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IVAN CARLOS RUFINO BATISTA

CRISE NA IGREJA CONTEMPORÂNEA

SOROCABA, SÃO PAULO, ABRIL DE 2004


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CRISE NA IGREJA CONTEMPORÂNEA Ivan Carlos Rufino Batista

A igreja de Cristo vive o alvorecer de seu terceiro milênio de história. E em face disso,
a pergunta que mais se tem ouvido na discussão eclesiológica de hoje é: Qual será a marca
característica das igrejas cristãs no século XXI? Este tema, na verdade, vinha sendo abordado
já desde o início de 1980, tendo a discussão se intensificado a partir de 1990 quando inúmeras
literaturas foram publicadas sobre a questão. De lá pra cá li algumas dessas literaturas, e um
bom número delas dão respostas razoáveis para nossa pergunta. Algumas gozando de elevado
nível de satisfação bíblica e teológica no seu conteúdo. Mas outras, em razão de sua pobreza,
causam repugnação e náuseas em quem têm firme convicção sobre a natureza, o ministério e
destino da igreja de Deus, segundo a teologia eclesiológica das Escrituras.
Minha tese é que a igreja de hoje, representada nas diversas igrejas locais existentes,
vive uma séria e profunda crise. E uma de suas maiores crises históricas, como não viveu nem
na Idade Média. Crise essa que tem deformado o caráter, a integridade espiritual, o ministério
eclesiástico e a ortodoxia teológica da igreja cristã, a ponto de as igrejas mais se identificarem
com esse mundo, em seus valores pagãos e espúrios do que mesmo com a verdade infalível da
Palavra de Deus. E essa não é uma crise à toa e fortuita, mas de implicações profundas, como
o destino eterno de milhões de vidas, que por receberem um evangelho falsificado, crerem em
um cristo falsificado, estão sendo levados para uma salvação também falsificada. Ora, fala a
Palavra que “de Deus não se zomba; pois aquilo que o homem semear, isso também ceifará”
(Gálatas 6:7). E ninguém que semeie mentiras colherá verdades. Assim, a igreja local que ama
a Deus não pode olvidar que apesar da depravação moral da humanidade e da crise relacional
com Deus, querendo ser independente do Divino, o homem ainda é imagem de seu Criador. E
a igreja quando desvirtuada de sua autêntica identidade, ministra maldição em vez de bênção,
morte em vez de vida, angústia em vez de consolo, terror em vez de quietude, violência em vez
de paz, aflição em vez de esperança, fobia em vez de segurança, amor pelo poder em vez de
poder pelo amor, licenciosidade em vez de santidade. E perder a identidade implica em perder
a missão e o destino. E sendo assim, a igreja precisa achar-se novamente.
Warren Wiersbe, respeitado erudito americano, crê também que a igreja vive hoje uma
séria crise. Ele argumenta:
Durante dezenove séculos a igreja vem dizendo ao mundo que reconheça os seus pecados,
arrependa-se e creia no evangelho. Hoje, no crepúsculo do século vinte, o mundo diz à igre
ja que enfrente seus pecados, arrependa-se, e comece a ser a verdadeira igreja desse evange
lho (1993; p. 11).

O comentário de Wiersbe expõe sua preocupação com a inversão de valores que varre
a cristandade hoje, pois a sua denúncia revela a falta de integridade espiritual e ética que vem
caracterizando a prática de muitas igrejas locais, e denominações também, demonstrando-nos
que grande parte do cristianismo contemporâneo não goza mais a autoridade espiritual que já
tivera em outras épocas frente ao mundo. Ora, a falta de integridade e autoridade, que marca a
igreja contemporânea, é o revés e antítese da natureza da igreja de Deus descrita pelo Novo
Testamento, como vemos em Atos, por exemplo, onde revestida do singular caráter de Cristo,
revolucionava a humanidade de sua época com uma vida espiritual abundante, de qualidade e
sem igual por todo Império Romano. Tanto que pertencer a grei cristã era o melhor projeto de
vida para quem vivia a e na igreja. E para quem que estava fora, o estilo de vida diferenciado,
visto em uma koinonia sem igual, era um irresistível atrativo.
