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APRENDIZAGEM
Índice
INTRODUÇÃO
1. PRESSUPOSTOS FILOSÓFICOS - 4
1.1. A matriz racionalista - 5
1.2. A reflexão existencialista e a matriz humanista - 6
1.3. Entre o estruturalismo e o pós-estruturalismo: que matriz? - 7
1.3. Entre o estruturalismo e o pós-estruturalismo: que matriz? - 7
1.4. O pragmatismo na educação: uma matriz -8
2. PRESSUPOSTOS PSICOLÓGICOS - 10
2.1. Aprendizagem: significados e perspectivas -10
2. 2. Conceitos e tipos de inteligência - 26
2.3. Personalidade e motivação - 28
3. PRESSUPOSTOS SOCIOLÓGICOS - 34
3.1. Cultura e intercultura - 35
3.2. A dimensão social no sucesso escolar - 38
3.3. Instituição escola e profissão professor - 42
4. PRESSUPOSTOS PEDAGÓGICOS - 48
4.1. Ambiente para a aprendizagem - 48
4.2. A interacção professor/aluno - 51
4.3. Conteúdos de ensino - 54
*
Centro de Estudos em Educação e Inovação, Departamento de Ciências da Educação, Universidade Aberta.
INTRODUÇÃO
1. PRESSUPOSTOS FILOSÓFICOS
2. PRESSUPOSTOS PSICOLÓGICOS
A Psicologia – o modo como se define e entende a aprendizagem - tem tido uma grande
importância na definição e na sustentação teórica da educação.
Muitas pessoas situam a aprendizagem estritamente em contextos escolares. De facto,
grande parte da investigação sobre a aprendizagem tem-se desenvolvido no sentido de dar resposta
a problemas levantados nesses contextos. Contudo, convém ter presente que estudos realizados,
nas últimas décadas, incidentes na prática diária, focando a actividade das pessoas em acção,
consideram que essa actividade envolve mudanças no conhecimento e na acção, sendo estas
mudanças centrais na aprendizagem.
O objectivo deste ponto é apresentar conceitos e perspectivas fundamentais em psicologia,
nomeadamente sobre o modo como a criança pensa e aprende, assim como de outras áreas da
psicologia que influenciam o desempenho académico. Neste sentido, analisam-se os contributos da
investigação e dos estudos em psicologia para as questões pedagógicas, em particular, na relação do
ensino com a aprendizagem.
Admite-se que estes pressupostos explicam muito do que acontece na aprendizagem e no
modo como ela se enquadra no modelo educativo. Considera-se necessário a abordagem deste
ponto seguindo três tópicos: (1) aprendizagem – significados e perspectivas; (2) conceitos e tipos de
inteligência e (3) personalidade e motivação.
A aprendizagem
Historicamente as teorias de aprendizagem pertencem a duas famílias principais: teorias de
estímulo-resposta1 e teorias cognitivas (Hilgard (1966). Mas, como refere este autor, nem todas as
teorias pertencem a estas duas famílias, as primeiras incluem membros diferentes como, por
exemplo, as teorias de Thorndike e de Skinner e as teorias cognitivas incluem, para além de outras,
a psicologia clássica da Gestalt e a teoria de campo de Lewin. Importa, pois, esclarecer que na
mesma família há assunções e controvérsias específicas que levam à distinção de diferentes
correntes de pensamento.
Apesar das distinções sublinhadas, é possível afirmar que durante o século XX há duas
escolas de pensamento que, principalmente nos E.U.A., marcaram a discussão sobre a
aprendizagem: a aprendizagem por associação que a vê como o resultado de conexões ou de
associações entre estímulos e respostas e a aprendizagem cognitiva que vê a aprendizagem como
uma reorganização de percepções. Para a primeira, que predominou na primeira metade do século,
aprender resulta da aquisição de conexões apropriadas, recompensando-se as respostas adequadas a
determinados estímulos, ao mesmo tempo que são punidas as não apropriadas. Para a segunda, que
emerge a partir dos anos cinquenta, aprender é compreender.
As duas teorias – estímulo-resposta e cognitiva – posicionam-se, respectivamente, de modo
diferente em relação às três questões seguintes: intermediários periféricos versus centrais, aquisição
de hábitos versus estruturas cognitivas e ensaio e erro versus insight na solução de problemas
1 Esta designação está ligada à ideia simples de que certos estímulos (por exemplo, um luz forte dirigida aos olhos provoca
a contracção pupilar) levam normalmente a respostas condicionadas e não condicionadas. Outros autores quando se
referem à aprendizagem preferem a designação de aprendizagem por associação, vendo-a como resultado de conexões ou
associações entre estímulos e respostas (por exemplo, quando as crianças dizem oitenta e um perante o estímulo nove
vezes nove).
(Hilgard, 1966). Assim, quando as primeiras falam de movimentos intermediários como
integradores de sequências de comportamento, as segundas para as explicar falam de processos
centrais tais como a memória ou a expectativa. Sobre o que se aprende as teorias E-R falam de
hábitos, isto é, o que se aprende são respostas a estímulos recebidos, enquanto as teorias cognitivas
consideram que aquilo que se aprende são estruturas cognitivas. Finalmente, face à questão de
como se chega à solução perante um problema novo, as teorias E-R propõem que os hábitos
passados que se revelaram adequados são convocados para o novo problema e a resposta é dada
com base em elementos comuns e familiares da nova situação que são semelhantes a outras
anteriores; aquele que aprende fá-lo recorrendo ao ensaio e erro. Os cognitivistas dizem que a
solução do problema encontra-se se ele for apresentado de um determinado modo mas não se for
colocado de outro, e falam de uma estrutura perceptual que leva ao insight, ou seja à compreensão
das relações fundamentais na situação.
O comportamentalismo2 teve início com os trabalhos de John Watson (1913) da
Universidade de John Hopkins nos E.U.A., embora existam muitas variantes. Watson3 não aceita o
método introspectivo de Wundt e propõe que o comportamento seja o objecto de estudo da
Psicologia. O comportamento é a única realidade observável e, portanto, aquela a que se pode
aplicar o método científico. Os trabalhos de Pavlov sobre os reflexos condicionados4, surgiram a
Watson “como um paradigma útil à aprendizagem”, isto é, o “reflexo condicionado foi central para
a aprendizagem como unidade sobre a qual se constroem os hábitos” (Hilgard, 1966:62) que,
baseados em comportamentos observáveis, deram a Watson as bases em que ele iria assentar os
seus estudos. O reflexo condicionado passa a ser o tema central do seu comportamentalismo e o
papel do condicionamento na sala de aula surge com John Watson. Por outro lado, trata a
psicologia do ponto de vista comportamental, salientando os métodos adequados para o estudo
comportamental das relações psicológicas.
É, contudo, com Edward L. Thorndike (1874-1949), um teórico comportamentalista, que
são anunciadas leis sobre a aprendizagem, tornando-se consistentes e começando a dominar a
educação. Este autor, considerado o fundador, é representativo desta corrente de pensamento sobre
a aprendizagem, providenciando uma teoria justificativa para o uso do treino através de exercícios.
As teorias comportamentalistas desenvolveram-se na primeira metade do séc. XX e
dominaram durante quase meio século sobre todas as outras teorias, nomeadamente sobre a
psicologia de Gestalt 5 ou da Forma, como refere Hilgard (1966); destacam-se os trabalhos sobre a
aprendizagem de Edward L. Thorndike (1874-1949) e de Burrhus F. Skinner (1904-1990).
2 Os comportamentalistas ou behavioristas têm em comum a convicção de que a psicologia deve basear-se no estudo
daquilo que é manifestamentre observável: os estímulos físicos, os movimentos musculares e as secreções glandulares que
eles provocam bem como os produtos ambientais que produzem. Excluem a auto-obervação (introspecção) como um
método científico legítimo (Hilgard, 1966).
3 Em 1914 escreve “Behavior: An Introduction to comparative psychology”, onde contesta algumas posições de
Universidade de Frankfurt, em 1910. O seu trabalho inicial incidiu na organização humana dos processso perceptuais,
Jean Piaget (1896-1980), que desenvolve os seus estudos sobre epistemologia genética nesta
época, dá pouca atenção à aprendizagem estímulo-resposta, encarando-a como aprendizagem em
sentido estreito. As perspicazes observações de crianças realizadas por Piaget leva-o a considerar
que o sujeito desenvolve operações mentais que são evidenciadas por meio das suas abordagens a
situações ou problemas qualitativamente diferentes, descrevendo estas mudanças no funcionamento
mental como estádios do desenvolvimento intelectual.
