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Introdução ao Estudo do Direito II Leonor Branco Jaleco

Introdução ao Estudo do Direito II

13- Construção do Sistema Jurídico

Sistema Jurídico

Um sistema é um conjunto de elementos que constituem um todo organizado e consistente que “se mantém
idêntico num meio ambiente extremamente complexo, mutável, não totalmente dominável e que realiza, em
relação ao meio ambiente, uma “redução da complexidade”.

Qualquer sistema tem de se diferenciar do meio ambiente, tem que ter determinados elementos que o
constituem e tem de ter uma certa consistência/coerência, isto é, os seus elementos têm de estar conectados,
interligados.

Tudo isto se aplica ao sistema jurídico, que tem como elementos princípios e regras. O sistema jurídico
diferencia-se dos outros sistemas através dos critérios de validade que ele próprio fornece. Por exemplo, uma
lei moral não pertence ao sistema jurídico.

O sistema jurídico é então um sistema coerente de princípios e regras jurídicas.

Naturalmente, as leis que já não vigoram, já não pertencem ao sistema jurídico.

Contudo, o conjunto dos princípios e das regras aplicáveis num sistema é mais amplo do que o conjunto dos
princípios e regras que pertencem a esse sistema. Ou seja, atendendo às regras relativas à aplicação da lei no
tempo e no espaço, num sistema podem ser aplicadas quer leis que já deixaram de vigorar nesse sistema, quer
leis que pertencem a sistemas jurídicos estrangeiros. Por exemplo, a validade de um contrato é apreciada
segundo a lei vigente no momento da sua celebração, mesmo que esta já se encontre revogada (12º/2 1ª
parte CC).

A propósito da interpretação da lei, os critérios que a lei manda entender para a interpretação da lei é
chamada a unidade do sistema jurídico. Quanto à integração de lacunas, a lei afirma que há que considerar o
“espírito do sistema” (10º/3 CC).

◊ Formação de um Sistema Jurídico

Para que os princípios e as regras integrem o sistema jurídico é necessário que este sistema já exista; mas para
que haja sistema é necessário que existam princípios e regras.

Este paradoxo pode ser resolvido através de uma visão evolutiva do sistema jurídico: os sistemas jurídicos,
obviamente, não nascem do nada, nascem de uma regra de produção que cria o sistema ao qual vão pertencer
todos os princípios e regras que forem aceites pelo próprio sistema (normalmente a regra de produção é
desempenhada por uma Constituição). Apesar disto, há uma certa continuidade; mesmo quando há ruturas
significativas, aquilo que vem do passado permanece válido no novo sistema, o chamado fenómeno de
receção. Exemplo: quando entrou em vigor a Constituição de 1976, o sistema jurídico sofreu uma alteração,
mas não se pode dizer que tenha nascido um novo sistema jurídico, houve sim uma evolução; aquilo que se
compatibilizava com a nova Constituição, permaneceu, como por exemplo o Código Civil. O que se alterou foi,
por exemplo, regras de validade.

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◊ Elementos do Sistema

→ Princípios- 3 espécies:
- Princípios Programáticos- aqueles que definem determinados objetivos/fins a atingir, fixam
metas ideais que se procuram atingir, nos quais sucessivamente nos tentamos aproximar.
Definem um programa, mas não mais do que isso; não chegam para justificar uma decisão.
Exemplo: construção da sociedade livre, justa e solidária a que se refere o artigo 1º CRP; a
realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia
participativa referidos no artigo 2º CRP.

- Princípios Formais- grandes princípios orientadores, mais concretos; realizam uma finção
constitutiva e regulativa. Destinam-se a otimizar a efetividade do direito na sociedade. São estes
3 valores fundamentais: justiça (através de um sistema jurídico justo e equitativo), confiança
(requer que o sistema jurídico transmita previsibilidade) e eficiência (exige que o sistema jurídico
procure obter os melhores resultados com o menor gasto possível). Em que medida deve um
sistema jurídico consagrar estes 3 valores? Na maior medida possível de cada um deles, mas
temos de ver as coisas de forma integrada, porque a maior justiça pode traduzir-se na maior falta
de confiança e esta pode traduzir-se na maior injustiça. Estes dois valores são, portanto,
antagónicos entre si. Por exemplo, o princípio da não retroatividade da lei nova: de acordo com
a confiança, o passado é o que foi, não se toca nele, o futuro será regulado pela lei nova. Contudo,
imaginemos que estamos no âmbito da proteção dos consumidores e a lei nova reforça a
proteção dos consumidores; ora, quem celebrou o contrato ontem tem menos proteção que os
que celebraram hoje. Não será mais justo que os que celebraram o contrato ontem tenham a
mesma proteção que o consumidor que celebrou hoje? De acordo com a justiça sim.

- Princípios Materiais- concretização dos valores fundamentais acima enunciados, realizam uma
função regulativa. Por exemplo, quando falamos de justiça pensamos no princípio de igualdade,
da proporcionalidade; quando falamos em confiança, pensamos no princípio da não
retroatividade da lei nova e no princípio de que a ignorância da lei não justifica a sua violação
(artigo 6º CC); quando falamos em eficiência, pensamos no princípio de que não devem ser
utilizados mais do que os meios necessários a atingir os fins. Também aqui podemos encontrar
princípios materiais de 2 tipos:
~ Princípios materiais de vertente absoluta, não admitem nenhuma exceção segundo outro
princípio formal.
~ Princípios materiais que podem sofrer restrições (relativos)- exemplo: princípio da autonomia
privada que concretiza o princípio formal da eficiência, mas admite exceções com base no
princípio da justiça ou da confiança.

Quanto à distinção entre princípios e regras, há quem diga (por exemplo, Dworkin) que os princípios podem
ser aplicados e concretizados em diferentes medidas mas que as regras jurídicas ou são aplicáveis ou não são
aplicáveis.

Este critério do “tudo ou nada” será válido? Por exemplo, o princípio da não discriminação é um princípio que
não comporta nenhuma possibilidade de aplicação apenas em parte, aplica-se na sua totalidade. Portanto,
não é verdade que o critério do “tudo ou nada” seja específico às regras jurídicas.

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Também há quem diga (Dworkin e Alexy) que enquanto os princípios, se forem conflituantes (por exemplo, o
princípio da liberdade de expressão e o da tutela da vida privada), um deles prevalece sobre o outro mas sem
pôr em causa a validade dos dois princípios, não se anulam reciprocamente; mas quanto às regras, não se
pode dizer o mesmo: se há duas regras conflituantes, uma é válida e outra inválida (por exemplo, a de
hierarquia superior é válida e a de hierarquia inferior que é incompatível é inválida).

→ Críticas: pode haver duas regras incompatíveis que vigorem ao mesmo tempo, desde que haja
possibilidade de as compatibilizar; exemplo: pode tornar-se uma regra especial e outra regra excecional.
Daqui conclui-se que nem todos os princípios e nem todas as regras fornecem razões conclusivas, pois
também há princípios e regras que são superados por outros princípios ou por outras regras.

O critério de distinção entre princípios e regras é um critério valorativo ou axiológico. Os princípios são mais
importantes que as regras; as regras ou comungam da mesma valoração dos princípios ou são neutras em
termos valorativos. Os princípios jurídicos referem-se a valores estruturantes do ordenamento jurídico
destinados a otimizar a efetividade do direito na sociedade segundo critérios de justiça, de confiança e de
eficiência; as regras jurídicas são concretizações daqueles mesmos valores ou são, em alguns casos,
valorativamente neutras.

Relativamente à hierarquia, conclui-se que os princípios têm a hierarquia normativa das regras que os
consagram ou das regras dos quais eles são inferidos. É pelo grau hierárquico atribuído pelo legislador ao
princípio que se descobre a sua hierarquia axiológica.

→ Elementos Inferidos:

Elementos Implícitos

O grau de abstração dos princípios não facilita a sua consagração explícita. Daqui resulta que, muito
frequentemente, os princípios só podem ser inferidos de concretizações, necessariamente parcelares, em
regras jurídicas; ou seja, os princípios estão, no geral, implícitos no ordenamento jurídico e nós devemos inferi-
los através das regras que são as suas concretizações.

Por exemplo, haverá alguma regra jurídica que consagre o princípio da justiça, da confiança e da eficiência?
NÃO. Não há nenhuma regra ou fonte com este conteúdo; contudo, podemos inferir estes princípios materiais
e formais.

Se houver que resolver um caso que não coincida com a concretização legalmente prevista, o caso não previsto
deverá ser regulado pelo mesmo princípio subjacente àquela concretização. Por exemplo, o art. 227º/1 CC
estabelece que as partes de uma negociação contratual devem atuar de boa fé, pelo que o mesmo princípio
deve valer para quem realiza uma promessa pública (art. 459º/1 CC). Conclui-se assim que a concretização
legal de um princípio se estende a todas as demais possíveis concretizações do mesmo princípio.

Elementos Derivados

Qualquer princípio ou regra que possa ser inferido daqueles que estão consagrados é também um elemento
do sistema jurídico, vigorando neste como um elemento derivado. Por exemplo, da regra que estabelece a
obrigatoriedade de frequentar a escolaridade mínima infere-se a permissão (e o direito) de frequentar essa
escolaridade.

Por vezes, a regra derivada decorre da conjugação de duas ou maus regras explicitamente formuladas. Por
exemplo, da conjugação da regra “as crianças têm direito à escolaridade gratuita” com a regra “as crianças

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estrangeiras residentes em Portugal têm os mesmos direitos das crianças nacionais” decorre a regra segundo
a qual as crianças estrangeiras que residam em Portugal têm direito à escolaridade gratuita.

Os elementos derivados também podem ser inferidos com base em argumentos jurídicos. Por exemplo, de
uma regra que estabelece “as crianças têm direito a ser vacinadas gratuitamente” (regra explícita) deduz-se,
através de um argumento a contrario, que os adultos não têm aquele direito (regra derivada).

Autonomia do Sistema:

Para que o sistema jurídico seja autónomo, é necessário que ele comporte princípios e regras cuja validade
seja aferida por ele próprio.

Algumas orientações fazem assentar a validade do sistema jurídico numa única regra, diferente de todas as
demais. Há duas versões desta regra de validade:

✓ Norma fundamental de Kelsen;


✓ Regra de reconhecimento de Hart.

Antes de se colocar o problema da validade do sistema, põe-se a questão da sua autonomia: como sabemos
se um sistema é autónomo ou não autónomo? Através de um exercício teórico que é o seguinte: um sistema
é autónomo quando houver uma regra de seleção do próprio sistema que seleciona o que pertence ao sistema
e o que não cabe no mesmo.

Se um sistema não for autónomo, a regra de seleção não consta do mesmo sistema. Exemplo: o sistema
jurídico português não é totalmente autónomo, pois este subordina-se à legislação europeu. Por exemplo, a
legislação europeia sobre a proteção dos consumidores; um legislador português pode regular a matéria da
proteção dos consumidores como entender? NÃO.

Uma norma nacional que não respeite o direito europeu é inválida. A regra de seleção não está no sistema
jurídico português, mas sim no sistema europeu.

Concluindo, tudo depende de onde reside a regra de seleção; isso ditará se o sistema é autónomo ou não.

A regra de seleção tem como função primordial identificar o que pertence a um sistema normativo: essa
função permite “encaixar” uma regra jurídica num determinado sistema. Esta função desdobra-se num aspeto
positivo- ou de inclusão, refere-se à identificação do que pertence ao sistema jurídico- e num aspeto negativo-
ou de exclusão, respeita à identificação do que é excluído desse sistema.

Outra função é a de assegurar a identidade do sistema jurídico. Enquanto a regra de seleção continuar a ser
aplicável e enquanto só for considerado válido o que for aceite por essa regra, o sistema permanece
inalterado, pese embora a criação e a extinção quotidiana de regras que nele ocorre. Ou seja, o sistema só se
altera quando for considerado válido o que não puder ser tido como válido segundo a regra de seleção. Neste
caso, a regra de seleção deixa de vigorar e é substituída por outra regra.

Artigo 203º CRP- os tribunais apenas estão sujeitos à lei. Quererá isto dizer que os tribunais não estão sujeitos
à ordem moral ou que não estão sujeitos à ordem do trato social? SIM. O que pertence a outros
ordenamentos, que não o jurídico, terá outras regras de seleção. A regra constante deste artigo pressupõe
que há uma regra de seleção que determina o que vale como direito no sistema jurídico português.

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Funcionamento do Sistema

→ Construção do Sistema:

Os sistemas sociais são autopoiéticos, isto é, constroem-se a si próprios e, por isso, são autorreferenciais. O
sistema jurídico também é autopoiético pois produz-se, mantém-se e reproduz-se a si próprio. O que é direito
só pode ser determinado em referência ao próprio direito.

O caráter autopoiético do sistema jurídico é uma consequência da regra de seleção que determina o que
pertence e o que não pertence a esse sistema.

As relações de prevalência e de subordinação entre sistemas jurídicos implicam que apenas sejam válidas as
regras do sistema subordinado que forem aceites pelo sistema subordinante. Por isso, o sistema subordinado
não só não é autónomo, como também não é autopoiético.

→ Consistência do Sistema:

O sistema normativo tem de ser um conjunto consistente de princípios e regras jurídicas, o que implica não só
que não pode aplicar regras ou fontes contraditórias ou incompatíveis entre si, mas também que os princípios
e as regras têm de ser consistentes com os princípios e as regras que constituem as suas fontes de produção.

Assim, um sistema jurídico é consistente quando qualquer obrigação pode ser cumprida sem violar nenhuma
outra e quando qualquer permissão pode ser gozada sem violar nenhuma obrigação.

Pode acontecer, ainda que muito raramente, que haja um conflito normativo quando um mesmo caso é
subsumível a duas regras que geram consequências incompatíveis. Isto acontece raramente porque antes de
sabermos se temos um conflito normativo, temos de ter a certeza de que não há nenhuma forma de resolver
esse conflito, ou seja, quando não for possível revogar ou invalidar uma das regras conflituantes ou
transformar uma das regras conflituantes em regra especial ou excecional da outra. Por exemplo, se houver
um conflito entre um decreto e uma portaria, o decreto, por ser de hierarquia superior, revoga a portaria e,
assim, deixa de haver conflito.

Só temos conflito quando não conseguimos resolver através do critério de vigência, através do critério de
validade ou ao nível do âmbito de aplicação daquelas regras.

É o que acontece, por exemplo, quando as regras conflituantes pertencem ao mesmo diploma legal e ambas
possuem o mesmo campo de aplicação geral ou específico. Nesta hipótese, pode entender-se que se está
perante um conflito irresolúvel, conducente a uma “lacuna de colisão”. Mas essa solução (produzir a lacuna e
depois integrá-la) não é a mais adequada: o mais adequado é invalidar apenas uma das regras conflituantes.

Para o fazer, é necessário resolver o conflito através de uma ponderação de interesses, dando-se preferência,
de entre as regras conflituantes, à regra que proteger os interesses mais relevantes. Por exemplo, a regra R1
permite a realização da conduta p e a regra R2 proíbe a realização dessa mesma conduta; o conflito é resolvido
mediante a ponderação dos interesses protegidos através da realização ou da não realização da conduta p.
Aqui, o intérprete será orientado pelo espírito do sistema na escolha da regra que deve prevalecer (art. 10º/3
CC).

→ Abertura do Sistema

Apesar de os sistemas sociais serem autopoiéticos, não são sistemas fechados em relação ao seu meio
ambiente. O que decorre daquele caráter autopoiético é que “o significado do meio ambiente para um sistema
resulta do sistema e não do meio ambiente”.

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O sistema jurídico é igualmente aberto, pois comunica com outros sistemas, normativos (como a moral) ou
não normativos (como a política ou a economia). O sistema jurídico muitas vezes recebe conceitos próprios
de outros sistemas, sendo muito frequente o recurso a conceitos indeterminados cuja valoração exige a
consideração de critérios específicos daqueles sistemas.

Os conceitos indeterminados (como boa fé, diligência, bons costumes) levam a uma flexibilidade do sistema
jurídico, pois é necessário que estes conceitos sejam adaptados a situações concretas do sistema jurídico.
Quando flexibilizamos o sistema, importamos problemas para o mesmo.

14- Situações Subjetivas

Situações subjetivas- estatuição das regras relativas a uma conduta ou a um poder. A categoria desta situação
depende do objeto da regra e do sentido do operador deôntico, pois ela é diferente consoante a regra tenha
por objeto uma conduta ou um poder e depende do caráter de obrigação, proibição ou permissão daquele
operador.

Por exemplo, quando se fala nos poderes da AR não pensamos na conduta dos deputados, dos ministros;
estamos a abstrair-nos da esfera das condutas e a focar-nos nos poderes.

→ Conduta

Se o operador deôntico for um comando ou uma proibição, a situação jurídica constituída é um dever (de ação
ou omissão).

Se o operador deôntico for uma permissão, a situação jurídica constituída é um direito.

(ver esquema página 268)

→ Poder

Quando falamos de poderes ou de regras relativas a estes, não é correto falar em direitos; uma regra
premissiva relativamente a poderes atribui uma competência, uma faculdade- ex: direitos potestativos; uma
regra proibitiva relativamente a poderes atribui uma sujeição, uma não faculdade- ex: 877º/1 CC.

(ver esquema página 269)

A propósito dos direitos, é necessário distinguir entre direitos relativos e direitos absolutos:

a) Direitos Relativos- direitos correlativos de deveres; ex: direito do credor. O direito do credor a receber
a prestação é correlativo do direito do devedor a cumprir essa mesma prestação. Não pode haver um
sem outro.
b) Direitos Absolutos- direitos que implicam deveres; ex: direito de propriedade. Implica a proibição de
determinados atos por aqueles que não são proprietários. Implica para os não proprietários
determinados deveres (como o de respeitar a propriedade do outro); há uma relação de implicação.

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→ Lógica da Ação

Refere-se às opções de conduta (ação ou omissão) que, num certo momento, se abrem a um agente.

Os agentes podem confrontar-se como conflitos normativos, ou seja, regras contraditórias sobre direitos ou
deveres: pode suceder que uma regra atribua um direito ou imponha um dever e que uma outra regra negue
esse direito ou contrarie esse dever.

Pode acontecer também que se confrontem com situações de conflito de situações subjetivas: que sejam
atribuídos vários direitos a sujeitos, mas esses direitos não possam ser gozados todos ao mesmo tempo ou
todos na mesma medida. Ou pode acontecer que sejam atribuídos vários deveres a um sujeito e este não
tenha condições para os cumprir a todos.

É isto que origina a colisão de direitos e a colisão de deveres. Atente-se que isto não é uma incoerência do
ordenamento jurídico, é apenas uma colisão de direitos ou de deveres- é uma incoerência pragmática. É no
aspeto do gozo e do não cumprimento que se verifica que afinal nem todos os sujeitos podem gozar os seus
direitos e nem todos os sujeitos podem cumprir todos os seus deveres.

Como se atua nestas situações?

Por exemplo, os docentes têm o dever de dar aulas. Mas, em caso de necessidade, têm o dever de dar
assistência a familiares próximos. Pode suceder que a assistência que deve ser prestada deva ser no momento
em que o docente tem também obrigação de dar aula- conflito de deveres.

