
mestrado, que tem metodologias de atuação e repasse dos fundamentos básicos, que tem a ver com os 
movimentos do meio ambiente em que se vive, para além das técnicas da capoeira; já que o movimento 
básico da capoeira é a preparação para a vida, segundo Mestre Kalungueé. 

O aluno deve, desde o início, assimilar tudo que lhe for possível, principalmente os nomes dos golpes, os 
movimentos e caracteres da luta, toques de berimbau, etc., segundo o site oficial do grupo: 

“É respeitada a natureza do corpo, sem forçar a natureza de cada aluno – sem 
ter uma aula só aeróbica, mecânica e sem perder a identidade própria de cada 
aluno... Então, a metodologia é voltada para o movimento dos animais, as coisas 
do cotidiano, o vento, uma árvore... E isso dá um movimento de capoeira. Então 
a gente faz um exercício básico de preparação com esses tipos de movimento, 
depois desenvolve um trabalho de equipe, e depois vem o trabalho de defesa e 
ataque  –  conversação  e  diálogo  dentro  da  capoeira,  e  sempre  a  gente  finaliza 
com um bate–papo e um pouco do ritmo da capoeira e a roda, que é tudo isso.” 
(Mestre Kalungueé, em entrevista realizada na residência, em 22/09/2017) 

Já  sobre  o  uniforme,  segundo  o  site  oficial  do  grupo,  são  calças  no  meio  da  perna,  seguras  por  um 
cordão e abadá, de algodão cru. O Grupo Cativeiro adota esse mesmo uniforme, como logotipo–padrão 
e nome de cada cidade. Os treinamentos deverão ser sempre devidamente uniformizados, incluindo o 
respectivo cordão. Ao aluno, cabe manter limpo e completo o seu uniforme, comparecendo com ele a 
qualquer evento do grupo. 

O  capoeirista  entrevistado  Luís  Rafael  Silva  também  explicou  a  diferença  entre  o  uso  de  corda,  que 
pertence ao estilo mais contemporâneo da capoeira e o cordão, que é feito de lã, utilizado pelo Grupo 
Cativeiro Capoeira nos batizados que realiza. 

As graduações do Grupo Cativeiro Capoeira revelam–se fiéis às raízes da capoeira ligadas às tradições da 
religiosidade afro–brasileira do candomblé, já que eram cordas e tiras que seguravam as calças feitas de 
algodão  cru,  que  os  negros  usavam.  Apesar  disso,  hoje,  em  dia,  muita  gente  coloca  cinto  de  couro,  à 
guisa  de  faixa,  corda  ou  cordão  e  diz  que  são  mestres  de  capoeira,  mas  não  seguram  suas  próprias 
calças", ressaltou Luis Rafael Silva. As subdivisões de cores adotadas são: verde, marrom, amarela, verde 
e amarela, roxa, verde e branca (monitor), azul (instrutor), vermelha e branca (professor), azul e branca 
(contramestre) e branca (mestre).  

Outro  assunto  abordado,  durante  a  entrevista,  diz  respeito  à  relação  entre  legislação  e  os  títulos  de 
reconhecimento da capoeira como Patrimônio Nacional e da Humanidade. Para o Mestre Kalungueé, o 
reconhecimento é positivo, mas não se converte em ações e investimentos para a capoeira. E reclama 
que  a  capoeira  não  seja  “abraçada  pelo  Poder  Público  local  com  investimentos.”  (Kalungueé,  em 
entrevista realizada na sua residência, em 22/09/2017). 

318 
 
“A capoeira é hoje, e sempre será, resistência e luta pela desigualdade social e 
racial. Ela ajuda muito os jovens a crescer não só fisicamente, mas em todos os 
aspectos  da  vida  que  a  capoeira  contribui.  E  agora,  atualmente,  a  capoeira  é 
uma  arma  eficaz  na  luta  contra  todas  estas  coisas  que  estão  acontecendo  na 
nossa nação. Mas, os negros que praticavam a capoeira tinham essa consciência 
e hoje muitos negros, nós, o povo brasileiro (que é a mistura de todas as raças), 
a raça humana, né...  não tá enxergando isso: que tem que lutar. Pra gente ser 
mais feliz e ter um país melhor. E não é só pra nós não, é pras crianças que tão 
vindo...  [E  conclui]...  afinal  a  capoeira  é  unidade.”  (Kalungueé,  em  entrevista 
realizada na sua residência, em 21/09/2017). 

Ainda  sobre  o  assunto  de  investimentos  na  capoeira,  Mestre  Kalungueé  fala  da  importância  de  ter 
profissionais  da  comunidade  negra  e  da  cultura  popular  no  Poder  Público  local,  já  que  somente  eles 
poderiam ter a sensibilidade e o entendimento para destinar projetos e fazer crescer esse segmento: 

“Ser negro é muito mais que uma questão de epiderme – é uma questão social, 
e acaba que a educação desse ‘negro’ é diferenciada, pois se aprende muito com 
os mais velhos. Exemplo do "Não pise na grama" – forma ocidental de ensinar – 
e  se  fosse  na  cultura  afro  "Não  pise,  a  grama  é  sagrada".  Então  isso  altera  a 
forma  de  ver  o  mundo  que  está  muito  acima  da  cor  apenas,  que  conforma  o 
sentido de ser negro.” (Kalungueé, em entrevista realizada na sua residência, em 
22/09/2017). 
6.11.1.3 Grupo Terra Preta Capoeira 
 Mestre Batata – Francisco Ferreira Guimaraes, 55 anos 

O grupo Terra Preta Capoeira, representado por Mestre Batata, é outro grupo de ocorrência em Ouro 
Preto. Mestre Batata formou–se mestre de capoeira em 2011 pelo também Mestre Paulo Brasa, do Rio 
de  Janeiro.  Sua  trajetória  na  capoeira  contou  com  30  anos  no  grupo  Cativeiro,  antes  de  ser  do  grupo 
Terra  Preta.  Outros  mestres  de  referência  para  Mestre  Batata  são  Mestre  Pim  e  João  Preto  de  São 
Paulo. 

Segundo  o  Mestre  Kalungueé,  do  Grupo  Cativeiro,  tanto  Mestre  Batata  quanto  Mestre  Eduardo,  do 
Grupo Ouro Preto Capoeira Angola, foram formados pelo grupo Cativeiro em Ouro Preto, até então o 
único grupo da cidade. 

O grupo Terra Preta Capoeira atua nos bairros Taquaral, com, aproximadamente, 60 alunos de idade de 
6 a 28 anos; bairro Veloso, na sede de  um sindicato; e no bairro Bauxita, espaço perto do  campus  da 
UFOP, com 15 alunos. Durante a entrevista com Mestre Batata, ele contou que seus formandos são que 
os ajuda na atuação do grupo na cidade. Já foram formados por ele dois contramestres, três professores 
e um monitor. 

A  metodologia  usada  pelo  grupo  Terra  Preta  Capoeira,  segundo  Mestre  Batata,  é  "primeiro  um 
alongamento,  trabalhando  a  articulação  toda;  fundamentos,  onde  explica  um  pouco  da  história  da 

319 
 
capoeira;  depois  é  que  são  ensinados  os  golpes,  ataques  e  defesa.  Por  último,  é  formada  a  Roda  de 
Capoeira  com  os  instrumentos  e  cantos.  A  Figura  6.204,  a  seguir,  mostra  o  logo  de  representação  do 
grupo e alguns instrumentos. 

Figura 6.204 – Logo de representação do grupo Terra Preta Capoeira – “Ainda estamos aqui”, e 
berimbaus. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

O  grupo  realiza  seus  treinos  na  Casa  de  Cultura  Negra  Alto  da  Cruz,  localizada  na  Rua  Padre 
Faria, ao lado da Igreja Santa Efigênia, em Ouro Preto. O grupo possui registro oficial há três 
anos e conta com a participação de 20 alunos (Figura 6.205). 

 
Figura 6.205 – Mestre Batata à esquerda, e aula de capoeira na Casa de Cultura Negra Alto da 
Cruz. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

O  espaço  que  o  grupo  usa  como  sede  congrega  várias  atividades  além  da  capoeira  (fotografia, 
biblioteca, música, artes), como mostra a Figura 6.206, com os estandartes dos grupos de Congado do 
Alto da Cruz em Ouro Preto. Segundo Mestre Batata, "a casa é boa, mas não tem banheiro... realidade 
essa que dificulta ações de maior duração nos eventos e aulas, assim como comodidade para os alunos 
e visitantes da Casa de Cultura Negra." 

320 
 
O imóvel é do período colonial, por isso os banheiros não faziam parte das estruturas internas da casa; 
atualmente, eles estão tentando a aprovação de um projeto para construção de banheiros, mas ainda 
não possuem recursos nem apoio. 

 
Figura 6.206 – Sede da Casa de Cultura Negra em Ouro Preto, e os estandartes dos grupos de congado. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 

O grupo Terra Preta Capoeira participa da Roda de Capoeira na Praça Tiradentes, de 15 em 15 dias; às 
vezes, o grupo realiza apresentação para turistas estrangeiros. Segundo Mestre Batata, todo ano, no fim 
do mês de agosto, o grupo faz o seu evento de batizado, e no mês de novembro, participa de eventos na 
semana da Consciência Negra, através de convites ou iniciativas próprias. 

Uma importante questão enfatizada por Mestre Batata sobre a prática da capoeira em Ouro Preto é a 
falta  de  apoio  do  Poder  Público  local.  Ele  contou  que  o  grupo  Terra  Preta  Capoeira  solicitou  uma 
colaboração para alimentação (café da manhã e almoço) para 70 pessoas, para um evento no dia 26 de 
agosto de 2017, o IV Encontro Nacional do Grupo Terra Preta, mas foi negado pela Prefeitura Municipal 
de Ouro Preto. Segundo Mestre Batata, todas as despesas são mantidas pelo grupo. 
6.11.2  TOQUE DOS SINOS E OFÍCIO DE SINEIRO 

 Sineiro Wilson – Igreja Nossa Senhora das Dores 

 Gilberto, Samuel, Davi e Rafael – Igreja de Nossa Senhora das Mercês de Cima 

O Sr. Wilson Ferreira, de 76 anos, é casado e possui oito filhos. Aposentado pela UFOP, trabalha como 
administrador na Igreja de Nossa Senhora das Dores. "Quando chega a época de festa, tem que correr 
atrás pra deixar tudo em ordem", ressaltou o sineiro. 

O período de festividades e celebrações na Igreja de Nossa Senhora das Dores são: 10 e 11 de janeiro – 
Dia de Nossa Senhora do  Perpétuo Socorro; 2 de fevereiro – Dia de Nossa Senhora do Bom Parto e a 
festa do Congado, de Nossa Senhora do Rosário, juntamente com a Festa de Chico Rei, também no mês 
de janeiro. 

321 
 
Acontecem missas na Igreja de Nossa Senhora das Dores às sextas às 19h e aos sábados às 15h. "Fim de 
semana – direto. “Aqui trabalha direto, num para pra nada, não tem férias, não tem folga, de segunda a 
domingo", conta o Sr. Wilson. Ademais, ele explica que a igreja recebe visitação turística, e "as pessoas 
ficam  encantadas  porque  lá  de  fora,  a  igreja  é  muito  simples,  mas  quando  entra  aqui  dentro,  vê  a 
riqueza do Barroco". E continua contando sobre a Igreja:  

“Aleijadinho nem era nascido ainda. A gente calcula que essas obras sejam dos 
escravos  de  antigamente.  Quem  construiu  essa  capela  foi  Padre  Faria,  que  era 
bandeirante e veio com a expedição de Antônio Dias de Oliveira e passou pelo 
Pico  do  Itacolomi,  chegou  até  o  Morro  de  São  João  e  lá  deu  a  primeira 
descoberta  de  Ouro  Preto.  De  lá,  ele  conseguiu  acoplar  todas  essas  minas  e 
extraiu  o  ouro  para  a  construção  dessa  capela.  Tudo  aí  é  ouro,  mas  tá  caindo. 
Primeiro tem a madeira em cedro, depois uma camada de gesso, depois vem a 
cola e o ouro. É igual à Matriz do Pilar, a basílica de Nossa Senhora do Pilar. A 
igreja aqui foi construída de 1701 a 1704 e tem o teto original até hoje.” (Wilson 
Ferreira, em entrevista realizada em 23/09/2017) 

Seu Wilson aprendeu o Ofício de Sineiro na Matriz  de Nossa Senhora da Conceição; lá, ele trabalhava 
com o Sr. Geraldo Gomes. Ele morava na casa do oratório da Igreja de Nossa Senhora do Carmo. "Ele (o 
senhor Geraldo) chegava lá pra tocar o sino para a missa, e a gente ia atrás dele", conta o Sr. Wilson. 

Sobre o Ofício de Sineiro, o Sr. Wilson conta:  

“Aprendi a tocar quando tinha 12 para 13 anos, no Santuário de Nossa Senhora 
da  Conceição,  de  Antônio  Dias.  Morava  lá.  Desde  7  ou  8  anos,  já  ajudava  na 
missa de lá como coroinha. Passei a trabalhar na matriz como coroinha, depois 
passei  a  ser  sacristão,  depois  fui  seminarista  em  São  João  Del  Rei  e...  veio  o 
casamento,  e  veio  trabalhar  na  fábrica.”  (Wilson  Ferreira,  em  entrevista 
realizada em 23/09/2017) 

Há vários toques fúnebres que  comunicam a  morte de integrantes da igreja:  papa, bispo,  padre  e até 


para  irmão/irmã13  da  ordem.  Há  também  toques  que  anunciam  a  morte  de  crianças  (anjos).  Quando 
falece alguém da parte administrativa, o toque também é diferente. As festas têm um toque diferente. 

Conforme  disse  o  Sr.  Wilson,  há  diferenças  entre  o  toque  fúnebre  e  o  toque  festivo:  "Quando  é  festa 
simples, são três repiques e um dobre, depois encerra com o remate. Quando é festa de Santa Efigênia, 
toca várias vezes, toca meio–dia, toca às 15h e toca à noite, até começar a novena." (Wilson Ferreira, 
em entrevista realizada em 23/09/2017). 

Nos 35 anos em que está a serviço da igreja, conseguiu duas restaurações: a primeira, em 1994; depois, 
2004, com o apoio da Prefeitura; naquela época, o prefeito era  Ângelo Oswaldo.  

                                                            
13
“Irmão e irmã” é quem faz parte da irmandade, e o toque ocorre na Matriz de Santa Efigênia. 

322 
 
Atualmente, muitas igrejas não tocam mais sinos, cuja linguagem foi deixada por nossos antepassados. 
Conta  o  Sr.  Wilson  que  vários  mestres  sineiros  passaram  pela  igreja  onde  hoje  ele  é  administrador. 
“Aqui, já tocaram: seu Zé Demessa, seu Zé Donato Neto, Zé Raimundo da Costa. Todos esses seguiram, 
mais  ou  menos,  a  tradição  dos  nossos  antepassados.  Todos  eles  já  faleceram."  (Wilson  Ferreira,  em 
entrevista realizada em 23/09/2017). 

Já sobre os sinos, o Sr. Wilson relata que "só tem dois sinos: o primeiro, grandão, tá rachado. Foi fundido 
pela irmandade de Nossa Senhora do Rosário em 1750. Em 21 de abril de 1960, ele foi a Brasília para ser 
tocado durante a posse de Juscelino Kubistchek, e o senhor Amador Gomes que foi levado para tocar." 
(Wilson Ferreira, em entrevista realizada em 23/09/2017). 

Sobre  alguma  ação  do  IPHAN  para  restaurar  o  sino,  o  Sr.  Wilson  relatou  que,  por  enquanto,  não  há 
manifestação alguma a esse respeito: 

“Por  enquanto,  não.  Eu  tava  pensando  em  escrever  para  os  deputados  e 
senadores, pedindo um outro sino, porque esse sino tanto é importante pra nós 
quanto para Brasília. Para o Brasil inteiro. Primeiro, porque tocou na morte de 
Tiradentes;  segundo,  porque  tocou  na  posse  do  Presidente  Juscelino.  Então 
estava  pensando  em  pedir  um  outro  sino  para  que  esse  ficasse  preservado, 
colocando  uma  plaquinha  com  toda  a  história  do  sino."  (Wilson  Ferreira,  em 
entrevista realizada em 23/09/2017) 

E sobre o Registro do Ofício de Sineiro e Toques dos Sinos, o Sr. Wilson disse que nada na prática mudou 
e enfatiza: 

“Pode  ter  mudado  em  algum  lugar  –  depende,  muitas  vezes,  da  paróquia,  do 
pároco ou do arcebispo, que têm vezes que não deixa o sino tocar como deve 
ser tocado. Já reclamaram várias vezes aqui comigo, mas eu não paro de tocar o 
sino porque é ele quem chama cada um de nós para a celebração da missa. Sem 
ele,  as  pessoas  não  ficam  sabendo  que  terá  a  missa.”  (Wilson  Ferreira,  em 
entrevista realizada em 23/09/2017). 

Sobre  a  transmissão  do  ofício,  ele  gostaria  de  deixar  um  herdeiro  na  igreja,  mas,  até  agora,  não  tem. 
Ninguém  quer  assumir.  Conta  que  não  trabalha  lá  pelo  dinheiro,  mas  pela  vontade,  porque  gosta  da 
Igreja e porque trabalhou desde os 8 anos, então trabalha lá por amor e tem receio de não encontrar 
ninguém que queira assumir o posto de sineiro. 

Os  jovens  sineiros  entrevistados,  Gilberto,  Samuel  e  Davi,  tocam  sino  na  Igreja  de  Nossa  Senhora  das 
Mercês  de  Cima,  que  pertence  à  Paróquia  do  Pilar.  Eles  tocam  nas  igrejas  pertencentes  à  paróquia: 
Mercês de Cima, São José, São Francisco de Paula, Pilar e Rosário. 

Gilberto Henrique Gonçalves Mendes tem 19 anos, está cursando Administração e trabalha como Jovem 
Aprendiz.  Sua  relação  com  o  sino  foi  em  função  da  proximidade  de  sua  casa  com  a  Capela  de  São 
Sebastião.  Desde  criança,  gostava  de  ficar  escutando  o  pessoal  tocando.  Seu  primo  e  outros  meninos 
costumavam  tocar nessa capela. Quando foi crescendo, com uns  14 anos, começou a tocar  no núcleo 
urbano, histórico e foi se inteirando do toque primordial de Ouro Preto.  

323 
 
Nos  bairros  e  comunidades  afastadas,  as  pessoas  têm  os  toques  um  pouco  diferentes  do  toque  usual  da 
cidade.  No  toque  usual,  o  sino  pequeno  faz  uma  marcação,  o  médio  dá  o  tom  no  repique  e  o  grande 
acompanha. Na sua comunidade, pelo que ele lembra, consistia apenas em tocar o sino grande com o badalo 
e, com o martelo, o pequeno, você fazia o que quisesse. “Aqui já há um certo padrão”, disse Gilberto. 
Destaca–se  que  Gilberto  não  participou  do  processo  de  Registro,  e  que  aprendeu  acompanhando  os 
mestres  sineiros  que  tocavam  o  sino  na  igreja.  Entre  os  mestres  sineiros,  citou  Joselino,  sacristão  da 
Igreja  do  Carmo;  Eliseu;  José  Pedro,  sacristão  da  Igreja  São  Francisco  de  Paula;  João  Carlos  Castro  e 
Catita (Mateus). 
 Outro jovem sineiro é Samuel. Sua mãe já trabalhava na igreja e, posteriormente, ele, quando se tornou 
coroinha. Começou a subindo à torre da Igreja São Sebastião. Veio para o núcleo histórico aos 13 anos 
de idade, quando Gilberto e Catita lhe ensinaram o toque usual de Ouro Preto. 
Ao serem questionados se recebem alguma espécie de pagamento para tocarem o sino da igreja, eles 
contam  que,  às  vezes,  ganham  “um  trocado”,  que  dá  para  comprar  um  lanche,  mas,  basicamente,  é 
voluntário.  “Às  vezes  pagamos  do  próprio  bolso  para  vir  tocar",  destacaram  os  jovens  sineiros, 
referindo–se à passagem do ônibus.  
Sobre o interesse de outros jovens, Gilberto relatou que há poucas crianças interessadas em aprender. 
"De  uns  três  anos  pra  cá,  aumentou  umas  seis  pessoas".  (Samuel,  em  entrevista  realizada  em 
23/09/2017). "A gente tenta se dividir. A igreja que tem o sino maior precisa de mais gente, então vão 
os  mais  fortes,  os  mais  velhos.  Aí,  quem  tem  mais  facilidade  vai  pra  outra  igreja."  (Gilberto,  em 
entrevista realizada em 23/09/2017). 
Davi da Silva, de 17 anos, está cursando o Ensino Médio e diz que "para aprender a tocar o sino, tem 
que  ter  força  e  jeito  porque  não  adianta  só  força”.  E  sobre  o  tempo  que  se  leva  para  aprender,  ele 
responde que "cada um tem seu tempo", ressaltou. 
Rafael,  outro  jovem  sineiro  de  14  anos.  Começou  a  tocar  no  bairro  Vila  Aparecida,  Igreja  de  Nossa 
Senhora  Aparecida,  “meio  que  forçado”  porque  não  havia  outra  pessoa  para  tocar.  Depois,  foi  para  a 
Igreja das Mercês de Baixo e começou a tocar lá, onde já estava o sineiro Guilherme. 
Um assunto importante, comentado durante a entrevista, foi sobre a conservação dos sinos. Segundo os 
jovens  sineiros,  "a  verba  é  pouca  para  manutenção  dos  sinos,  mas  costumam  conservar  os  grandes, 
porque são eles que dobram". Comentaram também sobre a existência da Associação dos Sineiros de 
Ouro  Preto  (ASSOP),  que,  criada  há  três  anos,  não  deu  certo;  está  praticamente  sem  atuação.  “A 
Paróquia não apoiava e o IPHAN não ajuda", motivo que, segundo eles, a Associação não prosperou. Na 
sequência, contaram sobre a Igreja do Pilar, que, dos cinco sinos que possui, quatro estão rachados. 
Muitos  sinos  das  igrejas  de  Ouro  Preto  são  do  século  XVIII,  sendo  alguns  tombados.  Com  isso,  não 
podem ser refundidos. A solução, nesses casos, é fazer outros sinos, o que demanda muitos custos altos. 
As  restaurações  das  igrejas  não  costumam  chegar  às  torres,  de  modo  que,  muitas  vezes,  as  reformas 
acontecem sem que as torres e os sinos sejam beneficiados. Sobre esse aspecto, Gilberto comentou que 
o assunto foi pauta de discussão no último Encontro de Sineiros, realizado pelo IPHAN, que ocorreu em 
Ouro Preto, em 2015. 
Nesse sentido, permanecem as demandas dos sineiros, que são a realização de oficinas para ensinar o ofício e 
de conservação dos sinos e manutenção dos sinos em Ouro Preto. Sobre os encontros promovidos pelo IPHAN, 
eles comentam sobre os dois encontros que ocorreram em 2014, em São João Del Rey, e 2015, em Ouro Preto. 
O 3º encontro iria acontecer em Congonhas, mas "recebemos a notícia de que não aconteceria e que depois o 
IPHAN não entrou mais em contato", comentaram com desapontamento. 

324 
 
6.11.3  CONGADAS DE MINAS 
O Reinado de Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia é uma das festas tradicionais de Ouro Preto 
que conferem comemorações em homenagem a Nossa Senhora do Rosário. A programação conta com 
celebrações de missas em honra a Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia, palestras e cortejo com os 
grupos  de  congado.  A  título  de  caracterização,  a  Figura  6.207  traz  a  programação  que  tem  eventos 
durante todo o mês outubro da celebração do ano de 2016, que teve como tema: Senhora do Rosário, 
Mãe da Misericórdia, ensinai–nos a ser misericordiosos como o Pai. 
Interessante observar a presença de outro bem cultural registrado como Patrimônio Cultural, sendo ele 
Toque  dos  Sinos,  uma  forma  de  expressão  sonora  produzida  pela  percussão  dos  sinos  das  igrejas 
católicas,  para  anunciar  rituais  religiosos  e  celebrações,  como  festas  de  santos  e  padroeiros,  Semana 
Santa, Natal, casamentos, batizados, atos fúnebres e marcação das horas, entre outras comunicações de 
interesse coletivo. 
QUARTA–FEIRA, DIA 5 DE OUTUBRO – Segundo dia do Tríduo em honra de Nossa Senhora do
Rosário
Dia de São Benedito
18h30 min – Oração do Terço de Nossa Senhora, com a participação dos grupos de Reflexão da Paróquia
do Pilar.
19h – Santa Missa e Tríduo em honra a Nossa Senhora do Rosário. Após a Missa, bênção dos pães em
honra a São Benedito. Participação do Coral “Renascer”, nos cânticos da Missa. Após a Missa, música e
poesia em honra a Nossa Senhora e a São Benedito.
QUINTA–FEIRA, DIA 6 DE OUTUBRO – Terceiro dia do Tríduo em honra de Nossa Senhora do
Rosário
17h30 min– Oração do Terço de Nossa Senhora com a participação do Grupo de Oração Nossa Senhora
do Pilar e da Irmandade Nossa Senhora do Rosário.
Das 16h às18h30 min – Atendimento individual dos fiéis em confissão.
18h30 min – Celebração Comunitária do Perdão
19h30 min – Santa Missa e Tríduo em honra a Nossa Senhora do Rosário. Participação do Coral
“Francisco Gomes da Rocha”.
SEXTA–FEIRA, DIA 7 DE OUTUBRO – PRIMEIRA SEXTA–FEIRA DO MÊS
DIA DE NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO
Repique festivo dos sinos às 6, 12, 15 e 18 horas.
15h – Recitação do Rosário de Nossa Senhora com a participação dos Irmãos do Rosário.
18h – Adoração ao Santíssimo Sacramento com a participação do Apostolado da Oração.
18h50 min – Cortejo festivo, conduzindo a Bandeira do Rosário e estandartes dos santos comemorados no
mês, saindo da residência da irmã do Rosário, Sra. Maria Aparecida Santos Albergaria, rainha festeira
2016, situada na Travessa Padre Pedro Arbues da Conceição, n. 84, até a igreja de Nossa Senhora do
Rosário, com a presença das Ordens Terceiras e Irmandades de Ouro Preto. À chegada do cortejo, solene
Missa Cantada com a participação do Coral Pequenos Cantores do Pilar. Após a Missa, levantamento do
mastro com a participação do Congado de Nossa Senhora das Graças.
SÁBADO, DIA 8 DE OUTUBRO – DIA DO NASCITURO E LANÇAMENTO DA CAMPANHA
OUTUBRO ROSA
19h – Oração do Terço de Nossa Senhora com a participação do MFC e Pastoral Familiar, Pastoral da
Saúde e AVOSCOP.
19h30 min – Santa Missa e bênção especial para as mulheres grávidas. Após a Missa, assembleia dos
Irmãos de Nossa Senhora do Rosário, apresentação dos futuros irmãos candidatos a participarem da
Irmandade.
DOMINGO, DIA 9 DE OUTUBRO
15h30 min – Oração do Terço de Nossa Senhora, com a participação do Grupo de Oração de Nossa
Senhora das Mercês e Misericórdia.
16h – Santa Missa.

325 
 
SEGUNDA–FEIRA E TERÇA–FEIRA, DIAS 10 e 11 DE OUTUBRO
18h30 min – Oração do Terço de Nossa Senhora com a participação dos moradores das Ruas Prof.
Antônio de Paula Ribas (2a feira), Bernardo Guimarães e Thomé Affonso (3a feira).
19h – Santa Missa.
QUARTA–FEIRA, DIA 12 DE OUTUBRO – DIA DE NOSSA SENHORA APARECIDA,
PADROEIRA DO BRASIL
15h30 min – Oração do Terço de Nossa Senhora com a participação do Terço das Crianças “Sagrado
Coração de Maria”.
16h – Santa Missa. Coroação da imagem de Nossa Senhora com a participação dos “Anjinhos do Pilar”.
Consagração das crianças e dos adolescentes a Nossa Senhora. A seguir, homenagem da Irmandade às
crianças presentes. Apresentação artística do Grupo do Terço das Crianças.
QUINTA E SEXTA–FEIRA, DIAS 13 e 14 DE OUTUBRO
Dia 13, quinta–feira, às 18h20 min – Oração do Terço de Nossa Senhora com a participação dos
moradores do Largo do Rosário.
19h – Leitura Orante da Bíblia.
Dia 14, sexta–feira, às 19h – Oração do Terço de Nossa Senhora com a participação da Casa de
Recuperação “Lírios do Campo”.
SÁBADO, DIA 15 DE OUTUBRO – DIA DE SANTA TEREZA D’ÁVILA
18h30 min – Oração do Terço de Nossa Senhora com a participação de educadores representando as
Escolas de Ouro Preto.
DOMINGO, DIA 16 DE OUTUBRO – DIA DE SANTA EDWIGES
15h30 min – Oração do Terço de Nossa Senhora com a participação dos trabalhadores da Educação, da
Saúde, Pastoral da Saúde, cuidadores (as) e AVOSCOP, lembrando a Santa do dia e São Lucas, celebrado
no dia 18.
16h – Santa Missa. Posse de novos irmãos do Rosário com renovação dos votos da Irmandade. Abertura
dos novos livros da Irmandade.
SEGUNDA, TERÇA, QUARTA, QUINTA E SEXTA – DIAS 17, 18, 19, 20 e 21 DE OUTUBRO –
SEMANA DE ESTUDO E REFLEXÃO MISSIONÁRIA
TEMA: CUIDAR DA CASA COMUM É A NOSSA MISSÃO – LEMA: “DEUS VIU QUE TUDO ERA
MUITO BOM” (GN 1,31)
19h, diariamente, exceção para a 3a feira, dia 18 – Oração do Terço de Nossa Senhora com cânticos e
meditações em seu louvor, em caminhada ao redor da igreja do Rosário e estudo do tema do Mês das
Missões, com a participação de convidados.
Dia 17, segunda–feira – Reza do terço com a participação do Terço dos Homens de Cachoeira do Campo.
Dia 18, terça–feira, às 18h30 min – Reza do terço com a participação dos Crismandos 2016/2017.
Dia 19, quarta–feira – Reza do terço com a participação do Terço dos Homens da Capela do Bom Fim.
Dia 20, quinta–feira – Reza do terço com a participação do Terço dos Homens de São Sebastião.
Dia 21, sexta–feira – Reza do terço com a participação do Terço dos Homens Nossa Senhora de Lourdes.
SÁBADO, DIA 22 DE OUTUBRO
9h – Encontro da Comissão de Articulação da Pastoral Afro–Brasileira da Arquidiocese de Mariana.
20h – Santa Missa com a participação da Pastoral Afro–Brasileira da Arquidiocese de Mariana, Pastoral
da Juventude e do Movimento EJC.
DOMINGO, DIA 23 DE OUTUBRO – Reinado de Nossa Senhora do Rosário
9h – Chegada dos Congados.
11h – Louvor a Nossa Senhora com a participação das Guardas de Congo.
15h – Procissão, saindo da casa da rainha festeira 2016, até a Igreja de Nossa Senhora do Rosário.
16h – Santa Missa, seguida da Coroação das Três Coroas de Nossa Senhora do Rosário. Participação do
“Coro dos Amigos de Sara”.
SEGUNDA–FEIRA, DIA 24 DE OUTUBRO
18h30 min – Oração do Terço a Nossa Senhora com a participação do Cursilho da Cristandade.
TERÇA–FEIRA, DIA 25 DE OUTUBRO – INÍCIO DO TRÍDUO FESTIVO EM HONRA A SÃO
JUDAS TADEU
18h30 min – Oração do Terço de Nossa Senhora com a participação do Terço dos Homens do Lar São
Vicente de Paula.

