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DESENVOLVIMENTO COGNITIVO

Sumário

O Desenvolvimento da Criança nos Primeiros Anos de Vida .................. 3

Os Estádios No Desenvolvimento Cognitivo ............................................ 5

Os Fatores do Desenvolvimento e O Processo de Equilibração ........... 17

O Papel da Interação no Desenvolvimento da Criança e na Construção


do Conhecimento ............................................................................................. 20

O CONCEITO DE CONSTRUTIVISMO EM JEAN PIAGET .................. 21

EPISTEMOLOGIA GENÉTICA .......................................................... 21


ESTÁGIOS DO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO EM PIAGET .... 26
AS INTERAÇÕES SOCIAIS NA TEORIA DE PIAGET ...................... 34
AS IMPLICAÇÕES DA TEORIA DE PIAGET PARA AS QUESTÕES
EDUCACIONAIS .......................................................................................... 35
O SOCIOINTERACIONISMO DE VYGOTSKY ...................................... 36

TEORIA HISTÓRICO CULTURAL ..................................................... 36


PENSAMENTO E LINGUAGEM ........................................................ 39
A APRENDIZAGEM ........................................................................... 41
A APLICABILIDADE DAS TEORIAS DE VYGOTSKY NO ENSINO
SUPERIOR ................................................................................................... 43
AS IMPLICAÇÕES DA TEORIA DE VYGOTSKY PARA AS
QUESTÕES EDUCACIONAIS...................................................................... 44
BREVE HISTÓRICO DA NEUROCIÊNCIA COGNITIVA ....................... 46

DESENVOLVIMENTO PERCEPTIVO E COGNITIVO ....................... 50


Referências............................................................................................ 54

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FACUMINAS

A história do Instituto Facuminas, inicia com a realização do sonho de


um grupo de empresários, em atender a crescente demanda de alunos para
cursos de Graduação e Pós-Graduação. Com isso foi criado a Facuminas,
como entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior.

A Facuminas tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas


de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a
participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua
formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos
culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e
comunicar o saber através do ensino, de publicação ou outras normas de
comunicação.

A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de


forma confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir
uma base profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma
das instituições modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela
inovação tecnológica, excelência no atendimento e valor do serviço oferecido.

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O Desenvolvimento da Criança nos Primeiros


Anos de Vida
Um primeiro aspecto geral que merece ser explicitado refere-se à
concepção de conhecimento proposta por Piaget. Um dos pontos fundamentais
desta concepção diz respeite ao sentido atribuído por Piaget à palavra
“conhecer”: organizar, estruturar e explicar o mundo em que vivemos —
incluindo o meio físico, as ideias, os valores, as relações humanas, a cultura de
um modo mais amplo — a partir do vivido ou experienciado. Se, para Piaget, o
conhecimento se produz a partir da ação do sujeito sobre o meio em que vive,
só se constitui com a estruturação da experiência que lhe permite atribuir
significação. A significação é resultado da possibilidade de assimilação.
Conhecer significa, pois, inserir o objeto num sistema de relações, a partir de
ações executadas sobre esse objeto.

A pergunta fundamental, que Piaget formulou pela primeira vez aos 15


anos de idade (em 1911), orientou suas pesquisas ao longo de toda a sua vida:
como o ser vivo consegue adaptar-se ao meio ambiente? A partir dessa
pergunta liga, rapidamente, o problema da adaptação biológica ao problema do
conhecimento, chegando a duas de suas ideias centrais. A primeira é que a
adaptação biológica de todo organismo vivo, assim como toda conquista
intelectual, se faz através da assimilação de um dado exterior, no sentido de
transformação. O conhecimento não é uma cópia, mas uma integração em uma
estrutura mental pré-existente que, ao mesmo tempo, vai ser mais ou menos
modificada por esta integração. A segunda ideia central é que os fatores
normativos do pensamento correspondem às relações, às necessidades de
equilíbrio que se observam no plano biológico.

Para Piaget o conhecimento é fruto das trocas entre o organismo e o


meio. Essas trocas são responsáveis pela construção da própria capacidade de
conhecer. Produzem estruturas mentais que, sendo orgânicas não estão,

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entretanto, programadas no genoma, mas aparecem como resultado das


solicitações do meio ao organismo.

A alteração organismo-meio ocorre através do que Piaget chama


processo de adaptação, com seus dois aspectos complementares: a
assimilação e a acomodação. O conceito de adaptação surge, inicialmente, na
obra de Piaget com o sentido que lhe é dado na Biologia clássica, lembrando
um fluxo irreversível; vai se explicitando em momentos posteriores de sua obra,
quando adquire o sentido de equilíbrio progressivo (equilíbrio majorante);
finalmente, adquire o sentido de um processo dialético através do qual o
indivíduo desenvolve as suas funções mentais, ao qual denomina “abstração
reflexiva”. Esta adaptação do ser humano ao meio ambiente se realiza através
da ação, elemento central da teoria piagetiana, indicando o centro do processo
que transforma a relação com o objeto em conhecimento.

Ao tentar se adaptar ao meio ambiente o indivíduo utiliza dois processos


fundamentais que compõem o sistema cognitivo a nível de seu funcionamento:
a assimilação ou a incorporação de um elemento exterior (objeto,
acontecimento etc.), num esquema sensório-motor ou conceituai do sujeito e a
acomodação, quer dizer, a necessidade em que a assimilação se encontra de
considerar as particularidades próprias dos elementos a assimilar. No sistema
cognitivo do sujeito esses processos estão normalmente em equilíbrio. A
perturbação desse equilíbrio gera um conflito ou uma lacuna diante do objeto
ou evento, o que dispara mecanismos de equilibração. A partir de tais
perturbações produzem-se construções compensatórias que buscam novo
equilíbrio, melhor do que o anterior. Nas sucessivas desequilibrações e
reequilibrações o conhecimento exógeno é complementado pelas construções
endógenas, que são incorporadas ao sistema cognitivo do sujeito. Nesse
processo, que Piaget denomi no processo de equilibração, se constroem as
estruturas cognitivas que o sujeito emprega na compreensão dos objetos, fatos
e acontecimentos, levando ao progresso na construção do conhecimento.

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Os Estádios No Desenvolvimento Cognitivo


A capacidade de organizar e estruturar a experiência vivida vem da
própria atividade das estruturas mentais que funcionam seriando, ordenando,
classificando, estabelecendo relações. Há um isomerismo entre a forma pela
qual a criança organiza a sua experiência e a lógica de classes e relações. Os
diferentes níveis de expressão dessa lógica são o resultado do funcionamento
das estruturas mentais em diferentes momentos de sua construção. Tal
funcionamento, explicitado na atividade das estruturas dinâmicas, produz, no
nível estrutural, o que Piaget denomina os “estádios” de desenvolvimento
cognitivo. Os estádios expressam as etapas pelas quais se dá a construção do
mundo pela criança.

Para que se possa falar em estádio nos termos propostos por Piaget, é
necessário, em primeiro lugar, que a ordem das aquisições seja constante.
Trata-se de uma ordem sucessiva e não apenas cronológica, que depende da
experiência do sujeito e não apenas de sua maturação ou do meio social. Além
desse critério, Piaget propõe outras exigências básicas para caracterizar
estádios no desenvolvimento cognitivo:

1o) todo o estágio o tem de e ser integrador, ou u seja, as estruturas


elaboradas em determinada etapa devem tornar-se parte integrante das
estruturas das etapas seguintes;

2o) um estádio corresponde a uma estrutura de conjunto que se


caracteriza por suas leis de totalidade e não pela justaposição de propriedades
estranhas umas às outras;

3o) um estádio compreende, ao mesmo tempo, um nível de preparação


e um nível de acabamento;

4o) é preciso distinguir, em uma sequência de estádios, o processo de


formação ou génese e as formas de equilíbrio final.

Com estes critérios Piaget distinguiu quatro grandes períodos no


desenvolvimento das estruturas cognitivas, intimamente relacionados ao
desenvolvimento da afetividade e da socialização da criança: estádio da

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inteligência sensório-motora (até, aproximadamente, os 2 anos); estádio da


inteligência simbólica ou pré-operatória (2 a 7-8 anos); estádio da inteligência
operatória concreta (7-8 a 11-12 anos); e estádio da inteligência formal (a
partir, aproximadamente, dos 12 anos).

O desenvolvimento por estádios sucessivos realiza em cada um desses


estádios um “patamar de equilíbrio” constituindo-se em “degraus” em direção
ao equilíbrio final: assim que o equilíbrio é atingido num ponto a estrutura é
integra da em novo equilíbrio em formação. Os diversos estádios ou etapas
surgem, portanto, como consequência das sucessivas equilibrações de um
processo que se desenvolve no decorrer do desenvolvimento. Seguem
itinerário equivalente a um “creodo” (sequência necessária de
desenvolvimento) e supõem uma duração adequada para a construção das
competências cognitivas que os caracterizam, sendo que cada estádio resulta
necessariamente do anterior e prepara a integração do seguinte. O “creodo” é,
então, o caminho a ser percorrido na construção da inteligência humana, que
vai do período sensório-motor (0-2 anos) aos Períodos simbólico ou pré-
operatório (2-7 anos), lógico-concreto (7-12 anos) e formal (12 anos em diante).
É preciso esclarecer que os estádios indicam as possibilidades do ser humano
(sujeito epistêmico), não dizendo respeito aos indivíduos (sujeitos psicológicos)
em si mesmos. A concretização ou realização dessas possibilidades dependerá
do meio no qual a criança se desenvolve, uma vez que a capacidade de
conhecer é resultado das trocas do organismo com o meio. Da mesma forma,
essa capacidade de conhecer depende, também, da organização afetiva, uma
vez que a afetividade e a cognição estão sempre presentes em toda a
adaptação humana.

O Estádio da Inteligência Sensório -Motora (0 a 2 anos)

O período sensório-motor é de fundamental importância para o


desenvolvimento cognitivo. Suas realizações formam a base de todos os
processos cognitivos do indivíduo. Os esquemas sensório-motores são as
primeiras formas de pensamento e expressão; são padrões de comportamento
que podem ser aplicados a diferentes objetos em diferentes contextos. A

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evolução cognitiva da criança nesse período pode ser descrita em seis


subestádios nos quais estabelecem-se as bases para a construção das
principais categorias do conhecimento que possibilitam ao ser humano
organizar a sua experiência na construção do mundo: objeto, espaço,
causalidade e tempo.

Subestádio I: O Exercício dos Reflex os (até 1 mês)

Os primeiros esquemas do recém-nascido são esquemas reflexos:


ações espontâneas que surgem automaticamente em presença de certos
estímulos. Nas primeiras vezes que se manifestam os esquemas reflexos
apresentam uma organização quase idêntica. A estimulação de qualquer ponto
de zona bucal do bebé, por exemplo, desencadeia imediatamente o esquema
reflexo de sucção; uma estimulação da palma da mão provoca,
automaticamente, a reação reflexa de preensão. Os esquemas reflexos
caracterizam a atividade cognitiva da criança no seu primeiro mês de vida.

Subestádio II: As Primeiras Adaptações Adquiridas e a


Reação Circular Primária (1 mês a 4 meses e meio)

No transcorrer dos intercâmbios da criança com o meio ambiente logo os


esquemas reflexos vão mostrar certos desajustes, exigindo transformações. O
que provoca tais desajustes são as resistências encontradas na assimilação
dos objetos ao conjunto de ações. Estes desajustes vão ser compensados por
uma acomodação do esquema. Correspondem a uma perda momentânea de
equilíbrio dos esquemas-reflexos. Os reajustes que possibilitam o êxito
consistem na obtenção momentânea de um novo equilíbrio.

É através desse jogo de assimilação e acomodação, de desequilíbrios e


reequilíbrios, que os esquemas reflexos passam por um processo de
diferenciação possibilitando a construção de novos esquemas adaptados a
novas classes de situações e objetos que vão caracterizar o início do segundo
subestádio. Estes novos esquemas já não são apenas esquemas reflexos, uma
vez que resultam de uma construção. São os esquemas de ação: novas
organizações de ações que se conservam através das situações e objetos aos
quais se aplicam. Simultaneamente a esse processo de diferenciação dos

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esquemas reflexos iniciais há, também, um processo de coordenação dos


esquemas disponíveis que dá origem, igual mente, a novos esquemas. A
coordenação entre os esquemas de olhar e pegar é um exemplo de um novo
esquema desse tipo que será seguido por muitos outros de complexidade
crescente nas etapas seguintes: apanhar o que vê e levar à boca, apanhar o
que vê para esfregar na grade do berço e explorar o ruído que isso provoca
etc.

No decurso do segundo mês surgem duas novas condutas típicas do


início desse período: aprotusão da língua e a sucção do polegar, que
caracterizam a reação circular primária na qual o resultado interessante
descoberto por acaso é conservado por repetição. A reação circular primária
refere-se a procedimentos aplicados ao próprio corpo da criança.

Esta é a fase em que as ações ou operações de desloca mento da


criança são realizadas mediante “grupos práticos”, através da coordenação
motora, sem dar origem ainda à representação mental. A ação é que cria o
espaço, a criança não tem consciência dele. Os espaços criados pela ação —
oral, visual, tátil, postural, auditivo etc. — ainda não são coordenados entre si,
portanto, são heterogéneos. A criança parece considerar o mundo como um
conjunto de quadros que aparecem e desaparecem. O tempo é simples
duração sentida no decorrer da ação própria.

