Sie sind auf Seite 1von 98

Acompanhe nossas redes sociais e fique

por dentro de nossas promoções:

facebook.com/discoverypublicacoes

twitter.com/DiscoveryPublic

instagram.com/editora_discovery

www.youtube.com/user/DiscoveryPublic

Para saber mais informações por e-mail,


cadastra-se em nosso site ou envie um e-mail para:
contato@discoverypublicacoes.com.br

2
Rua Avenida Mandaqui, 268 - Limào
CEP: 02550-000 - São Paulo - SP
www.discoverypublicacoes.com.br

Diretores
Fábio Kataoka
Nilson Festa

Administração Geral
Andreza de Oliveira Pereira
andreza@discoverypublicacoes.com.br

Produção Editorial
Robson Oliveira

Autor
Daniel Rodrigues Aurélio

Diagramação
Mirella Class

Atendimento ao Cliente
atendimento@discoverypublicacoes.ccom.br
(11) 2766-6444

Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução totall ou parcial deste trabalho, seja por meio
eletrônico ou impresso, inclusive fotocópias sem préviviaa autorização e consentimento da editora.

3
ANARQUISMO

4
INDÍCE

Introdução ......................................................................... 7

Anarquismo: A utopia da ordem sem coerção .............. 13

'R]HSHQVDGRUHVTXHLQÀXHQFLDUDPDVYHUWHQWHVDQDU-
quistas ............................................................................... 43

As armadilhas autoritárias.............................................. 57

Biblioteca Anarquista ..................................................... 63

2Q]H¿OPHVSDUDHQWHQGHUR$QDUTXLVPR..................... 71

Anarquismo na Internet ................................................. 95


ANARQUISMO
O

6
Introdução
Im an antichrist, I’m an anarchist
Don’t know what I want
But I know how to get it
I wanna destroy the passerby
‘Cause I want to be anarchy
No dog’s body
“Anarchy in the U.K”, Sex Pistols

P
rofessor da disciplina de História na cidade de Palo
Alto, condado de Santa Clara, Califórnia, Estados
Unidos da América, o pesquisador e escritor Ron Jones
tinha uma ideia fixa na cabeça: para Jones, mesmo em sociedades
democraticamente consolidadas, com relativa paz social e estabilidade
econômica, o fenômeno do nazifascismo, com sua fúria totalitária e
ódio ao Outro, poderia surgir a qualquer momento. Como forma de
explicar sua teoria ele desenvolveu, ao longo de mais de trinta anos de
ensino, o método da Terceira Onda, no qual gradualmente inoculava
nos alunos valores e práticas semelhantes ao dos regimes avessos à
liberdade de expressão e à democracia representativa dentro dos
moldes contemporâneos. Seu experimento causou evidente estranheza
e irritação entre pais, colegas e moradores, mas deixou o alerta para
os perigos da manipulação das massas, sobretudo quando elas passam
a defender ardorosamente uma ideologia de caráter extremista, com a
constante presença de uma liderança do tipo carismática.

7
ANARQUISMO

A Terceira Onda de Jones inspirou o livro A onda (The Wave,


1981), escrito pelo nova-iorquino Todd Strasser, sob o pseudônimo
de Morton Rhue, e o telefilme A onda (The Wave, 1981). Em 2008,
uma adaptação alemã de A onda (Die Walle), dirigida pelo cineasta
Dennis Gansel, reacendeu a polêmica sobre esse tipo de doutrinação
laboratorial. Primeiro esclarecimento: o experimento da Terceira Onda
de Jones não tem qualquer ligação com a teoria desenvolvida pelo
escritor futurista e pesquisador norte-americano Alvin Toffler, autor
do best-seller A terceira onda (1980). Segundo esclarecimento: Ron
Jones não descobriu a roda, somente demonstrou certos movimentos
até então imperceptíveis, dissimulados ou sumariamente negados. Os
EUA viveram décadas de explícita segregação racial e ainda hoje seu
território abriga grupos contrários ao espírito multiculturalista – basta
citar a Ku Klux Klan, defensora da supremacia branca, em atividade
desde 1865 e surgida a partir da reunião de militantes dos Confederados
sulistas.
No filme de D. Gansel, o professor de História e Pensamento
Político Reiner Wenger, anarquista juramentado, frequentador das
passeatas de primeiro de maio, ex-morador de Berlim, temperamento
iconoclasta, estilo de vida alternativo e amante de punk rock, recebeu
uma notícia desagradável após chegar à escola animado, ao som de
um cover de “Rock ‘n’Roll High School”, clássico dos Ramones, cuja
letra é um desabafo adolescente contra os muros das escolas e a chatice
dos docentes: seu sonhado curso sobre Anarquismo seria transferido
para o docente conservador Dieter Wieland. Para Wenger restaria
ministrar aulas sobre Autocracia. Sim, leitorxs, Autocracia! Autocracia
na Alemanha! O argumento institucional? O “planejamento” de
Dieter Wieland agradou a fleumática e meio indiferente (mas não
totalmente neutra) diretora da escola. A superiora limitou-se a informar,
protocolarmente, que não impediria uma conversa amistosa e rearranjo
da grade disciplinar entre os dois professores. O descolado e, hum,
desleixado Wenger estava por enviar o seu projeto completo, algo
imperdoável em um ambiente baseado na rigidez dos prazos. Estava,
pois, em notória desvantagem. Ele ainda tentou dissuadir o “careta”
Wieland e dele recebeu uma resposta seca e irônica: “Este projeto tem o
objetivo de ensinar as virtudes da democracia. Ensinar a fazer Coquetel
Molotov é assunto para as aulas de química. Tenha um bom dia.”.
Reiner Wenger ficou estático diante do cinismo do colega.

8
Bem, não é preciso ter um pós-doutorado em Filosofia Política,
tampouco ser um politólogo e jurista com a grandeza intelectual
do italiano Norberto Bobbio (1909-2004), para saber duas coisas
elementares sobre as ideias, digo, preconceitos do professor Wieland:
1) ele só admite uma forma de democracia, qual seja, a burguesa, de
linhagem liberal-conservadora, representativa e “racional-burocrática”,
para ficarmos no termo do sociólogo, economista, filósofo, cientista
político e historiador Max Weber (1864-1920); 2) ele desconhece, ou
então entende e detesta, os princípios anarquistas.
Quem assistiu o longa-metragem sabe das consequências dessa
decisão e das atitudes posteriores de Reiner Wenger. Quem não viu, não
vou entregar o desenrolar do enredo de bandeja. Nada de spoilers. O
importante mesmo, neste ponto, é reter a informação essencial para este
livro. Ao contrário de outros cursos e temas, lecionados por especialistas
titulados na área e com larga vivência, atuação e pesquisa, cursos de
Anarquismo são oferecidos deliberadamente por profissionais com o
objetivo de desconstruí-lo. Assim como nessa escola fictícia de A onda,
em instituições reais de ensino, em nível colegial ou superior, a Anarquia,
quando não é omitida, é tratada de maneira debochada, ligeira, negativa e
infantilizada, coisa de jovem inconsequente que rabisca muros, provoca
arruaças e empunha armas de fabricação caseira para disparar contra
policiais ou fachadas de redes de fast-food. São uns “desocupados”,
“vadios,” “que nada sabem da vida real”. Existem exceções no circuito
educacional. Exceções louváveis, porém raríssimas. Eventualmente
as pesquisas sobre a Anarquia e as práticas libertárias ficam restritas a
grupos de estudo bastante isolados dentro da comunidade acadêmica.
É assim nos EUA, na Alemanha, na França ou no Brasil. E mesmo em
eventos históricos nos quais os anarquistas exerceram papel heroico e
significativo – entre os quais a Revolução Russa de 1917 e a Guerra
Civil Espanhola nos anos 1930 –, sua participação têm sido ignorada ou
minimizada. Um absurdo da perspectiva dos fatos e testemunhos.
Na visão limitada de muita gente, seja da esquerda marxista-
leninista ou da direita conservadora, Anarquismo é sinônimo de baderna
e, na melhor das hipóteses, de uma utopia intelectualmente pueril e
sem maior crédito. A campanha jornalística, bastante intensa nos anos
1980, contra o punk rock, trilha sonora e modelo estético favorito de
um certo tipo de anarquista, contribuiu para essa gravíssima distorção

9
ANARQUISMO

de sentido. O fato de a banda britânica Sex Pistols ter sido “inventada”


pelo empresário e músico Malcolm McLaren (1946-2010) serviu como
uma espécie de argumento pronto (aliás fraquíssimo, por simplesmente
tomar a parte pelo todo) contra tudo que estivesse estampado com o
logo da anarquia. Brigas tolas entre gangues e dissidências, porém
descontextualizadas e condenadas sem maior apuro pelos meios de
comunicação, também não ajudaram em nada na compreensão da
causa libertária. No entanto, para começo de conversa, não existe
uma forma apenas de Anarquismo – existem até cristãos libertários,
anarcofeministas e anarcocapitalistas, leitorxs! –, de maneira que este
livro surge como uma tentativa de encarar o assunto de frente, sem
medo e sem preconceitos. Não sou Reiner Wenger, mas nenhum Dieter
Wieland vai me atrapalhar. Espero que consiga atingir o objetivo.
Estão prontos? Hey, oh, let’s go!

Sex Pistols

10
Sex Pistols

11
O TERROR E O ISLAMISMO

12
Anarquismo: A utopia
1
da ordem sem coerção
A Razão cria mitos
que nos tiram os olhos.
Derrubemos
os seus monumentos,
os seus Palácios,
os seus Reinos!
Salvemos a nossa espécie
dessa loucura! Merecemos
um mundo de plenitude,
um Mundo Real Poético!
A Revolução? Ela será poética,
ou não será! Manifestemos
o Mundo Real Poético!
Jesus Lizânio (1931-2015), poeta anarquista
nascido em Barcelona.

D
R JUHJR DQDUNKRV SDODYUD FXMR VLJQL¿FDGR SRGH
VHU GH¿QLGR FRPR ³VHP JRYHUQR´ RX ³VHP SRGHU´
o Anarquismo, enquanto movimento relativamente
organizado, desenvolveu-se ao longo do século XIX, por meio das
WHRULDV H SUiWLFDV HODERUDGDV SRU DXWRUHV FRPR R ¿OyVRIR IUDQFrV
3LHUUH-RVHSK3URXGKRQ  VREUHWXGRHPVHXSDQÀHWR2TXH
é a propriedade? (1840), e pelo revolucionário russo Mikhail Bakunin
(1814-1876).

13
ANARQUISMO

O pensamento anarquista consolidou-se em paralelo à correntes


FRPRDGR6RFLDOLVPRXWySLFRHDGR6RFLDOLVPRFLHQWt¿FRHVWDGLYLVmR
HQWUH ³XWySLFRV´ H ³FLHQWt¿FRV´ QR TXH VH UHIHUH HVSHFL¿FDPHQWH DR
Socialismo, é creditada aos teóricos políticos nascidos na Prússia Karl
Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895), este último autor
GROLYUR'RVRFLDOLVPRXWySLFRDRVRFLDOLVPRFLHQWt¿FR  $GXSOD
Marx e Engels procurava demonstrar a superioridade de seu modelo
de revolução, preconizado no Manifesto Comunista (1848), quando
comparado com a retórica tanto de anarquistas como de reformistas
do calibre de Robert Owen (1771-1858), Henri de Saint-Simon (1760-
 HQWUHRXWURV$OLiVQDVSDODYUDVGR¿OyVRIRHVRFLyORJRSRORQrV
Zygmunt Bauman, socialistas utópicos e anarquistas compartilhavam
um “forte sabor nostálgico” (2004, p. 92). Em suma, esse conjunto amplo
de ideias e estratégias (Anarquismo, Socialismo Utópico, Comunismo)
de luta contra a ordem vigente contestava, de formas distintas, os males
decorrentes do Estado burguês e da exploração repulsiva dos “donos do
poder” do sistema capitalista industrial, surgidos com força na Europa
DSyVDVUHYROXo}HVGR¿QDOGRVpFXOR;9,,,
A despeito de possuírem inimigos em comum, socialistas/
FRPXQLVWDVHDQDUTXLVWDVHVWDYDPHPSHUPDQHQWHFRQÀLWRHPTXHSHVH
terem dividido trincheiras em várias ações. É famoso, por exemplo, o
duelo entre Proudhon e Karl Marx. Em uma carta endereçada ao crítico
OLWHUiULRHPLOLWDQWHUXVVR3DYHO9$QQHQNRY  GDWDGDGH
de dezembro de 1846, o autor de O capital expressa seu horror ao livro
6LVWHPDGHFRQWUDGLo}HVHFRQ{PLFDVRX$¿ORVR¿DGDPLVpULD  
de Proudhon, outrora um aliado de batalha: “confesso-lhe francamente
que o livro me pareceu, de um modo geral, muito ruim mesmo”. E
Marx prossegue com seu ataque contra a “obra amorfa e presunçosa”:
³2 VHQKRU 3URXGKRQ UHFRUUH D XP KHJHOLDQLVPR VXSHU¿FLDO SDUD GDU
se ares de pensador profundo” (Marx apud Netto, 2012, p.169). Logo
HPVHJXLGD0DU[ODQoRXVHXOLYURUHVSRVWD0LVpULDGD¿ORVR¿DHDV
relações entre comunistas e anarquistas começariam a azedar, embora
correntes anarquistas tivessem lutado lado a lado com os comunistas
QRVPRYLPHQWRVGHHDLQGDVH¿]HVVHPUHSUHVHQWDUHPQD
Primeira Internacional da Associação Internacional de Trabalhadores
(AIT), organização cujo Conselho Geral, localizado em Londres, tinha
a participação ativa de Marx e Engels. Seguidores de Proudhon, desde
sempre contrários ao centralismo “despótico” proposto pelos marxistas,

14
Karl Marx

15
ANARQUISMO

além de Mikhail Bakunin, acabariam expulsos da agremiação em 1872.


Depois de tentar conter os anarquistas, os marxistas se estranhariam
com os social-democratas. Ironia das ironias: as disputas internas eram
PDLVYLROHQWDVGRTXHFRQWUDRVFDSLWDOLVWDV9DLHQWHQGHU
Antes de prosseguir, é necessário fazer uma advertência. A
utopia da liberdade, da destruição dos sistemas opressivos, não é
XPD H[FOXVLYLGDGH GRV EUDYRV PLOLWDQWHV GR VpFXOR ;,; ([LVWLUDP
precedentes que precisam ser lembrados e ressaltados, assim como há
vertentes anarquistas não necessariamente alinhadas com o ideário de
Proudhon e Bakunin. Abordarei tudo isso, e com o máximo de respeito e
FXLGDGRQRVSUy[LPRVSDUiJUDIRV'HTXDOTXHUPDQHLUDXPDGH¿QLomR
apreciável de sociedade anarquista é descrita pela historiadora Edilene
Toledo no artigo “Sonhar também muda o mundo”, publicado na Revista
de História da Biblioteca Nacional: “A nova sociedade [anarquista]
seria uma rede de relações voluntárias entre pessoas livres e iguais, em
equilíbrio natural entre liberdade e ordem não imposta, mas garantida
pela cooperação voluntária. Eliminados o Estado centralizado, o
FDSLWDOLVPRHDVLQVWLWXLo}HVUHOLJLRVDVDÀRUDULDDYHUGDGHLUDQDWXUH]D
humana e as pessoas voltariam a assumir suas responsabilidades
comunitárias.” (2013, p.18). Autora de Anarquismo e sindicalismo
revolucionário: trabalhadores e militantes em São Paulo na Primeira
República (Perseu Abramo, 2004), Toledo fez um bom sumário do
ideal libertário, mas ainda assim incompleto, pois os anarcocapitalistas
evidentemente não concordariam em eliminar o capitalismo. Para quem
deseja entender o que é ser libertário, conhecer as origens das leituras e
práticas anárquicas – sua pré-história, na ausência de melhor termo – e
cada uma de suas vertentes é fundamental.

Sonhos de liberdade:
As (verdadeiras) origens do anarquismo

Mapear quando foram proferidos e escritos os primeiros


tratados sobre a utopia libertária resulta em discussões à parte. Parece
VHU FRQYLQFHQWH TXH D GH¿QLomR GH$QDUTXLVPR WDO FRPR FLWDGD HP
GLFLRQiULRVHFRPSrQGLRVUHPHWHjWUDQVLomRGRVVpFXORV;9,,,H;,;
Seus movimentos com maior robustez nasceram neste contexto pós-
revolucionário, em oposição aos sistemas opressivos – a dinâmica
das fábricas, Estado, prisões, hospitais psiquiátricos, escolas, igrejas

16
etc. – criados pela sociedade por meio de seus representantes legais.
De acordo com Edilene Toledo, para a doutrina anarquista “O Estado
é desnecessário e (...) existem alternativas viáveis de organização
voluntária. Para a verdadeira libertação da sociedade seria necessário
destruir o capitalismo e as igrejas. Os anarquistas opunham-se à
participação nas eleições e aos parlamentos, pois consideravam a
democracia liberal uma farsa, negando qualquer forma de organização
hierarquizada” (2013, p. 18). Era o que pensavam Proudhon, Bakunin
H VHXV VHJXLGRUHV PDV ¿FD FODUR TXH HVWD FRQFHSomR UHIHUHVH D XP
movimento historicamente determinado, que ainda encontra eco no
mundo contemporâneo, mas nem por isso é a única forma anarquista
SRVVtYHOPXLWRPHQRVRPDUFRLQLFLDOGRVRQKRGHOLEHUGDGH$¿QDO
QRPHDU FODVVL¿FDU H RUJDQL]DU QmR VLJQL¿FDP GHWHU R PRQRSyOLR GH
algo que, por natureza, é adaptável, livre de amarras, antidogmático.
“Liberdade, igualdade e fraternidade”. O tripé de valores que
formaram o lema da Revolução Francesa, que jamais foi adotado de
forma integral por qualquer governo, seja ele de esquerda ou direita,
são premissas do pensamento anarquista/ libertário mesmo antes dessa
corrente ser assim nomeada. Existem antecedentes muito importantes
para a consolidação do anarquismo e eles despontaram em várias
sociedades, ao longo dos séculos. O taoísmo de matriz chinesa, em
HVSHFLDOD¿ORVR¿DGH/DR=LGHVFULWDQRVpFXOR;,D& XWLOL]RFRPR
referência o calendário do Ocidente cristão) já apontava algumas
diretrizes que, posteriormente, seriam adotadas pelos defensores
da liberdade e da associação voluntária. Na Grécia Antiga, cínicos
e estoicos, entre eles Zenão de Cítio (333 a.C-263 a.C), trataram de
temas sobre a condição humano que muito se assemelhariam à doutrina
comunista. Também é indispensável, para quem deseja conhecer a
fundo o assunto, passar pelos textos de Platão, Aristóteles, Santo
Agostinho (354 d.C- 430 d.C), Thomas Moore (1478-1535), de Utopia
(1516), Adam Smith (1723-1790) e os contratualistas Thomas Hobbes
(1558-1679), John Locke (1632-1704) e Jean-Jacques Rousseau
 DOpPGRLOXPLQLVWDVDWtULFR9ROWDLUH  (FRPR
esquecer John Stuart Mill (1806-1873), contemporâneo dos anarquistas,
com seu clássico Sobre a liberdade (1859)? Para ser sincero, não dá
para ignorar nenhum pensador que precedeu aos primeiros tratados
VLVWHPiWLFRVGR$QDUTXLVPRGRVpFXOR;,;,PDJLQHGHVFRQVLGHUDUDV
contribuições Immanuel Kant (1724-1804) e Georg Friedrich Wilhelm