Também pode suceder, no caso dos conflitos de direitos, por exemplo, conflitos entre direitos fundamentais
de diferentes sujeitos, como o direito fundamental de um à liberdade de expressão e o direito fundamental
do outro ao bom nome.

As situações que iremos estudar são as situações paradigmáticas- aquelas em que, quanto aos direitos, a
colisão se verifica entre vários titulares de direitos e quanto aos deveres, quando uma única pessoa tem
deveres que colidem uns com os outros num determinado momento.

Colisão de Direitos

Temos que considerar que esses direitos que vários sujeitos têm podem ser homogéneos- os vários sujeitos
têm direitos da mesma espécie- ou heterogóneos- os vários sujeitos têm direitos diferentes.

Direitos heterogéneos- direito ao bom nome e direito à liberdade de expressão.

Direitos homogéneos- ex: todos os condóminos são titulares do direito de utilizar as partes comuns do imóvel
(1420º/1 e 1406º/1 CC) e todos os credores têm o direito a penhorar o património do devedor (601ºCC).

→ Solução: em alguns casos, resulta da lei a solução para resolver estes conflitos. Uma situação é que, da
própria lei, nasce uma hierarquia entre os direitos e deveres. Outra situação é a que resulta do critério
temporal. Em matéria de registo, por exemplo, o primeiro registo prevalece sobre o segundo registo.

Nos casos em que não há solução específica dada pela lei, deveremos tentar hierarquizar as situações
subjetivas entre si através de um critério de ponderação.

O artigo 335ºCC procura resolver os casos de colisão de direitos. Os critérios que nos fornece são:

2. Se os direitos forem desiguais, ou seja, heterogéneos, prevalece o que deva considerar-se superior.
Por exemplo, direito ao bom nome vs direito à liberdade de expressão. O direito que deve prevalecer

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será o direito ao bom nome; a liberdade de expressão termina quando deva ser salvaguardado o
direito ao bom nome de alguém.
1. Se os direitos forem iguais, ou seja, homogéneos, os titulares devem ceder na medida do necessário
para que todos produzam igualmente o seu efeito. Por exemplo, artigo 60(?) declara-se o devedor
insolvente quando o crédito sobre o devedor for maior que o património do devedor

Colisão de Deveres

Também podem haver situações em que os deveres são homogéneos ou heterogéneos

Deveres Heterogéneos- dever de dar aula e dever de prestar assistência a familiares próximos em caso de
necessidade.

Deveres Homogéneos- médico deve dar assistência a várias pessoas ao mesmo tempo e não conseguirá fazê-
lo, por isso tem de fazer escolhas.

→ Solução
Se os deveres forem heterogéneos, cumpre-se aquele que se considera hierarquicamente superior.
Se os deveres forem homogéneos, é necessário uma ponderação.

Valor Prima Facie:

A ponderação de interesses subjacentes à resolução da colisão de direitos e do conflito de deveres mostra que
nenhuma situação subjetiva pode ser considerada absoluta: há sempre que contar que um direito possa obstar
ao gozo de outro direito e que um dever possa justificar o não cumprimento de outro dever. Neste sentido,
as situações subjetivas valem apenas prima facie, visto que nas situações de colisão ou conflito podem ser
postergadas por outras situações subjetivas prevalecentes.

15- Aplicação da Lei no Tempo

Quando ocorre o início de vigência da lei nova (LN) verifica-se a revogação da lei antiga (LA)- art. 7º/2 CC. Isto
permite assegurar a consistência do sistema, pois evita que vigorem duas leis sobre a mesma matéria.
Contudo, não resolve todos os problemas relativos à lei aplicável, pois há situações jurídicas que se
constituíram na vigência da LA e que transitam para a vigência da LN.

Uma solução possível para resolver o problema da sucessão de leis no tempo é entender que as situações
jurídicas constituídas antes do início de vigência da LN continuam a ser regidas pela LA. Isto leva-nos a concluir
que o tempo de aplicabilidade das fontes nem sempre coincide com o seu tempo de vigência.

A LN pode referir-se a factos jurídicos (acontecimentos que ocorreram num determinado momento e num
determinado lugar). Estes podem ser:

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◊ Factos instantâneos- de verificação instantânea. Ex: a celebração de um negócio jurídico; a morte de


uma pessoa.
◊ Factos duradouros ou situações de facto- que perduram no tempo. Ex: a doença prolongada que
justifica a aposentação do funcionário.

A LN pode também referir-se a efeitos jurídicos, com duas modalidades:

◊ Efeitos instantâneos- consequências momentâneas de factos jurídicos. Ex: o efeito translativo do


contrato de compra e venda (879º/a) CC).
◊ Situações jurídicas- consequências duradouras de factos jurídicos. Ex: relações patrimoniais entre os
cônjuges.

Na resolução dos problemas relativos à aplicação da lei no tempo, há que escolher entre um interesse na
estabilidade- continuar a aplicar a LA- e um interesse na adaptação- adapta-se a situação à LN.

A resolução dos conflitos de leis no tempo orienta-se pelos princípios da não retraotividade da LN e da
aplicação imediata da LN.

• Não retroatividade da LN- reflexo do interesse na estabilidade e emanação do princípio da confiança,


dado que assegura que factos passados e efeitos já produzidos não são abrangidos pela LN.
• Aplicação imediata da LN- interesse na adaptação e constitui uma exigência do Estado de direito e do
caráter tendencialmente abstrato e genérico das regras jurídicas. Ou seja, aplica-se a todos os factos
futuros que ocorram durante a sua vigência, a todos os efeitos futuros, a todos os factos jurídicos que
se tenham iniciado na vigência da LA e que ainda estejam em curso no início de vigência da LN e a
todas as situações jurídicas que se tenham constituído na vigência da LA e que não se tenham
extinguido antes da vigência da LN.

Artigo 12º CC- 2 partes, ambas também com 2 partes:

1- 1ª parte: a lei só dispõe para o futuro. A lei aplica-se necessariamente a qualquer situação que surja
no âmbito da vigência da lei nova.
2ª parte: retroatividade. A lei nova aplica-se retroativamente.
2- 1ª parte: aplicação imediata da lei nova.

→ Direito Transitório:

São precisas 2 soluções globais:

1) Direito Transitório Material- O legislador estabelece uma regra específica para a lei antiga e para a lei
nova; regulamenta esta transição; institui um regime que não coincide nem com o da LA nem com o
da LN. Um exemplo é o decreto lei que aprovou o Código Civil.
2) Direito Transitório Formal- Não institui nenhum regime transitório; comporta um regime especial e
um regime geral- 297º CC. O legislador vai escolher, entre a lei antiga e a lei nova, qual será aquela a
aplicar, querendo dizer que o direito transitório formal é constituído por regras de conflito.

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Podem surgir outras situações:

Sobrevigência da Lei Antiga- quando a situação x continua a ser regulada pela lei antiga- art. 12º/2 1ª parte
CC. Verifica-se sempre que a LN se refira às condições de validade de um ato jurídico ou ao conteúdo de
situações jurídicas que não possam abstrair do seu título constitutivo.

Ex: a LA admitia a celebração de um determinado negócio jurídico por forma verbal; a LN passa a exigir a forma
escrita na celebração desse negócio; os negócios que foram verbalmente celebrados durante a vigência da LA
permanecem válidos.

Retroconexão da Lei Nova- vamos ao passado para regular o futuro. Decorre do preenchimento da previsão
da LN com factos passados ou efeitos já produzidos. Por exemplo, a faculdade instituía um prémio a atribuir
agora aos melhores alunos do ano letivo anterior.

O que temos nos artigos 12º e 13º do CC? Exemplo do direito transitório- direito que regula a transição da lei
antiga para a lei nova.

Decorre do preenchimento da LN com factos passados ou efeitos já produzidos. A retroconexão não conduz a
nenhuma alteração do passado, mas à definição do presente em função de factos ou efeitos do passado.

A retroconexão pode ser total ou parcial.

i. Total- quando o facto ou o efeito que serve de previsão da LN já se verificou totalmente no


passado. Exemplo- a LN encurta o prazo da separação de facto que permite requerer o divórcio
de seis meses para um ano (1781º/a)); a aplicação da LN a um prazo que já se encontra preenchido
no momento do início da sua vigência implica a retroconexão total dessa LN.
ii. Parcial- quando a previsão da LN engloba quer factos que ocorreram ou efeitos que se produziram
na vigência da LA, quer factos ou efeitos que se verificaram na vigência da LN. Exemplo- a conduta
que desencadou o dano na saúde do lesado foi praticada durante a vigência da LA, mas este dano
só se revelou na vigência da LN; a aplicação desta LN ao direito de reparação do lesado implica
uma retroconexão parcial daquela LN.

→ Limites à Retroconexão:

Alguns limites da retroatividade são extensíveis à retroconexão. Por exemplo:

o A proibição da aplicação retroativa da lei penal implica igualmente a impossibilidade de uma LN


extrair, para o futuro, quaisquer consequências penais de uma conduta que era lícita quando foi
praticada;
o A proibição da retroatividade das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias determina a
impossibilidade de uma LN retirar quaisquer consequências do exercício lícito de um direito ou do
gozo legítimo de uma liberdade ou garantia;
o A necessidade de a lei retroativa respeitar o caso julgado impede que uma LN o ignore para o
futuro.

Retroatividade da Lei Nova- a LN é retroativa quando se aplica a factos já ocorridos ou a efeitos já produzidos
antes da sua entrada em vigor. Por exemplo, a LN que determina o montante da indemnização (E1) que é
devido pela prática de um facto ilícito anterior à sua vigência (F1) é uma lei retroativa.

A LN também é retroativa quando produz um efeito jurídico ou extingue um efeito jurídico produzido com
base num título modelador anterior à sua vigência. Como, quando o título modela os efeitos, a regra é a

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sobrevigência da LA (art. 12º/2 1ª parte CC), a produção de novos efeitos ou a extinção de efeitos já produzidos
só podem ser obtidas através da retroatividade da LN. Por exemplo, o contrato celebrado pelas partes (F2)
tinha produzido apenas um efeito jurídico (E2); a LN que extrair um outro efeito jurídico (E3) do mesmo
contrato (F2) é uma lei retroativa.

O princípio é o da não retroatividade da LN (art. 12º/1 1ª parte CC), mas este princípio comporta duas
exceções:

1) A LN pode ter eficácia retroativa (art. 12º/1 2ª parte CC);


2) A lei interpretativa tem, em regra, caráter retroativo (art. 13º/1 CC).

→ Limites à Retroatividade

Justificam-se sempre que haja que salvaguardar interesses que não devam ser atingidos poe um regime
jurídico retroativo.

Na CRP encontram-se as seguintes limitações:

o As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias não podem ter efeito retroativo- art. 18º/3 CRP;
o A lei penal incriminatória não pode ser retroativa- art. 19º/6 CRP-, dado que ninguém pode ser
sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a sua ação ou
omissão- art. 29º/1 CRP;
o A lei que cria impostos não pode ser retroativa- art. 103º/3 CRP.

→ Lei Interpretativa

Aquela que realiza a interpretação autêntica de um ato normativo , o que pressupõe o caráter interpretativo
(não inovatório) daquela lei. O art. 13º/1 CC estabelece que a lei interpretativa se integra na lei interpretada,
ou seja, ficciona-se que o significado estabelecido pela lei interpretativa coincide com o único significado que
a lei interpretada sempre comportou. É por isso que a lei interpretativa é retroativa.

Nos casos em que esteja constitucionalmente excluída a retroatividade, não pode haver lei interpretativa
retroativa; por isso, uma lei restritiva de direitos, liberdades e garantias só pode ser objeto de uma lei
interpretativa sem eficácia retroativa (art. 18º/3 CRP).

(ver alínea b da página 290)

A lei pode ser qualificada pelo legislador como interpretativa e vir a verificar-se que tem um conteúdo
inovador. Neste caso, a lei é falsamente interpretativa mas, salvo em situações de inconstitucionalidade, deve
ser-lhe atribuída a retroatividade estabelecida no art. 13º/1 CC.

(ver retroatividade in mitius na página 291)

Pode haver vários graus de retroatividade: um confronto entre o disposto no art. 12º/1 2ª parte CC e o
estabelecido no art. 13º/1 CC mostra que o art. 12º/1 2ª parte CC presume que ficam ressalvados da eficácia
retroativa da LN todos os efeitos já produzidos pelos factos por ela abrangidos; em contrapartida, o art. 13º/1
CC só ressalva da eficácia retroativa da lei interpretativa alguns efeitos (aqueles que decorram do
cumprimento de obrigações, de sentenças transitadas em julgado e de transações e casos análogos). A
retroativa prevista no art. 12º/1 2ª parte CC é menos ampla do que a retroatividade estabelecida no art. 13º/1
CC.

11
Introdução ao Estudo do Direito II Leonor Branco Jaleco

Até onde pode ir a retroatividade da LN?

A resposta é dada pelo disposto na CRP sobre os efeitos da declaração da inconstitucionalidade ou ilegalidade
de uma norma com força obrigatória geral pelo TC. Esta declaração produz efeitos desde a entrada em vigor
da norma declarada inconstitucional ou ilegal (282º/1 CRP) mas, em geral, ficam ressalvados dos efeitos dessa
declaração os casos julgados (282º/3 1ª parte CRP), isto é, as decisões transitadas em julgado que foram
proferidas com base na norma que o TC declarou inconstitucional ou ilegal. Os casos julgados só não ficam
ressalvados da declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade se estiverem preenchidas duas
condições:

a) Se a norma declarada inconstitucional ou ilegal que esteve na base da decisão transitada em julgado
respeitar a matéria penal, disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social;
b) Se essa mesma norma tiver um conteúdo menos favorável ao autor do ato do que a norma posterior
que regule a mesma matéria- 282º/3 2ª parte CRP.

Assim, são admissíveis os seguintes graus de retroatividade:

❖ A retroatividade ordinária é a que respeita todos os efeitos já produzidos antes da entrada em vigor
da LN- art. 12º/1 2ª parte CC;
❖ A retroatividade agravada é a que respeita determinados efeitos produzidos antes da vigência da LN,
mas que atinge outros efeitos igualmente já produzidos antes desse momento- art. 13º/1 CC;
❖ A retroatividade quase extrema é a que só respeita o caso julgado obtido antes da vigência da LN. Esta
retroatividade é, em regra, a mais forte que é admissível no ordenamento jurídico português;
❖ A retroatividade extrema é a que nem sequer respeita o caso julgado anterior à vigência da LN. Esta
retroatividade tem caráter excecional, só sendo admissível em matéria sancionatória e se a LN for
mais favorável ao agente.

Critério Supletivo Geral

O art. 297º estabelece uma regra especial para a sucessão de leis sobre prazos. O regime legal varia consoante
a LN estabeleça um prazo mais curto ou mais longo.

→ Aplicação do Regime

Se a LN estabelecer um prazo mais curto que o da LA, a LN é imediatamente aplicável aos prazos que já
estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da LN, a não ser que, segundo a LA,
falta menos tempo para o prazo se completar- 297º/1 CC. Por exemplo, a LA estabelecia um prazo de 5 anos
e a LN define um prazo de 2 anos; nesta situação, só são possíveis as seguintes hipóteses:

i. Quando a LN entra em vigor faltam 3 anos para se completar o prazo de 5 anos estabelecido pela
LA: o prazo passa a ser o prazo de 2 anos fixado pela LN, mas ele só se conta a partir do início da
vigência da LN;
ii. Quando a LN inicia a sua vigência falta 1 ano para se completar o prazo de 5 anos determinado
pela LA: como o tempo que falta (1 ano) é menor que o prazo fixado pela LN (2 anos), o prazo
completa-se quando decorrer 1 ano.

Este regime traduz-se numa sobrevigência da LA e é justificado pela necessidade de evitar que um
encurtamento do prazo se viesse a traduzir, afinal, num aumento desse mesmo prazo.

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Introdução ao Estudo do Direito II Leonor Branco Jaleco

Se a LN fixar um prazo mais longo do que aquele que era definido pela LA, a LN é imediatamente aplicável aos
prazos em curso, mas computar-se-á neles todo o tempo decorrido desde o seu momento inicial- 297º/2 CC.
Esta solução coincide com a aplicação imediata da LN estabelecida no art. 12º/1 1ª parte CC.

→ Campo de Aplicação

O art. 297º/3 CC determina que as regras relativas à sucessão de leis sobre prazos são igualmente aplicáveis,
na medida do possível, aos prazos fixados pelos tribunais ou por qualquer outra autoridade.

O disposto no art. 297º/1 e 2 CC é aplicável a todos os prazos que sejam fixados por uma LN? NÃO. Este artigo
não é aplicável quando os prazos tenham sido definidos pelas partes ou quando estas não tenham estipulado
quaisquer prazos e tenham aceite os prazos legais supletivos, por exemplo, 453º/1 CC.

Relativamente à aplicação do regime estabelecido no art. 297º CC aos prazos legais, há que considerar duas
situações:

1ª- se a LN aumentar o prazo que consta da LA, aplica-se sempre o disposto no art. 297º/2 CC que, ao consagrar
uma hipótese de retroconexão parcial, coincide com a regra da aplicação imediata da LN que se encontra
estabelecida no art. 12º/1 1ª parte CC.

2ª- se a LN encurtar o prazo que está determinado pela LA, importa distinguir duas hipóteses:

a) Se a aplicação imediata do prazo mais curto criar um desequilíbrio entre as partes, no sentido de que
uma delas é beneficiada em detrimento da outra, o disposto no art. 297º/1 CC acautela
suficientemente os interesses de todas as partes. Por exemplo, o decurso do prazo de usucapião
faculta ao possuidor do direito de propriedade ou de um outro direito real de gozo a aquisição deste
direito (1287º CC); a aplicação imediata de um prazo mais curto de usucapião traduz-se num prejuízo
efetivo do (ainda) proprietário ou titular do direito real, pelo que há que aplicar o artigo 297º/1 CC.
b) Se a aplicação imediata do prazo mais curto n ão originar nenhum desequilíbrio entre as partes, a
solução é a aplicação imediata da LN de acordo com o disposto no artigo 12º/1 1ª parte CC, não
havendo qualquer necessidade de aplicar o artigo 297º/1 CC. Por exemplo, a LN encurta o prazo de
separação de facto que é necessária para requerer o divórcio ou a conversão da separação em
divórcio; como qualquer dos cônjuges pode requerer o divórcio ou a conversão da separação em
divórcio, a mera aplicação imediata da LN segundo o disposto no artigo 12º/1 1ª parte CC não
prejudica nenhum deles.

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Introdução ao Estudo do Direito II Leonor Branco Jaleco

Elementos de Metodologia do Direito

→ Inferência da Regra Jurídica

Linguagem e Direito

Não há direito sem linguagem e fora da linguagem, dado que um sujeito só pode realizar, por princípio, realizar
os atos cuja intenção ele pode descrever.

A linguagem possui uma dimensão extensional, conceptual ou classificatória e uma dimensão intensional
tipológica ou ordenatória. Esta dualidade parte da distinção entre a extensão e a intensão.

A extensão de um conceito é determinada pela realidade extralinguística a que ele se refere, isto é, pela sua
referência;

A intensão de um conceito é o seu sentido, ou seja, é o que ele exprime ou o seu valor informativo.

