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FACULDADE DE TECNOLOGIA E CIÊNCIAS DE ITABUNA – FTC

Curso: DIREITO
Disciplina: Direito Civil II
Professor: Paulo Sérgio dos Santos Bomfim (apud Prof. Rafael de
Menezes)

DIREITO CIVIL II – TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES


– FTC

Neste semestre começa a ser estudada a parte especial


do Direito Civil, esta que é a mais extensa disciplina do curso
de Direito, com sete períodos, um da parte geral, já visto, e
seis da parte especial. Além de disciplina mais extensa e mais
importante do curso, o Direito Civil hoje predomina sozinho no
Direito Privado. Vocês sabem que as normas jurídicas têm
duas grandes divisões conforme estudado na Teoria Geral do
Direito: o Direito Público e o Direito Privado. É Direito Público
o Direito Constitucional, Administrativo, Processual, Penal e
Tributário. Já o Direito Civil, Comercial e do Trabalho integram
o Direito Privado, mas só o Direito Civil é privado por
excelência. Isto porque o Direito Comercial tem se
aproximado do Direito Público neste séc. XXI de mundo
globalizado e mercados internacionais como a União
Européia, o Mercosul – Mercado Comum do Sul, a Nafta da
América do Norte, a Alca – Área de Livre Comércio das
Américas, etc. Cada vez mais as nações participam e se
integram em blocos econômicos, aproximando o Direito
Comercial do Direito Público. Igualmente o Direito do
Trabalho, um filho do Direito Civil, aproxima-se do Direito
Público na medida em que o Estado interfere nas relações
empregatícias para proteger e tornar indisponíveis direitos
dos trabalhadores. Tenho um artigo no meu site chamado “A
importância do Direito Privado apesar da publicização do
Direito” onde afirmo inclusive que o Direito do Trabalho é
Direito Público, confiram! A publicização é justamente este
avanço do Direito Público sobre o Direito Privado, com o
Estado sufocando nossas atividades, atrofiando a economia,
controlando nossa rotina, cobrando multas e impostos, porém
fornecendo pouco em troca... O que vocês acham?

Bem, voltando ao cível, hoje vocês começam o estudo da


parte especial do Direito Civil, e durante seis semestres serão
estudados os quatro grandes temas cíveis: obrigações, reais,
família e sucessões. No Direito das Obrigações vocês vão
conhecer as normas que tratam das relações das pessoas
entre si, é por isso que o Direito das Obrigações é também
conhecido como Direito Pessoal. As obrigações entre as
pessoas se originam de vários modos, especialmente do
contrato.

Já no Direito Real serão estudadas as normas que tratam


das relações das pessoas com os bens, sendo também
chamado de Direito das Coisas. Existem vários direitos reais
(art. 1.225) e o principal deles é a propriedade.

Então ao longo da nossa vida, eu, vocês, João, José e


Maria nos relacionamos com várias pessoas, através dos
contratos, e nos apropriamos de vários bens, adquirindo
propriedade, para a formação de um patrimônio. Este é o
sentido da vida: estudar e trabalhar para ficar rico! O Direito
Civil é o direito dos ricos! Perdoem-me os espiritualistas, mas
dinheiro é muito importante na nossa vida, especialmente na
nossa velhice quando estamos mais vulneráveis. Pois bem,
todo esse patrimônio que nós juntamos na nossa vida será
transferido a nossos herdeiros após nossa morte. Desta
transmissão de bens cuida o Direito das Sucessões.

O Direito das Obrigações, o Direito das Coisas e o Direito


das Sucessões integram a chamada autonomia privada, ou
seja, é o campo do Direito Civil onde os particulares se
relacionam entre si, com grande liberdade, na celebração de
contratos e na apropriação de bens que lhes interessam, para
a formação de um patrimônio que será transferido aos
familiares após a morte. Se no Direito Público só se pode fazer
o que a lei permite, no Direito Civil pode-se fazer tudo o que a
lei não proíbe, ou seja, a liberdade aqui é bem maior.

Dos quatro ramos do Direito Civil, só o Direito de Família


sobra deste raciocínio. Sem dúvida o Direito de Família
pertence ao Direito Civil, afinal trata das relações entre
familiares, e nada é tão íntimo e privado quanto a família de
cada um de nós. Além disso, tais familiares, via de regra, são
os herdeiros do patrimônio adquirido na nossa vida. Mas no
Direito de Família as questões econômicas não predominam
tanto quanto no resto do Direito Civil, afinal o que alimenta a
família é o amor, é a sensibilidade, é a amizade e não o
dinheiro. Em suma, o Direito de Família integra o Direito Civil,
mas não integra a autonomia privada.

Concentrando-nos no Direito das Obrigações, objeto dos


próximos dois semestres, podemos conceituá-lo como a
disciplina que trata das relações harmônicas entre as pessoas
para a satisfação dos seus interesses individuais. Digo
“relações harmônicas” porque a sociedade exige harmonia,
sob pena de conflito e caos social. Digo “satisfação de
interesses” porque uma pessoa não consegue produzir
sozinha tudo que precisa para viver, e por impulso precisa se
relacionar com outra para obter bens de seu interesse. As
relações obrigacionais acontecem a todo instante e são o
suporte econômico da sociedade moderna de consumo,
especialmente através do contrato de compra e venda.

Quanto mais a gente compra, aluga, troca, empresta,


etc., mais dinheiro circula na economia, mais as lojas
vendem, mais as fábricas produzem, mais os empresários
lucram, mais empregos são gerados e mais impostos são
arrecadados.Todos ganham! Mas para gastar é preciso ter
dinheiro, e para isso é preciso trabalhar, e para isso é preciso
estudar. Estudem pois!

OBRIGAÇÃO

Na primeira aula conceituamos o Direito das


Obrigações e o situamos dentro do Direito Civil, bem como
situamos o Direito Civil dentro do ordenamento jurídico.
Vamos hoje tratar da obrigação.

Conceito:

Todos temos obrigações na nossa vida, seja para com o


país (ex: serviço militar, votar nas eleições, pagar impostos)
seja para com a família (1.566). Mas a obrigação que nos
interessa neste curso é a obrigação civil. Num conceito mais
simples, a obrigação é o direito do credor contra o devedor.
Num conceito mais completo, a obrigação é um vínculo
jurídico transitório em virtude do qual uma pessoa fica sujeita
a satisfazer uma prestação econômica em proveito de outra.
Expliquemos:

- vínculo jurídico: o vínculo é o motor da obrigação e


precisa interessar ao Direito; um vínculo apenas moral (ex:
ser educado, ser gentil, dar “bom dia”) ou religioso (ex: ir a
missa todo Domingo) não tem relevância jurídica;

- transitório: a obrigação é efêmera, tem vida curta


(ex: uma compra e venda de balcão dura segundos), podendo
até ser duradoura (ex: alugar uma casa por um ano), mas não
dura para sempre. Inclusive um direito de crédito se extingue
quando é exercido (ex: José bate no carro de Maria, quando
Maria cobra o prejuízo e José paga, a obrigação se extingue).
Já os Direitos Reais são permanentes, e quanto mais
exercidos mais se fortalecem (ex: a propriedade sobre uma
fazenda passa por gerações de pai para filho, e quanto mais a
fazenda for usada mais cumprirá sua função social, ficando
livre de invasões e desapropriação). Há outras diferenças dos
Direitos Reais para os Direitos Obrigacionais que serão
abordadas em Civil 4.

- prestação: é o objeto da obrigação e se trata de uma


conduta ou omissão humana, ou seja, sempre é dar uma
coisa, fazer um serviço ou se abster de alguma conduta. Dar,
fazer e não-fazer, estas três são as espécies de obrigação,
voltaremos a elas abaixo.

- econômica: toda obrigação precisa ter um valor


econômico para viabilizar a responsabilidade patrimonial do
inadimplente se não for espontaneamente cumprida. Em
outras palavras, se uma dívida não for paga no vencimento o
credor mune-se de uma pretensão e a dívida se transforma
em responsabilidade patrimonial. Que pretensão é esta de
que se arma, de que se mune o credor? É a pretensão a
executar o devedor para atacar/tomar seus bens através do
Juiz (391, 942). E se o devedor/inadimplente não tiver bens?
Então não há nada a fazer pois, como dito, a responsabilidade
é patrimonial e não pessoal. Ao credor só resta espernear, é o
chamado na brincadeira “jus sperniandi”. Realmente já se foi
o tempo em que o devedor poderia ser preso, escravizado,
esquartejado e morto por dívidas, pois isto hoje atenta contra
a dignidade humana. Os únicos casos atuais de prisão por
dívida são no contrato de depósito, que veremos em Civil 3
(652), e na pensão alimentícia, assunto de Direito de Família.

Elementos da obrigação: são três:

a) duplo sujeito: o Direito das Obrigações trata das


relações entre pessoas, então toda obrigação tem dois
sujeitos, um ativo, chamado credor, e um passivo, chamado
devedor. Não existe relação obrigacional com apenas um
sujeito (381). Pode haver num dos pólos mais de um credor e
mais de um devedor (257). Numa relação simples, sabe-se
exatamente qual das partes é a credora e qual é a devedora
(ex: José bate no carro de Maria, então José é devedor e Maria
é credora), mas numa relação complexa ambos os sujeitos
são simultaneamente credores e devedores (ex: contrato de
compra e venda, onde o comprador deve o dinheiro e é
credor da coisa, e o vendedor deve a coisa e é credor do
dinheiro). Tais obrigações complexas são também chamadas
de sinalagmáticas. Os sujeitos precisam ser bem identificados
para que o devedor saiba a quem prestar, e o credor saiba de
quem receber. Excepcionalmente o devedor pode ser
desconhecido (ex: qualquer pessoa que adquira imóvel
hipotecado responde pela dívida, apesar de não ter
originariamente assumido a obrigação; 303, mais detalhes em
Civil 5) e o credor também pode ser desconhecido (ex: o
credor faleceu ou desapareceu, deve então o devedor pagar
na Justiça para se livrar da obrigação, 334; outro ex: 855).

b) vínculo jurídico: o vínculo liga os sujeitos ao objeto da


obrigação. O vínculo é a força motriz da relação obrigacional.
O vínculo seria qualquer acontecimento relevante para o
direito capaz de fazer nascer uma obrigação (ex: um acidente
de trânsito gera um ato ilícito, um acordo de vontades produz
um contrato, etc).

c) objeto: atenção com o objeto! O objeto da obrigação


não é uma coisa, mas um fato humano/uma conduta ou
omissão do devedor chamada prestação. A prestação possui
três espécies: dar, fazer, ou não-fazer. Na obrigação de dar o
objeto da prestação é uma coisa (ex: dar dinheiro, dar uma
TV), mas o objeto da obrigação é a ação de entregar a coisa,
não a coisa em si. Na obrigação de fazer o objeto da
prestação é um serviço (ex: o cantor realiza um show, o
advogado redige uma petição, o professor ministra uma aula).
Finalmente, na obrigação de não-fazer, o objeto da prestação
é uma omissão/abstenção (ex: o químico da fábrica de
perfume é demitido e se obriga a não revelar a fórmula do
perfume).

Como o objeto da obrigação é a prestação, mesmo na


obrigação de dar o credor não tem poder sobre a coisa, mas
sim sobre a prestação (ex: compro uma geladeira e a loja
promete me entregar em casa, mas a loja não cumpre, não
posso por isso invadir a loja e pegar a geladeira à força, devo
sim exigir perdas e danos, 389 – trata-se da responsabilidade
patrimonial do devedor, como dito acima).

As obrigações de dar e de fazer são positivas, e a de


não-fazer é a chamada obrigação negativa.

O objeto da obrigação para ser válido precisa ser lícito


(ex: comprar drogas, contratar o serviço de um “pistoleiro”,
etc), possível (ex: viagem no tempo, procurar um anel no
mar, encontrar um dinossauro vivo), determinável (a coisa
devida precisa ser identificada, 243) e ter valor econômico
para viabilizar o ataque ao patrimônio do devedor em caso de
inadimplemento (947). Acrescentem “valor econômico” ao
art. 104, II, do CC.

FONTES DAS OBRIGAÇÕES

O Direito se origina dos fatos = ex facto iur oritur. As


fontes do Direito são a lei, a jurisprudência, a doutrina e os
costumes, conforme estudado em Introdução ao Direito. No
caso das obrigações, quais suas fontes? De onde se originam
as obrigações? Ressalto que há muitas obrigações que
interessam a outras áreas jurídicas e que têm por fonte a lei,
ex: obrigação de alimentar os parentes necessitados, assunto
de Direito de Família (1.696); obrigação de votar, assunto de
Direito Eleitoral; obrigação de pagar impostos, assunto de
Direito Tributário; obrigação dos homens de prestar serviço
militar, etc.

Mas e as obrigações patrimoniais privadas? Como


surgem as relações concretas entre particulares tendo por
objeto determinada prestação? São três as fontes segundo o
Código Civil, vejamos:

1 – Contratos: esta é a principal e maior fonte de


obrigação. Através dos contratos as partes assumem
obrigações (ex: compra e venda, onde o comprador se obriga
a pagar o preço e o vendedor se obriga a entregar a coisa).
No próximo semestre serão estudados com detalhes os
inúmeros contratos (ex: locação, doação, empréstimo, seguro,
transporte, mandato, fiança, etc).

2 – Atos unilaterais: segundo nosso Código, são os


quatro capítulos entre os arts. 854 e 886, com destaque para
a promessa de recompensa (ex: perdi meu cachorro e pago
cem a quem encontrá-lo, obrigando-me perante qualquer
pessoa que cumpra a tarefa). Não temos aqui um contrato,
mas um ato unilateral gerador de obrigação, como será visto
no próximo semestre.

3 – Atos ilícitos: já estudados no semestre passado,


revisem o art. 186 (ex: João bate no carro de Maria e se
obriga a reparar os prejuízos). O estudo dos atos ilícitos deve
ser aprofundado na importante disciplina Responsabilidade
Civil (927).

ESPÉCIES DE OBRIGAÇÃO

São três, duas positivas (dar e fazer) e uma negativa


(obrigação de não-fazer).

1 – obrigação de dar: conduta humana que tem por


objeto uma coisa, subdividindo-se em três: obrigação de dar
coisa certa, obrigação de restituir e obrigação de dar coisa
incerta.

1.1 – obrigação de dar coisa certa: vínculo jurídico


pelo qual o devedor se compromete a entregar ao credor
determinado bem móvel ou imóvel, perfeitamente
individualizado.

Tal obrigação é regulada pelo Código Civil a partir do art.


233, salvo acordo entre as partes, ou seja, se as partes não
ajustarem de modo diferente, vão prevalecer as disposições
legais. Na autonomia privada, como dito na aula 1, a
liberdade das partes é grande, e o Código Civil serve mais
para completar a vontade das partes caso haja omissão no
ajuste entre elas. Diz-se por isso que a maioria das normas
de direito privado são supletivas, enquanto a maioria das
normas de direito público são imperativas = obrigatórias.
O que vai caracterizar a obrigação de dar coisa certa é
porque o objeto da prestação é coisa única e preciosa, ex: a
raquete de Guga, o capacete de Ayrton Senna, a camisa dez
de Pelé, etc. (235). O devedor obrigado a dar coisa certa não
pode dar coisa diferente, ainda que mais valiosa, salvo acordo
com o credor (313 – mais uma norma supletiva).

