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Análise Psicológica (1997), 4 (XV): 563-572

O trabalho cooperativo num contexto


de sala de aula (*)

ELSA FERNANDES (**)

1. INTRODUÇÃO como princípio básico na sua epistemologia ge-


nética. Sem pensarmos em interacções a teoria de
Nos últimos anos tem vindo a ser reconhecida Piaget seria incompreensível, pois Piaget (1964,
a grande importância das interacções sociais no p. 10), aponta como principais factores para o de-
desenvolvimento cognitivo dos indivíduos. Esta senvolvimento, os seguintes quatro:
ideia parece ter uma certa correspondência ao ní-
«Primeiro de todos, maturação (...), se-
vel dos novos programas de matemática. A
gundo, o papel da experiência, dos efeitos
aprendizagem da matemática começa a ser vista
do ambiente físico nas estruturas da in-
como um processo construtivo e interactivo de
teligência; terceiro, transmissão social, no
resolução de problemas.
sentido amplo (transmissão linguística ou
O conceito de aprendizagem tem sofrido evo-
educacional, etc.); e quarto, um factor
luções significativas ao longo dos anos. A refor- que muitas vezes é negligenciado mas
mulação de teorias de aprendizagem da Matemá- que parece ser fundamental e mesmo o
tica tem tido grandes contribuições de estudos da principal factor. Eu chamo-lhe equilibra-
cognição matemática em contextos sócio-cultu- ção ou se preferirem auto-regulação. (...)
rais (Abreu, 1995). A perspectiva piagetiana da O terceiro factor é fundamental. Eu não
cognição humana enquanto construção indivi- nego o papel de nenhum destes factores.
dual e a perspectiva vygotskiana da cognição hu- Cada um deles é uma parte» (em Steffe,
mana enquanto construção sócio-cultural, mar- 1996, p. 80).
caram o desenvolvimento nesta área. Mas o facto
de se reconhecer (Steffe, 1996) que a influência Vygotsky, descreve o «desenvolvimento con-
de Piaget foi maioritariamente psicológica não ceptual como uma interacção entre os conceitos
significa que Piaget não incluiu as interacções naturais ou conceitos espontâneos e o organizado
sistema de conceitos designado como “conceitos
científicos”» (Steffé, 1996, p. 81). A aprendiza-
gem é vista como um processo dinâmico de in-
ternalização de comportamentos sociais partilha-
(*) Este artigo insere-se no Projecto Trabalho Coo-
perativo num Contexto de Sala de Aula, financiado dos. Isto envolve a construção de «pontes», entre
pelo Instituto de Inovação Educacional. conceitos espontâneos e conceitos científicos,
(**) Universidade da Madeira. com a assistência de outros membros da cultura.