Compreender um conceito é sempre compreender a sua intensão; segundo a tese da prioridade semântica,
só após ter compreendido a intensão de um conceito é possível determinar a sua referência, isto é, a realidade
a que se refere.

Pode afirmar-se que a dimensão classificatória tem expressão nos conceitos jurídicos e que a dimensão
ordenatória se reflete nos tipos legais.

Conceitos Determinados

Conceitos determinados ou descritivos são aqueles que possuem uma extensão determinada. Por exemplo:
os conceitos de pessoa ou de livro são conceitos determinados, porque não há nada que possa ser qualificado
como “mais ou menos pessoa” ou como “mais ou menos livro”.

Os conceitos determinados podem ser:

 Normativos- próprios de uma ordem normativa e, nomeadamente, da ordem jurídica. Englobam os


conceitos que só significam algo no âmbito de uma ordem normativa, por exemplo o conceito de ato
jurídico, divórcio, facto jurídico, etc. Aqui cabem também aqueles conceitos que têm uma aceção
extrajurídica mas que, para o direito, só podem ser considerados no seu sentido jurídico; é o que
sucede com os conceitos de domicílio (82º/1 CC), ilicitude (483º/1 CC) ou lei (112º/1 CRP).
 Empíricos- próprios de uma realidade não normativa, como os conceitos de águas (1385º CC), barrotes
(1373º/1 CC) ou dano (562º CC).

Conceitos Indeterminados

Conceitos indeterminados são conceitos de extensão variável, ou seja, são conceitos vagos. Comportam um
núcleo e um halo ou uma zona iluminada e uma zona de penumbra: “um núcleo de significado certo é rodeado
por um halo de significado que se dissipa gradualmente”.

O conceito indeterminado está preenchido não só quando a situação concreta se inclua no seu núcleo, mas
também quando essa situação ainda possa ser incluída no halo ou na penumbra desse conceito. Um juízo
sobre um conceito indeterminado pode então conduzir a um de três resultados:

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Introdução ao Estudo do Direito II Leonor Branco Jaleco

a) O conceito indeterminado é indiscutivelmente aplicável, porque a situação concreta se integra no


núcleo do conceito. Por exemplo- a conduta respeita ou viola claramente a boa fé ou é notoriamente
grave.
b) O conceito indeterminado é manifestamente não aplicável, porque a situação concreta está para além
do que pode ser abrangido pelo seu halo. Por exemplo- o comportamento do trabalhador foi
irrepreensível, pelo que não lhe pode ser imputada nenhuma violação grave e culposa dos seus
deveres profissionais.
c) O conceito indeterminado não é nem manifestamente aplicável, nem claramente não aplicável,
porque, sendo certo que a situação concreta não cabe no núcleo do conceito, não é no entanto certo
que ela não possa ser abrangida pelo seu halo. Por exemplo- a alteração das circunstâncias que
ocorreu depois da conclusão do contrato não é manifestamente inesperada, mas também não pode
ser considerada completamente previsível.

Os casos mais difíceis são aqueles em que a situação concreta exige do intérprete a determinação de uma
fronteira entre o que ainda é abrangido pelo halo do conceito indeterminado e aquilo que já está para além
desse halo. O que torna os conceitos indeterminados problemáticos é a circunstância de poderem ser
concretizados em diferentes medidas e de, portanto, ser fluida a fronteira entre o seu preenchimento e o seu
não preenchimento.

Os conceitos indeterminados só podem ser compreendidos e aplicados através de uma concretização pela
qual se ajuíza o que neles é integrável e o que deles está excluído.

Tipos Legais

“Tipo” designa um arquétipo ou algo de paradigmático, de exemplar ou de modelar.

Pode distinguir-se entre:

 Tipo médio ou tipo de frequência- descreve o que se verifica com maior frequência, o que acontece
normalmente ou que é mais comum. É neste sentido que se fala, por exemplo, de aluno médio, de
temperatura média ou de usos típicos do comércio.
 Tipo constitutivo ou de totalidade- descreve uma realidade de acordo com os seus traços
característicos, os seus elementos essenciais ou as suas notas distintivas. É neste sentido que se fala
de típica culinária portuguesa, de uma casa típica de uma região ou de um automóvel tipo todo-o-
terreno e, na linguagem jurídica, de um tipo contratual, de um tipo de regime de bens do casamento
ou de tipos de sociedades comerciais.

→ Redução Tipológica

Classificação vs Ordenação

A diferenciação entre o conceito e o tipo (constitutivo) pode ser traçada da seguinte forma:

O conceito tem uma função classificatória, pois procura distinguir realidades; o tipo tem uma função
ordenatória, pois visa ordenar realidades de acordo com as suas características ou qualidades. É por esta razão
que se pode afirmar que o tipo é “fluido” e que através de uma deslocação do peso, da variação de um
elemento, ele transforma-se num outro tipo, que se pode sustentar que os tipos representam sempre
ilustrações ou manifestações de um conceito e que se pode concluir que um tipo não pode ser definido, mas

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Introdução ao Estudo do Direito II Leonor Branco Jaleco

apenas descrito. Assim, o conceito é sempre (mais ou menos) abstrato, enquanto o tipo é sempre (mais ou
menos) concreto.

Conceito vs Tipo

A diferença acima tratada permite demarcar a distinção entre o conceito e o tipo através dos seguintes
aspetos:

i. O conceito é “fechado”, no sentido de que exige a verificação de todos os seus elementos


constitutivos; no conceito, tudo é essencial. Por exemplo, um carro todo-o-terreno possui
determinadas características típicas (desenho, robustez, potência), tem certas características
acessórias (cor, pneu sobresselente colocado no exterior ou no interior) e pode ter algumas
características atípicas (aceleração rápida, mudanças automáticas), no entanto, estas características
acessórias ou atípicas não impedem que o carro continue a ser classificado como um carro todo-o-
terreno
ii. O tipo é “vago” ou “poroso”, no sentido de que está preenchido ainda que esses elementos se
verifiquem em diferentes configurações ou ainda que esses elementos se combinem com elementos
acessórios ou mesmo com elementos atípicos. Num mesmo tipo pode conjugar-se algo que é
essencial, algo que é acessório e algo que é atípico. Por exemplo, um contrato de compra e venda
produz certos efeitos típicos, enunciados no art. 879º CC; todo o negócio que produza esses efeitos é
um contrato de compra e venda, ainda que a transmissão da propriedade da coisa tenha uma
finalidade fiduciária, a obrigação de entregar a coisa só se vença três meses depois da conclusão do
contrato ou o pagamento do preço seja realizado em prestações ou mesmo que a eficácia do negócio
fique condicionada ao casamento de uma das partes.

Uma mesma expressão linguística pode ser vista como um conceito e como um tipo. Por exemplo, o conceito
de automóvel é compatível com diferentes tipos de automóveis (como os automóveis de passageiros, os
autocarros, os camiões, etc) e o conceito de sociedade comercial pode concretizar-se em diferentes tipos de
sociedades comerciais (como as sociedades por quotas e as sociedades anónimas).

Na linguagem quotidiana, o tipo é muito mais relevante que o conceito; a linguagem do quotidiano é
fundamentalmente uma linguagem tipológica. Por exemplo, quando se distingue entre aulas teóricas e aulas
práticas, tem-se presente dois diferentes tipos de aulas; quando se encomenda no restaurante um certo prato,
utiliza-se o conhecimento que se tem do respetivo tipo.

No caso da linguagem jurídica, cabe ao legislador escolher entre uma dimensão conceptual ou classificatória
e uma dimensão tipológica ou ordenatória. A escolha frequente desta dimensão tipológica sucede porque,
mais do que proceder à delimitação de conceitos e ao enunciado de classificações, o legislador procura
normalmente fornecer o enquadramento jurídico de certas matérias e para isso não é necessário (nem
conveniente) ir além da descrição dos elementos típicos do facto ou da situação que integra a previsão da
regra jurídica.

É por isso que a previsão das regras relativas a condutas ou ao exercício de poderes é, quase sempre,
constituída por tipos. Por exemplo, o disposto no art. 483º/1 CC, para determinar se a atuação do agente foi
dolosa ou culposa, ilícita e danosa, é exigido ao intérprete, não que construa o conceito de dolo, culpa, ilicitude
e dano, mas que averigúe se está preenchido o tipo de dolo, de culpa, de ilicitude e de dano.

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Introdução ao Estudo do Direito II Leonor Branco Jaleco

Atribui-se às definições legais o mesmo caráter tipológico, pois estas são descrições dos elementos típicos de
certos conceitos. Por exemplo, o art. 82º/1 CC define o domicílio como o lugar da residência habitual da
pessoa; este definição elege a residência habitual como elemento essencial para descrever o domicílio,
abstraindo de quaisquer outros elementos para essa definição (como, por exemplo, a arazão pela qual a
pessoa fixou a sua residência habitual em determinado lugar).

A prevalência do tipo sobre o conceito mostra-se, com particular ênfase, no âmbito dos conceitos
indeterminados. A indeterminação destes conceitos é quanto aos casos que eles abrangem, pelo que esses
conceitos são afinal tipos. O mesmo pode ser dito dos conceitos determinados que são empregados numa
dimensão tipológica. Por exemplo, perante a regra que estabelece que nenhum veículo pode entrar num
parque, é indiscutível que a regra abrange um automóvel, um autocarro ou um motociclo, mas já não é seguro
que o mesmo deva suceder quanto a um trator corta-relva; assim, o conceito determinado “veículo” também
se torna indeterminado se for usado numa dimensão tipológica.

→ Divisio e Partitio

A divisio consiste na divisão da extensão de um conceito, ou seja, na divisão de um género nas suas espécies;
é por isso que cada parte resultante da divisio contém, além de características próprias, todas as características
do conceito dividido; é própria da dimensão conceptual da linguagem e de um sistema fechado. Se um
conceito descrever uma realidade com as características a, b, e c, só podem ser considerados espécie desse
conceito aqueles que, além de características específicas, comunguem igualmente das características a, b, e
c. É por isso que cada um dos membros resultantes da divisio tem necessariamente todas as características do
respetivo género.

A partitio consiste na decomposição de um conceito nas suas notas características; é por isso que nenhum
membro resultante da partitio contém todas as características do conceito; é própria da dimensão tipológica
da linguagem e de um sistema aberto. Se um conceito comportar as características x, y e z, isso permite
relacionar o conceito repartido com todos os conceitos que, além das suas características próprias, possuam
a característica x, y, e z. É por isso que os membros provenientes da partitio podem não ter- e normalmente
não têm- todas as características do respetivo género.

A importância da distinção entre divisio e partitio resulta da circunstância de que ela acompanha a diferença
entre o conceito e o tipo. A divisio é a divisão de um conceito mais extenso (género) em todos os conceitos
menos extensos (espécies) que aquele comporta. Por exemplo, a divisão do facto jurídico em ato jurídico e
facto jurídico stricto sensu esgota a extensão do conceito de facto jurídico, no sentido de que todo o facto
jurídico ou é um ato jurídico ou é um facto jurídico stricto sensu.

A partitio é a decomposição de um conceito nos seus elementos característicos. É por isso que esta constitui
a primeira operação que é necessária para passar do conceito para o tipo. Por exemplo, o contrato de compra
e venda é um contrato oneroso (característica x) pelo qual se transmite a propriedade de um bem
(característica y)- 874º CC; sendo assim:

a) O contrato de compra e venda pertence ao tipo dos contratos onerosos, ou seja, ao tipo dos contratos
que apresentem a característica x; ele comunga dessa qualificação com, por exemplo, o contrato de
locação- 1022º CC.
b) O contrato de compra e venda pertence ao tipo dos contratos pelos quais se transmite a propriedade
de um bem, isto é, ao tipo de contratos que apresentam a característica y; ele possui essa
característica em comum com, por exemplo, o contrato de doação- 940º CC.

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Introdução ao Estudo do Direito II Leonor Branco Jaleco

Assim, a partitio está na origem da construção do tipo, pois, para construir um tipo é necessário:

1º Decompor, através da partitio, o conceito nos seus elementos típicos;


2º Conjugar cada um desses elementos com elementos semelhantes de outros conceitos.

→ Hermenêutica e Direito

Hermenêutica normativa designa uma orientação cuja permissa essencial é a de que não há significados, mas
antes atribuições de significados com base em certas regras. Esta hermenêutica resulta quer do caráter prático
da interpretação e da sua ligação com o caso, quer da posição de que “o significado de uma palavra é o seu
uso na linguagem” e de que compreender uma regra é saber aplicá-la. O significado do que se afirma
explicitamente depende do que está implícito numa prática social.

Interpretar uma fonte é determinar o seu significado. A interpretação permite passar da fonte para a regra,
pelo que a questão que se coloca é a de saber como se pode inferir a regra da fonte- essa inferência só é
possível através da determinação dos casos, reais ou hipotéticos, a que a fonte for aplicável: se a fonte F é
aplicável aos casos C1, C2 e C3, então a regra que ela contém é aquela que regula os casos C1, C2 e C3.

A regra é o significado prático da fonte, pelo que a interpretação de uma fonte pressupõe a sua aplicação. O
que está fora do campo de aplicação da fonte está igualmente fora do resultado da sua interpretação. Por
exemplo, interpretar um costume é conhecer a praxis que lhe corresponde, pois que não há nenhum costume
fora dessa praxis ou diferente dela.

A interpretação não visa traduzir um enunciado linguístico (a fonte) num outro enunciado linguístico (a regra).
A interpretação da fonte termina quando se obtém a regra que é o seu significado prático.

Relevância da Pré-Compreensão

A hermenêutica normativa aceita o papel da pré-compreensão. Toda a compreensão tem como pressuposto
uma pré-compreensão, pois, sem se formar um pré-juízo sobre o que se pretende compreender, nada é
possível compreender. Assim, antes de compreender algo, é necessário saber não só o que se quer
compreender, mas também como se quer compreender.

Hermenêutica Jurídica

A interpretação jurídica é a atividade através da qual se compreende uma fonte do direito. Pode afirmar-se
que o texto da lei é a fonte e que a regra é o que o intérprete extrai desse texto; quando alguém abre um
código, vê fontes e não regras.

Interpretar é uma atividade de mediação pela qual o intérprete compreende o sentido de um texto que se lhe
tinha deparado como problemático- a interpretação não é um ato, mas um processo: o intéprete vai
interpretando a fonte até conseguir inferir a regra.

A interpretação de uma fonte não visa determinar um qualquer significado, mas apenas o seu significado
prático, ou seja, um significado que possa constituir um elemento de um raciocínio prático. O que se procura
é um conhecimento que possa fornecer a razão para uma ação ou omissão.

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Introdução ao Estudo do Direito II Leonor Branco Jaleco

A tarefa da interpretação é a da concretização da lei em cada caso, é portanto a tarefa da aplicação. Para
extrair a regra da fonte, é sempre necessário conhecer os casos a que aquela fonte é aplicável.

 A fonte não contém nenhum significado em si mesma, o seu significado é aquele que lhe é dado pelo
intérprete. Por exemplo: a lei segundo a qual “É proibida a entrada de veículos no parque” significa
que é proibido circular de automóvel, mas não quer dizer que seja proibido circular com uma cadeira
de rodas elétrica; mas o significado da fonte é diferente se houver um aciente no parque e seja
necessário evacuar um ferido com recurso a uma ambulância.
 Entre a fonte e a regra só se interpõem os casos: a fonte é o modo de revelação da regra e esta revela-
se através da aplicação da fonte a casos. Interpretar uma fonte é sempre qualificar o caso a que ela se
refere como jurídico, pelo que a interpretação e a qualificação são realidades correlativas entre si.
Assim, os casos a que a fonte é aplicável são determinados antes da construção da regra.
 O conhecimento prático que resulta da interpretação da fonte, ou seja, o conhecimento do que se
pode fazer com a fonte antecede o conhecimento teórico, isto é, o conhecimento do que a fonte
prescreve, pois só é possível saber o que a fonte prescreve conhecendo os casos a que ela é aplicável.

A hermenêutica jurídica não pode dispensar um método na interpretação das fontes do direito. Na
interpretação de uma fonte, o intéprete procura inferir qual a regra que se contém nessa fonte, pelo que é
possível concluir que a interpretação jurídica nunca é um fim em si mesmo, mas antes está ao serviço da
aplicação do direito; a hermenêutica jurídica é aplicativa e nunca apenas reconstrutiva. Nenhuma fonte
assegura, ela mesma, a correção da sua interpretação: essa correção só pode ser avaliada em função de
elementos estranhos à fonte interpretada. Assim, é necessário recorrer a regras na interpretação das fontes
do direito.

A vinculação do intérprete à lei também não pode deixar de exigir um caráter normativo à interpretação: a
vinculação à lei abrange necessariamente uma vinculação ao método da sua interpretação. A vinculação à lei
encontra-se constitucionalmente estabelecida em relação aos juízes e aos tribunais- 203º CRP – mas vale para
qualquer intérprete do direito.

→ Função da Subsunção

A subsunção deve ser entendida como o juízo que permite determinar os casos abrangidos pela fonte e que
possibilita inferir a regra da fonte. Assim, quando se chega à regra, já se passou pela subsunção, pelo que esta
não é um elemento da aplicação da regra, mas antes um elemento da construção da regra aplicável.

A subsunção implica uma comparação entre o facto concreto e o tipo legal utilizado na lei. Ou seja, a
subsunção é analógica ou tipológica, o que está em sintonia com o caráter analógico ou tipológico da
linguagem das fontes do direito. Assim, por exemplo: ao conceito determinado de “veículos” utilizado nos
arts. 503º e 506º, são subsumíveis coisas algo distintas como automóveis, tratores e motociclos, porque todas
elas cabem no tipo de veículos.

A subsunção não é uma atividade lógica ou conceptual, é antes um juízo valorativo que utiliza como critério a
analogia, dado que a comparação entre a realidade que se procura subsumir e o tipo a que se refere a fonte
exige um raciocínio analógico. Assim, a situação da vida que se procura subsumir à fonte tem de ser
compreendida na sua tipicidade.

O que há que fazer quando se procura subsumir um facto a uma lei é comparar este facto com os factos a que
a lei é indubitavelmente aplicável. Se o facto for análogo aos factos aos quais a lei é aplicável, então aquele
facto é subsumível à lei.

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Introdução ao Estudo do Direito II Leonor Branco Jaleco

O entendimento de que a subsunção é a comparação de um caso concreto com um caso concreto, permite
concluir que a interpretação de uma fonte é uma atividade de concretização dessa fonte. Por exemplo: a
previsão legal refere-se aos casos C1..Cn; a subsunção do caso C2 a essa previsão legal é um modo de
concretização dessa mesma previsão.

A interpretação da lei é, assim, uma atividade inversa à da sua produção: enquanto a interpretação exige a
verificação de se o caso C1 é regulado pela lei e é orientada pela concretização, a produção de uma lei exige
que o legislador preveja não apenas o caso C1, mas todos os casos C1..Cn, pelo que é guiada pela abstração.

→ Interpretação Jurídica

A interpretação jurídica só pode ser realizada por quem adote um ponto de vista interno ao sistema em que
se insere a fonte a interpretar.