Neste subestádio das primeiras adaptações adquiridas as condutas


observadas ainda não são inteligentes no seu ver dadeiro sentido. Elas fazem
a transição entre o orgânico e o intelectual, preparando a inteligência.

Subestádio III: As Adaptações Sensório -Motoras


Intencionais e as Reações Circulares Secundárias (4 meses e
meio a 8-9 meses)

A terceira etapa desse período caracteriza-se pelo surgi mento das


reações circulares secundárias voltadas para os objetos. Pode-se definilas
como movimentos centralizados sobre um resultado produzido no ambiente
exterior, com o único propósito de manter esse resultado. Após ter aplicado as
reações circulares sobre o corpo próprio, a criança vai, pouco a pouco,

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utilizando esse procedimento sobre os objetos exteriores. Vai, então,


elaborando o que Piaget chama de reações circulares secundárias, que
marcam a passagem entre a atividade reflexa e a atividade propriamente
inteligente. Pela primeira vez aparece um elemento de previsão de
acontecimentos. A reação circular só começa quando um efeito casual,
provocado pela ação da criança, é percebido como resultado desta ação. Por
isso, se até então tudo era para ser visto, escutado, tateado, agora tudo é para
ser sacudido, balançado, esfregado etc., conforme as diversas diferenciações
dos esquemas manuais e visuais.

Os esquemas secundários são o primeiro esboço do que serão as


classes ou os conceitos da inteligência refletida do jovem adulto. Apreender um
objeto como sendo para sacudir, esfregar etc., é o equivalente funcional da
operação de classificação do pensamento conceptual. Paralelamente a esta
construção, constitui-se a conservação do objeto permanente. Nesse período
as crianças têm as primeiras antecipações de movimentos relacionados à
trajetória de um objeto e já conseguem distingui-lo quando semioculto. Mas o
objeto existe apenas em ligação com a ação própria. O mundo é, portanto, um
mundo de quadros cuja permanência é mais longa, mundo que a criança
procura fazer durar mais longa mente, mas que se desvanece como antes.

No terreno espacial a criança mostra-se capaz de perceber, de modo


prático, um conjunto de relações centralizadas em si própria (grupos
subjetivos). A visão e a preensão já estão coordenadas. Começa a formar-se a
noção de sucessão e há o início de consciência de “antes” e o “depois”
embora, para a criança dessa fase, o tempo das coisas seja apenas a
aplicação a estas do tempo próprio: o “antes” e o “depois” são relativos à sua
própria ação. Há, também, alguma apreciação da causalidade, em ligação com
as ações imediatas da criança, na procura das causas de acontecimentos e
percepções inesperados. A causalidade é experimentada como resultado da
própria ação.

Subestádio IV: A Coordenação dos Esquemas Secundários


e sua Aplicação Às Situações Novas (8 -9 Meses A 11-12 Meses)

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A principal novidade do quarto subestádio é a busca, pela criança, de


um fim não imediatamente atingível através da coordenação de esquemas
secundários. A coordenação de esquemas observa-se no fato da criança se
propor a atingir um objetivo não diretamente acessível pondo em ação, nessa
intenção, esquemas até então relativos a outras situações. Há uma dissociação
entre os meios e os fins e uma coordenação intencional dos esquemas. Já é
possível, também, a imitação de respostas que a criança não vê em si mesma.

A subordinação dos meios aos fins já é observada na atividade lúdica da


criança. Quanto à construção do objeto, há a busca de objetos ocultos atrás de
anteparos, apesar da procura sempre recair sobre o primeiro anteparo usado
para esconder o objeto. A criança é capaz, por exemplo, de esconder um
objeto sob um anteparo e depois retirá-lo novamente; mas, se o objeto
escondido for deslocado para outra posição, ela ainda o procurará na primeira
posição. Há, portanto, a busca do objeto desaparecido, porém, sem considerar
a sucessão dos deslocamentos visíveis. A permanência do objeto ainda é
subjetiva, isto é, ligada à própria ação da criança.

Ao lidar com as relações espaciais a criança se encontra numa situação


intermediária aos grupos subjetivos e objetivos examinando a constância dos
objetos. O mesmo ocorre em relação à causalidade: a criança aplica os meios
conhecidos às situações novas e começa a atribuir aos objetos e às pessoas
uma atividade própria, o que indica a transição entre a causalidade
mágicofenomenista (que caracteriza o subperíodo anterior) e a causalidade
objetiva. Ela deixa de considerar suas ações como única fonte de causalidade
e considera o corpo de outra pessoa como um centro autónomo de atividade
causal apreciando o arranjo espacial necessário para a ação bem-sucedida. O
tempo também começa a se aplicar aos aconteci mentos independentes do
sujeito e a constituir séries objetivas. Este é, portanto, um subestádio de
transição, no qual a eficiência da ação da criança ainda está marcada pelas
características da ação própria.

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Subestádio V: A Reação Circular Terciária e a Descoberta


dos Meios Novos por Experimentação Ativa (11 -12 Meses A 18
Meses)

Na quinta etapa a atividade imitativa apresenta a imitação deliberada e a


atividade lúdica apresenta a reação circular terciária, na qual a criança explora
objetos desconhecidos por todos os meios que conhece: pegar, levantar, soltar,
sacudir e repetições destes esquemas.

Este é o subestádio da elaboração do objeto e se caracteriza pela


experimentação e pela busca da novidade. O efeito novo não é apenas
reprodução, mas é modificado a fim de observar a sua natureza: são as
chamadas “experiências para ver”. A reação circular aparece como um esforço
para captar as novidades em si mesmas. A descoberta dos meios novos por
experimentação ativa explicita-se em condutas que indicam as formas mais
elevadas de atividade intelectual da criança, antes do aparecimento da
inteligência sistemática. São exemplos característicos desta atividade: a
conduta dos suportes (a criança descobre a possibilidade de atrair para si um
objeto afastado puxando a seu encontro o suporte sobre o qual está colocado);
a conduta do barbante (a criança puxa para si um barbante ao qual está
amarrado um objeto, para atraí-lo em sua direção); e a conduta do bastão
(utilização de um bastão como instrumento intermediário para alcançar um
objeto distante, fora do campo de preensão da criança).

Quanto à construção do objeto, há busca de objetos ocultos atrás de um


anteparo, apesar da procura sempre recair no primeiro anteparo usado para
esconder o objeto. Mas a criança considera os deslocamentos sucessivos do
objeto, passando a buscá-lo na posição resultante do último deslocamento. Há,
portanto, a descoberta da atuação sobre os objetos por meio de intermediários
e se inicia o reconheci mento de que os objetos podem causar fenômenos
independentemente de sua ação, bem como o domínio sobre objetos que
foram ocultos sob anteparos.

A criança leva em conta relações espaciais, conseguindo fazer grupos


espaciais objetivos; ela agora está interessada não mais apenas em sua ação,

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mas, sobretudo, no objeto. Adquire a noção de deslocamento dos objetos em


relação uns aos outros por contato direto. Mas, apesar de perceber as relações
espaciais entre as coisas, ainda não consegue representá-las na ausência do
contato direto: ela só considera os deslocamentos realizados dentro do seu
campo perceptivo. Começa a ter percepção de certa sucessão no tempo e
memória mais prolongada de uma sequência de deslocamentos. O tempo
agora engloba sujeito e objeto, constituindo-se o elo contínuo e sistemático que
une os acontecimentos do mundo exterior uns aos outros. A causalidade é
objetiva sobre os objetos e as pessoas e situada no quadro espaço-temporal.

Subestádio Vi: A Invenção dos Meios Novos por


Combinação Mental e a Representação (1 Ano E Meio A 2 Anos)

Neste subestádio ocorre a transição entre a inteligência sensório-motora


e a inteligência representativa, que começa em torno dos dois anos, com o
aparecimento da função simbólica. A novidade, em relação ao subperíodo
anterior é que as invenções já não se efetuam de modo prático, mas passam
ao nível mental. A criança começa a ser capaz de representar o mundo exterior
mentalmente em imagens, memórias e símbolos, que é capaz de combinar
sem o auxílio de outras ações físicas. Na atividade lúdica ela é capaz de
“fingir”, “fazer de conta”, fazer “como se”: é o “símbolo motivado”. Invenção e
representação seguem juntas, anunciando a passagem a um nível superior. A
invenção aparece como uma acomodação mental brusca do conjunto de
esquemas à situação nova, diferenciando os esquemas de acordo com a
situação.

O objeto agora já está definitivamente constituído: há a representação


dos deslocamentos invisíveis de objetos ocultos, que procura a partir da ideia
de sua permanência. Igualmente, procura causas que não percebeu: sendo
capaz de representar os objetos ausentes, pode reconstituir causas em
presença de seus efeitos, sem percepção dessas causas. Assim, ela pode
prever os efeitos futuros do objeto percebido, que é capaz de representar. As
relações do antes e do depois se constituem a partir da evocação dos objetos
ou das situações ausentes: a criança é capaz de situá-las num tempo

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representativo que engloba a si mesma e ao mundo. A representação mental


estende o tempo a acontecimentos lembrados.

Em resumo, nestes dois primeiros anos de vida a criança se desenvolve


no sentido de uma descentração progressiva. No início está num estado de
confusão total, possuindo apenas seus reflexos hereditários. É a partir de sua
tomada de contato com o mundo exterior que ela vai desenvolver condutas de
adaptação: seus reflexos transformam-se em hábitos, depois, pouco a pouco,
os processos de acomodação e assimilação levam-na a estabelecer com o
mundo relações de objetividade e, ao mesmo tempo, a construir sua própria
subjetividade. Os três primeiros subestádios são de elaboração: a criança
assimila o real a si própria. No terceiro já se percebe uma transição, na qual
ocorre a dissociação para, no quarto subestádio, vermos a criança oscilar entre
a descentralização objetiva que termina com o sexto subestádio, pela
representação. No estádio sensório-motor o instrumento principal de apoio e de
constituição de si mesma e do mundo é a percepção, pela qual a criança
estabelece relações diretamente com o mundo exterior. A partir deste estádio
essas relações com o mundo serão mediadas pela função simbólica, no plano
das representações.

Até o final do segundo ano de vida, uma observação cuidadosa do


comportamento da criança revela a existência de um grande número de
esquemas de ação diferenciados. Esses esquemas vão se combinando entre si
e se coordenando, traduzindo o aparecimento das primeiras estruturas
intelectuais equilibradas, que permitem à criança a estruturação espaço-
temporal e causal da ação prática. A criança construiu um universo estável
onde os movimentos do próprio corpo e dos objetos exteriores estão
organizados em um todo presidido por leis (leis dos “grupos de deslocamento”).
O aparecimento da função simbólica, por volta do final do segundo ano tem,
entre outras consequências, a de possibilitar que os esquemas de ação,
característicos da inteligência sensório-motora, possam transformar-se em
esquemas representativos, ou seja, esquemas de ação interiorizados. Esses
esquemas interiorizados desempenham a mesma função que os esquemas de
ação do período sensório-motor: atribuir significação à realidade.

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O Estádio Pré-Operatório ou Simbólico (2 a 6-7 anos)

O período pré-operatório realiza a transição entre a inteligência


propriamente sensório-motora e a inteligência representativa. Essa passagem
não ocorre através de mutação brusca, mas de transformações lentas e
sucessivas. Ao atingir o pensamento representativo a criança precisa
reconstruir o objeto, o tempo, o espaço, as categorias lógicas de classes e
relações nesse novo plano da representação. Tal reconstrução estende-se dos
dois aos doze anos, abrangendo os estádios pré-operatório e operatório
concreto.

A primeira etapa dessa reconstrução, que Piaget denomina período pré-


operatório, é dominada pela representação simbólica. A criança não pensa, no
sentido estrito desse termo, mas ela vê mentalmente o que evoca. O mundo
para ela não se organiza em categorias lógicas gerais, mas distribui-se em
elementos particulares, individuais, em relação com sua experiência pessoal. O
egocentrismo intelectual é a principal forma assumida pelo pensamento da
criança neste estádio. Seu raciocínio procede por analogias, por transdução,
uma vez que lhe falta a generalidade de um verdadeiro raciocínio lógico.

O advento da capacidade de representação vai possibilitar o


desenvolvimento da função simbólica, principal aquisição deste período, que
assume as suas diferentes formas — a linguagem, a imitação diferida, a
imagem mental, o desenho, o jogo simbólico — compreendidas como
diferentes meios de expressão daquela função.

Para Piaget a passagem da inteligência sensório-motora para a


inteligência representativa se realiza pela imitação. Imitar, no sentido estrito,
significa reproduzir um modelo. Já presente no estádio sensório-motor, a
imitação só vai se interiorizar no sexto subestádio, quando a criança pode
praticar o “faz-de-conta”, agir “como se”, por imitação deferida ou imitação
interiorizada. Interiorizando-se a imitação, as imagens elaboram-se e tornam-se
substitutos dos objetos dados à percepção. O significante é, então, dissociado
do significado, tornando possível a elaboração do pensamento representativo.

