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PARTE I.

TEORIA GERAL DO ESTADO


Capítulo I. Natureza, Elementos e Formas de Estado

1. Estado e Poder Político


1.1. Natureza Jurídica do Poder Político
A. Sociedade, Direito e Poder
a) Ordenação da Vida em Sociedade: A vida em sociedade é essencial e indispensável à pessoa
humana. Contudo, daqui decorre o problema da escassez de bens e os conflitos de interesses
individuais ou grupais, que conduzem à necessidade de estabelecimento de regras obrigatórias
capazes de orientar os conflitos de forma justa e garantir o interesse geral, evitando a dissolução da
sociedade. Surge, assim, a necessidade de Direito, reclamada pelas sociedades pré-estatais, que é
delegada às autoridades, que possuem poderes coercivos - a obrigatoriedade das regras exige, por
vezes, com vista ao acatamento, o uso da força (a coercitividade, que é delegada à autoridade). Ainda
nesta ideia, é importante salientar a distinção existente entre moral, que não dispõe de qualquer punição, e
Direito, que já obriga à aplicação de uma sanção.
b) Ubi societas ibi ius: Da necessidade do Direito, decorre naturalmente a necessidade
instituiconalista, ou seja, a necessidade de se culminar numa organização institucional que exerça o
Direito, por forma a garantir o interesse geral. Assim, onde há sociedade há direito.
B. Sociedade e Poder Político Estatal
a) Autoridade e Monopólio do Poder Coercivo: Como já foi referido, a necessidade de Direito,
reclama um poder de autoridade, que remete necessariamente para o poder político. Este género de
autoridade tem como principal fim a prossecução do interesse geral, pelo que, para o efeito, dispõe do
monopólio da força coerciva. Neste medida, torna-se competente para a criação do Direito e para a sua
aplicação, seja ela passiva ou compulsiva (aos que não acatam as regras obrigatórias).
b) O Poder Político do Estado: Na verdade, o poder político é a forma dominante de poder. Não
obstante verifica-se a existência de outras formas de poder relevantes: o poder religioso (a evolução
acabou por conduzir ao Estado laico, ou seja, isento de orientações religiosas), o poder económico (apesar
de tudo, subsiste ainda uma profunda promiscuidade entre o poder político e o poder económico) e outras
pertencentes à dimensão cultural (media, por exemplo). É certo que, nesta medida, o poder político dispõe
de um lugar de destaque, como a primeira forma de poder por excelência, embora possa ser
pressionado por outras formas de poder. Consequentemente, é o Estado que se revela como a
coletividade mais completa e eficaz, ainda que existam outras entidades (supra e infra-estatais). Em
suma, o respeito pelo Estado é intrínseco.
1.2. O Estado e a Organização do Poder Político
A. Noção de Estado de Direito: Consiste numa coletividade territorial, na qual se encontra fixado
um povo e instituído um poder político soberano (qualidade essencial). O poder de decisão deste poder
político deve visar, segundo um ordenamento jurídico, a satisfação dos interesses gerais. Nesta órbita, os
cidadãos podem agir e reagir, por forma a exercer os seus direitos e deveres. Por último, segundo
orientações de Kant, o Estado é regulado pelo poder político, que deve garantir que não ocorre
arbitrariedade.
B. Tipos Históricos de Estado
a) O Estado como sociedade territorial politicamente organizada situado num contexto de Evolução
Histórica - o Estado em sentido institucional e o Estado moderno: Falar em Estado é falar numa comunidade
e num poder organizados, ou seja, uma comunidade ao serviço da qual está o poder e uma organização
que pressupõe a continuidade da comunidade. Há, assim, uma constante dialética entre o grupo humano
e o poder.
b) Tipologia
i) Estado da Antiguidade Oriental: Apresentava uma forte ligação entre o poder político e
o poder religioso, baseando-se numa estrutura imperial e na forma monárquica do poder. A
desigualdade e a hierarquia sociais são os seus traços fundamentais.
ii) A Cidade-Estado Grega da Antiguidade Clássica: A democracia foi o seu maior
contributo para a atualidade. Nesta altura, o poder politico e o Direito passam a estar definidos e
distantes do poder religioso (que, apesar de tudo, era importante para a divinização da cultura).
iii) O Estado Imperial Romano: Verifica-se, nesta fase, uma maior proeminência do poder
imperial/ditatorial, que conferiu ao poder político supremacia e unicidade. Outro aspeto a destacar é,
pois, a inexistência de sociedade fora da polis.
iv) O Atípico Estado Estamental: A sociedade apresentava uma estrutura piramidal (uma
hierarquia profunda), o que promovia o controlo do poder político pelas ordens sociais.
v) O Estado Moderno: do Absolutismo ao Estado Constitucional: O monarca passa a ser
a figura central do Estado, que começa a germinar. Verifica-se, primeiramente, uma concentração

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absoluta dos poderes, que acaba por se converter uma divisão dos mesmos, em poderes: legislativo,
judicial, executivo e, em alguns casos, moderador.
vi) O Estado Integrado em Associações Supranacionais: Nesta última fase, que se
prolonga pela atualidade, há uma preponderância do Estado Liberal, que se alastra pela dimensão
comunitária e democrática. Contudo, há que salientar a limitação internacional importa por
organizações supranacionais. O Estado passa, assim, a delegar funções à comunidade internacional
que, em certas matérias, é soberana.
C. Estado e Nação
a) A Nação: Formaliza-se como um elemento humano que promove a união social. Consiste
num complexo de tradições, necessidades e aspirações que envolve e agrega uma comunidade humana
em torno de um sentido de pertença e de projeção do seu destino universal.
b) As Relações de Tensão entre Estado e Nação: O nascimento da Nação é precedente ao
Estado, pelo que, após estar edificada, surge a necessidade de construção de um ordenamento jurídico e
político, o Estado. Daqui surge, como é o Estado de Portugal, um Estado Nação, que se baseia na ideia de
que, a qualquer estado, corresponde uma só Nação.. É verdade que, nem sempre a situação se dá nestes
moldes: subsistem, ainda, Nações Sem Estado e Estados Multinacionais, que agrupam diversas
comunidades étnicas, linguísticas e culturais.

2. Elementos do Estado
2.1. O Povo
A. Conceito: Consiste no conjunto de nacionais de um Estado, ou seja, as pessoas ligadas a um
Estado pelo vínculo jurídico da nacionalidade. Exclui estrangeiros e apátridas.
B. Nacionalidade
a) Noção: A nacionalidade consiste num direito sobre direitos, que confere uma posição
jurídica ativa a um conjunto de pessoa, a quem é reconhecida a possibilidade de vinculares a um Estado
como membros de um povo.
b) A nacionalidade como direito-dever: A atribuição de nacionalidade fornece uma posição
jurídica ativa, que permite ao sujeito dispor de um conjunto de direitos fundamentais, e uma posição
jurídica passiva, que decorre da sujeição a um conjunto de obrigações específicas (deveres).
c) Nacionalidade e Cidadania: Note-se que, ao longo da Constituição, o termo nacionalidade
foi substituído pelo termo cidadania. Esta distinção tem, na sua base, raízes históricas: no tempo do
Estado Novo, o termo Nação, era tido como superior ao povo e como entidade diferente e
antidemocrática, pelo que, o termo nacionalidade, que deriva da Nação, é evitável.
d) Cidadania Nacional e Cidadania Europeia: A nacionalidade dos Estados da União Europeia
permite adquirir a cidadania europeia,
C. Regime de Aquisição e Perda de Nacionalidade Portuguesa
i) Lei da Nacionalidade nº 2/2006: Esta revisão constitucional levou à limitação da
discricionariedade, ou seja, do poder que o Estado dispõe para recusar a aquisição de nacionalidade.
Permitiu, ainda, a aquisição da nacionalidade através do casamento, dispostos no Artigo 2º. Por último,
segundo a ótica do professor foi um aspeto positivo, alargou o direito de aquisição de nacionalidade a
emigrantes de 2º geração.
a) Critérios para a Atribuição de Nacionalidade: A nacionalidade portuguesa pode ser atribuída
com base nos critérios do ius sanguinis (filhos de sangue português - pai e mãe portugueses), do ius solis
(nascimento em território português) e critérios mistos.
b) Aquisição Originária: A aquisição originária permite que os cidadãos sejam tidos como
cidadãos originários e está prevista no Artigo 1º da Lei da Nacionalidade.
i) Por Efeito Legal.
ii) Por Efeito da Lei e da Vontade do Requerente.
c) Aquisição Derivada: A aquisição derivada não confere a cidadania originária.
i) Por efeito da vontade.
ii) Por adopção.
iii) Por naturalização.
D. Condições dos Estrangeiros e Apátridas em Território Português (previstas no artigo 15º da
Constituição da República Portuguesa).
a) Regime constitucional de equiparação de direitos e deveres: Com base no principio da
equiparação, equipara-se o cidadão português aos estrangeiros e apátridas, por forma a que os direitos e
deveres dos segundos, em território português, seja praticamente os mesmos que os do primeiro.
b) Exceções à equiparação de direitos: É certo que, apesar de tudo, há excepções nessa
equiparação de direitos, previstas no nº 2 do artigo 15º, sendo elas: o acesso a funções de caracter não

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predominantemente técnico (administração interna - chefia e governo - e a terceiros), direitos e deveres
reservados exclusivamente a cidadãos portugueses (como cargos nas Forças Armadas) e direitos políticos.
c) Nacionalidade e Regime Jurídico da Imigração - Apreciação Crítica.
2.2. O Território
A. Conceito: É um espaço próprio do Estado, onde este exerce os seus poderes de soberania,
tornando-se no diâmetro da soberania de um Estado.
B. Relevância Politico-Constitucional: Traduz a condição de existência do Estado Portugês, que
corresponde ao espaço historicamente definido no continente europeu e os arquipélagos da Madeira
e dos Açores, consoante está previsto no artigo 5º da Constituição da República Portuguesa.
C. Integridade Territorial e Mutações Territoriais
a) As fronteiras históricas do Estado Português e as suas alterações: O território português
tem-se mantido estável a nível territorial, sem sofrer alterações fronteiriças significativas.
b) Integridade territorial como limite implícito de revisão constitucional: Segundo o principio da
unidade do Estado, prevê-se que o seu território seja inalienável (não pode ser vendido) e inalterável;
assim está estatuído na Constituição da República Portuguesa.
c) Retificação de Fronteiras: Apesar do território ser inalterável, as fronteiras podem ser
retificadas, desde que haja reciprocidade e desde que respeitem o Tratado da Assembleia da
República. Implícito estará, também, que estas retificações sejam pontuais e menores.
D. Componentes do Território do Estado
a) Território Terrestre
i) Noção: Corresponde à superfície terrestre do Estado, que termina das fronteiras e que
permite delimitar a soberania.
ii) Componentes: Do território terrestre faz parte o solo e o subsolo.
iii) Forma de Exercício de Soberania: A soberania subjacente ao território terrestre está
delegada aos orgãos de poder local, às assembleias regionais das regiões autónomas e ao governo.
b) Território Aéreo
i) Noção: Corresponde ao espaço que, na vertical, está subjacente às fronteiras e às
limitações marítimas territoriais.
ii) A Soberania sobre o espaço aéreo: As organizações supranacionais impõe certas
limitações à soberania dos Estados no que toca ao seu espaço aéreo, na forma como dele podem dispor.
c) Território Marítimo
i) Noção: Corresponde ao espaço respeitante a uma determinada extensão de mar
calculada a partir das costas.
ii) Componentes: Ao espaço marítimo correspondem as águas interiores, o mar territorial e
a sua largura máxima e a plataforma continental.
iii) O Mar Territorial e o estatuto especial da zona económica exclusiva: Tanto o Estado
como as organizações supranacionais impõe fortes limitações à disposição destes dois componentes,
nomeadamente quanto ao número de embarcações, à colheita de recursos, entre outros.
iv) Tratado Reformador da União Europeia e Limitações à Soberania Marítima do
Estado Português - uma questão de constitucionalidade: A União Europeia impõe numerosas limitações
à soberania do Estado Português no que toca ao seu território marítimo.
2.3. Poder Político Soberano
A. Conceito de soberania
a) Evolução histórica: A soberania, ao longo da história, sofreu fortes alterações, até chegar à
concepção que hoje se conhece. Assim, nem sempre terá sido claramente delimitada. No período feudal
nota-se que a soberania estava ofuscada pelas relações feudais. Já no período pós-Guerras Mundiais, a
soberania foi atenua, uma vez que os Estados começaram a limitar o seu próprio poder, sob pena de se
virem a verificar novos abusos, e a delega-lo a organizações supranacionais. Chegou-se, assim, ao que se
conhece atualmente da soberania, que se baseia na cooperação e harmonização jurídicas
internacionais.
b) Soberania na Ordem Constitucional Portuguesa
i) Noção: Consiste em ter uma ordem suprema insusceptível de superior fundamentação.
ii) Soberania Interna e Externa: A soberania tanto pode assumir uma dimensão interna,
quando toca ao poder em relação aos governados, como pode assumir uma dimensão externa, quanto toca
a sobrepor os interesses nacionais aos outros Estados, sem que haja subordinação.
iii) Atributos da Soberania: A soberania é una, indivisível (unidade jurídica) e intangível
(não pode ser tocada), assim como está estabelecido na Constituição. Contudo, há que salientar que a
soberania dos Estados está claramente limitada pela União Europeia, o que também está previsto na
Constituição Portuguesa.
B. Estado Soberano e Coletividades Não Estaduais

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a) Estados Não Soberanos e Estados com Soberania Limitada
i) Estados Federados: Os Estados Federados, como é o caso dos Estados Unidos da
América, apesar de disporem de legislação própria, a sua autonomia é delimitada pelo governo central
soberano, que permite a consequente comunicação com a dimensão internacional.
ii) Os Protectorados de Direito Internacional e Entidades Assimiladas a Coletividades
Estaduais Não Soberanas:
iii) Os Estados Membros de Confederações e de Organizações Supranacionais e os
Estados Exíguos: Há um contrato subjacente neste tipo de relações, o que faz com que o Estado se torna
membro e, consequentemente, delegue determinadas funções às organizações.
iv) Os Chamados Estados Falhados como Estados de Soberania Limitada: Estados,
nos quais, não há qualquer hipótese de delimitar um poder politico soberano.
b) Comunidades Políticas Não Estaduais: Organizações Internacionais, Regiões Autónomas e
Autarquias Locais: Consistem em coletividades territoriais onde, apesar de haver autoridade política, não há
soberania face ao governo central.
C. A Soberania, a Globalização e a Integração Europeia
a) A crise da soberania e a globalização: A soberania dos Estados tem sido questionada, uma
vez que, cada vez mais, se verifica que, com os acontecimentos históricos, perdeu-se a ideia de soberania
plena. Para além disso, a globalização, que implicitamente leva a uma criação de uma comunidade
internacional, coloca também em causa a soberania dos Estados.
b) A emergência do Constitucionalismo Global? A crescente importância de convenções
multilaterais e organizações internacionais globais: Atualmente, verifica-se uma crescente importância
atribuída às convenções internacionais, com o fim de prosseguir o interesse geral da comunidade
internacional. De facto, o que resulta destas convenções e das organizações é uma limitação clara da
soberania dos Estados, nomeadamente no que respeita à poluição, ao aproveitamento de recursos, à
segurança, entre outros.
c) A integração europeia e a soberania partilhada: Outro assunto que tem conduzido a grandes
questões é, pois, a partilha da soberania subjacente à União Europeia. De facto, verifica-se que a antiga
soberania dos Estados se alarga a outros domínios da organizações, como o domínio financeiro, o domínio
monetário e o domínio político. É certo que estes são fortemente limitativas para certas decisões estatais, o
que remete para a ideia de que a soberania nacional é partilhada com a União Europeia.
d) O Tratado de Lisboa, a crise do Euro e o Tratado Orçamental; estamos a caminho da criação
de uma federação de Estados?: As crises económicas têm conduzido a uma fragilidade iminente dos
Estados, causando a queda dos mesmos nos rankings dos investidores, o que leva ao aumento dos juros
e os torna incapazes de pagar a dívida. O que daí se extrai é a necessidade de apelar a empréstimos dos
credores, que impõem medidas de austeridade, resultando daqui um Tratado Orçamental inegável e
irreversível, uma vez que sem ele o Estado corre o risco de ser incapaz de responder às necessidades
populacionais. Nesta medida, há sim uma limitação forte da soberania dos Estados, contudo não se
poderá falar numa confederação de Estados no que respeita à União Europeia. As limitações impostas
são colocadas no âmbito da estrutura da Europa, nunca ultrapassando o essencial, o que demonstra que a
União Europeia é única e nada equiparável a uma Confederação.