As dificuldades da interpretação não surgem, normalmente, quanto ao significado deôntico da fonte. Onde as
dificuldades interpretativas da fonte normalmente surgem é na previsão: o que pode ser duvidoso é a que
casos é que a fonte é aplicável.

De acordo com esta constatação, a lei pode ser decomposta, para efeitos de interpretação, num elemento
com significado determinado- estatuição - e num elemento com significado indeterminado- previsão da lei. O
significado que deve ser atribuído à previsão só pode ser um significado que seja compatível com o significado
da estatuição. Assim, a interpretação da previsão deve ser realizada em função da estatuição, pelo que a
interpretação deve ser efetuada no sentido inverso ao da regra, isto é, não da previsão para a estatuição, mas
da estatuição para a previsão.

A interpretação da previsão de uma lei depende da sua estatuição- exemplo da página 329.

→ Dificuldades da Interpretação

Nas dificuldades de interpretação incluem-se a ambiguidade sintática, a polissemia ou ambiguidade


semântica, a vagueza ou porosidade e a modificabilidade do significado.

a) Ambiguidade Sintática:

Verifica-se quando a construção da expressão origina dúvidas sobre o seu significado. É o que sucede, por
exemplo, na expressão “A Maria trouxe vinho do Porto”, pois este enunciado pode significar tanto que a Maria
trouxe do Porto qualquer vinho, como que a Maria trouxe o vinho que é conhecido como “vinho do Porto”.
No plano jurídico, temos o exemplo do artigo 399º CC.

Para ultrapassar a ambiguidade sintática, o intérprete tem de escolher entre atribuir à expressão ambígua o
significado S1 ou o significado S2.

b) Ambiguidade Semântica ou Polissemia das Palavras:

Verifica-se quando a mesma palavra pode ter vários significados, dependendo do contexto em que é aplicada,
pelo que, também neste caso, o intérprete tem de escolher entre atribuir à expressão ambígua o significado
S1 ou o significado S2. Esta ambiguidade é bastante frequente nas palavras “e” e “ou”.

20
Introdução ao Estudo do Direito II Leonor Branco Jaleco

c) Vagueza ou Porosidade:

Ocorre quando as palavras possuem um significado indeterminado, isto é, quando há objetos a que as palavras
são indiscutivelmente aplicáveis, objetos a que essas palavras talvez sejam aplicáveis e ainda objetos a que
aquelas palavras não são indiscutivelmente aplicáveis. A vagueza decorre da circunstância de que há factos ou
situações a que, simultaneamente, uma palavra se pode referir e não referir, dado que a vagueza admite
qualquer conretização entre 0 e 1. A vagueza decorre de uma indefinição de limites ou fronteiras, distinguindo-
se da ambiguidade, porque enquanto nesta há um “excesso de significado”, naquela há uma “falta ou
insuficiência na determinação do significado”.

Perante uma expressão vaga, o intérprete tem de escolher se, além do significado S1, a expressão também
pode comportar o significado S2. Nesta determinação do significado releva a característica essencial da
vagueza: pequenas diferenças entre os objetos não fazem nenhuma diferença quanto à atribuição a eles de
um mesmo significado. Por exemplo: se duas pessoas diferem apenas um milímetro em altura, pode-se dizer
que ambas têm a mesma altura, porque o predicado “alto” é vago.

d) Modificabilidade do Significado:

As palavras, mesmo aquelas que são bastante comuns na linguagem jurídica, podem variar de significado ao
longo do tempo. Por exemplo, palavras como bons costumes, igualdade, liberdade ou responsabilidade
parental.

e) Dificuldades Específicas:

No âmbito destas, convém referir a proliferação legislativa: a interpretação das fontes do direito é dificultada
pela enorme produção legislativa, porque nunca há a certeza de que, na interpretação de uma fonte, não seja
descurada uma outra fonte determinante para aquela interpretação.

A isto acresce o hermetismo da linguagem jurídica, pois apesar de as leis terem como últimos destinatários os
cidadãos, a verdade é que, por vezes, a linguagem que nelas é utilizada dificulta a sua compreensão por não
juristas.

As dificuldades da interpretação têm de ser vencidas através do recurso aos elementos da interpretação,
enunciados no artigo 9º CC.

Interpretação da Lei

A interpretação da lei desdobra-se nos seguintes aspetos:

i. A escolha da finalidade da interpretação- importa saber se a interpretação visa descobrir a intenção


do legislador ou o significado objetivo da lei.
ii. A seleção dos elementos da interpretação- depois de saber o que se procura obter através da
interpretação, importa selecionar os elementos que vão ser usados para alcançar essa finalidade.
iii. A inferência da regra jurídica- finalmente, há que conjugar os vários elementos da interpretação para
saber a que casos é que a lei é aplicável e, portanto, para obter o resultado da interpretação da lei,
que é a inferência de uma regra jurídica da lei interpretada.

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Introdução ao Estudo do Direito II Leonor Branco Jaleco

→ Caráter Normativo

A pergunta a que a interpretação da lei pretende responder é como é que uma lei deve ser interpretada. A
interpretação tem, por isso, um caráter normativo, ao que acresce o recurso a regras específicas da
interpretação da lei- 9º CC.

I. Finalidade da Interpretação

Duas orientações quanto à finalidade:

- Orientação Subjetivista – a finalidade da interpretação é a reconstituição da intenção do legislador


subjacente à produção da lei ou da reconstituição da intenção do legislador de induzir um comportamento
nos destinatários da lei através do reconhecimento por estes daquela intenção.

- Orientação Objetivista – a finalidade da interpretação é a determinação do significado objetivo da lei,


qualquer que tenha sido a intenção do legislador.

Quando se verificar um conflito entre o legislador e o intérprete, na orientação subjetivista prevalece o


legislador; na objetivista, o intérprete.

(ver página 338)

Na atualidade, tendem a prevalecer as correntes objetivistas, todas coincidindo em que a finalidade da


interpretação é a determinação da voluntas legis. As orientações objetivistas implicam uma consequência
importante: a de que não há nenhuma continuidade entre a produção da lei e a sua interpretação.

A opção entre o subjetivismo e o objetivismo é também uma opção entre a “intenção” e a “expressão de” e,
em grande medida, entre a semântica e a pragmática. O subjetivismo fica-se por aquilo que foi querido pelo
legislador e, por isso, esgota-se na dimensão semântica; o objetivismo orienta-se por aquilo que pode ser feito
pelo destinatário da regra e, portanto, move-se numa dimensão pragmática.

→ Orientações Objetivistas

A favor das orientações objetivistas é frequente argumentar com a igualdade perante a lei (13º/1 CRP), pois
enquanto qualquer leitor pode fazer, pelo menos, uma ideia do significado da lei, a investigação sobre a
vontade do legislador exige um esforço e uma preparação que não estão ao alcance de todos.

Invoca-se também a impossibilidade de determinar a intenção do legislador histórico, atendendo,


nomeadamente, à insuscetibilidade de definir uma vontade comum a todos os intervenientes no processo
legislativo (como os deputados, o PM, os ministros e o PR).

Acresce também a necessidade de assegurar a integração da lei no ambiente social, dado que o que deve
contar não é o que o legislador quis quando elaborou a lei, mas o que a lei vale no momento em que é
interpretada, pois que “o código pode ser mais largo de vistas do que o seu autor”. A lei deve libertar-se do
legislador e passar a valer com um significado objetivo adequado às circunstâncias existentes no momento da
sua interpretação. Perante uma modificação no significado da palavra, não pode deixar de se atender ao seu
significado atual. Por exemplo, o artigo 34º/4 CRP proíbe toda a ingerência nas telecomunicações e nos demais
meios de comunicação; quaisquer que fossem os meios de comunicação que existissem no momento da
elaboração do preceito, é claro que essa proibição abrange os meios de comunicação que entretanto se
tornaram possíveis.

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Introdução ao Estudo do Direito II Leonor Branco Jaleco

Aparentemente, pode parecer que se deva dar relevância ao conhecimento da intenção do legislador pelos
destinatários, mas a verdade é que não. Mesmo que os destinatários conheçam a real intenção do legislador,
isso não justifica nem que o legislador possa invocar contra eles a sua intenção (para, por exemplo, impor um
dever que a lei não impõe), nem que os destinatários possam utilizar a seu favor a intenção do legislador (para,
por exemplo, gozarem de um direito que a lei não atribui).

A justificação da primeira conclusão é fácil: basta invocar a confiança no sistema para justificar que ninguém
pode ser prejudicado por uma intenção do legislador que não encontra expressão no texto da lei. A justificação
da segunda conclusão não é assim tão evidente porque, se é conhecida a intenção do legislador de atribuir
um direito ou de acabar com um dever, nem sequer o caráter geral da lei poderia impedir que esta valesse de
acordo com essa intenção: desde que todos os destinatários fossem beneficiados com a intenção do legislador,
o caráter geral da lei seria respeitado. Em todo o caso, essa interpretação subjetivista encontra-se excluída
pelo disposto no artigo 9º/2, segundo o qual o que conta é o que está expresso na lei.

A prevalência das orientações objetivistas não deixa de ter uma consequência política particularmente
importante: dado que o intérprete- o juíz – não tem de se preocupar com a intenção do legislador, isso significa
não só que a competência para interpretar não coincide com a competência para legislar, mas também que,
neste domínio, o poder judicial prevalece sobre o poder legislativo, visto que o direito não é o que o legislador
quis que fosse, mas o que o juíz considera que é.

A preferência concedida ao significado objetivo da lei não implica, contudo, a irrelevância da intenção do
legislador, pois que, como é evidente, as correntes objetivistas não impedem que o significado objetivo da lei
possa ser coincidente com a intenção do legislador. É concebível que o legislador tenha exprimido
adequadamente o seu pensamento e que nada justifique aplicar a lei a casos não previstos pelo legislador ou
deixar de a aplicar aos casos que o legislador procurou abranger, pelo que, nestas condições, o significado da
lei não se afasta daquele que o legislador lhe deu no momento da sua elaboração.

A “idade” da lei reveste-se de grande importância neste contexto. Quanto mais recente for a lei, maiores são
as hipóteses de o seu significado objetivo coincidir com a intenção do legislador. Raramente o intérprete pode
atribuir a uma lei recente um significado objetivo que se afasta da intenção do legislador. Em contrapartida,
quanto mais antiga for a lei, maiores são as possibilidades de o seu significado objetivo se afastar da intenção
do legislador. À medida que o tempo passa surgem novos ambientes políticos, sociais, económicos e culturais,
que modificam o significado que foi originariamente dado à lei pelo legislador, podendo acontecer que o
significado atual da lei seja mais amplo ou mais restrito do que aquele que corresponde à intenção do
legislador histórico.

→ Direito Português

O artigo 9º/1 determina que a interpretação tem por finalidade a reconstituição do pensamento legislativo a
partir do texto da lei. A expressão “pensamento legislativo” é algo ambígua, pois tanto pode significar o
pensamento do legislador (significado subjetivista), como o pensamento da lei (significado objetivista).

O artigo 9º/2 estabelece que não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não
tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. Dado que
apenas alguém pode exprimir um pensamento, poder-se-ia ser levado a concluir que a expressão
“pensamento legislativo” utilizada no artigo 9º/2 só se poderia referir ao pensamento do legislador.

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Introdução ao Estudo do Direito II Leonor Branco Jaleco

Para procurar resolver a ambiguidade da expressão “pensamento legislativo”, importa considerar a oposição
entre o atualismo e o historicismo: enquanto, para a orientação atualista, o que conta é o significado atual da
lei, para a orientação historicista, o que releva é o significado que a lei tinha no momento da sua criação. Esta
oposição pode cruzar-se com a oposição entre o subjetivismo e o objetivismo.

Quanto às finalidades da interpretação da lei, são possíveis as seguintes orientações:

1) Uma orientação subjetivista historicista- o significado da lei é aquele que o legislador lhe deu no
momento da sua elaboração;
2) Uma orientação subjetivista atualista- o significado da lei é aquele que o legislador lhe daria se tivesse
de legislar na atualidade;
3) Uma orientação objetivista historicista- o significado da lei é aquele que ela tinha no momento da sua
criação;
4) Uma orientação objetivista atualista- o significado da lei é aquele que ela tem na atualidade.

O atualismo pode ser entendido de duas maneiras diferentes:

- Atualismo projetivo – que implica a projeção na atualidade da vontade do legislador histórico (versão
subjetivista) ou a projeção na atualidade do significado objetivo histórico (versão objetivista).

- Atualismo prospetivo – que implica a prospeção da vontade do legislador atual (versão subjetivista) ou a
prospeção do significado objetivo atual (versão objetivista).

(ver tabela página 346)

É possível concluir que o complemento natural do subjetivismo é o historicismo e que a ligação natural do
objetivismo é com o atualismo prospetivo. Se deve valer a intenção do legislador (subjetivismo), então o que
é lógico é que este seja o legislador histórico (historicismo). Pelo contrário, o subjetivismo atualista requereria
imaginar o significado que o legislador daria à lei se tivesse de a elaborar na atualidade ou construir o
significado que o legislador atual daria à lei se fosse ele a produzi-la.

Uma orientação objetivista não impõe que o intérprete desconsidere ou tenha de ignorar a intenção do
legislador. Quando o artigo 9º/1 impõe que o intérprete considere as circunstâncias em que a lei foi elaborada,
é difícil que ele não se depare com indícios de qual foi a intenção do legislador.

Concluindo, o artigo 9º/1 manda antender, na reconstituição do pensamento legislativo, às condições


específicas do tempo em que a lei é aplicada. Isto demonstra que esse artigo consagra uma orientação
atualista prospetiva: o significado que o intérprete deve atribuir à lei é aquele que ela possui no momento da
sua interpretação e não no da sua criação. Sendo assim, pode concluir-se que este artigo, ao referir-se ao
pensamento legislativo, o considera como o complemento natural daquela orientação atualista. Como esse
complemento é uma orientação objetivista, há que concluir que a expressão “pensamento legislativo”
utilizada no artigo 9º/1 deve ser entendida no sentido de pensamento da lei. Assim, consagra uma orientação
não intencionalista, dado que a interpretação não é uma atividade de reconstituição da vontade do legislador,
mas de construção do significado objetivo da lei. A interpretação é correta, não se estiver de acordo com a
vontade do legislador, mas antes se observar as regras definidas no artigo 9º CC.

A finalidade da interpretação é, portanto, aplicar a lei e encontrar a sua razão de ser como elemento de um
raciocínio prático.

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Introdução ao Estudo do Direito II Leonor Branco Jaleco

Elementos da Interpretação

Como toda a aplicação, também a aplicação da fonte interpretada tem de observar determinadas regras: estas
regras específicas da interpretação jurídica costumam ser denominadas elementos da interpretação. Estas
regras possibilitam não só escolher entre várias interpretações possíveis da fonte interpretada, mas também
determinar se a interpretação realizada é correta ou incorreta.

Esses elementos são, de acordo com Savigny:

◊ Elemento gramatical- sentido literal da lei;


◊ Elemento lógico- construção lógica da lei;
◊ Elemento sistemático- conexão sistemática existente entre as diversas regras que constam da lei;
◊ Elemento histórico- circunstância que motivou a elaboração da lei.

→ Enunciado:

A interpretação da lei é realizada a partir da “letra da lei” (9º/1 e 2), com base nas “circunstâncias em que a
lei foi elaborada” (9º/1), na “unidade do sistema jurídico” (9º/1) e nas “condições específicas do tempo que a
lei é aplicada” (9º/1).

Em concreto, os elementos da interpretação são o elemento literal (sentido da letra da lei), o elemento
histórico (momento em que a lei foi produzida), o elemento sistemático (enquadramento sistemático da lei)
e o elemento teleológico (finalidade da lei).

Apesar de o artigo 9º se referir à interpretação da lei, o que nele se dispõe é aplicável a qualquer lei em sentido
material, pelo que também vale para os atos de caráter regulamentar. Igualmente, o que vale para a
interpretação da lei, vale para a interpretação de cada um dos seus preceitos.

O que verdadeiramente se pretende com o artigo 9º/1 é que o intérprete encontre o espírito da lei a partir da
sua letra com base na sua história, na sua sistemática e na sua teleologia.

Os vários elementos da interpretação encontram-se todos no mesmo plano ou há que estabelecer entre eles
uma hierarquia? No âmbito de um “sistema móvel”- um sistema cujos elementos têm uma importância
distinta em situações diferentes – é possível entender que não há nenhuma hierarquia rígida entre os
elementos da interpretação. No entanto, na solução do ordenamento português, é indispensável distinguir
entre uma hierarquia relativa ao método da interpretação e uma hierarquia respeitante ao resultado da
interpretação.

 Hierarquia relativa ao método da interpretação: a interpretação deve reconstituir o pensamento


legislativo a partir dos textos, o que permite concluir que o elemento gramatical tem primazia em
relação aos vários elementos não literais. Só depois de determinado o seu significado literal e de
encontrada a sua dimensão semântica, é possível reconstituir o pensamento legislativo através dos
elementos não literais e procurar a dimensão pragmática da lei.

 Hierarquia relativa ao resultado: como o intérprete deve reconstituir o pensamento legislativo a partir
do texto da lei com base nos elementos não literais e como qualquer divergência entre a letra da lei e
o seu espírito é resolvida através da prevalência deste último, os elementos não literais prevalecem
sobre o elemento gramatical.

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Introdução ao Estudo do Direito II Leonor Branco Jaleco

Assim, a dimensão pragmática da lei prevalece sobre a sua dimensão semântica e, por isso, o que o intérprete
pode fazer com a lei prevalece sobre o que a sua letra diz.

→ Valor dos Elementos

Os elementos da interpretação constantes do artigo 9º têm um valor próprio. Na interpretação de qualquer


lei devem ser utilizados todos os elementos que constam do artigo 9º: pode enunciar-se, por isso, um princípio
de exaustividade dos elementos da interpretação. Acresce ainda que na interpretação da lei só podem ser
utilizados os elementos que são referidos no mesmo artigo- princípio de exclusividade dos elementos da
interpretação.

Da conjugação dos dois princípios acimas referidos, decorre que estes elementos são critérios normativos:
todos eles devem e apenas eles podem ser utilizados na interpretação da lei.

A relevância de cada um destes elementos é inevitavelmente distinta na interpretação de cada fonte.

Significado Literal

Toda a interpretação da lei deve começar pela análise da sua letra e pela tentativa da compreensão do seu
significado. A letra da lei não deve ser entendida apenas como um elemento da interpretação a par dos
demais, mas antes como a base textual da interpretação.

→ Historicismo vs Atualismo

A letra da lei pode ser interpretada numa perspetiva historicista ou atualista.

- Perspetiva Historicista – o intérprete tem de atribuir à letra da lei o significado que ele tinha no momento da
formação da fonte.

- Perspetiva Atualista – o intérprete tem de atribui à letra da lei o significado que ela possui no momento da
interpretação. É indiscutível que a letra da lei deve ser interpretada de acordo com o seu significado atual; só
essa solução pode garantir que as leis permaneçam adequadas ao tempo em que são aplicadas. A necessidade
de seguir uma interpretação atualista é especialmente relevante no caso da interpretação de conceitos
indeterminados ligados a valorações sociais ou culturais; por exemplo, as referências aos bons costumes.

