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Universidade Católica Portuguesa

Faculdade de Ciências Humanas


Mestrado em Estudos de Cultura – variante
Performance e criatividade

Interculturas: espaços criativos?

Disciplina: Questões de Estudos de Cultura


Docente: Prof. Doutor Peter Hanenberg
Discente: Joana Costa

2010/2011
«Vem por aqui!» - dizem-me alguns com olhos doces,
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: «vem por aqui»!
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há nos meus olhos ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali…
José Régio, 1929

Cultura: como sairmos da nossa zona de conforto?

A ideia de cultura isolada ou no singular tem sido desconstruída sobretudo depois do pós-
guerra e mais enfaticamente, após a queda do muro, em prol do progresso e da velocidade
das interacções entre povos e nações fala-se hoje de culturas e da sua dimensão interactiva
a interculturalidade, como afirma Gil: «se o século XX se revelou o século das
identidades, o século XXI será necessariamente o século das interculturalidades»
(2008b:30). É neste enquadramento que Gil refere também que este é o momento de
afirmação dos estudos de cultura enquanto base metodológica para compreender e
contribuir para o desenvolvimento do mundo actual.

Os Estudos de Cultura conciliam assim, as três funções tradicionalmente estruturantes


do saber humanístico: a de preservar o acervo cultural das sociedades; a educação ética
e estética dos indivíduos e a decifração do passado enquanto modelo de orientação para
o presente e o futuro, com a exigência da modernidade tardia de gerir um arsenal de
saber aberto às necessidades do futuro, em particular no campo dos media e das novas
tecnologias. (Gil, 2008a:142)

Outro investigador dos estudos de cultura O’Connor (2007) situa a actualidade como a era
do pós-fordismo onde apresenta os argumentos para a cultural turn, de onde a produção
em massa vem dar lugar a uma especialização flexível com um número cada vez maior de
nichos de mercado, mas também porque cada vez mais a política e a economia se
interessam pela questão cultural. A spatial turn é essencial para poder compreender esta
aproximação entre cultura e economia, já que no mundo globalizado a dimensão da multi
e da interculturalidade tem de ser tida em conta.

A postulação dos Estudos de Cultura deve estruturar-se, numa análise sistematizada,


ecossistémica, sustentável quer ao nível social, cultural, económico e ambiental. Não

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podendo direccionar o olhar apenas num sentido sem ter uma visão global do contexto em
que se insere. É na capacidade de nos conseguirmos reposicionar, sair da nossa zona de
conforto que conseguiremos compreender os fenómenos culturais que hoje em dia
carecem de uma abordagem múltipla.

Cultura, nosso conceito chave, deu lugar a uma visão do mundo como fragmentado e a
uma abordagem crítica. As transformações nos campos dos estudos literários, estudos
feministas, história social, e outros, impactaram a antropologia, e esta começou a lidar
com um mundo pós-moderno e pós-colonial, o qual é caracterizado pelo imprevisto ou
indeterminado, a heterogeneidade, a polifonia de vozes, as relações de poder, a
subjetividade e a transformação contínua. (Langdon, 2007: 11)

Por outro lado a viragem para os estudos de cultura prende-se também com um
reconhecimento do valor acrescentado da cultura e do conhecimento, numa sociedade que
se apresenta como a sociedade do conhecimento, Bovone acrescenta porém que a forma
como se tem construído o conhecimento é feito de forma desigual já que a «a classe
superior é a que investe na informação mais do que na tecnologia (e, obviamente, mais do
que na alimentação, domínio no qual os pobres gastam sempre mais, percentualmente, do
que os ricos.)» (1997: 113) Assim sendo se essa classe é a que, maioritariamente, produz
informação o aumento da produção tendo em conta a velocidade dos tempos modernos,
torna-se muito competitiva e individualista, como refere a autora supra citada, é nesta
perspectiva individualista e competitiva que a criatividade é mais premiada.

Como podemos passar então de uma perspectiva individualista com origens no mito do
génio criativo para uma visão holística da criatividade e do conhecimento?

Criatividade: da ciência à arte

Ao encontro de uma perspectiva global e sistémica de criatividade, a ideia de génio


criativo em que o indivíduo era o único potenciador deste processo é desconstruída por
Bohm (2006) este autor apresenta-nos uma visão sistémica de criatividade a partir da qual
percebemos ou encontramos alguma lógica apurando uma visão mais globalizante do
processo criativo em que este faz parte.

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Como analisámos, anteriormente, o estado da arte dos Estudos de Cultura situa-se num
mundo globalizado onde a dinâmica dos processos interculturais, a sua compreensão e
tradução vai ser determinante para evolução do estado social do mundo, e para isso há que
tomar em consideração uma perspectiva global e, necessariamente, criativa já que a
mediação e o diálogo entre culturas com vantagens para ambas as partes nunca foi um
problema de fácil resolução.