17
ANARQUISMO

Mary Wollstonecraft

18
Hegel (1770-1831)! Ou de teólogos muçulmanos que transformaram
DVVROXo}HVGHFRQÀLWRVFRPEDVHQDDQiOLVHGHFDVRVGHFDGDSHVVRD
como o comerciante de sedas e jurista Abu Hanifa (700-767). Cada
qual a sua maneira, esses homens de ideias brilhantes desenvolveram
teses econômicas, políticas, éticas e morais sobre trocas monetárias,
propriedade privada, liberdade, fraternidade, caridade e igualdade que
seriam futuramente aceitas ou refutadas conforme o ângulo de análise
GHFDGDJUXSRTXHVHDWULEXLRSUH¿[R³DQDUFR´
Para os anarquistas cristãos, ou cristão libertários, desdobramento
ideológico que não vê incompatibilidade entre a anarquia e a ideias de
QDWXUH]DUHOLJLRVDDSULPHLUD¿JXUDKLVWyULFDPtWLFDDVHUUHSXWDGDFRPR
anarquista é Jesus Cristo. Suas lições de caridade, de amor ao próximo,
revolucionaram a sociedade de sua época, provocaram mudanças no
monoteísmo, e despertaram a ira dos governantes que o pregaram na
Cruz. Não vamos aqui dissertar sobre o épico de sua ressureição, mas sim
nos apegar à sua atitude perante às autoridades. Acreditar nele como um
Messias, ou transformá-lo herege, são apenas maneiras de interpretar
seu legado. Os cristãos libertários preferem observar e privilegiar seu
papel de inconformista, rebelde, ainda que essa visão seja combatida
pelo ateísmo e minimizada por aqueles que comungam nas Igrejas e
comunidades cristãs conservadoras. Ao institucionalizar sua trajetória,
a Igreja Católica, representada pelo poder da Santa Sé de Roma, Estado
GR9DWLFDQRWDOYH]WHQKDGDGRXPSDVVRGHVDMHLWDGRHLQIHOL]'HWRGR
modo, é quase impossível não vê-lo como um insubordinado. E todo
insubordinado, todo homem ou mulher que se posicionou contra os
governantes, colocou seu tijolo no edifício do anarquismo. É como certa
YH]D¿UPRXR¿OyORJR¿OyVRIR¿OKRHQHWRGHSDVWRUOXWHUDQR)ULHGULFK
Wilhelm Nietzsche (1844-1900), autor de O anticristo (1895): “o
último cristão morreu na Cruz” ou “O Evangelho morreu na Cruz”. Tal
como sacralizados pelos preceitos bíblicos e pelas bulas pontifícias, o
Cristianismo seria um erro de interpretação. Uma vez institucionalizado
e regrado, ele não representa a mensagem renovadora de Jesus de
Nazaré, completariam os libertários de orientação cristã. Estes procuram
mostrar, em seus fanzines, páginas na internet e encontros que, apesar
GHWHUFHUWDUD]mR)ULHGULFK1LHW]VFKHVHSUHFLSLWRXDRD¿UPDUDPRUWH
do autêntico espírito cristão.
Em função de suas características de conteúdo – inquestionável
GHQVLGDGH¿ORVy¿FD±HHVWLOR±¿UPHHVHPPHLDVSDODYUDV±RSHTXHQR

19
ANARQUISMO

grande livro Discurso da servidão voluntária, do pensador humanista


francês Étienne de La Boétie (1530-1563), pode ser considerado um dos
primeiros textos de teor claramente libertário, de fácil entendimento, da
história do pensamento ocidental. Evidentemente, seria um anacronismo
chamar La Boétie de anarquista no sentido moderno, mas aqueles que
LPSXOVLRQDUDP R PRYLPHQWR DR ORQJR GR VpFXOR ;,; GHYHP SDJDU
VHX WULEXWR LQWHOHFWXDO DR WUDGXWRU GDV REUDV GRV JUHJRV ;HQRIRQWH H
3OXWDUFR H DPLJR GR ¿OyVRIR H HVFULWRU 0LFKHO GH 0RQWDLJQH 
1592) - Montaigne dedicou-lhe um de seus mais belos ensaios,
LQWLWXODGR6REUHDDPL]DGH'LVFXUVRGD6HUYLGmR9ROXQWiULDIRLHVFULWR
provavelmente em 1549 e publicado postumamente em 1576. La Boétie
faleceu em Germignan, na comuna de Taillan-Médoc, França, quando
estava prestes a completar 33 anos, mas deixou em seu poderoso ensaio
pérolas contra a tirania: “Ora o mais espantoso é sabermos que nem
sequer é preciso combater esse tirano, não é preciso defendermo-nos
dele. Ele será destruído no dia em que o país se recuse a servi-lo. Não
é necessário tirar-lhe nada, basta que ninguém lhe dê coisa alguma.”
Ou ainda: Não há dúvidas, pois, de que a liberdade é natural e que,
pela mesma ordem e de ideias, todos nós nascemos não só senhores da
nossa alforria mas também com condições para a defendermos”.
A canção “Anarchy in the UK”, primeiro single da banda
punk rock britânica Sex Pistols, lançado pela gravadora EMI em 26
de novembro de 1976, e uma das faixas do álbum Never Mind the
Bollocks, Here’s the Sex Pistols (1977), de certa forma difundiu e
popularizou os termos “anarquia”, “anarquista” e “anarquismo” no
VpFXOR;;(QTXDQWR-RKQQ\5RWWHQEHUUDYD³,¶DPDQDQDUFKLVW´XPD
série de imagens e clichês nos toma de assalto. Os elos entre Jesus
Cristo, anarcocapitalistas, La Boétie, Proudhon, Bakunin, Kropotkin
e os punks quase nunca fecham, então geralmente preferimos eleger
símbolos de fácil assimilação. E sujeitos maltrapilhos, de moicanos
e tocando – tecnicamente mal – em três míseros acordes, aos gritos,
parece ser o rótulo escolhido pela maioria de nós. Mas o lema “Faça
você mesmo” – “Do it yourself” – é muito válido. E os Sex Pistols
integram a tradição anarquista na região do Reino Unido. Ela começa
com a revolta dos diggers, grupo de radicais protestantes estimulados
SHOR DWLYLVWD ¿OyVRIR H UHOLJLRVR *HUUDUG :LQVWDQOH\  
Durante o protetorado do lorde Oliver Cromwell (1599-1658), os
diggers ocuparam terras para plantio e constituição de uma comunidade

20
com semelhanças ao modelo planejado pelos anarquistas cerca de dois
VpFXORV GHSRLV 2 DWR VXEYHUVLYR RFRUUHX HP PHLR jV FRQÀDJUDo}HV
SROtWLFRVRFLDLVGD*XHUUD&LYLO,QJOHVDLQLFLDGDHP9HPGDLR
uso da expressão “anarchist”, como conotação pejorativa, ao puritanos
da burguesia e camponeses, contra os desmandos absolutistas do rei
Carlos I (1600-1649). Eles eram os “Cabeças Redondas”, por não
usarem perucas no Parlamento. As campanhas de Gerrard Winstanley e
seus parceiros pertenciam a esse mesmo contexto político de mudanças
profundas em terras britânicas.
Continuamos a trajetória do anarquismo no Reino Unido.
Agora para falar de um dos fundadores do anarquismo moderno, ou
melhor, o pensador anti-governo que precedeu a Proudhon, Bakunin
FLDRQRYHOLVWDMRUQDOLVWDWHyORJRH¿OyVRIRSROtWLFRGHRULHQWDomR
utilitarista William Godwin (1756-1836). Oriundo de uma família da
dissidência calvinista, e casado com a escritora Mary Wollstonecraft
(1759-1797), lendária ativista pelos direitos das mulheres, Godwin
é uma das referências básicas em qualquer biblioteca anarquista,
em especial seu livro Inquérito acerca da justiça política (1793), um
ataque duríssimo contra as injustiças sociais, o Estado, suas instituições
políticas e a sociabilidade regrada por leis – incluindo o casamento
FRPR XPD FRQYHQomR 1D YLVmR GR ¿OyVRIR WRGD IRUPD GH JRYHUQR
é corrompida, danosa para a coletividade e destrói os laços sociais. O
WH[WR GH *RGZLQ LQÀXHQFLRX DQDUTXLVWDV KXPDQLVWDV FRPXQLWiULRV H
socialistas e já estava inserido no período que o historiador marxista
Eric Hobsbawm (1917-1848) denominou de “a era das revoluções”
(1789-1848). No entendimento do geógrafo anarco-comunista russo
Piotr Koprotkin (1842-1921), este um dos mais coerentes e respeitados
anarquistas de todos os tempos, William Godwin, mesmo sem batizar
assim o seu modo de pensar, foi um pioneiro do pensamento político-
social anarquista, ainda que o pensador britânico fosse um indisfarçável
apreciador da obra do conservador Edmund Burke (1729-1797),
opositor da Revolução Francesa.
(Q¿PDQRVVDEUHYHKLVWyULDGR$QDUTXLVPRFKHJDDRFDORURVR
VpFXOR;,;8PDpSRFDGHLQWHQVDPRELOL]DomRGHWUDEDOKDGRUHVWHyULFRV
SROtWLFRVHSULQFLSDOPHQWHGRVHXÀRUHVFLPHQWRFRPRXPDPLUtDGHGH
ideias e práticas aparentadas ao socialismo libertário. Étienne de La
%RpWLH:LOOLDP*RGZLQHRV¿OyVRIRVLOXPLQLVWDVPDLVHVSHFL¿FDPHQWH
Jean-Jacques Rousseau, com suas concepções de moral, liberdade e

21
ANARQUISMO

igualdade, inspiraram autores ligados ao mutualismo, ao anarquismo


social e ao anarco-socialismo como Pierre Joseph-Proudhon, ao passo
que a criativa leitura do pensamento hegeliano realizada por Max
Stirner (1806-1856) deu origem ao anarquismo individualista, ainda
TXH R ¿OyVRIR SUXVVLDQR SUHWHQGHVVH VH GLVWDQFLDU GRV DQDUTXLVWDV GH
seu tempo. Stirner escreveu O único e sua propriedade (1844-1845),
obra que seria lida com vívido interesse por ninguém menos do que
Friedrich Wilhelm Nietzsche. O jornalista norte-americano Lysander
Sponner (1808-1887) foi outro anarquista individualista de boa cepa.
Nesse período autores trocavam provocações por qualquer
GLIHUHQoDHLVVRGL¿FXOWRXDRUJDQL]DomRGHXPEORFRFRHVRSDUDEDWHU
de frente com os capitalistas, os governos, a burocracia. Levantes
insurrecionais eram contidos na base da violência, cujo monopólio de
legitimidade, esclarece Weber, pertence ao Estado, com mortes, prisões
e condenações ao exílio. Periódicos políticos abriam e, em poucos
números, eram empastelados e fechados. Liberais sociais, comunistas,
socialistas utópicos, social-democratas, humanistas, libertários de
qualquer orientação. Ninguém escapava, apesar das vitórias curtas
e pontuais, caso de algumas conquistas na chamada “Primavera dos
Povos” de 1848 e da experiência da Comuna de Paris (1871). Eles
também se irmanaram no apoio a Revolta dos Tecelões da Silésia, em
1844, eternizada nos versos do poeta Henrich Heine (1797-1856). Eis
um trechinho de “Os Tecelões da Silésia”, traduzido por Nélio Schneider
e publicado em edição bilíngue pela Boitempo Editorial no livro Luta de
classes na Alemanha, coletânea de textos de Marx e Engels: “Maldição
sobre o rei/, o rei dos ricos,/ que da nossa miséria/ não se condoeu”.
(Heine, 2010, p. 23).
1R UHIHUHQWH j KLVWyULD GDV LGHLDV R FRQFHLWR GH DQDUTXLD ¿FRX
atrelado ao pensamento anti-estatal de seus fundadores. Escreve Zygmunt
Bauman em trecho de Amor líquido – Sobre a fragilidade dos laços
humanos: “de Godwin a Kropotkin, passando por Proudhon e Bakunin,
os teóricos e fundadores do movimento anarquista apresentaram esse
termo como a designação de uma sociedade alternativa, o avesso de
uma ordem coercitiva e imposta pelo poder”. (Bauman, 2004, p.91). “A
I~ULDGRVDQDUTXLVWDVGRVpFXOR;,;´DUUHPDWD%DXPDQ³FRQFHQWUDYD
se no Estado – o Estado moderno, para ser preciso, uma novidade na
pSRFD TXH DLQGD QmR HVWDYD HQWULQFKHLUDGR GH PRGR VX¿FLHQWHPHQWH
sólido para reclamar legitimidade tradicional ou basear-se na obediência

22
Pyotr Kropotkin

23
ANARQUISMO

rotinizada” (2004, p.92). Em suma, eles tentavam balançar um modelo


burguês ainda em construção mas que já se mostrava incapaz de romper
totalmente com o arbítrio, a coerção e os desmandos da aristocracia.
,VVRQmRVLJQL¿FDTXHRVDQDUTXLVWDVIRUPDYDPXPEORFR~QLFR7LGR
como o precursor do termo “libertário”, o operário, escritor e anarco-
FRPXQLVWDIUDQFrV-RVHSK'HMiFTXH  ¿JXUDPDUFDQWHQDV
revoltas de 1848, vivia às turras com Proudhon, por este minimizar a
luta pelo direito das mulheres e aceitar certos mecanismos da economia
de mercado. De fato, o autor de O que é propriedade? manteve posturas
FRQVLGHUDGDV SRU DOJXQV DQDOLVWDV FRPR DPEtJXDV ± DR ¿QDO GH VXD
trajetória, Pierre-Joseph Proudhon chegou a declarar-se um federalista.
A questão da propriedade é um caso à parte nos debates entre os
revolucionários oitocentistas. A abolição da propriedade privada dos
meios de produção parece ter sido um consenso entre os comunistas
liderados por Marx e Engels e pelos adeptos de um sistema de ajuda
mútua, voluntarista, comunitário e autogestionário, proposto pela
maioria dos anarquistas. Já sobre a distribuição da propriedade privada,
tais como terras e moradias, o ataque dos anarquistas de linhagem social
e mutualista concentravam-se nos seus problemas de concentração, isto
é, de sua injusta distribuição, e no seu pretenso sentido desagregador. A
propriedade não seria um direito divino, destinado a poucos, e seria no
mínimo imoral ser dono de muito, enquanto outros viviam na pobreza.
Em seu livro Propriedade & Liberdade, o historiador polonês radicado
nos EUA, Richard Pipes, ex-professor da Universidade de Harvard
e diretor do Departamento de Assuntos Soviéticos e Leste Europeu
durante o Governo Reagan – entre 1981 e 1982 –, cita um trecho de
O que é propriedade?, de Pierre Joseph-Proudhon, para argumentar
a favor da consolidação da democracia e dos direitos de cidadania
como fatores preponderantes para o anseio de todos por uma melhor
distribuição de riquezas e bens: “Se a liberdade do homem é sagrada, ela
o é igualmente para todos os indivíduos...Se ela precisa da propriedade
para a sua ação objetiva, ou seja, para sua vida, [então] é igualmente
necessária para todos” (Proudhon apud Pipes, 2001, p.68). Filósofo de
frases impactantes, Proudhon tinha por hábito bradar que a propriedade
seria um roubo. Sua famosa exclamação dizia respeito não exatamente
ao recanto dos lares, dos locais de descanso, mas a exploração dos
detentores das fábricas e do capital. Para ele, a justiça estaria feita quando
todos pudessem trabalhar em igualdade de condições, com um sistema

24
de baixo para cima, em que todos seriam ao mesmo tempo proprietários
e trabalhadores – um modo de produção baseado no cooperativismo, ou
PHOKRUQRPXWXDOLVPR9RFrGHYHHVWDUSHQVDQGRPDVRVFRPXQLVWDV
não pregavam o mesmo? Sim, sim e sim. Aliás, em muitos momentos
anarquistas e os pregadores do socialismo/ comunismo estabeleceram
alianças. Segundo o sociólogo Renato Cancian, em artigo para o Portal
UOL, “a crítica da propriedade privada e do Estado burguês feita
pelos ideólogos anarquistas resultou no desenvolvimento do trabalho
de conscientização e mobilização das massas proletárias (ou seja, o
operariado). Em muitos aspectos, a ideologia anarquista se assemelhava
à ideologia socialista - principalmente no tocante a luta de classes,
a defesa das classes oprimidas, a crítica da propriedade privada, da
sociedade e do Estado burguês. Por conta disso, durante décadas os
anarquistas e os comunistas se aliaram na organização dos movimentos
revolucionários.” (2007, s/p).
O ponto da discórdia entre os grupos estava na estratégia a ser
DGRWDGD ± RV DQDUTXLVWDV HQWHQGLDP TXH R VRFLDOLVPR FLHQWt¿FR  R
marxismo, seguido pelo marxismo-leninismo – centralizava demais as
ações na estrutura hierarquizada do Partido e possuía etapas que no
¿QDOGDVFRQWDVGHVYLUWXDULDDFDXVDHWUDQVIRUPDUVHLDHPXPPRQVWUR
tirânico. Bem...Não dá para dizer que eles não tinham razão, não é? O
VRFLDOLVPRUHDOGRVpFXOR;;QDXIUDJRXQDEXURFUDFLDQRDXWRULWDULVPR
e na repressão, de Stalin a Mao, de Ceaucescu a Pol Pot. Ex-adepta do
bolchevismo, a anarquista lituana Emma Goldman (1869-1940), logo
após a Revolução Russa de 1917, diante do calor dos fatos, já denunciava
o (des) caminho dos bolcheviques rumo a um regime autoritário e
burocratizado. Bakunin tinha opinião similar. E ela tinha respaldo para
criticar: a ativista foi perseguida, presa, deportada, mas mesmo assim
seguiu com suas convicções de apoio aos trabalhadores e desvalidos até
os últimos anos de vida, quando participou, já sexagenária, da Guerra
Civil Espanhola, entre 1936 e 1939, lado a lado com os militantes
anarquistas. Goldman teve ainda papel de honra na luta feminista.