→ Concretização do Elemento

Este elemento comporta:

- Dimensão Sintática – respeita à estrutura gramatical da lei e considera-a na totalidade do seu enunciado,
sendo relevante, por exemplo, para a compreensão de uma oração relativa ou de uma exceção perante uma
regra.

- Dimensão Semântica – refere-se ao significado das palavras utilizadas na lei no contexto da sua estrutura. A
determinação do significado literal da lei depende das palavras que nela são utilizadas. Nesta determinação,
há que observar certas regras:

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Introdução ao Estudo do Direito II Leonor Branco Jaleco

✓ O intérprete não deve deixar de atribuir um significado a todas as expressões da lei, ou seja, não pode
considerar nenhuma delas como inútil ou redundante;
✓ Há que evitar a atribuição de significados incompatíveis, isto é, de significados que não respeitam
relações de implicação ou de equivalência entre palavras ou expressões ou que são atribuídos a
palavras ou expressões iguais ou semelhantes.

Quanto ao significado a atribuir às palavras utilizadas na lei, importa distinguir entre:

a) Palavras da linguagem jurídica- exemplo, crédito, cumprimento, declaração da vontade. Devem ser
interpretadas com o significado que elas possuem no direito em geral ou no respetivo ramo do direito
em que se insere a lei interpretada. Para tal, são relevantes (se as houver) as definições legais, pois o
intérprete está vinculado a atribuir ao definido o sentido que resulta da definição.

Também pode acontecer que haja diferentes aceções jurídicas para a mesma palavra em distintos ramos do
direito. Por exemplo, a negligência é entendida, no âmbito civil, como a omissão da diligência devida (487º/2)
e no âmbito penal, como a omissão do dever de cuidado que o agente seja capaz (15º CP). Nesta hipótese, há
que considerar apenas o significado que for específico do ramo do direito a que pertence a lei interpretada,
valendo uma regra de especialidade na interpretação da lei.

b) Palavras da linguagem técnica- devem ser interpretadas com o significado que têm no respetivo ramo
do conhecimento, salvo se houver que concluir que são empregadas com o seu sentido mais corrente.
(ver exemplo página 354)

c) Palavras da linguagem corrente- devem ser interpretadas com o significado que possuem no seu uso
quotidiano, ou seja, segundo os usos que lhe definem o significado na comunidade. Só assim não
sucede se o legislador tiver usado o termo de acordo com uma definição legal ou houver um qualquer
indício que leve a entender que ela tem um significado jurídico distinto daquele que possui no
quotidiano. Por exemplo, o termo “aluguer” é utilizado na linguagem quotidiana como sinónimo de
arrendamento; na linguagem jurídica, o aluguer designa a locação de coisas móveis e o arrendamento
a locação de coisas imóveis (1023º).

Alexy apresenta 3 tipos de argumentos semânticos:

1. Semântico-Proibitivos- por exemplo, a palavra “gato” não pode ser entendida como “cão”. Estes
argumentos traçam os limites possíveis da interpretação;
2. Semântico-Impositivos- a palavra “gato” apenas pode ser entendida como referindo-se a um gato.
Apenas permite um determinado significado para determinada palavra. Estes argumentos são raros;
3. Semântico-Permissivos- de acordo com determinada linguagem, o enunciado pode ser interpretado
com o significado x, mas também com o significado y.

→ Valor da Letra

A letra da lei tem um valor próprio que não pode ser ignorado pelo intérprete e que impõe dois limites:

i. Um desses limites decorre das presunções que se encontram estabelecidas no artigo 9º/3- a de
que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e a de que o legislador soube exprimir o
seu pensamento em termos adequados. Assim, todo o significado que corresponde à letra da lei
tem de ser um significado possível dessa lei;

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Introdução ao Estudo do Direito II Leonor Branco Jaleco

ii. O outro limite consagra-se no artigo 9º/2- não pode ser considerado pelo intérprete um
significado que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que
imperfeitamente expresso. Assim, o significado que não encontra uma correspondência mínima
na letra da lei está para além do seu significado possível.

Como o artigo 9º/1 impõe a reconstituição do pensamento legislativo a partir dos textos, a letra da lei nunca
constitui um obstáculo a que se possa ir além dele: o que se exige é uma correspondência mínima com a letra
da lei, não que a letra não possa ser ultrapassada pelo espírito da lei. A correspondência exigida pelo 9º/2
impõe um limite mínimo e não um limite máximo.

Seguindo uma ótica objetivista, a interpretação pode ir até onde os elementos não literais da interpretação o
permita, ou mais em concreto, pode ir-se até qualquer dos extremos da interpretação (até à interpretação
restritiva ou até à interpretação extensiva). Por exemplo, apesar de a lei se referir a comida para animais
domésticos, é possível reduzi-la à comida para gatos e, apesar de a lei se referir à vacina dos cães, é possível
estendê-la à vacina de outros animais domésticos.

→ Significado Provisório

O significado literal é apenas o primeiro degrau na interpretação da lei, pelo que é sempre algo de provisório
ou incacabado. Esse significado fornece apenas uma hipótese de interpretação, dado que, depois de obtido o
significado literal, o intérprete deve procurar a sua corroboração ou infirmação através dos elementos não
literais.

Elemento Histórico:

O elemento histórico, ou elemento histórico-genético ou apenas elemento genérico, respeita à justificação da


fonte: trata-se de saber o que é que motivou a produção da fonte, nomeadamente que factos levaram o
legislador a produzir uma lei sobre uma determinada matéria e que necessidades eram satisfeitas pela fonte
no momento da sua produção. Encontra-se consagrado no artigo 9º/1 “circunstâncias em que a lei foi
elaborada”.

No elemento histórico há que considerar aspetos objetivos e subjetivos.

- Aspetos Objetivos – respeitam à situação social e jurídica existente no momento da formação da lei. Há que
atender aos precedentes normativos e doutrinários e à ocasio legis.

Os precedentes normativos respeitam aos antecedentes da lei, que podem ser históricos- leis que
antecederam a lei que se interpreta e que esta substitui-, ou comparativos- leis vigentes em outros
ordenamentos jurídicos no momento da formação da lei.

Os precedentes doutrinários referem-se ao ambiente doutrinário que existia no momento da sua elaboração.

A ocasio legis respeita ao condicionalismo que rodeou a formação da lei. Toda a lei interage com a realidade
política, social, económica, cultural ou outra que existe no momento da sua formação, pelo que o
conhecimento desta realidade ajuda a compreender o seu significado. Encontra-se expressamente referida no
artigo 9º/1, quando neste se alude às circunstâncias em que a lei foi elaborada.

- Aspetos Subjetivos – referem-se à intenção do legislador que produziu a lei. Como meios auxiliares, há que
considerar as exposições oficiais de motivos, os trabalhos preparatórios que comportam os estudos que foram
elaborados para a preparação da lei, os vários anteprojetos e projetos que antecederam a sua versão final e a

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Introdução ao Estudo do Direito II Leonor Branco Jaleco

discussão que ocorreu nos órgãos legislativos e ainda os preâmbulos dos diplomas legais e os relatórios
explicativos das convenções internacionais.

Quando, neste contexto, se fala de intenção do legislador, não se refere tanto à vontade real do legislador,
mas antes ao que pode ser inferido dos aludidos meios auxiliares como sendo a hipotética vontade do
legislador.

→ Aspeto Evolutivo

O elemento histórico, para além de uma dimensão retrospetiva, tem também uma dimensão evolutiva: trata-
se de saber qual a interpretação que tem sido dada pela jurisprudência, ou seja, trata-se de averiguar que
novas necessidades, diferentes daquelas que justificaram a sua produção, têm sido entendidas como podendo
ser satisfeitas pela lei.

Dworkin serve-se de uma imagem sugestiva para ilustrar a ligação que se estabelece entre a aplicação da lei a
novos casos e a nova interpretação da fonte que essa mesma aplicação justifica: a situação é semelhante à de
um “romance em cadeia”, isto é, de um romance que vai sendo escrito por vários autores e em que cada um
deles tem de considerar o que foi anteriormente escrito pelos outros para poder escrever a sua parte.

Elemento Sistemático

Este elemento decorre da orientação já defendida por Savigny de que os institutos jurídicos constituem um
sistema e apenas em conexão com este sistema podem ser completamente compreendidos e baseia-se no
pressuposto de que o significado de uma lei resulta normalmente do seu contexto, isto é, “do conjunto de
regulação dentro da qual ela realiza uma determinada função”. Assim, este elemento é tanto uma
consequência como um postulado da unidade do sistema jurídico, pois visa assegurar que nenhuma fonte seja
interpretada em divergência com esse sistema.

Impõe uma interpretação sistemática, mas não garante que o resultado seja uma interpretação conforme ao
sistema, dado que é possível que o intérprete conclua que nenhuma interpretação da lei é suscetível de
assegurar a conformidade com o sistema. Neste caso, torna-se necessário resolver o conflito normativo
através da revogação ou da invalidade de uma das regras, da qualificação de uma das regras como especial ou
excecional perante a outra, ou, em último caso, da escolha de uma das regras conflituantes através da
ponderação dos respetivos interesses.

Este elemento encontra-se consagrado no artigo 9º/1, na parte em que este preceito impõe que, na
reconstituição do pensamento legislativo, se considere a unidade do sistema jurídico. O elemento sistemático
impõe que se passe do preceito para o texto legal que o contém, deste para o respetivo subsistema e,
finalmente, deste para o sistem jurídico. Daqui se depreende que nenhuma lei dve ser interpretada isolada de
outras leis com as quais ela apresenta uma conexão sistemática e que, de entre os vários significados literais
possíveis, há que preferir aquele que for compatível com o significado de outras leis- só assim se dá expressão
à unidade do sistema jurídico.

O elemento sistemático orienta-se pelo princípio da igualdade: o que é igual deve ser tratado de forma igual
em todo o sistema jurídico.

Este elemento também permite resolver uma das principais dificuldades na interpretação da lei- a da
polissemia ou ambiguidade semântica das palavras. Só em função do contexto é possível determinar se, por

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Introdução ao Estudo do Direito II Leonor Branco Jaleco

exemplo, a palavra “ação” designa uma conduta humana, um processo pendente em tribunal ou um valor
mobiliário.

→ Historicismo vs Atualismo

O elemento sistemático pode ser considerado numa:

o Perspetiva historicista- o intérprete tem de considerar a integração sistemática que existia no


momento da formação da lei.
o Perspetiva atualista- o intérprete tem de considerar a integração sistemática da lei na atualidade.
Parece claro que o elemento sistemático deve ser entendido nesta perspetiva: qualquer lei deve ser
consistente com os princípios e as demais leis do sistema jurídico durante toda a sua vigência, pelo
que qualquer lei deve ser interpretada de acordo com as sucessivas integrações sistemáticas e
segundo aquela que se verifique no momento da sua interpretação.

O elemento sistemático expressa-se em duas vertentes:

- Relação de contexto, pois o intérprete só pode interpretar a lei depois de a ter enquadrado no conjunto mais
vasto em que ela se integra.

- Princípio de consistência, que é tanto uma consequência da unidade do sistema jurídico, como um postulado
da construção dessa unidade.

Este elemento traduz-se em duas regras interpretativa, uma de caráter positivo- que impõe que o significado
a atribuir à lei deve ser o que melhor se harmoniza com outras fontes ou com outros preceitos da mesma
fonte- e outra de caráter negativo- que impede que o intérprete atribua à lei um significado que não seja
consistente com outras fontes ou com outros preceitos da mesma fonte (regra da consistência da fonte) ou
que seja redundante em relação a outras fontes (regra do aproveitamento da fonte).

No enquadramento sistemático da interpretação de uma lei há que distinguir entre:

o Contexto Vertical- respeitante à conexão da lei com outras leis de hierarquia superior sobre a mesma
matéria. Implica que, na interpretação da lei, deva ser considerada a sua coordenação com a respetiva
fonte de produção. Por exemplo: a interpretação de uma lei ordinária que regula o exercício de um
direito fundamental deve ser aquela que mais se aproximar da fonte constitucional que atribui esse
mesmo direito.

Tomando como base a fonte de produção, há que considerar, como modalidades de interpretação:

- Interpretação conforme à Constituição- pode dizer-se que esta interpretação é um “controlo antecipado das
normas”; por exemplo: se a lei que se interpreta só concede no seu texto um certo benefício a trabalhadores
de um dos sexos, a interpretação conforme à Constituição (mais concretamente, ao princípio da não
discriminação), permite estender esse benefício a todos os trabalhadores;

- Interpretação conforme ao Direito europeu;

- Interpretação conforme ao Direito ordinário

o Contexto Horizontal- referente à conexão da lei com outras leis da mesma hierarquia sobre idêntica
matéria. Implica que a interpretação da lei deva considerar outras leis da mesma hierarquia (contexto

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Introdução ao Estudo do Direito II Leonor Branco Jaleco

intertextual) ou, se for esse o caso, outros preceito da mesma lei (contexto intratextual). Assim, a
interpretação da lei deve atender a todas as leis que, em conjunto com a lei interpretada, contribuem
para a solução do mesmo caso.

A interpretação da lei também deve atender ao que se encontra disposto para os lugares paralelos, isto é,
também deve considerar o significado das leis que regulam as mesmas matérias noutros regimes jurídicos.
Por exemplo: na interpretação de uma lei relativa à responsabilidade pelo risco deve atender-se ao significado
da correspondente lei no âmbito da responsabilidade por factos ilícitos.

Este contexto é particularmente importante quando se trata de interpretar uma lei especial ou excecional: a
interpretação de uma lei especial deve tomar em consideração a respetiva lei geral. Por exemplo, a
interpretação de um preceito relativo à interpretação do testamento deve atender aos preceitos sobre a
interpretação dos negócios jurídicos. Também na interpretação da lei excecional há que considerar a respetiva
lei geral.

✓ Princípio da Consistência- decorre da unidade do sistema jurídico. Releva aqui o chamado “sistema
interno”, ou seja, o sistema que corresponde às “conexões materiais” e a uma “ordem imanente”.
Este princípio vale num duplo sentido, dado que ele é indispensável tanto para encontrar o significado
da lei na unidade do sistema jurídico, como para afastar significados incompatíveis com essa unidade.

Assim, o elemento sistemático da interpretação funciona de uma forma construtiva: impõe que a lei seja
interpretada de molde a assegurar a unidade do sistema jurídico, isto é, de molde a garantir uma
harmonização contextual da lei interpretada com todas as demais leis do mesmo sistema, visto que as “várias
leis de um sistema jurídico desenvolvido devem fazer sentido quando consideradas em conjunto”. As leis que
são concretizações de um mesmo princípio material devem ser interpretadas de forma a dar a melhor
expressão a esse mesmo princípio. Se, por exemplo, se interpreta uma fonte em matéria de contratos, importa
considerar nessa interpretação o princípio da liberdade contratual.

A construção da unidade do sistema jurídico implica que deve ser dada preferência a uma interpretação que
seja compatível com o maior número possível de regras do mesmo sistema jurídico. Isto vale também para
cada um dos subsistemas do sistema jurídico. Aliás, atendendo a um princípio de proximidade, a lei a
interpretar tem de ser integrada no respetivo subsistema.

Elemento Teleológico

Respeita à finalidade da lei: através deste elemento procura determinar-se quais são os objetivos que a lei
pode prosseguir.

Este distingue-se do elemento histórico porque, enquanto este procura a justificação para a produção da lei,
o elemento teleológico procura encontrar a finalidade que justifica a vigência da lei.

Este elemento impõe que o intérprete procure descobrir a ratio legis, estando-lhe vedado, pelo menos como
ponto de partida, o entendimento de que a fonte não prossegue a realização de nenhuns fins. Está consagrado
na referência constante do artigo 9º/1 às “condições específicas do tempo em que a lei é aplicada”.

É importante este elemento na medida em que compreender uma lei é perceber a que situações ela deve
procurar dar uma resposta. O elemento teleológico permite descobrir a ratio legis e utilizá-la na determinação
do espírito da lei. Por exemplo, uma lei dispõe que quem dormir nas estações de comboio deve pagar uma
coima; um passageiro que esperava, num dos bancos da sala de espera, um comboio que só partia de
madrugada foi vencido pelo sono e adormeceu; pergunta-se se ele infrigiu a lei e deve pagar a coima; a
resposta não pode deixar de ser negativa, dado que a teleologia da lei é evitar que alguém possa utilizar as

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Introdução ao Estudo do Direito II Leonor Branco Jaleco

estações de comboio para passar a noite e não que os passageiros possam adormecer enquanto aguardam o
início da sua viagem.

Para determinar a teleologia da lei é necessário compreender a sua estatuição- o que permite, proíbe ou
obriga. Para compreendermos isto pode ser necessário, por vezes, considerar o enquadramento sistemático
da lei (contexto). Por exemplo, a imposição de uma obrigação de indemnização tem um significado no domínio
da responsabilidade civil (destina-se à reparação de um dano) e outro no campo da expropriação por utilidade
pública (visa a compensação de uma perda).

→ Historicismo vs Atualismo

- Perspetiva historicista- o intérprete tem de procurar encontrar a finalidade que o legislador intentava
prosseguir com a lei (numa perspetiva historicista subjetivista) ou a finalidade que podia realizar no momento
da sua elaboração (numa perspetiva historicista objetivista).

- Perspetiva atualista- o intérprete tem de atribuir à lei um significado correspondente à finalidade que ela
pode realizar no momento da sua interpretação.

O artigo 9º/1 CC manda observar, na reconstituição do pensamento legislativo a partir dos textos legais, as
condições específicas do tempo em que a lei é aplicada. Quer isto dizer que, para determinar a finalidade da
lei, há que analisar as circunstâncias políticas, sociais, económicas e culturais ou outras existentes no momento
da sua interpretação, pelo que o direito positivo impõe a consideração de uma teleologia objetiva e atualista.

Para determinar a teleologia da fonte é indispensável atender ao ambiente sócio-económico, político e


cultural em que a fonte é interpretada, mas é também necessário considerar fatores jurídicos- deve considerar
os princípios do sistema jurídico e do respetivo subsistema em que ela se insere.

Para além disto, o intérprete deve procurar descobrir o princípio formal ou o respetivo princípio material que
fundamenta a lei e visar a sua otimização através da interpretação. A melhor interpretação é aquela que
conseguir a melhor otimização do princípio formal ou material que está subjacente à lei.

Pode suceder que o intérprete tenha dificuldade em determinar o princípio formal que o deve orientar na
interpretação da lei; neste caso, a escolha desse princípio formal exige uma ponderação entre os princípios de
justiça, confiança e eficiência, devendo escolher aquele que melhor se adequar aos interesses que a lei visa
proteger. Por exemplo, se o intérprete estiver a interpretar uma lei relativa à responsabilidade civil, é natural
que escolha o princípio da justiça, enquanto que se a lei a interpretar respeitar à forma de um ato jurídico, é
natural que o intérprete tenha de escolher entre a confiança e a eficiência.

Para a determinação da teleologia da fonte, deve ainda atender-se às consequências: havendo duas ou mais
teleologias possíveis, há que evitar aquelas que sejam incompatíveis com o sistema e há que escolher a que
melhor se coadunar com esse. Assim, a interpretação que melhor se insere no sistema é, muito
frequentemente, uma interpretação que lhe acrescenta algo, que permite proteger interesses que, antes da
lei interpretada, nele não se acautelavam.