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A inteligência tem acesso, então, ao nível da representação, pela


interiorização da imitação (que, por sua vez, é favorecida pela instalação da
função simbólica). A criança tem acesso, dessa forma, à linguagem e ao
pensamento. Ela pode elaborar, igualmente, imagens que lhe permitem, de
certa forma, transportar o mundo para a sua cabeça.

Entre 2 e 5 anos, aproximadamente, a criança adquire a linguagem e


forma, de alguma maneira, um sistema de imagens. Entretanto, a palavra não
tem ainda, para ela, o valor de um conceito; ela evoca uma realidade particular
ou seu correspondente imagístico. Tendo que reconstruir o mundo no plano
representativo, ela o reconstrói a partir de si mesma. O egocentrismo
intelectual está no auge no decurso dessa etapa. A dominação do pensamento
por imagens encerra a criança em si mesma.

O pensamento imagístico egocêntrico, característico desta fase, pode


ser observado no jogo simbólico, no qual a criança transforma o real ao sabor
das necessidades e dos desejos do momento. O real é transformado pelo
pensamento simbólico, na medida em que o jogo se desenvolve, ao sabor das
exigências do desejo expresso no e pelo jogo. É por isso que Piaget considera
o jogo simbólico como o egocentrismo no estado puro.

Um pensamento assim dominado pelo simbolismo essencialmente


particular, pessoal e, por isso, incomunicável, não é um pensamento
socializado. Ele não repousa em conceitos, mas no que Piaget chama pré-
conceitos, que são particulares, no sentido em que evocam realidades
particulares, tendo seu correlato imagístico ou simbólico próprio à experiência,
de cada criança.

Entre os 5 e 7 anos, período geralmente chamado de “intuitivo”, ocorre


uma evolução que leva a criança, pouco a pouco, à maior generalidade. Seu
pensamento agora repousa sobre configurações representativas de conjunto
mais amplas, mas ainda está dominado por elas. A intuição é uma espécie de
ação realizada em pensamento e vista mental mente: transvasar, encaixar,
seriar, deslocar etc. ainda são esquemas de ação aos quais a representação
assimila o real., mas a, intuição é, também, por outro lado, um pensamento

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imagístico, versando sobre configurações de conjunto e não mais sobre


simples coleções sincréticas, como no período anterior.

O pensamento da criança entre dois e sete anos é dominado pela


representação imagística de caráter simbólico. A criança trata as imagens
como verdadeiros substitutos do objeto e pensa efetuando relações entre
imagens. A criança é capaz de, em vez de agir em atos sobre os objetos, agir
mentalmente sobre seu substituto ou imagem, que ela no meia. Proveniente da
interiorização da imitação, a representação simbólica possui o caráter estático
da imitação, motivo pelo qual versa, essencialmente, sobre as configurações,
por oposição às transformações. Com a instalação das estruturas operatórias
do período seguinte, a imagem vai ser subordinada às operações. Na
passagem da ação sensório-motora para a representação, pela imitação, é
possível apreender melhor as ligações entre as operações e a ação, tornando
mais compreensível a origem de certos distúrbios dos processos figurativos:
espaço, tempo, esquema corporal etc.

O Estádio Operatório Concreto (7 a 11 -12 anos)

Por volta dos sete anos a atividade cognitiva da criança torna-se


operatória, com a aquisição da reversibilidade lógica. A reversibilidade aparece
como uma propriedade das ações da criança, suscetíveis de se exercerem em
pensa mento ou interiormente. O domínio da reversibilidade no plano da
representação — a capacidade de se representar uma ação e a ação inversa
ou recíproca que a anula — ajuda na construção de novos invariantes
cognitivos, desta vez de natureza representativa: conservação de comprimento,
de distâncias, de quantidades discretas e contínuas, de quantidades físicas
(peso, substância, volume etc.). O equilíbrio das trocas cognitivas entre a
criança e a realidade, característico das estruturas operatórias, é muito mais
rico e variado, mais estável, mais sólido e mais aberto quanto ao seu alcance
do que o equilíbrio próprio às estruturas da inteligência sensório-motora.

O Estádio das Operações Formais (11 a 15 -16 anos)

Tanto as operações como as estruturas que se constroem até


aproximadamente os onze anos, são de natureza concreta; permanecem

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ligadas indissoluvelmente à ação da criança sobre os objetos. Entre os 11 e os


15-16 anos, aproximada mente, as operações se desligam progressivamente
do plano da manipulação concreta. Como resultado da experiência lógico-
matemática, o adolescente consegue agrupar representações de
representações em estruturas equilibradas (ocorrendo, portanto, uma nova
mudança na natureza dos esquemas) e tem acesso a um raciocínio hipotético-
dedutivo. Agora, poderá chegar a conclusões a partir de hipóteses, sem ter
necessidade de observação e manipulação reais. Esta possibilidade de operar
com operações caracteriza o período das operações formais, com o
aparecimento de novas estruturas intelectuais e, consequentemente, de novos
invariantes cognitivos. A mudança de estrutura, a possibilidade de encontrar
formas novas e originais de organizar os esquemas não termina nesse período,
mas continua se processando em nível superior. As estruturas operatórias for
mais são o ponto de partida das estruturas lógico-matemáticas da lógica e da
matemática, que prolongam, em nível superior, a lógica natural do lógico e do
matemático.

Os Fatores do Desenvolvimento e O Processo de


Equilibração
Para compreender melhor a resposta de Piaget ao problema do
desenvolvimento do pensamento racional é preciso explicitar os fatores
considerados por ele como responsáveis por tal desenvolvimento. Podem-se
identificar quatro fatores gerais do desenvolvimento das funções cognitivas,
cuja responsabilidade nesse processo é, entretanto, variável.

O primeiro fator a considerar é a maturação nervosa. A maturação abre


possibilidades, aparecendo como condição necessária para o desenvolvimento
de certas condutas. Entretanto, não é sua condição suficiente. Não se sabe,
sequer, das condições específicas de maturação que tornam possível a
constituição das estruturas operatórias da inteligência. Além disso, se é certo
que o cérebro contém conexões hereditárias, ele contém sempre um número
crescente de conexões, a maioria das quais adquirida pelo exercício e reforça
da pelo funcionamento. Portanto, a maturação é um fator necessário na

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génese, mas não se sabe exatamente qual o seu papel além da abertura de
possibilidades.

Um segundo fator é o do exercício e da experiência adquirida na ação


sobre os objetos e acontecimentos. A experiência comporta dois polos
diferentes: a experiência física (que consiste em agir sobre os objetos para
abstrair suas propriedades) e a experiência lógico-matemática (agir sobre os
objetos para conhecer o resultado da coordenação das ações). O exercício
implica a presença de objetos sobre os quais a ação é exercida, mas não
implica necessariamente que todo conhecimento seja extraído destes objetos.
O exercício tem um efeito positivo na consolidação, quer dos reflexos quer das
operações intelectuais, que podem ser aplica das a objetos; ele relaciona-se
mais com as estruturas de pendentes da atividade do sujeito do que com um
aumento do conhecimento do ambiente externo.

Quanto à experiência propriamente dita, no sentido de aquisição de


conhecimento novo através da manipulação dos objetos, é preciso considerar
os dois aspectos indicados desta experiência — a experiência física e a
experiência lógico--matemática — que expressam a complexidade desse fator.
Ela envolve, pois, sempre dois polos: aquisições derivadas dos objetos e
atividades construtivas do sujeito. Mesmo a experiência física nunca é pura; ela
implica sempre um quadro lógico-matemático que a organiza. A experiência
física é uma estruturação ativa e assimiladora a quadros lógico-matemáticos.
Portanto, nesse sentido, a elaboração das estruturas lógico-matemáticas
precede o conhecimento físico.

O terceiro fator é o das interações e das transmissões sociais. A


linguagem é, inegavelmente, um fator de desenvolvimento, embora não seja
sua fonte. Para poder assimilar a linguagem e, especificamente, as estruturas
lógicas que ela veicula, são necessários instrumentos de assimilação
adequados, que lhe são anteriores na génese. A socialização começa pelas
condutas, mas a socialização do pensamento só se torna possível quando as
estruturas de reversibilidade estão adquiridas. Assim, a reciprocidade nas
trocas só aparece em torno dos oito anos. Um terceiro aspecto das interações

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e transmissões sociais é constituído pela educação, cuja ação versa sobre


inúmeros fatores e assume varia das formas. No que se refere às transmissões
escolares (aprendizagem), elas só são possíveis e eficazes se se apoiarem
sobre estruturas já presentes e se contribuírem, tanto para reforçá-las pelo
exercício, quanto para favorecer o seu desenvolvimento. De todo modo, para
assimilar é preciso ter desenvolvido estruturas de assimilação.

Aos três fatores indicados, que explicitam três condições do


desenvolvimento representados pela herança, o meio e o funcionamento, é
preciso, entretanto, acrescentar uma terceira característica essencial dos
sistemas vivos, que é a autorregularão, chamada por Piaget de fator de
equilibração. É a autorregularão que explica a evolução e define o estado
mesmo do vital.

Embora não se possam identificar os órgãos mentais com os órgãos


físicos, é possível estabelecer uma correspondência entre os fatores
responsáveis pelo desenvolvimento morfogenético e aqueles que entram no
desenvolvimento psicológico. Assim, à noção de herança ou estrutura
préconstruída corresponde a de maturação orgânica que em bora não dependa
apenas de programação hereditária desempenha, em relação ao
comportamento, o mesmo papel de fator preliminar que os gens em relação à
epigênese. Ao fator funcionamento corresponde o de atividade e ao meio físico
se acrescentam as transmissões sociais e culturais. Estes três fatores,
entretanto, só podem operar de forma coordenada, e é essa a função do quarto
fator — a auto regulação ou equilibração —que também é fundamental no caso
do desenvolvimento psicológico.

A equilibração é, pois, o processo pelo qual se formam as estruturas


cognitivas e constitui, em última análise, a expressão da lei funcional que
afirma a atuação das estruturas. É esse fator interno do desenvolvimento,
espécie de dinâmica, de processo que conduz, por desequilíbrios e
reconstruções, a estados de estruturações superiores o fator determinante do
progresso no desenvolvimento cognitivo.

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Se a perspectiva de Piaget sobre o desenvolvimento mental é a do


conhecimento, e como só pode haver conhecimento por parte do indivíduo que
conhece, é preciso partir da perspectiva do sujeito e tentar identificar que
estruturas ele põe em ação para constituir o saber. Inicialmente vemos um ser
estruturado por seus componentes hereditários, que se adapta assimilando-se
e acomodando-se e, fazendo isso, vai modificando suas estruturas de
assimilação para melhor assimilar, num círculo sem-fim, cujo movimento vai
alargando o processo numa espécie de espiral. Este processo ex pressa o que
Piaget indicou, ao afirmar que não há génese sem estrutura nem estrutura sem
génese. Se a inteligência, como instrumento de adaptação, é pensada em
termos de equilíbrio entre a assimilação e a acomodação, resultado disso é o
conhecimento, meio que possui a mente humana para se adaptar. Assim, se o
sujeito constitui o objeto, ele se constitui ao se reconstituir de volta.

O Papel da Interação no Desenvolvimento da


Criança e na Construção do Conhecimento

Para Piaget, a interação apresenta-se como o principal elemento


estimulador do desenvolvimento intelectual. A concepção construtivista do
conhecimento, postulada por Piaget, tem como ponto central o fato de que o
ato de conhecimento consiste em apropriação progressiva do objeto pelo
sujeito; de tal maneira que a assimilação do objeto às estruturas do sujeito é
indissociável da acomodação destas últimas às características próprias do
objeto. O caráter construtivo do conhecimento se refere tanto ao sujeito que
conhece quanto ao objeto conhecido; ambos aparecem como resulta do de um
processo permanente de construção. O construtivismo subjacente à teoria
piagetiana supõe a adoção de uma perspectiva ao mesmo tempo relativista —
o conheci mento é sempre relativo a um momento determinado do processo de
construção — e interacionista — o conhecimento surge da interação contínua
entre sujeito e o objeto ou, mais precisamente, da interação entre os esquemas
de assimilação do sujeito e as propriedades do objeto.

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Essa concepção tem como principal consequência a afirmação de que o


ser humano — criança, adulto ou adolescente — constrói seu próprio
conhecimento através da ação. A natureza da atividade necessária a essa
construção vai de pender, evidentemente, da natureza do conhecimento que se
pretende seja construído. A interação com objetos vai facilitar o
desenvolvimento do conhecimento — tanto físico como lógico-matemático —
que diz respeito aos objetos, suas propriedades e as relações que se
estabelecem entre eles. Entretanto, conhecimento de natureza social e afetiva
só pode se desenvolver a partir da interação com pessoas. Este aspecto do
desenvolvimento da criança é tratado por Piaget especialmente num texto de
1932, O Julgamento Moral na Criança, que serviu de ponto de partida para
muitas pesquisas e trabalhos teóricos sobre o assunto. Nesse texto, Piaget
mostra como a interação que se estabelece entre as crianças vai tornar
possível o desenvolvimento de relações cooperativas no plano social,
correspondendo às relações de coordenação de perspectivas do pensamento
operatório no plano do desenvolvimento intelectual. Isso significa que, além de
possibilitar o desenvolvimento afetivo e social, as interações entre as crianças
constituem um fator fundamental para o seu desenvolvimento cognitivo.

