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Mecânica Estatística

Daniel A. Stariolo

Departamento de Física
Universidade Federal do Rio Grande do Sul

2013

i
Sumário

1 Fundamentos da Mecânica Estatística 1


1.1 A hipótese ergódica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2
1.2 Sistemas quânticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5

2 Teoria de ensembles estatísticos 9


2.1 O ensemble microcanônico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
2.1.1 Gás ideal monoatômico clássico . . . . . . . . . . . . . . 11
2.1.2 A formulação de Gibbs . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
2.2 O ensemble canônico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
2.2.1 Flutuações da energia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
2.2.2 Gás ideal no ensemble canônico . . . . . . . . . . . . . . 18
2.2.3 A densidade de estados e a função de partição . . . . . . . 19
2.3 O ensemble Grande Canônico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20

3 Estatísticas quânticas 23
3.1 Sistemas de partículas indistinguíveis . . . . . . . . . . . . . . . 23
3.2 Gases ideais quânticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
3.2.1 O gás de Maxwell-Boltzmann e o limite clássico . . . . . 28
3.2.2 Estatística de Bose-Einstein . . . . . . . . . . . . . . . . 31
3.2.3 Estatística de Fermi-Dirac . . . . . . . . . . . . . . . . . 32

4 Gás ideal de Bose-Einstein 33


4.1 A condensação de Bose-Einstein . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33

5 Gás ideal de Fermi-Dirac 45


5.1 Gás de Fermi completamente degenerado
(T = 0) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
5.2 Gás de Fermi degenerado (T ≪ TF ) . . . . . . . . . . . . . . . . 48

ii
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 iii

6 Interações, simetrias e ordem em matéria condensada 49


6.1 Líquidos e gases . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
6.2 Redes cristalinas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
6.3 Sistemas magnéticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55
6.4 Ordem posicional e orientacional em cristais líquidos, microemul-
sões e copolímeros de dibloco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58
6.5 Simetrias e parâmetros de ordem . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67

7 Transições de fase e fenômenos críticos 70


7.1 O modelo de Ising em d = 1: solução exata . . . . . . . . . . . . 70
7.2 Teoria de campo médio do modelo de Ising . . . . . . . . . . . . 75
7.2.1 Aproximação de Bragg-Williams . . . . . . . . . . . . . 75
7.3 A teoria de Landau de transições de fase . . . . . . . . . . . . . . 80
7.3.1 Transições de fase continuas . . . . . . . . . . . . . . . . 80
7.3.2 Transições de primeira ordem na teoria de Landau . . . . 84
7.4 Flutuações do parâmetro de ordem . . . . . . . . . . . . . . . . . 86
7.5 Funções de correlação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88
7.5.1 Correlações na teoria de Landau . . . . . . . . . . . . . . 92
7.6 Sistemas com simetria O(n) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95
7.7 Cristais líquidos: a transição isotrópico-nemática em d = 3 . . . . 98
7.8 Validade da teoria de campo médio: o critério de Ginzburg . . . . 103

8 O Grupo de Renormalização 109


8.1 A hipótese de escala . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109
8.1.1 A hipótese de escala e as correlações . . . . . . . . . . . 113
8.2 O Grupo de Renormalização no espaço real . . . . . . . . . . . . 115
8.2.1 A invariância de escala . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 118
8.2.2 O modelo de Ising em d = 1 . . . . . . . . . . . . . . . . 120
8.2.3 O modelo de Ising na rede quadrada (d = 2) . . . . . . . . 124
8.3 A formulação geral do Grupo de Renormalização . . . . . . . . . 127
8.4 Renormalização do modelo de Ising na rede quadrada . . . . . . . 132

Referências Bibliográficas 136


Capítulo 1

Fundamentos da Mecânica
Estatística

A Termodinâmica é uma teoria macroscópica, com um formalismo elegante, de


grande generalidade, construido sobre poucas hipóteses fundamentais. O conceito
central da termodinâmica é a entropia, a qual é definida de forma um tanto abs-
trata, através de um princípio variacional que determina o estado de equilíbrio
termodinâmico do sistema. Este formalismo macroscópico descreve os efeitos
macroscópicos de sistemas formados por um grande número de entes microscó-
picos, sejam partículas, células, spins, etc. que obedecem as leis fundamentais
da Mecânica Clássica (leis de Newton) ou Quântica (equação de Schroedinger),
segundo o caso. Uma descrição microscópica destes sistemas deve então, ne-
cessariamente, partir das leis da Mecânica. A Mecânica Estatística estabelece a
conexão entre os dois níveis de descrição: o macroscópico (Termodinâmica) e o
microscópico (Mecânica).
Ao tentar descrever as propriedades de um sistema formado por um grande nú-
mero de partículas se torna necessário recorrer a uma descrição probabilística
do estado de um sistema. Um estado microscópico, ou microestado de um sis-
tema de N partículas corresponde ao conjunto dos graus de liberdade do mesmo,
por exemplo as 3N coordenadas e os 3N momentos generalizados em um sistema
clássico, ou ao conjunto de números quânticos que caracterizam a função de onda
de um sistema quântico. O conjunto de microestados compatíveis com os valores
das variáveis macroscópicas do sistema , como a energia interna U, o volume V e
o número de partículas N, constitui um macroestado ou estado macroscópico.
Descrever o estado microscópico exato de um conjunto de N partículas para
todo tempo é uma tarefa formidável. No entanto, o estado de equilíbrio termo-

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dinâmico é determinado em função de umas poucas variáveis. O programa da


Mecânica Estatística é associar um peso ou probabilidade de ocorrência aos di-
ferentes microestados e predizer o resultado médio de um conjunto grande de
medidas de um observável dado. A própria teoria fornece, por sua vez, uma pre-
dição das flutuações que podem ocorrer nestas medidas.

1.1 A hipótese ergódica


Consideremos um sistema clássico de N partículas, isolado em um volume V ,
cuja dinâmica obedece as equações de Hamilton. Um microestado deste sistema
fica definido pelos valores instantâneos das 3N coordenadas generalizadas qi e os
3N momentos generalizados pi :

dqi ∂H(p, q)
=
dt ∂pi
dpi ∂H(p, q)
= − (1.1)
dt ∂qi

onde H(p, q) é o Hamiltoniano do sistema e (p, q) representa um vetor do espaço


de fase com 6N componentes. Como o sistema é isolado, H não depende expli-
citamente do tempo, o sistema é conservativo e H é uma constante do movimento
que corresponde a energia mecânica:

H(p, q) = E. (1.2)

A identidade anterior define uma superfície de energia no espaço de fase. A evo-


lução do sistema conservativo é descrita por uma trajetória ou curva no espaço
de fase sobre a superfície de energia. Como na Mecânica Clássica cada condição
inicial (p0 , q0 ) determina de forma unívoca e evolução do sistema, trajetórias no
espaço de fase nunca se cruzam.
Para uma dada energia do sistema E (constante) existe um conjunto infinito
de microestados. Definimos a função ρ(p, q, t) como sendo a densidade de pro-
babilidade de encontrar o sistema em um elemento de volume dp dq no espaço
de fase ao tempo t. O conjunto de pontos (p, q) cuja probabilidade ao tempo t
é ρ(p, q, t)dp dq formam um ensemble estatístico. Cada ponto representa uma
cópia exata do sistema em um microestado diferente. O conceito de ensemble es-
tatístico foi introduzido por J. W. Gibbs. A densidade de probabilidade deve estar
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normalizada para todo tempo:


Z
ρ(p, q, t) dp dq = 1 (1.3)
Γ

onde a integração se extende a todo o espaço de fase Γ.


Para obter as equações que regem a dinâmica do sistema de N partículas co-
meçamos considerando que o número de partículas se deve conservar. Conside-
remos a probabilidade de encontrar o sistema dentro de um volume V0 , limitado
por uma superfície S. A medida que o tempo passa algumas trajetórias saem de
V0 e a probabilidade correspondente P (V0 ) muda. Como a probabilidade total é
conservada, eq. (1.3), e as trajetórias não se cruzam, a variação da probabilidade
deve corresponder ao fluxo da mesma através da area S, como acontece com um
fluido:
dP (V0) ∂
Z Z
= ρ(p, q, t) dp dq = − ~n · J~ dS (1.4)
dt ∂t V0 S

onde J~ = ~v ρ é uma corrente de probabilidade e ~n é um vetor unitário normal à


superfície S. Usando o Teorema de Gauss:

Z Z
ρ(p, q, t) dp dq = − ~ · J)
(∇ ~ dp dq (1.5)
V0 ∂t V0

Como V0 é arbitrário
dρ ~
+ ∇ · (~v ρ) = 0 (1.6)
dt
Mas

~ · ~v = ∂ q̇ + ∂ ṗ

∂q ∂p
3N    
X ∂ ∂H ∂ ∂H
= + − =0 (1.7)
i=1
∂qi ∂pi ∂pi ∂qi

Então:
∂ρ ~ = 0.
+ ~v · ∇ρ (1.8)
∂t
A equação anterior se conhece como o Teorema de Liouville. Diz que a de-
rivada total, ou derivada convectiva de ρ é nula para qualquer ponto e qualquer
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instante. Podemos interpretar então a evolução dos pontos do ensemble estatístico


no espaço de fase como sendo análogos a um fluido incompressível. Notando que

~ = q̇ ∂ρ ∂ρ ∂H ∂ρ ∂H ∂ρ
~v · ∇ρ + ṗ = − = {ρ, H} , (1.9)
∂q ∂p ∂p ∂q ∂q ∂p
onde {ρ, H} é o parêntese de Poisson entre ρ e H, podemos reescrever o Teorema
de Liouville da seguinte forma:
∂ρ
= − {ρ, H} . (1.10)
∂t
Em equilíbrio, ρ naõ depende explicitamente do tempo e então {ρ, H} = 0. Esta
condição se pode satisfazer, por exemplo, se ρ for uma função explícita de H,
ou seja, se ρ(p, q) ≡ ρ[H(p, q)]. O caso mais simples corresponde a ρ = cte.
Agora estamos em condições de enunciar o Postulado Fundamental da Mecâ-
nica Estatística. Para formular o mesmo de forma transparente conceitualmente,
vamos relaxar a condição que a energia seja estritamente constante, permitindo
então que flutue entre dois valores próximos E e E + ∆, com ∆ ≪ E. Isto pode
ser justificado pelo fato de, na realidade, não existirem sistemas perfeitamente iso-
lados. A posteriori vamos ver que esta condição não afeta os resultados, que serão
independentes de ∆.

Postulado de igual probabilidade a priori: Em um sistema isolado, em


equilíbrio com energia entre E e E + ∆, todos os microestados acessíveis são
igualmente prováveis
Formalmente:
 1
Γ(E)
se E ≤ H(p, q) ≤ E + ∆
ρ(p, q) = (1.11)
0 caso contrário

onde Z
Γ(E) = dp dq (1.12)
E≤H(p,q)≤E+∆

é o volume do espaço de fase ocupado pelo sistema. O ensemble assim definido


se chama ensemble microcanônico.

A hipótese ergódica
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A média temporal de uma função f (p, q) ao longo de uma trajetória é defi-


nida como
1 t0 +T
Z
hf iT = lim f (p(t), q(t)) dt (1.13)
T →∞ T t
0

A média de ensemble do mesmo observável é definida como


Z
hf ie = f (p, q) ρ(p, q) dp dq (1.14)
1
Z
= f (p, q) dp dq (1.15)
Γ(E) E≤H(p,q)≤E+∆

Um sistema é considerado ergódico se hf i = hf ie = hf iT


A hipótese ergódica, introduzida por L. Boltzmann, consiste em assumir que
sistemas com N ≫ 1 são ergódicos. Este é um postulado que em geral só pode ser
verificado “a posteriori”, pelas consequências sobre o comportamento do sistema.
A hipótese ergódica, de certa forma, justifica o postulado e igual probabilidade
a priori, pois implica que, se um sistema é ergódico, a fração de tempo que ele
passa em uma região restrita do espaço de fase acessível é proporcional ao volume
dessa região, e não as posições particulares na superfície de energia ocupadas pelo
sistem em um determinado tempo. Isto se pode ver da seguinte forma: seja R uma
região com R ⊂ Γ. Definimos:

1 se (p, q) ∈ R
φR (p, q) = (1.16)
0 caso contrário

ROt0tempo que o sistema passa em R durante o intervalo T é dado por τR =


+T
t0
φ(p(t), q(t)) dt. Se o sistema é ergódico

τR 1 Γ(R)
Z
lim ≡ hφiT = φ(p, q) dp dq = (1.17)
T →∞ T Γ(E) E≤H(p,q)≤E+∆ Γ(E)

1.2 Sistemas quânticos


Em Mecânica Quântica os estados microscópicos de um sistema são definidos
pela função de onde Ψ(q), solução da equação de Schrödinger para N partícu-
las. Como esta tem uma interpretação probabilística, intrínseca ao formalismo
quântico, devemos redefinir o conceito de ensemble para sistemas quânticos.
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A função de onda Ψ(q) pode ser desenvolvida em termos dos elementos de


uma base ortonormal de autofunções de algum operador:
X
Ψ(q) = cn φn (q) (1.18)
n

onde |cn |2 é a probabilidade de encontrar o sistema no autoestado φn .


O valor esperado (quântico) de um observável Ô é dado por
Z
hΨ|Ô|Ψi = Ψ∗ (q)ÔΨ(q) dq
X
= Omn cn c∗m (1.19)
m,n

onde Omn = hφm |Ô|φn i são os elementos de matriz do operador Ô na base consi-
derada. Em um sistema formado por muitos corpos existirão muitos microestados
Ψi (q) compatíveis com os vínculos macroscópicos, e estes serão a base para defi-
nir um ensemble. Explicitamente:
X
Ψi (q) = cin φn (q) (1.20)
n

e X
hΨi |Ô|Ψi i = Omn cin ci∗
m (1.21)
m,n

representa o valor esperado quântico do operador Ô no microestado Ψi (q). Se


agora cada microestado possui uma probabilidade de ocorrência pi , a média de
ensemble do observável Ô é dada por:
X
hÔi = pi hΨi |Ô|Ψi i
i
X X
= pi Omn cin ci∗
m (1.22)
i m,n

Podemos definir uma matriz de elementos ρnm :


X
ρnm = pi cin ci∗
m (1.23)
i

tal que X
hÔi = ρnm Omn (1.24)
m,n
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O operador cujos elementos de matriz na base ortonormal de autoestados φn são


os ρnm é conhecido como operador densidade:
Z
ρnm = φn (q) ρ̂ φ∗m (q) dq ≡ hφn |ρ̂|φm i (1.25)

Com esta definição, a média no ensemble de um operador Ô pode ser escrita como
X 
hÔi = ρ̂Ô = T r ρ̂Ô = T r Ô ρ̂ (1.26)
nn
n

Notemos que
X X X X
T r ρ̂ = ρnn = pi |cn |2 = pi = 1, (1.27)
n i n i

o que permite interpretar o elemento ρnn como a probabilidade de encontrar o


sistema no autoestado φn .
O operador densidade se pode expressar também em forma matricial:
X
ρ̂ = pi Ψi Ψi† (1.28)
i

onde
c1
 
 .. 
i  . 
Ψ = e Ψi† = (c∗i , . . . c∗l , . . .) (1.29)
 cl 

..
.
Os microestados satisfazem a equação de Schroedinger ih̄∂Ψi /∂t = ĤΨi . Trans-
pondo e tomando o complexo conjugado obtemos:

∂Ψi†
−ih̄ = Ψi† Ĥ † = Ψi† Ĥ (1.30)
∂t

onde usamos o fato que Ĥ é hermitiano. Com este resultado e a definição (1.28)
pode-se mostrar que ρ̂ satisfaz
∂ ρ̂ h i
ih̄ = − ρ̂, Ĥ (1.31)
∂t
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onde o lado direito representa o comutador de ρ̂ e Ĥ. Este resultado corresponde


ao Teorema de Liouville para sistems quânticos descritos por uma matriz densi-
dade ρ̂.
Se φn é um estado de um base ortonormal do Hamiltoniano Ĥ, então Ĥφn =
En φn . Para um sistema isolado com energia entre E e E + ∆E, sejam φl , l =
1, . . . , M(E) o conjunto de autoestados de energia E. Então, o postulado de igual
probabilidade a priori, para o caso de um sistema quântico, corresponde a
 1
M (E)
para l = 1, 2, . . . , M(E)
ρll = (1.32)
0 para o resto
Capítulo 2

Teoria de ensembles estatísticos

2.1 O ensemble microcanônico


O postulado de igual probabilidade a priori permite determinar a probabilidade
de encontrar o sistema em um microestado compatível com os vínculos macros-
cópicos, e a partir da probabilidade podemos determinar valores médios de ob-
serváveis como energia, magnetização, etc. Para obter uma conexão com a ter-
modinâmica temos que estabelecer uma definição microscópica para a entropia.
Como a probabilidade é uma função do número de microestados, e ela é uma
quantidade fundamental, é razoavel pensar que a entropia também será função
do número de microestados. Em um distema quântico, com nívesi de energia E
discretos, a definição do número de micrestados W (E) de energia E é imediato.
No caso clássico é necessário definir um volume unitário no espaço de fase, que é
um espaço continuo, tal que permita contar o número de microestados, e que seja
compatível com a Mecânica Quântica em algum limite apropriado. Definimos en-
tão W (E) = Γ(E)/h3N como sendo o número de células unitárias no espaço de
fase correspondentes a um volume Γ(E) nesse espaço. h é a constante de Planck,
de forma que, consisitente com o Princípio de Incerteza ∆p ∆q ∼ h, e razoável
considerar o volume mínimo acessível como sendo da ordem de h.
Para definirmos uma entropia que seja compatível com o formalismo termodi-
nâmico, esta deve ser
• Aditiva, e

• Satisfazer o princípio variacional do segundo postulado da Termodinâmica.


Consideremos dois sistemas com W1 e W2 microestados respectivamente. O

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número total de microestados do sistema composto será W = W1 × W2 . Mas


a condição de aditividade da entropia implica S(W ) = S(W1 ) + S(W2 ), e por
tanto deve ser proporcional ao logaritmo de W . Definimos então a entropia de
Boltzmann como:
S(E) = kB ln W (E) (2.1)
Consideremos agora os subsistemas (1) e (2) separados por uma parede adiabática,
fixa e impermeável, como mostra a figura (a incluir!), de forma que H(p, q) =
H1 (p1 , q1 ) + H2 (p2 , q2 ). A entropia de cada subsistema é dada por:
S1 (E1 , V1 , N1 ) = kB ln Γ1 (E1 )/h3N


S2 (E2 , V2 , N2 ) = kB ln Γ2 (E2 )/h3N



(2.2)
O volume total do espaço de fase é Γ(E) = Γ1 (E1 ) × Γ2 (E2 ), onde E = E1 + E2 .
A entropia do sistema completo é então
S(E, V, N) = kB ln Γ(E)/h3N

(2.3)
= kB ln Γ1 (E1 )/h3N + kB ln Γ2 (E2 )/h3N
 

= S1 (E1 , V1 , N1 ) + S2 (E2 , V2 , N2 )
Resta verificar se a definição de Boltzmann satisfaz a segunda condição. Para isto
suponhamos que removemos a parede adiabática e permitimos que os subsistemas
troquem energia (parede diatérmica). Desta forma a energia de cada subsistema
poderá variar entre 0 e E, tal que E1 + E2 = E em todo momento. O número de
microestados do sistema total, de energia E, pode ser escrito como
Γ(E, E1 ) 1
W (E, E1 ) = 3N
= 3N Γ1 (E1 )Γ2 (E − E1 ) (2.4)
h h
O número total de microestados compatível com a energia E será dado pela soma
de W (E, E1 ) para todos os valores de E1 entre 0 eE. Se dividirmos o espectro de
energias em intervalos de largura ∆, então
E/∆
X
Γ(E) = Γ1 (Ei )Γ2 (E − Ei ) (2.5)
i=1

Como Γ(E) é uma função monotona crescente de E, quando Γ1 (Ei ) cresce,


Γ2 (E − Ei ) decresce, e viceversa. Se conclui que Γ(E) deve passar por um má-
ximo em algum valor 0 ≤ Ei ≤ E. Sejam E 1 e E 2 = E − E 1 os valores das
energias para as quais Γ1 (E1 )Γ2 (E2 ) é máxima. Então se deve satisfazer:
E
Γ1 (E 1 )Γ2 (E 2 ) ≤ Γ(E) ≤ Γ1 (E 1 )Γ2 (E 2 ) (2.6)

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ou
 
  E  
ln Γ1 (E 1 )Γ2 (E 2 ) ≤ ln Γ(E) ≤ ln + ln Γ1 (E 1 )Γ2 (E 2 ) (2.7)

Em geral o número de microestados cresce exponencialmente com o número de


partículas, de forma que ln Γi ∝ Ni , ou seja, a entropia é extensiva, entanto que
a energia cresce proporcionalmente a N: E ∝ N = N1 + N2 . Desta forma, no
E
limite N1 , N2 → ∞ o termo em ln ∆ se torna desprezível frente a ln Γ e

S(E, V, N) = S1 (E 1 , V1 , N1 ) + S2 (E 2 , V2 , N2 ) + O(ln N) (2.8)

A entropia de Boltzmann é aditiva e extensiva, e os subsistemas tomam valores de


energias E 1 e E 2 que maximizam o número total de estados acessíveis. No limite
termodinâmico este resultado corresponde ao segundo postulado da Termodinâ-
mica.
Ainda considerando que a probabilidade dos subsistemas se encontrarem com
energias E1 e E2 será proporcional ao número de microestados compatíveis, temos
que
ln P (E1 ) = cte + ln Γ(E1 ) + ln Γ(E − E1 ) (2.9)
Maximizando em relação a E1 obtemos

∂ ln P (E1 ) ∂ ln Γ(E1 ) ∂ ln Γ(E − E1 )


= − =0 (2.10)
∂E1 ∂E1 ∂E2
Agora usando a definição de entropia de Boltzmann obtemos

∂S1 ∂S2 1 1
= ou = (2.11)
∂E1 E1 =E 1
∂E2 E2 =E 2
T1 T2

que corresponde à condição de equilíbrio térmico. Vemos então que a condição


de equilíbrio térmico é equivalente à condição de máximo da entropia.

2.1.1 Gás ideal monoatômico clássico


O Hamiltoniano de um gás clássico de partículas não interagentes é
N
X p2i
H= (2.12)
i=1
2m
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Para obter o número de microestados com energia entre E e E + ∆ é mais conve-


niente calcular Z
Σ(E) = dp dq (2.13)
H(p,q)≤E

Então Γ(E) = Σ(E + ∆) − Σ(E). É possível mostrar que quando N → ∞, Γ(E)


e Σ(E) diferem em termos O(ln N). Por tanto, se estamos interessados no limite
termodinâmico, podemos escrever
 
Σ(E)
S(E) = kB ln (2.14)
h3N
onde Z
Σ(E) = dp dq = V N Ω3N (R) (2.15)
H≤E
e onde Ω3N (R) é o volume de uma hiperesfera de dimensão 3N e raio R =

2mE:
3N
Ω3N (R) = C3N E 2 (2.16)
Assim,
3N
V N C3N E 2
S(E) = kB ln (2.17)
h3N
É possível calcular C3N . Aproximando a expressão resultante para N ≫ 1 se
obtém: "  3/2 #
3 4πm E
S(E) = NkB + NkB ln V (2.18)
2 3h2 N
Invertendo esta expressão obtemos a energia interna como função de S, N e V , e
a partir dali podemos obter as equações de estado do gás ideal e demais grandezas
termodinâmicas. No entanto, podemos notar que se multiplicarmos E, V e N por
um fator λ arbitrário obtemos que S(λE, λV, λN) 6= λS(E, V, N). Ou seja, a
forma obtida da entropia não é extensiva ! J. W. Gibbs resolveu este problema,
postulando que o número de microestados no calculo anterior foi superestimado
e propondo um fator de correção Σ(E) → Σ(E)/N! que leva em conta a indis-
tinguibilidade das partículas do gás ideal. O problema da contagem de partículas
em um gás ideal clássico é conhecido como Paradoxo de Gibbs. Incluindo o fator
N! na contagem do número de microestados se chega a seguinte expressão para a
entropia:
"   #
  3/2
3 5 4πm V E
S(E) = NkB + ln + Nk B ln (2.19)
2 3 3h2 N N
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Esta expressão é extensiva e se conhece como Fôrmula de Sackur e Tetrode. A


introduçao ad hoc do fator de contagem de Gibbs aparece de forma natural em
sistemas quânticos de partículas indistiguíveis e será visto quando tratemos o pro-
blema dos gases ideais quânticos.

2.1.2 A formulação de Gibbs


J. W. Gibbs propós uma expressão para a entropia alternativa à de Boltzmann e
que permite formular a teoria a partir de um principio variacional. Se ρ(p, q) é a
densidade de probabilidade de equilíbrio, a entropia de Gibbs é dada por:

S = −kB hln (h3N ρ)i (2.20)

onde a média deve ser calculada em relação a própria distribuição ρ, ou seja


Z
S = −kB ρ(p, q) ln h3N ρ(p, q) dp dq
 
(2.21)

Agora vamos postular que a densidade de equilíbrio é aquela que maximiza a


entropia de Gibbs, sujeita aos vínculos macroscópicos. Para um sistema no en-
semble microcanônico, onde E,V e N são fixos, vamos exigir a normalização:
Z
ρ(p, q) dp dq = 1 (2.22)

Vínculos podem ser considerados no princípio variacional via multiplicadores de


Lagrange. Vamos exigir que
 Z 
δ S[ρ] − α0 ρ dp dq = 0 (2.23)

onde δ indica uma variação funcional. Desenvolvendo a variação obtemos:


Z
S[ρ + δρ] − S[ρ] − α0 [ρ + δρ − ρ] dp dq = 0 (2.24)
Z Z
(ρ + δρ) ln [h3N (ρ + δρ)] − ρ ln (h3N ρ) dp dq − α0 δρ dp dq = 0

−kB

Expandindo até primeira ordem em δρ


Z
−kB − kB ln [h3N ρ] − α0 δρ dp dq = 0

(2.25)
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 14

Como δρ é arbitrário, se obtém


1 −α0 /kB −1
ρ(p, q) = e = cte. (2.26)
h3N
A condição de normalização da probabilidade fixa o multiplicador de Lagrange
α0 , resultando:
1
ρ(p, q) = para E ≤ H(p, q) ≤ E + ∆ (2.27)
Γ(E)
Notamos que, neste caso de um sistema isolado, a distribuição equiprovável é a
que maximiza a entropia de Gibbs ( a segunda variação permite mostrar que o
extremo obtido é, de fato, um máximo). Substituindo na definição:
kB
Z
3N
ln h3N /Γ(E) dp, dq
 
S(E) = −kB hln (h ρ)i = − (2.28)
Γ(E)
ou  
Γ(E)
S(E) = kB ln (2.29)
h3N
que coincide com a expressão da entropia de Boltzmann.

