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RESUMO
ABSTRACT
The aim of this paper is to investigate the role played by constitutional memory in the
justification in the limits of constitutional reform powers in the Brazilian Constitution of
1988. Constitutional memory is to be understood as a link between juridical
construction at present time and the living memory of normative force and the symbolic
dimension of a constitutional made in the past. The history of constitutionally upheld
juridical traditions and fundamental rights assumes a paramount function: to avoid
normative production break its bonds with the institutional history of a society guided
by principles. What springs from an analysis of legal thinkers like Ronald Dworkin and
François Ost is that Law has a temporal and normative structure that can work as a
criticism to the trivialization of legal changes in the Brazilian Constitution. It starts from
George Orwell’s Animal Farm and from discussions that inhabit the relationship
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between Law and Literature. It intends to demonstrate that if we are not willing to take
seriously the narrative aspects of Law, which links it to its foundational past, is to turn
off the constitutional memory of a given community and fundamental rights that
preserve its identity and autonomy.
Pode-se afirmar que a Literatura tem ainda maior liberdade, independência e capacidade
de criação o que lhe oferece maiores recursos para criticar a autoridade do Direito. Essa
“experiência literária está muito mais atenta à complexidade e pluralidade dos
significados da vida social e, por isso, vale-se de uma narrativa cuja forma e conteúdo
são mais sensíveis a tal diversidade.” (CHUEIRI, 2007, p. 121).
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A Literatura só poderá subverter concretamente uma realidade injusta se for também um
reflexo de um tempo e um espaço. Essa perspectiva manifesta o viés democrático que a
arte assume e como por meio dela identificamos a forma como as pessoas, inseridas em
uma comunidade política, concebem e interpretam a justiça e o Direito. Toda a escrita
literária constrói-se a partir da encenação de várias intrigas do mundo da vida, das
diversas experiências, das formas de se conceber o mundo e a realidade, cuja construção
resultaria do trabalho de uma “configuração narrativa”. Sendo assim, dizer que:
a ficção não carece de referência supõe descartar uma concepção estreita da mesma que
relegaria a ficção a desempenhar um papel puramente emocional. De um modo ou de
outro todos os sistemas simbólicos contribuem para configurar uma realidade.
(RICOEUR, 2000)
Tal movimento empreendido pelas obras artísticas tem esse papel de configurar e
reorganizar os fatos e as experiências do vivido, interpretando-os sob a perspectiva do
imaginário humano. “O mundo do texto, pois é um mundo, entra necessariamente em
conflito com o mundo real, ‘para refazê-lo’” (RICOEUR, 2000). E essa relação que se
estabelece entre o literário e a vida ainda “seria incompreensível se a arte não des-
ordenasse e re-ordenasse nossa relação com o real. minha esse finalzinho)traduçto com
nesse contexto. ireito interpreta a vida n reorganizaç. (RICOEUR, 2000) Isso é
vislumbrado, uma vez que a literatura, em certa proporção e a partir de um recurso
ficcional, permite uma reprodução do real e a crítica intrínseca a ele. A partir desse
fundamento, Orwell (1947) identificará dentre as razões motivadoras[1] para escrever
uma obra literária “o propósito político”, sendo que ele o compreende como:
Desejo de levar uma palavra em uma certa direção, de alterar a idéia de outras pessoas
sobre o tipo de sociedade pela qual devem aspirar. Mais uma vez, nenhum livro é
genuinamente livre de preconceito político. A percepção de que a arte não deveria ter
nada a ver com a política é, em si mesma, uma atitude política. (ORWELL, 1947)
Nessa mesma ótica, François Ost (2005a, p.22) observa que a literatura acaba por
submeter nossos códigos e nossos estereótipos a constantes e eficazes questionamentos.