O CONCEITO DE CONSTRUTIVISMO EM JEAN


PIAGET
EPISTEMOLOGIA GENÉTICA
A EPISTEMOLOGIA DA PALAVRA CONHECIMENTO DEFINE QUE
O MESMO É FRUTO DA relação do homem com os objetos do meio, não
estando PREVIAMENTE DEFINIDO, ASSIM COMO NÃO ESTÁ O SUJEITO
QUE O CONSTRÓI. De acordo com Rodrigues et. al. (2005, p. 121), apesar da
experiência ser externa ela está inter-relacionada com a base cognitiva interna
da estrutura biológica do homem, de tal forma que a experiência sensível não
pode ser tomada como único mecanismo que viabiliza o processo de
construção do saber, porém não se confirma a existência de uma composição
cognitiva totalmente formada ao nascimento, pois grande parte dessa estrutura
é construída e melhorada a partir da experiência com objetos. Mesmo que

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alguns aspectos primários da cognição estejam presentes no neonato, somente


se desenvolverão no contato com o mundo.

Piaget na condição de epistemologia, buscava compreender o


“sujeito epistêmico”, tendo fundamentado os seus estudos sobre o
desenvolvimento na ideia do indivíduo em processo de construção do
conhecimento (BALESTRA, 2007, p. 145).

A “epistemologia genética” emergiu a partir das frequentes afirmações


de Piaget (1971) no fato em que “não há gênese sem estrutura, nem estrutura
sem gênese”. Exposto isso, é preciso compreender, de acordo com o mesmo
autor, que conhecimento é resultado de uma construção simultânea, tendo
relação entre desenvolvimento e aprendizagem e que para ser estudada de
forma abrangente necessita da contribuição teórica e o intenso intercâmbio das
disciplinas de biologia e psicologia, haja visto que são as áreas onde o autor
dedicou seus estudos.

Segundo Terra (2011), a epistemologia genética destaca-se por


superar as posições dicotômicas entre o materialismo mecanicista e o
idealismo, o objetivismo e subjetivismo, ou seja, por sobrepujar a dualidade
corpo versus mente. Nesse contexto ela vem para contrastar tais correntes e
gerar a partir delas uma base teoria de apoio a epistemologia genética. Nesse
contexto a epistemologia genética:

tem como objetivo estudar a gênese das estruturas cognitivas, explicando-a pela
construção, surgindo assim o conceito de construtivismo. Tal estudo é mediante a interação
radical entre sujeito e objeto. Para a perspectiva interacionista, o conhecimento deve ser
considerado como uma relação de interdependência entre o sujeito conhecedor e o objeto a
ser conhecido, e não como a justaposição de duas entidades dissociáveis (INHELDER, BOVET
e SINCLAIR, 1977, p. 17).

Nesse sentido, Piaget (1971) busca ultrapassar tanto a ideia de que todo
o conhecimento provém unicamente da experiência, e o argumento de que
todo conhecimento é anterior à experiência, tendo o indivíduo assim a primazia
sobre o objeto, considerando insuficientes essas duas posições, e propondo,
originalmente, suas teorias de que ocorrem construções sucessivas a partir de

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uma origem biológica ativada pela interação com o meio, resultando na


construção de um novo conhecimento.

Compreende-se, então, que as formas biológicas e primitivas da


mente, estão reorganizadas pela psique em socialização, sendo o indivíduo o
conhecedor e o objeto a ser conhecido aspectos interdependentes. Rodrigues
(2005), explique que a criança desenvolve seus equipamentos neurológicos
herdados geneticamente, sendo que desde tenra idade, os indivíduos exercem
o controle sobre a aquisição e a organização de sua experiência com o mundo
externo. Tal ação realiza a adaptação dos conhecimentos na estrutura
cognitiva já pré-definida. Ainda segundo mesmo autor, as definições e
conceitos de Piaget dão primazia a condição ativa do homem no processo de
produção do próprio conhecimento. Nesse contexto, a inteligência não é
herdada, e sim construída no processo interativo entre o indivíduo e o meio
ambiente em que este está incluído.

O desenvolvimento humano se estabelece, a partir de uma conjuntura


de relações interdependentes entre o indivíduo conhecedor e o objeto a ser
conhecido, que envolve mecanismos extremamente complexos de
entrelaçamento entre os fatores como a maturação do organismo, a
experiência vivida com objetos, o contexto social e principalmente a adaptação
e a equilibração do organismo ao meio.

A ADAPTAÇÃO E A EQUILIBRAÇÃO EM PIAGET

De acordo com os conceitos de Balestra (2007), a formação teórica em


Biologia de Piaget o influenciou na elaboração do conceito de adaptação que
se desdobra no entendimento de que a inteligência é uma adaptação que
possui a função de estruturar a organização do universo, visando a
sobrevivência. Na formação de Piaget nota-se a presença de elementos
teóricos e práticos, devido ao fato de ter utilizado seus filhos como método de
observação participativa. Suas observações chegaram à conclusão de que a
inteligência é a resolução de um novo problema, sendo um instrumento de
coordenação dos meios para que se atinja determinado objetivo.

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Ainda de acordo com Balestra (2007), a equilibração é resultado da


reestruturação do conhecimento após a resolução de um problema prático e da
realização de uma nova experiência.

O Construtivismo tem a equilibração como um conceito de importância


central, pois de acordo com Rodrigues (2005) ele é o fundamento que explica
todo o processo de desenvolvimento humano, sendo a equilibração o
direcionamento do organismo em busca do pensamento lógico, caracterizando-
se como universal para todos os indivíduos. Porém é importante ressaltar que o
termo sofre variações em função de conteúdos culturais do meio em que se
está inserido. Piaget ainda observa que o Construtivismo diferencia fatores
invariantes de variantes no desenvolvimento cognitivo humano.

Para Piaget (1971) os fatores invariantes são aqueles que ao nascer, o


indivíduo recebe como herança uma série de estruturas biológicas pré-
determinadas – sensoriais e neurológicas –, que irão permanecer constantes
ao longo de sua vida. Tais estruturas biológicas vão predispor o surgimento das
estruturas mentais. Partindo desse pressuposto, na corrente piagetiana,
considera-se que o indivíduo carrega consigo duas marcas inatas que são a
tendência natural à organização e à adaptação, onde, portanto, que, em última
instância, o motor do comportamento básico do sujeito é inerente ao ser.

Já os fatores variantes, podem ser representados pelo conceito de


esquema, que conota a unidade básica de pensamento e ação estrutural do
modelo piagetiano, caracterizando-se como um elemento que se transforma no
processo de interação com o meio, buscando a adaptação do indivíduo ao que
está em sua volta – real -, onde a busca do equilíbrio que paradoxalmente,
segundo Terra (2011), nunca alcança, devido ao fato de que nesse processo
de interação sempre ocorrem desajustes que rompem o equilíbrio do
organismo, delegando esforços para que a adaptação seja reestabelecida. Tal
busca do organismo por novas formas de adaptação é constante e envolve
dois mecanismos indissociáveis e complementares: a assimilação e a
acomodação, também conceitos centrais do pensamento piagetiano.

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A assimilação é a tentativa de o indivíduo em solucionar uma


determinada situação a partir da estrutura cognitiva que este possui naquele
dado momento de sua vida. Tal conceito representa um processo contínuo,
onde na medida em que se está em constante atividade de interpretação da
realidade e consequentemente, busca-se se adaptar a ela. Nesse contexto,
isso é uma tentativa de integração de aspectos experienciais aos esquemas
previamente estruturados. Conforme Balestra (2007) a assimilação é à entrada
de novos elementos ao contexto e a estrutura mental já existente, onde
assimilar significa apreender novas experiências.

Na tentativa de manter sempre o equilíbrio do organismo, a acomodação


é responsável por modificar a estrutura mental antiga para acomodar um novo
objeto de conhecimento. Isso mostra que esta é intimamente relacionada com
a ação do objeto sobre o indivíduo, eclodindo como elemento complementar da
interação entre homem e o mundo. Para Rodrigues et al (2005), a acomodação
é a alteração da estrutura, ou seja, o ajuste que é feito pela cognição para
receber novas informações no subconsciente do indivíduo.

Ao analisarmos ambos os conceitos se concluem que toda experiência


nova é interligada a uma estrutura de ideias preexistentes, os denominados
esquemas, podendo realizar uma transformação nesses esquemas, causando,
assim, a acomodação. Por esses fatores, pode-se dizer que a assimilação e a
acomodação são interdependentes e complementares, pois perante a uma
situação nova e desafiadora, o indivíduo depara-se com um problema novo e
esse contexto exerce certa desorganização em sua mente (desequilibração),
sendo que um novo equilíbrio nas estruturas mentais somente irá ocorrer
quando estiver concretizada a reestruturação do pensamento por meio dos
processos de assimilação e acomodação. De acordo com Balestra (2007), a
busca pela equilibração desenvolve as ações nos sujeitos, estimulando o
desenvolvimento das estruturas mentais, psíquicas e intelectuais, de modo que
quanto mais desafios são propostos, maior é a ampliação do conhecimento do
indivíduo.

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Como resultado da adaptação e por meio da assimilação e da


acomodação indivíduo ajusta-se ao ambiente, estabelecendo e equilibrando
uma descoberta com outras, possibilitando a reversão do pensamento. Ainda
na teoria piagetiana, de acordo com Basso (2011), o desenvolvimento ocorre
espontaneamente a partir de suas potencialidades neuronais e a interação com
o meio, sendo o processo lento, ocorrendo por meio de graduações sucessivas
através de estágios.

ESTÁGIOS DO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO EM


PIAGET
Piaget, ao propor que o desenvolvimento precede a aprendizagem,
considerou o desenvolvimento relativamente previsível e linear, visto que
determinados conhecimentos só são adquiridos após a maturação das
estruturas biológicas, sendo essas lineares e previsíveis; sequentemente a
esse conceito Piaget (1971) elaborou os estágios do desenvolvimento
cognitivo, sendo um dos principais pontos de suas teorias.

Ao conceituar como se estabelece o desenvolvimento mental, Piaget


(1971) considerou quatro períodos no processo evolutivo do desenvolvimento
do homem, que se desmembram no decorrer das faixas etárias: estágio da
inteligência Sensório-motora (0 – 2 anos), estágio Pré-operatório (2 – 6 anos),
estágio operatório concreto (6 – 12 anos) e estágio operatório formal (12 anos
em diante). Mas vale ressaltar que os valores cronológicos são estreitados e
podem variar individualmente, mas a sequência em que ocorrem é invariável.

Antes de detalhar as características e o funcionamento de cada fase é


importante ressaltar alguns critérios utilizados na descrição e classificação de
tais estágios. Os critérios pontuados por Balestra (2007, p. 185) são:

A ordem em que as estruturas mentais se sucedem e evoluem é sempre constante,


mesmo que cronologicamente não seja exata podendo a idade variar, mas não a ordem de
sucessão das aquisições. A cada nova fase os novos conhecimentos se integram ao saber pré-
existente, ou seja, há um caráter integrativo em cada estágio. Cada estágio apresenta-se como
uma estrutura de conjunto, pois as aquisições se integram e passam a formar um todo. Os
estágios estão interligados no sentido de que cada estágio compreende um nível de
preparação de uma nova etapa e de acabamento de outra.

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Estágio de Desenvolvimento Cognitivo Sensório-motor

O estágio inicial do desenvolvimento é o sensório-motor onde, como o


próprio nome prevê, a inteligência da criança é essencialmente constituída,
conforme descreve Rodrigues et al (2005), por uma sequência de práticas e as
ações reflexivas. Nesse momento as funções mentais limitam-se ao exercício
dos aparelhos reflexos inatos, onde o universo é tido como a percepção de
movimentos que vão se aperfeiçoando e adquirindo novas habilidades. As
realizações do bebê consistem em grande parte na coordenação de suas
percepções sensoriais e em comportamentos motores simples.

Neste período, conforme Balestra (2007), o bebê não demonstra possuir


consciência da fronteira entre seu mundo interno e o mundo externo, onde
psicologicamente não se distingue do mundo, e a toda referência que tem do
mundo externo é o seu próprio corpo, devido à ausência de experiências, como
se ele fosse centro do universo, acarretando em uma indiferenciação completa
entre os aspectos subjetivos e objetivos (egocentrismo) sendo que esse se
prolonga até o início das operações concretas do sujeito.

Nesse contexto, o egocentrismo se define essencialmente pelo


artificialismo, onde a criança acredita que tudo que ocorre ao seu redor é
provocado intencionalmente por alguém e destinado a ela; pelo finalismo, onde
tudo tem uma finalidade estabelecida; pelo animismo em que a compreensão
de que tudo ao redor tem vida própria, tal como ela tem e o realismo infantil,
que se define em uma concepção particular e subjetiva do meio onde está
inserida.

Nesse estágio as atividades são de natureza prática, e ocorrem


manifestações bem específicas dessa fase do desenvolvimento divididas em
reações circulares, sendo primárias, secundárias e terciárias.

Reações circulares primárias são os reflexos e hábitos que marcam os


primeiros dias de vida do bebê, que com o tempo (3 a 6 meses) vão se
transformando em ações inteligentes e práticas.