Hank Hanegraaff, do Instituto Cristão de Pesquisas (ICP) dos Estados Unidos, é outro
erudito que vê a igreja de hoje sob horrendo perigo. Ele denuncia que um maligno câncer está
matando a igreja sutilmente, que seu estágio é avançado, espalhando-se a uma velocidade tal,
que falar em crise na igreja contemporânea não consiste nenhum exagero ou pessimismo, mas
reconhecimento da triste realidade que compromete o cristianismo autêntico (1996; p. 11-19).
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Dave Hunt e T. A. McMahon, apologistas fundamentalistas, concordam com a tese da


igreja cristã estar vivendo séria crise neste alvorecer de século XXI. Sustentam que a apostasia
doutrinária, ética e ministerial que varre o cristianismo hoje, é uma preparação pro reinado do
anticristo e o falso profeta. Por isso, crêem que este é um dos maiores desafios históricos com
que a igreja se defronta no momento. Eles dizem:
O cristianismo bem pode estar se defrontando com o maior desafio de sua história: uma sé-
rie de seduções poderosas e crescentes que estão alterando sutilmente a interpretação bíbli-
ca e solapando a fé de milhões de pessoas. A maioria dos crentes mal toma ciência do que
está acontecendo, e entende ainda menos sobre as questões envolvidas (1994; p. 11).

Os mesmos autores, falando desse desafio como resistência à sedução enganadora que
solapa a autenticidade da igreja, ressaltam como os crentes têm sucumbido a ela:
A sedução é surpreendentemente fácil. Ela não acontece como um ataque frontal, óbvio,
vindo de crenças religiosas rivais. Pelo contrário, surge para alguns crentes sob disfarce de
técnicas de indução à fé que proporcionam crescimento de poder espiritual e experiência de
milagres. Para outros, como psicologia de auto-melhoramento visando atingir o pleno poten
cial humano. Todas essas coisas parecem ser métodos científicos de ajuda à vida cristã. Tal
sedução pode ainda assumir outras formas (Ibid).

O apóstolo Paulo diz em Romanos 7:11 que o pecado tem poder de sedução, engano e
morte. Esse poder de sedução luciferiana tem envolvido as igrejas de uma tal forma que estão
sendo assassinadas lentamente, como no abraço da Jibóia, a cobra que entrelaça suas vítimas e
as mata por estrangulamento. Tais igrejas estão perdendo a autenticidade e o vigor espiritual que
deveria lhes ser marcas distintivas. Ao que parece, alguns cristãos, sedentos por uma relação
espiritual mais profunda com Deus vem sucumbindo em caráter religioso ao que foi veiculado
como dramaturgia na televisão brasileira. Ou seja, há muitos cristãos que estão tomando doses
homeopáticas de “Suave Veneno” – novela exibida pela TV Globo em 1999 – por encarnarem
heresias blasfêmias como se fossem verdades divinas à igreja. E essas heresias, de um paladar
saboroso, bem ao gosto hedonista, mas de caráter letal pra quem consome, revela a fragilidade
teológica que marca as igrejas hoje, pois os tais ventos de doutrina falsa são recebidos como
se fossem sopro do divino Espírito Santo.
T. A. McMahon chama a atenção para o fato de a crise conter uma perversa mistura de
um falso cristianismo com o xamanismo. E tal mistura, como alerta, não se limita aos círculos
liberais, como se imagina, “mas também entre igrejas de posição evangélica fundamentalista,
pentecostal e carismática” (1995; p. 08-09). Isto é, nem mesmo os batistas fundamentalistas,
geralmente fiéis à teologia bíblica, estão imunes ao estado de patética crise que assola a igreja
nesse raiar de novo milênio. Aliás, ninguém pode afirmar ter imunidade. Seria pura presunção
e loucura supor gozar imunidade contra tais erros. Portanto, é necessário manter a vigilância e
a prontidão, porque a possibilidade de prevenção existe, e é o melhor remédio nessa hora.