326 
 
19h – Santa Missa. Início do Tríduo com diretório próprio em honra a São Simão e a São Judas Tadeu.
Participação do Coro “Auxílium Christianórum”.
QUARTA–FEIRA, DIA 26 DE OUTUBRO – SEGUNDO DIA DO TRÍDUO FESTIVO EM HONRA A
SÃO JUDAS TADEU
18h30 min – Oração do Terço de Nossa Senhora com a participação dos Catequistas.
19h – Missa e segundo dia do Tríduo em honra a São Simão e a São Judas Tadeu.
QUINTA–FEIRA, DIA 27 DE OUTUBRO – TERCEIRO DIA DO TRÍDUO FESTIVO EM HONRA A
SÃO JUDAS TADEU
DIA DE SANTO ELESBÃO
18h – Leitura Orante da Bíblia.
19h – Missa e terceiro dia do Tríduo em honra a São Simão e a São Judas Tadeu.
SEXTA–FEIRA, DIA 28 DE OUTUBRO – DIA DE SÃO SIMÃO E DE SÃO JUDAS TADEU
Repique festivo dos sinos às 12h, 15h e 18h.
18h30 min – Oração do Terço de Nossa Senhora com a participação especial dos devotos de São Judas
Tadeu e São Simão.
19h – Missa Festiva com a participação do Coral Nossa Senhora Aparecida.
SÁBADO, DIA 29 DE OUTUBRO
18h30 min – Cântico do Ofício de Nossa Senhora com a participação da Irmandade do Rosário,
Congregação Mariana, Legião de Maria e devotos de Nossa Senhora.
DOMINGO, DIA 30 DE OUTUBRO – AÇÃO DE GRAÇAS PELO MÊS DO ROSÁRIO
15h – Oração do Rosário de Nossa Senhora com a participação da Irmandade de Nossa Senhora do
Rosário.
16h – Santa Missa em Ação de Graças pelo Mês do Rosário.
SEGUNDA–FEIRA, DIA 31 DE OUTUBRO
18h30 min – Louvores a Nossa Senhora com Cântico Solene do Ofício de Vésperas, com a participação
dos devotos de Nossa Senhora e da Irmandade Nossa Senhora do Rosário dos Pretos. Descendimento da
Bandeira pela Guarda de Congo e encerramento do Mês do Rosário.
Figura 6. 207– Programação do mês do Rosário de 2016. 
Fonte: OURO PRETO.COM.BR (2016). 
 

As comemorações em homenagem a Nossa Senhora do Rosário contam com o apoio da Secretaria de 
Estado  de  Cultura  e  do  Fundo  Estadual  de  Cultura,  Prefeitura  Municipal  de  Ouro  Preto,  e  de  outras 
instituições como: 
 Associação Amigos do Reinado de Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia; 
 Paróquia de Santa Efigênia do Alto da Cruz; 
 Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia do Alto da Cruz; 
 Irmandade de Santa Efigênia; 
 Guarda de Congo de Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia; 
 Guarda de Moçambique de Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia; 
Uma importante referência de lugar para essas práticas culturais relativas às Congadas de Minas na sede 
de Ouro Preto, é a atual igreja de Nossa Senhora do Rosário (Figura 6.208). Sua construção ocorreu em 
1765, substituindo a primitiva capela, datada de 1709, que, de 1731 a 1733 –– período de construção da 
Matriz do Pilar –– esteve guardado o Santíssimo Sacramento da Paróquia. Com traçado elíptico, é ponto 
alto da arquitetura barroca mineira. Os traçados da empena e do frontispício são atribuídos a Manuel 
Francisco de Araújo. No interior da igreja, em sua nave central, se destacam seis altares laterais e dois 
púlpitos  com  base  de  granito  e  varanda  de  ferro,  além  do  detalhe  da  pedra  esculpida  em  forma  de 
concha. 

327 
 
 
Figura 6.208 – Igreja de Nossa Senhora do Rosário, na sede de Ouro Preto. 
Fonte: MUNDO CARACOL (2015). 
 

A  Irmandade  de  Nossa  Senhora  do  Rosário  dos  Pretos,  localizada  na  freguesia  de  Nossa  Senhora  do 
Pilar,  foi  erguida  em  1715,  em  sua  Matriz,  e  transferiu–se  para  templo  próprio  em  1716,  situado  no 
bairro do Caquende de Vila Rica (que parece significar cá–aquém de Vila Rica, pois, dali, partia–se para a 
Estrada Real).  

Já  o  Reinado  de  Nossa  Senhora  do  Rosário  e  Santa  Efigênia,  no  ano  de  2016,  teve  a  seguinte 
programação:  no  domingo,  dia  10  de  janeiro,  foi  marcado  pela  presença  de  várias  guardas  que 
trouxeram  os  sons  de  seus  tambores,  as  cores  de  seus  uniformes  e  os  ritmos  de  suas  danças  pelas 
ladeiras  de  Ouro  Preto,  principalmente  nos  bairros  do  Alto  da  Cruz,  Antônio  Dias  e  Santa  Efigênia. 
Estiveram presentes Guardas de Ouro Preto e de várias outras cidades. 

A festa do Reinado no Brasil, com devoção aos santos negros, como Nossa Senhora do Rosário, Santa 
Efigênia e São Benedito, são manifestações culturais presentes em diversas localidades, principalmente 
em  Minas  Gerais.  O  Congado,  o  Congo  ou  Congadas  são  elementos  integrantes  do  Reinado,  e 
simbolizam o cortejo dos negros que reverenciam os santos de devoção, envolvendo a coroação do rei e 
da rainha do Congo. 

A origem do Congado em Minas Gerais, está envolta em mitos, sendo um dos mais populares a história 
relacionada à figura lendária de Francisco da Natividade, o Chico Rei, que teria vivido em Vila Rica, por 
volta  do  século  XVIII.  Segundo  a  lenda,  depois  de  alforriado,  Chico  Rei,  que  havia  sido  rei  da  nação 
Moçambique,  antes  de  ser  vendido  como  escravo,  conseguiu  alforriar  seu  filho  e  outros  membros  da 

328 
 
nação,  organizando–os  em  torno  da  Irmandade  do  Rosário  e  de  Santa  Efigênia.  No  Dia  de  Reis,  6  de 
janeiro, ele  e sua família  eram  conduzidos em cortejo pela  irmandade e  coroados na Capela de Santa 
Efigênia.  Após  a  coroação,  Chico  Rei  e  sua  família  desfilavam  pelas  ruas  de  Vila  Rica,  embaixo  de  um 
pálio e escoltada por uma guarda de moçambicanos. Estava assim criada a festa do Reinado em Minas 
Gerais. 

Nesse  sentido,  durante  a  semana,  entre  os  dias  01  e  08  de  janeiro,  Ouro  Preto  revive  essa  festa,  e  a 
programação  conta  com  palestras,  tríduo  festivo,  procissão,  e  no  domingo,  o  grande  cortejo  com  a 
participação de diversas Guardas de Congo da região e do estado, encerrando os festejos com a Missa Conga. 

Em Ouro Preto, existem várias guardas ou grupos de congadas, como a Guarda de Nossa Senhora das 
Graças, composta pelos alunos da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) de Ouro Preto. 
A festa na APAE, segundo o capitão Kedson Geraldo, acorre no mês de novembro, em comemoração à 
semana da Consciência Negra. A responsável pela organização da festa é a senhora Silvana, professora 
aposentada, mas que ainda colabora com os alunos especiais. 
As  Figuras  6.209  e  6.210  apresentam  a  Guarda  de  Congado  de  Nossa  Senhora  do  Rosário  e  Santa 
Efigênia  da  sede  de  Ouro  Preto.  A  Figura  6.211  apresenta  a  Guarda  de  Congo  Manto  Azul  de  Nossa 
Senhora Aparecida da sede de Ouro Preto. 

     
Figura 6.209 – Guarda de Congado de Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia em Ouro Preto. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 

 
Figura 6.210 – Guarda de Congado de Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia em Ouro Preto. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 

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Figura 6.211 – Guarda de Congo Manto Azul de Nossa Senhora Aparecida em Ouro Preto. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

                                                      
Já  a  Figura  6.212  apresenta  a  Guarda  de  Congado  de  Nossa  Senhora  do  Rosário  e  Santa  Efigênia  do 
distrito  de  Miguel  Burnier,  em  Ouro  Preto,  capitaneado  pelo  Sr.  Xistos  da  foto.  Segundo  o  capitão 
Kedson Geraldo, a festa de louvor a Nossa Senhora do Rosário acontece em 17 de setembro. 
 

   
Figura 6.212 – Guarda de Congado de Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia do distrito de Miguel 
Burnier, em Ouro Preto, e foto de capitão Xisto. Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 
                                                      

A  maioria  dos  dançadores  do  grupo  do  capitão  Xistos  mora  em  Congonhas.  A  capitã  Silvania,  em 
entrevista  realizada  na  sede  de  Ouro  Preto  sobre  a  Guarda  de  Capitão  Xistos  do  distrito  de  Miguel 
Burnier disse o seguinte:  

“Ou  mora  em  Congonhas  ou  mora  em  Lafaiete,  uma  ou  outra.  Então  o  que 
acontece?  Acaba  se  perdendo,  porque  a  tradição  daquele  recinto,  daquele 

330 
 
povo, acaba se desmembrando porque eles vão aprender outro tipo de coisa. E 
o  território  onde  eles  nasceram  tem  muita  influência  pra  questão  de 
reproduzir  tudo.  Quando  ele  vai  pra  outro  território,  diferente,  com  outras 
dinâmicas, isso acaba. Vão ficar distantes. Porque é muito mais prático eu lutar 
por uma coisa nova do que lutar por uma coisa antiga que só eu vou lutar por 
aquilo (Silvania, em entrevista realizada em 23/09/2017). 
6.11.3.1 Guarda de Congado de Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia 
 Capitã Silvania Aparecida dos Santos Borges, 51 anos. 

Silvania  Aparecida  dos  Santos  Borges  é  casada,  tem  52  anos  de  idade,  três  filhos  e  três  netos.  É 
professora aposentada de um cargo, mas voltou para trabalhar. Seu início no congado, conta ela, a faz 
relembrar momentos de sua infância. Naquela época, era do Congado de Santa Efigênia; o capitão não 
era o pai de Rodrigo, era um senhor chamado seu Porfírio:  

“Eu  tinha  aquele  gostar  que  você  não  sabe  explicar  de  onde  vem.  Tinha  uma 
coisa. E eu fui pra APAE e fiquei uns anos. Nós tínhamos em agosto a Semana do 
Excepcional,  e  tínhamos  que  fazer  uma  atividade  educativa.  Aí,  eu  propus  o 
pessoal pra gente fazer um congado. Isso foi em agosto de 2002. Eu e mais duas 
professoras  fomos  chamando  os  meninos,  mas  só  que,  perto  de  minha  casa 
tinha um congadeiro chamado Zé Lopeiro, que era dessa guarda antiga. Aí nós 
chamamos  ele,  e  ele  foi  lá  pra  APAE  e  ensinou  pros  meninos  o  toque;  pros 
meninos,  não,  ensinou  pra  gente  o  toque,  música,  dança,  e  a  gente  foi 
aprimorando. Nós fomos conhecendo, fomos captando, buscando e fazendo do 
nosso jeito. A gente foi dando uma identidade pra isso, mas, até então, era pra 
fazer uma apresentação.” (Silvania, em entrevista realizada em 23/09/2017) 
A guarda da capitã Silvania é composta por pessoas excepcionais, que são atendidas pela Associação de 
Pais  e  Amigos  dos  Excepcionais  (APAE)  de  Ouro  Preto.  Tudo  começou  com  uma  parte  educativa  e 
acabou se transformando num congado, ressaltou a capitã:  

“A gente está lutando contra a maré já faz muito tempo. Porque é muito difícil, a 
gente ter “ajuda”. Porque conforme for o governo que vem, se ele quer apoiar a 
cultura, a gente tem, agora se não quer, a gente fica à míngua. Ou então aquele 
que  não  ajudou  em  nada  deixou  uma  dívida  tremenda,  aquele  que  está  agora 
não  pode  ajudar  porque  está  devendo.  Então  a  vida  nossa  é  um  desespero, 
sabe?  Eu  estou  com  dívida  pra  pagar,  porque  eu  assumi,  eu  não  tive  nada  do 
Poder  Público,  eu  assumi  uma  dívida.  E  eu  sozinha,  não  dou  conta  de  pagar.” 
(Silvania, em entrevista realizada em 23/09/2017). 
Mesmo enfrentando dificuldades financeiras, a capitã ressalta que foram poucas as vezes que deixou de 
pagar visitas. Para ela, há, de algum modo, ajudas sobrenaturais que contribuem para que a guarda não 
fique sem homenagear Nossa Senhora do Rosário:  

331 
 
“Mas eu acho assim, é o  tal do sobrenatural que você não sabe  de onde vem, 
muitas  vezes  você  não  sabe.  Só  sei  que  povo  começou  a  chamar  a  gente  para 
fazer apresentação. E nessa guarda tinha evangélico, tinha espírita, tinha tudo. 
Os  meninos  queriam  entrar,  a  gente  punha  aquela  montueira  de  menino  e  o 
trem  funcionava,  o  trem  ficava  bonito.  Começaram  a  chamar,  a  gente  foi, 
apresenta  aqui,  apresenta  ali.  Quando  foi  em  2006,  a  integrante  que  era 
presidente  da  Comissão,  que  é  a  Solange  Palácio,  deu  um  ultimato  pra  gente: 
‘Ou vocês ficam ainda parafolclóricos, apresentando aqui e ali, ou vão se tornar 
um  congado  de  tradição!’  Eu  falei  ‘tradição’.  Todo  mundo  que  estava  junto 
comigo  caiu  fora.  Fiquei  eu  sozinha  com  os  meninos.”  (Silvania,  em  entrevista 
realizada em 23/09/2017) 

O  que  era  para  ser  apenas  um  projeto  educativo,  que  passou  a  ser  um  grupo  meio  parafolclórico, 
transformou–se no que a capitã chamou de tradicional, isto é, assumiu a devoção aos santos negros:  

“Agora  nós  vamos  assumir  a  religiosidade.  Religião  aí.  Quando  eu  falei  ‘Nós 
vamos  assumir  os  preceitos,  a  devoção’.  Porque  aquele  trem  estava  mexendo 
demais  comigo  [acaba  se  envolvendo].  Aí,  todo  mundo  saiu,  eu  fiquei  com  os 
meninos. Só tem que os meninos também foram saindo, saindo, eu fiquei com 
uns nove. Nós éramos eu e mais nove, depois foram nascendo. Quando foi em 
2010, minha neta Maria Eduarda nasceu, encaixei ela, depois encaixei meu filho. 
Foi  chegando  outro  e  foi  entrando.  Então  hoje  eu  estou  com  um  problema  no 
joelho, a minha neta que eu falei, a Maria Eduarda, ela assumiu.” (Silvania, em 
entrevista realizada em 23/09/2017). 

Em  novembro  de  2017,  contou  Silvania,  que  completou  15  anos  que  o  Poder  Público  local  doou  as 
fardas para a guarda. Atualmente, a guarda conta com aproximadamente 20 integrantes.  

Questionada  sobre  a  vertente  religiosa  que  a  guarda  assumiu,  Silvania  reforça  que  a  pessoa  que 
colaborou  para  o  início  de  sua  guarda  foi  o  já  falecido  José  Lourenço  Ferreira,  que  era  da  Guarda  de 
Santa Efigênia, da época do seu Porfírio. E sobre o processo de aprendizado do congado, Silvania disse 
"meus meninos (referindo–se às crianças da APAE) podem não saber ler, podem não ser alfabetizados, 
mas eles são letrados e eles conseguem absorver a partir de outras linguagens" (Silvania, em entrevista 
realizada  em  23/09/2017).  A  guarda  é  composta  por  meninos  e  meninas  com  deficiência  auditiva, 
esquizofrenia, retardo mental, condições que, segundo a capitã Silvania, não faz diferença: 

“Eu  costumo falar  que o  congado  para os meus  meninos é a inclusão que eles 


tanto  ficam  vangloriando  por  aí.  Eu  debati  isso  na  faculdade,  o  congado  como 
forma  de  letramento,  depois  eu  fiz  minha  especialização  em  deficiência.  Outra 
vez eu mostrei como o congado pode aprimorar o impacto de uma deficiência.” 
(Silvania, em entrevista realizada em 23/09/2017) 

332 
 
Sobre a dinâmica das festas da guarda, Silvania contou, na entrevista, que na APAE a festa acontece em 
dois  dias.  Levantam  as  bandeiras  na  sexta–feira  à  noite,  e  no  sábado  faz  a  coroação  dos  reis  e  o 
levantando dos mastros. Todo o corpo docente da APAE se mobiliza durante a festa.  

Já  sobre  os  instrumentos,  a  capitã  Silvania  conta  que,  quando  começou  o  congado,  as  caixas  foram 
doadas por um amigo:  

“Fomos  arrumando  uns  instrumentos;  outros  foram  catando  daqui,  outros 


foram catando dali, a Prefeitura, na época, deu duas caixas. Aí nós ficamos com 
aquilo.  No  Festival  de  Inverno,  o  pessoal  dos  Arturos  veio  pra  ensinar  a  fazer 
instrumento.  Aí,  veio  ensinar  na  oficina.”  (Silvania,  em  entrevista  realizada  em 
23/09/2017). 

A  Guarda  de  Congado  de  Nossa  Senhora  do  Rosário  e  Santa  Efigênia  da  APAE  de  Ouro  Preto  utiliza 
pandeiro,  xique–xique  e  as  caixas;  não  utiliza  sanfona  nem  instrumento  de  corda.  Outro  parceiro  da 
guarda é a Comissão Ouropretana de Folclore, que tem como presidente o Sr. Edivaldo Borges, marido 
da Sra. Silvania. 
6.11.3.2 Guarda de Congo Manto Azul de Nossa Senhora Aparecida em Ouro Preto 
 Capitã Jussara Fernanda da Silva, 40 anos 

Jussara  Fernanda  da  Silva,  casada  e  natural  de  Ouro  Preto.  É  a  primeira  capitã  da  Guarda  de  Congo 
Manto  Azul  de  Nossa  Senhora  Aparecida  e  São  Benedito,  que  foi  fundada  no  dia  27  de  julho,  dia  de 
Nossa  Senhora  Santana,  no  ano  de  2013.  A  segunda  capitã  é  Joice.  A  capitã,  antes  de  ter  seu  próprio 
congo, participava da Guarda da Santa Efigênia, mas já havia sido despertada para criar seu grupo. Sobre 
o início de sua jornada no congado, Jussara relatou: 

“A gente ia lá fazer as oração pra gente, o terço e tudo, tudo direitinho, aí deu 
aquela vontade, né? De desenhar uma roupa no papel. Aí eu desenhei a roupa, 
tudo bonitinho. Estava uma amiga minha do meu lado eu falei: ‘Acho que eu vou 
montar meu congado’. Deu briga lá com eles, mas eu falei: ‘Nós vamos montar!’ 
Aí, a gente foi e pediu um amigo meu, ele pegou  e deu o pano, deu as coisas, 
deu tudo, deu tambor. E eu falei: ‘Vamos montar mesmo, vamos montar.’ E veio 
tudo na mão direitinho.” (Jussara, em entrevista realizada em 24/09/2017). 

A  vestimenta  da  guarda  é  uma  calça  branca,  sete  fitas  colorizadas  na  barra  da  calça,  saia  branca,  em 
volta  da  saia,  todas  as  fitinhas  coloridas  e  a  blusa  branca,  e  o  manto  de  Nossa  Senhora  azul  (Figura 
6.213), com lenço branco na cabeça. 

333 
 
 
Figura 6.213 – Capitã Jussara segurando o manto azul que os integrantes usam quando a guarda se 
apresenta. 
Fonte:  Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Quando a guarda começou, eram 40 pessoas, entre adultos e crianças. Os ensaios são no espaço na Casa 
de Cultura, na Rua Santos Dumont, aos sábados. "A gente vai lá, ensaia um pouquinho com as crianças. 
Mas  aí  foi  diminuindo,  depois  desses  três  anos  pra  cá,  a  guarda  deu  uma  diminuída.  Foram  saindo 
algumas, mas as crianças não, elas ficaram”. (Jussara, em entrevista realizada em 23/09/2017). 

Sobre a festa da guarda, Jussara explica que acontece no dia 19 de novembro e relatou sua dinâmica. A 
festa da guarda acontece na Capela de Santa Luzia, com direito a levantamento da bandeira no sábado. 
No domingo de encerramento, realizam–se as visitas das guardas de fora: 

“Então, eu tive que aprender um monte de coisa também, porque a gente acaba 
aprendendo  com  os  amigos,  congadeiros,  vendo  eles  levantar  uma  bandeira, 
como é o trajeto, como é a referência ao rei ou à rainha. Então, assim, aprender 
e aprender toda vida, toda vez que a gente for em alguma festa.” (Jussara, em 
entrevista realizada em 23/09/2017). 

Em relação aos instrumentos usados pela guarda, foi possível perceber, durante a entrevista, que eles 
ficam guardados no mesmo espaço onde a capitã Jussara realiza os seus trabalhos religiosos, no templo 
de  religião  de  matriz  africana  que  ela  denomina  de  Congo  Vovó  Maria  Conga.  Entre  os  instrumentos, 
havia  tambores  (caixas),  pandeiros  e  xique–xique  (Figura  6.214).  A  guarda  não  possui  uma  sede  onde 
possa guardar os instrumentos e adereços, e realizar os ensaios. De forma improvisada, a capitã destina 
um espaço de sua residência para tal fim. 

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Figura 6.215 – Altar do Congo Vovó Maria Conga e parte dos instrumentos usados pela Guarda de 
Congo Manto Azul.  
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 

Entre as inúmeras dificuldades que a capitã enfrenta para dar continuidade à tradição da congada em 
Ouro  Preto,  estão  os  problemas  financeiros  para  manter  o  grupo  no  que  tange  à  compra  de 
instrumentos e vestimentas, e os conflitos com os padres.  
6.11.3.3 Guarda de Moçambique de Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia 
 Capitão Kedson Geraldo, 26 anos 

Em 2015, a região do bairro Alto da Cruz ganhou uma nova guarda, o Moçambique de Nossa Senhora do 
Rosário  e  Santa  Efigênia,  capitaneado  por  Kedson  Geraldo.  Em  setembro  de  2015,  durante  as 
celebrações  da  Festa  de  Santa  Efigênia,  houve  a  coroação  dos  reis  dessa  guarda,  que  é  o  primeiro 
Moçambique de Ouro Preto.  

A Guarda de Moçambique de Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia do Alto da Cruz foi fundada em 
23 de abril de 2015. Sobre o nome Alto da Cruz, o capitão Kedson teceu o seguinte comentário: 

“No Alto da Cruz, antes de existir a igreja, existia apenas um cruzeiro. Os negros 
não  podiam  entrar  na  igreja  de  forma  alguma,  só  podiam  ficar  fora  da  igreja. 
Desde  lá  da  África,  eram  considerados  seres  sem  alma.  Eram  pagãos,  por  isso 
eram  batizados,  quando  chegavam  aqui  no  Brasil,  com  nomes  de  portugueses, 
como  Maria,  Francisco,  José.  E,  aí  no  alto  da  cruz,  eles  ajoelhavam,  rezavam  e 
pediam  para  a  Santa  Cruz  que  protegesse  eles  do  vento  e  do  frio  e,  se 
alcançassem a graça no dia prometido, eles celebrariam e enfeitariam a cruz. Daí 
vem  a  tradição  de  enfeitar  as  cruzes  das  portas  das  casas  até  hoje,  em  Ouro 
Preto. A cruz é o símbolo de vitória sobre a morte. E aí veio o nome de Alto da 
Cruz,  onde  hoje  é  a  igreja  de  Santa  Efigênia.”  (Capitão  Kedson  Geraldo,  em 
entrevista realizada em 23/09/2017) 

335 
 
Aos  13  anos,  o  capitão  Kedson  Geraldo  já  participava  do  grupo  de  congado  do  capitão  Rodrigo.  Sua 
família, como ele disse, já atuava com Folia de Reis e congadas, e sempre o incentivou a participar das 
festas de congadas que aconteciam nas cidades vizinhas.  

Em 2009, aconteceu o primeiro Reinado de Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia, em Ouro Preto, 
sob o comando da Associação de Congado atual. Porém o Reinado já existia, segundo Kedson Geraldo, e 
contava com apoio do Fórum da Igualdade Racial da Prefeitura Municipal de Ouro Preto. O Reinado do 
Alto  da  Cruz,  que  acontece  no  mês  de  janeiro,  e  que  também  homenageia  Chico  Rei,  foi  realizado  na 
Igreja  de  Santa  Efigênia,  com  a  presença  de  vários  grupos,  incluindo  o  Moçambique.  Desde  esse  ano, 
que  a  “festa  deslanchou,  o  grupo  aumentou  e  ficou  com  mais  visibilidade  na  cidade;  aí  passei  a 
pesquisar sobre o assunto", ressaltou Kedson. 

De acordo com o capitão Kedson Geraldo, a tradição das congadas foi introduzida no Brasil através de 
Chico  Rei.  A  festa  de  Reinado  apresenta  a  seguinte  configuração:  um  trono  coroado,  que  é  composto 
pelo  “rei  de  promessa”  (aquele  que,  se  alcançar  a  graça,  promete  ser  rei  por  tanto  tempo),  o  “rei  de 
Santa Efigênia”, de São Benedito ou de Nossa Senhora do Rosário, o “rei perpétuo” e o “rei festeiro”, 
que  ajuda  só  nos  preparativos  da  festa.  E,  para  proteger  esse  trono  coroado,  existe  a  Guarda  de 
Moçambique,  

“....daí,  a  gente  falar  que  o  moçambique  é  'pé  de  coroa'.  O  moçambiqueiro 


representa os escravos mais velhos, que ainda estavam trabalhando, por isso a 
gente  carrega  as  gungas  nas  canelas,  que  simbolizam  as  correntes  que  os 
escravos carregavam no pé, na canela. Antes, um instrumento de martírio; hoje, 
um  instrumento  de  liberdade.  Então,  quando  a  gente  fazia  o  Reinado,  sempre 
precisava  chamar  uma  Guarda  de  Moçambique  de  fora  para  guardar  o  nosso 
trono  coroado.  Hoje,  a  gente  tem  nossa  própria  guarda.”  (Capitão  Kedson 
Geraldo, em entrevista realizada em 23/09/2017). 

Foi  através  de  processo  de  pesquisa,  através  de  filmes  e  documentários  que  retravam  a  origem  das 
congadas em Minas Gerais, como o longa–metragem Chico Rei (1985), dirigido por Waler Lima Jr., e com 
algumas  cenas  rodadas  em  Ouro  Preto,  no  ano  de  1979,  que  o  capitão  teve  a  ideia  de  recriar  uma 
Guarda de Moçambique: 

 “Aqui  na  serra  de  Ouro  Preto,  Antiga  Vila  Rica,  o  Chico  Rei  era  escoltado, 
sempre  andando  com  um  capitão  de  moçambique,  que  era  chamado  capitão 
Salomão. Então a gente pegou e resolveu dar continuidade a esse moçambique 
que  já  existiu  aqui,  mas  que  já  tinha  acabado.”  (Capitão  Kedson  Geraldo,  em 
entrevista realizada em 23/09/2017). 

Embora para alguns desavisados e apreciadores das festas de congadas, os grupos pareçam ser iguais, 
eles  diferem  não  somente  nos  trajes  e  performances.  Dependendo  se  for  do  tipo  congado,  catupé, 
marujo ou Moçambique, suas funções no Reinado são díspares:  

336 
 
“A  Guarda  de  Moçambique  protege  o  nosso  Reinado,  enquanto  o  congado  ele 
vai na frente abrindo os caminhos, pra limpar e trazer energia boa, por isso que 
seus  integrantes  vão  cantando,  dançando  e  pulando.  Eles  representam  os 
negros  mais  novos,  ansiosos  pela  liberdade.  O  cântico  é  mais  alegre,  levam 
flores,  se  enfeitam.  Outros  usam  espelho  que  reflete  o  mal.”  (Capitão  Kedson 
Geraldo, em entrevista realizada em 23/09/2017). 

A  preparação  do  capitão  Kedson  Geraldo  durou  sete  anos,  até  estar  pronto  para  se  tornar  capitão  da 
Guarda de Moçambique. O grupo possui 25 integrantes, a maioria adolescentes, no entanto, não dispõe 
de  uma  sede  própria,  os  instrumentos  e  adereços  são  guardados  na  casa  do  capitão.  Por  sua  vez,  os 
ensaios são realizados no adro da Igreja de Santa Efigênia no Alto da Cruz.  

O grupo não recebe apoio ou incentivo financeiro para realizar suas atividades. As compras de fardas, 
instrumentos,  transportes  para  as  pagas  de  visitas,  são,  portanto,  custeados  através  de  seus  próprios 
integrantes, que ajudam conforme suas posses. 

A  Figura  6.216  apresenta  a  Guarda  de  Moçambique  de  Nossa  Senhora  do  Rosário  e  Santa  Efigênia 
durante os festejos em homenagem a Nossa Senhora das Mercês de Baixo, que aconteceu no mês de 
setembro  de  2017.  A  guarda  do  capitão  Kedson  Geraldo  estava  “fundida”  com  o  Congado  de  Nossa 
Senhora do Rosário e Santa Efigênia do Alto da Cruz, da capitã Kátia Silvério, sua irmã. Por isso, havia 
tantos dançadores de ambas as guardas, mas o comando era do capitão Kedson Geraldo. 
 

                        

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Figura 6.216 – Guarda de Moçambique de Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia, durante a Festa 
de Nossa Senhora das Mercês de Baixo, em Ouro Preto. Detalhe para o padre está entre o capitão 
Kedson Geraldo e a capitã Kátia. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Na ocasião dos festejos, foi possível acompanhar desde a entrada da guarda às dependências da igreja, 
como  o  hasteamento  do  mastro  de  Nossa  Senhora  das  Mercês  (Figura  6.217),  que  ocorreu  após  a 
novena,  no  dia  24  de  setembro.  Terminada  a  solenidade,  os  fiéis  saíram  da  igreja  em  procissão, 
juntamente com a guarda, conduzindo a bandeira da Santa até o adro da igreja, para acompanhar seu 
hasteamento. 

                          

                           
Figura 6.217 – Guarda de Moçambique de Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia durante o 
levantamento do mastro na festa de Nossa Senhora das Mercês de Baixo, em Ouro Preto. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 

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6.11.4  OFÍCIO DE QUINTANDEIRAS 

 Sandra Rosa de Matos Silva, 35 anos 

 Magna Crispim da Costa, 40 anos 

 Maria das Graças Alves Viana, 43 anos 

 Geralda Aparecida Santos, 48 anos  

 Maria das Dores, 49 anos 

 Pia Márcia de Carvalho 

Sandra Rosa de Matos Silva é natural do distrito de Santa Rita de Ouro Preto (Figura 6.218), divorciada e 
mãe  de  três  filhos.  Além  de  dona  de  casa,  se  reconhece  detentora  do  ofício  de  quitandeira  e  boleira, 
embora diga que não possui renda fixa. Também tem a atividade de fotógrafa de casamento e batizado. 

                                  
Figura 6.218 – Igreja de Santa Rita e canteiro central do distrito de Santa Rita de Ouro Preto. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Sobre  o  aprendizado  do  ofício  de  quitandeira  que  obteve  com  sua  mãe,  a  senhora  Maria  de  Lourdes, 
Sandra  relata  que  a  via  fazer  roscas,  bolos  de  fubá,  pudins,  rocambole,  biscoito  de  polvilho  e  cuscuz. 
Porém,  apesar  de  saber  fazer  merendas  que  via  a  mãe  preparar  na  roça,  começou  a  incrementar  os 
produtos. “Eu fui revolucionando, e foi ficando diferente do dela” (Sandra Rosa, em entrevista realizada 
em  27/09/2017).  O  sentido  de  revolucionar  diz  respeito  à  diversificação  de  produtos  comercializados, 
que vai da quitanda ao bolo de casamento. 

Sua  produção  se  dá  a  partir  de  encomendas  que  recebe  por  telefone,  página  pessoal  de  Internet  ou 
grupo  de  WathsApp.  O  rocambole  e  o  bolo  de  aniversário  são  os  produtos  que  têm  mais  saídas,  mas 
também prepara pão de cebola e broas de fubá. Atualmente, divulga os produtos pela Internet, através 
do  grupo  do  WathsApp  de  sua  página  no  Facebook.  Para  a  quitandeira  Sandra,  em  épocas 
comemorativas, como Dia dos Pais, Dia das Mães, fim de ano, há um aumento significativo nas vendas 
de quitanda. 