Apesar da teoria de Piaget ficar esquecida por muitos anos, pelo menos entre os psicólogos
de língua inglesa (Wood, 1996) as suas ideias sobre o pensamento e a aprendizagem começam a
influenciar numerosas opções curriculares durante as décadas de setenta e oitenta. Por um lado, o
fenómeno dos “períodos críticos” para a aprendizagem, destacado por diversos autores, encontra
resposta com a formulação dos estádios universais do desenvolvimento; por outro lado, a
importância atribuída à acção e à resolução de problemas dirigida pelo próprio sujeito
proporcionava uma nova abordagem à motivação intrínseca e de um modo geral, à aprendizagem,
explicando assim, ainda que tardiamente, a grande difusão das ideias piagetianas.
Não é fácil apresentar uma definição de aprendizagem. Talvez seja mais fácil começar por
apresentar diferentes tipos de actividades que ilustram aprendizagem como, por exemplo,
memorizar um poema, aprender a trabalhar com um programa informático, aprender a falar ou
ainda adquirir uma determinada atitude ou comportamento. Mas também aqui parece não haver
consenso. Como refere César (2001) “há muito que se reflecte e discute sobre o que é aprender e as
posições assumidas pelas diversas abordagens estão longe de ser consensuais” (p. 104). Para alguns,
aprender confunde-se com memorizar ou com registar; para outros, aprender inclui saber resolver
problemas e saber aplicar os conhecimentos a novas situações. Pode também incluir “ser capaz de
resistir a contra-sugestões enganosas e fazer prevalecer os seus argumentos” (p. 105), remetendo,
assim, para a aquisição de atitudes e de valores. Há também autores, como, por exemplo, R. Gagné
e David Ausubel que dedicaram os seus trabalhos à criação de tipologias onde definiram formas
hierarquicamente mais complexas de aprendizagem.
Segundo César (2001) “se historicamente chegou a existir algum consenso sobre o que era
aprender - e mesmo este dado é muito discutível, porque sempre existiram escolas filosóficas
antagónicas - à medida que a sociedade se foi complexificando e que as ciências humanas e sociais
se foram desenvolvendo, assistiu-se a uma proliferação sobre o que era aprender e, de forma
paralela, sobre como se deveria, ou não, ensinar.” (p.105)
Hilgard (1966), por exemplo, define aprendizagem como o “processo pelo qual uma
actividade tem origem ou é modificada pela reacção a uma situação encontrada, desde que as
baseando-se na ideia de que a mente interpreta as sensações e as experiências tendo em conta determinados princípios de
organização, isto é, haveria uma tendência natural para se percepcionar formas globais (gestalts) no ambiente, tendo
defendido que as leis de organização na percepção (leis de similaridade, proximidade, fechamento e boa continuidade) se
aplicavam à aprendizagem. Esta teoria trouxe a noção de aprendizagem por insight para primeiro plano como alternativa
à aprendizagem por tentativa e erro. Estes teóricos só moderadamente se interessaram pela aprendizagem.
características da mudança de actividade não possam ser explicadas por tendências inatas de
respostas, maturação ou estados temporários do organismo (por exemplo, fadiga, drogas, etc)”
(1966:3). Apesar de considerar a definição como provisória, o autor chama a atenção para a
importância dela conter a distinção entre os tipos de mudança e os seus antecedentes classificados
como aprendizagem e os tipos de mudança relacionados entre si e os seus antecedentes que não são
incluídos como aprendizagem.
Schraml (1972) considera a aprendizagem como uma das condições fundamentais do
desenvolvimento e cita Mertz que define aprendizagem como “mudanças relativas de possibilidades
de comportamento por meio da experiência” (1972:1), referindo que esta definição é
suficientemente abrangente para incluir todas as teorias da aprendizagem que tentam explicar o
comportamento do homem e o seu desenvolvimento e não apenas as funções cognitivas.
A relação entre a aprendizagem e o desenvolvimento não é perspectivada do mesmo modo
pelos investigadores. Por exemplo, na psicologia de desenvolvimento de Piaget a noção de
aprendizagem surge fortemente ligada à ideia de desenvolvimento, considerando mesmo que a
aprendizagem está subordinada ao desenvolvimento. Esta posição deu origem a questionamentos
vários, surgidos particularmente de autores das correntes de pensamento socioculturais.
Ao questionar as teorias cognitivas, para as quais a aprendizagem é um processo distinto do
desenvolvimento, e não se “confunde” com a categoria mais geral da actividade humana, Lave
(1993:12) pergunta: como distinguir a aprendizagem da actividade humana? Argumenta ainda que
separar a aprendizagem de outras espécies de actividade pressupõe duas assunções teóricas: a) que
as relações dos actores com o conhecimento-em-actividade são estáticas e não mudam, excepto
quando sujeito a períodos especiais de “aprendizagem” e “desenvolvimento” e b) que as
disposições institucionais para inculcar o conhecimento são as necessárias, gerando-se
circunstâncias especiais para a aprendizagem, separadas das práticas diárias.
Estas correntes de pensamento desafiam ideias que são fundamentais nas teorias cognitivas
como o carácter homogéneo do conhecimento e dos aprendentes (menos em quantidade ou
capacidade) e também de metas, motivos e actividade, questionando a existência de processos
universais de aprendizagem.
Seguindo o pensamento de Jean Lave, essas duas posições sobre a aprendizagem têm
subjacente pontos de vista diversos sobre o conhecimento, num caso seria perspectivado como
“uma colecção de entidades reais, localizada nas cabeças e a aprendizagem como um processo de as
internalizar” e no outro “o conhecimento e a aprendizagem encarados como envolvimento em
processos de mudança da actividade humana”. Nesta situação o conhecimento torna-se um
conceito complexo e problemático, enquanto que na primeira é a aprendizagem que é problemática.
O foco das teorias de aprendizagem na transmissão de conhecimento existente tem
levantado objecções, na medida em que não explicaria a invenção de conhecimento novo na
prática. Por exemplo, Engeström (1987, citado em Lave, 1993) considera haver uma lacuna central
na teoria contemporânea de aprendizagem; “a transmissão, transferência ou internalização são
descritores habilidosos para a circulação do conhecimento na sociedade” (1987:12) que implicam
assumir a uniformidade de conhecimento. Os seres humanos envolver-se-iam na reprodução de
conhecimento dado, mais do que na produção de inteligibilidade como um processo flexível de
envolvimento com o mundo. Ainda segundo Engeström, a ênfase na transmissão de conhecimento
minimiza a ideia de knowing e o que ela encerra, isto é, o interesse das partes envolvidas, as
actividades múltiplas, as diferentes metas e circunstâncias, enfim, aquilo que constitui o knowing
num dado momento.
A investigação realizada, nas duas últimas décadas, no âmbito das abordagens
socioculturais sobre o desenvolvimento cognitivo desloca o foco de análise da criança e de como
ela aprende, para o modo “como crianças e adultos se coordenam em cenários interactivos ou
como criam significados partilhados, levando a que a aprendizagem e o desenvolvimento não se
restrinjam a análises sobre como se adquirem segmentos de informação descontextualizados ou,
como é que se tem sucesso na aplicação de formas de raciocínio em tarefas artificiais consideradas
como indicativas de tipos específicos de competências” (Säljö, 1994:88). Para este autor a questão a
ser colocada deve ser como é que “os sujeitos se apropriam das experiências colectivas da sociedade
e como gerem o uso de meios mediacionais em situações concretas” (idem).
Vygotsky (1985) considera que o desenvolvimento cognitivo do ser humano é um produto
essencialmente sociocultural, e a aprendizagem pressupõe uma natureza social específica e um
processo em que o sujeito cresce num meio intelectual situacional. A aprendizagem é perspectivada
como um processo onde uma certa acção externa (tomada como partilhada pela comunidade numa
dada cultura) é transformada numa actividade mental, assumindo o diálogo um papel importante.
Também Cole (1990) considera que o desenvolvimento cognitivo é um processo de adquirir
cultura, onde o individual e o social são perspectivados como elementos mutuamente constitutivos
de um singular, num sistema em interacção.
As perspectivas socioculturais da psicologia referem a importância de encarar a
aprendizagem como um aspecto de qualquer actividade e não como um tipo de actividade,
considerando fundamental deslocar o foco analítico do sujeito como alguém que aprende, para uma
outra concepção onde a aprendizagem é perspectivada como participação no mundo social e refere-
se prática social em vez de processo cognitivo. Deste modo, o termo aprendizagem vai sendo
substituído por outros como compreensão e participação numa actividade de vaivém (Lave, 1993).