“Mas quem não sabe que isso não é senão, em geral, uma maneira de nos reconduzir
com mais segurança à radicalidade da exigência ética de ter de assumir a liberdade e a
responsabilidade que nos faz homens?” (OST, 2005a, p. 22)”
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em vez de um diálogo de surdos entre direito codificado, instituído, instalado em sua
racionalidade e sua efetividade, e uma literatura rebelde a toda a convenção, ciosa de
sua ficcionalidade e de sua liberdade, o que está em jogo são empréstimos recíprocos e
trocas implícitas. Entre o “tudo é possível” da ficção literária e o “não deves” do
imperativo jurídico, há, pelo menos, tanto interação quanto confronto. (OST, 2005a, p.
23).
A obra de Orwell narra a história de animais de uma granja que sufocados pela tirania
do ser humano e orientados pelo sonho do porco, Major, de ver construída uma
sociedade de iguais, decidem instituir uma revolução. Em decorrência disso, os donos
da granja, sr Jones e sua família, são expulsos e os animais assumem o controle do
local. Os bichos, então, comprometem-se a edificar uma nova ordem pautada nos
princípios do animalismo, no respeito aos seus direitos fundamentais com pretensão de
igualdade e justiça para todos. Diante disso, seria possível resumir os princípios do
animalismo em sete mandamentos. “Esses sete mandamentos seriam agora escritos na
parede, constituindo a lei inalterável pela qual a granja dos bichos deveria reger sua
vida para sempre.” (ORWELL, 2007, p.24, grifo nosso). Os sete mandamentos
consistem nos seguintes:
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Com o advento desses mandamentos constitucionais, os animais passaram a se
reconhecer, a respeitar seus valores e a empreender um caminho em busca de uma
sociedade mais igualitária. Isso em parte foi possível já que os animais participavam
diretamente das deliberações e decisões políticas da Granja dos Bichos.
Sendo assim, a partir do momento em que a obra literária é interpretada, passa adquirir
um novo significado dentro de um novo contexto. É um processo de reconfiguração da
realidade narrada (no sentido de Ricoeur (1994)), o que significa dizer que a
interpretação de um texto é igualmente um exercício de reinterpretar o próprio mundo
da vida. “Entre o mundo do texto e o mundo do leitor, arrisca-se um confronto, às vezes
uma fusão de horizontes, e tanto mais quanto o leitor não é uma terra virgem, mas um
ser já envolvido em histórias, em busca de sua própria identidade narrativa.” (OST,
2005a, p.38). Essa historicidade do intérprete permite que possamos buscar na fábula de
Orwell um conteúdo crítico acerca das relações de poder, do autoritarismo forjado nas
instituições aparentemente democráticas e das tramas contidas nos interesses políticos.
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E esse conteúdo, oferecido pela literatura, poderá igualmente constituir instrumento para
analisarmos o presente e confrontarmos com a realidade inconstitucional brasileira.
Esse movimento que se estabelece a partir do texto constitucional revela que a própria
Constituição de 1988 não configura “apenas uma expressão de um ser, mas também de
um dever ser: ela significa mais que um reflexo das condições fáticas de sua vigência”
(HESSE, 1991, p.15). A tensão que se estabelece entre o dever ser e o ser permite que a
Constituição jurídica realize-se diante de uma situação concreta. “Determinada pela
realidade social e, ao mesmo tempo, determinante em relação a mesma” (HESSE, 1991,
p. 15), a Carta Constitucional possui uma força normativa própria, o que significa dizer
que embora não seja capaz de, por si só, consubstanciar os seus próprios preceitos em
uma circunstância fática, “ela pode impor tarefas.” (HESSE, 1991, p.19). Nesse sentido,
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de liberdade mais elevado e contribui para que os protagonistas, considerados dignos
dele, evoluam nessa direção.” (OST, 2005a, p.46).