25
ANARQUISMO

O anarquismo no horizonte do século XX

As expulsões de James Guillaume (1844-1916) e Mikhail


Bakunin da Associação Internacional de Trabalhadores em meio ao
Congresso de Haia de 1872, cerca de um ano após o misto de euforia
e desolação com a ascensão e queda da Comuna de Paris, funcionou
como uma pá de cal nas relações entre os integrantes das organizações
comunistas e as facções anarquistas. Os 72 dois dias de esperança
em solo parisiense, conquistados na raça e em meio às labaredas da
Guerra Franco-Prussiana, resultaram em um ensaio brilhante de
Marx, intitulado A guerra civil na França, e em marcas indeléveis
nas estratégias de revolução proletária. A cisão programática estava
consumada. Proudhon já havia sido duramente atacado por Marx
décadas antes, e os anarquistas individualistas não gozavam lá de
muito prestígio nesses embates, embora produzissem trabalhos de
qualidade indiscutível. Já as discórdias entre Bakunin e Marx foram
WUDQVIRUPDGDV HP ¿FomR IXQGDPHQWDGD ORJLFDPHQWH QR SHQVDPHQWR
GHDPERV SHOR¿OyVRIRHSURIHVVRUEULWkQLFR0DXULFH&UDQVWRQ 
1993) na obra Diálogo imaginário entre Marx e Bakunin (Hedra, 2011).
O texto procura simular uma suposta conversa entre os dois grandes
teóricos em um igualmente suposto encontro ocorrido em Londres, em
1864. Maurice Cranston, então docente de Ciência Política na London
School of Economics, escreveu o trabalho para servir com roteiro a ser
exibido pela emissora BBC de Londres, sendo em seguida publicado na
UHYLVWD$QDUFK\3DFL¿VWDHPLOLWDQWHGDVOLEHUGDGHV&UDQVWRQFRQGX]D
conversa para que tenhamos a impressão de que Bakunin teria vencido
o contundente, porém respeitoso, debate com o autor de O capital. O
livro/ roteiro tem momentos de tensão e estocadas de parte a parte, mas
prevalece um clima amistoso não condizente com a troca de ofensas
entre o russo e o prussiano. Em carta enviada ao historiador britânico
Edward Spencer Beesly (1831-1915), datada de 19 de outubro de 1870,
Karl Marx xinga Mikhail Bakunin de “asno”. (Marx, 2011, p.206). O
DQDUTXLVPRSDUD.DUO0DU[)ULHGULFK(QJHOVHVHXV¿HLVVHJXLGRUHV
era um mal a ser extirpado do seio da Internacional e, por consequência,
da luta de classes. Esse ódio recíproco não evitou que, em razão de
D¿QLGDGHVSRQWXDLVRVJUXSRVFRPEDWHVVHPMXQWRVIDVFLVWDVDXWRFUDWDV
e conservadores em diferentes ocasiões, vide a Revolução Russa de

26
James Guillaume

27
ANARQUISMO

1917, a Guerra Civil-Espanhola, as intensas greves pela Europa e na


América Latina, entre outros eventos de relevância indiscutível.
3URWDJRQLVWDV GH GXHORV DFLUUDGRV SDUD GH¿QLU TXHP VHULDP
os detentores da legitimidade para combater os poderosos, e livrar a
classe trabalhadora da opressão, Friedrich Engels, Karl Marx, Pierre-
Joseph Proudhon e Mikhail Bakunin faleceram antes do alvorecer
GR FRQWXUEDGR VpFXOR ;; 'RLV DQDUTXLVWDV FRQVHJXLUDP DWUDYHVVDU
essa virada temporal e acompanhar os primeiros anos dos regimes
totalitários à esquerda e à direita. São os casos do já citado Piotr
Kropotkin (1842-1921), geógrafo russo, e do incansável revolucionário
italiano Errico Malatesta (1853-1932), um homem de ação perseguido
pelo fascismo de Benito Mussolini (1883-1945). Malatesta não chegou
a sofrer agruras como o marxista Antonio Gramsci (1891-1937), mas
sua vida não foi nada fácil em Roma. Aliás, ser anarquista, seja qual
fosse sua orientação, não era algo tranquilo em tempos de consolidação
de uma bipolarização que culminaria na política de blocos da Guerra
Fria entre 1945 e 1991. A saída de Guillaume e Bakunin da Associação
Internacional de Trabalhadores de 1972 resultou na criação de uma
organização anarquista no dia 15 de setembro de 1872: a Internacional de
Saint-Imier, ou Internacional autonomista, mas após quatro encontros e
cinco anos o grupo dissolveu-se. Nem de longe, portanto, os anarquistas
SRVVXLDPRVUHFXUVRV¿QDQFHLURVHDKHJHPRQLDFXOWXUDOGRVFDSLWDOLVWDV
liderados pelos EUA, nem a organização dos Partidos Comunistas que
interagiam pelo mundo e de certo modo estavam centralizados em
torno do PC russo, depois soviético, do após 1917. A própria recusa a
FRHUomRGHTXDOTXHUHVSpFLHVHMD¿QDQFHLUDVHMDSHODVDUPDVLPSHGLD
a progressão do sonho da ordem voluntária e comunitária. Por sinal,
sequer os anarcocapitalistas conseguiram lograr êxito, pois mesmo nos
países com maior inclinação ao livre-mercado, ainda havia regulação
estatal e outras formas de protecionismo.
A despeito da tentativa do socialistas/ comunistas, e mesmo
de movimentos fascistas, de cooptar sindicatos e associações de
WUDEDOKDGRUHVRDQDUTXLVPRHVWHYHjIUHQWHGHLQ~PHUDVJUHYHVSDQÀHWRV
e manifestações. O anarcossindicalismo já era uma realidade desde o
¿QDOGRVpFXOR;,;FRPRUJDQL]Do}HVGDHQYHUJDGXUDGD)HGHUDomR
Espanhola dos Trabalhadores, criadas em 1881. Os princípios do
sindicalismo anarquista, autogestionário, estava amparados pela teoria
e prática de nomes como os dos franceses Ferdinand Pelloutier (1867-

28
1901) e, até certo ponto, de Hubert Lagardelle (1874-1958) – este último
passou gradualmente para a direita de linhagem conservadora até tornar-
se, por ironia do destino, em um dos principais integrantes do regime
FRODERUDFLRQLVWDGH9LFK\JRYHUQRDGPLQLVWUDGRGHIDFWRSRU$GROI
Hitler durante a ocupação da Alemanha nazista ao território francês de
1940 a 1944. A virada ideológica de Lagardelle, porém, não pode ser
tomada como exemplo daquilo que se sucedeu nas primeiras décadas do
VpFXOR;;(QWUHRVGLDVHGHDJRVWRGHSRUH[HPSORRFRUUHX
em Amsterdam, na Holanda, o Congresso Internacional Anarquista,
com a presença das delegações de catorze países e a participação de
Emma Goldman e Errico Malatesta, em que discutiu-se muito qual
seria o papel dos sindicatos no engajamento libertário. Malatesta não
FRQ¿DYD WRWDOPHQWH QD FDSDFLGDGH GRV VLQGLFDWRV GH SURPRYHU Do}HV
revolucionárias. Novamente, o dissenso deu as cartas e várias arestas
não foram aparadas. De todo modo, o anarcossindicalismo chegou, via
imigrantes espanhóis e italianos, aos países da América Latina.
Dez anos após o Congresso de Amsterdam, os anarquistas,
¿HLV DRV VHXV SULQFtSLRV DQWLLPSHULDOLVWDV EDWDOKDUDP QDV PHVPDV
WULQFKHLUDV GRV EROFKHYLTXHV OLGHUDGRV SRU 9ODGLPLU /HQLQ 
1924), contra o czarismo e em favor de operários e camponeses. Eles
GHVFRQ¿DYDPGRVFRPXQLVWDVPDVGHQWURGDTXHOHFRQWH[WRHUDSUHFLVR
escolher um lado. A triunfante Revolução Russa de 1917 teve duas fases
bem distintas. A primeira, em fevereiro, derrubou o czar Nicolau II
(1868-1918). Parecia alvissareira. Em outubro daquele ano, porém, os
partidários de Lenin deram um golpe de Estado no Governo Provisório
e assumiram o poder, com seus ideias centralistas. A democracia direta
H DXWRQRPLD GRV WUDEDOKDGRUHV ¿FDUDP QD XWRSLD 6HJXLXVH HQWmR D
Guerra Civil Russa, entre 1918 e 1922, em um período complicado – a
Primeira Guerra Mundial [1914-1918] ainda fumegava, com seu rastro
GHGHVWUXLomRHPLOKDUHVGHPRUWHV$FRQÀDJUDomRHQWUHRMiSRGHURVR
([pUFLWR 9HUPHOKR EROFKHYLTXH H DV PLOtFLDV DQDUTXLVWDV ([pUFLWR
Negro) e contou com a participação de czaristas saudosos (Exército
%UDQFR HQDFLRQDOLVWDV ([pUFLWR9HUGH 
Presos, torturados, perseguidos e expulsos pelos bolcheviques
hegemônicos, os anarquistas contrários aos desmandos do grupo de
Lenin rumaram para a Ucrânia, onde, no denominado Território Livre,
tentaram organizar as forças de resistência. Nascido em território hoje
pertencente à Ucrânia, o anarco-comunista Nestor Makhno (1888-1934)

29
ANARQUISMO

consolidou-se como a liderança do Exército Insurgente Makhnovista,


também chamado de Exército Negro, que primeiramente combateu os
Brancos de orientação monarquista ombro a ombro com o Exército
9HUPHOKR7HPSRVGHSRLVDPLOtFLDIRLGHFODUDGDLOHJDOHSDVVRXDVHU
perseguida até ser pouco a pouco aniquilada. O Território Livre não
seria um espaço despótico comandado por Makhno, mas um local
UHJXODGR SHORV SULQFtSLRV DQDUTXLVWDV 1mR GXURX WHPSR VX¿FLHQWH
Nestor Makhno fugiu para a Romênia e, de lá, exilou-se em Paris até os
últimos suspiros. A derrota do anarquismo na região da União Soviética
provocou a cooptação de trabalhadores das cidades e do campo pelo
Partido Comunista e desarticulou seus agrupamentos. Ainda assim,
anarquistas envolveram-se em causas comuns às dos comunistas na
Alemanha, entre 1918 e 1919, na luta antifascista na Itália e em outros
países e na Guerra Civil Espanhola, muitos deles voluntários das
Brigadas Internacionais. A vitória do fascismo nacionalista do general
Francisco Franco (1892-1975), com o suporte dos nazistas alemães da
Legião Condor, não só destruiu com os republicanos espanhóis como
enfraqueceu ainda mais o anarquismo, debilitado após tantas batalhas,
frentes diversas. Eles incomodavam os maiores ditadores de extrema-
GLUHLWD GR VpFXOR ;; HQWUH HOHV )UDQFR 0XVVROLQL +LWOHU H$QWRQLR
de Oliveira Salazar (1889-1970), perturbavam a paz sob terror do
regime stalinista na URSS e eram vistos com ressalvas pelos países
componentes do bloco capitalista. A solução era deslocar-se para países
como a França, a Suiça ou países da América do Sul antes da ascensão
das ditaduras militares avalizadas pelos EUA.
Mesmo diante desses revezes, a chama do Anarquismo não se
apagou. Livros e periódicos libertários continuavam a ser lançados com
relativa constância; greves aconteciam com frequência; a pedagogia
libertária e progressista está em voga, para se contrapor ao modelo do
mercantilismo educacional, com a adaptação e atualização das teorias
do catalão Francesc Ferrer (1859-1909), tematizado em um belíssimo
artigo de Mauricio Tragtenberg (1929-1998) intitulado “Francisco
Ferrer e a pedagogia libertária” (1981), e da “pedagogia do oprimido” do
brasileiro Paulo Freire (1921-1997), entre outros de idêntica categoria.
As suas bandeiras continuavam a tremular. Mas essa chama voltaria a
EULOKDUFRPIRUoDQR¿QDOGRVpFXORSRUFDXVDHQWUHRXWURVDVSHFWRV
do universo da cultura, da tecnologia e do comportamento.

30
Antonio Gramsci

31
ANARQUISMO

Anarquista, graças a Cristo;


Anarquistas, graças a Mises.
Como se sabe, o Anarquismo, em sua linha com maior poder
de difusão, pregava uma sociedade idealizada sem governo, sem
leis (haveria, no lugar das determinações, uma ordem não coercitiva
de ajuda mútua e com autonomia dos indivíduos), sem religião, sem
capitalismo, sem proprietários dos meios de produção. Dessa forma,
HP XP SULPHLUR LQVWDQWH ¿FD GLItFLO FRPSUHHQGHU D H[LVWrQFLD GH
pessoas ligadas ao anarquismo cristão, ou cristianismo libertário, e ao
anarcocapitalismo. Mas é possível explicar. É sério. Lá vai...
Começo pela mistura entre Cristianismo e Anarquismo. Ela faz
VHQWLGR SDUD LQ~PHURV SHVTXLVDGRUHV GD %tEOLD H GD ¿JXUD GR -HVXV
Cristo histórico, bem como para aqueles que professam o cristianismo
libertário. De acordo com os relatos, Jesus teria sido um rebelde capaz
GHLQFRPRGDUDXPVyWHPSRRVMXGHXVDSHJDGRVDR9HOKR7HVWDPHQWR
base da Torá, e às leis mosaicas, e a cúpula do governo de Roma. A
imagem de um homem a propor o amor ao próximo e com pretensos
poderes de cura tem uma clara mensagem messiânica, mas também pode
ser interpretada como um sujeito com uma atitude radical, inovadora,
incômoda. Persegui-lo como um ladrão e um pária foi a solução
encontrada pelos romanos. A institucionalização do Cristianismo,
sobretudo do Catolicismo, com uma organização hierarquizada
IXQGDGDQD,JUHMDHQD¿JXUDDXWRFUiWLFDGR3DSDWHULDPGHVYLUWXDGR
as palavras de Jesus de Nazaré. A Igreja Católica Apostólica Romana,
R¿FLDOPHQWHVLWXDGDQR9DWLFDQRHP5RPDHVREHUDQDGHVGHR7UDWDGR
de Latrão, de 1929, procura reivindicar para si a herança de Cristo. A
5HIRUPD3URWHVWDQWHGRVpFXOR;9,WHQWRXGHVORFDUHURPSHUFRPHVVD
hegemonia, após a leitura das 95 teses de Martinho Lutero (1483-1546),
diante da Igreja de Wittenberg, na Alemanha, mas os anos se passaram
e as denominações protestantes, salvo honrosas exceções, optaram por
GRXWULQDVLQÀH[tYHLVHUHJUDVFRQVHUYDGRUDV
(PJHUDORFULVWLDQLVPROLEHUWiULRpIXQGDPHQWDOPHQWHSDFL¿VWD
diferentemente de outras variações anarquistas. Palavra e desobediência
civil contra governos e autoridades religiosas – no entanto, às vezes
¿]HUDPXVRGDIRUoDEUXWD1DFDPSDQKDSHORVGLUHLWRVFLYLVQRV(8$
dos anos 1950 e 1960, o pastor protestante, notável orador e Prêmio
Nobel da Paz de 1964 Martin Luther King, Jr. (1929-1968) valeu-

32
se de táticas do anarquismo cristão para a sua causa, ainda que fosse
considerado um moderado. Dentro da tradição do anarquismo cristão,
dois nomes de peso são o escritor Leon Tolstói (1828-1910), escritor de
obras-primas como Guerra e paz (1865-1869) e Ana Karenina (1875-
1877), e Henri-David Thoureau (1817-1862), simplesmente o autor de
A desobediência civil (1849), leitura de cabeceira de Luther King e
Mahatma Gandhi (1869-1948), dois dos seres humanos mais amados
da História. Tolstói rejeitou o quanto pode o rótulo de anarquista, talvez
por conta da (má) reputação contida no rótulo. Entretanto, é inegável
que seus escritos, somados à passagens do Evangelho, servem como
HOHPHQWRVYLWDLVSDUDDUHÀH[mRGHFULVWmRVOLEHUWiULRV2QRUWHDPHULFDQR
7KRXUHDX XP LQFODVVL¿FiYHO SROtWLFR VHJXQGR R SUySULR QDVFHUD HP
berço huguenote, grupo protestante perseguido pelo governo da França.
0HVPRTXHGHVHMDVVH7KRXUHDXQmRWHULDFRPRGHL[DUGHLQÀXHQFLDU
os libertários cristãos. Para saber mais sobre o tema, convém a leitura
GH$QDUTXLVPRHFULVWLDQLVPRGHGR¿OyVRIRHWHyORJRIUDQFrV
Jacques Ellul (1912-1994).
Agora, antes de abordar o ideário dos anarcocapitalistas,
YDPRVSHQVDUXPSRXTXLQKRQDGH¿QLomRGH$QDUTXLVPRWDOFRPRR
formulado pelos teóricos inseridos na conjura pós-revoluções política
e industrial e integrantes (meio indesejável, a bem da verdade) da
Associação Internacional de Trabalhadores. O ódio ao Estado burguês,
ao capitalismo industrial, à propriedade privada, sobretudo dos meios
de produção, uniam cabeças tão diferentes. Já os capitalistas, por serem
em tese liberais, defendem a economia de mercado, a livre concorrência
e a propriedade privada. Então está estabelecido o problema: como
situar os anarquistas vinculados ao capitalismo, ao individualismo e
ao livre-mercado dentro desse conjunto de ideias? Edilene Toledo nos
recorda que Malatesta, no Programa Anarquista (1903), “argumentava
que os anarquista queriam mudar radicalmente o mundo, substituindo o
ódio pelo amor, a concorrência pela solidariedade, a busca exclusiva do
próprio bem-estar pela cooperação, a opressão pela liberdade” (2013,
p.21).
Ok, a confusão está armada, mas vou tentar desfazer este
emaranhado. De início, um ponto de concordância: assim como
os anarquistas cooperativistas, mais próximos da esquerda, os
DQDUFRFDSLWDOLVWDV OLEHUDLV UDGLFDLV FODVVL¿FDGRV j GLUHLWD GHWHVWDP
a instituição do Estado e seus governos, quase sempre corruptos e

33
ANARQUISMO

opressores. A natureza do repúdio é um tanto o quanto diferente, mas


no fundo ambos ansiavam pela abolição da autoridade estatal. No plano
político e econômico, liberais clássicos, como Adam Smith e John
Locke, admitiam a organização de um Estado mínimo, pouco mais do
TXHXPPHGLDGRUGHFRQÀLWRVFRPDIXQomRGHPDQWHUDSD]LQWHUQD
impedir invasões estrangeiras e realizar pequenas intervenções jurídicas
para solucionar discórdias. Na perspectiva dos anarcocapitalistas, até o
Estado mínimo é desnecessário e nocivo. A sociedade seria regulada,
e encontraria seu ponto ótimo de bem-estar naturalmente pelas “leis”
do mercado e pela iniciativa privada. Ou seja, eles radicalizam o
liberalismo clássico.
O crescimento do anarcocapitalismo ocorreu ao longo do século
;;(QWUHRVVHXVSULQFLSDLVWHyULFRVHVWmRRVHFRQRPLVWDVHSHQVDGRUHV
norte-americanos Murray Rothbard (1926-1995), David Friedman, autor
de O maquinário da liberdade (1973) e Walter Block. Eles se associam
às duas escolas de pensamento econômico proeminentes quando o
assunto é livre-mercado: a Escola Austríaca, na qual se destacaram
Ludwig von Mises (1881-1973) e Frederick August von Hayek (1899-
1992), e a Escola de Chicago, como Milton Friedman (1912-2006) à
frente. Mises, Hayek e Friedman não se declaravam abertamente como
anarquistas libertários, até porque os conservadores políticos e de
costumes eram aliados importantes. No entanto, eles formam os pilares
de muitos dos atuais radicais do livre-mercado, embora Rothbard seja
de fato aquele que formulou os melhores conceitos anarcocapitalistas.
Dentro desse quadro de referências, não se pode esquecer da escritora e
¿OyVRIDGHRULJHPUXVVDHMXGDLFD$\Q5DQG  IRUPXODGRUD
GR VLVWHPD ¿ORVy¿FR GR 2EMHWLYLVPR H DXWRUD GD ¿FomR FLHQWt¿FD $
revolta do Atlas (1957). Suas ideias inspiraram a fundação do Partido
Libertário Americano em 1971, mas a personalidade controversa de
5DQGDDIDVWRXQR¿QDOGDYLGDGH5RWKEDUGHGD(VFROD$XVWUtDFD(P
relação ao anarquismo individualista, muito provavelmente iniciado por
Stirner, há distâncias e aproximações que não nos permite cravar, com
FHUWH]DTXHSHUWHQFHPDJrQHVHGHXPDDERUGDJHP¿ORVy¿FDFRPXP

0DVD¿QDORTXHID]GRFDSLWDOLVWDXOWUDOLEHUDOXPDQDUTXLVWD"
A resposta, a meu ver, está no entendimento do que é o conceito de
liberdade, a base do Anarquismo: para os anarcocapitalistas, as
liberdades individuais passam necessariamente pela livre-expressão,

34
pela oportunidade de empreender, de abrir negócios sem a intervenção
de terceiros, de lucrar sem culpa, tendo a dinâmica do mercado como
fundamento do bem comum.