Em resumo, pode dizer-se que a aprendizagem é encarada como uma prática social e não numa
perspectiva individual como acontece nas teorias cognitivas.
Há, pois, diferentes modos de entender a aprendizagem bem como a relação entre a
aprendizagem e o desenvolvimento. Mesmo assim, Bauersfeld (1992) considera que, nas
perspectivas construtivistas e socioculturais, a definição seguinte é consensual:
“Aprender é um processo de formação da vida pessoal, um processo de adaptação
interactiva a uma cultura através da participação activa (a qual também produz e
desenvolve paralelamente a própria cultura), mais do que uma transmissão de
normas, saber e itens objectivos” (1992:20).
Finalmente, importa ter presente que a noção de aprendizagem e o que ela encerra, apesar
de se enraizar nas perspectivas teóricas vindas da Psicologia, foi também influenciada pelos
desenvolvimentos da própria sociedade e pelos efeitos que têm sobre a escola, o que ela deve
ensinar e como o deve fazer (aspectos discutidos na secção relativa aos pressupostos sociológicos).
Perspectivas comportamentalistas
Nos primeiros escritos de Edward L. Thorndike, pode ver-se que a base da aprendizagem
estava “na associação entre as impressões do sentido e os impulsos para a acção” (Hilgard,
1966:19); estas ligações estímulo-resposta veio a ser conhecida por “associações” ou “conexões” e a
sua teoria por conexionismo ou associacionismo. Deste modo, aprender é conectar e as conexões
têm a sua base no sistema nervoso e a aprendizagem é explicada através das conexões de neurónio
para neurónio. Na Psicologia da Aprendizagem, cujo fundador é Hermann Ebbinghaus que durante
a década de 1880, iniciou na Alemanha o estudo experimental da aprendizagem, a teoria
associacionista de Thorndike é a primeira teoria de estímulo-resposta ou S-R.
Até 1930, Thorndike dedicou-se a aplicar a sua teoria aos problemas surgidos no campo
social e educacional, tendo deixado as suas ideias registadas em três volumes - Educacional
Psychology (1913-1914). Considerava que a aprendizagem correspondia a um processo de
tentativas e erros e com a sua teoria procurou descrever como é que as conexões podiam ser
reforçadas ou enfraquecidas.
Enunciou pela primeira vez o conceito de transferência6 através da lei dos elementos
idênticos, salientando que os alunos seriam influenciados para pensar, sentir ou agir de modo
semelhante, em situações semelhantes fora da escola, quando tivessem que se confrontar com elas.
A transferência é, ainda hoje, central em Psicologia Educacional e constitui, em certa medida, o
objectivo da escola.
Para Thorndike ensinar consistia em arranjar e explicitar o conjunto de conexões que
constítuiam os conteúdos escolares e, uma vez organizadas, havia que recompensar determinadas
práticas que reforçariam essas associações e, assim, ocorreria a aprendizagem.
Ao contrário da Psicologia da Gestalt, a quem acusa de mística, o conexionismo é atomista,
isto é, analisa o comportamento através dos seus elementos que estão ligados uns aos outros. O
nosso crescimento em reflexos e instintos é natural, não precisamos de muito estímulo do meio,
mas é importante praticar ou exercitar para aprender os hábitos. São esses padrões de
comportamento hereditário que constituem a base da aprendizagem. Este aspecto distancia-o do
comportamentalismo que não enfatiza o papel do equipamento hereditário no comportamento
humano. Ligações complexas como as que correspondem a determinadas capacidades (música,
6 Segundo Sprinthall e Sprinthall (1993) a transferência é a chave para a aprendizagem na sala de aula, existindo
transferência quando a aprendizagem da tarefa A influencia a aprendizagem da tarefa B.
línguas, matemática e outras) têm uma base hereditária e quanto maior for o número de conexões
maior é a inteligência (que é uma questão de quantidade e não de qualidade).
As experiências que Thorndike realizou com animais exerceram um efeito muito grande no
modo como começou a pensar sobre a aprendizagem humana. A comparação de curvas de
aprendizagem leva-o a acreditar que os fenómenos revelados pela aprendizagem animal são também
os fundamentos da aprendizagem humana:
“Tanto em relação à teoria quanto em relação à prática é preciso lembrar, enfática
e frequentemente, que a aprendizagem do homem é fundamentalmente a acção
das leis de prontidão, exercício e efeito. O homem é, antes de mais nada, um
organismo associativo trabalhando para evitar aquilo que perturba os processos
vitais dos neurónios. Se começarmos a fabricar forças e faculdades imaginárias, ou
se evitarmos a reflexão empregando termos soltos e vazios, ou se ficarmos
perdidos imaginando a versatilidade e a inventividade extraordinárias das formas
mais elevadas da aprendizagem, nós nunca compreenderemos o progresso do
homem e nem controlaremos a sua educação” (1913:23).
Outros autores como Burrhus Frederik Skinner e Clark L. Hull (1884-1952), embora
pondo em causa alguns aspectos da teoria de Thorndike, mas mantendo o fundamental das
perspectivas comportamentalistas, continuaram a influenciar os procedimentos ligados ao ensino e à
aprendizagem.
Skinner vê a aprendizagem como uma associação entre estímulos (S) e respostas (R),
embora nem sempre por esta ordem. Reconhece dois tipos de aprendizagem, “mas dá mais ênfase
ao tipo de aprendizagem que está sob o controle das suas consequências” (Hilgard, 1966:101) e
distingue o comportamento respondente (as respostas desencadeadas por um estimulo específico
conhecido) de comportamento operante (respostas que não estão relacionadas com estímulos
conhecidos). Para estes dois tipos de respostas há também dois tipos de condicionamento: tipo S
quando o reforço está correlacionado com o estímulo (a que Skinner atribui menos importância) e
tipo R relativo ao condicionamento do comportamento operante, em que a resposta está
correlacionada com o reforço. Um reforço é definido pelos seus efeitos, podendo ser positivo –
quando fortalece a probabilidade de uma resposta operante, ou negativo – quando a remoção do
estímulo de uma situação aumenta a probabilidade de uma resposta operante.
Segundo a Lei do condicionamento operante se a ocorrência de um operante é seguida de
um estímulo reforçador então a frequência da resposta desse operante aumenta. Um outro aspecto
fundamental na sua teoria é a possibilidade de ocorrer a generalização de estímulos, isto é, quando
estímulos semelhantes aos do treino são usados, podem passar a produzir o mesmo efeito.
Para Skinner é o meio que causa mudanças no comportamento na medida em que as
consequências da resposta influenciam a acção futura. Com base na sua teoria, Skinner e os seus
alunos começam, nos anos cinquenta, a aplicar os princípios da análise do comportamento e a
teoria do reforço à educação, com apoio num conjunto de estudos comparativo.
Perspectivas cognitivistas
Um novo campo – a psicologia cognitiva – surge quando a psicologia se dedica ao estudo
de comportamentos não-observáveis como raciocínio, pensamento e resolução de problemas7.
Investiga-se o que os sujeitos fazem quando colocados perante tarefas complexas realizadas na
escola, no trabalho ou noutras situações. Neste enquadramento, destacam-se os estudos de Jean
Piaget (1896-1980) sobre o modo como as crianças aprendem e que iluminaram a teoria do
desenvolvimento cognitivo, onde se sugere que o desenvolvimento envolve reestruturações
sucessivas de factos e relações resultantes de interacções das crianças com o meio e da manipulação
activa deste.
Esses estudos deram origem a muitos outros que contrapondo ou retomando as suas
ideias, vieram, alguns deles, a desenvolver novas correntes de pensamento. Situa-se neste caso o
construtivismo de Ernst Von Glasersfeld que se assume como uma posição epistemológica com
raízes não só na psicologia do desenvolvimento mas também na cibernética, linguística, ciência
cognitiva e filosofia e que se desenvolveu nas duas últimas décadas com impacto em diversas áreas
do conhecimento nomeadamente em Educação Matemática.
Nos E.U.A. Jerome Bruner (1915), foi um dos principais psicólogos que questionou os
princípios do comportamentalismo e que foi influenciado pelas posições de Piaget8. Elaborou uma
teoria de educação com base nos estudos que realizou sobre o desenvolvimento de conceitos.