2.2 O ensemble canônico


Em geral os sistemas não são isolados. Suponhamos um sistema que possa trocar
calor com um reservatório térmico a temperatura T . O sistema composto é consi-
derado isolado, com energia E0 = ES +ER fixa. Vamos supor ainda que o sistema
e o reservatório estão separados por uma parede diatérmica, rígida e impermeá-
vel. No equilíbrio, a probabilidade de encontrar o sistema em um microestado
particular j será dado por

Pj = c WR (E0 − Ej ) (2.30)

com c uma constante e W (E) o número de estados microscópicos do reservatório


com energia E. Como Ej ≪ E0 :

∂ ln WR (E)
ln Pj = ln c + ln WR (E0 ) + (−Ej ) +
∂E
E=E0
1 ∂ 2 ln WR (E)

(−Ej )2 + . . . (2.31)
2 ∂E 2
E=E0
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 15

Usando a definição de entropia e as condições de equilíbrio obtemos


∂ ln WR (E) 1
= (2.32)
∂E kB T
e
∂ 2 ln WR (E)
 
∂ 1
= →0 (2.33)
∂E 2 ∂E kB T
já que T = cte em equilíbrio. Portanto a probabilidade é proporcional a exp(−βEj ).
A constante de Pproporcionalidade pode ser fixada exigindo a normalização das
probabilidades, j Pj = 1, dando como resultado:
e−βEj 1
Pj = P −βE β= (2.34)
ie kB T
i

O ensemble canônico e constituído pelo conjunto de microestados de um sistema


em contato com um reservatório térmico a temperatura T cujas probabilidades são
dadas por (2.34).
Consideremos agora um sistema quântico em contato com um reservatório
térmico. Vamos obter novamente a probabilidade dos microestados do sistema
partindo do princípio variacional de Gibbs. Em equilíbrio a energia média é fixa:
X
U = hEi = T r(ρ̂Ĥ) = ρnn En (2.35)
n

onde ρ̂ é o operador densidade e os n′ s são números quânticos correspondentes a


uma base de autoestados do operador Hamiltoniano de N partículas. A entropia
de Gibbs é dada por
X
S = −kB hln ρ̂i = −kB ρnn ln ρnn (2.36)
n

A densidade de probabilidade de equilíbrio deve ser aquela que maximize a en-


tropia dePGibbs. Considerando que as probabilidades devem estar normalizadas,
T r ρ̂ = n ρnn = 1, devemos introduzir dois multiplicadores de Lagrange e cal-
cular a variação da expressão resultante:
h  i
δ T r α0 ρ̂ + α1 ρ̂Ĥ − kB ρ̂ ln ρ̂ =
X
δ (α0 ρnn + α1 ρnn En − kB ρnn ln ρnn ) =
n
X
[(α0 − kB ) + α1 En − kB ln ρnn ] δρnn = 0, (2.37)
n
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 16

onde a última linha corresponde à variação de primeira ordem. Como esta é arbi-
trária se obtém   
α0 α1
ρnn = exp −1 + En (2.38)
kB kB
Da condição de normalização obtemos
  X  
α0 α1
exp 1 − = exp En = ZN (α1 ) (2.39)
kB n
k B

Definimos a função de partição do sistema:


   
X α1 α1
ZN (α1 ) = exp En = T r exp Ĥ (2.40)
n
kB kB

Multiplicando o coeficiente do término de primeira ordem na variação, que deve


ser nulo, por ρnn que maximiza a entropia de Gibbs, e somando em n obtemos:
(α0 − kB ) + α1 U + S = 0 (2.41)
ou
−kB ln ZN (α1 ) + α1 U + S = 0 (2.42)
Identificando α1 = −1/T e lembrando que F − U + T S = 0, obtemos
F (T, V, N) = −kB T ln ZN (T, V ) (2.43)
onde as variáveis naturais da energia livre de Helmholtz F foram explicitadas.
Esta relação conecta a função de partição com a termodinâmica do sistema. Como
F (T, V, N) é uma relação fundamental, a função de partição canônica também
contém toda a informação sobre o sistema. Então podemos escrever a matriz
densidade de equilíbrio na forma

e−β Ĥ
ρ̂ = (2.44)
T r e−β Ĥ
Já para um sistema clássico a densidade de probabilidade é dada por
e−βH(p,q)
ρ(p, q) = (2.45)
ZN (T, V )
onde
dp dq
Z
ZN (T, V ) = exp {−βH(p, q)} (2.46)
h3N
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 17

2.2.1 Flutuações da energia


A energia média do sistema no ensemble canônico é dada por
−βEj
P
j Ej e ∂ ln Z
U ≡ hHi = =− (2.47)
ZN (T ) ∂β

Como cada microestado tem associada uma probabilidade de ocorrência Pj , então


devem existir flutuações em torno do valor médio. O desvio quadrático médio da
energia é dado por

h(H − hHi)2 i = hH 2i − hHi2 (2.48)


!2
1 X 2 −βEJ 1 X
= Ej e − 2 Ej e−βEj
Z j Z j
 
∂ ∂ ln Z ∂U ∂U
= =− = kB T 2 = k B T 2 N cV > 0
∂β ∂β ∂β ∂T

Vemos assim que as flutuações da energia no ensemble canônico são proporcio-


nais ao calor especifico a volume constante , o que também aponta para a posi-
tividade de cV . Esta relação é muito útil para determinar o calor específico em
simulações de Monte Carlo, ou Dinâmica Molecular, pois os valores médios de
momentos da energia podem ser obtidos facilmente ao longo da trajetória do sis-
tema durante a simulação. O desvio relativo será:
p √
hH 2 i − hHi2 NkB T 2 cV 1
= ∝√ , (2.49)
hHi Nu N
onde u = hHi/N é a densidade de energia. Notamos que o desvio relativo ao
valor médio tende para zero quando N → ∞, ou seja, no limite termodinâmico.
Nesta situação a distribuição de energias está fortemente concentrada em torno do
valor médio, e as probabilidades de o sistema se encontrar em microestados dife-
rentes do valore médio é muito pequena. Desta forma, os resultados do ensemble
canônico coincidem com os do ensemble microcanônico. As flutuações serão im-
portantes em situações especiais, como por exemplo perto de transições de fase
de segunda ordem, quando cV pode tomar valores muito grandes e até divergir.
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 18

2.2.2 Gás ideal no ensemble canônico


O ponto de partida para obter a termodinâmica de um sistema no ensemble canô-
nico é o cálculo da função de partição. No caso do gás ideal clássico:
" 3N
#
dp dq p2i
Z X
ZN (T ) = exp −β (2.50)
h3N i=1
2m
 N Y 3N Z
βp2i
 
V
= dpi exp −
h3N i=1 2m
  Z N
V β
− 2m ( p2ix +p2iy +p2iz )
= dpix dpiy dpiz e
h3N
= [Z1 (T )]N
onde
V
Z1 (T ) = (2.51)
λ3T
e a função de partição de uma partícula e
h
λT = √ (2.52)
2πmkB T
é o comprimento de onda térmico das partículas. Assim,
 
V 3/2
F (T, V, N) = −kB T N ln Z1 = −kB T N ln (2πmkB T ) (2.53)
h3
A energia livre obtida não é extensiva: F (T, γV, γN) 6= γF (T, V, N). Encon-
tramos novamente o “paradoxo de Gibbs”. A solução, no contexto do ensemble
canônico, consiste em introduzir o fator de contagem de Gibbs na forma:
ZN (T, V )
ZN (T, V ) → (2.54)
N!
No limite de N grande, podemos aplicar a aproximação de Stirling ao fatorial,
N! ≈ N ln N − N, e obtemos
 
V 3/2
F (T, V, N) = −kB T N ln (2πmkB T ) − kB T N (2.55)
Nh3
Por medio das relações termodinâmicas podemos obter outras quantidades ou ob-
serváveis de interesse.
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 19

2.2.3 A densidade de estados e a função de partição


Consideremos a integral no espaço de fase de uma função arbitrária f que depende
de (p, q) através do Hamiltoniano
dp dq
Z
I= f [H(p, q)] (2.56)
h3N
Podemos escrever a mesma integral na forma
Z ∞
I= f (E)g(E)dE (2.57)
0

onde
dp dq
Z
g(E) = (2.58)
H(p,q)=E h3N
é conhecida como densidade de estados. g(E)dE é o número de estados com
energias entre E e E + dE. Em particular, se f (H) = Θ(E − H), onde Θ(x) é a
função degrau, obtemos
Z E
Σ(E)
I = 3N = g(E ′)dE ′ (2.59)
h 0

Então
1 ∂Σ(E) w(E)
g(E) = = = eSm (E)/kB (2.60)
h3N ∂E h3N
onde Sm é a entropia microcanônica correspondente à energia E. Por tanto, po-
demos escrever a função de partição na forma
Z ∞
ZN (T ) = e−βE g(E)dE (2.61)
0

No caso quântico, podemos escrever


X
ZN (T ) = e−βEn (2.62)
n

onde n representa um conjunto completo de número quânticos, ou seja, a soma


varre todos os possíveis autoestados do Hamiltoniano, sendo En os corresponden-
tes autovalores. Em um sistema finito, o espectro de autovalores é discreto e então
se pode escrever X
ZN (T ) = g ′(E)e−βE (2.63)
E
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 20

onde agora a soma varre todos os autovalores diferentes do Hamiltoniano, e g ′ (E)


é a degenerescência do autovalor E. Muitas vezes, no limite termodinâmico, o
espectro se torna denso, e a soma anterior tende a uma integral, como no caso
clássico. Nesse situação é possível usar essa expressão clássica mesmo se o sis-
tema for quântico.

2.3 O ensemble Grande Canônico


Consideremos agora um sistema que pode trocar calor e partículas com o meio
no qual se encontra. Neste caso, o número de partículas N não será mais cons-
tante, podendo flutuar. No equilíbrio, o valor médio hNi pode ser considerado
fixo. No caso de um sistema quântico, se pode definir um operador número de
partículas N̂, cujos autovalores n, correspondem aos possíveis resultados de uma
medida particular. Os estados acessíveis do sistema correspondem aos autoesta-
dos da energia para uma partícula, duas partículas, etc. O espaço de Hilbert é
formado pela soma direta dos subespaços de uma, duas, três, etc. partículas. Va-
mos assumir que o operador Ĥ não mescla estados de subespaços com diferente
número de partículas, ou seja, que Ĥ comuta com N̂. Desta forma, a matriz que
representa Ĥ terá uma estrutura diagonal em blocos Ĥ0 , Ĥ1 , etc. na qual ĤN é o
operador Hamiltoniano de N partículas. Os autoestados do Hamiltoniano de um
sistema de N partículas serão indexados com um número quântico adicional, por
exemplo:

Ĥ|N, Eln i = Eln |N, Eln i


N̂|N, Eln i = n|N, Eln i (2.64)

Vamos agora maximizar a entropia de Gibbs


∞ X
X
S = −kB T r(ρ̂ ln ρ̂) = −kB ρnl ln ρnl (2.65)
n=0 l
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 21

onde ρnl é o elemento de matriz (diagonal) do operador densidade ρ̂ correspon-


dente aos números quânticos l, n. Os vínculos a ser satisfeitos neste caso são:
XX
U = hĤi = T r(ρ̂Ĥ) = Eln ρnl (2.66)
l
X X
N = hN̂ i = T r(ρ̂N̂) = n ρnl (2.67)
l
XX
T r ρ̂ = ρnl = 1, (2.68)
l

que serão incorporados no processo de variação via multiplicadores de Lagrange.


Fazendo isso obtemos
" #
XX
δ {α0 ρnl + α1 Eln ρnl + α2 nρnl − kB ρnl ln ρnl } = 0
n l
XX
[(α0 − kB ) + α1 Eln + α2 n − kB ln ρnl ] δρnl = 0 (2.69)
n l

Desta condição, e como a identidade vale para variações arbitrárias, obtemos:

kB ln ρ̂ = (α0 − kB ) + α1 Ĥ + α2 N̂ (2.70)

ou 
α0

α1 α
−1 Ĥ+ k 2 N̂
ρ̂ = e kB
e kB B (2.71)
Usando a normalização da matriz densidade, definimos a função
 
α1 α2
 
α
1− k 0
Z ≡e B = T r exp Ĥ + N̂ . (2.72)
kB kB
A função Z é conhecida como grande função de partição. Para fixar os valores
das constantes α1 e α2 multiplicamos (2.70) por ρ̂ e tomamos o traço:

(α0 − kB ) + α1 U + α2 N + S = 0 (2.73)

ou
−kB T ln Z + α1 T U + α2 T N + T S = 0 (2.74)
Agora identificando α1 = −1/T , α2 = µ/T e definindo a função grande poten-
cial:
Ω(T, V, µ) = −kB T ln Z (2.75)
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 22

obtemos:
Ω(T, V, µ) = U − T S − µN (2.76)
Então
Z(T, V, µ) = e−βΩ(T,V,µ) = T r e−β(Ĥ−µN̂ ) (2.77)
e
1 h i
ρ̂ = exp −β(Ĥ − µN̂) . (2.78)
Z
Das relações anteriores podemos obter, por exemplo,
   
∂Ω ∂Ω
S=− N =− (2.79)
∂T V,µ ∂µ T,V

Usando a relação de Euler: U = T S − P V + µN obtemos Ω = −P V . Final-


mente podemos obter uma relação entre a grande função de partição e a função de
partição canônica:
n
X X
Z = T r e−β(Ĥ−µN̂ ) = eβµn e−βEl
n l
X
= z n ZN (T, V ) (2.80)
n

onde z = eβµ é conhecida como fugacidade.


Capítulo 3

Estatísticas quânticas

3.1 Sistemas de partículas indistinguíveis


O Princípio de Incerteza de Heisenberg e o caráter deslocalizado da função de
onda, associados à interpretação probabilistica da mesma, leva a concluir que duas
partículas idênticas, no mesmo estado quântico, são indistiguíveis.
Uma consequência desta condição é que operadores, como o Hamiltoniano
de N partículas, são invariantes frente à permutações arbitrárias das variáveis di-
nâmicas associadas as partículas, ou seja, os operadores são invariantes frente a
uma “renumeração” das partículas. Como sabemos, por cada operação de simetria
existe um operador associado que comuta com o Hamiltoniano do sistema, e pode
ser diagonalizado simultaneamente. Veremos que existem apenas dois autovalores
possíveis associados aos operadores de permutação de partículas, e assim o espaço
de Hilbert associado a um sistema de N partículas quânticas fica dividido em dois
subespaços, com características muito diferentes e implicações fundamentais para
o comportamento físico dos sistemas associados a cada um deles.
Vamos supor um sistema de N partículas sem spin. A função de onda corres-
pondente na representação de coordenadas será da forma Ψ(q1 , . . . , qN ). Trocas
na enumeração das partículas podem ser descritas pelos operadores permutação
de pares P̂ik , os quais trocam as coordenadas qi e qk na função de onda:
P̂ik Ψ(q1 , . . . , qi , . . . , qk , . . . , qN ) = Ψ(q1 , . . . , qk , . . . , qi , . . . , qN ) (3.1)
Se o Hamiltoniano é invariante frente a trocas arbitrárias de pares de partículas se
verifica que:
h i
Ĥ, P̂ik = 0 ∀i, k = 1, . . . , N com i 6= k (3.2)

23
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 24

As autofunções de P̂ik têm que satisfazer:

P̂ik Ψ(q1 , . . . , qi , . . . , qk , . . . , qN ) = λΨ(q1 , . . . , qi , . . . , qk , . . . , qN )


= Ψ(q1 , . . . , qk , . . . , qi , . . . , qN ) (3.3)

Aplicando novamento o operador P̂ik obtemos:

P̂ik2 Ψ(q1 , . . . , qi , . . . , qk , . . . , qN ) = Ψ(q1 , . . . , qi , . . . , qk , . . . , qN )


= λ2 Ψ(q1 , . . . , qi , . . . , qk , . . . , qN ). (3.4)

Ou seja, os autovalores do operador permutação de pares podem tomar apenas dois


valores λ = ±1. Assim, as autofunções são chamadas de simétricas se correspon-
dem a λ = 1 e antissimétricas se correspondem a λ = −1. Se o Hamiltoniano
comuta com todos os operadores de permutação, então suas autofunções podem
ser construidas de forma a serem totalmente simétricas, ou seja, simétricas frente
a qualquer permutação de coordenadas, ou totalmente antissimétricas, ou seja,
antissimétricas frente a qualquer permutação de coordenadas. Uma permutação
qualquer pode ser realizada pelo operador de permutação P̂ , tal que:

P̂ Ψ(q1 , q2 , . . . , qN ) = Ψ(qP1 , qP2 , . . . , qPN ) (3.5)

onde P1 , . . . , PN corresponde a uma permutação arbitrária dos números 1, . . . , N.


É simples notar que qualquer operador P̂ é equivalente a aplicar uma sequência de
permutações de pares P̂ij . Por tanto, as autofunções de P̂ também serão funções
simétricas ou antissimétricas. Se o número de permutações de pares necessárias
para obter a permutação geral P1 , . . . , PN é par (ímpar), então dizemos que a
permutação é par (ímpar). Se uma autofunção qualquer do Hamiltoniano não tem
a priori nenhuma paridade definida, podemos construir autofunções totalmente
simétricas ou totalmente antissimétricas da seguinte forma:
X
ΨS (q1 , . . . , qN ) = BS P̂ Ψ(q1 , . . . , qN ) (3.6)
P
X
ΨA (q1 , . . . , qN ) = BA (−1)P P̂ Ψ(q1 , . . . , qN ) (3.7)
P

onde BS , BA são constantes de normalização e as somas varrem todas as possí-


veis permutações dos qi′ s. O sinal (−1)P é +1 se a permutação for par, e −1 se
for ímpar. Como exemplo, consideremos uma função de onda de três partículas
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 25

Ψ(q1 , q2 , q3 ). Podemos construir funções totalmente simetrizadas com a receita


anterior:

ΨS (q1 , q2 , q3 ) = BS [Ψ(q1 , q2 , q3 ) + Ψ(q2 , q1 , q3 ) + Ψ(q1 , q3 , q2 )


+Ψ(q2 , q3 , q1 ) + Ψ(q3 , q1 , q2 ) + Ψ(q3 , q2 , q1 )]
A
Ψ (q1 , q2 , q3 ) = BA [Ψ(q1 , q2 , q3 ) − Ψ(q2 , q1 , q3 ) − Ψ(q1 , q3 , q2 )
+Ψ(q2 , q3 , q1 ) + Ψ(q3 , q1 , q2 ) − Ψ(q3 , q2 , q1 )]

Funções de onda de sistemas de partículas de um mesmo tipo (elétrons, fótons,


quarks) apresentam um tipo de simetria definido frente ao intercâmbio de partí-
culas. As partículas descritas por funções de onda simétricas são chamadas de
bósons em homenagem do físico indio Satyendranath Bose. Partículas descritas
por funções de onda antissimétricas são chamadas de férmions, em homenagem
ao físico italiano Enrico Fermi. O caráter de simetria das funções de onda está
também relacionado com o spin das partículas elementares. Na natureza se ob-
serva que todos os férmions possuem spin semi inteiro, enquanto que os bóson
possuem spin inteiro.
As propriedades de simetria das partículas frente ao intercâmbio têm profun-
das consequências nas propriedades físicas dos sistemas. Do ponto de vista da
Mecânica Estatística, bósons e férmions se comportam de forma muito diferente,
dando lugar as chamadas estatísitca de Bose-Einstein e estatística de Fermi-Dirac,
cujas propriedades vamos analizar a seguir.
Então, para poder construir autofunções com simetria definida, é necessário
definir uma base inicial de autofunções do Hamiltoniano. Uma base possível é a
correspondente a um sistema de partículas não interagentes, quando o Hamiltoni-
ano das N partículas se reduz à soma de operadores de partícula única:
N
X
Ĥ(q̂1 , . . . , q̂N , p̂1 , . . . , p̂N ) = ĥ(q̂i , p̂i ) (3.8)
i−1

Resolvendo o problema de autovalores para uma partícula:

ĥφk (q) = ǫk φk (q) (3.9)

onde k representa um conjunto de números quânticos, se pode construir um auto-


estado de Ĥ na forma:
ΨE N
k1 ,...,kN = Πi=1 φki (qi ) (3.10)
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 26

que corresponde a um autovalor de Ĥ:


N
X
E= ǫki (3.11)
i=1

Assim, no caso de partículas independentes podemos escrever as autofunções to-


talmente simétricas e antissimétricas na forma:
X
ΨE,S (q
k1 ,...,kN 1 , . . . , qN ) = BS P̂ φk1 (q1 ) · · · φkN (qN ) (3.12)
P
X
ΨE,A
k1 ,...,kN (q1 , . . . , qN ) = BA (−1)P P̂ φk1 (q1 ) · · · φkN (qN ) (3.13)
P

A função de onda totalmente antissimétrica pode ser escrita em forma de de-


terminante:
 
φk1 (q1 ) · · · φk1 (qN )
ΨE,A .. ..
k1 ,...,kN (q1 , . . . , qN ) = BA det  (3.14)
 
. . 
φkN (q1 ) · · · φkN (qN )
conhecido como determinante de Slater. Da forma do determinante se ob-
serva que se duas ou mais partículas estiverem no mesmo estado quântico, então
o determinante terá duas ou mais filas ou colunas iguais, e por tanto será identi-
camente nulo. Este resultado corresponde ao Principio de exclusão de Pauli, ou
seja, dois ou mais férmions não podem ocupar simultaneamente o mesmo estado
quântico.
Também notamos que um estado quântico é caracterizado completamente pelo
conjunto de números quânticos {k1 , . . . , kN }. Uma permutação destes índices so-
mente produz um câmbio de sinal no caso antissimétrico e deixa a função de onda
inalterada no caso simétrico. A indistinguibilidade das partículas frente a permu-
tações faz com que a quantidade relevante para caracterizar um estado, ou função
de onda, seja quantas partículas existem em cada estado. Esta especificação pode
ser feita definindo os números de ocupação: nk . A especificação dos P números de
ocupação para todos os níveis k de cada partícula, sujeitos ao vínculo k nk = N
determina completamente um estado simétrico. No caso de férmions, o Princípio
de Exclusão limita os possíveis valores dos números de ocupação a nk = 0, 1.
A impossibilidade de identificar as partículas individualmente implica que to-
dos os operadores associados a obseráveis quaisquer devem comutar com os ope-
radores de permutação: h i
Ô, P̂ = 0 (3.15)
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 27

Em particular, o operador densidade ρ̂ deve também ser invariante frente a permu-


tações das partículas do sistema.
Uma vez definidos os números de ocupação, a energia de um autoestado de N
partículas é dada por: X
E= nk ǫk (3.16)
k
Se conhecermos e espectro de energias ǫi do sistema, podemos calcular a função
de partição canônica do mesmo na forma
X X
Z(T, N, V ) = T r e−β Ĥ = exp (−β nk ǫk ) (3.17)
{nk } k

onde,
P de forma geral, o conjunto de números de ocupação deve satisfazer o vínculo
k nk = N. Este vínculo torna o cálculo explícito da função de partição uma
tarefa complicada em geral. A dificuldade se reduz se considerarmos o ensemble
grande canônico. A grande função de partição é dada por:

X
Z(T, µ, V ) = T r e−β(Ĥ−µN̂ ) = z N Z(T, N, V ) (3.18)
N =0

X X
= eβµN exp (−βn1 ǫ1 − βn2 ǫ2 − · · · )
N =0 {nk }
∞ X
X
= exp (−β(ǫ1 − µ)n1 − β(ǫ2 − µ)n2 − · · · )
N =0 {nk }

Como N está somado entre zero e infinito, e os n′k s estão sujeitos ao vínculo já
visto, a última linha é equivalente a somar os n′k s sem restrições:
X
Z(T, µ, V ) = exp (−β(ǫ1 − µ)n1 − β(ǫ2 − µ)n2 − · · · )
n1 ,n2 ,...
X X
= e−β(ǫ1 −µ)n1 e−β(ǫ2 −µ)n2 . . .
n1 n2
YX
= exp [−β(ǫk − µ)nk ] (3.19)
k nk

A função grande potencial é dada por:


( )
X X
Ω(T, µ, V ) = −kB T ln Z = −kB T ln e−β(ǫk −µ)nk (3.20)
k nk
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 28

O número de ocupação médio é dado por:



1 ∂ ln Z
hnk i = − (3.21)
β ∂ǫk T,V

3.2 Gases ideais quânticos


Para um gás de Bose-Einstein a grande função de partição toma a forma:
∞ X ∞ ∞
( )
X X X
ZBE (T, µ, V ) = ··· exp −β nk (ǫk − µ) (3.22)
n1 =0 n2 =0 n∞ =0 k

No caso de um sistema de férmions, o Princípio de Exclusão limita os número de


ocupação resultando na estatística de Fermi-Dirac:
1 X 1 1
( )
X X X
ZF D (T, µ, V ) = ··· exp −β nk (ǫk − µ) (3.23)
n1 =0 n2 =0 n∞ =0 k

3.2.1 O gás de Maxwell-Boltzmann e o limite clássico


Antes de analizar em detalhe os comportamentos de sistemas de bósons e férmi-
ons, vamos considerar novamente um sistema de partículas distinguíveis, só que
agora do ponto de vista das estatísticas quânticas. Se as partículas são distinguí-
veis não teremos nenhuma restrição nos valores dos números de ocupação. No
entanto, para um conjunto de números de ocupação fixos {nk } a troca de duas
partículas em diferentes níveis ki e kj , com números de ocupação nki e nkj cor-
responde agora a um novo estado, diferente do anterior, mas que não modifica
os números de ocupação, e por tanto, possui o mesmo fator exponencial. Desta
forma, para um conjunto de valores {nk }, devemos multiplicar o fator exponen-
cial por um fator de degenerescência, que corresponde ao número de combinações
diferentes de partículas (distinguíveis) entre todos os estados (níveis). A função
grande partição toma a forma:
∞ X ∞ ∞
( )
X X N! X
Zdist (T, µ, V ) = ··· exp −β nk (ǫk − µ)
n1 =0 n2 =0 n∞ =0
n1 !n2 ! · · · n∞ ! k
(3.24)
Para altas temperaturas o número médio de bósons em qualquer estado k é muito
pequeno, e então os estados que contribuem para a função de grande partição são,
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 29

essencialmente, aqueles com número de ocupação 0 ou 1. Por isto, o compor-


tamento de bósons e férmions em altas temperaturas é essencialmente o mesmo.
Este comportamento também vale para partículas distinguíveis. Então, no limite
de altas temperaturas, a única diferença entre as estatísticas de Bose-Einstein,
Fermi-Dirac e partículas distinguíveis é o fator N! na expressão desta última. No-
tamos então, que se quisermos considerar as partículas a altas temperaturas como
indistinguíveis basta dividir em Zdist por N!, que é justamente o fator de contagem
de Gibbs.
Um sistema de partículas descrito pela função de grande partição:
∞ X ∞ ∞
( )
X X 1 X
ZM B (T, µ, V ) = ··· exp −β nk (ǫk − µ)
n1 =0 n2 =0
n !n ! · · · n∞ !
n∞ =0 1 2 k
(3.25)
se conhece como gás de Maxwell-Boltzmann e descreve o comportamento a altas
temperaturas de todos os gases ideais (com o correto fator de contagem).
Vamos então re-derivar os resultados para o gás ideal clássico considerado
como um gás de MB. É fácil somar a função de grande partição neste caso, pois
os termos para diferentes números de ocupação se fatoram:

!
Y X 1
ZM B (T, µ, V ) = exp {−βnk (ǫk − µ)}
k nk =0
nk !
Y
exp e−β(ǫk −µ)
 
= (3.26)
k
P∞
onde usamos o resultado da série infinita ex = n
n=0 (1/n!)x . A função grande
potencial resulta:

ΩM B (T, µ, V ) = −kB T ln ZM B (T, µ, V )


X
= −kB T e−β(ǫk −µ)
k
X
= −kB T z e−βǫk , (3.27)
k

onde z é a fugacidade. O número médio de partículas é dado por:


 
∂ΩM B X
hNi = − = z e−βǫk . (3.28)
∂µ T,V k
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 30

P
Como também hNi = k hnk i, obtemos para o número de ocupação médio do
estado k:
hnk i = z e−βǫk (3.29)
Os resultados anteriores são válidos para qualquer espectro de energias ǫk . No
caso de partículas livres, os níveis de energia são dados pela solução da equação
de Shroëdinger:
ĥφk (q) = ǫk φk (q) (3.30)
onde
p̂2 h̄2 d2
ĥ ==− (3.31)
2m 2m dq 2
em uma dimensão espacial. A extensão para mais dimensões é imediata. Os
autoestados são ondas planas

ikq h̄2 k 2
φk (q) = C e com ǫk = (3.32)
2m
Suponhamos que as partículas estão em um recipiente de dimensão linear L, e
vamos exigir condições de contorno periódicas, isto é, φk (q) = φk (q + L), de
onde obtemos que eikL = 1. Esta condição determina os possíveis valores do
vetor de onda:
 
2π L L
k= n com n = 0, ±1, ±2, . . . ± −1 , (3.33)
L 2 2
No limite termodinâmico L → ∞ o espectro tenderá a ser continuo, de forma que
dk
X Z
f (k) → f (k) (3.34)
k
(2π/L)

já que 2π/L é a distância entre valores consecutivos do vetor de onda k. En-


tão, desconsiderando graus de liberdade internos das partículas, como o spin, e
generalizando os resultados anteriores para d = 3, obtemos:
  2 2 
X h̄ k
ln ZM B (T, µ, V ) = exp −β −µ
k
2m
 2 2
d3 k
 
h̄ k
Z
→ V exp −β −µ
(2π)3 2m
 3/2
V βµ 2πm
= e , (3.35)
(2π)3 βh̄2
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 31

onde em três dimensões k 2 = kx2 + ky2 + kz2 . A função grande potencial é dada por:

ΩM B (T, µ, V ) = −kB T ln ZM B (T, µ, V )


 3/2
βµ 5/2 2πm
= −V e (kB T ) (3.36)
h2
que coincide com um cálculo puramente clássico, considerando um volume uni-
tário no espaço de fase igual a h3 e com o correto fator de contagem de Gibbs.
Finalmente, o número médio de partículas do sistema é dado pela (3.28), que
é equivalente a
 3/2
∂ 2πm
hNi = z ln ZM B = z V . (3.37)
∂z βh2
Então, a fugacidade z resulta uma função da densidade hNi/V e da temperatura:
hNi h3
z= (3.38)
V (2πmkB T )3/2
O limite clássico corresponde a altas temperaturas, então nesse limite a fugacidade
é pequena z ≪ 1. Ainda levando em conta que (V /hNi)1/3 = a representa uma
distância interatômica típica, e que
h
λT = (3.39)
(2πmkB T )1/2
é um comprimento de onda térmico, então o limite clássico corresponde a a ≫ λT ,
que é a expectativa usual da mecânica quântica.