Murray Rothbard

35
ANARQUISMO

O movimento libertário no Brasil

Esposa do escritor comunista Jorge Amado (1912-2001), por


quem se enamorou e casou por volta de 1945, durante o movimento
SHODDQLVWLDGRVSUHVRVSROtWLFRVQR¿QDOGRUHJLPHGLWDWRULDOGR(VWDGR
1RYRGH*HW~OLR9DUJDV  DHVFULWRUDHPLOLWDQWH=pOLD*DWWDL
(1916-2008) provou seu imenso talento para a prosa memorialística
no livro Anarquistas, graças a Deus (Record, 1979), no qual conta
histórias divertidas e dramáticas sobre seus descendentes italianos, que
GHVHPEDUFDUDP QR %UDVLO QR ¿QDO GR VpFXOR ;,; H VH HVWDEHOHFHUDP
na cidade de São Paulo. Seu livro de estreia virou até minissérie da
Rede Globo em 1982, dirigida por Walter Avancini (1935-2001). Seus
parentes eram uma mescla de católicos, comunistas e anarquistas.
Em um dos capítulos, Zélia Gattai recorda-se da biblioteca familiar,
com livros de Kropotkin e Bakunin, além de Germinal (1885), do
escritor francês Émile Zola (1840-1902), considerado “um ídolo
de todos aqueles italianos anarquistas que chegavam a lhe atribuir a
nacionalidade italiana, devido ao seu sobrenome que era pronunciado
à italiana: Emilio Zóla”. Em outra passagem, Gattai conta sobre a
curiosidade do avô em relação a uma colônia socialista-anarquista,
situada na América do Sul. Trata-se da Colônia Cecília, pioneira nessa
experiência no Brasil, organizada por imigrantes italianas, e também
FKDPDGDGH9LOOD$QDUFKLD
Enfrentando uma grave crise política e econômica após sua
8QL¿FDomR QD VHJXQGD PHWDGH GR VpFXOR ;,; D ,WiOLD VRIUHX XPD
debandada de cidadãos, que atravessaram o Atlântico para “fazer a
$PpULFD´ (QWUH D ~OWLPD GpFDGD GR ;,; H DV WULQWD TXDUHQWD DQRV
LQLFLDLVGR;;PXLWRVGHVHPEDUFDUDPQRV(VWDGRV8QLGRVXQVSRXFRV
no Caribe, outros tantos em nossa vizinha Argentina, mas parcela
VLJQL¿FDWLYD FKHJRX DR %UDVLO 3RU DTXL WUDEDOKDUDP SULQFLSDOPHQWH
com agricultura, como maneira de repor a mão-de-obra escrava após
a Abolição, em 1888, e também como política de branqueamento da
população – hoje, tal medida é consensualmente um absurdo, mas na
época vários escritores defendiam essas ideias derivadas do darwinismo
social. A política de incentivo à imigração teve repercussão entre os
italianos. Alguns, de fato, prosperaram, como Francesco Matarazzo
(1854-1937). Oriundo de Castelabatte, província de Salerno, Francesco

36
Matarazzo, honrado com o título de conde, construiu no Brasil um
império do capital – a Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo (IRFM),
em seu auge, foi o maior complexo industrial da América Latina.
Outros preferiram o caminho da luta antifascista e anarquista. É
o caso de Giovanni Rossi (1856-1943). Nascido em Pisa, anarquista
desde a juventude, Rossi, junto com outras pessoas, chegou em 1890
à região de Palmeiras, Paraná, para tomar posse de terras. Baseada na
agricultura, no saber e nos valores autonomistas, a colônia experimental
&HFtOLD UHEDWL]DGD GH 9LOOD$QDUFKLD DWUDLX XP Q~PHUR UD]RiYHO GH
pessoas: cerca de 300 habitantes. Todavia, de acordo com a historiadora
Helena Isabel Mueller, nem tudo era pão, terra e liberdade na Colônia
Cecília. Professora da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG),
e doutora em História Social pela Universidade de São Paulo, Helena
0XHOOHU D¿UPD QR DUWLJR ³9LOOD$QDUFKLD´ 5+%1  TXH ³D YLGD QD
FRO{QLD&HFtOLDQmRHUDIiFLO$GL¿FXOGDGHGHFRPXQLFDomROHYRXDXP
isolamento doloroso. Foi complicada a adaptação do plantio ao solo e
ao clima diferentes do europeu: as colheitas mal davam para o sustento
de seus habitantes.” (2013, p. 22). Conforme descreve a historiadora,
parcela dos habitantes sequer partilhava dos ideias de Rossi, pois foram
enviados pelas autoridades locais. Isso provocava discórdias acentuadas.
Em 1892, muitos dos habitantes deixaram a Colônia Cecília e abalaram
de vez suas fontes de subsistência. Além disso, um dos temas libertários,
o amor livre, transformou-se em um tabu, e quando houve casos desse
tipo, prevaleceu o sofrimento, narrado com sinceridade por Giovanni
Rossi. A Colônia Cecília acabou em 1894, mas não os ideais anarquistas.
Em 1989, a Rede Bandeirantes de Televisão exibiu a minissérie Colônia
Cecília, com o ator Paulo Betti no papel de Giovanni Rossi.
Em São Paulo, por exemplo, imigrantes espanhóis e italianos
politizados transmitiam seus conhecimentos sobre socialismo e
anarquismo aos, digamos, “nacionais”, e algumas fábricas tiveram os
SULPHLURVOHYDQWHVMiQDSULPHLUDGpFDGDGRVpFXOR;;$&RQIHGHUDomR
Operária Brasileira de 1906 misturava socialistas e anarquistas –
principalmente anarquistas – e colocou o governo brasileiro, ainda em
IDVHGHVROLGL¿FDomRGD5HS~EOLFDHPHVWDGRGHDOHUWD(PMXOKRGH
GHÀDJURXVH D *UHYH *HUDO TXH DWLQJLX IXQFLRQiULRV GH IiEULFDV H GR
comércio, que padeciam com condições precárias e salários miseráveis.
As demandas anarquistas foram o estopim do confronto entre patrões,
assalariados e o governo. O abalo em São Paulo teve maior magnitude.

37
ANARQUISMO

As consequências dramáticas do assassinato, por parte das forças de


segurança, do operário anarquista espanhol Jose Martinez, em meio a
um protesto na fábrica Mariângela, no Brás, plantou a semente grevista
nos operários da Cotonifício Crespi, na Mooca, e dali para outros
locais. Uma multidão, para os padrões da cidade na época, acompanhou
o cortejo fúnebre de Martinez até o Cemitério do Araçá. Estima-se
que 70 mil trabalhadores cruzaram os braços. O Comitê de Defesa
Proletária, formado por cinco anarquistas e um socialista, procurou
negociar com os donos dos meios de produção melhores condições de
trabalho. Algumas causas foram aceitas pelo patronato, de modo que
a greve é considerada por historiadores um exemplo de êxito. Porém,
no início da década de 1920, com a União Soviética no comando das
ações de organizações socialistas, em uma estrutura de cima para baixo,
endurecida por um regime quadrado e regrado, socialistas e anarquistas
brasileiros passaram a se estranhar. “Astrojildo Pereira, ex-anarquista,
adere ao bolchevismo e participa da fundação do Partido Comunista do
Brasil (1922)” (ADDOR, 2013, p.27).
A sequencia de governos ditatoriais, o udenismo e o medo do
comunismo, que transformava qualquer insurgente, mesmo anarquista,
em adepto da “foice e do martelo” da URSS, não destruíram as células
DQDUTXLVWDVPDVGL¿FXOWDUDPGHPDLVVXDVDWLYLGDGHV4XDQWRDR3DUWLGR
Comunista, ele vivia entre o funcionamento vigiado e a clandestinidade.
Dois anarquistas atuantes no Brasil merecem destaque: José Oiticica
 ¿OyORJRHSRHWDOLEHUWiULRGHVGHWHQWRXPDQWHUYLYD
DVDWLYLGDGHVSDQÀHWiULDVDQDUTXLVWDVQRVDQRVHHQTXDQWR
o tipógrafo e jornalista Edgard Leuenroth (1881-1968) contribuiu
não apenas com suas ações, como manteve um imenso arquivo sobre
o movimento operário brasileiro, doado à Universidade Estadual
de Campinas (Unicamp). Outras informações sobre o Anarquismo
no Brasil são encontradas em vários livros incluídos no capítulo
³%LEOLRJUD¿D $QDUTXLVWD´ QHVWH OLYUR 0DLV UHFHQWHPHQWH FROHWLYRV
tem sido organizados com o suporte das redes sociais na internet – por
outro lado, grupos de extrema-direita utilizam a mesma estratégia. Para
¿QDOL]DUXPDLQLFLDWLYDTXHHQYROYHIXWHEROHDQDUTXLDR$XW{QRPRV
& Autônomas Futebol Clube, fundado em 2006, cujas cores da camisa
(vermelho e negro) são símbolos da causa do anarquismo socialista. O
WLPHDWXDQRIXWHEROGHYiU]HDGH6mR3DXORHHPVXDPDLRULDGH¿QHP
se como anarco-punks. Segundo a reportagem “Anarquia Futebol

38
Clube”, escrita em 2011 por Leonardo Calvano para a revista Carta
Capital, integrantes do time vazeano participam do Movimento pela
Passe Livre (MPL) e na Frente de Luta por Moradia (FLM).

Zélia Gattai

39
ANARQUISMO

Do punk ao ativista digital: o Anarquismo


contemporâneo
9RX GHL[DU HVFODUHFLGR GH LPHGLDWR SXQN H DQDUTXLD HPERUD
tenham inúmeros pontos em comum, não são sinônimos. Pois, bem. O
movimento punk surgiu nos Estados Unidos e na Inglaterra na década de
1970, com uma cultura própria – vestuário, literatura, ideologia, música,
hábitos – que foi retransmitida para diversos países, entre os quais o
Brasil, a partir dos jovens da periferia da cidade de São Paulo e no ABC
paulista e também em Brasília. A música foi o eixo e bandas como MC5,
New York Dolls, Ramones, Sex Pistols e The Clash preencheram o
vazio existencial da garotada em nosso país. O documentário Botinada,
GH*DVWmR0RUHLUDUHVHQKDGRQRFDStWXOR2Q]H¿OPHVSDUDHQWHQGHUR
Anarquismo conta essa história. Aos poucos, a excessiva politização
de parte dos punks irritou aqueles que só queriam diversão, bebidas,
sexo e guitarras distorcidas (ironia: nada mais anárquico que subverter
o anarquismo quando ele ultrapassa seus limites e vira doutrinação
PRGRUUHQWD &DEHORVHVSHWDGRVDO¿QHWHVHVSHWDGRVSHORFRUSRURXSDV
rasgadas, olhar furioso: a estética foi absorvida pela moda no circuito
3DULV0LOmRYLURXPDLQVWUHDPRJUD¿WHGHWUDQVJUHVVRUIRLSDUDUHP
galerias, e as coisas se embaralharam de tal maneira que tentar discernir
verdade e simulação é muito, mas muito mesmo, complicado.
A chegada da internet, e especialmente das redes sociais, entre
os anos 1990 e os dias atuais contribuíram para a rearticulação dos
movimentos anarquistas de todas as vertentes brevemente descritas
neste livro. Manifestações são organizadas pela internet, vão para
as ruas, e das ruas retornam à internet, em ciclos de comunicação
rápida. Smartphones, tablets e outros equipamentos portáteis ajudam
a transmitir informações em tempo real de ocupações, embates com
a polícia etc. Despontaram sujeitos políticos como os Cypherpunks.
Por terem como premissa a ação direta, violenta, contra propriedade
privadas e forças de segurança, os Black Blocs, surgidos na Europa
nos anos 1980, tão falados ao longo das manifestações de junho de
2013 no Brasil, geralmente são reconhecidos pelos pesquisadores como
um agrupamento de características anarquistas. Em tese, não possuem
KLHUDUTXLD GH¿QLGD VmR GHVFHQWUDOL]DGRV DQWLFDSLWDOLVWDV H UH~QHP
se na condição de pessoas interligadas por um interesse comum.
Utilizam máscaras e roupas pretas para empreender suas ações rápidas

40
e intensas. Eles são alvos de críticas severas, quase sempre amparadas
por frases feitas de quem pouco entende de história e muito conhece de
sensacionalismo. A direita, moderada ou extremista, e a esquerda mais
pragmática também não os veem com bons olhos. É disparo vindo de
qualquer lado.
Combatidos pela polícia, odiado pelos conservadores, temidos
por políticos e detonados pela grande imprensa, os anarquistas de
RULHQWDomRQmRFDSLWDOLVWDVHJXHP¿UPHVHPVHXVRQKRWmREHPGH¿QLGR
pelo poeta catalão Jesus Lizânio, não por acaso a epígrafe deste capítulo:
o sonho de um “mundo real poético”. Um mundo no qual a ordem não
precisará de coerção. Ela será conduzida pelo amor, pela poesia, pela
solidariedade.

41
ANARQUISMO
O

42
Doze pensadores
2
RVFJO҅VFODJBSBNBT
vertentes anarquistas

P
or ser o Anarquismo extremamente multifacetado,
recheado de aberturas para diálogos e disputas,
HODERUDUXPDOLVWDFRPGR]HSHQVDGRUHVLQÀXHQWHV
HP VHXV UHVSHFWLYRV PRYLPHQWRV H WHQGrQFLDV H TXH
satisfaça a todos os seus adeptos, é uma missão impossível
para Tom Cruise não botar defeito. Nesse aspecto, estou
IDGDGR DR IUDFDVVR H FRQVFLHQWH GHVVD LQVX¿FLrQFLD )D]
parte de qualquer eleição. Mas, insistente, procurei aqui
contemplar algumas das melhores cabeças e principais
variações de pensamento libertário, para demonstrar o
caráter de amplitude que sempre caracterizou a Anarquia,
dos socialistas libertários (ou anarquistas socialistas)
aos defensores do anarcocapitalismo (ou libertarismo
anarquista). O ideal é ao menos apresentar um painel
representativo com autores queridos por uns, detestados por
RXWURVPDVFRPREUDVHDo}HVVX¿FLHQWHPHQWHFRQVLVWHQWHV
SDUD HQWUDU QR URO GH LQÀXrQFLDV LQFRQWHVWiYHLV 1HP
WRGRVFRPRYRFrVOHLWRUHVSHUFHEHUmRVHDXWRGHFODUDULDP
anarquistas, embora seus livros e posturas como ativistas
e intelectuais públicos sejam profundamente inspiradores
para aqueles que brigam contra toda forma de poder.

43
ANARQUISMO

Optei por não mencionar aqui nomes óbvios, como os de


Bakunin, Godwin, Goldman, Kropotkin, Malatesta, Thoureau, Stirner
e Proudhon, pois foram citados em várias passagens deste livro, estão
da Bibliografia Básica, nos sites indicados, e são figuras absolutamente
carimbadas do anarquismo. Minha ideia é colocar autores realmente
influentes, mas que estão para além de qualquer rotulação limitadora.

Albert Camus

'H DFRUGR FRP RV ULJRUHV GH KLVWyULD GDV LGHLDV R ¿OyVRIR
escritor, dramaturgo e militante político franco-argelino Albert Camus
(1913-1960) não poderia ser descrito como um anarquista. Mas o autor
de livros como O estrangeiro, O mito de Sísifo (os dois de 1942) e
2 +RPHP UHYROWDGR   QmR GHYH MDPDLV ¿FDU GH IRUD GHVVD H
honestamente, de qualquer lista de grandes pensadores. Ele está, sim,
em qualquer biblioteca de inspiradores do Anarquismo no século
;; SRLV &DPXV p R VtPEROR GD FRUUHQWH ¿ORVy¿FD GR $EVXUGLVPR
uma síntese do Niilismo e do Existencialismo que toca em cheio nas
feridas da humanidade e nas contradições da sociedade burguesa. Sua
excepcional contribuição para a literatura rendeu-lhe o Prêmio Nobel
GHQmRUHFXVDGRGLIHUHQWHPHQWHGDDWLWXGHSRVWHULRUGR¿OyVRIRH
dramaturgo francês Jean-Paul Sartre (1905-1980). Eles seriam amigos
DWpTXDQGRDÀRUDUDPDVGLYHUJrQFLDVHVWpWLFDVHSROtWLFDV
Goleiro do Racing de Argel, um bom time argelino da época,
Albert Camus precisou encurtar sua carreira futebolística aos 17 anos,
em função de uma tuberculose. Camus entregou-se, então, de corpo e
alma aos livros e à atuação política. Defendeu sua tese de doutorado
sobre Santo Agostinho. Mas, além dos livros e de sua dramaturgia, que
fazia questão de apresentar aos trabalhadores, Camus esteve envolvido
nas causas nobres de seu tempo: a Resistência Francesa contra a invasão
nazista e a luta pela descolonização da Argélia, então dominada pela
)UDQoD R¿OyVRIRHURPDQFLVWDPRUUHXGRLVDQRVDQWHVGDLQGHSHQGrQFLD
daquele país). Albert Camus defendia a autodeterminação dos povos,
mas sob a forma constitutiva do Estado, o que não casa bem com os
princípios anarquistas. Mas esta era um urgência contra o fascismo
e o autoritarismo, e lutar contra ambos é ter o espírito de um bom
combatente libertário. Por suas severas críticas ao stalinismo, Camus
sofreu represálias e alguns creditam sua morte a uma sabotagem.

44
Noam Chomsky

1DVFLGR QD )LODGpO¿D (8$ HP $YUDP 1RDP &KRPVN\


é seguramente o mais famoso, e discutido, linguista vivo do mundo.
Professor do prestigiado Instituto de Tecnologia de Massachusetts,
o M.I.T, Noam Chomsky possui uma notável contribuição teórica,
mas muito de sua fama é fruto de seu ativismo político, ligado ao
anarcossindicalismo e ao socialismo libertário, sendo defensor dos
sistemas de autogestão de trabalhadores, comunidades e estudante. Ele
é, portanto, um incômodo combatente do modelo capitalista neoliberal.
Participante de várias edições do Fórum Mundial Social (FSM), e
sempre presente nas mídias sociais, com voz ativa em acontecimentos de
impacto, Noam Chomsky é um intelectual multipremiado, vencedor do
Prêmio Kyoto em 1988, e um dos autores mais citados em livros e artigos
FLHQWt¿FRVHPERUDVHMDFRQVWDQWHPHQWHDFXVDGRGHFKDUODWDQLVPRRX
de lançar mão de suas titulações acadêmicas para ter visibilidade como
debatedor. Nada que possa abalar sua credibilidade.
Dono de opiniões fortes – por exemplo, Chomsky acredita que
certos Estados praticam atos terroristas mais graves do que grupos
dissidentes ou paramilitares espalhados pelo mundo –, Noam Chomsky
consegue transitar com desenvoltura entre comunistas e anarquistas.
John Lechte, em sua obra 50 pensadores contemporâneos essenciais
– do estruturalismo à pós-modernidade (Difel, 2003) esclarece, no
verbete dedicado a Chomsky, que a teoria e o método do linguista da
)LODGpO¿D VmR VLJQL¿FDWLYRV H FRQWLQXDUmR D VHU HVWXGDGRV QR IXWXUR
Mas, devo ressaltar, sua ação política é não menos importante e jamais
deve ser colocada em segundo plano.

Pierre Clastres

Em julho de 1977, a Antropologia perdeu um de seus mais


brilhantes pesquisadores e ensaístas. O francês Pierre Clastres faleceu
aos 43 anos, vitimado por um acidente automobilístico. O mundo
GD HWQRORJLD ¿FRX yUImR GDTXLOR TXH HOH SRGHULD WHU SURGX]LGR FRP
tantos anos de atuação pela frente – basta lembrar que o franco-belga
Claude Lévi-Strauss (1908-2009) ultrapassou a barreira dos cem anos
45
ANARQUISMO

de idade. Nascido em Paris, em 1934, Clastres deixou como legado


uma obra-prima da etnologia, isto é, os ensaios que compõem o livro
A sociedade contra o Estado, lançado em 1974, cujo conteúdo é uma
D¿UPDomRFDWHJyULFDGDSRVVLELOLGDGHGHH[LVWrQFLDGHVRFLHGDGHVVHP
o poder coercitivo do Estado ou de um tirano. Por isso, virou o ícone da
antropologia anarquista, não na maneira como foi elaborada, pois suas
WpFQLFDVGHREVHUYDomRFROHWDGHGDGRVUHÀH[mRHUDPDEVROXWDPHQWH
regidas pelo espírito da academia francesa; mas, ai sim, em suas
conclusões originais, muitíssimo bem descritas, garantindo a ele um
OXJDU GH KRQUD QD OLVWD GRV PDLRUHV FLHQWLVWDV VRFLDLV GR VpFXOR ;;
apesar da produção abreviada pela tragédia.
Nas sociedades ditas primitivas, estudas por Pierre Clastres, havia
um “esforço permanente para impedir que os chefes de serem chefes, é
DUHFXVDGDXQL¿FDomRpRWUDEDOKRGHFRQMXUDomRGR8PGR(VWDGR´
(2012, p.231, CosacNaify Portátil). De acordo com as considerações
celebradíssimas de Pierre Clastres, a ausência de um ente soberano, de
um Leviatã hobbesiano, não era sinônimo de caos e tragédias, pois tais
sociedades sabiam se organizar para atender as necessidades e possuiam
FRQVHOKHLURV QRUPDV FyGLJRV HQ¿P XP HVFRSR GH RUGHQDomR (ODV
realizavam, na prática, o sonho anarquista da ordem sem coerção, ainda
que fosse imperfeitas e sujeitas a desvios.

