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O ladrão de ouro
Há muito tempo viveu, numa antiga cidade da China, um homem cuja ambição era possuir ouro.
Um dia ele se levantou ao amanhecer, vestiu-se, pôs o gorro sobre a cabeça e dirigiu-se ao
mercado.
Ao chegar diante de uma barraca onde se vendia ouro, apoderou-se de uma peça e fugiu.
Um policial o deteve.
- Como tiveste a coragem de roubar o ouro na frente de tanta gente? – perguntou o policial.
- Quando apanhei a peça de ouro, não vi as pessoas; eu só conseguia ver o ouro – respondeu.
“Sou cego. Só consigo enxergar aquilo que minhas paixões me fazem ver.
Vejo ouro em vez de jóias, clientes em vez de pessoas, corpos no lugar da beleza.
E não consigo ver o que devia: não vejo a praça, nem o mercado, nem as pessoas, nem
os policiais...
Não enxergo as paisagens, nem as árvores, nem os pássaros, nem as flores...
Não vejo a natureza, nem o céu, nem as nuvens... Não vejo rostos, nem olhares, nem
sorrisos.
Só consigo ver ambição, loucura, orgulho. Só vejo o reflexo amarelo do vil metal.
E procuro agarrá-lo, esquecido de tudo. E pago por isso com minha liberdade.
Sou cego. Não percebo, não me dou conta, não faço contato.
Passo pela vida sem saber por onde passo; ando sem reconhecer o caminho; vivo sem
viver.
Quando ando pelas ruas, não vejo as pessoas; quando ouço as palavras, não entendo o
seu significado...
Sempre com pressa, sempre de passagem, sempre aturdido, sempre correndo para fazer
algo que, uma vez feito, vejo que não valia
a pena, e vou depressa fazer outra coisa, ou talvez repetir e mesma coisa com igual
loucura, igual intensidade e igual cegueira.
Corrida louca e cheia de ações insensatas. Já perdi o sentido da proporção na vida, o
horizonte, a perspectiva, a distância.
O sentido da totalidade, da majestade da vida, da eternidade, do tempo.
Na praça do mercado, o pedaço de ouro é nada mais do que um fraco reflexo,
insignificante entre as mercadorias, as barracas, os
vendedores.
Se eu tivesse a serenidade de ver tudo e de assimilar tudo, com uma consciência sadia,
o ouro não tomaria minha atenção, e eu não
perderia a cabeça.
O equilíbrio na vida resulta do olhar inteiro, imparcial, universal. É preciso olhar tudo,
sentir tudo, pensar tudo. Assim, as coisas voltam a seus respectivos lugares, a
paisagem se ordena, a vida recupera seu sentido.
Saber olhar é saber viver”. (Carlos Vallés).