Alguns autores como Wuttke (2002), Bohm (2006) e Jeminson (2003) apresentam
propostas onde o estudo das artes ou das ciências sociais e humanas deveria estar mais
próximo do estudo das ciências naturais: «Para ambas as áreas poderíamos utilizar
“ciências culturais” como conceito novo que as sintetiza, já que as vulgarmente
denominadas ciências naturais não são funções da natureza mas sim da cultura humana.»
(Wuttke, 2002: 57)

O programa da Fundação Gulbenkian Arte e Ciência, ilustra bem o entendimento prático


desta necessidade de novas perspectivas que ao coexistirem num mundo intercultural se
encontram em espaços bem diferentes para o senso comum:

Para quem esteja de fora, Arte e Ciência podem parecer dois mundos distintos, com
muito pouco em comum – o estúdio e o laboratório, um caótico e desorganizado e o
outro limpo e altamente organizado. Mas como a maior parte das coisas na vida
também neste caso nem tudo é preto e branco, existindo mais paralelos que
inicialmente se imaginaria. A maior parte da investigação científica de hoje centra-se
na escala microscópica, situada para além do olho humano, pelo que, para revelar este
mundo microscópico, o cientista tornou-se altamente versátil na utilização de
complexos processos de captação de imagem. (Godinho e Carvalho, s/d, www)

Bohm (2006) aponta para três pré-requisitos para a originalidade: não impor os seus
preconceitos, não ter medo de fazer erros e um estado de espírito disponível. Poderíamos
dizer que estes três pressupostos serão essenciais no trabalho de qualquer cientista
bioquímico ou matemático, mas também e com uma maior consciência o investigador de
Estudos de Cultura. Estudar o processo criativo e os seus métodos são sobre determinantes
para compreender e encontrar formas de diálogo como afirma Appadurai «Ninguém pode
envolver-se num diálogo sem correr sérios riscos» (2008,23) e se o diálogo é um risco, é
um risco que vale a pena correr.

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Assim como o diálogo intercultural, a criatividade pelos seus efeitos multiplicadores e de
valor acrescentado (a que os economistas tem dado atenção nos últimos tempos
designando por indústrias culturais e indústrias criativas) é um risco que vale, não só pelo
esforço, mas também pelas inúmeras possibilidades que podem trazer para a melhoria do
ecossistema. Se Beck (1999: 6) afirmou a sociedade do risco no sentido em que quanto
mais a ciência e a tecnologia transformam e penetram a nossa vida numa escala global
menos encaramos esta autoridade como um dado adquirido, por outro lado toda a
mediatização e encenação do risco são construções culturais e muitas vezes antecipam-no
numa perspectiva existencialista “Eu arrisco, logo existo”. A criatividade tem nesta forma
de organização social

Bohm aponta para uma visão holística da criatividade, olhando para os resultados da acção
criativa com base nos conceitos de ordem, estrutura, harmonia e totalidade, para o qual o
pensamento criativo procura encontrar nova(s) ordem(ns) que dão lugar a nova(s)
estrutura(s) e todo este processo dá lugar a novas formas mais harmoniosas e abrangentes
que as anteriores. Contudo há um elemento que Bohm destaca na sua teoria a questão da
educação de que forma os pais e professores educam as suas crianças para um «estado de
espírito criativo».

A visão cosmopolita como apresenta Gil (2008) enquanto condição para enquadrar e
perceber o contexto que nos rodeia, mas que esta visão cosmopolita, enquadre o planeta
numa escala global como sugerem a maioria dos cientistas sociais económicos, ou
ambientais, e que este contexto enquadre não só os movimentos hegemónicos mas
também as manifestações contra hegemónicas que se configuram híbridas. Mais, como
indica Canclini «En esa competencia inequitativa entre imaginários se percebe que a
globalizacíon es y no es lo que promete. Muchos globalizadores andan pelo mundo
fingiendo la globalizacíon.» (1999: 12) Assim como o entendimento da questão cultural
que como afirma Canclini não é o espaço em que se sabe que dois mais dois são quatro
mas resulta de imaginar como se vai posicionar a quantidade de informação que circula
de forma um pouco aleatória e como se vão encontrar os dois movimentos:: hegemónicos
e contra-hegemónicos.