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2. O QUE É O TRABALHO COOPERATIVO? do, expondo e pensando com os outros; além de
que, segundo a NCTM (1989) a comunicação
Segundo Dees (1990), quando os alunos tra- matemática é um dos aspectos a ser trabalhado
balham juntos com o mesmo objectivo de apren- nas aulas de Matemática; o trabalho cooperativo
dizagem e produzem um produto ou solução fi- é uma oportunidade excelente para desenvolver
nal comum, estão a aprender cooperativamente. todas estas capacidades. Por outro lado a Mate-
Quando os alunos trabalham cooperativamente mática proporciona muitas oportunidades para
«percebem» que podem atingir os seus objecti- desenvolver o pensamento criativo, para fazer e
vos se e só se os outros membros do grupo tam- testar conjecturas. Trabalhando cooperativamen-
bém atingirem os seus, ou seja existem objecti- te os alunos lidam com problemas que podem es-
vos de grupo. tar para além das possibilidades de cada um dos
Damon e Phelps (1989) fazem distinção entre alunos trabalhando individualmente.
trabalho cooperativo e trabalho colaborativo. Segundo Schoenfeld (1989) a interacção so-
No Trabalho colaborativo os alunos assumem di- cial é a componente central da aprendizagem, a
ferentes papeis ao resolverem a tarefa proposta, cooperação é inerente à própria actividade mate-
ficando cada um encarregue de uma certa parte mática e consequentemente o trabalho coopera-
da mesma. Com esta subdivisão do trabalho, os tivo é particularmente relevante nesta disciplina.
alunos acabam por trabalhar, a maior parte do Trabalhando cooperativamente (Johnson &
tempo, isoladamente. O elemento «competição» Johnson, 1990) os alunos ganham confiança nas
torna-se por vezes uma variável com muito peso suas capacidade individuais, além de que os
e com efeitos psicossociais não muito salutares. conceitos matemáticos são melhor apreendidos
Quando se promove trabalho cooperativo os como parte de um processo dinâmico em que os
alunos trabalham sempre em conjunto num mes- alunos interagem. Além disso a resolução de
mo problema, em vez de separadamente em problemas em Matemática é uma actividade in-
componentes da tarefa. Desta maneira cria-se um terpessoal implica falar, explicar, discutir; os
ambiente rico em descobertas mútuas, feedback alunos sentem-se mais à vontade para fazê-lo em
recíproco e um partilhar de ideias frequente. pequenos grupos do que perante toda a turma.
Outra razão apresentada por estes autores, para a
utilização do trabalho cooperativo na sala de au-
3. TRABALHO COOPERATIVO: PARA QUÊ? la, é o facto de que com este tipo de trabalho os
alunos tenderem a estar mais intrinsecamente
Davidson (1990a) argumenta que o trabalho motivados para estudar Matemática, pois deste
cooperativo promove a dimensão social da modo os alunos adquirem mais confiança nas
aprendizagem da Matemática e um ambiente suas capacidades matemáticas individuais.
onde há pouco espaço para a competição e muito
para a interacção entre os alunos. Além disso os
problemas matemáticos são ideais para a discus- 4. O TRABALHO COOPERATIVO: PORQUÊ?
são em grupo, pois as suas soluções podem ser
demonstradas e os alunos podem mostrar aos
outros a lógica dos seus argumentos. O trabalho
cooperativo oferece ainda a possibilidade de 4.1. Aspectos sociais da cognição
discussão dos méritos das diferentes maneiras de A aprendizagem não deve ser identificada
resolver um mesmo problema, e pode facilitar a
com a aquisição de estruturas ou com o obter de
aprendizagem de diferentes estratégias para a
um corpo de conhecimento abstracto, mas sim
resolução de alguns problemas. Quando os alu-
como uma construção social.
nos trabalham cooperativamente podem ajudar
Atendendo à teoria de Vygotsky podemos
os outros a perceber os conceitos mais básicos e
perceber melhor a importância do trabalho coo-
isto muitas vezes acontece num contexto bas-
perativo na aprendizagem, pois segundo este
tante diferente do habitual, como sejam jogos,
autor (em Wertsch, 1985, p. 60).
puzzles ou discussão de problemas. Sabemos
também que os alunos aprendem falando, ouvin- «Os processos interpsicológicos envolvem