Paul Feyerabend

2 ¿OyVRIR GD FLrQFLD 3DXO .DUO )H\HUDEHQG  


DXVWUtDFRGH9LHQDIRLWDOYH]RPDLRUGRVDQDUTXLVWDVPHWRGROyJLFRVGH
sua época. Publicou livros antidogmáticos, entre eles Contra o método,
Adeus à razão e A ciência em uma sociedade livre, os três editados
no Brasil pela Unesp. Por ser um autor reconhecido mais no universo
acadêmico, Feyerabend não é muito citado pelos coletivos libertários,
PDVpGH¿QLWLYDPHQWHXPDOHLWXUDREULJDWyULDSDUDWHyULFRVHFLHQWLVWDV
GH YLpV DQDUTXLVWD 2 ¿OyVRIR DXVWUtDFR p FRQWHPSRUkQHR GH RXWUR
UHQRYDGRUGDPHWRGRORJLDFLHQWt¿FDRItVLFRQRUWHDPHULFDQR7KRPDV
.XKQ   DXWRU GH $ HVWUXWXUD GDV UHYROXo}HV FLHQWt¿FDV
(Perspectiva, 2003).
Austríaco em um período de ocupação da Alemanha nazista, Paul
Feyerabend serviu em 1942 em uma unidade das forças do Eixo, esteve

46
no front oriental em 1943 e chegou a receber a condecoração Cruz de
Ferro. Tornou-se tenente, mas o maior – e mais doloroso – legado da
Segunda Guerra foram os tiros que levou, que o deixaram pelo resto
da vida apoiado em uma bengala. Há uma polêmica sobre a adesão
voluntária de Paul Feyerabend ao exército hitlerista. Seria ele, naqueles
tempos, um jovem inclinado ao nazismo? A resposta segue em aberto.
3DXO)H\HUDEHQGOHFLRQRX)LORVR¿DGD&LrQFLDVHPSUHFRPXPD
postura de combate aos modelos vigentes, nas universidades de Bristol,
Sussex, Londres e Berlim. Realizou pesquisas na London School of
Economics e, em 1958, quando foi convidado a integrar os quadros de
Berkeley, recebeu a cidadania norte-americana. Nos anos 1970, proferiu
aulas na universidade de Auckland, na Austrália. Faleceu vitimado por
um tumor no cérebro

Michel Foucault

'H 3RLWHLV FDSLWDO GR GHSDUWDPHQWR IUDQFrV GH 9LHQQH 3DXO


Michel Foucault, ou melhor, Michel Foucault (1926-1984) foi um
¿OyVRIRHVSHFLDOL]DGRHPKLVWyULDGDVLGHLDVHHSLVWHPRORJLD)RXFDXOW
era, para ser mais claro, um “arqueólogo” capaz de escavar a crueldade
das relações de poder escondidas no cotidiano da sociedade. Ele
entra no top 20 por ter teorizado sobre as instituições e sua função de
controle social, muitas vezes perceptível, outras tantas exercendo um
FRQWUROH GH WDO IRUPD LQYLVtYHO TXH ¿FD LQVFULWR HP QRVVD SVLTXH QD
docilização dos corpos – isto é, o denominado biopoder. Sua crítica da
modernidade é celebrada por quem luta contra toda forma de opressão
político-ideológica ou tentativa de enquadramento aos ditames de uma
determinada ordem, disfarçada com as vestes da legalidade, do saber
e da ciência, entre elas o Direito, a Medicina e o Estado, expressas na
linguagem e nas técnicas.
Entre os livros fundamentais de Michel Foucault estão: História
da loucura, As palavras e as coisas, Arqueologia do saber, A ordem
GR GLVFXUVR9LJLDU H SXQLU +LVWyULD GD VH[XDOLGDGH H 0LFURItVLFD GR
Poder. Foucault lecionou no Collège de France e sua obra é tratada com
destaque pelo movimento antipsiquiatria, pelos estudiosos de gênero,
pelas feministas, por antropólogos sociais, epistemólogos e teóricos
políticos.

47
ANARQUISMO

Roberto Freire

Nascido em São Paulo, o psiquiatra, psicanalista e dramaturgo


Joaquim Roberto Corrêa Freire (1927-2008), mais conhecido como
Roberto Freire (não confundir com o político pernambucano, líder do
PPS), realizou uma revolução discreta, apesar de muito admirada, no
mundo da terapia. Fundamentado pelo Anarquismo, em correlação
com as teorias de Wilhelm Reich (1897-1957), Roberto Freire produziu
livros de ensaios, teses, obras artísticas e peças de teatro baseado em
premissas como “Sem tesão, não há solução”, aliás, título de seu livro
de ensaios mais famoso. Seu método da Somaterapia, ou SOMA, não
só mostrou resultados como técnica terapêutica heterodoxa, com foco
no desbloqueio da criatividade e dos sentidos, como se transformou
em um dos eixos teórico-metodológicos da Antipsiquiatria. Ao longo
de sua carreira, e de seus mais de vinte livros, abordou temas como o
amor-livre e modos de relação libertários. Em entrevista para a Folha de
63DXORHPSRURFDVLmRGRODQoDPHQWRGHVXDDXWRELRJUD¿D(X
pXPRXWUR)UHLUHD¿UPRXTXH³(XVyIDOHLGHDPRUHPWRGDDPLQKD
vida (...) mas não tenho a menor explicação para ele [o amor]”. Esse
princípio da dúvida e da incerteza atravessou sua obra – embora o tesão,
em seus mais diferentes níveis fosse, para ele, um caminho promissor.
Roberto Freire diplomou-se em Medicina pela Universidade
do Brasil em 1952. No ano seguinte, rumou para a França para atuar
como pesquisador no prestigiadíssimo Collège de France. Depois disso,
realizou sua formação em Psicanálise pela Sociedade Brasileira de
Psicanálise e atuou no hospital psiquiátrico de Franco da Rocha. Na
militância contra a ditadura civil-militar, conheceu a cruel realidade da
tortura e da repressão, o que fez buscar fora do cânone da Psiquiatria
e da Psicanálise modos de praticar uma terapia capaz de dar conta
do lado obscuro da condição humana e suas terríveis marcas. Como
escritor, diretor de teatro, professor e jornalista, atuou como docente
na Escola de Arte Dramática da Universidade de São Paulo e escreveu
para revistas como Realidade e Caros Amigos.

48
Albert Camus Noam Chomsky

Pierre Clastres Paul Feyerabend

Michel Foucault Roberto Freire

49
ANARQUISMO

Ludwig von Mises

“Menos Marx, mais Mises”. Este tem sido um dos slogans dos
grupos adeptos do livre-mercado que, em manifestações pelo Brasil,
lutam pela saída da presidenta Dilma Rousseff, e do Partido dos
Trabalhadores, do Palácio do Planalto em Brasília. Em que pese o
erro de avaliação – O PT não pratica a política e o sistema econômico
proposto por Karl Marx e continua inserido na economia de mercado,
DSHVDU GD FULVH JUDYtVVLPD ± D ¿JXUD GR HFRQRPLVWD DXVWURK~QJDUR
Ludwig Heinrich Edler von Mises (1881-1973) é cultuada pelos liberais
UDGLFDLV6XDWHRULDGDDomRKXPDQDHLQÀXrQFLDVREUHDFRUUHQWHGR
Libertarianismo, sugerem que o expoente da Escola Austríaca tem
muitos seguidores – e não só no Brasil.
'RXWRU HP (FRQRPLD H SURIHVVRU QD 8QLYHUVLGDGH GH 9LHQD
partiu para os Estados Unidos em 1940 e, com o apoio da Fundação
Rockefeller, desenvolveu pesquisas e teorias respeitadíssimas. Apesar
de ser acusado de colaborar para regimes fascistas, Mises era de origem
judaica e temia pelo seu futuro na Áustria sob ocupação nazista. Ludwig
von Mises é venerado por quase a totalidade de anarcocapitalistas,
HPERUD HVVD FODVVL¿FDomR VHMD VLPSOLVWD SDUD GH¿QLOR &RP R OHPD
Liberdade, Propriedade e Paz, o site do Instituto Ludwig von Mises
Brasil tem o seguinte endereço: http://www.mises.org.br/

Friedrich W. Nietzsche

)ULHGULFK :LOKHOP 1LHW]VFKH   ¿OyORJR GLSORPDGR


amante da tragédia grega, esteta, a um só tempo dionisíaco e apolíneo,
¿OyVRIRSRHWD H KRPHPGLQDPLWH GH 5|FNHQ ± H QDVFLGR SyVWXPR ±
certamente torceria o nariz caso visse seu nome incluído na lista de
LQÀXrQFLDV SDUD R PRYLPHQWR DQDUTXLVWD (OH RV FKDPDYD GH ³FmHV´
e tinha aversão aos seus atos para ele selvagens. No entanto, após
publicado, o autor não tem como controlar a expansão de suas teorias.
E assim se produzem os paradoxos. O pensamento de Friedrich
Nietzsche serviu aos propósitos do nazifascismo (embora ele fosse, por
temperamento, avesso aos totalitarismos) e está na base da leitura de
inúmeros jovens que se dizem libertários. E, de fato, há brechas em seus

50
escritos para que ele seja reverenciado – por vezes odiado – a ponto de
VHWRUQDUXPtFRQHGDFXOWXUDSRSFRPUHÀH[RVQRFLQHPDQDVKLVWyULDV
em quadrinhos, nas artes plásticas, na literatura e na música. Sobre a
música, em especial, será que ele, que chegou a idolatrar o compositor
e ensaísta Richard Wagner (1813-1883), aprovaria as bandas punk e
heavy metal com temáticas nietzschianas? Deixo a questão para vocês
debaterem com os amigos.
9iULRVGHVHXVDIRULVPRVHRSLQL}HVFDVDPEHPFRPRHVStULWR
GR $QDUTXLVPR 3DUD TXHP GXYLGD VHJXH XPD ELEOLRJUD¿D EiVLFD
que não pode faltar em nenhuma estante anárquica: O anticristo, A
gaia ciência, Para além do bem e do mal e Genealogia da Moral. Já
Assim falou Zaratustra gera dúvida a esse respeito. Para sintetizar, seu
niilismo destruidor e reconstrutor, sua concepção de transvaloração dos
valores, defesa do individualismo, da expressividade artística e seus
disparos contra a religião, o modelo civilizacional do Ocidente europeu,
o sistema prussiano de educação e mesmo as formas existentes de
governo possuem dimensões de análise que contribuem, e não pouco,
para a discussão.

Ayn Rand

São Petersburgo, Império Russo, dia 2 de fevereiro de 1905.


Neste local e data nascia, sob o nome de batismo Alisa Zynovyevna
5RVHQEDXPDTXHODTXHVHULDXPDGDVPDLRUHVSHQVDGRUDVGRVpFXOR;;
D¿OyVRIDURPDQFLVWDHQVDtVWDHGUDPDWXUJD$\Q5DQG1RKRUL]RQWHGH
suas ideias, o individualismo, o capitalismo, a realidade e consciência,
HL[RVGHVHXVLVWHPD¿ORVy¿FRGHQRPLQDGRGH2EMHWLYLVPR$XWRUDGR
clássico A revolta do Atlas (1957) e ex-roteirista em Hollywood, Rand
desenvolveu teses sobre a essência do capitalismo que muito agradam a
grupos ligados ao anarcocapitalismo.
&XOWXDGD SRU OLEHUWiULRV VREUHWXGR DTXHOHV TXH VH GH¿QHP GH
direita, Ayn Rand foi homenageada com um partido político, o Partido
Libertário Americano, em 1971, fundado por David Nolan (1943-2010),
com um programa elaborado a partir de teses de Rand dos anos 1940
e 1950. Iconoclasta e avessa aos dogmas, Ayn Rand desentendeu-se
com o anarcocapitalistas Murray Rothbard – por isso não ela não é um
consenso nessa variação anarquista -, mas continuou a ser ouvida por

51
ANARQUISMO

HFRQRPLVWDVHSUR¿VVLRQDLVOLJDGRVDRFDSLWDO¿QDQFHLUR3UHVLGHQWHGR
Federal Reserve dos EUA entre 1987 e 2006, Alan Greenspan era um
OHLWRUHGLVFtSXORGD¿OyVRID

Murray Rothbard

2HFRQRPLVWDH¿OyVRIR0XUUD\1HZWRQ5RWKEDUGpUHYHUHQFLDGR
pelos adeptos do livre-mercado como um dos grandes nomes do
/LEHUWDULDQLVPR ¿ORVR¿DSROtWLFDGHGHIHVDGDOLEHUGDGHLQGLYLGXDOH
da propriedade privada) e um dos formuladores do moderno conceito
de anarcocapitalismo. Ligado ao pensamento econômico da Escola
Austríaca, Murray Rothbard nasceu na região do Bronx, em Nova York,
em março de 1926. Graduou-se em Matemática, com mestrado em Artes
HR3K'HP)LORVR¿DH(FRQRPLDSHOD8QLYHUVLGDGHGH&ROXPELD
Rothbard lecionou no Instituto Politécnico da Universidade de
Nova York e na Universidade de Nevada. Publicou, em 1962, Man,
economy and state (Homem, economia e estado), provavelmente sua
obra mais comentada. Rothbard criou em 1976 o Centro de Estudos
Libertários e, no ano seguinte, o Jornal de Estudos Libertários. Em
1982, contribuiu para a fundação do Instituto Ludwig von Mises, do
qual seria vice-presidente acadêmico. Murray N. Rothbard faleceu em
1995. Entre suas obras publicadas no Brasil estão A anatomia do estado,
A grande depressão americana, Esquerda e direita – perspectivas para a
liberdade, Governo e mercado e A ética da liberdade.

Victor Serge

$ IDPtOLD HUD GH RULJHP UXVVD H SRORQHVD PDV 9LFWRU /YRYLFK


.LEDOFKLFK R 9LFWRU 6HUJH   QDVFHX HP %UX[HODV QD
Bélgica. Seu pai, integrante da Guarda Imperial, e depois professor de
Anatomia em Bruxelas, possuía um histórico de militância no grupo
Terra e Liberdade. Foram posteriormente parar na França. Com dezoito
DQRVHEHPIRUPDGRSDUDDDomRSROtWLFD9LFWRU6HUJHLQJUHVVRXQRV
quadros do Partido Socialista Revolucionário. Desiludiu-se com o
socialismo e aderiu ao anarquismo. Tido como anarquista de orientação
LQGLYLGXDOLVWD 9LFWRU 6HUJH HVFUHYLD SDUD R SHULyGLFR / µ$QDUFKLH

52
Discórdias com o editor marcaram sua saída do jornal. Por sua ligação
com o libertário Bando Bonnot, foi condenado a cinco anos de prisão,
cumpridas justamente no início da Primeira Guerra Mundial. Libertado
em 1915, foi para a Catalunha e, posteriormente, aderiu à Revolução
EROFKHYLTXH HP  DSyV VHU PDQWLGR VRE D VXVSHLWD ± MXVWL¿FiYHO
diga-se de passagem – de ser um potencial anti-bolchevique.
9LFWRU6HUJHLQVWDODGRQD5~VVLDSyVUHYROXFLRQiULDSDUWLFLSRX
de núcleos intelectuais. Ele gostava de Lenin, e nunca deixou de
respeitá-lo, mas não poupava críticas às suas medidas. Quando Josef
6WDOLQDVVXPLXRSRGHUGD85669LFWRU6HUJHWRUQRXVHXPGHFODUDGR
membro da oposição liderada por Leon Trotsky (1879-1940) e não
KHVLWRXHPTXDOL¿FDURVWDOLQLVPRGHWRWDOLWiULR3HUVHJXLGRHH[SXOVR
GR3DUWLGR&RPXQLVWDDJUHPLDomRHPTXHVH¿OLRXSRUSUDJPDWLVPRH
pela qual nunca alimentou grandes expectativas, rumou para a França
e, com a invasão do exército nazista, partiu para o México, já com a
saúde debilitada. Escreveu romances e livros de memórias, entre eles
Memórias de um revolucionário, e faleceu em terras mexicanas, em
novembro de 1947, fulminado por um ataque cardíaco.

Mauricio Tragtenberg

Educador, sociólogo, historiador, escritor e teórico libertário,


Maurício Tragtenberg (1929-1998) entra em nossa lista por suas ideias
sobre sindicalismo e educação livres das amarras da burocracia, da
hierarquia e condicionadas a uma maior participação de operários,
DOXQRV SURIHVVRUHV HP XP PRGHOR GH DXWRJHVWmR FRODERUDWLYR 9DOH
acrescentar que Tragtenberg foi um estudioso de diversas tradições do
pensamento sociológico, e era um profundo conhecedor das teorias de
Karl Marx e de Max Weber. Dizia ser um autodidata, cujo aprendizado
se deu por meio das suas vivências e leituras – desde cedo leu Kropotkin,
Bakunin, Marx e aprendera línguas – e o fato de ser de uma familia de
judeus que chegaram ao interior do Rio Grande do Sul e depois, com
a morte do pai, partiu com a mãe para São Paulo, o fez amadurecer.
Teve problemas em seus estudos elementares, mas uma legislação na
época o permitiu realizar o concurso vestibular na Universidade de São
Paulo. Quem o avisou dessa possibilidade foi Antonio Candido, colega

53
ANARQUISMO

de Mauricio Tragtenberg nas tardes e noites na Biblioteca Mario de


Andrade. Começou a cursar Ciências Sociais, mas logo se transferiu
para a História.
Filiou-se ao Partido Comunista Brasileiro ainda na juventude,
mas por ter amigos trotskistas, um pecado quase mortal, foi expulso da
legenda. Ingressou, em seguida, no Partido Socialista Revolucionário
(PSR), encabeçado pelo jornalista Hermínio Sacchetta (1909-1982).
Maurício Tragtenberg lecionou na PUC-SP, Unicamp e na Fundação
*HW~OLR9DUJDV(VFUHYHXSDUDXPMRUQDOSRSXODUDFROXQD³1REDWHQWH´
e publicou vários livros. Sua obra tem sido reeditada pela Editora da
Unesp, incluindo a coletânea de artigos jamais lançada anteriormente
HP OLYUR7UDJWHQEHUJ GH¿QLDVH FRPR XP VRFLDOLVWD OLEHUWiULR H QmR
um anarquista, como a propósito muitos dos citados neste livro.

54
/XGZLJYRQ0LVHV Friedrich W. Nietzsche

Ayn Rand Murray Rothbard

Victor Serge Mauricio Tragtenberg

55
ANARQUISMO

56
As armadilhas
3
autoritárias

Texto de minha autoria originalmente publicado na já


descontinuada revista bimestral Conhecimento Prático
)LORVR¿D (GLWRUD(VFDOD 

N
RLQtFLRGDJUDGXDomRRVHVWXGDQWHVGH&LrQFLDV
Sociais são apresentados aos princípios
reguladores da sociedade moderna – moderna
no sentido sociológico do termo. De acordo com Émile
Durkheim, autor de As regras do método sociológico
(1895), um ato individual é, no limite, efeito causado pelo
social - e desvios de atitude provocam impactos em sua
coesão. Essa era a procura durkheimiana pelas chamadas
DQRPLDV SUHVHQWHV QR FRUSR GD VRFLHGDGH XPD ¿JXUD
GH OLQJXDJHP H[WUDtGD GD iUHD GDV FLrQFLDV QDWXUDLV
VREUHWXGR GD ¿VLRORJLD WmR SUySULD D VXD WHQWDWLYD GH
YDOLGDUHLQVWLWXFLRQDOL]DUD6RFLRORJLDFRPRXPDFLrQFLD
QR¿QDOGRVpFXORWHPSRVGRQDWXUDOLVWD&KDUOHV'DUZLQ
e seu impactante A origem das espécies (1859). Depois, os
calouros aprendem com a obra de Max Weber que o poder
se exerce baseado em instrumentos como o monopólio
GD YLROrQFLD OHJtWLPD XP GRV HOHPHQWRVFKDYH GD RUGHP
institucional.