Adotar o adágio popular do “é melhor prevenir do que remediar” é deveras prudente a
esta altura, pois não são poucas as igrejas locais que, sendo outrora fiéis ao Novo Testamento,
abandonaram esta marca, seguindo caminho junto às igrejas apóstatas que vociferam mentiras
satânicas enrustidas de superficial evangelicalidade. Hoje mais que nunca precisamos retornar
ao cristianismo que os apóstolos receberam de Jesus. Cristianismo que revolucionou o mundo
de sua época. E autenticidade bíblica e teológica é aquilo que mais precisamos, pois números,
riqueza material, poder político e escândalos temos conseguido com êxito. O que nos falta é a
aprovação de quem jamais poderia nos reprovar: o próprio Deus. Afinal, a existência da igreja
só se justifica nEle e para Ele, pois a igreja é a comunidade do povo de Deus. É a comunidade
que tem em si a zoe trinitária que caracteriza os divinos Três.
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É preciso reconhecer que boa parte do Movimento Fundamentalista hoje, cuja origem
histórica justificou-se como resposta ao Modernismo Teológico que surgiu no início do século
XX e contra a chamada Alta Crítica que retalhou a Bíblia em um amontoado de mitologias e
fantasias religiosas, tem tornado-se vítima das suas próprias virtudes, pois há alguns extremos
cometidos pelo mesmo. É que para alguns fundamentalistas “o credo cristão tornou-se não as
Escrituras Sagradas, mas aquilo que o escriba achava que as Escrituras diziam”, como dizia
Tozer (1985; p. 07). Assim, “desceu sobre o fundamentalismo uma espécie de névoa gelada”,
denunciou, nos idos anos 60, o saudoso e intrépido profeta do Canadá (Ibid). E na tentativa de
dissipação dessa névoa gelada em que muitos fundamentalistas se perderam, e tantos hoje têm
se perdido, percebemos a falta de critério, discernimento e cuidado de outros fundamentalistas,
aliado a tentativa de fuga da acusação pejorativa que sofrem de seus algozes, poucos são os que
não sucumbem ante da mesma apostasia que sempre denunciaram e se posicionaram contra. O
caçador hoje virou caça. E mais, temos descoberto que o fundamentalismo não é Deus.
Um patético aspecto da apostasia fundamentalista é facilmente percebido no legalismo
extremista e insano que alguns insistem estabelecer como princípio divino, mas que não passa
de tradição humana que invalida a Palavra de Deus, exatamente como faziam os fariseus da era
de Jesus com sua tradição codificada da lei mosaica. Eu mesmo me rotulo um fundamentalista,
mas não me identifico com certa espécie de fundamentalismo xiita totalitário que aterroriza as
igrejas, confundindo contingências históricas e culturais com absolutos de Deus e que em nome
da essência ossifica formas que roubam o sentido real de ser igreja. E reconhecer que somos
responsáveis em ter mudado o curso da fé que sempre se canalizou no relacionamento pessoal
e vivo com Deus, pra um curso que se canaliza numa relação fria e impessoal com a ortodoxia
teológica, não é demérito ou traição ao fundamentalismo bíblico. Antes, é caminho necessário
à volta e à prática do fundamentalismo autêntico.
Não reconhecer os males e desvios que causamos a veraz fé cristã por causa de nossos
pressupostos particulares é trágico. E hoje, fundamentalistas cansados da impessoalidade da fé
que os envolveu, perdendo o equilíbrio teológico, vem entregando-se à mesma espiritualidade
esotérica que caracteriza, sobretudo, as igrejas neopentecostais. Assim, liberais, carismáticos e
pentecostais, têm entronizado um misticismo esotérico em sua praxis eclesiástica. Isto é, estas
igrejas estão trocando o misticismo verdadeiro existente entre a igreja e a Santíssima Trindade,
por um misticismo que é estranho a Palavra de Deus. E os fundamentalistas devido aos abusos
daqueles, encontram-se diante do desafio de responder com verdade aos anseios de busca pelo
sobrenatural que marca a pós-modernidade. Mas não podem olvidar que só no relacionamento
pessoal com o Deus da Bíblia esse anseio é satisfeito.