Este elemento exige frequentemente o recurso a regras da experiência- acervo de experiência da vida
quotidiana. Por exemplo, apenas com base na regra de que a exigência da forma escrita se destina a
possibilitar uma maior confiança na declaração emitida é possível interpretar uma lei respeitante à forma de
um ato jurídico.

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Introdução ao Estudo do Direito II Leonor Branco Jaleco

As regras de experiência do quotidiano também são importantes porque atribuem ao intérprete o


indispensável background de vivência que lhe permite realizar a interpretação da lei de acordo com
parâmetros que melhor correspondam à normalidade da vida em sociedade.

A teleologia da lei tem uma dimensão consequencialista, dado que a finalidade da lei não é independente das
consequências resultantes da sua aplicação.

Este elemento cumpre ainda uma função específica: descobrir as situações de fraude à lei, ou seja, as situações
que são artificialmente criadas pelos interessados para evitar a aplicação da lei. Por exemplo, os pais não
podem vender bens a filhos ou netos, se os outros filhos ou netos não consentirem na venda (877º/1); por
isso, verifica-se uma fraude à lei se o sujeito S1 pai de S2 vender um bem a S3 com a obrigação de este voltar
a vendê-lo a S2.

→ Conjugação dos Elementos

Nenhum dos elementos da interpretação é suficiente, em si mesmo, para determinar o significado da lei, mas
cada um deles dá um contributo para essa determinação. A interpretação da fonte resulta da conjugação de
cada um daqueles contributos.

O artigo 9º/1 ao impor que o intérprete reconstitua o pensamento legislativo a partir do texto da lei, mostra
que pode haver oposição entre o elemento literal e os vários elementos não literais, mas não entre cada um
destes últimos. Ou seja, o elemento histórico, o sistemático e o teleológico devem ser vistos numa perspetiva
“aditiva”: cada um desses elementos traz algo que deve ser conjugado com aquilo que resulta de cada um dos
demais.

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Introdução ao Estudo do Direito II Leonor Branco Jaleco

19- Resultados da Interpretação

A interpretação da lei não se esgota no seu significado literal, já que importa reconstituir o pensamento
legislativo a partir do texto da lei. Esta reconstituição é realizada, tomando como base o significado literal- que
desvenda a dimensão semântica da fonte do direito-, através dos vários elementos não literais da
interpretação- que possibilitam a determinação de que casos é que a lei é aplicável, ou seja, descobrir a sua
dimensão pragmática.

A reconstituição do pensamento legislativo pode originar:

◊ Situações de coincidência entre o significado literal (dimensão semântica) e o espírito da lei (dimensão
pragmática)- conduzem à interpretação declarativa (ou confirmatória), visto que o intérprete se limita
a atribuir à lei o seu significado literal, não descobrindo nenhuma divergência entre a sua dimensão
semântica e pragmática:
◊ Situações de não coincidência- determinam a interpretação reconstrutiva, pois o significado da lei (a
sua dimensão pragmática) é reconstruído pelo intérprete a partir do seu significado literal (dimensão
semântica).

→ Interpretação Declarativa

A que resulta da coincidência entre o significado literal e o espírito da lei: a letra fornece um certo significado
literal e o espírito da lei resultante dos elementos não literais mostra-se compatível com aquele significado,
não ficando aquém nem indo além dele. É uma interpretação secundum litteram.

 Interpretação declarativa lata- aquela em que o significado literal é o mais extenso possível. Por
exemplo, a palavra “homem” utilizada no artigo 362º 2ª parte abrange pessoas do sexo masculino e
feminino.

 Interpretação declarativa restrita- aquela em que o significado literal é o menos extenso possível. Por
exemplo, a palavra “culpa” empregada nos artigos 492º/1 e 493º/1 é sinónima de negligência, não
incluindo nela o dolo.

 Interpretação declarativa média- aquela em que o significado literal é o que corresponde ao


significado mais frequente da palavra. Não havendo nenhuma razão para adotar uma interpretação
declarativa lata ou restrita, as palavras têm o significado, técnico ou não técnico, mais comum.

→ Interpretação Reconstrutiva

O significado literal e o espírito da lei podem não coincidir: neste caso, há que reconstruir o significado da lei
a partir do seu texto com apoio no seu espírito. Nesta reconstrução, há que observar o limite imposto pela
letra da lei: só pode valer como espírito da lei aquele que tenha um mínimo de correspondência com a sua
letra, ainda que imperfeitamente expresso- 9º/2. Nada impede que o intérprete, respeitada essa exigência,
possa restringir ou alargar o significado da lei.

A letra da lei pode levar a atribuir-lhe um significado e os vários elementos da interpretação podem impor a
atribuição de um significado mais amplo ou mais restrito à lei interpretada.

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Introdução ao Estudo do Direito II Leonor Branco Jaleco

a) No primeiro caso, o intérprete realiza uma interpretação extensiva- induz o campo de aplicação da lei
para além da sua letra;
b) Na segunda hipótese, realiza uma interpretação restritiva- reduz o campo de aplicação da lei para
aquém da sua letra.

→ Interpretação Extensiva

O resultado da interpretação é mais amplo do que o significado literal da lei- a fonte permite inferir uma regra
que não está abrangida na sua letra. É uma interpretação praeter litteram: a dimensão pragmática da lei vai
para além da sua dimensão semântica.

A interpretação extensiva ocorre sempre que a letra se refira à espécie e o seu significado deva abarcar, por
imposição dos elementos não literais da interpretação, o género ou sempre que a letra de uma tipologia
taxativa respeite a um ou a alguns subtipos do mesmo tipo. Está subjacente um juízo de agregação: o que vale
para a parte deve valer para o todo.

Na interpretação extensiva, a letra da lei comporta uma exceção implícita que não é admitida pelo seu espírito.
Suponha-se que a letra da lei permite a subsunção do caso C1 com as características x e y, não englobando
nessa letra nem o caso C2 apenas com a característica x (o género) nem o caso C3 com as características x e z
(outra espécie do mesmo género); a interpretação extensiva consiste em afastar esta exceção implícita e em
englobar os casos C2 e C3 no âmbito da lei.

A interpretação extensiva não se confunde com a interpretação declarativa lata: enquanto na primeira o
significado da lei vai além do seu significado literal, na segunda o significado da lei é o seu significado literal
mais extenso.

→ Interpretação Restritiva

O resultado da interpretação é mais restrito do que o significado literal da lei: o espírito da lei fica aquém da
letra da lei, pelo que não se justifica que se infira uma regra que seja aplicável a todos os casos que são
abrangidos pela sua letra. É uma interpretação citra litteram e baseia-se num princípio de restrição, pois a
dimensão pragmática da lei fica aquém da sua dimensão semântica. Significa que há casos abrangidos por esta
letra que não devem ser abarcados pela lei.

Verifica-se sempre que a letra da lei respeite ao género e o seu significado deva limitar-se, por imposição dos
elementos da interpretação, à espécie ou sempre que a letra da lei se refira a várias concretizações de um tipo
e o seu significado deva restringir-se, pela mesma razão, a alguma ou algumas dessas concretizações. O
intérprete é, portanto, levado a reduzir a uma das espécies ou a uma das concretizações um regime que se
reporta a um género ou a todo um tipo- o que está estabelecido para o todo só deve valer para a parte.

Na interpretação restritiva, a letra da lei é “derrotada” pelo seu espírito, visto que, apesar de essa letra não
comportar nenhuma exceção, o espírito da lei implica que ela seja interpretada como comportando uma
exceção. Segundo a letra, a lei aplica-se ao caso C1 com a característica x; a interpretação restritiva da lei
implica não aplicá-la por exemplo ao caso C2 com as características x e y; isto equivale a concluir que a lei se
aplica a todos os casos com a característica x, exceto àqueles que, além desta característica, tenham também
a característica y. Por exemplo, a lei L proíbe a entrada de quaisquer automóveis (x) numa rua; a interpretação
restritiva desta lei consiste em entender que ela proíbe a entrada de quaisquer automóveis (x), exceto os
automóveis dos residentes (x+y).

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Introdução ao Estudo do Direito II Leonor Branco Jaleco

A interpretação restritiva é diferente da interpretação declarativa restrita. Enquanto na primeira o significado


da lei fica aquém do seu significado literal, na interpretação declarativa restritiva o significado da lei é o seu
significado literal menos extenso.

A interpretação restritiva conduz à inaplicabilidade da lei a factos ou situações que são abrangidos pela sua
letra, o que implica que esses factos ou situações vão ser regulados por um outro regime jurídico. A
determinação deste regime comporta várias hipóteses:

o A interpretação restritiva implica que o caso não tem relevância jurídica e pertence ao espaço livre
de direito;
o A interpretação restritiva deixa espaço para a aplicação de uma outra lei também vigente no
ordenamento. Por exemplo, a interpretação restritiva de uma lei sobre limitações à liberdade de
expressão torna inaplicável a lei que consagra essa mesma liberdade;
o A interpretação restritiva não conduz à aplicação de uma outra lei vigente no ordenamento, porque
este não comporta nenhuma lei aplicável aos factos ou situações que não são abrangidos pela lei
interpretada. A interpretação restritiva tem como resultado, então, a construção de uma regra
excecional, aplicável aos casos que não são abrangidos por essa lei.

(ver quadro página 380)

Desconsideração da Regra

O artigo 203º CRP estabelece a vinculação dos tribunais à lei, o que faz prevalecer a lei sobre qualquer intuição
ou sentimento do juíz, assim como obsta à substituição do legislador pelo juíz. Assim, a vinculação do juíz não
é à letra da lei, mas ao resultado da interpretação, isto é, à interpretação declarativa, extensiva ou restritiva.

→ Interpretação Ab-rogante

É importa por um ato de comunicação falhado e pode ser qualificada como singular ou sistémica. É singular
quando a fonte não é inteligível em si mesma, isto é, quando o intérprete não lhe pode atribuir nenhum
significado. É sistémica quando a fonte remete para um regime que não existe no sistema jurídico- a remissão
é vazia de sentido, uma vez que a fonte não tem nenhuma referência.

A interpretação ab-rogante da lei remissiva pode originar a chamada lacuna oculta porque onde se pensava
haver um regime jurídico, não há, afinal, nenhum regime. Há, então, que proceder à integração dessa lacuna
(10º CC).

→ Interpretação Corretiva ou Contra Legem

Pode manifestar-se tanto na aplicação da lei a um caso que ela exclui, ou seja, na eliminação de uma exceção
prevista na lei, como na não aplicação da lei a um caso que ela abrange, isto é, na construção de uma exceção
não prevista na lei. A interpretação corretiva é justificada pela incompatibilidade da fonte com valores
jurídicos fundamentais, nomeadamente aqueles a que se referem os princípios formais da justiça, confiança
e eficiência.

Não se confunde com a interpretação extensiva ou restritiva. Nestas interpretações, os elementos não literais
conduzem a uma restrição ou a uma extensão do significado literal da lei; na interpretação corretiva, pelo
contrário, a letra e o espírito da lei são ambos desconsiderados, dado que essa interpretação implica que a lei
deixa de ser aplicada a um caso que ela abrange.

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Introdução ao Estudo do Direito II Leonor Branco Jaleco

A generalidade das ordens jurídicas exclui a interpretação corretiva, não admitindo sequer o recurso à
equidade falado por Aristóteles para evitar consequências legais tidas por indesejáveis. É também o caso do
direito português, pois, conforme o artigo 8º/2, o dever de obediência à lei não pode ser afastado sob pretexto
de ser injusto ou imoral o conteúdo do preceito legal. Trata-se de respeitar a separação entre a função
legislativa e a função jurisdicional e os limites que são impostos a esta última pela vinculação à lei: a função
jurisdicional não tem poderes de correção das leis emitidas pelo poder legislativo.

Uma interpretação corretiva pode ter alguma justificação naquelas ordens jurídicas em que a letra da lei ou a
vontade do legislador sejam os elementos determinantes para a interpretação da lei. Esse não é o caso do
direito português, no qual o elemento sistemático e o elemento teleológico da interpretação permitem
resultados interpretativos que tornam a necessidade da interpretação corretiva bastante discutível, pois
colocá-la-iam não só em colisão com o sistema, mas também para além de qualquer teleologia da lei
interpretada.

Sempre que a injustiça ou imoralidade da lei interpretada constitua uma violação de preceitos ou princípios
constitucionais, essa lei é inconstitucional (277º/1 CRP), e por isso não pode ser aplicada (204º CRP). Sendo
assim, só importa justificar o regime estabelecido no artigo 8º/2 nos casos verdadeiramente residuais, nos
quais a injustiça ou imoralidade da lei não possa ser afastada através da sua interpretação sistemática ou
teleológica ou nos quais esses desvalores não conduzam à inconstitucionalidade da lei.

A vinculação do juíz à lei fundamenta-se na falta de legitimidade do decisor para se afastar da lei e para a
substituir por qualquer outro critério na solução de um caso concreto. Releva ainda que o juíz não pode ser
responsabilizado pelas suas decisões, salvo se houver motivos para o responsabilizar em termos disciplinares,
civis ou penais (216º/2 CRP)- o juíz aplica a lei e, por isso, não pode ser responsabilizado pelas consequências
eventualmente nefastas para uma das partes da decisão que profere.

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Introdução ao Estudo do Direito II Leonor Branco Jaleco

20- Deteção de Lacunas

→ Determinação da Lacuna

1) Falta de Regulamentação

Lacuna- falta de qualquer regulamentação- e não de regulamentação expressa- para a solução de um caso
concreto- há caso mas não há regra (jurídica). Há que fazer uma interpretação extensiva do artigo 10º CC, pois
o problema da integração de lacunas só se coloca quando falte, em absoluto, qualquer regra jurídica para
regular um caso.

Atente-se que algo deve estar regulado, não porque a completude do sistema o exija, mas porque se entende
que, em nome de um qualquer valor, o sistema deve conter uma solução para um caso ou não deve dar a um
caso a mesma solução que fornece a outro. É preciso distinguir aquilo que alguns podem entender que deve
ser regulamentado. Por exemplo, o problema da necessidade ou não da regulamentação da eutanásia: neste
momento não existe regulamentação no ordenamento jurídico sobre a eutanásia- haverá uma lacuna? A
solução implica valorações morais, sociais, culturais. Não podemos dizer que a circunstância de o
ordenamento jurídico português não regulamentar este caso, determina que haja uma lacuna. O problema
não se coloca no sentido de alguém pretender ser submetido a uma situação de eutanásia e de querer obter
resposta pelo ordenamento jurídico e os tribunais não responderem- estamos perante problemas de
valorações, pode discutir-se ou não se a eutanásia deve ser discutida ou não, mas o próprio ordenamento
jurídico não exige que seja regulamentada.

Porque é que existem lacunas no ordenamento jurídico? Por várias razões:

1- Poque a técnica legislativa não é a melhor- o legislador regulou o caso A e B mas esqueceu-se de
regular o C, ou seja, não previu todas as situações que devia ter previsto;
2- A própria evolução tecnológica ou social pode abrir uma lacuna que anteriormente não existia- por
exemplo: quando surgiram os emails, criou-se o problema de saber se o email era ou não um
documento;
3- Pode ser que o legislador pense que a questão é nova, e que por isso merece reflexão, não se devendo
fazer logo legislação; deve esperar-se para saber como a doutrina reage ao problema que é novo e,
depois, com calma e ponderação, resolver o problema;
4- Porque pensamos que temos regulamentação mas afinal não temos, pois a fonte que regula a matéria
é inexistente, inválida ou ineficaz; a fonte não tem valor jurídico- problema da invalidade das fontes.

2) Incompletude no Sistema

A lacuna é uma incompletude- algo que falta. Mas nem toda a falta de regulamentação implica uma lacuna. A
lacuna só surge quando, sob o ponto de vista jurídico, falta para um caso com relevância jurídica, a respetiva
regulamentação. Há a conjugação de dois fatores: um fator negativo- a ausência de uma regulamentação legal-
e um fator positivo- a exigência dessa regulamentação.

É possível que falte algo no ordenamento jurídico? Kelsen nega essa possibilidade, defendendo que, se o
ordenamento nada diz, é porque é permitido (o que não é proibido, é permitido), e por isso não faz sentido
haver lacunas, já que, assim o ordenamento jurídico é completo- a permissão fraca de p (isto é, a ausência de
proibição de p) é suficiente para completar o sistema quanto ao regime aplicável a p.

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Introdução ao Estudo do Direito II Leonor Branco Jaleco

Falha do argumento de Kelsen- a questão não é se algo é permitido, mas se algo deve ser obrigatório. Por
exemplo, entre pais e filhos há uma relação recíproca especial, no sentido de que os pais devem ajudar os
filhos e vice-versa (assistência mútua). Imaginemos que a ordem jurídica nada diz sobre isto; Kelsen diria que
a ordem jurídica não proíbe que os pais ajudem os filhos e vice versa, logo, se não proibem, os pais podem
ajudar os filhos e vice versa. A mera permissão, possibilidade de auxílio entre pais e filhos seria aceitável?
Talvez não: o problema não é se podem, mas se devem. Ou seja, poderá aqui haver uma lacuna quanto à
obrigação de prestar assistência.

Pode ainda dizer-se que este argumento incorre na chamada “falácia naturalista”, pois deduz de um dever ser
(a não obrigatoriedade de p) de um ser (a inexistência de qualquer regra sobre p).

Isto é assim porque, na análise da completude do sistema jurídico, há que distinguir entre a hipótese em que
o legislador estabelece que tudo o que não é proibido é permitido e a hipótese em que o legislador não se
pronuncia sobre se o que não é proibido deve ser considerado permitido. No primeiro caso, o legislador fechou
o sistema, pelo que este não comporta nenhuma lacuna; no segundo, o sistema não é completo e comporta
uma lacuna se, apesar de não haver nenhuma proibição de uma conduta, se conclui que o próprio sistema
exige que esse ato seja obrigatório ou proibido.

De facto, os ordenamentos jurídicos podem ser incompletos- este é o ponto de partida, é uma permissa para
a integração da respetiva lacuna, de forma a ficar completo.

Artigo 10- verificar que o sistema jurídico é incompleto, completar o sistema jurídico através dos preceitos
deste artigo. Este artigo fornece os critérios para a integração de lacunas: a analogia (10º/1) e a regra
hipotética criada dentro do espírito do sistema (10º/3) e estes critérios apenas podem completar o sistema
jurídico, nunca podendo desconsiderá-lo ou violá-lo.

Há, portanto, uma incompletude NO sistema jurídico e não DO sistema jurídico- ou seja, os sistemas jurídicos
podem ser incompletos ao nível das fontes (por isso, possuir lacunas), mas são sempre completos ao nível das
regras quando admitem critérios de integração de lacunas extraídos deles próprios.

→ Deteção da Incompletude

Só podemos dizer que um sistema jurídico está incompleto quando encontramos no próprio sistema jurídico
algo que mostre que o sistema jurídico está incompleto. É o próprio sistema que deteta a lacuna. Por exemplo,
não havia código da estrada nem nenhuma regulamentação sobre a circulação de veículos, poderíamos dizer
que havia uma lacuna sobre a circulação de veículos de 2 rodas? Não, porque não havia nenhuma
regulamentação sobre a circulação de veículos. Mas se houvesse regulamentação sobre veículos de 4 rodas e
não houvesse sobre circulação de veículos de 2 rodas, aí já haveria lacuna. É o próprio sistema que cria a
lacuna. À medida que o sistema se vai construindo, vão-se detetando mais lacunas.