Un sector de la cultura produce conocimientos en nombre de los cuales puede afirmar-se


con certeza, contra poderes políticos o eclesiásticos, lo que efectivamente suma dos más

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dos: es el saber que há hecho posible entender “lo real” con certa objectividade, desarrollar
tecnologias de comunicacíon globalizadas, medir los consumos de las industrias culturales
y diseñar programas mediáticos que anplían o conocimiento massivo y crean consenso
social. Otra parte de la cultura, desde la modernidade, se desrrolla en la medida en que se
siente insatisfacción com el desorden y a veces com el orden del mundo: además de conocer
y planificar, interessa transformar e inovar (Canclini, 1999:11)

Também no seio da Europa a criatividade é entendida como eixo central para posicionar o
espaço de encontro entre culturas e o diálogo entre as mesmas, com uma linguagem
diplomática a Europa nomeia os Embaixadores que propõe um conjunto de acções onde o
conversação entre a ciência e a arte se deve tornar uma realidade.

A criatividade é uma dimensão fundamental da actividade humana: prospera com o


diálogo entre culturas, num ambiente livre, aberto e diversificado, marcado pela
igualdade social e a igualdade entre homens e mulheres […] A criatividade está no
âmago da cultura, do design e da inovação, mas cada pessoa tem o direito de
desenvolver o seu próprio talento criativo. Mais do que nunca, o futuro da Europa
depende da imaginação e da criatividade dos seus cidadãos […]O desenvolvimento
das capacidades no sector da cultura deve ser apoiado por programas e mecanismos
nacionais e europeus que fomentem a diversidade cultural, a independência e o
diálogo intercultural. Devem estabelecer-se novas pontes entre a arte, a filosofia, a
ciência e o mundo empresarial, por forma a promover os sectores criativos. (EECI,
2009: 1-4)

A arte popular e culturas híbridas

Para finalizar este ensaio a minha proposta para uma das questões que se impõe estudar
nas ciências culturais é a de ter um olhar muito atento sobre as manifestações e produções
de base popular, não tanto pelo seu carácter folklórico ou pela etnografia mas pelo
conhecimento tácito e o seu saber acumulado muito baseado nas características naturais e
geográficas que coexistem de forma equilibrada e sustentada. Esta análise apresenta casos
de sucesso de convivência simbiótica entre o homem e a natureza. O regresso à terra
posicionado pelos ambientalistas mas também por economistas, sociólogos e políticos
parece ser um dos paradigmas do século XXI. Esta viragem sustenta em parte a
necessidade de estudar a cultura popular não no sentido de afirmação da identidade
nacionalista, mas com o objectivo de posicionar e centrar o debate da interculturalidade

[…] a partir da sua origem conflituosa, o cultural popular impulsiona movimentos


produtivos que intervêm na constituição das identidades sociais e na salvaguarda da
diferença e constitui, por isso mesmo, um factor de coesão social e de debate político. A
arte popular pressupõe processos activos de interpretação do mundo e construção de

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temporalidade. Mediante formas diferentes das marcadas pelas culturas centrais,
diversos actores sociais elaboram a memória e o desejo e propõem rumos colectivos.
Esta diferença gera particularidades na arte popular em relação ao moderno ocidental.
Aquele não separa a beleza de outros valores e práticas, não reivindica o carácter único
ou original das obras, não apela à figura do génio criativo nem exige a constante
inovação formal. Baseado, porém, em tradições diferentes e invocando uma amálgama
de razões, propõe outros códigos de representação e outras estratégias para redefinir o
sentido social. (Escobar, 2010:13)

A questão cultural é também primordial no trabalho de Appadurai ele posiciona-a como


parte central e que não pode ser esquecida quando falamos de globalização, fazendo o
principal enfoque por um lado no conceito de diference do filósofo Jaques Derrida e por
outro lado o do ideário do grupo e os processo de identificação.

Ao resistir à ideia de cultura que nos tenta pensar grupos sociais existentes como
culturas, resisti também à forma substantiva cultura e sugeri uma abordagem
adjectiva da cultura que reforça as suas dimensões contextual, heurística e
comparativa e nos orienta para a ideia de cultura como diferença, diferença
especialmente no domínio da identidade de grupo. Sugiro, portanto, que a cultura é
uma dimensão penetrante do discurso humano que explora a diferença para gerar
diversas concepções da identidade de grupo. (Appadurai, 2004: 27)

Parece de algum modo que no campo cultural, a oposição entre local e global, não tem
resultado numa polarização entre os dois mas sim como postula Canclini na produção de
culturas híbridas a forma como o global não pretende anular o local, mas pode e deveria
ser uma forma de encontrar um equilíbrio, já que não podemos mudar o facto de
habitarmos todos o mesmo planeta, tendo presente que não o habitamos todos da mesma
forma, podemos encontrar espaços para uma coexistência formas de estar, ser e pensar.

Bibliogarfia
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BOHM, David (2006), On Creativity, ed. by Lee Nichol, London: Routledge.
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