Que práticas esotéricas têm invadido as igrejas sem respeitar a sua corrente doutrinária
e/ou litúrgica, é reconhecido por pastores e teólogos pentecostais, não só por fundamentalistas
e/ou tradicionais, como comumente se pensa. “Acredito que muitas igrejas, identificadas hoje
como pentecostais, estão teológicamente muito próximas de um cristianismo pagão. Distantes
da teologia clássica, incorporaram valores de uma espiritualidade esotérica”, critica Ricardo
Gondim Rodrigues (1999; p. 01), pastor da Assembléia de Deus Betesda, na capital São Paulo.
Rodrigues diz ainda: “Igrejas que ensinam aos seus crentes orações prontas, que se valem de
amuletos e que divulgam métodos para ‘conseguir’ bênçãos de Deus, não são pentecostais ou
evangélicas, mas versão cristianizadas do esoterismo do fim de século” (Ibid.)
Infelizmente vemos os cristãos de hoje caindo nos mesmos pecados que Israel caiu na
época de Jeremias, quando parecia ter um avivamento, mas onde reinava, na verdade, cáustica
apostasia e prostituição espiritual por parte do povo de Deus. Tal como lá, cá também aparenta
haver um avivamento, mas como lá, o que há cá é um terrível caos. Caos que afeta a identidade,
o ministério e caráter das igrejas cristãs, que vêm sucumbindo ante seduções esotéricas que se
mostram com máscaras de espiritualidade bíblica, mas que escondem sua letalidade satânica.
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Na época de Jeremias, o povo de Israel trocou Jeová, o Manancial de Águas Vivas, por
cisternas rotas, que não retém água (Jeremias 2:13). E cisternas rotas, que não retém água viva
para uma vida abundante, são o que muitos querem hoje, pois o Manancial de Águas vivas traz
implicações de severidade ética, santidade, justiça, e amor a Deus e ao próximo. E isso parece
inviável a quem prefere a felicidade a qualquer custo, mesmo que tenha de abdicar da ética, da
santidade, da justiça e do amor divinos, como absoluto e fiel paradigma de vida.
A ausência de compromisso com um discipulado que exige uma vida cristã de caráter,
em detrimento duma por personalidade de performance, é o que vemos na espiritualidade da
confissão positiva, doutrina, e ética do evangelho da prosperidade. Os filhos destas filosofias
religiosas querem a felicidade já, aqui e agora, e não em um futuro paradisíaco pela parousia,
como criam os cristãos de outrora. E felicidade, para os filhos do evangelho da prosperidade,
nada tem a ver com o amor a Deus e ao próximo, mas sim com o esbanjar bens, poder e status.
Na verdade seu alvo mor é a autonomia do homem, e não sua dependência da graça de Deus.
Os crentes filhos da confissão positiva e do evangelho da prosperidade trocaram o céu
pela terra, a fidelidade pelo sucesso, o caráter pela performance, as bênçãos espirituais pelas
riquezas materiais, e o sofrimento pela luxúria. Como frisa Mac Arthur Jr: (1995; p. 13) “o foco
da atenção passou de Deus para as pessoas e seus problemas, e o aconselhamento tomou o
lugar da adoração e do evangelismo como principal atividade de muitas igrejas”. Essa é uma
denúncia que longe de ser fantasiosa, encontra vindicação na pena de influentes clérigos, como
Robert Schuller, pastor da badalada Catedral de Cristal nos EUA. Schuller afirma sem receios:
Quando a igreja procura alcançar os incrédulos com uma atitude teocêntrica, está abrindo
as portas para o fracasso na área de missões. Os incrédulos, os que não crêem num vital re-
lacionamento com Deus, vão desdenhar, rejeitar ou simplesmente ignorar o teólogo, orador,
pregador ou missionário que se aproxima com uma Bíblia na mão, com teologia na cabeça
e nos lábios, esperando que uma pessoa irreligiosa deixará de lado suas dúvidas e engolirá
afirmações teocêntricas como fato. Os incrédulos, penso eu, perceberão quando estou demons
tando um genuíno interesse por suas necessidades e me preocupando honestamente com as
suas dores humanas (Apud MacArthur Jr.; 1995; p. 129).