Também  relatou  que  assa  as  merendas  em  forno  elétrico,  mas  que  as  quitandas  feitas  em  forno  de 
varrer a lenha ficam mais saborosas.  Sobre os ingredientes, Sandra fala que ainda consegue comprar o 
fubá  direito  do  produtor  rural,  que  mói  o  milho  em  moinho  d´água.  O  leite  e  o  queijo  também  são 

339 
 
produzidos no sítio da família; já o polvilho e farinha são comprados na cidade. O doce de leite com coco 
usado para rechear o rocambole é produzido por ela. Nesse caso, compra o coco, rala e faz o doce, não 
compra pronto. 

Magna Crispim da Costa, de 40 anos, é casada e possui três filhos. Maria das Graças Alves Viana, de 43 
anos, tem dois filhos e são vizinhas na localidade de Mata dos Palmitos, no distrito de Santa Rita. Elas 
sempre  trabalharam  com  artesanato  em  pedra  (Figura  6.219),  mas  recentemente  entraram  para  a 
Associação de Agricultores Familiares de Piedade e Região – AAFAPRE.  
 

     
Figura 6.219 – Quitandeiras e artesãs Magna Crispim (em pé) e Maria das Graças (sentada) durante 
entrevista realizada na comunidade Mata dos Palmitos. Imagem com a igreja da comunidade e o campo 
de futebol. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 
Foi ideia do presidente da Associação, Sebastião Ferreira de Guimarães, formar o grupo de quitandeiras. 
São seis mulheres que integram o grupo, que fornecem quitanda através do Programa de Aquisição de 
Alimentos (PAA), e têm como cliente a Prefeitura Municipal de Ouro Preto. As merendas abastecem as 
escolas  municipais  e  algumas  instituições,  como  a  APAE.    Atualmente,  a  presidente  da  Associação  é  
Geralda Aparecida Santos. Há aproximadamente quatro anos, o grupo está desenvolvendo esse trabalho 
de forma coletiva. Apesar de saberem fazer quitandas desde a época de criança, quando ajudavam suas 
mães,  ao  passarem  a  comercializar  as  merendas,  tiveram  que  fazer  alguns  treinamentos  e  cursos  de 
manipulação de alimentos e boas práticas de fabricação, ministrados pela EMATER de Ouro Preto.  

Contaram  que  o  início  foi  difícil  ––  começaram  a  trabalhar  em  uma  casa  alugada  com  um  forno 
improvisado,  depois  foram  para  o  galpão  e,  somente  agora,  conseguiram  uma  Unidade  de 
Beneficiamento de Quitanda (UBQ), com todos os equipamentos necessários para produzir merendas. 
Apesar  de  o  prédio  e  as  instalações  estarem  prontos,  ainda  necessita  do  Alvará  de  funcionamento, 
emitido  pela  Prefeitura.  De  fato,  durante  a  visita  in  loco,  foi  possível  verificar  o  prédio  ainda  fechado, 
mas pronto para receber o grupo de mulheres. 

Hoje, fornecem para a Prefeitura de Ouro Preto e para Belo Horizonte, mas sobre Belo Horizonte não 
souberam dizer se é para a Prefeitura ou para quem é. Quem se encarrega de fazer esses contatos é a 

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irmã  de  Magna,  Geralda.  A  rotina  de  trabalho  varia  de  acordo  com  os  pedidos,  de  modo  que  há 
situações em que precisam trabalhar também aos fins de semana (Magna, em entrevista realizada em 
27/09/2017). 

Sobre o aprendizado, Graça conta: "Nossa mãe fazia no fogão, na panela. E aí nós aprendia, né?" Nas 
casa da mãe delas, havia forno de varrer; hoje é um forno moderno misto, isto é, usa lenha e energia. 
Além  disso,  o  equipamento  é  semiautomático,  pois  os  comandos  são  controlados  por  um  painel 
eletrônico.  Nesse  caso,  a  lenha  é  utilizada  e  de  eucalipto  com  o  registro  e  certificada  pelos  órgãos 
ambientais.  Em  casa,  para  o  consumo  da  família,  elas  fazem  rosquinhas,  broa  de  fubá  e  biscoito  de 
polvilho. 

Para  encomendas  destinadas  às  escolas  do  município,  a  maior  demanda  de  quitanda  são  rosquinha  e 
broinha  de  fubá.  Os  ingredientes  básicos  são  fubá,  ovos  e  leite,  cuja  procedência  é  da  própria 
comunidade. O fubá é moído no moinho e comprado de agricultores das localidades. O lucro obtido com 
a  venda  das  quitandas  é  rateado  por  igual  para  o  grupo  de  mulheres.  Em  relação  à  legalização  da 
Associação, as informantes disseram que, além de ser registrada, conta com 40 famílias associadas em 
Mata dos Palmitos. 

Por serem da Associação  da Agricultura Familiar, alguns ingredientes devem ter origem na agricultura 
familiar, como o fubá, o leite, o queijo, os ovos. Podem comprar poucos ovos quando as galinhas não 
dão conta, nesse caso, vão ao mercado.  

Geralda Aparecida Santos, além de quitandeira, é tesoureira da Associação de Agricultores Familiares e 
Artesanato em Pedra Sabão. Atualmente, é a nova presidente da Associação de Agricultores Familiares 
de Piedade e Região – AAFAPRE, embora durante a entrevista em setembro de 2017, ainda não tivesse 
sido empossada no cargo. Apesar de ter sido eleita, disse ela que não sabe se iria assumir o cargo. Dona 
Geralda é casada e de uma família de sete irmãos.  

Sobre  o  surgimento  do  grupo  de  quitandeiras,  Geralda  falou  que  surgiu  da  ideia  do  presidente  da 
Associação,  depois  de  participar  de  uma  reunião  no  distrito  de  Cachoeira  do  Campo,  durante  uma 
exposição  agropecuária.  Foi  quando  o  grupo  de  mulheres  da  Mata  dos  Palmitos  estabeleceu  uma 
parceria com outro grupo, formado por oito mulheres que produzem quitandas na comunidade vizinha 
da Piedade.  

Juntando  os  dois  grupos,  somam  14  mulheres.  Como  o  grupo  de  Piedade  possui  mais  tempo  na 
atividade, é ele que determina a demanda de quitanda que deve ser produzida pelo grupo da Mata dos 
Palmitos. Toda segunda e terça, é dia de entrega.  

Essa  Associação  dispõe  de  um  caminhão  que  busca  as  encomendas  e  as  entrega.  Porém,  ressaltou 
Geralda, que, apesar de terem menos tempo no ramo de produção de quitanda, a UPQ da comunidade 
da Mata dos Palmitos (Figuras 6.220) foi projetada especificamente para o fim a que se destina. Além 
disso,  possui  equipamentos  modernos  e  as  instalações  estão  de  acordo  com  a  legislação  sanitária,  ao 

341 
 
contrário da UBQ do grupo de Piedade, que teve de adequar a estrutura de uma casa às exigências dos 
órgãos de fiscalização, para poder produzir as quitandas. 

                    

                    
Figura 6.220 – Detalhes da parte externa do prédio da Unidade Processamento de Quitanda (UPQ) da 
comunidade Mata dos Palmitos. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

A  Unidade  de  Processamento  de  Quitanda  (UPQ)  de  Mata  dos  Palmitos  (Figura  6.221)  foi  construída 
com recursos financeiros da Prefeitura Municipal de Ouro Preto. Faltam poucas coisas para receberem o 
Alvará.  Os  equipamentos  também  foram  doados  pela  Prefeitura.  “Há  uma  amassadeira,  mas  a 
modelagem é toda manual", disse Geralda. 

342 
 
     
Figura 6.221 – Detalhes da parte interna (cozinha) da Unidade de Processamento de Quitanda da 
Comunidade Mata dos Palmitos. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 
 

Contou a quitandeira Geralda que, em 2015, o grupo foi à AgroMinas (Feira de Agricultura Familiar de 
Minas Gerais), que, de acordo com ela, não é uma feira só para venda de produtos; foram ministrados 
cursos  e  palestras  destinados  aos  pequenos  produtores  rurais.  Nessa  feira,  informaram–lhe  que  em 
breve,  mas  não  falaram  quando,  será  proibido  comercializar  produtos  “via  Associação”.  Diante  dessa 
informação, no dia seguinte à entrevista, o grupo de quitandeiras de Mata dos Palmitos e o grupo de 
Piedade iam  se reunir com os extensionistas da EMATER  para discutir a  questão da formação de uma 
cooperativa. 

Em relação aos insumos (ingredientes) usados na produção de quitandas, quando alguém vem de Ouro 
Branco ou de Ouro Preto, aproveita e traz. Também costumam comprar no distrito de Santa Rita. Para 
que as quitandas possam ser comercializadas através de compra direta, antes, a produção passa por um 
processo de qualidade que atesta sua liberação. “Lá em Ouro Preto, tem nutricionistas que degustam as 
amostras que são enviadas todo ano. Igual à margarina, não pode ser utilizada se ela não tiver 80% de 
lipídio. O leite é todo fervido.” (Geralda, em entrevista realizada em 27/09/2017). 

Questionadas sobre a quitanda dos tempos de criança e das atuais, se há diferença de gosto, Geralda 
afirma que não, que a única diferença que pode encontrar é em relação aos fornos. Só o forno é que 
muda  o  acabamento,  a  textura,  que  pode  ficar  mais  macia  ou  mais  dura.  Quando  começaram  no 
negócio,  usavam  dois  fornos  de  tambor;  trabalharam  com  eles  por  mais  de  ano,  possuíam  assadeiras 
pequenas e entregavam uma quantia menor de quitandas. 

Entretanto,  Geralda  afirma  que  o  diferencial  estava  aí,  porque  a  “maciez”  das  quitandas  era 
“indiscutível”.  Depois,  com  o  projeto  que  a  Prefeitura  apoiou  (foi  doada  na  época  uma  quantia  de 
R$150.000,00 para a Associação, R$30.000,00 pra compra de equipamentos para as quitandeiras e para 
a Casa do Mel). Quando fizeram o teste no forno industrial a lenha (misto), a merenda ficava dura, “só 
de  morder,  sentia–se  a  crocância,  a  diferença  foi  gritante”,  ressaltou.  Dona  Geralda  fala  que  hoje  já 
chegaram ao ponto certo, mas que igual ao forno de tambor (artesanal), não vão conseguir chegar. E o 
forno  de  tambor,  além  de  não  poder  ficar  dentro  de  um  ambiente  fechado,  seu  uso  é  proibido  pelo 
órgão de vigilância sanitária. 

343 
 
Enquanto  não  sai  o  Alvará,  o  movimento  é  pouco,  só  para  escola  e  creche  da  Prefeitura.  Vendem 
também  na  porta de  casa, por encomenda. Segundo Geralda,  a produção do grupo é  basicamente  de 
biscoito  de  polvilho,  biscoito  de  polvilho  com  queijo,  rosquinha  de  coco,  de  nata,  de  leite,  de  limão, 
biscoitinho de coco e broa de erva–doce.  

As  receitas  das  quitandas  também  tiveram  que  passar  por  testes  e  aprovação  da  equipe  de 
nutricionistas da Prefeitura, contou Geralda. “O grupo que trabalhava primeiro (Piedade) é que tinha as 
receitas, e nós não podemos mudar. Assim que nós montamos nosso grupo, as receitas vieram de lá.” 
(Geralda, em entrevista realizada em 27/09/2017). Algumas variações, como o biscoito de polvilho com 
queijo, dona Geralda testou em sua casa e levou para a Associação, mas as receitas principais vieram do 
grupo de quitandeiras de Piedade. Há vezes em que desenvolvem uma receita que funciona melhor e a 
compartilham com outro grupo. “Tem dessas trocas”, ressaltou ela. 

O  grupo  também  fez  curso  de  capacitação  de  merenda  com  uma  pessoa  que  veio  de  Ouro  Preto  e 
trouxe  apostilas  com  receitas.  “Mas  tem  coisa  que  vem  na  receita  e  que  não  dá  certo,  e  aí  tem  que 
mexer em alguma coisa”, destaca Geralda. 

Maria das Dores (Figura 6.223), conhecida como Dorinha, é do distrito de Amarantina, casada e tem três 
filhas e cinco netos. Nasceu em Braúnas, região de Governador Valadares, na zona rural, onde teve os 
primeiros contatos com o ofício de quitandeira, desenvolvido por sua mãe. 

 
Figura 6.223 – Quitandeira Dorinha mostrando o forno elétrico que usa para assar as quitandas. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 
Foi  trabalhar  em  Belo  Horizonte,  em  casa  de  família,  quando  tinha  15  anos  de  idade;  depois,  os  pais 
foram  administrar  fazendas  pela  região  de  Amarantina.  Dorinha  conta  que  a  venda  de  quitandas  na 
localidade  é  fraca  e  que  as  pessoas  não  valorizam  os  produtos  feitos  em  casa  ––  preferem  comprar 
prontos  nas  padarias  e  supermercados.  “Num  vem  turista,  num  vem  ninguém.  Eu  tenho  uma 
barraquinha ali na rua, eu ponho uma mesa lá, uma sombrinha de praia, e vendo minhas merendas toda 
sexta–feira  lá.  Um  pouquinho,  sabe?  Só  pra  manter  mesmo."  (Dorinha,  em  entrevista  realizada  em 
27/09/2017) 

344 
 
Questionada se quando ela morava na roça, sua mãe já fazia quitandas, Dorinha conta que fazia, mas 
eram só uns "biscoitinhos mixurucos, porque era uma pobreza", ressaltou. Continuou dizendo: 

“Morava  em  roça  de  patrão,  era  muito  sofrimento.  Era  mixuruco,  mas  era 
gostoso. Só que eu fui crescendo e pensando que o dia que eu tiver as coisas, 
eu vou fazer legal. E assim que eu fui aprendendo a fazer meus docinhos. Igual 
o  pudim,  graças  a  Deus  eu  vendo  até  bastante  desse  pudim,  eu  aprendi 
sozinha.  Eu  lembro  o  dia  que  as  meninas  queriam  pudim  e  eu  não  tinha 
dinheiro  pra  fazer.  Aí,  eu  fiz  da  minha  cabeça  um  pudim.  Oh,  ficou  gostoso, 
graças a Deus! O pessoal fica doido querendo receita. Não dô.” (Dorinha, em 
entrevista realizada em 27/09/2017) 
 

Quando começou a fazer quitanda, Dorinha levava seus produtos para vender aos domingos na feira em 
Ouro Preto, ou saía com o balaio de merenda, vendendo de casa em casa:  

“Aí  minha  coluna  ficou  ruim  de  tanto  carregar  peso,  porque  não  era  só 
merenda,  eu  também  levava  legume.  Foi  quando  comecei  a  vender  só  em 
Amarantina.  Mas  o  pessoal  começou  a  pegar  fiado  e  não  pagava.  Aí,  foi  pra 
Casa  de  Pedra  [Casa  de  Cultura  de  Amarantina].  No  começo,  quando 
inaugurou, até que vendia bastante. Eu com as merendas14 e as meninas com 
os artesanatos (Dorinha, em entrevista realizada em 27/09/2017.) 

Antigamente, Dorinha usava o fogão de lenha para assar as quitandas, mas a madeira começou a ficar 
difícil  de  encontrar;  hoje  ela  usa  o  forno  a  gás.  Dorinha  trabalha  sozinha,  o  que,  segundo  ela,  é  uma 
diversão. Dorinha disse que modelar a massa das rosquinhas à mão faz toda a diferença (Figura 6.224). 
Em relação ao forno, porém, prefere o forno de agora, porque antes, quando ela usava o forno a lenha, 
se esfriasse, dava diferença na qualidade da quitanda. 

                    

                                                            
14
  vídeo  Terra  de  Minas  com  Dorinha: 
http://redeglobo.globo.com/globominas/terrademinas/noticia/2015/07/saiba–como–fazer–rosca–
salamunico.html  No vídeo, fala que o segredo da rosquinha é a nata. Sua cunhada dava mamadeira pro seu filho 
com leite de vaca. Toda vez que fervia o leite, ela ia separando a nata em um potinho e colocava no congelador. 

345 
 
                      
Figura 6.224 – Quitandas feitas por Dorinha: rosquinhas, pudins, pão de queijo e pão de cebola. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

A doceira Pia, do distrito de São Bartolomeu (Figura 6.225), não é natural de Itaúna (MG), mas reside em 
Ouro  Preto  há  mais  de  30  anos.  Quando  veio  para  São  Bartolomeu,  buscava  qualidade  de  vida,  e  lá 
construiu a família e fez amizades. Ela e o marido, que é da área ambiental, queriam viver em um lugar 
de  natureza,  e  que  dela  pudessem  retirar  o  sustento.  Eles  possuem  um  terreno  e  já  começaram  a 
trabalhar  com  alimentos  orgânicos,  apicultura  e  piscicultura.  Com  isso,  começaram  a  ter  contato  com 
Ouro Preto, que era para onde escoavam a mercadoria. 

                       
Figura 6.225 – Igreja de São Bartolomeu (à direita) e Igreja de Nossa Senhora das Mercês (à esquerda), 
no distrito de São Bartolomeu. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 

Quando chegou a São Bartolomeu, a primeira doceira com quem teve contato foi a dona Maria do João 
da Costa e com o Vicente Tijolo. “Eles nos acolheram”, contou Pia. Dona Pia também plantava muitas 
frutas e começou a se envolver com a parte de doces.  

O primeiro tipo de doce que fez foi de figo, na casa de dona Maria, com o tacho de cobre e lenha dela. A 
partir daí, foi aprendendo todo o processo; depois passou a fazer goiabada, e foi aprimorando.  

346 
 
Só trabalha com fruta nativa da região, colhida no pé. Com o tempo, foi percebendo que as pessoas da 
região aproveitavam muito pouco as frutas nativas. Embora a comunidade já tivesse consciência dessa 
tradição doceira, ficava restrita ao doce de leite, goiabada, laranja da terra, cidra, pêssego e mamão. Aí, 
tinha o limão–capeta, que não era aproveitado. Foi quando começou a fazer compota e geleia de limão 
(Figura 6.226).  

O mesmo se deu em relação à jabuticaba, que as pessoas tinham o hábito apenas de chupá–la, e que 
grande parte da produção era desperdiçada. Resolveu, portanto, fazer licor, vinho e geleia. Atualmente, 
os produtos feitos a partir de jabuticaba são os que ela mais vende. 

                      

                                 

     
Figura 6.226 – Geleias, vinhos, goiabadas cascão e licores produzidos artesanalmente pela doceira Pia, 
em São Bartolomeu.  
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 
Em  São  Bartolomeu  tem  a  tradicional  Festa  da  Goiaba,  que  acontece  em  abril,  e  que  está  na  sua  21ª 
edição.  Pia  relatou  que  buscou  parceria  com  a  Prefeitura  e  EMATER.  Fez  cursos  de  geleia,  licores  e 
vinhos. Começou a embalar os doces em vidros ao invés de em plástico. E nesse processo, começou a 
perceber que havia muitos jovens buscando trabalho, e ela e o marido envelhecendo, tendo dificuldades 
com a produção. Foi então que surgiu a ideia de fazer um inventário dos doces de São Bartolomeu.  A 
pesquisa começou em 2005. O inventário começou a movimentar as pessoas da região para fazer uma 
Associação,  percebendo  que  juntos  seriam  mais  fortes.  Junto  com  o  processo  do  inventário,  veio  o 
problema da lenha, porque a região é área de proteção ambiental, então não podem tirar a lenha do 
mato, e os doces são feitos a lenha. 

Então, Pia e seu marido foram conversar com o Instituto Estatual de Florestas de Minas Gerais (IEF), com 
a Prefeitura, com a EMATER, e montaram a Associação. Com isso, começaram a conseguir espaço para 

347 
 
exposições, realizar compras coletivas de açúcar e vidro. “Em 2008, com o Registro do Patrimônio dado 
pela Prefeitura de Ouro Preto, houve um grande ganho”, comentou Pia.  

Com o reconhecimento, o modo de fazer artesanal do doce de São Bartolomeu conseguiu “dar aquele 
abraço  no  coração  dos  moradores!”  Atualmente,  Pia  está  como  presidente  da  Associação  dos 
Produtores da Agricultura Familiar de São Bartolomeu: 

“Então  uma  coisa  que  só  se  via  pelo  lado  econômico  de  ganhar  dinheiro, 
passou a ganhar um valor histórico e cultural. E com isso as pessoas sentiram 
que  a  arte  de  fazer  doce  era  valorizada  e  era  reconhecida.  Com  isso,  as 
doceiras  e  doceiros  ficaram  mais  animados,  conseguiram  parcerias  com  a 
Gerdau, por exemplo, que, ao desmatar, doava as lenhas para a Associação.” 
(Pia, em entrevista realizada em 27/09/2017) 

Dos  20  doceiros  associados,  uns  três  moram  na  sede  do  distrito,  e  os  demais,  em  áreas  rurais  que 
circundam a região. Segundo Pia, os que residem nessas áreas são os que mais sofrem com a estrutura 
dos  acessos  (estradas  malconservadas),  o  que  dificulta  o  escoamento  das  mercadorias.  Todos  os 
produtores trabalham em casa e comparecem às reuniões que são realizadas na Associação.  

Comentando sobre a experiência de Mata dos Palmitos, que o grupo de mulheres está se organizando 
para transformar a Associação em Cooperativa, Pia  falou que a tradição do doce é familiar, "então  as 
pessoas fazem em casa. Se você monta um local para as pessoas fazerem o doce, já muda um pouco as 
características"  (Pia,  em  entrevista  realizada  em  27/09/2017).  A  respeito  das  mudanças  que  têm  sido 
impostas pelo órgão de vigilância sanitária, substituir tacho de cobre (Figura 6.227) por tacho de inox, 
Pia diz que não pode acontecer, pois o diferencial do doce está no tacho.  
 

                          
Figura 6.227 – Cozinha onde são preparados os doces. Detalhe para o tacho de cobre, o fogão e a lenha 
usados.  
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017.

348 
 
6.11.5  MAPA DOS BENS CULTURAIS DE OURO PRETO 

349 
 
6.12  MARIANA 

O  município  de  Mariana  também  possui  um  número  significativo  de  bens  patrimonializados,  a  maior 
parte  de  caráter  religioso  e  arquitetônico.  O  seu  Centro  Histórico,  tombado  pelo  IPHAN  em  1945, 
apresenta  um  acervo  arquitetônico  composto  por  monumentos  de  estética  barroca  de  influência 
portuguesa que marcam os anos do auge da mineração de ouro. 

Entre os monumentos tombados, destacam–se a Catedral de Nossa Senhora da Assunção (Igreja da Sé, 
uma das mais antigas igrejas mineiras), o Seminário Maior de Mariana (de estilo neoclássico), o conjunto 
de  sobrados  da  Rua  Direita  (com  casas  comerciais  no  térreo  e  sacadas  no  andar  superior,  sendo  uma 
delas a casa onde viveu o poeta Alphonsus Guimarães), as pinturas sacras de Manoel da Costa Athaíde e 
o Centro Histórico de Santa Rita Durão. 

A  maior  parte  do  patrimônio  arquitetônico  está  localizada  no  Centro  Histórico,  onde  estão  suas  três 
importantes praças históricas: Praça da Sé, Praça Gomes Freire e Praça Minas Gerais. 

O  município  dispõe  do  Conselho  Municipal  de  Patrimônio  de  Mariana  (COMPAT),  responsável  pelo 
tombamento  e  preservação  do  Patrimônio  Cultural  e  Artístico,  em  nível  municipal,  regido  pela  Lei  nº 
2.657, de 29 de outubro de 2012 (já mencionada anteriormente). 

Como principais festas populares, destacam–se: festa do Padroeiro Senhor Bom Jesus do Monte (distrito 
de Furquim); festa de São Sebastião – em Mariana e nos distritos de Cláudio Manoel, Monsenhor Horta, 
Passagem de Mariana e Bandeirantes; festa de Nossa Senhora do Amparo; louvor a Nossa Senhora do 
Carmo  (padroeira  da  cidade);  festa  de  Nossa  Senhora  da  Assunção–Catedral  da  Sé;  festa  de  Nossa 
Senhora  da  Glória  –  distrito  de  Passagem  de  Mariana,  dentre  outras,  em  sua  maioria  de  caráter 
religioso. 
6.12.1  CAPOEIRA E OFÍCIO DE MESTRES DE CAPOEIRA 
6.12.1.1 Grupo Capoeirart 

 Mestre Amendoim – Aloísio Augusto, 44 anos 

Aluízio Augusto iniciou sua prática na capoeira aos 13 anos. Graduou–se em 1986 e se tornou mestre 
em 1995. Ambos os títulos foram concedidos através dos ensinamentos do Mestre Damião. Considera 
igualmente  importantes  para  sua  trajetória  os  contatos  que  manteve  com  o  Mestre  Natanael, 
responsável  por  fundar,  juntamente  com  o  Mestre  Limão,  as  primeiras  academias  de  capoeira  de  São 
Paulo, na década de 70. No ano que obteve o título de mestre, Mestre Amendoim, como é conhecido no 
meio da capoeira, criou seu próprio grupo de capoeira, o Capoeirart, ainda na década de 90, mas não 
deu prosseguimento. 

Optou por fazer parte do Grupo Internacional Oficina da Capoeira, fundado em 14 dezembro 1996, na 
cidade  de  Belo  Horizonte  (MG)  por  Mestre  Ray  e  seus  alunos,  com  representantes  em  18  países,  9 
estados do Brasil e em várias cidades mineiras. Permaneceu vinculado a esse grupo até 2016, quando 
decidiu reativar o seu próprio grupo, que havia deixado para trás. 

351 
 
Ao dar continuidade a seu próprio grupo, a primeira ação que fez foi registrá–lo em cartório e inscrevê–
lo no CNPJ. A sede do grupo funciona na própria residência do mestre, que é utilizada como oficina e 
loja de artesanato, com temáticas relacionadas a capoeira (Figura 6.228). As peças são confeccionadas a 
partir de lixo reciclado: madeira, tampinhas de refrigerantes, garrafas pets e outros. No espaço, também 
funciona  uma  espécie  de  memorial  que  conta  um  pouco  da  história  da  capoeira  e  de  sua  própria 
trajetória,  através  de  fotografias  de  alguns  mestres,  participação  em  congressos,  projetos  sociais, 
materiais de jornais e certificados. 

     

     
Figura 6.228 – Sede do grupo, loja de artesanato e memorial que conta a trajetória do Mestre 
Amendoim. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Atualmente,  através  do  Grupo  Capoeirart,  Mestre  Amendoim  é  voluntário  em  alguns  projetos  sociais 
nos  municípios  de  Mariana,  Catas  Altas  e  Santa  Bárbara.  Segundo  ele,  seu  trabalho  só  é  remunerado 
quando, vez por outra, a Prefeitura libera recursos direcionados aos projetos. Em Mariana, as aulas de 
capoeira acontecem no CRAS e no Centro de Referência da Infância e Adolescência (CRIA). 

A capoeira é uma arte que tem, na essência, a inclusão; nesse sentido, o público assistido é diverso. São 
atendidas crianças e jovens, vários tipos de deficiências, também jovens que estão cumprindo medidas 
socioeducativas ou que possuem algum tipo de problema com a Justiça. Mestre Amendoim ressalta que 
não basta somente conhecer sobre a capoeira para lidar com o público atendido pelos programas sociais 
dos quais participa. É preciso dialogar como os saberes oficiais: 

352 
 
“Por eu trabalhar no CRAS e no CRIA, estou preparado para receber alunos que 
necessitam de uma atenção especial, ou porque se envolveram com drogas, ou 
com  o  mundo  do  crime.  Trabalho  com  psicólogos  nessas  instituições  e  sempre 
faço  treinamentos,  mostrando  meu  trabalho  em  universidades,  como  a 
Universidade  Federal  de  Minas  Gerais  (UFMG).  Tenho  outro  olhar  sobre  essas 
crianças que chegam até mim. Por que elas agem daquela forma? Geralmente, 
por questões de convivência com a família.” (Mestre Amendoim, em entrevista 
realizada na residência em 16/09/2017). 

Nesse sentido, a capoeira é para todos: “Até pessoas idosas e acima do peso podem jogar”, ressaltou o 
mestre. Nos dois projetos, é atendida uma média de 40 crianças e jovens. Durante as aulas, que não se 
limitam  a  ginga  e  movimentos  corporais,  o  mestre  também  realiza  oficinas  de  produção  de 
instrumentos, principalmente para ensinar o aluno a fazer o seu próprio berimbau: 
“Ao mesmo tempo que é simples de fazer, tem que experimentar várias cabaças 
pra  conseguir  o  som  ideal.  A  madeira  ideal  prazer  berimbau  é  o  mulato,  que 
enverga fácil e dá muita pressão pra fazer o som. Os caxixis é feito de material 
reciclado,  de  fita  de  lacrar  caixa  e  parte  da  cabaça  que  não  utilizou  no 
berimbau.”  (Mestre  Amendoim,  em  entrevista  realizada  na  residência  em 
16/09/2017). 
Fora do ambiente institucional, Mestre Amendoim dá aulas de capoeira para um público pagante de 30 
alunos,  que  contribuem  com  uma  taxa  mensal  de  R$  40,00.  Os  treinos  ocorrem  às  quartas  e  sextas–
feiras, das 16 h às 18 h, nas dependências do CRIA.  

Para Mestre Amendoim (Figura 6.229), a alma do jogo está na harmonia da Roda de Capoeira. Para isso, 
ela precisa ter três berimbaus: o gunga, o médio e o viola, que, ditos de outra forma, significam o pai, a 
mãe e o filho; depois vêm o atabaque e o pandeiro de couro. O caxixi é o complemento na percussão: 
completa a sonoridade do berimbau. 

 
Figura 6.229 – Mestre Amendoim tocando berimbau na sede do Grupo Capoeirart, em 16/09/2017. 
Fonte: Equipe Biodinâmica, 2017. 
 

353 
 
A Roda de Capoeira é o espaço utilizado pelo mestre para transmitir os conhecimentos aos iniciantes. 
Equivale, nas palavras de Mestre Amendoim, à sala de aula normal, com um detalhe: todos os presentes 
comungam  do  mesmo  sentimento  de  solidariedade.  Não  há  distinção  de  qualquer  natureza.  A 
humildade  e  a  ajuda  coletiva  é  que  fazem  o  movimento  da  roda.  A  disciplina  é  outra  virtude  que  se 
aprende desde cedo na capoeira. 

O aluno iniciante  nunca vai direto tocar o berimbau; geralmente começa tocando pandeiro, atabaque 
(Figura  6.230)  ou  apenas  bate  palmas  enquanto  os  veteranos  jogam.  Não  é  porque  está  na  ponta  da 
roda, que vai pular pra dentro da roda; tem que esperar a sua vez. Só vai tocar o berimbau quem já é 
graduado, porque tem experiência, sabe identificar o nível da roda e dos alunos. Os alunos só jogam de 
acordo  com  o  som  que  o  berimbau  está  pedindo,  mais  calmo  ou  não.  Joga–se  de  acordo  com  a 
harmonia do som do berimbau. A Roda de Capoeira é didática em sentido amplo. 

 
Figura 6.230 – Mestre Amendoim tocando o atabaque em 16/09/2017. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Além  das  aulas  práticas  que  envolvem  toques  de  instrumentos  e  treinos  de  movimentos,  há  aulas 
teóricas, que abordam vários temas, como História do Brasil e da capoeira, a contribuição dos Mestres 
Bimba  e  Pastinha,  os  toques  do  berimbau,  os  cantos.  Também  se  discute  a  relação  entre  capoeira, 
filosofia e educação. 