3. A Organização Territorial do Estado


3.1. Conceito de Forma de Estado
A. Conceito de Forma de Estado: Traduz o modo como o Estado distribui especialmente a
titularidade e o exercício das suas funções jurídico-políticas, entre os orgãos de soberania e as autoridades
territoriais periféricas que o integram. Nesta medida, é possível uma centralização do poder ou uma
descentralização do poder.
a) Centralização: O poder está apenas entregue aos orgãos centrais.
b) Descentralização: O poder está distribuído por coletividades menores, uma vez que o
orgãos central não dispõe de capacidades para atingir e resolver todos os problemas. Na verdade, a
exclusividade de poderes culminaria na deficiência do sistema. Assim, quanto maior o Estado, maior a
descentralização.
3.2. Tipologia Fundamental
A. Estados Unitários e Estados Compostos ou Federais:
a) Estados Unitários: Dispõem de unidade constitucional, ou seja, de uma só Constituição, para
além de outros elementos de distinção.
b) Estados Compostos ou Federais: Dispõem de pluralidade constitucional, ou seja, duas ou
mais Constituições, para além de outros elementos de distinção.
B. O Estado Unitário Simples e o Estado Unitário Complexo

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a) O Estado Unitário Simples como Coletividade Sujeita a uma Descentralização Puramente
Administrativa: Neste género de descentralização a autonomia diz respeito, unicamente à dimensão
administrativa.
i) O Estado Unitário Não Regionalizado: Não há uma divisão em regiões específicas.
ii) O Estado Unitário Administrativamente Regionalizado: As regiões encontram-se
municipalizadas, tendo estes pequenos municípios características específicas. É o caso da França.
b) O Estado Unitário Complexo como Coletividade Submetida a uma regionalização político-
administrativa: Neste género de descentralização a autonomia diz respeito às dimensões administrativa,
política e legislativa, sendo que cada regiões dispõe de um sistema financeiro autónomo.
i) Parcial: Apenas uma parte do território possui esta autonomia, como é o caso português.
ii) Integral: Todo o território está divido em regiões que possuem este género de autonomia.
3.3. A Forma do Estado Português: um Estado unitário com regionalização
politico-administrativa periférica.
A. Estado Unitário e Autonomia Municipal e Regional: Artigo 6º da Constituição.
a) Autarquias Locais: Dispõem de uma autonomia que não pode ser despojada pelo Estado.
B. A autonomia político-legislativa das regiões insulares: Artigo 225º da Constituição.
a) Arquipélagos e Regiões Autónomas: Dispõem de uma autonomia qualificada, devido à
descontinuidade geográfica, embora sempre seguindo a Constituição e outros estatutos políticos.
b) Orgãos de Poder Regional: Nas regiões autónomas existem três orgãos de poder regional: a
Assembleia Legislativa Regional, com competências políticas, financeiras e administrativas, o Governo
Regional, dependente da Assembleia da República e com função executiva, e o Representante da
República, um orgão de controlo que representa os interesses do Presidente da República.
C. Poder estadual, autonomias e principio da subsidiariedade: Nº1 do Artigo 6º da Constituição.
a) Princípio da subsidiariedade: Este principio atribui o poder de decisão, em caso de conflito
de competências de matérias concorrentes, ao orgão mais próximo dos cidadãos, salvo se o mais distante
for manifestamente capaz de resolver o problema com maior eficácia. Apesar de estar delimitado, encontra-
se pendente, uma vez que os Tribunais vêem-se na posição de fazer juízos de mérito.

Capítulo II. Introdução aos fins, funções, orgãos e actos do Estado na


Constituição da República Portuguesa

1. A Constituição Como Estatuto Político


1.1. A Constituição na sua dimensão de Estatuto Jurídico do poder político.
A. Noção: É na Constituição que estão estabelecidas as normas fundamentais do poder político.
1.2. Os Fins, Orgãos, Funções e Actos do Estado na Constituição.

2. Os Fins do Estado
2.1. Noção
A. Noção: Os interesses públicos de ordem geral que são prosseguidos pelo Estado.
2.2. Fins Estruturantes do Estado
A. Fins: Segurança, Justiça e Bem-estar.
a) Segurança: Este fim supõe estabilidade nacional, que é fundamental para os Estados.
b) Justiça: Este fim supõe um igual acesso a direitos e deveres.
c) Bem-estar: Este fim supõe a garantir de um nível de bem estar a todos os cidadãos.
B. Fins Específicos: Estão enunciados no artigo 9º da Constituição.

3. As Funções do Estado.
3.1. Noção.
A.Noção: São atividades jurídico-políticas desenvolvidas pela autoridade do Estado Ordenamento
ou Estado de Direito, com vista à realização dos fins estruturantes.
3.2. Concepções Doutrinais Dominantes.
A. Aristóteles: Defendia um governo temperado, que resultava da união de três formas de poder:
a Aristocracia, a Monarquia e a Poliarquia ou Democracia. Qualquer uma destas formas de poder, se
isolava, conduzia a consequências negativas: tirania, oligarquia e demagogia, respetivamente.
B. Locke: O primeiro defensor da Monarquia Constitucional, propôs, assim, um governo misto,
que corresponde ao atual modelo do Reino Unido e que se baseia na ideia de que o poder limita o poder.
Os três orgão são o Rei, a Câmara dos Lordes e a Câmara dos Comuns.
C. Montesquieu: A tripartição dos poderes por ele defendida foi desvalorizada.
D. Benjamin Constant: O primeiro grande teorizador da Monarquia Constitucional, propondo assim
um compromisso entre o poder monárquico e o poder democrático, bem como a quadripartição dos

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poderes. Acresce, à comum separação dos poderes, o poder moderador, que se sobrepunha aos
restantes e pertencia ao rei.
E. Duguit e Carré Malberg: Foram defensores da tripartição clássica dos poderes.
F. Kelsen: Foi defensor da existência de duas funções, a legislativa e a executiva.
G. Marcello Caetano: Para o autor, as funções não jurídicas e as funções jurídicas diferenciavam-
se com base em critérios orgânicos, materiais e formais, havendo, dentro destas, funções políticas e
técnicas e funções legislativas e judiciais, respetivamente.
H. Gomes Canotilho e Marcelo Rebelo de Sousa: Colocam as funções divididas em quadro, a
função legislativa, administrativa, política e judicial.
I. Jorge Miranda: Defensor da tripartição, havendo assim a função política, administrativa e
jurisdicional.
3.3. Posição Adotada - Jorge Miranda
A. Pontos Fortes, Fragilidades, Funções Subordinantes e Subordinadas
a) Pontos Fortes: Esta posição coloca em evidência os atos fundamentais da atividade jurídica,
lateralizando práticas menos importantes para o Direito, e cria uma grande complementaridade entre a
função política e as atividades jurídicas, reconhecendo-as como um instrumento político fundamental.
b) Fragilidades: Apesar dos pontos fortes, há que lamentar a redução da função legislativa a
um sub-função e a falta de autonomia atribuída à responsabilidade pública no domínio da política externa.
c) Funções Subordinantes: Função Política.
d) Funções Subordinadas: Funções Administrativas e Jurisdicional.
B. Função Política Em Sentido Amplo
a) Noção: É a atividade que implica a prática, com um grau expressivo de liberdade, de
decisões que definam inovadoramente o interesse público que deve ser seguido pelos fins do Estado.
Assim, toda a sua estrutura constrói-se através de orgãos competentes, os critérios orgânicos, de atos
que se encontram aptos para o exercício, os critérios formais, e de liberdade e novidade nas políticas,
os critérios materiais.
b) Atividade Legislativa: Como sub-função da função política, consiste no poder de criação e
modificação da ordem jurídica, mediante a aplicação de normas de conteúdo político e com eficácia externa.
Acresce que se baseia em critérios formais, materiais e orgânicos.
i) Critérios Materiais: Rege-se pelo principio da legalidade, que pressupõe que haja
uma submissão aos atos políticos que regulam a vida coletiva.
ii) Critérios Formais: Os atos públicos assumem a forma de lei, decreto de lei ou
decreto legislativo regional; logo, se assim não for, não se trata de atividade legislativa.
iii) Critérios Orgânicos: As competências legislativas para a produção destes atos estão
reservadas à Assembleia da República, ao Governo e às Assembleias Legislativas das Regiões
Autónomas.
c) Atividade Política em Sentido Estrito: A esta função cabe a emissão, com grau expressivo de
liberdade, de atos e normas de conteúdo político desprovidos da forma de lei, ou seja, é exercida por atos
individuais ou concretos (normas atípicas). É juridicamente mais livre que a função legislativa, uma vez
que muitos dos seus atos, sendo individuais e concretos, não estão sujeitos a fiscalização de
constitucionalidade (remissão: Manual de Direito Constitucional, página 37, p. 31).
i) Critério substancial: Esta função produz os frios e contrapesos do sistema político.
Nesta medida, compreende-se que há uma produção de ligamentos entre as várias funções, com o objetivo
de estabelecer comunicações entre os orgãos. Traduz a interdependência de poderes, através de um
controlo superior. Os atos políticos que a constituem não estão sujeitos à fiscalização constitucional,
pelo que podem ser inconstitucionais, o que representa o primado da função em relação ao direito.
ii) Critérios Orgânico-Formais: Envolve a emissão de atos singulares e de atos
normativos, que nem sempre assumem a forma de lei (podem ser moções, resoluções, etc.). Ao Direito
interessam, pois, os atos que produzem efeitos jurídicos.
iii) Atos políticos com Eficácia Jurídica - Atividades de Direção Política e de Controlo:
Dividem-se em atos de direção política e atos de controlo, podendo existir também atos impuros, que
conjugam ambos os anteriores.
i) Os atos de direção política são determinantes para o funcionamento dos orgãos
do Estado e envolvem uma escolha livre, determinando objetivos e meios ou vias para os concluir. Nesta
direção política está implícita a faculdade de indirizzo, que permite que certos poderes de direção e de
comando disponham de soberania pontual. O Presidente da República é o orgão dispõe de maior panóplia
de atos de direção. Neste sentido, há vários atos: de rnomeações de titulares (independentes e de
competência partilhada com o Governo), atos que se projectam na substância de orgãos de soberania
e que dispõem de uma dimensão de controlo (dissolução do Parlamento, renúncia do Presidente da
República), atos que implicam o exercício de poderes diretivos sobre o funcionamento de orgãos

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colegiais (convenção extraordinária da Assembleia da República, exercício extraordinário do Conselho de
Ministro) e atos relevantes para a proteção da República e da vontade popular (declaração de estados
de sitio e de emergência). A Assembleia da República também produz atos de direção com vista à
substância de outros orgãos em funções.
ii) Os atos de controlo político implicam escrutínio e vigilância por parte de certos
centros de poderes sobre outros orgãos ou titulares. Envolve, assim, decisões de responsabilização
política e jurídica (processo de impeachment do Presidente da Republica, suspensão de membros do
Governo), poderes de livre apreciação e mérito de atos de outros orgãos, autorizações, atestações e
confirmações (exigência de assinatura) e atos de garantia jurídica da ordem constitucional (controlo da
constitucionalidade das normas).
iv) Atos e normas da função política: Constitui-se uma zona branca nos atos políticos,
na qual os atos não são alvo de fiscalização constitucional. Assim, são atos não normativos. A nível
internacional, o Estado pode aprovar atos normativos e atos não normativos, na medida em que , por
exemplo, aprovam convenções internacionais.
C. Função Administrativa
a) Noção: Consiste na atividade aplicativa das leis, baseada na satisfação permanente das
necessidades coletivas, mediante atos normativos e administrativos, contratos e atuações materiais.
Os seus orgãos e agentes são dotados de iniciativa e de parcialidade.
b) Critério Material: A função administrativa é uma função secundária e subordinada, uma vez
que se subordina à Constituição e à lei (estabelece os interesses gerais a aplicar). Os seus centros de
decisão devem possuir iniciativa (devem ser ativos e criativos na satisfação das necessidades coletivas),
parcialidade (seguindo os interesses políticos, a lei e o Estado) e imparcialidade (no tratamento de
particulares, não favorecendo nem prejudicando uns em relação a outros). Os princípios fundamentais que
a regem são constitucionalidade, legalidade, igualdade, proporcionalidade, justiça, imparcialidade a
boa fé, embora a justiça e a imparcialidade não possam ser garantidos na integra (perspetiva positivista do
professor).
c) Critérios Orgânicos: Consistem nos orgãos e agentes que desenvolvem a atividade, sendo o
Governo o orgão superior da administração pública, exercendo poderes de administração direta e
indireta, poderes de orientação e de controlo e tutela.
d) Critérios Formais: As manifestações desta função são atos e contratos. Os atos
normativos são regulamentos administrativos, aprovados pela Administração Publica e subordinados à lei e
à Constituição. Os atos administrativos são decisões da Administração que visam produção efeitos
jurídicos (concretizam normas). Por último, os contratos são acordos plurilaterais celebrados entre
entidades publicas ou entre estas e particulares, estabelecendo uma relação. Nestes, o Estado assume
sempre uma posição superior.
D. Função Jurisdicional
a) Noção: Consiste na resolução, de acordo com o Direito, de conflitos de interesses, em
tribunais que se caracterizam pela independência, imparcialidade e passividade.
b) Critérios Materiais: O objeto da função é a resolução de questões que impliquem a aplicação
do Direito. O fim tem que ver com a garantia de justiça e de paz jurídica. Por ultimo, como função
secundaria, aplica a Constituição e a lei. É importante referir que a aplicação da lei pelos tribunais implica
a validade da mesma, pelo que pode ser desaplicada pelos juízes senão for válida.
c) Critério Orgânico: Reporta aos tribunais, a quem está reservada esta função, pelo que são
independentes. Existem, ainda, várias classes de tribunais (Supremo Tribunal de Justiça, tribunais judiciais,
tribunal administrativo e fiscal e tribunal arbitral - cada vez mais famoso, devido aos problemas da justiça
portuguesa).
d) Critério Formal: Diz respeito às decisões jurisdicionais, conhecidas como sentenças, que
resultam do exercício da função jurisdicional.

3.4 As Funções do Estado e o Principio da Separação com Interdependência de


Poderes na Ordem Constitucional Portuguesa.
A. Separação dos Poderes (artigo 111º da Constituição da República Portuguesa)
a) Noção: Consiste na distribuição das funções por orgão e está inerente ao Estado de Direito.
b) A Concepção Iluminista: Locke e Montesquieu teorizaram a ideia de separação dos poderes,
na ideia de que o poder limita o poder.
c) Mutações no Principio da Separação dos Poderes; O principio da separação dos poderes
sofreu grandes alterações ao longo do tempo, devido às transformações nas funções e nos fins do Estado.
A presença na prática constitucional desta teoria não era, anteriormente, tão evidente como é hoje.

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d) A liberdade conformadora: O principio encontra-se estabelecido nas Constituições, pelo que
não há uma separação estrita das funções públicas por orgãos distintos, mas sim uma constante
comunicação entre os mesmos.
e) Os limites políticos e jurídicos fixados pela teoria do “núcleo-essencial”: O facto de não estar
claramente definida a decisão dos poderes, leva a que um orgão se possa intrometer nas competências
alheias e as possa exercer. Tal não é admissível: um orgão não pode perder o primado de uma função para
outro que tenha o primado de outra função. Assim, a tese do núcleo central de uma função faz com a
Constituição delimite a atividade respeitante a cada orgão, sendo esta um limite político. Cada orgão
possui o núcleo da função que lhe compete, sendo o núcleo a base história que reside no principio
separação dos poderes, ou seja, adequação da estrutura do orgão à função em questão. Nenhum orgão
pode, assim, esvaziar as funções de outro orgão.
f) Complementaridade entre separação e interdependência de poderes: Há uma dimensão
negativa do principio da separação dos poderes, que faz com que haja uma interdependência entre os
mesmos, ou seja, não há uma arrumação autista dos poderes. A função política é a coordenadora desta
ligação e considera-a inevitável - os poderes têm de estar em constante interligação, pois há controlos
inter-orgânicos que os orgãos fazem entre si. No fundo, esta é um principio que condiciona o exercício
do poder (um orgão propõe, o outro nomeia - exemplo). Neste sentido, os casos de violação do poder são
escassos.
g) Corolários do Principio da Separação de Poderes (orgãos de soberania): A atividade política
stricto sensu está entre ao Presidente da Republica, ao Governo e à Assembleia da Republica. A atividade
legislativa está entregue à Assembleia da Republica e ao Governo. A atividade jurisdicional está entregue
aos Tribunais. Por ultimo, a função administrativa não pode ser exercida pela Assembleia da República.
B. A Interdependência de Poderes
a) Freios e Contrapesos: A repartição de poderes não condiciona a colaboração institucional,
ou seja, entre os vários orgãos. Este é um universo de checks and balances, em que há divisão dos
poderes e, ainda, uma colaboração entre os vários orgãos que exercem os poderes. Esta colaboração dá-
se em vários domínios, entre eles, por exemplo, a nomeação de cargos (um propõe, o outro nomeia).
b) Fronteira entre as Diversas Funções: Existem algumas áreas de imprecisão na divisão das
funções do Estado.
C. O Impacto da Integração Europeia na Separação dos Poderes
a) A Limitação dos Poderes: A integração na União Europeia implicou, no sistema jurídico
português, limitações de competências e edição de atos jurídicos superiores à organização interna. Tal
acontece porque os Estados delegam na União certas competências, que passam a ser exercidas a nível
internacional. No artigo 7º, nº6, pode encontrar-se a tal delegação à União de certas competências.
b) A Superioridade dos Tratados da União: Os Tratados da União e as Constituições dos
Estados baseiam-se numa relação de reciprocidade, em que a União deixa algumas matérias para decisão
dos Estados, e estes permitem que a União disponha de certas decisões superiores.
c) Efeitos da Integração no Exercício dos Poderes
i) Poder Político: As competências legislativas foram as que mais sofreram limitações.
Em Portugal, as maiores limitações deram-se a nível da Assembleia da República, que resultou no
reforço do Governo. Quanto à atividade política, apesar de na teoria estar entregue ao Parlamento, é
certo que na prática há um fortalecimento do Governo na condução da política europeia.
ii) Poder Administrativo: A integração promoveu um reforço dos poderes administrativos
do Governo, no que respeita à concretização e execução de normas jurídicas da União Europeia. No
entanto, é notória a criação de autoridades independentes e semi-independentes da União Europeia,
com a finalidade de enfraquecer as competências dos Governos dos Estados.
iii) Poder Jurisdicional: A nível interno, os Tribunais ganharam poder. Contudo, a nível
externo, os Tribunais perderam poder face ao Tribunal da União.
iv) Conclusões: A integração teve um efeito moderado na dinâmica da separação de
poderes em Portugal.