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Na próxima fase ocorrem as reações circulares secundárias, onde as


ações do bebê ainda estão marcadas por hábitos básicos, mas já é perceptível
o surgimento da intencionalidade em torno de um objetivo, com a intenção de
mantê-lo, visto que já ocorre a assimilação dos objetos e consequentemente a
construção de esquemas de ação por parte do bebê.

Dos 10 aos 24 meses de vida é observada a presença das reações


circulares terciárias, onde as ações que a criança reproduz, intencionalmente, é
observado um dado movimento e repete esse comportamento de forma variada
sempre que desejar novo objetivo, demonstrando que a criança já utiliza
esquemas conhecidos e mais complexos frente as novas situações, com
intencionalidade para a obtenção de um novo resultado, sendo o ponto-de-
partida para o alicerçamento de novas estruturas que marcam o juízo
experimental.

No estágio de desenvolvimento sensório-motor existem subestágios que


são importantes para compreender como o bebê se adapta ao mundo e nele se
desenvolve. Conforme Piaget (1971) são os seguintes subestágios:

Subestágio 1 (0 a 1 1½ mês): o recém-nascido possui esquemas de reflexos como giro


involuntário da cabeça, sucção, movimentos de

agarrar e olhar. Subestágio 2 (1½ a 4 meses): surgem as reações circulares primárias


e há a repetição de reações agradáveis. Subestágio 3 (4 a 8 meses): já se inscrevem as
reações circulares secundária, e começa a existir uma consciência ampliada dos efeitos das
próprias ações sobre o ambiente. Subestágio 4 (8 a 12 meses): ocorre a coordenação das
reações circulares secundárias e o bebê realiza combinação de esquemas para atingir um
efeito desejado. Subestágio 5 (12 a 18 meses): é o início das reações circulares terciárias em
que é possível à criança variar deliberadamente os meios de resolução de problemas e
também experimentar consequências. Subestágio 6 (18 a 24 meses): surge a representação
simbólica e as imagens e palavras passam a representar objetos familiares e a possibilidade de
invenção de novos meios de resolução de problemas através de combinações simbólicas.

Assim, como explica Balestra (2007), a criança vai se diferenciando do


mundo e tornando possível a permanência do objeto, onde ele permanece
existindo mesmo quando desaparece de seu campo visual, ganhando assim a
noção de que o mundo não está mais concentrado em seu ser. É o processo

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de descentralização, um domínio que proporciona para a criança a condição de


deslocar seu pensamento livremente entre passado, presente e futuro.

No estágio sensório motor, segundo a mesma autora é alcançado o


equilíbrio quando a criança consegue atingir objetos afastados ou escondidos
pelas pessoas que a rodeiam, pois ao conquistar isso o bebê demonstra que
sua ação se apresenta estruturada quanto aos aspectos espaço-tempo-causa,
ressaltando também a capacidade de permanência do ser e a superação do
egocentrismo, e consequentemente o aparecimento da função simbólica.

Estágio Cognitivo Pré-operatório

Com o aparecimento da capacidade simbólica por volta dos dois anos


ocorre, como ressalta Terra (2011), o surgimento da linguagem, que traz
modificações importantes nos aspectos cognitivos, afetivos e sociais da
criança, visto que há a possibilidade de interações interindividuais e que
consequentemente propicia, principalmente a capacidade de trabalhar com
representações para atribuir significados à realidade, haja visto que o
desenvolvimento do pensamento é mais acelerado nessa fase devido aos
contatos sociais possibilitados pela linguagem. Nesse momento a situação
muda drasticamente, pois com a linguagem e a capacidade de representação
por meio do jogo simbólico e da imagem mental a criança pode internalizar as
ações, ganhando assim significado.

O estágio pré-operacional é representado por um grande avanço para o


desenvolvimento com a gênese da capacidade simbólica. O desenvolvimento
da linguagem traz consigo três consequências para a vida mental da criança,
sendo: a socialização da ação com trocas entre os indivíduos; o
desenvolvimento da intuição e desenvolvimento do pensamento a partir do
pensamento verbal que traz consigo o finalismo (porquês), e os animismos, e
por fim o artificialismo.

Segundo Papallia (2000), além da função simbólica (pensar em algo


sem precisar vê-lo), as crianças nessa fase podem desenvolver a compreensão
de identidades (ideia de que as pessoas e muitas coisas continuam as
mesmas, mesmo mudando aparência), de causa e efeito (o mundo é

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organizado e que ela pode fazer as coisas acontecerem), capacidade de


classificar (organizar objetos, pessoas e eventos em categorias de significado)
e compreensão de números (contar e lidar com quantidades).

Esse avanço todo ocorre porque segundo Biaggio (2000), esse período
a criança já não lida apenas com sensações e movimentos, mas já distingue
um significador (imagem, palavra ou símbolo) de um significado concreto
(objeto ausente), ampliando assim em muito o seu vocabulário e formando
sentenças mais complexas.

Embora Papallia (2000) mostre que a segunda infância é uma fase de


grandes realizações, Biaggio (2000) acrescenta que, além disso, o estágio pré-
operacional também é definido em termos negativos, ou seja por meio de
tarefas não realizáveis por crianças dessa idade. São elas conforme Papallia
(2000):

a) centração: não pensam simultaneamente sobre vários aspectos,


focam-se em apenas um.

b) confusão entre aparência e realidade: é a incompreensão entre o que


parece ser e o que é, por exemplo, se uma criança vê um recipiente com leite e
em seguida é lhe dado uns óculos que faz o leite parecer verde e lhe é
perguntado que cor é o leite, ela responde que é verde.

c) irreversibilidade: a criança não compreende que uma operação pode


ter dois ou mais sentidos, que certos fenômenos são reversíveis, como a água
que vira gelo e pode vir a ser água novamente.

d) foco, mas nos estados do que nas transformações: a criança vê um


mundo em quadros estáticos, não compreendem o processo de transformação
que leva de um estado para outro.

e) raciocínio transdutivo: a criança vê uma situação como base para


outra, e estabelece um relacionamento causal entre essa situação como por
exemplo a criança que acha que seus pais se divorciaram porque ela se
comportou mal.

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f) egocentrismo: se caracteriza pela incapacidade da criança ver o ponto


de vista do outro, a compreensão do mundo é centrada em si.

Embora o pensamento da criança se transforme rapidamente, o


egocentrismo ainda continua presente, pois observa-se que nesse estágio, o
sujeito ainda não concebe uma realidade da qual não faça parte devido a
ausência de esquemas conceituais e da lógica. Rodrigues et al (2005)
acrescenta que nesse estágio, a leitura da realidade é incompleta e parcial,
pois a criança prioriza aspectos que são mais relevantes aos seus olhos e
também não é possível a reversibilidade do pensamento, pois a criança não
consegue organizar os objetos e acontecimentos em categorias lógicas gerais.

O aspecto central dessa fase é mesmo o desenvolvimento da linguagem


que de acordo com Balestra (2007) gera novos esquemas e favorece a
reconstrução daqueles anteriormente formados, oportunizando a edificação do
pensamento simbólico em substituição à ação direta do sujeito sobre o objeto
pela sua evocação e representação mental.

O pensamento simbólico possibilita a superação dos limites referentes a


noção de tempo e espaço da fase anterior, e essa nova habilidade de operar a
partir de representações mentais conduz à superação gradativa do
subjetivismo da criança, possibilitando maior objetividade na aquisição de
conhecimento.

Estágio de Desenvolvimento Cognitivo Operatório -concreto

Quando entram na segunda infância, entre aproximadamente os 06 a 12


anos as crianças tornam-se capazes de realizar operações mentais, ações
internalizadas que se ajustam a um sistema lógico. O pensamento operatório
permite às crianças combinar mentalmente, separar, ordenar e transformar
objetos e ações. Essas operações são consideradas concretas porque são
realizadas na presença de objetos e eventos sobre os quais se está pensando.

O pensamento nesse estágio apresenta novas características como a


descentração que permite à criança perceber e considerar mais de um atributo
de um mesmo objeto de uma vez e formar categorias de acordo com critérios

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múltiplos e a conservação que consiste no entendimento de que algumas


propriedades de um objeto vão permanecer as mesmas, mesmo quando outras
são alteradas.

A partir da ocorrência do estágio de desenvolvimento cognitivo


Operatório-concreto, a criança adquire a convicção de que é logicamente
necessário que algumas qualidades sejam conservadas, apesar da mudança
de aparência (conservação) e pode comparar mentalmente as mudanças em
dois aspectos de um problema e ver como um compensa o outro
(compensação), além de entender que algumas operações podem negar ou
reverter os efeitos de outras (reversibilidade).

É marcante nesse estágio o declínio do egocentrismo, pois conseguem


se comunicar de maneira mais eficaz sobre objetos que um ouvinte não
consegue ver podendo pensa sobre a maneira como os outros a percebem e
entendem que uma pessoa pode sentir de uma maneira e agir de outra. Assim,
conseguem regular melhor as interações sociais umas com as outras através
de regras e começam a brincar de jogos baseados em regras. Levam em conta
as intenções ao julgar o comportamento e acreditam que o castigo deve
adequar-se ao crime.

Conforme a explicação de Terra (2011), nesse estágio a criança adquire


capacidade de estabelecer e coordenar pontos de vista diferentes e de integrá-
los de modo lógico e coerente e de integrá-los de modo lógico e coerente, além
de interiorizar ações, sendo possível, conforme Balestra (2007) construir
raciocínios com arcabouço lógico.

Estágio de Desenvolvimento Cognitivo Operatório Formal

No período operatório formal que se inicia por volta dos 12 anos e segue
durante a vida, as estruturas cognitivas da criança estão mais maduras e seu
pensamento não está ligado às experiências diretas. O pensamento também
atinge seu grau máximo quando as operações formais se desenvolvem
completamente, o pensamento se formaliza. Nesta fase, o pensamento lógico
já consegue ser aplicado a todos os problemas que surgem e o sujeito pode
elaborar operações de lógica proposicional e não somente as operações de

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3
3

classe, ordem e número. O raciocínio é baseado em hipóteses verbais e não


somente em objetos.

De acordo com Balestra (2007) são as estruturas formadas nos estágios


anteriores que constroem as possibilidades de pensamento existentes nesse
estágio, as aquisições estruturais formadas nesses períodos ocorrem de forma
integrada, sendo que as operações formais são possíveis a partir da ordem de
sucessão das aquisições dos períodos precedentes.

O sujeito nessa etapa exibe facilidade em elaborar teorias abstratas. A


passagem para o pensamento formal torna o raciocínio hipotético-dedutivo, isto
é, capaz de deduzir conclusões de puras hipóteses e não apenas por uma
observação real. Sendo assim, as operações lógicas começam a ser
transportadas do plano da manipulação concreta/direta para a das ideias,
expressas em linguagem, mas sem o apoio da percepção, da experiência, da
crença.

No estágio das operações concretas havia uma representação de uma


ação possível. Agora, no estágio das operações formais, há uma
“representação de uma representação” de ações possíveis, ou seja, ocorrem
os mesmos tipos de operações do nível anterior aplicadas agora a hipóteses ou
proposições.

Nesse estágio, as operações lógicas eram aplicadas simplesmente às


operações de classe, relações e números. No estágio operatório formal serão
construídas novas operações, de lógica proposicional, ou seja, a lógica de
todas as combinações possíveis de pensamento.

Sobre a universalidade do pensamento operacional formal, mesmo entre


os adultos é assunto de muitas discussões, pois os três primeiros estágios do
desenvolvimento cognitivo são impostos a maioria das pessoas pelas
realidades físicas, ou seja, os objetos são realmente permanentes, a
quantidade de água não muda quando é passada para outro copo. As
operações formais, no entanto, não estão ligadas ao mundo físico, elas podem
ser o produto da experiência e da prática com a solução de problemas
hipotéticos e do uso do pensamento científico formal, sendo que essas

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3
4

habilidades tendem a ser valorizadas e desenvolvidas nas culturas


intelectualizadas, particularmente nas universidades.

O próprio Piaget (1971) sugeriu que a maioria dos adultos pode ser
capaz de usar o pensamento operacional formal em apenas algumas áreas nas
quais eles tenham mais experiência ou interesse. Portanto, não se espera que
todos os alunos do ensino médio sejam capazes de pensar hipoteticamente
sobre todos os problemas que forem apresentados. Alunos que não aprendem
ir além das informações repassadas a eles provavelmente vão ficar no meio do
caminho.

Alguns alunos encontram atalhos para lidar com problemas que estão
além de sua compreensão e podem memorizar fórmulas ou listas de passos, o
que pode ser útil para realizar provas, porém a compreensão do real só ocorre
se forem capazes de ir além do uso superficial da memorização, usando de
fato o pensamento operatório formal.

AS INTERAÇÕES SOCIAIS NA TEORIA DE PIAGET


É fácil observar, mesmo através do senso comum, que as diferentes
interações sociais vividas influenciam expressivamente os sujeitos, sendo que
a própria humanização e, consequentemente, o aprendizado resultante das
interações humanas. Rodrigues et al (2005) acrescentam que as interações
sociais que ocorrem em cada momento da vida são elementos definidores das
ações e comportamentos humanos.