57
ANARQUISMO

Já na introdução à Filosofia Política, os futuros cientistas sociais


leem os contratualistas John Locke, Thomas Hobbes e Jean-Jacques
Rousseau. O trio teorizava sobre a melhor solução para uma adequada
coexistência. Nas aulas de Filosofia, os alunos estudam Immanuel Kant
e G. F. W Hegel, que quebravam a cabeça para desenvolver um arranjo
capaz de assegurar o diálogo entre a sociedade e o Estado, cujas teses os
discentes conhecem ao tomar contato com o conceito de paz perpétua
katiana e com a filosofia da história hegeliana. Em síntese, de acordo
com esse conjunto de ideias a convivência em grupo pressupõe algum
grau de controle e regramento disciplinar. E tudo tem ligação mais ou
menos evidente com o processo civilizatório analisado pela psicanálise
de Sigmund Freud e, tempos adiante, pela sociologia histórica de
Norbert Elias nos dois volumes de O processo civilizador.
Ao desconstruir os sistemas disciplinares/coercitivos em seu livro
9LJLDUHSXQLU  )RXFDXOWUHOHPEUDR3DQySWLFRLGHDOL]DGRSHOR
filósofo utilitarista Jeremy Bentham. O Panóptico era uma construção
capaz de manter sujeitos sob vigilância sem que eles saibam ao certo se
estão ou não sendo observados. A imagem do panóptico é a metáfora
ideal para a argumentação foucaultiana de que não é preciso um regime
explicitamente autoritário para que os sujeitos sejam controlados e
adestrados. Em uma conclusão um tanto simplificadora, o fantasma
autoritário circula até nas sociedades ditas democráticas. Para Foucault,
prisões, escolas e manicômios são faces visíveis de uma sociedade
disciplinar que se oculta por meio do biopoder e da docilização dos
corpos, dois termos comuns ao vocabulário do pensador francês.
Os anarquistas, por sua vez, advogam que os indivíduos não
são verdadeiramente livres em nenhuma das maneiras correntes de
organização social. Os teóricos do anarquismo não pregam a desordem;
eles acreditam na ordem sem coerção. E esse é o dilema que os
contratualistas detectaram: como tornar minimamente harmoniosa
a relação entre os indivíduos? Para Hobbes, sem a mão forte do
Estado-Leviatã a “guerra de todos contra todos” teria consequências
catastróficas. Já Locke sabia que para diminuirem os atentados contra a
vida e a propriedade seriam necessários mecanismos de disciplina para
defender os sujeitos contra as ameaças de terceiros, “visando só ao bem
da comunidade”.
Abertas ou sutis, as experiências autoritárias e repressivas estão

58
presentes também nas artes. Na literatura, é notório o pesadelo distópico
do livro 1984, de George Orwell. Publicado em 1949, o romance estava
em sintonia com as preocupações do pós-Segunda Guerra Mundial,
mas foi “profético”. O “Big Brother” orwelliano terminou apropriado
e carnavalizado pela televisão em programas como o reality show
homônimo da produtora holandesa Endemol, realizado no Brasil
pela Rede Globo. Eis o sintoma para um diagnóstico foucaultiano: a
vigilância tornou-se um espetáculo. Nos acostumamos ao panóptico.
O que o filósofo, cineasta, escritor e agitador Guy Debord pensaria das
nossas “inocentes” espiadinhas?

59
ANARQUISMO

Sobre a Stasilândia

É especialmente asfixiante viver em sociedades explicitamente


repressivas, com polícias secreta e política ativas e sanguinárias. Foi
assim na Alemanha nazista com sua Gestapo, na União Soviética,
na Romênia de Ceaucescu e sua Securitate e nas sanguinolentas
ditaduras da América Latina. No livro-reportagem Stasilândia. Como
funcionava a polícia secreta alemã (Companhia das Letras, 2008, 376
p.), a jornalista australiana Anna Funder investiga o estado policial
da República Democrática da Alemanha (RDA), pertencente ao
bloco soviético e exemplo dramático de opressão. Título da coleção
“Jornalismo Literário”, Stasilândia está na mesma prateleira dos livros
Fama & Anonimato (Gay Talese), A sangue frio (Truman Capote) e
Hiroshima (John Heshey), a bela tríade de livros do new journalism. E a
obra de Funder faz boa figura na lista ao privilegiar as narrativas, seja de
vítimas ou algozes (se é que podemos dividir assim, sem controvérsias),
daqueles que conheceram os longos tentáculos do “escudo e da espada
do Partido Comunista”, a Stasi, a feroz polícia secreta da RDA fundada
em 1950. Escreve a jornalista que “A Stasi era o exército interno por
meio do qual o governo mantinha o controle. Sua missão era saber tudo
sobre todos, valendo-se dos meios que quisesse”.
Embora os alemães façam um esforço admirável de reconstituição
histórica, milhares de documentos foram destruídos desesperadamente
por agentes da Stasi no contexto da queda do Muro de Berlim. Máquinas
de triturar papéis funcionavam até explodirem. Portanto, ao privilegiar
os relatos da memória oral, Anna Funder mostra a dimensão emocional
que não fora captada pela frieza dos registros e fichas recuperados. A
robusta burocracia da RDA espionava seres humanos com sentimentos
conflitantes, que temiam a repressão estatal mas tinham fé no modelo
proposto pelo Partido Comunista, que sonhavam com as delícias do
Ocidente mas eram - e alguns continuam a ser - paradoxalmente hostis
a certos valores propagados pelo capitalismo.
O aparato da Stasi não seria viável sem o auxílio de espiões
voluntários ou coagidos. Eles se juntavam aos oficiais comandados pelo
ministro Erich Mielke, num exército correspondente, no seu auge, a um
agente/voluntário para cada 63 habitantes. Além das garras da polícia,

60
DVUiGLRVH79HVWDWDLVGLIXQGLDPXPDYLVmRJORULRVDHWULXQIDOLVWDGD
RDA. Funder entrevistou a um desses propagandistas: o jornalista K.
(9RQ6FKQLW]OHUDSUHVHQWDGRUGR'HU6FKZDU]H.DQDO1RFDStWXOR
GHGLFDGRD9RQ6FKQLDDXWRUDUHFRUGDTXHQDpSRFDGDFRQYHUVDDQRV
  D79 DOHPm H[LELD D YHUVmR ORFDO GR %LJ %URWKHU (OD ILFRX D
imaginar, com a ironia divertida característica de sua prosa, “se herr
9RQ 6FKQLW]OHU VH RIHQGHX FRP RV HFRV RUZHOOLDQRV GR SURJUDPD RX
apenas com a imbecilidade generalizada que nele impera”.
Anna Funder mergulha em sua pesquisa durante a crise no processo
de reunificação da Alemanha - e ainda são abissais as discrepâncias
entre “oriente” e “ocidente”. Moradora do trecho oriental, a jornalista
encontrou prédios sisudos e “palácios de linóleo” da época comunista
e seu olhar peca pela visão negativa e pré-concebida daquele mundo
em ruínas. Em instante algum ela faz um esforço de reflexão crítica
acerca da sociedade de controle, não cogita a hipótese de ela vigorar
em ambiente democrático, e trata tudo em termos dicotômicos, com
vantagem evidente para o bloco capitalista. No entanto, esta é apenas
uma ressalva que não pretende apagar a crueldade do estado alemão
oriental. A indignação e o horror são constatados nos episódios de
perseguição, interrogatório, tortura e paranoia coletiva de Stasilândia.
Ao folhear o livro e assistir ao filme A vida dos outros de Florian
Henckel von Donnersmarck (2006), obtemos informações suficientes
para não querer ter padecido naquele inferno.
O painel humano de Stasilândia, com seus traumas e rancores, nos
alerta para o terror de essência totalitária vivida, no caso específico, pelos
alemães orientais no período da Guerra Fria, embora, em suas lacunas
discursivas, renegue as opressões veladas do cotidiano aparentemente
tranquilo da democracia liberal. Serviços secretos, sistemas de vigilância
e códigos disciplinares vigoram nas sociedades. E a história nos conta
que o apelo à repressão pode estar sorrateiramente ao nosso lado. “As
ideologias são liberdades enquanto se fazem, opressão quando estão
feitas”, nos dizia Sartre. Sendo assim, é preciso estar atento para driblar
as armadilhas autoritárias escondidas no caminho da história.

61
ANARQUISMO
O

62
4
Biblioteca Anarquista

S
ão cem livros para começar sua coleção. A variedade
é bem bacana: obras de iniciação, ensaios densos,
URPDQFHV ELRJUD¿DV KLVWyULDV VREUH SXQN URFN H
estética e, principalmente, os livros-chaves de Bakunin,
Proudhon, Stirner, Rand e Malatesta, para quem pretende
compreender o Anarquismo e suas variantes. Há desde
autores consagrados até jovens pesquisadores com teses
UHFpPVDtGDVGRIRUQRHGLWRULDO$VDXVrQFLDVLQHYLWiYHLV
devem-se ao limite de páginas dedicadas a este capítulo.
No entanto, recomendo com entusiasmo que sejam
providenciadas buscas em livrarias, sebos e na internet
SRU REUDV GH TXDOLGDGH TXH ¿FDUDP GH IRUD 0RELOL]H RV
recursos que possuir e leia, leia, leia, leia muito, tome
QRWDVJULIHSDVVDJHQV$¿QDODVIDFXOGDGHVGHSHQVDUHR
agir estão interligadas

63
ANARQUISMO

TÍTULO AUTOR EDITORA


Anarquia, Estado e Utopia Robert Nozick WMF Martins Fontes
Contra o método Paul Feyerabend Unesp
Anarquia e Cristianismo Jacques Ellul Garimpo
Anarquismo e Educação Edson Passetti e Acácio Autêntica
Augusto
História do Anarquismo Jean Proposiet Edições 70 (Portugal)
O princípio do Estado e Mikhail Bakunin Hedra
outros ensaios
Notas sobre Anarquismo Noam Chomsky Hedra
Subjetividade, Ideologia e Silvio Gallo Alinea
Educação.
A propriedade é um roubo... Pierre-Joseph Proudhon L&PM
Anarquismo e Alberto Oliva Zahar
conhecimento
Punk – Anarquia planetária Silvio Essinger Editora 34
e cena brasileira
Anarquistas, graças a Deus! Zélia Gattai Companhia das Letras
A sociedade contra o Estado Pierre Clastres Cosac Naify
O que é anarquismo Caio Tulio Costa Brasiliense
O princípio anarquista e Piotr Kropotkin Hedra
outros ensaios
O único e sua propriedade Max Stirner Martins Editora
Os arquitetos da ordem Patrizia Piozzi Unesp
anárquica – de Rousseau a
Proudhon e Bakunin.
Sistema de contradições Pierre-Joseph Proudhon Ícone
econômicas ou A Miséria da
Filosofia
A desobediência civil Henry David Thoureau L&PM
Escritos revolucionários Errico Malatesta Hedra
Mate-me por favor – A Legs McNeil e Gillian L&PM
história sem censura do McCain
punk
Antologia do teatro Avelino Foscolo, Marino W WMF Martins Fontes
anarquista Spagnolo e Pedro Catallo
Resistência Anarquista: Raquel de Azevedo IMESP
Uma questão de identidade
(1927-1937)

64
TÍTULO AUTOR EDITORA
História das ideias e George Woodcock L&PM
movimentos anarquistas,
vol. 1 e 2.
Agora e depois: O ABC do Alexander Berkman Circula em traduções
Anarquismo Comunista independentes.
Curso livre de abolicionismo Edson Passetti (org.) Revan
penal
Guerra e política nas Thiago Rodrigues Educ
relações internacionais
Diálogo imaginário entre Maurice Cranston Hedra
Marx e Bakunin
Os rebeldes – Geração Beat Claudio Willer L&PM Editores
e Anarquismo Místico
Anarquismo – crítica e Murray Bookchin Hedra
autocrítica
Anarquismo literário Eugênio Giovenardi Kiron
História do anarquismo no Daniel Aarão Reis e Mauad
Brasil Rafael Borges Deminicis
(orgs)
Primeiras lutas operárias no João Batista Marçal Unidade literária
Rio Grande do Sul
Justiça restaurativa e Daniel Achuti Saraiva
Abolicionismo penal
Um amor anarquista Miguel Sanches Neto Record
(romance)
O banqueiro anarquista Fernando Pessoa Várias editoras
(ficção)
Corpos anárquicos Francisco Silva Cavalcanti CRV
Jr. (org.)
Cinema e anarquia Isabelle Marinone Azougue
A educação libertária Carmen Sylvia Vidigal UNIFESP
no Brasil. Acervo João Moraes (org.)
Penteado: Inventário de
fontes.
Deus e o Estado Mikhail Bakunin Hedra
O indivíduo, a sociedade e o Emma Goldman Hedra
Estado, e outros ensaios
Teoria e ação libertárias Mauricio Tragtenberg, com Unesp
organização de Evaldo
Vieira.

65
ANARQUISMO

TÍTULO AUTOR EDITORA


Memórias de um anarquista Osugi Sakae Conrad
japonês
Entre a história e Margareth Rago Unesp
a liberdade: Luce
Fabbri e o anarquismo
contemporâneo.
Os grandes escritos George Woodcock (org.) L&PM
anarquistas
Memórias de um Victor Serge Companhia das Letras
revolucionário
Anarquismo e sindicalismo Edilene Toledo Fundação Perseu Abramo
revolucionário:
trabalhadores e militantes
em São Paulo na Primeira
República
Anarquismo experimental Candido de Mello Neto EPG
de Giovanni Rossi – De
Poggio al Maré à Colônia
Cecília
Um homem vale um Carlos Augusto Addor Achiamé
homem: memória, história
e anarquismo na obra de
Edgar Rodrigues
Flores aos rebeldes Helena Isabel Mueller Aos Quatro Ventos
que falharam- A utopia
anarquista de Giovanni
Rossi. Colônia Cecília
O anarquismo da Colônia Nilton Stadler de Souza Civilização Brasileira
Cecília.
Livros proibidos, ideias Maria Luiza Tucci Ateliê Editorial
malditas Carneiro
Anarquistas, imigrantes Sheldon Leslie Marram Paz e Terra
e o Movimento Operário
Brasileiro (1890-1920)
Combates pela liberdade: o Lucio S. Parra Arquivo do Estado/
movimento anarquista sob Imprensa Oficial
a vigilância do Deops
Utopias anarquistas Flávio Luizetto Brasiliense
TAZ: Zona Autônoma Hakim Bey Conrad
Temporária
O que são as comunidades Carlos Tavares Nova Cultural/ Brasiliense
alternativas

66
TÍTULO AUTOR EDITORA
Políticas de libertação Stephen Schecter Sementeira
urbana
Sobre a liberdade John Stuart Mill Hedra
Vigiar e punir Michel Foucault Vozes
Manicômios, prisões e Erving Goffman Perspectiva
conventos
Anarquismo, Estado e Wlaumir Doniseti de Souza Unesp
Pastoral do Imigrante
Anarquismo e Giuseppina Sferra Ática
Anarcossindicalismo
O sonho libertário Cristina Hebling Campos Pontes
Por uma nova liberdade – O Murray N. Rothbard Instituto Ludwig von Mises
manifesto libertário
Discurso sobre a Servidão Étienne de la Boétie Antígona
Voluntária
Watchmen Alan Moore Panini Livros
O homem e a terra Élisée Reclus Expressão e Arte
V de Vingança Alan Moore; David Lloyd Panini Livros
O mito de Sísifo Albert Camus Record
Além do Bem e do Mal Friedrich W. Nietzsche Companhia de Bolso
Estamos vencendo! – Pablo Ortellado e André Conrad
Resistência global no Ryoki
planeta.
Gargantua e Pantagruel François Rabelais Itatiaia
Negras Tormentas Alexandre Samis Hedra
Os sovietes traídos pelos Rudolf Rocker Hedra
bolcheviques
Anarquia pela Educação Élisée Reclus Hedra
O homem revoltado Albert Camus Record
O anticristo Friedrich W. Nietzsche L&PM
Ética Libertária – a novela Ivan Rodrigues Martin Revolução E-Book
ideal e a propaganda
anarquista na Guerra Civil
Espanhola
Minha anarquia social Vinícius Ricardo do Clube dos Autores
Nascimento
Cypherpunks: liberdade e o Julian Assange Boitempo Editorial
futuro da internet

67
ANARQUISMO

TÍTULO AUTOR EDITORA


Nem pátria, nem patrão! Francisco Foot Hardman Unesp
Memória operária, cultura e
literatura no Brasil
Natureza humana – Justiça Michel Foucault e Noam WMF Martins Fontes
vs. Poder Chomsky
O anti-édipo Gilles Deleuze e Felix Editora 34
Guattari
Psiquiatria e Antipsiquiatria David Cooper Perspectiva
O estrangeiro Albert Camus Record
Poesia Marginal – Palavra Eucanaã Ferraz IMS
e Livro
Revolução e liberdade – Mikhail Bakunin Hedra
Cartas de 1845 a 1875
Entre Camponeses Errico Malatesta Hedra
O que é revolução Florestan Fernandes Brasiliense
Anarquismo ou Marxismo: Gilbert Green Achiamé
uma opção política
Historia da Anarquia Max Nettlau Hedra
– Das origens ao
anarcocomunismo
Surrealismo e anarquismo Plínio Augusto Coelho Imaginário
Max Stirner e o anarquismo Émile Armand, Jean Barrué Imaginário
individualista e Gunther Freitag
Educação, comunicação, Guilherme Correa Cortez
anarquia: procedências da
sociedade de controle
Reflexões sobre a anarquia Maurice Joyeux Terra Livre
José Oiticica – Da anarquia Maria Aparecida Munhoz de Annablume
a anarcopoesia Omena
O curto verão da anarquia Hans Magnus Enzensberg Companhia das Letras
História da loucura Michel Foucault Perspectiva
Estados fracassados Noam Chomsky Bertrand Brasil

68
69
ANARQUISMO
O

70
5
0O[F҄MNFTQBSB
entender o Anarquismo

E
u e esse meu fascínio por compilações! Estou
pedindo para ser bombardeado com mensagens
GH OHLWRUHV UHODWDQGR DXVrQFLDV ³LQGHVFXOSiYHLV´
RX TXHVWLRQDQGR HVFROKDV ³ULVtYHLV´ 0DV SRU IDYRU
antes de apontar o dedo em denúncia, sejamos francos: na
medida em que o Anarquismo pressupõe espaços para a
liberdade de opinião, ainda que nossas supostas liberdades
não tenham rompido (ainda) com as grades de um certo
número possível de escolhas oferecidas pela ordem vigente,
¿]RPHOKRUTXHPHXVFRQKHFLPHQWRVHPFLQHPDVHMDQDV
FDWHJRULDVGH¿FomRRXGRFXPHQWiULRSHUPLWLUDP$PRD
6pWLPD$UWH(HXVHLTXHYRFrVDGRUDPWDPEpP3RULVVR
a conversa aqui está em aberto; aceito sugestões para as
eventuais próximas edições deste livro. No entanto, acredito
TXH RV ¿OPHV VHOHFLRQDGRV SRVVXHP UHSUHVHQWDWLYLGDGH H
merecem ser vistos, revistos, admirados e contestados.