Como sublinha o autor “a abordagem ao conhecimento faz-se, tornando acessível ao aprendente
que resolve problemas, através de modos de pensar que ele possui ou que pode convocar através da
combinação de modos de pensar que ele não tinha previamente combinado (1977:ix). Esta
abordagem parte “donde o aluno está.” Assumindo, assim, a sua posição de que “qualquer assunto
pode ser ensinado a qualquer criança em qualquer idade de alguma forma” (p. ix).
Outros autores, tomando como modelo o modo como os computadores processam a
informação, desenvolveram uma outra teoria da aprendizagem e da memória – a teoria do
processamento de informação. Estudam temas como o papel da compreensão na aprendizagem, a
organização do pensamento, as estratégias cognitivas e metacognitivas na resolução de problemas.
A este propósito, destacam-se as posições de Allen Newell e Herbert Simon sobre a resolução de
problemas e, também, de Robert Sternberg que estudou a inteligência na sua relação com o
processamento de informação.
Na teoria de processamento de informação, o conhecimento é perspectivado como um
conjunto de representações que são armazenadas na memória; estas representações incluem
símbolos que representam conceitos, propriedades e relações, assim como representações de
procedimentos para manipular expressões simbólicas. Aprender um assunto corresponde, então, à
7 Actualmente as teorias cognitivas ampliaram os seus estudos, constituindo “um arquipélago de ilhas pelas quais se
interessam psicólogos, linguistas, informáticos, biólogos, matemáticos, físicos, antropólogos, sociólogos e filósofos que
procuram decifrar os processos complexos que são o conhecimento e o pensamento” (Vergnaud, 1991, p. 11).
8 No seu livro The Process of Education Bruner refere: “tenho poucas dúvidas, olhando para trás, que os três [Piaget,
9 A intuição implica “o acto de entender agarrar o significado, significância ou estrutura de um problema ou situação sem
a confiança explícita no aparatus de uma habilidade analítica” (Bruner, 1997, p. 91). Segundo Bruner, a experiência e a
familiaridade com um dado assunto tem indubitavelmente influência na intuição.
Um outro aspecto que sublinhado pelo autor é a importância do tipo de tarefa a propor
aos alunos, isto é, há tarefas que requerem um “ataque” mais intuitivo do que analítico, embora seja
necessária mais tarde a (re)verificação de conclusões por meios analíticos.
O acto de aprender - segundo Bruner (1977) parece envolver três processos simultâneos, a
aquisição de nova informação, a transformação e a avaliação. No primeiro essa informação muitas
vezes opõe-se ou é um substituto do que a pessoa sabe previamente implícita ou explicitamente.
Neste caso, é um refinamento de conhecimento prévio, como por exemplo, ensinar a um estudante
detalhes do sistema circulatório que já sabe vagamente ou intuitivamente que o sangue circula. O
segundo aspecto da aprendizagem - a transformação - corresponde ao processo de manipular
conhecimento por forma a adaptá-lo a novas tarefas. Aprende-se a analisar informação com vista a
permitir a extrapolação, a interpolação ou a conversão noutra forma. A transformação refere-se ao
modo como se trata a informação com o objectivo de avançar. O terceiro aspecto da aprendizagem
– a avaliação – envolve verificar se o modo como se está a manipular a informação é o adequado.
Relativamente a estes três processos coloca a questão de saber que ênfase deve ser dada a cada um
deles: adquirir factos, manipulá-los e verificar ideias.
Em suma, a aprendizagem encerra três processos que ocorrem em ligação: a aquisição de
nova informação, a transformação, ou seja, a manipulação para o adaptar a novas situações e a
avaliação para verificar se a manipulação da informação foi a conveniente para responder à situação
referida.
Para além da importância que atribuía à intuição no acto de aprender, Bruner, que esteve
ligado ao movimento da reforma curricular nos anos sessenta nos E.U., desenvolveu uma teoria de
educação, prescritiva (segundo as suas palavras), que assentava em quatro princípios fundamentais:
(1) estrutura, (2) motivação, (3) sequência e (4) reforço.
(1) Estrutura - A noção de estrutura é fundamental na teoria de Bruner. Para explicar o seu
significado utiliza exemplos da biologia, da matemática e da aprendizagem da língua. Neste caso,
argumenta que tendo as crianças alcançado a estrutura de uma frase, rapidamente acabam por gerar
novas frases baseadas no modelo com diferenças no conteúdo em relação à inicial (ex: o gato
comeu o rato, o rato foi comido pelo gato,...)
Alcançar a estrutura de um dado assunto é compreendê-lo por forma a permitir que muitas
outras coisas sejam relacionados com ele significativamente, isto é, “aprender a estrutura é aprender
como as coisas se relacionam” (Bruner, 1977:7). Aponta quatro razões para que se ensine a
estrutura fundamental de um assunto: a) compreender os “fundamentais” torna um assunto mais
compreensível; b) se um detalhe não for colocado numa estrutura, rapidamente é esquecido, o
detalhe é mantido na memória por meio de modos simplificados de o representar, por exemplo, o
que um cientista guarda na memória é uma fórmula; c) compreender os princípios e as ideias
fundamentais parece ser o principal caminho para adequar a “transferência de treino”; d) ultrapassar
o hiato entre o conhecimento avançado e o elementar. Há certas ideias gerais da ciência, da
literatura que podem ser ensinadas mais cedo e que terão relevância mais tarde para a
aprendizagem. A visão de que as coisas estão conectadas e não isoladas.
Para Bruner ensinar tópicos específicos ou destrezas não é económico se não se tornarem
claros os seus contextos, na estrutura fundamental de um campo de conhecimento, na medida em
que: a) é difícil para o aluno generalizar o que ele aprendeu para o que vai encontrar mais tarde; b)
tem pouca recompensa em termos de estimulação intelectual e c) o conhecimento é provavelmente
esquecido.
(2) Motivação - Se bem que o autor aceite a motivação extrínseca, considera que ela tem
um efeito transitório podendo ser importante no início da acção. A curiosidade como resposta à
incerteza e à ambiguidade, o impulso para se ser competente e a reciprocidade, ou seja, a
necessidade de se trabalhar de um modo cooperativo com os outros, constituem exemplos de
motivação intrínseca que, segundo Bruner, devem ser levados em conta quando se pretende
desenvolver a disposição para aprender. Se a intenção do professor é acostumar o aluno a episódios
cada vez mais longos de aprendizagem, a motivação intrínseca deve ser estimulada. O aluno deve
experimentar o prazer de um funcionamento efectivo e completo ou como diz Bruner (1977) “os
alunos deviam saber o que é sentir, o que é estar completamente absorvido num problema” e “eles
raramente experienciam este sentimento na escola” (1977:50).
(3) Sequência - A teoria de educação de Bruner implica uma determinada sequência de
ensino. Os três modos de representação, acima descritos, estão relacionados com o
desenvolvimento, desenvolvem-se segundo a ordem expressa, cada um dependendo do anterior e
exigindo uma grande quantidade de prática antes da transição para o posterior. Por exemplo, as
estruturas matemáticas, biológicas ou históricas podem ser construídas pelos alunos desde que lhes
sejam proporcionadas experiências onde desenvolvam as representações activa, icónica e simbólica
de conceitos, segundo esta ordem. Apesar disto, considera que não há uma sequência ideal para
todos e deve atender-se a vários aspectos como a aprendizagem anterior, a natureza do material, o
estádio de desenvolvimento e as diferenças individuais.
Bruner considerava que os conceitos deviam ser trabalhados na sala de aula de acordo com
os três modos de representação e seguindo a ordem activa-icónica-simbólica. Então, o
desenvolvimento de conceitos seguiria a teoria geral do desenvolvimento intelectual. O paralelismo
entre o modo como o homem representa actos, objectos e ideias e o modo como na sala de aula o
professor devia apresentar os conceitos é assumido por Bruner e mesmo que o aluno estivesse
pronto para a representação simbólica, a icónica pelo menos devia ser utilizada.
(4) Reforço – Para além dos três elementos anteriores na teoria de educação há ainda o
conhecimento dos resultados que actua como reforço para o aluno no processo de ensino-
aprendizagem A aprendizagem exige reforço. O feedback que lhe é dado pelo professor vai
permitir-lhe atingir o domínio de um dado problema desde que seja na altura certa e entendível pelo
aluno. É quando este avalia o seu desempenho que se torna mais eficaz o feedback, o que significa
não o dar conhecer muito precocemente nem tardiamente, evitando que assimile informação
errada.