O mesmo autor conceitua que a teoria piagetiana entende o homem


como um ser social que se relaciona com os outros de forma equilibrada,
sendo que essa “relação equilibrada”, somente pode existir entre pessoas que
estejam no mesmo estágio de desenvolvimento, pois é necessário haver um
equilíbrio nas trocas intelectuais. Isso porque, dependendo do estágio de
desenvolvimento em que o sujeito se encontra pode se identificar um grau
maior ou menor de socialização, ou seja, a socialização possui vários graus,
entendendo-se que o “zero” é o pertencente ao recém-nascido, e o máximo,
está relacionado à definição da personalidade, em que o egocentrismo já foi
superado e é possível estabelecer relações de trocas intelectuais recíprocas.

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3
5

Assim, a compreensão da socialização da pessoa depende da definição do


estágio de desenvolvimento em que ela se encontra.

Entendendo que a socialização vai se consolidando durante a infância, é


importante considerar que o trabalho coletivo medeia as relações e possibilita a
capacidade de participação, cooperação e respeito mútuo. “O trabalho coletivo
socializa, estabelece laços de afetividade e permite, à criança, perceber-se
como parte de uma coletividade, superando o egocentrismo” (RODRIGUES et
al, 2005, p.119).

AS IMPLICAÇÕES DA TEORIA DE PIAGET PARA AS


QUESTÕES EDUCACIONAIS
Ao entrar em contato com a obra de Piaget fica claro que o
conhecimento deve ser entendido como uma ampla construção que vai se
solidificando com o tempo e com a interação do sujeito com os objetos a serem
conhecidos. Assim, como explica Rodrigues et al (2005), isso implica que o
professor não é o possuidor de todo o saber, mas o facilitador da
aprendizagem, pois o aluno é um agente ativo que constrói o conhecimento, e
não um mero receptor.

Nesse sentido, o erro não deve ser visto como falha, defeito e/ou
incapacidade, mas, sim, como algo necessário à aprendizagem, sendo que a
inexistência de erro indica a possibilidade de ausência de experimentação, e
consequentemente ausência de aprendizagem. A própria prática pedagógica
deve se valer desse conceito e se prover de experimentações que possam
renovar o ato de ensinar.

O mesmo autor supracitado pontua que o conhecimento é resultado do


esforço do homem em compreender e dar significado ao mundo, sendo que a
“organização seletiva que a cognição realiza dá-se em um processo
permanente de interação do homem com o meio ambiente, através da
apreensão do que é útil e necessário à adaptação do homem ao mundo.”
(RODRIGUES et al, 2005, p.119)

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3
6

Terra (2011) descreve contribuições da teoria piagetiana para o


processo de aprendizagem, como a possibilidade de estabelecer parâmetros a
partir dos estágios de desenvolvimento, a valorização dos erros como
estratégias durante as tentativas de aprendizagem e a compreensão sobre os
diferentes estilos individuais de aprender.

Em complemento a isto, Balestra (2007) explica que o educador


piagetiano tenta fazer de suas aulas momentos dinâmicos, eliminando rituais
tradicionais e preza pelas diferenças individuais, pois considera que existem
diversas maneiras de aprender e de expressar um mesmo conhecimento e que
ensinar é socializar o conhecimento através de práticas cooperativas. Assim,
ao mesmo tempo em que ensina, está atento as diferentes maneiras de
aprendizado expressadas pelos alunos e a partir disso propõe estratégias de
ensino diversificadas.

Em resumo, as implicações da teoria de Piaget para o processo de


aprendizagem escolar dizem respeito a estudos e teorizações que dão um
direcionamento bastante específico sobre como ocorre a evolução do
pensamento humano, como o conhecimento é adquirido, as possibilidades e
impossibilidades de aprendizagem em cada estágio e a importância da
estimulação e vivência constante de novas experiências.

O SOCIOINTERACIONISMO DE VYGOTSKY
TEORIA HISTÓRICO CULTURAL
Não há como introduzir as conceituações vygotskyanas sobre o
desenvolvimento sem pontuar a centralidade do histórico e do cultural nessa
teoria em que o homem é concomitantemente produto e produtor de sua
história pela e na interação social. Com influências da teoria marxista e
materialismo histórico-dialético, Vygotsky (1991) acredita que as alterações
históricas na sociedade e a vida material produzem mudanças na natureza
humana.

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3
7

As concepções desse autor sobre o desenvolvimento cognitivo trazem


que esse é produzido pelo processo de internalização da interação social com
materiais fornecidos pela cultura, sendo que esse processo se constrói de fora
para dentro. Para ele, o cérebro humano é a base biológica, e sua
especificidade define limites e possibilidades para o desenvolvimento humano.
Esse entendimento fundamenta a ideia de que as funções psicológicas
superiores como a linguagem e a memória são construídas ao longo da história
social do homem em sua relação com o mundo, assim, essas funções referem-
se a processos voluntários, ações conscientes, mecanismos intencionais e
dependem de processos de aprendizagem. Assim, o papel do social no
desenvolvimento é muito mais marcante para Vygotsky do que para Piaget.

O pensamento de Vygotsky sobre o desenvolvimento humano se


relaciona fortemente, como explica Leite et al (2009), à ideia da produção da
cultura a partir das relações humanas, buscando conceituar o desenvolvimento
intelectual a partir das relações histórico-sociais, de forma que, para ele, o
conhecimento humano é formado pelas e nas relações sociais. Assim, com a
aprendizagem, o sujeito internaliza as determinações históricas e culturais do
contexto em que vive e as recria, sendo produto e produtor da realidade
histórica.

Conforme os mesmos autores, tendo sua base teórica no materialismo


histórico, Vygotsky demonstrou que as origens das formas superiores de
comportamento consciente deveriam ser buscadas na atividade prática, nas
relações sociais que os sujeitos mantêm com o mundo exterior. Assim, para
entender o que é especificamente humano é preciso, para esse autor, se
libertar das limitações do organismo tecendo formulações que compreendam
como os processos orgânicos/maturacionais entrelaçam-se aos processos
culturalmente determinados para produzir funções superiores. Entende-se que
o desenvolvimento não precede a socialização, são as estruturas e relações
sociais que levam ao desenvolvimento das funções mentais, ou seja, a
aprendizagem é a força propulsora do desenvolvimento intelectual.

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3
8

Sendo o desenvolvimento socialmente construído o que é inato, ou seja


a estrutura fisiológica é insuficiente para produzir o que chamamos de humano,
dessa forma o desenvolvimento não é um processo previsível e gradual, mas
sim depende de como o indivíduo interage com o meio, já que o
desenvolvimento do psiquismo humano é sempre mediado pelo outro. Para
Vygotsky (1991) a aprendizagem provoca, precede força para que o
desenvolvimento aconteça.

Sobre isso, Davis et al (1989) corrobora dizendo que a interação social


está intimamente ligada à proposta de Vygotsky (1991), já que esse se utiliza
de uma visão de homem essencialmente social que prega que é na relação
com o próximo, numa atividade prática comum, que os sujeitos, por intermédio
da linguagem, se constituem e se desenvolvem. Assim, o ser humano, difere
dos outros animais por não estar limitado a sua própria experiência pessoal
e/ou suas próprias reflexões. Ao contrário, a experiência individual alimenta-se,
expande-se e aprofunda-se graças à apropriação da experiência social que é
veiculada pela linguagem, estando as origens das formas superiores de
pensamento e comportamento nas relações sociais que o sujeito mantém com
o mundo exterior e, consequentemente, o homem só se torna homem pelo
contato social.

Assim é correto afirmar, a partir da teoria Histórico-cultural, que a forma


que possui as funções psicológicas superiores estão intrinsecamente ligadas a
história social do homem. O conhecimento se dá nas relações sociais,
produzido na intersubjetividade e marcado por condições culturais, sociais e
históricas.

Para Vygotsky (1991), a criança nasce apenas com as funções


cognitivas elementares que se ampliam para as funções complexas a partir do
contato com a cultura, o que não acontece automaticamente, mas sim por meio
de intermediações de outros sujeitos, sendo essas intermediações
responsáveis por formar significados e valores sociais e históricos.

O que proporciona a particularidade das subjetividades individuais é a


forma como os conteúdos culturais são combinados e processados no interior

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3
9

de cada um de nós. Da mesma forma, o desenvolvimento mental ocorre de


maneira única em cada pessoa, a partir de como o mundo é experienciado, e
“a cultura se torna parte da natureza humana, num processo histórico, que ao
longo do desenvolvimento da espécie e do indivíduo, molda o funcionamento
psicológico do homem”. (OLIVEIRA, 1992, P.24)

Como explica Kramer et al (1991), a teoria sócia histórica busca a


compreensão de aspectos da dinâmica da sociedade e da cultura que
interferem ativamente no curso do desenvolvimento do sujeito, transformando
tanto sua relação com a realidade como sua consciência sobre ela. Para
Vygotsky (1991), as estruturas do pensamento dos sujeitos se alteram ao longo
da história e essas mudanças estão enraizadas na cultura que fornece
elementos que circulam e integram as subjetividades.

PENSAMENTO E LINGUAGEM
As análises de Vygotsky (1989), sobre a construção do conhecimento e
do pensamento estabelece a unidade dinâmica entre pensamento e linguagem
que diferem em sua gênese, mas que ao longo do desenvolvimento se
transformam em um todo indissociável.

Pensamento e linguagem são processos interdependentes, sendo que a


aquisição da linguagem pela criança modifica suas funções mentais superiores,
dando forma definida ao pensamento, possibilitando a imaginação, a memória
e o planejamento da ação.

No contexto das relações sociais, de acordo com Oliveira (1992), a


linguagem é essencial como sistema simbólico de mediação dos homens entre
si, e entre esses e o mundo. Possui as funções de pensamento generalizante e
intercambio social, pois ao ordenar as experiências produz significados que
podem ser compartilhados, e assim intermediam as relações sociais. Nas
palavras de Vygotsky:

O sistema de signos reestrutura a totalidade do processo psicológico,


tornando a criança capaz de dominar seu movimento. Ela reconstrói processo
de escolha em bases totalmente novas. O movimento descola-se, assim, da
percepção direta, submetendo-se ao controle das funções simbólicas incluídas

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4
0

na resposta de escolha. Esse desenvolvimento representa uma ruptura


fundamental com a história do comportamento e inicia a transição do
comportamento primitivo dos animais para as atividades intelectuais superiores
dos seres humanos (VYGOTSKY, 1984, p.39-40).

Ao se pressupor, conforme Rodrigues et al (2005), a internalização da


língua como discurso interior, entende-se que a linguagem é um instrumento do
pensamento. Assim, tudo o que é produzido culturalmente e está conectado à
linguagem afeta o modo de pensar dos sujeitos.

De acordo com Basso (2011), a teoria histórico-cultural entende que o


homem se produz na e pela linguagem, pois a relação entre o homem e o
mundo é uma relação mediada na qual entre o sujeito e a experiência existem
elementos que auxiliam a atividade humana. Estes elementos são os signos e
os instrumentos. Os instrumentos são objetos sociais por ampliarem as
possibilidades de transformar a natureza, e os signos por auxiliarem nas ações
concretas e processos psicológicos superiores, organizando-as.

Os signos de acordo com Vygotsky (1989) constituem ao mesmo tempo


como fenômeno do pensamento e da linguagem, estão intercruzados através
da fala significativa e o pensamento verbal, porém preservam características
estruturais específicas, na medida em que:

A estrutura da linguagem não é um simples reflexo especular da


estrutura do pensamento. Por isto o pensamento não pode usar a linguagem
como um traje sob medida. A linguagem não expressa o pensamento puro. O
pensamento não se expressa na palavra, mas se realiza nela (VYGOTSKY,
1993, p.298).

Porém, é relevante destacar, pela utilidade prática que esse


entendimento possui, que, conforme Siqueira e Nuernberg (1998), a expressão
do pensamento por meio da linguagem promove a reorganização deste. O
trânsito dos significados das palavras possui um caráter de constante
transformação.

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4
1

A APRENDIZAGEM
É essencial na teoria de Vygotsky a compreensão de que a
aprendizagem impulsiona o desenvolvimento, é um processo contínuo e está
intrinsecamente ligada às relações sociais, pois ao nascer a criança é
mergulhada no universo simbólico e na linguagem, e ao se relacionar essa
linguagem se torna sua também, organizando os processos mentais e
impulsionando novas buscas. “A aprendizagem desperta processos internos de
desenvolvimento que somente podem ocorrer que somente podem ocorrer
quando o indivíduo interagem com outras pessoas” (OLIVEIRA, 1992, p.33).

A partir da explicação de Leite et al (2009), por meio do aprendizado a


criança internaliza a vida intelectual dos que a cercam, e assim se constitui
como algo universal e indispensável ao desenvolvimento das características
psicológicas “especificamente humanas e culturalmente organizadas” (p.206).

Para lidar com a aprendizagem das crianças, na concepção sócio


histórica, é preciso se atentar não apenas para o que ela realiza sozinha, mas
para o que faz com ajuda, pistas e orientação de alguém mais habilidoso na
tarefa a ser realizada. Para isso, Vygotsky (1984) diferencia Desenvolvimento
Potencial, Desenvolvimento Real e Desenvolvimento Potencial.