4. Os órgãos do Estado-Ordenamento
A. Noção: Orgão é um centro autónomo e institucional de poder que exprime uma vontade
funcionam em nome de uma coletividade jurídico-pública integrada no Estado-Ordenamento.

4.1. Figuras Afins: órgão e agente. Elementos Constitutivos.


A. A Instituição: é a base organizativa do orgão, de caracter permanente e estável;
B. O Cargo

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a) Titular: É a pessoa ou conjunto de pessoas que exprime vontade funcional do orgão,
através da aprovação de atos jurídicos. Nos órgãos colegiais há vários titulares, como é o caso da
Assembleia da República.
b) Cargo: Corresponde ao estatuto funcional do titular, ou seja, às suas competências e
responsabilidades.
C. Competência: Corresponde aos poderes funcionais jurídico-políticos do orgão, com vista à
expressão da vontade. Estas competências derivam do principio da separação dos poderes, que não
permite a um orgão exercer as competências do outro, referindo, assim, os seus domínios de atuação.

4.2. Os órgãos na Constituição Portuguesa.


A. Tipologia
a) Orgãos de soberania e simples orgãos constitucionais: Os orgãos de soberania, nº1 do
Artigo 110º, exercem funções de soberania, ou seja, de poder face aos governados. Quanto aos orgãos
constitucionais, são um sub-grupo dos orgãos de soberania e estão previstos na Constituição, pelo que
nunca poderão ser suprimidos por uma lei ordinária.
b) Orgãos singulares e orgãos colegiais: Os orgãos singulares, como o próprio nome indica,
têm apenas um titular, enquanto que os orgãos colegiais possuem vários titulares. Neste sentido, nos
segundos, é a soma das vontades dos titulares que prevalece. A votação é por maioria. A deliberação pode
ser também utilizada, procurando-se o consenso. É exemplo de um orgão colegial a Assembleia da
República e de um orgão singular o Presidente da República.
c) Orgãos simples e complexos: Os orgãos simples têm um único titular e não se desdobram
noutros orgãos, como é o caso do Primeiro-Ministro e do Presidente da República. Já os orgãos complexos
desdobram-se noutros órgãos. É exemplo disso o Governo, que se desdobra em Conselho de Ministros e a
Assembleia da República que se desdobra em comissões, com vista à tomada de decisões.
d) Orgãos eletivos e não-letivos: Os orgãos eletivos resultam do voto, ou seja, através de
eleições diretas ou indiretas, com base na legitimidade popular. Os orgãos não-eletivos resultam da
nomeação, por exemplo, o Governo é nomeada pelo Presidente da República.
e) Orgãos primários e vicários: Os orgãos primários têm competências próprias. Já os orgãos
vicários, têm competências próprias, mas que são réplicas de outras, representando assim outro orgão. É o
caso do Representante da República, pois exerce funções autonomamente, mas derivadas do Presidente
da República.
C. Orgãos de Soberania: o Presidente da República, a Assembleia da República, o Governo
e os Tribunais (nº1 do artigo 110º).
a) Dos orgãos de soberania:
i) Noção: São os orgãos que exercem funções de soberania, ou seja, de poder sobre os
governados.
ii) Taxatividade da enumeração: Estão enumerados no artigo 110º, nº1.
iii) Reserva constitucional das regras que definem a sua formação, composição,
competência e funcionamento: As competências, o funcionamento, a composição e a formação
destes orgãos estão previstas na Constituição, nº2 do Artigo 110º. Neste sentido, uma lei ordinária não
pode acrescer, condicionar ou retirar poder a estas orgãos. Assim, dentro dos limites previstos na
Constituição, poderá haver um orgão com o primado de uma competência e um orgão eventualmente
competente, sendo que o segundo, dentro da autorização do primeiro, pode exercer essas
competências de forma limitada e condicionada.
iv) Separação e interdependência de poderes: Está previsto, ainda, no artigo 11º, a
separação e a interdependência dos poderes, com vista à constante comunicação entre os orgãos,
garantindo a teoria dos freios e contrapesos, com base na ideia de Montesquieu: o poder limita a o
poder.
b) Dos orgãos constitucionais em geral:
i) Taxatividade de enumeração: Correspondem aqueles que se encontram inscritos na
Constituição da República.
ii) Regime dos Orgãos Colegiais: Previsto no artigo 116º da Constituição, estabelece que
estes orgãos só podem deliberar validamente quando estão presentes um mínimo de pessoas e com
base na maioria relativa, que se prende ao número de presentes. Neste sentido, segundo o nº3, as
deliberações são tomadas à pluralidade de votos, não contanto as abstenções para o apuramento da
maioria.
iii) Regras aplicáveis aos orgãos eletivos: Estão previstas no artigo 113º da Constituição,
nomeadamente no nº1 do referido artigo.

5. Acto Jurídico-Público

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A. Noção: Consiste numa decisão imputada aos órgãos de uma coletividade, apta à produção de
efeitos jurídicos na prossecução de fins públicos a que a mesma entidade se encontra subjacente.

5.2. Pressupostos e Elementos do Ato.


A.Pressupostos: São as condições necessárias à formação do ato - orgão, vontade psicológica e
competência.
a) Orgão: Consiste no centro de poder que produz o ato.
b) Vontade Psicológica: Consiste na formação de uma vontade de concebe a norma. Daqui se
exclui a coação, o que significa que a coação de alguém a produzir um faz com que esse acto seja inválido,
uma vez que há um desvio na vontade psicológica.
c) Competência: Consiste numa faculdade ou poder funcional atribuído a um orgão, que lhe
permite aprovar atos jurídico-públicos. Exerce-se, por isso, com exclusão de outros orgãos, uma vez que,
segundo o principio da separação de poderes, só um orgão é que possui o primado dessa competência.
B. Elementos Fundamentais do Ato: São a forma e o conteúdo.
a) Forma: Consiste no objeto e no fim do ato.
b) Conteúdo: Consiste no modo de produção e de revelação do ato.

5.3. Tipologia elementar dos atos jurídico-públicos


A. Critério da Vontade
a)Actos livres ou actos devidos: Os actos são livres se o autor goza de competências para o
praticar, exemplo disso é a dissolução parlamentar e o veto político. Os actos são devidos quando há uma
obrigação de praticar o acto, exemplo disso é o veto por inconstitucionalidade e a promulgação da lei
confirmada pelo Parlamento.
b) Actos simples ou actos complexos: Os actos são simples quando são praticados por um só
orgão, como é o caso da nomeação do primeiro-Ministro pelo Presidente da Republica ou a dissolução da
Assembleia da República pelo Presidente da República. Os actos são complexos quando resultam da
cooperação de vários titulares. Podem ser unipessoais, se pertencerem à mesma pessoa coletiva, como é o
caso do procedimento legislativo parlamentar que resulta do ato de iniciativa do Governo ou dos deputados.
Ou podem ser pluripessoais, sempre que resultem de pessoas coletivas diferentes, como é o caso da
revisão dos estatutos político-administrativos das regiões, iniciados pelas suas assembleias e aprovados
pela Assembleia da República.
c) Decisões ou deliberações: As decisões são atos de vontade de um orgão singular, como é o
caso dos decretos presidenciais sobre atos livres do Presidente da República. As deliberações são atos
jurídicos de vontade imputados de orgãos colegiais, como a Assembleia da República ou o Conselho de
Ministros.
A. Critério do Objeto
a)Atos de eficácia interna ou atos de eficácia externa: Os atos de eficácia interna reduzem-se
aos orgãos de poder, não tendo eficácia intersubjetiva, logo a força jurídica não se exerce sobre os
cidadãos. Já os atos de eficácia externa têm efeitos jurídicos no próprio ato e nos cidadãos.
b) Atos declarativos e atos constitutivos: Os atos declarativos atestam uma situação já
constituída, como é o caso da declaração de inconstitucionalidade. Os atos constitutivos modificam o
ordenamento jurídico, como é o caso de gerarem uma competência constitucional.
c) Atos-condição e atos-objeto: Os atos condição vinculam o conteúdo de outros, sendo
condições necessárias à sua produção e à sua validade, como é o caso das leis de base da reserva
parlamentar em relação aos decretos-leis complementares. Já os atos objeto são vinculados no seu
conteúdo pelos atos condição, como é o caso de um decreto de lei complementar.
d) Atos normativos e atos não normativos: Os atos normativos implicam a aprovação de atos
de conteúdo geral e abstrato, como regulamentos. Os atos não normativos são decisões públicas não
legislativas com conteúdo individual e concreto, como atos políticos e atos administrativos.

5.4. Atos da Função Política


A. Atos legislativos: Serão tratados mais adiante. Correspondem à lei, decreto de lei e decreto
legislativo regional.
B. Atos da atividade política em sentido estrito (stricto sensu).
a) Os actos políticos: É um ato praticado pelos orgãos que dispõem da função política e que é
individual e concreto, não tendo eficácia intersubjectiva, ou seja, têm apenas eficácia interna. De entre os
atos do Governo, temos os despachos e os decretos, e de entre os atos da Assembleia da República, temos
as moções de censura e as resoluções.
b) Normas Atípicas da sub-função política em sentido estrito

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i) Ato referendário nacional (referendo - artigo 115º da CRP): Constitui uma forma de
aplicar a democracia semi-direta, através da combinação da vontade dos orgãos de poder político, a
nível de questões de interesse nacional que incidem sobre uma só matéria (Assembleia da República,
Governo e Presidente da República) com a vontade do eleitorado que aprova ou rejeita a proposta.
Assim, é proposta pela Assembleia da República e pelo Governo e é convocado pelo Presidente da
República, tendo este o poder de não o convocar e o dever de o enviar ao Tribunal Constitucional, com
vista ao controlo preventivo de constitucionalidade. A decisão referendaria tem caracter vinculativo: o
Presidente da República não a pode vetar; contudo, na votação tem de estar presente a maioria (artigo
115º, nº11, da CRP). Quanto aos efeitos políticos, é importante salientar que o referendo tem um grande
peso político, já a posição do povo tem profundos efeitos a nível do pensamento dos deputados. No
caso de resposta negativa, este representará um comando proibitivo; no caso de resposta positiva,
este representará a aprovação de um ato;
ii) As resoluções normativas: Constituem atos da competência da Assembleia da
República e das Assembleias Legislativas das Regiões. Assim, podem revestir a forma de normas
regimentais, ou seja, regimentos, que estipula as regras relativas à organização e ao funcionamentos
dos orgãos colegiais, podendo ainda incluir direitos ou deveres (não têm natureza legislativa e têm
eficácia externa). Exemplo deste é o Regimento do Conselho de Ministro, que até recentemente era
“secreto”. Podem, ainda, assumir a forma de resoluções parlamentares incidentes sobre o conteúdo e
sobre a eficácia de outros atos normativos, como é o exemplo de resoluções da Assembleia da
República que aprovam tratados internacionais.
iii) Declaração dos estados de excepção (artigo 19º, da CRP): Constituem normas
aplicadas em situações de ameaça ou de lesão de bens jurídicos essenciais ao ordenamento do Estado
(a soberania, o território) e que levam o poder político a sacrificar certos bens jurídicos menos
essenciais. É exemplo disso os estados de sítio e os estados de emergência, sendo os primeiros
menos graves que os segundos. Estas declarações competem ao Presidente da República, têm
natureza normativa e essência não legislativa, pelo que estão sujeitos à fiscalização de
constitucionalidade.
c) Atos Jurídicos da Função Administrativa: Da função administrativa, emanam três tipos de
normas, os regulamentos administrativos (carácter geral e abstrato), os atos administrativos (carácter
individual e concreto) e contratos administrativos (não normativos). Os regulamentos administrativos
incluem-se na definição de norma em sentido material, estando sujeitos à fiscalização Constitucional. São
exemplos de regulamentos dos orgãos soberanos a Resolução do Conselho de Ministros, o Decreto
Regulamentar e a Portaria. Quanto ao ato administrativo, o seu caracter individual e concreto não
normativo faz com que não esteja sujeito à fiscalização de Constitucionalidade, contudo pode ser fiscalizado
pelo Tribunal Administrativo, mediante pedido. Por último, os contratos administrativos têm como função a
alteração de relações jurídicas.
d) Atos da Função Jurisdicional: São decisões que aplicam a lei a casos concretos e que, por
isso, não são atos normativos, uma vez que interpretas e aplicam a lei, mas não fazem criações ou
alterações a nível constitucional. Assim sendo, podem revistar a forma de despachos, sentenças ou
acórdãos.

Capítulo III. A Organização do Poder Político Português


1. Introdução à legitimidade do poder político estadual.
A.Conceito de legitimidade: Consiste no conjunto de factores que fundamental a autoridade de
um poder e que são aceites socialmente. Podem, assim, variar.

1.1. Legitimidade e Legalidade


A. O caráter mecanicista da justificação do poder com base na legalidade: Segundo a ótica de
Max Weber, a legitimidade provém da legalidade, o que significa que a legitimidade do poder é a
Constituição. Assim, a forma de agir do poder responde diretamente à Constituição. Schmitt contesta a
visão de Max Weber, afirmando que a legalidade, ou seja, a lei e a Constituição são instrumentos que
contribuem para a legitimidade do poder, contudo não são, de facto, a justificação do poder.
B. A legalidade como instrumento de justificação do poder mas não como a justificação a se:
Schmitt contesta a visão de Max Weber de legitimidade legal racional, colocando a questão: qual a
legitimidade da própria Constituição?. Conclui assim que a lei e a Constituição são meros instrumentos para
a justificação do poder, ou seja, para a sua legitimidade. Contudo, não o justificação plenamente.
C. A quebra da legalidade no processo de acesso ao poder não obsta decisivamente à
legitimidade das novas autoridades: É de referir a questão do 25 de Abril de 1974, como exemplo para as
conclusões de Schmitt. A revolução pôs fim ao poder ditatorial que se vivia em Portugal, tendo este poder
legitimidade fundamentada na legalidade. Ora, o facto de haver uma quebra de legalidade com a Revolução

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não pôs em causa a legitimidade do poder subsequente. Aliás, gerou-se outra legitimidade, que não se
baseada na legalidade anterior. Comprava-se, assim, o caracter instrumental da legalidade na justificação
do poder.

1.3. Critérios classificatórios.


A.Critérios sociológicos de qualificação dos tipos de legitimidade: A legitimidade tradicional,
a legitimidade carismática e a legitimidade legal-racional.
a)A legitimidade tradicional: Este tipo de legitimidade reporta à situação das pequenas regiões,
onde o poder tem origem numa prática social reiterada, ou seja, no costume. Significa assim que é o chefe
quem possui o poder de autoridade e nele reúnem-se características específicas, como o poder da força ou
a idade. Muitas vezes, este tipo de legitimidade baseia-se na figura divina - é Deus quem dá o poder ao
chefe.
b) A legitimidade carismática: Este tipo de legitimidade reporta para um poder personalizado,
que induz às qualidades do chefe. Significa assim que o poder é reconhecido a alguém graças às suas
qualidades pessoais ou ao facto de possuir um certo dom. Por exemplo, o poder deve-se a feitos de
heroísmo. No fundo, é o carisma pessoal que atrai a sociedade - é efémero, assim que acabar o poder de
atração, termina a legitimidade e o domínio. Um caso desta legitimidade foi Sidónio Pais.
c) A legitimidade legal-racional: Este tipo de legitimidade coloca a razão no centro da
legitimidade, ou seja, são as normas jurídicas gerais e abstratas - lei e a Constituição - que fundamentam o
poder da autoridade. Foi contestada por Schmitt, como já foi referido anteriormente.
B. Critérios Jurídico-Políticos: A legitimidade de título e a legitimidade de exercício.
a) A legitimidade de título: Ocorre quando uma autoridade pública adopta uma conduta e
assume um poder, previsto num cargo segundo a Constituição. Exemplo disso são as funções que o
Presidente da República exerce e que estão previstas na constituição, ou seja, são legitimas uma vez que
associadas a um titulo.
b) A Legitimidade de exercício: A legitimidade está associada ao modo de exercício desse
poder. Significa assim que a conduta adoptada pela autoridade, o titular do poder, deve estar associada ao
que justifica o titulo, ou seja, ao que está previsto na Constituição. Podem surgir, consequentemente,
condutas abusivas e inconstitucionais, não compreendidas na legitimidade de exercício.
C. Critérios axiológico-doutrinais: A legitimidade dinástica, a legitimidade revolucionária e a
legitimidade democrática.
a) A legitimidade dinástica: Este tipo de legitimidade corresponde às monarquias, tendo um
forte pendor tradicional.
b) A legitimidade revolucionária: Este tipo de legitimidade compreende os momentos em que há
uma quebra de uma ordem jurídica, através da força, por forma a impôr-se uma nova ordem jurídica.
Geralmente, está associada a um descontentamento social, que gera um clima revolucionário e origina uma
quebra na legalidade.
c) A legitimidade democrática: Este tipo de legitimidade está associada à democracia e ao
sistema eleitoral, com base na ideia de que o poder tem legitimidade popular. Assim, é o povo, os
governados, que elege os governantes, que correspondem ao poder. Ou seja, a legitimidade do poder é a
vontade popular. Neste caso, pressupõe-se que o sistema seja livre, competitivo e equivalente, em que
todas as formações políticas sejam idênticas e possuam as mesmas oportunidades). Estará tem implícito
um sufrágio universal, período e renovável. No fundo, representa o poder da maioria. Está fortemente
ligada à legitimidade racional-legal, na ideia de que a Constituição resulta do consentimento popular.