A importância atribuída à estimulação do pensamento pela aprendizagem pela descoberta
foi um dos maiores contributos da teoria de educação de Bruner para a pedagogia. A aquisição de
conhecimentos faz-se partindo de problemas, criando expectativas, formulando hipóteses e fazendo
descobertas. Os alunos devem ser estimulados a descobrir relações críticas, através da resolução de
problemas e a construírem conexões, tornando disponível o conhecimento relevante. Praticar o
ensino pela descoberta implica a observação, a exploração, a resolução de problemas e actividades
de investigação, a explicação de causa e efeito ou outras que ajudem a estabelecer relações. O
ensino pela descoberta não só amplia a capacidade intelectual mas também enfatiza a motivação
intrínseca e permite uma maior intervenção do aluno no processo de aprendizagem assim como lhe
confere uma maior confiança nos resultados da sua aprendizagem. Como sublinha o autor mais
importante do que falar, por exemplo, sobre Física para os alunos é “falar Física” (1977:ix)
Uma ideia forte na teoria de Bruner releva de que a aprendizagem de um dado tópico por
um aluno deve iniciar-se no ponto em que ele se encontra, defendendo também que grande parte
da actividade do professor deve ser desenvolvida no sentido de proporcionar ao aluno a
possibilidade de ele descobrir por si próprio. Desenvolve a ideia de andaime (scaffolding) para
significar, justamente, aquilo que o professor percepciona e faz quando apoia na realização de uma
dada tarefa, de tal modo que assegura só as partes da tarefa em que o aprendente não consegue por
si próprio.
11 Mais recentemente, seguidores da linha vigotskiana falam de par mais e menos competente, ampliando assim, para
outras situações para além das escolares.
12 Regulação refere-se, aqui, ao controle cognitivo envolvido na planificação e na consecussão das tarefas. Este controle é
estratégico na medida em que é orientado para objectivos específicos. É mediado atavés de tools culturais e de processos
de interacção.
Zona de desenvolvimento proximal – definida por Vygotsky (1985) como a distância entre
o nível actual de desenvolvimento determinado pela resolução do problema de um modo
independente e o nível potencial de resolução com a orientação de um adulto ou em colaboração
com pares mais capazes (1985: 85). Esta ideia enfatiza níveis de competência para aprender que não
são imutáveis, constantemente mudam com o aumento da competência independente do
aprendente. O que a pessoa pode hoje fazer com apoio pode amanhã fazê-lo independentemente,
preparando-o para entrar numa nova e mais exigente colaboração. Estas funções são chamadas de
“rebentos” mais do que fruto do desenvolvimento, posição que distinguiria Vygotsky de Piaget. O
nível de desenvolvimento actual caracteriza o desenvolvimento mental retrospectivamente,
enquanto a zona de desenvolvimento proximal caracteriza o desenvolvimento mental
prospectivamente (1985:86-87).
Formação de conceitos - os conceitos espontâneos são aqueles que o sujeito aprende no
seu quotidiano, emergindo do contacto que tem com os objectos, factos, fenómenos, situações, etc,
distinguem-se dos conceitos científicos que são sistematizados e transmitidos intencionalmente
segundo uma dada metodologia. Estes seriam principalmente os que se aprendem em situação
escolar. A formação do conceito científico que pressupõe uma relação consciente e consentida
entre o sujeito e o objecto do conhecimento, constitui uma operação mental que requer uma
atenção activa sobre o assunto, abstraindo dele os aspectos fundamentais e que se chegue a
generalizações mais abrangentes através da síntese (Vygotsky, 1985).
Estas ideias que são fundamentais na abordagem sociocultural foram sendo questionadas,
reconstruídas e mesmo enriquecidas com outros conceitos. Veja-se, por exemplo, como B. Rogoff
(1990) explica com a introdução de três novas noções, os processos através dos quais o indivíduo
desenvolve as suas habilidades cognitivas: a) noção de aprendizado (apprenticeship) que enfatiza o
papel activo do indivíduo no seu próprio desenvolvimento, o apoio activo de outros actores sociais
na organização de certas tarefas e a dimensão sócio-cultural dos contextos institucionais,
tecnologias e metas da actividade cognitiva; b) participação guiada que envolve a interacção entre
indivíduos, que é interacção face-a-face e lado-a-lado na mesma actividade; c) apropriação que dá
conta das mudanças nos saberes-fazer do indivíduo, apontando para a impossibilidade de uma
distinção clara entre “interno” e “externo” (Grossen, 1994:160). A noção de apropriação
perspectiva “o desenvolvimento como um processo dinâmico resultante da participação activa dos
indivíduos em actividades culturalmente organizadas” (1994:160).
Barbara Rogoff argumenta que o desenvolvimento cognitivo não depende simplesmente
do envolvimento na interacção social enquanto tal, mas dos modos particulares da orientação do
especialista e da participação do aprendente. A aprendizagem de um conteúdo ou actividade
específica envolve, inevitavelmente, a aprendizagem em lidar com a situação social em que o
conteúdo ou a actividade está a ocorrer. Como consequência o que está em jogo numa situação
social de aprendizagem potencial são, também, os modos do aprendente e do especialista em lidar
com a situação, como um encontro de interacção social. Este entrelaçamento do desenvolvimento
cognitivo em práticas colectivas coloca não só o problema já discutido da relação entre regulação
social e processos cognitivos mas aponta, também, para o prosseguimento da investigação sobre a
natureza da relação entre actividades – sejam cognitiva, interaccional e mediacional – e a situação
social.
Personalidade
No leque das abordagens que descrevem personalidade, Gordon Allport (1963) é um autor
incontornável que procurou uma definição satisfatória, começando por distinguir palavras como
personalidade, carácter13 e temperamento14 que, na linguagem do quotidiano, são muitas vezes
confundidas. A palavra latina persona originariamente descrevia a máscara pintada que um actor
usava no rosto para retratar a personagem que ele representava. Com o tempo, a palavra foi usada
para indicar “front”(fachada) que um indivíduo apresentava aos outros, isto é, “como ele queria ser
visto” (Entwistle, 1988). Foi também usada para descrever o “jogador por trás da máscara”
13 Em grego, character significa gravar e implica um padrão de traços incorporados num determinado estilo de vida. Mais
tarde esta palavra acba por referir qualidades morais (por exmplo, quando se diz ele tem um bom carácter (Entwistle,
1986).
14 Esta palavra está ligada à ideia de explicar o comportamento humano através de secreções corporais ou humores e,
assim, o sangue está associado a uma abordagem sanguínea da vida, uma grande produção de bílis preta tornaria as
pessoas melancólicas, enquanto a amarela coléricas e muito fleuma conduzia a atitudes fleumáticas. Para Allport (1963)
temperamento significa a constituição ou hábito mental, especialmente dependente ou conectado com a constituição
física. O temperamento constitui a contribuição genética para a personalidade, enquanto o carácter a avaliação social de
um distinto estilo de vida.
(Allport, 1963:25). Contudo, o significado inicial que incorpora quer as qualidades interiores quer a
aparência exterior mantem-se na palavra personalidade (Entwistle, 1986:179).
Segundo Allport (1963) pode definir-se personalidade como “a organização dinâmica dos
sistemas psicológicos do indivíduo que tornam o seu comportamento e pensamento característicos”
(p. 28). Esta definição encerra a ideia de que a personalidade pode mudar, sendo afectada pela
experiência e indica que ela depende de atributos psicológicos e físicos, os quais equacionam o
comportamento e o pensamento do sujeito.
Os psicólogos que estudam a personalidade têm-se preocupado com a identificação de
padrões de desenvolvimento, sendo principalmente estudado pelos psicoterapeutas e, também, com
a descrição de características diferentes entre as pessoas ou grupos de pessoas relativamente a um
conjunto de traços fundamentais com base em testes psicométricos (Entwistle, 1988).
Sigmund Freud é, sem dúvida, o autor mais conhecido a estudar a personalidade humana
que, segundo ele, seria formada por três componentes: id, ego e superego.15 Nos primeiros anos de
vida as crianças passam por uma sequência de estados emocionais - estádio oral, estádio anal e
estádio genital - que são definidos, por Freud, com base nas preocupações das crianças com
funções corporais. Estas transformações emocionais deixariam uma marca na personalidade adulta
e, tal como na teoria do desenvolvimento cognitivo de Piaget, há dimensões da personalidade que
são mais afectadas em cada um dos referidos estádios. A teoria psicanalítica de Freud assenta na
ideia que se pode conhecer as fundações do desenvolvimento pessoal posterior, partindo das
experiências emocionais iniciais e a personalidade adulta é influenciada em larga medida por elas. O
desenvolvimento da personalidade estaria, assim, dependente da capacidade em resolver as tensões
criadas pela repressão dos adultos perante as energias do instinto.
