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(...)
(...)
Para
lá
Arnaldo
Antunes
No
território
do
IRA
os
encontros
pautaram
as
descobertas
e
as
formas
de
produção.
A
verve
experimental
foi
o
primeiro
passo
estabelecido,
como
premissa
para
a
residência,
gesto
inaugural
que
estabeleceu
as
fronteiras
e
deu
condições
de
produção.
Conceitualmente,
a
ideia
inicial
orbitava
em
torno
da
paisagem,
a
busca
da
paisagem.
Paisagens
são,
por
definição,
gestos
e
recortes
no
real
dotados
de
uma
artificialidade,
de
uma
forma
de
construção
que
alinha,
destaca,
aproxima
e
dá
a
ver
um
conjunto
simbólico
e
visual
construído
com
a
força
dos
enunciados.
Um
olhar
que,
maquinado
pela
potência
da
mediação,
reconfigura
e
agita
a
superfície
do
real
em
outras
representações.
Para
a
captura
das
paisagens,
o
agenciamento
se
materializou
em
uma
espécie
de
câmera
escura,
que
abrigou
toda
a
sorte
de
encontros
e
projeções
com
a
paisagem.
Diante
da
luz
que
entra
revelando
o
exterior
pela
fresta
mínima,
colocam-‐se
corpos
e
outras
superfícies
que,
pouco
a
pouco,
permitem
que
a
paisagem
se
adense.
A
imagem
que
se
forma,
que
nos
é
dada
a
ver,
traz
uma
espécie
de
velamento,
um
certo
apagamento
das
bordas,
talvez
sinalizando
que
a
fronteira
entre
exterior
e
interior,
entre
dentro
e
fora,
apesar
de
ser
aparente
e
condição
fundamental
para
o
surgimento
da
imagem,
não
delimita
assim
tão
bem
esses
extremos,
já
que
parece
que
a
luz
ao
atravessar
a
fresta,
aproxima
e
justapõe
em
forma
de
imagem
essa
distância.
Esse
agenciamento
que
operou
na
residência
trouxe
a
câmera
escura
para
a
contemporaneidade.
Esse
retorno
marca,
de
algum
modo,
como
ponto
de
partida,
a
forma
temporal
que
aproxima
o
dispositivo
que
disparou
toda
a
situação
imagética
que
experimentamos
hoje
em
dia,
vindo
do
passado,
abrindo
diálogo
direto
com
técnicas,
procedimentos
e
dispositivos
típicos
de
nosso
entorno
atual.
A
escolha
não
poderia
ser
melhor,
já
que
abrigados
na
câmera
escura
o
grupo
passou
a
explorar
um
dinâmica
de
possibilidades
criativas
entre
dispositivos
antigos
e
novos,
inserindo
a
captura
da
paisagem
–
ponto
de
inflexão
entre
distintas
dimensões
temporais
–
em
uma
tensão
entre
passado
e
presente,
entre
técnicas
novas
e
antigas,
embaladas
por
novas
formas
de
posicionar
a
fotografia
.
Sabemos
que
a
câmera
escura
é
um
dos
dispositivos
que
acionaram
a
fotografia
e
o
cinema,
frequentemente
associado
a
um
certo
tipo
de
observador
que
buscava
“deduções
verdadeiras
sobre
o
mundo”
(CRARY,
2012).
Historicamente
falando,
é
preciso
reconhecer
como,
durante
cerca
de
duzentos
anos
–
do
final
do
século
XVI
ao
final
do
século
XVIII
-‐,
os
princípios
estruturais
e
ópticos
da
câmara
escura
fundiram-‐se
em
um
paradigma
dominante
que
descreveu
o
estatuto
e
as
possibilidades
de
um
observador.
Ressalto
que
tal
paradigma
foi
dominante,
mas
obviamente
não
foi
único
(CRARY,
p.
35,
2012).
Jonathan
Crary,
em
sua
esclarecedora
e
inovadora
reflexão
em
torno
do
observador
no
contexto
histórico
de
uso
da
câmara
escura,
aponta
para
outros
modos
de
constituição
desse
observador
e
posiciona
ainda,
além
dos
sujeitos,
práticas
e
instituições,
na
constituição
de
uma
assemblage.
Crary
busca
nos
“Mil
platôs”
de
Gilles
Deleuze
e
Félix
Guattari
essa
definição,
considerando
as
relações
entre
as
práticas
discursivas,
os
objetos
e
as
práticas
culturais.
Para
Crary,
“a
câmara
escura
é
o
que
Gilles
Deleuze
chamaria
de
assemblage,
algo
que
é
simultânea
e
inseparavelmente
uma
montagem
como
máquina
e
como
enunciação”
(CRARY,
p.
37,
2012).
Tomando
essa
situação
apontada
por
Crary,
especialmente
a
desvinculação
–
como
causa
e
consequência
direta
–
entre
a
câmara
escura
e
o
surgimento
da
fotografia,
gostaríamos
de
trazer
para
hoje
esse
dispositivo
central
na
construção
das
visualidades.