2. Introdução Sinóptica às Formas de Governo: Regimes Políticos e Sistemas de Governo.


2.1. Os Regimes Políticos.
A. Noção: Consiste num modelo doutrinário onde repousam os princípios da organização política
e social do Estado e os fundamentos da legitimidade do poder soberano.
B. Tipologia: Regimes Democráticos e Regimes Autocráticos.
a) Regimes democráticos: Nestes a legitimidade dos governantes resulta do livre
consentimento dos governados, estando subjacente a eleições competitivas e pluralistas (há vários partidos
em competição).
b) Regimes autocráticos: O poder não se fundamenta na vontade livre dos governados,
procurando, por isso, auto-justificar-se. Significa assim que, por norma, os sistemas eleitorais são não
competitivos, sem oposição, com apenas um partido ou partidos satélites, que conferem uma aparência de
fundamento do poder - há um monismo. O sistema pode, ainda, ser semi-competitivo, ou seja, permite-se
a concorrência, contudo a campanha eleitoral é limitada, impedindo-se o seu normal desenrolar (limitam-se
manifestações e discursos, por exemplo). É o caso da Venezuela, em que o Estado está a favor de um
partido e exerce uma força repressiva sobre os restantes.

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i) Modelos autoritários e totalitários: Os modelos autoritários não intervêm na liberdade
individual, enquanto que os modelos totalitários, de entre eles, a ditadura, têm uma visão ideológica da
sociedade, procurando fazer valer essa ideologia. Acabam por alterar a sociedade no âmbito privado, o que
faz com que haja uma vertente educacional.

2.2. Os Sistemas de Governo no Estado de Direito Democrático.


A.Conceito: Consiste na forma de estruturação dos orgãos do poder político soberano (os que
exercem funções de soberania) e nas suas relações de interação.
B. Sistemas de governo e arquitectura do poder político: A arquitetura dos sistemas de
governo pode variar entre governo Presidencialista, Semipresidencialista e Parlamentar.
a) Sistema Presidencialista: Foi o primeiro a surgir, nos Estados Unidos da América. Confere-se
primazia ao poder executivo - o Presidente da Republica, que exerce o poder executivo, é eleito por maioria
absoluta. Não há Primeiro Ministro, uma vez que não há divisão do poder executivo.
b) Sistema Semipresidencialista: Este sistema é um misto do sistema parlamentar e do sistema
semipresidencial. Caracteriza-se por uma divisão do poder executivo, havendo assim Presidente da
República e Primeiro Ministro.
c) Sistema Parlamentar: Neste sistema considera-se perigoso entregar o poder a um só
homem, pelo que no Parlamento está representado o povo - é um governo de lei e não um governo de
homens. Acresce o facto Parlamento eleger o Presidente da República.
C. Factores condicionantes da configuração do sistema de governo.
a) A configuração dos poderes soberanos na Constituição e a sua prática: A configuração dos
poderes soberanos na Constituição atribui competências aos demais orgãos. Contudo, é certo que na
atuação a tradição da prática é fundamental. Por exemplo, o Presidente da República em Portugal não
dissolve o Governo por forma a convocar novas eleições que lhe sejam mais favoráveis, embora disponha
de competências que lho permitam.
b) O sistema eleitoral e o sistema de partidos: O sistema eleitoral é uma das bases dos
sistemas de governo, garantindo que haja proporcionalidade entre os resultados das eleições e os
mandatos - a melhor forma de garantir a representação da sociedade de forma fiel. É de referir que são os
sistemas eleitorais que conferem governabilidade, ou seja, estabilidade governava ao governo - permitindo-
lhe cumprir o seu programa, conforme a expectativa do eleitorado. Há ainda outros sistemas eleitorais - os
sistemas constrangedores, nos quais se dirige o voto para as grandes formações partidárias, tendo os
pequenos partidos uma representação mais reduzida (caso da França e do Reino Unido).
i) Sistema maioritário a duas voltas: É o caso da França. Consiste num sistema que só
passam à 2º volta os candidatos que tiverem votos acima de uma percentagem definida. Como tal, recorre-
se a coligações entre os partidos de direitos e entre os partidos de esquerda (bipolarismo); alguns partidos,
ao ficarem de fora destas coligações, desistem. Há, contudo, grandes distorções neste sistema: as
desistências impedem que certos partidos tenham representatividade.

2.3. Tipologia Elementar.


A. Os sistemas parlamentares.
a)Noção e génese: Os sistemas parlamentares são sistemas em que o executivo (Governo) é
politicamente responsável perante o Parlamento, logo a subsistência do executivo depende da confiança
política do Parlamento - há uma relação de confiança política. O Chefe de Estado, neste sistema, por não
ser eleito, não exerce poderes efetivos - é um papel de mera representação. Este sistema está presente
em sistemas europeus, tanto em Monarquias Constitucionais (Espanha, Noruega, Reino Unido), como em
Repúblicas (como é o caso da Itália).
b) O parlamentarismo de assembleia: Faz parte dos sistemas parlamentares clássicos, sendo
caracterizado pela superioridade do poder do Parlamento, pelo que o Governo (o Executivo) é fraco e de
pouca estabilidade. Uma vez que predomina a representatividade proporcional, a nível do sistema eleitoral,
há um ambiente mais propício à falta de maioria absoluta por parte do Governo, logo este é mais fraco.
c) O parlamentarismo racionalizado: Estes governos devem-se à instabilidade e à falta de
equilíbrio de outros, ou seja, tenta-se combater esta instabilidade através de mecanismos específicos, de
entre os quais - a não adoção de um sistema proporcional de representação pura, a clausula barreira
e a moção de censura construtiva. A primeira diz respeito a um sistema eleitoral em que o voto está
dividido em dois momentos: num primeiro momento vota para círculos uninominais e num segundo
momento vota-se para círculos plurinominais. A segunda diz respeito à estipulação de um mínimo de votos
para a consequente eleição, o que significa que se evita a presença de partidos minoritários e aumenta-se a
estabilidade dos partidos majoritários (diminui-se, contudo, a representatividade). Por último, a terceira visa
que haja um acordo da oposição, a quando da demissão de governo, por forma a formar um novo Governo.
d) Estudo de um subtipo de parlamentarismo racionalizado: o sistema parlamentar de gabinete.

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i) Introdução ao constitucionalismo britânico: Deve a sua denominação ao facto do
Governo ser o cabinet, ou seja, o Gabinete. Neste sentido é atribuída maior importância do Chefe do
Executivo, o Primeiro Ministro, ao contrario do que acontece no sistema parlamentar de Assembleia.
ii) Características do sistema parlamentar de gabinete: Neste tipo de sistema, é o
Primeiro Ministro que ocupa o papel central, por isso, é simultaneamente o líder da maioria partidária, o
chefe do executivo e deputado. Assim, o poder está no gabinete, logo há uma grande estabilidade. Este
Primeiro Ministro tem competências para convocar novas eleições e dissolver o parlamento.
iii) Factores determinantes da operatividade do sistema: A operatividade deste sistema
de governo, que pressupõe uma grande estabilidade, é atingida através do sistema eleitoral. É um sistema
maioritário uninomial, logo fomenta o bipolarismo entre dois partidos, embora estejam presentes outros
partidos no Parlamento, por meio de coligações. Assim, a estabilidade é alcançada por sacrifício da
representatividade, o que explica as tendências independentistas da Escócia, que não sente a sua vontade
representada.
B. Sistemas presidencialistas.
a)Noção e génese: Ao contrario do que acontece nos sistemas parlamentares, nos
presidenciais não há uma relação de confiança política entre o Parlamento e o Presidente da República.
Assim sendo, é aquele em que o Chefe de Estado, o Presidente, é eleito e tem poderes significativos, sendo
o orgão-chave, assumindo a liderança do executivo, e em que o Governo não responde politicamente
perante o Parlamento, ou seja, a sua subsistência não depende da confiança do Parlamento.
b) Linhas fundamentais do presidencialismo norte-americano:
i) Traços dominantes: Os EUA foram o primeiro sistema presidencialista e acabaram por
contagia-lo aos restantes países das Américas, que hoje são variantes deste sistema. O Congresso e o
Presidente vêm de diferentes eleições populares e têm legitimidade própria, o que significa que não pode
existir uma relação de dependência e confiança política entre ambos. Neste caso, não há lugar para um
Primeiro Ministro, uma vez que não qualquer divisão no executivo, que é exercido na integra pelo
Presidente. Ora, tanto o Parlamento como o Presidente têm legitimidade democrática direta, o que
significa que, caso venham de maiorias partidárias diferentes, têm que conviver e chegar a um consenso,
não se podendo dissolver um ao outro.
ii) Divisão dos poderes e “checks and balances”: O sistema norte americano é um
sistema que segue à risca a divisão tripartida dos poderes defendida por Montesquieu, apoiado na ideia de
checks and balances, ou seja, o poder limita o poder. Assim, o poder executivo está entregue ao
Presidente, o poder legislativo ao Parlamento e o poder judicial aos tribunais.
c) Outras formas de presidencialismo em versão impura: o sistema brasileiro: Durante os anos
70 e os anos 80 surgiram críticas e acusasse ao sistema presidencial, cuja génese causaria grandes
instabilidades, pelo que se procede a alterações significativas na sua génese, no Brasil.
C. Sistemas semipresidencialistas.
a) Primícias:
b) Atributos do Sistema:
c) Semipresidencialismo em cenários de confluência e coabitação.
d) Variantes: o semipresidencialismo de pendor presidencial, de pendor parlamentar e de
geometria variável.

3. O sistema semipresidencialista português: um sistema misto de geometria variável.


A. Fontes Cognitivas: O semipresidencialismo português colheu, em 1976, a sua caracterização
semipresidencialista de várias fontes, às quais ficou a dever-se a sua geometria específica.
a) Semipresidencialismo Francês: Em 1962, deu-se uma revisão constitucional em França, que
concedia legitimidade direta ao Presidente da República, na medida em que este passaria a ser eleito por
sufrágio universal a duas voltas (seria um reforço dessa legitimidade). Para além disso, passou a haver
responsabilidade política do Governo perante o Parlamento e perante o Chefe de Estado. A denominação
deste novo sistema que se erguia e que concedia poder (vários novos poderes) ao Presidente da
República, em prol da maior legitimidade de que dispunha, foi proposta por Maurice Duverger (1970). O
objetivo desta alteração seria, assim, corrigir os defeitos do sistema parlamentarista de assembleia francês.
b) Constituição de Weimar, Constituição Austríaca e Constituição Finlandesa: Foi também
através destas que Portugal retirou os traços fundamentais do semipresidencialismo, na medida em que
nelas eram já distintos alguns desses traços, embora que ainda não oficializados. Só ficariam oficializados
com a revisão constitucional francesa.
c) Carta Constitucional de 1826: A Carta Constitucional incorporara a proposta de Benjamin
Constant de existência de um quarto poder - o poder moderador -, cuja função seria que o Rei/Chefe de
Estado assumisse um factor de equilíbrio entre os poderes. Os seus poderes seriam, então, semelhantes
aos atribuídos ao Presidente da República no sistema semipresidencialista.

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d) A Constituição de 1933: No fundo, funcionou como um reafirmar de alguns poderes do
Presidente da República, poderes moderadores, provenientes da carta de 1826.
e) Pactos MFA-Partidos: No segundo pacto, emergiram traços do semipresidencialismo, como
a eleição direta do Presidente da República, a dupla responsabilidade política do Governo e o poder de
dissolução parlamentar, que seriam exercícios por um orgão militar não democrático, o Conselho de
Revolução.
B. Traços Essenciais: são quatro os traços essenciais do semipresidencialismo português,
estando presentes na Constituição.
a) Diarquia do Poder Executivo: O exercício das funções executivas é partilhado pelo
Presidente da República e o Governo, sendo este segundo chefiado pelo Primeiro Ministro. Assim, o
poder executivo está entregue a duas entidades. O Presidente não chefia o Governo, apenas pode presidir
ao Conselho de Ministros quando o Primeiro Ministro lho solicitar.
b) Dupla responsabilidade do Governo ante o Parlamento e o Presidente da República: O
Presidente da República possui competências para nomear o Primeiro Ministro e o Governo (depois de
ouvidos os Partidos, a proposta do Primeiro Ministro e consoante os resultados eleitorais). O Presidente
pode, ainda, demitir o Governo (artigo 195º, nº2, CRP), contudo, com a alteração de 1982, foi acrescentado
um limite a essa demissão (assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas), o que
significa que não se pode falar em responsabilidade política, mas sim responsabilidade institucional. Já o
Parlamento, a Assembleia da República, pode dissolver o Governo (uma relação de confiança política),
podendo rejeitar os programas, aprovar uma moção de censura e rejeitar uma moção de confiança.
c) Faculdade de o Presidente dissolver o Parlamento por razões políticas: A demissão do
Parlamento apenas é limitada temporalmente (seis meses antes do fim do mandato e seis meses a quando
do começo do mandato). Assim, o Presidente pode dissolver o Parlamento livremente, com base num juízo
de mérito político - em Portugal, não acontece, uma vez que a prática não se procede nesse sentido.
d) Eleição do Presidente da República por sufrágio universal: Com o semipresidencialismo, o
Presidente da República passou a dispor de legitimidade direta, o que significa que é eleito por sufrágio
universal, a duas voltas. Esta legitimidade alargou-lhe os poderes, que se concretizaram nos traços
fundamentais do semipresidencialismo.
C. Traços Complementares: reforçam os traços essenciais, contudo podem não ser encontrados
noutros sistemas semipresidencialista. É certo que tal não condiciona a efetiva existência desse sistema.
a)Veto presidencial de eficácia absoluta sobre os actos legislativos do Governo e de eficácia
suspensiva sobre os do Parlamento: O Presidente da República dispõe de dois géneros de veto, que se
aplicam a orgãos diferentes. Ao vetar uma proposta legislativa do Governo, o veto é absoluto, logo
impossível de ser superado (a única forma de contornar a situação seria converte-lo em proposta de lei da
AR). Ao vetar uma proposta do Parlamento, o veto é suspensivo, pelo que a Assembleia da República
pode pedir confirmação e concretizar a promulgação.
b) Autonomia legislativa do governo e controlo político parlamentar: O Governo concentra as
faculdades legislativas, às quais alia cometerias delegadas, outras competências complementares (leis
de base), exclusivas (organização interna) e concorrenciais (alternadamente com o Parlamento).
Contudo, o Parlamento, que possui o primado da função legislativa, pode apreciar estas propostas para
efeitos de alteração ou revogação.
c) Limites ao poder de referenda ministerial dos actos presidenciais: O Governo exerce um
controlo dos atos do Presidente da República, designado notarial, através da referenda ministerial.
D. As metamorfoses do semipresidencialismo português.
a) Condicionantes de um sistema de geometria variável: A evolução da componente dominante
também faz variar a geometria, podendo assim ter pendor presidencial, parlamentar ou governamental,
em razão da superioridade de uma dada instituição soberana. Há uma série de factores que condicionam
esta geometria do sistema semipresidencialista, tornando-a variável. As revisões constitucionais, ou seja, as
alterações feitas condicionam a diferente distribuição dos poderes pelos demais orgãos. Outro factor é o
sistema partidário - em momentos pluripartidários, há maior dependência do governo e maior autonomia
do Presidente da República; em momento bipolarizados, há maior estabilização no papel dos governos e
uma diminuição do papel moderador do Presidente da República. Por fim, a semelhança entre a maioria
parlamentar e a maior presidencial também fazem variar a geometria - num momento de coabitação, em
que as maiorias são distintas, há maior conflitualidade, logo o pendor pode tanto ser presidencial como
pode ser parlamentar; num momento de confluência, ou o Presidente é o líder da maioria parlamentar e o
pendor torna-se presidencialista, ou o Presidente torna-se num elemento secundário e o pendor torna-se
parlamentar.
b) Fases de evolução:
i) Semipresidencialismo com equilíbrio de poderes (1976-1982): Foi uma fase de
debilidade da componente parlamentar e governativa e de um mero protagonismo presidencial. Nesta fase,

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o processo politico era vigiado por forças armadas organizadas num Conselho de Revolução, procedendo à
transição para uma democracia plena. Gerou-se, devido às divergências, um excesso de multipartidarismo,
que fragilizou o sistema e aumentou a dependência parlamentar, e que levou à maior intervenção
parlamentar, que culminou em governos de iniciativa presidencial. Foi uma fase de proeminências
pendulares, ora persistia o pendor parlamentar, ora se salientava o pendor presidencial.
ii) Semipresidencialismo de pendor parlamentar simples (1983-1987): Todas as
competências legislativas foram retiradas ao Conselho de Revolução que se extinguiu e foram entregues ao
Parlamento. Para além disso, outros aspetos reforçaram o pendor parlamentar: a criação do Tribunal
Constitucional, imposição de limites ao poder de demissão do Governo do PR e a moção de censura como
forma de demissão do Governo. Em suma, reforçou-se a dependência do Governo em relação à AR.
iii) Semipresidencialismo de pendor governamental reforçado ou primo-ministerial
(1987-1995): Afigurou-se um quadro durante o qual o partido do primeiro-ministro ganhou maiorias
absolutas, pelo que o líder não só era o chefe do Governo, como também liderava bancada partidária.
iv) Semipresidencialismo de pendor parlamentar atenuado (1995-2002): Durante esta
fase, regressa-se a um pendor parlamentar, embora que bastante atenuado/mitigado, devido ao
protagonismo ainda assumido pelo Governo, resistente da fase anterior. Para além disso, com a revisão de
1997, criaram-se condições que reforçaram os poderes do Governo.
v) Semipresidencialismo de pendor governamental atenuado (2002-2004)
vi) Semipresidencialismo de pendor governamental reforçado ou primo-ministerial
(2005-2009)
vii) Semipresidencialismo de pendor parlamentar simples (2009-2011)
viii) Semipresidencialismo de pendor governamental atenuado (2011-)

3.2. Traços de semelhança e distinção entre o semipresidencialismo português e o francês.


A. Semelhanças e distinção: Há bastantes diferenças entre o semipresidencialismo
português e o francês. Ora, no caso português - o mandato do Presidente é impossível de reeleição para
um terceiro mandato, a responsabilidade política do governo face ao Presidente é mais atenuada, a
presença do Presidente no Conselho de Ministros exige pedido do Primeiro Ministro (em França pode
presidir), os referendos só podem ser convocados pelo Presidente sob proposta do Governo (em França é
mais livre), as competências do Presidente na Defesa e na política externa são mais atenuadas e o
Presidente não dispõe de plenos poderes de caracter excepcional, ou seja, os estados de sítio e de
emergência estão sujeitos a aprovação parlamentar.