3.2.2 Estatística de Bose-Einstein


P∞
Usando o resultado n=0 xn = 1/(1 − x) para x < 1, de (3.22) obtemos:

X 1
exp {−β(ǫk − µ)nk } = (3.40)
nk =0
1 − exp [−β(ǫk − µ)]

Como exp [−β(ǫk − µ)] < 1 ∀k e ǫk ≥ 0, entao ǫk − µ > 0 e o potencial quimico


deve ser negativo sempre para um gás de bósons livres: µ < 0.
O resultado anterior permite escrever:
X
ln ZBE (T, µ, V ) = − ln {1 − exp [−β(ǫk − µ)]} (3.41)
k
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 32

Da definição do número de ocupação médio, eq. (3.21), obtemos no caso do gás


de bósons:
1
hnk i = β(ǫ −µ) (3.42)
e k −1
Como e−β(ǫk −µ) < 1 ∀k, então hnk i ≥ 0 ∀k.
Por outro lado, para baixas temperaturas β ≫ 1 resulta:

hnk i ≈ 0 (3.43)

para a maioria dos estados, exceto os de menor energia.

3.2.3 Estatística de Fermi-Dirac


No caso de férmions nk = 0, 1 e então:
1
X
exp {−β(ǫk − µ)nk } = 1 + e−β(ǫk −µ) (3.44)
nk =0

com o que X
ln ZF D (T, µ, V ) = ln {1 + exp [−β(ǫk − µ)]} (3.45)
k

O número de ocupação médio resulta, neste caso:



1 1 se ǫk < µ
hnk i = β(ǫ −µ) ≈ (3.46)
e k +1 0 se ǫk > µ

Sempre se verifica que 0 ≤ hnk i ≤ 1.


Capítulo 4

Gás ideal de Bose-Einstein

Vamos descrever neste capítulo o comportamento estatístico e termodinâmica de


gases de bósons independentes. A análise nos levará ao estudo do fenômeno da
condensação de Bose-Einstein, uma transição de fases em um sistema quântico de
partículas livres. Também vamos estudar o comportamento de um gás de fótons
que leva ao problema clássico da radiação de corpo negro.

4.1 A condensação de Bose-Einstein


A partir dos resultados do capítulo anterior podemos escrever a função grande
potencial para um gás de Bose-Einstein como:
X
ΩBE = −kB T ln ZBE (T, µ, V ) = kB T ln {1 − exp [−β(ǫk − µ)]}, (4.1)
k

de onde podemos calcular o número médio de partículas na forma:



∂ΩBE
 X  e−β(ǫk −µ)  X  1

hNi = − = −β(ǫk −µ)
= β(ǫk −µ) − 1
(4.2)
∂µ T,V k
1 − e k
e

Lembrando que X
hNi = hnk i (4.3)
k

obtemos para o número médio de partículas no estado k:


   
1 1
hnk i = = (4.4)
eβ(ǫk −µ) − 1 z −1 eβǫk − 1

33
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 34

Para avançar na determinação das funções termodinâmcias devemos especificar


o espectro de autovalores da energia ǫk , que define o sistema em estudo. Con-
sideremos então um sistema de bósons livres, cujo espectro de energias é dado
por ǫk = h̄2 k 2 /2m. Consideramos o sistema em uma caixa de volume V = L3
com condições de contorno periódicas. Então, os vetores de onda podem tomar
os valores ki = (2π/L)ni , onde i = x, y, z e com ni = 0, ±1, . . . L/2. Quando
L → ∞ o espectro de valores se torna continuo, e as somas tendem a integrais:

dk
X Z
··· → 3
··· (4.5)
k
(2π/L)

Desta forma, como o espectro depende de ~k somente através do módulo k = |~k|,


podemos reescrever o número médio de particulas na forma:
∞ 3/2 Z ∞
k2 z
  
4πV 4V 2πmkB T z
Z
2
hNi = 2 2 dk = √ x dx.
(2π)3 0 eβh̄ k /2m −z π h2
0 ex2 − z
(4.6)
Então podemos escrever uma equação de estado que relaciona a fugacidade, a
temperatura e a densidade na forma:

λ3T ρ = g3/2 (z), (4.7)



onde λT = h/ 2πmkB T é o comprimento de onda térmico, e a função de Bose-
Einstein Z ∞  ∞
zk

4 2 z X
g3/2 (z) = √ x 2 dx = (4.8)
π 0 ex − z k=1
k 3/2
é um caso particular da familia de funções

X zk
gn (z) = . (4.9)
kn
k=1

A função g3/2 (z) é limitada e bem comportada no intervalo 0 ≤ z ≤ 1, com


valores nos extremos

g3/2 (0) = 0

X 1
g3/2 (1) = 3/2
= ζ(3/2) = 2.612 . . . (4.10)
k
k=1
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 35

3
g3/2(z)
g5/2(z) 2.612

1.342

0
0.0 .5 1.0

Figura 4.1: As funções g3/2 e g5/2 .

onde a função ζ(x) é a função zeta de Riemann. A derivada da g3/2 (z) diverge
para z → 1 e da expansão em série para z ≪ 1 se obtém que g3/2 (z) ∼ z para
valores pequenos de z, como se observa na figura 4.1.
A equação de estado (4.7) é uma equação implicita para a fugacidade z em
função de ρ e T . Mas é fácil observar que o lado esquerdo pode tomar valores arbi-
trariamente grandes para T suficientemente pequena ou ρ suficientemente grande.
Então, se λ3T ρ > 2.612 a equação não tem solução real, já que z ≤ 1. Concluimos
que deve haver alguma inconsistência no nosso cálculo anterior. Uma forma de
ver onde pode residir o problema é ver o comportamento do número médio de
partículas no estado fundamental, ou seja, quando ǫ = 0:
z
hn0 i = (4.11)
1−z
Notamos que limz→1hn0 i = ∞. Por tanto, o número de partículas no estado
fundamental diverge para z → 1 no limite termodinâmico. Vamos então analizar
em mais detalhe a forma como foi feito o limite termodinâmico no cálculo da
equação de estado. Para isso começamos por separar a contribuição do estado
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 36

1.0

V = 10
V = 100
1 z V = 1000
V 1− z

.5

0.0
0.0 .5 1.0
z

Figura 4.2: O comportamento do primeiro termo da eq. (4.13) para diferentes


valores do volume.

fundamental da soma nos estados do cálculo do hNi:


Z ∞
z 4πV k2 z
hNi = + dk
1 − z (2π)3 2π/L eβh̄2 k2 /2m − z
Z ∞  
z 4V 2 z
= + √ x dx (4.12)
1 − z λ3T π λT √π/L ex2 − z

É possível mostrar que o limite inferior na última integral pode ser extendido a
zero sem afetar o resultado no limite termodinâmico, obtendo a equação de estado
na forma:
λ3 z
λ3T ρ = T + g3/2 (z) (4.13)
V 1−z
Na figura 4.2 vemos o comportamento do primeiro termo da equação (4.13)
para diferentes valores de V . Notamos que, sempre que V seja finito, a função
do lado direito de (4.13) diverge e z nunca atinge o valor máximo de um para
qualquer valor de T e ρ, por causa da divergência, como se mostra na figura 4.3(a).
Somente quando T → 0 ou ρ → ∞ então z → 1 e, consequentemente hn0 i → ∞,
como é de se esperar pois nestas condições todas as partículas devem estar no
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 37

z
5 2

1 1
O  O 
V  V 
3

λ3T z 2.612
+ g3/ 2 (z) 1
V 1− z
2

λ3T ρ
1
g3/ 2 (z)

0 0
0.0 .5 z 1.0 0.0 .5 1.0 1.5 2.0 2.5 3.0 3.5 4.0

z
λ z 3 2.612 λ3T ρ
T
V 1− z

Figura 4.3: (a)Solução gráfica da eq. (4.13). (b)Fugacidade de um gás ideal de


Bose-Einstein em um volume finito V .

estado fundamental. A solução de z em função de λ3T ρ para um volume V finito


se mostra na figura 4.3(b).
Consideremos agora que V ≫ 1. Agora as soluções da eq. (4.13) para λ3T ρ ≥
2.612 serão próximas de z = 1. Assim, podemos aproximar:

λ3T z
λ3T ρ ≈ + g3/2 (1) (4.14)
V 1−z
de onde podemos agora isolar para z(V ):

ρ0 V 1
z(V ) ≈ ∼1− (4.15)
1 + ρ0 V ρ0 V
onde ρ0 é uma quantidade que não depende de V . Assim, vemos que as soluções
para λ3T ρ ≥ 2.612 tendem para z = 1 quando V → ∞. A fugacidade de um gás
de Bose-Einstein, no limite termodinâmico é, por tanto:

se λ3T ρ ≥ g3/2 (1)



1
z= (4.16)
a raiz de λ3T ρ = g3/2 (z) se λ3T ρ < g3/2 (1)
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 38

0
λ3T ρ
0 1 2 3 4
2.612

Figura 4.4: Fugacidade de um gás ideal de Bose-Einstein no limite termodinâ-


mico.

como se mostra na figura 4.4.


Vemos então que se λ3T ρ ≥ g3/2 (1) um número macroscópico de partículas
passam a ocupar o estado fundamental. Este fenômeno se conhece como conden-
sação de Bose-Einstein, e começa a acontecer quando z → 1. A condição z = 1
permite definir uma temperatura de transição como λ3Tc ρ = g3/2 (1), o que resulta
em uma temperatura crítica:
2/3
h2
 
ρ
Tc = (4.17)
2πmkB g3/2 (1)
Invertendo a mesma equação podemos obter o volume específico crítico em fun-
ção da temperatura:
3/2
h2

1 g3/2 (1)
vc = = (4.18)
ρc 2πmkB T 3/2
Escrevendo a equação de estado na região de condensação na forma:
1
ρ = ρ0 + g3/2 (1), (4.19)
λ3T
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 39

0
0 1 T / Tc

Figura 4.5: Parâmetro de ordem η = hn0 i/hNi vs. temperatura reduzida.

podemos calcular a fração de bósons no estado fundamental:

hn0 i ρ0 1
= = 1 − 3 g3/2 (1) (4.20)
hNi ρ ρλT
3  3/2
λTc T
= 1− 3 =1− (4.21)
λT Tc

Então vemos que a fração de partículas no estado fundamental, no limite termodi-


nâmico, se comporta como um parâmetro de ordem:
(  3/2
hn0 i 1 − T
se T ≤ Tc
η≡ = Tc (4.22)
hNi 0 se T > Tc

como se mostra na figura 4.5.


Para determinar o comportamento da pressão no condensado de Bose-Einstein,
reescrevemos a função grande potencial (4.1) no limite continuo e após ter sepa-
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 40

rado a contribuição do estado fundamental, obtendo:


4πkB T V ∞ 2
Z
2 2
ΩBE = kB T ln (1 − z) + 3
k ln (1 − zeβh̄ k /2m )dk
(2π) 2π/L
Z ∞
4kB T V 2
= kB T ln (1 − z) + 3 √ √
x2 ln (1 − zex )dx (4.23)
λT π λT π/L

Então, a pressão é dada por:


ΩBE kB T kB T
P =− =− ln (1 − z) + 3 g5/2 (z) (4.24)
V V λT
onde ∞

4 zk
Z
−x2
X
2
g5/2 (z) = √ x ln (1 − ze )dx = (4.25)
π 0 k 5/2
k=1

A função g5/2 (z) também é monótona crescente valendo g5/2 (0) = 0 e g5/2 (1) =
ζ(5/2) = 1.342 . . . e é mostrada na figura 4.1. Vejamos o comportamento do
primeiro termo da (4.24). Se z < 1 então é evidente que limV →∞ (1/V )(1 − z) =
0. Por outra parte, para z → 1:
 
1
lim ln (1 − z(V )) = 0 (4.26)
V →∞ V

Então, a pressão é dada por:


( kB T
λ3T
g5/2 (1) se λ3T ρ ≥ g3/2 (1)
P = kB T (4.27)
λ3T
g5/2 (z) se λ3T ρ < g3/2 (1)

Notamos que na região do condensado a pressão é independente da densidade. A


partir deste resultado podemos analizar o comportamento das isotermas no espaço
(P, v), por exemplo. Para uma temperatura constante temos um ponto de transição
P = Pc (vc ) que se obtém fazendo z = 1 na solução para a pressão. Usando
agora a expressão correspondente ao ponto crítico, eq. (4.18), podemos escrever
a temperatura em função de vc . Obtemos:
h2 g5/2 (1) 1
Pc (vc ) = 5/3 5/3
. (4.28)
2πm(g3/2 (1)) vc
Para cada temperatura a relação anterior define uma linea crítica no plano
(P, v). Na figura 4.6 se mostra o comportamento de algumas isotermas do gás de
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 41

T3

T2
T1

Yc(T2) Y

Figura 4.6: Isotermas do gás ideal de Bose-Einstein para três temperaturas T1 <
T2 < T3 . A linha tracejada corresponde à curva Pc (vc ).

Bose-Einstein. Vemos que, para v < vc (T ) entramos na região do condensado e


a pressão é independente do volume específico P = cte. A forma das isotermas
lembra a forma das isotermas da transição líquido-gás em um líquido clássico na
região de coexistência. Neste caso a coexistência corresponderia ao condensado
de partículas no estado fundamental e ao resto que formam a fase normal, ou “ga-
sosa”. No entanto não podemos puxar a analogia muito longe, dado que de fato
a fração de partículas nos estados excitados tende para zero no limite termodinâ-
mico, e a condensação de fato acontece no espaço de momentos, e não no espaço
real. Continuando com a analogia podemos nos perguntar quais são os volumes
específicos das fases condensada e gasosa. Da figura 4.6 podemos concluir que
o volume específico do gás corresponde ao ponto vc (T ). Mas o volume especí-
fico do condensado deveria ser zero nesta interpretação, ou seja, a densidade do
condensado é infinita. Este resultado é claramente não físico, e provém do fato
de estar considerando partículas livres (não interagentes) que podem se aproximar
indefinidamente entre elas.
Outra característica marcante do condensado de Bose-Einstein é a forma do
calor específico em função da temperatura. Para isso calculemos inicialmente a
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 42

entropia por unidade de volume. Esta é dada por:


   
1 ∂ΩBE ∂P
s = lim − = lim (4.29)
V →∞ V ∂T V,µ
V →∞ ∂T V,µ

Derivando em (4.27) e fazendo uso da propriedade


dgn (z) 1
= gn−1 (z) (4.30)
dz z
obtemos
5 kB
(
g (1)
2 λ3T 5/2
se λ3T ρ ≥ g3/2 (1)
s= 5 kB (4.31)
g (z)
2 λ3T 5/2
− kB ρ ln z se λ3T ρ < g3/2 (1)
Se pode verificar facilmente que s = 0 quando T = 0 em acordo com a terceira
lei da Termodinâmica. Agora estamos em condições de calcular o calor específico
a densidade constante, dado por:
 
∂s
cρ = T (4.32)
∂T ρ

Derivando em (4.31) mantendo ρ constante se obtém:


( 15 kB
g (1)
4 λ3T 5/2
se λ3T ρ ≥ g3/2 (1)
cρ = 15 kB g (z) (4.33)
g (z) − kB ρ 94 g3/2
4 λ3 5/2 1/2 (z)
se λ3T ρ < g3/2 (1)
T

O calor específico em função de T é mostrado na figura 4.7.


Notando que g1/2 (z) → ∞ quando z → 1 resulta que cρ é continuo no ponto
crítico, apresentando uma derivada descontinua. Para altas temperaturas cρ tende
ao valor constante correspondente ao gás ideal clássico. Para temperaturas baixas,
cρ ∼ T 3/2 , da mesma forma que a entropia, e tende a zero para temperatura zero.
Como vimos, o gás de Bose-Einstein apresenta uma série de comportamen-
tos que não são compatíveis com a realidade, como isotermas planas, um calor
específico continuo na transição de fase, etc. A origem básica destes defeitos do
sistema é o fato de desprezar completamente as interações entre os bósons. Neste
sentido é interessante notar que o fenômeno da condensação aparece quando

ρλ3T = g3/2 (1) (4.34)

ou seja, quando
λT 1/3
1/3
= g3/2 (1) ≈ 1, 377 (4.35)
v
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 43

3.0

2.5

2.0

Cρ / (kBρ)
1.5

1.0

.5

0.0
0 Tc 1 2 3

Figura 4.7: Calor específico a densidade constante do gás ideal de Bose-Einstein


em função da temperatura.

Nestas condições o comprimento de onda de de Broglie é da ordem da distân-


cia típica entre as partículas, e nesta situação é claro que as interações entre as
partículas não podem ser desprezadas. Modelos mais realistas levam em conta
interações repulsivas de curto alcance entre os bósons, importantes a temperatu-
ras muito baixas. Incluindo efeitos das interações repulsivas os comportamentos
não físicos vistos antes desaparecem, sem no entanto desaparecer o fenômeno da
condensação.
Tal vez a predição mais importante do gás de Bose-Einstein seja que é possí-
vel ter uma transição de fases exclusivamente como consequência da estatística,
independente das interações entre as partículas.
Finalmente, se consideramos o limite de altas temperaturas ou baixas densi-
dades, ou seja, quando
λT 1/3
≪ g 3/2 (1) (4.36)
v 1/3
temos que z → 0 e então g5/2 (z) ≈ g3/2 (z) ≈ g1/2 (z) ∼ z. Assim, neste regime
z
ρ≈ (4.37)
λ3T
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 44

enquanto que para a pressão obtemos:

kB T z hNikB T
P ≈ 3
= ρkB T = (4.38)
λT V

e a equação para o calor específico se reduz a


15 kB z 9 3
cρ ≈ 3
− kB ρ = ρkB (4.39)
4 λT 4 2

Vemos então que a altas temperaturas ou baixas densidades o gás de Bose-Einstein


se comporta como um gás ideal clássico, ou seja, os efeitos da estatística quântica
se tornam desprezíveis.
Capítulo 5

Gás ideal de Fermi-Dirac

Os férmions são partículas de spin semi-inteiro. Já vimos que o Princípio de


Exclusão de Pauli limita o número de férmions en cada estado quântico a ser zero
ou um. Assim, podemos escrever a função grande partição na forma (3.23):
1
YX
ZF D (T, µ, V ) = e−βnl (ǫl −µ) (5.1)
l nl =0

onde o índice l indica um conjunto de números quânticos l = (~k, σ), onde σ =


±(2s + 1)/2 é o número quântico de spin, correspondente aos autovalores do
operador de spin Sz = ±(2s + 1)h̄/2, com s = 0, 1, 2 . . .. Por exemplo, os
elétrons têm spin ±1/2, ou seja s = 0, e podemos escrever:
 
Y  X 1 X1 
−βn~k,σ=1/2 (ǫ~k −µ) −βn~k,σ=−1/2 (ǫ~k −µ)
ZF D (T, µ, V ) = e e
 
~k n~k,σ=1/2 =0 n~k,σ=−1/2 =0
Y 2
= 1 + e−β(ǫ~k −µ) (5.2)
~k

Em geral, para férmions de spin σ arbitrário teremos g = 2|σ| + 1 autovalores,


e consequentemente a potência 2 na expressão (5.2) deve ser cambiada para g.
Obtemos:
X
ΩF D = −kB T ln ZF D (T, µ, V ) = −gkB T ln {1 + exp [−β(ǫk − µ)]} (5.3)
k

45
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 46

O número médio de partículas é então dado por:


 
∂Ω X 1
hNi = =g β(ǫ −µ)
(5.4)
∂µ T,V k
e k +1
4πgV ∞ 2 z
X Z
= hnk i → 3
k dk βh̄2 k2 /2m (5.5)
k
(2π) 0 e +z

e o número médio de ocupação do nível de energia ~k:


g
hnk i = . (5.6)
eβ(ǫk −µ) + 1
Na figura 5.1 se mostra a forma do número médio de ocupação.

Figura 5.1: O valor médio do número de ocupação de um gás de Fermi-Dirac,


para um dado valor do momento ~k.

A energia interna do gás de Fermi-Dirac é dada por:


X X gǫk
U= ǫk hnk i = (5.7)
k k
eβ(ǫk −µ) + 1
4πgh̄2 V
Z ∞
k 4 dk
→ (5.8)
2m(2π)3 0 eβ(ǫk −µ) + 1
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 47

e a pressão é dada por:


ΩF D gkB T X 
ln 1 + e−β(ǫk −µ)

P =− = (5.9)
V V k
4πgkB T ∞ 2 n
Z o
−βh̄2 k 2 /2m
→ k ln 1 + ze dk (5.10)
(2π)3 0
Cambiando variáveis e expressando as quantidades anteriores em termos da
energia ǫ podemos escrever
Z ∞
hNi = gV D(ǫ) f (ǫ) dǫ (5.11)
0
Z ∞
U = gV ǫ D(ǫ) f (ǫ) dǫ (5.12)
0
(5.13)

onde  3/2
1 2m
D(ǫ) = 2 ǫ1/2 (5.14)
4π h̄2
e
1
f (ǫ) = (5.15)
eβ(ǫ−µ) + 1
é a função distribuição de Fermi-Dirac. Cambiando variáveis e integrando por
partes a expressão para a pressão do gás de Fermi (5.10) obtemos:
Z ∞
2U 2
P = = g ǫ D(ǫ) f (ǫ) dǫ (5.16)
3V 3 0

5.1 Gás de Fermi completamente degenerado


(T = 0)
A T = 0 a função distribuição tem a forma de um degrau em ǫ = µ, como se
mostra na figura 5.1. O férmions então vão preenchendo os níveis de energia
acessíveis, obedecendo o Princípio de Exclusão, até o chamado “nível de Fermi”
ou “energia de Fermi” que é função da densidade do sistema. Para obter o valor
da energia de Fermi ǫF notamos que, para T = 0
Z ǫF
hNi = gV D(ǫ) dǫ (5.17)
0
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 48

onde podemos interpretar D(ǫ) como sendo a densidade de estados de energia ǫ.


Integrando obtemos:
2/3  2/3
6π 2

h̄ N
ǫF = (5.18)
2m g V

A pressão a T = 0 é dada por:


ǫF
2
Z
P = g ǫ D(ǫ) dǫ
3 0
2/3
h̄2 6π 2

2
= ǫF ρ = ρ5/3 (5.19)
5 5m g

Notamos que, mesmo a T = 0, o gás de Fermi possui um pressão finita. Isto é


consequência do Princípio de Exclusão, que impede uma ocupação arbitrária dos
estados.
Se pode definir uma “temperatura de Fermi” na forma
ǫF
TF = (5.20)
kB
Esta temperatura determina uma escala abaixo da qual as propriedades do sistema
são essencialmente quânticas. Por exemplo, em metais alcalinos como o Na e
o Li, a temperatura de Fermi é da ordem TF ∼ O(104 K). Nestes metais os
elétrons de condução podem ser considerados como um gás de férmions livres em
primeira aproximação (modelo de Drude e Lorentz). Nas estrelas anãs brancas a
TF ∼ O(109). Para comparação, a temperatura física do Sol é ∼ 105 . No interior
do núcelo atômico, a matéria nuclear fermiônica possui uma temperatura de Fermi
TF ∼ O(1011 ).

5.2 Gás de Fermi degenerado (T ≪ TF )


Capítulo 6

Interações, simetrias e ordem em


matéria condensada

6.1 Líquidos e gases


Os fluidos, líquidos e gases, são os sistemas que apresentam o maior número de
simetrias possível, no sentido que suas propriedades físicas não mudam frente a
uma série de transformações, especialmente de coordenadas.
Quando dizemos que um fluido é homogêneo e isotrópico, queremos dizer que
suas propriedades são invariantes frente a translações espaciais, rotações arbitrá-
rias e reflexões ou inversões respeito da origem de coordenadas. O conjunto de
transformações que deixam um sistema invariante formam um grupo, o grupo de
simetria. O grupo de simetria que inclui translações, rotações e reflexões se chama
Grupo Euclideano. Tipicamente os fluidos são invariantes frente a operações do
grupo euclideano. Fisicamente, isto quer dizer que o entorno ou a vizinhança de
uma pequena região no interior de um fluido é a mesma independentemente que
a região seja trasladada, rotada ou de que se faça uma reflexão em torno de uma
origem de coordenadas. Vamos ver que, de forma geral, o mesmo não acontece
com a matéria no estado sólido, os fluidos são os sistemas com a maior simetria
possível.
A homogeneidade de um fluido implica invariância translacional. Por exem-
plo, para a densidade espacial vale a relação:
N
1 X ~
hn(~x)i ≡ h δ(~x − ~xi )i = hn(~x + R)i, (6.1)
N i

49
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 50

onde R~ é um deslocamento arbitrário. Em particular, se R ~ = −~x obtemos que


hn(~x)i = hn(0)i, ou seja, a densidade em qualquer ponto é igual à densidade na
origem. Logo a densidade não depende de ~x.
Outra grandeza muito importante para caracterizar o estado de um sistema é a
função de correlação de dois pontos, definida como:

Cnn (~x1 , ~x2 ) = hn(~x1 )n(~x2 )i


N
X
= h δ(~x1 − ~xi )δ(~x2 − ~xj )i (6.2)
i,j=1

Se o sistema possui invariância translacional então Cnn (~x1 , ~x2 ) ≡ Cnn (~x1 − ~x2 ).
A transformada de Fourier da função de correlação da densidade de dois pontos e
o chamado fator de estrutura:
Z
S(~q) = dd~x1 dd~x2 e−i~q·(~x1 −~x2 ) hn(~x1 )n(~x2 )i
= hn(~q)n(−~q)i (6.3)

onde Z X
n(~q) = dd x e−i~q·~x n(~x) = h e−i~q·~xi i (6.4)
i

é a transformada de Fourier da densidade.