Se o devedor recebe o preço e se recusa a entregar a


coisa, o credor não pode tomá-la, resolvendo-se o litígio em
perdas e danos (389). A obrigação não geral direito real ( =
sobre a coisa), mas apenas direito pessoal ( = sobre a
conduta). Excepcionalmente, admite-se efeito real caso a
coisa continue na posse do devedor (ex: A combina vender a
B o capacete de Ayrton Senna, B paga mas depois A recebe
uma oferta melhor e termina vendendo o capacete a C; B não
pode tomar o capacete de C, mas caso estivesse ainda com A
poderia fazê-lo através do Juiz; esta é a interpretação do art.
475 do CC que vocês estudarão em Civil 3). Então o 389 é a
regra e o 475 (execução forçada do contrato) é a exceção.

E se a obrigação não gera direito real, o que vai gerar?


Resposta: a tradição para as coisas móveis e o registro para
as coisas imóveis. Tradição e registro são assuntos de Direitos
Reais mas que já devo adiantar. Tradição é a entrega efetiva
da coisa móvel (1226 e 1267), então quando compro uma
geladeira, pago a vista e aguardo em casa sua chegada, só
serei dono da coisa quando recebê-la. Ao contrário, se compro
um celular a prazo e saio com ele da loja, o aparelho já será
meu embora não tenha pago o preço (237). Eventual
perda/roubo da geladeira/celular trará prejuízo para o dono,
seja ele a loja ou o consumidor, a depender do momento da
tradição. É a confirmação do brocardo romano res perit
domino (= a coisa perece para o dono), seja o comprador ou o
vendedor, até a tradição (492). Se o devedor danificar a coisa
antes da tradição, terá que indenizar o comprador por perdas
e danos (239).

Por sua vez, o registro é a inscrição da propriedade


imobiliária no Cartório de Imóveis, de modo que o dono do
apartamento não é quem mora nele, não é quem pagou o
preço ou quem tem as chaves. O dono da coisa imóvel é
aquele cujo nome está registrado no Cartório de Imóveis
(1245 e § 1º). Mais detalhes sobre tradição e registro em Civil
4.
1.2 – obrigação de restituir: é também chamada de
obrigação de devolver. Difere da obrigação de dar, pois nesta
a coisa pertence ao devedor até a tradição, enquanto na
obrigação de restituir a coisa pertence ao credor, apenas sua
posse é que foi transferida ao devedor. Posse e propriedade
são conceitos que serão estudados em Direitos Reais, mas dá
para entender que quando se aluga um filme, a locadora
continua sendo proprietária do filme, é apenas a posse que se
transfere ao cliente. Então na locação o cliente/devedor tem a
obrigação de restituir o bem ao locador após o prazo acertado
(569, IV). Como se vê, na obrigação de restituir a prestação
consiste em devolver uma coisa cuja propriedade já era do
credor antes do surgimento da obrigação. Igualmente se eu
empresto um carro a meu vizinho, eu continuo
dono/proprietário do carro, apenas a posse é que é
transferida, ficando o vizinho com a obrigação de devolver o
veículo após o uso. Locação e empréstimo são exemplos de
obrigação de restituir, ficando a coisa em poder do devedor,
mas mantendo o credor direito real de propriedade sobre ela.
Como a coisa é do credor, seu extravio antes da devolução
trará prejuízo ao próprio credor (240), enquanto na obrigação
de dar o extravio antes da tradição traz prejuízo ao devedor.
Em ambos os casos, sempre prevalece a máxima res perit
domino. Mas é preciso cuidado para evitar fraudes (238, ex:
alugo um carro que depois é furtado, o prejuízo será da loja,
por isso é prudente a locadora sempre fazer seguro). Outro
exemplo de obrigação de restituir está no art. 1.233, então se
“achado não é roubado”, também não pode ser apropriado,
devendo quem encontrar agir conforme o p.ú. do mesmo
artigo.

ESPÉCIES DE OBRIGAÇÃO (continuação)

1 – obrigação de dar

1.1 – obrigação de dar coisa certa

1.2 – obrigação de restituir (já vistas na aula passada)

1.3 – obrigação de dar coisa incerta: nesta espécie de


obrigação a coisa não é única, singular, exclusiva e preciosa
como na obrigação de dar coisa certa, mas sim é uma coisa
genérica determinável pelo gênero e pela quantidade (243).
Ao invés de uma coisa determinada/certa, temos aqui uma
coisa determinável/incerta (ex: cem sacos de café; dez
cabeças de gado, um carro popular, etc). Tal coisa incerta,
indicada apenas pelo gênero e pela quantidade no início da
relação obrigacional, vem a se tornar determinada por
escolha no momento do pagamento. Ressalto que coisa
“incerta” não é “qualquer coisa”, mas coisa sujeita a
determinação futura. Então se João deve cem laranjas a José,
estas frutas precisam ser escolhidas no momento do
pagamento para serem entregues ao credor.

Esta escolha chama-se juridicamente de concentração.


Conceito: processo de escolha da coisa devida, de média
qualidade, feita via de regra pelo devedor (244). A
concentração implica também em separação, pesagem,
medição, contagem e expedição da coisa, conforme o caso.
As partes podem combinar que a escolha será feita pelo
credor, ou por um terceiro, tratando-se este artigo 244 de
uma norma supletiva, que apenas completa a vontade das
partes em caso de omissão no contrato entre elas.

Após a concentração a coisa incerta se torna certa (245).


Antes da concentração a coisa devida não se perde pois
genus nunquam perit (o gênero nunca perece). Se João deve
cem laranjas a José não pode deixar de cumprir a obrigação
alegando que as laranjas se estragaram, pois cem laranjas
são cem laranjas, e se a plantação de João se perdeu ele pode
comprar as frutas em outra fazenda (246).

Todavia, após a concentração, caso as laranjas se


percam (ex: incêndio no armazém) a obrigação se extingue,
voltando as partes ao estado anterior, devolvendo-se
eventual preço pago, sem se exigir perdas e danos (234, 389,
402). Pela importância da concentração, o credor deve ser
cientificado quando o devedor for realizá-la, até para que o
credor fiscalize a qualidade média da coisa a ser escolhida.

2 – obrigação de fazer: conduta humana que tem por objeto


um serviço. Conceito: espécie de obrigação positiva pela qual
o devedor se compromete a praticar algum serviço lícito em
benefício do credor. Enquanto na obrigação de dar o objeto
da prestação é uma coisa, na obrigação de fazer o objeto da
prestação é um serviço (ex: professor ministrar uma aula,
advogado redigir uma petição, cantor fazer um show, pedreiro
construir um muro, médico realizar uma consulta, etc.). E se
eu quero comprar um quadro e encomendo a um artista, a
obrigação será de fazer ou de dar? Se o quadro já estiver
pronto a obrigação será de dar, se ainda for confeccionar o
quadro a obrigação será de fazer.

A obrigação de fazer tem duas espécies:

2.1 – fungível: quando o serviço puder ser prestado


por uma terceira pessoa, diferente do devedor, ou seja,
quando o devedor for facilmente substituível, sem prejuízo
para o credor, a obrigação é fungível (ex: pedreiro, eletricista,
mecânico, caso não possam fazer o serviço e mandem um
substituto, a princípio para o credor não há problema). As
obrigações de dar são sempre fungíveis pois visam a uma
coisa, não importa quem seja o devedor (304).

2.2 – infungível: ao credor só interessa que o devedor,


pelas suas qualidades pessoais, faça o serviço (ex: médico e
advogado são profissionais de estrita confiança dos pacientes
e clientes). Chama-se esta espécie de obrigação de
personalíssima ou intuitu personae ( = em razão da pessoa).
São as circunstâncias do caso e a vontade do credor que
tornarão a obrigação de fazer fungível ou não.

Em caso de inexecução da obrigação de fazer o credor


só pode exigir perdas e danos (247). Viola a dignidade
humana constranger o devedor a fazer o serviço por ordem
judicial, de modo que na obrigação de fazer não se pode
exigir a execução forçada como na obrigação de dar coisa
certa (art. 475 – sublinhem exigir-lhe o cumprimento).
Imaginem um cantor se recusar a subir no palco, não é
razoável o Juiz mandar a polícia para forçá-lo a trabalhar
“manu militari”, o coerente é o credor do show exigir perdas e
danos (389). Ninguém pode ser diretamente coagido a
praticar o ato a que se obrigara. Assim, a execução “in
natura” do art. 475 do CC deve ser substituída por perdas e
danos quando for impossível (ex: a coisa devida não está
mais com o devedor) ou quando causar constrangimento
físico ao devedor (ex: obrigação de fazer).

Se ocorrer recusa do devedor de executar obrigação


fungível, o credor pode pedir a um terceiro para fazer o
serviço, às custas do devedor (249). Havendo urgência, o
credor pode agir sem ordem judicial, num autêntico caso de
realização de Justiça pelas próprias mãos (pú do 249, ex:
consertar o telhado de casa ameaçando cair).

Mas se tal recusa decorre de um caso fortuito (ex: o


cantor gripou e perdeu a voz), extingue-se a obrigação (248).

ESPÉCIES DE OBRIGAÇÃO (continuação)

1 – Obrigação de dar

2 – Obrigação de fazer (já vistas)

3 – Obrigação de não-fazer: trata-se de uma obrigação


negativa cujo objeto da prestação é uma omissão ou
abstenção. Os romanos chamavam de obrigação ad non
faciendum. Conceito: vínculo jurídico pelo qual o devedor se
compromete a se abster de fazer certo ato, que poderia
livremente praticar, se não tivesse se obrigado em benefício
do credor. O devedor vai ter que sofrer, tolerar ou se abster
de algum ato em benefício do credor. Exemplos: o engenheiro
químico que se obriga a não revelar a fórmula do perfume da
fábrica onde trabalha; o condômino que se obriga a não criar
cachorro no apartamento onde reside; o professor que se
obriga a não dar aula em outra faculdade; o comerciante que
se obriga a não fazer concorrência a outro, etc. Pode haver
limite temporal para a obrigação (1.147).

Como na autonomia privada a liberdade é grande, as


obrigações negativas podem ser bem variadas, mas
obrigações imorais e anti-sociais, ou que sacrifiquem a
liberdade das pessoas, são proibidas, ex: obrigação de não se
casar, de não trabalhar, de não ter religião, etc. Tudo é uma
questão de bom senso, ou de razoabilidade. Gosto muito da
expressão “razoável”, é uma expressão muito ligada ao
Direito, inclusive tem um artigo no site sobre a razoabilidade
na aplicação da lei, confiram!

A violação da obrigação negativa se resolve em


perdas e danos, então se o engenheiro divulgar a fórmula do
perfume terá que indenizar a fábrica. Mas se for viável, o
credor poderá exigir o desfazimento pelo devedor (ex: José se
obriga a não subir o muro para não tirar a ventilação do seu
vizinho João, caso José aumente o muro, João poderá exigir a
demolição, 251). No caso do perfume não há como desfazer a
revelação do segredo, então uma indenização por perdas e
danos é a solução (389).

Neste exemplo do muro, se José se mudar, o novo


morador terá que respeitar a obrigação? Não, pois quem
celebrou o contrato não foi ele. Mas se João, ao invés de um
simples contrato de obrigação negativa, fizer com José uma
servidão predial, todos os futuros proprietários da casa não
poderão aumentar o muro (1.378). Servidão predial é assunto
de Civil 5, e por se tratar de um direito real, já se percebe sua
maior força em relação a um direito obrigacional. Enquanto
uma obrigação vincula pessoas (João a José), uma servidão
predial vincula uma pessoa a uma coisa, então a segurança
para o credor é bem maior. Mais detalhes em Civil 5 (vide no
site aulas 8 e 9 de Direitos Reais na Coisa Alheia).

Ainda tratando do exemplo do muro, e se a Prefeitura


obrigar José a aumentar o muro por uma questão de estética
ou urbanismo? José terá que obedecer e João nada poderá
fazer, pois o Direito Público predomina sobre o Direito Privado
(250 – é o chamado “Fato do Príncipe”, em alusão aos
monarcas que governavam os países na Europa medieval).

CLASSIFICAÇÃO ou MODALIDADES DE OBRIGAÇÕES

Vistas as espécies, vamos passar as próximas aulas


tratando das modalidades de obrigações. São várias
modalidades, mas que sempre irão corresponder a uma das
três espécies de dar, fazer ou não-fazer. A primeira
modalidade é:

1 – Obrigação Natural: a obrigação civil produz todos os


efeitos jurídicos, mas a obrigação natural não, pois
corresponde a uma obrigação moral. Há autores que a
chamam de obrigação degenerada. São exemplos: obrigação
de dar gorjeta, obrigação de pagar dívida prescrita (205),
obrigação de pagar dívida de jogo (814), etc.
A obrigação natural não pode ser exigida pelo credor,
e o devedor só vai pagar se quiser, bem diferente da
obrigação civil. Vocês sabem que se uma dívida não for paga
no vencimento o direito do credor mune-se de uma
pretensão, e a dívida se transforma em responsabilidade
patrimonial. Mas tratando-se de obrigação natural, o credor
não terá a pretensão para executar o devedor e tomar seus
bens (189). A dívida natural existe, mas não pode ser
judicialmente cobrada, não podendo o credor recorrer à
Justiça.

Conceito: obrigação natural é aquela a cuja execução


não pode o devedor ser constrangido, mas cujo cumprimento
voluntário é pagamento verdadeiro.

Por que a obrigação natural interessa ao Direito se


corresponde a uma obrigação moral? Porque a obrigação
natural, mesmo sendo moral, possui um efeito jurídico: soluti
retentio ou retenção do pagamento.

Mesmo tratando-se de uma obrigação moral, o


pagamento de obrigação natural é pagamento verdadeiro e o
credor pode retê-lo. Então se João paga dívida prescrita e
depois se arrepende não pode pedir o dinheiro de volta, pois o
credor tem direito à retenção do pagamento (882). Como diz
a doutrina, “a obrigação natural não se afirma senão quando
morre”, ou seja, é com o pagamento e sua extinção que a
obrigação natural vai existir para o direito, ensejando ao
credor a soluti retentio.

Mas não se confunda obrigação natural com obrigação


inexistente: se João paga dívida inexistente o credor não pode
ficar com o dinheiro, e João terá direito à repetitio indebiti ( =
devolução do indébito; em direito “repetir” significa
“devolver”, e “indébito” é o que não é devido). Então quem
efetua pagamento indevido pode exigir a devolução do
dinheiro ( = repetitio indebiti) para que outrem não enriqueça
sem motivo. O credor de obrigação natural tem direito à
soluti retentio, mas quem recebe dívida inexistente não (ex:
pago a meu credor João da Silva, mas por engano faço o
depósito na conta de outro João da Silva, que terá que
devolver o dinheiro, 876). Na obrigação natural não cabe a
repetitio indebiti, pois o credor dispõe da soluti retentio.
Falaremos mais de enriquecimento sem causa e pagamento
indevido na aula 12.
Em suma, a obrigação natural não se cumpre por
bondade ou liberalidade ou doação, mas por um dever moral,
e a moral influencia o Direito, tanto que a lei lhe atribui o
efeito jurídico da soluti retentio.

Falando de doação, vocês verão em Civil 3 que o


donatário deve ser grato ao doador, então se João doa um
carro a Maria, Maria lhe deve gratidão pelo resto da vida, não
podendo agredi-lo ou ofendê-lo sob pena de perder a doação
(557). Mas se por trás dessa doação existe uma obrigação
natural, tal doação não se revoga por ingratidão (564, III; ex:
João deve dinheiro a Maria mas a dívida prescreveu, porém
mesmo assim João resolveu pagar e doou uma jóia a Maria;
pois bem, caso Maria venha no futuro a agredir João, tal
doação não se extinguirá já que não foi feita por liberalidade,
mas sim em cumprimento de obrigação natural).