3.3. Os orgãos de soberania no quadro da prática político-institucional do sistema português.


A.Chefe de Estado como poder arbitral e moderador: a revistarão doutrinária de Benjamin
Constant. O regime legal do cargo de Presidente da República está contido na Constituição, nos artigos
120º e seguintes. É eleito por sufrágio universal, a 2 voltas, por maioria absoluta (a eleição a 2 voltas reforça
o seu estatuto de legitimidade democrática.
a) Os poderes presidenciais e respectivos limites: O Chefe de Estado dispõe do primado da
função política.
i) Poderes de representação da República: O Presidente da Republica tem como primeira
função a representação da República, que engloba tanto o Estado como a colectividade nacional. Neste
sentido, cabe ao titular do orgão designar os representantes diplomáticos da república, ratifica tratados
internacionais, declara a guerra e faz a paz (artigo 135º, da CRP).
ii) Poderes inerentes ao Estatuto de comandante supremo das Forças Armadas: O
poder do Presidente da República como comandante supremo das Forças Armadas é algo limitado; de
facto, o chefe do executivo não é o efetivo comandante supremo das Forças Armadas - as suas funções são
simbólicas.
iii) Poderes de controlo jurídico-político sobre os orgãos de poder Há poderes que o
Presidente da República exerce sobre outros orgãos, designadamente poderes de direção e de controlo.
Assim, pode dissolver a Assembleia da República, embora existam limites temporais. Pode, ainda, dissolver
o Governo, contudo, apesar de anteriormente não existirem limitações a este poder, este acabou por ser
limitado. Tendo em conta as limitações, não se pode falar em dupla responsabilidade política, mas sim
numa responsabilidade política perante a Assembleia e uma responsabilidade institucional perante o
Governo. Para além disto, o Chefe de Estado dispõe ainda do poder de nomeação do Primeiro Ministro,
consoante os resultados eleitorais para a Assembleia da República, pelo que podem surgir vários cenários:
um partido ganha com maioria absoluta, o que não dá praticamente margem nenhuma ao presidente para
nomear o Primeiro Ministro (salvo no caso de problemas de ordem penal); ganha com maioria absoluta uma
coligação pré-eleitoral, verificando-se a mesma situação da anterior; no caso de não haver maioria absoluta,
o Presidente tem maior margem de nomeação do Governo, o que pode promover uma fase de maior pender

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presidencial. A prática afirma que o Presidente, por norma, nomeia o candidato da formação partidária mais
votada, mas não o fazer não é inconstitucional. Pode, assim, nomear um governo de iniciativa presidencial
(na história, foi um fracasso), pode conservar um governo em gestão (exercício de funções transitoriamente
e de forma limitativa, que se justifica até haver solução, contudo não é desejável devido aos custos
associados) e pode, por fim, condicionar a aceitação de um governo minoritário. Por fim, pode também
recusar a nomeação de membros do governo, se razões para tal apresentar.
iv) Poderes de controlo jurídico-político sobre actos de poder: O Chefe de Estado
dispõe de poderes sobre os restantes actos de poder. Assim, dispõe de poderes de fiscalização da
constitucionalidade, de promulgação e de veto, que são poderes de impedimento/aprovação de leis
decretos de lei (no caso do Governo, é veto absoluto; no caso da Assembleia da Republica, o veto é
suspensivo).
v) Poderes partilhados com outros orgãos de soberania: A magistratura de
influências: Para além de poderes próprios, o Presidente dispõe também de poderes partilhados, que se
inserem na ideia de freios e contrapesos, de Montesquieu, na órbita do poder limita o poder - são
poderes que se inserem no âmbito do controlo inter-orgânico. Neste sentido, há nomeações que exigem
propostas previas, como é o caso dos chefes militares, cujos cargos exigem a proposta do Governo. Pode
ainda acontecer que o Governo e Presidente da República tomem considerações sobre a demissão ou a
nomeação dos membros do Governo. Esta última situação levante problemas em momentos de confluência,
quando o desacordo é maior e aumenta a instabilidade.
b) Da suscetibilidade de acréscimo ou limitações das competências do Presidente da
República através da lei: O poder do presidente não pode ser limitado. Para além disso, o seu poder
raramente é controlado por outros orgãos de soberania. Apenas em caso de deslocações ao exterior é que
é necessária uma anterior autorização da Assembleia da República. Para além disso, outro aspeto
importante é o processo de impeachment, que permite que o presidente possa ser destituído do cargo, no
caso de crimes de Estado praticados no exercício das suas funções (artigo 130º). Pode, ainda, renunciar ao
mandato e ser reeleito duas vezes; contudo, se renunciar, não se pode recandidatar ao 2º.
c) O exercício do poder moderador do Chefe de Estado.
i) Poder arbitral e poder moderador: O poder arbitral não é exclusivo do sistema de
governo português nem do semipresidencialismo e confere ao Presidente competências para mediar
conflitos e propor soluções, ou seja, é uma função de arbitragem. Este poder converte-se numa
magistratura de influencias, em que o exercício não é através de um poder oficial, mas com base no poder
da palavra do PR.
ii)A tradição constitucional: a Carta Constitucional e a Constituição de 1933: A
dissolução parlamentar é tida como apenas recorrida em situações de crise, contudo é conspirada a
bomba atómica do sistema.
iii) O poder moderador em ciclos de extraneidade, coabitação e confluência: O poder
moderados em casos de coabitação, em que a maioria do PR é diferente da maioria da AR e do Governo,
num primeiro momento caracteriza-se por uma fraca conflitualidade, numa cooperação mais fria e distante.
Já num 2º mandato, há maior conflitualidade, uma vez que a preocupação com a reeleição, do PR, é menor.
Já m momentos de confluência, em que as maiorias são identificas, caminha-se para uma presidência
notarial, em que o Presidente se torna numa figura mais apagada e a o Primeiro Ministro reforça a sua
representação. Na atualidade, houve um período em que o Presidente foi o escrutínio da maioria, com
momentos de fiscalização e desconfiança, contudo apanha-se para uma cooperação com apagamento do
PR. Na estrutura constitucional, pode existir um pendor parlamentar, quando ocorrem maioria absolutas no
Parlamento. O que nunca aconteceu foi um pendor presidencial de tipo francês, que só aconteceria se
houvesse uma forte ligação entre o líder da maioria da AR e o PR, o que se convertia em maior confiança e
maior participação do presidente.
B. Governo como centro estratégico de impulsão política e legislativa: Ao Governo, cujo
regime está previsto nos artigos 182 e ss. da CRP, exige-se estabilidade. É, pois, esta estabilidade que irá
permitir a este orgão exercer as suas funções e competências sem grandes conflitualidades. É um orgão
colegial, complexo, primário, constitucional e de soberania. Por definição, como consta no artigo 182º, é o
orgão de condução da política geral do país e o orgão supremo da Administração Pública.
a) Os poderes do Governo: O Governo dispõe de poderes legislativos, administrativos e
políticos.
b) Competências exercidas no âmbito da função política stricto sensu, o Executivo como centro
estratégico de condução da atividade política: O Governo pode exercer competências da função política
stricto sensu, podendo assim apresentar moções de confiança, negociações políticas externas, relações
com outros orgãos, reunindo com o Presidente para o manter informado (sessões periódicas de debate no
Parlamento), e emitir atos políticos na forma de decreto-lei.

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c) Competências exercidas no âmbito da função legislativa, o Executivo como orgão central da
concepção e da produção legislativa, com sujeição ao primado parlamentar: O primado da função legislativa
pertence à Assembleia da República, contudo é o Governo quem dispõe da centralidade da função
legislativa, uma vez que, como herança da Constituição de 1933, é o Governo quem produz em maior
número atos legislativos. Há que referir que esta produção, em grande parte, está sujeita a autorização da
Assembleia da República, como disposto no artigo 165º. Para além disto, o Governo também dispõe de
poder para apresentar propostas de lei sobre todas as matérias previstas no artigo 164º. Assim, dispõe de
competências concorrentes, exclusivas, complementares e delegadas.
d) Competências exercidas no âmbito da função administrativa, o Governo como orgão
superior da Administração Pública (os poderes de direção, superintendência e tutela): O Governo dispõe do
núcleo essencial/primado da função administrativa, logo é o orgão supremo da Administração Pública, como
disposto no artigo 199º. Há que referir, assim, que o Governo exerce administração direta, com funções de
direção, superintendência e tutela (dentro da pessoa coletiva Estado e com base nos seus interesses),
administração indireta, com funções de superintendência e tutela (fora da pessoa coletiva Estado e com
base e interesses do Estado), e administração autónoma, com funções de tutela (fora da pessoa coletiva
Estado e com interesse próprios, autónomos - é o caso das autarquias das regiões).
e) Vínculos de dependência política e institucional do Governo: O Governo responde/é
dependente ante o Presidente da República, havendo uma relação de responsabilidade institucional,
devido à limitação do poder de demissão, introduzida na revisão de 1982, ao artigo 192º, nº 5. É, ainda,
dependente ante o Parlamento, numa relação de responsabilidade política. Neste sentido, o Governo pode
ser demitido pela Assembleia, e deve dar conta de negócios públicos e dar pareceres.
f) O Governo como epicentro do exercício dos poderes de soberania: Em situações de maioria
absoluta, o Governo é o epicentro da atividade política do Estado.
g) Nomeação: A nomeação do Governo é tarefa do Presidente da República, consoante os
resultados eleitorais. Devido a esta conceito indeterminado, o Presidente tem, à partida, margem para
eleger quer o líder do partido mais votado, quer o líder do partido menos votado - não seria inconstitucional
fazê-lo. Contudo, há que salientar a obrigação de criar momentos de estabilidade governativa, pelo que o
Presidente irá nomear o líder do partido que melhor proporcionar estabilidade ao Governo. Assim, podem
existir vários cenários: em caso de maioria absoluta, o Presidente não tem margem para eleger outro
Primeiro Ministro, senão o líder do partido mais votado; em caso de parlamento fragmentado, há maior
margem de manobra, contudo diz a prática que o Presidente irá nomear o líder do partido mais votado; em
caso de coligação com maioria absoluta, o Presidente não teria margem de escolha. Atualmente, deu-se
uma ruptura nesta prática, em que se formou um Governo através de um partido que não o mais votado
(não é inconstitucional). Outra solução seria manter o governo em gestão, até às eleições, contudo não se
resolveria o problema do orçamento e da estabilidade.
C. A Assembleia da República como instância legiferante e fiscalizadora: O Parlamento é um
orgão colegial, primário, complexo, constitucional e de soberania, que dispõe do primado da função
legislativa. O regime legal está previsto nos artigos 147º e ss., da CRP.
a)O Primado legislativo, introdução e remissão: A Assembleia tem o primado da função
legislativa, contudo não dispõe da centralidade, uma vez que não é o centro de maior produção legislativa.
Efetivamente, há matérias de reserva absoluta, as previstas no artigo 164º da CRP, sobre as quais, no
entanto, o governo pode fazer propostas (não pode legislar). Para além disso, pode controlar a atividade
legislativa do Governo, delegando-lhe funções sobre as matérias previstas no 165º (reserva relativa). Há
que referir que, apesar disto, o Governo tem uma forte representatividade no Parlamento, sempre que
disponha de reserva absoluta.
b) A atividade fiscalizadora, os poderes de controlo parlamentar sobre orgãos e sobre actos: A
Assembleia da República exerce competências em sentido estrito, nomeadamente a nível da apreciação do
programa de Governo, de direção do executivo, de controlo das deslocações do Presidente, de proposta de
uma ação criminal contra o Presidente, de designação de orgãos (membros do Tribunal Constitucional e o
Provedor de Justiça, que garante a proteção dos direitos fundamentais) e, ainda, formas de controlo e
suspensão de membros do Governo.
c) A natureza representativa do Parlamento: O Parlamento é um orgão colegial de
representação do povo, neste sentido, é eleito sufrágio universal e direto, através de círculos eleitorais,
como previsto no artigo 149º da CRP. O numero de deputados de cada circulo é proporcional ao número de
cidadãos eleitores nele inscrito e representam o país, não os círculos por que foram eleitos. O sistema de
eleição é proporcional, pelo que a representatividade é maior, e o método utilizado é o método de Hondt.
O numero de deputados que constitui a AR é de 203, segundo consta no artigo 148º da CRP e no artigo 13º
da lei eleitoral.

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d) Oxidação das virtualidade legiferantes (fazer as leis), representativas, fiscalizadoras e
interrogativas da conflitualidade política pelo Parlamento: Desvanecimento das competências da AR nas
áreas mencionadas, devido à conflitualidade - nomeadamente, ás áreas de matéria concorrencial.

Parte II. Teoria da Constituição


Capítulo I. O estatuto do poder político

Secção I. A Constituição como ordem jurídica de domínio de um Estado.


1. A Constituição como ordem e como norma.
1.1. Introdução histórica e conceptual.
A. A origem: o termo Constituição, do latim costituere, tem na sua base a ideia a criação de algo
definitivo. Nesta medida, seguindo a ideia de constituição fornecida pelas ciências naturais, a Constituição
de um Estado e a norma fundamental que regula o funcionamento do poder político e a ordem social.
Ocupa, assim, uma posição de supremacia - lex superior.

1.2 Funções da Constituição.


A. Legitimação da ordem jurídica e política do Estado.
a)A questão da legitimidade do poder e dos seus titulares: remissão: A Constituição legitima o
poder político de um Estado, justificando a autoridade de uma forma de poder político em torno de valores
jurídicos, políticos, éticos, sociais e religiosos. Para além disso, a Constituição prevê a imposição de limites
a esse poder e à atuação dos titulares. Assim, a legitimação consistirá na aceitação pelo povo dos
fundamentos do poder político. A força constitucional é, pois, superior, pelo que o que fuja ao seu
entendimento será inconstitucional.
b) A justificação axiológica de uma ordem jurídica e política de domínio através de uma decisão
soberana de carácter fundamental: A constituição legitima o poder político, com base num conjunto de
valores políticos, jurídicos, éticos e sociais e até religioso - valores, estes, coletivamente aceites.
B. A Função integrativa.
a) A Constituição e recondução à unidade dos elementos diversiformes da sociedade e do
Estado-Ordenamento (Smend): Cabe à Constituição criar condições para que seja assegurada,
permanentemente, a unidade do Estado, que permitem a subsistência, a paz pública e a viabilidade. Assim,
enuncia princípios fundamentais a um povo, promove um regime de acordo com a realidade social e
assume compromissos, direitos e garantias, para com os cidadãos.
b) Constituição e consenso básico ou de regime sobre os princípios e as regras do exercício do
poder (Sartori): A Constituição enuncia princípios fundamentais a um povo, promove um regime de acordo
com a realidade social e assume compromissos, direitos e garantias, para com os cidadãos. Sartori reforça
Constituição como as regras do jogo, que pretendem resolver os conflitos da sociedade - todos estão
sujeitos às mesmas regras.
c) O papel da revisão constitucional no processo de integração: A revisão constitucional existe
para garantir a integração. Isto significa que a unidade do Estado será comprometida sempre que a
constituição esteja disforme da realidade social - para tal, a revisão constitucional intervém para adaptar a
Constituição ao seu tempo.
C. A função organizativa de uma ordem jurídica e política (Comanducci).
a) O estatuto jurídico do politico: A Constituição é o estatuo do poder político, assim a
Constituição prevê a estrutura de organização e funcionamento de um Estado, inclusive o seu modelo de
governação. Acontece que autores como Sartori enunciaram a ideia de que Constituição sem sistema de
Governo não o é. Daqui se retira a conclusão que resulta, igualmente, do facto da segurança e da coerência
da organização e do funcionamento do Estado serem-lhe absolutamente necessárias, pelo que não podem
ser descartados.
b) A Constituição como norma normarum: A Constituição é uma norma sobre a normação, na
medida em que rege a produção das principais normas de direito público e ainda a sua própria produção,
servindo de fundamento à validade - há que reportar à pirâmide de Kelsen.
D. A função garantística dos direitos e liberdades fundamentais.
a)A Constituição como estatuto dos cidadãos nas suas relações com o poder (Jorge Miranda):
Segundo Jorge Miranda
b) A salvaguarda dos direitos como um limite ao exercício do poder político: A Constituição
garante os direitos, liberdades e garantias, que servem de limite ao exercício do poder político. Há assim
uma imposição do respeito pelos direitos civis pelo poder, que são indispensáveis ao desenvolvimento
social.