Outras teorias foram elaboradas mas mantendo como tema comum a tensão entre
tendências que competem entre si, como na teoria de Freud. O desenvolvimento da personalidade é
muitas vezes visto como a procura de um equilíbrio entre elementos que conflituam. Erikson (1963,
1968), mantendo a ideia de resolução de conflitos em cada estádio, reconstruiu os estádios de
desenvolvimento de Freud, prolongando-os até à idade adulta e introduziu dimensões positivas e
negativas para cada um deles.
No que diz respeito no estádio correspondente à adolescência (dos treze anos até aos anos
do ensino superior), a principal tarefa é resolver uma área crítica que remete para a resolução da
crise de identidade. A ideia que temos de nós (self), como nos vemos a nós próprios e como os
outros nos vêem constituem os alicerces da personalidade adulta. Nas sociedades ocidentais torna-
se difícil para o adolescente ultrapassar esta fase com um sentido sólido de identidade pessoal.
15 O id corresponde às fontes primárias de energia e motivação humana que depende de solicitações a-sociais para
gratificações instantâneas, procurando a satisfação de necessidades básicas fisiológias – o princípio do prazer; o superego
é visto como resultado de advertências parentais e proibições culturais reconstruídas durante a infância. Entre estas
forças que se opõem o ego tenta traçar um percurso atavés de reacções racionais perante acontecimentos do exterior,
baseado no princípio da realidade (Entwistle, 1986).
Com a sua elaboração teórica Erik Erikson acaba por integrar no processo de
desenvolvimento da pessoa saudável o que tinha sido considerado como patológico, ou seja, os
problemas do crescimento pessoal.
Como já foi referido, há autores desta área cujas preocupações se centram principalmente
no estudo de traços da personalidade, apesar de outros argumentarem que tentar descrever a
personalidade em termos de traços pode ser pouco consistente e limitativo das potencialidades
humanas. Contudo, tem havido psicólogos que nas suas teorias descrevem diferentes tipos
psicológicos. É o caso de Jung (1938) que, apesar de considerar que as duas tendências estão
presentes em cada pessoa, descreve pessoas introvertidas, em que o pensamento é influenciado por
interpretações e teorias pessoais e pessoas extrovertidas, onde o comportamento é
predominantemente orientado por acontecimentos do mundo exterior e o seu pensamento é
dominado pela pesquisa de factos objectivos.
Allport (1963), que enumerou uma lista enorme (18 000) de palavras usadas na língua
inglesa, para designar formas pessoais de comportamento, argumenta que é necessário decidir sobre
quais as que são úteis. Daí, considerar importante identificar traços comuns, ou seja, os aspectos da
personalidade, em relação aos quais numa dada cultura, é possível comparar de um modo
proveitoso.
A investigação sobre o desempenho académico tem sempre procurado prever como
diversos aspectos do comportamento o influenciam. Apesar de não haver consenso, há estudos
empíricos realizados na área da personalidade que revelam, por exemplo, que os introvertidos
teriam melhor desempenho académico. Mas, como afirma Entwistle (1988) as correlações simples
entre traços de personalidade e desempenho são baixas e estudos por si realizados evidenciam que
extrovertidos com altos scores em motivação e métodos de estudo têm tanto sucesso como
introvertidos com estratégias de estudo similares, concluindo que a relação entre introversão e
desempenho académico existirá, mas de modo indirecto.
Importa realçar que a “própria estrutura básica da personalidade da criança é moldada em
larga medida pelas expectativas sociais, especialmente pelas dos pais” (Sprinthall e Sprinthall,
1993:490). Do mesmo modo, as expectativas do grupo exercem uma forte influência sobre o
comportamento, mas o modo como se interpreta e põe em prática o nosso papel no grupo depende
da nossa personalidade. Há uma reciprocidade na interacção entre a personalidade e o papel que se
exerce no grupo.
16 Um motivo compõem-se de uma necessidade e de um impulso, onde a primeira se baseia num défice fisiológico ou
psicológico da pessoa e o segundo apesar de se basear na primeira apresenta um aspecto de mudança que é observável no
comportamento da pessoa.
que são satisfeitas através de reforços/elementos externos, como pressões do meio ou de
acontecimentos. A motivação intrínseca está, pois, relacionada com a satisfação da necessidade de
realização pessoal, e a auto-determinação na realização da actividade. Nas crianças mais pequenas os
motivadores mais importantes seriam os que agem extrinsecamente, enquanto na adolescência há
uma maior tendência para a motivação intrínseca.
Bandura (1986) desenvolveu uma teoria da motivação em que privilegia a percepção de
auto-eficácia, levando a considerar que o comportamento dos seres humanos assenta mais em
crenças do que em análises objectivas da realidade. É com base nas representações que constrói
sobre os comportamentos e as estratégias bem como a imagem das suas capacidades para alcançar
um dado objectivo que o sujeito decide investir numa determinada acção. Estas crenças na
possibilidade de controlar acontecimentos, o que significa a definição dos efeitos prováveis de
determinados comportamentos e a crença de que se é capaz de actualizar o comportamento,
constituem para Bandura o motivo mais forte para a acção. As crenças de auto-eficácia, como são
denominadas, revelam-se em relação ao que julga ser necessário para alcançar uma dada meta.
Acreditar na eficácia pessoal significa, então, que se possui as competências necessárias ou que se é
capaz de as adquirir para alcançar os objectivos. Esta percepção vai-se construindo a partir das
experiências (directas ou indirectas) anteriores bem sucedidas. Diversos estudos evidenciam que nas
situações de aprendizagem, os alunos com alta percepção da sua eficácia são capazes de auto-
regular o seu trabalho, isto é, estabelecem metas, planificam a tarefa, escolhem as estratégias
monitorizam o trabalho e avaliam-no. E, também são mais competentes na tomada de decisões e na
utilização de estratégias de resolução de problemas. A explicitação oral destas, por seu lado,
aumenta a auto-eficácia. Do mesmo modo uma baixa percepção pode conduzir a evitar situações
que podiam constituir possibilidades de desenvolvimento pessoal, gerando o que se chama a
profecia auto-realizada.
As crenças sobre si próprio influenciam as crenças sobre as possibilidades de
desenvolvimento. A teoria das concepções pessoais de inteligência, que se preocupa, justamente,
em estudar as características das pessoas que influenciam as interacções das pessoas com o meio17,
aceita que as pessoas formam crenças que as levam a organizar o seu mundo e a atribuir significado
às suas experiências. Segundo estas teorias as pessoas agem em função de objectivos que
consideram importantes para elas. Deste modo, a motivação depende do valor que atribuem ao
objectivo, sendo fundamental para compreender o comportamento de uma dada pessoa, identificar
os objectivos valorizados por ela. Nos estudos realizados com alunos habitualmente desistentes ou
persistentes Dweck e os seus colaboradores identificram dois tipos de pensamentos, afectos e
comportamentos: padrão orientado para o abandono (alunos desistentes) e padrão orientado para a
mestria (alunos persistentes). No primeiro caso atribuem o insucesso à sua incompetência,
experienciam afectos negativos face às dificuldades e manifestam baixas expectativas relativamente
3. PRESSUPOSTOS SOCIOLÓGICOS
A relação entre o ensino e a aprendizagem é mediada, entre outros factores, por aspectos
de natureza societal. O modo como as sociedades encaram a educação das crianças e dos jovens
tem-se transformado; o próprio conceito de infância é relativamente tardio e apenas no século XX
ele adquire maioridade em termos de estatuto, atenção e desenvolvimentos específicos. Longe vai,
também, o tempo em que se considerava que o processo de educação dizia respeito a uma
determinada faixa etária da população e que esse processo estava terminado quando se atingia a
“idade adulta”. A educação é hoje um conceito que abrange toda a vida de um indivíduo e tomou-
se consciência que a aprendizagem é um processo permanente. Desde os anos 80 do século XX, as
expressões “educação permanente”, “aprendizagem ao longo da vida” e “formação ao longo da
vida” representam aspectos inquestionáveis e necessários da vida na pós-modernidade. Os próprios
poderes económicos reclamam-nos em nome da flexibilidade laboral. Se no decurso de todo o
século XX se progrediu substancialmente em termos dos conhecimentos sobre a educação, se a
investigação educacional tem sido pródiga em estudos sobre as realidades educativas, a realidade é
que as transformações das próprias sociedades acarretaram consigo novos problemas educacionais.