Finalizando, gostaria de transcrever a valiosa opinião


de Washington de Barros Monteiro sobre a raridade da
obrigação natural e a absurda proteção que a lei dá ao
devedor no nosso ordenamento:

- numa época em que a noção do prazo tende a


desaparecer, substituída pelo espírito de moratória e pela
esperança da revisão; em que o devedor conhece a arte de
não pagar as dívidas e em que aquele que paga com exatidão
no dia devido não passa de um ingênuo, que não tem direito
a nada; em que as leis se enchem de piedade pelos
devedores e em que as vias judiciárias se mostram
imprescindíveis como imposição ao devedor civil, aparece
como verdadeiro anacronismo a obrigação natural, suscetível
de pagamento voluntário, apesar de desprovida de ação (vide
Direito das Obrigações, 1ª parte, Ed. Saraiva, 32ª edição, pág.
215).

CLASSIFICAÇÃO ou MODALIDADES DE OBRIGAÇÕES

1 – Obrigação Natural (já vista)

2 – Obrigação Alternativa
A obrigação simples só possui um objeto, mas a
obrigação alternativa tem por objeto duas ou mais
prestações, mas apenas uma será cumprida como
pagamento. É muito comum na prática, até para facilitar e
estimular os negócios (ex: vendo esta casa por vinte mil ou
troco por terreno na praia; outro ex: um artista bate no seu
carro e se compromete a fazer um show na sua casa ou a
pagar o conserto; mais um ex: o comerciante que se obriga
com outro a não lhe fazer concorrência, ou então a lhe pagar
certa quantia; exemplo da lei: art. 1701, outro exemplo da lei,
art 442).

Características da obrigação alternativa:

a) nasce com objeto composto, ou seja, duas ou mais


possibilidades de prestação;

b) o adimplemento de qualquer das prestações


resulta no cumprimento da obrigação, o que aumenta
a chance de satisfação do credor, sem ter que se
partir para as perdas e danos, caso qualquer das
prestações venha a perecer. Como o credor aceitou
mais de uma prestação como pagamento, qualquer
delas vai satisfazer o credor (253 e 256); a
exoneração do devedor se dá mediante a realização
de uma única prestação.

c) o devedor pode optar por qualquer das prestações,


cabendo o direito de escolha, de regra, ao próprio
devedor (252); mas o contrato pode prever que a
escolha será feita pelo credor, por um terceiro, ou por
sorteio (817); essa escolha chama-se de
concentração, semelhante a da obrigação de dar coisa
incerta; ressalto todavia que não se confunde a
obrigação alternativa com a de dar coisa incerta;
nesta o objeto é único, embora indeterminado até a
concentração; já na obrigação alternativa há pelo
menos dois objetos;

d) se o devedor, ignorando que a obrigação era


alternativa, fizer o pagamento, pode repeti-lo para
exercer a opção. É um caso raro de retratação da
concentração, e cabe ao devedor a prova de que não
sabia da possibilidade de escolha (877).

e) nas obrigações periódicas admite-se o jus variandi,


ou seja, pode-se mudar a opção a cada período (§ 2o
do art. 252). A doutrina critica essa mudança de
prestação porque gera instabilidade para o credor.

3 - Obrigação Facultativa

É parecida, é uma prima pobre, mas não se confunde


com a obrigação alternativa. É também muito rara, tanto que
nosso Código não reservou para ela um capítulo próprio. Sua
fonte está mais na lei do que no contrato, conforme exemplos
que veremos abaixo. Ou seja, há casos específicos na lei que
contemplam obrigações facultativas, porque as partes
dificilmente contratam prevendo uma obrigação facultativa.

Conceito: é aquela cujo objeto da prestação é único,


mas confere ao devedor o direito excepcional de substitui-lo
por outro.

Exemplo: art. 1234, assunto de Civil 4, então quem


encontra coisa perdida deve restitui-la ao dono, e o dono fica
obrigado a recompensar quem encontrou; mas o dono pode,
ao invés de pagar a recompensa, abandonar a coisa, e aí
quem encontrou poderá ficar com ela; pagar a recompensa é
a prestação principal do devedor, já abandonar a coisa é
prestação acessória do seu dono. O abandono da coisa não é
obrigação, mas faculdade do seu dono. Ao invés de pagar a
recompensa, tem o devedor a faculdade de dar a coisa ao
credor.

Outro exemplo: art. 1382, assunto de Civil 5, então


imaginem que da Fazenda A sai um aqueduto para a Fazenda
B, levando água, com a obrigação, ajustada em contrato, de
que o dono da Fazenda A deverá conservar a obra. Pois bem,
ao invés de manter o aqueduto, tem o dono da Fazenda A a
obrigação facultativa de abandonar suas terras para o dono
da Fazenda B. Ao invés de conservar o aqueduto, o devedor
tem a faculdade de abandonar suas terras, dando-as ao
vizinho.

Ao nascer a obrigação o objeto é único, mas para


facilitar o pagamento, o devedor tem a excepcional faculdade
de se liberar mediante prestação diferente. É vantajosa assim
para o devedor.

Na obrigação facultativa, ao contrário da alternativa, o


credor nunca tem a opção e só pode exigir a prestação
principal, pois a prestação devida é única e só o devedor pode
optar pela prestação facultativa.

Ressalto que a impossibilidade de cumprimento da


prestação principal extingue a obrigação, resolvendo-se em
perdas e danos, não se aplicando o art. 253, pois, como já
dito, a prestação acessória não é obrigação, mas faculdade do
devedor. Então quem encontrar coisa perdida e não receber a
recompensa, não poderá exigir o abandono da coisa, mas sim
deverá processar o devedor pelo valor da recompensa.

Classificação ou modalidades de obrigações (continuação)

4 – Obrigação divisível e indivisível

Em geral, numa obrigação existe apenas um credor e um


devedor. Mas caso existam na mesma relação vários
devedores ou vários credores, o razoável é que cada devedor
pague apenas parte da dívida, e que cada credor tenha direito
apenas a parte da prestação. Essa regra sofre exceção nos
casos de indivisibilidade, que veremos hoje, e de
solidariedade, na próxima aula. Tanto na indivisibilidade como
na solidariedade, embora concorram várias pessoas, cada
credor pode reclamar a prestação por inteiro, e cada devedor
responde também pelo todo (259 e 264). Comecemos pela
divisibilidade e indivisibilidade:

Obrigação divisível é aquela cuja prestação pode ser


parcialmente cumprida sem prejuízo de sua qualidade e de
seu valor (ex: uma dívida de cem reais pode ser paga em
duas metades; um curso de Direito Civil pode ser ministrado
em várias aulas). Mas a depender do acordo entre as partes, o
devedor deve pagar de uma vez só, mesmo que a prestação
seja divisível (314).

Já na obrigação indivisível a prestação só pode ser


cumprida por inteiro (ex: quem deve um cavalo não pode dar
o animal em partes, 258; mas se tal cavalo perecer e a dívida
se converter em pecúnia, deixa de ser indivisível, 263).

Como dito, a indivisibilidade vai despertar interesse


prático quando houver mais de um credor ou mais de um
devedor.

- pluralidade de devedores: imaginem que um pai morre


e deixa dívidas, seus filhos irão pagar estas dívidas dentro dos
limites da herança recebida do pai (1792, 1997). Então o
credor do pai terá mais de um filho para cobrar esta dívida. Se
a prestação for divisível, cada filho responde pela parte
correspondente a sua herança, e a insolvência de um deles
não aumentará a quota dos demais (257). Mas se a prestação
for indivisível, cada filho responde pela dívida toda, e aquele
que pagar ao credor, cobrará o quinhão correspondente de
cada irmão (259 e pú – veremos sub-rogação em breve). A
relação obrigacional antes era do credor com os filhos do pai
morto, agora é do irmão pagador contra os outros irmãos.

- e se a pluralidade for de credores? Sendo divisível a


prestação, cada credor só pode exigir sua parte (257). Mas
sendo indivisível aplica-se o 260, pelo que o devedor deverá
pagar a todos os credores juntos, para que um não engane os
outros. Ou então o devedor deverá pagar àquele credor que
prestar uma garantia ( = caução) de que repassará o
pagamento aos outros (ex: João deve um carro a três pessoas,
mas não encontra os três para pagar, assim, para se livrar
logo daquela obrigação, paga ao credor que ofereceu uma
fiança; se este credor não repassar o carro aos demais
credores, o fiador poderá ser processado pelos prejudicados;
fiança é assunto de Civil 3). Se o devedor pagar sem as
cautelas do art. 260, terá que pagar de novo àquele credor
que, eventualmente, venha a ser lesado pelo credor que
recebeu todo o pagamento, afinal quem paga mal paga duas
vezes, concordam? Diz-se por isso que o pagamento integral
da dívida a um só dos vários credores pode não desobrigar o
devedor com relação aos demais concredores. Mas pagando o
devedor corretamente, caberá aos credores buscar sua parte
com o credor que recebeu tudo (261). Tratando-se de coisa
indivisível (ex: carro, barco, casa), poderão os credores usar a
coisa em condomínio, ou então vendê-la e dividir o dinheiro
(1320).

Espécies de indivisibilidade: a) física: a prestação é


indivisível pela sua própria natureza, pois sua divisão alteraria
sua substância ou prejudicaria seu uso (ex: obrigação de dar
um cavalo, obrigação de restituir o imóvel locado, etc); b)
econômica: o objeto da prestação fisicamente poderia ser
dividido, mas perderia valor (ex: obrigação de dar um
diamante, art. 87); c) legal: é a lei que proíbe a divisão (ex: a
lei 6.766/79, que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano,
determina no art. 4º, II, que os lotes nos loteamentos terão no
mínimo 125 metros quadrados, então um lote deste tamanho
não pode ser dividido em dois); d) convencional: é o acordo
entre as partes que torna a prestação indivisível (art. 88, ex:
dois devedores se obrigam a pagar juntos certa quantia em
dinheiro, o que vai favorecer o credor que poderá exigir tudo
de qualquer deles, 258 in fine, e 259).

Percebe-se que qualquer das três espécies de


obrigação (dar, fazer e não-fazer) pode ser divisível ou
indivisível (ex: dar dinheiro é divisível, mas dar um cavalo é
indivisível; pintar um quadro é obrigação de fazer indivisível,
mas plantar cem árvores é divisível; não revelar segredo é
indivisível, mas não pescar e não caçar na fazenda do vizinho
é divisível).

Classificação ou modalidades de obrigações (continuação)

5 – Obrigações solidárias

Como visto na aula passada, quando numa obrigação


indivisível concorrem vários devedores, todos estão obrigados
pela dívida toda, como se existisse uma solidariedade entre
eles (259). Assim, se várias pessoas devem coisa indivisível, a
obrigação é também solidária. Mas pode haver obrigação
solidária mesmo de coisa divisível devida por várias pessoas.
Conceito legal: há solidariedade quando na mesma
obrigação concorre mais de um credor, ou mais de um
devedor, cada um com direito ou com responsabilidade pela
dívida toda, como se fosse o único (264).

As obrigações solidárias e indivisíveis têm


conseqüências práticas semelhantes, mas são obrigações
diferentes, vejamos:

- a obrigação indivisível é impossível pagar por partes,


pois resulta da natureza da prestação (ex: cavalo, lote
urbano, diamante, barco, fazer um quadro, etc). Já a
obrigação solidária até poderia ser paga por partes, mas por
força de contrato não pode, tratando-se de uma garantia para
favorecer o credor. Na solidariedade cada devedor deve tudo,
na indivisibilidade cada devedor só deve uma parte, mas tem
que pagar tudo diante da natureza da prestação. Pelas suas
características a solidariedade não se presume, decorre de
contrato ou da lei (265). Exemplo de solidariedade decorrente
de lei é a patroa que responde pelos danos causados a
terceiros por sua empregada doméstica (932, III, 942 e pú).

- pode haver obrigação solidária de coisa divisível (ex:


dinheiro), de modo que todos os devedores vão responder
integralmente pela dívida, mesmo sendo coisa divisível. Tal
solidariedade nas coisas divisíveis serve para reforçar o
vínculo e facilitar a cobrança pelo credor.

- o devedor a vários credores de coisa indivisível


precisa pagar a todos os credores juntos (260, I), mas o
devedor a vários credores solidários se desobriga pagando a
qualquer deles (269).

- se a coisa devida em obrigação solidária perece,


converte-se em perdas e danos, torna-se divisível, mas
permanece a solidariedade (271 e 279). Se a coisa devida em
obrigação indivisível perece, converte-se em perdas e danos e
os co-devedores deixam de ser responsáveis pelo todo (263).

- o devedor de obrigação solidária que paga sozinho a


dívida ao credor, vai cobrar dos demais co-devedores a quota
de cada um, sem solidariedade que não se presume (265 e
283). Então A, B e C devem solidariamente dinheiro a D. Se A
pagar a dívida toda ao credor, A vai cobrar a quota de B e C
sem solidariedade entre B e C.
Elementos da obrigação solidária: a) multiplicidade de
credores ou de devedores, ou ainda, de uns e de outros; b)
unidade de prestação; c) co-responsabilidade dos
interessados.

5.1 - Solidariedade ativa

Configura-se pela presença de vários credores,


chamados concredores, todos com o mesmo direito de exigir
integralmente a dívida ao devedor comum (267).

A solidariedade ativa é rara porque na sua principal


característica está sua principal inconveniência (269). Assim,
o devedor não precisa pagar a todos os concredores juntos,
como na obrigação indivisível (260, I). Pagando apenas a um
dos credores solidários, mesmo sem autorização dos demais,
o devedor se desobriga, e se este credor for desonesto ou
incompetente, e reter ou perder a quota dos demais, os
concredores nada poderão reclamar do devedor, terão sim
que reclamar daquele que embolsou o pagamento.

Mas caso algum dos concredores já esteja executando


judicialmente o devedor, o pagamento deverá ser feito ao
mesmo (268), o que se chama de prevenção, ficando tal
credor prevento para receber o pagamento com prioridade
em nome de todos os concredores.

Outro inconveniente é que se um dos credores perdoar a


dívida, o devedor fica liberado, e os demais concredores terão
que exigir sua parte daquele que perdoou (272).

Como se vê, na solidariedade ativa cada credor fica


sujeito à honestidade dos outros concredores. Por estes
inconvenientes a solidariedade ativa é rara, afinal não
interessa ao credor.

5.2 – Solidariedade passsiva

Esta é comum e importante, devendo ser estimulada já


que protege o crédito, reforça o vínculo, facilita a cobrança e
aumenta a chance de pagamento, pois o credor terá várias
pessoas para cobrar a dívida toda.

E quanto mais se protege o credor, mais as pessoas


emprestam dinheiro, e com mais dinheiro os consumidores se
equipam, as lojas vendem, as fábricas produzem, os patrões
lucram, geram empregos e o governo arrecada tributos. Como
se sabe: proteger o crédito é estimular o desenvolvimento
sócio-econômico. Entendo até que, por isso mesmo, para
proteger o crédito, a solidariedade passiva, não a ativa,
deveria ser presumida. Violando o art. 265, o art. 829
acertadamente faz presumir a solidariedade passiva conforme
será visto em fiança.

Conceito: ocorre a solidariedade passiva quando mais de


um devedor, chamado coobrigado, com seu patrimônio (391),
se obriga ao pagamento da dívida toda (275).