Pela invariância do sistema frente a translações:
~ ~x2 + R).
Cnn (~x1 , ~x2 ) = Cnn (~x1 + R, ~ (6.5)

Neste caso, escolhendo R ~ = −~x2 e usando a invariância frente a rotações arbitrá-


rias obtemos Cnn (~x1 , ~x2 ) = Cnn (~x1 − ~x2 , 0) = Cnn (|~x1 − ~x2 |). Isto por sua vez
implica que o fator de estrutura depende somente do módulo do vetor de onda:
Z
Cnn (~q) = Cnn (|~q|) = dd xe−i~q·~x Cnn (|~x|) (6.6)

Modelo de esferas duras


O modelo tal vez mais simples de um líquido é um sistema formado por bolas
ou esferas perfeitamente rígidas e impenentráveis. Em um gás de esferas duras
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 51

as partículas não interagem entre si, exceto pela repulsão infinita que acontece
quando uma esfera tenta ocupar o espaço ocupado por outra. A energia potencial
do sistema então pode ser definida como

∞ if r < r0
U(r) = (6.7)
0 if r > r0

sendo r0 o raio das esferas. O comportamento do sistema depende da fração de


volume ou razão entre o volume ocupado pelas esferas e o volume total acessível
ao sistema. Coisas interessantes acontecem a medida que a fração de volume
aumenta. Na figura 6.1 podemos ver o comportamento da função de distribuição
radial, que mede a probabilidade de encontrar uma partícula a uma distância r
de outra qualquer, para um sistema de esferas duras e três frações de volume
diferentes.

Figura 6.1: A função de distribuição radial de um sistema de esferas duras. Re-


sultados numéricos utilizando a aproximação de Percus-Yevick.

Se observam uma série de picos, tanto mais intensos quanto maior é a fração
de volume. O primeiro pico é o mais intenso, e reflete a presença de uma camada
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 52

de esferas que são vizinhas próximas da esfera central. As correlações com esta
primeira camada são fortes. Os sucessivos picos representam correlações com
as sucessivas camadas de vizinhos, e se percebe que a intensidade va decaindo
até atingir assintoticamente o valor 1, uma característica da definição matemática
da função de distribuição radial. O fator de estrutura tem um comportamento
semelhante no espaço recíproco.
• O sistema de esferas duras em d = 3 sofre uma transição de fase líquido-
sólido como função da densidade. O líquido com fração de volume 0.495
coexiste em equilíbrio com o sólido, que forma uma estrutura FCC (face
centered cubic) a uma f.d.v. 0.545.
• Na fase sólida a estrutura FCC apresenta uma f.d.v. de 0.7405, igual à HCP
(hexagonal close packed). Se comprimido rapidamente as esferas não con-
seguem formar uma estrutura cristalina periódica e formam uma estrutura
amorfa com “empacotamente aleatório” (random close packing). A f.d.v.
do RCP é 0.638.
• O sistema de esferas duras não é um sistema térmico, a energia térmica é
irrelevante frente a energia repulsiva da superfície. A variável relevante é a
fração de volume.

6.2 Redes cristalinas


A baixas temperaturas ou altas pressões os materias normalmente cristalizam e
os átomos se organizam espacialmente em estruturas periódicas, chamadas redes
cristalinas. O tipo de estrutura cristalina na qual um elemente específico irá cris-
talizar depende, essencialmente, do potencial interatômico.
Um conceito importante para o estudo das redes cristalinas é a definição de
uma rede de Bravais (segundo o Ascroft-Mermin [6]):

1. Uma rede de Bravais é uma arranjo infinito de pontos discretos, com uma
estrutura e orientação que aparece a mesma vista desde qualquer um dos
pontos da rede.
2. Uma rede de Bravais (tridimensional) consiste de todos os pontos cujos
vetores posição podem ser definidos como
~ = n1 ~a1 + n2 ~a2 + n3 ~a3
R (6.8)
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 53

Figura 6.2: As 14 redes de Bravais em três dimensões


Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 54

onde ~a1 , ~a2 e ~a3 são três vetores quaisquer não coplanares e n1 , n2 e n3 são
inteiros.

Os vetores ~a1 , ~a2 e ~a3 são chamados vetores primitivos e permitem “desenvol-
ver” a rede completamente. As magnitudes dos vetores primitivos são conheci-
das como constantes de rede. Uma célula da rede determinada por um conjunto
qualquer de vetores primitivos se chama célula primitiva . Uma célula primitiva
também permite obter toda a rede por translações ao longo dos vetores primitivos.
A rede cristalina no espaço real se chama as vezes rede direta. É possível
definir uma rede recíproca no espaço de momentos, da seguinte forma:

(Ashcroft-Mermin) Considere um conjunto de pontos R ~ formando uma rede


i~k·~
r
de Bravais, e uma onda plana, e . Esta onda plana tem uma periodicidade dada
pelo comprimento de onda λ = k/2π. Para um ~k arbitrário esta onda não terá, em
geral, a periodicidade da rede de Bravais, mas para alguns conjuntos de vetores ~k
a terá.

O conjunto de todos os vetores de onda ~k que produzem ondas planas com a


periodicidade de uma rede de Bravais dada é conhecido como rede recíproca.

A periodicidade da rede de Bravais implica:


~ ~ ~
eik·(~r+R) = eik·~r (6.9)
~ da rede de Bravais. Pela identidade anterior,
para qualquer ~r e para qualquer R
podemos caracterizar a rede recíproca como o conjunto de vetores de onda ~k que
satisfacem
~ ~
eik·R = 1, (6.10)
~ da rede de Bravais.
para todos os R
É possível mostrar que a rede recíproca é ela mesma uma rede de Bravais.
Podemos também definir a rede recíproca da rede recíproca, que não é mais do
que a rede de Bravais original. A rede recíproca nem sempre possui a mesma
simetria da rede direta. Por exemplo, a rede recíproca de um rede fcc é uma rede
bcc.
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 55

6.3 Sistemas magnéticos


Os spins em sistemas magnéticos podem apresentar uma grande variedade de es-
truturas ordenadas, tão diversas quanto as encontradas na ordem atômica crista-
lina.
Os spins associados aos elétrons atômicos interagem entre si através de diver-
sas forças de interação. Uma das mais importantes, que se origina nas interações
~ se
eletrostáticas dos elétrons, é a interação de troca, que para uma par de spins S
escreve na forma:
~1 · S
−J S ~2 . (6.11)
~ representa o operador de spin em sistemas quânticos ou o vetor de momento
S
dipolar magnético em sistemas clássicos. Detalhes importantes desta interação é
que não depende da orientação relativa dos spins com respeito à rede cristalina.
Depende apenas da orientação relativa dos vetores de spin. Ela é isotrópica. A
interação de troca é a responsável principal pelo surgimento do ferromagnetismo
em algumas substâncias como os metais de transição Fe, Ni e Co. Em um sis-
tema com N spins em interação, o modelo mais bem sucedido para descrever
uma série de propriedades dos materiais ferromagnéticos, como a transição entre
fases paramagnética e ferromagnética, correlações entre spins, susceptibilidades
magnéticas, calor específico, etc. é o modelo de Heisenberg:

~i · S
~j
X
H = −J S (6.12)
i,j

onde os pares {i, j} correspondem a todos os pares de vizinhos próximos. O mo-


delo de Heisenberg pode ser analizado na versão quântica, na qual as variáveis
~i são operadores de spin, ou na versão clássica, na qual os S
S ~i são vetores. A
constante de troca J pode ser positiva ou negativa. Quando é positiva, a intera-
ção tende a alinhar spins vizinhos, o que leva ao estado ferromagnético. Quando
J < 0 a energia de troca é minimizada quando um spin fica antiparalelo aos seus
vizinhos próximos, isto leva ao estado antiferromagnético, como mostrado esque-
maticamente na figura 6.3.
Uma outra interação entre momentos magnéticos importante é a interação di-
polar, de origem clássica, que tem a forma:
XS ~i · S
~j − 3(S
~i · êij )(êij · S
~j )
g , (6.13)
i<j
rij3
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 56

Figura 6.3: Algumas estruturas magnéticas .

onde êij = ~rij /rij são vetores unitários na direção que une os sítios i e j. Notamos
que esta interação é de longo alcance, decaindo com a inversa do cubo da distân-
cia entre pares de spins. Ela também é anisotrópica, dependendo da orientação
relativa dos spins com os vetores da rede ~rij . A interação dipolar é tipicamente
4 ordens de grandeza menor que a interação de troca, e por tanto não é o fator
principal que leva ao alinhamento dos spins na fase ferromagnética. No entanto,
seu caráter de longo alcance produz campos magnéticos locais fortes, sendo res-
ponsável pela origem dos domínios magnéticos. Uma substância ferromagnética
em ausência de campo externo não apresenta, pelo geral, um alinhamento global
dos spins, mas um mosaico de domínios onde os spins apontam em diferentes di-
reções, como mostra a figura 6.4. Estas configurações são escolhidas pelo sistema
para minimizar a energia magnética global.
Em alguns cristais o efeito do potencial cristalino é forte o suficiente para
ser sentido pelos elétrons, produzindo a interação spin-órbita. Uma manifestação
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 57

Figura 6.4: Domínios magnéticos

deste tipo de interação é a presença de uma campo de anisotropia sobre os spins,


chamada anistropia magnetocristalina. No caso de anisotropia uniaxial de eixo
fácil z, a forma mais elementar de representar sua contribuição energética é:
X
2
−D Siz (6.14)
i

Notamos que esta anisotropia depende quadraticamente da componente z do spin,


e por tanto não distingue sentidos, apenas uma direção no espaço. Esta contribui-
ção energética contribui para o alinhamento dos spins na direção z.
Quando estas três formas de interação magnética estão presentes simultane-
amente em um sistema, podem dar lugar a uma variedade enorme de estruturas
magnéticas no estado fundamental, dependendo das intensidades relativas de J,
g e D. A temperatura finita transições de fases entre diferentes tipos de ordem
magnética podem surgir. Em filmes magnéticos ultrafinos com anisotropia per-
pendicular, a competição entre estas interações produz transições de fase a tempe-
raturas finitas entre estruturas semelhantes as fases dos cristais líquidos, somente
que neste caso as estruturas correspondem a ordem de spin e não a ordem posici-
onal das moléculas, como se ve na figura 6.5.
Existem diversas técnicas experimentais para medir ordem magnética. Uma
técnica clássica é difração de nêutrons, já que o nêutron possui spin que interage
com o spin eletrônico. No entanto para poder distinguir picos correspondentes
a estrutura de spin, de picos correspondentes à estrutura cristalina, é necessário
que o tamanho das células unitárias magnética e cristalinas sejam diferentes. Ou-
tras técnicas amplamente utilizadas na atualidade são microscopia de força atô-
mica (AFM), microscopia de força magnética (MFM), e uma variedade de es-
pectrometrias de espalhamento de elétrons, como a microscopia de varredura de
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 58

Figura 6.5: Domínios em filmes ultrafinos de Fe/Cu(001) com magnetização per-


pendicular.

elétrons, que permitem obter diretamente imagens da estrutura magnética dos áto-
mos, como por exemplo SEMPA (Scanning electron microscopy with polarization
analysis), utilizada para obter as imagnes da figura 6.5.

6.4 Ordem posicional e orientacional em cristais lí-


quidos, microemulsões e copolímeros de dibloco
Os líquidos e os sólidos são dois casos extremos de ordem e simetria. Os líquidos
apresentam a máxima simetria possível do grupo espacial: translações e rotações
arbitrárias em R3 . Os líquidos são maximamente desordenados, apresentam ape-
nas ordem de curto alcance, mas nenhum tipo de ordem de longo alcance. Já os
sólidos cristalinos apresentam um grupo de operações de simetria muito reduzido
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 59

respeito dos líquidos: são invariantes frente um conjunto discreto de translações


compatíveis com a periodicidade da rede, e possivelmente frente a um conjunto
discreto de rotações. Apresentam ordem de longo alcance, originado na estrutura
cristalina periódica. Daqui em diante vamos definir a ordem determinada pela in-
variância frente a translações espaciais como sendo uma ordem posicional, e a
ordem por invariância frente a rotações como ordem orientacional.
Entre estes dois extremos existem materiais que apresentam todo um espectro
de simetrias e ordens intermediários. O exemplo paradigmático são os cristais
líquidos, substâncias formadas por moléculas anisométricas (sem simetria esfé-
rica). Moléculas típicas que formam cristais líquidos são de dois tipos básicos:
alongadas (moléculas calamíticas) ou com forma de disco (moléculas discóticas).
Em geral, a parte interna destas moléculas é rígida e a parte externa, fluida. Este
caráter duplo da estrutura das moléculas dá origem a interações chamadas estéri-
cas, que levam a diversos tipos de ordem orientacional, juntamente com o caráter
fluido das fases dos cristais líquidos.

• A altas temperaturas, as moléculas em um cristal líquido (que podemos


representar esquematicamente como elipsoides alongados, como na figura
6.7), estão desordenadas. A desordem diz respeito tanto aos seus centros
de massa (desordem posicional) quanto as orientações dos eixos de sime-
tria das moléculas (desordem orientacional). Neste regime, o cristal líquido
apresenta uma estrutura idêntica à de um fluido isotrópico. O fator de estru-
tura (em função de ~k1 , ~k2 , ~k3 ) apresentará tipicamente duas cascas esféricas
com raios correspondentes aos dois comprimentos característicos das mo-
léculas: o comprimento l e o diâmetro a. Em uma projeção bidimensional,
como na figura 6.8, as esferas serão círculos.

• Quando o líquido é resfriado abaixo de uma temperatura característica, apa-


rece uma primeira fase ordenada conhecida como fase nemática (N, ver
figura 6.7(b)). Em esta fase as moléculas apontam preferencialmente ao
longo de uma direção, especificada por um vetor unitário ~n chamado dire-
tor. Seus centros de massa permanecem desordenados. Por tanto, a fase
nemática quebra a simetria orientacional mas não a translacional. È um
exemplo típico de ordem orientacional. O sistema ainda apresenta invari-
ância rotacional em um plano perpendicular ao diretor. Mas em qualquer
plano que contenha o diretor a simetria é reduzida a rotações discretas de
ângulo 180o . Na realidade o diretor não é propriamente um vetor, mas um
pseudo-vetor, já que os dois extremos são identificados ou equivalentes.
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 60

Figura 6.6: Algumas moléculas que produzem fases de cristais líquidos e as tran-
sições de fases em função da temperatura.

Vamos ver que a ordem nemática, diferentemente da ordem magnética por


exemplo, não é vetorial, mas tensorial. Na fase nemática o fator de estrutura
(ou sua projeção em 2d) reflete a quebra de simetria orientacional: ele pre-
serva a simetria frente a rotações arbitrárias em um plano perpendicular ao
diretor (círculo de raio maior na figura 6.8). mas na direção de ~n apresenta
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 61

Figura 6.7: Ilustração esquemáticas das fases em cristais líquidos

invariância de rotação apenas por ângulos de π .


Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 62

• Uma possibilidade mais complexa de fase nemática é produzida por mo-


léculas quirais, como o colesterol , que não apresentam simetria frente a
reflexões. Estas moléculas produzem uma fase nemática quiral ou coles-
térica, (N ∗ ). Nesta fase, as moléculas na direção de alinhamento giram
formando uma hélice, com um passo que é tipicamente de alguns milhares
de angstroms. Por tanto as moléculas colestéricas espalham luz visível.

• Diminuindo mais a temperatura se pode passar de uma fase nemática para


uma nova fase chamamda fase esmética-A (Sm − A, ver figura 6.7(c)).
Nesta fase as moléculas se organizam em camadas bem diferenciadas. Os
planos das camadas são perpendiculares aos eixos maiores das moléculas,
e a espessura destas camadas corresponde tipicamente ao comprimento l
das moléculas. Em cada camada as moléculas se encontram desordenadas
posicionalmente e podem fluir nos planos. As camadas correspondem à
presença de uma onda de densidade na direção perpendicular as mesmas.
Por tanto existe ordem translacional ou posicional na direção perpendicular
as camadas, ao longo dos eixos moleculares, ou paralelo ao diretor ~n. A
onda de densidade pode ser definida como:

hn(~x)i = n0 + 2nq0 cos (q0 z), (6.15)

onde q0 = 2π/l, e o eixo z é perpendicular aos planos. Esta onda de den-


sidade produz um fator de estrutura caracterizado por dois picos de Bragg
simétricos em ±q0 :

S(~q) = |hnq0 i|2 (2π)3 [δ(~q − q0 êz ) + δ(~q + q0 êz )] . (6.16)

Na realidade, flutuações térmicas destroem a ordem posicional de longo


alcance das camadas, e o fator estrutura em lugar de apresentar duas deltas
apresenta dois picos com leis de potências. Estes são chamados quase-picos
de Bragg, em lugar de picos de Bragg, e a ordem esmética correspondente
se chama ordem de quase-longo alcance (OQLA), em lugar da ordem de
longo alcance (OLA) dos cristais.

• Em alguns cristais líquidos a fase esmética apresenta um projeção finita


do diretor sobre o plano das camadas, o diretor está inclinado respeito da
normal as camadas. Ainda mais, a projeção apresenta uma direção definida,
como mostra a figura 6.7(d). Esta fase é chamada fase esmética C (Sm −
C). A fase esmética C possui uma simetria inferior a da fase esmética A. A
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 63

Figura 6.8: O fator de estrutura nos cristais líquidos

direção da projeção de ~n no plano das camadas define um eixo c ou diretor-


c. Pode haver uma transição entre as fases esmética A e esmética C. O fator
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 64

de estrutura nestas fases tem a forma genérica descrita na figura 6.8(c) e (d).

• Quando um cristal líquido na fase esmética A é resfriado, ele pode conden-


sar em uma fase cristalina, com ordem posicional de longo alcance, ou então
pode condensar na chamada fase esmética B. Na fase esmética B o cristal
líquido apresenta ordem orientacional de quase-longo alcance no plano das
camadas, com simetria rotacional de ordem 6. Uma fase com esta simetria
frente a rotações se chama fase hexática. No fator de estrutura, esta sime-
tria se manisfesta pela presença de arcos difusos no entorno dos valores de
q = 2π/a, separados por ângulos de 2π/6, como mostra a figura 6.9. Notar
a difereça entre os picos de Bragg de uma fase cristalina com simetria he-
xagonal, na qual as moléculas se encontram sobre os vértices de uma rede
triangular no plano, e os picos difusos, ou quase-picos de Bragg de uma fase
com ordem orientacional hexática, onde as moléculas não ocupam os sítios
de uma rede cristalina perfeita. O fator de estrutura de uma fase hexática no
plano pode ser expandido em série de Fourier:
X
S(θ) = S6n cos (6nθ) (6.17)
n

onde θ corresponde a um ângulo no plano a partir do máximo mais intenso


do fator de estrutura, por exemplo. De forma semelhante, se pode definir o
grau de ordem em uma fase hexática através do parâmetro de ordem com-
plexo:
Ψ6 = e6iθ (6.18)
onde θ representa o ângulo entre a linha que une dois átomos e o eixo x, por
exemplo.
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 65

Figura 6.9: a) Estrutura cristalina hexagonal e fator de estrutura, b) Ordem orien-


tacional na fase hexática e fator de estrutura

Outro exemplo de sistema físico com uma variedade grande de fases con-
densadas são os polímeros. Por exemplo, os copolímeros de dibloco são sistemas
formados por duas cadeias poliméricas, cada uma das quais é formada por um tipo
molecular. Em função da concentração e temperaturas estes sistemas apresentam
segregação espontânea dos dois tipos moleculares, com formação de estruturas
complexas como lamelas, bolhas e faixas, similares as fases dos cristais líquidos,
porém de natureza completamente diferente. O controle da periodicidade destas
estruturas é importante para potenciais aplicações na industria de semicondutores,
onde os copolímeros podem ser utilizados como moldes para a posterior depo-
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 66

sição de outros materiais para fabricar microcircuitos ou redes de partículas em


escalas nanoscópicas. Ver figuras 6.10 e 6.11.

Figura 6.10: Parte superior: imagens de SFM do copolímero PS-PVP. Figuras


centrais: construção da rede de Voronoi das imagens de SFM mostrando defeitos
na estrutura. Parte inferior: transformadas de Fourier das imagens. Tomado de R.
Segalman et al., Macromolecules 36, 3272 (2006).
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 67

Figura 6.11: Copolímeros de dibloco formando estruturas lamelares e cilíndricas,


imagens de SEM, R. Ruiz et al. Phys. Rev. B 77, 054204 (2008).

6.5 Simetrias e parâmetros de ordem


Como se pode concluir do visto até aqui, considerações de simetria têm um papel
central na matéria condensada. Os fenômenos mais dramáticos da matéria con-
densada, as transições de fase, muitas vezes podem ser analizadas e entendidas a
partir de transformações das condições de simetria do sistema frente a variação de
parâmetros externos, como temperatura, pressão ou campos elétricos e magnéti-
cos.
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 68

Um sistema físico é descrito analíticamente pelo Hamiltoniano do mesmo. O


Hamiltoniano apresenta invariância frente a algumas operações de simetria, que
permitem tirar conclusões sobre o comportamento e a estrutura do sistema sob
diferentes condições. Em um gás ideal por exemplo, o Hamiltoniano é invariante
frente ao grupo espacial composto por translações, rotações e reflexões arbitrárias
do espaço, além de translações e reversão temporal. O Hamiltoniano de Heisen-
berg (6.12) é invariante frente a translações e reversão temporal além de rotações
globais dos spins respeito de um eixo arbitrário. Tipicamente, a altas temperatu-
ras ou em sistemas diluidos, o sistema se encontra em uma fase desordenada, a
qual é invariante frente a operações do mesmo grupo G de invariância do Hamil-
toniano. Em uma transição de fase alguma invariância é quebrada. Operadores
que não permanecem invariantes através de uma transição de fases são chamados
parâmetros de ordem. No modelo de Heisenberg, a magnetização:

~ = 1 ~i
X
M S (6.19)
N i

é o parâmetro de ordem. A invariância frente ao grupo de rotação simultânea


de todos os spins em R3 existente no Hamiltoniano do modelo de Heisenberg, é
quebrada para T < Tc , onde Tc é a temperatura crítica do modelo. Acima de Tc ,
~ = 0, e abaixo de Tc , hMi
hMi ~ = 6 0. O grupo de simetria original é reduzido
ao subgrupo de rotações respeito a eixos paralelos a M ~ . O sistema não é mais
invariante frente a rotações dos spins respeito de eixos perpendiculares a M ~. A
fase ordenada do modelo de Heisenberg é uma fase com simetria quebrada.
Para especificar completamente o comportamento de uma fase ordenada, te-
mos que saber como o parâmetro de ordem se transforma frente a uma operação
do grupo de simetria. No caso do modelo de Heisenberg, o grupo de simetria é
o grupo das rotações. Uma rotação específica g ∈ G pode ser representada por
uma matriz 3 × 3, Uij (g), de forma que Mi → Uij (g)Mj frente a uma rotação g.
No caso geral de um parâmetro de ordem φa , a = 1 . . . n, éste irá se transformar
frente a uma representação n-dimensional do grupo G: para cada operação g no
grupo, existirá uma matriz Tab (g) tal que φa → Tab (g)φb . A forma mais econô-
mica de representar um grupo de simetria é usar uma respresentação irredutível
com a menor dimensão possível.
A quebra de simetria em uma transição de fase se reflete na estrutura termo-
dinâmica do sistema: o número de mínimos na energia livre é igual ao número
de elementos do grupo de simetria associado ao parâmetro de ordem. Para ex-
plorar esta interpretação é importante distinguir grupos de simetria discretos e
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 69

continuos. Se o grupo de simetria for discreto então existirão um número discreto


de fases termodinâmicas equivalentes, enquanto que no caso do grupo ser conti-
nuo haverá uma variedade continua onde cada ponto representa uma possível fase
termodinâmica. O modelo de Ising é um exemplo do primeiro caso e o modelo de
Heisenberg pertence ao último grupo.
Outra distinção importante é entre simetrias locais ou globais. Um sistema
possui uma simetria local se é invariante frente a operações do grupo de simetria
aplicadas localmente, a uma parte do sistema. Este caso é o menos comum. O Ha-
miltoniano do modelo de Heisenberg possui uma simetria global, que corresponde
à rotação simultânea dos spins por um ângulo fixo respeito de qualquer eixo. O
grupo de simetria correspondente é o O3 , o grupo de rotações em três dimensões.

• O modelo de Ising representa um material ferromagnético com um eixo de


anisotropia que força os spins a apontar em um única direção. O Hamilto-
niano é: X
H = −J σi σj (6.20)
hiji

onde σi = ±1. O grupo de simetria do parâmetro de ordem, a magnetização,


é o grupo discreto Z2 .

• Uma generalização do modelo de Heisenberg onde o parâmetro de ordem


tem n componentes é o modelo O(n), cujo grupo de simetria continua é o
On . Este modelo é interessante porque se reduz ao modelo de Ising no caso
n = 1, ao modelo chamado XY para n = 2, ao modelo de Heisenberg para
n = 3, e é exatamente solúvel no limite n → ∞.

• O modelo XY corresponde a um ferromagneto com um “plano fácil”. O


vetor de magentização é forçado a estar sobre o plano. Possui um grupo de
simetria continua, que é o O2 . Outra realização desta simetria é na transição
líquido normal- superfluido. Neste caso, o parâmetro de ordem é a função
de onda do líquido quântico:

Ψ = |Ψ| eiθ (6.21)

que é um número complexo e por tanto pode ser representado como um


vetor em duas dimensões, com módulo igual a |Ψ| e fase igual a θ. Na
representação complexa o grupo de simetria é o U(1) que é isomorfo com
o O2 .
Capítulo 7

Transições de fase e fenômenos


críticos

7.1 O modelo de Ising em d = 1: solução exata


O modelo de Ising foi originalmente concebido como um modelo para um ma-
terial ferromagnético com forte anisotropia uniaxial. O próprio Ising obteve a
solução completa da termodinâmica do modelo em uma dimensão espacial. O
Hamiltoniano do modelo de Ising em um campo magnético externo B é dado por:

X N
X
H = −J σi σj − B σi (7.1)
hiji i=1

onde σi = ±1. Para resolver o modelo em uma dimensão é útil rescrever o Ha-
miltoniano em uma forma simétrica:
N N
X 1 X
H = −J σi σi+1 − B (σi + σi+1 ) (7.2)
i=1
2 i=1

e vamos considerar condições periódicas de contorno identificando σN +1 = σ1 .