Como é que sabemos que o sistema jurídico é lacunoso, que por regular os casos A, B e C e não regular os
casos D e E, é lacunoso? Os critérios estão no artigo 10º. Um dos critérios é a aplicação analógica de uma regra
e outro é a regra hipotética (que o intérprete criaria se tivesse regulado a situação).

◊ Critério da Analogia: é necessário que haja um caso análogo ao caso omisso que se encontre
juridicamente regulado. Não faz sentido que se regule uma situação e não se regule outra que é
análoga- é, aliás, uma violação do princípio da igualdade perate a lei (13º/1 CRP). É o critério mais
simples para descobrir a existência de uma lacuna. A analogia é, portanto, critério de deteção e critério
de integração de lacunas.

E se estivermos numa situação em que a analogia não é possível? Por exemplo, as regras incriminatórias não
são suscetíveis de aplicação analógica- o homicídio é exatamente aquilo que o ordenamento jurídico descreve.

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Introdução ao Estudo do Direito II Leonor Branco Jaleco

O que não corresponder a essa descrição, não é homicídio. Neste caso, onde a analogia não é possível, não há
lacuna. Se um legislador não permite que as normas incriminatórias não sejam aplicadas analogicamente, ou
cabe na fonte penal e está regulado, ou não cabe e aí não podemos dizer que há lacuna.

Conclui-se que a incompletude no sistema está excluída não só quando o sistema é completo (não há nenhum
caso que não encontre solução), mas também quando o sistema é fechado (comporta uma regra que exclui a
aplicação analógica das suas regras a casos omissos). Enquanto no sistema completo não há lacunas porque
não há casos não regulados, no sistema fechado não há lacunas porque o sistema não admite a sua aplicação
a casos omissos. Num sistema fechado, tudo o que não é proibido é permitido, e por isso não há casos omissos.

Classificação das Lacunas

✓ Lacunas Normativas- falta de uma regra jurídica ou incompletude de numa regra jurídica;

✓ Lacunas de Regulação- falta de todo um regime jurídico;

✓ Lacunas Intencionais- o legislador não quis regular uma determinada matéria por ter considerado que
ela deveria vir a ser regulada por soluções desenvolvidas primeiro pela jurisprudência ou pela
doutrina;

✓ Lacunas Não Intencionais- o legislador, por equívoco ou imperícia, não regulou uma determinada
matéria;

✓ Lacunas Iniciais ou Primárias- verificam-se desde o início de vigência de um regima jurídico;

✓ Lacunas Subsequentes ou Secundárias- sobrevêm, por razões de evolução social, técnica, económica
ou outra, ao início de vigência de um regime jurídico;

✓ Lacunas Patentes- falta de uma regra ou de um regime jurídico que é imediatamente detetada;

✓ Lacunas Ocultas- decorrem de uma interpretação ab-rogante, pois numa primeira análise parece
haver uma regra jurídica que regula a situação, mas após a interpretação ab-rogante verifica-se que
afinal não há nenhuma regra aplicável a essa situação.
NOTA: a interpretação restritiva não origina qualquer lacuna oculta; determina a aplicação, na
ausência de qualquer outra solução, de uma regra de sentido contrário à regra inferida da fonte e, por
isso, não há falta de regra jurídica.

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Introdução ao Estudo do Direito II Leonor Branco Jaleco

21- Integração de Lacunas

→ Necessidade de Integração- duas soluções:


a) O juiz considera que o caso não pode ser juridicamente resolvido por falta de regulamentação
aplicável e abstém-se de proferir uma decisão. Neste hipótese, o tribunal verifica a situação de non
liquet e, por falta de regra aplicável, não está em condições de proferir nenhuma decisão.

b) O juiz tem, ainda assim, de proferir uma decisão sobre o caso omisso. Esta é a solução que, atendendo
ao disposto no artigo 8º/1 CC vigora no ordenamento jurídico português. Este preceito tem de ser
objeto de uma interpretação extensiva, porque o que estabelece não é que o juiz, depois de detetar
a lacuna, decide como entender, mas que o juiz, depois de realizar aquela deteção, tem de integrar a
lacuna e só depois pode decidir.

A obrigação de decidir o caso omisso requer que o próprio ordenamento jurídico faculte ao juiz os meios
necessários para a integração da lacuna.

→ Critérios de Integração

O artigo 10º CC estabelece os seguintes critérios de integração:

1. Analogia jurídica- os casos omissos são regulados segundo a regra aplicável aos casos análogos;
2. Regra hipotética- se a lacuna não puder ser preenchida através da analogia, procede-se à integração
através de uma regra hipotética: aquela que o intérprete criaria se houvesse que legislar dentro do
espírito do sistema- 10º/3 CC.

Analogia Jurídica:

No artigo 10º/2 estabelece-se que há analogia sempre que, no caso omisso, procedam as razões justificativas
da regulamentação do caso previsto na lei. Esta noção pressupõe uma identidade de razões da
regulamentação legal do caso previsto e do caso omisso.

→ Proibições da Analogia

a) Regras Penais- a proibição da aplicação da analogia a regras penais baseia-se no princípio nullum crimen
sine lege (29º/3 CRP), do qual decorre que não é permitido o recurso à analogia para qualificar um facto
como crime, definir um estado de perigosidade ou determinar uma pena ou uma medida de segurança
(1º/3 CRP). O princípio assenta na ideia de que uma conduta análoga à conduta tipificada não pode ser
considerada um crime.
b) Regras Fiscais- as lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da AR não são
suscetíveis de integração analógica.
c) Regras Excecionais- o artigo 11º CC dispõe que as regras excecionais não comportam aplicação analógica,
mas admitem interpretação extensiva. A solução decorrente deste artigo poderia ser justificado pela
circunstância de o conjunto constituído pela regra geral e pela regra excecional não poder admitir nenhuma
lacuna, dado que o que não fosse abrangido pela regra excecional seria necessariamente regulado pela
regra geral. Esta solução não é, contudo, sempre satisfatória, visto que o caráter excecional de uma regra
pode resultar apenas da formulação escolhida pelo legislador. Por exemplo, a regra “é proibido estacionar,
exceto aos domingos” tem o mesmo significado da regra “é permitido estacionar aos domingos”; se nada

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Introdução ao Estudo do Direito II Leonor Branco Jaleco

impede a aplicação analógica desta última regra aos feriados, não se vislumbra nenhuma razão para não
permitir uma idêntica aplicação analógica daquela regra excecional.

O critério que permite justificar a proibição da aplicação analógica das regras excecionais que consta do artigo
11º assentará, então, na distinção entre uma excecionalidade substancial- a que constrói um ius singulare, um
direito que é introduzido por razões de utilidade particular contra a razão geral- e uma excecionalidade formal-
que contraria uma regra geral sem contrariar quaisquer valores fundamentais do sistema jurídico ou que,
mesmo que contrarie, se apoia noutros valores fundamentais. Esta distinção traduz-se em que só a
excecionalidade substancial é incompatível com a aplicação analógica. Por exemplo, não admitem aplicação
analógica, por serem regras substancialmente excecionais, aquelas que proíbem a venda de pais a filhos (877º).

Já a excecionalidade formal é compatível com a aplicação analógica a casos omissos. Por exemplo, suponha-se
que uma regra proíbe o estacionamento, exceto para cargas e descargas de produtos comerciais; se houver
que determinar qual o regime a aplicar a um camião que pretende recolher o recheio da casa de um morador
que vai mudar de residência, é mais razoável aplicar analogicamente a exceção do que aplicar aquela regra de
proibição de estacionamento. Há, portanto, que recorrer a uma interpretação restritiva do artigo 11º, dado
que apenas as regras excecionais que contêm um ius singulare podem ser aplicadas analogicamente.

As tipologias legais são concretizações enunciativas ou taxativas de um tipo.

o Tipologias enunciativas- podem comportar, para além das previstas, outras concretizações do mesmo
tipo. São tipologias abertas, pelo que nunca se pode verificar nelas uma lacuna.
o Tipologias taxativas- só comportam as concretizações do tipo que nelas estiverem previstas. Por
exemplo, os tipos de crimes são apenas aqueles que são definidos pela lei. São tipologias fechadas,
pelo que não admitem a aplicação analógica a subtipos não previstos, embora nada impeça, se os
elementos da interpretação assim o impuserem, a interpretação extensiva de um ou vários subtipos
dela constantes.

→ Comunhão de Qualidades

Há que saber qual é o critério que permite aferir as semelhanças entre o caso previsto e o caso omisso. O
critério é o seguinte: os casos são semelhantes se apresentarem as mesmas características essenciais. Por isso,
a relação de analogia entre dois casos pode ser resumida nos seguintes aspetos:

1. O caso C1 tem como características essenciais ass propriedades P1, P2, e P3;
2. O caso C2 apresenta como características essenciais as propriedades P1 e P2;
3. Logo, o caso C2 é análogo ao caso C1.

A comunhão de características essenciais entre os casos análogos também pode ser vista de outra forma: são
análogos se pertencerem a um mesmo tipo, ou seja, se forem subtipos do mesmo tipo. Portanto, o raciocínio
analógico é também um raciocínio tipológico:

1. O caso C1 tem como características essenciais as propriedades P1, P2 e P3;


2. O caso C2 apresenta como características essenciais as propriedades P1 e P2;
3. Logo, o caso C2 pertence ao mesmo tipo do caso C1, ou seja, o caso C1 e C2 são subtipos do mesmo
tipo.

As lacunas são “autointegráveis” porque, para integrar a lacuna, é aplicada a própria regra que mostra a
existência da lacuna ao não prever um caso análogo aos casos nela previstos.

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Introdução ao Estudo do Direito II Leonor Branco Jaleco

A analogia jurídica tem de assentar num juízo valorativo, não só porque a escolha entre o que é considerado
essencial e o que é tido por acidental no caso omisso e no caso previsto exige um juízo valorativo, mas também
porque a ponderação sobre se as características essenciais do caso omisso e do caso previsto são
suficientemente próximas para que os casos possam ser considerados análogos é igualmente valorativa.

Só há analogia se a consequência jurídica que decorre da regra que regula o caso previsto for adequada ao
caso omisso, pelo que os casos não são análogos se a mesma consequência não for adequada a ambos.

A aplicação analógica da regra distingue-se da interpretação extensiva da fonte: mesmo com a interpretação
extensiva da fonte imposta pelos elementos não literais da interpretação, a fonte não abrange o caso omisso;
portanto, este caso só pode ser resolvido através da aplicação analógica da regra inferida da fonte.

→ Modalidades da Analogia
a) Analogia legis- utiliza-se, na procura dos princípios orientadores de um regime jurídico, apenas a regra
jurídica que regula um caso análogo. Pressupõe o seguinte:

- A regra R1 regula o caso C1;


- O caso C2 é análogo ao caso C1;
- A regra R1 aplicada analogicamente regula o caso C2.

b) Analogia iuris- utiliza-se, na busca desses princípios, uma pluralidade de regras jurídicas. Constrói-se
da seguinte forma:

- As regras R1...R4 regulam os casos C1...C4;


- O caso C5 é distinto dos casos C1...C4;
- O caso C5 não é regulado por nenhuma regra;
- As regras R1...R4 permitem inferir o princípio P;
- O princípio P é aplicável ao caso C5.

Distinção entre analogia legis e analogia iuris:


1. A primeira serve-se de uma regra jurídica na procura de princípios que devem orientar uma solução
jurídica, enquanto a segunda se serve de uma pluralidade de regras jurídicas;
2. Na analogia legis existe uma regra jurídica que regula um caso semelhante, enquanto na analogia iuris
essa regra não existe, mas decorre do ordenamento jurídico um princípio que permite resolver o caso
em apreciação.

→ Crítica da Analogia Iuris


Como esta analogia pressupõe que vigore no ordenamento jurídico um princípio que seja aplicável ao caso em
apreciação, não há sequer uma lacuna que deva ser integrada, dado que afinal há um princípio que regula
esse caso. A admissibilidade da analogia iuris como critério de integração de lacunas implica negar que os
princípios jurídicos possam ser critérios de decisão de casos concretos.

Regra Hipotética

Na falta de um caso análogo ao caso omisso, a lacuna é preenchida através da regra que o intérprete criaria
se tivesse que legislar dentro do espírito do sistema- 10º/3.
A construção da regra hipotética está excluída quando o sistema seja fechado, ou seja, quando não comporte
nenhuma lacuna. Quando o legislador, através da exclusão da aplicação analógica de uma regra, fecha um
sistema, não há sequer uma lacuna que deva ser integrada.

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Introdução ao Estudo do Direito II Leonor Branco Jaleco

→ Construção da Regra

A integração da lacuna com recurso à construção de uma regra hipotética deve orientar-se pelos valores de
abstração e de generalidade que são característicos das regras jurídicas.
O intérprete tem de construir a regra hipotética com observância do espírito do sistema- tem de considerar
os princípios formais e materiais que, na ótica do sistema, devem orientar a integração da lacuna.

A construção da regra hipotética é, em relação à aplicação analógica de uma regra, um critério subsidiário de
integração de lacunas- 10º/3. No direito português, a integração de lacunas orienta-se por princípios formais
e materiais, pois estão presentes tanto na aplicação analógica da regra que regula o caso previsto, como na
construção da regra hipotética que vai regular o caso omisso.
NOTA: a regra hipotética não cria direito, porque não é uma fonte do direito.

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Introdução ao Estudo do Direito II Leonor Branco Jaleco

Solução de Casos Concretos

22- Critérios de Solução

Um caso com relevância jurídica pode ser resolvido através de critérios normativos- baseados em leis gerais e
abstratas e assentes num princípio de universalização (todos os casos semelhantes devem ser decididos do
mesmo modo)- ou não normativos- baseados num princípio de especialidade- cada caso deve ser decidido
atendendo às suas particularidades.

→ Ponderação

A utilização de um critério normativo privilegia a confiança em detrimento da justiça, dado que o recurso a
uma lei abstrata e geral torna previsível a solução do caso concreto; em contrapartida, esse critério não pode
garantir que a solução seja a mais justa.

Pelo contrário, a utilização de um critério não normativo garante uma maior justiça da solução, dado que esta
pode atender às particularidades de cada caso concreto; em contrapartida, esse critério confronta-se com
uma diminuição da confiança, porque envolve uma certa imprevisão sobre a decisão que vai ser proferida pelo
julgador.

A outra opção verifica-se entre a aplicação automática (ou ex lege) da lei ou a intermediação de um órgão
decisório na solução de um caso concreto. Se o legislador estabelecer que um certo efeito decorre
diretamente da lei, então o caso concreto é solucionado sem a intervenção de nenhum decisor. Se, pelo
contrário, o legislador pretender que a solução do caso seja obtida através de critérios não normativos, isso
implica a intermediação de um órgão que aplique aqueles critérios.

Critérios Não Normativos

1. Discricionariedade

Atribui ao órgão decisório a possibilidade de decidir segundo o que for mais conveniente e oportuno para a
prossecução de um determinado interesse. Por exemplo, um particular requer à administração camarária
autorização para promover uma manifestação artística na via pública; a administração concederá ou recusará
essa autorização, atendendo, nomeadamente, ao local e à hora dessa manifestação e à previsível afluência do
público.

2. Equidade

Significa justiça do caso concreto; em contraposição ao caráter abstrato e geral da lei, a equidade atende às
especificidades do caso concreto e procura encontrar uma solução justa considerando essas mesmas
especificidades. O primeiro teorizador da equidade foi Aristóteles e este exprimia esta adaptação da justiça
ao caso concreto com a seguinte analogia: “a regra do que é indefinido é também ela própria indefinida, tal
como acontece com a régua de chumbo utilizada pelos construtores de Lesbos. Do mesmo modo que esta

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Introdução ao Estudo do Direito II Leonor Branco Jaleco

régua se altera consoante a forma da pedra e não permanece sempre a mesma, assim também o decreto terá
de se adequar às mais diversas circunstâncias”.

A equidade não pode ser considerada uma fonte do direito pois nunca possui as características de abstração
e de generalidade que são características normais da lei.

Seja como critério único, seja como critério concorrente da solução de casos concretos, o recurso à equidade
só é permitido se houver uma disposição legal ou negocial que o estabeleça.

Critérios Normativos

Aqueles que conduzem à aplicação de uma regra jurídica na resolução de um caso concreto.

Se, no ordenamento jurídico, houver uma única regra que regula o caso, é essa a regra a ser aplicada na sua
solução. Se houver, pelo contrário, uma pluralidade de regras potencialmente aplicáveis, verifica-se uma de
três situações:

1) Todas as regras são aplicadas ao caso, porque definem diferentes efeitos jurídicos que são compatíveis
entre si- cumulação de regras;
2) Qualquer das regras pode ser aplicada ao caso, porque todas elas definem o mesmo efeito jurídico-
concurso de regras;
3) Só uma das regras pode ser aplicada ao caso, porque são incompatíveis entre si- conflito de regras.

1) Cumulação de regras:

Verifica-se quando várias regras são aplicadas em conjunto na decisão de um caso concreto. Esta cumulação
é bastante frequente porque é uma consequência da circunstância de a ordem jurídica analisar por diferentes
ângulos uma única situação da vida. Raramente um caso é resolvido através da aplicação de uma única regra
jurídica: normalmente há uma regra que fornece uma qualificação principal e várias outras regras que
atribuem qualificações acessórias.

É possível imaginar casos que conduzem à aplicação de regras que atribuem um direito, estatuem um desvalor
para o ato e cominam a aplicação de uma sanção ao agente.

2) Concurso de regras:

Verifica-se quando um caso concreto é subsumível a uma pluralidade de regras que definem um mesmo efeito
jurídico, pelo que a decisão do caso pode ser fundamentada em qualquer delas. O concurso de regras implica
uma relação de alternatividade entre as regras concorrentes, pelo que qualquer delas pode ser utilizada para
resolver o caso em apreciação. Por exemplo, suponha-se que um restaurante provoca nos seus clientes uma
intoxicação alimentar; nesta hipótese verifica-se tanto a responsabilidade contratual do restaurante, porque
este não cumpriu a sua prestação contratual (798º), como a responsabilidade extracontratual daquele
restaurante, porque violou o direito à saúde dos seus clientes (483º/1); se um tribunal for chamado a apreciar
o caso, esse órgão pode impor ao restaurante o dever de reparar os danos provocados nos clientes com
fundamento tanto na regra de responsabilidade contratual, como na de responsabilidade extracontratual.

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Introdução ao Estudo do Direito II Leonor Branco Jaleco

3) Conflito de regras:

Verifica-se quando um caso é subsumível a várias regras, mas só uma delas pode ser aplicada na sua decisão.
A escolha da regra aplicável é realizada através dos critérios de especialidade, de excecionalidade, de
subsidariedade e de consumpção.

Se uma das regras for geral e a outra especial, prevalece a regra especial sobre a regra geral. Por exemplo, a
regra relativa à interpretação do testamento prevalece sobre as regras gerais de interpretação dos negócios
jurídicos.