Isso, por sua vez, não significa que o texto constitucional permanecerá sempre
inalterável, mas que as reformas poderão materializar-se quando necessárias e deverão,
incondicionalmente, respeitar o espírito e o valor da Constituição, o que implicará coibir
qualquer proposta de emenda que enfraqueça ou deturpe a identidade constitucional de
uma comunidade jurídica. O que se procura evitar diante disso é a edição de reformas
parciais no texto da Constituição, que seguindo os requisitos formais, acabem por
contribuir para um suicídio do Estado de Direito e da democracia ainda que ancoradas
numa aparente legalidade:
A Constituição e as reformas as quais ela submete, nessa medida, devem orientar-se por
uma finalidade normativo-jurídica e não por uma pretensão puramente política, sob
pena de ser-lhe imputada uma função meramente simbólica (NEVES, 2007) em
realidades marcadas pela ausência de concretização dos direitos fundamentais. Sendo
assim, a Constituição será a responsável por permitir um fechamento normativo e
operacional do sistema jurídico. Isso será factível na medida em que o texto
constitucional for capaz de assegurar a autopoiese[4] do Direito, isto é, uma
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“autodeterminidade” e autonomia do sistema de direitos, que passa a se reproduzir a
partir de seus próprios critérios e códigos de preferências (lícito/ ilícito). (LUHMANN,
2002).
Nesse contexto, reformas jurídicas que não levem a sério a força normativa do texto
constitucional encontram limites na possibilidade de se conceber o próprio Direito de
maneira autônoma, isto é, sua capacidade de desmembrar das forças externas vinculadas
a vontade de poder. Dessa forma, a Constituição será responsável por assegurar que o
sistema jurídico não seja determinado imediatamente por interesses econômicos,
políticos ou mesmo religiosos:
Isso não significa que o “campo” jurídico não seja condicionado por fatores econômicos
e políticos, mas tão-só que a cidadania é incompatível com ingerências bloqueantes e
destrutivas de particularismos políticos e econômicos na reprodução do Direito. As
influências políticas e econômicas no sistema jurídico subordinam-se aos critérios
estabelecidos pelo próprio sistema jurídico. (NEVES, 1994, p.259).
Para que seja possível vislumbrar tal utopia, a integridade deve, necessariamente,
tornar-se um “ideal político”, o que significa dizer que as normas públicas precisam ser
criadas e vistas, na medida do possível, de modo a expressar um sistema único e
coerente de justiça e equidade na correta proporção. (DWORKIN, 2003, p. 264). E isso
se torna factível na medida em que o Direito é concebido como uma “coerência
narrativa, entendida, desta vez como a harmonia a ser estabelecida entre todas as
normas jurídicas, sucessivamente editadas no decorrer do tempo (perspectiva
diacrônica).” (OST, 2005b, p.91). Trata-se de perceber que a atividade legislativa é
desenvolvida dentro de um processo temporal que é contínuo e ininterrupto, porque
interpreta e reconstrói as regras e princípios que já existem na memória constitucional
(passado) e projeta um ideal de justiça a ser alcançado como promessa (futuro):
As afirmações jurídicas são opiniões interpretativas que, por esse motivo, combinam
elementos que se voltam tanto para o passado quanto para o futuro; interpretam a prática
jurídica contemporânea como uma política em processo de desenvolvimento.