Mestre  Pastinha  é  considerado  o  pai  da  capoeira  Angola;  a  tradicional  é  a  mãe  da  capoeira,  que  veio 
para  o  Brasil  trazida  pelos  escravos  da  Angola.  Ela  tem  passos  lentos  e  rasteiros,  e  mais  perigosos 
também. É bem manhosa. Mestre Bimba criou a capoeira Regional, com influência das lutas orientais. 
Criou regras de civilidade, como estar de cabelo cortado, barba feita e roupa branca. A cor branca não é 
por  causa  do  candomblé,  o  que  causa  alguns  mal–entendidos.  É  que  o  branco  dá  ideia  de  limpeza, 
organização.  Ele  colocou  a  capoeira  na  categoria  de  um  esporte,  o  que  “fez  diminuir  um  pouco  o 

354 
 
preconceito  com  a  capoeira.”  (Mestre  Amendoim,  em  entrevista  realizada  na  residência  em 
16/09/2017). 

A capoeira contemporânea, praticada pelo Mestre Amendoim, é uma mescla da capoeira de Angola com 
a capoeira Regional. Nesse sentido, o grupo não separa uma linhagem da capoeira da outra. Considera 
que a capoeira é única e que, conforme o toque do berimbau, o capoeirista tem que jogar. 

Periodicamente são realizados batizados. A graduação no grupo acontece da seguinte forma: aprendiz, 
monitor, professor, contramestre e mestre. “O batizado na capoeira é um momento único, é a primeira 
graduação.  Depois  só  há  trocas  de  graduação.  E  quem  define  se  o  aluno  será  batizado  é  o  mestre”, 
ressaltou Mestre Amendoim. 

Em se tratando das dificuldades enfrentadas para prosseguir com o Ofício de Mestres de Capoeira e a 
Roda  de  Capoeira,  Mestre  Amendoim  contabiliza  várias,  dentre  elas,  o  preconceito  e  a  ausência  do 
Poder Público local. Para ele, capoeira e outras culturas de origem de afro–brasileira só são lembradas 
no  dia  20  de  novembro,  data  destinada  à  Consciência  Negra.  “Aqui  mesmo,  a  Secretaria  de  Cultura 
nunca fez nada pela capoeira. Quando precisamos de ajuda, dão 50 reais, uma esmola; mas, quando há 
algum  evento  pra  chamar  turista,  querem  a  Roda  de  Capoeira  na  praça.”  (Mestre  Amendoim,  em 
entrevista realizada na residência em 16/09/2017) 

Apesar  de  reconhecer  que  o  título  de  Patrimônio  Cultural  Imaterial  que  foi  dado  à  capoeira  ajudou  a 
retirar um pouco do estigma sobre a prática, quase nada mudou na vida dos mestres. Muitos continuam 
desenvolvendo seu ofício de forma precária e sem o reconhecimento do Poder Público. Para ele, uma 
ação importante a favor dos Mestres de Capoeira aconteceu durante a gestão do ex–ministro da Cultura 
Gilberto  Gil.  Na  época,  tramitou  no  Congresso  Nacional  uma  Proposta  de  Emenda  Constitucional  que 
restringia  apenas  aos  profissionais  de  Educação  Física  o  direito  de  ensinar  capoeira  nas  escolas, 
excluindo  os  mestres,  detentores  dos  conhecimentos  tradicionais  do  jogo.  Foi  graças  à  articulação 
política do então ministro que a ação não se concretizou, ressaltou o mestre. 
6.12.1.2 Grupo Oxalufã Capoeira Angola 
 Mestre Damião – Damião Cosme Leonel, 55 anos 

Natural  de  Mariana,  Mestre  Damião  começou  a  praticar  a  arte  da  capoeira  no  final  da  década  de  70, 
quando Mestre Paulo Brasa se estabeleceu na cidade de Ouro Preto, para participar das filmagens do 
filme  “Chico  Rei”.  Na  época,  contou  o  mestre  que  o  Mestre  Paulo  Brasa  começou  a  promover 
gratuitamente rodas e treinos de capoeira em Ouro Preto, despertando o interesse de vários jovens pela 
prática.  Ainda  segundo  Mestre  Damião,  foi  o  Mestre  Paulo  Brasa  que  o  iniciou  na  capoeira  e,  após  o 
retorno para o Rio de Janeiro, ele ficou responsável pelas rodas e treinos em Mariana, a partir de 1978. 
Depois, Mestre Damião mudou–se para o Rio de Janeiro onde continuou sua trajetória na capoeiragem 
(Figura 6.231). “Foi lá, no grupo do Paulo Brasa. Aqui em Mariana, não tinha capoeira. Na verdade, criei 
esta capoeira em 1978, através deste mestre lá do Rio”, afirmou. 

355 
 
   
Figura 6.231 – Desenhos na parede da sede do grupo que contam a origem da Roda de Capoeira Oxalufã 
e a relação com a ancestralidade. Em 16/09/2017. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 
Além do Mestre Brasa, responsável pela sua iniciação na capoeira, outros mestres de capoeira, alguns já 
falecidos,  como  é  o  caso  do  Mestre  Quati,  contribuíram  para  a  formação  do  Mestre  Damião,  que 
permaneceu  no  Rio  de  Janeiro  até  o  ano  de  1989.  Durante  esse  período,  sempre  voltava  a  Mariana, 
onde dava instruções a alguns aprendizes: 
“No Rio, conheci o Mestre Cobra Mansa, que não tinha nada, e hoje é o ‘dono’ 
da capoeira Angola no Brasil. Tive alguns mestres importantes, como Guimba e 
Quati.  O  Quati  era  mestre  da  capoeira  Angola,  e  o  Guimba  é  o  criador  da 
capoeira Regional. Além desses, também tive o Mestre Curió, Mestre Leopoldino 
e outros. Mas com quem eu convivi mesmo foi o Mestre Leopoldino.” (Mestre 
Damião, em entrevista realizada na sede do grupo Oxalufã Capoeira de Angola, 
em 16/09/2017). 
Dividido entre Mariana e Rio de Janeiro, ora recebendo os ensinamentos dos mestres, ora repassando–
os  a  seus  alunos  (Figura  6.232),  Mestre  Damião  usava  as  ruas  para  disseminar  seu  ofício;  por  muitos 
anos, exerceu a capoeira de rua. Até hoje, Mestre Damião não sobrevive exclusivamente do ofício que 
desempenha;  desde  antes,  dependeu  de  outras  atividades  para  dar  o  sustento  da  família.  Conta  o 
mestre que já exerceu a profissão de caminhoneiro e que, atualmente, é pedreiro e artesão. 

 
Figura 6.232 – Mestre Damião e Geraldo, ex–aluno, na sede do grupo, durante a entrevista em 
16/09/2017. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 

356 
 
Durante  alguns  anos,  o  mestre  passou  adiante  os  fundamentos  da  capoeira  sem  se  preocupar  em 
atribuir um nome para sua Roda de Capoeira. Foi quando seu mentor espiritual, Ananias, dono de um 
terreiro  de  candomblé  em  Mariana,  nomeou  o  grupo  de  Oxalufã  Capoeira  de  Angola,  que  significa  o 
orixá  mais  velho.  O  nome  da  Roda  de  Capoeira  não  poderia  ser  mais  propício,  pois,  além  de  fazer 
referência  à  sua  trajetória,    qualifica,  como  o  mestre  mais  antigo  da  cidade,  aquele  que  iniciou  uma 
legião  de  adeptos  da  arte  na  cidade;  alguns,  inclusive,  já  são  mestres,  como  é  o  caso  de  Mestre 
Amendoim.  

Além  deste,  há  outros  mestres  que  se  formaram  com  o  Mestre  Damião  que  estão  disseminando  a 
capoeira em várias regiões do País. Geraldo, ex–aluno e amigo de Mestre Damião, que estava presente 
durante a entrevista, ressaltou: 

“A  capoeira  educa  as  pessoas,  é  uma  filosofia  de  vida.    É  amor,  troca  de 
conhecimento. Eu carrego a capoeira na vida. A capoeira me ajudou muito, ela 
ensina  a  ter  paciência  com  coisas  da  vida.  Se  eu  levo  um  esbarrão,  aprendo  a 
não revidar.  Com os movimentos da  capoeira, aprendi a me  perceber, a andar 
mais devagar. Tem muita gente que já passou pelos ensinamentos de Damião, e 
que hoje são médicos, advogados, jogador. Tudo passou pelas mãos dele. Ele é 
pioneiro.  Se  ainda  existe  capoeira  aqui,  é  mérito  dele.  Outras  pessoas  que 
aprenderam com ele hoje estão em cidades da região e até em Belo Horizonte.” 
(Geraldo,  ex–aluno  de  Mestre  Damião,  em  entrevista  realizada  na  sede  do 
Grupo Oxalufã Capoeira de Angola, em 16/09/2017) 

Mestre Damião tem a preocupação de manter a tradição dos ancestrais, responsáveis por introduzir a 
luta  como  uma  forma  de  resistência.  Durante  a  Roda  de  Capoeira,  seja  qual  for  o  grau  (aprendiz  ou 
mestre), a ginga e o respeito ao próximo são fundamentos básicos para se tornar um bom capoeirista: 

“A capoeira de Angola é a mãe, é a que tem mais gingado, que, nas cantigas, fala 
do  sofrimento  negro.  Tem  todo  um  resgate  da  ancestralidade  negra.  Na 
capoeira  de  Angola,  não  existe  um  batizado,  e  o  mestre  de  capoeira  é  que 
determina quando o aluno forma, não existe um tempo determinado.” (Mestre 
Damião, em entrevista realizada na sede do Grupo Oxalufã Capoeira de Angola, 
em 16/09/2017) 

A principal diferença, segundo o mestre, entre a copeira de Angola e a Regional é que a primeira leva 
em  consideração  o  desenvolvimento  de  cada  pessoa  e  não  se  atém  a  protocolos,  como  mudança  de 
cordões, graduação ou batizados. O mestre, através de sua experiência, é quem define, no tempo que 
lhe  convém,  se  o  aprendiz  está  preparado  para  mudar  de  status.  Já  a  capoeira  Regional  possui  uma 
lógica semelhante a uma escola em que, a cada ano, o aluno muda de série, o que equivale, na capoeira, 
à mudança de cordão. 

A  ginga  na  capoeira  de  Angola  assume  vários  significados:  tanto  diz  respeito  a  movimentos  lentos, 
precisos que permitem ao capoeirista executar golpes mais precisos sem fazer grandes esforços, quanto 
a exercitar a paciência. O gingado usado na capoeira de Angola é um atributo herdado dos ancestrais 

357 
 
negros  que  lhes  permitia  amenizar  as  dificuldades  pelas  quais  tinham  que  passar  na  época  da 
escravidão,  fosse  para  se  livrar  dos  maus–tratos,  fosse  das  perseguições.  Nesse  sentido,  o  Mestre 
Damião  se  mostra  resistente  a  introduzir  novos  aspectos  originados  das  artes  marciais  que,  para  ele, 
diminuem os fundamentos holísticos da capoeira, ressaltando apenas o desempenho físico. 

Independentemente  de  qual  seja  a  tradição  da  capoeira,  se  Angola  ou  Rregional,  é  na  roda  que  os 
ensinamentos  do  mestre  são  transmitidos.  É  na  Roda  de  Capoeira  que  o  iniciante  recebe  os 
fundamentos  que  o  tornarão  um  ser  integral,  que  aprende  a  respeitar  os  mais  velhos,  a  aceitar  seus 
limites,  a  conter  seus  impulsos.  Os  movimentos  da  luta  são  consequências.  De  acordo  com  Mestre 
Damião,  um  bom  mestre  não  é  aquele  que  luta  e  sabe  dar  golpes,  mas  aquele  que  observa 
pacientemente qual o momento exato de entrar em ação. Para chegar a tal estágio, é preciso disciplina 
e humildade.  

Atualmente, o grupo Oxálufã realiza seus treinos e rodas na Liga Esportiva de Mariana, prédio situado na 
Rua 16 de julho, s/nº – Centro (Figura 6. 233). O espaço utilizado é cedido pela Secretaria de Esportes, 
portanto isenta Mestre Damião dos custos com aluguel do imóvel. “Não pago nada, e já faz três anos, 
mas é enquanto estiver esta presidência; não sei quando vai mudar. Antes, eu nunca tive um espaço, eu 
ensinava  na  rua.”  (Mestre  Damião,  em  entrevista  realizada  na  sede  do  grupo  Oxalufã  Capoeira  de 
Angola, em 16/09/2017) . 

 
Figura 6.233 – Aspectos gerais da sede do Grupo Oxalufã, em 16/09/2017. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

O  grupo  possui  aproximadamente  25  alunos  regulares,  incluindo  adultos  e  crianças,  e  os  treinos 
acontecem  às  terças  e  quartas–feiras,  das  19  às  21h.  O  público  que  frequenta  a  Roda  de  Capoeira  é 
variado, inclui estudantes universitários, que são mais adeptos da capoeira de Angola, e frequentadores 
de  academias  de  musculação,  que  se  identificam  mais  com  a  Regional.  Estes,  geralmente,  estão 
interessados  em  praticar  movimentos  rápidos.  Estão  preocupados  com  o  físico,  não  em  aprender  os 
fundamentos da capoeira. Apesar de recebê–los, o mestre enfatiza que seu estilo de capoeira não visa 
apenas à estética –– foca essencialmente no indivíduo como um ser total. Como a cidade recebe muitos 

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turistas  estrangeiros,  vez  por  outra,  eles  visitam  a  Roda  de  Capoeira  do  mestre.  Alguns  se  arriscam  a 
fazer alguns movimentos, disse Mestre Damião. 

A  profissionalização  do  ofício  de  capoeirista  em  Mariana  ainda  deixa  a  desejar.  Apesar  dos  bons 
mestres, como é o caso de Mestre Damião, a capoeira ainda convive com o preconceito, que dificulta o 
interesse  das  pessoas  em  participar  das  rodas.  Tal  característica  impede  que  o  mestre  sobreviva  do 
ofício que realiza, obrigando–o a ter outra profissão para poder manter o ofício. Em Mariana, a prática 
não é encarada com seriedade pelo Poder Público e pela comunidade –– ainda é vista como algo sem 
importância ou, em casos extremos, como “coisa de vagabundo”. 

Nos treinos do grupo Oxalufã, os alunos contribuem de acordo com a quantia que podem pagar; não há 
uma imposição de valor, como ocorre nas academias de ginástica. Na verdade, as rodas são mediadas 
pelo espírito da solidariedade e amor pelo ofício, pois, além do espaço que é cedido pelo Poder Público 
local, não há outras formas de incentivo que valorizem o ofício e a Roda de Capoeira na cidade. 

Segundo Mestre Damião, quando o aluno iniciante procura–o para dar início aos treinos, algumas regras 
fundamentais são socializadas. A primeira regra que o aluno precisa entender é que os instrumentos são 
objetos sagrados. Portanto, não é permitido, por exemplo, que o aluno faça uso de bebidas alcoólicas 
antes de participar da Roda de Capoeira. De acordo com o mestre, os instrumentos são sagrados, e as 
pessoas que chegam com falta de respeito não estão autorizadas a manuseá–los. 

É  preciso  que  o  iniciante  tenha  conhecimento  de  que  há  hierarquias  a  serem  cumpridas  na  Roda  de 
Capoeira, semelhante às normas que existem em sala de aula, por exemplo. Alguns instrumentos, só o 
mestre pode manusear, como o berimbau mãe ou o atabaque. Foi assim que ele apreendeu o ofício, e 
será dessa forma que o transmitirá a seus alunos. No momento certo e com sua autorização, o aluno vai 
poder  tocar.  Fora  isso,  os  treinos  da  capoeira  de  Angola  começam  com  sessões  de  alongamentos, 
seguidos  da  ginga.  Nas  palavras  de  Mestre  Damião,  sua  capoeira  difere  da  capoeira  Regional  pelos 
movimentos corporais, que são mais lentos, e também porque respeita os limites físicos e cognitivos de 
cada aluno.  

A Roda de Capoeira recebe e aceita as pessoas como elas são, com suas limitações e imperfeições. Nas 
rodas, ninguém é melhor que ninguém, todos estão no mesmo nível, numa posição onde todos se vêm –
– todos ajudam e são ajudados. Enquanto os capoeiristas exercitam os movimentos no centro da roda, 
os demais participantes que estão em volta acompanham com palmas e cânticos de incentivo. Não há 
competição, ou busca pelo corpo perfeito. O mesmo valor que é dado ao corpo físico também é dado à 
essência  da  vida.  Este  é  princípio  básico  da  Roda  de  Capoeira:  formar  indivíduos  solidários  como  os 
outros e com o mundo à sua volta.  

Além da formação integral dos alunos, o grupo promove aulas e oficinas de toques e de confecção de 
instrumentos.  Todos  os  instrumentos  utilizados  na  roda  são  de  propriedade  do  grupo  e  são 
confeccionados pelos próprios membros. Os mais comuns são berimbaus, denominados de pai, mãe e 
filho,  atabaque  e  caxixi.  Parte  da  matéria‐prima  é  comprada  no  mercado  central  de  Belo  Horizonte; 
outra, adquirida nas matas do entorno da cidade, para confecção dos instrumentos:  

359 
 
“Os tambores e atabaques são comprados, mas os berimbaus sou eu que faço. A 
madeira eu pego lá em Ouro Preto. Antes eu usava a madeira chamada mulato, 
mas  hoje  muito  tá  difícil  de  encontrar,  e  hoje  nem  pode  mais  tirar.  Os  caxixis 
também são comprados. As cabaças estão difíceis de encontrar, estamos usando 
o  coité.”  (Mestre  Damião,  em  entrevista  realizada  na  sede  do  grupo  Oxalufã 
Capoeira de Angola, em 16/09/2017) 

Com  mais  de  três  décadas  de  vida  dedicadas  ao  ofício  da  capoeira  em  Mariana,  Mestre  Damião 
contabiliza  alguns  avanços,  apesar  de  sofrer  discriminação  ainda  hoje.  Lembra  que,  para  manter  a 
capoeira  na  cidade,  enfrentou  preconceito  e  perseguição  da  polícia.  Por  diversas  vezes,  sua  Roda  de 
Capoeira  foi  interrompida  pela  ação  policial,  de  forma  truculenta  e  violenta.  Na  época,  as  pessoas  da 
cidade rotulavam os capoeiristas como “marginais”. Para ele, a capoeira sempre foi e continuará sendo 
sinônimo de luta e resistência. 

Quanto  à  capoeira  ter  sido  registrada  como  Patrimônio  Cultural  Imaterial  do  Brasil,  em  2008,  Mestre 
Damião entende que a ação contribuiu para amenizar o estigma social que havia sobre a prática de uma 
forma  geral,  porém  não  resolveu  o  problema.  Com  o  título  de  patrimônio,  a  capoeira  começou  a  ser 
valorizada; as pessoas ricas começaram a ter interesse em praticá–la, ressaltou. 

No  entanto,  nenhum  projeto  concreto  direcionado  aos  mestres  de  capoeira  foi  feito.  Não  é  difícil, 
segundo ele, localizar um bom mestre que não tem sequer uma casa para morar e criar os filhos com 
dignidade,  então,  “como  dar  continuidade  à  capoeira  se  os  mestres  não  têm  sequer  um  lugar  para 
morar?”, questionou. 
6.12.2  TOQUE DOS SINOS E OFÍCIO DE SINEIRO 
 Professora Emérita Hebe Maria Rola, 87 anos (Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP) 

 Jovem sineiro Everton Maciel, 26 anos 

 Jovem sineiro Warler dos Reis Montes, 22 anos 

 Ex–sineiro Élcio Martinho do Sacramento, 71 anos (Nonô) 

 Ex–sineiro João Bosco Ferreira, 58 anos (Joãozinho) 

A  preservação  da  linguagem  de  sinos  em  Mariana  não  difere  muito  do  contexto  das  outras  cidades 
históricas, cujo bem cultural também é reconhecido como Patrimônio Imaterial Brasileiro. Percebe–se, 
na  fala  dos  informantes,  que  alguns  elementos  tradicionais  que  envolvem  a  prática  não  estão  sendo 
reproduzidos, de modo a garantir sua continuidade para as gerações futuras. Apesar de existirem alguns 
jovens sineiros que exercem o ofício, principalmente em épocas de festas, não há, por parte do Poder 
Público, ações que incentivem os poucos mestres sineiros que ainda estão vivos a repassar seus saberes 
para os jovens. 

Um caso curioso presenciado em São  João Del Rei, e  que não acontece  em  Mariana, é o interesse de 


crianças em aprender a tocar o sino. Existem algumas ações de salvaguarda isoladas, como oficinas de 

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Toque  de  Sinos  ministradas  pela  professora  Hebe  Rola  na  Casa  de  Cultura,  cujo  público–alvo  são  os 
jovens sineiros, mas isso não tem sido suficiente para garantir a manutenção da prática.  

Hebe  Rola  (Figura  6.234),  natural  de  Mariana,  pesquisadora  da  linguagem  dos  sinos  há  mais  de  duas 
décadas  e  consultora  da  pesquisa  que  subsidiou  o  pedido  de  Registro  do  Toque  de  Sinos  e  Ofício  de 
Sineiro, em1994, durante uma aula, percebeu que já não se tocavam mais os sinos em Mariana como 
antigamente.  Foi  quando  começou  a  fazer  pesquisas  e  oficinas  sobre  toques  de  sinos  em  Mariana  e 
Ouro Preto. 

 
Figura 6.234 – Professora Emérita da Universidade Federal de Ouro Preto e pesquisadora da linguagem 
dos sinos de Mariana, Hebe Rola, durante entrevista concedida à equipe de pesquisa, na Casa de 
Cultura. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Sua produção de conhecimento sobre a linguagem dos sinos, com o passar do tempo, chamou a atenção 
do IEPHA–MG. “Nessa época, já não havia, por parte dos padres da cidade, interesse pelos toques de 
sinos”, ressaltou. O Toque de Sinos, antes de se tornar objeto de estudo da pesquisadora, fez parte de 
suas vivências e memórias, o que mostra sua importância para a identidade cultural da cidade. 

“Quando  criança  eu  ouvia  os  sinos  várias  vezes  ao  dia,  e  os  sinos  dividiam  o  dia  para  nós.  Tocava  o 
Angelus  às  6  horas  da  manhã,  ao  meio–dia  e  à  noite.  Também  se  tocava  o  sino  em  batizados  e 
casamentos.”  (Professora  Hebe  Rola,  em  entrevista  realizada  na  Casa  de  Cultura  de  Mariana,  em 
15/09/2017) 

Mesmo com os esforços que a pesquisadora tem realizado com o intuito de manter a linguagem do sino 
em  atividade  na  cidade,  alguns  obstáculos  são  contabilizados,  como  a  falta  de  incentivo  do  próprio 
Poder  Público  local  e  o  desinteresse  dos  próprios  padres.  Além  disso,  há  o  fato  do  desuso  de  vários 
toques, daí o objetivo de suas oficinas. Porém, alguns toques de sino ainda se mantêm, principalmente 
durante  alguns  eventos  religiosos,  como  a  tradicional  festa  do  dia  da  padroeira  Nossa  Senhora  do 
Carmo, que acontece no mês de julho. 

Durante  as  comemorações  de  aniversário  da  cidade,  também  em  julho,  acontece  a  sineirata,  um 
concerto integrado de sinos com que as torres sineiras se comunicam. “É um diálogo entres as igrejas, 
que  contorna  a  cidade  toda.  Ocorre  todos  os  anos,  mas  este  ano  não  teve,  pois  tive  dificuldade  em 
reunir os sineiros”, ressaltou, com pesar, a pesquisadora. 

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Na pesquisa de campo em Mariana, percebeu–se que a tradição de toques de sino ainda se mantém nas 
principais celebrações festivo–religiosas. Durante a festa de Nossa Senhora das Mercês, que aconteceu 
no mês de setembro, presenciaram–se os repiques de sinos –– são toques intermitentes que duram em 
média  15  minutos,  e  estavam  sendo  conduzidos  pelos  jovens  sineiros  Warler  e  Everton.  Eles  são 
responsáveis pelos toques de sino festivos nas igrejas localizadas no Centro da cidade: Matriz de Nossa 
Senhora da Assunção, que se encontra interditada pelas obras de restauração, Nossa Senhora do Carmo, 
São  Francisco,  Nossa  Senhora  das  Mercês  (Figura  6.235),  Sant'Anna,  Confraria  e  São  Pedro.  Nos  dias 
dedicados  aos  santos  e  padroeiras  de  cada  igreja,  os  sinos  são  tocados  três  vezes  ao  dia:  às  6  h,  ao 
meio–dia e às 15 h. 

   
Figura 6.235 – Igreja de Nossa Senhora das Mercês durante as festividades em homenagem à padroeira 
(à esquerda) e Novena rezada em latim, com o padre posicionado de costas para os fiéis (à direita), em 
17/09/2017. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

A  iniciação  dos  jovens  sineiros  na  prática  do  toque  de  sino  aconteceu  ainda  em  crianças,  quando 
realizavam  a  atividade  de  coroinhas  na  Capela  Sant'Anna.  Os  primeiros  ensinamentos  foram–lhes 
transmitidos  pelo  ex–sineiro  Sérgio  Luiz  Alves  (53  anos),  que  tocava  o  sino  na  capela.  Contaram  que 
sempre o acompanhavam durante suas subidas à torre para tocar o sino. Existem na cidade, em média, 
10 jovens sineiros que se  dividem para atender à demanda de toques de sino durante as festividades 
religiosas. Eles consideram as oficinas da professora Hebe importantes e sempre participam dela: “Dona 
Hebe, que mora na Rua Nova, tem feito cursos para os mais velhos ensinarem pra gente. Nos reunimos 
na Casa de Cultura. Tem outros colegas que aprenderam e estão tocando sino. Somos em torno de uns 
10 que nos reunimos com ela.” (Jovens sineiros Warler e Everton, em entrevista realizada na Igreja de 
Nossa Senhora das Mercês, em 17/09/2017). 

No período da Semana Santa, também é comum os sinos tocarem às 6 h, às 12 h e às 15 h. Tudo começa 
com os toques de sino da Igreja Matriz; em seguida, os sinos das outras igrejas respondem. Na Sexta–
feira  da  Paixão,  os sinos não  tocam;  em  vez  disso,  soam  as  matracas  nos  mesmos  horários,  e  mais  às 
20h30, no momento da procissão. No sábado de Páscoa, no decorrer do dia, os sinos não tocam nem as 

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matracas. À noite, os sinos voltam a repicar na Missa da Aleluia. Por último, no domingo de Páscoa, só 
há toques de sino festivos na Igreja Matriz e na Igreja de Nossa Senhora do Rosário. 

Atualmente,  os  jovens  sineiros  só  tocam  os  sinos  durante  as  festividades  que  acontecem  nas  igrejas. 
Durante  as  missas  dominicais,  os  responsáveis  pelos  toques  são  seus  próprios  zeladores.  Uma 
curiosidade  sobre  os  toques  executados  no  cotidiano  é  que  não  há  necessidade  de  subir  à  torre  para 
manusear o sino: posicionado no térreo da igreja, o sineiro faz a manobra. Para isso, foi adaptada uma 
corda, presa ao badalo do sino, que segue até o piso térreo. Ao movimentar a corda, o badalo choca–se 
contra a saia do sino, emitindo o som. Ressaltaram os informantes que os responsáveis pelos toques de 
sino da Igreja de Nossa Senhora do Rosário são outros jovens sineiros. 

Os  sineiros  que  se  dedicam  à  preservação  da  linguagem  dos  sinos  em  Mariana  não  têm  vínculos  de 
trabalho com as igrejas; realizam a atividade porque gostam, são voluntários. É diferente dos sineiros de 
São  João  Del  Rei,  que,  além  de  dedicarem  parte  de  seu  tempo  à  continuidade  do  bem,  também  são 
zeladores ou sacristãos. 

A respeito de alguns toques de sino tradicionais e que raramente ocorrem nas igrejas, por exemplo, os 
toques fúnebres, os jovens sineiros ressaltaram que algumas famílias os contatam para executarem os 
toques. O propósito do toque fúnebre é avisar a comunidade do falecimento do morador ou membro da 
ordem e horário do sepultamento; tirante isso, somente os toques festivos são mantidos. Mesmo assim, 
eles  acreditam  que  o  título  de  Patrimônio  Imaterial  dado  à  linguagem  dos  sinos  é  importante,  pois 
despertou o interesse de turistas, que vêm visitar a cidade:  

“Tem  muita  gente  que  gosta.  Um  dia,  nós  estávamos  tocando  o  sino,  e  um 
turista português veio elogiar. O pessoal da UFOP fez um trabalho acadêmico 
com  a  gente,  coisa  que  antes  não  acontecia.  Nós  estamos  levantando  aos 
poucos  essa  prática.”  (Jovens  sineiros  Warler  e  Everton,  em  entrevista 
realizada na Igreja de Nossa Senhora das Mercês, em 17/09/2017). 

Questionados sobre ações de salvaguarda promovidas pelo IPHAN, os jovens destacaram os encontros 
de sineiros. O primeiro ocorreu em 2014 e foi sediado em São João Del Rei; o segundo foi na cidade de 
Ouro  Preto,  em  2015.  Para  eles,  os  eventos  foram  importantes  porque  ajudaram  a  difundir  a 
importância de preservação do bem e também permitiram trocas de experiências com os sineiros das 
outras cidades. Ressaltaram, porém, que não foi dado prosseguimento nos anos subsequentes. 

A partir das falas dos jovens sineiros Warler e Everton, foi possível observar que, mesmo apresentando 
alguns problemas, a linguagem dos sinos em Mariana está sendo preservada. Percebe–se, também, nas 
cidades  pesquisadas,  que  os  bens  culturais  Ofício  de  Sineiro  e  Toque  de  Sino  são  diversos  quanto  à 
gestão  de  preservação.  Em  algumas  delas,  é  possível  verificar  ações  mais  efetivas  para  garantir  a 
continuidade do bem, em outras, nem tanto. 

O  atual  contexto  da  linguagem  dos  sinos  em  Mariana  não  é  visto  pelos  ex–sineiros,  como  Nonô  e 
Joãozinho,  como  algo  que  favoreça  a  continuidade  da  prática.  Para  eles,  muitos  toques  específicos 
locais, que anos atrás eram executados nas igrejas históricas da cidade, foram esquecidos ou deixaram 
de ser tocados.  

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O ex–sineiro João Bosco Ferreira, conhecido como Joãozinho, residente na Rua do Rosário, afirmou que, 
desde criança, tinha vontade de subir à torre da igreja. Mas foi somente ao completar 10 anos que o ex–
mestre sineiro Estevão Costa, que era sacristão e zelador da igreja, ensinou–o a tocar o sino. “Na época 
que  eu  era  criança,  todos  os  meninos  de  minha  idade  queriam  subir  na  torre  da  igreja.  Eu  tentava 
reproduzir  o  som  em  sinos  pequeno  nas  campainhas.  O  mestre  sineiro  faleceu  há  bastante  tempo”, 
ressaltou Joãozinho: 

“Fiquei mais de 10 anos tocando os sinos desta igreja de Nossa Senhora do 
Rosário, não como responsável, mas me chamavam e eu tocava. Já parei de 
tocar há uns sete anos, porque pararam de me chamar. Depois que eu parei, 
nunca  mais  tocaram  os  sinos  da  forma  que  a  gente  aprendeu.  Na  Semana 
Santa,  tem  um  rapaz  que  toca  com  alguma  semelhança  com  a  que  a  gente 
aprendeu,  mas  não  é  igual.”  (Ex–sineiro  Joãozinho,  em  entrevista  realizada 
na  residência  ao  lado  da  Igreja  de  Nossa  Senhora  do  Rosário,  em 
17/09/2017).  

As palavras do ex–sineiro –– “Pararam de me chamar” –– está diretamente relacionada com a falta de 
interesse  do  padre  pela  linguagem  dos  sinos.  Para  ele,  a  senhora  responsável  pela  manutenção  do 
templo é quem toca o sino para avisar das missas; ela não possui nenhum conhecimento sobre toques 
de  sino.  Além  disso,  ele  alertou  sobre  a  falta  de  manutenção  dos  sinos:  atualmente,  dos  três  sinos 
existentes na torre, um está quebrado e sem previsão de troca. 