Se uma das regras for geral e a outra excecional, prevalece a regra excecional sobre a regra geral. Por exemplo,
a regra respeitante à forma dos contratos onerosos relativos a direitos sobre imóveis prevalece sobre a regra
geral da liberdade de forma.

Se uma das regras for principal e a outra subsidiária, a regra subsidiária só pode ser aplicada quando a regra
principal não for aplicável ao caso. Por exemplo, a prisão preventiva não deve ser decretada sempre que possa
ser aplicada caução ou outra medida mais favorável.

Se uma das regras consumir uma outra regra, só se aplica a regra consumptiva. Por exemplo, se alguém matar
outrem com dolo, tendo antes disso agredido a sua vítima, o crime de homicídio consome o crime de ofensa
à integridade física.

→ Princípios Jurídicos

Os princípios jurídicos, sejam formais ou materiais, também são critérios normativos de decisão de casos
concretos. É mais comum o recurso aos mais concretos princípios materiais do que aos mais abstratos
princípios formais, mas não está excluído que uma decisão se possa fundamentar nos princípios formais de
justiça, confiança ou eficiência.

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Introdução ao Estudo do Direito II Leonor Branco Jaleco

23- Teoria da Argumentação Jurídica

Função da Argumentação

A argumentação jurídica visa criar uma convicção num destinatário. Aquela argumentação provém de um
interessado e tem, pelo menos, um destinatário- o contrainteressado ou a contraparte. Mas muito
frequentemente tem ainda outro destinatário- o juiz com competência para a decisão do caso concreto. Nesta
hipótese, os interessados procuram influenciar a construção da decisão, recorrendo a argumentos que possam
levar a formar no julgador a convicção de que o caso deve ser resolvido pela regra jurídica que pretendem que
seja aplicada e da forma como pretendem que ela seja aplicada.

Teoria Processual

Alexy construiu uma teoria processual da argumentação com base na premissa de que as questões práticas-
de âmbito valorativo ou normativo- podem ser resolvidas através de argumentação, porque qualquer juízo de
valor ou de dever ser tem uma pretensão de correção e também porque, nas discussões nos quais esta
pretensão seja questionada e deva ser fundamentada, é possível distinguir entre bons e maus fundamentos e
entre argumentos válidos e inválidos. Este modelo assenta no pressuposto de que é possível argumentar
racionalmente no âmbito do raciocínio prático.

→ Justificação do Discurso

Alexy distingue entre a justificação interna e a justificação externa da decisão.

a) Justificação interna- questão de saber se a decisão decorre logicamente das premissas constantes da
fundamentação:
1. O soldado deve, em questões de serviço, dizer a verdade;
2. O senhor M é soldado;
3. O senhor M deve, em questões de serviço, dizer a verdade.

b) Justificação externa- tem por objeto a correção das premissas que constituem a fundamentação.

Dissenso Racional e Irracional

 Necessidade de Regras

Os participantes numa discussão racional têm que obedecer a determinadas regras, pelo que há que
reconhecer que a teoria processual da argumentação fornece um dos modelos possíveis dessa discussão.

Regras propostas por Aarnio:

▪ Regras de consistência- o discurso prático deve ser consistente e isento de contradições;


▪ Regras de eficiência- o discurso prático deve conduzir a uma conclusão;
▪ Regras de sinceridade- permitem que todos possam participar de um discurso de forma honesta e
sem quaisquer tabus;
▪ Regras de generalização- um participante no discurso não pode emitir um juízo de valor que não seja
aplicável a todos os casos similares;
▪ Regras de fundamentação- toda a proposição, quando tal seja solicitado, deve ser justificada;

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Introdução ao Estudo do Direito II Leonor Branco Jaleco

▪ Regras de ónus da prova- exigem, em certas situações, uma justificação de determinado tipo ou com
um certo conteúdo (como o princípio da igualdade de tratamento de casos similares).

 Apreciação da Teoria Processual

Para a teoria processual da argumentação, o resultado de um discurso é considerado correto quando tenham
sido observadas as regras da argumentação racional. No entanto, o reconhecimento de que qualquer discurso
racional está submetido a determinadas regras não pode conduzir à aceitação irrestrita de qualquer resultado
desse discurso. É por isso que aquela teoria mereceu uma crítica totalmente procedente resumida na
afirmação “a verdade resulta do discurso, do diálogo. Mas ela não resulta, em todo o caso não de forma
exclusiva, através do discurso”. Quer dizer: o discurso é um meio para atingir a verdade, mas a utilização desse
meio não garante a obtenção da verdade.

Assim, ainda que o processo por ser considerado necessário para descobrir a verdade ou correção de um
resultado, ele nunca pode ser suficiente para constituir essa verdade ou correção. Isto é algo que qualquer
observador ou participante num processo jurisdicional pode corroborar: a decisão pode ser completamente
correta em face do que as partes discutiram e dos factos que foram apurados em juízo; mas resta sempre
saber se as partes discutiram o que deviam e como deviam, se os factos apurados correspondem aos factos
verdadeiros e se não ficaram por apurar factos relevantes. Portanto, a teoria processual da argumentação
realiza uma função heurística da verdade ou da correção, porque mostra como é que a verdade ou a correção
podem ser obtidas, mas não pode pretender cumprir uma função constitutiva dessa mesma verdade ou
correção, porque o processo não garante que a verdade ou a correção sejam atingidas.

Por exemplo, na afirmação “a regra R é justa, porque todos concordam com ela”, a concordância pode ser
obtida através de um diálogo entre os interessados; mas esta concordância não é constitutiva da justiça da
regra R; é precisamente o contrário: é porque a regra R é justa que todos podem concordar com ela.

Uma outra crítica que pode ser dirigida às orientações processuais da argumentação é a de que o discurso (ou
a discussão) nem sempre pode ocorrer em condições ideais ou só pode verificar-se com um nº restrito de
interessados. É por isso que já se afirmou que à teoria discursiva do direito subjaz uma conceção que pode ser
designada por “idealização do ausente”. Aquelas orientações pressupõem uma realidade que, atendendo às
condições do caso concreto, é quase sempre contrafactual.

 Consenso vs Dissenso

A teoria processual da argumentação visa definir as condições de um discurso racional com vista a obter um
consenso sobre uma solução- acerta no método (na necessidade de definir as condições da racionalidade da
discussão), mas equivoca-se no objetivo (a obtenção de um consenso).

Ao contrário do que esta teoria pressupõe, o normal não é uma discussão terminar com o consenso dos
participantes, mas com uma dissenção entre eles. Por exemplo, nos processos judiciais, cujo resultado é
necessariamente favorável a uma das partes e desfavorável à outra- dificilmente pode encontrar o
assentimento da parte vencida. Portanto, o que importa construir é uma teoria do dissenso irracional.

O que é relevante não é pensar que pode haver consenso sobre tudo, mas antes demonstrar que uma
discordância pode ser irracional.

- Racionalidade do Dissenso- nas sociedades pluralistas contemporâneas existem muitas matérias sobre as
quais se pode dizer que qualquer dissenso é racional: é o caso das crenças, ideologias, gostos, desejos ou

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Introdução ao Estudo do Direito II Leonor Branco Jaleco

aspirações. Existe um consenso sobre a racionalidade do dissenso em todas as referidas matérias, pois
ninguém achará irracional que nem todos partilhem das mesmas crenças, da mesma ideologia, etc. Trata-se
de matérias em que, mesmo que seja possível discutir com base em argumentos racionais, a única posição
racional é aceitar que todo o dissenso sobre elas é racional.

- Irracionalidade do Dissenso- também existem matérias em relação às quais qualquer dissenso se torna
irracional. É o caso, por exemplo, de duas pessoas estarem em desacordo sobre um facto passado (que é
afirmado por uma e negado pela outra) ou sobre uma valoração (que é considerada correta por uma e
incorreta pela outra), e nenhuma delas estar disposta a prescindir de argumentos racionais para determinar
o facto ou proceder à valoração, de molde a demonstrar a irracionalidade do dissenso do seu contra-
interessado. Nestas hipóteses, o convencimento de um dos interessados pelos argumentos racionais do outro
é uma possibilidade; no entanto, mais provável que o consenso é a persistência do dissenso. Para que um
dissenso possa ser considerado irracional, têm de ser observadas certas regras na discussão:

a. A regra da universalidade: tudo o que for passível de discussão pode ser discutido;
b. A regra da exaustão: todos os argumentos admissíveis para a discussão devem poder ser
invocados e discutidos;
c. A regra da igualdade: todos os argumentos que um interessado pode invocar podem ser
invocados por qualquer contra-interessado;
d. A regra do contraditório: tudo o que for argumentado por um interessado pode ser
contrariado por qualquer contra-interessado;
e. A regra do ónus da prova: tudo o que for afirmado por um dos interessados e contraditado
por um contra-interessado deve ser provado
f. A regra da indiscutibilidade: tudo o que for provado ou não provado é indiscutível.

Observadas estas regras, todo o dissenso sobre uma afirmação ou uma valoração é irracional, o que demonstra
que a argumentação racional não se destina a obter a racionalidade do consenso, mas a irracionalidade do
dissenso. Se for garantida a racionalidade da discussão, está igualmente assegurada a irracionalidade do
dissenso.

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Introdução ao Estudo do Direito II Leonor Branco Jaleco

24- Análise da Argumentação Jurídica

Elementos da Argumentação

Argumento- relação entre uma premissa- que pretende justificar a conclusão- e uma conclusão- que se baseia
na premissa. O argumento é a proposição que permite transformar uma “opinião em conhecimento”.

→ Estrutura do Argumento
 Conclusão- (C);
 Dados que conduzem à conclusão- (D);
 Razões que justificam a relação entre os dados e a conclusão- (R);
 Exceções à relação entre os dados e a conclusão- (E);
 Fundamento que alicerça as razções- (F).

Assim, pode afirmar-se que o dado D implica a conclusão C com base na razão R que se alicerça no fundamento
F, a não ser que se verifique a exceção E.

A aplicação do direito num caso concreta é realizada através de uma decisão, a qual, por seu turno, assenta
em certas premissas de facto e de direito. Os argumentos permitem quer construir essas permissas, quer
passar dos factos e do direito para a decisão.

Matéria de Direito

A argumentação relativa à matéria de direito baseia-se, entre outros, no:

a) Argumento a simile ou com base na analogia;


b) Argumento a contrario;
c) Argumento a fortiori.

a) Argumento A Simile

Baseia-se na analogia entre dois ou mais casos. Se o caso C1 é análogo ao caso C2, então o que vale para o
caso C1 tem de valer igualmente para o caso C2. Este argumento alicerça-se na unidade do sistema jurídico e,
em particular, no princípio da igualdade, segundo o qual o que é igual tem de ser tratado de forma igual.

O argumento a simile permite integrar, através de um raciocínio por analogia, uma lacuna (10º/1 e 2): nesta
hipótese, o intérprete verifica uma incompletude no sistema e completa-o através da aplicação analógica de
uma regra. Consequentemente, este argumento exclui os casos em que a regra defina um ius singulare ou
contenha uma tipologia ou uma enumeração taxativa.

O argumento baseado na analogia também pode ser utilizado pelo legislador para delimitar o campo de
aplicação de uma regra: o legislador previne a lacuna através da inclusão dos casos análogos na previsão de
uma mesma regra.

Relativamente a tipologias, estas distinguem-se de enumerações: uma tipologia contém várias concretizações
de um mesmo tipo; pelo contrário, uma enumeração contém várias concretizações avulsas, isto é, não
pertencentes a um mesmo tipo. Quanto à aplicação do argumento a simile, a diferença entre a tipologia e a
enumeração traduz-se no seguinte:

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Introdução ao Estudo do Direito II Leonor Branco Jaleco

i. Se a tipologia for enunciativa, é possível estendê-la a outras concretizações do mesmo tipo.


Por exemplo, a tipologia T refere-se aos subtipos S1, S2 e S3; o subtipo S4 é uma concretização do
mesmo tipo; o argumento a simile justifica que a tipologia se estenda ao subtipo S4.
ii. Se a enumeração for exemplificativa, só é possível estender uma ou várias enumerações a
casos análogos. Por exemplo, a enumeração E especifica os casos C1, C2 e C3; o caso C4 é análogo ao
caso C1; o argumento a simile permite que a enumeração se estenda ao caso C4.

b) Argumento A Contrario

Da interpretação de qualquer fonte resulta uma regra positiva- correspondente ao conjunto de casos
abrangidos pela regra- e uma regra negativa- relativa ao conjunto de casos a que a regra não é aplicável. O
argumento a contrario é aquele que permite concluir que a regra negativa é uma regra de sentido contrário
ao da regra positiva. Assenta no seguinte princípio: se a regra positiva só abrange um determinado caso, então
pode concluir-se que todos os casos que não sejam análogos ao caso regulado são abrangidos pela regra
negativa de sentido contrário. Assim, se a regra se aplica ao caso C1, pode concluir-se que o caso C2 é regulado
por uma regra de sentido contrário.

O enunciado do princípio subjacente a este argumento mostra a sua grande dificuldade: trata-se de saber se
a regra, ao regular um caso, exclui do seu âmbito todos os outros casos (hipótese que justifica o recurso ao
argumento a contrario) ou se a regra, apesar de se referir apenas a um caso, deve ser aplicada a outros casos
não previstos (hipótese em que se justifica a sua aplicação analógica).

Esta dificuldade intrínseca do argumento a contrario não deve ser aumentada com outra dificuldade, a de
saber qual foi a intenção do legislador. Tal como na interpretação da lei, também na aplicação do argumento
a contrario há que utilizar parâmetros puramente objetivos, pelo que o que conta é se, de um ponto de vista
objetivo, o sistema requer a construção de uma regra oposta à regra explícita.

O argumento a contrario pode ser entendido num sentido forte- se a sua base for uma regra excecional- ou
num sentido fraco- se a sua base for o silêncio legal.

◊ Sentido Forte

A regra que fundamenta tem de ser uma regra insuscetível de ser aplicada analogicamente aos casos nela não
previstos, de molde a poder dizer-se que todos os casos que ela não abrange são regulados por uma regra de
sentido contrário. O recurso a este argumento ocorre quanto às regras que definem um ius singulare ou que
contêm uma tipologia taxativa, bem como quanto às fontes que são submetidas a uma interpretação
restritiva.

Se a regra excecional constituir um ius singulare, a sua aplicação analógica está necessariamente excluída
(11º), pelo que o argumento a contrario é admissível. Por exemplo, o art. 1691º/1 b) a e) e 2, estabelece que
determinadas dívidas, apesar de terem sido contraídas apenas por um dos cônjuges, responsabilizam ambos
os cônjuges; como o princípio é o de que ninguém pode ser responsabilizado por atos que não praticou, esses
preceitos contêm um ius singulare e são insuscetíveis de aplicação analógica; portanto, a contrario sensu, pode
concluir-se que, em todos os outros casos em que apenas um dos cônjuges tenha contraído uma dívida, é ele
o único responsável pelo seu cumprimento.

Se a regra excecional não constituir um ius singulare, ainda há que ponderar se, no caso concreto, se justifica
a aplicação analógica dessa regra ou a aplicação da regra contrária baseada no argumento a contrario. Por
exemplo, da regra excecional (perante a regra geral de que é proibido estacionar nos dias úteis) “é permitido

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Introdução ao Estudo do Direito II Leonor Branco Jaleco

estacionar aos domingos”, pode deduzir-se, com base no argumento a simile, que é permitido estacionar aos
dias feriados e, com base num argumento a contrario, que é permitido estacionar nos demais dias.

As regras que contêm uma tipologia taxativa são insuscetíveis de aplicação analógica e, por isso, também
fundamento o argumento a contrario. Por exemplo, como só pode ser considerado crime a conduta que como
tal seja qualificada pela lei, pode inferir-se, a contrario, que nenhuma outra conduta pode ser punida como
criminosa. O mesmo se pode dizer das enumerações taxativas; por exemplo, o art. 2009.

O argumento a contrario também pode ter por fundamento a interpretação restritiva de uma fonte, sempre
que aquela que não implique a aplicação de outra regra do sistema jurídico. E interpretação restritiva da lei
L1, através da qual se conclui que é aplicável ao facto F1, mas não ao facto F2, implica que, na falta de outra
regra aplicável, se aplica ao facto F2 uma regra de sentido contrário àquela que se extrai da lei L1.

◊ Sentido Fraco

Se a regra jurídica R1 determina que só o facto F1 produz o efeito E1, então isso significa que o facto F2, que
não é subsumível à regra R1, não pode produzir o efeito E1.

- O argumento a contrario em sentido forte baseia-se na inadmissibilidade da analogia;

- O argumento a contrario em sentido fraco assenta numa relação de alternatividade entre dois contrários.

c) Argumento A Fortiori

Pode revestir as modalidades de argumento a minori ad maius e de argumento a maiori ad minus.

- A Minori Ad Maius- comporta duas formulações:

Uma delas atende à previsão da regra: se o “menos” é suficiente para produzir certos efeitos jurídicos, então
o “mais” produz necessariamente esses efeitos.

A outra formulação considera a estatuição da regra e o efeito jurídico nela definido: se a regra proíbe o
“menos”, então também proíbe o “mais”.

- A Maiori Ad Minus- também comporta duas formulações:

Uma delas parte da previsão da regra: se o “mais” não produz certo efeito jurídico, então o “menos” também
não o pode produzir.

A outra formulação parte da estatuição da regra: se a regra permite o “mais”, então também permite o
“menos”.

Matéria de Facto

Num processo jurisdicional, o que é conhecido sobre a matéria de facto pode ser quer uma premissa de facto,
que uma conclusão de facto. Se for conhecida uma premissa de facto, o argumento pretende fundamentar a
conclusão que pode ser extraída dessa premissa de facto. Se for conhecida uma conclusão de facto, o
argumento pretende determinar o fato que a ela conduziu.

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Introdução ao Estudo do Direito II Leonor Branco Jaleco

A distinção entre o conhecimento de uma premissa ou de uma conclusão de facto permite enumerar dois
tipos de argumentos:

i. Quando for conhecida a premissa de facto, o argumento que pode conduzir à conclusão de facto é de
caráter presuntivo;
ii. Quando for conhecida a conclusão de facto, o argumento que pode conduzir à premissa de facto é de
caráter abdutivo.

i) Argumentos Presuntivos

Aqueles que, partindo de um facto, procuram justificar uma conclusão de facto, pelo que são aqueles que
procuram estabelecer a relação entre um facto (dado) e uma conclusão de facto (conclusão).

ii) Argumentos Abdutivos

“A abdução é o processo de formação de uma hipótese explicativa. É o único tipo de operação lógica que
introduz uma ideia nova”- Peirce. A dedução prova que algo deve ser, a indução mostra que algo é realmente
operativo; a abdução apenas sugere que algo pode ser.

Por vezes, a dificuldade não reside em determinar o facto, mas em encontrar a sua causa. Por exemplo,
quando se encontra uma pessoa morta, as dificuldades residem na determinação das causas de morte.

O argumento abdutivo é aquele que, partindo de uma conclusão de facto, procura encontrar o facto que a
justifica da forma mais plausível possível. Portanto, este argumento visa determinar o facto que constitui a
causa (dado) de uma conclusão de facto (conclusão).

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