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pequenos grupos de indivíduos ocupados tamentais em termos de «mudanças de controlo
com interacções sociais e são explicados ou responsabilidade» (Cole, 1985, p. 155) e para
em termos da dinâmica e das práticas co- aludir essa mudança de controlo no seio da acti-
municativas de pequenos grupos.» vidade criou o termo zona de desenvolvimento
proximal (ZDP), que definiu como sendo:
O desenvolvimento cognitivo tem o seu em-
brião naquilo que é comum e intersubjectivo «a distância entre o actual desenvolvi-
passando cada vez mais a um domínio individual mento determinado pela resolução inde-
e privado seguindo aquilo a que Vygotsky cha- pendente de problemas e o nível mais
mou a «lei genética do desenvolvimento cultu- elevado de potencial desenvolvimento de-
ral». terminado através da resolução de proble-
mas sob a orientação de adultos ou em co-
«No desenvolvimento cultural das crian- laboração com pares mais capazes» (Vy-
ças, as funções aparecem em dois níveis – gotsky, 1978, p. 86).
primeiro aparecem entre as pessoas como
uma categoria interpsicológica, e depois A zona de desenvolvimento proximal refere-
“dentro” da própria criança como uma se assim ao caminho que o indivíduo vai per-
categoria intrapsicológica» (p. 61). correr para desenvolver funções que estão em
processo de amadurecimento e que se tornarão
Isto também é verdadeiro quando se pensa na funções consolidadas. A zona de desenvolvimen-
atenção voluntária, na memória lógica, na for- to proximal é, pois um domínio psicológico em
mação de conceitos e no desenvolvimento da ca- constante transformação: aquilo que uma criança
pacidade de escolha. é capaz de fazer hoje com a ajuda dos outros ela
Vygotsky defende que existe uma conexão conseguirá fazer sozinha amanhã.
entre estes dois planos de funcionamento. Diz Esta concepção estabelece forte ligação entre
mesmo que a forma de funcionamento interpsi- o processo de desenvolvimento e a relação do in-
cológico tem um forte impacto no resultado do divíduo com o seu ambiente sócio-cultural.
funcionamento intrapsicológico. A transforma-
ção dos processos externos em processos inter- Coerente com Vygotsky encontramos Lave.
nos – internalização – não é vista, por este autor, Para Lave, a aprendizagem é, tal como para Vy-
como uma mera transferência, mas sim como o gotsky, socialmente situada pois aprender é um
resultado de uma longa série de acontecimentos processo que tem lugar num âmbito participativo
de desenvolvimento. Note-se que para Vygotsky e não numa mente individual (Lave & Wenger,
«dizer “externo” acerca de um processo é dizer 1991). Isto significa entre outras coisas, que a
“social”» (Wertsch, 1985, p. 62). Consequente- aprendizagem é mediada pelas diferentes pers-
mente Vygotsky vê a realidade social como ten- pectivas que existem entre os co-participantes.
do um papel muito importante na determinação Lave e Wenger (1991) defendem que para com-
da natureza do funcionamento intrapsicológico. preender melhor a aprendizagem é fundamental
«A combinação do comportamento da «mudar o foco analítico do indivíduo como al-
criança com a resposta do adulto trans- guém que aprende, para a pessoa que aprende
forma um comportamento não comunica- participando no mundo social, e do conceito de
tivo num sinal no plano intrapsicológico. processo cognitivo para a visão da prática so-
O sinal passa de um movimento distante cial» (p. 43).
para um gesto indicador. Mais tarde, a A dimensão social não é uma condição peri-
férica da aprendizagem, mas é intrínseca a essa
criança ganha controlo voluntário no pla-
mesma aprendizagem. Em vez de perguntar
no intrapsicológico sobre o que previa-
quais os tipos de processos cognitivos e estrutu-
mente só existiu na interacção social»
ras conceptuais que estão envolvidas na apren-
(Wertsch, p. 65).
dizagem, Lave e Wenger questionam sobre os
Para salientar a natureza interactiva das trans- tipos de contratos sociais que criam um contexto
formações que ocorrem no desenvolvimento, adequado para que a aprendizagem tenha lugar.
Vygotsky caracterizou as modificações compor- Situam a aprendizagem não na aquisição de es-