Não me admira o fato de as igrejas contemporâneas estarem atoladas num mar de crise,
pois como notamos em Schuller, a igreja de Cristo, que é um fenômeno teológico, projeto de
Deus para a humanidade, devendo ser compreendida sob ótica teológica, em razão disso, venha
sendo analisada e compreendida sociológicamente por pastores como Robert Schuller, clérigo
de influência na América do Norte. E quando uma igreja diminui seu conceito de Deus, toma
o rumo da ladeira abaixo, entrando em vertiginoso estado de decadência, pois Deus é a fonte
de vida da igreja. Assim, se é deformado em Seu caráter, as Suas obras logo também são. Eis
o porquê de muitas igrejas contemporâneas serem tão vulneráveis ao espírito deste século e aos
sutis enganos de Satanás, sempre os mesmos, apenas talhados em roupagem contemporânea.
E por se entregarem ao espírito deste século e aos enganos satânicos, é que muitos crentes têm
esquecido quem Deus é, e quem é a igreja, sua natureza e missão.
Frederick Price, é um que parece ter olvidado que Deus é o Soberano do universo, pois
com cara de pau deslavada, frisa: “Deus precisa receber permissão para trabalhar neste reino
terrestre em favor do homem. Sim! Você está no controle das coisas! Assim, se o homem detém o
controle, quem deixou de exercê-lo? Deus” (Apud HANEGRAAFF; 1998; p. 14). Acredite se
quiser, mas Deus fora do controle do mundo, impotente e dependente do homem, entronizado
em o Seu lugar, é a essência da mais nova forma de evangelho no cristianismo de hoje. Nunca
a velha mensagem satânica do “sereis deuses”, que seduziu Eva e induziu Adão ao pecado foi
tão forte e presente entre os cristãos. Assim, não mais inimigos avessos à mensagem poderosa
do verdadeiro evangelho, que pregam a independência do homem de Deus, nos preocupam,
porém os falsos ministros que estão à serviço do Diabo dentro das igrejas.
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Deus é a razão de ser, ter e fazer da igreja. Tirá-lo dela é matá-la, pois Ele é a sua vida.
Porém, Schuller e Price esqueceram disso por completo. Talvez, a conseqüência mais grave,
relacionada ao conceito que temos de Deus hoje, não seja a que nega a Sua soberania e o Seu
poder. Creio que a questão relativa à vida da igreja, cujas implicações afetam seu sentido real
e revolucionário de ser igreja, está atrelado a compreensão que temos da Santíssima Trindade.
É que sendo uma Trindade, Deus é um “ser-em-comunhão” onde se prima, na Sua constituição
trinitária, pela amizade e afetividade como meios de afirmação. Ou seja, sendo uma Trindade,
Deus é essencialmente um ser relacional. E mais especificamente, uma comunidade relacional
trinitariana, a qual se revelou a nós como Pai, Filho e Espírito Santo.
E o amor mútuo existente entre Pai, Filho, e Espírito Santo, é desde toda a eternidade,
antes mesmo que houvesse mundo (João 14:30-31; 16:12-15 e 17:1-5, 20-26). E que diferença
isso faz? Revela-nos que a comunhão, e a amizade, com Deus e o próximo, não nos são mais
opção, como geralmente é em nossa praxis de vida e condicionamento psicológico. Hoje, face
um mundo individualista e autônomo, a comunhão e a amizade devem constituir-se a razão de
ser do próprio homem, pois é assim em Deus. E o homem é imagem e semelhança de Deus. E
o cristão, é convidado a participar da comunhão de amor que há na Santíssima Trindade.