Lembrou  que,  naquela  época,  tocavam–se  os  sinos  em  diversas  ocasiões,  o  que,  na  sua  opinião, 
resume–se apenas a chamadas para as missas. Era tradição repicar e dobrar o sino três vezes ao dia (às 
6  h,  às  12  h,  às  15  h)  e  na  procissão,  durante  a  festa  de  Santa  Efigênia,  que  acontece  no  dia  21  de 
setembro. Os mesmos procedimentos eram realizados em homenagem a Nossa Senhora do Rosário, no 
dia  8  de  outubro  (Figura  6.236).  Esses  toques  eram  festivos  e  tocados  no  sino  maior.  Ao  comparar  o 
modo como  o sino é  tocado atualmente  e  como era tocado na  sua época, para ele,  não  há harmonia 
melódica: executa–se de qualquer jeito. 

   
Figura 6.236 – Fachada frontal da Igreja Nossa Senhora do Rosário, no bairro do Rosário.  Detalhes das 
torres onde se localizam os sinos (à direita). 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

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A respeito dos toques de sino fúnebres que era costume executar na sua época de sineiro, havia toques 
específicos  para  comunicar  a  morte  de  papas,  bispos  e  padres,  e  todas  as  igrejas  tocavam  seus  sinos. 
Ressaltou  que  o  último  toque  fúnebre  aconteceu  na  morte  de  João  Paulo  II,  quando  o  sino  tocou 
dobrado. O termo dobrado consiste em colocar o sino com a bacia para cima, que, ao girar em torno do 
próprio eixo, emite o som. Costumava–se também tocar para anunciar a morte de padre. 

Antigamente, a comunidade era avisada do falecimento de irmãos da ordem. Conforme o tipo de toque 
emitido, sabia–se se o falecido era homem ou mulher. Segundo Joãozinho, para o homem, tocava–se o 
sino  três  vezes;  quando  era  uma  mulher,  eram  batidos  duas  vezes.  Nos  toques  de  sino  fúnebres, 
emitiam–se  duas  badaladas  nos  dois  sinos  pequenos,  seguidas  de  um  toque  dobrado  no  sino  grande. 
Nada disso acontece mais, ressaltou, com ares de tristeza, o ex–sineiro. 

A  respeito  das  mudanças  percebidas  hoje  na  linguagem,  o  ex–sineiro  ressalta  que  a  dificuldade  é 
encontrar  um  sineiro  que  saiba  tocar  o  sino  como  os  antigos  mestres.  No  período  da  Semana  Santa, 
quando todas as igrejas se comunicavam através dos toques, os sinos dobravam às 12 h, às 14 h e às 18 
h; hoje, toca–se apenas uma vez: 

“Na minha época, na Semana Santa, às 12 h, davam as 12 badaladas, depois 
começava  a  dobrar,  e  deixava  o  sino  de  bacia  pra  cima.  Às  14  h,  davam  as 
duas  badaladas,  dobrava  e  deixava  em  posição  normal.  Às  18  h,  tornava  a 
dobrar ele. Na hora da procissão, tocava ele direto na igreja onde o cortejo 
saía.  A  gente  sabia  que  a  procissão  estava  chegando,  aí  os  sinos  da  igreja 
daqui [Nossa Senhora do Rosário] começavam a tocar até o cortejo entrar na 
igreja.”  (Ex  Sineiro  Joãozinho,  em  entrevista  realizada  na  residência  ao  lado 
da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, em 17/09/2017). 

Observa–se,  nas  falas  do  ex–sineiro,  o  quão  intensos  eram  os  toques  de  sino,  e  como  os  próprios 
mestres  se  consideravam  importantes  como  guardiães  de  uma  prática  tradicional,  que  reforçava  a 
identidade  local  dos  marianenses.  Há,  por  outro  lado,  um  sentimento  de  descarte  pelos  saberes  que 
alguns  mestres  ainda  guardam.  Segundo  o  ex–sineiro  Joãozinho:  “Os  que  tocam  o  sino,  hoje  em  dia, 
nunca pediram nossas dicas.”  

O ex–sineiro Élcio Martinho dos Santos, conhecido como Nonô, também residente na Rua do Rosário, 
possui uma ligação afetiva com a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, passada de pai para filho. Seu pai, 
Elói,  foi  zelador  e  sacristão  da  igreja,  o  que  permitia  envolver  toda  a  família  nas  atividades  da  igreja, 
inclusive  nos  toques  de  sino.  Após  sua  morte,  as  funções  passaram  a  ser  exercidas  por  uma  nova 
zeladora,  dando  início  a  outro  ciclo  de  atuação.  Com  a  nova  gestão,  a  família,  que,  por  muitos  anos, 
zelou pela igreja, foi obrigada a sair de cena, tendo, também, que abrir mão da torre dos sinos: “Moro 
nesta  casa  desde  os  7  anos.  Fui  criado  ouvindo  esses  sinos,  tocados  pelos  bons  sineiros  que  tinham, 
como seu Armando, Jesus (filho de João Oscar), João Santana, José Batata, Estevão Costa (Estevinho)”, 
comentou seu Nonô. 

As  lembranças  de  Nonô  a  respeito  dos  toques  de  sino  se  aproximam  das  recordações  de  Joãozinho; 
cruzam–se nos itens nostalgia e tristeza:  

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“Se  você  estava  em  casa  e  ouvia  o  primeiro  toque  do  sino,  significava  a 
chamada para a missa. A seguir, o segundo toque avisava que o padre estava 
dentro da igreja para a confissão. O terceiro e último indicava que o padre já 
estava  no  altar  para  celebrar  a  missa.  Agora  dão  quatro,  cinco  toques,  e  a 
gente  nem  sabe  quando  se  arrumar  para  ir  à  missa.”  (Nonô,  em  entrevista 
realizada na sua residência, em 17/09/2017) 

Parece  que  as  poucas  ações  que  ocorrem  na  cidade,  com  o  intuito  de  dar  continuidade  ao  Ofício  de 
Sineiro e ao Toque de Sino, não acontecem de modo a incluir os ex– sineiros, que, embora não estejam 
em  atividade,  detêm  grande  conhecimento  sobre  a  prática.  Isso  fica  evidente  quando  o  ex–sineiro 
Joãozinho  se  queixa  de  que  ninguém  o  procura  para  obter  trocas  de  experiências.  Por  outro  lado, 
percebe  também  a  falta  de  interesse  dos  próprios  padres  em  se  apropriarem  da  linguagem  dos  sinos 
como um bem que possui um valor tão importante quanto a materialidade das igrejas. 
6.12.3     CONGADAS DE MINAS 
6.12.3.1 Congado Nossa Senhora do Rosário 
 Mestre Sebastião da Silva – Bastião Barnabé, 57 anos 

O  subdistrito  Santo  Antônio  da  Barroca  ou  apenas  Barroca  (Figura  6.237),  como  é  popularmente 
conhecido, fica distante 30 km do distrito–sede. Está localizado entre dois morros, o que faz lembrar um 
buraco. Segundo informações obtidas no Posto de Saúde, no local há 158 famílias, aproximadamente, 
com 483 moradores. 

 
Figura 6.237 – Aspectos paisagísticos da comunidade Barroca: as moradias entre morros. Em 
15/09/2017. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 
 

O Congado de Nossa Senhora do Rosário do subdistrito de Santo Antônio da Barroca é considerado o 
mais  antigo  e  em  atividade  no  município  de  Mariana.  Sebastião  da  Silva,  conhecido  como  Bastião 

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Barnabé,  é  natural  da  própria  comunidade,  lavrador  e  atual  capitão  do  grupo  (Figura  6.238).  Bastião 
aprendeu  a  dançar  congado  ainda  criança,  com  o  pai,  e  integrou  o  grupo  como  dançador  por  vários 
anos. Assumiu a patente de capitão há cinco anos, quando Antônio de Paiva, conhecido como capitão 
Carbonato, veio a falecer. 

    
Figura 6.238 – Capitão Barnabé, líder do Congado Nossa Senhora do Rosário, e sua residência. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Os  relatos  orais  que  existem  em  torno  das  possíveis  origens  desse  congado  dão  conta  de  que  sua 
existência  remete  ao  início  do  século  XIX,  mais  precisamente,  no  ano  de  1904,  e  possui  uma  estreita 
relação  com  o  lendário  Chico  Rei.  O  Congado  de  Nossa  Senhora  do  Rosário  originou–se  no  atual 
município  de  Piranga,  quando  José  da  Silva  Oliveira,  morador  daquele  local,  em  uma  de  suas  visitas  a 
Ouro Preto, como funcionário de um fazendeiro da região, presenciou uma apresentação do congado de 
Chico Rei. Levou para sua terra aqueles saberes e, posteriormente, fundou o congado em Piranga.  

Dando continuidade à história do congado do subdistrito de Barroca, após a formação da folgança em 
Piranga,  dona  Paula  da  Cruz,  avó  do  senhor  Carbonato  e  então  residente  no  município,  foi  escolhida 
para ocupar o cargo de rainha, em 1904, no qual permaneceu até o ano de 1940, quando se mudou para 
o  povoado  de  Barroca,  com  toda  a  família  e  diversos  outros  moradores  daquela  cidade.  Ela  e  seu 
compadre Antônio Pedro decidiram organizar o congado na localidade. 

Antônio  Pedro  também  participava  do  folguedo  em  Piranga  e  acabara  de  se  mudar  para  Barroca, 
tornando–se o primeiro mestre de congado do local: "O congado foi fundado em 1942, formado por 27 
componentes."  (PORTAL  DO  TURISMO  DE  MARIANA,  2014).  Com  o  passar  dos  tempos,  muitos  desses 
integrantes  faleceram,  outros  deixaram  o  congado  e  outros  se  mudaram  de  cidade,  favorecendo  a 
entrada de novos componentes no grupo, para manter a tradição. 

Conforme a introdução acima, o congado encontra–se sob a liderança do Mestre Bastião, que assumiu o 
posto  há  aproximadamente  cinco  anos,  quando  o  Mestre  Carbonato,  descendente  direto  de  Paula  da 
Cruz,  uma  das  responsáveis  pela  fundação  do  terno  de  congado  no  subdistrito  de  Santo  Antônio  da 
Barroca, veio a falecer. Sua trajetória no grupo remonta aos tempos de criança, quando dançava com o 
pai: 

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“Em 1975, eu comecei a  dançar, ainda criança. Fui pegando a  malícia 
até chegar a dançar como guia, na frente. Tinha o Angelino Martins e o 
Antônio Carbonato (Figura 6.239), que dançavam no meio. O Angelino 
Martins faleceu, e o Carbonato não colocou outro pra dançar com ele 
no  meio.  Depois  Carbonato  adoeceu,  e  não  deixou  ninguém  para 
substituir,  e  a  família  dele  me  procurou  para  eu  ser  o  mestre  do 
congado.”  (Capitão  Bastião,  em  entrevista  realizada  no  subdistrito  da 
Barroca, em 15/09/2017). 

 
Figura 6.239 – Antônio Paiva, conhecido como capitão Carbonato, neto de dona Paula da Cruz, 
fundadora e rainha do Congado Nossa Senhora do Rosário da Barroca. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 
 

Para o capitão, o convite para se tornar o líder do grupo foi um desafio, pois se trata de uma função que 
exige atributos que vão além do gostar de dançar congada –– é preciso ter devoção à santa: “Não é só 
cantar e dançar; tem que ter fé, tem que ter coragem. Tenho meu compromisso, primeiro, com Nosso 
Senhor  Jesus  Cristo  e,  depois,  com  Nossa  Senhora  do  Rosário.  Até  hoje,  não  consegui  colocar  uma 
pessoa no meio, comigo”, justificou ele. 

A  respeito  da  diversidade  de  participantes,  o  capitão  afirmou  que,  por  muitos  anos,  só  existiam 
dançadores homens. As mulheres participavam na função de bandeireiras guias, costureira das fardas e 
cozinhando  a  alimentação  oferecida  aos  congadeiros.  Com  o  passar  dos  anos,  o  capitão  Carbonato 
descumpriu a regra de seus antepassados e liberou a participação de mulheres no grupo.  

Uma das primeiras mulheres a entrar para o grupo como dançadora foi Neuza Maria, hoje casada, 48 
anos e mãe de duas filhas. Conta que, desde criança, gostava de acompanhar o grupo e ficava dançando 
por fora: “Aí, o Mestre Carbonato viu que eu dançava direitinho, me convidou para dançar junto com 
ele.” (Neuza Maria, em entrevista realizada na comunidade Barroca, em 15/09/2017 – Figura 6.240). Na 
época,  como  só  havia  homens  no  grupo,  ela  convidou  a  cunhada  para  dançarem  juntas.  Casou, 
constituiu  família  e  continuou  dançando  no  congado.  Elas  abriram  precedentes  para  que  outras 

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mulheres se interessassem pela  dança  do congado.  Hoje, a congadeira incentiva sua filha  de 7 anos  a 
participar das festas do congado. 

    
Figura 6.240 – A congadeira Neuza, primeira mulher a ingressar no grupo de Congado Nossa Senhora do 
Rosário da Barroca, atendendo ao convite do capitão Carbonato, e sua filha fazendo uma demonstração 
das vestimentas e adereços usados nas apresentações do terno em 15/09/2017. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 
 

Embora  o  grupo  tenha  sido  fundado  na  década  de  40  do  século  passado,  somente  em  2001  é  que 
passou  a  ser  registrado  e  ter  estatuto  próprio.  Para  conseguir  vencer  os  trâmites  burocráticos  e  arcar 
com as despesas de cartório e advogado, o grupo contou com a ajuda da empresa mineradora Alcan. O 
grupo também não dispõe de uma sede própria que possa acomodar os dançadores durante as reuniões 
e  ensaios,  nem  para  guardar  os  instrumentos  e  adereços.  Quando  terminam  as  apresentações,  cada 
componente leva consigo, para casa, seus instrumentos. 

Oficialmente, integram o grupo 27 componentes, mas nem todos participam, o que entristece o capitão, 
sobretudo  porque  é  baixo  o  interesse  por  pessoas  jovens  da  comunidade.  Quanto  a  isso,  já  houve  a 
tentativa de repassar os saberes do congado às  crianças, mas não foi alcançado o resultado desejado: 

“Tem  muita  diferença  entre  a  criança  que  nasce  na  congada,  que  vê  os  pais 
dançarem.  Aprendem  a  gostar  e  ficam  curiosas  pra  aprender.  Começam  a 
batucar bem pequenos. E tem aquelas que não tiveram convivência com algum 
congadeiro.  Já  tentei  ser  monitor  e  ensinar  a  dançar  e  tocar,  mas  é  diferente. 
Não vai pra frente.” (Capitão Bastião, em entrevista realizada no subdistrito da 
Barroca, em 15/09/2017) 
 

Os  uniformes  utilizados  pelos  integrantes  são  camisa,  calças  e  saias  coloridas  enfeitadas  com  fitas 
coloridas;  isso,  tanto  para  os  homens  como  para  as  mulheres.  A  cor  da  saia  de  cada  componente  é 
diferente. Na cabeça, usa–se uma espécie de chapéu de tecido acetinado, enfeitado com fitas coloridas. 

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Os instrumentos tocados pelos dançadores são caixas, pandeiros, reco–recos de metal e agogôs. Disse o 
capitão que, no terno, não há sanfona, e o último violão que existiu era tocado pelo capitão Carbonato. 

O Congado da Barroca é conhecido como guardião da tradição dos ancestrais, sobretudo porque ainda 
se preservam as embaixadas e a língua massangana, dialeto africano que é cantado durante a festa do 
congado: 

“O congado tem uma mistura de línguas, a africana com o português, indígenas, 
e  palavras  que  a  gente  usa  na  tradição,  que  a  gente  fala,  mas  não  tem  um 
sentido lógico. São palavras que tinham sentido pra agradar a Nossa Senhora e 
aos  reis  da  época.”  (Capitão  Bastião,  em  entrevista  realizada  no  subdistrito  da 
Barroca, em 15/09/2017) 

O capitão Bastião enfatiza que parte dessa tradição está sendo esquecida, e que muitos dos saberes que 
dizem respeito às embaixadas e ao dialeto massagana quase não acontecem durante as apresentações 
do  grupo:  “Uma  coisa  que  não  fazemos,  e  que  quero  voltar  a  fazer  é  a  embaixada.  Quem  fazia  era  o 
capitão  Carbonato.  Ele  começava  a  bater  os  instrumentos,  voltava,  parava  de  bater,  falava  algumas 
palavras e retornava a dançar de novo. Uma coisa muito linda”, destacou o entrevistado. 

Em relação ao calendário festivo que o grupo cumpre durante o ano, algumas datas são destacadas pelo 
capitão.  As  visitas  que  o  congado  costuma  realizar  concentram–se  mais  nas  festas  em  homenagem  a 
Nossa Senhora do Rosário de Barra Longa, Dobras e Pimenta. No distrito–sede, quando o Poder Público 
disponibiliza  transporte  para  fazer  o  translado,  os  dançadores  prestigiam  a  festa  do  Congado  Nossa 
Senhora  do  Rosário,  no  mês  de  junho.  Em  Ouro  Preto,  o  grupo  costuma  participar  da  festa  de  Santa 
Efigênia, que acontece em setembro. Mas a festa de Santo Antônio do distrito (Figura 6.241) é o evento 
mais esperado do ano pelos participantes.  

 
Figura 6.241 – Igreja de Santo Antônio da Barroca, local onde acontece a festa de Nossa Senhora do 
Rosário. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 

Os  preparativos  da  festa  acontecem  ainda  no  mês  de  maio,  quando  o  grupo  sai  pelos  povoados  para 
arrecadar donativos para a festa de Santo Antônio. Nesse período, os integrantes aproveitam para fazer 
uma espécie de ensaio das apresentações durante as festividades em homenagem ao santo padroeiro: 

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“Todo domingo de maio, saímos nos povoados para recolher prendas. A gente dança, tem celebrações, 
missas,  para  arrecadar  dinheiro  pra  fazer  a  festa  aqui,  em  junho.”  (Capitão  Bastião,  em  entrevista 
realizada no subdistrito da Barroca, em 15/09/2017 – Figura 6.242). 
 

 
Figura 6.242 – Apresentação do terno de congado Nossa Senhora do Rosário durante festa do grupo, em 
outubro de 2017. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 
 

A festa de Santo Antônio da Barroca acontece no mês de junho e tem início três dias antes do dia do 
padroeiro,  dia  13.  Durante  o  tríduo,  acontecem  novenas,  missas,  leilões  de  prendas  e  feiras  de 
artesanato  e  comidas  típicas  do  lugar.  A  principal  atração  da  festa  é  o  Congado  Nossa  Senhora  do 
Rosário.  Os  dançadores  saem  pelas  ladeiras  das  comunidades,  entoando  os  cânticos  e  bailando  em 
louvor  ao  santo.  A  festa  de  Nossa  Senhora  do  Rosário  acontece  no  domingo  após  o  dia  de  Nossa 
Senhora Aparecida. As duas festas se dão em torno da única igreja do distrito:  

“Durante  a  festa  de  Santo  Antônio,  vem  muita  gente  de  fora  e  tem  muitas 
barracas;  a  de  Nossa  Senhora  do  Rosário  tem  poucas  barracas,  mas  vem 
congadas de fora. Nós oferecemos o café da manhã, o almoço e o lanche. Essa 
comida  é  feita  em  alguma  casa  e  sem  ajuda  da  Prefeitura.  As  pessoas  que 
cozinham são pagas ou voluntárias. Este ano, a comida será em minha casa.” 
(Capitão  Bastião,  em  entrevista  realizada  no  subdistrito  da  Barroca,  em 
15/09/2017) 

Quanto ao Reinado de Nossa Senhora do Rosário, que consiste na coroação de reis e rainhas durante as 
festividades, na opinião do capitão, estão ocorrendo algumas mudanças com as quais ele não concorda. 
Embora  haja  a  figura  do  rei  e  da  rainha,  que  são  personagens  fixos,  ou  seja,  todos  os  anos  saem  no 
cortejo  acompanhados  pela  congado,  “as  rainhas  não  respeitam  a  roupa  que  usam”,  queixou–se  o 
capitão. Na sua opinião, as rainhas deveriam ter uma roupa  exclusiva para usar apenas nas festas, mas  
não é o que ocorre na maioria das vezes. Há uma preocupação, portanto, com a perda de identidade do 
grupo via elementos da tradição:  

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“Elas  usam  a  roupa  de  rainha  de  Nossa  Senhora  do  Rosário  e  depois  usam 
numa  outra  festa.  Precisamos  de  uma  rainha  que  tenha  interesse,  que  use  a 
roupa  tradicional  da  época,  que  são  vestido,  capa  e  coroa.  As  rainhas  que 
estão aparecendo não querem usar essas roupas – elas usam vestido colado no 
corpo.” (Capitão Bastião, em entrevista realizada no subdistrito da Barroca, em 
15/09/2017). 

O capitão também reclama de vários problemas que o grupo enfrenta para dar continuidade ao legado 
do congado. O principal deles diz respeito à ausência de apoio do Poder Público e à falta de interesse 
dos  jovens  da  comunidade.  Atualmente,  o  grupo  enfrenta  dificuldades  financeiras  para  regularizar 
pendências nos órgãos de tributação, pois, desde 2001, não se fazia declaração dos rendimentos anuais, 
mesmo que não tivesse recebido recursos. Os valores devidos dizem respeito a multas.  

Na tentativa de incentivar crianças e jovens da comunidade a participar do congado, foram ministradas 
aulas  de  percussão,  danças,  confecção  de  adereços,  mas  poucos  continuaram.  Para  ele,  há  uma 
diferença crucial em ensinar a uma criança que já nasceu no meio de uma família, que possui tradição 
com a dança, e outra que não teve essa vivência.  

As pessoas alheias ao congado ficam por uns tempos; depois o abandonam.  É diferente  de um jovem 


que  cresceu  junto  com  os  pais,  dançando  na  festa  de  Reinado,  ressaltou  o  capitão.  Porém,  quando 
indagado se há algum filho ou filha que dance no congado, o capitão Bastião diz que não. E afirma que a 
maioria  dos  jovens,  quando  completam  a  idade  de  ingressar  no  mercado  de  trabalho,  saem  da 
comunidade em busca de emprego em Mariana ou Ouro Preto. 

Mesmo que o discurso de falta de apoio do Poder Público local seja destaque na fala do representante 
do grupo, ele tem conhecimento de que o Congado Nossa Senhora do Rosário da Barroca foi objeto de 
uma ação de inventário realizado pela Secretaria de Cultura de Mariana em 2007, reconhecendo que o 
bem  desempenha  um  importante  papel  para  o  fortalecimento  da  memória  e  da  identidade  do 
município. Talvez o apoio do Poder Público –– fornecendo transportes para conduzir os integrantes do 
grupo quando precisam se deslocar para prestigiar as festas dos municípios vizinhos –– já seja o início de 
uma ação de salvaguarda. 
6.12.3.2 Congado de Nossa Senhora do Rosário e Nossa Senhora Aparecida 
 Capitão Marcelo Antônio Silva Mendes (Magão), 58 anos 

Natural de Mariana, Marcelo Magão, como é conhecido na cidade, é aposentado, percussionista, músico 
e  pesquisador  de  ritmos  musicais  das  tradições  de  origem  afro–brasileira.  Desde  criança,  manteve 
interesse pelas festas de congado, mas somente em 2005 começou a participar ativamente do folguedo. 
Foi quando ajudou a fundar, juntamente com o Marcelo Eustáquio e família, a Guarda de Congo Nossa 
Senhora  do  Rosário  e  São  Sebastião  do  bairro  Barro  Preto.  Permaneceu  no  referido  terno  até  2011, 
quando  resolveu  desligar–se.  Segundo  ele,  algumas  divergências  de  crenças  entre  o  capitão  e  alguns 
integrantes do grupo foram o motivo que o fez pensar em fundar um novo terno. 

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O fato de a Guarda de Congo ser uma extensão do centro de umbanda, ambas conduzidas por Marcelo 
Eustáquio,  que  é,  ao  mesmo  tempo,  líder  espiritual  do  terreiro  e  capitão  do  congado,  contribuiu 
também para o desligamento de outros integrantes que se afirmavam de religião católica: “Na Guarda 
de Congo do capitão Marcelo, o líder espiritual pai Tomé é quem dá as orientações do congado. Lá, o 
guia é quem determina o hino que vai tocar, e eu não gosto. Eu não confundo a minha crença com meu 
congado”, ressaltou Magão. Antes de dedicar–se ao congado, o capitão Magão teve uma vivência ativa 
com as Folias de Reis da cidade, quando integrou, por 10 anos, o grupo Viola e Folia. 

Os  dois  grupos  de  congado  que  atualmente  existem  na  cidade  começaram  a  trajetória  juntos.  Com  o 
passar  dos  anos  e  motivado  por  divergências  internas,  o  grupo  Guarda  de  Congo  Nossa  Senhora  do 
Rosário  e  São  Sebastião  se  desmembrou,  dando  origem  ao  segundo.  Dessa  separação,  originou–se  o 
Congado Nossa Senhora do Rosário e Nossa Senhora Aparecida. Em linhas gerais, o primeiro estabelece 
relação  com  elementos  religiosos  de  matrizes  afro–brasileiras,  enquanto  o  segundo  se  aproxima  mais 
dos ritos impostos pela religião católica. 

Mesmo  que  não  venha  mais  a  participar  ativamente  da  Guarda  de  Congo,  o  capitão  Magão  destacou 
que  há  elementos  em  comum  entre  um  grupo  e  outro:  “Começamos  juntos,  criamos  indumentárias, 
mas  hoje  somos  congados  diferentes  e  temos  registros  diferentes”.  Foram  criados  vínculos  que  estão 
relacionados  com  a  continuidade  da  prática  na  cidade.  O  fato  de  dançarem  em  ternos  diferentes  não 
significa que os capitães devam ser inimigos –– frequentemente, Marcelo Magão faz visitas ao terreiro 
do capitão Marcelo Eustáquio. Para ele, é preciso saber separar as crenças pessoais do congado.  

Com a criação do novo grupo, alguns ajustes tiveram de ser feitos, como a  mudança dos uniformes  e 
adereços  e  também  a  razão  social.  Foram  despesas  que  o  grupo  teve  de  arcar  sem  ajuda  do  Poder 
Público. No entanto, para o capitão Magão, que também é mobilizador cultural, a formalização através 
do  CNPJ  é  essencial  porque  permite,  dentre  outras  coisas,  a  captação  de  recursos  através  de  fundos 
disponibilizados pela iniciativa privada e também pelo Poder Público.  Embora seja registrado, o grupo 
enfrenta outras dificuldades, como a falta de uma sede própria.  

Quando recebeu o convite do Sr. Orlando para assumir a função de capitão, Marcelo Magão foi buscar 
embasamento sobre as congadas nos livros e pesquisas já realizadas sobre o tema. Um dos estudos que 
usou  como  referência  foi  a  obra  do  pesquisador  divinopolitano  Jeremias  Brasileiro,  “Na  cidade  de 
romaria tem congado, tem folia”:  

“Fui convidado pelo Orlando, que é o presidente do Congado, para assumir a 
Guarda  do  Congado.  Eu  passei  a  pesquisar  muita  coisa  de  Congado,  e  utilizo 
muito conhecimento de “Jeremias Brasileiro”, de Divinópolis, um dos maiores 
pesquisadores e tem um dos maiores acervos de Congado. Eu assumi a guarda 
como capitão,” (Capitão Marcelo Magão, em entrevista realizada na residência 
no bairro do Rosário, em 16/09/2017) 
 

Ao longo de vários séculos, os saberes sobre os congados foram transmitidos através do conhecimento 
sensível, isto é, pela experiência vivenciada. Isso garantiu a continuidade da  prática a várias gerações. 

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No entanto, é importante depender apenas do saber oral; outras formas de registro também têm sua 
importância. Para o capitão, é preciso guardar a memória dos congadeiros de modo que outras pessoas 
tenham acesso. No caso dele, que não dispunha de alguém experiente em congado para lhe repassar os 
saberes, os livros foram fundamentais.  

Atualmente, as reuniões e ensaios do grupo acontecem na residência do próprio capitão; um cômodo da 
casa  foi  destinado  para  guardar  os  instrumentos  e  adereços  do  congado  (Figura  6.243).  No  mesmo 
espaço, funciona um atelier de reciclagem de instrumentos velhos e reformas de fardamentos doados 
pelos  músicos  das  bandas  de  música  locais,  que  as  transforma  em  vestimentas  para  os  dançadores: 
calças e camisas  brancas e quepes.  

         
Figura 6.243 – Instrumentos (caixas e sanfona) usados pelos integrantes durante as saídas do terno. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 
 

O capitão e sua esposa remontam as vestimentas, agregando a elas fitas, lantejoulas e miniespelhos. Da 
mesma  forma,  acontece  com  os  instrumentos,  que,  na  maioria  das  vezes,  são  objetos  de  doações  de 
amigos  músicos,  ou  encontrados  no  lixo.  Embora  as  dificuldades  financeiras  sejam  uma  realidade  no 
cotidiano  do  grupo,  segundo  o  capitão  Magão,  a  comunidade  (os  moradores  do  bairro  do  Rosário) 
valoriza  a  prática  e  contribui,  ajudando  financeiramente  ou  com  doações  de  aviamentos  (fitas, 
lantejoulas, linhas, botões, etc.) para a caracterização das vestimentas dos integrantes (Figura 6.244). 

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Figura 6.244 – Capitão Marcelo Magão exibindo os quepes (chapéus) usados pelos dançadores do grupo 
de Congado Nossa Senhora do Rosário e Nossa Aparecida, em 16/09/2017. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 
 

Os Congados Nossa Senhora do Rosário e Nossa Senhora Aparecida contam  com a participação de 20 
dançadores,  homens  e  mulheres,  em  sua  maioria,  idosos  (Figura  6.245).  Além  dos  dançadores  e 
tocadores, o grupo possui também, na sua composição, rei e rainha perpétuos, ambos com idade acima 
de 80 anos. A idade dos integrantes é uma das preocupações do capitão, haja vista não haver interesse 
dos jovens em participar do congado. 

   
Figura 6.245 – O grupo de Congado de Nossa Senhora do Rosário e Nossa Senhora Aparecida: capitão 
Magão e a bandeireira–guia. Imagens reproduzidas a partir de fotografia do arquivo pessoal do grupo. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 
 
 

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Na tentativa de resolver esse problema, a longo prazo, o capitão está realizando um trabalho social que 
envolve música e percussão para estimular a juventude a se interessar pelo congado: “Estou tentando 
trazer crianças e pessoas mais jovens pra dentro do congado. Tenho um projeto chamado Reciclando o 
Congo,  onde  ministro  oficinas  de  construção  de  instrumentos  e  percussão.”  (Capitão  Marcelo  Magão, 
em entrevista realizada na sua residência, no bairro do Rosário, em 16/09/2017) 

Apesar  de  ter  aproximadamente  seis  anos  de  formação,  as  festas  de  que  o  grupo  participa  se 
concentram no próprio distrito. A principal delas é a de Nossa Senhora do Rosário, que acontece no dia 
27  de  outubro,  no  bairro  de  nome  homônimo,  onde  reside  a  maioria  dos  integrantes.  Além  dessa, 
participam do encontro de congadeiros, que ocorre durante a Festa do Divino Espírito Santo, em maio. 
Em  seguida,  participam  do  Reinado  de  Nossa  Senhora  do  Rosário,  que  é  promovido  pela  Guarda  de 
Congo Nossa Senhora do Rosário e São Sebastião, do capitão Marcelo Eustáquio. 

As dificuldades enfrentadas pelo capitão e seus dançadores(ras), no que tange à manutenção da prática 
importante  para a memória e a identidade  cultural local, não distam muito das dos demais contextos 
pesquisados, no âmbito do RAPI da LT 235 kV Itutinga – Barro Branco. O primeiro deles está relacionado 
com  a  ausência  do  Poder  Público  local,  que  não  promove  políticas  públicas  para  beneficiar  os 
detentores,  seja  liberando  transporte  para  as  pagas  de  visitas,  seja  na  comprando  instrumentos  e 
vestimentas. A outra questão se refere aos constantes conflitos entre alguns padres e os congadeiros. 
Alguns líderes da Igreja Católica já chegaram a impedir os grupos de entrar na igreja. 