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truturas, mas no acesso, por parte dos aprendi- balhando cooperativamente, discutindo ideias e
zes, a papéis participantes em execuções de es- situações, podem servir de recursos estruturantes
pecialistas. para a sua própria aprendizagem e/ou para a dos
Segundo Lave e Wenger (1991) a aprendiza- outros elementos do grupo. Os recursos estru-
gem só tem sentido através da participação legí- turantes para a aprendizagem provém de uma va-
tima periférica em comunidades de prática pois riedade de fontes e não só da actividade pedagó-
é nestas que o saber existe. Este conceito de co- gica.
munidade de prática é muito importante para se
compreender a sua perspectiva de aprendizagem. 4.2. Conceitos espontâneos e Conceitos cien-
Comunidade de prática é «um conjunto de re- tíficos
lações entre pessoas, actividade e o mundo so-
cial, em relação com outras comunidades de Wood e Yackel (1990) e Hoyles (1985) (em
prática tangenciais» (p. 98). Pertencer a uma co- Brodie, 1995), argumentam que as interacções
munidade de prática implica «a participação em pequenos grupos podem aumentar as possi-
num sistema de actividades sobre o qual os par- bilidades de crescimento conceptual, mas para os
ticipantes partilham compreensões sobre aquilo professores a tarefa de implementar o trabalho
que fazem e o que isso significa nas suas vidas e cooperativo, parece não ser fácil, pois estes são
comunidades» (p. 98). continuamente confrontados com dilemas, no-
Neste sentido a aprendizagem pode ser vista meadamente o de «dar aos alunos o controlo da
como uma característica da prática, que deve es- situação de aprendizagem e ao mesmo tempo de-
tar presente em todo o tipo de actividade, e não senvolver um conhecimento matemático satisfa-
somente em casos de ensino explícito. Não tório» (Brodie, 1995, p. 216). De facto Vygotsky
existe aprendizagem sem que exista actividade. (1979) destingue o desenvolvimento de conhe-
As pessoas aprendem na prática, onde quer que cimento sistemático do conhecimento espontâ-
essa prática se desenrole; a prática da sala de au- neo. Os conceitos espontâneos são desenvolvi-
la promove oportunidades para aprender, quer dos e tomam significado na actividade diária e
isso seja intencional ou não. nas interacções. Os conceitos científicos desen-
Assim sendo, assumimos que a construção do volvem-se através da instrução formal e formam
conhecimento não é algo que seja realizada in- parte do sistema de conhecimento.
dividualmente. Lave (em Gruber et al., 1996) A relação entre conceitos espontâneos e con-
argumenta fortemente a favor do trabalho coope- ceitos científicos pode ser vista na ZDP.
rativo, visto que os mecanismos sociais envol-
«Estes dois sistemas conceptuais, desen-
vidos no mesmo, conduzem a um acesso equita-
volvendo “de cima” (conceitos científi-
tivo do conhecimento.
cos) e “de baixo” (conceitos espontâneos)
Lave (1991) referindo-se às comunidades de
revelam a sua real natureza na interrelação
prática que estudou (parteiras, alfaiates, alcoóli-
entre o desenvolvimento actual e a ZDP.
cos anónimos, etc.) afirma que a efectividade da
Os conceitos espontâneos, que apresentam
circulação de informação entre pares sugere que
um défice de controlo, podem encontrá-lo
o envolvimento na prática, em vez de se ser um
na ZDP na co-operação das crianças com
objecto desta, é uma condição importante para a
os adultos.» (Vygotsky, 1986, p. 194)
aprendizagem. Esta ideia de Lave pode ser vista
como um outro argumento a favor do trabalho O conhecimento matemático, é de facto um
cooperativo. sistema de conceitos científicos. Mas as crianças
Uma outra ideia importante apresentada por desenvolvem, no seu dia-a-dia muitos conceitos
Lave, é a dos recursos estruturantes presentes na matemáticos espontâneos (ver Carraher, 1988),
actividade. Recurso estruturante é «algo – acti- que raramente são valorizados na escola.
vidade, pessoa, objectos, etc. – que pode auxiliar O trabalho cooperativo é uma oportunidade de
a estruturação de um determinado processo, dan- trazer os conceitos espontâneos para a sala de
do e tomando, ao mesmo tempo, forma a partir aula. Mas segundo Brodie (1995), isso não é su-
das pessoas em acção, da actividade e do con- ficiente. Os conceitos espontâneos necessitam
texto» (M. Santos, 1996, p. 168). Os alunos tra- ser explicitados e há necessidade de fazerem-se

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conexões com os conceitos científicos. O pro- - possibilitar a colocação das câmaras de ví-
fessor pode e deve ser uma poderosa influência, deo de modo a que perturbassem o menos
servindo de intermediário para o desenvolvi- possível o funcionamento da aula;
mento conceptual em pequenos grupos. Deve ou- - tratarem-se de grupos onde a discussão fos-
vir e falar com os alunos, para fazê-los trazer os se frequente (segundo opinião da professora
seus conceitos espontâneos para a sala de aula, e e da investigadora, que teve oportunidade
dar-lhes acesso aos conceitos científicos, e assim de formar uma opinião sobre os mesmos no
os alunos poderão construir «verdadeiros concei- decorrer da semana que antecedeu o início
tos». da experiência);
Mais uma vez se torna clara a importância - a maioria dos alunos que constituiam os
(segundo Vygotsky) das interacções sociais no grupos, serem considerados alunos médios
desenvolvimento humano. em termos de aproveitamento em Matemá-
tica.