Portanto, creio que o resgate da compreensão de Deus como ser relacional se constitui
no maior desafio da igreja, pois a perda de Deus como “ser-em-comunhão”, priva a igreja de
viver pelo valor que legitima o discipulado cristão: o ágape. “Nisto conhecerão todos que sois
meus discípulos: se tiverdes amor uns pelos outros”, afirmou Jesus (João 13:35 – ARA). Isso,
por sua vez, dá à comunhão um lugar de destaque na vida cristã. Destaque que ela, porém, não
tem gozado como deveria e poderia, sobretudo naquelas igrejas templistas e nas que parecem
mais uma espécie de clube religioso do que um corpo vivo. Isto é, a partir da Trindade como
comunidade relacional, a igreja é o que é na relação de amor existente entre seus membros, e
não naquilo que faz como atividade religiosa e/ou possui como instituição organizada, pois na
própria Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo são o que são na relação mútua que mantém, não
no que fazem ou possuem. É o que também ressalta Ricardo Barbosa de Souza:
Segundo a doutrina da Trindade, o homem só se descobre como pessoa na relação de amor
e amizade que nutre com Deus e o próximo. O sentido de pessoa não é obtido a partir das
funções ou papéis que desempenhamos na vida. Não somos o que fazemos e nem o que
possuímos, mas somos o que somos na relação que temos com o outro. As pessoas na
Santíssima Trindade são o que são na relação que nutrem entre si, e não naquilo que fazem
(2002; p. 66).

Haver perdido Deus como referencial de identidade e ministério, tem sido a razão do
fracasso de muitas igrejas, pois como testemunha a história eclesiástica, sempre que as igrejas
foram fiéis ao referencial original, conseguiram ser a bênção que Deus destinou a que fossem.
Porém, testemunha a mesma história que sempre que abandonaram Deus como seu referencial
as igrejas conseguiram irrecuperáveis catástrofes à sua agenda. Que fale por si só o intolerável
e cruelmente assassino “Tribunal do Santo Ofício” dos católicos romanos, o qual em nome de
Deus cometeu crimes tão ou mais vis que os dos terroristas que mantém fervente o caldeirão
da insana guerra religiosa no Oriente Médio tem cometido.
Perder de vista a natureza relacional de Deus à qual somos convidados a participar, é a
sentença de morte de muitas igrejas contemporâneas, que sofrem da síndrome de Éfeso. Isto é,
tem doutrina firme, ética rígida, tolerância zero à hipocrisia e zelo nas perseguições, mas são
altamente carentes quando o tema é a afetividade terna. E a carência de afetos, sem dúvidas é
uma das mais graves enfermidades do mundo, principalmente após o consumismo capitalista
se consolidar como estilo de vida que garante felicidade. Porém, a desumanização do homem,
e não sua plena felicidade, é o que o consumismo capitalista tem conseguido.
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A carência de amor de hoje, torna-se em grandiosa oportunidade para a igreja, pois só


ela pode dar às pessoas aquilo que o mundo não pode: a graça de Deus expressa em Seu amor
inefável. E aliado a carência afetiva, temos o novo interesse da humanidade pela religião, após
quatro séculos de racionalismo. Contudo, aqui também se revela a crise da igreja quanto a este
interesse, pois muitas igrejas não têm conseguido canalizá-lo à única e verdadeira religião: o
cristianismo bíblico e histórico. Antes o que se percebe é o levantamento de um pérfido, vil e
pseudo cristianismo, cujo caráter é inequivocamente pagão e luciferianizado. E alguns há que
fazem vistas grossas. O fato, porém, é que o mundo hoje se vê clamando por transcendência
novamente, pois descobriu na prática, o que é a vida sem Deus: um caos só.
Mesmo na redescoberta da relação com o sagrado, o mundo não tem buscado saciar sua
sede no Deus Vivo e Verdadeiro. E a igreja tem nisso a sua grave parcela de culpa, porque a
sua adoração carece de autenticidade. Faltam-lhe a sinceridade e a simplicidade, valores que a
deveriam caracterizar, e lhe devolveriam o vigor de seus primórdios apostólicos. A crise é séria
e tem se agravado a cada dia que passa. Negligenciá-la é vil estupidez. Estar alerta é preciso,
pois nenhum grupo evangélico goza imunidade contra as terríveis heresias que sopram como
forte vendaval contra as igrejas, deixando-as em um preocupante estado crítico.