Deste forma a cadeia fica fechada formando um anel e os efeitos das bordas do
sistema aberto são suprimidos. No limite termodinâmico estas condições de con-
torno não afetam os resultados, que coincidem com os da cadeia original aberta

70
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 71

nos extremos. A função de partição canônica pode ser escrita na forma:

eβ i=1 {Jσi σi+1 + 2 B(σi +σi+1 )}


X X PN 1
Z(T, B) = ··· (7.3)
σ1 =±1 σN =±1
X X
= ··· hσ1 |P |σ2 ihσ2 |P |σ3 i · · · hσN −1 |P |σN ihσN |P |σ1i.
σ1 =±1 σN =±1

Na expressão anterior P denota o operador com elementos de matriz dados por:


  
1
hσi |P |σi+1 i = exp β Jσi σi+1 + B(σi + σi+1 ) (7.4)
2
Então
eβ(J+B) e−βJ
 
P = (7.5)
e−βJ eβ(J−B)
Como todos os termos têm a mesma estrutura, a função de partição se reduz a:
X
Z(T, B) = hσ1 |P N |σ1 i = T r P N = λN N
1 + λ2 (7.6)
σ1 =±1

onde λ1 e λ2 são os autovalores do operador P . Os autovalores são determinados


pelo determinante secular
β(J+B)
e −λ e−βJ
=0

−βJ β(J−B) (7.7)
e e −λ
cuja solução é:
1/2
λ1,2 = eβJ cosh (βB) ± e−2βJ + e2βJ sinh2 (βB)

(7.8)

Se pode verificar que λ2 < λ1 de forma que (λ2 /λ1 )N → 0 quando N → ∞.


Assim, só o maior autovalor determina o comportamento do sistema no limite
termodinâmico. A energia livre de Helmholtz é dada por:

F (T, B) = −kB T ln Z(T, B) ≈ −NkB T ln λ1 (7.9)


n o
1/2
+ sinh2 (βB)
 −4βJ 
= −NJ − NkB T ln cosh (βB) + e

A magnetização por sítio m = M/N é dada por:


 
∂F sinh (βB)
m(T, B) = − = 1/2 (7.10)
∂B T e−4βJ + sinh2 (βB)
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 72

Notamos que se o campo externo for nulo a magnetização também será zero para
qualquer temperatura finita. Isto elimina a possiblidade de ter uma transição de
fase para uma fase com magnetização espontânea a temperatura finita. No entanto,
também é possível ver que para T = 0 a magnetização satura no valor m = 1 in-
dependentemente do valor de B, o que indica a presença de uma transição de fase
a T = 0. Também, a partir do resultado anterior, podemos obter a magnetização
do paramagneto fazendo J = 0 → m = tanh (βB).
Para campos externos fracos B ≪ 1 podemos aproximar os senos hiperbólicos
pelo primeiro termo da série de Taylor, linear em βB, e derivando em relação ao
campo obtemos a susceptibilidade da cadeia de Ising no regime de resposta linear:

e2J/kB T
 
∂m
χ0 (T ) = = (7.11)
∂B T kB T

Notamos que a susceptibilidade diverge exponencialmente para T → 0, diferen-


temente do que acontece em um ponto crítico usual onde a divergência é como lei
de potência. A densidade de energia interna u = U/N a campo nulo é dada por:

∂ ln Z(T, B = 0)
u0 (T ) = − = −J tanh (βJ) (7.12)
∂β
e o calor específico:
∂u0
c0 (T ) = = kB (βJ)2 sech2 (βJ) (7.13)
∂T
O calor específico apresenta apenas um máximo arredondado, como se pode ver
na figura 7.1, semelhante ao que acontece em qualquer sistema de dois estados, o
que é conhecido como efeito Schottky.
Como a cadeia de Ising é um sistema de spins em interação, é natural su-
por que os spins devem apresentar correlações. Vejamos como calcular funções
de correlação spin-spin neste sistema. Fixamos B = 0 e vamos permitir que a
constante de interação J = Ji seja agora função da posição, por motivos apenas
técnicos que serão esclarecidos a seguir. Além disso, vamos considerar agora uma
cadeia aberta, de forma que possui somente N − 1 pares de vizinhos próximos.
Desta forma, a função de partição do sistema pode ser escrita como:

X X NY
−1
Z(T, J1 , . . . , JN −1 ) = ··· eβJi σi σi+1 (7.14)
σ1 =±1 σN =±1 i=1
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 73

Figura 7.1: O calor específico da cadeia de Ising.

Notamos que os fatores com σ1 e σN aparecem apenas uma vez. Somando o


correspondente com σN obtemos:
X
eβJN−1 σN−1 σN = 2 cosh (βJN −1σN −1 ) = 2 cosh (βJN −1 ) (7.15)
σN =±1

onde a última identidade se deve a que o cosh é função par e σi = ±1. Procedendo
com as somas podemos escrever uma relação de recorrência para a função de
partição:

Z(T, J1 , . . . , JN −1 ) = 2 cosh (βJN −1 )Z(T, J1 , . . . , JN −2 ) (7.16)

Substituindo os valores do lado direito obtemos uma solução para a iteração:


N
Y −1 X N
Y −1
N
Z(T ) = [2 cosh (βJi )] 1=2 cosh (βJi ) (7.17)
i=1 σ1 =±1 i=1

e por tanto
N −1
1 1 X
ln Z(T ) = ln 2 + ln cosh (βJi ) (7.18)
N N i=1
De (7.14) observamos que a correlação entre um par de spins vizinhos é dada por:
   
1 1 ∂ 1 ∂
hσk σk+1 i = Z= ln Z (7.19)
Z β ∂Jk β ∂Jk
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 74

Derivando o resultado (7.18) obtemos:


hσk σk+1 i = tanh (βJk ) (7.20)
Para obter a correlação entre um par de spins separados por uma distância arbitrá-
ria r, notamos que como σi = ±1:
hσk σk+r i = h(σk σk+1 )(σk+1 σk+2 ) . . . (σk+r−1 σk+r )i
    
1 1 ∂ 1 ∂ 1 ∂
= ··· Z
Z β ∂Jk β ∂Jk+1 β ∂Jk+r−1
k+r−1
Y
= tanh (βJi ) (7.21)
i=k

Como estamos interessados em um valor constante para a interação Ji = J ∀i,


obtemos:
hσk σk+r i = tanhr (βJ) (7.22)
Notamos que a T = 0 a correlação entre qualquer par de spins hσk σk+r i = 1, o
que corresponde a qualquer dos estados fundamentais com todos os spins positivos
ou todos negativos. Para T > 0 podemos escrever
hσk σk+r i = e−r/ξ (7.23)
com o comprimento de correlação ξ(T ) dado por:
ξ(T ) = [ln coth (βJ)]−1 (7.24)
Para temperaturas baixas βJ ≫ 1:
1
ξ ≈ e2βJ (7.25)
2
que diverge exponencialmente para T → 0. Então vemos que, para temperaturas
finitas, os spins do sistema apresentam uma correlação que decai exponencial-
mente com a distância entre o par de spins considerados. Por sua vez, a correla-
ção decai com uma distância típica ξ, o comprimento de correlação, que depende
da temperatura, sendo muito grande a temperaturas baixas e divergindo quando
T → 0, como acontece em geral no ponto crítico de transições de fase continuas,
embora a divergência neste caso seja exponencial en lugar de algébrica como nos
pontos críticos usuais. Neste sentido, o modelo de Ising em d = 1 é anômalo pois
não apresenta magnetização espontânea a temperatura finita e apenas apresenta
uma transição de fase a temperatura nula.
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 75

7.2 Teoria de campo médio do modelo de Ising


Quando vamos de uma dimensão para dimensões superiores as dificuldades técni-
cas para resolver a mecânica estatística aumentam consideravelmente, e pouquis-
simos sistemas podem ser resolvidos de forma exata. Então é importante desen-
volver ferramentas para aproximar o cálculo. Existe um grande número de téc-
nicas para obter soluções aproximadas de modelos estatísticos, como expansões
em séries de alta e baixa temperatura, simulações computacionais, aproximações
baseadas em teorias de campos. A mais simples aproximação de aplicação geral
a muitos sistemas é a teoria de campo médio.
A teoria de campo médio começou com a aproximação da equação de estado
para um líquido clássico por van der Waals (1873). Em 1906, Pierre Weiss desen-
volveu uma aproximação equivalente para estudar a transição de fase em materi-
ais ferromagnéticos. Em 1934, W. L. Bragg e E. J. Williams desenvolveram uma
aproximação de campo médio para a transição ferromagnética equivalente a de
Weiss mas que pode ser generalizada facilmente a diferentes sistemas e situações.

7.2.1 Aproximação de Bragg-Williams


Na aproximação de Bragg-Williams começamos calculando a entropia correspon-
dente a configurações dos spins com magnetização fixa m. A magnetização do
modelo de Ising (7.1), m = hσi i, é igual a m = (N+ − N− )/N, onde N+ é o
número de spins para cima, N− é o número de spins para baixo e N é o número
total de spins no sistema.
Para um dado valor de m existe um número grande de configurações possíveis
de spins para cima (+) ou para baixo (-). O logaritmo desse número é o número
de estados de magnetização m, ou entropia microcanônica do sistema:
   
S N N
= ln = ln
kB N+ N(1 + m)/2
 
N!
= ln (7.26)
(N(1 + m)/2)!(N(1 − m)/2)!

Usando a aproximação de Stirling para N grande:


N


N
N! ≈ 2πN , (7.27)
e
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 76

obtemos
S s(m) 1 1
≡ = ln 2 − (1 + m) ln (1 + m) − (1 − m) ln (1 − m) (7.28)
kB N kB 2 2
Para obter o potencial termodinâmico de interesse, f (T, m) = U(m) − T S(m),
temos que calcular a energia interna, U = hHi:
−1
U = Zm T rm H e−βH . (7.29)

Notar que T rm é um traço restrito a configurações com magnetização m, Zm =


T rm e−βH , β = 1/kB T e kB é a constante de Boltzmann. O cálculo de Zm é com-
plexo e equivale a obter a solução exata para o modelo. Em seu lugar realizamos
um cálculo aproximado. Na aproximação de Bragg-Williams se substitui o valor
local do spin σi por seu valor médio m independente da posição :
X N
X
U = −J hσi σj i − h hσi i
hiji i=1
N
X X 1
≈ −J m2 − h m = − JNzm2 − Nhm, (7.30)
i=1
2
hi,ji

onde z é o número de vizinhos próximos dos sítios da rede. Na rede quadrada em


d dimensões z = 2d. A densidade de energia livre de Bragg-Williams é dada por:

f (T, m) = (U − T S)/N
1 kB T
= − Jzm2 − hm + [(1 + m) ln (1 + m) + (1 − m) ln (1 − m)]
2 2
−kB T ln 2 (7.31)

O comportamento da função f (T, m) para h = 0 está representado graficamente


para diversas temperaturas na figura 7.2.
Na figura da esquerda, para campo externo nulo, vemos que a altas temperatu-
ras a função apresenta um único mínimo, para m = 0. Esta é a fase paramagnética.
A uma temperatura bem definida Tc a função passa a ter dois mínimos simétricos
±m. O valor absoluto destes mínimos, |m|, cresce a medida que a temperatura
baixa com |m| → 1 quando T → 0. No entorno de Tc o valor de m é muito
pequeno, en então podemos expandir as funções termodinâmicas em potências de
m:
1 1
s(m) = ln 2 − m2 − m4 + . . . (7.32)
2 12
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 77

Figura 7.2: A energia livre na aproximação de Bragg-Williams.

e
1 1
f (T, m) = (kB T − zJ)m2 + kB T m4 − kB T ln 2 + . . . (7.33)
2 12
Para T fixa, a função f apresenta um mínimo único em m = 0 se T ≥ zJ/kB .
Exatamente em Tc = zJ/kB a função desenvolve dois mínimos simétricos com
m 6= 0. Esta temperatura indica a presença de uma quebra espontânea da simetria
de inversão do modelo de Ising, assinatura de uma transição de fase de segunda
ordem, na temperatura crítica:
zJ
Tc = (7.34)
kB
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 78

Em presença de um campo magnético externo h, a energia livre f − mh é


assimétrica, como mostra a figura da direita em 7.2. Para temperaturas altas T >
Tc a energia livre apresenta um único mínimo m > 0, e para uma T < Tc aparece
um segundo mínimo local. O mínimo com m > 0 continua sendo o mínimo
absoluto, e por tanto o comportamento do parâmetro de ordem não muda neste
caso em T = Tc . A equação de estado em presença de um campo externo é dada
por:
∂f kB T
= −zJm − h + ln [(1 + m)/(1 − m)]
∂m 2
= −zJm − h + kB T tanh−1 m = 0 (7.35)

Então
m = tanh [β(h + zJm)]. (7.36)
A quantidade h + zJm é o campo local médio, o mesmo para todos os sítios
do sistema. Ele tem uma contribuição do campo externo h e uma contribuição
proveniente do campo molecular produzido pelos vizinhos próximos de um sítio,
zJm = kB Tc m. O comportamento da equação de estado pode ser visualizado na
figura 7.3.
Expandindo a equação de estado para temperaturas baixas e campo nulo obte-
mos:
m = tanh (βzJm) ≈ 1 − 2 e−2βzJ (7.37)
e por tanto m → 1 exponencialmente rápido com T . Perto da temperatura de
transição m ≪ 1 e podemos expandir para m pequeno:
1 1
m ≈ (Tc /T )m − (Tc /T )3 m3 ≈ (Tc /T ) m − m3 , (7.38)
3 3
onde no último passo aproximamos (Tc /T )3 ∼ 1 já que o termo cúbico tende
para um mais rápido que o termo linear quando T → Tc . Notamos que m = 0 é
sempre solução. Existem outras duas soluções com m 6= 0:

m = ±[3(Tc − T )/T ]1/2 (7.39)

Vemos que m va a zero de forma continua a medida que T → Tc . A transição de


fase ferromagnética-paramagnética é uma transição de segunda ordem na aproxi-
mação de campo médio. O expoente 1/2 é um exemplo de expoente crítico. Este
comportamento da magnetização do modelo de Ising, decaimento continuo para
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 79

Figura 7.3: A equação de estado na aproximação de Bragg-Williams.

zero com uma lei de potências e o correspondente expoente crítico, é uma mani-
festação genérica de transições de fase de segunda ordem, ou continuas. Todos os
sistemas/modelos cujo parâmetro de ordem apresenta o mesmo comportamento
crítico, no sentido do parâmetro de ordem ir a zero com uma lei de potências
caracterizada por um mesmo expoente, pertencem a mesma classe de universali-
dade.
Na aproximação de Bragg-Williams, como desenvolvida acima, assumimos
que o parâmetro de ordem é espacialmente uniforme hσi i = m. Esta condição
pode ser relaxada para permitir um parâmetro espacialmente variável hσi i = mi .
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 80

Neste caso a energia livre é escrita na forma:


1X X
F =− Jij mi mj − T s(mi ) (7.40)
2 i
hi,ji

Esta forma é preferível para tratar casos nos quais o parâmetro de ordem não é
uniforme, como é o caso de fases moduladas em cristais líquidos, ou diferentes
tipos de ordem antiferromagnética.

7.3 A teoria de Landau de transições de fase


A teoria de Landau é uma teoria de campo médio de caráter muito geral, baseada
nas propriedades de simetria do potencial termodinâmico F (T, N, V, hφ(~x)i).

7.3.1 Transições de fase continuas


Landau propôs que a forma do potencial F podia ser deduzida, de forma fenome-
nológica, essencialmente através da seguinte premisa:

• O potencial F (T, N, V, hφ(~x)i) deve ser uma função invariante respeito de


operações do grupo de simetria G da fase desordenada.

O segundo ponto fundamental na teoria de Landau é a seguinte observação:

• Perto da transição de fase, o parâmetro de ordem é pequeno (em uma tran-


sição de segunda ordem), e então se pode fazer uma expansão do potencial
F em série de Taylor do parâmetro de ordem:

F X
f (T, φ) ≡ = an ([K], T ) φn (7.41)
V n=0

onde φ = hφ(~x)i. Vamos assumir por enquanto que o parâmetro de ordem


é espacialmente homogêneo. Também vamos assumir daqui em diante que
o número de partículas N e o volume V do sistema considerado são cons-
tantes, e por tanto não vamos incluí-los explicitamente em f . A suposição
que f possa ser desenvolvida em uma série de Taylor implica que ela é uma
função analítica de φ perto da transição.
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 81

Na prática, a expansão (7.41) poderá ser truncada para um número pequeno de


termos. Quantos termos serão necessários para descrever corretamente a transição
de fase dependerá essencialmente da dimensão espacial d e da dimensão do espaço
do parâmetro de ordem. No caso do modelo de Ising, o truncamento até ordem φ4
é suficiente. No entanto, é importante notar que na expansão devem estar presentes
todas as combinações analíticas do parâmetro de ordem que deixam invariante f
frente ao grupo de simetria G.
A equação de estado para o parâmetro φ é:
∂f
= h = a1 + 2a2 φ + 3a3 φ2 + 4a4 φ3 (7.42)
∂φ
Como para T > Tc , φ deve ser nulo se o campo externo for nulo, então a1 = 0.
No caso particular do modelo de Ising, o grupo de simetria G é o grupo das
reflexões, e por tanto f (φ) = f (−φ). Então f somente poderá ter potências pares
de φ:
f = a0 + a2 φ2 + a4 φ4 . (7.43)
Como queremos que o estado termodinâmico seja estável para T < Tc , a4 > 0.
Caso contrário poderiamos ter a solução φ → ∞ como mínimo absoluto de f .
O coeficiente a0 é o valor de f para T > Tc , quando φ = 0. Se pode pensar
nele como contendo as contribuições a f não provenientes do parâmetro de ordem
de interesse. Nesse sentido, como o que queremos é descrever a transição de fase
associada a φ, vamos considerar a0 = 0, ou então redefinir f − a0 → f .
Como os coeficientes podem depender em geral da temperatura, perto da tran-
sição podemos expandi-los na forma:
T − Tc 1
a2 = a02 + a2 + O((T − Tc )2 ) (7.44)
Tc
T − Tc 1
a4 = a04 + a4 + O((T − Tc )2 ) (7.45)
Tc
Se pode escolher a4 como uma constante positiva. Sua dependência em T não
será dominante para determinar o comportamento termodinâmico na transição.
Da equação de estado aplicada a (7.43) obtemos para φ:
(
φ= q0 se T > Tc
(7.46)
−a2 (T )
± 2a4
se T < Tc

Então, para que φ possa ter uma solução real e finita para T < Tc se deve
exigir que a02 = 0.
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 82

Se acrescentamos um termo proveniente de um campo externo h conjugado


de φ, a energia livre de Landau para o modelo de Ising adota a forma final:
1
f = r φ2 + u φ4 − h φ (7.47)
2
onde r = a (T − Tc ) e as constantes foram reescritas de conformidad com a mai-
oria das refêrencias na literatura. O comportamento do potencial f está descrito
na figura 7.4.
É importante notar que a teoria de Landau é fenomenológica, ou seja, ela
não está baseada em um modelo microscópico, tendo sido obtida por argumen-
tos puramente de simetria. Ela fornece o comportamento qualitativo correto na
proximidade de uma transição de fase continua. Por exemplo, diferentemente da
aproximação de campo médio de Bragg-Williams para o modelo de Ising, a te-
oria de campo médio de Landau não prediz um valor para a temperatura crítica.
No entanto faz predições para grandezas universais, como expoentes críticos. De
(7.46) extraimos o comporamento do parâmetro de ordem próximo da transição:
φ ∼ (Tc − T )β (7.48)
Vemos que φ → 0 com o expoente crítico β = 1/2. Este expoente é o mesmo que
aparece na aproximação de Bragg-Williams. Na realidade todas as aproximações
de campo médio para um problema com dada simetria dão como resultado os
mesmos expoentes, chamados de expoentes clássicos. Tanto a aproximação de
Bragg-Williams como a teoria de Landau consideram um parâmetro de ordem
homogêneo, desconsideram flutuações. Quando o papel das flutuações é incluido
o expoente crítico toma valores menores, neste caso próximo de 1/3 em d = 3.
Podemos obter agora a equação de estado derivando (7.47) respeito de φ:
r φ + 4u φ3 = h. (7.49)
A susceptibilidade pode ser obtida derivando a equação de estado respeito de h:
∂φ
[r + 12u φ2] = 1. (7.50)
∂h
Obtemos: 
∂φ 1/r se T > Tc ;
χ= = (7.51)
∂h 1/2|r| se T < Tc .
Substituindo a dependência de r na temperatura:
χ ∼ |T − Tc |−γ . (7.52)
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 83

Figura 7.4: O funcional de Landau para um modelo com simetria de Ising.


Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 84

γ é o expoente crítico da susceptibilidade, que é igual a 1 na teoria de Landau, e


corresponde ao valor universal de campo médio para sistemas com parâmetros de
ordem tipo Ising. Em sistemas tridimensionais γ toma valores próximos de 4/3
quando flutuações na vizinhança do ponto crítico são levadas em consideração.
Outro expoente crítico corresponde ao comportamento do parâmetro de or-
dem em função do campo externo na temperatura crítica. Novamente, a partir da
equação de estado (7.49) obtemos em T = Tc :
 1/δ
h
φ∼ , (7.53)
4u

onde δ = 3. A energia livre f é zero para T > Tc e negativa para T < Tc :



0 se T > Tc
f= 2 (7.54)
−r /(16u) se T < Tc .

Deste resultado podemos obter o valor do calor específico:

∂2f

0 se T > Tc ;
cV = −T = (7.55)
∂T 2 T a2 /(8u) se T < Tc .

O calor específico apresenta uma descontinuidade finita na temperatura crítica.


Este calor específico da a contribuição na vizinhança da transição de fase. A fun-
ção completa apresenta outra contribuição analítica associada a outros graus de
liberdade. O comportamento com a temperatura de diversas grandezas termodi-
nâmicas na aproximação de campo médio pode ser vista na figura 7.5. Notar que
cV corresponde à contribuição da energia livre de Landau mais uma parte analítica
proveniente de outros graus de liberdade.

7.3.2 Transições de primeira ordem na teoria de Landau


Na expansão em série de Taylor do potencial termodinâmico um termo linear em φ
é proibido porque φ = 0 acima da temperatura crítica. Um termo cúbico em φ foi
descartado com um argumento de simetria, no caso de um sistema com simetria de
Ising f (φ) = f (−φ). No entanto, um termo cúbico pode existir em sistemas onde
a simetria da fase desordenada o permita. Consideremos a expansão do potencial
nesse caso:
1
f = a t φ2 + w φ3 + u φ4 − h φ (7.56)
2
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 85

Figura 7.5: Comportamento de algumas grandezas termodinâmicas na teoria de


Landau para um sistema com simetria Ising.

onde t ≡ (T − Tc ). Para h = 0 a equação de estado leva as soluções seguintes:


p
φ=0 φ = −c ± c2 − a t/4u, (7.57)
onde c ≡ 3w/8u. Para ter uma solução real φ 6= 0 , t < t∗ ≡ 4uc2/a. Como t∗ >
0, esta condição acontece para uma temperatura maior que a temperatura crítica,
que agora corresponde apenas à temperatura na qual o termo de segunda ordem
em φ na energia livre se anula. A figura 7.6 mostra o andamento do potencial com
a temperatura no caso w < 0. Para t < t∗ um segundo mínimo aparece, embora
o mínimo absoluto ainda corresponda a φ = 0. A uma certa temperatura t1 o
valor de f é igual para os dois mínimos, e abaixo desta temperatura o segundo
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 86

mínimo passa a ser o mínimo global. Em t1 o parâmetro de ordem apresenta uma


discontinuidade finita. Acontece uma transição de primeira ordem.

Figura 7.6: Uma transição de primeira orden na teoria de Landau.

No entanto, é importante levar em conta que para t → t− 1 o parâmetro de


ordem não é arbitrariamente pequeno, e então, a expansão de Landau não é válida
de forma geral. Quando a expansão é justificada, a preseça de um termo cúbico
leva o sistema a apresentar uma transição de primeira ordem.

7.4 Flutuações do parâmetro de ordem


Embora o parâmetro de ordem em um sistema homogêneo seja uma constante φ,
variações espaciais φ(~x) podem ser naturais em casos com presença de campos
externos inomogêneos h(~x) ou em sistemas com modulações espaciais no campo
φ como por exemplo, quando existem interações competitivas.
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 87

De um ponto de vista microscópico, o parâmetro de ordem φ é uma média es-


tatística φ ≡ hφi, que envolve uma soma sobre um conjunto de graus de liberdade
microscópicos em uma certa região do espaço. Por tanto é válido se perguntar
sobre qual o significado físico da função da posição φ(~x) em um contexto termo-
dinâmico. Se pode dar um significado a φ(~x) considerando uma “partição” do
sistema em blocos de tamanho a ≪ Λ−1 ≤ ζ(T ), onde a é a constante de rede (a
distância de equilíbrio entre um par de partículas) e ζ(T ) é um comprimento que
mede o alcance das correlações no sistema. Então, em uma escala Λ−1 podemos
considerar que o parâmetro de ordem é efetivamente constante. Assim, defini-
mos o parâmetro de ordem local φΛ (~x) como o valor do parâmetro dentro de um
bloco com origem em ~x. Este processo se denomina granulado grosso (coarse
graining). Desta forma a energia livre de Landau fica bem definida na escala dos
blocos Λ. O problema agora é que ela depende da escala Λ. Temos que somar
as contribuições de todos os grãos que compoem o sistema. Mas a energia livre
não pode
P ser, como poderiamos concluir sem refletir, a soma de termos do tipo
F = ~x f (φΛ (~x)), pois esta quantidade equivale a considerar os valores de equi-
líbrio em cada bloco de forma independente. No entanto é fácil se convencer que
não será bom, de um ponto de vista energético, ter grandes diferenças nos valo-
res de equilíbrio de φΛ (~x) nos diferentes blocos. Uma forma de contornar este
problema é incluir um termo que penalize grandes variações do parâmetro de or-
dem local (também chamado parâmetro de ordem de granulado grosso). A forma
analítica mais simples que este termo pode tomar é:
!2
XX c φΛ (~x) − φΛ (~x + ~δ)
(7.58)
δ
2 Λ−1
~
x

onde ~δ é um vetor de magnitude Λ−1 apontando na direção do bloco vizinho pró-


ximo do ponto ~x, e o valor do custo em energia é independente do sinal da dife-
rença dos parâmetros de ordem em blocos vizinhos. A constante c pode depender
da temperatura.
Então, considerando que φΛ (~x) varia pouco na escala a, e tomando o limite
continuo, podemos escrever a energia livre de Landau na forma:
1
Z Z
F [φΛ (~x)] = d x f (T, φΛ (~x)) + dd x c [∇φΛ (~x)]2 ,
d
(7.59)
2

onde φΛ (~x) ≡ hφΛ (~x)iΛ e f (T, φ(~x)) tem a forma da densidade de energia livre
de Landau homogênea (7.47). Agora a energia livre de Landau F [φΛ (~x)] é um
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 88

funcional de φΛ (~x), no sentido que depende da função φΛ (~x) em todos os pontos


~x. Um corte, ou “cutoff” para distâncias menores que Λ−1 está implícito em todas
as integrais.
É importante notar que o funcional de Landau F , ou energia livre de Landau,
NÃO é a energia livre de Helmholtz F (T, φ) do sistema. O funcional de Landau
é, na verdade, uma energia livre de granulado grosso ou Hamiltoniano efetivo, no
sentido que a função de partição do sistema pode ser obtida na forma:
Z
Z = DφΛ e−βF [φΛ (~x)] , (7.60)
R
onde a notação DφΛ indica uma integral funcional. Fisicamente, a integral
funcional equivale a somar as contribuições de todas as configurações dos campos
φ(~x) pesados com o peso estatístico correspondente. A dependência na escala Λ
implica que este formalismo está bem definido para distâncias grandes. Variações
dos campos na escala do espaçamento de rede ou das distâncias interpartícula
estão fora do alcance do formalismo. No entanto, como veremos a seguir, na
análise da física na vizinhança de um ponto crítico apenas o comportamento a
longas distâncias é importante.
Então, realizando a integração funcional sobre os graus de liberdade ainda não
integrados, podemos obter o potencial termodinâmico A(T, h) correspondente:

Z(β, h) = T r e−βH = e−βA , (7.61)

onde H ≡ F [φΛ (~x)] deixa explícito o caráter de Hamiltoniano “efetivo” do funci-


onal F , e h é um campo externo conjugado do parâmetro de ordem φ. A energia
livre de Helmholtz pode ser obtida via uma transformação de Legendre na forma:

F (T, φ) = A(T, h) + N φh. (7.62)

7.5 Funções de correlação


Considerando a possibilidade do parâmetro de ordem variar localmente, podemos
escrever o potencial termodinâmico A na forma:

A[T, ~h(~x)] = −T ln Z[T, ~h(~x)], (7.63)

onde também consideramos uma possível variação espacial do campo externo.