5. METODOLOGIA
6. DESCRIÇÃO ANALÍTICA DE UM EPISÓDIO
Com este enquadramento teórico e com o
objectivo de contribuir para o conhecimento das Como suporte da discussão destas ideias apre-
características da actividade matemática escolar sentaremos um episódio, que relata a resposta
dos alunos que trabalham cooperativamente, a dos alunos que constituem o grupo I (Ana, João,
investigadora observou e analisou dois grupos, Liliana e Sandro), a uma tarefa proposta pela
de quatro alunos, de uma turma de 7.º ano, na sa- professora.
la de aula de matemática. A unidade de análise O João é o aluno do grupo que goza de me-
lhor estatuto a nível de sucesso na disciplina de
considerada foi «(...) a actividade da pessoa
Matemática. É um aluno que gosta de desafios,
actuando num cenário» proposta por Lave (1988,
mas que também se mostra muito competitivo
p. 177).
em relação aos outros grupos. Acha muito im-
A investigadora observou, durante três meses,
portante trabalhar em grupo, porque, e segundo
todas as aulas de matemática da referida turma,
palavras dele, «(...) porque na nossa vida temos
(além de ter participado em muitas das idas ao
de conviver uns com os outros; aprendemos
clube da Matemática, que ocorriam duas vezes
com os outros.»
por semana, e tinham carácter facultativo). A O Sandro é também um aluno com sucesso na
turma era constituída por 30 alunos de uma Es- disciplina Matemática, mas cuja participação no
cola Básica e Secundária do Funchal, e por uma trabalho cooperativo, varia consoante a sua dis-
professora. Não foram feitas quaisquer altera- posição. Podemos dizer que o João e o Sandro
ções de currículo nem foram propostas tarefas constituem o núcleo do grupo.
diferentes das que eram habituais naquela comu- A Ana é uma aluna com algumas dificuldades
nidade. Tratou-se portanto de uma observação na aprendizagem da Matemática, mas é a impul-
naturalista e participante. sionadora do iniciar da actividade, que demora
Os dados foram registados em vídeo (uma câ- sempre um pouco.
mara para cada um dos grupos observados). Pa- A Liliana é a aluna que revela mais dificul-
ra além das aulas, serviram também como dados, dades, neste grupo. É pouco participativa, ou
entrevistas feitas aos oito alunos envolvidos no melhor, salvo raras excepções só participa quan-
estudo e uma entrevista feita à professora da tur- do solicitada. A maioria das vezes limita-se a es-
ma (registados com gravador de som) para além crever o que dizem os colegas.
de cópias dos trabalhos dos alunos, executados A professora é uma pessoa que gosta muito
nos cadernos diários. A professora usava, duran- daquilo que faz e que tem com os seus alunos
te as aulas, um microfone de lapela, que era co- uma relação de amizade e cumplicidade. Nas su-
locado no início da aula e em frente aos alunos. as aulas são notórias as interacções aluno/aluno
Os grupos foram seleccionados com base nos (quer entre os alunos do grupo, quer entre alunos
seguintes critérios: de grupos diferentes) e aluno/professor.