Ainda no que se refere às políticas públicas culturais, mais precisamente quanto ao processo de registro 
das  Congadas  de  Minas  Gerais,  que  se  encontram  em  fase  de  reconhecimento  pelo  IPHAN,  o  capitão 
Marcelo  Magão  percebe  como  algo  positivo.  Para  ele,  a  expectativa  é  que  o  Estado  brasileiro  crie 
alguma  ação  que  venha  a  beneficiar  os  capitães  de  congadas,  que  estão  passando  necessidades 
financeiras e sem ajuda do Poder Público local para dar continuidade à prática. 
6.12.3.3 Guarda de Congo Nossa Senhora do Rosário e São Sebastião 
 Capitão Marcelo Eustáquio Ramos, 26 anos 

Antes de criar seu grupo, integrou o Congado de Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia do Alto da 
Cruz  em  Ouro  Preto,  liderado  pela  capitã  Kátia  Silveiro.  Marcelo  começou  a  dançar  no  grupo  do 
município vizinho em 2005 e permaneceu até o ano de 2010, quando decidiu fundar, juntamente com a 
família, seu próprio terno de Moçambique, que passou a se chamar, desde então, Guarda de Congo de 
Nossa Senhora do Rosário e São Sebastião. 

Paralelamente  às  atividades  do  grupo,  o  capitão  conduz  os  trabalhos  espirituais  realizados  na  Casa 
Espírita  Mãe  Maria  de  Aruanda,  instituição  religiosa  de  matriz  afro–brasileira  que  herdou  de  sua  avó 
(Figura 6.246). A casa é uma das mais antigas da cidade: foi fundada na década de 1970. Estar à frente 
do terno e do terreiro, ao mesmo tempo, o capitão considera ser uma missão, isto é, uma exigência que 
parte  dos  guias  espirituais.  Nesse  sentido,  o  Moçambique  e  o  terreiro  mantêm  uma  relação  de 
sacralidade e interdependência.  

376 
 
 
Figura 6.246 – Capitão da Guarda de Congo de Nossa Senhora do Rosário e São Sebastião. Capitão, e 
congadeiros em concentração na Casa Espírita Mãe Maria de Aruanda. 
Fonte: Foto cedida por Marcelo Eustáquio Ramos à Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 

Dessa  forma,  percebe–se  que  a  existência  do  terreiro  de  umbanda  é  fundamental  para  manter  o 
congado  em  atividade,  pois  é  dele  que  emana  a  força  de  que  o  grupo  precisa  para  sair  às  ruas,  em 
louvor  aos  santos  padroeiros.  O  capitão  Marcelo  (Figura  6.247)  recebe  orientações  espirituais  de  pai 
Tomé, guia espiritual que determina os cânticos que são ditos durante as saídas do terno. Agindo assim, 
a  entidade  protege  os  dançadores  do  que  ele  chama  de  “rivalidade”  entre  os  ternos.  Dito  de  outra 
forma, protege–os de feitiços e mandingas que sejam jogados por outros congadeiros. 

 
Figura 6.247 – Capitão dando comando aos congadeiros. 
Fonte: Foto cedida por Marcelo Eustáquio Ramos à Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 
 
 

377 
 
Os  ensaios,  que  acontecem  algumas  vezes  durante  o  ano,  não  se  destinam  apenas  a  afinar  os 
instrumentos –– são realizados, sobretudo, com o objetivo de preparar os integrantes para que entrem 
na  mesma  vibração  espiritual  e  levem  a  mensagem  de  paz  que  o  grupo  pretende.  Como  ressaltou  o 
capitão, sair no congado requer dos participantes um entrosamento espiritual essencial que possibilita 
levar  paz  às  pessoas,  já  que  os  congadeiros  foram  escolhidos  por  Nossa  Senhora  do  Rosário  como 
anunciadores de boas novas. 

A  conduta  moral  dos  brincantes,  nesse  caso,  é  algo  que  se  preza  com  seriedade.  A  existência  da  uma 
conexão espiritual que une os integrantes do terno, por si só, não é suficiente. É fundamental que cada 
um deles demonstre um comportamento de respeito condizente com a ocasião, como não usar bebidas 
alcoólicas ou outro tipo de atitude inadequada durante o momento do cortejo. 

Segundo o informante, desde criança, foi sendo “preparado” para assumir o lugar de líder espiritual. Ao 
se  referir  às  experiências  com  o  grupo  vizinho,  Marcelo  disse  que  foi  uma  troca:  enquanto  ele 
frequentava  a  congada,  os  integrantes  do  congado,  o  terreiro.  O  grupo  com  qual  o  capitão  Marcelo 
conviveu,  antes  de  criar  o  seu,  é  um  dos  mais  tradicionais  de  Ouro  Preto;  teria  sido  fundado,  no 
passado, pelo lendário Chico Rei. 

Diferentemente dos representantes de congadas com os quais se manteve contato, na grande maioria, 
senhores  com  idades  avançadas  e  sem  perspectivas  para  dar  continuidade  à  tradição,  Marcelo  é  o 
capitão mais  jovem que  está na liderança de uma  Guarda de  Moçambique.  Pelo visto, a vivência com 
outros grupos e os saberes tradicionais através dos cultos de matrizes afro–brasileira, que recebeu de 
sua avó, foram fundamentais no processo de criação de sua guarda: 

“Não tenho lembrança de ter ninguém de minha família em congado, apenas um 
tio que desapareceu, e que dançava congada na Barroca com seu Carbonato. A 
mãe  de  minha  mãe  era  rainha  festeira  no  distrito  de  Pinheiros.”  (Capitão 
Marcelo, em entrevista realizada na sua residência, em 15/09/2017). 

Geralmente, o mais comum de acontecer é a transmissão dos saberes ou a capitania ocorrerem através 
de pessoas pertencentes a um mesmo grupo familiar, isto é, de pai para filho, entre tio e sobrinho. No 
entanto, sua narrativa aponta indícios de que havia na família pessoas que estavam diretamente ligadas 
aos  grupos  de  congado.  O  fato  de  seu  tio  ter  dançado  no  terno  de  congado  mais  antigo  de  Mariana, 
localizado  no  subdistrito  de  Santo  Antônio  da  Barroca,  e  comandado  pelo  ex–capitão  Carbonato, 
contribui para reforçar que possui algum tipo de relação com a tradição das congadas. Além do mais, 
sua avó, quando viva, foi rainha festeira. 

A  guarda  possui  atualmente  25  dançadores,  incluindo  um  público  de  homens,  mulheres  e  crianças 
(Figura 6.248). A maioria dos integrantes é de entes da própria família, mas também há pessoas que são 
adeptas  da  casa  e  vizinhos.  No  ato  de  fundação,  o  grupo  foi  registrado  regido  por  um  estatuto  que 
estabelece  a  organização  interna,  especificando  obrigações  e  deveres  para  seus  integrantes.  O 
documento  também  estabelece  critérios  em  relação  à  estética  do  grupo,  como  modelos  e  cores  das 
fardas dos soldados e tipos de instrumentos utilizados. 

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Figura 6.248 – Detalhe da guarda e seus componentes. 
Fonte: Foto cedida por Marcelo Eustáquio Ramos à Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

O grupo não dispõe de uma sede própria com o mínimo de conforto para realizar reuniões e ensaios. Os 
instrumentos  e  adereços,  entre  eles,  caixa  de  folia,  pandeiro,  zabumba  e  meia–lua,  são  guardados  na 
própria residência do capitão, no bairro Barro Preto, onde funciona o terreiro. 

As  fardas  e  os  instrumentos  utilizados  pelos  grupos  de  congadas  são  elementos  ritualísticos 
estruturantes  que  contribuem  para  definir  sua  identidade  e  origem,  além  de  outros  aspectos 
relacionados  à  devoção  e  relação  com  os  santos  padroeiros.  Os  integrantes  da  Guarda  de  Congo  de 
Nossa  Senhora  do  Rosário  e  São  Sebastião  usam  camisa  e  calça  brancas  e  um  capacete  com  as  fitas 
coloridas. As cores representadas nas vestimentas são vermelha, verde, branca, preta e azul: 

“As cores azul e branco correspondem ao manto de Nossa Senhora do Rosário. 
Já o vermelho, junto com o verde e o branco, corresponde a São Sebastião, que 
é nosso padroeiro. A fita vermelha significa amor; a verde, esperança; a amarela, 
o  ouro;  a  branca,  paz.”  (Capitão  Marcelo,  em  entrevista  realizada  na  sua 
residência, em 15/09/2017).  

Há  um  propósito  explícito  quando  o  grupo  sai  em  cortejo  pelas  ruas  da  cidade:  a  maioria  dos 
observantes tem que ser devotos, ou não serão reconhecidos. Trata–se de uma forma peculiar e festiva 
de homenagear os santos padroeiras através do uso de alguns instrumentos: caixas, guisas e meia–lua. 
Os  bailados  e  vestes  dos  dançadores  também  contribuem  para  compor  a  identidade  visual  e  suas 
performances.  Há  também  mensagens  subliminares  desconhecidas  por  muitas  pessoas  que  estão  “de 
fora”.  Aliás,  as  categorias  “de  fora”  e  “de  dentro”  são  importantes  para  compreender  a  dinâmica  do 
folguedo.  

Quem assiste ao cortejo de vários ternos durante uma apresentação, por exemplo, não percebe que há 
diferenças internas significativas que vão muito além da estética visual ou de sonoridade. Internamente, 
o grupo está concentrado e em sincronia com sua fé e religiosidade. Além disso, os bailados e cânticos 
passam  algum  tipo  de  mensagem  subliminar  que  busca  transmitir  paz  e  amor:  “Cada  música  toca  o 

379 
 
coração  dos  devotos  de  uma  forma  diferentes.  Para  algumas  pessoas,  o  congado  transmite  uma 
mensagem  de  esperança;  para  outras,  os  cânticos  emitem  o  conforto  que  precisavam  ouvir  para 
obterem  determinada  cura;  podem,  ainda,  significar  um  aviso  sobre  algo  para  o  qual  não  haviam 
despertado”, disse o capitão. 

Durante  o  ano,  a  Guarda  de  Congo  de  Nossa  Senhora  do  Rosário  e  São  Sebastião  se  apresenta  nas 
festividades  em  homenagem  aos  santos  padroeiros,  espalhadas  nos  distritos  vizinhos  e  no  próprio 
distrito–sede. Também participa de festas de congado em outros municípios. Para atender às “pagas de 
visitas”,  o  capitão  leva  em  consideração  os  convites  que  chegarem  primeiro  e  os  recursos  financeiros 
disponíveis para contratar o transporte para levar os integrantes. 

Em Mariana, o grupo costuma apresentar–se na festa Santa Cruz, que acontece no bairro Barro Preto, 
em  setembro,  e  durante  a  festa  de  Nossa  Senhora  do  Rosário,  no  mês  de  outubro  (Figuras  6.249  e 
6.250). 

   
 
Figura 6.249 – Cartaz da festa de Reinado da Guarda de Congo Nossa Senhora do Rosário e São 
Sebastião 2017 (à esquerda), e mastro de Nossa Senhora do Rosário e São Sebastião fincado em frente 
ao Centro de Convenções em Mariana (à direita). 
Fonte: Foto cedida por Marcelo Eustáquio Ramos à Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 
 

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Figura 6.250 – Reis e rainhas do Reinado e cortejo de reis e rainhas, acompanhado dos ternos de 
congado. 
Fonte: Foto cedida por Marcelo Eustáquio Ramos à Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

No  mês  de  maio,  durante  as  comemorações  da  Festa  do  Divino  Espírito  Santo,  acontece,  no  distrito–
sede,  o  encontro  de  congadeiros,  momento  em  que  o  grupo  sai  com  seu  terno.  Em  junho,  o  grupo 
realiza sua própria festa, o Reinado de Nossa Senhora do Rosário em Mariana, com a presença de vários 
ternos de congado de outras regiões do Estado de Minas Gerais, como Dores do Indaiá, João Monlevade 
e Pedro Leopoldo. Quanto às festividades, o capitão lamenta que o Poder Público tenha contribuído de 
forma  mínima  com  o  evento,  apenas  com  a  confecção  de  parte  do  material  de  divulgação  e 
disponibilização de estrutura física, como local para receber os grupos visitantes. As demais despesas, 
com alimentação e organização da festa, são custeadas pelos congadeiros: 

“A Secretaria de Cultura não ajuda em nada. O reinado da gente acontece dia 12 
de  junho,  trouxe  quase  2  mil  pessoas  para  dentro  de  Mariana,  mas  recebeu 
quase nada de ajuda. A Prefeitura nos cedeu o espaço do Centro de Convenções 
e mais 100 reais para a compra de um banner. O resto foi do nosso bolso. Nossa 
maior dificuldade é transporte, uniforme e instrumentos.” (Capitão Marcelo, em 
entrevista realizada na sua residência, em 15/09/2017). 

Além da escassez de investimentos do Poder Público destinados à manutenção da tradição do congado 
nas  festividades  que  acontecem  na  própria  cidade,  o  capitão  Marcelo  contabiliza  o  descrédito  em 
relação  à  falta  de  recursos  públicos  destinados  ao  patrocínio  de  transportes,  o  que  inviabiliza  os 
intercâmbios com outras guardas vizinhas e, consequentemente, a incapacidade de cumprir as “pagas 
de visitas”. A paga de visita é uma dádiva que impõe ao grupo anfitrião, no momento oportuno, retribuir 
a visita que outrora recebeu. É uma corrente de solidariedade que permite a continuidade das festas de 
Reinado. 

Outra questão que, para o capitão, se caracteriza como obstáculo à continuidade do congado parte dos 
dirigentes da igreja católica local. “Nossa guarda já sofreu preconceito. O padre não permitiu que grupo 
entrasse  na  igreja  porque  está  ligada  ao  terreiro”,  ressaltou  o  capitão.  Durante  as  pesquisas  com 
informantes de outros municípios, como Nazareno e São João Del Rei, foram recorrentes as queixas que 
envolvem congadeiros e líderes da igreja católica. 

381 
 
A  respeito  do  registro  das  congadas,  que  se  encontra  em  processo  de  reconhecimento  pelo  IPHAN,  o 
capitão,  embora  demonstrasse  pouco  conhecimento  sobre  assunto,  acredita  que,  se  as  congadas 
obtiverem o título de Patrimônio Cultural do Brasil, isso representará um ganho para os detentores. No 
entanto, foi enfático ao afirmar que não basta dar um “selo” –– é preciso que a prática, como um todo, 
seja valorizada através de incentivos materiais para apoiar os grupos que estão se acabando porque não 
têm  condições  de  se  manter.  Para  ele,  as  maiores  dificuldades  para  preservar  a  tradição  são 
provenientes  da  falta  de  apoio  do  Poder  Público  e  também  da  desvalorização  por  parte  das  pessoas 
jovens. 
6.12.4  OFÍCIO DE QUINTANDEIRAS 
 Roseli Carneiro da Silva, 61 anos – distrito–sede 

 Ana Maria dos Santos, 58 anos – distrito de Padre Viegas 

 Neusa Natalina da Costa, 52 anos (Neusa do Zé) – subdistrito Barroca 

 Maria de Lourdes Paiva, 51 anos – subdistrito Barroca 

 Neuza Maria, 53 anos – Comunidade Quilombola Santa Efigênia 

 Maria Aparecida Aves da Silva, 50 anos – distrito de Cláudio Manoel 

 Célia do Carmo Corcini, 33 anos – distrito de Monsenhor Horta 

O  ofício  de  quitandeira  no  município  de  Mariana  está  vigente,  e  seus  detentores  se  encontram 
localizados em vários territórios. Estabeleceram–se contatos com mulheres que dominam esse saber em 
vários  distritos  e  comunidades,  dentre  eles:  o  distrito–sede,  Padre  Viegas,  Monsenhor  Horta, 
Comunidade  quilombola  Santa  Efigênia  e  subdistrito  Barroca.  Em  todas  as  localidades,  o  ofício  é 
desenvolvido  por  mulheres  que  retiram  parte  da  renda  familiar  por  meio  da  comercialização  de 
quitandas e doces.  

O  mais  comum  é  encontrarem–se  quitandeiras  que  produzem  merendas  apenas  para  consumo  da 
família.  No  entanto,  em  Mariana,  o  ofício  de  quitandeira  adquire  características  de  profissão  ––  é  um 
trabalho que gera renda para as pessoas envolvidas com a prática. É também um tipo de negócio que, 
se  for  incentivado  pelo  Poder  Público,  poderá  ser  lucrativo  não  apenas  para  as  quitandeiras,  mas 
também  para  o  município.  Por  enquanto,  o  ofício  de  quitandeira  é  individualizado,  e  cada  mulher 
trabalha em casa; algumas, sozinhas. Elas não estão organizadas em Associação ou Cooperativa.  

A  maioria  dos  consumidores  de  quitandas  são  os  próprios  vizinhos,  que  fazem  encomendas,  mas  há 
também  escoamento  de  mercadorias,  embora  em  menor  quantidade,  para  outros  lugares,  como 
Mariana e Belo Horizonte. Outro lugar onde se comercializam quitandas são feiras livres e festivais de 
gastronomia.  Nas  localidades  visitadas,  não  existem  espaços  destinados  à  venda  de  quitandas,  o  que 
reforça a ideia de que o ofício de quitandeira é uma atividade que acontece no espaço privado, isto é, 
nas cozinhas. Isso não significa que seja uma prática solitária; em alguns casos, o ofício chega a envolver 
os filhos e até vizinhas na produção das merendas. 

382 
 
A  seguir,  será  apresentado  o  contexto  do  ofício  de  quitandeira  no  município  de  Mariana,  a  partir  da 
trajetória de cada uma das detentoras envolvidas na arte de fazer merendas. Roseli Carneiro da Silva é 
natural do distrito de Camargos, onde viveu grande parte da vida, inclusive depois de casada. Trabalhou 
em carvoaria até se mudar para Mariana, a fim de acompanhar os filhos em idade escolar, já que, no 
distrito, só existia escola para as séries iniciais. Nessa época, trabalhou como cozinheira de restaurante 
em Mariana e em Ouro Preto. Atualmente, é viúva, e sua fonte de renda mensal provém do benefício de 
pensionista e do ofício de quitandeira e doceira. 

A  quitandeira  Roseli  aprendeu  o  ofício  quando  era  criança,  observando  sua  mãe  nas  preparações  das 
merendas.  De  origem  rural  e  integrante  de  família  numerosa,  logo  cedo  assumiu  algumas 
responsabilidades no âmbito do trabalho doméstico. Enquanto os meninos ajudavam o pai nos afazeres 
da  roça,  as  meninas  cuidavam  das  atividades  ligadas  à  casa,  como  cozinhar,  incluindo  também  a 
produção de quitandas:  

“Eu  fui  nascida  e  criada  na  roça,  e  desde  10  anos,  eu  ajudava  a  minha  irmã  a 
fazer a merenda. Ela fazia quitanda só para consumo. Na casa de meu avô, tinha 
forno  de  barro,  não  existia  nem  forma.  Na  época  de  minha  mãe,  tudo  era 
produzido  no  sítio.  Na  cidade,  só  comprava  o  sal  e  o  querosene.  Na  época  de 
meu avô, tinha até o engenho. Minha mãe fazia até o polvilho; lembro de ajudar 
ela  a  ralar  a  mandioca.”  (Roseli,  em  entrevista  realizada  na  sua  residência,  em 
16/09/2017). 

Após casar–se, aos 16 anos, a quitandeira continuou a fazer as quitandas para a família, sem pretensão 
de  comercializar;  a  produção  era  apenas  para  consumo  interno.  A  necessidade  de  fazer  as  quitandas 
para vender só aconteceu quando se mudou para a cidade, no início da década de 1990. Começou, aos 
poucos, levando pães e biscoitos para vender aos sábados na feira livre de Mariana: “Antes eu vendia 
nos  locais,  e  carregava  os  produtos  em  uma  caixa  de  isopor;  depois  consegui  comprar  um  carro,  que 
facilitou  levar  as  quitandas  para  os  locais  de  venda  e  aumentar  a  minha  produção”,  afirmou  a 
quitandeira. 

Além de fazer quitandas, como biscoito de polvilho, bolos de fubá, rosquinhas de nata, roscas, fruto do 
aprendizado, que obteve de sua mãe, a quitandeira também faz doces e geleias com frutas da época. 
“Em termos de quitanda, meu forte são as broas, biscoitos e bolos. Faço muito rosquinha de amoníaco, 
rosquinha de coco, que é receita de minha avó, que media tudo em pires”, disse a quitandeira. Roseli 
não tem ajudante na produção e  comercialização das quitandas, prefere  trabalhar sozinha.  Em alguns 
casos, como, em época  de fim de ano e Semana Santa, quando as vendas de quitandas  aumentam, é 
que costuma contratar uma pessoa. 

Para  o  escoamento  das  quitandas,  Roseli  (Figura  6.251)  utiliza  várias  estratégias  e  canais  de 
comercialização. Os clientes podem adquirir as quitandas através de encomendas na própria residência, 
na lojinha de artesanato de sua filha, no Centro, e na feira livre, aos sábados.  

383 
 
 
Figura 6.251 – A quitandeira Roseli expondo suas quitandas e doces na feira livre de Mariana, em 
16/09/2017. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Durante  a  visita  realizada  à  sua  residência,  percebeu–se  uma  grande  quantidade  de  geleias,  doces  e 
licores estocados. Trata–se de uma estratégia utilizada para aproveitar as frutas de cada estação, o que 
permite manter uma reserva de doces para comercialização. As frutas são adquiridas de parentes que 
residem  nas  comunidades  rurais  próximas  ao  distrito  de  Camargos.  Segundo  Roseli,  grande  parte  da 
área que produzia as frutas que utiliza para fazer os doces foi destruída com o rompimento da barragem 
da mineradora Samarco em 2015: 

“Nos  doces,  eu  utilizo  o  tacho  de  cobre:  dá  um  gosto  no  doce.  Eu  aproveito 
tudo.  Com  a  jabuticaba,  eu  faço  licor,  geleia,  e  hoje  já  faço  o  doce  da  casca. 
Quando  tem  muita  banana  madura,  eu  faço  doce  de  banana  com  cenoura  e 
coloco suco de limão, que conserva o ano todo. Eu vou para os sítios e fico de 
olho  no  que  pode  ser  aproveitado.  Aprendi  a  fazer  conserva  de  umbigo  de 
bananeira  e  de  broto  de  bambu.”  (Roseli,  em  entrevista  realizada  na  sua 
residência, em 16/09/2017). 

O acidente da Samarco interferiu severamente no ofício de quitandeira de Roseli (Figura 6.252). Antes, 
grande parte dos insumos utilizados nas quitandas  era produzida  no distrito  de Camargos:  leite, nata, 
queijo, manteiga, ovos caipiras. Após o desastre, a quitandeira foi obrigada a substituí–los por produtos 
similares  industrializados.  “Hoje,  minhas  produções  são  feitas  com  muitos  produtos  industrializados, 
mas, antes da tragédia da Samarco, eu utilizava tudo que produzia lá. O meu doce de leite, que é muito 
famoso,  não  tem  mais  o  mesmo  sabor.  Ainda  que  eu  compre  o  leite  de  pacote,  ele  já  tem  uma 
pasteurização, e não fica a mesma coisa”, lamentou ela. 

A  produção  de  quitandas  continua  obedecendo  ao  modo  de  fazer  conforme  aprendeu  com  a  mãe, 
porém  com  alguns  ajustes.  Algumas  adequações  foram  feitas  na  cozinha,  com  a  introdução  de  novos 
equipamentos, como fornos elétricos, bancadas de aço inoxidável, armários e outros utensílios que são 

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exigidos  pelo  órgão  de  inspeção  de  alimentos  dos  municípios.  Portanto,  a  quitandeira  não  faz  uso  de 
forno a lenha. 
 

 
 
Figura 6.252 – A quitandeira Roseli e sua cozinha. Detalhe para a bancada de aço inoxidável e o fogão a 
gás. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Pensando em atingir um determinado público, é que a quitandeira passou a produzir algumas merendas 
“sem lactose” e “sem açúcar”. “Como muita gente tem intolerância à lactose, eu criei um biscoito com 
suco de laranja”, acrescentou. O interesse partiu  dos próprios clientes, sobretudo daqueles que estão 
seguindo orientações médicas. 

No  distrito  de  Padre  Viegas,  distante  10  km  da  sede  do  município  e  com  aproximadamente  2.000 
habitantes, reside a aposentada Ana Maria dos Santos (Figura 6.253). Natural do próprio distrito, há três 
anos  faz  quitandas  para  vender.  Antes,  fazia  apenas  para  consumo  próprio.  Aprendeu  o  ofício  de 
quitandeira, ainda na infância, vendo sua mãe fazendo broa de fubá e biscoito de bicarbonato. Porém 
foi aprimorando com o passar dos anos. 

Nessa  época,  as  quitandas  eram  destinadas  para  consumo  da  família.  “Mãe  fazia  para  a  casa,  não 
vendia, e eu ficava só observando”, complementou Ana. Mas, em alguns momentos, chegava a preparar 
o forno de lenha para assar as quitandas. Nessa época, os ingredientes utilizados nas merendas eram 
produzidos  na  própria  roça:  ovos  caipiras,  leite  cru,  nata,  e  até  o  melado  usado  para  adoçar  as 
merendas. 

385 
 
 
Figura 6.253 – Quitandeira Ana Maria. Distrito de Padre Veiga. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
  

Não  costumava  ajudar  a  mãe  na  produção  de  quitandas,  preferia  fazer  outras  atividades  domésticas. 
Suas  irmãs  eram  mais  interessadas  que  ela.  Porém,  quando  se  casou,  pôs  em  prática  o  ofício  de 
quitandeira,  já  que  as  receitas  estavam  guardadas  na  memória.  Além  de  dona  de  casa,  atuou  como 
cantineira da escola durante 30 anos, profissão que contribuiu para aprimorar o ofício de quitandas. Era 
comum servir, como lanche, aos alunos as quitandas feitas por ela. Quando se aposentou, resolveu fazer 
quitandas e vender para os vizinhos.   

Atualmente,  além  de  assar  as  quitandas  em  forno  a  gás,  todos  os  ingredientes  são  comprados  no 
mercado. Para ela, as  mudanças são inevitáveis. “Hoje em dia, eu  compro  tudo em  mercearia.  Faço  a 
rosquinha tradicional com leite, ovos, açúcar e manteiga. Agora vou começar a inovar e fazer de canela. 
O leite, eu utilizo o de caixinha.” (Ana Maria, em entrevista realizada na sua residência, em 15/09/2017). 

Durante  as  comemorações  da  festa  de  Nossa  Senhora  do  Rosário  e  de  Nossa  Senhora  Aparecida,  que 
acontecem respectivamente em 8 e 12 de outubro, a quitandeira vende suas quitandas na barraca que 
monta em frente à igreja. Segundo ela, aproveita os poucos eventos que acontecem na localidade para 
vender seus produtos e ajudar no orçamento da casa. As quitandas que comumente faz são rosquinha 
de  amoníaco  e  broinha  de  fubá.  Além  de  expor  seus  produtos  à  venda  durante  as  festas,  costuma 
vendê–los na feira de artesanato promovida pela Associação. O evento acontece no segundo domingo 
de cada mês e recebe visitantes de outros lugares, como o distrito–sede. 

Próximo ao distrito de Padre Viegas, encontra–se o subdistrito de Santo Antônio da Barroca, distante 32 
km  de  Mariana.  Por  intermédio  do  capitão  do  Congado  Nossa  Senhora  do  Rosário,  o  Sr.  Bastião, 
conseguiu–se estabelecer contato com duas quitandeiras do local, Neuza do Zé e Lourdes. 

Neusa Natalina da Costa é casada, natural da Barroca (Figura 6.254). Seu primeiro contato com o ofício 
de  quitandeira  aconteceu  na  fase  de  criança,  quando  observava  sua  mãe  no  preparo  das  merendas. 
Depois  foi  aprimorando  com  as  vivências  que  estabeleceu  com  outras  pessoas,  entre  elas,  as  patroas 
com quem trabalha nas fazendas da região: 

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“A  minha  mãe  fazia  quitanda  em  casa  para  consumo  da  família,  e  a  gente 
ajudava. Depois eu casei e fui trabalhar nas casas das fazendas e aprendi a fazer 
mais coisas. Na fazenda é que  pratiquei mais, pois  eram muitos  empregados e 
tinha  que  fazer  quantidade  maior  (Neuza  do  Zé,  em  entrevista  realizada  na 
residência, no subdistrito da Barroca, em 15/09/2017). 

Pelo fato de fazer quitandas somente sob encomenda, Neuza do Zé investe mais na produção artesanal 
de doces caseiros em barra, cocadas de leite e de coco e compotas de frutas. Segundo ela, o lucro vem 
mais rápido quando se tem uma maior quantidade de produtos em estoque. Os saberes que envolvem o 
ofício  de  doceira  também  são  fruto  da  vivência  com  sua  mãe,  já  que  ela  também  fazia  doces,  mas 
somente doce de leite, na época do Natal. Os doces e compotas que atualmente são comercializados, 
ela  aprendeu  a  fazer  com  as  patroas,  nas  fazendas  onde  trabalhou.    Na  comunidade,  ela  é  mais 
conhecida como doceira porque é a que faz doces em maiores quantidades.  

 
Figura 6.254 – Neuza do Zé com parte dos doces que produz no subdistrito da Barroca. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
  

Enquanto a venda de quitandas fica restrita à própria comunidade, os doces ultrapassam fronteiras –– 
chegam até a capital do estado. “Faço quitandas por encomenda, mas não é muita coisa, não. Faço mais 
é doce. Faço doces de leite, de coco, de amendoim e compotas (Figura 6.255). Vendo por aqui mesmo, 
em Mariana e até em Belo Horizonte”, destacou a doceira e quitandeira. 

387 
 
 
Figura 6.255 – Cocadas de leite e de amendoim, produzidas pela doceira Neuza do Zé, empacotadas 
para serem vendidas. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Mesmo que a maioria dos ingredientes utilizados no preparo de doces e quitandas sejam adquiridos no 
mercadinho  local,  muito  ainda  se  preserva  do  modo  de  fazer  artesanal  das  merendas.  Pode–se  citar, 
como exemplo, o uso do fogão e do forno a lenha, que, para a informante, faz diferença no produto final 
(Figura 6.256). “Tenho fogão a lenha, gás e elétrico, mas acho que as melhores quitandas são feitas no 
fogão a lenha. A lenha a gente busca no Cerrado mesmo, mas é bem longe” (Neuza do Zé, em entrevista 
realizada na sua residência, no subdistrito da Barroca, em 15/09/2017). 

 
Figura 6.256 – Fogão a lenha localizado no canto da cozinha e tacho de cobre utilizados no preparo dos 
doces. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 

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Com  o  marido  desempregado,  parte  significativa  da  renda  familiar  da  quitandeira  e  doceira  Neuza 
provém  das  vendas  doces  e  merendas.  “Nessa  época  que  quase  todo  mundo  tá  desempregado,  eu 
sobrevivo mais da venda dos meus doces”, registrou Neuza. A tragédia ambiental ocorrida no município 
é realidade que amarga a vida de centenas de pessoas em Mariana, inclusive das quitandeiras Roseli e 
Neuza. As dificuldades financeiras de Neuza aumentaram quando o filho que trabalhava na Samarco foi 
demitido, no contexto do desastre ambiental. 