Assim, havendo três devedores solidários, o credor terá


três pessoas para processar e exigir pagamento integral,
mesmo que a obrigação seja divisível. O credor escolhe se
quer processar um ou todos os devedores (pú do 275). Aquele
devedor que pagar integralmente a dívida, terá direito de
regresso contra os demais coobrigados (283).

Na solidariedade passiva não se aplica o benefício de


divisão e nem o benefício de ordem. O que é isso?

Pelo benefício de divisão o devedor pode exigir a citação


de todos os coobrigados no processo para juntos se
defenderem. Isto é ruim para o credor porque atrasa o
processo, por isso a solidariedade passiva não concede tal
benefício aos co-devedores.

Pelo benefício de ordem, o coobrigado tem o direito de


ver executado primeiro os bens do devedor principal (ex:
fiança, 827). Mas o fiador pode renunciar ao benefício de
ordem e se equiparar ao devedor solidário (828, II). O avalista
nunca tem benefício de ordem, sempre é devedor solidário,
por isso se algum amigo lhe pedir para ser avalista não
aceite, mas se ele insistir seja seu fiador com benefício de
ordem, mas jamais fiador-solidário ou avalista.

Fiança e aval são exemplos de solidariedade passiva


decorrente de acordo de vontades. Então a Universidade
quando financia o curso de um estudante, geralmente exige
um fiador ou um avalista (897), de modo que se o devedor
não pagar a dívida no vencimento, o credor irá processar o
devedor, o fiador ou o avalista. Fiança será estudada em Civil
3 e aval em Direito Empresarial.

Exemplos de solidariedade passiva decorrente da lei


estão na responsabilidade civil (932), no comodato (585) e na
gestão de negócios (pú do 867).

Modalidades de obrigações (continuação)

6 - Obrigações líquidas e ilíquidas

Líquida é a obrigação certa e determinada, ou seja,


certa quanto à sua existência e determinada quanto à sua
qualidade, quantidade, natureza e objeto. Em outras palavras,
obrigação líquida é aquele cuja existência é certa e cujo valor
é conhecido.

Vocês sabem que se uma dívida não for paga no


vencimento o credor mune-se de uma pretensão e a dívida se
transforma em responsabilidade patrimonial. Esta pretensão
consiste no poder de executar o devedor para tomar seus
bens através do Juiz e satisfazer o credor. Pois bem, a ação de
execução só é possível quando a obrigação é líquida.

Sendo a obrigação ilíquida e não havendo acordo entre


as partes, precisa ser apurada pelo Juiz em processo de
liquidação para poder ser executada, afinal não se pode
executar obrigação ilíquida (947).

Inclusive entendo que o Juiz deve sempre proferir


sentenças líquidas para evitar mais demoras ao credor.
Exemplo: o Juiz condena João a indenizar Maria porque João
matou o pai dela, devendo o Juiz dizer logo o valor da
indenização, e não deixar isso para uma fase posterior do
processo, 946. E de quanto é essa indenização por morte? A
lei responde no art. 948. Assim, um crime interessa ao Direito
Penal para a punição com a prisão do infrator, e também
interessa ao Direito Civil para a punição ao bolso do infrator. A
punição civil é mais rápida e não depende de Delegado e
nem de Promotor, dispensando parte do burocrático aparelho
estatal. Mas se o infrator não tiver bens, só haverá punição
penal, pois liberdade todos têm para perder. Mais detalhes na
importante disciplina Responsabilidade Civil.

7 – Obrigação principal e acessória

Principal é a obrigação autônoma, ou seja, tem vida


própria, já a obrigação acessória depende da principal,
agregando-se a ela. Então uma compra e venda, um
empréstimo e uma locação são contratos que geram
obrigações autônomas. Por outro lado, a fiança, a hipoteca e o
penhor produzem obrigações acessórias que vão se agregar a
uma obrigação principal, por exemplo, como a locação.

Então quem aluga uma casa celebra um contrato


principal de locação e pode exigir um contrato acessório de
fiança para garantir o pagamento do aluguel na hipótese de
inadimplência do inquilino. A locação existe sem a fiança, mas
o contrário não. Inclusive, sendo nula a locação, nula será a
fiança, mas o inverso não (art. 184, 2ª parte).

8 – Obrigação cumulativa ou conjuntiva

Caracteriza-se pela pluralidade de prestações (ex: troco


uma casa por um carro e uma lancha). Não se trata de
obrigação alternativa (carro OU lancha), mas obrigação
cumulativa (carro E lancha). Na obrigação cumulativa todas
as prestações interessam ao credor, na alternativa apenas
uma delas. Na cumulativa, muitas prestações estão na
obrigação e muitas no pagamento. Já na alternativa, muitas
prestações estão na obrigação e apenas uma no pagamento.
Exemplo legal de obrigação cumulativa é o contrato de
empreitada onde o engenheiro pode fazer o serviço E dar os
materiais para a construção de uma casa (610).
9 – Obrigação pura

É a obrigação simples, ou seja, é toda aquela cuja


eficácia não está subordinada a qualquer das três
modalidades dos negócios jurídicos: a condição, o termo (ou
prazo) e o encargo (ou modo, ou ônus). Estas modalidades
vocês conhecem de Civil 1, vamos exemplificar:

- obrigação condicional: subordina a obrigação a evento


futuro e incerto (ex: o alfaiate compra tecido da fábrica e
combina só pagar o preço se vender as roupas; vender as
roupas não é uma certeza, pode ou não acontecer, 121, 876)
Condições absurdas são proibidas (ex: alugo minha casa a
você, mas você não pode entrar nela, isso é o que a lei chama
de “privar de todo efeito o negócio jurídico”, no art. 122).

- obrigação a termo: subordina a obrigação a evento


futuro e certo (ex: pagarei o tecido em trinta dias; trinta dias
são o prazo e o prazo é um evento certo, só depende do
inexorável passar do tempo, 132).

- obrigação modal: o modo (ou encargo, ou ônus) é


imposto ao beneficiário de uma liberalidade como uma
doação ou herança. Então pode-se doar uma fazenda com o
ônus de construir uma escola para as crianças carentes da
região (553, 136). Ou pode-se deixar uma herança para um
sobrinho com o ônus de mandar rezar mensalmente uma
missa para o falecido. O encargo precisa ser pequeno para
não caracterizar uma contraprestação (ex: dou um carro a
meu vizinho com o ônus de levar meus filhos e eu para a
escola e o trabalho diariamente; ora, isso não é doação, mas
contratação de um motorista). Se o encargo for de interesse
público (ex: construir uma escola), o Promotor de Justiça
fiscalizará sua execução (pú do 553, este é um dos poucos
casos de participação do Ministério Público no direito
patrimonial, afinal o Ministério é público e o Direito Civil é
privado. Se o encargo for absurdo (ex: mandar rezar missa
todo dia para o falecido) o Juiz pode interferir na obrigação
privada para modificá-la.
Então obrigação simples é aquela que não for
condicional, a termo ou modal.

10ª e última modalidade de obrigação: Obrigação Real

Trata-se de uma obrigação propter rem ( = em razão


da coisa). Não decorre de um contrato, mas da propriedade
sobre um bem. Quem adquire certo bem, adquire
automaticamente essa obrigação real, decorrente da coisa
(real = res = coisa). O adquirente do bem vai se tornar
devedor, mesmo sem querer, em decorrência de sua condição
de dono desse bem.

Exemplo: 1.345, a lei determina que quem compra um


apartamento com dívida de condomínio assume esta
obrigação, embora tenha sido o dono anterior que não pagou
a taxa. A obrigação está vinculada à coisa, por isso chama-se
obrigação real (res = coisa). Esta vinculação da obrigação à
coisa, qualquer que seja seu dono, deriva da sequela, que é
uma característica dos Direitos Reais. Sequela é uma palavra
que se origina do verbo seguir, então a obrigação segue a
coisa, não importa quem seja seu dono. O proprietário da
coisa assume a obrigação automaticamente, apenas pelo fato
de ter sucedido o dono-devedor anterior na propriedade da
coisa.

É também chamada de obrigação mista porque


apresenta características de Direito das Coisas ( = Direito
Real) e de Direito das Obrigações ( = Direito Pessoal). O
Direito Real e o Direito das Obrigações formam o Direito
Patrimonial Privado (vide aula 1), sendo natural que algumas
vezes eles se interpenetrem.

Conceito: obrigação real corresponde ao vínculo


jurídico que se origina da lei com característica dos Direitos
Reais e transmissão automática ao novo proprietário da coisa.

Observação sobre o conceito: a OR se origina apenas


da lei, e não do contrato. Os contratos podem ser inventados
pelas partes, são numerus apertus (425), mas os direitos reais
não, só a lei pode criá-los, sendo numerus clausus (1225), por
isso as obrigações reais originam-se sempre da lei.
Originando-se da lei, a OR é irrecusável, não podendo o
devedor deixar de assumi-la.

Outra observação: o devedor da obrigação real varia


caso a coisa mude de dono, então se a coisa é vendida, o
novo dono se tornará o devedor. Quem se torna titular do
direito real ( = propriedade), torna-se devedor de eventual
obrigação real sobre o bem apropriado.

Mais exemplos de OR: art. 1297 (quem compra uma


fazenda tem a obrigação de fazer a cerca, embora a cerca
tenha caído na época do dono anterior), art. 1383 (quem
compra imóvel com servidão predial tem a obrigação de
manter a servidão, por isso observem sempre o registro do
imóvel antes de fazer a compra, para não comprar barato um
terreno e depois, por exemplo, descobrir que nele não se
pode construir para não tirar a vista do edifício de trás; este
exemplo corresponde a uma servidão predial de vista,
assunto de Civil 5).

Em suma, a obrigação propriamente dita vincula uma


pessoa (credor) a outra pessoa (devedor), já a obrigação real
está vinculada a uma coisa, e quem for proprietário dessa
coisa será o devedor.

CLÁUSULA PENAL

Concluído o estudo das dez modalidades de


obrigações, vamos encerrar a primeira unidade deste
semestre tratando da cláusula penal (CP).

Conceito: CP é a cláusula acessória a um contrato pelo


qual as partes fixam previamente o valor das perdas e danos
que por acaso se verifiquem em conseqüência da inexecução
culposa da obrigação (408, ex: um promotor de eventos
contrata um cantor para fazer um show, e já fixa no contrato
que, se o artista desistir, terá que pagar uma indenização de
cem mil).

A cláusula penal é acessória, não é obrigatória, então


se a dívida não for paga no vencimento ( = se o cantor não
fizer o show), e não existir cláusula penal no contrato, é o Juiz
quem irá fixar a indenização devida pelo cantor, tornando a
obrigação líquida (vide aula 9), para só depois possibilitar o
ataque pelo credor (o promotor de eventos) ao patrimônio do
cantor.

Essa é a grande vantagem da cláusula penal: pré-fixar


as perdas e danos, economizando tempo, eliminando recursos
processuais ao dispensar o Juiz de calcular o valor previsto no
art. 402 do CC.

Outra vantagem da CP é a de intimidar o devedor, ou


seja, ele já fica sabendo que terá uma pena se não cumprir a
obrigação. É verdade que a lei prevê automaticamente uma
punição ao devedor (389), mas a CP reitera essa sanção.

Quando uso no conceito a expressão inexecução


“culposa”, refiro-me à culpa em sentido amplo (lato sensu),
que corresponde ao dolo (inexecução voluntária) e à culpa
stricto sensu (em sentido restrito = imprudência e
negligência). Então se o cantor não fez o show porque não
quis (dolo) ou porque bebeu demais e perdeu a voz
(imprudência), terá que pagar a CP. Mas se o cantor não fez o
show porque pegou uma gripe, trata-se de um caso fortuito
que isenta de responsabilidade (393 e pú).

Se a obrigação for cumprida pelo devedor, a cláusula


penal se extingue; se a obrigação principal for nula, a cláusula
penal também o será, afinal, como cláusula acessória, segue
o destino da principal (184, in fine).

A CP geralmente reverte em favor do credor, mas o


contrato pode prever que será paga a terceiros (ex: se o
cantor não fizer o show, pagará cem mil ao Hospital do
Câncer). A CP geralmente é pactuada em dinheiro, mas pode
corresponder a obrigação de dar outra coisa, ou a fazer, ou
não-fazer algum serviço, com ampla liberdade para as
partes.

Espécies: a) CP compensatória: aplica-se em caso de


inexecução (= inadimplemento) da obrigação pelo devedor
(410, então o credor poderá optar pela obrigação principal ou
pela cláusula penal, semelhante a uma obrigação alternativa);
b) CP moratória: aplica-se em caso de atraso (= retardo,
mora) do devedor no cumprimento da obrigação, pelo que o
devedor pagará a multa pelo atraso e cumprirá a obrigação,
411 (ex: multa de 10% em caso de atraso no pagamento de
aluguel, 416). Ambas as espécies estão previstas no art. 409.

Se a cláusula penal compensatória tiver um valor


muito alto, o Juiz deverá reduzi-la (412, 413). Mas é justo o
Estado-Juiz se imiscuir nos contratos privados, alterando
aquilo que foi estabelecido livremente pelos particulares?
Reflitam! O velho CC, no art. 924, que corresponde a esse
413, usava o verbo “poderá”, enquanto o novo CC usa o
verbo “deverá”, como consequência da publicização do
Direito e a proteção maior que o Estado dá hoje aos
devedores. Critico a publicização num artigo no site sobre a
importância do Direito Privado e os riscos da intervenção
estatal na autonomia dos cidadãos, atrofiando a economia e
trazendo insegurança jurídica. Confiram!

Fim da 1ª parte do curso de Direito das Obrigações.

EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

Prof. Rafael de Menezes

Uma obrigação é um fenômeno jurídico que ocorre a


todo momento, que nasce e se extingue a todo instante.
Enquanto estamos aqui conversando, existem inúmeras
obrigações, contratos, atos ilícitos, etc., sendo
realizados/ocorrendo lá fora na rua. Vocês hoje, por exemplo,
celebraram algum contrato, assumiram alguma obrigação,
compraram alguma coisa, tomaram algo emprestado, usaram
o telefone? Acredito que sim, então vocês hoje fizeram
acontecer uma obrigação jurídica.

Veremos nesta 2ª unidade do curso de Direito Civil 2


os vários modos pelos quais as obrigações se extinguem, e o
primeiro e principal desses modos é o pagamento.

1 - Pagamento: é a principal forma de extinção das


obrigações. O pagamento é muito comum e ocorre com
grande frequência na sociedade, pois toda obrigação nasce
para ser satisfeita. A imensa maioria das obrigações são
cumpridas/pagas, de modo que o devedor fica liberado. Só
uma minoria das obrigações é que não são satisfeitas, pelo
que o devedor poderá ser judicialmente processado pelo
credor.
Conceito: num conceito mais simples, pagamento é a
morte natural da obrigação, ou a realização real da obrigação,
mas nem sempre em dinheiro (ex: A paga a B para pintar um
quadro, de modo que a obrigação de B será fazer o quadro, o
pagamento de B será realizar o serviço). O leigo tende a achar
que todo pagamento é em dinheiro, mas nem sempre, pois
em linguagem jurídica pagar é executar a obrigação, seja
essa obrigação de dar uma coisa, de fazer um serviço ou de
se abster de alguma conduta (não-fazer).