Apesar
de
reconhecer
ligações
e
fundamentos
entre
a
câmara
escura
e
a
fotografia,
Crary
considerando-‐as
como
assemblages,
práticas
e
objetos
sociais,
afirma
que
ambas
“pertencem
a
ordenações
fundamentalmente
diferentes
da
representação
e
do
observador
posicionado
para
ter
uma
visão
verdadeira”
(CRARY,
p.
38,
2012).
É
assumindo
esse
gesto
de
Crary
que
gostaríamos
de
retomar
a
reflexão
em
torno
do
uso
da
câmara
escura
no
IRA.
O
grupo
trouxe
para
o
centro
de
suas
práticas
fotográficas
o
dispositivo,
que
inevitavelmente
carrega
essa
carga
histórica
apontada
por
Crary
e
todo
esse
campo
de
tensão
em
relação
a
origem
da
fotografia.
De
dentro
do
território,
inserido
no
interior
da
câmara
escura,
o
grupo
aciona
um
conjunto
de
técnicas
e
possibilidades
para
ressignificar
e
embaralhar
as
funções,
temporalidades
e
estratégias
de
todos
esses
dispositivos,
mais
uma
vez
como
uma
assemblage,
retomando
a
expressão
de
Deleuze
e
Guattari
citada
por
Crary.
Talvez
essa
reunião
de
dispositivos
vindos
de
distintos
períodos
históricos,
acione
uma
assemblage
ainda
mais
potente
pelo
deslizamento
entre
muitas
temporalidades
com
suas
respectivas
cargas
históricas
e
todas
as
ressignificações
contemporâneas.
O
gesto
aqui
assume
outro
caráter,
quase
de
resistência,
em
relação
as
facilidades
e
praticidades
típicas
da
fotografia
digital.
Apesar
de
conhecermos
e
sabermos
das
imensas
potencialidades
criativas
do
aparato
digital,
sabemos
também
de
seu
impacto
na
vida
social.
Expomos
nossas
imagens
em
circuitos
fortemente
midiatizados,
que
alimentam
outros
múltiplos
circuitos
desde
a
comunicação
pessoal
massiva
(mass
self
comunication)
–
como
definiu
Castells
e
que
podemos
apropriar
para
caracterizar
a
tagarelice
das
redes
sociais
–
até
a
tradicional
comunicação
de
massa
já
enraizada
e
em
novas
imbricações
com
esses
circuitos
emergentes.
Todo
esse
gesto
que
resgata
a
câmara
escura
e
a
coloca
em
contato
direto
com
outros
aparatos
e
dispositivos
contemporâneos,
entre
a
resistência
e
a
assimilação,
nos
aponta
para
a
complexidade
das
imagens
que
vemos,
para
os
esgarçamentos
e
ressignificações
que
elas
nos
levam
a
pensar.
Esgarçamento
de
imagens
produzidas
numa
tensão
entre
o
tempo
do
modo
de
produção
da
câmara
escura
e
o
imediatismo
do
digital,
seja
no
celular
ou
na
câmara.
Jogo
de
tempos,
gerando
imagens
que
se
fazem
numa
temporalidade
fendida
entre
o
imediatismo
e
a
duração,
já
que
a
câmara
escura
produz
imagens
incessantemente,
bastando
colocar
as
superfícies
para
reter
a
luz
e
as
imagens.
É
somando
todos
esses
vetores
e
linhas
de
força
que
inserimos
esse
conjunto
de
imagens
nas
práticas
fotográficas
contemporâneas,
especialmente
aquelas
que
dialogam
mais
diretamente
com
a
arte
contemporânea.
Sabemos
que
experimentamos
hoje
em
dia,
um
circuito
artístico
alargado
e
que
vem
trazendo
muitas
e
diversificadas
práticas
fotográficas
para
o
centro
do
debate.
Algumas
das
paisagens
que
vemos,
fruto
das
experiências
colaborativas
e
dos
encontros
no
IRA,
assumem
um
ar
fantasmático
e
irreal.
Imagens
borradas
com
o
foco
oscilando
e
que
em
sua
precariedade
nos
comunicam
sobre
o
mundo,
sobre
as
visões
do
mundo.
Todo
o
gesto
de
aproximar
dispositivos
e
de
coloca-‐los
a
mostra,
explícitos
em
suas
materialidades
enfatiza
o
processo
e
com
isso
desloca
uma
suposta
centralidade
da
mediação
técnica
na
fotografia,
articulando
uma
condição
pós-‐midia
(Krauss)
e
um
intenso
trânsito
entre
suportes.
As
imagens,
talvez
por
isso,
alcancem
outros
contornos,
menos
determinantes
e
mais
fluidos,
carregando
em
si
as
marcas
do
processo
e
os
vestígios
da
experiência.
Bibliografia:
CRARY,
Jonathan.
As
técnicas
do
observador
–
visão
e
modernidade
no
século
XIX.
Rio
de
Janeiro:
Contraponto,
2012.
KRAUSS,
Rosalind.
The
Voyage
on
the
north
sea
–.
Art
in
the
age
of
the
post-‐
medium
condition.
London:
Thames
&
Hudson,
2000.