Assim como Neuza do Zé, a quitandeira Maria de Lourdes nasceu e criou–se na localidade; portanto, são 
vizinhas. É filha de Carbonato, ex–capitão do Congado Nossa Senhora do Rosário, e seu primeiro contato 
com o ofício de quitandeira se deu ainda criança. Quando tinha uns 8 anos de idade, sempre observava 
sua mãe durante o preparo das broas de fubá de milho moído no moinho d’água. Lembra que chegava a 
ajudá–la, mas só veio a aprender de verdade a fazer quitandas com sua cunhada. Na época de sua mãe, 
as quitandas eram apenas para o consumo da família ou para presentear os vizinhos. Não se fazia com o 
objetivo de vendê–las. O ofício de quitandeira já está na família há, pelo menos, três gerações, haja vista 
sua avó materna também fazer quitandas:  

“A  ideia  de  fazer  quitandas  para  comercializar  surgiu  há  três  anos,  a  partir  do 
incentivo  de  uma  vizinha.  Até  então,  só  fazia  as  merendas  para  o  consumo  da 
família. Eu comecei a fazer pra fora, porque aqui é ruim de emprego. Deu muito 
certo  –  faço  quitanda  toda  semana.  Tenho  algumas  encomendas.  Faço 
rosquinhas de queijo, rosca de canela e erva–doce. Também faço tortas e bolos. 
Faço pão de sal e vendo pela manhã. As pessoas me encomendam em casa, mas, 
na  época  da  festa  de  Santo  Antônio,  eu  recebo  mais  encomendas.”  (Maria  de 
Lourdes,  em  entrevista  realizada  na  sua  residência,  em  15/09/2017  –  Figura 
6.257). 

Nas  falas  das  quitandeiras  já  pesquisadas,  percebe–se  que  os  períodos  festivos  são  propícios  para  o 
consumo  de  quitandas,  e  a  comunidade  de  Santo  Antônio  da  Barroca  não  foge  à  regra.  Durante  os 
festejos  da  festa  do  padroeiro  Santo  Antônio,  que  acontece  no  mês  de  junho,  há  um  considerável 
aumento  nas  vendas  de  quitandas.  É  que  as  festividades  costumam  atrair  visitantes  e  filhos  ausentes 
que residem em Mariana e municípios vizinhos. 

No  mesmo  período,  ocorre  a  festa  do  Congado  de  Nossa  Senhora  do  Rosário.  Suas  apresentações 
concentram–se  no  mês  de  maio  e  início  de  junho,  quando  o  folguedo  acontece  todos  os  sábados  e 
domingos,  até  o  final  da  festa  de  Santo  Antônio,  no  dia  13  de  junho,  padroeiro  do  subdistrito  de 
Barroca. As atividades do congado se relacionam à celebração do dia do santo padroeiro no seu local de 
origem. 

Ambas  as  quitandeiras  ressaltam  que  há  aumento  nas  vendas  de  quitandas  nessa  época  do  ano, 
momento em que a localidade vivencia um tempo extraordinário, isto é, permite que a vida cotidiana 
seja absorvida pelo clima de comensalidade. E nada mais propício para isso do que as quitandas. 

389 
 
 
Figura 6.257 – Forno usado pela quitandeira Lourdes para assar as quitandas, no subdistrito da Barroca. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Diferentemente  da  época  em  que  sua  mãe  fazia  as  quitandas  com  a  ajuda  das  filhas  no  processo  de 
produção, hoje todo o preparo e finalização das merendas é realizado apenas Lourdes. As receitas das 
merendas ainda seguem o mesmo modo de fazer artesanal da época de sua mãe, porém com algumas 
mudanças visíveis. 

Essas  mudanças  não  implicam,  necessariamente,  modificação.  Os  ovos  de  galinha  caipiras  foram 
substituídos por ovos de granja, o fubá em vez de moído no moinho de água, é comprado na mercearia, 
e a nata deu lugar ao creme de leite. “Os ingredientes eu compro, a única coisa que é da roça é o queijo 
que compro da vizinha aqui de cima. Eu compro ovos brancos, porque é difícil manter galinha para ter 
ovos.” (Maria de Lourdes, em entrevista realizada na sua residência, em 16/09/2017 – Figura 6.258) 

 
Figura 6.258 – A quitandeira Lourdes expondo suas merendas no subdistrito da Barroca. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

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Na  Comunidade  Quilombola  Santa  Efigênia,  localizada  próximo  ao  subdistrito  de  Santo  Antônio  da 
Barroca,  encontra–se  Neuza  Maria,  viúva,  pensionista  e  quitandeira  (Figura  6.259).  O  aprendizado  do 
ofício é herança de família e foi transmitido de mãe para filha. Embora seja natural da comunidade, já 
residiu na cidade de Mariana e Pinheiros Altos. A comunidade quilombola Santa Efigênia foi certificada 
pela Fundação Palmares em 16 de setembro de 201015. 

A população, composta por aproximadamente 40 famílias, não possui posto de saúde nem escolas. Além 
disso,  não  existe  saneamento  básico  nem  tratamento  de  água.  Os  alunos  em  idade  escolar  usam  o 
transporte escolar gratuito. As escolas mais próximas estão localizadas no distrito de Furquim. O acesso 
ao núcleo residencial é precário e dificulta o trânsito de automóvel. 

Seu aprendizado no ofício de quitandeira segue a mesma lógica de transmissão percebida nas demais 
detentoras:  a  presença  da  figura  materna  no  repasse  de  saberes.    “Minha  mãe  fazia  só  para  a  casa 
mesmo.  Nunca  ficavam  todos  os  filhos  para  ajudar,  pois  tinha  outras  ocupações,  mas  as  filhas  que 
ajudavam eram mais para enrolar as quitandas”, comentou Neusa a respeito da sua aproximação com 
as  quitandas.  No  entanto,  aprendeu  a  fazer  rapadura  e  melado  de  cana–de–açúcar,  ingredientes  que 
usa nas receitas de broas de fubá. 

 
Figura 6.259 – A quitandeira Neuza, ao lado do forno de varrer, localizado no quintal de sua casa, na 
comunidade quilombola Vila Santa Efigênia. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Nessa época, lembra a informante, os ingredientes eram produzidos pela própria família, desde o milho, 
que era moído na roda d’ água, para fazer o fubá até o melado de cana–de–açúcar. Hoje, na medida do 
possível,  tenta  fazer  suas  quitandas  com  os  ingredientes  da  roça  e  o  que  consegue  produzir  na 
comunidade: 

                                                            
15
Informações  disponíveis  na  página  do  órgão:  http://www.palmares.gov.br/comunidades–remanescentes–de–
quilombos–crqs . 

391 
 
“Na época da minha mãe, tinha ovo caipira, leite, e pegava o milho pra moer. 
Tinha  também  leite  de  cabra.  Nessa  época,  só  comprava  mesmo  sal  e  o 
macarrão.  Até  sabão  era  feito  aqui.  Hoje  eu  tenho  que  comprar  muita  coisa, 
mas ovos e milho ainda é daqui. O fubá que uso nas quitandas também é daqui 
mesmo,  meu  genro  mói  o  milho  pra  mim.”  (Neuza  Maria,  em  entrevista 
realizada na sua residência, em 16/09/2017). 

A  quitandeira  Neuza  faz  questão  de  seguir  a  tradição  do  modo  de  fazer  quitanda,  optando  por 
ingredientes produzidos na roça. Ela mantém, no quintal, o forno de varrer (a lenha), que ela chama de 
“forno  de  cupim”  (Figura  6.260);  de  cupim,  o  forno  só  tem  o  formato  de  cupinzeiro.  Na  verdade,  a 
estrutura já é de tijolo e barro. Quando não está fazendo uso do utensílio, protege–o com um plástico 
para evitar que a chuva provoque desgastes nas paredes.  

 
Figura 6.260 – Forno de varrer, também chamado de forno de cupim, utilizado pela quitandeira Neuza 
para assar as merendas. Comunidade quilombola Vila Santa Efigênia. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 
Geralmente,  quando  faz  as  quitandas,  costuma  se  reunir  com  outras  vizinhas  para  dividir  as  tarefas: 
enquanto uma amassa e enrola os biscoitos, a outra se responsabiliza pelo forno (a forneira). A madeira 
usada  para  alimentar  a  fornalha  é  retirada  da  própria  comunidade,  dando–se  preferência  para  as 
árvores que secam e caem. 
Neuza já fez quitandas para vender, mas atualmente só as produz para o consumo próprio, e também 
em ocasiões festivas: batizados e aniversários de familiares. “Eu já cheguei a fazer pra vender, inclusive 
doces,  mas  hoje  eu  só  faço  para  a  casa.  Também  nada  com  muito  lucro,  só  um  dinheiro  extra  para  a 
casa”,  declara  a  quitandeira  Neusa.  Sobre  os  tipos  de  quitandas  que  habitualmente  faz,  a  quitandeira 
disse o seguinte:  
“Faço broa de rapadura, broa de melado. Sei fazer de tudo, não passo aperto 
com  nada.  Eu  faço  meu  próprio  melado  e  faço  rapadura  com  amendoim. 
Graças a Deus, de tudo eu tenho um pouquinho. Também faço doces de coco, 
amendoim  e  mamão.  Essas  frutas,  eu  tenho  aqui.  Meus  doces  ficaram 
conhecidos  por  causa  do  casamento  da  minha  filha.”  (Neuza  Maria,  em 
entrevista realizada na sua residência, em 16/09/2017). 

392 
 
Embora,  hoje  em  dia,  não  seja  comum  na  comunidade  servir  quitandas  nas  festas  de  casamento,  a 
quitandeira  Neuza  ressaltou  que,  na  recepção  de  seu  matrimônio,  foram  oferecidas  merendas  aos 
convidados.  Na  época,  as  quitandas  foram  feitas  por  sua  mãe  e  sua  cunhada,  que  preparam  com 
antecedência e as armazenaram em latas. Para manter a tradição da família, já está se organizando para 
preparar as quitandas do batizado de sua neta. “Eu vou fazer quitandas para a festa da igrejinha e será 
batizado de minha neta. Vou começar a fazer com antecedência, porque vai ser muita coisa”, ressaltou a 
quitandeira Neuza, com entusiasmo.  

Maria Aparecida Aves da Silva é casada e natural de Itabirito (MG). Reside no distrito de Cláudio Manoel, 
há dois anos, quando se mudou com o marido, em busca de tranquilidade e qualidade de vida. Porém, 
ela  já  possuía  o  imóvel  há  mais  de  15  anos  na  comunidade.  Conforme  acontece  com  a  maioria  das 
quitandeiras, seu contato com o ofício se deu ainda na fase de criança: 

“Venho  de  uma  família  de  16  irmãos,  e  morávamos  na  zona  rural.  Com  15 
anos, eu já ajudava a minha mãe a fazer as quitandas, em forno a lenha. Minha 
mãe já fazia quitanda só para consumo da família. Tirava um dia só para fazer 
as  quitandas.  Era  em  grande  quantidade.”  (Dona  Aparecida,  em  entrevista 
realizada na sua residência, em 16/09/2017 – Figura 6.261). 

De  acordo  com  a  informante,  as  sextas–feiras  eram  destinadas  ao  preparo  das  quitandas  para  serem 
consumidas  durante  a  semana,  no  café  da  manhã  e  lanches.  Em  épocas  de  festas,  especialmente  no 
Natal, sua mãe caprichava nos biscoitos. Chegou a relembrar com emoção que sua mãe fazia bolachas 
decoradas  com  cores  verde  e  vermelha,  em  referência  às  cores  das  festas  de  fim  de  ano.  Apesar  de 
tantas  lembranças  em  torno  do  ofício  de  quitandeira,  só  veio  a  fazer  quitandas  para  comercializar 
depois  que  veio  morar  em  Cláudio  Manoel.  Antes,  quando  residia  em  Belo  Horizonte,  as  fazia 
esporadicamente.  

 
Figura 6.261 – A quitandeira Aparecida ao lado do forno de tambor usado para assar as merendas no 
distrito de Cláudio Manoel. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 

393 
 
Atualmente,  além  de  restabelecer  algumas  receitas  ensinadas  pela  mãe,  que  já  faleceu,  consegue 
comercializar parte da produção em Mariana. Segundo a quitandeira, costuma deixar biscoitos, broinhas 
e rosquinhas em consignação, na loja de uma amiga. Para assar as quitandas, dona Aparecida utiliza o 
“forno  de  tambor”,  uma  versão  mais  moderna  do  forno  de  varrer.  No  entanto,  já  solicitou  ao  marido 
que providencie um forno de varrer  para o espaço  que irá  construir especificamente para produzir as 
quitandas. 

Depois que passou a viver em Cláudio Manoel, precisou se reinventar para ocupar a cabeça. Foi quando 
teve  a  ideia  de  fazer  quitandas,  inicialmente  para  o  consumo,  mas,  aos  poucos,  começou  a  receber 
encomendas de vizinhos. 

Além de complementar a renda, a quitanda traz muitas lembranças: “Eu sei que tenho lucro, mas não 
sei quanto. O que mais me interessa é fazer; fico muito cansada, mas é o que me dá ocupação e ajuda a 
não ter depressão.” (Dona Aparecida, em entrevista realizada na sua residência, em 16/09/2017). Para 
chamar  atenção,  colocou  uma  placa  na  janela,  com  os  dizeres:  “Fazemos  quitandas:  bolos,  pão  de 
queijo, rosquinhas, broas de fubá e biscoito de polvilho.” (Figura 6.262) 

 
Figura 6.262 – Mesa posta com biscoito de polvilho, broas de fubá e bolo feitos pela quitandeira 
Aparecida no distrito de Cláudio Manoel. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

O  que  era  para  ser  uma  atividade  para  distrair  a  cabeça,  como  ressaltou  a  quitandeira,  acabou  se 
transformando  em  geração  de  renda  para  a  família.  Ela  considera  que  o  modo  de  fazer  quitandas, 
conforme aprendeu com sua mãe faz toda a diferença na qualidade do produto final. Isso implica o uso 
de ingredientes, tais como: ovos caipiras, leite cru, manteiga, nata, queijo e banha produzidos de forma 
artesanal. Grande parte desses insumos ela consegue comprar dos produtores que residem na própria 
comunidade. 

394 
 
No mercado, a quitandeira só compra matéria–prima: açúcar, farinha, polvilho e fubá. Até os ovos são 
provenientes  da  criação  de  galinhas  que  mantém  no  terreno  de  casa.  “A  junção  forno  a  lenha  e 
ingredientes naturais é o segredo de uma boa quitanda”, enfatizou a quitandeira: 

“Minhas  quitandas  eu  faço  em  forno  a  lenha,  pois  o  sabor  é  totalmente 
diferente do feito em forno a gás. Em forno a gás, eu só faço quando é alguma 
encomenda de urgência, que não compensa utilizar o forno a lenha. O biscoito 
de  polvilho,  por  exemplo,  feito  no  forno  a  gás  não  fica  torradinho  como  no 
forno a lenha.” (Dona Aparecida, em entrevista realizada na sua residência, em 
16/09/2017). 

O ofício de quitandeira é um processo que abrange algumas etapas, como a seleção dos ingredientes e 
suas pesagens exatas, o amassar e o enrolar. Antes de tudo, porém, é preciso preparar o forno a lenha 
para  receber  os  tabuleiros  com  as  quitandas  cruas.  Segundo  dona  Aparecida,  é  preciso  ter 
conhecimento  para  deixar  a  temperatura  no  ponto  ideal,  de  modo  que  não  queime  as  quitandas.  A 
técnica  consiste  em  fazer  alguns  testes;  um  deles,  que  parece  ser  o  mais  comum,  é  relatado  por  ela. 
“Lembro  de  ver  minha  mãe  verificar  a  temperatura  do  forno  com  palha  de  bananeira;  se  queimasse, 
significava  que  a  temperatura  estava  muito  alta,  e  se  só  murchasse,  era  ideal  para  assar.”  (Dona 
Aparecida, em entrevista realizada na sua residência, em 16/09/2017). 

Percebe–se que o ofício  de quitandeira, em  Mariana, é diverso  em vários aspectos,  como distribuição 


territorial e idades. A mais jovem entre as quitandeiras pesquisadas em Mariana é Célia Corsini. Casada, 
natural  de  Ponte  Nova  e  residente  no  distrito  de  Monsenhor  Horta,  é  produtora  rural  e  expõe  suas 
quitandas  na  feira  livre  de  Mariana,  aos  sábados,  pela  manhã.  Assim  como  ocorreu  com  as  outras 
quitandeiras, seu primeiro contato com o ofício foi na infância, no convívio com a mãe: 

“Minha mãe se chamava Marilza. Ela fazia quitandas apenas para consumo da 
família e, eu, como filha mais velha, era quem ajudava. Nessa época, a gente 
utilizava apenas o braseiro; não tinha forno. Depois foi que veio a construir um 
forno a lenha, de varrer. No início, a gente até achou estranho.” (Célia Corsini, 
em entrevista realizada na feira livre de Mariana, em 16/0902017). 

A manutenção do ofício de quitandeira da família de Célia estava associada à sobrevivência e ao modo 
de  vida  rural  (Figura  6.263).  Como  não  tinham  acesso  à  padaria  para  comprar  o  pão  para  o  café  da 
manhã,  a  única  alternativa  era  prepará–los  artesanalmente,  com  os  ingredientes  que  obtinham  da 
produção familiar. Lembra a quitandeira que até o arroz era descascado no pilão, e que utilizava tudo 
que tinha no sítio; só comprava na cidade o essencial, que eram o açúcar, sal e o fermento.  

395 
 
 
Figura 6.263 – Quitandeira Célia expondo suas quitandas na feira livre de Mariana. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

A vivência com a mãe durante o preparo das quitandas, nesse caso, foi decisiva para a continuidade do 
ofício.  Conforme  relatou  Célia,  quando  se  casou,  continuou  a  preparar  as  merendas,  porém  não 
comercializava.  A  decisão  de  transformar  ofício  em  um  meio  de  contribuir  com  a  renda  familiar  só 
aconteceu  quando  seu  marido  foi  dispensado  do  emprego  que  tinha  na  Samarco  ––  mais  uma  vítima 
constatada entre as quitandeiras atingidas pelo desastre ambiental causado no território:  

“Comecei a fazer quitandas pra vender quando meu marido foi demitido da Samarco; hoje eu sustento a 
casa.  Trabalho  aqui  e  forneço  bolo  e  pães  para  a  merenda  escolar.”  (Célia  Corcini,  em  entrevista 
realizada  na  feira  livre  de  Mariana,  em  16/09/2017).  O  caso  de  Célia  e  de  tantas  outras  quitandeiras 
permite pensar sobre a importância do ofício a partir de outros aspectos, além da dimensão cultural. É 
possível perceber que a dimensão econômica ou material é um dos pilares de sustentação do ofício.   

De acordo com a quitandeira, as merendas são produzidas, seguindo o modo de fazer herdado de sua 
mãe, tanto no que diz respeito ao uso do forno a lenha, como na escolha dos ingredientes. Parte deles é 
produzida pela própria família, como leite, nata, manteiga, ovos caipiras e banha de porco. Para ela, a 
procedência dos insumos faz diferença na qualidade das quitandas. 

Ao mesmo tempo em que há preocupação com a manutenção da tradição do modo de fazer quitandas, 
por outro lado, é possível perceber que algumas mudanças estão sendo introduzidas pela quitandeira na 
realização  do  ofício.  Segundo  Célia,  as  demandas  partem  dos  próprios  clientes,  sobretudo  de  clientes 
que possuem restrições alimentares, seja por indicação médica, seja por uma escolha de vida, como é o 
caso das pessoas veganas. 

Caso semelhante foi observado no ofício da quitandeira Roseli. E foi pensando nesse público que Célia 
está tentando inovar, evitando utilizar apenas a farinha branca, acrescentando ingredientes funcionais, 
como chia, aveia, farinha de linhaça, e fazendo quitandas sem glúten (Figura 6.264). “Mas, ao mesmo 
tempo, eu tento restabelecer muita coisa tradicional. Eu comecei a fazer pão sem lactose, pão vegano e 
também há pessoas que preferem o pão feito com fermento caseiro.”, acrescentou a quitandeira.  

396 
 
 
Figura 6.264 – Quitandas – roscas integrais, sem lactose e roscas tradicionais. 
Fonte: Equipe Biodinâmica Rio, 2017. 
 

Se, por um lado, são introduzidas novas receitas, como broas integrais, sem açúcar e sem lactose, para 
atender  às  necessidades  da  própria  dinâmica  sociocultural,  por  outro,  também  percebe  que  as 
quitandas  produzidas  artesanalmente  têm  seu  lugar  garantido  na  barraca  da  quitandeira,  o  que 
assegura a continuidade da prática. 

Continuar  a  usar  alguns  elementos  da  tradição  permite  que  a  quitandeira  reflita  sobre  a  questão  do 
meio  ambiente.  Mesmo  que  as  quitandas  assadas  em  fornos  a  lenha  tenham  um  diferencial,  a 
quitandeira  tem  consciência  de  que  a  madeira  usada  no  processo  é  um  recurso  limitado,  e  que  está 
acabando.  Durante  o  período  da  pesquisa  de  campo,  foi  possível  presenciar  inúmeros  incêndios  nas 
matas  das  redondezas,  o  que  já  é  um  sinal  de  preocupação.  No  caso  de  Célia,  a  lenha  utilizada  na 
produção  de  suas  quitandas  é  coletada  no  próprio  sítio,  dando  preferência  pelos  troncos  e  galhos  de 
árvores secas. 

Diante da diversidade que o ofício de quitandeira de Mariana apresenta, é possível perceber elementos 
e situações que conectam as detentoras. Talvez o principal deles seja o aprendizado herdado da figura 
materna, haja vista que a maioria das entrevistadas estabeleceu os primeiros contatos com o modo de 
fazer  quitandas,  observando  as  mães.  Muitas  até,  quando  crianças,  já  ajudavam  na  preparação  das 
merendas. A outra questão não menos importante, que perpassa o contexto das quitandeiras, é que o 
ofício está diretamente associado ao trabalho doméstico. Outro  elemento presente  nas narrativas é a 
relação com a ruralidade, que muitas tiveram em algum momento da vida.  

397 
 
6.12.5  MAPA DOS BENS CULTURAIS DE MARIANA 

399 
 
7.  IDENTIFICAÇÃO E AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AO PATRIMÔNIO IMATERIAL 
Nesta  seção,  apresenta–se  uma  avaliação  dos  impactos  que  potencialmente  podem  ser  provocados 
pelas  atividades  de  instalação  e  operação  do  empreendimento  sobre  os  bens  culturais  de  natureza 
imaterial  registrados  ou  em  processo  de  registro,  relacionados  ao  empreendimento  da  LT  345  kV 
Itutinga – Barro Branco, nos 12 municípios interceptados.

A identificação e análise dos possíveis impactos ao Patrimônio Cultural Imaterial estão apresentadas de 
acordo  com  as  possibilidades  de  ocorrência  levantadas  durante  os  estudos  ambientais  realizados  pela 
MANTIQUEIRA/BIODINÂMICA RIO (2017) e na pesquisa de campo que originou este RAIPI. O objetivo é 
que  os  possíveis  impactos  sejam  conhecidos,  avaliados  e,  possivelmente,  sanados,  ou  minimizados  e 
salvaguardados. 

O critério técnico utilizado para caracterizar os possíveis impactos teve como referência o conceito de 
Avaliação  de  Impacto  Ambiental  (AIA),  que  é  um  processo  de  coleta  de  informações,  análises  e 
predições,  destinadas  a  identificar,  interpretar,  prevenir  e  comunicar  os  possíveis  efeitos  de  um 
empreendimento sobre o meio ambiente e as práticas culturais.  

Para o Patrimônio Cultural Imaterial, não existem, atualmente, metodologias ou indicações de medidas 
de  avaliação  de  impactos  sobre  bens  culturais  registrados  e  em  processo  de  registro.  Nesse  sentido, 
enfatiza–se  a  necessidade  de  uma  percepção  contextualizada  e  de  cunho  etnográfico,  que  implique 
realizar  visitas  in  loco  por  parte  da  equipe  de  pesquisa  aos  detentores  das  práticas.  Essa  estratégia 
permite obter dados mais consistentes sobre a realidade dos grupos e, consequentemente, identificar e 
analisar os impactos ao patrimônio imaterial. 

Os  esforços  de  pesquisa  da  equipe  técnica  são  considerados  uma  postura  de  cunho  etnográfico,  que, 
além  de  realizarem  breves  apresentações  do  empreendimento,  em  especial  sobre  sua  localização  e 
caracterização,  para  os  entrevistados  e  membros  do  público  local,  evidenciam,  sobretudo,  o  discurso 
dos detentores a respeito dos bens culturais em estudo.  

A  escuta  apurada  da  fala  dos  entrevistados  sobre  as  dinâmicas  dos  bens  culturais  acautelados  pelo 
IPHAN, registrados ou em processo de registro, foi essencial para avaliar o grau de impacto em relação 
ao  empreendimento.  Cumpre  ressaltar,  também,  os  fatos  e  situações  que  não  foram  ditos  pelos 
detentores,  mas  captados  pelo  pesquisador  durante  as  observações  realizadas  nas  visitas  in  loco. 
Portanto, a ênfase nos diálogos com os entrevistados e as observações efetuadas pelos pesquisadores 
de  campo,  conforme  apresentadas  no  texto  do  diagnóstico,  contribuíram  para  definir  a  existência  ou 
não de impactos causados pelo empreendimento. 

No  presente  RAIPI,  optou‐se,  pelo  uso  de  um  método  espontâneo  a  partir  do  conhecimento 
empírico da equipe técnica sobre o assunto, o que proporcionou uma avaliação de impactos de 
forma objetiva e de maneira dissertativa. 
Levando em consideração essas observações, destaca–se que não foram identificados impactos diretos 
aos bens culturais de natureza imaterial em relação ao empreendimento. No entanto, identificou–se a 
presença de impactos indiretos, que estão relacionados com a continuidade dos bens culturais. 

401 
 
As  justificativas  utilizadas  para  definir  a  não  ocorrência  de  impactos  diretos  na  fase  de  implantação 
levaram em consideração: 
I. a distância que os bens culturais registrados e em processo de registro mantêm em relação ao 
empreendimento,  conforme  os  quadros  apresentados  nos  mapas  da  seção  6  do  diagnóstico, 
para cada município; 

II. as  observações  da  equipe  de  pesquisa  e  análises  dos  dados  coletados  durante  as  visitas  aos 
detentores e às localidades onde residem; 

III. as opiniões e percepções dos detentores a partir das entrevistas realizadas.  

A  seguir,  apresentar–se,  para  cada  fase  do  empreendimento,  os  impactos  indiretos  identificados, 
relacionando–os com a existência dos bens culturais, seus detentores e os modos de vida observados. 

Ressalta‐se que esses impactos foram classificados de acordo com os atributos apresentados no Quadro 
7‐1, quais sejam: 

‐ Natureza – se o impacto é positivo ou negativo; 

‐ Duração – se o impacto é temporário ou permanente; 

‐ Reversibilidade – se o impacto é reversível ou irreversível; 

‐ Prazo de manifestação – se o impacto é de curto, médio ou longo prazo; 

‐ Abrangência – se o impacto é local ou regional. 
 
Quadro 7‐1 – Impactos Indiretos Identificados e sua Classificação 

ATRIBUTOS
IMPACTO
Prazo de
Natureza Duração Reversibilidade Abrangência
manifestação

Contratação de
Positivo Temporário Reversível Curto prazo Local*
mão de obra

Possibilidade de
Positivo Temporário Reversível Curto prazo Local*
aumento de renda

Compartilhamento
das vias de acesso
Negativo Temporário Reversível Curto prazo Local*
durante as
festividades
Percepção da
possibilidade de
Negativo Permanente Reversível Longo prazo Local
interferências
eletromagnéticas
 

402 
 
7.1  FASE DE INSTALAÇÃO DO EMPREENDIMENTO 

7.1.1  CONTRATAÇÃO DE MÃO DE OBRA 

Conforme informações coletadas no EIA (MANTIQUEIRA/BIODINÂMICA RIO, 2017), prevê‐se que a mão 
de obra a ser empregada na implementação das obras da LT e das Subestações associadas será de cerca 
de 1.100 pessoas na instalação do empreendimento, época de maior demanda. Desse total, estima‐se 
que  30%  dos  contratos  de  trabalho  serão  ocupados  por  trabalhadores  não  especializados.  Em  termos 
numéricos,  serão  330  postos  de  trabalhos  distribuídos  nos  12  municípios,  dando–se  prioridade  à 
contratação de mão de obra local.  

Destaca–se  que,  quando  admitidos,  os  trabalhadores  serão  submetidos  a  treinamento  adequado, 
visando  ao  seu  comprometimento  com  as  questões  pertinentes  a  suas  tarefas  e,  ainda,  à 
conscientização dos cuidados ambientais e de saúde/segurança do trabalho nas obras. 

Dentro  do  universo  das  contratações,  sugere–se  que  sejam  priorizados  os  capoeiristas  (mestres, 
contramestres,  instrutores  e  professores),  capitães  e  dançadores/ras  de  congado.  A  referida 
recomendação  surgiu  a  partir  de  sugestões  dos  próprios  entrevistados  e  também  das  observações  da 
equipe  de  pesquisa  sobre  suas  condições  de  vida.  A  utilização  da  mão  de  obra  de  integrantes  desses 
grupos,  mesmo  que  temporária,  poderá  contribuir  para  melhorar  as  condições  socioeconômicas  de 
alguns  detentores,  que  estão  diretamente  relacionadas  com  a  continuidade  e  valorização  das  práticas 
culturais realizadas por esses detentores. 
7.1.2  POSSIBILIDADE DE AUMENTO DE RENDA 

Também de acordo com o citado EIA (2017), os canteiros deverão ser distribuídos ao longo do traçado, 
com a finalidade de minimizar o deslocamento dos efetivos de pessoal e equipamentos nas frentes de 
trabalho.  Estarão,  portanto,  assim  divididos:  canteiros  principais,  nos  municípios  de  Itutinga  (SE 
Itutinga), Resende Costa, Jeceaba (SE Jeceaba), Ouro Preto (SE Itabirito 2) e Mariana (SE Barro Branco), e 
de  apoio,  nos  municípios  de  Congonhas  e  Ouro  Preto  (distritos  de  Santo  Antônio  do  Leite  e  Santo 
Antônio do Salto). 

Desse  modo,  sugere–se  que,  durante  a  fase  de  implantação  do  empreendimento  nos  referidos 
municípios,  sejam  contratados  os  serviços  das  quitandeiras  locais  para  fornecimento  de  quitandas 
(bolos, broas, biscoito de polvilho, pães de queijo e roscas) para alimentação da equipe de trabalho.  

Especificamente sobre as quitandeiras da CRQ Palmital, para que possam fazer parte da priorização de 
fornecimento  de  quitandas  durante  a  fase  de  implantação  do  empreendimento,  será  necessária, 
primeiramente,  uma  ação  de  apoio  financeiro  para  realização  de  compras  de  matéria–prima  e 
instrumentos  para  a  fabricação  das  merendas.  Conforme  as  informantes  locais  Cidinha  e  Chiquita, 
embora  detenham  o  conhecimento  tradicional  do  ofício  de  quitandeira,  não  dispõem  de  recursos 
financeiros  para  iniciar  sua  produção  de  quitandas.  Somente  após  esse  apoio,  as  quitandeiras  locais 
estarão  aptas  a  fornecer  seus  produtos  para  venda.  Nesse  caso,  sugere–se  que  o  IPHAN  notifique  à 
Fundação Palmares, órgão responsável pela política institucional das comunidades quilombolas, que se 
posicione a respeito dessa demanda. 

403 
 
7.1.3  COMPARTILHAMENTO DAS VIAS DE ACESSO DURANTE AS FESTIVIDADES 

Os  acessos  têm  por  objetivo  viabilizar  a  instalação  do  empreendimento  e,  se  necessário,  serem 
utilizados  para  as  atividades  de  operação  e  manutenção  da  futura  LT.  Dessa  forma,  as  vias  de  acesso 
existentes  na  região  de  implantação  serão  utilizadas  prioritariamente.  Somente  no  caso  de  não 
existirem  ou  de,  tecnicamente,  não  for  possível  aproveitá–las,  aberturas  de  novas  vias  de  acesso 
poderão ser planejadas, desde que autorizadas pelos proprietários. 

Na próxima fase do projeto, durante a elaboração do Projeto Executivo de engenharia, será definida a 
locação  precisa  das  torres,  podendo  haver  refinamento  da  seleção  das  vias  de  acessos  a  serem 
efetivamente utilizadas, já tendo estabelecida a largura de 48 m para a faixa de servidão.  