18 Habitualmente distingue-se auto-conceito, a percepção que a pessoa tem das suas características, de auto-estima,
entendida como a reacção afectiva ligada à avaliação que a pessoa faz de si e que se traduz no sentimento de valor pessoal.
Novos problemas sociais encadeiam-se em velhos problemas e atingem o âmago da relação
entre o ensino e a aprendizagem. Os aspectos que se apresentam neste ponto dizem respeito,
justamente, a alguns factores de ordem sociológica que afectam as práticas educativas. Abordam-se,
em primeiro lugar, a forma como as culturas e as relações entre diversas culturas se podem
projectar na escola de hoje; em segundo, aflora-se, sumariamente, a dimensão social do sucesso
escolar; em terceiro, procura-se olhar a instituição escola do ponto de vista das suas finalidades
sociais e o professor enquanto profissional inserido numa configuração mais vasta, como é o caso
da instituição escolar.
19
Esta socialização da criança no meio familiar é designada socialização primária, por oposição a outras formas de
socialização, secundárias, que se operam ao longo da vida de um indivíduo, e que têm a ver, nomeadamente, com a
integração num dado grupo profissional, religioso ou político. A própria escola desenvolve processos de socialização.
Além dos aspectos linguísticos, cada povo organiza o mundo e as relações entre os
indivíduos de forma própria, forma essa forjada ao longo da sua história e da sua formação
identitária. Edward Hall (1986), antropólogo americano, estudou a forma como indivíduos de
diversas culturas percepcionam e usam o espaço à sua volta. Segundo este investigador, os europeus
do Sul, nos seus contactos sociais, toleram maior proximidade física entre si do que os europeus do
Norte. Também o uso do espaço entre as culturas ocidental, árabe e japonesa no que respeita à
organização no interior da residência ou do trabalho, ou na forma como usam os espaços públicos,
é diferente. Os japoneses, na topografia urbana, dão importância aos cruzamentos entre ruas,
enquanto que os ocidentais privilegiam os nomes das ruas e não dos cruzamentos. No interior das
habitações, o ocidental tende a deixar desimpedido o centro das salas, encostando os móveis às
paredes, enquanto que os japoneses preferem o contrário. Os árabes, por seu turno, se em público
se empurram e se acotovelam não o fazem por ausência de educação, mas porque experienciam as
relações corporais, num mundo cheio de odores e de sentidos. Os árabes sentem-se, também,
constrangidos nas habitações ocidentais, demasiado acanhadas e com tectos muito baixos para o
seu modo de viver. Os peões europeus e americanos acham natural afastar-se para o lado para
deixarem passar um automóvel, enquanto que para um árabe esse comportamento é impensável, já
que, em regra, os árabes “adquirem direitos sobre o espaço à medida que nele se deslocam” (Hall,
1986: 177).
As diferenças assinaladas, inter-societais, não se traduzem, contudo, numa homogeneidade
cultural dentro do mesmo povo. A nível intra-societal, produto das relações interpessoais entre
indivíduos que partilham do mesmo credo religioso, dos mesmos valores, das mesmas tradições, de
modos de vida semelhantes, geram-se “comunidades culturais” (Gimeno Sacristan, 2002),
verdadeiras redes de aculturação. Esta é uma outra forma de socialização, secundária, que se
desenvolve à medida que um indivíduo entra num dado grupo social ou profissional. Como
resultado, geram-se, no interior de um mesmo pano de fundo cultural, variadas sub-culturas, dentro
das quais os indivíduos partilham significados e, simultaneamente, aprendem e recriam novos
significados num processo interactivo permanente. Grupos políticos, certas categorias profissionais,
certas comunidades étnicas, grupos religiosos fazem emergir várias sub-culturas no interior de uma
mesma sociedade (Forquin, 1993).
A escola de hoje aparece, em consequência não só das migrações mas também em função
da entrada massiva de crianças de diversos estratos sociais, irredutível a uma população
culturalmente homogénea. Num mesmo espaço coexistem diversos modos de ver o mundo,
diferentes formas de interpretar significantes, de ver o outro, em suma, de se relacionar. As escolas
são, cada vez mais, espaços interculturais, onde se entrecruzam diferentes percepções e diversos
jogos de linguagem.
O confronto do pensamento pedagógico com esta realidade tem vindo progressivamente a
fazer-se nos diversos países, à medida que fluxos migratórios vão alterando as configurações étnicas
da população escolar. A forma como tem emergido, por parte dos sistemas escolares e,
nomeadamente, dos professores, a tomada de consciência deste problema e a tentativa da sua
resolução tem-se manifestado (e, possivelmente, continua a manifestar-se pelo menos a nível da
consciência individual) de modos diversos.
As teses assimilacionistas passam pela tentativa de homogeneização cultural, ou seja, na
prática as diferenças são ignoradas em face do grande objectivo de fazer a todos partilhar os
mesmos valores culturais. A aculturação na cultura dominante é vista como desejável, já que
significa um desenvolvimento e enriquecimento pessoais. A igualdade pensa-se em termos de todos
terem o mesmo acesso, ainda que apenas os mais capazes possam sair vencedores. Ignoram-se,
deste modo, minorias culturais e quando se toma consciência delas é porque elas se revelam
constituindo uma perturbação ou mesmo um problema na acção escolar.
As teses do déficit, por seu turno, assumem a existência de diferenças culturais e procuram,
numa tentativa de eliminação de handicaps , submeter os grupos minoritários a programas
específicos de compensação, com vista à eliminação de potenciais deficits culturais que potenciam
o insucesso escolar e académico. Em termos globais, esta perspectiva assemelha-se às teses
assimilacionistas pelo não reconhecimento do valor de diferenças culturais. Nos Estados Unidos
vários programas deste tipo foram aplicados na década de 60, tendo-se verificado a sua falência,
quer em termos dos seus objectivos, quer em termos de uma almejada integração na sociedade das
minorias étnicas.
As abordagens igualitárias tendem a ver as diversas culturas como tendo um valor próprio,
procurando aceitar as diferenças e coabitar com elas. Esta abordagem passa frequentemente pela
adopção de formas de promoção da cultura do outro, em momentos próprios e espaços específicos,
dando a conhecer especificidades culturais, redundando não raro em apreciar benevolentemente o
exotismo que se estimula, deixando os alunos “desarmados face às aprendizagens curriculares
verdadeiramente importantes” (Stoer, 2001:258). Conforme salienta Leite (2001), esta abordagem
redunda frequentemente numa atitude de contemplação do outro que, dando origem à comparação
entre culturas, pode ter o efeito perverso de realçar o que não é igual, sem verdadeiramente o
valorizar.
As abordagens interculturais mais recentes procuram ultrapassar estas limitações,
assumindo uma postura de diálogo entre as diversas culturas, na perspectiva de que a sua
coexistência no sistema escolar é geradora de enriquecimento mútuo, desde que exista a
oportunidade para situações de troca e reciprocidade (Leite, 2001). Estas teses pressupõem práticas
que estimulam o conhecimento mútuo, como um factor permanente de aprendizagem, pela troca
de pontos de vista e pela possibilidade de se colocar na pele do outro. Esta abordagem implica, por
isso, uma valorização de per si das especificidades e diversidades culturais a nível curricular.
20 Segundo Fernandes (1981), nem a introdução, em 1964, de seis classes obrigatórias, em vez das anteriores quatro, veio
alterar esta discriminação social.
21
Teve grande repercussão internacional um estudo encomendado pelo Congresso Americano, realizado em 1965, cujos
resultados foram apresentados no Relatório Coleman. A estes seguirem outros trabalhos e publicações. Segundo o
Relatório Coleman, eventuais diferenças entre grupos sociais tendiam a manter-se ou até a acentuar-se com a
escolarização e este resultado não parecia ser dependente do tipo de escola analisada, isto é, a qualidade da escola não
tinha grande impacto na correcção de assimetrias sociais (Pinto, 2001).
dos alunos, vieram, contudo, mostrar que a factores de ordem social somam-se alguns factores
internos às escolas, como diferenças no tipo de cursos (Cherkaoui, s/d), actuações dos professores,
condições de trabalho e de espaço para incrementar a participação dos alunos (Pinto, 2001).
Concretamente, o sucesso escolar, traduzido pelos resultados ou pela continuação de estudos,
parece ser fortemente influenciado pela origem social, embora em vários países as variáveis ligadas à
escola possam ter uma influência não desprezável quando se analisa o sucesso dos alunos
socialmente mais desfavorecidos. Assim, estudos realizados mostram que em países menos
desenvolvidos as variáveis relativas à escola são muito importantes (Pinto, 2001).