- Zona de desenvolvimento potencial: é toda atividade e/ou


conhecimento que a criança ainda não domina, mas que se espera que seja
capaz de saber e/ou realizar, independentemente da cultura em que está
inserida.

- Zona de desenvolvimento real: é tudo aquilo que a criança é capaz de


realizar sozinha, conquistas já consolidadas, “processos mentais que já se
estabeleceram; ciclos de desenvolvimento que já se completara” (LEITE et al,
2009, p.206). Nessa zona, está pressuposto que a criança já tenha
conhecimentos prévios sobre as atividades que realiza.

- Zona de desenvolvimento proximal: é a distância entre o que a criança


já pode realizar sozinha e aquilo que ela somente é capaz de desenvolver com
auxílio de outra pessoa. Na zona de desenvolvimento proximal, o aspecto
fundamental é a realização de atividades com a ajuda de um mediador que

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4
2

possibilita a concretização do desenvolvimento que está próximo, ajuda a


transformar o desenvolvimento potencial em desenvolvimento real. Assim,
conforme Vygotsky (1984) essa é a zona cooperativa do conhecimento.

Leite et al (2009) sinalizam a importância dessa zona para o


entendimento do desenvolvimento infantil e seus desdobramentos
educacionais, pois possibilita a compreensão da dinâmica interna do
desenvolvimento individual, e não somente dos ciclos já completados, mas
também os que estão em via de formação , permitindo o delineamento das
competências atuais da criança e de suas possibilidades de conquistas futuras,
possibilitando estratégias pedagógicas que auxiliem nesse processo.

Assim, além de ser importante discriminar o nível de desenvolvimento


real (o que a criança realiza sozinha), é preciso identificar o nível de
desenvolvimento potencial (o que ela faz com ajuda). A distância entre no nível
real e o potencial configura a zona de desenvolvimento proximal na qual
ocorrem as aprendizagens, pois o que hoje a criança faz com ajuda, amanhã
fará sozinha.

A importância de considerarmos a zona de desenvolvimento proximal


não significa que possamos ensinar qualquer coisa a qualquer criança, pois o
auxílio deve ser significativo para ela para que possa apropriá-lo fazendo-o
parte do seu desenvolvimento real.

A criança não passa a ser social com o desenvolvimento, é um ser social


desde que nasce e, ao longo do desenvolvimento vai intercambiando os
significados dos objetos e das palavras com os parceiros de seu contexto
cultural e a partir daí ocorre o aprendizado.

Assim, é importante também conceituar a ideia de mediação que é


elemento fundamental para a constituição dos processos mentais superiores.
Segundo Oliveira (1997, p.26), a mediação consiste num “processo de
intervenção de um elemento intermediário numa relação; a relação deixa,
então, de ser direta e passa a ser mediada por esse elemento”.

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4
3

Na mediação simbólica, os signos ficam entre os sujeitos e os objetos do


mundo, funcionando como representação social dos objetos e mediando a
relação do homem com o mundo e com outros homens.

É a partir da mediação simbólica que ocorrem as funções mentais


superiores, e consequentemente o aprendizado. Os signos auxiliam os
processos psicológicos organizando-os, também “oferecem suporte concreto
para a ação do homem no mundo” (OLIVEIRA, 1993. p.34).

A APLICABILIDADE DAS TEORIAS DE VYGOTSKY NO


ENSINO SUPERIOR
Atualmente é notável a importância de Vygotsky nos cursos superiores,
principalmente nos cursos de formação de professores, onde suas teorias são
aplicadas nas mais diversas áreas do conhecimento, não somente da
Pedagogia.

Entre sua influência na formação da professores, algumas linhas


defendem que “a universidade necessita de uma nova organização,
englobando e resinificando a maneira da sociedade produzir, criando e
difundindo seus valores de forma a promover a melhoria da condição humana
em suas múltiplas dimensões. (CARDOSO, 2004, p. 132).

No entanto, o ensino superior no Brasil sofre um grande problema em


relação aos alunos ingressantes nos cursos de licenciatura, pois muitas vezes
acabam os escolhendo pelo menor investimento ou pela falta de
disponibilidade de outros cursos, o que acaba deixando evidente

[...] evidente que o aluno universitário necessita de uma atenção


especial para que os desafios encontrados na adaptação ao curso superior
estimulem a sua transição da adolescência para a vida adulta e não gerem
consequências negativas no nível do aproveitamento acadêmico destes alunos.
Em atenção especial a alunos recém-chegados ao ensino superior, a
universidade deveria implementar programas de intervenção psicopedagógica
que pudessem facilitar a adaptação acadêmica e minimizar o impacto
educacional da universidade nestes estudantes (CARDOSO, 2004).

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4
4

Esse processo só deixa evidente a questão preocupante em relação a


educação brasileira, segundo. me recente trabalho na cidade de Curitiba, na
qual coletou dados de 40 professores da rede pública de ensino e concluiu que
No que diz respeito ao conhecimento sobre o autor, foram obtidos os seguintes
resultados: 75% afirmam conhecer o Vygotsky e 25% afirmaram não conhecer
nada sobre as teorias do autor. Na questão que se referia à linha pedagógica a
qual seguem, foram mencionadas: a histórico crítica, a construtivista, e,
principalmente, a sócio interacionista. Ainda, 100% dos educadores afirmaram
considerar o contexto histórico de seus alunos e as informações que eles já
detêm para trabalhar os conteúdos (OLIVEIRA, 1993).

Constatando assim que mesmo com uma formação baseada em teorias


ou ao menos parte dos trabalhos de Vygotsky, boa parte dos professores ainda
conhece muito pouco sobre o assunto, que seria de extrema importância para
seu trabalho pedagógico.

Nesse contexto a teoria socioconstrutivista ainda é muito importante na


formação do professor, pois segundo Pino

Se ignorar a história do meio pode levar a ver a criança como uma


“abstração genérica” ou a implantar nela a ilusão de um “futuro impossível”;
levar em conta a história do meio pode conduzir a implantar nela a consciência
do próprio fracasso e à desistência de toda a educação. O desafio, enquanto
essas condições não forem transformadas, é levar em conta a história do meio
e conseguir implantar na criança a consciência da sua realidade e da sua
possibilidade real de superação das limitações que ela lhe impõe. (PINO, 2002,
p.60).

AS IMPLICAÇÕES DA TEORIA DE VYGOTSKY PARA AS


QUESTÕES EDUCACIONAIS
As imprescindíveis contribuições de Vygotsky (1991), para o
entendimento dos processos mentais e da aprendizagem são essenciais para
as práticas educacionais. A importância da cultura, da linguagem e das
relações sociais na teoria de Vygotsky fornece, conforme Rodrigues et al
(2005), a base para uma educação em que o homem seja visto na sua

44
4
5

totalidade: na multiplicidade de suas relações com os outros; na especificidade


cultural, na dimensão histórica, ou seja, entendido em processo de construção
e reconstrução permanente.

São muito valiosas também as conceituações sobre as zonas de


desenvolvimento, pois permitem uma visualização clara das possibilidades de
aprendizado da criança, sendo especialmente importante a zona de
desenvolvimento proximal na qual a “interferência de outros indivíduos é mais
transformadora. Isso porque os conhecimentos já consolidados não necessitam
de interferência externa” (OLIVEIRA, 1993, p.61). Assim, a escola é
fundamental para realizar esse papel, estimular e impulsionar o
desenvolvimento dos conhecimentos que ainda estão na zona de
desenvolvimento proximal e ainda não foram incorporados.

Ao entender o homem como um ser essencialmente social, Vygotsky


(1991) considera fundamental a interferência de pais, professores e colegas
para o desenvolvimento da criança. O professor, especificamente, deve ser o
estimulador da zona de desenvolvimento proximal, incentivando avanços que
estão na iminência de ocorrer, mas ainda não aconteceu, isso implica em uma
pedagogia não diretiva nem autoritária e muito menos hierárquica entre
professores e alunos.

Consequentemente, o ato de errar, conforme Oliveira (1993) deve ser


entendido pelo professor como um elemento integrante do processo de ensino
e aprendizagem, porém jamais ignorado, sendo a correção do erro um
importante meio de fazer com que o aluno perceba a necessidade de melhorar
e se dedicar mais aos conhecimentos que ainda não domina.

Da mesma forma, a interação com os colegas e os trabalhos grupais é


uma boa oportunidade para o amadurecimento, aprimoramento de ideias e
conhecimentos, porém é no contato individualizado entre professor e aluno que
é possível detectar o desenvolvimento real e proximal dos estudantes.

A escola é um espaço privilegiado para as interações sociais, pois


conforme Leite et al (2009), ela recebe as influências socioculturais da
comunidade em que está inserida fazendo com que nela circulem valores,

45
4
6

informações, normas e modos de vida diversos, sendo um local propício ao


desenvolvimento.

BREVE HISTÓRICO DA NEUROCIÊNCIA


COGNITIVA
A neurociência moderna está construída sobre o forte fundamento de
descobertas individuais, e cada uma dessas descobertas desempenhou sua
função ao revelar os mistérios do cérebro e como este promove nossos
pensamentos e comportamento.

A visão acerca do funcionamento do cérebro mudou nos últimos 100


anos e continua a mudar. No século XIX, entre 1810 e 1819, Franz Joseph
Gall, frenologista, acreditava que as saliências na superfície do crânio refletiam
circunvoluções na superfície do cérebro e propôs que a propensão a certos
traços de personalidade, como a generosidade, a timidez e a destrutividade
podiam estar relacionadas às dimensões da cabeça. Assim, funções básicas
cognitivas como a linguagem e a percepção, esperança e autoestima, eram
concebidas como sendo mantidas por regiões específicas do cérebro. Para
sustentar sua alegação, Gall e seus seguidores coletaram e mediram
cuidadosamente o crânio de centenas de pessoas representando uma
variedade de tipos de personalidades, desde os mais privilegiados até os
criminosos e loucos. Esta nova “ciência” de correlacionar a estrutura da cabeça
com traços da personalidade foi denominada de fenologia. (BEAR; CONNORS;
PARADISO, 2002).

Gall propôs ainda, que o centro para cada função mental aumentaria de
tamanho como resultado do uso, de forma idêntica ao aumento do tamanho de
um músculo pelo exercício esse aumento do tamanho de uma região cerebral
causaria uma distorção no crânio. Assim Gall, há 200 anos, foi o pioneiro da
noção de que diferentes funções mentais são realmente localizadas em
diferentes partes do cérebro – localizacionismo cerebral, porém ele estava
enganado em como isso é conseguido pelo cérebro. (KANDEL; SCHWARTZ;
JESSELL, 1997). Mais tarde a fenologia foi rejeitada e descartada pela
comunidade científica como uma forma de charlatanismo e pseudociência,

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4
7

tendo, portanto, uma importância histórica, sendo suplantada pelos campos em


desenvolvimento da psicologia e da neurociência. Podemos, por assim dizer
que os frenólogos desempenharam um papel relevante, ainda que equivocado,
nos primeiros avanços da neurociência moderna. Hoje, sabemos que existe
uma nítida divisão de trabalho no encéfalo, com diferentes partes realizando
funções bem distintas.

O cientista creditado por influenciar a comunidade científica a


estabelecer a localização das funções cerebrais foi o neurologista francês Paul
Broca, em 1861. Broca descreveu o caso de um paciente que era capaz de
entender o que se dizia a ele, mas incapaz de falar. Esse paciente não
apresentava qualquer problema motor

convencional em sua língua, boca ou cordas vocais passível de interferir


com sua fala. Era capaz de enunciar palavras isoladas e de cantar uma
melodia sem dificuldade, mas não conseguia falar gramaticalmente ou em
frases completas, nem conseguia expressar seus pensamentos por escrito. O
exame do cérebro desse paciente, após sua morte, revelou uma lesão na
região posterior do lobo frontal esquerdo – região que, hoje, é chamada de
área de Broca e baseado em estudos em oito pacientes com quadros
semelhantes, concluiu que esta região do cérebro humano era especificamente
responsável pelo controle da expressão motora da fala. (KANDEL;
SCHWARTZ; JESSELL, 1997).

O trabalho de Paul Broca estimulou a busca dos locais corticais de


outras funções comportamentais específicas. Em 1870, na Alemanha, o
fisiologista Gustav Fritsch e o psiquiatra Eduard Hitzig eletrizaram a
comunidade científica com sua descoberta de que a estimulação elétrica de
determinadas regiões do cérebro do cão produzia movimentos característicos
dos membros. Essa descoberta levou os neuroanatomistas a uma análise mais
detalhada do córtex cerebral e sua organização celular. Assim, no ser humano,
a mão direita, usada comumente para a escrita e para os movimentos que
exijam habilidades, é controlada pelo mesmo hemisfério esquerdo que controla
a fala e na maioria das pessoas, o hemisfério esquerdo é considerado como

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4
8

dominante (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 1997), responsável pelo


pensamento lógico e competência comunicativa, enquanto o hemisfério direito
é responsável pelo pensamento simbólico e criatividade. Nos canhotos as
funções estão invertidas. O hemisfério esquerdo diz-se dominante, pois nele
localiza-se a área de Broca, a área responsável pela motricidade da fala e a
área de Wernicke, o córtex responsável pela compreensão verbal.