Num conceito mais completo, pagamento é o ato


jurídico formal, unilateral, que corresponde à execução
voluntária e exata por parte do devedor da prestação devida
ao credor, no tempo, modo e lugar previstos no título
constitutivo. Vamos comentar este conceito:

- formal: o pagamento é formal pois a prova do


pagamento é o recibo; tal recibo em direito é chamado de
quitação, e deve atender às formalidade do art. 320. Muitas
vezes, em pequenos contratos, nós não pedimos recibo pra
não perder tempo, é um hábito que nós temos e vocês
sabem que o costume é também uma fonte do direito.
Falaremos mais da quitação adiante.

- unilateral: pois é de iniciativa do devedor, que é o


sujeito passivo da obrigação.

- voluntário e exato: lembrem-se sempre disso,


pagamento é voluntário e exato; se o devedor só paga após
ser judicialmente executado, tecnicamente isto não é
pagamento pois foi feito sob intervenção judicial, ao
penhorar/tomar bens do devedor; além de voluntário, o
pagamento deve ser exato, então se A deve cinquenta a B e
paga com um livro, tecnicamente isto não foi pagamento. De
qualquer modo, em ambos os casos, mesmo pagando sob
força judicial, ou pagando coisa diferente da devida, se o
credor aceitou e se satisfez, isto é o que importa. Mas
tecnicamente, em linguagem jurídica, pagamento é aquele
voluntário e exato.

- prestação: é o objeto da obrigação, e vocês já sabem


que tal prestação é uma conduta humana, pode ser um dar,
um fazer ou um omitir-se (não-fazer). Pagar é cumprir esta
prestação.
- tempo, modo e lugar: o pagamento precisa atender a
estas regras previstas no contrato na lei ou na sentença que
fez nascer a obrigação, respeitando a data, o lugar e a
maneira de pagar.

Regras do pagamento: 1) satisfação voluntária e


rigorosa da prestação (dar uma coisa, fazer um serviço, ou
abster-se de uma conduta) porque o pagamento é exato; 2) o
credor não pode ser obrigado a receber prestação diferente,
ainda que mais valiosa (art. 313); o credor pode aceitar
receber prestação diferente, mas não pode ser forçado a
aceitar (356); 3) o credor não pode ser obrigado a receber por
partes uma dívida que deve ser paga por inteiro (314); esta
regra tem duas exceções, no art. 962, que dispõe sobre o
concurso de credores, assunto do final do semestre, e no art.
1.997, que dispõe sobre pagamento pelos herdeiros de dívida
do falecido, assunto de Civil 7.

Quem deve pagar? O devedor, mas nada impede que


um terceiro pague, afinal o credor quer receber. Se o devedor
quer impedir que um terceiro pague sua dívida deve se
antecipar e pagar logo ao credor. Em geral para o credor não
importa quem seja o solvens, quem esteja pagando. Solvens é
o pagador, seja ele o devedor ou não, e o accipiens é quem
recebe o pagamento, seja ele o credor ou não. Se a obrigação
for personalíssima (ex: A contrata o cantor B para fazer um
show), o solvens só pode ser o devedor. Mas se a obrigação
não for personalíssima, o credor vai aceitar o pagamento de
qualquer pessoa. Para evitar especulações ou
constrangimentos, a lei trata diferente o terceiro que paga por
interesse jurídico do terceiro que paga sem interesse jurídico,
apenas por pena ou para humilhar. Assim, o terceiro que paga
com interesse jurídico (ex: fiador, avalista, herdeiro) vai se
sub-rogar nos direitos do credor (349, veremos sub-rogação
em breve). O terceiro que paga sem interesse jurídico (ex: o
pai, o inimigo, etc) vai poder cobrar do devedor original, mas
sem eventuais privilégios ou vantagens (ex: hipoteca, penhor,
305). Em suma, o terceiro interessado tem reembolso e sub-
rogação nos eventuais privilégios, já o terceiro juridicamente
desinteressado só tem direito ao reembolso.

A quem se deve pagar? Ao credor, ou a seu


representante, sob pena do pagamento ser feito outra vez,
pois quem paga mal paga duas vezes (308). Se o credor é
menor ou louco, pague a seu pai ou curador, sob pena de
anulabilidade (310). Credor putativo: é aquele que parece o
credor mas não o é (ex: A deve a B, mas B morre e deixa um
testamento nomeando C seu herdeiro, então A paga a C, mas
depois o Juiz anula o testamento, A não vai precisar pagar
novamente pois pagou a um credor putativo; C é que vai ter
que devolver o dinheiro ao verdadeiro herdeiro de B, 309).
Idem no caso do 311, pois se considera um representante do
credor aquele que está com o recibo, embora depois se prove
que tal accipiens furtou o recibo do credor; neste caso o
devedor não vai pagar outra vez, o credor deverá buscar o
pagamento do accipiens falso.

Como se prova o pagamento? Já dissemos, com o


recibo/quitação. Quitação vem do latim “quietare”, que
significa aquietar, acalmar, tranqüilizar. Quitação é o
documento escrito em que o credor reconhece ter recebido o
pagamento e exonera o devedor da obrigação. A quitação
tem vários requisitos no art. 320, mas em muitos casos da
vida prática a quitação é informal/verbal e decorre dos
costumes (ex: compra e venda em banca de
revista/bombom). Se o credor não quiser fazer a quitação, o
devedor poderá não pagar (319). Mas pagar não é só uma
obrigação do devedor, pagar é também um direito, pois o
devedor tem o direito de ficar livre das suas obrigações, é até
um alívio para muita gente pagar seus débitos. Assim, o
devedor pode consignar/depositar o pagamento se o credor
não quiser dar a quitação, e o Juiz fará a quitação no lugar do
credor. Veremos em breve pagamento em consignação.
Espécies de quitação: 1) pela entrega do recibo, é a mais
comum; 2) pela devolução do título de crédito (324), assunto
que vocês vão estudar em Direito Empresarial/Comercial.

Ônus da prova: quem deve provar que houve


pagamento? Se a obrigação é positiva, ou seja, de dar e de
fazer, o ônus da prova é do devedor, assim se você é
devedor, guarde bem seu recibo. Se a obrigação é negativa o
ônus da prova é do credor, cabe ao credor provar que o
devedor descumpriu o dever de abstenção, pois não é
razoável exigir que o devedor prove que se omitiu, e mais
fácil exigir que o credor prove que o devedor deixou de se
omitir, fazendo o que não podia, descumprindo aquela
obrigação negativa.
MODOS DE EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

1 – PAGAMENTO (continuação)

Lugar: onde o pagamento deve ser feito? No local de


livre escolha das partes, afinal no Direito Civil predomina a
autonomia da vontade (art. 78). Se o contrato/sentença for
omisso, o lugar do pagamento será no domicílio do devedor
(327 e pú). Tratando-se de imóvel, o local da coisa determina
o lugar do pagamento (328). A doutrina classifica as dívidas
em quesível (querable) e portável (portable): nesta, cabe ao
devedor ir pagar no domicílio do credor, sob pena de juros e
multa ( = mora, assunto do final do semestre, 395). Já na
dívida querable cabe ao credor ir exigir o pagamento no
domicílio do devedor, a iniciativa é do credor, sob pena de
mora do credor (394, 400, bom, veremos mora mais adiante).

Tempo: quando deve ser feito o pagamento? No


vencimento previsto no título, e se não houver vencimento é
porque o credor pode exigir o pagamento imediatamente. É a
chamada satisfação imediata do art. 331. Mas deve-se
sempre tolerar um prazo moral, que é aquele prazo razoável,
do bom-senso, para dar ao devedor um tempo mínimo de se
organizar, sacar o dinheiro no banco, esperar a mercadoria
chegar do exterior, etc. O vencimento é uma data que
favorece o devedor, então o devedor pode pagar antes do
vencimento, mas o credor só pode exigir a partir do
vencimento, sob as penas do 939. A lei todavia permite,
excepcionalmente, cobrança antes do vencimento caso o
devedor esteja em dificuldade financeira, nos casos do art.
333.

Enriquecimento sem causa e pagamento indevido:

Enriquecer sem causa é enriquecer repentinamente sem


motivo justo, sem trabalhar, sem herdar. Uma das hipóteses
de enriquecimento sem causa é através do pagamento
indevido, por isso estes dois assuntos devem ser estudados
em conjunto.

Ocorre pagamento indevido quando o devedor paga a


alguém que não é o credor, ou seja, o accipiens não é o
credor, e o devedor agiu por engano. Quem recebe
pagamento indevido enriquece sem causa (ex: A deve a José
da Silva, mas paga a outro José da Silva, homônimo do
verdadeiro credor; A efetuou pagamento indevido e vai ter
que pagar de novo ao verdadeiro credor, pois quem paga mal
paga duas vezes; A obviamente vai exigir o dinheiro de volta
do outro José da Silva que enriqueceu sem causa, mas o
verdadeiro credor não precisa esperar, ele não tem nada a
ver com isso).

Ocorre enriquecimento sem causa quando alguém


aufere um aumento patrimonial, em prejuízo de outrém, sem
justa causa. Há outros casos de enriquecimento sem causa
além das hipóteses de pagamento indevido, ex: 578, 1255, pú
do 1817, etc. Estudaremos esses exemplos oportunamente,
ao longo do extenso curso de Direito Civil.

Dois efeitos do pagamento indevido:

1 – aquele que enriqueceu sem causa fica obrigado a


devolver o indevidamente auferido, não só por uma questão
moral (= direito natural), mas também por uma questão de
ordem civil (876, 884) e tributária, afinal como explicar à
Receita Federal um súbito aumento de patrimônio? O objetivo
dessa devolução é reequilibrar os patrimônios do devedor e
do falso credor, alterados sem fundamento jurídico, sem
causa justa.

2 – se o falso credor não quiser voluntariamente


devolver o pagamento, surge o segundo efeito que é o direito
do devedor de propor ação de repetição do indébito (repetitio
indebiti) contra tal accipiens. Esta ação tem este nome pois,
em linguagem jurídica, “repetir” significa “devolver” e
“indébito” é aquilo que não é devido. Então a ação é para o
falso credor devolver aquilo que não lhe era devido. Tal ação
prescreve em três anos (206, § 3º, IV).

Também se aplicam as regras do pagamento indevido


quando se paga mais do que se deve. Porém não cabe a
repetição quando o “solvens” agiu por liberalidade (ex:
doação, 877) ou em cumprimento de obrigação natural (ex:
gorjeta, dívida de jogo, dívida prescrita, 882, 814) ou quando
o “solvens” deu alguma coisa para obter fim ilícito, afinal
ninguém pode se beneficiar da própria torpeza (ex: pagou ao
pistoleiro errado para cometer um homicídio, não cabe
devolução, 883).
E se o objeto do pagamento indevido já tiver sido
alienado pelo falso credor a um terceiro? Bem, se tal objeto
era coisa móvel, tal alienação vale por uma questão de
segurança das relações jurídicas e porque em geral os móveis
são menos valiosos do que os imóveis. De qualquer modo o
falso credor vai responder pelo equivalente em dinheiro.

Mas se o objeto do pagamento indevido for um imóvel


que o falso credor já tenha alienado a um terceiro, tal
alienação só valerá se feita onerosamente (venda sim, doação
não) e o terceiro estiver de boa-fé. Caso contrário o solvens
poderá perseguir o imóvel e recuperá-lo do terceiro (879).

MODOS DE EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

1 – Pagamento (já visto)

2 - IMPUTAÇÃO DE PAGAMENTO: o normal é entre duas


pessoas haver apenas uma obrigação, mas pode acontecer de
alguém ter mais de uma dívida com o mesmo credor. Assim,
se A deve a B cem reais decorrentes de um empréstimo e
outros cem reais decorrentes de um ato ilícito (ex: A bateu no
carro de B), quando A vai pagar apenas uma destas dívidas
precisa dizer a B qual está quitando. Imputar o pagamento é
determinar em qual dívida o pagamento está incidindo. Num
conceito mais técnico, imputação de pagamento é a operação
pela qual o devedor de mais de uma dívida vencida da
mesma natureza a um só credor, indica qual das dívidas está
pagando por ser tal pagamento inferior ao total das dívidas
(352). É preciso que haja mais de uma dívida, todas vencidas,
da mesma natureza (ex: obrigação de dar dinheiro) e o
pagamento ser menor do que a soma das dívidas. Cabe ao
devedor fazer a imputação, dizer qual dívida está quitando, e
o devedor deve ser orientado por seu advogado para quitar
logo a dívida de juro maior e a dívida com garantia (ex:
hipoteca, penhor, fiança, porque aí o devedor libera a coisa
dada em garantia/o devedor libera o fiador). Se o devedor não
imputar, o credor poderá fazê-lo (353), devendo o credor ser
orientado por seu advogado para pedir a quitação na dívida
de juro menor e na dívida quirografária ( = dívida sem
garantia). Lembrem-se que pelo art. 314 o credor não está
obrigado a receber pagamento parcial, mas na prática pode
ser melhor o credor aceitar alguma coisa e depois brigar pelo
restante. Se o devedor e o credor não fizerem a imputação, a
lei fará na dívida de maior valor, conforme art. 355 ( =
imputação legal).

3 – PAGAMENTO POR CONSIGNAÇÃO

Este é o terceiro dos modos de extinção das obrigações


que nós estamos estudando. É através da consignação que o
devedor vai exercer o seu direito de pagar, afinal já dissemos
que pagar não é só um dever, é um direito também,
concordam? Imaginem que o locador morreu e o inquilino
desconhece seu herdeiro, deve então consignar o aluguel
para evitar a mora e o despejo. Consignar onde? Em Juízo, e o
Juiz vai procurar o sucessor do credor. A parte operacional da
consignação em pagamento vocês vão estudar em processo
civil, mas conhecendo o direito, o processo fica fácil de
aprender (335, III – credor desconhecido). Outro exemplo,
imaginem que alguém morre e deixa a mulher como
beneficiária do seguro de vida, só que o falecido tinha uma
esposa e uma companheira, então a seguradora vai pagar a
qual das duas? Paga em Juízo, numa conta a disposição do
Juiz, o Juiz dá uma sentença à seguradora, que servirá de
quitação, enquanto as duas mulheres seguem no processo
disputando o dinheiro (793, 335, IV). É prudente a
seguradora fazer isso até para não correr risco de pagar à
mulher errada e efetuar pagamento indevido.

Conceito: pagamento por consignação consiste no


depósito judicial da coisa devida, realizada pelo devedor nas
hipóteses do art. 335 do CC. Este artigo é taxativo (=
exaustivo), não é exemplificativo, de modo que não há outras
possibilidades de consignação. Outro detalhe importante: só
existe consignação nas obrigações de dar, pois não se pode
depositar um serviço (obrigação de fazer) ou uma omissão
(obrigação de não-fazer), mas apenas coisas, em geral
dinheiro. Admite-se também depósito de imóveis, gado,
colheita, etc (341), e o Juiz vai ter que arranjar um depositário
para cuidar dessas coisas até o credor aparecer (343).
Quando o depósito é de pecúnia (dinheiro) coloca-se em
banco oficial: Banco do Brasil ou Caixa Econômica Federal, em
conta à disposição do Juiz.

Percebam que na ação de consignação o autor é o


devedor, o credor é o réu e a quitação vem com a sentença. A
sentença dirá se a consignação equivale ao pagamento, se o
devedor teve razão ao consignar e se a obrigação está
extinta. Excepcionalmente admite-se o credor como autor da
ação quando mais de uma pessoa se diz credor, então
qualquer deles pede ao devedor que consigne o pagamento,
enquanto os credores discutem em Juízo (345).