(DWORKIN, 2003, p. 271)
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Ao reinterpretar e “contar” em forma de normas a experiência da vida humana, a
atividade legislativa acaba por se desenvolver narrativamente. Esse exercício é um “ato
de ‘reunir’ – recompor – esses ingredientes da ação humana que, na experiência diária,
resultam heterogêneos e discordantes.” (RICOEUR, 2000). Narrar juridicamente
significa construir uma intriga enquanto fio condutor, de forma a possibilitar que as
diversas histórias vivenciadas em uma comunidade política possam adquirir uma
ressignificação coletiva e um sentido no tempo. “Deste caráter inteligível da trama se
deduz que a capacidade para seguir a história constitui uma forma muito elaborada de
compreensão.” (RICOEUR, 2000)
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vinculadas a outras normas e princípios jurídicos anteriores, a transformação de normas,
no âmbito temporal do direito (“temporalização do direito”), exige o reconhecimento de
tais normas e princípios.” (KIRSTE, 2003, p. 121)
Geralmente andavam com fome, dormiam em camas de palha, bebiam água no açude e
trabalhavam no campo; no inverno, sofriam com o frio; no verão, com as moscas. De
vez em quando, os mais idosos rebuscavam a apagada memória e tentavam determinar
se nos primeiros dias da Rebelião, logo após a expulsão de Jones, as coisas tinham sido
melhores ou piores que agora. Não conseguiam se lembrar. (ORWELL, 2007, p.103)
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como um exercício que leva a sério os valores compartilhados socialmente num passado
e as transformações que a própria comunidade continua se submetendo. Reconhece-se
aqui que as alterações legais são também de grande relevância para a história que se
vem contando no exercício do Direito, até porque identifica no passado uma
possibilidade de releitura que só é possível a partir do presente. “Graças a este jogo
complexo entre a referência indireta ao passado e a referência produtora da ficção, a
experiência humana, em sua dimensão temporal, não deixa de ser refigurada.”
(RICOEUR, 2000).
REFERÊNCIAS
DWORKIN, R. M. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002. 568
p.
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GALUPPO, Marcelo Campos. Matrizes do pensamento jurídico: um exemplo a partir da
literatura. Revista da Faculdade Mineira de Direito, Belo Horizonte, v.10, n.19, p.
105-119, 1o sem/2007.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1994. 427p.
OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de. Ronald Dworkin: De que maneira o direito se
assemelha à literatura? Revista da Faculdade Mineira de Direito, Belo Horizonte,
v.10, n. 19, p. 87 a 104, 1º sem. / 2007.
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PAVLOSKI, Evanir. 1984: a distopia do indivíduo sob controle. 2005. 276p.
Dissertação (Mestrado). Universidade Federal do Paraná. Curitiba.
RICOEUR, Paul. O justo. trad. Ivone C. Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 2008. v.
1
[1] Orwell em seu artigo ”Porque eu escrevo” (1947) afirma que “antes que o escritor
comece a escrever, já terá adquirido uma atitude emocional da qual nunca escapará
totalmente. É seu trabalho, sem dúvida, disciplinar seu temperamento e evitar ficar
estagnado em algum estágio imaturo, em algum temperamento perverso; porém, se ele
escapa completamente de todas as suas influências iniciais, terá matado o impulso de
escrever. Colocando de lado a necessidade de ganhar a vida, penso que haja quatro
motivos para escrever, ou pelo menos para escrever prosa. Os motivos existem em
diferentes graus em cada escritor e as suas proporções variam de tempo em tempo, de
acordo com a atmosfera em que ele está vivendo.” (ORWELL, 1947). Tais motivos são,
segundo ele, (1947) o completo egoísmo, entusiasmo estético, impulso histórico,
propósito político.
[2] “Os estudos comumente classificados sob o nome geral de ‘direito e literatura’ (nos
Estados Unidos, Law and Literature) podem, em realidade, assumir formas bastante
diversas que é possível agrupar em três correntes distintas. Ao lado do direito da
literatura, que estuda a maneira como a lei e a jurisprudência tratam os fenômenos da
escrita literária, distingue-se o direito como literatura, que aborda o discurso jurídico
com os métodos da análise literária (é a abordagem dominante nos Estados Unidos), e
por fim o direito na literatura, que é a perspectiva adotada no presente livro e que se
debruça sobre a maneira como a literatura trata questões de justiça e de poder
subjacentes à ordem jurídica” (OST, 2005a, p. 48).
[3] Esse projeto amplo de cidadania pode muito bem ser evidenciado no preâmbulo da
Constituição de 1988: “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia
Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o
exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o
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desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade
fraterna, pluralista e sem preconceito.” (BRASIL, 2007)
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