Sei que essa crise tem pressupostos escatológicos, pois prepara o cenário eclesiástico à
chegada do anticristo e falso profeta, como sustentam Dave Hunt e McMahon (1994) também.
O anticristo e o falso profeta o com seu engodo religioso/místico/esotérico jamais visto antes
na face da terra, enganarão milhões levando-os à morte. Esquivar-se de um combate pró-saúde
da igreja de Deus, sob alegação profética/escatológica é covardia e falta de amor genuíno pela
igreja de Deus e pelo Deus da igreja, pois batalhar por uma identidade e ministério sadios da
igreja de Deus é mister a quem o ama. Não há lugar no Reino de Deus para quem se conforme
com a mentira que engana, seduz e mata. Coragem para pregarmos e vivermos a verdade de
Deus é o que se requer hoje. Lutero procedeu com a reforma da teologia, (especialmente a da
soteriologia), mas não sem resistências e acusação de querer inovar com heresias. Os puritanos
pietistas, por sua vez, lutaram e fizeram a reforma da espiritualidade, pois já se viam cansados
do estilo de vida opaco, pálido e sem vida dos anglicanos ingleses, tendo também pago alto e
caro preço por sua iniciativa. Hoje, nessa aurora do terceiro milênio, está na hora de fazermos
a reforma da eclesiologia, resgatando o autêntico conceito de ser e fazer igreja.
Essa reforma, porém, precisa ser radical, não qualquer reforma. Reforma que requeira
mais do que simples mudanças nas declarações de fé, dos propósitos das igrejas ou alterações
em seus ossificados programas. A reforma de hoje exige uma mudança muito mais profunda,
genética mesmo. Isto é, uma reforma capaz de atingir, transformar e modificar, a estrutura do
DNA de nossa eclesiologia mórbida de hoje. E para uma reforma radical assim, precisamos de
um evangelho também radical. Exige-se que descubramos novamente o verdadeiro sentido de
ser igreja, para vivê-la como realmente é, não como nós a queremos que seja, ou que o mundo
espera ver. E só com uma volta a Deus isso é possível. E encontrar na Trindade o paradigma
eclesiástico comunitário para nossa praxis de vida, causará uma verdadeira revolução, porque
passa da hora de substituirmos os velhos odres da estrutura de programas que marca as igrejas
de hoje, por novos odres que fomentem relacionamentos de amor a Deus e próximo.
E não podemos nos enganar quanto ao que será, pois tal se deu com Lutero, Calvino e
Anabatistas, na primeira reforma, no século XVI, e na segunda, com os puritanos pietistas, no
século XVII, também teremos nossos algozes, os quais não quererão a reforma, lutando contra
ela para manterem o seu status quo, o qual lhes garante lucro e poder. Mas a reforma é precisa,
caso queiramos alcançar a nossa geração. Afinal, que legado deixaremos a filhos e netos caso
passemos sem que a igreja seja arrebatada e que Jesus volte, inaugurando o Reino dos Céus na
terra? Mas quem se dispõe a reforma? Creio que todos quantos anelam um cristianismo onde a
afetividade do coração por Deus e o próximo sejam desinteressados.
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CRISE NA IGREJA CONTEMPORÂNEA Ivan Carlos Rufino Batista

A igreja de Cristo não deixará de ser gloriosa, sem mácula, ou ruga, como não deixará
de ser a companhia de pecadores comprados com o sangue de Deus a ser povo santo, próprio
e exclusivo (Efésios 5:25-27; Atos 20:28 e 1 Pedro 2:9-10), ainda que o mal lhe aflija e a faça
sofrer, como tem feito desde seus primórdios palestinos. Como povo de Deus, comprado com
Seu sangue (Atos 20:28), a igreja é indestrutível (Mateus 16:18). Embora indestrutível, como
Corpo de Cristo, o mal, todavia, está sempre a rondar o arraial dos santos. Jesus e os apóstolos
foram quem nos advertiram disso (João 16:33; Romanos 8:18).