No que se refere a Portugal, Pinto (2001), tendo analisado a sobrevivência escolar dos
alunos nas escolas portuguesas no ano de 1992-93, constatou que a posição social é um dos
aspectos relevantes, sendo determinante o nível de instrução familiar do agregado dos alunos.
Uma explicação imediata que ocorre para estas diferenças na sobrevivência e no sucesso
escolar recai sobre as desiguais condições económicas de diversos estratos da sociedade. Deste
ponto de vista, as famílias com maior poder económico podem dar melhores condições de trabalho
aos filhos, recursos materiais diversos (jogos didácticos, livros, computadores, etc.) e não raras
vezes procuram complementar o ensino recebido pelas crianças na escola através de lições
particulares. Contudo, a sociologia da educação tem contribuído com explicações mais subtis,
explicações essas em certa medida diferentes consoante a escola de pensamento dos investigadores
e de acordo, ainda, com os focos de análise.
Uma das explicações poderá estar associada a diferentes sistemas de valores de acordo com
o grupo social. Nuns casos, dos grupos sociais mais favorecidos, o esforço relativamente à escola é
valorizado, estando associado a planos a médio e a longo prazo e a objectivos de vida definidos em
termos de desenvolvimento e de realização pessoais. Num outro extremo, para estratos sociais
desfavorecidos, o desconforto em que vivem pode originar critérios de sucesso baseados em bens
materiais, mais centrados no imediato, tentando poupar-se a frustrações que planos a longo prazo
poderiam acarretar (Pinto, 2001).
Um outro aspecto a ter em conta relaciona-se com a visibilidade das normas de selecção
aplicadas pelo sistema escolar (Cherkaoui, s/d). Para os alunos oriundos de famílias com nível alto
de instrução é fácil percepcionarem os mecanismos de selectividade do sistema escolar, mesmo que
esses mecanismos não sejam transparentes. O mesmo não se passa com outros estratos
populacionais, com maior dificuldade de descodificar regras implícitas, por menor familiaridade
com o sistema educacional. Para estes últimos o conhecimento de critérios explícitos quanto aos
factores de selecção poderá ser um factor potenciador de sucesso, pois poderá facilitar a
configuração de um quadro racional, plausível, do futuro, tendo em conta a contabilidade dos
meios e dos fins em vista.
De forma abrangente, Pierre Bourdieu explica o sucesso dos alunos socialmente mais
favorecidos como uma questão de maior capital cultural (1994). O capital cultural, de ordem
simbólica, traduz-se pela apropriação dos códigos culturais dominantes numa dada sociedade,
códigos esses que potenciam a capacidade de uso e de fruição de bens e serviços culturais. As
camadas cultas da sociedade beneficiam à partida deste capital, transmitindo-o na vida familiar aos
filhos e estão predispostas a investir a longo prazo na educação dos filhos, incentivando-os no seu
percurso escolar. Além disso, pelo facto de possuírem maior capital cultural providenciam aos
filhos o acesso a outros bens culturais, o que, por seu turno, aumenta a sua probabilidade de
sucesso. Segundo esta interpretação, não se pode confundir o poder de compra de um dado
indivíduo com o capital cultural, pois este tem sobretudo a ver com as práticas culturais. Neste
sentido, pode haver diferenças entre os detentores de capital cultural e os detentores de poder
económico, sendo aquele que mais influencia o sucesso escolar; essa influência, por seu turno, é
tanto maior quanto a cultura transmitida pelo sistema de ensino se aproximar da cultura dominante
na sociedade (Bourdieu,1982).
Basil Bernstein explica as diferenças de performance dos alunos provenientes de diferentes
classes sociais através de modos diferentes de expressão, ou códigos linguísticos (Domingos et al
(1986). O código restrito caracteriza um discurso relativamente pobre do ponto de vista sintáctico,
com poucos qualificativos, dependente do contexto e tendendo a significados particularistas, na
medida em que são induzidos pelo contexto. O código elaborado, pelo contrário, assenta em
maiores explicitações, numa maior riqueza sintáctica, isto é, num maior número de orações
subordinadas, de conjunções e de preposições, sendo, por isso, menos dependente do contexto e
mais pródigo em significados universalistas. Embora os códigos restritos não estejam ligados
necessariamente a uma única classe social, sendo usados em várias circunstâncias por todos os
membros da sociedade (Domingos et al, 1986), são típicos, contudo, das camadas sociais
trabalhadoras, em regra, com menor instrução.
Tendo em conta a socialização primária, realizada no interior do ambiente familiar, a
criança de um estrato trabalhador fica exposta sobretudo a formas linguísticas típicas do código
restrito, enquanto que as crianças dos estratos sociais mais elevados são socializadas logo muito
cedo no código elaborado. As famílias de classes sociais mais desfavorecidas tendem,
frequentemente, para modelos autoritários e a educação das crianças é baseada na obediência, na
ordem dada, sem explicitação das razões que sustentam essa ordem. Essas razões existem, mas não
são explicitadas nem argumentadas, pelo que a criança aprende o que pode e deve fazer, mesmo sem
saber porquê. Nas famílias socialmente mais favorecidas tendem a desenvolver-se estruturas parentais
menos autoritárias, usando-se mais a linguagem para explicitar à criança as razões que justificam um
dado comportamento desejável, os argumentos que sustentam uma dada regra ou proibição, pelo
que o discurso usado recorre a formas mais elaboradas de expressão.
Em consequência, as crianças das classes trabalhadoras são mais orientadas para
significados particularistas, enquanto que as das classes socialmente mais elevadas são orientadas
para significados universalistas. Como a escola, na sua função de transmissora do saber, privilegia o
código elaborado, com significados universalistas, relações de causa e efeito, explicitação de razões
e argumentos, as crianças das classes trabalhadoras têm uma dificuldade muito maior do que as
crianças dos estratos sociais mais elevados, quer na adaptação quer no uso do discurso do saber
escolar (Bernstein, 1982). Geram-se, deste modo, dificuldades específicas para os alunos
provenientes das camadas trabalhadoras, dificuldades essas que facilmente podem levar a que sejam
consideradas menos capazes e, consequentemente, potenciais vítimas de insucesso. Estas
dificuldades revelam-se particularmente importantes nas primeiras etapas da escolaridade.
É cada vez mais referido que nos situamos actualmente na Pós-modernidade, na Sociedade
de Informação ou Sociedade do Conhecimento, onde a complexidade das relações económicas e
das políticas de emprego, ao encerrarem a instabilidade sócio-económica e sócio-profissional,
instauram a necessidade da aprendizagem ao longo da vida. Poderá, neste contexto ser a escola
geradora de fracassos (Perrenoud, 1992) ou produzir a exclusão social latente (Stoer, 2001) Tendo em
conta esta questão, deverá a escola actual insistir em medidas de apoio pedagógico ou antes
privilegiar práticas efectivas de diferenciação pedagógica (Perrenoud, 1992), sem cair no risco de
condenar os alunos a guetos sem saída)?
Apesar de estas questões suscitarem o debate, a situação actual é na realidade complexa. As
perspectivas neoliberais em educação, permeáveis aos interesses dos grupos económicos
representativos do capitalismo pós-industrial, constituem actualmente uma corrente com influência
em vários países ocidentais. Esta tendência assume que o Estado deve garantir a educação básica
para todos os cidadãos, mas que não deve impor a forma de fazê-lo. Partindo do princípio de que o
consumidor (o aluno, a família) deve ter liberdade de escolha na procura de bens e serviços, os
adeptos da escola liberal entendem que a regulação da educação deve ser realizada através da lógica
da concorrência no mercado (Gimeno Sacristán, 2000, Apple, 2000, Santomé, 2000). Por isso, o
Estado, se tem que assumir a rede pública de educação, deve limitar o investimento nesta e
permitir, simultaneamente, a existência de uma forte zona de mercado privado em educação. Deste
modo, sustentam os neoliberais, os mecanismos do mercado irão incentivar a competitividade das
instituições educativas, tendo como consequência a melhoria da sua qualidade. Segundo várias
vozes, esta visão da educação à la carte poderá ter como consequências o acentuar das desigualdades
sociais pela própria escola, uma vez que serão os pais com melhores meios económicos e com
maior educação quem terá possibilidade de escolha (Gimeno Sacristán, 2000, Santomé, 2000,
Apple, 2000).
4. PRESSUPOSTOS PEDAGÓGICOS
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