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Nesta aula, a professora começa por fazer, Ana Cristina ao ouvir a resposta do João, olha
com a ajuda dos alunos, um resumo do que para este com um ar reprovador e diz:
tinham aprendido anteriormente. Depois disto
Ana Cristina: João, o Sandro é que tem de
distribui umas folhas cor-de-rosa onde estavam
dizer.
escritas as tarefas. E lê: João: O Sandro é esperto, era lógico que
Professora: Sem recorreres ao papel ou à ele chegava a esta conclusão.
calculadora, diz qual dos sinais >, < ou =, Ana Cristina: Está bem, mas é ele que diz.
deves colocar nas expressões seguintes Se é ele não és tu.
de modo a torná-las verdadeiras. João: Pronto, está bem. Agora diz tu a
seguinte.
2 7 2 0 Ana: É este que vai ser maior (apontando
a) (-3) ... (-3) d) 7 ... (- 2305) para 2 elevado a 3).
Sandro: Porquê?
4 4 Ana: Ambos os expoentes são números
b) (-5) ... 5 impares.

3 5 Sandro chama a professora e pede que a pro-


c) 2 ... 2 fessora peça aos colegas que falem mais baixo.
A professora faz o que Sandro pediu. E San-
O problema sobre o qual os alunos estão a co- dro agradece à professora.
operar, é um problema de comparação de núme- Ana continua a sua explicação que fora inter-
ros, e que neste caso se encontram sob a forma rompida pelo Sandro.
de potências.
Ana: Ambos os expoentes são números
Professora aproxima-se do grupo (I) e vê que
impares
já lá estava colocado um sinal no espaço disponí-
João: Isso não tem nada a ver.
vel, e diz:
Ana: Mas eu estou a dizer, ambos os
Professora: Não percebi a primeira. expoentes são números impares.
Ana Cristina: Também não. O João fez João: Está bem, mas isso não é importante
mas não explicou. para resolver o exercício.
O João não gostou da acusação da Ana e endi- Sandro numa tentativa de ajudar a Ana a per-
reitando-se na cadeira responde: ceber o seu erro, coloca-lhe a seguinte questão:
João: Eu expliquei. Quando nós temos Sandro: E as bases são positivas ou nega-
duas potências negativas, quando o ex- tivas?
poente é par, dá positivo, e quando é im- Ana: São negati... são positivas, mas com
par dá negativo, logo o sinal aqui é >. o expoente impar vão ficar negativas.

O Sandro explicará a 2.º, diz a professora por Ana Cristina parece ter identificado uma
se ter apercebido que ele estava distraído. questão diferente da dos outros colegas do gru-
po. Apesar dela estar a ver que as bases da po-
Sandro: (-5) de expoente 4 dá... tências em questão, são positivas, está a resolver
João: Positivo. Dá vinte positivo. a questão como se estas fossem negativas.
João comete um erro, que não é de cálculo, João: Oh que grande asneira...
mas sim de definição de potência, que não é de- Sandro: Deixa a Ana pensar.
tectado por nenhum dos elementos do grupo.
Talvez por não ser relevante para a resolução do Liliana, que até agora só tinha estado a ouvir a
problema. discussão, resolve intervir.
Liliana: Ana, quando o expoente é par vai
Sandro: E 5 elevado a 4 também dá posi-
dar sempre positivo...
tivo.
João: Então o sinal é =. João, Liliana e Sandro partilham a ideia de