Por isso, ponho-me em guarda, a batalhar por uma identidade e ministério referendado
na revelação bíblica do que seja a igreja e sua precípua missão. E quanto a isso, sem dúvida, é
preciso aprender lidar com a presença do mal e as armadilhas preparadas pelo inimigo contra
a igreja. Armadilhas que nos seduzem a viver de maneira independente de Deus, Sua Palavra,
Seu poder, Seu amor e Sua graça. E estes valores, quando faltam em uma igreja local, roubam
a sua autenticidade. E o que muitos parecem olvidar, é que tais armadilhas não vêem mais em
mentiras frontais, como outrora vieram. Hoje, chegam travestidas em roupas de meia verdade,
aparentando pseuda piedade e superficial religiosidade, mas carregadas de vil luciferianidade.
Portanto, muito mais que urgente, é altamente imperioso a necessidade da igreja voltar
para a sua identidade verdadeira e real como prescreve a teologia bíblica. Porque, quando está
revestida da mesma, a igreja apresenta-se como a tremenda força espiritual que é sobre a terra,
pois é a comunidade das novas criaturas em Cristo, a qual revoluciona o mundo por sua praxis
como contracultura de Deus que vive pra glória e honra do Deus Trino (Atos 2:42-47; l7:6).
Porém, quando se desvirtua de sua identidade ímpar e referencial absoluto de conduta: Deus,
a igreja se torna motivo de vergonha e descaso tendo sua objetividade existencial questionada,
como infelizmente ocorre hoje, onde a igreja se vê identificada e confundida com quase tudo,
menos como a sociedade de Deus contracultural ao mundo que é.
Abandonar o templismo idolátrico que confunde o prédio de cultos com a igreja em si;
a ortodoxia como um fim em si mesmo, a qual atrela o conhecimento ao saber, e não ao ser; o
clericalismo divisor, que separa leigos de pastores, como se ambos não fossem ministros, mas
só estes; a sociabilidade superficial, que não expressa a beleza da real koinonia do ágape; os
cultos repetitivos que tem reduzido a adoração a Deus a um fazer litúrgico mecânico, e não no
estar na presença de Deus e desfruta-la; não é uma opção para aquele que se vê cansado de um
cristianismo sem vida e anela por mudanças. Na verdade, abandonar tais elementos é caminho
pelo qual passa a renovação da igreja, e pelo qual se dissipa a crise.
Nenhuma instituição se mostra tão poderosa, em termos de força de transformação que
a igreja, quando simplesmente é a igreja de Deus, sem as distorções e invenções humanas que
a desfiguram em seu veraz caráter. “Nada é mais poderoso neste planeta do que a unidade entre
homens e mulheres que partilham a mesma fé no mesmo Deus-Cristo”, nos assegura também
Ed René Kivitz (2003; p. 189). Por isso reitero, a revolução cristã perpassa, e necessariamente,
pela volta da igreja à sua originalidade, ao seu ser simples, bíblico e teológico. E teológico não
no sentido da ortodoxia, fria, seca e impessoal, mas da fundamentação no Deus-Trindade, o qual
é não uma abstração filosófica impessoal (como na filosofia grega), mas sempre a correlação e
interpenetração das três divinas Pessoas, e a comunicação dessa correlação e interpenetração ao
homem, imagem e semelhança de Deus (como nas Escrituras). E com base nesse fundamento,
a igreja só pode ser o povo revolucionário que estamos propondo, pois é justamente assim que
se nos apresenta a Santíssima Trindade. Ou seja, uma comunidade relacional aonde as pessoas
que a compõe doam-se em amor, amizade e cumplicidade ao seu igual (mutualidade) e buscam
trazer pra dentro dessa relação, tornado-os participantes da mesma, o diferente (graciosidade).
Não há crise que resista a igreja quando achada em sua plena identidade e ministério. Trata-se
da maior força revolucionária do planeta. E por quê? Porque projeto de Deus a humanidade, e
não porque um projeto humano para atender conveniências humanas.
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BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

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FIM
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