Em algumas consignações o credor está certo de não


querer receber pois o devedor quer pagar menos do que
deve, e vocês sabem que o credor não está obrigado a
receber por partes. Então o devedor consigna com base no
inc. I do 335, alegando que o credor se recusa a receber, mas
existe uma “justa causa” para isso no 314. Isso acontece na
prática quando o devedor usa o cheque especial, atrasa o
cartão de crédito, etc. e depois quer pagar sem incluir os
juros contratados. Ora, quando o devedor precisou de crédito
o banco emprestou, então na hora de pagar é preciso cumprir
o contrato, concordam?

No Código de Processo existe uma consignação extra-


judicial, para dívidas em dinheiro, que podem ser feitas
diretamente no banco, sem precisar de advogado ou Juiz.
Vocês verão isso lá em Processo Civil.

Efeitos do pagamento por consignação: 1) liberatório:


libera/exonera o devedor da obrigação; 2) extintivo: a
consignação extingue a obrigação (334).

4 – Pagamento por sub-rogação

Sub-rogar é substituir o credor, de modo que o


pagamento por sub-rogação assemelha-se à cessão de crédito
por se tratar da substituição da pessoa do credor (348;
veremos cessão de crédito mais adiante).

Conceito: ocorre a sub-rogação quando a dívida de


alguém é paga por um terceiro que adquire o crédito e
satisfaz o credor, mas não extingue a dívida e nem libera o
devedor, que passa a dever a esse terceiro. Ex: A deve cem a
B, mas C resolve pagar essa dívida, então B vai se satisfazer e
A vai passar a dever a C. Via de regra não há prejuízo para o
devedor que passa a dever a outrem.

Como vocês já sabem, a lei permite que qualquer pessoa


pague a dívida dos outros, então se o devedor quer evitar
isso, deve se antecipar e cumprir logo suas obrigações. O
terceiro que paga essa dívida pode ou não ter interesse
jurídico, vimos isso algumas aulas atrás, lembram?

Se o terceiro solvens tem interesse jurídico vai se sub-


rogar nos direitos do credor primitivo, ou seja, vai adquirir
todas as eventuais vantagens, privilégios, garantias e
preferências do credor primitivo, além de, é óbvio, exigir o
reembolso. Ex: A deve cem a B com uma garantia de fiança
ou hipoteca; se C pagar essa dívida terá direito a cobrar os
cem de A, mas só terá direito à garantia da fiança ou da
hipoteca caso C possua interesse jurídico (346, III). Veremos
fiança e hipoteca, respectivamente, em Civil 3 e Civil 5. Caso
C não possua interesse jurídico só terá direito ao reembolso
(305). A lei trata diferente para evitar especulações e
constrangimentos, depois revisem a aula 11.

Efeitos da sub-rogação: 1) satisfativo em relação ao


credor primitivo. O credor primitivo vai se satisfazer com o
pagamento feito pelo terceiro, mas a obrigação permanece
para o devedor; a sub-rogação não extingue a dívida; 2)
translativo: o novo credor vai receber todas as vantagens e
direitos do credor primitivo, desde que o pagamento tenha
sido feito por sub-rogação (349).

Espécies de sub-rogação: 1) legal: decorrente da lei, nas


hipóteses do art. 346; a lei determina independente da
vontade das partes; 2) convencional: depende de acordo
escrito entre as partes, quando o terceiro solvens faz acordo
com o credor primitivo e fica com o direito de sub-rogação
mesmo sem interesse jurídico e mesmo sem a anuência do
devedor. Através de acordo escrito se transferem todas as
vantagens do credor primitivo para o solvens, igual a uma
cessão de crédito (347 e 348).

5 – Dação em pagamento

É dar alguma coisa em pagamento, diferente da coisa


devida. Os romanos chamavam de datio in solutum. Dação
vem assim do verbo dar. Por favor, não é “da ação” em
pagamento, mas “dação” mesmo, do verbo dar.

Conceito: é o acordo liberatório em que o credor


concorda em receber do devedor prestação diversa da
ajustada (356). Não pode haver imposição do devedor em
pagar algo diferente do devido (313), afinal quem deve
dinheiro só paga com um objeto se o credor aceitar. Ex: devo
dinheiro e pago com uma TV, um livro, uma casa, etc.

Requisitos da dação: 1) consentimento, concordância,


anuência do credor; 2) prestação diversa da ajustada, então
não se trata de obrigação alternativa, pois nesta a obrigação
nasce com duas opções de pagamento; na dação é só depois
que as partes trocam o objeto do pagamento.

Efeitos da dação: 1) satisfatório em relação ao credor,


mesmo recebendo outra coisa, pois o credor pode preferir
receber coisa diversa do que receber com atraso ou nada
receber; 2) liberatório em relação ao devedor, pois a dívida se
extingue e o devedor se exonera da obrigação. Estes dois
efeitos são os mesmos do pagamento natural.

Evicção: imaginem que A deve 100 e paga com um


objeto furtado, que não era dele, então o verdadeiro dono vai
exigir a devolução da coisa e a obrigação vai renascer (359).
Ser “evicto” é ser afastado da coisa recebida em pagamento.
Ocorre a evicção quando alguém perde a propriedade da
coisa em virtude de decisão judicial que reconhece a outrem
direito anterior sobre essa coisa. Veremos evicção em Civil 3.

6 – Novação: está em desuso e é rara, por isso não


vamos estudá-la. Saibam apenas que se trata da extinção de
uma obrigação por outra diferente, destinada a substituí-la.
Com a novação se extingue uma dívida e se cria uma nova
dívida entre as mesmas partes, enfim não se muda muita
coisa, continua a existir uma obrigação entre as mesmas
partes. É mais prático fazer uma dação em pagamento ou
uma cessão de crédito.

MODOS DE EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES (continuação)

7 – COMPENSAÇÃO: é um modo de extinção das obrigações


que deve ser estimulado pois representa a lei do menor
esforço, por uma questão de lógica e de simplicidade.

Conceito: a compensação extingue as obrigações do


mesmo gênero das pessoas que são, reciprocamente,
credoras e devedoras entre si, até onde as dívidas se
compensem. Ex: A deve cem a B decorrente de um
empréstimo e B deve cem a A porque bateu no carro de A,
então um não vai cobrar do outro, a compensação vai
extinguir as duas obrigações mediante um pagamento fictício
(art. 368). A compensação exige pluralidade de obrigações,
não existindo compensação numa obrigação única, como uma
compra e venda, onde o comprador deve o preço e o
vendedor deve a coisa. A compensação pode ser parcial caso
a outra dívida seja inferior, o que vai representar mais uma
exceção ao art. 314, afinal a compensação deve ser
estimulada.

Espécies: a) compensação legal: ocorre por força da lei,


mesmo que uma das partes se oponha, sempre que as dívidas
forem líquidas ( = valor certo), vencidas e homogêneas (=
mesma espécie e qualidade, 369); b) compensação judicial:
determinada pelo Juiz no caso concreto, ao entender que
deve haver compensação por uma questão de economia
processual, por uma questão de praticidade, dando o Juiz seus
motivos/fundamentos na sentença; c) compensação
convencional: decorre do acordo de vontades, decorre da
transação entre as partes, e no direito civil a liberdade das
partes é grande, as partes podem dispor de seus bens com
ampla liberdade, é a chamada autonomia privada. Dívidas de
qualquer tipo podem ser compensadas, sejam ilíquidas,
heterogenias ou não vencidas, ninguém tem nada a ver com
isso, nem Promotor, nem Juiz, nem Delegado, afinal cada um
sabe o que faz com seu patrimônio. Mas, repito, depende de
acordo, não pode haver imposição de uma parte sobre outra.

Vedações: algumas obrigações, pela sua natureza, não


podem ser compensadas, pois elas fogem ao direito
patrimonial privado. São aquelas obrigações de caráter
alimentar e tributário. Então se meu filho bate com meu carro
eu não posso deixar de sustentá-lo (ex: deixar de pagar a
faculdade alguns meses) para compensar o prejuízo, afinal os
alimentos são indispensáveis por uma questão de
sobrevivência. Idem se meu carro cai num buraco na rua, eu
não posso deixar de pagar imposto de renda para compensar
com o governo o prejuízo pela não conservação das ruas,
afinal o interesse público do governo em receber tributos é
maior do que o interesse particular do cidadão que teve seu
carro avariado. Por isso já foi revogado o art. 374 do novo CC.
Efeitos da compensação: os mesmos do pagamento:
extingue a obrigação, satisfaz o credor e libera o devedor.

8 – CONFUSÃO: esta confusão aqui, do direito das obrigações,


é diferente da confusão dos direitos reais, do art. 1272, que
corresponde à mistura de líquidos, e que estudaremos em
Civil 4. A confusão que nos interessa hoje é mais um modo de
extinção das obrigações semelhante ao pagamento por
impossibilidade lógica de permanecer o vínculo. Art 381, ex: A
é inquilino de seu pai B, mas o pai morre e A herda o
apartamento, extinguindo a obrigação de pagar aluguel face à
confusão, pois B vai reunir as qualidades de credor e devedor,
afinal ninguém pode ser devedor ou credor de si mesmo. A
confusão exige identidade de pessoas e de patrimônios, de
modo que o dono de uma pessoa jurídica pode dever a sua
empresa, e vice-versa.

9 – REMISSÃO: escreve-se com dois “s”, ao contrário de


remição, instituto da execução contra devedor que vocês vão
estudar em processo civil. A remissão (com dois “s”) é o
popular perdão da dívida. Conceito: remissão é a liberação do
devedor pela autoridade do credor que, voluntariamente,
dispensa o crédito, perdoa o débito e extingue a obrigação
(385). Mas como pagar é um direito do devedor, se ele não
aceitar a remissão deve consignar o pagamento. Mas em
geral a remissão é aceita e se assemelha a uma doação.

Espécies de remissão: pode ser total ou parcial (parte da


dívida ou dispensa dos juros); pode ser expressa (por escrito)
ou tácita (ex: devolução do título de crédito); pode ser
gratuita (mais comum) ou onerosa (nesta remissão o credor
perdoa a dívida mas pede algo em troca, o que se assemelha
a uma transação, veremos transação em breve).

Ressalto que remissão é gesto nobre de pessoas solventes, ou


seja, quem está em dificuldades financeiras não pode perdoar
seus devedores, afinal estará prejudicando seus próprios
credores (385, in fine). Assim se A é insolvente (tem muitos
credores) não pode perdoar seus devedores para não
caracterizar uma fraude contra seus credores, como prevê o
art. 158. Trata-se inclusive de uma presunção absoluta de
fraude a remissão de dívida feita pelo insolvente, como vocês
estudaram no semestre passado.
10 – TRANSAÇÃO

Trata-se na verdade de um contrato, o Código Civil


trata como contrato, mas para alguns autores a transação é
modo de extinção das obrigações. Eu entendo que é um
contrato, mas no próximo semestre vocês terão muito
assunto para estudar, pois Civil 3 é a cadeira mais extensa do
curso de Direito Civil. Assim, vamos logo conhecer aqui a
transação que corresponde a um acordo, a uma conciliação
para extinguir a obrigação. O Juiz inclusive deve incentivar a
transação entre as partes, conforme art. 125, IV, do Código de
Processo. Conforme ditado popular, “é melhor acordo ruim do
que briga boa”. Vocês conhecem a expressão
“intransigente”? Pois intransigente é aquele que não faz
transação, que não faz concessões.

Conceito da doutrina: transação é a solução contratual


da lide; conceito da lei: transação é o contrato pelo qual as
partes terminam ou previnem um litígio mediante concessões
mútuas, art. 840. É essencial que na transação existam
concessões mútuas, ou seja, cada uma das partes perde e
ganha um pouco. As concessões podem ser desproporcionais,
ou seja, uma parte pode se quiser perder mais do que a outra,
mas as concessões têm que ser mútuas. Se uma das partes
perde tudo e esta parte é o credor existe remissão da dívida
(vide item 9), mas não transação. Igualmente, se o devedor
perde tudo existe pagamento, mas não transação.

É curioso que se uma das cláusulas do contrato de


transação for nula, o contrato todo será anulado, pois a
nulidade de uma cláusula quebra esse equilíbrio das
concessões que as partes buscaram (848). Diz-se que a
transação é por isso indivisível.

Aplicação: a transação não se aplica a todas as


obrigações, mas apenas às obrigações de caráter patrimonial
privado (841), que são justamente estas obrigações que nós
encontramos aqui no Direito Civil. Todavia, tolera-se
transação em outras áreas, como no Direito de Família,
quando as partes transacionam sobre pensão alimentícia; ou
no Direito do Trabalho quando as partes transacionam sobre
salários atrasados; ou no Direito Penal quando o Ministério
Público transaciona com o réu, e o réu reconhece a culpa em
troca de uma pena menor; ou no Direito Administrativo
quando o Governo transaciona com o contribuinte para
receber impostos. Enfim, a transação é típica do Direito Civil,
mas pelas suas vantagens admite-se cada vez mais em outras
áreas.

Falando de Direito Penal, devo dizer que a transação civil


sobre fato que constitui crime não extingue a ação penal. Ex:
se A agride B e quebra seu braço, vai responder penalmente
por lesão corporal e civilmente pelos danos causados a B com
tratamento médico, tempo que ficou sem trabalhar, danos
morais se for o caso, etc. Se A e B fazem uma transação civil,
não impede o Promotor de continuar processando A
criminalmente para receber uma pena de prisão (846). Vocês
verão em responsabilidade civil a relação entre a Justiça Penal
e a Civil quando um mesmo fato interessa a ambas (935).

Espécies: a) preventiva: visa evitar uma ação judicial, ou


seja, as partes fazem um acordo antes de submeter a lide ao
Judiciário; pode ser feita por instrumento particular, ou seja,
por contrato escrito e assinado pelas partes, testemunhas e
advogados, se houver; b) terminativa ou judicial: é a
transação feita na Justiça, após iniciado o processo, quando o
acordo é homologado pelo Juiz. Vamos encontrar estas duas
espécies no art. 842.

A vantagem da transação judicial é que ela não pode ser


mais discutida, pois foi feita perante o Juiz, tornando-se coisa
julgada. Já a transação preventiva, embora também segura,
sempre pode ser questionada em Juízo, alegando uma das
partes que foi coagida, que se enganou, etc. (849) Eu repudio
a banalização destes argumentos pois já disse a vocês que a
transação é um contrato, e contrato é para ser cumprido por
uma questão de segurança na sociedade. País nenhum se
desenvolveu sem respeitar dois institutos de Direito Civil:
contratos e propriedade.