Com  o  intuito  de  evitar  transtornos  causados  pelo  empreendimento  às  vias  de  acesso  às  localidades, 
recomenda–se  que  sejam  observados  os  calendários  das  festividades  que  estão  relacionadas  com  os 
grupos  de  congado,  encontros  de  capoeiristas  e  festivais  de  gastronomia,  que  incluem  ofício  das 
quitandeiras  dos  municípios  e  o  calendário  de  obras  da  LT.  O  objetivo  é  evitar  quaisquer  tipos  de 
interferências  durante  as  apresentações  e/ou  celebrações  que  dialogam  diretamente  com  os  bens 
culturais  Ofício  de  Mestres  de  Capoeira  e  Roda  de  Capoeira,  Ofício  de  Quitandeiras  e  Congadas  de 
Minas. 

7.2  FASE DE OPERAÇÃO 
7.2.1  PERCEPÇÃO DA POSSIBILIDADE DE INTERFERÊNCIAS ELETROMAGNÉTICAS 
Conforme consta no material informativo distribuído pelas Empresa Mantiqueira e Biodinâmica Rio nos 
municípios  e  comunidades  quilombolas  interceptados  pelo  empreendimento,  os  itens 
radiointerferência, ruído audível e campo elétrico não provocam danos à saúde humana, como câncer, 
por  exemplo.  As  interferências  eletromagnéticas  podem,  entretanto,  sob  certas  condições,  afetar 
aparelhos eletrodomésticos, sendo esse um dos fatores analisados para a definição da faixa de servidão. 

No  entanto,  em  diálogos  realizados  com  os  moradores  locais,  principalmente  da  Comunidade 
Remanescente de Quilombo Palmital, percebeu–se, em suas falas, a preocupação de serem acometidos 
por problemas de saúde provocados pela operação do empreendimento. 
Embora  já  tenha  ocorrido  uma  palestra  na  localidade,  proferida  pela  equipe  da  empresa,  com  a 
presença do representante da Prefeitura de Nazareno, esclarecendo sobre a não ocorrência desse tipo 
de problema, a representante da Associação de Moradores da Comunidade, Cidinha, expressou dúvidas 
sobre  o  tema.  Para  ela,  de  acordo  com  sua  visão  de  mundo,  é  inevitável  a  ocorrência  desse  impacto, 
haja vista a insegurança e medo constante de viver próximo à LT. 
Ressalta‐se que no Programa de Comunicação Social (PCS) apresentado no EIA, e que será detalhado no 
Projeto  Básico  Ambienta  (PBA),  está  prevista  a  apresentação  sistemática  e  periódica  de  informações 
sobre o empreendimento à comunidade, quando esse tipo de impacto poderá ser mitigado. 
 
 
 

404 
 
8.  PLANO DE MONITORAMENTO 
Após a identificação e análise dos impactos indiretos sobre o Patrimônio Imaterial alvo deste RAIPI da LT 
345 kV Itutinga – Barro Branco, sugere‐se a elaboração de um “Plano de Monitoramento” sobre os bens 
de natureza imaterial identificados na AID do empreendimento. 

Conceitualmente, um “Plano de Monitoramento” tem como finalidade propor soluções para controlar 
e/ou  atenuar  os  impactos  adversos  gerados  e/ou  previsíveis  aos  componentes  do  sistema  ambiental 
(que  inclui  o  Patrimônio  Cultural  Imaterial)  pelas  ações  do  projeto  de  implantação  e  operação  de  um 
empreendimento. 
Um plano de monitoramento constitui um instrumento para assegurar a interação entre o planejamento 
e a execução, possibilitando a correção de desvios e a retroalimentação permanente de todo o processo 
de  planejamento.  O  monitoramento  se  diferencia  qualitativamente  de  um  simples  acompanhamento, 
pois, além de documentar sistematicamente o processo de implantação do plano, identifica os desvios 
na  execução  das  atividades  propostas,  fornecendo  as  ferramentas  para  sua  avaliação.  Já  a  avaliação 
possibilita a implantação de ações corretivas para ajuste ou replanejamento das atividades. 

Para  a  implantação  propriamente  dita  do  empreendimento,  haverá,  inicialmente,  a  mobilização  para 
execução  dos  trabalhos  preliminares,  que  darão  suporte  ao  desenvolvimento  dos  serviços  principais. 
Segundo a Biodinâmica (2017), as tarefas que compõem a fase de obras consistirão do planejamento da 
logística, contratação de mão de obra, instalação das áreas de canteiro de obras, liberação da faixa de 
servidão, construção das vias de acesso, implantação da faixa de serviço, definição das áreas das torres, 
execução  das  obras  civis,  montagem  das  estruturas,  lançamento  dos  cabos  condutores  e  para‐raios, 
revisão final aérea e terrestre, comissionamento e energização da LT e das SEs. 

O  monitoramento  aqui  proposto  deverá  assumir,  como  pontos  de  partida,  o  diagnóstico  realizado  no 
presente  RAIPI  e  a  indicação  do  que  se  convencionou  de  pontos  notáveis,  ou  seja,  o  uso  de  três 
categorias para monitoramento, quais sejam: 

1) Proximidade  do  perímetro  urbano  de  cada  município,  onde  se  localizam  as  práticas  culturais 
relativas  a  Ofício  de  Mestres  de  Capoeira  e  Roda  de  Capoeira,  Toque  dos  Sinos  e  Ofício  de 
Sineiro, Congadas de Minas e Ofício de Quitandeiras e Ofício de Raizeiro e Raizeira do Cerrado 
As sedes urbanas de Itutinga, Nazareno, Conceição da Barra de Minas, Ritápolis, Resende Costa, 
Entre  Rios  de  Minas,  São  Brás  do  Suaçuí,  Jeceaba  e  Congonhas  serão  alvo  do  “Plano  de 
Monitoramento”. De acordo com as tabelas apresentadas nos mapas apresentados na Seção 6, 
tais localidades são as que mais apresentam maior proximidade em relação ao traçado da Linha 
de Transmissão (LT).  
Deverá ser monitorado, no futuro Plano, apenas os bairros ou locais que poderão sofrer algum 
tipo  de  interferência  durante  a  implantação  do  empreendimento,  como  abertura  de  acessos, 
contratação  de  mão  de  obra  local  e  nova  dinâmica  gerada  em  relação  às  práticas  culturais 
acauteladas  pelo  IPHAN.  Destaca‐se  que  os  mapas  dos  acessos  a  serem  utilizados  pelo 
empreendimento serão detalhados na fase de LI e deverão ser descritos no futuro Plano. 

No  que  diz  respeito  às  contratações  sugere‐se  que  o  empreendedor  estabeleça  parceria  com 
entidades  e  órgãos  públicos  municipais  ou  estaduais  como  associações  de  moradores, 

405 
 
Secretárias  de  Assistência  Social  (através  do  cadastro  Bolsa  Família),  Secretaria  de  Cultura  ou 
Secretaria  de  Educação  ou  Secretaria  de  Turismo  e  SINE  (Sistema  Nacional  de  Emprego)  para 
juntos  realizar  um  cadastrado  de  mão  de  obra  local  e,  consequentemente  a  contratação  dos 
trabalhadores, seguindo a orientação anteriormente especificada, que farão parte do quadro de 
colaboradores da implantação do empreendimento. 

Outra  ação  que  deve  acontecer  no  Plano  Monitoramento  está  relacionada  com 
comprometimento,  por  parte  do  empreendedor  de  manter  a  população  de  tais  localidades 
informada  e  conscientizada  sobre  a  dinâmica  da  implantação  da  LT.  Nesse  sentido,  cabe  à 
equipe  de  Comunicação  Social  (conjuntamente  as  equipes  do  meio  socioeconômico  e 
patrimônio cultural) informar os moradores com destaque para o cronograma de obras em cada 
município, o número de pessoas “estrangeiras” que passarão a conviver no local, bem o barulho 
provocado pelo trânsito de veículos e fluxo intenso (quantidade, se são leves ou pesados). Essas 
ações  deverão  fazer  parte  do  Plano  de  Comunicação  Social  (PCS)  previsto  no  EIA,  de  forma 
contínua até que finde a obra. Sugere‐se que sejam realizadas palestras e oficinas por pessoas 
especializadas nas escolas, centros comunitários, sindicatos, informando a população em geral 
que durante o período de implantação da obra na localidade poderá ter sua rotina alterada. 

Deve fazer parte do PCS a elaboração de panfletos informativos destinado à conscientização da 
população local sobre a realização da obra, a serem apresentados no cronograma da fase de LI, 
e  disponibilizado  em  lugares  de  maior  fluxo  de  pessoas  como  secretarias  municipais,  igrejas, 
associações,  escolas,  supermercados,  sindicatos  etc.  É  possível  que  tais  informações  também 
sejam viabilizadas através das redes sociais (Whatszapp e Facebook). O uso de carros de som e 
faixas com a logo da empresa afixadas em locais de maior movimento de pessoas também é um 
recurso  informativo  de  fácil  assimilação,  por  parte  dos  moradores,  para  divulgar  junto  as 
comunidades a dinâmica da obra. 

É  importante  que  no  Âmbito  do  Plano  Ambiental  da  Construção  (PAC)  sejam  contemplados 
instrumentos  de  sinalização  como  faixas  e  placas  de  sinalização  indicando  os  limites  de 
velocidades permitidos ao novo tipo de tráfego, pois em algumas localidades sejam urbanas ou 
distritais é comum que as crianças usem as vias públicas para brincar. Como se trata de locais 
cuja rotina é diferente da cidade grande, é comum que muitos idosos caminham pelas vias sem 
se  preocuparem  com  o  fluxo  de  carro,  o  que  com  a  obra  da  LT  pode  acelerar  tal  processo  e 
causar algum tipo de transtorno. 

É desejável que esses instrumentos também sejam instalados nas vias rurais (estradas batidas) 
de acesso à obra, devendo, portanto, ficar‐se atento ao fluxo de carros e, consequentemente, à 
possibilidade  de  produção  de  poeira,  o  que  poderá  trazer  danos  aos  moradores  cujas 
residências estão localizadas às margens da via. 

O  que  relaciona  tais  aspectos  ao  Patrimônio  Cultural  Imaterial  é  a  qualidade  de  vida  dos 
detentores, como saúde e segurança para a permanência de suas dinâmicas culturais, práticas, 
ofícios,  transmissão  de  saberes  e  manifestações  culturais,  assim  como  a  sequência  de  seus 
calendários festivos, celebrações e rituais. 

406 
 
Nesse  sentido  cabe  ao  empreendedor  também  realizar  treinamentos  e/ou  oficinas  para 
conscientizar  os  motoristas  das  máquinas  pesadas  ou  caminhões  sobre  a  dinâmica  social  e 
cultural de cada localidade. 

2) Localização das subestações (SE) e canteiros de obra do empreendimento 

No  tocante  aos  canteiros  de  obras  e  subestações  previstos  no  EIA,  que  serão  instalados  nos 
municípios  de  Itutinga,  Rezende  Costa  (canteiro  principal),  Jeceaba,  Congonhas  (canteiro  de 
apoio), Ouro Preto (nos distritos de Santo Antônio do Leite e Santo Antônio do Salto) e Mariana, 
Propõe‐se que o empreendedor realize as seguintes ações: 

 Priorizar a mão de obra local. 
 Eleger os trajetos e os acessos que menos interfiram na conformidade atual das localidades e 
suas paisagens, a partir de mecanismos participativos (reuniões, assembleias etc). 

3) Localidades ou zonas especiais por apresentar características simbólicas16 e paisagísticas. 

Nesta  situação  consideraram‐se  as  localidades  de  Chapada,  em  Ouro  Preto,  assim  como  os 
distritos rurais de Restinga, em Ritápolis, e Alto Maranhão, em Congonhas. 

Por  se  tratar  de  lugares  com  forte  apelo  simbólico  e  festivo  para  os  integrantes  das 
comunidades,  sugere‐se  que  essas  localidades  tenham  referência  especial  no  âmbito  das 
propostas apresentadas no Plano de Monitoramento. 

9.  REFERÊNCIAS 
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consuetudinário  de  praticar  a  medicina  tradicional.  Turmalina,  2014.  Disponível  em: 
http://www.pacari.org.br/wp–
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451866798195539/photos/?ref=page_internal Acesso em:  dez. 2017. 
BENTO, É. P. S. Uma vida entre caixas, tamborim e apito: A Histórica de um Capitão na Festa de Nossa 
Senhora do Rosário de Catalão. In: CARMO, L. C.; MENDONÇA, M. R. (Orgs.). As congadas de Catalão: as 
relações,  os  sentidos  e  valores  de  uma  tradição  centenária.  Catalão:  Universidade  Federal  de  Goiás  – 
Campus Catalão, 2008.  p. 17–70. 

BRONZ, D. Empreendimentos e empreendedores: formas de gestão, classificação e conflitos a partir do 
licenciamento ambiental, Brasil, século XXI. 2011. Tese (Doutorado) – UFRJ, Rio de Janeiro, 2011.  

CAPOEIRA  ARTES  DAS  GERAIS  –  SJDR.  Logotipo.  Disponível  em: 


https://www.facebook.com/Capoeira–Artes–das–Gerais–SJDR–173424812814550/   Acesso em: 
dez. 2017. 

                                                            
16
 Incluem‐se aqui lugares que denotam crenças religiosas dos grupos.

407 
 
CARVALHO,  M.  O  negro  na  formação  religiosa  de  Nazareno.  2010.  Monografia  (Conclusão  de  Curso 
Pós–Graduação Latu Senso em Cultura Religiosa) – Faculdade de Educação São Luís, Jabotical, 2010. 

CASCUDO, C.  Dicionário do Folclore Brasileiro. 10 ed. São Paulo: Global, 2001.  

CASSIANO,  N. N. O ser capoeirista e  as possibilidades educativas: uma análise à luz  da corporeidade. 


2014.  91  f.  Dissertação  (Mestrado  em  Educação  Física)  –  Universidade  Federal  do  Triângulo  Mineiro, 
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LÉVI–STRAUSS, L. Patrimônio Imaterial e Diversidade Cultural: o novo decreto para a proteção dos bens 
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LIBERAL  (O).  Trabalho  social  ensina  capoeira  à  jovens  de  Ouro  Preto.  09/06/2013.  Disponível  em: 
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LIFSCHITZ,  J.  A.;  BONOMO,  J.  As  quitandeiras  de  Minas  Gerais:  memórias  brancas   memórias  negras. 
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MARIANA. Prefeitura Municipal. Histórico.  Disponível em: http://www.pmmariana.com.br/historico  
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409 
 
OLIVEIRA,  S.  T.    Turismo  e  Patrimônio  Histórico  Cultural  em  São  João  Del  Rei.    Revista  Eletrônica  de 
Turismo  Cultural,    São  Paulo,    v  2,  2o  Semestre,  2007.  Disponível  em: 
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OURO  PRETO.  Secretaria  Municipal  de  Cultura  e  Patrimônio.  Homepage.  Disponível  em: 
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OURO PRETO.COM.BR. Programação do Mês do Rosário – 2016 em Ouro Preto. 30/09/2016. Disponível 
em: http://ouropreto.com.br/noticia/1853/programacao–do–mes–do–rosario–2016–em–ouro–preto   

PAIVA, E.F. Escravidão e universo cultural na colônia: Minas Gerais, 1716–1789. Belo Horizonte:  Editora 
UFMG, 2001. 285 p. 

PARÓQUIA  DE  SANTO  ANTÔNIO.  História  da  nossa  Paróquia.  Disponível  em: 
http://paroquiasantoantonioitutinga.blogspot.com.br/p/a–origem–da–paroquia–remonta–
vinda–de.html  Acesso em:  dez. 2017.  
PASSARELLI,  U.  Congados  e  Festas  do  Rosário  de  São  João  del–Rei:  esboço  histórico.  Disponível  em: 
http://folclorevertentes.blogspot.com.br/2012/08/Congados–e–festas–%20do–rosariode–sao–
joao.html Acesso em: nov. 2017. 
POUPART, J. A entrevista de tipo qualitativo: considerações epistemológicas, teóricas e metodológicas. 
In: POUPART, J. et al. (Orgs.). A pesquisa qualitativa: enfoques epistemológicos e metodológicos. 3 ed. 
Petrópolis:  Vozes, 2012. p. 215–253. 

PRADO, P. Congada: cultura Popular e dança na festa em louvor à Nossa Senhora do Rosário em Catalão 
– GO. In: CARMO, L. C.; MENDONÇA, M. R. (Orgs.). As congadas de Catalão: as relações, os sentidos e 
valores de uma tradição centenária. Catalão: Universidade Federal de Goiás – Campus Catalão, 2008. p. 
159–191. 
PROJETO  ORIGENS.  Fotos. 
Disponível  em: 
https://www.facebook.com/pg/projetoorigens/photos/?ref=page_internal      Acesso  em:    dez. 
2017 

RESENDE  COSTA.  Câmara  Municipal. 


Breve  histórico.    Disponível  em: 
http://www.camaraderesendecosta.mg.gov.br   Acesso em:  dez. 2017. 
RITÁPOLIS.  Prefeitura  Municipal.  Galeria 
fotos.  Disponível de  em: 
http://www.ritapolis.mg.gov.br/?Meio=minialbum&qalbum=484   Acesso em: dez. 2017b.  
______.  História  da  cidade. 
Disponível  em: 
http://www.ritapolis.mg.gov.br/portal/index.php/nossa–historia  Acesso em:  dez. 2017a. 
ROBSBAWN, E.; RANGER, T. (Orgs.). A invenção das tradições.  Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984. p.  9–
23 
SANTOS, L. M.  Reis do Rosário: poder e relações simbólicas na Irmandade de Nossa Senhora do Rosário 
de  São  João  del–Rei  (cc  1840–1909).  2016.  Dissertação  (Mestrado)  –  UFSJ,  São  João  del  Rei,      2016. 
Disponível  em:  https://www.ufsj.edu.br/portal2–
repositorio/File/pghis/DissertacaoLucianaMaraSantos.pdf Acesso em: nov. 2017. 

410 
 
SÃO  BRÁS  DO  SUAÇUÍ.  Prefeitura  Municipal.  História  de  São  Brás  do  Suaçuí.  Disponível  em: 
http://www.saobrasdosuacui.mg.gov.br/para–voce/nossa–historia/index.html   Acesso em:  dez. 
2017. 

SÃO  JOÃO  DEL  REI.  Prefeitura  Municipal.  Conselho  do  Patrimônio  libera  lista  de  88  bens  tombados. 
01/12/2017.  Disponível  em:  http://www.saojoaodelrei.mg.gov.br/noticia/13230#inicio_noticia   
Acesso em: dez. 2017. 

SILVA,  R.  A.    Chico  Rei  Congo  do  Brasil.  In:  SILVA,  V.  G.    (Org.).  Memória  afro–brasileira:  imaginário, 
cotidiano e poder. São Paulo: Selo Negro, 2007. p. 43–86. 

SILVA, S. J. Memórias sonoras da noite: musicalidades africanas no Brasil oitocentista. 2005. 431 f. Tese 
(Doutorado em História) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2005. 
SÓ CONGADA. Festas. Disponível em: http://congadinha.blogspot.com.br/   Acesso em:  dez. 2017. 

TAVARES,  D.  P.  Leituras  de  São  João  Del  Rei  –  MG:  experiências  espaço–temporais  da  modernidade. 
Revista  Espacialidades  (online),    Natal,    v.4,  n.3,  2011.  Disponível  em: 
http://cchla.ufrn.br/espacialidades/v4n3/Denis.pdf Acesso em: out. 2017. 
UNESCO.  Convenção  para  a  Salvaguarda  do  Patrimônio  Cultural  Imaterial.  Documento 
MISC/2003/CLT/CH/14.  Paris,  17  out.  2003.  Disponível  em: 
http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001325/132540por.pdf . Acesso em: nov. 2017. 
WACQUANT, L.  A estigmatização territorial, distância social e posição. Sociologia, v. 16, p. 27–39, 2016. 
Disponível  em:  http://ojs.letras.up.pt/index.php/Sociologia/article/view/2365/2165    Acesso  em: 
dez. 2017 

411 
 
 
 

ANEXO I 
ROTEIROS DE ENTREVISTAS 
SEMIESTRUTURADAS 

 
RODA DE CAPOEIRA E OFÍCIO DE MESTRES DE CAPOEIRA 
Nome completo: 
Idade: 
Estado civil:          
Profissão:  
1 – Gostaria que você falasse um pouco de sua trajetória com a capoeira. 
2 – Você é filiado a  que grupo?  
3 – Com quem aprendeu a arte da capoeiragem? 
4 – Desde quando ministra aulas de capoeira? 
5– Por quais estágios (graduações) os alunos passam até atingir o grau de mestre? 
6 – O nome da Roda de Capoeira? 
7 – O local onde acontecem os treinos é próprio ou alugado, emprestado? 
8 – Qual a sua graduação? Desde quando ministra aulas de capoeira?  
9 – Quais são os procedimentos iniciais utilizados pelo mestre com os alunos iniciantes? 
10 – Realiza ou realizou algum trabalho voluntário? 
11 – Qual o público que frequenta as aulas de capoeira? 
12 – Além das aulas de capoeira, outras atividades são ministradas, como oficinas para confecção de 
instrumentos etc? 
13 – Como são adquiridos os instrumentos e acessórios utilizados na Roda de Capoeira? 
14 – Quais são os tipos de ensinamentos transmitidos durante as rodas de capoeira? 
15 – Além dos conhecimentos inerentes à arte da capoeiragem, que outros conhecimentos são passados 
aos alunos? 
16 – Você percebe alguma mudança nas atitudes dos alunos antes e depois que passam a frequentar as 
aulas? 
17 – Como a capoeira é vista pela comunidade? 
18 – Você sobrevive unicamente do ofício de capoeira? 
19 – O que mudou na capoeira desde quando recebeu o título de Patrimônio Cultural Brasileiro? Quais 
foram os ganhos? 
20 – Quais as principais dificuldade que você enfrenta no dia para dar continuidade ao ofício de 
capoeira? 
21 – Como é a atuação do Poder Público local em relação à capoeira? 
22 – De que maneira, na sua opinião, o empreendimento impactará no Ofício de Mestres de Capoeira e 
na Roda de Capoeira? 
 
 

I‐1 
 
TOQUE DOS SINOS E OFÍCIO DE SINEIRO 

Nome completo: 
Idade: 
Estado civil:          
Local de residência:  
Profissão:  
Religião (ões): 
1 – Gostaria que você falasse um pouco de sua trajetória de sineiro. 
2 – Quando começou a se interessar por aprender a tocar sinos? Com que idade? 
3 – Como e através de quem você se aproximou dos sinos?  
4 – Quanto tempo levou para aprender a tocar sinos? 
5 – Em quais momentos você toca o sino? 
6 – Quais os toques e em que ocasião se tocam os sinos? 
7 – Em que ocasião se tocam os sinos? 
8 – Desde quando toca sino nessa igreja? 
9 – O que é preciso para aprender a tocar sinos? 
10 – Ensina o ofício a outras pessoas? 
11 – No local há outros sineiros ou só você toca o sino? Com faz quando você precisa se ausentar? 
Quem o substitui? 
12 – Para você, qual a importância de manter a tradição do Toque dos Sinos? 
13 – Você é remunerado para tocar o sino da igreja? 
14 – Qual o estado de conservação dos sinos da igreja?  
15 – Como você o reconhecimento do Toque de Sinos  pelo IPHAN? 
16 – Que tipo de impacto essa obra pode fazer para Ofício de Sineiro? 
 

 
 

 
 
 

 
 

I‐2 
 
CONGADAS DE MINAS 

Nome completo: 
Idade: 
Estado civil:          
Local de residência:  
Profissão:  
Religião(ões): 
1 – Gostaria que você falasse um pouco das lembranças de sua fase de criança e juventude com as 
festas de congada. 
2 – Quando começou a se interessar pelo congado? Com que idade? 
3 – Antes de ter seu congado, dançou em outro grupo? 
4 – Como e através de quem você se aproximou da congada? Quantos anos você tinha nessa época? 
5 – Você tem ou teve algum parente que era congadeiro? Quem? 
6 – Qual o nome do seu grupo e por que tem esse nome? 
7 – Desde quando o grupo está sob seu comando? 
8 – O grupo é registrado, tem estatuto? Possui sede própria? 
9 – Tem outras pessoas da família (esposa, filhos e filhas, netos) que participam do grupo? 
10 – Além do senhor, há um segundo capitão?  E qual a função de cada um no grupo? 
11 – O grupo é formado por mulheres e homens, ou somente por homens? 
12 – Quais são os instrumentos utilizados no grupo? E a farda como é? 
13 – Onde os instrumentos e ornamentos ficam guardados? 
14 – O grupo recebe algum tipo de ajuda para a manutençção de instrumentos e compra de uniforme? 
16 – Há algum instrumento que o próprio grupo confecciona? Em caso positivo, qual(is) e de onde 
retira? 
17 – Quando é que o grupo realiza sua festa na comunidade? 
18 – Fale um pouco sobre a festa. Quais as principais atividades? Quais são os santos homenageados? O 
grupo recebe ajuda financeira do Poder Público para isso? 
19 – No dia da festa, outros grupos de congado visitam a comunidade? Em caso positivo, de onde eles 
vêm? 
20 – Quais são os trajetos que o grupo costuma fazer durante o cortejo da procissão? 
21 – O grupo participa de alguma festa que acontece em outras comunidades e municípios vizinhos? 
20 – De onde vêm os recursos para custear as viagens do grupo? 
22 – Ensinou ou ensina os ensinamentos do congado para outras pessoas? Se sim, quem é (são)? 
23 – Quais as dificuldades enfrentadas para fazer dar continuidade ao grupo de Congado? 
24 – Quais são os impactos (positivos ou negativos) que a obra poderá trazer para o grupo? 
 

 
 
 

I‐3 
 
OFÍCIO DE QUITANDEIRAS 

Nome completo: 
Idade: 
Estado civil: 
Se tem filhos, quantos: 
Local de residência:  
Profissão:  
Etapas que antecedem a entrevistas com os detentores (as): 
A) Apresentação sobre o pesquisador – Sobre a importância dos bens culturais imateriais – O que é o 
IPHAN – O que é a política de Registro – Sobre o empreendimento –  Os motivos da pesquisa – A 
importância do RAIPI.  
B) Pedido de solicitação do uso de fala e imagem:  
Pesquisador: Gostaria de, antes de começar a entrevista, solicitar sua AUTORIZAÇÃO para que a 
conversa possa ser gravada e as imagens que serão feitas possam ser usadas na elaboração do relatório. 
Entrevistado: Tipo de Autorização em áudio (conforme consta nas conversas gravadas). 
C) Entrevista 
1 – Gostaria que você falasse um pouco das lembranças de sua fase de criança e juventude com sua 
família. 
2 – Qual é sua relação com as quitandas? 
3 – Como e através de quem você se aproximou das quitandas? Quantos anos você tinha nessa época? 
4 – Você  tem ou teve algum/ma parente que é ou era quitandeira/o? E quando você aprendeu? 
5 – Fale um pouco de suas lembranças que remetem a momentos de vivências com outras mulheres 
quitandeiras.   
6 – Quando foi que você se interessou pelo ofício de quitandeira? Por quê? 
7 – Quais são as características que a pessoa deve ter para aprender o ofício de quitandeira? 
8 – Desde quando faz quitandas, seja para o consumo da família, seja para vender? 
9 – Quais os instrumentos e utensílios usados na feitura de quitandas? 
10 – De onde vem a matéria–prima usada nas quitandas? Alguma coisa ainda é produzida na “roça”, ou 
compra tudo no mercado da cidade? 
10 – Quais são os tipos de quitandas que você costuma fazer? 
11 – Você costuma ter ajuda de outras pessoas, ou trabalha sozinha? 
12 – Fale um pouco como as pessoas da comunidade souberam que você era quitandeira. E como 
realiza suas vendas: através de venda direta na feira ou através de encomendas? 
12 – Desde o momento que aprendeu o modo de fazer das quitandas sofreu alguma transformação? Se 
sim, em que sentido? 
13 – Ensinou ou ensina o ofício de quitandeira para outras pessoas? Se sim, quem é (são)? 
14 – Quais as dificuldades enfrentadas para fazer quitandas? 
16 – Quais são os impactos (positivos ou negativos) que a obra trará para seu ofício de quitandeira?  
 

 
 

 
 

I‐4 
 
OFÍCIO DE RAIZEIROS E RAIZEIRAS DO CERRADO 

Nome completo: 
Idade: 
Estado civil:  
Se tem filhos, quantos: 
Natural de onde: 
Local de residência:  
Profissão:  
Religião: 
Etapas que antecedem as entrevistas com os detentores (as): 
A) Apresentação sobre o pesquisador – Sobre a importância dos bens culturais imateriais – O que é o 
IPHAN – O que é a política de Registro – Sobre o empreendimento –  Os motivos da pesquisa – A 
importância do RAIPI.  
B) Pedido de solicitação do uso de fala e imagem:  
Pesquisador: Gostaria de, antes de começar a entrevista, solicitar sua AUTORIZAÇÃO para que a 
conversa possa ser gravada e as imagens que serão feitas possam ser usadas na elaboração do relatório. 
Entrevistado: Tipo de Autorização em áudio (conforme consta nas conversas gravadas). 
C) Entrevista 
1 – Gostaria que você falasse um pouco das lembranças de sua fase de criança e juventude com sua 
família. 
3 – Como e através de quem você se aproximou do Ofício de Raizeiro? Quantos anos você tinha nessa 
época? 
4 – Com quem aprendeu o ofício? Era parente seu? Onde morava na época?  
5 – Fale um pouco de suas lembranças que remetem a momentos de vivências com outras raizeiras/os.  
6 – Costumava acompanhar seus familiares ou vizinhos pelas matas na coleta de folhas, raízes e ervas 
para realizar os preparos? 
7 – O que é preciso ter para aprender o Ofício de Raizeiro/a? 
8 – Quando foi que se tornou raizeiro/a? 
9 – O Ofício de Raizeiro envolve outros saberes como a benzeção, por exemplo? 
10 – Que tipos de remédios caseiros você costuma preparar e para quais tipos de doenças eles servem? 
11 – Onde costuma coletar as raízes, folhas e frutos para fins medicinais? Mantém algum pomar onde 
cultiva plantas medicinais? 
12 – Costuma vender seus preparos, ou distribui gratuitamente quando alguém os solicita? 
13 – Para quais doenças costuma usar os remédios que prepara?  
15 – Já repassou seus conhecimentos para outras pessoas da família e/ou comunidade? 
12 – Fale um pouco como as pessoas da comunidade souberam que você era raizeiro/a.  
12 – Desde o momento que aprendeu o ofício, tem percebido alguma mudança, seja pela escassez de 
alguma planta medicina, seja baixa pela procura de seus serviços? 
13 – Ensinou ou ensina o ofício de para outras pessoas? Se sim, quem é (são)? 
14 – Fale sobre as dificuldades enfrentadas para dar continuidade ao Ofício de Raizeiro? 
16 – Quais são os impactos (positivos ou negativos) que a obra trará para seu ofício?  

I‐5 
 
 
 

ANEXO II 
DECLARAÇÕES DE CONFORMIDADE DO 
EMPREENDIMENTO 

 
 
PREFEITURA MUNICIPAL DE ITUTINGA 

II‐1 
 
PREFEITURA MUNICIPAL DE NAZARENO 

II‐2 
 
PREFEITURA MUNICIPAL DE CONCEIÇÃO DA BARRA DE MINAS 

II‐3 
 
PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO JOÃO DEL REI 

II‐4 
 
PREFEITURA MUNICIPAL DE RITÁPOLIS 

II‐5 
 
PREFEITURA MUNICIPAL DE RESENDE COSTA 

II‐6 
 
PREFEITURA MUNICIPAL DE ENTRE RIOS DE MINAS 

II‐7 
 
PREFEITURA MUNICIPAL DE JECEABA 

II‐8 
 
PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO BRÁS DO SUAÇUI 

II‐9 
 
PREFEITURA MUNICIPAL DE CONGONHAS 

 
 
 

II‐10 
 
PREFEITURA MUNICIPAL DE MARIANA 
 

II‐11 
 
 
 

ANEXO III 
COMPROVAÇÃO DE EXPERIÊNCIA DA 
EQUIPE TÉCNICA 

 
 
 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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