Adotamos a convenção kB = 1, ou seja, daqui para frente todas as temperaturas
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 89

estão em unidades da constante de Boltzmann. Notamos que tanto o potencial A


quanto a função de partição Z são na verdade funcionais no sentido discutido na
seção anterior. Para cada função h(~x) obtemos um valor para Z e um para A. Em
presença de um campo externo local h(~x), a função de partição pode ser escrita
na forma: Z
~ ~ ~
Z = Dφ(~x) e−β {F [φ(~x)]− d x h(~x)·φ(~x)} ,
R d
(7.64)

onde F [φ(~x)] é dada por (7.59) e o subíndice Λ será eliminado da notação exceto
quando o significado das expressões não seja claro.
O parâmetro de ordem na escala Λ, que para um sistema magnético é a mag-
netização local, é dado por:
1 δZ δA
hφi (~x)i = =− , (7.65)
Z δ βhi (~x) δhi (~x)

~ e
onde hφi i e hi representam a i-ésima componentes cartesianas dos vetores hφi
~h, e o símbolo δ representa uma derivada funcional. O potencial termodinâmico
obedece a seguinte identidade diferencial:
Z
dA = −S dT − dd x hφ(~~ x)i · δ~h(~x). (7.66)

A susceptibilidade local generalizada é dada pelo tensor:

δhφi (~x)i
χij (~x, ~x′ ) = , (7.67)
δhj (~x′ )

~ x).
onde i, j são as componentes i e j de um parâmetro de ordem vetorial φ(~
A função de correlação conectada representa as correlações das flutuações do
parâmetro de ordem em relação ao valor médio, e é dada por:

Gij (~x, ~x′ ) = h[φi (~x) − hφi (~x)i][φj (~x′ ) − hφj (~x′ )i]i
1 δ 2 ln Z
= (7.68)
β 2 δhj (~x′ )δhi (~x)
1 δhφi (~x)i
= = T χij (~x, ~x′ )
β δ hj (~x′ )

Notamos que a função de correlação de dois pontos conectada é proporcional


à susceptibilidade generalizada.
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 90

A susceptibilidade ou resposta global é definida como:


Z
χij = dd xdd x′ χij (~x, ~x′ ) (7.69)

e, em sistemas com invariância translacional, é proporcional ao limite q = 0 da


transformada de Fourier da função de correlação conectada χij = lim~q→0 βGij (q)
.
Uma transformada de Legendre nos permite obter um potencial termodinâ-
mico que é função do parâmetro de ordem (equivalente à energia livre de Helmholtz),
em lugar de ser função do campo:
Z
F [T, hφ(~x)i] = A[T, h(~x)] + dd x ~h(~x) · hφ(~
~ ~ ~ x)i. (7.70)

O funcional F satisfaz a relação diferencial:


Z
dF = −S dT + dd x ~h(~x) · δhφ(~
~ x)i. (7.71)

A equação de estado é dada por:


δF
= hi (~x). (7.72)
δhφi (~x)i
Em ausência de campo externo o estado de equilíbrio é dado pelo valor de hφi (~x)i
que minimiza F . Notar que, nesta forma funcional, o parâmetro de ordem pode
não ser homogêneo, o mínimo de F é determinado por uma função da posição.

A Derivada funcional
Consideremos um funcional Φ[h(~x)]. A derivada funcional de Φ é definida
como:
δΦ Φ[h(~x) + ǫδ(~x − ~y )] − Φ[h(~x)]
= lim . (7.73)
δh(~y ) ǫ→0 ǫ
δΦ/δh(~y ) representa o câmbio induzido em Φ em resposta a um câmbio em h(~x)
no ponto ~x = ~y .
Utilizando esta definição é possível mostrar algumas derivadas funcionais co-
muns:
δh(~x)
= δ(~x − ~y ), (7.74)
δh(~y )
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 91

onde Φ[h(x)] = h(x) é o funcional identidade. Se f é uma função de h(~x):

δf (h(~x)) δh(~x)
= f′ = f ′ δ(~x − ~y ), (7.75)
δh(~y ) δh(~y )
δf (g(h(~x))) δh(~x)
= f ′ g′ = f ′ g ′ δ(~x − ~y ), (7.76)
δh(~y ) δh(~y )

onde f ′ (z) = df /dz.


Por exemplo, para f (φ(~x)) = φ4 (~x):

δf δφ(~x)
= f′ = 4φ3 (~x)δ(~x − ~y ) (7.77)
δφ(~y ) δφ(~y )

Uma situação comum na física é a de um funcional F [φ(~x)] pode ser expresso


na forma Z
F [φ(~x)] = dd x f (φ(~x), ∂i φ(~x)), (7.78)

onde ∂i φ(~x) são derivadas espaciais de φ(~x) (componentes do gradiente), então


δF δf
Z
= dd x
δφ(~y ) δφ(~y)
 
∂f δφ(~x) ∂f δ∂i φ(~x)
Z
d
= d x +
∂φ(~x) δφ(~y ) ∂(∂i φ(~x)) δφ(~y )
 
∂f ∂f
Z
d
= d x δ(~x − ~y ) + ∂i δ(~x − ~y ) , (7.79)
∂φ(~x) ∂(∂i φ(~x))
onde na última linha usamos o fato que a derivada comum e a derivada funcional
comutam e índices repetidos se somam. Usando:
 
∂f ∂f ∂f
∂i δ(~x − ~y ) = δ(~x − ~y )∂i + ∂i δ(~x − ~y ),
∂(∂i φ(~x)) ∂(∂i φ(~x)) ∂(∂i φ(~x))
integrando por partes no último termo, desprezando termos de superfície e fazendo
a integral em ~x obtemos:
δF ∂f ∂f
= − ∂i , (7.80)
δφ(~y) ∂φ(~y ) ∂∂i φ(~y )
cuja solução estacionária é semelhante a equação de movimento da mecânica La-
grangeana.
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 92

Após a transformada de Legendre que leva de A para F podemos obter a


inversa da função de correlação derivando F respeito de hφi (~x)i. Fazemos isto
em dois passos: primeiro derivamos hφi (~x)i respeito de hφk (~x′′ )i:

δhφi (~x)i
= δik δ(~x − ~x′′ )
δhφk (~x′′ )i
δhφi (~x)i δhj (~x′ )
Z
= dd x′ . (7.81)
δhj (~x′ ) δhφk (~x′′ )i

onde se fez uso da regra da cadeia na derivada funcional e índices repetidos estão
somados. A inversa de χij (~x, ~x′ ) é definida na forma:
Z
dd x′ χij (~x, ~x′ )χ−1 x′ , ~x′′ ) = δik δ(~x − ~x′′ ).
jk (~ (7.82)

Comparando as duas últimas identidades e usando a definição da susceptibilidade


obtemos:
−1 ′ δhi (~x) δ2F
χij (~x, ~x ) = = . (7.83)
δhφj (~x′ )i δhφj (~x′ )iδhφi (~x)i

7.5.1 Correlações na teoria de Landau


Vamos calcular agora as funções de correlação e susceptibilidade partindo da ener-
gia livre de Landau para um campo escalar:
1
Z Z
F = d x f (T, hφ(~x)i) + dd x c [∇hφ(~x)i]2 .
d
(7.84)
2
Substituindo para a densidade de energia livre a forma (7.47) com h = 0,
obtemos:
δ2F
χ−1 (~x, ~x′ ) =
δhφ(~x)iδhφ(~x′ )i
= (r + 12u hφ(~x)i2 − c∇2 )δ(~x − ~x′ ). (7.85)

O último termo corresponde ao operador Laplaciano, e se obtém após integrar


por partes a variação do termo do gradiente quadrado, e desprezar um termo de
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 93

superfície:
δ δ
Z Z
d

d x ∂i φ(~x)∂i φ(~x) = dd x [∂i φ(~x)∂i φ(~x)]
δφ(~x ) δφ(~x′ )
  
δ δφ(~x)
Z Z
d
= d x 2∂i φ(~x) ′
∂i φ(~x) = 2 dd x ∂i φ(~x)∂i
δφ(~x ) δφ(~x′ )
Z
= 2 dd x ∂i φ(~x)∂i δ(~x − ~x′ ). (7.86)

Usando
∂i [∂i φ(~x)δ(~x − ~x′ )] = ∂i2 φ(~x)δ(~x − ~x′ ) + ∂i φ(~x)∂i δ(~x − ~x′ ), (7.87)
e desprezando o termo de superfície, obtemos:
δ
Z Z
d x ∂i φ(~x)∂i φ(~x) = −2 dd x ∂i2 φ(~x)δ(~x −~x′ ) = −2∂i2 φ(~x′ ). (7.88)
d
δφ(~x′ )
Finalmente,
δ
−2∂i2 φ(~x′ ) = −2∂i2 δ(~x − ~x′ ),

(7.89)
δφ(~x)
que leva ao resultado em (7.85). O mesmo resultado pode ser obtido diretamente
aplicando a expressão geral obtida em (7.80).
Usando agora a relação (7.82), que define a inversa de χ, obtemos:
(r + 12u hφ(~x)i2 − c∇2 ) χ(~x, ~x′ ) = δ(~x − ~x′ ), (7.90)
ou, usando (7.69):
(r + 12u hφ(~x)i2 − c∇2 ) G(~x, ~x′ ) = T δ(~x − ~x′ ). (7.91)
A solução geral destas equações é complicada pela dependência em hφ(~x)i2 .
Assumindo que o sistema apresenta invariância translacional é possível resolver
para χ(~x, ~x′ ) por transformanda de Fourier:
Z
χ(~q) = dd x χ(~x) e−i~q·~x (7.92)

Se o parâmetro de ordem é homogêneo e dado pela solução de campo médio de


Landau obtemos:
1
χ(~q) =
r + 12u hφi2 + cq 2
χ 1 ζ2
= ≡ , (7.93)
[1 + (qζ)2] c 1 + (qζ)2
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 94

onde  1/2
c
ζ(T ) = (7.94)
r + 12u hφi2
é o comprimento de correlação. Usando a solução da teoria de campo médio para
hφi se obtém:
(c/r)1/2

se T > Tc
ζ(T ) = 1/2 (7.95)
(c/(−2r)) se T < Tc
Então, vemos que próximo do ponto crítico ζ ∼ |T − Tc |−ν , onde ν = 1/2 é o
expoente crítico do comprimento de correlação. Em sistemas tridimensionais o
valor real de ν está em torno de 2/3.
A existência de um comprimento de correlação é um dos conceitos centrais na
física da matéria condensada. A própria idéia de condensado implica a existência
de uma região onde as partículas estão fortemente correlacionadas. A extensão
desta região depende de parâmetros externos, como a temperatura, ou pressão.
Uma das características do fenômeno de invariância de escala no ponto crítico é a
divergência do comprimento de correlação, ou seja, todo o sistema está fortemente
correlacionado em Tc .
A forma da susceptibilidade (7.93) foi obtida pela primeira vez por Ornstein
e Zernicke na análise do ponto crítico gás-líquido. A transformada inversa de
Fourier leva a função de correlação espacial de dois pontos:

dd q ei~q·~x
Z
χ(~x) = χ
(2π)d 1 + (qζ)2
 (d−2)/2
χΩd q d−1 dq 1
Z
= J(d−2)/2 (qr) (7.96)
(2π)d 1 + (qζ)2 qr

onde Ωd é o ângulo sólido d-dimensional e Jn (x) é uma função de Bessel. A


integral no vetor de onda da como resultado:
 (d−2)/2  
1 r
χ(r) ∝ K(d−2)/2 , (7.97)
ζr ζ

onde Kµ (x) é uma função de Bessel modificada. Para x ≫ 1, Kµ (x) ≈ x−1/2 e−x .
Então, para distâncias grandes comparadas com o comprimento de correlção, a
função de correlação de dois pontos se comporta como:

e−r/ζ
G(r) = T χ(r) ∝ (7.98)
r (d−1)/2
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 95

Notamos que no ponto crítico T = Tc as correlações espaciais decaem algebrica-


mente com r −(d−1)/2 . Para T 6= Tc as correlações decaem de forma exponencial
em uma escala dada pelo comprimento de correlação ζ(T ).

7.6 Sistemas com simetria O(n)


Sistemas com simetria O(n) possuem um parâmetro de ordem vetorial com n
componentes. Na fase desordenada, o Hamiltoniano tem que ser invariante frente
a rotações no espaço n-dimensional do parâmetro de ordem. Casos particulares
são o modelo de Ising, com n = 1, que já analizamos. O modelo XY, que é um
modelo de rotores no plano, com n = 2. O modelo de Heisenberg para a transição
ferromagnética, com n = 3.
A energia livre de Landau do modelo O(n) é análoga a do modelo com si-
metria Ising (7.47). A única diferença é que, devido a simetria rotacional da fase
paramagnética, a energia livre deve depender de:
n
~ 2 ≡ hφi2 =
X
hφi hφi i2 , (7.99)
i

que é invariante por rotações. Em presença de um campo externo hi na direção i


a equação de estado resulta:
∂f
= (r + 4uhφi2)hφi i = hi . (7.100)
∂φi
Acima da temperatura crítica, ou seja, se r > 0, a única solução com hi = 0 é que
todas as componentes do parâmetro de ordem sejam nulas. Então:

0 se T > Tc ;
hφi = 1/2 (7.101)
(−r/4u) ei se T < Tc .

onde ~e é um vetor unitário arbitrário no espaço do parâmetro de ordem. O com-


portamento é o mesmo do modelo de Ising, e então o modelo O(n) sofre uma
transição de fase de segunda ordem, com expoentes críticos β, γ, δ e ν iguais aos
do modelo de Ising. No entanto, diferentemente ao modelo de Ising que quebra
uma simetria discreta, a arbitrariedade do vetor unitário ~e que define a direção de
ordenamento do sistema, indica que uma simetria continua foi quebrada, como
mostrado na figura 7.7 para o caso XY (n = 2).
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 96

Figura 7.7: A parte homogênea da energia livre de Landau para o modelo O(2).

A quebra de uma simetria continua traz profundas consequências no compor-


tamento das funções de correlação e susceptibilidades para T < Tc . Como já
visto, a função de correlação conectada entre as componentes i e j do parâmetro
de ordem é dada por:
Gij (~x, ~x′ ) = hφi (~x)φj (~x′ )i − hφi (~x)ihφj (~x′ )i. (7.102)
Esta correlação pode ser decomposta em duas partes, correspondentes a correla-
ções entre as componentes paralelas e perpendiculares à direção de ordenamento
do sistema:
Gij (~x, ~x′ ) = Gk (~x, ~x′ ) ei ej + G⊥ (~x, ~x′ )(δij − ei ej ). (7.103)
Se a direção de ordem é o eixo definido por e1 , então ~e = (1, 0, 0, . . .) e obtemos:
G11 (~x, ~x′ ) = Gk (~x, ~x′ ) = hφ1(~x)φ1 (~x′ )i − hφ1 (~x)ihφ1 (~x′ )i, (7.104)
Gii (~x, ~x′ ) = G⊥ (~x, ~x′ ) = hφi (~x)φi (~x′ )i − hφi (~x)ihφi (~x′ )i, (i 6= 1).
Derivando a energia livre de Landau respeito de φi (~x) e φj (~x′ ) e transformando
Fourier obtemos o tensor de susceptibilidade:
χ−1 q ) = T G−1
ij (~ q ) = (r + 4uhφi2 + cq 2 )δij + 8uhφi ihφj i,
ij (~ (7.105)
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 97

ou, em termos das componentes paralelas e perpendiculares:

χ−1 2
k = r + 12uhφi + c q
2
(7.106)

e
r + c q 2 se T > Tc ;

χ−1
⊥ (~
q) 2 2
= r + 4uhφi + c q = (7.107)
c q2 se T < Tc .
Notamos que a componente paralela tem o mesmo comportamento que no modelo
de Ising. No entanto, na direção perpendicular a susceptibilidade ou as correlações
G⊥ (~q) = T χ⊥ (~q) têm um comportamento com lei de potência:

T
G⊥ (~q) = . (7.108)
cq 2
No espaço real as correlações também decaem algebricamente:

G⊥ (~x, 0) ∼ |x|−(d−2) . (7.109)

Como a suscpetibilidade global é dada por χij = lim~q→0 βGij (~q), o resultado
anterior implica que o sistema possui susceptibilidade transversal infinita na fase
de baixa temperatura com simetria quebrada. Ou seja, é necessário um campo
externo arbitrariamente pequeno para mudar o valor (ou melhor, a direção) do pa-
râmetro de ordem. Isto pode ser interpretado fisicamente pela estrutura da energia
livre de Landau da figura 7.7. Da figura fica evidente que f possui um número
infinito de mínimos para T < Tc , e se pode passar continuamente de um mínimo
para outro. Ou seja, não custa energia ir de um mínimo qualquer a um outro qual-
quer. No entanto, na direção paralela a situação é diferente: existe uma penalidade
energética para mudar o módulo do parâmetro de ordem.
O comportamento da componente transversal da susceptibilidade (7.107) in-
dica que, em termos de modos no espaço de Fourier, a susceptibilidade aumenta
de forma ilimitada para modos de comprimento de onda grande e é infinita para
λ → ∞. Em outras palavras, a flutuação na energia de Landau f pode ser feita
arbitrariamente pequena para flutuações de comprimento de onda suficientemente
grandes. No caso do modelo O(2) da figura vemos que existe exatamente um
modo perpendicular à direção de ordenamento com excesso de energia livre arbi-
trariamente pequena. Em geral, em um modelo com simetria O(n) haverá um
modo deste tipo por cada direção transversal, ou seja um total de n − 1 mo-
dos transversais de baixa energia, chamados modos de Goldstone. Os modos de
Goldstone se manifestam matematicamente como polos em ~q = 0 na componente
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 98

transversal da susceptibilidade, como se ve em (7.107) na fase de simetria ro-


tacional quebrada. Exemplos de modos de Goldstone são as ondas de spin, ou
mágnons em sistemas ferromagnéticos e também os fônons, ou oscilações da rede
cristalina associados a quebra da simetria por translações no espaço. Ambas fenô-
menos correspondem a excitações de baixa energia dos respectivos sistemas e são
consequência da quebra de simetrias continuas.

7.7 Cristais líquidos: a transição isotrópico-nemática


em d = 3
Na fase nemática dos cristais líquidos as moléculas orientam seus eixos de sime-
tria em torno de uma direção preferencial, mantendo no entanto a desordem nas
posições dos centros de massa, como mostra a figura 7.8.

Figura 7.8: A ordem orientacional das moléculas em um cristal líquido.

A temperaturas altas o sistema se encontra na fase simétrica, desordenada


tanto orientacional quanto posicionalmente. A uma temperatura Tc as molécu-
las se ordenam orientacionalmente. Em geral, a forma alongada das moléculas
que formam os cristais líquidos possui simetria de reflexão entre os extremos do
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 99

eixo principal. Consequentemente a ordem molecular dos cristais líquidos não é


representada convenientemente por um vetor, como no caso dos sistemas magné-
ticos.
Para uma molécula α, o vetor unitário ~v α , que aponta ao longo do eixo princi-
pal da molécula na posição ~xα , contribui à ordem tanto quanto a direção −~v α . De
forma análoga ao caso da ordem vetorial, onde o parâmetro de ordem tem que ter
média nula quando mediado localmente em todas as direções na fase de alta tem-
peratura, neste caso, as propriedades de simetria requeridas para a ordem nemática
são satisfeitas por um tensor de segunda ordem, simétrico e de traço nulo:
V X α α 1
Qij (~x) = (v v − δij )δ(~x − ~xα ), (7.110)
N α i j 3

onde viα é a componente i do vetor unitário ~v α associado à molécula α. Qij são as


componentes do tensor Q̂. Como ~v α é unitário, o tensor tem traço nulo: T r Q̂ = 0.
Na situação mais comum, o conjunto de moléculas terá apenas um eixo de
simetria. O sistema neste caso é uniaxial e o valor médio estatístico do tensor
nemático pode ser escrito na forma:
 
1
hQij i = S ni nj − δij , (7.111)
3

onde o vetor unitário ~n, chamado diretor de Frank, define a direção do eixo prin-
cipal de hQ̂i, e S é um escalar que determina a intensidade do alinhamento das
moléculas.
Em um sistema de coordenadas onde o diretor global está alinhado com um
dos eixos, por exemplo o eixo x, o tensor tem a forma:
 2 
3
S 0 0
hQ̂i =  0 − 13 S + η 0 . (7.112)
1
0 0 −3S − η
onde se η 6= 0 o tensor é biaxial, havendo duas direções preferenciais em lugar
de uma. A situação mais comum é com apenas uma direção preferencial, em cujo
caso η = 0.
Comparando as expressões anteriores é possível ainda definir S como um pa-
râmetro de ordem escalar:
1 1
S = h3(~v α · ~n)2 − 1i = h(3 cos2 θα − 1)i, (7.113)
2 2
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 100

onde θα é o ângulo formado entre o eixo principal da molécula α e o diretor de


Franck. S é igual ao valor médio do polinômio de Legendre de ordem 2:

(3 cos2 θα − 1)
 
S = hP2 (cos θ)i = , (7.114)
2
Vamos agora construir uma energia livre de Landau para um cristal líquido
nemático. A energia livre na fase desordenada tem que ser invariante frente a
rotações arbitrárias. Q̂ se transforma como um tensor frente ao grupo de rotações.
As únicas combinações invariantes que podemos construir com o tensor são traços
de potências arbitrárias: T r hQ̂ip , p = 2, 3, . . .. O termo com p = 1 é o traço
de Q̂ que é zero por construção. Escrevendo uma expansão até quarta ordem no
tensor obtemos:
     2
1 3 2 9 3 3 2
f = r T rhQ̂i − w T rhQ̂i + u T rhQ̂i ,
2 2 2 2
1 2
= r S − w S 3 + u S 4. (7.115)
2
De forma geral, deveria aparecer outro termo de quarta ordem, proporcional a
T rhQ̂i4 . No entanto, para tensores 3 × 3 de traço nulo, os dois termos quárticos
são proporcionais. Como nas análises anteriores, vamos considerar r como função
da temperatura:
r = a(T − T ∗ ), (7.116)
em tanto que u e w serão consideradas constantes positivas independentes da tem-
peratura.
Devido ao caráter tensorial do parâmetro de ordem a energia livre possui um
termo proporcional ao cubo do tensor. Este termo era proibido no modelo de
Ising, com parâmetro de ordem escalar, devido à simetria de reflexão, ausente no
caso do tensor simétrico e de traço nulo do cristal líquido nemático. Devido ao
termo cúbico a energia livre f apresenta uma asimetria respeito da origem, e um
segundo mínimo aparece a temperaturas altas, como mostra a figura 7.9.
O valor do mínimo correspondente ao estado de líquido isotrópico, onde S =
0, tem o valor f = 0 e não varia com a temperatura. O segundo mínimo, para
S > 0, aparece a uma temperatura T ∗∗ com um valor de f > 0, e por tanto aparece
como um estado metaestável. Diminuindo mais a temperatura, uma transição de
fase acontece em Tc onde o valor de f passa a ser negativo para a solução com
S > 0. A condição que determina os valores na transição, no ponto T = Tc e
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 101

Figura 7.9: A energia livre de Landau para um cristal líquido nemático.

S = Sc , é que a energia livre de Landau e a derivada sejam nulas:


 
1 2
f = r − wS + uS S2 = 0 (7.117)
2
∂f
= (r − 3wS + 4uS 2) S = 0. (7.118)
∂S
Da solução simultânea das duas equações resulta:
w w2
Sc = 2u
, rc = a(Tc − T ∗ ) = 2u
(7.119)
Notar que o valor finito de Sc aparece de repente, de forma discontinua, e indica
que a transição é de primeira ordem. Podemos calcular o calor latente de transfor-
mação associado a esta transição expandindo a energia livre na ordem mais baixa
em r − rc , lembrando que f (rc ) = 0:
1 1
f = (r − rc ) Sc2 = (r − rc )(w/2u)2. (7.120)
2 2
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 102

A densidade de entropia na fase nemática relativa a da fase isotrópica é:


∂f 1 1
∆s = − = − aSc2 = − a(w/2u)2. (7.121)
∂T 2 2
O calor lantente de transformação da fase isotrópica para a nemática é então:
1
∆q = −Tc ∆s = aTc (w/2u)2. (7.122)
2
É comum que um cristal líquido responda a um campo magnético aplicado.
Isso acontece porque as moléculas em geral são diamagnéticas. A interação entre
as moléculas e o campo externo H é da forma quadrupolar, porque elas não têm
momento dipolar importante:
Z
Hext = −χa dd x Qij Hi Hj ,
 
2
Z
d 2
= − d x χa H S, (7.123)
3
onde χa é a diferença da susceptibilidade de uma molécula para as direções para-
lela e perpendicular ao eixo maior da mesma. H ~ é o campo magnético externo na
2
direção do diretor ~n. Por tanto h = (2/3)χa H é o campo conjugado do parâme-
tro de ordem S. Podemos agora calcular a susceptibilidade a partir de equação de
estado como nos modelos anteriores:
∂S
χ= = (r − 6wS + 12uS 2)−1 . (7.124)
∂h
Como na fase isotrópica S = 0, vemos que a susceptibilidade diverge para T =
T ∗ . Como Tc > T ∗ , a transição comparece antes a medida que se baixa a tempe-
ratura desde a fase isotrópica. Enquanto T > T ∗ a fase isotrópica é localmente
estável e o sistema tem que sofrer uma flutuação importante para sofrer a transi-
ção de fase. No entanto, ao arrivar a T ∗ a solução isotrópica se torna instável, a
energia livre de Landau em S = 0 muda de curvatura e perde a convexidade. O
significado físico de T ∗ então é o de um limite de metaestabilidade.
Quando o sistema é aquecido desde a fase nemática acontece um fenômeno
semelhante: a solução nemática, com S 6= 0 permanece localmente estável até
uma temperatura T ∗∗ > Tc . T ∗∗ representa um limite de metaestabilidade da fase
nemática. A partir da solução nemática com S > 0 dada pela equação de estado
7.118, podemos determinar T ∗∗ no ponto em que χ diverge. Obtemos:
9w 2
r ∗∗ = a(T ∗∗ − T ∗ ) = (7.125)
16u
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 103

O fato dos limites de estabilidade serem diferentes da temperatura de tran-


sição indica que é necessária uma flutuação para que a transição de fase acon-
teça, mesmo quando a energia livre tenha mudado de mínimo global. Por isto,
nas transições de primeira ordem, a transição real ocorrerá a uma temperatura
T ∗ < T < TC . A temperatura onde a transição ocorrerá no sistema real depende
nestes casos de condições externas, como a velocidade de resfriamento do sistema
ou a capacidade para evitar flutuações importantes. O tamanho das flutuações re-
queridas para que aconteça a transição de fase, uma vez que T < TC , depende do
valor da temperatura, e será menor quanto mais próximo o sistema se encontar do
limite de metaestabilidade.
É importante lembrar que a expansão de Landau em potências do parâmetro de
ordem não é justificada em uma transição de primeira ordem, já que o parâmetro
de ordem não é arbitrariamente pequeno na sua vizinhança. No entanto, se a
variação do parâmetro de ordem na transição for pequeno, as predições da teoria
serão aceitáveis.