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1.3. Espaços de integração supranacional e inter-constitucionalidade: Importa referir que as
Constituições não são isoladas e integram igualmente aquilo que é decidido na União Europeia, o que
corresponde a uma efetiva união da Constituição aos acordos da União Europeia. Contudo, este direito
europeu não prevalece de forma absoluta sobre a ordem Constitucional Portuguesa. Para além disso, a
Constituição está conforme a Declaração Universal dos Direitos do Homem.

2. Classificações de Constituição.
2.1. Constituição em sentido material, formal e instrumental: As Constituições, estruturalmente, podem
ser entendidas como materiais, formais ou instrumentais.
A. Constituição material como estatuto do poder político e estatuto dos cidadãos nas suas
relações com o mesmo poder: A Constituição em sentido material resume os princípios estruturantes das
sociedades modernas, sem se ter em conta o seu regime político.
a) O Estatuto do poder político: Em termos genéricos diz respeito ao estatuto identitário do
poder político e no estatuto da sociedade nas relações que estabelece com esse poder politico. Assim, é a
norma superior do funcionamento do Estado, que corresponde à coletividade e ao ordenamento jurídico.
Por ser o estatuto identitário quererá dizer-se que define o regime, o sistema de governo, a organização
territorial ou a forma do Estado.
b) O Estatuto dos cidadãos em face do poder do Estado: Em sentido material, a Constituição
engloba ainda a comunicação entre o poder político, o Estado, e a comunidade social, através da
exoneração de direitos fundamentais tanto as pessoas individuais como às pessoas coletivas. Ora, cada
sujeito dispõe de direitos fundamentais (direitos liberdades e garantias) que são posições jurídicas ativas
que lhes permitem fazer frente a entes públicos, através dos tribunais.
B. A Constituição formal: a Constituição consiste num conjunto de normas que são dotadas de
hierarquia e de força passiva superiores aos restantes actos normativos.
a) A Constituição como norma de hierarquia superior: As normas constitucionais são
hierarquicamente superiores às restantes normas, devido à sua função ordenadora. A força passiva tem que
ver, por sua vez, na resistência das normas constitucionais à revisão por normas de valor diferente - assim o
é porque o processo de revisão constitucional é um processo agravado e especial. Desta forma, infere-se
que a força passiva tem como principal objetivo garantir o primado hierárquico da Constituição. A intenção
de dificultar a revisão, através de um processo agravado e especial, é também promover consensos largos
no Parlamento. De facto, cabe referir que nem todas as constituições materiais são necessariamente
constituições formais, uma vez que as suas normas não dispõem de força passiva superior às demais leis -
é o caso da Constituição Britânica, a Israelita.
C. A Constituição instrumental
a) Noção: A Constituição instrumental consiste na Constituição como instrumento, ou seja, um
único documento que reconduz todo o texto constitucional. Não está, contudo, necessariamente associado
ao conceito de constituição em sentido formal, uma vez que existem constituições instrumentais que não o
são formalmente e vice-versa.
b) Constituições integralmente instrumentais (Constituição Espanhola, 1978),
predominantemente instrumentais (Constituição Italiana, 1947) e não instrumentais (Constituição Britânica e
Constituição Francesa de 1875): As Constituições integramente instrumentais dizem respeito aquelas cujas
normas estão integralmente reunidas num único documento. As Constituições predominantemente
instrumentais, apesar da essência das normas se encontrar reunida num único texto, existem normas
separadas desse documento (as normas extravagantes). Por fim, as Constituições não instrumentais
correspondem à soma de documentos normativos autónomos, não reunidos num documento único.
c) Receção de normas constitucionais extravagantes: A receção de normas constitucionais
extravagantes tem que ver com a atribuição de valor constitucional a normas externas à Constituição
material. São exemplos desta atribuição os estatutos das regiões com autonomia especial na Constituição
Italiana de 1947 e, ainda, as leis revolucionárias que permitem a incriminação retroativa dos agentes da ex-
PIDE/DGS, em Portugal - vai contra o artigo 29º. Estes seriam exemplos de receção simples. Quanto à
receção plena tem que ver com a atribuição de valor a normas extravagantes, as quais, apesar disso,
conservam a sua autonomia. É exemplo disso a Declaração das Nações Unidas, segundo previsto no nº2
do artigo 16º, que se afirma como parâmetro integrava a interpretativo. Este acaba por ser, assim, um
fenómeno de auto-limitação do poder constituinte.

2.2. Constituição rígida e constituição flexível - Critério Processual.


A. Constituição Rígida: As Constituições rígidas exigem um processo especial e agravado de
revisão constitucional, do qual resulta uma força passiva, ou seja, uma resistência à revogação por atos de
natureza distinta. Cabe referir que este caracter agravado e especial é garantido por limites circunstanciais,
materiais, temporais e formais à revisão, como será visto adiante. Cabe referir, ainda, que é esta rigidez que

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permite a existência de um sistema de fiscalização jurisdicional da constitucionalidade (o facto de uma
norma violar um principio ou regra constitucional). Daqui resultam, naturalmente, constituições hiper-
rígidas, nas quais não é sequer admissível um processo de alteração ou é mediante um limite , é o caso da
CRP de 1976 - é um sinal de fragilidade do poder político no contexto de sociedades altamente conflituais. A
não existência de um processo de alterações leva a críticas, nomeadamente à desconformidade das
normas com a realidade vigente.
B. Constituição Flexível: As Constituições flexíveis são aquelas que não exigem processos
agravados de modificação, apenas processos idênticos aos legislativos ordinário. É o caso da Constituição
Britânica e da Constituição Israelita. No entanto, no caso britânico cabe salientar que o respeito pela sua
Constituição História é de tal forma grande que, apesar do processo não ser de todo agravado, as
alterações são raras. Ora, daqui resultam, também, constituições semi-rígidas, sendo que uma parcela
pode ser alterada mediante um processo semelhante ao ordinário e a outra parte através de um processo
especial e agravado (Carta Constitucional brasileira de 1824).

2.3. Constituição utilitária e pragmática - Critério Teleológica.


A. Constituição utilitária:
a) Noção: o fim é a limitação do poder político, logo pressupõem a repartição das funções do
Estado pelos demais orgãos, garantir os direitos fundamentais das pessoas e uma imparcialidade ideológica
nas intervenções estatais.
b) Estado Liberal e matriz histórica das constituições utilitárias: São, por isso, as constituições
dos Estado liberais dos séculos XVIII e XIX. Assim, assentam numa filosofia garantista, estabelecendo
apenas as regras básicas do funcionamento do sistema, sem que hajam marcadas posições ideológicas -
são pouco extensas e algo essencialistas.
c) A Constituição norte-americana e a Constituição britânica como contemporâneos das
constituições utilitárias.

B. Constituições programáticas:
a) Noção: são as que assumem fins de transformação social, impondo ao poder político metas
e tarefas de conteúdo ideológico, de caracter intervencionista, promovendo os direitos sociais e a
organização económica.
b) Estado social de direito e progamatismo constitucional: São constituições ditas sociais, na
orbita da Constituição de Weimar de 1919, que passaram a incorporar planos de ação estatal. E, ainda,
constituídos de Estados socialistas, como a Mexicana, fascistas, italiana de 1848, corporativas autoritárias,
portuguesa de 1933.
c) A fixação de metas, balanços, planos de ação e utopias no texto constitucional: Estas são
constituições comprometidas com a transformação coletiva, ou seja, com o objetivo do Estado em garantir
que existem meios que promovam os direitos e liberdades dos cidadãos, com especial importância para a
redução das desigualdades sociais que ainda permanecem.
d) Tipos de constituições pragmáticas: Podem variar entre posições sincréticas, como é o caso
das constituições sociais europeias, cuja extensão é moderada, e proxilas, com enunciados extensos
repletos de princípios ideológicos e tarefas sociais e estaduais. Podem, contudo, existir também
constituições programáticas intermédias, sendo uma posição intermédia entre as duas restantes.

2.4. Constituições compromissórias e constituições simples:


A. Constituições simples: correspondem às leis fundamentais de um Estado que demonstram
uma unidade no pensamento político, ou seja, o modelo social resultou de ponderações ideológicos e
axiológicas extremamente bem definidas - as constituições dos Estados totalitários são exemplos deste
género de constituição.
B. Constituições compromissórias: correspondem às que transmitem uma influência de um
conjunto de correntes axiológicas e ideológicas precisas, ocupando algumas um pendor mais dominante
que outras. É o caso da grande maioria das constituições democráticas. Há, assim, nestes casos a
intervenção de forças e agentes políticos distintos na formação da Lei Fundamental.

2.5. Constituição normativa, nominal e semântica - critério ontológico: o paradigma ontológico de


Loewenstein.
A. Constituição normativa: são aquelas cujo conteúdo concorda com a realidade que estas
visam regular. Assim, é necessário que as normas tenham uma aplicação efetiva e que dominem o poder
politico e a realidade social. Implica, deste modo, a existência de um poder de fiscalização da
constitucionalidade que tenha uma verdadeira efetividade.

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B. Constituição nominal: são aquelas cujas normas não aplicáveis à realidade e ao poder
politico que pretendem regular. Não havendo assim uma conformidade entre a realidade e as normas
jurídicas, as dinâmicas sociais e políticas ficam à margem da Constituição. Estas situações resultam de um
excesso de programatismo, que leva a promessas sociais utópicas incapazes de serem cumpridas, da
aprovação prematura de textos constitucionais ou, ainda, da falta de modificações constitucionais que
procedam à maior adaptação.
C. Constituição semântica: são as que se destinam a formalizar a legitimar um poder político
autocrático, não havendo realmente preocupação com a limitação do poder ou com a garantia dos direitos.
É o caso do constitucionalismo atacado pelo fascismo italiano.

3. Introdução ao Poder Constituinte.


3.1. A relação entre poder e norma: a questão da precedência na doutrina constitucional.
A. Precedência: O poder constituinte é uma vontade policia originária, ilimitada, pré-jurídica e
criadora de Direito, que estabelece a Lei Fundamental. Assim, retira-se a ideia de que a autoridade política
ou o poder são precedentes à norma. Por outro lado, os poderes constituídos, que resultam das normas
constitucionais que o poder constituinte estabelece são vinculados, criados e fundados, logo são posteriores
à norma.

3.2. Conceito de poder constituído: faculdade de aprovar uma Constituição.


A. Noção: Consiste num ato de vontade, cuja autoridade permite estabelecer/aprovar uma
Constituição de um Estado. Para além disso, acresce referir que é uma realidade existente, que não
carece de aprovação jurídica.

3.3. Poder constituinte soberano e não soberano: O grau de liberdade faz variar o conceito entre não
soberano (de soberania restringida) ou soberano.
A. O poder constituinte soberano como decisão jurídica fundamental e incondicional de
fundação de uma ordem jurídica e política de domínio: A vontade do poder constituinte será livre sempre
que esta seja livre e incondicionada. São exemplos o caso norte-americano e o caso francês.
B. Exemplos de poder constituinte não soberano: O poder constituinte será não soberano
sempre que factores exteriores condicionarem a aprovação de uma Constituição na sociedade. Ora, há
vários exemplos de poderes constituintes não soberanos - o autónomo, que diz respeito à aprovação de
constituições de estados federados (Bélgica e Brasil), o de soberania suspensa, no caso do Estado se
encontrar sob ocupação militar (tutela, que limita o modelo político a adotar); o heterónomo, que ocorre
quando as bases da constituição são ditadas por outros Estados ou organizações internacionais
(heteroconstituição ou internacionalização do poder constituinte); o hetero-regulado por Constituição
Antiga, quando há um forte peso de tradições constitucionais.

3.4. O poder constituinte soberano.


A. Fontes de legitimidade.
a) Sinopse histórica: O conceito de poder constituinte é algo recente, tendo emergido com o
movimento constitucionalismo liberal. De facto, no tempo anterior não havia ainda concepções doutrinarias
sobre a possível existência de um poder constituinte. Assim, é perceptível que a noção de poder constituinte
remonta ao início da Constituição Moderna. Inicialmente, depois de considerado doutrinariamente por
Sièyes, era considerado uma realidade suprema e permanente. Mais tarde, acabar-se-ia por perceber que o
poder constituinte, como realidade que estabelece a Constituição deveria dissipar-se quando esta entrasse
em vigor - vivendo nas normas que produziu. A questão seguinte seria, eventualmente, para onde migraria -
considera-se o mesmo num estado de limbo, que poderá voltar a ressurgir sempre que se criem condições
para tal. Em suma, é uma realidade fáctica, que pertence ao mundo do ser.
b) O poder constituinte como facto e fonte de criação de direito: O poder constituinte é uma
vontade política originaria, ilimitada, pré-jurídica mas criadora de Direito, que aprova a Lei Fundamental.
Quem o exerce é o Povo ou a Nação - como Schmitt enuncia, a nação é o sujeito do poder constituinte.
Efetivamente, a Constituição não é “outorgada” ou “promulgada” pelo povo - na verdade, é o Chefe do
Executivo ou o Monarca quem a aceita, com a devida legitimidade democrática.
B. Poder constituinte e poder de revisão constitucional.
a) A identidade constitucional e o fundamento da sua garantia.
b) Um poder subordinante e um poder constituído de aprovação de normas constitucionais: O
poder de revisão constitucional assume a posição de poder constituído, pelo que não faz sentido equipará-
lo ao seu criador - o poder constituído. O primeiro, subordinante, é o poder constituinte, que estabelece a
Constituição. O segundo, o poder constituído, permite a revisão da Constituição criada pelo poder
constituinte.

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C. Tipologia do Poder Constituinte.
a)Poder constituinte material: Consiste na faculdade de organizar em termos políticos um
Estado, tendo por base uma ideia determinada de Direito.
b)Poder constituinte formal: Consiste no procedimento adotado para a aprovação de uma
Constituição. Assim, a Constituição pode nascer de modelos democráticos, de género representativo,
através de assembleias constituintes (portuguesa de 76, brasileira de 88), e referendário, em que à
assembleia se segue um referendo; de modelos autocráticos, através de outorga do Monarca (portuguesa,
26), por decisão cesariana (brasileira de 37), por plebiscito sem competitividade (portuguesa de 33) ou por
força de modelo convencional (soviética de 18); ou misto, plebiscito com competitividade ou pacto.
c) Poder Constituinte Revolucionário e Poder Constituinte Ditado por uma transição política: O
primeiro respeita a momentos de revolução (um ato de força politico-militar, com o objetivo de substituir os
titulares dos poderes e instaurar uma nova ordem política), sendo o poder constituinte resultante deste
ambiente revolucionário. O segundo respeita a uma transição de uma ordem jurídico-constitucional para
outra, de acordo com a legalidade formal - um movimento politico que força a transição, ocorrendo uma
ruptura material com a Constituição. Este processo poderá ser autoprogramado ou não.
d) Poder Constituinte originário e derivado: Não fará sentido falar num poder constituinte
originário (criar inovadoramente uma Constituição) e num outro derivado (delegação do poder originário
noutro poder instituído). Neste sentido, fará sentido falar apenas numa natureza inicial e incondicionada,
que é a única fonte do poder constituinte.
D. A querela relativa à existência de hipotéticos limites jurídicos ao poder constituinte
soberano.
a) Autovinculação e heterovinculação: O Professor Jorge Miranda entende que existem quatro
limites ao poder constituinte, sendo eles limites iminentes, transcendentes e limites heterónimos. Os limites
transcendentes têm que ver com entendimentos jusnaturalistas, fundados no Direito Natural, que apontam
para uma concordância com princípios éticos fundamentais e supra-positivos. Os limites iminentes têm que
ver com a identidade fundamental de uma Constituição e de um Estado, que não devem ser tocados pelo
poder poder constituinte. Já os limites heterónimos, com os quais o Professor concorda, têm que ver com
limites externos, pelo que se teria de admitir um poder constituinte não soberano ou que se auto-limita.
b) Inaceitabilidade de limites jurídicos transcendentes e iminentes: Os limites iminentes e
transcendentes não são aceites pelo Professor. Os limites transcendentes, filhos do Direito Natural e de
uma ordem jurídica com base em princípios éticos supra-jurídicos, não só pressupõe a crença numa ordem
Divida (de onde proviria o próprio Direito, como também é incompatível com Estados laicos, como Portugal.
Quanto aos limites iminentes, estes transmitem a ideia de que o poder constituinte não pode colidir com
realidade políticas inseparáveis do Estado - a história é o melhor exemplo de como estes limites são meros
artifícios infundados, uma vez que já se verificara inúmeras situações que contradizem estes limites.
c) Os hipotéticos limites do direito internacional e supranacional: Embora seja considerado por
alguns autores a possibilidade do Direito Internacional Público ser limite ao poder constituintes, no
entendimento do Curso tal deverá ser excluído. De facto, o próprio estatuto que estas normas adquirem no
Direito português é infra-constitucional, chegando a estar ao novel do costume, o que significa que nunca
poderão constituir limite à Constituição. Com o Direito da União Europeia a problemática é a mesma: este
não constitui um limite à Constituição.
d) A ausência de juridicidade dos chamados limites estruturais: É certo que há limites culturais,
históricos, costumeiros, devido ao contexto em que o poder constituinte se insere, na medida em que é
sempre condicionado pela realidade onde se estabelece - ainda assim, não se pode reconhecer uma ordem
que não respeite estes princípios como inválida, assim como não podemos reconhecer a não observância
do valor de bem como um pressuposto de invalidade.
e) Normas constitucionais inconstitucionais e omissões constitucionais inconstitucionais do
poder constituinte?
f) Considerações finais - o poder constituinte soberano como um poder fundacional
juridicamente ilimitado mas politicamente condicionado por variáveis estruturais: De facto, conclui-se que o
poder constituinte é uma realidade que não dispõem de limites, ainda que se possa considerar que esses
limites tenham um eventual efeito na Constituição. Assim, o poder constituinte é um poder que funda uma
Constituição, observando a sociedade, a realidade onde se insere, acabando por ser eventualmente fruto
desta. Contudo, cabe ressaltar que a não observância da realidade vigente não condiciona a validade do
Direito, apenas a sua futura eficácia.
E. Considerações conclusivas sobre as realçais entre poder e norma: a precedência
originária do poder sobre a norma.