Efeito: a transação extingue a obrigação decorrente


daquela controvérsia entre as partes.
11 – ARBITRAGEM
Nosso CC chama a arbitragem de compromisso e
existe uma lei específica sobre arbitragem de nº 9.307/96,
conhecida como Lei Marco Maciel, pela influência deste
político pernambucano na sua aprovação. Trata-se de um
tema moderno e maravilhoso para uma monografia de final
de curso.
Conceito: arbitragem é o acordo pela qual as partes,
por não chegarem à transação, concordam em ter sua lide
submetida à decisão de um árbitro, de um “juiz particular”,
afastando tal lide da Justiça Estatal. Através da arbitragem
as partes pedem a um terceiro que aprecie a lide, e tal
decisão deverá ser cumprida pelas partes, como se fosse
uma sentença judicial. Ressalto que na transação, através
de mediação, as partes escolhem a solução da lide,
enquanto na arbitragem as partes escolhem o árbitro, mas
não escolhem a decisão.
Esta lei 9.307 foi alvo de muitas controvérsias, até
que o Supremo, em 2002, julgou sua constitucionalidade, e
desde então a arbitragem vem crescendo em todo o país e
contribuindo para desafogar a Justiça.
Vantagens da arbitragem:
a) celeridade: maior rapidez na solução da lide, tendo em
vista a conhecida sobrecarga do Judiciário e os entraves da
legislação processual;
b) custo menor: quando se ganha tempo também se ganha
dinheiro;
c) sigilo: o processo arbitral não é público como o processo
judicial, onde as decisões são divulgadas na internet e no
Diário Oficial, provocando desgaste emocional;
d) escolha do árbitro: não se pode escolher o Juiz, pois
depende sempre das regras de competência e da
distribuição no Fórum, porém se pode escolher o árbitro,
que deve ser uma pessoa idônea, preparada, conhecida das
partes, especialista na área do litígio (ex: engenheiro,
médico, contador); isto é uma questão crucial pois o Juiz
não entende de medicina, engenharia, contabilidade, etc, e
precisa sempre nomear um perito para lhe ajudar a julgar
processos nestas áreas;
e) impossibilidade de recurso: a decisão do árbitro é
irrecorrível, e se a parte sucumbente não cumpri-la, a parte
vencedora vai executá-la perante o Juiz; só aqui é que o Juiz
entra, para executar a decisão arbitral com a força do
Estado, caso o sucumbente voluntariamente não acate; já
na Justiça Estatal existem inúmeros recursos (cerca de
trinta), graus de jurisdição (cerca de oito), entraves
burocráticos e formalidades desnecessárias previstas no
arcaico Código de Processo Civil; f) paz social: a solução
rápida da arbitragem traz paz social e elimina as incertezas
entre particulares que atrapalhem a realização de negócios
e a circulação de dinheiro na sociedade;
g) alivia a Justiça: a utilização da arbitragem deixa o
Judiciário com mais tempo para agir nas questões onde a
presença do Estado é indispensável, como nas questões
penais, administrativas e tributárias.
Desvantagens da arbitragem: ela só faz sentido
para casos sofisticados e de valor elevado; é preciso pagar
os honorários do árbitro e as despesas do Tribunal; tem que
ser conduzida por árbitros com conhecimento e tribunais
com estrutura para fazer perícias e produzir provas; caso
contrário a solução será injusta com o agravante que não
cabe apelação.
Aplicação da arbitragem: no Direito Internacional, na
solução de divergências obrigacionais entre empresas
multinacionais, ou na solução de disputas entre países
soberanos (ex: dúvidas sobre a fronteira entre dois países);
no Direito Civil em matéria patrimonial (852, ex: direito de
vizinhança, contratos, direito da informática, direito autoral,
responsabilidade civil, etc). Na Espanha inclusive, conforme
publicado no Jornal do Magistrado da AMB, edição de
outubro de 2003, funciona uma corte arbitral com mais de
mil anos, na cidade de Valencia. É um tribunal privado que
julga problemas com o uso de água entre os agricultores
numa região árida, e os árbitros são os próprios
agricultores.
Espécies: a) cláusula compromissória (853): as
partes celebram um contrato e dispõem numa cláusula que,
se houver algum litígio futuro entre elas, a lide será
submetida à arbitragem e não à Justiça; esta cláusula é
mera precaução; b) compromisso arbitral (851): já existe
litígio entre as partes e elas resolvem submeter a questão a
um árbitro e não a um Juiz para solucionar a controvérsia.

Atualmente já há vários escritórios de advocacia


especialistas em arbitragem. Alguns Juízes são contra a
arbitragem por achar que vão perder poder, mas eu discordo,
acho que é pura vaidade destes colegas, e nós devemos
aceitar tudo que venha para desafogar a Justiça e beneficiar a
população, estimulando mais negócios e comércio. Depois
acessem www.iccwbo.org e www.ccbc.org.br e leiam a lei
9.307/96.
DO INADIMPLEMENTO DAS OBRIGAÇÕES

Concluímos os modos de extinção das obrigações,


vamos agora avançar para a mora e o inadimplemento das
obrigações. A regra é toda obrigação ser cumprida, é todo
contrato ser cumprido, afinal o contrato faz lei entre as
partes, e como diziam os romanos “pacta sunt servanda”.

Porém, excepcionalmente, as obrigações podem não


ser cumpridas por culpa do devedor ou por culpa do credor ou
por algum acidente ( = caso fortuito ou de força maior).

A culpa do devedor pode ensejar a mora ou o


inadimplemento. A mora é o atraso no pagamento enquanto o
inadimplemento é a falta de pagamento. Curioso é que a
mora pode também ser do credor, ou seja, o credor pode se
negar a aceitar o pagamento (ex: A deve milho a B, mas B se
recusa a aceitar alegando que os grãos estão estragados).
Vejamos primeiro a mora e seus efeitos, e na próxima aula
inadimplemento:

MORA: é o atraso no pagamento ou no recebimento, tanto por


culpa do devedor (mora solvendi) como por culpa do credor
(mora accipiendi). Se ambos tiverem culpa não haverá mora,
pois as moras recíprocas se anulam. Conceito: mora é a
impontualidade culposa do devedor no pagamento ou do
credor no recebimento (394). Se o devedor atrasa sem culpa
(ex: por causa de um acidente, uma greve, uma cheia, um
caso fortuito ou de força maior) não haverá mora (396). Mas a
mora do credor independe de culpa e o devedor nesse caso
deve consignar o pagamento. Assim não importam os motivos
da mora do credor, o devedor precisa exercer seu dever e seu
direito de pagar através da consignação (335 , I – observem
que tal inciso usa a expressão “se o credor não puder”, não
importando assim os motivos pelos quais o credor não pôde ir
buscar o pagamento, mesmo que sejam decorrentes de um
caso fortuito). A mora do credor é mais rara.

Efeitos da mora do credor: o credor que não quiser ou


não for receber o pagamento conforme acertado sujeita-se a
quatro efeitos: 1) o credor em mora libera o devedor da
responsabilidade pela conservação da coisa (ex: A deve um
cavalo a B que ficou de ir buscá-lo na fazenda de A; a mora de
B não responsabiliza A caso o cavalo venha a morrer mordido
por uma cobra após o vencimento; § 2º do 492); 2) o credor
em mora deve ressarcir o devedor com as despesas pela
conservação da coisa (no exemplo do cavalo, B deve pagar as
despesas de A com ração e medicamento desde o
vencimento); 3) obriga o credor a pagar um preço mais alto
pela coisa se a cotação subir; este efeito se aplica a coisas
que têm preço na bolsa de valores, como ações, açúcar, café,
soja, etc. No art. 400 do CC vamos encontrar estes três
efeitos; 4) último efeito: o credor em mora não pode cobrar
juros do devedor desse período, afinal foi do credor a culpa
pela atraso no pagamento.

Mora do devedor: a mora solvendi pode se equiparar ao


inadimplemento e o credor exigir então perdas e danos (389).
Ex: A compra docinhos para o casamento da filha, mas a
comida atrasa e chega depois da festa, é evidente que esta
mora corresponde a um inadimplemento (pú do 395). Se o
atraso foi por culpa da doceira, além de devolver o dinheiro,
vai ter que pagar as perdas e danos do 389. Mas se o atraso
foi por causa de uma enchente que derrubou a ponte, a
doceira só terá que devolver o dinheiro, sem os acréscimos
das perdas e danos. Se eu atraso o pagamento do condomínio
eu estou em mora e vou pagar a multa, mas é evidente que
esta mora não corresponde a um inadimplemento pois
interessa ao condomínio receber o pagamento atrasado.
(veremos mais perdas e danos em breve)

Pressupostos da mora do devedor: 1) crédito vencido


(397); 2) culpa do devedor: esta é a culpa lato sensu (= em
sentido amplo) que corresponde ao dolo e à culpa stricto
sensu (= em sentido restrito), que se divide em imprudência e
negligência, como vocês estudaram em ato ilícito no semestre
passado; se não há qualquer culpa, mas caso fortuito ou de
força maior não existe mora do devedor (393, 396); 3)
possibilidade de cumprimento tardio da obrigação com
utilidade para o credor, caso contrário teremos
inadimplemento e não mora (pú do 395).

Efeitos da mora do devedor: 1) o devedor responde


pelos prejuízos causados, mais multa, juros, etc (395); 2) o
devedor em mora responde pelo caso fortuito ou de força
maior ocorridos durante o atraso (399, ex: A deve um cavalo
campeão a B, mas A entrou em mora para levar o cavalo
para B, então vem uma cheia e mata o cavalo, A irá
responder por perdas e danos, salvo se conseguir provar que
a cheia também atingiu a fazenda de B e que o cavalo
morreria do mesmo jeito se estivesse lá; se a cheia chegasse
antes do vencimento A também não iria responder perante B
pela morte do cavalo pois se tratou de um caso fortuito ou de
força maior).

Purgação da mora: purgar significa emendar, reparar,


remediar; purgar a mora é consertar/sanar as consequências
da mora, tanto para o devedor como para o credor, conforme
art. 401. Em caso de inadimplemento do devedor não se
purga mais a mora, resolvendo-se em perdas e danos. A mora
do devedor pode também ser purgada se o credor
perdoar/remir/dispensar as perdas e danos do 395.

JUROS LEGAIS: um dos efeitos da mora do devedor é o


pagamento de juros ao credor (395), principalmente nas
obrigações de dar dinheiro ( = pecuniárias). Conceito de juro:
é a remuneração que o credor exige por emprestar dinheiro
ao devedor. Juro é igual a rendimento, é igual a fruto civil.

Os frutos em direito podem ser civis, naturais ou


industriais. Os frutos civis são os juros e os rendimentos; os
frutos naturais são as frutas das árvores e as crias dos
animais; os frutos industriais são, por exemplo, os carros
produzidos por uma fábrica de automóveis. Não confundam
frutos com produtos, pois estes se esgotam (ex: uma
pedreira, uma mina de ouro, um poço de petróleo), enquanto
os frutos se renovam. Bom, vocês já estudaram frutos e
produtos lá em Civil 1 (art. 95).

Voltando aos juros, estes são livres, conforme art. 406,


sendo fixados pelas partes no contrato ou pelo mercado
financeiro. Depois de assinado o contrato, não adianta dizer
que os juros são altos, pois contrato é para ser cumprido. Se
as partes não fixarem os juros, estes serão de um por cento
ao mês, conforme art. 406 do CC combinado com o art. 161, §
1º do Código Tributário Nacional, pois este é o juro devido no
pagamento de impostos.

Realmente, os juros devem ser livres, fixados pelas


partes ou pelo mercado. Não pode a lei querer limitar os
juros, como acreditam alguns populistas, pois o Direito não
manda na Economia. Caso as leis jurídicas fossem superiores
às leis econômicas, bastaria um decreto/uma lei acabando
com a inflação, acabando com o desemprego, acabando com
a recessão, etc., para resolver todos nossos problemas. Mas
não é assim que o mundo moderno funciona, precisamos ser
realistas e não demagógicos, por isso é que o art. 192, § 3º da
CF, que limitava os juros em 12% ao ano, foi revogado em
maio de 2003 sem nunca ter efetivamente sido aplicado,
apesar de vigorado por quinze anos, desde 1988.

INADIMPLEMENTO

Inadimplemento é o não pagamento/cumprimento da


obrigação, enquanto a mora é o atraso do devedor no
pagamento ou do credor no recebimento; inadimplemento é
só do devedor, mora pode ser de ambas as partes (aula 17).

Efeito do inadimplemento: responsabilizar o devedor


por perdas e danos, se este inadimplemento for culposo
(389). Se o inadimplemento não for culposo o devedor está
isento das perdas e danos, mas é ônus do devedor provar o
caso fortuito ou de força maior.

O caso fortuito ou de força maior está conceituado no


pú do 393; o fato precisa ser superveniente/futuro e
imprevisível para justificá-lo. É um problema (ex: cheia, seca,
greve, doença, roubo) que o devedor não contribuiu para sua
ocorrência e nem poderia evitar. O fato do príncipe é
também um caso fortuito (ex: A deve cigarro a B, porém vem
uma lei proibindo o fumo no país, então a obrigação se
extingue face à ilicitude do objeto; chama-se fato do príncipe
em alusão ao Estado, pois antigamente os governantes eram
monarcas).

Espécies de inadimplemento: culposo e fortuito.

a) culposo: é a culpa lato sensu, em sentido amplo,


que envolve o dolo (intenção), e a culpa em sentido restrito:
negligência e imprudência. É o inadimplemento culposo que
vai gerar responsabilidade patrimonial por perdas e danos
(391), sobre os bens do devedor, afinal não existe prisão por
dívida, salvo no depósito (veremos em Civil 3) e na pensão
alimentícia (veremos em Civil 6). Assim, se o inadimplente
não possui bens, ao credor só resta lamentar, é o chamado na
brincadeira de jus sperniandi. O inadimplemento culposo vai
corresponder ao não cumprimento da obrigação de forma
intencional (dolo) ou culposa (culpa stricto sensu =
negligência e imprudência). Viola o devedor sua obrigação de
cumprir a prestação e deverá arcar com perdas e danos.
Todavia, em alguns contratos, a depender da prestação, ao
invés de perdas e danos, o devedor poderá ser obrigado pelo
Juiz a cumprir o contrato (art 475 – veremos isso em Civil 3,
mas quem estiver curioso pode ver no nosso e-mail um
comentário a esse artigo 475).

PERDAS E DANOS: o que são estas perdas e danos


devidas pelo inadimplente ao credor? Não se trata de um
enriquecimento do credor (403), mas sim de uma
compensação financeira pelos danos sofridos pelo credor,
sejam danos materiais, sejam danos morais.

Os danos materiais correspondem aos lucros


cessantes e ao dano emergente. Dano emergente é aquilo
que o credor efetivamente perdeu e lucro cessante é aquilo
que o credor razoavelmente deixou de lucrar (402). Ex: A bate
seu carro num táxi, terá então que indenizar o taxista pelo
dano emergente (farol quebrado, lataria amassada, pintura
arranhada, etc – damnum emergens) e pelo lucro cessante
(os dias que o taxista ficará sem trabalhar enquanto o carro é
consertado – lucrum cessans).

O dano emergente é o desfalque sofrido pelo


patrimônio da vítima, é a diferença entre o que a vítima tinha
antes e depois do ato ilícito; lucro cessante é a perda de um
lucro esperado, e não um lucro presumido ou eventual (403).

Mas o dano pode também ser moral (186), que é o


dano que atinge a honra da pessoa (art. 20), que provoca
sofrimento, abalo psicológico, perda do sono da vítima, etc. O
dano moral ofende os direitos da personalidade da pessoa, ou
seja, os atributos físicos (o corpo, a vida), psíquicos
(sofrimento) e morais (honra, nome, intimidade, imagem) da
pessoa. Enfim, o dano moral é uma coisa séria, não é
qualquer aborrecimento do cotidiano. O dano moral se
desenvolveu muito em nosso Direito na última década, mas
não pode ser banalizado para não ser desmoralizado, assim
eu repudio condutas de cidadãos que, atrás de lucro fácil,
pleiteiam danos morais porque ficaram presos na porta
giratória de um banco, ou porque o celular deixou de
funcionar, ou porque o carro quebrou na esquina, etc. Repito:
dano moral se justifica especialmente quando atinge o
equilíbrio emocional da vítima, é a dor, angústia, desgosto,
aflição espiritual e humilhação (ex: alguém que perde uma
perna ou um filho num acidente).