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que desde que as bases sejam positivas, seja qual pelo expoente, sem que este seja detectado pelo
for o expoente da potência, esta tem sinal posi- grupo.
tivo. Mas parece existir incompatibilidades na
Sandro: Então qual é o maior? Tu não
interpretação prévia da tarefa tomada como par-
sabes que positivo vezes positivo dá
tilhada, e torna-se aparente a existência dum
positivo?
conflito interpsicológico. O resolver do conflito
Ana: Sei.
interpsicológico pode ser uma oportunidade de
Sandro: Mesmo que seja impar ou par.
aprendizagem para ambos os lados e pode levar
a que o grupo elabore um domínio consensual Sandro ao questionar Ana Cristina, está a
de compreensão. funcionar como recurso estruturante da apren-
dizagem da mesma.
Sandro: Deixa-me explicar. Se ela não
sabe é porque nós não estamos a explicar Ana: Mas eu estou a dizer que quando for
bem. negativo...
João: Mas isso não tem nada a ver com
Sandro revela claramente um posição de do- isto.
mínio sobre o grupo. Assume um papel de «pro- Ana: Mas eu estava a perceber, só estava a
fessor», imitando um bocado a sua professora, dizer que quando forem negativos...
que normalmente questionando os alunos, os João: Mas estes são positivos.
leva a perceber onde e porquê erraram. E conti- Ana Cristina: Pensam que eu não percebi,
nuando na sua imitação «quase perfeita» da mas eu percebi.
professora defende Ana Cristina dos «ataques»
dos colegas, fazendo-os assumir a culpa pelo Ana Cristina desempenha neste grupo o papel
facto da colega não estar a perceber. João nega- feminino de primeira linha e como tal não abdica
se a aceitar essas culpas e faz o seguinte comen- de defender a sua posição, mesmo já tendo per-
tário: cebido onde estava o seu erro. Sandro parece
aperceber-se desta posição de Ana Cristina, e
João: Sandro a professora explicou isso talvez por isso deixa de participar na discussão.
tudo na última aula. A Ana não desiste de provar que estava a
Sandro: Está bem. perceber o que o Sandro lhe explicava: Então vi-
Ana: Então quando é número impar... ra-se para este, e agarrando-lhe no braço, numa
Sandro: Não é isso. Isso não tem nada a tentativa de que este a oiça, diz:
ver, porque as base não são negativas.
Ana: O maior é este (aponta para 2 ele-
Com este comentário de Sandro torna-se evi- vado a 5). Eu estava a perceber, só estava
dente a intersubjectividade que pode existir no a dizer que no caso de a base ser negativa
decorrer das interacções comunicativas. Como e o expoente impar dá um número nega-
para era bastante claro, que se as bases são po- tivo.
sitivas, o sinal da potência é positivo, ele assu- Sandro: Sim, mas tu foste buscar uma
miu que este facto estava claro também na mente coisa que não era o que tinhamos pedido.
de Ana Cristina. A tua explicação boa seria: – é dois ele-
Ana: Eu sei. vado a 5 porque é neste que o dois se mul-
Sandro: E então? No 2 elevado a 3 tiplica mais vezes.
quantas vezes é que o dois se multiplica?
Ana: Três.
7. COMENTÁRIOS FINAIS
Sandro: E neste? (2 elevado a 5)
Ana: 5.
No início do episódio, Sandro quando resol-
João: E dois vezes cinco vai dar negativo?
veu a questão que lhe foi colocada, parecia ter
Apesar da clareza do Sandro na explicação do algumas dúvidas, pois ficou a pensar se (-5) ele-
modo adequado de resolver uma potência, João vado a 4 dava positivo ou negativo. Nesta altura
continua a cometer o erro de multiplicar a base da discussão, parece já não haver dúvidas na