71
ANARQUISMO

A revolução dos bichos (1954)

Ao lado de 1984, o romance satírico A revolução dos bichos


(Animal Farm), é uma das obras mais lidas do jornalista, escritor e
agitador britânico Eric Arthur Blair, cujo pseudônimo é George Orwell.
Publicado em 1945, ainda sob as labaredas e bombas da Segunda Guerra
Mundial [1939-1945], o livro de Orwell explorava corajosamente a
temática do totalitarismo, seja ele associado ao pensamento autoritário
de direita, representado pelo nazifascismo, ou de esquerda, mais
HVSHFL¿FDPHQWH R VWDOLVQLVPR TXH Mi FRPHoDYD D FDXVDU SkQLFR QR
mundo, a despeito de muitos comunistas não considerarem o regime de
6WDOLQWRWDOLWiULR6HJXQGRIRQWHVFRQ¿iYHLV*HRUJH2UZHOOWLGRFRPR
um socialista liberal, não digeriu muito bem os descaminhos da URSS.
A revolução dos bichos teve duas versões para o cinema. Não vou tratar
DTXLGRORQJDPHWUDJHPGHIHLWRHVSHFLDOPHQWHSDUDD79SRLV
HOHVLPSOL¿FDLGHLDVHID]XPDDSRORJLDGRFDSLWDOLVPRQRPRGHORQRUWH
americanos Dirigido por John Stephenson e roteirizado por Alan Janes e
0DUWLQ%XUNHR¿OPHWHPDWpPRPHQWRVHQJUDoDGRVGLiORJRVFXULRVRV
mas presta um desserviço para quem pretende entender o conteúdo, o
contexto e as simbologias pensadas por Orwell.
A melhor adaptação do romance continua a ser a animação
britânica A revolução dos bichos, de 1954, lançada apenas quatro anos
após a morte do seu autor. A luta contra o despotismo do cruel fazendeiro
Jones, a revolta dos bichos, naufragada pela ascensão dos porcos que
propunham um regime baseado na opressão, provocou uma revolução
HQWUHRVDQLPDLV$HVWpWLFDGR¿OPHpXPVKRZPDVRUHFDGRHVWDYD
dado. A metáfora antitotalitária não poupava ninguém, nem mesmo os
supostos arautos da igualdade, e serve como um argumento de fácil
entendimento para quem quer entender os princípios anarquistas,
sobretudo no que diz respeito à recusa de autoridades coercitivas, ainda
que Orwell, o autor, não fosse considerado, ou se autodeclarasse, um
DQDUTXLVWDGHFDUWHLULQKD$GLUHomR¿FRXDFDUJRGDGXSOD-R\%DWFKHORU
(1914-1991) e John Halas (1912-1995), fundadores da companhia de
animação, baseada no Reino Unido, Batchelor & Halas, responsável
por alguns dos melhores trabalhos nesse gênero.

72
73
ANARQUISMO

Laranja Mecânica (1971)

)DOHFLGR HP  GH PDUoR GH  SRXFRV GLDV DSyV ¿QDOL]DU R
WHQVR ¿OPH 'H ROKRV EHP IHFKDGRV R FLQHDVWD URWHLULVWD H SURGXWRU
Stanley Kubrick (Nova York, 26 de julho de 1928), um garoto do Bronx,
dirigiu uma coleção de clássicos do cinema, respeitados por críticos e
DGRUDGRVSHORVHXS~EOLFR'RVR¿FLDLVWUH]HORQJDPHWUDJHQVFRPVXD
assinatura, pelo menos dez deles entrariam facilmente em uma eleição
GH FHP PHOKRUHV ¿OPHV GD KLVWyULD 1R HQWDQWR DSHVDU GH DOJXPDV
indicações, Kubrick jamais recebeu uma estatueta do Oscar, um Globo
GH2XURRXSUrPLRVQRVIHVWLYDLVGH%HUOLP&DQQHVH9HQH]DRVWUrV
de maior relevância do circuito europeu. Para não dizer que morreu de
PmRVYD]LDVJDQKRXXP/HmRGH2XURKRQRUiULRHP9HQH]D
Conhecido pelo estilo exigente e metódico, o cineasta Stanley
Kubrick, cerca de três anos após lançar 2001: uma odisseia no Espaço,
aventurou-se a adaptar para a telona o romance distópico e satírico
A Clockwork Orange (Laranja Mecânica), publicado em 1962 pelo
escritor e compositor britânico Anthony Burgess (1917-1993). O livro
de Burgess, com seu anti-heroísmo, iconoclastia e linguagem baseada
em gírias mescladas do russo e do inglês, constituiu-se desde o princípio
como uma das leituras de cabeceira para anarquistas e defensores do
livre-arbítrio – mesmo que seja para contestar os argumentos de Burgess
±DLQGDTXHVHWUDWHGHXPDREUDGH¿FomR$PLVVmRGH.XEULFNHUD
LQJOyULD7UDQVIRUPDUR¿OPHWmRFXOWXDGRTXDQWRRURPDQFH$FKRTXH
ele conseguiu. Concorda?
Ao contrário do olhar amoroso e de resistência político-social –
YLVWRSRUH[HPSORQR¿OPH$)HEUHGRUDWRUHVHQKDGRQHVWHFDStWXOR
–, Laranja Mecânica esbanja sociopatia, doses de moloko, um leite
encobrindo o coquetel de entorpecentes, a experimentação, a violência
extremada, com espancamentos e estupros, de modo que nem sempre
OLYURH¿OPHVmREHPUHFHELGRVHQWUHRVFROHWLYRVDQDUTXLVWDVDGHVSHLWR
da mensagem de ódio ao sistema de leis, ao Estado e à civilização,
com suas normas e regras. Alex DeLarge, interpretado por Malcolm
McDowell, o líder da gangue, amante de música erudita, é um símbolo
GDFRQWUDFXOWXUDHWHVWDQRVVRVOLPLWHVGHWROHUkQFLD0DV¿FDDG~YLGD
dilacerante: anarquismo sob liderança despótica? Eis o problema. Isso
é bem esquisito. Anarquista ou fascista? De todo modo, as técnicas

74
³FLHQWt¿FDV´GHUHDELOLWDomR 7pFQLFD/XGRYLFR DVHUYLoRGDSROtWLFD
H GD RUGHP FRQIHUHP R WRP FUtWLFR DR ¿OPH GH .XEULFN 2 URWHLUR
FLQHPDWRJUi¿FRVHJXHDHGLomRQRUWHDPHULFDQDGRURPDQFHGH%XUJHVV
e esse é um ponto de controvérsia, pois no original de Burgess existe
uma espécie de capítulo contendo certa redenção moral – o romancista
britânico era, acredite se quiser, um cristão – e Stanley Kubrick preferiu
VHJXLUDYHUVmRGDHGLWRUDGRV(8$+RXYHDWpR¿PHVWUDQKDPHQWRV
entre o diretor e o escritor. A edição brasileira do livro, desde a sua
primeira tradução, segue a estrutura original de Anthony Burgess.
A curiosidade: na Copa do Mundo de 1974, a seleção de futebol
da Holanda, comandada pelo engenhoso técnico Rinus Michels (1928-
2005) e pelo supercraque Johan Cruyff, depois treinador do “Dream
Team” do Barcelona no início dos anos 1990, recebeu o apelido de Laranja
Mecânica por seu estilo moderno, vibrante, dinâmico e revolucionário.
O estilo de vida anticonvencional, e de inteligência acima da média, de
alguns dos atletas da seleção da camisa laranja ajudava a compor essa
imagem. Para completar, uma banda de eletropop britânica tem o nome
de Moloko, homenagem à bebida maluca ingerida por DeLarge & cia.

75
ANARQUISMO

Um estranho no ninho (1975)

Não seria honesto cravar que o cineasta tcheco, radicado desde


1968 nos EUA, Jan Tomas Forman, mais conhecido como Milos
)RUPDQVHMDXPDSUHFLDGRUGH)LORVR¿DH&LrQFLDV6RFLDLV1RHQWDQWR
VHXV¿OPHVFRVWXPDPVHUYLUFRPRPDWHULDOGHUHÀH[mRSDUDDXODVGH
disciplinas de ambos os cursos. Primeiro exemplo: seu longa Amadeus
(1984), vencedor de oito estatuetas do Oscar, forma uma dupla
DSUHFLiYHOFRPROLYUR0R]DUW±6RFLRORJLDGHXPJrQLRGR¿OyVRIRH
sociólogo Norbert Elias (1897-1900), obra publicada postumamente em
1991, para se pensar sobre os limites da produção artística na sociedade
GHFRUWHYLHQHQVHQRVpFXOR;9,,,HPXPSHUtRGRPXLWRSUy[LPRGD
Revolução Francesa, com desdobramentos pela Europa. O segundo
exemplo é Um estranho no ninho (1975), cujo título original é One
Flew Over the Cuckoo’s Next. Baseado em um romance homônimo do
HVFULWRUHHQWXVLDVWDGDFRQWUDFXOWXUD.HQ.HVH\  R¿OPH
de Forman ilustraria muito bem uma exposição sobre os livros História
GDORXFXUDH9LJLDUHSXQLUGRLVWUDEDOKRVGR¿OyVRIRIUDQFrV0LFKHO
Foucault, ou Manicômios, prisões e conventos, do sociólogo canadense
Erving Goffman (1922-1982).
Com uma interpretação extraordinária de Jack Nicholson no
papel de Randle Patrick McMurphy, um condenado pela Justiça que se
passa por doente psiquiátrico para escapar de “encrencas” e trabalhos
forçados na prisão, Um estranho no ninho pode ser percebido como
um manifesto antimanicomial, apesar de o longa de Milos Forman,
produzido por Michael Douglas e Saul Zaentz (1921-2014), ir muito
além deste ponto. A luta contra o excesso de medicalização e contra o
isolamento dos considerados doentes mentais em hospitais psiquiátricos
é uma bandeira dos libertários, sobretudo daqueles vinculados ao
anarquismo de esquerda, e está no cerne das discussões de muitos
autores – ligados ou não aos pressupostos anarquistas. É possível ver
vários artigos e ensaios na internet, em bases acadêmicas como o Scielo.
org, sobre movimento antimanicomial e da antipsiquiatria hegemônica.
'HTXDOTXHUIRUPDR¿OPHPRVWUDDVFRQVHTXrQFLDVGDFRQWHVWDomRj
ordem, provocada pela presença de Randle McMurphy no Oregon State
+RVSLWDO$WLUDQLDMXVWL¿FDGDSHODFLrQFLDHSHODOHLpSHUVRQL¿FDGDSHOD
já clássica Enfermeira Mildred Ratched (Louise Fletcher). O espanto de

76
Randle ao descobrir que muitos pacientes estão lá por conta própria, ou
então tem o aval para saírem quando desejarem, sintetiza, em um ritmo
conduzido com maestria por Forman, as teorias foucaultianas sobre o
poder e os corpos dóceis.
3UHVHQoD FHUWD HP HOHLo}HV GH PHOKRUHV ¿OPHV GD KLVWyULD 8P
estranho no ninho recebeu cinco estatuetas do Oscar: Melhor Filme,
Melhor Diretor, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Atriz (Louise
Fletcher) e Melhor Ator (Jack Nicholson, a primeira de suas três
conquistas). A obra-prima de Forman foi nada mais, nada menos, do
que laureada nas cinco principais categorias.

77
ANARQUISMO

Terra e Liberdade (1995)

Baseado no livro Homenagem à Catalunha, ou Lutando pela


Espanha (na imprecisa tradução da edição brasileira) do escritor e
jornalista George Orwell (1903-1950), relato com impressões pessoais
sobre a sua experiência durante a Guerra Civil Espanhola [1936-1939],
R ¿OPH 7HUUD H /LEHUGDGH GR FLQHDVWD EULWkQLFR .HQ /RDFK UH~QH
poesia e militância ao tratar da temática da guerra, e da dramática
luta pela liberdade, a partir do olhar de um jovem que localiza nos
pertences do falecido avô, combatente antifascista, cartas e um pouco
de terra envolvida em um lenço. Todo a narrativa gira em torno dessas
reminiscências, que pouco a pouco revelam a sangrenta batalha pelos
diretos mais básicos do homem, e dois dos princípios libertários: terra e
liberdade. Por envolver um grupo valente de anarquistas, a Guerra Civil
Espanhola precisa ser estudada a fundo por qualquer um que pretenda
entender o assunto deste meu livro. O longa-metragem de Loach
UHFHEHXSHOR¿OPHRSUrPLRGR-~UL(FXPrQLFRGR)HVWLYDOGH&DQQHV
De família operária, o britânico Kenneth “Ken” Loach, nascido
HPDQRHPTXHHVWRXURXRFRQÀLWRQD(VSDQKDEDVHGDSHOtFXOD
DTXLGHVWDFDGDGHGLFRXVHQDPDLRULDGHVHXV¿OPHVjGHIHVDGDFDXVD
dos trabalhadores, à batalha contra regimes opressivos e ao esforço
de independência e autogestão dos povos. Muitas vezes recorreu ao
enredo de guerra civil para expor suas ideias. Terra e Liberdade, com
RSDVVDUGRVDQRVWUDQVIRUPRXVHHPXP¿OPHSDUDVHUYLVWRHUHYLVWR
PDV RXWUDV REUDV GH VXD DXWRULD FRPR 9HQWRV GD /LEHUGDGH 3DOPD
de Ouro em Cannes, 2006) e Pão e Rosas (2000) não devem nada em
qualidade e potencial crítico. Ken Loach é daqueles raros cineastas, da
estirpe de Constantin Costa-Gravas, que não disfarçam suas opiniões
SROtWLFDV H LGHROyJLFDV (OH SRGH VHU GH¿QLGR FRPR XP VRFLDOLVWD
libertário, cujos trabalhos contém elementos anarquistas menos na
HVWpWLFD FLQHPDWRJUi¿FD GR TXH QD GHQXQFLD GDV SUHFiULDV FRQGLo}HV
dos desvalidos e proletários e da irrefreável ganância dos poderosos. Ao
longo da extensa trajetória, Loach acumulou títulos de doutor honoris
causa por universidades de ponta, entre elas Oxford e recebeu, em 2014,
R8UVRGH2XUR+RQRUiULRQR)HVWLYDOGH%HUOLP6HX¿OKR-LP/RDFK
também é cineasta e dirigiu Oranges and Sunshine (2010).

78
79
ANARQUISMO

Trilogia Matrix (1999, 2002, 2003)

Referência para cyberpunks, nerds, geeks e demais viciados em


tecnologia transgressora e táticas antissistema, apesar de ter sido vista
por milhões de espectadores das mais diferentes orientações políticas
H FRPSRUWDPHQWDLV D WULORJLD GH ¿FomR FLHQWt¿FD 0DWUL[ GRV LUPmRV
Andy e Lana (nascida Larry) Wachowski é uma obra multimídia, pois
também é composta por animações, denominadas The Animatrix e o
JDPH(QWHU7KH$QLPDWUL[VHPIDODUQRVSURGXWRVGHULYDGRV±D¿QDO
o pop não poupa ninguém – tais como camisetas, adesivos, bonecos,
livros, revistas. Apesar dos efeitos colocados em combates parecerem
datados e caricaturais, os princípios da Matrix, entre eles o eterno
FRPEDWHFRQWUDRGHVSRWLVPRGRVLVWHPDD¿JXUDGHXPKHUyLUHGHQWRU
etc. continuam a fazer sentido. As contradições dos longa-metragens
provocam discussões em fóruns anarquistas.
Considerada uma trilogia pós-moderna (o conceito, em si, é
discutível), Matrix é um apanhado de referências estéticas e intelectuais:
¿OyVRIRV SUpVRFUiWLFRV VRFUiWLFRV PRGHUQRV H FRQWHPSRUkQHRV
Heráclito, Demócrito, Platão, René Descartes, Jean Baudrillard,
HVFULWRUHV GH ¿FomR FLHQWL¿FD GD OLQKD F\EHUSXQN 1HXURPDQFHU GH
:LOOLDP *LEVRQ  URPDQFHV JUi¿FRV IiEXODV LQIDQWLV FRP UHDOLGDGH
paralela, tal qual Alice no país das maravilhas, de Lewis Carroll,
passando ainda pela estética clássicos do cinema como Metrópolis,
Blade Runner e Star Wars. Tal mistura prendeu a atenção do público,
rendeu milhões aos cofres de diretores, atores e produtores, mas
desagradou a muitos, e por isso não foi uma decisão fácil incluí-lo nesta
seleção. Para muitos não passa de uma trilogia caça-níqueis, para outros
pXPDUHYROXomR$MXVWL¿FDWLYDSDUDVXDLQFOXVmRHVWiQRDUJXPHQWRH
em seu jogo narrativo.
*DOm KROO\ZRRGLDQR SURWDJRQLVWD GH ¿OPHV GH DomR SRUpP GH
talento questionado pela mídia, Keanu Reeves interpreta o programador
– e hacker conhecido pelo nickname Neo – Thomas A. Anderson, que
acaba cooptado pela trupe, como uma espécie de esperança na batalha
contra aquilo que é ilusão, adormecimento, engano. Morpheus (Laurence
Fishburne) e Trinity (Carrie Ane-Moss) são os outros protagonistas. As
UHIHUrQFLDV FRORFDGDV HP FHQD VmR WDQWDV TXH p SUHFLVR YHU RV ¿OPHV
PDLV GH XPD YH] 0DWUL[ R SULPHLUR ¿OPH GD VHTXrQFLD YHQFHX DV

80
quatro estatuetas do Oscar-2000, todas em categorias técnicas, que
disputou (Efeitos Especiais, Edição de Som, Mixagem de Som e
(GLomR 1DTXHOHDQRR¿OPHWULXQIDQWHIRL%HOH]D$PHULFDQDGH6DP
Mendes, estrelado por Kevin Spacey, astro da série House of Cards, do
1HWÀL[

81
ANARQUISMO

V de Vingança (2005)

Inspirador – e reforço aqui o termo “inspirador” – do romance


JUi¿FR9GH9LQJDQoDGH$ODQ0RRUHH'DYLG/OR\GSXEOLFDGRSHOD
'&&RPLFVRVROGDGREULWkQLFR*X\)DZNHV  pXPD¿JXUD
no mínimo controversa na história da rebeldia mundial. Personagem da
¿FomRR9GH0RRUHH/OR\GXWLOL]DXPDPiVFDUDFRPXPDPROGXUD
similar ao do rosto de Fawkes, também combate a ordem e deseja sua
OLEHUGDGH PDV DV GLIHUHQoDV SDUDP QHVWH SRQWR (QTXDQWR 9 p XP
misterioso anarquista, um justiceiro que seria um mistura de todos os
tipos tidos como “subversivos”, Guy Fawkes foi um devotado católico
que lutou contra o rei protestante Jaime I e boa parte do Parlamento
do Reino Unido. Para não cair em anacronismos, pode-se até dizer
que Guy Fawkes, ou Guido Fawkes como preferia ser chamado, era
o anarquista possível em um período anterior aos questionamentos
iluministas contra as religiões e, claro, aos teóricos do anarquismo
FRPR 3URXGKRQ .RSURWNLQ H %DNXQLQ 9 H )DZNHV OXWDUDP SHOD
liberdade contra a tirania, cada qual da sua maneira, e dentro de cada
contexto, de forma que Moore e Lloyd foram felizes quando resgataram
tal personagem da história britânica. A obra lançada pela DC Comics
rapidamente transformou-se em objeto de culto daqueles que lutam
contra a aristocracia e o Estado, visto como um Leviatã hobbesiano.
(P9IRU9HQGHWWDIRLDGDSWDGRSDUDRFLQHPDSHORGLUHWRU
GH ¿OPHV GH DomR DXVWUDOLDQR -DPHV 0F7HLJXH FRP SURGXomR GRV
consagrados Joel Silver e dos irmãos Wachowski, da trilogia Matrix,
estrelado por Natalie Portman, vencedora do Oscar de Melhor Atriz
por Cisne Negro, e Hugo Weaving. Porman interpreta Evey, uma
jovem da classe trabalhadora que vive em uma Londres distópica,
VHPXPDpSRFDGH¿QLGDEHPDRHVWLORGH/DUDQMD0HFkQLFDH
romances respectivamente de Burgess e Orwell transplantados para o
cinema. Ela percebe que algo está errado no mundo que a cerca, ao
SDVVRTXH9 :HDYLQJ KRPHPFRPRURVWRGHV¿JXUDGRHDQVLRVRSRU
YLQJDQoD SHVVRDO H FRQWUD WRGD IRUPD GH SRGHU 9 DJH QDV VRPEUDV
com sua máscara de Fawkes, e aterroriza autoridades e mesmo a pacata
população/ rebanho.
A trajetória de Fawkes, o romance de Alan Moore e David Lloyd e
R¿OPHGH0F7HLJXH¿FDUDPDTXLQR%UDVLODVVRFLDGRVDRVPRYLPHQWRV

82
de junho de 2013, cujo estopim foi o aumento das passagens de ônibus,
mas que escapou ao controle. Máscaras de Fawkes eram vistas por
toda a parte. E cada um fez a sua leitura desse conjunto de elementos.
Liberais-conservadores viram ali a oportunidade de combater o governo
e o poderio do Estado, mas com um viés de direita e em defesa do
livre-mercado e dos “cidadãos de bem” – tal como um Fawkes cristão
renovado –, enquanto os anarquistas com inclinações mais à esquerda
DFUHGLWDP TXH9 GH9LQJDQoD UHSUHVHQWD D VXEYHUVmR R FDRV D QRYD
ordem, táticas e estratégicas contra o Estado e os endinheirados. Trata-
VH GH XP ¿OPH SDUD VHU YLVWR UHYLVWD DQDOLVDGR FULWLFDGR HORJLDGR
pensado.