O dano é muito importante, é mais importante do que


a culpa, assim não se fala em indenização por
inadimplemento se não houve dano. Veremos logo abaixo, e
vocês verão também em Responsabilidade Civil que existe
até responsabilidade sem culpa, mas desde que exista dano,
material ou moral (pú do 927).

b) inadimplemento fortuito: o devedor não paga


diante de um caso fortuito ou de força maior, ficando assim,
de regra, livre de indenizar o credor (393). A obrigação vai se
extinguir, as partes retornam ao estado anterior, mas sem
indenização do 389. Porém, há casos de responsabilidade sem
culpa que veremos logo aqui em Civil 2, desde que haja dano:

- se o devedor está em mora, ele responde pelo caso


fortuito (399); vimos isto na aula passada, é um dos efeitos
da mora solvendi, lembram? Só não responde se provar que a
coisa iria perecer também nas mãos do credor.

- o devedor pode expressamente se responsabilizar


pelo caso fortuito; isto é comum nos contratos internacionais,
então quando se exporta açúcar, carne, soja, etc., o devedor
se obriga a mandar o produto, ou pagar as perdas e danos,
mesmo que haja uma greve, uma seca, etc. O comprador
insere no contrato uma cláusula onde o devedor assume a
obrigação mesmo diante de um caso fortuito, afinal o
comprador está muito distante para verificar a seriedade
destes transtornos. (vide 393, in fine). Obs: nas relações de
consumo a loja/supermercado não pode se isentar do furto do
carro no seu estacionamento, apesar de ser um caso fortuito
e apesar das placas que eles colocam, diante do art. 51, IV,
do Código do Consumidor; é por isso que os shoppings
cobram pelo estacionamento, porque eles têm seguro contra
furto/roubo do seu carro; a lei dá com uma mão e o mercado
tira com a outra, é o que eu digo a vocês, o direito não manda
na economia.

Não deixem de estudar RESPONSABILIDADE CIVIL


oportunamente, é um assunto próximo de inadimplemento
das obrigações, mas merece um livro próprio. Eu já escrevi
pouca coisa sobre RC no nosso e-mail, depois dêem uma lida,
mas não deixem de cursar esta disciplina caso seja oferecida
como eletiva.

TRANSMISSÃO DAS OBRIGAÇÕES

Cessão de Crédito e Assunção de Débito

1 – Cessão de crédito: é a venda de um direito de crédito; é a


transferência ativa da obrigação que o credor faz a outrem de
seus direitos; corresponde à sucessão ativa da relação
obrigacional.

Em direito a sucessão pode ocorrer inter vivos ou


mortis causa. A sucessão mortis causa nós vamos estudar em
Civil 7, que é a herança. A cessão de crédito corresponde à
sucessão entre vivos no direito obrigacional. A cessão de
crédito também não se confunde com a cessão de contrato
que é a cessão de direitos e deveres daquela relação jurídica,
e não apenas de um crédito.

Quando estudamos pagamento por sub-rogação vimos


que a cessão de crédito é uma de suas espécies (348), mas
na sub-rogação a dívida mantem o valor, já a cessão de
crédito pode envolver valores diversos tendo em vista a
liberdade entre as partes (ex: A deve cem a B para pagar
daqui a seis meses, C então se oferece para adquirir este
crédito contra A por oitenta pagando a B a vista; C age na
esperança de ter um lucro ao receber os cem de A no futuro;
isto acontece no comércio no desconto de cheques “pré-
datados”).

Conceito: cessão de crédito é o negócio jurídico onde


o credor de uma obrigação, chamado cedente, transfere a um
terceiro, chamado cessionário, sua posição ativa na relação
obrigacional, independentemente da autorização do devedor,
que se chama cedido.

Tal transferência pode ser onerosa ou gratuita, ou


seja, o terceiro pode comprar o crédito ou simplesmente
ganhá-lo (= doação) do cedente.

Anuência do devedor: como já disse, a cessão é a venda


do crédito, afinal o cedido continua devendo a mesma coisa,
só muda o seu credor. O cessionário ( = novo credor) perante
o cedido/devedor fica na mesma posição do cedente ( =
credor velho). A cessão dispensa a anuência do devedor que
não pode impedi-la, salvo se o devedor se antecipar e pagar
logo sua dívida ao credor primitivo. Todavia, o cedido ( =
devedor) deve ser notificado da cessão, não para autorizá-la,
mas para pagar ao cessionário ( = novo credor, 290).

Justificativa: a cessão de crédito se justifica/se


fundamenta para estimular a circulação de riquezas, através
da troca de títulos de crédito (ex: cheques, duplicatas, notas
promissórias, títulos que vocês vão estudar em Direito
Comercial/Empresarial). Além do exemplo acima do desconto
de cheques “pré-datados”, a cessão de crédito é muito
comum entre bancos e até a nível internacional do Governo
Federal, em defesa da moeda e da disciplina cambial.

Forma da cessão: não exige formalidade entre o novo


e o velho credor, pode até ser verbal, mas para ter efeito
contra terceiros deve ser feita por escrito (288). A escritura
pública é aquela do art. 215, feita em Cartório de Notas. O
contrato particular é feito por qualquer advogado.

Que créditos podem ser objeto de cessão? Todos,


salvo os créditos alimentícios (ex: pensão, salário), afinal tais
créditos são inalienáveis e personalíssimos, estando ligados à
sobrevivência das pessoas. A lei proíbe também a cessão de
alguns créditos como o crédito penhorado (298 – vocês vão
estudar penhora em processo civil) e o crédito do órfão pelo
tutor (1749, III – tutela é assunto de Civil 6). O devedor pode
também impedir a cessão desde que esteja expresso no
contrato celebrado com o credor primitivo, caso contrário,
como já disse, caso queira impedir a cessão o devedor terá
que se antecipar e pagar logo. Vide art. 286.

Espécies de cessão: 1) convencional: é a mais comum,


e decorre do acordo de vontades como se fosse uma venda
(onerosa) ou doação (gratuita) de alguma coisa, só que esta
coisa é um crédito; 2) legal: imposta pela lei (ex: nosso
conhecido 346; no 287 também é imposto pela lei a cessão
dos acessórios da dívida como garantias, multas e juros);
3) judicial: determinada pelo Juiz no caso concreto,
explicando os motivos na sentença para resolver litígio entre
as partes.
A cessão pode também ser “pro soluto” ou “pro
solvendo”; na pro soluto o cedente responde pela existência e
legalidade do crédito, mas não responde pela solvência do
devedor (ex: A cede um crédito a B e precisa garantir que
esta dívida existe, não é ilícita, mas não garante que o
devedor/cedido C vai pagar a dívida, trata-se de um risco que
B assume). Na cessão pro solvendo o cedente responde
também pela solvência do devedor, então se C não pagar a
dívida (ex: o cheque não tinha fundos), o cessionário poderá
executar o cedente. Mas primeiro deve o cessionário cobrar
do cedido para depois cobrar do cedente.

Quando a cessão é onerosa, o cedente sempre


responde pro soluto, idem se a cessão foi gratuita e o cedente
agiu de má-fé (ex: dar a terceiro um cheque sabidamente
falsificado gera responsabilidade do cedente, mas se o
cedente não sabia da ilegalidade não responde nem pro
soluto, afinal foi doação mesmo - 295); mas o cedente só
responde pro solvendo se estiver expresso no contrato de
cessão (296).

2 – Assunção de dívida: é a transferência passiva da


obrigação, enquanto a cessão é a transferência ativa. A
assunção é rara e só ocorre se o credor expressamente
concordar, afinal para o devedor faz pouca diferença trocar o
credor ( = cessão de crédito), mas para o credor faz muita
diferença trocar o devedor, pois o novo devedor pode ser
insolvente, irresponsável, etc. (299 e 391). E mesmo que o
novo devedor seja mais rico, o credor pode também se opor,
afinal mais dinheiro não significa mais caráter, e muitos
devedores ricos usam os infindáveis recursos da lei
processual para não pagar suas dívidas. Ressalto que o
silêncio do credor na troca do devedor implica em recusa,
afinal em direito nem sempre quem cala consente (pú do
299). Na assunção o novo devedor assume a dívida como se
fosse própria, ao contrário da fiança onde o fiador responde
por dívida alheia (veremos fiança em Civil 3).

Conceito: contrato onde um terceiro assume a posição


do devedor, responsabilizando-se pela dívida e pela obrigação
que permanece íntegra, com autorização expressa do credor.

Observação: ao contrário do pú do 299, nós


percebemos que “quem cala consente” no art. 303; trata-se
de uma aceitação tácita do credor para a troca do devedor,
afinal na hipoteca a garantia é a coisa (assunto de Civil 5).

Liquidação das Obrigações

Obrigação líquida é aquela certa quanto a sua existência


e determinada quando a seu objeto. Ou seja, a obrigação
líquida existe e tem valor preciso. A obrigação ilíquida é o
contrário, é aquela que não pode ser expressa por uma cifra e
que necessita de prévia apuração.

Qual a importância desta distinção? Ora, se uma dívida


não for paga no vencimento o direito do credor mune-
se/arma-se de uma pretensão e a dívida se transforma em
responsabilidade patrimonial. Esta frase é a essência do
direito obrigacional, procurem memorizá-la e compreendê-la.
Então se o devedor for inadimplente o credor vai se armar do
direito de executar os bens do devedor para se satisfazer.
Apenas os bens, pois não existe prisão/escravidão/morte por
dívidas, como no passado. Para a execução a obrigação
precisa ser líquida. Uma obrigação ilíquida não pode ser
executada porque é preciso saber efetivamente quanto é
devido em pecúnia para o correto ataque ao patrimônio do
devedor.

Imaginem que um cantor se embriague na hora do show


e não possa subir ao palco, o que fazer? Chamar a polícia
para que ele cante à força? Não, pois não se pode
constranger o devedor. O jeito é resolver em perdas e danos.
Mas qual o valor desta indenização tendo em vista a
frustração dos consumidores, o desgaste para o promotor de
eventos, os ingressos vendidos, cotas de patrocínio, cachê
pago, etc.? Antes então de executar o cantor é preciso
liquidar a obrigação.

O ideal para o credor é sempre o cumprimento natural


do contrato, é o que chamamos de “execução in natura” do
art. 475. Veremos tal assunto em Civil 3 mas já existe um
comentário a este artigo no nosso e-mail. Há casos porém em
que não é possível o cumprimento exato do contrato, como
no referido exemplo do cantor, então a única saída são as
perdas e danos, substituindo-se a prestação por dinheiro
(947). Como fazer tal substituição? Como fazer a liquidação?

Espécies de liquidação:
1 – convencional: decorre da transação, ou seja, as
partes chegam a um acordo quanto ao valor pecuniário da
obrigação que será executada.

2 – legal: a lei traz os parâmetros/limites para a


liquidação da obrigação. Então se A mata B, quanto a família
de B vai pedir de indenização a A? Resposta no art. 948.
Vocês verão em responsabilidade civil que os crimes têm
repercussão no cível, então enquanto o Promotor processa o
réu na Vara Criminal para que o Juiz lhe aplique uma pena de
prisão, o advogado da vítima (ou seus familiares) também
processa o réu na Vara Cível para que o Juiz tome seus bens
como indenização. Depois leiam os arts. 949 a 954 que
trazem casos de liquidação legal no cível para condutas
criminosas.

3 – judicial: esta liquidação é feita pelo Juiz sempre que


as partes não chegam a um acordo e sempre que a lei não
traz parâmetros. O Juiz nunca pode deixar de julgar alegando
omissão da lei, então em vários casos de indenização o Juiz
arbitra o valor da dívida, dando seus motivos, e quem achar
ruim que recorra. É por isso que encontramos sentenças
muito variadas pois o Juiz tem muito poder e cada cabeça é
um mundo.

Concurso de Credores

O novo código chama de “preferências e privilégios


creditórios”.

Bom, vocês já sabem que salvo os casos do depósito


(assunto de Contratos) e dos alimentos (assunto de Dir. de
Família), não existe prisão por dívida, de modo que o credor
precisa atacar o patrimônio do devedor para se satisfazer. E
mesmo que a lei autorize a prisão, não haverá satisfação do
credor, pois a dívida permanecerá sem pagamento. Então o
que o credor deseja/precisa é de receber o dinheiro, sob pena
de execução. E se o devedor não tem bens? Ao credor só
resta ter raiva, na brincadeira é o “jus sperniandi” (391, 942).

E se o devedor tem bens, porém possui mais dívidas


do que bens, o que fazer? Resposta: aplicar as regras do
concurso de credores. Se o devedor tem muitos bens, pode
pagar suas dívidas, ou não tem bem nenhum não se aplica o
concurso de credores. Mas sempre que o passivo do devedor
for superior a seu ativo, é preciso dividir seu bens com os
credores.

Esta é a chamada falência da pessoa física, ou


insolvência. Prefiram o termo insolvência, pois falência é
indicado para as empresas, conforme vocês verão em Direito
Comercial/Empresarial.

Então insolvente é a pessoa física que possui mais


dívidas do que bens para satisfazer todas elas, pelo que
deverá ser instaurado o concurso de credores com a
declaração de insolvência, para a correta divisão dos bens
entre os credores (955).

Efeito do concurso de credores: rateio dos bens do


devedor entre os credores. Como se dá esse rateio? Se todos
os credores forem iguais, ou seja, sem nenhuma
vantagem/privilégio/preferência entre eles, o rateio é
proporcional ao crédito de cada um (957, 962).

Mas se existem créditos quirografários ( = crédito


simples, sem qualquer vantagem) ao lado de créditos
preferenciais, os preferenciais receberão primeiro. De regra,
todo crédito é quirografário, então se A me empresta cem
reais, este crédito de regra é quirografário. Se B bate no meu
carro, este crédito também será quirografário.

Que créditos são preferenciais? São aqueles com


vantagem concedida pela lei a certos credores para terem
prioridade sobre os concorrentes no recebimento do crédito. A
ordem de preferência estabelecida pela lei é a seguinte:

1 – créditos alimentícios: salários, créditos


trabalhistas, pensão alimentícia, etc. Os empregados e
dependentes do devedor insolvente recebem em
primeiríssimo lugar.

2 – créditos tributários: satisfeitos os créditos


alimentícios, devem ser pagas as dívidas tributárias do
insolvente, ou seja, os impostos e taxas devidos pelo
insolvente; satisfeito o poder público, sobrando dinheiro,
pagam-se os credores do terceiro grupo:

3 – créditos com garantia real, são aqueles créditos


com hipoteca, penhor, anticrese e alienação fiduciária.
Veremos tais direitos reais de garantia em Civil 5 (958).
Observem que os primeiros credores de direito privado estão
aqui, em terceiro lugar, pois os credores supra são de direito
público.

4 – créditos com privilégio especial: são aqueles


credores do art. 964.

5 – créditos com privilégio geral: são aqueles credores


do art. 965.

6 – finalmente, os créditos quirografários (961 – o


crédito “simples” a que se refere este artigo é o crédito
quirografário).

Observações importantes: a) os créditos preferenciais


com prioridade recebem integralmente antes de outros
créditos preferenciais, então só se passa para o grupo
seguinte após satisfação integral do anterior; b) só após
satisfação integral dos créditos preferenciais (1 a 5) é que se
faz o rateio proporcional entre os quirografários. Digo rateio
proporcional porque se os quirografários também receberem
na íntegra não haveria necessidade de ter sido instaurado o
concurso de credores. Assim os quirografários sempre
recebem parcialmente; c) a Lei de Falências nova, publicada
este semestre, alterou esta ordem para as empresas, então
agora os credores com garantia real recebem com prioridade
sobre os créditos tributários em caso de falência de uma
empresa. Mais detalhes vocês terão em Direito Comercial.

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