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mente de Sandro. A questão do Sandro, «E ções de sala de aula à medida que participam na
então? No 2 elevado a 3 quantas vezes é que o construção da situação na qual aprendem.
dois se multiplica» dá indicações de que ele ela-
borou a sua conceptualização de potência (quer
seja de base positiva, quer seja de base negativa). REFERÊNCIAS
Parece então que estamos perante uma situação
de internalização. O conceito de potência existia Abreu, G. (1995). A teoria das representações sociais e
no plano social e passou para o plano individual a cognição matemática. Quadrante, 4 (1), 25-41.
do Sandro. Associação de Professores de Matemática (1988). Reno-
Ao analisarmos as interacções sociais que vação do currículo de Matemática. Lisboa: APM.
existiram, ficamos com a ideia de circularidade, Brodie, K. (1995). Peer interaction and the development
of mathematical knowledge. In L. Meira, & D.
em vez de linearidade; isto é as interacções so-
Carraher (Eds.), Proceedings of the Nineteenth
ciais são muitas vezes analisadas como uma se-
International Conference for Psychology of Mathe-
quência linear de acontecimentos em que a acti- matics Education (Vol III: 216-223). Recife (Bra-
vidade individual de um aluno dá lugar à res- sil): Universidade de Pernambuco.
posta de outro e assim sucessivamente. A con- Brown, J., Collins, A., & Duguid, P. (1989). Situated
cepção que está por detrás disto é a de «causa- cognition and the culture of learning. Educational
efeito». Neste caso o que aconteceu com o San- Research, 18 (1), 1-32.
dro foi que o facto de estar a questionar a Ana Bruner, J. (1985). Vygotsky: a historical and conceptual
serviu-lhe para que conceptualizasse a noção de perspective. In J. Wertsch (Ed.), Culture, communi-
potência. Portanto não houve aqui o «causa- cation and cognition (pp. 21-34). Cambridge:
efeito» mas sim circularidade. Cambridge University Press.
Burns, M. (1990). The math solution: using groups of
Com o trabalho cooperativo, Ana Cristina te-
four. In N. Davidson (Ed.), Cooperative learning in
ve acesso a uma série interacções com os outros
mathematics. Addison-Wesley.
elementos da pequena comunidade, que lhe pos- Carraher, T. N., Carraher, D., & Schliemann, A.,
sibilitaram a compreensão de um determinado (1988). Na vida dez, na escola zero. S. Paulo:
saber matemático. A comparação entre as ideias Cortez Editora.
da Ana e as do(s) parceiro(s) ajudou-a a desen- Cole, M. (1985). The zone of proximal development:
volver conhecimento e deu-lhe meios de modi- where culture and cognition create each other. In J.
ficar o anterior. Apesar de não ser fácil opera- Wertsh (Ed.), Culture, communication and cogni-
cionalizar a zona de desenvolvimento em que tion. Cambridge: Cambridge University Press.
estes alunos estiveram a trabalhar, podemos pen- Cobb, P. (1994a). A summary of four case studies of
sar neste episódio no quadro da zona de desen- mathematical learning and small group interaction.
In J. P da Ponte, & J. F. Matos (Eds.), Proceedings
volvimento proximal.
of the Eigteenth International Conference for the
Segundo Baker (1991, em Dillenbourg, 1996),
Psychology of Mathematics Education (Vol II:
a explicação de um elemento do grupo a outro 201-208). Lisboa: Universidade de Lisboa.
não é deliberada, é algo construído conjunta- Cobb, P. (1994b). Mathematical learning and small
mente pelos dois elementos (o que explica e o group interaction: Four case studies. In P. Cobb, &
que recebe a explicação), numa tentativa de en- H. Bauersfeld (Eds.), Emergence of mathematical
tenderem-se um ao outro. O desenvolvimento in- meaning: Interaction in classroom cultures. Hills-
dividual e o desenvolvimento do grupo são inter- dale, Nj: Lawrence Erlbaum Associates.
dependentes e estão reflexivamente relaciona- Cobb, P., Perlwitz, M., & Underwood, D. (1996).
dos; ou seja, por um lado, a actividade matemá- Constructivism and activity theory: a consideration
tica dos alunos é condicionada pela sua parti- of their similarities and differences as they relate to
mathematics education. In H. Mansfield, N. Pate-
cipação na construção interactiva duma base to-
man, & N. Bednarz (Eds.), Mathematics for tomor-
mada como partilhada para a actividade mate-
row’s young children: International perspectives
mática. Por outro lado, essa base para a activi- on curriculum. Dordrecht: Kluwer Academic Pub-
dade matemática é interactivamente construída lishers.
através da tentativa de cada aluno coordenar a Cobb, P., Yackel, E., & Wood, T. (1992). Interaction
sua actividade matemática com a dos outros. Por and learning in mathematics classroom situations.
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4 (1), 1-6. lhavam cooperativamente, é analisado. O resultado

571
mostra como é que os alunos interagem com os outros mathematics classroom can bring a relevant
elementos da pequena comunidade, quando trabalham contribution to the knowledge on school mathematics
cooperativamente e como é que esse processo os ajuda activity. One episode, extracted from a lesson where
a construir conhecimento matemático.
7th grade students worked cooperatively, is analysed
Palavras-chave: Aprendizagem, trabalho coopera-
tivo. in this paper. The results show how within cooperative
work students interacted with each other in a small
community and how this process helped them in the
ABSTRACT understanding and making-sense of mathematical
knowledge.
The analyses of ways of cooperative work in Key words: Learning, cooperative work.

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