Secção III. Alterações Constitucionais.

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1. Conceito: transformações passíveis de afectar a Constituição e a ordem constitucional, que têm
como objetivo evitar a oxidação da Constituição, ou seja, a sua perda de eficiência. De facto, senão
existissem alterações constitucionais as constituições corriam o risco de, eventualmente, se tornarem
constituições nominais - desligadas da realidade vigente e sem eficácia.

2. Tipologia:
2.1. Derrogação constitucional superveniente.
a) Noção de derrogação constitucional: Também designada de auto-ruptura constitucional,
consiste numa exceção a um principio geral da constituição, que é permitida pela própria Lei fundamental.
b) Derrogações originárias e supervenientes: As derrogações poderão ser originarias, no caso de
essa exceção ser constante da Constituição originaria, do texto original. É o caso do artigo 292º, da CRP,
que confere valor constitucional a uma lei revolucionaria, que permite a incriminação retroativa dos ex-
agentes da PIDE-DGS e que por isso derroga o artigo 29º. As derrogações podem ainda ser
supervenientes, ou derivadas, se for introduzidas por uma revisão constitucional ou através da aprovação
de uma lei constitucional. É o caso da extensão do mandado do Presidente do Reich Alemão (República de
Weimar). Esta segunda modalidade de derrogação é uma espécie de revisão constitucional.
c) O caso da derrogação ao nº1 do artigo 29º da Constituição Portuguesa: No caso português há
uma derrogação constitucional originária ao artigo 29º, que impede a a incriminação retroativa. Essa
derrogação é imposta pela lei 8/75, de 25 de Julho, uma lei revolucionaria que permite a incriminação
retroativa dos ex-agentes da PIDE-DGS.

2.2. Transição Constitucional.


a) Noção: Ocorrem quando eclode um movimento político que, de acordo com a legalidade
formal, força uma alteração no regime vigente ou no sistema político, modificando assim materialmente a
Constituição. Assim, o poder constituinte nasce de uma ruptura pacífica que faz nascer um novo regime.
Poderá ocorrer, ainda, uma transição auto-programada - está programada constitucionalmente, podendo ter
uma origem autocrática ou democrática.
b) As transições constitucionais auto-programadas: o caso da Constituição espanhola de 1979:
A Constituição espanhola de 1979 consagrava um processo extraordinário que programava uma transição
constitucional.

2.3. Rupturas operadas por actos de força: golpe de Estado e a revolução.

2.4. As mutações informais da Constituição: alterações no sentido das normas da Constituição sem
afectação do texto.
A. Noção: as mutações informais consistem em alterações tácitas ou implícitas consistem numa
alteração do conteúdo das normas, sem que a letra seja alterada. Neste sentido, constitui um fenómeno,
situando-se à margem do poder formal de revisão constitucional - não há um procedimento formal simples
prescrito.
a) Fontes fácticas de formação espontânea: As várias fontes de formação espontânea são o
costume (praeter e contra levem, que ainda não são altamente reconhecidos, mas consideram-se mutações
informais), as práticas, as convenções constitucionais consolidadas (alteram o sistema político - as soft law)
e ainda desuso dos princípios e regras, que geram a ineficácia constitucional.
b) Fontes - acto: As fontes acto são geradas por instituições políticas que vão desaplicando e
derrogando normas constitucionais - por exemplo, temos o direito positivo da União Europeia e as decisões
políticas e administrativas.
c) Fontes jurisprudências de base interpretativa: Constituem as sentenças aditivas de revisão
constitucional e as construtivas, provenientes dos tribunais constitucionais, e ainda as decisões do tribunal
da justiça e da união europeia.

2.5. A revisão constitucional.


A. Noção: consiste numa mutação expressa e parcial da Constituição operada nos limites fixados
pelo poder constituinte, com respeito pelo seu núcleo identitário. Anteriormente, o poder da revisão
constitucional era um poder constituinte limitado pelo originário; contudo, esta noção entrou em desuso
devido à tipicidade do poder constituinte. Será de caracter expresso por ser um processo de produção de
normas de valor agravado e especial, com base no previsto na Constituição. Será parcial porque opera
modificações nas disposições normativas, sem alterar a substância da respetiva Constituição. Assim, não
não admissíveis outras formas de revisão (tácita, implícita).
B. Modalidades processuais de revisão: Há três modalidades processuais de revisão
constitucional - a representativa, a referendária e a mista. A representativa consiste numa deliberação

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parlamentar, sendo que este Parlamento é representativo da população. Dentro da modalidade
representativa, distingue-se a modalidade comum (consiste unicamente na faculdade de deliberar as
revisões), a revisão por Parlamento renovado (a iniciativa é aprovada no Parlamento em funções, que é
dissolvido e renovado, sendo o novo Parlamento a deliberar as alterações) e a revisão parlamentar sujeita
à ratificação de estados federados (ratificação de um número determinado de estados federados, daí ser
difícil a retificação). Pode, ainda, ser convocada uma assembleia especial para o efeito (assembleia ad hoc).
A modalidade referendaria já foi permitida em França e em Itália. A modalidade mista ocorre quando há uma
deliberação parlamentar seguida de referendo, que poderá ser obrigatório ou eventual.
C. Fundamentos: Há vários fundamentos que justificam a revisão constitucional. Entre cabe
referir a o objetivo de evitar que as Constituições se nomializem, ou seja, que se tornem constituições
nominais (sem eficácia). No fundo, consiste adaptar a Constituição às mutações sociais, evitando que se
oxide, contrastando com a ideia do poder constituição - a imortalidade constitucional. Para além deste, há
ainda que referir a garantia da longevidade das Constituições: foram criadas para durarem, ainda que
sofrendo alterações a nível de conteúdo. É importante manter a essência da constituição.
D. O Processo de revisão na Constituição de 1976: A Assembleia da República é o orgão
competente, que procede à revisão constitucional, havendo assim um modelo representativo simples de
revisão. O processo de revisão é da exclusiva competência dos deputados, sendo esta livre e sujeita a
alterações - no prazo dos 30 dias seguintes pode ser apresentados outros projetos, o que permite uma
ponderação global e um acumular de todas as iniciativas (artigo 285º, nº2). Durante a fase instrutória, na
Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, procura-se um consenso nos projetos, que serão
submetidos à votação no Plenário. Em seguida, na fase constitutiva, realiza-se um votação de
especialidade, ou seja, norma a norma, por maioria de dois terços dos deputados em efetividade de
funções. As alterações poderão, assim, assumir a forma de substituições, aditamentos ou supressões - a
aprovação final é desnecessária, no entanto tem sido mobilizada. A fase certificatória consiste no ato de
promulgação do PR (nº3, do artigo 286º), não sendo possível o veto - é um ato devido ou obrigatório. A Lei
da revisão não está sujeita a referenda ministerial. Contudo, reconhece-se que o PR pode recusar a
promulgação se faltarem pressupostos da Lei da Revisão (como a iniciativa dos deputados, as maiorias).
Por fim, a fase integrativa de eficácia consiste na publicação no Diário da República.
E. Limites à revisão constitucional na Lei Fundamental de 1976:
a) Limites temporais: As revisões constitucionais podem ser ordinárias e extraordinárias. As
ordinárias são admissíveis a cada 5 anos, segundo o artigo 284º, nº1. As extraordinárias não estão sujeitas
a este limite quinquénio temporal, pelo que poderão ser realizadas em qualquer momento. Contudo, esta
permissão das revisões extraordinárias exige uma maioria hiper-qualificada, de 4/5 (a nível da iniciativa). A
aprovação das deliberações faz-se conforme o 284º, nº3. Em contrapartida aos limites, surge um frenesim
constitucional, uma necessidade parlamentar (dos deputados) em proceder a alterações constitucionais
frequentemente (será, por isso, que a CRP contém varias revisões). Desde 2009, este frenesim tem
diminuído, devido à crescente conflitualidade política.
b) Limites formais: Os limites formais respeitam ao procedimento subjacente ao processo de
revisão constitucional, nomeadamente a iniciativa atribuída aos deputados (artigo 285, nº1) e a aprovação
das deliberações por maioria de dois terços dos deputados em efetividade de funções (artigo 286º, nº1). O
segundo pressuposto é de grande importância, exigindo um grande compromisso partidário entre os dois
grandes partidos ou um dos partidos maiores e vários menores.
c) Limites circunstanciais: Consiste em situações ou factos que, quando verificados, impedem
a execução de uma revisão constitucional, nomeadamente os estados de sítio ou de emergência. Uma vez
que durante estes períodos compete às autoridades militares a administração, não é admissível uma
revisão constitucional resultante de uma vontade condicionada e excepcional dos deputados (o processo
deverá ser inteiramente livre). Este limite poderá ter que ver com a origem da constituição: num momento de
estado de sítio. Contudo, cabe salientar que a promulgação do presidente, sendo um ato obrigatório ou
devido, é permitido durante este período, se a proposta for anterior - se assim não fosse, o PR poderia
agarrar a oportunidade da situação para não promulgar uma alteração à constituição com a qual
discordasse.
d) Limites materiais: Consistem em clausulas impostas pela própria constituição que impedem
alterações constitucionais a certas matérias consideradas qualificadas.
i) Funções dos limites materiais como cláusulas pétreas: Proteção de matarias
qualificadas contra alterações constitucionais, presentes no artigo 288º.
ii) A controlaria sobre os limites materiais na Constituição de 1976 e a sua atualidade
no contexto dos tratos constitutivos da União Europeia:
iii) Limites materiais simples e intangíveis: É admissível a alteração destes limites
segundo a tese da dupla revisão, que foi já mobilizado (proposto por Jorge Miranda, consiste num 1º
momento admitir a alteração do artigo 288º e, num 2º momento, alterar o conteúdo constitucional

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respeitante à matéria). Exemplo da mobilização ocorreu em 1989, a nível económico, com a alteração do
principio da apropriação coletiva.
iv) A identidade da Constituição: A identidade da Constituição estabelece os demais
limites à alteração constitucional. Há que ter em conta que não se podem alterar princípios identitários, que
correspondem ao núcleo essencial das constituições, na medida em que devidas alterações alteravam
profundamente a Constituição de 1976. Em França e em Itália admite-se limites à revisão constitucional,
ainda que esses limites não estejam materialmente expressos - faz parte da prática constitucional.

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SECÇÃO II. Sinopse sobre a história constitucional portuguesa.
1. As constituições de matriz liberal.
1.1 A Constituição de 1822: uma monarquia monista numa constituição nominal.
a)O acaso do Absolutismo: A monarquia absoluta foi retomada com a derrota militar francesa. A
situação estava, em acréscimo, fragilizada - o rei encontrava-se no Brasil (que tinha estatuto de Reino) e
Portugal encontrava-se sob as ordens de William Beresford, britânico. Instaurou-se, assim, um clima de
profunda insatisfação, que culminou em várias revoluções - falhadas, como a de Gomes Freire de Andrade,
e bem sucedidas, a de 1820. Marca-se, assim, a luta oficial contra o absolutismo, liderada por liberais, que
pretende criar pela primeira vez em Portugal uma Constituição. Ao falhar na criação da Junta Provisional do
Governo Supremo do Reino, que pretendia a entrada em vigor da Constituição de Cádis, determinou-se a
eleição (voto censitário) para as Cortes Extraordinárias Constituintes. Nasceu, pois, o constitucionalismo
moderno português.
b) Formas de exercício do poder constituinte: democrática representativa: O processo foi
constituído por dois momentos distintos - o juramento dos princípios base da Constituição e a aprovação do
documento final pelas Cortes.
c) Fontes: Constituição espanhola de Cádiz e Constituição francesa de 1791: Inspirada nas
constituições citadas, o documento de 1822 preservou o tradicionalismo, nomeadamente no regime
monárquico, na relação com a Igreja Católica, mas introduziu as correntes liberais e democrato-radicais,
que predominavam. Tratou-se, assim, de um compromisso entre as duas forças, à semelhança da
Constituição que nasceu da Revolução Francesa.
d) Sistemas de Governo.
i) Modelo: sistema monárquico representativo com divisão de poderes. Como disposto
no artigo 30º da referida Constituição.
ii) Orgãos e respetivas competências: Rei como chefe do Executivo; Cortes; tribunais.
O Rei é o chefe do Executivo, artigo 120º, mandando executar leis e demitindo e nomeando secretários de
Estado; dispunha, ainda, de veto suspensivo sobre as leis ordenarias aprovadas pelas Cortes (podiam ser
confirmadas por diploma). Não podia, contudo, demitir ou dissolver as cortes. As Cortes, o Parlamento,
eram constituídas por apenas uma câmara e eleitas por voto censitário e capacitário (artigos 34 e 35),
sendo também compostas por representantes do Brasil. Acabavam, pois, por ter competências legislativas e
políticas relevantes. Aos tribunais atribui-se o poder judicial, sendo os magistrados nomeados pelo Rei.
e) Controlo de Constitucionalidade, fiscalização política: A Constitucionalidade era garantida
pelas cortes, acabando por ser uma fiscalização política que seguia o modelo francês. Quanto à revisão, era
por parlamento renovado, sendo que passados 4 anos da vigência, deveriam ser deliberadas as propostas,
sendo então aprovadas por maioria qualificada pelas Cortes, que seriam posteriormente dissolvido, não
tendo o diploma de ser confirmado pelos deputados seguintes.
f) Uma Constituição efémera e nominal: A Constituição não vigorou durante um período muito
longo, até porque se revelava nominal - pouco adaptada à realidade. Agrava a situação as revoluções,
como a Vila Francada, liderada por D. Miguel, chefe dos comunistas. Esta revolução proporcionou a
dissolução das cortes e a revogação da Constituição, com a posterior elaboração de uma Carta
Constitucional. Assim regressou-se às leis tradicionais do Reino.
g) Direitos Fundamentais: Registam-se mais garantias que direitos, contudo note-se a
liberdade de culto de estrangeiros (muito restringida), a liberdade de expressão, a liberdade de ensino e a
igualdade perante a lei.

1.2. A Carta Constitucional de 1826: um regime monárquico dualista.


A. Contexto histórico-politico: D. Pedro (IV), imperador do Brasil, foi aclamado Rei depois da
morte do seu pai, D. João VI, tendo sido muito contestado pelos absolutistas, em razão de ter promovido a
separação de Portugal e do Brasil e de defender as ideias liberais. Assim, D. Pedro optou por um
compromisso entre liberais e absolutistas e abdicou do trono em favor da filha, D. Maria da Glória, que
quando completasse a maioridade se deveria casar com D. Miguel, que ficaria como regente até então.
a) Forma de exercício do poder constituinte: autocrática, mediante outorga do Rei: A forma de
exercício era autocrática e unilateral, abdicando o rei do seu poder absoluto, através da constituição, e
doando-a aos súbditos - recebe o nome de Carta Constitucional.
b) Fontes: Constituição brasileira de 1824 e Carta Constitucional francesa de 1814: O maior
peso foi da Constituição brasileira de 1824, contudo note-se um certo peso da Carta francesa de 1814
(criação da Câmara de Pares) e das teorias de Benjamin Constant (monarquias dualistas).
c) Sistema de Governo.
i) Modelo: monarquia dualista com poder moderador confiado ao Rei: O regime
espelha um compromisso entre absolutistas e liberais, tendo o Rei um papel moderador.

