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Editora do Site: Valéria Andrade
Esteve em cartaz no primeiro final de semana de agosto, no Teatro Ednaldo do Egito, a montagem
do Grupo de Teatro Contratempo, com direção de Duílio Cunha, uma de suas peças, As Velhas,
que comemora três anos de estrada. Como esse fenômeno não acontece com qualquer texto ou
espetáculo, podemos destacar a importância definitiva da dramaturgia no núcleo do fenômeno
teatral – o pequeno público de teatro em nosso Estado, ainda elege os grandes textos, que falem
sobre o seu universo, combinados com boas encenações, que tragam elementos que também
tenham representatividade neste mesmo universo. Há algo mais propriamente nosso do que o
drama das famílias tangidas pelas secas, exploradas em seus parcos recursos pelas frentes oficiais
de trabalho, controladas pelo poder local? N’As Velhas discute-se a seca, o poder político, as
vinganças familiares e o êxodo rural, tudo isso desencadeado pelas intempéries e pela busca de
Mariana (Zezita Matos) por aquela mulher que lhe “roubou” o marido e, conseqüentemente, a sua
condição de mulher-fêmea, como bem diz a personagem: “Se num fosse aquela cadela prenha ter
se atravessado na vida da gente... Tirou o pai dos meus filhos, o sossego da família... quem quiser
que pense o que é uma mulher nova, forte, viçosa, caçar nos quatro canto da casa o seu homem e
só achar a saudade dele...” De outro lado, teremos o envolvimento dos filhos de Mariana, Branca
(Ingrid Trigueiro) e Chicó, com José (João Dantas), filho de Ludovina (Cida Costa), a outra velha,
que presa à soleira de sua porta por um reumatismo “tanto determina a luta de casa, como dá
conta da vida de quem vai e quem vem...” A ligação entre as duas famílias é travada pelo mascate
Tomás (Maurício Soares), que na sua função de leva-e-traz acaba alcovitando o romance entre
Branca e José, como também anuncia os mandos e desmandos dos poderosos, instigando José e
Chicó a denunciarem as fraudes na composição das listas do programa de emergência contra a
seca.
riso fácil pela caricatura, mas aquele riso desconfiado, de (re)conhecimento, riso de si-mesmo. De
outro lado a “forma” escolhida para essa “representação” demonstra um perfeito entendimento do
equilíbrio entre os lances cômicos e dramáticos. Os diálogos e os monólogos (recurso utilizado
para a expressão dos sentimentos e entendimentos mais íntimos de Mariana e Branca); os recuos
no tempo (o belíssimo flashback que se dá no corredor do fundo do palco, quando ficamos
sabendo que na realidade Ludovina é a mulher que Mariana procura); a iluminação muito bem
construída e que nos seduz, criando a ilusão cênica de um ciclo de sol (amanhecer, tarde, noite
fechada, manhã, crepúsculo); a movimentação dos atores que preenchem todo o palco o tempo
inteiro, fazendo com que o público tenha num plano o diálogo enquanto no outro alguma ação
silenciosa se desenrola (como na primeira cena, quando acompanhamos toda a arrumação do
rancho da família de Mariana embaixo da Oiticica enquanto Ludovina silenciosamente arruma uns
panos no praticável, ou no interlúdio da alimentação, quando vemos as duas famílias num quadro
belíssimo de nossos costumes, comendo feijão “de bolo”); tudo isso à disposição do fio narrativo
que se desenrola diante de nossos olhos.
As Velhas, de Lourdes Ramalho, é um texto paradigmático para a história recente do teatro na/da
Paraíba – montado, remontado e premiado por onde anda, desde 1975, quando foi saudado no
Paraná, por Henriette Morienau como “magnífico”; passando pela assinatura
expressionista/surrealista tida como “definitiva” do talentoso Moncho Rodriguez, em 1989;
chegando à carreira de três anos de sucesso do Grupo Contratempo – e demonstra que ainda
existem frentes de resistência e, por que não, de existência em nossa cena teatral.