83
ANARQUISMO

Botinada – A história do punk no Brasil (2006)

Formado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica


de São Paulo (PUC-SP), mas jornalista musical por opção e paixão,
R SDXOLVWDQR *DVWmR 0RUHLUD IRL XP GRV SULPHLURV 9- µV GD 079
Brasil, emissora na qual apresentou programas memoráveis como
*iV 7RWDO H )~ULD 079 'HYRWR GR URFN DQG URO GR PHWDO DR SXQN
URFN *DVWmR HVWHYH j IUHQWH GR 0XVLNDRV QD 79 &XOWXUD LQLFLDWLYD
das mais anárquicas da história da televisão brasileira, com declamação
de poesias, performances improvisadas, plateia ensandecida, shows de
músicos especialmente selecionados pelo apurado ouvido musical de
Gastão Moreira, com o auxílio de sua equipe, e a participação, como
FRPHQWDULVWDGRFRPSRVLWRUHHVFULWRU-RUJH0DXWQHUXP¿OyVRIRGR
Kaos e a própria síntese do programa. O Musikaos conseguiu a proeza
GHGXUDUPDLVGHXPDWHPSRUDGD¿FDQGRQRDUHQWUHH
&RPRGL]LDRMRUQDOLVWD*D\7DOHVHVREUHDSUR¿VVmRGHUHSyUWHU
- e peço desculpas pelo trocadilho infame – Gastão “gastou as solas de
VHXVVDSDWRV´SDUDHQWUHYLVWDUYiULDV¿JXUDVPDUFDQWHVGRSXQNQR%UDVLO
Lançado pela produtora ST2 em 2006, Botinada – a origem do punk
no Brasil, curiosamente é iniciado com uma frase de Chico Buarque,
XPGRVWRGRSRGHURVRVGD03%QDTXDOHOHD¿UPDTXH³2%UDVLOpD
vanguarda do punk no mundo”. em uma hora e quinze minutos com
imagens de acervo sensacionais e depoimentos dos pioneiros do punk
rock no país do Carnaval, do futebol e, naquela época, de uma terrível
ditadura civil-militar. A ênfase é na cidade de São Paulo e na região do
ABC. As falas demonstram aversão às desigualdades, ódio às religiões,
aos governos, e uma violência contra o sistema pronta para explodir
HP JULWRV JXLWDUUDV GHVD¿QDGDV GLVWRUFLGDV H XOWUDEDUXOKHQWDV QR
vestuário ousado, na estética, na formação de gangues e no discurso
provocador, sarcástico, entre a galhofa e a revolta.
(P VHX ¿OPH *DVWmR 0RUHLUD HQWUHYLVWD QRPHV FRPR RV
jornalistas Antonio Bivar, autor de um livro de introdução sobre o punk,
Silvio Essinger, Fábio Massari, Regina Echeverria, e evidentemente
músicos como Redson (1962-2011), Clemente, Zorro, Tikão, João
Gordo, Ariel, Tina, Meire, Morto, Marcelo Nova, Fabio, Jão, Miranda,
.LG 9LQLO ËQGLR 0DX HQWUH RXWURV H[SRHQWHV 0DV QHP WRGRV VmR
unânimes quando o assunto é política. E isso é anarquia em estado puro,

84
TXHLUDPRXQmR3LHUUHGDEDQGD&yOHUDGH¿QLXEHPRTXHVLJQL¿FDYD
ser punk ao esclarecer que eles não protestavam apenas contra a ordem
vigente, mas também contra a música que tocava nas rádios e ainda
aquela que era considerada erudita ou elitista. E eles tinham horror ao
URFNSURJUHVVLYR2SXQNEUDVLOHLURHUDXPUXtGRVRQRURGHVD¿DQGRD
letargia do cotidiano.

85
ANARQUISMO

A Febre do Rato (2011)

Irandhir Santos é conhecido do grande público pelo papel do


idealista professor de História, depois deputado estadual pelo Rio de
Janeiro, Diogo Fraga (personagem claramente inspirado em Marcelo
Freixo, do Psol) no sucesso de bilheteria Tropa de Elite 2 – O inimigo
agora é outro (2010), de José Padilha. Mas quem está por dentro do
cinema brasileiro contemporâneo sabe que Irandhir é um dos mais
WDOHQWRVRV H SUHPLDGRV DWRUHV GR SDtV (P $ )HEUH GR 5DWR ¿OPH
dirigido por Claudio Assis, ele incorpora – e este talvez seja o melhor
termo – o poeta marginal, performático e anarquista Zizo, editor do
fanzine Febre do Rato. A expressão que dá nome ao longa-metragem e
ao jornal produzido em seu caótico estúdio é uma gíria bastante comum
QR 1RUGHVWH TXH VLJQL¿FD HVWDU ³IRUD GH FRQWUROH´ ³DOXFLQDGR´ HP
consequência do abuso de álcool e drogas.
Cerveja, cachaça, maconha, sexo, muito sexo, poliamor, nudez
pública e transgressão política e comportamental são elementos
constantes na obra de Claudio Assis. Filmado em preto e branco, com
IRWRJUD¿DGH:DOWHU&DUYDOKRXPGRVPHVWUHVGRPHOKRUGDSURGXomR
FLQHPDWRJUi¿FDEUDVLOHLUD$)HEUHGRUDWRWHPFRPRHL[RQDUUDWLYRD
poesia – “envenenada, mas poesia”, ele declama - e as práticas tidas
como libertárias do poeta Zizo, uma referência ao poeta recifense Miró,
embora isso não seja dito com clareza – quem nos lembra dele é o
escritor Urariano Mota. Zizo e sua turma subvertem datas sagradas e
cívicas, como a Páscoa, São João e o Sete de Setembro. Eles seriam
a própria poesia e, portanto, a liberdade. No entanto, o anarquismo de
Zizo – que, aliás, tem uma foto de Mikhail Bakunin em seu espaço
criativo e dionisíaco – é questionado debochadamente pela menina
Eneida (Nanda Costa), por quem o poeta se apaixona. Ela o chama,
sem meias palavras, de “publicitário” e coloca em dúvida a postura do
protagonista. Seria ele um egocêntrico? Desejaria ele a emancipação
dos corpos e das mentes ou queria apenas os holofotes voltados para si?
Boas perguntas.
Ambientado na capital pernambucana, com a musicalidade do
0DQJXHEHDWHFLWDo}HVDROLYUR*HRJUD¿DGDIRPHGRPpGLFRJHyJUDIR
HSROtWLFR-RVXpGH&DVWUR  R¿OPHGH&ODXGLR$VVLVSHUGH
às vezes o rumo, força um pouco a barra, contém exageros evitáveis,

86
mas não deixa de ser uma interessante forma de pensar a respeito das
barreiras físicas, simbólicas e morais que nos limitariam. Elas aparecem
no Dia da Independência, quando o grupo de amigos liderados por Zizo
– Como assim? Um anarquista carismático? Um Antonio Conselheiro
HQWRUSHFLGR" 4XHP p D¿QDO =L]R" ± VDL SHODV UXDV FRP EDQGHLUDV
panelas e buzinaços pedindo anarquia e sexo em meio ao sóbrio e
PRGRUUHQWRGHV¿OHPLOLWDUeRFDRVLQWHUIHULQGRQDRUGHPSDUDSHGLU
uma nova ordem/ desordem. E o direito de errar. E de sentir a “febre do
rato”.

87
ANARQUISMO

Entendendo o Anarquismo (2011)

$PHQVDJHPQRVVXFLQWRVFUpGLWRV¿QDLVpHORTXHQWH³'LYXOJXH
o anarquismo!”. Por isso, o documentário Entendendo o anarquismo,
possui licença livre para compartilhamento e está espalhado no YouTube,
de maneira integral ou dividido em parte, e também em blogs e sites de
coletivos. A data do lançamento do vídeo é um tanto impreciso, mas pela
pesquisa realizada chega-se à conclusão que suas primeiras exibições, ou
melhor, compartilhamentos, são de 2011. A obra, bastante didática nas
palavras, mas com um ritmo lento e estética algo metafórica, tem como
crédito de produção “Documentarioz”, provavelmente um coletivo ou
união de coletivos anarquistas. O documentário é composto por uma
trilha sonora, imagens da natureza e textos legendados explicando as
origens, as bandeiras e os principais alicerces teóricos do movimento,
com evidente ênfase à linhagem do, por assim dizer, anarquismo de
HVTXHUGD UHOHPEUDQGR RX ID]HQGR UHIHUrQFLD REYLDPHQWH jV ¿JXUDV
centrais como Bakunin, Proudhon e Malatesta.
Entendendo o anarquismo é curioso porque se trata de uma obra
extremamente elucidativa e, ao mesmo tempo, possui uma cadência que
GHVD¿DDTXHOHVFRPPDLVIDFLOLGDGHGHGLVSHUVmR2WH[WRpPXLWtVVLPR
bem escrito e informativo, mas a sequencia de imagens e a trilha sonora
poderiam facilmente servir como soníferos. Por isso, é preciso ter
disposição – e um bom copo de café – para encarar os quase 59 minutos
GHDXOD VLPpXPDEHODDXOD 2GHVD¿RHPTXHVWmRQmRpDOHDWyULRH
tem tudo a ver com uma contestação à forma predominante nas obras
DXGLRYLVXDLVSUHVHQWHVQRFLQHPDEORFNEXVWHUQD79HDWpQDLQWHUQHW
que precisa de gracejos, velocidade, sacadas rápidas e outros truques
para prender a atenção. Em Entendendo o anarquismo, a palavra tem
função essencial, embora os outros elementos não sejam aleatórios.
Para quem tem interesse, a trilha sonora é Shamanic Dreams,
XPD VRQRULGDGH GH FDUDFWHUtVWLFDV pWQLFDV VRQRULGDGH VR¿VWLFDGD H
propriedades relaxantes. É um convite à meditação. O artista nascido
na Alemanha Anugama possui um álbum com este título, lançado
em 2000. As imagens da natureza são do documentário Natures Half
Acre, de 1951, dirigido por James Algar (1912-1998) e produzido
por Walt Disney (1901-1966), vencedor do Oscar em sua categoria. A
versão completa do documentário Entendendo o anarquismo pode ser
encontrada neste link: https://youtu.be/5QO5YdPc03M.
88
89
ANARQUISMO

A educação proibida (2012)

O sistema tradicional de educação é alicerçado em dois pilares: a


tradição que remete ao modelo prussiano, hierarquizante, e na denúncia
feita por meio de pesquisas de autores como o sociólogo francês Pierre
Bourdieu (1930-2002), em livros como A reprodução – elementos para
uma teoria do sistema de ensino (1977), escrito em parceria com Jean-
Claude Passeron, no qual apresenta a maneira como certos elementos
de um capital cultural legitimado são transmitidos e reproduzidos. Os
dois pilares são sólidos e não são facilmente derrubados, ainda que
H[LVWDOX]QR¿PGRW~QHOeRTXHWHQWDDSUHVHQWDURGRFXPHQWiULR/D
Educacion Prohibida, um doc independente argentino que se converteu,
SRUVXDGLVWULEXLomRHPVLWHVGHYtGHRVFRPR<RX7XEHHQR1HWÀL[HP
um dos melhores trabalhos sobre pedagogia libertária, e por que não
dizer brincante, lúdica e livre, especialmente no contexto da América
Latina. A equipe de produção percorreu oito países e entrevistou quase
100 educadores que demonstram que uma nova forma de educar é
possível, auxiliando no desenvolvimento de um pensamento artístico,
crítico e, acima de tudo, autônomo, das crianças. É um ponto de luz em
um cenário que parecia desanimador.
O documentário é intercalado por uma narrativa, entre o teatro e o
cinema, em que alunos debatem com professores e coordenadores sobre
um texto que desejam apresentar. O conteúdo da carta é incômodo para
os educadores, especialmente para a direção, por solicitar melhorias
nas estratégias de ensino e por falar no sonho de liberdade, de libertar a
“educação proibida”, no sentido de ser censurada sempre quando ela é
levantada: uma educação voltada para o aprendizado, para a felicidade
e a plenitude dos seres em processo de formação, e não com o objetivo
de criar marionetes do capitalismo. O documentário é claramente
uma defesa de uma educação libertária – o professor é visto como um
facilitador, um mediador, e alguém que está lá para ensinar e aprender.
2¿OPHIRLUHDOL]DGRSRUPHLRGHFRQWULEXLo}HVFRODERUDWLYDVHSRVVXL
licença livre para exibição. No YouTube, existem vários links para sua
visualização, um deles, com legenda em português, é este: https://www.
youtube.com/watch?v=-t60Gc00Bt8.

90
91
ANARQUISMO

A grande noite (2012)

$GYHUWrQFLD HVWH ¿OPH GLYLGLX RSLQL}HV HQWUH RV FUtWLFRV H QmR


IRL XP VXFHVVR GH ELOKHWHULD PDV QDGD GLVVR p GHVDQLPDGRU D¿QDO
a provocação é uma das armas da arte. Dirigido pela dupla francesa
Gustave de Kervern e Benoit Delépine, A grande noite (Le grande soir)
é uma comédia que faz troça da situação social e econômica na França
e, por analogia, da Europa. O enredo conta a história de dois irmãos,
aparentemente muito diferentes entre si. Benoit (Benoit Poelvoorde) é
Not, cuja vida é baseada na linha punk desregrado, meio deslocado de
época, tanto é que ele gosta de se auto-intitular o “punk mais velho” da
Europa. Está sempre acompanhado de seu cachorro, dormindo nas ruas,
com seu apelido tatuado na testa, aplicando pequenos truques, pedindo
esmolas, em uma recusa radical a existência dentro do modelo. É uma
¿JXUD TXDVH F{PLFD H FDULFDWXUDO -i VHX LUPmR -HDQ3LHUUH $OEHUW
Dupontel) é um sujeito supostamente certinho, trabalhador, funcionário
de uma loja de colchões, com um cotidiano modorrento. Seus pais
possuem um restaurante especializado em batatas, mas que vai de mal a
pior. Um certo dia, Jean-Pierre perde seu emprego e todo o resto parece
ruir. Seu irmão “vida louca” não perde a oportunidade de convencê-lo a
aderir à sua maneira de ver, sentir e praticar a anarquia.
Juntos, os irmãos Jean Pierre e Not provocam várias confusões
pelas ruas da cidade, em um ataque quixotesco ao sistema, lutando
contra a propriedade privada e tudo aquilo que o sistema capitalista
produz e reproduz. A opção por utilizar recursos cômicos talvez tenha
provocado reações divididas, pois apesar de o humor ser uma das mais
VR¿VWLFDGDVIRUPDVGHFUtWLFDQHVWHFDVRHOHSRGHHVYD]LDUXPDFDXVD
bastante séria. De qualquer forma, A grande noite recebeu o prêmio
do Júri na mostra paralela Um certo olhar, no Festival de Cannes de
2012, e por essas e outras merece ser conferido. A propósito, Delépine
e Kervern são os diretores do elogiadíssimo longa-metragem Mamute
(2010).

92
93
ANARQUISMO

94
6
Anarquismo na Internet

Sites e blogs

$QDUTXLVPR±$)LORVR¿DKWWSD¿ORVR¿DQRVDSRSW$QDUTXLVPRKWP
Cultura y Anarquismo: http://culturayanarquismo.blogspot.com.br/
(Espanhol)
Opinião Anarquista: http://opiniaoanarquista.blogspot.com.br/
Coletivo Anarquista Bandeira Negra: http://www.cabn.libertar.org/
Autônomos e Autonomistas FC http://www.autonomosfc.com.br/
Grupo de Estudos Educação Libertária http://libertariosufpel.blogspot.com.
br/
Núcleo de Sociabilidade Libertária – Nu-Sol http://www.nu-sol.org/
Arquivo Bakunin http://arquivobakunin.blogspot.com.br/
Encyclopaedia Britannica/ Bakunin http://global.britannica.com/EBchecked/
topic/49654/Mikhail-Aleksandrovich-Bakunin (Inglês)
Anarcocapitalismo (Wikipedia.org): http://pt.wikipedia.org/wiki/
Anarcocapitalismo
A Esquerda Libertária http://aesquerdalibertaria.blogspot.com.br/
Anarquismo /Britannica Escola: http://escola.britannica.com.br/
article/483060/anarquismo
UOL Educação – Anarquismo: http://educacao.uol.com.br/disciplinas/
sociologia/anarquismo-origens-da-ideologia-anarquista.htm
Portal Anarquista: https://colectivolibertarioevora.wordpress.com/
Núcleo de Estudos Libertários Carlos Aldegheri: http://nelcarloaldegheri.
blogspot.com.br/

95
ANARQUISMO

Facebook

Anarquia é ordem (Comunidade)


Anarquismo e autogestão (Comunidade)
Libertarianismo (Grupo Público)
Anarcocapitalismo (Grupo Público)
Anarquismo, amor e paz (Comunidade)
Pedagogia Libertária y Critica (Comunidade)
Movimento Punk (Comunidade)
Democracia Popular (Grupo Público)
Anarquia Punkx (Página)
Organização Anarquista Socialismo Libertário (Página)
Manifesto Libertário (Página)
Pedagogia Libertária (Grupo Fechado)
Coletivo Sociedade Aberta (Comunidade)
Anarquismo Social – Grupo de Estudos e de Debates (Grupo Fechado)
Desobediência Civil (Comunidade)

96
Com um texto leve e objetivo, este livro tem como proposta
apresentar a vida e as principais ideias do filósofo Friedrich
Wilhelm Nietzsche (1844-1900). Cultuado pela academia e
com referências à sua obra em livros, filmes, séries e músi-
cas, o martelo filosófico de Nietzsche não foi bem compre-
endido em sua época, mas que hoje é reverenciado com um
dos maiores filósofos de todos os tempos, com aforismos
geniais e um estilo incomparável.
Escrito por Daniel Rodrigues Aurélio, mestre em Ciências
Sociais pela PUC-SP, e com vários trabalhos sobre Friedrich
Nietzsche no currículo, este livro é um verdadeiro manual
de introdução aos fundamento da filosofia nietzschiana,
além de trazer entrevistas com especialistas, dicas de sites,
livros e filmes e tudo o mais para você ter um panorama
completo sobre o autor Para além do bem e do mal, entre
outros grandes trabalhos.

Das könnte Ihnen auch gefallen