Carl Wernicke, em 1876, propôs uma teoria para a linguagem a partir do


estudo de um caso de uma vítima de acidente vascular cerebral. Nesse
trabalho Wernicke descreveu um novo tipo de afasia, relacionado ao distúrbio
da compreensão e não da execução. Enquanto os pacientes de Broca podiam
entender, mas não conseguiam falar, o paciente de Wernicke podia falar, mas
não compreendia a fala, já que o que o paciente dizia não fazia sentido nem
pra ele mesmo. Segundo Wernicke as funções mentais não estariam
localizadas em regiões cerebrais específicas, mas, sim, que cada função
estaria difusamente representada por todo o córtex. Baseado em seus achados
e nos resultados de Broca e de Fritsch e Hitzig, Wernicke propôs que apenas
as funções mentais mais básicas, as relacionadas com as atividades
perceptivas e motoras simples, estariam localizadas em áreas corticais únicas,
e que as funções intelectuais mais complexas resultariam das interconexões
entre várias regiões funcionais. Ao colocar o princípio da localização das
funções dentro do arcabouço conexivo, Wernicke admitia que os diversos
componentes de um mesmo comportamento seriam processados em regiões
cerebrais distintas. Wernicke formulou, assim, a primeira evidência para a ideia
de processamento distribuído, que é atualmente, a ideia central para nossa
compreensão do funcionamento cerebral. (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL,
1997).

Assim como a linguagem apresenta evidências anatômicas


convincentes, segundo as descobertas de Michael Posner e Marcus Raichle,
em 1988, as características afetivas e traços de personalidade são também
anatomicamente definidos. Embora a localização do afeto (emoções) ainda não
esteja mapeada de maneira precisa, as funções motoras, sensórias e

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cognitivas, foi demonstrada de maneira contundente. (KANDEL; SCHWARTZ;


JESSELL, 2003).

No entanto, a grande revolução na compreensão sobre o sistema


nervoso ocorreu no final do século XIX quando Camillo Golgi e Santiago
Ramón y Cajal fizeram descrições detalhadas das células nervosas. Golgi
desenvolveu uma maneira de corar os neurônios com sais de prata,
visualizando no microscópio sua estrutura: um corpo celular e ramificações
dendríticas de um lado e um axônio em forma de cabo do outro. Cajal
conseguiu corar os neurônios separadamente, usando as técnicas de Golgi.
Ele foi o primeiro a identificar não somente a natureza unitária do neurônio,
mas também a transmissão de informação elétrica em uma única direção, dos
dendritos para a extremidade do axônio. (GAZZANIGA; IVRY; MANGUN,
2006).

No início do século XX, surgiu na Alemanha, uma nova escola de


localização cortical, liderada pelo anatomista Korbinian Brodmann. Essa escola
buscou diferenciar as diversas áreas funcionais do córtex cerebral com base
nas diferenciações das estruturas celulares e na organização característica
dessas células em camadas. Usando esse método cito arquitetônico,
Brodmann distinguiu 52 áreas, funcionalmente distintas, no córtex cerebral
humano (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 1997). Foi subsequentemente
descoberto que muitas, porém não todas das áreas identificadas por Brodmann
correspondem a áreas funcionalmente distintas e encontramos referência a
áreas como BA17, que significa Área 17 de Brodmann (EYSENCK; KEANE,
2007).

Assim, no começo do século XX, já existiam evidências convincentes,


funcional e anatômica, para a existência de muitas áreas distintas no córtex, e
para algumas delas podia ser atribuída participação específica em
determinados comportamentos. No final de 1930, Edgar Adrian, na Inglaterra e
Wade Marshall e Philip Bard, nos Estados Unidos, comprovaram que estímulos
aplicados sobre a superfície corporal (no caso de um gato) geravam atividades
elétricas em áreas específicas do córtex cerebral descritas por Brodman. No

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0

final de 1950, Wilder Penfield usou pequenos eletrodos para estimular o córtex
cerebral de pacientes que, em neurocirurgias, estavam despertos e assim,
conseguiu confirmar as áreas descritas por Broca e Wernicke. Mais
recentemente, George Ojemann descobriu outras áreas essenciais para a
linguagem, indicando que as redes neurais para a linguagem são maiores do
que aquelas delimitadas por Broca e Wernicke. (TABACOW, 2006).

Assim, a neurociência continua a revelar a surpreendente complexidade


e a especialização do córtex cerebral. A partir de 1990, ocorreu um grande
avanço nos estudos sobre o cérebro, através do desenvolvimento tecnológico e
uso de técnicas como a IRMf – Imagem por Ressonância Magnética Funcional
e a Tomografia por Emissão de Pósitrons. Os avanços tecnológicos permitem
várias maneiras de obter informações detalhadas sobre a estrutura e o
funcionamento do cérebro, como por exemplo, nos ajuda a ver quais regiões do
cérebro ficam relativamente mais ativas quando um pensamento, emoção ou
comportamento correspondente acontece. Hoje, é possível estabelecer onde e
quando ocorrem no cérebro os processos cognitivos específicos. Essa
informação pode permitir determinar a ordem em que diferentes partes do
cérebro se tornam ativas quando alguém está realizando uma tarefa, além de
permitir também se duas tarefas envolvem as mesmas partes do cérebro da
mesma maneira ou se há diferenças consideráveis. (EYSENCK; KEANE,
2007).

DESENVOLVIMENTO PERCEPTIVO E COGNITIVO


Entender sobre o desenvolvimento de habilidades mentais é
fundamental para compreender a organização e o funcionamento da mente
humana. Uma abordagem comum em neurociência é correlacionar à
maturação de funções cognitivas específicas com um estágio particular do
desenvolvimento neural.

Segundo Gazzaniga, Ivry e Mangun (2006), a diferença existente entre


as capacidades dos recém-nascidos e a dos adultos são visíveis. Recém-
nascidos não caminham, não seguram objetos, não falam nem compreendem
quando falamos com eles. Essas diferenças podem ser elucidadas de duas

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maneiras: os recém-nascidos podem ter todas as capacidades dos adultos,


mas ainda não obtiveram, pela experiência, suas habilidades; e, em contraste,
recém-nascidos podem diferir dos adultos em capacidades neurais e/ou
cognitivas. A primeira hipótese coloca os recém-nascidos como possuidores de
um circuito neural completamente formado, à espera das aferências e dos
sinais do ambiente para que o desenvolvimento ocorra. A última propõe que
recém-nascidos ainda não possuem estruturas neurais e cognitivas para agir
como um adulto e que esse desenvolvimento abarca mudanças radicais e
qualitativas. Essa visão tem sido amplamente aceita pelas teorias do
desenvolvimento com base em evidências tanto neurais quanto psicológicas.

Uma teoria clássica de que recém-nascidos diferem significativamente


dos adultos vem do cientista suíço Jean Piaget. Piaget considerava que a
aquisição do conhecimento é um processo e como tal deveria ser estudado de
maneira histórica, abarcando o modo como conhecimento muda e evolui.
Desse modo, define sua epistemologia genética como a disciplina que estuda
os mecanismos e processos mediante os quais se passa de “[...] estados de
menor conhecimento aos estados de conhecimento avançado.” (PIAGET,
1971, p.8).

Para Piaget, no processo de aquisição de novos conhecimentos, sujeito


é um organismo ativo que seleciona as informações que lhe chegam do mundo
exterior, filtrando-as e dando-lhes sentido. (PIAGET, 1971). Conhecer, em sua
percepção, é atuar diante da realidade modificando-a por meio de ações.
Nesse sentido, atuar não significa essencialmente realizar movimentos e ações
externas. Esse seria o caso de crianças pequenas que precisam manipular a
realidade que as envolve, para entendê-la. Na maioria dos casos, essa
atividade é interna, mental, ainda que possa se basear em objetos físicos. Ao
contar, comparar, classificar, embora haja imobilidade do sujeito, ele está ativo
mentalmente.

De acordo com Piaget, todas as crianças passam por quatro estágios


cognitivos mais ou menos na mesma idade, independentemente da cultura em

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que vivem. Nenhum estágio pode ser omitido, uma vez que as habilidades
adquiridas em estágios anteriores são essenciais para os estágios seguintes.

No estágio sensório-motor a criança explora o mundo e desenvolve seus


esquemas principalmente por meio de seus sentidos e atividades motoras. Vai
do nascimento até o período de “linguagem significativa” (por volta de 2 anos).
Durante esse estágio, as crianças têm conceitos rudimentares dos objetos de
seu mundo. Um conceito adquirido durante esse estágio é o de permanência
do objeto: habilidade de saber que um objeto não deixa de existir simplesmente
porque saiu de nosso campo de visão. Aos quatro meses, crianças que
brincam com um objeto que será depois escondido, agem como se ele jamais
estivesse existido. Ao contrário, um bebê com 10 meses procura ativamente
um objeto que foi escondido embaixo de um pano ou por trás de uma tela. “Ele
tem a consciência de que o objeto continua existindo, mesmo quando não está
visível.” (PIAGET; INHELDER, 2003, p.20).

O sucesso em tarefas como essa marca o fim do estágio de inteligência


sensório-motora, pois é o resultado de uma habilidade recém-desenvolvida
para representar objetos e atos que não estão mais em seu campo de visão.
Assim, as crianças exibem a permanência de objetos quando não tem mais
dificuldade de conceitualizar a presença de um objeto fora do campo de visão.

Estudos sugerem que Piaget possa ter subestimado as habilidades


infantis, questionando sobre a natureza limitada das capacidades de um
recém-nascido no domínio da integração sensório--motora, da integração
intermodal e da percepção de objetos. Os críticos de Piaget argumentam que
um recém-nascido tem alguma forma de integração de experiências sensoriais
por meios das modalidades da visão, da audição e do tato. Por exemplo,
crianças recém-nascidas, quando dado suporte de cabeça é adequado, podem
buscar localizar, visualmente, a origem de sons emitidos no ambiente. Isso
sugere uma habilidade bem-desenvolvida de integração intermodal visual e
auditiva. (GAZZANIGA; IVRY; MANGUN, 2006).

Baillageron (1990) demonstrou que crianças pequenas de apenas


alguns meses, normalmente percebem objetos parcialmente escondidos. Ela

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mostrava um objeto para as crianças e colocava-o atrás de um painel vertical


que impedia sua visão. O painel era, então, derrubado, de duas formas
distintas. Na primeira, o painel era derrubado e batia no objeto colocado atrás
dele, como seria esperado. Na segunda, o painel era derrubado, mas o objeto
havia sido removido secretamente, fazendo com que o painel caísse direto na
superfície da mesa. Nestas tarefas, as crianças mostravam mais surpresa na
segunda condição que na primeira.

Após vários estudos em cognição, Flavell et al. (1999) assim se


manifestam a respeito da teoria de Piaget, quanto aos estágios:

A teoria de Piaget, entretanto, não faz afirmações apenas gerais, mas


muito fortes e específicas a respeito da preponderância dos estágios da
cognição em bebês, e estas afirmações não têm se sustentado em pesquisas
recentes. Existem simplesmente muitos exemplos de competência mais
precoce do que a esperada, muitas discrepâncias no nível de desempenho que
não parecem depender dos processos construtivos de ação sobre o mundo
com os quais Piaget definiu seus estágios. (FLAVELL, et al., 1999, p.64).

No modelo de Piaget, temos ainda três estágios que seguem o estágio


de inteligência sensório-motora. No estágio pré-operacional (dos 2 aos 7 anos),
a linguagem progride substancialmente e a criança começa a pensar
simbolicamente, usando símbolos, tais como palavras, para representar
conceitos. No entanto, a criança ainda não consegue fazer operações ou
processos mentais reversíveis. Neste estágio, a criança também é egocêntrica,
isto é, não consegue distinguir suas próprias perspectivas das de outras
pessoas, nem consegue entender que há pontos de vista diferentes dos seus.
(PIAGET, 1971).

Dos 7 aos 11 anos, encontra-se o estágio de operações concretas.


Nesse período, há a emergência de muitas habilidades importantes de
raciocínio. O pensamento da criança, agora mais organizado, possui
características de uma lógica de operações reversíveis. Entretanto, durante
esse estágio, elas inicialmente podem realizar operações quantitativas somente
com eventos concretos. Não é capaz de operar com hipóteses. (PIAGET,

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1971). E dos 11 anos em diante, durante o estágio o estágio de operações


formais, as crianças aprendem a fazer representações abstratas de relações,
de acordo com Piaget. Crianças nessa idade podem generalizar relações
matemáticas e manifestar pensamento hipotético-dedutivo – a habilidade de
gerar e testar hipóteses sobre o mundo.

Piaget trouxe contribuições importantes, delimitando a linha do tempo do


desenvolvimento cognitivo e tentando mostrar quando as crianças são capazes
de realizar tarefas perceptivos, motoras e cognitivas complexas. O fato de que
a idade exata para um processo particular possa ocorrer ser antes do que
Piaget propôs, ou de que os estágios descritos por Piaget possam ser mais
graduais do que os mencionados, não diminui significativamente o valor de seu
conceito de desenvolvimento cognitivo. Além disso, descrever uma linha do
tempo de maturação cognitiva é, com modificações adequadas, útil, porque um
objetivo da neurociência cognitiva é relacionar a linha do tempo de
desenvolvimento cognitivo com o desenvolvimento neural para esclarecer as
bases biológicas da cognição.

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