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ii) Orgãos e competências: O Rei como titular do poder moderador, o poder executivo,
as Cortes (Câmara dos deputados e Câmara dos Pares) e os tribunais: O Monarca, titular expresso do
poder moderador, ganhou assim um papel de peso dominante, podendo exercer formas de controlo inter-
orgânico sobre os restantes orgãos de poder (nomear e demitir ministros, nomear pares, sancionar ou vetar
leis, dissolver a Câmara de Deputados, suspender magistrados e conceder perdoes e amnistias).
Adicionalmente, o monarca era também chefe do Executivo, dispondo de largas faculdade (artigo 74º). As
Cortes exerciam o poder legislativo, sendo constituídas por Câmara dos Pares (nomeados pelo rei) e
Câmara dos Deputados (4 anos, eleitos); dispunham de faculdades política e deliberavam leis (intervinham
as duas câmara e o Monarca sancionava - veto absoluto). Aos juízes e jurados cabia o poder judicial,
independente.
d) Sistema de Revisão.
i)Por Parlamento renovado: As revisões eram atos adicionais, deliberados pelas Cortes e
sancionados pelo Rei.
ii)As diversas vigências da Carta: A Carta de 1826 teve três vida, ou seja, três vigências.
A primeira, entre julho (26) e maio de (28), terminou com a proclamação de D. Miguel como Rei, retornando
as Leis Fundamentais, que vigoraram durante a guerra civil entre liberais e absolutistas. A segunda iniciou-
se em 1834 (derrota de absolutistas, exílio de D. Miguel e entronização de D.Pedro) e terminou em 1836
(revolução de democrata-radicais dirigida pelo marechal Saldanha, pretendia repor a Constituição de 1822).
A última, mais longa, iniciou-se em 1842 e a revolução republicana de 1910, que derrubou a monarquia
(sofreu revisões durante este período).
iii) Vicissitudes - decretos ditatoriais e bills de indemnidade.
e) Controlo da Constitucionalidade: fiscalização política
f) A Constituição de maior longevidade: Teve três vidas, sendo por isso a de maior longevidade.
Para além disso, constitui um grande impulso para a prática constitucionalista em Portugal.
g) Direitos Fundamentais: Haveria um equilíbrio maior entre direitos e garantias, por
contraposição à Constituição de 1822. Alguns exemplos: liberdade religiosa, limitação da censura
eclesiástica, liberdade (circulação e empresa), sistema de ensino e de primeiros socorros gratuitos.

1.3. A Constituição de 1838: uma monarquia dualista mitigada e de vigência precária.


A. Contexto histórico-politico: Foi o resultado do compromisso entre cartistas e vintistas, na
sequência da entrada em vigor da Constituição de 1822, que precisaria de ser revista. Ora, entre 1834 e
1835, o governo é muitas vezes obstruído por radicais-democratas de Manuel da Silva Passos, o que gera
fortes tensões políticas. Nesta sequência, a rainha, em 36, dissolve a Câmara dos Deputados, seguindo-se
um golpe militar, conhecido como Revolução Setembrista. Os revolucionários passaram a governar em
ditadura e repuseram a Constituição de 1822 (vigência simbólica, já que as disposições remitiam à Carta
entretanto abolida, de 26). Segue-se a convocação de uma Assembleia Constituinte, da qual resulta da
Constituição de 1838.
a) Forma de exercício do poder constituinte: pactícia: Era pactícia porque consistia numa
concertação de vontade entre duas legitimidade (democrático-representativa - Cortes - e monárquica -
sanção real da Lei). Um processo típico dos regimes dualistas. Seria, assim, também um compromisso
entre duas fações liberais.
b) Modelo - monarquia dualista com reforço da componente parlamentar: O sistema de
Governo era parlamentar, devido à importância das Câmaras e era equilibrado pelo Rei.
c) Fontes - constituição de 1822, Carta Constitucional de 1826, Reforma orleanista de 1830,
Constituição belga de 1831 e Constituição espanhola de 1837.
d) Orgãos - o Rei como chefe do Executivo, as Câmaras (Câmara dos Deputados e Senado) e
os tribunais: Regressou-se, então, à tripartição dos poderes, acabando-se com o poder moderador do
monarca. A legitimidade do Rei fundava-se na soberania, sendo o titular do executivo (nomeava e demitia
ministros, dissolver a Câmara de Deputados, vetar as leis e conferir amnistias). Já o Parlamento era
bicameral (Senado e Câmara de Deputados). A Câmara dos Deputados era eleita por sufrágio direto,
restrito e censitário (mandato de 3 anos, sendo exigível uma renda x). Os senadores eram eleitos por
sufrágio direto, restrito e censitário (mandato de 6 anos), devendo o Senado renovar-se sempre que
houvessem eleições para a Câmara dos Deputados (também existia regime capacitário - ver artigo 77º).
Participavam as duas câmaras, ativamente, na votação das leis. O poder judicial, por último, pertencia aos
tribunais, compostos por juízes, jurados ou até mesmo juízes de paz.
e) Direitos Fundamentais: Foram acrescentados novos direitos e liberdades, mantendo-se uma
natureza utilitária.
f) Sistema de Revisão - por parlamento renovado: O sistema era o do parlamento renovado,
contudo não existia sanção real (artigo 139º).

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g) Controlo da constitucionalidade - fiscalização política: A Constitucionalidade era verificada
pelas Cortes e era política (artigo 37º).
h) Uma constituição politicamente esquizóide e de curta duração: A vigência foi perturbada,
deu-se entre 1838 e 1842, nunca tendo sido bem aceite pela elite política. Geraram-se, assim, três partidos:
o Cartista (fações liberais e conservadoras), o Setembrista (democratas-radicais) e Partido do Centro
(Marechal Saldanha). Em 1842, um golpe militar a partir do Porto, lidera um governo de ditadura e abole a
Constituição de 1836, impondo a terceira vigência a Carta, que se prolonga até 1910.

1.4. A Constituição de 1911: uma República parlamentar.


A.Contexto histórico-político: A crise do regime monárquico acentuou-se e sucessivas
revoluções aumentaram a instabilidade política. Culmina, assim, em 1910 (5 de Outubro) uma revolução
republicana, que termina a proclamar a República (o Rei parte para o exílio). A presidência é assumida por
Teófilo Braga, juntamente com um Governo Provisório, sendo então convocada uma Assembleia
Constituinte.
a)Forma de exercício do poder constituinte - convencional com restrição à representação
política: A forma de exercício do poder era autocrática convencional. O voto incidia apenas sobre candidatos
propostos pelo Partido Republicano (com algumas exceções); foram designados 91 deputados com pouca
experiência de governo. O resultado foi um compromisso político entre republicano, democratas-radicais,
jacobinos anti-clericais, liberais e socialistas utópicos.
b) Fontes - Constituição de 1822, Constituição de 1838, Constituição brasileira de 1891 e
Constituição Norte-Americana.
c) Orgãos e suas competências - o Presidente da Republica, o Ministério, o Congresso
(Câmara de Deputados e Senado) e os tribunais: A organização do poder político teve vários ciclos de vida.
i)Período 1911-1918: Inicialmente, o sistema era parlamentarismo de assembleia com um
Presidente (sem poderes). O sistema centrava-se no Parlamento, do qual dependia o ministério e o
Presidente, eleito pelo Congresso (mandato de 4 anos, não reeleito). As funções do PR eram meramente
simbólicas e representativas (nomear ministros após consulta dos partidos - não era livre). O presidente do
ministério era indigitado pelo PR, formava governo e, se bem sucedido, aprovava uma declaração
ministerial. O governo, por sua vez, só subsistia se obtivesse a confiança das suas Câmaras, pelo que em
minoria não era viável - existiram executivos muito frágeis, sendo o preponderante o democrata-radical de
Afonso Costa. O Congresso era bicameral (Câmara de Deputados, 3 anos), Senado, 6 anos); era eleito por
sufrágio direito e capacitário e era o titular do poder legislativo.
ii)Período 1917-1918 (consulado sidonista): Depois de um golpe de Estado dirigido por
Sidónio País, instaurou-se uma ditadura, que introduziu reformas à Constituição de 1911, que previu uma
transição para um constituição distinta no que toca ao sistema de governo. O presidente passou a ser eleito
por sufrágio universal e chefe do executivo. A constituição do congresso foi alterada e o Senado passou a
ser uma câmara travão (49 senadores). Emergiu, assim, um sistema presidencialista, que fez surgir
oposição democrática e que se desmoronou em 1918 depois do assassinato de Sidónio Pais - repôs-se a
velha Constituição.
iii)Período 1919-1926 (agonia do parlamentarismo): A Constituição de 1911 entrou
novamente em vigência, para reerguer um sistema caótico. Atribui-se, por conseguinte, competência ao PR
para dissolver as câmaras, dispensou-se referenda para a nomeação do Governo e delegou-se poderes
legislativos aos orgãos das possessões ultramarinas. Contudo, estas alterações não conseguiram evitar a
degradação do regime.
d) Direitos Fundamentais: Foram incorporados direitos do constitucionalismo liberal
monárquico, tendo por base uma filosofia republicana, igualitária e anti-católica. A igualdade passou a ser o
centro dos direitos. Foi também abolida a pena de morte, o direito ao não pagamento de impostos
inconstitucionais e a obrigatoriedade do ensino primário.
e) Sistema de Revisão - pelo Congresso de 10 em 10 anos (sem prejuízo de antecipação em 5
anos); duas vigências da Constituição e a reforma sionista de 1918:
f) Fiscalização da constitucionalidade: O controlo era difuso e nominalmente realizado pelos
tribunais.
g) Um acidentado estatuto de poder do republicanismo radical: A Constituição vigorou durante
16 anos, durante os quais se sucederam 8 PR e 44 Governos. Foi um período altamente instável política e
socialmente - com um republicanismo radical. Este sistema ingovernável acabou por ser ferrado em 1926,
por uma revolução militar de perfil autocrático.

2. As Constituições de Matriz Social.


2.1. A Constituição corporativa de 1933.

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A.Contexto histórico-político: Depois de derrubado o sistema republicano radical, vigorou até
1933 uma ditadura militar (a Ditadura Nacional). A base seria anti-parlamentar, anti-liberal e radicada em
monárquicos, sionistas, conservadores e católicos. No governo destacava-se António de Oliveira Salazar,
por ter equilibrado as contas e por ter tentado incorporar um ideário mais autoritário e nacionalista. Com a
aprovação da Constituição em 1933, inicia-se o Estado Novo.
a)Forma de exercício do poder constituinte - plebiscitária: O poder constituinte era exercido de
forma autocrática, sendo decidido em conselho e submetido a voto obrigatório e direto, contando as
abstenções e os votos em branco como votos a favor.
b)Modelo - um sistema de chanceler num regime corporativo autoritário: Seria um sistema de
chanceler devido ao facto do Governo ser dirigido por um Conselho de Ministros, o Chanceler,que dependia
da confiança política do Chefe de Estado. O Sistema assentava assim no binómio Chefe de Estado -
Presidente do Conselho de Ministros. O sistema progrediu como uma aliança entre as Forças Armadas e a
União Nacional, resultando um PR com poderes representativos e um Presidente do Conselho de Ministros
como um verdadeiro fulcro da autoridade do Estado.
c)Fontes - Carta Constitucional de 1826, Constituição de 1911, Constituição de Weimar, Leis do
Regime Fascista italiano e doutrina social da Igreja Católica: Retirou-se, as fontes, respetivamente, o poder
moderador do chefe de Estado, a eleição direta do PR e a separação da igreja e do Estado, os direitos
sociais, o sistema de chanceler e a criação da Câmara Corporativa.
d)Orgãos e competências - Presidente da República, Assembleia Nacional (e a Câmara
Corporativa), o Governo e os tribunais:
i) Presidente da República: O Presidente da República, eleito por sufrágio direto, tinha um
mandato de 7 com possível reeleição - ameaças levaram a uma revisão, em 1959, que instituia a eleição
por sufrágio indireto. O Chefe de Estado representava assim a Nação e dispunha de uma vasta gama de
poderes (nomeava e demitia os membros do Governo, dissolvia a Assembleia Nacional, conferia poderes
constituintes extraordinários, promulgava e vetava - muitos dos seus actos estariam, contudo, sujeitos a
referenda ministerial).
ii) Governo: Era formado pelo Presidente do Conselho e pelos ministros, secretários e
subsecretários de Estado. Dispunha de fortes poderes legislativos e regulamentares, sendo o órgão por
excelência da condução da política e superior da administração pública.
iii) Parlamento: Era composto por duas câmaras, uma política (Assembleia Nacional), e
uma auxiliar (Câmara Corporativa). A primeira, eleita por sufrágio direto (mandato de 4 anos) vigiava o
cumprimento da constituição, procedia a revisões constitucionais, acompanhava a atividade do Executivo e
exercia a função legislativa. A segunda representava interesses nacionais, tinha pouco peso politico, sendo
um órgão de consulta técnica do qual resultaram grandes contributos.
iv) Tribunais: Dispunham dos poderes jurisdicionais.
e) Direitos Fundamentais: Existiam direitos muito condicionados, contudo inseriu-se o direito à vida
e à integridade pessoal. Assim, defende-se a constituição como programática, que promulga grandes
direitos sociais.
f) Estatuto do ultramar português: A organização territorial sofreu alterações, com o Ato Colonial e
a revisão de 1971. Institui-se um modelo de Estado Unitário regionalizado, aumentando-se as competências
das assembleias legislativas dos territórios ultramarinos.
g) Sistema de Revisão - por plebiscito convocado pelo Presidente para conferir poderes
constitucionais à Assembleia Nacional; e pela Assembleia Nacional de 10 em 10 anos (com possibilidade de
antecipação em cinco).
h) Fiscalização da Constitucionalidade: sistema misto jurisdicional e politico (controlo da
constitucionalidade material das normas pelos tribunais e controlo da constitucionalidade orgânica e formal
dos actos promulgados pelos Presidente da Republica, pela Assembleia Nacional): A fiscalização tinha uma
componente jurisdicional e uma componente política. Aos tribunais atribuía-se a possibilidade de uma
fiscalização concreta, já a Assembleia Nacional dispunha de poderes de fiscalização relativos a atos do
presidente da republica.
i) O Estatuto sofisticado do autoritarismo corporativo: A Constituição teve uma vigência de quase
41 anos, sendo posteriormente derrubado pela Revolução de 25 de Abril de 1974.

2.2. A Constituição democratica-representativa de 1976.


A.Contexto histórico-político: O poder, inicialmente, foi assumido por uma Junta de Salvação
Nacional, que acabou inevitavelmente nas mãos dos militares - a revolução passaria a constituir, para além
de um golpe militar, uma transição (a nível material, constitucional). Apesar das grandes conquistas, é
certamente um período de grande instabilidade política e social. Ora, surge a necessidade de uma nova
constituição que responde às necessidades do país - convoca-se uma Assembleia Constituinte e os

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trabalhos começam a realizar-se. De inicio, persistia ainda um regime de forte pendor autocrático. Só em
1982, com a revisão constitucional, é que se atingiu uma democracia plena.
a)Forma de exercício do poder constituinte - democrática representativa com condicionamento
de opções políticas pelo poder militar: A forma de exercício era, certamente a democrática representativa,
resultante da deliberação de uma Assembleia Constituinte eleita por sufrágio universal. Contudo, importa
referir os inúmeros constrangimentos operados por militares (pressão, coacção) que condicionaram o
pluralismo que deveria existir em ambiente democrático.
i)O período da ditadura militar ou período revolucionário (1974-1975): As normas que
operavam neste período resultaram da Constituição de 1933 e de leis constitucionais propostas pelo poder
militar. A mais importante foi, então, a lei que constitucionalizou o Movimento das Forças Armadas, que
formou a primeira ideia de direito - de um novo poder constituinte que formaria uma nova constituição
material (com novas bases).
ii)A influência dos constrangimentos do regime militar e das plataformas de
entendimento (“Pactos”) entre o Movimento das Forças Armadas e os partidos políticos na génese
da Constituição: Após a primeira lei que constitucionalizava o MFA, surgiram novas leis respeitantes aos
Pactos MFA/Partidos, nos quais se impunha aos partidos acordos sobre as novas linhas da Constituição
(impuseram-se ultimatos que impediam a recusa). De facto, esta situação condicionou a liberdade que havia
tanto sido aclamada.
iii)O pretorianismo arbitral no período de transição para a democracia plena
(1976-1982): Mais tarde, com a Revolução de 25 de Novembro e com a derrota da bancada militar radical,
atinge-se finalmente a plena democracia em Portugal, com novas linhas constitucionais, graças a uma
revisão constitucional.
b) Modelo - um sistema semipresidencialista: Um sistema semipresidencialista de geometria
variável - o pendor mostra-se variável e o resultado da conjuntura política do momento.
c) Fontes - Constituição de 1911, Constituição de 1933, Pactos MFA-Partidos, Constituição
francesa de 1958, Lei Fundamental de Bona, Constituição Jugoslava e outras experiências de Estados
socialistas: A nível externo, foi influenciada pela Constituição francesa de 1958 (semipresidencialismo),
italiana de 1947 (organização territorial) e alemã de 1949 (direitos fundamentais). Importa referir,
igualmente, algumas constituições de países comunistas e de regimes revolucionários (Africa norte e
America latina).
d) Orgãos: Tribunais, Assembleia da Republica, Presidente da República e Governo (orgãos de
soberania e constitucionais).
e) Sistema de fiscalização: A fiscalização é operada pelo Tribunal Constitucional, criado em
1982, que procede à fiscalização concreta e abstrata.
f) A ordenação sistemática do conteúdo da Constituição de 1976.
g) Direitos Fundamentais: É uma constituição programática de caracter prolixo, devido às
tarefas que a Constituição incumbe o Estado a nível cultural, social, económica e ambiental, e, ainda,
devido à vastidão de liberdades e garantias prometidos.
h) Vigência: A Constituição vigora desde 1976, tendo já sofrido revisões ordinárias (1982, 1989,
1997 e 2004) e extraordinárias (1991, 2001 e 2005). As mais relevantes são a 1º (1982 - transição para a
plena democracia, criação do TC e extinção do Conselho de Revolução) e a 2º (1989 - alterou o regime
económico misto, para uma economia social de mercado). As de 1991, 2001 e 2004 tiveram grande
relevância no âmbito da entrada de Portugal na União Europeia e no plano internacional.31

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