7.8 Validade da teoria de campo médio: o critério


de Ginzburg
Como temos visto, a aproximação de campo médio consiste essencialmente em
substituir um parâmetro de ordem que flutua localmente por um parâmetro médio
espacialmente constante. Por tanto, a aproximação de campo médio será boa
sempre que as flutuações do parâmetro de ordem respeito do seu valor médio
sejam pequenas. Uma medida da importância das flutuações do parâmetro de
ordem pode ser obtida calculando o valor médio de δφ(~x) = φ(~x) − hφ(~x)i em
um volume da ordem Vζ ≈ ζ d (V. L. Ginzburg, 1960), onde ζ é da ordem do
comprimento de correlação.
O desvio do parâmetro de ordem respeito do seu valor médio no volume Vζ é
dado por: Z
δφζ ≡ Vζ−1 dd x δφ(~x). (7.126)

As flutuações serão desprezíveis se h(δφζ )2 i for muito menor que hφi2 na fase
ordenada, ou seja, se
Z Z
−2 d d ′ ′ −1
Vζ d x d x hδφ(~x)δφ(~x )i = Vζ dd x G(~x) < hφi2 , (7.127)
Vζ Vζ
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 104

onde G(~x) é a função de correlação (conectada) do parâmetro de ordem e foi


assumida invariância translacional. Como a aproximação de campo médio fornece
uma predição para a função de correlação e para o parâmetro de ordem, a própria
aproximação possui um teste de consistência interna.
Vamos analizar o critério de Ginzburg para uma teoria com campo escalar
φ , usando os resultados conhecidos para hφi e para G(~x, ~x′ ) = T χ(~x, ~x′ ). A
4

susceptibilidade generalizada é dada por (7.93):

dd q ei~q·~x
Z
χ(~x) = χ
(2π)d 1 + (qζ)2
= c−1 |~x|−(d−2) Y (|~x|/ζ), (7.128)

onde

dΩd eiz cos θ
Z Z
d−1
Y (η) = z dz (7.129)
0 (2π)d [z 2 + η 2 ]
Obtemos:
Z
2
h(δφζ ) i = T Vζ−1 c−1 dd x |~x|−(d−2) Y (|~x|/ζ)

Z Z ζ
= T Vζ−1 c−1dΩd (dr r d−1 ) r −(d−2) Y (r/ζ)
0
Z Z 1
−1 −1 2
= T Vζ c ζ dΩd dz z Y (z)
0
Ad T ζ −(d−2) |r|
= < hφi2 = , (7.130)
c 4u
onde ζ = (c/|r|)1/2 é o comprimento de correlação e Ad é uma constante que
depende da dimensão d. Definindo um comprimento de correlação microscópico
ζ(T = 0) = ζ0 = (c/aTc )1/2 e o valor do salto no calor específico na transição
∆cV = Tc a2 /8u (ver equação (7.55)), podemos reescrever o resultado anterior de
forma adimensional:
 d−4  (4−d)/2
ζ T − Tc Ad
= > . (7.131)
ζ0 Tc 2∆cV ζ0d

A relação anterior nos diz que para d > 4, como ζ d−4 → ∞ quando T → Tc , a
desigualdade anterior sempre é satisfeita próximo da transição. No entanto, para
d < 4, como ζ d−4 → 0 quando T → Tc , a desigualdade nunca é satisfeita perto de
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 105

Tc . Então podemos concluir que a aproximação de campo médio será satisfatória


para dimensão d > 4, mas não será consistente para d < 4, em teorias φ4 . A
dimensão ds = 4 que representa um limite para a validade da aproximação de
campo médio, se conhece como dimensão crítica superior. A dimensão crítica
superior depende, assim como os expoentes críticos, da simetria do parâmetro de
ordem e do alcance das interações.
Para um sistema qualquer, com expoentes críticos de campo médio β, γ, ν,
devemos levar em conta que T χ ∼ |T − Tc |−γ e hφi ∼ |T − Tc |β . Então, des-
considerando fatores constantes de ordem um, o critério de Ginzburg é satisfeito
se:
t−γ ≪ t2β−νd , (7.132)
onde t = |T − Tc |/Tc é a temperatura reduzida. Então, para um sistema geral, a
dimensão crítica superior é determinada pela condição:
2β + γ
d> ≡ ds . (7.133)
ν
Para dimensões d < ds , a aproximação de campo médio poderá ser válida para
temperaturas suficientemente longe de Tc , sempre que a desigualdade (7.131), ou
em geral (7.132), seja satisfeita. A medida que T se aproxima de Tc as flutações
se tornam cada vez mais importantes. A temperatura que define a identidade na
equação (7.131) é conhecida como temperatura de Ginzburg:
 2/(4−d)
|TG − Tc | Ad
tG = = . (7.134)
Tc 2∆cV ζ0d
De forma equivalente, é possível definir o comprimento de Ginzburg ζG , na forma:

ζG4−d ∼ ∆cV ζ04 = c2 /(8uTc ), (7.135)

ou
ζG ∼ ζ0 (∆cV ζ0d )1/(4−d) . (7.136)
A teoria de campo médio é válida quando t > tG ou ζ < ζG .
Notar que |TG − Tc | → 0 se ζ0 → ∞ para d < 4. Isto quer dizer que o
campo médio será válido até temperaturas muito próximas de Tc se o compri-
mento de correlação microscópico for grande, mesmo para d < ds . Este é o
caso em sistemas com interações de longo alcance ou em supercondutores, por
exemplo. Quando ζ0 , ou |TG − Tc | não é pequena, se espera que aconteça um
“crossover”, ou mudança de regime, de um comportamento de campo médio para
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 106

um comportamento crítico quando a temperatura reduzida t = (T − Tc )/Tc for da


ordem da temperatura reduzida de Ginzburg tG . A figura (7.10) mostra de forma
esquemática o crossover no comportamento da inversa da susceptibilidade.

Figura 7.10: Representação esquemática do crossover de campo médio para com-


portamento crítico na inversa da susceptibilidade .

O critério de Ginzburg permite entender por qué em alguns sistemas a apro-


ximação de campo médio pode ser muito boa e em outros não. Uma transição
que é descrita de forma satisfatória pela teoria de campo médio é a transição
metal normal-supercondutor. Na figura (7.11) vemos medidas do parâmetro de
ordem e de calores específicos para esta transição, junto com predições da teoria
BCS (Bardeen-Cooper-Schrieffer, 1957), que é uma teoria de campo médio para
a transição supercondutora.
O calor específico apresenta uma discontinuidade finita em Tc , de acordo com
a predição de campo médio. A temperaturas baixas, cs vá a zero exponencial-
mente, fato este de natureza quântica e não explicado pelo campo médio consi-
derado. O parâmetro de ordem va a zero como (T − Tc )1/2 , em completo acordo
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 107

Figura 7.11: O parâmetro de ordem e calores específicos na transição metal


normal- supercondutor, para diversos materiais, junto com predições de campo
médio.

com campo médio, e satura para temperaturas baixas. O salto no calor especí-
fico em alumínio é da ordem de 2 × 104 erg mole−1 K. O parâmetro de rede em
Al é 4Å, e o comprimento de correlação microscópico é ζ0 ≈ 1.6 × 104 Å. En-
tão, ∆cV ≈ 2 × 105 /42 erg cm−3 K −1 , resultando uma temperatura de Ginzburg
tG ≈ 10−16 ! A temperatura crítica em Al é 1.19 K e por tanto é praticamente
impossível aceder à região crítica. Neste caso, o motivo para uma TG tão pequena
é o enorme valor do comprimento de correlação microscópico em relação à cons-
tante da rede. Este comportamento é observado na maioria dos supercondutores,
o que resultou no éxito da teoria BCS. Na década dos oitenta foram descobertos
novos compostos supercondutores, chamados supercondutores de alta tempera-
tura crítica, pois a supercondutividade é observada até temperaturas da ordem de
100 K. A teoria BCS se mostrou insatisfatória para descrever esta classe de su-
percondutores. Os mecanismos microscópicos por trás da supercondutividade de
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 108

alta temperatura crítica ainda são desconhecidos.


Capítulo 8

O Grupo de Renormalização

8.1 A hipótese de escala


A chamada hipótese de escala parte do postulado de homogeneidade generali-
zada dos potenciais termodinâmicos e permite obter uma série de interessantes
consequências sobre o comportamento crítico e seu caráter universal. Em par-
ticular, vamos ver que como consequência da hipótese de escala, os expoentes
críticos não são todos independentes entre si, sendo necessário o conhecimento
de dois deles para determinar os restantes a partir de identidades que os relacio-
nam e que se originaram em análises muito gerais da termodinâmica dos sistemas.
Também veremos que a hipótese implica no comportamento de escala das grande-
zas básicas, essencialmente dos parâmetros de ordem, o que permite conhecendo
o comportamento dos mesmos em uma região limitada das variáveis de estado,
obter o comportamento em outras regiões do espaço de fases. A importância his-
tórica da hipótese de escala, proposta e desenvolvida na década de 60 do século
passado, reside na generalidade dos resultados, não sendo limitados a uma apro-
ximação determinada, como campo médio. No entanto, vamos ver que mesmo a
teoria de campo médio é incluida na hipótese de escala, e os expoentes clássicos
obedecem as relações de escala da mesma forma que os expoentes exatos. A hi-
pótese de escala tem side verificada experimentalmente de forma sistemática em
um conjunto enorme de sistemas diferentes, dando basamento aos conceitos de
universalidade e ao comportamento de escala dos fenômenos críticos.
Para começar, vamos ver que a própria teoria de Landau possui um compor-
tamento de escala, e que este é consistente com as predições da teoria de campo
médio. A energia livre de Landau para um sistema com parâmetro de ordem es-

109
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 110

calar é:
1
f (T, φ) = r φ2 + u φ4 − h φ (8.1)
2
de onde obtemos a equação de estado:

h = r φ + 4u φ3 (8.2)

Vimos que, para campo nulo, o sistema desenvolve uma magnetização espontânea
para r < 0 dada por:
 r 1/2
φ∗ = ± . (8.3)
4u
Assim, podemos reescrever a equação de estado na forma:
   3
∗ φ ∗ 3 φ
h = rφ ∗
+ 4u(φ )
φ φ∗
"   3 #
∗ φ 4u ∗ 2 φ
= rφ + (φ )
φ∗ r φ∗
" 3 #
r 3/2 (4u)1/2 φ (4u)1/2 φ

= + (8.4)
(4u)1/2 r 1/2 r 1/2

Notar que o fator entre colchetes é adimensional e, portanto, o prefator deve ter
unidades de campo magnético. Desta forma conseguimos reescrever a equação de
estado em termos de variáveis adimensionais. Isto é muito conveniente para ana-
lizar dados experimentais ou de simulações numéricas, pois todos os parâmetros
não universais são absorvidos na definição das variáveis adimensionais. Substi-
tuindo r = a(T − Tc ) = at, podemos reescrever então a solução para o parâmetro
de ordem na forma:
(4u)1/2
 a 1/2   
∗ 1/2 h
φ(t, h) = φ F (t, h) ≡ t F . (8.5)
4u a3/2 t3/2

A função F (x) é uma função universal no sentido que é a mesma função para
todos os sistemas na dada classe de universalidade (neste caso classe Ising).
Seguidamente, vamos mostrar que uma relação semelhante é satisfeita pelo
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 111

potencial termodinâmico. Podemos reescrever f (t, φ) na forma:


 2  4  
1 φ φ φ
f (t, φ) = r(φ∗ )2 ∗
∗ 4
+ u(φ ) ∗
− hφ ∗
2 φ φ φ∗
"   #
2  4
1 φ 2u φ 2h φ
= r(φ∗ )2 ∗
+ (φ∗ )2 ∗
− ∗
2 φ r φ rφ φ∗
"   #
2  4
r2 φ 1 φ 2(4u)1/2 h φ
= + − . (8.6)
8u φ∗ 2 φ∗ r 3/2 φ∗

Substituindo o resultado (8.5) na expressão anterior obtemos que:

a2 t2 (4u)1/2
  
h
f (t, h) = G , (8.7)
8u a3/2 t3/2

onde G(x) é outra função universal. Analisando a forma das expressões (8.5) e
(8.7) notamos que em lugar de obter relações entre três variáveis, φ, t e h, ou f , t
e h, no primeiro caso as variáveis relevantes são as combinações φ/t1/2 e h/t3/2 ,
e no segundo caso f /t2 e h/t3/2 , ou seja, em cada relação temos apenas duas
variáveis independentes.
A hipótese de escala consiste em assumir que o potencial termodinâmico é,
de forma geral, uma função homogênea generalizada da forma:

f (t, h) ≃ A t2−α G(B h/t∆ ), (8.8)

onde α e ∆ são constantes universais, determinadas somente pela classe de uni-


versalidade do sistema, e G(x) é uma função universal. G(x) deve apresentar
duas formas diferentes para t > 0 e t < 0, no entanto sua dependência na variável
h/t∆ é universal. O resto das constantes de proporcionalidade A, B, são quanti-
dades não-universais, dependentes do sistema particular. Vamos ver a seguir que
as constantes α e ∆ determinam de fato todos os expoentes críticos do sistema.
Uma primeira observação é que a forma 2 − α foi escolhida como dependente do
expoente crítico do calor específico, α, para que seja compatível com o resultado
de campo médio αcm = 0 (ver equação (8.7)). Considerações de caráter termo-
dinâmico geral implicam que os expoentes críticos para t > 0 e t < 0 sejam os
mesmos. Derivando (8.8) obtemos:
 
∂f
φ(t, h) = − ≃ −AB t2−α−∆ G′ (B h/t∆ ), (8.9)
∂h t
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 112

e
∂2f
 
χ(t, h) = − 2
≃ −AB 2 t2−α−2∆ G′′ (B h/t∆ ). (8.10)
∂h t
Tomando o limite h → 0 obtemos, para t < 0, a magnetização espontânea:
φ(t, 0) ≃ C |t|β , (8.11)
onde C = −ABG′< (0) e β = 2 − α − ∆. A susceptibilidade linear é dada por:
χ(t, 0) ≃ D<> |t|−γ , (8.12)
onde D<> = −AB 2 G′′<> (0) e γ = α + 2∆ − 2. Combinando os resultados
anteriores para os expoentes β e γ:
∆ = β + γ = 2 − α − β, (8.13)
de forma que
α + 2β + γ = 2. (8.14)
Esta relação entre expoentes críticos é um exemplo das chamadas relações de es-
cala e tem sido verificada experimentalmente em um grande número de sistemas.
Podemos notar que os expoentes críticos de campo médio, α = 0, β = 1/2 e
γ = 1 obedecem a relação de escala anterior.
A partir de (8.9) se pode mostrar que, ao longo da isoterma crítica t = 0, a
magnetização escala com o campo externo na forma:
φ(0, h) ≃ hβ/∆ , (8.15)
de onde obtemos uma relação para o expoente δ = ∆/β. Eliminando ∆ com as
relações obtidas anteriormente obtemos duas novas relações de escala:
α + β(δ + 1) = 2, (8.16)
e
γ = β(δ − 1). (8.17)
Combinando estas últimas obtemos:
γ = (2 − α)(δ − 1)/(δ + 1) (8.18)
O calor específico a campo nulo é dado por:
∂ 2 f

ch (t, 0) = − 2 ≃ −(2 − α)(1 − α)A |t|−αG<> (0), (8.19)
∂t h=0
onde verificamos o comportamento crítico com o expoente α.
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 113

8.1.1 A hipótese de escala e as correlações


Vimos que a função de correlação de dois pontos para sistemas tipo Ising é dada
pela equação (7.97) na teoria de Landau-Ginzburg:
 (d−2)/2  
1 r
χ(r) ∝ K(d−2)/2 , (8.20)
ζr ζ

onde Kµ (x) é uma função de Bessel modificada. Para x ≫ 1, Kµ (x) ≈ x−1/2 e−x .
Então, para distâncias grandes comparadas com o comprimento de correlção, a
função de correlação de dois pontos se comporta como:

e−r/ζ
G(r) = T χ(r) ∝ (8.21)
r (d−1)/2
Já próximo do ponto crítico, x ≪ 1 e Kµ (x) ≈ x−µ para µ > 0. Da (7.97)
obtemos que:
1
G(r) ∝ d−2 (r ≪ ξ; d > 2) (8.22)
r
Em d = 2 se obtém G(r) ∝ ln (ξ/r). Como é conhecido o resultado exato para
o modelo de Ising em duas dimensões, G(r) ∝ r −1/4 , se propõe uma relação de
escala para as correlações na região crítica que possa incluir todas as dimensões
em uma forma só:

G(r) ∝ r −(d−2+η) , t=0 (8.23)

onde se introduz um novo expoente crítico η. Da forma proposta fica evidente


que, para o modelo de Ising bidimensional η = 1/4, o que é confirmado experi-
mentalmente. De forma geral, se propõe um comportamento de escala da função
de correlação na forma:
1
G(r, t, h) ∝ C(rtν , h/t∆ ) (8.24)
r d−2+η
onde fica explícito o comportamento de escala das distâncias com a escala natural
que é o comprimento de correlação ξ(t) ∼ |t|−ν . A função C(x, y) é uma função
universal das variáveis x, y, assim como os expoentes ∆, ν e η.
Lembrando a definição da susceptibilidade para campo nulo:
1
Z
χ(t, 0) ∝ r d−1 dr d−2+η C(rtν , 0), (8.25)
r
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 114

cambiando variáveis obtemos:

χ(t, 0) ∝ t−(2−η)ν , (8.26)

o que permite relacionar os expoentes η e ν com γ:

γ = (2 − η)ν. (8.27)

Finalmente, notamos que das relações obtidas até agora não podemos concluir
que exista uma dependência explícita dos expoentes críticos com a dimensionali-
dade do sistema, embora sabemos que, de fato, eles dependem da dimensão. Va-
mos obter uma relação entre expoentes críticos e dimensão do espaço introduzindo
um argumento qualitativo novo, que não está implícito na hipótese de escala. O
argumento consiste em considerar que a medida que nos aproximamos do ponto
crítico por temperaturas acima de Tc , o comprimento de correlação ξ(t) cresce,
de onde podemos definir “domínios” correlacionados no sistema. O volume tí-
pico de um domínio é então Ω ∼ ξ d , e diverge no ponto crítico, quando t → 0.
Simultaneamente, da hipótese de escala sabemos, por (8.8), que a parte singular
do potencial termodinâmico va a zero no ponto crítico na forma f (t) ∼ t2−α .
Como f (t) é uma densidade, é razoável supor que quando t → 0 f se anula em
proporção ao crescimento do volume Ω:

f (t) ∼ Ω−1 ∼ ξ −d ∼ tdν . (8.28)

Comparando esta relação com (8.8) concluimos que

dν = 2 − α (8.29)

que relaciona a dimensão do sistema com os expoentes críticos ν e α. Esta relação


é conhecida como relação de hiperescala, enfatizando o fato de que não pode ser
derivada apenas da hipótese de escala como a vimos anteriormente. É importante
notar que no caso de expoentes clássicos, de campo médio, ν = 1/2 e α = 0
a relação de hiperescala é satisfeita apenas em d = 4, que é a dimensão crítica
superior. Em geral, as relações de hiperescala são válidas para d ≤ ds e não se
verificam para d > ds . A teoria do Grupo de Renormalização permite entender
por qué isto acontece, assim como dar basamento mais fundamental à hipótese de
escala.
Para concluir, a partir das relações de escala obtidas anteriormente e da relação
de hiperescala anterior é possível obter outras relações de hiperescala, que podem
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 115

ser verificadas experimentalmente ou numericamente:

dν = 2 − α = 2β + γ (8.30)
= β(δ + 1) (8.31)
= γ(δ + 1)/(δ − 1). (8.32)

Também se verifica que:

2 − η = γ/ν = d(δ − 1)/(δ + 1). (8.33)

8.2 O Grupo de Renormalização no espaço real


Historicamente, a evolução da compreensão dos fenômenos críticos atingiu sua
maturidade com o desenvolvimento da teoria do Grupo de Renormalização. O
desenvolvimento das idéias do Grupo de Renormalização aconteceu nas décadas
de 60 e 70 através de contribuições fundamentais de uma série de físicos, notada-
mente B. Widom, M. Fisher, L. Kadanoff, K. G. Wilson, A. Z. Patashinskii e V.
L. Pokrovskii, dentre outros.
A idéia básica do grupo de renormalização parte da observação que o com-
primento de correlação ζ(T ) se torna muito grande a medida que a temperatura
se aproxima de Tc . Por tanto as estruturas observadas em diferentes escalas de
distâncias devem ser as mesmas, sempre que estas escalas sejam muito menores
que ζ. Então, perto do ponto crítico, quando |t|, h ≪ 1, deve ser possível realizar
uma transformação de escala:
a′ = l a (8.34)
onde a é uma escala microscópica, como a constante de rede, e l > 1 é um
parâmetro que mede o câmbio de escala. O sistema na escala a′ não deve ser
muito diferente do sistema na escala a sempre que a, a′ ≪ ζ. Por “o sistema na
escala a′ ” queremos dizer o sistema no qual as distâncias agora são medidas em
unidades de a′ , que passa a ser a nova constante de rede. Como consequência do
cambio de escala o comprimento de correlação será renormalizado. Claramente,
o novo comprimento de correlação ζ ′ será igual a 1/l do comprimento original ζ
(ver figura 8.1).
Não existe uma única forma de implementar uma transformação de escala em
um sistema particular. Kadanoff propós o método anterior, ilustrado na figura
8.1, no qual um “bloco de spins” que consiste em ld spins σi é transformado em
um único, novo spin σi′ . Uma regra deve ser definida para obter o valor do σi′ a
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 116

Figura 8.1: Uma transformação de escala com l = 2 e d = 2. A rede original tem


N = 36 sítios e a transformada (b) tem N ′ = 9.

partir dos valores σi dos spins do bloco original, de forma a preservar os valores
originais das variáveis, ou seja σi′ = ±1 se for o modelo de Ising. Após um passo
da transformação obtemos uma nova rede com um novo parâmetro de rede a′ = la
e um número
N
N′ = d (8.35)
l
de novos spins σi′ . Para manter as densidades espaciais iguais entre o sistema
original e o transformado, todas as distâncias devem ser rescaladas por um fator
l de forma que dois spins a uma distância ~r no sistema original, estarão a uma
distância
~r′ = l−1 ~r (8.36)
no sistema transformado (ver figura 8.1).
Outra forma de implementar a transformación de escala consiste em fazer um
traço parcial na função de partição do sistema:
X
Z(T, N) = exp [−βHN {σi }], (8.37)
{σi }
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 117

somando sobre um sub-conjunto de N − N ′ spins, de forma que a soma nos


restantes N ′ spins possa ser expressa na forma:
X
Z(T ′ , N ′ ) = exp [−β ′ HN ′ {σi′ }]. (8.38)
{σi′ }

Se esta operação pode ser realizada com sucesso (nem sempre é possível) então
esperamos que, perto do ponto crítico, o novo sistema seja equivalente ao original,
em especial quando N, N ′ → ∞. Este processo de somar em um subconjunto dos
graus de liberdade originais se conhece como “dizimação”, e foi a base do método
proposto por K. G. Wilson para√implementar o Grupo de Renormalização. Um
exemplo de dizimação com l = 2 e d = 2 é mostrado na figura 8.2.


Figura 8.2: Uma transformação de escala via dizimação com l = 2 e d = 2.
A rede original (a) possui N = 36 sítios, a transformada (b) N ′ = 18. A última
deve ainda ser rescalada e girada em π/4 de forma que o resultado final será muito
parecido com a rede original no limite quando N, N ′ → ∞.
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 118

8.2.1 A invariância de escala


Após um cambio de escala nas condições definidas anteriormente é natural espe-
rar que as energias livres ou potenciais termodinâmicos sejam iguais no sistema
original e no transfromado:

N ′ f (t′ , h′ ) = N f (t, h), (8.39)

de forma que a energia livre por partícula se transforma como:

f (t, h) = l−d f (t′ , h′ ). (8.40)

Como t, t′ e h, h′ são quantidades pequenas podemos considerar que estão relaci-


onados linearmente e escrever:

t′ = lyt t, (8.41)
h′ = lyh h, (8.42)

onde yt e yh são duas quantidades por enquanto desconhecidas. Desta forma,


podemos escrever:
f (t, h) = l−d f (lyt t, lyh h). (8.43)
As relações anteriores implicam que
 ′ 1/yt  ′ 1/yh
t h
l= = , (8.44)
t h

que é equivalente a escrever


yh  yh
h1/yh h′1/yh
 
= , (8.45)
t1/yt t′1/yt

e por tanto as variáveis t e h aparecem na combinação


h h
≡ . (8.46)
|t|yh /yt |t|∆

Além disso, para que a energia livre seja invariante por câmbio de escala se deve
verificar que:
f (t′ , h′ ) = |t′ |d/yt f˜(h′ /|t′ |∆ ), (8.47)
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 119

o que leva, via (8.43), ao idêndito resultado para f (t, h):

f (t, h) = |t|d/yt f˜(h/|t|∆ ). (8.48)

Notar que a função f˜ é, por enquanto, desconhecida.


Notamos que a dependência da energia livre nas variáveis t e h é a mesma
que proposta na hipótese de escala. Mas agora obtivemos essa forma não como
uma hipótese, mas com um argumento bem mais fundamental, o qual foi conside-
rar que o sistema está fortemente correlacionado na vizinhança do ponto crítico.
Comparando com os resultados da hipótese de escala podemos obter relações en-
tre os expoentes yt , yh e os expoentes críticos conhecidos, por exemplo, da forma
da f (t, h), equação (8.8) obtemos:
d
= 2 − α. (8.49)
yt
A partir das relações já vistas do expoente α com os outros expoentes, podemos
obter uma série de novas relações:

β = 2 − α − ∆ = (d − yh )/yt , (8.50)
γ = −(2 − α − 2∆) = (2yh − d)/yt , (8.51)

δ = = yh /(d − yh ). (8.52)
β
Considerando a transformação do comprimento de correlação ζ ′ = l−1 ζ e o fato
que ζ ∝ |t|−ν , obtemos:
 ′   ′ −ν
ζ t
= = l−νyt , (8.53)
ζ t
o que leva ao resultado
1
ν= , (8.54)
yt
que comparado com (8.49) resulta em:

dν = 2 − α. (8.55)

Vemos aqui que, além de obter as relações de escala entre os expoentes críticos
que podiam ser obtidas com a hipótese de escala, a invariância de escala nos per-
mite também obter naturalmente relações de hiperescala, o que não era possível
obter apenas com a hipótese de escala.
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 120

Podemos aplicar os mesmos argumentos à função de correlação G(r). No


ponto crítico esperamos que as correlações sejam as mesmas no sistema original
e no sistema rescalado:

G(~r1′ , ~r2′ ) = hσ ′ (~r1′ )σ ′ (~r2′ )i ∝ |~r1′ − ~r2′ |−(d−2+η) ,


G(~r1 , ~r2 ) = hσ(~r1 )σ(~r2 )i ∝ |~r1 − ~r2 |−(d−2+η) . (8.56)

Como r ′ = l−1 r, para que as correlações em ambos os sistemas sejam iguais,


devemos rescalar os valores das variáveis de spin na forma:

σ ′ (~r′ ) = l(d−2+η)/2 σ(~r). (8.57)

Usando a relação γ = (2 − η)ν obtemos uma relação entre o expoente η e yh :

η = d + 2 − 2yh . (8.58)

8.2.2 O modelo de Ising em d = 1


A função de partição do modelo de Ising em uma dimensão espacial com condi-
ções periódicas de contorno pode ser escrito na forma:
" N  #
X X 1
Z(T, B) = exp K0 + K1 σi σi+1 + K2 (σi + σi+1 ) , (8.59)
i=1
2
{σi }

onde K0 = 0 é introduzida por motivos que ficarão claros mais tarde, K1 =


βJ e K2 = βB. Vamos supor que N seja par (isto não faz diferença no limite
termodinâmico) e vamos proceder a “dizimação”, ou seja, vamos somar sobre os
spins com índice par (ver figura 8.3).
Para isto é útil rescrever a soma no expoente na forma:
N   N/2
Y 1 Y
exp K0 + K1 σi σi+1 + K2 (σi + σi+1 ) = exp {2K0 + K1 (σ2j−1 σ2j + σ2j σ2j+1 )
i=1
2 j=1

1
+ K2 (σ2j−1 + 2σ2j + σ2j+1 ) . (8.60)
2
Agora é fácil fazer a soma sobre os σ2j , resultando:
N/2
Y K2
e2K0 2 cosh [K1 (σ2j−1 + σ2j+1 ) + K2 ]e 2
(σ2j−1 +σ2j+1 )
. (8.61)
j=1
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 121

Figura 8.3: A cadeia de Ising com condições de contorno periódicas, pronta para
ser “dizimada” nos sítios pares.

Chamando σ2j−1 = σj′ , a função de partição fica na forma:

X N/2
Y  K2 ′ ′
e2K0 2 cosh K1 (σj′ + σj+1

) + K2 e 2 (σj +σj+1 ) .

Z(T, B) = (8.62)
{σj′ } j=1

O próximo passo é escrever Z(T, B) na mesma forma que (8.59), ou seja:


" N′  #
′ ′
X X
′ ′ ′ ′ 1 ′ ′ ′
Z(T , B ) = exp K0 + K1 σj σj+1 + K2 (σj + σj+1 ) , (8.63)
′ j=1
2
{σj }

o que implica que, para qualquer valor de σj′ e σj+1



se deve satisfazer:
 
′ ′ ′ ′ 1 ′ ′ ′
exp K0 + K1 σj σj+1 + K2 (σj + σj+1 )
2
 K2 ′ ′
= e2K0 2 cosh K1 (σj′ + σj+1

) + K2 e 2 (σj +σj+1 ) .

(8.64)
As possíveis combinações são σj′ = σj+1

= +1,σj′ = σj+1

= −1, σj′ = −σj+1

=
±1, o que resulta nas condições:
exp (K0′ + K1′ + K2′ ) = exp (2K0 + K2 )2 cosh (2K1 + K2 ), (8.65)
exp (K0′ + K1′ − K2′ ) = exp (2K0 − K2 )2 cosh (2K1 − K2 ), (8.66)
exp (K0′ − K1′ ) = exp (2K0 )2 cosh K2 . (8.67)
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 122

Resolvendo para K0′ , K1′ e K2′ obtemos:


1/4
eK0 = 2e2K0 cosh (2K1 + K2 ) cosh (2K1 − K2 ) cosh2 K2
′ 
, (8.68)
1/4
eK1 = cosh (2K1 + K2 ) cosh (2K1 − K2 )/ cosh2 K2
′  
, (8.69)
eK2 = eK2 [cosh (2K1 + K2 )/ cosh (2K1 − K2 )]1/2 .

(8.70)

Notamos que, mesmo se tivéssemos considerado K0 = 0 desde o início, no final


obteriamos um sistema nos três parâmetros K0′ , K1′ e K2′ . Daí a necessidade de
incluir o termo em K0 para que o sistema possa ser resolvido de forma consistente.
Para ilustrar o papel importante da inclusão do K0 notemos que da identidade
entre as funções de partição do sistema original e o dizimado, obtemos para K0 =
0 que
′ ′
Z(K1 , K2 , N) = eN K0 Z(K1′ , K2′ , N ′ ), (8.71)
e portanto as energias livres ficam relacionadas por (em unidades de kB T ):

F (K1 , K2 , N) = −N ′ K0′ + F (K1′ , K2′ , N ′ ). (8.72)

Como N ′ = N/2, as energias livres por spin nos dois sistemas estão relacionadas
por:
1 1
f (K1 , K2 ) = − K0′ + f (K1′ , K2′ ). (8.73)
2 2
Agora, por exemplo, se considerarmos o limite T → ∞ tanto K1 , K2 quanto
K1′ , K2′ vão para zero, e então:

f (0, 0) = −K0′ = − ln 2 (8.74)

que é o resultado correto no limite de altas temperaturas, que vem da entropia


do sistema. É claro então o papel relevante do parâmetro K0′ para determinar
os valores corretos da energia livre do sistema. No entanto, os valores de K1′ e
K2′ não dependem do valor de K0′ . Vamos ver mais adiante que o valor de K0′ é
relevante para determinar a parte não singular da energia livre, ou seja a parte bem
comportada, que não é determinante para o comportamento do sistema no ponto
crítico. Para determinar as propriedades críticas, apenas os parâmetros K1′ e K2′
são relevantes.
As equações (8.69) e (8.70) definen relações de recorrência que representam a
evolução da temperatura e do campo externo do sistema após sucessivas transfor-
mações de escala. No ponto crítico, devido à invariância de escala, esperamos que
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 123

as recorrências terminem em pontos fixos. As relações (8.69) e (8.70) definem as


transformações do grupo de renormalização seguintes:
1 1
K1′ = ln [cosh (2K1 + K2 ) cosh (2K1 − K2 )] − ln cosh K2 , (8.75)
4 2
1
K2′ = K2 + ln [cosh (2K1 + K2 )/ cosh (2K1 − K2 )]. (8.76)
2
Estas relações produzem um linha de pontos fixos triviais, com K1 = 0 e K2 arbi-
trário. Estes pontos fixos correspondem a interação nula (J = 0) ou temperatura
infinita (T = ∞). Outro ponto se fixo se obtém no caso K2 = 0, para o qual
obtemos:
1
K1′ = ln [cosh (2K1 )]. (8.77)
2
Claramente K1 = ∞ é um ponto fixo desta recorrência, e corresponde a T = 0.
No entanto, é fácil comprovar que iniciando a iteração com qualquer valor finito
de K1 o fluxo levará ao ponto fixo com K1 = 0, ou seja, o ponto fixo K1 = ∞ é
instável, como se ve na figura 8.4.

Figura 8.4: Fluxo do grupo de renormalização para o modelo de Ising em d = 1 a


campo nulo.

Como o ponto fixo físico neste modelo acontece para K1 = ∞ é útil definir
novas variáveis:

u = exp (−4K1 ) (8.78)


v = exp (−2K2 ) (8.79)

para poder analizar o fluxo na vizinhança do ponto fixo. Em termos das variáveis
u, v a equações (8.75) e (8.76) adotam a forma:

u(1 + v)2
u′ = , (8.80)
u(1 + v 2 ) + v(1 + u2 )
 
u+v
v′ = v . (8.81)
1 + uv
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 124

Para campo nulo v = 1 e


4u
u′ = , (8.82)
(1 + u)2
que tem os pontos fixos u = 0 (temperatura zero) e u = 1 (temperatura infinita).
Linearizando a relação em torno ao ponto fixo físico u = 0 obtemos:

u′ ≈ 4u = 22 u. (8.83)

Esta relação tem a mesma forma da transformação de escala para a temperatura


reduzida (8.41). No entanto, como o modelo de Ising em d = 1 não apresenta
um ponto crítico usual, o comportamento na vizinhança de T = 0 não corres-
ponde a leis de potência, e sim a divergências exponenciais do comprimento de
correlação e outras quantidades singulares, como fica evidente da definição dos
parâmetros u, v. Lembrando que o fator de escala adotado neste cálculo foi l = 2,
reconhecemos o valor do expoente térmico

yt = 2. (8.84)

Notamos que como yt > 0, o ponto fixo u = 0 é instável, como representado na


figura 8.4. A partir do conhecimento de yt poderiamos obter os expoentes críticos
do modelo. No entanto, é bom lembrar que transição de fase acontece apenas a
T = 0 e apresenta um comportamento anômalo em relação aos pontos críticos
usuais, sendo um reflexo do resultado geral da ausência de transições de fase a
temperatura finita em sistemas unidimensionais com interações de curto alcance.
Vamos ver então o que acontece com o modelo de Ising em duas dimensões.

8.2.3 O modelo de Ising na rede quadrada (d = 2)


A função de partição do modelo de Ising é dada por:
X X
Z(T, N) = exp {K σi σj } (K = βJ) (8.85)
{σi } <i,j>

onde a soma indicada por hi, ji corresponde a todos os pares de vizinhos próximos
em uma rede quadrada. A rede quadrada pode ser dividida em duas subredes inter-
penetrantes, de forma que podemos tentar reproduzir o processo de dizimação que
aplicamos à cadeia de Ising para o sistema em d = 2. Na figura 8.5 vemos como
√ no entorno de um spin particular σ5 onde se escolheu um
implementar o processo
fator de escala l = 2.
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 125

Figura 8.5: Uma parte da rede quadrada. Os círculos abertos


√ correspondem aos
spins somados e os pretos aos restantes. Neste caso l = 2.

Os termos correspondentes a este spin são:


X
exp [Kσ5 (σ2 + σ4 + σ6 + σ8 )] = 2 cosh [K(σ2 + σ4 + σ6 + σ8 )]. (8.86)
σ5

Desta forma podemos somar todos os spins de uma subrede de forma a ficar com
a metade dos spins originais. No final, obteremos uma expressão para Z com
muitos termos da forma anterior, e o problema agora consiste em encontrar uma
forma equivalente à função de partição original para quaisquer valores dos spins
σ2 , σ4 , . . . = ±1. Com um pouco de análise é possível mostrar que não é possível
obter uma equivalência completa entre as expressões original e dizimada em ter-
mos apenas de interações entre vizinhos próximos. No entanto, se acrescentarmos
interações entre segundos vizinhos e entre grupos de quatros spins poderemos
acomodar todas as possíveis combinações dos spins restantes. Isto equivale a es-
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 126

crever:

1
2 cosh [K(σ2 + σ4 + σ6 + σ8 )] = exp K0′ + K ′ (σ2 σ4 + σ2 σ6 + σ4 σ8 + σ6 σ8 )
2
+L (σ2 σ8 + σ4 σ6 ) + M ′ σ2 σ4 σ6 σ8 ]

(8.87)

Analizando todas as possíveis combinações dos quatros spins envolvidos nos ter-
mos acima obtemos:
1 1
K0′ = ln 2 + ln cosh 2K + ln cosh 4K, (8.88)
2 8
1
K′ = ln cosh 4K, (8.89)
4
1
L′ = ln cosh 4K, (8.90)
8
1 1
M′ = ln cosh 4K − ln cosh 2K. (8.91)
8 2
Assim, após a primeira iteração a função de partição pode ser escrita na forma
′ ′
X X X X
Z(T ′ , N ′ ) = eN K0 exp {K ′ σi′ σj′ + L′ σi′ σj′ + M ′ σi′ σj′ σl′ σm

}.
{σj′ } 1viz 2viz quad
(8.92)
com N ′ = N/2.
Neste ponto, resulta razoável redefinir o sistema original em termos de outro
com interações entre segundos vizinhos e entre grupos de quatro spins, com uma
função de partição da forma (8.92) com L = M = 0, tal que:
′K′
Z(N, K, 0, 0) = eN Z(N ′ , K ′ , L′ , M ′ ), (8.93)

o que resulta em uma energia livre por spin (em unidades de kB T ):


1 1
f (K, 0, 0) = − K0′ + f (K ′ , L′ , M ′ ). (8.94)
2 2
Se continuarmos com o processo iterativo de dizimação é de se esperar que, em
geral, apareçam termos de interação com formas mais complexas. Neste caso, não
é possível continuar com o processo de renormalização sem introduzir alguma
aproximação.
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 127

8.3 A formulação geral do Grupo de Renormaliza-


ção
Pelo visto no exemplo do modelo de Ising em d = 2 parece razoável iniciar
o processo de renormalização considerando um Hamiltoniano com um número
grande de parâmetros K1 , K2 , . . ., onde a maioria serão zero no sistema real a
considerar, e uma configuração inicial dos graus de liberdade {σi }, de forma que
a energia livre do sistema se pode escrever como:
X
e−βF =
 
exp −βH{σi } ({Kα }) , α = 1, 2, . . . (8.95)
{σi }

Agora realizamos uma “dizimação” do sistema original, o que reduz o número de


graus de liberdade de N para N ′ e o comprimento de correlação de ζ para ζ ′ , tal
que:
N ′ = l−d N ζ ′ = l−1 ζ, (l > 1). (8.96)
O próximo passo é expressar a função de partição do sistema transformado como
tendo a mesma forma da função de partição de sistema original, mas com parâ-
metros transformados. A equação (8.95) se escreve agora como
′ ′
X
e−βF = eN K0 exp −βH{σi′ } ({Kα′ }) ,
 
(8.97)
{σi′ }

de forma que a energia livre por partícula é dada por:

f ({Kα }) = l−d [−K0′ + f ({Kα′ }). (8.98)

Podemos definir um espaço vetorial K, de forma que a transformação entre o


conjunto de parâmetros {Kα } → {Kα′ } pode ser considerada como a evolução
de um vetor K neste espaço. O fluxo neste espaço vetorial pode ser representado
pela transformação
K′ = Rl (K), (8.99)
onde Rl é o operador do grupo de renormalização correspodente ao problema
considerado. Aplicações sucessivas da transformação geram uma sequência de
vetores K′ , K′′ , . . . tal que:
(n)
K(n) = Rl (K(n−1) ) = . . . = Rl (K(0) ), n = 0, 1, 2, . . . , (8.100)
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 128

onde K(0) representa o conjunto de parâmetros K original. No final do processo


o comprimento de correlação e a parte singular da energia livre ficarão transfor-
mados na forma:
ζ (n) = l−n ζ (0) , f (n) = lnd f (0) . (8.101)
Eventualmente, a transformação irá atingir um ponto fixo K∗ tal que:

Rl (K∗ ) = K∗ . (8.102)

Podemos notar que as equações (8.96) implicam que ζ(K∗) = l−1 ζ(K∗) e, como
consequência, no ponto fixo ζ(K∗) somente pode ser zero ou infinito ! Este é
um resultado importante, pois sabemos que um comprimento de correlação nulo
corresponde a um sistema de partículas independentes, o que corresponde ao li-
mite de temperatura infinita de um sistema com interações. O outro caso é mais
interessante, pois um comprimento de correlação infinito surge, como vimos, no
ponto crítico.
Analizemos as consequências de um ponto fixo K∗ com ζ(K∗) = ∞. É de
se esperar que alguns pontos genéricos K acaben fluindo, após uma sequência de
transformações do tipo (8.100), para um ponto fixo K∗ . Na sequência de trans-
formações, o comprimento de correlação só pode diminuir como consequência da
(8.101). Mas como no ponto fixo ζ(K∗) = ∞, então deve ser infinita também no
ponto K, assim como em todos os pontos intermediários do fluxo de renormali-
zação. Então, de forma genérica, irá existir no espaço vetorial K uma superfície,
chamada superfície crítica, formada por pontos que irão fluir para um ponto fixo
após uma sequência de transformações do grupo de renormalização, como ilus-
trado na figura 8.6. O ponto fixo K∗ pode ter componentes que não correspondem
as interações originais do sistema, e por tanto, não necessariamente correspon-
derá ao ponto crítico Kc . O ponto crítico pode ser identificado como um ponto
na superfície crítica que possua exatamente o conjunto de parâmetros do sistema
original. Como o comprimento de correlação de todos os pontos sobre a superfí-
cie crítica é infinito, então o ponto Kc terá todas a propriedades do ponto crítico
físico. No entanto, as propriedades críticas do sistema são determinadas pelo
comportamento do fluxo de renormalização na vizinhança do ponto fixo K∗ .
Vamos então proceder a uma análise do padrão de fluxo na vizinhança do
ponto fixo, escrevendo:
K = K∗ + k, (8.103)
de forma que
K′ = K∗ + k′ = Rl (K∗ + k), (8.104)
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 129

Figura 8.6: O espaço de parâmetros de um sistema físico mostrando as trajetórias


de fluxo do grupo de renormalização. As linhas cheias correspondem a trajetórias
críticas. O espaço da variáveis relevantes t e h é ortogonal à superfície crítica
(t = h = 0). As linhas tracejadas correspondem a linhas de fluxo dominadas
pelas variáveis relevantes.

e por tanto:
k′ = Rl (K∗ + k) − K∗ . (8.105)
Supondo que {kα } e {kα′ } sejam pequenas, podemos linearizar a relação anterior
e obtemos:
k′ = A∗l k, (8.106)
onde A∗l é uma matriz que surge ao linearizar o operador de renormalização Rl no
entorno do ponto fixo K∗ . Sejam λi e φi os autovalores e autovetores do operador
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 130

linear A∗l . Se os autovetores formam um conjunto completo, podemos expandir:


X X
k= u i φi , k′ = u′i φi , (8.107)
i i

de forma que, após aplicação de (8.106), obtemos:

u′i = λi ui , i = 1, 2, . . . (8.108)

Os coeficientes ui são chamados campos de escala (scaling fields). Depois de n


transformações na vizinhança do ponto fixo, os campos de escala são dados por:
(n) (n) (0)
ui = λi u i . (8.109)
Os campos ui são combinações lineares dos parâmetros originais kα do problema
na vizinhaça do ponto fixo e então podem ser considerados como uma espécie
de “coordenadas generalizadas” no espaço vetorial K. O comportamento destes
campos na vizinhaça do ponto crítico irá determinar o comportamento crítico do
sistema, o que por sua vez, dependerá de forma fundamental dos autovalores λi .
Existem três comportamentos possíveis para as coordenadas ui .
1. Se λi > 0 o parâmetro ui irá crescer com n. O efeito será que o sistema
tenderá a se afastar do ponto fixo nesta direção. Se diz que ui é uma variável
relevante. A temperatura e o campo magnético são variáveis relevantes.
Podemos definir:

u1 = at + O(t2 ), u2 = bh + O(h2 ), (8.110)


com λ1 , λ2 > 1.
2. Se λi < 0 o parâmetro ui decresce com sucessivas iterações da tranforma-
ção de renormalização. Ou seja, o fluxo ao longo da direção ui converge
para o ponto fixo. Estas coordenadas são chamadas variáveis irrelevantes.
Pelo visto anteriormente, todas as coordenadas sobre a superfície crítica,
que fluem na direção do ponto crítico, são variáveis irrelevantes. Ou, de
forma equivalente, sobre a superfície crítica todas as variáveis relevantes
são zero.
3. Se λi = 1 então ui não cresce e nem decresce com as transformações do
GR. Para saber como se comportam essas variáveis, chamadas marginais, é
necessário ir além do regime de escala linear. A presença destas variáveis
pode levar a correções logaritmicas nos valores do expoentes críticos.
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 131

Vejamos então como estas considerações se aplicam ao fluxo do comprimento


de correlação e a parte sigular da energia livre, equações (8.101). Temos

ζ(u1, u2, . . .) = ln ζ(λn1 u1 , λn2 u2 , . . .), (8.111)

e
f (u1, u2 , . . .) = l−nd f (λn1 u1 , λn2 u2 , . . .). (8.112)
Identificando u1 com t e lembrando a definição do expoente ν obtemos:

u−ν n n −ν
1 = l (λ1 u1 ) , (8.113)

que leva ao resultado:


ln l
ν= . (8.114)
ln λ1
Como os expoentes críticos (como ν) não dependem da escala l concluimos que os
expoentes λi devem ter uma dependência em l que leve aos resultados esperados.
Para ver isso consideremos a aplicação sucessiva de duas transformações do GR
lineares:
A∗l1 A∗l2 = A∗l1 l2 (8.115)
Esta propriedade faz que os operadores A∗l formem um semi-grupo. Eles não
formam um grupo pois as transformações não possuem inversa única. Como con-
sequência os autovalores λi devem ser da forma lyi , tal que:

l1yi l2yi = (l1 l2 )yi (8.116)

Por tanto a relação (8.114) resulta:


1
ν= , (8.117)
y1
que é independente de l.
A energia livre (8.112) se pode rescrever como

f (t, h, . . .) = l−nd f (lny1 t, lny2 h, . . .). (8.118)

Pela mesma argumentação usada na seção 8.2.1, podemos concluir que f deverá
ter a forma:
f (t, h, . . .) = |t|dν f˜(h/|t|∆ , . . .), (8.119)
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 132

onde
y2
∆= . (8.120)
y1
Da definição do expoente crítico α obtemos:
d
2 − α = dν = , (8.121)
y1
e os outros expoentes podem ser facilmente determinados com as relações de es-
cala:

β = (2 − α) − ∆, (8.122)
γ = 2∆ − (2 − α), (8.123)
δ = ∆/β, (8.124)
η = 2 − (γ/ν). (8.125)

Em suma, para determinar os expoentes críticos de um dado sistema a “re-


ceita” a seguir no contexto do GR é a seguinte:

1. Determinar o operador do GR Rl para o problema dado.

2. Encontrar o(s) ponto(s) fixo(s) K∗

3. Linearizar Rl no entorno do ponto fixo.

4. Determinar os autovalores λi = lyi .

5. A partir dos yi ’s determinar os expoentes ν e ∆.

6. Utilizar as relações de escala e hiperescala e determinar o resto dos expoen-


tes.

8.4 Renormalização do modelo de Ising na rede qua-


drada
Vamos então completar a análise do modelo Ising na rede quadrada iniciado na
seção 8.2.3. Seguindo os passos gerais da análise do grupo de renormalização
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 133

identificamos inicialmente a transformação Rl dada pelas equações:


1
K′ = ln cosh 4K, (8.126)
4
1
L′ = ln cosh 4K, (8.127)
8
1 1
M′ = ln cosh 4K − ln cosh 2K. (8.128)
8 2
As interações L′ e M ′ surgiram na primeira transformação de escala, e novas in-
terações irão surgir em sucessivas transformações do GR. Por tanto é necessário
fazer alguma aproximação para continuar adiante com a análise. Uma aproxima-
ção é desconsiderar a interação M e todas outras possíveis interações, e limitar a
análise a duas variáveis: K e L. Supondo que estas variáveis são pequenas, fa-
zemos uma expansão em série de Taylor no entorno do zero e obtemos na ordem
dominante:
K ′ = 2K 2 , L′ = K 2 . (8.129)
Vimos antes que é útil considerar, logo do início, um conjunto de interações maior
que as reais, pois muitas podem surgir no processo de renormalização. Se tivés-
semos incluido a interação L no sistema original, as equações anteriores seriam
dadas por:
K ′ = 2K 2 + L, L′ = K 2 . (8.130)
É imediato verificar que este sistema de duas equações possui um ponto fixo não
trivial em
1 1
K∗ = L∗ = . (8.131)
3 9
Linearizando a transformação no entorno do ponto fixo não trivial obtemos:
3 2
k1′ = k1 + k2 , k2′ = k1 , (8.132)
4 3
onde k1 = K − K ∗ e k2 = L − L∗ . A transformação linear A∗l é dada por:
 4 
∗ 3
1
A 2=

2 , (8.133)
3
0

com autovalores:
√ √
λ1 = (2 + 10)/3, λ2 = (2 − 10)/3, (8.134)
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 134

e correspondentes autovetores:
 √   √ 
2 + 10 2− 10
φ1 ∝ , φ2 ∝ . (8.135)
2 2
Os campos de escala são dados por:
√ √
u1 ∝ [2k1 + ( 10 − 2)k2 ], u2 ∝ [2k1 − ( 10 + 2)k2 ]. (8.136)

u1 é a variável relevante, pois λ1 > 0, enquanto que u2 é uma variável irrele-


vante. Como neste problema existem apenas duas variáveis, a superfície crítica é
neste caso uma curva crítica no plano (K, L), como mostra a figura 8.7. A curva

Figura 8.7: Uma parte do espaço de parâmetros e da curva crítica do modelo de


Ising bidimensional, na vizinhança do ponto fixo não trivial (K ∗ = 1/3, L∗ =
1/9). Notar que os pontos sobre a curva crítica fluem para o ponto fixo não tri-
vial,enquanto os que estão fora desta curva fluem para os pontos fixos triviais
(K ∗ = 0, L∗ = 0) ou (K ∗ = ∞, L∗ = ∞).

crítica é dada pela condição u1 = 0, o que resulta (na vizinhança do ponto fixo)
no segmento de reta mostrado na figura 8.7. Para determinar o ponto crítico fí-
sico, devemos fazer L = 0, pois essa interação não existe no sistema original. Por
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2013 135

tanto o ponto crítico Kc deverá estar na interseção entre a curva crítica e o eixo
K. Uma aproximação simples para obter o valor de Kc é extender o segmento
de reta (válido apenas na vizinhança do ponto fixo) até o cruzamento com o eixo
horizontal. Obtemos:
Kc ≈ 0.3979, (8.137)
que deve ser comparado com o valor exato KcOnsager = 0.4407 (valor da apro-
ximação de campo médio Kc = número de coordenação = 4). Podemos obter
também o valor do expoente ν:

ln l ln 2
ν= = √ = 0.6385, (8.138)
ln λ1 ln [(2 + 10)/3]

que deve ser comparado com o valor exato ν = 1.


Claramente, os valores numéricos obtidos não são muito precisos. Isso é
consequência das aproximações realizadas ao longo do processo, especialmente
ter desconsiderado outras interações que surgem no processo de renormalização.
Uma melhora pode ser obtida deixando a interação M por exemplo. No entanto,
o exercício serve como ilustração do poder do formalismo do Grupo de Renorma-
lização na determinação do comportamento crítico de um sistema. A existência
de classes de universalidad também aparece naturalmente no formalismo. Vimos
que todos os sistemas definidos por interações sobre a superfície crítica vão fluir
para o mesmo ponto fixo. Por tanto pertencem a mesma classe de universalidade
do Ising bidimensional. O exemplo também mostrou a relevância das variáveis
relevantes, que através dos seus autovalores irão determinar completamente os
expoentes críticos e a classe de universalidade correspondente.
Referências Bibliográficas

[1] S. R. A. Salinas, Introdução à Física Estatística, Edusp.

[2] R. K. Pathria and P. D. Beale, Statistical Mechanics, Elsevier.

[3] P. M. Chaikin and T. C. Lubensky, Principles of Condensed Matter Physics,


Cambridge University Press.

[4] N. Goldenfeld, Lectures on Phase Transitions and the Renormalization


Group, Addison-Wesley.

[5] L. D. Landau and E. M. Lifshitz, Statistical Physics - Pergamon Press.

[6] N. W. Ashcroft and N. D. Mermin, Solid State Physics, Sounders College.

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